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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA


FACULDADE DE LETRAS

ANA LOURDES CARDOSO DIAS

TOPONÍMIA DOS PRIMEIROS MUNICÍPIOS TOCANTINENSES

Goiânia
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA
FACULDADE LETRAS

ANA LOURDES CARDOSO DIAS

TOPONÍMIA DOS PRIMEIROS MUNICÍPIOS TOCANTINENSES

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Letras e Linguística da
Universidade Federal de Goiás/Faculdade de
Letras como parte dos requisitos para a
obtenção do grau de doutor em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Suelí de Aguiar

Goiânia
2016
Ficha catalográfica elaborada automaticamente
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob orientação do Sibi/UFG.

DIAS, Ana Lourdes Cardoso


Toponímia dos primeiros municípios tocantinenses [manuscrito] /
Ana Lourdes Cardoso DIAS. - 2016.
207 f.: il.

Orientador: Profa. Dra. Maria Suelí de Aguiar.


Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de
Letras (FL) , Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística,
Goiânia, 2016.
Bibliografia. Anexos.
Inclui mapas, fotografias, abreviaturas.

1. Onomástica . 2. Toponímia. 3. Léxico. 4. História. 5. Municípios


tocantinenses. I. Aguiar, Maria Suelí de, orient. II. Título.
Aos meus pais, Pedro José Cardoso e Luzia Cordeiro Dias (in memorian), que, ao contarem-
me as histórias de Dianópolis e de sua gente, estavam introduzindo-me, sem saber, no
universo da pesquisa histórica.
AGRADECIMENTOS

A Deus, que esteve presente em todos os momentos, não permitindo que eu


desanimasse diante dos obstáculos encontrados.
À minha orientadora, professora Maria Suelí de Aguiar, pelos ensinamentos, pelo
apoio, dedicação, amizade e paciência durante a realização do curso e deste trabalho.
À Capes, pelo apoio financeiro durante os primeiros anos do doutorado.
Aos meus filhos, Sóstenes e Lucas, e ao meu companheiro, Antônio, pela
compreensão e paciência nos momentos de falta.
Aos professores Agostinho Potenciano de Sousa, Maria Célia Dias de Castro e
Sônia Maria de Magalhães, Kênia Mara Freitas Siqueira e Gláucia Viera Cândido pelas
contribuições a este trabalho por ocasião da qualificação e defesa.
Às professoras Mônica Veloso Borges, Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto e
Sílvia Lúcia Bigonjal Braggio pelos ensinamentos no período da pós-graduação.
À minha prima Delmira Cardoso Lima e aos amigos Eida Rincon Ferreira,
Rodriana Dias Costa, João Avelar e Ester Ferreira pela amizade e pelo apoio prestado durante
o período do Doutorado.
Aos familiares e amigos que sempre me incentivaram.
A todos que, de maneira direta ou indireta, contribuíram para a realização deste
estudo.
“Nomear os lugares é impregná-los de cultura e
de poder”.
(Paul Claval)
RESUMO

A Toponímia, subárea da Onomástica, ocupa-se do estudo dos nomes dos lugares, ou seja, de
seus significados, de suas origens, das transformações e das motivações que influíram nas
escolhas desses nomes. Nesta tese, apresenta-se o estudo toponímico dos primeiros
municípios do estado do Tocantins, aqueles que se iniciaram e estabeleceram-se a partir da
mineração do ouro, no século XVIII. Trata-se também do estudo dos nomes dos rios –
hidronímia – da região devido à importância deles para a formação desses municípios. Na
maioria das vezes, os cursos d’agua são os primeiros elementos do meio ambiente a serem
batizados. Posteriormente, seus nomes passam a nomear também os aglomerados urbanos que
se formam em suas margens. Pretendeu-se, com este trabalho, identificar os significados e as
motivações que influenciaram a escolha dos nomes desses lugares. Para isso, procurou-se
descrever, analisar e interpretar os topônimos que compõem esse sistema onomástico, tendo
em vista que não são signos comuns da língua por sua função específica de referenciar e
identificar entidades no espaço geográfico, ao mesmo tempo que são instrumentos de
veiculação de ideologias. Por isso, este trabalho vai além da Linguística teórica, adota-se uma
visão interdisciplinar, em que a história, a geografia e outras áreas do conhecimento
interseccionam-se. Assim, buscou-se uma orientação metodológica capaz de unir essas áreas
no tratamento do fenômeno linguístico. Escolheu-se trabalhar com os princípios da
Linguística Histórica de tendência sociocultural, na perspectiva do método Onomasiológico e
em conjunto com o Wörter und Sachen (Palavras e Coisas), uma vez que são teorias do campo
da semântica correlacionadas com a história e a cultura. Procedeu-se à coleta de dados por
meio de documentos escritos de valor historiográficos que confirmam a existência dos
topônimos em épocas anteriores e na atualidade. Esses documentos permitiram a
reconstituição histórica dos fatos que motivaram a escolha toponímica e o resgate dos
possíveis significados. Percebeu-se que as motivações para as escolhas dos nomes dos
primeiros municípios tocantinenses fixam-se em crenças, valores culturais, ideologias,
aspectos da realidade física da região, além dos aspectos cognitivos. Esses fatores refletem-se
nas estruturas linguísticas dos topônimos, traduzindo a intencionalidade do denominador no
ato denominativo. E ainda, a toponímia dessa região em estudo conserva a visão de mundo e
as ideologias de poder, principalmente a política e a religiosa, do período inicial de sua
formação com pequenas alterações ao longo da história. Por isso, é um repositório de
memória coletiva por armazenar aspectos importantes da vida em sociedade, constituindo-se
em um rico patrimônio linguístico-cultural.

Palavras-chave: Onomástica. Toponímia. Léxico. História. Municípios tocantinenses.


ABSTRACT

The toponym field, a sub-area of Onomastics, studies the names of places, their meanings and
origins, the changes and motivations which influence the process of choosing those names.
This study presents a toponym investigation regarding the first cities in the state of Tocantins,
the ones that started and established themselves from gold mining in the 18 th century. It also
approaches the names of rivers – hydronymy – in the region due to the significance of them in
the establishment of the cities. Since, in most cases, waterways are the first environmental
elements named. Afterwards, their names become the identification of urban settlements by
the riverside. This study aims to identify senses and motivations that influenced the process of
naming these places. To that end, toponyms shaping this Onomastics system were described,
analyzed and interpreted, observing that, because of their specific role in referencing and
identifying things in a geographic space, they are not ordinary signs of language, they are
instruments of ideological propagation at the same time. Hence, this investigation has gone
beyond theoretical Linguistics, it employs an interdisciplinary viewpoint, in which there is an
intersection among history, geography and other knowledge areas. Thus, we searched for a
methodology that enables combining these areas as to treat the linguistic phenomenon. We
have decided on using principles of Historic Linguistics with sociocultural traces, in the
Onomastics method perspective and along with Wörter und Sachen (Words and Things), since
they are both theories that approach semantics as related to history and culture. Data
collection, which has been carried out through historiography written documents, sustained
toponyms existence before and nowadays. These documents allowed a historical retreat of
facts that encouraged the toponym choice and retrieve possible meanings. Aspects regarding
beliefs, cultural values, ideologies, geographic features, and cognition were identified as the
motivation when choosing the names of the first cities in Tocantins. These factors reflect
themselves in the toponym linguistic structure, translating the dominant intentionality when
naming places. Besides, toponym of the region observed preserve a world-view and an
ideology of power perpetuation, mainly related to politics and religion, from the very
beginning and with slight changes throughout the history. Therefore, it is a collective memory
repository, because it records significant aspects of life in society, representing a valuable
linguistic-cultural heritage.

Keywords: Onomastic. Toponym. Lexicon. Culture. History. Cities from Tocantins state.
LISTA DE ABREVIATURAS

art. – artigo
adj. – adjetivo
corr. – corruptela
cat. – catalão
desin. – desinência
dial. – dialeto, dialetal
fr. – francês
esp. – espanhol
eng. – engadino
ex. – exemplo
it. – italiano
hebr. – hebraico
lat. – latim
lomb. – lombardo
pl. – plural
port. – português
prep. – preposição
prov. – provençal
rom. – romeno
rét. – rético
sic. – siciliano
subst. – substantivo
suf. – sufixo
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - modelo de ficha lexicográfico-toponímica............................................................. 29


Quadro 2 - ficha lexicográfico-toponímica .............................................................................. 30
Quadro 3 - A relação entre forma e significado nos três tipos de signos ................................. 56
Quadro 4 - Motivos toponímicos ideais e reais ........................................................................ 66
Quadro 5 - Classificação das entidades geográficas ................................................................. 70
Quadro 6 - Classificação Toponímica de Solís ........................................................................ 71
Quadro 7 - Categorias nocionais de Piel .................................................................................. 72
Quadro 8 - Outras categorias de Piel ........................................................................................ 73
Quadro 9 - Classificação do topônimo Almas ........................................................................ 101
Quadro 10 - Classificação do topônimo Arraias .................................................................... 105
Quadro 11 - Classificação do topônimo Chapada da Natividade .......................................... 109
Quadro 12 - Classificação do topônimo Conceição do Tocantins ......................................... 112
Quadro 13 - Classificação do topônimo Dianópolis .............................................................. 116
Quadro 14 - Classificação do topônimo Monte do Carmo ..................................................... 121
Quadro 15 - Classificação do topônimo Natividade ............................................................... 127
Quadro 16 - Classificação do topônimo Paranã .................................................................... 131
Quadro 17 - Classificação do topônimo Porto Nacional ....................................................... 135
Quadro 18 - Classificação do topônimo Príncipe .................................................................. 138
Quadro 19 - Classificação do topônimo Taguatinga .............................................................. 141
Quadro 20 - Taxonomia, etimologia, mecanismo e motivação .............................................. 143
Quadro 21 - Classificação do hidrônimo Tocantins ............................................................... 149
Quadro 22 - Classificação do hidrônimo Paranã ................................................................... 150
Quadro 23 - Classificação do hidrônimo Palma .................................................................... 152
Quadro 24 - Classificação do hidrônimo Palmeira ................................................................ 153
Quadro 25 - Classificação do hidrônimo Manuel Alves ......................................................... 155
Quadro 26 - Classificação do hidrônimo Sono ....................................................................... 157
Quadro 27 - Taxonomia, etimologia, mecanismo e motivação .............................................. 158
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
PARTE I .................................................................................................................................. 19
ONOMÁSTICA E HISTÓRIA.............................................................................................. 19
CAPÍTULO 1 – PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ........................ 20
1.1 ONOMASIOLOGIA ....................................................................................................... 21
1.2 WÖRTER UND SACHEN (PALAVRAS E COISAS) ................................................... 23
1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 26
CAPÍTULO 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................. 32
2.1 O LÉXICO ...................................................................................................................... 32
2.1.1 O léxico português .................................................................................................. 34
2.1.2 Formação e ampliação do léxico português ......................................................... 38
2.2 ONOMÁSTICA .............................................................................................................. 41
2.2.1 O nome próprio ...................................................................................................... 43
2.2.3 Nomes próprios: aspectos semânticos .................................................................. 46
2.2.4 Toponímia: aspectos gerais ................................................................................... 49
2.2.4.1. Aspectos socioculturais, históricos e físicos..................................................... 51
2.2.4.2 O signo: o linguístico e o toponímico................................................................ 54
2.2.4.3 Estrutura do topônimo ....................................................................................... 63
2.2.4.4 Motivação toponímica ....................................................................................... 64
2.2.4.5 Classificação toponímica ................................................................................... 67
2.2.5 Hierotoponímia: topônimos relacionados ao sagrado......................................... 75
CAPÍTULO 3 - CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DO ESTADO DO TOCANTINS . 80
3.1 MENTALIDADE DA ÉPOCA ....................................................................................... 80
3.2 A RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO .................................................................. 82
3.3 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO GOIANO ................................................................... 84
3.3.1 Os povos indígenas ................................................................................................. 88
3.3.2 Os negros ................................................................................................................. 90
3.3.3 Os brancos ............................................................................................................... 92
3.4 O ESTADO DO TOCANTINS ....................................................................................... 94
PARTE II................................................................................................................................. 97
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................. 97
CAPÍTULO 4 - HISTÓRICO DOS LUGARES E ANÁLISE TOPONÍMICA ................ 98
4.1 OS PRIMEIROS ARRAIAIS .......................................................................................... 98
4.1.1 Almas ..................................................................................................................... 100
4.1.1.1 Topônimo Almas ............................................................................................. 101
4.1.2 Arraias ................................................................................................................... 102
4.1.2.1 Topônimo Arraias ............................................................................................ 105
4.1.3 Chapada da Natividade ....................................................................................... 107
4.1.3.1 Topônimo Chapada da Natividade .................................................................. 109
4.1.4 Conceição do Tocantins ....................................................................................... 110
4.1.4.1 Topônimo Conceição do Tocantins ................................................................. 112
4.1.5 Dianópolis .............................................................................................................. 114
4.1.5.1 Topônimo Dianópolis ...................................................................................... 116
4.1.6 Monte do Carmo................................................................................................... 118
4.1.6.1 Topônimo Monte do Carmo ............................................................................ 121
4.1.7 Natividade ............................................................................................................. 123
4.1.7.1 Topônimo Natividade ...................................................................................... 127
4.1.8 Paranã ................................................................................................................... 129
4.1.8.1 Topônimo Paranã ............................................................................................. 131
4.1.9 Porto Nacional ...................................................................................................... 133
4.1.9.1 Topônimo Porto Nacional ............................................................................... 135
4.1.10 Príncipe ............................................................................................................... 137
4.1.10.1 Topônimo Príncipe ........................................................................................ 138
4.1.11 Taguatinga .......................................................................................................... 139
4.1.11.1 Topônimo Taguatinga.................................................................................... 141
4.1.12 Classificação geral dos topônimos .................................................................... 142
4.2 HIDRONÍMIA: OS NOMES DOS RIOS...................................................................... 144
4.2.1 O rio Tocantins e seus afluentes .......................................................................... 147
4.2.1.1 Hidrônimo Tocantins ....................................................................................... 149
4.2.2 Rio Paranã ............................................................................................................ 149
4.2.2.1 Hidrônimo Paranã ............................................................................................ 150
4.2.3 Rio Palma .............................................................................................................. 151
4.2.3.1 Hidrônimo Palma ............................................................................................. 152
4.2.4 Rio Palmeiras ........................................................................................................ 153
4.2.4.1 Hidrônimo Palmeira ........................................................................................ 153
4.2.5 Rio Manuel Alves ................................................................................................. 154
4.2.5.1 Hidrônimo Manuel Alves ................................................................................ 155
4.2.6 Rio do Sono ........................................................................................................... 156
4.2.6.1 Hidrônimo Sono .............................................................................................. 157
4.2.7 Classificação geral dos Hidrônimos .................................................................... 158
4.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................................................. 159
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 167
ANEXOS................................................................................................................................ 175
ANEXO A - FOTOS DOS RIOS......................................................................................... 176
ANEXO B - CIDADES HISTÓRICAS .............................................................................. 179
ANEXO C – MAPAS .......................................................................................................... 193
ANEXO D – LEIS E DECRETO ........................................................................................ 198
ARTIGO 13 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 QUE TRATA DA CRIAÇÃO DO ESTADO
DO TOCANTINS ............................................................................................................... 198
DECRETO LEGISLATIVO Nº 001, DE 1º DE JANEIRO DE 1989. ................................. 200
LEI COMPLEMENTAR Nº 1, DE 9 DE NOVEMBRO DE 1967 ...................................... 202
LEI COMPLEMENTAR Nº 46, DE 21 DE AGOSTO DE 1984 ......................................... 206
13

INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em um estudo da toponímia dos primeiros municípios do estado


do Tocantins, aqueles que correspondem aos antigos arraiais mineradores, formados ainda no
período colonial. A constituição desses arraiais teve como base as descobertas das minas de
ouro no século XVIII na região. Com o passar do tempo, eles cresceram, tornaram-se
povoados, vilas e cidades.
Os lugares que compõem o objeto deste trabalho são: Dianópolis, Chapada da
Natividade, Conceição do Tocantins, Natividade, Povoado do Príncipe (faz parte do
município de Natividade), Almas, Arraias, Taguatinga, Monte do Carmo, Porto Nacional e
Paranã.
Entretanto, estudar a toponímia dos municípios e não estudar a hidronímia – estudo
dos nomes dos rios - ficaria devendo a uma parte da história e da geografia dessa região. Por
isso, incluem-se no trabalho os rios Tocantins, Manuel Alves, Palma, Palmeira, do Sono e
Paranã. Esses rios foram de grande relevância para o povoamento e desenvolvimento
socioeconômico da região, ao servir de caminhos quando não existiam estradas, além de ser,
por meio da pesca, uma alternativa para alimentar as populações ribeirinhas.
Os municípios localizam-se na mesorregião oriental do estado do Tocantins1,
distribuídos em duas microrregiões, a de Dianópolis e a de Porto Nacional. Todos os rios
mencionados passam por essa mesorregião, compondo o cenário geográfico desse estado.
A proposta é fazer um estudo que vincule a Toponímia, a Linguística, a História e a
Geografia a fim de descrever, analisar e interpretar a formação, a manutenção e as possíveis
mudanças nos nomes desses lugares no decorrer da história. Ao mesmo tempo, a proposta
visa identificar os significados e as motivações ideológicas: históricas, políticas, religiosas e
culturais que subjazem às escolhas dos nomes.
Quanto aos objetivos específicos, destacam-se estes: descrever as constituições
linguísticas dos topônimos; identificar e interpretar os mecanismos geradores dos topônimos
tocantinenses; investigar os contextos sócio-históricos e culturais fundamentais para a
formação dos lugares e modo como eles se refletem no sistema onomástico; classificar os
topônimos tocantinenses em taxonomias tendo em vista o ambiente físico e cultural.
Ao iniciar as leituras referentes à Toponímia, percebeu-se que os topônimos são signos
linguísticos fortemente motivados. A partir dessa premissa, formulou-se a seguinte pergunta

1
Conferir mapa da mesorregião oriental do Tocantins nos anexos, p. 193.
14

que orientou toda a pesquisa: que fatores motivaram as escolhas dos topônimos dos primeiros
municípios do Tocantins? Essa pergunta levou a formular a hipótese de que os nomes das
cidades refletem o ideal político, religioso, sociológico e cultural da época. Uma mudança
nesses ideais reflete-se, na maioria das vezes, na alteração toponímica. Em outras palavras,
quando um topônimo é substituído por outro é porque aquele já não atende aos ideais da
sociedade.
Primeiramente, pensou-se em trabalhar a toponímia do Tocantins com um viés mais
histórico. Para isso, escolheram-se as cidades do ciclo do ouro por serem o berço da história
desse Estado. Além disso, a razão de escolher essa região têm motivações outras, uma delas
pessoal: por ter nascido na cidade de Dianópolis, lá cresci ouvindo histórias e relatos sobre a
busca desenfreada dos portugueses pelo ouro, sobre os aldeamentos indígenas e o sofrimento
dos escravos negros. Tudo isso fez parte do meu imaginário desde a infância. Antes de
aprender a ler, ouvia os mais velhos contando histórias de meninas índias sendo capturadas
como um animal selvagem e “amansadas” para se tornarem esposas e/ou escravas de homens
“brancos”. Essas narrativas eram repetidas à exaustão como se fosse algo natural. Na época,
esses relatos eram algo fantástico para o mundo de uma criança. Somente mais tarde é que se
compreendeu a dimensão sócio-histórica, política e ideológica desse contexto.
As histórias das lutas políticas separatistas do norte goiano desde o século XIX até o
XX também fazem parte da vida da maioria dos moradores dessa região, visto que alguns
parentes eram militantes desses ideais. Participavam sempre que podiam dessas reuniões
políticas, depois contavam em casa o que havia sido tratado e em que situação encontrava-se a
luta pela emancipação do território.
Os discursos fundamentados nos diversos movimentos políticos já eram algo
conhecido e aceito como verdadeiro. Esses discursos tinham como principal função justificar
a diferença cultural e econômica da região norte em relação à região sul do Estado de Goiás.
Destacam-se três momentos importantes nas lutas separatistas do norte goiano, sendo o
primeiro de 1821-1823; o segundo de 1956-1960; e o terceiro de 1985-1988. Cada um teve
um contexto político, sociocultural e econômico específico, mas com o mesmo propósito, a
emancipação política do norte (RODRIGUES, 2011).
Por causa desses discursos divulgados na sociedade durante décadas, não se
questionou a mudança repentina de uma identidade. Apenas mais tarde é que se pensou a
respeito diante da pergunta sobre a identidade de quem nascera nessa região antes da divisão
do estado de Goiás. O argumento era que para ser tocantinense teria que ter nascido depois de
1988, uma vez que, antes dessa data, a região ainda pertencia ao estado de Goiás, por isso
15

deveria ser goiana. Esse questionamento provocou uma reflexão e a necessidade de se


procurar informações teóricas a respeito da construção e legitimação de uma identidade.
Compreendeu-se que a identidade cultural refere-se ao sentimento de pertencer a uma
cultura nacional, regional e local. A cultura na qual os indivíduos nascem e a que são
submetidos no decorrer de suas vidas. Segundo Hall (2006), a identidade cultural pode ser
definida como o conjunto das características culturais de uma sociedade, criada e fixada por
meio da narração de uma história e de uma cultura comum. Ela é marcada pela diferença
cultural. A identidade não é algo natural, não está registrada nos genes das pessoas, ela é
construída no interior da representação.
Além das narrativas históricas sobre o Tocantins, as manifestações culturais e as festas
populares e religiosas que acontecem anualmente nesse território tem essa função. Elas
representam, juntamente com os símbolos e os discursos, a identidade cultural do povo
tocantinense. Vale ressaltar também as festas em que o sincretismo religioso é uma forma de
representação cultural. É nesse sentido que as danças da sússia2 de Natividade e Arraias, a
jiquitaia3 de Almas, de origem africana, e a catira4 dos foliões; as festas populares como as
cavalhadas de Taguatinga, a caçada da rainha de Monte do Carmo, os caretas5 de Lizarda são
invocados para representar uma identidade própria do povo tocantinense.
Não se pode deixar de mencionar as manifestações religiosas de caráter católico, em
que se comemora o dia do Santo (a) Padroeiro (a) das cidades e do Estado. Por exemplo, os
festejos de São José, em Dianópolis, de Nossa Senhora do Rosário e do Carmo, em Monte do
Carmo, Nossa Senhora dos Remédios, em Arraias, dentre outros. Têm-se também as romarias
do Senhor do Bonfim, da Sucupira, das Missões; as folias de Reis e do Divino, Festa do
Divino Espírito Santo, a Roda de São Gonçalo.

2
A sússia (súcia ou súça) é dançada no folclore de algumas cidades tocantinenses como Paranã, Santa Rosa do
Tocantins, Monte do Carmo, Natividade, Conceição do Tocantins, Peixe, Tocantinópolis dentre outras. É
considerada uma dança de origem africana, a qual se realiza com músicas agitadas, ao som de tambores e cuícas,
com homens e mulheres dançando em círculo (PORTAL TOCANTINS, 2016).
3
Pequena formiga avermelhada de picada dolorida. Como dança folclórica, consiste em os dançarinos
sapatearem como se estivessem sendo mordidos pelas formigas jiquitaia (PÓVOA, 2002).
A jiquitaia é um passo da dança da sússia, ou seja, dança-se a jiquitaia na sússia (PORTAL TOCANTINS,
2016).
4
A Catira é dançada em círculo formando pares que dançam ao som das mãos e dos pés, num sapateado
compassado. É comum entre os grupos que fazem parte dos giros das folias de reis e do Divino Espírito Santo,
sendo o que diferencia a Catira dos foliões do Tocantins com a Catira apresentada em outros estados (PORTAL
TOCANTINS, 2016).
5
Os Caretas são personagens mascarados que protegem um espaço com mantimentos e aqueles que se atrevem a
tentar pegá-los podem levar algumas chicotadas dos mascarados. Esses personagens fantasiam-se com máscaras
de couro, papel ou cabaça, com chicotes feitos de sola ou trançados de palha de buriti na mão. É uma
manifestação que se realiza anualmente na Semana Santa, entre a Sexta-feira da Paixão e a madrugada do
Sábado de Aleluia, com algumas variações em outras regiões do estado (RODRIGUES, 2014).
16

O fato de algumas dessas atividades fazerem parte do quadro cultural do estado de


Goiás não as invalida como instrumentos de legitimação e divulgação de uma identidade
cultural tocantinense.
Isso tudo fez com que as pessoas sintam-se pertencentes ao grupo social com sua
identidade cultural própria. Esse sentimento de pertencimento é construído, em parte, por
meio de laços imaginários e simbólicos e, em parte, na fantasia, a partir da narração da sua
cultura e da sua história (HALL, 2011). Portanto, este trabalho vai além da perspectiva
linguístico-teórica. Nele, incluem-se também as narrativas que corroboram a identidade
tocantinense.
O interesse de estudar a toponímia dos primeiros municípios do Tocantins justifica-se
também pela importância de um trabalho nesses moldes, em que se estuda a interação entre
língua, contexto sócio-histórico e cultural de um povo refletido no seu sistema onomástico.
Sabe-se que estudos dessa natureza já foram ou estão sendo realizados por pesquisadores
brasileiros tais como da Prof. Dra. Maria Vicentina Amaral Dick ao longo de sua carreira,
com seus orientandos e colaboradores; Castro (2012), com a toponímia do Maranhão,
Carvalhinhos com a toponímia portuguesa (1998), Ramos (2008), na Bahia, Andrade (2006),
no Tocantins, dentre outros, além dos atlas regionais que se vinculam ao Atlas Toponímico do
Brasil, desenvolvido em vários estados brasileiros.
Esta tese foi divida em duas partes compostas por capítulos relacionados ao tema
proposto. Na primeira parte, apresentam-se os fundamentos teórico-metodológicos que
nortearam todo o trabalho. Divide-se em três capítulos sendo que o primeiro trata da
metodologia utilizada. No segundo capítulo, apresenta-se a fundamentação teórica que
embasa a pesquisa. Esse capítulo inicia-se com uma discussão a respeito da concepção do
léxico, de modo geral, do léxico português e dos processos de formação e ampliação das
palavras na língua portuguesa, destacando-se a derivação e a composição como os principais
processos que atuam na criação de topônimos. Parte-se do pressuposto de que os sistemas
onomásticos organizam-se a partir do léxico virtual de uma língua. Sendo assim, a
Onomástica integra-se à Lexicologia. Nessa oportunidade, aborda-se, a seguir, a Onomástica
e o seu objeto de estudo: os nomes próprios. Esta é a ciência maior em que está inserida a
Toponímia - estudo dos nomes próprios de lugares - e a Antroponímia - estudo dos nomes
próprios de pessoas. Logo depois, trata-se da Toponímia na perspectiva dos estudos
linguísticos, expondo os conceitos-chave para essa disciplina. Faz-se, também, uma discussão
a respeito do signo linguístico e do signo toponímico.
17

Ainda no capítulo 2, destaca-se o topônimo como unidade linguística que será


analisada. Apresentam-se os fundamentos teóricos para análise das suas constituições
linguísticas, além de uma discussão a respeito das motivações toponímicas, partindo da noção
de que os ambientes natural e sociocultural influem nas escolhas dos nomes de lugares. Em
seguida, expõem-se as classificações toponímicas propostas por alguns pesquisadores como
Dick (1990,1992), Solís (1997) e Piel (1969). Por fim, faz-se uma abordagem de uma
categoria taxonômica em especial: a hierotoponímia. Essa categoria está relacionada com a
toponímia de origem religiosa. A justificativa para o tratamento dispensado à hierotoponímia
é devido à presença da religiosidade marcada nas denominações dos lugares tratados neste
trabalho.
No terceiro capítulo, apresenta-se a contextualização sócio-histórica do estado do
Tocantins. Inicia-se pela história da colonização do estado de Goiás, apresenta-se a
mentalidade da época, as relações de poder entre igreja e estado; os povos indígenas e os
aldeamentos, os negros e a escravidão nas minas de ouro, o colonizador europeu (o branco),
assim como os fatos que culminaram na separação do estado de Goiás e a emancipação
política do estado do Tocantins.
A segunda parte do trabalho apresenta a descrição e a análise dos dados e constitui-se
no quarto e último capítulo. Nele, expõe-se o histórico das cidades e dos rios a partir da
documentação consultada como diários de viagem, dicionários históricos e geográficos,
anuários, enciclopédias e outros. A intenção é mostrar o percurso histórico de cada um e as
possíveis justificativas para a escolha de seus nomes e dos seus significados. Em seguida,
apresenta-se a análise toponímica, destacando aspectos gerais dos topônimos em estudo, como
estrutura morfológica, etimologia, a categoria taxonômica, motivação toponímica e outros.
Após as análises dos dados, encontram-se a discussão dos resultados, a conclusão e as
referências bibliográficas.
Incluem-se ainda neste trabalho os anexos com fotos das cidades e dos rios, mapas do
estado com as divisões administrativas por região ou por municípios, mapa hidrográfico e
outros. Fazem parte também dos anexos, algumas leis que regularizam a toponímia brasileira,
o artigo 13 da Constituição Federal de 1988, que trata da criação do estado do Tocantins e o
decreto que regulamenta a mudança nos topônimos com o termo “de Goiás” e do “norte” para
“do Tocantins”.
Enfim, é relevante mencionar que este trabalho inclui-se no projeto “A Linguística e a
História da Colonização de Goiás”, coordenado pela profa. Dra. Maria Suelí de Aguiar, na
Universidade Federal de Goiás (UFG). Fundamentado nos pressupostos teóricos da
18

Linguística Histórica, o projeto envolve pesquisa nos estado de Goiás, Tocantins, Minas
Gerais e Maranhão. Esse projeto teve seu início em outro projeto, o FILOBAND (Filologia
Bandeirante), tornando-se depois independente deste. O FILOBAND (Filologia Bandeirante),
por sua vez, propõe um mapeamento linguístico nas regiões onde os bandeirantes paulistas e
portugueses foram os responsáveis pela colonização, dos séculos XVII ao XIX.
19

PARTE I

ONOMÁSTICA E HISTÓRIA
20

CAPÍTULO 1 – PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

O léxico é o acervo virtual e real de todas as palavras possíveis de uma língua. O


falante tem esse acervo à sua disposição, porém, as escolhas lexicais não são aleatórias, estão
ligadas à história, à cultura e à visão de mundo da sociedade. A partir dessas escolhas, o
homem nomeia os lugares reais ou imaginários, os cursos d’água, os acidentes geográficos e
os seus semelhantes. Para ele, o ato de nomear é uma forma de apoderar-se do mundo por
meio da língua.
Por essa razão, pode-se considerar que na Onomástica, ciência que estudo os nomes e
os sistemas de nomeação, tem-se o encontro de língua, cultura e sociedade. Perceber e
interpretar essa relação impressa nos topônimos tocantinenses torna-se imprescindível para
este trabalho. Para isso, faz-se necessário um estudo interdisciplinar, que vá além dos aspectos
linguísticos, para incorporar o social, o histórico e o cultural. Além disso, para se ter uma
visão mais abrangente do fenômeno onomástico é interessante que se faça um estudo que
abranja tanto a perspectiva sincrônica quanto a diacrônica ou histórica da língua.
Quanto à segunda perspectiva, Martin (2003) afirma que as línguas têm história assim
como as sociedades que as falam. De acordo com esse autor, uma sociedade que não
considera sua história é algo difícil de imaginar, pois, para compreender para onde vai, deve-
se saber de onde vem. Ele sustenta que a memória social, a experiência do passado, o
enraizamento na história são indispensáveis à consciência que uma sociedade tem de si
mesma. A história também colabora grandemente para criar a coerência da sociedade e o
sentimento de identidade. Por isso, a história de uma sociedade, de sua cultura e de suas
mentalidades estão intimamente ligadas à história da sua língua: “a vida social supõe uma
língua compartilhada, e esta conserva em si os vestígios da história comum. Dessa forma, toda
língua traz em si os vestígios de sua própria história (MARTIN, 2003, p. 140)”.
Existem várias maneiras de estudar a língua na perspectiva histórica. Pode-se estudar a
história das transformações que ocorrem em uma única língua, abordagem geralmente
chamada de Filologia, ou estudar, pela comparação, as mudanças que ocorrem em um grupo
de línguas relacionadas, com a Linguística Comparativa. Pode-se, também, estudar a histórica
das palavras buscando significado de origem, com a Etimologia. Além disso, é possível
estudar a mudança linguística correlacionada com o contexto sociocultural dos falantes. Esse
modo de ver a mudança linguística contribuiu intensamente para a renovação dos estudos
histórico-diacrônicos, dando origem a muitas orientações teóricas (CAMPBELL, 2004).
21

Dentre elas está o método Onomasiológico, ou das designações, em conjunto com o


movimento “Palavra e Coisas” e a Geografia Linguística.
Esses métodos centram-se no aspecto semântico das palavras, porém destacam a
realidade que elas denominam. De outro modo, parte do princípio de que as palavras ligam-se
às coisas que elas designam e que, conhecendo em profundidade as coisas, chega-se à
verdadeira etimologia da palavra. Essas abordagens trouxeram grandes contribuições para os
estudos linguísticos ao valorizar a cultura e a história das comunidades, ao perceber o ser
humano como o agente das transformações que ocorrem nas línguas, as quais são reflexos das
transformações sociais. A Toponímia se vale desses métodos, pois, ao estudar o nome do
lugar ligado à história, à cultura do povo que o nomeou, une-se a história da palavra (nome) à
da coisa (lugar).
A Onomasiologia, a Geografia Linguística e o movimento Wörter und Sachen
(Palavras e Coisas) foram, anteriormente, muito utilizadas na Filologia Românica (Linguística
Românica) quando se visava o estudo do léxico de uma ou várias línguas românicas em
perspectiva histórica e comparativa. Com o passar do tempo, foram aplicados em pesquisa na
área da Toponímia, que levava em conta, não somente os aspectos linguísticos dos topônimos,
mas também os históricos e socioculturais do lugar.
Para o presente trabalho, escolheu-se a orientação metodológica da Onomasiologia,
por ser um estudo das designações dadas aos lugares (Toponímia), em conjunto com a
perspectiva da escola Wörter und Sachen (Palavras e Coisas) por se tratar também do
histórico dos nomes (palavra) ligados ao dos lugares (coisa). Por isso, nas próximas seções,
faz-se uma breve exposição sobre Onomasiologia e Wörter und Sachen (Palavras e Coisas).

1.1 ONOMASIOLOGIA

Como parte da semântica, a Onomasiologia é o resultado de uma das tendências mais


marcantes da evolução da linguística do final do século XIX e início do século XX: a
transferência do centro das investigações, que passa do som à palavra, ou seja, a mudança de
perspectiva da fonética histórica para a lexicologia histórica. Concomitantemente, muda-se a
modo de enfrentar o problema, que de início partia de uma visão isolante, unidimensional e
passa-se à estrutural, bi- ou tridimensional (BALDINGER, 1966).
A Onomasiologia é um ramo da linguística que trata dos aspectos relacionados aos
processos de denominação. Como método de pesquisa, consiste em investigar as várias
denominações de um objeto, animal, planta ou conceito, dentre outros. Na realidade, a
22

Onomasiologia busca investigar como uma noção ou conceito é nomeado na língua ou em


diferentes línguas (BASSETO, 2013). Nesse caso, o percurso onomasiológico parte do
conceito para o nome ou diferentes nomes que esse conceito recebe. De outro modo,
utilizando os termos da teoria do signo de Saussure (2000 [1916]), é basicamente a
investigação dos significantes a partir do significado. O triângulo, a seguir, adaptado de
Baldinger (1966), demonstra esse percurso:

conceito (significado)

designação

coisa (referente)
nome (significante)

Baldinger (1966, p. 30) destaca também que “a onomasiologia visualiza os problemas


sob o ângulo do que fala, daquele que deve escolher entre diferentes meios de expressão”. E
essa escolha ocorre a partir de como o falante vê o mundo e na sua relação com o meio natural
e sociocultural. Por isso, a pesquisa por meio do método Onomasiológico, além de descobrir
as formas (nomes) também “permite ver a cultura do povo cuja língua se estuda, costumes,
ocupações, instrumental, crenças e crendices, moradia, enfim, sua mundividência. Permite
sentir a linguagem viva, traduzindo a vivência cultural do povo (BASSETO, 2013, p. 77)”.
Um exemplo citado por Basseto (2013) e Vidos (2001) é o caso da denominação do
lagarto em algumas línguas românicas. Esse animal, segundo os autores, é considerado amigo
do homem e seu vigia, por despertá-lo antes de ser picado por uma cobra. Essa crença é
compartilhada pela Itália, Récia e França em cujas denominações de lagarto se manifestam.
Assim é que em “sic. guardal-omu, rét. warthaomu, eng. salvaón (vardá ou salvá, “salva” +
om, homem), lomb. salvacristiàn (cristiàn, “homem), fr. dial. éveillette (“que acorda”) (2013,
p. 77)”. Todas essas denominações correspondem à Sachen (a crença popular).
É importante mencionar também que o método Onomasiológico permite distinguir os
modos de vida de uma região e estabelecer as suas cronologias no eixo temporal. Os autores
anteriormente mencionados citam como exemplo a população da Sardenha que atualmente
dedica-se tanto à pecuária quanto à agricultura. Pelos estudos onomasiológicos, foi descoberto
que, originalmente, só praticavam a pecuária. Isso foi possível pela constatação de que o
23

vocabulário sardo referente à vegetação, aos pastos e à pecuária é de proveniência pré-


românica, enquanto o que se refere à agricultura é de origem latina.
Não há um pesquisador responsável por criar o método Onomasiológico, seus
princípios foram se desenvolvendo aos poucos. Como precursores da moderna onomasiologia,
costuma-se referir a F. Brinkmann, que estudou os nomes do cavalo nas línguas românicas e
no inglês (1872) e a Luigi Morandi (1844-1922), com o estudo sobre as expressões italianas
para “morrer” (1883). Ressalta ainda Friedrich Diez com “Criação Vocabular Românica”
(Romanische Wortschöpfung) publicada em 1875 como apêndice da Gramática das Línguas
Românicas (Grammatik der romanischen Sprachen). Todos eles dentro do domínio românico.
Fora do domínio da romanística cita-se A. Fr. Pott que estudou os nomes do arco-íris em
várias línguas (1853), Jakob Grimm publicou “Sobre os nomes do Trovão”, também em 1853.
Apesar disso, os princípios da onomasiologia científica, também chamada “lexicologia
científica”, só foram realmente estabelecidos com o trabalho de Carlo Salvioni (1858-1920)
sobre as denominações italianas do vagalume (1892) e com o romanista suíço Ernest Toppolet
(1870-1939) com seu estudo sobre os nomes românicos de parentesco.
A onomasiologia ganhou estímulos com o desenvolvimento da Geografia Linguística e
com o movimento Palavras e Coisas. O que motivou a Geografia Linguística a adotar e
desenvolver a onomasiologia foi o grande número de termos recolhidos nos inquéritos
linguísticos que exigiam dos dialetólogos um método com que pudessem avaliar o alcance e a
profundidade desses termos. Somente dessa forma seriam capazes de compreender o homem
regional em profundidade, por meio dos seus meio de expressão (CASTILHO; CARRATORE
1967).
Enfim, de acordo com Basseto (2013), a Onomasiologia, juntamente com a Geografia
Linguística e Palavras e Coisas, pode recuperar a história e a biografia das palavras. No
entanto, vai além destes, pois se estende a todos os níveis linguísticos. Nesses termos, é
comum utilizar-se o método Onomasiológico nos estudos toponímicos, em que se buscam a
etimologia e a história dos nomes e dos respectivos lugares, combinando o conhecimento
linguístico aos do meio ambiente como o fizeram Albert Dauzat, na França, Auguste Vincent,
na Bélgica e outros.

1.2 WÖRTER UND SACHEN (PALAVRAS E COISAS)

O método Palavras e Coisas tem como proposta de trabalho o estudo do aspecto


semântico das palavras, dando ênfase à realidade que elas designam, pois a verdadeira
24

etimologia encontra-se no conhecimento dessa realidade. Para isso, recomenda que seja
necessário conhecer, sempre que possível, o objeto designado por um termo, para que o
significado seja devidamente captado. Ao conhecer a realidade, a natureza, as medidas, a
forma, o uso dos objetos, é possível estabelecer a origem e a história das palavras com que
esses mesmos objetos foram designados.
Os mentores desse método, Hugo Schuchardt (1842-1929) e Rudolf Meringer (1859-
1913), consideravam que as coisas vêm antes das suas denominações, podendo existir sem
que sejam nomeadas, enquanto as palavras dependem das “coisas”, estão ligadas a elas. Por
isso, Schuchardt, mais do que Meringer, fala de Sachen und Worter “Coisas e Palavras”. Eles
fundaram, em 1909, a revista Kulturhistorische Zeitschrift für Sprach- und Sachforschung
(Palavras e Coisas: Revista de Cultura e História para Pesquisa de Linguagem e de Coisas),
para divulgação do método, dos seus objetivos e resultados. O título da revista instituiu o
nome do método.
A ideia de que as coisas precedem as palavras já estava implícita na gramática grega.
Ao conhecer profundamente a “coisa”, chega-se ao “étimo” da palavra que a designa, ou seja,
ao significado correto e originário com que a coisa foi primeiramente nomeada. É importante
esclarecer aqui que Schuchardt (apud BASSETO 2013, VIDOS 2001) entendia por Sachen
“coisa” qualquer realidade, podendo se referir tanto a acontecimentos e estados como a
objetos, ao sensível e ao insensível, ao real e ao irreal.
Como observa Ilari (2006), um exemplo muito comum na literatura para ilustrar esta
abordagem é a história da palavra fígado e de seus cognatos românicos (it. fégato, fr. foie, cat.
e prov. fetge, esp. hígado, port. fígado, rom. ficát, e eng. Fiyat). Apesar de essas palavras
serem tradução exata do latim iecur, era impossível traçar entre elas uma derivação fonética
regular. Só depois de saber que coisa (Sachen) havia significado o latim ficatum, forma
originária das palavras românicas, é que se chegou à origem destas.

A coisa, o significado originário, estava no costume dos gregos de engordar gansos e


porcos com figos para obter um fígado maior e de melhor qualidade. Este costume,
esta coisa, era indicado no grego por HEPAR + SYKOTÓN (< SYKON ‘figo’), ou
simplesmente por SYKOTÓN, isto é, “fígado engordado com figos”. Os romanos
importaram o SYKOTÓN da refinada arte culinária dos gregos, e o latinizaram,
traduzindo-o por ficatum, com base no latim ficus ‘figo’, no sentido de “fígado de
animal engordado com figos” (SCHUCHARDT,1922, p. 26, apud VIDOS, 2001, p.
66).

Para Campbell (2004), o método Wörter und Sachen (Palavras e Coisas) tem a ver
com inferências histórico-culturais que podem ser feitas pela investigação das palavras,
25

baseando-se na ‘analisabilidade’ das palavras. Supõe-se que as palavras que são analisadas em
partes transparentes (vários morfemas) podem ter sido criadas mais recentemente na língua do
que palavras que não tenham essa transparência morfêmica. Essa técnica dá uma cronologia
relativamente aproximada para diferentes tipos de vocabulário. Sobretudo, supõe-se que itens
culturais denominados por termos analisáveis são também adquiridos mais recentemente
pelos falantes e aqueles que são expressos por palavras não analisáveis representam itens mais
velhos e instituições. Outra estratégia desse método envolve fazer inferências por meio de
informações de itens culturais de quem os nomes sofreram visivelmente mudança de
significado.
Crowley (2003) admite que o método “Palavras e Coisas” pode ser usado para fazer
reconstrução cultural e chegar ao conteúdo de uma protocultura. O argumento é que, se se
pode reconstruir uma palavra para alguma coisa na protolíngua, é possível também supor que
a coisa a que ela se refere foi provavelmente de importância cultural na vida dos seus falantes,
ou que foi ambientalmente marcante. Além disso, segundo o autor, o método pode também
dizer muito sobre a terra natal de uma família linguística, assim também é possível, por meio
do método Palavras e Coisas, fazer suposições sobre as rotas legítimas seguidas pelos povos
para se chegar aos locais em que se encontram no presente.
Finalmente, Basseto (2013) destaca que os trabalhos com o método “Palavras e
Coisas” ultrapassou os limites estreitos dos neogramáticos, ao abandonar as leis cegas
propostas por estes e buscar o que existe de vivo na linguagem. Esse método destacou a
semântica ao estabelecer a etimologia e até a biografia das palavras. Além disso, tornou os
estudos filológicos mais objetivos.
Ao levar em conta as considerações tecidas acima, percebe-se que o método “Palavras
e Coisas” pode ser aproveitado na Toponímia. Quando se busca relacionar a história do lugar
com a história do nome que o representa está-se vinculando a palavra (o nome) à coisa (o
lugar). Além disso, pode-se fazer inferências histórico-culturais pela investigação do
topônimo, como propõe Campbell (2004, p. 415), visto que “os aspectos linguísticos dos
nomes de lugar frequentemente permitem fazer inferências históricas sobre as línguas e os
povos que as falavam”.
Diante disso, para os estudos toponímicos em que se busca relacionar os fatores
linguísticos, históricos e socioculturais, o método Onomasiológico ligado ao “Palavras e
Coisas” são bem significativos, visto que eles capturam com mais precisão as relações entre
língua e sociedade e, mais especificamente, entre léxico e cultura.
26

Essas orientações metodológicas inserem-se no âmbito da pesquisa qualitativa que lida


com interpretações das realidades sociais, focando-se na compreensão dos significados
atribuídos pelos próprios indivíduos a suas ações. Interpretar esses significados é descobrir a
visão de mundo e a cultura que cria e recria o social. Isto é, a pesquisa qualitativa permite
compreender crenças, atitudes, valores e motivações de comportamentos em contextos socais
específicos (BAUER; GASKELL, 2004). Com esse propósito, utiliza-se da análise
documental a partir de várias fontes escritas, retrospectivas e contemporâneas.
A partir dessas perspectivas teórico-metodológicas é que os topônimos dos primeiros
municípios do estado do Tocantins foram selecionados, descritos e analisados, unindo
História, Geografia e Toponímia para construção do texto toponímico. Ao conjugar essas
disciplinas, é possível perceber a relação entre o homem, a língua, o espaço e o tempo. Posto
isso, segue a apresentação dos procedimentos metodológicos utilizados para descrição e
análise dos dados.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho tem como objeto de pesquisa os topônimos dos primeiros municípios do
estado do Tocantins, os quais se localizam na mesorregião oriental desse estado. Os
topônimos são Almas, Arraiais, Chapada da Natividade, Conceição do Tocantins, Dianópolis,
Monte do Carmo, Natividade, Paranã, Porto Nacional, Príncipe e Taguatinga. Além desses,
contempla-se neste trabalho os nomes dos rios que cortam essa mesorregião: Tocantins,
Paranã, Palma, Palmeira, Manuel Alves e Sono.
A pesquisa teve como principal objetivo a descrição, a análise e a classificação, desses
topônimos, centrando-se nas motivações toponímicas que predominaram no ato
denominativo. Além disso, buscou-se interpretar os significados desses nomes a partir da
etimologia, da história e da geografia local. Para isso, iniciou-se a pesquisa fazendo um
levantamento histórico e geográfico dos municípios contemplados e do estado do Tocantins
desde a ocupação pelos primeiros exploradores até a atualidade para formação do corpus.
Utilizou-se para coleta dos dados, os diários de viagem de naturalistas europeus que
visitaram o Brasil entre os séculos XVIII e XIX. Um deles é o livro do botânico inglês George
Gardner, Viagem ao interior do Brasil principalmente nas províncias do Norte e nos distritos
do ouro e do diamante durante os anos de 1836-1841 (1975). Neste texto, o autor deixou
registrado dados importantes a respeito da fauna e flora, das condições do meio ambiental,
dos usos e costumes do povo, além de dados geográficos e históricos dos lugares por onde
27

andou. Nesse livro, encontram-se informações sobre os antigos arraiais, aldeias e vilas, tais
como Conceição, Almas, Chapada, Natividade, Porto Imperial (atual Porto Nacional), Arraias
e Duro (atual Dianópolis). Ele menciona também os rios Palma, Manuel Alves e Tocantins,
dentre outros, e as serras e chapadas.
Outro importante documento histórico tem-se nos relatos da viagem pelo interior do
Brasil do médico, geólogo, botânico austríaco Johann Emmanuel Pohl, em seu livro Viagem
no interior do Brasil entre os anos de 1817 a 1821 (1976). Nesse material, além de referir-se
aos arraiais, aldeias, vilas e aos elementos geográficos, o autor ressalta também os
acontecimentos culturais, por exemplo, a festa do Espírito Santo, em Santa Cruz, e de Nossa
Senhora da Natividade, em Natividade dentre outros.
Outra obra consultada foi a do botânico, naturalista e viajante francês Augustin
François César Prouvençal de Saint-Hilaire, Viagem à província de Goiás (1975). No
entanto, os registros desse autor, ao citar o estado de Goiás, focam-se na região sul. Apesar da
sua importância para a histórica de Goiás, para este trabalho, em especial, mostrou-se
insuficiente por não se referir à região norte.
Em compensação, as obras do militar, historiador luso-brasileiro e Governador das
Armas da Província de Goiás, Raimundo José da Cunha Matos, Itinerário do Rio de Janeiro
ao Pará e Maranhão pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás (2004 [1836]), Chorographia
Histórica da província de Goyaz (1979 [1874]), são um repositório de informações a respeito
da formação dos antigos arraiais e da situação em que estavam nas primeiras décadas do
século XIX. Referem-se também, com precisão, aos elementos geográficos, bem como à
fauna e à flora local. Essas obras são indispensáveis para quem deseja conhecer a história em
conjunto com a geografia dos estados por onde passou o autor.
A literatura historiográfica a respeito da colonização de Goiás contribuiu bastante para
a constituição deste trabalho. Uma das obras consultadas foi do Pe. Luiz Antônio da Silva e
Souza, O Descobrimento da Capitania de Goyaz: governo, população e coisas notáveis, de
1812, (1967), um referencial teórico indispensável para os estudos sobre a colônia e a
província de Goiás. Além de José Martins de Alencastre, Anais da província de Goiás (1979)
e outros.
Todavia, o grande referencial para a construção do contexto sócio-histórico baseou-se
na vasta obra do historiador Luís Palacin e seus colaboradores, tais como O Século do ouro
em Goiás (1994), História de Goiás: 1722-1972 (2008), História de Goiás em Documentos I:
Colônia (1995), Sociedade Colonial: 1549 a 1599 (1981), Coronelismo no extremo norte de
Goiás: O Padre João e as três revoluções de Boa Vista (1990). Nesse conjunto teórico,
28

Palacin e colaboradores retrata a sociedade goiana, a administração política e a estrutura


econômica, desde o apogeu do período da mineração, passando pela criação dos arraiais até os
acontecimentos modernos do século XX.
Além desses documentos escritos, outros de valor histórico que confirmam o nome do
lugar, o tempo e o contexto em que foi formado são Diccionario Topographico do Imperio do
Brasil, de José Saturnino da Costa Pereira, 1834; O Annuario Histórico, Geographico e
Descriptivo do Estado de Goyaz para 1910, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo; O
diário de viagem do Barão de Mossâmedes: 1771-1773 (2006). Este foi transcrito e
organizado pelo historiador Antônio César Caldas Pinheiro, diretor do Instituto de Pesquisas e
Estudos Históricos do Brasil Central - IPEHBC - e pelo arquiteto Gustavo Neiva Coelho,
professor de História da Arquitetura da Universidade Católica de Goiás – UCG. Essa obra
narra a viagem do quarto governador da Capitania de Goiás, José de Almeida de Vasconcellos
Soveral e Carvalho, que saiu de Lisboa em setembro 1771 e, ao chegar a Vila Boa, decide
conhecer pessoalmente a região que iria governar. A importância desse diário está em mostrar
a formação e organização dos arraiais mineratórios do norte da Capitania ainda no momento
inicial, nas décadas finais do século XVIII.
Foi consultada também a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de Jurandyr Pires
Ferreira, vol. XXXVI (1958) e vol. II (1957). Esses volumes foram organizados pelo Instituto
Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE) contendo as informações a respeito dos municípios
goianos da época. Dentre eles, estão os municípios tocantinenses Porto Nacional, Dianópolis,
Natividade, Arraias, Taguatinga e Paranã. Por se tratar de municípios, ficaram de fora dessa
enciclopédia as cidades de Almas, Chapada da Natividade, Conceição do Tocantins e Monte
do Carmo que na época ainda eram distritos. Consultou-se ainda Corografia Brazilica ou
Relação Historico-Geografica do Reino do Brazil, 1817, de Manuel Ayres de Cazal. O
Diccionario Geographico, Historico e Descriptivo do Imperio do Brazil, 1845, de J. C. R.
Milliet de Saint-Adolphe. Além desse material, consultou-se a Biblioteca Virtual do IBGE
que contém os históricos das cidades, mapas dos estados e dos municípios e outras
informações pertinentes. Verificou-se também os site das prefeituras e da Associação
Tocantinenses dos Municípios (ATM).
Quanto à etimologia dos topônimos, foi consultada, para os de origem indígena, a obra
clássica o Tupi na Geografia Nacional, de Teodoro Sampaio (1901). Para os topônimos de
origens diversas como latim, grego e hebraico usou-se Dicionário etimológico da língua
portuguesa de Antônio Geraldo da Cunha (2007), Dicionário etimológico de nomes de
sobrenomes de Rosário Farâni Mansur Guérios (1981), Dicionário Houaiss da língua
29

portuguesa de Antônio Houaiss (2001) e o Novo dicionário da língua portuguesa, de Aurélio


Buarque de Holanda (2004).
Para análise dos dados, utilizou-se o modelo taxonômico desenvolvido pela
toponimista brasileira Maria Vicentina do Amaral Dick, em suas obras precursoras dos
estudos toponímicos no Brasil, A motivação toponímica e a realidade brasileira (1990) e
Toponímia e Antroponímia: coletânea de estudos (1992) para se chegar à classificação dos
topônimos, em conjunto com outros, o de Solís (1997) e o de Piel (1979). Esses modelos de
categorização estão expostos no capítulo 2, na subseção que trata da classificação toponímica.
Procedeu-se ao tratamento dos dados coletados, organizando-os em quadros
individuais, baseados no modelo de ficha lexicográfico-toponímica de Dick (2004),
apresentada a seguir.

