Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PUC-SP
São Paulo
2018
Tenório Nunes Telles de Menezes
SÃO PAULO
2018
Banca Examinadora
...........................................................................
...........................................................................
...........................................................................
Agradeço, em especial, à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior (CAPES), pela concessão da
bolsa de estudos Mestrado, sob o nº.
88887.177.915/2018-00.
AGRADECIMENTOS
Ninguém é só no mundo. Por isso, sou todos os que chegaram ao meu porto, com
suas ofertas. Sobretudo, os que trouxeram vida, água, o encanto da poesia e o pão
do saber, e me ajudaram a saciar a fome de ser no mundo.
À minha mãe, dona Maria Celina por ter segurado a minha mão e me
ajudado a chegar até aqui. Também ao filho Aristides.
Àquela que me guiou nesta travessia do Mestrado, com suas orientações
seguras: Professora Maria Aparecida Junqueira.
Aos professores da Banca de Qualificação – pelas considerações que
enriqueceram o trabalho e contribuíram para sua realização: Maria Rosa Duarte
de Oliveira, João de Jesus Paes Loureiro.
Nesse navegar, cheguei às Perdizes, na PUC – onde fui recebido com
respeito e atenção pelas professoras Diana Navas, Maria Rosa Duarte de
Oliveira, Annita Costa Malufe, Elizabeth Cardoso, Beth Brait e minha orientadora
Maria Aparecida Junqueira, que me ensinaram novas artes de navegar.
Ao Programa de Literatura e Crítica por ser um espaço de compromisso
com o conhecimento, tolerância e aprendizagem. Ana Albertina, pela atenção e
boa vontade em ajudar.
Ao avô Francisco Telles de Menezes, de quem fui guia de cego e herdei o
sobrenome. E ao João Bosco Botelho, por ter me instigado a deixar o porto.
Aos mestres dos primeiros tempos de viagem e que me ensinaram
importantes lições de navegação. Professoras/professores: Teresa Koba,
Gerdião, Cristiano, Bernadete, Socorro Batista, Valadares, Marcos Frederico
Krüger, Artemis Veiga, Carlos Eduardo, Odenildo Sena, Neide Gondim, Valente,
Hidelvídia, Giralcina, Ribamar Bessa, Gabriel Albuquerque, Antonio Paulo Graça.
Aos amigos, pelo incentivo: Victor Gondim, Otávio Gomes, Ovídio Gomes,
Carlos Lima, Lauro Tavares, Célio Cruz, Carlos Cardoso, Luis Cláudio Chaves,
Sílvia Laureana, Heldemar Ferreira, Neiza Teixeira, Heitor Costa. Ademir de
Godoy Bueno – parceiro de navegação.
Thiago de Mello, Luiz Bacellar, Márcio Souza, Aldisio Filgueiras, Saturnino
Valladares. Margarida Campos, pela presença e cuidado.
Dori Carvalho e Isaac Maciel – que me ensinaram a força dos livros.
Para Dâmea, que me acompanhou nos momentos difíceis da travessia.
Sou essa viagem e esse mar, com seus portos e seus viajantes. Cumprido o
propósito – uma palavra: Gratidão. E lembrar Murilo Mendes, “Grafito na lápide duma
menina romana”, que esteve do meu lado nesta busca, guiando-me com seu canto:
“Borboleta que larga seu casulo. / Concluí o sonho. Comecei a vida”.
As palavras que encarnam uma perfeição inimaginável para o
homem – “Deus”, “verdade”, “justiça” –, se pronunciadas
internamente com vontade... têm o poder de elevar a alma e
inundá-la de luz.
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of the present research is to analyze the poetic production by Murilo
Mendes referenced in the presence of the Sacred as the basis of his poetry. It
seeks to understand that interlocution between divine and human as an immanent
experience, marked by a constant process of tense that tones with the poetic. The
subject of this reflection are the works produced by him in the temporal cut
between 1935 and 1945, defining and evocative of his lyrical discourse. This set of
textbooks presents the foundations and aspects that have marked his poetic
speech – enunciating changes and maturity of his creative process which
culminated in Convergência. The corpus of the investigation comprises the books
representative of the defined temporal cut: – Tempo e eternidade (1935); – O sinal
de Deus (1936); – A poesia em pânico (1937); – O visionário (1941); – As
metamorfoses (1944); – Mundo enigma (1945); – O discípulo de Emaús (1945)
and Convergência (1970), for its significance in the whole Murilian lyric poetry. It is
intended to apprehend the forms of how the sacred is expressed in the poetic
creation of Murilo Mendes and how they are appropriated and woven in the
elaboration of his discourse, as well as the effects of meaning that lodge his
language. The research is based on theoretical studies of interpretation
hermeneutic of the philosophers Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer and
Benedito Nunes, having as an anchorage the work of the German poet Hölderlin
and the poetry of metaphysical bias. This study of Murilo Mende's poetry is based
on bibliography on the broached theme and on the interpretative analytical
method.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
Nos últimos trinta anos a fortuna crítica de Murilo Mendes só tem crescido.
