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Doença mental existe?

Uma breve discussão à luz da Análise do Comportamento

Regienne Peixoto

Não raramente, deparamo-nos com pessoas ao nosso redor queixando-se de mal-estar


psicológico. Esse mal-estar pode assumir várias facetas: ansiedade, medo, tristeza, ira, euforia,
apatia. Mas, nem sempre, qualquer um desses estados significará que a pessoa tem uma
doença mental. A própria ideia de “doença mental” é algo que a Psicologia discute com
frequência. Existe doença mental? Por que as pessoas perdem o controle de suas emoções?
Por que elas não conseguem seguir em frente? Depressão é “frescura”? Essas são questões
que o senso comum impõe à ciência e que, não apenas a Psicologia, mas a Medicina, as
Neurociências e outras disciplinas têm se dedicado a investigar.

Para entendermos como a Análise do Comportamento discute o conceito de “doença


mental”, é necessário resgatar alguns pressupostos básicos do Behaviorismo Radical, filosofia
que sustenta a ciência do comportamento, a saber:

a) A noção de comportamento como interação entre organismo e


ambiente, e sua sujeição às leis do reforço;
b) A multideterminação do comportamento e a influência dos três níveis
de variação e seleção: filogênese, ontogênese e cultura, e;
c) A noção de monismo físico, contrapondo-se à visão dualista
predominante no senso comum e em teorias psicológicas e filosóficas tradicionalistas.

É claro que apenas esses três elementos não são os únicos necessários ao
entendimento da visão analítico-comportamental sobre as psicopatologias, mas, para fins de
um texto [bastante!] introdutório sobre o tema, considero-os os essenciais.

Em primeiro lugar, o próprio termo “doença mental” torna-se vazio de sentido dentro
desse contexto teórico-metodológico. O adjetivo “mental” remete à existência de uma mente,
entidade metafísica que seria determinante do comportamento. A visão interacionista,
externalista, monista e antimentalista proposta pelo Behaviorismo Radical vai de encontro à
ideia de que tal entidade exista. O comportamentalismo entende que os determinantes do
comportamento se encontram no ambiente.

Aliás, uma das críticas mais frequentes ao Behaviorismo Radical é a de que ele é
“mecanicista”, por rejeitar a existência da mente, ou a subjetividade e por utilizar as noções de
condicionamento para a explicação do comportamento. Essa crítica, entretanto, carece de
coerência interna. Vejamos: as noções da mecânica newtoniana pressupõem que um corpo se
movimente a partir da ação de uma força sobre ele. Caso contrário, esse corpo permaneceria
em estado de inércia. A ideia de que a mente determinaria o comportamento, não soa, afinal,
como uma força que age sobre um corpo (o indivíduo) tirando-o da inércia? Não seria a noção
de mentalismo, por si só, mecanicista? A proposição behaviorista, ao contrário, fala em
interação entre organismo e ambiente, numa mútua influência entre essas duas instâncias, o
que modificaria tanto o organismo que se comporta e quanto o ambiente em que o
comportamento ocorre.
Mas voltando à desconstrução do conceito de doença mental, a palavra “doença” não
se encaixa na proposta behaviorista radical. Uma rápida análise dos manuais diagnósticos em
psiquiatria pode mostrar que a lista de sinais e sintomas psiquiátrivos traz, nada mais, nada
menos que descrições morfológicas de comportamentos. “Humor depressivo”, “anedonia”,
“alucinações”, “delírios”, “catatonia” são termos que comportam descrições topográficas de
eventos públicos e privados. Os manuais são portanto, listas topográficas de
COMPORTAMENTOS presentes em quadros ditos patológicos. Uma explicação analítico-
comportamental não pode, dessa forma, concordar que comportamentos sejam considerados
doença, uma vez que eles são explicados pela interação entre organismo e ambiente.

Você pode estar se perguntando neste momento: “Mas então a Análise do


Comportamento não acredita que existam pessoas que sofram de problemas psiquiátricos?
Depressão não existe? Ansiedade não existe?” A resposta é: Não! Nós, analistas do
comportamento, acreditamos sim que exista sofrimento clinicamente significativo e que
depressão, ansiedade e tantos outros quadros psiquiátricos existem. Eles só não se configuram
enquanto doenças. Acreditamos que as pessoas apresentam comportamentos-problema e que
elas sofram significativamente por isso, mas que a visão de adoecimento ou de
“anormalidade” não é suficiente para explicá-las. Se se tratam de comportamentos, então
precisamos explicá-los segundo as leis do reforço e encontrar seus determinantes nos três
níveis de variação e seleção. Tratamos tal repertório como natural, uma vez que ele, apesar de
socialmente inadequado, representa uma forma de adaptação do organismo ao seu ambiente
e às contingências às quais o indivíduo foi exposto ao longo de sua história de vida. Uma visão
behaviorista radical entende que todo comportamento é adaptativo.

Os comportamentos-problema são vistos como EXCESSOS ou DÉFICITS


comportamentais sob controle de contingências aversivas. É claro que, se tais excessos ou
déficits compõem o repertório do indivíduo, eles têm sido reforçados positiva e/ou
negativamente. Mas é essencialmente em função do controle aversivo que tal repertório se
torna socialmente inadequado. Essa é uma visão funcionalista dos quadros psiquiátricos e sua
vantagem é o oferecimento de uma explicação mais consistente e histórica a respeito das
causas do comportamento dito anormal. Entender como esse repertório se instalou e como
ele se mantém, fornece ao clínico material de trabalho mais sólido e amplia suas possibilidades
de análise e intervenção.

É importante ressaltar que, apesar da crítica feita pela Análise do Comportamento às


descrições topográficas dos quadros psiquiátricos, os cientistas comportamentais não negam a
importância dos manuais diagnósticos. Esses manuais descrevem padrões comportamentais
prováveis de ocorrer e, assim, oferecem uma visão genérica que indica possíveis condutas ao
clínico em Psicologia e/ou Psiquiatria. Entretanto, essa apresentação em forma de topografia
não explica sobre a pessoa que se comporta de forma inadequada socialmente e não fornece
elementos compreensivos sobre as causas de tal comportamento.

Uma abordagem mais completa dos quadros psiquiátricos deve incluir, portanto,
descrição e classificação de padrões comportamentais e suas implicações clínicas, sociais e
ocupacionais para o indivíduo bem como a compreensão dos aspectos funcionais do
repertório-problema. Compreender que o sofrimento do indivíduo é função de um conjunto
de contingências presentes em sua história de vida tem um efeito revelador para clínico e para
o cliente, além de ampliar as possibilidades de condutas terapêuticas não só dos profissionais
que acompanham o cliente, mas, ainda, de sua família e de todos aqueles envolvidos em seu
círculo social.

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