Quadro 1 - modelo de ficha lexicográfico-toponímica

Localização – Município: _____________________________________________________


Topônimo: ___________________A.G.:_____________ Taxionomia:_________________
Etimologia_________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Entrada Lexical:_____________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Estrutura morfológica:________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Histórico:___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Informações enciclopédicas:___________________________________________________
__________________________________________________________________________
Contexto:___________________________________________________________________
Fonte:_____________________________________________________________________
Pesquisador:_________________________________ Revisor: _______________________
Data de Coleta:______________________________________________________________

Fonte: Dick, 2004, p. 130.

A partir das necessidades e objetivos da pesquisa, adaptou-se esse modelo para uma
ficha lexicográfico-toponímica que permitisse agrupar as informações essenciais de cada
30

topônimo suficientes para análise. Essas fichas serão apresentadas no capítulo 4, organizadas
por ordem alfabética, considerando os seguintes elementos:

 Topônimo – corresponde ao nome do lugar como consta nos documentos e mapas;


 Localização - indica a localização do município de acordo com as mesorregiões e
microrregiões do estado do Tocantins;
 Município – indica o município em que está situado o lugar a que se refere o
topônimo.
 Etimologia - trata da origem e dos possíveis significados dos topônimos;
 Estrutura Morfológica - indica, conforme (Dick 1992), a constituição dos topônimos
em topônimo específico simples, topônimo específico composto e topônimo específico
híbrido, além da classe gramatical e o processo de formação lexical (composição ou
derivação);
 Outros Topônimos - nomes anteriores presentes nos documentos consultados,
refletindo a mudança toponímica em momentos diferentes da história do lugar.
 Contexto Histórico - nesse item, apresentam-se as principais informações contidas no
histórico do lugar;
 Motivação Toponímica - destaca o evento real ou imaginário, a entidade geográfica,
hídrica, religiosa ou o antropônimo que motivou a escolha toponímica;
 Mecanismo Conceptual - nesse campo refere-se à ação do cognitivo do denominador
no ato denominativo, ou seja, se o nome manifesta o processo metonímico ou
metafórico;
 Taxonomia - apresenta a classificação taxonômica do topônimo a partir das
categorizações expostas no capitulo 2.

Quadro 2 - ficha lexicográfico-toponímica

Topônimo: Município:
Localização:
Estrutura morfológica:
Etimologia:
Outros topônimos:
Contexto histórico:
Motivação toponímica:
31

Mecanismo conceptual:
Taxonomia:
Fonte: adaptada de Dick (2004).

Os aspectos considerados nessa ficha lexicográfico-toponímica referem-se aos


acidentes humanos (cidades e povoados). Para a análise dos topônimos de acidentes
hidrográficos (os rios), fez-se outra adaptação. Desconsiderou-se o item Outros topônimos,
por não encontrar vestígios de mudança toponímica na literatura consultada referente à
nomeação dos rios tratados neste trabalho. O item Contexto histórico foi substituído por
informações enciclopédicas, cujos dados encontram-se em corografias, dicionários
geográficos, diários de viagem e outros. Essas fichas estão distribuídas também no capítulo 4,
iniciando pelo rio Tocantins e seguindo a ordem em que os seus afluentes da margem direita
desaguam na direção sul-norte.
32

CAPÍTULO 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, faz-se uma discussão dos pressupostos teóricos que fundamentaram a
pesquisa. Inicialmente, apresenta-se uma abordagem sobre a construção do léxico a partir da
percepção, passando pela categorização e chegando à nomeação do mundo exterior. Aborda-
se também o léxico português e os processos de formação e ampliação desse léxico, visto que
“o sistema onomástico utiliza-se dos mesmos constituintes disponíveis no léxico virtual de
uma língua” (DICK, 2001, p. 81). Isso quer dizer que a Onomástica faz parte da Lexicologia.
Em seguida, trata-se da Onomástica, a ciência maior em que estão inseridas a Toponímia e a
Antroponímia. Consequentemente, a seguir, faz-se uma discussão a respeito da Toponímia
com o objetivo de apresentar os conceitos básicos da disciplina, seu alcance e perspectivas,
além de abordar os conceitos determinantes para essa área tais como signo toponímico,
motivação e classificação toponímica.

2.1 O LÉXICO

As ciências que tratam do léxico são três: a Lexicologia, a Lexicografia e a


Terminologia. Elas diferenciam-se pelo objeto de estudo, as dimensões de análise, os
objetivos e os métodos próprios. O estudo dos termos específicos de uma área do
conhecimento é objeto da Terminologia. A Lexicografia ocupa-se da produção de dicionários,
sendo, muitas vezes, definida como técnica de escrita de dicionários. Já a Lexicologia estuda
o léxico como um conjunto de unidades, de naturezas distintas, que forma o universo lexical
de uma língua (BATISTA, 2011). A Lexicologia é a perspectiva adotada para se estudar o
léxico neste trabalho.
A princípio, o percurso conceptual do léxico inicia, conforme Couto (2007), com a
percepção, a partir do momento em que o homem entra em contato com um fenômeno do
meio ambiente. Essa primeira experiência é individual e exclusivamente sensorial, porém, na
convivência com esse fenômeno, o indivíduo passa a reconhecê-lo. Na medida em que esse
convívio intensifica-se, surge a necessidade de compartilhamento com outros membros da
comunidade e, ao fazer isso, a nomeação torna-se imprescindível. É então que acontece a
lexicalização. Desse modo, o ato de compartilhar a experiência com um elemento do meio
ambiente e a sua lexicalização forma o processo de conceptualização, resultando no conceito.
A denominação de um fenômeno ou dado da natureza física ou psíquica leva ao
aparecimento de mais uma entrada no léxico da língua.
33

Couto (2007) salienta, ainda, que a parte efetiva do léxico nomeia fenômenos, ideias,
coisas, ações e qualidades físicas, psíquicas e sociais do meio ambiente. No entanto, nem tudo
do meio ambiente físico, social ou psíquico recebe um nome. Isso somente ocorrerá se o
fenômeno despertar o interesse positivo ou negativo dos membros da comunidade, como já
bem observou Sapir (1969). O interesse dos falantes por determinado fenômeno torna-o
visível, capaz de se interpor entre os membros de uma população, em um momento de
interação comunicativa. Isso faz com que um dado do meio ambiente receba um nome, ou
seja, lexicalize-se, seguindo o processo que vai da percepção à conceptualização. Assim,
compreende-se que o léxico é formado e armazenado na mente dos falantes como resultado da
projeção dos aspectos do meio ambiente que lhes são interessantes.
Ao nomear a sua realidade, os seres humanos classificam e organizam o modo como
percebem o mundo. Biderman (2001) observa que a atividade de nomear é consequência do
processo de categorização. Este, por outro lado, fundamenta-se na capacidade dos seres
humanos de discernir traços característicos entre os referentes percebidos ou apreendidos pelo
seu aparato sensitivo e cognitivo. Uma vez que ocorre o processo de categorização, o ato de
nomear vem logo em seguida. Por isso, a categorização é o processo em que se baseia a
semântica de uma língua natural e foi por meio dele, também, que o homem desenvolveu a
capacidade de associar palavras a conceitos.
Para Biderman (2006), a nomeação da realidade pode ser vista como a primeira etapa
na trajetória científica de conhecimento do universo realizado pela mente humana. Ao
identificar semelhanças e diferenciar traços característicos que individualizam os referentes
em seres distintos, o homem foi, aos poucos, “estruturando o conhecimento do mundo que o
cerca, dando nomes (palavras e termos) a essas entidades discriminadas” (BIDERMAN, 2006,
p. 1). Ao nomear o mundo ao seu redor, os falantes constroem e reconstroem seu léxico.
No processo de aquisição da linguagem, o léxico é o domínio que não cessa; é um
processo contínuo na vida de um indivíduo. O léxico é incorporado, paulatinamente, por meio
de atos sucessivos de cognição da realidade e de categorização da experiência, por meio de
signos linguísticos: os lexemas. “A percepção, a concepção e a interpretação dessa realidade
são registradas e armazenadas na memória [...]” (BIDERMAN, 2001, p. 181). Segundo a
autora, a forma como ocorre esse processo na memória não é conhecido; o que se sabe é que
ela registra de forma ordenada o sistema lexical.
No entanto, Biderman (2001) ressalva que os dados empíricos comprovam que os
indivíduos estruturam mentalmente o seu repertório léxico segundo os modelos e os usos de
34

sua comunidade linguística, por meio do processo mental de categorização. E a categorização


ocorre devido a duas operações complementares:

a) o conhecimento de mundo e da taxionomia que a sua língua e a sua cultura


atribuem a essa mesma Realidade; b) o seu esforço cognitivo pessoal de armazenar e
catalogar os denotadores léxicos, segundo o modelo semântico de sua língua e,
eventualmente, de potencialidades linguísticas de cunho universal, de que ele seria
dotado desde o seu nascimento (BIDERMAN, 2001, p. 182).

Como se pode perceber, a aquisição, a categorização e o armazenamento do léxico


operam conjuntamente na mente dos indivíduos. Antes de refletir o ambiente físico e social
dos falantes, o léxico reflete os processos cognitivos de apreensão da realidade e de
categorização da experiência. Em outras palavras, antes de demonstrar os aspectos da cultura
de uma população, o léxico demonstra como os aspectos do meio ambiente se projetam na
mente dos indivíduos. Com relação a isso, Couto (2013, p.36) assegura que “o ecossistema
mental da língua é um elo entre o natural e o social. Em princípio, toda relação entre os dois
últimos é mediada pelo primeiro”.
Assim, o léxico das línguas naturais é gerado pelo processo de nomeação. Por outro
lado, esse processo está intrinsecamente ligado à cultura de um grupo social e ao modo de
categorização própria desse grupo.
A partir dessas considerações, entende-se que os nomes de lugares fazem parte do
léxico geral de uma língua e, com isso, apresentam aspectos da relação língua/mente,
língua/sociedade, língua/meio ambiente. No entanto, a demonstração da primeira não é uma
tarefa fácil, pois, de imediato, o que transparece nas análises dos topônimos são suas
vinculações aos fatos históricos, socioculturais, bem como as características naturais do lugar.

2.1.1 O léxico português

De acordo com Batista (2011), o léxico apresenta dois tipos: o léxico interno e o
externo. O primeiro refere-se ao conjunto de conhecimentos que todos os falantes têm da sua
língua materna, tais como a estrutura, o significado, a composição e a formação das unidades
lexicais. Esse léxico interno representa a competência lexical, o conhecimento abstrato,
internalizado. O segundo tipo, léxico externo, é o conjunto de palavras à disposição do uso e
da dicionarização. Nesse sentido, o léxico externo pode ser definido como o inventário
completo dos vocábulos de uma determinada língua disponível aos falantes.
35

O léxico é a parte da língua aberta e suscetível a expansões, devido ao fato de ele estar
sempre apto a incorporar novas unidades e descartar outras que não são mais usadas pelos
falantes. Isso ocorre em consequência de o léxico recortar a percepção do mundo, em seus
aspectos naturais, biológicos, sociais e culturais. Isso quer dizer que o falante representa
linguisticamente o seu mundo por meio de itens lexicais, “aqueles que possuem uma
significação por elas mesmas, já que categorizam (a partir de modelos que podem ser tomados
como gerais) o mundo a nosso redor” (BATISTA, 2011, p. 34).
Biderman (2001) afirma que o sistema lexical de uma língua é o resultado de todas as
experiências acumuladas por uma sociedade e o acervo de sua cultura, passados por gerações.
Os falantes são os agentes que atuam na perpetuação e reelaboração contínua do léxico de
uma língua. Nesse processo, o léxico pode ser ampliado, modificado ou reduzido. Isso ocorre
em consequência das transformações sociais e culturais que irão afetar os usos vocabulares.
Assim, são os usuários da língua – os falantes – que criam e conservam o seu léxico, na
interação com seu meio físico-ambiental, social e cultural.
Essa afirmação vai ao encontro a de Sapir (1969, p. 45), o qual assegurar que “o léxico
da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes”. O autor
ressalta, ainda, que o léxico completo de uma língua pode ser visto como um registro
complexo de todas as ideias, interesses e ocupações que chamam a atenção da comunidade.
Nesse sentido, o acervo lexical de uma língua constitui-se de um conjunto de lexemas
– ou de palavras – que representam o mundo extralinguístico, nomeando as coisas, as
qualidades e os processos. Tem um forte componente semântico, que se estrutura no exterior
do sistema linguístico, na relação entre indivíduo e sociedade. Fazem parte desse conjunto o
verbo, o adjetivo, o substantivo e o advérbio nominal, compreendidos pela linguística como
classe aberta, por estarem sempre se enriquecendo, devido às mudanças do mundo exterior
(CARVALHO, 2009).
Com relação ao acervo lexical do português, de acordo com Coutinho (1976), formou-
se a partir do latim popular, tendo como base as palavras que passaram por transformações no
romance lusitânico. São elas que compõem o padrão fonético e morfológico do português.
Acresce que essa modalidade do latim prevaleceu sobre a do latim clássico ou culto em toda a
Península Ibérica. Porém, o latim clássico veio a colaborar com o léxico português em um
momento posterior.
Com as mudanças socioculturais, houve a necessidade de novos termos para novos
elementos, e esses termos foram buscados no latim clássico e introduzidos na língua por meio
da escrita, para suprir as necessidades de um vocabulário erudito, literário ou religioso.
36

Carvalho (2009) observa também a presença de elementos pré-romanos e pós-romanos,


introduzidos na fase inicial de formação da língua. Elementos das línguas modernas
europeias, latinas e não latinas, bem como elementos de línguas não europeias, que entraram
no sistema lexical em consequência dos descobrimentos marítimos.
Quanto aos elementos de línguas não europeias, é importante destacar a relevância dos
termos hebraicos incorporados à língua portuguesa por meio do latim, com o Cristianismo,
tais como Jesus, Maria, José, Pedro, João e outros, para a formação da Antroponímia e da
Toponímia brasileiras. Nesta última, por exemplo, encontram-se nomes de origem hebraica
incorporados às categorias relacionadas ao sagrado, ou seja, a hierotoponímia e a
hagiotoponímia, como em Santa Maria do Tocantins (TO), Bom Jesus do Tocantins (TO), São
José (TO)6, São João (TO)7.
Da América portuguesa (Brasil), por outro lado, a contribuição de elementos lexicais
provenientes das línguas nativas foi bastante significativa para a nomeação da flora e fauna:
ananás, jaguatirica, arara. Consequentemente, esses nomes foram adotados também para
topônimos e antropônimos: Pernambuco, Itamaracá, Tocantins, Jaci, Japiaçu.
Nessa perspectiva, Camara Jr. (1975, p. 191) faz o seguinte comentário a respeito do
léxico português: “A história do nosso léxico reflete, de maneira expressiva, a história externa
da língua, ou seja, a história dos contatos da população de língua portuguesa, a partir do
romanço lusitânico, com as mais variadas nações aloglotas”.
Ilari e Basso (2007), ao analisarem, essencialmente, o léxico do português brasileiro
do ponto de vista histórico, ressaltam que ele é o resultado de um longo processo em que
muitas palavras já foram perdidas ou sobrevivem com outras funções e outros valores, ao
mesmo tempo em que outras são constantemente criadas e/ou recriadas e outras a ele
incorporadas. Eles distinguem, no léxico do português do Brasil, quatro grandes conjuntos de
palavras ou expressões, indo ao encontro das considerações de Carvalho (2009), já
mencionadas anteriormente. Os autores apresentam os quatro conjuntos da seguinte maneira:

 os termos que remontam ao latim vulgar;


 os termos recebidos em consequência do contato do português com outras línguas;
 os termos eruditos vindos do latim e do grego clássicos;
 e as criações vernáculas, aquelas que surgem no interior da própria língua, com base
nas já existentes.

6
Comunidade quilombola localizada no município de Chapada da Natividade.
7
Comunidade quilombola localizada no município de Santa Rosa do Tocantins.
37

A respeito dos termos recebidos das línguas indígenas, destaca-se o Tupi pela difusão
histórica dessa língua. Dietrich e Noll (2010) observam que esse léxico, considerado típico do
português brasileiro, não desempenha nenhuma função no âmbito do vocabulário básico. Para
eles, a influência dessa língua no português brasileiro é indiscutível no vocabulário e em
nomes próprios (toponímia, hidronímia, coronímia, antroponímia). Esse vocabulário indígena
sobressai-se por conter uma grande quantidade de substantivos oxítonos, geralmente,
incomuns ao português. Eles referem, frequentemente, ao ambiente natural dos indígenas
como os nomes de frutos e plantas, fauna, formas de paisagem, topônimos, hidrônimos,
antropônimos. Os colonizadores portugueses, devido à necessidade de nomear objetos e
realidades desconhecidas para eles, mas comuns na natureza e na vida no Brasil, adotaram
termos das línguas autóctones.
Dietrich e Noll (2010) observam também que ao contrário do léxico básico, os
topônimos (nomes próprios de lugares, rios, praias, campos, serras) e antropônimos (nomes
individuais de pessoas, sobrenomes, apelidos, alcunha, pseudônimo e outros) não têm suas
origens em uma das línguas gerais do período colonial, pois foram criados em um período
posterior em que essas línguas já não eram mais faladas. Dessa forma, o Tupi funciona como
o grego e o latim antigo nas ciências, isto é, uma fonte virtual ou repositório de raízes lexicais
para formar topônimos e antropônimos. Em se tratando dos nomes de origem Tupi, os
topônimos Paranã (TO) e Taguatinga (TO) são exemplos que se apresentam neste estudo.
Para falar dos termos provindos de línguas africanas, Bonvini (2008) inicia lembrando
que empréstimo linguístico é um fenômeno sociolinguístico normal e frequente, resultado do
contato de povos de línguas e culturas diferentes. Posto isso, o empréstimo linguístico
representa a capacidade que as línguas têm de apropriarem-se de termos de outras quando
necessários à sua própria expressividade e/ou quando o contexto discursivo o exigir.
Assim, em situação de contato linguístico e cultural ocorrem trocas bilaterais entre
falantes. Em relação ao contato do português com línguas africanas, termos oriundos destas,
encontrados no léxico do português brasileiro, são testemunhas dessa relação linguística e
cultural, além de estarem sujeitos a ela. No Brasil, esse contato ocorreu a partir da segunda
metade do século XVI até o final do século XIX com a importação de escravos africanos.
Durante esses quatro séculos, quatro milhões (ou mais) de africanos das mais variadas
culturas e línguas entraram no Brasil. Dentre as línguas, pode-se citar o Iorubá (ou Ioruba) e
Nagô (da Nigéria), Gege (do Daomé), Mina (da Costa do Ouro), Mandinga e Haussá (da
Guiné e da Nigéria), línguas Banto (de Angola e do Congo), Quincongo, Cabida e outras. A
contribuição africana pode ser percebida na sociedade brasileira por meio dos costumes e na
38

cultura geral (cozinha, religião, música, atitudes). Quanto às línguas, há um consenso em


admitir a contribuição de algumas delas no vocabulário do português brasileiro (BIDERMAN,
2002).
De acordo com Bonvini (2008), devido às exigências de trabalho ligadas à escravidão,
a troca de termos entre falantes de línguas africanas e da língua portuguesa multiplicaram-se
pela constante relação de interdependência em razão dos numerosos aspectos da vida
quotidiana.
Ao observar a bibliografia que trata dos vocábulos de origem africana, a saber,
Bonvini (2008), Alkimim e Petter (2008), Biderman (2002), não se percebe a menção ao
campo da Onomástica. Castro (2012) comenta esse fato ao notar a pouca ocorrência de nomes
toponímicos do estado do Maranhão de origem etimológica propriamente africana. Apesar
disso, essa autora apresenta alguns nomes como Cachimbos, Cacimba, Cazumba, Mulungu e
outros. Entende-se que a falta de referência aos topônimos de origem africana está relacionada
à história de escravidão, a estigma e ao preconceito. No entanto, encontra-se em Coutinho
(1976) referência a topônimos de procedência africana, tais como Bangu, Benguela,
Cachimbo, Cacimba, Carangola, Caxambu, Guandu, Murundu, Quilombo, sem indicar em
que estado do Brasil esses topônimos estão localizados.

2.1.2 Formação e ampliação do léxico português

O léxico de uma língua está em constante expansão em razão de ele agregar as


experiências pessoais da comunidade de fala. O português, como qualquer outra língua
possui mecanismos para ampliação e renovação do seu léxico. Um deles é o processo de
criação dentro da própria língua. Outro é por meio da adoção e adaptação de um termo de
outra língua estrangeira, ou seja, o empréstimo linguístico.
De acordo com Carvalho (2009), com relação ao primeiro processo de criação lexical,
têm-se dois tipos: o que é feito pela inovação na forma, neologismo formal, ou inovação no
significado, neologismo semântico. O neologismo formal constitui-se pelos processos de
composição e derivação, pela criação de termos por meio de siglas, de gírias, de onomatopeias
e por meio de redução. O neologismo semântico, por sua, ocorre-se quando é atribuído um
novo significado a uma palavra já existente na língua. Quanto aos empréstimos, eles não são o
resultado de uma inovação propriamente dita, mas adequação de uma língua às necessidades
de expressividade diante das exigências de um novo contexto discursivo.
39

Dentre esses processos citados, certamente, os mais produtivos são a derivação e a


composição para formação de novas palavras portuguesas. A derivação é o processo pelo qual
palavras são formadas agregando afixos (sufixo e prefixo) a um morfema lexical. Nesse
contexto, a derivação se divide em quatro tipos: prefixal, sufixal, prefixal e sufixal e
parassintética.
A derivação prefixal corresponde àquela feita por meio do acréscimo de um prefixo ao
morfema lexical, ex.: reatar, desfazer. A sufixal é aquela formada por acréscimo de um
sufixo, ex.: livreiro, pedreira. A prefixal e sufixal é a derivação formada pelo acréscimo tanto
de um prefixo quanto de um sufixo, ex.: infelizmente, deslealdade. Já a parassintética
representa o acréscimo simultâneo de prefixo e sufixo ao morfema lexical, ex.: entardecer,
empobrecer. Como observado, todos eles ocorrem por meio de acréscimo de afixos. Com
processo de redução, ocorre o contrário, é feito pela subtração de morfemas, ex.: moto para
motocicleta, Zé para José.
Camara Jr. (1975) lembra que a derivação era um mecanismo um tanto discreto no
latim clássico, mas que em latim vulgar desenvolveu-se significativamente. Os sufixos que já
funcionavam tiveram expandida a sua utilização, outros foram remodelados e novos foram
introduzidos por combinações dentro da língua ou por empréstimos, principalmente do grego.
No português moderno, é sempre possível a criação de novos adjetivos e substantivos pelo
acréscimo de sufixos altamente produtivos. São eles -oso, -ud (o, a), -átic (o, a), -vel, -ês, -ão,
-eir (o, a), -ad (a), -agem, -dor, -douro, -dad(e), -ismo, -ment(o), -ção, dentre outros.
No léxico toponímico brasileiro, percebe-se que a derivação sufixal é bastante
produtiva. Nos topônimos tocantinenses foram encontrados os seguintes sufixos: -inho
(Brejinho de Nazaré, Malhadinha8), -pólis (Silvanópolis, Palmeirópolis), -lândia (Barrolândia,
Cristalândia) -ão (Riachão, Redenção)9 -eir(a, o) (Mateiros, Lavandeira) entre outros.
Entretanto, não se percebeu formações a partir de prefixos, intuindo que a derivação prefixal e
as demais tem baixa produtividade nos nomes de lugares.
Por outro lado, a composição é o processo de criação de novas palavras pela
combinação de vocábulos já existentes, formando novo significado. Por meio desse processo,
dois morfemas lexicais se combinam produzindo uma fusão semântica, muitas vezes,
completa. A composição de palavras pode ser por aglutinação ou justaposição, dependo do
tipo de fusão que ocorre, se mais ou menos íntima. Na justaposição, os elementos combinam-
se mantendo a sua autonomia fonética, isto é, mantendo o acento e todos os fonemas. Na

8
Comunidade quilombola.
9
Comunidades quilombolas.
40

aglutinação, os elementos fundem-se num todo fonético, com acento único, ocorrendo perda
ou alteração de fonema.
Segundo Basílio (2007), o que caracteriza e define a função do processo de
composição é a sua estrutura, dado que cada uma das bases que se juntam para formar uma
palavra composta tem seu papel definido pela estrutura da composição. Para exemplificar,
essa autora cita o composto formado por substantivo + substantivo, em que o primeiro
funciona como núcleo da construção e o segundo como modificador, especificador ou
qualificador, tais como sofá-cama, couve-flor, salário-família. Em composição de substantivo
+ adjetivo, o núcleo é sempre o substantivo e o adjetivo o modificador, independente da
ordem que ocorrer como em erva-doce, amor-perfeito. Em composto formado com verbo +
substantivo, o substantivo tem a função semelhante a do objeto direto do verbo na sentença
como em guarda-roupas, mata-mosquito, beija-flores.
A autora destaca que a função da composição é a nomeação ou caracterização de seres
pela junção de dois elementos semânticos, de existência independente no léxico, em apenas
um elemento lexical. Essa nomeação por esse processo pode ser descritiva ou metafórica,
independente dos casos de acidentalidade, ou nomeação arbitrária. Assim, na nomeação
descritiva, um ser, entidade, substância e outros itens são denominados por suas
características objetivas mais relevantes. Tem-se nesse tipo de composição o núcleo e um
elemento particularizante correspondente ao especificador. Exemplos desse tipo encontram-se
nas formações de substantivo + substantivo, como em sofá-cama, papel-alumínio.
Outro caso de nomeação pelo processo de composição é a que ocorre por meio da
metáfora. Tem-se uma situação de nomeação metafórica quando a descrição do objeto, em
vez de caracterizá-lo por critérios objetivos, faz por meio de uma representação em termos
associativos. Entretanto, é importante destacar que nas denominações metafóricas por
composição, a metáfora somente será reconhecida se o significado for conhecido pelo falante,
uma vez que ele não poderá ser inferido pela simples observação das formas. Por exemplo, no
caso do nome do doce olho de sogra, apesar de apresentar característica com um olho, só é
possível compreender seu significado se conhecer as acepções do termo sogra na nossa
cultura. Logo, “o distanciamento entre o significado do todo e o significado das partes é
normal nas formas compostas pela própria função da nomeação; esse distanciamento é
especialmente acentuado no caso das formações metafóricas” (BASÍLIO, 2007, p.33).
Em se tratando do léxico toponímico, o processo de composição demonstra alta
produtividade, principalmente por meio da justaposição, tanto substantivo + substantivo,
substantivo + adjetivo quanto adjetivo + substantivo. Podem ser citados, como exemplos, os
41

topônimos Monte do Carmo (TO), (subs + subs), Chapada da Natividade (TO) (subs + subs),
Porto Nacional (TO) (subs + adj), Campos Lindos (TO) (subs + adj), Nova Olinda (TO) (adj +
subst), Novo Jardim (TO) (adj + subs).
Outro mecanismo de formação de palavras que deve ser considerado é o hibridismo.
Ele consiste na combinação de elementos de línguas diversas para formar novos vocábulos.
Entretanto, não se considera um novo processo de formação vocabular, pelo fato de o falante
nativo não identificar ou determinar sincronicamente a origem da língua das partes que
compõe as palavras formadas por meio de hibridismos. De acordo com Monteiro (2002), os
processos que produzem vocábulos híbridos são os mesmos de derivação e composição, a não
ser pela origem dos elementos formadores, como nos exemplos sociologia (latim + grego),
burocracia (francês + grego) e psicomotor (grego + latim).
Ainda a respeito de composição, é relevante mencionar aqui as considerações de
Camara Jr. (1975) sobre os helenismos. A grande quantidade de helenismos eruditos
integrados à língua portuguesa favoreceu certos prefixos que passaram a funcionar no
processo de formação de novas palavras, de características eruditas e literárias. Ocorreu o
mesmo com alguns termos gregos de significação definida que passaram a servir de base
sufixal em determinadas áreas semânticas como -polis, para indicar “cidade” em nomes
compostos na toponímia brasileira, por exemplo, em Petrópolis “cidade de Pedro” (D. Pedro
II), Florianópolis “cidade de Floriano” (Floriano Peixoto). No corpus em estudo, o sufixo -
polis está presente no topônimo Dianópolis (cidade das Dianas).
Como se destacou no início, a Onomástica localiza-se no domínio da Lexicologia,
pois tem como objeto de estudo uma parte específica do léxico: os nomes próprios. Por isso,
na próxima seção, apresenta-se uma discussão a respeito dessa ciência.

2.2 ONOMÁSTICA

De acordo com Monteiro (2000), o léxico é a parte do sistema linguístico em que se


reflete o mundo exterior, como os aspectos do ambiente físico e sociocultural. Para ele, as
línguas existem em função das necessidades sociais de expressar e nomear a realidade. O ato
de dar nome às coisas perpassa gerações. O homem, desde os tempos imemoráveis, fazendo
uso da sua língua e da sua cultura, dá nomes aos lugares e a outros seres – humanos ou
animais - e às coisas que o rodeiam e que são importantes para ele. A nomeação, portanto, é
uma atividade inerentemente humana e está presente nos diversos sistemas culturais do
42

mundo desde a antiguidade, como pode ser comprovada nas importantes obras da história e da
civilização da humanidade.
Apesar de fazer parte da nossa vida e ser fruto da nossa cultura, não pensamos muito
sobre o nome próprio, no porquê de alguém ou um lugar ter o nome que tem. No entanto, o
estudo sobre o nome começou a ser pensado e formulado no século II a.C., pelo gramático
grego Dionísio de Trácia, responsável pela sistematização da primeira gramática ocidental
(CARVALHINHOS, 2008). A partir desse contexto, surge a Onomástica, a ciência que se
ocupa dos estudos da origem e alterações (na forma e no significado) dos nomes próprios. Ela
é um ramo das ciências linguísticas e, atualmente, divide-se em dois campos: a Toponímia
(estudo do topônimo ou nome de lugar) e a Antroponímia (estudo do antropônimo ou nome
pessoal).
Seu método de trabalho se desenvolve, principalmente, em linha documental a partir
de dados oficiais como mapas, listas de nomes ou outros documentos de valor historiográfico
e lexicográfico. Com isso, possibilita a junção da história da nomenclatura com momentos
históricos e sociais mais amplos. E essa é a perspectiva adotada para este trabalho. Por outro
lado, apesar de pertencer à ciência da linguagem, a onomástica estabelece-se a partir do
suporte de outros campos do saber como a geografia, a botânica, a história, a antropologia, a
etnografia dentre outras. Visto dessa forma, a Onomástica é uma especialidade de caráter
interdisciplinar.
Segundo as considerações tecidas anteriormente, a onomástica divide-se em dois
ramos principais: a Antroponímia e a Toponímia. E, por sua vez, tanto a Antroponímia e mais
ainda a Toponímia podem apresentar subdivisões, dependendo de uma série de considerações.
Por exemplo, a Toponímia, segundo o objeto de denominação, apresenta taxonomias como
hidronímia, astronímia, litonímia, odonímia, oronímia, dentre outros termos que são
correspondentes, respectivamente, de objetos que constituem formações aquosas, astros,
formações pétreas, vias ou caminhos e serra.
Por sua vez, a Antroponímia ocupa-se dos nomes de batismo, os sobrenomes -
patronímicos ou matronímicos - assim como os apelidos, alcunhas e nomes diminutivos.
Igualmente, a Antroponímia não ocorre de forma homogênea, haverá uma série de tradições
diferentes de acordo com os povos ou culturas. Isso quer dizer que os sistemas de
denominação de pessoas são muito diferentes segundo os povos. Porém, é possível afirmar
que os nomes pessoais são um traço comum ou universal nas línguas, uma vez que as pessoas
são denominadas em todas as sociedades, em algum momento de suas vidas. Pelo menos é o
que informa a literatura examinada. Os estudos dos sistemas onomásticos revelam que os
43

nomes existem e são controlados pelas necessidades e práticas sociais, as quais podem variar
de acordo com a visão de mundo de um determinado povo. Assim, também são variáveis as
intenções e as motivações que estão por traz da escolha dos nomes em cada sociedade (DICK,
1992).
Entende-se que a Onomástica, como disciplina, deverá comprometer-se e fixar como
objeto de estudo os sistemas de denominação que justifiquem os processos de atribuição de
nomes em geral. De acordo com Solís (1997), nessa perspectiva, os nomes são os produtos de
algo que os provoca e esse algo não é outra coisa senão o sistema denominativo elaborado
pelas culturas para atribuir nomes às entidades que sua atividade cognitiva percebe.
Por ser um campo de estudo muito vasto que se volta para o estudo dos nomes
próprios tanto atribuídos a seres humanos quanto a lugares, delimita-se para este trabalho
pesquisar o sistema onomástico voltado para os nomes de lugares, ou seja, para a Toponímia,
caracterizando como objeto de estudo os nomes dos primeiros municípios do estado do
Tocantins. Esses municípios correspondem às primeiras povoações da região norte do estado
de Goiás10, formadas a partir do descobrimento das minas de ouro por bandeiras paulistas no
final do século XVII e até meados do século XVIII.

2.2.1 O nome próprio

O rótulo nome (noun) é atribuído à classe de palavras em que ocorre a maior parte dos
nomes de pessoas, lugares e coisas (SHACHTER, 2002). Para Camara Jr. (1984, p. 177), “o
nome indica as ‘coisas’, quer se trate de objetos concretos ou de noções abstratas, de seres
reais ou de espécie: Pedro, mesa, verde, verdor, bondade, cavalo, são igualmente nomes”.
Segundo ele, morfologicamente, o nome em português se distingue pela possibilidade da
categoria de gênero e pela indicação de número (singular/plural). Da perspectiva funcional, os
nomes desempenham a função de núcleos do sujeito, do objeto direto, do objeto indireto e
agente da passiva. Na linguagem usual, encontra-se nome com o sentido de “denominação”
ou, ainda, de nome próprio. É nesse sentido que o nome será abordado neste trabalho.
O ato de nomear é resultado da vida em sociedade. O homem, para identificar e
nomear as coisas ou entidades da sua realidade, utiliza-se de palavras. “E a designação e a
nomeação dessas realidades cria um universo significativo revelado pela linguagem”
(BIDERMAN, 2006, p. 01).

10
Antes da separação do estado de Goiás, em 1988, a região em que se localiza o estado do Tocantins era
reconhecida como Norte Goiano.
44

Desse modo, a classe do nome é formada por termos utilizados para nomear uma
entidade da realidade. No entanto, os nomes podem se referir a um conjunto de uma espécie,
conhecido nos estudos linguísticos tradicionais como nomes comuns, ou a seres individuais,
particularizando-os em meio a muitos de sua espécie. Estes são os nomes próprios. Trask
(2006, p. 206) define nome próprio como uma forma linguística usada para selecionar uma
única pessoa, coisa ou lugar, ou seja, “gramaticalmente, um nome próprio é um sintagma
nominal com uma função altamente diferenciada, a de apontar para alguma entidade
individual: Getúlio Vargas, Brasília, o Corcovado”.
De acordo com Payne (1997, p. 39), “nomes próprios são usados para tratar e
identificar pessoas em particular ou personagens culturalmente significativas ou lugares”. Eles
são usados para se referir a indivíduos específicos que podem ser identificados tanto pelo
falante quanto pelo ouvinte. Em relação aos aspectos gramaticais, os nomes próprios diferem
dos comuns porque, geralmente, não aparecem com artigos, modificadores, possuidores,
orações relativas ou outros dispositivos que tornam os nomes mais identificáveis. Segundo o
autor, no inglês os nomes próprios se distinguem na medida em que eles, dificilmente, levam
artigos, quantificadores ou outros modificadores.
Numa visão filosófica da linguagem, Brito (2003) ressalta que os nomes são elementos
da língua que têm a função de “estar por objetos”. Essa função é apreendida no ato de nomear,
porque, pela nomeação, um vínculo é estabelecido entre o nome e o objeto que ele nomeia, de
modo que, a partir desse momento o nome estará na sentença pelo objeto. No entanto, há
maneiras diferentes de um nome se referir a um objeto. Quando ele se refere a um conjunto de
objetos que compartilham características comuns, que os classificam como membros desse
conjunto, sem visar um objeto particular, tem-se nome de espécie. Por outro lado, termos
usados para designar certos objetos, para se referir a eles pela menção de seus nomes, são
nomes próprios.
Todavia, a classe dos nomes próprios é bastante heterogênea. Estão incluídos nessa
classe nomes de pessoas, lugares, nomes próprios de animais e plantas, nomes próprios de
entidades, nomes próprios de objetos, seres naturais e seres fantásticos, o nome das artes, da
ciência e movimentos intelectuais, nomes de planetas e astros, entre outros. Alguns autores
que tratam do assunto divergem quanto aos membros que podem ser incluídos nessa
categoria. Porém, os nomes de pessoas e de lugares sempre são referidos nessa classificação.
Eles constituem os nomes próprios por excelência.
A respeito dos nomes que se situam no campo da onomástica (Toponímia e
Antroponímia), Camara Jr. (1975) faz algumas considerações importantes. Ele lembra que
45

esses vocábulos são singularmente relevantes, em qualquer língua, pelas implicações


socioculturais que apresentam. Os nomes de lugares e de pessoas formam a parte mais
importante que a gramática greco-latina chamou de os “os nomes próprios” (gr. ónoma
kyrium, lat. nomen proprium).
Quanto aos nomes de lugares, o autor destaca que são essencialmente importantes na
medida que refletem a história político-social. A sua origem geralmente liga-se a um aspecto
regional característico do meio ambiente, ou a um nome de uma pessoa vinculada à região, ou
a um culto religioso. Com relação ao primeiro tipo, há uma grande quantidade de etimologia
transparente em português, a saber; Barbosa (lugar onde tem “barbas”, um tipo de planta
rasteira), Campos, Varginha, locuções descritivas tais como Águas Belas, Belo Horizonte,
Campo Grande e outros. Muitos topônimos como Barbosa, Barroso, Cardoso, Dantas (das
“antas”, pedras simbólicas de origem céltica), Rocha, Pena (variante de penha) passaram a
antropônimos relacionados a nomes de família ou sobrenomes.
Como é possível perceber nos sistemas onomásticos, a história político-social
portuguesa se reflete fartamente nos seus topônimos. Os vestígios do período pré-romano da
Península Ibérica ainda subsistem por meio de formas latinizadas como Braga (lat. Bracara),
Coimbra (lat. Conimbriga), Lima, Mondego (lat. Mondaecus), dentre outros. Vestígio da
dominação romana tem-se em Castro (de fortaleza), em Sagres, ablativo plural de Sacris
(sacer “sagrado). De um ablativo plural resultou também em Chaves, isto é, (Aquis) Flaviis,
estância de águas termais dedicadas ao imperador T. Flavius Vesparianus. Da época cristã,
com finalidade religiosa, pode-se citar Santarém (lat. Sancta Irene).
Ainda segundo Camara Jr. (1975), o domínio visigótico deu origem a nomes de
lugares ligados ao nome do proprietário germânico como Resende, Guimarães dentre outros,
principalmente no norte de Portugal e na Beira. Com relação ao árabe, a presença de nomes
toponímicos dessa língua está presente principalmente no sul, de origem descritiva. São
exemplos de topônimos dessa procedência: Almeida (a mesa), ou seja, “chapada”, Almada (a
mina), Algarve (o ocidente), Faro (nome de homem).
Em referência ao Brasil, o autor ressalta o grande número de nomes de lugares de
origem Tupi. Esse fato revela a força que essa língua teve nos primeiros tempos da colônia
como meio geral de intercurso. Fazem parte desse conjunto os nomes de estados brasileiros
tais como Pará, Paraná, Pernambuco, além de Piauí e Paraíba em que se apresenta o elemento
/y/ (/ï/ vogal alta posterior) que quer dizer “água”.
46

Em nomes de lugares que são os mesmos de alguns lugares de Portugal como


Santarém, Bragança, Viseu e de outros países europeus como Friburgo, destacam a origem
dos primeiros povoadores da região.

2.2.3 Nomes próprios: aspectos semânticos

Saber se um nome tem significado é uma questão bastante antiga, chegando até a
atualidade sem um consenso entre os estudiosos, principalmente os filósofos. De acordo com
Lyons (1979), a discussão da relação entre as palavras e as “coisas” às quais elas se referem
ou significam, vem sendo proposta desde a época antiga, na história da gramática tradicional.
Essas discussões tiveram início com os filósofos gregos da época de Sócrates e Platão, os
quais propuseram que a relação semântica que liga as palavras às coisas é a de “denominar”.
A partir dessa proposta, decorre outra questão, que é a de saber se os “nomes” dados às
“coisas” eram de origem “natural” ou “convencional”. No decorrer do desenvolvimento da
gramática tradicional, torna-se habitual afirmar que o significado da palavra é a “coisa” ou
“coisas” que ela denomina. Para Palmer (1979), as palavras são, nesse sentido, nomes ou
rótulos para as coisas.
Lyons (1979), ao estudar a referência, utiliza o termo “referente” para as “coisas”
denominadas ou significadas pelas palavras. Ao fazer isso, ele assegura que a relação
existente entre palavras e coisas (seus referentes) é de referência. Sendo assim, “as palavras
não “significam” nem “denominam” as coisas, mas se referem às coisas” (1979, p. 429). O
autor, tomando como base o conhecido triângulo semiótico, destaca que a relação entre forma
e referente não é direta. Dito de outro modo, a forma, para ligar-se ao seu referente, precisa da
mediação do significado (conceptual), o qual faz a associação deste com aquela de maneira
independente. Lyons (1979, p. 430) apresenta essa associação com o triângulo a seguir:

Significado

Palavra

Referente
Forma
47

Para Borba (2005), a ligação entre o significado e o referente é possível para alguns
setores do vocabulário, isto é, quando as palavras nomeiam os eventos, as coisas, atributos do
mundo exterior. Nesse caso, elas referem-se às coisas, aos eventos, aos atributos que são os
seus referentes. Isso mostra que a referência vem da nossa experiência com o mundo exterior,
mais especificamente da relação entre língua e mundo, mas isso não quer dizer que o
significado seja o referente, mas sim a representação dele. Para ele, toda unidade léxica tem
seu valor codificado que é seu significado básico, porém, com o uso, outras associações são
incorporadas ao signo fazendo parte de suas possibilidades significativas. Essa variação
significativa geralmente está ligada ao contexto cultural – hábitos, crenças, atividades típicas
– dos falantes.
E com relação ao nome próprio, se eles têm significados ou apenas servem de
referência ao ente denominado, é uma questão muito discutida pela Semântica Formal e pela
Filosofia da Linguagem. Não se pretende estender nessas áreas, mas apenas mencionar as
duas correntes filosóficas que se confrontam no tratamento da questão semântica dos nomes
próprios; a teoria causal ou da referência direta e a teoria descritiva. Segundo Brito (2003), de
um lado estão os que defendem, como Kripke (1971) e Stuart Mill (1843) a primeira. A base
dessa teoria é que o significado não tem qualquer função na semântica dos nomes próprios,
pois eles vinculam-se aos objetos nomeados de forma direta. Por isso, para cumprir sua
função referencial, os nomes próprios não precisam se vincular às descrições ou ser sinônimo
delas. Penco (2006, p. 115) destaca que “a referência do nome depende de um batismo inicial
e da cadeia causal que liga esse batismo ao uso subsequente do nome na comunidade”. Nesses
termos, não se fala em sentido de um nome e sim da cadeia causal que une um nome ao objeto
nomeado.
Do outro lado, estão os que compactuam com Frege, ou seja, os que vinculam aos
nomes próprios o sentido para explicar como eles cumprem a função de estar por objetos
particulares na sentença, ou seja, a relação entre o nome próprio e o objeto denominado é feito
por intermédio do sentido. E, ainda, os nomes próprios possuem, além do sentido, a
referência. A noção de sentido, aqui, remete-se a uma descrição ou um conjunto de descrições
definidas que possibilitam identificar o referente. Para Frege (apud Oliveira 2010, p. 95), “o
sentido é o caminho que nos leva à referência”. E ainda, o conceito de significado incorpora o
de referência e o de sentido, isto é, significado, para ele, é sentido e referência. Nessa
vertente, chamada descritivista, a sua principal argumentação é de que “somente por meio do
sentido a que os nomes próprios estão vinculados que eles podem desempenhar seu papel
referencial” (BRITO, 2003, p. 10).
48

Em Todorov e Ducrot (1977), encontram-se, de forma resumida, as bases das duas


vertentes. Eles apontam que, pelo fato de o nome próprio se associar, geralmente, a um
referente único, é interpretado, na maioria das vezes, como uma etiqueta colada sobre uma
coisa. Desse modo, os nomes próprios têm referentes, mas não sentido, na perspectiva de
Stuart Mill. Em contrapartida, citando Frege, é impossível fazer referência sem um sentido.
Para os autores, é incomum empregar um nome próprio sem pensar que esse nome diz alguma
coisa, ao interlocutor. O sentido do nome próprio, portanto, pode ser considerado o conjunto
de conhecimento relacionado ao portador desse nome, compartilhado pelos membros da
coletividade.
De acordo com Tamba (2006), o sentido dos nomes próprios é definido isoladamente,
mais por eles se associarem aos seus referentes do que pela integração ao sistema lexical de
uma língua. Por isso, de modo geral, os nomes próprios escapam à tradução e às relações
estruturais de sinonímia ou de antonímia. Eles são objetos de um campo de estudo
especializado, a Onomástica, cuja margem situa-se entre o léxico e a história, podendo citar os
sistemas de prenomes, de famílias e nomes de lugares. Apesar de situarem-se à margem da
ordem lexical, os nomes próprios obedecem a regras de formação pragmático-linguística.
Com relação aos nomes próprios de pessoas, Dick (1992, p.182) ressalta que os
aspectos semânticos que esses nomes apresentam se vinculam aos motivos que, em certas
“épocas e regiões, orientavam a criação dos antropônimos, os quais, dessa forma, se tornavam
aptos a refletir os costumes das civilizações envolvidas, como manifestações culturais do seu
povo”. Mas não são somente os antropônimos que são norteados pelos motivos de uma dada
época e região, o mesmo ocorre com os topônimos.
Entende-se, então, que do ponto de vista semântico, os nomes próprios – antropônimos
e topônimos - não podem ser analisados como os nomes comuns, visto que as motivações que
os determinam ligam-se aos movimentos históricos e socioculturais de um grupo humano.
Pode-se afirmar que eles existem e são controlados pelas necessidades e práticas sociais.
Por conseguinte, os topônimos são termos referenciadores, por identificar um lugar
específico em um contexto socioambiental, mas também tem sentidos, os quais estão
relacionados com as motivações socioculturais e históricas, bem como aos aspectos
ambientais do lugar. Muitas vezes, essas motivações deixam de ser transparentes. Nesses
casos, o significado de um topônimo pode ser recuperado com a ajuda da etimologia e da
história do lugar.
No item seguinte, apresenta-se uma discussão a respeito da Toponímia e suas
perspectivas de estudo, que são a base teórica para a análise toponímica.
49

2.2.4 Toponímia: aspectos gerais

Inicialmente, a denominação dos lugares ocorre pela necessidade humana de


identificar as entidades do mundo em que se vive para responder às suas necessidades de
relação com a natureza que o rodeia e para propiciar a organização e a comunicação social. É
certo que nem todas as nomeações são devidos à necessidade espontânea de identificação,
pois muitas delas refletem a imposição de forças ideacionárias, político-religiosas e sociais.
As entidades do mundo que precisam ser nomeadas podem ser tanto pessoas quanto os
elementos geográficos que estão ao seu redor e que tem importância para o grupo social, pois
o que não tem importância não tem necessidade de ser identificado com nome (COUTO,
2007).
Nomeiam-se os elementos geográficos da natureza, tais como rios, mares, lagoas,
ilhas, continentes, serras e outros. Outras entidades que precisam ser nomeadas são os objetos
da cultura, aqueles criados pelo homem, a saber: povoado, irrigação, represas, moradias
(habitação), ruas, circunscrições político-territoriais que se localizam em algum ponto do
universo físico. Há também aquelas cujo universo é criado pela cultura, o mundo não físico.
Em qualquer caso, o universo real ou imaginário, dessa forma, os elementos geográficos são
os referentes dos topônimos. Estes, por sua vez, refletem uma visão de mundo, geralmente,
específica em cada cultura (SOLÍS, 1997).
Segundo Solís (1997), isso implica a dificuldade de saber que referentes
especificamente existem no universo, pois para isso deve ser levada em conta uma cultura
determinada. Dessa forma, “os povos que concebem o universo real como um mundo que tem
seu correlato mítico com outros mundos, tem vários universos de nomes toponímicos,
portanto, maior riqueza toponomástica (SOLÍS, 1997, p. 13)”, já que possuem mais entes
“geográficos” para nomear no espaço que os rodeia. Isso indica que, além de serem emissões
linguísticas, os nomes que compõem um sistema de denominação são criações socioculturais.
Por conseguinte, a Toponímia estuda não somente os nomes de lugares, os topônimos
em si mesmo, mas também o sistema de denominação organizado pelas sociedades para
nomear as entidades físicas e imaginárias da sua cultura. Devido às diferentes visões de
mundo, têm-se diferentes formas de nomear essas entidades. Nas sociedades ocidentais como
a brasileira, além da visão de mundo, irão contribuir para a formação de um sistema
denominativo os movimentos sociais. Exemplos, no Brasil, têm-se nas mudanças políticas e
ideológicas que ocorreram durante os seus 500 anos de história. Isso se refletiu também na
formação e na mudança dos nomes toponímicos brasileiros. Seemann (2005) observa que, na
50

Era Vargas, muitas cidades tiveram os nomes trocados por outro de origem Tupi, refletindo o
ideal nacionalista da época.
A definição da palavra toponímia envolve o significado etimológico do próprio
vocábulo, do grego topos (lugar) e onoma (nome). No domínio da Linguística, a Toponímia
investiga o léxico toponímico com o propósito de estudar a origem, as significações e as
transformações desses nomes. Nos estudos toponímicos, é possível perceber a relação entre
povo, língua e território; e esse território, pode ser físico e/ou imaginário.
Essa visão é muito importante, já que é por meio da relação povo-território que os
nomes de lugares são estabelecidos. Possivelmente, começando pela posse do território, uma
vez que “o espaço, ou território é um dos primeiros pontos de referência para que um
agrupamento de pessoas possa erigir-se em comunidade” (COUTO, 2007, p. 258). A partir
daí, nomeiam-se os aspectos do meio ambiente como uma espécie de acordo que permite a
vivência e a convivência em sociedade, no território apossado.
A nomeação dos lugares sempre foi uma atividade muito comum para a humanidade.
Desde os tempos mais remotos, os registros antigos da história da civilização humana
confirmam essa ação do homem sobre o lugar em que habita ou pretendia habitar, o que
sugere uma forma de posse ou dominação, assim como significação, organização e orientação
do espaço. Por outro lado, a nomeação manifesta-se como a ação do meio físico e
sociocultural sobre o homem.
Por isso, considera-se que a Toponímia é interdisciplinar. Nela, congregam-se várias
áreas do conhecimento humano. Podem-se estudar os nomes de um lugar enfocando os
aspectos físicos, socioculturais, mentais e históricos, interligados ou separadamente. Assim, a
toponímia pode ser objeto de estudo da Geografia, História, Antropologia, Psicologia Social,
dentre outras. Dick (1992) afirma que é possível fazer uma análise dos fatos toponímicos por
meio de qualquer uma dessas áreas citadas, todavia, nenhuma delas, tomada isoladamente ou
com exclusivismo, alcançaria a plenitude do fenômeno toponomástico. Isso ocorre devido ao
fato de a Toponímia ser, acima de tudo, “um imenso conjunto complexo línguo-cultural, em
que os dados das demais ciências se interseccionam necessariamente e, não, exclusivamente”
(DICK, 1992, p.16).
Na condição de disciplina linguística, a Toponímia vale-se, principalmente, dos
conhecimentos da Semântica, da Lexicologia, da Etnolinguística, da Dialetologia e da
Linguística Histórica. Atualmente, as áreas mais recentes em estudos da linguagem, como a
Ecolinguística, têm contribuído grandemente para a ampliação dos estudos toponímicos. A
noção de Ecossistema Fundamental da Língua (EFL), proposta pela Ecolinguística, formado
51

por um povo (P) convivendo em determinado território (T) e falando uma língua (L) traz para
esses estudos uma visão integradora (holística) do fenômeno linguístico (COUTO, 2007). Na
maioria dos casos, os estudos que tratam de toponímia, são feitos pelo viés histórico e
sociocultural ou pela relação homem/meio ambiente natural. No entanto, esquecem-se de que
o homem é uma entidade psíquica, que possui um cérebro/mente, que por meio dele é que os
seres humanos percebem e estruturam seu mundo. Nesse sentido, Solís (1997, p. 15) afirma
que “todo sistema de denominação é uma elaboração cognitiva de uma cultura, portanto, é
produto mental que evidencia determinada concepção cultural”.
Em se tratando de atos de cognição, outra área que tem contribuído para os estudos
toponímicos é a Linguística Cognitiva. As abordagens, nessa área, têm dado destaque para os
processos de categorização, de metáfora e metonímia e para os modelos cognitivos. Esses
processos são muito relevantes para compreender os sistemas de nomeação como resultados
da experiência e da cognição humana, tendo o corpo como centro. Afirma Ferrari (2011, p.
21) que “a linguística cognitiva adota uma perspectiva empiricista, alinhando-se a tradições
psicológicas e filosóficas que enfatizam a experiência humana e a centralidade do corpo
humano nessa experiência”. Para ela, nessa perspectiva, investiga-se a mente humana
juntamente com o corpo, uma vez que a experiência, a cognição e a realidade, para serem
concebidas, fundamentam-se no corpo. Um exemplo dessa experiência tem-se na forma de
nomear os lugares ou entidades geográficas a partir da percepção do denominador na
interação com meio ambiente físico e cultural.
As teorias semióticas também têm contribuído significativamente para os estudos
toponímicos, por compreender que os nomes de lugares são signos da língua que se
diferenciam dos demais por apresentarem motivação linguística, já que eles mantêm uma
ligação direta com seus referentes. Por isso, alguns conceitos da semiótica podem ser
aplicados à Toponímia, para ajudar a entender as motivações contidas nesses signos. Essas
duas perspectivas são tratadas adiante mais detalhadamente.