O acervo sobre a sua produção literária, envolvendo sua poesia, a prosa, as
16
Aqui conversei
Ismael Nery
Mestre / malungo máximo
Entre canto gregoriano e jazz.
(...)
(1964, p. 8), acreditava “na força da poesia como técnica social e individual de
interpretação da rude matéria da vida”.
A autora grega pede inspiração para conceber seu canto. Como porta-voz
de um atributo sagrado, cabe-lhe “dar à voz” o que a “lira divina” lhe revelará. O
eu lírico assume uma posição de passividade, de alguém que recebe a
23
Esse impulso que tudo move e que entranha a vida estaria na origem do
existir de todas as coisas: nas plantas, nos bichos, no movimento das águas, na
geração de todos os seres. Essa força absoluta e inapreensível está no ser
humano no que tem de mais profundo, singular e impessoal. Para a filósofa
Simone Weil (2016, p. 53), o divino é uma dimensão do humano: “Existe em cada
homem algo sagrado. Mas não é sua pessoa. Tampouco é a pessoa humana. É
ele, esse homem, pura e simplesmente”. O poético identifica-se com esse
fundamento vívido e pulsante que plasma o existente e pela palavra se revela.
omissões. O primeiro caso diz respeito à utilização reiterada, no início dos versos,
à exceção dos que iniciam as estrofes, do verbo “tem”: a recorrência à anáfora
cria uma cadência nos versos, sugerindo o tom repetitivo da vida (“Deste lado /
tem a minha namorada / tem as ruas gritando / tem meu amor / tem o mundo /
tem o caminho”). O mesmo recurso é utilizado na estrofe final.
seu olhar sobre esses opostos complementares que constituem a matéria da vida,
as angústias e desejos humanos que encarnam seu canto:
Murilo Mendes (MENDES, 1994, 1210) reconhece sua dívida com o filósofo
alemão. Na sua série de Retratos-relâmpado, dedica-lhe um pequeno retrato com
alguns senões:
A poesia não é um discurso mudo, sem cor e inerme. É uma voz que se
reveste no tempo e na concretude das coisas, e, segundo Platão (2011, p. 39), é
um sopro, “uma concessão divina”, que se anuncia e enforma na linguagem. A
poesia fala, e saber ouvi-la é uma experiência fundamental pelo que apresenta de
singular e revelador sobre o nosso aprendizado do mundo e nossa condição
existencial.
A palavra nasce-me
fere-me
mata-me
coisa-me
ressuscita-me
Reavivar esse poema esmaecido seria a tarefa rediviva de todo aquele que
tem no poético a expressão de seu ser na existência e sabe que todo verso é um
eco desse “poema esquecido”, referido por Heidegger. É dentro da ordem do
mundo, entretanto, que a poesia se manifesta ao homem. Não é algo exterior ao
mundo, mas uma expressão do mundo – uma realidade prenhe de possibilidades
em termos de revelação e autodescoberta. María Zambrano (1995, p. 30), no livro
O homem e o divino, reputa o real como uma coisa sagrada: “A realidade é o
33
Nas tradições antigas o ser humano era concebido como uma extensão da
força criadora do cosmos, da divindade que concedeu às coisas e a todos os
seres a possibilidade de existir. O que existe serie exatamente o que se elevou do
pó – avivados pelo “hálito” divino e pela luz que desvelou o que as trevas
escondiam. A poesia rememora esse ato criador, esse impulso que animou o
mundo e se expande no tempo como a luz das estrelas a percorrer distâncias
infinitas. Murilo Mendes (1994, p. 250) tinha profunda consciência dessa presença
do sagrado na existência e a incorporou como razão de ser de sua vida e
fundamento de sua poesia, como esclarece no poema “Filiação”, de Tempo e
eternidade:
O título do texto sugere o tema que será glosado nos versos: seu vínculo a
uma origem que precede tudo (“Eu sou da raça do Eterno”), a uma linhagem que
se desdobrou de um tronco originário e que se ramificou “em muitas gerações /
Através do espaço e do tempo”. Nessa afirmativa há uma definição fundamental
da concepção existencial de Murilo Mendes que o vincula a uma metafísica
primeira, presente na origem e que antecede todas as concepções religiosas. É
34
revela o mundo e nossa vida dentro dele como realidade significativa, isto é, como
realidade que aponta para fora de si mesma”. É surpreendente como a percepção
de Flusser sobre o sagrado, como algo que é parte do real, o aproxima de
Heráclito e de toda a tradição que concebe o divino como uma dimensão
inescapável do humano. Desdobra sua reflexão sobre a presença da sacralidade
no plano das vivências humanas, denominando o “sacro” como o “significado que
o mundo e nossa vida dentro dele têm”.
