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VALERIA ALVES ESTEVES LIMA Programa de Pés-Graduagie em Historia da arte e da Cultura | ae wy pal i . & ACAPDEMTA IMPERIAL DAS BELAS—ARTES: UM PROJETO POLITICO PARA AS ARTES NO BRASIL bec omurplay camesporee Lie, 2 onperecln cs fete aren 361A Dicsertasho de Nestrade apresentada ao Departamento de Histeria do Instituto de Filesofia # Cuencias Humal da Universigade Estadual de Campinas, seb a orientagao de Pref. De. Luiz ©. Mardues Filho. Dezembro 1994 Agradecimentos Neste momento, @ natural que muitas sejam as lembrangas © pouca 2 capacidade de ordenaé-las fieimente. Mesmo assim, algumas delas emargem de imediato, pela cumplicidade que possuem cu possufram com este trabalho. Assim, agredeco & minhe familie - pais © irmis = peio apoio emocional e solicitude; & Sidnei e Matneus, pela paciéncia dos oltimas heses © aos mous colegas @ amigos de curss, especialmente F&tima Couto # Suzana Moreira, pelo contato ao longo de todos estes ance. Pedice um agradecinento especial a Marcos Tognon, colega = amigo que, com toda a paciéncia, acompanhou © assessorou minha aventura diante da informatica. 6 Prof tuiz Marques, meu orientador, devo a idéia original de uma ampla pesquisa que, pouce e pouco, assumiria s forma do trabalho que ora apresento. & Profé Maria Cecilia Franga Lourange # ao Prot. Teixeira Leite, examinadores de meu Projete de Gualiticacse, auradeso as carinhosas observaghes © sugesties. Pelo apoio financeiro e pela cantiange demonstrada, agradegc ao Centro Nacional de Pesquisa Cientitica (CNPq) © a Fundaskc de Amparo & Pesquisa da Estado de Sa Paulo (FAPESF). Hedice este trabalho & memoria de meu pai- sestant que Ja puissance sera seule d'un coté; Jes iumiéres et la sagesse seules dun autre, les savants penseront rarement de grandes choses, — les princes en feront plus rarement de belles, et des peuples continueront @etre vils, corrompus et malheureux. (Jed-Roussees, 1971, 2.89) Sumario Introdugio. see ee ee ee ee eV EOVEL Capitulo 1 1.i 8 vinda da Missa Artistica Francesa @ a problesStica da criagao da feademia Imperial das Belas-Artes. . . 2... 1b A.B Legislagto. © = 2 2 ee ee ORE Capitulo 2 2.1 Orte academic alqumas consideraghes. - 2. . 4% 2.2 8 Reademia Francesa: modela para g Brasil. . . 58 Capitule S: Os portuqueses na diregso da Academia. - Capitule 4: je franceses de volte. . 2 6 2 1 7 ee 148 Gapitule S: 0 prameire brasileire na diregs Manuel de Gratin Porte-alegre. . . . . . 164 COnclus8o. 2 ee ee BRO Nao possuimos mais um corpo estdvel como # Academia... (Emile Zola, 1866) Durante muito tempo, o interesse pelo estudo da arte academics © da historia das academias de arte foi negligenciada par uma critica que se moetrou incapaz de compreender a sua importancia, sobretude quando se trata de encarar a questao durante o sécule XIX. & afirmagto de novas correntes artisticas, que traduziam opgtes esteticas alternativas a tradicional postura —académica, joi determinants para fortuna critica imposigho de ums extremamente rigida com relagio A esta arte, fundamentada no processo de evidente decadéncia das instituicbes academicas a partir do tinal do século XVITI. Em paraielo, as academias suropHias ensaiam um “canto do cisne” ao tornarem-se modelos de instituigties oreanizadas no Novo Munde. @ despeito de qualquer juigamento de valor que ine possa wer atripuido, © fendmeno das academias possui, no entanto, uma ineesvel importancia fistérica. Nao se pode menosprezar 2 sua estabilidade © a quanto esta caracteristica foi capaz de manter a maioria desta Agademias, mesmo em tempas de crise. En meio a tantas madif. bes ono cenarin artistic, desencadead: principalmente « partir do seculn XIX, elas continuavam senda a “corpo estével", as guardias da Moral e a IL G1tima esperanga de um controle, ainda que apenas aparente, da atividade artistica. E com o peso desta tradig%o que as academias organizadas na Europa se tornam modelos para instituigdes congéneres criadas nas colénias americanas a partir de 1785, ano da tundagko de Academia de S80 Carlos na cidade do México. Depois dela, uma série de academias se estabeleceu nos novos paises da América, usually as a part uf a programe of refora, to foster 2 newly independent country's intellectual ané artistic lafe.