2.2.4.1. Aspectos socioculturais, históricos e físicos

A vasta literatura que se encontra a respeito da Toponímia está direcionada para os


dois vieses: o homem em relação ao meio ambiente natural ou o homem em relação ao meio
sociocultural, separados ou simultaneamente. Preferiu-se, neste trabalho, enfocar as duas
perspectivas a fim de que se obtenha uma visão mais abrangente do fenômeno em estudo.
52

Diante desse fato, nesta subseção, faz-se uma breve apreciação acerca da Toponímia em
relação aos aspectos socioculturais, históricos e físicos.
De fato, o estudo toponímico de região apresenta os aspectos socioculturais dos grupos
e suas memórias históricas, os quais se refletem na forma dos topônimos. No entanto, o léxico
toponímico não refletirá apenas os aspectos mencionados, mas também o da relação
homem/espaço e homem/homem. Assim, compreende-se que o topônimo refere-se ao lugar e
ao homem que o criou. Daí se dizer que os nomes próprios de lugares proporcionam amplas
possibilidades de estudo.
De acordo com Santos e Seabra (2011), o nome de um lugar, por sua natureza
icônicamente simbólica, pode fornecer conhecimentos fundamentais sobre os povos e os
lugares, já que

i) aponta a origem histórica de povos antigos e a localização, com precisão, de sítios


desaparecidos; ii) oferece descrições precisas de relevos, apontando paisagens que já
tenham desaparecido em decorrência da ação antrópica ou da natureza; iii) indica a
localização de nomes de rochas, estruturas do solo, locais antigamente minerados;
iv) aponta um amplo corpus de nomes de lugares que se refere à fauna atual ou
desaparecida; v) indica um vasto repertório popular que designa espécies vegetais;
vi) fornece conhecimento sobre a vida religiosa, agrícola, etnológica, dentre muitos
outros dados (SANTOS; SEABRA, 2011, p.11).

Para estudar as motivações toponímicas, dividem-se, nas pesquisas atuais, os


topônimos em duas grandes categorias, a saber: nomes de lugares motivados por natureza
ambiental – física e natural – e nomes de lugares motivados por natureza antropocultural. Em
outras palavras, analisam-se as motivações toponímicas numa perspectiva ambiental e
sociocultural.
Essa atitude concernente aos estudos toponímicos é respaldada em Sapir (1969), o
qual afirma que a força ambiental está condicionada à força social, isto é, os fatores físicos só
irão se refletir na língua se neles atuarem, primeiramente, a força social. Desse modo, o
surgimento de um signo linguístico toponímico de caráter ambiental reflete a influência social
do grupo ou grupos que interagem nesse ambiente. A esse respeito, o autor destaca ainda,

Por fatores físicos se entendem aspectos geográficos, como a topografia da região


(costa, vale, planície, chapada ou montanha), clima e regime de chuvas, bem como o
que se pode chamar a base econômica da vida humana, expressão em que se incluem
a fauna, a flora e os recursos minerais do solo. Por fatores sociais se entendem as
várias forças da sociedade que modelam a vida e o pensamento de cada indivíduo.
Entre as mais importantes dessas forças sociais estão a religião, os padrões éticos, a
forma de organização política e a arte (SAPIR,1969, p. 44).
53

Tendo em vista o que foi exposto, pode-se afirmar que o topônimo é fruto da ação do
homem sobre a natureza física, espacial e temporal e da natureza sobre o homem. Ele reflete
as suas crenças, seus sentimentos e ideologia no ato da nomeação. O topônimo também
preserva aspectos importantes dos valores culturais, políticos e sociais do momento
denominativo na sua estrutura interna e na externa (elementos linguísticos), além de manter
traços de períodos anteriores da língua ou de línguas.
E, ainda, o nome do lugar – o topônimo – é um elemento de legitimação de identidade
cultural por ser uma representação simbólica específica do espaço. Ao nomear um lugar, o
homem cumpre com a finalidade de identificar, particularizar e referenciar os espaços
geográficos apossados e os imaginados.
Dick (1992) adverte que o topônimo não é um signo comum da língua. Como suporte
de identificação, ele carrega uma carga ideológica, política, histórica e sociocultural.

O topônimo não é algo estranho ou alheio ao contexto histórico-político da


comunidade. Ao contrário, reflete, de perto, a própria substância ontológica do
social, onerado que está de uma profunda carga significativa. Um solo agreste, um
clima árido, uma vegetação pobre ou abundante, uma escassez hidrográfica, a
peculiar atividade regional ou, por outro lado, a relativa segurança econômica e as
tendências artístico-religiosas predominantes na localidade, tendem a configurar,
com precisão, o sistema toponímico em espécie, aberto a todas as feições culturais
(DICK, 1992, p. 47).

Outra razão de se estudar o nome de lugar é que o topônimo, conforme Dick (1996),
como signo linguístico desempenha dupla função, uma, a que exerce no universo do discurso
como signo comum de língua e outra, a de suporte de identificação em que sugere pistas,
indica caminhos interpretativos, torna-se evidência de comportamentos extintos e resgate de
memórias vivenciadas, que seria a função toponímica propriamente dita. E acrescentando,
pode manter em sua estrutura linguística marcas de estágio anterior da língua, assim como
vestígios de contato linguístico, já que, como ressalta Campbell (2004, p. 415), “os aspectos
linguísticos dos nomes de lugar frequentemente permitem fazer inferências históricas sobre as
línguas e o povo que as falava”.
Dick (1992) destaca ainda que, ao refletir, de perto, a vivência do homem, tanto como
entidade individual ou como membro de um grupo, a Toponímia desempenha um importante
papel para a história de um povo, isto é, a função de conservar suas tradições ou os registros
de suas características mais importantes. Por ela se inscrever em um contínuo tempo-espacial
delimitado, comporta-se, também, como a crônica de uma comunidade, registrando o presente
para o conhecimento das gerações futuras.
54

Nesse contexto, percebe-se que a Toponímia é um rico depósito de memória coletiva


de uma sociedade, visto que os nomes de lugares registram aspectos importantes da vida
social, cultural, política, ideológica do momento do ato denominativo para gerações futuras.
Ao examiná-los, o pesquisador estará rememorando esses fatos que motivaram o
aparecimento dos nomes, além de perceber o pensamento ou a mentalidade da época em que
se inserem os fatos históricos que dão suporte à Toponímia.

2.2.4.2 O signo: o linguístico e o toponímico

Entende-se que o topônimo, inicialmente, é um signo comum da língua que passa a se


diferenciar dos demais na medida em que lhe é dada a função designativa própria, tornando-se
assim um signo toponímico. Por isso, é importante fazer uma breve apreciação a respeito do
signo, do signo linguístico e, sem seguida, do signo toponímico.
A língua, sendo um sistema de comunicação, serve-se de signos. Por outro lado,
Fidalgo e Gradim (2005) apontam que o mundo humano, o mundo da linguagem e da cultura,
é constituído de signo e por signo. Os autores, fundamentados em Peirce, afirmam que o signo
é “algo que está por algo para alguém”, mas ressaltam que esse “estar por” é bastante amplo,
pode significar uma variedade de coisas como representar, caracterizar, fazer às vezes de,
indicar, dentre outros. Nas palavras de Peirce (2005, p. 46),

um signo, ou representamem, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo,


representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa
pessoa um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo,
assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma
coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os aspectos, mas com
referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, denominei fundamento do
representamem.

Dessa forma, é possível constatar, por meio da definição peirceniana de signo, que ele
é uma representação de alguma coisa para alguém, está no lugar da coisa que ele representa,
não é a coisa em si. Além disso, tem a condição de afetar a mente do interpretante, ou seja,
daquele que vê, lê ou ouve o signo, para que este busque o seu significado. Nesses termos,
destaca-se uma relação de interdependência entre, pelos menos, três extremos: i) a face
perceptível do signo, o representamem, ou significante; ii) o que ele representa, o objeto ou
referente e iii) o que ele significa, interpretante ou significado.
55

Peirce (2005) concebe os signos em três divisões amplas, a saber: ícone, índice e
símbolo. Fundamentado não somente nesse autor, mas também em Delbecque (2008) e
Fidalgo e Gradim (2005), os principais tipos de signos serão conceituados a seguir.
Os ícones são os signos que apresentam as qualidades próprias, a primeira percepção
que o intérprete possui sobre o elemento do mundo real. É um signo em que há semelhanças
entre o significante e o significado. Em outras palavras, um ícone é uma representação -
auditiva, visual ou de outra espécie – de alguma coisa. Uma fotografia, uma pintura, as
imagens, diagramas são exemplos de ícones por evidenciar semelhança com o objeto
representado. Além desses, as metáforas são também relacionadas a ícones.
Conforme Delbecque (2008), para compreender os signos icônicos é preciso perceber
certa semelhança. E essa relação tem de ser estabelecida de forma quase que consciente por
quem observa. Por outro lado, a semelhança com o objeto representado pode ser
extraordinária, como quando se observam as imagens sacras ou em ícones menores, os que
aparecem na tela do computador; ou pode ser mais abstrata como o que acontece com as
placas que sinalizam os banheiros masculinos e femininos e os ícones das placas rodoviárias.
Os índices são signos que apresentam uma relação direta entre o representamem e o
objeto. Um índice (ou signo indexical) tem a função de indicar o que está nas suas
proximidades. Nos índices, a forma e o significado estão interligados, são contíguos, ou seja,
caracterizam-se pela relação de contiguidade ou associação com aquilo que representam. Eles
também apresentam traços de dêiticos, pois os interlocutores podem recuperar o referente por
meio de lembranças de seus detalhes. A fumaça é índice de fogo, nuvens carregadas é indício
de chuva, dentre outros.
Os índices, para Delbecque (2008) são os sinais mais primitivos e os mais limitados,
pois dependem do hic et nunc, ou seja, do aqui e agora. Entretanto, estão muito difundidos no
nosso sistema de comunicação. Podem ser amplamente encontrados na linguagem mímica e
gestual, no código de trânsito e na esfera da publicidade. Os dêiticos também são exemplos
importantes de signos indiciais como as expressões que referem demonstrativamente, como
“este aqui”, “esse aí”, “aquele ali”.
Os símbolos são signos que se referem ao objeto em razão de uma convenção, lei ou
associação geral de ideias. Ou seja, por não haver uma relação de semelhança e nem
contiguidade entre o significante e o significado, ela é estabelecida convencionalmente, de
forma intencional, e aprendida nas relações sociais. Os símbolos são considerados os signos
genuínos.
56

A autora ressalta ainda que os signos simbólicos estão reservados aos seres humanos,
uma vez que as necessidades comunicativas exigem muito mais que indicações indexicais ou
imitações icônicas. O homem necessita comunicar por meio de formas mais abstratas. Para
falar de acontecimentos do passado ou do futuro, de objetos que não estão nas proximidades,
ou sobre suas emoções, seus medos e expectativas utiliza-se de signos simbólicos. O sistema
mais elaborado de signos simbólicos, certamente é o da língua natural em todas as suas
formas, falada e escrita. Segue-se um quadro representativo das relações entre forma e
significado nos três tipos de signos.

Quadro 3 - A relação entre forma e significado nos três tipos de signos

Índice Ícone Símbolo

Forma Significado Forma Significado Forma Significado

Contiguidade Semelhança Convenção

Fonte: Delbecque, 2008, p. 3

Por fim, os signos indexicais, por se constituírem de dois elementos que se encontram
em prolongamento um do outro, ou seja, contíguos, pode um substituir o outro. Nos signos
icônicos, por sua vez, uma imagem pode tomar o lugar do objeto real. Já os signos simbólicos
são mais abrangentes, por permitirem que o espírito humano ultrapasse os limites de
contiguidade e semelhança, para constituir uma relação simbólica entre forma e significado.
Todas estas relações – icônica, indexical e simbólica – estão no alicerce da estruturação da
linguagem.
Os signos linguísticos encontram-se relacionados ao símbolo, pois a relação com o
objeto referido é construída arbitrariamente, em uma espécie de acordo entre os membros de
um grupo social. Saussure (2000) define o signo linguístico como resultado da associação
entre o significante e o significado, lembrando que a relação estabelecida entre eles é
convencional, acertada entre os falantes, por não haver nenhum vínculo sugestivo entre os
dois elementos. É nesse contexto que Saussure define o signo linguístico como arbitrário. No
entanto, há casos em que os signos linguísticos apresentam motivações, que podem ser de
natureza fonética, morfológica ou semântica.
57

Guiraud (1980) propõe que a motivação das palavras pode ser interna ou externa ao
sistema linguístico. O autor entende como motivação interna as motivações morfológicas, as
que ocorrem na composição e na derivação, que buscam a motivação em palavras já
existentes na língua. Por motivação externa, aquela que mantém um vínculo com o elemento
extralinguístico. Ela pode ser de caráter fonético, como as onomatopeias, quando a forma
fônica reproduz o ruído nomeado. Os sons da natureza, ruídos e gritos de animais, barulho de
máquina e outros designam o animal ou a coisa, associando, por contiguidade, os sons
produzidos, por exemplo, o nome da ave: Bem-te-vi. E de caráter metassêmico, quando há
mudança de sentido. Isso ocorre em consequência da similaridade entre o significado da
palavra já conhecida e o objeto que pretende nomear, como nas metáforas “cabeça de prego”,
“folha de papel” e “pé-de-cabra”; em associações como nas metonímias em que o nome é
formado por uma relação de aproximação com o objeto que quer nomear, por exemplo,
“girassol”, “pica-pau”, “beija-flor”.
Para o autor, a língua é um sistema de signos que serve para comunicação de ideias, as
quais evocam na mente de outrem as imagens conceituais das coisas. Sendo assim, a palavra
não transmite a coisa, mas a imagem dela. Por isso, “o signo linguístico é uma associação de
duas imagens mentais, uma forma acústica significante ou nome, e um conceito significado,
ou sentido” (GUIRAUD, 1980, p. 33). É um processo psíquico, recíproco, bipolar. O nome
traz à memória o significado e este, o nome. É importante ressalvar que a associação
significante e significado é convencional, pois resulta de acordos implícitos ente os falantes.
No entanto, o autor esclarece que, incialmente, todas as palavras são sempre
motivadas etimologicamente, seja pela relação natural entre forma acústica e a coisa
significada – onomatopeias -, ou pela relação intralinguística entre as palavras no interior da
língua. Exemplos de motivação por relação intralinguística têm-se na formação de palavras
por derivação e composição, ou na relação semântica, quando há mudança de sentido ou por
empréstimo de outras línguas. Em outras palavras, a motivação etimológica é uma das forças
criadoras da linguagem.
A despeito do que foi exposto, não se anula a afirmação de que os signos linguísticos
se enquadram na categoria dos símbolos. No entanto, observa-se que uma parte dos signos
linguísticos apresenta característica de ícones e índices. Exemplo da primeira pode ser
constatado nas metáforas que expressam a ideia de “parecer ser” e “parecer com”, ou seja,
ideia de similaridade. Já a segunda, pode-se verificar nas metonímias quando a qualidade do
objeto é incorporada ao nome, em uma relação de contiguidade. Elas consistem em tomar a
58

parte pelo todo, conteúdo pelo continente, o instrumento pela ação, o produto pelo produtor e
outros.
De acordo com Guiraud (1980), a metáfora e a metonímia são modos constantes de
nominação que causam mudança de sentido. “Damos a coisa um nome que já pertence a uma
outra coisa com o qual associamos: associação por similaridade das coisas na metáfora,
associação por contiguidade na sinédoque e na metonímia” (GUIRAUD, 1980, p. 63). Sendo
assim, é interessante pensar em como os processos cognitivos de metáfora e metonímia agem
na nomeação dos lugares.
Conforme o autor, na metonímia a coisa recebe o nome de outra coisa com a qual
mantinha contato: a parte pelo todo, produtor pelo produto, instrumento pela ação, dentre
outros. Topônimos relacionados à paisagem local pode ser um exemplo desse tipo de
nominação, como Palma (TO) (rio e cidade), Pequizeiro (TO) (cidade), os quais se referem à
flora, e em Arraias (TO) (rio e cidade) e Mateiros (TO) (cidades), à fauna. Quanto à metáfora,
uma das maneiras mais constantes da nominação popular, em que plantas, animais,
instrumentos e corpo humano constituem fontes interessantes para denominações metafóricas.
Como exemplo de topônimos tem-se em Pé do Morro (TO), Pé de Galinha (BA). As
metáforas também desempenham função importante nas denominações de noções abstratas
que são associadas a objetos ou a processos concretos.
Os indivíduos demonstram uma imensa criatividade e dinamismo no uso de sua língua
com o intuito de nomear os seres do seu mundo. Para isso, primeiramente, recorrem aos
processos que se dão no interior do seu próprio cognitivo, acionados pelas impressões do
meio ambiente natural. A metáfora e a metonímia são mecanismos cognitivos muito utilizados
para tal fim.
Por isso, é relevante também apresentar como a metáfora e a metonímia estão sendo
estudadas pela Linguística Cognitiva. De acordo com Chiavegatto (2009), os conhecimentos
adquiridos por meio das experiências vivenciadas pelos indivíduos em suas comunidades
desde os primeiros anos de vida são a base em que estão organizadas as construções
linguísticas. Esses conhecimentos são acumulados na memória, parcialmente estruturados,
hierarquizados e relativamente permanentes. São os domínios cognitivos. Essas estruturas não
são fixas, mas vão se alterando na medida em que se acumulam novas experiências ao longo
da vida que são acionadas para compor os significados linguísticos.
Nessa perspectiva, metáforas e metonímias recebem uma nova interpretação, diferente
da que tradicionalmente era atribuída nos estudos de literatura e retórica. Aqui, metáfora e
metonímia são instrumentos cognitivos, uma vez que a linguagem corrente está repleta de
59

expressões metafóricas e metonímicas que geralmente não são reconhecidas como tais por
estarem generalizadas, convencionalizadas e lexicalizadas.
As metáforas e metonímias são fenômenos conceptuais e formam importantes modelos
cognitivos. O que as diferencia é que enquanto a primeira envolve domínios cognitivos
(domínios da experiência) diferentes, em que projeta a estrutura de um domínio-origem na
estrutura correspondente do domínio-alvo, a segunda realiza-se dentro de um mesmo domínio,
ao ativar e realçar uma categoria ou um subdomínio por referência a outra categoria ou
subdomínio dentro do mesmo domínio (SILVA, 1997).
Conforme Lakoff e Johnson (2012), a metáfora e a metonímia são tipos de processos
diferentes, sendo que

A metáfora é principalmente um modo de conceber uma coisa em termos de outra, e


sua função primordial é a compreensão. A metonímia, por outro lado, tem
principalmente uma função referencial, isto é, permite-nos usar uma entidade para
representar outra (LAKOFF; JOHNSON, 2012, p. 74).

E, ainda de acordo com esses autores, a metáfora e a metonímia excedem a questão


linguística, uma vez que elas estruturam não somente a linguagem, mas também os
pensamentos, as atitudes e as ações dos indivíduos, além de estarem baseadas nas suas
experiências de vida.
Essa é a principal premissa da Linguística Cognitiva, a de que as experiências
vivenciadas pelos indivíduos, por meio de seus corpos em ação, são o principal fundamento
para a cognição, influenciando atividades cognitivas tais “como percepção, formação de
conceitos, imagística mental, memória, raciocínio, linguagem, emoções e consciência”
(FERRARI, 2011, p. 44). As experiências vividas pelos indivíduos na interação com o seu
meio ambiente físico e social serão refletidas nos nomes que os lugares recebem e os
significados serão formados ao se recorrer aos mecanismos de metáfora e metonímia.
Em relação ao signo toponímico, inicialmente, é um signo comum da língua que,
acrescido de função específica de identificar lugares, desloca-se do sistema lexical para o
sistema onomástico. Esse deslocamento deixa em evidência o caráter diferencial dos
topônimos em relação aos demais signos da língua: a motivação. A motivação toponímica
está relaciona à intencionalidade do denominador, impulsionado pelas características físicas
do local ou pelas suas próprias impressões, suas crenças e seus sentimentos (DICK, 1992).
Isso o aproxima dos signos icônicos e indiciários, pois a relação com o referente é direta ou
aproximada.
60

Reconhece-se que certos topônimos apresentam características de signos icônicos e


indiciais, principalmente quando estão se referindo aos aspectos geográficos do lugar. Nesse
contexto, Dick (2007) ressalta que, pela transferência metonímica da parte (nome) para o todo
(lugar), o topônimo adquire característica do próprio lugar.

Por um processo metonímico de interpretação, o designativo toponímico que é,


conceitualmente, um signo de língua, com forma expressiva e um conteúdo unívoco
ou biunívoco, passa a incorporar, ele próprio, as características do espaço que
nomeia (DICK, 2007, p. 144).

O caráter simbólico do signo toponímico se apresenta nos atos de comunicação


interativa, uma vez que um topônimo somente se tornará legítimo quando for aceito e
compartilhado pela população. Depois disso, ele poderá operar no domínio das denominações
onomásticas, representando simbolicamente o lugar.
Castro (2012), em seu trabalho sobre a toponímia do Maranhão, revela que, em todas
as categorias toponímicas analisadas, o que lhe chamou a atenção foi a quantidade de nomes
de lugares com alto grau de indiciação, ao que ela atribuiu uma relação direta com o
mecanismo metonímico (contiguidade existencial, relação material entre o significado e a
forma); e de iconicidade (semelhança entre a forma do signo e o referente), ao que ela atribuiu
uma relação direta com o mecanismo metafórico, utilizados para a escolha dos nomes de
lugares. Esses mecanismos são acionados pelos falantes, a partir das experiências e das
interações vividas no meio ambiente natural e sociocultural, para estruturar os nomes.
Como exemplo da ação do mecanismo metafórico na escolha dos signos toponímicos,
Castro (2012) menciona as localidades litorâneas e interioranas que, no passado, foram
ocupadas pelos indígenas. Elas expressam sensações físicas humanas, natureza física humana,
formas, vestuário, instrumentos e sentimentos, como em rio Salobro, Olho d’Água, Eucatu
(água torta), Alpercatas, Poieupe (cabaça), Piedade, respectivamente. Ao ser provocado por
esses estímulos naturais do cotidiano, o sistema conceptual dos indivíduos os leva a selecionar
os nomes para os lugares por meio da similaridade de sentido que há entre os acidentes
geográficos ou lugares e os elementos que lembram esses acidentes. Relembrando o que
dizem Lakoff e Johnson (2012), a metáfora está infiltrada no cotidiano, não só na linguagem,
mas também no pensamento e na ação.
Quanto à ação do mecanismo metonímico na escolha dos topônimos maranhenses,
inicialmente, a autora destaca os nomes de lugares relacionados aos reinos vegetal, animal e
mineral. Isso ocorre, porque esses topônimos foram escolhidos por pessoas ligadas à vida
61

campesina. Esses reinos constituem fonte de vida para essas pessoas, uma vez que eles
compartilham o espaço físico-geográfico com esses elementos da natureza e, portanto, “há
uma relação material, principalmente de contiguidade existencial no espaço, entre esses
significados e os nomes atribuídos aos lugares” (CASTRO, 2012, p. 203). Por manterem uma
relação de convivência natural e fraterna com esses elementos da natureza, eles são acionados
como motivos para designar lugares como Bacuri, Açailândia, Bacabal, Brejo, Patos,
Raposa, Poção de Pedras, Pedreiras.
Em sequência, apresenta, pelo mesmo mecanismo de relação material, especialmente
de contiguidade factual do homem com o espaço físico-geográfico, os nomes de pessoas que
são atribuídos aos lugares, como os nomes dos possessores, dos políticos, dos intelectuais e os
nomes de eventos sócio-históricos. Por essa relação de contiguidade factual entre homem-
espaço, têm-se topônimos como Pinheiro, Presidente Dutra, Presidente Vargas, Humberto de
Campos e, como representantes de eventos sócio-históricos, Feira Nova do Maranhão,
Vitória do Mearim, dentre outros. É importante observar, também, que, quando um lugar é
batizado com o nome do Santo padroeiro, o denominador está fazendo uso da relação de
contiguidade do lugar com o santo protetor, como em Santa Luzia do Paruá, Santa Quitéria
do Maranhão, São Raimundo das Mangabeiras, Santo Antônio dos Lopes.
Nesses exemplos ficou evidente que os topônimos carregam, em si mesmos, traços
tipicamente relacional entre o lugar e as experiências humanas, que se mostram, por vezes, de
forma contígua, em que a forma toponímica é a representação de algo que pertence ao lugar
ou o descreve.
No entanto, Castro (2012) lembra que há evidências de que a metáfora e a metonímia
não são excludentes entre si, a fronteira que as separa é bastante delicada. Assim, os reinos
vegetal, animal, mineral são domínios diferentes no que diz respeito ao lugar. Por isso, o
acionamento desses campos no ato denominador pode ocorrer metaforicamente. Por outro
lado, eles mantêm uma relação de contiguidade com o lugar, pois os nomes desses campos
somente são escolhidos se tiverem alguma relação com o local. Os nomes de vegetais, de
animais e de minerais acionados para compor um topônimo são aqueles que se encontram na
localidade denominada ou próxima a ela. Enfim, “a relação em que considera os diversos
tipos de relações de contiguidade e que gera o mecanismo metonímico parece ainda mais
básica do que a relação de apreensão de domínios diferentes, que gera o mecanismo
metafórico” (CASTRO, 2012, p. 205).
Tendo em vista o exposto, é possível afirmar que os topônimos, além de serem
resultados da relação do homem com seu mundo natural e sociocultural, são, também, o
62

resultado de processos mentais ou cognitivos que refletem as experiências do indivíduo com o


mundo. Assim, para estudar a toponímia de forma mais abrangente, deve-se enfocar não
somente os aspectos sociais e naturais, mas também os processos cognitivos que atuam no ato
denominativo. Os aspectos naturais ou socioculturais que os lugares apresentam podem ser
estudados conjuntamente com os aspectos cognitivos da linguagem e do pensamento do
homem que nomeia, haja vista que a língua é uma realidade biopsicossocial.
Nesta subseção, fez-se uma discussão a respeito da toponímia, demonstrando a relação
que os nomes de lugares apresentam com o contexto extralinguístico. Esse tipo de abordagem
é bastante comum nos estudos toponímicos brasileiros, cujos trabalhos orientam-se
principalmente pelos pressupostos teórico-metodológicos propostos pela pesquisadora Maria
Vicentina de Paula do Amaral Dick. Ela destaca que os topônimos, pela função que
desempenham, exibem uma natureza motivada duplamente que transparece primeiro, na
intencionalidade do denominador e depois, na própria motivação ou natureza semântica. A
motivação semântica, por sua vez, refere-se aos fatores físicos (aspectos geográficos) ou
antropoculturais (referentes ao meio social, cultural ou a aspectos psíquicos).
Para aprofundar um pouco mais nesse assunto, laçou-se mão de alguns princípios
básicos da teoria dos signos, visto que eles são concebidos como uma representação mental de
algo. A divisão deles em ícone, índice e símbolo mostrou uma forte relação com os conceitos
de metáfora e metonímia. Estes, por sua vez, agem como mecanismos cognitivos que atuam
de forma criativa nos processos de escolha dos nomes de lugares, baseados nas experiências
de vida dos indivíduos.
A motivação intrínseca dos signos toponímicos dá-lhes caráter de signos icônicos e
indiciários. Assim, um topônimo é um signo icônico quando ele passa a representar em si
mesmo as características do lugar que nomeia. Exemplos desses nomes são os descritivos, tão
presentes na toponímia brasileira. Também podem ser comparados a signos indiciários,
quando eles apresentarem traços físicos ou culturais que possam servir de localização ou
indicação do lugar (referenciação). No primeiro caso, o processo de criação do nome é
metafórico, pois há uma relação de semelhança entre o nome e a realidade nomeada. No
segundo, o processo é metonímico, em que há a relação de contiguidade, já que o topônimo
representa algo que faz parte do lugar nomeado.
A escolha do nome de um lugar, por meio dos processos metafóricos e metonímicos,
ressalta a importância de se considerar os processos cognitivos (conceptuais) da língua nos
estudos toponímicos. Isso porque a motivação toponímica primeiramente está na
intencionalidade do indivíduo que escolhe o nome. O indivíduo nomeia um lugar porque algo
63

nele despertou sua atenção, ativou o seu campo cognitivo. Portanto, antes de serem
configurados na onomástica, os nomes de lugares passam pelo crivo da cérebro/mente, ou
seja, pela interpretação cerebral. Cognitivamente, o denominador fará associação entre o lugar
e aquilo que o caracteriza, o identifica; ou a eventos históricos, socioculturais ou religiosos
que marcaram o lugar e os transportam para o nome. Assim, os aspectos cognitivos, físicos,
sociais, culturais, religiosos e históricos se interseccionam no ato denominativo, os quais
impulsionam o denominador a fazer determinadas escolhas na nomeação de um lugar.

2.2.4.3 Estrutura do topônimo

De acordo com Solís (1997), a toponímia tem como objeto de estudo as emissões
linguísticas que cumprem a função de nomes das entidades geográficas. No que se refere à
formação linguística dos topônimos, dependendo da língua, eles podem ser formados por
palavras, frases ou orações, de forma inclusiva ou com supressão de alguma das unidades
mencionadas. Essas emissões linguísticas são formadas a partir das regras do sistema de
denominação das culturas envolvidas e das regras da gramática de uma língua específica, uma
vez que em qualquer sistema linguístico haverá meios para formar emissões que funcionem
como nomes.
Disso se entende que todos os topônimos, se forem um nome simples ou composto,
seguem as regras de formação de palavras, e se forem frases e orações, as regras gramaticais
da língua em que estejam inseridos. Para se entender a constituição linguística dos topônimos
tocantinenses em estudo é fundamental buscar na teoria toponímica, primeiramente, os
recursos para a sua compreensão, ou seja, entender como uma formação linguística une-se a
um lugar a partir da sua configuração na nomenclatura onomástica.
Para Dick (1992), o topônimo quando é formalizado na nomenclatura onomástica,
une-se ao acidente geográfico que o identifica, compondo com ele um conjunto ou uma
relação mútua que se pode perceber em seus termos formadores. Dois aspectos básicos
depreendem-se dessa relação, a saber: o termo ou elemento genérico que se relaciona à
entidade geográfica que receberá a denominação; e o outro, o elemento ou termo específico, o
topônimo propriamente dito, que carrega em si mesmo a noção espacial que identificará e
singularizará a entidade denominada das outras semelhantes. Esses elementos ou termos
ocorrem no sintagma toponímico de forma justaposta (rio das Almas) ou aglutinada (Paraúna,
“rio negro”), conforme a estrutura da língua em que estão inseridos.
64

Muitas vezes, com o passar do tempo e com a falta de uso na língua, alguns termos ou
elementos que se apresentavam aglutinados perdem o sentido genérico, carecendo de adotar
como reforço um novo termo genérico para complementar a ideia perdida, (rio Paranã, ‘rio
grande, parecido com o mar’). Outro caso que pode ocorrer é a falta de elemento específico
nos topos. Essa função é exercida pelo termo genérico que junta, concomitantemente, as duas
categorias, determinado e determinante. É o caso em que uma entidade geográfica é única na
região, não precisa de complementações referenciais. Em outro caso, ela é tão significativa
para a comunidade, que um termo específico atribuindo-lhe características alteraria “o caráter
de plenitude enfática que se empresta o nome comum, transformado em próprio, na fala da
população” (DICK, 1992, p.11). Em outro momento, o termo genérico vem acompanhado de
algum qualificativo que colabora para explicá-lo, tornando-o mais descritivo como em rio
Claro, morro Alto, rio Preto.
Com isso, chega-se à constituição morfológica dos topônimos. Dick (1992) sugere que
os topônimos podem apresentar três estruturas: (i) topônimo ou elemento específico simples,
é aquele determinado por um só formante, que pode apresentar-se acompanhado também de
sufixação diminutiva, aumentativa, ou de outras significações linguísticas. Pertence a esse
grupo os topônimos com as terminações em -lândia, -pólis e -burgo; (ii) topônimo composto
ou elemento específico composto, aquele que se apresenta com mais de um elemento
formador, de origens diversas entre si, do ponto de vista do conteúdo; (iii) topônimo híbrido
ou elemento específico híbrido formado por elementos linguísticos de diferentes
procedências. Esse tipo de formação na toponímia brasileira estabeleceu-se com a língua
portuguesa + indígena ou indígena + portuguesa.
Essa constituição morfológica proposta por Dick (1992) servirá de base para
identificar a estrutura linguística dos topônimos tocantinenses em conjunto com a teoria
lexical de formação de palavras na língua portuguesa.

2.2.4.4 Motivação toponímica

Apresenta-se aqui uma discussão a respeito da motivação toponímica, que reside no


homem que escolhe o nome, que o impulsiona a fazer as escolhas de uma denominação entre
tantas possibilidades a seu redor. Esse impulso pode vir do ambiente natural ou sociocultural.
Essa motivação toponímica realiza-se na estrutura linguística do topônimo.
Com relação à motivação dos signos linguísticos, Saussure (2000) indica que o
vínculo que une o significante ao significado é arbitrário, por ocorrer por meio de uma
65

associação convencional e não natural. Para exemplificar cita a palavra mar. A ideia
(significado) desta palavra não está conectada à sequência de sons (significante) por uma
ligação intrínseca, pois pode ser representada perfeitamente por outra sequência, como pode
ser vista em diferentes línguas. Por isso, ressalta que o significante é imotivado, ou seja, sua
relação com o significado é construída de modo arbitrário.
Quanto ao signo toponímico, viu-se que ele, apesar de fazer parte dos signos comuns
da língua, diferencia-se destes por ser um signo motivado. Em vista disso, Solís (1997, p. 27)
adverte que “o motivo toponímico é o elemento cultural ou natural que provoca, sugere ou
induz para que uma determinada entidade receba, no momento de sua denominação, o nome
que tem”. Um exemplo de motivo cultural tem-se no desejo de comemorar um fato histórico
dando o nome do episódio a uma entidade geográfica. O autor mostra que a província de
Bolognesi, em Ascash, tem esse nome por causa do herói Francisco Bolognesi. Exemplos de
motivação cultural no corpus em estudo tem-se no topônimo Manuel Alves que denomina um
rio em homenagem a um padre que ajudou no aldeamento dos índios Acroá. Um motivo
natural tem-se nos elementos da natureza que funcionam como agente de uma denominação.
Como exemplo, o autor informa que, na toponímia quéchua, os motivos mais utilizados para
denominar são caraterísticas da paisagem.

Caja = kasha = espinha


S = -sh = com

A verbalização do motivo toponímico toma a causa natural (espinha) e, em seguida, a


língua proporciona os mecanismos linguísticos próprios. No caso de Cajas, contém a presença
de um sufixo -sh (castelhanizado -s) que individualizará o lugar como “com” espinhas. Tem-
se, então, a etimologia de Cajas “lugar com espinhas”.
É nesse sentido que o autor alega que os topônimos são descritivos das realidades a
que se referem. No entanto, nem todos os sistemas de denominação serão descritivos. Isso não
é uma regra, vai depender da cultura e, principalmente, da natureza dos processos cognitivos
envolvidos na denominação toponomástica.
Outra questão relacionada ao motivo toponímico que o referido autor observa é quanto
à opacidade dos topônimos com o passar do tempo. Essa característica do signo toponímico
permite o aparecimento da etimologia popular, fruto da capacidade criadora dos seres
humanos. A etimologia popular supre a necessidade de dar significado a toda emissão
linguística e, com isso, resolve o problema de algum nome sem étimo.
66

Ainda de acordo com Solís (1997), os motivos toponímicos distinguem-se em: a)


motivos ideais que resultam da criatividade da cultura, por exemplo, as comemorações; b)
motivos reais, aqueles que existem na natureza, são parte da realidade. Esses motivos podem
ser sistematizados da seguinte forma:

Quadro 4 - Motivos toponímicos ideais e reais

Motivos Ideais Motivos Reais


Assuntos honoríficos Configuração geográfica ou relevo
Divindades Propriedades físicas do terreno
Personagens históricas Caraterísticas ambientais
Sucessos históricos, dentre outros Recursos zoológicos, botânicos e hidrológicos e
outros
Fonte: SOLÍS, 1997, p. 29

Dick (1990) destaca que a motivação toponímica pode ser encarada por dois aspectos, a
do denominador e das razões que o levaram, entre várias possibilidades, a selecionar uma
delas que mais respondesse às suas necessidades momentâneas de opção. Outro aspecto
refere-se à natureza do produto dessa escolha, ou seja, do próprio conteúdo do topônimo,
revelado pelos componentes linguísticos.
A autora lembra ainda que as dificuldades de averiguação das causas que estruturam
ambas as perspectivas de análise residem em fatos distintos. Do ponto de vista do
denominador e das causas de sua ação, nem sempre é possível assegurar a intencionalidade
que direcionou o ato de nomeação pela ausência sua ou pela distância cronológica do
aparecimento do nome. Caso o topônimo não esteja registrado historicamente em fontes
seguras, corre-se o risco de trabalhar com constantes hipóteses e sugestões que dificilmente
conduzirão à “verdade” do designativo. Contudo, o conjunto das circunstâncias socioculturais
que compõe a realidade em que o denominador fez parte de sua dinâmica pode facilitar o
conhecimento dos motivos que o animaram no momento da nomeação. Esse direcionamento
pode ser constatado na análise dos topônimos tocantinenses.
Outro fator envolvido na motivação toponímica está relacionado à forma básica e à
funcionalidade do topônimo. De outro modo, diz respeito à natureza significativa dos nomes
de lugares, que induz, simultaneamente, ao problema das classificações toponímicas. Dick
(1990, 1992) informa que é a presença de um vínculo entre o objeto denominado e seu
67

denominador que conduz a toponímia taxonômica ao estudo das motivações da nomenclatura


geográfica.

Dessa forma, os fatores ambientais, em sua dicotomia física e antropocultural,


conforme a teorização de Sapir, constituem o cenário propício ao jogo dos interesses
humanos, em que as percepções sensoriais e as manifestações psíquicas brotam
como fontes geradoras dos nomes (1990, p. 60, 1992, p. 25).

Nesse contexto, em um primeiro momento, o estudo toponímico volta-se para o


homem que faz a escolha. Em um segundo momento, é a denominação em si mesma que
condiciona e determina os rumos do trabalho em Toponímia.
Dick (1990, 1992) recomenda também que, ao aceitar a divisão genérica dos fatores
ambientais em físico e antropocultural, utiliza-se a duplicidade dessa visão para o
enquadramento dos topônimos e, dentro dessa dicotomia, deve-se situar as suas
particularidades por meio de uma terminologia técnica. Essa terminologia é composta do
elemento topônimo, antecedido de outro elemento genérico, que define a classe onomástica a
que pertence o topônimo. O elemento genérico possui a informação necessária do seu
conteúdo ou a clareza lógica para justificar a escolha de um nome. Para exemplificar, citam-
se os termos “fitotopônimo” e “litotopônimo”. O primeiro compreende os nomes que se
originam de elementos vegetais, enquanto o segundo, de minerais.

2.2.4.5 Classificação toponímica

Para verificar as causas motivadoras dos nomes geográficos, são apresentadas as


classificações taxonômicas dos topônimos propostas por alguns pesquisadores como Dick
(1990, 1992), Piel (1969), Solís (1997).
De fato, os trabalhos da pesquisadora e toponimista brasileira Maria Vicentina do
Amaral Dick vieram contribuir grandemente para o desenvolvimento dos estudos toponímicos
brasileiros a partir das suas obras seminais Toponímia e Antroponímia no Brasil: coletânea de
estudos (1992) e A motivação toponímica e a realidade brasileira (1990).
Ao aperfeiçoar outros modelos já existentes, Dick (1990, 1992) propôs uma
metodologia em que se utiliza de taxes já consolidadas em outros autores, além de criar e
adaptar outras à realidade do Brasil. Assim, a autora sugeriu um modelo de análise com
objetivo de verificar as causas motivadoras dos nomes geográficos. Essas causas estão
fundamentadas na duplicidade dos fatores ambientais já citados, em consonância com o
68

pensamento de Sapir (1969). Esses fatores, por sua vez, subdividem-se em categorias menores
de 27 taxes, das quais 11 estão relacionadas aos aspectos físicos e 16 aos aspectos
antropoculturais do ambiente. Com essa classificação, busca-se apreender as causas
motivadoras das denominações e chegar à significação toponímica. Pode-se afirmar que essa
metodologia veio garantir a autonomia dos estudos sincrônicos ao privilegiar o exame
linguístico do léxico toponímico.
O modelo de Dick compõe-se da seguinte maneira:

Taxionomia de natureza física

 Astrotopônimos - topônimos relacionados a corpos celestes em geral. Ex.: Estrela


(BA), Saturno (ES).
 Cardinotopônimos - topônimos relacionados às posições geográficas. Ex.: Goianorte
(TO), Praia Norte (TO).
 Cromotopônimos - topônimos relativos à escala cromática. Ex.: rio Negro (AM), Rio
Verde (GO).
 Dimensiotopônimos - topônimos referentes às características dimensionais dos
acidentes geográficos, como extensão, comprimento, largura, grossura, espessura,
altura, profundidade. Ex.: Ponte Alta do Tocantins (TO), Cachoeira Grande (MA).
 Fitotopônimos - topônimos relacionados a vegetais. Ex.: Pequizeiro (TO), Sucupira
(TO).
 Geomorfotopônimos - topônimos relativos às formas topográficas. Ex.: Colinas do
Tocantins (TO), Chapada da Natividade (TO).
 Hidrotopônimos - topônimos resultantes de acidentes hidrográficos em geral. Ex.:
Lagoa da Confusão (TO), Riachinho (TO).
 Litotopônimos - topônimos de natureza mineral. Ex.: Barrolândia (TO), Cristalândia
(TO).
 Meteorotopônimos - topônimos relativos a fenômenos atmosféricos. Ex.: Ventania
(SP).
 Morfotopônimos - topônimos que refletem o sentido de forma geométrica. Ex.: Ilha
Quadrada (RS), Triângulo (MT)
 Zootopônimos: topônimos de índole animal. Ex.: Arraias (TO), Peixe (TO).
69

Categorias de Natureza Antropocultural

 Animotopônimos ou Nootopônimos - topônimos que se relacionam à vida psíquica e


espiritual. Ex.: Formoso do Araguaia (TO), Paraíso do Tocantins (TO)
 Antropotopônimos - topônimos relativos aos nomes próprios individuais e
dignidades. Ex.: Dianópolis (TO), Pedro Afonso (TO).
 Axiotopônimos - topônimos relativos aos títulos e dignidades. Ex.: Presidente
Kennedy (TO).
 Corotopônimos - topônimos relativos aos nomes de cidades, países, estados, regiões e
continentes. Ex.: Filadélfia (TO)
 Cronotopônimos - topônimos que abrangem indicadores cronológicos, que em
Toponímia são representados pelos adjetivos novo/nova, velho/velha. Ex.: Nova
Olinda (TO), Novo Jardim (TO)
 Ecotopônimos - topônimos relativos às habitações de um modo geral. Ex.: Taipas do
Tocantins.
 Ergotopônimos - topônimos relativos aos elementos da cultural material. Ex.: Balsas
(MA).
 Etnotopônimos - topônimos referentes aos elementos étnicos, isolados ou não (povo,
tribos, castas). Ex.: Xambioá (TO), Timbiras (MA), Tocantins.
 Dirrematotopônimos - topônimos constituídos por frases ou enunciados linguísticos.
Ex.: Há Mais Tempo (MA)
 Hierotopônimos - topônimos relativos aos nomes sagrados de diferentes crenças
cristã, hebraica, maometana e etc.; às associações religiosas; aos locais de cultos. Essa
categoria pode representar outras duas subdivisões: a) hagiotopônimos: topônimos
relacionados aos santos e às santas do hagiológio romano; b) mitotopônimos -
topônimos relacionados às entidades mitológicas. Ex.: Natividade (TO), São Valério
do Tocantins (TO).
 Historiotopônimos - topônimos referentes aos movimentos de cunho histórico-social
e aos seus membros, assim como às datas correspondentes. Ex.: Carolina (MA).
 Hodotopônimos (ou odotopônimos) - topônimos relativos às vias de comunicação
rural ou urbana. Ex.: Passagem Franca (MA).
 Númerotopônimos - topônimos referentes a adjetivos numerais. Ex.: Dois Irmãos
(TO).
70

 Poliotopônimos - topônimos constituídos pelos vocábulos vila, aldeia, cidade,


povoação, arraial. Ex.: Vila Quixaba (TO).
 Sociotopônimos - topônimos relacionados a atividades profissionais, aos locais de
trabalho e aos pontos de encontro dos membros de uma comunidade. Ex.: Caçador
(SC), Pescador (MG).
 Somatopônimos - topônimos constituídos por relação metafórica às partes do corpo
humano ou do animal. Ex.: Pé de Serra (BA), rio da Mão Esquerda (AL).