O debate entre Habermas e Bento XVI teve ampla repercussão nos meios
religioso e filosófico. Deixou evidente que fé e razão não são opostos
inconciliáveis e que o diálogo pode ser o caminho para um entendimento entre os
dois pontos de vista. O que os dois pensadores objetivavam realizar por meio da
reflexão teórica, Murilo Mendes e toda a tradição lírica de viés religioso e
metafísico o fizeram por meio da poesia.
A criação não fora difícil nem laboriosa, pois as divindades, uma vez
decidido por elas o que deviam fazer, tiveram apenas de enunciar o seu
plano de ação e logo a coisa estava feita. Essa ideia transformou-se
numa convicção que foi partilhada por todo o Oriente Próximo como um
estabelecido artigo de fé: a Palavra de Deus – ou de vários deuses – tem
por si mesma o poder de criar do nada todas as coisas.
No panteão dos deuses da antiga suméria, Enlil, o Senhor do Ar, “foi (...) a
força motora para efetuar a separação do Pai Céu da Mãe Terra, a qual não
tardaria a gerar a prole de Enlil” (KRAMER, 1972, 108). Daimon gerador de tudo,
Enlil legou às suas criaturas tudo que necessitariam para viver: fez brotar a
“semente da terra”, criou a “picareta-enxada e deu-a ao homem para facilitar seus
trabalhos agrícolas”. Por seus atributos de benfeitor dos humanos, os poetas da
37
total numa representação coerente do mundo” que, segundo ele, seria uma
experiência iluminadora do sentido profundo das coisas e o fundamento da
“consumação em nós da coragem e da alegria de agir”.
celeste, teceu seus hinos aos lugares sagrados e seu cantar divino, consagrado à
Lua e à eternidade.
encantamento do ser humano, como ser capaz de criar a beleza: “Os olhos do
homem deslumbrado colorem a paisagem. Ele é o mágico das coisas: onde a
paisagem era feia e pobre acendem-se palácios, sangram pedrarias, ardem rosas
e açucenas)”.
versos finais do “Poema visto por fora”: “Não sou Deus porque parto para Ele, /
Sou um deus porque partem para mim. / Somos todos deuses porque partimos
para um fim único”.
Como ninhos, cada palavra é morada dos deuses – dos esquecidos e dos
que lutam para permanecer vivos. Deuses e homens estão sujeitos à instabilidade
do tempo e às injunções da história. Só o eterno permanece – expressão do
divino “que dá ao homem religioso a possibilidade de entrar em relação com a
fonte do sagrado, com o sagrado em sua dimensão absoluta, com a
transcendência, com Deus nas grandes religiões” (RIES, 2017, p. 83).
teceram ao que somos, e até mesmo o silêncio – essa outra voz que diz do que
está além da aparência e evoca as lembranças primevas.
A partir disso vai enumerando os diversos efeitos que essa mudança possa
operar. O verbo “Quero”, usado repetidamente, é uma reiteração desse desejo de
mudança: “Quero que se transfira a ti um pouco do seu mistério”, da sua “angústia
desdobrada”, “irmão no sofrimento” e abraçados com a “musa” misturar
“respiração e tristeza”. Ao final do aprendizado, o “Poeta”, ao “esbarrar ante a
muralha de pedra”, colherá o prêmio de sua jornada: sentirá o desconsolo da
revelação das dores do mundo, mas, como esclarece o eu poético, “serás forte e
ampliarás tua alma”. O uso da apóstrofe (“serás forte”) ressalta o momento da
revelação e de autodescoberta do Poeta.
Esse tema coincide com a virada na lírica de Murilo Mendes, sua opção por
uma dicção poética substantiva, após o término da Segunda Guerra,
consolidando-se com sua mudança para a Itália em 1957. O professor Murilo
Marcondes (1995, p. 62) chama a atenção para os desdobramentos dessas
mudanças na trajetória artística de Mendes: “A mudança para Europa, com a
consequente exposição a uma vida cultural mais sistemática, parece ter exigido
do poeta uma disciplina de outra ordem, reforçada ainda pelas suas atividades de
professor e crítico de arte”.
1
A página branca indicará o discurso
Ou a supressão do discurso?
2
O texto deriva do operador do texto
Ou da coletividade – texto?
O texto é manipulado
Pelo operador (ótico)
Pelo operador (cirurgião)
Ou pelo ótico-cirurgião?
O texto é dado
Ou dador?
O texto é objeto concreto
Abstrato
Ou concretoabstrato?
Sofre o operador:
O tipógrafo trunca o texto.
Melhor mandar à oficina
O texto já truncado.
(...)
