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Paz, P ão e Terr a |1

João Pedro Fragoso

Paz, Pão e Terra: a História do


País dos Sovietes

São Paulo. 1ª edição. 2022.


2|Joã o Pedr o Frag oso
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Diagramação: Klaus Scarmeloto


Revisão: Klaus Scarmeloto e Potencial Gráfica e Revisões
Capa: Klaus Scarmeloto

Conselho Editorial:
João Rafael Chío Serra Carvalho: Mestre em História Social pela USP,
Doutorando em História Social da Cultura pela UFMG;
Apoena Canuto Cosenza: Mestre em História Econômica pela USP, Doutor
em História Econômica também pela USP;
Walter Günther Rodrigues Lippold: Mestre em Educação pela UFRGS,
Doutor em História da África pela UFRGS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário:
Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846

FRAGOSO, João Pedro. Paz, Pão e Terra: A história do país dos sovietes
Autores: João Pedro Fragoso;
Prefácio de Instituto Marx-Engels-Lenin-Stálin
1. ed.– São Paulo: Editora Raízes da América, 2022.
200 p.; fotografias; 16x23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-69401-75-9.

1. Leninismo. 2.URSS. 3. Bolchevismo. 4. Marxismo.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.
CDD 320.531
CDU 316.323.72
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Socialismo e sistemas relacionados: Comunismo, Marxismo, Leninismo;
ideologias políticas.
2. Ciência política: Socialismo, Comunismo e Marxismo; Ideologias.
1ª edição: Maio de 2022
4|Joã o Pedr o Frag oso
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Sumário

Parte 1
Instituto Marx, Engels, Lênin e Stálin

O Cinquentenário da Primeira Revolução Russa ................................. 7

Parte 2
João Pedro Fragoso

Paz, Pão e Terra: a História do País dos Sovietes .............................. 41

Capítulo 1

A Revolução é atacada – A Guerra Civil e a Intervenção Internacional ... 50

Capítulo 2

Um passo atrás para avançar dois à frente – O Capitalismo de Estado


na Rússia e a orientação do Partido Comunista ................................. 62

Capítulo 3

Da Fazenda à Fábrica – O papel da Coletivização e da Industrializa-


ção na consolidação do Socialismo e o Avanço da Democracia Socia-
lista ..................................................................................................... 82

Capítulo 4

A Revolução e a Quinta Coluna – A Guerra Secreta Contra a União


Soviética ........................................................................................... 100
6|Joã o Pedr o Frag oso

Capítulo 5

A Ascenção do Nazifascismo – O que o Capitalismo Ocidental


preparou para a União Soviética? .................................................... 122

Capítulo 6

Nenhum passo para trás! – A Mobilização das Massas contra o


Imperialismo Hitlerista .................................................................... 136

Capítulo 7

O Espectro de Bukharin – Os Últimos Anos de Stalin, a Desestalinização


Ideológica e Econômica entre Khrushchev e Brezhnev .......................... 150

Capítulo 8

Qual via seguir? – A Luta Final entre a Esquerda e a Direita no Partido


Comunista..........................................................................................170

Capítulo 9

Conclusão – Paz, Pão e Terra... ........................................................ 178

Bibliografia ....................................................................................... 187


Paz, P ão e Terr a |7

O Cinquentenário da Primeira
Revolução Russa
8|Joã o Pedr o Frag oso

Instituto Marx-Engels-Lênin-
Stálin Anexo ao CC do PCUS
1955
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A revolução de 1905-1907 na Rússia foi a primeira


revolução popular da época do imperialismo. Constituindo
todo um período histórico na vida dos povos de nosso país e
do Partido Comunista da União Soviética, a revolução de
1905-1907 foi importante etapa da luta dos operários e
camponeses da Rússia pela sua emancipação social e nacio-
nal. No decorrer de toda a revolução, os operários e os cam-
poneses da Ucrânia, Bielorrússia, Polônia, países bálticos,
Transcaucásia, Ásia Central e outros territórios periféricos
da Rússia czarista lutaram heroicamente, ombro a ombro
com o proletariado e o campesinato russo, contra seus ini-
migos comuns: o czarismo e os latifundiários.
O proletariado foi o dirigente e a principal força mo-
triz da revolução. Unindo em torno de si as massas campo-
nesas, a classe operária da Rússia foi assentando nos com-
bates revolucionários de 1905-1907 as bases de sua aliança
com o campesinato, criando a força social que em 1917 ha-
veria de derrubar o poder dos latifundiários e capitalistas e
abrir aos povos de nosso país o caminho do socialismo.
À frente do povo revolucionário atuava a vanguarda
de combate da classe operária da Rússia: o Partido Comu-
nista, partido de novo tipo, o partido autenticamente mar-
xista criado pelo grande Lênin.
A revolução de 1905-1907 foi uma séria escola de
educação política das massas; despertou para a vida e a
luta políticas milhões de operários e camponeses e forneceu
exemplos heroicos de abnegada luta revolucionária, os
quais serviram para educar as massas trabalhadoras e fo-
ram seguidos por estas não só na Rússia, como também em
muitos outros países. A primeira revolução russa inaugu-
rou uma nova página da História universal: uma época de
profundíssimas comoções políticas e tempestades revoluci-
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onárias, deu início a um ascenso do movimento operário na


Europa e do movimento de libertação nacional dos povos
oprimidos da Ásia.
A primeira revolução russa sacudiu o regime da au-
tocracia czarista até aos alicerces e assestou duro golpe so-
bre a dominação dos latifundiários e capitalistas. Apesar da
derrota da revolução de 1905-1907, a experiência adquirida
nessa revolução ajudou a classe operária e os camponeses
pobres de nosso país a assegurarem a vitória da Grande
Revolução Socialista de Outubro. “Sem o ensaio geral” de
1905 — escreveu V. I. Lênin — a vitória da Revolução de
Outubro em 1917 teria sido impossível". ("Obras", t. 31,
pág. 11, ed. russa).
1. Em fins do Século XIX e princípios do Século XX, o
velho capitalismo, o capitalismo Pré-monopolista, foi subs-
tituído pelo capitalismo monopolista, pelo imperialismo,
cujo desenvolvimento se caracteriza pela putrefação e a
crescente decadência do sistema capitalista e pelo agrava-
mento das contradições sociais e políticas.
Em princípios do Século XX a Rússia czarista era o
ponto crucial de todas as contradições do imperialismo, o
país onde estavam mais maduras as premissas para uma
revolução democrático-burguesa, uma revolução popular
que deveria transformar-se mais tarde em revolução socia-
lista. Isto era determinado por toda a marcha do desenvol-
vimento social, econômico e político da Rússia.
O capitalismo monopolista se entrelaçava na Rússia
com fortíssimas sobrevivências da servidão na economia e
no regime político.
As principais eram a autocracia czarista e a proprie-
dade latifundiária.
P a z , P ã o e T e r r a | 11

As sobrevivências do regime de servidão imprimiam


seu selo a todo o regime social da Rússia. Provocavam as
mais cruéis e desumanas formas de exploração capitalista
do proletariado, condenavam à penúria, à ruína e às misé-
rias constantes os camponeses, que constituíam a maioria
da população do país. A opressão dos latifundiários e capi-
talistas era agravada pela arbitrariedade da autocracia
czarista que sufocava tudo o que era vivo e progressista. Os
operários e camponeses estavam desprovidos por completo
de direitos políticos.
As relações de produção semifeudais, a onipotência
dos latifundiários reacionários, que atuavam em aliança com
os magnatas do capital financeiro, freavam o crescimento
das forças produtivas do país, o progresso da ciência, da téc-
nica e da cultura e intensificavam a dependência da Rússia
ao capital estrangeiro, o qual se havia apoderado de posições
decisivas nos mais importantes ramos da indústria.
O czarismo seguia uma política de brutal opressão
dos povos não russos da Rússia, uma política de russifica-
ção forçada desses povos e de sufocação de sua cultura na-
cional. O governo czarista insuflava a discórdia e o ressen-
timento nacionais entre os povos, atiçava uns contra os ou-
tros. As massas trabalhadoras dos povos não russos sofriam
duplo jugo: o de seus próprios latifundiários e capitalistas e
o dos latifundiários e capitalistas russos.
A combinação de todas essas formas de opressão —
opressão dos latifundiários, opressão dos capitalistas e
opressão nacional — com o despotismo policial da autocra-
cia tornava insuportável a situação das massas populares e
infundia especial virulência e profundidade às contradições
sociais. As necessidades primordiais do desenvolvimento
social do país, os interesses mais prementes dos povos da
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Rússia exigiam imperiosamente a destruição do regime


existente e, antes de tudo, a liquidação da propriedade lati-
fundiária e a derrubada da monarquia czarista. Somente
uma revolução democrático burguesa, popular, poderia re-
solver estas históricas tarefas.
2. Diferentemente das revoluções burguesas do Sécu-
lo XVII ao XIX no Ocidente, a força dirigente da revolução
democrático burguesa na Rússia era o proletariado, a classe
mais revolucionária da sociedade contemporânea. A classe
operária estava vitalmente interessada na vitória dessa
revolução, posto que somente assim poderia obter liberda-
des democráticas, fortalecer suas organizações, adquirir
experiência e hábitos de direção das massas trabalhadoras
e sustentar a luta pela conquista do Poder político.
As peculiaridades inerentes à formação e desenvolvi-
mento do proletariado da Rússia condicionavam suas eleva-
das qualidades revolucionárias. A concentração de grandes
massas de operários em grandes empresas contribuía para
elevar o grau de consciência e de organização do proletaria-
do. A sua força residia também em que contava com um am-
plo apoio entre os setores semiproletários da população da
cidade e do campo. Nos territórios nacionais da periferia da
Rússia (Ucrânia, países bálticos, Cáucaso, etc.) haviam-se
formado consideráveis destacamentos do proletariado.
Desde o fim do Século XIX, já o movimento operário
constituía fator de importância na vida política do país. No
decorrer das lutas grevistas e das ações políticas de massas,
a classe operária da Rússia ia adquirindo experiência de
luta revolucionária contra o czarismo e o capitalismo.
Nas massas de milhões e milhões de camponeses ti-
nha o proletariado da Rússia, seu aliado natural na revolu-
ção. A base econômica de todas as sobrevivências do regime
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de servidão era a propriedade latifundiária; por isso o pro-


blema agrário camponês era o central na revolução demo-
crático burguesa na Rússia. Os interesses principais dos
camponeses convertiam-nos em aliados do proletariado e
em partidários de uma decisiva transformação democrática.
Destruir a propriedade latifundiária e conquistar as liber-
dades democráticas só era possível pela via revolucionária.
A revolução russa era uma revolução camponesa, mas só
poderia triunfar no caso de o proletariado colocar-se à fren-
te dos camponeses e de dirigi-los.
A burguesia russa, atemorizada pelo ascenso do mo-
vimento operário e ligada por múltiplos laços aos latifundi-
ários reacionários e ao czarismo, não queria a vitória da
revolução democrática, não queria a liquidação do czarismo
e de todas as sobrevivências do regime de servidão.
O papel dirigente (a hegemonia) do proletariado, a
transformação dos camponeses de reserva da burguesia em
reserva do proletariado: tal é a diferença principal entre as
revoluções democráticas da nova época, da época imperialis-
ta, e as revoluções da época do capitalismo pré-monopolista.
A derrubada do czarismo cujos interesses se acha-
vam indissoluvelmente entrelaçados com os do imperialis-
mo ocidental, deveria sacudir inevitavelmente os alicerces
do sistema imperialista.
3. No princípio do século, amadureceu rapidamente
na Rússia uma situação revolucionária. A crise industrial, o
desemprego nas cidades e a fome no campo haviam tornado
muito pior a situação das massas trabalhadoras.
O proletariado passava das greves econômicas às
greves políticas e às manifestações de rua que transcorriam
sob a palavra de ordem de “Abaixo a autocracia czarista!”.
O movimento operário exercia uma influência revolucioná-
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ria sobre os camponeses. Em 1902 registraram-se ações de


massas dos camponeses contra os latifundiários nas provín-
cias de Poltava e Karkov e na zona do Volga.
A iminência da revolução fazia com que se apresen-
tasse com singular agudeza o problema da direção da luta
das massas. Teve imensa importância para os destinos do
movimento operário a fundação do Partido revolucionário do
proletariado sobre a base dos princípios ideológicos e de or-
ganização elaborada por V. I. Lênin e aprovado pelo II Con-
gresso dos P.O.S.D.R. (1903). Os bolcheviques iam ao encon-
tro das gigantescas lutas de classe munidos com um pro-
grama marxista que refletia tanto as tarefas imediatas do
proletariado na revolução democrático burguesa como suas
tarefas principais tendo em vista a vitória da revolução soci-
alista e a instauração da ditadura da classe operária.
Em luta contra os oportunistas mencheviques, Lênin
e os bolcheviques por ele dirigidos, organizaram um Partido
revolucionário forte por sua unidade, por sua férrea disci-
plina, por sua intransigência frente aos inimigos da classe
operária, um Partido capaz de unir os milhões de trabalha-
dores em um poderoso exército revolucionário.
Todo o decorrer do desenvolvimento histórico coloca-
va na vanguarda do movimento operário internacional o
proletariado da Rússia, dirigido por um Partido revolucio-
nário marxista. O centro do movimento revolucionário
mundial se deslocava para a Rússia.
4. O desencadeamento da revolução na Rússia foi
acelerado pela guerra russo-japonêsa de 1904-1905, uma
das primeiras guerras da época do imperialismo. Essa
guerra resultou do agravamento das contradições imperia-
listas e do choque entre os interesses das grandes potências
que aspiravam a apoderar-se da Coreia, repartir a China e
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implantar seu domínio na região do Pacífico. A guerra pôs a


nu a podridão da organização militar e de todo o regime
estatal da Rússia czarista e provocou profundo desconten-
tamento e indignação entre as massas.
O ascenso constante do movimento operário, a cres-
cente impopularidade da guerra no país, a divisão no campo
governamental patenteava que a Rússia havia entrado em
um período de profunda crise revolucionária.
Deram começo à revolução os acontecimentos de 9
(22) de janeiro de 1905. Nesse dia foi metralhada em Pe-
tersburgo uma manifestação pacífica de operários que se
dirigiam ao czar para fazer-lhe entrega de uma petição em
que expunham suas necessidades.
Resultaram mais de mil mortos e milhares de feri-
dos. O governo czarista confiava em poder intimidar com
essa sangrenta repressão as massas operárias e campone-
sas e deter o ascenso do movimento revolucionário no país.
Mas, com essa medida cruel não fez mais que matar a in-
gênua fé do povo no “paizinho czar”. O proletariado recebeu
uma lição de guerra civil. As camadas mais atrasadas dos
operários começaram a compreender que só poderiam con-
quistar seus direitos através da luta revolucionária. “A
educação revolucionária do proletariado — escreveu V. I.
Lênin — progrediu num dia mais que em meses e até em
anos inteiros de uma vida monótona, acabrunhada e sub-
missa”. (“Obras”, t. 8, pág. 77, ed. russa).
O “Domingo sangrento” — o 9 de janeiro de 1905 —
foi o ponto de partida de um poderoso ascenso do movimen-
to revolucionário. Em todo o país estalaram greves de pro-
testo. A palavra de ordem do proletariado de Petersburgo
“Liberdade ou morte!” foi adotada pela classe operária de
toda a Rússia. Durante os meses de janeiro, fevereiro e
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março de 1905 declararam-se em greve, somente na indús-


tria, 810.000 operários, isto é, duas vezes mais do que nos
dez anos anteriores.
Seguindo a classe operária ergueram-se os campone-
ses. O espírito revolucionário conquistou a juventude estu-
dantil e a intelectualidade democrática. A revolução adqui-
riu desde o primeiro momento um caráter popular geral.
O proletariado internacional e as personalidades
progressistas dos países capitalistas do Ocidente manifes-
taram seu apoio ao povo russo e seu protesto contra as san-
grentas ferocidades do czarismo.
5. O surto cada vez maior da revolução popular exi-
gia do Partido proletário uma acertada e firme direção da
luta revolucionária das massas. Mas em consequência da
atividade divisionista dos mencheviques, não havia unida-
de nas fileiras do P.O.S.D.R., o Partido estava dividido em
duas frações: bolcheviques e mencheviques. Os bolchevi-
ques e os mencheviques concebiam de maneira diversa o
caráter, as forças motrizes da revolução e as tarefas do pro-
letariado na mesma, eram diferentes suas concepções sobre
os problemas da estratégia e da tática do Partido.
Lênin e os bolcheviques viam a saída da situação in-
terna do P.O.S.D.R na convocação imediata do III Congres-
so ordinário do Partido. O Congresso deveria terminar com
o oportunismo dos mencheviques nas questões de organiza-
ção e táticas e estabelecer uma tática única do proletariado
na revolução democrática.
O III Congresso do P.O.S.D.R., celebrado em abril de
1905 em Londres, determinou as tarefas do proletariado
como chefe da revolução e traçou o plano estratégico do
Partido na primeira etapa da revolução: o proletariado, em
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aliança com todos os camponeses e isolando a burguesia,


devia lutar pela vitória da revolução democrático burguesa.
O Congresso elaborou a tática marxista revolucioná-
ria do Partido, definiu como tarefa principal deste e da
classe operária a passagem das greves políticas de massas
à insurreição armada, assinalou a necessidade de preparar
praticamente a insurreição. O Congresso chamou as orga-
nizações do Partido a apoiar o movimento camponês e a
criar comitês camponeses revolucionários. As decisões do
III Congresso foram consideradas pela maioria das organi-
zações do Partido um combativo programa de luta pela vi-
tória da revolução democrática e serviram de base a todo o
trabalho prático do Partido.
6. Em seu livro “Duas táticas da socialdemocracia na
revolução democrática”, publicado em julho de 1905, V. I.
Lênin fez uma genial fundamentação teórica das decisões
do III Congresso, do plano estratégico e da linha tática dos
bolcheviques na revolução.
Pela primeira vez na história do marxismo, V. I. Lê-
nin analisou o problema das particularidades da revolução
democrático burguesa na época do imperialismo, de suas
forças motrizes e de suas perspectivas. Apoiando-se na aná-
lise científica do desenvolvimento social, econômico e políti-
co da Rússia e na experiência do movimento revolucionário
mundial, V. I Lênin fundamentou teoricamente a ideia da
hegemonia do proletariado na revolução democrático bur-
guesa, ideia que passou a ser a base da estratégia e da táti-
ca do Partido Comunista. Ao mesmo tempo, V. I. Lênin
submeteu a uma crítica demolidora os postulados, oportu-
nistas dos mencheviques, que pressupunham a hegemonia
da burguesia liberal na revolução a substituição da revolu-
ção por pequenas reformas, o retrocesso da revolução e a
18 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

manutenção do regime autocrático latifundiário. Lênin pôs


em relevo o papel contrarrevolucionário da burguesia libe-
ral e mostrou que esta procurava um acordo com as forças
mais reacionárias, um conluio com o czarismo.
V. I. Lênin analisou em todos os seus aspectos a ideia
da aliança entre a classe operária e os camponeses sob a
direção do proletariado demonstrando que a aliança dessas
classes é condição indispensável para o triunfo da revolução
popular.
A ideia leninista da aliança da classe operária com os
camponeses estabeleceu a divisão entre a tática revolucio-
nária dos bolcheviques e a tática oportunista dos menche-
viques.
Na obra de V. I. Lênin foram profundamente estuda-
dos os caminhos e os meios de luta dos trabalhadores pela
vitória da revolução. Lênin mostrou que a greve política de
massas é um poderoso meio para a mobilização revolucio-
nária das massas e para incorporá-las à luta aberta contra
o czarismo. Baseando-se na experiência da Comuna de Pa-
ris, V. I. Lênin chegou à conclusão de que o meio mais im-
portante para derrubar o czarismo e conquistar a República
democrática era a insurreição armada do povo. Depois da
morte de Marx e Engels, Lênin colocou pela primeira vez o
problema da organização da insurreição armada como tare-
fa prática, a cuja solução se subordinava toda a atividade
do Partido durante a revolução.
Lênin demonstrou que uma revolução democrático
burguesa vitoriosa, em que o proletariado fosse o dirigente
e a principal força motriz, não deveria conduzir à ditadura
da burguesia, como as revoluções burguesas do passado,
mas à ditadura revolucionário democrática do proletariado
e dos camponeses. Assim se resolvia de modo novo a ques-
P a z , P ã o e T e r r a | 19

tão fundamental da revolução, a questão do Poder estatal.


Segundo V. I. Lênin, o órgão político da ditadura revolucio-
nário democrática do proletariado e dos camponeses deve-
ria ser um governo provisório revolucionário, que se apoias-
se no povo armado.
O extraordinário mérito de Lênin ante o Partido e a
classe operária consiste em que, partindo das conhecidas
teses de Marx acerca da revolução ininterrupta, acerca da
necessidade de conjugar o movimento revolucionário cam-
ponês com a revolução proletária, elaborou, na base de uma
profunda análise do desenvolvimento econômico e político
da Rússia, a teoria da transformação da revolução demo-
crático burguesa em revolução socialista. No artigo intitu-
lado “A atitude da social-democracia ante o movimento
camponês”, Lênin assinalava:
"...Da revolução democrática começaremos a passar
imediatamente e justamente na medida de nossas forças,
das forças do proletariado consciente e organizado, à revo-
lução socialista. Nós somos partidários da revolução inin-
terrupta. Não ficaremos na metade do caminho." (“Obras” t.
9, pág. 213, ed. russa).
A imensa importância da obra de Lênin “Duas táti-
cas da social-democracia na revolução democrática” consis-
te também em que, ao fundamentar e explicar as decisões
do III Congresso do Partido, a estratégia e a tática revolu-
cionária dos bolcheviques, Lênin derrotou ideologicamente
em toda a linha os postulados mencheviques, contrários ao
marxismo, sobre as questões da teoria e a tática do Partido
na revolução. Ao mesmo tempo, V. I. Lênin desmascarou as
concepções reformistas dos dirigentes oportunistas da II
Internacional, que apoiavam os mencheviques russos. De-
senvolvendo com espírito criador nas novas condições histó-
20 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

ricas a doutrina de K. Marx e F. Engels, V. I. Lênin deu ao


proletariado russo e internacional uma poderosa arma ideo-
lógica para a luta pela transformação revolucionária da so-
ciedade.
Ao elaborar a doutrina da hegemonia do proletariado
na revolução democrático burguesa e na revolução socialis-
ta, da aliança da classe operária e dos camponeses e da di-
tadura revolucionário democrática do proletariado e dos
camponeses, Lênin impulsionou a teoria marxista, lançou
os alicerces políticos (táticos) do Partido Comunista. Lênin
enriqueceu o marxismo com a nova teoria da revolução so-
cialista, que foi uma formidável arma ideológica do Partido
Comunista na luta pela vitória da Grande Revolução Socia-
lista de Outubro.
7. A marcha da revolução confirmou a justeza e a vi-
talidade da estratégia e da tática dos bolcheviques. Foi ple-
namente confirmada a tese leninista de que o proletariado
pode e deve desempenhar o papel dirigente no movimento
revolucionário. A luta da classe operária determinou todo o
desenvolvimento da revolução, seu alcance e suas formas.
V. I. Lênin escrevia que “a humanidade ainda não sabia,
até 1905, em que proporções enormes, grandiosas, podem
crescer e crescem efetivamente as forças do proletariado,
quando se trata de lutar por objetivos realmente grandes,
de lutar de maneira realmente revolucionária”. (“Obras”, t.
23, pág. 232, ed. russa).
Nas condições de um país camponês atrasado, a clas-
se operária da Rússia mostrou que a verdadeira força e o
papel do proletariado na sociedade não são determinados
pelo fato de constituir ou não a maioria da população do
país, mas por sua energia revolucionária, por sua consciên-
cia política, por sua capacidade para pôr-se à frente da luta
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revolucionária do povo, por sua aptidão para ganhar as


massas camponesas como aliados da revolução.
O proletariado da Rússia desenvolveu poderoso mo-
vimento grevista que ia crescendo sem cessar com o ascenso
da revolução. A cifra total de operários industriais que par-
ticiparam de greves chegou em 1905 a quase três milhões.
A característica do movimento grevista era a combinação
das greves políticas e econômicas. A estreita e indissolúvel
conjugação de ambos os tipos de greve dava singular força
ao movimento operário.
Um dos acontecimentos revolucionários mais impor-
tantes do verão de 1905 foi a famosa greve de Ivanovo-
Vosnessensk, dirigida pelos bolcheviques. Desde os primei-
ros dias da greve, os operários instituíram seu organismo
revolucionário, um Soviet de delegados que foi, de fato, um
dos primeiros Sovietes de deputados operários da Rússia.
Os operários têxteis de Lodz, importante centro in-
dustrial da Polônia, deram exemplo de luta política de
massas. A greve geral, declarada pelos operários de Lodz,
em junho de 1905, como réplica à sangrenta repressão de-
sencadeada contra os participantes de uma assembleia
operária, transformou-se em combates de barricadas nas
ruas contra as tropas czaristas. Esta foi a primeira ação
armada do proletariado na Rússia. Também tiveram lugar
choques armados em Varsóvia, Odessa, Riga, Livaba e ou-
tras cidades.
8. No outono de 1905, o movimento revolucionário se
estendeu a todo o país. Por iniciativa dos operários de Mos-
cou e de Petersburgo, em outubro de 1905 começou uma
greve política geral que se propagou a todos os centros in-
dustriais fundamentais. A greve de outubro converteu-se
em poderosa ação política do proletariado.
22 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Transcorreu sob as palavras de ordem de “Abaixo a au-


tocracia!”, “Viva a República democrática!”. O número de par-
ticipantes da greve geral passou de dois milhões. Sob a pres-
são das massas, o governo czarista viu-se obrigado a publicar
o manifesto de 17 de outubro em que prometia hipocritamen-
te conceder a população as liberdades cívicas e convocar uma
Duma legislativa. Com a heroica luta grevista, o proletariado
conquistou para si e para todo o povo, ainda que por pouco
tempo a liberdade de palavra, de imprensa, de associação em
sindicatos e outras organizações, liberdades até então desco-
nhecidas na Rússia; pela primeira vez na história da Rússia
apareceram legalmente jornais revolucionários.
Na luta contra o czarismo, a iniciativa revolucionária
das massas proletárias da Rússia criou uma nova organização
política de massas, sem precedentes na história universal: os
Sovietes de deputados operários. Surgiram em Moscou, Pe-
tersburgo, Tver, Kostromã, Lugansk, Ekaterinoslav, Sarátov,
Róstov-sobre-o-Don, Kiev, Odessa, Nikolaev, Novorrossisk,
Baku, Kransnoiarsk, Tchitá e em outras cidades e centros
operários. Nascidos como órgãos dirigentes da luta grevista,
os Sovietes de deputados operários converteram-se em órgãos
embrionários do novo Poder, o Poder revolucionário.
Diferentemente dos mencheviques que viam nos Sovie-
tes simples órgãos da administração local, os bolcheviques
tinham em alta conta a iniciativa e a atividade revolucionária
das massas. V. I. Lênin e os bolcheviques opinavam que no
curso da revolução os Sovietes deveriam transformar-se em
órgãos da insurreição armada, em órgãos da ditadura revolu-
cionário democrática do proletariado e dos camponeses.
Na revolução desempenharam papel saliente o So-
viete de Moscou e os Sovietes distritais de Moscou, que,
dirigidos pelos bolcheviques, realizaram uma política revo-
P a z , P ã o e T e r r a | 23

lucionária consequente e se transformam em órgãos da


insurreição armada. Os bolcheviques dirigiram também os
Sovietes em várias outras cidades do país.
Nos anos da primeira revolução russa, a classe ope-
rária começou pela primeira vez a formar seus sindicatos,
como organizações das grandes massas proletárias. Desde
o princípio, os sindicatos constituíram-se sob a influência e
a direção imediatas da social-democracia revolucionária.
Diferentemente dos sindicatos dos países da Europa
Ocidental, os sindicatos da Rússia surgiram depois da
fundação do partido político do proletariado e participa-
ram ativamente, sob a sua direção, na luta contra o cza-
rismo e o capitalismo. Os bolcheviques atribuíam grande
importância à organização e fortalecimento dos sindicatos,
combateram energicamente a orientação oportunista dos
mencheviques sobre a "neutralidade" dos sindicatos e lu-
taram por transformá-los em combativas organizações re-
volucionárias da classe operária.
9. O proletariado da Rússia atuava como o intérpre-
te mais consequente dos interesses fundamentais de todos
os trabalhadores, como a força dirigente do movimento
democrático geral, “o único dirigente da nossa revolução —
escrevia J. V. Stálin — que tem o interesse e a possibili-
dade de conduzir atrás de si as forças revolucionárias da
Rússia no assalto à autocracia czarista, é o proletariado.
Somente o proletariado pode reunir em torno de si os ele-
mentos revolucionários do país, só ele pode levar a termo a
nossa revolução.” (“Obras”, t. 2, pág. 68-69 ed. brasileira).
O desenvolvimento impetuoso do movimento operá-
rio tinha profundas repercussões no campo, contribuía pa-
ra o desenvolvimento da luta revolucionária das amplas
massas do campesinato. Em 1905 registraram-se mais de
24 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

3.500 levantes camponeses. A luta dos camponeses contra


os latifundiários ia adquirindo gradualmente formas mais
agudas. No outono de 1905 as insurreições camponesas
estenderam-se à zona central das terras negras, à zona do
Volga, à Ucrânia, à Transcaucásia e aos países bálticos. O
programa agrário dos bolcheviques, elaborado por V. I.
Lênin, teve importância para o desenvolvimento da ação
revolucionária dos camponeses. O programa agrário leni-
nista exigia a confiscação das terras dos latifundiários, da
Igreja, dos mosteiros, da coroa e da família do czar e a na-
cionalização de toda a terra. Os bolcheviques ligavam es-
sas reivindicações à derrubada da autocracia czarista e à
instauração da República democrática, ao passo que o pro-
grama menchevique de municipalização da terra tinha por
objetivo uma reforma pacífica e paulatina do regime auto-
crático latifundiário. Os bolcheviques conclamavam os
camponeses a se apoderarem imediatamente das terras
dos latifundiários, a criar comitês camponeses revolucio-
nários, a prestar apoio ativo ao proletariado em sua luta
contra o czarismo. As organizações bolcheviques dedica-
vam especial atenção à tarefa de unir as camadas proletá-
rias e semiproletárias do campo, que eram as que desem-
penhavam o papel mais ativo no movimento camponês.
Os bolcheviques combatiam energicamente a tática,
conciliadora e o aventureirismo político dos social-
revolucionários, lutavam por arrancar os camponeses da
influência da burguesia liberal.
10. Sob a influência do movimento revolucionário dos
operários e camponeses e das derrotas do czarismo na guer-
ra russo japonesa, produziram-se ações revolucionárias no
exército e na marinha, que foram parte integrante da revo-
lução e um testemunho de seu caráter popular geral.
P a z , P ã o e T e r r a | 25

