Você está na página 1de 450

MARCELA TALAVUS

QUENTE
COMO O
INFERNO
2ª EDIÇÃO, 2021
Copyright © 2020 by Marcela Talavus
ILUSTRAÇÃO DE CAPA:
Carmel Louise
ILUSTRAÇÃO PÁGINA 05:
Ingrid de Castro
REVISÃO:
Arla Campos
Isabella Lazaroni
Nathalia Brandão
Andréa Santos
DIAGRAMAÇÃO:
Nathalia Brandão

[2021]
Todos os direitos reservados à
MARCELA TALAVUS || @babyboonn
QUENTE COMO O INFERNO
2ª EDIÇÃO, EDITORA EUPHORIA, 2020
CNPJ: 39.317.627/0001-06
Contato: editoraeuphoria@gmail.com
Site: www.editoraeuphoria.com.br
Rio de Janeiro — RJ

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Talavus, Marcela
Quente como o inferno / Marcela Talavus;
[ilustração Gabriela Paraizo, Ingrid de Castro]. -1.
ed. -- Rio de Janeiro : Editora Euphoria, 2020.
ISBN 978-65-992796-1-4
1. Erotismo 2. Ficção 3. LGBT - Siglas 4. Lúcifer I.
Paraizo, Gabriela. II. Castro, Ingrid de. III. Título.

20-52837 CDD-
B869.3
Sumário
Copyright
Inferno 9
Purgatório 17
Trevas 28
Abismo 39
Tártaro 50
Martírio 60
Tormento 69
Fogo 79
Lamúria 89
Caligem 99
Brumo 112
Pélago 124
Suplício 137
Declínio 148
Alarido 158
Chinfrim 171
Limbo 191
Profundas 205
Balbúrdia.....................................................
.............................220
Paraíso........................................................
..............................233
Julgamento
Final.............................................................
........259
LÚCIFER
“Os reinos de dia e de noite, dois mundos
diferentes, vindos de duas extremidades opostas;
aquela foi a primeira fissura nas colunas. Ele também
era um tentador, o meu pecado não foi especificamente
isso ou aquilo, mas consistiu em ter apertado mãos
com o demônio. (...)
O Diabo me segurou com suas garras, o inimigo
estava atrás de mim.”
Demian, Hermann Hesse - 1919
Você conhece o inferno ou sequer imaginou como seria?
O Inferno descrito por Dantes está na forma de infundíbulo que
segue em direção ao centro da terra, onde Lúcifer está à espera. Em
cada círculo, são punidos pecados distintos, de acordo com seu grau
de gravidade:

Primeiro círculo, O Limbo: Os não purificados.


Segundo círculo, Vale dos Ventos: Luxuriados.
Terceiro círculo, Lago de Lama: Gulosos.
Quarto círculo, Colinas de Rocha: Pródigos e avarentos.
Quinto círculo, Rio Estigme: Acusadores.
Sexto círculo, Cemitério de Fogo: Hereges.
Sétimo círculo, Vale do Flegetonte: Violentos.
Oitavo círculo, Malebolge: Corruptos, hipócritas, ladrões,
semeadores da discórdia, falsários, maus conselheiros, sedutores,
aduladores e simoníacos.
Nono e último círculo, Lago Cocite: Os traidores.

As santas Escrituras nos falam que o Inferno é um lugar de


tormento, tenebroso, tortuoso, uma área exclusiva para os pecadores,
os quais não quiseram obedecer aos mandamentos vindos de Cristo.
O Tártaro é representado pela mitologia grega romana como um
calabouço repleto de sofrimento. Os domínios de Hades eram
decididos por níveis, assim como a maioria dos infernos. A diferença é
que, na mitologia grega, você sendo bom ou mau, de qualquer maneira
irá parar no Tártaro e pagará menos ou mais por seus pecados.
Tantas definições e palpites sobre o verdadeiro Inferno, Purgatório,
Trevas, Abismo, Tártaro, Martírio, Tormento, Fogo, Lamúria, Caligem,
Brumo, Pélago, Suplício, Declínio, Alarido, Chinfrim, Limbo, Profundas,
Balbúrdia: seja lá como queira chamá-lo. Podemos dizer que nenhum
está de fato correto, afinal o Inferno não é nada bom.
Já o Diabo é espetacular.
Mas acalme-se, não tema. Este não é um conto de terror.
O anel prata, de ônix negra, foi lançado para cima, flutuando em
movimentos giratórios e lentos para, então, transformar-se em uma
doce cereja, vermelha e brilhante, caindo, com uma sutileza quase
descabida sobre a boca de Caleb.
Aquilo soava extremamente tedioso.
Mastigou, lentamente, emitindo um suspiro alto e pesado, em meio
àquela música alta, estridente. As luzes o faziam entrar em uma
espécie de estado anestésico. As mulheres e homens variados à sua
volta pareciam sedentos, e ele, um simples pedaço de carne fresca.
Pegou o copo old fashioned e levou-o até os lábios, dando um gole
no whisky quente, o qual já não fazia efeito sobre sua garganta.
— Como você pode estar entediado em um lugar como este?
Estamos em Holy Paradise! — a voz animada, porém incrédula,
direcionou-se ao homem, misturando-se aos demais sons.
— Estou acostumado. — O olhar de fastio fazia o outro ficar
altamente desentendido. Caleb levantou-se, sem muita animação, e
caminhou em direção ao balcão do barman, assentindo e mostrando
que desejava um novo drink.
— Lúcifer, se você está achando este lugar tão tedioso, poderíamos
voltar para o Inferno.
A proposta não era minimamente atraente. O moreno fitou-o com
fúria, quebrando o copo que antes estava em sua palma.
— Droga, Joseph! É Caleb! Me chame apenas por Caleb Heilel.
Entendeu ou precisarei repetir? — Os olhos totalmente negros faziam
com que Joseph Geefs ou apenas Hope, seu fiel braço direito,
engolisse em seco.
— Perdão, senhor — pediu, em meio à tremedeira. Mas não era
exatamente genuíno o medo que sentia.
Caleb riu seco, inclinando-se, ficando frente a frente com o outro.
— Você sabe, Joe: não costumo perdoar — a voz rouca parecia até
computadorizada e fez Hope estremecer de puro nervosismo.
— Sim, senhor, eu sei. — Em sua face, habitava uma expressão
estatelada, suava frio e as mãos estavam gélidas.
Heilel, por sua vez, gargalhou alto. Era daquilo que ele gostava:
sentir o medo por entre as veias, percorrendo o corpo, ouvir os
batimentos acelerados e ver o suor inexplicável, o pavor nos olhos
doces e amava vê-los tremer.
— Eu gostaria muito de fazê-lo queimar, Geefs. No entanto, gosto
muito de você. Para mim, és meu grande amigo — a voz serena,
diferente de antes, invadia os ouvidos do braço direito, dando-lhe um
alívio imensurável. Um suspiro singelo escapou de seus lábios e
acenou positivamente, apenas. — Hope, eu saí do Inferno para
corromper as almas mais de perto. Diga-me: como posso despurificar
aquele vagabundo ali. — Apontou para um homem que estava
arrancando a camiseta, junto a uma mélea loira, no centro do palco —,
se ele já fez todo esse trabalho, sem minha ajuda? — o Diabo
carregava uma voz corriqueiramente irônica.
— Senhor, podemos procurar algo melhor para fazer — sugeriu,
vendo-o arquear a sobrancelha, pensativo.
— Largue essa ladainha! O “Senhor” está no céu e, pelo que me
recordo, fui “expulso” de lá — refutou, na intenção de fazer o outro
chamá-lo pelo recente nome.
— Senhor... — Pigarreou, disfarçando o ato falho. — Quero dizer,
Caleb, poderíamos dar uma volta. Quem sabe algo não chame a sua
atenção? — Soava até cômico dizer aquilo para Lúcifer. Poderia jurar
que ele sabia onde cada pessoa estava, onde cada alma pura e
inocente se encontrava pronta para ser abatida e rasgada por ele, de
quaisquer maneiras. Entretanto, não.
— É, podemos — disse pouco contentado. Levantou-se, largando
aquele lugar com pressa.
As ruas da Califórnia nunca foram tão desanimadas. Olhava para os
lados e todos já estavam intensamente sujos; não havia praticamente
nada para ser adulterado.
— Parece que já fizemos um excelente trabalho — ditou. Apesar de
satisfeito, não estava saciado; sua entonação entregava todo o
desânimo.
— E não está feliz com o resultado? — Joseph questionou-lhe,
carregando um sorriso macabro, animadíssimo pelo que via.
Geefs era uma espécie de demônio ajudante, braço direito e melhor
amigo de Caleb. Apesar de temê-lo com todas as forças, podia ser tão
mau quanto o próprio Cão. Aquela cena, para ele, soava como uma
bela melodia, era como ouvir sua música preferida ou comer aquele
doce que o levava ao céu. Não que ele quisesse ir para lá. Jamais!
Aquilo tudo era muito melhor.
— Hope, você, às vezes, consegue ser pior do que eu. — Os lábios
de Heilel formaram um pequeno sorriso ladino; já os lumes, estavam
opacos. — Me orgulho de você — pronunciou ao ajudante enquanto
gargalhava sequioso.
Existia um estereótipo tão imposto em cima de Lúcifer, que chegava
a ser cômico e irônico. Aquela imagem de um anjo completamente feio,
com expressões maldosas e assustadoras, não fazia parte da linha
Caleb Heilel, o que lhe dava o poder de utilizar sua beleza — em
combo à persuasão — para, assim, acabar com as vidas alheias.
Um homem alto, de porte forte, sempre bem vestido, de falas
articuladas e bem colocadas, que pensava veemente antes de executar
tudo. E sempre sabia.
Ele sabia tudo.
Não era como se realmente pudesse ler mentes, todavia entendia o
que as pessoas queriam, os seus sonhos, desejos, ambições e medos.
Elas não conseguiam e não queriam esconder dele. Se, por um acaso,
conseguissem resistir, Heilel os convenceria a contar, iria exortá-los da
forma mais suja e inocente.
Aquele rosto atraente, quase indecente por tamanha beleza, com
lábios sutilmente finos e um olhar penetrante, conquistava qualquer
um. Se o Diabo aparecesse em sua cozinha, às três da manhã, tenha
plena certeza: você gostaria que ele ficasse. Pediria a Deus.
Caleb era um verdadeiro sedutor: seu cheiro não era de enxofre e
não portava grandes chifres, contudo, facilmente, asseguro que ele
tenha outro apetrecho grande.
Dirigia atentamente, olhando para frente, mas, por um breve
instante, um aroma afável invadiu suas narinas, impregnando e
tomando seu ser. Naquele momento, realmente pareceu que Heilel
poderia criar chifres e um rosto demoníaco. Uma pureza intacta
exalava de algum lugar. Não sabia exatamente de onde, mas sentia
uma intensa agonia somente em se aproximar.
Não era como nos filmes de terror, lógico. Se ele quisesse, até
tomaria banho com água benta; para ele, aquilo era mais sujo de que o
Inferno em peso.
— Lúcifer, por que está fazendo essa cara? — Joseph, mais uma
vez, deixou escapar o nome. Ainda não havia se acostumado com o
mais novo codinome de seu amado amigo.
Caleb, por vez, lançou- lhe um olhar intenso de reprovação,
fazendo-o sentir algo queimar em seu cerne. Doía com a força de dez
adagas no peito.
— Heilel, pare! Pare! — pediu atordoado, colocando as mãos sobre
a cabeça e mexendo-se desesperado.
O Tinhoso riu repleto de deboche.
— Você nunca aprende a se comedir. Não deveria sentir tanta dor
assim, você é meu braço direito! Empenhe-se melhor nisto — proferiu,
sem sequer retomar o olhar para ele.
— Eu sei, Caleb, mas não consigo controlar. Você não deveria fazer
isso comigo! — a voz soava aliviada e, ao mesmo tempo, aborrecida.
O Diabo continuava a seguir aquele cheiro evidentemente atraente.
Sequer notou que estava diante de uma igreja: não era muito grande,
parecia pequena demais, na verdade.
— Caleb Heilel, nem cogite isso! — Joseph ditou, encarando-o com
seriedade.
— Ah, Hope, você me conhece tão bem... — a voz cínica era
latente, misturava-se bem com o arfar ansioso. Lúcifer apenas retirou-
se do conversível, vendo Geefs fazer o mesmo.
— Você sabe: só pode entrar se o dono for quase um pecador nato.
— O outro carregava uma expressão incrédula, afinal, ele também
podia sentir algo puro demais naquele recinto.
— Todos os humanos são pecadores — Lúcifer retrucou com
cinismo.
— Sei que me entendeu, Caleb. Você não deve entrar, não coloque
desafios diante de Deus.
Tal nome fez com que Heilel quisesse tapar os seus ouvidos, como
se fosse um som irritante. E, de fato, era.
— Tem noção de que está falando de Deus com o Diabo? —
indagou, sem gosto, retórico.
Geefs, por turno, negou veemente com a cabeça.
— Se o dono for um hipócrita... — Deu um passo, encostando a sola
de seu sapato Gofer no gramado verdinho. — Eu poderei entrar —
ditou enquanto dava passo por passo. Quando ficou em frente à porta,
fitou Joseph, tendo, na face, um sorriso enorme. — E, como você sabe,
o Senhor Parker é tudo isso e muito mais! — Caleb riu, extremamente
cínico e maldoso, ao notar quem estava diante daquela plateia, em pé,
naquele púlpito.
Adentrou o local, sem o mínimo de discrição. Pisava fundo, fitando
fervorosamente o homem de meia idade que falava, ou melhor, gritava.
— Como é dito, precisamos nos arrepender! Recusar as ofertas
diárias do Diabo! — o senhor grisalho falava exageradamente alto
naquele microfone com uma sintonia chiada.
As pessoas ao redor concordavam e vociferavam coisas com pouco
nexo. O Diabo fez um simples gesto de negação com a cabeça.
— Joe, veja que patético... Eles realmente pensam que eu estou
disposto a tentá-los diariamente. — Articulou risonho, fazendo o braço
direito rir contido.
— Eles precisam culpar algo pelas próprias escolhas — respondeu-
lhe, vendo Caleb negar, novamente, repleto de desgosto.
Por mais incrível que pudesse parecer, o Diabo também carregava
princípios: não suportava pessoas hipócritas, os seus lugares estavam
bem guardados.
Sentou-se no banco longo de madeira, na primeira fileira, e viu o
reverendo fitá-lo de relance. Entretanto, este mostrava tanta relutância
que, nos lábios finos de Caleb, surgiu um riso caçoador que mostrava
não só os dentes, mas que sabia tudo sobre ele.
No mesmo instante, o pastor pareceu perder o rumo, engolindo em
seco suas próprias palavras, mas sem entender exatamente por quê.
De imediato, encerrou suas falas, pedindo apenas um “amém” para
finalizar a pregação.
Lúcifer não tinha escrúpulo algum. Gargalhou internamente
enquanto via o Senhor Parker descer, completamente atordoado, indo
em direção à sua família. E era bem ali que a vontade de Heilel
morava: naquele garoto tão inocente, tão bem preservado por seus
pais, não conhecendo nada sobre a verdadeira face das pessoas.
O jovem de fios ruivos naturais na altura da testa e de pele sardenta
exalava não só uma pureza incomum, como também uma beleza
estonteante. Seu corpo era escondido pelas vestes folgadas que
usava, porém Caleb poderia imaginá-lo completamente desnudo, com
uma riqueza de detalhes hedionda.
— Benjamin Parker — sussurrou para Geefs que entendeu de
imediato a intenção pouco graciosa do Diabo.
— Não que eu duvide de você... Jamais! Porém, se conseguir
conquistá-lo sexualmente, estará de parabéns — proferiu, fazendo
Heilel fitá-lo com uma falsa seriedade.
— Eu vou santificá-lo com a minha porra — disse enquanto seus
olhos devoravam o garoto ruivo.
Este, por algum motivo ou coincidência, fitou-o de volta, em um
mirar singelo e imaculado — não havia nada além de um olhar por
olhar. Caleb sorriu simpático, acenando e observando o arruivado virar-
se e olhar para trás, na intenção de conferir se o cumprimento era, de
fato, para ele. Ao notar que sim, deu um sorriso, mantendo o olhar
baixo e inocente.
O Diabo estremeceu.
Benjamin sempre foi um menino muito resguardado por seus pais,
em especial pelo pai que o “protegia” do mundo.
Parker não tinha muitos amigos, apenas colegas do coral da igreja.
Não podia estudar em escolas normais, por isso, sua mãe, professora,
dava-lhe aulas particulares. Ele não tinha o mínimo de tecnologia,
sequer aqueles telefones de fio.
Apesar disso, era um garoto extremamente inteligente e
compreensivo. Tinha apenas dezoito anos e não sabia absolutamente
nada sobre a vida fora dos muros de proteção criados por seus pais;
não entendia a real maldade das pessoas, era demasiadamente
ingênuo. E, droga! O conjunto da obra, para Caleb, soava
extremamente gostoso. Seria um pecado estonteante.
— Eu vou até lá — ditou para seu amigo que não ficou surpreso.
Joseph sabia que ele iria até eles e ainda se daria bem com todos,
definitivamente. Isso não era um palpite, mas uma certeza.
Heilel caminhou em direção ao pobre pastor — nem tão pobre assim
— e não falou sequer uma palavra, apenas estendeu a palma para ele,
no intuito de cumprimentá-lo, e viu-o tremer por um momento.
Entretanto, o reverendo não se negou: apertou a mão alheia com uma
firmeza desafiadora.
— Ora, pastor, não vai me apresentar sua adorável família? —
indagou com intimidade, arqueando uma sobrancelha e libertando um
sorriso sacana.
— C-claro... — gaguejou sem querer.
O senhor Parker não entendia o porquê de se sentir tão ameaçado,
embora já tenha tido pesadelos em que o rosto bonito de Caleb
aparecia. Agora, soava muito amedrontador tê-lo diante de si.
A mulher apenas sorriu para Heilel enquanto Benjamin mexia em
sua roupa, não se virando para olhá-lo em momento algum.
— Esta é minha esposa Karen e meu filho Benjamin — a voz incerta
satisfazia o outro.
— Prazer em conhecê-la. — Lúcifer, cavalheiramente sedutor,
deixou um selar na mão da mais velha. — Prazer em conhecê-los, na
verdade. Chamo-me Caleb. — Rapidamente, desviou o olhar para
Benjamin que ainda se encontrava sentado, esgueirando-se para não
ser notado. O acobreado era tão puro que parecia existir uma redoma
de luz em sua volta.
Entretanto, nenhuma palavra foi trocada.
— Vocês se conhecem de onde? Nunca o vi por aqui — questionou
curiosa, uma vez que não se recordava de Caleb.
— É, como posso dizer... — O pastor pigarreou, embolando-se nas
suas explicações pensantes.
Todavia, o Tinhoso, sorridente, tomou a sua frente:
— Sou novo na cidade. Nos conhecemos há poucos dias, mas é
como se nos conhecêssemos há muito tempo. Semelhante a um
sonho, não é, pastor Parker? — A referência foi lançada sem
escrúpulos, fazendo o reverendo engolir um nó e apenas concordar
lentamente.
O desconforto de Hector foi tão crescente que um silêncio incômodo
pairou sobre o ambiente.
— Bem, estou de saída agora. Espero vê-los em breve. — Sorriu
doce e cínico. — Até mais, Benjamin. — Tocou o queixo do arruivado,
erguendo-o, fazendo os olhares se cruzarem.
— Até — a voz quase inaudível era tímida e mais doce do que favos
de mel, soou como melodia para os ouvidos do Cão.
Desejou ter aquela voz mélea pedindo baixinho para ser fodido,
proferindo diversas palavras sujas e pecaminosas. Como queria vê-lo
gemendo da forma mais carnificenta e safada possível! Almejou
desmaculá-lo de todas as maneiras e sentidos possíveis.
Lentamente, caminhou para fora da igreja, notando que os demais já
haviam seguido para suas devidas casas, incluindo Joseph. No
entanto, quando já se encontrava próximo à porta de saída, pôde sentir
uma mão gélida tocá-lo e virá-lo com ignorância e brutalidade.
— Quem é você? — indagou firmemente. — O que faz aqui? O que
quer de mim? — era a voz do pastor e estava bem diferente da que
usava com seus “fiéis”.
— Você me conhece muito bem, Hector. Eu vejo você todos os dias,
não somente nos seus sonhos — o timbre ficou gradativamente
alterado, rouco, o que fez o outro dar alguns passos assustados para
trás, completamente temeroso.
Ele era um anjo poderosíssimo, então foi expulso do céu, fadado a
ter seu próprio reino e nele comandar, com vigor e temor, aprisionando
e castigando as almas invalidadas por aquele que se dizia o Deus do
amor. Os poderes de Lúcifer eram afligentes e únicos:

Vidência: Capacidade de ver as coisas invisíveis aos olhos


humanos;
Premonição: Capacidade de profetizar;
Telepatia: Poder de se comunicar mentalmente à distância;
Telecinesia: Capacidade de mover objetos;
Teleplastia: Produzir materialização, de plasmar e exteriorizar as
ideias;
Astromância: Utilizar energias telúricas e dos astros para finalidades
mágicas;
Anastasis: Capacidade de sair do corpo.

Mas para que usar todos esses benefícios, se Caleb Heilel poderia
jogar pôquer em um cassino clandestino, na Califórnia, às três da
manhã?
A mesa de pôquer estava ocupada somente pelo Tinhoso, faltando,
no mínimo, mais um jogador para estar “completa”. Entretanto, o lugar,
rapidamente, foi preenchido pelo próprio dono do cassino: um mafioso
com bigodes longos, porte forte e dois dentes de ouro que se
mostravam de uma maneira quase impertinente.
Durante aquele horário, a maioria já estava se retirando do lugar
enquanto outra se achegava. No geral, a maior parte completamente
decepcionada pelas perdas gigantescas, alta e ferozmente pronta para
justificar seus atos mal pensados como tentações do Diabo, e finalizar
culpando-o por completo.
E Caleb sequer tinha começado a jogar.
Heilel carregava um sorriso sorrateiro e irônico, o qual deixaria
qualquer um receoso. Existia maldade ali. Fitou o dono da tavolagem,
observando o homem envelhecido mexer em seu cordão com um
crucifixo banhado a ouro que parecia bastante pesado. Ele seria seu
alvo naquela noite. Não era como se estivesse disposto a usar suas
habilidades para vencê-lo. Jamais! Lúcifer era justo.
O que poucos sabiam é que a sorte o acompanhava o tempo inteiro.
— Você sabe rezar? — Caleb perguntou, sarcasticamente, ao
mafioso.
— Como? — Não compreendeu a finalidade daquela pergunta.
Manteve, na face, uma expressão confusa enquanto enrolava seu
bigode na ponta do dedo.
— Perguntei se sabe rezar — repetiu, com a voz rouca, fitando o
crucifixo e movendo as cartas, sem fazer contato visual.
— Claro que sei, mas não compreendo a relevância da pergunta.
Tanto que chega a ser um pouco estúpida. — Existia relutância naquele
oportunista. Ele queria mostrar não temer Heilel. Deixava seu queixo
brandamente barbado, erguido, mantendo, em seus lábios, um grosso
Cohiba behike, charuto importado que fazia sua fala sempre sair um
tanto embolada.
— Então, reze bastante e use toda a sua fé, pois, hoje, o seu Deus
não irá ajudá-lo — ditou debochado e lhe lançou uma piscadela
incurial. Em seguida, mostrou seu jogo, ganhando a primeira aposta de
cara.

Joseph comemorava com gargalhadas altas, totalmente perversas.


Todas as vitórias vindas de Caleb, naquela noite, renderam um bom
dinheiro. Não que eles precisassem, já que Geefs era dono de uma das
melhores boates daquela região, e Lúcifer era quase o deus da luxúria.
No entanto, ganhar sempre lhe caía bem, semelhante a uma
massagem no ego.
— Quanto você conseguiu? — questionou ansioso pela resposta.
— Sessenta mil dólares. — A fala, apesar de satisfeita, não era
animada, causando certa balbúrdia na mente de Geefs.
— Vai me dizer que enjoou de ganhar, também? — A pergunta era
provocativa, algo mais retórico e desdenhoso. A intenção era causar
certo incômodo, afetar os instintos maus de Heilel, mas não funcionou
como desejado.
— Eu sempre gosto de ganhar, Hope. Mas o que eu quero, dinheiro
não pode comprar. — Ajeitou seu blazer preto enquanto se olhava pelo
reflexo do seu conversível.
— E o que você quer, Caleb Heilel?
O questionamento não era difícil de ser respondido, pelo contrário:
parecia óbvio.
— Quero Benjamin Parker na palma da minha mão. — Suas falas
foram acompanhadas por um tom de voz gradativamente alterado,
mostrando todo o verdadeiro desejo do Diabo.
— Ora, Caleb, deixe a pureza desse garoto em paz. Esqueça isto!
— Joseph estava sendo controverso à realidade deles, conquanto algo,
no seu cerne, dizia-lhe para ficarem longe daquele ruivo.
Haviam coisas que nem mesmo o próprio Diabo poderia explicar,
imagine seu braço direito.
— Hope, pureza é para água potável. — A expressão cínica foi
acompanhada de uma galhofada medonha, o que fez Joseph repetir o
ato enquanto adentrava o veículo preto.
— Você não vale nada, Heilel. Nada mesmo! — proferiu entre o riso.
O Cão dirigia atentamente, com a expressão séria. Sentia o ar
gélido bater em seu rosto enquanto suas mãos estavam firmes sobre o
volante, e o pé, incontrolável no acelerador. Praticamente voava.
Havia deixado seu fiel escudeiro no apartamento, com o intuito de ir
à pequena igreja.
O objetivo era conhecer bem o território. Não que não tivesse certo
conhecimento, no entanto desejava compreender veemente, conquistar
a confiança do ruivinho, cativá-lo de verdade.
Parou o automóvel luxuoso em frente ao local desejado.
Sentiu-se arrepiar dos pés à cabeça. Não que o local causasse um
real mal-estar, Lúcifer apenas nunca se amigou com os símbolos
deíficos que, de “sagrado”, só carregavam a denominação.
Permitiu que seu solado — desta vez Berluti — fosse de encontro
àquele gramado verdinho, pisando forte e seguindo reto para adentrar
a igreja.
O ambiente encontrava-se um tanto vazio, se comparado a antes,
porém era compreensível, estava deveras cedo. Sem muito gosto, fitou
seu Rolex submariner: marcava oito da manhã.
Mirou o palco, vendo o Pastor Parker cerrar os lumes, lhe lançando
um olhar de medo e receio. Como Caleb amava sentir o tremor vivo.
O Diabo, calmamente, aproximou-se do mais velho, estendendo a
palma em sua direção, mas ela não foi segura. O cumprimento não foi
correspondido gentilmente, como no dia anterior, apenas recebeu um
riso nervoso, vendo-o descer do altar.
— Apresente-me sua “turma”, Hector — deu ênfase à palavra, por
não saber denominar aquele monte de adolescentes irritantes.
— Oh... Claro! — Era evidente a inquietação que o homem
carregava consigo. O temor era transmitido até pelo ar denso que
respirava, mas ele mantinha a pose, bondoso e simpático.
Quando temos consciência de que devemos, ficamos assim,
temendo horrores.
— Jovens, este aqui é o... — Desviou o olhar para o Cão, deixando
que terminasse sua fala.
— Caleb. Caleb Heilel — respondeu roucamente, tão sensual, um
verdadeiro pecado no centro da igreja de Cristo. Seus olhos atrozes e
cafajestes fitaram intensamente Benjamin.
— Espero que você se dê bem com os nossos jovens, amado Caleb
— a voz doce do velho enganava facilmente. — Precisarei ir agora.
Desejo um ótimo ensaio a vocês, ovelhinhas. Que a paz do Senhor
acompanhe todos. — Retirou-se com agilidade, assustando Benjamin
que sequer entendeu o motivo da pressa ou o porquê de não ter
ganhado um adeus costumeiro de seu pai.
Lúcifer viu-se sozinho no meio de todos aqueles jovens petulantes
que, por incrível que pareça, pareciam agradar-se da presença do
Demônio.
— Bom, Caleb, eu sou a Sophia, líder do coral — a garota, com um
rosto singelo, mesmo que maduro, e fios negros presos em um rabo de
cavalo, ditou.
— Prazer em conhecê-la. Em conhecê-los, no caso. — Sorriu
brandamente, deixando seu tom divertido, mirando todos que estavam
por perto.
— Saiba que o prazer é todo nosso! Ficamos muito contentes
quando recebemos novos membros. Caso queira assistir ao ensaio,
basta sentar-se ali. — Apontou para a primeira fileira do lado esquerdo.
Por mais que a voz doce fosse simpática, ela escondia um mar de más
intenções.
— Sim, ficarei feliz em assistir. Estarei bem aqui — explicou sempre
sorridente, sempre traiçoeiro.
Benjamin não tirava os olhos curiosos do Diabo, estava vidrado,
hipnotizado.
— Certo! — Sophia gritou, virando-se para os demais. — Vamos
começar. Vá, Ben, dê início e passe a música — seu tom era
redondamente autoritário.
O ruivo sardento subiu ao palco e pegou o microfone. Demonstrava
timidez, mas não relutou em cantar. Primeiro, testou o microfone para,
em seguida, fechar os mirantes e entregar-se à música.
Heilel admirou cada fio das madeixas de fogo, cada traço do rosto
angelical, os detalhes do corpo escondido entre os tecidos finos e
folgados demais, não valorizando sua estrutura bem formada.
Lúcifer podia sentir a inveja perambulando ao redor dele, estava por
todo lado.
A voz aguda assemelhava-se à de anjos divinos, tão singela e afável
— aquilo causava ânsia de vômito em Caleb. Definitivamente, ele
odiava anjos celestiais, abominava a voz melosa e repetitiva,
totalmente insuportável. Seu real desejo era juntar um por um, colocá-
los em uma jaula pesada e atirá-los de uma só vez no fogo do Inferno.
Contudo, a voz de Benjamin não era exatamente irritante — ou,
talvez, Caleb apenas quisesse realmente aceitá-la. De toda forma,
sentia-se com um pouco mais de paciência.
O tempo passava em uma velocidade torturante, lenta, quase
parando. Não existia nada mais desagradável do que igrejas, davam-
lhe muito sono. Só almejava um copo de uísque forte, somente assim
aguentaria aquilo com firmeza.
Tudo o que passava em seu cerne era: ou Deus tinha uma baita
paciência ou um enorme mau gosto. Aquilo era chato e tedioso.
Pura sorte ou consequência lógica do tempo, o sofrimento chegou
ao fim.
— Graças a Deus — falou baixo ironicamente.
Continuou em seu lugar enquanto observava todos conversarem e
organizarem suas coisas. Alguns já se retiravam da igreja. Todavia, o
adorável alaranjado não. Ele distanciou-se dos outros e sentou-se
sozinho na quinta fileira, bem ao canto. Segurava sua Bíblia preta e
alguns marca-textos coloridos. Estava atento, lia e sublinhava algo.
Caleb, automaticamente, direcionou-se até o garoto, dando passo
por passo. Sempre sedutor, parecia coisa de outro mundo. E era.
Estendeu a mão para Benjamin que estava bem distraído. Em
poucos segundos, Parker direcionou seus lumes doces para a palma
grande e, depois, subiu o olhar, fitando-o de baixo para cima, sem
reação alguma.
— Não vai me cumprimentar? — questionou um pouco sério, o que
fez Benjamin ficar ansioso. Pôde jurar que deixou o integrante novato
irritado.
— Oh, não, não. É que isso é tão formal… — as palavras saíam
com leveza, a voz era adocicada, tão boa a ponto de ser perturbadora.
— Posso me sentar ao seu lado? — perguntou, fitando a cadeira.
Ele somente assentiu.
— Então, Ben… Por que não vai embora também? — indagou,
fingindo certa curiosidade.
As mãos pequeninas e gordinhas foram aos fios de cor laranja,
bagunçando-os — era uma mania. Aquele tom quente amarrotou o
Cão. Totalmente diferenciado, Benjamin havia nascido daquele jeito,
era raro e natural. O desejo que percorreu toda a corrente sanguínea,
esquentando-a, foi de puxá-los com força.
— Meus pais virão me buscar, não costumo voltar sozinho —
explicou enquanto mexia seus dedos, quase os batucando na Bíblia.
— Não pode sair sozinho? — Apesar de saber a resposta, não
deixaria de perguntar, afinal, o silêncio não faz amizade.
Parker apenas negou com a cabeça. Ser proibido de sair sozinho
não era um real incômodo, sempre foi acostumado àquela rotina.
Então, sair ou não era secundário demais.
— Gostei do seu cabelo e sardas, você é muito bonito — a voz
carregava admiração.
A mudança de assunto drástica não causou estranhamento ao
outro, este apenas ganhou duas bochechas gordinhas violentamente
rubras, lindamente coradinho. Não era costumeiro receber elogios,
especialmente naquele tom usado por Caleb.
— Obrigado. Você também é muito bonito. — Sorriu amável.
Por parte, o elogio foi retribuído somente por educação, embora
fosse verdadeiro. De fato, achou Heilel um homem muitíssimo bonito, a
ponto de deixá-lo se sentir estranho.
— Oh, sou bonito? — perguntou retoricamente, com um riso
divertido.
— Sim, você é — ditou baixo, sorrindo sem graça.
Quando o ruivo sorria, seus olhinhos se fechavam, sorrindo em
conjunto de uma maneira extraordinariamente fofa, formando duas
listrinhas. Lúcifer achou extremamente pejoso.
— Você mora aqui há muito tempo? Digo, em Holy Paradise.
Costumam dizer que aqui tem belíssimas praias e pontos turísticos —
questionou despretensiosamente.
— Desde que me entendo por gente, mas não sou muito de ir à
praia ou passear de maneira turística. A igreja tem muitos passeios de
acampamento em conjunto, é assim que saio geralmente. — Moveu
sua Bíblia, tentando se distrair. — Você é novo, não é?
Caleb acenou positivamente, de uma maneira sutil e serena.
— Cheguei à cidade há poucos dias, ainda estou me localizando por
aqui, me adaptando aos novos costumes de uma urbe agitada —
explicou-se todo sorridente enquanto deslizava a palma pelos fios
escuros, relativamente compridos, batendo no alto do queixo. — Vim a
negócios, mas acabei esbarrando com a igreja e resolvi visitá-la. Seu
pai é um homem adorável.
— Ele é um ótimo pastor. — Um desconforto notório surgiu, fazendo
Benjamin morder o lábio inferior, sem saber exatamente o que dizer.
— Hoje, estou um pouco a esmo — confessou. — O que acha de
sairmos agora? Podemos tomar um suco, comer alguma coisa e
conversar mais sobre a cidade, a igreja ou o que quiser.
As chances de Parker recusar eram gigantescas, mas a expressão
suave e amistosa de Heilel impedia qualquer um de lhe negar algo
simples.
Em instantes, Benjamin abriu um modesto sorriso, demonstrando
certa empolgação. Seus dentes da frente eram levemente tortos, algo
extremamente sutil que o fazia seguir o clichê e metáfora da
imperfeição perfeita. Todavia, sequer precisou de um minuto para
desfazer a animação, parecia ter atinado para a realidade.
— Ah, eu não posso. — Apesar do ar tristonho, insistia em transmitir
um rir doce e extremamente manso. — Meus pais não deixam —
completou, passando a palma pelos fios e fechando o livro que outrora
estava aberto.
— Tenho certeza de que Hector ficará muito contente em deixá-lo
passear comigo. Você aceita? — Levantou-se e estendeu a mão para
Parker que estava receoso em recusar ou aceitar.
— Eu gostaria muito de acompanhar você e apresentar um pouco
mais da igreja, mas sei que meu pai não permitirá, Caleb — repetiu,
fitando-o. Nos lábios do doce puritano, a pronúncia de seu nome era
diferente e engraçada, cabalmente manhosa.
— Fique tranquilo. Todo mundo me obedece, Ben.
A confiança exagerada, presente em suas palavras, deixou o garoto
confuso.
— E por quê? — retrucou, franzindo o cenho a fim de compreender.
— Seu pai está bem ali. — Apontou, desviando o assunto e fazendo
Benjamin saltar da cadeira, distanciando-se do outro com agilidade.
Caminhou, com pressa, até seu pai, deixando Caleb para trás. Em
seguida, este locomoveu-se, calmamente, até ambos.
— Olá novamente, Hector. — A expressão debochada e nada
amigável mostrava, com evidência, a falta de empatia e simpatia entre
os dois, mas o ruivinho sequer notou.
— Papai, o Calebie me chamou para tomar um suco e apresentar a
cidade. É aqui perto. Eu posso? — Estava ciente de que a resposta
seria um belíssimo “não”, mas quis arriscar. Algo quis que ele
arriscasse e o fez.
O reverendo fitou-o pensativo, mas a resposta já estava na ponta da
língua.
— Não.
Benjamin respirou fundo, pouco surpreso. Lançou um olhar para
Heilel como quem não poderia fazer mais nada a respeito.
O Diabo pigarreou.
— Ora, Senhor Parker, não seja tão superprotetor! Não negue algo
para um bom amigo. Ben estará em boas mãos, garanto. Será apenas
uma tarde de diversão boba.
A maneira como uma cúpula de falsidade fora criada afligia o
grisalho Hector. Sentia que, se negasse, haveria consequências e, de
fato, teria.
— Certo, tudo bem. — Suspirou pesarosamente. — Pode ir,
Benjamin. — O contragosto era evidente na expressão. O arruivado
percebeu isso, mas não deu atenção, pois era costumeiro seu pai agir
daquela forma com ele.
— Irei deixá-lo em casa, não se preocupe — Caleb ditou
sorrateiramente, piscando um dos olhos e viu o reverendo assentir,
engolindo as próprias palavras.
Lúcifer fitou Parker — que parecia muito tímido — e disse:
— Vamos? — Tocou, gentilmente, a mão pequena, segurando-a.
O ruivo sentiu-se envergonhado com o toque surpresa e puxou a
palma, assentindo nervoso.
Pisavam sobre o gramado, sem muita pressa. Heilel destravou o
carro, o qual fez um som típico.
— Nossa, seu carro é muito bonito! — Benjamin ditou,
demonstrando surpresa ao encarar a máquina preta que brilhava de
tão bem polida.
— É sim.
Não poderia ser modesto naquele momento, amava demais aquele
conversível.
O caminho foi tranquilo e repleto de silêncio. Benjamin era alguém
realmente retraído e isso dificultava a frequência de uma conversa. Por
este motivo, Caleb focou apenas a direção.
Ao ficarem em frente à lanchonete que era até próxima à igreja,
desceram e adentraram o lugar. Era bastante sofisticado.
Heilel sempre foi um homem que esbanjava luxúria e estilo — fazia
questão disso, desde o creme dental ao solado do pé —, então não se
poupou de levar sua companhia para um ambiente de alto nível.
Benjamin sentiu-se um tanto quanto desconsertado. Não era
costumeiro sair com outras pessoas, fora seus pais, muito menos para
um lugar tão requintado.
Sentaram-se a uma das mesas, próximo à enorme janela de vidro.
Caleb fitou a face tímida e rósea: só conseguia imaginar o máximo
de coisas pecaminosas. O quão linda aquela carinha ficaria toda suja
com sua porra? Deus não ficaria feliz. Ou ficaria?
— Por que está sorrindo sozinho? — a voz baixa e a indagação
despertaram o Demônio de seus devaneios sexuais, fazendo-o
desfazer o sorriso cheio de escárnio.
— Estava pensando no quanto você foi gentil em aceitar meu
convite — a voz saiu sedutora e a expressão não demonstrava outra
coisa senão interesse.
A vontade do ruivo foi de se esconder em um buraco. Não podia
evitar que suas bochechas ficassem como tomates frescos e maduros.
— Ah, não fale desse jeito… — As mãos correram para o rosto,
escondendo-o.
Lúcifer, por sua vez, riu lascivo enquanto chamava o garçom,
utilizando uma elegância absurda.
— Boa tarde, senhores. O que desejam? — o rapaz jovem e alto
indagou formalmente.
— Posso escolher para você? Quero muito vê-lo provar um doce
daqui — Caleb questionou o alaranjado, observando-o assentir
veemente.
Benjamin evitava qualquer troca de olhar — parecia que seu íntimo
explodiria de nervosismo — e acabou por agradecer, aos céus, o fato
de Heilel escolher os lanches. Teria vergonha de querer algo muito
caro.
— Pode anotar. — Suspirou. — Uma taça de sorvete, sabor
morango com calda de frutas vermelhas e… Teria uma sugestão de
algo alcoólico?
Caleb não suportava sorvete e seus derivados, detestava doces no
geral. Preferia um belo uísque, um drinque refinado e bem preparado.
Ele gostava de álcool.
Parker exibiu uma feição descontente, a carinha de espanto fora
evidente.
— Sim, temos algumas bebidas no cardápio, senhor — explicou,
mas Lúcifer o cortou rapidamente.
— Me traga algo que você ache bom, a seu gosto — a voz soou
séria. Volveu a faceta, novamente, para o acobreado que não parecia
muito satisfeito com o pedido de Heilel.
— Por que está com essa expressão? — questionou. De fato, não
havia entendido.
— Beber é errado. Meu pai sempre disse que quem bebia iria para o
Inferno. Não quero que você vá para lá, Calebie — dava para notar o
tom amedrontado. Haviam implantado o pavor no garoto.
O Diabo sempre achou patético essa tática de fazê-los temer para
que seguissem aquela determinada lei. Ser religioso por medo do
inferno era uma grande hipocrisia. Afinal, eles tinham temor a Deus,
mas, acima de tudo, temiam veementemente ao Diabo.
— Não é necessário que pense nisto. Até mesmo Jesus
embebedou-se na última ceia e ainda transformava água em vinho. —
Exibiu uma feição contente, à medida que uma sobrancelha se
arqueou.
— Mas Calebie, o vinho, naquela época, não era exatamente
alcoólico. Era uma espécie de suco de uvas viníferas, chamado mosto,
que fermentavam suavemente à base de açúcar — explicou
calmamente, cheio de doçura, porque realmente queria fazê-lo
compreender.
— Gênesis, capítulo nove, parágrafo vinte, mostra o contrário
quando diz que Noé embriagou-se — refutou.
— Isso no Velho Testamento em que não havia objeções quanto ao
consumo moderado de vinho, o que muda no Novo Testamento. São
tempos diferentes. — Suspirou e alisou uma pequena parte da mesa
como se estivesse limpando-a. Estava realmente receoso e queria
disfarçar suas falas com uma ação qualquer. — “E não vos
embriagueis com vinho, que leva à devassidão, mas deixai-vos encher
pelo Espírito” — recitou. — Efésios.
— O ato de beber algo alcoólico não torna ninguém devasso. O ser
humano é devassidão pura, Ben. Há algo dentro de nós e é genuína
sujeira. — Sorriu ladino. — Eu bebo por prazer, pelo sabor, aprecio. De
qualquer maneira, não se preocupe, tenho uma sutil certeza de que irei
ao Inferno — ditou, volvendo a vista para o jovem garçom que voltava
com uma bandeja prata.
Pôde notar que Benjamin tornou-se extremamente surpreso, com
uma feição assustada, olhos arregalados, sobrancelhas erguidas e face
rubra.
O garçom dispôs o sorvete diante de ruivo para, depois, deixar uma
taça copa de balón para Caleb que, agilmente, agradeceu.
— A bebida é um drinque cítrico: uma gin tônica, com hortelã e
laranja hamlin — esclareceu para, em seguida, sair requintadamente.
Parker encontrava-se nervoso e, por este motivo, pôs-se a tomar
seu sorvete com certa pressa, com o intuito de evitar mais conversas
como a anterior. Estava todo desajeitado e acabou por sujar
determinadas partes do seu singelo rosto, mas não tinha culpa, não
podia controlar a tremedeira, além de que, a colher era larga demais.
Entretanto, mais sujo do que a faceta de Benjamin eram os
pensamentos de Caleb. Via aqueles lábios inchadinhos e vermelhos
tocarem aquela massa gélida, tão inocentemente; a língua áspera
deslizar lentamente pelo talher quase pornográfico. Fitava aquilo com
prazer enquanto saboreava seu drinque suave. Não era dos melhores.
— Está saboroso?
— Sim, bastante. Acho que é meu sabor preferido agora! — afirmou
enquanto suas bochechas estavam cheias. — Você deveria provar, é
mais gostoso do que bebidas. — Estava sendo sugestivo, a fim de
influenciá-lo.
— Vou passar desta vez. Na próxima eu tento. — Lançou-lhe uma
piscadela, em conjunto com um riso nasal e quase descrente pela
insistência adorável, de modo que negou lentamente.
— Calebie, acho que preciso voltar para casa, senão o papai não
permitirá que eu saia com você novamente. — Ele sequer havia
terminado de comer, mas era um garoto muito obediente e preocupado.
— Isso quer dizer que você quer sair comigo mais vezes? — A
pergunta atrevida causou ansiedade no ruivinho.
— Se você quiser, lógico. — Suas falas quase foram ciciadas,
totalmente escondidas por uma timidez inapropriada. — Apenas
vamos. Não posso me atrasar, tenho aula de piano. Se isso acontecer,
os meus pais vão brigar feio comigo. — Desviou rapidamente o
assunto, voltando ao ponto principal.
— Não vão, pode ficar tranquilo, Bem. — Passou confiança como se
realmente pudesse garantir que os seus responsáveis não
reclamariam.
— Por favor, apenas vamos — pediu de forma manhosa e arrastada.
Parker sempre odiou desobedecer ou desagradar seus pais, ele não
era do tipo rebelde sem regras, pelo contrário.
A voz mansa fez Lúcifer ir às alturas, mas logo acordou e levantou-
se.
— Vamos, então.
Com ousadia, pegou a mão alheia, como outrora, mas Benjamin fez
o mesmo ato: recusou o toque.
— Não posso segurar a sua mão? Desculpe, Bem. — Mantinha um
minúsculo sorriso seco e preso.
— Pode. Quer dizer, não! Mas não significa que não possa, só que...
— Deslizou a maunça pelos fios de cor de fogo, demonstrando tensão.
Não sabia como respondê-lo.
Caleb, por conseguinte, não retrucou. Apenas seguiu em frente,
caminhando para seu amado Corvette, adentrando-o e vendo o
puritano fazer o mesmo. Apoiou-se, mantendo a mão longa firme no
volante e o pé frouxo no acelerador.
— Minha casa é logo ali, no quarteirão setenta — proferiu
timidamente, quase constrangido. O ruivo estava se sentindo mal,
achou que havia feito algo errado e deixado o outro bravo. Ele não quis
ser mal-educado, só estava envergonhado e tenso, culpava-se
silenciosamente.
— Esta? — Lúcifer indagou seriamente com a voz tão rouca que
soava sexy.
A residência era grande e parecia agradável: contava com um
gramado bonito, bem verde e saudável, janelas enormes com cortinas
que escondiam o que havia por dentro, uma árvore ao lado esquerdo,
bem podada. Parecia um ambiente bastante familiar, uma típica casa
estadunidense.
— Sim, esta... — Sorriu, olhando para baixo.
— Antes de ir, pode me dizer qual é o problema de segurar a sua
mão? Estou sendo invasivo? Se sim, peço-lhe perdão — a voz, apesar
de carregar um timbre forte, foi branda.
— Não me entenda mal, é que podem pensar que somos um casal
de namorados, sabe? — falou extremamente baixo, parecia que
contava um segredo.
— E qual seria o problema? — indagou cruamente, conquistando
um olhar assustado.
— Calebie, meu pai me ensinou que homens não podem gostar de
outros homens dessa maneira. Não é algo que agrada o Senhor. Está
na Bíblia, você nunca leu? — A resposta poderia soar enjoativa ou
ignorante, mas não, na realidade, suas palavras eram dóceis.
Heilel sorriu grande e cínico, arqueando a sobrancelha, fitando-o
intensamente, com orbes intimidadores e lascivos. Inclinou-se
suavemente, sentindo Benjamin paralisar sobre o banco. Deixou seus
lábios quentes próximo ao ouvido alheio, cada respirar era um arrepio
no corpo inteiro do ruivo.
— Seu pai mente e Deus também — a voz grossa o fez gelar.
O Diabo deixou um selar terno na bochecha gordinha e corada,
depois tomou distância para apenas observar Benjamin mirá-lo
desesperado e aflito, quase suando frio. Ele retirou o cinto de
segurança, abriu a porta, agilmente, e deixou o carro, sem sequer um
adeus. Contudo, deixou para trás um sorriso muito satisfeito na face
impiedosa de Caleb.
Mas, ainda que a situação fosse muito difícil, José não se rendeu
aos desejos da carne. Antes, ele se lembrou do quanto era importante
sua comunhão com o Senhor, e pensou: “Como poderia eu, então,
cometer algo tão perverso e pecar contra meu Deus?”

Gênesis 39:9

Benjamin correu em uma velocidade absurda, quase inexplicável.


Adentrou a casa com pressa. Sua respiração estava bastante ofegante
e descompassada, o peito subia e descia com força, uma robusta
evidência do seu nervosismo. Virou-se para o lado, observando seu pai
sentado sobre o sofá branco de couro, folheando a Bíblia.
— O que houve, filho? — a entonação era grave, mostrando certa
chateação, mas aquilo não incomodou o ruivo.
— Só fiquei nervoso, papai — ditou com sinceridade, regulando a
respiração.
— Estou percebendo, está até ofegante. Por que estava tão
nervoso? — A sobrancelha arqueou bem levemente. O reverendo tirou
os óculos de leitura, que antes se encontrava em seu rosto, fitando-o.
— O Calebie me disse que você mentia. — O sorriso inocente, nos
lábios grossos, cortava o clima causado pelas palavras ditas.
O Pastor Hector ficou imediatamente desnorteado, sem jeito algum.
Aquilo soou como uma ameaça indireta, delicada e ácida, proferida da
boca inocente de seu filho.
— E você não acreditou, certo? — tentou não modificar o timbre,
não queria demonstrar o baque causado.
— Ora, papai, eu acho que todo mundo mente — disse totalmente
simplista. Benjamin era casto em um nível imoral e costumava
falar o que lhe dava na teia. Responderia qualquer pergunta que lhe
fosse feita e usaria de toda a sua sinceridade. O adorável ruivo não
fazia parte do círculo de pessoas que mentiam com frequência. Ele não
costumava mentir, não era de seu caráter.
O senhor Parker ficou aflito: o coração palpitou, gelou, quase
tremeu. Benjamin fitou-o, com os olhos calmos e um sorriso angelical,
passando um pouco de segurança.
— Vou subir, papai. Avisa a mamãe que já cheguei, por favor —
ditou a frase de maneira alta enquanto subia as escadas correndo,
ouvindo o ranger alto da escadaria.
Adentrou seu quarto com rapidez, jogando-se em sua cama — que
parecia mais confortável do que o normal. Embolou de um lado para o
outro, abraçando o travesseiro para, enfim, virar-se, fitando o teto onde
havia pequenas estrelas coladas, sentindo o coração acelerado por
uma ansiedade nova.
Por mais que Benjamin fosse ingênuo, ele não era burro.
Guardou bem as falas ditas por Caleb, mesmo que isso fosse sua
menor preocupação naquele momento. Em sua cabeça, só martelava
uma única coisa: tinha deixado o homem sozinho no carro, sequer
despediu-se. Uma enorme falta de modo!
— Deus, e se o Calebie não quiser mais falar comigo? — a voz
tímida, quase sussurrada, era direcionada a um monólogo vicioso com
Deus. Só ele entenderia sua preocupação.

Ao contrário do que muitos pensam, o Diabo, diferente de Deus, não


é onipresente. Isto quer dizer que ele não está em todos os lugares,
como muitos costumam dizer.
E, naquele exato momento, o Tinhoso estava em um belo racha.
Aquela máquina negra não apenas corria, parecia que voava.
Estava prestes a vencer pela milésima vez. Era de praxe Lúcifer ser o
vencedor, a não ser que o racha fosse com Deus, aí ele já não garantia
nada.
— Desacelere, sério! — A expressão nervosa e amedrontada de
Joseph fazia Heilel abrir um rir enorme. — Caleb! — o tom rouco
satisfazia-o. Adorava brincar com Hope, principalmente daquela forma.
— VAI BATER, LÚCIFER! — repreendeu-o.
Não precisou sequer um milissegundo para Heilel gargalhar
desdenhoso. O carro bateu com tudo em um poste, capotando para o
outro lado da estrada enquanto os demais veículos seguiram
agilmente, levantando poeira que se misturou com fumaça.
Foram auditivas as galhofadas dele: estavam tão cheias de maldade
e rouquidão, parecia não ter o mínimo de noção dos corolários. No
caso, para o carro, pista e poste, pois para o fiel Geefs não havia
problemas. Ambos se encontravam intactos.
— Não faça isso novamente — o braço direito, que tinha fios
vermelhos como doces morangos, ditou seriamente. Estava chateado e
suas falas não escondiam isso.
O tom foi quase grosseiro, o que fez Caleb, que outrora sorria, cair
em uma seriedade amedrontadora.
— Veja bem como fala comigo, Hope — ditou, aproximando-se
vagarosamente.
— Já chega, Lúcifer. Não quis ser petulante, mas isso me machuca!
— Franziu o cenho, fitando os olhos negros do Demônio. — Por mais
que eu não sinta tanta dor, ela ainda existe. — Estava com a face
sisuda, mesmo que sentido pelo modo como Heilel falava.
Joseph era um demônio sentimental demais. Talvez, este fosse um
grande problema para o trabalho que exercia, mas era exatamente por
isso que Lúcifer gostava tanto dele. Ainda existia vida e esperança
habitando-o.
— Eu sei — as palavras foram ariscas. — Aprenda a se controlar.
Caleb equilibrava a raiva. De certo, a indelicadeza não custaria
barato, odiava elevação de voz. Sempre vingativo.
— Mas eu tento… Não fique agastado — rebateu.
— Ficará por isso mesmo — a voz do Diabo deixou-o aliviado.
— Agora, você precisa de um carro novo. — Mudou o assunto,
juntamente com seu timbre e expressões, o que não surpreendia
Heilel. Joseph parecia bipolar. — Você realmente não tem jeito. —
Largou um riso, conquistando um breve rir de Lúcifer.
— Hope, nem mesmo Deus me deu jeito.
Joseph riu secamente, à medida que dedilhava seus próprios fios
escarlates, ainda se recuperando do ridículo susto anterior. Suspirou de
modo profundo, quase abrasado, e em seguida, tirou de seu bolso uma
chave cooper, jogando-a para Caleb que, ligeiramente, pegou-a no ar,
mantendo aquele sorriso sacana — este que morava tão firmemente
em sua faceta nefanda e diabólica.
— Eu sabia que você iria foder com tudo, então trouxe o Rolls-
Royce. — Piscou ladino.
Caminharam, frugalmente, até o conversível. Caleb sentou-se no
banco do motorista e Geefs seguiu para o outro lado. Então, Lúcifer
deu partida, sem qualquer vestígio de preocupação com a sujeira
deixada praticamente no meio da estrada. Apenas pegou a contramão
e foi a 120 por hora.

Não era costumeiro que o Diabo dormisse, visto que gostava das
madrugadas e precisava das manhãs para atentar o pequeno ruivinho.
Fitou através da janela, contemplando o irradiar do amanhecer.
— Hope, estive pensando. Conquistar o Benjamin não será muito
difícil — ditou animadamente enquanto terminava de abotoar seu terno
Willian Fioravanti Bespoke não muito clássico.
— Lúcifer, abra seus olhos — advertiu.
Caleb pôs-se a mirá-lo com pouco-caso, cheio de preguiça.
— Quero dizer… — respirou profundamente. — Você está em busca
de conquistar a pureza dele, isso, sim, será difícil, bem mais do que
podemos imaginar. — As palavras foram ditas com cautela e
austeridade, o que Heilel estranhou. Joseph não costumava falar de tal
maneira.
— Não. Será fácil, garanto. Consigo sentir. — Mantinha uma
certeza. Ele nunca se enganava, afinal, podia arrastar consigo quem
quisesse.
— Apenas tome cuidado com os sentimentos que desperta. Você
voltará para o inferno, ele não. — Apesar da censura, Lúcifer não
pareceu se importar. Deu um gole no conhaque Valdaga brandy que
estava sobre a bancada e piscou um dos olhos para Geefs que, por
vez, negou com a cabeça, lentamente, não evitando sorrir abobalhado
pela beleza de Caleb.
— Só não volte apaixonado, Caleb Heilel — gritou, mostrando
extrema ironia.
— O Diabo não ama, Joseph! — retrucou com seu melhor e mais
válido argumento.

Mais uma vez, encontrava-se fazendo aquele percurso. Pisava


devagar no acelerador e as mãos com veias saltadas manuseavam o
volante. Já podia prever o tédio: adentrar aquela igreja sem graça, com
todos aqueles azulejos e vidraças coloridas — que, por sinal, eram de
extremo mau gosto —, a sonora, sem o mínimo de qualidade, dava-lhe
impaciência; tudo era enfadonho demais. Questionava massivamente
como alguém poderia sentir paz naquele ambiente.
— No inferno, pelo menos, tem ar condicionado e margarita — ditou
para si mesmo, em tom divertido e zombador.
Parou o veículo em frente ao, agora, costumeiro gramado verde.
Todavia, desta vez, não encostou seu solado, sempre tão caro, ali.
Optou por seguir as lajotas de cimento que estavam enfileiradas em
determinada ordem, ficando frente aos portões que já se encontravam
abertos.
Fitou o relógio branco e preto, com números romanos, existente na
enorme parede frontal. Batiam as exatas sete horas da manhã. Rolou
os olhos por todo espaço e logo abriu um sorriso arisco: avistou
Benjamin.
Ele estava sentado na mesma fileira do dia anterior e, por esse
motivo, Lúcifer deduziu que o ruivinho tinha uma espécie de lugar
marcado, um hábito.
Parker lia algo que, por um milagre, não era o famoso manual dos
“imorais”.
Adentrou o local, indo diretamente a Benjamin.
— O que está lendo? — a indagação feita pela voz rouca era
envolvente. Caleb sempre chegava daquela forma, digamos que um
tanto triunfal.
Virou o livro de capa laranja — com um gentil mockingbird
desenhado em traço fino e título muito bem salientado em letras
garrafais pretas — em direção a Heilel para que ele descobrisse a
resposta de sua pergunta solitariamente.
— O sol é para todos — ainda assim, respondeu-lhe, com a voz
baixa, sem sequer tirar os olhos do livro. — É para fazer o resumo de
um trabalho — concluiu.
— Não está muito cedo para isto? — Caleb fitou o iluminar do sol
pela vidraçaria colorida. Era horrível.
— Talvez, esteja. — Encostou o livro, mantendo o dedo marcado na
página que lia. — Mas eu dormi muito cedo ontem. A mamãe quer esse
trabalho para hoje à tarde, senão ela vai me matar! — Riu, desta vez,
fitando Lúcifer, não evitando o ruborescer da face.
— Ainda há tempo. Podemos sair de novo? Você me conta um
pouco sobre o clássico. — Esticou a mão para que o ruivo a pegasse.
Benjamin franziu o cenho, com uma expressão indecifrável. Aquele
convite não soava como uma pergunta, parecia um convidar muitíssimo
imperativo, uma ordem.
— O quê? Calebie, eu não posso! — exclamou. Parecia nervoso.
— Você pode, o reverendo não vai reclamar. Ele é meu amigo. —
Sorriu, passando confiança, mas o alaranjado não colocou fé o
suficiente.
— Eu queria, mas realmente não posso... — repetiu cabisbaixo,
tímido por renegar o que seria um convite.
— Não seja tão difícil, Ben. Eu sou novo por aqui, seja minha
companhia mais uma vez. Hector não ficará enraivecido — ditou com
um ar sério, apesar de parecer descontraído.
Por vezes, o realce da face de Caleb não era sugestivo, não parecia
muito amigável e isso causava receio em Parker; outras vezes, era
uma feição doce, preenchida por uma simpatia desmedida. Então, para
ele, soava difícil acreditar rapidamente em Heilel.
Benjamin fitou o relógio. Estava realmente muito cedo, não custava
sair. Fechou o livro e levantou-se, sentindo-se duvidoso, carregando
uma intuição pouco confortável. Seguiu o outro em silêncio, mesmo
que receoso, vendo Lúcifer apertar o botão e destravar o veículo —
agora era um Rolls vinho.
— Trocou de carro? — Franziu o cenho enquanto fez um bico
pensativo. O olhar curioso que fora direcionado para o Diabo o
quebrantou. Por turno, assentiu.
— Pode entrar — Lúcifer tinha um timbre duro, algo que somente
pertencia a ele.
Benjamin parecia facilmente manipulável, submisso em demasia —
talvez, por sua criação rígida —, mas Lúcifer não achou de todo ruim.
Parou o veículo ao lado de uma grande padaria.
Caleb dizia-se novo na região, mas levava Benjamin a lugares que
ele sequer havia visto em toda sua vida. Era de se estranhar, mas não
questionou. Não teria um exato por quê. Logo, deduziu que, talvez,
fosse pela classe social do ambiente.
O ruivinho não estava muito adaptado a ter um amigo e com ele sair,
muito menos para tais locais, visto que eram bastante requintados. Não
era acostumado àquela luxúria que Heilel esbanjava. Na realidade, até
achava desnecessária. De todo modo, sua comida preferida continuaria
sendo pão com manteiga na chapa.
O Tinhoso desceu sorrindo para Benjamin e, rapidamente, segurou
sua mão que, desta vez, não foi puxada; permitiu o toque singelo,
surpreendendo-o.
— Não está com vergonha? — Caleb questionou, referindo-se às
mãos enquanto ambos adentraram o lugar movimentado.
— Você me disse para não ter. Lembra? — Sorriu, olhando para
baixo, inocente, disfarçando o corado e deslizando a outra mão pelos
fios lisos.
Oh, como Caleb queria tê-lo! Acabar com ele, possuí-lo por inteiro.
— Você realmente queria me trazer para tomar café da manhã? Isso
parece fofo. — Prendeu o riso, visto que Heilel não aparentava ser
alguém cuidadoso o suficiente para tal atitude. Sem contar que
ninguém nunca o tinha levado para tomar café.
— Você está com fome. — O Diabo sabia, podia sentir.
E não que ele quisesse cuidar de Benjamin, contudo, precisava do
garoto bem saudável. Estilo João e Maria: primeiro você alimenta, para,
depois, comer.
— E como sabia? Você é adivinha? — Ergueu a sobrancelha ruiva,
usando de uma fala inibida, porém curiosa e divertida.
— Sou perspicaz, eu sei de tudo.
Os olhos negros, o sorriso de canto: ele ditava aquilo de uma forma
serena, parecia ser verdade. E era.
Benjamin fez pouco-caso, apenas negando devagar, rindo ameno.
Aquele café da manhã foi bastante agradável. Benjamin, pela
primeira vez, conversou de maneira solta com alguém, sentindo-se um
jovem livre de verdade. Contou sobre sua paixão pelo livro que estava
lendo: “O sol é para todos”, chegou a ditar a Caleb acontecimentos
diversos e até momentos em que seu coração encheu-se de amor,
compaixão, raiva e agonia. Exibiu sua faceta de leitor, apreciador de
boas histórias e seu coração aberto. Ele era assim: um exagero
escondido.
Agora, andavam pelas ruas da Califórnia. O Diabo continuava
segurando a mão de Parker, com os dedos entrelaçados — o que, na
realidade, tornou-se uma tática para não o perder de vista. Passavam
por uma bem conhecida praça pública. Existia todo tipo de arte no
lugar, vendedores de quadros, artesanato, caricaturistas de rua: o que
Lúcifer sabia apreciar com destreza.
— Olha, Calebie: um rapaz espalhando a mensagem da salvação! É
tão bonito! Admiro a coragem de falar assim, em público — dizia com
extremo encantamento.
De fato, existia um homem e ele pregava algo. Só sobrou a rasa
dúvida: aquilo realmente salvaria alguém ou não? Heilel conhecia-o
muito bem, aliás. Era somente mais um charlatão, ganhando dinheiro
às custas de pobres coitados, inocentes que acreditam em suas
palavras sujas, desvalidos que se perderam da essência de Cristo.
— Você precisa vigiar, o Diabo está em todos os lugares. Ele almeja
as nossas almas — as palavras, com pouco nexo, saíam cuspidas,
provando toda a ignorância do falsário.
Heilel não evitou gargalhar nasalmente. Não conseguia entender
como a humanidade tinha a esplêndida capacidade de se sentir
especial o suficiente para que o Cão perdesse seu valioso tempo
caçando-os.
Seres humanos eram nojentos, repugnantes. Se, de fato, seguissem
a ideologia imposta, todos cairiam diretamente em cima do caralho de
Satanás.
Lúcifer fitou os olhos do homem e nada precisou ser dito, calou-se e
paralisou assustado.
— Calebie... — a voz doce e o puxar de sua palma arrancou-o do
transe proposital.
— Diga. — Sorriu, fazendo Benjamin exercer o mesmo ato.
— Acho que, agora, eu realmente preciso ir. Meu pai logo vai chegar
à igreja e eu preciso ensaiar. — No fundo, o ruivinho desejava ficar
mais tempo, passear mais, conversar mais. — Desculpa por sempre
precisar ir assim... cedo.
Foi tão bom divertir-se com o Diabo, mas, infelizmente, não podia
ultrapassar os limites impostos por seus pais.
— Claro, vamos. — Caleb sabia o momento de insistir e o de
compreender, por isso não perdurou para que Benjamin ficasse mais
horas. — E não precisa se desculpar, depreendo seu tempo livre.
— Se quiser pode ficar comigo lá. — Aquilo, definitivamente, era um
convite.
Morosamente, acenou de maneira positiva, à medida que
caminhavam até o veículo que estava estacionado nas proximidades.
Heilel, com menos contragosto, parou o carro à beira daquele meio-
fio mais uma vez. Ambos desceram do veículo, adentrando novamente
a igreja que, por todos os demônios do Inferno, estava vazia. Lúcifer
suspirou e agradeceu profundamente.
— Vamos nos sentar bem ali. É meu lugar favorito. — O ruivo
apontou para o assento de antes, sempre falando manso, de forma
natural. Agarrou a mão de Lúcifer, entrelaçando os dedos com certa
pressa, o que causou um sentimento de vitória ao íntimo do
escarnecedor.
Caleb iria corromper aquele garoto com uma facilidade de outro
planeta.
Sentaram-se um ao lado do outro sobre os extensos bancos de
madeira. Parker apenas pegou seu livro, volvendo a atenção para ele.
— Eu preciso ler um pouquinho, estou quase finalizando. — Sorriu
doce.
— Sem problemas, deixe-me ler junto com você. — Lúcifer jamais
se perdoaria por se convencer a ler aquela obra. Já estava
arrependido.
O livro era pequeno, estilo de bolso, o que dificultava a leitura de
ambos, visto que Benjamin temia ser mal-educado e dizer “não” à
proposta de Heilel. Entretanto, surgiu uma brilhante ideia, como se uma
lâmpada tivesse acendido sobre sua cabeça.
— Calebie, se quiser, posso me sentar no seu colo, assim podemos
ler melhor. — A expressão de Parker era retraída e muito tímida.
Provava-se mais inocente a cada instante. — Geralmente, meu pai lê
assim comigo.
Lúcifer ficou descrente. Jurou que Benjamin estava de brincadeira.
Afinal, aquilo era uma ideia de jerico, sem pé nem cabeça! Conquanto,
não hesitaria em aceitá-la.
Por conseguinte, o Diabo assentiu, tentando disfarçar a maldade
presente nos olhos negros e perjuros, escondendo a linguagem do seu
corpo que evidenciava a completa truculência.
O ruivinho acomodou-se no colo do Cão, deixando sua bunda
exatamente sobre o membro alheio. Não foi proposital.
Caleb nunca se imaginou rezando, contudo, naquele exato
momento, pediu a Deus para que seu cacete não ficasse empolgado,
pois até o mais sutil aroma de Benjamin fazia-o suspirar em deleite.
Não obstante, de modo abrupto, mudou seu foco, agora observando o
arruivado que começou a ler tão concentrado.
Lúcifer passou os olhos pelos lábios inchadinhos que eram
apertados pelos dentes, demonstrando uma entrega de atenção para a
leitura. O cheiro daquele puritano era doce, mas suave, exatamente
como o Tinhoso gostava.
— Pare de me olhar assim — determinou, sentindo seu rosto
sardento corar. Era esquisita a maneira como Caleb o fitava, parecia
que iria devorá-lo a cada mísero segundo. Deixava-o tímido.
— É complicado, porque você é tão bonito, Ben. Estou admirando.
— O elogio repetente já não soava tão estranho.
Benjamin virou-se, fitando a face do Demônio e sorriu angelical e
franco. Seus luzeiros correram para a cicatriz, presente no topo da
maçã do rosto, fazendo-o franzir o cenho. Tocou-a com delicadeza,
acariciando-a em um dedilhar.
— O que foi isso? — perguntou-lhe em pura curiosidade, mantendo-
se atento somente à marca.
Já Heilel não tirava sua atenção dos lábios róseos e carnudos.
Sentia tanta sede, tanto desejo de tê-los!
— Foi um acidente, caí de um lugar muito alto — explicou, em um
sussurro soprado.
— Caiu de onde?
Segundos se passaram e o alaranjado, sem resposta, volveu os
lumes para os do outro, vendo-os mudar de cor em uma mesclagem
movente, como um pequeno caleidoscópio castanho e escarlate. Não
sentiu medo.
— Você já beijou alguém? — a voz do Diabo era extremamente
rouca e sussurrada.
Benjamin engoliu em seco, não conseguindo desviar o olhar. Ele
não queria parar de fitá-lo, nem mesmo por um segundo. Negou
vagaroso e tardio, sentindo-se esquentar de timidez enquanto os dedos
gélidos pararam o carinho na cicatriz. Suspirou pesado. Encaravam-se
com condão e tensão. Os segundos passavam em uma rapidez sem
tamanho, mas também em um remanchar infindo. O arruivado sentiu
tanto desejo de se aproximar que julgou ser errado.
— Benjamin! — a voz conhecida e o tom sobrecarregado de
repreensão invadiram os tímpanos do garoto.
Parker levantou-se com certo desespero, ficando com a face
completamente pálida e sem vida, ao tempo que, concomitantemente,
ruborizado. Sentiu-se culpado, mas sem um exato por quê. Não era o
fato de ser “pego no flagra” sobre o colo de Caleb, mas pelo anseio que
sentiu ao estar ali, pelo desejo metafísico e cruel.
— Vá para o carro, agora!
Benjamin não ousou contestar, apenas abaixou a cabeça, aquiesceu
e caminhou depressa na direção da saída, obedecendo seu pai. Em
seguida, Hector lançou um olhar insultuoso para Caleb, mordendo o
interior da bochecha, cheio de irritação, murmurou algo e deu as costas
a ele.
Heilel assistiu a tudo com um ar de riso petulante e cínico. Adorava
ver o clérigo estressado.

O pastor Hector dirigia com celeridade. O carro, um tanto


envelhecido, rústico, exercia bem seu trabalho, até parecia melhor do
que muitas outras vezes.
Assim que o veículo parou, Benjamin não teve outra reação senão
abrir a porta e descer, correndo para dentro de casa. Subiu os degraus
com pressa, sentindo-se ansioso em demasia.
Escondeu-se por debaixo de suas cobertas azuis, sem saber ao
certo o porquê de estar tão constrangido e temeroso. Mesmo em tal
situação de risco, sua mente remoeu a pergunta de Lúcifer, almejou ter
tido mais tempo para ver o que iria acontecer: se ficariam daquela
maneira estática ou se realmente algo a mais aconteceria.
O estrondo da porta batendo contra o portal e fechando-a, assustou-
o. Seu pai invadiu o quarto com uma fúria indescritível, deixando-o
espavorido.
— Benjamin Parker, foi essa a educação que lhe dei? — indagou
com tom alterado, visivelmente irritado.
O ruivo não se poupou de choramingar baixo. Nada havia sido dito,
entretanto estava com bastante medo. Hector não costumava ser um
bom homem quando estava em frenesi.
— Eu não fiz nada, papai. — A defesa era retraída e inocente, ele
não mentia.
— Vejamos: você saiu sem a minha permissão. — Os olhos do
reverendo transbordavam raiva. — Eu recebi telefonemas, os quais
diziam que meu filho estava passeando de mãos dadas com outro
rapaz. — Hector suava frio de tanta amargura, até mesmo sua saliva
tinha sabor de fel.
— Pai, eu não fiz nada de errado. Tenta ficar calmo, por favor —
repetiu e, em seguida, uma súplica suave veio em conjunto. Desta vez,
estava quase em prantos, odiava ouvir gritos.
— Você estava no colo de um homem dentro da casa de Deus,
faltando pouquíssimo para estar aos beijos — a voz quase não saía
completa, devido ao enorme teor de raiva investida. — Quase um
indecoroso.
Benjamin sentiu-se errado, um transgressor. Ele havia decepcionado
seu pai, passado uma má impressão do que acontecia; até mesmo
pensou em como soou devasso para Caleb, mas jurava que não tinha
sido algo proposital.
— Eu não estava dessa maneira, só quis ler como fazemos aqui em
casa. Eu não iria beijá-lo, juro! Me desculpa — o timbre fora manso e
choroso, meio prolongado.
Suas palavras foram totalmente ignoradas.
— PARE DE MENTIR! — Arremeteu a mão sobre a porta, fazendo
um som estrondoso. — Você acha que me engana? Mal o conhece e
resolve se sentar sobre o colo dele? De certo, estão de casinho há
muito mais tempo do que imagino.
— Não, papai! — negou veemente. — Eu o conheço há poucos
dias, não pensei que fosse soar tão inadequado. Não estou mentindo,
juro por Deus! Perdoa-me, isso não vai acontecer de novo. — Agarrou
ainda mais os tecidos, recuando, assustado e pálido.
Hector emitiu uma risada asquerosa e rouca, ressaltando os vincos
envelhecidos de seus olhos em uma expressão de impetuosidade
aguda.
— Não insista nessa mentira, Benjamin. — Cerrou os dentes
enquanto suas narinas dilataram e sua respiração tornou-se mais
desregular. — VOCÊ ACHA QUE O SENHOR IRÁ AMÁ-LO? — alterou
a voz, em uma indagação retórica. — SE CONTINUAR NESSE
CAMINHO, QUEIMARÁ NO INFERNO! — gritava a ponto de estourar
os ouvidos alheios.
As palavras eram duras, e Parker já podia sentir o bater de coração
falho.
— Fique de joelhos — ordenou, vendo Benjamin arregalar os lumes
e, rapidamente, obedecê-lo.
— Você terá que pedir perdão até o anoitecer.
Aquilo não soava como um simples castigo, Hector queria vê-lo
sofrer fisicamente, era tortura.
— Papai, me ouça, por favor… — A petição fora em vão.
— CALE A BOCA! — As veias, no canto da cabeça, já estavam
salientes e a face, costumeiramente branca, encontrava-se
avermelhada de cólera.
— Pai! — protestou, em lágrimas. — Por favor, acredite em mim,
nunca menti para o senhor.
Contudo, para sua surpresa, sentiu a palma quente bater de contra
seu rosto, em uma agressão muito além de física. Aquilo o magoou,
mesmo que já estivesse habituado com o comportamento inadequado
e agressivo de Hector.
— Você mesmo disse, Ben: todo mundo mente. Isso inclui você.
Benjamin engoliu um nó grosso como um punho atravessando a
garganta. Então, abaixou-se lentamente e ficou de joelhos, sem fitá-lo
nos olhos.
O reverendo retirou o cinto preto que outrora rodeava sua cintura, e
fez uma curvatura, dobrando-o ao meio. O ruivo apertou os mirantes
enquanto seu íntimo implorava, pelo menos, o perdão de Deus.
Clamava, bradava, buscava-o de todo o seu coração, mas não foi
achado em “vós o Senhor”. O cinto de couro, então, bateu contra sua
pele do rosto, ardendo, semelhante a uma queimadura.
— O que levíticos fala sobre homossexuais? — Seu pai estava
sendo duro como não era há tempos.
As lágrimas grossas percorriam as bochechas que, antes, ao lado
do Diabo, carregavam um doce sorriso.
— Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é
abominação — pronunciou com uma voz cronicamente trêmula.
— REPITA! — exigiu.
Sentiu o objeto bater contra sua derme, novamente, desta vez, nas
costas, intensificando o choro contido.
— Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é
abominação — a fala soava extremamente decorativa, suas palavras
eram exatamente como as que existiam na Bíblia Sagrada, como uma
espécie de mantra.
— Agora, quero ver se você não aprenderá a ser um homem de
verdade! — Definhou o cinto de novo.
Era uma triste injustiça o que acontecia com o jovem Parker.
— Não criei filho para ser um viadinho. — Repetiu o ato de outrora.
Benjamin soluçou, apertando os olhos e tremendo de pavor,
ansiedade e dor. Ele não havia feito por mal, não pretendia beijar
Heilel.
— PARE DE CHORAR, DROGA! — determinou. — CONTINUE
PEDINDO PERDÃO, EM VOZ ALTA.
O pastor não conseguia mudar o modo de falar, nem mesmo pelo
cansaço ou fôlego falido. A respiração já estava descompassada como
a de um idoso fumante, mas ele não parava.
— Perdão, Senhor Jesus, perdão — falava repetidamente, sentindo
seu pai bater cada vez mais forte.
— VOCÊ QUER SER UMA ABOMINAÇÃO? — questionou
duramente.
Benjamin negou afervorado.
— VOCÊ QUER SER ODIADO POR DEUS? — podia-se ouvir a voz
cansada reverberar pelo ambiente.
O ruivinho repetiu o gesto. Já estava com os joelhos doloridos, o
corpo frágil e branquelo era marcado por todos os lados. O gosto
salgado das lágrimas invadia os lábios, os lumes ainda estavam
fechados. Em sua faceta, existia uma expressão apavorada, uma
profunda tristeza. Tudo que fazia era clamar pelo Santo Espírito.
Ele não estava mentindo, mas por que seu pai parecia estar sendo
tão injusto?
Questionou-se sobre aquele Cristo apresentado por Hector: será
que era realmente o Deus bondoso? Afinal, Deus era amor; aquilo era
dor.
Existem, exatamente, cento e dezenove sinônimos para a palavra
“Diabo” no dicionário Aurélio, e cento e dezesseis no Houaiss.
Apesar de Lúcifer sempre ser visto como um anjo mau, a realidade
era contrária. Nem mesmo Deus o via de tal maneira. Foi o arcanjo
mais cheio de beleza e sabedoria no Reino dos Céus, então rebelou-se
contra Deus, em um ato de traição.
Ele pecou êmulo ao Senhor e foi condenado, assim como você será.
Compreenda algo: seja Deus ou o Diabo, a mesma cara que faz rir,
também faz chorar.
O anel prateado de ônix era girado em torno do médio longo,
reluzindo com discretização, de modo repetitivo. Passou a tamborilar
os dedos sobre o balcão da boate. O Diabo não estava entediado ou
somente amargurado por quaisquer outros motivos. Era diferente desta
vez. Havia algo errado, nem mesmo ele conseguia compreender. Era
uma espécie de consternação nova.
Deu um gole no uísque amargo Johnnie Walker, sentindo uma leve
ardência possuir toda sua garganta em uma sensação prazerosa.
— O que há com você, Heilel? — a voz roufenha de Joseph ecoou,
despertando-o de seus pensamentos.
— Não houve nada — respondeu de imediato, com um tom
levemente grosseiro, fazendo Geefs recuar discretamente.
A música estridente parecia não existir para Caleb, e a fumaça
causada pelo gelo seco deixava-o enjoado, uma sensação de entibio.
— Não minta para mim. Claro que existe algo te incomodando. — O
braço direito do Diabo sentou-se ao seu lado. — Diga-me o que te
aflige, Tinhoso. — Fitou-o com seriedade, cruzando os braços.
— Não sei definir, Hope. Tem algo errado comigo há alguns dias,
porém, hoje, estou me sentindo embrulhar — confessou, segurando o
copo enquanto o balançava, misturando a bebida com os cubos de
gelo.
— Muitas coisas estão erradas, Caleb. Começando por nós dois fora
do Inferno. — Apesar de ser um assunto sério, o tom de voz de Joseph
foi divertido.
Heilel sorriu largo, mas breve, tentando esconder o desânimo que o
afligia.
— Lúcifer, eu jamais o vi assim. — Sua expressão era perplexa, a
voz incrédula.
A feição preocupada fez com que Lúcifer arqueasse a sobrancelha
esquerda, olhando-o ladino.
— O quê? Nunca me viu entediado? — questionou com cinismo.
— Aflito. Nunca o vi preocupado — refutou.
Geefs logo atinou em suas próprias palavras. Era exatamente isso!
O Diabo estava atormentado, por isso parecia tão inquieto. E o motivo
era lógico: tinha nome, endereço e madeixas cor de fogo.
— Não fale besteiras, Joseph — ditou, rolando os olhos e bufando
baixo. Virou a dose, bebendo de uma única vez o líquido marrom que
restava. — Eu vou dormir — falou, levantando-se, mesmo que o sono
fosse inexistente.
— Para quê? O Diabo não dorme, você sequer sente sono. —
Agora, quem estava entediado era o ajudante. Revirou os olhos com
brusquidão, encarando-o com cansaço.
— Posso fazer o que eu quiser — sorriu, mesmo que amargamente.
De resposta, restou o silêncio.