4
A palavra nasce-me
fere-me
55
mata-me
coisa-me
ressuscita-me
(...)
6
A palavra cria o real?
O real cria a palavra?
Mais difícil de aferrar:
Realidade ou alucinação?
Ou será a realidade
Um conjunto de alucinações?
(...)
8
Morrer: perder o texto
Perder a palavra / o discurso
9
Juízo final do texto:
Serei julgado pela palavra
Do dador da palavra / do sopro / da chama.
O texto-coisa me espia
Com o olho de outrem.
O juízo final
Começa em mim
Nos lindes da
Minha palavra.
O texto-coisa me espia
Com o olho de outrem.
O juízo final
Começa em mim
Nos lindes da
Minha palavra.
O texto tem vida e anseia pela atenção de seu interlocutor. Ele “espia /
Com o olho de outrem”. Como um artefato vivo, pode reagir contra o outro
envolvido na interlocução. Nessa configuração dialógica proposta no poema, o
processo de compreensão não uma via de mão única, do intérprete para o texto.
Ao contrário, texto e intérprete travam um embate pela possibilidade de
autodesvelamento recíproco.
A poesia no Brasil tem início com a ação dos jesuítas, no século XVI, sob o
contexto da colonização portuguesa. Os padres da Companhia de Jesus tinham a
missão de cuidar da formação religiosa dos colonos e, ao mesmo tempo, da
conversão dos indígenas. Dentre os primeiros registros literários, merece
destaque, segundo Alfredo Bosi (2006, p. 18), “pela relevância literária, o de José
de Anchieta”. Sobressaem nos seus poemas, os temas religiosos cristãos,
poetizados com o propósito de doutrinar e consolidar a fé católica, mas que, como
defende Bosi (p. 19), “valem em si mesmos como estruturas literárias”.
A tela de Ismael diz-se pela harmonia das massas de cores chapadas que
compõem os planos – em que o azul, no fundo, e o ocre de tonalidade
avermelhada, no primeiro plano, são unificados pelo amarelo refletido pelo sol, na
linha do horizonte. A luz atinge a figura pelas costas, iluminando-lhe os passos e
o caminho que se projeta à sua frente. Isso explica a sombra no seu rosto. O
cenário é despojado, sem a presença de elementos humanos ou referência
72
Além da força imagética, há uma fala que pulsa nas formas, no gesto, no
movimento da personagem. Ela se apresenta no silêncio, na ausência de
referências a tempo e espaço. No ser ambíguo que empreende a sua busca e
nela vive sua metamorfose, a meio caminho entre sua condição humana e a
transmutação do corpo físico. O quadro exprime o fundamento do essencialismo:
abstração do real e congeminação do humano com a possibilidade de sua
transcendência e encontro com o divino. A análise do crítico Bernardo Guadalupe
Brandão (2009, p. 44), ao refletir sobre os aspectos marcantes da obra pictórica e
das ideias de Ismael, ajuda-nos na compreensão da pintura do artista:
Tu foste
Casa feita / paz / ternura
Aberta para o mundo.
Santo-e-senha distribuías
A pobre, amigo, ignoto.
*
Teu filho pródigo
Polêmico giróvago
Giralivros
Anárquico alicaído
Insoferente do século
Acolhes preparando
Perdão vitualha & serenim.
*
Sem ti & Elisa não seriam:
O Brasil
A Bíblia
Betelgeuse
Maria da Saudade
Mozart
Dante
Paul Klee
O amor da liberpaz
A página branca
A Espanha
*
Trabalhador da vida. Homem de aço
& seda, sinto ainda pulsar
Teu coração
ecumênico.
(...)
O salmista entoa seu canto, obedecendo o que reza a tradição dos hinos
de louvor: inicia exortando Elohim por meio de um epíteto, denominando-o “ó Rei
meu Deus”; o corpo do salmo é recheado com os feitos e maravilhas divinos, bem
como os motivos que mobilizaram a energia e o encantamento do sujeito poético:
“é incalculável sua grandeza”, “as tuas façanhas”, o “poder dos teus terrores”, a
proteção para “os que o amam” e a punição para “todos os ímpios”. A conclusão
assume o caráter de uma pequena prece em que manifesta o compromisso de
dizer louvores a “Iahweh / e toda carne bendiga seu nome santo, / para sempre e
eternamente!”.
A rainha, a forte,
que rege sobre a assembleia de en,
aceitou a prece o sacrifício.
O coração de Inana, senhora do destino, voltou a seu lugar.
– “Nin-me-sara” (Enheduana):
– “Nin-me-sara”:
– “Salmo 145”:
– “Salmo nº 3”:
Eu te proclamo...
Não porque fizeste a terra e tudo que se contém nela,
Frutos do campo, flores, cinemas e locomotivas;
Não porque fizeste o mar e tudo que se contém nele.