Outra classificação para os topônimos tem-se na proposta por Solís (1997). Conforme
o autor, essa classificação acontece de acordo com dois critérios: a origem linguística e a
entidade geográfica a que se denomina. O primeiro critério refere-se à língua ou família de
línguas de que procede a emissão linguística que funciona como topônimo. Na toponímia
brasileira, têm-se topônimos de diferentes línguas indígenas, como o Tupi quinhentista, outros
provenientes do Caribe, Aruak, Bororo, e outros da língua portuguesa, e em menor proporção,
herdados de algumas línguas africanas como o Quimbundo e o Iorubá.
Conforme a entidade geográfica, a utilização desse critério implica uma classificação
das entidades geográficas efetivas na cultura, possibilitando a constituição de uma taxonomia
que seja capaz de diferenciar, inicialmente, entidades naturais de entidades culturais, que, por
sua vez, podem dividir-se em uma série de subclasses. Nessa perspectiva, os estudos
toponímicos relacionam-se diretamente com as atividades cognitivas que particularizam uma
sociedade na organização e conceptualização do meio ambiente em que habita. Para Solís
(1997), baseado na perspectiva cultural ocidental, podem-se classificar as entidades
geográficas da seguinte maneira:

Quadro 5 - Classificação das entidades geográficas

Entidades Geográficas Culturais Entidades Geográficas Naturais


Assentamentos humanos Serras
Caminhos (odônimos) Lagos
Chácaras (agrônimos) Rios
Pontes Mares
Ruas Planalto
Circunscrições políticas e outros Areias

Rochas
71

Ilhas

Ladeiras e outros

Fonte: Solís, 1997, p. 24

Como foram mencionados anteriormente, os sistemas de classificação dos topônimos


organiza as entidades geográficas em classes e subclasses. Assim, uma série de nomes é
empregada para identificar conjuntos maiores de topônimos.

Quadro 6 - Classificação Toponímica de Solís

Estudo de classe organizada Objeto de estudo Taxonomia


dos topônimos classificatória do
topônimo
Econímia nomes próprios de lugares habitados Ecônimo
Hidronímia nomes de entidades hidrográficas Hidrônimo
Nesonímia nomes de ilhas e ilhotas Nesônimo
Oronímia nomes de entidades orográficas Orônimo
Litonímia nomes de formações rochosas Litônimo
Astionímia nomes de centros povoados Astiônimo
Astronímia nomes de astros Astrônimo
Fonte: Solís, 1997, p. 24

Caso considere as realidades que motivam a denominação toponímica, o topônimo


poderá ser: fitotopônimo, zootopônimo, antroponesônimo, fitonesônimo, antropotopônimo,
dentre outros. A seguir, apresenta-se a classificação toponímica segundo proposta de Piel
(1979).
O estudo da toponímia, para o autor, deve ser considerado como parte da
Onomatologia geral, isto é, o estudo dos nomes próprios, que compreende também os nomes
pessoais (antropônimos) inclusive os nomes de santos (hagiopônimo) e os nomes geográficos
(de serras, morros, rios). Desse modo, Onomatologia é apenas outro termo para Onomástica,
cuja abordagem fez-se no início do capítulo.
Piel (1979) lembra ainda que o nome próprio, pessoal ou de lugar, está vinculado, em
perspectiva histórica variável, a um nome comum, o que torna o estudo dos elementos
toponímicos intrínseco ao estudo do léxico geral, tanto antigo como contemporâneo. Fato que
é comumente observado em muitos topônimos em que se distingue de um nome comum
72

homófono somente pela letra maiúscula na ortografia, mas, nesse caso o sentido primitivo é
alienado em favor do local. Como exemplo cita a cidade de Pontevedra, que, ao se
deslocarem para ela, as pessoas têm em mente a capital da província respectiva e não a ponte
que proporcionou o nome, conceito já apagado da memória coletiva, senão, relegado ao
subconsciente. Exemplos dessa natureza podem-se citar os topônimos Ponte Alta do Bom
Jesus (TO), Porto Nacional (TO).
Certamente, nem sempre as origens dos topônimos estão ligadas a um nome comum
presente em dicionários gerais ou regionais. Nesse caso, para encontrar a etimologia do nome
é necessária uma análise científico-linguística, visto que a toponímia é primordialmente uma
disciplina linguística, embora careça de disciplinas auxiliares como a História Antiga e
Medieval, a Arqueologia, a Geografia, a Geologia, a Botânica, dentre outras.
Diante dessas considerações, Piel (1979) percebe que a classificação dos topônimos
galegos fundamenta-se em dois aspectos principais, formando duas categorias gerais: 1)
nomes de significação “transparente”, aqueles que mantêm suas significações reconhecíveis
de imediato, ditos de outro modo, nomes falantes; 2) nomes de significação “opaca”, nomes
mudos, aqueles que não podem ser relacionados, de imediato, a um elemento do léxico geral-
comum.
O autor faz uma análise crítica de uma parte dos nomes toponímicos galegos, com
intenção de saber até que ponto seria possível uma interpretação etimológica e quais as
motivações que, proporcionalmente, conduziram a sua formação. Desse inquérito, ele
formulou uma classificação para os topônimos galegos, composta por 17 categorias nocionais,
a saber:

Quadro 7 - Categorias nocionais de Piel


Relevo, aspecto e situação particular Veiga, Enfesa, Outeiro
Estabelecimento sedentário e habitação Vila, Casal, Sobrado
Revestimento vegetal Gesta, Toxos, Maceira
Senhorios medievais Maderne = (villa) Materni, Toiriz = v.
Teodorici
Águas Riaño, Fonsagrada
Construções e vias de comunicação Pazo, Verea, Cal
Igrejas e santos Grijoa = ecclesiola, Sampayo = S. Pelágio
Exploração da terra Angra, Rozadas
Animais bravos e domésticos Gulpilleiras, Cabaleriza
Fonte: Piel, 1979, p. 9
73

Outras noções que não entraram na classificação anterior, as quais foram apreciadas a
parte, no quadro seguinte.

Quadro 8 - Outras categorias de Piel

Nomes de episódios Boimorto


Nomes de pastoreio Busto, Brañas
Nomes abstratos Compostela (“a Aprazível”)
Nomes de administração Reguenga
Nomes de monumentos pré-históricos Antas
Nomes de indústrias Ferreira
Nomes de instituições feudais Viladónega (*dómnica)
Nomes de grupos étnicos Céltigos, Suevos
Fonte: Piel, 1979, p. 9

Esse autor apresenta uma maneira diferente de categorizar os topônimos, propondo


novas taxonomias que facilitassem a classificação, distintas de outros estudiosos dessa
temática anterior a ele. Essa classificação coincide em muitos aspectos com a taxonomia
proposta por Dick.

 Antropotoponímia: nomes pessoais transformados em nome de lugar.


 Hagiotoponímia: topônimos relacionados a nomes de santos patronos, de
donos de igrejas e paróquias.

No plano geográfico tem-se:


 Oronímia: nomes de serras;
 Potamonímia: nomes de rios.

As classes menores como:


 Etnonímia: nomes de grupos humanos;
 Fitonímia: nomes de plantas;
 Terionímia: nomes de animais;
 Talassonímia: nomes das costas e enseadas marítimas, incluindo a
submarina.
74

Piel (1979) refere-se também à íntima ligação que existe entre os nomes geográficos e
o nome de pessoas. Segundo ele, a maior parte dos sobrenomes galegos corresponde a nomes
de terra, apesar de não se ter a consciência disso. Como exemplo desse fato, o autor lembra o
sobrenome do “príncipe dos poetas” portugueses, Luís de Camões, que na sua origem era um
topônimo galego, e dessa forma, deixa entrever a importância da toponímia para a história
genealógica. “Pode, aliás, afirmar que, em todo o mundo, civilizado ou não, um antropônimo
converte-se em topônimo com a mesma facilidade com que se opera o fenómeno inverso”
(PIEL, 1979, p. 10). O autor faz também uma breve referência aos nomes de montes e serras,
assim como de rios. Para serras e montes, predominam as denominações metafóricas, como
Corno de Boi, podendo referir-se também as localidades ou santuários situados nas suas
mediações. Quanto aos nomes de rios de importância, como o Miño, Eume, Ulla, Tambre e
outros, ressalta que constitui o patrimônio toponímico pré-latino da Galiza, preservando os
nomes mais antigos.
A partir dessas classificações e taxonomias propostas pelos autores Dick, Solís e Piel,
busca-se orientar a classificação dos topônimos tocantinenses. Existem outras classificações
taxonômicas, porém, não serão abordadas aqui. Para este trabalho, as três classificações são
suficientes.
Em se tratando de taxonomia, segue-se uma apreciação da hierotoponímia, categoria
ligada à manifestação do sagrado nos nomes de lugares. O sagrado é o resultado daquilo “que
a cultura, como coletividade, reconhece como merecedor de respeito e reverência porque toca
a todos” (GOMES, 2013, p.136). A religião, por sua vez, está ligada a esse sentimento.
A religião, segundo Gomes (2013), além de derivar do sentimento do sagrado, de fazer
parte de todas as culturas, de servir como identidade mítica que congrega pessoas em torno de
uma origem transcendente e de uma finalidade última da existência, ela é vista com mais
frequência como uma instituição cultural. E como instituição ela está conectada a outras
instituições culturais. Por outro lado, Geertz (2012) parte da noção de religião como uma
instituição social, a adoração como atividade social e a fé como uma força social.
Percebeu-se a importância dessa categoria toponímica em particular devido à
relevância da religiosidade na denominação dos primeiros núcleos urbanos do estado do
Tocantins. Assim, busca-se compreender como a religiosidade, entendida como instituição
sociocultural, influi nos nomes de lugares.
75

2.2.5 Hierotoponímia: topônimos relacionados ao sagrado

Chaves (1956) destaca que a influência religiosa na escolha dos nomes de lugares
(toponímia) e pessoas (antroponímia) foi sempre marcante em Portugal como em toda parte.
Essa influência origina-se pelo fato de a religião católica ter sido sempre a religião oficial
nesse país e, consequentemente, pela devoção fiel do povo português ao culto e à tradição da
Igreja. Esse ideal cristão acompanhou os portugueses nos tempos dos grandes
“descobrimentos” e conquistas ultramarinas, a todas as costas e ilhas aonde eles chegaram.
Assim, cabos, enseadas, baías, acidentes do litoral, ilhas e ilhéus, que iam sendo dominados
eram batizados com nomes religiosos. O mesmo ocorria com as povoações fundadas pelos
colonizadores e os lugares de missão em que os missionários se fixaram para suas atividades.
A norma para a aplicação dos nomes seguia a devoção dos colonizadores, os seus
onomásticos, o dia e/ou a época litúrgica do “descobrimento”, o nome do santo do Soberano
reinante.
O autor cita o Brasil e outras províncias ultramarinas como provas evidentes desse
costume, ainda que os nomes oficiais, atualmente, não sejam reconhecidos por extenso, não
invalida o que historicamente foi constituído. Chaves (1956) lembra que Luanda é a Cidade
de S. Paulo de Luanda; Macau, a Cidade do Santo Nome de Deus de Macau; Rio de Janeiro, a
Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro e São Paulo de Piratininga. Além de que o primeiro
nome do Brasil foi Terra de Santa Cruz e Vera Cruz. Ressalta ainda que não poderia ser
diferente, dado que a visão de mundo, a cultura e a mentalidade da época dos navegadores e
colonizadores era essa.

Não podiam os Portugueses estabelecer um hiato histórico e de acção entre o que era
nacional em Portugal e o que tinha de ser igualmente nacional para além do mar. Se
as instituições metropolitanas foram o padrão da colonização e administração dos
territórios ultramarinos, e constituíam a força criadora dessa mesma actividade, era
de esperar que toda a vida espiritual dos navegantes e colonizadores transmitisse
germes da mesma altura às terras ultramarinas. Terras e mares receberam em parte
notável nomes santificados pela Igreja Católica. Indígenas, convertidos pelos
missionários, recebiam nomes litúrgicos, que significavam adesão completa e
sugestão de vida cristã (CHAVES, 1956, p. 178).

De acordo com Dick (1990), a toponímia de origem religiosa é genericamente


denominada de hierotoponímia. Nessa classificação foram incluídas várias especificações,
como nomes sagrados de diferentes crenças, de associações religiosas e de seus membros,
locais de culto, bem como datas ou efemérides relativas a tais circunstâncias. Por essa razão, a
categoria foi dividida em duas subcategorias: hagiotopônimos, topônimos referentes a nomes
76

de santos e de santas do hagiológico romano; mitotopônimos, topônimos que se referem a


entidades mitológicas.
Para a autora, a motivação da toponímia de origem religiosa encontra-se no homem,
ou no denominador a sua força de expressão. Ela é um legítimo produto de uma mentalidade
de época, em que se vincula a todo um processo subjetivo de reflexão que se aproxima mais
do intangível do que das manifestações reais do mundo sensível que rodeia o ambiente natural
em que circula o indivíduo. Possivelmente, é nessa categoria toponímica que mais se percebe
a motivação endógena, de dentro para fora, do denominador para o referente da denominação,
quer seja o acidente físico ou humano, visto que não são os aspectos exteriores que o
motivam, mas algo interior; sua crença.
Nesse sentido, Dick (1992) destaca que com a toponímia de origem religiosa não se
busca o equilíbrio perfeito e exata adequação entre “nome” e “objeto nomeado”. O fenômeno
associativo que ocorre nessa categoria está centrado no homem, nas manifestações do seu
espírito, na maior sensibilidade pelos eventos espirituais, na sua crença e na sua fé. São,
portanto, as forças da alma que o estimulam e o condicionam às mais variadas manifestações
existenciais, como artísticas, políticas, éticas ou filosóficas.
Ao tratar da toponímia religiosa no Brasil, Dick (1990, 1992) remete às circunstâncias
motivadoras da colonização das terras brasileiras e do momento histórico representado pelo
Quinhentismo português. Sabe-se que o Brasil nasceu sob o signo da Cruz e da Fé e são
nesses elementos que se devem buscar as raízes da toponímia religiosa nacional. Esses
elementos podem ser percebidos, desde os primórdios, na Carta de Pero Vaz de Caminha e na
preparação da esquadra de Cabral. Ainda, nas causas mais profundas que estimularam o ciclo
das grandes navegações portuguesas e, recuando um pouco mais no tempo, “na própria
filosofia medieval de exaltação dos bens espirituais e do desejo de propagar o Santo Nome
Cristo e seus ensinamentos, entre os povos pagãos” (DICK,1990, p. 312); atitude contrária à
renascentista que se voltava para a materialidade e a transitoriedade dos valores humanos.
No século XVI, juntamente com a Espanha, Portugal era o sustentáculo do catolicismo
na Europa. Apesar de enfraquecidos pelos ataques de Lutero em outros países, conseguiu
realizar, no Brasil, a tarefa evangelizadora recomendada pelo Papa Alexandre VI, na Bula
Inter Caetera, de quatro de maio de 1493, relativas às “ilhas do novo mundo”.

Entre as outras obras bem aceitas à Divina Majestade, e pelo nosso coração
desejadas, existe sobretudo esta: que seja exaltada, principalmente na nossa época, e
em toda parte se espalhe e se dilate a Religião Cristã, se cuide da salvação das
almas, (e) se abatam as nações bárbaras e sejam reduzidas à mesma fé (Apud Dick
1992, p. 156).
77

A saída da viagem de Pedro Álvares Cabral para a terra que viria a ser a brasileira foi
antecipada por um cerimonial que incluía missa na Ermida de Nossa Senhora do Belém, a
doação da bandeira de Cristo pelo Rei e de outras relíquias e cruzes que iriam acompanhar os
navegantes durante a viagem e, nesse tempo, estariam entregues aos cuidados espirituais do
franciscano Frei Henrique de Coimbra. Assim, partiram as embarcações sob a proteção de
Nossa Senhora da Esperança, e com denominações como Trindade, Anunciada, Espírito
Santo, Santa Cruz, São Pedro e outros.
Não é difícil compreender a influência do contexto místico, arraigada na cultura
lusitana e também no acatamento à autoridade papal a que os príncipes católicos europeus
estavam submetidos, na formação das primeiras povoações e suas denominações dos
acidentes brasileiros ao tomarem posse dessas terras. Sendo assim, os primeiros topônimos
eram atribuídos conforme o calendário religioso romano, a exemplo do Monte Pascoal e Ilha
de Vera Cruz e, à medida que iam adentrando o interior, essa tradição foi mantida, como é o
caso das primeiras povoações do estado de Goiás.
Carvalhinhos (2009) afirma que o berço da toponímia brasileira encontra-se em
Portugal, já que os portugueses que chegaram ao Brasil para colonizá-lo usaram na
denominação desse território a língua corrente do século XVI e a ideologia religiosa da época.
Com a expulsão dos últimos mouros de Granada, em 1492, a Península Ibérica torna-se
completamente independente. Nessa época, estado e igreja eram uma única instituição,
marcados pelos anseios de riqueza, poder e os horrores da inquisição. O Deus cristão
representado por essa instituição era um deus cruel e punidor dos que se afastavam dos ritos e
preceitos da igreja Católica, visão usada como instrumento de controle e dominação dos
povos.
A partir dos estudos com a hierotoponímia brasileira, Dick (1992, 1990) chega a
algumas conclusões.

a) Do início da colonização até os dias atuais, os motivos religiosos sempre foram


constantes nos diversos períodos históricos do país, deixados como um legado
de um patrimônio sociocultural português.

b) Prevalece na hierotoponímia brasileira o interesse pela hagiotoponímia


(topônimos relativos a nomes de santos e santas do hagiológico romano) em
que se vale do culto de penetração popular como os de São José, Santo
78

Antônio e São João, principalmente, entre os santos; e entre as santas,


destacam-se Santana, Santa Rita e Santa Rosa.

c) O estado de Minas Gerais mostrou ser a região de maior densidade


hierotoponímia, devido aos costumes tradicionalmente católicos cristãos
reforçados pela presença de inúmeras igrejas em toda a área.

d) As motivações vinculadas às práticas religiosas, aos locais de culto, às


dignidades eclesiásticas, apesar de configurarem como denominadores de
lugares, apresentaram baixos índices de emprego.

e) Os termos Deus, Jesus Cristo e Nossa Senhora, sem nenhuma especificação ou


complementação, apresentam-se em proporção pequena em relação aos
hagiotopônimos propriamente ditos, devido ao tabu linguístico que revestam
esses nomes.

À medida que os portugueses adentravam o interior do Brasil, o costume de batizar os


nomes de lugares com nomes de santos e santas prosseguia. Na ocupação do território que
atualmente abrange o estado de Goiás e Tocantins, no século XVIII, a primeira região
ocupada foi a do rio Vermelho, local onde se fundou o arraial de Sant’Ana (atual Cidade de
Goiás). Seguindo a tradição de nomear os arraiais sob a influência dos santos e santas
católicos, outros núcleos de povoação do ciclo do ouro também vão refletir essa influência
como pode ser percebido em Santa Cruz, Santa Luzia (Luziânia), São José (Niquelândia),
Pilar, São Félix, Bonfim (Silvânia), Santa Rita, São Domingos. Mais ao norte, atual estado do
Tocantins, arraial da Conceição, São Luís, em seguida, muda-se o nome para Natividade, São
José do Duro, São Miguel e Almas, Carmo (PALACÍN; MORAES, 2008).
No início da povoação do território goiano e tocantinense a igreja também estava
presente nos aldeamentos, lugares em que se reuniam os índios em povoações fixas, que eram
supervisionadas por uma autoridade leiga ou religiosa. Neles, os índios deviam cultivar o solo
e aprender a religião cristã. Geralmente recebiam nomes de santos ou de santas, como a
aldeia de São José de Mossâmedes.
Outra forma de povoamento em Goiás sob a influência da igreja são os patrimônios,
terras doadas por devoção e com intenção de atrair moradores para uma região. Pinheiro
(2003) assegura que muitas cidades do interior de Goiás surgiram a partir dos patrimônios,
79

que consistia na doação de terras a um santo de devoção para a construção de uma capela e,
consequentemente, a formação de um povoado. O patrimônio pertencia ao santo que seria o
patrono da capela e o lugar teria o nome desse santo. Esse processo de povoamento no interior
de Goiás iniciou-se no século XIX, após o declínio da mineração, chegando até a década de
1950. No estado do Tocantins, não se encontrou na literatura consultada nenhum caso desse
tipo de povoamento.
Na medida em que esse imenso território foi sendo ocupado, organizado, dominado e
denominado, os valores, simbolismos, crenças e costumes cristãos católicos foram os
fundamentos para a formação histórica e sociocultural do lugar. Goiás e Tocantins têm uma
base cultural essencialmente católica que se expressa na toponímia local, confirmando a
declaração de Dick (1990, 1992) de que um dos fatores de natureza cultural mais marcante na
toponímia brasileira é a religiosidade.
80

CAPÍTULO 3 - CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DO ESTADO DO TOCANTINS

Neste capítulo, faz-se uma contextualização histórica do momento de formação de


algumas cidades do estado do Tocantins, os antigos arraiais, formados a partir da mineração
ou dos aldeamentos, durante o século XVIII. Inicia-se fazendo uma discussão a respeito da
ideologia ou mentalidade da época e como essa mentalidade influenciou na escolha dos
topônimos estudados. Em seguida, apresenta-se a história da colonização do estado de Goiás e
a formação das cidades, buscando compreender as motivações e os interesses que
constituíram a toponímia da época.
A importância desse capítulo está em situar o objeto de pesquisa em seu contexto
histórico, cultural, político, religioso e geográfico. A partir deste estudo, as motivações dos
nomes dos lugares começam a se entrever, uma vez que as motivações para denominar um
lugar estão intimamente ligadas à conjuntura social da época.

3.1 MENTALIDADE DA ÉPOCA

Neste item, trata-se da questão da ideologia ou mentalidade da época colonial em


Goiás, principalmente no século XVIII. Essa ideologia teve início no século XVI, com a
colonização do Brasil. Segundo Palacín (1995, p.182), a cultura e a mentalidade não são
assuntos fáceis de estudar, já que eles são fluidos, fugidios e requerem do pesquisador
consistente bagagem humanista. No entanto, “são essenciais quando se buscam compreender
os substratos mais profundos dos mecanismos sociais, reveladores dos modos de ser, pensar,
agir e conceber-se – ou seja, reveladores da identidade – de um determinado agrupamento
humano”. Dessa forma, pretende-se aqui revelar o modo como a sociedade colonial brasileira
e consequentemente, a goiana eram constituídas, como pensavam e agiam nesse período e que
relação essa mentalidade tem com os topônimos dos primeiros arraiais.
Palacín (1995) afirma que um dos pilares da sociedade colonial era a religião, ou seja,
o cristianismo católico. Em Portugal, desde a expulsão dos mouros e a reconquista de seus
domínios pelos reis católicos, a igreja exercia forte influência sobre o estado. No século XVI,
época das grandes navegações e início da colonização brasileira, a dissociação dos valores,
característica dos tempos modernos, já começava a se entrever. Entretanto, em Portugal a
religião ainda era o centro de convergência de todos os valores, pelo menos no plano das
ideias e no discurso. Na prática, a religião estava cada vez mais comprometida com os ideais
81

da sociedade não religiosa da época, ou seja, com o mercantilismo e com a expansão dos seus
domínios.
De acordo com esse autor, alguns fatores como o mercantilismo oficial e particular, o
luxo ostensivo, a dissolução dos costumes, o humanismo antropocêntrico e a razão de Estado
certamente abalaram o teocentrismo medieval, mas o ideal e a ambição à transcendência
permaneceram.
No discurso, o “serviço de Deus” estava em primeiro lugar. Seria a finalidade a que
tudo deveria subordinar-se, discurso que os documentos oficiais repetem até a saturação. No
entanto, o serviço de Deus e o serviço do Rei, que era o seu representante temporal, mostram-
se indissoluvelmente unidos. O serviço de Deus e do Rei, são, ao mesmo tempo, o bem do
povo, na teoria e no discurso, constituindo uma hierarquia de valores para o cristão, o súdito e
o cidadão. Essa hierarquização está indicada no Regimento de Tomé de Souza: “primeiro ‘o
serviço de Deus e exalçamento de nossa santa fé’, depois ‘o serviço meu e proveito dos meus
reinos e senhorios’, por fim ‘o enobrecimento das capitanias e povoações das Terras do Brasil
e o proveito dos naturais delas” (PALACÍN, 1981, p. 269).
Com relação a isso, Hoornaert (1992) cita o trecho do rei Dom João III do mesmo
regimento, citado por Palacín (1981), destinado ao governador Tomé de Sousa que diz: “A
principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à
nossa santa fé” (1992, p. 24).
Contudo, percebe-se que essa hierarquização religiosa dos valores tem as
características de uma ideologia. Serviu para “santificar” todo tipo de interesse político e
social. Conforme Hoornaert (1992), esse discurso doutrinário esconde um discurso guerreiro.
O discurso em torno da evangelização no Brasil não questiona a legitimidade da ordem
estabelecida pelo projeto colônia, mas participa da agressividade desse mesmo projeto
compactuando e justificando a opressão e escravização de indígenas e africanos.
A vida religiosa deparada no Brasil do século XVI tinha as mesmas manifestações e as
mesmas tendências gerais de Portugal e da Europa cristã, como um todo. Mas, aqui alguns
dos traços barrocos da religiosidade da contrarreforma com a tendência à exteriorização da
religião e à dissolução entre fé e moral tornaram-se mais marcantes devido às influências do
ambiente. A estabilidade da fé era a principal característica dessa religiosidade. Uma fé nem
sempre vivida em suas últimas consequências, e nem suficientemente instruída, contudo,
sempre considerada como algo essencial e indiscutível (PALACÍN, 1981).
O autor ressalta que, no Brasil como na Península Ibérica, a “unidade da fé”
desempenhou na formação da nacionalidade um papel que em outros lugares foi
82

desempenhado pela cultura e a raça. Luta-se contra o herege e não contra o estrangeiro. Para
pedir doação de terra, a concessão de alguma sesmaria, o que era requerido era a profissão de
fé católica e não a cidadania portuguesa.
As grandes datas da existência estavam marcadas pelos sacramentos da igreja e
carregadas de sentido religioso, bem como o calendário do ano recebia seu ritmo e seu relevo
do calendário litúrgico. O costume medieval de designar uma data não pelo mês, mas pelo dia
do santo litúrgico continuava e as grandes épocas eram as do ciclo cristão, a saber: o advento
e o natal, a quaresma e a páscoa, pentecostes, assim como as festas populares eram dos santos
universais (São Pedro, Nossa Senhora e São João) e as festas dos padroeiros locais.
A ação da igreja ainda era muito ampla e penetrava profundamente nos homens,
embora o movimento secularizador já começasse a se despontar com o surgimento das
cidades. A igreja era responsável pelo ensino e a assistência social, a moralização e
fiscalização dos costumes com tribunais e políticas próprias e até o enquadramento jurídico da
população só se realizava por meio da paróquia. Palacin (1981) considera que a igreja teve
papel muito importante para o assentamento e expansão da colônia, com a obra “pacificadora”
entre os colonos e os índios. Assim, a penetração religiosa, lenta e “pacífica”, abria caminho
para a colonização, como pode ser vista na fundação de São Paulo, na contribuição do padre
Manuel de Nóbrega para a conquista e povoamento do Rio de Janeiro, na penetração na
região de Sergipe e pacificação do Rio Grande. Nesse contexto, concretiza-se o projeto do
sistema colonial, fundamentado no padroado português em que a Igreja e a Coroa se unem
para um mesmo fim, ou seja, a expansão dos seus territórios.

3.2 A RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO

A relação entre Igreja e Estado tem origem no direito de padroado concedido pela
Santa Sé aos reis de Portugal. O direito de padroado, segundo Azzi (1992), não foi uma
apropriação de atribuições religiosas da Igreja pelos monarcas portugueses, mas uma forma
própria de compromisso entre a Igreja de Roma e o governo de Portugal. Os monarcas
portugueses unindo os direitos políticos de realeza com os títulos de grão-mestre de ordens
religiosas passam a exercer, ao mesmo tempo, o governo civil e religioso, principalmente nas
colônias e domínios portugueses.
O padroado atribuía aos reis lusitanos o direito à cobrança e administração dos
dízimos eclesiásticos, isto é, a uma taxa de contribuição dos fiéis para manutenção da igreja,
vigente desde épocas remotas, em que cada cristão tinha por obrigação contribuir com a
83

décima parte dos lucros gozados do trabalho da terra. No século XVI, época da colonização
do Brasil, a cobrança dos dízimos passa a ser feita pelo próprio rei de Portugal, que, como
grão-mestre da Ordem de Cristo, tinha como obrigação também zelar pelo bem espiritual das
colônias portuguesas.
Aos monarcas, era reservado também o direito de escolher os nomes para ocupar o
governo das dioceses, das paróquias e outros benefícios eclesiásticos. Além disso, tinham
como obrigação zelar pela construção e conservação dos edifícios do culto, de remunerar o
clero e de promover a expansão da fé cristã. Assim, os reis portugueses tornavam-se uma
espécie de delegado pontifício para o Brasil, isto é, o chefe efetivo da igreja em formação. Por
outro lado, ao papa cabia apenas a confirmação das atividades religiosas do rei.
À Coroa portuguesa competia, ainda, implantar a fé cristã nas terras brasileiras e isso
conduzia a uma identificação entre colonização e cristianização. Nesse sentido, a nova igreja a
ser constituída no Brasil dependia diretamente dos monarcas portugueses, os quais, herdeiros
de certo modo da mentalidade constantina, consideravam a organização eclesiástica como um
departamento de Estado. Por isso, criou-se no Brasil o estado cristão e como religião oficial o
catolicismo. E a missão desse estado era subjugar e incorporar os indígenas à cultura
portuguesa e à religião cristã.
Acresce ainda que os colonizadores portugueses, de acordo com Hoornaert (1974,
p.32), “participaram largamente da mentalidade dos seus reis. Eles pertenciam a uma igreja
estabelecida e participavam de um estado de espírito comum a todos os católicos da época,
pelo menos na península Ibérica”. Esse espírito a que se refere o autor é o de combate aos
inimigos da fé. Com essa mentalidade os portugueses procuram implantar no Brasil uma
sociedade cristã. Essa sociedade fundamentava-se no nacionalismo português, pois o
português é por nascimento e por direito cristão, ao passo que o nativo é pagão e infiel. E,
dessa forma, os costumes trazidos pelos portugueses são cristãos. Por outro lado, os costumes
indígenas são considerados de cunho pagão e gentílico e precisavam ser combatidos. Os
nomes portugueses são cristãos, os nomes indígenas são vinculados ao paganismo, por isso
precisam ser trocados por nomes cristãos.
Outra consequência lógica dessa mentalidade é revelada ao reconhecer a religião mais
por limites territoriais do que por padrões espirituais. Assim, os territórios conquistados pelos
portugueses tornam-se imediatamente cristãos. Em contrapartida, as terras habitadas pelos
indígenas é ainda domínio do mal e precisam ser conquistadas. Por isso, a conquista das
novas terras pelos portugueses se faz com a cruz e por outros símbolos religiosos como
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ermidas, oratórios ou capelas. Esses últimos serviram ainda como posto de controle no
interior do imenso território.

Na colonização latino-americana em geral e brasileira em particular a construção de


igrejas e capelas tornou-se marca de conquista em dimensões nunca alcançadas na
história anterior do cristianismo. A maioria das construções religiosas do período
colonial não obedece principalmente a considerações de ordem pastoral, mas
significam “padrões” de posse em nome do império e garantia de domínio sobre
índios, franceses, holandeses, quilombolas (HOORNAERT, 1974, p. 52).

Nesses termos, no sistema de padroado, há uma via de mão dupla; o governo que usa a
religião para fins políticos e a Igreja que usa o poder político para se promover. O interesse
do Estado passa a ser o interesse da Igreja e vice-versa. Colonização e evangelização tornam-
se um projeto único, qual seja a dominação dos territórios e dos povos em nome da fé e da
coroa. Esse sistema põe em evidência a aliança entre o político e o religioso para a
evangelização e a conquista. Certamente, a evangelização não deixa de ser também uma
forma de conquista pela força, principalmente, ideológica. A religião, nesse contexto, serviu
como um mecanismo eficiente para a manutenção da unidade e coesão social do império
português em expansão.
Apesar de tudo isso, não se pode deixar de ressaltar a contribuição que a Igreja
Católica deu à formação cultural brasileira e à construção de uma identidade nacional. Essa
contribuição está refletida também na toponímia brasileira como herança de uma época e de
uma mentalidade. Na toponímia das cidades históricas do estado do Tocantins não foi
diferente. Muitos topônimos ainda guardam as marcas religiosas, tais como Natividade,
Conceição, Monte do Carmo, Almas; outros as perderam com o tempo, como é o caso de
Dianópolis, Arraias, Paranã, Taguatinga. Todavia, essa herança portuguesa mantém-se na
cultura local com as peregrinações anuais aos santuários do Senhor Bonfim, da Sucupira, das
Missões; das festas em homenagem aos santos padroeiros; as Folias do Divino Espírito Santo,
Folias de Reis dentre outras.

3.3 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO GOIANO

De acordo com Palacín e Moraes (2008), ainda no primeiro século da colonização


brasileira, diversas expedições como entradas, bandeiras e descidas foram organizadas no
intuito de percorrer o território dos atuais estados de Goiás e Tocantins. Apesar de não se ter
dados precisos a respeito dessas expedições, sabe-se que foram organizadas a partir da Bahia
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por ter sido o centro da colonização na época. Algumas expedições eram de caráter oficial,
outras de empresas comerciais particulares, mas com o mesmo fim: explorar o interior à
procura de riquezas minerais e capturar os índios para servirem como escravos ou para a
catequização.
Quanto ao século XVII, a documentação que conserva informações precisas da
passagem de bandeiras pelo estado de Goiás é relativamente abundante. De São Paulo, saíam
as bandeiras em busca dos índios chegando até o extremo norte de Goiás. No começo, faziam
seus percursos utilizando canoas pelos cursos dos rios Paranaíba, Tocantins e Araguaia,
voltando a São Paulo pelo rio Tietê. A partir da introdução de muares, por volta de 1630, as
bandeiras preferiram fazer a viagem por terra, para atravessar todo o território goiano. De
acordo com Palacín e Moraes (2008), há pelo menos 16 bandeiras documentadas.
Apolinário (2007) informa que, da Amazônia portuguesa, pelo caminho fluvial,
vieram as “entradas” de sertanistas e missionários jesuítas. Para Palacin e Moraes (2008), as
“descidas” eram as expedições feitas pelos jesuítas do Pará. Estes criaram, no Amazonas, um
sistema bem estruturado de “aldeias” de aculturação de indígenas. E, para trazer os índios
para essas aldeias, organizavam expedições fluviais, subindo o rio Tocantins até chegar a
Goiás. No entanto, nem os bandeirantes, nem os jesuítas iam para se fixarem. Iam e levavam
os indígenas goianos para o norte e para o Sul, traçavam roteiros para mostrar o caminho, mas
não criaram povoações.
É costume creditar o título de descobridor de Goiás a Bartolomeu Bueno da Silva, o
Anhanguera. Na realidade, ele não foi o primeiro explorador a chegar à região, e sim o
primeiro que veio a Goiás visando fixar-se neste território. Ao descobrir as minas de ouro em
Minas Gerais e depois em Mato Grosso, o Anhanguera pediu uma licença ao rei para
organizar uma bandeira a fim de procurar ouro em Goiás, uma vez que este território se situa
entre aqueles, poderia haver ouro também.
A afirmação de Silva e Souza (1967, p. 5) ilustra bem a intenção dos primeiros
colonizadores, a saber: “menos o amor da glória e desejo de ser útil, que o interesse próprio e
aquela ambição, que leva muitas vezes os homens por incalculáveis perigos às mais árduas,
mais importantes empresas, foi o motivo do descobrimento de Goiás”.
Quanto ao pedido do Anhanguera, o rei de Portugal concedeu a licença, determinando
ao Governador da Província dar um regimento à bandeira. Todos os gastos seriam por conta
dos organizadores que, em troca, receberiam vantagens nas novas minas que descobrissem,
além dos principais cargos políticos na região.
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A bandeira era expedição organizada militarmente como uma espécie de sociedade


comercial em que cada participante entrava com uma parcela do capital, que incidia
geralmente em certo número de escravos. Os principais financiadores da bandeira de
Bartolomeu Bueno da Silva foram os irmãos João Leite da Silva Ortiz e João de Abreu.
Essa bandeira saiu de São Paulo com destino às terras goianas no dia 3 de julho de
1722. Depois de muitos percalços, acabou encontrando ouro nas cabeceiras do rio Vermelho –
região da atual Cidade de Goiás. Voltou três anos depois, 21 de outubro de 1725, triunfante
para São Paulo, propagando as notícias de novos descobrimentos de, pelo menos, cinco
córregos auríferos e minas tão ricas em ouro quanto as de Cuiabá.
Alguns meses após a volta da bandeira do Anhanguera para São Paulo com as notícias
de novas descobertas de ouro no território goiano, organizou-se uma expedição para
exploração das minas. Bartolomeu Bueno retornou a esse território com o título de
superintendente das minas e Ortiz, seu genro, com o título de guarda-mor.
A região do rio Vermelho foi a primeira a ser ocupada, onde se fundou o arraial de
Sant’Ana, que depois passou a ser chamado Vila Boa e, mais tarde, Cidade de Goiás. Essa
cidade permaneceu como a capital do território durante 200 anos. Nas proximidades desse
arraial, foram surgindo outros às margens dos córregos e rios, como centro de garimpos,
dentre os quais podem ser citados os arraiais da Barra, Ferreiro, Anta, Ouro Fino, Santa Rita.
Ainda conforme Palacin e Moraes (2008), com a divulgação das riquezas das minas
recém-descobertas, muitas pessoas vinham de todas as regiões do país em busca de
enriquecimento. Desse modo, o povoamento determinado pela mineração de ouro foi irregular
e instável, sem planejamento e sem ordem. Uma povoação surgia onde aparecia ouro e,
quando o ouro se esgotava, os mineiros mudavam para outros lugares e a povoação definhava
ou desaparecia. No decorrer de 20 anos, o território de Goiás já tinha sido quase totalmente
percorrido e vasculhado pelas bandeiras que, durante o período da seca, procuravam novas
descobertas de ouro. Nesse momento da história, somente surgiram arraiais e se fixaram
populações onde o ouro foi encontrado.
Nessas circunstâncias, durante o século XVIII, foram povoadas três zonas com relativa
densidade. A primeira situava-se no centro-sul, abrangendo os arraiais que ficavam no
caminho de São Paulo ou em suas proximidades: Santa Cruz, Santa Luzia (Luziânia), Meia
Ponte (Pirenópolis), Jaraguá, Vila Boa e arraiais vizinhos. A segunda estava situada na
“região do Tocantins”, no alto Tocantins ou Maranhão, que pertencia à administração da
Correição do norte. Essa zona, apesar de extensão limitada, era a mais densa em povoações:
Traíras, Água Quente, São José (Niquelândia), Santa Rita, Muquém e outras. E, finalmente, o
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norte da capitania que abrangia uma zona extensa, entre o rio Tocantins e os chapadões dos
limites com a Bahia. Nessa região, na sua maior parte árida e áspera, encontravam-se algumas
povoações dispersas: Arraias, São Félix, Cavalcante, Natividade e Porto Real (Porto
Nacional), o arraial localizado mais ao norte.
Outros arraiais isolados surgiram fora dessas regiões em locais pontuais também
devido à mineração. É o caso de Pilões na região do Araguaia, a povoação mais ocidental;
Pilar e Crixás, nas matas da região do Araguaia; Couros (Formosa), no caminho da Bahia,
limite oriental da capitania. O restante do território goiano ficava ainda sem nenhuma
povoação: o sul e o sudeste, todo o Araguaia e o norte, desde Porto Nacional até o Estreito. A
povoação dessas zonas vai ocorrer durante o século XIX e XX por consequência da expansão
da agropecuária e da construção da rodovia federal BR 153. Esse fato pode ser comprovado
pelos relatos do Brigadeiro Lysias Rodrigues que, em 1931, atravessou todo o território e
constatou a sua baixa densidade populacional (RODRIGUES, 2001b).
Após 20 anos do início da exploração das minas, Goiás tinha crescido em população e
importância que não podia ser mais administrado à distância pelo governador de São Paulo,
capitania a qual pertencia. Sendo assim, a corte portuguesa transformou-o em capitania
independente. Em 1749, assume o primeiro governador e capitão-general, o Conde dos Arcos.
O território goiano passou a ser chamado de Capitania de Goiás, permanecendo, assim, até a
independência, quando se torna Província.
O governo de cada Capitania brasileira, apesar de ser independente, estava diretamente
ligado ao Rei e aos organismos centrais de Lisboa, como o conselho Ultramarino. Ele era
responsável pela administração e aplicação das leis e comandava o exército composto de
soldados de cavalaria – os dragões – e pedestres. O ouvidor ficava responsável pela justiça e a
arrecadação dos impostos cabia ao intendente, cujos cargos eram independentes do
governador (PALACÍN; MORAES, 2008).
Esse foi o contexto histórico em que nasceram os municípios objeto deste estudo,
tendo os descobrimentos auríferos como pretexto para suas fundações. Porém, ao chegar à
região, os exploradores encontraram-na povoada de inúmeros grupos indígenas. As relações
que travaram entre si não foram de cortesia. Não se pode deixar de mencionar a presença dos
negros desde o início da ocupação do estado do Tocantins. A seguir, apresenta-se um
panorama da participação dos indígenas, dos brancos europeus e dos africanos na formação
dos antigos arraiais e, consequentemente, na toponímia.
88

3.3.1 Os povos indígenas

A questão indígena foi sempre um entrave aos objetivos do colonizador português que
a enfrentou com inúmeras medidas as quais, na grande maioria, resultaram na exterminação
das populações indígenas. Os colonos viam nos índios um trabalhador aproveitável; a coroa
portuguesa, um povoador para as extensas áreas despovoadas; e os missionários, um rebanho
que precisava ser reconduzido para o reino da fé cristã-católica. Com esses objetivos e
posições aparentemente contrárias resultaram em conflitos mútuos que levaram o governo a
tomar providências para tentar aldear os índios e “pacificá-los” para serem aproveitados como
mão de obra escrava ou semiescrava. Os aldeamentos constituíam-se em reunir os índios em
povoações fixas, supervisionada por uma autoridade leiga ou religiosa. Os índios deviam
cultivar o solo e aprender a religião cristã.
Os aldeamentos dirigidos por religiosos não deram resultados favoráveis aos objetivos
do governo português e dos colonos, devido ao fato de os religiosos manterem os índios
sujeitos aos seus controles, preparando-os para servirem de mão-de-obra para seus próprios
interesses. A partir da política do Marquês de Pombal, os aldeamentos passaram a ser
dirigidos por uma orientação leiga, a qual objetivava a “pacificação” dos índios para
solucionar o problema do despovoamento do sertão e da mão de obra (PARENTE, 2007).
Para Pombal, ao invés de manter o índio segregado como faziam os jesuítas, os autóctones
deveriam ser transformados em cidadãos ativos na tarefa do povoamento, por meio da sua
integração na sociedade (CHAIM, 1974).
De acordo com Palacín (1995), o número exato das populações indígenas do território
de Goiás antes da chegada das bandeiras paulistas, no início do século XVIII, é de difícil
precisão. O que se sabe é que eram numerosas, ocupando do sul ao norte as terras que
formariam, mais tarde, a capitania de Goiás. Encontravam-se divididos em “nações”, termo
utilizado para designar tribos e grupos indígenas com características diferentes entre si. As
principais que são citadas pelo autor e pelos viajantes do século XIX, como Pohl (1976),
Gardner (1975), Saint-Hilaire (1975) e Cunha Matos (2004), e também Chaim (1974) são
Kaiapó, Xavante, Goiá, Crixá, Araé, Xerente, Xacriabá, Karajá, Acroá, Javaé. Essas tribos
indígenas foram as que mais entraram em choque com os colonizadores do território goiano e
que foram, posteriormente, alojadas em aldeamentos mantidos pela fazenda Real.
Em Goiás, repetiu-se o que ocorreu na costa brasileira no século XVI: ocupação das
terras indígenas, escravização dos que se mostravam pacíficos e matança daqueles que não
cederam ao colonizador; aldeamentos de pequenos grupos que, em pouco tempo, sucumbiam
89

ao regime de semiescravidão, cruzamentos raciais, principalmente, dos índios cativos e, por


fim, a exterminação.
No período da mineração e, consequentemente, da formação dos arraiais, as relações
foram exclusivamente de guerra e de mútuo extermínio. Faltava tempo ao mineiro para atrair
o índio por meio de convivência pacífica, pois seu único objetivo era a extração do ouro e,
com isso, o enriquecimento. Em resposta à invasão dos seus territórios e perseguição dos
capitães-do-mato, os índios reagiam com represálias.
Palacín e Moraes (2008) afirmam que, no sul da capitania de Goiás, os Kaiapó
estiveram em guerra com os colonizadores por pelo menos 50 anos. Parte deles foi
exterminada pelo sertanista de Mato Grosso, Antônio Pires dos Campos, com ajuda de 500
Bororo e de seu sucessor João de Godoy. Os que sobreviveram foram reunidos na aldeia de
Maria I e depois transferidos para outra aldeia, a de São José de Mossâmedes.
Ao norte, os Acroá tiveram o mesmo destino. Habitavam a região de Arraias, São
Domingos e Natividade e foram combatidos pelo pernambucano Wenceslau Gomes da Silva e
agrupados na aldeia do Duro, atual Dianópolis.

Meterem de paz em 1751 as nações de Acreá e Chacriabá, e para elas fez formar as
aldeias do Duro e Formiga, em que se despenderam enormes somas, que S.M.
aprovou, ficando regendo as mesmas aldeias o coronel Wenceslau Gomes da Silva
que foi empregado nesta conquista juntamente com Gabriel Álvares e Manuel
Álvares11 (SILVA e SOUZA, 1967, p. 22).

Na construção e manutenção dessas aldeias, segundo os autores acima citados, foram


gastas enormes somas, em torno de 200 contos enquanto o orçamento da capitania não
passava de 50. Apesar das “boas intenções do governo” e da soma de dinheiro gasta com os
aldeamentos, os resultados foram bastante precários. A falta de pessoal especializado,
sobretudo após a expulsão dos missionários jesuítas, a falta de cooperação da população que
via nos índios um inimigo ou um “bicho” que precisa ser eliminado, dificultava bastante o
sucesso dos aldeamentos. Em consequência dessa mentalidade, durante o período de
mineração, e nos posteriores também, o índio ficou à margem da sociedade que se instalava
em Goiás.
Com esse contexto de domínio, escravidão e extermínio dos povos indígenas na
formação dos arraiais, é pouco provável que se encontrem marcas das línguas que eles
falavam registrada na toponímia local.

11
Esses dois nomes são registrados em outros autores como Gabriel Alves e Manuel Alves, sendo o último
tomado para denominar dois rios no estado do Tocantins.
90

3.3.2 Os negros

De acordo com Palacín e Moraes (2008), a sociedade colonial, como todas as


sociedades do “Antigo regime” não era baseada no princípio de igualdade de todos os
membros que a compõem. Essa sociedade estava fundada na estratificação, com direitos
diferentes para os diversos grupos sociais. A ideia de igualdade legal só surgiu a partir da
Revolução Francesa. Na sociedade colonial brasileira, em específico na goiana, a diferença
fundamental desse período está centrada entre livres e escravos.
Herdeira da economia açucareira que prevaleceu no Brasil durante os primeiros
séculos, a mineração continuou a basear-se no trabalho escravo. Esses, trazidos da África e
depois seus descendentes, constituíram, inicialmente, a maior população das minas. Com o
declínio da mineração, o número da população negra diminuiu consideravelmente. Os autores
observam que, em 1736, ela era de aproximadamente 12.000, apesar de não ser possível
afirmar com exatidão, por falta de dados confiáveis, a proporção no total da população,
possivelmente não deveria ser inferior a 60% ou 70%.
Segundo Chaim (1987, p. 29), “a caracterização da sociedade do Brasil central
completou-se com a participação dos trabalhadores escravos importados da África para o
serviço da mineração”. Os escravos africanos chegaram logo que as primeiras minas de ouro
foram encontradas para o trabalho nas pesadas tarefas de extração nos veios e outras tarefas
que exigiam o braço escravo, uma vez que, na mentalidade da época, os serviços braçais eram
para os escravos. Eles eram também responsáveis por cultivarem as roças dos seus senhores,
além dos serviços domésticos, conforme as urgências e as necessidades dos seus proprietários.
Quando as minas entraram em exaustão e o ouro foi substituído pela criação de gado, era
também de responsabilidade dos escravos o cuidado com o gado.
As condições de sobrevivência dessas pessoas eram as piores possíveis, tendo sua
média de vida bastante reduzida. A rotina era trabalhar horas a fio minerando os rios com os
pés submersos na água, debaixo do calor excessivo e atacados por insetos que lhes causavam
febres e mortandades. Quando o trabalho era nos tubos com ventilação rarefeita, eles ficavam
expostos aos gases que lhes causavam envenenamento dos pulmões. Em regiões pantanosas,
com frequência contraíam a malária e estavam sujeitos a doenças venéreas e aos vermes
intestinais. Além disso, eram mal alimentados e, para manterem-se alerta no trabalho, faziam
uso da cachaça para tal fim (APOLINÁRIO, 2007; PALACÍN, 1994; CHAIM, 1974).
Salles (1992) menciona que textos da década de cinquenta do século XVIII condenam
os proprietários pelos maus tratos dispensados aos escravos africanos, em que estes não eram
91

alimentados e nem vestidos adequadamente, não tinham tempo de descanso e nem tempo para
proverem seu sustento. Além disso, não cuidavam da vida espiritual deles, pois não atentavam
para que fossem batizados. Sem contar com os castigos bárbaros que lhes eram acometidos,
causando a mutilação ou até a morte.
As origens étnicas dos africanos que chegaram ao território de Goiás, segundo Salles
(1992), são principalmente de dois grupos: sudaneses e bantos. Os sudaneses, também
denominados de Yorubá, Gêge, Haussá e Mina, conforme a região de origem, entravam
preferencialmente pela Bahia, através dos sertões da região oriental da capitania, indo até
Meia Ponte. A partir desse local, eram distribuídos para outros núcleos. Possivelmente, os
sudaneses foram maioria em Goiás por serem os mais citados na documentação consultada
pela autora. Os Mina eram preferidos nas zonas de mineração por possuírem certa experiência
nesse trabalho trazida da costa africana. O outro grupo africano que também veio para a
capitania de Goiás foi o Banto. Nesse grupo incluem-se os Angola, Congo ou Cabinda e
Benguelle 12. Eles procediam do sul do continente africano e chegaram às regiões centrais do
Brasil pelo Rio de Janeiro, Alagoas, Pernambuco, Maranhão e Pará. Sudaneses e Banto
fundiram-se na população escrava como um todo, ficando conhecidos apenas pela designação
depreciativa de negros.
Dessa forma, o negro teve presença marcante desde o início da colonização de Goiás.
Porém, diferente do índio, a sua atuação não se destaca nos documentos históricos da vida
goiana, apesar da sua presença em todo o período colonial, já que eles eram a força de
trabalho que movia a economia da época. Essa invisibilidade na documentação é
consequência da visão da sociedade escravocrata que via os homens e mulheres negros como
mercadorias da qual deriva valor. Os negros, por serem considerados mercadorias, tinham
legislação própria, diferente da indígena, principalmente nas regiões mineiras. Nas primeiras
jazidas descobertas, no início do século XVIII, os negros serviam como parâmetro para a
divisão das datas auríferas (PARENTE, 2007).
No final do século XVIII, a sociedade goiana apresentava algumas diferenças em
relação aos primeiros anos da capitania. A população branca diminuiu consideravelmente,
enquanto aumentou a dos mestiços que constituíam 31% da população em 1804 (CHAIM,
1987). Os grupos indígenas que restaram afastaram-se dos núcleos populacionais, procurando
abrigo nas zonas mais afastadas. Referente a isso, Palacín e Moraes (2008) destacam que, ao
diminuir o número de africanos, cresce o número de mulatos em consequência da falta de

12
Assim como a grafia das línguas indígenas, o plural é feito sem o uso da letra s por não fazer parte da língua
portuguesa, a grafia das línguas africanas também será feita assim, pelo mesmo motivo.
92

mulheres brancas nas minas, fato determinante para a mestiçagem em grande escala
principalmente entre branco e negro, não antes vista no Brasil. Em 1804, em Goiás, negros
livres e mulatos já somavam mais de 77% da população livre.
No estado do Tocantins, essa representação tão alta de pessoas afrodescendentes é
ainda muito marcante principalmente na região sudeste. Essa presença é mais nitidamente
encontrada nas cidades de Arraias, Conceição do Tocantins, Natividade e Monte do Carmo.
Nessas cidades, as manifestações culturais de matriz africana têm um significado ímpar.
Conforme Silva (2008), dentro das Irmandades de Pretos, dedicadas a vários santos católicos,
formadas de africanos de várias nações e seus descendentes, desenvolveram-se muitas
práticas culturais e religiosas. Essas práticas fundiram-se com o catolicismo formando uma
marca cultural e identitária do povo tocantinense. Nas irmandades, os ex-escravos
encontraram espaço para exercer a sociabilidade, como nas festas em homenagem aos santos.
Nessas festas, manifestações culturais e religiosas de origem africana e portuguesa
misturam-se em um sincretismo religiosos que tem perdurado por gerações. Festas com essas
características podem ser vistas nas do Divino Espírito Santo que ocorre em várias cidades
tocantinenses e naquelas feitas em homenagem ao santo ou santa padroeiro. Nessas festas,
ainda hoje se dança a súcia, a jiquitaia, a congada, a roda de São Gonçalo, vistas como
herança das origens africanas no estado do Tocantins.
Essas manifestações culturais de procedência africana, até pouco tempo, não eram
valorizadas pela sociedade, ficando, muitas vezes, restritas às comunidades rurais. Pela
história do negro no estado marcada pela escravidão e pelo preconceito, presume-se que os
topônimos tocantinenses não tenham origem em alguma língua africana ou que o negro seja o
denominador dos lugares contemplados neste trabalho.