* No apenas a estrutura desta novas organizactes vinha da Europa, como tambem seus principais protessores diretores. Esta importasia "em massa” nto foi suficiente, porém, para dar 2 estas inetituictes a desejada uniformidade ©, tampouco, para garantir # eficscia do modelc académico europeu. 02 resultados foram significativamente distintos, situasas que comproyva 3 necassidade de un equiliprio indispensavel entre o orau de amadurecimenta de uma determinada scciedads ¢ as anstituigtes que ela @ capaz de abrigar @ cultivar. No caso das acadepias americanas, pode-se dizer que a idéia mesma de sua criagao j& estava defasada em relagio ao desenvolvimento das artes na Europa. Em siguns casos, a criagie destas academias dou-se em paralelo & afirmagae de novos conceitos © adéias articticas, igualmente® trazidas de ropa. A. ABES, org.s 1989, p.27. debilidade do modelo scadémico, @ imaturidade artistica © intelectual de grande parte da sociedade americana e@ as especificidades locais constituem as principais causas das dificuldades enfrentades pelas academies criadas em nosso continente. D episodic daz academias latino-americanas coloca em evidencia s questae da recepe%o social da arte. Em seu estudo sobre © piblico dos museus de arte europeus, Pierre Bourdieu @ Alain Darbel? afirmam que Ja richesse de la reception (...) depend avant tout de ie cospétence du récepteur, <'est-i-dire du degre auguel il aaftrise Je code du sessaye.? Esta “competencia” depende, por sua vez, do aresto informagite permitide « determinado receptor: educag¥o escolar, formag#o familiar e contate com um desejado capital culfurel national sariam, portanta, as candigbes para um dia@logo entre o publico © a obra de arte. Da mesma forma, estas condisbes criam as diferencas entre capacidade de recepgto da arte nas diversas sociedsdes. Pode-se certamente afirmar que a fruagito de uma obra de arte nads tem a ver com o conheciments espectfice de seus cédigos de representacto ou das intenctes Se quem a executou. Sem dtvida, 9 prazer que se deve naturalmente esperar da observagde de trabalhos artisticos fae possui uma yrelas&o intrinseca @ condicionante con © 2, BOWRDIEW © Darbe!, 1989. 3. Whigs, p.7h Ww dominio de sua linguagem, sux compreensaa sera tanto maior, em aiguns trabalhos mais do que em outros, quanto mais elementos de analise possuir o espectador. Desta forma, nas. sociedades amsricanas, os modelos impiantados @ copiados nas acavemias de arte possutam o sério inconveniente de ser, na grande maicria, desconhecidns do pliblice. Alem disso, pratica acad@mica da copia de modelos antigos inibia ano.* elaboragio de respostas especificas ac contexto ame aa ademia Imperial das Belas-Artes, fundada na Rio de Janeiro em 1824, deve ser iquaimente interpretads como parte deste fenéneno que introduziu a tradigse academica européia na America, As especificidades de cada pais, no entanto provecaram diferentes formas de receps&o aos modelos aqui implantadoe. No Brasil, a idéia de uma academia de artes surge no momento em que, recém-estabelecida no Brasil, a Monarquie portuguesa busca condishes para adaptar antiga colénaa © transfermi-ia em sede do governo lusitanc. As negociecbes para a sua fundagto definitive evolufram paralelamente & transformagée politica do pais, que o elevou primeiro 4 categoria de Reino Unide e, depois, A posigio de Nacde antepencents. Pade-se mesmo afirmar que a criagto da Academia dependuu diretamente da evalugio destas mudangas, sé ccorrende efetivamente depois que o sistema politica permitiu 4, ADES, orgs, 198%, 9.30. ao pais uma certe estebilidade. 4 naturezs politica de projeto da Academia colecou-a, portanto, dentre do processo maior vivido pelo pais no inieio do sécule XIX © que consistia em inserir o Brasil no contexto internacional, mio mais como uma promigsora colonia, mas coma Nagao independente. Para tanto, era necessério estimilar a6 atividades econdmicas no pais, condig&o sine qua non para a sua ocidentelizagao. Dai em diante, imagem do Brasil deveria progressivamente se transformar, substituinso 0 conceite exético que até entas traduzira co pats para os HAPODEUS, PELs nosso de um pais com potencial para uw rapido desenvolvimento. & vinda da corte portuguesa para o Brasil atraira ue grande nimero de estrangeiros, aqui chegades com aS mais diversas intengbes. Esta aflu@ncia de estrangeires foi fundament pars este