– “Nin-me-sara”:
A rainha, a forte,
que rege sobre a assembleia de en,
aceitou a prece e o sacrifício.
O coração de Inana, senhora do destino, voltou a seu lugar;
–“Salmo 145”:
–“Salmo nº 3”:
saberes milenares que chegaram até nosso tempo, apesar das guerras, incêndios
e destruições.
sentido de liberdade a que todo homem deve aspirar. O ato de libertar-se não é
pacífico, é espantoso e violento.
Num mundo que se rege não mais pelo registro dos deuses, mas de um
agente político ordenador, no caso, “o ditador do mundo”, seu gesto insurgente é
punido com a prisão “no Pão de Açúcar”. A referência à figura do “ditador” é
alusiva ao contexto histórico da década de 1930, dominado pelo poder
hegemônico soviético e alemão, espelhando o Estado Novo no Brasil. Espírito
libertário, Murilo Mendes exercitou por meio da poesia e de ações políticas sua
indignação contra Hitler, Stalin, Mussolini, Franco, figuras que encarnaram em
sua época o pensamento autocrático que repugnava. Além dessas questões,
realça-se no poema um traço marcante do discurso de Mendes: o humor e sua
intenção dessacralizadora. Um detalhe que merece registro é o uso no título do
adjetivo “Novíssimo”, delimitando de modo elevado o substantivo, “Prometeu”.
A experiência religiosa vivida por Murilo Mendes não foi uma mera adesão,
mas uma experiência arrebatadora motivada, segundo a concepção de Girard
(2011, p. 188) para esse tipo de acontecimento, pela “ação de uma força
irresistível, que não pode provir de si próprio, mas unicamente de Deus”. Foi algo
de tamanha profundidade e alcance que, confessa o ser poético, “mudou a
direção do meu olhar”. Sintonizado com o divino, não teme a morte, mas espera
“a integração do próprio ser definitivo / Sob o olhar fixo e incompreensível de
Deus”. A eternidade era o destino de Murilo Mendes (2015, p. 101) como deixa
evidente no sugestivo poemeto “A chave”, do livro As metamorfoses:
1
Noitefazes
Ou diafazes?
Noite redonda
Cararredonda
Ar voando:
Sono da palavra
Coisa-feita.
Dia quadrado
Caraquadrada
Ar parando:
Insônia da palavra.
Coisa-fazes.
Diafazes.
2
Tiro do bolso examino
Certas figuras de gramática
de retórica
de poética
Considero-as na sua forma visual
Fora de função / no seu peso específico
& som próprio
de palavras isoladas:
Oxímoron; anáclase. sinérese
Sinédoque. anacoluto. metáfora
Hipérbato. hipérbole. hipálage
Assíndeto
3
Ponga, s.f. (Bras. Norte) Espécie de jogo. Consiste num quadri-
látero de madeira ou papel em que se traçam duas diagonais e
duas perpendiculares que se cruzam e em que se jogam dados.
96
4
Inserido numa paisagem quadrilíngue
Tento operar com violência
Essa coluna vertebral, a linguagem.
Perdoai-me
Valéry
Drummond.
5
... as palavras / coisas / são belas
No seu vestido justo
Criado por alfaiates-óticos
6
Eu tenho a vista e a visão:
Soldei o concreto e abstrato.
Webernizei-me. Joãocabralizei-me.
Francispongei-me. Mondrianizei-me.
realidade da linguagem na própria poesia do real para o qual sempre teve olhos e
ouvidos atentos. Entre linguagem e realidade passa a não mais existir obstáculos
intransponíveis”, conforme juízo acurado de João Alexandre Barbosa (1974, p.
136).
A obra poética de Murilo Mendes pode ser analisada como uma biografia
de sua própria construção poética – em que estão marcados os rastros de seu
itinerário poético, com seus impasses, escolhas, princípios, experimentações
verbais, mudanças de perspectivas, tudo isso convergindo para o momento de
100
sua plenitude como criador, quando percebe que “as palavras / coisas / são
belas”.
miraculosa de ouvir “a secreta sinfonia”. Por fim, insurge-se contra seu criador,
enquanto espera “o verbo da noite” que o fará voltar “Ao pó de onde proveio”.
A um engenho eletrônico
Entregar o osso de um texto
Que resultará noutro texto
Cifrado:
O do engenho eletrônico?
(...)
*
Que é finalmente o poema:
Palavra ou frase?
Sem frase levanta-se palavra?
*
O poeta planifica
O texto de linhas retas
Não o que o texto quer.
O texto não-total
Será mesmo divisão:
(...)
patas”, para que não se disperse. Forjar as palavras é ato de perícia, que exige
domínio dessa arte. E um texto, com sua ossatura, sempre enseja outros textos,
mesmo que por meios técnicos: “engenho eletrônico”.