A sublevação do encouraçado "Potêmkin" (junho de


1905) foi um destacando acontecimento da primeira revo-
lução russa. Os marinheiros sublevados apoderaram-se
desse grande vaso de guerra e se colocaram abertamente
ao lado da revolução. A sublevação do "Potêmkin" é uma
gloriosa página da história do movimento revolucionário
dos povos de nosso país.
Valorizando a façanha dos marinheiros do "Po-
têmkin", V. I. Lênin escrevia que: “o encouraçado ”Po-
têmkin" é um baluarte invicto da revolução e qualquer que
seja a sua sorte, temos diante de nós um fato indiscutível e
do maior significado: uma tentativa de formar o núcleo do
exército revolucionário". ("Obras", t. 8, pág. 525, ed. russa).
Durante o outono de 1905 tiveram lugar motins de
soldados em Kárkov, Kiev, Minsk, Tashkent, Voronezh,
Pskov, Varsóvia e outras cidades. A efervescência revolu-
cionária estendeu-se às unidades militares do Extremo
Oriente; estalaram levantes em Kronstadt, Vladivostok e
Sebastopol.
11. Com seu exemplo revolucionário, o proletariado
russo estimulava para a luta contra o czarismo as massas
trabalhadoras de todas as nacionalidades da Rússia. Por
sua constante luta grevista, os operários de Riga, Lodz,
Varsóvia e Baku ocuparam um lugar de honra ao lado dos
operários de Petersburgo e de Moscou. O movimento cam-
ponês adquiriu amplas proporções nas zonas habitadas pe-
las nacionalidades. Nos países bálticos, os camponeses des-
tituíam os funcionários governamentais, assaltavam as fa-
zendas dos barões alemães, travavam porfiados combates
com as tropas regulares tzaristas, o movimento camponês
alcançou inusitada magnitude na Geórgia. A luta de liber-
26 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

tação nacional dos povos oprimidos era parte integrante,


inalienável, do movimento revolucionário de toda a Rússia.
O proletariado russo apoiava ardentemente o movi-
mento de libertação nacional, defendia o direito das nações
à autodeterminação, lutava resolutamente contra a política
chauvinista de grande potência seguida pelo czarismo e as
classes dominantes, que tratavam de romper a unidade das
ações revolucionárias dos povos da Rússia. Os bolcheviques
sustentavam uma luta sem quartel contra os nacionalistas
burgueses, educavam as massas no espírito do internacio-
nalismo proletário, explicando que a opressão nacional uni-
camente podia ser destituída pela luta revolucionária con-
junta dos trabalhadores de todas as nacionalidades.
12. O desenvolvimento da revolução fez necessário
passar da greve geral à forma superior de luta revolucio-
nária: a insurreição armada.
Cumprindo as decisões do III Congresso do
P.O.S.D.R. as organizações bolcheviques prepararam per-
severantemente a insurreição armada. O guia do Partido,
V. I. Lênin, que havia regressado do estrangeiro a Peters-
burgo em novembro de 1905, encabeçou a atividade do
Partido destinada a dirigir as massas e a preparar a in-
surreição armada. Lênin desmascarou os planos da con-
trarrevolução e conclamou o proletariado a permanecer
vigilante e a fazer frente ao inimigo.
O ponto culminante do desenvolvimento da primei-
ra revolução russa foi a insurreição armada de dezembro,
preparada pelas ações de massas do proletariado no decor-
rer de todo o ano de 1905.
Os operários moscovitas foram os primeiros a arvo-
rar a bandeira da insurreição armada contra o czarismo. O
Soviete de deputados operários de Moscou, dirigido pelos
P a z , P ã o e T e r r a | 27

bolcheviques, declarou no dia 7 (20) de dezembro a greve


política geral com a intenção de transformá-la em insur-
reição armada. Os operários atuaram com extraordinária
unanimidade. Deixaram de funcionar todas as empresas.
No dia 9 (22) de dezembro começaram os combates de bar-
ricadas dos operários moscovitas contra as tropas do go-
verno czarista. Os principais focos da insurreição eram os
bairros de Présina e Zamoskvorechie e o distrito Rogozhs-
ko-Simonovski. Durante nove dias, os operários em armas
bateram-se heroicamente com as tropas czaristas. Na luta
de barricadas nas ruas participaram cerca de 8.000 com-
batentes armados, apoiados por toda a massa operária. A
insurreição teve caráter singularmente tenaz e encarniça-
do em Présnia. Para sufocar a insurreição, o governo cza-
rista transferiu para Moscou grandes forças militares. No
decurso da insurreição armada de dezembro, os operários
fizeram prodígios de heroísmo, de valor e de abnegação,
conservando até o fim a firmeza e o espírito combativo.
“Nós começamos. Nós estamos terminando… O san-
gue, a violência e a morte farejarão nossas pegadas. Mas
não importa. O futuro pertence à classe operária. Em to-
dos os países, gerações sobre gerações aprenderão com a
experiência de Présnia a ter tenacidade”,
Dizia a última ordem do Estado-Maior dos destaca-
mentos operários de Présnia.
A insurreição de dezembro de 1905 demonstrou que
no transcurso de 11 meses de revolução se havia desenvol-
vido de forma gigantesca a consciência política do proleta-
riado russo. Se em janeiro de 1905 milhares de operários
marcharam confiantes ao palácio do czar, elevando suas
preces e levando estandartes para implorar-lhe “um pouco
de clemência”, em dezembro de 1905 o proletariado russo
28 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

lutou heroicamente nas barricadas, de armas na mão, pela


derrubada do czarismo, pela proclamação da República
democrática.
A insurreição de dezembro foi cruelmente reprimida
pelo czarismo. As causas fundamentais da derrota da in-
surreição residiram em que a direção desta se atrasou em
relação ao movimento que crescia espontaneamente. A
insurreição começou com atraso e perdeu o momento pro-
pício em que havia mal-estar entre parte dos soldados da
guarnição de Moscou. Desde que o governo czarista deteve
o Comitê bolchevique em Moscou, a ação armada na cida-
de se converteu em um levante de distritos isolados, sem
conexão entre si.
No período preparatório da insurreição não se orga-
nizaram destacamentos armados adestrados, os operários
não tinham armamentos suficiente.
A insurreição armada dos operários de Moscou não
redundou em uma ação simultânea e unânime do proleta-
riado de toda a Rússia.
Em consequência disto, o governo czarista não só
conseguiu esmagar a insurreição de Moscou, como também
afogar em sangue as ações armadas na bacia do Don, em
Karkov, Krasnoiarsk, Tchitá, Novorrossisk, Pern, Sórmovo,
na Letônia, Finlândia e outros lugares. Outra das causas do
fracasso da insurreição armada foi sua tática defensiva, que
constitui “a morte da insurreição armada” (Marx). A ação
desorganizadora dos mencheviques e social-revolucionários
contribuiu para essa derrota.
Analisando a experiência da insurreição armada de
dezembro, V. I. Lênin escreveu posteriormente:
“Pela primeira vez na História universal se alcançou
tal grau de desenvolvimento, e tal vigor da luta revolucio-
P a z , P ã o e T e r r a | 29

nária que a insurreição armada fundiu-se com a greve de


massas, esta arma especificamente proletária. Claro é que
esta experiência tem significação mundial para todas as
revoluções proletárias”. (“Obras”, t. 31, pág. 315, ed. russa).
13. Depois da derrota da insurreição de dezembro, a
revolução entrou em seu segundo período, cujas caracterís-
ticas eram o refluxo gradual da onda revolucionária e o
recrudescimento da reação.
Depois de firmar, com o auxílio dos imperialistas
norte-americanos, uma paz vergonhosa com o Japão, o go-
verno czarista lançou o grosso de suas tropas a afogar a
revolução. Valendo-se das expedições punitivas, dos ban-
dos de terroristas das Centúrias Negras organizadas pela
polícia, dos conselhos de guerra, das execuções em massa e
da repressão policial contra as organizações operárias e
camponesas, o czarismo tratou de aniquilar a vanguarda
revolucionária da classe operária e intimidar todo o povo.
Milhares de lutadores revolucionários sucumbiram às
mãos dos verdugos czaristas.
O governo czarista incitava uns povos contra os ou-
tros, organizava "pogrom" contra os judeus, matanças en-
tre os tártaros e os armênios, etc.
Com o propósito de dividir e debilitar o movimento
revolucionário, de enganar os camponeses e de afastá-los
do proletariado, o czarismo decidiu convocar a Duma de
Estado. Os partidos políticos da burguesia russa — cade-
tes e outubristas — empreenderam o caminho da confabu-
lação direta com a monarquia czarista e os latifundiários
feudais, ajudavam o czarismo a reprimir a revolução.
Apesar destas duras condições, a revolução continu-
ava, porém. O proletariado, que havia sido o primeiro a
levantar-se na luta contra o czarismo, era o último a reti-
30 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

rar-se lutando. As tenazes lutas do proletariado e as per-


sistentes greves políticas de massas continham a investida
da contrarrevolução e incorporavam o movimento revolu-
cionário às reservas mais profundas daquele.
Em 1906 tomou vastas proporções o movimento
camponês, abrangendo metade dos distritos da Rússia. No
verão do mesmo ano irromperam sublevações de mari-
nheiros em Sveaborg e Kronstadt.
14. Ante o refluxo da revolução, os bolcheviques
mudaram de tática. Da preparação direta das massas para
o assalto ao czarismo passaram à tática da retirada orga-
nizada, combinando o trabalho legal com o ilegal.
Nos anos da primeira revolução russa foi traçada
por Lênin a tática revolucionária de luta no seio da Duma,
radicalmente diferente da tática dos mencheviques e opor-
tunistas da II Internacional, que viam na atividade par-
lamentar a forma principal de luta do proletariado.
A tática dos bolcheviques na Duma obedecia ao pro-
pósito de conquistar o campesinato, criar na Duma um
bloco revolucionário de representantes da ciasse operária e
dos camponeses e libertar estes últimos da influência da
burguesia liberal. Os bolcheviques utilizavam a Duma co-
mo tribuna de agitação revolucionária, para denunciar
todas as ignomínias da autocracia e a traição da burguesia
contrarrevolucionária. Em troca, os mencheviques orien-
tavam-se no sentido de unir-se em um bloco com a burgue-
sia contrarrevolucionário (cadetes), ajudando-a a semear
ilusões nas massas acerca da possibilidade de conquistar a
liberdade e de que os camponeses recebessem a terra por
meios "pacíficos" através da Duma.
A experiência da atividade dos bolcheviques na Du-
ma teve e continuou tendo grande importância para o mo-
P a z , P ã o e T e r r a | 31

vimento revolucionário internacional. É utilizada com espí-


rito criador pelos Partidos Comunistas e Operários dos paí-
ses estrangeiros na elaboração de sua tática parlamentar.
A revolução de 1905-1907 demonstrou que os bol-
cheviques, nas condições mais complexas, em uma situa-
ção de rápidas mudanças na correlação das forças de clas-
se, eram capazes de dirigir com acerto o movimento operá-
rio, de encabeçar o ascenso revolucionário das massas e de
levá-las audazmente à batalha; demonstrou que sabiam
efetuar no momento preciso a retirada das forças revoluci-
onárias, preparando-as para novos combates.
Ao mesmo tempo, os mencheviques revelaram-se
uns covardes reformistas, renegaram a revolução e empre-
enderam o caminho dos conchavos com a burguesia liberal
monarquista e da conciliação com o czarismo.
15. A resistência do povo revolucionário foi tão po-
derosa que só ao cabo de ano e meio da derrota da insur-
reição armada de dezembro, conseguiu o czarismo sufocar
a revolução.
A causa fundamental da derrota da revolução foi
que não conseguiu unificar em uma só torrente revolucio-
nária as ações dos operários, dos camponeses e dos solda-
dos. A aliança dos operários e dos camponeses na revolu-
ção não era sólida, os camponeses atuaram demasiado
dispersos, sem organização, com insuficiente energia; con-
sideráveis massas de camponeses estavam influenciadas
pelos social-revolucionários. As maiores ações revolucioná-
rias dos camponeses contra os latifundiários tiveram lugar
quando o governo czarista já havia conseguido apagar os
focos fundamentais da revolução nos centros industriais
do país. Embora lutando contra os latifundiários, grande
parte dos camponeses não se decidia a lutar contra o czar.
32 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Acreditava na possibilidade de receber de suas mãos


a terra. Isto determinou a atitude do exército que em sua
maioria ajudou o czar a sufocar as ações revolucionárias
dos operários e dos camponeses.
Tampouco os operários atuaram com a necessária
unanimidade; alguns destacamentos da classe operária
incorporaram-se à luta geral com atraso. A falta de união
dentro do Partido proletário como consequência da atua-
ção traidora dos mencheviques, dividia as fileiras da clas-
se operária, debilitando-a como força dirigente da revolu-
ção. Devido a tudo isto, o proletariado não pôde cumprir
então plenamente seu papel de verdadeiro chefe da revo-
lução e levá-la à vitória.
Os imperialistas estrangeiros ajudaram a autocra-
cia a asfixiar a revolução. Os banqueiros franceses, ingle-
ses, austríacos e belgas concederam um grande emprésti-
mo ao czarismo para reprimir a revolução. Segundo a
acertada expressão do grande escritor proletário Máximo
Gorki aquele foi um “empréstimo de Judas”. A Alemanha
kaiseriana havia preparado a intervenção militar contra a
revolução russa no caso de que esta tivesse êxito.
Apesar da derrota da revolução de 1905-1907, os fa-
tores fundamentais da vida econômica e política que havi-
am dado origem à revolução subsistiam. Isto tornava ine-
vitável uma nova explosão revolucionária.
A despeito dos falsos augúrios, dos mencheviques
liquidacionistas e demais traidores e renegados do movi-
mento operário acerca de impossibilidade de uma nova
revolução na Rússia, os bolcheviques afirmavam sem ces-
sar que a revolução democrática e a revolução socialista
eram inevitáveis. V. I. Lênin assinalava que o proletariado
russo regia-se “não por uma vaga esperança mas pela se-
P a z , P ã o e T e r r a | 33

gurança cientificamente fundamentada de que a revolução


há de repetir-se”. ("Obras", t. 17, pág. 211, ed. russa).
Nas duras condições da reação, em meio das violen-
tas perseguições do czarismo, os bolcheviques foram unin-
do em torno da classe operária as forças democráticas do
país, forjando a aliança de combate da classe operária e
dos camponeses, fortalecendo a unidade internacional dos
povos da Rússia e preparando as massas trabalhadoras
para um novo e decidido ataque contra a autocracia, para
a luta pela derrubada do domínio dos latifundiários e da
burguesia.
16. A primeira revolução russa foi um acontecimen-
to importantíssimo na História da Rússia e exerceu formi-
dável influência em todo o desenvolvimento posterior do
país, deixando profunda marca na consciência do povo. A
revolução despertou para a ação revolucionária consciente
as mais amplas massas populares e as enriqueceu com
uma inestimável experiência política. No decurso da en-
carniçada luta contra o czarismo em 1905-1907 foram lan-
çados sólidos alicerces para a formação da frente única
revolucionária dos povos oprimidos da Rússia, encabeça-
dos pelo heroico proletariado russo.
Um dos resultados mais importantes da revolução
foi a enorme acentuação do papel do proletariado como
força social dirigente, guia das massas trabalhadoras. O
proletariado arrancou da burguesia liberal a direção das
massas populares na luta pela revolução democrática e
demonstrou com isso que, na época do imperialismo, só a
classe operária pode ser o chefe da revolução. A experiên-
cia histórica da primeira revolução russa pôs em relevo
que o proletariado pode ser também o dirigente do movi-
mento democrático geral ali onde, devido ao escasso de-
34 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

senvolvimento do capitalismo, constitui numericamente


uma minoria dentro da população do país.
A revolução confirmou claramente que sem a uni-
dade da classe operária não se pode alcançar a vitória so-
bre os exploradores. Os ensinamentos da revolução mos-
traram que o papel de verdadeiro dirigente e chefe da
classe operária e de todos os trabalhadores só pode ser de-
sempenhado por um Partido marxista revolucionário de
combate, por um Partido de novo tipo, diametralmente
diferente dos da II Internacional.
A primeira revolução russa, sem deixar de ser uma
revolução democrático burguesa por seu caráter, foi simul-
taneamente uma revolução proletária, não só porque o
proletariado era seu chefe, como porque foram as formas e
os métodos proletários de luta os que determinaram seu
curso e sua inusitada magnitude.
A experiência da revolução fez ver a enorme impor-
tância das grandes greves políticas, como meio de mobili-
zação revolucionária das massas. Em sua luta revolucio-
nária posterior, a classe operária da Rússia recorreu ou-
tras vezes a essa arma provada que é a greve política. A
greve política combinada com a insurreição armada, que
levaram a cabo os operários e os soldados de Petrogrado
em fevereiro de 1917, permitiu ao povo derrubar o czaris-
mo em poucos dias. A revolução enriqueceu a classe operá-
ria com a experiência da insurreição armada, experiência
que aproveitaram os bolcheviques ao preparar e realizar a
insurreição armada de outubro de 1917.
A revolução de 1905-1907 foi a primeira comprova-
ção histórica da força vital da ideia leninista da aliança
entre a classe operária e os camponeses. A aliança da clas-
se operária e dos camponeses, forjada e consolidada no
P a z , P ã o e T e r r a | 35

decorrer da luta pela derrubada do czarismo e da burgue-


sia e no processo das transformações socialistas, constitui
hoje a base inabalável da solidez e firmeza do regime sovi-
ético e é uma força poderosa na luta pelo desenvolvimento
e robustecimento da sociedade socialista, pela construção
do comunismo.
A ideia leninista da aliança da classe operária e dos
camponeses viu-se brilhantemente confirmada nas históri-
cas vitórias do grande povo chinês e dos trabalhadores dos
países de democracia da Europa e da Ásia. A aliança da
classe operária e dos camponeses, na qual o papel dirigente
corresponde à classe operária, constitui a base do regime
democrático popular que realiza com êxito radicais trans-
formações socialistas nos países de democracia popular.
Em 1905, os operários e camponeses russos coloca-
ram na prática, pela primeira vez na história, o problema
da ditadura revolucionário democrática do proletariado e
dos camponeses, a questão do novo Poder, do Poder do po-
vo. Os Sovietes de deputados operários, criados no decurso
da primeira revolução russa, foram uma grandiosa con-
quista histórica da classe operária da Rússia. Representa-
ram o protótipo do Poder soviético, instaurado em nosso
país como resultado da vitória da Grande Revolução Socia-
lista de Outubro. A experiência dos primeiros Sovietes
serviu a Lênin de ponto de partida para elaborar depois a
doutrina sobre os Sovietes, como forma estatal da ditadura
do proletariado.
A revolução de 1905-1907 pôs a nu a natureza con-
trarrevolucionária da burguesia liberal, debilitou sua in-
fluência e a levou a perder suas reservas políticas, em
primeiro lugar os camponeses. Resultado importante da
36 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

primeira revolução russa foi que abalou o exército, um dos


pilares fundamentais do czarismo.
Os anos da primeira revolução russa serviram para
contrastar na prática duas linhas políticas: a linha da es-
tratégia e da táticas revolucionárias dos bolcheviques e a
linha oportunista dos mencheviques, antítese daquela. A
marcha da revolução confirmou a justeza do plano estraté-
gico e da linha tática dos bolcheviques, elaborados por V. I.
Lênin, fundador e guia do Partido Comunista.
17. A revolução russa de 1905-1907 iniciou o período
das batalhas revolucionárias da época do imperialismo. O
golpe infligido ao czarismo pelos operários e camponeses
revolucionários da Rússia foi, simultaneamente um golpe
em todo o sistema imperialista.
A revolução na Rússia suscitou a cálida simpatia do
proletariado da Europa Ocidental pela luta revolucionária
dos operários e dos camponeses da Rússia. Uma onda de
greves de protesto e de manifestações percorreu os países
principais da Europa.
A. Bebel, K. Liebknecht, R. Luxemburgo e outros
destacados dirigentes do movimento operário internacio-
nal tinham em alto apreço a luta do proletariado russo.
Karl Liebknecht qualificou de reviravolta na história dos
povos da Europa os acontecimentos revolucionários da
Rússia e conclamava os operários alemães a "se colocarem
sob a bandeira da revolução russa".
A revolução na Rússia influiu poderosamente no de-
senvolvimento do movimento de libertação nacional nos
países coloniais e semicoloniais.
“A revolução russa — indicava Lênin — pôs em mo-
vimento toda a Ásia. As revoluções na Turquia, na Pérsia
e na China demonstram que a vigorosa insurreição de
P a z , P ã o e T e r r a | 37

1905 deixou profundas marcas e que sua influência, que se


revela na marcha ascensional de centenas e centenas de
milhões de homens, é inextirpável.” ("Obras", t. 23, pág.
244, ed. russa).
A revolução de 1905-1907 mostrou, portanto, que o
centro do movimento revolucionário mundial se havia des-
locado para a Rússia e que o heroico proletariado russo
havia passado a ser a vanguarda do proletariado revoluci-
onário do mundo inteiro.
Os acontecimentos da primeira revolução russa
mostraram que o principal baluarte da reação internacio-
nal, o verdugo do movimento operário no Ocidente e do
movimento de libertação nacional no Oriente, não era já o
czarismo, mas a burguesia imperialista da Europa Ociden-
tal e dos Estados Unidos da América, que havia salvo o
czarismo da revolução.
18. A prática revolucionária da classe operária da
Rússia desfechou sério golpe sobre os oportunistas da II
Internacional, confirmando a grande força vital do mar-
xismo criador, a formidável importância da teoria e da tá-
tica do leninismo na luta revolucionária do proletariado.
A revolução deitou por terra as concepções que do-
minavam nos partidos da II Internacional acerca da inevi-
tável hegemonia da burguesia nas revoluções burguesas e
reafirmou a justeza da doutrina leninista sobre a hegemo-
nia do proletariado. A primeira revolução russa demoliu
também o nocivo dogma dos oportunistas da II Internacio-
nal e dos mencheviques russos acerca da natureza reacio-
nária dos camponeses e da incapacidade do proletariado
para destruir, em aliança com os camponeses, o jugo dos
latifundiários e dos capitalistas.
38 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

A teoria leninista da transformação da revolução


democrático burguesa em revolução socialista pulverizou
outro dogma dos oportunistas da II Internacional segundo
o qual entre a revolução burguesa e a revolução socialista
deve mediar longo período, e iluminou para os proletários
de todos os países o caminho da luta por sua emancipação
da escravidão capitalista.
A vitória da Grande Revolução Socialista de Outu-
bro em nosso país representou o triunfo da teoria leninista
da revolução proletária.
Os Partidos irmãos Comunistas e Operários apli-
cam e desenvolvem com espírito criador a teoria leninista
da revolução socialista tendo em conta as condições pecu-
liares de seus países.
Nos cinquenta anos decorridos desde o primeiro as-
salto revolucionário contra a autocracia czarista, a classe
operária e todos os trabalhadores de nosso país percorre-
ram glorioso caminho histórico.
Sob a direção do Partido Comunista, a classe operá-
ria da Rússia, aliada aos camponeses trabalhadores, reali-
zou a Grande Revolução Socialista de Outubro, criou o Es-
tado socialista dos operários e dos camponeses e assegurou
a vitória do socialismo na URSS. Desse modo, o povo sovi-
ético tornou realidade os ideais dos lutadores de vanguar-
da da primeira revolução russa e mostrou que não foram
em vão os duros sacrifícios e o sangue derramado na luta
pela liberdade.
Temperado no fogo de três revoluções, na luta pela
realização de grandes transformações econômico-sociais
em nosso país e nas batalhas da Grande Guerra Patrióti-
ca, o Partido Comunista é em nossos dias o provado diri-
gente do povo soviético em sua luta para terminar a cons-
P a z , P ã o e T e r r a | 39

trução do socialismo e realizar a passagem gradual ao co-


munismo. O Partido mobiliza o povo soviético para conti-
nuar desenvolvendo com rapidez a indústria pesada, pedra
angular da economia socialista, base da potência econômi-
ca e defensiva do país e fonte da vida acomodada e culta
para os trabalhadores. Apoiando-se nos êxitos obtidos no
desenvolvimento da indústria pesada, o Partido organiza o
ascenso vertical da agricultura e o ulterior desenvolvimen-
to das indústrias leve e da alimentação.
O Partido Comunista, estreitamente vinculado ao po-
vo, em cujas forças criadoras têm uma fé sem limites, fomen-
ta a atividade das massas no trabalho e na vida política, ori-
enta sua energia e iniciativa revolucionária para a obra de
incrementar continuamente o poderio de nossa Pátria.
Em todas as etapas da luta libertadora e da constru-
ção socialista o Partido Comunista conservou escrupulosa-
mente e multiplicou as tradições revolucionárias dos povos
de nosso país. Com os exemplos enaltecedores da luta he-
roica de nosso povo, com as ideias do marxismo-leninismo, o
Partido educa os trabalhadores no espírito do ardente pa-
triotismo soviético, do internacionalismo proletário e da
devoção sem limites à causa do comunismo. O Partido luta
resolutamente contra as reminiscências do capitalismo na
consciência dos homens, desenvolve e cultiva as altas qua-
lidades revolucionárias do povo soviético, eleva o nível de
consciência dos trabalhadores da sociedade socialista.
Os soviéticos contemplam com legítimo orgulho o
grandioso balanço do caminho percorrido. Nossa pátria
marcha segura para adiante, elevando-se ante o mundo
inteiro como baluarte do progresso, da democracia e do
socialismo.
40 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Hoje, a causa da revolução, pela qual há meio século


se travou a primeira batalha heroica dos povos da Rússia,
cresceu e se fortaleceu imensamente. Disso é testemunho
brilhante a criação e o fortalecimento do campo democrático
e socialista, em cuja vanguarda marcha a União Soviética.
A experiência revolucionária do povo soviético, as vitó-
rias de importância histórica mundial do socialismo na URSS
e os êxitos da construção do socialismo nos países de demo-
cracia dão alento às massas trabalhadoras dos países capita-
listas, coloniais e dependentes na luta resoluta por uma paz
duradoura, pelas liberdades democráticas, pela independên-
cia nacional, por sua emancipação do jugo imperialista.
Sob a bandeira de Marx, Engels, Lênin e Stálin e
dirigidos pelo Partido Comunista, adiante, para o triunfo
do comunismo!
P a z , P ã o e T e r r a | 41

Paz, Pão e Terra: a História do


País dos Sovietes
42 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

João Pedro Fragoso


P a z , P ã o e T e r r a | 43

Em 26 de outubro de 1917, do calendário juliano (7


de novembro, em nosso calendário gregoriano), operários e
camponeses, guiados pelo Partido Bolchevique (antigo
Partido Operário Social Democrata Russo) insurgiram
contra o Palácio de Inverno do antigo Czar, onde se refugi-
ava o governo de Kerensky e os Mencheviques. Após al-
gumas horas de luta, foi implantada a primeira Ditadura
do Proletariado da história da humanidade1.
Pela primeira vez na história da Rússia, o poder es-
tava nas mãos do povo, que se organizavam por meio de
Sovietes (os assim chamados Conselhos Operários), guia-
dos pelo Partido Bolchevique – que à época, tinha como
maiores nomes os revolucionários marxistas Vladimir Le-
nin, Joseph Stalin, Leon Trotsky, Nikolai Bukharin, Felix
Dzerzhinsky, Alexandra Kollontai, Yakov Sverdlov, Lev
Kamenev e Grigory Zinoviev. As principais promessas dos
Bolcheviques para as massas compunham seu principal
slogan: Paz, Pão e Terra. Mas para conseguir isso, ainda
havia um longo caminho a percorrer.
Antes de dar um passo à frente, se faz necessário
alguns questionamentos: o que é capitalismo ou socialis-
mo? E qual caminho deveria ser seguido pelos revolucio-
nários?

1
Não utilizar esse conceito a partir da perspectiva contemporâ-
nea e liberal. Para a teoria marxista, todo Estado é, ao mesmo
tempo, uma democracia para a classe dominante e uma ditadu-
ra contra a classe explorada. Ditadura do Proletariado é enten-
dida como uma ditadura sobre a burguesia e uma democracia
para os trabalhadores, em contraposição ao Estado burguês,
que aplicava sua ditadura contra o proletariado e uma demo-
cracia para a burguesia. Ver “Estado e a Revolução”, de Vladi-
mir Lênin. Disponível em: <https://bit.ly/3GJFGvs>.
44 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Não se pode definir se um sistema é capitalista ou


socialista meramente pela sua aparência. Neste trabalho,
será utilizado o método marxista de análise social, o mate-
rialismo histórico, para entender a visão de mundo e as
motivações dos revolucionários bolcheviques.
Marx esclarece que o modo de produção e as formas
produtivas como um todo são determinadas pela forma de
extração e utilização do lucro pela sociedade2.
O lucro, mais-trabalho ou mais-valia (o assim cha-
mado de excedente de produção) existiu em diversas for-
mas de organização social da humanidade. Ele é o produ-
zido além do necessário para a sociedade sobreviver e é
responsável por promover o desenvolvimento tecnológico,
científico e econômico. Entretanto, a partir de determina-
do momento histórico (que remonta à antiguidade), um
extrato da sociedade passa a se apropriar do lucro produ-
zido pelos trabalhadores e passa a viver apenas deste. As-
sim, surge a chamada sociedade de classes e a exploração.
O capitalismo, o modo de produção dominante no mundo
contemporâneo, é definido como o sistema econômico da
propriedade privada dos meios de produção, pois são os
agentes privados que controlam a propriedade produtiva e
o lucro resultante da produção: os empresários, também
chamados de burgueses. A burguesia não esteve em ne-

2
“A forma econômica específica em que o mais-trabalho não
pago é extraído dos produtores diretos determina a relação de
dominação e servidão, tal como esta advém diretamente da pró-
pria produção e, por sua vez, retroage sobre ela de modo deter-
minante. Nisso se funda, porém, toda a estrutura da entidade
comunitária econômica, nascida das próprias relações de produ-
ção; simultaneamente com isso, sua estrutura política peculiar.”
(MARX, 2017. p. 775)
P a z , P ã o e T e r r a | 45

nhuma etapa do processo produtivo, ainda assim, é ela que


detém a maior parte do lucro de uma fábrica. A exploração
do trabalho, portanto, não é uma mera categoria abstrata
ou mesmo pejorativa, mas sim uma consequência lógica da
apropriação do lucro por agentes que não participaram da
produção. No socialismo, a classe dominante é abolida
economicamente, então por definição se trata do modo de
produção da propriedade coletiva, pois os agentes produti-
vos, os trabalhadores, controlam a propriedade produtiva
e o lucro coletivamente. Ou seja, o lucro, ao contrário de
ser monopolizado por indivíduos, é socializado entre os
trabalhadores (KHABAROVA, 2014).
Os revolucionários de outubro eram marxistas, ou
seja, tinham em mente a implantação do socialismo mun-
dial. Mas os entraves eram grandes. A Rússia era um país
de desenvolvimento complexo e desigual: uma mistura das
vias prussiana e americana de capitalismo3 que avançava
com a indústria nas cidades, gerando um grande capital
monopolista controlado pela burguesia nacional, que ab-
sorvia o trabalho de uma incipiente classe operária, e a
3
Comentando as duas vias de implantação do capitalismo, a
Prussiana (reformista) e a Americana (revolucionária), Lênin
afirma:
“No primeiro caso, o conteúdo principal da evolução é a trans-
formação dos laços feudais em servidão e exploração capitalista
na terra dos senhores feudais-Junkers. No segundo caso, o prin-
cipal contexto é a transformação do camponês patriarcal em um
fazendeiro burguês.
Na história econômica da Rússia, esses dois tipos de evolução se
evidenciam claramente.” (LÊNIN, Vladimir Ilitch. The Agrari-
an Programme of Social-Democracy in the First Russian Revo-
lution, 1905-1907. Disponível em:
<https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1907/agrprogr/c
h01s5.htm>. (Acesso em 17 de abril de 2021, tradução nossa)
46 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

produção capitalista de pequena escala formada por arte-


sãos. No campo, havia as relações pré-capitalistas vigentes
na grande propriedade feudal e patriarcal, consolidando
uma forte classe de latifundiários, um considerável núme-
ro de camponeses ricos (também chamados de kulaks) e de
camponeses médios, uma absoluta maioria de camponeses
pobres, que trabalhavam em regime de servidão, em agri-
cultura de subsistência ou mesmo capitalista, dependendo
das localidades (VASCONCELOS, 2014).
Havia muito ainda a ser feito para que as massas
conquistassem a Paz, o Pão e a Terra. No mesmo período,
foram aprovados: o Decreto sobre a paz, que denunciava a
Primeira Guerra Mundial como uma guerra imperialista e
conclamava a resolução de todos os conflitos entre os povos
do mundo; o Decreto sobre a abolição da pena de morte,
que revogava a pena capital, instituída nos governos ante-
riores; o Decreto sobre a introdução do dia de trabalho de
oito horas; o Decreto sobre a terra, que realizava uma ex-
tensa reforma agrária por toda a nação (BELOUS, 2017).
Essa reforma agrária não possuía um caráter socialista,
mas sim capitalista e democrático-burguês, tal qual verifi-
cado nas Revoluções Francesa e Americana. Aproximada-
mente 40% da terra cultivável detida pelos latifundiários
foi tomada pelos camponeses, seja por meio da atuação
direta dos bolcheviques, seja por mobilizações autônomas
dos trabalhadores, consolidando o predomínio da pequena
propriedade fundiária. Os outros 60% foram estatizados
pelo novo governo. Vencia-se definitivamente o atraso feu-
dal, consolidando o capitalismo no campo, e abria as por-
tas para o desenvolvimento socialista (VASCONCELOS,
2014). A primeira promessa de Lênin ao povo soviético ha-
via sido cumprida: Terra (ALLEN, 2003).
P a z , P ã o e T e r r a | 47

Operários de todo o mundo estavam entusiasmados


com o que acontecia na Rússia. A velha máquina estatal cza-
rista havia sido destruída e um Estado de novo tipo, com
instituições populares, surge em suas ruínas. A nova Consti-
tuição foi aprovada em 1918, com o destaque para a ampla
liberdade religiosa e a nacionalização dos bens da Igreja Or-
todoxa; houve criação da CHEKA (Comissão Extraordinária
de Toda a Rússia para o Combate à Contrarrevolução e a
Sabotagem), uma polícia política que, como o nome sugere,
combatia a contrarrevolução e sabotagem, cuja liderança foi
entregue a Felix Dzerzhinsky, membro do Partido reconhe-
cido pelo seu caráter e incorruptibilidade (BELOUS, 2017).
Também nessa época foi fundado o Exército Vermelho, um
exército de novo tipo composto por operários e camponeses,
sob a organização do revolucionário Leon Trotsky.
Nesse contexto, seguiram-se as negociações sobre
Tratado de Paz entre a Rússia e o bloco alemão para reti-
rar o país da Guerra, conhecido como Paz de Brest-
Litovsk. Após um grande debate e polêmicas entre as li-
nhas opostas de Vladimir Lênin, Leon Trotsky e Nikolai
Bukharin, o tratado foi assinado. Era uma paz dura para a
Rússia, até mesmo vergonhosa. Os alemães anexaram a
Letônia e a Estônia, e separaram a Ucrânia da República
Socialista, a tornando um estado vassalo alemão. A paz
ainda não havia sido conquistada: como será visto adiante,
logo após a tomada de poder pelos Bolcheviques, a Guerra
Civil foi iniciada.
Ao contrário do que se pensa, nesses primeiros meses
não havia se instituído ainda o tão famigerado “terror”. O
terror é entendido como uma política de guerra que consiste
no emprego de violência desmedida por parte de governos
ou movimentos políticos com o objetivo de aterrorizar al-
48 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

guma parcela da sociedade (seja ela qual for). Como já vis-


to, a pena de morte havia sido abolida e a liberdade de ex-
pressão não era combatida até o momento. Ao contrário,
existem relatos sobre vários jornais de oposição que profe-
riam críticas ferozes ao bolchevismo45. Nesse período inicial
do governo Lênin, não havia repressão em massa e censura
a jornais. Por que o governo soviético viria a mudar tão
bruscamente após algum tempo? É o que será analisado no
próximo período estudado: a Guerra Civil Russa.

4
Relato do embaixador britânico na Rússia R. H. Bruce
Lockhart:
“O terror ainda não existia, nem mesmo dava para dizer que a
população tinha medo dos bolcheviques”. “A vida petersbur-
guense, naquelas semanas, tinha um caráter bastante peculi-
ar... Jornais dos opositores aos bolcheviques ainda estavam
sendo publicados, e a política dos Sovietes estava sujeita aos
mais severos ataques deles... Nesta era inicial do bolchevismo, o
perigo à integridade física e à vida não vinha do partido gover-
nante, mas de gangues anarquistas.” (LOCKHART Apud BE-
LOUS. Como o Centro Yeltsin zomba de nossas crianças. Parte
18. O terror “vermelho” como resposta ao terror internacional e
“branco”. Disponível em: <https://cont.ws/@iliabelous/494709>.
Acesso em 17 de abril de 2021, tradução nossa feita por Ma-
theus Gusev)
5
Relato do menchevique exilado David Dalin:
“O sistema soviético existia, mas sem o terror; Foi a guerra
civil que impulsionou o seu desenvolvimento. …Os bolchevi-
ques não embarcaram imediatamente no caminho do terror,
durante seis meses a imprensa da oposição continuava suas
publicações, e não só a socialista, mas também a abertamente
burguesa. O primeiro caso de pena de morte ocorreu apenas
em maio de 1918.” (DALIN Apud BELOUS. Como o Centro
Yeltsin zomba de nossas crianças. Parte 18. O terror “verme-
lho” como resposta ao terror internacional e “branco”. Dispo-
nível em: <https://cont.ws/@iliabelous/494709>. Acesso em 17 de
abril de 2021, tradução nossa feita por Matheus Gusev)
P a z , P ã o e T e r r a | 49

Capítulo 1
50 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

A Revolução é atacada – A
Guerra Civil e a Intervenção
Internacional
P a z , P ã o e T e r r a | 51

Os antigos grupos de esquerda não ligados aos Bol-


cheviques, tais como: os Mencheviques, socialistas revolu-
cionários, alguns anarquistas e vários outros, logo inicia-
ram um sistema de oposição terrorista ao novo governo
estabelecido. Ao contrário de uma mera batalha ideológica
entre correntes de esquerda, esses grupos passaram a re-
ceber financiamento direto de potências ocidentais. Os pa-
íses capitalistas logicamente não almejavam estabelecer
uma sociedade anarquista na Rússia, mas sim desmontar
o regime marxista que acabava de se consolidar. Tais gru-
pos, portanto, abandonaram quaisquer vestígios de pro-
gressismo que poderiam restar em seus ideais e embarca-
ram definitivamente no caminho contrarrevolucionário da
restauração czarista e, a partir disso, aliam-se aos grupos
mais reacionários derrotados na Revolução de Fevereiro, a
fim de atacar o Exército Vermelho6.

