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PREFÁCIO

Em1982, ano que saí da terrinha pra estudar no Colégio Agrícola do Crato – CE, meu grande
amigo e parceiro, José Weliton Pires Lócio, “O Louco Normal”, lançava essa homenagem aos
festejos do nosso Padroeiro São José, em forma de cordel, resgatando a cultura e a tradição de
nossa cidade, reverenciando uma época de festa, alegria e, sobretudo religiosidade num
linguajar singelo, romântico e de uma pureza de alma singular. Hoje parabenizo o meu amigo,
parceiro e filho do autor Jordan Lócio, pela sensibilidade e o zelo de reeditar essa obra, por
tudo o que “Zé Letin” representa historicamente para nossa cidade, dando à chance as crianças
e jovens tomarem conhecimento de um tempo ora fadado ao esquecimento e que de agora...
não mais.

“Dobrados na praça
Vou lá ver quem é
São os festejos de São José
Barracas e bingos
Leilão e forró
Te espero em março
Lá em Bodocó”.

Leninho, ao som apaixonante de uma neblina fininha, lavando a pele das telhas, nessa ultima
manhã do mês de fevereiro de 2018, aqui no meu amado Bodocó.

FESTA DO GLORISOSO SÃO JOSÉ

Inicia o mês de março


E o povo da região
Se junta em Bodocó
E com grande devoção
Reza pra São José
O nosso Santo de Fé
Padroeiro do sertão

Começa no dia nove


Uma grande romaria
Que é dedicado ao esposo
Da nossa Virgem Maria
Do Santo da agricultura
Que manda muita fartura
E o pão de cada dia

Vai até dezenove


A festa do padroeiro
Pai adotivo de cristo
Ele era um marceneiro
Por isto é protetor
De todo trabalhador
No nordeste brasileiro

Vem gente da capital


Santa Cruz, Ouricuri
Serrolândia, Serra Branca
Cacimba Nova, Ipubi
Do Crato e Petrolina
Trindade, Araripina
Do Araripe e Jati

De Canabrava e Tabocas
Sipauba, Feitoria
Serra Talhada, Bom Nome
Belém e Santa Maria
Terra Nova e Cabrobó
Afrânio e Orocó
Santa Rita e Rancharia

Do Granito e Timorante
Do Sítio e do Salgueiro
Do Barro e da Serrita
De Barbalha e Juazeiro
De Missão Velha e Jardim
Quixaba e Parnamirim
E resto do mundo inteiro

Ainda no dia nove


A massa toda faceira
Vai buscar uma grande haste
Que é toda de madeira
É uma coisa maluca
O pau que vem dos Puluca
Pra hastear a bandeira

Na fazenda Carambola
É que começa a manobra
E uma grande fila humana
Se arrastando que nem cobra
Vem trazendo o pau do santo
Debaixo de música e canto
E lugar no pau não sobra
Agora estou me lembrando
Do finado Lourival
Que levantava os braços
E gritava viva o pau!
E da banda de Seu Migué
Tocando pra São José
Um dobrado original

Um ano o pau foi tão grande


O tamanho não lembro mais
Só lembro de um menino
Que vinha na fila de trás
Quando ele aqui chegou
O povo se admirou
Pois ele estava rapaz

Promessa fez uma moça


Que já estava no canto
Fechou os olhos e disse
Vou pegar no pau do santo
E quando os olhos abriu
Viu o que ela pediu
Um rapaz que era um encanto

Nas nove noites de festa


Às cinco da madrugada
Tem banda de música e pife
Fazendo a alvorada
A banda toca o dobrado
E o cachorro acuado
Por Mané Prego é tocada

Na hora da alvorada
Ao longe a banda soa
O cabaçal acompanha
E na rua a bomba troa
O zabumba vai gemendo
E o pife vai dizendo
Ô Bodocó terra boa

Quando passa a alvorada


O povo corre pra praça
Nos bares homem e mulher
Enchem a cara de cachaça
E o povo grita com fé
Viva o Santo São José
No nosso dia de graça