O Corvette preto era quase o melhor amigo de Caleb, tê-lo de volta


era realmente fantástico.
As mãos estavam firmes no volante e, na face, havia um sorriso
volátil e traiçoeiro — formavam uma junção perfeita. Estava indo em
direção à igreja, no percurso de sempre.
Todas às vezes que se submetia a entrar naquele lugar, soava como
uma autossabotagem. Não era uma escolha muito inteligente, e ele
sabia disso. Talvez, essa fosse sua preocupação, mesmo que, no
fundo, soubesse que seu verdadeiro problema tinha olhos inchadinhos
e uma pureza quase perpétua.
Jamais confessaria isso.
A velocidade, que o conversível estava, dizia muito sobre a situação,
dizia que Benjamin precisava dele, como se o ruivo estivesse
chamando-o e ele não pudesse ouvi-lo.
Desceu do veículo, ajustou os dois primeiros botões da sua camisa
social e seguiu para dentro da igreja. Fitou o relógio enorme de
sempre: batiam exatas nove horas da manhã. Era tarde e, certamente,
a igreja estaria cheia. Aquilo se tornava um inferno.
Ficou de frente para o enorme portal e observou o lugar à distância.
Para sua surpresa, estava quase vazio.
Não pôde evitar o suspiro de alívio.
Só estavam, no local, o pastor Hector e os jovens do coral que já o
conheciam de outrora.
Heilel adentrou a casa divina, sem qualquer pudor, emitindo um
ranger irritante com a sola de seu Gofer. Atraiu diversos olhares e
sorrisos simpáticos, mas somente um importava.
Devagar, cessou os passos, deixando um silêncio pesaroso flutuar.
Franziu o cenho e cerrou os cílios, mirando Benjamin.
O ruivinho sentiu as bochechas febris, desviou os lumes dele e
abaixou a cabeça, em seguida. Encontrava-se nervoso, inquieto, o seu
cerne estava preenchido de tristeza.
Avaliou Parker e ele pareceu adoentado: as celhas ruivas batiam de
forma sonolenta e podia-se notar, com precisão, o inchaço nos olhos,
juntamente com certo azulado de olheiras.
Lúcifer sentiu-se esquentar. Não era como se precisasse de uma
explicação gigantesca para entender o que havia acontecido, mas ele
desejava uma.
Tirou a mira de Benjamin, volvendo em direção ao reverendo.
Observou as gotículas de suor na testa, o pomo de adão subir e descer
em uma engolida em seco, o vislumbrar tenso e os ombros
endurecidos.
Não hesitou voltar a analisar o arruivado: não estava tão distante.
Passou os olhos pelos braços, cobertos pelas mangas longas da
camiseta bege, e pela extensão das pernas, mas a calça folgada cobria
bem seu corpo. Não dava para ver hematomas ou machucados,
tampouco foi necessário. Caleb era um Demônio de poucas palavras,
de entendimento curto, fugaz.
As trocas de olhares pareciam sugestivas, dava para enxergar, com
nitidez, a raiva de Heilel, a tristeza de Benjamin e o pavor do senhor
Parker.
Lúcifer fitou-o com intensidade, usando uma telecinesia absurda.
Em questão de segundos, o reverendo contorcia-se de dor. Mantinha
as mãos sobre a cabeça, apertando-a, fechando a expressão em dor
intensa enquanto tentava disfarçar, apoiando-se sobre o púlpito.
As belas íris do Tinhoso estavam vermelhas, semelhante a brasas,
mas, aparentemente, ninguém notava realmente aquilo.
Quando Hector sentiu a aflição diminuir, o medo subiu. Foi quando,
enfim, pôde olhar nos olhos de Caleb, vendo-os escarlate, mas,
rapidamente, tornaram-se negros por inteiro. Aquele tom beirava o
abismo mais profundo, mais profano.
Parecia que os tímpanos de todos poderiam explodir em um ecoado
som mudo, oco, fino, rouco, louco.
Em seguida, toda a vidraçaria colorida estourou, quebrando uma a
uma, simultaneamente.
O pastor Hector deu um pulo para trás, assustado. A tremedeira
roía, aos poucos, o seu corpo, podia até se sentir dormente.
— Senhor Parker… — Na face séria, surgiu um rir grande, os lábios
esticaram-se e os dentes ficaram à mostra: um sorriso totalmente
sádico e amedrontador.
Durante aquele instante, todos os olhos arregalados e espantosos
voltaram-se a Heilel — não mais ele, mas Lúcifer. Quando, enfim, suas
íris puderam voltar à cor original, ele deu um passo à frente enquanto
Hector, um para trás.
— Não recue, venha até aqui — a voz parecia ter sido modificada.
Era rouca, grave e terrífica.
— Não. — A resposta tentou ser firme, mas passou longe de ser.
Hector sentia as pernas bambearem involuntariamente.
O Demônio gargalhou, mas, em uma mudança de humor
exacerbada, ficou sério.
— Por que você fez aquilo? — indagou. Inclinou, lentamente, a
cabeça para o lado direito, parecendo concentrado, encarando-o
enquanto o jogo de um ir para frente e o outro para trás continuava. Era
mecânico.
— É meu filho e, sendo assim, eu preciso ensiná-lo o que é certo e
errado. — A expressão era assustada, o tom embaralhado e repetitivo,
o pavor em seu sangue, sua carne, seu íntimo: esse medo não fez
Lúcifer sorrir.
— Quando você diz ao seu filho que grita e bate nele por amor, não
está ensinando o caminho de Cristo — retomou seu lugar de fala. —
Pelo contrário, está normalizando a violência, mostrando que algo
hediondo pode ser naturalizado quando não deve. Compreenda: seu
filho não é sua propriedade.
Já estavam tão próximos que Caleb podia sentir o calor e o suor frio
emanar do corpo alheio, mas não esboçava expressões, tinha um rosto
livre de leituras.
— Assim, ao crescer, terá um relacionamento frustrado, agressivo, e
achará que isso é uma forma de amar. Benjamin poderá se tornar só
mais um, somente mais um ser humano horrendo enquanto, na
realidade, achará que está sendo justo. E, quando você estiver velho, à
beira do abismo do Inferno, ele fará questão de empurrá-lo, com
bastante “amor”, porque foi apenas isso que você ensinou. — O sorriso
que Heilel trazia na face causava enjoo.
O reverendo Hector esperou ouvir mais, esperou algo pior, porém
não aconteceu.
Lúcifer distanciou-se e, quando o pastor pôde respirar laxo, ele já
estava à margem da saída, mas não sem levar seu doce puritano.
— Venha comigo, Benjamin — a voz do Diabo ecoou pela casa de
Deus, com autoridade.
O ruivo olhou-o assustado, com lábios contraídos e sobrancelhas
erguidas enquanto negava freneticamente com a cabeça.
— Diga que ele pode — ordenou, em um tom cansativo, fazendo o
pastor sentir a dor de outrora.
— Vá logo. — Não houve objeção, por lógica.
Parker, vagarosamente, levantou-se, transformando-se no centro
das atenções e olhares duvidosos. O sentimento de repreensão era
maior. Ficou ainda mais trêmulo, andando devagar; suas pernas
fraquejavam com frequência. Estava dolorido, triste e envergonhado.
O Diabo carregava ódio em seu cerne — talvez, uma mistura de
culpa —, embora não admitisse isso. Seus luzeiros sofriam com seu
estado emocional, formando uma mistura de cores intensas: de bordô
ao preto infindo. Aquilo indicava a completa fúria.
Sem proferir uma única palavra, ambos adentraram o veículo.
Com a mão apoiada ao volante, Heilel suspirou profundamente e
torvo. Em seguida, levou a palma ao rosto, passando pelo cenho e
esticando até a sobrancelha, evidenciando ainda mais sua impaciência.
Benjamin nada disse, apenas recuou com os gestos do outro.
Sentiu-se culpado. Seu estômago dava algumas bruscas voltas, estava
exausto e cheio de dores. Tudo o que queria era chorar até cair no
sono.
Caleb virou-se e fitou-o atento. Não evitou admirar,
momentaneamente, a beleza do garoto com a face angelical
cabisbaixa. Era deplorável vê-lo em um estado que estava longe de
merecer.
De modo méleo, Parker olhou-o por cima dos cílios arruivados,
como quem queria colo e compreensão.
Rapidamente, os orbes do Diabo tornaram-se castanhos, outra vez,
abandonando a raiva, para acolhê-lo.
— Benjamin... — chamou-o, esticando-se e segurando a mão
gordinha. — Como está se sentindo, meu anjo? — questionou, usando
de uma voz cheia de mansidão. Parecia impossível ser o tão maldoso
Demônio, Príncipe das Trevas.
O acobreado sentia o nariz entupir e arder de tanto que segurava o
anseio de chorar. Seus olhos pesavam e um nó rasgante estava
formado em sua garganta escassa. Desejou responder-lhe, mas nada
saía, nada falava, além daquele fitar cheio d’água.
— Calebie, eu… — balbuciou, quase engolindo a própria voz. —
Não sei. — Proferir as poucas palavras foi o estopim para seu
deságue, não pôde segurar ou evitar. Apenas deu início a um soluçar e
esticou os braços, abraçando Lúcifer com gana.
— Oh Ben, não chore… Vamos resolver isso — a voz branda
tentava acalentar o ruivinho.
Ainda abraçando-o, esticou-se levemente, apertou um dos botões
existentes no painel de controle e fechou o teto solar, com o intuito de
terem mais privacidade.
— Me diga: o que houve? Explique — o timbre era baixo, mas sua
fala era autoritária.
— O meu pai… — Fungou, tentando cessar o choro.
— Ele agrediu você? Gritou ou coagiu? — As perguntas mais
soaram como uma afirmativa.
Benjamin sentiu-se envergonhado por estar em tal situação, todavia
assentiu. Levantou uma das mangas da camiseta bege, evidenciando
um braço repleto de hematomas. Caleb passou os dedos com
delicadeza, sentindo e vendo o inchaço forte, as pancadas estavam
extremamente roxas.
— Bateu mais onde? — a indagação fora ainda mais balbuciada,
carregada de angústia.
— Foi por toda parte... — Abaixou a cabeça e cobriu o braço
novamente. Não parou de chorar, embora estivesse mais moderado. —
Ele me falou coisas horríveis.
— Por minha causa? — Talvez, a resposta fosse óbvia, mas ele
queria ouvir daqueles lábios, queria sentir o peso ou o alívio no tom de
voz.
— Você não tem culpa. Alguém lhe disse que estávamos passeando
de mãos dadas e, depois, ele me viu em seu colo e achou que nos
beijaríamos. — Benjamin não mediu esforços para lhe responder, mas
o rubor das bochechas não escondia a timidez ao dizer aquilo.
Heilel afastou-se vagaroso, mantendo um rosto sério. Sem
delongas, ergueu um pouco a camiseta do alaranjado e, rapidamente,
observou as marcas em seu abdômen.
— Anjo, tire a camisa. — Lúcifer estava furioso.
— Melhor não, eu tenho vergonha. — Abraçou seu próprio corpo,
afogando-se ainda mais no assento.
— Ben, preciso ver a situação em que você está. Seja um bom
garoto e me obedeça. Tire a camisa, será breve. — Apesar da malacia,
seu tom não foi realmente tranquilo, tampouco ignorante, apenas
estava nervoso.
Benjamin não quis contradizê-lo. Com dificuldade, retirou a veste
bege extremamente folgada, dando-lhe a visão de seu corpo gordinho
tão lindo. O Diabo questionou como Deus pôde fazer algo tão perfeito
— exceto por aquelas marcas.
Caleb fechou os olhos e franziu o cenho em um ato de amargura.
— Vire de costas — pediu suavemente.
Chocou-se ainda mais quando pôde ver as costas branquelas e
cheias de sinais marrons. Não existiam apenas pancadas, mas
também algumas feridas e grandes arranhões por toda parte. O
acontecido foi muito além de uma lição ou um castigo: foi
espancamento, violência bruta, um crime.
— Pode se vestir.
Benjamin aquiesceu, vestindo-se e aconchegando-se quieto no
banco novamente. Ser fitado daquela maneira por Heilel causava-lhe
uma vergonha sem tamanho. Seu desejo momentâneo foi de encolher-
se até sumir, tornar-se tão pequenino que nem um microscópio o
enxergaria.
— Você vai me levar para algum lugar? — Passou as mãos pelo
rosto, limpando as lágrimas secas.
— Para minha casa.
Caleb não conseguia mudar a expressão: sempre de cenho
franzido, sério e calado.
Parker não se poupou do sentimento de culpa e azedume. Além de
decepcionar seu pai, estava deixando alguém que queria ajudá-lo
irritado. Era uma sensação horrenda sentir-se como um problema.
— Você não me irrita, em momento algum — as palavras quebraram
o silêncio pesado, aliviando o coração do acobreado.
— Eu não quero incomodar você — revelou, passando a palma
pelos fios.
— Não incomoda. O que me deixa sério é a situação.
O Cão sempre foi simplista em demasia, direto demais, sisudo ao
extremo.
Benjamin admirava tal postura rígida e não podia negar — mesmo
que o íntimo quisesse muito — que o achava extremamente atraente
quando tão austero. Bocejou, esticando-se de leve sobre o banco.
— Você dormiu bem? — Deixou que apenas uma mão trabalhasse
no volante enquanto tirava, rapidamente, a atenção do trânsito para
fitar o puritano.
— Não muito, já tive noites melhores. — Suspirou, mas a confissão
veio em seguida. — Para falar a verdade, eu não dormi.
— Por que não dormiu?
Por lógica, Caleb deduziu que a dor dos ferimentos tinha tirado seu
sono, todavia estava errado.
— Papai não deixou. Fiquei até agora de manhã ajoelhado, pedindo
perdão, por isso estou assim, meio cansado. — Benjamin tentou ser
modesto para evitar mais confusões. Permaneceu olhando através do
vidro da janela, porque, se olhasse para o Diabo, certamente cairia em
prantos novamente.
— Pelo menos comeu?
— A última vez que comi foi ontem, com você. — Apesar de tudo
aquilo soar hediondo, havia certa normalidade no tom e na feição
inocente e sem muitos resquícios de mágoa ou indiferença.
— Droga! — Heilel bateu, violentamente, no volante. Seu excesso
de raiva necessitava ser extravasado. — Porra! — o timbre fora mais
alto, assustando Benjamin que se encolheu para o lado.
Passou os dedos pela face e suspirou profundamente. Como Caleb
odiava religiosos! Como sentia cólera dos hipócritas!
— Calma, Calebie... Agora, eu estou melhor, juro. — Tentou
transparecer uma animação não existente, abrindo um discreto sorriso,
mas que ainda exibia os dentes.
O Diabo sabia que aquele entusiasmo era pouco verdadeiro, mas
preferiu sorrir de volta, bem de leve, quase não mostrando os vincos
dos olhos.
— Certo. — Encheu os pulmões de ar e logo soltou, mantendo-se
calmo. — Descanse. Quando estivermos próximos, eu chamo você —
ditou, focando os olhos no trânsito.
Parker somente acenou positivamente.

O apartamento onde Heilel morava, juntamente com seu braço direito


Joseph Geefs, era grande, um dos mais luxuosos e sofisticados da
Califórnia. Fazia bem o seu estilo.
Lúcifer adentrou seu aposento, com o ruivinho em seus braços.
Benjamin havia caído em um sono tão intenso e pesado, que foram
inúteis as tentativas de acordá-lo.
— Que porra é essa, Lúcifer? — o sobressalto em sua voz
evidenciava o susto.
— Silêncio!
O Diabo fez uma careta, com o intuito de Hope se calar. Continuou a
caminhar, seguindo para seu quarto e deixou Parker deitado sobre sua
cama.
— Heilel, qual foi a merda que você fez? — sua voz parecia
extremamente desorientada.
— Eu não fiz nada — proferiu em contragosto, guiando-se para fora
do quarto e fazendo o percurso até o pequeno aparador bar. Pegou um
pouco de uísque enquanto fitava seu ajudante.
— Por que trouxe o menino para cá? — A indagação mostrava todo
contragosto de Geefs para com Benjamin. — Olha, você não fez nada
de mal com ele, certo?
— Já disse que não fiz nada! — Suspirou. Estava nervoso.
No fundo, o demônio ajudante presumia toda a falta de coragem de
Heilel para fazer qualquer mal com o casto ruivinho.
— O pai dele o espancou. Ele está sem comer e sem dormir desde
ontem. E eu, Lúcifer, que sou ruim? Corta essa! — Demonstrava sua
raiva pelos olhos, pela boca, pelo corpo. O Diabo sentia nojo da
humanidade.
— E o que isso tem a ver com você? Absolutamente nada, Lúcifer!
Você está sendo exagerado, não tome as dores de outra pessoa.
Benjamin sabia que não deveria sair, mesmo assim foi. A culpa é dele,
não sua. — Não era exatamente isso que Joseph pensava, contudo foi
o que sentiu vontade de dizer, e disse.
As palavras de Hope soaram totalmente infelizes.
— Droga, Joseph. Mas que merda, hein?
Caleb, para se poupar de ouvir mais asneiras, retirou-se da sala e
seguiu para o quarto, deixando Joseph muito irritado por não ser
ouvido. Observou Benjamin dormir por cima dos seus lençóis brancos e
sedosos: era angelical a maneira como o corpo se agarrava ao
travesseiro macio.
Pela primeira vez, Lúcifer olhou-o sem pensar quaisquer
obscenidades.
Largou seus devaneios para procurar o kit de primeiros socorros.
Não sabia o porquê de ter isso em casa, mas, desta vez, foi útil a ele.
Segurou a malinha branca, caminhou até a beirada da cama e sentou-
se. Não economizou ao fitar Parker novamente. Os fios ruivos
tomavam o travesseiro que era seu; o corpo frágil ocupava sua cama.
As expressões dele eram inocentes, doces como favos de mel.
— Ben… — chamou-o baixo, com uma voz tão tranquila que
causava um arrepio por entre a derme.
— Hum… — emitiu sonolento, remexendo-se pela cama, ainda com
os olhos fechados.
— Vamos, acorde um pouquinho. — Tocou o ombro alheio com
certa impaciência, porém tentou ser cuidadoso.
Parker fez um gesto dolorido por conta do toque inocentemente
bruto. Esticou-se, preguiçoso e sentou-se, sentindo cada parte da sua
estrutura pedir socorro.
— Você não me acordou — anunciou ao notar onde estava. Logo,
os lábios rosados formaram um bico de chateação ao mesmo tempo
que seus lumes faziam um panorama por todo ambiente.
Apesar da afirmação manhosa e irritadiça, o puritano permaneceu
sem resposta.
— O que está fazendo, Calebie? — voltou a falar, franzindo o cenho
enquanto observava Lúcifer mexer na maleta.
— Cuidando de você. Tire a camisa — a voz séria foi timidamente
obedecida.
Benjamin esticou os braços, puxou o tecido fino e folgado e jogou-o
por cima da cama.
O Diabo prendeu, suavemente, os dentes contra o lábio inferior,
fazendo uma perspectiva pelo dorso nu. O ruivinho ficou extremamente
envergonhado pelo olhar conquistado e cada vez que Heilel apertava o
beiço, mais ruborizava.
Caleb somente parou de olhá-lo com o som do bater à porta. Foi o
que despertou a atenção.
— Entre, Hope — falou de maneira alta para que fosse facilmente
auditivo para quem estivesse do lado de fora.
Benjamin ficou ainda mais constrangido quando soube que existia
mais alguém ali. Puxou a camisa e os lençóis, enrolando-os pelo corpo.
— Ei, não é necessário ter vergonha aqui. Ele é meu melhor amigo
— explicou com o intuito de deixá-lo mais à vontade.
— Céus! — Joseph exclamou, olhando as costas do arruivado.
— Hope, sem derivados de Deus hoje, está me deixando enjoado.
— O humor, nos horários inapropriados, era o forte de Caleb.
— Oh, Heilel. Você perde a cabeça, mas não perde a piada, não é?
— Rolou os olhos, mas não existia contragosto.
Em seguida, o Cão gargalhou do mau humor de Joseph.
— Me deixa ajudar — o braço direito pronunciou, aproximando-se
de Benjamin.
— Não! — era evidente o desespero no tom de voz. — Quero
dizer... Não precisa. Obrigado. — O ruivinho tinha uma expressão
assustada, ressabiado por sua “nudez”.
— Não precisa, obrigado. Apenas vá comprar algo para ele comer,
pode ser?
Verdadeiramente, Geefs não se sentia contente com a presença do
puritano, não somente por ele, mas pelo próprio Diabo. Afinal, onde já
se viu o Diabo abraçando a cruz?
— Certo, certo. — Retirou-se com rapidez, negando lentamente.
O silêncio, prontamente, instalou-se no lugar. As bochechas
sardentas de Benjamin estavam como morangos frescos e vermelhos.
— Posso ver seus machucados? — Lúcifer perguntou-lhe.
Parker somente outorgou, tirando os lençóis do seu corpo.
Cuidadosamente, Caleb pegou uma gaze fina, melando-a no
medicamento sanativo e, celeremente, passou sobre as feridas e
arranhões. Fez alguns curativos e certificou-se de lhe dar um
comprimido Tylenol para dores musculares.
— Devagar, Calebie. Isso dói… — O acobreado mantinha os olhos
fechados, tentando suportar o ardor do remédio.
— Falta pouco — ditou, passando os dedos entre os fios cor de fogo
em uma carícia, fechando o último curativo.
— Pronto, pode colocar a camisa.
Ao terminar, sentou-se de frente para Benjamin, vendo-o com a
faceta aliviada e um pouco mais serena.
A forma como as pessoas pregavam o amor era tão contraditória.
Amor não era dor e castigo. Quem achava Deus bom era porque nunca
provara da tremenda compaixão do Diabo.
Benjamin sorriu, sem jeito, sem saber o que falar, ainda muito
acanhado.
— Como alguém pode dizer que tem amor por você e fazer isso?! —
O rosto de Heilel não escondia a angústia que sentia.
— Eu não sei. Acho que, às vezes, agir assim pode ser normal.
Todos erram — a voz tristonha respondeu a pergunta retórica.
— Logo terei que levá-lo de volta — mudou o assunto. Não podia
negar que a ideia de levar o garoto para casa era seu último querer,
mas teria que fazer, apesar de toda ojeriza.
Parker assentiu, sorrindo de lado como se voltar ao lar fosse uma
opção válida, como se nada tivesse acontecido.
Lúcifer passou a mão pelo rosto dele, acariciando-o com o dedão,
observando o ruivo fechar os olhos e suspirar com mansidão,
desfrutando aquilo.
— Quase não recebo carinho. — Aquela confissão soou tão
naturalmente, exalando a pouca tristeza, juntamente com a gratidão
pelo que Heilel fazia.
O Diabo admirava a beleza peculiar de Benjamin, tanto que não
tirava sua vista dele e não podia controlar suas íris escuras. O
arruivado não estava diferente: fitava a face máscula, de mandíbula
sutilmente delineada, e tudo que seu cerne almejou foi ter aquele afago
sempre.
Com calma e brandura imensuráveis, deslizou o dedo pelos lábios
carnudos e róseos, fazendo-o apertar ainda mais os lumes. Aproximou-
se devagar, com delicadeza, unindo as testas. Ficou alguns segundos
daquela maneira.
Benjamin, carinhosamente, moveu o rosto com devoção, fazendo
uma carícia mínima com o nariz. Caleb, então, retribuiu, sentindo-se
surpreso pelo contato. Apoiou a mão sobre a nuca do ruivo, deixando-
os mais próximos.
Os toques eram extremamente leves e angelicais, os narizes se
encostaram delicadamente, tocando um pouco as bochechas, em uma
espécie de beijinho de esquimó, com ainda mais fleuma.
— Heilel, eu não tinha certeza do que ele gosta, então… — o vozear
foi subitamente interrompido pelo breve susto que a cena lhe
proporcionou.
Parker ficou inteiramente enrubescido e abaixou a cabeça,
escondendo-a no peito de Caleb, respirando seu perfume gostoso
enquanto se tapava ainda mais com sua camiseta.
— Desculpem, é que… — Soprou brandamente. — Perdão pela
interrupção.
Joseph tentou se explicar para não parecer inconveniente, mas
preferiu não argumentar muito. Apenas deixou a embalagem de frango
frito crocante em cima da cama e saiu com pressa.
Lúcifer riu nasalmente e, contido com a atitude ultraprevisível de
Benjamin que ainda cobria a faceta, completamente sem jeito.
— Não fique assim. Ergueu-o pelo queixo, contemplando os
olhinhos escuros que lhe fitavam, quiescentes, banhados de doçura.
Com calma, o Tinhoso tomou proximidade, deixando um selar
demorado e suave no canto da boca do ruivo.
— Coma, preciso levá-lo para casa. Definitivamente, Benjamin
estava com bochechas vermelhas, ardidas e com o coração a mil.
As constelações ajudam-nos a separar o céu em porções
menores. Durante as noites escuras, podem ser vistas entre mil a mil e
quinhentas estrelas. Sendo assim, cada estrela pertence à certa
constelação. Os astrônomos da antiguidade imaginavam que elas
formavam figuras ilustrativas.
Uma.
Duas.
Três.
Estrelinhas amarelas brilhando sobre o teto branco do quarto.
Benjamin estava deitado em sua cama, contando uma a uma
enquanto apontava para elas. Seu intuito era de encontrar o sono, mas
ele não chegava.
Virou-se para o lado esquerdo e fitou a parede azul-pastel.
Sentia-se tão inquieto. Sua mente insistia em trabalhar
pensamentos, os quais ele tentava, a todo custo, esquecer; aquilo era
inevitável. A cada cinco elucubrações, pelo menos três delas eram
sobre Caleb e a maneira como ele estava se tornando especial para o
ruivo. Soava até estranho.
Lembrou-se dos toques de outrora, do carinho, de como foi cuidado.
Não pôde evitar sorrir bobo, mesmo que contido, logo sentindo o rosto
ficar morno, corado, e as borboletas voarem por todo o seu estômago.
— Deus, será que é errado gostar, só um pouquinho, do Calebie? —
a indagação foi feita com a voz mansa e lábios que formaram um bico
ladino.
O monólogo com Deus era costumeiro, principalmente, quando tinha
insônia.
— Por que seria tão errado gostar de alguém? — O silêncio por todo
recinto sobrava, e logo Benjamin deparou-se sem uma resposta
auditiva de Cristo. Era normal.
Rolou pela cama macia e quentinha, ficando de bruços. Enfiou o
rosto no travesseiro, totalmente envergonhado.
— Se eu fosse “diferente”, o Senhor continuaria me amando?
Espero que sim.
O anel de ônix negra era um item místico de equilíbrio energético, o
qual, com a ajuda do barqueiro Caronte, permitia-se viajar para dentro
e fora do Inferno. Como um grande companheiro de Heilel, sempre
estava em seu médio, girando e girando. Do mesmo modo, era seu
bem mais precioso. Pode ser usado mais de uma vez, mas com um
espaço de tempo considerável.
As luzes vermelhas contracenaram um âmbito escarnecedor. Não
que realmente fosse, mas o Diabo estava lá.
O terno preto da Gucci vestiu esplendidamente bem o corpo forte de
Caleb que se encontrava sentado no balcão de sempre. O barman,
desta vez, era Joseph e ele parecia estar verdadeiramente animado
com o que fazia. O sorriso bonito e largo que carregava deixava
evidente seu bom humor.
— Você está muito contente, hoje. O que aconteceu? — A
expressão séria demonstrava que Caleb estava antagônico ao braço
direito.
— Apenas estou animado — retrucou enquanto seus olhos rolavam
entediados para trás e suas mãos balançavam fortemente a
coqueteleira de aço. — E você? Só está de mau humor ou isso é
saudade do seu bonequinho? — o tom rodeado de deboche mostrava
o verdadeiro Joseph que não evitava carregar uma feição provocativa,
com riso ladino e sobrancelha erguida.
O Diabo, por turno, sorriu traiçoeiro de uma maneira que deixava em
evidência seus devaneios maldosos.
— Sempre estou — revidou com uma resposta que não agradou seu
amigo.
Heilel segurava o copo on the rocks e deu um gole curto na bebida
escura e amarga, sentindo-a percorrer sua garganta, de efeito
devastador. Blavod era uma bebida fortíssima.
— Se continuar desse jeito, irá retornar ao inferno com cirrose — o
timbre piadético jamais lhe escapava.
— Oh, isto é a única coisa que presta por aqui. — Virou o copo,
ingerindo tudo que restava. Então, levantou-se, caminhou até um dos
sofás de couro preto que existia na boate Sky e sentou-se
placidamente ali, as pernas levemente abertas, as costas escoradas
sobre o acolchoado de forma desleixada e confortável: aquela posição
deixava-o ainda mais sexy.
Seu braço direito o seguiu, sentando-se na sua frente. Hope trazia
consigo uma nova garrafa de Blavod, a qual estendeu para Lúcifer,
vendo-o sorrir e pegá-la para abrir.
Uma das dançarinas — alta e loira — deslocou-se até Caleb com
passos calmos, polidos e sensuais. Um rir sacana abriu-se na face do
Tinhoso. Com o olhar fixado nela, deu um tapinha na própria coxa.
De imediato, a mulher compreendeu o seu desejo. Sentou-se no
colo dele, esbanjando seus seios fartos cobertos por pouco tecido
brilhoso enquanto fazia uma carícia no peitoral alheio.
Lúcifer deu um novo gole na bebida alcoólica, pelo gargalo, e selou
seus lábios ordinários na boca da loira.
— Achei que seria muito mais fiel ao seu puritano, Caleb Heilel — a
ironia usada, juntamente com a risada de satisfação, parecia ser pura
implicância.
— Fiel só Deus, e olhe lá — retrucou enquanto acariciava a coxa
pálida da mélea dama.
Seu clima, porém, foi cortado quando pôde sentir a atmosfera
densa, com uma áurea péssima, tão pesada que parecia estar
serpejando. Caleb revirou os olhos em puro desgosto e tédio. Não
precisava de muito para saber quem viria em seguida.
— Oh não… — a voz de Joseph soou extremamente chateada.
O homem bem-apessoado, com asas enormes de cor negra —
puxando para um leve degradê cinza —, invadiu o local pelo teto,
atravessando-o, sem causar dano algum.
— Parece que temos visita — o tom era divertido e convidativo, o
que fez Geefs ficar completamente receoso.
A feitura que o Diabo carregava era pérfida e sarcástica.
— Achei que eu já era de casa, Heilel. — O demônio, com fios
claros e pele bronzeada, despejava as palavras com uma falsa tristeza,
dando-se o prazer de enfatizar o recente codinome de Lúcifer.
— Entrando pelo teto? — Gargalhou curto enquanto era observado
por um olhar sério, muito controverso com o de outrora.
— Quando vai parar com todo esse teatro e regressar ao Inferno? —
a voz já demonstrava alteração, e o feitio nada paciente esclareceu a
falta de humor.
— Você veio até aqui apenas para me fazer esta pergunta? Oh,
Gadreel, aposto que tudo isso é saudade. — O rosto tinha uma
fisionomia satírica, e as falas, um ar cômico quase desagradável.
— Lúcifer, o Inferno não deve ficar fora de seus comandos. Tudo
está desorganizado e somente sua presença pode mudar isso. Você
sabe, mais cedo ou mais tarde, terá que voltar — seu timbre era
alterado, responsável e rouco, um tanto sensual, mas inapropriado.
— Certo. No momento, opto por ser mais tarde. — Sorriu,
mostrando os dentes de maneira que somente ele conseguia. Tentou
levar a garrafa com Blavod até seus lábios finos, contudo o tempo
estava dilatado demais e tudo, ao redor, congelado.
O recipiente foi empurrado com força e violência, estilhaçando-se
pelo chão, o que fez Joseph tremer de susto. Parecia que seu demônio
não estava contente com suas respostas burlescas.
— Escute-me, Lúcifer: uma hora, eu voltarei e levarei você junto. —
A proximidade era grande: o dedo indicador do anjo caído quase
tocava o rosto perpetuado de Caleb, de forma profundamente
presunçosa.
O Diabo não parecia devastado, apenas se mantinha austero, sem
sequer recuar ou se defender das ameaças.
— Estarei bem aqui, esperando-o — retorquiu com zombaria.
— Quando decidir parar de brincar, sabe onde me encontrar. — O
revirar de olhos evidenciava a impotência do anjo maligno. No fundo,
uma leve desistência.
— A propósito, Gadreel, quando vier novamente, avise. É quase
impossível servir uma bebida quando se congela o tempo — ditou com
sarcasmo, referindo-se ao comprimir de espaço.
O anjo caído cerrou os cílios, negando friamente com a cabeça.
Uniu suas enormes asas, cobrindo-se por inteiro e, com fugacidade,
sumiu.
Lúcifer respirou profundamente, pesaroso, empurrando a mulher de
seu colo e vendo-a sair um pouco desentendida.
— Heilel, a coisa está mais séria do que imaginei. O Gadreel odeia
sair do Inferno, você sabe! — A preocupação sentida não foi
escondida, o temor de Joseph era real.
— Fique calmo, Hope.
— Calmo, Lúcifer? Você sabia que nem todo mundo tem essa sua
calma de templo budista? — Joseph se exaltava, gesticulando de
forma um tanto alterada, com a voz consideravelmente nervosa.
Caleb sorriu de tal desespero, levantou-se e deixou-o falando
sozinho.
— Aonde você vai? — indagou irritado.
— Atrás do meu “bonequinho” — repetiu, com debique, a palavra
sugerida. Caminhou, distanciando-se de seu melhor amigo, e retirou-se
pela porta não muito tumultuada.
— Só para constar, Caleb Heilel: você está sendo mais fiel que
Deus. Não tente me enganar — provocou, com a voz alta por conta da
distância.
— Às vezes, o Diabo tenta imitar Deus, e você sabe que eu sempre
me saio melhor — rebateu com narcisismo, dando-lhe uma piscadinha
e adentrando o conversível.

Havia poucas pessoas com quem podíamos contar, e isso o Diabo


sabia com precisão. Contudo, entendia ainda mais que melhor do que
qualquer ser humano, somente um Corvette. O conversível de extremo
luxo era bonito e equipado. Caleb sempre chamou muito a atenção
com aquele veículo tão atraente e de preço exacerbado,
principalmente, quando se estava de frente a uma igreja que sequer
tinha vidraçarias.
Adentrou o lugar, notando o acúmulo de pessoas. Ainda eram sete
horas da noite e surgia um pensamento motejador: será que eles
acham que no céu tem Black Russian para quererem tanto ir para lá?
Seus olhos faziam um panorama pelo ambiente, procurando o seu
adorável ruivinho atentamente, porém não o encontrou.
— Ele não vem em dias como hoje — a voz familiar soou arrogante
perante os ouvidos do Tinhoso. — Está em casa — concluiu, utilizando
da mesma entonação, apesar de parecer trêmulo e nervoso.
Hector só desejava ficar livre de Heilel.
— Então, receba-me bem para o jantar, pastor. — O sorriso era
pouco amigável e de humor seco, contudo, na face dele, existia uma
sardônica sem pudor.
— O quê? — questionou surpreso e assustado.
Lúcifer nada respondeu, somente o deixou para trás, totalmente
desnorteado.
A casa de Benjamin não era distante do mosteiro, um percurso
mediano entre dez ou quinze minutos de carro.
Heilel estacionou em frente à residência. Esta não era pequena,
todavia não esbanjava um luxo.
Organizou seu terno e formou o encontro do seu solado Gucci com
o gramado — esse, agora, desconhecido. Caminhou devagar, apenas
observando o lugar, estudando-o. Tocou a campainha antiga que, pela
aparência, julgou não funcionar. Mas, rapidamente, foi surpreendido
por Karen que abriu a porta, fazendo um ranger irritante.
— Oh, Caleb! — a voz, apesar de surpresa, era simpática.
— Boa noite, Senhora Parker. Eu estava na igreja, fazendo
companhia ao reverendo, mas ele me pediu que viesse para distrair o
Bem. — Sorriu doce. — Hector comentou sobre ele ser um pouco
solitário. — Fez uma expressão tristonha, completamente traiçoeiro e
fingido.
— Sim, concordo com ele. Pode entrar. Me desculpe por não ter
atendido antes, é que estou completamente atarefada. — A feição da
mulher não mentia, parecia exausta.
Os fios ruivos presos, o pano branco no ombro esquerdo e o avental
sujo explicavam sua ocupação: estava quase na hora do jantar.
Heilel somente adentrou, fitando a casa um tanto assustadora:
existiam alguns poucos símbolos religiosos espalhados nas paredes,
duas Bíblias abertas — uma no salmo vinte e três e outra no salmo
noventa e um — de decoração e, por último, a feição de Cristo pregada
no centro, acima da porta.
Se tudo aquilo era para afastar o Diabo, não funcionou. Ele estava lá
e fora recebido em primeira mão.
— Benjamin está no quarto. Você pode subir as escadas, é o
segundo à direita. Sinta-se à vontade, Caleb.
A mulher parecia pouco ligada à presença dele, visto que fora
apresentado como um amigo de seu marido. Lúcifer sorriu-lhe,
aquiescendo.
— Obrigado, Karen.
O Diabo pôs-se a subir a escadaria, degrau por degrau, escutando o
rilhar. Rapidamente, já estava diante da porta branca. Sentia a
presença forte e delicada que Benjamin tinha, e era prazerosa.
Bateu três vezes cautelosamente.
— Pode entrar! — a voz gritada e doce do ruivo adentrou os ouvidos
de Heilel, assim como seu cheiro perfumado que, sem pudor, invadiu
as narinas dele, dando-lhe uma sensação de sede, fome, desejo.
Abriu a porta, lentamente, tendo a visão de Benjamin deitado de
bruços. Ele vestia um pijama comum. Naquela posição, sua bunda
ficava extremamente destacada, diferente dos outros dias, visto que
suas roupas costumam ser largas demais.
— Papai, hoje não tem coral — ditou enquanto mexia em um cubo
mágico. O Tinhoso abriu um riso.
— Você ainda brinca com isso? — a voz rouca de Heilel assustou-o,
em uma surpresa boa.
O arruivado, por um breve momento, sobressaltou, já sorrindo
nervoso e ajeitando-se pelos lençóis.
— Calebie?! — A expressão contente evidenciava a surpresa.
Quis disfarçar a animação fervente que sentiu ao vê-lo, mas seu
sorriso de bochechas levantadas e ruborizadas o entregava com
facilidade.
Lúcifer rolou os lumes pelo quarto do garoto, o qual era diferente da
casa, sem liturgias nem derivados. Era um ambiente normal: duas
paredes azuis e duas brancas, bem arrumado, com local para estudo e
algumas prateleiras cheias de livros.
— O que veio fazer aqui? — a pergunta, apesar de ter palavras que
podiam soar desagradáveis, não foi assim. O tom de voz usado por
Benjamin demonstrava, a todo instante, que a presença do Diabo era
algo almejado e agradável.
— Vim ver você — Heilel ditou ciciado, meio sedutor.
Parker pressionou seus dentes contra o lábio interior enquanto
tapava a boca, tentando esconder o sorriso bobo que formara, todavia
falhou miseravelmente.
— Entre, sente-se aqui. — Apontou para a borda da cama, com o
timbre manhoso que já fazia parte dele.
O Diabo adentrou o quarto do puritano.
— O que estava fazendo?
De modo curioso e distante, Caleb percorria o lugar, deixando suas
mãos curiosas e bagunceiras mexerem nos objetos das prateleiras.
— Tentando brincar com o cubo mágico, mas não consigo, parece
quase impossível. — suspirou cansado, mostrando o passatempo
tedioso para Heilel.
O fitar de Lúcifer era cheio de tédio e, logo, um pensamento
ocorreu-lhe: quem ainda se divertia com aquela droga?
— Como estão seus machucados? — alterou o assunto enquanto
mexia, despretensiosamente, em um dos livros.
— Estão melhores, porém ainda doem um pouquinho. — Benjamin
não parecia triste ou abalado, afinal já havia perdoado a atitude
impensada de seu pai. Parker aprendera, há muito tempo, que perdoar
era esquecer.
— Ei... — chamou-o, um pouco acanhado. — Posso fazer uma
pergunta?
A cada dia, Benjamin sentia-se mais à vontade com Lúcifer.
— Claro, fique à vontade para perguntar o que quiser. — Fitou a
face angelical, demonstrando estar atento.
— Você tem quantos anos? — A pergunta, rodeada de curiosidade,
martelava, há dias, na cabeça ruiva.
Apesar da aparência muito jovem, Caleb não se comportava como
tal. Talvez, suas roupas o deixassem com um ar mais sério, sombrio.
— Deixe-me ver... Uns dez mil anos?! — Pensou a fundo e,
rapidamente, chegou à conclusão de que se perdeu no tempo e “dez
mil anos” seria a resposta mais plausível.
— É sério, Calebie! — protestou com breve fastio, achando a
resposta boba.
— Mas estou falando a verdade. — Riu irônico.
— Está bem. — Deu de ombros e se jogou para trás, afundando no
colchão macio.
Benjamin poderia ser um pouco mimado às vezes.
— Mas e você: quantos anos tem, meu anjo? — refutou a pergunta.
Embora Parker fosse ingênuo, nunca gostou de ser tratado como
uma criança, uma vez que sua criação era rígida e exigia uma certa
seriedade e maturidade, mesmo que muito alienada e distorcida.
— Dezoito. — Não queria responder, mas o fez. — Mas já vou fazer
dezenove! — Talvez, assim, não soasse tão tolo e Caleb o levasse
mais a sério.
— Você ainda é um bebezinho — seu tom era brincalhão.
Benjamin exibiu uma careta ofendida. Seus olhos se estreitaram e
negou com veemência. Não queria ser visto daquela maneira.
— Calebie, sabia que o seu nome significa “fidelidade”? Li em um
livro, ontem à noite.
Heilel acorcovou a sobrancelha esquerda, dando uma meia risada
por conta de seu significado irônico.
— E, também, simboliza Cão — completou, olhando no fundo dos
olhos de Benjamin, quase se perdendo naquelas galáxias particulares
e docemente castanha; havia um brilho inconfundível. — O seu nome
significa o quê?
— “Filho da felicidade” — respondeu de modo desenvolto. — Minha
mãe escolheu esse nome, porque ela sempre quis ter um filho, mas
nunca conseguia. Então, ela orou a Deus, com perseverança, e pediu
para que eu viesse, assim como Samuel veio para Ana e trouxe a
alegria de que precisava. — Um sorriso cheio de doçura tracejou seus
lábios.
— Também pode querer dizer honestidade, compreensão ou
determinação para enfrentar os desafios. Um bom nome, Ben.
Combina com você.
Benjamin assentiu de modo lento enquanto mexia na barra do
pijama adorável, contendo a euforia que fisgava, momentaneamente,
seu cerne.
— Obrigado. O seu nome também combina com você. Eu gosto, soa
imponente e forte!
— Por que não vem até aqui? — A indagação, que fugia da
conversa anterior, foi mais uma proposta.
O ruivinho emitiu um respirar tentado e atraído àquele chamado
suave. Umedeceu os lábios, um pouco receoso e nervoso com a
possibilidade de um contato semelhante ao do outro dia. Levantou-se,
mesmo que envergonhado pela roupa que vestia.
Sentiu o chão gelado sobre seu solado descalço enquanto sua
faceta estava quente de pura timidez. Parker ficou frente a frente com o
Diabo, olhando-o de cima dos cílios, percebendo o quão alto ele era.
Seu corpo tornou-se mais tenso.
— Parece nervoso. Está? — perguntou baixo.
Aquela voz rouca e sussurrada causava uma sensação absoluta a
Benjamin. Ainda assim, assinalou com a cabeça, negando. Era
mentira.
— Por que não terminamos o que havíamos começado? — o timbre
era dissoluto, beirando o sensual.
Ambos já estavam muito próximos, a respiração do Parker se
encontrava desregulada e o maldito e desconhecido desejo de beijar
Lúcifer o invadiu.
Por qual motivo tantos desejos profanos habitavam o Filho de Deus?
O Tinhoso deslizou a destra para a nuca de Benjamin, apoiando-se
ali. Tal toque o fez congelar. Usando a canhota, puxou a cintura macia,
unindo os corpos em um encaixe divino. Sem ainda ter uma resposta
conclusiva em palavras, Caleb tentou beijá-lo, entretanto o arruivado
virou o rosto, recusando os lábios de Lúcifer.
— Eu não sei fazer isso direito, posso não ser bom. — Tentava
desviar o olhar enquanto sua voz, corrompida pela vergonha, ficava
aguda e ainda mais sussurrada. Seu rosto estava pálido, em
verdadeiro nervosismo. Não podia evitar a tremedeira.
— Garanto-lhe que isso é impossível.
Heilel pendeu o garoto de volta para si, fazendo outro choque entre
os corpos. Encostou os narizes, em um carinho delicado, enquanto sua
mão acariciava, com afagos, os fios cor de fogo. Benjamin não estava
relutante, ele queria, desejava tanto que já não podia evitar.
Enfim, Caleb juntou as bocas em um selar extremamente singelo.
Pôde sentir os lábios grossos e quentes em uma sensação mais que
maravilhosa. Permaneceram alguns segundos daquela forma,
separando-se vagarosamente.
Parker mirou, graciosamente, os olhos de Lúcifer enquanto este fez
um leve esmero no rosto alheio, vendo-o estreitar os lumes e desfrutar.
Juntaram-se novamente.
Desta vez, pôde sentir a mão trêmula de Benjamin tocar seu
pescoço. Mordeu, de leve, o lábio inferior do ruivinho, sentindo-o
amolecer de satisfação. O gosto da boca carnuda e rósea era
indecifrável, parecia provar do néctar mais puro, perpétuo e doce.
O puritano não sabia exatamente o que fazer, por isso
acompanhava aquele ritmo gostoso imposto por Caleb. Quando foi
pedida a passagem com a língua, o alaranjado parecia muito mais
entregue e cedeu, com fogo e desejo, mesmo que muitíssimo
controlado.
As línguas tocavam-se de maneira desajeitada e nova, mas isso não
impedia que o ósculo fosse delicioso. Era um primeiro beijo, lento e
molhado.
Somente Lúcifer o havia provado e, assim, seria eternamente. Um
beijo que Benjamin jamais imaginou dar e nunca iria esquecer.
Os estalos eram audíveis e, a cada segundo, Heilel apertava-o mais,
causando sensações nunca sentidas. Tudo muito curioso, tudo muito
vigente.
Afastaram-se, mas mantiveram as testas grudadas.
Caleb abriu os lumes, fitando o rosto imaculado: os lábios tinham
uma tonalidade muito mais viva enquanto os olhos ainda estavam
fechados.
Lúcifer prensou-o novamente, desta vez, com mais brutalidade,
beijando-o de um modo diferente. Havia mais fulgor. O arruivado
parecia ter entrado muito bem no jogo de Caleb. As cabeças moviam-
se de um lado para o outro enquanto as línguas faziam movimentos
circulares. Algumas vezes, dava mordiscadas; outras, chupava a língua
morna ao mesmo tempo que apertava a cintura.
Naquele instante, Lúcifer havia perdido todo o seu controle;
impulsionou o garoto para cima e este entrelaçou as pernas em volta
de sua cintura.
Benjamin sentiu suas costas baterem contra a parede, arrancando-
lhe um gemer curto e baixo. O Tinhoso devorava seus lábios com uma
voracidade apetecível.
Parker puxava os fios negros e derretia-se cada vez mais nas mãos
do Demônio, na pegada voluptuosa. Sentia-se imensamente quente e,
quanto mais o calor crescia, mais a culpa o invadia, e o que era um ato
extremamente prazeroso tornou-se um fardo sobre si. Devagar, cessou
o beijo, distanciando-se de Heilel enquanto o ar retornava para seus
pulmões. Seus lábios formigavam e a visão ficou levemente turva.
Como uma penitência, lembrou-se das palavras que seu pai lhe
havia dito. Ele tinha pecado, estava pecando contra Deus e estava
gostando.
O coração do amável ruivo ficou fragilizado. Imediatamente, soltou-
se aos prantos, ajoelhando-se de frente ao Diabo enquanto lágrimas
grossas escaparam de seus olhos doces e percorreram suas
bochechas sardosas.
Caleb observou tal reação sem muita emoção. Não ficou assustado,
foi algo bastante previsível, mas não imaginou daquela maneira.
Benjamin somente chorava e pedia perdão em burburinhos.
Lúcifer, de fato, queria tê-lo ajoelhado diante de si, mas não para
rezar.
Tocou as madeixas ruivas em uma tentativa de acalentá-lo. Depois,
passou a palma no rosto, levantando seu queixo e fazendo com que os
luzeiros marejados pousassem sobre ele.
Oh, Heilel almejava jogá-lo naquela cama, foder todo aquele corpo,
tão forte e fundo que encontraria a Glória Divina e o Espírito Santo que
o habitava! Mas, logicamente, não o fez, porque não era disso que
Benjamin precisava.
— Não chore, meu bem. — Limpou as lágrimas presentes no rosto
delicado.
— Por que tem que ser assim? — A pergunta foi, evidentemente,
retórica.
— Ben… As coisas não são assim, você ainda precisa conhecer
muitas coisas. Ter vontades não é pecado. — A expressão de Caleb
era diferente de outras vezes, sentia pena do garoto. Não exatamente
por ele, mas por terem feito com que ele acreditasse que ter um anseio
carnal era errado.
— Calebie… desculpe por isso. Me deixe sozinho, por favor.
Benjamin evitava o contato visual, cobrindo o rosto com as mãos
pequenas.
Heilel somente assentiu, mesmo sabendo que Parker não o via.
Deixou um selar breve na bochecha fofinha e retirou-se do local, sem
falar palavra alguma.
— Deus, me perdoe — pediu, chorando de modo descontrolado. —
Me perdoe por gostar tanto...
A palavra tênue tem origem no latim “tenius” e indica uma coisa
pouco espessa, fina e frágil. Assim foi criada a expressão “linha tênue”
que remete a diferença sutil entre duas coisas totalmente contrárias.
Sendo assim, para que os antônimos sejam iguais, falta pouquíssimo.
Amor e ódio.
Querer e não querer.
O bem e o mal.
Deus e o Diabo.
Os fios, de cor alaranjada e textura fina, tocavam o travesseiro de
modo confortável enquanto os pequenos e apertados olhos
despejavam lágrimas incessantes e pesadas. Benjamin sentia-se
imensamente culpado, errado como um monstro abominável. Seus
soluços eram altos e o peito subia e descia em busca de mais oxigênio.
Tentava se conter, mas parecia impossível.
Seus pensamentos eram todos voltados a Caleb a todo instante,
recheados de dúvidas e receios violentos: e se ele não voltasse? Se
estivesse com raiva ou chateado? Se não quisesse vê-lo novamente?
Entretanto, e se Heilel retornasse e o convidasse para fazer tudo
outra vez? Se voltasse somente para fazê-lo escolher o pecado?
Parker estava em uma corda bamba.
Passou as mãos pelo rosto, limpando as lágrimas enquanto
regulava sua respiração que estava bastante ofegante. Controlar-se
não era uma tarefa fácil, visto que a ânsia de chorar vinha em demasia.
— Seria tão errado gostar de um homem? — com a voz chorosa,
deu início a uma conversação com Deus, fazendo uma pergunta
semelhante à da noite passada, mas, desta vez, com mais intensidade.
O silêncio pairou com um peso cruel.
— É óbvio que seria! Claro! — afirmou, não esperando uma
resposta de Cristo. — Papai disse, advertiu-me. Ele está sempre
correto, preciso aprender. — Tomou, enfim, o lugar de fala de Deus,
respondendo seus próprios pensamentos.
Seu dever seria eliminar essas ideias erradas e promíscuas,
exterminá-las de sua mente.
— Eu, definitivamente, preciso ficar longe do Calebie! — mais uma
afirmativa.
Falava mais consigo mesmo do que com Deus ou quaisquer seres
divinos. Era uma conclusão além do bem ou do mal, do pecado ou da
obediência.
— Isso! É necessário ficar longe dele. — A idealização parecia boa,
porém sentiu as lágrimas voltarem somente na hipótese.
Em apenas supor não ter o Diabo todas as manhãs, sentia calafrios.
Aquilo soava um inferno, já que seus últimos dias estavam sendo muito
melhores, todavia servir a Deus exigia isto: sacrifícios e não sacrilégios.
— Sinto muito, mas vou me afastar de você, Calebie Heilel…
O ruivinho estava decidido.

O sofá Lorenzo de couro na cor branca equilibrava-se perfeitamente


bem na sala de estar do apartamento luxuoso; Heilel estava sobre o
estofado, suas mãos habilidosas trabalhavam em uma partida de
Overwatch. A expressão do Demônio era de plena concentração no
que fazia, esforçava-se para vencer. Ele nunca entrava para perder,
nem mesmo nos videogames.
— Eu não acredito nisso, Lúcifer — a voz incrédula combinava
perfeitamente com a feição de Joseph. Desacreditado, puramente
desacreditado.
— O que houve, Hope? — Riu nasalmente, já entendendo o porquê
do outro estar tão surpreso, mesmo que não estivesse dando uma real
atenção às falas do Geefs.
— Heilel, você é o Diabo! Poderia estar acabando com a
humanidade, fazendo furacões, comendo gente, levitando, bebendo,
mas não: você está… Jogando. — Joseph esbravejava suas falas
enquanto mexia a perna em uma evidente declaração de impaciência.
Caleb, por sua vez, sorriu arteiro, apontando com a cabeça para o
copo preenchido de uísque que estava à sua direita.
— Você me entendeu, Lúcifer! — exclamou birrento.
Geefs, peremptoriamente, estava ficando, a cada dia, mais exausto
da Terra, das manias do Diabo e da mudança brusca desde que ele
conheceu o garoto ruivo.
— Ah, você só sabe reclamar! — ditou desgostoso, exibindo uma
careta. Seu corpo subiu ao ar, tomando uma total distância do
acolchoado, flutuando. Virou-se, celeremente, de cabeça para baixo,
mas ainda mantendo sua atenção no jogo.
— Está bom para você agora? — questionou, cheio de graça.
Antes mesmo que Joseph pudesse refutar todo aquele sarcasmo, o
clima tornou-se frio, pesado e bochornoso. Uma sensação horrenda
invadiu o local, deixando todos os pelos de Lúcifer arrepiados,
conduzindo energia como eletrostática.
— Mas que bela droga — proferiu, revirando os olhos em translúcida
irritação.
Gadreel pôs-se a adentrar o ambiente — novamente pelo teto —,
fazendo Heilel suspirar em um fastio sem igual.
— Ora, ora, parece que cheguei a um momento, digamos que…
muitíssimo adequado?! — O anjo demoníaco gargalhou da situação de
Lúcifer. Ele estava de cabeça para baixo e não conseguia sair, devido à
densidade causada pela presença do Legítimo.
— Você é abundantemente inoportuno. — Caleb largou a expressão
insatisfeita da face e deu espaço para uma risada cínica. Nada deixava
Gadreel mais irritado do que esse tipo de comportamento.
— Lúcifer, não estou aqui para brincadeiras. As coisas estão cada
vez mais sérias. — Não era uma mentira. Seu tom de voz era sincero e
tentava, ao máximo, soar amigável, mesmo que fosse quase
impossível.
— Tenho conhecimento da situação em que o Inferno se encontra.
Depreendo como comandar o meu Reino e, quando eu julgar
necessário, voltarei. Não se oponha às minhas vontades, você
depende de mim até mesmo para existir. Deveria temer suas atitudes.
— Não estou me opondo, Senhor… — abaixou o tom de voz. —
Apenas almejo tudo organizado. O que você está fazendo é prejudicial
não só ao Inferno, mas também à Terra. — Gadreel, de fato, tentava se
manter pleno, mas seu desejo era de levar e prender Lúcifer,
eternamente, nas profundezas do Inferno.
— Por que você não cuida disso ao invés de ficar servindo de
pombo-correio? Vá lá, Gadreel, organize o Inferno!
Apesar do anjo caído ter se tornado um demônio extremamente
poderoso, ele era incomparável a Lúcifer. Nunca teria a autoridade que
Heilel tinha sobre o Martírio e jamais conseguiria governá-lo. Isso lhe
dava ódio. Ele era muito melhor do que Caleb, entretanto não tinha o
poder nas mãos.
— Porque eu não sou o Diabo! — alterou a voz, mudando-a de
maneira brusca, acarretando um zumbido horrendo por todo lugar.
— Você se estressa com facilidade, Gadreel. Já experimentou
relaxar na Sky? — A proposta, nada conveniente, invadiu os ouvidos
do anjo, causando-lhe uma raiva absurda.
O Cão não temia, não se preocupava com a situação, ele somente
estava brincando com o Inferno, com Deus, com a Terra e com
Benjamin.
— Lúcifer, estou advertindo-o — a voz era cautelosa. Aproximou-se
vagaroso, tendo em seu rosto uma locução extrema e maligna.
— Eu que advirto você, não ao contrário — respondeu-lhe firme.
— Não esqueça, Tinhoso. Você não está no comando, não está no
Inferno.
O sorriso presente nos lábios de Gadreel era sádico. Este arrastou
Heilel pela gola da camisa social, jogando-o com força contra o chão. O
tempo denso não interferia diante da força que o anjo diabólico
possuía. Antes que Lúcifer pudesse se recuperar do impacto, levou um
soco firme em sua face; em seguida, outro, continuando,
consecutivamente, em uma sequência incontável e bruta. Gadreel
encurralou-o em contato com a parede branca, segurando seu pescoço
com uma única mão.
— Você vai voltar para o Inferno, Lúcifer. Lá é o seu lugar. E lembre-
se: sua putinha não vai junto. — Sussurrou com desprezo, quase
cuspindo as palavras, sentindo-se completamente satisfeito em dizê-
las.
O Tinhoso, que antes carregava uma expressão sisuda, substituiu-a.
Não estava feliz, nem sequer sarcástico, apenas se manteve sério.
— Não acha ofensivo, para com as mulheres, se referir no feminino?
— questionou com ironia. — Hum... “putinho” soa tão bem quanto. Não
seja um demônio machista, Gadreel. — Sorriu perversamente. — Além
do mais, não quero que ele vá — inibiu a voz.
O anjo caído fitou-o pérfido. De tudo o que havia dito e feito, o
miserável só deu atenção àquilo?
Balançou a cabeça negativamente, entregando a sensação de
fracasso e desgosto. Ele já não conhecia Lúcifer. Nem por trás de todo
cinismo Caleb era o mesmo.
— Para o pai da mentira, você anda falhando muito com isso. —
Foram as últimas falas ditas antes de juntar as asas enormes e
desaparecer como pó.
A feição de falsa animação saiu do rosto de Heilel, algo instantâneo.
Retornou a ser uma carranca enquanto os olhos vibravam um
escarlate, mas o preto os ofuscava.
— Heilel... Agora, diga-me para ter calma e que está tudo sob
controle — a voz um pouco acometida de Geefs arrancou o Diabo do
transe efêmero.
— Está tudo sob controle, meu anjo.
Resvalou a mão pelos hematomas roxos que se encontravam
espalhados por seu rosto, fazendo-os desaparecer. Não doía e muito
menos sangrava.
— Vamos voltar. Apenas esqueça o Benjamin, oblitere essa pureza
de merda! — Hope quis não soar um mimado ou um desesperado, mas
falhou. — Por favor, Lúcifer.
— Não me peça nada deste modo, Hope — a voz era macia e
calma, contudo o Diabo não cederia aos caprichos do braço direito.
Caleb, mesmo que não quisesse, continuou a lhe lançar um olhar sério
enquanto negava. Falar sobre o Inferno não era agradável, imagine
retornar para lá. Denegava-se a voltar para o Martírio sem devorar o
adorável ruivinho em todos os lugares sagrados daquela igreja.
— Heilel, Heilel… Dizem que o Diabo foge da cruz, mas você corre
diretamente para ela! — Revirou os olhos, continuando suas falas
tediosas.
— Só fugimos do que tememos, Joseph.

Caleb mantinha as mãos, grandes e firmes, sobre o volante, embora


seu real desejo fosse mantê-las no traseiro avantajado de certo
ruivinho.
Cursava aquele percurso fastioso e monótono. Desta vez, algumas
coisas cercavam sua mente, dúvidas que faziam Lúcifer perceber sua
má conduta e escolhas sórdidas.
O misto de sentimentos que existia em Benjamin não era criado e
alimentado por uma luta entre Deus e o Diabo e sim uma quebra moral
de conceitos chulos e implantados. Ademais, a persuasão de Lúcifer,
mesmo que ótima, não funcionava com o alaranjado. Todas as
escolhas — certas ou erradas, até o presente momento — eram
totalmente comandadas pelo desejo dissoluto de Parker. Nem as mãos
de Deus, nem as do Diabo tocavam o que não lhes dava brecha.
Tirou como conclusão que, se absolutamente tudo fosse regido
pelos desígnios de Benjamin, isso significava que, a qualquer
momento, ele poderia facilmente não o querer.
Essa sensação descartável e recém-adquirida assustou o Tinhoso.
E se ele não o almejasse? Persuadi-lo não funcionaria.
Deu uma batida leve contra o volante, demonstrando uma
apreensão nunca sentida. Como um mero e casto ruivo poderia deixar
o Diabo tão fora de controle?
O corpo que vestia um terno Armani — que se encaixava
perfeitamente em sua estrutura forte — passou pelo portal da igreja,
observando alguns homens recolocando as vidraças, desta vez, em
tons mais coloridos, vibrantes e detestáveis.
Circulou os seus lumes negros por todo mero espaço do recinto,
procurando Benjamin que não foi encontrado. Mas Lúcifer sentia sua
presença forte, doce e incomparável.
Alguns olhares curiosos queimavam sobre o Diabo, porém ele
parecia pouco preocupado, não importava. O lugar estava realmente
cheio, e sua fagulha de paciência foi restaurada quando observou
Karen, acenando para ele.
Sorriu grande, mostrando seus dentes brancos e bem cuidados —
um sorriso peçonhento — enquanto caminhava até ela.
— Senhora Parker — cumprimentou-a, dando-lhe um singelo selar
no peito da palma.
— Oh, Caleb, é ótimo vê-lo empenhado em vir para cá! — Ela
estava realmente feliz, sempre ficava quando via novos integrantes se
unindo para adorar o Criador.
— Deixe-me adivinhar: está atrás do Ben? — questionou risonha.
Heilel, passageiramente, admirou-a. Era uma mulher muito bonita,
tinha traços que condiziam com os de Benjamin, uma face formosa e
de pura doçura.
— Sim, isso mesmo! Sabe onde ele está? — emitiu um timbre calmo
e divertido, conquistando um rir ainda maior da mulher.
— Ele está na sala de oração, fica logo nos fundos. — Apontou o
local, explicando ao Diabo onde podia encontrar a sua presa. — Ben se
apresentará, no coral, hoje. Suponho que esteja nervoso, por isso se
isolou de nós, desde ontem à noite. Tente acalmá-lo, ele parece se
entender bem com você.
Em resposta, Lúcifer assentiu como um agradecimento, enquanto
sua feição demonstrava amabilidade.
Heilel andava à vontade pela casa divina. Apesar de a igreja ser
razoavelmente pequena, era estreita, tendo um corredor longo, onde
dava saída para duas portas. Observou que uma tinha um som infernal
de crianças brincando e rindo, e não pôde evitar uma careta hedionda.
Adentrou a segunda porta, sem hesitar e, rapidamente, teve em vista
Parker. Ele estava lendo algo, talvez, uma partitura.
— Então, ruivinho... O que está lendo hoje? — soou nostálgico.
— É, eu… — Cogitou respondê-lo com decência, mas preferiu
seguir seu objetivo. — O que está fazendo aqui? — Manteve-se sério,
mesmo que quase gaguejando.
— Por que está falando desse modo? — O cenho franzido
falsamente e a sobrancelha esquerda erguida davam-lhe um ar de
irritação.
— Estou falando normal, Heilel. — Ergueu o queixo e fechou o
livreto, fazendo questão de não falar “Calebie” como de costume.
Queria evitar qualquer doçura. Benjamin não estava sendo mau nem
mentiroso, falava normalmente, só não como desejava falar ou ser
ouvido.
— Você sabe que não, Parker — rebateu superficialmente, sisudo,
tendo uma fala cada vez mais atraente.
Aquele tom de voz rouco e raivoso deixava o puritano arrepiado,
causava-lhe um obsessivo anseio de chegar perto. Um ostensivo e
maldito desejo.
— Só fique longe... — pediu, assim que notou um mínimo vestígio
de aproximação.
— Está dizendo que me quer longe? — Apesar da pergunta parecer
retórica era para ser respondida.
— Não... — Era a verdade. — Quer dizer, sim! — corrigiu-se. — Eu
não sei... — confessou, por fim. Parker não nasceu para mentir,
enrolava-se nas próprias palavras.
O Cão sorriu sorrateiro para o garoto, que parecia bastante aflito.
Pouco a pouco, aproximava-se enquanto Benjamin recuava. Os olhos
encaravam-se em gritos de desejo oprimido.
— Está fugindo de mim? — o tom poderia soar bastante sério, até
mesmo alto, mas a feição cafajeste quebrava o gelo.
— Calebie, isso não é certo. — As mãos pequenas apoiaram-se e
empurraram o peitoral de Heilel, mantendo-o distante. — Meu pai…
Foi bruscamente interrompido por Caleb que o pressionou ainda
mais contra a parede.
— Seu pai mente! — exclamou com veemência. — Ora, Benjamin,
você não vai para o Inferno porque gosta de homens. Isso é até
patético. — Revirou os olhos enquanto seu timbre era totalmente
exausto.
Deus, em sua gigantesca plenitude, sempre esteve ocupado demais
com coisas muito maiores para perder o seu precioso tempo com algo
imensamente banal.
— Claro que vou! — afirmou.
— Não, você não vai para o Inferno porque gosta de homens! —
repetiu as falas anteriores, ficando ainda mais perto do ruivo. — Talvez,
vá, se o homem for eu.
O tom preenchido de humor e sarcasmo não pareceu divertido para
Benjamin.
— Você não pode ter certeza de nada.
— Posso, acredite. — Apoiou uma palma sobre a parede, deixando
seu peso ali, e continuou próximo. — Me diga a verdade, Ben: você
gostou de me beijar? — manteve uma voz sussurrada.
— Caleb! — repreendeu-o, virando o rosto, já extremamente
vermelho, para o lado.
— Diga: não gostou quando te beijei? — questionou, mais uma vez,
colando os corpos com brusquidão.
Benjamin estremeceu.
— Gostou quando te toquei assim? — Apertou a cintura com desejo
e afago, tendo um timbre baixo que causava ondas elétricas de
arrepios pelo corpo inteiro. — Conte-me: apreciou quando puxei seu
cabelo?
Deslizou os dedos impávidos e longos entre as madeixas ruivas,
fazendo Benjamin comprimir os olhos em um aperto. Podia ouvir até o
bater de coração violento dele.
— Ou quando fiquei assim, tão perto...
Grudou as testas, fazendo os narizes se tocarem. Naquele instante,
pôde perceber a estrutura de Benjamin amolecer como gelatina.
— Responda, anjo — ordenou quase rude.
Sua destra escorregou pelas costas alheias, parando nas nádegas e
apertando a carne farta, usando de uma ousadia impertinente. Parker
sentiu-se queimar. A beleza, o cheiro, o toque, o gosto, a voz: o Diabo
o destroçava em todos os sentidos do corpo.
— Eu gosto. — Mordeu o lábio inferior, contendo aquela maldita
libido. — Muito, gosto muito…
Um sorriso vitorioso despontou na faceta de Heilel que apertou
ainda mais a pele profusa e, enfim, selou os lábios famintos. Iniciou um
ósculo desejoso, mas não bruto, era calmo. Benjamin envolveu seus
braços no pescoço dele, desfrutando daquele beijo que o deixava
sedento.
Caleb judiava de seus lábios, mordendo-os, chupando-os. A mão
destra caminhou por baixo do tecido fino, ocasionando o encontro de
seus dedos gelados com a derme quente. Pressionou a cintura com
vontade, deixando o lugar branquelo levemente avermelhado.
Separaram-se pela falta de ar, e o ruivo, imediatamente, corou.
Mesmo diante da vergonha, sentiu-se bem por não estar arrependido.
O Tinhoso ainda agarrava os fios do acobreado, com cuidado.
Aproveitou para puxá-los para trás, inclinando a cabeça alheia,
deixando o pescoço branquinho totalmente à mercê dele. Pôs-se a
selar aquela região com uma devoção inexplicável. Os beijos eram tão
molhados que Benjamin não controlava seus suspiros e arfares. Aquilo
lhe causava tanto tesão! Lúcifer deu uma mordida delicada e,
rapidamente, viu-o soltar um gemido. A sensação era indefinidamente
gostosa.
— Seja meu, Ben... — Era para ser uma proposta, no entanto soou
como uma súplica. Caleb desejava-o na mesma intensidade que uma
garrafa de uísque, e o Diabo amava um bom uísque. Era seu maior
vício. — Apenas meu, inteiramente e profundamente meu...
Acariciava o nariz por toda extensão do pescoço, fazendo-o arrepiar.
As palmas grandes percorriam, sem pudor, o corpo inteiro, alcançando
o botãozinho. Pôs-se a brincar com o local, assistindo a Benjamin
prender os lábios contra os dentes com força, segurando o gemido e
todo o seu prazer.
— Sim… Quero ser seu, Calebie — a voz tão pura e doce estava
sendo corrompida pelo Demônio, e parecia adorar.
Heilel nunca imaginou que simples palavras fossem capazes de
fazê-lo perder todo o seu rumo. Em breves segundos, o Diabo sentiu-
se dominado pelos seus instintos mais inconsequentes e libertinos.
Puxou Parker, selando, novamente, seus lábios, de maneira
extremamente agressiva, mesmo que o beijo continuasse com uma
doçura surpreendente.
O membro de Benjamin já estava ereto, era incontrolável, sentia um
mar de excitação. Gemeu manhoso e arrastado quando provou a
sensação do cacete do Diabo bater contra o seu, esfregando-se.
Naquele exato momento, o ruivo já havia esquecido seus planos,
onde estava ou como deveria se portar na casa do Senhor. Apenas
queria beijar e sentir Caleb até o mundo acabar.
Vagarosamente, Lúcifer volveu-se para trás, desunindo-os e
deixando Benjamin muitíssimo confuso e ofegante.
— Acho melhor pararmos, não quero atrapalhar você — a fala
dissimulada e provocativa era afônica e preenchida de lascívia. Ele
estava completamente abrasado.
O ruivo encontrava-se com os fios emaranhados, a respiração
desregulada e os lábios carnudos formigando, totalmente
avermelhados. Seu rosto estava rubro, febril e, entre suas pernas,
existia uma ereção que o deixava fora de si.
— Não, não. — Puxou o Tinhoso, desesperadamente, colando os
corpos mais uma vez. — Fica, por favor... Continua. — O pedido foi
quase uma prece. Seu timbre era tão manso, mais que o comum.
Impossível acreditar que aquele pedido partia de alguém tão impoluto.
— Vejo você durante sua apresentação do coral, meu bem. —
Tomou certa distância, piscando-lhe um dos olhos e retirando-se da
sala de oração.
Por Deus, na próxima vez, com certeza o Diabo rezaria!
Castigo: uma sanção para reprovar condutas.
Admoestá-las.
Repreendê-las.
Reprimi-las.
Penalizá-las.
Com o intuito de fazer o indivíduo refletir certos atos.
A escolha de cometer, novamente, tais atitudes trará a punição de
volta, te pondo em jogo. Ou deixará de fazer ou sempre será castigado.
Compreendam: perde-se sempre quando se é colocado em jogo. As
pessoas são como são, e repreensão alguma é capaz de mudá-las.
O balançar inquieto das pernas de Lúcifer evidenciava sua total falta
de paciência. Passou a palma pelo rosto — não escondia seu
incômodo —, inspirou profundamente e jogou o ar para fora, juntando
os resquícios de remanso que sobravam. Continuou fitando a
apresentação.
— Está tudo bem, Caleb? — a voz delicada indagou com certa
preocupação.
— Estou bem, Karen. Não se preocupe. — Sorriu gentilmente,
sobrepondo sua impaciência com gentileza. Fitou o rolex prata,
totalmente desassossegado.
Odiava igrejas: o som, as pessoas, as palavras, o tédio e o sono que
causavam, entretanto reconhecia sua parcela de culpa por todo aquele
tardar. Benjamin havia passado longos minutos dentro da sala de
oração. Apostava todas as suas fichas que ele sequer se tocara,
Parker só estaria tentando controlar seus desejos.
Não poderia negar que deixar aquele ruivinho excitado foi um
verdadeiro castigo para o Demônio, mas valeu a pena. Lúcifer queria
vê-lo implorando, suplicando para ter o pau do Diabo sendo socado
naquela bundinha linda e imaculada.
Mais uma vez, Heilel fez um panorama visual por todo ambiente
pejorativamente divino. Notou cada face desatenta, sentindo o cheiro
de cada alma suja e pensamentos maldosos.
Riu internamente quando se pôs a pensar que as pessoas corriam
para ambientes como aquele buscando uma salvação distante,
somente para não queimarem no fogo do Inferno. Todos totalmente
egoístas, servindo a Cristo para livrarem o próprio traseiro.
Para o Cão, o Inferno começava exatamente ali.
— Sabe, Caleb... — Karen suspirou, virando-se para o outro. —
Você gostaria de almoçar conosco? — Sua expressão era muito
amigável. Queria devolver a gentileza de Heilel.
— Oh, com certeza. Ficarei muito contente em conhecê-los ainda
melhor, ter mais intimidade. — A faceta, que antes parecia sisuda,
agora, tinha um sorriso de canto a canto.
Não evitar imaginar tudo que poderia fazer com Benjamin em um
simples bobear de tempo. Quem sabe não terminariam a conversa de
outrora?
Sutilmente, levou um finito susto com a mudança de entonação do
microfone chiado. Logo, um riso cresceu em seu rosto quando Parker
apareceu deslumbrante, sem precisar de adereço algum para aquilo.
Sua voz tinha uma doçura, uma melodia suave e encantava a todos,
menos ao Diabo. Como o som lhe causava agonia, desgosto! A letra
melancólica e enjoativa, a voz de anjo que o ruivo possuía, juntamente
com o coral perfeitamente organizado e afinado. Lindo... Parecia um
funeral.
Revirou os olhos, em genuíno tédio, e fitou o relógio da parede à
sua frente. Cada segundo parecia passar como horas. Encarou
Benjamin — que vestia as roupas de sempre: folgadas e de cor
apagada — como a um ser divino. Nada ofuscava seu encanto, nada
se equiparava à sua beleza angelical e sacrossanta.
Lúcifer parecia não notar, mas cada dia se afundava mais. Perdia-se
naquele poço sem fim, nas madeixas naturais com cheiro de mel, nos
lábios carnudos e róseos, na inocência cercada de lacunas. Quase não
notou quando a apresentação chegou ao final, o que o despertou foram
os aplausos.
Benjamin sorriu belo, orgulho de si, mostrando seus dentes
levemente tortinhos. Desceu a escadaria de três degraus com pressa,
correndo direto para os braços de Hector que o acolheu em um abraço
apertado de urso. Caleb já perdera as contas de quantas vezes havia
rolado os olhos somente naquela manhã.
O sentimento mais errôneo que havia era o amor: ele perdoava
tudo, mas não esquecia nada.
Observou ambos indo à direção de Karen que sorria alegre.
A face do reverendo tornou-se ponderosa, e a alegria que antes
exibia dissipou-se. Parker fitou-o corado, de cima para baixo, como no
primeiro dia em que o viu, inocente e flerteiro.
— Vamos, querida? — o timbre era frio, e o que deveria soar
carinhoso pareceu um tanto arrogante.
— Claro! Mas espere, Caleb irá conosco. — A mulher pareceu não
se importar com o modo como foi tratada, como se fosse algo habitual.
Hector anuiu condescendente enquanto seu cerne temia de raiva.
— Venha, Caleb. Não fique envergonhado, viu?! — Brincou divertida
enquanto entrelaçava seus dedos entre os do pastor, segurando sua
mão.
Heilel riu falsamente, vendo-os andar agilmente, deixando-os para
trás.
— Você gostou da minha apresentação? — O rosto meigo voltou a
olhá-lo. A voz tímida era agradável aos ouvidos do Tinhoso.
— Gostei, estava lindo — falou rapidamente, sem ao menos hesitar.
Talvez, houvesse uma ponta gigantesca de mentira, mas pedir ao
Diabo para beijar os pés de Jesus era demais.
— Você vem no meu carro? — Foi uma pergunta, mas mais se
assemelhava a um convite.
Benjamin fitou o chão de modo pensativo. Sentia-se completamente
apreensivo, temia uma reação desagradável de seu pai.
— Não precisa ter medo do reverendo, ele me adora! — as falas
soaram como uma piada, além de estarem recheadas de sarcasmo dos
bons.
— Não, ele não adora — Parker rebateu, deixando que um riso
frouxo escapasse.
— Oh, não diga isso. — Fez uma feição de injuriado, colocando a
mão sobre o peitoral. Destravou o carro, causando um apitar típico. —
Então, vamos?
Parker sorriu tímido e logo aquiesceu.
O volante era segurado com atenção, o silêncio pairava e soava
cada vez mais gritante.
— Podemos continuar lendo aquele livro, se você quiser. —
Quebrou a quietude. Ao cerne, já estava arrependido de sua própria
proposta.
— Eu já li, mas podemos ler de novo ou escolher algum outro — a
voz completamente entusiasmada e um rir de olhos fechadinhos,
totalmente doce, fizeram Lúcifer dar um riso nasal.
A mesa média de madeira, coberta por um tecido fino e branco com
partes bordadas à mão, comportava os pratos de porcelana lisa, cheios
de uma boa comida. A quietude e o desconforto eram as sensações
que predominavam naquele almoço abrupto.
O clérigo levava seu olhar a Caleb, de maneira apreensiva, mesmo
que irritada. Para Lúcifer, não passava de um completo e inofensivo
esboço de homem, tentando mostrar algum vestígio de sua pouca
dignidade.
Heilel suspirou profundamente. Até os almoços eram tediosos.
Levou o garfo, com um pedaço bonito de brócolis, até a boca.
O silêncio não parecia incomodá-los.
— Caleb, poderia nos contar o porquê de vir a Santo Paraíso? —
Karen indagou interessada, quebrando o remanso que estava
instalado.
— Apenas negócios — a resposta foi direta, sem muito entusiasmo.
Pegou o copo de vidro que estava cheio de suco de laranja com
limão siciliano e levou-o até os lábios, bebericando o líquido doce e
cítrico. Preferia o amargo e a queimação na garganta provocados por
uma boa vodca.
— Que tipo de negócios? — Desta vez, estava ainda mais curiosa.
— Bem, você ainda é jovem, mesmo que aja tão formalmente.
— Negócios familiares. Sou sócio da boate Sky. Conhece?
A expressão de espanto tomou conta da mulher, faltou pouco para
ela se engasgar. Benjamin não parecia muito diferente, talvez, menos
pasmo, visto que já conhecia um lado ínfimo e devasso de Heilel.
— Isso incomoda vocês? — A pergunta feita com um tom inofensivo
e preocupado poderia persuadir bem.
— Não, claro que não — entregou uma resposta veloz e pouco
franca. — É o seu trabalho, eu entendo e todos nós respeitamos. Mas,
sabe, é um lugar tão… Como posso dizer...? Profano?! — Tentava, ao
máximo, medir suas palavras, pois não queria chatear o convidado.
— Oh, não tenha essa má impressão, Karen. É um bom lugar para
passar o tempo, não é, Hector? — Deu mais um gole no líquido
adocicado, desejando um copo de tequila.
O riso peçonhento que estava estampado nos lábios finos não
escondia o prazer nas suas falas. Amava dar pequenos espaventos no
reverendo.
Hector arregalou os olhos, engolindo em seco.
— Como assim? — questionou confusa.
— Reverendo, explique — a voz rouca não sinalou amigável.
Um olhar penetrante era direcionado ao pastor, causando-lhe forte
falta de ar, uma ansiedade profunda, quase inexplicável e
desesperadora.
— Papai, você está bem? — A expressão preocupada do garoto,
sua voz aguda e tensa evidenciavam uma aflição. Apenas isto fez com
que Caleb parasse o que fazia.
— Estou bem. Só não impliquem com o trabalho do Caleb, afinal
isso é o que coloca pão em sua mesa, certo? Devemos dar graças por
Deus lhe dar um sustento honesto. — Fitou sua esposa, esperando
uma resposta enquanto controlava seus pensamentos, sentindo uma
dor de cabeça intensa.
Então, Karen assentiu, um pouco duvidosa.
— Vou ao escritório, não estou me sentindo bem. — A desculpa
dissimulada, quase descabida, era apenas para fugir de seus segredos
obscuros.
— Tudo bem, querido. Eu vou com você — a mulher ditou,
demonstrando sua total falta de sossego. — Com licença, Caleb.
Levantaram-se e saíram da mesa, sem olhar para trás, deixando o
Diabo e Benjamin.
Heilel virou seu rosto para o ruivo, sorrindo simpático, sem muitas
preocupações.
— Podemos subir? — propôs, com a voz enrouquecida e impudica.
O tom usado e a tensão anterior fizeram Benjamin ruborizar. Mesmo
tímido, assentiu.
Arrastou a cadeira para trás e levantou-se, um pouco robotizado em
nervosismo. Não se preocupou em deixar a mesa posta e solitária ali,
arrumaria assim que Caleb fosse embora. Caminhou devagar enquanto
pisava sobre os degraus da escada velha, ouvindo o ranger constante
que causava uma extrema irritação. Abriu a porta, passando pelo portal
e adentrou o quarto. Lúcifer fechou a limiar.
— Eu vou pegar o livro — pronunciou de modo fofo, tendo um rir
inocente estampado, a fim de disfarçar qualquer anseio.
O Tinhoso parecia já ter certa intimidade com a casa alheia, visto
que circulava pelo quarto com estreiteza. Sentou-se no jirau, escorando
suas costas largas na cabeceira branca, desfrutando da maciez do
colchão.
— Vamos ler aqui, venha — ordenou.
Parker suspirou e mordeu o lábio inferior, um pouco apreensivo.
— Da última vez que ficamos perto demais, o meu pai...
Foi bruscamente interrompido pelo estalar da língua de Caleb,
demonstrando insatisfação enquanto negava com a cabeça.
— Estávamos perto demais, há algumas horas, e seu pai sequer
ficou sabendo. — Sorriu.
Não foi necessário qualquer outro argumento. Benjamin ficou
insistentemente vermelho, como um moranguinho maduro. Recusar
não era uma opção, visto que não queria voltar ao assunto. Por isso
assentiu, retirando os sapatos e subindo sobre o acolchoado.
O alaranjado acomodou-se próximo a Heilel, ficando entre suas
pernas, quase com a cabeça em seu peitoral. Abriu o livro exatamente
onde estava quando lia na igreja.
Lúcifer revirou os olhos ao ler a primeira linha. Tirou o foco do livro,
volvendo o olhar para o rosto de Benjamin: as sardas eram delicadas e
mélicas, o nariz pequenino tornava-se adorável. Percorreu, então, o
corpo — era bonito e linear — e, depois, voltou às madeixas cor de
fogo. Em particular, Caleb era fissurado naquela nuança. Aproximou-
se, inalando o cheiro afável, acalentador.
— Por que você sempre me olha assim? — indagou, tirando o outro
do transe que se instalou. — Você trabalha em um lugar que deve ter
muitas pessoas bonitas, que podem te oferecer o que quiser. Eu não
posso. — Havia uma pitada de insegurança em suas falas.
A verdade era que Benjamin sentia-se confuso, e Lúcifer não gostou
da sensação que habitava aquele íntimo, sentiu-se periclitante.
— Por que eu, Calebie? — Fez outro questionamento e abaixou o
livro em seguida.
O Diabo fitou a face meiga que parecia tão meândrica, e ambos os
olhares se encontraram. Parker realmente queria uma resposta.
— Porque eu gosto do seu cabelo. São como lírios laranja,
tangerinas ou as folhas de bordo no outono.
Não era mentira, nem a melhor resposta, muito menos a mais
plausível, conquanto seria melhor que a verdade. Dizer que almejava
devorá-lo não soaria amistoso.
Passou a mão entre os fios, jogando-os para trás.
— Calebie… — chamou-o, em um tom arrastado, diferente. Exibia
nervosismo. Desviou o olhar, focando qualquer outro lugar.
Heilel puxou seu queixo com delicadeza, fazendo-o inclinar-se e os
olhares retornarem.
— O quê? — indagou.
— Eu sei que pode parecer cedo, mas acho que gosto de você —
falou quase sem voz.
Um sorriso cafajeste cresceu no rosto do Diabo. Agora, ele tinha o
ruivinho em mãos.
— Sabe o que há entre pessoas que se gostam? — o timbre sexy
possuía os ouvidos do puritano, deixando-o arrepiado.
Devagar, Lúcifer tomou um novo tipo de proximidade. Apesar do
delay, Benjamin negou, demonstrando, de verdade, não saber a
resposta da pergunta.
Caleb tocou o rosto que estava gelado e colou os lábios.
Parker demonstrou certa surpresa, todavia, agilmente, retribuiu o
beijo. Ali, sozinhos, em seu próprio mundo, Benjamin vivenciava que
tinha a oportunidade de sentir a textura macia e gostosa dos lábios do
Diabo, o prazer de sentir a língua quente percorrer a sua boca
enquanto as mãos grandes tocavam sua nuca e desciam, deslizando
pelo seu corpo. Fechou os lumes em total aprovação. O ósculo era
excessivamente intenso, perdia-se naquele toque.
Aos poucos, Heilel levantava-se, fazendo com que Parker
escorregasse, ficando quase deitado sobre a cama. A mão boba do
Diabo escorria pelo corpo bem feito, agarrando-o com gana e sede. A
camisa branca foi erguida aos poucos enquanto o beijo era infindo.
Lúcifer deixou-a erigida próximo ao queixo do ruivo enquanto via os
mamilos róseos que estavam eriçados. Pôs-se a tocá-los de forma
delirante, usando as pontas dos dedos.
A boca alheia era altamente explorada e Lúcifer, mais uma vez,
deleitava-se com o puritano. As línguas enroscavam de modo molhado
e excitante enquanto os lábios grossos eram maltratados por mordidas
leves.
— Há desejo... — sussurrou, descendo a destra para a cintura nua,
fazendo os pelos ruivos eriçarem. — Tesão... — Pendeu para baixo,
indo de encontro com o pescoço delicado enquanto puxava os fios para
trás, afundando-os no travesseiro tenro. — Ânsia e fome.
Desceu a língua áspera e molhada desde o pescoço ao peitoral,
circulando o mamilo, sentindo Benjamin apertar seus ombros e gemer.
— Calebie… Você está me deixando molhadinho — mussitou
atordoado. Não podia evitar seus desejos, seus pecados.
Lúcifer sequer acreditou que uma palavra pudesse deixar seu
caralho tão duro e seu corpo fervendo como brasa.
Continuou deixando chupões leves por todo peitoral pálido,
ocasionando uma região deliciosamente avermelhada.
Parker gemia a cada novo toque, arfava e fazia alguns carinhos,
mesmo que desajeitados, em Lúcifer.
Juntaram as bocas, novamente, e a palma de Heilel foi até o
membro do ruivo, apertando-o por cima da calça leve. Estava tão
excitado, tão molhado, dava para ver o pré-gozo manchando o tecido
fino.
— Calma… Calebie, aí não — tentou advertir, entre seus arfares,
mas sua voz estava tão falha que o Diabo sequer lhe ouviu direito.
A mão adentrou a calça do ruivo sem cerimônia alguma, agarrou o
membro pela base, segurando com vitalidade e retirou-o. Pôde escutar
um gemido fino de alívio e desespero.
— Calebie… — chamou-o, na tentativa de despertá-lo de tal febre.
Mas Lúcifer voltou a beijá-lo com ainda mais ambição. Padecia nos
lábios do pudico, tão desejoso e cego.
Benjamin era o maior pecado do Diabo.
Passou o dedão pela fenda, espalhando todo o pré-sêmen sobre a
cabecinha rosa, fazendo o ruivinho gemer entre o beijo, já não
conseguindo usar a língua. Era um estímulo novo que o deixava com
pernas bambas de excitação.
Pressionou o pênis, fazendo movimentos lentos para baixo e para
cima. Sentia a pele fina descer lentamente enquanto os lábios dele
abandonavam sua boca, somente para gemer em deleite. Afastou-se,
exclusivamente para apreciar as expressões alheias. Existia pouco
suor em sua testa, seu rosto encontrava-se totalmente avermelhado,
principalmente as bochechas. Sua boca estava entreaberta e não
reprimia seu anelo de gemer. Fervia por inteiro e, quanto mais rápido
Caleb ia, mais seus gemidos afinavam e seu corpo ardia como fogo.
Lúcifer sentia o membro do arruivado pulsar e o baixo-ventre se
contorcer, a feição não escondia a entrega magnífica. Desfrutava
daquela pureza quase que interminável. Até os murmúrios latentes de
tesão eram repletos de castidade, inocência. Aquilo aguçava as
vontades do Diabo.
Parecia que Benjamin explodiria. Uma sensação, quase como uma
santificação divina, invadiu seu ser, um calafrio imaculado percorreu
sua espinha e, por segundos, todo o seu corpo foi perdido em um
êxtase genuíno.
Parker juntou as pernas, apertando a palma de Caleb com suas
coxas fartas.
Rapidamente, Lúcifer o beijou violentamente, sentindo-o grunhir sem
som. A mão de Heilel estava completamente suja de porra.
O ruivo amoleceu instantaneamente, mas ainda continuou
espremendo a palma do outro como se quisesse prolongar o orgasmo,
não controlando a respiração ofegante.
Abriu os olhos lentamente, quase como um sacrifício, e sentiu-se
envergonhado, completamente envergonhado. Pelos sons que emitiu,
pelo que disse, por sua intimidade tão exposta, por absolutamente
tudo. Sequer deveria fitar Caleb, mas foi inevitável: as íris, vermelho-
escarlate, brilhavam. Poderiam lhe causar medo, mas a adrenalina
presente em seu corpo só o forçou a ter mais tesão.
— Ben... — a voz sexy, baixa e leve era gostosa demais para não
ser atendida.
Moveu os mirantes para Caleb que sorria ladino como um ordinário.
— É isso que há entre pessoas que se gostam: contato, adrenalina
e gemidos deliciosos.
Parker não pôde evitar esconder o rosto com as próprias mãos,
estava muito tímido.
— Não sinta vergonha, meu anjo. Isso tudo é normal. — Quis passar
tranquilidade, afinal era verdade: aquilo era natural, instintivo.
De fato, era normal, mas, talvez, não com o próprio Diabo. Por um
segundo, cogitou que Benjamin poderia ir ao Inferno e por sua causa, o
que não lhe soou mal.
Colocou-se de pé, sorridente, deixando sua ereção totalmente
desenhada.
— Vem aqui — o tom suave e charmoso fez o ruivo vibrar.
Parker mordeu o lábio enquanto olhava aquela excitação: era um
volume bastante chamativo. Aquilo acordou um lado que nem o
respectivo sabia da existência. Assentiu, pondo-se a engatinhar até a
beira da cama, ficando quase de joelhos.
Aquela atitude fez o cacete de Lúcifer latejar. A maneira como o
olhar de Benjamin queimava sobre ele deixava-o insanamente
excitado.
Passou o dedão nos lábios alheios, introduzindo-o delicadamente,
sentindo a língua morna lambê-lo.
Esticou-se, agarrando uma das mãos do alaranjado, colocando-a
por dentro de sua camisa, deixando-o tocar seu abdômen definido.
Mas, rapidamente, deslizou-a, deixando-a em cima do seu pau
ainda coberto pela calça, instigando a apertá-lo.
Imediatamente, Benjamin fechou os olhos com força.
— Você gosta, Ben? — a fala foi rouca, mais do que o normal,
causando tremor pelo corpo que estava muito sensível.
O ruivo aquiesceu lentamente como se fosse impossível negar.
Seus dentes ainda apertavam o lábio inferior, deixando-o mais
vermelho.
— Fale, quero ouvir a sua voz — ordenou.
— Gosto — disse falho, arrastado, agudo e, ao mesmo tempo,
sussurrado. — Gosto, Calebie — repetiu com mais força.
— O que estão fazendo? — o questionamento feito em voz alta, já
conhecida por ambos, estava recheada de ódio.
Benjamin praticamente atirou-se contra as cobertas, escondendo-se.
Já Heilel sorriu.
— Nada que você não goste de fazer na Sky, reverendo — refutou,
virando-se e ajustando sua camisa. — Mas chegou em boa hora,
estava ansioso para conversar com você. — Riu novamente, desta vez,
perverso.
O pastor ficou nervoso, sentindo um medo inexplicável. Os olhos de
Caleb continuavam escarlates e aquilo lhe dava pavor.
— Desça e me espere, Hector. — Aquilo não era um pedido. A voz,
quase computadorizada, ordenava com poder.
Ele obedeceu.
— Meu bem, não tenha medo. — Puxou um pouco as cobertas,
vendo a face tímida. — Voltarei em breve. — Beijou-o sobre a testa, em
uma ternura nova. Sem esperar respostas nervosas, Heilel retirou-se
do quarto, descendo sem muita pressa.
Ansiava pelo seu fim de tarde, seria divertido brincar com o clérigo.
Avistou o velho grisalho, apoiado a seu Corvette, esperando-o como
um cão espera o dono.
— Entre — ditou, apertando o botão pequeno e destravando o
veículo.
Hector cogitou negar, mas o que lhe aconteceria? Sabia que não
seria uma boa atitude, por isso abriu a porta e acomodou-se
apreensivamente no banco direito.
— O que quer comigo? — perguntou com o tom sobressaltado,
bruto.
Caleb não pôde controlar seu anseio de rir, por isso gargalhou.
— O que você quer com o meu filho? — continuou tagarelando,
fazendo Lúcifer revirar os olhos, mesmo rindo.
— Responda-me: o grande problema é Benjamin gostar de homens
ou o homem ser eu? — A expressão dizia por si só o quão satisfatório
despejar aquelas palavras estava sendo, muito mais saboroso do que
álcool importado.
No rosto do pastor, formou-se uma feição de nojo e desprezo.
— Ele não é gay! — retrucou com violência no timbre. — Ele não
gosta de homens! — afirmou sinuosamente, perdendo a paciência e o
medo.
— Oh, ele gosta, reverendo. Ele, com certeza, gosta — a voz era
maléfica, porém baixa e calma.
— ISSO NÃO É VERDADE! — gritou. Parecia uma criança birrenta.
— Responda a pergunta.
— É errado, este é o problema! Não consegue enxergar? — Quis
utilizar o mesmo tom para sentir-se à mesma altura. Não funcionou.
— Você não deveria usar sua fé para reprimir o seu filho.
O Cão não parecia ligar para as palavras ditas pelo outro. O
conversível ganhava cada vez mais velocidade, deixando Hector
assustado, entretanto ele disfarçava tal anseio.
— Eu criei meu filho para ser um servo de Deus, para ser um pastor
e ir para o Céu. — Cada nova palavra soava desprezível aos ouvidos
de Lúcifer. — Mas ele se misturou com você e agora está sujo, impuro.
Quando o olho, sinto nojo, ânsia, não enxergo meu filho.
As falas duras demonstravam a falta de amor.
— Deveria sentir nojo de si mesmo — Caleb ditou simplista. Pisou
fundo no acelerador, observando a setinha vermelha do sensor de
velocidade ir até o máximo permitido enquanto o vento gélido batia
violentamente nos rostos.
— Espero que Deus tenha piedade da sua alma. — Quis soar firme
e esforçou-se para isso. Um completo miserável.
— Eu espero que Deus tenha, porque eu não terei.
O reverendo respirou profundamente, muitíssimo atormentado.
Procurava um único resquício de coragem enquanto se segurava firme
no assento do banco.
— Você quer fazer do meu filho um monstro, quer transformá-lo no
que não é! Deseja que ele seja assim como você, somente para saciar
seus desejos burlescos. Por que quer transfigurá-lo? Por quê?
A voz grossa, alta, provocava risadas descontroladas no Diabo. A
cada frase, o Corvette ia mais rápido, quase voando, e Hector tinha seu
medo triplicado.
— Pare de correr! — ordenou. — JESUS! PARE DE CORRER! —
voltou a apregoar, sua voz ficou falha e engasgada. Inclinou-se,
jogando suas mãos sobre o volante preto, tentando pará-lo e tomar a
direção, em puro desespero. Porém, lutar contra a força de Heilel não
funcionava, ele sequer conseguia movê-lo do lugar. — Você não tem
medo do inferno, Caleb? Sabe o que há nele? — Quis causar-lhe
medo, almejou soar ameaçador, como costumava fazer com Benjamin.
— Medo eu tenho é de ficar mais cinco minutos ouvindo você — as
falas calmas foram piadistas. — E outra, reverendo Parker: eu moro lá.
Virou sua face pujante e imponente para Hector, exibindo seus olhos
negros e perjuros; não havia qualquer vestígio do branco ali, nem
mesmo sua esclera.
O senhor Parker entrou em um êxtase de desespero, dando gritos,
fechando os olhos e começando a rezar o Pai Nosso.
— Desça — a voz calma de Heilel soprou tão suave quanto uma
brisa fresca.
Quando abriu seus lumes, em uma tremedeira sem fim, não existia
nada de outrora. Notou que estava de frente para a boate de luxo Sky.
Tudo não havia passado de um devaneio de medos.
— Eu me recuso a entrar nesse lugar sórdido.
— Você sempre vem aqui. Sempre. — Piscou-lhe um dos olhos e
adentrou pelo portal preto iluminado por luzes vermelhas e placas
neon.
— Joseph! — sobressaltou o tom ao avistar seu braço direito.
Geefs fitou-o confuso e franzindo o cenho. Porém, quando observou
o homem atrás de Lúcifer, entendeu e pôde gargalhar malditamente.
— SIRVA O PASTOR. HOJE, É POR CONTA DA CASA.
Sua voz bramida e sisuda fez alguns olhares caírem sobre o velho,
causando-lhe um mal-estar. Pareciam julgá-lo sem piedade.
Quando observou Hector se distanciar envergonhado, lembrou-se
de suas falas ligeiras.
— Oh, sim, reverendo. Esqueci de dizer... Abominação, naquela
época, significava falta de higiene. Não perca seu tempo lendo a Bíblia,
estude.
Como seres humanos, arriscamos e falhamos, intermitentemente,
com nossos pais, com quem amamos, com Deus, com o Diabo e com
nós mesmos. Como um ser ingenuamente perverso, apostamos tudo
sem temer naufragar.
A noite escura abrigava, em seus céus, estrelas brilhantes, assim
como o teto do quarto de Benjamin. Fitá-las sempre foi uma espécie de
vício, passatempo: observar o brilho falso proveniente delas, desejando
que fossem reais; contar uma a uma até que pudesse, então, fechar as
pálpebras e pegar no sono.
Os olhinhos molhados com lágrimas grossas, as quais faziam um
percurso por todo rosto bonito e delicado, evidenciavam uma gigante
angústia. Benjamin odiava sentir-se assim.
Seu pai não lhe dirigiu a palavra pela noite inteira e proibiu-o de
frequentar a igreja, pelo menos naquela noite. E lá estava Parker,
sozinho, deitado, culpando-se severamente.
— Deus, eu gostaria de ser diferente. — A expressão extremamente
chorona mostrava o quanto o ruivo estava mal. — Eu não queria ser
assim, sentir isso… — pronunciou baixo, sentindo a garganta raspar e
as lágrimas intensificarem. Era uma cachoeira de sentimentos.
O solilóquio nunca foi tão doloroso. Falar com Deus deveria ser um
momento de paz e bênção, porém se tornou um verdadeiro marasmo.
A sensação de remorso apertava o peito, quase sufocando.
— Mas eu sou assim, sou errado — concluiu, fechando os lumes
com força, dobrando o choro sincero.
Seu cerne implorava perdão.
— Senhor, eu sei que sou uma abominação. — Cobriu a face com
as palmas pequenas e gordinhas, apertando. Não parava de soluçar e
balbuciar “perdão”. Se pudesse escolher, jamais seria de tal maneira,
faria tudo diferente. Iria dar o que seu pai sempre desejou e entregaria
orgulho à sua mãe. Todavia, ele, definitivamente, não era capaz disso.
Não era o filho dos sonhos.
Virou-se e enfiou o rosto no travesseiro branco, continuando todo
aquele choro. O barulho era abafado pelo alifafe, por isso o silêncio
pesaroso estava instalado por todo quarto, quase zumbindo.
Tudo dentro de Benjamin gritava. Dessa vez, havia ido longe, longe
demais. Implorava o perdão, mas, acima de tudo, seu coração clamava
pelo Diabo. Parker estava sofrendo, padecendo por sua cura ser o
motivo da doença.
A limusine Roll Royce de cor preta estava preenchida de luzes
coloridas que piscavam simultaneamente, uma música excessivamente
alta e bebidas de cores, sabores e marcas variadas. As mulheres
dançavam e desfrutavam de tal luxo, sempre sensuais. Um ambiente
agudamente indecente.
Caleb parecia se divertir, tinha um sorriso ladino para a morena que
dançava e exibia-se para ele. Completamente erotizada, sentou-se
sobre seu colo e rebolou lentamente.
O Diabo vivia de luxúria, não havia quem resistisse aos seus doces
encantos. Segurava a taça, de forma etiquetada, levando-a aos seus
lábios finos, provando da bebida amarga enquanto a mulher de cabelos
longos e castanhos fazia uma carícia nada inocente em sua mandíbula.
Fitava-o completamente encantada e desejosa. Esticou-se com
intenção de degustar a boca alheia, tão atrativa e delineada.
Heilel era um homem deslumbrante, sedutor, não apenas por sua
aparência bela ou por todo seu dinheiro, mas sim pela sensualidade e
charme que exalava em tudo que fazia, despertando desejos sujos e
intensos.
Em uma espécie de impulso, Lúcifer desviou o rosto, distanciando-
se do beijo que viria. Afastou, com delicadeza, a doce morena até que
ela saísse de seu colo.
Joseph franziu o cenho e fitou-o com dissabor e surpresa.
— Caleb, não me diga que você está enjoado disso, que não vai
comer ninguém hoje — a voz era alta, praticamente gritada, por conta
da música de altura elevada.
— Não é essa a questão, apenas estou sem vontade — falou
totalmente simplista.
Mais uma vez, Geefs encarou-o com fastio.
— Você não fica com ninguém há dias. Não está com tesão
acumulado? Nunca vi você ficar mais de dois dias sem transar com
alguém.
Joseph parecia irritado, talvez, não houvesse exatamente um motivo
coerente para tamanho ímpeto. Porém, de fato, Lúcifer não estava em
seu estado normal; ele jamais deixaria de se divertir com aquelas
garotas, mas o braço direito sabia os motivos de Heilel, e era
exatamente isso que o perturbava tanto.
— Eu sei, mas não estou sentindo desejo. Não dramatize, Hope —
respondeu, sem dar o mínimo de interesse.
Abriu a porta da limusine e colocou seu corpo para fora, retirando-se
de lá. As ruas de Holy Paradise costumavam ser frias na medida certa,
mas, para o Cão, nem tanto.
— Caleb! — Geefs chamou-o, pondo-se a correr atrás dele.
Possuía, em sua face, uma expressão pouco satisfeita e de cenho
franzido. — Sinceridade, Lúcifer: qual o seu problema? — questionou
com dureza, fitando o Demônio que lhe sorriu astuto. — Me deixe
adivinhar: é o seu putinho da igreja? — indagou com um riso nasal e
exausto. Sabia bem em que estava se metendo, era uma área
perigosa. Contudo, precisava pôr para fora o que pensava ou aquilo iria
corroê-lo da cabeça aos pés e pelo cerne inteiro. Porém, Caleb parecia
ignorar o peso das palavras, apenas sorria cínico e estranhamente
preocupado.
— Está com ciúmes, anjo? — perguntou redondamente dissimulado.
— Vamos, Lúcifer. Responda. É por causa dele? Aquela vadiazinha?
— provocou arteiro. Pôde observar os orbes de Heilel tornarem-se
negros como a noite mais sombria, indicando raiva. Ele odiava aquele
tipo de linguagem.
— Hope, não brinque com fogo... — soprou cada palavra,
advertindo.
Caleb aproximou-se suavemente do outro. O seu olhar queimava,
causando medo em Joseph. Antes mesmo de respondê-lo, mais uma
vez, uma luz, semelhante a uma bomba, quase o cegou. Caiu com
violência sobre o chão, mas não causou impacto físico algum.
Era um ser que brilhava intensamente: seus fios eram cinza, a face
angelical, de uma beleza deslumbrante e inalcançável, os olhos azuis
como o céu em dia de primavera. Suas asas eram límpidas, alvas
como a neve.
Era um anjo.
Um sorriso lindo e espontâneo invadiu o rosto de Lúcifer, indicando
uma alegria pouco vista.
— A que devo a honra? — Heilel quebrou o silêncio, usando um tom
bem humorado.
— Oh, não é necessária uma formalidade dessa, Lúcifer. Sabe que
somos amigos de longa data — ditou de forma calma e divertida.
Esticou uma das mãos para Caleb que a pegou com uma devoção
impérvia. Selou-a com delicadeza, e fitaram-se risonhos.
— Certo. Vocês realmente precisam fazer isso todas as vezes que
se encontram? — a voz entediada, ainda muito chateada, quebrou o
clima, pesadamente leve.
— Não seja assim, Hope. Quer me dar um beijinho também? — o
anjo propôs, com uma face tão perspicaz quanto a de Lúcifer,
totalmente insolente.
— Teodoro, vá direto ao ponto. O que quer aqui? — questionou-o
com tédio. O expectar do braço direito ardia sobre o anjo divino, em
uma espécie de ódio tênue.
— Eu vou. Não seja tão apressado, meu amor — ditou, gesticulando
calmamente. — Bem, eu não sei exatamente o que estou fazendo aqui.
Deus explicou-me, mas sabe, ele só faz metáforas e eu não entendo
nada disso. — Riu caçoado enquanto seu sorriso quadrado deixava
seus dentes à mostra. — Ele falou algo de joio e trigo, mas tanto faz,
tem na Bíblia lá.
Caleb, imediatamente, soltou uma risada. A presença de Teodoro
não lhe causava repugnância, pelo contrário, era imensamente
prazerosa.
— Realmente, é muito bom revê-lo, traz sempre bons motivos para
eu odiar o Céu. — Gargalhou.
Joseph suspirou agudamente, buscando paciência.
— É sempre um prazer vê-los, mas sabem que isso só acontece
quando temos problemas. Por isso, vou falar o básico e de modo cru.
— Teodoro demonstrava sua falta de temor com facilidade.
— Sinceramente, eu não sei por que Deus te mantém no Céu. —
Geefs interrompeu o assunto, mostrando ainda mais chateação.
— Ah, Deus me adora — o tom debochado era o preferido do anjo
principalmente para se dirigir a Joseph.
— Deus jamais nos daria este privilégio. Imagine ter esse homem no
Inferno conosco! Que pecado seria... — Lúcifer ditou cômico, vendo o
ser divino rir cheio de brandura.
— Menos, Lúcifer. — Hope revirou os olhos.
— Hoje, você está mais ciumento do que o normal. Curioso isto. —
Lúcifer deu-lhe um empurrão de leve, fazendo-o penar para o lado,
ainda emburrado.
— Que seja! Diga logo, Teodoro.
— Eu já tenho conhecimento da vinda de Gadreel. Sei que ele o
estava advertindo sobre a desestruturação do Inferno. Ele não está
errado, você está causando um desequilíbrio absurdo, Lúcifer. Eu
confio na sua capacidade e no seu senso de responsabilidade, mas
Deus quer vê-lo no Martírio, e logo.
A seriedade caiu sobre ambos os rostos.
— Você já sabe minha resposta — a voz rouca foi diferente de
outrora.
— Sim, eu sei. Porém, Lúcifer, uma hora eu ou Gadreel vamos ter
que buscar você. Não quero ter que prendê-lo, não quero fazer parte
disso. Então, por favor, não me obrigue a chegar a esse ponto. —
Teodoro ficou bastante desolado por cogitar atá-lo desse modo tão
cruel. — Você, mais do que ninguém, sabe que, se isso acontecer,
perderá a pedra ônix e ficará trancafiado, jamais poderá sair. — Existia
uma empatia fortíssima, o que causava uma sensação de conforto ao
Diabo.
— Eu estarei à sua espera — concluiu, sorrindo forte e maléfico.
— Você está mudando, mas continua o mesmo. — Gargalhou com o
seu próprio paradoxo. — Seja esperto, Lúcifer. — Sorriu méleo e
fechou suas asas límpidas, subindo do mesmo modo rápido e
iluminado, semelhante a uma estrela cadente.
— Agora está ciente da gravidade de toda essa situação? — o
questionamento soou demasiadamente preocupado.
Caleb deu de ombros, pondo-se a caminhar.
—Aonde está indo?
A distância entre eles não era muito grande, porém a voz ecoou.
— Para casa — falou seco e direto.
— Oh, me espere, seu Diabinho!