6
Relato do Ministro da Guerra do governo provisório dos Men-
cheviques Aleksander Verkhovsky:
“Em março de 1918, fui pessoalmente convidado pela ‘União pelo
Renascimento da Rússia’ a ingressar no quartel-general militar
da dita ‘união’. Aquele quartel-general era uma organização des-
tinada à estruturação de um levante contra o poder soviético...
Ele tinha conexões com células aliadas em Petrogrado. O general
Suvorov estava encarregado destas células... Os representantes
das células aliadas mostraram-se interessados na minha avalia-
ção da situação do ponto de vista da possibilidade da restaura-
ção... da frente contra a Alemanha. Tive conversas sobre isso com
o general Nissel, um representante da célula francesa. O quartel-
general, por meio do caixa de Suvorov, recebeu fundos de seus
aliados da união.” (VERKHOVSKY Apud BELOUS. Como o Cen-
tro Yeltsin zomba de nossas crianças. Parte 18. O terror “verme-
lho” como resposta ao terror internacional e “branco”. Disponível
em: <https://cont.ws/@iliabelous/494709>. Acesso em 17 de abril de
2021, tradução nossa feita por Matheus Gusev)
52 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Começava assim a Guerra Civil russa, de um lado o


Exército Vermelho representando a aliança operário-
camponesa e as milícias “Negras” anarquistas (que poste-
riormente iriam entrar em choque com os Vermelhos), do
outro o Exército Branco (composto por monarquistas, “so-
cialistas” revolucionários, mencheviques, etc.) auxiliado,
amparado e financiado por legiões estrangeiras de quinze
países imperialistas invasores, com destaque para Estados
Unidos, Reino Unido, França, Itália e Japão (VASCON-
CELOS, 2014).
Não se tratava, portanto, de uma mera guerra civil.
Instaurava-se uma verdadeira guerra internacional dos
países capitalistas contra o país dos sovietes, intervindo
diretamente em seu território. Tal hostilidade apresenta-
da pelas potências ocidentais será manifestada em toda a
existência do governo bolchevique e condicionará o recru-
descimento e aumento da repressão nos anos posteriores.
Trata-se, portanto, de uma nação buscando consolidar sua
soberania e autodefesa. Ainda restavam alguns bandos
camponeses independentes e separatistas, como os “Ver-
des”, que no decorrer da Guerra foram reprimidos ou as-
similados a um dos dois grandes grupos combatentes.
Em meados de janeiro de 1918, Lênin, sua irmã Ma-
ria Ilyinichna Ulyanova e o secretário do Partido Social
Democrata Suíço Friedrich Platten foram atropelados na
Ponte Simeonovsky, sendo confirmado posteriormente como
uma tentativa de assassinato por terroristas. Em agosto de
1918, a socialista revolucionária Fanni Kaplan alvejou dois
disparos em Lênin quando este se dirigia a uma fábrica, um
tiro atingiu seu pulmão esquerdo e o outro o seu ombro es-
querdo. Em 20 de julho de 1918, o bolchevique ucraniano
Moisei Volodarsky foi assassinado por um socialista revolu-
P a z , P ã o e T e r r a | 53

cionário. No mês seguinte, Moisei Uritsky, outro bolchevi-


que, foi também assassinado (BELOUS, 2017).
Esses casos são exemplos de como as antigas classes
dominantes tentavam, por meio de terrorismo individual,
retomar seu antigo poder. O chamado Terror Branco, pro-
movido pelo Exército Branco, será amplamente apoiado e
utilizado pelas já citadas potências invasoras. Isso levará o
governo soviético a revogar a abolição da pena de morte e
promover a institucionalização do Terror Vermelho, pro-
movido pela CHEKA. Uma resposta à altura do Terror
Branco que já assolava toda Rússia. Como se sabe, e visto
em todas as revoluções até aquele momento, após uma
classe ser destituída do poder, busca de diversas formas
retomar o poder que lhe pertencia. A classe revolucionária,
agora mandante do novo estado, respondia à altura7.
O terror, como forma de atuação, foi utilizado pelos
exércitos e milícias combatentes na guerra. Vermelhos,
Brancos e Verdes, todos se valeram de métodos sanguiná-

7
Lênin comenta a questão: “Oh, como é humana e justa esta
burguesia! Os seus servidores acusam-nos de terror ... Os bur-
gueses ingleses esqueceram o seu 1649, os franceses o seu 1793.
O terror era justo e legítimo quando era empregado pela bur-
guesia em seu proveito, contra os feudais. O terror tornou-se
monstruoso e criminoso quando os operários e os camponeses
pobres se atreveram a empregá-lo contra a burguesia! O terror
foi justo e legítimo quando era empregado no interesse da subs-
tituição de uma minoria exploradora por outra minoria explo-
radora. O terror tornou-se monstruoso e criminoso quando pas-
sou a ser empregado no interesse do derrubamento de todas as
minorias exploradoras, no interesse duma maioria verdadeira-
mente enorme, no interesse do proletariado e do semiproletari-
ado, da classe operária e do campesinato pobre! (LÊNIN, Vla-
dimir Ilitch. Carta aos Operários Americanos. 1918. Disponível
em: <https://bit.ly/3IQDR1S>
54 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

rios e cruéis para manter o controle de suas áreas


(THURSTON, 1996). Entretanto, engana-se quem iguala
as táticas aplicadas pelos diferentes grupos. O Terror
Vermelho foi uma medida amplamente utilizada em todas
as Revoluções Burguesas (ou seja, capitalistas), seja na
Inglaterra, América ou França. Trata-se de uma estraté-
gia cujo propósito busca o combate a terroristas, sabotado-
res e espiões que procuram restaurar o Antigo Regime. Já
o Terror Branco, associado aos elementos contrarrevoluci-
onários (nobres, déspotas, monopolistas, etc.) detém um
caráter essencialmente colonizador, por vezes genocida,
contra povos nativos ou civis, como forma de desencorajá-
los contra a resistência (BELOUS, 2017). As práticas de
tortura, assassinatos em massa, saques, incêndios de ca-
sas com seus respectivos moradores eram frequentes nas
áreas controladas pelos Brancos8. A presença de Pogroms,
milícias antissemitas que assassinavam judeus e comunis-
tas, era evidenciada entre os czaristas. De acordo com o
historiador americano W. Bruce Lincoln, um exemplo des-
sa prática ocorrida de forte perseguição racial e religiosa
aos judeus ficou evidenciado pela atuação do general De-
nikin e seu exército, em uma região da Ucrânia em 1919,
com a prática de estupros de cerca de 350 mulheres e exe-

8
“Dia 12 de maio inicia a tortura sofrida pelos habitantes das
vilas de Kazanka e Selbak. 22 pessoas foram executadas por
"pertencerem a comitês revolucionários", e suas propriedades
foram incendiadas.” (BELOUS, Ilia. Как Ельцин-центр
зомбирует наших детей. Часть 18. «Красный» террор возник в
ответ на международный и «белый» террор. Disponível em:
<https://cont.ws/@iliabelous/494709>. Acesso em 17 de abril de
2021, tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 55

cução de uma a cada treze pessoas de origem judaica (YA-


NOWITZ, 2007).
Em julho de 1918, o Czar Nicolau II e sua família
encontravam-se na cidade de Ecaterimburgo, na qual seri-
am julgados pelos seus crimes contra o povo russo. Entre-
tanto, uma Legião Checoslovaca estava próxima de tomar
a cidade a fim de resgatar a família imperial, e assim, o
risco iminente do Czar reivindicar novamente o trono.
Dessa forma, Yakov Yurovsky, agente da polícia bolchevi-
que, comandou um esquadrão da CHEKA que executou a
família imperial.
Ainda nessa época, Lênin criou a Terceira Interna-
cional Comunista, conglomerado que reunia Partidos Co-
munistas de diferentes países com o objetivo de promover
a Revolução Proletária internacional.
Como agravante ao contexto, a fome e a miséria as-
solavam a população. Eram duros os tempos da guerra. Na
tentativa de minimizar o caos instaurado, os bolcheviques
implantaram o chamado Comunismo de Guerra, para con-
fiscar os grãos em excesso do campesinato e distribui-los
em áreas famintas e para o exército. Foi uma medida se-
vera, principalmente ao já debilitado campesinato russo, o
qual estava acostumado a consumir a maior parte de sua
produção, mas necessária na visão dos revolucionários. O
consumo da produção pelos trabalhadores rurais foi redu-
zido em cerca de 60% em relação aos anos anteriores. Essa
medida formou uma ruptura na sólida aliança operário-
camponesa, que será reafirmada nos tempos da NEP
(VASCONCELOS, 2014). Tal política de requisição forçada
de grãos será aplicada também pelos Brancos e os Verdes
em suas áreas de controle (TAUGER, 2001).
56 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Além dos grupos abertamente contrarrevolucioná-


rios do Exército Branco, cabe citar a existência de experi-
ências anarquistas dissidentes, em especial duas: a do
Território Livre na Ucrânia (também chamado de Makh-
novtchina) e a do motim de Kronstadt. Esses grupos surgi-
ram devido ao enfraquecimento da aliança operário-
camponesa durante o Comunismo de Guerra, que levou a
um ressentimento por parte do campesinato que passou a
integrar esses grupos (YANOWITZ, 2007; VASCONCE-
LOS, 2014). Os “Negros”, como eram chamados os anar-
quistas ucranianos liderados por Nestor Makhno (não con-
fundir com a terminologia étnica), estabeleceram um au-
toproclamado território anarquista na Ucrânia, partindo
da premissa de ausência de estado, do “autoritarismo bol-
chevique”, baseado em “comunas populares”. No entanto,
esse compromisso não se verificou na prática, represen-
tando uma romantização idealista por parte dos anarquis-
tas contemporâneos.
Como demonstra Yanowitz (2007), apoiado no dou-
toramento do pesquisador especialista na Makhnovtchina
Colin Darch, os Negros se utilizaram de políticas e insti-
tuições estatais para manter a região sob controle. Eles
regularam a imprensa, instituíram uma política monetá-
ria, utilizaram de grupos armados para garantir a aplica-
ção de suas políticas, proibiram todos os partidos (com a
exceção do próprio) de organizar eleições para órgãos regi-
onais, utilizaram seu poder militar para reprimir organi-
zações de ideias contrárias, formularam políticas de higie-
ne obrigatórias para combater epidemias, entre outras
práticas. Nesse período de guerra, todos os referidos gru-
pos utilizaram dessas táticas para garantir sua sobrevi-
vência. Em especial, os Negros reforçaram esse compor-
P a z , P ã o e T e r r a | 57

tamento, do contrário sua existência na Guerra Civil teria


sido reduzida ao primeiro ano. O próprio Nestor Makhno
pode ser considerado por muitos anarquistas contemporâ-
neos como um “ditador autocrata”, já que ele detinha po-
der de veto sobre qualquer decisão tomada por sua milí-
cia9. Ainda que a experiência comunal tenha ocorrido efe-
tivamente, ela mostrou-se inexpressiva e incorporou ape-
nas uma minoria das massas que integravam o movimento
– menos de 0,1% da população. De fato, a maior parte da
produção vigente no Território Livre era regida pela pe-
quena propriedade privada (YANOWITZ, 2007).
Os Negros lutaram por algum tempo ao lado dos
Vermelhos para expulsar o General Branco Denikin do terri-
tório ucraniano, cumprindo um papel essencialmente heroi-
co. Entretanto, constantes atritos e boicotes por parte de
Makhno elevaram as hostilidades entre as tropas. Já nas
primeiras alianças formadas, Makhno impedia a intervenção
dos Vermelhos na coleta de grãos e suprimentos da região
para abastecimento das tropas, enquanto os Negros invadi-
am quaisquer trens de suprimentos que transitassem pela
região. Na aliança contra Denikin, Makhno e suas tropas
abandonaram a frente de combate, fundando um exército
insurgente independente, e declarando que o governo sovié-
tico deveria ser derrubado. Makhno e os anarquistas esta-
vam, de fato, enveredando no campo da contrarrevolução.
Por conta disso, após a vitória sobre os Brancos em meados

9
“Apesar de alguns dos ajudantes de Makhno terem tentado
introduzir estruturas mais convencionais no exército, o controle
[de Makhno] continuou absoluto, arbitrário e impulsivo.”
(DARCH Apud YANOWITZ. The Makhno Myth. Disponível em:
<https://isreview.org/issues/53/makhno.shtml>. Acesso em 17 de
abril de 2021, tradução nossa)
58 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

de 1921, o Exército Vermelho combateu e derrotou as últi-


mas tropas Negras remanescentes, enviando Makhno para o
exílio. Apesar da derrota militar de Makhno, seu movimento
estava fadado ao fracasso independente da intervenção dos
Vermelhos. Com a aliança operário-camponesa reestabeleci-
da pelos Bolcheviques com a NEP (que será abordada mais a
frente), sua base de apoio encontrava-se agora comprometi-
da (YANOWITZ, 2007).
Ainda houve o evento do motim de Kronstadt, tam-
bém em 1921, onde marinheiros anarquistas e pequenos
burgueses tomaram a cidade portuária de Kronstadt, for-
mando um dito “Comitê Revolucionário” independente do
governo de Moscou a fim de governar a cidade. O motim
surge a partir de reivindicações sociais legítimas do campe-
sinato em contraposição às condições terríveis de vida pelas
quais a Rússia atravessou na Guerra Civil. Entretanto, o
levante foi exaltado pela burguesia internacional, pelos
czaristas e pelos mencheviques, como uma maneira de pro-
pagar sua ideologia antibolchevique. Suas reinvindicações
eram extremamente idealistas, exigiam ações utópicas de
implementação pelo governo naqueles tempos de guerra.
Como não foram atendidos, uma série de mal-entendidos
entre os revoltosos de Kronstadt e o governo dos Bolchevi-
ques levou ao aumento das hostilidades, até às vias de con-
fronto direto, culminando na destruição do Motim pelo
Exército Vermelho. Os eventos de Kronstadt, assim como a
experiência da Ucrânia, representaram a necessidade de
recompor as forças com o campesinato por meio da NEP,
antes que várias dessas revoltas camponesas se espalhas-
sem por toda a nação (VASCONCELOS, 2014).
Ao final de 1921, os bolcheviques haviam derrotado
a maior parte das tropas Brancas e das legiões estrangei-
P a z , P ã o e T e r r a | 59

ras, estabelecendo o controle sobre a maior parte das re-


públicas. Seu imenso apoio popular somados a extrema
coesão e disciplina do Exército Vermelho, foram os motivos
do triunfo dos Bolcheviques. Mas além disso, apenas com
políticas voltadas ao bem estar das massas10, foi possível
atingir a disciplina militar e a coesão revolucionária que
levou o Partido Bolchevique à vitória. Com a maior parte
dos Brancos derrotados em 1921, a Guerra Civil havia
chegado ao fim. A segunda promessa de Lênin ao povo so-
viético havia sido conquistada: Paz (ALLEN, 2003).

10
“Durante a Guerra Civil, por exemplo, as autoridades encon-
traram formas de integrar os aldeões em novas estruturas ad-
ministrativas e desenvolverem uma política relacionada a pro-
visões que era aceitável para os camponeses, através da qual os
grãos eram direcionados das fazendas para o Exército Vermelho
e às cidades, apesar do grande déficit de bens de consumo no
fluxo contrário.” (THURSTON, 1996, p. 1, tradução nossa)
60 | J o ã o P e d r o F r a g o s o
P a z , P ã o e T e r r a | 61

Capítulo 2
62 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Um passo atrás para avançar


dois à frente – O Capitalismo
de Estado na Rússia e a orien-
tação do Partido Comunista
P a z , P ã o e T e r r a | 63

No X Congresso dos Sovietes, baseando-se no prin-


cípio do centralismo democrático11, Lênin combateu, derro-
tou e proibiu as frações sectárias e nocivas do Partido, co-
mo a Oposição Operária, e estabeleceu o que chamou de
Unidade do Partido (PCUS, 1937). As linhas ideológicas do
Partido Bolchevique não deveriam mais se comportar co-
mo frações organicamente independentes e sectárias, que
atuassem umas contra as outras, mas sim como linhas
diversas, com liberdade para os debates dentro do Partido,
porém atuando em unidade para conduzir a política esco-
lhida. O Comunismo de Guerra, na visão dos bolcheviques,
já não se fazia necessário em tempos de paz. Lênin com-
preendeu que a Rússia, enquanto um país de capitalismo
tardio, não tinha o necessário desenvolvimento das forças
materiais para a consolidação da economia socialista.
No campo internacional a Revolução Alemã, tão
aguardada pelos Bolcheviques, fracassou. Os sociais-
democratas alemães, instituídos no poder após a derrota
germânica na Primeira Guerra Mundial, traíram os mar-
xistas e assassinaram suas principais lideranças, como
Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo12. A tese marxista

11
“O princípio do centralismo democrático e da autonomia das
organizações partidárias locais implica uma liberdade universal
e plena de crítica, desde que isso não perturbe a unidade de
uma ação definida; exclui todas as críticas que perturbem ou
dificultem a unidade de uma ação decidida pelo Partido. [...]
Liberdade de discussão, unidade de ação – é isso que devemos
nos esforçar para alcançar.” (LÊNIN, Vladimir Ilitch. Centra-
lismo Democrático: “Liberdade para Criticar e Unidade de
Ação”. 1906. Disponível em: <https://bit.ly/3dO25eK>
12
Esta traição levará Stalin a afirmar que a “social-democracia
é, objetivamente, a ala moderada do fascismo” (STALIN, Joseph
Vissarionovich. A Situação Internacional. 1924. Disponível em:
64 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

clássica de que o socialismo deveria prosperar inicialmente


no primeiro mundo industrializado parecia não se susten-
tar após mudanças estruturais na dinâmica do capitalismo.
Uma Alemanha socialista iria auxiliar os revolucionários
soviéticos a desenvolverem seu socialismo. Entretanto, com
a dissipação dessa esperança, os comunistas tiveram que
buscar meios de se desenvolverem de maneira autônoma.
O Comitê Estatal de Planejamento, apelidado de
Gosplan, é fundado com o objetivo de promover o planeja-
mento econômico da nova sociedade. Foi idealizada a Nova
Economia Política (abreviada como NEP) que consolidava,
como medida temporária, o capitalismo de estado na Rús-
sia. O lucro continuaria a ser explorado pela burguesia.
Medida essa que seria imposta até que as forças materiais
da Rússia estivessem suficientemente desenvolvidas para
avançar com a construção socialista e a aliança operário-
camponesa se fortalecesse, antes desgastada pelo Comu-
nismo de Guerra. A NEP representou, de fato, uma alian-
ça do proletariado e do campesinato com as camadas mé-
dias e altas da produção rural. Por todo o período em que
vigorou a NEP, vigorou um período de conciliação econô-
mica entre as classes, com o Partido Comunista se utili-
zando dessas frações da classe dominante para promover o
desenvolvimento do capitalismo no país, aumentando a
capacidade industrial com concessões ao capital estrangei-
ro, a produção de alimentos e redução do desemprego. A
maior parte dos comunistas apoiou essa medida à época, a
princípio estabelecida como temporária (VASCONCELOS,
2014; KHABAROVA, 2014).

<https://www.marxists.org/portugues/stalin/1924/09/20.htm>.
Acesso em 17 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 65

A CHEKA é substituída pela OGPU (Diretório Polí-


tico Unificado do Estado) (KAHN & SAYERS, 1959), tendo
sido dirigida por Félix Dzerzhinsky até sua morte em
1926. Assim, ao final de 1922 fundou-se a União das Re-
públicas Socialistas Soviéticas, composta inicialmente pe-
las nações: República Socialista Federativa Soviética da
Rússia, República Socialista Soviética da Bielorrússia,
República Socialista Soviética da Ucrânia, e a República
Socialista Federativa Soviética Transcaucasiana (que anos
mais tarde seria dividida nas três Repúblicas Soviéticas
da Armênia, do Azerbaijão e da Geórgia). O Partido Bol-
chevique tem seu nome alterado de forma sucessiva, mas
para fins didáticos será usado apenas sua denominação
mais conhecida, o Partido Comunista da União Soviética
(PCUS). Joseph Vissarionovich Stalin foi eleito, apoiado
por Lênin, como Secretário Geral do Partido Comunista.
Em 1924, era aprovada a segunda constituição, estabele-
cendo uma maior centralização do poder do que a de 1918
(GETTY, 1991). Começava agora a construção da pátria
soviética.
Entre 1922 e meados de 1924, Vladimir Lênin, o
principal dirigente do PCUS, que se encontrava com a sa-
úde debilitada, foi acometido por uma sequência de AVCs
que o levaram a óbito. O movimento operário internacio-
nal chorou pela perda de seu maior líder. Nesse mesmo
ano, Stalin publicou o livro “Sobre os Fundamentos do Le-
ninismo”, que apresentava a obra de Lênin não como uma
mera adaptação do Marxismo à realidade russa, mas sim
como uma segunda etapa de desenvolvimento do Marxis-
66 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

mo13. A partir daí, o Marxismo torna-se Marxismo-


Leninismo, uma teoria universal, que como será visto, se-
rá a ideologia adotada por 1/3 das nações mundiais. Du-
rante todo o período revolucionário, os integrantes do Par-
tido Comunista oscilaram entre várias linhas de pensa-
mento acerca da referida ideologia (VASCONCELOS,
2014). Tais linhas não representavam necessariamente
visões corretas ou incorretas, mas sim versões diferentes
do que cada um acreditava representar sobre a aplicação
do socialismo para a realidade concreta (KEERAN &
KENNY, 2008).
Trotsky e a Oposição de Esquerda formavam a linha
de extrema esquerda, exigindo de imediato a coletivização
forçada e a industrialização planificada, com foco na in-
dústria de base – teorizada pelo economista Ievguêni
Preobrajenski. Além disso, defendiam que o país dos Sovi-
etes deveria destinar seus esforços a promover revoluções
em outros países, do contrário, a Revolução Russa não
triunfaria – tese que ficou conhecida como Revolução Per-
manente. Bukharin formava a linha mais direitista e re-
presentante da pequena-burguesia camponesa, defenden-
do a utilização permanente da NEP, com foco no aumento
do consumo da população acima de tudo – capitalismo de
estado. Bukharin acreditava, de fato, que a NEP fosse a
via para o socialismo, e não um recuo, como propunha Lê-

13
“O leninismo é o marxismo da época do imperialismo da
revolução proletária. Mas exatamente: o leninismo é a teoria e
a tática da revolução proletária em geral, a tática da ditadura
do proletariado em particular.” (STALIN, Joseph Vissariono-
vich. Sobre os Fundamentos do Leninismo. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/stalin/1924/leninismo/in
dex.htm>. Acesso em 17 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 67

nin. Dessa forma, sua linha era amplamente apoiada em


elementos burgueses e não proletários. A linha de esquer-
da era encabeçada por Stalin, que defendia a utilização da
NEP apenas como medida temporária, e a partir do mo-
mento em que tivesse cumprido seu papel de desenvolvi-
mento inicial, deveria ser descartada e substituída pela
coletivização, que por sua vez impulsionaria a industriali-
zação, com ambas sendo coordenadas de maneira centrali-
zada. Também via a necessidade de se destinar o foco da
URSS para a promoção do socialismo em seu território
inicialmente, afirmando a possiblidade da União Soviética
triunfar sem depender que a revolução se consolidasse nos
países ocidentais – tese que ficou conhecida como socia-
lismo em um só país (KEERAN & KENNY, 2008). Ao cen-
tro, estavam Kamenev e Zinoviev, que de maneira oportu-
nista, se aliavam periodicamente a alguma das linhas vi-
gentes. É importante reiterar que essa separação não foi
de forma absoluta.
A Oposição de Esquerda, formada por Trotsky, ten-
tou atacar de todas as formas a linha de esquerda do
PCUS, representada por Stalin, durante o XIII Congresso
dos Sovietes. Eles reivindicavam Lênin como um mártir,
ainda que tenham sido a principal oposição a ele anos an-
tes. Vários escândalos, falsificações e disputas pelo poder
ocorreram de maneira recorrente neste período, descritos
pelo historiador Stephen Kotkin como uma série de acon-
tecimentos peculiares. Um documento bastante citado
desse período é o “Testamento de Lênin”, onde suposta-
mente Lênin teria ditado a retirada de Stalin do cargo de
Secretário Geral do PCUS, e nas entrelinhas (não dito ex-
plicitamente) sugere que gostaria que Trotsky ascendesse
ao poder. De acordo com Kotkin (2017), é evidente a falta
68 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

de veracidade e diversas contradições desse documento.


Utilizando-se dos estudos do historiador russo Valentin
Sakharov, destaca a inexistência de provas que corrobo-
rem com a versão de que Lênin o tenha escrito, já que se
trata de um texto datilografado e sem rubricas, ainda que
sua mão esquerda não estivesse paralisada à época (ao
contrário da direita). Também lembra a coesão das ideias
de Lênin com Stalin e seus frequentes atritos com Trotsky.
Kotkin conclui que possivelmente a carta foi escrita por
opositores de Stalin, em uma tentativa de utilizar o nome
de Lênin para afasta-lo do poder. Ainda assim, o fato é que
esse documento fora tido como verdadeiro para os bolche-
viques, servindo de munição aos trotskistas para atacar
Stalin (KOTKIN, 2017).
Após vários debates entre as linhas esquerdistas e
direitistas no seio do PCUS sobre condução do socialismo,
foram tomadas algumas decisões. A tese da Revolução
Permanente foi derrotada por meio da discussão partidá-
ria, apresentando entre 1% e 1,5% dos votos, e assim, o
Socialismo em um país só passa a ser a tática adotada
(MARTENS, 1994). Apesar disso, é importante salientar
que a URSS não abandonou a luta internacional. A Ter-
ceira Internacional manteve o apoio à Revolução Chinesa
e às demais revoluções nacionais por todo mundo, ainda
que o foco do PCUS agora fosse o desenvolvimento interno.
A manutenção da NEP também foi aprovada e esse modelo
permaneceu até 1927. Como mostra R.W. Davies, histori-
ador norte americano, com todas as suas limitações, a
NEP conseguiu atingir seus objetivos de desenvolvimento
inicial das forças produtivas, igualando a produção agríco-
la ao que era antes da revolução (MARTENS, 1994).
P a z , P ã o e T e r r a | 69

Houve várias crises de fome durante esse período,


fato que infelizmente era rotineiro para as massas soviéti-
cas. A Rússia sofreu mais de 150 crises de fome em quase
1000 anos de história registrada, todos por conta de desas-
tres naturais que devastaram as plantações e diminuíram
significativamente as colheitas durante esses anos de fome
(TAUGER, 2001). Como mostra o historiador Mark Tau-
ger, especialista nas crises de fome que permearam a his-
tória da Rússia, as fomes durante a década de 1920 não
fugiram a essa lógica14.
Entretanto, a NEP e o capitalismo de Estado se
mostraram ineficientes para modernizar o maquinário
agrícola, impossibilitando a adoção de políticas eficientes
que minimizassem os danos de desastres naturais e impe-
dissem que a fome se alastrasse. E ainda, a maior parte da
produção de cereais das empresas privadas não era comer-
cializada no mercado (cerca de apenas 13%), sendo as em-
presas estatais as principais provedoras de bens de con-
sumo para o país (KHABAROVA, 2014). Como destaca
Furr (2014), a continuação indefinida da NEP iria agravar
o número de mortes por fome.
Na visão da linha de esquerda do Partido, era ne-
cessário um planejamento de uma economia socialista, que
modernizasse todo o país e abrisse as portas para o desen-
14
“Secas graves levaram a fomes durante o período da Nova
Política Econômica (NEP) em 1924-1925 na Rússia europeia e
na Ucrânia, e em 1928-1929, que foi mais grave na Ucrânia. [...]
Desastres naturais, especialmente a seca por si só ou em com-
binação com outros fatores ambientais (a serem discutidos
abaixo), repetidamente causaram problemas nos cultivos du-
rante os anos iniciais da União Soviética e ameaçaram reviver a
crise alimentar e a fome do período da Guerra Civil.” (TAU-
GER, 2001. p. 7, tradução nossa)
70 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

volvimento econômico e uma maior qualidade de vida. Foi


assim que Stalin, considerando que a NEP já havia cum-
prido seu papel de desenvolvimento inicial das forças ma-
teriais da Rússia, rompeu com Bukharin e anunciou em
1928 os Planos Quinquenais soviéticos, inspirados nas teo-
rias de Preobrajenski do início de 1920. O primeiro Plano
promoveu os projetos de: coletivização forçada, na qual a
grande propriedade dos kulaks foi expropriada, abrigando
os camponeses pobres em Kolkhozes (fazendas coletivas
com auxílio estatal) e Sovkhozes (fazendas estatais); e de
industrialização, em que foi dada prioridade a indústria
pesada, a siderurgia e a eletrificação. A justificativa de
Stalin para tais medidas foi o fato de a Rússia estar em
risco de uma nova intervenção militar imperialista e, por-
tanto, necessitaria desenvolver-se o quanto antes15. O au-
mento do consumo da população deveria vir após a cons-
trução de um grande parque industrial para garantir a
soberania interna, e não o inverso.
A coletivização, entretanto, não foi bem aceita pela
velha classe dominante. Para os camponeses ricos era in-
concebível a ideia de entregar suas terras aos camponeses
pobres que, por meio de fazendas coletivas e do Estado,
iriam produzir para o bem-estar e desenvolvimento da na-
ção, e não para enriquecimento dos lucros privados. Os
kulaks resistiram, encerrando definitivamente a concilia-
ção promovida durante a NEP. O governo soviético anun-

15
“Estamos 50 a 100 anos atrasados em relação aos países mais
avançados. Temos de percorrer esta distância em dez anos. Ou
conseguimos fazê-lo ou seremos esmagados.” (STALIN Apud
MARTENS. Um Outro Olhar Sobre Stáline. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/index.
htm>. Acesso em 14 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 71

cia o processo de deskulakização, os kulaks seriam expro-


priados e exilados de suas terras para colonizar localida-
des pouco povoadas por meio de assentamentos. Enfim,
“exterminados enquanto classe” – agora a luta de classes
se mostrava como via de confronto direto (ZEMSKOV,
2018). Cabe salientar que tal extermínio não se tratava de
aniquilamento físico, como alguns ideólogos burgueses de-
fendem. Não houve um “holocausto kulak”, mas sim, a
abolição da classe dos grandes proprietários de terra para
que a propriedade coletiva prevalecesse e a fome dissipas-
se (MARTENS, 1994).
O falecido Viktor Zemskov, doutor em ciências his-
tóricas e antigo pesquisador chefe do Instituto de História
da Rússia, foi um importante estudioso sobre todo aparato
de repressão soviético. Ele traz novos estudos importantes
sobre o processo da coletivização que questionam a versão
convencional tida sobre o evento. Sobre o número de ku-
laks exilados para os assentamentos, Zemskov (2018) re-
vela certas imprecisões e números inflados divulgados pela
historiografia ocidental, fornecendo números concretos
sobre o processo, consideravelmente menores:

A afirmação, amplamente divulgada na sovietologia


ocidental, de que durante a coletivização de 1929-
1932, 6 a 7 milhões de camponeses (principalmente
kulaks) “morreram” não resiste às críticas. Entre
1930 e 1931, um pouco mais de 1,8 milhão de cam-
poneses foram enviados para o "exílio kulak", e no
início de 1932, aproximadamente 1,3 milhão deles.
Uma redução de 0,5 milhão foi explicada pela morta-
lidade, pelas fugas e a pela libertação dos "indevi-
damente deportados". Entre 1932 e 1940, 230.258
72 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

nasceram nos campos de "exílio kulak", 389.521


morreram, 629.042 fugiram e 235.120 pessoas foram
recapturadas após a fuga. Além disso, a partir 1935,
a taxa de natalidade passou a ser superior à taxa de
mortalidade: em 1932-1934, 49.168 nasceram e
271.367 morreram no exílio; já entre 1935 a 1940,
181.090 nasceram e 108.154 faleceram, respectiva-
mente. [168]. (ZEMSKOV, Viktor N. Stálin e o povo.
Por que não houve um levante? 2018. Disponível em:
<https://stalinism.ru/dokumentyi/stalin-i-narod-
pochemu-ne-bylo-vosstaniya.html>. Acesso em 17 de
abril de 2021, tradução nossa por Matheus Gusev)

Foram anos difíceis. Mesmo descartados os dados


incorretos produzidos pela sovietologia ocidental, um
grande número de kulaks faleceu durante o processo. Em
sua maioria por conta da falta de planejamento e das pés-
simas condições de vida que marcaram o exílio, como
apontado por documentos do próprio governo à época
(ZEMSKOV, 1992).
Como lembrou Furr (2014), as únicas alternativas à
coletivização forçada naquele momento eram: 1. Permitir
que as crises de fome continuassem indefinidamente a ca-
da 2-3 anos, como era feito pelos czares nos tempos do Im-
pério Russo; 2. Adiar o processo de industrialização por
décadas, o que conduziria toda a nação à destruição com a
invasão nazista de 1941. O caminho da coletivização for-
çada e da deskulakização foi duro e violento, todavia, na
visão de Furr, qualquer outra medida naquele momento
teria levado a resultados mais trágicos e catastróficos. En-
tretanto, o governo tentou assegurar as condições de vida
dos kulaks e restabelecê-las na sociedade, ainda que com
medidas restritivas. Um exemplo disso foi a verificação de
P a z , P ã o e T e r r a | 73

um pequeno número de cartas enviadas pelos kulaks no


início dos anos de 1930. Cerca de 622 correspondências
entre eles e seus familiares não deportados continham
conteúdos positivos sobre o novo contexto vivenciado, evi-
denciando existir uma considerável melhora no bem-estar.
Esse fato, apesar de representar um número ínfimo quan-
do comparado ao total de correspondências analisadas,
com a exposição aberta de críticas ao governo (que totali-
zam milhares), demonstra que as políticas sociais para os
kulaks estavam sendo implementadas:

“…Graças a Deus, não passamos necessidades.