Aqui conversei
Ismael Nery
Mestre / malungo máximo
Entre canto gregoriano e jazz.
105
(...)
*
Senti crescer-me
Comunicante
O duplo fogo eternofísico
Pai de todos e meu.
(...).
*
Do cume desta colina
Contorno o BR acelerado
retardado
extrovertido
coisificado
Considerações finais
Essa percepção aponta para a natureza do ofício do poeta, que não é outro
senão o de desvestir a linguagem de suas roupagens falseadoras. Nesse sentido,
a hermenêutica, como método de compreensão do texto, entendido como um
objeto inerente ao domínio da cultura e por ela determinado, cumpre um papel
auxiliar na construção de um entendimento e interpretação possíveis. A poética
de Murilo Mendes é construída sob essa perspectiva.
Referências
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho, Ivo Storniolo et alii.
São Paulo: Paulus, 2006.
BLAKE, William. O Matrimônio do Céu e do Inferno & O Livro de Thel. Trad. José
Marcos Macedo. 2. ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Trad. Leyla Perrone-Moisés. 2. ed. São
Paulo: Editora Martins Fontes, 2013.
BOÉCIO. Consolação da Filosofia. Trad. Willian Li. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
114
BOSI, Alfredo. Céu, inferno – ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo:
Editora Ática, 1988.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 45. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
CHARDIN, Pierre Teilhard de. O fenômeno humano. Trad. José Luiz Archanjo.
São Paulo: Cultrix, 1994.
DONNE, John. Meditações. Trad. Fabio Cyrino. São Paulo: Editora Landmark,
2007.
GIRARD, René. A conversão da arte. Trad. Lília Ledon da Silva. São Paulo: É
Realizações, 2011.
HESÍODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. 5. ed. São Pulo: Editora Iluminuras,
2003.
HÖLDERLIN. Poemas. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
LEITE, Sebastião Uchoa. Crítica de ouvido. São Paulo: Ed. Cosac & Naify, 2003.
LENOIR, Frédéric. Deus: sua história na epopeia humana. Trad. Véra Lucia dos
Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Encantarias da palavra. Belém: Ed. Ufpa, 2017.
MENDES, Murilo. Antologia poética. Lisboa: Livraria Morais & Círculo de Poesia,
1964.
MENDES, Murilo. Antologia poética. Org. João Cabral de Melo Neto. Rio de
Janeiro: Editora Fontana, 1976.
MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Org. Luciana Stegagno Picchio. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
MENDES, Murilo. Recordações de Ismael Nery. 2. ed. São Paulo: Edusp; Ed.
Giordano, 1996a.
MENDES, Murilo. Lição de poesia. In: SENNA, Homero. República das letras –
entrevista com 20 grandes escritores brasileiros. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; Universidade do Vale do Paraíba, 1996b.
MENDES, Murilo. Poliedro. 2. ed. São Paulo: Editora Companhia das Letras,
2017.
MENDES, Murilo. A idade do serrote. São Paulo: Editora Companhia das Letras,
2018.
MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 29 ed. rev. e ampl.
São Paulo: Cultrix, 2012.
MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: a poesia como totalidade. São
Paulo: Edusp, 1995.
MOURA, Murilo Marcondes de. “Os jasmins da palavra jamais”. In: Leitura de
poesia. Org. BOSI, Alfredo. São Paulo: Ática, 2001.
NAVA, Pedro. O círio perfeito – memórias VI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1983.
NOVALIS. Fragmentos de Novalis. Trad. Rui Chafes. 2. ed. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2000.
NUNES, Benedito. A clave do poético. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Ari Roitman; Paulina Wacht. São Paulo:
Cosac Naify, 2012.
PEREIRA, Maria Luiza Scher & SILVA, Teresinha Vânia Zimbrão (Orgs.).
Imaginação de uma biografia literária: os acervos de Murilo Mendes / Chronicas
Mundanas e outras crônicas: as crônicas de Murilo Mendes. Juiz de Fora: Editora
UFJF, 2004.
PLATÃO. Íon. Trad. Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
RYKEN, Leland. Formas literárias da Bíblia. Trad. Sandra Salum Marra. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017.
SAFO. Fragmentos completos. Trad. Guilherme Gontijo Flores. São Paulo: Ed.
34, 2017.
VIEIRA, Trajano. Lírica grega, hoje. Trad. Trajano Vieira. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 2017.
VIEIRA, Trajano. Lírica grega, hoje. Trad. Trajano Vieira. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 2017.
WEIL, Simone. Pela supressão dos partidos políticos. Trad. Lucas Neves. Belo
Horizonte: Ed. Âyiné, 2016.
– Poemas (1930)
Alma numerosa
Nascerei em outras terras, com olhos novos.
Deixarei minhas partes inferiores, a parte do diabo.
