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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

CURSO: Direito
NOME DOS ESTUDANTES: Cláudia, Diandra e Hanna

RESENHA COMENTADA SOBRE O LIVRO DE HANS STADEN

Hans Staden era um jovem alemão que viveu e escreveu uma verdadeira e singular
aventura cultural nas Américas, mais especificamente em terras brasileiras, as quais, à época,
vivenciavam as primeiras décadas da colonização. Diante dessa conjuntura, o aventureiro Hans
desembarcou no Brasil duas vezes, como mercenário, mas é sua segunda viagem ao país que
contém um dos mais conhecidos e importantes relatos de viagem do seu tempo, o qual foi
amplamente repercutido na Europa. Em sua narrativa retrata, essencialmente, a sua experiência de
longos meses em que esteve como prisioneiro dos tupinambás. Consequentemente, suas impressões
sobre, principalmente, os povos nativos, foram relatadas, detalhadamente, em seu livro publicado,
pela primeira vez, no ano de 1557, sob o extenso e sugestivo título História verídica e descrição de
uma terra de selvagens, nús e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da
América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas terras de Hessen até os dois últimos
anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu por experiência própria, e que
agora traz a público com essa impressão.
O livro Hans Staden Duas viagens ao Brasil é mais uma edição dessa obra que
atravessa os séculos com a profundidade e singularidade de seu relato. Com a introdução do
jornalista Eduardo Bueno e a tradução de Angel Bojadsen, a obra apresenta uma linguagem simples,
dessa forma, aproximando o leitor contemporâneo de seu conteúdo, sem comprometer, no entanto,
sua essência. Desse modo, o livro preserva as xilografias originais desenhadas, acredita-se, pelo
próprio Staden, além do prefácio original e de toda a estrutura, dividida em três partes, sendo, essas,
subdivididas em capítulos curtos e bastante ilustrados.
Diante da análise da obra, o foco se dará na primeira parte do livro, visto que é a
principal, pois relata a trajetória no Brasil e, portanto, a aventura propriamente dita. Sob essa
abordagem, o relato de Hans Staden acerca de sua segunda e memorável estadia no Brasil se inicia
algum tempo depois de seu primeiro contato com a colônia recém-explorada, quando Hans decide
partir em viagem com os espanhóis rumo à região do Rio da Prata. Assim, Staden segue a bordo de
um navio pertencente a uma esquadra de três embarcações, porém, durante o percurso, as
tripulações enfrentam uma série de adversidades em alto mar, causadas pelo mau tempo e, em meio
a uma intensa tempestade, dois dos três navios desaparecem e a tripulação restante ainda navega
desorientada por um longo período. Entretanto, no dia de Santa Catarina de 1550, os navegantes
finalmente desembarcaram na ilha de mesmo nome, tida como o primeiro destino da rota, onde
reencontram um dos navios perdidos. Porém, permanecem na ilha por mais dois anos devido a um
dos navios ter afundado no porto, seguindo viagem depois para São Vicente com pretensões de

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fretarem um navio para o Rio da Prata. Contudo, o navio naufraga e seguem a pé para a província,
onde permanecem. Nesse momento do relato, Hans descreve pela primeira vez os tupinambás como
inimigos dos portugueses e rivais de outro grupo indígena, os tupiniquins. Diante dessa rivalidade, o
ambiente era hostil e constantemente bombardeado com conflitos sangrentos, sendo, inclusive, essa
tensão fundamental para a permanência do alemão no Brasil, haja vista que o conhecimento de
Staden sobre artilharia despertou certo interesse local e logo o viajante foi empregado para auxiliar na
proteção da ilha. A partir desse enlace do destino, a vida de Hans muda radicalmente ao ser
capturado por um grupo de guerreiros tupinambás quando estava caçando na mata. Durante a
captura, os indígenas, aos quais Hans nomeia em todo o enredo de “selvagens”, pensavam estar
aprisionando um português e assim vingando a morte de alguns membros de suas aldeias. Mediante
esse contexto, a obra de Staden ganha os contornos e a forma pelos quais seu livro se tornou tão
conhecido. Envolto em uma atmosfera cultural e geográfica completamente distinta do continente de
onde vinha, o aporte central de sua obra é relatar os hábitos antropofágicos típicos dos costumes do
povo tupinambá e, nisso, Staden não poupa detalhes, ao narrar, por exemplo, o ritual composto por
uma grande festa em que o prisioneiro a ser devorado é posto ao centro dançando, enquanto são
ecoados cantos próprios e os membros bebem uma bebida especial. Perante a esse cenário cultural
tão destoante dos valores morais e religiosos de Staden, a sua convivência com o grupo é tensa e
marcada por estranhamentos de sua parte. No decorrer dos meses, o maior esforço de Hans é provar
que não é um português e, nisso, obtém êxito, mas, é evidente que a razão primordial para o
estrangeiro ter sido poupado e, posteriormente, libertado é a maneira como ele se apropriou dos
infortúnios sofridos pela comunidade, como uma epidemia local, as chuvas inconvenientes para a
lavoura, as mortes sofridas e até os sonhos de alguns homens para convencer os nativos que seriam
esses castigos divinos do seu Deus para com eles. Nota-se, portanto, que o relato do jovem perpassa
por um enredo de caráter religioso que encara a sobrevivência do alemão como um testemunho do
poder divino e manifesto de fé.
À luz dessa reflexão, é importante destacar, mediante os aspectos observados na
obra, as impressões gerais do alemão Hans Staden sobre o povo com o qual viveu a sua aventura
pelo Brasil. Sob esse viés, é notável desde o prefácio original, contido na versão resenhada, que o
propósito de Staden é, para além de mais uma narrativa das terras distantes e singulares do Novo
Mundo, divulgar um relato de sobrevivência carregado de apelo religioso, tanto que dedica a obra a
Deus e conclui sua narração agradecendo pela misericórdia divina. Nesse sentido, é percebido que a
moral cristã é o pano de fundo de todo enredo, logo a maneira como encara os hábitos dos povos
originários, especialmente dos tupinambás, é direcionada pelo seu olhar moralizante e religioso,
acompanhado da sua visão eurocêntrica, o que é notado desde o título original que caracteriza os
tupinambás como selvagens, nus e cruéis. O termo “selvagem” é usado de modo pejorativo revelando
a ideia incutida na mentalidade da Europa moderna de que as civilizações do continente americano
eram primitivas e, portanto, em grau de evolução e civilidade inferiores ao europeu. Já os termos “nus
e cruéis” são obtidos a partir de uma interpretação moral pautada nos valores de Hans, um jovem
cristão, o qual encara os costumes indígenas como desvirtuados e maldosos.