O pé cauteloso estava no acelerador, demonstrando toda a sua


mansidão para com o trânsito. Existia um sorriso austero na face do
Cão somente em prever a feição assustada do reverendo. As mãos
hábeis seguravam o volante, seus olhos observavam cada canto
daquele lugar que tanto adorava. As ruas movimentadas, os coqueiros
altos, as luzes coloridas, provenientes de alguns comércios, e postes
sempre enfeitados. Era um lugar bonito.
O Corvette preto parou em frente à igreja. Caleb desceu, deixando
seu solado Stefano Bemer ir de encontro as lajotas do caminho. Suas
vestes estavam sutilmente menos elegantes: trajava uma camisa social
preta cujos primeiros botões estavam abertos, mostrando um pouco de
sua pele macia e alva. Adentrou a igreja com almejo, pisando forte.
Seus lumes negros percorriam todos os lados. Queria Benjamin.
Um rir brotou ao fitar o ruivo que o olhava de volta com um sorriso
preso, tímido e contente.
Continuou caminhando.
A igreja encontrava-se cheia, Hector estava falando ao microfone,
blasfemando suas famosas palavras cheias de heresias.
Benjamin acompanhava-o com os luzeiros atentos, a troca de
olhares era pouco discreta. Ainda o encarando, com um rir de canto e
olhar penetrante, Lúcifer silabou lentamente: “Venha até aqui”.
Uma expressão apreensiva caiu sobre o rosto de Benjamin, o medo
e receio causavam uma leve recusa ao pedido. Permaneceu
mostrando seus dentes, de modo ardiloso e quase inacabável. Heilel
seguiu sem receber uma resposta. O Diabo carregava a plena certeza
de que Parker daria um jeito de segui-lo.
Passou pelo corredor já conhecido, observando as duas portas,
entretanto não adentrou nenhuma. Prosseguiu seu percurso, examinou
uma espécie de portal, o qual não tinha amparo ou limiar, e adentrou o
lugar.
Estava razoavelmente escuro, uma fresta de luz, que pouco
iluminava, era proveniente da janela redonda coberta por uma
vidraçaria colorida que, ao centro, formava uma liturgia transparente,
bem no alto da parede. Havia alguns pássaros irritados batendo nas
telhas, derrubando poeira, e outros calmos, pousados próximos à
janela.
Moveu sua atenção, dando-a, agora, à voz grave e chiada do
Senhor Parker; ouvia nitidamente suas palavras. Quando focou o
enorme tecido, atinou que estava por detrás das cortinas. A única coisa
que os separava era um tecido grosso e azul-marinho.
Existia algumas quinquilharias pelo espaço, instrumentos velhos,
cadeiras quebradas, cortinas e sacolas, tudo empoeirado. Escorou-se
sobre uma mesa envelhecida, sentindo-a remexer. Estava esperando
que Benjamin chegasse.
— Calebie? — a voz suave e receosa invadiu os tímpanos do Cão,
trazendo-lhe um alívio e satisfação de obediência.
Parker sentia-se apreensivo, não gostava do escuro e tinha alergia a
poeira. Definitivamente, não deveria estar ali.
Em um súbito instante, foi bruscamente puxado pelo braço,
causando-lhe um enorme susto. Sua feição de olhos arregalados e
respiração forte, mesmo que quase parando, desfez-se ao ver o Diabo.
— Você quer me matar do coração? — questionou, em um ciciar
alto, apoiando a palma no peito, sentindo o coração palpitar
violentamente.
— Eu estava com saudades.
A face de Heilel era pouco vista, devido à escuridão, mas a voz
rouca foi suficiente para lhe dar um apaziguar bom. Os mirantes
pequenos foram, rapidamente, de encontro aos de Caleb, esbanjando
surpresa, honestidade e inocência.
— De mim? — Quis evitar o sorriso, porém ele se alastrou por todo
o seu rosto e caminhou até o coração, fazendo-o acelerar muito mais.
Abaixou a cabeça, encafifado, sentindo as bochechas esquentarem.
— Óbvio. — Puxou o ruivinho, deixando-o mais próximo. —
Saudades do seu cheiro, do seu gosto, da sua voz, de você — Lúcifer
tinha um tom baixo, rouco e cavo. Levou sua destra até a nuca do
ruivinho, segurando-a com delicadeza enquanto a outra descia para a
cintura, apertando-a com firmeza.
— Eu também estava sentindo sua falta — a voz quase inaudível e
tímida confessou. Extremamente fofo. Benjamin não fazia ideia do
poder que possuía sobre Lúcifer: com apenas um rir doce o
quebrantava.
Caleb aproximou seu rosto ao do alaranjado e fez um leve afago
com a ponta do nariz, o que deixou Parker completamente abobalhado.
Prontamente, envolveu seus braços no pescoço do Diabo, cheio de
carinho.
Lúcifer ainda fazia carícias pela face angelical, sentindo os lábios se
encostarem, suavemente, por algumas vezes. Uniu-os em um selar
delicado, apenas se dando o prazer de sentir os lábios quentes, de
toque méleo. Em um singelo tocar, Benjamin era capaz de transmitir
uma entrega hedionda, a qual Heilel almejava ser o primeiro e único a
senti-la. Passou os dedos entre as madeixas apaixonantes, apertando
os fios com uma força moderada.
Por fim, iniciou um beijo calmo e pediu passagem, com a língua, que
foi cedida de imediato.
O beijo de Parker era cercado de devoção, carinho, castidade e
singeleza, algo que o Tinhoso jamais havia provado. Tornou-se seu
vício, sua viela, seu naufrágio, como uma bebida alcoólica, porém
totalmente adocicada.
O ósculo era molhado, os estalos eram auditivos, causando-lhes
mais sede e desejo. As línguas pareciam dançar entre as bocas, em
uma melodia excepcionalmente deliciosa.
Afastaram-se vagarosamente. Benjamin mantinha os olhos
fechados, em uma espécie de culpa rodeada de prazer.
— Sua boca é tão… — falou, em um sussurro, buscando alguma
palavra capaz de decifrar o sabor do Diabo. — Gostosa. — Apoiou o
rosto na curvatura do pescoço de Heilel. Aquilo poderia soar indecente
ou malicioso, porém foi verdadeiro e santo.
Conectaram-se, novamente, dando início a outro beijo um pouco
mais desejoso. Parker mantinha os dedos entre os fios castanhos,
segurando-os firmemente. Caleb pegava-o com violência enquanto sua
palma deslizava para as nádegas fartas, apertando-as com brutalidade.
Como resposta, recebeu um gemido abafado por sua boca morna.
Benjamin estava perdido nas mãos do Tinhoso. Sempre cedia aos
desejos sem qualquer relutância, como se fosse impossível negar a
gana de sua carne.
O beijo era feroz, lascivo, acabava com a sua sanidade, fazendo-o
esquecer de tudo, entregando-se inteiramente ao sabor alcoólico dos
lábios de Lúcifer.
Heilel cessou o beijo com muita voracidade e, sem perder tempo,
virou Benjamin, fazendo seu corpo bater contra a pilastra gélida. Parker
estava muitíssimo ofegante.
— Você arruína minha sanidade, meu autocontrole... — ciciou,
lentamente, em seu ouvido, sentindo os pelinhos ruivos do corpo alheio
eriçarem. — Me desfaz em cem pedaços, me deixa completamente
louco por você. — Deu um tapa estalado na nádega, ainda coberta
pela calça. Parker largou um murmúrio extasiado de libido. — Você é
minha única perdição. — Raspou o nariz na nuca alheia, sentindo o
cheiro doce e, sem controle algum, largou beijos molhados, mordidas
cautelosas e chupões leves.
O membro de Lúcifer roçava entre as nádegas fartas do puritano
que gemia e arfava em total deleite. Ele parecia não atinar mais nada,
não ouvia as vozes vindas do outro lado, nem mesmo a de seu pai.
Tudo que existia para ele, naquele instante, era o Demônio.
O ruivinho apertava os olhos e mordia o lábio inferior com violência,
deixando-o vermelho e com a marca de seus dentes. Empurrava-se
contra Caleb, implorando para que aquele cacete o tocasse com mais
fúria.
Ao notar os atos nada inocentes do casto garoto, Lúcifer pressionou
ainda mais o seu pau, fingindo uma estocada. Pôde ouvir um gemido
agudo, prazeroso. Parker vestia-se com uma calça de tecido fino e
folgado, isso fazia com que o contato fosse ainda mais direto.
Gemeu alto quando sentiu um outro tapa violento em sua bunda. A
mão de Caleb era realmente grande e forte: quanto mais batia, mais
tesão Benjamin sentia.
Seu corpo foi virado, novamente, de modo selvagem. Heilel tomou
sua boca, sem intervalo, enquanto friccionava os membros.
Toda essa luxúria, esse vislumbre, parecia o ápice para Benjamin.
Estava dado de corpo e alma. O Cão perdia-se nas sensações,
atitudes e euforias presentes nele, na libido que sequer tinha
conhecimento da existência.
O alaranjado desceu a destra, parando-a em cima do pau de Lúcifer,
em uma atitude espontânea e instintiva. Alisou o grande volume,
soltando gemidos. Ele queria algo, queria aquilo de algum modo,
desejava aquele pênis com toda sua carnalidade.
Caleb sorriu ladino entre o ósculo, atrapalhando-o. Fitou o rosto
rosado de Benjamin que, ao encará-lo, sentiu-se envergonhado.
— Não precisa sentir vergonha. Não comigo, meu bem — a voz
cava era sexy, afável e delirante. Heilel fazia um roçar tão bruto entre
os membros que Benjamin poderia gozar somente com aquilo.
— Ahn… Isso é tão bom... — o tom rasgado em promiscuidade, com
voz falha, confessou. Parker mantinha os mirantes fechados, e o beijo
tornou-se quase impossível, já que ele não parava de gemer.
Por um súbito instante, Heilel parou o ósculo e ergueu ainda mais o
ruivo, apertando suas coxas fartas e estocando atroz.
Em uma sensação de desespero e desejo, o ruivo buscou, mais
uma vez, ferozmente, os lábios do Diabo, com uma necessidade jamais
vista.
Lúcifer jogou-o para o lado, fazendo metade de seu corpo cair sobre
a mesa empoeirada enquanto a boca faminta o devorava.
Benjamin não se mantinha deitado, insistia em se erguer; queria
sentir o corpo de Caleb no seu, sentir o calor que emanava daquele
homem.
Lúcifer empurrou o ruivo com certa coação, fazendo-o gemer pelo
impacto nas costas. Sem pudor algum, pôs-se a pegar o membro dele,
tirando-o da calça, ouvindo um suspirar aliviado.
O Tinhoso deu início a movimentos de baixo para cima, sentindo o
pré-sêmen espalhar-se, deixando-o ainda mais molhadinho.
Era exatamente isso que Benjamin queria, sentir a mesma sensação
de dias atrás.
— Calebie… Ainda estamos na igreja. — Elevou o pescoço, fitando
o rosto de Heilel que exibia uma iniquidade sacana.
As íris escarlates, banhadas de devassidão, deixavam o ruivinho
ainda mais excitado. Algo no cerne de Benjamin queria se portar com
decência, dar-se o respeito que seu pai e sua mãe lhe ensinaram,
deixar de ser tão imoral e impuro. Porém, seus desejos eram maiores,
sequer conseguia se imaginar recusando Caleb. Todas as vezes que
se lembrava da voz, do toque, do corpo forte... Carregava mais certeza
de que aquilo já valia por quaisquer contras.
— Só lembrou agora? — questionou irônico e retórico.
Antes que Parker pudesse responder, sentiu seu membro ser
inteiramente engolido pela boca quente de Lúcifer.
— Oh, Deus… — quase foi um grito. Encontrava-se em estado de
puro êxtase.
Caleb afastou a boca do pau róseo e inchadinho, vendo sua saliva
cobri-lo. Um sorriso ladino cresceu, sua face carregava uma feição
cafajeste.
— Deus não, o Diabo — corrigiu-o e, imediatamente, voltou a
chupá-lo.
Benjamin revirava os olhos todas as vezes que sentia a cabecinha
distensa do seu membro bater na garganta do outro. Jogou-se para
trás, curvando as costas, gemendo alto, entregando-se aos toques
sujos e airosos de Caleb.
Os gemidos agudos e nasais misturavam-se com a música
extremamente irritante do local. Heilel era muito habilidoso: lambia a
fenda e sugava a cabeça do membro; depois, engolia-o com vontade.
As mãos pequenas e trêmulas seguravam, em um aperto, os fios
castanhos. Premeditava a chegada de seu ápice enquanto espremia os
lumes e empurrava a cabeça do outro contra sua pélvis. Sentiu uma
linha de poder divino percorrer todo o seu corpo como um choque, sem
pudor algum.
De sua boca, não saiu gemido nenhum, apenas seus lábios
entreabertos e um grito mudo.
Parker desfez-se na boca do Tinhoso, sentindo suas pernas
bambearem e seu corpo amolecer.
Antes que pudesse relaxar sua estrutura física, foi puxado por Caleb
que o beijou com veneração, fazendo-o sentir seu próprio sabor.
— Ajoelha — ordenou com uma voz preenchida de rouquidão.
Aquele tom causava um efeito brusco sobre o puritano, um delírio
descomunal o invadia, mesmo que seu corpo estivesse mole por conta
do recém-orgasmo.
Ele não pestanejou, logo obedeceu ao Diabo, pondo-se de joelhos.
Estava em frente ao grande volume presente na calça alheia. Um frio
percorreu sua espinha como se pudesse gozar, novamente, somente
em imaginar o que existia por baixo daquele tecido.
Por um breve momento, martirizou-se por seus pensamentos e
desejos tão profanos.
O Diabo estava satisfeito com o estado do garoto: os cabelos ruivos
emaranhados, a boca completamente vermelha, inchada, combinando
bem com seu pescoço e clavícula marcados. Nada que fosse durar
muito tempo, mas era satisfatório.
Passou a palma entre os fios, colocando-os para trás e segurando-
os com vigor, fazendo com que Benjamin olhasse para ele. Lúcifer não
entendia como aquele garoto poderia olhá-lo tão inocentemente,
principalmente, naquela posição. Levou o rosto de Parker até sua
ereção, observando-o fechar os lumes, em puro gozo.
Deslizou os lábios carnudos por cima do pano, desejando que o
ruivo estivesse engolindo, engasgando-se e babando em seu pau.
— Benjamin, você está aí? — a voz doce e feminina invadiu os
ouvidos de Parker, causando-lhe um enorme susto.
Levantou-se com pressa, ajeitando sua roupa e os fios ruivos, em
total desespero. Heilel segurou-o na tentativa de acalmá-lo.
— Ei, espere. Não pode sair nervoso desse jeito — a entonação era
baixíssima e calma, queria passar sossego ao outro.
— Eu preciso ir, papai vai ficar muito bravo comigo. — A respiração
desregulada dizia muito sobre seu medo.
Lúcifer nada disse, apenas juntou seus lábios aos dele, em um
beijinho singelo e, por fim soltou-o, deixando que o ruivo saísse em
completo desespero e afobação.
— Ben? — a voz confusa de Karen era notória, além de parecer
bastante preocupada. — Por que estava aí? — indagou, franzindo o
cenho e cruzando os braços. — Sabe que tem alergia, depois vai ficar
espirrando a noite inteira. Vai, volte para o seu lugar.
Benjamin engoliu em seco, mantendo-se calado, com a expressão
de susto e uma tremedeira. Seu único gesto foi o de assentir e seguir
para sua cadeira.
O coral infantil se apresentava com a atenção de todos. O
alaranjado fitou seu pai, que estava sentado, sério e com um
semblante nada amigável. Sentou-se ao lado dele, no meio de ambos.
Queria evitar qualquer contato com Hector, estava incapaz de falar uma
palavra por mais simples que fosse.
— O que é isso vermelho por todo seu pescoço? — Karen indagou
enquanto esfregava, tentando tirar as manchas.
Parker passou as mãos pelo pescoço, desesperado, tentando
disfarçar. Karen encarava-o, ainda esperando uma boa resposta. No
entanto, seus olhos e os de Hector seguiram para trás do garoto,
fitando Caleb que saía exatamente de onde Benjamin estava.
— Ele estava com você? — o reverendo questionou baixo e
discretamente, porém com fúria.
O puritano negou freneticamente.
Lúcifer fitou Hector, dando-lhe um sorriso macabro e, rapidamente,
retirou-se da igreja, pândego, satisfeito, mas nunca saciado.
O Senhor Park voltou o olhar para o filho que recuava para o lado de
Karen. Discretamente, apertou um dos pulsos do acobreado, trazendo-
o para perto.
— Quando chegarmos a casa, você terá que me esclarecer muitas
coisas, Benjamin Parker — as palavras foram ditas uma a uma,
vagarosamente e de modo raivoso.
De imediato, Benjamin sentiu uma vontade de chorar sem tamanho
e fitou o chão para disfarçar. Ele sabia que conversar com seu pai
nunca era agradável.
Jamais desafie a capacidade escrupulosa de Deus ou do Diabo,
pois há uma linha tênue e, para ambos, todo e qualquer castigo ainda é
pouco.
O carro, um tanto antigo, andava com velocidade, deixando Karen e
Benjamin ainda mais aflitos. Hector mantinha uma expressão não muito
agradável, dava para sentir o mal-estar sobrevoando o ambiente em
um silêncio angustiante.
O veículo parou, subindo na calçada até o início da garagem que
estava fechada. O reverendo retirou-se do automóvel e fechou a porta
de modo violento, causando um estrondo.
Parker, definitivamente, estava com medo, assustado, e seu único
desejo era evaporar do lugar em que se encontrava. A ânsia de choro
causava-lhe um nó na garganta que roubava seu ar. Por impulso,
correu para dentro de casa, mas foi seguro com ímpeto. O senhor
Parker lhe lançava um olhar amedrontador, já conhecido, que lhe
causava uma sensação horrenda.
Karen observava tudo em silêncio. Estava hesitante, porém não
poderia fazer nada contra seu marido. Por isso, apenas se mantinha
perto de Benjamin com a intenção de transmitir alguma proteção.
Adentraram a residência, bem distinta para todos.
O ruivo ainda era seguro com força: o pastor agarrava seu braço
com um aperto absurdo. Certamente, ficaria uma marca terrível na pele
sensível e branquela. Hector continuou os passos, pondo-se a subir as
escadas, arrastando Benjamin com brutalidade. Não parecia se
importar de machucá-lo.
— Aonde você vai com ele? — Karen questionou em um desespero
evidente. — O que vai fazer? — Ela suava e tremia, esforçando-se
para segurar a mão do filho.
— Cale a droga da boca! — proferiu raivoso, alto e estressado. — A
culpa disso tudo é sua. Sequer soube educar o próprio filho. Não serve
para nada mesmo. — Esbravejou rudemente cada palavra enquanto a
fitava com uma repulsa inigualável. — Para que pôs filho no mundo?
— Ele também é seu filho, Hector — refutou.
— Diferente de você, eu o criei com amor, carinho, disciplina e
moralidade. Para, agora, ele me retribuir com desgosto e vergonha,
sendo desse jeito: uma aberração?! — cuspiu as frases sobre o rosto
de sua esposa. Existia ódio transbordando de seus olhos, o suor de
sua pele escorria e sua respiração ficava ainda mais desregulada.
Karen sentia-se frustrada. Acreditava no seu fracasso como pessoa,
como mulher, como mãe. Seus lumes estavam cheios de água. Não
era apenas medo, não era por ela; era uma tristeza profunda que batia
violentamente em seu peito, e nenhuma palavra ousava sair de seus
lábios gélidos e pálidos.
Karen apenas queria que ele soltasse Benjamin, que o deixasse em
paz. Temia o que poderia ocorrer quando aquela porta se fechasse e
sua presença já não fosse mais uma distração, não fosse mais um
escudo, um segundo receptor de ódio. Não importava como ele era:
Benjamin era seu filho e amava-o infinitamente.
— Deixe-o subir, por favor, querido. Permita que ele repense seus
atos, por favor — implorava com a voz falha. Sua intenção era passar
uma submissão retórica, uma calmaria não existente em si mesma,
enquanto se aproximava devagar. Contudo, foi surpreendida por um
empurrão brusco de seu marido que a levou instantaneamente ao
chão. O impacto foi tão forte que causou uma breve tontura.
— MAMÃE! — Parker gritou, chorando ainda mais alto.
O ruivo debatia-se, na tentativa de se soltar, em vão, enquanto o
pastor continuava a subir os degraus da escadaria velha. Ambos
passaram pelo portal do quarto de Benjamin. Entrar naquele quarto
sempre foi seu refúgio, mas, desta vez, não.
Parker sentiu seu corpo ser lançado brutalmente contra o chão
gelado; a porta foi trancada, ecoando um estrondo agressivo.
— Por que você faz isso, Benjamin? — questionou com a voz baixa
e olhos molhados. Encarava o garoto profundamente, mantendo sua
face abaixada, próxima a ele.
— Olhe seu pescoço… — Tocou a pele sensível enquanto seu
timbre demonstrava repulsa. O ruivo recuou assustado. —
RESPONDA! — gritou sobre os ouvidos dele.
Nenhuma resposta foi dada. Benjamin tremia demais, sentia um
medo intenso que o impedia de falar.
Hector irritou-se ainda mais pelo silêncio e, sem pena alguma,
deixou um tapa violento na face do puritano. De imediato, pôde-se ver
a bochecha tomar um tom avermelhado enquanto o silêncio
continuava, agora, ainda maior.
Benjamin não conseguia falar. Ele queria se salvar daquela situação,
almejou ter as palavras certas na ponta da língua — capazes de tocar
o coração de seu pai, de agradá-lo —, mas parecia estar com os lábios
colados.
— Você faz isso para me atingir? — perguntou, ainda observando o
choro sem fim enquanto a palma tocava o rosto violado. — Deseja me
ver em cacos, envergonhado, humilhado, mal falado aos quatro cantos
da terra? — A cada segundo, seu tom se exaltava mais.
O alaranjado titubeava sem conseguir controlar seus soluços e as
lágrimas de mágoa.
— ME RESPONDA QUANDO FALO COM VOCÊ!
Outro tapa foi dado no rosto alheio, deixando-o ainda mais marcado.
— Não, pai — sua voz era baixa e sôfrega. A faceta angelical estava
completamente avermelhada, coberta por lágrimas, e sua boca
acumulava saliva em demasia.
— Como você tem a capacidade de mentir tão descaradamente? —
questionou retoricamente. Cego de raiva, puxou Benjamin pelos fios
ruivos, levantando-o. Seu grito dolorido foi ecoando pelo quarto.
— Olhe nos meus olhos — exigiu, grudando sua face à do filho que
se recusava fitá-lo. — OLHE! — vociferou, sacudindo o corpo
amolecido, causando ainda mais pavor.
Os lumes castanhos e inocentes seguiram para os do reverendo,
esbanjando angústia.
— Foi ele quem fez isso no seu pescoço? — inquiriu, desejando
com todo o coração que a resposta fosse negativa.
Entretanto, fala alguma saiu dos lábios do acobreado. Perdia-se na
dor em seu couro cabeludo que ardia intensamente.
— FOI ELE? — Balançou-o novamente. — RESPONDA, AGORA!
Seus gritos eram estrondosos, alguns de seus vizinhos podiam ouvir
cada palavra dita sem dificuldade alguma. Todavia, ninguém se
mobilizou para ajudá-lo.
Benjamin, completamente desistente, assentiu, dizendo a verdade.
Hector sequer soube como suportar aquilo. Seu corpo formigou por
inteiro, a cólera subiu à cabeça, sua visão tornou-se turva, manchada,
devido ao estresse excessivo. Parecia ter perdido a noção do que
fazia, permitiu que seu corpo e alma fossem tomados por sentimentos
impiedosos. Empurrou o ruivo com hostilidade, fazendo com que o
corpo pequeno caísse, sem escrúpulos, no chão.
Em uma atitude repleta de desespero, Benjamin curvou-se, ficando
em posição fetal. O pavor dentro de si era enorme. Para ele, aquele
homem já não era o seu pai.
Tudo o que fazia era implorar para que Deus o ouvisse, para que
não doesse tanto. Mas doía, na sua carne e no seu espírito.
Chutes impetuosos eram dados, de modo aleatório, pelo corpo do
ruivo. Seus gritos eram dolorosos, agudos e chorosos. A dor era
incomparável, nunca havia se sentido tão à beira do fim, jamais havia
sido tão violentado, como se não fosse nada mais do que um saco
podre de lixo.
Karen desesperava-se, batia à porta, gritava, chutava, implorava por
ajuda de quem quer que fosse, mas nada acontecia, ninguém aparecia.
Afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Dito
imundo.
— VOCÊ É UMA ABERRAÇÃO! — bradou enquanto mantinha
empenho em chutar toda a estrutura física do alaranjado.
Parker sentia tanta dor que sua visão se tornou turva, imprecisa. Já
não era capaz de se proteger.
— É NOJENTO! — Continuou a humilhá-lo, vendo-o ceder por
completo àquela selvageria desnecessária. — POR QUE VOCÊ FAZ
ISSO COMIGO? — gritou, chorando.
Ergueu o garoto pela roupa, jogando-o na cama. A estrutura
completamente danificada não tinha força alguma e caiu de cara sobre
o acolchoado macio. Por mais que fosse confortável, o machucou
como se estivesse sendo atirado em cima de algo muito duro.
— POR QUE VOCÊ FEZ ISSO COM A NOSSA FAMÍLIA? — Era
evidente a falta de sanidade naquele homem.
O furor transparecia de suas mãos, pés e retinas, habitava-o.
— Me desculpa, papai. Eu juro que não é de propósito... —
respondeu-lhe fraco. — Eu só gosto dele. Já quis mudar isso, mas não
consigo. Eu juro — cada palavra saía pausadamente, o timbre agudo
estava arrastado. A dor fazia sua respiração ter pouco controle.
— O que disse? — o tom foi incrédulo. Tomou proximidade de seu
pequeno filho, somente para se certificar do que ouviu.
— Disse que gosto dele.
Dessa vez, Benjamin cuspiu as palavras como nunca fez em toda a
sua vida. Existia afronta, coragem — mesmo que muito breve — e
algum outro sentimento que ele não foi capaz de discernir.
— PEÇA PERDÃO IMEDIATAMENTE! — ordenou. Puxou o cinto
que, antes, rodava sua calça, dobrou-o e começou a bater nas costas
alheia.
— Não! — o ruivo refutou. Sentia o cinturão bater, novamente, em
sua pele, cada vez mais forte. Cada pancada era um desmoronar no
coração de Benjamin. A imagem de seu pai se desfez de sua mente, e
todo aquele afago, amor, carinho que sentia, pareceu esfriar, evaporar
e sumir.
— CLAME PERDÃO! — repetiu uma ordem.
— NÃO! — Parker gritou entre o choro angustiado, usando uma
força que nem sabia da existência.
— Você é uma vergonha para mim. Preferia que tivesse morrido
antes mesmo de nascer. Assim, poderia ser eternamente límpido —
proferiu duramente.
Era tão doloroso ouvir tais palavras. A água salgada que saía dos
olhos de Benjamin não tinha limites. Hector largou o cinto preto que
antes estava em sua mão, e retirou-se do quarto, ainda gritando frases
ofensivas e xingamentos.
Com uma dificuldade sem tamanho, o ruivinho arrastou-se,
deitando-se por completo. O choro era tão forte que emitia gritos. A dor
de ouvir, de sentir, de saber tudo aquilo era indecifrável. Sentia-se
como uma fruta podre, alguém inútil para o mundo.

O corpo forte estava jogado, confortavelmente, sobre o estofado de


couro branco; os olhos castanhos fitavam o teto de modo impaciente e
tedioso.
Era madrugada e Lúcifer não conseguia se distrair com
absolutamente nada. Sentia uma pressão sobre si, uma intuição
negativa, seus próprios pensamentos não lhe davam sossego.
— Você está bem, Caleb? — Joseph indagou preocupado.
— Não sei exatamente — a entonação mostrava uma inquietação e
um enorme desinteresse na conversa.
Heilel deslizou a palma longa pela face, esfregando-a para, em
seguida, suspirar profundamente. O que sentia era algo novo e
muitíssimo esquisito.
Geefs, verdadeiramente, não compreendia Lúcifer. Ele deveria ter
conhecimento do que ocorria com Benjamin, pois, apesar de não
serem criaturas onipresentes, eram praticamente oniscientes. Hope
andava com os sentidos muito mais aguçados para os problemas
decorrentes ao ruivo, talvez, pelo fato dele ser um incômodo.
Contudo, o ponto crucial era: por qual razão Caleb não conseguia
sentir ou saber o que se passava com o puritano?
— Heilel, estou falando sério. — Sorriu, um pouco sem graça, na
espera que o Tinhoso estivesse fingindo.
— Hope, estou falando sério, eu não sei. Só me sinto pensativo, não
se preocupe — ditou com sinceridade, sem qualquer ironia, mas a
faceta com expressão séria causava um clima tenso.
O braço direito franziu o cenho, estranhando tudo aquilo. Aquele não
era o Diabo. Caleb sempre foi zombeteiro até nas piores situações.
— Lúcifer, me responda com verdade: você está gostando daquele
garoto? — Arqueou a sobrancelha, desacreditando das próprias falas.
Afinal, o Diabo não ama.
— Que pergunta idiota. — Riu nasalmente, revirando os olhos,
totalmente irritado pelo questionamento repentino.
— Então, significa que não se importa com ele? — inquiriu
ousadamente, arqueando a sobrancelha.
De imediato, o Cão caiu em uma gargalhada maléfica, mostrando
que ainda estava em sã consciência. Caleb jamais seria capaz de
responder a verdade, e Joseph sabia disso. Por esse motivo, levaria
sua resposta para um lado oposto.
— Exato, não me importo. — Curto, direto e confiante. Matinha um
sorriso maldoso em seus lábios finos e atraentes.
— Me explique por que faz isso, por qual razão age como se
gostasse dele? Caleb, por que complica ainda mais a vida do garoto,
se não está disposto a tirá-lo de um maldito inferno?
O tom sobressaltado evidenciava um Joseph piedoso.
— Você está alimentando os sentimentos de Benjamin. Se só almeja
desfrutar da pureza ou do corpo, que faça isso, mas não o maltrate. —
Hope mantinha os braços cruzados e o tom sério. — Eu não me
importo com ele, com a droga de família que ele tem ou com o que
pode acontecer, mas eu sei que você sim.
— Não fale bobagem — advertiu.
— Nesse caso, seria uma grande bobagem dizer que, exatamente
agora, ele está sangrando em cima da própria cama por sua culpa e,
ainda assim, clama pelo seu nome. Mas você consegue saber? Sentir
isso?
Joseph gostava do sofrimento alheio, do sangue, suor, choro e
temor. Tudo o alimentava, todavia, de algum modo, sentia-se mais
piedoso e humanizado.
Uma empatia maldita o invadia e, por um breve segundo, pôde
sentir, na carne, a dor de Benjamin: algo nostálgico. Embora não tenha
se rendido, abriu um sorriso sádico ao ver a expressão assustada do
Diabo.
Lúcifer paralisou, piscou, lentamente, algumas vezes, tentando
controlar o sentimento que lhe sucumbia. Seus lumes tornaram-se
negros, tão escuros quanto um poço sem fundo enquanto uma feição
enraivecida o domava.
Geefs deu alguns passos para trás, encolhendo-se em segurança.
Caleb causava-lhe um medo horripilante quando raivoso. Antes que
pudesse ter a plena certeza de que Lúcifer desfiguraria seu rosto,
dilaceraria seu corpo e arrancaria seus órgãos por toda eternidade,
Heilel simplesmente sumiu.
— Ai, Lúcifer, você está caidinho por esse garoto — falou consigo
mesmo, negando com a cabeça. — Espera… Fodeu tudo!

Caleb poderia usar suas hábeis habilidades e apenas surgir no


quarto de Benjamin, contudo o estilo era indispensável e seria
muitíssimo esquisito surgir do além.
Além disso, ainda achava que Joseph estivesse blefando, que tudo
não passava de um teste em que, evidentemente, Heilel estava
falhando. Pegou seu Corvette e, sem qualquer cautela, meteu o pé no
acelerador, praticamente voando.
Quando chegou à residência do Parker, havia um silêncio instalado
por toda a quadra e as luzes estavam todas apagadas. Sem qualquer
cerimônia ou respeito, meteu o pé na porta envelhecida de madeira,
quebrando-a em três partes. Subiu as escadas, dispensando
ponderação, indo ao quarto do puritano.
Abriu a limiar, deixando que um resquício de luz, proveniente do
corredor, invadisse o quarto.
Benjamin estava encolhido sobre a cama, com o rosto afogado no
travesseiro.
Existiam manchas de sangue pelo chão, jirau e por toda a roupa.
Seu choro era cheio de soluços que eram abafados pela almofada.
— Ben? — chamou-o suavemente, dando curtos passos para se
aproximar.
— Calebie... — fraquejou durante a palavra, abrindo os olhos com
dificuldade. Seu rosto singelo carregava marcas da violência recente, o
que fez Lúcifer fechar os luzeiros e apertar os punhos. Precisava
manter o controle.
Sentou-se à beira da cama, fitando o ruivo. Ele estava
completamente acabado, cada pequena parte de sua derme estava
machucada. Heilel sequer quis imaginar o que havia por debaixo das
vestes. Definitivamente, ele encontrava-se pior que da última vez.
— Meu anjo, como você se sente?
Apesar da resposta parecer óbvia, ele queria ouvi-lo, ter total ciência
de que sua presença não era indesejada.
— Calebie… — repetiu turvo enquanto esticava os braços com
cabal revés, em um pedido mudo de abraço.
Com delicadeza, o Diabo ergueu-o, abraçando-o fraco para não
causar dores piores. Benjamin, por sua vez, apertava Caleb, permitindo
que o choro saísse em maior intensidade. Agora, ele só queria
conforto, e era nos braços de Lúcifer que se sentia verdadeiramente
acolhido. Desejava que ele jamais o deixasse sozinho com aquele que
dizia ser o filho do Deus amoroso.
— Não me deixe só, por favor... — pediu-lhe trêmulo, segurando-o
com firmeza. Benjamin estava quase em estado de pânico.
— Não vou largar você, prometo.
Dificilmente, você verá o Diabo comprometer-se com algo, porém,
quando se compromete, suas palavras têm uma validade segura, ele
jamais as quebra. Mas o preço é alto.
Caleb acariciou os fios alheios que estavam totalmente
emaranhados e com fortes nós. Ficaram ali por longos minutos, apenas
Lúcifer e um frágil garoto que necessitava dele. Quando pôde sentir
que Benjamin tremia menos e parecia um pouco mais calmo, levantou-
o com extrema delicadeza, segurando-o firme. Parker rodeou as
pernas na cintura alheia e apoiou o rosto, molhado por lágrimas
grossas, sobre a curvatura do pescoço do Tinhoso.
Sentia-se muito tonto e enjoado por conta das pancadas no
estômago. Apenas prendeu o anseio de vomitar e respirou
profundamente, tentando cessar o choro.
Depressa, Heilel saiu do quarto e, sem pudor, desceu a escadaria
que fazia um barulho ainda maior por conta do silêncio da madrugada.
Segurava Benjamin com uma devoção e cuidado inexplicáveis.
Apenas queria levá-lo para longe, protegê-lo de todo mal. Uma
sensação estranha para seu âmago.
— Aonde você pensa que vai com o meu filho? — a voz, com
extrema ignorância, invadiu os ouvidos do Cão, provocando uma
repulsa terrífica.
Benjamin apertou os olhos, voltando a chorar angustiado enquanto
todo o seu corpo tiritava em desespero e medo. Premia Caleb com
uma brutalidade indistinguível.
Lúcifer virou-se lentamente, sorrindo sádico e aterrador. O
reverendo fitou os olhos pérfidos e melânicos e recuou assustado. A
expressão zombeteira e perversa que o Demônio carregava causava
pavor ao homem.
Hector sentiu suas costas baterem contra a parede, com uma
brutalidade exagerada, derrubando algumas liturgias que ali estavam.
Logo, não sentia seus pés tocarem o chão e uma sensação horrenda
de enforcamento sucumbiu-lhe. Pareciam existir duas mãos apertando
seu pescoço com uma força fora do normal, apta para matá-lo, porém
não havia nada, para seu desespero. Debatia-se aflito como um
inofensivo peixinho fora d'água.
No geral, as pessoas só tinham poder dentro de seu âmbito, e tirar
proveito disso era esquecer que fora dele não se é ninguém.
— O que tenho para resolver com você é caro. Nem mesmo sua
morte é capaz de pagar o que você fez hoje, Hector — a voz era
excessivamente grave, quase computadorizada.
Um rir cínico e medonho, acompanhado de íris mescladas de ódio,
evidenciavam sua ânsia de matá-lo.
Mas não. Heilel não faria esse favor, não tão facilmente.
O Diabo retirou-se daquela maldita casa e, com pressa, adentrou o
veículo e acomodou o ruivinho.
Não houve demora a chegar — do jeito que Heilel estava insano só
faltou voar. Entrou no apartamento luxuoso com Benjamin em seus
braços fortes.
— De novo aqui? — Joseph ditou sério, movendo um pirulito
vermelho por seus lábios, totalmente cínico.
Instantaneamente, Caleb fitou-o, cerrando os cílios, fuzilando-o com
apenas um simples olhar. Geefs, por vez, ergueu os braços, mostrando
uma falsa redenção.
— Vai cuidar dele, Diabão? — Rolou os olhos, tirando o doce da
boca, perfeitamente irônico, sem dar muita importância.
Em outro estado, Lúcifer daria uma boa lição em seu projeto de
demônio rebelde, mas aquele não seria o momento adequado. Ignorou-
o.
Voltando a caminhar pelo corredor, entrou em seu quarto, fechando
a porta cuidadosamente. Deitou Benjamin sobre o acolchoado macio e
lençóis sedosos, deixando-o confortável. Seguiu com certa pressa até
seu closet, separando algumas peças de roupa para Parker vestir. Por
último, pegou o kit de primeiros socorros.
O ruivo dormia pesado, sua face ainda estava molhada: a expressão
de tristeza e dor não havia abandonado Parker, nem mesmo
adormecido.
— Benjamin... — chamou vagarosamente enquanto tomava
propinquidade. — Anjo...
Parker abriu os olhos devagar, sentindo-os pesados e franziu o
cenho por causa da dor de cabeça forte.
— Vou dar banho em você — avisou. — Vamos.
O alaranjado negou instantaneamente.
— Eu tenho muita vergonha... Principalmente agora. — As
bochechas pálidas ficaram coradas.
— Ben, eu já vi quase tudo aí. — Seu rir foi cafajeste e divertido,
mesmo que pouco animado.
O ruivinho pôde sentir as bochechas formigarem de pura vergonha,
mas escolheu ceder. Apenas assentiu, escondendo o rosto na coberta
branca. Caleb estendeu a mão para que ele segurasse e se
levantasse. Com certa atrapalhação, Benjamin pôs-se a andar
lentamente, passo por passo.
Ao adentrarem o banheiro sofisticado, Lúcifer sentou-o no balcão de
mármore branco e tirou cada peça de roupa com um cuidado
demasiado; ainda assim, o ruivo murmurava de dor. Observava, em um
silêncio doloroso, cada marca no corpo frágil: feridas realmente fortes e
pancadas extremamente violentas.
— Isso vai passar — ditou baixo, deixando um selar na face alheia e
recebendo um sorriso fraco.
Quando a estrutura branquela e marcada estava totalmente despida,
foram, morosamente, até o box. Caleb abriu o registro, deixando a
temperatura gélida para calmar a derme.
A água fria batia na cabeça do alaranjado, dando-lhe uma sensação
de alívio. Aos poucos, ela percorria todo o seu corpo nu, causando um
ardor insuportável nos machucados.
— Arde muito… — falou tremendo por conta do clima baixo.
— Eu sei, mas vou cuidar de você, Ben — a voz, apesar de não ser
arrogante, soou cheia de raiva. Era somente isso que Heilel sentia:
raiva.
Com cuidado, Lúcifer secou a estrutura de Benjamin, passou
medicamentos e fez diversos curativos. Vestiu o corpo desnudo, deu-
lhe alguns comprimidos e, por fim, deitou-o na cama novamente. Seu
cuidado era explícito.
— Está se sentindo melhor? — perguntou, usando um tom de voz
manso.
Parker aquiesceu, sorrindo fraco e singelo.
— Obrigado, Calebie — o timbre foi agudo e quase inaudível.
O Cão fez uma carícia cordial sobre seu rosto angelical.
— Ben, saiba que todas as palavras ditas por Hector não são
verdadeiras. Apenas quero que compreenda isso.
— Deita comigo? — pediu manhoso, desviando-se do assunto.
Lúcifer nunca negaria um pedido como esse. Tirou seus sapatos de
alto valor e deitou-se ao lado do outro, ajeitando-se.
Benjamin observava o teto branco de gesso pouco chamativo,
diferente do seu. Deixou algumas lágrimas soltas escaparem sem sua
permissão.
Caleb olhou-o, vendo aquele choro tão angustiante. Depois de
tantos anos, o Diabo pôde sentir compaixão.
Ao notar que era fitado pelos lumes negros que tanto adorava,
Benjamin virou-se, deixando ambos próximos o suficiente. Existia uma
confusão no cerne do acobreado, um medo, uma tristeza, uma
decepção, que só eram apaziguados por Lúcifer. Ambos se olhavam
com intensidade e devoção.
— Calebie... — sussurrou fanho. — Eu realmente gosto tanto de
você... — Desviou o olhar para baixo, envergonhado pela confissão
repentina. Sentia o gosto salgado de suas lágrimas percorrer sua boca.
O coração do ingênuo garoto parecia que saltaria de tão forte que
palpitava. Gostar de um homem não era sua escolha, apenas gostava,
nascera assim.
Caleb juntou os lábios em um selar doce e carinhoso. Ele não tinha
como correspondê-lo, por isso entregou seu silêncio. Não quis magoá-
lo com uma resposta rígida.
As bocas voltaram a se tocar de modo delicado, provava dos lábios
carnudos e macios. Era apenas um selinho, porém não demorou a se
tornar um verdadeiro beijo.
O mordiscava levemente, tomando proximidade, dando intensidade
ao ósculo. As línguas se entendiam bem, o beijo era molhado,
estalado, carinhoso e pouco erótico.
Benjamin, mesmo dolorido, esforçou-se para subir em Heilel, sem
sequer parar o beijo. Sentia-se ainda melhor perto do corpo quente do
Demônio.
A destra de Caleb desceu, com delicadeza, para a nuca do ruivo,
deixando que seus dedos pairassem nos fios cor de fogo.
Benjamin queria esquecer, apagar as palavras más que seu pai lhe
dissera. Havia dentro de si um desejo transtornado de rebeldia, anseio
de pertencer a Lúcifer, ao seu corpo, aos seus sentimentos. Só queria
que Caleb o fizesse esquecer tudo aquilo. Almejou ser levado aos céus
em puro prazer e desejo, ser tocado como antes, acariciado, chupado;
quis arfar e gemer com o toque cheio de calor. Queria ser desejado.
Acima de tudo, apetecia que Heilel gostasse dele da mesma maneira
que ele gostava.
As mãos pervertidas de Lúcifer tomaram outro rumo, descendo para
as costas alheias, fazendo um carinho breve. Sem demora, escorreu
para as nádegas, apertando-as e ouvindo um gemido manhoso, porém
dolorido.
Lúcifer ambicionava e ansiava por tomar aquele corpo de todas as
formas que pudesse e desejasse, mas aquela noite, com certeza, não
era apropriada. Cessou o ósculo, deixando Benjamin confuso e
ofegante. Derrubou-o, gentilmente, para o lado e deu-lhe um breve
selar afetuoso.
Por um breve segundo, Parker sentiu-se rejeitado, seu estômago
revirou de ansiedade: parecia que iria engoli-lo, em uma sensação
terrível. Porém, isso passou quando pôde sentir os braços firmes o
envolverem, deixando-o ainda mais confortável. Só então ele
compreendeu: era cuidado. Todo amor começava no simples ato de
cuidar.
— Você precisa descansar — a voz rouca, ainda afetada pelo
desejo que sentia, fez Benjamin sorrir contido.
Fechou os olhos, sem falar palavra alguma, desejando que tudo
fosse apenas um sonho e que Caleb fosse sua única realidade.
Heilel, contudo, não iria pregar os olhos. Não deixaria barato o
acontecido. Em seu rosto, existia uma expressão diabólica: de longe,
qualquer um reconheceria que era o Diabo.
Deus e o Diabo podem ser bastante parecidos, quase idênticos,
com uma sutil diferença: setenta vezes sete. Deus perdoa; o Diabo
não.
Caleb girava o anel de cor prata envelhecida, sentindo os desenhos
em relevo, como uma distração. A noite havia sido um tanto engraçada
e muitíssimo confusa. Era um misto de sentimentos que invadia o
Tinhoso de um modo totalmente imoral.
Por alguns momentos, Heilel observava o corpo bem feito, as
nádegas avantajadas e bem marcadas na boxer azul-marinho. A
estrutura pouco magra vestia uma de suas camisetas comuns: era
atraente. Benjamin causava-lhe um desejo profundo, uma libido
descomunal. Mas, por vezes, era possível ver as marcas e feridas que
ficavam expostas, e aquilo mudava seus pensamentos, trazendo um
amargo nos lábios, um rancor perpetuado.
Outrora, fitava o rosto méleo que dormia tão tranquilamente.
Agarrava seu peitoral, depois embolava pela cama e apertava o
travesseiro. No fim, retornava a abraçá-lo e achava aconchego em seu
calor. Completamente gracioso.
Podia, também, fitar os lábios carnudos, róseos, de um sabor já
conhecido e doce, tão sexy e quebrantador. Porém, logo a imagem era
destruída por uma microexpressão de dor que sustinha o Cão,
fazendo-o lembrar do acontecido e a raiva tomar vida novamente. Uma
recusa domava-o e seus planos tornavam-se ainda mais diabólicos.
Definitivamente, aquela madrugada estava sendo difícil. Algo tocava
o seu cerne, sentia, mas não conhecia. Talvez, fosse o último resquício
de compaixão e bondade que existia em seu coração ou qualquer coisa
que havia no lugar de um.
O anel que antes girava foi parado bruscamente. Caleb continuou a
fitar a parede, mantendo o olhar preso; sua face emanava seriedade.
Era um homem muito frio.
Benjamin remexeu-se de modo preguiçoso, acordando aos poucos.
— Bom dia, Calebie… — falou calmamente. A voz, rouca pelo sono,
mesmo que doce, era melodiosa para Lúcifer.
— Bom dia, meu bem. Como foi o seu sono? — indagou, sem muito
humor. A expressão de Heilel emanava insatisfação, cólera, retidão.
Entretanto, sua face criou uma feição diferente quando pôs os olhos
em Benjamin. Era uma criatura linda: os fios bagunçados, lumes
inchadinhos pelo sono, a face corada com sardas claras, livre de
qualquer maquiagem, intensamente amável.
— Dormi bem, só demorei a encontrar uma boa posição. — Sorriu
tímido. — Calebie, eu… — Coçou a nuca, sentindo-se embaraçado.
Sentou-se sobre o acolchoado macio, abraçando um travesseiro. Seu
corpo inteiro doía.
— Não tenha vergonha, não é necessário.
— Estou com fome — sussurrou, puxando o tecido fino e cobrindo
as pernas.
— Oh, sim, vamos à cozinha. — Convidou-o, colocando-se de pé.
Pôs-se a desamassar a camisa social preta, desabotoando os
primeiros botões, deixando-o um pouco mais confortável.
Os mirantes de Benjamin acompanharam cada movimento feito por
Lúcifer, apreciando, discretamente, a pele clara que ficou exposta —
amaldiçoando-se por isso. Parker tinha um desejo enorme pelo Diabo,
uma vontade intensa de tocá-lo, beijá-lo, vê-lo completamente nu. Um
ótimo e delicioso almejo erótico, e se maldizia por tamanha libido.
Heilel mostrava-se atento a toda aquela profanidade e, rapidamente,
sua face criou um riso cafajeste o suficiente para Benjamin desviar o
olhar e sentir o corpo inteiro queimar em uma mistura de febre e labéu.
Com certa rapidez, na tentativa de modificar o clima criado,
levantou-se. Pôde sentir cada pequena parte de sua estrutura doer,
queimar e, imediatamente, uma tontura tomou seu corpo, deixando a
visão turva, fazendo-o cair para trás. Se não fossem os braços fortes
do Tinhoso que o segurou firmemente, teria piorado seu estado.
— Você não deve se levantar tão rápido, assim sua pressão cai —
aconselhou, colocando-o sobre a cama novamente. — É melhor que
fique. Eu vou buscar algo para você — as palavras saíam com leveza,
uma calma incomum. Vagarosamente, aproximou-se do alaranjado e
deixou um selar pequeno na bochecha tenra. Por um instante, o
coração de Benjamin parecia ter explodido em mil pedaços e se
transformado em confetes de carnaval, de tanto que a alegria lhe
sucumbiu. Sequer soube disfarçar a gana que percorreu seu corpo e o
borbulhar de todo o seu sangue que correu para suas bochechas,
deixando-as vermelhas.
Não demorou para que Caleb retornasse. Ele trazia consigo uma
bandeja sofisticada de prata, na qual havia uma variedade enorme de
comida: frutas, cereais, iogurte natural, suco, pães e bolos; em sua
outra mão existia um copo de uísque Moonshine.
— Uau, tem muita comida aí! — exclamou com uma expressão
impressionada.
— Você não come desde ontem, parece faminto — o timbre era
sério, apesar de achar muitíssimo engraçada a carinha espantada e, ao
mesmo tempo, alegre pela quantidade de alimento.
Benjamin nada falou, apenas sorriu e acomodou-se para comer.
Caleb levou o copo cristalino até seus lábios finos, deleitando-se
com o amargo violento. Era saboroso. Sentiu os olhos alheios pesarem
em si e, rapidamente, fitou-os de volta. Parker comia um morango
enquanto sua expressão era de total desaprovação.
— Você não deveria beber.
— Por que é pecado? — indagou com sarcasmo. O riso nasal
mostrava toda sua falta de paciência para argumentos bíblicos.
— Porque faz mal! — refutou com um timbre chateado pelo deboche
usado.
Seus lábios carnudos formaram um bico enorme e seu cenho
franziu, porém nada proferiu, apenas voltou a comer seu iogurte. Heilel
não pôde resistir ao desejo de rir de tal cena. Ignorando o conselho do
ruivo, virou o copo.
— Depois que comer, vou dar outro banho em você — avisou, sem
enrolação. Logo depois, retirou o smartphone do bolso, pondo-se a
mexer no aparelho, sem dar importância para a timidez do ruivinho.
— Não precisa — falou de boca cheia, com a voz quase inaudível.
Lúcifer mantinha uma devoção sigilosa sobre a timidez alheia;
adorava tanto que era capaz de sentir todos os pelos de seu corpo
arrepiarem. Nada lhe respondeu, somente foi à procura de algumas
roupas que servissem no alaranjado. Mas, aparentemente, precisaria
pegar algumas peças de Joseph.
— Sério, não precisa se preocupar. Eu posso tomar banho sozinho.
Seu íntimo implorava para que Caleb desistisse de tal ideia, sentia-
se arder em vergonha por dentro e por fora.
— Não seja cabeça dura. Eu quero cuidar de você, Ben — ditou
enquanto fazia uma falsa expressão de coitado.
Parker não pôde evitar a comoção repentina e o desejo de ser
cuidado desse modo tão afetuoso, por isso assentiu, mesmo que seu
rosto estivesse totalmente corado.
— Ainda terei que levar você para casa antes de passar na boate.
A proposta de levá-lo não era minimamente atraente, não era o que
desejava, todavia Parker ainda era regido, legalmente, por seus pais e,
sendo assim, teria de obedecê-los até certo ponto.
Porém, agora, Caleb estaria em alerta.
— Voltar… — sussurrou, fazendo um bico tristonho enquanto
largava o pedaço de bolo.
Somente em recordar a imagem de Hector, seu estômago
embrulhava, causando uma sensação horrenda: uma mistura de medo,
desespero e vontade de chorar.
Heilel pôde notar, com facilidade, a apreensão presente na face de
Benjamin, o pavor que se escondia por detrás de um sorriso contido,
dado em total disfarce — o que não funcionou.
— Não precisa sentir medo. Ele não vai machucá-lo novamente —
passou confiança em suas falas. — Tem a minha palavra.
— Eu confio em você — em seu tom, havia uma ponta de dúvida,
apesar da firme e calma alegria.
Mesmo distante, Caleb foi capaz de sentir o bater de coração
frenético, e sentiu-se bem com aquilo. Era um pulsar de lealdade.
Lúcifer tomou vicinalidade da face límpida e delicada: era tão bonita!
Sem pensar duas vezes, juntou os lábios, formando um ósculo
gracioso. Era lento, as línguas tocavam-se em um conjunto de paixão e
carne, as cabeças acompanhavam o ritmo dos lábios afáveis. A boca
de Lúcifer era deleitante, habilidosa e quente. Seus lábios profanos
eram capazes de levar Benjamin ao completo delírio. Heilel não
poderia estar diferente, saciava toda a sua avidez. Afundava-se no mar
de favos de mel, nos lábios grossos e macios capazes de levar o Diabo
ao êxtase.
Lentamente, foram se separando em estalos pequeninos. Um
sorriso leve e meigo brotou na faceta de Benjamin.
Em um suspirar fundo e pesado, Caleb tomou pouca distância e
pegou o copo para beber o que restava; estava vazio. Colocou-o sobre
o aparador, vendo Parker cerrar os olhos para ele, demonstrando
dissentimento. Sem dar atenção às birras do seu ruivinho, Heilel
ergueu-se, esticando o braço para Benjamin — que, desta vez,
agarrou-o — e levantou-o cuidadosamente, apesar dos murmúrios pela
dor. A ajuda de Lúcifer estava sendo de bom grado.
Ambos adentraram o banheiro sofisticado: as cerâmicas eram
brancas, causavam uma sensação de paz. O box em vidro era
realmente bonito, sem falar nos detalhes mínimos que davam um ar
ainda mais elegante.
Caleb suspendeu Benjamin, deixando-o como na madrugada:
sentado sobre o balcão da pia de mármore. Por alguns segundos,
Lúcifer observou a expressão envergonhada: as bochechas rosadinhas
eram um charme enorme, sem falar no olhar manso, coberto de
inocência. Era um pecado daqueles sem perdão.
Começou por puxar a camisa de tecido fino, com todo o cuidado
possível para que não o machucasse, e jogou-a para o outro lado do
balcão. Admirou, mais uma vez, o corpo atraente. Era uma pena estar
tão maltratado: existiam grandes hematomas roxos que lhe cortavam a
alma.
— Calebie, pare... — pediu, agora fitando, intensamente, o rosto
másculo e bonito.
— O quê? — questionou curioso, mesmo que um pouco perdido.
— De me olhar assim... — Estava totalmente ruborizado.
Lúcifer sorriu brando, mostrando seus dentes salientes e brancos.
Era um riso apaixonante. Acabou por não questionar o porquê de
qualquer coisa, apenas voltou a retirar a única peça que restava no
corpo pálido.
Ao puxar a boxer, o Cão sentiu o pressionar das pernas do ruivo,
demonstrando insegurança e inibição em ficar totalmente desnudo.
Caleb não deu muita atenção para tal atitude, visto que Benjamin era
um garoto muito conservador, porém adaptava-se bem às atitudes e
aos lugares. Puxou o tecido azul, vendo-o abandonar as coxas grossas
e passar por toda extensão das pernas atraentes.
Parker era capaz de sentir o olhar queimar em si, ardia como o fogo
do Inferno, e o desejo transparecia sem pudor algum. Os lábios finos
de Lúcifer eram maltratados em uma mordida rude e as íris tornavam-
se bordô.
Benjamin se sentiu bem em se exibir, era bom ser desejado de uma
maneira tão intensa e maldosa. O Diabo parecia não conter seu almejo
de tocá-lo, de sentir o calor da derme, o gosto, o cheiro.
As mãos grandes pousaram sobre a coxa farta e alva, acariciando-a
até seguir uma trilha atrevida para o seu quadril. O acobreado arfou
baixo e lento, sentindo os pelos eriçarem, e espremeu os olhos quando
ambas as palmas apertaram sua cintura — havia uma brutalidade
contida, mas logo descontada com o puxar e bater de corpos violento.
Parker suspirou alto, não só pelo desejo, mas pela tensão que se
formou no ambiente.
Caleb não pôde evitar e juntou as bocas, novamente, em um selar
mínimo. Mordeu o lábio inferior do ruivo, puxando-o delicadamente,
sentindo o pequeno amolecer e ceder aos desejos, apoiando os braços
em volta do pescoço do Tinhoso.
As bocas distanciaram-se somente para que Heilel desfrutasse do
pescoço alheio. Raspava seus dentes na derme branca, deixando
arranhões avermelhados. Passou a dar selares calmos, molhados,
capazes de enlouquecer Benjamin. Sentia as mãos pequenas
agarrarem com força sua camisa social.
Subiu novamente e voltou a provar os lábios méleos, já sentindo o
seu caralho enrijecido. Caleb ousou levar uma de suas palmas até o
pau róseo e pulsante do ruivo, porém, em um movimento rápido,
Benjamin empurrou-o. Não era como se ele estivesse negando o toque
ou não estivesse gostando, apenas ainda estava muito fragilizado e,
talvez, aquele não fosse um momento tão pertinente.
— Desculpa… — o alaranjado pediu, completamente constrangido.
— Não. Quem deve se desculpar sou eu. Desculpa, mesmo —
pediu baixo, com a voz rouca por todo seu tesão, não evitando se
sentir envergonhado por sua libido desesperada.
O Diabo almejava o corpo alheio, mas, acima de tudo, queria a
efervescência de Benjamin, a espontaneidade, o tesão de se entregar
aos seus braços e implorar para ser somente seu. Caleb nem sempre
foi assim, costumava ter todos com muita facilidade. Porém, quando o
assunto era o doce ruivo, tudo se desfigurava e tomava uma
delicadeza nova, um privilégio incomum, uma paciência pesada.
Benjamin fez um leve esforço para descer com a ajuda de Heilel que
o segurou firme, fazendo seus pés pequenos tocarem o chão gelado.
Caminharam devagar para o box do banheiro. Caleb girou o registro e
abriu o chuveiro. Permitiu que a água fria tocasse o corpo pequeno: o
líquido percorria toda a estrutura delicada, de forma sensual, enquanto
Parker mantinha seus olhos fechados, apenas desfrutando do frio
agradável que tomava sua pele quente.
Benjamin abriu os mirantes devagar. Podia sentir o admirar de
lumes banhados de latejo cobrir todo o seu corpo, e a respiração
pesada do Diabo. Rapidamente, levou o olhar para baixo, fitando a
calça social preta que marcava um volume notável e indiscreto entre as
pernas de Caleb, e suspirou pesado. Encontrava-se extremamente
abrasado.
— Calebie... — chamou, em um tom miado, travesso, aumentando
ainda mais o tesão do outro.
O Diabo, por alguns instantes, fitou a face molhada, focando os
lábios grossos, cobertos de gotículas gélidas que ferviam.
Aquele foi o estopim para o desejo final do puritano.
Em um ágil momento de pura insanidade, puxou o Tinhoso, fazendo
com que este se molhasse, e colou seus lábios de forma sedenta,
sendo correspondido imediatamente.
Pelo impulso tomado, Caleb empurrou seu corpo contra a parede de
cerâmica álgida enquanto ambos os lábios eram beijados com
virilidade. As mãos do ruivo apertavam os fios castanhos enquanto as
de Lúcifer seguravam sua cintura. A estrutura física de Benjamin
encontrava-se completamente molhada, desnuda, tomada pelo prazer.
Lúcifer sentia-se em um sonho totalmente devasso. Deslizou uma
das palmas até as nádegas, apertando-as violentamente, enchendo-a
pela carne farta. Um gemido agudo saiu da boca carnuda, sendo
totalmente abafado pelos lábios finos.
Desceu, largando beijos pelo queixo alheio, trilhando um caminho
pela pele macia de seu pescoço, chegando, agilmente, nos mamilos
róseos e enrijecidos. Começou a chupá-los, lambê-los e mordê-los da
forma mais deliciosa, sentindo o ruivo estremecer e puxar seu cabelo
com brutalidade enquanto seus gemidos saiam no estado mais
indecente possível.
O ósculo retomou, novamente, com vigor: era um beijo erótico,
completamente necessitado. O Diabo chupava a língua doce, ouvindo
os pequenos arfares, sentindo os toques leves e ainda tímidos.
Usando as duas mãos, Caleb apertou ambas as nádegas,
afastando-as ferozmente, deixando a entradinha toda exposta, ouvindo
um gemido alto em resposta. Soltou-as, deixando um tapa estalado, o
qual fez Benjamin dar um pequeno pulinho.
Parker estava completamente extasiado. Heilel era sua fonte de
descobertas, o causador de seus desejos e sentimentos, o profanador
de seu corpo e o motivo de todo aquele tesão, dos toques suaves e
brutos. Somente o Diabo era capaz de lhe proporcionar um prazer tão
imensurável.
— Você gosta quando faço isso? — sussurrou no ouvido do ruivo,
em um tom rouco, no mesmo instante em que agarrava o membro
completamente ereto, deixando-o arrepiado.
— Gosto, anh… — soou como um gemido baixo e dengoso.
Caleb sorriu malicioso, acelerando os movimentos, ouvindo o
gemido baixinho, o qual se misturava com o som da água batendo
contra os corpos até atingir o chão.
Abarrotado pela satisfação pecadora e sendo inteiramente
desaforado, Benjamin levou sua mão até o cacete de Lúcifer e apertou-
o com deleite, ouvindo um arfar surpreso. O ruivo sentia aquele volume
alto e a espessura grossa; em apenas tocá-lo por cima do tecido, seu
corpo sentiu uma onda de regalo, aumentando ainda mais sua tensão
sexual.
Heilel puxou as madeixas ruivas, fazendo Benjamin encostar por
completo na parede de cerâmica branca.
— Quero a sua boca no meu pau — soprou sobre o ouvido de
Benjamin, mordendo o lóbulo da orelha, fazendo-o gemer, extasiado,
pelas palavras sacanas. — Eu quero que me proporcione prazer.
A voz tão grave fazia o coração do ruivo palpitar; os movimentos em
seu membro eram contínuos, levando-o ao fogo absoluto.
— Fará isso, Benjamin? — continuou a ciciar enquanto roçava os
lábios molhados por toda a área do pescoço branquinho.
— Eu farei... — falou manhoso e absolutamente entregue.
— Você vai se lambuzar com o meu caralho? — as palavras
obscenas saiam naturalmente sensuais.
Lúcifer era um delicioso imoral. Benjamin sequer se lembrava de
sua timidez, apenas se deixava levar.
— Sim, senhor… — a voz foi tão coberta de obediência, baixa,
contendo uma libido exorbitante.
Parker era capaz e desejava obedecer a qualquer comando do
Diabo; estava apto para levá-lo ao Céu com apenas duas palavras e
uma entrega incomum.
Lúcifer puxou os cabelos do alaranjado, impulsionando-o para baixo,
deixando-o de joelhos, com certa dificuldade.
Benjamin ficou frente a frente àquela opulência, sentindo sua boca
salivar em anseio, e sequer soube entender o porquê de tanta vontade.
Esforçava-se ao máximo para que a timidez não retornasse, mesmo
que ela já estivesse na porta. Devagar, desatacou o cinto preto que
havia em volta da calça, puxou-o com rispidez e tirando-o. Desabotoou
o único botão que existia e abriu o zíper lentamente. O barulho parecia
enorme, devido ao silêncio instalado no local.
Observou a cueca boxer vermelha marcada, era atraente.
Em seu último suspiro de coragem, abaixou-a enquanto fechava
seus olhos, muitíssimo envergonhado. Pôde ouvir um gemer aliviado e
delicioso, o que lhe deu ainda mais desejo. Abriu os lumes lentamente,
e assustou-se em seguida. Uma insegurança tomou conta de si e
apenas paralisou, fitando o pau meio róseo que gotejava pré-gozo, tão
grande e grosso, rígido e firme, pulsante, com veias salientes e um
sinal marronzinho.
Benjamin desviou o olhar e encontrou o de Caleb; ele esbanjava
luxúria, as íris estavam extremamente vermelhas.
Engoliu em seco, voltando sua atenção ao cacete. Suspirou
profundamente, levando suas palmas até a base, apertando-a
vagarosamente. O ruivo tremia demais e seu coração queria sair pela
boca. Sentiu um medo extremo de colocar aquilo em sua boca, seu
estômago dava reviravoltas de nervosismo. Cogitou se levantar e sair
correndo, sem olhar para trás, porém seu membro correspondia de
outra forma: estava ainda mais excitado, completamente molhado,
enquanto seu cerne implorava para que chupasse todo aquele falo.
Timidamente, aproximou os lábios da espessura, passando a língua
morna, delicadamente, na cabecinha, até deslizar pela fenda.
Esforçava-se para lembrar como Heilel havia feito nele.
Um gemido foi deixado pelo Diabo quando sentiu o músculo áspero
provar, de forma curiosa e receosa, seu pênis.
Voltou a fitar Caleb que, agora, mantinha os olhos fechados. A
imagem do Cão tão excitado fez seu ego inflar, incentivando-o. Parker
voltou sua atenção ao pau e continuou com os movimentos circulares,
desta vez, mais rápidos. Parecia querer conhecer toda a extensão.
Apertou-o, levando a língua da base até a cabeça, colocando o
máximo que podia dentro de sua cavidade bucal, tão quente e gostosa,
enquanto ouvia Heilel gemer cada vez mais grave. Iniciou movimentos
de vai e vem lentos, deixando que seus dentes raspassem de leve pela
falta de prática e conhecimento.
Aquilo deixava Lúcifer ainda mais insano, maravilhado. Caleb levou
sua destra até os fios de Benjamin, incentivando-o a ir mais rápido.
Parker estava gostando de fazer aquilo, gostava da sensação
daquele falo batendo em sua garganta, percorrendo sua língua.
O gosto bom daquele pau caminhava por sua boca inteira, e os
gemidos de Heilel o deixavam cada vez mais motivado a chupá-lo
melhor e mais intenso.
Nem metade do membro estava em sua boca, e ver que Caleb era
tão bem dotado só lhe dava mais gana, deixava-o ainda mais excitado.
— Mais rápido, Benjamin... — a voz era entregue, ainda preenchida
de autoridade.
O puritano começou a dar o seu melhor, enfiando tudo que
conseguia em sua boquinha, de maneira ágil enquanto o Tinhoso
puxava seu cabelo ferozmente e movia o quadril em um ritmo mais
demasiado, quase involuntário.
Enfiou o cacete com certa brutalidade na boca alheia, observando
Parker apertar os olhos. Puxou-o para mais perto, pressionando o
membro em sua garganta, sentindo ser apertado. Segurou-o por alguns
segundos até atingir o limite de Benjamin.
Abriu os olhos somente para apreciar a cena, tão pornográfica e
prazenteira — era muito melhor do que havia imaginado. Os lábios
grossos e quentes faziam um trabalho excelente. Impulsionou o quadril,
dando uma estocada mínima e, em seguida, soltou Parker que tossiu
algumas vezes enquanto os olhos lacrimejavam.
Antes mesmo de recuperar o fôlego, o ruivo voltou a chupá-lo. Fazia
com gosto, parecia estar se deleitando com um doce. No entanto, foi
atrapalhado por Caleb que o puxou, fazendo-o se levantar e jogando-o
contra a parede novamente. Tomou sua boca com agressividade,
mordendo e chupando o lábio inferior, sugando a língua e fazendo
movimentos circulares.
Os membros tocavam-se bruscamente, o que fazia Benjamin gemer.
Lúcifer agarrou os dois pênis, unindo-os e dando início a uma
masturbação dupla. Parker segurava os ombros alheios com firmeza
enquanto abria os luzeiros, apenas para ver Heilel se esfregar nele. A
sensação de ver outro membro friccionando contra o seu era mágica.
Lúcifer tinha habilidade com aquilo, estava levando o ruivinho a um
infernal paraíso.
Benjamin sentia o corpo estremecer: as pernas grossas bambearam
e o baixo ventre contraiu-se quando seus lábios foram tomados de
novo, abafando seus gemidos agudos. Seus olhos reviraram e suas
unhas cravaram-se nos ombros fortes. Seu pau latejou e, por fim,
gozou, lambuzando ambos os corpos.
O Diabo continuou os movimentos, mantendo a mesma intensidade,
arfando alto enquanto se deliciava com os grunhidos baixíssimos do
alaranjado que estava inteiramente sensível.
Um pouco eufórico e desesperado, Benjamin empurrou Caleb,
afastando-se. Paralisou, por segundos, fitando-o. Passou os olhos pelo
corpo forte, muitíssimo ofegante e molhado, com o membro totalmente
ereto gotejando. Volveu-se à face máscula, de maxilar bem definido, os
fios caindo nos olhos — estava vermelho de tesão —, os lábios
marcados pelas mordidas e os olhos desejosos na cor escarlate.
Parecia surpreso e confuso ao mesmo tempo.
— Não há homem melhor do que você… — Benjamin pensou alto.
Rapidamente, ajoelhou-se, agarrou o membro de Lúcifer, colocando-
o na boca, sem embromação, e recebeu gemidos roucos de pura
satisfação. Benjamin ainda se sentia constrangido por causa da fala
anterior, contudo seu desejo foi proporcionar prazer a Lúcifer, fazê-lo
sentir um prazer igual ao que recebia. Era um doce agradecimento.
Queria mostrar que era capaz de satisfazê-lo mais do que qualquer
outro ou outra; o levaria aos Céus, se necessário.
Naquele instante, o íntimo de Parker era domado por um animal
pecador sem limites que carregava fogo, paixão e muito ciúme. Seus
movimentos eram ágeis, permitia que uma parte considerável invadisse
sua cavidade bucal, batendo repetidamente em sua garganta que
contraía; podia senti-la ardendo por tamanha agilidade.
O Tinhoso mantinha os lábios abertos e suspirava. Aquele seria um
dos melhores orgasmos de sua vida, e o Cão existe há muito tempo.
Seu caralho pulsou atroz, e uma onda de energia percorreu seu corpo
como se houvesse uma linha perfeita, arrepiando-o por completo.
Rapidamente, puxou os cabelos do ruivo, afastando-o.
Permitiu que toda sua porra fosse jorrada pela face angelical,
sujando, também, o corpo delicado do alaranjado. Caleb levou sua
visão até o pequeno e emitiu um som de prazer ao ver tal cena:
Benjamin, ainda de joelhos, fitando-o, inocentemente, com bochechas
coradas, boca inchada e vermelhinha, a respiração completamente
desregulada enquanto seu rosto e corpo estavam cobertos com a porra
morna do Diabo.
Heilel ainda se encontrava com suas roupas. Seu almejo era
arrancá-las e comer aquela bundinha farta em todas as posições e
cômodos possíveis — o Kama Sutra seria pequeno demais para a
imaginação devassa do Tinhoso —, todavia iria se conter.
Levantou o ruivinho, beijando-o com delicadeza, mesmo que ainda
ofegante. Era um ósculo carinhoso. Os lábios deram um último selar,
finalizando-o.
As testas foram unidas devagar, e eles permaneceram assim,
encostados enquanto a água atingia os corpos, relaxando-os.
Benjamin abraçava carinhosamente a estrutura forte como se fosse
sua fonte de segurança. E era.

Adentraram, normalmente, o Corvette preto.