processo de intraducXo do pais no eenario mundial, tendo se verificado neste periode un rapide desenvolvamente econtmice «© cultural. Neste contexto, a criag#o de uma Academia de artes, responsével também pelo ensing de alguns oficios. adqiliria uma importancia maior 3 Rivel politico do que prop jamente artistico. Mesmo assim, Aan deixvou de porsuir uma historia interna rica em elementos que marcariam definitivamente os rumos da arte no Brasil. Em linhas gerais, este trabalho possui o duplo objetivo de colecar nevamente em quest&o © problema da natureza do vr prejeto de uma academia de artes no Brasil © tragar um panorama das primeiras décadas de funcionamento desta instituigo. 0 periode analisado, de 1816 4 1857, termina com 8 demi 0 de Manuel de Araujo Porto-alegre, entao diretor da Academia desde 1854. A gest&o de Perto-alegre foi escolhida como ponto final deste estude por varias raztes: Porto-aieore foi o primeiro diretor brasileiro da Academia , responsavel eformas reslizadas em seus statute: por uma das maiores havia sido disctpulo de Debret, com quem viatou para a Europa en 1951; ao retornar, em 1836, trazia na bagagem un prefunic conhecimonto da estrutura academics européia: foi, portanto © primeira filho da Academia a assumir condugse de um estabelecimente que ainda estave em processo de formacac, procurande s# adaptar As necessidades @ especificidades da realidade brasileira. O Capitulo 1 apresenta s quest%> da vinda da Hissdo artistica F ceca para o Brasil e situa a problematica da origen da Academia brasileira. As raztes da vinds da colenia francesa, seus primeirox anos no Brasil, = adaptac¥o do projeto francés para a Academia, as implicagtes politicas da sua criacko @ alguns aspectos de sua historia até o ano de 4820 resumen G conteddo da primeira parte deste Capitulo. Na parte seguinte, esto relacionades © comentados alguns dos documentos iegais referentes 4 dcademia das Belas~Artes do Rio de Janeire, desde o decreto que reguiamentou a chegada © enprego dos mestres franceses, até aquele que concedeu # demissto a Porte-alegre. No Capitulo 2 est#o apresentades, de forma sucinta algumas quest¥es sabre a arte acedémica e sua fortuna critica, bem como um resumo da histérie da Academia francesa Estas informagbez permitem vislumbrar alguns pontos diretos de contato entre # instituisac francesa e a Academia criada no Rio de Janeiro. ds Capi tule: seguintes tratan # histéris da instituigao entre 1820, inicio da diretoria de Henrique Jesé da Silva, © 1887, fim da gest#e de Porto-glegre. Neste intervalo, a Beademia teve outros dois diretores: Felix Emi je Taunay, de 483 9 1851, © Job Justing de Aleantara, diretor interino entre 1954 1954, Estes Capituloz apresentam dadox reterentes ac funcionamento regular da Academia, bem come Fatos que marcarem a gua trajetérie nestes quase quarenta anos, For fim, no Apéndica atte ceproduzides trabalhos de alguns professores @ alunos de Academia. Esta pequena seleg&o pretende apenas dar uma idgia das opstes te = das técnicas empregadas pelas primeiras geraytes de académicos. Cap.1: A Propésito de uma Academia de Artes no Brasil 1.1 A Miss%o @rtistica Francesa e a criagdo da Academia Imperial das Belas Artes fo longo de sua histéria, abstraindo~se as especificidades de cada contexto, as academias de arte apresentaram problemas e@ dificuldades muito semelhantes. Falta de recursos financeiros, entraves burocraticos querelas politicas, tontrovérsias esteticas e outros obstaculos impuseram 0 ritmo da orgenizagto © do desenvolvimento de muitas delas.! 4 criagte da Academia brasileira no escapou a esta regra geral. No case brasileiro, @ tais dificuldades acrescentaram-se impedimentos de outras ordens: a falta de uma tradigto estetica que justificasse a iniciativa de organizar uma academia de artes no pais @ a auséncia de condigtes sécicculturais que garanticsem a eficacia dos programas adotados pele nova instituisdo.? Estas questtes refletiram-se no processo mesmo de sua idealizagto e no debate que se instalou ac seu redor. Determinar quem teriam sido os verdadeiros responsaveis pela iniciativa, identificar os propesitos de tal empreendimento, 4, Sobre a historia das acadenias de arte & fundamental c trabalbo de PEVENER, 1982. Entre os extudos fais espectficos, BOTNE, 1986; LAURENT, 1987; BEDAT, 1974 e KISSIPINI. 