Não me perseguirão mais visões complicadas,
nem eu serei a luta entre as construções do meu espírito.
Para subir tenho que largar esta pele multicor,
feiticeiro de mim mesmo, alma penada,
presa das formas exteriores, do cheiro, do movimento.
Me desdobrarei em planos infinitos, estarei nos olhos da criança nascendo,
na cabeça dos amantes, nos degraus do espaço,
na última luz dos velhos morrendo, no sonho do místico,
e em todos os lugares onde existir alguém sofrendo e amando.
Eternidade do Homem
Abandonarei as formas de expressões finitas,
Abandonarei a música dos dias e das noites,
Abandonarei os amores improvisados e fáceis,
Abandonarei a procura da ciência imediata
Serei a testemunha de um mundo que caiu,
Até que te manifeste na tua Parusia.
A testemunha
O céu se retira como um livro que se enrola.
Um anjo blindado solta os sete pecados mortais.
Mulheres-cavalos galopam furiosamente nas ruas,
Homens ajoelham-se diante do sexo duma fêmea,
Outros diante dum ídolo de ouro e prata.
Poderosos refletores iluminam milhares de sovacos.
Quem passeia no mar, quem sonha no mar
Se o mar está tinto do sangue derramado das virgens.
Mil fanáticos fuzilam o coração de Jesus.
Chacais hienas e urtigas invadem a alma dos ditadores.
Nossa vida
Vida infernal e divina do poeta – Corpos de mulheres descendo e subindo em torno da
gente – Pensamentos para Deus, por Deus, contra Deus – Solidão – Ânsias de guerra – de
paz – de morte – Nascer, viver, sofrer, morrer e ressuscitar com todos os entes – Não ser
amado – Insultar a lei, o mundo – Tragédia do amor à mulher objetiva – Viver segundo o
espírito, mas ter nascido do sangue e da vontade da carne – Dar-se a todos, ao mesmo
tempo rejeitar-se – A humildade – a majestade – o poder – a conversação dos antipoetas –
A população e o vazio – O real com mais força que o ideal – O NÃO a Jesus Cristo – a
volúpia – o veneno – a música – a dança – os perfumes – a embriaguez sem álcool – O
orgulho da vida – O princípio, o fim – O céu, o inferno – Deus! – A poesia da eternidade
esclarecendo, completando e ampliando a poesia do tempo.
O bem e o mal não são a mesma coisa. Os poetas reconduzirão o homem a Deus. E
submeterão os chefes temporais à ordem da caridade.
– O visionário (1941)
Novíssimo Prometeu
Eu quis acender o espírito da vida,
Quis refundir meu próprio molde,
Quis conhecer a verdade dos seres, dos elementos;
Me rebelei contra Deus,
Contra o papa, os banqueiros, a escola antiga,
Contra minha família, contra meu amor,
Depois contra o trabalho,
Depois contra a preguiça,
Depois contra mim mesmo,
Contra minhas três dimensões:
– As metamorfoses (1944)
Poema hostil
Os pés do deserto me alcançam,
Trazem recados das rosas migradoras.
À beira da sombra vigio a matéria,
Trago lendas negras para o meu amor.
Nihil
Profundo penoso
Das nuvens do inferno
Surgiu meu destino.
Grandeza não tive,
Nem jeito pra vida.
33
O reino de Deus está em nós. Não está sujeito ao tempo nem ao espaço.
144
A eternidade será um tempo infinito – ou antes, um estado infinito?
159
A poesia é a realidade; a imaginação, seu vestíbulo.
192
A poesia confere a investidura na universalidade, uma participação da linhagem divina.
195
A poesia é uma transubstanciação do leigo no sagrado, do particular no universal, do
humano no divino.
200
O verdadeiro poeta é conjuntamente um ser de circunstância, e eterno.
263
O reino de Deus é suprapolítico, supra-econômico, supratrabalhista.
310
Deus sempre se manifestou poeticamente.
371
Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo.
463
A leitura deve-nos ler, tanto quanto ser lida.
536
Cristo fundiu os tempos e descerrou a eternidade.
125
563
Através dos séculos o poeta é encarregado, não só de revelar aos outros, mas de viver
praticamente no seu espírito e no seu sangue, a vocação transcendente do homem.
573
A vida essencialista cristã, restringindo as necessidades materiais, dilata o espírito.
686
O Cristo é uma pessoa coletiva.
– Convergência (1970)
*
Teu filho pródigo
Polêmico giróvago
Giralivros
Anárquico alicaído
Insoferente do século
Acolhes preparando
Perdão vitualha & serenim.
*
Sem ti & Elisa não seriam:
O Brasil
A Bíblia
Betelgeuse
Maria da Saudade
Mozart
Dante
Paul Klee
126
O amor da liberpaz
A página branca
A Espanha
*
Trabalhador da vida. Homem de aço
& seda, sinto ainda pulsar
Teu coração
ecumênico.