Benjamin sentia um constrangimento enorme — nunca se imaginou
fazendo tais atos. Bastava apenas um encontrar de lumes para sua
face esquentar e uma febre tomá-lo, fazendo com que sua única
vontade fosse se esconder, enfiar a cabeça em um buraco.
— Ei, não fique assim. Tudo o que aconteceu é natural do ser
humano.
Heilel segurou o queixo dele, virando-o para sua face. Exibia uma
expressão serena, inocente, ao mesmo tempo que usava uma voz
grave e coberta de seriedade.
— Eu sei… — confessou, não acreditando nas próprias palavras. —
É apenas vergonha, desculpa. — Sorriu meigo, abaixando o rosto para
não o fitar.
— Se você gosta disso, deve aprender a não sentir culpa. Não é
pecado desejar alguém — proferiu, vendo o ruivinho corar.
O Diabo odiava a maneira como os outros criavam tabus para o
sexo, como tratavam do assunto. A implantação de estereótipos vindos
da religião, que, por muito tempo, comandou o mundo, deu às pessoas
uma cultura suja que fazia do transar um pecado. Logo isso que fora
criado por Deus, algo tão bom e que todos deveriam desfrutar sem
culpa. Até se tocar, era um visto com escrúpulo quando a verdade é:
isso era uma arte e todos deveriam ter a capacidade de conhecer o
próprio corpo para, então, trepar até enlouquecer.
— Compreenda: sexo não é errado, nunca foi e não será. Entendeu,
meu bem? — o timbre, apesar de autocrata, era manso.
O dedão de Caleb fazia uma carícia leve na faceta de Benjamin que
apenas assentiu tímido por causa do assunto. Por fim, Lúcifer deixou
um selar breve e voltou a atenção ao volante, apoiando a palma
esquerda ali.
O rádio foi ligado, evidenciando uma música absolutamente
desconhecida por Benjamin. Era altíssima e grave, apesar das batidas
serem agradáveis. Heilel parecia gostar bastante do ritmo.
Por não a conhecer, Parker somente a ignorou. Pôs-se a refletir. A
coisa que mais batia em sua cabeça era a preocupação. Como seria a
reação de seu pai? Só queria que tudo estivesse normal, que fosse
bem recebido e pudesse ficar em paz.
Não demoraram a chegar e o veículo caríssimo parasse em frente a
casa, ao gramado um pouco menos verde. Desceram devagar do
conversível.
Benjamin vestia as roupas de Joseph, o que lhe dava um ar
diferente, talvez, mais maduro e menos singelo. Aos olhos do Cão, ele
estava totalmente deslumbrante.
Lúcifer não fugia do tradicional: vestia um terno social Armani.
Antes mesmo que pudessem chegar a bater à porta — meio
arrebentada, devido à noite passada —, Karen abriu-a. O gesto de sua
face demonstrou uma surpresa boa: seus lábios deram um sorriso
grande, tão doce quanto o do ruivo. Eram muito parecidos.
— Ah, meu Deus! Meu amor, como você está? — questionou-o com
o tom trêmulo enquanto o tocava desesperadamente, apertando-o em
um abraço de urso.
— Estou bem, mamãe. Só sinto algumas dores, mas já tomei
remédio — ditou, sorrindo de forma sincera, mostrando seus dentes
bem cuidados e tortinhos.
— Graças a Deus. — Abraçou-o mais uma vez.
Caleb rolou os olhos em puro fastio por ouvir o nome do Senhor. Por
que Deus sempre levava o mérito de tudo? Quem cuidara dele fora o
Diabo.
Era possível ver que a mulher carregava alguns machucados pelos
braços e pescoço. Uma raiva horrenda subiu à mente de Lúcifer,
fazendo seu sangue ferver. Inquiriu-se sobre o porquê daquele homem
ser tão covarde.
— Caleb, muito obrigada por cuidar do Ben. Eu realmente não tenho
como agradecê-lo, de coração — o timbre era cheio de gratidão.
— Apenas se proteja, Karen. Proteja você e seu filho — suas falas
eram tão sérias que o sorriso da senhora Parker desmoronou. —
Também quero pedir um rápido minuto com o Benjamin.
O ruivo sentiu-se como nos filmes de romance, nos quais o
namorado vai conhecer os pais e, logo depois, o casal fica juntinho,
assistindo a filmes na televisão e comendo pipoca — talvez, brigadeiro
ou sorvete de morango —, e tudo aquilo pode tomar um rumo
preenchido de prazer e devassidão.
Mas era só um sonho distante, nada era ou seria assim.
— Obrigado por ontem e hoje — Benjamin proferiu sem jeito, tímido,
mexendo a perna para trás e fitando-o de cima para baixo. — E pelo
banho...
Heilel tomou um pouco mais de proximidade.
— Eu quero te dar isto — era uma voz tão conquistadora, tão
cativante quanto um cheiro acolhedor.
Estendeu uma pulseira delicada de ouro, na qual existia um
pingente de tartaruga. Pegou a palma alheia, dando-lhe um beijo doce
e, com singeleza, colocou a pulseirinha em volta do pulso fino.
— Assim sempre estará protegido e próximo a mim. — O riso de
Lúcifer era lindo, deixava Parker ainda mais apaixonado.
Todo aquele jeito bruto tentava disfarçar o cuidado e o carinho, o
modo como Heilel não sabia disfarçar sua intenção de fazê-lo feliz. Era
incandescente demais para Benjamin.
— É muito bonito. Eu vou usar sempre — falou, olhando-o, com um
rir contido de pura e genuína felicidade. As bochechas estavam
rosadas de paixão, e seu coração, cheio de amor.
— E quero que fique com isso também. — Caminhou até o carro e,
rapidamente, voltou com uma caixa em mãos. Esticou-a para Benjamin
que a pegou receoso.
Assim que abriu a sacola de papel, arregalou os olhos, ficando
estático.
— Um celular? — questionou retoricamente. — Mas... Eu... —
engoliu as falas. — Calebie, não precisa me dar algo tão caro. Eu não
sei mexer nessas coisas — gaguejava, sentindo-se muito nervoso. Não
estava acostumado a tantos presentes e afago.
— Você é um garoto inteligente, sei que vai aprender facilmente. —
Piscou um dos olhos enquanto sorria sorrateiramente.
Ficou ainda mais perto de Benjamin, observando-o se transformar
em um tomate, afinal, sua mãe estava olhando tudo de longe.
— Obrigado, então… Eu acho. — Estava confuso. Além disso,
queria beijá-lo, mas não podia.
— Quando houver qualquer coisa, por menor que seja, saiba que,
se estiver com essa tartaruguinha, eu vou sentir e virei para salvá-lo.
Sempre — soprou as palavras e ergueu o braço, mostrando ter uma
exatamente igual em seu pulso. — E caso você desacredite disso, me
ligue. Eu não medirei esforços para protegê-lo. Entendeu?
Benjamin assentiu, inteiramente bobo. Sequer continha a euforia de
seu peito e o quanto vibrava; nem conseguia ficar parado.
O Diabo fez uma carícia no rosto liso, deixando um selar coberto de
devoção na testa alheia. Sem falar mais nada, Heilel andou para o seu
Corvette, sério e totalmente charmoso. Acenou para o ruivo que sorriu
de orelha a orelha, dando-lhe um tchau e virando-se para entrar em
casa. Caleb esperou que Karen e Benjamin adentrassem a residência.
Fitou uma das janelas do primeiro andar e pôde ver Hector
observando-o com ódio em seus luzeiros escuros. Imediatamente, a
face de Lúcifer ganhou um rir de canto muito maldoso, o qual fez o
reverendo fechar as cortinas, assustado.
Colocou as mãos firmes no volante, voltando a ligar o conversível.
Por um segundo, recordou-se de todo o nervosismo de Parker e
acabou rindo, de forma encantada e involuntária.
Um pigarro alto foi ouvido do banco de trás. Heilel assustou-se e, de
imediato, fitou o retrovisor fotocrômico, mudando a expressão séria
para uma amigável.
— Quer dizer que o Tinhoso está apaixonado? — perguntou
pausadamente enquanto mexia em sua preciosa pedra ônix, presa em
um medalhão brilhante, semelhante à de Caleb.
Lúcifer gargalhou, de maneira auditiva e debochada.
— Achei que você só aparecia como uma bomba nuclear — o tom
era piadético e as falas, evidentemente brincalhonas. Teodoro sempre
causou boas sensações ao Cão.
— Isso se chama estilo — refutou, erguendo o queixo enquanto se
acomodava melhor no assento.
— Certo, mas o que você quer? — perguntou-lhe, mantendo seus
olhos perjuros sobre os celestiais. Conhecia bem aquelas íris azul-
cristalinas.
— Você precisa resolver umas coisinhas no Inferno — falou em tom
somenos, cauteloso. Sabia a enorme recusa de Lúcifer e o quanto ele
poderia se tornar colérico. — Não precisa ficar lá, apenas quero que
organize a bagunça que o Gadreel está fazendo — prosseguiu, desta
vez, falando rápido e diretamente.
— Eu sei o que ele está fazendo — muitíssimo calmo, o tom
evidenciava um homem aberto a ouvir, algo pouco visto em Heilel. —
Além do mais, eu sou o Senhor do Inferno. Tudo o que Gadreel fizer
por lá, eu posso consertar em dois segundos. Portanto, não seja um
anjinho dramático.
— Lúcifer, não aja como um inconsequente. Sabe que, se não for,
seu tempo na Terra será diminuído. Gadreel está a par de tudo e
espera apenas um pequeno deslize seu. E lembre-se: Benjamin é um
escorregão enorme.
De certo, Teodoro tinha total razão.
O desejo do anjo demoníaco sempre foi o de ordenar o Inferno,
mesmo que isso custasse prender Caleb por toda a eternidade.
— Vamos, Calebie. Quero tanto ver o seu reino, tenho muita
curiosidade! — Ele sabia ser petulante, na mesma intensidade que
sabia ser manhoso. E sempre soube que, dificilmente, o Diabo negava-
lhe algo.
— Eu preciso do Joseph. — Não era de todo verdade, mas ir com
seu braço direito seria mais confiável.
— Ele já sabe que vamos. Está bem ali atrás, no carro
desgovernado — a voz mansa não combinava com a situação
desesperadora, porém soou engraçado.
Caleb sequer conteve seu riso frouxo. Fitou o visor, observando o
conversível Rolls-Royce cor de vinho. Ele vinha em alta velocidade,
andando em ziguezague, causando um barulho terrível, arrastado pelo
freio fora de hora que não funcionou muito bem, visto que o veículo
bateu violentamente no poste.
— É isso que digo: estilo — o anjo divino silabou lentamente para o
Tinhoso.
Joseph desceu do carro, o qual estava bastante destruído, limpando
a poeira que ficou em seu terno Gucci. Adentrou o veículo de Heilel e
bateu a porta com força.
— Podemos ir — sua voz era firme.
Caleb adorava quando Joseph se mostrava um pouco mais
resistente e corajoso.
— Preparem-se, o Inferno nos espera. — Gargalhou, de forma
insana e maligna, acelerando.
Já podia imaginar a face fechada de Gadreel.
O Inferno é a morada dos mortos, um buraco negro para as almas
que o Deus do amor não quis mais.
O Corvette preto e brilhoso pelo bom polimento encontrava-se em
uma velocidade descomunal, fazendo com que toda a poeira da
estrada fosse fortemente levantada, ficando para trás. Heilel mantinha
o total controle da direção, os três estavam correndo daquela forma há
bons minutos.
— Por que precisamos ir tão longe? — Teodoro questionou fastioso.
Jogou a cabeça para trás e rolou os olhos. Podia sentir o vento forte
atingir sua face, bagunçando os fios acinzentados.
— Na verdade, não necessitamos, porém Caleb sempre optou por
tomar distância ao máximo. Abrir o portal não é difícil, mas o que pode
entrar, com qualquer descuido, se mostra tão fácil quanto — a voz do
braço direito ecoou em uma explicação de timbre pouco amigável.
Suportar aquele maldito anjo era quase impossível para ele.
Lúcifer, de certo modo, evitava fazer quaisquer conexões entre o
Inferno e determinadas áreas da Califórnia. A transgressão de um lugar
tão distenso para outro, que carregava um adorno de tensão, poderia
acarretar um enorme problema. Ir para longe não seria um transtorno,
por isso todo cuidado ainda era pouco. Queria ter a garantia de que
nada entraria nem sairia.
Heilel era extremamente prudente e, por esta razão, estava em
busca de um lugar vazio, reservado, já quase ao fim de Holy Paradise;
e, de fato, o ambiente parecia um pouco mais deserto. Ainda existia um
certo movimento de pessoas, mas nada que atrapalhasse.
Aos poucos, Lúcifer parou o conversível. No fundo, o anjo divino
dava pulinhos de animação enquanto Joseph bufava de insatisfação.
Durante todo o percurso, o Diabo evitava utilizar as falas, sentia-se
irritado por ter que ir ao Inferno, mesmo que fosse momentâneo.
Aquela era uma situação desnecessária, sabia que só concordara em ir
para suprir a luxúria de Teodoro, afinal não custaria nada, além de sua
curta paciência.
Situaram-se por detrás de um bar antigo que já não funcionava.
Caleb mantinha uma expressão séria e concentrada. Retirou o anel de
ônix do bolso, segurando-o firme. Seus lumes perjuros fitaram Joseph,
vendo-o assentir vagarosamente, mostrando estar preparado.
Permitiu que o objeto redondo de prata envelhecida flutuasse sobre
sua palma e, em seguida, caísse no centro.
Apertou-o devagar, sentindo a pedra ônix queimar sua pele; a cada
segundo, tornava-se absurdamente quente.
Não foi necessário tempo para que o anel estivesse na tonalidade
de brasa, e um carimbo em carne viva formar-se na palma. A ferida
abria-se pouco a pouco enquanto os olhos de Heilel reviravam
consecutivamente e sua boca murmurava palavras que não faziam
parte de qualquer idioma conhecido ou estudado por seres humanos.
Os lábios finos mexiam rapidamente e o som que saía deles era
amedrontador como se houvesse cem pessoas sussurrando ao mesmo
tempo. Geefs repetia as mesmas palavras lentamente.
Teodoro ficou um pouco mais recuado. Sentia um desconforto
terrível, seu corpo pesava e a cabeça latejava de dor como se
estivesse batendo-a contra uma parede. Porém, permanecia firme,
apertando seu medalhão — que, naquele momento, não tinha
serventia.
O Demônio segurou a pedra com os dedos, desenhando,
lentamente, um triângulo e, dentro dele, uma cruz invertida. Uma fresta
foi aberta e, no exato momento em que o triângulo girou, tudo que
estava em volta parou. Uma atmosfera densa e violenta fundou-se e
nada mais se moveu. O sol, que antes existia, parecia ter escurecido e
todo o lugar parecia ainda mais deserto, como se estivessem
envolvidos por uma aura diferente.
Aos poucos, a fresta aumentava, fazendo um enorme buraco no ar,
tão sombrio e negro que seria incapaz achar aquele tom em uma
paleta de cores. Em volta do trio, existiam chamas flamejantes.
Por um segundo ínfimo, Caleb sorriu satisfeito.
— Preste atenção, Teodoro: estamos no meu Reino, repleto de
anjos castigados e dor. Não se atreva, de forma alguma, a utilizar
qualquer poder ou habilidade. No Inferno, você não é um anjo
poderoso, muito menos perigoso.
A advertência de Lúcifer tinha uma entonação ameaçadora e
autoritária enquanto o timbre estava mais grave. Entretanto, o divino
não ouviu de tal forma, a voz soou tão distante e sussurrada... Sentia-
se sonolento, turvo, mas sorriu falsamente e aquiesceu.
O Tinhoso exibiu um rir ardiloso, voltou sua atenção ao portal e
adentrou-o com firmeza. Pôde sentir um sopro de energia pesada
possuir seu corpo, descartando Heilel e dando todo o espaço ao
verdadeiro Diabo.
Joseph sentia-se satisfeito, algo sem igual. Apesar da sua relação
conturbada com o Inferno, ele adorava retornar para lá, pois era
sempre triunfal e trazia-lhe uma sensação de alegria e comodidade.
O lugar era muitíssimo escuro, não existia qualquer vestígio de luz;
o clima instalado era rígido, o ar parecia ser pouco demais, a sensação
era a de estar preso em um cubículo. Todavia, o Tinhoso não sentia
incômodo algum, a cada minuto, parecia mais relaxado.
Um fulgor branco, estranho e enorme expandiu no centro do
ambiente, o que causou certo espanto em Teodoro. A mesma luz
atirou-se violentamente contra a estrutura do Cão enquanto seus
braços abriam e abraçavam-na até que Lúcifer fosse a própria luz,
lâmpada que iluminava o caminho dos ímpios.
Os pés barulhentos de Heilel caminhavam por aquele local infindo,
não definido, dando guia para os outros dois que estavam atrás. Como
uma metamorfose, o ambiente tornava-se novo em poucos instantes:
às vezes, frio; outras vezes, quente; uma galáxia, um mundo completo,
feliz, triste, com água e fogo. Estavam ultrapassando camadas,
memórias guardadas, dores e alegrias daqueles que se foram.
O Demônio poderia ter optado por não fazer todo o percurso,
entretanto, pela curiosidade e segurança de Teodoro, resolveu fazê-lo.
Assim, talvez, o anjo se acostumasse mais rápido com todo o ciclo
pesaroso.
A caminhada não foi comprida para os dois demônios, já para o
divino anjo... Soava como longas horas — e, de fato, eram. O espaço e
o tempo da Terra para o Inferno eram de muitas horas, por isso
Teodoro sentia-se tão esgotado.
Tudo era incerto nas profundezas e, mais uma vez, o lugar tornou-
se outro: agora, o cenário era maior e mais quente. O corpo forte de
Caleb ficou mais alto, revestido por tecidos negros e charmosos,
totalmente diferentes enquanto seus fios ficaram mais escurecidos e os
olhos completamente bordô. Até que se sentia bem.
Geefs não se sentia tão diferente, mesmo com a mudança de suas
vestes. Seu maior alívio foi libertar suas asas, puramente negras e
enormes.
— Cacete, vocês estão ainda mais gostosos! — apesar da voz
trêmula, Teodoro não deixaria a oportunidade escapar. Assim como o
Diabo, seu humor estava presente em qualquer ocasião.
Como resposta, Heilel lhe lançou um sorriso ao mesmo tempo que
um riso nasal e ladino. Um completo cafajeste!
Hope permaneceu sério, calado. Estava de saco cheio de ouvir a
voz roufenha do maldito anjo.
A primeira coisa perceptível era o aroma forte que dominava o
espaço — não era um cheiro comum —, quase que indecifrável. Era
como uma mistura mística de perfume masculino com enxofre.
Havia anjos por todos os lados, com cores diferentes, porém nunca
fugindo da paleta de cores diabólicas. Eles carregavam sequências de
seis asas e seus rostos não tinham forma, eram vazios. Sobrevoavam
o céu — que era escuro, um pouco vermelho e esplendoroso —
enquanto as vozes sôfregas eram ouvidas repetidamente e clamavam
por Lúcifer, exaltavam seu nome e almejavam seu retorno, dizendo:
“Somente o Diabo é o meu senhor. Santo é o Demônio, santo é o meu
senhor”.
Caleb sequer dava ouvidos a eles, focava fazer somente o que tinha
para executar.
O Inferno era dividido por extensas camadas, e cada uma servia
para determinados pecados. No momento, encontravam-se na primeira
camada, a qual era o lar de Lúcifer. Ninguém entrava ou saía sem sua
permissão. Era um lugar exclusivo para as almas totalmente
condenadas. Era uma área mais segura para Teodoro, visto que tudo
só acontecia com o sim e o não de Lúcifer. Nas outras, ele seria
rapidamente sugado, os anjos iriam atacá-lo e devorá-lo com toda a
sede e fome acumuladas que tinham; não existiria piedade. Mas,
apesar de mais controlada, tal camada ainda era um lugar pesado
demais e afetava brutalmente o anjo iluminado, fazendo-o ficar mais
frágil.
Existia uma espécie de castelo no centro do Inferno: era
completamente negro, mas não fosco, havia um brilho cintilante,
incandescente. À sua frente, havia uma estátua gigantesca de cobre,
semelhante a um animal anômalo. Enormes chifres faziam parte da
escultura quimera, assim como asas monumentais e duas cabeças; ao
redor, à beira do solo, existiam muitas moedas de ouro espalhadas.
Mulheres nuas — as quais usavam longas coleiras de aço —
rastejavam sem parar em volta da figura diabólica, clamando o nome
de Lúcifer e demonstrando toda a paixão e devoção.
Teodoro carregava uma expressão de medo, era uma visão
horripilante. Não podia negar seu desejo de estar mais próximo de
Joseph, que não recusava a propinquidade, pois entendia que o doce
anjo estava se sentindo fraco e precisava estar protegido.
Heilel caminhava de modo vagaroso, seguindo para o enorme
portão do castelo demoníaco. Permitia-se desfrutar dos gritos de
desalento, sofrimento e angústia. Aquelas pessoas tinham perdido
todos os bons sentimentos, só eram capazes de amar e idolatrar o
Cão. E assim faziam, desesperadamente, com o intuito de tapar o
buraco de seus cernes, de seus corações doloridos. Lúcifer não se
incomodava com as idolatrias incessantes, pelo contrário: seu ego
estava sendo altamente massageado.
O umbral melânico foi aberto gradativamente. Em cada lado, existia
um anjo roubado: eram querubins. Quatro de suas asas estavam
cortadas, seus olhos vendados e suas vozes declaravam a
benevolência do retorno de seu amado Demônio.
A abertura dos portões deu-lhes a visão de um lugar parecido com o
de deuses, completamente luxuoso. Um trono alto de cor negra e
cintilante roubava a cena, era bonito. Ao seu redor, existiam cobras
espalhadas pelo chão e uma sequência de homens e mulheres de
etnias diferenciadas, todos acorrentados e despidos.
Quando fitaram o Diabo, seus olhos tornaram-se brilhosos, foram
preenchidos de lágrimas, e curvaram-se sem dizer palavra alguma.
Uma real devoção perpétua, intensa e coberta de vislumbre. O sorriso
sádico e maldoso era evidente no rosto deslumbrador do Diabo.
Uma das cobras que rastejavam pelo lugar foi em sua direção,
envolvendo-se no corpo, fazendo com que Teodoro gritasse assustado.
Joseph não pôde conter seu almejo de gargalhar, e Heilel não pareceu
diferente. Não obstante, o sorriso desintegrou-se aos poucos, e os
olhos do Diabo encontraram o anjo de luz assustado. Sua pele, que
outrora era límpida, estava arroxeada, os lábios róseos encontravam-
se completamente escurecidos, e ele tremia ferozmente. Mesmo que o
inferno estivesse flamejante, Teodoro não se sentia assim. Para ele, o
ambiente estava congelante.
— Caleb… — Faltava-lhe o ar, e a exasperação começou a tomar
conta do divino. O anjo pôs as mãos sobre os ouvidos, tapando-os, e
derrubou-se no chão totalmente trêmulo. Teve a sensação de que seus
tímpanos iriam explodir, um zumbido infernal tomava-o.
— Joseph, envolva-o com suas asas — o timbre foi ríspido. Aquilo
era uma ordem, mesmo que, no fundo de sua voz, houvesse um
desespero. Lúcifer não queria vê-lo morrer, não queria perder um
amigo leal.
— Eu não vou ajudá-lo! — negou-se firmemente. — Ele sabia dos
malefícios, quis arriscar a própria existência. Eu não tenho
responsabilidade sobre um engomadinho desse. — Seu trabalho, no
Inferno, era usufruir de anjos como Teodoro. Seu prazer era vê-los
queimar, não os ajudar a viver ainda mais.
— Me obedeça, isso é uma ordem! — vociferou. — Se ele morrer,
Geefs, você irá junto, sofrerá e queimará igualmente.
Os olhos de Caleb estavam corroídos pela raiva. Não havia dó de
seu melhor amigo, não existia coração, muito menos compaixão para
com Hope, especialmente por recusar uma ordem sua somente pelo
próprio deleite egoísta.
Tremendo de ódio, Joseph aproximou-se do anjo e envolveu-o com
suas asas negras, sentindo-o gelado. Teodoro agarrou-se
violentamente no corpo forte do braço direito, apertando-o em busca de
calor. Os olhos dos dois demônios se cruzaram e faltou pouco para
faíscas saírem.
Um barulho terrivelmente alto assustou os dois anjos enquanto
Caleb permaneceu imóvel. Levantou sua face, tranquilamente, olhando
para o teto elegante que parecia ter sido feito do melhor mármore com
lindas pinturas eróticas. Seu sorriso cresceu quando pôde fitar as asas
pretas em degradê cinza pairando.
O olhar imoral que Gadreel exibia não amedrontava Lúcifer; já Hope
apertou ainda mais o outro contra si mesmo, dando passos curtos para
trás, almejando protegê-lo.
— Desça — impôs simplista.
Rapidamente, o anjo demoníaco caiu sobre o chão, causando um
estrondo assustador. Os escravos do Demônio começaram a gritar em
pânico. A balbúrdia baixa do sapato de Heilel criava tensão. Aos
poucos, ele se aproximava de Gadreel que estava preso sobre o piso,
imóvel.
— Ora, ora, Gadreel… Parece que, desta vez, você conseguiu o que
queria — falou totalmente sarcástico enquanto seus lábios sorriam
ladino. — Mas não fique tão contente. Vim apenas para ver o que tanto
tramava, deixou-me curioso. — Observou o anjo que lhe fitava de
forma maldosa, com raiva. Ergueu-se, sem tirar os olhos dele.
Gadreel abriu suas asas, soando ameaçador.
— Por que trouxe a droga de um anjo para o Inferno? — Foi capaz
de engolir todo o desdém alheio, o que causou certa irritação em
Lúcifer.
— O que pensa que está fazendo com o meu reino? — respondeu-
lhe com uma pergunta.
— Enquanto você estiver fora, o Martírio não é seu reinado —
refutou, cerrando os dentes em cólera, arfando pela dor que sentia na
costela, devido à queda brusca.
— O Inferno é meu, independentemente de onde eu estiver — a voz
saía suave, calma, mesmo que estivesse sendo dura. — Você
consegue ouvir, Gadreel?
Achava-se inteiramente vitorioso pelos sons que ouvia. Era notório o
som das vozes gritando, as lamúrias, os choros; todos imploravam a
presença de Lúcifer, aclamavam.
O rosto de Gadreel tomou uma seriedade inebriante. Não era como
se ele fosse inimigo de Lúcifer, longe disso, ele apenas almejava seu
trono, sua força, sua ordem. Desejava ser poderoso no Céu, no Inferno
ou na Terra, mesmo que precisasse ser mau.
— Eles estão clamando por Lúcifer. Tudo que vejo diante de mim é
Caleb Heilel, um mero demônio apaixonado. — Riu nasalmente. Estava
exausto daquele personagem criado pelo Diabo.
A estrutura de Gadreel foi erguida, sem qualquer dificuldade. Heilel
esbanjava raiva, algo indescritível.
— Você acha que está diante de um comum? — o tom foi arrogante,
grave, capaz de causar calafrios em todos que ali estavam.
O anjo demoníaco sentia como se seu corpo estivesse sendo
esmagado, apertado, o suficiente para quebrar seus ossos e seus
olhos saltarem para fora.
— PARE, LÚCIFER! — Joseph esbravejou, ficando cada vez mais
distante.
Caleb não queria ser visto de tal forma, aquilo o irritava. Ele não
estava apaixonado por Benjamin, tudo o que desejava era se
aproveitar do corpo bem feito, dos lábios carnudos e mornos. Almejava
tê-los, novamente, em sua boca, envolvendo seu caralho, chupando e
babando. Queria se afundar inteiramente no ruivo. Era somente aquilo,
não havia sentimentos. Era carne querendo carne, pecado querendo
pecado, pura luxúria.
— Não tiro sua razão, Lúcifer… O garoto é gostosinho mesmo.
Depois que usá-lo, como diz e pensa, deixe o resto para os outros
demônios. Vamos adorar — provocou-o, rindo seco.
O Diabo sequer acreditou no que foi dito. Focou seus lumes em
Gadreel, trazendo-o para perto, fitando aquele maldito sem qualquer
pudor.
Desejou torturá-lo, matá-lo, ver seu sangue por todas as partes, mas
sabia que não poderia realizar tais anseios. Gadreel sempre foi uma
peça importante no Inferno. Não valeria a pena, não agora.
Por um breve instante, Lúcifer sentiu-se turvo, tonto, desconectou-se
de tudo que estava em sua frente.
— Calebie… — a voz baixinha era chorona, parecia bastante
angustiada.
Heilel colocou as mãos sobre a cabeça, tentando manter o foco;
sabia que estava alucinando. Gadreel era ótimo nisso, ele sabia que
Benjamin o deixava inteiramente vulnerável.
Sem sequer perceber, Caleb estava distante do demônio,
paralisado, estático. Quando se deu conta do que sentia, a raiva
tornou-se inebriante.
Ele avançou sobre o anjo demoníaco, fazendo-o cair bruscamente e,
sem pudor, começou a socar o rosto bonito diversas vezes.
Heilel não pensava, não ouvia ou visualizava a cena, era somente
domado por seus piores instintos.
No momento em que se pôs a piscar, notou que nem ao menos
tinha se movido, e tudo estava em seu devido lugar. Aquilo não passou
de uma maldita e desejosa ambição.
Seu corpo caiu para trás, mas sem impacto como se estivesse em
plumas. O devaneio não chegava ao fim: não podia falar, ouvir, estava
preso em sua própria imaginação, e ela o devorava.
Subitamente, sua estrutura foi bruscamente sacudida por Joseph, e
só assim pôde retornar ao estado normal.
— LÚCIFER! — o timbre alterado do braço direito o deixou ainda
mais confuso, era como se a existência de Gadreel fosse mínima.
Teodoro estava desacordado, deitado sobre o chão: existia sangue
escorrendo de seu nariz, o corpo roxo parecia muitíssimo gélido como
se estivesse morto, quase sem resquícios de respiração. Caleb
arrepiou-se por inteiro e ergueu-se depressa, indo de encontro à luz
divina.
— Vá, Lúcifer! Mas entenda: uma hora eu pego você. Quando isso
acontecer, nunca mais vai escapar.
O colchão macio, coberto por um tecido quentinho e amarelo,
comportava o corpo pequeno do ruivo. Ele permitia que suas madeixas
se espalhassem pelo travesseiro confortável, bagunçando-as.
As mãos gordinhas seguravam o smartphone. Benjamin fazia caras
e bocas para o aparelho, tentava se dar bem com a tecnologia, contudo
era muito mais complicado do que imaginava. Não sabia nem por onde
começar ou o que fazer com aquilo.
Após longas horas, mexendo e remexendo em tudo que conseguia
— sempre sendo muito cuidadoso, afinal não queria quebrar o presente
—, entrou nos contatos, observando que existia apenas um número
salvo como “Lúcifer”.
Parker franziu o cenho, confuso. Heilel realmente era um homem
estranho, e aquilo o deixava ainda mais sombrio e atraente.
Abaixou o telefone e o colocou sobre o peito. Fitou o teto,
observando suas amadas estrelinhas, e sorriu bobo. Não por elas, mas
pela vasta lembrança de Caleb. Não pôde evitar o sentimento de
timidez. Talvez, estivesse gostando mais do que deveria, mas se tornou
algo tão natural que seria incapaz de evitar.
Seus pensamentos foram atrapalhados pelo som de sua porta
abrindo, fazendo um rangido leve que lhe deu a visão de Hector. Sua
feição assustada foi difícil de disfarçar, o medo estampado destruía a
alegria anterior. Começou a puxar suas cobertas, escondendo o celular
em seu bolso.
— Filho, posso entrar e conversar com você? — o timbre
ligeiramente sutil aparentava serenidade.
Benjamin só conseguia engolir suas palavras e aquiescer por não
saber dizê-las.
O pastor adentrou o quarto e, vagarosamente, sentou-se à beira da
cama, fitando o ruivo, com um olhar não muito conhecido.
— Ben, eu quero pedir o seu perdão. — Respirou profundamente
durante as falas, olhando para o chão, extremamente cabisbaixo.
Parker sentou-se, relaxando o corpo na cabeceira, como se
precisasse ouvir mais do que aquilo, e continuou mantendo uma boa
distância do reverendo.
— Eu nunca quis fazer o que fiz, estava fora de mim. Nunca mais
farei mal a você, meu amor. Lembre-se do que Cristo nos ensinou:
setenta vezes sete. — Utilizou um versículo para comovê-lo.
Benjamin tinha um coração amanteigado, frágil, que palpitava
intensamente.
Ele reconhecia que Hector era o seu pai, que o amava
incondicionalmente, e que todos merecem uma segunda chance, todos
são dignos de perdão.
— Eu perdoo você, papai — falou, exibindo um sorriso fraco, ainda
magoado, mas sincero.
O senhor Parker segurou o reverso que tinha e abraçou-o apertado,
notando que foi pouco retribuído.
— Prometo que serei melhor para você, que farei tudo para o seu
bem. — Acariciou a cabeleira de fogo com singeleza enquanto
Benjamin, ingenuamente, o perdoava. Era sempre desta maneira: um
pastor aproveitando-se da inocência e bondade do outro.
— Agora, para selar as nossas pazes, quero levá-lo a um lugar
diferente. — Gesticulava durante a fala, mostrando um sorriso
simpático.
O ruivo distanciou-se e ergueu a sobrancelha. Depois de tudo o que
aconteceu, Hector poderia ter todo o seu amor de volta, mas sua real
confiança nunca mais.
— Para onde? — questionou receoso. Estava indiferente ao pedido
de seu pai, e era muito tarde, batia quase meia-noite. Foi um pedido
esquisito, afinal, aonde iriam tão tarde? Algo lhe dizia para não ir,
entretanto não podia demonstrar desconfiança. Então, assentiu
cauteloso, observando a feição de Hector que mais parecia um insano.
O veículo antigo funcionava bem, apesar de fazer alguns barulhos
no cano de escape. O vento da noite era agradável e as ruas de Holy
Paradise não estavam vazias.
Benjamin sentia-se desconfortável, havia algo errado em toda
aquela situação. O silêncio estava instalado por todos os lados e
parecia querer devorar a mente de Parker. Seu corpo tinha calafrios e
ele engolia em seco.
— Falta muito? — perguntou enquanto balançava uma de suas
pernas, demonstrando nervosismo e impaciência.
— Fique calado — o timbre foi brevemente ríspido, diferente de
outrora.
O acobreado calou-se imediatamente, seu semblante caiu e tornou-
se preocupado. Discretamente, passou a mão pelo bolso, sentindo o
celular. Arrependeu-se por não o tirar de lá e escondê-lo melhor.
Aos poucos, o pastor foi delongando o veículo, encostando no meio
fio da boate Sky.
Benjamin olhou-o, incrédulo e muito desentendido. Por um momento
curto, lembrou-se de que Heilel era o dono do estabelecimento, e seu
coração acelerou com a possibilidade de vê-lo e abraçá-lo. Porém, a
realidade veio à tona e questionou o motivo de estar ali, naquele
horário, com seu pai, um homem que, pela sua visão, jamais entraria
em tal ambiente.
— Vamos, desça — proferiu rude enquanto descia do carro, batendo
a porta violentamente.
Parker assustou-se e paralisou com o ato repentino.
— Desça! — repetiu, desta vez, demonstrando uma raiva
transbordante. Hector não escondia seus maus sentimentos, deixava-
os bem explícitos na respiração ofegante, no cerrar de dentes, no olhar
penetrante de aversão.
O ruivo pôs-se para fora, tremendo de nervosismo. Fechou
cuidadosamente a porta, porém, antes de se virar para caminhar, teve
seu braço rudemente puxado. Doeu, visto que a área já estava
bastante machucada e roxa.
Passaram pela porta enorme e luxuosa, a qual era rodeada de led
vermelho, dando-lhe um ar profano, no entanto de uma enorme beleza.
Os olhos de Benjamin se arregalaram ao observar o local. A música
era extremamente alta, tinha um enorme palco, rodeado de luzes
escarlates. Mulheres de lingerie dançavam sensualmente, algumas
utilizavam a barra de pole dance; também havia homens, desprovidos
de algumas vestes, servindo bebidas.
O primeiro sentimento que Benjamin teve foi o ciúme. O fato de
Heilel trabalhar com aquelas pessoas, em contato visual com os corpos
atraentes, causava-lhe um incômodo inexplicável. Por um instante,
lembrou-se de seu próprio corpo e pareceu mais do que insuficiente
para um homem como Caleb. Seus pensamentos foram jogados fora
quando sentiu sua estrutura bater contra o sofá de couro preto. Os
luzeiros de Hector transmitiam uma onda amedrontadora, parecia tão
fora de si, um louco.
— É aqui que Caleb trabalha, todos os dias, olhando para homens e
mulheres despidos; todos os dias, banhando-se do pecado, tomando
tantos e tantas. Não se sinta único nas mãos de um homem como ele,
não crie uma fantasia, pois você jamais suprirá as necessidades dele,
jamais irá satisfazê-lo ou tê-lo como seu. Não profane a sua vida, não
amargure o sacrifício do menino Emanuel — cada pequena palavra
estava rodeada de desdém, de raiva, de ânsia.
— Isso não é verdade! — Parker estava a um passo de chorar. Para
ele, um dos piores sentimentos era a insuficiência, a falta de
autoestima.
— Não se sinta tão mal, o trouxe aqui para se divertir. — Sorriu. —
Se não aprendeu a ser homem em casa, vai aprender aqui.
Ao fim de sua frase, Benjamin já se sentia desesperado, afinal o que
ele queria dizer com aquilo? O que iria acontecer?
— Fique quieto aí, vou buscar algumas bebidas — o timbre
mostrava a falta de interesse na inquietação alheia.
Hector parecia ter intimidade com o ambiente, pelo modo como
entrou com Benjamin e nenhum dos seguranças o questionou ou como
andava tranquilo entre os pecadores. Era um risco estar na Sky, ele
sabia, pois poderia encontrar Caleb a qualquer momento. Mas, quem
sabe, realmente não fosse melhor... O que o Diabo iria sentir ao ver
seu doce puritano em outros braços?
Benjamin sentia um aroma forte de bebidas alcoólicas que se
misturava com o doce cheiro de perfume. As cenas licenciosas
deixavam-no desconfortável, seu desejo era de sair correndo para
casa. Pegou o celular, com firmeza, e começou a mexer por todo lado.
Queria ligar para Heilel, entretanto não lembrava onde estava o
número, e o nervosismo deixava-o cego. Quando avistou o reverendo,
escondeu o smartphone com agilidade.
— Beba. — Esticou a taça que continha um líquido verde, com um
cheiro forte e mentolado, de aparência agradável.
Parker levou o objeto cristalino até seus lábios grossos,
bebericando. Sentiu o gosto doce e refrescante da menta invadir sua
boca e, logo em seguida, um amargo violento que tomou conta de tudo
e causou-lhe um ardor na garganta. Aquilo era horrível.
O pastor observava, atentamente, a fraqueza do garoto para o
álcool. Revirou os olhos quando o alaranjado fez uma enorme careta e
tentou lhe devolver a taça. Também bebericou o líquido de seu copo,
era uma vodca forte. Um sorriso mordaz tomou conta de seu rosto e
seus luzeiros esbanjaram luxúria. Em sua direção, caminhava uma das
garotas da boate: a sua preferida. Recebeu-o com um selar nos lábios.
O modo vulgar e sensual dominava todo o corpo escultural da loira.
Benjamin levou as mãos até a boca, totalmente surpreso e
desorientado. Somente por pensar em sua mãe, sentiu uma enorme
vontade de chorar.
— Boa noite, senhor Parker — ditou com a voz suave. Deslizou as
palmas longas, com unhas grandes e bem-feitas, pelo peitoral nada
definido do velho.
O ruivo, agora, tinha os olhos marejados, e um sentimento pesado
tomou seu peito.
— Hoje, eu não quero nada, docinho. Apenas mostre a meu filho
como é ser um homem de verdade. — Afastou-a delicadamente.
— Hector, você sabe que eu não trabalho mais com isso. Aqui, o
dono não aceita prostituição — o tom era cheio de privança. — E seu
filho não está com uma expressão muito animada. — A mulher estava
totalmente desconfortável pela proposta indecente.
— Vamos, docinho. Eu pago o dobro — propôs sorridente.
Ela fitou Benjamin, observando o rosto e o corpo. Era um garoto
bonito.
— O triplo e fim da proposta! — proferiu arteira.
Hector assentiu, tirando a carteira do bolso e contando as notas de
cem. Entregou-lhe oito, e a mulher as pegou de modo ágil, guardando-
as no sutiã.
— Vem cá, ruivinho — chamou Parker que negou freneticamente. —
Não precisa ter medo, eu não vou machucá-lo. Vamos apenas nos
divertir! — afirmou docemente.
Benjamin recuou, desesperadamente, para o outro lado do sofá.
— Vem… — chamou, novamente, agora lhe lançando um ar sedutor
enquanto molhava os lábios com a língua.
— Por favor, não… — pediu choroso, distanciando-se.
Já cansada de insistir, rolou os olhos, voltando-se para o outro.
— Olha, senhor Parker, ele não quer. Eu não vou forçá-lo a nada e
não há dinheiro que pague isso. — A loira estava irritada, apenas
queria ganhar seu dinheiro e continuar trabalhando, longe de qualquer
confusão.
— Ele só é muito tímido.
Aproximou-se de Benjamin, vendo-o tremer. Discretamente, puxou
os fios ruivos, fazendo-o levantar-se e ficar em frente à bela moça.
— Vamos, querido, não seja tão acanhado — fazia uma falsa voz
amigável. — Ou você quer outra surra? — sussurrou bem ao pé do
ouvido alheio.
Benjamin continuou negando freneticamente com a cabeça. Seus
lábios estavam tão secos que pareciam grudar um no outro.
— Então, obedeça ao papai — concluiu, vendo o puritano ciciar um
“certo”.
— Podemos ir, ruivinho? Não seja tímido comigo. Prometo fazê-lo
muito feliz — ditou e, em seguida, chamou-o com o dedo indicador,
piscando um dos olhos para ele.
Suas costas foram empurradas para frente, e o ruivinho seguiu por
medo. A dançarina alta e cheirosa tocou-lhe os ombros, em uma
carícia delicada, desceu para o peitoral, puxando-o para perto, fazendo
os narizes se tocarem, e, por fim, selou os lábios carnudos.
Benjamin sentiu-se em um filme de terror, todo o seu corpo
estremecia da pior maneira possível. Aquilo lhe soava nojento, o feria
por dentro. Sua mente clamava por Lúcifer, mas sua fé estava abalada
demais para acreditar que ele viria.
A sensação que teve foi de estar completamente sozinho. As
lágrimas escorreram pelas bochechas gordinhas e avermelhadas,
devido ao choro preso. A loira finalizou com um selar e levou sua boca
ao ouvido alheio, dando-lhe um pequeno beijo.
— Não precisa ter medo, ruivinho. Não vou fazer nada com você, eu
sei que seu pai é um babaca. Apenas colabore para sairmos logo daqui
— sua voz foi quase inaudível, porém, naquele instante, ela foi
suficiente para acalmar um coração aflito.
Separaram-se, vagarosamente, e ela pegou as mãos pequenas,
apoiando-as sobre seus seios fartos. Benjamin tirou-as bruscamente e,
nesse movimento repentino, permitiu que o celular caísse de seu bolso.
Hector franziu o cenho e fitou-o, incrédulo.
— Quem lhe deu isto? — questionou, atrapalhando-os, utilizando
um tom tão rude que assustou a loira.
Hector abaixou-se e pegou o celular que ainda estava no chão.
— Por favor, me devolva. Por favor — implorou.
— Eu fiz uma pergunta, Benjamin. Responda.
— O Calebie… — respondeu-lhe baixinho, quase inaudível.
Escondeu a face, à espera de qualquer violência. Porém, a única
resposta que teve foi o som do aparelho sendo estourado no chão,
seguido por seu choro auditivo. Era um presente especial.
— Eva, leve-o ao primeiro motel que encontrar — a voz era
grosseira, ríspida e cuspida.
Ela ficou tão assustada quanto Benjamin, por isso somente assentiu,
puxando o garoto que estava trêmulo.
Um pigarro próximo foi ouvido, mesmo com a música alta.
Os olhos de Parker e do reverendo foram de encontro aos do Diabo.
Este tinha uma feição aborrecida, de olhos incendiados. Encontrava-se
escorado sobre a bancada do bartender enquanto sua mão segurava
um copo de conhaque Dalamain Vesper envelhecido.
— Mas que feio, reverendo... Deus não se agrada de seus servos
em lugares como este, muito menos forçando seu filho a se agarrar
com uma das dançarinas — ditou calmo, sarcástico, vendo-o dar
passos para trás.
Sem temer coisa alguma, o ruivo, ainda desorientado, soltou-se da
mulher, correndo para os braços do Diabo, desejando que fosse seu
eterno porto seguro. Sentiu seu corpo bater com violência contra o de
Lúcifer, e aquele calor incandescente acalentou sua alma. As mãos
trêmulas e o choro foram inevitáveis, estava assustado.
Caleb abraçou-o fortemente, fechando os olhos e sentindo seu
aroma doce. Quando se separou de Benjamin para se resolver com
Hector, já não havia sequer rastro dele. Fugiu como um gatinho
assustado.
Talvez, aquele não fosse seu dia de sorte, já contabilizava a
segunda presa perdida. Contudo, não deu importância, não quando
havia um ruivo choroso em seus braços. Parker necessitava dele, mais
do que Lúcifer precisava de vingança.
— Ei, calma… — falou cauteloso. — Eu estou aqui, meu bem.
Calma — repetiu, dando-lhe um beijo na testa, transmitindo segurança
enquanto sua palma foi ao rosto molhado por lágrimas grossas,
limpando-o.
— Calebie, eu tentei ligar, mas não consegui. Eu tentei, juro! Ele
mentiu para mim, me trouxe aqui, disse para a moça fazer coisas
horríveis comigo… — ditava entre o choro. Estava fora de si, a voz saía
cortada e a boca um pouco babada, quase se engasgava. — Não me
deixe sozinho, por favor.
Benjamin estava em prantos, sentindo uma revolta traiçoeira crescer
em seu cerne. Caleb pegou a palma alheia, dando-lhe um selar
singelo.
— Eu disse que, enquanto estiver usando a pulseira, sempre estará
comigo. Eu não vou deixá-lo sozinho, Ben. Nunca vou abandoná-lo.
O Diabo pôde sentir um violento aperto no peito. Os planos de
Hector eram extremamente desumanos e sujos, contudo, ele tinha uma
certeza: uma hora, o reverendo teria que pagar, e a conta seria alta.
Com o Diabo e com Deus.
Pois quando éramos controlados pela carne, as paixões
pecaminosas despertadas pela Lei atuavam em nosso corpo, de forma
que dávamos fruto para a “morte”.

Romanos 7:5

A música estridente da boate invadia os tímpanos de modo


suportável, a fumaça do gelo seco se mesclava com as luzes coloridas,
a cada instante, o ambiente parecia mais intenso e devasso.
As madeixas alaranjadas e lisas eram acariciadas com devoção, e o
corpo pequeno abraçava o Diabo, sentindo seu calor poderoso que
acalentava e entregava a segurança necessária. Tal gesto de carinho
continuou por longos minutos. Benjamin não desejava que tivesse um
fim, não queria desgrudar de Heilel. Havia um turbilhão de sentimentos
dentro dele, a decepção pesava e a dor que sentia, por tudo o que
estava acontecendo, era enorme. Seu mundo tinha desmoronado e,
agora, só lhe restava um corpo fervoroso que lhe fazia um afago e o
protegia daquele mal.
Caleb não se sentia bem vendo-o de tal forma, sempre tão
magoado, machucado, mesmo não merecendo tamanho sofrimento.
Mas, infelizmente, o mundo sempre foi desse modo. Os bons se ferem
e caem para que os maus continuem fortes de pé.
— Eu quero que você esqueça tudo o que aconteceu, não quero
que guarde uma memória tão maldita dentro desta boate — sussurrou
calmo. — Sei que será difícil, porém peço que tente para que aproveite
o resto desta noite ao meu lado — seu timbre continuou baixo.
Heilel podia sentir a mágoa no peito do ruivo, também transmitida
por seu silêncio. Apoiou a mão sobre o rosto meigo, virando-o para si.
Divagou sobre os orbes, cobertos por uma doçura inalcançável e
perpétua, que tinham um poder tão violento, mesmo que não
soubessem.
— Anseio que fique. Durma comigo e acorde comigo amanhã —
prosseguiu com as falas. — Fique ao meu lado, bem aqui, por favor —
finalizou, colocando a mão sobre a nuca alheia, permitindo que seu
dedão acariciasse a bochecha gordinha.
Apesar das palavras méleas, existia uma seriedade que as
envolviam. O tom baixo, grave, de face fechada, quebrava o pouco
romantismo do Tinhoso.
Todavia, para Benjamin, foi uma das melhores coisas que pôde
ouvir, principalmente naquela noite.
— Eu fico com você — respondeu-lhe com doçura, repleto de
timidez. Foi como se, por um segundo, tudo tivesse apagado e Heilel
fosse o único protagonista de sua vida, alguém capaz de apagar um
instante tão doloroso. — Quero muito ficar. — Parker sorriu
timidamente, permitindo que as bochechas coradas subissem e seus
olhinhos fechassem enquanto assentia.
O Cão largou um sorriso ladino, inteiramente corrompido pelo
carisma alheio.
Devagar, o Demônio tomou proximidade, encostando os narizes, e
pôde sentir a respiração morna. Custou a admitir, mas era bom estar
assim, tão perto. Juntou seus lábios pecadores aos carnudos e macios,
em um simples selar, rápido e delicado.
— Vamos nos sentar — as palavras foram ditas, em conjunto com a
ação. Lúcifer pegou a mão pequena e guiou Benjamin para um dos
grandes sofás de couro preto, no qual Joseph se encontrava
acomodado.
Parker sentia-se bastante deslocado, todo aquele ambiente não
fazia parte de seus costumes. Apesar de não parecer tão
desagradável, no momento, mantinha uma certeza: não voltaria.
O Diabo sentou-se sobre o couro fino, relaxando suas costas largas,
as quais estavam cobertas por um terno caríssimo. Levemente, abriu
as pernas e suspirou fundo, por, enfim, relaxar. Fez um gesto com a
cabeça, para que Benjamin se sentasse ao seu lado. Observou o
garoto abaixar-se e apoiar-se de modo tenso.
— Hope, pegue dois drinks, um sem álcool — ditou sorrateiramente
em tom de ordem.
Geefs não tinha uma expressão contente, pelo contrário: sua face
de bico ladino e olhar debochado esclarecia muitas coisas.
Caleb até gostaria de se embebedar com Benjamin, ter uma noite
coberta de diversão, vê-lo fora de si, sendo um adolescente normal, no
entanto a situação mostrava-se inadequada. Diante de tudo o que
ocorrera, Heilel já imaginava o chororô que seria, se ele estivesse
bêbado; a bebida só nos dava coragem para falar e fazer o que, de
fato, sentíamos e queríamos; talvez, por isso Lúcifer gostava tanto.
— Claro, meu senhor — disse inteiramente cínico. Por fim, deu-lhe
uma piscadinha e levantou-se.
Existia uma grande quantidade de homens e mulheres próximos,
todos dançando de forma sensual. Era exatamente isto que deixava
Parker tão retraído. A nudez quase explícita e a sensualidade o
incomodavam, nem de longe era um ambiente comum.
— Gostou daqui? — Lúcifer questionou, fitando-o.
— Não — respondeu agilmente, sorrindo, apesar de parecer tenso.
Caleb gargalhou francamente. A sinceridade de Benjamin
extrapolava os limites, afinal qualquer outra pessoa mentiria para
agradá-lo, mas ele não.
Joseph não demorou a voltar com as bebidas em mãos e uma
faceta repleta de bacanal que irritava o Cão de um jeito indiferente.
Geefs, de fato, não era amistoso com o alaranjado — tinha seus
motivos —, mas iria engoli-lo, somente por pena do que Hector havia
feito. Além disso, o celular foi excessivamente caro. Compreendeu a
dor.
Estendeu o copo de vidro que continha suco de laranja, talvez,
industrializado.
— Obrigado — Benjamin ditou, sorrindo de forma meiga enquanto
pegava o objeto.
Joseph nada disse. Volveu-se para Heilel e entregou-lhe um copo
baixo, cristalino, cheio de licor de cereja. O cheiro era agradável e o
líquido vermelho era bastante denso. O Diabo adorava.
Logo depois, Geefs acomodou-se sobre o sofá à frente de ambos,
bebendo um uísque com limão e mantendo seus olhos de águia
raivosa sobre os do puritano.
Algumas garotas, que dançavam e aproveitavam a noite, os
acercavam; as gargalhadas intensas demonstravam o uso de bebidas
alcoólicas e a diversão. Uma delas aproximava-se de Lúcifer, rindo,
singela, mesmo que sorrateira. Era uma mulher bonita, e Benjamin
sentiu-se completamente desconfortável. Moveu-se para mais perto do
Cão, ouvindo uma risada zombeteira de Joseph.
— Mas, então, Benjamin Parker… Qual é a sua? — perguntou,
bebericando o líquido escuro e fazendo uma careta breve. Era bom,
por isso compreendia a obsessão de Caleb por tal bebida.
— Qual é o quê? — questionou, franzindo o cenho, mostrando
confusão. — Desculpa, eu não entendi — a voz foi cautelosa, baixa.
Dava para ver o receio.
— Você realmente se sente confortável aqui? — mudou a pergunta,
tentando utilizar um tom levemente amigável. Achava hilariante vê-lo
com tanto medo.
— Estou me sentindo bem. Digo... Bem melhor do que antes. Só
são estranhas as coisas por aqui... — confessou, ainda inibido.
Joseph sorriu ladino, liberando um ar nasal contemplado de
deboche. Era visível a apreensão, o incômodo exalava do ruivo. Voltou
a pôr a bebida na boca, direcionando seu olhar a Lúcifer e apontando
com o queixo para ele, fazendo Parker se virar curioso.
Observou Heilel distraído, apreciando a mulher de fios vermelhos e
longos. Ela era alta e usava roupas curtas, extremamente bonitas e
sensuais. A feição de Benjamin se fechou e a chateação demonstrou
presença. Seu íntimo não suportava aquilo, estava quente de raiva.
Franziu o cenho, formando um bico nos lábios, e uma sensação de
tristeza e agonia cobriu-o. Tocou na mão de Caleb, ganhando, de
imediato, sua atenção. Os olhos escuros e infindos fitaram-no, e a face
irritada do ruivinho não escondeu seu queimor de ciúmes.
O Cão não iria perder a oportunidade de provocá-lo. Bebeu um
pouco mais do licor, sentindo-o invadir sua garganta, e volveu-se à
mulher que parecia não se cansar de dançar.
Geefs prendia seu desejo de rir. Sabia que Lúcifer era um
verdadeiro palhaço e gostava do sofrimento até nas pequenas coisas.
— Caleb! — chamou-o, birrento.
Mas Heilel permaneceu, falsamente, vidrado na dama.
Benjamin sentiu-se inteiramente sisudo. Não sabia e não queria
entender o porquê, contudo o sentimento era péssimo. Fitou o braço
direito, em busca de uma solução, mesmo que seu único almejo,
naquele momento, fosse se levantar e ir embora.
— Vamos, garoto. Agarre seu homem — silabou mudo. — Beija ele!
— Fez gestos para que o acobreado agisse. Por mais que Hope
quisesse ver o circo pegar fogo, ele pôde notar que Benjamin já estava
com os olhos marejados; e quer fosse de raiva ou tristeza, não
interessava. Todavia, previu Caleb abraçando-o por mais trinta minutos,
e não aguentaria presenciar tal cena novamente. Era meloso demais.
Parker, ainda muito nervoso, virou-se para o Diabo, vendo a mulher
tomar ainda mais proximidade. Não gostou. Lúcifer era seu e ele não o
dividiria com ninguém.
Sem pestanejar, puxou com violência o braço de Heilel que,
imediatamente, irritou-se. Não gostava de toques como aquele,
soavam desrespeitosos. Estava pronto para reclamar.
— Cala a boca! — o acobreado proferiu de forma autoritária, mesmo
que ainda soasse singelo, atrapalhando-o.
Antes de qualquer outra coisa, Benjamin subiu no colo do Diabo.
Cheio de atitude e coragem, o ruivo juntou os lábios em um beijo
caloroso e pediu passagem com a língua que foi cedida com surpresa.
O ósculo formou-se lentamente, e Caleb apoiou uma de suas mãos
na nuca alheia enquanto a outra encontrou a cintura bem-feita; Parker
mantinha-se apertando os fios escuros. As línguas tocavam-se de
modo fervoroso, fazendo movimentos circulares e, por fim, Lúcifer
chupava-a, causando um estalo erótico.
A destra boba do Cão foi para dentro da camiseta folgada, deixando
que seus dedos acariciassem um dos mamilos deliciosos, fazendo
Benjamin gemer entre o beijo, sentindo o som ser abafado pelos lábios.
Deleitava-se cada vez mais, uma entrega inevitável. A cavidade bucal
de Caleb tinha um gosto forte de álcool, porém o sabor doce da cereja
predominava e causava uma sensação fascinante, um beijo gostoso,
doce e quente.
Os lábios finos do Diabo arrancavam tudo de Benjamin: a sanidade,
o medo do desconhecido, do Inferno. Rasgava sua criação sacra e
deslumbrava o seu temor a Deus.
A osculação encontrava-se intensa: os lábios do ruivo eram
fortemente mordiscados e, em seguida, chupados. Parker sentia o
membro rígido tocar suas nádegas, cobertas pelo tecido de pouca
espessura e, automaticamente, remexeu-se. Queria mais, muito mais.
Pôde ouvir Lúcifer arfar em profano gozo, o que o estimulava a
continuar rebolando, mesmo que desajeitado. Quanto mais o Diabo
arfava, mais desejo o puritano tinha; era bom ouvi-lo gemer. Sentiu seu
ego ser veementemente elevado enquanto sua mente gritava em um
carnal desejo: meu, meu, meu.
Deram um fim aos atos somente pelas palmas fortes que ouviram,
provenientes de uma única pessoa: Teodoro.
— Certo, vocês são dois gostosos, mandam muito bem. Já
pensaram em fazer algum filme pornô? Eu assistiria — o anjo ditou
sorridente. — Até bateria uma — a voz, desta vez, foi mais baixa e
cautelosa.
Benjamin não soube controlar sua vergonha, por minutos, se
esquecera de que não estavam sozinhos. Sua face tornou-se
inteiramente rubra, e quis que um buraco surgisse do além, para que
pudesse enterrar sua cabeça.
Por sua vez, Caleb rolou os olhos em fastio e sorriu
sarcasticamente, para não perder o humor.
— Já pensou em fazer o mesmo? — questionou, seco, mesmo que
em seu rosto houvesse um certo sorriso.
— Sem dúvidas! — exclamou animado. — Mas o Joseph não
colabora… — Teodoro ditou enquanto mantinha uma expressão safada
e traiçoeira, arrancando um rir de Lúcifer.
— Cacete! Por que Deus te mantém no céu?! — Hope perguntou
retoricamente. Quanto mais tempo passava com Teodoro, mais ficava
perplexo. Deus teria que amá-lo em níveis absurdos, porque o divino
estava coberto de pecado até o pescoço.
— Calebie… — o ruivinho sussurrou timidamente. — É melhor a
gente ir a outro lugar, por favor.
Tudo que Parker queria era sair dali. Não entendia a conversa e
sentia-se totalmente constrangido, pois ainda estava excitado e não
sabia controlar a situação. O Diabo selou os lábios do ruivo e, em
seguida, levantou-se, segurou sua mão e levou-o para outro lugar.
— Espero que eles trepem logo — Joseph falou com pouco
interesse enquanto bebia todo o resto do líquido existente no copo.
— Espero que você trepe comigo, logo! — Teodoro proferiu
sorrateiramente. O sorriso quadrado cresceu quando observou o
demônio engasgando-se com a bebida forte.

Lúcifer caminhava normalmente pela Sky, ainda segurando a palma


alheia. Distanciavam-se cada vez mais, deixando Parker curioso.
Ficaram em frente a uma bela escadaria preta, tão luxuosa quanto a
boate em peso. Passaram a subir degrau por degrau, sem
preocupação.
Benjamin quis questionar para onde iriam, todavia estava tão
envergonhado e distendido que parecia ter uma fita cobrindo seus
lábios, impedindo-o de falar qualquer coisa, por mais que quisesse.
Os degraus longos davam a sensação de serem infinitos, talvez,
pela pressa que tinha e a curiosidade que lhe sucumbiu. Adentraram
em um local, no terceiro andar da Sky: um ambiente elegante, bonito.
Ainda dava para ouvir as músicas que tocavam no primeiro andar,
mesmo que muito baixo.
Existiam dois cômodos — deduziu isso por ver outra porta fechada.
Também continha um balcão de bebidas, similar ao do andar de baixo,
porém com o tamanho menos elevado.
Juntando tudo, formava uma sala de estar exótica: a maior parte dos
móveis era preta e cinza, e o carpete parecia extremamente macio.
— Aqui é meu lugar particular — ditou com um tom rouco, tirando o
ruivo do transe.
— Oh… Legal. — Não sabia o que dizer.
— Quer outra bebida? Acabou que subimos e você sequer tomou a
anterior.
A voz do Diabo estava tão sensual... Benjamin não sabia se era um
delírio por ainda estar levemente excitado ou se era totalmente real.
Apenas anuiu, sorrindo pequeno.
Seus olhos seguiram Caleb que caminhou até o balcão, pegou uma
das garrafas, enchendo o copo com o mesmo suco de outrora e,
rapidamente, entregou-o para o acobreado. Por turno, Lúcifer encheu
outro copo com o mesmo licor de cereja e deu um pequeno gole,
apreciando o arder refrescante. Era uma sensação deveras agradável.
Benjamin fitava-o por cima dos olhos, de modo doce, ingênuo e
encalistrado. Logo, o Cão sorriu ladino, chamando-o, sem precisar
dizer uma palavra. O ruivo entendeu bem o recado e tomou
proximidade, sempre vagaroso. Contudo, seu corpo foi puxado,
fazendo-o bater contra o outro, e os rostos ficaram próximos. Isso o
gelou por inteiro.
— Como você consegue ser assim? — soprou as palavras,
deixando que seu hálito doce e morno fosse de encontro ao rosto
angelical. — Uma hora, puro como um anjo; depois, quente como um
demônio devasso e travesso.
Antes que Benjamin pudesse respondê-lo, seus lábios foram
tomados com uma delicadeza infinda. A boca do Diabo estava gélida,
com um sabor delicioso.
O ruivo soltou o copo sobre o chão e envolveu seus braços pelo
pescoço do Tinhoso, sentindo-o apertar sua cintura, aprofundando o
beijo molhado e lento.
Heilel desceu suas palmas para as nádegas fartas, apertando-as
violentamente, ouvindo um gemido baixo e arrastado, coberto de
prazer. Fez pressão, erguendo-o, fazendo Parker entrelaçar as pernas
em sua cintura e, rapidamente, volveu-se para o balcão de mármore
negro, sentando-o, sem cessar o beijo faminto e cálido.
— Vamos a outro lugar — o timbre manso evidenciava o quão
extasiado Caleb estava.
Benjamin assentiu, totalmente entregue e atordoado. Desejava tudo,
e tanto, enquanto suas mãos se agarravam ferozmente os ombros
fortes do Diabo, beijando seu pescoço, ansiando que intervalos fossem
evitados.
Ligeiramente, Heilel caminhou em direção à porta preta com
detalhes em cinza e abriu-a, dando a visão de um quarto sofisticado,
altamente classudo. Existia uma enorme janela de vidro e luzes de led
no teto, fracas e decorativas. Uma cama de casal grande estava no
centro, coberta por lençóis macios de seda branca. Havia duas
pequenas mesas de cabeceira, uma de cada lado do jirau. Em cima de
ambas, existiam taças exuberantes de vidro que comportavam
preservativos variados e lubrificantes, além de outros adereços
sexuais. Era, basicamente, um ambiente erótico, onde Caleb
desfrutava de outras bocas, outros corpos, outros desejos e sexos.
Mas Benjamin não viu o lugar com os olhos imorais, pelo contrário: o
local aumentou a urgência do seu ser, sua libido.
Desejou ter seus lábios colados aos de Lúcifer, era uma
necessidade. Somente aquilo o faria perder a cabeça, apagar toda a
merda da noite e transformar a madrugada em genuína magia.
Heilel fechou a porta brutalmente, permitindo que causasse um
estrondo. Rapidamente, retornou aos lábios carnudos e méleos como
favos de mel, deleitando-se como um mero homem imoral que jamais
se deleitou de tal maneira. Andava, lentamente, até a cama. Era um
percurso rápido, mas, no instante em que provava Benjamin, tudo
passava devagar como se um simples beijar pudesse mudar o tempo,
deixando-o lento.
Delicadamente, deitou o corpo, ficando entre as pernas do ruivo. O
ósculo não teria fim, se fosse possível. O Diabo mordiscava a boca do
puritano enquanto as mãos grandes passeavam por entre a camiseta
de tecido fino, tocando nos mamilos sensíveis, deixando-os durinhos.
Apertava-os enquanto os gemidos manhosos tornavam-se mais
frequentes — soavam como música para os seus ouvidos.
Parker, afoitamente, pôs-se a tentar tirar o terno pesado que Heilel
vestia, já que aquilo atrapalhava a intensidade dos toques.
Ao perceber a pressa do ruivo, Lúcifer, rapidamente, arrancou a
peça, utilizando uma brutalidade fora do normal, destruindo todos os
botões que, antes, estavam atacados, e jogou a roupa no chão.
No mesmo momento, puxou a camiseta do alaranjado, fazendo-o
sentir o tecido abandonar seu corpo, ficando desnudo.
O sorriso safado e ladino, que Caleb trazia na face, não escondia
sua satisfação em tê-lo sobre sua cama, gemendo em seu ouvido,
implorando pelos seus toques, almejando mais, muito mais. Nunca
estaria saciado.
Suas retinas negras apreciaram a pele lisinha, leitosa. Ainda estava
repleta de hematomas roxos, todavia não deixaria de admirar a beleza.
Voltou a beijá-la, começando pelo pescoço, sentindo as mãos inquietas
tocarem seus fios e escorrerem por suas costas. Passou a mordiscar
aquela área, deixando leves marcas avermelhadas, e desceu,
devotamente, para a clavícula, deixando Parker inteiramente arrepiado,
até chegar aos mamilos. Deslizou a língua áspera em volta da região
erógena, ouvindo um arfar deleitoso, e mordeu o biquinho
delicadamente, puxando-o. Em seguida, sugou a região, ouvindo um
gemer lascivo.
Benjamin derreteu-se com o toque, era abundantemente bom.
Heilel passou para o outro mamilo, repetindo o ato e usando os
dedos para se divertir com o que sobrava, causando uma sensibilidade
gigantesca em ambos. Passou a dar beijos molhados e colados pela
barriga lisinha, vendo o ruivo remexer-se de tesão enquanto jogava a
cabeça para trás, esfregando-se contra o colchão.
Ao chegar na barra da calça alheia, sorriu de maneira canalha,
vendo Benjamin abrir os lumes e fitá-lo. O olhar inocente transbordava
desejo, estava ressacado enquanto a respiração ofegante o fazia
manter os lábios levemente abertos. Seu rosto inteiro era luxúria.
— Hector o trouxe aqui para ser um homem... Pois bem, voltará
para casa sendo o meu homem — a entonação rasgada, rouca, louca,
deixou Parker ainda mais excitado. O termo “meu” tornou-se sua
palavra favorita, naquela madrugada, e não parava de ecoar.
— Todo seu… — sussurrou extasiado. Sentiu sua calça ser puxada
e, rapidamente, ela abandonou sua estrutura frágil, deixando-o quase
desnudo. Corou fortemente.
Lúcifer fitou a boxer azul e sorriu mais uma vez. Iniciou outra sessão
de beijos, desta vez, pela virilha. Quanto mais próximo o Diabo
chegava ao pau róseo, mais alto Benjamin arfava. Maliciosamente,
raspou os dentes salientes por cima da cueca, encostando no caralho.
Parker delirou. Tudo o estava consumindo, havia uma onda elétrica,
excitante, que o domava.
Por fim, Caleb puxou, com brutalidade, o tecido, deixando-o despido
e inteiramente à mercê.
Os lumes, em cor bordô, fitaram o rostinho delicado e rubro: os
cabelos cor de fogo caíam sobre a testa suada e o olhar era tímido e
ansioso. Voltou seus olhos à virilha, contemplando os poucos pelos,
também ruivos. Oh, aquilo o enlouqueceu!
Segurou, com firmeza, o membro rosinha, sentindo-o pulsar em sua
palma, ouvindo gemidos contidos. Passou a língua em torno da
cabecinha e, em seguida, sugou a glande de modo babado. Parker
gemeu necessitado, faminto e alto enquanto descia sua destra para o
cabelo de Heilel, puxando-o.
Lúcifer introduziu a extensão na boca por completo, fazendo
movimentos de vai e vem, ora lento, ora rápido. Fazia com um desejo
insaciável, massageado os testículos. Em resposta, recebia gemidos
agudos, arfares fracos, deleitosos. O puritano agarrava-se nos lençóis
e impulsionava o quadril, totalmente sedento.
O corpo do Cão estava fervendo, por isso parou o que fazia e tomou
certa distância, deixando Benjamin completamente confuso. O sorriso
cafajeste de Lúcifer era maravilhoso. O acobreado jurou poder gozar
apenas olhando-o.
O rosto singelo estava vermelho. A cada segundo que o Diabo
ficava longe, era como um banho de realidade. Aos poucos, Benjamin
sentiu-se envergonhado, exposto, e, rapidamente, colocou a palma
sobre o membro, cobrindo-o. O ato fez Caleb rir. A expressão
preocupada do ruivo foi se desfazendo, pouco a pouco, quando notou
que o Tinhoso desabotoava a camisa social. Desejou profundamente
vê-lo despido. Mordeu o lábio violentamente, deixando-o ainda mais
vermelho e marcado. Assim que Heilel livrou-se do tecido, jogou-o
sobre o chão e presenteou Parker com a visão de seu tronco malhado
e branquinho. O abdômen delicioso era sexy, entretanto o ruivo se
perdeu na enorme tatuagem — um dragão gigantesco — que
começava na costela, ia até as costas e descia para a virilha, rodeando
o corpo inteiro.
Benjamin nunca sentiu tanto tesão na vida. Estava molhado, seu
pau expelia pré-gozo sem parar.
— Você é tão… tão… — Mordeu a boca, novamente, fechando os
olhos, suspirando, contendo sua volúpia. — Quente...
— Como o Inferno — Heilel silabou devagar. Estava satisfeito.
Arrancou o cinto, deixando-o sobre o chão, e voltou o olhar para o
ruivo enquanto suas mãos, vagarosamente, desabotoavam a calça.
Benjamin sentia-se ansioso.
— Tira, logo — pediu manhoso. Era inevitável. Desejava aquele
homem com toda sua carnalidade.
Lúcifer retirou a peça, ficando apenas com a boxer branca, a qual
desenhava nitidamente seu caralho inchado. Parker salivou ao mesmo
tempo que enrubesceu e tornou-se febril. Foi uma mestiçagem de
vergonha e lascívia. Rapidamente, tapou os olhos, espiando pela fresta
dos dedos.
Heilel aproximou-se e empurrou a estrutura do alaranjado, fazendo-
o deitar-se por completo. Fincou-se entre as pernas grossas e,
delicadamente, tirou as mãos que cobriam o rosto adorável, fazendo
uma carícia e dando-lhe pequenos beijos, da bochecha aos lábios.
Mexia-se devagar, fazendo seu pau coberto friccionar com o pênis duro
de Benjamin. Os sons vulgares eram tapados pela boca do Demônio.
O ruivo passou a se remexer, querendo mais, em uma súplica muda.
Assim Lúcifer fez: esfregou-se com mais vigor, sentindo Parker apertar
seus ombros e gemer de forma manhosa. Heilel almejava mais do que
aquilo: desejava tomar o corpo do outro por completo, fazê-lo seu,
amá-lo, comê-lo. Mas seu íntimo era orgulhoso, queria ouvir dos lábios
santos.
— Você quer continuar? — questionou, atrapalhando o momento,
utilizando um tom grave e ofegante.
Benjamin entendeu o que o Diabo queria, por isso seu corpo travou,
congelou. Apesar do sentimento rebelde, de estar inteiramente nu, do
momento mostrar-se propício, havia medos enormes. Sua mente não
facilitava, e a ansiedade parecia ter atacado. Uma imensa vontade de
chorar o invadia.
— Ei, ei, calma… — Heilel sussurrou. — Não precisa continuar, se
não quiser. Eu entendo você e seu tempo. — Acariciou a face formosa,
dando-lhe um novo selar.
O ruivo fechou os olhos e respirou profundamente, buscando uma
coragem impensada. Ele queria, e sabia que Caleb também. Sentia
medo de tantas coisas! Entretanto, confiava em Lúcifer. Seu cerne dizia
que não se arrependeria no dia seguinte.
— Quero muito continuar. Eu quero muito você, de verdade — falou
baixo, um pouco trêmulo e nervoso. — Gosto do que estamos fazendo.
— Eu te quero desde que te vi pela primeira vez. — O Tinhoso
estava sendo sincero.
Lúcifer beijou-o eufórico, selvagem, alucinante. Tudo em Benjamin o
quebrava, deixava sua cabeça insana, bagunçada, em todos os
sentidos.
Heilel ajoelhou-se sobre a cama, um pouco afastado das pernas do
garoto casto, deixando-as abertas. O ruivo queimava em vergonha.
Apertou os olhos em puro vexame e inquietação.
O Cão esticou-se, pegando um dos tubos de lubrificante presente na
exuberante taça de cristal, e abriu-o, deixando que a embalagem
fizesse um barulho que, mesmo simples, fez o coração de Parker
acelerar. Passou um pouco sobre os dedos e levou-os, lentamente, até
a entrada de Benjamin, vendo-o fechar as pernas, constrangido
enquanto cobria o rosto. Com brutalidade, Caleb abriu-as, escutando
um gemer excitante. Esfregou os dedos na entrada rosinha, recebendo
um arfar pelo toque e pelo líquido gélido. Começou a massagear com
movimentos circulares, sem adentrar nenhum dedo. Estava bastante
excitado em deixar o buraquinho do puritano bem molhadinho.
Devagar, introduziu um dedo, ouvindo Parker gemer, sôfrego, e
apertar os lençóis. Continuou com os movimentos, entrando e saindo,
sem pressa. Assistir às feições de Benjamin era um verdadeiro pornô.
Vê-lo despido, totalmente corado, suando, com o cenho franzido,
jogando-se para trás, arfando e gemendo. Seus mamilos encontravam-
se durinhos, os pelos todos eriçados enquanto seu dedo o invadia
deliciosamente.
— Calebie… — gemeu ousadamente, mesmo que ciciado. Aquilo
satisfez o Cão. Como recompensa, Heilel introduziu outro dedo. Desta
vez, Parker gemeu choroso, segurando firme o braço alheio. A
cavidade do ruivo era pequena, difícil de alargar, muito apertadinha. O
Diabo desceu um pouco sua estrutura física, selando seus lábios aos
do alaranjado, iniciando um beijo caloroso enquanto, gradualmente,
aumentava a velocidade e a intensidade dos movimentos.
O puritano não parava de gemer, era inevitável. Aquela nova
sensação era deliciosa. Existia uma certa dor, mas era apagada pelo
prazer que, pouco a pouco, domava-o. Os dedos de Lúcifer entravam e
saíam rapidamente, brutos, molhados, causando bons calafrios.
Após um certo tempo, Heilel retirou seus dedos, ouvindo Parker
gemer, desapontado. Inclinou-se para frente, pegando um preservativo.
Abriu a embalagem laminada, usando os dentes e, em seguida, apoiou
o material de látex sobre seu cacete duro.
— Deslize pelo meu pau — ordenou.
Benjamin gostou de ouvi-lo daquela forma, tão autoritário. Levou as
mãos trêmulas até o caralho de Lúcifer, deslizando a camisinha bem
lubrificada, tendo certa dificuldade para resvalá-la.
Antes que pudesse se deitar, novamente, Caleb virou-o, usando de
uma aspereza gostosa, e deitou-o de bruços, com sua bunda empinada
e levemente aberta. O Diabo desfrutou da imagem tão pornográfica e
desejou guardá-la para sempre. As nádegas avantajadas e lisinhas
eram uma perdição.
Mais uma vez, o desespero apoderou-se do ruivo. Ele sabia o que
Heilel faria, e o seu coração batia violentamente forte. A vontade de
desistir e fugir se fez presente, além de um leve arrependimento de ter
aceitado. Ainda dava tempo de parar, e seu medo quis isso, mas
Benjamin não. Ele quis o Diabo.
Sentiu as mãos grandes e pesadas apertarem as bandas de sua
bunda, separando-as e soltando-as em seguida. Caleb largou dois
tapas fortes, marcando-as instantaneamente.
Os gemidos escapavam sem pudor.
Heilel despejou mais lubrificante na bundinha deliciosa do puritano e
espalhou por toda a região, deixando-a brilhante, vertendo para a
entrada que estava bem lubrificada.
— Desejo que você nunca se esqueça de hoje, desta noite —
sussurrou no ouvido de Parker, sentindo o ruivo se arrepiar e assentir,
muito nervoso.
Lúcifer terminou de puxar sua própria boxer, usando de uma
agressividade incomum, rasgando-a por inteiro, permitindo que seu falo
estivesse totalmente livre. Passou o membro rígido e cheio de veias
pulsantes entre as nádegas do ruivinho, vendo-o afundar o rosto nos
travesseiros. Estava em um alto grau de excitação e timidez.
Continuou esfregando seu cacete, observando Benjamin gemer de
forma contida. As nádegas do alaranjado eram tão volumosas que
engoliam o pau do Diabo.
Cuidadosamente, Caleb apoiou seu membro, posicionando-o, e pôs-
se a empurrar a cabecinha na entrada exposta. Benjamin afundou-se
ainda mais nos lençóis, gemendo dolorido e choroso. Apesar de estar
bem molhado e devidamente preparado, o caralho do Diabo era
avantajado.
— Ahhn... Calma, Calebie… Isso dói — o tom foi fraquinho e
sôfrego.
Heilel amou ouvi-lo de tal maneira. Parou a penetração, deixando
mais da metade para fora, iniciando movimentos sutis e leves.
Benjamin sentia seus olhos cheios de lágrimas, seu cuzinho estava
sendo altamente invadido. Doía demais, apesar de notar o quão
delicado Lúcifer tentava ser.
— Oh, você é apertado demais, porra… — proferiu rouco. Entrava e
saía lentamente, arfando pesado. Era um sonho ver seu caralho
alargando aquela bundinha virgem, deixando-a judiada e avermelhada;
era delirante. Caleb acelerou mais os movimentos, fazendo um pouco
mais da metade invadir o casto ruivo.
Benjamin sentia um ardor violento que se mesclava com a dor e
fazia cada terminação sua tremer. O prazer envolvia-o de um modo
inadequado e profanador. Gemeu alto e agudo quando sentiu Lúcifer
socar o pau inteiro, sem dó. Ele pulsava ferozmente e Benjamin sentia-
o. O membro grosso do Diabo saía completamente e, em seguida,
entrava com brutalidade, porém totalmente vagaroso, indo fundo,
fazendo Parker gritar de prazer.
Caleb continuou com as investidas cautelosas e rudes, deixando
beijos úmidos pelas costas e acariciando a coxa farta. O alaranjado
tinha um gemido agudo, alto. Lúcifer não resistia aos seus instintos e
fodia-o com mais força, somente para ouvi-lo gritar seu nome, ofegar e
gemer fino. Era o som dos deuses.
Benjamin estava indo ao delírio com a sensação grotesca daquele
mastro enorme, o invadindo tão atroz, fazendo-o queimar em desejo.
Estava sendo manchado pelo pecado, mas a sensação era divina.
O Diabo aumentou a velocidade, fodendo-o rápido, rude, forte,
fundo. Algumas lágrimas de dor e excitação escorriam pelo rosto rubro
e suado, misturando-se. Ao notar a frequência das lágrimas, começou
a diminuir a velocidade.
— Ainda está doendo? — perguntou-lhe preocupado.
— Um pouco, mas está gostoso… Continua — Parker ditou ofegoso
e arrastado, com enormes pausas, quase sem voz.
Lúcifer respirou fundo. A fala era erótica demais para sair dos lábios
de um ser como o ruivo, e isso o excitava. Precisava vê-lo, seu cerne
necessitava. Tirou o membro, sem calma alguma, e, brutalmente, virou
Benjamin. Percorreu os olhos pelo acobreado — ele estava totalmente
destruído. Aquilo satisfazia-o. Posicionou seu caralho novamente, e
voltou a penetrá-lo.
O ruivinho cerrou os cílios. A sensação de ser penetrado,
novamente, foi como na primeira: doía tudo. Suas pernas estavam
apoiadas sobre os ombros de Heilel, e a posição permitia que o pau
entrasse ainda mais fundo.
Caleb socava de modo sobrenatural, penetrando cada vez mais
cavo, sentindo os anéis anais do ruivo se contraírem enquanto
arranhava suas costas, usando as unhas curtas.
— Aahn, Calebie...
A imagem de Benjamin inteiramente vermelho pelo esforço, suado,
gemendo altíssimo e sem parar enquanto se mexia desorientado, era
uma arte.
O pau de Heilel ia tão fundo e rápido que Parker sequer conseguia
gemer seu nome. Rendeu-se ao jogar a cabeça para trás, permitindo
que aquele homem maravilhoso acabasse consigo.
Um grito agudo, seguido de olhos revirados, foi o suficiente para
Heilel compreender que atingira a próstata.
— Continua assim, Calebie… Por favor — implorou, empurrando-se
contra o caralho, esquecendo sua timidez. Precisava sentir de novo,
queria ser fodido até perder a voz.
Lúcifer agarrou as coxas, passando a penetrá-lo ainda mais rápido.
Tudo o que se ouvia eram as peles se chocando. Acertava, por vezes
consecutivas, o ponto especial enquanto Benjamin gritava e a cama
rangia, batendo contra a parede com uma cólera anormal.
Parker sentiu um orgasmo fortíssimo tomá-lo, não podia segurar.
Abaixou as pernas, entrelaçando-as na cintura do Diabo, fazendo-o
entrar por completo, acabando de uma vez com sua entrada totalmente
maltratada. Seu baixo ventre contraiu-se enquanto seus dedos dos pés
se curvaram. Seus olhos reviraram e um gemido mudo saiu dos seus
lábios que estavam entreabertos. Seu buraquinho contraiu, apertando o
caralho de Lúcifer e, em seguida, gozou, sujando todo o abdômen.
Caleb continuou com as investidas pesadas, prolongando o prazer
intenso, ouvindo um gemer tão fraco que soava como um miado
cansado e manhoso. As pernas de Benjamin tremiam, todavia Heilel
não parou de socar seu cacete. O puritano estava gostando, era boa a
sensação de ter sua entrada tão sensível. Sequer tinha forças para
gemer.
Após algumas estocadas, Lúcifer desfez-se, mantendo-se, por
segundos, dentro do outro.

O casto Parker estava atirado ao lado de Lúcifer. Ainda sentia sua


entrada contrair e arder. Seu orgasmo foi tão violento que ainda sentia
prazer, mesmo que muito sutil.
Heilel retirou a camisinha, amarrando-a e jogando-a na lixeira, ao
lado esquerdo do aparador. Voltou, satisfeito, à cama, observando
Benjamin ofegar fortemente. Puxou o corpo frágil, abraçando-o.
— Obrigado. Isso foi muito bom — o timbre do ruivo estava
rouquinho e exausto. Talvez, isso não fosse o melhor a se dizer, mas
era um sentimento que Parker tinha: gratidão pelo prazer.
— Você foi incrível — Lúcifer sussurrou, beijando a bochecha
gordinha.
Não foi preciso mais do que cinco minutos para Benjamin dormir.
Afinal, transar com o Diabo sugava bastante energia.
Lúcifer passou os luzeiros pelo rosto bonito, o corpo tão bem feito...
E tudo aquilo era seu. Sorriu vitorioso. Levantou-se, a fim de tomar um
uísque. Seu íntimo estava incrivelmente saciado, como se antes
houvesse um animal faminto dentro de si que comeu um banquete.
Sentiu-se bem como nunca.
Vestiu somente a cueca que estava sobre o chão e, cautelosamente,
saiu do quarto, fechando a porta devagar, para não acordar o outro.
Logo, deu de cara com Joseph. Ele estava sentado sobre uma das
poltronas, bebendo conhaque, e sorriu cinicamente.
— Quem diria? Lúcifer fazendo sexo santificado... — proferiu
debochado, levando o copo até sua boca, bebendo tudo de uma vez.
— Era a primeira vez dele. — Não deu importância às falas do braço
direito e continuou a caminhar até o balcão.
— Desde quando isso tem importância para você? — inquiriu,
revirando os olhos de tédio.
— Não falo por mim, é importante para ele! — refutou.
— Você o trouxe aqui para fodê-lo e quem sai do quarto fodido é
você? — negou com a cabeça, esboçando desgosto.
Pela multidão das tuas iniquidades, pela injustiça do teu corpo,
profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo,
que te consumiu e te tornei em cinza sobre a terra, aos olhos de todos
os que te veem.