1828. 2, Sobre a acadenia brasileira, MORALES DE LOS RIOS FILWD, 1942; GALVRO, 1954 e TAUNAY, 1988, bem como a papel que desempenharia junto A sociedace brasileira de epoca, so reflexes que remetem, de uma forma pu de outra, para a situag’o do contexte politico, econémica © cultural de Brasil que recebeu a Miss’o @rtistica Francesa no ano de 1816. Desde a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1908, algumas transformaghes inevitaveis alteraram o panorama da maior colénia lusitana. Parece inegavel, a julgar por uma grande parte de literatura sebre a transmigrasio da corte portuguesa, que j& circulava na metropole a intengko de transferir s sede da Monarquia @, desta forma, fortelecer a posicto de Fertugal no velho continente. Aéntes mesmo da entrada das tropas napoleénicas ee Portugal, pertanto, j& estaria o governo idealizandn uma seica para a fragil @ estacionaria situagao em que se encontrava. Desta forma. em novembre de 160? sala de Lichos ume eequadra tranportando aproximadamente quinze mil pessoas. Além da Familia Real, atravessaram @ Oceano Ministros, aulicos, funciondrins pobiices, clero, nobreza e povs, con alfaias @ eobilisrio diverso, saterial das repartighes plblicas, ua arquivs, oma biblioteca, usa ipopratia encaixotadz, todos os valores piblicos e privaies.? De colania, o Brasil passava 2 sede da Monarquia, evoluinde mais tarde, em las, & categoria de Reino Unido. 0 célebre episédic da abertura dos ao Brasil um progresso indiscutivel, tanto a portos tra. nivel econdmico como social, A afluencia de estrangeiros € de 53. MORTON, 2958, p41. predutos impertados transformou os habitos da populasao despertando nela o gosto pelo conferto © pelas suntuosidades de uma vida sotial inspirada nas cortes européias. Ao contrario destas, porém, n3o podemas dizer que a sociedade brasileira tenha demostrado um interesse e um pendor generalizados pelas artes © ciéncias. A maior parte das investigasties cientificas desenvolvidas em nosso territério a partir da instalagto da corte deve-se a estrangeiros, pesquisadores interessados na diversidade natural e étnica de nossa terra, Da mesma forma, vinham de fora as idéias filosoficas © revolucionarias que agitavam as coldnias americanas. No Brasil, @ partir da metade do século XVIII. tornara-se cada vez mais forte a presenca francesa responsavel pela divulgasdo das idéias des grandes tedricos Ga Liustracdo. Representantes das camadas mais favorecidas da scciedade colonial, indo estudar em Coimbra, traziam da Europa uma outra visto das coisas @ tornavam-se transmissores em potencial das idéias entXo em vega no Velho Mundo. Alguns anos depois da chegada da corte portuguese eram visiveis os sinais de mudanga, sobretudo na capital. 0 estabelecimento de instituighes burecraticas, o incentive & atividade de pesquisadores © a adaptagao do ambiente a ums populagio que crescia @ se diversificava rapidamente sto algunas evidencias de que © Brasil assumia progressivamente uma nova face. As iniciativas do monarca portugues, questionaveis algumas, louvaveis outras, devem ser analisadas dentro de um contexto maior do que o da transferéncia da corte, acontecimento fundamental mas na unico de processo de emancipagto da antiga colonia. A Vinda da colénia de artistas franceses @ a instalacto de uma escola dedicada ao engine das artes e oficios fazem parte deste movimento de adaptag%o colonial aos imperativos de uma cosmopelizagso que se mostrava inevitavel. Nao for um processo facil, coma bem o sabemos. A polémica sobre a vinda destes artistas ocupou, por muito tempo, os debates e estudes sobre o assunte. Saber qual a naturezs da célebre Missto @rtistica Francesa, liderada por Joachim Le Breton © composta de artistas © mestres de oficios franceses, torneu-se uma das maiores obsesstes dos estudiosos do tema. Uma primeira hipétese, defendida por aqueles que véem neste momenta o inicio efetive do desenvolvimenta artistico do pais, @ a de que estes artistas © mestres foram convidados por D.Jodo VI, atraves de seus representantes em Fortugal © na Franga, para vir ao Brasil © aqui organizar uma instituigto de ensino artistico nas moldes da Academie Royale de Paris. Os artistas selecionades encontravam-se, segundo os partidérios desta verexo, entre os mais destacades membros da academia francesa, trazendo na bagages diversas premiasies obtidas nos concurses promovides pela Académie. OG fato de terem cbtide premiagio em — concursos sign ificava, evidentemente, um ponte a seu favor. Dentro da estrutura acad@mica, os concurses tinham a tripla fungac de reconhecer os artistas mais talentosos, colocé-los em maior evidencia diante da sociedade e confirmar tendéncias muitas vezes j& definidas dentro da instituigda.