3.3.3 Os brancos

Os brancos, conforme ressaltam Palacín e Moraes (2008), foram sempre minoria. Com
a exaustão das minas, essa parcela da população tornou-se ainda menor, uma vez que, com o
esgotamento cada vez mais intenso das minas, as famílias brancas migravam para outras
regiões. No entanto, era com essa minoria que estava centrada todo o poder e quase toda a
riqueza. Os cargos administrativos superiores eram de nomeação da Corte e para ser eleito ou
escolhido aos cargos administrativos locais (vereador, juiz ordinário e outros) o candidato
deveria pertencer ao grupo dos “homens bons”, formado pelas famílias tradicionais. E ser
“homem bom” queria dizer ser “homem branco”.
93

Palacin (1994) garante que é difícil de precisar o número exato de brancos que havia
em Goiás no século XVIII por falta de dados mais precisos. Entretanto, pelo recenseamento
de 1804, eram 7.273, em uma população de 50.135 habitantes, totalizando um pouco mais de
14% da população. Número que demonstra uma queda na população branca em consequência
da exaustão das minas. Esse fato é mais evidente no norte, onde havia arraiais que
praticamente não possuíam famílias brancas.
Com relação a isso, Gardner (1975, p. 162), em sua viagem aos arraiais do norte da
Província de Goiás, em 1840, comenta que no arraial da Conceição “tem uma população de
cem pessoas (...), negros e mulatos formam a maioria dos residentes e poucos brancos vimos
nos quatro dias em que lá ficamos”. Quanto à Natividade, ele refere que “a população, com
cerca de duas mil almas, compõe-se das mesmas raças mistas já frequentemente encontradas
(p.157)”. Cunha Matos (1979) relata que em Goiás, de todos os arraiais por onde passou, o da
Conceição era o que havia menos gente branca. Em relação à Natividade, Pohl (1976, p. 271)
destaca que “os negros e mulatos formam a maioria da população e é visível a progressiva
diminuição dos brancos”.
Isso reforça a afirmação de Palacín (1994) que os brancos eram uma minoria em Goiás
logo no início do século XIX. Nas minas, a população branca era constituída, principalmente,
pelos mineiros. Ser mineiro, na época, era aspiração de todos os habitantes das minas, pois se
constituía em um alto título de honra de que toda a população se orgulhava. Enquanto ser
agricultor, comerciante era tida como atividades de baixo nível, causando com isso, a escassez
de materiais de primeiras necessidades para a sobrevivência nas minas. Ser mineiro era
acessível apenas para o branco e isso não era muito difícil, necessitando apenas de um escravo
e um local para garimpar.
Havia também uma camada da população branca que era constituída por gente sem
profissão, sem emprego, consequentemente, sem renda, que viviam nos arredores das cidades,
sobrevivendo da mendicância ou de pequenos furtos. Pouco acima dos chamados vadios,
ficava a classe dos trabalhadores braçais, constituída de brancos pobres. Mais considerados
socialmente que as duas classes anteriores são os mestres e oficiais, que correspondem
atualmente aos operários especializados. Outra categoria composta por gente branca era a dos
funcionários públicos, que os documentos designam de “filhos da folha”. Na realidade,
formavam uma categoria muito reduzida, as três folhas – militar, civil e eclesiástica. Ao ser
instalada a capitania, essa categoria contava com apenas cem nomes para uma população de
aproximadamente trinta mil habitantes (PALACÍN, 1994).
94

Percebe-se que com essa pequena parcela da população concentrava-se o poder


político, religioso e militar e com isso, o poder de denominar os núcleos populacionais.
Assim, as considerações tecidas anteriormente são importantes para se compreender essas
relações de poder na formação dos topônimos tocantinenses em estudo e o lugar de cada
grupo social nessa formação.

3.4 O ESTADO DO TOCANTINS

“Norte” em Goiás, segundo Palacín (1990), deixou muito cedo de ser apenas um
denotativo geográfico para significar oposição política, fundada, primeiramente, em um
quadro de retrocesso social e econômico e, mais tarde, de subdesenvolvimento. A oposição
política entre norte-sul tem início ainda nos primeiros anos do período de mineração devido à
diferença de valores na cobrança de impostos. Assim, ao estabelecer o imposto de capitação13
em 1735, nas minas do norte, que surgiram com a denominação de minas do Tocantins,
determinou-se que pagassem mais aos cofres públicos por escravos do que as minas do Sul.
Isso desagradou os mineiros nortistas que se opuseram a essa medida e exigiram a revogação
da ordem. Nesse sentido, Cavalcante (2003) destaca que o peso do isolamento e a
discriminação fiscal são os fatores que desde o início provocaram o sentimento separatista na
população do norte.
Quase um século depois, para facilitar a administração fiscal e judiciária o Príncipe
Regente dividiu a Capitania em duas Comarcas. Comarca do Sul com a sede em Vila Boa e
Comarca do Norte com a sede no extremo norte da Capitania Real, em São João das Duas
Barras, e pertencia a ela os julgados de Natividade, Porto Real, Conceição, Arraias, São Felix,
Cavalcante, Flores e Traíra, tendo como ouvidor Joaquim Teotônio Segurado. Segundo
Palacín (1990), essa divisão serviu para agravar ainda mais as diferenças entre norte e sul.
Esse fato ocorreu em 18 de março de 180914, data em que se comemora atualmente no estado
do Tocantins o Dia da Autonomia.
Porém, as lutas políticas separatistas do norte goiano que começaram no século XIX
somente terminaram no final do século XX e com a criação do estado do Tocantins. Houve
vários movimentos políticos que tinham como principal justificativa para a separação a
diferença cultural da região norte em relação ao sul, o atraso econômico e o abandono político

13
Taxa cobrada pela propriedade de cada escravo de ambos os sexos acima de 12 anos de idade
(NASCIMENTO, 2009).
14
Conferir mapa da Capitania de Goiás, em 1809, nos anexos p. 195.
95

das autoridades do estado de Goiás. Destacam-se três momentos importantes nas lutas
separatistas do norte goiano; o primeiro de 1821-1823; o segundo de1956-1960; e o terceiro
de 1985-1988. Cada um teve um contexto político, sociocultural e econômico específico, mas
com o mesmo propósito, a emancipação política dessa região (RODRIGUES, 2011).
No período Imperial, o sonho de emancipação do norte continuou a ser realimentado,
retomando as ideias surgidas ainda durante a exploração aurífera. O Visconde de Taunay,
monarquista, deputado por Goiás, propôs a divisão e a instalação de uma capital em
Tocantinópolis (1873 e 1879). Esse movimento separatista continuou na República, quando
outros políticos apresentaram projeto de redivisão do Brasil em 34 estados, incluindo o
território norte de Goiás. Em 1943, políticos do norte de Goiás, assinaram um documento
chamado de o “Manifesto ao Povo do Vale do Tocantins”, que levam ao presidente Getúlio
Vargas, propondo a criação do território tocantinense. Os estudantes que residiam na Casa dos
Estudantes do Norte Goiano (CENOG), criada em 1960, tiveram uma importante participação
no retorno ao “sonho nortista”, ao propagar ideias de autonomização do Norte (PÓVOA,
1999).
A luta pela emancipação do estado do Tocantins fortaleceu-se com o deputado goiano
Siqueira Campos nas décadas de 70 e 80. Este apresentou um projeto para dividir o Estado de
Goiás. O projeto foi aprovado pela primeira vez por unanimidade no Congresso em 20 de
março de 1985. Em 10 de dezembro do referido ano, o presidente da República, José Sarney,
vetou na integra “o sonho autonomista” alegando desequilíbrio econômico do norte em
relação ao sul. Todavia, na constituição de 1988, esse projeto foi aprovado, fixando a data de
05 de outubro o Dia da Criação do Estado, data da promulgação da Constituição de 1988 e 1º
de Janeiro de 1989, o dia da instalação do Estado15.
Durante esse longo período de lutas separatistas, as estratégias discursivas para
demarcar as fronteiras e formar identidades fundamentavam-se nas diferenças culturais e
econômicas entre o norte e o sul de Goiás. Para Cavalcante (2003), à medida que o Centro-Sul
goiano fortalecia sua economia relacionando-se com o mercado da região sudeste do Brasil,
acentuavam-se as diferenças internas entre o norte e o sul do estado. A expressividade dessa
diferença foi devidamente tomada e colocada no centro do discurso autonomista regional da
década de 1980 para marcar a diferença entre estado do Tocantins e estado de Goiás. Essa
identificação marcada pela diferença entre o norte e sul alimentou o imaginário social,
legitimando e justificando a criação do novo estado.

15
Encontra-se nos anexos p. 196, o artigo 13 da Constituição de 1988 que trata da criação do estado do
Tocantins.
96

Com a criação do Tocantins, muitos povoados e distritos, tornaram-se municípios


independentes. No momento em que o estado foi instituído, contava com 60 municípios. Do
ano de 1989 a 1997, foram criados mais 79 municípios. Atualmente, o estado conta com
13916. Quanto aos municípios com topônimos acrescido do termo “norte” ou “de Goiás”,
foram alterados, substituindo esses termos por “do Tocantins” como, por exemplo, Conceição
do Norte para Conceição do Tocantins17.
Construiu-se a cidade de Palmas para ser a capital, desmembrando uma parte do
território do município de Porto Nacional, no centro geográfico do estado, em uma área de
1.024 Km².
Conforme os critérios do IBGE, o estado do Tocantins divide-se em duas
mesorregiões: a ocidental e a oriental. A primeira é composta de 93 municípios agrupados em
cinco microrregiões: Araguaína, Bico do Papagaio, Gurupi, Miracema do Tocantins e Rio
Formoso. A segunda é formada por 46 municípios, composta de três microrregiões, a saber,
Dianópolis, Porto Nacional e Jalapão. Os municípios e os rios contemplados no presente
trabalho estão situados na mesorregião oriental, principalmente, na microrregião de
Dianópolis e de Porto Nacional.
Por outro lado, a SEPLAN (Secretaria de Planejamento) preferiu dividir o estado em
18 regiões administrativas. Essa divisão é fundamentada na Lei nº 972, de 14 de abril de
1998 que visa ajustar o planejamento e as ações do governo aos interesses dos
municípios que integram cada uma delas. Os municípios de que se trata aqui
pertencem às regiões administrativas IX – Palmas, XIII – Natividade, XV –
18
Dianópolis, XVI – Paranã, XVII – Arraias, XVIII - Taguatinga (NASCIMENTO,
2009).
Segundo dados do IBGE (2015), o estado do Tocantins tem uma população estimada
em 1.515.126 habitantes. Localiza-se na região Norte do país, faz fronteiras a nordeste com o
estado do Maranhão, a leste com o do Piauí, a sudeste o da Bahia, a sul com o estado de
Goiás, a sudoeste com do Mato Grosso e a noroeste com o do Pará.
Importa, portanto, especificar historicamente os primeiros arraiais, as cidades, os
povoados e os rios para melhor compreender os topônimos do estado do Tocantins. Isso será
feito na sequência imediata deste estudo.

16
Conferir mapa da divisão político-administrativa do estado do Tocantins p. 197.
17
Conferir, nos anexos p. 200, o Decreto Legislativo nº 001, de 01 de janeiro de 1986 que trata da mudança
dos termos Norte e Goiás para Tocantins.
18
Conferir mapa da divisão política por regiões administrativas do estado do Tocantins nos anexos p. 194.
97

PARTE II

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS


98

CAPÍTULO 4 - HISTÓRICO DOS LUGARES E ANÁLISE TOPONÍMICA

Neste capítulo, apresentam-se as cidades pelo olhar da história com o intuito de


mostrar o percurso histórico de cada uma delas e as possíveis justificativas para a escolha dos
topônimos e dos seus significados, sem deixar de mencionar as raízes culturais e religiosas.
Faz-se, também, a análise dos topônimos em estudo por meio da ficha lexicográfico-
toponímica, contemplando os seguintes itens: topônimo, localização, estrutura morfológica,
etimologia, outros topônimos, motivação toponímica, mecanismo conceptual e categoria
taxonômica. Essa ficha foi anteriormente apresentada no capítulo 1.
A análise, em questão, visa à compreensão dos processos histórico, ideológico,
sociocultural e psíquico que contribuíram para a formação, manutenção ou mudança dos
topônimos dos primeiros municípios do estado do Tocantins. Busca-se, também, demonstrar o
modus vivendi e a visão de mundo das sociedades anteriores em que estavam inseridos os
denominadores que fizeram as escolhas, entre tantos, de um topônimo para determinado lugar
ou acidente hidrográfico, no caso dos rios.

4.1 OS PRIMEIROS ARRAIAIS

Como já mencionado anteriormente, o denominativo Norte de Goiás, inicialmente, era


atribuído a uma região das Minas dos Goyazes – denominação com que Goiás ficou
conhecido a partir dos descobrimentos das minas de ouro, aproximadamente em 1720. Esse
termo estava ligado apenas ao aspecto geográfico que se referia à localização sequencial dos
descobrimentos auríferos que foram ocorrendo no decorrer de toda a primeira metade do
século XVIII (PARENTE, 2007).
No início da povoação dessa região, o ouro de aluvião surgia com muita facilidade em
quase toda a parte. Por essa razão, o norte goiano ficou conhecido como o lugar que mais
produzia ouro na capitania.
Os últimos anos da década de trinta foram os mais produtivos em novas descobertas,
sobretudo, nas montanhas isoladas da região norte, entre o Tocantins e o deserto da Bahia (os
gerais, como a região é conhecida pela população local): São Luiz – mais tarde Natividade –
(1734), São Félix (1736), Pontal e Porto Real (1738), Arraias e Cavalcante (1740), Pilar
(1741). Entre as décadas de 40 e 50 do século XVIII três descobertas importantes fundam os
arraiais do Carmo (1746), Santa Luzia (1746) e Cocal (1749).
99

Como o presente trabalho refere-se ao estado do Tocantins, o foco principal serão as


cidades mais antigas formadas a partir da mineração ou que de alguma forma teve relação
com essa atividade. A partir de então, fixa-se na história dos municípios tocantinenses, a
saber: Arraias, Dianópolis, Conceição, Natividade, Chapada da Natividade, Povoado do
Príncipe, Paranã, Monte do Carmo, Porto Nacional, Almas e Taguatinga19.
De acordo com Nascimento (2009), o município como ente político e jurídico
participante da estrutura administrativa do país é algo recente. Esse fato ocorreu com a
proclamação da república, em 1889, em que foram promulgadas as primeiras leis de
organização territorial. Nos períodos anteriores, colônia e império, os aglomerados urbanos
eram denominados de aldeia, arraial, vilas e povoados20 e não tinham autonomia.
Com a mudança de regime de governo as vilas e cidades foram transformadas em sede
de município. Na época, o país contava com 892 municípios, dentre esses, 32 ficavam
localizados no estado de Goiás e desses, nove apenas ficavam na parte norte do estado, a
saber: Porto Nacional, Natividade, Tocantinópolis, Paranã, Peixe, Taguatinga, Conceição,
Dianópolis e Arraias. Esse quadro foi alterado com a promulgação da Constituição Federal de
1988, que ordena a criação do Estado do Tocantins.
Pelo interesse nas antigas povoações do norte goiano, aborda-se brevemente o
percurso histórico de cada uma delas, destacando a época de formação e o possível fundador,
o motivo pelo qual foi criado e a possível justificativa dos topônimos serem como são. Faz-se
referência também às raízes religiosas, aos santos de devoção (os santos padroeiros) e às
principais igrejas.
Os arraiais formados a partir da mineração do ouro, contemplados neste trabalho,
todos se transformaram em municípios, exceto Príncipe. É conhecido como povoado do
Príncipe e fica subordinado à jurisdição do município de Natividade.
Para se criar um novo município, segue-se lei complementar Nº 01 de 09 de novembro
de 1967 que estabelece os requisitos para tal fim, além da lei complementar Nº 46 de 21 de
agosto de 1984 que fixa normas para não repetição de topônimos de cidades e vilas 21.

19
Conferir nos anexos p. 196 o mapa do estado do Tocantins com a localização desses municípios.
20
Aldeia: pequena povoação, sem jurisdição, dependente administrativamente da vila à qual pertencia. Era
formada exclusivamente de índios e administrada pelos missionários. Arraial: povoação de caráter temporário,
geralmente formado em função de certa atividade econômica. Vila: uma pequena comunidade urbana dotada de
certa autonomia política na esfera municipal, com um governo local e com câmara municipal. Povoado: um
pequeno aglomerado sem autonomia administrativa (NASCIMENTO, 2009).
21
A lei complementar nº 01 de 09/11/1976 e a Nº46 de 21/08/1984 encontram-se nos anexos p. 202 a 207.
100

4.1.1 Almas22

A cidade de Almas inicia-se com o topônimo arraial de São Miguel e Almas. Cunha
Matos (1979) informa que o arraial de São Miguel e Almas está situado a quatorze léguas ao
oriente de Natividade e contêm setenta e três casas humildes e a igreja de São Miguel, muito
pobre. Naquela época, o arraial era freguesia 23, contava com uma companhia de ordenanças e
ficava distante três léguas do Rio Manuel Alves e dez do registro do Duro.
Cazal (1817) refere-se ao local como arraial das Almas que se localiza a vinte léguas
(120 km) ao leste do arraial de Natividade, um pouco afastado do rio Manuel Alves e próximo
à estrada que dá acesso ao Duro. Os habitantes criavam gado, cultivavam vários mantimentos
e algodão.
Gardner (1975) relata que a vila de Almas estava situada em uma enseada e possuía
poucas ruas irregulares com casas baixas e de aspecto miserável, construídas de grandes
tijolos crus, de barro misturado à grama aparada e seca ao sol. Considerou o número de
habitantes em torno de oitocentos, em que a maior parte era de negros, mulatos e mestiços
resultantes da união de negros e índios. O autor inicia o relato chamando o local de vila e, em
seguida, de aldeia. Nesses termos, coloca que a aldeia tinha uma igreja em condições quase
tão ruins quanto a do Duro, e como este, não havia sacerdote que residia no local.
Segundo consta na Biblioteca do IBGE (2015), 29 de setembro de 1734 marca a
chegada dos primeiros exploradores ao local em busca de minas de ouro, tendo como
principal explorador o português Manuel Rodrigues de Araújo. Em seguida, chegou outro
português, Bernardo Homem, que se estabeleceu na região por volta do ano 1820. Dedica-se à
exploração das minas de ouro e, para isso, emprega largamente a mão de obra escrava. Apesar
de não haver registro, conforme destaca Póvoa (1999), Bernardo Homem é considerado o
fundador do arraial. Ele construiu a primeira igreja católica e trouxe de Portugal várias
imagens sacras, inclusive a de São Miguel Arcanjo, que é o padroeiro da cidade. No
imaginário católico, São Miguel Arcanjo é o protetor das almas do purgatório, vindo daí a
motivação dos topônimos São Miguel e Almas e, posteriormente, Almas.
Ao se tornar distrito pela lei provincial nº15 de 10/11/ 1854, muda a denominação para
Miguel e Almas, subordinado ao município de São José do Duro. Depois passa a pertencer ao
município de Natividade até 1937. A partir de 1938, o distrito de Miguel e Almas passa a ser

22
Conferir fotos da cidade de Almas nos anexos p. 188.
23
Freguesia: agrupamento, povoação paroquiana, paróquia (HOUAISS, 2004).
101

chamado de Almas, pela lei estadual nº557 de 30/03 e pela lei estadual nº 2.094 de 14-11-
1958 é elevado a categoria de município, desmembrando-se de Natividade.

4.1.1.1 Topônimo Almas

Quadro 9 - Classificação do topônimo Almas

Topônimo: Almas Município: Almas


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico simples (subst. alma + desin. pl. -s)
Etimologia: a palavra alma vem do latim anima,ae ‘sopro, ar, alento, o princípio da vida’
(HOUAIS, 2004). Cunha (2007) observa que alma provém do latim anǐma ‘essência imaterial do
ser humano, espírito’.
Outros topônimos: São Miguel e Almas, Miguel e Almas
Contexto Histórico: A cidade de Almas iniciou como um arraial minerador com o topônimo São
Miguel e Almas, na década de 1730, época em que chegam ao local os primeiros exploradores em
busca de minas de ouros. Almas está localizada entre Dianópolis e Natividade, municípios aos quais
foi dependente até 1958, data em que se torna munícipio.
São Miguel Arcanjo é honrado e invocado como guardião e protetor da igreja e dos agonizantes,
pois é ele quem leva as almas que deixam este mundo junto ao trono de Deus para o julgamento. A
igreja invoca-o como advogado de defesa na vida e na morte (REISER, 2008).
Motivação toponímica: São Miguel Arcanjo
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: hierotopônimo – relativo a nomes sagrados

O topônimo Almas é formado por elemento específico simples (subst. alma + desin. pl.
-s) e está inserido na categoria taxonômica de natureza antropocultural, classifica-se em
hierotopônimo por se tratar de um topônimo relacionado à religiosidade. A doutrina cristã,
católica ou protestante, considera a alma como uma entidade sagrada e imortal; a essência da
vida humana.
A motivação para a escolha desse nome vem do topônimo do antigo arraial de São
Miguel e Almas, que tinha esse nome em homenagem a São Miguel Arcanjo. O termo Almas
liga-se a esse santo, porque, na doutrina cristão-católica, Miguel é o santo protetor e defensor
das almas que deixam este mundo para levá-las a Deus para o julgamento. Com o tempo,
provavelmente, o lugar ficou sendo referido apenas por Almas e, a partir de 1938, pela lei
102

estadual nº557, esse topônimo torna-se oficial. A devoção a São Miguel permaneceu até a
atualidade como padroeiro da cidade.
Quanto ao mecanismo conceptual, destaca-se a metonímia devido à relação de
contiguidade entre a parte pelo todo, no caso, a devoção a uma entidade, a parte, estende-se ao
lugar em que moram as pessoas que se dedicam a ela. A religiosidade é uma manifestação do
espírito humano, por isso considera que o topônimo de índole religiosa está associado a essa
manifestação, isto é, a suas crenças e ideologias. Portanto, nesses casos, a relação que
aproxima o lugar e seu nome é o sentimento humano. Esse sentimento faz com que coisas
distantes aproximem-se, por meio de uma teia de simbolismos promovidos pela linguagem.

4.1.2 Arraias24

A cidade de Arraias inicialmente era conhecida como arraial de Arraias e tem esse
nome por estar situada próxima a um ribeirão abundante em espécie desse peixe. O arraial foi
formado a partir das descobertas das minas de ouro, fato ocorrido por volta de 173925. De
acordo com Apolinário (2007), as notícias do descobrimento das ricas minas de Arraias
provocou uma enorme concorrência de pessoas loucas por enriquecimento rápido, pois o
ouro, como fonte de riqueza fácil, fazia parte do imaginário dos colonizadores e também da
política da época.
Outra versão histórica para o início dessa cidade é que ela foi fundada a partir de uma
missão jesuíta chamada Boqueirão dos Tapuios, em 1733, na Chapada dos Negros. Essa
missão transformou-se em um arraial e em uma importante mina aurífera. De qualquer forma,
o ouro foi o grande responsável pelo surgimento do arraial que depois veio a se tornar a
cidade de Arraias.
Assim, a sua primeira povoação formou-se nas proximidades de um rico filão de ouro,
localizado no alto da chapada. Segundo a tradição popular local, acredita-se que antes de ser
povoada por mineradores brancos, ela fora um refúgio de negros aquilombados e, por esse
motivo ficou conhecida como “Chapada dos Negros”. Ainda nos dias atuais é possível
encontrar no alto dessa chapada vestígios do primeiro povoado tais como ruínas de casas,
regos de captação de água e muro de pedras, que são atribuídos à presença dos escravos
naquele lugar.

24
Conferir fotos da cidade de Arraias nos anexos p. 179.
25
Ferreira (1958) destaca que a descoberta das primeiras minas de ouro em Arraias ocorreu por volta de 1736.
103

A partir do descobrimento das primeiras minas de Arraias, a notícia desse fato trouxe
ao lugar grande quantidade de pessoas à procura de riquezas. Como já mencionado
anteriormente, a riqueza proporcionada pelo ouro fazia parte do imaginário dos primeiros
colonos que migraram para as terras arraianas. Essa era a mentalidade da época, tanto da
coroa portuguesa quanto dos seus súditos, o enriquecimento fácil pela exploração das terras
coloniais.
Devido ao contínuo fluxo de pessoas que chegavam ao local, dos mais distantes
lugares, o arraial cresceu de forma improvisada e descontínua. Ao fazer uma vistoria em todas
as minas de Goiás, o então Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luís de
Mascarenhas, chega a esse arraial em 1740 e ordena a transferência da população que vivia na
Chapada dos Negros para uma área um pouco afastada das minas. Em Silva e Souza (1967)
encontra-se a seguinte informação a respeito de Arraias:

Arraias. Arraial pequeno de – rico em seu princípio e no descobrimento do ouro


pobre26, foi assim chamado da abundância deste pescado que tem o seu ribeirão que
entra no Palma, foi descoberto em 1740. O Sr. D. Luiz de Mascarenhas assistiu a sua
repartição e alinhou as suas ruas. Tem a freguesia de Nossa Senhora dos Remédios.
Conserva uma companhia de cavalaria, duas de infantaria e uma de ordenanças
(SILVA e SOUZA, 1967, p.59).

Em um local próximo às escavações, em um sítio acidentado, o novo povoado


estabeleceu-se. O núcleo urbano de Arraias paulatinamente foi se constituindo, apresentando
um desenho com aspecto de marcante irregularidade. As ruas formaram-se se adaptando às
características topográficas mais favoráveis, próprias a terrenos montanhosos. Pohl (1976) faz
um relato deste local nos seguintes termos:

O pequeno Arraial de Arraias, que tira o seu nome do Rio Arraias, é cercado de
serras e construído sobre uma colina. Dois riachos fornecem boa água potável, o
Córrego Rico e o Córrego Maravilha. São auríferos e outrora davam abundante
produção. Singular é a cor pardacenta desse ouro, que, por isso, chama-se “ouro
podre”. (...) De acordo com esboços do plano, feito pelo próprio Governador Geral
Dom Luís de Mascarenhas quando aqui esteve, foi o arraial edificado em 1740. A
igreja é cercada de casas por todos os quatro lados. (...) Há uma segunda igreja,
insignificante, e sobre uma colina, vê-se uma terceira, ainda não concluída. Agora,
que a extração do ouro é pequena, os habitantes vivem da criação de gado e da
fabricação de queijo. Nas roças são cultivados algodão, milho e fumo (POHL, 1976,
p. 277).

26
Os autores denominam de ouro podre o que Sousa e Silva (1967) chama de ouro pobre. Possivelmente, quando
ele usa esse termo está referindo-se ao valor desse ouro que era mais baixo do que o ouro comum. Pohl (1976)
ressalta que a cor pardacenta do ouro podre parecia indicar a mistura com platina e que serviu para fabricação de
moedas.
104

As minas de Arraias pareciam às pessoas que para lá se deslocaram um lugar de


riquezas aparentemente inesgotáveis. Por essa época, Arraias foi um ícone de prosperidade e
riqueza no antigo norte goiano. Porém, a prosperidade dessas minas não durou muito. Em
1749, as lavras já demonstravam esgotamento (APOLINÁRIO, 2007).
Em 1792, outro acontecimento renova o espírito de euforia do povo arraiano, a
descoberta de uma nova e rica mina de ouro nas terras de Dom José Matos. O ouro
encontrado nessa mina tinha cor pardacenta e, devido a isso, a mina ficou conhecida pelo
nome de Ouro Podre. Novamente, a quantidade de pessoas ávidas por riquezas aumentam em
Arraias, nesse período. Todavia, com o passar do tempo, a mina de Ouro Podre torna-se mais
um falso reduto de prosperidade pelo seu rápido esgotamento.
Apesar de breves, os dois momentos de atividades auríferas em Arraias foram bastante
intensos. Entretanto, quase todo o ouro extraído dessas atividades destinava-se a fortalecer o
mercantilismo europeu, ficando pouco em terras arraianas. Como subsidiária da mineração, a
pecuária esteve sempre presente nos arraiais do norte goiano. Quando o ouro deixa de ser a
base da economia local, os antigos mineiros dedicam-se à economia de subsistência, voltada
para a lavoura e a pecuária. Em Arraias, desenvolveu-se principalmente a pecuária que logo
se tornou a opção da população para superar a crise e, atualmente, representa a principal
atividade econômica do município.
Apolinário (2007) presume que havia nesse local uma população escrava estimada em
dez mil negros no período áureo do garimpo. A autora afirma que, a partir da ocupação inicial
e no decorrer do século XVIII, a cidade de Arraias recebeu escravos de dois grandes grupos
linguísticos africanos, a saber: sudaneses e bantos. Segundo a autora, os sudaneses eram
comprados na Bahia e vinham em comboios do recôncavo baiano, via sertão do São Francisco
em direção a Arraias. Os banto, por sua vez, eram adquiridos no porto do Rio de Janeiro,
procedentes da África Central, cuja costa se estende do golfo da Guiné à África meridional, na
direção norte-sul.
A primeira denominação desse local, nos primórdios da mineração, foi arraial de
Arraiais. Em seguida, muda-se para Povoado de Nossa Senhora dos Remédios de Arraias
que, em 1807 eleva-se à categoria de vila e, em 1914, à cidade.
Arraias é conhecida como “Cidade das Colinas” por ser cercada por serras que
proporcionam a ela um aspecto muito particular. Na arquitetura da cidade predomina o estilo
colonial português e em suas casas mais antigas encontram-se gravadas as iniciais dos
patriarcas das famílias e o ano de construção. O viajante naturalista escocês George Gardner,
que esteve em Arraias por volta de 1840, comenta que:
105

A Vila de Arraias está agradavelmente situada em um recôncavo no tabuleiro da


Serra: é cercada de todos os lados por baixas colinas de relva, com poucas moitas e
pequenas árvores. As mais altas destas colinas ficam ao nordeste da vila e por trás
delas flui belo ribeiro que em todas as estações do ano a supre de água (GARDNER,
1975, p.168).

Esse município conta com grande potencial turístico ainda pouco explorado. Como
atrativos naturais, têm-se a Chapada dos Negros com suas ruínas de casas, muralhas e
galerias, as grutas da Lapa. Têm-se também as festas religiosas em homenagem a santos
católicos, como a Romaria de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira da cidade, Santos Reis,
São Sebastião e a Festa do Divino, propicia, também, o contato intenso com quilombolas.
Esses atrativos formam o patrimônio histórico-cultural desse local.

4.1.2.1 Topônimo Arraias

Quadro 10 - Classificação do topônimo Arraias

Topônimo: Arraias Município: Arraias


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico simples (próclise de a- + subst. raia + desin. pl. -s)
Etimologia: Em Houaiss (2001), do latim rāia ou rāja, ae ‘espécie de peixe do mar’. A prótese
provavelmente seja devido à junção do artigo feminino permanecendo ‘arraia’ na linguagem não
científica. Designação comum dos peixes elasmobrânquios, de corpo achatado, boca e fendas
branquiais situadas na face ventral, nadadeiras peitorais muito desenvolvidas, em forma de asas. A
cauda longa é provida de dois ou mais ferrões peçonhentos com farpas recurvadas. Podem ser
encontradas em águas doces e salgadas. No Brasil, são reconhecidas 30 espécies desse tipo de peixe
(AURÉLIO, 2004).
Outros topônimos: Chapada dos Negros, arraial de Nossa Senhora dos Remédios de Arraias
Contexto Histórico: A cidade de Arraias tem esse nome por estar situada próxima a um ribeirão
abundante em espécie desse peixe, a raia. O arraial foi formado a partir do descobrimento das minas
de ouro, que ocorreu por volta de 1739. O Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luís de
Mascarenhas, chega a esse arraial em 1740 e ordena a transferência da população que vivia na
Chapada dos Negros para uma área um pouco afastada das minas, que é o local atual da cidade de
Arraias.
Em 16 de agosto de 1807, o arraial de Nossa Senhora dos Remédios de Arraias foi elevado à
condição de Julgado, que, em 18 de março de 1809, foi citado no Alvará de D. João VI criando a
Comarca do Norte. Em 1º de abril de 1833, foi elevada à categoria de vila, instalada em 3 de
fevereiro de 1834. Em 1º de agosto de 1914, Arraias foi elevada à categoria de cidade, instalada em
106

19 de setembro do mesmo ano (FERREIRA, 1957).


Motivação toponímica: Nome do peixe que havia em abundância no pequeno rio que corta a
cidade, a raia, popularmente é chamado de arraia.
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: Zootopônimo - topônimo de índole animal

O topônimo Arraias foi motivado pelo rio de mesmo nome que atravessa a cidade.
Nesse rio, como em outros no estado, o peixe raia, mais conhecido como arraia, era
abundante. Provavelmente, o rio Arraias teve muita importância para a formação do lugar,
uma vez que os antigos aglomerados humanos foram constituídos sempre próximos aos
cursos d’águas para o abastecimento do líquido e como fonte de alimento. No caso do lugar
em questão, além dessas razões, acrescenta-se a busca pelo ouro que era retirado dos rios e
córregos, o chamado ouro de aluvião. Conforme já exposto, Arraias foi um núcleo minerador
e sua formação decorreu dessa atividade. Apesar das atividades mineratórias que deram
origem ao lugar, o denominador foi impressionado pelo aspecto físico para nomeá-lo
demonstrando a cosmovisão do homem ligado à terra e à natureza.
No decorrer da sua existência e das mudanças socioeconômicas e históricas, passa de
arraial para vila e depois para cidade, mas o nome foi relativamente mantido. No início do
século XIX, o termo Arraias estava ligado a Nossa Senhora dos Remédios, cuja devoção
ainda se mantém forte em que é reverenciada como padroeira local. Megale (1980, p. 325),
citando Santo Tomás de Villanova, diz que “Maria é o único remédio para todos os nossos
trabalhos, todas as nossas angústias e todas as nossas necessidades”. De acordo com a autora,
o povo, conhecedor dessa verdade, deu vários títulos à Maria, tais como: medicina do Mundo,
Saúde dos Enfermos, Senhora da Saúde e Nossa Senhora dos Remédios. Este último
popularizou-se na Lusitânia, vindo depois para o Brasil.
O topônimo Arraias é formado por elemento específico simples, acrescido da prótese
de a- e -s plural. Está inserido na categoria taxonômica de natureza física e classificado como
zootopônimo por ser um topônimo resultante de espécie animal. Destaca-se como uma
denominação espontânea motivada pelo meio ambiente sem imposição oficial, pelo menos
inicialmente. Quanto ao mecanismo conceptual, a presença do processo metonímico é
facilmente percebido, pois há uma relação de contiguidade em que a espécie de peixe que
havia em abundância no rio denominou-o e essa denominação estende-se para o nome do
lugar.
107

4.1.3 Chapada da Natividade

A cidade de Chapada da Natividade foi também um núcleo de mineração, ou seja, um


arraial como as demais cidades desse ciclo. Nessa época, era conhecida como arraial da
Chapada. De acordo com Cunha Matos (2004, 1979), o arraial da Chapada foi fundado em
1740, próximo ao córrego da Praia, em um terreno elevado, a duas léguas (12 km) do arraial
de Natividade. Ele relata que o arraial foi muito extenso e, naquele momento, ainda havia
várias “casas boas”. O autor continua seu relato afirmando que o arraial da Chapada possuía
74 casas e a formosa igreja de Sant’Ana com três altares e muitas peças de prata, e estavam
construindo a igreja do Rosário. Refere-se também ao capitão João Batista da Cruz Montes,
comandante do distrito que o hospedou com grande magnificência.
Interessante comentário do autor a respeito desse arraial ao fazer menção à existência
de um chafariz que na época estava seco. É realmente de admirar com o fato, pois o arraial
ficava muito distante das vilas importantes, por exemplo, da capital Vila Boa, e mesmo assim,
possuía um artigo de luxo como esse. Percebe-se que esse objeto reflete o período de riqueza
e opulência que o ouro proporcionou ao arraial de Chapada. Pela falta de mão de obra escrava
para continuar a extração do ouro, o arraial perde a prosperidade econômica decorrida dessa
atividade, empobrecendo-se.
O naturalista escocês George Gardner, que esteve nessa região em 1840 (1975), relata
que, estando hospedado em Natividade, foi diversas vezes ao arraial da Chapada. Este tinha,
aproximadamente, a metade do tamanho daquele e estava situado em terras baixas e planas,
chamadas de chapada, de onde vem o nome do lugar. Nas palavras do autor, a região
circunvizinha, inclusive a de Natividade, tinha sido muito revolvida à procura de ouro. No
entanto, quem antes empregara seus escravos nesse trabalho achava mais proveitoso empregá-
los em algo mais rentável como nas plantações. Gardner presenciou alguns “pretos velhos
forros” que ganhavam escasso meio de vida com a lavagem de ouro.
Gardner (1975) comenta a hospitalidade dos moradores principalmente do capitão
Batista, provavelmente, uma pessoa muito influente econômica e politicamente do lugar.

Em minhas visitas a esse lugar fui sempre hospitaleiramente acolhido pelo capitão
Batista, português idoso ali estabelecido desde muitos anos e sogro do proprietário
da fazenda Sociedade. Falava frequentemente de Pohl e Burchell, ambos os quais se
demoraram algum tempo em Arraial e de quem parece ter sido íntimo (GARDNER,
1975, p. 160).
108

O autor comenta também que suas visitas ao arraial da Chapada renderam-lhe grandes
acréscimos de vegetais às suas coleções, já que as montanhas calcárias próximas ao local são
muito ricas em plantas.
Pohl (1974) relata também que esteve no arraial da Chapada da Natividade, e que este
se situava sobre uma pequena colina, distante duas léguas (12 km) do arraial de Natividade.
Ele calcula que esse arraial possuía 60 casas de tijolos cozidos e cobertas de telhas,
destacando-se pelo tamanho e aparência a casa do comandante de Natividade. Em toda parte,
percebeu vestígio da extinta opulência dos habitantes, porém, naquele momento,
encontravam-se em situação econômica decadente. Refere-se à igreja de Santana, que estava
em ruínas, e à construção da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

A única riqueza que deu renome a este arraial proveio naturalmente da extração do
ouro, que era tirado da terra argilosa de aluvião dos riachos. Atualmente, também
neste local se queixam de que, como em toda parte, diminuiu a produção do ouro, e
isso é natural, pois aqui atuaram negativamente as mesmas causas que levaram à
decadência tantos de outros estabelecimentos semelhantes (POHL, 1976, p.270).

E duas causas principais a que se refere o autor é a falta de mão de obra servil, já que a
maioria dos escravos morreu e não podia ser substituída. Além do esgotamento do terreno
aluvial que já se encontrava escavado em todas as direções. É importante recordar que para a
sociedade colonial o trabalho braçal era reservado aos escravos, mesmo com a possibilidade
de ainda encontrar o metal precioso, não se empenhavam nessa labuta homens livres, apesar
de empobrecidos.
Constata-se uma diferença de olhar entre a descrição de Pohl (1976) e a de Cunha
Matos (2004) em relação às casas e à igreja de Santana27. O que para aquele eram ruínas e
decadência, para este era boa e bela. Cunha Matos (2004) destaca que “o arraial de Chapada o
qual é muito extenso e ainda têm várias boas casas; a igreja de Santa Ana com três altares,
muitas peças de prata, e excelentes ornamentos (p.184)”. Pohl (1976, p. 270) imbuído da
visão etnocêntrica europeia da época, sobressai no seu relato a sua percepção baseado no
modelo de cidade europeia. Assim, comenta que “todo o lugar revela vestígios da extinta
opulência dos habitantes, hoje se encontra em total decadência; a Igreja de Santana está quase
em ruínas”.
Atualmente a cidade de Chapada da Natividade conta com uma população em torno
de 3.363 habitantes conforme o censo do IBGE de 2014. Em 28 de setembro de 1995 torna-se
município independente do de Natividade.

27
Ver a igreja de Santana nos anexos p. 183.
109

4.1.3.1 Topônimo Chapada da Natividade

Quadro 11 - Classificação do topônimo Chapada da Natividade

Topônimo: Chapada da Natividade Município: Chapada da Natividade


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico composto (subst. chapada + prep. de + art. a +
subst. natividade)
Etimologia: Particípio feminino do verbo chapar que provém de uma base *klappa de origem
incerta (CUNHA, 2007; AURÉLIO, 2004). Chapada quer dizer superfície plana com vegetação
de campo e cerrado (PÓVOA, 2002). Conforme Aurélio (2004), esplanada no alto de um monte,
de uma serra, mas também é qualquer planície de vegetação rasa, sem arvoredo. O termo
Natividade relaciona-se ao nascimento da Virgem Maria ou ao de Jesus Cristo ou dos Santos. A
origem da palavra natividade vem do latim nativitas, atis, que dizer nascimento, (HOUAISS,
2001).
Outros topônimos: arraial da Chapada, Santana da Chapada
Contexto Histórico: A cidade de Chapada da Natividade foi fundada em 1740, próximo ao
Córrego da Praia, nas proximidades do arraial de Natividade, lugar muito rico em ouro e sua
população, mesmo pequena, exibia opulência com casas confortáveis e a igreja de Nossa Senhora
Santana com três riquíssimos altares (CUNHA MATOS, 2004). Com o fim da mineração,
segundo Póvoa (1999), a economia do arraial entra em declínio, não por falta do ouro, mas de
braços escravos para fazer o serviço de extração. Município criado em 28 de setembro de 1995 e
instalado em 1º de janeiro de 1996. Até essa data era distrito de Natividade. O nome do
município existe pelo menos desde 1780, com a instalação do posto de contagem 28 de Chapada
da Natividade (IBGE, 2015).
Motivação toponímica: o local plano em que se localiza a cidade, isto é, a “chapada” e a
proximidade da cidade de Natividade, em que era distrito até 1996.
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: Geomorfotopônimo – topônimo resultante de forma topográfica
Hierotopônimo – topônimo relacionado ao sagrado

O topônimo Chapada da Natividade é formado por elemento específico composto.


Está incluso na categoria taxonômica de natureza física e classificado como um
geomorfotopônimo por ser resultante de forma topográfica, a saber, chapada.

28
Da mesma maneira como os "registros" fiscalizavam o ouro, "contagens" eram especializadas na tributação de
gado e outros animais (IBGE, 2015).
110

A motivação toponímica provém do local plano em que se localiza a cidade e a


proximidade com a cidade de Natividade, a cuja sede administrativa pertencia, além de
apresentar o aspecto religioso desse termo. Por isso, esse topônimo pode ser também
classificado como um hierotopônimo. Nessa cidade, reverencia-se Sant’Ana, mãe da Virgem
Maria, a cuja natividade se refere. Como um ato de devoção a essa santa, por um curto
período, entre os anos 1933 a 1938, o local teve o topônimo mudado para Santana da
Chapada (IBGE, 2015). Por ter sido um núcleo mineratório, formado ainda nos tempos
coloniais, a presença da fé e das crenças religiosas na formação dos nomes de lugares era
constante. Na formação desse topônimo, o aspecto da natureza, com força suficiente para
manter desde os primórdios do antigo arraial do ouro até a atualidade (a chapada), junta-se ao
aspecto religioso, refletindo as crenças do denominador e o simbolismo do espírito humano.
Entende-se que foi uma denominação espontânea por corresponder à especificidade
do local, do homem impactado pelo meio ambiente circundante. O processo metonímico
apresenta-se como mecanismo conceptual que estar por trás da escolha do topônimo Chapada
da Natividade, pois há um prolongamento do aspecto do lugar para a denominação, em que
pode usar o nome para identificar tanto o acidente geográfico (chapada) quanto à cidade
(Chapada).

4.1.4 Conceição do Tocantins

O antigo arraial de Conceição, segundo Cunha Matos (2004; 1979), foi edificado no
ano de 1741, em um local próximo a alguns montes de nome Bocaina que possuíam bastante
ouro. Na ocasião em que o autor passou pelo local ainda havia muito desse metal precioso,
mais abundante do que em outros distritos da província. Por essa época, o arraial de
Conceição já era cabeça de julgado, era extenso e possuía 70 casas, algumas consideradas
boas e a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição29 e a do Rosário, ambas pequenas e
com um altar. Cunha Matos considerou o arraial aprazível, mas com um grande problema de
falta de água, culpando por isso o desleixo dos habitantes. Como era militar, não deixou de
informar que no local havia uma brilhante companhia de cavalaria e outra, não menos
brilhante, de infantaria, uma de Henriques e uma de ordenanças. O autor faz a seguinte
observação quanto a população local: “de todos os arraiais por onde tenho transitado em
Goiás, o da Conceição é aquele em que há menos gente branca; mas os pardos e pretos são

29
Ver a igreja de Nossa Senhora da Conceição e da cidade nos anexos p.190.
111

limpos e bem apessoados” (2004, p. 180). E acrescenta que a riqueza do povo era ouro e a
criação de gado vacum nos excelentes pastos do julgado.
Azevedo (1987), pela época em que foi escrito seu anuário, refere-se ao local como
vila da Conceição e reafirma a data da fundação para 1741. Ressalta que essa vila possuía
muito ouro e que para lá foram muitos aventureiros em busca do metal precioso. Eles
construíram a capela de Nossa Senhora da Conceição, elevada à categoria de freguesia pela lei
provincial de 23 de junho de 1835. O arraial da Conceição foi elevado à vila pela lei de 14 de
Outubro de 1854, sendo instalada em abril do ano seguinte. Esse autor reitera o que Cunha
Matos expôs sobre o arraial com relação às igrejas e o local de edificação, mas comenta
também que, se a vila teve alguns momentos de prosperidade, teriam sido passageiros, pois o
que se via era o empobrecimento da população.
Para realçar essa ideia, descreve a vila em que esta era composta de casas construídas
de adobe, não assoalhada e nem forrada, com ruas desalinhadas e sem calçamento, cobertas de
arbustos e capim como as taperas. Na estação das chuvas, as ruas transformavam-se em
brejos. Descreve seus habitantes como pálidos por causa das febres crônicas paludosas que
anualmente os acometiam. Ressalta ainda que não havia gente branca, por elas não
suportarem a insalubridade do clima.
Interessante ressalva desse autor com relação aos habitantes do local é que eles seriam
obedientes às leis, alegres e oficiosos, mas observa que falavam o português com um sotaque
e inflexão própria dos baianos, com quem eles fazem comércio.
Com relação à água que abastece a cidade de Conceição do Tocantins, é consenso na
bibliografia consultada afirmar que é escassa e de má qualidade.
Pohl (1976), que passou pelo arraial de Conceição alguns anos antes de Cunha Matos,
refere-se ao local como sendo um insignificante arraial localizado em uma região
extremamente pedregosa e seca, fundada no período de abundante extração do ouro, em 1741.
Conta que o lugar possuía duas igrejas e que o vigário, que deveria morar em Vila da Palma,
morava nesse arraial devido à igreja daquela vila ter sido destruída pelos índios, em 1783.
Com a extração de ouro, os habitantes do arraial da Conceição desfrutaram de riqueza, porém,
por falta de braços – certamente dos braços dos escravos – e de água, essa fonte de renda tinha
secado. Eles viviam da criação de gado, praticando pouco a agricultura. O número de casas
aproximava-se de oitenta, na época.
Quando da passagem do Barão de Mossâmedes pelos anos de 1771 a 1773, no seu
diário, registra que havia muito pouca gente no arraial da Conceição, no entanto, este era um
julgado devido às distâncias de um julgado para outro. Estava situado em local muito estéril,
112

observando que, na distância de onze léguas, os seus animais não molharam as ferraduras. De
acordo com esse diário, o Barão foi recebido com ostentação que se igualava ao tamanho do
local. Como era cortês com todos, agradeceu muito o cortejo. Por ser um lugar pequeno e
haver pouco trabalho a ser feito, retirou-se, em seguida, para o arraial de Arraias (PINHEIRO;
COELHO, 2006).
Quanto à formação administrativa, o arraial foi elevado à condição de vila de
Conceição do Norte, em 1854. Perdeu parte de seu território em 1884 para a criação da Vila
de São José do Duro, à qual fica subordinada até 1963 quando recupera a autonomia e torna-
se, pela Lei Estadual nº 4.486, município de Conceição do Norte (IBGE, 2015). Após a
divisão do estado de Goiás, o termo “Norte” foi substituído por “Tocantins” de acordo com o
Decreto Legislativo nº 001, de 01 de janeiro de 1989.

4.1.4.1 Topônimo Conceição do Tocantins

Quadro 12 - Classificação do topônimo Conceição do Tocantins

Topônimo: Conceição do Tocantins Município: Conceição do Tocantins


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: Elemento composto híbrido (subst. [português] conceição + prep. de + art.
o + subt. [tupi] tocantins).
Etimologia: conceição vem do verbo conceber, gerar, do latim concipere. Conceição ‘origem a’
(conceição da Virgem Maria). Por extensão a festa comemorativa dessa concepção (CUNHA,
2007). Além dessas acepções, Houaiss (2001) relaciona ao dogma da concepção sem pecado da
Virgem Maria. E por metonímia, ordem militar portuguesa instituída por Dom João VI, em 1818,
que tinha obrigação de zelar pelo dogma e pelo culto da Imaculada Conceição de Maria. Acresce-se
ao vocábulo Conceição, o termo Tocantins que se refere ao grupo indígena que teria habitado junto
à foz do rio Tocantins-PA. Em Sampaio (1901), encontra-se o termo tucantins corr. tucam-tim, que
quer dizer nariz de tucano, ponta de tucano, que deu seu apelido ao rio.
Outros topônimos: Arraial da Conceição, Conceição do Norte
Contexto Histórico: Tudo começou com o arraial da Conceição em 1741, fundada em local
agradável e muito rico em ouro, possivelmente, o arraial mais rico em ouro da Província de Goiás,
mas com escassez de água. Era cabeça do julgado do mesmo nome. Cunha Matos (1824), observa
que possuía 70 casas e sua população era quase toda formada por negros e pardos. A riqueza do
povo era o ouro e a criação de gado vacum nos excelentes pastos do julgado. O arraial foi elevado a
vila de Conceição do Norte em 1854. Em 1963, pela Lei Estadual nº 4.486, torna-se município de
113

Conceição do Norte (IBGE, 2015).