Ezequiel 28:18

A cama, que, na noite passada, estava sofisticada e bem


arrumada, amanheceu com seus lençóis brancos e finos envolvidos na
estrutura de Parker. Os fios quentes pousavam confortavelmente sobre
os travesseiros macios e gélidos. Era como um mar de conforto.
Benjamin esticou-se preguiçosamente, desfrutando do vento frio
proveniente do ar-condicionado. Sentia seu corpo inteiro dolorido.
Ainda estava bastante cansado, e sua entrada, um tanto violada,
latejava e ardia moderadamente.
Não pôde evitar o rubor violento em sua face. Havia feito sexo pela
primeira vez, e não foi exatamente o “convencional”.
— Meu Deus...
Apoiou as mãos sobre o rosto, torturando-se de vergonha, mesmo
que houvesse um sorriso em seus lábios róseos. Não podia evitar essa
alegria humana que o consumia tão atrozmente. Havia sido bom, muito
bom e, por isso, o coração do ruivinho parecia manteiga de garrafa, ao
mesmo tempo que palpitava brutalmente, quase saltando para fora de
seu peito. Até suas mãos estavam frias, mas as lembranças recentes
eram quentes e vívidas.
— Céus... Essa janela é enorme.
Uma pequena preocupação cresceu. E se alguém os tivesse visto?
— Isso é loucura!
Virou-se, embolando pela cama, rindo baixinho. Corria, em seu
sangue, uma adrenalina nunca sentida antes. No entanto, sua breve
alegria se despedaçou, aos poucos, pela falta do Diabo. Ele não se
encontrava em lugar algum daquele cômodo.
Logo, percebeu que tal desânimo era desnecessário e, rapidamente,
deduziu que, talvez, Caleb estivesse na sala principal.
Sentou-se vagarosamente, exibindo algumas caretas por causa das
fortes dores no corpo. Suspirou profundamente, esfregando o rosto
angelical, e um bocejo preguiçoso escapou. Agilmente, pôs-se de pé,
com certa preguiça.
Queria encontrar Caleb, vê-lo novamente, ter a certeza de que a
noite foi tão maravilhosa que o Diabo acordaria no Céu. Além disso,
precisava voltar para casa, estava sem total noção da hora.
Juntou algumas das suas peças de roupa que se encontravam pelo
chão, e vestiu-as. Todavia, não encontrava sua calça. Respirou tenso.
Com calma a encontraria. Aos poucos, a procura da peça mostrou-se
inútil e enfadonha, visto que a buscava há extensos minutos. Como
aquele era um lugar particular, depreendeu que não existiria problema
— além de sua timidez — em sair daquele jeito, de cueca.
Na ponta dos pés, caminhou para fora do quarto e fechou a porta,
sempre silencioso. Virou-se, e um susto quase o fez cair para trás,
deixando seu coração acelerado: Joseph estava sentado em uma das
poltronas, segurando um copo preenchido por conhaque enquanto
fitava o ruivo. Sua face era séria, não havia qualquer alegria, e isso
causava arrepios em Benjamin. Só a mínima possibilidade de estar
sozinho com Geefs fazia-o tremer, não era algo bom.
— Boa tarde, Benjamin Parker — ditou, bebericando o pouco líquido
escuro.
— Boa tarde? — questionou surpreso. — Meu Deus! Que horas
são?
— Quatro e meia — seu tom era seco, fechado, enquanto sua
expressão, amedrontadora.
— É… Obrigado. — Fitou o chão de modo tímido enquanto esticava
a camisa, para cobrir o corpo. — Olha, eu preciso muito ir. Sabe onde o
Calebie está? — perguntou inocente, deixando um sorriso leve escapar
ao falar o nome do outro.
— O Heilel? — Gargalhou maldoso. — Não me diga que caiu nessa,
ruivinho. Lógico que ele foi embora — sua entonação foi simplista e
serena como se tudo fosse banal.
Benjamin tornou-se atônito, paralisou. Não pôde evitar tremer de
nervosismo. Não podia ser! Caleb nunca o deixaria, principalmente
daquela forma: sozinho e totalmente vulnerável.
— Para onde ele foi? — insistiu em inquirir.
— Ben… Ben… — Levantou-se, arqueando a sobrancelha e
sorrindo sorrateiramente. Apoiou o copo de vidro no centro e voltou a
fitar o frágil garoto. Toda aquela tensão deixava Parker ainda mais
apreensivo, já querendo desmoronar em desespero.
—Você achou que o Caleb iria ficar? Acha que ele gosta de você?
— seu timbre foi coberto de perversidade.
O alaranjado engoliu em seco, sentindo sua garganta dar um nó.
— Como pôde acreditar nisso tudo? Achou mesmo que Heilel o
salvaria de todo perigo e tudo acabaria como a noite passada: igual a
um conto de fadas? — Riu debochado, mantendo seu tom duro,
transparecendo toda a sua repulsa pela situação.
— Eu, eu… Só pensei que… — a voz fininha e um tanto chorosa
tentou argumentar, porém falhou.
— Não há deduções, Benjamin. Você criou um mundo que não
existe, um Caleb que não é verdadeiro. Nada disso é a sua realidade,
nada pertence a você, jamais pertencerá. — Dava pequenos passos,
tomando proximidade, deixando que suas íris negras fizessem o garoto
recear de pavor. — Ele usou você, o profanou, assim como fez com
várias outras pessoas. Tudo o que você fez foi ser apenas mais uma
peça difícil e desafiadora. — Sorriu ladino, fitando veemente as retinas
preenchidas de lágrimas que transbordaram e escorreram pelas
bochechas. Nem tudo era mentira.
— Isso não pode ser verdade. Por favor, Joseph, não diga isso. — A
tristeza por ouvir tais coisas era grande. Cada palavra fazia seu peito
arder enquanto suas falas pareciam dúbias.
— O que eu ganharia mentindo para você? — Inclinou a cabeça,
deixando seu ar de crueldade eminente.
— Eu não sei — sussurrou, inteiramente magoado.
— São quase cinco horas da tarde. Presumo que ele te comeu a
noite inteira. — Riu, acrescentando: — Então, você acorda e está
sozinho no quarto, em uma boate que sequer conhece ou sabe o
caminho de volta para casa. Uma pessoa que é apaixonada por você o
deixaria assim? — ditou, olhando para o seu Rolex, todo sarcástico. —
Ou você acha que ele foi comprar um lindo jantar?
O estômago de Benjamin dava longas voltas, causando-lhe um
enjoo terrível. As lágrimas escorriam sem parar e os soluços passaram
a ser inevitáveis. Doía. Entregou-se de corpo, alma e coração e foi
deixado, sem ao menos uma explicação. Havia sido usado, apenas
isso. Seu pai havia advertido.
— Só preciso voltar para casa — ciciou, engolindo a saliva com
dificuldade.
— Exatamente. Agora, você pode sair daqui. A não ser que queira
ser brinquedinho de mais alguém — falou, rindo contido.
Parte do puritano o deixava perdido de raiva, por isso amava
assustá-lo.
O alaranjado fitou a face de Joseph com uma tristeza infinda, capaz
de fazê-lo sentir tudo o que morava dentro dele, pelo menos naquele
instante. Sua última ação foi a de se virar e correr para ir embora,
esquecendo-se, por completo, a dor presente em seu corpo, o bambear
de pernas e a falta das calças. A única certeza que o habitava era a de
que iria para casa, não importava como, só não queria mais ouvir
Geefs. Não queria se sentir tão sujo e patético ou como uma peça de
jogo, um objeto qualquer sem valor.
No entanto, seu corpo chocou-se contra outro, sendo imediatamente
envolvido em um abraço fervoroso.
— Ei, o que houve? Eu estou aqui! — com a voz rouca, o Diabo
pronunciou vagarosamente.
Benjamin não teve outra reação, senão chorar ainda mais
desesperado, debatendo-se para se soltar de Caleb que o abraçava
com tamanho aperto. Parker não queria um enlace, não desejava nada,
apenas sentia medo e angústia.
— Por que você fez isso comigo? — questionou soluçando,
mantendo uma voz baixa, apesar de aguda. — Eu não significo nada
para você? — voltou a questioná-lo, conseguindo se soltar.
Antes de Lúcifer proferir quaisquer palavras, seus mirantes raivosos
buscaram os de Joseph que paralisou. A única coisa que conseguiu foi
engolir em seco. A dor, já conhecida, lhe invadia a cabeça de modo
insuportável. Estava intenso demais, queimava como as chamas do
Inferno.
— PARE COM ISSO, LÚCIFER! — gritou, sentindo seu ar faltar e
seus olhos revirarem sem autorização. Levou as palmas até a cabeça,
apertando-a, na tentativa de cessar aquela dor.
— Joseph, esta é a primeira e a última vez que lhe digo: fique longe
dele. Lembre-se do seu lugar aqui — as palavras saíam corroídas de
ódio enquanto cerrava os dentes.
— Sim, Senhor — respondeu-lhe, deixando que o desalento
tomasse conta de seu tom e a raiva fosse fortemente motivada. Aos
poucos, a pressão em sua cabeça aliviou e, então, desapareceu, assim
como Heilel e Benjamin.
Lúcifer descia as escadas com pressa, segurando a mão do ruivo
enquanto este balbuciava sem parar, questionava e chorava. Seu
íntimo quis consolá-lo. Passou pelas inúmeras pessoas que
frequentavam a Sky, sem se importar com a falta de vestimenta de
Parker. Tudo que almejava era tirá-lo de lá.
A rua encontrava-se muitíssimo movimentada; as luzes da cidade
estavam acendendo, aos poucos, e o clarear do dia indo embora.
Tirou as chaves de seu bolso e apertou o botão, ouvindo o Corvette
destravar.
Rapidamente, Benjamin adentrou o veículo, assim como Caleb que
bateu a porta com extrema violência. Estava com raiva, seu sangue
fervia e não tinha como disfarçar. Sua insatisfação estava estampada,
especialmente, por seus olhos que pairavam um mesclado intenso e
bordô.
O ruivo sentia-se imensamente sensível, tentava cessar o choro
com bastante dificuldade. Foram palavras intensas demais, com uma
força incomum sobre ele, simplesmente porque Benjamin não duvidaria
daquilo. Não havia motivos para um homem como Caleb querê-lo. Ao
cerne, um questionamento incômodo o atacou: Será que seu pai
estava certo? Lúcifer, em um tempo mínimo, tornou-se o seu porto
seguro. Ouvir que não passava de uma simples diversão partiu seu
coração ao meio.
— Ben… — chamou-o, utilizando um tom baixo enquanto fechava o
teto solar.
— Achei que você tivesse ido embora, Caleb! — Evitava qualquer
contato visual. — Eu acordei sozinho, com o seu melhor amigo me
dizendo que eu não significo absolutamente nada. Não quero ouvir
"Ben…”, seguido de uma justificativa boba. — Para se distrair, passou
a mexer em seus dedos.
Heilel, no final das contas, não sentia pena de Parker, pois uma boa
parte do que Joseph havia falado não era mentira. Entretanto, não
gostava de vê-lo triste ou magoado, especialmente com ele. Preferia os
sorrisos doces, a voz carinhosa e os gemidos manhosos.
— Eu não fui e não vou lhe dar justificativas idiotas. — Fitou o
garoto, vendo-o encará-lo de volta. — Mas eu estou aqui com você —
completou simplista. Aproximou-se de Benjamin, apoiando sua palma
grande na nuca, permitido que seus dedos mornos a tocassem
carinhosamente. Puxou-o devagar, fazendo os narizes se tocarem em
uma carícia singela.
Parker fechou os olhos, aproveitando tal afeto, sem saber se se
perdia ou se encontrava naquele homem, naquele sentimento.
— Eu sou como os outros? Não tenho significado? — questionou,
em um sussurro tristonho.
— Não, Ben. Você não é um qualquer, não é um brinquedo. Nunca
tratei você como uma peça de jogo. Eu quero você para mim e, se te
quero, é porque significa algo maior — respondeu-lhe precisamente,
apesar de todo romance que deveria estar existindo.
Juntou os lábios, em um beijo dengoso, estalado, preenchido de
desejo, seja ele afetivo ou carnal. As línguas acariciavam-se com
devoção enquanto os lábios de Parker eram mordiscados e chupados
em um ósculo delicioso.
Cessaram-se somente por escolha de Lúcifer que permaneceu com
uma expressão séria enquanto Benjamin estava rosa de timidez —
sempre ficava.
— Quero estar aqui, meu anjo. Tenha certeza de que esta é uma
escolha única e pessoal, eu quis estar aqui com você. — Deu-lhe um
selar final.
— Eu só não quero me sentir assim, não quero mesmo. Isso me
magoa. — Mexeu nos fios, tirando-os de seu rosto.
— Prometo que não acontecerá novamente. Eu não o abandonaria,
você sabe disso. Não seja inseguro. Você é uma joia preciosa,
Benjamin; é mais do que imagina. Pare de pensar que é insuficiente
para mim ou para qualquer outro, pois você basta.
O ruivinho tornou-se ainda mais rubro. Gostava de ouvir aquilo,
entretanto deixou que o silêncio pairasse, para que Heilel
compreendesse como meras palavras não curavam seu coração.
— Por que está sem calça? — inquiriu, mudando o assunto e
sorrindo levemente enquanto apoiava suas mãos no volante.
— É, eu não a encontrei… — Tentou esconder um pouco de suas
coxas fartas, o que não foi possível, visto que sua camiseta não era tão
longa.
— Quero levá-lo para jantar, mas sem calça não dá. O que acha de
passarmos no drive-thru?
A voz de Heilel, por mais que quisesse estar divertida, não soava
assim. Ainda se encontrava muito chateado com Hope. No entanto,
queria levar Benjamin para jantar algo bom, afinal seu desejo não era
comê-lo e largá-lo. Desejava tê-lo por tempo indeterminado.
Parker assentiu frenético, e, rapidamente, sua feição tornou-se
sutilmente mais empolgada.
— Podemos comer hambúrguer! — exclamou enquanto sorria fofo
para o Cão, vendo-o assentir e rir por tamanha animação.

A noite carregava, em sua imensidão azul-escura, uma quantidade


absurda de estrelas. Parker apreciava cada uma delas enquanto o
conversível praticamente voava, fazendo o vento gélido acariciar o seu
rosto como um consolo divino.
Pararam de frente para o gramado já conhecido. Benjamin fitou sua
residência de modo apreensivo, observando-a. Estava fechada, com as
luzes apagadas. Nada fora do normal, uma vez que todos dormiam
muito cedo.
— Você vai entrar comigo? — Riu inibido por seu convite discreto.
Lúcifer, rapidamente, assentiu, saindo do veículo preto e seguindo
para abrir a porta para Benjamin que, rapidamente, desceu.
Caminharam lado a lado, vagarosamente. Apesar de não ser muito
tarde, aquele quarteirão estava em um profundo silêncio. A região
mostrava ser habitada por outros religiosos rigorosos — definitivamente
não pareciam estar na Califórnia.
Caleb conteve seu almejo de rir quando mirou a porta improvisada:
havia vários pregos e outros pedaços de madeira. Hector era realmente
pão-duro com a sua família; já na boate, esbanjava até o que não tinha.
O ruivinho mantinha uma feição neutra. Girou a maçaneta e abriu a
porta velha. O ranger foi terrível, e o silêncio da casa parecia
barulhento.
Com pressa, Benjamin adentrou. Desejava subir o mais rápido
possível, não queria ver o seu pai. Por isso, correu pela escadaria
envelhecida, ouvindo seu rilhar altíssimo.
Parker foi o primeiro a atravessar o portal branco do quarto,
observando Heilel entrar e, em seguida, fechar a porta. A iluminação do
quarto era fraca, e não poderia ligar as luzes, para não chamar a
atenção de seus pais.
Benjamin não se mostrava envergonhado pela falta de vestimenta,
pelo contrário: estava bastante distenso. Abriu a janela, permitindo que
o ar gelado invadisse o ambiente e que a luz causasse um contraste
frio, ao mesmo tempo que insistentemente romântico. A presença do
Diabo era reconfortante, acalentava-o de uma maneira imprópria e boa.
Virou-se, encarando os olhos de Lúcifer que já estava sentado sobre
sua cama. Sorriu tímido e meigo para ele.
— Vem — Caleb chamou-o com a mão, mantendo suas retinas
sobre o corpo escultural.
Benjamin caminhou vagarosamente. Agora que seu íntimo se
tranquilizara, as dores retornaram com um pouco mais de força. Todas
as vezes que sentia sua entrada contrair ou seu quadril doer,
recordava-se da noite anterior e um almejo insano o domava, mas
ainda se sentia envergonhado.
— Sente-se aqui, bem perto de mim — seu tom transformou-se em
um sussurro desproposital.
O alaranjado acenou positivamente, porém sentou-se no colo do
Tinhoso, mantendo uma face perdidamente inocente.
— Meu anjo, você é tão bonito... Nunca deixe que digam o contrário.
Você é apaixonante — proferiu, passando as mãos pela sua cintura,
percorrendo um caminho para as costas, acariciando-as.
— E você é lindo, Calebie. Seus olhos são mágicos — refutou o
elogio com sinceridade. — Eu gosto tanto de você…
Apoiou suas mãos pequenas sobre o rosto de Lúcifer, acariciando a
cicatriz de sua maçã do rosto, cheio de carinho.
Benjamin carregava uma força própria, uma luz resplandecente
incapaz de ser apagada, uma bondade inigualável que se espalhava
por onde fosse. Sua inocência parecia intacta e o seu coração puro,
coberto de paixão, amor e desejo. Isso deixava Caleb moderadamente
irritado. Quanto mais o corrompia, mais puro ele se tornava.
Contemplou o rosto angelical. Não havia maquiagem, os lábios
carnudos eram róseos por si só. O modo como Parker era natural o
deixava louco, tudo nele era maravilhoso.
Acariciou as bochechas gordinhas, coradas e cheias de sardas. As
retinas negras do Cão estavam perdidas, envolvidas, e o que via não
era uma presa. Puxou-o levemente, juntando os lábios em um selar
passageiro, porém seguido de outro e outro, sutis e gostosinhos. Com
delicadeza, Heilel pediu passagem com a língua, que foi facilmente
cedida. O ruivinho rodeou o pescoço de Caleb com seus braços,
trazendo-o para mais perto.
O gosto de Lúcifer era bom, apesar de se misturar com o sabor do
álcool que sempre habitava sua boca. Parker era sua sina, seu vício
inevitável e intenso. A voracidade presente no beijo era de causar
inveja e desejo a qualquer casal apaixonado. A tensão sexual que
ambos tinham era indefinível, encaixavam-se profanamente. As palmas
rudes de Heilel apertaram a carne farta das nádegas do alaranjado,
fazendo-o arfar e remexer-se em seu colo. Se continuasse,
conquistaria uma bela ereção no Diabo.
Calmamente, Lúcifer foi cessando o beijo, descendo para o pescoço
lisinho, no qual depositou um beijo molhado. Volveu-se para a orelha,
dando uma mordiscada no lóbulo.
— Se você continuar rebolando desse jeito, vou querer seu corpo
novamente — sussurrou com a voz rouca e sensual, deixando em
evidência toda sua libido.
— Você quer? — A proposta, coberta por um tom inocente, fez
Lúcifer sorrir ladino. Rapidamente, empurrou a estrutura do ruivo para a
cama, fazendo-o rir, e volveu-se para cima do mesmo. Ergueu os
braços alheios e prendeu os pulsos com sua mão, deixando-os contra
o colchão. Juntou as bocas, devorando os lábios carnudos, ouvindo
Benjamin gemer manhoso pela brutalidade usada. Caleb afogava-se
nos lábios divinos, mordia-os, chupava-os, saboreava o néctar doce
enquanto apertava as curvas, sentindo Parker se contorcer de tesão.
O Tinhoso queria tê-lo novamente, tomá-lo, devorá-lo, no entanto
não o faria, não naquela noite. O clima não lhe soava favorável, e ainda
estava bastante irritado. Talvez, perdesse o total controle, e isso não
seria bom.
Aos poucos, mudou a intensidade do beijo, substituindo seus toques
maliciosos por carícias leves, e mordidas eróticas por selares
molhadinhos. Finalizou o ósculo, dando um beijo na bochecha
gordinha, fazendo Benjamin soltar uma gargalhadinha adorável. Para
Lúcifer, soou como um mar de fofura. Atirou-se ao lado do ruivinho,
procurando espaço na cama pequena.
— Você vai dormir comigo? — o timbre tímido e o modo como seu
olhar se voltou para baixo, tão ingênuo e traiçoeiro, exibia seu anseio
de receber um “sim”.
— Por que você só não diz: “Durma aqui comigo, por favor,
Calebie”? — debochou de seu jeito de falar, dando-lhe outro selar.
— Oh, eu não falo assim! — refutou, rindo graciosamente.
Caleb nada respondeu, apenas levou seus olhos às estrelas coladas
no teto. Seu cerne insistia em questionar por que tudo em Benjamin era
tão precioso. Até as coisas bobas de que ele gostava tornaram-se mais
suportáveis.
— Essas estrelas me enjoam — comentou, brevemente, e baixo,
como um pensamento alto.
— Você não gosta de nada mesmo. — Riu. — Calebie, vamos
brincar de fazer perguntas? — propôs empolgado.
Apesar de Lúcifer não ter o mínimo de interesse no jogo e já
conhecer tudo sobre o ruivo, ele afirmou que sim. Não custaria nada
agradá-lo.
— Qual é a sua cor preferida? — Encostou-se ao ombro do Cão e
abraçou-o.
— Preto.
— O que você mais gosta de comer? — o timbre doce era distraído.
— Uísque.
— Isso nem é comida! — afirmou, franzindo o cenho.
— Mas é o que eu gosto — falou simplista.
O Cão pôs-se a refletir em que instante do percurso trocou uma boa
transa por brincar de perguntas e respostas enquanto estava abraçado
ao puritano. Sentia-se um adolescente patético e tedioso.
— Certo, outra pergunta: por que seus amigos ficam chamando
você de “Lúcifer”? — Aquele questionamento era o único que Parker
realmente queria a resposta.
— Mude a pergunta — a voz séria e autoritária evidenciou a larga
vontade de não o responder.
Benjamin não quis insistir.
— Você gostou de ontem? De fazer aquelas coisas comigo? —
desta vez, o tom saiu quase mudo enquanto ele escondia o rosto
róseo.
Heilel virou-se, somente para admirar os olhos tímidos e faceta
febril.
— Eu gostei, meu bem. Você é uma delícia — sussurrou, utilizando
um timbre bastante corrompido.
Por segundos, Benjamin gelou. Pôde sentir a língua morna de
Lúcifer passar por seu pescoço, causando-lhe um calafrio intenso. Uma
espécie nova de constrangimento invadiu-o, sem pudor algum.

Algumas horas já haviam passado, a luz da lua tornava-se cada vez


mais intensa e o vento ainda mais gélido. O ruivo dormia
tranquilamente, encolhido como uma bolinha. A expressão suave e o
ronco baixinho demonstravam o quanto seu sono estava pesado.
Lúcifer, olhando para ele, sorriu sem perceber. Benjamin era, de
fato, lindo como um anjo, o qual jamais teria o poder de possuir.
Levantou-se e saiu do quarto, sem fazer barulho algum. Precisava se
distrair, quem sabe beber alguma coisa.
O andar de cima era tão esquisito quanto o resto da residência.
Dava para perceber a existência de mais dois quartos; era uma casa
grande, um espaço pouco necessário. As liturgias estavam espalhadas
pelas paredes, havia quadros com salmos e retratos da família, uma
bíblia aberta sobre um aparador e, no centro do corredor, uma cruz
com o corpo de Cristo pregado, mesmo que na cruz já não houvesse
mais.
Tudo ali era uma piada.
Caleb negou, com desdém, volvendo-se para o móvel e
aproximando-se do quadro familiar que estava acima. Pegou-o com
tanta violência que arrancou o prego junto. Observou a imagem,
pondo-se a admirá-la: Benjamin deveria ter entre cinco ou seis anos.
Sempre fora um garoto meigo e muito bonito. Quando criança, tinha
bochechas ainda maiores e um bico para frente; sem falar dos fios
ruivos que, antes, pareciam ainda mais vívidos.
Ouviu um pigarro forte que atrapalhou sua rápida e moderada
dileção. Não precisava se virar para conhecer o cheiro de peso morto e
imundo. Um rir sádico e maldoso bordou-se na face ríspida,
delineando-se perfeitamente nos lábios finos.
— Ora, ora… Boa madrugada, Hector — ditou enquanto se virava,
aos poucos, ainda sorrindo. No entanto, para sua surpresa, existia um
revólver apontado em sua direção, para o seu rosto e, aparentemente,
muito bem manuseado.
— Apenas caminhe, Heilel — o reverendo ordenou, cuspindo cada
palavra. Rapidamente, encostou o objeto na bochecha do Diabo, em
tom de visível ameaça.
Caleb assentiu, totalmente em silêncio, seguindo o caminho para
onde estava sendo guiado. Adentraram um dos cômodos próximos,
onde, na porta, existia uma sequência gigantesca de trancas e
cadeados que, naquele instante, estavam abertos.
Lúcifer ficou muitíssimo surpreso ao notar a quantidade absurda de
armas, de vários estilos, algumas penduradas nas paredes como itens
de coleção, outras em quadros de vidros — um ambiente bonito para
fanáticos.
— Por que você insiste em fazer isso com o meu filho? — inquiriu
rouco de raiva. Sua expressão demonstrava todo o seu descontrole
mental. Apontava o revólver com gana, mesmo que a tremedeira
existisse.
— Porque ele gosta, reverendo — ditou sorrateiramente, arqueando
a sobrancelha e fitando o cano da arma.
— Isso não é verdade, seu verme! Ele é ingênuo e inocente, está
sendo inteiramente ludibriado por você, pelo mundo. Benjamin é um
menino puro. — Apesar de não estar gritando, o modo como falava
mostrava tal desejo. — Sua maldade corrompeu-o! — afirmou,
cuspindo frio. Passou a arma pelo rosto de Lúcifer e, em seguida, deu-
lhe um violento golpe, utilizando o cabo.
— Oh, reverendo, não precisa me dar crédito por isso, você não
imagina o quanto o seu filho gosta — proferiu, facínora, virando-se e
sorrindo. —“Ahn, Calebie… Está tão gostoso”... — imitou a voz do ruivo
com uma realidade incomum.
Ao ver a expressão abalada de Hector, um gargalhar doentio
escapou-lhe.
O pastor, que já se encontrava demasiadamente desequilibrado,
destravou a pistola, permitindo que aquele som fosse a única coisa
auditiva no quarto. Encostou-a no âmago da testa de Heilel, usando
tanta força que a fronte já estava marcada.
— Aqueles lábios doces e carnudos podem fazer milagres —
continuou zombando.
Hector suava frio, tremia de medo e de raiva. Seu anseio de atirar
mostrava-se cada vez mais atroz. No entanto, não houve disparo.
Lentamente, abaixou a arma, apontando-a para as partes íntimas de
Caleb.
— Oh, aquela bundinha tão linda e apertada, engolia-me tão bem,
tão fundo... É como se eu ainda pudesse ouvi-lo gemer.
Por um breve segundo, Lúcifer suspirou pesado, recordando-se
verdadeiramente da noite anterior.
— SEU DESGRAÇADO! — gritou, arregalando os olhos.
O gatilho foi puxado com desejo, todavia encontrava-se tão trêmulo
que acertou o abdômen do Diabo, mexendo-se um pouco para trás,
devido à pressão. Definitivamente, o pastor estava perturbado.
Heilel sorriu de forma cruel, sentindo a bala atravessar suas roupas
e ferir sua pele, deixando uma violenta marca roxa.
Após o primeiro disparo, Hector mostrou-se atordoado. Recuou
ligeiramente, apavorado pela falta de sangue. Antes que pudesse se
recuperar e voltar a atirar, sentiu seu corpo ser jogado com violência
contra a parede, como se um vento dominador e vil o empurrasse.
Sequer conseguia movimentar seus braços ou pés, era como se
estivesse grudado ao tapume.
Aos poucos, foi subindo até que encontrasse o teto. Uma sensação
de aperto o envolveu, como se uma jiboia quebrasse todos os seus
ossos.
Lúcifer tinha os olhos cor vermelho-cardeal, seu queixo erguido
demonstrava toda superioridade e cólera. O clima assustador tomava o
velho que estava ficando roxo, gelado de medo e esmagado em dor.
Caleb, serenamente, com uma feição cheia de cinismo, abriu-lhe um
rir, pegando o revólver:
— Taurus 608, 357 Magnum. Bom gosto, reverendo. — Acariciou a
pistola prata e brilhosa e, em seguida, puxou o tambor da arma, retirou
as munições e jogou-as no chão. — Eu realmente estava precisando
relaxar. Vamos nos divertir um pouco, senhor Parker? — Aplicou
somente uma bala, girando o tambor com destreza e brutalidade,
empurrando-o novamente. — Roleta russa? — propôs retoricamente.
O velho negou desesperadamente enquanto seus olhos se
esbugalhavam e ele começava se debater contra a parede. Quis gritar,
no entanto sua língua enrolou; quanto mais tentava falar, mais para
dentro ia.
Lúcifer apontou a pistola para Hector, puxando o cão e apertando o
gatilho, observando os olhos do outro se espremerem com força. No
entanto, não havia nada ali.
— Mas que sorte, pastor Parker. Será que Deus está do seu lado
hoje? — questionou enquanto mirava a arma para a genitália do outro.
A feição de medo dominava Hector: suava tanto que chegava a
pingar, seu cabelo grisalho estava grudado na testa e a respiração
cada vez mais ofegante.
Heilel atirou novamente. Estava vazia. Sorriu sorrateiramente.
Deslizou-a para sua própria cabeça, apoiando-a, puxou o cão,
novamente e, em seguida, atirou. Nada havia. Contudo, não parou:
continuou a apertar o gatilho repetidas vezes, observando Hector abrir
os olhos em completa surpresa, totalmente assustado. A munição saiu,
fazendo um forte impacto na cabeça do outro. O Tinhoso gargalhou,
jogando a arma no chão, permitindo que o reverendo caísse
violentamente, quase asfixiado. Aproximou-se, segurando o rosto do
outro, fazendo-o olhar bem em seus olhos que pegavam fogo:
— O Diabo não morre, reverendo — sussurrou tão sinuosamente
que foi como um grito mudo, banhado de paradoxo.
Apenas os que conhecem Deus podem amar assiduamente. Até
mesmo a mais vasta criatura, se conhecer a Deus, saberá amar.
Os olhos pequenos e inchadinhos foram abertos cautelosamente.
Sentia a luz bater contra eles e a brisa suave e calorosa da manhã
invadir todo o ambiente, dando-lhe uma sensação agradável. Mexeu-
se, preguiçosamente, pelos lençóis macios de sua cama enquanto
bocejava. Um sorriso méleo invadiu sua face angelical ao fitar Lúcifer
que estava sentado sobre a cadeira preta, próximo às prateleiras.
Permitiu-se gargalhar baixinho com a cena peculiar que presenciava.
Caleb parecia confortável sobre o assento giratório, seus ombros
estavam relaxados e sua expressão concentrada não escondia a
dificuldade que passava: ele brincava com o cubo mágico. O Diabo
mexia o brinquedo para um lado, para o outro, tentando, a todo custo,
ordenar as cores da maneira correta, porém não conseguia, e aquilo o
deixava furioso.
Benjamin fitava-o atentamente, prendendo o desejo de rir, com a
coberta nos lábios. Achava deveras engraçado um homem tão sério
como Heilel com aquele objeto em mãos. O mais hilário para o ruivinho
era que Caleb sabia fazer qualquer coisa, menos manipular um cubo
colorido.
Lúcifer fechou os olhos, inspirou profundamente e expirou, com o
intuito de manter o controle, buscando a pouca paciência dentro de si.
No entanto, não a encontrou e, com brutalidade, atirou o cubo contra o
tapume. O objeto bateu com tanta violência que se criou um buraco na
parede, causando um estrondo altíssimo. Parker quase morreu do
coração.
— CALEBIE! — repreendeu-o assustado, apoiando a mão sobre o
peito.
Heilel virou-se rapidamente, olhando-o de forma desconfortável
enquanto voltava a tocar a nuca, coçando-a.
— Eu posso pagar para consertar — proferiu constrangido. — Tem
café da manhã. — Desviou o assunto enquanto fitava Benjamin que se
mantinha paralisado. Lúcifer nunca gostou de perder o controle tão
facilmente, mesmo que isso fosse bastante frequente.
— Quer me matar do coração? Meu Deus! — Suspirou. — Você é
muito forte, caramba...
Caleb costumava fazer coisas estranhamente incríveis demais para
um ser humano comum, e isto deixava Benjamin bastante assustado e
intrigado.
O ruivo assentiu de modo desconfiado e sentou-se sobre a cama
bagunçada. Seus fios alaranjados estavam totalmente emaranhados,
as bochechas rosadas e as pequenas sardas clarinhas atraíam a total
atenção do Tinhoso. Parker era definitivamente lindo.
— Por que está me olhando assim? — inquiriu timidamente
enquanto ajustava suas madeixas. Sempre se sentia envergonhado
pelo olhar de admiração, o qual esbanjava uma tamanha devoção que
jamais poderia ser explicada.
— Você é lindo.
A expressão de Caleb mudava a todo momento. Bastava estar perto
do garoto que sua vulnerabilidade mostrava vida e força.
As bochechas gordinhas sorriram, junto com os olhos e os lábios
lisos e róseos: um rir sútil e angelical.
— Obrigado — a voz foi tão baixa e serena que podia ser
considerada melodiosa.
Ainda preguiçoso, esticou-se, puxando a bandeja para o seu colo,
apoiando-a. Nela, existiam frutas vermelhas e uma jarra de suco de
laranja.
— Você comprou isso? — proferiu, um pouco mais sorridente,
esquecendo, brevemente, o buraco em sua parede.
— Não. Sua mãe trouxe — respondeu-lhe, gesticulando com a
cabeça enquanto girava a cadeira.
A feição de Parker ganhou uma cor pálida. Estava confuso, nunca
pôde trazer ninguém em sua casa, nem mesmo quando criança… E,
agora, poderia trazer um homem para o seu quarto, dormir com ele, e
sua mãe não reclamaria?
— Ela disse alguma coisa? Sabe, alguma reclamação… — o tom
era preocupado, e o cenho franzido não negava isso.
— Fique tranquilo, Ben. Sua mãe sabe que sou bom para você. Ela
apenas me pediu para cuidar de você. — Apesar de soar imensamente
fofo, a maior parte das coisas proferidas por Lúcifer perdia o total
romantismo. Talvez, fosse pela sua face cínica e linguajar mais formal.
O Cão levantou-se e seguiu para perto do ruivinho que demonstrava
animação. Benjamin tinha o dom de entender melhor do que qualquer
outra pessoa o que Heilel queria falar. Mesmo que soasse bastante
ríspido, compreendia quando o coração do Diabo se derretia por ele.
Caleb ergueu o queixo do pequeno, juntando seus lábios aos dele
em um rápido selar tão vagaroso e molhado que deixou um desejar
incessável, capaz de correr o corpo de Parker.
— E é o que estou fazendo... Cuidando de você, meu bem —
concluiu, jogando-se sobre o pequeno espaço existente ao lado do
outro.
O acobreado sentia-se imensamente contente. Era uma alegria
infinda todas as vezes que Heilel o beijava, o tocava, demonstrava
qualquer afeto quando lhe dava carinho. Tudo que lhe faltava, antes,
somente Lúcifer pôde lhe oferecer.
— Você quer? — referiu-se ao morango vermelhinho que segurava,
apontando-o para os lábios finos. Por sua vez, Caleb mordeu a fruta,
observando Benjamin suspirar pelo ato, e sorriu sorrateiramente.
— Calebie… — chamou-o baixinho, com a boca cheia, fitando a
tigela. — Por que você nunca me conta nada sobre sua vida? Digo,
antes de morar aqui — o timbre evidenciava um desapontamento.
Benjamin ficava bastante chateado por Heilel saber tanto sobre sua
vida, mas nunca lhe contar nada.
— Você já sabe tudo o que precisa saber. O passado fica no
passado, Bem. — A expressão de Caleb não escondia sua falta de
interesse no assunto. Naquele instante, seu cerne almejava uma boa
dose de álcool e uns amassos com o seu ruivinho.
— Somos como namorados e você não me disse nem a sua idade!
— continuou. Seu timbre salientava a leve irritação que sentia.
Lúcifer negou friamente com a cabeça, puxando Parker para perto e
derrubando a bandeja no chão. Aproveitou-se da leveza alheia e
derrubou-o, trocando de posição, ficando por cima dele, deixando-o
com olhos arregalados.
— Quem disse que somos como namorados? — inquiriu, utilizando
uma falsa seriedade enquanto mirava atentamente a face rubra.
— E não somos? — a entonação foi ardilosamente baixa, quase um
sussurro, intensamente tristonho.
— Antes disso, você precisa se encontrar, saber quem é. Responda-
me: você é gay?
Heilel sabia que o acobreado não conseguiria respondê-lo com
facilidade.
Imediatamente, Benjamin paralisou e seu coração começou a
palpitar com mais violência, frenético. Suas mãos gelaram e os lábios
tornaram-se secos.
A palavra “gay” parecia carregar um peso diferente, soava errado.
Foi isto o que aprendeu a vida inteira: que era errado.
A ansiedade quase o dominou, uma vontade de chorar percorreu
sua garganta, cravando-se, pouco a pouco, pelo seu corpo, formando
um nó. No entanto, não era um choro de desespero, não era tristeza.
Tudo era uma questão de aceitação. Foi como se a ficha tivesse caído
e algo no seu íntimo estivesse gritando: você é livre para amar.
Suspirou profundamente, enchendo os pulmões de ar, e, em
seguida, soltou-o.
Lúcifer sorriu maldosamente. Por mais que estivesse criando um
vínculo afetivo com Benjamin, o sofrimento dele ainda parecia
engraçado; fazê-lo sentir-se desesperado ainda era hilário.
— Diga, meu bem… Você não pode mentir a vida inteira. —
Pressionou o garoto contra o colchão, sussurrando suas palavras
perversas com um tom tão rouco e aveludado que causava arrepios.
Estavam tão próximos. A tensão fazia Benjamin se recordar do seu
primeiro beijo; seu peito subia e descia, eufórico. Era uma sensação
muito maior que ele. O ruivo almejou respondê-lo, tirar aquele fardo tão
pesado que existia sobre suas costas, ser verdadeiro consigo e com
Deus. A mão trêmula e pequena foi de encontro ao rosto majestoso do
Diabo, fazendo uma carícia singela. Esticou-se vagarosamente, e
delicadamente roubou um selar do Tinhoso, surpreendendo-o.
Continuou, até que um ósculo delicado fosse formado, algo simples,
utilizando apenas os lábios. Era um beijo de amor, coberto por um
carinho constante e indivisível. Afastou-se devagar, fitando os lumes
bordô de Lúcifer, admirando-os.
— Eu gosto de você — proferiu baixinho e choroso. Sentia-se
culpado por não conseguir dizer a verdade, por gostar tanto de Caleb.
No entanto, era inevitável: ele sempre foi assim e não poderia tentar
ser diferente.
Ainda sentia os narizes se tocarem suavemente. Apertou os
mirantes, permitindo que algumas lágrimas escorressem. Por que tudo
para ele era mais difícil?
— Gosto tanto… — continuou a falar, de forma baixa e sôfrega.
Heilel sentiu-se impactado por tamanho carinho, foi como se todo o
mal que desejou fazer, por um milésimo de segundo, tivesse sido
redobrado e entregue em um papel de presente, com um sentimento
perpetuado nele.
Por um momento, não soube o que fazer, apenas acariciou a
bochecha fofa, passando o dedo pelo nariz e subindo para a testa,
como se estivesse fazendo um desenho. Benjamin sorriu pequeno,
desfrutando da carícia.
Por fim, juntaram os lábios, novamente, formando um ósculo suave,
sereno, apesar de existir algo intenso. As bocas conheciam-se bem —
os sentimentos, nem tanto —, mas tudo estava no lugar certo, mesmo
estando errado.

O som da música estava altíssimo, invadia os tímpanos; as batidas


eram tão latentes que faziam o estrondo grave percorrer o corpo
inteiro. As luzes, que toda noite mudavam de cor, desta vez, estavam
roxas. Uma quantidade exuberante de mulheres sensuais dançava e
exibia-se ao máximo enquanto os homens serviam as mesas.
— Outro uísque, por favor — ditou com uma entonação rude,
levantando uma das mãos, gesticulando para o barman. Joseph estava
apoiado sobre o balcão, pousando a mão no seu cenho, massageando-
o, bastante preocupado. As atitudes de Lúcifer andavam sem nexo
algum, extrapolando os limites, algo intensamente alarmante. O seu
cerne sentia que o Inferno clamava por ambos. Tudo estava fora do
controle e Gadreel não poderia comandar algo que apenas a presença
do Diabo teria força e autoridade para fazer. No entanto, Caleb
continuava agindo como um inconsequente: mesmo sabendo que
poderia colocar tudo a perder, fazia de Benjamin sua maior prioridade.
— Por que estás tão preocupado? — a voz angelical, ao mesmo
tempo que eufônica, ecoou nos ouvidos de Joseph; as mãos grandes e
macias tocaram seus ombros, dando-lhe um leve susto.
— Não estou preocupado — refutou com um tom ríspido, pouco
amigável. Puxou o copo, bebendo todo o resquício da bebida que ali
havia. Precisava de muita paciência para aturar Teodoro.
— Não é o que parece, meu demônio. — O sorriso quadrado e
maldoso evidenciava sua completa satisfação em irritá-lo. Teodoro
sabia muito bem de onde saía tanta inquietação.
— Isso não importa. O que você quer? Por que está aqui? —
inquiriu insistentemente, brusco. Geefs sempre evitou ao máximo
qualquer proximidade com o ser divino; sempre soube que álcool e
fogo não davam bons resultados.
— Apenas quis vê-lo — respondeu-lhe simplista. Acenou para o
barman, o qual parecia um pouco atrapalhado. Era seu primeiro dia na
Sky, e a beleza do anjo parecia deixá-lo arrepiado. — Um bloody mary,
por favor, querido. — Riu nasalmente do rapaz, ao mesmo tempo que
sua voz mélea o encantava.
— Você não muda mesmo. — Sorriu desgostoso.
— Queria que eu mudasse? — Arqueou a sobrancelha, sorrindo
ladino, cafajeste, enquanto seus olhos majestosos e claros como
diamantes, fitavam o outro de cima a baixo.
— Você está flertando com o barman e comigo ao mesmo tempo?
— Foi um questionamento retórico, seguido de uma gargalhada seca e
incrédula.
— Talvez, mas não seja ciumento, amor. Você sempre estará em
primeiro lugar. — Piscou-lhe um dos olhos.
Hope rolou os lumes. Não existia anjo mais insolente do que
Teodoro. O bartender aproximou-se trêmulo e apoiou dois drinques
sobre o balcão à frente de ambos.
— Obrigado, docinho.
O rapaz sorriu inteiramente truão e, em seguida, retirou-se, sentindo
as bochechas formigarem.
Joseph, com urgência, agarrou um copo old fashioned que se
encontrava preenchido por um líquido amadeirado, intensamente
gelado. Levou-o em direção aos lábios, bebericando, e certificou-se de
que a bebida era forte. Era disto que precisava.
— Diga-me o que te atormenta, meu pobre demônio — Teodoro
proferiu, de forma mansa. Sabia como o jogo funcionava.
— Se você sabe o que há, por que pergunta? Já não basta ter que
vê-lo em cima desse barman, ainda tenho que me sujeitar a mais
humilhação? — A raiva era inevitável. Sua arrogância percorria pela
garganta e explodia em palavras.
O ser divino não o retrucou, apenas continuou fitando-o enquanto
rodava o canudo rosa neon que acompanhava sua batida. Sorriu-lhe
sorrateiramente, como quem dissesse: só saio daqui quando falar.
— Lúcifer. — Rendeu-se exausto, e suspirou pesado.
— Eu não o compreendo. Por que continua no pé do Tinhoso? Eu
sei, e você também sabe que ele não voltará assim. Lúcifer tem o
próprio tempo. Se ele não quer ir, deixe que fique. Não adianta insistir.
Teodoro ficava extremamente irritado com o comportamento de
ambos.
— Uma hora ou outra eu irei buscá-lo, ele sabe disso — concluiu,
sugando o coquetel, formando um bico charmoso.
— Exatamente isso, Teodoro. Eu não quero que Lúcifer perca a
pedra do poder. Se acontecer, ele ficará péssimo e tudo será jogado
sobre as costas do Inferno. Lembre-se de que eu também estou lá.
Hope conhecia a fúria do Demônio e não queria prová-la.
— Você não consegue entender o que há com Caleb, mas eu sim.
Escute: uma hora ele vai retornar e não há formas de fazê-lo ir
contente. — A expressão do anjo era diferente de outrora: exibia uma
seriedade empática. — Conheço Lúcifer, assim como Deus me
conhece.
— Eu estou perdido, não sei o que fazer, Teo... — confessou,
apoiando a mão sobre o cenho, esticando-o.
— Não há o que ser feito. Apenas aproveite a noite comigo, o tempo
que lhe resta aqui, ao meu lado, na minha cama — a voz do
acinzentado era calma, suave e airosa. Aos poucos, tomou
proximidade, tão vagaroso e domador como o vagar das ondas nas
noites de maleabilidade e remanso. Hope não soube como recuar. —
Me prove, mais uma vez… — pediu, em um sussurro arrastado,
banhado por uma onda de fascinação exuberante. Era a própria
luxúria.
O anjo estava tão perto que a ponta de seu nariz tocava o rosto
alheio, sentindo a pele morna com o cheiro perfumado de pecado,
flambado com álcool da melhor qualidade. A respiração de Joseph se
tornou pesada, desejosa. Este permaneceu parado, sentindo a
presença do ser mais exuberante e magnífico.
— Você está se aproveitando da minha vulnerabilidade — a
entonação rouca entregou o tesão.
— Sei que estou — refutou, sorrindo, mantendo um timbre
manhoso.
Geefs sentia a pele gélida criar um choque térmico entre ambos, tão
delicioso...
Delicadamente, levou a palma até a nuca do divino, apoiando-se.
Alguns de seus dedos tocaram os fios macios e, agora, sentia-se mais
do que bem.
— Você não vale nada, deveria estar queimando no Inferno.
Fitava os olhos azuis com tamanha possessão que almejou castigá-
lo duramente, somente por seu timbre tão soprado.
— Queimaria com você, por você, e sei que iria gostar — ciciou,
juntando os lábios.
As bocas pareciam velhas conhecidas, o gosto doce do anjo de luz
tomava toda a cavidade bucal do demônio. As línguas tão quentes
exploravam-se com almejo enquanto as mãos de Joseph rodeavam o
corpo sensual, colando-os. As mãos preenchidas de profanações
acariciavam Teodoro como brasa, capazes de fazê-lo arder em pecado.
Exatamente por isso era tão bom.
O pecado tinha o mesmo sabor de favos de mel e um figo amargo.
— Eu odeio você — Joseph proferiu inerte, turvo, afastando-se com
uma dificuldade incomum.
— É a nossa linha tênue — retrucou, puxando o ajudante de Lúcifer
pela gola da camisa social. Juntou os lábios, novamente, em um beijo
repleto de voracidade e paixão.
O ambiente foi se tornando tão escasso, um calor impróprio
consumiu-os tanto que ambos tiveram de cessar a osculação.
Geefs não pôde reprimir o seu desejo de revirar os olhos. Bufou em
completo fastio, assim que notou a presença de Gadreel. Ele estava
parado bem à sua frente, com suas asas enormes abertas.
— Há muitas coisas erradas na Terra, mas o que acabei de ver
jamais entenderei. Deus deve ser um cara realmente exótico para
manter um anjo como você, Teodoro — falou roucamente enquanto
negava com a cabeça, muitíssimo perplexo.
— Já expliquei: ele me ama — disse, exibindo uma careta travessa,
mordendo o lábio inferior que estava um pouco dormente. O beijo de
um demônio pode ser bastante agressivo.
— Pelo que vejo, você aprendeu bem com a má conduta de Lúcifer.
— Aproximou-se demoradamente. Fitava-o com olhos de águia,
profundos, longos, constantes e infindos, como se ele fosse uma presa.
— Pode apostar que sim, Gadreel — seu timbre mostrava que não
se sentia intimidado, pelo contrário: havia sangue em seus olhos.
— Mantenha a calma, não vim para brigar. Digamos que quero te
propor uma ideia sensata — a voz era arrastada, baixa, mas maldosa.
— Não acho nada agradável conversarmos com o ambiente
congelado e denso. — Detestava tal efeito que o anjo caído tinha,
poderia paralisar até mesmo poderes absolutos.
Gadreel não era exatamente “mau” e Joseph sabia bem, por isso
deu-lhe ouvidos, nem que fosse para gargalhar de suas ideias
patéticas.
O anjo caído sentou-se sobre um dos sofás de couro preto,
cruzando suas asas negras e fechando-as. Em seguida, apoiou as
costas largas sobre o acolchoado e, por fim, estalou os dedos, fazendo
com que todo o ambiente se tornasse parcialmente leve. Em sua face,
morava uma expressão superior, debochada.
— O que você quer? — Hope interrogou-o, sem embromação.
Desejava ir direto ao ponto.
— Não se preocupe, ficarei por pouco tempo. Logo, vocês poderão
tornar ao que faziam. — Suas falas exibiam grande desprezo,
totalmente direcionado a Teodoro.
O ser divino riu desdenhado, permitindo que suas íris se tornassem
cintilantes e azuis, ao ponto de queimar o íntimo de Gadreel, fazendo-o
perder a estabilidade que o habitava. A gargalhada do acinzentado
exibiu o prazer.
— Seja breve — Joseph concluiu, segurando o anseio de rir.
— Você sabe, Hope... Lúcifer precisa retornar para o Inferno, e
tenho um plano para que isso ocorra. — Usou de toda sua esperteza
para ir diretamente à ferida, e de toda sua burrice para tocá-la com
brutalidade.
— Gadreel, você e eu não podemos e não iremos interferir na vida
de Lúcifer — ditou com comodidade.
— Na realidade, eu posso, só não devo, e sabes disso. Todavia, não
quero ser um mau amigo para o Tinhoso. Entenda-me, o lugar dele não
é aqui. — Aquilo era uma verdade e o braço direito não poderia negar.
— Não sei o que habita naquele garoto, mas isso o deixa vidrado,
inteiramente vinculado e preso a Benjamin. Cada dia que passa, ele
está mais humanizado — explicava com coerência.
— Sei disso, vejo com os meus próprios olhos.
— Eu tenho um bom plano para o levarmos, sem que perca a ônix.
Acredite, será bom para todos. — O sorriso não lhe fugia, em momento
algum, e as covinhas, que poderiam soar amáveis, eram malignas.
— Duvido muito de suas palavras, mas lhe garanto uma coisa:
jamais trairei Lúcifer — sua dicção fluiu com firmeza.
— Você não é digno de confiança — Teodoro declarou com verdade.
Rapidamente, ganhou a atenção de Gadreel que o fuzilou com seus
mirantes negros. Entretanto, o divino não o temia: ergueu seu queixo e
fitou o anjo maldito, observando-o recuar e abaixar a cabeça, voltando
a fitar Joseph.
— Isto é apenas uma proposta, pense bem. Você sabe onde e como
me encontrar. — Deu para trás, lhe lançando uma piscadela sem sal.
Fechou suas enormes asas melânicas e desapareceu, deixando o local
inteiramente leve.
— Não confie nele, Hope. Ele está mentindo para você. — O anjo de
luz sabia do que falava, havia sentido toda a aura má de Gadreel.

O piano preto, que ficava no primeiro andar da Sky, era tocado com
extrema destreza e prazer pelas mãos pouco delicadas do Diabo que
parecia fascinado pelo que fazia. Foi um dos poucos deleites que
descobriu na Terra: o delicioso gozo pela música. Tocava piano e
violino: suas músicas melancólicas combinavam bem com seu uísque
quente e o cigarro importado que fazia uma fumaça, no mínimo,
elegante.
Joseph estava acomodado sobre uma das poltronas, com uma
expressão pensativa. Ele desejava conversar com Caleb, temia que o
pior viesse a acontecer. Mesmo que fosse um demônio cruel, em si,
morava um forte vínculo afetivo com o Tinhoso. Era o seu melhor
amigo e, felizmente, sabia e sentia que era algo recíproco.
— Heilel… — chamou-o com seriedade, largando o copo com vodca
e deixando-o acima do centro de vidro. — Quero conversar com você.
— Suas falas eram curtas e imprecisas, não queria irritar o outro.
— Hope, não se preocupe. Voltarei quando sentir que é o momento
correto — falou, com a voz desinteressada, e os dedos voltaram a
tocar as teclas do piano.
— O Inferno precisa de você, não há como outro comandar. Se
continuar dessa forma, Teodoro virá buscá-lo e perderá a ônix. —
Soaria como um sermão, caso seu tom não estivesse coberto por um
desespero pouco necessário.
— Deixe que venha — seu timbre era preenchido de calma.
— Você ficará preso para sempre. Ficará longe da droga desse
puritano de qualquer maneira. — Era uma verdade, porém não havia
nada pior para se usar de argumento.
— Se desejar, levo-o junto a mim. Lembre-se: posso fazer tudo que
eu quero. — Desta vez, era evidente a raiva percorrendo seu timbre
rouco. Os olhos de Lúcifer tornavam-se cada vez mais perjuros, quase
não existindo um resquício de branco.
— Não, Lúcifer... Você pode fazer muitas coisas, mas não pode
levá-lo. É exatamente por isso que você não quer partir. Teme deixá-lo,
porque o ama! — seu tom era ríspido, duro. Joseph sequer soube de
onde tirou coragem para proferir tais coisas, sabia que se arrependeria.
O ódio era latente na face suntuosa de Heilel. Ele sabia que
Benjamin não iria para o Inferno e, por esse motivo, as falas do braço
direito tornaram-se pesadas, como adagas enfiadas na pele já ferida. O
Diabo não podia se controlar, seu corpo chegava a tremer, somente em
cólera.
O silêncio, naquele instante, transformou-se em um latente grito
mudo, e o único som auditivo foi o do corpo de Geefs batendo contra a
parede com uma violência descomunal. Em seguida, o som de taças e
garrafas explodindo, e todo ambiente começou a tremer.
No fundo, o desejo momentâneo de Caleb era matá-lo, mas jamais
faria isto.
Em fração de segundos, Heilel já estava perto de Joseph, agarrando
o seu pescoço com voracidade.
— Não repita isso. — Soltou-o, sumindo, instantaneamente, da
boate.
Sempre que Caleb agredia Hope, criava-se, de alguma forma, uma
espécie de raiva; e aquela foi o estopim. Estava cansado das atitudes
de Lúcifer, principalmente pela motivação. Como Heilel poderia tratá-lo
tão mal apenas porque falou do puritano, quando quem estava sempre
lado a lado com ele era Geefs?!
Exausto, estava sobrecarregado.
Precisava fazê-lo voltar, por bem ou por mal.
Sentindo uma leve dor na coluna, o demônio levantou-se mancando
e, rapidamente, jogou-se contra o sofá. Estalou os dedos enquanto
falas aleatórias, em latim, eram proferidas com desânimo. Em seguida,
tudo se tornou pesado. Uma intuição invadiu Joseph: não era algo
bom, mas nada o impediria.
— Sabia que você mudaria de ideia. — O sorriso macabro exibido
no rosto másculo de Gadreel definia o que existia por dentro: alegria.
— Apenas me explique o plano.
Os deuses desta era cegaram o entendimento de descrentes, para
que não vissem a luz do próprio demônio e da glória do Diabo.
As palmas grandes de Caleb apertavam o volante de couro com
certa força enquanto seus dedos finos batucavam-no inquietamente,
formando um som levemente irritante. Sentia-se impaciente. O corpo
forte estava coberto por um terno Desmond Merrion preto enquanto se
apoiava, de modo desleixado, sobre o assento do veículo.
Lúcifer fitava a estrada. Pela primeira vez, parecia estar sem rumo.
A irritação que o habitava parecia querer rasgar a sua pele, consumi-la,
até que, enfim, estivesse inteiramente alastrada. Era continuamente
cansativo aquele circo de regressar ao Inferno. Ele sempre manteve a
mais absoluta consciência do que fazia e das consequências que
corria. Sabia que era inegável o fato de estar na hora de seu retorno,
mas não almejava abandonar a Terra ou o que havia construído nela.
Chateava-o em demasia saber que, a qualquer instante, tudo se
tornaria uma vasta e pequena lembrança.
Fechou os olhos com melancolia, suspirando profundamente,
sentindo o peito estufar e, no mesmo instante, esvaziar-se.
O trânsito não estava turbulento, o que era de se estranhar, visto
que as ruas de Holy Paradise eram altamente movimentadas,
especialmente durante as noites.
Repetiu o suspiro de outrora, no intuito de se tranquilizar. Precisava
colocar a cabeça no lugar, para, então, decidir o que seria o certo a se
fazer. O Diabo necessitava de um escape, com uma urgência
estrambótica. Quem sabe conhecer uma nova boate com cores e
músicas diferentes, desfrutar de novos homens e mulheres, beber tudo
o que lhe fosse oferecido, lícito ou não e, enfim, gozar de sua jornada
na Terra, antes que ela fosse brutalmente interrompida.
No entanto, o seu coração e seu Corvette o guiavam para outro
caminho, passavam entre os quarteirões já bem conhecidos por seus
pneus, volante e por ele mesmo. Benjamin era sua verdadeira
salvação, tão forte quanto um uísque envelhecido.
Não demorou para que o conversível preto e bem polido estivesse
em frente à residência dos Parker. Pisou seu solado caro, com rigidez,
sobre o gramado pouco verde e pôs-se a caminhar com tranquilidade.
Logo, volveu sua atenção para a nova porta, idêntica à anterior, de
madeira fraca e módica. Heilel negou friamente ao lembrar o momento
que a derrubou. Mal havia chegado e o desejo de quebrá-la,
novamente, mostrou-se enorme e bastante violento.
Tocou a campainha, por uma única vez, mantendo-se duvidoso de
seu funcionamento, uma vez que nunca a havia tocado. A porta foi
ligeiramente aberta, dando-lhe a visão de Karen. Instantaneamente, a
mulher sorriu-lhe grande, exibindo seus dentes certos, bem
semelhantes aos do alaranjado. Ela era uma mulher muito bonita.
— Oh, Caleb, como vai? — a pergunta foi feita em um tom animado,
apesar da voz denunciar um desgaste.
— Vou bem, Karen. — Sorriu simpático. — O Benjamin está? — o
timbre curioso soava sério, mesmo que tentasse ser o mais gentil
possível.
— Está sim. Entre, por favor. — Abriu a porta, saindo um pouco do
caminho, para que o outro pudesse adentrar a residência.
Sem delongas, o Diabo passou pelo portal, ficando de frente para a
escadaria envelhecida.
— Bem, eu estou terminando a faxina nos quartos; deixei Benjamin
na cozinha. Você quer que eu te acompanhe até lá ou pode ir sozinho?
— Suas mãos mexiam-se, gesticulando enquanto exibia uma
expressão apressada e cansada.
— Pode ficar despreocupada, sei o caminho. — Tentou soar
divertido, e pareceu funcionar.
Karen assentiu e voltou a subir os degraus, dando uma risadinha
meiga pelo modo como Heilel falava, permitindo que seu rir se
misturasse ao ranger da madeira velha.
O Tinhoso fitou-a de costas: seus braços estavam cheios de
hematomas que se encontravam mal escondidos por maquiagem de
má qualidade. Instantaneamente, lamentou-se pela escolha infeliz da
mulher: casar-se com um homem tão imundo quanto Hector foi seu pior
feito.
Caleb balançava a cabeça, em negação e desgosto, enquanto
voltava a caminhar devagar. Estava prestes a passar para o segundo
cômodo: a sala de estar. Entraria desinibido, se não fosse a visão de
Benjamin.
De imediato, um sorriso foi formado em sua face, algo tão sincero
que foi capaz de exibir toda sua dentição protuberante.
O ruivo vestia as costumeiras roupas folgadas, porém, desta vez,
elas pareciam um pouco mais judiadas e desbotadas. Seu rosto
angelical revelava certo cansaço, e seus pés estavam descalços,
porém nenhum destes fatores interferia na sua beleza. Seu jeito tão
simples de ser deixava aquele homem tão vistoso e poderoso, eufórico
e completamente encantado.
Lúcifer parou seus passos, naquele instante, somente para apreciá-
lo de longe. Suas atitudes mais ingênuas e a forma como, até fazendo
coisas comuns, ainda era um ser imensamente lindo, surpreendiam o
Diabo.
Benjamin andava com naturalidade até o pequeno centro de vidro
que havia no meio da sala. Morosamente, os olhos raivosos de Heilel
fincaram-se no sofá, onde Hector estava deitado, totalmente
desleixado. Rapidamente, um riso cresceu na face maligna do Cão. A
visão do reverendo com uma das pernas engessadas e um braço
enfaixado foi deveras gratificante. No rosto velho, existiam machucados
e uma expressão cheia de cólera; as olheiras eram profundas,
evidenciando sua insônia, e os mirantes focavam a televisão.
Caleb contiguamente arrependeu-se de ter feito tão pouco na sala
de armas. Contudo, logo seus lumes retornaram para o acobreado que,
agora, tentava carregar uma pilha de pratos sujos que estavam sobre o
móvel.
— Vamos, saia logo da minha frente — o pastor vociferou,
extremamente rude.
Parker agarrou a louça com pressa, tremendo pelo pequeno susto
que levou. Por acidente, deixou que um dos pratos caísse, fazendo um
barulho enorme que assustou o religioso.
— Será que você não consegue fazer nada direito? — inquiriu com
arrogância, causando um medo estrambótico no outro. Benjamin não o
respondia, somente mantinha de olhos arregalados e tremendo.
— Vamos, largue essa droga e limpe essa sujeira que você fez —
apesar de não gritar, seu timbre era bastante alterado, e a sua feição
exibia nojo.
Parker assentiu por vezes consecutivas, extremamente rápido e
nervoso. Abaixou-se, juntando os cacos de vidro com as mãos.
— Nem isso você sabe fazer? Será que é tão inútil assim? —
questionou retoricamente, em um tom recheado de repulsa. — Largue
essa porra, desse jeito vai cortar as mãos! — O reverendo levantou-se
bruscamente, fazendo uma careta dolorida, colocando as mãos sobre a
coluna e fechando os olhos, para suportar tal coisa.
Em cada momento, Benjamin exibia uma gigantesca preocupação.
Ao ver que seu pai havia dado um jeito na coluna, desesperou-se.
Correu para perto de Hector, segurando-o para não cair, e tentou
ajudá-lo a se deitar novamente.
— SAIA! NÃO ME TOQUE! — gritou. Agilmente, empurrou o ruivo
com extrema violência, fazendo-o pisar sobre os cacos de vidro e, em
seguida, jogou-se sobre o acolchoado.
— Desculpa… — falou pausadamente, engolindo em seco.
— Não toque em mim novamente, aberração. Quero distância de
um imundo como você. Está me ouvindo? — destilava as palavras com
maldade e frieza, sem compaixão alguma, muito menos amor.
Benjamin, por sua vez, tentou se estabilizar, apenas pegou os pratos
e saiu quase correndo, sequer notando o rastro de sangue que seu pé
deixava sobre a cerâmica clara.
Tal cena despertou um ódio impróprio no Diabo. Estava furioso.
Jamais compreenderia a mente de um lunático por regras estúpidas, e
podia ter certeza de que Deus também não o entendia.
Sem cautela, Caleb passou, mostrando presença.
— Boa tarde, reverendo — a voz era séria. Suas sobrancelhas
estavam franzidas e seu olhar transmitia todo o nojo existente em seu
íntimo.
Hector parecia ter congelado, após o acontecimento de antes.
Tomou para si um favor ciclópico, mantinha a certeza de que, diante de
si, existia o Diabo.
Em uma reação de genuíno desespero, o pastor levantou-se para
correr. Todavia, não foi capaz e apenas caiu de frente, com as mãos
sobre os fragmentos de vidro, arrancando uma gargalhada gostosa de
Lúcifer.
Heilel continuou, serenamente, seu percurso até a cozinha, ficando
de frente para o portal e encostando seu ombro sobre um dos lados,
sentindo a parede levemente gélida. Sua visão atenta passou a
analisar o pequeno Parker: ele estava de costas, segurando uma
colher de pau, mexendo uma grande panela de sopa enquanto um
pano de prato branco com bordado de patinhos estava pendurado em
seu ombro direito. O cheiro era bom, e Heilel permitiu-se sorrir de
forma contida ao vê-lo.
Era uma cena agradável e fofa, se não fosse pelo fungado
proveniente do ruivinho. Lúcifer sabia que ele chorava, podia sentir a
tristeza rodeá-lo. Ele entendia o porquê e o quanto Benjamin estava
sofrendo. De alguma forma, uma compaixão demasiada invadiu o Cão,
entretanto, rapidamente, foi desfigurada pela raiva que sentia em seu
peito.
Questionou, mentalmente, o porquê de o alaranjado continuar sendo
tão ingênuo e bom para um ser humano terrível.
— Meu bem… — chamou-o, usando de um timbre delicado e suave.
Imediatamente, o puritano virou-se e fitou o Diabo, dando-lhe um
sorriso falso. Não queria ser visto chorando.
— Você está aí há quanto tempo? — a voz chorosa era fortemente
reprimida enquanto suas mãos limpavam as lágrimas.
— Não há muito tempo… Mas você está se sentindo bem? —
perguntou-lhe, adentrando a cozinha.
Parker apenas precisava disso para desabar em um choro sem
freio. Sentia-se tão magoado que parecia querer explodir ou somente
fugir. Porém, insistiu em negar, calmamente, fitando o chão e formando
um gigantesco bico.
Não foi necessário mais nada para que Heilel abraçasse-o com
força, oferecendo o seu calor como um consolo poderoso.
O choro de Benjamin passou a ser ainda mais desregulado; as
lágrimas salgadas molhavam o tecido caro que o Cão vestia, no
entanto isso não tinha importância alguma.
Caleb sentia-se bastante descontrolado, tudo dentro de si parecia
uma bagunça, e vê-lo tão triste aumentou sua ânsia de quebrar tudo o
que estivesse em sua frente. Cada pequeno aperto ou soluço
despertava uma cólera capaz de fazer o coração do Diabo arder.
Afastou o ruivo delicadamente, pondo-se a mirá-lo. Observou os
olhinhos molhados e inchados pelo choro; as bochechas gordinhas
cheias de sardas clarinhas estavam intensamente vermelhas, e a
angústia acabava com a feição do garoto. De algum modo, isso causou
um endurecimento ao cerne do Tinhoso.
— Você sabe que não precisa continuar com isso, não precisa fazer
coisas para ele — o tom, apesar de não ser duro, mantinha certa
seriedade. — Não precisa cozinhar para ele. — Apontou a panela,
sentindo Benjamin encostar o rosto em seu peito e virar-se para olhá-
la.
— Eu não consigo ser diferente — sussurrou tristonho. Para o
ruivinho, não existia resposta mais plausível. Fazer aquilo era parte de
seu caráter; pensava e agia com bondade.
— Ben, você pode ter o melhor coração do mundo, mas não pode
ignorar tudo o que lhe foi dito há segundos — seu timbre ganhou um ar
pesado. — Você ouviu bem o que ele disse?
Caleb mantinha um olhar opaco, desgostoso. Lúcifer jamais
compreenderia o poder do perdão como Benjamin; nem mesmo Deus
iria eximir alguém como Hector, de tal forma.
— Ouvi — falou, quase inaudível.
— E, agora, está aqui, nesta cozinha, chorando sozinho e fazendo
sopa para ele? — cada palavra foi dita com um pouco de arrogância, e
sua feição evidenciava o fastio.
— Eu não preciso ser como ele, Calebie… — proferiu de forma
desanimada. Talvez, o senso de justiça de Parker o levasse a crer que
existia uma real razão para não se igualar, todavia o Diabo queria
saber até onde iria a prudência do limite.
— Isso é patético, Benjamin — ditou, rindo nasalmente, um tanto
incrédulo com o que ouvia.
— Ele é o meu pai, eu não posso abandoná-lo no momento em que
mais precisa de mim. — Parker, desta vez, fechou a expressão e
passou a falar com seriedade. O tom de deboche, usado por Heilel,
deixou-o chateado.
— Seu pé está sangrando, vá lavar isso — ordenou, desinteressado
no estresse alheio.
O ruivo fitou o chão, vendo o sangue espalhado; sequer havia
sentido. Talvez, a tristeza e a raiva estivessem em uma adrenalina tão
brutal que o seu machucado foi a coisa mais sem importância.
— Você não me entende. Não posso negar ajuda ao meu próprio
pai! — afirmou rudemente, levando o pano de prato até seu pé,
enrolando-o desajeitadamente.
— Seu pai é um verdadeiro estúpido — agora, o tom do Tinhoso
tornava-se mais alterado e bastante arrogante.
— Não fale assim comigo! — vociferou, fechando a feição e
distanciando-se de Heilel. — Também não aja como se fosse a melhor
pessoa do mundo, porque você não é. — Franziu o cenho enquanto
apontava o dedo indicador para cima, próximo ao rosto de Lúcifer, com
uma autoridade distinta. A maneira como Heilel estava falando deixava-
o inteiramente irritado. Já era exaustivo o suficiente aguentar gritos e
maus tratos de seu pai, e não aceitaria isso de Caleb. Ouvi-lo falar de
tal forma cortava o seu coração de uma maneira inexplicável.
— Isso não é sobre mim, Benjamin — refutou, desta vez mais baixo.
Sequer estava crendo que Parker defendia, com unhas e dentes,
alguém tão putrefato como Hector.
— Pois é, Caleb. Nada nunca é sobre você — respondeu-lhe,
aproximando-se e encarando-o furiosamente, de baixo para cima.
Talvez, Parker estivesse tendo um ataque emocional — as lágrimas
que escorriam incessantemente evidenciavam isso.
— E o que você quer saber sobre mim? Só me enche de perguntas
estúpidas. — Estava sendo puramente grosseiro, como um verdadeiro
idiota. Caleb sentia-se tão bravo pela discussão desnecessária que
perdeu o rumo do verdadeiro assunto. Além disso, o momento era o
mais inadequado possível, e o lugar, inconveniente.
— NÃO FALE ALTO ASSIM COMIGO! E SE SÃO PERGUNTAS
TÃO ESTÚPIDAS, POR QUE NÃO AS RESPONDE, “LÚCIFER”? —
gritou agudo, ficando na ponta dos pés, extremamente vermelho. Já
não temia que seus pais escutassem, nada importava naquele
momento. Tudo existente diante de si era o quão estressado Caleb o
estava deixando.
Por um breve segundo, foi como se Lúcifer tivesse tomado um
banho de água fria. Engoliu em seco, sentindo o seu coração palpitar
com uma violência escrupulosa. Ouvir seu nome ser proferido com
tamanha raiva causou-lhe uma angústia e um prazer inadequados. O
Diabo buscava um argumento plausível para ir contra Benjamin, no
entanto nada saía de seus lábios.
Por fim, desistiu de todo aquele circo descabido.
Seus lumes foram de encontro aos do ruivo que, rapidamente,
abaixou a cabeça, para evitá-lo. Parker estava intensamente ofegante
e usava suas mãos para limpar as lágrimas do rosto.
Ver Benjamin chorar transformou-se em algo extremamente triste
para o Diabo. No fundo, Lúcifer não queria magoá-lo; nem queria ter
gritado ou perdido o controle. Sequer havia ido com a intenção de
discutir, pelo contrário: queria alegrá-lo, vê-lo sorrir, sempre tão doce e
cheio de vida.
Sua presença não era desejada naquele momento, por isso optou
por se retirar da residência; o clima estava excessivamente pesado.
Quando o ruivinho observou Heilel saindo lentamente da cozinha,
pareceu que seu peito iria estourar de tristeza. Ele não queria que o
Diabo fosse embora, desejava abraçá-lo, beijá-lo, agarrá-lo. Tudo que
não precisava era que ele se retirasse assim, por uma discussão tola.
— Calebie… — chamou choroso, puxando-o pelo braço.
Pela entonação baixa, o Tinhoso sabia que o ruivo iria chorar muito
mais.
Contudo, naquele instante, não existia paciência alguma dentro de si
e, se continuasse lá, não demoraria cinco minutos para Benjamin estar
rouco de tanto gritar com ele.
— Benjamin, por favor, me solte — pediu francamente enquanto o
olhava, sem ânimo.
— Não vá, podemos conversar com calma. Só tenha paciência
comigo, por favor — o timbre era tão baixo que evidenciava toda a sua
fragilidade.
— É justamente esse o problema… Estou sem paciência alguma.
Me solte.
O ruivo continuava a segurar o fim da manga do terno com tamanha
força que parecia que jamais soltaria.
— Me escuta… — rogou, demonstrando uma feição intensamente
magoada. — As coisas não podem ser assim! Por que você só não
tenta me entender? Tudo isso é novo para mim, é difícil. Por favor, não
vá embora, fique aqui comigo.
— Apenas me solte — solicitou novamente, já demonstrando
cansaço. Vendo que o seu pedido foi ignorado, puxou vagarosamente o
braço. Não quis utilizar a força, para não machucar.
Benjamin, de maneira desconsolada, soltou a bainha e juntou uma
mão à outra, mexendo nas unhas, tentando reprimir a vontade violenta
de chorar. Mesmo que existisse um nó em sua garganta, que a
rasgava, não iria aos prantos, para que o outro ficasse.
— Calebie, estou muito magoado, mas, ainda assim, quero que
fique, porque eu gosto de você, de verdade. — Respirou pesado. —
Porém, a partir do momento em que você escolher cruzar a porta e me
deixar sozinho, não volte mais. — A maneira precipitada e segura com
que Benjamin falou assustou o Diabo. Apesar da voz tão baixa e
aguda, ele sentia que o ruivo falava sério como nunca.
Heilel tomou proximidade do corpo frágil, deixando um selar em sua
testa e, em seguida, voltou a sair do ambiente, deixando Parker
inteiramente magoado.
Antes de atravessar a porta principal, viu os pais de Benjamin no
sofá, que o olhavam assustados. Karen voltou a fechar a expressão e
foi para a cozinha com pressa. Ainda pôde ouvir os soluços de
Benjamin, mas aquilo evitaria que o magoasse ainda mais.
O sapato Gofer com seu solado duro, porém intensamente
confortável, batia contra o piso liso, formando uma acústica quase
impressionante.
A porta do apartamento foi aberta sem cautela e, em seguida, a
estrutura física do Diabo adentrou o espaço.
O ambiente estava escuro, o que era de se estranhar, uma vez que
Joseph deveria estar no apartamento, durante aquele horário. Não o
ver causou uma certa surpresa.
Lúcifer ainda caminhava, formando uma leve toada. Sua face exibia
uma expressão de tristeza, algo incomum. No entanto, vagarosamente,
um sorriso ladino foi crescendo de modo amedrontador.
Locomoveu-se, ainda sorridente, até o balcão que ficava em frente a
uma estante de vidro. Agarrou-se a uma garrafa de uísque Glenfiddich
e puxou da prateleira um copo pequeno, enchendo-o com o líquido
amadeirado. O imóvel encontrava-se tão silencioso que somente o som
do líquido caindo sobre o copo cristalino poderia ser ouvido ecoando,
em uma balbúrdia.
Movimentou-se devagar, passo por passo, deixando que seus
calçados fizessem leves estrondos em cada pisada. Levou o copo de
vidro até seus lábios finos e secos, bebericando o álcool amargo que,
rapidamente, fez um pequeno estrago por sua garganta. O ardor
soava-lhe deveras delicioso.
De modo calculado, apoiou o recipiente sobre o pequeno centro e,
sutilmente, começou a levitar, permitindo que sua estrutura inteira
abandonasse o chão e se deitasse sobre o ar. Seus olhos estavam
atentos.
Em segundos, o ambiente tornou-se escasso, pesado, e
absolutamente tudo estava congelado. A cena do anjo com asas
negras, que faziam um contraste em degradê cinza, e sua feição
perfeita, invadiu a visão do Tinhoso.
Gadreel carregava uma expressão vitoriosa, suas roupas estavam
diferentes e em suas costas existiam duas longas espadas, uma
cruzando a outra.
— Ora, ora, parece que cheguei em um momento inoportuno,
Lúcifer. — Caminhava calmamente, em volta de Heilel, criando uma
atmosfera desagradável.
— Não seja tão humilde, Gadreel. Você sempre é inoportuno — as
falas simplistas e com pouca emoção não satisfizeram o demônio.
— Neste exato momento, você consegue enxergar que a sua
jornada chegou ao fim? — questionou, sentindo-se superior.
Um rir sacana foi emanado da garganta de Lúcifer, e tal atitude
destruiu o coração invejoso de Gadreel que se corroeu de puro ódio.
Detestava o deboche e a falta de respeito consigo.
— Não se apresse, as coisas só acabam quando terminam. —
Piscou-lhe um dos olhos, sorrindo de seu pleonasmo. Heilel, por fim,
tombou seu pescoço para trás, relaxando.
— Será que você não se cansa dessa brincadeira? — inquiriu
retoricamente. Gadreel sentia-se desafiado com a tranquilidade que o
Diabo emanava; irritava-o. Caleb havia se desvencilhado do Inferno tão
bruscamente que não temia perder seu anel com a ônix negra. Seu
desejo era estar preso na Terra.
— Eu não tenho o hábito de me cansar, você me conhece — sua
voz estava inundada de desprendimento.
O anjo caído sentia-se no poder, pelo menos uma única vez, e o
desejo de proferir tudo o que sempre esteve engasgado poderia lhe
custar mais do que imaginava.
— Jamais vou entendê-lo... Ou pior: nunca vou compreender como
Deus pôde vê-lo como uma ameaça aos Céus. — Franziu o cenho e
manteve o queixo erguido.
— Eu tenho um humor mais ácido, mais agradável. Compreende?
— menoscabou. — Além disso, Deus é muito underground. Sem mim,
não existiria visibilidade para ele. Como o “mocinho” salvaria a “noiva”,
se não houvesse um vilão para tentá-la? — Caleb exibia seu íntegro
descoco. Estar flutuando quebrava toda a sua seriedade, mas dava um
brilho especial e uma ênfase ao seu cinismo presunçoso.
— Inferno… Como eu detesto você e esse seu jeitinho patético de
ser. — Cerrou os punhos, batendo uma mão contra a outra. Gadreel
carregava um antiquado rancor que se misturava com o pecado da
inveja, o qual o corroía poderosamente e se estendia a sua obsessão
pela organização do Inferno, formando essa personalidade tão
incoerente.
— Imagino que essa sua preciosa vinda ao meu humilde recinto não
tenha sido para um breve desabafo. — Sorriu-lhe sádico, exibindo seus
dentes e mexendo seu orbicular. — Nunca entenderei essa ladainha
que os “vilões” costumam fazer quando conseguem ter o “bom moço”
em mãos. Também quase não me vejo em uma posição tão tocante,
mas, se é o que temos para agora, será divertido. Não continue
perdendo tempo.
Heilel mexia-se lentamente, tentando deixar seu corpo ereto, como
se estivesse remansado, porém continuou as falas:
— Quanto a você, Joseph… Saia de trás desse balcão, consigo ver
a sua perna — seu tom deixava evidente o quão desacreditado estava,
totalmente abismado pela falta de inteligência alheia.
A expressão de Gadreel se desfez aos poucos, dando espaço para
uma faceta receosa e, em seguida, deu um passo para trás.
— Abandone essa zombaria, Lúcifer. Abra seus olhos para a
verdade: você está na palma da minha mão.
— Você é ingênuo demais, Gadreel… Como pôde presumir que é
mais forte e poderoso que eu? — Arqueou a sobrancelha, astuto. —
Você veio buscar algo, então venha e pegue o que quer — chamou-o,
gesticulando com a mão enquanto, ligeiramente, seu corpo retornou ao
chão, sem dificuldade alguma. Sua feição tornou-se inebrie, macabra, e
seus olhos estavam intensamente melânicos.
O anjo demoníaco deu mais alguns passos, afastando-se. Por um
instante, sentiu-se abalado e enraivecido ao vê-lo se movimentar tão
agilmente. Em sua fisionomia, cresceu um ódio deslumbrante; sentia a
genuína raiva. Se lhe fosse permitido, cortaria o Diabo ao meio.
— Tudo bem, pode ir no seu tempo, não tenho pressa. Sei que esta
briga não consumirá muito tempo, uma vez que vocês são como
pobres baratas: resistem a coisas violentas, mas, se eu pisar, vocês
morrem. — Emanou uma gargalhada gostosinha. No fim, o ego de
Lúcifer era sua maior qualidade.
Gadreel cerrou os dentes. A cólera sucumbia-lhe brutalmente,
segurava seus instintos para não bulhar enquanto Joseph recuava
pausadamente. Sentia-se imensamente arrependido, assustado e
reprimido.
Lúcifer, misticamente, direcionou a palma no caminho do braço
direito, fazendo-o ter o corpo arremessado para o outro lado da parede,
no corredor, colando-o. Geefs sentia sua estrutura dura como gesso,
era impossível se mexer.
— Eu não brigo com traidores — proferiu melancolicamente.
Durante muito tempo, o Diabo dedicou um espaço e uma confiança
absurda a Joseph, mas, naquele momento, arrependeu-se.
No âmago do demônio ajudante, criou-se um remorso péssimo, a
situação era das piores. Nunca quis trair Lúcifer, tudo o que fez foi em
nome do bem-estar grupal. Jamais o trairia.
— Acalme-se. Entendo que perder um aliado tão “vantajoso”, que
me conhece tanto, não é lá um bom jeito de começar. — Heilel expôs
seus dentes, em um rir sádico.
Traiçoeiramente, moveu sua mão, exibindo o anel de prata, com a
pedra tão preciosa e poderosa cravada nele. De modo solitário, o
objeto retirou-se do dedo e começou a flutuar.
Gadreel pôde sentir um calafrio violento.
O Cão arremessou a ônix para Hope, permitindo que ele pudesse
agarrá-la e, em seguida, voltar a sua pose petrificada.
— Lúcifer... Lúcifer, você é confiante o bastante para se sabotar
dessa forma? Aprecio sua coragem, mas quero lembrá-lo: sabe o que
vai acontecer, se eu levar aquele anel, não é? — utilizava uma voz fria,
coberta por uma alegria discreta. Gadreel sentiu como se metade de
seus problemas tivessem se resolvido. Não seria fácil derrotar Lúcifer,
todavia sentia-se mais capaz disto.
— Deixe-me pensar… Você vai me prender eternamente no Inferno?
— inquiriu, estalando a língua, sem muito interesse. — Você é
previsível, Gadreel.
Caleb deu apenas um passo à frente e, rapidamente, o anjo
demoníaco tentou socar sua majestosa face. Antes disso, o Cão elevou
a mão com uma agilidade incomum, segurando o punho alheio sem
dificuldade.
— Realmente, muito presumível — silabou. Ligeiramente, empurrou
o corpo forte de Gadreel, fazendo-o bater contra a porta de madeira,
gerando uma expressão dolorida e tenebrosa.
Diferente de Heilel, ele era sensível a dores. Os olhos cálidos do
demônio foram preenchidos de fúria e inimizade. Comprimiu-os, fitando
o Tinhoso, ao mesmo tempo que franzia o cenho.
Sem pensar duas vezes, correu na direção de Caleb e empurrou-o
na taipa, causando um estrondo árdego e estalos brutais nos ossos
alheios. Com muita tribulação, ergueu a estrutura deveras pesada do
Diabo, segurando-o pela gola do terno, sufocando-o.
— Eu vou destruí-lo — cuspiu as palavras. Gadreel sabia que uma
luta com Heilel jamais seria verdadeiramente justa, por este motivo, ele
entendia que precisava buscar um ponto fraco, algo capaz de distraí-lo
o suficiente, para roubar a ônix e regressar ao Inferno.
Caleb encarou-o raivosamente e chutou sua barriga com
brutalidade, fazendo-o ir para trás, soltando sua própria gola. Pôs-se a
ajeitá-la, utilizando uma sutileza e elegância nunca abandonadas.
— Certo. Acabe comigo, não com o meu terno. — Riu
sorrateiramente.
Sequer houve tempo para Gadreel raciocinar a piada fora de hora.
Rapidamente, foi atingido por um soco no queixo, quase deslocando
sua mandíbula. A dor foi inimaginável. Apoiou a mão no queixo,
sentindo-o formigar, e virou-se para o lado, cuspindo sangue. Em seu
coração, a raiva reinava.
Lúcifer não tinha nenhuma intenção de destruir o anjo caído. Para
ele, tudo não passava de mais um teatro, no qual ele era o protagonista
que nem todos amavam.
O anjo demoníaco ergueu-se, voltando para a direção do Demônio.
Desta vez, dava para sentir sua exuberância, ela fluía pelo ar, por todos
os lados. Começou a dar violentos chutes no estômago do Tinhoso,
vendo-o cair de joelhos. Rapidamente, deu um pontapé nas partes
baixas — era a área mais sensível em Heilel —, algo proposital, em
nome do prazer.
— Ei, isso é jogo sujo! — proferiu arrastado.
Gadreel empurrou-o com o pé e, sem demora, jogou-se sobre o
corpo alheio, iniciando socos contínuos e ligeiros, algo totalmente
paranormal. Sua ideia jamais foi a de ser contra o Diabo, afinal, no
Inferno ele tinha uma grande posição. No entanto, sem Lúcifer, naquele
lugar, sua autoridade tornava-se patética. O quebra-cabeça só
funcionava quando todas as peças estavam juntas, e isso feria seu ego
já inflamado.
Caleb sentia sua face extremamente dormente, levemente dolorida.
O outro parecia incansável, precisava agir.
O Diabo levantou uma de suas pernas, passando-a rapidamente
pelo corpo de Gadreel, juntando-a com a outra. Bruscamente, fechou-
as, fazendo com que a estrutura alheia caísse e, astutamente, trocou
as posições. Agora, foi a sua vez de despejar a fúria. Esmurrava
Gadreel com uma brutalidade sem tamanho; este já cuspia muito
sangue e sua face se tornava cada vez mais machucada.
Agarrou-o pelas vestes, erguendo o corpo e, em seguida, jogou-o
contra a estante de vidro, quebrando todas as bebidas e utensílios de
vidro que existiam ali. O som foi devastador. O móvel estilhaçou-se e
os leds queimaram, deixando o ambiente ainda mais escuro.
— Briga sem fala não é emocionante… Vamos, reaja, Gadreel —
provocou, sorrindo ofegante.
O corpo deitado sobre os cacos de vidro estava fraco, totalmente
ensanguentado, mas ainda com um sorriso execrável nos lábios.
Gadreel alteou, bastante debilitado, praticamente se arrastando,
exibindo toda sua situação deplorável.
Lúcifer permanecia intacto. Tudo o que ficou evidente foram
hematomas vermelhos por causa das pancadas recentes que sumiram
com rapidez.
— Pare de proferir tanta merda, Lúcifer — o timbre tão desdenhado
não agradou o Cão, e sua feição vencedora perdeu o ânimo.
Seus lumes percorreram as mãos do anjo demoníaco, vendo-o levá-
las para trás e puxar uma das espadas. Por um ínfimo segundo,
apenas o som da lâmina afiada foi ouvido.
Gadreel já não se sentia bem, estava tonto. Seu raciocínio tornou-se
lento, toda a sua estrutura estava doendo, e tudo o que sentia era
medo de enfraquecer. Usou a força que lhe restava para correr na
direção do Diabo que arregalou os olhos e permaneceu estático.
A espada atravessou o peitoral forte de modo tão violento que
Lúcifer foi parar do outro lado do cômodo, à frente de Geefs.
O anjo de asas degradê cambaleou para trás, perdendo o equilíbrio,
caindo sobre o chão, com seus mirantes focando Heilel.
Caleb observou-os, com os lábios abertos, em uma expressão
genuína de dor. Ajoelhou-se devagar, ameaçando cair para frente, o
que não demorou a acontecer. Logo, não havia força em seu corpo, e
tudo o que podia fazer era desmoronar, permitindo que o resto da
espada perfurasse seu peito.
A imagem aterrorizou os dois demônios presentes.
— LÚCIFER! LÚCIFER! — Hope gritou rouco, em puro desespero.
Gadreel arrastou-se para o canto da sala, com os olhos arregalados.
O Diabo parecia não mais respirar.
— Inferno! — vociferou.
Não foi essa a sua intenção, não queria matá-lo.
Uma gargalhada maléfica invadiu os tímpanos de ambos, causando
arrepios.
— Qual é, acreditou mesmo que eu iria morrer fácil assim? —
inquiriu retoricamente, galhofando intensamente.
O coração de Joseph ficou aliviado.
Lúcifer levantou-se, sem arrelia, e puxou a longa espada de seu
peito, mostrando resistência perante a dor que sentia.
— Não pensei que estávamos brigando para matar — ditou, em um
sussurro. Caminhou até o corpo exausto e fitou-o com repulsa. Apoiou
seu pé sobre o peitoral de Gadreel, colocando peso, arrancando-lhe o
ar. Heilel sentia uma cólera indefinível, suas mãos tremiam e calafrios
percorriam sua estrutura física. Jamais imaginou que Gadreel seria
capaz de tentar matá-lo.
Segurou a espada afiada pela ponta, causando uma lesão em sua
própria palma; no entanto, não havia sangue. Abaixou-se, ficando
próximo ao rosto do anjo, passando a ponta da arma branca bem
devagar.
— Eu vou rasgar o seu rosto inteiro — sussurrou risonhamente.
Seus olhos estavam integralmente negros.
— CALEBIE… — um grito agudo, muito distante, causou-lhe
confusão.
Soltou a espada, em uma atitude não pensada, e de forma
atordoada. Era a voz de Benjamin.
— Calebie, por favor, me ajude — ouviu mais uma vez. Um
desespero tomou-o, não entendia o porquê.
A visão do Diabo foi ficando turva, lenta e, de uma hora para outra,
ele visualizou Benjamin. O ruivo não vestia muitas peças de roupa
enquanto chorava incessantemente, e clamava por seu nome. À sua
volta, existiam cinco inccubus e cinco succubus perversas e, no meio
deles, Gadreel, ensanguentado e debilitado. Eles sussurravam
profanidades, coisas sujas e imorais que causavam uma profunda
tristeza em Parker. Este apertava os olhos enquanto lágrimas grossas
escorriam, sem autorização.
Os demônios apertavam os braços e as pernas, deslizando as
línguas sujas em Benjamin, na pele ávida e lisa, enquanto Gadreel
fitava-o com erotismo, o que causou nojo em Heilel.
Seus olhos exibiam os seus intensos sentimentos, e eles pareciam
caleidoscópios moventes: ora vermelho, ora preto.
A cabeça de Lúcifer doía, e seu nariz começou a sangrar em
abundância. Seu corpo congelou ao ver Gadreel com uma pequena
adaga direcionada ao pescoço branquinho de Parker.
— Me ajude, me ajude... — a voz começou a ficar mais distante,
assim como a imagem se distorcia.
— Não, não, não! — Lúcifer apregoou desesperadamente, apoiando
as mãos sobre a cabeça. Pela primeira vez, em sua existência, sentiu-
se vulnerável.
Gadreel raspou o objeto laminado pelo pescoço do acobreado,
causando um pequeno corte que sangrava como uma gigantesca
ferida.
— LARGUE-O, SEU VERME! — berrou.
Seus fios estavam molhados de suor, seu corpo inteiro transpirava
inexplicavelmente, e o seu nariz já havia feito uma enorme poça de
sangue.
— Tente imaginar o que podemos fazer com essa preciosidade… —
proferiu baixo, mas, para Caleb, soou como um grito.
— Meus demônios não fariam isso. — Ergueu o queixo, tentando
elevar a voz.
— Isso foi o que Deus pensou quando você o traiu — refutou.
Deslizou, eroticamente, a adaga no abdômen de Benjamin,
arranhando-o, até retornar ao pescoço, pressionando o objeto contra a
jugular.
— Você tem apenas uma escolha, Lúcifer. Faça-a agora — ordenou
sorrindo.
— Eu volto para o Inferno.
Na faceta de Gadreel nunca houve uma expressão tão contente.
O Diabo apenas quer realizar o desejo dele. Ele foi homicida,
desde o princípio, e não se apegou à verdade, pois não há verdade
nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai
da mentira.