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À vista disso, é pertinente relacionar o que Laplantine (2003) diz a respeito do conceito
de bom e mau selvagem com os escritos de Hans Staden, pois ao Laplantine (2003) afirmar que o
embate entre a cultura europeia com a dos habitantes da América gerou um questionamento se
haveria humanidade naqueles povos, sendo essa questão muitas vezes respondida por meio de um
critério religioso, é nítido como os parâmetros usados por Hans para concluir se há ou não o caráter
humano nos tupinambás parte justamente dessa premissa religiosa que logo distancia os indígenas
das atribuições geralmente apreciadas em um ser humano, assim o enquadrando como um mau
selvagem, outra conceituação explorada por Laplantine (2003). Tal conclusão é possível na obra de
Hans ao notar, por exemplo, a forma como ele se refere aos tupinambás quando finalmente é
libertado, os denominando como horríveis e cruéis selvagens, tendo Deus o libertado de seu poder.
Além disso, é possível associar o relato de Hans Staden com a discussão trazida por
Laraia (1968) sobre o determinismo biológico e geográfico. Sob essa perspectiva, Laraia (1968)
discorre sobre o determinismo biológico como uma teoria já refutada que afirma existir grupos étnicos
superiores, dessa maneira a determinação de certos atributos partiria de um viés biológico, assim
como o determinismo geográfico que teoriza acerca do fator condicionante do meio sobre os
indivíduos e sua identidade cultural. Paralelamente, evidencia-se na narrativa de Staden esses
preceitos entranhados na sua concepção dos indígenas, desde a forma quase que meramente
animalesca de enxergar os ditos “selvagens”, os distanciando de sua condição humana, assim
transparecendo uma percepção de inferioridade étnica frente aos demais povos europeus, até a
própria nomeação dada aos nativos de “selvagens”, os associando pois a seu ambiente como se a
selvageria fosse inata daqueles povos que vivem isolados nas matas e delas proviam sua
sobrevivência. Diante dessa perspectiva, observa-se sua visão preconceituosa concebida a partir de
um entendimento de que a vida naqueles moldes de espaço não poderia propiciar outros traços
culturais a seus habitantes que não fossem a barbárie e o comportamento puramente instintivo e
animalesco, que são vislumbrados por Hans nos modos de guerra, na antropofagia, nos aspectos
místicos e religiosos do povo e até na maneira de se vestir.
Diante da exposição supracitada, conclui-se que a obra é um relato de viagem
importante pelas minúcias das descrições auferidas a partir de uma convivência direta do relatante
com o povo. Entretanto, é necessário ter um olhar crítico sobre a obra, atentando-se ao seu recorte
histórico bastante influente na interpretação e descrição da realidade realizada por Hans, a qual se
mostra contaminada pelo eurocentrismo de sua época. Portanto, infere-se que trata-se de uma leitura
válida por contribuir para o conhecimento das trocas culturais ocorridas no Brasil colônia, bem como
as dinâmicas do cotidiano, da economia e da vida daqueles que aqui viveram os primeiros passos da
colonização.

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Referências

LAPLANTINE, François. A Pré-História da Antropologia. Aprender


Antropologia. Trad. Marie- Agnès Chauvel. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 25-37.
Disponível em: https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-
antropologia.pdf
LARAIA, Roque de Barros. Primeira parte. Da natureza da cultura ou da natureza à
cultura. In: _____________________ Cultura: um conceito antropológico. 25ª reimpressão.
Rio de Janeiro: Zahar, 1986, p. 9 - 24. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5773096/mod_resource/content/1/
LaraiaR_CulturaUmConceitoAntropologico.pdf
STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Rio de Janeiro: Tecnoprint Gráfica, 1968, 23 -
105. Disponível em: https://prioste2015.files.wordpress.com/2018/10/duas-viagens-ao-brasil-
hans-staden.pdf

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