Vivemos muito bem, há bastante comida, carne e
peixe, ganhamos de 5 a 10 rublos. Você apenas divulga
que seu rebanho está à disposição, mas isso é
necessário: precisamos alimentar os trabalhadores e
construir o socialismo o quanto antes. 'Se você nos
alimentar, te daremos a apatita para fertilizar a terra',
dizem... ”;
“…Gosto mais da tundra do que de casa. Ninguém
precisa tirar o chapéu e o laço, não temos medo das
tributações, trabalhamos 8 horas e é isso, aconselho a
todos que venham para cá, vocês podem ganhar
muito...”;
“…Vivemos bem e, em geral, quem aqui está exilado
não passa por problemas.
Todo mundo trabalha com alguma coisa. Muitos dos
skobars enviados vieram para cá com sapatos velhos, e
agora eles já andam com sapatos amarelos novinhos,
cheios de cosméticos, eles já estão começando a viver
como na cidade...”;
“…Eu recebo 120 rublos por mês, então você dá para
viver. Saibam, que se vocês forem expulsos, fiquem
tranquilos, é possível viver em uma terra fria. Venham
e não tenham medo...”;
74 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

“…Escrevem-nos que a colheita está ruim em casa. É


bom termos sido enviados para cá. Vivemos muito bem
aqui, temos produtos muito bons. Além disso, as
crianças recebem rações infantis...” [23]. (ZEMSKOV,
Viktor N. Stálin e o povo. Por que não houve um
levante? 2018. Disponível em:
<https://stalinism.ru/dokumentyi/stalin-i-narod-
pochemu-ne-bylo-vosstaniya.html>. Acesso em 17 de
abril de 2021, tradução nossa por Matheus Gusev)

No início dos anos de 1940, os antigos kulaks já


prosperavam economicamente e suas vidas se encontra-
vam estabelecidas (ZEMSKOV, 1992). Ao final da década
de 1940, o governo tomou as providências necessárias para
reintegra-los novamente na sociedade e liberá-los dos lo-
cais de onde haviam sido exilados16.
Visando dar continuidade ao projeto de aniquilação
de classe dos kulaks, foi criado o GULAG (Administração
Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias),
um sistema de campo de trabalho penal para prisioneiros
soviéticos. Diversos autores trataram esse projeto de for-
ma análoga aos campos de concentração nazistas, pois
mesmo não havendo por finalidade o extermínio, as condi-
ções de vida impostas constituíram-se em campos de mor-
te. Entretanto, segundo Losurdo (2010), esse ponto de vis-
ta consiste em uma falsificação. O GULAG era utilizado
tanto pelo governo quanto pelo povo soviético como uma
forma de ressocialização por meio do trabalho. Os prisio-

16
“No total, de 1941 a 1952, 882.622 prisioneiros dos campos de
exílio kulak foram libertados.” (ZEMSKOV, Viktor N. O
DESTINO DOS “CAMPOS KULAKS” NO PÓS-GUERRA. 1992.
Disponível em: <https://bit.ly/3GMzV0d>. Acesso em 17 de abril
de 2021. p. 25, tradução nossa por Matheus Gusev)
P a z , P ã o e T e r r a | 75

neiros não eram enviados para trabalhar da exaustão até


o seu falecimento, mas sim para ressocialização e reeduca-
ção por meio do trabalho e posteriormente voltar a se inte-
grar a sociedade. Citando Losurdo:

O sistema carcerário reproduz as relações da sociedade


que o exprime. Na URSS, dentro e fora do Gulag, ve-
mos fundamentalmente em ação uma ditadura desen-
volvimentista que procura mobilizar e ‘reeducar’ todas
as forças em função da superação do atraso secular,
tornada mais urgente ainda pela proximidade de uma
guerra que, por declaração explicita do Mein Kampf,
quer ser de escravização e de aniquilamento. Nesse
quadro, o terror na URSS se entrelaça com a emanci-
pação de nacionalidades oprimidas, bem como com
uma forte mobilidade social e com o acesso à instrução,
à cultura e até a postos de responsabilidade e de dire-
ção por parte de estratos sociais até aquele momento
totalmente marginalizados. A preocupação produtivis-
ta e pedagógica e a mobilidade conexa se fazem notar,
para bem e para mal, até dentro do Gulag. O universo
concentracionário nazista reflete, ao contrário, a hie-
rarquia em base racial que caracteriza o Estado racial
já existente e o império racial a edificar (LOSURDO,
2010, p. 166)

Mesmo prisioneiro, o indivíduo ainda era visto como


potencial “camarada” (pelo menos até os grandes expur-
gos, quando este assumirá o status social rebaixado a “ci-
dadão potencialmente perigoso”) (LOSURDO, 2010). Uma
evidência disso é que a população carcerária recebia a
76 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

oportunidade de ter acesso à educação e cultura, com pro-


jetos de capacitação técnica para os aprisionados17.
As condições de vida no GULAG foram de fato terrí-
veis em alguns períodos especialmente, com escassez de
alimentos e demais itens de consumo básicos. O caso do
GULAG na ilha de Nazino é conhecido por ser o pior da
história, bem como os ditos “GULAGs atômicos” (campos
cujo trabalho era destinado ao enriquecimento de urânio
para a produção da bomba atômica nos anos de 1940-
1950). Segundo registros, esse contexto não foi motivado
por conta de uma política de extermínio, como ocorreu no
caso dos campos de concentração nazistas na Segunda
Guerra Mundial (LOSURDO, 2010). Zemskov desmonta
essa comparação, comentando a libertação dos prisioneiros
nas duas realidades:

Uma parte integrante da falsificação sistêmica da


história soviética nas décadas de 1930 e 40 é a
comparação deliberada dos campos de extermínio
alemães (especialmente Auschwitz) com os cam-
pos Gulag. No entanto, compará-los, para dizer o
mínimo, é incorreto. Só no período de 1936 a
1940, um total de 1.554.394 prisioneiros foram li-
bertados dos Gulags (excluindo centenas de mi-
17
Em um campo com 13.000 detidos, foram registradas as se-
guintes realizações: “na segunda metade do ano foram realiza-
das 762 conferências políticas, assistidas por 70.000 prisionei-
ros (provavelmente muitos participavam mais de uma vez).
Além disso, a KVC [Seção educativo-cultural] tinha organizado
444 reuniões de informação política, das quais participaram
82.400 prisioneiros, publicado 5.046 “jornais murais”, lidos por
350.000 pessoas; organizado 232 concertos e espetáculos, proje-
tado 69 files e organizado 38 companhias teatrais” (APPLE-
BAUM Apud LOSURDO, 2010, p. 157)
P a z , P ã o e T e r r a | 77

lhares daqueles que foram libertados de colônias,


prisões e exílio) após cumprir os termos estabele-
cidos e antes do prazo, sendo: 369.544 em 1936,
364.437 em 1937, 279.966 em 1938, 223.622 em
1939 e 316.825 em 1940. [153] . Quanto aos prisi-
oneiros do campo de concentração nazista de Aus-
chwitz, eles não tinham como libertar-se. Eles fo-
ram queimados vivos em crematórios e câmaras
de gás em centenas de milhares. E como, à luz
disso, se pode comparar Auschwitz e os campos de
Gulag? Afinal, a inexatidão de tal comparação é
bastante óbvia. (ZEMSKOV, Viktor N. Stálin e o
povo. Por que não houve um levante? 2018.
Disponível em: <https://bit.ly/3EXsQth>. Acesso em 17
de abril de 2021, tradução nossa por Matheus Gusev)

As parcas condições de vida se davam pela já citada


falta de planejamento e escassez de recursos que marcou a
URSS no início da década de 1930 e nos primeiros anos
posteriores à Segunda Guerra Mundial. A produção de
grãos e alimentos no país à época ainda não era o suficien-
te para alimentar toda a população, incluindo a carcerária
(LOSURDO, 2010).
Há muitas discussões acerca do número de prisio-
neiros que passaram pelos campos de trabalho e muitas
divergências entre pesquisadores da área. Robert Con-
quest, historiador britânico tido como especialista na his-
tória da União Soviética no mundo ocidental, baseado em
“estimativas”, afirmou que em 1938 havia 8.000.000 de
presos, incluindo prisões comuns e no GULAG e em 1952,
12.000.000 de presos apenas no GULAG. Contudo, como
demonstra a base arquivística, o número de prisioneiros
em 1938 contabilizava em torno de 2.000.000 pessoas so-
78 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

mando as prisões comuns e o GULAG, e em 1952 aproxi-


madamente 2.500.000 no GULAG, sendo que a população
máxima de presos e exilados nos anos anteriores a Segun-
da Guerra não excedeu 3.500.000 (GETTY & RITTERS-
PORN & ZEMSKOV, 1993). A multiplicação dos números
de prisioneiros em fator de 4, 5 e quase 6 vezes em relação
à cifra apresentada pela base arquivística, demonstra uma
tese de viés ideológico anticomunista da historiografia so-
bre a Rússia produzida durante a Guerra Fria. Esses da-
dos percebidos de forma amplificada e de natureza discu-
tível foram e continuam sendo constantemente divulgados
pela mídia hegemônica.
Com a crescente fração das linhas opositoras do
PCUS – tanto à esquerda quanto à direita – chegando de
fato às vias de contrarrevolução18, o Comitê Central (CC)
do Partido Comunista baniu os membros integrantes de
tais facções (ou apenas os removeu do Comitê Central, nos
casos menos graves). Foi esse o caso de Trotsky, Bukharin,
Zinoviev, Kamenev e outros. Tais linhas não se comporta-
vam mais como uma oposição saudável, divergindo em
18
“Após ter rompido com Stalin no ano anterior, Zinoviev e
Kamenev se aproximaram de Trótski: organiza-se o “bloco” para
a conquista do poder. Desenvolve-se assim uma rede clandesti-
na capilar que se estende "até Vladivostok" e o Extremo Orien-
te: mensageiros difundem documentos reservados do Partido e
do Estado ou transmitem mensagens cifradas; guardas pessoais
armados dão vigilância nos encontros secretos. “Os dirigentes
do bloco se preparam para dar os passos definitivos”; baseados
no pressuposto de que o choque com Stalin só pode ser resolvido
com a “violência”, eles se encontram num bosque nas vizinhan-
ças de Moscou a fim de analisar profundamente “o aspecto mili-
tar do seu programa”, a começar pelo “papel daquelas unidades
do exército” dispostas a apoiar o “golpe de Estado”.” (LOSUR-
DO, 2010. p. 76)
P a z , P ã o e T e r r a | 79

ideias, mas comprometidas com o desenvolvimento do pa-


ís, algo que acirrou de maneira antagônica as contradições
de dentro do Partido19. A maior parte deles irá voltar ao
PCUS após realizarem autocrítica no início da década de
30, com exceção de Trotsky. Suas ações o levaram a ser
expulso do Partido e, posteriormente, exilado do país. As
autoridades soviéticas ainda lhe pagaram uma indeniza-
ção, como uma tentativa de não acirrar ainda mais as con-
tradições entre ambos (LOSURDO, 2010). Assim, com to-
das essas transformações econômicas, sociais e políticas,
iniciava-se definitivamente a construção da economia so-
cialista na URSS.

19
“A história do Partido Comunista da URSS mostra-nos que as
contradições entre as concepções corretas de Lenine e Stalin e
as concepções erradas de Trotsky, Bukarine e outros, não se
manifestaram de começo sob a forma do antagonismo mas, pos-
teriormente, tornaram-se antagónicas.” (ZEDONG, Mao. Sobre
a Contradição. 1937. Disponível em: <https://bit.ly/3m5CnHc>.
80 | J o ã o P e d r o F r a g o s o
P a z , P ã o e T e r r a | 81

Capítulo 3
82 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Da Fazenda à Fábrica – O pa-


pel da Coletivização e da In-
dustrialização na consolidação
do Socialismo e o Avanço da
Democracia Socialista
P a z , P ã o e T e r r a | 83

Como se organizava politicamente a URSS? Era um


país democrático? Para responder a esta pergunta, deve-se
utilizar o sentido original e verdadeiro do termo. Não como
uma mera questão administrativa e formalista de um sis-
tema liberal representativo, mas sim em questão de genu-
ína participação popular. Como lembra uma frase imputa-
da ao presidente estadunidense Abraham Lincoln, “Demo-
cracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. As
potências capitalistas ditas democráticas, durante todo o
século XX, excluíram a maioria da população das decisões
políticas ou econômicas, por meio daquilo que o filósofo e
historiador Domenico Losurdo chama de três grandes dis-
criminações: 1) a sexual, excluindo todo o gênero feminino;
2) a censitária, excluindo pobres e pessoas de baixa renda;
3) e a racial, excluindo as pessoas negras ou mestiças. To-
das essas discriminações foram fortemente combatidas
pelos revolucionários soviéticos, enquanto para grande
parte dos governos ditos como democráticos os direitos a
essa parcela da população eram recusados. Foi de fato a
partir da Revolução de Outubro que o mundo ocidental
teve que promover uma extensa legislação de direitos a
estes grupos minoritários, ainda que nenhum país tenha
atingido de forma plena as reivindicações de Outubro
(LOSURDO, 2017).
Alguns desfechos pertinentes ao contexto podem ser
elencados, tais como: 1) já durante a Revolução de Feve-
reiro, ou seja, no governo dos Mencheviques, foi instituído
o direito ao voto feminino em igualdade ao masculino. Al-
guns anos depois, foram instituídos na Alemanha (da Re-
pública de Weimar) e nos Estados Unidos. A França e a
Itália só atingiriam essa conquista depois da Segunda
Guerra; 2) Quanto a descriminação censitária, constante-
84 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

mente atacada por Lênin e por todo movimento comunista


internacional, ela já não existia na Rússia após Outubro,
quando o poder político foi consolidado nas bases dos tra-
balhadores por meio dos Sovietes, ao passo que na Ingla-
terra, até 1948, existiam traços do “voto plural”, prática
em que pessoas abastadas financeiramente tinham direito
a mais de um voto por serem consideradas “mais inteli-
gentes”; 3) Por fim, quanto à questão de discriminação ra-
cial, ao passo que há relatos de linchamentos e massacres
contra os negros estadunidenses20, na União Soviética es-
tes dispunham de uma igualdade de direitos bem como, de
um combate cultural do governo bolchevique contra o ra-
cismo (LOSURDO, 2017).
Lênin já havia denunciado a situação da América
qualificando-a de “vergonhosa” pelo tratamento sofrido
pelos afro-americanos (LENIN, 1913). E na prática concre-

20
Algumas manchetes de jornais estadunidenses destacadas à
época:
““Grandes preparativos para o linchamento desta noite”.
“Teme-se que disparos de arma de fogo dirigidos ao negro pos-
sam errar o alvo e atingir espectadores inocentes, que incluem
mulheres com os seus filhos nos braços”; mas se todos respeita-
rem as regras, “ninguém ficará desapontado”.
“Linchamento realizado quase como previsto no anúncio publi-
citário”;
“A multidão aplaude e ri pela horrível morte de um negro”;
“Coração e genitais extirpados do cadáver de um negro”.
“Absolvido pelo júri, depois linchado”;
“Suspeito enforcado em um carvalho na praça pública de Bastrop”;
“Linchado o homem errado”.
“Uma jovem branca é encarcerada, seu amigo negro é linchado”.
“(GINZBURG Apud LOSURDO. Revolução de Outubro e Demo-
cracia no Mundo. Disponível em: <https://bit.ly/3q1Y3oF> Aces-
so em 17 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 85

ta, o combate bolchevique ao racismo dentro e fora da


URSS foi determinante e essencial para o avanço da supe-
ração de diversos preconceitos raciais ainda vigentes à
época, bem como para o caráter essencialmente marxista
do movimento negro do século XX. Como se sabe, as esco-
las de Moscou tornaram-se um espaço livre para que pes-
soas negras estudassem economia, história, política e de-
mais disciplinas, compreendendo o regime de supremacia
branco vigente no mundo e as maneiras de combatê-lo.
Experiência semelhante foi observada no norte dos Esta-
dos Unidos, com escolas estruturadas pelo Partido Comu-
nista do país (LOSURDO, 2010). O testemunho de Paul
Robeson, renomado artista afro-americano que visitou a
Rússia, ao Comitê de Atividades Antiamericanas, revela a
diferença de tratamento para com um negro no país dos
sovietes em relação aos Estados Unidos, ao afirmar que foi
na União Soviética onde se sentiu pela primeira vez como
ser humano completo, por não ser julgado pela sua cor co-
mo o era em Washington (ROBESON, 1956). A União So-
viética era, para grande parte da população, mais demo-
crática do que as democracias ocidentais, ainda que reco-
nhecessem haver um longo caminho pela frente. Faltava
avançar na resolução dos problemas da fome, do analfabe-
tismo e da economia, decorrentes do absolutismo czarista e
da guerra civil, bem como em relação à repressão e à li-
berdade de expressão.
Quanto à administração do país, como se organiza-
va? Esse tema não será aprofundado nessa ocasião, devido
às inúmeras modificações de função e nomenclatura que
ocorreram com o passar dos anos. Mas como se sabe, havia
eleições para o Soviete Supremo (órgão legislativo), com a
participação de candidatos ligados ao Partido Comunista.
86 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

O voto não era universal nem secreto, eram eleições aber-


tas que não permitiam que antigos membros das classes
dominantes votassem (como cadetes do Exército Branco,
kulaks etc.) (GETTY, 1991). Os deputados eleitos elegiam
os membros do Presidium (órgão executivo) a partir de
candidaturas dos integrantes dos legisladores. As decisões
eram tomadas em grande medida de forma coletiva, com
amplo diálogo entre o governo e as organizações populares
(WEBB, 1945). O PCUS, entretanto, era ligado diretamen-
te ao Estado, governando o país por meio do sistema de
nomeações. De fato, o Partido Comunista era visto como
autoridade máxima do Estado revolucionário. Mesmo com
os aspectos emancipatórios citados, importante reconhecer
que os resultados até o momento estavam longe do espe-
rado pela população. A experiência traumática da guerra e
da intervenção estrangeira ainda era evidente no país, o
que atrasou o aprofundamento do debate sobre a separa-
ção de Estado e Partido e sobre as reformas democráticas
necessárias para o desenvolvimento saudável da nação.
Essa contradição entre democracia e emancipação popular
versus ditadura de Partido acompanhará a URSS em mai-
or ou menor grau durante toda a sua existência (LOSUR-
DO, 2010).
Os projetos econômicos e a coletivização forçada, por
meio de uma análise abrangente, trouxeram resultados
positivos a longo prazo. Ainda que o nome e a prática indi-
quem a existência de coerção por parte do PCUS quanto à
expropriação de toda propriedade privada sobre a terra,
incluindo a pequena, os camponeses pobres em grande
parte, aceitaram, adaptaram-se e defenderam a coletiviza-
ção. De acordo com Mark Tauger, houve rebeliões, mas
foram minoritárias, pois boa parte do campesinato com-
P a z , P ã o e T e r r a | 87

preendeu a necessidade primordial de acabar com as cri-


ses de fome, como propunha a coletivização21. Alguns rela-
tos de pessoas que viveram nesta época também corrobo-
ram essa tese22.
Entre 1932 e 1933, houve um grande período de fo-
me em toda a União Soviética, sobretudo na Ucrânia. Tal
fato irá repercutir pelo mundo e muitos historiadores de-
fenderão que essa crise foi um genocídio, o assim chamado
“Holodomor”, perpetrado por Stalin para fins políticos,
como minar o nacionalismo ucraniano (ou exterminar o
povo ucraniano como um todo, como afirmam algumas
versões mais radicais). O livro “Fraud, Famine, and Fas-
cism: The Ukrainian Genocide Myth from Hitler to Har-
vard” de Douglas Tottle foi considerada por Furr (2017)
uma resposta razoável ao livro “Harvest of Sorrow” de Ro-
bert Conquest (uma das principais referências para a tese
do “genocídio ucraniano”), ambos escritos antes da queda

21
“E no ponto mais alto da crise, camponeses demonstraram
repetidamente sua habilidade para colocarem de lado suas obje-
ções, para superarem as adversidades mesmo com custos altís-
simos, e para produzirem colheitas que acabaram com as fo-
mes.” (TAUGER, 2005. p. 88, tradução nossa)
22
O relato do cidadão Aleksander Zinoviev (não confundir com
já citado Grigory Zinoviev, liderança do PCUS):
“Quando ia regularmente à minha aldeia, e também mais tarde,
perguntei muitas vezes à minha mãe e a outros kolkhozianos se
aceitariam retomar uma exploração individual caso lhes fosse
dada essa possibilidade. Todos sempre me responderam com
uma recusa categórica. [...] Esta transformação extremamente
rápida da sociedade rural forneceu ao novo sistema um apoio
colossal nas grandes massas da população.” (ZINOVIEV Apud
MARTENS. Um Outro Olhar Sobre Stáline. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/index.
htm>. Acesso em 14 de abril de 2021)
88 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

da União Soviética e, portanto, antes da abertura dos ar-


quivos secretos do governo. Ainda que esteja desatualizado
em vários aspectos, sobretudo quanto à investigação sobre
as causas da fome, a obra de Tottle mantém um valor
inestimável ao demonstrar o processo fraudulento da pro-
paganda nazista para divulgar esse evento como um “ge-
nocídio contra o povo ucraniano”.
Tottle demonstra que o magnata Willian Hearst, o
dono de um dos maiores monopólios de imprensa dos Es-
tados Unidos da América, também conhecido admirador
de Hitler e do nazismo, fez um grandioso processo de falsi-
ficação de imagens, produção de falsos relatos e evidên-
cias, tudo para provar a tese de que o “comunismo esfome-
ava a população”. Tais “evidências” foram constantemente
replicadas pelos nacionalistas e nazistas ucranianos no
pós-guerra, e posteriormente foram adotadas e utilizadas
pelas potências capitalistas durante a Guerra Fria, por
meio da promoção das obras de James E. Mace e Robert
Conquest, divulgando e consolidando essa fraude como
verdade factual (TOTTLE, 1987).
A fome de fato aconteceu. Entretanto, ela não fugiu
ao padrão cíclico das crises de fome no antigo Império
Russo, também sendo resultado de desastres naturais, só
que ainda mais crônicos. Secas também ocorreram em vá-
rias regiões, enchentes em outras, infestação de pragas
etc. De acordo com Mark Tauger, todos esses fatores redu-
ziram e definharam significativamente as plantações du-
rante esses anos e as colheitas foram muito menores do
que o esperado, não sendo possível alimentar toda a popu-
lação com o que foi produzido. Ainda que a situação de fo-
me tenha acelerado durante o processo inicial da renova-
ção agrícola radical da coletivização, esses fatores naturais
P a z , P ã o e T e r r a | 89

e climáticos foram, de fato, determinantes. Na visão de


Tauger (2001), não houve um genocídio ou mesmo a inten-
ção de promover a fome e dizimar a população, como ar-
gumentam os promotores da propaganda nazista de He-
arst23. Muito pelo contrário, o governo soviético utilizou-se
das mais variadas maneiras possíveis para aliviar e aca-
bar com a fome24. Uma das medidas foi reduzir substanci-
almente as exportações de grãos, utilizadas agora princi-
palmente para alimentar os famintos (TAUGER, 2001).
Outra medida, também muito questionada, foi a re-
quisição forçada dos grãos de áreas com relativa estabili-
dade para redistribui-los em áreas mais vulneráveis. Gro-

23
“Esta perspectiva, no entanto, está errada. A fome que ocor-
reu no período não se limitou à Ucrânia ou até mesmo nas áreas
rurais da URSS, não era fundamentalmente ou exclusivamente
causada pelo homem, e longe de ter sido intencional por parte
de Stalin e das outras lideranças soviéticas causar tamanho
desastre. Uma pequena mas crescente literatura baseada em
novos documentos arquivados e uma abordagem crítica a outras
fontes têm demonstrado as falhas na interpretação “genocida”
ou “intencionalista” da fome e têm desenvolvido uma interpre-
tação alternativa.” (TAUGER, Mark B. Review of "The Years of
Hunger: Soviet Agriculture, 1931-1933". 2004. Disponível em:
<https://bit.ly/3pV6Usu>. Acesso em 17 de abril de 2021, tradu-
ção nossa)
24
“Este ensaio mostra que enquanto a URSS experienciou secas
crônicas e outros desastres naturais anteriormente, aqueles que
ocorreram em 1932 foram uma combinação rara e severa de cala-
midades em um país com aguçada vulnerabilidade a tais inciden-
tes. [...] este estudo também demonstra a importância de questio-
nar interpretações políticas [normalmente] aceitas e de considerar
os aspectos ambientais das fomes e outros eventos históricos que
envolvem a interação humana com o mundo natural. Que o regime
soviético, através dos seus sistemas de racionamento, alimentou
mais de 50 milhões de pessoas, incluindo camponeses, durante a
fome.” (TAUGER, 2001. p. 47, tradução nossa)
90 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

ver Furr argumenta que essa foi a tentativa encontrada


pelo governo soviético para distribuir os grãos de maneira
mais igualitária e reduzir os dados da fome. Quaisquer
excessos ou erros cometidos foram inevitáveis e não inten-
cionais, já que não havia comida suficiente para toda a
população (FURR, 2014). Vale lembrar que a União Sovié-
tica não foi o único país a passar por crises de fome nesse
período. O mundo passava pela Grande Depressão, que foi
um severo golpe em todo mundo capitalista. Crises de fo-
me nessa época foram comuns especialmente nos Estados
Unidos, na China e nas colônias francesas em África
(TAUGER, 2001).
Há ainda uma terceira teoria sobre as causas da
fome. Ela refuta a hipótese genocida, demonstrando a fal-
ta de evidências para afirmar que a coletivização foi uma
política de extermínio deliberado contra o povo ucraniano,
bem como evidencia as tentativas de Stalin e do PCUS em
combater a fome e amenizá-la de muitas formas. Entre-
tanto, ela rebate as teses de Mark Tauger de que a fome
teria sido causada por desastres naturais, e aponta a polí-
tica da coletivização forçada com a principal causa para a
fome, devido as altas taxas de requisição impostas ao
campesinato em sua implementação25.
Por fim, após esses anos de crise, a União Soviética
se estabilizou. As classes exploradoras haviam sido aboli-
das economicamente (como será lembrado adiante, elas
ainda continuaram a existir de outras maneiras). A coleti-
vização da agricultura foi fator determinante para que a

25
Ver “Starving the Ukraine” de J. Arch Getty e “The Years of
Hunger: Soviet Agriculture, 1931–1933” de Robert Davies e Ste-
phen Wheatcroft.
P a z , P ã o e T e r r a | 91

população não sofresse mais crises fomes como essa e a de


anos anteriores (à exceção dos tempos de guerra)26. De
acordo com o professor Hiroaki Kuromiya, a industrializa-
ção promoveu a base do desenvolvimento que assegurou a
vitória do país na Segunda Guerra Mundial. Ele cita que
em 1932, ao final do Primeiro Plano Quinquenal, o PIB do
país havia mais que duplicado em relação a 1928, além do
aumento exponencial na produção de inúmeras áreas de
participação da indústria pesada (MARTENS, 1994). Em
1937, acabava o segundo Plano Quinquenal, e as conquis-
tas eram inestimáveis, as quais Bahman Azad sumariza: a
produção industrial cresceu a uma taxa de 11% ao ano; o
papel da indústria na economia cresceu de 28% em 1928
para 45% em 1940; o papel da indústria pesada na totali-
dade da produção industrial cresceu de 31% em 1928 para
63% em 1937. Além dos rendimentos econômicos brutos,
as conquistas sociais logo vieram, pois neste período o Es-
tado soviético passou a assegurar serviços de saúde, edu-
cação e seguridade social. A taxa de analfabetismo sofreu
uma redução de 56% para 20% (KEERAN & KENNY,
2008). Também sobre essa questão, o economista Robert
Allen diverge do ponto de vista de que a vida de um cida-
dão soviético nos anos 30 era horrível. Apesar de criticar a
coletivização como uma política prejudicial para a econo-
mia e a sociedade soviética, bem como apontar que a qua-
lidade de vida cresceu mais na cidade do que no campo,
Allen demonstra que houve um considerável aumento do

26
“[...] a coletivização trouxe uma modernização substancial à
agricultura tradicional na União Soviética e estabeleceu a base
para a produção relativamente alta de alimentos e [bens de]
consumo já nos anos setenta e oitenta.” (TAUGER Apud FURR,
2014. p. 60, tradução nossa).
92 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

consumo e da qualidade de vida no período da década de


193027. Alguns relatos de estrangeiros que visitaram o pa-
ís à época também corroboram essa perspectiva (DU-
PREY, 1936). Devido a organização de movimentos de tra-
balhadores, com destaque para o Movimento Stakhanovis-
ta, a produtividade crescia a níveis altíssimos (THURS-
TON, 1996). A última promessa de Lênin ao povo soviético
havia sido cumprida: Pão (ALLEN, 2003).
Desde a década de 1920 até 1934, um grande núme-
ro de antigos quadros do partido, comprometidos ideologi-
camente com o Marxismo-Leninismo, passou a integrar o
Comitê Central do PCUS. São eles: Viatcheslav Molotov,
Mikhail Kalilin, Kliment Voroshilov, Lazar Kaganovitch,
Andrei Zhdanov, Nikolai Bulganin, Geórgiy Malenkov,
Lavrenty Beria e Serguei Kirov. A maioria destes já havia
se tornado bolchevique antes de 1917, e agora ascendiam
às posições de liderança por sua capacidade administrati-
va, todos apoiando à linha esquerda de Stalin. Também
integrava esse grupo o ucraniano Nikita Khrushchev, apa-
rentemente se apresentando como de esquerda. Em 1934,
a OGPU é abolida e é substituída pelo NKVD (Departa-
mento de Segurança Pública, sob o Comissariado dos Ne-
gócios Internos) (KAHN & SAYERS, 1959). Como a nome
e organização da polícia política e demais órgãos de segu-
rança soviéticos serão alterados sucessivas vezes nos pró-
ximos anos, utilizaremos apenas o nome “NKVD” para fins
didáticos. Em 1936, por iniciativa de Stalin, foi consolida-

27
“a população urbana e aqueles milhões que migraram do
campo para a cidade realizaram um aumento significativo no
consumo. [...] Entre 1928 e 1938, o consumo per capita cresceu
22% na União Soviética - 2.0% ao ano.” (ALLEN, 2003. p. 133 e
146, tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 93

da a Nova Constituição Soviética (GETTY, 1991). Tal


Constituição foi um grande avanço democrático e um golpe
à burocracia no país. Era garantido a liberdade de expres-
são, liberdade religiosa, e a reafirmação do combate às
três grandes discriminações já debatidas (URSS, 1936).
Esse documento refletia o interesse da liderança e do povo
soviético em reafirmarem e ampliarem suas conquistas
democráticas em sua plenitude28.
O terror apresentava-se como um passado distante.
Ele foi o resultado de uma constante guerra contra a
URSS pela burguesia nacional e internacional, mas que
agora normalizava-se dentro da legalidade socialista, pois
como indicam os documentos, o número de execuções e
prisões de crimes políticos reduziam-se consideravelmen-
te29. Um ponto alto de todo esse avanço para a democracia
absoluta foi a luta por eleições livres. A Constituição de
1936 previa a realização de eleições com voto universal,

28
“Superada a “noite de São Bartolomeu” constituída pela cole-
tivização coagida da agricultura, com os horríveis custos sociais
e humanos que ela comporta, parece de novo surgir a política de
abertura que já conhecemos. Depois da vitória sobre os kulaks –
observa Kaganovitch em setembro de 1934 – é preciso “passar
de modo completo para a legalidade” e “educar a nossa popula-
ção na consciência socialista do direito;’ (LOSURDO, 2010. p.
139)
29
“Após 1930, o número de execuções caiu em todos os seis anos
seguintes, assim como o número de condenações por todos os
crimes em 1931 e 1932. No ano seguinte, condenações voltaram
a aumentar novamente, provavelmente como reflexo da fome, o
que gerou reclamações e um aumento na movimentação dentro
do país, e a adoção do sistema de passaporte interno. Então,
como argumentado anteriormente, os anos de 1934-36 represen-
taram um relaxamento contínuo na esfera política.” (THURS-
TON, 1996. p. 9, tradução nossa)
94 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

secreto e uma ampliação dos distritos eleitorais, integran-


do ainda mais a participação camponesa (URSS, 1936).
Além disso, Stalin defendeu o direito de voto e candidatu-
ra de maneira irrestrita, estendendo o direito inclusive aos
antigos membros da classe dominante: antigos kulaks,
antigos soldados do Exército Branco e outros (GETTY,
1991). Não haveria permissão para a existência de mais
partidos políticos, mas a presença de várias organizações
políticas independentes asseguraria a pluralidade de idei-
as30.
Nesse contexto, a democracia nas fábricas trata-se
de uma questão de grande relevância. No início foi dito
que o sistema socialista é definido pelo controle operário
dos meios de produção, ou seja, os trabalhadores contro-
lam coletivamente a produção: quantas horas de trabalho
serão destinadas, o tanto que será produzido, como será
produzido, e mais determinante, quem controla o lucro. Já
foi visto que durante toda a década de 1920, o trabalho
continuava organizado de maneira capitalista, com a clas-
se dominante apropriando-se do lucro dos trabalhadores.
E agora, com a classe dominante abolida, a União Soviéti-

30
“Você não consegue entender o fato de apenas um partido
aparecer nas eleições. Você não consegue compreender como
podem ocorrer disputas eleitorais nessas condições. Evidente-
mente, candidatos entrarão na disputa não somente pelo Parti-
do Comunista, mas também por todo tipo de organização públi-
ca e não-partidária. E nós temos centenas dessas organizações.
Nós não temos partidos concorrentes, assim como nós não temos
mais uma classe capitalista disputando com a classe trabalha-
dora que é explorada pelos capitalistas.” (STALIN Apud HOW-
ARD. Interview Between J. Stalin and Roy Howard. Disponível
em:https://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/193
6/03/01.htm>. Acesso em 17 de abril de 2021, tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 95

ca era de fato um regime socialista? Como demonstram os


economistas Sidney e Beatrice Webb, o controle operário
coletivo nas fábricas era plenamente exercido pelas orga-
nizações de trabalhadores31. A socialização do lucro, ou
seja, o controle operário sobre a mais-valia, dava-se por
meio da redução de preços a partir de subsídios estatais,
promovendo o aumento do consumo social. Ainda que não
houvesse meios diretos para que os trabalhadores condu-
zissem esse processo individualmente, o estado socialista
realizava esse tipo de política para assegurar que o lucro
permanecesse com os trabalhadores, e não com agentes de
uma nova classe dominante. De acordo com algumas esti-
mativas, cada família ganhava anualmente 12.000 a
15.000 dólares a mais por esta via (KHABAROVA, 2014).
Sobre a questão da liberdade de expressão e de crí-
tica dentro das fábricas, apesar de limitada, Thurston
lembra que era vigente e mesmo estimulada pelo PCUS
durante os anos de 1930, com discursos de Stalin enfati-
zando a necessidade de o Partido estar ligado às massas e
suas críticas para o desenvolvimento concreto do socialis-