João 8:44

A noite pairava com extrema mansidão, o céu estava repleto de


estrelas; a ventania, apesar de calma, trazia consigo um ar gélido e
reconfortante. O silêncio instalado era quebrado pela melodia das
ondas que ecoavam contra o ar, formando um show de harmonia. No
entanto, tudo aquilo não tinha importância alguma para Lúcifer.
Heilel repousava de modo desajeitado sobre a areia clara, as pernas
encontravam-se abertas; seu olhar tornava-se perdido, diante da
imensidão azul. A brisa alcançava seus fios, podendo senti-la
acariciando-o, como um conforto divino. O podre Demônio não parecia
bem, sua mente se assemelhava a um furacão, encontrava-se
devastado.
Passou a palma grande pelas madeixas longas, colocando-as para
trás enquanto não continha seus suspiros pesados e insatisfeitos.
Agarrou a garrafa que estava ao seu lado, e levou-a até os seus lábios,
bebericando o líquido amargo.
Culpava-se imensamente, pensava em todos os “e se”, no que
poderia ter feito ou evitado. E se não tivesse brincado com a ônix,
dando-a a Joseph, ainda poderia tê-la como uma garantia, todavia o
seu ego foi o que o matou. No geral, a confiança excessiva nos cega,
deixando-nos à mercê da sorte ou de Deus.
Horas haviam passado, desde que Caleb chegou à praia. Ele
conhecia vagarosamente o lugar e por isso mantinha a certeza de que
estaria sozinho. Almejava abonar suas ideias em ordem, pensar, fazer
as escolhas corretas — não que ainda houvesse muitas escolhas.
Gadreel foi esperto demais ou o Senhor do Inferno tornou-se um
bobo patético. O anjo demoníaco soube utilizar Benjamin e seus
poderes para distraí-lo, enganá-lo e comovê-lo; o que funcionou
imensamente bem. Heilel já não podia negar que construíra uma
paixão, um afeto por Benjamin, algo intenso demais para ser explicado
pelo Diabo. Parker, no fim das contas, era o seu invulgar ponto fraco, o
único que o faria ficar ou ir embora. Suas vestes ensanguentadas
evidenciavam o quão fraco o Cão estava.
— Mas que porra! — esbravejou rouco e alto, batendo em sua
própria face. Praguejou-se milhões de vezes.
Vir à Terra, talvez, tenha sido um erro gigantesco, pois sua sede de
ficar consumia-o até o último resquício de si. Era um desejo tão
violento que poderia queimar e tremer de genuíno ódio.
Assim como o mar, o Tinhoso pairava e navegava nas ondas do
ruivo: no cheiro, na voz, no beijo, na forma como gritou e como o
deixou. Não existia um infindo arrependimento, tudo o que falou a
Parker foi sincero e não voltaria atrás. Porém, poderia ter sido mais
paciente, compreensivo, pois não gostava de causar-lhe maus
sentimentos.
Levantou-se, vagarosamente, apoiando a mão sobre a areia e
limpando-a, em seguida.
— Inferno! — maldisse, quase em um grito, sentindo todo o seu
corpo menos denso. Agarrou a garrafa de bebida, erguendo-a,
novamente, aos seus lábios finos e pálidos pelo forte frio, e bebeu tudo
que restava. Já não sentia o queimor que tanto adorava.
Assim que terminou, lançou a botelha com extrema violência, vendo-
a perder-se no meio do mar. Estava insaciavelmente furioso.
— QUE DROGA! — gritou, ouvindo o ecoar. — Além de tudo, estou
poluindo o meio ambiente — proferiu com desprezo, em um monólogo.
No íntimo, não queria compreender o porquê de tanta angústia;
sentia-se na lama, mas não deveria. Ele era o Diabo, Lúcifer, o
Tinhoso, e nada, jamais, mudaria isso.
Seu combinado com Gadreel foi simples e direto: teria até o próximo
amanhecer para encontrá-lo, no mesmo local, onde abriu o portal pela
primeira vez.
A raiva que percorria suas veias era incomum, e o fato de o anjo
caído não ter devolvido seu suntuoso anel enchia-o de incerteza. Sem
a ônix, não entraria e muito menos sairia do Inferno.
Por um breve instante, desejou que suas ações não tivessem sido
tão inconsequentes. No entanto, sentia que, no fim, tudo o levaria para
o mesmo lugar, pois, em momento algum, pensou em voltar, e ficar
nunca foi uma opção.
Exatamente por esse motivo, naquele certeiro momento, Lúcifer
chegou a uma melancólica conclusão: aquele havia sido o seu decisivo
dia, seria a última noite sob o céu estrelado, o vento forte e gelado, as
luzes da Sky, os calçados da Gucci, os ternos Armani, as bebidas
alcoólicas que nunca fizeram efeito, as mulheres charmosas e os
homens gostosos.
Seriam, enfim, suas últimas horas de pisar no gramado verde, de
ver a porta quebrada, tocar a campainha velha e amarelada e sempre
manter a dúvida sobre seu funcionamento, subir a escadaria que mais
rangia do que calava, e tocar o rosto gordinho, os fios macios e os
lábios quentes e rosados. Era seu momento de se reconhecer culpado,
e faria dele infinitamente inesquecível.

No relógio, batiam oito e meia da noite, não era tarde, conquanto o


ruivinho já repousasse sobre sua cama macia. Sentia a coberta azul-
marinho aquecê-lo, deixando seus pés para fora, somente para sentir o
frescor proveniente da janela. Era uma noite fria.
Estava de bruços e apoiava seu rosto sobre o braço que se
encontrava dobrado enquanto mexia nos fiapos soltos da colcha grossa
que forrava o colchão.
Os olhinhos brilhantes deixavam lágrimas grossas escorrerem que
percorriam sua face e pingavam pela ponta do nariz. Benjamin não
continha a tristeza, seu coração nunca esteve tão despedaçado, sentia-
o bater devagar. O medo de perder e o arrependimento eram grandes
monstros, e tudo em que conseguia pensar era em sua culpa. Não
deveria ter se exaltado, gritado e protegido seu pai, mesmo sabendo
que ele estava inteiramente errado.
Era difícil aceitar tudo o que acontecia, tudo o que via e sentia por
Caleb; a emoção era tão brutal que, somente por se lembrar da face
esplendorosa do Diabo, seu cerne latejava. Um nó desceu por sua
garganta, rasgando até o peito e tornando-se quente como uma brasa
do Inferno.
Parker não sabia administrar tudo aquilo e, no momento em que
brigou com Lúcifer, estava apenas extravasando essa raiva que o
dominava há tantos anos. Antes, existia um muro gigantesco, cada
tijolo era uma sensação: dor, sofrimento, medo, desejo, angústia; e,
então, Caleb chegou, desmoronando tudo aquilo. O Diabo trazia-lhe
alegria, o amor que faltava. Quando estava perto dele, conversando,
abraçando, beijando, trepando... Sentia-se infinitamente completo, e já
não havia muro algum, mas sim a liberdade para ser.
No entanto, quando Heilel beijou-o na testa e virou as costas, foi
como retroceder: estava sozinho e vazio. Almejou voltar no tempo.
— Deus, o Senhor está me castigando? — questionou, referindo-se
não só a Caleb, mas ao rumo que sua vida estava tomando. — Se eu
estou sendo um menino mau para o Senhor, por favor, me perdoe. Eu
já não consigo controlar, não posso mudar o que sinto.
As lágrimas pareciam pesar muito mais e desciam sem cautela.
Benjamin realmente não queria magoar Deus, todavia não
conseguia e não queria fazer diferente; era um enorme fardo e estava
cada dia mais pesado.
— Eu juro, Deus… Se eu pudesse ser normal, eu seria, somente
para dar orgulho a você e ao papai. Só quero vê-los felizes. — Limpou
a água dos olhos e suspirou.
Será que Deus ainda o escutava?
— Tudo dentro de mim dói. O que eu posso fazer, se nasci desse
jeito? Por favor, me entenda e não fique bravo comigo, não deixe de
me amar, igual ao meu pai.
Talvez, aquele fosse o pior e maior medo do puritano: perder o
inabalável, incondicional e, sem sombra de variação, amor do Deus
eterno.
Lúcifer observava a cena com uma feição difícil de distinguir, um ar
melancólico tomava conta do ambiente. As luzes estavam apagadas e
a ventania, vinda da janela, fazia as cortinas de tule branco voarem
com leveza. Os lumes do Cão estavam fixados no corpo encolhido e
pequeno: parecia uma bolinha.
O interior de Caleb foi violentamente tomado por um carinho
indissolúvel, e uma cúpula de compaixão rodeou-o. O que via era uma
forte alienação, tão intensa que lhe causava repulsa.
Como alguém poderia lhe dizer que perderia o amor de Cristo
simplesmente por amar um outro ser humano? De que maneira um
alguém tão pequeno ousou diminuir tanto o amor do Deus altíssimo?
Tudo aquilo era deplorável, triste.
Com cautela, retirou seus sapatos e meias, deixando-os sobre o
canto do quarto, e pôs-se a caminhar, com passos macios e lentos.
Não queria fazer barulho. Passou os lumes por Benjamin, vendo-o de
olhos fechados, bem apertados; parecia querer conter seu choro. Sem
delicadeza, deitou-se no espaço que sobrava, agarrando a estrutura
dele, apertando-o em um abraço amoroso.
De começo, Parker assustou-se. No entanto, quando percebeu que
era o Diabo, sentiu-se protegido. Em menos de segundos, as lágrimas
converteram-se em prantos enquanto abraçava Caleb com tanta força
que quase se fundia a ele. E uma decisão fora tomada: nunca mais o
deixaria ir.
— Me desculpa… — pediu baixinho, bem ao ouvido de Lúcifer.
— Não precisa se desculpar, nem chorar, meu bem.
— Eu pensei que você realmente não voltaria, que estava muito
bravo comigo. — Afastou-se, para mirar os olhos negros.
— Não estava bravo, você estava. — Sorriu, acariciando o rosto
fofinho, limpando as lágrimas.
— Senti tanto a sua falta. Apesar do que eu disse, pensei que você
viria me ver hoje, conversar melhor… — As palavras sinceras saíam
emboladas, devido ao choro excessivo. Benjamin tinha passado o dia
inteiro fazendo os afazeres de casa, ajudando sua mãe e, quando
parou, foi para estudar. Não queria ficar parado, senão só pensaria em
Heilel e se sentiria ainda pior.
— Eu também senti a sua falta — a voz do Tinhoso mantinha-se
neutra.
— Você jura? — inquiriu afobadamente, sentando-se enquanto
limpava seu rosto, usando as mangas do pijama.
— Juro! — Riu nasalmente para o seu ruivinho, roubando um
resquício de sorriso.
Saber que Heilel sentia a sua falta era extremamente acalentador.
— Mas escute, meu anjo… Preciso conversar sério com você. —
Sentou-se também, pegando a mão do ruivo que estava extremamente
gelado. Aquelas poucas palavras fizeram o esqueleto de Benjamin
tremer por inteiro, ficou com medo.
— Calebie, por favor, me desculpa — pediu novamente, em um fio
de voz, voltando a chorar. — Eu prometo que não vou agir daquela
maneira novamente. — As falas escapavam com pressa, uma atrás da
outra, desgovernadas.
— Benjamin, me ouça… — pediu. Soltou a palma alheia, com o
intuito de fazê-lo focar. Porém, aquela atitude foi o estopim para o
desespero de Benjamin.
— Por favor… — a voz encontrava-se trêmula. — Por favor, Calebie
— sussurrou e, rapidamente, voltou a chorar, angustiado. Desceu da
cama e ajoelhou-se no chão, agarrando a perna de Heilel enquanto
soluçava de chorar. Tal ação assustou o Diabo.
— Não diga que vai me deixar, eu gosto muito de você. Eu não
quero estar sozinho, não quero estar sem você… Por favor, só não me
deixe — implorava com aflição, juntando as mãos e fitando a face
alheia.
Lúcifer queria muito ter Benjamin ajoelhado diante de si, mas jamais
para se humilhar.
— Benjamin, levante-se! — ordenou nervoso. Agarrou o braço fino,
trazendo-o para bem perto de si, deixando-o entre suas pernas. Mas
Parker sequer dava-lhe ouvidos, somente chorava precipitadamente. —
Olhe para mim! — impôs. Ergueu o queixo alheio, tendo a visão do
rostinho angelical intensamente molhado e vermelho.
— Eu não quero ouvir você me deixando, Calebie. Isso vai doer
muito.
— Preste atenção, vou falar isso apenas uma vez — seu tom era
sério — Nunca mais repita isso, nem diante de mim ou de qualquer
outro. Entendeu? — o timbre grosseiro assustou Benjamin, fazendo-o
engolir em seco e aquiescer. — Quando se gosta de uma pessoa,
espera-se que ela fique por vontade própria, por te amar, não porque
você implorou e, então, ela sentiu pena. Não quero ver você se
humilhando, de forma nenhuma. — Suspirou fundo, fitando o
acobreado que tinha uma feição triste e engolia todas as palavras que
poderiam escapar. — Aprenda, Benjamin: você pode fazer o que
quiser, falar como aspirar e se expressar como bem entender, sem
amarras. Você merece muito mais, além de toda essa situação não ser
saudável para sua mente — aos poucos, seu tom foi amolecendo e
acalmando o alaranjado. — Você não precisa fazer isso.
— Eu… eu só tenho medo de te perder — justificou-se
envergonhado. Abaixou-se e encostou a face no peitoral de Lúcifer.
— Não quero e não vou deixar você, certo?
Por dentro, Caleb sentiu-se culpado, afinal teria que deixá-lo, mas
não da forma que Benjamin pensava.
— Só quero conversar. Pode me escutar sem se exaltar? —
interrogou, fazendo-o fitá-lo.
— Certo, estou ouvindo… — Suspirou.
— Terei de ir embora por alguns dias, mas não fique triste, eu
voltarei rápido — falou com tranquilidade, diferente do miocárdio do
ruivo que queimava e batia freneticamente.
— Você promete que volta logo? — sua pergunta foi quase
inaudível.
— Sim, Ben… Eu prometo. — Passou a mão grande pelos fios
macios, cor de fogo, vendo o garoto fechar os olhos, desfrutando do
carinho.
— Vou esperar que isso seja verdade… — Benjamin falou
pausadamente, como se pudesse premeditar o pior.
— Certo… E não fique tristinho, não gosto de vê-lo assim, chorando.
Vamos, me mostre esse sorriso lindo. Pode sorrir para mim? — pediu,
abraçando o acobreado.
— Queria que ficasse… — a voz aguda já mostrava o novo anseio
de chorar.
— Será breve — disse, mesmo que não fosse certo, nem
verdadeiro.
— Vai dormir comigo hoje? — a pergunta mais pareceu um convite.
— Sim, vou passar esta noite inteira com você e, pela manhã,
partirei — tentou soar descontraído, mas não funcionou.
— Hum… — murmurou cabisbaixo.
— Eu trouxe um presente para você — o tom foi divertido e
sussurrado. Ele sabia que Benjamin gostava de receber atenção.
— O que é? — proferiu, ficando um pouco mais animado.
— Não sei se você merece… — seu timbre soou brincalhão. Heilel
tentava quebrar aquele clima pesado, porém ambos foram
atrapalhados pelas batidas à porta que assustaram Parker.
— Benjamin, filho… — Karen chamou-o. Tentou girar a maçaneta,
mas não conseguiu abrir a porta, estava fechada.
— SHIU! — O ruivo colocou o dedo sobre os lábios, fazendo Caleb
ter vontade de rir. Era óbvio que Lúcifer ficaria calado, mas o som
emitido por Benjamin foi alto o suficiente para ser ouvido do outro lado
da porta.
— Você trancou a porta? — Caleb inquiriu, uma vez que o
alaranjado sempre foi proibido de fechá-la.
— SHIIIIIU! — O ruivo ficou ajoelhado sobre a cama, fitando a porta
atentamente, ainda mirando a sombra de sua mãe por debaixo do
limiar. Tranquilizou-se quando a viu sumir, junto com os sons de
passos, distanciando-se. — O que trouxe para mim? — Virou-se,
mudando o assunto, sentindo-se um pouquinho alegre.
Caleb não sabia ao certo o porquê de ter trazido um presente para
Benjamin. Na realidade, nos últimos dias, não conseguia compreender
absolutamente nada. Só queria fazê-lo feliz, e essa sensação era
inteiramente nova.
Sorriu fraco, virando-se, e puxou uma sacola de papel, na cor preta.
Os olhos do ruivo esbanjavam ansiedade, pois não era costumeiro
receber presentes.
— Espero que goste. — Pôs uma caixa coberta com papel de
presente e um laço vermelho diante do acobreado. Viu-o agarrá-la com
pressa, dando-lhe um sorriso tímido.
— Eu gostei muito! — afirmou, aproximando-se de Lúcifer e
beijando sua bochecha.
— Você nem abriu. — Riu nasalmente.
— Mas tudo que você…
Foi brutalmente interrompido:
— Apenas abra!
Heilel nunca foi fã de enrolação, gostava de ser direto e objetivo.
Benjamin assentiu, sorrindo fofo; sequer parecia o menino choroso
de outrora. As mãos pequenas foram habilidosas em destruir o
embrulho, logo lhe dando a visão de uma caixa branca: era outro
celular.
— Você não deveria me dar presentes tão caros… — sussurrou.
Apesar de ter gostado, sentia-se mal por nunca poder retribuir.
— Não pense nisso. — Mostrou seus dentes protuberantes, em um
sorrir leve.
Benjamin lhe lançou um rir cheio de expectativa e euforia e,
rapidamente, subiu no seu colo.
— Obrigado — ciciou, dando outro beijinho no rosto do Diabo.
— Oh, também trouxe sorvete — silabou, ficando ainda mais
próximo do outro.
— Você é o melhor namorado do mundo! — ditou com convicção,
apesar da timidez pela denominação.
— Eu não sou seu namorado — refutou com desdém. Apoiou a mão
sobre o rosto macio, trazendo-o para mais perto. Os narizes tocaram-
se devagar, em um carinho que fazia Parker fechar os olhos e
esquecer tudo e todos.
— Claro que é! — afirmou com autoridade, quase inaudível.
Os lábios finos de Caleb tocavam singelamente os do outro, fazendo
uma leve cosquinha.
Benjamin estava tão necessitado dos beijos de Lúcifer, da boca
doce, e não pôde conter seu almejo: juntou-as em um ósculo lento e
delicado, porém ligeiro.
— O sorvete vai derreter, Benjamin Parker — ditou bobamente
enquanto parava o beijo. — Você se alimentou hoje?
Jogou-o para o outro lado da cama, fazendo-o galhofar de forma
contida enquanto pegava o pote médio de sorvete sabor morango e
uma colher descartável.
— Não, eu não senti fome. — Sua resposta era baixa e desconfiada.
Sabia que Caleb reclamaria, no entanto passou o dia tão melancólico
que sequer quis comer.
— Sabe que não pode ficar o dia inteiro sem se alimentar, Parker,
principalmente por uma briga boba. Falo sério.
— Eu sei, Calebie... Mas foi só um dia, e eu vou comer o sorvete
agora, já é alguma coisa. — Astutamente, ludibriou o pobre Demônio
que sequer poderia refutá-lo, pois estava inteiramente perdido no tom
méleo como o seu nome fora chamado.
Sem demora, Benjamin pôs-se a devorar o sorvete.
— Você quer? — Apontou uma colher cheia do gelado para Caleb,
mas este negou ao mesmo tempo que se desviou rapidamente. Lúcifer
odiava comidas geladas, especialmente sorvete. Para ele, não passava
de uma massa gordurosa, cheia de corantes e aromatizantes.
— Me dê seu celular — Heilel pediu. Precisava se distrair enquanto
Parker “jantava”.
Benjamin assentiu, por estar com a boca cheia, e, rapidamente,
entregou-lhe o aparelho.
O Diabo tateava o celular, não tinha muito o que mexer. Antes de
entregá-lo ao ruivo, modificou algumas configurações, coisas simples,
mas que o ruivo não saberia fazer sozinho. Abriu a câmera e virou-a na
direção de Benjamin, mas, por alguns breves segundos, perdeu-se. A
forma como a língua áspera e quente lambia todo o sorvete da colher e
derretia-o, ao mesmo tempo que os lábios grossos limpavam o resto
que escorria, dava-lhe ideias tão inapropriadas.
— Calebie — chamou-o, acenando, com o intuito de ter sua
atenção. — O que você está fazendo aí? — Encheu a boca com outra
colherada grande.
— Tirando fotos suas.
Apontou o celular novamente, conseguindo uma fotografia muito
singela: um ruivinho com a expressão pensativa e com bochechas
infladas, como um hamster adorável.
— Ah! Podemos tirar fotos juntos? — Colocou o sorvete sobre o
aparador ao lado de sua cama e voltou para perto do Cão, arrancando
o celular de suas mãos.
Viu-se na câmera, no pior ângulo possível, clicou na tela sem querer
e deu início a uma sessão de fotos engraçadas. Não pôde conter seu
riso. Eram gargalhadas agudas e gostosas, e isso despertava alegria
no Diabo.
— Onde eu clico? — questionou, controlando o desejo de rir.
— Em qualquer lugar da tela.
Benjamin realmente havia sido criado longe de qualquer tecnologia,
e isso deixava Heilel incrédulo. Era impressionante como o arruivado
fora privado de ter uma vida comum e saudável.
Em meio a seus pensamentos, mal notou que o espertinho tirava
diversas fotos dos dois, nos piores ângulos possíveis. Era interessante
como Parker podia ficar feliz com coisas pequenas e comuns. Ele era
humilde e parecia imensamente grato pelo pouco que tinha.
Definitivamente, ele não iria para o Inferno. Sua alma estava destinada
à paz eterna, ao lado dos anjos, da luz, de Deus.
O Diabo sentiu-se mal.
— Vem cá, você só bate foto de baixo para cima. Deixa que eu tiro
— ditou, tentando pegar o celular, mas Benjamin desviou, não
permitindo.
— É porque você fica fofinho! — Gesticulava enquanto movia-se e
bagunçava a cama.
— Eu fico parecendo gordo, é diferente — justificou-se. Puxou o
ruivo para perto de si, guiando-o para se sentar em seu colo. E assim
Benjamin fez, deixando uma perna de cada lado.
— Nada disso, Calebie. Fica fofo mesmo! — Tocou as duas
bochechas do Diabo, apertando-as, formando nos lábios um bico de
peixe. — Fala “peixinho” — pediu, com um sorriso extremamente
grande e meigo. “Fofo” estava longe de ser um elogio que Heilel
estivesse acostumado a ouvir.
— Pare com isso. — Franziu o cenho, abaixando os braços de
Benjamin, vendo-o dar boas risadas dele. O ruivinho estava fazendo o
Diabo de gato e sapato.
— Não seja tão chato… — falou mansinho. Benjamin aproximou os
rostos dissimuladamente, permitindo-se sentir a respiração morna do
Diabo. Aos poucos, os lábios foram se encontrando, gentilmente, em
selares coladinhos, molhados e estalados.
Heilel levou uma das mãos até a nuca de Parker enquanto a outra
foi ao encontro da cintura, trazendo-o para perto. Pediu passagem com
a língua e, sem demora, foi-lhe cedido.
O ósculo era lento, mas preenchido por um fogo ardente e intenso.
As línguas acariciavam-se em um ato delicioso, fazendo o ruivo
suspirar e remexer-se pelo colo do Tinhoso. Caleb mordia levemente
os lábios grossos do alaranjado que apertava os olhos e mantinha seus
braços em torno do pescoço do outro.
Benjamin perdia-se no modo como Caleb o rendia, o conhecia, o
fazia desfrutar de todos os seus sentidos. A maneira como ele tocava a
sua cintura, tão bruto, no entanto delicado o suficiente; como se
deleitava com a carne que ali havia, apertando-a de maneira atroz,
fazendo-o rebolar devagar, roçando as nádegas, cobertas pelo tecido
azul do pijama, em seu pau semiereto.
— Calebie… — balbuciou ofegante.
— Hum? — emitiu, em um questionamento embriagado.
— Eu quero ser seu. Quero fazer sexo com você, como da última
vez. — O rosto do ruivo estava inteiramente corado, e sua feição,
apesar de desejosa, esbanjava inocência. Nada parecia alterar a
personalidade doce e ingênua. Sentia-se tímido por falar daquela forma
manhosa, tão cheia de más intenções. Seu almejo de sentir Heilel,
novamente, entrando e saindo de si, beijando e molhando, mordendo e
marcando, parecia consumi-lo. Apenas o ato de pensar causava-lhe
boas borboletas no estômago.
Caleb amava o jeito insonte que o arruivado lhe pedia coisas
obscenas. Era prazeroso ver as bochechas pigmentadas, a voz aguda
e gemida, quase inaudível, pedindo para pertencer a ele por mais uma
noite, implorando para pertencer ao Diabo.
— Você já é todo meu — sussurrou ao ouvido de Benjamin, tão
traiçoeiro e cafajeste.
Em seguida, puxou os fios ruivos para trás, ouvindo um gemido
dengoso e surpreso, recebendo a visão do pescoço branquinho. Pôs-
se a passar a língua molhada, causando arrepios, subiu até o queixo,
deixando um leve selar, e voltou à boca carnuda.
O gosto de Benjamin era delicioso, as mordidinhas inseguras que o
ruivo lhe dava nos lábios eram prazerosas. Parecia que Parker
dominava aquele ósculo, desfrutando tão bem de Lúcifer, com a sede
de quem ama pela última vez.
A posição foi rapidamente trocada por Caleb que derrubou a
estrutura do puritano e ficou por cima. Agarrou os pulsos do outro,
pressionando-os com furor contra a cama, fazendo com que o colchão
macio afundasse superficialmente enquanto retomava o beijo feroz.
Para Caleb, o beijo de Benjamin era repleto de carinho, mesmo que
sua mente gritasse somente por sexo: sexo bom, sexo molhado, sexo
sujo, sexo santificado. Ele conseguia sentir o afeto existente, e foi
exatamente naquele momento que notou o porquê de ser tão mais
gostoso: não era apenas sobre trepar.
Benjamin suspirava cada vez que sentia Heilel apertá-lo, arfava
todas as vezes que a língua morna percorria seu pescoço, os dentes
raspavam seu queixo, deixando fortes listras avermelhadas, e seu
corpo ficava inteiramente entregue. Somente nos braços do Diabo,
descobriu o quanto o sexo poderia ser bom, diferente do que aprendeu.
Lúcifer via o alvoroço do ruivinho, em uma atitude nada inocente.
Benjamin mostrava desejo, mexia-se e friccionava sua ereção contra a
do outro. Havia um pequeno desespero ali, uma vontade indescritível,
havia tesão. Era exatamente essa a palavra, porque, exclusivamente
naquele dia, existia uma entrega mútua, um prazer mútuo.
Heilel largou os pulsos que estavam marcados pela força usada,
somente para abrir as pernas grossas, sem delicadeza alguma.
Aproveitando-se do pijama de tecido fino, esfregou-se com muito mais
vontade, sentindo seus cabelos serem agarrados, como um incentivo
para continuar.
Benjamin sentia-se maravilhosamente sujo diante de tudo aquilo, e
desejou que o pecado não tivesse fim, somente para trepar e trepar e
trepar até que o mundo acabasse.
— Tira a minha roupa… — pediu em um fio de voz, acompanhado
de um timbre manso.
O Diabo jamais resistiria àquela tentação.
Afastou-se um pouco do alaranjado, vendo-o ofegante e atordoado,
e fitou-o com um sorriso ladino. Estava adorando vê-lo mais ousado,
queria contemplar até onde a coragem iria naquela noite. Ergueu-se
por completo, ficando de pé, à beira da cama, e puxou o ruivo pela
perna, deixando-o próximo. Seus olhos vermelhos emanavam uma
luxúria infinda; já o sorriso cafajeste, a gula implacável.
O jeito ordinário de Caleb tinha um efeito sobrenatural sobre o
ruivinho, deixando-o completamente duro.
Os lumes famintos e avarentos passaram pelo corpo vestido,
deixando Parker um tanto envergonhado. Aproximou-se e começou a
desabotoar botão por botão do pijama, sentindo o peitoral alheio subir e
descer, ofegoso.
Com calma, Heilel retirou a primeira peça, jogando-a pelo chão e,
em seguida, posicionou-se para tirar a outra.
Devagar, Benjamin sentiu o tecido tênue abandonar suas pernas.
O Tinhoso provocou-se, deixando-se apreciar a estrutura deliciosa.
O ruivinho era carnudo, os mamilos estavam eriçados — eram tão
róseos e delicados —, a pele alva e macia parecia brilhar à luz da lua.
Era uma pena ainda existirem pequenos resquícios dos hematomas,
porém, desta vez, estavam bem melhores e, em breve, sumiriam.
Todavia, a raiva que consumia o Diabo era imensa.
No entanto, o mau sentimento foi rapidamente descartado e
misturou-se ao desejo insano e à total loucura quando seus mirantes
cor bordô subiram para a face angelical: estava imensamente corada,
era a volta da timidez.
— Você é lindo — balbuciou sensualmente, avistando o ruivo que
sorriu e cobriu a face, acanhado. — Seu corpo é deslumbrante... —
Continuou as falas serenamente enquanto acariciava a barriga lisinha,
causando arrepios leves.
Suspendeu uma das pernas do alaranjado, iniciando uma trilha de
selares, dos pés pequenos até a panturrilha, passando pelos joelhos e,
atrevidamente, entrando por entre as coxas. Os beijos eram colados e
úmidos, o suficiente para Parker fechar os olhos e suspirar alto.
Ao chegar à virilha, Heilel volveu-se para o garoto, observando
todos os pelos eriçados formando diversas bolinhas sobre a derme.
Adorava ver o seu poder. Mirou a cueca listrada que já estava bem
molhadinha de pré-gozo, o que deixou Lúcifer ainda mais excitado.
Levou seus dedos até a barra de elástico, puxando-o sem delongas.
Como resposta, teve um ruivo receoso que fechou as pernas em
completa timidez e instinto enquanto tapava o rosto com as duas mãos.
Por fim, continuou puxando o tecido de lycra, vendo-o passar
lentamente por entre as pernas gostosas até que, finalmente, estivesse
longe de ambos. Então, recebeu a visão primordial da noite: Benjamin
Parker inteiramente nu.
Sentiu uma violenta fisgada no pau e questionou-se: como alguém
tão inocente poderia ser tão delicioso?
Abaixou-se e começou a beijar a virilha, avistando os pelos ruivos
que o enlouqueciam.
— Retire as mãos do rosto — ordenou, com a voz rouca, e não
demorou um segundo a ser obedecido.
Lentamente, o pequeno retirou as mãos. Encontrava-se tão
envergonhado que parecia nunca ter feito absolutamente nada.
— Quero que olhe para mim, entendeu?
As mãos rudes apertaram a coxa branquela, a voz do Cão estava
tão grossa e autoritária que Benjamin sequer sabia o que responder,
apenas assentia e gemia para tudo o que ele quisesse.
Os olhos inchadinhos seguiam, vagarosamente, cada movimento de
Lúcifer, e este mantinha um contato visual intenso e profundo. Passou
a língua pelos caminhos da área pubiana, subindo, e com a mão direita
agarrou o pênis róseo, massageando-o enquanto espalhava todo
líquido viscoso e transparente, ouvindo gemidos baixinhos.
Benjamin precisava se conter, afinal estava em casa e não deveria
fazer barulhos de tal natureza.
Com cinismo, o Diabo passou a língua sacana pela glande,
deixando-a ainda mais molhada.
Parker gemeu, jogando a cabeça para trás.
De uma só vez, Caleb colocou o membro em sua cavidade bucal,
começando um movimento frenético. Sua boca trabalhava
maravilhosamente bem, e aquele vai e vem quente levava o garoto ao
delírio.
Foi parando os movimentos vagarosamente enquanto sorria de
forma safada; mas, rapidamente, voltou a masturbá-lo, sendo
habilidoso e manso.
Aos poucos, subia, passando sua língua por toda a extensão do
abdômen, chegando aos mamilos que estavam bastante enrijecidos.
Deslizou a língua em volta da rodinha tão perfeita, sentindo o corpo do
ruivo arquear-se de prazer. Lúcifer amava os botõezinhos, eram tão
pequenos, rosinhas e saborosos. Chupava-os com muita vontade
enquanto os movimentos com a mão se tornavam mais intensos.
Os gemidos de Parker já não eram cautelosos. Sentir o toque tão
fervoroso do Diabo o enlouquecia; a forma como ele o mordia
delicadamente e depois o sugava, causava um prazer incomparável.
— Aahn, Calebie... — gemeu inerte.
Escutar o seu nome tão docemente, entre os gemidos agudos, era
um almejo sublime que somente Lúcifer poderia conhecer.
Interrompeu o que fazia para beijá-lo; precisava dos lábios méleos,
era uma necessidade insaciável. Passou a beijá-lo com selvageria,
sendo atrapalhado vez ou outra pelo gemer ofegante.
Benjamin já estava tão perto de gozar que seu corpo vibrava tanto
que Heilel sequer precisaria masturbá-lo mais rápido; estava em um
limite incomum e todo o seu corpo encontrava-se extremamente
sensível.
Ligeiramente, Lúcifer parou de tocá-lo, não dando espaço para o
gemido de insatisfação e reprovação. Seus lábios traiçoeiros foram de
encontro ao ouvido do ruivinho.
— Você gosta quando te chupo? Quando te toco? — perguntou-lhe,
em um sussurro arrepiante.
Benjamin assentiu fraco enquanto o Tinhoso levava a mão atrevida
para o buraquinho alheio, acariciando-o.
— Hum, então nada mais justo do que você me retribuir... Não é? —
cada pequena palavra era proferida com ousadia.
Rapidamente, Parker acenou positivamente.
— Portanto, você vai me chupar bem gostoso — ordenou ainda
mais baixo, permitindo que o hálito quente de sua boca batesse contra
a orelha do pequeno.
Atrevidamente, ameaçou penetrá-lo, deixando-o turvo.
— Aahn, sim… Eu vou — proferiu de forma ciciada e simplista.
Parker tinha vergonha de falar muito, mas Caleb não.
— Quero que você se lambuze com o meu caralho, que o deixe bem
molhadinho e pronto para entrar bem forte e fundo na sua bundinha.
Você fará isso, meu bem? — No fundo, a pergunta era retórica, mas
nada seria mais deleitante do que ouvir o ruivo falar.
— Sim, Calebie... Vou fazer tudo o que você quiser — ditou,
juntando seus lábios aos dele.
Era puro tesão.
— Então, faça, sou todo seu — soprou a frase e deu-lhe uma
mordidinha na orelha, puxando-a.
Benjamin, rapidamente, trocou as posições, ficando em cima do
Diabo, e, antes mesmo de vê-lo surpreso, agarrou-o, beijando-o com
voracidade.
As bocas devoravam-se e as mãos ousadas de Caleb agarravam as
nádegas desnudas, apertando a carne farta e branquinha com furor,
deixando-as marcadas, ao mesmo tempo que roçava o seu caralho
completamente ereto. Agora sim, o Diabo estava fora do controle.
Heilel arfava rouco e atrapalhava o ósculo tão delicioso. Todas as
vezes que Benjamin rebolava com violência e olhava-o tão
traiçoeiramente, deixava-o desvairado.
— Tão gostoso! — pronunciou enraivecido. Bateu as duas palmas
contra a bunda do ruivinho, fazendo-o gemer alto.
Benjamin, timidamente, afastou os braços de Caleb e ergueu seu
tronco, ficando totalmente sentado no cacete de Lúcifer. Então, voltou a
rebolar enquanto desabotoava a camisa social. Odiava botões, eram
muito complicados.
— Por que você usa roupas difíceis de tirar? — murmurou,
pensando alto.
— Estilo. — Sorriu ofegante e suado, sendo totalmente ignorado
pelo acobreado.
Quando concluiu todos os botões, permitiu-se ver o peitoral
totalmente definido. Seus olhos profanos seguiram para a tatuagem:
Parker criou um fascínio por ela, desde a última vez que a viu. Desejou
tocá-la, beijá-la, só lhe faltava coragem. Passou os dedos sobre o
desenho encarnado na pele, admirando.
Caleb, ansioso, o puxou para um beijo doce, no entanto atroz,
comandando os movimentos da cintura alheia.
— Desabotoa — ordenou, com a voz grave, referindo-se à sua
calça.
Rapidamente, Benjamin sustou o que fazia e desceu um pouco,
deixando que suas mãos tivessem o privilégio de desatar o cinto preto,
puxando-o com força, fazendo-o rodar o quadril de Lúcifer até que
estivesse fora do corpo.
Com velocidade, partiu para o botão e o zíper que fazia um som
alto, dando-lhe ansiedade. Pôs-se a puxar a calça, tendo a sutil ajuda
de Heilel, para tirá-la com agilidade.
Agora, o puritano fitava o volume chamativo na boxer preta. Estava
ávido para chupá-lo novamente, no entanto não podia controlar o
nervosismo, o medo. Sentiu-se assustado, sempre ficava daquele jeito.
Suspirou profundamente, tomando coragem e, rapidamente, deixou de
lado sua timidez tão intensa.
Retesou a boxer, ganhando um gemido rouco e aliviado de Caleb,
ao mesmo tempo que um enorme caralho pulou em sua direção. Seu
coração acelerou violentamente, quase saindo pela boca. Mirou o falo
grosso, um tanto róseo, cheio de veias e completamente melado.
Inspirou e suspirou em regozijo, estava satisfeito em ver o quanto
deixava Lúcifer excitado.
— Benjamin, logo.
Parker sorriu, sapeca e desejoso. Com as duas mãos, agarrou o talo
do cacete, dando-lhe um beijinho no topo, causando arrepios ao Diabo.
O garoto só poderia estar brincando.
Devagarinho, passou a língua pela glande, como Caleb havia feito
com ele, sentindo o gosto agridoce da pré-porra. Com seu músculo
áspero e bem molhado, rodeou a cabecinha, observando cada
pequena reação do outro.
— Isso… — sussurrou, fechando os olhos, atirando a cabeça para
trás.
Pouco a pouco, os lábios grossos e a boca ardente foram chupando
aquela área tão sensível do pênis. Benjamin não tinha muita certeza do
que fazia, por isso guiava-se pelas reações de Caleb. Introduziu um
pouco mais do pau na boca, começando um vai e vem enquanto as
duas mãos masturbavam o que sobrava. Achava delicioso sentir o
caralho de Lúcifer em sua boca, tocando sua língua até a garganta. Era
aprazível e, além de tudo, o prazer de Heilel era o seu prazer.
Lúcifer sequer precisava tocar a cabeça do ruivo, ele estava indo no
ritmo certo e aumentava a velocidade sempre que podia, emitindo
barulhos deleitosos de sucção. Os pensamentos de Lúcifer perdiam-se
completamente, somente na imagem do ruivinho de quatro, chupando-
o com tanta vontade. Isso atiçou-o para uma ideia fantástica.
— Coloca a bunda pra cá, Benjamin — mandou, com um timbre
grosso de tesão, enquanto apontava para si mesmo.
Parker parou o boquete e fitou Caleb, com uma leve confusão.
— Para o seu rosto? — interpelou, duvidoso, sentindo sua face
rubra e seus lábios formigarem.
— Exatamente. — Sorriu ladino.
Diferente do que imaginou, Benjamin não se opôs ou questionou
como seria, apenas obedeceu e, rapidamente, virou-se do jeito que
julgou ser certo. Deixou sua bunda na visão do Diabo, ficando de frente
para o caralho grosso. Encontrava-se nervoso e, apesar de não
demonstrar, a vergonha de estar naquela posição era inigualável;
estava se expondo de modo indescritível, e o pior: estava gostando.
— Assim, Calebie? — provocou-o, com seu tom manhoso e
totalmente inocente.
Heilel sorriu pelo desdém alheio e deu-lhe um tapa estalado.
— Chupa.
O alaranjado voltou a agarrar o membro do outro, abaixando-se para
fazer o oral, permitindo a Caleb uma visão ampla e perfeita de sua
entradinha, tão pequena, apertada e rosinha. Ainda parecia virgem,
dava-lhe água na boca.
Benjamin enfiava o máximo que podia, sentindo os seus dentes
rasparem devagar e a sua garganta contrair, fazendo-o engasgar-se e
babar sobre o caralho, facilitando a masturbação. Sentia um prazer
indefinível em fazer aquilo. Sufocava com o pau em sua boca e,
depois, salivava, deixando-o bem molhadinho e pegajoso. Ouvia os
gemidos de Caleb enquanto tinha consciência de que ele via sua
bundinha, que estava tão aberta — aberta para ele, para recebê-lo.
Lúcifer, com suas garras canalhas, apertou as bochechas da bunda
do ruivinho, separando-as, fazendo sua entrada esticar. Como
resposta, recebeu um gemido que foi abafado pelo seu cacete. Sem
aviso prévio, passou a língua por todo o local, pincelando-o, fazendo
Benjamin largar seu membro para gemer. Sem pausas, Caleb
prosseguiu, fazendo movimentos giratórios em volta do anelzinho,
alternando entre longas lambidas.
Parker jamais havia sentido aquilo. A língua era um tanto gélida e
Heilel parecia conhecer cada zona erógena de seu corpo.
Um dedo foi parcialmente introduzido, causando um pequeno
desconforto e enormes arrepios no garoto. Este foi erguendo o corpo,
aos poucos, buscando mais e mais, até que já estava sentado sobre a
cara de Caleb, rebolando, sentindo a língua áspera e habilidosa
derretê-lo enquanto sentia mais do dedo entrando em si. Era um misto
de prazer infindo.
— Aaahn, não para, Calebie… — pediu, entre os gemidos, curvando
as costas.
O ruivo segurava o membro alheio, e abaixou-se novamente,
enfiando-o pela metade, sentindo-o bater em sua garganta. Os olhos
marejaram, mas aguentou firme, só pelo gemido denso e alto que o
Diabo emitiu. Ao chegar ao seu limite, tirou o pau da boca, tendo os
lábios sujos de baba e a boca cheia de saliva. Cuspiu sobre o caralho e
passou a masturbá-lo com agilidade enquanto não parava de rebolar
sobre a face de Heilel, quase o sufocando com toda a abundância.
O puritano estava tão inerte naquela posição que almejou repeti-la
milhões de vezes. A maneira como Caleb o estava fodendo com a
língua e o dedo fazia-o delirar.
A cena era linda: o garotinho inocente rebolando, sem pudor algum,
na face do Diabo, enquanto suas mãos pequenas subiam e desciam
em volta do mastro cheio de veias.
Os gemidos eram altíssimos, sua face estava rubra e febril e seu
membro roçava no peitoral de Caleb; eram estímulos demais.
— Aahn… Isso é tão bom — as falas eram gemidas. Sentia o seu
corpo entrar em choque, tremia e suava, molhando a testa, deixando
os fios ruivos um pouco grudados; estava prestes a gozar.
Fechou os olhos com força e mordeu os lábios, sentindo aquele
dígito entrar e sair enquanto a língua o rodeava e a mão grande
segurava a carne farta de sua bunda com brutalidade, marcando-a
intensamente. Seu pênis roçava ainda mais intensamente no peitoral
de Caleb, e Parker não conseguia parar de rebolar, era impossível.
Precisava gozar, necessitava daquele orgasmo tão quente.
— Não quero que goze assim — Heilel proferiu inerte, diminuindo a
velocidade da língua e retirando seu dedo. De certo modo, o Cão
estava fazendo tal coisa por pura diversão. Adorava ver Benjamin tão
sedento, era mais que prazeroso.
— Não, Calebie, por favor, por favor, continua… — implorou, trêmulo
e vagarosamente irritado.
Astutamente, voltou-se ao pau de Lúcifer, chupando a cabecinha
com necessidade, arrancando um arfar alto.
— Venha até aqui, agora! — aquilo, definitivamente, era uma ordem.
A voz rude, ordinária e autoritária fazia com que o ruivinho fosse aos
céus. Não podia conter sua sede de receber ordens e obedecê-las.
Talvez, naquele momento, Benjamin estivesse sendo um mau garoto
para Deus, contudo para o Diabo… Estava sendo excelente.
De modo um tanto desajeitado e vacilante, saiu de cima de Caleb, já
sentindo sua face queimar de vergonha. Parker só funcionava no calor
do momento, fora daquilo lhe restava somente a timidez.
Apoiou os joelhos, sem muito equilíbrio, sobre o acolchoado, fitando
o outro com expectativa. Ansiava continuar e logo um ditame veio, sem
muitas palavras.
O Diabo sentou-se, encostando as costas largas e nuas sobre a
cabeceira branca, e mirou os olhos do garoto. Existia, ali, a luxúria e o
desejo. Sorriu-lhe sorrateiramente e deu dois tapinhas em sua coxa
torneada, chamando-o.
— Vem… — falou.
Em arrastadas macias e lentas, Benjamin foi se aproximando,
sentando-se sobre o seu colo, totalmente acanhado, sentindo o
membro duro e molhado tocar sua pele. Parker, definitivamente, iria
passar mal de vergonha. Como poderia estar tão desinibido, em um
momento, e desejar um buraco para enfiar a face, em outro?
Heilel, por sua vez, agarrou as bandas da bunda branca, separando-
as, deixando que seu caralho ficasse entre elas, roçando lentamente
enquanto sentia Benjamin apertar seus ombros.
— Benjamin… — balbuciou turvo, mantendo um riso ladino e
perverso. — O buraco na parede foi tapado? — questionou baixo.
— Só coloquei um quadro na frente… — gemeu, no fim, sentindo
Heilel acariciar suas nádegas.
Heilel, maldosamente, levou sua mão pervertida até os fios laranja,
puxando-os para trás com brutalidade, enquanto o trazia para frente,
juntando as bocas, formando um ósculo ardente. Era um beijo
inteiramente controlado por ele. Mordia o lábio inferior e, em seguida,
chupava-o enquanto sentia seu pau deslizar entre as nádegas quentes,
melando-as com todo o seu pré-gozo, ouvindo gemidos baixinhos e
arrastados.
— Diga-me, Benjamin… Você quer que eu te foda como? —
perguntou-lhe, provocativo. Levou seus lábios até o ouvido alheio,
largando beijos calmos e colados por onde passava, enquanto
apertava a nádega lisinha.
— E-eu… Eu não sei — o timbre era desmilinguido e incerto.
— Oh, você sabe muito bem o que deseja, Ben.
O sorrir cafajeste e astuto não lhe fugia nem por um segundo.
— Quer que eu te coloque de quatro sobre essa cama e te foda com
muita força? — sussurrou, vendo os pelos alheios eriçarem por
completo. — Talvez de ladinho, bem devagar, fazendo você sentir cada
centímetro entrando e saindo de você, tudo tão quente e profano. —
Heilel já não sabia quem provocava, o acobreado ou si mesmo. — Ou
prefere cavalgar bem gostoso, rebolando e quicando no meu caralho?
— cada palavra foi dita com desejo e libertinagem, seu timbre era
rouco, tão envolvente e sensual.
E tudo o que Parker fez foi imaginar, sonhar em ter aquele homem
tão maravilhoso dentro si, tão cheio de almejo. Somente gemeu.
— Diga, meu bem... Farei tudo o que desejar — a voz era
rudemente suave. Caleb sabia exatamente o que Benjamin queria,
porém jamais jogaria a chance de fazê-lo escolher, de vê-lo tão incerto
e tão cheio de regalo.
— Cavalgar… — Suspirou. — Digo, quero ficar em cima de você.
O arruivado tinha a completa certeza de que, depois de proferir tal
escolha, não teria coragem de olhá-lo pela manhã, não sem derreter
em puro constrangimento.
— Boa escolha. Vá até a sacola e pegue o lubrificante — ciciou
rasgado e grosso, fazendo Parker assentir, incerto.
Definitivamente, tudo o que Benjamin não queria era se levantar.
Continha o seu nervosismo e já não parecia tão sorrateiro como antes,
mas, ainda assim, engatinhou até a embalagem que estava à beira da
cama, presenteando Caleb com a paisagem de sua entrada quase
imaculada.
Lúcifer sentiu o cacete latejar tão intensamente que sequer
conseguiu segurar a respiração pesada.
O ruivo pegou o embrulho preto de plástico, virando-se com certa
pressa. No entanto, seu coração gelou e o rosto corou: Caleb estava
totalmente focado em sua bunda enquanto segurava o pau e
masturbava-o lentamente. Apesar de qualquer vergonha, sentiu-se
bem com a cena, gostava de ser desejado pelo Diabo, era bom. Com
ousadia, balançou as nádegas, empinando-as ainda mais, ficando de
quatro enquanto olhava para Heilel por cima dos ombros.
— Oh, não faça isso comigo, meu anjo — a voz foi soprada e
quebrantada, quase muda.
Lúcifer nunca sentiu tanta vontade de foder alguém, era um desejo
incessante. O jeito inocente e a maneira como Benjamin tentava
provocá-lo e, ainda assim, conseguia ser tímido, era gracioso.
O acobreado sorriu contidamente, estava feliz em deixar o Tinhoso
tão excitado. Voltou com rapidez e anseio para o colo de Caleb,
deixando uma perna de cada lado, entregando-lhe a embalagem, já
sentindo seu estômago cheio de borboletas. Para o puritano, não era
apenas sexo, não era uma foda, assim como da última vez. Sentia
desejo e amor, era como se estivesse completo quando o pau do Diabo
o preenchia. Não era só desejo carnal, era prazer, paixão, fogo a dois.
Lúcifer abriu a pequena embalagem, fazendo um leve som
característico que deixou Benjamin alerta. No fundo, queria senti-lo o
mais rápido possível, já não continha o seu impulso concupiscente.
Heilel derramou o líquido transparente sobre sua palma e, sem
demora, levou-a à entrada do ruivinho, espalhando o produto por todo
o local, ouvindo Parker suspirar pesado enquanto fechava os olhos e
buscava os lábios finos, beijando-os.
Lúcifer massageava aquela área supersensível em movimentos
sutis e precisos, rodeando o anelzinho, ameaçando penetrá-lo. Sorriu
em gozo quando sentiu Benjamin abaixando-se, tentando fazer com
que aquela ameaça fosse um ato real.
Pouco a pouco, foi parando o que fazia. Agarrou seu membro,
posicionando-o no buraquinho do ruivo, ouvindo-o arfar. Parker
mantinha-se empinado, sentindo aquele caralho tão perto de adentrá-
lo; estava sendo torturante não o ter dentro de si.
— Vai, senta. — Foi rude, mesclando seu timbre cheio de rouquidão
com seu leve escárnio de ter um puritano tão sedento por si.
Benjamin foi descendo devagar, sentindo a cabeça inchada e
pulsante tentar invadi-lo, causando-lhe arrepios e arrancando-lhe
ótimos gemidos. Abaixava-se tão morosamente que podia sentir cada
centímetro entrar com dificuldade; era realmente grosso, aquilo doía.
Caleb, um tanto eufórico, agarrou uma das bandas do ruivo,
separando-a enquanto empurrava mais de seu membro para dentro,
observando Benjamin fechar os olhos, sôfrego enquanto gemia alto e
agarrava seus ombros.
— Vai devagarzinho… — pediu, de forma quase inaudível e
chorosa.
Heilel continuou introduzindo o seu caralho bem lentamente, se
permitindo sentir a entrada tão quente e apertada. Arfou alto ao notar
que estava na metade.
As paredes de Benjamin o martirizavam, ele contraía-se por conta
da dor e tensão, apertando-o ainda mais. O Diabo mantinha um
extenso controle para não se enfiar por inteiro, de uma só vez.
Deu início a um vai e vem vagaroso, quase parando.
— Aahn, dói… — confessou, encostando sua testa na de Heilel.
Não paravam o movimento, o qual era comandado pelo Diabo que
apertava avidamente a carne farta.
— Quer que eu pare? — a pergunta era rodeada de preocupação.
Apesar de tudo, no fundo, a coisa que Benjamin menos queria era
parar; estava delirando, sua voz já saía quebrada. Somente negou,
fechando os olhos, permitindo que um aljôfar escorresse enquanto se
abaixava um pouco mais, deixando que o falo o adentrasse com mais
precisão e vigor.
Os gemidos eram sôfregos e acompanhados de lágrimas de dor,
excitação e tremor.
— Coloca mais… — pediu, arfando no ouvido do Tinhoso.
— Lubrificante? — a voz do Diabo parecia inteiramente vulnerável e
suave.
— Aahn...sim...
Levou a mão para trás de si, tocando o pênis, sentindo que o
comprimento estava mais da metade, e suspirou ofegante. Já não
sabia se aquilo era divinamente maravilhoso ou doloroso.
Lúcifer, com brutalidade, agarrou a cintura do outro, pressionando-a
para baixo, fazendo o ruivo se sentar por completo, arrancando um
gritinho agudo e ótimos apertos e arranhões em sua derme lisa. Ficou
parado por um certo tempo, acariciando as costas de Parker, ouvindo-o
respirar pesado e gemer.
Com gentileza, retirou seu membro por completo, sentindo Benjamin
amolecer em seus braços. Estava totalmente ofegante, sua entrada
judiada piscava intensamente.
Espalhou mais lubrificante sobre o seu pau, lambuzando-o e, em
seguida, fez o mesmo na bundinha do ruivo, notando que já estava um
pouco mais alargada.
Parker, mesmo trêmulo, voltou a se sentar, agora sentindo uma
ligeira facilidade na penetração. Com a ajuda do Diabo, o vai e vem
voltou, tão lento quanto antes, molhado, suspiroso e gostoso.
A velocidade aumentou gradualmente, e Benjamin sentiu a dor
diminuir, transformando-se em um ardor que lhe dava uma ótima
sensação de prazer. Seu buraquinho, ainda tão apertado, era
altamente violado pelo caralho do Demônio; estava tão quente, parecia
estar sendo rasgado.
Heilel ia tão fundo que fazia o pobre puritano revirar os olhos e
pressionar-se ainda mais para baixo, rebolando doloridamente,
tentando intensificar o ritmo.
— Aaaahn, Calebie… — gemeu, fazendo movimentos circulares.
Podia sentir cada centímetro dentro de si, o cacete inteiro tocando cada
cantinho, fodendo-o de modo inexplicável, judiando-o.
Sorridente, Heilel puxou com selvageria as madeixas alaranjadas,
pondo-se a morder o queixo e a lamber o pescoço, chupando-o e
tomando o controle da situação, metendo com brutalidade.
— Você quer mais rápido? Mais fundo? — inquiriu de forma arteira,
rangendo os dentes de prazer.
— S-sim, si-im, aahn… — as falas eram semelhantes a sussurros.
— Então, faça acontecer. Vamos, meu bem... Cavalga bem gostoso,
vai. — Soltou o cabelo alheio e parou os movimentos, observando
Benjamin, inseguro, começar a quicar.
Tentava dar o seu máximo, rebolava deliciosamente no pau, descia
e subia, sentindo o mastro alargando-o, tocando sua próstata,
arrombando seu cuzinho que estava tão sensível.
Os gemidos e arfadas davam-lhe gana para ir mais fundo, mais
forte, mais rápido, causando sons deleitosos da carne macia batendo
contra a outra. Em menos de minutos, Benjamin já estava frenético,
vez ou outra perdia o ritmo, mas rebolava fundo, chegando a tremer
durante os movimentos.
Caleb sequer acreditava que um garoto tão ingênuo pudesse fazê-lo
sentir tanto prazer. Seu pênis estava sendo muito bem estimulado e
engolido, sequer controlava os sons que insistiam em sair de sua boca.
Lúcifer apertou a gordurinha do quadril do ruivo, ajudando na
movimentação, deixando-a vermelha.
— Desce ma-mais. Me ajuda, po-por favor… — Encontrava-se tão
ofegante, que havia um enorme intervalo entre as palavras agudas.
O Diabo desceu por inteiro, ficando deitado sobre a cama, puxando
Benjamin para um beijo sedento, enquanto suas palmas agarravam
ambas as nádegas, separando-as com brutalidade, permitindo que seu
caralho entrasse e saísse por completo. Enfiava-o com força, causando
o barulho das peles se chocando e a cabeceira batendo contra a
parede, enquanto tudo isso se misturava com os gemidos manhosos e
altos de Parker.
A entrada do ruivinho era totalmente maltratada, Lúcifer socava com
tanta violência que suas bolas batiam com pressa. A bunda de
Benjamin já estava inteiramente vermelha, devido aos apertos, tapas e
batidas.
O puritano sentia-se insano, beijava a boca do Senhor do Inferno
desajeitadamente, descendo para o pescoço, mordendo e deixando
chupões fortes e roxos por toda a pele alva. Estava sendo atrevido,
porém aquilo só causava mais tesão em Lúcifer.
Os movimentos já eram tão rápidos e cheios de fúria que a cama se
mexia para frente, fazendo um barulho enorme.
Os gemidos de Benjamin estavam altíssimos enquanto Heilel se
encontrava tão inerte à sensação, que sequer controlava sua força,
apenas seguia seu almejo.
Estavam inteiramente suados e não tinham pudor algum em relação
às balbúrdias, entregavam-se de corpo e alma a toda luxúria que
podiam. Eram profanos, covardes, mas faziam um sexo sensacional.
O corpo de Benjamin estava em combustão. Por um segundo,
duvidou que fosse aguentar até o fim e duvidou ainda mais da
existência de um prazer como aquele, um homem como aquele e um
pau como aquele.
Tudo para ele ficou em silêncio, sua boca abriu-se em um “o”
perfeito enquanto seu cuzinho era fortemente preenchido pela porra do
Diabo, tão quente e deliciosa. Aquilo foi o suficiente para gozar,
contraindo e apertando o membro do outro enquanto um grito, que
iniciou com voz, acabou mudo. Fraquejou, tendo violentos espasmos, e
deitou-se, mole, sobre o peitoral de Caleb, procurando ar. Estava
atordoado.
Sentiu Heilel abandonar a sua entrada que piscava e expulsava todo
o gozo branquinho e grosso. Não conseguia conter seus gemidos
cansados e quase inaudíveis. Aquilo foi maravilhoso.
A palma de Lúcifer foi para suas costas, acariciando-as, utilizando a
ponta dos dedos, tocando com ternura e leveza, sentindo os relevos
dos sinais marronzinhos, pequenos e delicados. Caleb tinha sua
própria constelação bem ali.
— Você foi incrível, meu bem — ditou, sussurrando, ainda ofegante.
Benjamin até pensou em responder, dizer o quanto foi bom, que ele
também foi incrível, mas não havia forças. Sua respiração ainda estava
se regulando com dificuldade, nunca havia imaginado que Heilel teria
tanta força assim. Por isso, apenas levou sua mão até a do outro,
entrelaçando os dedos carinhosamente.
— Você está bem? — a voz era preocupadíssima.
Prontamente, Parker assentiu, mantendo-se calado. Lúcifer sentiu
que sua resposta não era verdadeira, e não demorou para confirmar
isso, observando o ruivinho chorão voltar, debulhando-se em lágrimas.
— Ben, o que houve? Machuquei você? — o timbre era,
evidentemente, nervoso.
— Não é isso… Eu só não quero que vá embora, não quero perder
isso que temos. Não quero ficar sem você — a entonação era abafada.
— É temporário, não fique assim.
O alaranjado, um tanto tonto, levantou a cabeça e fitou o rosto
alheio, sentindo seu coração aquecer. Era sempre assim: somente em
vê-lo diante de si, o seu peito palpitava. Todavia, rapidamente, seu
cenho franziu, pois os olhos que, antes, brilhavam em um intenso
escarlate, estavam completamente lilás.
— Você está triste por que vai ter que ir, não é? — perguntou,
fungando enquanto acariciava a cicatriz do rosto de Heilel.
— Sim. — Engoliu em seco.
— Então, me leva junto contigo — propôs baixinho, com esperança
no olhar.
— Você não imagina o quanto eu queria levá-lo comigo, o quanto
gostaria de tê-lo perto de mim, mas não posso. Não posso fazer isso
com você... Me entende?
O Cão não sabia ao certo de onde tirou tais palavras ou o porquê de
seus olhos queimarem tanto e seu coração parecer tão quebrado.
Benjamin apenas silenciou-se, desviando o olhar.
— Calebie, não quero que você fique com outras pessoas, nem olhe
para elas como olha para mim... Tenho medo disso — sussurrou
melancólico e inseguro.
— Meu bem, eu só tenho olhos para você. — Acariciou o rosto
delicado.
O ruivo fitou-o, incerto, mirando as íris claras. Não havia parado de
olhá-lo.
— Eu amo você, de verdade. Eu amo você — a voz era atrapalhada
pelo bolo de choro que morava em sua garganta.
Caleb, naquele instante, pareceu gelar. Transformou-se em uma
pedra, enquanto o seu Ser perdeu as forças, derreteu-se em um
sentimento acalentador. Simplesmente abraçou-o, derrubando-o para o
lado, e pôs-se a beijar a boca carnuda com carinho e afeto, como se tal
ação pudesse correspondê-lo da mesma forma.

O dia já estava quase clareando, a luz ainda se mesclava com a


madrugada, invadindo o quarto, dando-lhe um ar confortável.
Como habitualmente, Heilel não pregou os olhos, não tinha sono e
muito menos por que dormir. Passou a noite conversando com
Benjamin e, quando este se cansou e adormeceu, passou a admirá-lo.
Amava o coração e a beleza do outro, a inocência, o modo como
dormia e apertava-o tanto que parecia querer amassá-lo. Tudo naquele
ruivo era lindo.
Levantou-se, um tanto relutante e cuidadoso, pondo-se a procurar
suas roupas pelo chão, e vestindo-as, sem muito cuidado. Deixou para
trás seu blazer e apenas ficou com a camisa social e calça.
Enquanto abotoava a camisa, fitou Benjamin: ele estava de bruços,
ainda desnudo, coberto por um lençol fino e branco. Parecia estar em
um sono bom e merecido, afinal estava exausto.
Permitiu-se sorrir, revelando os seus dentes brancos e
protuberantes. Aquele sim era o momento da despedida, tudo estava
tão indefinido...
Diferente de sempre, naquele instante, o Diabo não compreendia
como seria o próximo passo.
Caleb não sabia quando poderia vê-lo, tocá-lo ou ouvi-lo novamente,
por isso deu-se o trabalho de memorizar e guardar cada traço do rosto
singelo: os olhos brilhantes e inchadinhos que, ao sorrir,
transformavam-se em pequenas listras, o nariz tão pequenino e
gracioso, as bochechas gorduchas e fofinhas, cheias de sardas
alumiadas.
Apreciou, também, a derme lisa, mas com vários sinais, o corpo tão
bem feito e escultural, apesar de cheinho e, por fim… A sua paixão: os
fios macios, lisos e alaranjados.
Sorriu bobo, um tanto sem jeito, contudo foi mais sobre si do que
qualquer outra coisa. Seu plano não saiu como imaginou. No fim, não
trepou em todos os lugares sagrados, não se aproveitou de Benjamin;
na realidade, apaixonou-se e passou os seus dias comendo frutas
saudáveis, dormindo junto ao puritano, respondendo perguntas bobas,
rindo de piadas sem graça, bebendo pouco uísque e beijando muito, de
todas as formas.
Ali, o sorriso cínico e maldoso não existia, porque, somente naquele
instante, o Diabo notou que estava diante da criatura mais bondosa e
preciosa que poderia encontrar. Benjamin valia mais que qualquer bem
ou coisa existente.
Heilel sabia que o mundo era um lugar difícil, que as pessoas eram
más e cruéis, e que, talvez, algo iria destruí-lo, despedaçá-lo,
transformá-lo em outra pessoa; mas, no fundo, preferia que qualquer
outra coisa fizesse isso, mas que não fosse ele.
Engoliu em seco, escreveu algo em um post-it vermelho, apoiou
sobre a mesinha de cabeceira e virou-se de costas, controlando sua
respiração que ardia por dentro.
Um sentimento todo novo e estranho invadiu o seu peito, parecia
queimá-lo vivo, e era o desejo de se virar mais uma vez para beijá-lo,
olhá-lo, sentir o cheiro doce, ouvir a voz mansa, como uma despedida
enorme.
Entretanto, Heilel sabia que jamais seria suficiente, que o seu almejo
era o de ficar, e era maior do que qualquer coisa e qualquer outro; que
entre todas as opções e propensões do mundo, neste dia, o Demônio
escolheria mais uma noite deitado, fitando as estrelas brilhantes do
teto, ao lado do corpo quente…
Mas já não tinha opções.
Por isso, somente prosseguiu, andando devagar, sentindo aquele
adeus doloroso pesar mais do que imaginou.
Naquele momento, o Diabo sentia e muito.
Eu, Deus, fiz sair de você um fogo, que o consumiu, e reduzi você
a cinzas no chão, à vista de todos os que estavam observando.

Ezequiel 28:18

A janela de madeira envelhecida e branca encontrava-se aberta,


permitindo que o vento totalmente gélido da manhã chuvosa
adentrasse o quarto, balançando veementemente as cortinas claras,
fazendo com que o ruivo tremesse vagarosamente, puxando um pouco
mais do lençol que cobria seu corpo nu.
Batiam exatamente oito horas da manhã, Benjamin repousava sobre
o colchão quentinho e macio. Havia acabado de acordar e mantinha-
se, preguiçosamente, na mesma posição.
Parker sabia que Caleb já não estava mais lá, e esta era a causa de
toda a sua melancolia. Sentia-se tão vazio sem a presença do Diabo...
Aquilo o machucava, deixava-o vulnerável, de um modo indescritível.
Virou-se com extrema dificuldade, ficando de barriga para cima.
Sentia cada parte do seu corpo dolorida, parecia que havia lutado
contra um animal selvagem e perdido feio. Espreguiçou-se devagar,
bocejando e, em seguida, limpou os olhos. Não pôde negar que dormiu
imensamente bem, afinal estava cercado pelos braços quentes de
Lúcifer que o protegiam.
Os mirantes preguiçosos fizeram questão de rondar o quarto, em um
breve panorama, e o susto veio em seguida. O ambiente estava de
cabeça para baixo: suas roupas encontravam-se pelo chão, alguns
objetos caídos aos cantos, e sua cama, que outrora estava encostada
na parede, encontrava-se no meio do quarto. Talvez, isso explicasse,
detalhadamente, por que seu quadril doía tanto.
Sequer notou que, na noite anterior, ele e Heilel fizeram um sexo
excêntrico demais, foram ágeis além do limite; e estava tanto no calor
do momento que sequer notou que o Diabo quase o partiu ao meio. No
entanto, de algum modo bastante masoquista, o ruivo sentiu-se bem,
ficou feliz por ter entregado o seu corpo por completo, por ter o pau do
Demônio tão bem dentro de si, por tê-lo feito um homem satisfeito,
como nenhum outro fez e, acima disso, por ter o privilégio de provar o
verdadeiro prazer.
Instantaneamente, as bochechas inchadinhas ficaram rubras e as
mãos logo foram para o rosto angelical, cobrindo-o vergonhosamente.
— Céus… — falou em um sussurro.
Não só pela dor em sua bunda, mas também pela enorme bagunça
que teria que arrumar, antes que sua mãe ou seu pai batesse na porta,
senão o castigo seria certo e sem qualquer piedade.
Sentou-se, exibindo um show de caretas. Franziu o cenho enquanto
mordia o lábio inferior ressequido, no intuito de amenizar a dor. Seus
olhos, por mais uma vez, rodearam o quarto, todavia pararam sobre o
celular, que estava na mesa de cabeceira, notando que em cima existia
um papelzinho vermelho. A sobrancelha ruiva ergueu-se, um leve
sorriso invadiu seu rosto e em seu coração desejou, milhões de vezes,
que não fosse um papel qualquer.
Esticou-se, tocando com dificuldade o celular; com a pontinha dos
dedos, foi puxando-o e, enfim, conseguiu pegá-lo. Sem delongas,
colocou o smartphone ao seu lado e deu total atenção à folhinha,
abrindo-a, ainda sorrindo:

Babe, saiba que eu gosto muito de você... Sempre estarei no seu coração e você
no meu. Por favor, cuide-se bem e lembre-se: Deus ainda o escuta, mas só o Diabo
te responde.

A sobrancelha franziu, demonstrando uma face intrigada.


Benjamin não entendia Caleb, nunca entendeu. Talvez, faltasse um
axioma maior no cerne do Diabo, para contá-lo alguma verdade
escondida. Mas, naquele instante, perguntou-se apenas uma coisa: por
que “baby” com “e”?
Dobrou o pequeno papel e segurou-o com as duas mãos, levando-
as ao peito. Já sentia sua face doer de tanto sorrir de orelha a orelha.
Fechou seus luzeiros e desejou somente a presença do Diabo, para
que, em suma, ficasse completo.
— Não, demore, por favor, por favor… — silabou em desejo, quase
inaudível, enquanto permitia que suas costas escorressem pela
cabeceira, retornando a deitar.
Agarrou o aparelho celular e começou a mexer naquela novidade.
Benjamin não levava muito jeito para a coisa, era difícil mexer naquilo,
não sabia absolutamente nada sobre tecnologia e, no fundo, sentia-se
bravo por isso.
Por sorte, seu único anseio era o de ver as fotos tiradas antes, o que
não foi difícil de encontrar, visto que o nome “galeria” estava na
primeira página, além de ser autoexplicativo.
Clicou no ícone de paisagem, observando-o abrir enquanto seu riso
não escapava da feição. Já era possível ver as miniaturas de fotos,
então, com pressa, seus dedos desesperados tocaram sobre uma das
imagens e, assim, pôde ver o rosto tão bonito e másculo diante da tela.
Era Caleb, de baixo para cima, em uma pose pouco favorável e
deveras engraçada, porém, ainda assim, era sexy e muito bonito.
Os olhos do acobreado sorriam junto com ele. Para Benjamin,
Lúcifer era a criatura mais linda que pôde encontrar, por dentro e por
fora. Levou o índex pequeno, acariciando a foto. Tudo o que o seu
íntimo desejou, pela milésima vez, foi apenas a companhia de Caleb, o
abraço quente e a boca doce.
A expressão apaixonada de outrora se desfez, em breves segundos,
tornando-se assustada e, ao mesmo tempo, totalmente corada.
Acidentalmente, tinha passado a imagem, levando um belo susto ao
notar o que havia diante dos seus olhos: uma foto do pênis de Heilel.
Parker estava estatelado, as suas maçãs do rosto encontravam-se
imensamente vermelhas e quentes como pimentas.
— Calebie… — ditou para si mesmo, levemente alto, enquanto
abaixava o celular, tentando conter seu constrangimento, mas sua
feição exibia o completo choque.
No entanto, não resistiu a voltar a olhar tal espetáculo, e sequer se
poupou de observar cada detalhe atentamente, como um ser que não
poderia negar a si mesmo a luxúria. O ruivo estava fixado no caralho:
era tão grande, grosso, com as veias saltadas e bem desenhadas, um
tanto inclinado para o lado, meio róseo, e a palma forte segurava-o tão
pornograficamente...
A língua rosinha e áspera rodeou os lábios, molhando-os em deleite,
e os dentinhos encarregaram-se de mordê-los. Ele gostava tanto do
que via que sequer conseguia desviar o olhar ou parar de desejá-lo tão
pecaminosamente.
— Benjamin, filho? — A batida leve à porta tirou o pequeno do
transe, deixando-o ainda mais envergonhado.
Com pressa e sem discrição alguma, escondeu o celular e o bilhete
embaixo de suas cobertas. Para sua surpresa, Karen abriu a porta no
mesmo instante.
— O que escondeu aqui? — inquiriu, com a expressão fechada,
enquanto adentrava o ambiente e fechava a porta.
Rapidamente, voltou a ter uma expressão assustada, chocando-se
com a bagunça do quarto e a posição da cama.
— Nada… — mentiu, totalmente desconfiado. Benjamin puxou mais
os lençóis, tentando disfarçar o seu corpo desnudo.
— Não minta para mim, Benjamin Parker — exigiu, repreendendo-o,
ainda utilizando um tom baixo e calmo.
O ruivo nada lhe respondeu, apenas deixou o silêncio amargo vagar
pelo ambiente. Seu cerne parecia querer engoli-lo de medo e
desespero.
— Certo. Precisamos ter uma boa conversa, não acha? —
Pigarreou, aproximando-se do ruivo, e sentou-se à beira da cama, no
espaço que sobrava.
— Co-conversar? — gaguejou nervoso, deixando que a expressão
de medo o dominasse.
— É, Benjamin. Conversar.
Karen estava com uma feição séria, fechada, e seus braços
cruzados evidenciavam aquilo. Sempre foi uma boa mãe, entendia e
acolhia Parker das formas que lhe eram permitidas e, por esse motivo,
detestava qualquer mentira entre eles.
— Mamãe… — murmurou em tom choroso, buscando qualquer
argumento para evitar um diálogo sério.
— Você vai realmente insistir em não conversar seriamente? Ou até
mesmo alimentar mentiras entre nós? — O cenho dela franziu,
demonstrando extrema irritabilidade enquanto seu queixo erguido
demonstrava uma leve superioridade. Tentava intimidar o ruivo, e
conseguia.
— Mãe, é que... — Não havia o que dizer e ele não permaneceria na
mentira, nunca foi bom nisso, além de se sentir extremamente mal.
No seu íntimo, bateu uma leve vontade de chorar, afinal o que
poderia dizer a ela? Que passou a noite inteira fazendo sexo? Jamais
diria tal coisa, Karen nunca o perdoaria.
— Certo, você não quer conversar comigo. Respeito a sua
privacidade e nunca o forçaria a nada. Mas preste atenção: estou
diante de você, vendo esse seu pescoço repleto de chupões, seu pulso
marcado, e só Deus sabe o que há debaixo dessa coberta.
Passou a mão pela face, um tanto impaciente.
— O que eu e seu pai ouvimos, durante a noite inteira, não foram
seus roncos. Ele está completamente furioso. Bateu na sua porta com
tanta fúria, ontem, que pensei que iria quebrá-la. E pelo visto você
estava tão empolgado que não ouviu.
Virou-se para o garoto, permitindo que ele visse seus braços
repletos de pancadas roxas. Nem mesmo ela sabia lidar com a
situação. Por dentro, desejava ouvir a verdade, somente isso. Queria
saber, da boca do seu filho, que ela era digna de sua confiança, mas
não aconteceu. Por isso, tudo estava soando muito decepcionante.
— Mamãe, me desculpa, por favor — pediu. — Me desculpa, de
verdade… — prosseguiu com as falas, deixando a emoção dominar a
situação e o choro vir à tona. Sentiu a culpa invadi-lo. Era trágico como
sempre que escolhia fazer algo para si mesmo, as coisas davam
errado, toda hora, surgia alguém machucado.
— Não chore... Não precisa planger, isso não foi culpa sua.
Aconteceu antes do Caleb chegar, então não se culpabilize. Apenas
me diga uma coisa: você se cuidou? Usou camisinha?
Se o ruivo não estava disposto a chegar no ponto principal, Karen
estava, e chegaria, não por curiosidade, não para brigar, mas porque
ela era mãe e carregava muitas preocupações em seu íntimo.
Parker, por sua vez, negou, extremamente envergonhado. Na noite
anterior, passou longe de usar preservativo.
— Benjamin, pelo amor de Deus! — repreendeu-o, observando-o
limpar o rosto que estava molhado.
— Desculpa… — continuou o falatório repetitivo.
— Não é questão de pedir desculpas, é cuidado! — Respirou. —
Você não pode confiar inteiramente em uma pessoa, não conhece o
passado inteiro do Caleb. E se ele tiver alguma doença? Me diga: o
que vamos fazer? — a mulher falava tudo com pressa, a voz aguda era
totalmente brava.
— Não fique brava, por favor. Eu confio no Calebie, juro — seu tom
era baixo, choroso e muito envergonhado.
Karen suspirou profundamente, na tentativa de manter a confiança
em Heilel. Sentia que ele era alguém bom ou pelo menos aparentava
ser. Duvidava de que ele faria algum mal a Benjamin, sentia isso como
um instinto de mãe.
— Foi a primeira vez? — o timbre escapou fraco e estilhaçado. Ela
gostava de verdades, apenas.
— Não… — respondeu-lhe, desviando o olhar.
Por um instante, Karen sugou todo o ar do ambiente e o soltou, em
seguida. Não conseguia lidar totalmente com aquilo. Até pouco tempo,
Benjamin era um bebê em seus braços e, agora, já estava crescido o
suficiente para fazer sexo.
— Certo, olhe para mim — pediu, quase como uma ordem.
O alaranjado volveu-se em direção a ela, ainda constrangido.
Naquele momento, não saberia mentir, desmentir ou omitir nada.
— Diga-me uma última coisa e seja honesto, não só comigo, mas
com você também.
O clima parecia denso, e a chuva, que antes causava um bem-estar,
piorava tudo.
— Esqueça o Hector e o Deus que ele impõe, eu não sou igual —
afirmou com força, e era verdade.
Karen, desde jovem, foi uma garota alegre, e somente aguentava
tudo o que aquele homem fazia com ela pelo bom futuro que desejava
a Benjamin. Sabia que, infelizmente, não teria condições financeiras de
sustentar metade do que Parker tinha, por isso continuava naquela
cúpula que a sufocava e a machucava tanto.
Claro que ela não poderia e não negaria o quanto amou Hector,
todavia ele estragava aquele sentimento há tantos anos, dilacerava o
sentido do amor. Até que, por fim, o fez acabar. Em suma: nunca foi
amor, era prisão e dor.
— Você é gay? — finalizou as falas. Era uma pergunta boba, com
uma resposta evidente, no entanto desejava ouvir de sua boca. Em seu
interior, por um curto segundo, desejou que a resposta fosse “não”.
A água salgada que escorria dos olhinhos era involuntária, e a
indagação deixou-o ainda pior, permitindo que o soluço e o barulho da
prantina fossem absurdamente altos e desolados.
Era difícil responder aquela pergunta.
— Por favor, filho... Responda. Você verá que tudo vai melhorar —
pediu, mais uma vez, agora deixando sua voz mais suave e chorosa.
— Sim, sim, sim! — exclamou chorando. — Eu sou! —
Rapidamente, virou-se, colocando a face no travesseiro, molhando-o e
abafando o choro enquanto balançava-se, nauseado. Nunca quis
admitir tal coisa, não queria, porém cada “sim” foi um passo para a
liberdade interna, para o bem a si mesmo.
— Benjamin… — ciciou, aproximando-se. Não estava totalmente
feliz e isto era inegável, mas sabia que todo aquele sentimento novo
era momentâneo e que a sua felicidade não tinha nada a ver.
Puxou o corpo coberto, vendo que o baixinho já estava vermelho de
tanto chorar.
— Escute: eu sou sua mãe, Benjamin! — seu timbre carregava
força, mesmo que seu tom fosse brando. — No dia em que descobri
estar grávida de você, jurei amá-lo com todas as minhas forças.
Quando vi o seu rostinho pela primeira vez, eu o amei. Assisti aos
primeiros passinhos, ouvi você falar “papai”, antes de “mamãe”, mesmo
estando comigo vinte e quatro horas seguidas. Eu, Karen, sou a sua
mãe, e, sendo assim, eu amo você do jeito que for, gostando do quê e
de quem seja — a voz embargada era atrapalhada pelas lágrimas que
insistiam em escorrer. Ali, existia amor: o mais. complexo, resistente e
distinto amor. — Jamais viraria as costas para você, meu filho —
Levantou o rosto de Benjamin, passando a palma entre os fios ruivos e
lisos, jogando-os para trás. — Só Deus sabe o quanto eu desejo a sua
felicidade, independentemente de como for.
Karen estava sendo sincera, e o seu coração bondoso não lhe
permitia largá-lo ou abandoná-lo; era o seu bebê e sempre seria.
— Me perdoe, mamãe… Eu juro que queria ser diferente —
justificou-se, deixando cada palavra sair como um sopro de dificuldade.
— Não diga isso, meu amor. Deus fez você assim e é perfeito. Eu o
amo, e Deus também, do jeitinho que você é. — Passou os dedos,
cuidadosamente, afagando as bochechas molhadas por lágrimas
grossas.
O tempo inteiro, durante tantos anos de não aceitação, tudo o que
Benjamin precisava ouvir e receber era aquilo: amor, apoio, carinho e
compreensão.
— Quando você estiver triste e questionar-se o porquê de ser
“diferente”, lembre-se de que cada pessoa é única. O amor não
machuca ninguém, pelo contrário: ele salva tudo. Até a mais pobre
alma pode ser reintegrada pela força do amor — as palavras saíam em
sussurros acalentadores, fazendo o peito da mulher se desmanchar de
alívio. Saber que Benjamin estava afagando era suficiente para fazê-la
absolutamente feliz.
— Eu amo você, mãe... Muito!
Apertou-a, em um abraço de urso, sentindo-a retribuir intensamente.
Permaneceram assim por longos e seguidos minutos, e o abraço tão
interminável e quente foi o remédio e a cura para o medo do ruivinho.
Era indescritível o poder de um ato de amor e aceitação.
— Não chore mais, já chega de tristeza — ditou, tentando ser bem-
humorada.
Benjamin anuiu, com os olhos brilhantes.
— Eu prometo: vou consertar as coisas, a nossa vida. Vamos ser
muito felizes juntos.
A sua mente estava ativa de maneiras diferentes e mantinha uma
certeza: cumpriria sua palavra, aquela casa já não os cabia.
— Agora, me diga: está com dor? — mudou o assunto, voltando a
sorrir e pondo-se de pé.
— Um pouquinho… — a voz rouquinha era muito envergonhada.
— Imaginei. — Suspirou, tentando apagar da memória os sons da
noite anterior. — Bem, o Caleb, antes de sair, deixou alguns remédios
para você. — Ela esboçou um riso fraco. Pelo menos Heilel agia como
um homem íntegro.
— Deixou? — o acobreado indagou, sentando-se com pressa, tendo
um semblante mais contente.
— Sim, deixou remédios e comprou várias coisas para você comer.
Nem sei o que vamos fazer com tantas besteiras. — Riu sincera. —
Nós conversamos e, no fim, ele pediu para que eu cuidasse de você.
Por um momento, ela desejou que Caleb cumprisse com a sua
palavra e voltasse, pois não suportaria ver Benjamin tão decepcionado.
— Isso me deixou feliz… — sussurrou enquanto o jeitinho tímido e
acanhado tomava conta do acobreado; era impossível esconder as
bochechas rubras de alegria.
— Ele se preocupa muito com você — admitiu. Esticou-se, pegando
a sacola branca da farmácia que, a todo momento, esteve em suas
mãos.
— Obrigado, mãe… — ciciou.
— Aí, tem dois remédios: um em comprimido e outro em pomada.
Use ambos, ao mesmo tempo, de seis em seis horas. — Caminhou um
pouco mais em direção à porta. Precisava concluir os seus afazeres.
— Pomada? — perguntou, confuso, fazendo bico.
— Sim, você pega e passa lá trás, depois...
Foi brutalmente interrompida por um estalo de língua desesperado:
— Tudo bem, não precisa explicar! — ditou, constrangido além do
limite.
Karen apenas gargalhou da timidez alheia.
— Se precisar de mim, me chame. E, de forma alguma, saia deste
quarto. Não quero que Hector o machuque novamente — advertiu,
vendo Benjamin confirmar com a cabeça.