Morte polêmica
Morte que separa homem & sombra
rosa & espinho
Catapultou-me da esfera do teu ventre
Para este território ásperoanguloso
Onde soou no espaço
A primeira ruptura: tempo subtraído-te,
História em mito permutada
Eletronicamente.
Extraindo-te de mim
Fechando-te magnólia móbile
selenocêntrica
Elisa Valentina minha filha unigênita
Tornaste-me
Espiritado esdrúxulo;
Geraste
Minha cosmogonia.
Murilograma a Ungaretti
Conhecer os limites da linguagem
Afrontando as palavras travestidas.
*
Álacre. Fogo interno, não fogo-fátuo
Elétrico, nutre-lhe o silêncio-grito.
A um engenho eletrônico
Entregar o osso de um texto
Que resultará noutro texto
Cifrado:
O do engenho eletrônico?
FORSE GLI AUTOMI
HANNO RAGIONE
Montale.
*
Que é finalmente o poema:
Palavra ou frase?
Sem frase levanta-se palavra?
*
O poeta planifica
O texto de linhas retas
Não o que o texto quer.
O texto não-total
Será mesmo divisão:
Unidade aristotélica
Só funciona no tratado,
Na matéria do homem não.
O homem
Hoje
Não --------------------------
128
Texto de consulta
1
A página branca indicará o discurso
Ou a supressão do discurso?
2
O texto deriva do operador do texto
Ou da coletividade – texto?
O texto é manipulado
Pelo operador (ótico)
Pelo operador (cirurgião)
Ou pelo ótico-cirurgião?
O texto é dado
Ou dador?
O texto é objeto concreto
Abstrato
Ou concretoabstrato?
Sofre o operador:
O tipógrafo trunca o texto.
Melhor mandar à oficina
O texto já truncado.
3
O texto é o micromenabó do poeta
Ou o poeta o macromenabó do texto?
4
A palavra nasce-me
fere-me
mata-me
129
coisa-me
ressuscita-me
5
Serviremos a metáfora?
Arquivaremos a?
Metáfora:instrumento máximo;
CASSIRER
A própria linguagem do homem
ORTEGA Y GASSET
Invenção / translação.
6
A palavra cria o real?
O real cria a palavra?
Mais difícil de aferrar:
Realidade ou alucinação?
Ou será a realidade
Um conjunto de alucinações?
7
Existe um texto regional / nacional
Ou todo texto é universal?
Que relação do texto
Com os dedos? Com os textos alheios?
8
Morrer: perder o texto
Perder a palavra / o discurso
9
Juízo final do texto:
Serei julgado pela palavra
Do dador da palavra / do sopro / da chama.
130
O texto-coisa me espia
Com o olho de outrem.
O juízo final
Começa em mim
Nos lindes da
Minha palavra.
Aqui conversei
Ismael Nery
Mestre / malungo máximo
Entre canto gregoriano e jazz.
Aqui aprendi
Presto a ser
Espiritualmente semita
Alimentei-me de Índia.
Daqui vi crescer
A novíssima Israel:
Karl Marx / Freud / Einstein.
*
À beira desta baía
Largoespacial
Desamei / amei
Deslouvei / louvei
Cedo desarmei-me.
Senti crescer-me
131
Comunicante
O duplo fogo eternofísico
Pai de todos e meu.
*
Do cume desta colina
Contorno o BR acelerado
retardado
extrovertido
coisificado
Nietzsche
Sou grato a Nietzsche por certas palavras: “o espírito que dança”; a criação de valores”;
“tudo o que não me faz morrer torna-me mais forte”; “o poder oculto da alma”; “no homem
acham-se reunidos a criatura e criador”.
Sou in-grato a Nietzsche pelo seu culto extremo da força, do mandarinato; pela sua
incompreensão do cristianismo.
Renovar sua didascália sobre o espírito grego como ponto de partida da cultura, e sobre o
espírito israelita como organizador da ação. Desnazificar Nietzsche. Desprussianizá-lo.
... Levantar uma Alemanha onde figure entre os elementos da composição o melhor de
Nietzsche lúcido sem espada: na claridade mediterrânea.
OUTROS TEXTOS
Por causa de teu cônjuge cativo, por causa de teu protegido cativo,
Tua ira tornou-se grande,
teu coração não se tranquilizou.
A rainha, a forte,
que rege sobre a assembleia de en,
aceitou a prece o sacrifício.
O coração de Inana, Senhora do Destino, voltou a seu lugar.
– Ilíada – Homero (entre o final do século VIII a.C e início do século VII a.C.)
Canto I
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
– Odisseia – Homero (entre o final do século VIII a.C e início do século VII a.C.)
Canto I
Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
Insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
O Sol – e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.