Motivação toponímica: Nossa Senhora da Conceição
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: hierotopônimo – relativo a nomes sagrados

O topônimo Conceição do Tocantins encontra-se incluso na taxonomia de natureza


antropocultural e classifica-se em hierotopônimo por se tratar de nome sagrado. É uma das
mais antigas devoções marianas, a de Nossa Senhora da Conceição, que, desde os primórdios
da colonização brasileira, tem sido muito produtiva na toponímia, a forma específica
Conceição (DICK, 1990). Esse termo aparece como topônimo simples ou, como na maioria
das vezes, com um determinativo, no caso do topônimo em estudo, Tocantins.
O topônimo, na sua formação lexical, é considerado elemento composto específico
híbrido, uma vez que as partes que o compõem são de origens linguísticas diferentes. Sendo
Conceição, um nome português de origem latina, significa conceber e está relacionado à
concepção da Virgem Maria.
Já Tocantins é de origem Tupi, refere-se ao nome de uma tribo indígena, que quer
dizer ‘nariz de tucano’. Esse termo nomeia o rio, o estado e está adjacente em outros nomes
de cidades, formando um especificador para distinguir a que estado da federação pertence tal
lugar, já que alguns topônimos são repetidos em outros estados. Assim, fica claro que
Conceição é do Tocantins.
A motivação toponímica refere-se à devoção do denominador por Nossa Senhora da
Conceição. Isso fica evidente pelo histórico da cidade, quando os primeiros viajantes passam
por ela e relatam sobre a construção da igreja dedicada à santa, a qual está preservada até os
dias atuais. Mesmo com o passar dos tempos, Nossa Senhora da Conceição continua
reverenciada pela população local, sendo a padroeira da cidade.
Conforme Megale (1980, p. 112), “muitos séculos antes de a Igreja Católica proclamar
o dogma da Imaculada Conceição de Maria, o povo já reconhecia a pureza da Mãe de Deus,
concebida sem a mancha do pecado original e celebrava sua festa a 8 de dezembro”. Em
1640, segundo a autora, D. João IV oficializou o culto a Nossa Senhora da Conceição, em
Portugal. Após seis anos, dedicou a ela todo o reino português. No Brasil, a sua imagem veio
em uma das naus de Pedro Álvares Cabral, tornando-se depois a padroeira da colônia e do
Império brasileiro. Percebe-se que a devoção a Nossa Senhora da Conceição está arraigada
em nosso país desde os primórdios da colonização, permanecendo até os dias atuais tanto na
114

toponímia quanto na antroponímia, uma vez que o termo Conceição é encontrado em todas as
regiões do país nomeando lugares e pessoas, além de capelas, igreja e santuários dedicados a
esse orago.
Em se tratando do mecanismo conceptual, pode ser considerado um topônimo
metonímico por apresentar a relação entre o espaço e a experiência humana (o sentimento
religioso) em que o nome do santo padroeiro é utilizado para denominar o lugar. Assim, há
uma relação de contiguidade em que parte (santo) nomeia o todo (o lugar). Com isso,
percebem-se também as características de signo indexical, visto que o nome do santo está
associado ao lugar ou vice-versa, indicando que um faz parte do outro, está em adjacência ao
outro.
Quanto à mudança de nome, percebe-se que o termo Conceição manteve-se ao longo
dos séculos de formação do lugar. O que mudou foi o termo específico que indica a
localização. Antes da divisão do estado de Goiás, era Norte, indicando a região desse estado
em que ficava localizada. Após a criação do estado do Tocantins, o termo Tocantins substituiu
o Norte. Assim, a sistematização do nome encontra-se desde o início, indicando que a
devoção dos primeiros moradores a Nossa Senhora, como força motivadora para tal escolha,
resistiu ao tempo. Além disso, representa uma herança de um patrimônio sociocultural
português, preservado na toponímia e na antroponímia brasileiras.

4.1.5 Dianópolis30

Dianópolis é uma das cidades mais antigas do estado do Tocantins e sua formação está
ligada tanto às minas de ouro como também aos aldeamentos dos indígenas que habitavam a
região. Ferreira (1958) relata que o povoamento de Dianópolis é muito remoto, foi fundado
em 1750 a partir da aldeia dos índios Acroá, descendentes dos Jê centrais. As razões para o
aumento da população foi a descoberta das minas de ouro, como a Tapuia que ainda existe na
zona urbana. Para esse autor, o primeiro topônimo foi São José do Ouro que, por corruptela,
mudou para São José do Duro, passando antes por D’ouro. Saint-Hilaire (1975) também
comenta sobre essa mudança linguística em nota de rodapé, ao se referir à aldeia do Duro.
Segundo Póvoa (1999), Dianópolis foi o antigo arraial do Duro fundado por volta de
1751, em consequência de aldeamento. Era um povoado pequeno e pouco habitado,
constatado no dicionário topográfico do Império do Brasil de José Saturnino da Costa Pereira

30
Conferir fotos da cidade de Dianópolis nos anexos p. 185.
115

(1854), situado ao norte da Capitania de Goiás, atual estado do Tocantins, no topo da Serra
Geral. O autor exagerou um pouco ao usar o termo topo, visto que a cidade encontra-se
próxima a essa serra.
Ligada ao arraial, estava a aldeia de São José do Duro. Cunha Matos (2004) informa
que ela estava assentada perto da serra do mesmo nome, serra do Duro, de onde proveio o
nome do arraial e da aldeia. Fundada em 1751 para habitação dos índios Acroá, Xacriabá,
Aricobé, Caiapó e Tupinambá, que também povoaram a aldeia de São Francisco Xavier da
Formiga, destruída pelos Acroá antes da fundação do Duro. Os diretores responsáveis por
essas aldeias foram os religiosos da Companhia de Jesus.
Na época em que Cunha Matos passou pela aldeia, esta tinha uma população de 36
fogos ou famílias, compostas de 201 pessoas. Conforme o autor, em 1823 tinha recebido uma
relação dos descendentes dos primeiros indígenas aldeados. Essa relação constava de 49
Acroá, 6 Aricobé, 6 Caiapó e 6 de língua geral ou tupinambá com idade entre 17 e 60 anos.
Além dos índios, existiam no território da aldeia várias famílias não índias que foram viver ali
em completa “ociosidade”.
Cunha Matos relata que existia na aldeia uma capela dedicada a São José, que era
assistida pelo vigário José Cardoso de Mendonça que também cuidava da paróquia de São
Miguel e Almas. À distância de três léguas da aldeia de São José do Duro, existiu a aldeia de
Formiga. As duas pertenciam à Missão de São Francisco Xavier. Missão religiosa que
cuidava da administração espiritual dos índios, dirigida pelos jesuítas, tendo como objetivo
produzir alimentos para o consumo dos dois aldeamentos já existentes, bem como para os
outros que se formassem.
Já o registro do Duro ficava a uma légua (6 km) da aldeia de São José, na garganta da
serra do Duro, na entrada para as províncias do Maranhão, Bahia e outras. No registro, havia
uma Tropa de Linha de Goiás que servia de casa de arrecadação dos direitos de entradas de
mercadorias e de fiscalização das rendas de saída do gado e outros gêneros de exportação.
No diário do Barão de Mossâmedes, encontra-se a seguinte informação a respeito do
Registro e da Aldeia do Duro.

Ex.ª intentou hir ao Regº. do Duro; porem como veio ao Arrayal da Nativid e. o vigro.
e o capitam Roque Regente do Indios, que ali ainda se conservão aldeados; dezistio
desta ideia. Mandou S. Exª. fardar a sua custa o capitam Roque (Indio da Nação
Gougué) (...), e a bem disto mandou pelo vigário hum precioso[?] presente aos
outros Indios de ferramentas pª. a fabrica das suas lavouras (2006, p.115).
116

Atualmente, a aldeia de São José do Duro transformou-se em um pequeno povoado


próximo à cidade de Dianópolis conhecido como Missões, contendo algumas casas e uma
capela, para onde vão muitos romeiros todos os anos para as festas de São José das Missões e
do Divino Espírito Santo. A aldeia de Formiga tornou-se a cidade de Pindorama (PÓVOA,
1999).
Anteriormente, existiu entre a aldeia do Duro e arraial da Conceição o da Taboca, a
que Cunha Matos, em 1824, refere-se como extinto, fazendo menção porque constava nos
mapas. No entanto, Póvoa (1999) indica que esse antigo arraial, apesar de ser considerado
extinto, o tempo não apagou seus vestígios. Com o nome de Sicupira (ou Sucupira),
anualmente recebe nos primeiros dias de agosto muitos fiéis e romeiros para a festa de Nossa
Senhora do Rosário e do Divino, cuja igreja foi a única construção que restou do antigo arraial
da Taboca.
A origem da romaria da Sucupira, como a do Bonfim, é lendária. De acordo com o
imaginário local, a imagem de Nossa Senhora do Rosário foi encontrada por um vaqueiro
entre os galhos de Sucupira (árvore típica do cerrado). Em outra versão, a imagem foi
encontrada incrustada no tronco dessa árvore. A partir desse acontecimento, constroem-se
uma capela para abrigar a imagem e começam uma peregrinação anual, transformando-a
depois em uma romaria.
Em 1854 o arraial já era distrito de paz, elevado à categoria de vila, pela resolução nº
723 de 26.08.1884 com a denominação de São José do Duro, desmembrado do município de
Conceição (depois Conceição do Norte). Por decreto-lei, a vila de São José do Duro eleva-se à
categoria de cidade em 1938, com o nome de Dianópolis, em homenagem a quatro pessoas do
lugar, mulheres consideradas de prestígio, chamadas Custodiana, mas conhecidas como
‘Diana’.
Essa cidade foi palco da guerrilha retratada no livro O tronco de Bernardo Elis e no
livro Quinta-Feira Sangrenta do escritor dianopolino Oswaldo Póvoa.

4.1.5.1 Topônimo Dianópolis

Quadro 13 - Classificação do topônimo Dianópolis

Topônimo: Dianópolis Município: Dianópolis


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: Elemento simples formado pela base que é um nome pessoal ‘Diana’ + o
117

sufixo -polis. (subst. diana + suf. -polis)


Etimologia: Diana provém do latim diana, ae ‘deusa da noite, da lua, da caça’ (HOUAISS, 2001) e
-polis do grego pólis, eos ‘cidade’. Diana também significa a brilhante, a divina. Personagem
mitológica (GUÉRIOS, 1981).
Outros topônimos: arraial do Duro, vila de São José do Duro
Contexto Histórico: Segundo Póvoa (1999), esta cidade foi fundada por volta de 1751 devido ao
aldeamento dos indígenas que habitavam na região, Xacriabá e Acroá. Inicialmente, era um
povoado pequeno e pouco habitado situado no topo da Serra do Duro na Província de Goiás, distrito
de Natividade, como afirma Pereira (1834), com o nome de arraial do Duro. Em 1854 o arraial já
era distrito de paz, elevado à categoria de vila, pela resolução nº 723 de 26.08.1884. Por decreto-lei
a vila de São José do Duro foi elevada a categoria de cidade em 1938, com o nome de Dianópolis,
em homenagem a quatro pessoas do lugar, mulheres consideradas de grande prestígio por nome de
Custodiana e conhecidas como ‘Diana’.
Motivação toponímica: as Dianas (Custodianas)
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antrocultural: Antropotopônimo – relativo a nome de pessoa

A motivação toponímica para Dianópolis foi em homenagem a quatro mulheres de


nome Custodiana, conhecidas como Diana, que eram de famílias “tradicionais” da cidade, a
saber: Custodiana Costa Ayres, Custodiana Leal Rodrigues, Custodiana Nepomuceno Wolney
Araújo e Custodiana Wolney Póvoa. Ao nome Diana foi acrescido o sufixo -polis, de origem
grega, muito produtivo na toponímia brasileira, que significa “cidade”, ou seja, cidade das
Dianas.
Anteriormente, o topônimo atribuído a essa localidade era Duro. Inicialmente, o
arraial do Duro, em seguida, ao se tornar vila é batizada com o hagiotopônimo São José do
Duro, permanecendo até 1938 quando é elevada a cidade com o topônimo Dianópolis. O
termo Duro, para alguns autores, advém da serra que se encontra próxima à localidade, Serra
do Duro. Essa serra é a Geral ou Espigão Mestre que faz divisa com o estado da Bahia. Para
outros, esse termo é a mudança de São José do Ouro para D’ouro e depois Duro, caso que
contraria as regras do português brasileiro, em que há uma tendência à monotongação de [ou]
< [ o] e não [u]. Quanto ao termo São José, está presente na nomeação desse lugar desde os
tempos em que era território de aldeamento dos indígenas Acroá e Xacriabá. Com a mudança
toponímia, o aspecto religioso desaparece do topônimo, mas o sentimento de devoção a São
José permaneceu, consagrando-o como padroeiro do lugar.
118

A mudança toponímica de São José do Duro para Dianópolis representa o que Dick
(1990) ressalta sobre as denominações sistemáticas, por imposição de uma autoridade ou
daqueles que têm o poder do mando, distanciando-se das realidades ambientais ou do gosto
popular. Em um primeiro momento, percebe-se a força da religião como fator motivador do
nome e em seguida, a força política das oligarquias locais. Nesse sentido, pode-se afirmar que
a toponímia tem a função, além de outras tantas, de afirmação do poder político, ideológico e
sociocultural. Ou seja, “batizar um lugar não significa apenas posse (capitação mental/física),
referência, orientação, mas também ideologia e visão de mudo” (SEEMANN, 2005, p. 221).
O topônimo Dianópolis encontra-se incluso na taxonomia de natureza antropocultural
e classifica-se em antropotopônimo, por se tratar de nomes de pessoas atribuídos a lugar. É
constituído por elemento específico simples, com terminação em -polis. Quanto ao
mecanismo conceptual, apresenta o processo metonímico por constar, na atribuição do nome
de pessoa ao lugar, uma relação de contiguidade existencial no espaço, pois as pessoas cujo
nome foi transformado em topônimo nasceram e cresceram nesse lugar, fizeram parte da sua
história. Como signo linguístico, tem alto grau de indexicalidade, já que Dianópolis indica o
lugar das Dianas ou o lugar em que viveram.

4.1.6 Monte do Carmo31

A cidade de Monte de Carmo teve como primeiro topônimo apenas Carmo. Segundo o
Dicionário Topográfico do Império do Brasil, de José Saturnino da Costa Pereira, de 1834,
Carmo era um pequeno arraial da Província de Goiás, no distrito de São João das Duas
Barras, povoado em razão das suas minas de ouro, descoberto em 1764 por Manoel Sousa
Ferreira. Possivelmente um erro na ordem dos números, pois em Pohl (1976, p. 266),
encontra-se a seguinte afirmação: “como tantas outras povoações semelhantes, este arraial
deve sua origem à cobiça do ouro. Foi fundado em 1746 por Manuel de Sousa Ferreira”.
Ainda de acordo com Pohl (1976), como os outros povoados, o arraial do Carmo
estava em ruínas, uma vez que para a exploração das minas, os habitantes precisam de
escravos para realizar o trabalho. Anteriormente era um lugar populoso e abastado por causa
das ricas lavras de ouro. Esse arraial ficava próximo à serra Geral e era rodeado por serras em
semicírculos. Possuía 150 casas, na maioria, construídas de tijolo queimado e cobertas de
telhas. Segundo ele, era por causa dos ataques dos índios que incendiavam os telhados de

31
Conferir fotos da cidade de Monte do Carmo nos anexos p. 189.
119

palha. Relata que as igrejas de Nossa Senhora do Carmo e a de Nossa Senhora do Rosário
eram construções muito simples. Apesar da boa aparência do arraial, a população estava
empobrecida. Os habitantes sobreviviam precariamente com as suas plantações de milho,
fumo, algodão e cana-de-açúcar, alguns frutos e hortaliças. Ainda criavam gado, cabras e
ovelhas.
Cunha Matos (2004; 1979) afirma que o arraial do Carmo era extenso e aprazível, foi
fundado em 1741, próximo aos rios da Água Suja e Sucuriú. Esses rios formavam pântanos,
causando moléstias graves. Possuía cento e sete casas entre pequenas e grandes e a igreja
matriz de Nossa Senhora do Carmo bem ornada, excelente lâmpada e banqueta de prata,
contrastava com a pobre ermida de N. Senhora do Rosário. Em seus termos, havia uma
companhia de infantaria, uma de cavalaria, uma de Henriques milicianos e uma de
ordenanças. No entanto, não havia oficiais, fato comum na Comarca de São João das Duas
Barras, em razão do olhar indiferente das autoridades para com essa comarca, o que deu
motivo à separação violenta.
O arraial do Carmo e seu distrito já foram mais ricos e povoados. Nos seus arredores
encontram-se cerca de 90 fazendas de criação de gado e plantações que haviam sido
abandonadas. Isso ocorreu devido, possivelmente, aos ataques dos índios “selvagens”, à
diminuição do ouro, à extinção dos escravos e à emigração para a província do Pará. Cunha
Matos relata também que próximo ao rio da Formiga existiu uma aldeia deste nome, povoada
pelos Acroá. Essa aldeia ficou deserta uma vez que os índios foram transferidos para a aldeia
de São José do Duro. Póvoa (1999) revela que a aldeia de Formiga atualmente é a cidade de
Pindorama, que faz divisa com Monte do Carmo pelo lado leste.
O município de Monte do Carmo foi desmembrado do território de Porto Nacional no
ano 1963 e estabelecido a partir de 1º de Janeiro de 1964. Atualmente, a cidade de Monte do
Carmo tem uma população estimada em 7.412 habitantes, tendo como santo padroeiro, desde
o início da formação do arraial, Nossa Senhora do Carmo. A capela em devoção a essa santa
foi construída em 1802, em cuja construção foi gasto o valor correspondente a 1.450 oitavas
de ouro doada pelos habitantes locais. Essa construção ficou sob a responsabilidade de uma
irmandade, criada especificamente para gerenciar a capela (IBGE, 2015).
Observa-se aqui o quanto os movimentos econômicos impactam as povoações. Antes,
no período de mineração, o arraial do Carmo era um esplendor de riqueza e o arraial de Porto
Real era apenas um porto para acesso entre dois núcleos de mineração, Carmo e Pontal. Com
a exaustão das minas e, consequentemente, o esvaziamento desses dois arraiais, e mais ainda a
abertura do porto que servia como entreposto de navegação do rio Tocantins até o Pará, Porto
120

Real ganhou notoriedade, cresceu, desenvolveu-se e se tornou dono daqueles espaços a que
antes a ela eram subordinados.
Em relação à religiosidade local, entre os dias 7 a 18 de julho, a população de Monte
do Carmo mobiliza-se para festejar a santa padroeira, Nossa Senhora do Carmo, o Divino
Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário. Pessoas de várias cidades da região e de outros
Estados participam desses festejos. No decorrer desses dias, a cidade transforma-se em um
palco com apresentação de folias, rei, rainha, imperador, imperatriz, cavaleiros, amazonas,
congos, alferes, foliões e taieiras32, com vestimentas coloridas, dançando, cantando e
percorrendo as ruas e praças da cidade (MESSIAS, 2008). Nesse contexto, encontra-se uma
mistura de fé religiosa e cultura popular, que vai do sagrado ao profano e vice-versa.
O festejo de Monte do Carmo é um acontecimento envolto de grande importância, um
dos eventos religiosos de maior visibilidade no estado do Tocantins, formado por um conjunto
de eventos religiosos controlados pela igreja católica que envolve três momentos distintos.

A festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade, ocasião em que são


realizadas diversas representações, como por exemplo: casamentos, batizados, além
dos conhecidos leilões e novenas, as tradicionais barraquinhas. A festa do Divino
Espírito Santo, que é uma representação do período colonial e imperial, é a ocasião
em que são realizados os giros das folias pelos sertões. Esta festa é considerada um
universo dos brancos. A festa de Nossa Senhora do Rosário dos pretos é uma
representação da festa dos escravos africanos, quando são realizados os rituais da
coroação do rei e da rainha, a caçada da rainha, os congos e as taieiras (MESSIAS,
2008, p. 7).

O município de Monte do Carmo é marcado pela presença da serra do Carmo que


ocupa 70% do seu território, proporcionando ao local um aspecto bastante acidentado. Monte
do Carmo é também rico em turismo ecológico e lazer, destacando-se nesse quesito o Morro
das Figuras, um de seus principais pontos turísticos. A ação do vento e da chuva formou
colunas de rocha que se assemelham a figuras humanas. A respeito desse lugar Pohl (1976)
faz o seguinte relato.

Entrementes, aproveitei a nossa estada para visitar uma parte da mencionada


cordilheira que passa em Carmo. Pela singularidade de sua silhueta recebeu o nome
de Serra das Figuras. Disseram-me que nela se encontra o gesso com que são
caiadas as casas do Carmo. (...) Alcançamos, finalmente, o trecho da montanha que,
nessa parte, recebeu o nome de Serra das Figuras, conforme acima já referimos.
Empinam-se nos altos, massas de pedra isoladas que, pelas semelhanças, pode
compará-las a figuras de homens e de animais e admirar, nestas conformações
singulares, a maravilhosa força da Criação (POHL, 1976, p. 276).

32
Grupo de mulheres tradicionalmente vestidas de baianas, que acompanha o andor de Nossa Senhora do
Rosário (HOUAISS, 2001).
121

Além do Morro das Figuras, há a cachoeira do Fueiro, com duas quedas d’água muita
apreciadas pelos visitantes, bem como a gruta histórica do Morro do Salão e a Usina
Hidrelétrica Isamu Ikeda, no rio Balsas, na divisa dos municípios de Monte do Carmo e Ponte
Alta do Tocantins. A cidade conta ainda com artesanato, manifestações artísticas e comidas
típicas (IBGE, 2015).
Quanto às formações administrativas, inicialmente era um arraial que passou a distrito
com a mesma denominação de Carmo, pela lei provincial nº 14, de 23-07-1835, subordinado
ao município de Porto Nacional. Em 1920, a denominação mudou-se para Monte do Carmo e,
em seguida, na divisão administrativa referente ao ano de 1933, o distrito volta a denominar-
se Carmo. Em 1937, a denominação é alterada para Nossa Senhora do Monte Carmo. Um ano
depois o distrito de Nossa Senhora do Monte Carmo volta à denominação de, simplesmente,
Carmo. Pelo decreto-lei estadual nº 8305, de 31-12-1943, o distrito de Carmo passou a
chamar-se Tairuçú. Esse nome não foi aceito pelos habitantes do município que pediram o
retorno da denominação anterior. Pela lei municipal nº 186, de 23-07-1953, o distrito de
Tairuçú passou a denominar-se Monte do Carmo. Assim permanecendo até a data atual
(IBGE, 2015).

4.1.6.1 Topônimo Monte do Carmo

Quadro 14 - Classificação do topônimo Monte do Carmo

Topônimo: Monte do Carmo Município: Monte do Carmo


Localização: mesorregião oriental do Tocantins – microrregião de Porto Nacional
Estrutura morfológica: elemento composto híbrido (subst. monte + prep. de + art. o +subst.
carmo)
Etimologia: segundo Houaiss (2001) o termo latino mons, ntis deu origem a ‘monte, montanha’
elevação do terreno. O termo Carmo provém do hebraico carmel(us). Cunha (2007) identifica o
topônimo Carmel ‘monte da Judeia’, ou seja, o Monte Carmelo. Este monte é o que se refere no
livro de I Reis 18 sobre o profeta Elias que destruiu os 450 profetas de Baal. Guérios (1981) afirma
que o termo Carmo é um sobrenome português de origem religiosa, uma forma regressiva de
Carmel ou Carmelo, do hebraico Karmel “vergel, pomar”.
Outros topônimos: arraial do Carmo, Nossa Senhora do Monte do Carmo, Tairuçú.
Contexto Histórico: A cidade de Monte de Carmo teve como primeiro topônimo arraial do Carmo.
Segundo Pereira (1834), Carmo era um pequeno arraial da Província de Goiás, no distrito de São
João das Duas Barras, povoado em razão das suas minas de ouro, descoberto em 1746 (data
122

controversa) por Manoel Sousa Ferreira. Nas divisões territoriais de 1936 e 1937, encontra-se o
distrito com o nome de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Houve decreto-lei estadual em 1943
denominando esse lugar de Tairuçú. No entanto, os habitantes não o aceitaram e dez anos depois,
por lei municipal, é denominado de Monte do Carmo. O município de Monte do Carmo foi
desmembrado do território de Porto Nacional no ano 1963 e estabelecido a partir de 1º de Janeiro de
1964.
Motivação toponímica: Serra do Carmo
Mecanismo conceptual: metonímica
Taxionomia de natureza física: Geomorfotopônimo – topônimo resultante de forma topográfica
Hierotopônimo – topônimo relacionado ao sagrado

O topônimo Monte do Carmo decorre do nome da serra que circunda os arredores do


município, a saber, Serra do Carmo. Essa serra tem presença marcante não só nesse
município, mas também em outros, como Palmas e Aparecida do Rio Negro. Inicialmente,
ainda nos tempos dos antigos arraiais, o lugar foi denominado apenas de Carmo (arraial do
Carmo), alterado para Nossa Senhora do Monte do Carmo e, finalmente, Monte do Carmo.
Percebe-se que a devoção a Nossa Senhora do Carmo esteve sempre presente em todos os
ciclos de nomeação do lugar, exceto em Tairuçu, que, provavelmente, por isso não obteve
êxito, sendo rejeitado pela população.
O termo Carmo corresponde ao Monte do Carmo ou Monte Carmelo, o qual significa
jardim, na Palestina (Terra Santa). De acordo com Megale (1980), Nossa Senhora do Carmo é
um título dado à Virgem Maria constituído desde século XIII, quando, no Monte Carmelo, um
grupo de eremitas começara a se reunir, imitando o profeta Elias, ao redor de uma fonte
chamada “fonte de Elias”. Nesse momento, iniciaram um estilo de vida que, com o tempo,
espalhou-se para todo o mundo, inicialmente, por toda a Europa e trazida para a América
Latina desde os primórdios da evangelização, ou melhor, da colonização desse continente.
O denominador, ao escolher esse topônimo para o acidente geográfico, a serra, e
estendendo ao núcleo humano, fez referência ao monte do Carmo ou Carmelo da Palestina,
uma vez que os primeiros a habitarem o local vinham de uma tradição cristã-católica e,
certamente, eram devotos de Nossa Senhora do Carmo. Megale (1980) observa que

A antiga invocação de Nossa Senhora do Carmo existente em quase todo o Brasil e


de maneira especial em Minas Gerais provém da Palestina. Segundo o Antigo
Testamento, após um desafio entre o profeta Elias e os sacerdotes de Baal, o deus
dos judeus Jeová manifestou seu poder enviando o fogo do céu que queimou os
altares da falsa divindade erigidos sobre o Monte Carmelo, na Samaria. [...] Nos
123

primeiros tempos do cristianismo alguns eremitas ali construíram um convento sob a


invocação de Nossa Senhora (1980, p. 101).

É grande a devoção do povo brasileiro a Nossa Senhora do Carmo. Esse fato pode ser
percebido nos inúmeros topônimos e antropônimos que aparecem com o termo Carmo. Na
cidade de Monte do Carmo, a dedicação a essa devoção mariana conservar-se até os dias
atuais, demonstrada nos festejos em honra à padroeira da cidade, todos os anos, no mês de
julho.
O topônimo Monte do Carmo tem a estrutura morfológica formada por elemento
composto híbrido contendo os substantivos monte e Carmo, ligados pela preposição de +
artigo o indicando posse, em que o primeiro termo é de origem latina e o segundo, do
hebraico. Inclui-se na taxonomia de natureza física, classificado como geomorfotopônimo por
ser um topônimo resultante de acidente topográfico, no caso “monte”. Todavia, se se pensar
no termo Carmo referindo-se a Nossa Senhora do Carmo tem-se um hierotopônimo por se
tratar de nome relacionado ao sagrado. O aspecto religioso permanece marcado na formação
do topônimo Monte do Carmo. Em vista disso, as duas taxes são possíveis para classificá-lo,
pois a função dos nomes dos lugares ultrapassa a de referenciar, englobam identidades,
valores, crenças e ideologia do denominador.
Quanto ao mecanismo conceptual que atuou na escolha do nome, pode-se afirmar que
foi o metonímico. A denominação dada ao acidente geográfico (serra do Carmo) é também
dada à cidade, em uma relação de contiguidade relacional, em que um está ligado ao outro no
espaço geográfico e pelo olhar do denominador. Pode-se dizer que Carmo indica o monte que
indica a cidade.

4.1.7 Natividade

Segundo a ASCCUNA (Associação Comunitária Cultural de Natividade, 2014), a


história de Natividade possui versões diferentes quanto ao início do povoamento e a seu
fundador. Encontra-se como fundador Antônio Ferraz de Araújo, Manuel Ferraz de Araújo,
Francisco Ferraz. Oficialmente, considera-se a data de fundação de Natividade o ano de
1734, e o seu fundador, Antônio Ferraz de Araújo. Conta-se que ele participou da bandeira de
Bartolomeu Bueno da Silva Filho, bandeirante considerado o descobridor das Minas dos
Goyazes. Segundo Azevedo (1987), a notícia desse descobrimento atraiu muitos aventureiros
que se agruparam em uma povoação, em busca da riqueza das minas de ouro.
124

No diário do Barão de Mossâmedes (PINHEIRO; COELHO, 2006), escrito entre os


anos de 1771 a 1773, faz referência a esse lugar como Arraial de Natividade, fundado no ano
1739 pelo mestre de campo Francisco Ferraz. Este, ao sair de São Felix descendo o Rio
Tocantins, chegou à foz do Rio Manuel Alves e, seguindo por esse rio, desembarcou, ao
deparar-se com uma serra. Nessa serra, encontra-se bastante ouro, onde estabeleceu o arraial.
O autor menciona ainda que esse arraial foi muito perseguido pelo gentio Acroá.
O viajante Johann Emanuel Pohl, médico, minerologista e botânico que esteve no
Brasil entre os anos 1817 e 1821 e, mais precisamente, em 1819 ao norte da Capitania de
Goiás, relata sua vivência com o povo e suas impressões do lugar. Segundo o autor, o arraial
de Nossa Senhora da Natividade está situado sobre uma colina que é uma ramificação da serra
da Natividade (ou Olhos d’Água). Esse arraial foi fundado no ano de 1734 e edificado por
Manuel Ferreira de Araújo. Teve como primeiro topônimo São Luís em homenagem ao então
governador geral Dom Luís de Mascarenhas. Esse governador veio ao local restabelecer a
ordem e reorganizar os limites do território que pertencia à capitania de Goiás, uma vez que o
governador do Maranhão pretendia anexar essa nova povoação à sua jurisdição.
Assim, São Luís foi o primeiro topônimo desse local. No entanto, ele não foi fundado
no mesmo local onde se encontra a cidade de Natividade atualmente. O arraial de São Luís
encontrava-se do outro lado da serra em consequência da abundância de ouro do local.
Garantem os habitantes locais que ainda hoje existem os vestígios desse antigo arraial no alto
da serra.
Na época em que Pohl passou pelo arraial de Nossa Senhora da Natividade, observou
que era um dos maiores da Capitania de Goiás, mais precisamente, o segundo maior,
perdendo em tamanho para o arraial de Meia Ponte. No entanto, não tinha uma aparência
pitoresca e nem especialmente convidativa. Não se pode deixar de mencionar que Pohl era
europeu, tinha uma visão etnocêntrica baseada na imagem de cidades europeias. Refere-se
também ao número de casas que era acima de 300, todas térreas e construídas de tijolo cru e
cobertas de telhas, enfileiradas uma ao lado da outra. O arraial era formado por ruas largas,
regulares e calçadas por xisto quartzífero33 e a maioria dos quintais era murada de pedra ou
tijolo.
Observa também que a igreja matriz de Nossa Senhora da Natividade achava-se em
estado de decadência, impedindo a realização dos ofícios. Enquanto não era restaurada, os
serviços religiosos foram transferidos para a pequena capela de São Benedito que não

33
Um tipo de rocha utilizado para ornamentação e calçamentos.
125

comportava a população. Outra capela também pequena era a de Nossa Senhora dos
Terceiros, a que Cunha Matos (2004) menciona como capela de Nossa Senhora do Terço.
Pohl refere-se ainda à igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos que, se tivesse sido
acabada, superaria todos os demais templos da Capitania. Em relação à construção da igreja
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Pohl (1976) informa que

A edificação dessa igreja foi iniciada pelos negros livres, segundo uma grandiosa
planta, mas só a metade ficou concluída; por falta de meios, sobretudo pela
diminuição da produção de ouro, a construção teve de ser abandonada.
Obstinadamente, recusaram o oferecimento dos habitantes não-negros de
contribuírem em comum para o término do belo edifício (...). O orgulho dessa gente
não lhe permite aceitar a bem intencionada contribuição de seus concidadãos, e o
que já se construiu, breve estará em ruínas (POHL, 1976, p. 271).

Outro viajante que registrou sua passagem por Natividade foi Cunha Matos (2004;
1979). Seu relato é bem parecido com o de Pohl, diferenciando-se na quantidade de casas.
Cunha Matos informa que o arraial de Natividade era muito extenso, com boas praças, ruas
largas e algumas casas grandes e 188 fogos34 compunha a povoação no ano de 1824. Naquela
época, havia quatro igrejas: a matriz de Nossa Senhora da Natividade, templo grande, a
pequena e antiga capela de São Benedito, a de Nossa Senhora do Terço, pequena e pobre, e a
de Nossa Senhora do Rosário. Essa última era uma grande capela-mor de um grande templo
que teria começado e estava na altura de oito palmos. Essa igreja continua inacabada e
atualmente tornou-se monumento histórico, símbolo cultural da cidade e do estado do
Tocantins35.
Interessante observação de Pohl (1976) que deve ser registrada aqui quando se refere à
diminuição do ouro nas minas de Natividade. Para ele, os habitantes levavam uma vida de
miséria e isso era em consequência também da diminuição dos escravos necessários para
realizarem o trabalho. A população era formada, na sua maioria, por negros e mulatos e com
poucos brancos em progressiva diminuição. Sobreviviam da criação de gado e do cultivo da
cana-de-açúcar, da qual extraía a aguardente, das plantações de algodão, milho, mandioca,
legumes e um pouco de fumo. O autor encontra no local algumas pessoas que se dedicam ao
ofício de artífice e ao comércio.
Cunha Matos (2004) comenta que residia no local o Vigário-Geral da Comarca do
Norte que era o Pe. Gonçalo Fernandes Souto. Esse autor via nos habitantes de Natividade
uma espécie de civilização cortesã, com gente limpa e bem tratada, mas inimiga declarada do

34
Sentido de família, lar, casa, habitação.
35
Ver foto das igrejas de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora da Natividade nos anexos p. 180-181.
126

governo da comarca do sul de Goiás, com quem mantinha relações muito raras. Interessante
também é seu relato sobre a inimizade dos habitantes do arraial de Natividade em relação aos
da vila da Palma devido a interesses políticos, pois eles queriam que sua cidade permanecesse
sede da comarca do norte, tarefa que coube à Vila da Palma.
Antes de fundar a vila que seria a sede da comarca de S. João das Duas Barras,
Natividade foi residência por alguns anos do ouvidor e corregedor Joaquim Teotônio
Segurado que a preferia devido à excelência de seu clima, ficando como sede provisória dessa
comarca.
O nome atual desse lugar é em homenagem a Nossa Senhora da Natividade, que se
tornou padroeira a partir de 1735 quando chegou ao arraial uma imagem dessa santa vinda de
Portugal, transportada por barco pelo Rio Tocantins e depois nos ombros dos escravos até o
arraial. Essa imagem é a mesma que se encontra na igreja Matriz de Natividade, uma das mais
antigas do Estado, datada de 1759 (IBGE, 2015). Em Azevedo (1987), tem-se a informação
de que a festa da padroeira que acontecia entre os dias 30 de agosto a 8 de setembro, era de
grande concorrência dos fiéis. Pohl (1976) presenciou os festejos de Nossa Senhora da
Natividade e conta que, pela sua estada, realizavam-se as novenas da Natividade da Virgem
Maria. A igreja dedicada a essa santa estava totalmente iluminada à noite para os sacerdotes
celebrarem as vésperas. “Em 8 de setembro, dia da festa propriamente dita, apareceram todos
os habitantes em grande gala (POHL, 1976, p. 273)”. Na atualidade, Nossa Senhora da
Natividade é padroeira também do estado do Tocantins.
Em consequência de seu conjunto arquitetônico formado por igrejas, casarões
coloniais e a ruína da igreja de Nossa Senhora do Rosário, a cidade de Natividade é
atualmente patrimônio histórico nacional, além de ter o título de cidade mais antiga do estado
do Tocantins, com quase 300 anos de fundação.
Também ligado ao município de Natividade, distante 24 km, está o Povoado do
Bonfim, local em que ocorre a maior e a mais tradicional festa religiosa do Estado do
Tocantins. Essa romaria recebe todos os anos uma grande quantidade de fiéis vindos de
diversas regiões do estado e de fora dele. A festa de Nosso Senhor do Bonfim acontece de 7 a
17 de agosto. A respeito desse local, Cunha Matos (2004) relata que chegou à capela do
Senhor do Bonfim e passa a noite em uma casa dos romeiros. Conta que a ermida do Senhor
do Bonfim era santuário famoso da Comarca de São João das Duas Barras, apesar de que a
devoção, na época, não estivesse sendo muito cultuada. A ermida era pequena e com uma
imagem de Cristo crucificado. Em frente à igreja ficavam as casas para acolher os romeiros,
no entanto, encontravam-se todas em péssimo estado.
127

Quanto à origem da romaria, há uma lenda local para justificá-la. Conta essa lenda que
um vaqueiro, ao percorrer a região onde está localizado o Povoado do Bonfim36, encontrou
uma imagem do Senhor do Bonfim em cima de um tronco de uma árvore. Ele a levou para
Natividade e compartilhou o achado com os demais moradores. No dia seguinte, a imagem
desapareceu e voltou ao local onde fora encontrada pela primeira vez. Dizem que esse fato se
repetiu várias vezes até os moradores perceberem que seria nesse local que a imagem deveria
ficar. Construíram uma capela para o Senhor do Bonfim dando início à peregrinação anual na
localidade em que hoje se tornou uma das maiores festas religiosas do Estado.

4.1.7.1 Topônimo Natividade

Quadro 15 - Classificação do topônimo Natividade

Topônimo: Natividade Município: Natividade


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: Elemento específico simples (subst. natividade)
Etimologia: refere-se ao dia do nascimento, especialmente o nascimento de Jesus Cristo, da
Virgem Maria e dos santos. Festa do Natal. Guérios (1981) alega que esse nome refere-se
particularmente ao nascimento da Virgem Maria. A origem da palavra natividade vem do latim
nativitas, atis, que dizer nascimento, natividade (HOUAISS, 2001).
Outros topônimos: Arraial de São Luís, arraial de Nossa Senhora da Natividade
Contexto Histórico: Arraial de Nossa Senhora da Natividade está situado sobre uma colina que é
uma ramificação da serra da Natividade (ou Olhos d’Água). Esse arraial foi fundado no ano de
1734 e edificado por Manuel Ferreira de Araújo (controverso). Teve como primeiro topônimo
“São Luís” em homenagem ao então governador geral Dom Luís de Mascarenhas. No ano de
1832, o Arraial passou à condição de Vila de Natividade e recebeu duas escolas, uma para o
ensino primário e outra para o ensino do latim, dirigidas pelo padre Emílio Marques. Em 26 de
agosto de 1933, com seus limites territoriais estabelecidos, tornou-se o Município de Natividade
(FERREIRA, 1957). O topônimo é em homenagem à natividade de Nossa Senhora.
Motivação toponímica: Nossa Senhora da Natividade
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: hierotoponímia – relativo a nomes sagrados

36
Ver foto da igreja e do povoado do Bonfim nos anexos p. 182.
128

O topônimo Natividade é formado por elemento simples da língua portuguesa de


origem latina e significa nascimento. Insere-se na taxonomia de natureza antropocultural,
classificado como um hierotopônimo por se tratar de um nome relacionado ao sagrado. Esse
termo refere-se à natividade da Virgem Maria, que se tornou devoção pelos cristãos católicos
e deixou marcas também na toponímia brasileira.
A motivação toponímica provém da afeição dos primeiros habitantes a Nossa Senhora
da Natividade, a qual subsiste por quase três séculos de história. Conforme Megale (1980),
apesar de não se ter conhecimento da data, a igreja instituiu o dia 8 de setembro para se
celebrar a festa da Natividade de Nossa Senhora. Comemora-se o nascimento da Virgem
Maria porque ela já teria nascido santa e imaculada, ao contrário dos outros santos que se
comemora o dia da morte. No Brasil, foram poucas as igrejas dedicadas à Natividade de
Maria e raras são as pinturas que retratam esse fato, segundo a autora. No entanto, na cidade
de Natividade, encontra-se uma imagem desse orago que chegou ao local na metade do século
XVIII e permanece até a atualidade na sua igreja matriz.
Assim, a religiosidade foi elemento motivador para a escolha desse topônimo. A
devoção a Nossa Senhora da Natividade mantém-se viva não só no lugar, mas tomou
dimensões ainda maiores, com a criação do estado do Tocantins, torna-se a padroeira do
estado. Entretanto, na escolha do primeiro topônimo São Luís, o motivo religioso é apenas
aparente. Nesse caso, sobressai a motivação política vista como uma imposição daqueles que
detêm o poder de mandar, já que o topônimo foi escolhido para homenagear o governador
Dom Luís de Mascarenhas.
É importante relembrar aqui que o topônimo não é um signo comum da língua. Ele é
fruto de uma escolha intencional, condicionado à cultura e ao contexto histórico, político,
religioso de um grupo. Por isso, a toponímia preserva a memória coletiva para as gerações
posteriores. Conforme Souza (2001), ela é um poderoso instrumento de documentação que
atua de forma eficaz e honesta na reconstituição da história de um território.
Pela motivação que deu origem ao topônimo Natividade, é possível perceber as
características do processo metonímico para sua escolha. Esse mecanismo conceptual age
quando há uma relação de contiguidade existencial entre forma e significado. Nos topônimos
de cunho religioso, essa relação existencial está na devoção do denominador por um santo ou
uma santa (parte) que o motiva a escolher o nome do seu santo para nomear o lugar em que
habita (todo). É um costume religioso que data dos primeiros colonizadores do Brasil. Eles
nomeavam o local de posse ou conquista com o nome de um santo ou uma santa da sua
devoção ou do calendário do dia, com intenção de ter a proteção da entidade.
129

Quanto à relação de contiguidade, também demonstra que o topônimo, tomado como


signo linguístico, possui características de signo indexical, pois o nome do santo padroeiro
está associado ao lugar ou vice-versa, indicando que um faz parte do outro, está em adjacência
ao outro.

4.1.8 Paranã37

A cidade de Paranã inicia-se com um arraial com a denominação Barra do Palma.


Segundo os relatos de Pohl (1976), nesse local corre o rio Paranã juntamente com o rio da
Palma, lugar bastante alto que, logo após o “descobrimento” da capitania de Goiás, já era
conhecido como arraial da Barra do Palma. Inicialmente, os jesuítas tiveram várias
possessões, que mais tarde foram totalmente destruídas pelos ataques das tribos indígenas que
habitavam nessas terras. A versão da história de que os índios destruíram a primeira povoação
pode ser encontrada também em Silva e Souza (1967) e Cunha Matos (2004).

Barra do Palma. Arraial da - que floresceu nos princípios da capitania e nêle tiveram
algumas propriedades os padres da companhia, foi despovoado pelas invasões dos
gentios. Estava situado na barra do rio, que deu nome a este lugar (SILVA e
SOUZA, 1967, p. 60).

Conforme Cunha Matos (2004), esse lugar chamava-se anteriormente Povoação da


Barra da Palma e possuía uma igreja paroquial dedicada a São Felix de Cantalício que era
filial da capela do arraial da Conceição. Em um domingo, quando a população estava
assistindo a uma missa, foi atacada de surpresa por índios denominados Canoeiros. São assim
chamados por andarem sempre embarcados em canoas. O autor afirma que os índios
assassinaram o povo, queimaram as casas e os que sobreviveram foram obrigados a deixar o
local. Por esse motivo, a paróquia do arraial da Barra da Palma foi transferida para o arraial da
Conceição.
Pohl (1976) lembra ainda que no ano 1809, o ouvidor Joaquim Teotônio Segurado
fundou novamente o povoado com o nome de Vila de São João da Palma. Com a divisão da
capitania em duas comarcas, ficou decidido que se edificaria uma vila no extremo norte, na
confluência dos rios Araguaia e Tocantins. Porém, Teotônio Segurado achou o local
inadequado por ser distante das demais povoações. Na condição de ouvidor da Comarca do
Norte, pede permissão para construir a vila em outro local, o que foi concedido pela coroa

37
Ver foto da cidade de Paranã, da igreja de São João Batista nos anexos p. 191-192.
130

portuguesa. Antes de ser instalada a Vila de São João da Palma, a sede da ouvidoria ficou
funcionando na vila de Natividade de 1807 a 1815. A sede foi removida desta para aquela
logo após sua edificação. Esse fato tornou-se o motivo da desavença dos moradores desses
dois lugares durante muito tempo.
Nessa circunstância, a extinta povoação da Barra da Palma passou a ser a vila de São
João da Palma pelo alvará de 25 de janeiro de 1814, em benefício a el-Rei D. João VI. Esse
monarca concedeu, mais tarde, o título de marquês de São João da Palma ao governador e
capitão D. Francisco de Assis Mascarenhas, o governador e Capitão-general da Capitania,
naquela época. Rodrigues (1978, p. 121) cita o padre Luís Gonçalves dos Santos, em
Memórias do Reino do Brasil que diz:

havendo o Príncipe Regente Nosso Senhor mandado crear, pelo alvará de 18 de


março de 1809, huma nova Comarca na Capitania de Goiaz, denominada Comarca
de S. João das Duas Barras, determinando que o Ouvidor podesse residir no Arraial
de Natividade, emquanto não fosse possível a sua residência na referida Villa das
duas Barras, que se está fundando no confluente dos grandes rios Tocantins e
Araguaya; conhecendo-se depois convir melhor ao Real serviço, e bem dos povos
daquela Comarca crear-se huma Villa na barra do rio da Palma, para nelle ficar
existindo a residência do Ouvidor, e ser para o futuro a Cabeça da Comarca, tanto
porque, sendo mais central, he mais commoda para a administração da justiça como
por estar em huma situação mais próxima aos districtos de mais população, e
igualmente vantajosa para a navegação dos rios, e comunicação interior do paiz,
Houve por bem Sua Alteza Real, mandar, pelo Alvará de 25 de Fevereiro (de 1814)
se levantasse outra nova Villa no sitio da barra do rio da Palma, que desembóca no
Parannan, ficando com a denominação de Villa de S. João da Palma, á qual será a
Cabeça da Comarca do Norte da Capitania de Goiáz, e concedêo á mesma Villa
todos os previlegios, e prerrogativas, de que gozão todas as mais Villa deste Estado.
Outrossim foi Sua Alteza Real servido franquear a isenção de dízimos, e decima a
qualquer pessoa que edificar casa na Villa, ou estabelecer de novo fazenda no seu
Termo.

A igreja da vila, que foi capela-mor do tempo dos jesuítas, construída no século XVII
e consagrada a São Félix de Cantalício, perdeu o nome desse santo para tomar a invocação de
São João Batista. Esse é o santo padroeiro de Paranã com celebração no período dos festejos
do Divino Espírito Santo. Além desses, fazem parte do calendário religioso local a Folia de
Reis e a Procissão dos Navegantes pelo rio Palma.
A cidade está situada na confluência dos rios Paranã e Palma que se unem e desaguam
no Tocantins. Quando Cunha Matos passou pela atual Paranã, esta já era a vila de São João da
Palma. Ele ressalta que a localidade da vila era belíssima, por estar no meio dos dois grandes
rios. No entanto, o terreno era baixo e continha algumas lagoas junto às casas, o que a tornava
um lugar úmido e extremamente insalubre.
131

Pelo fato de a cidade ficar entre dois rios que desaguam no rio Tocantins, Paranã foi
impactada economicamente pelo comércio fluvial, tornando-se um entreposto importante na
exportação e importação de mercadorias entre o estado de Goiás e a cidade de Belém no
estado do Pará.
Quanto à formação administrativa, o Alvará de 25-02-1814 eleva a antiga povoação de
Barra do Palma à categoria de vila com a denominação de São João da Palma, instalada em
17-07-1815. “Reconhecendo-se posteriormente que a vila prosperava e que a sua população
desejava elevá-la à categoria de cidade, foi atendida essa justa reivindicação pela lei
provincial de 5 de outubro de 1857” (FERREIRA, 1958, p. 325), denominada apenas de
Palma. Em seguida, pelo decreto-lei estadual nº 8305, de 31-12-1943, o município de Palma
tomou a denominação de Paranã (IBGE, 2015). Não se encontrou na bibliografia consultada
justificativa para a alteração do topônimo Palma para Paranã. Os dois topônimos referem-se
aos rios em cuja convergência a cidade está localizada. De acordo com o conhecimento local,
é porque o rio Paranã tem mais importância para a cidade em termos econômicos, visto que
ele é mais rico em peixes e também pelo seu potencial turístico.