31
“nos grandes estabelecimentos industriais [...] os 18.000.000
de sindicalizados [...] controlam, em mui grande proporção, as
suas condições de emprego, por suas constantes consultas com a
gerência e com todos os órgãos do governo, determinando assim
as horas de trabalho, a execução da disciplina fabril, a seguran-
ça e amenidade de seus locais de trabalho e a partilha da pro-
porção do produto que, segundo acordo, deva ser adjudicada à
remuneração pessoal. De modo semelhante, os sindicatos não
somente controlam como também verdadeiramente adminis-
tram, por seus próprios comitês, aparte da produção que se con-
cordou em atribuir aos seguros sociais de toda espécie, à educa-
ção, à assistência médica, às férias e à recreação organizada em
todas as suas modalidades.” (WEBB, 1945. p. 388)
96 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

mo. Assim, aos sindicatos de trabalhadores e seus meios


de imprensa (como jornais) era permitido criticar aberta-
mente suas condições de vida, seus salários, a ineficiência
dos gestores das indústrias e diversas outras questões,
sem incorrer em repressão do estado. Com exceção de altas
lideranças do Presidium, quaisquer problemas ou indiví-
duos da sociedade soviética eram passíveis de serem criti-
cados. Nesse sentido, a União Soviética era mais democrá-
tica em termos trabalhistas do que os Estados Unidos32.
Essa liberdade de expressão não apenas representou um
avanço jurídico, como impulsionou mudanças promovidas
pelo Estado para melhorar as condições de trabalho, habi-
tação, etc. Foi um dos fatores que permitiu ao regime sovi-
ético melhorar consideravelmente as condições de vida da
população (THURSTON, 1996).
O regime socialista estava, de fato, consolidado. As
crescentes taxas de crescimento econômico e social da
URSS foram construídas pelos esforços e administração
coletiva dos trabalhadores por meio das organizações sin-
dicais e do Partido Comunista. Entretanto, os inimigos
32
“Os limites do discurso permitiam uma discussão aberta de
tópicos profundamente significativos para os trabalhadores,
incluindo alguns aspectos das normas de produção, taxas de
pagamento e classificação, segurança no trabalho, moradia e
tratamento por parte dos gerentes. Isso permitiu o discurso, e
seus resultados, muitas vezes satisfatórios para os industriais,
ocorreram em uma época em que os trabalhadores americanos,
em particular, lutavam por um reconhecimento sindical básico,
que, mesmo quando o conquistavam, não proporcionava neces-
sariamente muita influência formal no local de trabalho. Vários
homens que haviam trabalhado em fábricas soviéticas e ameri-
canas disseram a entrevistadores nos Estados Unidos que as
condições e a atmosfera das fábricas eram superiores na URSS.”
(THURSTON, 1996. p. 192, tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 97

internos e externos da URSS não concediam trégua. No


campo internacional, Hitler havia ascendido na Alemanha
no início da década de 30, e ameaçava invadir a URSS,
com o aval das potências ocidentais. Em 1936, o Pacto An-
ticomintern entre Alemanha Nazista, Itália Fascista e o
Japão Imperial é firmado, com a promessa de destruir a
União Soviética e toda a Internacional Comunista. Stalin
busca instituir várias frentes antifascistas com o mundo
ocidental, a fim de “matar o ovo da serpente hitlerista",
mas a maioria se mostrou infrutífera. Inglaterra e França,
de fato, buscavam “aliciar Hitler e empurrá-lo para Leste”
e, assim, derrubar de uma vez por todas o governo dos
Bolcheviques (MARTENS, 1994).
A situação internacional será retomada e aprofun-
dada mais adiante, nesse momento serão abordados ele-
mentos do campo interno. Dentro da União Soviética, uma
quinta coluna de terroristas e sabotadores, amparada por
potências estrangeiras, começava a agir. Em 1934, Serguei
Kirov, braço direito de Stalin, foi assassinado por Leonid
Nikoláiev. O NKVD considerou em um primeiro momento
que se tratava da ação de antigos “guardas brancos” e cza-
ristas, que promoviam atentados na URSS. Entretanto, as
investigações se mostraram infrutíferas, e logo passaram
a olhar para a antiga oposição de esquerda (LOSURDO,
2010).
98 | J o ã o P e d r o F r a g o s o
P a z , P ã o e T e r r a | 99

Capítulo 4
100 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

A Revolução e a Quinta Coluna


– A Guerra Secreta Contra a
União Soviética
P a z , P ã o e T e r r a | 101

Os grupos de oposição do Partido Comunista (trots-


kistas, zinovievistas, bukharinistas, etc.) passam a amea-
çar o poder soviético. Os antigos mencheviques e socialis-
tas-revolucionários, que no passado haviam se juntado aos
elementos mais reacionários do capital estrangeiro para
derrubar os Bolcheviques, agora eram substituídos pela
oposição de dentro do próprio Partido Comunista. De fato,
esses elementos outrora honrados revolucionários, passa-
ram a exercer um papel abertamente terrorista e contrar-
revolucionário. Grigori Tokaev, dissidente que se mudou
para a Inglaterra, pertencente a uma célula de oposição a
Stalin em Leningrado, escreveu um livro chamado “Cama-
rada X”, onde explica como funcionava seu grupo e de ou-
tros (bukharinistas, trotskistas, etc.). Camarada X seria
um oficial do exército chefe do grupo de Tokaev, mas sua
identidade nunca foi revelada. Tokaev confirma que um
outro bloco de oposição que não o dele assassinou Kirov
(GETTY, 1985).
O assassinato de Kirov foi investigado pelo NKVD e
logo Nikoláiev confessou ter atuado em nome de uma or-
ganização clandestina de oposição à Stalin e favorável à
Zinoviev (FURR, 2013). Várias sabotagens, atos terroris-
tas e utilização de luta armada para a derrubada do regi-
me foram registrados nessa época (ZEMSKOV, 2018), com
participação ativa dessa oposição. Mais uma vez, o gover-
no soviético era atacado. Estando acuado internamente e
externamente, tanto à direita quanto à “esquerda”, o go-
verno dos Bolcheviques se viu obrigado a novamente re-
crudescer o punho de ferro da ditadura do proletariado.
Foram conduzidas diversas investigações entre os anos de
1936 e 1938, tais como: i) os Processos de Moscou, três jul-
102 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

gamentos abertos movidos contra os membros do PCUS; ii)


o “Caso Tukhatchevsky”, processos e julgamentos milita-
res movidos contra o oficialato do Exército Vermelho; iii) a
Ezhovchina (remetente ao líder do NKVD Nikolai Ezhov),
realização de processos e operações em massa de expurgos
gerais na sociedade como um todo. Esses três eventos fica-
ram conhecidos como o Grande Expurgo33. Uma série de
reformas de caráter democrático acrescentadas à nova
Constituição foi desrespeitada e esquecida durante este
período (FURR, 2005).
Tratou-se de um verdadeiro golpe à velha burocra-
cia do Partido. Vários mitos foram criados sobre esse pro-
cesso, como tendo sido consolidado por um “regime totali-
tário”, criando um “grande terror” na URSS, com um Par-
tido Comunista monocrático e um “Grande Irmão” orwelli-
ano (sendo esse Stalin) com o controle absoluto, com o ob-
jetivo de derrotar os verdadeiros revolucionários e todos os
opositores que faziam frente à burocracia do PCUS. Há
quem defenda a hipótese de que Kirov teria sido assassi-
nado pelo próprio Stalin, com o objetivo de justificar todo o
aparato de repressão. O historiador J. Arch Getty, um dos
pioneiros no estudo dos arquivos publicados após o fim da
URSS, refuta tais teses, demonstrando que o Partido Co-

33
Desde o verão de 1936 - a época do julgamento do primeiro
processo de Moscou - o terror estava aumentando, mas fora di-
rigido contra antigos opositores e outros membros da elite do
partido; ainda não envolvia prisões em massa entre a população
em geral [...] De meados de 1937 até quase o final de 1938, a
polícia secreta soviética executou um terror em massa contra
cidadãos comuns. Essa “operação kulak”, como foi chamada, foi
responsável por cerca de metade de todas as execuções durante
os “Grandes Expurgos” de 1937-1938. (GETTY, 2002. p. 1 e 123,
tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 103

munista, apesar de possuir certas características ditatori-


ais (como já mencionado), estava longe de ser um órgão
totalitário ou monolítico. Getty sintetiza que o grande ex-
purgo, ao contrário de um maquiavélico plano orquestrado
por Stalin, em verdade, representou uma luta violentíssi-
ma entre diversas facções políticas de dentro do PCUS em
um puritanismo revolucionário de cima a baixo, envolven-
do todas as esferas da sociedade e do governo, que se utili-
zavam de ampla violência para recuperar ou afirmar seu
poder. Ainda que Getty não acredite que Kirov tenha sido
morto por um bloco de oposição, como defende Furr (2013),
mas sim por um assassino com motivação individual, ele
demonstra a falta de evidências de que Stalin teria sido
responsável pelo crime (GETTY, 1985).
A própria participação de Stalin nos expurgos, ain-
da que inicialmente radical, é passível de revisão históri-
ca34. Além disso, ao invés de temer o regime, a sociedade
soviética apoiou e atuou ativamente para a realização dos
expurgos, denunciando todos os que eram considerados
possíveis “inimigos do povo” (THURSTON, 1996; ZEMS-
KOV, 2018). Quanto aos Processos de Moscou, os grupos
que foram investigados e julgados foram os zinovievistas,
trotskistas e bukharinistas. A grande maioria confessou
ter cometido crimes, e revelou o seguinte padrão de atua-
ção e objetivos dos blocos terroristas:

34
Stalin não iniciou ou controlou tudo o que aconteceu no parti-
do e no país. O número de horas no dia, dividido pelo número de
coisas pelas quais ele era responsável, sugere que seu papel em
muitas áreas poderia ter sido pouco mais do que uma interven-
ção ocasional, incitando, ameaçando ou corrigindo (GETTY,
1985. p. 203, tradução nossa)
104 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

* assassinar Stalin e outras lideranças soviéticas


(chamado de “terror” ou “terror individual” em russo);
* sabotar a economia soviética o tanto quanto possível,
principalmente na indústria, na mineração, e no
transporte;
* conspirar com os comandantes das forças armadas
soviéticas a fim de promover um coup d’etat [golpe de
estado] contra o regime de Stalin;
* tomar a liderança da União Soviética com a ajuda da
Alemanha de Hitler, do Japão militarista, e de outras
potências estrangeiras pelo preço de fazer importantes
concessões econômicas e de ceder partes da União So-
viética para eles, interrompendo o apoio à Comintern,
e retornando muita ou a maior parte da economia para
a propriedade privada. (FURR, 2015. p. 8, tradução
nossa)

Alguns negam a existência de tais blocos terroristas


ou da sabotagem contra o governo soviético, alegando que
tais confissões foram obtidas sob tortura, coerção, ameaças
etc. Entretanto, não são apresentadas provas que corrobo-
rem essas práticas. Joseph Davies, um advogado de reno-
me e embaixador estadunidense na URSS, analisou os
Processos de Moscou. Mesmo criticando os problemas con-
cretos do sistema judiciário do país, chegou à conclusão de
que as confissões eram, de fato, verídicas:

Nada havia de anormal na aparência dos acusados.


Todos tinham o aspecto de homens bem nutridos e
normais fisicamente [...] se tais confissões tivessem si-
do feitas "nas celas" ou se tivessem sido dadas a conhe-
cer ao público através de declarações assinadas pelos
acusados, sua autenticidade poderia ser contestada.
Em troca, do modo como foram feitas, ninguém poderia
pôr em dúvida sua veracidade, tratando-se de confis-
P a z , P ã o e T e r r a | 105

sões públicas, exaradas diante das próprias acusações


orais, em julgamento público. [...] Naturalmente devo
confessar que estava predisposto a desconfiar do tes-
temunho desses acusados. A unanimidade de suas con-
fissões, a circunstância de terem permanecido encarce-
rados e incomunicáveis durante longo tempo, junto à
possibilidade de que se tivesse exercido pressão e vio-
lência contra eles e suas famílias, originaram em mim
sérias dúvidas com respeito ao grau de veracidade que
devia existir em suas declarações.
Contudo, analisando objetivamente e baseando-me na
experiência de outros julgamentos e provas de fé que
outros casos anteriores me haviam proporcionado, che-
guei à forçada conclusão de que o Estado havia resol-
vido o caso, ao menos no que se refere a provar a exis-
tência de uma vasta conspiração e "complot" entre os
dirigentes políticos, contra o governo soviético, o que
confirmava o crime alegado pela acusação. (DAVIES,
1943. p. 42 e 46)

Grover Furr estudou cuidadosamente todas as confis-


sões dos principais acusados nos Processos de Moscou, e che-
gou à seguinte conclusão: “Toda vez que podemos checar
uma afirmação feita em depoimentos nos Processos de Mos-
cou contra evidências independentes, nós descobrimos que a
afirmação ou a acusação dos Processos de Moscou é verifica-
da.” (FURR, 2015, p. 37, tradução nossa). Fazer a verificação
e checar as fontes de todas as confissões com fontes indepen-
dentes não seria possível devido ao caráter introdutório des-
te trabalho. Grover Furr dedica os 12 capítulos iniciais de
sua obra “Trotsky's Amalgams: Trotsky's Lies, the Moscow
Trials as Evidence, the Dewey Commission. Trotsky's Cons-
piracies of the 1930s” para essa tarefa hercúlea. Entretanto,
será demonstrada essa análise em um dos processos especí-
fico, este relacionado a sabotagem industrial.
106 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

O trotskista Georgi Piatakov, grande liderança da


derrotada “Oposição de Esquerda”, agora atuava como co-
missário da Indústria Pesada. O engenheiro de mineração
norte americano John Littlepage foi convidado em 1933
para trabalhar na União Soviética pelo também engenhei-
ro soviético Alexander Serebrovsky. Inicialmente recusan-
do o convite, afirmou o seguinte a Serebrovsky: “Eu não
gosto da configuração do seu país. Eu não gosto dos Bol-
cheviques que o dirigem. [...] Eles parecem ter o hábito de
fuzilar pessoas, especialmente engenheiros.” (LITTLE-
PAGE, 1937, p. 7, tradução nossa). Entretanto, após gran-
de insistência, acabou aceitando trabalhar no país dos so-
vietes de 1928 até 1937. Uma fonte não-soviética, oposito-
ra do governo bolchevique, Littlepage testemunha suas
experiências com as sabotagens dentro de minas soviéti-
cas, bem como da participação direta de Piatakov. Em es-
pecial, o caso de superfaturamento de materiais de infra-
estrutura no ano de 1931 em Berlim, é tido como uma
grande evidência dessa atuação:

Numa série de artigos referentes às suas experiências


na Rússia Soviética no Saturday Evening Post em ja-
neiro de 1938, Littlepage escreveu: “Cheguei a Berlim
no inverno de 1931 com uma grande comissão de com-
pra chefiada por Pyatakov: minha tarefa era dar pare-
cer técnico na compra de maquinaria de mineração [...]
“Entre outras coisas, a comissão em Berlim estava
comprando algumas dúzias de guindastes de 100 a
1000 cavalos [...] A comissão pediu orçamentos na base
de pfennigs por quilo. Depois de alguma discussão, as
firmas alemãs Borsig e Demag [...] reduziram seus
preços entre 5 e 6 pfennigs por quilo. Quando eu estu-
dei as propostas descobri que as firmas tinham substi-
tuído por ferro de várias toneladas o aço leve previsto
P a z , P ã o e T e r r a | 107

nas especificações, o que reduziria o custo de produção


por quilo, mas aumentaria o peso, e consequentemente
o custo de venda.
“Naturalmente, fiquei satisfeito com a descoberta, e re-
latei o fato aos membros da comissão, com uma sensa-
ção de triunfo [...] O caso foi arrumado de sorte que
Pyatakov pôde voltar a Moscou e mostrar que tinha si-
do muito feliz em conseguir a redução de preços tendo,
porém ao mesmo tempo, despendido dinheiro com uma
batelada de ferro inútil, o que habilitara os alemães a
conceder-lhe pessoalmente rebates substanciais ... E
ele prosseguiu com as mesmas artimanhas em várias
outras minas, apesar de eu o ter bloqueado daquela
vez.” (LITTLEPAGE Apud KAHN & SAYERS, 1959, p.
242)

Piatakov relata sobre essas situações referentes a


compra de fornos durante sua confissão, afirmando que o
dinheiro obtido ilegalmente era utilizado para o financia-
mento de grupos de oposição no país:

Em seu julgamento, Piatakoff testemunhou que conhe-


ceu Sedoff [, o filho de Trotsky,] em Berlim em 1931,
por anterior acordo, em um restaurante perto do zooló-
gico. Ele acrescentou: “Sedoff disse que só uma coisa
era exigida de mim, a saber, que eu fizesse o maior
número de pedidos possível a duas empresas alemãs, e
que ele, Sedoff, providenciaria o recebimento das so-
mas necessárias, tendo em mente que eu não seria
particularmente exigente quanto aos preços.”
Questionado pelo promotor, Piatakoff acrescentou que
não era obrigado a roubar ou desviar dinheiro soviéti-
co, mas apenas a fazer o maior número possível de pe-
didos às empresas mencionadas. Ele disse que não fez
nenhum tipo de contato pessoal com essas empresas,
mas que o assunto foi arranjado por outros sem qual-
108 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

quer outra ação de sua parte, a não ser abrir negócio


para elas.
Piatakoff testemunhou: “Foi feito de forma muito sim-
ples, especialmente porque eu tive muitas oportunida-
des e um grande número de pedidos foi para essas em-
presas.” Acrescentou que era fácil agir sem levantar
suspeitas no caso de um forno, porque o próprio forno
tinha uma excelente reputação e era simplesmente
uma questão de pagar preços ligeiramente maiores do
que o necessário.
O seguinte testemunho foi dado no julgamento:
Piatakoff: Mas, no que diz respeito ao outro forno, era
necessário persuadir e pressionar para que as compras
fossem feitas com este forno.
Promotor: Conseqüentemente, você também pagou es-
te forno superfaturado às custas do governo soviético?
Piatakoff: Sim.
Piatakoff então disse que Sedoff não disse a ele exata-
mente quais eram as condições, qual era a técnica para
essa transferência de dinheiro, mas garantiu-lhe que
se Piatakoff fizesse pedidos com essas empresas, Sedoff
receberia dinheiro para o fundo especial. (LITTLE-
PAGE, 1957, p. 101-102) (LITTLEPAGE, 1957, p. 101-
102, tradução nossa)

Analisando esse trecho da confissão, Littlepage res-


palda o raciocínio e conclui que é uma explicação coerente
para o que ocorreu em Berlim:

Essa passagem na confissão de Piatakoff é uma expli-


cação plausível, na minha opinião, do que estava acon-
tecendo em Berlim em 1931, quando minhas suspeitas
foram levantadas sobre porque os russos que trabalha-
vam com o Piatakoff tentaram me induzir a aprovar a
compra de guindastes que não só eram muito caros,
mas teriam sido inúteis nas minas para as quais foram
destinados. Eu achava difícil acreditar que aqueles
P a z , P ã o e T e r r a | 109

homens fossem corruptos comuns, pois não pareciam


ser do tipo interessado em encher seus próprios bolsos.
Mas eles haviam sido conspiradores políticos experien-
tes antes da Revolução e assumiram riscos do mesmo
grau em prol de sua suposta causa.
Claro, não tenho como saber se a conspiração política
mencionada em todas as confissões neste julgamento
foi organizada como os prisioneiros disseram que era.
Nunca tentei acompanhar os meandros das disputas
políticas na Rússia e não saberia do que os conspirado-
res antigovernamentais estavam falando nem se ten-
tassem me envolver em seus negócios, o que nenhum
deles jamais fez.
Mas estou absolutamente certo de que algo estranho
estava acontecendo em Berlim em 1931, durante o pe-
ríodo mencionado por Piatakoff em seu julgamento. Já
disse que minhas experiências naquela época me intri-
garam durante anos e que não consegui descobrir ne-
nhuma explicação sensata até ler o depoimento de Pia-
takoff nos jornais de Moscou na época de seu julga-
mento. (LITTLEPAGE, 1957, p. 102-103)

Littlepage ainda comenta várias outras tentativas


de sabotagens verificadas enquanto trabalhava no país,
demonstrando que o evento de Berlim não foi resultado de
apenas uma casualidade:

Posteriormente, Littlepage observou várias outras ten-


tativas de sabotagem industrial nos Urais, onde por
causa do trabalho de um engenheiro trotskista chama-
do Kabakov, a produção de certas minas caíra delibe-
radamente. Em 1937, narra Littlepage, Kabakov “foi
preso sob acusação de sabotagem industrial... Quando
ouvi falar da sua prisão, não me surpreendi.” Outra
vez, em 1937, Littlepage encontrou mais provas de sa-
botagem na indústria soviética dirigida pessoalmente
por Pyatakov. O engenheiro americano reorganizara
110 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

valiosas minas no sul do Kazakistan e deixara porme-


norizadas instruções escritas para os trabalhadores
soviéticos seguirem a fim de assegurar-se o máximo
rendimento de produção. “Pois bem”, escreve Little-
page, “um dos meus derradeiros trabalhos na Rússia
em 1937, foi um chamado urgente para ir rever as
mesmas minas... Milhares de toneladas de rico minério
já tinha sido perdidas e, em poucas semanas, se não se
tomassem providências urgentes, ter-se-ia perdido o
depósito inteirinho. Descobri que ... chegara ali uma
comissão do Q. G. de Pyatakov ... Minhas instruções
tinham sido atiradas ao fogo e fora introduzido um sis-
tema de mineração naquelas jazidas que certamente
causaria dentro de poucos meses a perda de uma gran-
de parte daquela riqueza mineral”. Pouco antes de dei-
xar a Rússia e após ter entregado às autoridades sovié-
ticas um informe completo acerca desses acontecimen-
tos, vários membros da rede de sabotagem trotskista
foram presos. Littlepage achou que os sabotadores se
tinham utilizado de suas instruções exatamente às
avessas, “com o propósito deliberado de arruinar o pla-
no” de produção. (KAHN & SAYERS, 1959, p. 243)

Pode-se inferir, portanto, que as confissões proferi-


das perante o tribunal de Moscou eram legítimas, não
sendo obtidas sob tortura e coerção, visto que nenhum
desses aspectos foi notado pelos observadores dos julga-
mentos, bem como o conteúdo das confissões podem res-
paldados em documentos de dissidentes e fontes antisso-
viéticas35.

35
O relato de Aleksander Zinoviev:
“Fui um anti-stalinista convicto desde a idade de 17 anos. A
ideia de um atentado contra Stáline invadia os meus pensa-
mentos e sentimentos. Já antes me tinha debruçado sobre o
terrorismo. [...] Estudámos as possibilidades “técnicas” de um
atentado. E passámos à sua preparação prática. [...] Se me ti-
P a z , P ã o e T e r r a | 111

Leon Trotsky, agora exilado no México e um dos prin-


cipais acusados pelas confissões de estar envolvido na oposi-
ção terrorista, negou até o fim de sua vida a existência des-
ses blocos, da sua participação, bem como de qualquer en-
volvimento estrangeiro. Em 1937 foi criada a Comissão De-
wey, iniciativa de um grupo estadunidense destinada a ana-
lisar os crimes dos quais Trotsky era acusado na URSS. Ela
concluiu ao final que Trotsky era inocente. As evidências
independentes analisadas por Furr, entretanto, demonstram
o contrário, o que confirma a tese de que Trotsky tenha men-
tido perante a Comissão (FURR, 2015). Pierre Broué, grande
historiador trotskista, desmente a defesa de Trotsky sobre o
fato de que não havia blocos associados ou mesmo infiltrados
na URSS, bem como do envolvimento dos seus partidários no
PCUS, como Smirnov (que na época foram julgados e conde-
nados). Ainda que Broué negue que os blocos fossem terro-
ristas, bem como defenda o veredito final de Dewey, a ocul-
tação de evidência da sua participação nos blocos por parte
de Trotsky é inegável:

Os dois documentos que nos chamaram a atenção [...]


são, primeiro, uma carta escrita por Jean van Heijeno-
ort [2], secretário de Trotsky, do dia 3 de julho de 1937 e
endereçada ao seu filho Leon Sedov [3] em Paris. O se-
gundo é a cópia de uma carta sem data em alemão de
Trotsky para Sedov, o conteúdo dela nos permite identi-

vessem condenado à morte em 1939, essa decisão teria sido jus-


ta. Eu concebera o plano de matar Stáline e isso era um crime,
não?” (ZINOVIEV Apud MARTENS. Um Outro Olhar Sobre
Stáline. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/index.
htm>. Acesso em 14 de abril de 2021)
112 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

ficá-la como sendo do final de 1932, em outubro ou no-


vembro. A segunda carta nos dá evidências de que o blo-
co existiu e que Trotsky considerou a sua entrada como
sendo “aceitável”, assim como suas razões para tal opi-
nião e os objetivos imediatos que ele previu para essa
aliança. A carta de van Heijenoort foi escrita após uma
conversa com Trotsky; ela confirma que o outro docu-
mento é autêntico; ela nos dá os elementos de uma cro-
nologia que permite a conclusão de que ambos os docu-
mentos são de datas próximas, e estabelece que uma co-
nexão realmente já existia na época entre a fração
trotskista, na URSS e no exterior, e IN Smirnov. [...]
Quando, em 1937, Van Heijenoort descobriu a carta de
Trotsky de 1932 em um arquivo “confidencial”, ele re-
conheceu sua importância e escreveu uma carta a Se-
dov que nos pôs a par deste caso. Van explicou em par-
ticular que, de momento e antes de uma resposta de
Sedov, não tinha informado a Comissão Dewey [99],
que se reunia em Nova Iorque, sobre este documento.
Não encontramos a resposta de Sedov ou qualquer car-
ta à Comissão Dewey sobre este assunto; além disso, o
relatório da Comissão não contém qualquer vestígio de
informação a seu respeito. O fato é que o caso foi sem
dúvida constrangedor, e que Sedov o levou a sério o su-
ficiente para verificar novamente se o registro oficial
não continha nada que obrigasse a “defesa” a mudar
sua posição sobre esse ponto. [100] De acordo com to-
das as aparências, ele finalmente decidiu deixar as coi-
sas como estavam. (BROUÉ, PIERRE. The “Bloc” of
the Oppositions against Stalin in the USSR in 1932.
Disponível em: <https://bit.ly/3oTZc2t>. Acesso em 17
de abril de 2021, tradução nossa)

Sobre a existência e o caráter político dos blocos,


disserta J. Arch Getty que o discurso trotskista possibili-
tava o entendimento por parte do PCUS da existência de
uma oposição terrorista:
P a z , P ã o e T e r r a | 113

Trotsky passou a chamar os leais oposicionistas para


se tornarem ativos: “Os camaradas que simpatizam
com a oposição de esquerda são obrigados a sair de seu
estado passivo neste momento, mantendo, é claro, to-
das as precauções” (enfatiza Trotsky). Ele passou a dar
nomes e endereços de contatos seguros em Berlim,
Praga e Istambul para quem as comunicações para
Trotsky poderiam ser enviadas e concluiu: “Estou defi-
nitivamente dependendo de que a situação ameaçadora
em que o partido se encontre force todos os camaradas
dedicados à revolução a se reunirem ativamente sobre
a Oposição de Esquerda”25.
É claro, portanto, que Trotsky teve uma organização
clandestina dentro da URSS neste período e que man-
teve comunicação com ela. É igualmente claro que em
1932 foi formado um bloco oposicionista unido. Na opi-
nião de Trotsky, porém, o bloco existia apenas para
fins de comunicação e troca de informações. A partir
das evidências disponíveis, parece que Trotsky não
imaginava um papel “terrorista” para o bloco, embora
seu apelo por uma “nova revolução política” para re-
mover “os quadros, a burocracia”26 pudesse muito bem
ter sido interpretado assim em Moscou. (GETTY, 1985
p. 121, tradução nossa)

Trotsky pronunciava em sua defesa que os expurgos


não eram verdadeiros movimentos para acabar com a sa-
botagem e a espionagem, mas sim que eram orquestrados
por Stalin para destruir a “velha guarda bolchevique”
(membros do partido antes de 1917) e consolidar sua buro-
cracia. Getty demonstra a fragilidade deste argumento,
pois os dados indicam que os “Velhos Bolcheviques” não
foram mais visados do que qualquer outro suspeito:
114 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

De uma amostra de 127 Velhos Bolcheviques que ha-


viam participado ativamente da Revolução de Outubro
em Moscou, estão disponíveis informações sobre a mor-
te de 109. Destes, 2 morreram na Revolução de Outu-
bro, 16 na Guerra Civil e 6 de causas naturais antes da
Ezhovshchina. Dos Velhos Bolcheviques vivos em me-
ados dos anos 30, 38 foram vítimas da Ezhovshchina e
38 sobreviveram para morrer naturalmente. Assim,
apenas 50 por cento desta amostra de Velhos Bolche-
viques proeminentes morreu nas operações policiais.13
Em 1934, no Décimo Sétimo Congresso, Ezhov havia
dito em seu relatório para a comissão de credenciais
que 10 por cento do partido havia aderido em 1920 ou
antes.14 Em 1939, Malenkov diria que o número era
de 8,3 por cento. Calculando com base no número total
de membros do partido nas duas vezes (cerca de
1.826.000 e 1.514.000 membros plenos, respectivamen-
te), o número total desses Velhos Bolcheviques era de
182.600 em 1934 e cerca de 125.000 em 1939. Isso sig-
nifica uma perda líquida de 57.000, ou uma diminuição
de cerca de 31 por cento, de todas as causas durante o
período da Ezhovshchina. Os velhos bolcheviques caí-
ram por causa de suas posições de liderança em 1937,
não por causa de sua idade ou experiência anterior.
(GETTY, 1985, p. 175-176, tradução nossa)

Por fim, ao que parece, a oposição de Trotsky ao re-


gime stalinista foi cooptada pelos inimigos soviéticos es-
trangeiros, incluindo os nazifascistas36. Após todos esses

36
O Ministro da Propaganda nazista Joseph Goebbels anotou
em seu diário:
“O nosso transmissor de rádio clandestino da Prússia Oriental
para a Rússia desperta enorme rebuliço. Opera em nome de
Trotski e dá o que fazer a Stalin [...]
Agora trabalhamos com três rádios clandestinas para a Rússia:
a primeira é trotskista, a segunda separatista, a terceira nacio-
P a z , P ã o e T e r r a | 115

processos, evidências e confissões incriminando sua pes-


soa, Trotsky foi condenado in absentia na URSS (GETTY,
1985), vindo a falecer enquanto estava no México ao final
de 1940, pela ação do espião soviético Ramón Mercader.
Entretanto, concernente ao expurgo dentro da sociedade e
mesmo no Exército, há a constatação de que muitos ino-
centes foram executados em tribunais forjados (FURR,
2005). Várias lideranças regionais aproveitaram-se da si-
tuação para perseguir seus oponentes políticos e ocultar
seus próprios erros administrativos e conspirações, sendo
responsáveis pela maior parte das execuções em massa
(GETTY, 2002). Além disso, Nikolai Ezhov, o já citado che-
fe do NKVD, também liderava sua própria conspiração
(bem como seu antecessor no cargo, Genrikh Yagoda). Se-
gundo os registros, ele promovia e estimulava a tortura
em suas investigações e interrogatórios, forjava confissões
incriminando prisioneiros, executava inocentes e protegia
traidores para despertar a fúria do povo soviético contra o
governo, tendo seu próprio plano de golpe contra o PCUS
(FURR, 2011). A liderança soviética já demonstrava des-
confiança quanto a Ezhov, e buscava controlar os possíveis
excessos. De acordo com Getty:

Em 2 de Outubro, o Comitê Central Executivo dos So-


vietes deu um passo incomum de publicar uma mu-
dança de lei. De acordo com o anúncio, a antiga lei
previa uma sentença de muitos anos para crime de es-
pionagem e uma pena de morte para crimes mais gra-
ves. A nova lei previa uma pena alternativa de vinte e
cinco anos. [...] A publicação imediata e a redação des-
ta decisão sugerem uma tentativa de limitar e coibir as

nal-russa, todas as três são duras contra o regime staliniano.”