A parada musical
É feita pela cidade
Sendo a banda acompanhada
Por gente de toda idade
Que segue com alegria
Sob o sol do meio dia
Esta bela raridade

Em cada dia de festa


É bonito o cenário
Que nos é proporcionado
Por cada grupo noitário
Tem missa, bomba, balão
Ratinho e foguetão
Durante o novenário

Tem reza e procissão


Tem festa e brincadeira
Tem promessa e foguetório
Desde a noite primeira
Que é dos homens de negócios
A segunda é dos Lócios
E dos Gonçalves a terceira

Chegando no dia treze


Tem novena e procissão
Os Horas na quarta noite
Trazem grande animação
Pedroza, Bezerra e Luna
Que formam grande comuna
Na quinta fazem festão

A sexta noite é feita


Por gente de toda idade
Desde que seja solteiro
E ainda tenha vaidade
Pra pensar em se casar
E poder patrocinar
A festa da mocidade

Chegamos à sétima noite


A festa dos fazendeiros
Que se misturam aos nossos
Abençoados vaqueiros
Fazendo animação
Com bingo, rifa e leilão
E canto de violeiro

O oitavo dia é feito


Com um bonito cenário
É a noite patrocinada
Pelo nosso funcionário
Que pede pro nosso santo
Pra aumentar mais um tanto
Seu miserável salário

Completa-se o novenário
Com a noite dos artistas
Da direção e estradas
São os nossos motoristas
Que fazem nosso progresso
Mas nem sempre com sucesso
Pois se acabam nas pistas

Vem o dia dezenove


A multidão vai bradando
O Santo padre na Frente
Jovens e Velhos cantando
Os hinos do glorioso
São José. Ó meu ditoso
Estamos te esperando.

José Weliton Pires Lócio – Março de 1982

PÓSFACIO

“o Jovem de hoje não sabe o que é bom!”

“Acabaram com a tradição!”

“É por isso que o Brasil tá assim!”

Essa e outras frases nós escutamos diariamente, principalmente das pessoas mais
experientes. E estas na maioria das vezes tem razão. Ao contrário de uma moeda no bolso, que
perdemos muitas vezes sem querer, tradição e cultura se perde querendo e desejando.
Reler este cordel escrito por meu pai há exatos 36 anos foi fazer uma viagem mental
por toda a tradição da querida festa de São José. Desde a belíssima decoração da nossa igreja,
a roda gigante do parque de diversões, os bingos e leilões, fogos e balões, as barracas e as
saudações. O reencontro de amigos, a emoção da alvorada. A procissão e devoção de todos
pelo Santo querido e senhor São José, mesmo vindo daqueles menos fiéis que a tradição da
festa acabava por torná-los ardorosos defensores. Que viagem emocionante! Que tristeza ao
abrir os olhos.

O que foi que houve? Onde foi parar a sensatez? Por que uma tradição tão linda respira
hoje com ajuda de aparelhos? Há muitas respostas e poucos resultados. E muito menos
diálogo. “A César o que é de César. A Deus o que é de Deus”. Sagrado e profano são
indissociáveis e andam juntos desde sempre. Um precisa do outro pra evitar os excessos. Como
seria bom se o mestre Jesus aparecesse por um dia no patamar da igreja e transformasse água
em vinho! Era isso que acontecia quando terminava a Santa Missa e os filhos de Bodocó se
jogavam ao prazer “profano” das barracas, roletas, amores efêmeros e perpétuos. No outro
dia, tudo normal, conversar com Deus novamente e se preparar para dia 19 louvar e agradecer
ao Santo Ditoso.

Querem o coração de seus filhos de volta? Comecem por preservar a tradição e a


história do seu povo. Só há raiz firme onde se planta com amor e dedicação, onde se respeita e
conhece a história da terra. Não tente colher bons frutos de onde não se plantou boa semente.

Que Deus ilumine os homens. Que São José traga chuva de serenidade pra nosso povo.
Viva a tradição e cultura bodocoense.

Luis Jordan Gomes do Nascimento Lócio


03 de março de 2018

“Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém” Paulo de Tarso

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