4.1.8.1 Topônimo Paranã

Quadro 16 - Classificação do topônimo Paranã

Topônimo: Paranã Município: Paranã


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico simples (subst.)
Etimologia: Sampaio ressalta que o termo Paranã provém do tupi-guarani e quer dizer ‘semelhante
ao mar’, ‘tão grande como o mar’. O topônimo Paranã, denominação do rio, quer dizer ‘rio enorme,
caudal, imenso, o mar’. Em Houaiss (2001) tem-se o termo Paraná proveniente do tupi para’nã
‘semelhante ao mar’ que Sampaio adiciona também à mesma entrada, além de parná, pernã, fernã.
Outros topônimos: arraial da Barra do Palma, Vila de São João da Palma, Palma
Contexto Histórico: Possivelmente, as primeiras entradas no território que hoje é Paranã ocorreram
no período de 1740 a 1770. Situa-se na confluência dos rios Paranã e Palmas no extremo sul de
Tocantins. Em virtude de sua fácil localização, serviu de porto fluvial, e em pouco tempo torna-se,
juntamente com Porto Real, importante empório comercial, realizando intenso intercâmbio
comercial com Belém do Pará (FERREIRA, 1958, p. 325).
Em 1815, o povoado foi elevado à vila, com denominação de São João da Palma, sede da Comarca
do Norte. Na condição de vila, São João da Palma passou a reivindicar sua elevação à categoria de
132

cidade, o que veio a conseguir no dia 5 de outubro 1857. Pelo Decreto-Lei Estadual nº 8305, de 31-
12-1943, o município de Palma tomou a denominação de Paranã.
Motivação toponímica: nome do rio em cujas margens a cidade está situada.
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: Hidrotopônimo – topônimo resultante de acidente hidrográfico

O topônimo Paranã foi motivado pelo nome de um dos rios em cujas margens a
cidade está situada, na confluência do rio Palma com o Paranã. Inicialmente, o nome desta
cidade fazia referência ao rio Palma, a saber; Barra do Palma, São João da Palma e Palma.
Nos meados do século XX, muda-se de denominação para Paranã. Isso indica a importância
que esses rios têm para a população local. A cidade de Paranã, desde os primórdios de sua
formação, servia como um porto para os exploradores que desciam o rio Tocantins em direção
ao Pará.
A formação lexical desse topônimo apresenta um elemento específico simples de
origem tupi que significa rio grande, semelhante ao mar. Insere-se na categoria taxonômica de
natureza física, classificado como um hidrotopônimo por se tratar de nome de rio. Nesse
topônimo, o processo metonímico que se faz presente, já que há um prolongamento do nome
do rio para o nome do lugar. Nota-se também que esse processo conceptual está por trás dos
topônimos anteriores que evocava o nome do outro rio que se faz presente no local, o Palma.
É importante ressaltar a mudança toponímica que ocorreu nesse local. No decorrer de
quase três séculos passou por quatro mudanças, as primeiras ainda evocando o rio Palma e, na
denominação atual, o rio Paranã. Percebe-se que o topônimo Barra do Palma e Palma estão
ligados estritamente aos aspectos da natureza, enquanto São João da Palma liga-se, também,
aos aspectos antropoculturais, um nome de índole religiosa, um hagiotopônimo, mas também
política, visto que está implícito no nome do príncipe regente Dom João IV. Ele instituiu a
vila de São João da Palma e a Comarca de São João das Duas Barras. Isso mostra a influência
da religião, da política, da ideologia e das crenças refletidas nos nomes dos lugares. Vale
ressaltar que, naquela época, a igreja e o estado estavam unidos em um único projeto,
expandir seus territórios. Por isso, os monarcas exerciam o governo civil e religioso.
Com as mudanças ocorridas no Brasil e no mundo para a secularização das coisas, os
nomes de santos que denominavam cidades, sozinhos ou com um elemento particularizador,
tiveram forte tendência a desaparecer totalmente ou permanecendo apenas o elemento
específico. O primeiro caso ocorreu com o topônimo São José do Duro que é mudado para
Dianópolis, no segundo, com o topônimo São Miguel e Almas para Almas e São João da
133

Palma para Palma. Nas três ocorrências, a devoção aos santos permanece, como pode ser
verificada nas demonstrações de fé da população nos festejos anuais em homenagem a eles.
Ainda, na conservação das igrejas construídas sob a invocação desses santos e santas desde os
tempos de arraiais.

4.1.9 Porto Nacional

A cidade de Porto Nacional está localizada na margem direita do rio Tocantins, o qual
atravessa todo o município de sul a norte.
Segundo Oliveira (2004), o antigo arraial de Porto Real (atual Porto Nacional) tem sua
origem ligada a dois núcleos mineratórios, Bom Jesus do Pontal (1738), à esquerda, e Nossa
Senhora do Carmo (1746), à direita do Rio Tocantins. De início, em um ponto estratégico, um
homem estabeleceu-se com sua canoa, fazendo o intercâmbio entre os dois arraiais, por isso
ficou conhecido por passador. De acordo com a memória local, chamava-se Felix Camoa,
descendente de portugueses. Por esse feito, consideram-no fundador da cidade.
Conforme relatos de alguns historiadores, baseado na tradição oral, após ataque dos
índios Xavante, os sobreviventes do arraial de Bom Jesus do Pontal juntaram-se ao passador.
Azevedo (1987) também faz menção a um rancho de passador situado à margem
direita do rio como o início humilde desse lugar e que justifica também o nome de Porto.
Conta esse autor que esse era um ponto de passagem e hospedagem para garimpeiros e
transeuntes que na época exploravam as minas do Carmo e de Pontal. A invasão repentina dos
Xerente, que em uma noite fizeram de Pontal um cemitério, contribuiu para a formação de
Porto Nacional. Os sobreviventes, para se protegerem de novos ataques dos índios,
atravessaram o rio e juntaram-se ao rancho do passador. Com o fim da exploração das minas
auríferas do Carmo, muitas famílias vieram se estabelecer nessa margem do rio Tocantins.
Consta no diário do Barão de Mossêmedes, 1771 a 1773, que sua comitiva atravessou
o rio Tocantins em direção ao arraial de Pontal em um lugar chamado Porto, sem nenhuma
referência a um termo especificador. Esse diário não faz referências se há moradores no local,
somente às pessoas que conduziam a embarcação. Entende-se que nessa época o arraial ainda
não havia se constituído.
Quanto a isso, o viajante Emanuel Pohl, em1819, (1976) relata que o arraial de Porto
Real era uma das povoações mais novas do Brasil composta de cerca de 30 casas, algumas
cobertas de telhas e a maioria de palha de palmeira. A água era trazida do rio com bastante
esforço da população em função do relevo do lugar. Havia uma pequena igreja recém-
134

construída e o vigário que residia no arraial do Carmo vinha celebrar missa três ou quatro
vezes por ano, durante as grandes festas religiosas. O arraial contava com uma guarnição de
dez soldados que sobreviviam de suas plantações, pois não recebiam seus soldos havia quatro
anos. Os habitantes locais viviam da cultura do algodão, fumo e mandioca que eram
cultivados às margens férteis do rio Tocantins, além da cana de açúcar para a produção da
rapadura e cachaça.
Em 1824, ano em que Cunha Matos passa por Porto Real, afirma que o arraial era
muito pequeno por ser muito novo, com 47 casas, todas insignificantes, conforme seu olhar
europeu. Na época, existia a pequena capela Nossa Senhora das Mercês, filial da paróquia do
Carmo. Algumas décadas depois, foi construída a grande e admirável igreja em invocação a
essa santa e um quartel de registro de embarcações que desciam o rio Tocantins para a
Província do Pará ou vinham de lá para Goiás. Segundo o autor, em 1810 o Ouvidor Joaquim
Teotônio Segurado tornou-o cabeça de julgado compreendendo os distritos paroquiais do
Carmo e Pontal.
Como já mencionado anteriormente, Porto Real foi a primeira denominação oficial
desse lugar. Em 1831, o arraial de Porto Real é elevado à condição de vila e em 1835 à
cidade, com a denominação de Porto Imperial. Após a proclamação da república, em 1889,
passa a ser chamada de Porto Nacional.
Azevedo, em seu Annuario Historico, Geografico e Descriptivo do Estado de Goyaz
de 1910 (1987), para essa época, declara que Porto Nacional era uma das mais adiantadas
cidades em todos os pontos de vista. Era o centro, “a cabeça que rege, o coração que manda
seus effluvios vitaes a essas regiões nortenses, de todo o Brasil as mais afastadas dos grandes
centros comerciais e civilizadores” (1987, p. 187).
A partir do século XIX até meados do século XX a cidade de Porto Nacional foi um
importante entreposto comercial da região Norte do então estado de Goiás, em consequência
das relações comerciais que mantinha com o estado do Pará, mais especificamente, Belém.
Isso foi possível pela sua localização estratégica às margens do rio Tocantins, via de
comunicação com outros centros comerciais, em uma época que não havia estrada
(OLIVEIRA, 2004).
Com o estabelecimento da ordem religiosa dominicana, Porto Nacional passou a ser o
centro de irradiação espiritual e cultural de toda a região norte de Goiás, cujos primeiros
missionários, Frei Gabriel, Frei Miguel e Frei Domingos Nicollet, tiveram como função a
135

educação dos jovens e a construção da catedral de Nossa Senhora das Mercês38 (FERREIRA,
1958). Esse fato teve um papel relevante para o desenvolvimento dessa região. Outro fator
que contribuiu para isso consistiu na fundação de periódicos locais. Ainda em 1891, já
circulava o periódico a Folha do Norte; depois veio O Incentivo em 1901e em 1905 o Norte
de Goiás.
Em meados do século XX, com a construção da rodovia Belém-Brasília, BR 153,
Porto Nacional perdeu o título de entreposto comercial. Os polos de desenvolvimento que
antes estavam localizados às margens do rio Tocantins são transferidos para as margens dessa
rodovia, fato que contribuiu para a formação de novos centros urbanos.
4.1.9.1 Topônimo Porto Nacional

Quadro 17 - Classificação do topônimo Porto Nacional

Topônimo: Porto nacional Município: Porto Nacional


Localização: mesorregião oriental do Tocantins – microrregião de Porto Nacional
Estrutura morfológica: Elemento composto específico formado pelo substantivo porto e o adjetivo
nacional (subst. porto + adj. nacional).
Etimologia: lugar da costa ou em um rio, lagoa e etc., que, por oferecer às embarcações certo
abrigo, lhes permite fundear e estabelecer contatos com a terra. Do lat. pŏrtus -us (CUNHA, 2007)
+ nacional ‘do fr. national (1534) relativo a uma nação, que defende o interesse de uma nação, que
pertence ao Estado, que representa uma nação (de nation + sufixo -al) (HOUAISS, 2001)’.
Outros topônimos: Porto Real, Porto Imperial
Contexto histórico: A história dessa cidade começa com o arraial de Porto Real, construída à
margem direita do rio Tocantins. Inicialmente, era apenas um porto de passagem obrigatório entre
os arraiais do Pontal e Carmo. Por ter uma posição privilegiada, desenvolveu mais tarde intenso
intercâmbio comercial com o comércio paraense do século XIX até meados do XX (OLIVEIRA,
2004). O arraial de Porto Real foi elevado à cabeça de julgado em 1810 pelo Ouvidor Joaquim
Teotônio Segurado. Pelo Decreto Imperial de 11 de novembro de 1831 é elevada à vila de Porto
Imperial. Com a proclamação da república a vila de Porto Imperial é elevada a cidade com a
designação de Porto Nacional (RODRIGUES, 2001).
Motivação toponímica: o porto que deu início à povoação
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxionomia de natureza física: Geomorfotopônimo e sociotopônimo

38
Conferir fotos da cidade de Porto Nacional nos anexos p. 184.
136

O topônimo Porto Nacional foi motivado, primeiramente, pelo aspecto do lugar que
servia como porto. O diário do Barão de Mossâmedes, escrito entre 1771 a 1773 (PINHEIRO;
COELHO, 2006), informa que o lugar chamava-se o Porto. Com as mudanças
socioeconômicas que ocorreram no local, o porto, termo genérico relativo à entidade
geográfica, foi adquirindo termos específicos que o particularizavam em épocas determinadas.
Assim, o termo genérico, no período colonial, adquiriu o termo específico de Real
formando o topônimo Porto Real. Em seguida, com a mudança de regime de governo, do
Brasil colônia para império, outro termo específico foi-lhe acrescido, tornando-se Porto
Imperial. Com a Proclamação da República, o topônimo passa por outra mudança, de Porto
Imperial para Porto Nacional.
Quanto à taxonomia, o topônimo Porto Nacional pertence à categoria de natureza
física, classificado como um geomorfotopônimo. Nessa taxe, estão inclusos os topônimos
relativos às formas topográficas, subdividas em elevações e depressões do solo e ainda, as
formações litorâneas. Incluídas nesta última estão: costa, cabo, angra, ilha e porto (Dick,
1992). Por outro lado, se se pensar em porto como um local de interação e convivência entre
pessoas, deixa de ser um geomorfotopônimo. O porto, inicialmente era um local de passagem
para algumas pessoas e de trabalho para outras, tornou-se um topônimo pelo uso frequente nas
situações comunicativas para se referir ao local. Nessa circunstância, classifica-o como um
sociotopônimo, categoria de natureza antropocultural, por demonstrar relação com a vida
social.
O mecanismo conceptual fixa-se no processo metonímico em que a parte – o lugar que
servia como porto – representa o todo, nesse caso toda a cidade. Nesses termos, pode-se
perceber que o topônimo apresenta características dos signos indexicais, visto que eles
indicam algo que se encontra nas proximidades ou associa-se a algo que o representa.
Primeiramente, por indicar um lugar de abrigo para as embarcações, o significado do nome
está associado ao que o lugar representa. Segundo, pela relação espacial entre o porto (lugar) e
a povoação que se expandiu a partir dele, tornando-se a cidade Porto Nacional.
Quanto à estrutura morfológica, o topônimo é formado por elemento composto
específico contendo o substantivo porto proveniente do latim pŏrtus -us e o adjetivo nacional
originário do termo francês national (nation + sufixo al), significando o porto que pertence ao
Estado ou à Nação.
Percebe-se que a denominação do lugar, incialmente, foi feita de forma espontânea,
ou seja, com a referência constante ao lugar que servia de porto, com o passar do tempo, o
nome comum torna-se um topônimo. Na medida em que o poder político vai sendo
137

constituído no local, o nome passa a ser imposto pelos representantes, inicialmente da coroa
portuguesa – Porto Real – do império – Porto Imperial – e, em seguida, pelos representes do
governo republicano – Porto Nacional.

4.1.10 Príncipe39

O povoado do Príncipe, distrito de Natividade, já foi um arraial independente, também


rico em ouro, fundado em 1770. Quando Cunha Matos passou pelo local, o arraial do Príncipe
ainda possuía bastante ouro, não sendo extraído por falta de mão de obra escrava, o que
causou o empobrecimento da população. Ainda permaneciam no local, à época, a igreja de
Nossa Senhora das Neves e São João Batista e seis casas humildes. Esse autor indica que o
arraial do Príncipe ficava a sete léguas (42 km) de distância do arraial de Conceição. Próximo,
assentada a um grande morro, estava uma alta pirâmide de pedra de nome Morro do Moleque.
Como arraial, foi considerado extinto por alguns autores que retratam a história de Goiás. No
entanto, continua sendo habitado e hoje se localiza às margens da rodovia Palmas-Brasília,
subordinado ao município de Natividade.
Para Cazal (1817), o pequeno arraial do Príncipe pertencia aos termos do arraial da
Conceição, provavelmente pela proximidade com este último. Em Saint-Adolphe (1845),
Príncipe é uma povoação da província de Goiás, localizada na estrada que dava acesso à vila
de São João das Duas Barras, aproximadamente 135 léguas (810 km) a noroeste da Cidade de
Goiás. Possuía uma igreja filial da matriz da vila da Conceição.
Quanto à motivação do topônimo, não foram encontrados dados a esse respeito na
literatura consultada. Entretanto, segundo relato que consta na biblioteca do IBGE (2015)
sobre a cidade de Peixe, o povo de Natividade enviou ao príncipe regente Dom João VI um
rico presente por ocasião do seu nascimento. O presente era uma pepita de ouro de 45 quilos
com aparência de um menino, encontrada nas minas de ouro nos arredores de Natividade. Por
isso, a rainha Dona Maria I, para agradecer o rico presente, enviou por meio de seus
emissários duas imagens, a de Nossa Senhora das Neves e a de São João Menino aos
nativitanos. A rainha estabeleceu também que a mina onde foi encontrada a pepita teria o
nome de Príncipe. Relata ainda que a comitiva, ao passar pelo porto (atual cidade de Peixe),
foi atacada e morta pelos índios canoeiros. Não se sabe a veracidade desses fatos, podendo ser
apenas uma lenda.

39
Ver nos anexos a foto do povoado de Príncipe nos anexos p. 181.
138

Pelo local em que se encontra o povoado do Príncipe, próximo à cidade de Natividade,


por ter sido um lugar rico em ouro, e pelo relato de Cunha Matos com relação às igrejas,
deduz-se que a ordem da rainha D. Maria I referia-se a esse lugar.
No Povoado do Príncipe, convivem 150 famílias que participam do ritmo da lavoura
da vida simples do interior. Localizado a 40 km de Natividade e a 230 km de Palmas, formado
por uma população de 400 habitantes. Nesse local, é tradição o pouso da folia do Divino
Espírito Santo e os festejos de São João. Este se realiza todo mês de junho, nos dias 23 e 24
(MENESES, 2011).

4.1.10.1 Topônimo Príncipe

Quadro 18 - Classificação do topônimo Príncipe

Topônimo: Príncipe Município: Natividade


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura lexical: elemento específico simples (subst.)
Etimologia: Filho ou membro da família reinante. Do latim princeps, -cipis (CUNHA, 2007) que
quer dizer o primeiro, em relação ao tempo e à dignidade ou mérito. Pode ser o que é de primeira
ordem, chefe, cabeça, maioral, principal (HOUAISS, 2001).
Outros: não houve
Contexto histórico: Formou-se a partir da mineração aproximadamente em 1770. Foi um arraial
muito rico em ouro e abandonado após a decadência das minas. No entanto, algumas famílias
permaneceram no local. Atualmente é distrito do município de Natividade com uma população de
400 habitantes.
Mecanismo conceptual: metonímico
Motivação toponímica: Provavelmente, provém da ordem da rainha D. Maria I para que o lugar em
que se havia encontrado uma pepita de ouro com o formato de um menino e ofertada ao príncipe D.
João VI, por ocasião do seu nascimento, fosse chamado de Príncipe. O distrito de Príncipe foi
criado pela lei estadual nº 53, de 11 de abril de 1967 e anexado ao município de Natividade (IBGE,
2015).
Taxonomia de natureza antropocultural: Axiotopônimo - topônimos relativos aos títulos e
dignidades.

O topônimo Príncipe está incluído na taxonomia de natureza antropocultural e


classificado como Axiotopônimo por se referir a títulos e dignidades. É constituído por
elemento específico simples de origem latina.
139

De acordo com o histórico do lugar, o povoado do Príncipe recebeu esse nome por
ordem da rainha D. Maria I, para que assim fosse chamado em homenagem a seu filho D.
João VI. Desse modo, a motivação toponímica pode ser considerada de forma sistemática ou
oficial, relacionada ao poder de mando de dirigentes e descobridores.
A princípio, diz a lenda, foi encontrada nas minas de ouro uma pepita de ouro com
formato de menino, nas proximidades de Natividade, que ofertaram à rainha quando o
príncipe nascera. Em seguida, a rainha deu a ordem para que o lugar em que fora encontrada a
pepita fosse batizado com o nome de Príncipe. Nisso tudo, pode-se perceber uma relação
metafórica ou icônica entre a peça de ouro e a figura de um menino, como sendo a figura do
menino príncipe. Depois, há uma associação metonímica, em uma relação de contiguidade, de
parte (a mina em que foi encontrada a pepita de ouro) para o todo (o arraial), que passa a ser
nomeado com o título do menino a quem o artefato foi ofertado.
Supõe-se que o príncipe Dom João VI recebera esse nome em homenagem a São João
Batista. Por isso, comemore-se no povoado do Príncipe o dia desse santo com grande festejo
popular nos dias 23 e 24 de junho.

4.1.11 Taguatinga40

A cidade de Taguatinga está situada no sudeste do estado do Tocantins, na fronteira


deste com o estado da Bahia, e tem uma população estimada em 16.086, segundo o senso do
IBGE de 2014.
Ferreira (1958) relata que Taguatinga iniciou-se com uma fazenda denominada Brejo,
a qual pertencia a uma família numerosa. Devido à fertilidade das terras e às águas de boa
qualidade, atraíra muitas pessoas que se tornavam agregados do proprietário.
Diante disso, Azevedo (1987) informa que Taguatinga não foi criada como as outras
cidades goianas com base na mineração, sua fundação deveu-se, possivelmente, a sua posição
topográfica, à abundância de água e ao clima agradável.
A tradição local indica o coronel Francisco Lino como fundador da cidade, por ter
lançado as bases da primeira habitação e reunido em torno de si um pequeno núcleo
populacional. Relata o autor que vindo da Bahia um dos presidentes da então província de
Goiás adoecera e fora prontamente cuidado pelo coronel Lino. Esse fato lhe rendeu, por

40
Conferir fotos da cidade de Taguatinga nos anexos p. 186 -187.
140

recompensa do presidente, uma nomeação de comandante superior da Guarda Nacional, sendo


o primeiro e o único comandante superior do norte.
Ferreira (1958) destaca ainda que o povoado formado a partir da fazenda Brejo teve
como primeiro topônimo Santa Maria. Com o tempo, o coronel Francisco Lino construiu uma
capela no local e teve necessidade de uma imagem de Santa Maria. Antes que fosse
comprada, passou pelo povoado uma família vinda de Taipas com destino à Bahia, com uma
imagem de Nossa Senhora D’Abadia. Foi feito um acordo em que essa imagem ficaria no
povoado e seria sua padroeira até que a família voltasse para buscá-la, fato que não ocorreu
até os dias atuais.
A capela torna-se paróquia de Santa Maria de Taguatinga pela lei provincial nº 105 de
5 de outubro de 1840. Nossa Senhora D’Abadia permanece como padroeira da cidade que se
comemora o com festejos de 08 a 15 de agosto, com apresentação da famosa Cavalhada de
Taguatinga, a única no estado do Tocantins, e, por essa razão, está incluída no rol das grandes
manifestações culturais do estado.
Taguatinga está edificada em um terreno elevado, ao sul da serra do mesmo nome.
Essa serra apresenta a forma de um losango e pode ser vista a grandes distâncias. Cunha
Matos (2004) relata que o ribeirão da Taguatinga deu o nome à serra e ao distrito. Conta o
autor que nas margens do rio Dois Irmãos Grande localizava-se o pequeno, solitário e
melancólico Registro41 da Taguatinga, composto de uma casa pequena de pau-a-pique
rebocada de barro onde abrigava o comandante e seus soldados e uma pequena cozinha em
que todos se serviam. O autor faz a seguinte declaração a respeito da beleza natural do lugar.

Se as circunstâncias materiais deste Registro são desagradáveis, ressarce a natureza


o mal que se sofre pelas obras portentosas que apresenta: para o soldado o Registro é
pior que os desertos da Sibéria; para o filósofo é um sítio encantador, em que toda a
sua vida tem novas cousas a estudar (CUNHA MATOS, 2004, p. 162).

Ainda segundo Cunha Matos, diante do Registro estava a majestosa serra Geral,
distante ¼ de légua (1½ km). Faz referência também à catarata dos Dois Irmãos ou da
Taguatinga que, pela força da queda d’água, ouvia-se ao longe o barulho como de um trovão.
Atualmente, é conhecida como cachoeira do Registro 42. Acredita-se que a atual cidade de
Taguatinga foi formada nos arredores desse registro, pois os detalhes a que o autor faz

41
Os registros eram os pontos estratégicos estabelecidos pela fazenda Real ou pelos contratadores das Entradas,
onde escravos, gados, cargas de secos e molhados e as pessoas que entram e saem dos povoados pagavam o
respectivo imposto dos quintos reais (SALLES, 1992, p. 158).
42
Ver foto da cachoeira do Registro nos anexos p. 184.
141

referências no Itinerário de 1823-1824 coincidem com o que se tem hoje nos arredores do
município. Ou pode ter acontecido o que Palacín (1994) menciona a respeito dos registros de
Goiás, que, inicialmente, encontravam-se nas fronteiras, mas com o tempo e por comodidade
foram retrocedendo e fixando-se nos arredores dos arraiais.
Póvoa (1999) ressalta que o topônimo Taguatinga significa “barro branco” e a
localidade teve, anteriormente, os topônimos Brejo e Travessia do Brejo. Em 1834 o local já
possuía a denominação de Santa Maria, em 1855 passa a denominar Santa Maria de
Taguatinga. A partir de 1948, adota o nome atual.
De acordo com Ferreira (1957), a partir da Lei Providencial nº 4, de 6 de novembro de
1855, o povoado de Santa Maria de Taguatinga, foi elevado à condição de vila, mas
pertencendo ao Município de São Domingos. Posteriormente, anexa-se ao Município de
Arraias e, em seguida, pela Lei nº 425, de 10 de novembro de 1868, desmembrado de Arraias,
torna-se o Município de Taguatinga.

4.1.11.1 Topônimo Taguatinga

Quadro 19 - Classificação do topônimo Taguatinga

Topônimo: Taguatinga Município: Taguatinga


Localização: mesorregião oriental do Tocantins - microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico simples (subst.)
Etimologia: Encontra-se em Sampaio o topônimo “Tabatinga” taba-tinga que quer dizer aldeia
branca; corr. taua-tinga ‘barro branco’. Taguatinga deriva de Tabatinga que, conforme Sampaio
(1901) significa barro branco. Halum (2008) afirma que era um tipo de argila muito utilizada
pelos moradores para rebocar as paredes de suas casas. Complementando, Liberato (2002)
ressalta que tabatinga é terra argilosa de cor branca, imprópria para o cultivo e que substitui a cal
na caiação.
Outros topônimos: Brejo, Travessia do Brejo, Santa Maria e Santa Maria de Taguatinga
Contexto Histórico: Conforme Azevedo (1987), Taguatinga não foi criada como muitas outras
cidades goianas com base na mineração. Sua fundação deveu-se, possivelmente, a sua posição
topográfica, à abundância de água, à doçura do clima. Conforme Lei Provincial nº 4, de 6 de
novembro de 1855, o povoado de Santa Maria de Taguatinga, foi elevado à condição de vila
pertencente ao Município de São Domingos. Posteriormente, foi anexada ao Município de
Arraias. Finalmente, conforme Lei nº 425, de 10 de novembro de 1868, foi desmembrada de
Arraias, tornando-se o Município de Taguatinga (FERREIRA, 1957).
142

Motivação toponímica: cor da argila abundante nos arredores da cidade


Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: Litotopônimo – relativo aos topônimos de natureza mineral.

O topônimo Taguatinga é formado, sincronicamente, por um elemento simples. Ao


verificar a etimologia da palavra, encontra-se em Sampaio (1901) ‘taua + tingua’ com o
sentido de ‘barro branco’. Segundo fontes já mencionadas no quadro do topônimo, a
motivação desse nome decorre da cor da argila que se encontra em abundância nos arredores
da cidade. Essa argila era utilizada para caiar casas e produzir artesanato.
Dessa forma, esse topônimo insere-se na taxonomia de natureza física, classificado
como um litotopônimo, pois se refere ao aspecto mineralógico do terreno. No entanto, no
decorrer dos tempos, o lugar passou por várias denominações. Algumas delas como Brejo e
Travessia do Brejo, encontram-se ligadas aos aspetos físicos do lugar. Já Santa Maria e Santa
Maria da Taguatinga estão relacionadas à motivação religiosa muito presente no período
colonial e imperial. Com relação a esse último, a referência à Santa Maria foi perdida e se
manteve apenas o termo qualificativo, Taguatinga, já que esse nome pertencia a um registro e
um rio nas redondezas dessa cidade. Entretanto, a devoção a Santa Maria mantém-se na
invocação a Nossa Senhora da Abadia, padroeira da cidade. Megale (1980, p. 21) informa que
“Nossa Senhora da Abadia é também conhecida pelo título de Santa Maria do Bouro, pois é
originária do convento do Bouro, próximo à cidade de Braga, em Portugal”.
O topônimo Taguatinga está incluso nos nomes descritivos puros que apresentam em
sua forma as qualidades do lugar. Como signo linguístico, apresenta uma relação de
iconicidade, já que se percebe a semelhança entre forma e significado, desde que se observa a
etimologia da palavra. Desse modo, quanto ao mecanismo conceptual utilizado, entende-se
que é metonímico, pois se fixa por meio da relação de contiguidade entre o lugar e o elemento
que o caracteriza (a argila branca), estimulados pelo ambiente natural que o cerca. Esse tipo
de tipo de escolha pela associação dos elementos presentes no ambiente circundante é bem
comum em nomes de origem indígena.

4.1.12 Classificação geral dos topônimos

O quadro seguir apresenta a categorização de cada topônimo quanto à etimologia,


mecanismo conceptual, motivação toponímica e classificação taxonômica.
143

Quadro 20 - Taxonomia, etimologia, mecanismo e motivação


Topônimo Etimologia Mecanismo Motivação Classificação
conceptual Toponímica Taxonômica

Porto Nacional Latim/port. Metonímia Lugar que servia de Geomorfotopônimo


porto Sociotopônimo
Dianópolis Latim/grego Metonímia Mulheres chamadas Antropotopônimo
“Diana”
Arraias Latim/port. Metonímia Espécie de peixe no Zootopônimo
ribeirão que corta a
cidade
Almas Latim/port. Metonímia Referência a S. Hierotopônimo
Miguel Arcanjo,
protetor das Almas
Paranã Tupi Metonímia Nome de um dos rios Hidrotopônimo
em que está situada a
cidade
Chapada da Latim/port. Metonímia A chapada em que Geomorfotopônimo
Natividade está assentada a Hierotopônimo
cidade
Natividade Latim/port. Metonímia Homenagem a N. S. Hierotopônimo
da Natividade
Príncipe Latim/port. Metonímia Homenagem ao Axiotopônimo
príncipe D. João
Monte do Carmo Latim/hebr Metonímia Serra do Carmo Geomorfotopônimo
Hierotopônimo
Conceição do Latim/tupi Metonímia Homenagem a Nossa Hierotopônimo
Tocantins Senhora da
Conceição
Taguatinga Tupi Metonímia Cor da argila Litotopônimo
abundante nos
arredores da cidade

A análise dos topônimos acima apresentada, de acordo com a motivação toponímica


que fundamenta cada nome, agrega taxonomias que refletem tanto a percepção e o
144

entendimento do ambiente físico (taxe de natureza física) quanto do social (taxe de natureza
antropocultural). Desse modo, verificou-se que no corpus ocorrem três geomorfotopônimos,
um zootopônimo, um hidrotopônimo e um litotopônimo, os quais estão associados ao
ambiente natural. Ocorrem também um antropotopônimo, três hierotopônimos e um
axiotopônimos, categorias relacionadas ao ambiente social. Na seção seguinte, apresentam-se
o histórico e a análise dos nomes dos rios.

4.2 HIDRONÍMIA: OS NOMES DOS RIOS

Desde a antiguidade, quando os seres humanos começaram a se organizar em


aglomerações urbanas, pressupunham a presença de um ou mais cursos d’águas como fonte
de água, de alimentos e também como meio de locomoverem-se. Foi o que aconteceu no
território constituído como o locus desta pesquisa. Além desses motivos, vale ressaltar
também que a posse dos sítios próximos a um curso d’água, nesse território, se junta com a
busca por metais preciosos, principalmente o ouro. Por isso, nesta subseção apresenta-se um
breve histórico a respeito dos rios que fazem parte da bacia hidrográfica do Tocantins,
principalmente aqueles que fazem parte da história de apropriação e domínio desse espaço
geográfico.
Entende-se que os cursos d’água são de importância ímpar para a sociedade, sendo
fator fundamental para formação e permanência de aglomerados humanos em determinados
locais. Essa importância tem reflexo na toponímia local, pois vários rios, córregos e riachos
constituem motivos para nomear acidentes humanos e vice-versa.
Ao escrever sobre o rio dos Tocantins, Rodrigues (2001) comenta que todo nome
admite, implicitamente, a noção de batismo. Os nomes pessoais, nas diversas culturas,
respeitam a rituais próprios. Quanto ao batismo dos rios, ele desconhece que existam ritos ou
normas pré-estabelecidas para nomeá-los. No entanto, ele observa que os indígenas, pela
necessidade de localização, nomeavam os rios pelos nomes das tribos mais próximas. Por essa
razão tem-se rio dos Crixás, dos Pacajás, dos Purus, dos Tocantins. Quando não conheciam
tribo que justificasse o nome do rio, buscavam nos aspectos, nos detalhes do próprio rio para
nomeá-lo.
Esses aspectos variavam, podia ser a correnteza a motivação da escolha do nome,
como rio Paranapanema ou rio das águas vagarosas, rio Sereno, rio Manso; outras vezes, eram
utilizadas as características dos leitos dos rios, daí tem-se rio das Pedras, rio Lajeado. A cor
das águas também é fator importante na motivação dos nomes dos rios. Por isso, tem-se rio
145

Branco, rio Preto, rio Verde, rio Vermelho. Outro detalhe que servia como motivação para
nomear os rios foi a natureza da vegetação que predominava nas suas margens. Nesse sentido,
tem-se rio da Palma, rio Buriti, rio Angico, rio dos Cocos, dentre outros.
Também servia como motivo para nomeação dos rios a abundância das aves. Dessa
motivação resultaram nomes como rio dos Papagaios, das Garças, das Araras; a grande
quantidade de animais também foi fator motivacional, a saber: rio das Antas, rios dos
Macacos, rio dos Bois. Assim, também serviram as espécies de peixe, por certo, têm-se na
hidrografia brasileira nomes como rio Piauí ou rio dos Peixes Malhados, rio das Arraias, rio
Piranhas, dentre outros.
Em contrapartida, os não índios, a quem o autor chama de “civilizados”, no passado e
presente, serviram-se do sentimento religioso para batizar os rios. Rodrigues (2001) informa
que eles recorriam ao Flos Sanctorum para escolher um nome de um santo de sua devoção.
Desse tipo de motivação tem-se rio São Francisco, rio Santa Teresa, rio São João, rio Santa
Maria. Têm-se também nomes de rios que indicam razões patrióticas como Quinze de
Novembro, rio Independência e outros. Além de casos que expressam homenagem a um
indivíduo importante no cenário político ou religioso. Assim é que tem rio Roosevelt, rio
Manuel Alves, rio Honório.
As lendas também contribuíram para a formação dos nomes dos rios brasileiros. Das
lendas vieram os nomes dos rios: das Amazonas, do Sono, das Almas. Não se pode esquecer-
se dos nomes dos rios que provieram dos metais preciosos como rio da Prata, rio do Ouro.
Dessa forma, percebe-se que vários fatores contribuíram para motivar o batismo dos rios
brasileiros, e, consequentemente, dos rios escolhidos para este estudo.
Dick (1992) aponta que o elemento “água” teve influência acentuada na toponímia
brasileira, “indo ao encontro da tendência universal que sempre condicionou o homem a
transformá-la em instrumento no ato denominativo” (1992, p. 80), uma vez que os cursos
d’água continuamente foram imprescindíveis para a sobrevivência dos seres humanos e do
meio ambiente em geral.
Como tendência universal, o estado de Goiás e Tocantins não fogem à regra. Os cursos
d’água serviram de inspiração para dar nomes a várias localidades no passado. Em Curado
(2013), encontram-se registrados os topônimos como Água Fria (Caçu), Rio do Peixe
(Caturaí), Entre-Rios (Ipameri), Água Limpa (Jandaia), Riachão (Mambaí), São José do
Turvo (Paraúna), Trahyras (Tupiraçaba), Manchão do Pacu (Jaupaci), Santa Rita do
Paranaíba (Itumbiara), Água Fria, Carmo do Rio Verde, Hidrolândia, Lagoa Santa,
Piracanjuba, Rialma, Rio Quente, Rio Verde, Piranhas.
146

Já é fato conhecido que a geografia brasileira deve ao Tupi grande parte dos nomes de
lugares, apesar de aparecerem nomes de outras línguas indígenas como o Bororo, no Centro-
Oeste, Caribe e Aruaque no Amazonas, dentre outros. Teodoro Sampaio (1901) afirma que o
indígena fazia uso de elementos descritivos do seu ambiente, por possuir uma visão prática e
objetiva do mundo. Dick (1992), complementando essa afirmação, aponta que o indígena,
além de fazer uso de elementos descritivos puros, utilizava, também, os descritivos
associativos no seu sistema de nomeação. Isso explica a forma como os rios eram
denominados pelos povos indígenas: pela cor da água, profundidade, se tinham corredeiras,
cachoeiras, pedras brilhantes, muitos peixes, dentre outros elementos. No entanto, esse
mecanismo de nomeação não se restringe ao homem do passado. Há muitos nomes descritivos
na toponímia brasileira atual, como foi apontado anteriormente.
Dick (1992) considera que os povos indígenas brasileiros costumavam designar os
cursos de água por meio dos significados genéricos do hidrônimo em seus dialetos de origem.
No Tupi antigo, as expressões como y/pará/paraná são traduzidas como “água”, “mar”, “rio”
em função apelativa. Os índios Aruaque e Caribe da região Norte usavam a expressão uêne
“rio” como em Queceuene (Rio Branco de hoje, quecé significando branco e uêne rio), ári
“rio” em Ucaiari (ucái, branco e ari rio em aruaque). No bororo, têm-se os termos genéricos
bo para rio, iáo água, po/poba para foz ou embocadura, paro para ribeirão, como em bororeu
(bo água, rereu que corre).
No léxico de origem tupi, o estrato linguístico indígena que mais prevaleceu na
toponímia nacional, o elemento “água” é indicado pelo y (vernacularizado em i ou em u) que
Sampaio (DICK, 1992) traduziu como sendo o líquido, o fluído, o curso d’água e, por
extensão, o “rio”. O y (ou i) pode aparecer no início, no fim ou no meio dos topônimos que
têm essa conotação de água, rio ou curso d’água. Dessa forma, os topônimos Ipojuca (água
podre), Jacareí (rio do jacaré), Caraípe (rio do cará) servem de exemplo para cada uma das
três posições do y nos topônimos que se remetem a água.
Segue uma breve apresentação histórico-geográfica dos rios que foram importantes
para a formação das cidades antigas do estado do Tocantins, além do que alguns hidrônimos
serviram de motivação para denominar essas localidades. Esses rios foram os caminhos do
sertão tocantinense em épocas em que não havia estradas. Era por esses rios que o ouro saía
dos antigos arraiais. Após a época da mineração, eles foram os caminhos para o comércio do
Pará. A navegação, principalmente no rio Tocantins, mesmo em condições precárias, durou
até os meados do século XX – mais especificamente, até a década de 60 – quando a BR-153
foi construída.
147

4.2.1 O rio Tocantins e seus afluentes43

Os rios foram os caminhos naturais que levaram os colonizadores à conquista do


interior do Brasil, contribuindo de forma decisiva para a expansão do território brasileiro
ainda no período colonial. O rio Tocantins e seus principais afluentes desenvolveram esse
papel na conquista do território goiano e tocantinense. Naquela época, faziam uso deles tanto
religiosos na busca dos nativos para o trabalho de “evangelização” e “civilização” quanto os
bandeirantes à procura de ouro e outros metais preciosos, bem como na captura dos índios
para escravizá-los.
Quanto ao descobrimento do rio Tocantins, Rodrigues (2001) informa que, ao norte,
pela foz, cabe aos franceses a honra de ter descoberto o rio Tocantins nos primórdios do
século XVII. Já pelas nascentes, foram os brasileiros, os paulistas, os primeiros a chegarem no
final do século XVI com intuito de desbravar o sertão do Paraupava. Ele destaca ainda que “o
bandeirismo fez o Brasil de hoje, e um dos seus menores serviços foi a descoberta do rio
Tocantins pelas nascentes” (p. 78).
O rio Tocantins, um dos maiores do mundo, segundo Azevedo (1987), nasce no estado
de Goiás, próximo à lagoa Formosa, e nesse perímetro é denominação de Maranhão. Os
primeiros cursos d’água que ele recebe são procedentes do planalto central. Da mesma
opinião é Pereira (1834), no Diccionário Topographico do Império do Brasil, que destaca que
o rio Tocantins é um rio considerável,

tem origem na Província de Goyaz formando-se da confluência de vários rios que


nascem dos Perineos: principia com o nome de Maranham, e correndo sempre ao
norte, recebe pela esquerda o Araguaia junto á Villa de S. João das duas barras; entra
na Província do Pará e vae encorporar-se com o Amazonas acima da cidade de
Bellem: he navegavel em grande extenção e oferece comunicação por água entre as
duas Províncias por onde passa (PEREIRA, 1854, p. 224).

Não há um consenso quanto ao lugar em que o rio perde o nome de Maranhão e passa a
ser chamado de Tocantins. Andrade (2010) aponta que o rio Tocantins nasce na união do rio
Maranhão e Almas e daí em diante até Belém, Pará, o rio percorre um curso de 1710 km.
Por outro lado, Rodrigues (2001), após analisar vários fatores para a escolha de um
formador principal de um rio, é enfático em afirmar que o rio Tocantins nasce com o nome de
Paranã, nas proximidades da cidade de Formosa, como filete d’água rumo ao norte pelo Vão

43
Conferir fotos dos rios nos anexos p. 176-178.
148

do Paranã. O Rio Paranã, após receber o rio Palma, passa a ser chamado pelos moradores
locais de Paranatinga. Assim, “ao receber o Paranatinga pela margem esquerda o rio
Maranhão, é que toma o nome real de Rio Tocantins, que vai entregar no Pará ao Oceano
Atlântico, único digno de recebê-lo” (p.104).
O rio Tocantins apresenta características variadas em que cachoeiras, estirões,
corredeiras, pedregais atribuem a nobreza de um gigante, variando em trechos com
características de rio de planalto e de rio de planície. Das nascentes até a sua foz percorre
2.400 km cortando o país no sentido sul-norte. Na divisa dos estados do Tocantins e Pará, no
local conhecido como Bico do Papagaio, recebe o rio Araguaia, seu principal afluente. Ao
longo do seu curso, o rio Tocantins pode ser dividido em três trechos distintos, a saber: Alto
Tocantins, que se inicia das nascentes e vai até a cachoeira do Lajeado44, uma extensão de
1.050 km; Médio Tocantins, da cachoeira do Lajeado até a cachoeira de Itaboca45, perfazendo
980 km; Baixo Tocantins, da cachoeira de Itaboca à foz, com aproximadamente 370 km.
Cunha Matos (2004) observa que o rio Tocantins recebe o nome de uma tribo indígena
assim chamada. No entanto, os primeiros colonizadores portugueses do século XVII já se
referiam a um grande rio que se perdia no Amazonas com esse nome, muito tempo antes de
descobrirem outros percursos desse rio mais próximos das nascentes, no território goiano,
com o nome de rio Maranhão. Nos registros antigos, o rio Maranhão, desde a sua origem na
lagoa Formosa ou de Félix da Costa, até a confluência do Araguaia era chamado de Pará
Upeba. Ainda com relação ao nome, “no caso do Tocantins, sabe-se que esse nome foi
aplicado por viver em suas margens a poderosa e valente tribo dos índios Tocantins, daí ser
conhecido a princípio como rio dos Tocantins” (RODRIGUES, 2001, p. 39).
Seus principais afluentes pela margem direita, dentro do território do atual estado do
Tocantins, são os rios Bagagem, Tocantinzinho, Paranã – com o rio Palma e Palmeira -,
Manuel Alves da Natividade, Manuel Alves Grande, rio do Sono. E da margem esquerda os
rios Araguaia e Santa Tereza. Estes não serão contemplados nesse estudo, porque priorizou os
rios que fazem parte da mesorregião oriental do Tocantins, em cuja região localizam-se as
cidades que fazem parte deste estudo.

44
Cachoeira do Lajeado já não existe. Atualmente, localiza-se a Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães.
45
Cachoeira de Itaboca também não existe, nesse local foi construída a Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
149

4.2.1.1 Hidrônimo Tocantins

Quadro 21 - Classificação do hidrônimo Tocantins

Hidônimo: Tocantins
Localização: estado de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará.
Estrutura morfológica: elemento simples
Etimologia: O termo Tocantins, refere-se ao grupo indígena que teria habitado junto à foz do rio
Tocantins-PA. Em Sampaio (2001), encontra-se o termo tucantins corr. tucam-tim, que quer dizer
nariz de tucano, ponta de tucano, que deu seu apelido ao rio.
Motivação toponímica: grupo indígena que habitava próximo a foz
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: Etnotopônimo – relacionados a elementos étnicos
Informações enciclopédicas: o rio Tocantins nasce no estado de Goiás, com o nome de Maranhão.
Corre sempre em direção ao norte e recebe pela direita os rios se junta ao rio Araguaia, no extremo
norte do estado do Tocantins, divisa com o Pará. Entra no estado do Pará e desagua no rio
Amazonas, acima da cidade de Belém (PEREIRA, 1854). Das nascentes até a sua foz, percorre
2.400 km. Esse rio passa pelos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará.

O hidrônimo Tocantins tem como principal motivação a presença do grupo indígena


que habitava a região, local em que os primeiros exploradores tiveram contato com esse rio.
Ele é formado por elemento simples. Insere-se na categoria toponímica de natureza
antropocultural e classifica-se como um etnotopônimo, topônimo relativo a elementos étnicos,
a saber, grupo indígena.
O mecanismo conceptual que agiu no denominador para escolher esse nome está no
processo metonímico, pela extensão do nome do grupo indígena ao curso d’água com noção
de posse, pois nos documentos antigos o nome era rio dos Tocantins, perdendo essa noção
com o uso. É fato conhecido que esse grupo indígena há muito tempo deixou de existir, mas
seu nome ficou preservado na toponímia e na hidronímia, como vestígio de uma sociedade
autóctone perante a política de colonização europeia.

4.2.2 Rio Paranã

De acordo com Rodrigues (2001), o rio Paranã nasce a poucos quilômetros da cidade
de Formosa, no Planalto Central de Goiás, a mais de 800 metros de altitude, baixando ao nível
150

do mar por meio de numerosos e sucessivos patamares. E, a cada declive, as formações


rochosas não destruídas pela força erosiva das águas, vão formando as corredeiras, travessões
e belíssimas cachoeiras.
Ao entrar na planície pedregosa, recebe pela margem esquerda os rios Santana, Ouro
Fino e das Almas; pela margem direita, os rios Campos Belos, São Domingos e Riachão
acumulando grande volume de água e descendo rumo ao noroeste até encontrar o rio Palma.
Após a confluência com o rio Palma, é denominado de rio Paranatinga pela população local.
Ainda de acordo com Rodrigues (2001), no rio Paranã, ao longo do seu curso,
encontram-se pequenas localidades como Santa Rosa, Calheiros e Flores, a vila de Nova
Roma e a cidade de Palma (atual Paranã). Sendo o rio navegável até Palma, a partir daí liga-se
a outras cidades como Arraias, Natividade e Conceição do Norte por estradas carroçáveis.
O rio Paranã também é citado em Cunha Matos (1979). Ele observa que este rio nasce
na serra das Araras, ou na serra dos Couros (próximo à cidade de Formosa). Neste local, seu
principal afluente é o rio Itiquira e, após a confluência com o rio Palma, desagua no Tocantins
pela margem direita.
Com relação ao significado do nome, em Sampaio (1970), paraná – corr. pará-nã é
uma denominação dada aos grandes rios.

4.2.2.1 Hidrônimo Paranã

Quadro 22 - Classificação do hidrônimo Paranã

Hidrônimo: Paranã
Localização: nasce no Planalto Central em Goiás e desagua na mesorregião oriental do Tocantins –
microrregião de Dianópolis.
Estrutura Morfológica: elemento simples
Etimologia: O termo Paranã provém do tupi-guarani e quer dizer ‘semelhante ao mar’, ‘tão grande
como o mar’. Como denominação de rio, quer dizer ‘rio enorme, caudal, imenso, o mar’ (Sampaio,
1901).
Motivação toponímica: advém dos aspectos dimensionais
Mecanismo conceptual: metafórico
Taxonomia de natureza física: dimensiotopônimo
Informações enciclopédicas: nasce no estado de Goiás, na serra das Araras. Une-se ao rio Palma
tornando o rio Paranatinga logo abaixo da cidade de Paranã e desagua no rio Maranhão formando a
partir daí o rio Tocantins.
151

O hidrônimo Paranã tem como motivação toponímica as características dimensionais


do acidente geográfico. Como já foi mencionado anteriormente, o termo vem do Tupi e o seu
significado está ligado ao tamanho ou extensão do curso d´água. Sendo assim, Paranã, como
nome de rio, está classificado como um dimensiotopônimo. É formado de elemento específico
simples e reflete a maneira como os indígenas nomeavam os rios, observando os aspectos
relacionados aos próprios acidentes ou em suas imediações. Esse hidrônimo pode ter sido
atribuído ao rio pelas bandeiras paulistas que tinham a língua tupi como língua geral que, no
início do século XVIII, chegaram ao Planalto Central onde fica a nascente do rio Paranã.
O rio Paranã serviu desde muito cedo, desde a época colonial, como caminho para
alcançar as regiões mais interioranas do sertão tocantinense, vindo do sul. Depois serviu de
caminho para se chegar ao comércio de Belém, estado do Pará. Esse rio é citado pelos
viajantes do século XIX e XX, demonstrando a permanência do hidrônimo e a importância
desse rio para as populações ribeirinhas.

4.2.3 Rio Palma

Saint-Adolphe (1845) apresenta em seu dicionário geográfico e histórico a seguinte


definição para termo Palma:

Palma (rio da). Rio da província de Goiyás, na comarca de Porto Imperial. Tem
príncipio na serra do Duro, e procede da reunião dos ribeiros da Palmeira, do
Mosquisto e Sobrado, e corre no rumo d’oestenoreste, atravessa a freguesia da
Conceição e vai juntar-se com o rio Paranan, abaixo da villa de São João da Palma
[...] (SAINT-ADOLPHE, 1845, p.191).

Em Cunha Matos (2004), o rio Palma nasce na serra de São Domingos e de


Taguatinga, ou serra Geral, recebe o rio Palmeira e entra no rio Paranã abaixo da cidade de
Paranã (antiga Palma). Cunha Matos, Silva e Souza e Gardner apresentam em seus registros
“rio da Palma”, com a preposição indicando relação de posse. Dessa forma, fica implícito que
o nome do rio provém da vegetação nas proximidades de suas margens, ou seja, as palmas ou
palmeiras abundantes nessa região do estado do Tocantins.
152

4.2.3.1 Hidrônimo Palma

Quadro 23 - Classificação do hidrônimo Palma

Hidrônimo: Palma
Localização: mesorregião oriental do Tocantins – microrregião de Dianópolis
Estrutura Morfológica: elemento simples
Etimologia: do lat. palma -ae, ‘folha de palmeira’ (CUNHA, 2007 ). Família da ordem das arecales
que reúne 203 gêneros e 2.650 espécies de árvores, tronco geralmente indiviso (o estipe), também
conhecidas como palmeira e coqueiro (HOUAISS, 2001).
Motivação toponímica: vegetação abundante nas proximidades do rio
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: fitotopônimo
Informações enciclopédicas: nasce na serra Geral, recebe o rio Palmeira e entra no rio Paranã
abaixo da cidade de Paranã.

O hidrônimo Palma ressalta a presença da vegetação ribeirinha, informação


evidenciada nos registros dos viajantes quando se referem ao rio da Palma. Rodrigues (2001)
indica que a vegetação nas proximidades foi motivo para a nomeação de muitos rios
brasileiros, e um dos citados pelo autor é o rio da Palma.
O hidrônimo é formado por elemento específico simples de origem latina. Insere-se na
categoria de natureza física e classifica-se em fitotopônimo por ser um nome que deriva de
elementos da vegetação. Quanto ao mecanismo conceptual, o processo metonímico foi o que
atuou no psíquico do denominador para escolha do nome. Isso porque há uma relação de
contiguidade entre a vegetação ribeirinha e o rio que essa mesma vegetação denomina, uma
associação entre eles. Segundo Rodrigues (2001), Sampaio (1901) e Dick (1992), era a forma
de os povos indígenas nomearem os rios, pela identificação de algo que lhes chamava a
atenção. Isso demonstra a cosmovisão do homem ligado aos aspectos da natureza.
De acordo com Sampaio (1901), as palmas são, de fato, um tipo de vegetal muito
peculiar e bastante comum no território brasileiro, que a beleza e a frequência desse vegetal
não poderiam deixar de influir na nomeação de entidades geográficas. Assim, muitas
localidades em todo o país têm nomes que se referem aos vários tipos de palmeiras existentes,
tais como o Buriti, a Carnaúba, Macaúba, Ouricury, Indayá e as corruptelas desses nomes,
dentre outros.
153

4.2.4 Rio Palmeiras

Esse rio nasce na Serra Geral, a qual divide os Estados da Bahia, de Goiás e do
Tocantins, com um curso seguindo para o oeste até Dianópolis e a partir daí altera o seu curso
na direção sul. Faz parte da Bacia do Tocantins. Possui muitas quedas d’água, fato que atraiu,
recentemente, a construção de usinas hidrelétricas. O rio Palmeiras desemboca no rio Palma,
que depois se junta ao Paranã e, consequentemente, ao rio Tocantins (ECOLNEWS, 2014).
Cunha Matos (2004) registra rio da Palmeira, ficando implícita a relação do rio com a
vegetação local, e observa também que ele desagua no rio da Palma pela margem direita.
No estado do Tocantins, as palmeiras chamam a atenção pela quantidade e, com
isso, acrescentam ao local um panorama especial. Além disso, são de grande importância para
a manutenção e conservação do ecossistema, bem como uma fonte de renda para a população
no fornecimento de matéria prima para confecção de artesanato, produtos alimentícios,
remédios e óleos industriais. Dentre outras espécies de palmeiras, sobressaem-se o Babaçu, a
Carnaúba e o Buriti. Importa salientar que o Babaçu está presente em toda a região do estado,
principalmente na região norte, preferindo lugares secos, enquanto o Buriti é encontrado em
terrenos encharcados, preferencialmente perto de rios (NASCIMENTO, 2009).