(GOEBBELS Apud LOSURDO, 2010. p. 89-90)
116 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

sentenças de morte locais. Mais tarde, em outubro,


Stalin fez um de seus raros pronunciamentos olímpi-
cos, que condenava esotericamente os excessos radicais
[...] em 1937 e 1938, Stalin e companhia tentaram con-
ter o radicalismo por meio de artigos na imprensa, dis-
cursos, planos eleitorais revisados e depreciação da po-
lícia. O fato de terem que tomar tais medidas mostra
sua falta de controle rígido sobre os eventos. (GETTY,
1985, p. 179 e 195, tradução nossa)

Lavrenty Beria, sucessor de Ezhov no cargo, inves-


tigou seus crimes e o levou a julgamento. Em sua luta con-
tra a utilização de tortura durante as investigações, Beria
requisitou uma punição severa para os investigadores que
empregavam de violência física como método de investiga-
ção (LOSURDO, 2010). Posteriormente, foi descoberto o
real papel de Ezhov, sendo posteriormente condenado por
seus excessos. Frinovsky, um dos deputados do NKVD du-
rante os expurgos, confessou em 1939 sobre como era or-
ganizada a conspiração de Ezhov e sua participação:

Antes da prisão de Bukharin e Rykov, Ezhov, conver-


sando abertamente comigo, começou a falar sobre os
planos para o trabalho [policial] em conexão com a si-
tuação atual e as prisões iminentes de Bukharin e
Rykov. Ezhov disse que isso seria uma grande perda
para os Direitistas, independente de nossos próprios
desejos. Sob as instruções do Comitê Central medidas
em grande escala poderiam ser tomadas contra os
quadros da Direita, e que em conexão com isso nossa
principal tarefa deve ser direcionar a investigação de
tal forma que, tanto quanto possível, preserve os qua-
dros direitistas …
Após as prisões dos membros do centro dos Direitistas,
Ezhov e Evdokimov, em essência, tornaram-se o centro
e organizaram:
P a z , P ã o e T e r r a | 117

1) a preservação, na medida do possível, dos quadros


anti-soviéticos direitistas de serem destruidos; 2) a dire-
ção dos golpes contra quadros honestos do partido que
eram dedicados ao Comitê Central dos ACP (b) [o Parti-
do Comunista, como era chamado na época]; 3) preser-
vação dos quadros rebeldes no Cáucaso do Norte e em
outros krais e oblasts da URSS, com o plano de usá-los
em tempos de complicações internacionais; 4) uma pre-
paração reforçada de atos terroristas contra os líderes
do partido e do governo; 5) a tomada do poder dos Direi-
tistas com Ezhov à frente. (Lubianka. Stalin I NKVD –
NKGB – GUKR "SMERSH". 1939 – mart 1946. Moscow,
2006. Disponível em: <https://bit.ly/3s0zPOq>. pp. 33-
50. Acesso em 17 de abril de 2021, tradução nossa)

Os líderes regionais responsáveis pelos excessos pra-


ticados também foram posteriormente presos ou executa-
dos. Uma semana depois de Lavrenty Beria assumir o co-
mando da polícia, este já emitiu decretos para que cessas-
sem as operações de prisões em massa imediatamente, es-
tabelecendo sanções que limitavam a atuação do NKVD
para prisões individuais (GETTY, 2002). Os dados sobre a
repressão demonstram que “as execuções extrajudiciais
acabaram e os responsáveis pelos terríveis excessos foram
julgados e executados ou encarcerados.” (FURR, 2005, p.
46). De fato, Beria acabou com a Ezhovchina (FURR, 2011).
Mesmo sobre os grandes expurgos, há a constatação
de que os números de presos e mortos foram ampliados
pela propaganda ocidental. Uma análise sobre esse com-
plexo período desmente alguns ditos “sovietólogos” que
afirmam o absurdo de “dezenas de milhões de mortos pelo
totalitarismo soviético”. Os historiadores J. Arch Getty,
Gábor Rittersporn e Viktor Zemskov, já citados quanto aos
números de mortos durante a deskulakização e quanto ao
118 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

número de presos no GULAG, esclarecem como a repres-


são se efetivou em termos quantitativos:

As principais estimativas sobre o número total das “ví-


timas de repressão” no final dos anos de 1930 varia-
ram entre 3,5 milhões de Dmitrii Volkogonov até quase
20 milhões de Olga Shatunovskaia. [...] As bases para
essas avaliações não são claras na maioria dos casos e
parecem ter vindo de suposições, boatos ou extrapola-
ções de observações locais isoladas. [...] o número do-
cumentável de vítimas é muito menor. Agora temos
dados do arquivo da polícia e do judiciário sobre as vá-
rias categorias de repressão em vários períodos: pri-
sões, crescimento de prisões e campos e execuções em
1937-1938, e mortes sob custódia na década de 1930 e
no período Stalin em geral. [...] entre 1930 e 1952-
1953, foram executados 786.098 "contrarrevolucioná-
rios" (ou, segundo outra fonte, mais de 775.866 pessoas
"em casos de polícia" e por "crimes políticos") (GETTY
& RITTERSPORN & ZEMSKOV, 1993. p. 1021 e 1024,
tradução nossa)

Como afirmou Thurston, na conclusão de sua obra,


“um sistema de terror descrito por teóricos e outros aca-
dêmicos provavelmente nunca existiu” (THURSTON,
1996, p. 232, tradução nossa). Sabe-se, no entanto, que boa
parte da liderança da URSS, incluindo Stalin, não pode
ser eximida de responsabilidade pelos excessos. Afinal, de
início, foram eles que apoiaram ativamente as operações
em massa, cujos métodos de investigação eram, ao menos,
questionáveis. Os próprios membros do Presidium assina-
ram várias listas de revisões de processos, autorizando
prisões e execuções de pessoas, decretadas pelo então cor-
P a z , P ã o e T e r r a | 119

rupto NKVD (muitas delas inocentes)37, além de uma su-


posta38 relativização quanto a utilização de tortura pela
polícia por parte de Stalin (STALIN, 1939). O balanço cor-
reto sobre esse período é perfeitamente sintetizado por
Grover Furr:

Ninguém pode absolver a Stalin e aos que o apoiaram,


das amplas responsabilidades que tiveram nas execu-
ções, que foram de centenas de milhares. Se as vítimas
fossem encarceradas ao invés de executadas a maioria
teria sobrevivido. Muitos veriam revisados os seus ca-
sos, e liberados. Para os nossos objetivos neste traba-
lho, a pergunta chave é: Por que cedeu Stalin ante as
demandas dos Primeiros Secretários, demandas que
lhes concediam o destino de milhares de pessoas? Pode
ser que não existam desculpas, podem existir razões.
Nenhum outro governo está preparado para traições
simultâneas por parte de altos mandos militares, figu-
ras de primeira fila do governo nacional e de governos
regionais, e da direção da polícia secreta e de frontei-
ras. Um grave conjunto de conspirações, que incluía
tantos líderes do Partido com ligações com todo o país,
acabava de ser descoberto. O mais ameaçador era a

37
Eles encontraram listas contendo os nomes de pessoas indi-
cadas para a prisão que foram escritas por Ezhov e assinadas
por Stalin. As listas continham “milhares” de nomes, provando
que Stalin teve envolvimento pessoal nas prisões. Outras listas
tiveram a aprovação de Kaganovich, Molotov e Malenkov (GE-
TTY, 1985, p. 217, tradução nossa)
38
O telegrama no qual Stalin recomendaria o uso de excepcio-
nal “pressão física” contra “inimigos flagrantes do povo” teve
sua autenticidade questionada por um autor russo. A hipótese é
que tenha sido uma fabricação para incriminar Stalin. Ver “К
вопросу о «физическом воздействии»” de Igor Pykhalov, dis-
ponível em: <https://stalinism.ru/mifyi-i-falshivki/k-voprosu-o-
fizicheskom-vozdeystvii.html>.
120 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

participação de destacados militares dos níveis mais


altos, com a revelação dos planos secretos militares aos
inimigos fascistas. A conspiração militar tinha conta-
tos em toda a URSS, e nela estavam também os prin-
cipais comandantes do NKVD, incluindo a Genrikh
Yagoda, que era quem dirigia este organismo entre os
anos 1934 e 1936. Pode-se dizer, não se podia saber a
amplitude da conspiração e quanta gente estava impli-
cada. O caminho prudente era pensar o pior. (FURR,
2005, p. 42-43)

A direção do Presidium já tinha ciência dessas fa-


lhas, como é relatado nas memorias de Kaganovich39. Por
fim, com os traidores expurgados e a ordem reestabelecida,
apesar das contradições e excessos praticados, o saldo
principal viria a ser atingido posteriormente: a derrota
definitiva do nazifascismo. Com a queda da quinta coluna,
o povo soviético encontrou forte unidade durante seu com-
bate contra o imperialismo hitlerista (MARTENS, 1994;
THURSTON, 1996). Mas esse foi apenas um aspecto da
vitória, voltemos há alguns anos e a alguns pontos já le-
vantados, para tratar da Segunda Guerra Mundial.

39
“Os erros e arbitrariedades tiveram efetivamente lugar. Mas
Stálin não foi o único culpado. Uma determinada parte da culpa
recai sobre cada um de nós, membros do Politburo/Presidium do
CC, nomeadamente sobre Khruchov.” (KAGANOVICH, 2011b,
p. 22)
P a z , P ã o e T e r r a | 121

Capítulo 5
122 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

A Ascenção do Nazifascismo –
O que o Capitalismo Ocidental
preparou para a União Soviéti-
ca?
P a z , P ã o e T e r r a | 123

Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a


Itália foram severamente afetadas e humilhadas devido à
assinatura do Tratado de Versalhes – o documento que
suprimiu territórios de ambos os países e limitou seus
exércitos consideravelmente. Em 1929, com a crise que
abalou todo o mundo capitalista, a almejada liberdade de
mercado foi substituída pelo protecionismo e o crescente
aumento das fronteiras nacionais, acometendo ainda mais
os países destruídos pela Primeira Guerra. A esperança de
que a Revolução Proletária vigoraria em tais países foi
frustrada pela ascensão nazifascista: em 1922, Mussolini
faz sua Marcha sobre Roma e em 1933, Hitler toma o po-
der na Alemanha, estimulados pelo revanchismo contra
Versalhes.
O fascismo surge como uma forma de reacionariza-
ção máxima do Estado capitalista, passando a negar o par-
lamentarismo e as instituições ditas democráticas e ilumi-
nistas (universalizadas pela Revolução Francesa) e a or-
ganizar a sociedade a partir do corporativismo, desarticu-
lando o movimento operário e instituindo um estado poli-
cialesco sustentado em sindicatos amarelos (organizações
de trabalhadores aliadas ao empresariado) e milícias rea-
cionárias (PCP, 1991). O chauvinismo, irracionalismo, an-
ticomunismo, “anticapitalismo romântico” (crítica ao libe-
ralismo por sua dita “cultura degenerada” e seu caráter
“cosmopolita”, mas que mantém a defesa da propriedade
privada dos meios de produção), racismo e antissemitismo
(este último específico ao caso alemão) formavam a ideolo-
gia preponderante desses movimentos.
Tal tipo de governo não poderia manter-se senão
apoiado no grande capital monopolista, que apesar de não
manifestar simpatia pelo fascismo, se utiliza do mesmo
124 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

para destruir seu principal inimigo: o comunismo. O fas-


cismo, de fato, é visto como o capitalismo em decadência, e
a frágil e reacionária social-democracia alemã não conse-
guiu impedir sua chegada ao poder. Citando o historiador
Adam Tooze:

quando o congelamento salarial de 1933 foi combinado


com a destruição dos sindicatos e uma atitude alta-
mente permissiva em relação à cartelização empresa-
rial, ponto ao qual voltaremos, as perspectivas de lucro
eram certamente muito favoráveis. Embora os salários
tenham começado a subir com o aperto do mercado de
trabalho, havia todas as perspectivas de que ficariam
para trás em relação aos preços e lucros na recupera-
ção que se aproximava. E, talvez o mais importante - o
regime de Hitler prometia libertar as empresas alemãs
para administrar seus próprios assuntos internos, libe-
rando-as da supervisão de sindicatos independentes.
[...] Em vez de obstruir a mudança política como havi-
am feito na primeira revolução da Alemanha em 1918-
19, as grandes empresas foram parceiras ativas em
muitas facetas-chave da Revolução Nacional de Hitler.
A iniciativa certamente estava com as autoridades po-
líticas. [...] No entanto, em praticamente todos os con-
textos, mesmo em ambientes nos quais se poderia es-
perar alguma resistência, os representantes políticos
do regime encontraram colaboradores ativos nos negó-
cios alemães. O programa de autarquia, o rearmamen-
to e até mesmo a massa de novas autoridades regula-
tórias foram todos apoiados e energizados pela experi-
ência gerencial fornecida por cortesia da indústria
alemã. (TOOZE, 2006, p. 102 e 134, tradução nossa)

O financiamento da alta burguesia industrial alemã


como a Krupp foi o grande diferencial para sucesso do de-
senvolvimento econômico nazista. Desde o início, os fascis-
P a z , P ã o e T e r r a | 125

tas chegaram ao poder com o interesse explícito de supri-


mir a URSS e o comunismo, baseando-se no famigerado
mito do “bolchevismo judaico”. Criação de guetos de segre-
gação étnica contra judeus, campos de concentração para
as etnias consideradas inferiores pelos nazistas e “judeus
bolcheviques”, experimentos médicos grotescos, blitzkrieg
(guerra relâmpago de caráter genocida), solução final de
extermínio judeu e entre outras atrocidades. Somadas as
motivações de extermínio e dominação das “raças de ser-
vos da Europa Oriental” (aversão ideológica e étnica con-
tra os eslavos), pode-se concluir que, segundo Losurdo
(2010), o nazifascismo foi a aplicação da tradição colonial
europeia dos séculos anteriores, mas dessa vez aplicada na
própria Europa. Esse fato é de extrema importância: a vio-
lência nazista já era vivenciada no cotidiano dos povos co-
lonizados. Campos de extermínio com aplicação de tortu-
ras e execuções hediondas eram utilizadas pelos britânicos
na Índia, pelos italianos na Líbia, pelos belgas no Congo,
pelos estadunidenses nos Estados Unidos. Durante a
Guerra de Secessão, negros eram aprisionados em campos
de concentração privados no sul dos EUA, com condições
degradantes, análogas ao campo de Auschwitz (LOSUR-
DO, 2010).
A escalada do nazifascismo frente aos comunistas e
aos povos eslavos foi construída durante toda a década de
1930 com o aval dos países democráticos ocidentais. Como
demonstra Losurdo, é fato que o mundo capitalista não só
ignorou os guetos de judeus confinados e a política expan-
sionista de Hitler para promover sua cruzada contra o co-
munismo, como será visto com a política de apaziguamen-
to, mas também na promoção de um apoio simbólico e ide-
ológico. Em meados de 1933, o futuro primeiro-ministro
126 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Winston Churchill, consagrado historicamente por sua


política antifascista durante a Segunda Guerra Mundial,
enalteceu publicamente a figura de Mussolini40, e em
1937, fez o mesmo com Hitler41.
Aliando-se a Itália e a Alemanha, o Japão Imperial
consolida o já referido Pacto Anticomintern. Cientes dos
riscos que tais governos representavam, em 1935 o secre-
tário-geral da Terceira Internacional Georgi Dimitrov cri-
ou as chamadas Frentes Populares, fundando a estratégia
antifascista promovida pela URSS. Dimitrov definiu o fas-
cismo como “a ditadura terrorista aberta dos elementos
mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas
do capital financeiro” e a partir disso, deliberou sobre a
necessidade de uma frente ampla de todos os setores popu-
lares antifascistas sob a liderança do Partido Comunista
para combatê-lo (DIMITROV, 1935). Também durante to-
da a década de 1930, o Comissário das Relações Exteriores
Maxim Litvinov buscou de forma intensiva forjar uma ali-
ança antifascista com todo o continente europeu, a fim de
surpreender os oponentes em momento oportuno. Contu-
do, ambos fracassaram. As Frentes Populares não conse-
guiram se espalhar para o resto do continente, havendo
relevância apenas em países já submetidos ao fascismo, e

40
O gênio romano personificado por Mussolini, o maior legisla-
dor vivo, mostrou a muitas nações como se pode resistir à pres-
são do socialismo e indicou o caminho que uma nação pode se-
guir quando for corajosamente conduzida. (CHURCHILL Apud
LOSURDO, 2010. p. 312)
41
O próprio Hitler, em 1937, é retratado em termos lisonjeiros
por Churchill, que aprecia nele não só o político "extremamente
competente", mas também os "modos gentis", o "sorriso desar-
mante" e o "sutil magnetismo pessoal", do qual é difícil fugir".
(LOSURDO, 2010. p. 313)
P a z , P ã o e T e r r a | 127

a aliança antifascista não se consolidou no período (RA-


MOS, 2017).
Também em 1935 é assinado o Tratado Naval An-
glo-Germânico, no qual a Inglaterra retirava os limites
impostos à marinha alemã para se armar, definindo como
cláusula para a Alemanha a promessa de que a frota de
submarinos nazista seria inferior a 60% da frota britânica.
Ano após ano, a Alemanha consolidava o seu militarismo e
ampliava sua indústria bélica, e tais concessões custariam
caro aos ingleses anos mais tarde (THOMPSON, 2017).
Ainda em 1935 foi formada a Luftwaffe, o ramo aéreo do
Exército Alemão (Wehrmacht).
Em 1936, após os socialistas ganharem as eleições
na Espanha, militares liderados pelo general Francisco
Franco empreenderam um golpe de estado, encontrando
resistência dos republicanos, dos anarquistas, do Partido
Comunista Espanhol e dos democratas em geral. Estava
iniciada a guerra civil espanhola, com os defensores das
eleições integrando a Frente Popular e os militares golpis-
tas compondo o Movimento Nacional. A Alemanha Nazista
e a Itália Fascista prestaram apoio logístico e militar à
gangue de Franco, incluindo intervenção direta, como o
bombardeio genocida contra Guernica (um paradoxo ad-
vindo de militares nominados de nacionalistas). A União
Soviética foi o único país a ajudar militarmente a Frente
Popular, ou seja, a defender a legítima República espanho-
la (além das Brigadas Internacionais, quando progressis-
tas de todo o mundo foram para a Espanha lutar contra o
fascismo). Já França e Inglaterra, bem como as demais
democracias capitalistas, deixaram a Espanha à própria
sorte. A queda da República deu-se em março de 1939,
128 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

com a vitória dos nazistas e a posse do ditador Franco


(LOSURDO, 2010).
A política imperialista e expansionista dos fascistas
se expandia. Com Itália e Japão ampliando seus domínios
respectivamente sobre África e Ásia, bem como Hitler
avançando com seu “espaço vital” alemão em direção ao
mundo eslavo, os capitalistas assistem a tudo inertes
(RAMOS, 2017). O Tratado de Munique, lembrado como o
ponto alto da política de apaziguamento, assinado entre
alemães, franceses e ingleses, consentiu o avanço alemão
por todo Leste Europeu. A “remilitarização da região da
Renânia, a anexação da Áustria, a incorporação da região
dos Sudetos, que se seguiu o controle da República Tcheca
e a transformação da Eslováquia num Estado títere da
Alemanha”, foram os reflexos da política capitulacionista
lamentável das potências europeias à época (THOMPSON,
2017. p. 31).
Além disso, há indícios de que o nazismo apoiava dife-
rentes formas de oposição e golpismo ao governo soviético42.
Esse era objetivamente o papel que a oposição soviética
cumpria à época, a possibilidade de Hitler instaurar um go-
verno títere em Moscou. Lidando com as já citadas ameaças
internas e externas ao governo, Stalin busca uma última
tentativa de formar uma aliança antifascista com os países

42
Sempre no início de 1937, conversando com o ministro do Ex-
terior, Konstantin von Neurath, Hitler rejeita a ideia de uma
melhoria das relações com a URSS, mas acrescenta: “Seria dife-
rente se as coisas em Moscou se desenvolvessem na direção de
um despotismo absoluto, baseado nos militares. Neste caso não
seria lícito perder a ocasião para fazer sentir de novo a nossa
presença na Rússia” (LOSURDO, 2010. p. 94)
P a z , P ã o e T e r r a | 129

capitalistas em 1939, que foi negligenciada pelas potências


da França e da Inglaterra (HOLDSWORTH, 2008).
Cercado pelo Leste, com o avanço imperialista japo-
nês por toda a Ásia, e pelo Oeste, com o avanço alemão
pela Europa Oriental, preterido pelas democracias capita-
listas, que almejavam o fim do país dos sovietes pela figu-
ra de Hitler, Stalin como alternativa derradeira firma um
acordo de não agressão com a Alemanha, chamado Pacto
Molotov-Ribbentrop. O objetivo era adiar a invasão de Hi-
tler no território soviético e garantir a preparação do exér-
cito vermelho para o confronto iminente. Esta foi, de fato,
a motivação russa que determinou a assinatura do pacto,
ao contrário dos que supõem a existência de uma “aliança”
dos comunistas e nazistas. Dessa forma, Hitler avançou
sua blitzkrieg sobre a parte ocidental da Polônia, ao passo
que Stalin ocupando a parte oriental, estabelece uma li-
nha onde os nazistas não deveriam avançar pelos próxi-
mos meses. Os capitalistas liberais, sentindo-se ludibria-
dos, declaram guerra à Alemanha, dando início à Segun-
da Guerra Mundial. Um conflito que, conforme apresen-
tado, foi fomentado durante toda a década pelas democra-
cias capitalistas para desmantelar o comunismo soviético,
mas que agora voltavam-se contra elas. Afinal, resgatando
notas do início do capítulo, o fascismo surge em meio ao
revanchismo contra o Tratado de Versalhes. Os nazifascis-
tas usufruem do sentimento anticomunista das potências
ocidentais para ampliarem seus domínios, e posteriormen-
te confrontá-los como desforra pela Primeira Guerra Mun-
dial.
130 | J o ã o P e d r o F r a g o s o
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Capítulo 6
132 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Nenhum passo para trás! – A


Mobilização das Massas contra
o Imperialismo Hitlerista
P a z , P ã o e T e r r a | 133

O avanço hitlerista foi implacável. A rápida con-


quista da França e dos Países Baixos logo demonstrou o
poder da máquina de guerra nazista. A já citada Blitzkri-
eg, segundo consta, consistia em três etapas: o bombardeio
da Luftwaffe contra o território a ser dominado; o avanço
dos tanques de guerra destruindo o que havia sobrado; a
ocupação das tropas da Wehrmacht, eliminando os rema-
nescentes. Era de fato uma guerra de destruição total e de
caráter genocida. Diversas batalhas foram de extrema im-
portância nesse evento, para fins didáticos e cronológicos
serão comentadas apenas três: a Batalha da Grã-
Bretanha, a Batalha de Moscou a Batalha de Stalingrado.
Outras batalhas decisivas foram a de Leningrado e Kursk.
Estabelecido o governo de Vichy, a república da
Alemanha na França, a possibilidade de uma futura vitó-
ria alemã parecia uma realidade. Com a troca do primeiro-
ministro Chamberlain por Winston Churchill, a Inglaterra
sustenta sua posição política, já que a partir desse mo-
mento, o Partido Conservador declarava-se como oposição
ao fascismo. Após Hitler alastrar-se por quase toda a Eu-
ropa Ocidental, ainda restava avançar sobre o Reino Uni-
do. O ditador esperava que os ingleses adotassem uma
postura capitulacionista, mas isso logo se provou falso. A
partir de uma marinha formada, a Alemanha atacou os
navios ingleses e bombardeou Londres com a Luftwaffe,
sendo impedido pela Real Marinha Britânica. Com a reali-
zação de intensos bombardeios no país, mas sem poder
avançar pelo mar, Hitler começa a ter problemas com um
expressivo déficit financeiro. O bombardeio a Berlim por
parte dos aviões britânicos também abalou diretamente o
moral do governo alemão, que se via impossibilitado em
prosseguir com a Blitzkrieg contra o berço da Revolução
134 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Industrial. Este conflito ficaria conhecido como a Batalha


da Grã-Bretanha, impondo desgaste às tropas de Hitler, e
acabando com as perspectivas de findar a guerra.
Necessitando de recursos naturais e indústrias para
manter os altos custos da guerra, Hitler passa avançar
agora na Frente Oriental. Rompendo com o Tratado Molo-
tov-Ribbentrop, Hitler ocupa a parte oriental da Polônia e
avança contra Grécia, Albânia, Sérvia, Tchecoslováquia,
Iugoslávia e a maior parte do Leste Europeu para atingir
seu principal inimigo: a União Soviética. Dessa forma, ini-
cia-se a guerra de limpeza étnica hitlerista contra os povos
eslavos. Iniciada a Operação Barbarossa em 22 de junho
de 1941, os nazistas desfrutavam do prestígio de ocuparem
toda a Europa Ocidental e de sitiarem a Inglaterra, na
certeza da vitória. Entretanto, o Pacto de Não Agressão
agora dava indícios de progresso: o Exército Vermelho
passou dois anos planejando a invasão, e ainda que a in-
dústria bélica não provesse todas as necessidades dos sol-
dados imediatamente após a invasão, a resistência do povo
soviético se mostrou implacável (RAMOS, 2017; PITILLO,
2017).
O Exército Vermelho utilizou-se da tática da Terra
Arrasada, que consiste na destruição de tudo o que pode-
ria ser útil ao inimigo, conduzindo assim uma política de
recuos constantes e desgaste das tropas adversárias. As
primeiras batalhas contabilizaram diversas vitórias ale-
mãs: a Wehrmacht domina os países bálticos, a Bielorrús-
sia e a Ucrânia. O Exército Alemão estava prestes a inva-
dir Moscou, quando a resistência dos Vermelhos demons-
trou grande eficiência, barrando a entrada do exército na-
zista. Segue a visão de Goebbels sobre a sequência dos fa-
tos do ano de 1941:
P a z , P ã o e T e r r a | 135

23 de junho - "Sem dúvida o mais poderoso [exército]


que a história jamais conheceu [...] estamos diante de
uma marcha triunfal sem precedentes [...] considero a
força militar dos russos muito baixa, ainda mais baixa
do que o Führer a considera"

2 de julho - "Em geral, se combate muito dura e obsti-


nadamente. Não se pode de modo algum falar em pas-
seio. O regime vermelho mobilizou o povo"

24 de julho - "Não podemos nutrir nenhuma dúvida so-


bre o fato que o regime bolchevique, que existe há qua-
se um quarto de século, deixou profundos traços nos
povos da União Soviética [...]. Seria, portanto, justo pôr
em evidência com grande clareza, diante do povo ale-
mão, a dureza da luta que se trava no Leste. É preciso
dizer à nação que esta operação é muito difícil, mas
que podemos superá-la e que a superaremos"

1 de agosto - "No quartel general do Führer [...] aber-


tamente se admite também que se errou um pouco na
avaliação da força militar soviética. Os bolcheviques
revelam uma resistência maior do que a que supú-
nhamos; sobretudo os meios materiais à sua disposição
são maiores do que pensávamos"

19 de agosto - "O Führer está interiormente muito irri-


tado consigo mesmo pelo fato de ter-se deixado enganar
a tal ponto sobre o potencial dos bolcheviques pelos rela-
tórios [dos agentes alemães enviados] vindos da União
Soviética. Sobretudo a sua subestimação dos carros de
combate e da aviação do inimigo criou-nos muitos pro-
blemas. Ele sofreu muito por isso. Trata-se de uma crise
grave [...]. Posta em comparação, as campanhas condu-
zidas até agora eram como que passeios [...]. No que diz
respeito ao oeste, o Führer não tem nenhum motivo de
preocupação [...]. Com o rigor e com a objetividade nos-
136 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

sos de alemães, sempre supervalorizamos o inimigo,


com exceção neste caso dos bolcheviques"

16 de setembro - "Calculamos o potencial dos bolchevi-


ques de modo totalmente errado". (GOEBBELS Apud
LOSURDO, 2010. p. 29-30)

O III Reich, sendo derrotado às portas da capital


soviética, concentra seus esforços para avançar sobre a
cidade de Stalingrado. Trata-se de uma cidade extrema-
mente industrializada, mesmo nos tempos da NEP, além
de ser próxima à região do Cáucaso, com abundância em
petróleo. O plano de Hitler consistiu em dividir seu exérci-
to: uma parte foi em direção a Stalingrado para devastá-la
com sua Blitzkrieg e a outra dirigiu-se ao Cáucaso, a fim
de controlar os poços de petróleo e avançar até o Azerbai-
jão. Com a perda de um importante polo industrial e de
petróleo, seria impossível para a União Soviética susten-
tar seu imenso exército. Os nazistas também avançaram
para Leningrado e lá estabeleceram o cerco que duraria
até 1944.
Os alemães, junto a tropas romenas, italianas e
húngaras, logo ocupam a maior parte da cidade, extermi-
nando milhares de civis, e avançam fortemente sobre o
Cáucaso, mas não contavam com a desgastante resistência
soviética na cidade, que nunca chegou a ser derrotada.
O trabalho de franco atiradores como Vassili Zaitsev
infligiu profundas derrotas no exército nazista. A hora da
virada se aproximava: Na segunda quinzena de novembro
de 1942, os comandantes militares Georgi Zhukov e
Aleksandr Vasilevsky elaboram a Operação Urano, co-
mandada por esse último. Consistia no envio de tropas
militares para cercar Stalingrado e minar a força nazista
P a z , P ã o e T e r r a | 137

dentro da cidade por meio de uma guerra de resistência. A


indústria bélica soviética havia se superado e os poderosos
tanques T-34, que faziam frente ao Panzer alemão, já es-
tavam sendo produzidos (RAMOS, 2017). De fato, a produ-
ção de armamentos em tempo recorde pela indústria sovié-
tica, as nevascas que atrapalhavam a ação da Luftwaffe e
o recrutamento em massa feito pelo Exército Vermelho
foram os fatores essenciais para a vitória em Stalingrado
(RAMOS, 2017), com destaque para a mobilização popular
generalizada43. Com todos os fatores somados, o Exército
Vermelho consolidava sua superioridade frente à máquina
de guerra genocida do III Reich. Como afirmou o relato do
coronel soviético Zamiatin:

apenas nos primeiros dias do contra-ataque soviético


cerca de 95 mil alemães foram mortos, enquanto mais
de 40 mil foram aprisionados, num momento em que
Stalingrado começava a ficar mais perigosa para os na-
zistas do que para os soviéticos. (RAMOS, 2017. p. 99)

Com o sucesso da Operação Urano, é aplicada a


Operação Saturno, para dispersar definitivamente os ale-
mães da importante cidade. O Exército Vermelho passou a
cercar bolsões de soldados do Eixo, e derrotando-os pouco a
pouco. O inverno nesse quesito atuou como fator determi-
nante, já que o comando alemão não esperava que a vitó-
ria sobre o oriente tardaria a ser concluída, e não planejou
a produção de trajes para o inverno rigoroso adequados

43
“Não houve nenhuma deslealdade massiva entre os soldados
soviéticos durante a guerra [...] a vitória sobre a Alemanha en-
tão conferiu alta legitimidade ao Stalinismo e pareceu justificar
os sacrifícios da coletivização e industrialização” (THURSTON,
1996. p. 225 e 230, tradução nossa)
138 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

para seus soldados. O relato de um combatente italiano


corrobora esse fato44.
Ainda durante a Operação Saturno, os primeiros
campos de extermínios nazistas são descobertos em terri-
tório russo (RAMOS, 2017). Em janeiro de 1943, as últi-
mas tropas nazistas de Stalingrado assinam o documento
de rendição, sem o consentimento do Estado Maior ale-
mão. Essa foi a avassaladora derrota infligida aos nazis-
tas, e, portanto, a batalha mais decisiva para a vitória ali-
ada na Segunda Guerra:

As perdas do inimigo durante os combates defensivos e


as ações ofensivas do exército soviético foram enormes.
O bloco fascista perdeu na batalha de Stalingrado, en-
tre mortos, feridos, prisioneiros e desaparecidos, quase
1,5 milhões de soldados e oficiais, cerca de 3000 tan-
ques e canhões motorizados, mais de 12000 canhões e
morteiros, até 4400 aviões, ou seja, uma quarta parte
de suas forças, que atuavam na frente soviético-alemã.
Em toda a história das guerras, o imperialismo alemão
nunca sofreu um golpe tão demolidor, a morte de um
tão grande número de suas tropas e a perda de materi-
al de guerra e armamento. (KULKOV, RJECHEVSKI
e TCHELICHEV APUD RAMOS, 2017. p. 103-104)

44
“O exército alemão não esperava tal reação e não tinha pre-
visto a fabricação de uniformes de inverno na esperança de ven-
cer a guerra com a Rússia antes da chegada deste e de poder
aquartelar as tropas com os habitantes do país invadido. Os
italianos, ao contrário, como resultado dos pedidos insistentes e
oportunos de seu comandante, receberam uniformes de inverno,
sendo que muitas peças dos mesmos foram trocadas por outros
objetos com as tropas alemãs vizinhas”. (ROLUTI APUD RA-
MOS, 2017. p. 101)
P a z , P ã o e T e r r a | 139

Com a vitória em outras batalhas memoráveis (co-


mo Kursk e o cerco a Leningrado) que impediram a derro-
cada do governo bolchevique, o Exército Vermelho tinha
agora uma missão: libertar toda a União Soviética e poste-
riormente toda a Europa. A indústria soviética agora esta-
va preparada para arcar com os custos e armamentos dos
soldados (PITILLO, 2017). Os vermelhos avançam para a
libertação da Ucrânia, dos Países Bálticos e da Bielorrús-
sia. Em consonância com Estados Unidos e Reino Unido,
que agora reagiam com a deflagração do Dia D – o desem-
barque da Normandia para libertar a Frente Ocidental –
os soviéticos marcharam de formal triunfal por todo o Les-
te Europeu. Cabe ressaltar que os países dominados pelo
fascismo já apresentavam movimentos de resistência naci-
onal, organizados na figura dos partisans (guerrilheiros),
que foram auxiliados por Moscou. Eles tiveram essencial
importância para libertação da Europa, em especial no
caso da Iugoslávia e dos Balcãs.
Em fevereiro, os estadistas Franklin Delano Roose-
velt, Wiston Churchill e Joseph Stalin já se reuniam na
Conferência de Yalta para discutir os rumos do pós-
guerra. No dia 2 de maio de 1945, a Bandeira Vermelha
estampando a Foice e o Martelo era hasteada sobre o Rei-
chstag. O nazifascismo havia sido derrotado pela força do
povo soviético. No dia 1 de maio, dia internacional do tra-
balhador, Stalin discursa para as massas soviéticas frente
a iminente vitória:

A Grande Guerra Mundial, iniciada pelos imperialistas


alemães encaminha-se para o fim. A derrota total da
Alemanha hitlerista é um fato que ocorrerá em um fu-
turo bem próximo. Os hitleristas consideravam-se os
140 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

donos do mundo, e se encontram hoje em diante de um


fato consumado. A fera fascista, ferida de morte, está
prestes a exalar seu último suspiro. O objetivo agora
deve ser apenas acabar de matá-la (STALIN Apud
RAMOS, 2017. p. 93)

A Alemanha foi, de fato, derrotada em Stalingrado.