* Depoimentos de viajantes estrangeiros e de pessoas ligadas acs artistas membros da Miss&e corroboram a idéia de que eles haviam sido convidados pelo governo portugués, &m geral, esta foi a vers#o mais divulgada e repetida pelos autores que, de uma forma ou de outra, tiveram que abordar 5 assunte. Quatremére de Quincy, figura chave dentro do cen4rio academicn frances entre of séculos XVIII @ XIX, afirmave que 0 novo governo do Brasil ali deseieva introdueir o gosto de una rove cubture, a das artes da initacto, e oferecia ans artistas parisienees 0 uplo chenarie 43 fortuna © das honrarias.® Um dos argumentos empregados em defesa desta opiniso @ a afirmagte de que alguns dos integrantes da Miss¥e teria tendo recusado uma proposta para trabalhar na Russia “preferide" partir para o Brasil. Desta forma, a vinda da Missao teria sido um empreendimento oficial, ficanda o governa responsavel pela acomodagto © sustents de seus inteorantes e, obviamente, pela liberag&o de recursos para a consolidagée do projeto a ser desenvoivido. Uma segunda opinito formada a respeito da natureza da Misetio Artistica Francesa & 2 de que se tratava, na realidade, de uma empresa oferecida ao Monarca pelos artistes 4, RUNEHEC, 1963) FONTAINE, 1914, 5. PEDROSA, 1955, p.26, fronceses, através da figura de seu lider, Le Breton. Entre bs argumentos apresentados pelos defensores deste versio esta a evidencia de que os membros da Miss#o eram, em sua maioria, bonapartistas banides de seu pais depois da queda de Napoleso 2 da Restaurag’o dos Bourbon, @ de que nao se tratava, de fato, de artistas de “primeira linha" isto @, tio consagrados como queriam fazer crer os partidaries de uma Missde convidada. @lém distc, por que teria o Monarca portugues buscado na Franca, responsavel pela vergonhosa fuga ga Familia Real e@ de toda a corte portuguesa pare uma distante © selvagem colénia, os elementos fundadores do ensing oficial das artes no pais? Como se explicam, se de fato tratava-se dz uma iniciativa oficial, as interminaveis delongss no reconhecimento legal da instituic’o © na liberasSo de recursos financeiros imprescindiveis so inicio os tarefa para a qual foram chamados’? 0s argumentes apresentados por uma © outra versio merecem algumas observacbes. Sobre o convite para trabalhar na Russia, declinade en nome de uma maior "identificag&o" com @ proposta jusa, @ bastante esclarecedor o depoimento de Pierre Fontaine, membro da Academia francesa: ‘invitation, sans consequence, que le Grand Waréchel et quelques officiers de Jz Maison de I'Eapercur nous avaient fait de les suivre en Russie. [...]. Un assez grand noabre d'artistes distingués nous avaient chargé d'ottrir ieurs services 4 T°Eapersur, Sen avais parte av Grand Haréchaly wais o°aprés 1a réponse froide et insignifiante #e ce prince j'ai cru devoir les engager & quitter te projet d'aller au iain sans autres titres que ceur d'aventuriers, et je leur ai consoillt de ne pas s‘exposer zu ofpris... fal bja plusiers tanitles etfrayees de l'avenir ont pris le parti de s*expatrier. Gueiques artistes distingués voulant aussi quitter 1a France a‘avaient charge pendant le abjour de Ieapereur de Pussie a Paris do lui présenter leurs offres de service, st la denande de ie suivre dans ses ttats. Nayant pu, come je I’ai d8i8 dit, parvenir a ae trouver seul avec ce souverain, j'avais parlé & differents officiers de sa cour, au prince de Wotkonsky. Mais les réponses froides et aber huniliantes qui a'ont 6t& faites lorsque j'ai vante les talents des hommes qui denandaient 4 passer en Russie a'ont eternind 2 déteurner wes confréres du projet qu'ils avaient d'aller porter des lusieres chez un peuple barbare encore Sl y a cent ans et qui aprés trois annés de chances heureoses se croit au-dessus des autres. Ces artistes vont aller chercher fortune au Srésil, un anbassadeur du prince régent 2 Paris profitant de co que la Russie refuse les a engages. U&j3 la petite colonie se prépare & faire voile pour Je nouveau annde, puisse-t-etle y trouver 1a paix et le bonheur qui depuis longteaps ne se rescontrent plus dans celui-ci.