O espaço, sempre badalado e luxuoso, encontrava-se com as luzes


apagadas. Diferente de outrora, a Sky, que permanecia vinte e quatro
horas em funcionamento, agora estava fechada. Não existia som alto,
as mulheres e homens sensuais desfilando e dançando, as luzes de
led caríssimas, gelo seco pelo ar, muito menos a presença dos bons,
fiéis e devassos consumidores.
Os pés bem calçados por um Salvatore Ferragamo caminhavam
pelo lugar, fazendo um estalar cada vez que a palmilha ia contra o chão
de cerâmica polida. Era Joseph que sentia um sabor amargo na
garganta, não pelo bom e velho uísque, mas sim pelo horroroso
arrependimento.
No fundo, havia uma parcela exorbitantemente culposa, parecia que
se podava por completo. O demônio ajudante estava devastado, caído
e triste. Questionou-se diversas vezes: por que traiu Lúcifer, seu único
e melhor amigo?
Sentou-se sobre o banco que ficava de frente para a bancada do
bartender e serviu-se de um Chivas, uísque deveras antigo. Hope
precisava se despedir daquele lugar e nada melhor do que brindar com
sua incrível estupidez.
— Está sentindo esse cheiro? — a voz, extremamente macia e
suave, pronunciou, atrás do avermelhado.
Joseph rolou os olhos de desgosto.
— Cheiro de quê, Teodoro? — indagou sem gosto, virando-se.
— Do seu corpo queimando, quando chegar ao Inferno. — Sorriu-
lhe quadrado, incrivelmente angelical.
— Vive la farce! — desdenhou, apontando-lhe o copo de vidro
cristalizado, observando o anjo soltar um riso nasal.
— Vocês não deixam a peteca cair… — o tom do anjo invadia todo o
ambiente, causando enormes calafrios em Geefs.
Aquele foi o primeiro instante, em semanas, que Joseph,
verdadeiramente, pôs seus olhos sobre o divino, e lá estava: um ser
magnífico, os cabelos na cor cinza, com algumas mechas platinadas,
como um verdadeiro, maldito e lindo querubim.
— Não fale como se tivéssemos escolha. — Tirou sua atenção,
tentando demonstrar discrição, dureza e obstinação.
— Claro que tinham. Foi escolha de Lúcifer não nos ouvir e escolha
sua traí-lo — sua voz era recheada de cinismo. Adorava provocar o
braço direito.
— Nem sempre a fidelidade é viva — refutou, dando uma singela
piscadela.
Teodoro aproximou-se, sentando-se ao lado do demônio.
— Poderia parar de relembrar esse fato? — pediu, volvendo sua
face extremamente bonita para o outro, mantendo sua seriedade.
— Como se precisasse de mim para lembrá-lo! Você faz isso por si
só.
O anjo puxou o copo que quase estava vazio, e virou-o, bebendo
todo o líquido restante.
— Atrevido! — Rolou os lumes para trás, ainda não acreditando em
toda a audácia existente em um ser tão sereno.
— Está se sentindo mal? — inquiriu, mudando o assunto. Não
permitia que o rir indecente fugisse de seus lábios castos, era um anjo
iluminado e bastante sádico.
— Você levanta questões bem idiotas para um ser que costuma se
vangloriar por saber de tudo.
Era fastioso aturar as falas tolas da divindade, entretanto Geefs não
poderia negar que ver o anjo, naquele dia, deixava-o melhor.
— Por que continua fingindo que minha presença o incomoda? —
Apropinquou-se com certa brusquidão. — O que houve, aquela última
vez, não o acarreta que deveríamos, de uma vez por todas, foder?
Petulante, Teodoro era exatamente isso: um anjo tentador e
audacioso.
— Não quero foder você. — Joseph conseguia manter postura e
frieza em suas palavras.
— Sem problemas, então eu fodo você — propôs sorridente.
Inclinou-se um pouco mais para frente, ficando ainda mais perto,
deixando que seu hálito morno batesse contra o rosto de Hope.
— Também não — balbuciou.
Joseph puxou o anjo para si, segurando-o com firmeza, sentindo-o
amolecer em seus braços fortes e viris.
— Se você está propondo me comer, deveria saber me pegar com
jeito, não derreter nos meus braços — sussurrou tão próximo que
Teodoro jurou estar na presença de Deus.
— Eu quero estar nos seus braços, sentindo seu calor veraneio, e
quero o seu pau enfiado na minha bunda, por isso não resisto aos seus
toques, meu demônio… — ciciou em um tom tão pecaminoso e
aveludado que tudo o que Geefs pôde fazer foi suspirar pesado.
— Detesto você! — seu timbre era rouco e arrastado. —
Profundamente.
— Profundamente é como quero você em mim, Geefs. — Sorriu de
modo devasso.
Os dedos longos de Joseph apertaram a cintura alheia, e dos lábios
puros e perpétuos saiu um gemido que foi tapado pela boca suja do
ajudante de Lúcifer.
O ósculo iniciado não era calmo, existia um fogo ardente dentro de
ambos os corpos, tanto que Joseph sentia sua espinha arrepiar. As
línguas tocavam-se em um ato extremamente molhado, Teodoro
entregava-se com muito desejo, esquecendo-se até mesmo de que
Deus é onisciente, onipresente e onipotente. Não faria diferença, não
enquanto aquele homem o pegasse tão atroz, apertasse-o com febre,
gana e desejo.
— Almejo muito foder você, com todo o ódio que sinto — Hope
admitiu, com a voz extremamente grave e roufenha, bem ao pé do
ouvido do anjo, fazendo-o gemer inerte.
— Eu também quero senti-lo… Por favor, não vá embora sem trepar
comigo.
Teodoro não podia negar que se sentia triste, porque, no fim de todo
aquele jogo de anjos e demônios, certo e errado, pecado e perdão,
todos saíram perdendo, todos estavam cortados, no fundo.
— Verdadeiramente, quero você, te desejo, mas não posso. Não
posso porque você jamais será meu. Entre tê-lo por somente uma noite
e não o ter nunca, prefiro passar todos os meus eternos dias te
ansiando, mas não sentindo saudades. — Afastou-se, tentando regular
sua respiração. Puxou a garrafa inteira de uísque, derramando um
pouco sobre sua boca. Estava excitado e bastante nervoso.
— Por quê? — a voz saiu como um muxoxo, sentiu-se ainda mais
cabisbaixo.
— Gosto muito de você, Teodoro... Mas não sou fã de amores
platônicos, não almejo viver assim. Não quero me ver na mesma
situação de Lúcifer. De fodido emocionalmente já basta um.
Joseph retomou sua dureza, não cederia aos terríveis encantos da
luz.
— Sinto muitas coisas por você, e sinto tanto por ter que vê-lo
partir... Essa sensação é antiga. Sempre que retorno ao Céu, pergunto-
me como seria se você estivesse lá comigo, se me escolhesse e não o
Diabo — confessou cada palavra enquanto, vergonhosamente, ajeitava
seus cabelos.
— Eu não suporto ficar uma hora ao seu lado — brincou, exibindo
um sorriso fraco.
— Venha comigo, fique comigo. Me escolha desta vez... Por favor,
Joseph. Prefira estar ao meu lado — pediu-lhe, segurando sua mão,
propondo uma ideia completamente insana.
— Sabe que não posso e não quero — a resposta balbuciada foi
direta. Por mais que existissem milhões de motivos para não ir aos
Céus, o maior de todos era a amizade, a fidelidade que ainda cobria
seu ego, seu ser, e a devoção a Lúcifer.
O silêncio varreu todo o imenso lugar, totalmente amargo.
— Onde Lúcifer está? — Pigarreou, tentando contornar a situação
desagradável e triste, fingindo que sua proposta nunca havia sido feita.
— Muito provavelmente no Inferno. — Apesar de tentar dar um ar
extrovertido para sua resposta, tudo se tornou seco e cheio de
contragosto.
— Você realmente está mal? — inquiriu novamente, deixando que
sua voz, já mansa, ficasse ainda mais amável.
— Claro. Caleb é meu melhor amigo e eu falhei com ele.
Por incrível que pareça, a honradez entre eles era como um lema.
— Não deveria se sentir tão mal, você fez o certo.
O ser divino sempre teve um extremo carinho por Lúcifer, todavia
reconhecia quando ele necessitava de limites e, em algum momento,
teria que pará-lo. Sorte que Gadreel fez o trabalho sujo antes, assim
sua consciência permanecia intacta.
— Eu sou um demônio, acha mesmo que devo fazer as coisas da
maneira correta? — seu deboche e riso nasal foram inevitáveis.
— Você não pensa como um demônio — refutou, franzindo o cenho.
— Mas sou um! — Não havia peleja para aquilo.
— Lúcifer estava fora de controle, Joseph. Não se culpe — as
palavras estavam com certa razão, visto que o Tinhoso se guiou por
caminhos inimagináveis.
— Não deveria falar como se o conhecesse. — Hope não estava
irritado, por mais que seu tom salientasse isso.
— Eu conheço muita coisa, quem sabe tudo, e muito melhor do que
você. — Existia um leve gosto de competitividade naquela frase.
Geefs gargalhou alto, repleto de desdém.
— O Diabo permite que eu veja o que desejar, o seu Deus limita-o.
Só pode ver e saber o que lhe é permitido. — Sorriu. — Você não
conhece o Cão, não como eu, e tenho certeza de que jamais
conhecerá.
Joseph era um demônio livre e sempre fez gozo de tal liberdade,
algo que Deus nunca lhe ofereceu.
— Não fale asneiras e muito menos desconte seu
descontentamento em mim.
Teodoro não gostava do modo como poderiam tratá-lo, quando
demonstravam conhecer mais do que ele. Logicamente, um ser criado
por Deus gostava de superioridade, de ser engrandecido.
— Desculpe, não quis soar assim. Mas não menti para você. — Por
um breve momento, estranhamente, Geefs usou dos bons modos.
— De qualquer jeito, você poupou alguém, livrou o Benjamin. Pense,
foi uma boa ação — tentou soar acolhedor.
— O que você julga como “poupar”? — inquiriu, franzindo o cenho.
— Deixá-lo à mercê do grande merda que ele chama de pai? Muito
melhor que ele estivesse nos braços do Diabo, onde existe aconchego
e proteção.
Geefs não gostava de Benjamin, entretanto sabia admitir quando
algo não estava nos eixos.
— Não insista em tantas bobagens! Lúcifer estava cativando e
alimentando o amor no coração do garoto, e Caleb é totalmente
incapaz de amar, de amá-lo. Coloque-se no lugar do pobre ruivo — o
tom do anjo foi irritado. Ele apenas queria o bem para Benjamin, e não
que ele servisse somente como um depósito de porra para Caleb.
— Não repita isso. Jamais repita! — Inteiramente aborrecido,
estourou a garrafa de vidro sobre o chão, vendo-a espatifar-se para
todos os lados e o líquido escorrer.
— Para que defendê-lo com tanta fúria? — Ergueu-se, ajustando
sua postura.
— Lúcifer é muito mais do que um ser maldoso e sem sentimentos,
ele é muito maior do que você pode ver. Lógico que Deus não mostra
isso a vocês, anjinhos imaculados e graciosos. — Dava para sentir a
acidez proveniente de cada mísera palavra.
— E por quê? Por que continuar batendo nessa maldita tecla tão
sem sentido? — Fitou-o com seriedade.
— Olha a boca, Deus não gosta disso — debochou sorridente.
— Por que, Joseph? — repetiu.
— Pensei que fosse um ser dos primórdios, que conhecia tudo —
falou totalmente cínico.
Por um instante, a mente de Teodoro expandiu-se e ele pôde refletir
que sequer sabia como era o Inferno, então como poderia conhecê-lo o
suficiente? Permaneceu em silêncio.
— Vou clarear sua mente com uma informação interessante:
digamos que eu e o Caleb não somos amigos há tantos “mil” anos
assim. — Sorriu de forma sórdida.
— O quê? — Exibiu uma careta fastidiosa.
— Teodoro, você já parou para pensar que, se ouvirmos só a
chapeuzinho, o lobo será sempre mau? — inquiriu, levantando-se,
pondo-se a pegar outra bebida.
— Quer? — ofereceu-lhe, referindo-se ao conhaque quente, Black
Pearl.
— Apenas continue — Teodoro falou seriamente enquanto cruzava
as pernas.
— Há um tempo, eu não era um servente de Lúcifer.
Suas simples palavras causaram enormes nós de indefinição na
mente do ser divino.
— Há exatamente setenta e oito anos, eu estava no meio de um
treinamento ardiloso, sofrendo como um maldito cão, bem no meio de
uma multidão de soldados. — pausou suas falas. — Meu pai havia sido
chamado para servir, entrar no conflito, mas ele não foi e me mandou
em seu lugar. Ele era um homem asqueroso, ruim, sem piedade.
Bebericou um pouco do líquido escuro, mantendo uma expressão
serena. Odiava o seu pai e sabia muito bem onde o desgraçado se
encontrava; sentia-se até eufórico ao recordar do destino justo e
impetuoso do velho.
Teodoro viu-se estatelado.
— A segunda guerra mundial… — sussurrou, mais para si do que
para Joseph.
— Isso mesmo — respondeu-lhe, mesmo sabendo que suas falas
foram monólogas. — Eu tinha apenas vinte e dois anos, tão primaveril,
tão cheio de sonhos e tão ingênuo... — Suspirou pesado. — Então,
quando estávamos extremamente destruídos psicologicamente e
fisicamente, colocaram-nos em campo.
A expressão de Teodoro era concentrada e amedrontada.
— Éramos um grupo de jovens, não tínhamos conhecimento o
suficiente para sobreviver em uma guerra tão brutal, por isso,
rapidamente, fomos capturados. Nos levaram para o outro lado e
começamos a servir de experimentos de tortura para malditos sádicos.
Todos os dias, eu era violentamente humilhado, usavam o meu corpo
como um lixo, arrancavam minhas unhas, meu cabelo. Eram tantas
agulhas, tanta dor, algo que jamais conseguirei medir em palavras.
Aquelas lembranças eram tão amargas que os seus punhos
estavam fechados e as unhas machucavam sua palma, em extrema
raiva.
— Joseph… — mussitou, quase hesitante ao ouvir, mas Geefs não
lhe deu espaço.
— Até que, entre nós, um dos soldados mais velhos sentiu pena de
mim… Como muitos dos meus colegas e inevitáveis aliados já estavam
mortos, eu era o mais jovem vivo até aquele momento. Encontrava-me
imerso entre homens muito provectos e por isso eles me poupavam,
para que pudessem me usar para mais experimentos futuros, visto que
eu tinha mais vigor — dilucidou. — E aquele homem, somente ele,
sentiu uma extrema compaixão por mim. Um único.
Engoliu em seco, a fim de esconder sua amargura, mas prosseguiu:
— Eu vivia sem roupas, molhado e preso, como um indigente,
extremamente ferido e muito desnutrido. Todos os dias, eu era
violentado e molestado de formas imensuráveis. Porém, ele sentiu
compadecimento, por isso me ajudava e, quando menos esperei, já
havia criado um amor impossível. Amar um homem, diante de tudo
aquilo, era a maior loucura que eu poderia fazer.
Voltou a beber mais do álcool.
— Portanto, houve um dia em que eu acordei em outro lugar, um
ambiente totalmente distinto. E lá estava ele, tão bonito e cuidadoso...
Era o Diabo. Somente ele estava ao meu lado, assim como esteve com
o Benjamin. Eu era perdidamente apaixonado por Caleb, eu o quis para
ser meu, e desejei que ele me fizesse dele — admitiu tal sentimento,
tão fervoroso e lascivo.
— Espera, Lúcifer fodeu você? — questionou, perplexo, sentindo o
queixo tocar o chão.
— Teodoro, eu estou contando o pior momento de toda a minha vida
e você está focando se Lúcifer me comeu? — Negou com a cabeça,
repleto de desgosto.
— Desculpe, é porque você tem essa pinta de fodedor, e Lúcifer
ainda mais... Logo, fiquei curioso — tentou ao máximo não soar
deselegante.
— Apenas fique calado — ordenou, sentindo-se lisonjeado de certo
modo. — No dia em que eu e Lúcifer demos nosso primeiro beijo e
tentamos transar, a coisa não fluiu bem e acabamos caindo em risadas
e quebrando o clima.
Por um breve segundo, Teodoro sentiu-se exultante por nada ter
acontecido de fato; não podia negar os seus ciúmes.
— Algumas vezes, eu achava que Heilel era um enorme fruto da
minha imaginação, afinal eu realmente já estava em processo de
enlouquecer. No entanto, chegou o grandioso dia em que ele propôs
me levar para o Inferno e fazer-me, enfim, o seu braço direito. Lógico
que eu aceitei, mesmo sentindo medo. — Sorriu tolamente. — Hoje,
estou bem aqui, após tanto tempo, convivendo com o temperamento
radical de Lúcifer. Eu descobri que o Diabo sente até demais, e
questiono-me se esse não é o único fardo que Deus lhe deu.
Naquele momento, o coração de Joseph batia forte, e sentia-se tão
triste e lastimável por ter estragado tal amizade que, um dia, jurou ser
perpétua.
Teodoro sorvia as suas próprias palavras, de modo que nada
escapulia de seus lábios perfeitos, perjuros e insolentes.
— Lúcifer é mais do que um estereótipo maligno e eu sei que, antes
dele sentir qualquer amor romântico, ele sentiu o amor da amizade,
sentiu a compaixão e a piedade. Eu sou um demônio, por escolha
minha… Eu amo o Caleb por total primazia minha, diferente de você. E
é por isso que somos assim, caminhamos nessa rota de amor torto,
que só um tentador fadado pôde sentir.
Geefs conhecia o Tinhoso muitíssimo bem.
— Mas não é um amor castiço ou fidalgo, Joseph — ousou refutar.
— Sim, eu não posso dizer que ele sente como o Benjamin, você ou
Deus… Claro que, no geral, o amor dele é regado de outros defeitos
imensuráveis e de uma prepotência hedionda. Porém, quando o Diabo
ama, ele mostra todo o seu carinho e afeto. Acredite, Teodoro —
desacelerou o timbre. — No interior dele, há muito mais complacência
do que em Deus.
— Tudo isso é muito para digerir — confessou, coçando a nuca.
— Não acho. — Riu. Definitivamente, estava mentindo naquele
instante.
— Certo, eu posso não saber de tudo, mas ainda sei quando você
mente. Não se faça de durão. — Rolou os mirantes azuis, exibindo
uma face desanimada.
Joseph aproximou-se, deixando seu copo sobre a bancada, e puxou
o anjo para perto, encostando ambos os corpos.
— Por tudo isso, meu anjo de luz, jamais me convide para habitar o
Céu, porque o seu Deus é o único que me deve perdão — sussurrou
fervorosamente no ouvido alheio, sentindo os pelos arrepiarem-se.
Definitivamente Teodoro adorava uma blasfêmia. No momento
seguinte, Joseph já devorava os lábios alheios, sentindo-os
extremamente gélidos e macios. O gosto era doce e invadia sua
cavidade bucal com deleite, à medida que as línguas se moviam em
movimentos circulares.
As palmas de Geefs seguravam os fios lisos para trás, puxando-os
com brutalidade, fazendo a cabeça alheia pender para o lado,
arrancando um gemido baixinho. Pôs-se a beijar e marcar o pescoço
branquinho, passando pelo pomo-de-adão e subindo para a orelha,
dando-lhe uma mordidinha sutil, sentindo o anjo apertá-lo e gemer
rendido, perdendo-se nos braços quentes e infernais de um sujo
demônio.
— Está na minha hora. Até a próxima, meu anjo insolente — soprou
de forma provocativa.
Observou Teodoro atordoado diante de si e sem qualquer espera
caminhou, deixando-o para trás, sozinho no ambiente.
Peremptoriamente, o anjo estava pegando fogo.
O sorriso pouco ardiloso que havia nos lábios de Hope era o de
despedida, estava trancando as portas da Sky. Para si, aquele lugar só
abriria novamente quando pudessem retornar, se fosse possível. A
melancolia retornou, com mais violência agora.
— Hum… Então quer dizer que você me ama? — a voz,
completamente desdenhosa, foi como canto de anjos para os ouvidos
do braço direito.
Joseph virou-se com velocidade.
— Lúcifer? — chamou, assustado e surpreendido.
— Não, Deus — debochou, mostrando seus dentes protuberantes e
brancos, em um sorriso.
— Você não deveria estar no Quinto dos Infernos? — perguntou-lhe,
não deixando de exibir seu timbre contente.
— Penso que sim — simplicista. — Você não deveria ficar tão
entusiasmado a me ver. — A face de Heilel tentava ser maldosa, porém
foi totalmente atrapalhada por outros milhões de sentimentos
nupérrimos e nocivos.
— Você está horrível... Onde estava? — Mudou o assunto, franzindo
sua sobriedade, observando a forma como Caleb estava vestido.
Diferente do habitual, o Diabo estava totalmente ao deus-dará. Sua
camisa social encontrava-se inteiramente amassada e parcamente
desabotoada, deixando um pouco do seu peitoral em evidência
enquanto os seus fios caíam sobre o rosto, um tanto emaranhados.
— Trepando — respondeu ardilosamente, virando-se e pondo-se a
caminhar.
— Trepando? — deu ênfase à palavra que fora muito mal colocada.
Definitivamente, Heilel não estava “trepando”.
— Sim, ora — disse trivialmente.
— Oh, Caleb Heilel… Você estava fazendo amor, não negue isso —
brincou, batendo em seu ombro. — E, sinceramente, pela sua cara de
bravo, ou essa sua “trepada” foi péssima ou boa o suficiente para te
fazer retornar ainda mais cabisbaixo. — As falas de Joseph não
deixavam o seu cinismo passar longe. Diante de tudo, entreter-se com
a situação era a melhor opção.
— Não foi ruim — ditou, ainda caminhando.
— Não seja humilde. Você está todo arranhado e cheio de chupões.
Eu sei que Benjamin não é um santo, mas fez um bom milagre, hein?
— Sorriu para Caleb que acabou não resistindo e soltou um riso nasal.
— Eu estou um caco — admitiu.
— Ele vai ficar bem, Heilel. — Tentou acalmá-lo, mas logo Heilel
retomou a sua posição, erguendo a coluna e o queixo.
— Sei que vai — mentiu.
— Certo, para onde estamos indo? — perguntou enquanto fitava
Lúcifer.
— Ao Inferno — proferiu com desdém e gosto. Buscaria a sua ônix
negra e acabaria com Gadreel.
— Vamos de Corvette? — Ergueu a sobrancelha, um tanto
incrédulo.
— Estilo.
Se todos os absolutos problemas existentes na pequena bola torta
denominada terra realmente fossem causados pela maldade perpétua
do Senhor do Inferno, naquele instante, a paz peremptória reinaria
entre os quatro cantos.
O corpo forte encontrava-se coberto por um tecido negro, as vestes
sem marca especificada eram de uma qualidade inquestionável,
dando-lhe um ar obscuro, mefistofélico. Caleb estava sentado sobre o
seu enorme trono preto cintilante que se encontrava dentro do
gigantesco castelo. As asas de grande porte eram alvas como a neve,
reluziam sua brancura imensurável e brilho capazes de cegar olhos
humanos.
Por toda redondeza, podia-se ouvir os gritos inflamados e
agonizantes, implorando socorro e clamando lamentações, reverências
masoquistas, gritos em sacrifícios, uma mesclagem de dor e alívio. Em
torno do Cão, havia anjos com asas quadradas arrastando-se pelas
paredes geladas e pelo chão tórrido; em seus pescoços, existiam
pesadas correntes que os ligavam ao trono do Diabo. Seus corpos
estavam nus e altamente luzidios, não tinham sombras de
machucados, somente asas cortadas pela raiz.
Joseph mantinha-se vidrado na cena que, por tempos, não era
comum. No fundo, sentia-se feliz por estar no Fogaréu, porém parecia
se esquecer de seu tão sonhado desejo e da imensa alegria, todas as
vezes que olhava para a maldita face do Demônio. Ele estava
verdadeiramente desgastado por seus próprios pensamentos e visões.
Soando como um enorme pleonasmo, o Inferno abusava de toda a sua
figura de linguagem, e tornou-se deslumbrantemente infernal.
Lúcifer sequer se movia, estava inerte, como se fosse incapaz de
ouvir ou ver quaisquer outras coisas. Encontrava-se naquele estado
desde o seu retorno, fechou-se para o Martírio e ligou-se inteiramente
ao mundo. Ele estava lá, mesmo que não fosse fisicamente.
Heilel mais parecia um anjo divino naquela pose, tão inabalável,
senão fosse por seus olhos que, agora, estavam completamente
negros, não sobrando nenhum resquício de branco; mantinham-se
pretos, sem fundo, sem alma, sem vida.
A única coisa que o Diabo havia feito, durante aqueles tortuosos
dias, fora observar Benjamin, todas as suas ações e sonhos, por vinte
e quatro horas, como se nada fosse tão importante quanto o seu casto
ruivinho.
Por algumas vezes, sentia uma pontada na boca do estômago tão
brutal que o desligava da Terra e volvia-o ao Inferno, lembrando-lhe
onde era o seu legítimo lugar. Seu sangue fervia quando não sentia ou
via a presença de Gadreel, que sequer deu as caras no Averno; fugiu
com o seu anel prateado de ônix, com a sua pedra do poder e totem,
para escapar do Brumo, deixando Lúcifer preso e em condição de ódio.

Trinta e seis dias: foi o tempo exato que Benjamin passou sem o
Diabo. Quem olhasse a sua faceta tristonha, exaurida, com olheiras
fortes e escuras, sua estrutura evidentemente mais magra, lábios
ressequidos e olhar pesarosamente angustiado, diria que ele estava
com demônios consumindo o seu corpo e vitalidade, contudo não,
aquilo somente era a falta de um único.
Por mais que fosse pouco tempo, quando comparado a grandes
partidas com voltas, não foi o que Caleb lhe prometeu. Ele esperava
que Heilel passasse três ou quatro dias fora, quem sabe uma semana,
porém não mais do que isso.
O ruivinho mantinha-se encolhido no acolchoado macio, entre as
grossas cobertas brancas. A janela estava trancada, deixando que o
quarto ficasse um pouco mais escurecido, outorgando-lhe um ar
melancólico.
Benjamin vestia o blazer preto do Diabo, a única coisa que ele havia
deixado para trás. Sentia o cheiro bom que aquela peça caríssima
exalava e a quentura que causava em seu íntimo. Era o jeito de matar
a saudade, antes que ela o matasse. Definitivamente, Parker sentia-se
deprimido, sua ansiedade batia frequentemente, junto ao anseio de
chorar sem parar, que lhe causava um nó cruel na garganta.
Não era somente a falta sentimental, ardente e desgraçada,
entretanto não negaria que os abraços, carinhos, selares e beijos
calorosos — que sempre soavam apaixonados — faziam um enorme
buraco no coração.
Mas a sua carne também sofria, queria o encontro dos toques que
perpetravam seu corpo fervente de prazer, almejava o sexo.
Perdeu as contas de quantas vezes se tocou, pecaminosamente,
vendo as fotos em seu celular, lembrando-se da última noite,
imaginando-os mais uma vez.
Seus sonhos eróticos não lhe davam paz: sentia Caleb tocar o seu
corpo, beijá-lo, via-o como um Deus superior, uma autoridade maligna;
ele o fodia tão ferozmente, apertava seu pescoço, e era tudo quente
como o Inferno. Acordava molhado, todas as noites, suando frio,
gritando e gemendo de prazer, sentindo sua corpulência inteiramente
frágil tremer. Mas aquilo foi mais frequente nas primeiras semanas,
logo depois, tornou-se ocasional, e foi aí que a saudade real corroeu
seu cerne, pois já não poderia tê-lo fisicamente e nem mentalmente.
Benjamin parecia desesperançoso quanto à volta de Lúcifer,
contudo a tristeza exacerbada era também da solidão. Ele não podia
sair do quarto para absolutamente nada. Sentia falta de ver o sol, já
que não podia abrir as janelas. Queria a sensação prazerosa da brisa
batendo em seu rosto, de cantar no coral, de ver seus colegas da
igreja, todavia não podia, encontrava-se estritamente proibido. Tudo o
que lhe sobrava era deitar-se, desenhar e ver as fotos de Caleb,
desejando, no íntimo, o seu retorno.
Ergueu-se desanimado, suspirando profundamente, pesado.
Sentou-se amuado, escorando as costas sobre a cabeceira enquanto
massageava o cenho, deixando que algumas lágrimas escorressem
sem seu próprio controle.
— Por favor, Calebie… Por favor, volte — pediu em um fio de voz,
fechando seus mirantes com força. Seu tom era tão amargurado que
sequer parecia o Benjamin de sempre. — Eu preciso de você, não me
deixe sozinho. — Cobriu o rosto com as mãos pequenas, voltando a
chorar em soluços. — Deus, se você me escuta, por favor, me tire
daqui... Eu não suporto mais — confessou, em mais um solilóquio
doloroso.
Aquela foi a primeira vez, em trinta e seis dias, que Benjamin iniciou
um novo monólogo com Deus.
— Eu estou cansado. — Era um choro verdadeiro, dava para sentir
todo o peso e angústia em suas palavras trêmulas.
A porta branca foi levemente aberta, permitindo que Benjamin visse
sua mãe que, rapidamente, adentrou o local e fechou a limiar com
cautela, quase em câmera lenta. Karen mal podia ver o alaranjado, os
únicos momentos em que encontrava oportunidade eram quando
Hector ia à igreja. Nesses instantes, ela tinha de duas a três horas para
conversar com ele, ensiná-lo, levar comida, bebida e o que mais fosse
necessário para o dia inteiro de Parker.
Seu coração bondoso apertou com a cena do seu filho tão abalado.
Sentia-se a pior mãe do mundo, principalmente por permitir que alguém
o tratasse como indigente, sem dignidade alguma. Eram maus tratos
diários, ameaças, e sequer podia andar por sua própria residência.
— Ele vai voltar, meu amor. Não fique assim… — ditou com a voz
suave, com o intuito de passar segurança.
— Eu sinto a falta dele, mamãe... Mas também estou cansado de
ficar preso — confessou, fazendo um bico com seus lábios carnudos.
Seu cenho franziu, tornando a expressão ainda mais tristonha.
Caleb assistia àquela cena com o íntimo amargo, mantendo a faceta
séria e limpa.
— Sei que sente. Eu também sinto por você estar aqui, sozinho.
Karen aproximou-se, sentando-se sobre o colchão e puxando-o para
um abraço apertado e acalentador.
— Eu preciso sair do quarto. Eu quero sair daqui, mãe — sussurrou
enquanto a apertava. Aquilo foi uma súplica.
—Perdão, Benjamin… Não posso permitir que saia. Não quero que
Hector o machuque, eu não suportaria vê-lo no mesmo estado de
antes. Caleb não está aqui para protegê-lo. — Fez um leve carinho nos
fios de cor laranja, tirando-os da testa alheia e pondo-os para trás.
— Eu quero cantar, ver a rua, andar de bicicleta, ir ao cinema, ter
essa coisa de “internet”, quero respirar lá fora. Só quero ser normal! —
admitiu, limpando seu choro.
— Tudo vai se resolver, meu amor… Acredite em mim. Hoje, tudo
entrará nos eixos — revelou, culpando-se intensamente por suas falhas
como mãe.
— Hoje? — Ergueu a sobrancelha, mantendo um ar confuso.
— Por favor, apenas me obedeça e fique quietinho no quarto, Ben
— pediu, usando um timbre sério. — Preste atenção no que vou falar,
certo? — indagou retoricamente.
Benjamin acenou positivamente, mantendo seus olhos vidrados em
Karen.
— Agora, pela manhã, vou à casa da sua tia, em outra cidade. Eu
realmente preciso confiar que você não sairá daqui, mesmo que o seu
pai não esteja em casa. — Segurou a palma pequena e angelical,
acariciando-a.
— Na casa da tia Rose? — a voz, mais recuperada, foi baixa, um
pouco nasal.
— Sim. Prometi para mim mesma que não contaria a ninguém, mas
sei que preciso confiar e alertar você. — Fitou-o severamente. —
Quero que você faça uma pequena mala, somente com seus pertences
mais importantes. Quando eu retornar, ligarei para você, então fique
sempre próximo ao celular e bem atento.
Todas aquelas informações deixaram Benjamin altamente caótico.
— Está prestando atenção, Benjamin? — inquiriu, cruzando os
braços, olhando-o.
Parker aquiesceu freneticamente, um tanto intimidado.
— Então, quando eu ligar é porque estarei em frente a esta casa.
Você desce o mais rápido possível e vamos embora. Iremos embora
deste Inferno, para sempre — enfatizou, sentindo alívio em suas
próprias palavras.
— O quê? — interrogou atônito. — Mas como vamos fugir? Não
temos dinheiro, não temos carro, absolutamente nada, mamãe. E se o
Caleb voltar, como ele vai me encontrar? — Eram tantos
questionamentos eufóricos e agoniados. Por mais que quisesse partir,
sentia-se bastante responsável e culpado por destruir o casamento de
seus pais, e pior por fazer a sua mãe optar pela miséria, apenas por
sua causa.
— Caleb deixou um carro e dinheiro para irmos, o suficiente para
você e eu vivermos muito bem, durante muitos anos e distante daqui.
Ele cedeu um apartamento em San Francisco, então não se preocupe
com sua volta, ele saberá onde nos encontrar. — Respirou
nervosamente. — Confie em mim, eu sei que seremos mais felizes lá.
Eu, você e Heilel.
Por segundos, as frases de sua mãe agitaram o seu íntimo tão
atrozmente que seu coração palpitava com violência. Caleb amava-o o
suficiente para salvá-lo de absolutamente tudo, mesmo não estando
presente. No fundo de seu âmago, sentiu-se triste, pois deixar o seu
pai era doloroso, todavia entendia a necessidade de viver sem ele.
Com os mirantes inseguros, periclitantes e cheios de uma felicidade
esquisita, sorriu, controlando todas as emoções existentes.
— E como o papai vai ficar? — a pergunta foi feita em um balbucio.
Não era como se Benjamin não entendesse que a causa de sua
fuga era Hector, seu próprio pai, porém sentiu-se sensível. Apesar de
tudo, ainda o amava.
— Hector ficará aqui, você sabe, filho… — Pigarreou desanimada.
— Será melhor para todos nós. Rose é advogada e, ainda hoje, ela
entrará em ação com o divórcio litigioso, por isso estou indo lá.
Karen tentava ser maleável com suas falas, e jamais negaria que
dar um adeus à sua vida soava doloroso. A sensação era de estar
largando uma parte de si. Abandonar o homem que, por tantos anos,
foi a sua companhia e o seu amor… Doía muito, contudo ela seria
forte, em nome de sua própria história, em nome de Benjamin.

Os cotovelos mantinham-se apoiados sobre a enorme janela branca


enquanto as mãos pequeninas iam contra as bochechas, mantendo-se
confortável. Benjamin respirava tão profundamente, sentia o vento
gélido do fim de tarde bater em seu corpo, fazendo os fios ruivos
voarem para trás. Parecia que estava privado de tal sensação há
séculos e, por um milésimo, sentiu-se como um passarinho livre.
Karen havia saído há meia hora, enquanto Hector, uma hora antes,
e Benjamin estava realmente sozinho.
— Por que as coisas estão dessa forma, Senhor? — indagou em
voz alta, um pouco tristonho e retraído. Os monólogos com Deus
acalentavam o ruivo, mesmo que, inocentemente, ele estivesse
evitando-os.
Parker encontrava-se em um estágio de cansaço, desalento e
descontentamento avassaladores. Sentia-se um ser fraco, desistente,
com pouca dignidade; estava exausto de absolutamente tudo. No
entanto, ainda existia uma mínima fagulha acesa, como uma última
esperança, e aquilo era o suficiente para mantê-lo de pé.
— Deus, me proteja, nos proteja, guarde-nos… E que tudo dê certo,
amém — pediu em voz baixa. Seus olhos estavam fechados enquanto
a aragem o acariciava. O sentimento que o habitava era esquisito,
existiam borboletas em seu estômago, estava muitíssimo ansioso.
Caminhou lentamente até sua cama, sentando-se enquanto bufava
baixo, fazendo os lábios grossinhos tremerem em um breve
besourinho. Encontrava-se tão eufórico que almejava chorar; sentia-se
muito sensível e ocioso ultimamente.
Pegou o aparelho celular e clicou no botão ao lado, vendo-o ligar,
exibindo as horas. Pela centésima vez, pôde bufar. O tempo parecia
não passar.
Fitou a porta do quarto, vendo-a fechada, como todos os últimos
dias. No entanto, seus pensamentos fizeram-no indagar o porquê de
não descer, naquele instante, uma vez que já estava sozinho. Sorriu
pequeno, como uma criança que faz travessuras, concordando com
suas ideias desobedientes.
Levantou-se, andou até a limiar e pôs a mão sobre a maçaneta
álgida, girando-a. O som do ranger nunca havia sido tão latente e
agradável. Atravessou o portal branco, um pouco desconfiado, olhando
para um lado, depois, para o outro, certificando-se de que estava
sozinho. Pôs-se a descer a escadaria, ouvindo o rilhar inconveniente
dos degraus que lhe soava como música.
Por mais simples que pudesse soar, o ruivinho apenas almejava
conviver normalmente, comer algo sobre a mesa, sentar-se no sofá, ir
ao jardim, ajudar sua mãe nos afazeres, contudo não tinha permissão.
Os lumes castanhos não pareciam verdadeiramente seguros, por
isso Parker andava com uma cautela extrema.
Assim que chegou à cozinha, abriu a geladeira de inox e, em seus
lábios, surgiu um sorrisinho meigo, pois tinha sorvete de morango. No
íntimo, estava feliz por saber que aquilo havia sido deixado por Caleb,
algo exclusivamente para si. Agarrou o pote e sentou-se sobre uma
cadeira de madeira, dobrando uma das pernas enquanto balançava a
outra, em um pico de ansiedade e tique nervoso.
A massa gelada trazia-lhe boas lembranças de Lúcifer, fazendo-o
recordar de quando foram tomar sorvete pela primeira vez. Aquele dia
havia sido assustador para Benjamin, uma vez que o seu coração
palpitava tão atroz por Caleb, principalmente quando ele chegava perto
ou tocava em suas mãos. Parker não conseguia assimilar o motivo de
tanto tremular em seu peito, não naquele primeiro dia, mas, depois,
pôde compreender. E, depois disso, sonhou que, um dia, poderiam
andar de mãos dadas pela cidade, como um casal livre e feliz.
Benjamin carregava em sua faceta um riso preso e contente,
todavia, em seus olhos, existiam lágrimas, não de tristeza, mas sim de
saudade.
— Eu amo tanto você, gosto tanto… — pronunciou em um fiapo de
voz, sempre carregando sua particular intuição de que Heilel podia
ouvi-lo e senti-lo.
Dentro do Tinhoso ardia e queimava; por fora, estava como uma
pedra, afinal tudo ao redor poderia mudar, de acordo com a expressão
existente em seu rosto.
Por esse motivo, Caleb não se deixava levar pelas declarações de
amor que Benjamin, frequentemente, fazia. O Diabo suspirava
profundamente e continuava sério, no entanto o seu coração de gelo
derretia-se.
Parker desviou o olhar para o recanto da cozinha, um pouco
pensativo enquanto controlava o seu anseio de chorar como um bebê.
Começou a comer, visto que aquela era sua primeira refeição do dia.
Ele não sentia fome.
No entanto, o peitoral do ruivo pôs-se a subir e descer
freneticamente quando ouviu um barulho de chaves balançando e a
porta se abrindo. Cruzou os dedos e desejou que fosse sua mãe, ou
melhor, que não fosse ninguém, apenas vaga impressão.
Ergueu-se, com o intuito de correr para o quarto, abandonando tudo
de qualquer jeito. Cogitou caminhar devagar, com passos cautelosos,
para que não fosse ouvido, mas o medo o consumiu drasticamente e
não se poupou de correr o mais rápido que o seu corpo permitia,
escorregando pela escada, em completo desespero.
Assim que avistou a porta do quarto, adentrou-o, trancando-a com a
chave. Encostou-se sobre a limiar de madeira enquanto seus olhos
permaneciam fechados e sua respiração totalmente desregulada.
— O que é isso, Benjamin Parker? — inquiriu com grosseria e
extremo mau humor.
Hector estava de pé, no meio do quarto do ruivo, diante dele, e
segurava o celular. Os olhos do reverendo esbanjavam raiva, e o
cerne, ódio. Desejou matar o próprio filho.
Benjamin tinha os mirantes totalmente arregalados, com uma
expressão assustada; os lábios tornaram-se pálidos e começou uma
tremedeira infinda.
— O que é isso? Responda! — seu tom subiu nervosamente. Deu
um pequeno passo para frente, fazendo Benjamin recuar para a porta
enquanto estava gelado e não parava de tremer. Desta vez, não tinha
saída, não tinha Karen, nem Caleb. Estava diante de um monstro que,
por muito tempo, amou e chamou de pai.
— Por favor, papai… Me devolva, por favor — implorou, engolindo
suas palavras, com pavor.
— Eu fiz uma pergunta, responda-me. — Apesar de não gritar, seu
timbre era grosso e rude, não escondia a amargura.
— Um celular, só isso — poderia ser um desdém, no entanto não foi.
Benjamin estava tão aflito que o seu filtro de palavras estava se
esgotando.
— Não se faça de idiota, seu bastardo. Acha que sou tolo? Sei que
foi aquele desgraçado que lhe deu esta porcaria. — Cerrou os dentes,
durante a fala, e demonstrava uma falta de sanidade hedionda.
— Papai, me deixe falar, por favor — pediu. Levantou-se
lentamente, tentando passar confiança para Hector. O pastor revirava o
celular por completo, deixando Benjamin ainda mais amargurado, afinal
ele tinha o que temer. — Eu sou seu filho, o mesmo de sempre… Por
favor, fala comigo, me responde — ditou, passando uma falsa
tranquilidade, dando passos para frente.
— Você não é mais o meu filho — refutou, deixando seus olhos
sobre o smartphone.
Suas palavras cortaram o coração de Parker.
O rosto do Senhor Parker tomou uma coloração avermelhada, uma
expressão horrorizada habitava-o, e pôde sentir o sangue ferver,
percorrendo todas as suas veias.
— VOCÊ É IMUNDO! — gritou. Virou o celular, tremendo,
mostrando a foto do pênis de Caleb.
O arruivado ficou extremamente envergonhado e branco como uma
folha de papel, seus lábios já estavam arroxeados de ansiedade.
— Por que você continua fazendo essas coisas sujas, Benjamin? —
perguntou, agora usando um timbre rouco, cansado e manso, que
causava um pavor maior do que qualquer grito latente.
— Pai, eu não fiz nada… Sou assim, não há conserto. Não posso
ser diferente, não consigo. Já tentei e fiz de tudo, mas é imutável!
Por mais que Benjamin tivesse dificuldade com a autoaceitação,
agora ele compreendia melhor quem era e do que gostava.
— Pare de me chamar de pai! — esbravejou, cheio de frieza. Não
havia compaixão nos olhos de Hector.
O reverendo, rapidamente, ergueu a mão, atirando, com brutalidade,
o aparelho contra o chão, fazendo a tela trincar por completo. A queda
foi tão agressiva que boa parte se tornou cacos minúsculos.
— NÃO! — Parker gritou em protesto. Correu até os estilhaços do
celular e não conteve o choro angustiado. Aquilo era o que sobrava,
suas exclusivas lembranças ao lado de Caleb, suas fotos, sua alegria
e, agora, tudo se tornara meros pedaços, igual ao seu coração.
Sentiu a palma grande e gélida puxar seus fios ruivos, enrolando-os
entre os dedos e erguendo-o com fúria.
— Por que você é assim? Isso é nojento — exclamou. — Eu criei
você tão bem, afastei-o de todas as coisas más, te guardei como uma
joia preciosa e rara... — cada palavra saía sussurrada, embebecida de
desespero. — Por que você se tornou isso? —Os olhos do pastor
estavam cheios de água. — POR QUÊ? — gritou sacudindo-o.
Benjamin sentiu um zumbido terrível ecoar por seu ouvido, devido
ao grito, enquanto seus fios ardiam, pelo modo violento que eram
segurados.
— Eu sou assim, só sou. Queria muito ser como nos seus sonhos,
papai. Me perdoe, por favor. Eu juro que tentei, mas não posso ser
outra pessoa, isso não me faz feliz. — Culpava-se por toda a situação,
parecia que sempre estava caçando problemas. Se não tivesse saído
do quarto, como sua mãe alertou, não estaria naquela situação. No fim,
tudo era sua responsabilidade, sempre foi.
— Por quê? — repetiu, utilizando um timbre louco. Com cólera,
atirou o corpo de Benjamin sobre a cama, fazendo-o bater a cabeça na
cabeceira e, em seguida, pôs-se a tirar o cinto preto que envolvia a
cintura.
— Não me machuque, por favor… — pediu chorando enquanto
cobria o rosto com as mãos, tentando se proteger.
Antes de realizar qualquer prece, o cinto de couro foi contra o seu
braço, deixando, instantaneamente, uma violenta marca vermelha e
inchada; aquilo ardia muito.
— Você é um completo lixo — cuspiu as falas com maldade.
Agrediu-o novamente, agora em suas costas, sete vezes seguidas,
enquanto Benjamin chorava, em prantos, e curvava-se, a fim de
amenizar a dor.
Hector puxou uma das pernas do garoto com agressividade,
ouvindo-a estalar fortemente enquanto Benjamin gritava de dor. O
cinto, mais uma vez, foi contra sua pele que estava totalmente sarada
de outrora, marcando-a novamente, e repetindo o ato incessantemente.
Parker apenas gritava e soluçava; estava sozinho, completamente
solitário.
Por um breve instante, Hector largou o cinturão e fitou os olhos do
casto garoto.
— Você me desrespeitou e, também, a sua mãe, bem embaixo do
nosso teto. — Ficou ainda mais próximo do ruivo, apertando as
bochechas vermelhas e molhadas por lágrimas, com crueldade. —
Você é o motor de todos os nossos problemas. Tudo era esplêndido,
antes de você nascer.
O velho mantinha os olhos arregalados, transpirava durante a fala e
tinha pouco fôlego.
— Deus te despreza, jamais irá perdoá-lo.
Escarrou com gosto e, no fim, cuspiu expectorado sobre o rosto de
Benjamin, com uma indiferença asquerosa.
— Deus me ama! — contrapôs, em um quase grito, limpando a face.
Estava enojado. Ele sentia, ouvia a presença do Senhor, sabia que era
amado.
— NÃO ELEVE A VOZ PARA MIM, ME DEVE RESPEITO! —
Despejou um tapa bruto na face alheia, fazendo-a virar, por conta do
impacto, deixando o desenho perfeito de sua mão na fronte
branquinha. — Você é ingênuo o suficiente para não enxergar que
Heilel só queria profanar o seu corpo? — Deu-lhe outra tapa. — Me
diga: onde ele está agora? Cadê seu príncipe encantado para salvá-lo?
— falou, inteiramente debochado, exibindo um sorriso sádico e
maníaco.
— ISSO NÃO É VERDADE, ELE ME AMA! — Empurrou Hector com
a perna, fazendo-o cair para trás. — ELE VAI VOLTAR, EU SEI QUE
VAI!
O corpo de Lúcifer parecia queimar e o Inferno inteiro tremia. A
cólera consumia o submundo e os anjos gritavam angustiados. Ele não
voltaria, não podia, mas queria.
— Seu merdinha, preferia que tivesse morrido ao nascer, sua
aberração! — Cuspiu mais uma vez. — Acha que ele ama você? Não,
não mesmo! Você não passa de um depósito de porra — proferiu
arrogantemente, sentindo sua estrutura inteira flagrar de ódio.
Benjamin encontrava-se na extremidade do quarto, totalmente
assustado, quase se fundindo com as paredes.
— Vamos, Benjamin… Diga-me que você não é assim. Venha cá,
ajoelhe-se e peça perdão — o timbre já não era como antes, agora
estava repleto por uma mansidão assustadora.
— NÃO! EU NÃO VOU! — protestou, chorando, em um evidente
enervamento.
— Estou ordenando! — Os luzeiros do reverendo estavam se
fechando enquanto se continha para não quebrar o garoto em mil
pedaços.
— Eu não preciso pedir perdão porque eu não pequei! — exclamou
com pujança. — Deus me ama! Me ama como sou, me ama sendo gay!
Ele me ama! — As falas repetidas eram acompanhadas por lágrimas
grossas que caíam de acordo com os bramidos enquanto o rosto
angelical e branquelo estava inteiramente vermelho.
A palavra “gay” despertou uma fúria inigualável e intensa no herege
reverendo.
Em um piscar de olhos, Benjamin já estava sendo jogado no chão,
levando chutes no estômago e contorcendo-se de dor. Prontamente,
Hector puxou os fios ruivos. Havia tanta força investida que Benjamin
somente gritava.
— Se quer ser gay, então será — ditou, em um sussurrar
amedrontador. Puxou o probo Parker, colando-o ao seu corpo,
depositando um selar babado e nojento no pescoço alheio. Atirou a
estrutura física, de bruços, sobre a cama e pôs-se a subir em cima,
apertando-o.
Benjamin gritava de desespero, debatia-se como um peixe fora
d'água. Hector arrancou o terno, jogando-o no chão enquanto rasgava
a camiseta branca que cobria o corpo do ruivo, deixando-a em retalhos.
— PARE COM ISSO! PARE! — bradou, debatendo-se. Sentiu um
soco em sua costela, fazendo-o ralhar de dor. Sua corpulência foi
virada agilmente, a mão longa e gelada de seu pai segurou seu rosto
coralino, beijando-o e lambendo-o, descendo para o pescoço.
Benjamin nunca se sentiu tão nauseado.
— Vamos, quero ouvi-lo gemer como na noite em que se deitou com
o próprio Mal — ciciou no ouvido alheio, utilizando uma voz
enlouquecida.
O ruivo jamais imaginou que Hector, o seu pai, o pastor, seria capaz
de cometer tantas maldades com ele. A mente de Parker parecia ter
entrado em combustão, estava tão angustiado que sequer conseguia
manter a visão límpida; chorava tanto que tudo se tornou turvo. Sentia
a mão suja tocá-lo, colocando-o de prono novamente, passando por
suas costas para, em seguida, arranhá-lo violentamente, apenas pelo
deleite de vê-lo gritar de dor.
A repulsa que o dominou foi indistinguível, algo tão árdego que jurou
nunca mais chamar aquele homem de pai, prometeu que jamais o
amaria novamente.
No Inferno, Lúcifer sucumbia-se intensamente, o ódio genuíno
habitava-o. Seus olhos reviravam de modo jamais visto, suas asas
balançavam com tanto vigor que causavam uma ventania feroz que
impedia Joseph de se aproximar.
— LÚCIFER!
O rosto de Heilel criou veias negras por todos os lados, pulsando
com truculência e, em sua testa, algo queimava. Era a marca de Cristo,
sua cruz.
— HEILEL, ME OUÇA, POR FAVOR! — Hope gritou com tanto
sentimento e anseio que todo o corpo do Diabo se aquietou, e de sua
testa saiu fumaça, como se tivesse sido marcado por um ferrete em
brasa.
— Joseph, vá à casa do Benjamin e ajude-o. Eu não posso sair, mas
você pode e deve — sua entonação encontrava-se muito mais grossa,
algo inconfundível: era a voz do fidedigno Diabo.
Caleb estava visivelmente desestabilizado. Geefs sentia toda a fúria
transmitida, o Chinfrim gritava em lamentações infindas e perjuras. O
crepúsculo tornou-se ainda mais assombroso e todo o céu escurecido
volveu-se ao carmesim enquanto os seus anjos sangravam, com
feridas abertas. Sentiam sua dor e compadeciam-se em nome dela.
— O que houve? — interpelou confuso, uma vez que Caleb fechou
todas as passagens de visão, somente ele poderia enxergar o que se
passava na Terra.
— Apenas obedeça-me.
— Senhor, posso demorar muito tempo a chegar… — foi uma
afirmação verídica.
— Não há tempo para pensarmos em consequências dos estágios e
círculos. Somente vá e eu dou-lhe força para chegar o quanto antes.
Ajude-o, Hope… Você, mais do que ninguém, entende a dor dele.
Joseph assentiu, mantendo-se de olhos arregalados e,
imediatamente, pôs-se a correr.
Hector riu sussurrado, bem ao ouvido de Benjamin, como se
estivesse efetivamente álacre em fazê-lo sofrer, em abusar
maldosamente de sua carne que padecia e amargava ali.
— Agora, eu compreendo o porquê Caleb quis tanto usá-lo — ditou
baixinho, fitando Benjamin com uma expressão insana.
Parker chutou-o, utilizando a pouca força que tinha e, agilmente,
cuspiu sobre seu rosto, em um evidente desaforo, como se pudesse
silabar com um único ato: eu odeio você.
— Eu seria bonzinho com você, mas vejo que prefere pelo modo
mais difícil. — Sorriu. — Oh, é desse jeito que gosta? Com
agressividade?
Hector voltou a agredi-lo, e Benjamin somente sentiu vários murros
sendo depositados em suas costas, fazendo-o tossir demasiadamente.
Tudo o que seu cerne fazia era clamar ao Senhor, ao mesmo tempo
que sua compleição física lutava para sair daquela situação
emporcalhada.
No instante em que o pastor rasgou toda a sua calça e deixou-o
somente de cueca e restos de camiseta, pôde desistir, já não tinha
forças para lutar, não tinha garra, Deus não o ouvia.
— Meu bem, por favor, mexa-se. Não desista — mas o diabo o
respondia. A voz de Caleb ecoou tão baixa e leve quanto uma brisa de
uma primavera juvenil, invadiu os ouvidos de Benjamin com um poder
indescritível e o mais ciciado dos sussurros foi ouvido como um brado
grito.
Em um instante, vacilante, conseguiu agarrar o abajur de porcelana
que ficava sobre o aparador, e quebrou-o sobre a cabeça do
reverendo, sem pestanejar nenhuma vez.
Viu-o cair para trás, sangrando.
Levantou-se, em uma aflição indefinida, e tudo o que pôde fazer foi
correr. Tentava ser o mais veloz possível, no entanto estava tão
machucado que cada degrau parecia estar a extensos metros de
distância.
Quando chegou até a porta, começou a forçar a maçaneta, porém
não abria, estava trancada. Nesse instante, o desespero duplicou e
uma falta de ar sucumbiu-lhe por inteiro.
Voltou para a cozinha, manquejando, avistou os depósitos onde
ficavam os alimentos das doações da igreja — era um espaço maior
que o armário de cozinha — e correu para adentrá-lo, segurando o
anseio de chorar e gritar de dor, medo ou legítimo pavor.
— Deus, me ajude… Por favor — sussurrou, fechando a portinha e
espremendo-se entre as sacas de arroz. — Por favor, Senhor. Me
ajude, me ajude.
A sua constituição física titubeava descomedidamente, como
também parecia rígido de nervosismo e clamava em voz baixa,
deixando que as lágrimas grossas e salgadas caíssem sem
interrupções.
— Me ouça, Deus… Por favor, me proteja, me livre de todo mal. Por
sua Mãe, pelo Espírito Santo de Jesus. — Suas mãos estavam unidas,
entrelaçadas, e ele orava, rezava, gritava sem som, falando sem falar.
— Ben, Ben, Ben — a voz de Hector cantarolava com alegria.
Parker apertou os olhos, tremendo ainda mais.
— Me resguarde, não me abandone — suplicou mais uma vez.
— Venha, filho… Apareça — a tonalidade parecia serena, mas o
barulho da arma sendo destravada evidenciava as más intenções. —
Onde você está, meu doce? O papai não te fará mal algum. Vamos
apenas brincar um pouquinho. Você vai se divertir, garanto.
O reverendo olhava para cada pequeno lugar da casa, até o mais
estreito espaço. Fazia questão de esbravejar sua voz, para que ela
fosse ouvida em qualquer localidade que o mélico ruivinho estivesse.
Benjamin tremulou ainda mais quando pôde ver, por uma pequena
fresta, os pés de Hector caminhando sorrateiramente pela cozinha. O
pastor pôs-se a abrir porta por porta dos armários, fazendo Parker
titubear cada vez que o sentia mais próximo. Encontrava-se em um
estado tão intensivo e esmagador que o seu corpo aparentava estar
extremamente gélido e pétreo, tanto que os seus dentes batiam um no
outro, por isso apoiou um dedo entre eles, evitando o som, chorando
em desespero.
— Benjamin… Benjamin...
Cada vez que o seu nome e apelido eram proferidos pela boca suja,
sentia uma ânsia de vômito inigualável. Segurava-se para não
regurgitar naquele mesmo momento.
O armário que estava acima do acobreado foi aberto, o que indicou
que o fim havia chegado. Rendeu-se, amolecendo-se todo, sentindo-se
dormente e apático. O que o salvou foi o som da porta da frente sendo
aberta.
— Ben, filho? — Karen chamou-o, nervosa.
Assim que chegou e avistou o carro do marido, desesperou-se,
apesar de confiar que Benjamin não sairia do quarto.
— Vagabunda! — resmungou baixo, amaldiçoando a voz feminina.
Parker respirava extremamente arfante, pelo pânico e algia que
sentia. Os seus lábios estavam secos e sofria fortes espasmos por sua
estrutura.
Por um ínfimo segundo, desejou sair e correr, porém estava em
desesperação, não conseguia sequer mover as pernas.
Observava através da fenda, já não vendo nem ouvindo Hector.
Seus luzeiros rolaram por diferentes lugares e, rapidamente, avistaram
uma arma embaixo do terceiro armário. Benjamin sempre soube do
vício de Hector por armas, sabia de suas existências e que ficavam
escondidas pela casa, tudo por questões de segurança e defesa
pessoal.
Ofegou profundamente. Ele precisava buscar coragem, necessitava
salvar sua mãe, pelo menos uma vez, das garras daquele maldito. A
lembrança da voz de Lúcifer dava-lhe força, gana. Portanto, saiu do
armário com uma bravura que sequer sabia existir dentro de si.
Arrastou-se até o outro escaparate, pegando aquela pistola com uma
tremedeira infindável, e levantou-se, exibindo uma feição cheia de dor
— já podia notar que o tornozelo estava realmente torcido.
O silêncio presente na residência dos Parker não indicava paz e
tranquilidade, pelo contrário: exprimia fúria, perigo e barafunda.
O ruivo, coxeando, chegou até a aresta da parede, encostando-se e,
ligeiramente, virou-se, observando uma cena dolorosa: Hector
apontando uma arma para sua mãe; nenhum dos dois falava, estavam
fixados. Dava para sentir o medo, a loucura, o mal-estar.
Assim que Karen percebeu a presença de Benjamin, inocentemente
desviou o espevitar, fitando-o, e aquilo foi o suficiente para o reverendo
retirar outra arma do quadril e apontá-la para o garoto.
Parker, sem pudor algum, fez o mesmo: manteve suas mãos
trêmulas apontando um revólver para seu próprio pai, e não hesitaria
atirar.
— Você acha que sabe mexer nisso? — Denotou a pistola e deu
início a uma gargalhada alta. — Quem atirar primeiro ganha… E
lembre-se: sua bala terá que ser mais rápida do que duas. — Exibiu um
sorriso dentário, totalmente psicopático e cruel.
— Pare com isso, Hector. Você está agindo como um louco! —
Karen ditou com a voz dura. A visão de Benjamin quase desnudo, com
trapos rasgados, completamente arranhado, com sangue escorrendo
das coxas e sangue seco no nariz, deixou-a destruída.
— Cale essa boca, sua vadia desgraçada. — Encostou a arma na
cabeça da mulher.
— Se afaste da minha mãe, seu canalha! — o ruivo vociferou, dando
um passo para frente. Parker nunca sentiu tanta angústia em seu peito.
— Você faz isso de propósito, não é? — questionou.— Finge não
ver as coisas que acontecem, continua agindo como se tudo isso fosse
normal.
O rosto de Hector suava demasiadamente e o seu tom estava
embriagado de furor.
— Não estou fingindo. Nunca precisei fazer isso para enxergar a
verdade — falava com uma firmeza surpreendente, todavia não
conseguia conter as lágrimas que manavam sem qualquer autorização.
— Sei que não é totalmente inepto, não o criei para ser um palerma.
Você está fechando os olhos para as coisas que Heilel faz, mesmo que
sinta o cheiro de maldade, de enxofre… — proferiu ardilosamente. —
VOCÊ SE FAZ DE IDIOTA! — gritou, inteiramente bipolar, assustando
Karen e Benjamin.
— Pare de gritar! — impôs, em um tom pouco fincado.
— VOCÊ NÃO CONSEGUE VER O QUE HÁ DE ERRADO COM
AQUELE AMALDIÇOADO? — não cessou os alaridos. — NÃO
ENXERGA QUE ELE LEVITA, QUEBRA, DESTRÓI AS COISAS SEM
SEQUER TOCÁ-LAS? ENTRA NO SEU QUARTO SEM ABRIR A
PORTA, OS OLHOS DELE MUDAM DE COR... É INCAPAZ DE VER
ISSO, SEU BASTARDO? — berrava cada mísera palavra, causando
um choro dobrado no alaranjado.
— CALA ESSA BOCA! — Benjamin exigiu, dando mais um passo à
frente. Segurava tão ferozmente a arma que sua mão estremecia.
— Por que você dissimula? Ainda não vê o perigo disso? Continua
amando-o como se fosse normal… Ou achou normal a vidraçaria
inteira da igreja explodir no mesmo instante em que ele a adentrou? —
a voz já estava ofegante. — Ele não é normal, não é um ser humano.
— Eu sei o que ele é — proferiu, quase mudo, sentindo seu corpo
querer debruçar sobre o chão. — Mas o amo do jeito que for.
Benjamin sempre fechava os olhos para as atitudes de Caleb, para
as coisas bizarras que ele fazia e, também, tapava os ouvidos para o
que Deus lhe falava.
— ELE NÃO AMA VOCÊ, NÃO PODE AMAR. O DIABO NÃO AMA
NINGUÉM! — sorriu durante cada palavra.
O alaranjado negava freneticamente, encontrava-se invadido por
sentimentos ruins.
— Calebie me ama! — exclamou. — Ele me mostrou isso quando
cuidou de mim, me protegeu, me deu afago. Ele sabe amar, você não.
Talvez, aquele fosse o último ato de coragem que pudesse ter.
Hector destravou ambas as armas, fitando intensamente os olhos de
Benjamin, observando o garoto ressumado e arquejante.
Desceu a visão para o corpo bonito, muito bem delineado, e sentiu
desejo e prazer.
— Não diga isso, filho, o papai ama você. — Pigarreou exasperado.
— Podemos começar tudo de novo, o que acha? Apenas diga que
nada daquilo foi verdade, diga-me que ele nunca tocou o seu corpo,
que você continua imaculado e puro. Basta dizer que ele jamais voltará
e, enfim, teremos paz. — O pastor tinha as mãos cheias de espasmos,
e isso evidenciava sua falta de sanidade.
— Não mentirei para satisfazer seu desejo sujo! — cuspiu as falas.
— Eu o amo. Ele me apalpou, me tocou várias vezes e sempre poderá
me tocar. E sei que ele voltará para mim! — pronunciou duramente.
Foi nesse momento que Benjamin notou o quanto amava Caleb:
quando já não tinha medo de enfrentar o seu maior pesadelo, quando
sua vida estava em risco e ele não se calou.
— Você quer ir para o Inferno, Benjamin? — desdenhou.
— O Inferno é aqui, papai. — Destravou a pistola, emitindo um som
já conhecido.
Hector ensinou-o a atirar desde os doze anos e, agora, provaria do
próprio veneno.
Entretanto, notou que sua vida não era a que estava em jogo e,
quando se deu conta, dois tiros foram disparados no peito de sua mãe.
— MÃE! — vociferou. — NÃO, NÃO, NÃO! — gritou agudo, sentindo
a garganta rasgar.
Jamais havia sentido tanta dor em um curto espaço de tempo, uma
dor instantânea. A angústia dominou-o e o mundo pareceu parar; tudo
estava turvo e em câmera lenta.
Ele correu até Karen, agarrando sua estrutura física que sangrava,
sujando-o.
— Não, mãe… Por favor, não!
Abraçava a mulher com força, soluçando tão alto que poderia morrer
sem ar. Deu início a gritos histéricos e um choro inigualável.
Karen olhou-o, tentando dizer algo, e seus lábios balbuciaram um
“eu te amo” que sequer saiu com voz. Em seguida, ela fechou os olhos,
entregando-se a Deus.
— Mamãe, por favor, não vá embora... Fique comigo, eu preciso de
você! — Sacudia-a enquanto chorava, sem escrúpulos.
Doía como nada doeu antes. Naquele instante, tudo, absolutamente
tudo, perdeu o sentido. Ergueu-se, trêmulo, segurando-se na base da
escadaria branca, sujando tudo de sangue.
Pela primeira vez, Benjamin conheceu o sentimento mais intenso e
devorador: o ódio.
— Eu odeio você, seu desgraçado! — pronunciou sílaba por sílaba,
rangendo os dentes, dilatando as narinas com sua respiração ofegosa.
Andou até o reverendo e apontou a arma para o seu rosto, encostando-
a exatamente em sua testa, sentindo-o fazer o mesmo.
— Eu amava sua mãe — ditou atordoado.
Lúcifer encontrava-se tão absorto, sua cabeça doía severamente e o
Inferno, por inteiro, gritava insaciavelmente. Seus olhos estavam cegos
para a Terra e ele já não podia ver o que acontecia, não podia sentir
Benjamin, nem mesmo a pulseira.
Os demônios e anjos gritavam por Lúcifer, em um apelo
inalcançável, algo tão alto, latente e intenso que estouraria ouvidos
humanos. Heilel, por sua vez, ajoelhou-se, já não podendo fazer
absolutamente nada.
— Deus, proteja-o — o Diabo clamou ao Senhor, do sal da terra, à
luz do mundo, ao que fez o homem do pó e que o faria ao pó retornar,
ao poder mais traiçoeiro e benigno; clamou ao amor perpétuo.
Por um pequeno segundo, um vulto de luz branca ecoou no Inferno
e todos os servos e eternos pecadores de Lúcifer colocaram-se de pé,
prostrando-se a Cristo, e seus rostos puderam glorificar a Deus:
“Santo, santo é o Senhor que morreu na cruz por nós. Somente Ele
é Deus. Aleluia! Louvai ao SENHOR, louvai-o.”
Todos os seres habitantes do Martírio sentiram um queimor
insuportável em seus corpos. Até mesmo Joseph e Gadreel,
independentemente de onde estivessem, clamaram ao nome de Cristo
e disseram que somente Ele é o poder, a ordem e a glória.
E Heilel pôde gritar com benevolência:
“Que o filho de Deus, Emanuel, seja louvado e adorado. Que a
mesma boca que pratica o mal, possa praticar o bem. Bendito seja o
sangue do Cordeiro.”
Por fim, um único gatilho foi puxado, e nunca se ouviu um tiro tão
doloroso. Estrondou pela casa inteira, alto e melancólico, fazendo com
que até os pássaros, que pousavam tranquilamente sobre o telhado,
voassem assustados.
O Diabo, que as enganava, foi lançado no lago de fogo que arde
com enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta.
Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sempre.

Apocalipse 20:10

Benjamin mantinha a arma em mãos, apertando-a com fúria,


empurrando-a contra o rosto de Hector enquanto este retinha uma
faceta firmemente séria.
As mãos pequenas tremiam, a dor já não era tão sentida, devido ao
excesso de adrenalina que percorria todo o seu corpo; suava frio e
seus olhos lacrimejavam sem autorização.
— Você nunca terá o meu perdão — Hector anunciou, sem piedade
dos sentimentos já pisoteados do ruivo.
— Não quero o seu perdão. — Nunca houve tanta frieza proferida
dos lábios puros de um ingênuo garoto.
Hector sentia as grossas gotículas de suor percorrerem por sua
testa envelhecida, caindo sobre os cílios. Virou a pistola lentamente
para si, apoiando-a diretamente em seu peitoral.
— Você, Benjamin, destruiu a nossa família, nos dilacerou em nome
de um amor profano, mundano. Abdicou da sua pureza, da sua
virgindade, somente para saciar os desejos de um Demônio — silabou,
em ciciados melancólicos e revoltos.
— Eu quis saciar os meus próprios desejos, quis senti-los. Eu quem
quis! Não fiz nada de errado e não acabei com a nossa família, você
que fez isso! Aniquilou a vida da mamãe e a minha junto — refutou,
sentindo o cerne queimar em uma tristeza inexprimível. Parker não
sabia qual sentimento o dominava: ódio, tristeza, decepção ou
abandono.
— Era para você ser meu, somente meu, pequeno Ben. A sua
pureza pertencia-me, pois fui eu quem o coloquei no mundo. — Limpou
o suor da testa, utilizando o peito da mão.
— Isso é sujo, é nojento! — declarou, piscando um pouco mais
rápido, demonstrando seu nervosismo extremo. — Você estragou a
minha vida — Benjamin sussurrou.
Sentia-se um ser totalmente imundo, somente em se lembrar que
outrora Hector aproximava-se de si tão traiçoeiramente.
Jamais existiriam palavras ou sentimentos suficientes para
expressar tamanha angústia; nunca haveria emoção para que ele
pudesse expor tanto nojo e repulsa.
O reverendo olhou-o nos olhos intensamente, esbanjando obsessão.
— Se depender de mim, você jamais ficará ao lado dele.
Hector puxou o gatilho com a sede de trazer para Parker o
sentimento mais ardiloso: a culpa.
Nunca se ouviu um tiro tão doloroso. Estrondou pela casa inteira,
alto e melancólico, fazendo com que até os pássaros, que pousavam
tranquilamente sobre o telhado, voassem assustados.
Os últimos sons, antes do silêncio hediondamente barulhento invadir
o lugar, foram o corpo do pastor caído sobre o chão e a arma que
estava nas mãos do alaranjado. Era o fim.
— Eu odeio você — ciciou, com pavor.
Deu alguns passos tropeços para trás, fraquejando as pernas
enquanto os seus olhos piscavam com rapidez, repetidas vezes. Sua
estrutura física queimava e a respiração tornava-se ainda mais
ofegante e avulsa.
Trinou angustiado, sentindo a parede tocar suas costas. Estava em
estado de pânico. Sua compleição sofria violentos espasmos
involuntários e, quando fitou, mais uma vez, o corpo de Hector sobre o
chão sangrando, tudo o que pôde fazer foi gritar de modo tão brutal
que se tornou mudo, intenso. Chorava sem lágrimas, em prantos sem
voz, sem som. Tudo o que existia era um gigantesco nó na garganta
que parecia querer rasgá-lo ao meio.
Jamais passou por sua cabeça ter tal sentimento sobre a morte de
seu pai, contudo sentiu-se aliviado em vê-lo morto, mesmo que
existisse culpa, tristeza, desnorteamento.
Escorreu pela parede, sentando-se sobre o piso de madeira. Sua
visão estava um tanto turva e sua cabeça doía. Dobrou as pernas,
abraçando-as enquanto cobria a face, já não conseguindo se controlar.
Os soluços começaram a sair baixinho, junto à sua capacidade de
emanar água. Só havia tristeza, só havia Benjamin. Nem Deus, nem o
Diabo, apenas Benjamin, sozinho.
Após breves minutos, pôs-se a limpar o choro. Precisava fazer algo.
Voltou a engatinhar, desconsolado, até a sua mãe, puxando-a para
perto e debruçando-se sobre ela, sujando-se ainda mais com o sangue
inocente.
— Mamãe, por favor, não me deixe. — Aquele pedido foi mais a
Deus do que para Karen. Acariciou o rosto da mulher, sentindo-a ainda
morna. — Oh, meu Deus… — murmurou choroso, voltando a apertá-la,
desatinado em um choro sem consolo. — Que Jesus te receba bem,
mamãe. Eu amo você, eu a amo mais do que qualquer coisa na minha
vida — proferiu, durante o soluçar, derrubando lágrimas grossas.
Sabia que Karen o havia amado intensamente, que, em cada
segundo, ela esforçou-se para lhe proporcionar uma vida melhor, um
futuro melhor.
Fechou os olhos opacos de sua mãe e, em seguida, deitou-se sobre
seu peito, que já não tinha um coração batendo, e ali ficou.
A porta foi, não somente aberta, mas brutalmente arrancada,
voando em direção à escadaria. Gadreel estava raivoso, volveu seus
lumes para o ruivo no canto, vendo sangue para todos os lados
daquela sala cheia de liturgias; uma cena deplorável, assustadora. Foi
como se seu cardial realmente estivesse fervido, não somente pela
irresponsabilidade de Lúcifer — afinal, interferências como as que ele
fazia e fez, por lógica, causariam desgraças na mesma proporção—,
mas, também, porque tudo aquilo tinha sua parcela de culpa, seja por
ter permitido que Caleb brincasse por tempo demais ou por tê-lo tirado
da Terra quando já não havia tempo.
Não proferiu palavra alguma, apenas observou Parker fitá-lo,
amedrontado. Os olhinhos estavam vermelhos, no entanto ainda
brilhavam, e o rosto encontrava-se inchado pelo choro excessivo.
Benjamin sentia-se tão desamparado que ver um estranho como
Gadreel soou-lhe como uma luz no fim do túnel: sua luz, seu anjo da
guarda.
— Me ajuda, por favor… — pediu, totalmente aflito, erguendo-se
com extrema dificuldade, apoiando seu corpo no corrimão da escada,
fazendo-a ranger.
Exibiu sua pouca roupa, mostrando que a maioria fora violentamente
rasgada. Estava manchado de sangue por inteiro, suas pernas e
braços estavam repletos de machucados e sequer conseguia tocar o
outro pé sobre o chão. Ali existia o retrato de um jovem abusado física
e psicologicamente.
Não era como se o anjo caído conseguisse controlar a raiva que
fervia por suas grossas veias, fazendo seu sangue borbulhar. Seus
olhos tornaram-se verdes como esmeraldas brilhantes, algo
intensamente profundo, salobre; isto fez Benjamin recuar.
As asas negras abriram-se agilmente, ecoando um zumbido terrível,
fazendo Parker tapar os ouvidos enquanto o vento, provocado pelos
movimentos bruscos, derrubava o corpo frágil, fazendo-o gritar
assustado. Benjamin tremulava por inteiro e mantinha os mirantes
arregalados pela criatura diante de si. Seu grito era prolongado e
agudo enquanto andava para trás, deixando um rastro.
— VOCÊ NÃO PODE MORRER ASSIM, SEU DESGRAÇADO! —
cuspiu em gritaria, agindo impulsivamente. Avançou na direção de
Hector, como uma ave raivosa. Levantou a estrutura sem vida e jogou-
a contra a parede, derrubando os quadros que outrora estavam presos,
causando um alarido de estilhaços.
O anjo demoníaco entendia que a sua atitude não seria aplaudida
por Joseph ou Caleb, afinal ele estava assustando Benjamin, porém
era o seu desejo de vingança; culpou-se por não ter chegado mais
cedo.
A morte fácil para um homem tão cruel parecia-lhe patética, e se por
um ínfimo segundo aquele corpo pudesse sentir um último resquício de
sofrimento, Gadreel o faria sentir.
Joseph chegou ao gramado verde, correndo em direção a casa,
observando-a sem limiar. Rapidamente, deduziu que Gadreel havia
chegado primeiro.
Geefs sabia que, apesar dos pesares, Gadreel não era totalmente
mau, principalmente para Benjamin, a quem protegia de Caleb. No fim,
o anjo enfurecido só queria o bem-estar da Terra, dos humanos,
mesmo que isso custasse a liberdade do Diabo e a sua amizade.
Pôs-se a adentrar a residência que se encontrava aos pedaços.
Seus mirantes pousaram sobre o anjo demoníaco e, por um átimo, não
conseguiu compreender todos os acontecimentos.
— Joseph, Joseph! — Benjamin clamou, inteiramente angustiado.
— Não precisa temer, respire. — Geefs Gesticulou para o ruivo
enquanto se aproximava, em total choque.
— Por favor, me ajuda… Ajuda a minha mãe — sua voz era tão
amedrontada e trêmula que preocupava o braço direito.
— Benjamin, olhe para mim. — Segurou-o pela face, utilizando
ambas as mãos, com um olhar fixo e ligeiro, transmitindo segurança. —
Vamos focar você. Me diga o que aconteceu aqui… — pediu com
firmeza.
— O meu pai, ele… Ele me bateu, tentou me tocar — gaguejou,
engolindo a saliva em seguida. — Joseph, a culpa não é minha, eu
juro. Acredite em mim, eu não fiz nada — justificava-se, aos prantos,
enquanto abraçava Geefs, em uma necessidade bárbara de ser
compreendido. Desejou que o demônio não o largasse nunca mais.
— Você não tem culpa! Não tem culpa de nada! — Limpou as
lágrimas do outro, olhando-o nos olhos intensamente.
— Ele atirou na minha mãe, a matou, Joseph. Eu não sei o que
fazer... — Abraçou-o novamente. — Ele me disse que tudo era culpa
minha, mas eu nunca quis causar o mal, não queria que as coisas
fossem assim, que terminassem desse jeito — a voz era aguda; os
lábios grossos estavam ressequidos e o sangue no nariz dava-lhe um
ar deplorável, o que era, de fato.
— Já lhe disse: você não tem culpabilidade nisso tudo. Eu estou
aqui, agora, fique calmo. Você não está sozinho — requereu,
apertando-o ainda mais.
Benjamin, com todo o esforço, pareceu cooperar. Suspirou
profundamente, controlando a respiração, sentindo a garganta ralhar
pelo desejo excessivo de chorar.
— Eu preciso do Calebie… — sussurrou por último.
Não era como se, entre todos os acontecimentos, Benjamin
estivesse pensando em seu lindo e desgraçado relacionamento com o
Diabo, entretanto Heilel tornou-se a única pessoa que lhe sobrava, o
único amor.
Hope sentiu uma compaixão violenta, em seu cerne, surgiu um calor
abrasivo e, em sua garganta, cresceu um nó. Diante de si, não era
apenas Benjamin ou alguém fora de seu agrado, mas sim um espelho.
Lembrou-se de que, um dia, esteve tão perdido quanto o ruivo, e
conhecia aquela dor. A empatia invadiu o íntimo do demônio ajudante.
— Fique quietinho aí, certo? — ditou com o timbre baixo,
acariciando a face alheia.
— Não, Hope… Eu estou com medo, não me deixe só — suplicou,
ameaçando chorar novamente.
— Você é um garoto corajoso, Ben. Continue sendo. Eu só vou à
sala, tentar controlar o meu amigo, não vou deixá-lo.
Parker aquiesceu, incerto, encolhendo-se e cobrindo os olhos.
Gadreel parecia estar extravasando muito bem a sua raiva no corpo
do reverendo. Esmurrava a faceta com gosto, atirando-o por cada lugar
da sala de estar.
O fato de o anjo depravado estar socando-o, e não dilacerando e
pondo fogo no corpo alheio, mostrava que não estava tão insano
quanto Geefs imaginou. Ele agia como queria; mesmo que existisse
impulso e ódio, ainda restava controle.
— Gadreel, já chega! Pare com isso! — vociferou, puxando-o pelo
ombro. — Você está assustando o garoto, tudo o que ele não precisa é
sentir mais medo.
Prontamente, Gadreel largou Hector, virando-se para olhar Joseph,
mantendo seus olhos verdes extremamente reluzentes.
— Não pude conter, minha vontade é dissipar a existência dele —
cerrou os dentes para proferir cada mísera palavra.
— Você poderia se conter e sabe disso. — Ergueu o queixo,
fechando a expressão.
— Não pude, garanto para você que não pude — disse
estoicamente. — Você consegue ver o que ele fez com o pobre garoto?
— inquiriu, mantendo uma feição desgostosa. — Acha justo um homem
desmoronar a própria família? Destruir a estabilidade emocional,
corporal e mental do próprio filho? Não há pior maneira de arrancar o
brilho da vida de alguém.
Gadreel sempre estava correto, sempre esteve. Se todos tivessem
seguido seus conselhos, muito provavelmente nada estaria daquela
forma. Entretanto, as coisas nunca fugiam de seu genuíno destino,
nada era por acaso.
— Se eu me contive, você também poderia. Benjamin passou a vida
inteira ouvindo que, se não seguisse tais mandamentos, iria para o
Inferno. Então, ele quebra todos os parâmetros, ensinamentos, tudo o
que lhe foi pregado desde a infância e, no pior momento, surge um
anjo demoníaco na porta da frente, com olhos brilhantes e asas
gigantescas, caminhando até o cadáver de seu pai e espancando-o,
como um completo maluco. — Mantinha uma expressão irritada e
incrédula. — Isso é loucura, Gadreel! Acalme-se! Eu sei que você não
veio para fazer o mal, mas Ben não sabe disso.
O braço direito sentia-se melancólico com toda a situação, todavia
precisava manter o controle. Por Heilel, por todos.
— Não somos iguais, já expliquei que não pude me controlar. Não
aja como se estivesse certo diante de tudo. Uma hora ele precisaria ver
quem somos de verdade — refutou, encarando-o. — E essa sua
piedade rodeada de empatia soa muitíssimo esquisita.
Ambos carregavam uma afeição incomum, uma compaixão pesada.
E, mesmo que ela fosse coberta por um egoísmo secreto e bastante
distorcida, servia para alguma coisa.
— Hope, eu não estou me sentindo bem… — a voz fininha
atrapalhou a discussão desnecessária.
Os dois seres demoníacos fitaram o ruivinho que estava apoiado no
portal vazio da sala, um pouco curvado e totalmente pálido.
— Preciso de ajuda… — pediu, sentindo o corpo fraquejar. Sua
visão tornou-se turva até escurecer.
Joseph desesperou-se quando viu o corpo pequenino quase cair
sobre o chão, se não fosse pelos braços divinos de Teodoro que o
segurou bem na hora exata.
— Definitivamente, esse garoto não tem sorte — o anjo celestial
silabou, tentando modificar o clima ruim, mas não soou nada
engraçado.
— Eu não estou aqui para brincadeiras. Nada aqui é uma piada e
absolutamente nada que sair de sua boca soará minimamente
engraçado — pausou, buscando qualquer resquício de paciência. —
Portanto, trate de guardar sua língua dentro da boca. — Joseph
apontou o dedo na face esplendorosa, deixando-o assustado. Mas não
se demorou naquela conversa inconveniente. Pôs-se a pegar Benjamin
nos braços e deu de ombros para tudo, subindo a escadaria.