Suas perdas desmedidas enfraqueceram seu exército, não
impedindo a marcha dos vermelhos para a libertação de
toda a Europa Oriental. Como pontuou o historiador Geo-
ffrey Roberts, mais de 90% das perdas totais da Alemanha
se deram durante a guerra contra a União Soviética (RO-
BERTS, 2002). Também afirma o historiador João Claudio
Platenik Pitillo, baseado no estudo do Marechal da União
Soviética Andrei Grechko, que lutou na Segunda Guerra:

Em maio de 1942, havia 226 divisões inimigas e em


novembro do mesmo ano, 266, num total de cerca de
6,2 milhões de homens na frente germano-soviética.
Este foi o número máximo de homens que os inimigos
concentraram contra a URSS durante a guerra, ele é
superior ao efetivo que os Aliados enfrentaram em toda
Europa.[5]
Entre 19 de novembro de 1942 e 30 de março de 1943,
em vista das enormes perdas sofridas durante a cam-
panha de inverno de 1942-1943; particularmente em
Stalingrado, o inimigo foi forçado a transferir 33 divi-
sões e 3 brigadas da Europa Ocidental para a Frente
soviética. Durante os preparativos para a ofensiva de
verão de 1943 os alemães conseguiram concentrar 71%
de suas forças, cerca de 4,8 milhões de homens contra
a URSS.[6] (PITILLO, João Claudio Platenik. Como
os Soviéticos Construíram a Vitória na Segunda Guer-
ra Mundial. Disponível em: <https://bit.ly/3s2aHH3l>.
Acesso em 17 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 141

Ainda que o desembarque da Normandia no épico


Dia D seja de fato um exemplo de resistência por parte dos
combatentes ocidentais, esse evento teve um papel sobre-
maneira político que militar, quando comparado com as
perdas do Wehrmacht para o Exército Vermelho. Geoffrey
Roberts conclui, em entrevista à emissora RT, que a União
Soviética poderia ter derrotado a Alemanha nazista por si
só, sem o auxílio da Frente Ocidental45.
Cabe a desmistificação de algumas imprecisões di-
vulgadas sobre a vitória soviética. O superestimado “gene-
ral inverno”, ainda que seja fator de extrema relevância, é
utilizado para reduzir o papel do povo soviético em sua
batalha feroz contra o III Reich. Os alemães não invadi-
ram a União Soviética no inverno, em verdade, a Operação
Barbarossa se iniciou pouco tempo após começar o verão
no país. Não só os alemães acreditavam que seria uma
guerra passageira, como a inteligência britânica acredita-
va que a União Soviética estaria liquidada em 8 a 10 se-
manas e a previsão do governo estadunidense é que tudo
estaria terminado de 1 a 3 meses (LOSURDO, 2010). A
força de um dos maiores exércitos já constituídos, forjado a
partir da aliança operário-camponesa da Guerra Civil, foi
subestimada por todo o mundo ocidental. Os alemães tive-
ram que lidar com o rigoroso inverno da Rússia justamen-
te pela resistência dos combatentes soviéticos, que foram
capazes de segurar as tropas invasoras por longos períodos
(RAMOS, 2017).

45
ROBERTS, Geoffrey. “Soviet Union could have won WWII
alone” – historian. Disponível em: <https://bit.ly/3m5UH30>.
Acesso em 17 de abril de 2021.
142 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Além das condições climáticas, tem-se dado muita


atenção ao Lend-Lease, a política de auxílio internacional
dos Estados Unidos por meio de empréstimo de armamen-
tos para os países aliados, como o Reino Unido, União So-
viética, China e etc. Alguns poucos reacionários, buscando
de alguma forma minimizar o papel dos bolcheviques na
vitória, propagam o mito de que se “a União Soviética não
tivesse sido salva pela ajuda ocidental, o país teria sucum-
bido aos nazistas”. Ainda que o próprio Stalin tenha reco-
nhecido a enorme importância do Lend-Lease na difícil
conjuntura pela qual passou o país dos sovietes (LOSUR-
DO, 2010), e ele de fato tenha contribuído em demasia pa-
ra o fim do conflito, afirmar que a União Soviética não te-
ria vencido a guerra sem o empréstimo não se sustenta
(RAMOS, 2017).
O presidente da Gosplan Nikolai Voznesensky foi o
primeiro a fazer uma ampla pesquisa estatística sobre a
proporção do empréstimo fornecido pelo Lend-Lease em
relação ao produzido pela União Soviética, tendo sido pu-
blicado em sua obra Voennaya Ekonomika SSSR v Period
Otechestvennoi Voiny [Soviet military complex during the
Great Patriotic War] (Moscow: Gospolitizdat, 1948). Ele
chegou à conclusão de que o auxílio do Lend-Lease repre-
sentou apenas 4% do total de equipamentos utilizados pelo
país (SPITSYN, 2015). O já citado historiador Geoffrey
Roberts aponta que as quantidades do Lend-Lease, apesar
de terem sido relevantes para o moral dos soldados, repre-
sentaram cerca de apenas 10% dos materiais utilizados
pela União Soviética na guerra, além de sua maioria ter
chegado após a Batalha de Stalingrado, ou seja, não tendo
sido determinante para a vitória na guerra (ROBERTS,
2002). Por fim, Harry Hopkins, Conselheiro de Comércio
P a z , P ã o e T e r r a | 143

dos Estados Unidos e um dos principais assessores do pre-


sidente Roosevelt à época, afirmou que: “nunca acreditei
que o nosso Lend Lease tenha sido o fator principal na vi-
tória soviética sobre Hitler na frente oriental. Isso foi feito
pelo heroísmo e sangue do Exército Russo”46.
Assim, com a libertação de Berlim, quase estava en-
cerrada a Segunda Guerra Mundial, o pior conflito da his-
tória em que dezenas de milhões de vidas foram perdidas,
sendo 23.000.000 cidadãos soviéticos, em sua maioria civis
(MARTENS, 1994). Crimes de guerra foram cometidos de
ambos os lados: fuzilamentos em massa de soldados e ci-
vis, deportações de populações, campos de concentração e
confinamento foram utilizados por alemães, italianos, ja-
poneses, estadunidenses, franceses, ingleses e soviéticos
(vale destacar que apenas os nazistas utilizavam campos
para extermínio deliberado) (LOSURDO, 2010). A luta
contra o hitlerismo foi acompanhada de um intenso com-
bate à traição, sabotagem e quinta coluna, além dos inú-
meros erros cometidos. Enfim, uma das guerras mais san-
grentas e genocidas da história da humanidade havia sido
sepultada.
Entretanto, um bárbaro crime ao final da guerra foi
cometido sem nenhuma motivação antifascista. O Japão
ainda continuava resistindo, apesar da queda de Mussoli-
ni e Hitler. No dia 8 de agosto, Stalin declara guerra ao
centro do imperialismo asiático, e em pouco tempo ele es-
taria derrotado. Entretanto, assim como nos tempos da

46
HOPKINS Apud SPITSYN. WWII lend-lease: was the US aid
that helpful?. Disponível em:
<https://orientalreview.org/2015/05/13/wwii-lend-lease-was-the-
us-aid-that-helpful-ii/>. Acesso em 14 de abril de 2021, tradução
nossa
144 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Guerra Civil Russa, os Estados Unidos agora voltam as


atenções para o país dos sovietes. Roosevelt, que havia
apoiado a União Soviética no conflito, já não estava mais
no poder, e Harry Truman havia assumido. Os Estados
Unidos buscaram desenvolver a bomba atômica, arma de
destruição em massa com base na fissão nuclear, visto a
possibilidade de os nazistas também conquistarem tal tec-
nologia. Entretanto, como se sabe, os alemães não alcan-
çaram esse feito, devido a derrota perante o Exército Ver-
melho. A bomba atômica para os Estados Unidos já não se
justificava para a defesa da humanidade contra o nazismo,
mas para sua reafirmação como potência hegemônica47.
Assim, Truman nos dias 6 e 9 agosto, lança as bombas no
Japão, já quase esfacelado pela guerra, nas cidades de Hi-
roshima e posteriormente Nagasaki. Os imperialistas ja-
poneses não demonstraram intenção de rendição após os
bombardeios realizados. No entanto, rendem-se no dia 9
por conta do início da intervenção soviética, não em decor-
rência do genocídio nuclear (WILSON, 2013). De fato, “o
objetivo principal do imperialismo, ao matar em massa os
japoneses, era suscitar o terror entre os soviéticos: a men-
sagem principal era dirigida a Stalin”. Assim, 443.000 vi-
das de civis japoneses são perdidas. (MARTENS, 1994).

47
Como Truman escreve em suas memórias: “Eu via a bomba
como uma arma militar e nunca duvidei de que ela seria utili-
zada. Quando falei com Churchill, ele disse-me sem hesitação
que era a favor da utilização da bomba nuclear.” (TRUMAN
Apud MARTENS. Um Outro Olhar Sobre Stáline. Disponível
em:
<https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/index.
htm>. Acesso em 14 de abril de 2021)
P a z , P ã o e T e r r a | 145

Em 1947, o presidente estadunidense dá origem à


Doutrina Truman, destinando todos os esforços ocidentais
para aniquilar o comunismo do mundo, fundando em 1949
a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, or-
ganização militar envolvendo as maiores potências capita-
listas do mundo para combaterem as revoluções comunis-
tas. Aliado a isso, o senador ultrarreacionário Joseph
McCarthy estimula o início do “Red Scare” (Ameaça Ver-
melha ou Terror Vermelho), uma onda anticomunista nos
Estados Unidos. Perseguição arbitrária contra comunis-
tas, democratas, progressistas, e a qualquer associação
ligada à esquerda política. A criação da chamada “sovieto-
logia”, um conjunto de estudos de “especialistas” para em-
preender ataques contra o país dos sovietes com o verniz
“científico”, já bastante abordada nesta obra (o mito dos
“milhões de mortos pelo stalinismo” ganha força nesse pe-
ríodo). A Doutrina Truman, como definiu Ludo Martens,
tinha o princípio de defender a liberdade do mercado con-
tra o perigo comunista. Os Estados Unidos, de fato, ocupa-
ram o lugar antes destinado ao III Reich em sua missão de
eliminar o “bolchevismo” (MARTENS, 1994).
Boa parte da Europa Oriental havia sido libertada
pelos combatentes comunistas, sejam eles pelo Exército
Vermelho ou pelo processo de libertação nacional conduzido
pelos partisans e, portanto, o regime socialista foi consoli-
dado em várias Repúblicas nesta região48. Além das Repú-

48
O entusiasmo dos povos europeus é descrito por Pierre Paraf:
“Arrastado pela história à mais frugal simplicidade, o povo das
democracias populares suportou melhor que outros os duros
sacrifícios que comportava o arranque da construção do socia-
lismo, pago pelo preço do rude constrangimento ao trabalho
obrigatório. O entusiasmo cotidiano vivificou a disciplina impos-
146 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

blicas Socialistas independentes e o novo sistema de Demo-


cracias Populares que avançavam até a República Demo-
crática da Alemanha, a União Soviética recuperou oficial-
mente seus antigos territórios pertencentes ao Império
Russo perdidos durante a Guerra Civil, formando assim,
um conjunto de 15 Repúblicas Socialistas Soviéticas: Ar-
mênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Geórgia, Caza-
quistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia,
Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão. Ain-
da que o governo central ficasse em Moscou, é falso que te-
ria havido uma “russificação” ou imposição da cultura russa
sobre as outras Repúblicas. Pelo contrário, de acordo com o
historiador Terry Martin, a União Soviética foi o primeiro
império multiétnico a promover ações afirmativas de outras
etnias. Argumenta Martin que, para controlar os ânimos
nacionalistas de todas as etnias, bem como manter a inte-
gridade territorial do antigo Império Russo:

o Estado soviético criou não só uma dúzia de repúbli-


cas de amplas dimensões, mas também dezenas de mi-
lhares de territórios nacionais espalhados por toda a
extensão da União Soviética. Novas elites nacionais
eram educadas e promovidas a posições de liderança
no governo, nas escolas, nas empresas industriais des-
ses territórios recém-formados. Em muitos casos isso
tornou necessária a criação de uma língua escrita lá
onde antes não existia. O Estado soviético financiava a
produção em massa nas línguas não russas de livros,
jornais, diários, filmes, óperas, museus, orquestras de

ta pela lei. A juventude operária e intelectual entregou-se a es-


sa construção como a uma aventura exaltante e fecunda: a do
solo e do subsolo que preparava a do Cosmos.” (PARAF Apud
MARTENS, 2018. p. 121)
P a z , P ã o e T e r r a | 147

música popular e outros produtos culturais. Nada


comparável existira antes. (MARTIN Apud LOSUR-
DO, 2010. p. 171)

Durante a já citada Conferência de Yalta, ficaria se-


lado o destino da Alemanha. As propostas da União Sovié-
tica para o país foram desmilitarizá-lo e mantê-lo unido, de
forma que não pudesse desencadear mais uma guerra de
invasão. E ainda, que a Alemanha seria responsável por
pagar pelos danos infligidos à nação socialista, que excedi-
am 100.000.000.000 de dólares. Isso, entretanto, colidia
com os interesses das potências capitalistas, em especial os
Estados Unidos. A Alemanha não deveria ser unida, neutra
e desmilitarizada, arcando com suas dívidas pela guerra,
mas sim polarizada, militarizada, comprometida com o an-
ticomunismo estadunidense, comprando suas armas e fa-
zendo uma frente ao comunismo do Leste Europeu, que
agora estava muito próximo. Em 1946, a França anunciou
que administraria sua área separadamente e, em pouco
tempo, as zonas de influências britânica, estadunidense e
francesa se uniriam para formar a República Federal da
Alemanha, fundada em 1949. Apenas depois disso, no
mesmo ano, a União Soviética fundou a República Demo-
crática da Alemanha, como um Estado socialista. Até o ano
de 1954, o governo de Moscou propôs a diluição da RDA, a
reunificação do país e a realização de eleições livres com
supervisão internacional, mas foi em vão. Em 1954, a RFA
passa a integrar a OTAN, e a Alemanha permaneceria di-
vidida até o final do século XX (GOWANS, 2009).
O enfraquecimento das potências colonialistas (se-
jam elas aliadas ou do Eixo) propiciou todo o movimento
de descolonização internacional dos anos subsequentes,
148 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

sendo estes apoiados e financiados militarmente pela Uni-


ão Soviética. A maior parte do Terceiro Mundo ainda esta-
va em situação colonial ou semicolonial, condição prestes a
mudar. Povos de todo o Terceiro Mundo, de África a Ásia,
levantaram hasteando a bandeira da foice e do martelo.
Até a década de 1970, o socialismo havia atingido o equilí-
brio estratégico em relação ao sistema capitalista. Um ter-
ço do mundo havia sido libertado do capitalismo e do im-
perialismo pelo proletariado internacional, dirigindo paí-
ses como China, parte norte da Coreia, Vietnã, Albânia e
toda a Europa oriental.
A resposta soviética à Doutrina Truman e ao Ma-
carthismo foi à altura. Em 1949, por meio de um hábil sis-
tema de espionagem e desenvolvimento científico, o gover-
no conseguira trazer a bomba atômica para o país dos so-
vietes. Não havendo utilizado esse artefato contra civis ou
militares, a bomba atômica agora representava a defesa
do mundo socialista: o Leste Europeu jamais poderia ser
atacado militarmente, pois a OTAN sabia dos riscos de
uma guerra nuclear. O Partido Comunista tentou por um
breve momento repensar as reformas democráticas insti-
tuídas antes da Guerra Civil de 1918 e os expurgos de
1936-1938, pois entre 1947-1950, a pena de morte foi abo-
lida da URSS (ZEMSKOV, 2018). Entretanto, a nação era
novamente colocada em estado de sítio pelo Ocidente. Era
dado início à Guerra Fria.
P a z , P ã o e T e r r a | 149

Capítulo 7
150 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

O Espectro de Bukharin – Os
Últimos Anos de Stalin, a De-
sestalinização Ideológica e
Econômica entre Khrushchev e
Brezhnev
P a z , P ã o e T e r r a | 151

Durante a Segunda Guerra, uma decisão de extre-


mo questionamento foi adotada pelos dirigentes comunis-
tas: a extinção da Comintern. A justificativa foi de que os
países possuíam grande diferenças entre si e que, portan-
to, ficava a cargo de cada Partido Comunista desenvolver
sua estratégia nacionalmente ao invés de seguir diretrizes
determinadas internacionalmente (COMINTERN, 1943).
Mesmo assim, em 1947 é formada a Cominform, uma or-
ganização semelhante com o objetivo de orientar os comu-
nistas europeus a concluir e expandir suas revoluções de-
mocráticas. A Iugoslávia, país socialista dirigido pelo Ma-
rechal Joseph Tito, foi acusada de conduzir repressões em
larga escala contra Marxista-Leninistas que não concor-
davam com a linha titoísta (próxima do direitismo bukha-
rinista) e, portanto, foi afastada e boicotada pela Comin-
form. Posteriormente associou-se aos Estados Unidos e
tornando-se, na prática, um aliado externo da OTAN
(MARTENS, 1994; LOSURDO, 2010).
A partir de 1946, Stalin buscou novamente consoli-
dar reformas democráticas no país relacionadas à separa-
ção do Partido e do Estado bem como proporcionar melhor
aplicação dos princípios da Constituição de 1936, com as-
sinatura de documentos reafirmando esses princípios e a
sua necessidade (FURR, 2005). Entretanto, entre os anos
de 1948 e 1949, ocorre um ressurgimento das teses econô-
micas direitistas entre os círculos do Partido em Lenin-
grado, influenciadas por Nikolai Voznesensky. Essas teses
defendiam a aplicação de reformas de mercado capitalista
quanto à lucratividade das empresas e preços das merca-
dorias. Voznesensky utilizou de seu cargo de Presidente da
Gosplan para aplicá-las sem a devida aprovação das auto-
ridades centrais, organizando uma feira atacadista na re-
152 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

gião. Tal feira resultou em gastos desnecessários dos fun-


dos governamentais, levando a um sério prejuízo econômi-
co. Em algumas semanas, o governo iniciou a demissão de
todas lideranças direitistas de Leningrado e reverteu suas
respectivas reformas. Há indícios de arbitrariedades reali-
zadas, bem como de uma negligente gestão econômica.
Eles foram alvos de investigação, e evidências passam a
sugerir algo mais nefasto: o desaparecimento de documen-
tos sigilosos sobre planos econômicos e a entrega dos
mesmos para serviços de inteligência estrangeira, em es-
pecial para a Inglaterra. Em 1950, em decorrência desse
caso, a pena de morte contra crimes de traição à pátria foi
restaurada. Voznesensky e outras dessas figuras são exe-
cutadas ou presas. Esse acontecimento ficou conhecido
como o Caso de Leningrado (MIRONIN, 2007).
Em 1948, Andrei Zhdanov morre sob condições sus-
peitas, o que levantou a hipótese de que os médicos que o
tratavam, aliados a países estrangeiros, teriam sido os
responsáveis pelo seu falecimento. De acordo com relatos
de sua filha Svetlana, Stalin não acreditava que os médi-
cos fossem culpados, entretanto, esse episódio gerou um
certo temor aos demais membros do PCUS. A polícia se-
creta chegou a realizar investigações e a prender vários
médicos no ano de 1952, caso que ficou conhecido como o
“Complô dos médicos”. Posteriormente, em 1953, desco-
briu-se que os processos e as provas contra os médicos fo-
ram forjados, além de utilizarem tortura para a obtenção
de confissões. Beria e os demais membros do Presidium
determinaram a absolvição dos médicos detidos e prende-
ram os agentes da polícia responsáveis pela investigação
fraudulentas (FURR, 2011). O Ocidente, com o objetivo de
reduzir o papel soviético na vitória sobre o nazifascismo,
P a z , P ã o e T e r r a | 153

acusou a URSS de promover uma política antissemita,


pois os médicos, em questão, supostamente seriam judeus.
Segundo registros, apenas alguns dos médicos pertenciam
à etnia ou à religião judaica (LOSURDO, 2010).
As conquistas do socialismo soviético não cessavam.
Na década de 1950, afirmou o economista Robert Allen,
que o desemprego estrutural foi definitivamente eliminado
da União Soviética (ALLEN, 2003). No dia 5 de março de
1953, entretanto, o presidente Joseph Stalin veio a falecer.
O reconhecido historiador Isaac Deutscher, conhecido por
ser declaradamente trotskista, resume o papel de Stalin
na condução do país dos sovietes:

No decorrer de três décadas, o aspecto da União Sovié-


tica transformou-se completamente. O núcleo da ação
histórica do stalinismo é este: ele encontrou a Rússia
que arava a terra com arados de madeira e a deixou
dono da bomba atômica. Elevou a Rússia ao grau de
segunda potência industrial do mundo e não se tratou
apenas de uma questão de puro e simples progresso
material e de organização. Não se poderia obter um re-
sultado semelhante sem uma vasta revolução cultural,
no decorrer da qual se mandou para a escola um país
inteiro para que recebesse instrução extensiva. (DEU-
TSCHER Apud LOSURDO, 2010. p. 10)

A liderança do Presidium começa a reestruturar os


cargos após a morte de seu maior líder. Por meio das me-
mórias publicadas de Kaganovitch, aparentemente havia
uma unidade entre eles para as diretrizes na condução do
país (KAGANOVITCH, 2011a). Malenkov e Beria foram
inicialmente eleitos como os dois principais nomes do Es-
tado, entretanto, o ucraniano Nikita Khrushchev começa a
154 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

se preparar para novos anseios49. Khrushchev havia obti-


do projeção no Partido durante os anos de 1930, aparen-
temente militante da linha de esquerda do Partido Comu-
nista. Agora, repentinamente, ele começava a acumular e
a ascender a cargos maiores nas estruturas do Partido e
do Estado, chegando até a destituir Malenkov de funções
partidárias importantes, as quais Nikita passava a ocu-
par. Khrushchev começa a estimular e acirrar certas di-
vergências e contradições ente os demais membros do Par-
tido, e se preparava para aniquilar seus opositores
(HOXHA, 1976).
Quem lutava pela condução das reformas democrá-
ticas neste período era Beria, com projetos de reaproxima-
ção diplomática com a Iugoslávia e ampliação das liberda-
des internas. Seu papel na libertação dos médicos injus-
tamente acusados e no combate aos excessos e crimes do
judiciário soviético são exemplos disso (FURR, 2005).
Khrushchev, vendo em Beria um inimigo, convence os de-
mais integrantes do Presidium de que o mesmo tratava-se
de um conspirador, que iria destruir o Partido Comunista
e a União Soviética. Beria detinha grande apoio da polícia
política e dos órgãos de segurança interna, mas não do
Exército. Nesse processo golpista, os militares invadiram a
reunião do Presidium e decretaram a prisão de Beria, com
o aval de todos os presentes (HOXHA, 1976). Beria foi
acusado de vários crimes, incluindo o de “estupro contra

49
“Malenkov foi colocado à frente, com Beria na segunda posição.
Por trás deles naquela época, um pouco mais na sombra, estava
uma “pantera” que se preparava para devorar e liquidar os dois
anteriores. Este era Nikita Khrushchev.” (HOXHA, Enver. The
Khruschevites. Disponível em: <https://bit.ly/3EZkwJn>. Acesso
em 14 de abril de 2021, tradução nossa)
P a z , P ã o e T e r r a | 155

várias mulheres”, que o levou a ser executado posterior-


mente. Atualmente, há provas de que o processo ao qual
Beria foi submetido tenha sido fraudulento, o que indica
sua inocência, ainda que sua imagem veiculada pela mídia
atualmente seja a mesma divulgada por Khrushchev à
época (MUKHIN, 2006). Sem a oposição de Beria,
Khrushchev trataria de derrotar os demais stalinistas
(HOXHA, 1976).
Em 1954, é fundada a KGB (Comitê de Segurança
do Estado), que assume a responsabilidade de polícia polí-
tica e de inteligência e contrainteligência. Valendo-se da
imagem de Beria e das tentativas frustradas de reformas,
Khrushchev vai consolidando sua burocracia e seus apoia-
dores dentro do Partido, distanciando pouco a pouco al-
guns personagens da vida pública (HOXHA, 1976). Toma-
va decisões cada vez mais arbitrárias, inclusive nas rela-
ções internacionais, sem o debate com os demais integran-
tes do Partido ou do Estado, além de interromper os mem-
bros durante as reuniões do Partido, desconsiderando o
Centralismo Democrático. Também avançava em reformas
econômicas com a promoção de diversas teorias direitistas
e bukharinistas, que enfatizavam o consumo descomedido
e negligenciavam o papel da indústria no socialismo. Os
demais integrantes do Presidium, que por algum tempo
apoiaram Khrushchev, passaram a se mostrar contraria-
dos e agir com hostilidade frente a postura do mesmo, que
adotava posições claramente antipartidárias e contrárias à
linha de esquerda (KAGANOVITCH, 2011a).
Dessa forma, Kaganovitch, Molotov e Malenkov
passam a lutar pela restauração das políticas stalinistas
na direção do país. Malenkov afirmou que os marxistas
estavam acostumados a discutir ações voltadas à industri-
156 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

alização, e que o programa de Khrushchev era um desvio


direitista que iria fazer a população se desinteressar pela
industrialização rápida (KEERAN & KENNY, 2008). Uma
reunião foi convocada pelo Presidium para analisar os atos
questionáveis e políticas autocráticas. A condenação a
Khrushchev era praticamente unânime. Entretanto, como
Kaganovitch lembrou em suas memórias:

[se] os membros do Presidium do CC [...] tivessem en-


veredado de facto pela via da luta fraccionária, como
depois foram acusados, teriam organizado facilmente a
destituição de Khruchov. Mas na crítica que fazíamos a
Khruchov seguíamos os princípios do partido, respei-
tando estritamente as normas estabelecidas com vista
a preservar a unidade.
Khruchov conduziu o caso de forma fraccionária. (KA-
GANOVITCH, 2011a, p. 22)

Khrushchev secretamente convocou o Secretariado


do Comitê Central do Partido em uma sala paralela, ale-
gando que apenas este órgão poderia removê-lo do cargo.
Esse ato foi considerado uma violação a todo o Presidium,
mas em respeito aos camaradas do CC, eles acataram a
decisão. A pauta sobre a destituição de Khrushchev havia
sido então, abandonada, e passa-se a discutir sobre os que
o acusavam. De semelhante maneira às ações realizadas
contra Beria, Khrushchev calunia os três principais diri-
gentes do Presidium à época, Malenkov, Kaganovitch e
Molotov, de serem um Grupo Antipartido, que desrespei-
tava os princípios do socialismo e almejava dar um golpe
de Estado. Nikita Khrushchev convence a maioria dos
membros a exonerá-los (KAGANOVITCH, 2011a). Ampa-
rando-se em outros grupos de apoio (como os militares),
P a z , P ã o e T e r r a | 157

Khrushchev consegue impor sua linha de ação. Desse mo-


do, Malenkov, Kaganovitch e Molotov foram humilhados,
expostos pela imprensa e rebaixados a cargos de menor
expressão (KEERAN & KENNY, 2008).
Assim que assumiu o poder por meio de manobras
políticas questionáveis, Khrushchev mostrou ser um inte-
grante da linha direita e bukharinista, derrotada nos anos
de 1920 e 1930. Deixando assim de manifestar os interes-
ses da classe do proletariado, mas sim da pequena burgue-
sia. Em seu tempo, Bukharin era o representante das ca-
madas médias do campesinato, mas como essas frações
não existiam mais no país, Khrushchev representava os
pequenos e médios comerciantes urbanos. Sendo assim,
passou a executar um grande número de reformas direitis-
tas na União Soviética, que podem ser sintetizadas nesses
tópicos:

• Uma mudança orientada para reformas de “mercado”


• Uma mudança concomitante da indústria pesada e
da manufatura dos meios de produção para a produção
de bens de consumo;
• Na política internacional, uma mudança do conceito
marxista-leninista tradicional de que a guerra com o
imperialismo era inevitável enquanto o imperialismo
existisse, para evitar qualquer guerra direta com o im-
perialismo a todo custo;
• Uma redução da ênfase na classe trabalhadora como
a vanguarda da revolução social, a fim de enfatizar a
construção de alianças com outras classes;
• Uma nova noção de que o próprio capitalismo pode
ser superado sem revolução pela “competição pacífica”
e por meios parlamentares;
• Um abandono dos planos de Stalin de passar para o
próximo estágio do socialismo e rumo ao verdadeiro
comunismo. (FURR, 2011, p. 196, tradução nossa)
158 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

De fato, as reformas econômicas implementadas por


Khrushchev conduziram a URSS, novamente, à via capita-
lista. Afastando-se do sistema de redução de preços para
socialização da mais-valia, os bukharinistas da década de
50 passaram a guiar a economia pelo preço de mercado.
Uma “NEP ao contrário”: a política do capitalismo de Es-
tado, essencial no início dos anos de 1920 para consolidar
as bases materiais da Rússia, era transplantada de novo,
porém com a economia socialista já estabelecida. Eviden-
temente que o estruturado sistema socialista da primeira
ditadura do proletariado não se tornou capitalista de for-
ma efêmera, mas as reformas já haviam sido iniciadas, e
seus efeitos acarretariam reverberações posteriores
(KHABAROVA, 2014).
Dentre as piores consequências dessas reformas
econômicas foi o surgimento da segunda economia. Como
já foi mencionado, a classe dos kulaks não existia mais
como nos tempos de Bukharin, e a própria burguesia havia
sido suprimida economicamente em relação à produção
socializada. Entretanto, a partir das reformas de
Khrushchev aflorou-se o mercado ilegal e suas respectivas
atividades econômicas ilícitas em substituição aos empre-
endimentos comerciais da burguesia. Após a aplicação da
NEP e durante os tempos de Stalin, não havia tolerância
para atividades dessa natureza, devido à política central
de foco industrial rígido. Entretanto, com as políticas “ne-
pistas” de Khrushchev, essas práticas acabaram ressur-
gindo, e a máfia russa agora estava em ascensão. No perí-
odo anterior à Khrushchev, a burguesia havia sido supri-
mida economicamente, mas não ideologicamente. Stalin,
no entanto, não atentou para esse aspecto, abrindo prece-
P a z , P ã o e T e r r a | 159

dentes para que o regime capitalista eventualmente fosse


restaurado. A burguesia continuou subsistindo ideologi-
camente no Partido Comunista por meio da linha de direi-
ta, e agora que havia ascendido ao poder, propiciou o res-
surgimento de sua relevância econômica. Os camponeses
ricos não praticavam atividades ilegais para produzirem,
diferentemente dos comerciantes e mafiosos (KEERAN &
KENNY, 2008).
Acompanhado da tentativa de destruição da econo-
mia stalinista, segundo Furr (2011), era imprescindível
extinguir a imagem de Stalin enquanto liderança e pessoa.
Em seu discurso ao XX Congresso ao PCUS, Khrushchev
faz um ataque direto à pessoa de Stalin, desferindo-lhe
uma série de insultos e calúnias, iniciando a chamada de-
sestalinização na União Soviética. A partir de dados atu-
almente acessíveis, o professor Grover Furr, após estudos
sobre os crimes atribuídos à Stalin por Khrushchev, chega
à seguinte conclusão:

Eu suspeitei que hoje, à luz de muitos documentos dos


antigos arquivos secretos soviéticos agora disponíveis,
pesquisas sérias poderiam descobrir que até mais “re-
velações” de Khrushchev sobre Stalin eram falsas. Na
verdade, eu fiz uma descoberta bem diferente. Ne-
nhuma afirmação específica da “revelação” que
Khrushchev fez sobre Stalin e Beria acabou por ser
verdadeira. Entre aquelas que podem ser checadas pa-
ra verificação, cada uma se mostrou ser falsa.
Khrushchev, ao que parece, não apenas “mentiu” sobre
Stalin e Beria - ele não fez praticamente nada além de
mentir. O “Discurso Secreto” inteiro é feito de fabrica-
ções (FURR, 2011. p. 3, tradução nossa)
160 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

A posição do bloco socialista em relação ao contexto


foi complexa. Cabe ressaltar a existência de grande resis-
tência interna na União Soviética. Após o golpe de
Khrushchev contra o Presidium, esse Capítulou e acatou
as decisões do mesmo (HOXHA, 1976). Já em relação à
população, a resistência deu-se por meio de manifestações
e protestos50. No campo internacional, vários países socia-
listas manifestaram seu repúdio ao discurso de
Khrushchev. O Partido Comunista da China, sob a lide-
rança do Presidente Mao Tse-tung, dirigente máximo na
resistência nacional contra o imperialismo chinês, acusa o
relatório do XX Congresso e a política de Khrushchev de
ser um verdadeiro fracasso ao movimento comunista in-
ternacional:

A Carta Aberta do Comitê Central do PCUS proclama


em alto e bom som os “esplêndidos” e “majestosos re-
sultados” do 20º Congresso do PCUS.
Mas a história não pode ser alterada. Quem não sofre
de memória muito curta recordará que com seus erros
o XX Congresso não produziu "resultados esplêndidos"
ou "majestosos", mas um descrédito da União Soviéti-
ca, da ditadura do proletariado e do socialismo e do
comunismo, e deu uma oportunidade para os imperia-
listas, os reacionários e todos os outros inimigos do

50
“Em 5 de março de 1956, os estudantes de Tiblisi foram à rua
para colocar flores no monumento a Stalin, por ocasião do ter-
ceiro aniversário da sua morte, e esse gesto em honra de Stalin
se transformou num protesto contra as deliberações do XX Con-
gresso. As demonstrações e as assembleias prosseguiram por
cinco dias, até que, na tarde de 9 de março, foram enviados car-
ros armados para restaurar a ordem na cidade” (ZUBKOVA
Apud LOSURDO, 2010. p. 20-21)
P a z , P ã o e T e r r a | 161

comunismo, com consequências extremamente graves


para o movimento comunista internacional. (PCCH,
1965, p. 67-68, tradução nossa)

Sobre a conduta de Stalin, o balanço traçado pelo


Partido Chinês foi considerado, por meio de documentos,
essencialmente correto, crítico e científico. Ressaltando as
faltas do dirigente soviético em relação à condução dos ex-
purgos de 1937-1938, nos quais “muitos contrarrevolucio-
nários que mereciam punição foram devidamente punidos,
mas ao mesmo tempo havia pessoas inocentes que foram
condenadas erroneamente”, bem como relembrando seu
importante papel na construção do socialismo no país e do
movimento comunista internacional, o PCCh conclui que
seus méritos sobrepuseram seus erros:

Os méritos e erros de Stalin são questões de realidade


histórica e objetiva. Uma comparação dos dois mostra
que seus méritos superaram seus defeitos. Ele estava
basicamente correto, e seus defeitos eram secundários.
Resumindo o pensamento de Stalin e sua obra em sua
totalidade, certamente todo comunista honesto com
respeito pela história observará primeiro o que era
primário em Stalin. Portanto, quando os erros de Sta-
lin estão sendo corretamente avaliados, criticados e
superados, é necessário salvaguardar o que era pri-
mordial na vida de Stalin, para salvaguardar o mar-
xismo-leninismo que ele defendeu e desenvolveu.
(PCCH, 1965, p. 121, tradução nossa)