# Este depoimento, apesar de alimentar o carater oficial da Missao, afasta um dos varios aspectos da versio romanceada @ idealizadora que se formou a respeits da vinda dos artistas teriam franceses para o Brasil, qual seja, o de que est “preferide" © convite portugués & solicitas#o russa. Pelas palavras de Fontaine, pademos bem verificar a necessidade destes artistas de sairen da Franga, oferecendo-se para trabalhar em terras distantes, @ &# verdadeire razto da desistencia do empreendimento russe. A ops%o de Portugal inde buscar one Franga 05 responssvein pela implantagte do engine das artes no Brasil Justifice-se, antes de tudo, porque na época das provaveis neqociagtes para a vinda dos artistas, @ paz entre as duas nagGes j4 havie sido restaurada. Em segundo lugar, tratava-se de uma quest#¥o de falta de potencial interno para o empreendimento, aliada ao recanhecimento da Franga como destacado polo cultural @ artistico da Europa no inicio da século XIX. Por sua vez, os problemas relatives a& falta de 4. FONTAINE, 1987. recursos financeiros, seja para o transporte e acomadacio dos integrantes de colonia e seus familiares, seja para o inicio efetivo de suas atividades no pais, nao foram privilégio apenas da academia brasileira. A dificuldade de obtengao de verbas, assim como a demora e confust#o na elaboragio dos dispositivas legais referentes ao seu reconhecimente e@ organizaguo afetaram o nascimento da maioria das academias em todo o mundo.” Ataques © defesas A parte, o que parece curioso em toda esta polémica € 0 fate de que, ac redor de cada uma das verstes constituiu-se un grupo que apresenta posturas essencialmente diferentes no que se refere ac papel da Missito @rtistica Francesa e do ensine por ela ministrado. Defender ou atacar © sau caréter oficial @, também, com algumas excecties, defender ou atacar a importancia da aplicagko de principios artisticos franceses no contexto brasileiro. Assim, os defengorws da coltnia convidada 6a, ma orande maieria, partidgrics da opiniao de que a arte no Brasil carecia, ate ent&o, de elementos realmente formativos, de exemplos que pudesses impulsionar a capacidade criativa so pove brasileiro ©, desta forma, elevar o padr&o séciccultural do pate. A partir deste enfoque, tudo a que havia side feito neste campa ne Brasil nko teria passado de experiéncias limitadas @ peseoais, sem que 0s verdadeiros valores da ar 7. Sobre estas quesites, ver bibliogratia citada na nota 1 deste capitulo. tivessem sido alcengados. A acto dos franceses teria trazido, entao, um desenvolvimente substancial © ordenado da atividade artistica, conforme os moldes da instituigao congénere mais reconhecida da &pota: = Académie Rayalr de Paris. Assim, pare citar apenas alguns dos tradicionais estudiosus do assunto, Morales de los Rios FO enumera, entre os beneficios da agso francesa no campo das artes, = substituicto do ensino empirico © auto-didata por uma orientagic pedagogica, a coneolidac¥o dos ineais neoclassicos em arquitetura, a utilizagio de novas téenicss © procedimentos em pintura, o emprego de regras académicas em escultura (equilibrio, bos anatomia, verossimilhanga, perfeigso de detalhes) oe 3 implantagao da gravura de medalhas. Afonso Taunay, por sua vez, lamenta 9 estade de consciéncia artistica e intelectual da Corte: Conpreende-se bes que, ex tal seio nfo podesse aedrar a Arte, noaa cidade como gue a antipodat do mundo civilizado, separade dz Curopa por aeses de navegas20, estabelorida waa regio senideserta © cantando, entre 2 Suz populas20 escassa de JO il alas, dezenes de nilhares de atricancs.€, alée e tudo o resto, a parte trance, jazia en geral na ignorincia @ no desaprego $s artes.® Com relagto as experiencias anteriores, — mais. papeciticamente sobre os trabalhos da Escola Fluminense, Taunay atribui apenas um valor hist6rico e, nae, intrinseco. Desta forma, a atividade artistica no pais s6 foi efetivamente iniciada com a vinda @ ainstalasto ds Missac Artistica Francesa. 8, TaUMAY, 1983. 