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Pombero
Gravura Séc.XVI
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Os relatos sobre os povos indígenas levaram a debates
sobre sua inocência, nudez e ausência de pecado
(paraíso) contrapostas a sua suposta selvageria,
canibalismo, idolatria e feitiçaria (inferno);
Ou seja, os cronistas dividiam-se entre maravilhados ou
horrorizados a respeito dos índios;
Ambas as partes (índios e europeus) duvidavam a
princípio que tivessem alma ou corpo (bula do papa
Paulo III em 1534, mais para garantir a jurisdição da Igreja
no Novo Mundo);
Logo, surgem as teorias sobre a criação do chamado
Novo Mundo (América), sobre a imaturidade
(infantilidade) ou a antiguidade (degeneração) do
continente e da vida nela presente;
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Vários “enganos” são cometidos nestes primeiros
relatos, tais como o de Gândavo, ao dizer que os tupis
não pronunciavam F, L e R e, portanto, não tinham Fé,
nem Lei, nem Rei; (erro este copiado por outros cronistas do
séc.XVI, como Gabriel Soares e Frei Vicente do Salvador);
A forma de “demonizar” os indígenas através do
discurso tido como “científico” (pensamento religioso)
da época foi adotada também pelos espanhóis;
Bertius - 1616
Kunstmann – 1503-4
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
relatos portugueses: mostravam os povos aqui
encontrados com pessimismo;
Já os franceses adotaram um discurso mais conciliador
ao tratarem os índios como um povo o qual pudessem
fazer alianças mais ‘justas’ (França Antártica e
Confederação dos Tamoios), fazendo relatos e descrições
menos estereotipados,
O envolvimento francês com os índios brasileiros foi
tal que já em 1551, por ocasião de uma festa em
homenagem ao rei Henrique II e Catarina de Médici, foi
organizada uma “festa brasileira” apresentando os
tupinambá com suas danças e costumes;
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Éden e barbárie
os franceses “inovaram” ao distinguir “canibalismo” de
“antropofagia”;
“canibais” seriam os que simplesmente comem a carne
humana como alimento, enquanto “antropófago” seriam
aqueles que comem por vingança, de forma cerimonial,
trocando uma vida por outra;
Resumindo, foram os franceses os primeiros a tentar
compreender os indígenas brasileiros a partir deles
mesmos, ainda que alguns autores franceses tenham
também cometido “enganos”, exagerando nas
descrições e interpretações;
Com isso, ampliaram as noções da etnografia e
formaram as bases da antropologia moderna;
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Já os relatos do alemão Hans Staden, que permaneceu por
sete/nove meses prisioneiro dos tupinambá, tiveram uma
repercussão popular enorme na Europa (1557), fazendo uso de
uma série de gravuras estereotipadas que muito contribuíram para
generalizar a idéia de canibalismo no Brasil;
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Dois autores franceses da época foram copiados quanto ao tema
do canibalismo-antropofagia:
Thevet (católico franciscano) e Jean de Léry (protestante
calvinista), ambos no contexto da colônia da França
Antártica (RJ), quando o Léry discordou de Thevet em
vários pontos, o que nos faz pensar no caráter pessoal
e partidário de seus escritos, já que Thevet culpou os
protestantes pelo fracasso da colônia (seus relatos encontram-se no
contexto da disputa entre católicos e protestantes na França e na Europa - 1572);
Gabriel Soares de Souza escreveu suas crônicas
conforme os interesses do Estado português-castelhano,
além de ser proprietário de engenhos na Bahia; sendo
partidário da escravização dos índios, descreveu tais
povos como mais selvagens, bárbaros e canibais do
que o costume, assumindo um caráter enciclopédico
(lista de curiosidades);
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Thevet (1558) e Soares de Souza (1587) escrevem de
forma “oficial”, ou seja, conforme os interesses de seus
respectivos Estados, sem a preocupação financeira de
angariar leitores ou de serem “best sellers”, já que o
fato de escreverem de forma “oficial” garante-lhes o
crivo da veracidade do que relatam;
Staden (1557) e Léry (1578) não contavam com apoio
algum, sendo seus escritos em primeira pessoa, onde o
apelo à fé cristã é o crivo da veracidade daquilo que
relatam (ainda que ambos tenham discursos opostos),
sendo ambos relatos bem divulgados na Europa;
Staden, muito mais do que Léry, escreve ao gosto do
público, alimentando o imaginário popular sobre os
horrores do canibalismo brasileiro de forma moralista
e sensacionalista (teve ajuda de um amigo para escrever);
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
Como nos quatro relatos há descrições quase idênticas
sobre práticas antropofágicas e o cotidiano dos
tupinambá, não se sabe se os dois primeiros (Thevet e
Staden que escreveram praticamente no mesmo período)
basearam-se numa mesma fonte (hoje perdida, talvez até
oriunda de fontes orais: “ouvir dizer”);
Léry foi o único que fez uma interpretação diferente
sobre os tupinambá, lançando as bases do mito do
“bom selvagem”.
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
O filósofo francês Montaigne escreveu um ensaio
clássico (Os Canibais – 1580), em que apresenta um
nível de discussão avançado para a época, pois sugeria
relativizar a cultura tupi, ao invés de condená-la
através da alteridade (como os espanhóis);
Encontrava mais lógica na guerra tupinambá
(aprisionamento para antropofagia) do que nas guerras
européias (simples assassinatos sem sentido, para garantir
uma ordem política, econômica ou religiosa);
“cada qual considera bárbaro o que não pratica em sua terra”;
Boa parte da literatura francesa a respeito dos
tupinambá e o Brasil gerou uma grande curiosidade
na Europa, fazendo com Portugal (que adotava uma
política de sigilo) voltar-se cada vez mais contra a
presença francesa no Brasil e contra os índios.
Relatos do séc.XVI:
Éden e barbárie
A partir da década de 1970, antropólogos e sociólogos
começaram a questionar tais relatos de descrições
envolvendo canibalismo entre os índios americanos
(Walter Arens);
Ou seja, boa parte dos relatos seriam baseados em
“ouvir dizer”, com mais mal-entendidos do
entendimentos propriamente ditos, direcionados mais
pelo imaginário e pela alteridade do que pela objetividade
e racionalidade;
Mas outros relatos, principalmente de Staden,
confundem e intrigam até hoje, devido seu caráter
sensacionalista;