Junto ao Partido Comunista da China, também


tomaram parte desse debate o Partido do Trabalho da Al-
bânia, que governava o país sob a liderança do antigo co-
mandante partisan Enver Hoxha, dentre outros Partidos
162 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Comunistas. Assim, ficará chamado o Movimento Antirre-


visionista, que agiu no intuito de denunciar a restauração
capitalista que estava sendo concretizada na União Sovié-
tica, bem como compreender as maneiras possíveis para
evitá-la. A maior parte do bloco socialista, como o Leste
Europeu e vários países africanos, apoiaram a União Sovi-
ética. A partir daí, grupos alinhados ao antirrevisionismo
chinês surgiram na URSS, conforme indicação nos regis-
tros históricos. Tais movimentos autodenominados “mao-
ístas” fizeram oposição ao governo soviético por longo perí-
odo, ao mesmo tempo em que contrapunham a oposição
direitista no país, alinhada com a CIA e o imperialismo
estadunidense. Em seu auge, o mais bem sucedido dentre
esses grupos, chamado “Centro Operário”, chegou a cons-
truir um Partido Marxista ilegal e a encabeçar greves de
trabalhadores em regiões do país (VOLYNETS, 2013).
O fato é que esse discurso de Khrushchev foi con-
siderado um dos mais importantes do século XX. Os “sovi-
etólogos” ocidentais agora poderiam acessar materiais do
próprio PCUS para desacreditar a Revolução Russa, e
ainda hoje conteúdos respaldados nas acusações de
Khrushchev são divulgados em materiais historiográficos,
livros didáticos e documentários como fidedignos. A impre-
cisão ideológica, a renúncia à luta de classes e ao Marxis-
mo-Leninismo começa a demonstrar efeitos práticos. Em
1956, há um levante fascista na Hungria, dirigido pelas
camadas mais reacionárias da população e amplamente
apoiado pela CIA contra o governo comunista húngaro,
este também já desgastado por erros das mais variadas
naturezas (MARTENS, 2018). O Pacto de Varsóvia inter-
veio e logo dispersou os integrantes do motim, com apoio
P a z , P ã o e T e r r a | 163

de chineses e de albaneses, mas esse episódio era apenas


um exemplo da série de fatos que estava por vir.
Em 1961, o Muro de Berlim é construído. Existem
inúmeros fatores que motivaram a sua construção a man-
do de Moscou. Não serão abordados em sua totalidade,
visto que esta obra busca abordar apenas a Revolução
Russa e não o bloco socialista como em sua totalidade.
Historicamente, a parte Oriental da cidade de Berlim
sempre foi menos desenvolvida economicamente que a oci-
dental, e que após a guerra houve a manutenção dessa
disparidade. Portanto, desde o início, o governo da RFA
oferecia melhores salários e condições de vida, ainda que a
legislação trabalhista e de seguridade social fosse inferior
que a do lado oriental. Cabe destacar que a RFA foi isenta
de todas as dívidas da guerra, ao passo que a RDA teve
que arcar com tais despesas. Essa discrepância no trata-
mento na mesma cidade, levou a uma crescente taxa de
imigração do leste para oeste, ocorrendo uma redução da
população da RDA em aproximadamente 10% na primeira
década de sua existência (GOWANS, 2009). O governo co-
munista da RDA, inexperiente e repleto de desvios, condu-
ziu uma série de políticas equivocadas no país recém-
formado (combatidas por Beria e seus partidários no Co-
mitê Central antes de sua queda), provocando um crescen-
te descontentamento dos trabalhadores alemães, até o
ponto que em 1953 há um levante popular no país. O go-
verno da RDA chegou a precisar da força militar soviética
para normalizar a situação (ALLIANCE, 2003).
Segundo registros, esses fatores, somados à cons-
tante sabotagem e espionagem promovida por agentes
americanos no país (que facilmente podiam cruzar a fron-
teira), culminaram na construção do Muro de Berlim
164 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

(GOWANS 2009). Em 1964, Khrushchev deixa seu desas-


troso governo, e em 1965-1967 as reformas econômicas
khruschevistas são definitivamente concluídas.
Em 1964, assume o cargo de Secretário Geral Le-
onid Brezhnev. Seu governo será marcado por algumas
diferenças conciliatórias em relação à Khrushchev, ainda
que com o mesmo caráter do governo anterior. Por um la-
do, ele retornou algumas poucas políticas da centralização
que haviam sido dissipadas por Khrushchev, o que levou a
um aumento considerável na qualidade de vida da popula-
ção (KEERAN & KENNY, 2008), por outro, ele não só
oportunizou a intensificação de diversas questões de vul-
nerabilidade existentes na Era Khrushchev como propici-
ou o surgimento de outras ainda piores. É em seu governo
que ficará marcado o advento da corrupção generalizada
no Partido Comunista e da chamada Nomenklatura (privi-
légios à elite do alto escalão do PCUS), por meio da políti-
ca da “estabilidade dos quadros” (que tornava mais com-
plexa a deposição de elementos do Partido). Cabe destacar
que, esses burocratas estavam intimamente ligados com os
comerciantes do mercado ilegal, e auxiliaram para a der-
rocada da economia socialista (KEERAN & KENNY,
2008).
Também houve a expansão desmedida dos gastos
militares visando uma equiparação aos Estados Unidos
(KEERAN & KENNY, 2008). Brezhnev, de fato, pode ser
descrito como um representante da linha de direita (tal
qual Khrushchev) mas que realizou uma série de conces-
sões para a esquerda no Partido. Essas concessões trouxe-
ram ótimos resultados: a produção industrial soviética
aumentou 9,5 vezes em relação a 1950, os salários majora-
ram consideravelmente, a carga horária de trabalho se-
P a z , P ã o e T e r r a | 165

manal foi fixada entre 35 e 40 horas, instituiu-se um sis-


tema universal de pensões. Ao final do governo, a União
Soviética já era responsável por cerca de 20% de toda pro-
dução mundial. Um relatório da CIA, produzido um ano
após a saída de Brezhnev do cargo de secretário geral, con-
firmou que os cidadãos americanos e soviéticos alimenta-
vam-se na mesma medida diária, no entanto, a dieta de
um soviético apresentava maior valor nutricional (CIA,
1983). Como lembrou, entretanto, Roger Keeran e Thomas
Kenny: “Em larga medida, os ganhos econômicos eram
possibilitados pela concentração dos investimentos nos
recursos naturais e na indústria pesada iniciada por Sta-
lin” (KEERAN & KENNY, 2008, p. 50).
Uma negativa histórica de Brezhnev consistiu em
sua política externa. Brezhnev fundou a chamada Doutri-
na da Soberania Limitada, que na prática instituiu rela-
ções de dependência com todos os países socialistas ali-
nhados à URSS, bem como no aprofundamento da hege-
monia soviética pelo mundo. Durante 1968, quando os li-
berais do Partido Comunista tentaram organizar uma con-
trarrevolução de veludo na Tchecoslováquia por meio de
um “socialismo de rosto humano” (basicamente, uma radi-
calização das políticas nepistas de Khrushchev), a União
Soviética percebeu o risco de reformas de mercado tão li-
berais consolidarem-se (MARTENS, 2018a). E de que for-
ma combater isso? Estimulando o movimento comunista
internacional a repudiar as atitudes dos tchecos? Intervir
nos debates partidários do país para que a linha proletária
vencesse? A decisão de Brezhnev foi conclamar o Pacto de
Varsóvia para intervir militarmente na nação, utilizando
tanques de guerra contra a própria população civil. Um
dos slogans da população tcheca durante esse período era
166 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

“Lenine probud’ se! Brežněv se zbláznil” (Lênin acorde!


Brezhnev ficou louco). A Albânia de Enver Hoxha se recu-
sou a participar disso, e no mesmo ano abandonou o Pacto
de Varsóvia.
No centro do Movimento Antirrevisionista, surge a
teoria de que a União Soviética estaria enveredando para
uma via “social-imperialista” (socialista na teoria, imperi-
alista na prática). Essa tese consiste em um debate longo,
que até hoje é objeto de ampla discussão sobre a própria
definição de imperialismo e o que a URSS de fato repre-
sentava. Independente do desfecho da questão, o fato é que
a Rússia passou a exercer um grande controle sobre as
outras nações socialistas. Brezhnev também se mostrou
audacioso e antimarxista ao buscar a hegemonia mundial.
Apoiando os chamados “golpes revolucionários” na Etiópia
e no Afeganistão, reformistas no Chile, governos militares
na Síria e no Egito, sob a alcunha de serem “obreiros da
revolução socialista”. O ápice destrutivo dessa política fo-
ram as intervenções militares direta e indireta no Afega-
nistão e no Camboja. Como afirmou Martens:

A sua “revolução mundial” é essencialmente o


alastramento a todo o planeta do hegemonismo
soviético, seguindo o modelo da Europa do Leste.
Brejnev nega que o socialismo mundial nascerá
da soma de diferentes experiências revolucioná-
rias mundiais. Desconhece que os partidos revo-
lucionários devem ancorar-se nas realidades es-
pecíficas dos seus países, que lhes é necessário
mobilizar as amplas massas para a luta revoluci-
onária tendo em conta as suas particularidades e
P a z , P ã o e T e r r a | 167

que devem esmagar o imperialismo e a reação lo-


cais. (MARTENS, 2018b. p. 206-207)

Além disso, havia mais uma questão central: a falta


de inovações no planejamento econômico. Mesmo com as
diversas mudanças mencionadas, o planejamento de orga-
nização das indústrias e do cálculo econômico permanecia o
mesmo desde a década de 30. A economia no período ante-
rior mostrava-se mais elementar, e o planejamento soviéti-
co era eficaz o suficiente para garantir a estabilidade eco-
nômica e o contínuo crescimento industrial. Entretanto, a
partir da década de 70, a economia ia tornando-se cada vez
mais complexa e dinâmica em todo mundo, e havia a neces-
sidade de renovação. Esse aprimoramento não deveria ser
implementado por meio de “reformas de mercado” como
Khrushchev gostaria, mas sim por meio da robótica e das
novas possibilidades de computação dentro do próprio mo-
delo socialista. Como demonstraram os economistas Paul
Cockshott e Allin Cottrell, os soviéticos detinham meios
para realizar uma renovação econômica por meio das tecno-
logias disponíveis no período, que iriam reafirmar a eficiên-
cia da centralização econômica de maneira muito mais ra-
cional. Como se sabe, essa diretriz não foi adotada pelo go-
verno (COTTRELL & COCKSHOTT, 1993).
Ao final da Era Brezhnev, somando-se uma política
conciliatória, dificuldades na resolução problemas que as-
solavam o país e tolerância para com os mafiosos que ago-
ra expandiam-se no Partido Comunista, houve uma queda
brusca de 40% de toda produção industrial entre os anos
de 1979 e 1982 (KEERAN & KENNY, 2008). Apesar disso,
merece destaque para o avanço científico e tecnológico ad-
quirido no período. Os altos investimentos científicos a fim
168 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

de equiparar aos Estados Unidos durante a Guerra Fria


resultaram no pioneirismo soviético na conquista do espa-
ço. Com destaque para o envio do primeiro homem no es-
paço, Yuri Gagarin, e do primeiro satélite no espaço,
Sputnik 1 (KEERAN & KENNY, 2008).
Ainda que a Nomenklatura tenha de fato surgido
durante esses períodos, é difícil considerar a existência de
uma nova “classe dominante advinda do próprio Partido
Comunista” no país, pelo menos num primeiro momento.
Para fins de comparação, conforme mostrou o sociólogo
estadunidense Albert Szymanski, durante a década de
1980, o salário pago aos trabalhadores intelectuais mais
influentes do país correspondia a apenas 10 vezes o salário
do trabalhador menos remunerado: grandes artistas, pro-
fessores, cientistas e acadêmicos em geral ganhavam entre
1200 e 1500 rublos; os altos funcionários do governo ga-
nhavam 600 rublos; os diretores de empresas ganhavam
entre 190 e 400 rublos; e os trabalhadores cerca de150 ru-
blos. Em paralelo aos Estados Unidos, esses dados podem
ser tratados de certa forma como um igualitarismo quase
extremo, já que as chefias empresariais norte-americanas
ganhavam cerca de 115 vezes a mais do que os trabalha-
dores, sendo que na década de 1990 esse fator chegou a até
480 vezes. Os privilégios e acessos exclusivos à lojas espe-
ciais, automóveis, e demais bens de consumo limitados aos
altos funcionários do PCUS, ainda que evidenciassem a
elitização, eram limitados (KEERAN & KENNY, 2008).
P a z , P ã o e T e r r a | 169

Capítulo 8
170 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Qual via seguir? – A Luta Final


entre a Esquerda e a Direita no
Partido Comunista
P a z , P ã o e T e r r a | 171

Os problemas criados por Khrushchev e aprofunda-


dos por Brezhnev não seriam suficientes para culminar na
queda o país dos sovietes. Os prejuízos que a direita em
grande parte infligiu à nação, como a ascensão da máfia e
do comércio ilegal por meio de reformas de mercado, a cor-
rupção e a burocracia internas ao PCUS, os altos custos
militares da Guerra Fria, somados a problemas anteriores,
como a limitação da liberdade de expressão e os gargalos
que a economia planificada começava a apresentar, não
havia levado a nação a uma crise. A economia encontrava-
se estagnada, mas não significaria uma quebra iminente,
pois as dificuldades econômicas eram consideradas ínfi-
mas diante das enfrentadas pela Alemanha na década de
1920 e pelos EUA na década de 1930. O país precisava de
reformas e modernizações, e estas reformas é que iriam
influenciar no futuro do país (KEERAN & KENNY, 2008).
Portanto, pode-se concluir que:

O colapso soviético não era inevitável. Não tem qual-


quer fundamento a conclusão alardeada nos media do
grande capital de que o socialismo soviético estava
condenado desde o início, de que todos os Estados soci-
alistas estão condenados, de que afinal Marx estava
errado e que a história humana termina com o “capita-
lismo liberal” (KEERAN & KENNY, 2008 pag. 231)

Ao final de 1982, Yuri Andropov assume o cargo de


secretário-geral. Andropov era um antigo chefe da KGB,
integrante da linha esquerda do PCUS, de Lênin e Stalin,
e trazia ampla consciência das modificações que necessita-
vam ser implantadas. Em 1981, já com posições de co-
mando, ele havia conduzido processos de anticorrupção no
país, visando atacar os elementos corrompidos pela segun-
172 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

da economia, e não se intimidou com o fato de que a filha e


o genro de Brezhnev estivessem sob suspeita de envolvi-
mento: ambos foram igualmente investigados (KEERAN &
KENNY, 2008). Durante seu governo, Andropov identifi-
cou os problemas vigentes na sociedade soviética, propon-
do uma reformulação e um melhoramento na planificação
econômica socialista com o objetivo de modernizá-la sobre-
tudo por meio da tecnologia informática e da robótica
(KEERAN & KENNY, 2008).
Ele também combateu veementemente a apatia na
gestão pública, os traços de mediocridade existentes, a ne-
gligência de gestores e trabalhadores, criando campanhas
e políticas passíveis de penalização aos responsáveis vi-
sando a ampliação da produtividade. Aboliu a política de
“estabilidade dos quadros” de Brezhnev, o que fez com que
antigos membros senis fossem afastados do Partido ce-
dendo lugar a membros mais jovens e produtivos. Assim,
afirmou-se a necessidade de promover mudanças culturais
para a população e para o Partido Comunista, buscando
melhorar o trabalho ideológico do PCUS e eliminar a ideo-
logia burguesa da nação socialista. Defendeu reformas vi-
sando a democracia socialista e criticou os excessos come-
tidos durante a Era Stalin, mas reafirmou o direito e a
necessidade de a revolução ser defendida pela força
(KEERAN & KENNY, 2008). Uma grande negativa histó-
rica de Andropov foi reprimir e extinguir os grupos aliados
à China, inclusive utilizando-se de métodos ilegais para
tal (VOLYNETS, 2013).
Entretanto, Andropov já se encontrava em idade
avançada, e com saúde fragilizada. Em 1984, ele não resis-
te, vítima de falência renal, não havendo tempo hábil de
aplicar todas as suas reformas para renovar a pátria socia-
P a z , P ã o e T e r r a | 173

lista. Como afirmou um antigo diretor da CIA, “Acredito


que se [o líder soviético Iuri] Andropov fosse quinze anos
mais jovem quando tomou o poder em 1982 existiria ainda
a União Soviética”, ao passo que o renomado historiador
marxista Eric Hobsbawn comentou “Não me agrada con-
cordar com chefias da CIA, mas isto parece-me inteira-
mente plausível” (KEERAN & KENNY, 2008, p. 17). Seu
sucessor, Konstantin Tchernenko, foi descrito pelo histori-
ador Dmitri Volkogónov como sendo dotado “de uma total
mediocridade, pouco instruído, sem o mínimo da visão ne-
cessária para ser um líder do Partido e do Estado”
(VOLKÓGONOV Apud KEERAN & KENNY, 2008, p. 62).
A maior parte das reformas propostas por Andropov não
passaram de projetos, e as que foram implementadas defi-
nharam durante a administração de Tchernenko. A linha
esquerda do Partido Comunista não voltaria a assumir o
poder no país, e agora a direita retomava o programa ini-
ciado em 1953.
Em 1985, Mikhail Gorbatchov assume o cargo de
secretário-geral. Ele que ficaria responsável por promover
as reformas necessárias à União Soviética. Inicialmente
retomou diversos aspectos das reformas de Andropov, co-
mo o combate à falta de produtividade, que levou a um
modesto crescimento econômico em relação ao período an-
terior (KEERAN & KEENY, 2008). Gorbatchov anuncia a
glasnost e a perestroika, reformas criadas com a finalidade
de aprimorar o socialismo no país, com a abertura política
e econômica.
A linha de esquerda não conseguiu organizar uma
forte oposição à Gorbatchov em seus primeiros anos, devi-
do a imprecisão em relação aos rumos tomados. A partir
de 1987, a política de Gorbatchov passa a atuar ativamen-
174 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

te para destruição a União Soviética. Disseminou a defesa


da propriedade privada dos meios de produção, a promo-
ção ideológica do anticomunismo (desestalinização khrus-
chevista amplificada), a remoção do Partido Comunista
das esferas de poder. Essas foram as medidas contrárias à
planificação e à ideologia socialista, que de fato esfacela-
ram a nação.
Nesse período, o comércio ilegal prosperava de for-
ma intensa. A máfia se proliferou em fatores exponenciais,
chegando a empregar cerca de 5.000.000 de trabalhadores
(KEERAN & KENNY, 2008). A privatização de estatais e
a criação de cooperativas fictícias (em realidade funciona-
vam como empresas privadas) foram medidas ampliadas
neste período. O bukharinismo, consolidado em décadas
posteriores a morte de Stalin de forma tímida, era agora
implementado com toda a sua força por Gorbatchov. Como
lembrou Martens:

Depois de um período de paralisia, conformismo e mili-


tarismo, sob liderança de Brejnev, tivemos a impressão
de que as coisas estavam a mudar e que alguns dos er-
ros mais graves de Brejnev seriam revelados. Porém,
depressa se tornou claro que Gorbatchov criticava Bre-
jnev a partir do ponto de vista dos liberais e pró-
ocidentais. Gorbatchov somente aprofundou o revisio-
nismo de Khrushchev e de Brejnev, o que conduziu à
renúncia total e aberta dos princípios marxista-
leninistas.
A União Soviética teve dois pontos de ruptura com o
socialismo: o relatório de Khrushchev, em 1956, que
continha a rejeição de alguns princípios essenciais do
leninismo, e a perestroika de Gorbatchov, que prepa-
rou o terreno para o restabelecimento da economia de
mercado em 1990. O revisionismo de Khrushchev
abriu o período de transição do socialismo para o capi-
P a z , P ã o e T e r r a | 175

talismo. Os velhos e novos elementos burgueses preci-


saram de 30 anos para ganhar força suficiente para
tomar e consolidar suas posições na política, no campo
da ideologia e na economia. O processo de degeneração,
iniciado em 1956, precisou de três décadas para acabar
com o socialismo. (MARTENS, 2018b. p. 93-94)

A linha de esquerda, nesse momento, representada


pelo militante Egor Ligatchov reage contra tais reformas,
mas o Partido já estava severamente fragmentado e divi-
dido. Além disso, o apoio incondicional do imperialismo
estadunidense e da crescente burguesia mafiosa à Gor-
batchov desarticularam a resistência. Ligatchov e seus
partidários foram tratados como “conservadores” e inte-
grantes da “linha dura” do PCUS pelos asseclas de Gor-
batchov (KEERAN & KENNY, 2008).
A partir daí, as fragilidades do governo agravam-se
rapidamente. A economia soviética passa a colapsar. Gre-
ves eclodem por todo o país e a inflação atinge cerca de
80%, índices econômicos caem vertiginosamente. Diante
do caos instaurado, essas políticas de governo tornavam-se
sátiras perante a população, a exemplo da análise realiza-
da por um comediante da época em que afirmava que, a
glasnost deu aos cidadãos soviéticos a permissão para cri-
ticar e a perestroika deu-lhes o motivo da crítica (KEE-
RAN & KENNY, 2008). Os nacionalismos e separatismos
racistas por todas as Repúblicas Soviéticas começam a
aflorar, movimento independentes alinhados ao capitalis-
mo surgem de forma intensa, enfraquecendo cada vez
mais o bloco socialista. Os demais países da Europa Orien-
tal, frágeis em relação à União Soviética, restauram um a
um a forma de governo capitalista. Tendências há muito
adormecidas, ofuscadas pelo internacionalismo e pela soli-
176 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

dariedade entre os povos, afloraram nesse momento. Ao


final de 1989, o Muro de Berlim caía.
Em março de 1991, foi realizado um referendo em
que participaram diversas Repúblicas Soviéticas para ava-
liar a aprovação popular pela manutenção ou não da Uni-
ão Soviética, resultando em três quartos de aprovação pela
manutenção da pátria socialista (GOWANS, 2013). Esse
fato consistiu em uma demonstração do apoio, mas inefici-
ente perante a vontade governamental e partidária. Em
26 de dezembro daquele mesmo ano, a União Soviética era
desmantelada, e o capitalismo fora definitivamente res-
taurado.
P a z , P ã o e T e r r a | 177

Capítulo 9
178 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

Conclusão – Paz, Pão e Terra...


P a z , P ã o e T e r r a | 179

O determinismo histórico colocado, assegurando que


o “socialismo não funciona, não funcionou e nem funciona-
rá”, trata-se de uma ideia imprecisa cientificamente, as-
sim como o slogan partidário de várias organizações mar-
xistas do século passado, que afirmavam que “a história
marchava inevitavelmente ao comunismo”. Ambas as te-
ses, cobertas de um idealismo quase religioso, não se sus-
tentam diante das análises constantes nesta obra. O socia-
lismo na União Soviética não se extinguiu por ser inefici-
ente ou por ser “contrário à natureza humana”. Conforme
demonstram Roger Keeran e Thomas Kenny, fazendo um
resumo do que havia sido conquistado e que se perdeu:

A União Soviética não só eliminou as classes explora-


doras da velha ordem como também pôs fim à inflação,
desemprego, discriminação racial e nacional, pobreza
extrema, desigualdades flagrantes de riqueza, rendi-
mento, educação e oportunidades. Em cinquenta anos,
o país passou de uma produção industrial que corres-
pondia a apenas 12% da produção nos Estados Unidos,
para uma produção industrial de 80% e uma produção
agrícola que equivalia a 85% da dos EUA. Embora o
consumo soviético per capita permanecesse mais baixo
que nos EUA, nenhuma sociedade tinha até então ele-
vado o nível de vida e o consumo para toda a população
tão rapidamente e num período de tempo tão reduzido.
O emprego era garantido. A educação gratuita era
acessível a todos, do infantário às escolas secundárias
(gerais, técnicas, profissionais), universidades e escolas
pós-laborais. Além de isenção de propinas, os estudan-
tes pós-liceais recebiam subsídios. Havia um serviço de
saúde gratuito para todos, com cerca de duas vezes
mais médicos por pessoa do que nos Estados Unidos.
Os trabalhadores que sofriam acidentes ou doenças ti-
nham emprego assegurado e baixa médica paga. Em
180 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

meados da década de 1970, os trabalhadores gozavam


em média de 21,2 dias úteis de férias (um mês de fé-
rias) e os sanatórios, casas de repouso e campos de fé-
rias infantis eram ou gratuitos ou comparticipados. Os
sindicatos tinham o poder de velar despedimentos e
revogar administradores. O Estado regulava os preços
e subsidiava os custos da alimentação básica e a habi-
tação. As rendas constituíam 2% a 3% do orçamento
familiar, a água e o serviço público apenas 4% a 5%.
Não havia discriminação da habitação em função do
rendimento. Embora alguns bairros fossem reservados
para altos funcionários, em qualquer outro lugar os
gestores de fábrica, enfermeiras, professores e portei-
ros viviam lado a lado. (KEERAN & KENNY, 2008. p.
12-13)

Seriam essas conquistas “contrárias a natureza


humana”? É uma tese complexa de se sustentar. Mas no-
vamente se afastando do idealismo, é certo de que o mode-
lo político não era perfeito, de fato apresentava muitas
falhas. A história é construída por humanos, passíveis de
falhas diferentemente do ideário da República de Platão.
Ainda que tenham sido criticadas várias teses problemáti-
cas e por vezes preconceituosas durante a obra, a exemplo
da suposta existência de um “regime totalitário” ou da
promoção da mortandade de “dezenas de milhões de pes-
soas”, o governo soviético enfrentou inúmeros problemas
relacionados à repressão e à expansão da democracia de
massas. Isso é inegável. Ainda que Stalin e o Partido Co-
munista tenham buscado combater esses excessos e até
punido muitos dos responsáveis, como Ezhov, tais vidas
não foram restituídas. Somando todas as prisões e execu-
ções que ocorreram no período revolucionário (não só sta-
P a z , P ã o e T e r r a | 181

linista, mas também nos tempos de Lênin e da Guerra Ci-


vil), Zemskov conclui:

Assim, com base em nossa versão do número total de


repressões por motivos políticos, a proporção destes na
população que viveu entre 1918 e 1958 é de 2,5% (cerca
de 10 milhões em relação a mais de 400 milhões). Isso
significa que 97,5% da população da URSS não foi
submetida à repressão política de nenhuma forma.
(ZEMSKOV, VICTOR. Stálin e o povo. Por que não
houve um levante? 2018. Disponível em:
<https://stalinism.ru/dokumentyi/stalin-i-narod-
pochemu-ne-bylo-vosstaniya.html>. Acesso em 17 de
abril de 2021, tradução nossa por Matheus Gusev)

Cabe a reflexão de alguns aspectos: qual país foi


invadido por mais de 15 países apenas no início do sécu-
lo XX? Qual país coexistiu em meio a prática de sabota-
gem industrial e política de grupos que recebiam finan-
ciamento de estados estrangeiros? Qual país perdeu
23.000.000 de cidadãos em decorrência de uma guerra
genocida que se intensificou com o aval do ocidente capi-
talista liberal? Qual país foi sitiado e cerceado por gran-
de parte das nações mundiais até o fim da Segunda
Guerra Mundial, quando enfim ampliou seu número de
países aliados? O fato é que a União Soviética enfrentou
um estado de restrição permanente devido a conjuntura
internacional imposta. Todas as tentativas do PCUS pa-
ra ampliar a democracia política foram abandonadas em
decorrência de fatores que exigiam situações excepcio-
nais.
Entretanto, o socialismo na União Soviética não se
sustentou, o país retornou ao sistema da propriedade
182 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

privada. O sistema capitalista instituiu-se, a democracia


foi restabelecida na Rússia, e as pessoas podiam votar
para presidente. A escala de mortes sob o socialismo já
foi amplamente discutida nesta obra. Já em relação às
mortes ocorridas em decorrência do desmantelamento do
socialismo, tona-se impraticável de ser calculada. Ao
final da década de 1990, a democrática Rússia capitalis-
ta encontrava-se matizada pela máfia e a economia en-
frentava números inferiores aos 50% em relação ao iní-
cio da década. A produção de carnes e laticínios decres-
ciam para um quarto, os salários diminuíram pela me-
tade e a inflação cresceu descontroladamente a níveis
nunca vistos antes na história. Mais de 150.000.000 de
pessoas encontravam-se abaixo do nível da pobreza e
milhões de crianças em estado de desnutrição. A expec-
tativa de vida para o gênero masculino decaiu para os
padrões do século XIX (KEERAN & KENNY, 2008).
Uma pesquisa de opinião realizada em 2016 na
Rússia demonstrou que cerca de 64% da população con-
sidera que a qualidade de vida era superior no período
socialista do que após sua dissolução (SPUTNIK, 2016).
Além disso, o Levada Center, instituto não governamen-
tal e de pesquisa de opinião independente na Rússia,
verificou que tanto Lênin quanto Stalin assumem uma
imagem positiva por mais de 50% dos russos (RT, 2019;
SHARKOV, 2017). Torna-se incoerente, portanto, argu-
mentar que o socialismo se esfacelou por conta de uma
suposta má qualidade de vida ou por uma conduta anti-
democrática ou repressora, já que essa postura coexistiu
de maneira mais ampliada no sistema capitalista, e este
ainda se encontra vigente no mundo, sob outras formas
de dominação. Como lembrou Furr (2014), os próprios
P a z , P ã o e T e r r a | 183

países capitalistas e imperialistas promoveram milhões


de mortes e torturados em guerras genocidas, como veri-
ficado em Índia, Quênia, Coreia e Vietnã, e mesmo as-
sim, o capitalismo ainda se mantém como o modo de
produção dominante global.
A União Soviética ruiu pela incapacidade ideológi-
ca dos comunistas do século XX em compreender e con-
duzir as lutas de linhas no Partido Comunista e coibir a
restauração do sistema capitalista. A luta de classes
continua não só durante a construção do socialismo, co-
mo se manifesta ativamente dentro do Partido. Figuras
restauracionistas como Bukharin, Khrushchev e Gor-
batchov não foram combatidas de forma assertiva,
abrindo precedentes para o retorno do capitalismo ao
país. A partir daí, surgem os seguintes questionamentos:
como lidar com restauracionistas burgueses? Como con-
duzir os debates entre as diversas linhas ideológicas de
forma a assegurar a manutenção da linha proletária?
Não é o objetivo deste trabalho responder a essa questão
central determinante (e ainda não aplicada na prática),
mas uma citação do Presidente Mao Tsé-tung parece in-
troduzir a essa resposta:

“A sociedade socialista cobre um período histórico ex-


tremamente largo. Durante todo este período a luta de
classes entre a burguesia e o proletariado segue. A
questão sobre qual sistema sairá vitorioso, o capitalis-
mo ou a via socialista, permanecerá em aberto durante
este período. Isto significa que o perigo da restauração
do capitalismo se mantém”.
“A revolução socialista realizada apenas no campo eco-
nômico (no que diz respeito à propriedade dos meios de
produção) não é suficiente e não garante a estabilidade.
184 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

É preciso haver também uma revolução socialista com-


pleta nos campos da política e da ideologia. No domínio
da política e da ideologia, a luta para decidir a disputa
entre capitalismo e socialismo prolongar-se-á por muito
tempo. Algumas décadas certamente não serão suficien-
tes; cem, talvez centenas de anos serão necessários para
a vitória final. Durante este período histórico do socia-
lismo temos que manter a ditadura do proletariado e le-
var a revolução socialista até o fim, se quisermos preve-
nir a restauração do capitalismo. Temos que realizar a
reconstrução socialista de modo a criar as condições ne-
cessárias para a passagem ao comunismo”.
“Antes de Khrushchev chegar ao poder, as atividades
dos novos elementos burgueses eram limitadas e em
grande parte reprimidas. Mas desde que Khrushchev
alcançou o poder, e gradualmente tomou o controle da
direção do Partido e do Estado, esses novos elementos
burgueses apareceram em posições dominantes no co-
ração do Partido e do governo, no campo da economia,
assim como no setor da cultura e outros. Tornaram-se
uma classe privilegiada na sociedade soviética”.
“Mesmo sob o domínio de Khrushchev e da sua facção, a
massa dos membros do PCUS e do povo seguiu as glori-
osas tradições revolucionárias cultivadas por Lenin e
Stalin, aderindo ao socialismo e aspirando avançar
para o comunismo. Um grande número de quadros so-
viéticos continua a apoiar as posições revolucionárias
do proletariado na via para o socialismo. Estão firme-
mente contra o revisionismo de Khrushchev”.
“A luta de classes, a luta pela produção e a experimen-
tação científica são os três movimentos revolucionários
principais na construção de uma nação socialista pode-
rosa. Estes movimentos representam uma garantia se-
gura, que permite aos comunistas combater a burocra-
cia, armar-se eles próprios contra o revisionismo e
dogmatismo e manter-se invencíveis para sempre.
Constituem a garantia futura que permitirá ao prole-
tariado unir as amplas massas laboriosas e praticar
P a z , P ã o e T e r r a | 185

uma ditadura democrática. Vamos supor que, na au-


sência destes movimentos, os latifundiários, os agrá-
rios ricos, os contrarrevolucionários, os elementos obs-
curos e outras criaturas de diversos tipos terão rédea
solta. Suponhamos ainda que, em certos casos, nossos
quadros fechem os olhos e já não distinguam entre o
inimigo e nós próprios e que colaboram com o inimigo e
se deixam corromper e desmoralizar. Se nossos qua-
dros foram atraídos desta forma para o campo do ini-
migo ou se o inimigo logrou infiltrar-se nas nossas fi-
leiras e se muitos dos nossos operários, camponeses e
intelectuais ficaram indefesos perante as táticas bru-
tais do inimigo, se estas suposições se tornar realidade,
então em um curto espaço de tempo, talvez alguns
anos ou uma década, terá lugar inevitavelmente uma
restauração contrarrevolucionária em escala nacional.
Neste caso, não demorará até o Partido marxista-
leninista tornar-se um partido revisionista ou fascista
e a China mudará de cor” (MAO Apud MARTENS,
2018b. p. 358-360)

O objetivo deste trabalho foi apresentar um resumo


histórico geral fundamentado no materialismo histórico
(enquanto método historiográfico) da construção do socia-
lismo na União Soviética, bem como seu desfecho. Apoia-
do em documentos considerados clássicos, bem como a
utilização daqueles disponibilizados com a abertura dos
arquivos secretos do estado soviético a partir de 1980,
mostrou-se diferentes perspectivas para um contexto já
tão debatido pela história. Buscou-se afastar apologias e
mitos à esquerda e à direita, estabelecendo análises e
apontamentos sobre as políticas consideradas adequadas
e inadequadas, mantendo a contextualização do panora-
ma de classes que se manifestava interna e externamen-
te. Espero que este objetivo tenha sido alcançado, sem
186 | J o ã o P e d r o F r a g o s o

ferir conceitos ou crenças de quaisquer povos. E tudo isso


começou, quando operários e camponeses, guiados pelo
Partido Bolchevique insurgiram contra o Palácio de In-
verno do antigo Czar, em busca de Paz, Pão e Terra.
P a z , P ã o e T e r r a | 187

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