0 Parecer também tavoravel & ag&o francesa e o de Maric Harata. Segundo ele, a isso contribuira para interromper uma arte arcaizante, paralisada, espelho do imobilisma do sistema lusn-colonial. Ao contraric de Taunay, no entante, esclarece que a Academia criada pelos franceses nao foi a primeira iniciativa de ensino artistico no pais. fulas de desennho j& vinham sendo ministradas no Rio de Janeiro desde o século XVIT © a Aula Publica de Desenho e Figura, criada em 20 de novembra de 1800 @ entregue ao tluminense Manuel Dias de Oliveira, constitule-se como a primeira iniciativa oficial de ensine das belas artes. Sobre 2 crigem da Miss&o Francesa, acredita que a iniciativa da empresa coube, de fate, a Le Breton. No entants, os contatos mantidos com membros do governo portugues em Faris comprovan que a face’o luso-brasileira tinha interesses na vinda des artistas e, por isso, acabou por viabiliza-la. Sem entrar no mérito da natureza oficial ou mac da Missto Artistica Francesa, Alexandre EulAlio! reconhece na sua vinda uma das medidas tomadas em prol do desenvolvimento artistico do pais. Esta iniciativa, assim como a criagto da Aule Publica de Desenno © Pintura, em 1800, demonstravan @ preccupagto dx administrag%o portuguesa com © florescer cultural da colonia, ainda que controlada por um certo cautelose 9. BARATA, 1966. 10, cms, 1984, a espirito de inovasio. * Para aqueles que veem a Miss8o Artistica como um oferecimento unilateral dos mestres franceses, os elementos & prineipios por eles introduzidos foram extremamente negativos © castradores das iniciativas nacionais. Assim, a partir de 1816, com a chegada da colénia francesa, # de i826, com o infcao efetivo das atividades na Academia, os talentos artisticos lecais teriam sofride a deslesl concorrencia dos eetrangeiros, alam de serem obrigadas a se submeter as novas regras no mundo das artes @ oficios. Este “corpo estranhs seria, portante, o respons4vel pela ruptura do processo de evolug’s natural da arte brasileira. £ exatamente este o termo empregads por Jos@ Roberto Teixeira Leite © Carlos Lemos para designer a Misste Artistica Francesat...corpo estrnho introdveide op cerne du arte brasileira.#? Sequnde estes autores, as vantagens atribuidas & Missao - movimentar © ambiente artiatics brasileiro, decadente @ estagnados; substituir o empirisme tipico da arte brasileira por uma postura metodolégica @ pedagbgica, entre outras - nae encontram respaldo na realidade da época. Para eles, ne momento da chegada dos franceses, as artes @ 4 arquitetura brasileiras n&o estavan ectagnadas. Por outro lado, @ postura pedagagica imposta pela Missto afastou a espontaneidade dos artistas nacionaic. A, GUNNA, 1984, pallT. 12, LEITE & Leaos, 1979. aw Quirine Campofiorite 6 ainda mais entético quando condena a agSo francesa na campo das artes brasileires no século XIX. Nao s6 destaca que oc pais necessitava principalmente de artifices © no de artistas, como identifica alguns aspectos negatives da intredugio do ensino artistico pelos mestres estrangeiros: submissto @ postulados acad@micos j& reprimidos na propria Europa, academisno retrégrado, capricho de mestres franceses, ciriosidade artintica alheia A — tematica brasileira, etc. meio a tantes juigamentas, assistiu-se A definicta de uma outra linha de pensamenta que relativiza as afirmagbes feitas ate entao, atribuinds ac episédio da Miss%o Francesa uma terceira naturez, : ade uma empresa que conto. com a cumplicidade das duas partes interessadas. 0 depoimento de Mario Pedrosa ilustre com clareza esta posig’e conciliateria: ‘sses artistes sip chogarae aqui exwvidados foraalaente pelo Soverne de Suz Ragestate, Wierae por conta pripris, precipitadas pelos acontecizentos politicos que os envolyeran, con a coaplactneie neutrel de eabaiaads de Faris. Ho eras intrusos, entretanto, Havie no ar a ibis de constituir por zczi usa coltnia de personalidades eainentes, artistas, engenbeiros, etc, pars ajudar no desenvolviaento industrial e cultural do novo pals. 0 ‘Stverno foi avisedo da vinds détes.!