4.2.4.1 Hidrônimo Palmeira

Quadro 24 - Classificação do hidrônimo Palmeira

Hidrônimo: Rio Palmeira


Localização: mesorregião oriental do Tocantins – microrregião de Dianópolis
Estrutura Morfológica: elemento simples (subst. palma + sufixo –eira)
Etimologia: do lat. palma + -eira designação comum às plantas da família das palmas.
Motivação toponímica: vegetação nas proximidades
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza física: fitotopônimo
Informação enciclopédica: nasce na Serra Geral, local de várias nascente como a do rio do Sono,
Manuel Alves e Palma. O rio Palmeiras desagua no rio Palma, afluente do Paranã.

O hidrônimo Palmeira assim como o Palma, está relacionado com a vegetação local.
É formado por elemento simples por meio de derivação pelo acréscimo do sufixo -eira, ao
nome “Palma”. A metonímia faz-se presente na escolha do nome para o curso d’água, uma
154

vez que vegetação e acidente geográfico estão em um contínuo. As palmeiras, nas


proximidades, despertaram a atenção do denominador para identificar o rio, espécie de
denominação espontânea do homem que vive em contato com a natureza. Encontra-se
inserido na categoria de natureza física e classifica-se como um fitotopônimo, topônimo de
índole vegetal.
O rio Palmeira é citado no diário do Barão do Mossâmedes, datado de 1771 a 1773
(PINHEIRO; COELHO, 2006), ocasião em que o governador José de Almeida de
Vasconcelos Soveral e Carvalho viaja do Rio de Janeiro para Goiás e depois para o interior
deste. Por essa razão, é possível afirmar que essa denominação é relativamente antiga,
indicando que os nomes dos rios, mais do que os nomes das cidades, mantêm-se fixos no
decorrer dos tempos sem muita interferência dos movimentos socioculturais e históricos.
Esse rio é admirável pelos seus atrativos naturais, não só pela abundância de palmeiras
nas margens, mas também pelas suas corredeiras. Por essa razão, tem grande potencial
energético. Esse potencial está sendo aproveitado com usinas hidrelétricas, mas, ao mesmo
tempo, seu ecossistema está sendo ameaçado.

4.2.5 Rio Manuel Alves

Nasce na serra do Duro ou Geral e termina seu curso ao entrar no rio Tocantins pela
margem direita. Encontra-se em Alencastre (1979) e Póvoa (1999) que o nome desse rio
advém do nome do padre Manuel Alves que, juntamente com seu irmão Gabriel Alves,
enviados pelo governador e capitão-general D. Marcos de Noronha, ajudou a promover a
conquista dos índios Acroá e Xacriabá,
Esse rio é um dos principais do sudeste do estado do Tocantins e, por suas belezas
naturais, propicia lazer às populações adjacentes. As cidades Porto Alegre do Tocantins, Rio
da Conceição, Natividade, Dianópolis e Almas são beneficiárias, de alguma forma, das águas
desse rio.
Outro com o mesmo nome é Manuel Alves Grande que nasce na serra das
Mangabeiras, separa o estado do Tocantins com o do Maranhão e desagua no rio Tocantins
acima da cidade de Filadélfia. De acordo com Saint-Adolphe (1845), o rio Manuel Alves
Grande foi descoberto em 1728 pelo sertanista de quem herdou o nome.
155

4.2.5.1 Hidrônimo Manuel Alves

Quadro 25 - Classificação do hidrônimo Manuel Alves

Hidrônimo: Manuel Alves


Localização: mesorregião oriental do Tocantins – microrregião de Dianópolis
Estrutura morfológica: elemento específico composto (subst. próprio – nome de pessoal,
antropônimo + subst. próprio – sobrenome, antropônimo).
Etimologia: hebr.: o nome Manuel é uma variação de Emanuel, que quer dizer “Deus (EI) conosco”
(emannu ou imanu). Este é nome do Messias (GUÉRIOS, 1981). Já o sobrenome Alves é variação
de Alvares que, segundo Câmara Jr. (1975), é um patronímico português cujo significado é “filho de
Álvaro”.
Motivação toponímica: o nome desse rio provém do padre Manuel Alves, um dos que ajudou a
promover a conquista dos índios Acroá e Xacriabá (ALENCASTRE, 1979; PÓVOA, 1999) ou o
nome do primeiro sertanista que o explorou.
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: antropotopônimo
Informação enciclopédica: Nasce na serra Geral e termina seu curso ao entrar no rio Tocantins
pela margem direita. Para diferenciar do outro rio do mesmo nome, é conhecido também por
Manuel Alves da Natividade.

O hidrônimo Manuel Alves é formado por elemento específico híbrido composto de


termo do hebraico e da língua portuguesa, de nome pessoal e de família. Ele está inserido na
categoria taxonômica de natureza antropocultural e classifica-se como um antropotopônimo,
topônimo relativo a nomes próprios de pessoas. Em Rodrigues (2001), o topônimo Manuel
Alves está incluído dentre os que expressam homenagem a um indivíduo importante no
cenário político ou religioso, como o rio Roosevelt e o rio Honório. A homenagem é dirigida
a um dos padres que ajudou no aldeamento dos índios Acroá e Xacriabá.
Percebe-se, nesse topônimo, que não é um tipo de denominação espontânea, mas
sistemática, imposta por aqueles que possuem o poder de mando. O mecanismo conceptual
que está por trás da escolha toponímica pode ser considerado por meio do processo
metonímico, pois, ao fazer uma homenagem a alguém que de certa forma fez parte da história
local, é possível ver uma relação de contiguidade entre o antropônimo e a entidade geográfica
que nomeia.
156

O rio Manuel Alves é de grande importância para a região sudeste do estado do


Tocantins, parte que é bastante atingida pela seca, além de proporcionar lazer para as
populações das cidades próximas.
Este rio é citado por viajante do século XVIII, no diário do Barão de Mossâmedes de
1771 a 1773, já com esse topônimo. Isso mostra a manutenção do nome do rio como um
inventário da história do lugar, pois estudando o nome do rio chega-se à história das
populações indígenas do norte de Goiás, muito temidas pelos primeiros exploradores que
queriam apossar-se dos rios para extrair o ouro. Com isso, a coroa portuguesa encontrou uma
solução que foi aldear os nativos e “civilizá-los”, em nome da fé e do rei, para serem
utilizados como mão de obra.

4.2.6 Rio do Sono

Nasce na serra das Figuras na divisa dos estados do Tocantins e do Piauí e desemboca
no rio Tocantins pela margem direita logo abaixo da cidade de Pedro Afonso.
Segundo Cunha Matos (1979), recebeu o nome de rio do Sono porque foram mortos
pelos índios Xavante alguns mineiros que, cansados da jornada de trabalho, dormiram à
margem desse rio descuidadamente, surpreendidos pelos índios, tiveram um sono eterno. Em
suas margens habitavam vários grupos indígenas, principalmente, os Xavante.
Rodrigues (2001) conta que a razão do nome desse rio está em uma lenda contada a
ele pelos moradores que diz que uma neta de um fazendeiro foi raptada às margens desse rio
por alguns índios. A garota de 16 anos chamava-se Flor do Paraíso, muito bonita, virtuosa,
bondosa e era querida por todos. Todos os dias, ao amanhecer, saía de casa para pegar água,
colher flores e, às vezes, pescar. Certo dia, não voltou para a casa e seus parentes foram
procurá-la e não a encontrando, concluíram que teria sido raptada pelos índios. Na manhã
seguinte, a garota aparece em uma ubá (canoa) e conta que realmente fora raptada, mas que
rezara fervorosamente e, por milagre, uma nuvem de mosquito desceu sobre seus raptores que
caíram em pesado sono, permitindo com que ela fugisse com a sua canoa. E desde esse dia, o
rio foi chamado rio do Sono.
Cazal (1817) e Saint-Adolphe (1845) consideram que a motivação para a escolha do
nome do rio está relacionada com o desaparecimento de algumas pessoas. Eles relatam que
alguns exploradores curiosos subiram o rio com canoas e desaparecem. Não houve mais
notícias deles. Acredita-se que eles foram mortos pelos índios, sendo entregue ao perpétuo
sono. Por isso, esse rio é assim denominado.
157

Encontra-se em Ribeiro (2002 [1819], p. 56 apud Castro 2012, p.81) outra motivação
para a escolha do nome desse rio. Essa motivação refere-se à lentidão da sua correnteza.
Assim, “vinte léguas ao norte dos Dois Funis, deságua da parte de leste, no Tocantins, o bem
nomeado rio do Sono, mais largo do que o rio Manuel Alves Grande, que, mais do que
corrente, parece antes lagoa estagnada, motivo este que lhe provém tal nome”.

4.2.6.1 Hidrônimo Sono

Quadro 26 - Classificação do hidrônimo Sono

Topônimo: Sono
Localização: mesorregião oriental do Tocantins – nasce na microrregião do Jalapão e desagua na
de Porto nacional.
Estrutura Morfológica: elemento específico simples (subst.)
Etimologia: do lat. somnus -i ‘sono’ (CUNHA, 2007; HOUAISS, 2004).
Motivação toponímica: a nomeação do rio foi motivada pela lenda de uma menina raptada pelos
índios às margens desse rio. Ela foi salva por uma nuvem de mosquitos que atacara seus raptores
fazendo-os cair em pesado sono (RODRIGUES, 2001).
Mecanismo conceptual: metonímico
Taxonomia de natureza antropocultural: mitotopônino/animotopônimo
Informações enciclopédicas: o rio do Sono nasce na serra das Mangabeiras, continuação da serra
Geral, este rio é o maior totalmente localizado no estado, desagua no Tocantins pela margem
direita entre as cidades de Pedro Afonso e Bom Jesus do Tocantins. Faz parte do circuito Jalapão.

O hidrônimo do Sono é formado de elemento específico simples, pertencendo à


categoria de natureza antropocultural e classificado como um mitotopônimo por ter sido um
mito a motivação para a denominação do curso d’água, como ocorre com outros rios
brasileiros, por exemplo, o Amazonas, o rio das Almas. Há possibilidade de esse rio ser
considerado um animotopônimo se considerar outra motivação para sua nomeação, a lentidão
da correnteza. Os animotopônimos estão relacionados ao psíquico humano ou do
denominador diante de uma entidade geográfica. Por isso, os topônimos incluídos nessa
categoria ou taxe têm forte carga subjetiva, visto que eles refletem as impressões humanas
frente ao meio ambiente. Sabe-se que a motivação semântica do nome de um rio nem sempre
será transparente por todo o seu curso. No caso da estagnação da correnteza do rio do Sono
158

citada por Ribeiro (2002 [1819] apud Castro 2012), é um fato pontual. Esse rio, nas
proximidades de Pedro Afonso, tem sua correnteza bastante forte.
A metonímia é o mecanismo conceptual que subjaz à escolha desse topônimo, ou seja,
um evento (mesmo que mitológico) ocorrido nas margens do rio é utilizado para nomeá-lo.
Nesse sentido é que se afirma que a toponímia é repositório de memória histórica de uma
sociedade. Entretanto, se for considerado um animotopônimo, a metáfora é que atua nesse
contexto, pois ocorre uma relação de similaridade, interpretado pelo psiquismo do
denominador, que vê na vagarosidade da correnteza desse rio a aparência de algo adormecido.
Por essa razão, denomina-o de rio do Sono.

4.2.7 Classificação geral dos Hidrônimos

O quadro a seguir apresenta os seis hidrônimos analisados, levando-se em conta tais


elementos: a etimologia, o mecanismo conceptual, motivação toponímica e classificação
taxonômica.

Quadro 27 - Taxonomia, etimologia, mecanismo e motivação

Topônimo Etimologia Mecanismo Motivação toponímica Classificação


conceptual taxonômica

Rio Palma Latim/port. Metonímia Vegetação nas Fitotopônimo


proximidades
Rio Paranã Tupi Metáfora Dimensão do rio Dimensiotopônimo
Rio Palmeira Latim/port. Metonímia Vegetação nas Fitotopônimo
proximidades
Rio Tocantins Tupi Metonímia Grupo indígena Etnotopônimo
Rio do Sono Latim/port. Metonímia Lenda do rapto de uma Mitotopônimo
Metáfora menina nas margens do Animotopônimo
rio ou devido à lentidão
da correnteza

Rio Manuel Hebr./port. Metonímia Homenagem a um padre Antropotopônimo


Alves que viveu na região
159

A análise dos hidrônimos revelou que a motivação toponímica de quatro deles está
associada ao ambiente sociocultural. Foram registrados um dimensiotopônimo, um
etnotopônimo, um antropotopônimo e mitotopônimo ou animotopônimo, dependendo da
motivação escolhida para justificar a denominação do rio do Sono. Por outro lado,
verificaram-se dois hidrônimos com motivação toponímica associada ao ambiente natural ou
físico. Os dois estão classificados como fitotopônimo, a cuja motivação reflete a vegetação
próxima do curso d’água.
O estudo da hidronímia da mesorregião oriental do Tocantins evidenciou as
características do ambiente natural e sociocultural da região. Esse fato corrobora a afirmação
de que a cultura e o meio ambiente influenciam o léxico de uma língua (SAPIR, 1969),
principalmente o léxico toponímico.

4.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta subseção 4.3, apresenta-se a discussão dos resultados das análises feitas nas
subseções anteriores. Foram analisados onze topônimos das primeiras cidades do estado do
Tocantins e seis hidrônimos dos rios mais importantes para a mesorregião oriental desse
estado.
Conforme a análise, os topônimos foram distribuídos em categorias de natureza
antropocultural e física. Quanto à categoria de natureza antropocultural, destacam-se os
hierotopônimos, cuja motivação liga a devoção do denominador a uma entidade sagrada.
Esses topônimos são Natividade, Conceição do Tocantins e Almas. Nos dois primeiros, o
sagrado é visto na devoção à Virgem Maria, no último, a São Miguel, o protetor das almas.
Essa prática revela a ideologia religiosa, política e cultural dos colonizadores como a força
motivadora para tais escolhas, herança de um patrimônio sociocultural português que ficou
preservado nos topônimos.
Há também um antropotopônimo, nome de pessoa dado ao lugar. No entanto, não é
qualquer pessoa que tem seu nome transformado em topônimo. Isso é exclusivo para aqueles
que têm o poder de mando, representantes do poder local; personalidades artísticas, figuras
consideradas de prestígio ou aqueles que contribuíram de alguma forma com o
desenvolvimento socioeconômico local. Encontra-se nessa taxe, o topônimo Dianópolis,
formado a partir do nome de quatro mulheres “as Dianas” mais o sufixo -polis. Essa formação
indica uma relação de posse (cidade de ...) entre o local e a(s) pessoa(s) ou família,
evidenciando a influência delas sobre as demais. Ter um lugar nomeado com esse tipo de
160

composição, antropônimo + sufixo -polis, não é um ato simples de nomeação, mas acima de
tudo, uma demonstração de poder e da força política das oligarquias locais, muito comum no
Brasil. Afinal, a toponímia é uma das esferas sociais em que se encontra com mais precisão
as marcas de dominação do poder político, ideológico e sociocultural, visto que quem tem o
poder para mandar também tem o poder para nomear. Bem parecido acontece com os
topônimos incluídos na taxe Axiotopônimo, topônimos relacionados aos títulos e dignidades.
Tem-se nesse trabalho o topônimo Príncipe.
Quanto aos topônimos de natureza física, apresentam-se três geomorfotopônimo Porto
Nacional, Chapada da Natividade e Monte do Carmo. São aspectos da geografia local que
impulsionaram o denominador a escolher esses nomes dentre tantos possíveis. Esses
topônimos são, segundo Dick (1992), geralmente espontâneos, bem ao gosto popular, em que
a entidade geográfica é nomeada primeiro e, com o passar do tempo, o nome se estende ao
lugar. Essa categoria mostra o homem ligado à natureza, que convive diariamente com um
monte que está diante dele, sendo sua referência espacial; com uma chapada cheia de minério
e uma flora rica em espécie nativa que contribui para a sobrevivência da população; ou um
porto, que incialmente é apenas um local propício para atracar pequenas embarcações e que,
por algum motivo transforma-se em uma povoação. Entretanto, na medida em que os poderes
socioeconômico, político e religioso vão se constituindo, há a necessidade de acrescentar-lhes
termos especificadores. É nesse momento que entra em ação as ideologias política e religiosa.
Então, surge o Porto Real > Imperial > Nacional; a Chapada da Natividade e o Monte do
Carmo.
Sendo assim, a classificação desses topônimos na taxe dos geomorfotopônimos tornar-
se incompleta, visto que eles apresentam características que vão além de aspecto físico. O
primeiro representa o lugar de encontro, espaço de convivência da população, podendo ser
considerado também como um sociotopônimo. Os outros dois exibem aspectos religiosos na
própria composição do topônimo, os quais não devem ser desconsiderados. Em virtude disso,
foram classificados também como hierotopônimos. Esses fatos ressaltam que uma análise
toponímica focada apenas em um aspecto do topônimo não consegue abranger todas as
constituições semânticas desses nomes.
Na categoria de natureza física encontram-se também as taxes hidrotopônimo,
litotopônimo e zootopônimo. Um hidrotopônimo é motivado por um acidente hidrográfico,
geralmente próximo e de relevância à povoação que nomeia. É o caso do rio Paranã que
nomeia a cidade de Paranã.
161

A utilização dos rios na ocupação dos territórios é praticada desde a antiguidade. Os


rios serviam como caminhos, como guias, como fonte de alimentos e para matar a sede dos
homens e dos animais. Pelos mesmos motivos, com o passar do tempo, as populações foram
se formando às margens de cursos d’água. Isso quer dizer que os cursos d’água foram sempre
um referencial para os seres humanos. Por isso, na posse da terra, os rios eram os primeiros
elementos geográficos a serem batizados. E, pela relação que se estabelecia entre o homem e
o rio, seus nomes eram estendidos aos lugares.
Dick (1992, p. 80) indica que o elemento “água” teve influência acentuada na
toponímia brasileira, “indo ao encontro da tendência universal que sempre condicionou o
homem a transformá-la em instrumento no ato denominativo”, uma vez que os cursos d’água
continuamente foram imprescindíveis para sobrevivência dos seres humanos e do meio
ambiente em geral.
Um litotopônimo refere-se ao mineral abundante nas redondezas do lugar que nomeia.
O litotopônimo encontrado neste corpus foi Taguatinga que significa “barro branco”. Essa
taxe é um dos exemplos de como os aspectos físicos do ambiente desperta o interesse do
homem (Sapir, 1969) que o transforma em topônimo. O topônimo Taguatinga faz parte dos
nomes descritivos puros que apresentam em sua forma as qualidades do lugar, característico
de nomes de origem indígena. Quanto ao zootopônimo, é a fauna abundante que desperta o
denominador. Nessa taxe, tem-se o topônimo Arraias, que, primeiramente, nomeia o curso
d’água por este possuir em abundância a espécie do peixe ‘raia’, que na fala popular,
transformou-se em ‘arraia’. Assim, rio das Arraias, nomeia o arraial e depois a cidade de
Arraias.
Na categoria de natureza física, sobressai-se a força da natureza agindo sobre o
homem, ao mesmo tempo em que o homem age sobre a natureza, já que a força ambiental está
condicionada à força social, isto é, os fatores físicos só irão refletir-se na língua se neles
atuarem, primeiramente, a força social (SAPIR, 1969). Enfim, o surgimento de um signo
linguístico toponímico de caráter ambiental reflete a influência mútua entre homem e meio
ambiente.
Em relação ao mecanismo conceptual que atuou na escolha dos topônimos das cidades
tocantinenses, o metonímico foi o que predominou. O processo metonímico fixa-se na relação
de contiguidade entre o lugar e os elementos que motivaram o denominador a escolher um
nome dentre tantos. Há relação de contiguidade entre o lugar e os aspectos do ambiente físico
que o circundam. Há relação de contiguidade entre o lugar e a pessoa que deu o nome ao
lugar, no caso dos antropônimos e axiotopônimos, em homenagem às pessoas de prestígio
162

político ou artístico do local. Há relação de contiguidade entre o lugar e o santo de devoção do


denominador ou da população. Pelo processo metonímico o denominador fará associação
entre o lugar e aquilo que o caracteriza, o identifica; associação com eventos históricos e
socioculturais que marcaram o lugar e os transportam para o nome.
A etimologia dos topônimos em estudo é predominantemente de origem latina. No
entanto, há dois casos de nomes de origem Tupi, Paranã e Taguatinga. Outros de formações
híbridas, em que se combinam palavras de origem latinas com outras línguas, tais como
grego, hebraico e Tupi. O fato de ter topônimos de origem Tupi demonstra que eles foram
trazidos pelos colonizadores, os mineiros, que adentraram nessa região em busca do ouro.
Geralmente, esses donos de minas eram paulistas, prováveis conhecedores dessa língua. Em
contrapartida, os híbridos com outras línguas europeias são herança da colonização
portuguesa, ou da própria formação da língua que buscou no grego prefixos e sufixos para a
formação de palavras eruditas. Em consequência do cristianismo, muitas palavras do hebraico
foram introduzidas na língua portuguesa, como exemplo do termo “carmo” que provém de
“Monte Carmelus”. Em relação às línguas de origem africana, não foram encontrados
topônimos dessa procedência, fato que não se estranha devido à condição de escravo dos
africanos e de seus descendentes na sociedade brasileira da colônia e do império.
Ao analisar diacronicamente os topônimos por meio da história de cada cidade, vê-se
que muitas delas passaram por mudanças toponímicas. Dentre os 11 lugares, apenas dois não
tiveram seus nomes substituídos. Constata-se que, ainda como arraial, os topônimos já
apresentavam a marca de religiosidade como força social e da política. Nesse período são
formados os topônimos São Luís, que após alguns anos passa para arraial da Natividade <
Vila de Nossa Senhora da Natividade, Carmo < Nossa Senhora do Monte do Carmo < Monte
do Carmo, São Miguel e Almas < Almas, São João da Palma < Palma < Paranã. Com a
secularização e mudanças nos interesses das sociedades ocidentais percebe-se que as
referências aos santos tendem a cair em desuso e o elemento especificador torna-se o
topônimo principal.
Alguns arraiais, inicialmente, têm nomes relacionados aos aspetos da natureza.
Contudo, ao desenvolverem-se para povoado ou vila recebem nomes de um santo ou de uma
santa, como em Brejo < Travessia do Brejo < Santa Maria da Taguatinga < Taguatinga;
Duro < São José do Duro < Dianópolis, Chapada dos Negros < Nossa Senhora dos Remédios
de Arraias < Arraias. Entende-se que nesses casos de mudança toponímica reflete-se a
ideologia e a política de cada momento. O Iluminismo e o Modernismo trouxeram para o
pensamento moderno a secularização, a separação entre igreja e Estado e o Estado laico. Com
163

isso, a dominação religiosa perde força e os topônimos são reordenados para atenderem a
outros interesses e a outras ideologias. Quando isso ocorre, o santo ou a santa de devoção da
população permanece como o padroeiro ou padroeira do local, sendo lembrado(a) anualmente
nos festejos dedicados a eles.
É importante frisar também que, nos processos de mudança toponímica, o que quase
sempre justifica a troca de um nome por outro é a dominação política, visto que são as
pessoas que detêm o poder sociopolítico local são as mesmas que têm o poder para dar nomes
e também para mudá-los.
A análise dos hidrônimos revelou que os nomes dos rios são preservados mais que os
nomes de cidades, por não haver tantas interferências de motivações políticas e ideológicas na
denominação dos cursos d’água. Os nomes dos rios estão ligados, principalmente, aos
aspectos da natureza física circundante, ao nome de grupo indígena que habitava a região, aos
aspectos dimensionais e lendas. Apenas um hidrônimo refere-se à personalidade religiosa. Os
cursos d’água são batizados, na maioria das vezes, de forma espontânea, em que o processo
metonímico é o mais relevante, pela relação de contiguidade entre o curso d’água e a natureza
nas suas margens, os grupos indígenas e os demais aspectos que motivaram o hidrônimo. Aos
aspectos dimensionais, estão relacionados a metáfora, baseados na similaridade e na
comparação.
Portanto, as motivações que estão por trás dos topônimos das primeiras cidades
tocantinenses são variáveis dependendo da mentalidade da época, das ideologias políticas,
religiosas e culturais de cada momento. Dessa forma, os aspectos cognitivos, físicos, sociais,
culturais e históricos se interseccionam no ato denominativo, os quais impulsionaram o
denominador a fazer determinadas escolhas na denominação de um lugar.
164

CONCLUSÃO

A construção deste trabalho foi direcionada para se responder à pergunta de pesquisa


“Que fatores motivaram as escolhas dos topônimos das primeiras cidades do Tocantins?”
Seguindo esse raciocínio, chegou-se à conclusão de que os topônimos em estudo não
apresentam um padrão motivador, pois são vários os fatores que concorrem para isso. Esses
fatores motivadores podem estar na organização social e política, nos aspectos da cultura e da
religião, na natureza ambiental, portanto, na visão de mundo da sociedade. Esses fatores
podem agir de forma individual ou concomitantemente.
A princípio, o contexto histórico do estado do Tocantins informa que as primeiras
cidades deste estado iniciaram-se com a exploração das minas de ouro ainda no século XVIII.
Os exploradores que se estabeleceram na região fizeram parte de uma mentalidade e de uma
cultura ainda enraizada na sociedade portuguesa. Ao se apossarem da terra, iam nomeando-a
com termos pertencentes a sua cultura e a sua língua, ao passo que iam subjugando e
destruindo às dos autóctones. Nesse período, o português (o branco) interagia, em uma
relação desigual, com os indígenas locais e os negros. Apesar de constituir a minoria da
população, o branco era o dono da mina e do poder, enquanto os outros eram os dominados,
em situação de escravidão ou semiescravidão. Por isso, os nomes dados aos lugares formados
a partir do ciclo do ouro refletem a conjuntura histórica da época.
Sendo assim, na formação etimológica dos topônimos tocantinenses, sobressaiu-se a
origem latina ou etimologia híbrida, origem latina com outra europeia. Quanto às línguas
indígenas da região, não se percebe a presença de topônimos dessas origens. Os topônimos de
origem indígena encontrados no corpus originaram-se do Tupi, possivelmente trazidos pelos
bandeirantes paulistas. Em relação às línguas africanas, a lacuna é ainda maior, não se
constatou nos dados nomes provenientes dessas línguas, apesar de o negro fazer parte da
formação étnica e cultural desse estado. Constata-se, nesse cenário, o silenciamento das vozes
indígenas e africanas no contexto toponímico dessa região.
Quanto à constituição morfológica dos topônimos, destaca-se a ação da composição,
em que termos da mesma língua ou de línguas diferentes juntam-se para formar um novo
termo para nomear um lugar, e da derivação, principalmente por meio de sufixos. Esse
contexto ressalta o uso da estrutura da língua para veiculação de ideologias, como é o caso de
antropotopônimos formados a partir de um nome pessoal acrescido do sufixo -polis
(Dianópolis), ou de um hierotopônimo composto por um nome de elemento da natureza com
um termo religioso (Chapada da Natividade).
165

Em relação à hipótese de pesquisa, esta foi confirmada diante da constatação de que as


motivações que impulsionaram o denominador a escolher os nomes para os primeiros
municípios tocantinenses estão enraizadas em ideologias múltiplas, tais como a cultural, a
política e a religiosa em evidência na sociedade na qual o denominador estava inserido. Esse
fato revela que os topônimos não são selecionados ingenuamente para se identificar ou referir-
se a um lugar, subjacente a essa função está a visão de mundo do homem que nomeia.
Por esse motivo, têm-se no corpus hierotopônimos, antropotopônimos,
sociotopônimos, animotopônimo e axiotopônimos representando a estrutura ideológica de
poder em que esse estado se formou, mas também a ação do homem enquanto grupo social no
domínio do espaço geográfico, já que “o território é, também, objeto de operações simbólicas
e é nele que os sujeitos projetam suas concepções de mundo” (ALMEIDA, 2008, p. 58).
Nas motivações dos topônimos tocantinenses, não se têm somente os aspectos
ideológicos, mas também os do meio ambiente natural, fato não reconhecido na hipótese.
Entretanto, a análise dos dados demonstrou essa ação do homem sobre o meio ambiente e do
meio ambiente sobre o homem nas taxonomias de natureza física, tais como
geomorfotopônimo, zootopônimo, fitotopônimo, litotopônimo, hidrotopônimo. A topografia
da região, o animal, a planta, o mineral e o curso d’água mais característicos de uma região
estão representados na sua toponímia. Esses aspectos são projetados no vocabulário, uma vez
que o ambiente natural é um dos elementos que influenciam a língua. A ação recíproca entre
o homem e o meio ambiente permite ampliar o léxico da língua, à medida que ele nomeia esse
meio. O ato de nomear também é um ato linguístico.
Acresce ainda que a cognição humana tem papel fundamental na formação toponímica
na medida em que nela se reflete a experiência do homem com o mundo exterior. Nessa
experiência, desenvolve-se a percepção das coisas a partir do corpo. Com isso, as formas, as
dimensões, as cores, as imagens, os sons das entidades geográficas, por vezes, aparecem
expressos na própria constituição linguística dos topônimos, demonstrando uma associação do
nome com o seu referente, ou seja, uma reprodução icônica do espaço. Por outro lado, há
outros topônimos que apresentam essa experiência por meio da relação de indexicalidade
(contiguidade). A primeira relaciona-se com aos mecanismos de metáfora e a segunda, aos da
metonímia na escolha dos signos toponímicos. Dessa forma, a análise dos topônimos
tocantinenses em estudo mostrou que a iconicidade age principalmente nos nomes de natureza
física, cuja origem etimológica tem-se na língua Tupi. Já a indexicalidade pode agir na
escolha dos nomes tanto de natureza física quanto de natureza sociocultural, sendo estes os
mais produtivos na escolha desses topônimos.
166

Ao finalizar este trabalho, compreende-se que os objetivos foram alcançados. Pela


análise sincrônico-diacrônica, chegou-se às motivações subjacentes aos topônimos,
Descreveu-se e classificou-se cada um deles e interpretaram-se seus significados. Os dados
mostraram que os valores ideológicos, sociais, culturais, históricos, políticos e os aspectos
físicos da natureza unem-se ao linguístico na formação dos topônimos dos primeiros
municípios tocantinenses. Além disso, pode-se afirmar que esta é uma toponímia que expressa
um caráter conservador, porque, de certa forma, preservou a visão de mundo e as ideologias
de poder, principalmente a política e a religiosa, dos tempos de formação desses núcleos
habitacionais, com pequenas alterações ao longo da história.
Por fim, torna-se conveniente aqui a afirmação de Dick (1992, p. 22) que “o nome de
lugar exerce o papel de uma verdadeira crônica”. Certamente, o homem vem registrando sua
história neste território por meio da denominação dos lugares há quase três séculos. Assim, os
topônimos tocantinenses analisados neste estudo, ao refletirem essa história, são também
repositórios de memória coletiva, por armazenarem aspectos importantes da vida em
sociedade, caracterizando-se em um rico patrimônio linguístico-cultural. Nesse sentido, a
Onomástica é um ponto de encontro entre língua, cultura e sociedade.
Com a certeza de não se ter esgotado o assunto, este trabalho configura-se como início
de uma pesquisa onomástica de caráter linguístico-histórico no estado do Tocantins.
Atualmente, esse estado está divido em 139 municípios agrupados em oito microrregiões e
duas mesorregiões. Com isso, observa-se que há muitas possiblidades de estudos desta
natureza. Como exemplo, cita-se a presença marcante da hierotoponímia, tanto em
perspectiva sincrônica quanto diacrônica, e da antroponímia com nomes pessoais acrescidos
do sufixo -polis e -lândia.
Espera-se que esta tese sobre a toponímia dos primeiros municípios tocantinenses
venha somar-se aos demais trabalhos, contribuindo assim, com os estudos da Onomástica no
Brasil e, principalmente, os voltados para a Toponímia brasileira. Espera-se também que os
resultados desta pesquisa possam contribuir com os estudos da língua portuguesa, sobretudo,
aqueles que consideram o papel da história, da cultura e da sociedade. Ainda, que possam ser
úteis à sociedade tocantinense como instrumento de valorização da sua história, da sua cultura
e de sua identidade.
167

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173

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Paulo: Perspectiva, 1977.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Tradução Rodolfo Ilari. 2. ed. São


Paulo: Contexto, 2006.

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Pereira da Silva, 2001. Disponível em:
<www.filologia.org.br/pereira/textos/Vidos_vol_1.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2014.
175

ANEXOS
176

ANEXO A - FOTOS DOS RIOS


Rio Palma

Fonte: www.ferias.tur.br

Rio Palmeira

Fonte: br.geoview.info
177

Rio do Sono

Fonte: www.mochileiro.tur.br

Rio Manuel Alves

Fonte: fotostrada.com.br
178

Rio Paranã

Fonte: pt.wikipedia.org

Rio Tocantins

Fonte: www.mochileiros.com
179

ANEXO B - CIDADES HISTÓRICAS

Arraias
Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios

Fonte: http://www.ferias.tur.br/fotos/9809/arraias-to.html

Casarão antigo em Arraias

Fonte: conexaoto.com.br
180

NATIVIDADE
Centro Histórico

Fonte: joiasdenatividade.com

Igreja de Nossa Senhora da Natividade

Fonte: encantosdocerrado.com.br
181

Ruínas da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

Fonte: mundoint3iro.blogspot.com

POVOADO DO PRÍNCIPE

Fonte: br.geoview.info
182

POVOADO DO BONFIM
Imagem do Senhor do Bonfim

Fonte: g1.globo.com

Santuário do Senhor do Bonfim

Fonte: g1.globo.com
183

CHAPADA DA NATIVIDADE

Igreja de Santana

Fonte: encantosdocerrado.com.br
184

PORTO NACIONAL

Catedral de Nossa Senhora das Mercês em Porto Nacional

Fonte: conexaoto.com.br

Rua do centro histórico de Porto nacional

Fonte: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/107
185

DIANÓPOLIS

Igreja da Sagrada Família

Fonte: www.brasilocal.com

Casarões antigos em Dianópolis

Fonte: www.brasilocal.com
186

TAGUATINGA

Casarões antigos em Taguatinga

Fonte: www.visitpalmas.com

Cachoeira do Registro em Taguatinga

Fonte: arquivososriosdobrasil.blogspot.com
187

Igreja de Nossa Senhora D’Abadia

Fonte: www.vidadeturista.com

Taguatinga

Fonte: http://www.taguavip.com.br
188

ALMAS

Igreja de São Miguel Arcanjo e Almas

Fonte: www.cidade-brasil.com.br

Almas

Fonte: www.almas.to.gov.br
189

MONTE DO CARMO

Igreja de Nossa Senhora do Carmo

Fonte: surgiu.com.br

Monte do Carmo

Fonte: www.cidade-brasil.com.br
190

CONCEIÇÃO DO TOCANTINS
Conceição do Tocantins

Fonte: www.ferias.tur.br

Igreja de Nossa Senhora da Conceição

Fonte: www.voga.arq.br
191

PARANÃ
Igreja de São João Batista

Fonte: encantosdocerrado.com.br

Encontro dos rios Palma e Paranã

Fonte: euamoparana.blogspot.com
192

Traçado das ruas da parte antiga da cidade

Fonte: dreamelo.blogspot.com

Conjunto arquitetônico

Fonte: dreamelo.blogspot.com
193

ANEXO C – MAPAS

Mesorregião oriental do Tocantins

Fonte: https://wikimedia.org/Tocantins_Meso_OrientaldoTocantins.svg

A Mesorregião oriental é formada por 46 municípios reunidos em três microrregiões:


 Dianópolis
 Jalapão
 Porto Nacional
194

Fonte: Nascimento, 2009, p. 43


195

Fonte: https://observatoriogeogoias.iesa.ufg.br/p/2343-mapas
196

Fonte: adaptado de http://www.sieg.go.gov.br


197

Fonte: http://www.tribunatocantins.com.br/imagem14.html
198

ANEXO D – LEIS E DECRETO

ARTIGO 13 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 QUE TRATA DA CRIAÇÃO DO ESTADO


DO TOCANTINS

Art. 13. É criado o Estado do Tocantins, pelo desmembramento da área descrita neste artigo,
dando-se sua instalação no quadragésimo sexto dia após a eleição prevista no § 3º, mas não
antes de 1º de janeiro de 1989.

§ 1º - O Estado do Tocantins integra a Região Norte e limita-se com o Estado de Goiás pelas
divisas norte dos Municípios de São Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minaçu,
Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Campos Belos, conservando a leste, norte e oeste as
divisas atuais de Goiás com os Estados da Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso.

§ 2º - O Poder Executivo designará uma das cidades do Estado para sua Capital provisória até
a aprovação da sede definitiva do governo pela Assembleia Constituinte.

§ 3º - O Governador, o Vice-Governador, os Senadores, os Deputados Federais e os


Deputados Estaduais serão eleitos, em um único turno, até setenta e cinco dias após a
promulgação da Constituição, mas não antes de 15 de novembro de 1988, a critério do
Tribunal Superior Eleitoral, obedecidas, entre outras, as seguintes normas:

I - o prazo de filiação partidária dos candidatos será encerrado setenta e cinco dias antes da
data das eleições;

II - as datas das convenções regionais partidárias destinadas a deliberar sobre coligações e


escolha de candidatos, de apresentação de requerimento de registro dos candidatos escolhidos
e dos demais procedimentos legais serão fixadas, em calendário especial, pela Justiça
Eleitoral;

III - são inelegíveis os ocupantes de cargos estaduais ou municipais que não se tenham deles
afastado, em caráter definitivo, setenta e cinco dias antes da data das eleições previstas neste
parágrafo;
199

IV - ficam mantidos os atuais diretórios regionais dos partidos políticos do Estado de Goiás,
cabendo às comissões executivas nacionais designar comissões provisórias no Estado do
Tocantins, nos termos e para os fins previstos na lei.

§ 4º - Os mandatos do Governador, do Vice-Governador, dos Deputados Federais e Estaduais


eleitos na forma do parágrafo anterior extinguir-se-ão concomitantemente aos das demais
unidades da Federação; o mandato do Senador eleito menos votado extinguir-se-á nessa
mesma oportunidade, e os dos outros dois, juntamente com os dos Senadores eleitos em 1986
nos demais Estados.

§ 5º - A Assembleia Estadual Constituinte será instalada no quadragésimo sexto dia da eleição


de seus integrantes, mas não antes de 1º de janeiro de 1989, sob a presidência do Presidente
do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, e dará posse, na mesma data, ao
Governador e ao Vice-Governador eleitos.

§ 6º - Aplicam-se à criação e instalação do Estado do Tocantins, no que couber, as normas


legais disciplinadoras da divisão do Estado de Mato Grosso, observado o disposto no art. 234
da Constituição.

§ 7º - Fica o Estado de Goiás liberado dos débitos e encargos decorrentes de


empreendimentos no território do novo Estado, e autorizada a União, a seu critério, a assumir
os referidos débitos.
200

DECRETO LEGISLATIVO Nº 001, DE 1º DE JANEIRO DE 1989. 46

Adota a Constituição e Legislação de Goiás, até a promulgação da Constituição do Estado do


Tocantins, e dá outras providências.

A Assembleia Constituinte do Estado do Tocantins, nos termos do § 6º, do Art. 13, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e o Art. 40, da Lei Complementar Federal nº31, de
11 de outubro de 1977,

DECRETA:
Art. 1º. Até a promulgação da Constituição, o Estado do Tocantins adotará, no que couber, a
atual Constituição e legislação do Estado de Goiás, ressalvadas as normas específicas contidas
na Constituição Federal e na Lei Complementar Federal nº 31 de 11 de outubro de 1977.

Art. 2º. Durante os trabalhos de elaboração da Constituição do Estado, a Assembleia Estadual


Constituinte poderá exercer sua função legiferante ordinária decorrente de matérias que lhe
forem propostas pelos Poderes Executivo e Judiciário e as de interesse do Poder Legislativo,
na forma constitucional.

Art. 3º. Fica o Governador do Estado autorizado a baixar Medidas Provisórias, com força de
lei, nos termos do Art. 62, da Constituição Federal.

Art. 4º. Os Municípios de Miracema do Norte, Paraíso do Norte, Colinas de Goiás, Axixá do
Tocantins, Sítio Novo de Goiás, Ponte Alta do Norte, Dois Irmãos de Goiás, Pindorama de
Goiás, Conceição do Norte, Itaporã de Goiás, Aliança do Norte, Buriti do Norte, Divinópolis
de Goiás, Santa Tereza do Norte passam a se denominar de Miracema do Tocantins, Paraíso
do Tocantins, Colinas do Tocantins, Axixá do Tocantins, Sítio Novo do Tocantins, Ponte Alta
do Tocantins, Dois Irmãos do Tocantins, Pindorama do Tocantins, Conceição do Tocantins,
Itaporã do Tocantins, Aliança do Tocantins, Buriti do Tocantins, Divinópolis do Tocantins e
Santa Tereza do Tocantins.

46
Disponível em www.al.to.gov.br/arquivo/10494. Acesso em 04/09/2015
201

Parágrafo único. Até a promulgação da Constituição do Estado do Tocantins, as Câmaras


Municipais, no cumprimento de suas atribuições, poderão manter os topônimos aqui
modificados ou adotar outros para estes ou outros municípios.

Art. 5º. Dentro do ano de 1989, o Chefe do Poder Executivo poderá ausentar-se do Estado e
do País, por períodos que não ultrapassem, cada um, a quinze dias, sempre que entender
necessário. Para prazo superior, dependerá de licença da Assembleia.

Art. 6º. Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Assembleia
Estadual Constituinte do Estado do Tocantins, em 1º de janeiro de 1989.

Deputado RAIMUNDO NONATO PIRES DOS SANTOS


Presidente
202

LEI COMPLEMENTAR Nº 1, DE 9 DE NOVEMBRO DE 196747

Estabelece os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia


as populações locais para a criação de novos municípios, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e


eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1º - A criação de Município depende de lei estadual que será precedida de comprovação
dos requisitos estabelecidos nesta Lei e de consulta às populações interessadas.

Parágrafo único - O processo de criação de Município terá início mediante representação


dirigida à Assembleia Legislativa, assinada, no mínimo, por 100 (cem) eleitores, residentes ou
domiciliados na área que se deseja desmembrar, com as respectivas firmas reconhecidas.

Art. 2º - Nenhum Município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área
territorial, dos seguintes requisitos:
I - população estimada, superior a 10.000 (dez mil) habitantes ou não inferior a 5 (cinco)
milésimos da existente no Estado;
II - eleitorado não inferior a 10% (dez por cento) da população;
III - centro urbano já constituído, com número de casas superior a 200 (duzentas);
IV - arrecadação, no último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de impostos.
§ 1º - Não será permitida a criarão de Município, desde que esta medida importe, para o
Município ou Municípios de origem, na perda dos requisitos exigidos nesta Lei.
§ 2º - Os requisitos dos incisos I e III serão apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, o de nº II pelo Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado e o de número IV,
pelo órgão fazendário estadual.
§ 3º - As Assembleias Legislativas dos Estados requisitarão, dos órgãos de que trata o
parágrafo anterior, as informações sobre as condições de que tratam os incisos I a IV e o § 1º
deste artigo, as quais serão prestadas no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data do
recebimento.

47
Disponível em http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104003/lei-complementar-1-67. Acesso em
03/09/2015.
203

Art. 3º - As Assembleias Legislativas, atendidas as exigências do artigo anterior, determinarão


a realização de plebiscito para consulta à população da área territorial a ser elevada à
categoria de Município.

Parágrafo único - A forma da consulta plebiscitária será regulada mediante resoluções


expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, respeitados os seguintes preceitos:
I - residência do votante há mais de 1 (um) ano, na área a ser desmembrada;
II - cédula oficial, que conterá as palavras "Sim" ou "Não", indicando respectivamente a
aprovação ou rejeição da criação do Município.

Art. 4º - Para a criação de Município que resulte de fusão de área territorial integral de dois ou
mais Municípios com a extinção destes, é dispensada a verificação dos requisitos do art. 2º.
Parágrafo único - No caso deste artigo, o plebiscito consistirá na consulta às populações
interessadas sobre sua concordância com a fusão e a sede do novo Município.

Art. 5º - Somente será admitida a elaboração de lei que crie Município, se o resultado do
plebiscito lhe tiver sido favorável pelo voto da maioria dos eleitores que comparecerem às
urnas, em manifestação a que se tenham apresentado pelo menos 50% (cinquenta por cento)
dos eleitores inscritos.
§ 1º - Os Municípios somente serão instalados com a posse do Prefeito, Vice-Prefeito e
Vereadores, cuja eleição será simultânea com a daqueles Municípios já existentes, ressalvado
o disposto no art. 16, § 1º, da Constituição.
§ 2º - A exigência deste artigo se estende ao caso de fusão de Municípios.

Art. 6º - A criação e qualquer alteração territorial do Município somente serão feitas no


período fixado na lei que dispõe, em cada Estado, sobre organização municipal (Lei Orgânica
dos Municípios).

Parágrafo único - A criação ou supressão de Distritos, Subdistritos e de suas sedes, bem como
o desmembramento do seu território, no todo ou em parte, para anexação a outro Município,
dependerão sempre de aprovação das Câmaras Municipais interessadas, através de resolução
aprovada, no mínimo, pela maioria absoluta dos seus membros.
204

Art. 7º - Não se inclui nas exigências desta Lei a criação de Municípios nos territórios
federais.

Art. 8º - A Lei que criar o novo Município definirá seus limites segundo linhas geodésicas
entre pontos bem identificados ou acompanhando acidentes naturais.

Art. 9º - Visando a eliminar a repetição de topônimos de cidades e vilas, são estabelecidas as


seguintes regras:
I - quando duas ou mais localidades tiverem a mesma denominação, promover-se-á a
alteração do topônimo, ficando com a denominação original a de mais elevada categoria
administrativa ou judiciária, na seguinte ordem de precedência: capital, sede de comarca, sede
de município e sede de distrito;
II - no caso de haver mais de uma localidade com o mesmo nome, este prevalecerá para a que
o possuir há mais tempo;
III - na designação de novos topônimos, não serão utilizados designações de datas ou nomes
de pessoas vivas.

Art. 10 - Serão admitidas exceções às regras do artigo anterior, quanto ao direito de prioridade
à nomenclatura, se acorrerem motivos imperiosos, mediante acordo entre as Unidades
Federativas interessadas.

Art. 11 - Ao propor a alteração da organização e da divisão judiciária, na forma prescrita no §


5º do art. 144 da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça anexará informação previamente
solicitada à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a fim de que a
Assembleia Legislativa, se for o caso, promova a eliminação das repetições de topônimos
existentes.

Art. 12 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a Assembleia Legislativa poderá


solicitar informações à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, com
vistas a alterar a denominação de localidade do Estado ou provocar essa providência em
outros Estados da Federação.
Art. 13 - Os projetos de criação ou de alteração da denominação de município ou distrito
deverão ser instruídos com informação da Fundação IBGE sobre inexistência de topônimo
correlato, na mesma ou em outra Unidade da Federação.
205

Art. 14 - Independentemente do disposto nos arts. 11 e 12 desta Lei, a Fundação IBGE


encaminhará, no início do período de que trata o art. 6º da mesma, às Assembleias
Legislativas, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, a relação dos municípios, em
ordem alfabética, com indicação do Estado ou Território em que se situem, a data da fundação
e a categoria administrativa ou judiciária, para fins do disposto no art. 9º.

Art. 15 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 16 - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 9 de novembro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.


A. COSTA E SILVA
206

LEI COMPLEMENTAR Nº 46, DE 21 DE AGOSTO DE 1984 48

Fixa normas sobre repetição de topônimos de cidades e vilas, incorporadas ao texto da Lei
Complementar nº 1, de 9 de novembro de 1967.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1º - A ementa da Lei Complementar nº 1, de 9 de novembro de 1967, passa a vigorar com
a seguinte redação:
"Estabelece os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia
as populações locais para a criação de novos municípios, e dá outras providências".

Art. 2º - Acrescentem-se à Lei Complementar nº 1, de 9 de novembro de 1967, os seguintes


artigos, renumerando-se como arts. 15 e 16 os atuais arts. 9º e 10:

"Art. 9º - Visando a eliminar a repetição de topônimos de cidades e vilas, são estabelecidas as


seguintes regras:
I - quando duas ou mais localidades tiverem a mesma denominação, promover-se-á a
alteração do topônimo, ficando com a denominação original a de mais elevada categoria
administrativa ou judiciária, na seguinte ordem de precedência: capital, sede de comarca, sede
de município e sede de distrito;
II - no caso de haver mais de uma localidade com o mesmo nome, este prevalecerá para a que
o possuir há mais tempo;
III - na designação de novos topônimos, não serão utilizados designações de datas ou nomes
de pessoas vivas.

Art. 10 - Serão admitidas exceções às regras do artigo anterior, quanto ao direito de prioridade
à nomenclatura, se acorrerem motivos imperiosos, mediante acordo entre as Unidades
Federativas interessadas.

Art. 11 - Ao propor a alteração da organização e da divisão judiciária, na forma prescrita no §


5º do art. 144 da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça anexará informação previamente

48
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104002/lei-complementar-46-84. Acesso em 03/09/15
207

solicitada à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a fim de que a


Assembleia Legislativa, se for o caso, promova a eliminação das repetições de topônimos
existentes.

Art. 12 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a Assembleia Legislativa poderá


solicitar informações à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, com
vistas a alterar a denominação de localidade do Estado ou provocar essa providência em
outros Estados da Federação.

Art. 13 - Os projetos de criação ou de alteração da denominação de município ou distrito


deverão ser instruídos com informação da Fundação IBGE sobre inexistência de topônimo
correlato, na mesma ou em outra Unidade da Federação.

Art. 14 - Independentemente do disposto nos arts. 11 e 12 desta Lei, a Fundação IBGE


encaminhará, no início do período de que trata o art. 6º da mesma, às Assembleias
Legislativas, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, a relação dos municípios, em
ordem alfabética, com indicação do Estado ou Território em que se situem, a data da fundação
e a categoria administrativa ou judiciária, para fins do disposto no art. 9º.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, em 21 de agosto de 1984; 163º da Independência e 96º da República.

JOÃO FIGUEIREDO

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