® Esta interpretacso remste para um outro aspecto fundamental dentre de quadre da fundagto de uma academia de artes no Brasil: o papel da Monarquia iusitana no que se refere a um prajeto de desenvelvimento para o pais, As medidas tomadas pela Monarca portugues desde que aqui chegou 1S, PEDROS, 1995, 9.50. Neste trabatho, 0 autor faz ua importante ievantarento das teses sobre taturera da Hiseke Artistica Francesa, B constitutram um conjunto de medidas necessaries ao equaliorac: da prépria metrépole # que foram, pouco @ poueo, detinindo Movas eStruturas para a coiunaa. iodavia, @ carater mais ou menos aleatorio das dasposigtes tomadas pela Monarca desde a sua chegada em 1808 n&o permitiu que se realizasse efetiva & solidamente o desenvolvimento industrial e cultural do pais. A iniciativa da criagdo de uma escola de artes © oficios, seja qual for a naturezs de sua crigem, coloce em evidéncia o contraste entre as ideias © eunerifncias dos artistas encarregados da sua craanizag#o e o contexto historico do Brasil naquela epoca, submetido as orientagtes de uma monarquia fragilizada politicamente pele sua situacao no panorama internacional, que se esforgava para estabelecer na nova sede as condigves minimas necess&rias para a sua acomodacia. A criagée da Escola Real das Ciencias, Artes © Oficios, primeiro dos varios momes recebidos pela instituic&o, em 1Z de agosto de 1816, deve ser entendida coma uma das tentativas de monarquia lusitana de se instalar adequadamente na colonia. Fica evidente, portanto, que nia ee tratou apenas de uma medida deliberada do Governo para elevar o nivel sécio-cultural de pais e, sim, come bem sinteti Jordio de Oliveira: 4“ Foi, assia, aais para atender a un inperativo condicionado aos bibitos da Corte, do que proprianente para inediata beneticiagio éa sede eventual do reinads, que D.doa. Yl, por inspiragto de ua hesen refinato, seu ainistro, D.Anthnio de fraujo, depois Conde da Barca, aandou vir a aissto dos artistas francéses que, en 1816, deverian langar 05 fundatentcs do ensino artistico entre nds.3* Se intenc®ies politicas, © n&o propriamente culturais, propiciaram a vinda dos artistas franceses © a iniciativa de fundasto da Academia, o sucesso de seu estabelecimento dependeria, por sua vez, do amadurecimento de uma prepasta politica pars o pais. Desta forma, seria necessario esperar pela solucés, ainda que paliativa, de alguns problemas enfrentados pela Colonia recem transtormada em Reino Unide. Seria mesmo ingenuo pensar que, diante de tantos atropelos politicos, a Monarquia lusitana tivesse condistes de envidar os esforcos netessarios 4 criago © organizagto de uma academia destinads ap ensino das artes. Neste sentide @ que se pode pensar no ato de fundasi#o de Escola Real das Ciéncias, Artes © Oficies enquants estratégia de aute-convencimenta da Monarquia no que se refere A execugtio de um projeto de desenvolvimento cultural, sem, ne entanto, demonstrar um empenho real na organizag’o e funcionamento desta Escol. Todas estas consideraghes tornam-se ainda mais evidentes quando ge tem eo vista outros exemplos de empreendimentos semelhantes. Na maicria destes casos, a criagto de uma academia de belas-artes deu~se em um contexto cujo nivel 14, OLIVEERA, 1962, 9.22. 8 sociocultural permitia reconhecer a importancis de tal empreendimento, apesar das condigbes politicas e@ materiais adversas que estas instituigées porventura viessem a enfrentar. Sm nosso pais, nao havendo uma trejetéria anterior que 2 justificasse, a academia brasileira parecia nascer do nada, anstalande-se como um alienigena dentro de uma sociedade que demonstrou uma certa estranheza e dificuldade para compreend®la. A maioria das academias européias tinha come objetivo influir, de uma forma ou de outra, nas nondigtes de vida e trabalho dos artistas. 0 termo academia aplicou-se, ao lengo da historia, a varios tipos de associactes: agremiagbes cujo abjetive era o debate de temas artisticas, instituigtes de defesa dos direitos dos artistas © de suas condictes de vida, nicleos de educagto artistica, entre outros. Em todas elas, porém, identificames uma relasse con a tradig#o de cada locel no campo das artes. Assim sempre ser’ possivel contextualiza-las © compreender sua razéo de ser. Ora, no Brasil os acontecimentos n&o parecem ter sido t&o claros. A comesar pela problematica vinda © instalagto da Miss%o Artistica Francesa, passando pela indisposigao de muitos portugueses com relagdo aos artistas recém chegados, © que parecia ser mais questionavel era justamente, @ objetive da academia: organizar e ministrar o ensino das belas artes. @s principais criticas colocan em questto o valar do ensing artistics em um pais que mal possuia oS fundamentos bésicos de sus organizagao

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