Breu: esta foi a única definição adequada para distinguir tal


ambiente. Apesar de correr assustado entre o que parecia ser um
gigantesco labirinto infindo, Hector não era capaz de enxergar
absolutamente nada.
O corpo nu e envelhecido chocava-se, com frequência, nas paredes
viscosas e molhadas, ouvindo ruídos pavorosos e rosnados que o
faziam tremer e convenciam-no de que animais ferozes corriam atrás
dele. O desespero dentro de seu cerne jamais poderia ser definido.
Viu-se, no fim de tudo, o que acreditava, toda a maldade esbanjada por
sua longa vida. Parecia que, a cada passo, um arrependimento
pelejava, sucumbindo-lhe para reflexão.
Porém, não se enganem, tudo era pensado de modo egoísta e
avarento: ele arrependia-se de ter cometido suicídio, não de seus
delitos contra os que nada de ruim mereciam.
O silêncio latente parecia lhe causar algum tipo de alucinação
violenta: por vezes, ouvia o choro de Benjamin, que bradava e bradava,
ora baixinho, ora latejante, capaz de estourar seus tímpanos, e aquilo o
desnorteava. Esses sons misturavam-se com outros, tornando-se
infernais como um apito. Eram muitos sentimentos, muitos barulhos e
muito silêncio; um lugar temível e distinto, inigualável.
Enquanto corria, observava que absolutamente nada nunca
mudava. Era o oco, o fim do mundo, nenhum vestígio de luz surgia,
ninguém aparecia.
— Não adianta correr, reverendo — a voz grossa ecoou, de modo
inditoso.
Hector revelou-se incapaz de distinguir de onde vinha; estava para
todos os lados, em todos os lugares, até mesmo em sua cabeça.
— Quem está aí? — inquiriu inutilmente.
Aquilo arrancou uma gargalhada altíssima de Caleb, coberta por
uma maldade perpétua, ungida de unto.
— Quem está aí? Responda! — repetiu, batendo os punhos sobre a
parede gélida.
— Adivinhe… — sussurrou traiçoeiramente.
A voz ecoou por todo ambiente, como um grito suave. Caleb socou
a tapume, fazendo o local estremecer e atroar, como se estivessem em
uma caverna.
Hector virou-se assombrado, buscando, por todos os lados, a voz
conhecida, temendo a todo instante.
— Por favor, apareça — pediu, sentindo um vento quente e brusco
bater em sua nuca.
— Eu estou bem aqui, reverendo — Lúcifer ciciou ao pé do ouvido
alheio.
O homem atirou-se para o lado oposto, sentindo seu coração
bombear radicalmente, desenfreado. Correu tão velozmente que
tropeçou e caiu trêmulo, completamente inofensivo, sobre o chão de
terra.
— Jesus! — vozeirou, apoiando a mão sobre o peito, mantendo
seus olhos arregalados e respiração descompassada.
— Se eu fosse você não clamaria por ele — utilizou um timbre
divertido, sempre acompanhado de um cinismo detestável.
— Caleb? — questionou, limpando seus lumes, mirando-o cheio de
dificuldade.
A aparência de Lúcifer não estava tão diferente. Encontrava-se um
pouco mais forte e mais alto, suas vestes eram classudas, negras,
deixando um pouco de seu peitoral à mostra, e em seu pescoço havia
um enorme pingente, uma cruz invertida. Sua face era admirável,
iluminava tudo. Tão belo que poderia ser confundido com um anjo
divino, se não fosse por seu sorriso sorrateiro e ladino, desmontando
uma maldade que emanava sem pudor, inexplicável.
Aproximou-se tão depressa quanto um vulto, ficando face a face
com o religioso, e ouviu nitidamente o som da garganta seca engolindo
um nó pérfido enquanto se rastejava para trás.
— Não, Hector… Aqui me chamam de Lúcifer — vozeou, utilizando
um tom tão grosso que mais parecia uma voz computadorizada. Seus
mirantes tornaram-se totalmente negros, profanos. O Diabo sorriu grato
e maléfico; agarrou, com firmeza, o pescoço do senhor Parker,
levantando-o enquanto as costas nuas ralavam pela aspereza árdega
semelhante a concreto antigo. Heilel apertava-o tão ferozmente que
seu braço tremia em espasmos.
O pastor quis gritar pelo ardor e medo, mas os sons não escapavam
de sua garganta. O ar faltava-lhe de maneira absurda, sentia uma
aflição horrenda. Por mais que sua visão estivesse cada vez mais turva
e seu corpo ameaçasse amolecer, não acontecia de fato, ele apenas
sofria; o desmaio desejado nunca chegava e a sensação de perda de
oxigênio era agonizante.
Lúcifer soltou-o com brutalidade, fazendo o corpo cair
violentamente, em um impacto auditivo.
— Porém, isso não importa, uma vez que não estamos aqui para
discutir denominação. Não é, reverendo? — perguntou retoricamente,
observando o velho tocar o pomo-de-adão dolorido. Havia uma marca
ardente no pescoço alheio, como uma queimadura brutal. — Sabe,
Parker, já faz muito tempo que você está condenado ao Inferno — o
timbre era tranquilo, tão sereno que causava um medo eminente. —
Contudo, eu e Deus entramos em consenso, afinal seria terrível tê-lo
por perto, e nenhum de nós quer isso. Você é um verdadeiro incômodo.
Sorriu-lhe de forma travessa, não recebendo resposta alguma.
A sensação, o cheiro do medo, o terror que emanava do pânico,
tudo escorria pelos olhos do pastor que se encolhia, trêmulo, causando
um prazer maravilhoso a Caleb. Lúcifer gostava disso, da dor e do
sofrimento, e nada poderia mudá-lo.
— Você acabou com a minha família, com a vida do Benjamin! —
Hector ditou suas primeiras palavras, com uma coragem admirável.
O Tinhoso exibiu uma negação com a cabeça, emitindo um som de
estalo e insatisfação com a boca.
— Oh, você chegou a um ponto crucial. — Emitiu um rir nasal. —
Você nunca teve uma família. Conduzir, desnortear, induzir pessoas
para viver de acordo com suas diretrizes, causando medo, com o
intuito de conquistar o devido respeito, não é o anelo mais fantástico de
família. — Heilel achava hilariante o modo como Hector permanecia
dissimulado. — Além do mais, o que era de fato importante? Sua
esposa que se casou inocentemente apaixonada? Seu filho que,
ingenuamente, perdoava-o de tudo? Ou somente sua reputação, sua
profissão, seu dinheiro?
A resposta sempre esteve diante de todos, nas atitudes.
— Eu amava a minha família! — articulou amargamente, cuspindo
as palavras.
— O seu ideal de amor é muito mais que torto. O fundamental
jamais foi o bem-estar deles, e sim o seu. Por esse motivo, tinha
vergonha de admitir que seu filho é gay e que Karen nunca foi
recatada, e sim reprimida — destilou as falas, com uma voz banhada
de mansidão.
— Ele não é gay, você o induziu ao erro! Garotos como o Benjamin
são facilmente influenciáveis. Ele cegou-se para o seu verdadeiro
destino e entregou-se ao pecado — refutou. O reverendo, lentamente,
levantou-se, apoiando a mão sobre a parede. Era até chocante como o
desgraçado ainda tinha a mínima coragem de se referir a Benjamin
como “filho”.
— Garotos jovens, iguais ao Benjamin, criados como tal,
independentemente de idade, tornam-se fantoches. Afinal, estão sendo
domesticados para brincar de “seu mestre mandou”. — Heilel deu um
leve passo à frente. — Mas isso não significa que eles não tenham
uma opinião... — Lúcifer puxou-o pelo braço, apertando-o com mãos
de brasa. — Sonhos... — Ergueu-o. — Ou desejos.
Atirou-o contra a parede, utilizando uma cólera bruta, fazendo-o
conquistar um enorme corte na testa que sangrava e escorria, com
abundância, por toda a sua face.
— Acredito que tudo isso não pode e não deve ser meramente
ignorado e destruído. — Sorriu-lhe grande, mostrando todos os seus
dentes.
Aquele riso, tão repleto de aspereza, causava um medo
deslumbrante em Hector.
— Quantos Benjamins precisarão existir, nascer e morrer para que
vocês, hipócritas, parem de pregar um amor falso, um moralismo
herege?
Caminhou até o reverendo, sempre rápido, como uma sombra no
fim do mundo, no escuro, e continuou:
— Você sabe quantas crianças, adolescentes e adultos são
manipulados e jogados ao fundo do poço, por acreditarem que são um
erro? — interrogou.
Deu-lhe um chute árdego, vendo-o rolar para mais longe, gritando
rouco de dor enquanto sentia seu sangue continuar jorrando da testa,
espalhando-se pelo corpo.
— Quantas crianças precisarão ser estupradas pela religião, pelo
religioso? Por todo o planeta, adolescentes cometem suicídio quando
se tem uma linda vida para viver; adultos crescem com esperança,
disfarçada de frustração, nunca se sentem suficientes. — Um dos olhos
de Caleb piscava, pelo estresse. — Quantas vidas mais serão tratadas
como algo sem valor, para que vocês possam compreender que o amor
de Deus é justo, íntegro e bom? Não é o que você prega e muito
menos o que vive.
As suas perguntas eram sempre respondidas com o silêncio, o
pavor. O reverendo mal conseguia se manter em pé, no entanto
continuava tentando.
— FIQUE LONGE DE MIM! — esbravejou, ao notar uma nova
aproximação. Tocava sua testa, sentindo a algia intensamente,
tentando controlar a tontura infinda. Naquele lugar, parecia que se
tornava mais vulnerável, a dor era mais melindrante.
— Não se preocupe, não vou tocar em merda. — Riu ladino,
traiçoeiro, não escondendo tanto regozijo. — Admito que sempre estive
ansioso para tê-lo aqui, assim poderemos debater de forma mais…
Justa?! — Caminhou vagarosamente para trás.
O senhor Parker olhava-o sempre com os lumes enormes,
arregalados.
— Permaneça longe! — soprou, voltando a andar para trás.
— Hector, no tempo em que estive na Terra, pude notar algo
muitíssimo interessante. Sabe o quê? — perguntou seriamente.
O pastor negou com a cabeça, sua faceta estava apavorada.
— O ser humano tem medos excessivos, até do que não existe ou
não é ameaçador. — Heilel tinha um timbre roufenho, sempre
revelando seu desprezo. — Qual é o seu maior medo? — indagou,
olhando-o.
Hector fitava-o de baixo para cima, transbordando desbrio.
— Não precisa me responder, eu sei que é o Inferno. Sabe por que
o teme? Pois você sempre soube que, se tudo o que prega fosse
verdadeiro, você estaria destinado ao Martírio, nunca foi uma dúvida.
— Riu grosseiramente. — Sabe qual é o maior medo do seu filho? —
demandou, com uma expressão severa e as sobrancelhas erguidas.
Mais uma vez, o religioso acenou negativamente.
— Você — ciciou. — Diante de tudo o que há no mundo, diante de
tudo o que você pregou e amedrontou, ainda assim, o maior pavor do
seu filho era simplesmente você — negou desgostosamente. Permitiu
que os orbes melânicos corressem por toda a face do pastor, deixando-
o cheio de calafrios.
— Tudo o que fiz foi merecido… Benjamin nunca foi um garoto
verdadeiramente puro, desde criança carregava esse jeitinho nojento
— brandou, porém baixo.
Independentemente de o medo percorrer por sua estrutura, Hector
demonstrava, mais uma vez, que sua única qualidade era a coragem.
— Hoje, em comemoração à sua grandiosa passageira morte e
chegada breve ao Inferno, quero fazê-lo se sentir como o Benjamin. —
Desprezou as falas de outrora, focando apenas seu querer. — Você
sempre gostou de vê-lo sofrer, de ouvi-lo chorar e implorar perdão. Não
o de Deus, mas somente o seu. Sentia-se excitado com isso e, no fim,
sempre ia ao banheiro se tocar. Você é um imundo — ditou aquelas
palavras tão cheias de sordidez. — Portanto, começaremos sendo
justos. — Sorriu maldosamente e cuspiu sobre o rosto de Hector. Sua
saliva era amarela, queimava sobre a pele como ácido.
Aproximou-se, pisando sobre o joelho alheio, observando Hector
gritar desesperadamente. O som do osso partindo soou como música,
o estalo altíssimo foi melhor do que a melodia mais linda de Hans
Zimmer.
— Peça perdão — ordenou de forma rude.
— Ah, perdão, Heilel… — emitiu com dificuldade, controlando as
lágrimas e gritos. Seu almejo era morrer.
— Hum… Acho que ainda não está bom o bastante. Quero mais
arrependimento. — Exprimiu um rir travesso.
Apoiou o pé sobre a outra perna, ouvindo-a quebrar violentamente,
em um som ainda mais auditivo que o anterior. Levantou o pastor pelos
fios grisalhos, fazendo-o ficar de joelhos.
Hector gritava, agonizando de dor, não suportando ficar de joelhos.
No entanto, ele estava paralisado. Não poderia sair, e tudo que lhe
restou foi gritar e gritar, sentindo sua garganta rasgar, seu rosto suado
e ensanguentado; ele era completamente inofensivo.
— Agora, sim. De joelhos, bem bonitinho. Implore o meu perdão —
mandou, erguendo o queixo e gargalhando largo, fraco e hostil.
— Perdão… Caleb, perdão... — clamava, em uma balbúrdia
agonizante.
— Sei que você pode fazer melhor. Vamos lá, quero ouvir “Lúcifer”.
Em seu olhar esplendoroso não tinha piedade, não existia.
— Me perdoe, Lúcifer… Eu imploro, me perdoe. — Juntou as mãos,
fitando os lumes, em busca de compaixão.
— Sabe, Benjamin também se sentia sem voz, assim como Karen
— lhe proferiu austero. Caminhava calmamente, de um lado para o
outro, pensativo. Após alguns segundos, Caleb virou-se, fitando-o com
um ar de ideia. Encarou-o fixamente, sorrindo de forma traiçoeira.
Não demorou a Hector ter uma tosse extremamente seca que
rasgava sua garganta e impedia-o de falar e respirar, como se
estivesse tapada. Subitamente, começaram a sair insetos, lentamente,
até que existissem em abundância e sua garganta não parasse de
expeli-los. Aranhas, besouros, baratas, moscas e formigas percorriam
seu corpo inteiro, mordiam seus lábios, voavam à sua volta, pousavam
sobre seus globos oculares, deixando-o cheio de pavor.
O Tinhoso empurrou a estrutura física de Hector, cheio de furor,
fazendo as costas tocarem o chão e as pernas ficarem completamente
tortas. Os brados do velho causavam um prazer imensurável aos
ouvidos de Caleb, matava pelo menos um pingo de sua sede por
vingança.
— Clame por perdão — instituiu.
— Me perdoe, Lúcifer, por favor — gritou repetidamente, muito aflito,
sentindo os insetos correrem e morderem sua derme.
— Hum… Perdoar não é o meu forte — seu tom transbordava
cinismo.
— Oh, Deus, ajude-me — troou, sôfrego, demonstrando um cansaço
estrutural e mental.
— Hoje, o seu filho clamou a Deus, assim como você e eu, mas não
fomos ouvidos. Acha que, por um segundo, Cristo teria piedade de
você?
Lúcifer não foi inteiramente verdadeiro em suas palavras, pois Deus
ouviu o bramido do Mal e atendeu ao seu pedido: Benjamin estava
vivo.
— Deus sempre nos ouvirá, até mesmo aqui! — despejou as falas
com orgulho. Mesmo que seus olhos estivessem cheios de água e seu
corpo totalmente destruído, seu ego mantinha-se erguido.
— Não foi isso que você disse ao Benjamin. — Ergueu a
sobrancelha, seriamente. — De pé — ordenou alto.
Apesar de suas pernas estarem espatifadas, alguma força maior,
não vinda do senhor Parker, o fez levantar-se, ficando alacado de
modo doloroso, tão assustador quanto uma aberração ou um boneco
vodu.
— Benjamin sentia-se perdido, sem rumo, sozinho — ditou,
extremamente seco e direto. Aos poucos, sua voz foi sumindo,
tornando-se distante enquanto todo o ambiente ficava escuro,
novamente, devido à falta do Diabo.
Pouco a pouco, o local tomou um tom vagaroso, iluminado por uma
nuance escarlate que deixou o homem ainda mais temeroso. Gritos
infindos, lamentações começaram a ser ouvidas enquanto corpos de
homens e mulheres nus, ensanguentados e sem características na
face rastejavam-se até ele, induzindo-o ao desespero.
Tentou correr, utilizando uma força não existente em seu corpo. A
dor sentida foi absurda, algo insuportável. Atirou-se ao chão de terra,
sentindo seu queixo bater violentamente, machucando-o ainda mais.
Não havia solução, então se pôs a rastejar-se, sentindo uma angústia
sem elucidação enquanto tudo parecia girar, como uma sucessão
rápida e bordô.
Devagar, o silêncio foi ecoando, deixando os lamentos bem
enterrados, e, quanto mais se rastejava, mais girava, mais turvo
tornava-se e a fobia consumia-o.
O homem mal se deu conta de que estava preso em uma repetição
infinita e que fugir não era uma opção válida, não havia portas, só o
silêncio e a espera.
Quando se viu, já estava preso sobre a parede, suava frio, e todo
instante parecia lento.
Sentia a estrutura fraca, um intenso desejo de desmaiar, porém o
ápice nunca era alcançado.
Suas mãos estavam trancafiadas por grossas correntes de ferro,
deixando a corpulência pendurada, cada braço cativo por uma corrente
e o resto do corpo solto, fazendo o peso doer nos ombros.
— Por que se matou? — o Cão inquiriu de maneira sombria, tendo
como resposta um choro arrependido e soluçado. — Responda! —
bradou, fazendo toda a caverna tremer.
— Porque eu não suportaria a ideia de viver com a culpa. Não
toleraria viver com Benjamin não me pertencendo e não conseguiria
ficar sem a Karen — senhor Parker admitiu. Nunca foi destemido o
suficiente para ficar de frente aos seus problemas, aos seus demônios.
Jamais se imaginou perdendo a dignidade diante de outros e, por isso,
morrer era preferível a viver como um imundo ou não ser
engrandecido.
— E você acha justo morrer tão facilmente? — interpelou, um tanto
curioso. Observou Hector continuar tossindo seco e, em seguida,
começar a vomitar. Esbanjava sangue grosso, quase coagulado,
repleto de pedaços, acompanhado de cacos de vidro coloridos,
semelhantes à vidraçaria da igreja.
— Acha que realmente merece algo tão simples? — Retinha seus
olhos insones sobre o homem destruído. — Se você estivesse vivo,
seria preso, no mínimo, prisão perpétua, sem chances de condicional
— ditou pacificamente enquanto batia a mão sobre a parede, fazendo
um ecoar terrível que causava uma dor de cabeça colossal. — Sabe
disso, certo?
Hector anuiu exaustivamente, mantendo-se totalmente largado. Era
totalmente sustentado por seus braços e correntes.
— Hum... Você compreende o que os bandidos mais odeiam? —
Apropinquou-se, erguendo o queixo alheio com seus dedos gélidos. —
Estupradores — respondeu-lhe em um cochicho seco e sem vida. —
Por esse motivo, Hector, você viverá somente para servir de “depósito
de porra” na cadeia, para perder toda a sua boa reputação e, enfim,
todos saberão que você matou a sua esposa e tentou abusar do seu
filho. A morte não o quer.
Caleb soltou o maxilar alheio, jogando-o para trás. Ergueu as mãos
aos céus e, em sua palma, o símbolo da cruz flamejava, em uma
gigantesca ferida. Tocou a testa de Hector, ouvindo-o gritar pela dor da
queimadura.
— Você, eternamente, terá a marca do pecado, para sempre será
pecador. Sua blasfêmia é irreversível e não há perdão para sua alma.
— Por favor, tenha piedade por uma única vez, Lúcifer — obsecrou,
com a voz fraca e assustada.
Anjos demoníacos saíam das paredes, completamente cobertos por
uma gosma negra, abraçando o corpo do reverendo.
— POR FAVOR! POR FAVOR! — gritou de pavor, sem conseguir se
mexer para se salvar.
— Servos, não se esqueçam de arrancar esse pau imundo —
vociferou, fazendo os seus anjos gargalharem de prazer.
Aqueles seres estavam privados de contato humano há eras, e tudo
o que desejavam, para se alimentar insaciavelmente, era o medo, o
grito, a dor.
— A única linha que me une e me difere de Deus é a justiça, Hector.
— Sorriu de forma cafajeste, em total escárnio. — Mas lembre-se: eu
sou muito melhor.
Observou-os lamber as feridas cruentas, chupando o sangue dos
cortes árdegos, em um desejo infame.
Virou-se de costas, abrindo suas asas, mantendo sempre em mente
que nada havia terminado e que o castigo sequer fora justo o
suficiente.
— Divirtam-se — disse às suas criaturas.
Então o seu clamor subiu a Deus.
Êxodo 2.23

O silêncio pairava de modo barulhento, ecoando pelo ambiente,


tornando-o vinte vezes mais pesado. Não era como se o lugar já não
estivesse com um clima denso, afinal ali haviam três seres
sobrenaturais e, por lógica, tudo estava pesaroso, árdego, distante.
Benjamin encontrava-se deitado em sua cama, sobre os lençóis
macios, porém desarrumados. Seus olhos inchadinhos estavam
fechados, ele ainda se encontrava desacordado.
Sobre a face de Joseph, existia uma expressão séria, algo capaz de
causar medo, pavor. Dificilmente, via-se o braço direito de tal maneira,
ocupando aquela posição drástica e dura, fazia anos que não se sentia
tão mal.
— Teodoro, procure roupas largas para ele enquanto você, Gadreel,
busque curativos — seu tom anunciava ordens necessárias.
Gadreel, ainda em silêncio, assentiu, carregando em si uma
sensação amarga. Diante de tudo pairava uma angústia — o ar que
exalava não escondia isso — e, pela primeira vez, a culpa de um
ambiente tão denso não era sua. Seu cerne sentia o mal-estar.
Todos estavam vulneráveis. Quanto mais o Diabo sentia, mais os
atingia, eram como uma enorme trilha de dominós: quando se derruba
um, todos os outros caem, em sincronia.
Teodoro, por sua vez, pôs-se a vasculhar o guarda-roupa pequeno e
branco que ficava ao lado esquerdo do quarto.
— Esse garoto só tem roupas iguais? — questionou retoricamente,
mantendo uma feição intrigada e pouco preocupada.
Geefs nada lhe disse, permaneceu calado.
De fato, Benjamin tinha uma quantidade absurda de peças
parecidas, seguindo sempre as mesmas tonalidades: branco ou bege.
Parker nunca pôde escolher suas próprias roupas — não existia tal
liberdade —, no entanto não reclamava do que tinha, costumava gostar
do que lhe era oferecido.
— Sério, Geefs… Ele só tem coisas na cor bege. Céus, tudo isso,
todo esse quarto... Quanta infantilidade e futilidade — referia-se às
estrelas coladas no teto que, para ele, soavam extremamente
desnecessárias, além do seu timbre demonstrar certo desdém.
— Eu disse para buscar uma camiseta folgada, ele não está indo a
um desfile de moda. Será que, por um momento, você pode parar de
se desfazer desta situação e focar o que realmente importa? — Franziu
o cenho, evidenciando toda a sua chateação. — O que há com você,
Teodoro? — inquiriu seriamente. Já estava ficando intensamente
irritado.
— Nada, voltarei a procurar. — O ser divino não quis hesitar.
O cerne de Joseph estava embrulhado há muito tempo, não era de
agora que as coisas estavam fora dos trilhos. Quanto mais tentavam
consertar os erros, mais bagunçado tornava-se. As peças do jogo não
estavam sobre suas mãos, nem sobre as de Lúcifer.
Mirou a face angelical: o ruivo dormia e parecia estar tranquilo, mas
ainda existia sangue em seu rosto. Com cautela, Joseph pegou um
pequeno pedaço de pano, molhado com água, pondo-se a limpá-lo.
A feição de Benjamin parecia estar iluminada por uma redoma de
luz branca, algo perpétuo dele mesmo. Era jovem e bonito, alguém
extremamente abençoado e cheio de ternura, algo tão forte que
causava ânsia de vômito ao demônio. Hope perguntou-se como Lúcifer
pôde amá-lo, beijá-lo e levá-lo para a cama; sua presença era forte
demais. Deus emanava daquele garoto.
O Senhor do inferno mantinha-se sentado em seu trono, suas mãos
grandes apertavam um báculo na cor prata envelhecida, repleto de
pedras raras e preciosas cravejadas, tão valoroso que não havia um
preço, um valor suficiente para defini-lo. Seu rosto era resplandecente,
majestoso, mas em seu cenho franzido morava a genuína raiva,
mesclando-se com a ligeira angústia. Tais sentimentos alastravam-se
por todo o seu corpo, domando sua estrutura, e, de maneira
inconsciente, Lúcifer fazia todo o Inferno sofrer, gritar e lamuriar.
O Diabo sentia-se cego, tudo o que seus lumes vermelho-escarlate
podiam contemplar era a imagem de Benjamin. Ele privou-se de ver e
ouvir qualquer outra coisa, senão aquele quarto. Mesmo que o martírio
gritasse o seu nome, chamasse-o de Senhor e vangloriasse-o, não
adiantava. Até os mais precisos anjos estavam no chão, arrastando-se
e implorando a presença do Diabo. Heilel estava distante. O seu cerne
pertencia a Benjamin, somente ao seu ruivo.
Cuidadosamente, Joseph retirou os trapos que sobravam sobre o
corpo frágil, deixando-o desnudo, e continuou a limpar as feridas,
utilizando água gélida. O arruivado não parecia sentir dor, seu desmaio
foi pesado e seus lábios estavam cada vez mais escurecidos.
A preocupação que habitava o braço direito era incomum, ele jamais
se perdoaria, caso Parker morresse em suas mãos.
Por muitos dias, os violões da vida de Benjamin foram trocados, os
papéis inverteram-se e ele era a bondade no meio da balbúrdia, o
silêncio e a espera. Para ele, só existiam dois caminhos, dois heróis:
Deus e o Diabo.
Heilel jamais seria um bom homem, afinal Lúcifer era mau, sempre
seria. No entanto, não era como se Deus fosse inteiramente bom.
Havia, entre eles, uma linha tênue que não diferia o bem do mal, eram
dois pesos, mas dois iguais.
Gadreel adentrou o local de mãos vazias. Ele realmente havia
vasculhado toda a residência, cada pequeno lugar, porém não existiam
curativos, algodões ou têxteis.
— Joseph, eu encontrei sete tipos de armas diferentes, mas não
achei uma gaze. Esse homem é realmente louco! — seu timbre soou
um tanto impressionado. O anjo caído não disfarçava tamanho
desprezo.
— Certo. Ele realmente premeditou tanto que jogou fora qualquer kit
de primeiros socorros? Ele é, de fato, um doente — o tom foi amargo e
totalmente seco.
— Esta foi a roupa mais folgada que encontrei. — Teodoro entregou-
lhe a veste branca, observando o demônio mirá-lo seriamente.
Nos olhos de Geef, havia incerteza, medo e, quando seu olhar
insone pousou sobre o do anjo, pôde, então, sentir. Ali existia a
profunda tristeza, algo não estava certo, entretanto nenhuma pergunta
ou resposta fugiu de seus lábios.
Quando, enfim, os mirantes perjuros de Joseph desviram-se,
retornou para o alaranjado. Era inegável a compaixão que o habitava,
era uma comoção que percorria suas veias. Sentia o peso nas costas e
não era somente empatia, tampouco culpa.
Joseph sentia Caleb, sentia a presença do Tinhoso, ele estava lá.
Por segundos, um alívio tomou conta de seu íntimo e pôde entender
que nem todo o controle estava sobre suas mãos. Suspirou pesado,
pondo-se a vestir o garoto. Sentia a pele lisa extremamente gelada.
— Geefs, você já fez o que podia, não se martirize dessa maneira.
Podemos sentir a força de Lúcifer, ele também está conosco. Não se
preocupe — Gadreel ditou, em uma tentativa falha de acalmá-lo
enquanto tocava o ombro alheio, como um consolo.
— Não seja tolo, Gadreel… Precisamos acordá-lo rapidamente.
Acha comum sentir o Cão ao nosso derredor? Porque eu não acho.
Heilel só está piorando as coisas para Benjamin, para vocês, para o
Inferno — pela primeira vez no dia, Teodoro pronunciou-se, tentando,
ao máximo, ser construtivo, mesmo que rude. Em parte, ele estava
correto: permanecer parado em nada ajudaria.
— Deixe que Benjamin desperte no seu tempo. Ele não dorme há
semanas, sofreu momentos de terror — suas palavras não tinham
vigor. — Não isento minha culpa nisso, mas já não há por que ter
pressa, não existe motivo — Gadreel justificou-se.
— Não há motivos para pressa, demônio maldito? — Riu
sarcasticamente. — Você acha mesmo que Lúcifer permitirá que
Hector morra assim, facilmente? Lógico que não! Tenho certeza de que
esse homem acordará, em breve, e precisamos garantir que Benjamin
esteja bem longe quando isso acontecer — concluiu sua linha de
pensamento.
— Acalme-se, Teodoro — advertiu. — Não é como se Caleb
estivesse com pressa para devolvê-lo. — Joseph conhecia o Diabo
como ninguém.
— Já disse que precisamos ir. Podemos fazer os curativos em outro
lugar, passar em uma farmácia, algo assim.
— Por que você insiste tanto nisso? — questionou. — Pretende
levá-lo inconsciente e completamente machucado para a casa da tia e
largá-lo lá, sem explicações? Você olhará para a mulher e dirá: “Aqui
está o seu sobrinho, machucado, desmaiado e traumatizado. A
propósito, sua irmã morreu”? — Gadreel já exibia uma voz raivosa,
preenchida de rancor. — Neste momento, esse garoto é problema
nosso!
— Eu não disse isso, não interprete as minhas falas como se fosse
uma porta! Estou tentando dizer que devemos tirá-lo desta casa com
pressa. — Mesmo que as vozes estivessem em tons normais, os
ânimos não estavam.
Gadreel, por sua vez, virou-se, fechando o punho e acertando um
soco extremamente violento na parede, fazendo com que seu braço
atravessasse os tijolos.
— MAS QUE DROGA! — gritou, pondo-se a socar novamente.
— Pare com esse show patético — o anjo divino disparou, revirando
seus olhos azuis, em puro fastio.
— Parar? Você parece não enxergar em que nível as coisas estão.
Olhe para este garoto… — vociferou, apontando para Benjamin. — Ele
é um ser humano, Teodoro. Não estamos lidando com um brinquedo. É
uma pessoa, um alguém que está sofrendo, e isso era tudo o que eu
mais queria evitar! — Levou as mãos à cabeça, jogando o cabelo para
trás, em total preocupação.
A todo momento, Gadreel quis interferir, e, mesmo que agisse mal,
ele não era um ignóbil.
Joseph desviou o olhar, sentindo-se culpado.
— Nessa história não somos os vilões. — Teodoro rebateu, em
contragosto. Seu senso de empatia estava baixo, parecia que, a cada
minuto, desvencilhava-se de Cristo.
— Bem como não somos os mocinhos, anjo insolente — a voz de
Gadreel foi excessivamente asselvajada.
— Você é um ser patético — a criatura iluminada pronunciou, com
extremo desdém.
Em um ato impensado de fúria, Gadreel abriu suas asas negras,
utilizando de uma força extensa. Teodoro, por conseguinte, não temeu.
Se ele queria brigar, havia encontrado o alguém certo para isto.
— Ei, ei, parem com isso! — Geefs proferiu, mantendo o cenho
franzido, ao mesmo tempo que fazia alguns gestos pacificadores com
as mãos.
— Tudo bem, demônio… Sei que deseja estar no controle, mas
saiba de uma coisa muito importante: você nunca será mais do que um
peão no tabuleiro do Tinhoso. — Riu sarcasticamente, com todo aquele
ar superior e presunçoso.
Não foram necessárias quaisquer outras palavras para que os olhos
do anjo demoníaco tomassem uma coloração verde-oliva. Como um
controlador nato, sentir-se desvalorizado de tal maneira era uma real
afronta. Com uma raiva irreversível, e de modo extremamente veloz,
Gadreel pulou sobre o anjo, derrubando-o enquanto apertava o
pescoço delicado contra o piso.
— Você é petulante, desrespeitoso comigo e com Deus! Tenha
modos, pequeno anjinho, pois, se não os tiver, o ensinarei a tê-los —
bufou, em um sussurro poderoso, de modo que a luz temeu as trevas.
— Fique calmo, Gadreel. Por favor! Teodoro não está bem hoje,
releve — ditou de forma preocupada. Naquele dia, Geefs temia o poder
de Gadreel, uma vez que sua força estava inteiramente vinculada a
Lúcifer. O que significava uma coisa: Hope encontrava-se fraco e não
poderia lutar contra nenhum dos lados.
Os três seres foram atrapalhados por um choro, um soluço alto. Era
Benjamin. O ruivinho chorava descontroladamente, sentia dor
fisicamente e emocionalmente, estava sozinho e vazio. Seu pranto alto
utilizava de um paradoxo e soava baixo. Quis estar longe de Deus e do
Diabo, para que não pudessem ouvi-lo.
— Benjamin… — Hope chamou-o.
Parker encolheu-se, totalmente trêmulo.
— E-está mu-muito frio... — sussurrou, ao mesmo tempo que batia
os dentes.
Lúcifer suspirou, mantendo uma faceta indefinível.
Com atenção, o braço direito lentamente observou o alaranjado,
vendo que o corpo pequeno tremia bruscamente. Seus pelos ruivos
estavam eriçados e suas unhas encontravam-se escuras. Foi só
naquele instante miniaturizado que todos notaram o quão frio o lugar
estava, tão gélido que Benjamin havia ficado pálido.
— Gadreel, pegue água quente! — pediu com rapidez.
Teodoro puxou o primeiro edredom à sua frente, jogando-o sobre o
corpo de Benjamin que puxou o pano, enrolando-se com ligeireza.
Os pés fofinhos encontravam-se cobertos por cinco pares de meias,
e sobre o corpo do garoto existiam dois edredons e uma manta
aveludada. Joseph mantinha um pequeno pedaço de tecido molhado
com água morna sobre a testa do garoto.
Fazia certo tempo que Benjamin havia acordado, entretanto, por
impasse, insistia em não se comunicar. Nenhuma palavra foi proferida,
e todos compreendiam sua escolha e respeitavam o silêncio
consternado.
Lufadas eram emitidas em desordem, regadas por certa culpa e
preocupação. Os seres sobrenaturais entreolhavam-se, cheios de
receio. Ninguém sabia o que dizer, mas há momentos em que não
dizer nada pode ser o melhor a se fazer.
— Está se sentindo melhor, Benjamin? — Joseph perguntou, com a
voz incerta, quebrando toda aquela quietude.
O ruivinho virou a face na direção de Geefs, negando devagar. Seus
olhos estavam marejados, sua expressão de tristeza era indisfarçável.
— Preciso do Calebie… — mussitou.
Em um primeiro momento, Parker almejou muitas outras coisas e
soluções, além do acalentar do Cão, no entanto nada estava ao seu
alcance.
— Precisamos conversar seriamente sobre isso. — O braço direito
desviou o olhar durante suas falas e, cuidadosamente, retirou o pano
úmido, molhando-o e voltando a colocá-lo na testa do outro. —
Benjamin, você é jovem e talentoso. Há tantas coisas, neste mundo,
para serem vividas e alcançadas… — pronunciou delicadamente.
A expressão na faceta do alaranjado revelava o medo das palavras
do outro.
— Compreendo que, mediante a toda esta situação… — referiu-se
ao desfecho terrível de Karen —, pareça impossível criar um ideal de
vida feliz. — Acariciou os fios ruivos, observando Benjamin abaixar o
olhar. — Todos nós sabemos o quão forte você é. Deus está dando-lhe
a oportunidade de um recomeço. Será doloroso, machucará, porém,
com o passar do tempo, você aprenderá a lidar com esse turbilhão de
problemas. Tudo vai virar superação. Depois de hoje, a sua vida será
abençoada e juro por mim que você encontrará a felicidade nesta
Terra. — Foi um conselho válido, um juramento sincero.
Apesar de uma força real existir no cerne de Benjamin, ele jurou-se
incapaz de seguir sua vida feliz. Era como se a porta de sua história
tivesse se fechado e nada tivesse restado, além da luz pela janela,
além de Lúcifer.
— Joseph, eu não consigo enxergar um futuro, acho que nunca terei
felicidade — a voz fininha e chorosa causava compaixão. — Isso não é
uma oportunidade de ser feliz. Eu perdi toda a minha família... Deve ser
castigo. — Seus olhos tremiam vagarosamente, em um nervosismo
preocupante enquanto as lágrimas marejavam, até que escorreram
pela face angelical.
Joseph pegou a mão do ruivo, acariciando-a.
— Você perdeu a sua mãe, Benjamin. Sofra por isso, somente por
ela… Aquilo não era uma família, pelo contrário. Tudo o que te magoa,
que te fere e te faz mal, não é digno do seu sofrer. Família não são
apenas laços de sangue, e sim aconchego, amor e compreensão —
silabou lentamente, lembrando-se de sua própria parentela. — Tudo
está difícil agora, mas, um dia, você se reerguerá. Só deixe o tempo
passar, ele cura as feridas do coração. — Tentou sorrir de forma
acalentadora. Queria passar confiança para Benjamin, quis ser a
esperança.
— Eu não queria que fosse assim, não queria mesmo. Hope,
metade de mim foi embora junto com ela... Dói. — Sua dor era
impassível, sem consolo.
— A vida é uma verdadeira droga, ruivo. As coisas nunca saem
como almejamos. Cabe a nós, levantar a cabeça e seguir em frente,
para mudar essa “realidade” cruel.
No geral, Joseph nunca teve os melhores conselhos. Seu lado
demoníaco estava eufórico para que Benjamin levantasse e resolvesse
viver a vida de modo que nunca pôde viver, entretanto o seu outro lado
— que, um dia, foi um humano falho — sabia como aquela algia era
indistinguível, difícil de superar.
— Caleb deixou muitos bens para você. Se quiser, pode viver a vida
inteira sem fazer nada. Ele pensou muito em você, antes de partir,
organizou tudo, Parker — Gadreel pronunciou-se incerto e cuidadoso.
Benjamin fitou-o, um pouco amedrontado, nunca tinha visto aquele
homem.
— Eu nunca vi Lúcifer se importar tanto com algo ou alguém — suas
falas eram verdadeiras. O Cão nunca se deixava abalar. Por mais que
sentisse apego por objetos, isso nunca o deixou fixado. Heilel
realmente estava afogado nas águas puras, tão longe da própria
realidade que isso colocava-o em uma posição deplorável. Estava
apaixonado.
— Lúcifer… — Benjamin sussurrou, como quem quisesse aceitar tal
ideia. Limpou as lágrimas, suspirando intensamente enquanto o seu
coração puro questionava-se: por que eu?
— Somos criaturas sobrenaturais, você sabe disso há certo tempo.
— Teodoro deliberou, mostrando um pouco mais da sua acidez. Seu
tom de voz conquistou uma carranca na face de Joseph.
— Isso, Benjamin… — Pigarreou. — Não somos como você e,
talvez, não tenha tamanha compreensão para entender, com exatidão,
o nível desse problema. — Geefs tomou as palavras novamente,
engolindo um nó.
— Calebie não é normal, eu sei. Deus me disse… — o tom muxoxo
revelava um garoto muito mais esperto do que o braço direito
imaginava. — Sei o que ele é.
— E você não sente medo dele ou disso tudo? — inquiriu,
arqueando a sobrancelha. Não se sentiu surpreso por Benjamin saber
tanto sobre Heilel, uma vez que este havia perdido a noção de como se
portar há muito tempo. Lúcifer não escondia a sua força, os seus olhos.
Ao lado de Parker, ele tornou-se tão vulnerável que parecia incapaz de
mentir para ele.
Muito provavelmente, se o alaranjado tivesse inquirido “Quem você
é?”, o Tinhoso não teria poderio para se esconder, entregaria sua real
identidade facilmente. Parker tinha algo que nenhum outro ser poderia
conquistar: poder sobre o Diabo.
— Não, claro que não. Desde que ele chegou, comecei a ser mais
feliz… Eu o amo, do fundo do meu coração. O Calebie me protegeu, no
momento em que eu estava sendo maltratado; quando eu estava
solitário, ele me acolheu, cuidou de mim, das minhas feridas; me
proporcionou um carinho que nunca recebi, amou meu corpo, me
amou. Como eu poderia temer alguém como ele? — A angústia em
suas falas e o coração pareciam comê-lo vivo. — Apesar de tudo, do
medo de saber onde ele realmente está agora, do que acredito e
aprendi com a minha fé, eu o amo. Parece que somente o amor dele
me curou. — A feição doce e sôfrega evidenciava todo o amor que
Benjamin sempre precisou e somente o Demônio ofereceu-lhe. No fim,
desvelo e afeto são tudo que o mundo necessita.
— Nem todo amor pode prosseguir, laranjinha… Mas eu e você
sabemos uma coisa importante: Deus e o Diabo sempre estarão ao seu
lado. Você é o único capaz de ter essa dádiva — Teodoro ditou
enquanto cruzava os braços, como quem quisesse finalizar tal assunto.
— Eu sei. — Encolheu-se lastimoso.
Benjamin tornava-se mais reprimido quando o anjo divino o olhava
profundamente, de modo tão pesado e rude, tanto que o próprio garoto
sentia.
— Só o queria de volta, somente isso…
Parker queria chorar, desabar, porém se controlava. Prendia seu
choro com tanta força que sentia intensamente o nó em sua garganta,
algo capaz de tomar seu ar.
— Benjamin, serei sincero com você, todos nós seremos… O Heilel
não voltará, infelizmente. — Joseph acabou sendo direto.
Gadreel engoliu em seco, sentindo-se culpado por ter pegado o tão
valioso e poderoso anel com a ônix negra. Apesar de tal compaixão,
ele sabia a necessidade da volta de Lúcifer. As coisas são como são.
— Não diga isso, Hope. — Aquilo foi o estopim para as lágrimas
salgadas. — Por favor... — implorou, choroso, como se Joseph
pudesse fazer algo.
— Logo, teremos que partir também. — Suspirou profundamente. —
Deixaremos você com sua tia Rose.
Antes de Geefs concluir suas falas não tão meticulosas, o ruivo
virou-se, afogando o rosto no travesseiro branco, derramando-se em
prantos.
Joseph viu-se em uma posição cruel. Virou-se para fitar os demais
anjos, como quem busca uma ajuda silenciosa. Gadreel mantinha-se
cabisbaixo, fitando o chão, extremamente focado e pensativo. Teodoro,
por sua vez, mexia em alguns quadros na parede. — Ele estava
fugindo da responsabilidade.
— Ele gosta de você, Benjamin — Joseph ditou, acariciando suas
costas.
— Eu já não sei... Como posso acreditar? Se ele gostasse, talvez,
não tivesse partido, não tivesse mentido para mim. — Pela primeira
vez, Benjamin sentiu-se magoado o bastante para questionar aquele
amor. — Eu dei tudo o que ele quis… Dei o meu amor, dei o meu
corpo. Calebie não queria me profanar? O fez. Isso não foi suficiente?
— Sim, Benjamin, você tem razão. Se Lúcifer gostasse de você, ele
teria ficado, não teria mentido. Entretanto, o que ele sente é algo mais
profundo. Ele ama você e, por você, ele escolheu ir. Tudo o que Heilel
fez, durante todos esses meses, foi estar com você, pensar em você,
cuidar de você. Até mesmo após partir, ele continuou protegendo-o. —
Geefs defenderia o Cão a qualquer custo, pois ele conhecia aquele
amor. — Há muitos culpados nessa história, mas nenhum de nós é
verdadeiramente vil — ponderava o que dizia, mas, no fim, tudo saía
pouco filtrado.
Com os olhos bordô e cenho franzido, Caleb mantinha-se erguido,
ouvindo atentamente. Ver a dor de Benjamin, tão longamente, o fez
entrar em reflexão e questionar os próprios sentimentos. Somente
naquele minuto etéreo, pôde perceber que, ali, já não existia o Diabo,
mas um posto de Lúcifer que lhe cabia como uma adaga no estômago.
Ele era o culpado. Quando o viu ali, tão frágil e solitário, atentou que,
enfim, fez seu papel de Demônio. Infelizmente.
Fechou os mirantes e, então, desvencilhou-se de lá, de Benjamin; já
não via ou ouvia nada. Restavam o Diabo e o seu reinado.
Em instantes, um calor invadiu o ambiente e, em menos de minutos,
tudo parecia brasa. Parker, esquecendo as dores, pôs-se a erguer o
corpo e retirar as meias e lençóis de si.
— Está quente, muito quente! — Gadreel disse, assustado.
A face de Benjamin ganhou uma coloração avermelhada, estava
extremamente corado e até gotículas de suor existiam em sua testa.
— Ele não está mais vendo — Teodoro proferiu. — Lúcifer não quer
vê-lo, está sentindo culpa — sua fala foi simplista, feita para magoar o
acobreado. Teodoro nunca foi alguém digno de confiança, isto Geefs
sempre soube, era um fato. No entanto, seu comportamento, naquele
dia, estava intensamente egoísta.
Os dois demônios não compreendiam, afinal um ser de luz jamais
agiria mal com um mero humano, principalmente na situação que
Benjamin se encontrava. A contar do princípio, Teodoro emanava
empatia para o Parker, protegia-o do modo que lhe era imposto. Por
vezes, desdenhou as vontades de Cristo, cheio de desobediência;
descia dos Céus e corria a Lúcifer, dando-lhe centenas de
advertências. Diante de tudo, enxergá-lo como um ser impiedoso não
soava verdadeiro.
— Ele não quer me ver? — Benjamin perguntou, em desespero.
— Não, não é isso. — Gadreel rebateu, na tentativa de amenizar as
falas anteriores. — Esqueça esse assunto, Benjamin. Heilel realmente
se esforça demais para vê-lo, um descanso o fará bem.
Na feição de Parker existia muita preocupação.
— Você também precisa descansar, Parker. E fora desta casa. —
Teodoro impôs, evitando olhar para o ruivo. O divino virou-se, mexendo
em um calendário azul. A data marcava treze de outubro.
— Hoje é o seu aniversário? — retornou a falar, desta vez, surpreso.
Seu espanto não vinha apenas pela data, mas por não se recordar.
Benjamin assentiu, sem ânimo, voltando a deitar-se de lado.
— Feliz aniversário! — Gadreel tentou contornar a situação, o que,
obviamente, não funcionou.
Ser um anjo significava saber mais do que deveria, e isso nem
sempre era vantajoso; Teodoro havia descoberto isso há pouquíssimo
tempo. Porém, não poderia continuar mantendo a pose ríspida, não era
a sua verdade, não era ele. Retirou de seu pescoço um colar de
corrente fininha e prateada e foi em direção a Benjamin que recuou
levemente.
— Eu quero que guarde isso com todo o seu coração. Lembre-se:
Deus não se esqueceu de você, laranjinha. Hoje, neste momento,
posso parecer mau, no entanto só te desejo o bem. — Sorriu fraco,
quadrado e singelo.
Parker, um tanto trêmulo, pegou a joia, fitando-o com gratidão.
Gadreel, por sua parte, puxou do bolso uma pequena bússola que o
acompanhou durante toda a sua jornada na Terra. Era um bem
significativo.
— Almejo que se recorde de mim também. Não estamos no melhor
momento para comemorações, entretanto sei que não nos veremos
novamente. — Tentou exprimir algum resquício de sorriso simpático.
— Obrigado, de verdade… — Benjamin falou, emanando uma
gratidão intensa.
— Assim como os três reis magos presentearam Cristo, em seu
nascimento, nós te presentearemos, em seu dia especial — Joseph
proferiu cativante. — Agora, é a minha vez — tentava disfarçar toda
aquela angústia. — O que você deseja? — Fitou intensamente os olhos
negros e inseguros.
Benjamin deixou um silêncio pesado pairar enquanto mirava inquieto
todo o quarto.
— Me leva junto com vocês? — sua voz foi baixa e receosa.
Por um milimétrico segundo, Joseph congelou. Aquilo foi um
choque, assustou-se com tal pedido.
— O quê? — indagou, profundamente atordoado.
Parker, com seu jeito inseguro, ficou ainda mais acuado e
amedrontado por tal indagação. Todavia, entendia que precisava ser
forte em seu pedido, caso contrário Joseph não o levaria a sério. Este
era o seu desejo, seu presente.
— Você me perguntou o que eu mais queria, e é isso. Quero que me
leve ao Inferno! — exclamou, sobressaltando a voz aguda, tão cheio de
si, e vazio também, um paradoxo.
— Enlouqueceu, Benjamin Parker? — Teodoro intrometeu-se,
completamente fadigado.
O ruivinho levou seus olhos tristes até o anjo, encarando-o
indefinidamente, como quem já não estivesse com medo.
— Para você, para ele ou para qualquer outro há esperança. Vocês
têm tudo e nunca deixarão de ter. Eu não tenho nada, não tenho
ninguém, nem o que perder, pois tudo já me foi tomado — o tom de sua
voz evidenciava tamanha angústia.
— Tens uma jornada para ser vivida, Benjamin. Terá momentos
felizes, um caminho cheio de oportunidades, repleto de novas pessoas,
novos amores, novas cores, novas escolhas. Não aja com ingratidão
mediante ao que Deus faz por você!
Um anjo deveria ser justo e ímpio, mas o ser de fios platinados não
fazia jus ao seu precioso cargo. Suas palavras seguiam o percurso
contrário ao que Deus lhe ordenara.
— Benjamin, você nasceu com um dom especial. Sua voz é linda,
semelhante à de anjos, traz paz para os corações aflitos. Pode usar o
seu talento para ajudar as pessoas, quem sabe se tornar uma
celebridade, criar projetos para outros adolescentes que sofreram e
sofrem como você. Não jogue tudo o que está sendo oferecido no lixo,
como se não tivesse um verdadeiro valor ou pior: não aja como uma
pessoa mimada e egocêntrica! — Suspirou impaciente e colérico. —
Você quer correr para os braços de Lúcifer todas as vezes que tem um
problema! Sempre querendo que ele resolva tudo por você, do dia para
a noite. Existem coisas mais relevantes para o Heilel fazer, há coisas
mais importantes do que você. — Em todas as definições possíveis, o
anjo glorioso estava enraivecido, cego e surdo para o que dizia e, em
sua voz, havia fúria.
— Acalme-se, Teodoro! — Gadreel repreendeu-o, puxando-o para
trás pelo ombro esquerdo.
— Não estou sendo ingrato… — o timbre de Benjamin, apesar de
suave, demonstrava a irritação, e seu cenho franzido não escondia
isso. — Em toda a minha vida, toda, eu fiz o que queriam que eu
fizesse. Eu nunca pude estudar em escolas, nunca tive amigos, nunca
saí sozinho ou me diverti de verdade, no entanto jamais reclamei. E,
longe de mim, dizer a vocês que vivi inteiramente infeliz.
Seus mirantes molhados demonstravam sua vontade imensa de
chorar. Benjamin estava inseguro e não era para menos, assustou-se
com seu próprio desejo.
— Você só está pensando em si mesmo!
As íris de Teodoro brilhavam, estavam extremamente azuis. Era
uma reação natural de tristeza, o que não fazia sentido naquele
instante.
— Será que, pela primeira vez, eu devesse pensar em mim? —
inquiriu exausto.
Benjamin estava cansado como nunca esteve antes. Encontrava-se
machucado, magoado, fragilizado; sentia-se fadigado de ser
maltratado, de ser visto como uma aberração, de ser comandado e
instigado a fazer somente os desejos alheios, de ter sua dignidade e
integridade violadas diariamente. Por que todos poderiam ser donos de
si e ele não?
— Me sinto cansado de todos vocês, de tudo! — Derramou-se em
prantos. — Você me diz que Deus me ouve, que me ama, mas onde
ele estava quando eu clamava, gritava e chorava, totalmente
apavorado? Onde ele estava quando o meu pai me tocava
indevidamente ou quando minha mãe morria diante dos meus olhos?
— a voz soluçada atrapalhava o entendimento de suas palavras. —
Será que você não vê como tudo isso está doendo em mim? Dói de
verdade, na alma e na carne!
A intensidade daquela dor não poderia ser medida, nem todos os
unguentos amenizariam. Parker amava Deus, não sentia remorso, pelo
contrário: era tanta gratidão que não lhe cabia em palavras ou no peito.
Entretanto, queria saber, compreender onde estava o Deus presente.
— Ao seu lado, dentro do seu coração, do seu íntimo. É somente
por Ele que estamos aqui. Só bons olhos, bons ouvidos e corações
podem senti-lo — refutou, cuspindo cada palavra.
— Eu só quero... Só quero paz! — Limpou suas lágrimas com o
edredom branco.
— E pensa que encontrará paz no Inferno, ao lado do Diabo? —
debochou, largando um riso nasal, intensamente incrédulo.
— Penso! A paz que eu desejo é a do meu interior, quero estar bem
comigo mesmo — respondeu-lhe de maneira firme, utilizando uma voz
aguda e levemente alterada.
— Então, você abdicaria da sua vida na Terra em nome de Lúcifer, o
Mal vivo? — o anjo questionou, descrente.
Teodoro bateu o pé sobre o chão, totalmente irritado.
— Abdicaria! Eu já renunciei muito da minha vida em nome de Deus,
que mal faria entregá-la de vez ao Diabo? — esbravejou, totalmente
bravo. — Eu prefiro! — voltou a falar enquanto cobria o rosto e
retomava o seu choro lastimoso.
— Você realmente deseja isso para a sua vida, Benjamin? —
Joseph questionou. Em sua face, havia uma expressão intrigada,
pensativa. Para o braço direito, não era como um pedido extremamente
surpreendente ou improvável — no mínimo chocante, pela coragem.
Por um breve instante, recordou-se de quando Lúcifer convidou-o para
viver no Inferno. Aceitou de primeira, afinal oferta boa não se joga fora.
Um sorriso distante surgiu nos lábios de Joseph. Era uma lembrança
feliz. Nunca se arrependeu de entregar a sua alma nas mãos de Caleb,
jamais, nem por um segundo. Além disso, não era como se o Tormento
fosse um péssimo lugar para demônios. Quem o maldizia nunca o
visitou, nunca o olhou pelos orbes de um demônio poderoso. Havia
milhões de motivos para desejar o Martírio, entretanto Geefs
reconhecia que o maior deles era o Diabo, sempre espetacular.
Benjamin, de modo doce e determinado, assentiu.
— Nem cogite tal ideia, Joseph Geefs. Isso é uma completa idiotice!
— Teodoro pronunciou-se firme, ao mesmo tempo que cruzava os
braços.
— Não sei como, e pode até soar cômico, mas concordo com o anjo
insolente. Você não deve seguir ideias que possam prejudicar o
Benjamin, você ou todo o equilíbrio do universo. — Gadreel alertou-o
seriamente.
— Durante todo esse tempo, estivemos pensando no bem-estar
universal, e olhem aonde nós chegamos: à droga nenhuma! Então,
reflitam e pensem, não em vocês, não nos humanos, não em mim, nem
no Benjamin, mas somente em Lúcifer. Porque eu sou formado do seu
corpo e do seu sangue, eu sinto a sua dor e sua solidão. — Mesmo
sendo doloroso dizer tais palavras, elas eram verdadeiras. — Uma vez,
o Diabo me tirou de um mundo cheio de sofrimento e tristeza, me
acolheu e fez o papel que Deus se negou a fazer. Ele é o meu primeiro
amor, o meu melhor amigo e tudo o que tenho nesta vida. — Engoliu
um nó pesaroso, sentindo a garganta ralhar.
— Exato, ele tem a você e você tem a ele — o anjo divino
argumentou. Teodoro aproximou-se, tocando na face do demônio e
segurando-a com as duas palmas, encarando-o. — Vocês são a dupla
perfeita — finalizou.
— Heilel tem tudo: dinheiro, amigos, bens materiais, poder, mas não
o tem. — Apontou para Benjamin. — E ele é a parte que falta e sempre
faltou. É o amor verdadeiro.
— Não aja sem pensar, isso pode dar errado, Geefs — o divino
insistiu, temia perdê-lo.
— Você quer ir ao Inferno, Parker? — questionou, novamente, algo
quase retórico.
— Sim, eu quero! — respondeu-lhe com o queixo erguido,
demonstrando força.
— Tenha a plena certeza de que, se um dia você se arrepender
dessa atitude, Lúcifer o trará à vida e, se todo o processo de entrega
de alma falhar, será acolhido e coberto pelas mantas de Cristo. —
Aquilo era uma advertência, um modo de causar medo.
— Não escolha isso, Benjamin. Poderá ser um lindo anjo de luz. —
Teodoro continuou suas falas, utilizando de um desespero incomum.
— Se eu abrir mão de quem eu sou, para que você assuma o meu
lugar, será a coisa mais certa que eu poderei fazer hoje. No entanto,
você também fará o certo, Benjamin? — indagou, mantendo um olhar
pesado sobre o ruivo.
— Joseph, pare com essa conversa! As chances de isso dar errado
são maiores do que as de dar certo! Um verdadeiro tiro no escuro!
Onde está sua decência? — Gadreel interrogou de forma arisca.
— Decência nunca foi o meu forte — sarcástico, completamente
sarcástico.
— Eu farei o certo, estou ciente da minha escolha. Não vou negar
que tenho meus medos, mas isso é o que eu mais desejo. Eu prometo-
lhe. Deixe-me ser alguém como você, acabe com essa disritmia, Hope.
— Os olhos insones de Benjamin não mentiam, suas palavras nunca
soavam como enganação e, por isso, Joseph jamais duvidaria de uma
promessa vinda dos lábios castos.
— Então, que comece. Sua alma será minha, minha alma será sua e
nós pertenceremos a Lúcifer. — Sorriu de forma sádica. Sabe a história
de nunca deixar a peteca cair? Os demônios faziam jus.
O Inferno carregava um ar mórbido, assombroso, um estranho
silêncio pairava pelos quatros cantos, ecoando e ecoando.
Caleb mantinha seus lumes fechados, pois, se os abrisse, veria
aquele quarto. Era como se não pudesse se desvencilhar de Benjamin,
era impossível abandoná-lo. Quando almejou tê-lo sobre a sua cama,
servindo-o, aquele garoto de fios cor de fogo, jurou que seria a maior
ruína do puritano, seria a brasa e o poder, porém Benjamin tornou-se o
pecado do Diabo, uma perdição perigosa, ofensiva, inesquecível.
Lúcifer esqueceu-se de todas as suas estribeiras, perdeu-se no
corpo nu, nas curvas, no sorriso mais singelo e méleo; derrapou-se nas
madeixas ruivas e encontrou-se no doce som daquela voz que falava o
seu nome tão manhosamente.
— Gadreel, vou precisar de uma taça, uma adaga e uma cerveja —
pediu-lhe suavemente, como quem estivesse fazendo uma lista de
compras.
— Uma cerveja? — Franziu o cenho, totalmente confuso.
— Despedida. — Piscou um dos olhos, sorrindo de forma travessa.
Era óbvio que Joseph tentava diminuir a tensão do ambiente, esconder
os seus medos por uma camada rasa de sarcasmo ou humor mórbido,
por trás de uma máscara de um demônio contundente.
Gadreel liberou um rir nasal, negando com a cabeça. Por muito
tempo, ele esteve intervindo na vida de Lúcifer, nas suas escolhas,
mas, desta vez, não faria isso. Se algo desse errado, sua parte estava
feita.
Em alguns momentos, precisamos nos sentar e aprender a ser
plateia.
— Por favor, Hope… Desista disso — Teodoro implorou, utilizando
uma voz repleta de atormentamento. Levou sua mão até a face do
demônio, acariciando-a. — Pelo meu amor por você, desista. — Fitou-o
desmedidamente, desejando que seu bramido fosse atendido.
— Nem todo amor pode prosseguir, anjo insolente — repetiu as
falas infelizes de outrora. Joseph fechou os luzeiros, deleitando-se do
carinho que o divino lhe dava. Parecia que o mundo estava inverso e
todas as criaturas de bom coração debruçaram-se de paixão por
demônios traiçoeiros. — Apenas me dê apoio, mostre o seu amor
através desse sacrifício. O que desejamos fazer não consiste em dar
errado, dará certo. Confie em mim — ciciou docemente, com uma voz
paciente, coberta de carinho. Em troca, recebeu um sorriso quadrado,
fraco e franco, acompanhado por sobrancelhas expressivas que
denunciavam a tristeza de Teodoro.
— Eu confio em você. — Deu-se por vencido, acenando
positivamente e engolindo áspero.
— Benjamin, escute-me com atenção: tudo funcionará como foi
comigo quando me entreguei a Lúcifer. Pelo menos é isso o que eu
espero. — Entregou o aviso, conquistando um ruivo atento. — Lembre-
se de uma coisa: isso não se trata de vida ou morte. Você não morrerá,
é uma troca de postos. Eu tenho a infeliz pretensão de permanecer na
Terra enquanto você se tornará o braço direito.
Joseph sempre viveu um dilema justo: odiava o Inferno, mas amava
o Diabo. Quanto mais tempo passava longe do Fogaréu, mais o desejo
de retornar crescia, como um sentimento masoquista. Era tudo atroz
demais.
— E se não der certo? — Benjamin inquiriu, começando a roer as
unhas já curtas. Com toda a certeza, Parker encontrava-se
amedrontado e não era pouco, suas mãos tremiam sem parar, e ele
sequer havia começado algo.
— Há muitas opções, mas só enxergo quatro delas. — Na mente
cheia de Joseph, rodavam certos lapsos de memória, uma sensação
nostálgica. Recordou-se, novamente, de quando Caleb o levou. Não
foi exatamente desse jeito, porém tão semelhante que ardia o íntimo.
Parker mostrava-se atento a tudo o que lhe era dito. Por mais que
sua cabeça estivesse conturbada, ele estava completamente são e
intenso.
Por um breve segundo, um filete de luz brilhou sobre os olhos
pretos. Benjamin era angelical, inocente. Se tudo desse certo, ele
poderia se tornar um dos demônios mais farsantes, seu perigo seria
imensurável.
— E quais são elas? — perguntou baixo e inquieto.
— A primeira reside em: você chega bem, totalmente salvo,
enquanto eu evaporo, como uma poeira inútil. — De longe, esta não
era a sua preferida.
Os olhos do ruivo arregalaram-se.
— A segunda: você vai para um percurso alternativo que
chamaremos de “errado”, então Deus te enleia e você torna-se um anjo
divino, algo semelhante a Teodoro, enquanto eu evaporo. — Joseph,
por mais que pensasse, não ponderava as próprias sugestões.
Mais uma vez, Benjamin pareceu amedrontado, desta vez um pouco
mais.
— A terceira probabilidade é: nem eu nem você chegamos a lugar
algum, morremos. — Talvez, aquela fosse a pior de todas para o ruivo.
— Mas não tema, a minha preferida é a quarta, e ela consiste em
chegarmos a algum lugar. — Sorriu-lhe cinicamente, soando nem um
pouco acalentador.
— Não quero que dê errado… — Benjamin sussurrou, mais para
seu cerne do que para qualquer outro alguém.
— Aqui estão as coisas — Gadreel ditou comedidamente.
Aproximou-se da cama, jogando sobre ela todos os objetos que
estavam em suas mãos.
Os olhos de Benjamin tornaram-se distantes e seus lábios pálidos
quando viu a adaga. A ansiedade atacou o peito e sua respiração
tornou-se mais constante e pesada.
— Eu não vou me copular a isso — Teodoro anunciou, cruzando os
braços e dando alguns passos para trás enquanto batia o pé sobre o
chão.
— Veja bem, ninguém lhe pediu para fazer nada — o anjo
demoníaco refutou, girando os luzeiros esverdeados, em genuíno tédio.
As emoções encontravam-se à flor da pele, tudo estava com muito
sentimento envolvido, quer fosse amor ou ódio, medo ou sua ausência,
sarcasmo ou ironia. Ora estavam fazendo piadas, ora eram pura
seriedade.
— Deite-se — Geefs ordenou a Benjamin.
O alaranjado acomodou-se sobre o colchão, ficando de barriga para
cima, com os braços e pernas esticados. Joseph puxou todas as
cobertas, jogando-as para o chão.
— Isso vai doer? — o ruivo questionou, completamente temeroso.
— Creio que sim.
A resposta crua fez Parker apertar seus olhos, apenas esperando
enquanto o seu coração palpitava freneticamente.
Joseph suspirou profundamente, mantendo a calma, preparando-se
para o que aconteceria. Gadreel pôs-se ao lado oposto de Joseph,
assim ficando um à direita e outro à esquerda. Pacientemente, Geefs
pegou o cálice dourado, um tanto envelhecido, com pedras preciosas
cravadas; retirou do bolso a sua ônix poderosa, que era como um
cristal de proteção energética, que absorvia e dissolvia as vibrações
negativas, jogando-a no recipiente valioso. Agarrou, com firmeza, a
adaga negra e extremamente afiada, olhando-a com incerteza e
insanidade. Seus lumes cavos e perjuros estavam reluzindo.
— É como se eu estivesse vendendo a minha alma? — Benjamin
voltou a inquirir, um pouco tímido desta vez, enquanto seus olhos ainda
estavam fechados.
— É exatamente isso! — o anjo divino respondeu-lhe agilmente,
cheio de contragosto. Teodoro queria assustá-lo ainda mais, o que
funcionou.
— Joseph... Você já fez isso antes?
— Para tudo há uma primeira vez. Agora, fique calado — retorquiu
sem dar detalhes, cortando o assunto. Não almejava deixá-lo ainda
mais inseguro.
— Eu só não quero prejudicar você e, principalmente, não quero o
mal para o Calebie — proferiu baixinho. Abriu os olhos, que
lacrimejavam, volvendo-os para o braço direito.
— Não se preocupe, Heilel é o próprio mal. — Sorriu-lhe. — Apenas
fique quieto, necessito de concentração.
Não havia o que dizer, não existiam formas de apaziguar tal
situação, tudo o que lhe restava era pensar: vamos testar e torcer para
o melhor acontecer.
Gadreel pôs sua palma próxima ao cálice, fechando os mirantes,
levando a face para cima que brilhou enquanto seus lábios se mexiam
em um perfeito latim, silabando mudo.
Joseph, por sua vez, ajustou Benjamin sobre a cama, terminando de
esticá-lo, sentindo-o tremer por completo.
O ambiente conquistou um ar indistinguível, estava muito pesado,
devido à presença demoníaca de Gadreel e a mistura tênue da aura
boa de Teodoro. Era o peso e a leveza lutando contra o meio termo.
Passou a mainça pela testa do ruivo, empurrando os fios lisos para
trás.
— A adaga — Gadreel pediu-lhe, ainda na mesma posição.
Joseph entregou-lhe, ao mesmo tempo que suspirou
profundamente, em uma tentativa falha de eliminar uma espécie de
fardo que se encontrava sendo posto em suas costas. Tudo precisava
dar certo.
Gadreel pegou a adaga, posicionando-a sobre a pele sensível de
sua palma, arrastando a lâmina com violência. A carne foi cortada
fundamente, jorrando sangue em uma abundância surpreendente,
caindo sobre o cálice enquanto escorria pelo braço do demônio e
gotejava sobre o chão.
Neste instante infindo e breve, Benjamin apertou os olhos com uma
força tão abastosa que temeu afundá-los.
Lentamente, o anjo demoníaco aproximou-se de Geefs e passou
sua preciosa palma ensanguentada sobre a face bela do demônio,
sujando-o até o pescoço enquanto seus lábios profanavam
incansavelmente.
— Estenda a mão — a voz do anjo maquiavélico tornou-se
violentamente grave.
Joseph obedeceu ao que foi imposto e entregou sua destra,
sentindo o objeto cortante rasgá-la sem pudor. A surpresa, para o
braço direito, foi a extrema dor que sentiu, a ponto de arrancar-lhe um
grito rouco e vacilante. O seu sangue sagrado e vermelho derramou-se
sobre o cálice de metal, misturando-se ao do outro. A pedra negra fez-
se brilhosa, semelhante ao primeiro raio de sol; sua intensidade
demonstrava força e pujança.
Gadreel abriu os olhos, ficando mais próximo do ruivo. Naquele
momento, a presença dele era altamente incômoda, ardia na derme do
ser. A respiração desregulada evidenciava o medo e o nervosismo de
Benjamin.
O anjo demoníaco encostou a ponta da pequena dagger sobre a
testa lisinha, fazendo uma severa fissura, no formato de uma cruz.
Parker, por sua vez, apertou os lençóis, sentindo algumas lágrimas
escorrerem dos seus olhos fechados, mas não gritou, não fez nada,
apenas suportou a dor. Era uma troca, um ardor momentâneo, por uma
vida curada.
— Fomos feitos para a liberdade, o livre arbítrio é o que nos move.
Somos carne, desde o seio de nossa Mãe até os confins. O que nos
transforma em pecadores não consiste em um único erro, tampouco
um pecado — Gadreel esbravejou, mantendo o timbre rouco. — Deus
pode odiar o pecado, mas sempre amará o pecador. Não tema, ele o
guiará ao seu destino, porém somente você pode escolher a estrada
correta. Você deve ir para a cruz ou para o prego — o tom causava
calafrios. Tudo estava tão silencioso, intensamente calmo.
Joseph passou sua palma ensanguentada por todo o rosto de
Benjamin, deslizando-a até o peitoral, manchando-o com o que ele
precisava: o pecado.
E, então, Joseph continuou por Gadreel:
— Somente você foi capaz de provar a Deus que dentro de Lúcifer
ainda há emoções, sentimentos e uma fagulha de amor. Por isso, ele
permitiu nossa chegada e nossa futura ida. Os demônios, os anjos, a
inexistência irão adorná-lo e conduzi-lo ao seu novo caminho. — As
palavras saíam como se Geefs estivesse lendo um script, mas pelo
contrário, não era sua boca, mas seu coração que falava. — Sua
escolha afeta diretamente a devoção que você tem a Deus, mas não
diminui o amor que ele tem por você. O verdadeiro e bom Cristo estará
de braços abertos para acolhê-lo, se esta for a sua vontade, no caso de
mudar o percurso — finalizou, emitindo um suspiro pesaroso e longo.
Mesmo com seus mirantes fechados, Benjamin sentia as grossas
lágrimas escaparem, escorrendo para os lados, até que caíssem sobre
o acolchoado.
A voz icástica de Geefs ecoou aos ouvidos do Diabo, semelhante a
uma trombeta envenenada e demasiadamente árida, só então fazendo-
o ter noção dos acontecimentos.
Heilel abriu os mirantes com força, arregalando-os, sentindo seus
orbes dilatados na cor vermelho-encarnado, em uma sensação de
viagem astral, onde seu ponto final era aquele quarto, aquele maldito
quarto.
— O que estão fazendo? — a voz grossa e alta de Lúcifer se fez
presente para as três criaturas, de um modo tão brutal que os seres
sentiram os tímpanos latejarem.
Já Parker, nada ouvia.
— Estou fazendo a escolha certa — Joseph respondeu-lhe, com
contragosto.
— Ordeno que não faça isso — Caleb escarrou as palavras, todavia,
no fundo, existia uma imensa tristeza.
— É necessário, eu sei que é. — O braço direito não daria espaço
para que Heilel o comovesse, mesmo que já estivesse comovido.
— Não é um dever seu, não é uma inópia. Encerre isto e volte ao
seu posto.
O intuito de Lúcifer era soar como sempre: arrogante, autoritário e
poderoso, no entanto tudo caía por terra, já que seu tom exibia um:
“Apenas volte ao seu lar, por favor”, pois, na realidade, o Diabo sempre
esteve condenado à solidão que o consumia como vermes em um
cadáver. Sua felicidade era igual a um eterno mar raso. Ele era infeliz,
mas tudo mudou depois de Joseph. Mesmo que Geefs, por vezes,
fosse alvo de suas pequenas trapaças e maldades, nada era para
realmente machucá-lo, pelo contrário: o intuito era fazê-lo um demônio
mais poderoso.
Naquele instante, o Diabo havia se tornado um controle remoto, não
funcionava com apenas uma pilha, precisava de outra, eram duas:
Lúcifer e seu fiel Hope.
— Você não consegue se desligar daqui, Lúcifer. Quanto menos
você tenta vê-lo, mais isso te corrói por dentro. E, quando, enfim, o vê,
o seu maldito coração diabólico se desfaz em pedaços irreparáveis —
Geefs anunciou, com tamanha inveja que dava para sentir em cada
pequena palavra. O demônio ajudante almejou ver a face do Cão, mirá-
lo bem nos olhos.
— Apenas volte ao Inferno, isto é um ditame. — Cerrou os dentes,
exibindo uma raiva momentânea por sua ordem não estar sendo
atendida.
Joseph deveria obedecê-lo, afinal Caleb era o Senhor do inferno,
quem mandava e desmandava; entretanto, seguindo essa exata lógica,
Hope chegou a uma conclusão fenomenal: ele não estava no Inferno.
— Cale a boca, Lúcifer! — esbravejou, utilizando uma vontade
profunda.
Seu tom desrespeitoso fez Gadreel arregalar os olhos e Teodoro
abrir os lábios, em uma surpresa infinita. Estavam chocados.
— Me diga que você fechará os olhos para o Benjamin, que não os
abrirá nunca mais, que, enfim, vai abandoná-lo. Se você for capaz de
dizer tais coisas, eu volto.
O intuito de Joseph não era fazer Heilel escolher entre um ou outro,
contudo queria provar que nem o pecado do orgulho, que sempre viveu
intensamente no Cão, seria capaz de fazê-lo admitir que poderia seguir
sem aquele mero ser humano.
— Diga! — elevou seu tom de voz, demonstrando irritação, e sua
face tornou-se levemente rosada pelo esforço.
— Eu diria, Hope… Diria isso para qualquer um, em alto e bom som,
mas não para você. Eu simplesmente não posso dizer, não para você.
— Pigarreou durante as falas que escaparam cheias de rouquidão.
— Exatamente, Lúcifer. Você não pode e eu também não quero que
fale. As linhas caminham tortas, mas a direção é sempre certa —
empático e compreensivo, muito mais do que o próprio anjo de luz que
havia ali.
— Compreenda: eu não quero perdê-lo. Durante muito tempo, estive
navegando na genuína solidão, então você surgiu e tornou-se a minha
única luz, salvou-me da cegueira, abraçou-me, apesar de todos os
espinhos; virou meu braço direito, meu melhor amigo.
Tudo o que Joseph viveu ao lado do Tinhoso, cada pequenino
momento, foi intenso e majestoso, porém nada se equiparava a ouvi-lo
dizer tais coisas. Nem mesmo todo poder compraria o sentimento de
paz que percorreu todo o seu cerne.
— Meu Diabão, você, eternamente, terá toda a devoção que há no
meu coração. Sempre será o meu melhor amigo, a minha melhor
lembrança. Eu até fui o seu braço direito, mas você serviu para ser os
meus braços, meus olhos, minhas pernas e quem me guiava — ditou,
prendendo aquele anseio de chorar em sua garganta, em um nó
violento. Balançou o cálice suavemente, de um lado para o outro, como
se fosse um vinho. Sentia a pedra negra girando pelo líquido pouco
espesso, brilhante e cheia de poder.
— Não serei o mesmo sem ele, mas sem você eu nem sei o que
serei. — A sutileza que Heilel usou para proferir isso demonstrou um
apego emocional hediondo que fazia seu peito doer e seus olhos
arderem.
— O essencial estará aí. Eu sempre estarei ao seu lado, Lúcifer,
sempre. Me tornei parte de você, como sempre diz: carne da sua carne
e sangue do seu sangue. O Benjamin não. — A garganta falhou,
fazendo-o engolir em seco. Retirou a ônix cruenta do cálice
envelhecido, dispondo-a sobre o centro de sua palma e,
imediatamente, fincando-a, queimando a carne e sugando mais de
Geefs. Sua vista tornou-se levemente turva e, por um único e precioso
segundo, a imagem fraca e pouco nítida de Lúcifer apareceu para ele,
como uma alucinação, e de seu olho escorria uma única lágrima de
sangue, simplesmente porque o Tinhoso, antes de amar
romanticamente, aprendeu o sentimento e o tipo de amor mais
valoroso que havia: o da amizade verdadeira.
— Um raio de sol tocou as trevas e tornou-se lanterna para o mal —
o Diabo ciciou. — É isto que você é para mim: um sol, a alegria, a
minha esperança. Eu amo você, Hope.
Joseph sentiu o coração parar, como se uma bala atravessasse o
peito, em uma dor imensurável. Amor era isto, sacrifício.
— Eu amo você infinitamente — finalizou arrastado e sôfrego.
Aproximou-se de Benjamin, colando a pedra poderosa sobre a
fissura, empurrando-a com uma força descomunal.
Dos lábios puros, um brado de dor e lamentação escapou, alto e
desesperador. As palmas de Parker cravaram-se sobre os lençóis,
puxando-os e rasgando-os enquanto seus gritos continuavam. Seu
corpo curvou-se com brutalidade, igual a uma ponte, debatendo-se,
como se houvesse uma luta interna.
Joseph sentiu um vazio instantâneo, mirou suas mãos e elas tinham
um brilho violento. Seus lumes tornaram-se cinza e sua estrutura
levitou, leve como uma pena. E, então, ele já não existia naquele
quarto, era apenas um corpo, uma fonte de energia e poder.
Todas as coisas estavam nas mãos de Benjamin, absolutamente
tudo.
Na faceta de Teodoro existia uma abundante preocupação,
evidenciando um anjo impotente.
Os gritos de desespero foram cessando, e Parker, em segundos,
adormeceu. Uma quietude ecoava por todo o ambiente, como um
paradoxo.
Gadreel agarrou o cálice e ergueu-o ao teto, silabando:
— Que o Diabo esteja com a sua alma miserável.
Volveu-se a Benjamin, derrubando todo o sangue sobre sua boca,
fazendo-o engolir cada gota do pecado.
Instantaneamente, a corpulência do ruivo começou a tremer,
sucumbindo para trás enquanto seus olhos se abriram; de seu nariz
jorrou sangue, como se estivesse substituído o bem pelo mal. Sua
estrutura elevou-se, ficando na mesma altura que Joseph, e seu
sangue escorria, pingando pela cama.
Gadreel puxou a mão pequena, abrindo-a e colocando a pedra que
pertencia a Lúcifer.
— Diga ao Diabo que, apesar de tudo, o único vilão foi o preconceito
— sussurrou ao ouvido de Benjamin, em um idioma indecifrável.
O Tinhoso podia sentir, pensar, mas o ato de se controlar parecia
impossível. Sentando-se em seu majestoso trono preto cintilante, Caleb
passou a língua pela bochecha, salientando a cólera. Os olhos rolaram
inteiramente para trás, suas escleras tornaram-se negras. Ele rangia os
dentes, deixando sua mandíbula ainda mais desenhada. Encontrava-se
raivoso, por perder todo o dirigir da situação. Sua derme alva, pouco a
pouco, foi tomada por veias atrozes que saltavam latentes, pulsando,
dominando-o completamente. Em seu rosto, existiam em abundância,
pareciam querer tiranizar sua faceta impetuosa. A cada segundo,
sentia-se mais revolto, totalmente preenchido pelos sentimentos mais
vívidos: a raiva e a tristeza.
Grudou-se sobre seu trono, como se estivesse preso, e bateu o
cetro com violência. O silêncio transformou-se em gritos de sofrimento,
lamúrias longas, murmúrios repetitivos. As criaturas e os anjos —
outrora presos por correntes pesadas — foram libertos. Estavam
soltos, todavia rastejavam como cobras miseráveis. Em um bater de
cajado, o Inferno tornou-se um chinfrim. Existiam choros e lamentações
para todos os lados, em todos os tons, tudo tão violento e estridente.
Sobre o topo da cabeça de Heilel cresceram dois chifres fúnebres,
rompendo a epiderme. Definitivamente, o Diabo era muito mais que
“espetacular”.
— Benjamin? — Gadreel chamou-o.
Não houve resposta, por isso o anjo diabólico pegou a adaga,
cortando o ruivo sem qualquer cuidado, notando que não havia
qualquer resquício de reação.
Benjamin havia transcendido, todavia os anjos presentes no quarto
não sabiam se era algo bom ou mau.
O acobreado sentia-se como em uma viagem tiritante. Por hora,
parecia estar flutuando entre uma linda galáxia; por outra, estava
caindo dela. Era como um buraco sem começo nem fim, ele nunca
parava de cair; contudo, estava prestes a estourar no chão, uma
sensação tão assustadora que o ar lhe faltava, seu peito latejava de
pavor. Quando, então, sua estrutura tocou uma superfície plana, com
uma sutileza inaceitável, como na época que sua mãe o colocava no
berço, com todo aquele cuidado materno ou semelhante a cair em
fardos de algodão. Sua visão parecia ter vertigem, seu corpo não
correspondia aos seus comandos e tudo passou a girar com pequenos
pontos de luz que acendiam e apagavam. Parker já não sabia se
estava deitado, em pé ou de ponta-cabeça.
No instante em que a sensação lunática chegou ao fim, uma dor
sucumbiu-lhe com violência. A tontura não parou de existir e, por este
motivo, continuou ali, jogado sobre o chão, dando-se conta de que se
localizava em lugar algum. Existia uma luz fraca sobre ele, porém tudo
ao seu redor era escuridão, não havia sequer uma parede, para
delimitar território.
Levantou o pescoço com dificuldade, notando suas vestes cobertas
de sangue, sua perna torcida, seus machucados e cortes que estavam
ainda mais vívidos e dolorosos. Passou a palma pela testa, sentindo a
pedra ônix cravada lá, que o queimou na ponta dos dedos — logo,
entendeu que não era para tocá-la.
Parker encontrava-se como antes e isso significava algo importante:
permanecia longe de Caleb. Para chegar até o Diabo ele teria que se
desprender de si mesmo, uma evolução do velho para o novo.
— Levante, porra. Você precisa encontrá-lo! — Gadreel esbravejou
e sua voz ressoou por todos os lugares, repetidamente, em um eco
sem fim. O ruivo assustou-se e olhou em volta, buscando pelo anjo,
entretanto ele não estava lá. Não havia nada, nem ninguém.
— Sinto muita dor, estou com medo — sussurrou, voltando a se
deitar, encolhendo-se. — Eu estou com medo, com medo, com medo
— repetiu choroso, mais para si do que para qualquer outra coisa
imaginável.
O silêncio era extremamente ruidoso, incansavelmente podia-se
ouvir sons e sussurros que não condiziam com a realidade, fazendo-o
encolher-se ainda mais, derramando lágrimas, completamente turvo.
Parker não podia evitar, sempre teve receio do desconhecido.
Seu íntimo berrava para que ele criasse coragem e agisse, mas
nenhuma reação partia dele, estava paralisado de dor.
Um farol de luz branca afetou seus olhos negros e, em seguida, um
veículo passou, a todo vapor, bem ao seu lado, quase raspando. O
vento forte balançou os fios ruivos e o fez engolir poeira.
Oscilou a cabeça de um lado para o outro, piscando forte para
limpar a vista. Rapidamente, atinou que não estava mais no breu, mas
sim em uma estrada, encolhido e tremendo pelo frio da madrugada da
Califórnia, Holy Paradise.
Lentamente, sentou-se, apoiando a mão sobre o topo da cabeça,
focando a vista. Fitou o carro luxuoso, bonito e, aparentemente, caro.
Dentro dele existia Hector e ele estava acompanhado de Eva, mulher
que Benjamin conheceu na Sky. O reverendo beijou-a nos lábios com
vontade, tocando as madeixas, e tudo parecia muito intenso.
Naquele momento, o alaranjado sentiu seu estômago revirar, uma
gastura percorreu sua garganta e o desejo de vomitar foi enorme.
Virou-se e, então, não pôde suportar tamanha queimação e ansiedade.
Colocou tudo para fora, vendo mais de seu sangue ser jogado para
fora de seu corpo, formando uma poça. Involuntariamente, emitiu um
terrível som de tosse que atraiu a atenção do pastor.
Hector virou-se na direção de Benjamin, encarando-o com enormes
olhos arregalados e com pupilas dilatadas. Existia raiva, ódio e nojo. A
sensação que dominou Parker foi a do medo, e viu-se em completo
perigo. Era como se um verdadeiro demônio estivesse olhando para
ele e caminhando pesado em sua direção, prestes a matá-lo.
O medo era nítido na expressão de Benjamin. O desespero tomou
conta de si e o choro tornou-se inevitável.
O senhor Parker, de prontidão, desceu de seu veículo, pisando forte.
De uma hora para outra, havia um cinto de couro em sua palma e na
outra uma arma.
Benjamin engoliu em seco, sentindo um nó violento na traqueia.
Ergueu-se com pouca força, cambaleando para o lado, inteiramente
inerte. Foi um movimento tão atormentador que sequer sentiu dor,
apenas pôs-se a correr, em uma velocidade indistinguível. Seu cabelo
voava para trás e suas pernas batiam fortemente sobre o chão; uma
delas insistia em falhar, por conta da torção.
Ele corria e corria, o ar em seus pulmões comprimia. Quis gritar,
porém sua voz falhava, não tinha fôlego o suficiente para isso. Não
quis se arriscar, parando para respirar ou olhando para trás, correria
até seu corpo tombar, até que não houvesse mais ar.
Quando, enfim, cedeu, por conta da necessidade, foi amenizando o
correr, totalmente ofegoso e suado. Olhou para trás e, mais uma vez,
estava no breu. Volveu sua face para cima, vendo a luz enfraquecida,
sentindo-se atordoado. Então, tombou para frente, caindo de bruços
sobre o chão.
Uma risada retiniu, além de palmas, estalos e um choro infantil. A
sensação de alucinação era horrenda, o clima parecia instável, mudava
a todo segundo: ora parado, ora agitado, balançando ou girando.
— Seja forte, garoto. Pare de pensar nos seus medos! — Gadreel
ordenou, mas sua voz estava tão distante que Benjamin temeu não ser
mais real. — Não deixe os seus receios domarem você! Pense no que
te traz paz, no que ama. — Seria necessária uma concentração
absurda para que aquilo desse certo, mas tudo com Benjamin foi feito
de forma avulsa demais.
O ruivo ergueu o braço, mirando a pulseira que Heilel lhe deu de
presente. Viu o pingente de tartaruga e sorriu levemente. Apertou os
mirantes com toda fé que existia em seu coração. Não precisou de
mais nada, para que, em um passe de mágica, aquele tormento
diminuísse. Suas dores tornaram-se leves, a voz de Caleb chamando-o
baixinho se fez latente.
— Calebie! — invocou-o mansinho, como um gatinho amedrontado.
Sequer precisou de outra convocação, bem diante de si, havia o
Diabo. O cerne de Benjamin foi preenchido por um sentimento
demasiadamente relaxante. Seu peitoral subia e descia arfante, ainda
eufórico e assustado. Sentiu-se livre de uma bomba caótica, estava
sendo salvo. Seus olhos, que lacrimejavam, emergiram um brilho de
esperança, capaz de fazê-lo levantar e correr até o seu grande amor.
Assim que se aproximou, pôde perceber uma fina película invisível
que os separava, impedindo-o de abraçá-lo, tocá-lo, ouvi-lo. Era
somente um milímetro de distância que, traiçoeiramente, os fendia.
Desta vez, não era uma alucinação, Lúcifer, de fato, estava lá, bem
à sua frente, de carne e osso, sangue e suor, chifres e veias. Mesmo
que o cerne de Caleb estivesse carcomido de ódio, ver Benjamin
quebrou-o em pedaços mínimos.
— Meu ruivinho… — soprou, sorrindo de forma leve e aliviada.
Benjamin retribuiu o riso, de modo cansado, feliz, abrandado,
mostrando seus dentes tortinhos.
— Senti tanto medo, mas agora passou — falou devagar, silabando,
para que o Diabo lesse seus lábios. — Quero estar com você, mas não
estou conseguindo achar o caminho. — Sentiu uma única lágrima
escorrer de seu olho esquerdo, mas, rapidamente, limpou-a. — Eu amo
você, Calebie. — Apoiou a palma sobre a película, sentindo-a densa.
Não era como vidro, tinha uma energia brutal.
Lúcifer permitiu que seus olhos analisassem os lábios, mas,
rapidamente, perdeu-se nos fios bagunçados, no rosto delicado,
naquele sentimento forte em seu peito.
O Cão apoiou a mainça sobre a do alaranjado e, de imediato, a
palma adorável atravessou aquela camada e pôde entrelaçar-se a do
Tinhoso.
Uma feição surpresa regeu a faceta de Benjamin. Ele elevou as
sobrancelhas, sorrindo, aliviado e feliz. Fitou intensamente os olhos do
Diabo, sentindo-se exorcizado, possuído e encantado por aquele
maldito homem. O sentimento que o habitava era de um poder tão
imoral que Benjamin jamais se importou com o que Heilel era, tudo o
que sempre viu foi o seu interior. Foi isso o que aprendeu com o ato de
amar, o instinto do seu coração era esse, cheio de compaixão.
Caleb, por sua vez, parecia ridículo naquele posto e sabia disso,
contudo não podia evitar e não iria.
— Benjamin… — a voz conhecida pelo ruivo ressoou como a melhor
melodia, a mais amada, e ela chamava-o. Nada teria maior
importância, nada estaria acima de atendê-la.
Virou a cabeça bruscamente, no anseio infindo.
Diante dele, existia Karen e, ao redor dela, subsistia uma redoma de
luz esbranquiçada. Suas roupas eram bonitas, longas e claras. Apenas
ela reluzia todo o ambiente, tornando-o lindo, transformando tudo.
Benjamin arregalou os olhos, em total devoção à sua mãe,
encantado. As lágrimas caíram, mesmo que ele sequer piscasse. Sem
se dar conta, já não segurava a mão de Lúcifer, já não estava próximo
a ele. E, sem qualquer autorização, suas pernas guiaram-no em
direção à Karen. Parker apenas chorava e chorava, com lágrimas
longas e pesadas.
— Mamãe! — ciciou desacreditado.
Karen olhou-o, cheia de paz, então abriu os braços e Benjamin
buscou refúgio na luz de Cristo, quis proteção e broquel.
Dos lábios de sua mãe, nada foi proferido, e não era necessário. O
íntimo do ruivo sentiu uma dor inconfundível, almejou ter sua mãe de
volta, para abraçá-la, beijá-la, protegê-la, até que o mundo explodisse.
Karen foi-lhe tomada de maneira bruta e cruel, tornando-se estimativa,
gráfico, mais uma mulher, mais uma vítima da violência.
Lúcifer sentiu-se como quem era excomungado, seu rosto exibiu
uma tristeza genuína. Estava vendo Parker partir. Era doloroso, mas
não ousaria interferir. O amor que Caleb sentia por Benjamin era tão
incontestável que ele jamais arrancaria a felicidade do ruivo, nunca o
submeteria a viver no Inferno, ao seu lado, somente para um bel-
prazer.
O acobreado, naquele instante, tinha uma escolha em mãos, mesmo
que não conseguisse notar isso; o vislumbre por sua mãe cegou-o.
A cada segundo, Heilel ficava mais distante, mais e mais, até que
virou de costas, exibindo suas asas níveo e resplandecentes. Restava-
lhe somente uma amaldiçoada sensação de solidão e uma falta
extrema de solitude.
Karen alisou os fios ruivos de Benjamin, em um carinho maternal
que aquecia o coração. Passou os dedos pela ônix cravada na testa de
seu filho, arrancando-a, sem causar dor. Em movimentos suaves,
pegou a palma pequenina, acariciando-a e abrindo-a, em seguida,
vendo que ali estava o anel, com a pedra negra cravada de Lúcifer.
Juntou as ônix que se ligaram de imediato, como ímãs.
Assim que Benjamin olhou para sua palma, visualizando os objetos
unidos, seu coração atinou. Volveu-se para trás, observando o quão
distante Caleb estava, e não houve outro sentimento senão a angústia
que subiu como gás em seu peito, tocando os olhos e escapando pelo
nariz.
A fisionomia de Karen ficou assustada, no momento em que tudo ao
redor deles transformou-se em límpido, brilhante, com uma longa
estrada de ouro atrás da mulher ruiva.
Ela empurrou o alaranjado com força.
— Vá, meu amor… Você é quem faz o seu próprio caminho — ela
recitou, tão singela que quase foi inaudível.
Benjamin, mesmo que assombrado, não questionou, acenou
positivamente para sua mãe e correu.
— CALEBIE! — gritou enquanto não parava a caminhada rápida.
No entanto, ele parecia estar sobre uma esteira: quanto mais perto,
mais longe.
Olhou para trás, percebendo uma imensidão de nuvens e luzes,
objetos preciosos, e tudo brilhava com vivacidade.
Benjamin foi revestido com roupas novas, alvas como a neve. A dor
não existia e todos os seus machucados foram curados,
desaparecendo como mágica.
Parker temeu ficar preso àquele lugar, ao divino, a Deus. Enquanto
se aviava, viu Lúcifer perdendo-se, em meio à distância e escuridão
enquanto era puxado para trás, como uma frágil onda no mar.
Um enorme portão dourado flamejante fechou-se e, por uma
pequenina fresta, o ruivo pôde ver o Diabo, pela última vez.
O corpo de Joseph, gradualmente, foi ganhando uma coloração
arroxeada, abaixando devagar enquanto sua luz se apagava.
— Deu errado? — Gadreel ergueu a sobrancelha, evidenciando o
anseio. Seu questionamento foi respondido quando Teodoro rendeu-se
a um choro, despencando-se de vez.
— O que houve? Por que está dando errado? — o timbre do
Gadreel elevou-se enquanto passava a palma pela testa, controlando-
se para não perder a cabeça. — Anjo insolente, você sabia que daria
errado? — indagou duramente, sentindo a garganta ralhar.
— Eu não pude impedi-los, tinha que ser assim, Gadreel. Foi a
vontade de Deus — seu tom trêmulo mostrava sinceridade.
Os corpos, exaustos e gélidos, caíram bruscamente, chamando a
atenção dos anjos que puderam, enfim, concluir o fracasso.
— Não… — Teodoro ciciou, correndo até Geefs, abraçando-o, em
desespero. — Por favor, Deus… Não faça isso comigo. — O implorar
do anjo divino não fez diferença, a desesperança tomou-o por
completo.
Gadreel verificou a pulsação de Benjamin, porém não existia mais
nada. Tudo estava destinado a ser assim, a contar do princípio, desde
que o solado Gofer tocou a grama verde e o cheiro de pureza exalou
pela brisa calorosa, deixando que isso fosse mais forte que o temor a
Deus.
— Isso não pode acabar assim… — Jogou os fios para trás,
caminhando de um lado para o outro. Mesmo que Gadreel não
estivesse perdendo nada sentimentalmente, alguém estava. E aquilo
não era um jogo, nem ilusão, era real, havia vidas e doía.
As mãos fortes do anjo demoníaco sacudiram a estrutura do ruivo,
repetidamente, em um ato pouco pensado de aflição.
Teodoro ergueu-se, sentindo um dos seus olhos piscarem, sem
autorização, evidenciando uma raiva pulha, um nervosismo
incontrolável.
— Não pode e não vai. — Cerrou os dentes durante a fala. Em sua
feição e em seus lumes azul-cristalinos, morava ódio e amor, era uma
linha tênue, a mesma coisa.
Abeirou-se de Parker, colocou sua preciosa pedra santa sobre a
fissura que estava com o sangue já seco, e empurrou com brutalidade,
cravejando-a. Então, ele causou um segundo único na Terra, pois,
somente naquele milésimo instante, o Céu, a Terra e o Inferno tocaram-
se, em nome da coisa mais perpétua que há no mundo: o amor.
Em um último ato de poder, Teodoro jogou Joseph no ar, fazendo-o
levitar novamente. Sua entrega foi tão violenta que todos os vidros da
residência estouraram, um a um, causando barulhos insuportáveis.
Diante deles, havia a força e o poder do próprio Deus vivo.
Geefs elevou-se, sobre ele, existiam anéis de energia, envolvendo
toda a estrutura. Em seu peitoral, uma enorme rachadura formou-se:
era a cruz de Cristo. Tudo resplandeceu, com uma fúria ofensiva e
descabida, tão intenso que causava dor nos olhos.
Agilmente, Teodoro colocou sua palma sobre a testa do ruivo, até
que a ferida emitisse uma luz radiante, capaz de queimar.
— Você sabe o que fazer agora.
Meia palavra bastou para Gadreel entender o recado.
Heilel retornou para o seu posto, com uma estranha falta no cerne,
um vazio pesado, sem Joseph e sem Benjamin. Ele era o poderoso e
temeroso Diabo, tinha que manter o controle. Mas quando, enfim,
sentou-se em seu trono, isolado, deu-se conta de sua terrível
penitência. Deus deu-lhe todos os poderes, permitiu que Heilel
continuasse à sua imagem e semelhança, entretanto, mesmo que ele
estivesse repleto das habilidades e domínios celestiais, ainda existiam
motivos para diferi-los. O Tinhoso era um anjo que pagava por sua
inveja, por sua rebeldia, por sua traição. À vista disso, estava fadado a
ser um eterno solitário esquivo.
Caleb engoliu em seco, erguendo o queixo em uma visível pose de
superioridade.
Em sua vista, o portão dourado sumia vagarosamente. Os gritos de
misericórdia eram ecoantes, e o clamor confuso, entre Deus e o Diabo,
causava-lhe extrema irritação.
Suas veias pareciam coaguladas, estavam extremamente doloridas,
em um latejar sem circulação. Sobre o topo de sua cabeça, os chifres
negros pesavam semelhantes a um fardo; sentiu o almejo de arrancá-
los. Com o passar dos segundos, a agonia roía-o traiçoeiramente. Os
apupos ficavam mais estridentes, sua cólera o consumia. Estava preso,
como quem é amordaçado, vulnerável e inútil.
— SILÊNCIO! — protestou em alto e bom som. Bateu o caniço
sobre o chão, utilizando de uma violência exagerada que fez o Inferno
tremer sem qualquer pudor. Uma falsa serenidade caiu, de imediato,
instalando-se pelas quatro extremidades do Martírio.
Na face impiedosa de olhos atrozes, existia um real desgosto.
Fechou os lumes, puxou todo o ar possível e, em seguida, soltou,
desfrutando daquele nocivo silêncio. Quando voltou a abrir os mirantes,
uma luz imensamente forte impediu-o. O umbral estava escancarado, e
aquele fulgor, quando entrava em contato com sua derme, queimava
similar a ácido. De lá, saiu Gadreel, com uma expressão sôfrega e
cansada, parecia fraquejar. O anjo demoníaco sempre foi muitíssimo
forte, sadio e rijo, no entanto, à frente daquele brilhar, ele tornou-se
fraco. Suas longas asas negras, com degradê cinza, rodeavam o
próprio corpo, protegendo-o.
Assim que atravessou o gigantesco limiar, este fechou-se em um
estrondo hiperbólico, causando um zumbido sobre os ouvidos de cada
criatura que vivia no Pélago, mas nenhuma ousou emitir som. Temiam
o Cão.
Lúcifer sentiu a sua corpulência congelar sobre o trono, pondo-o em
uma posição ainda mais angustiante. Não sabia se almejava atravessar
a ponta afiada do cetro no meio do peito de Gadreel ou se suspiraria
feliz pela presença de alguém, além do seu maldito ego.
As penas escuras abriram-se vagarosamente e, no meio de toda a
plumagem exausta, existia um ruivinho trêmulo.
Benjamin abandonou as asas do anjo diabólico, em total desatento;
o desespero o domou, suas vestes regressaram para as de antes.
Tudo o que habitava o jovem alaranjado era o anseio de estar com
Heilel, de pertencer ao Cão.
Quando os olhos insones e marejados pousaram sobre Lúcifer,
Parker sentiu medo e receio, todavia não foi o suficiente para impedi-lo
de correr desgovernado para os braços do Demônio.
Heilel desceu de seu soberano trono, pregando seus pés sobre o
chão, em uma postura rígida. Um sorriso melancólico cresceu, um
alívio o percorreu, capaz de deixá-lo calmo.
O puritano jogou-se em Caleb, sendo fortemente abraçado, em um
quase sufocar de saudades. Temendo, mas paradoxalmente corajoso,
Benjamin juntou seus lábios — agora pecadores — aos de Lúcifer, em
um beijo com sabor de fruta mordida, maçã envenenada e favos de
mel. Tinha gosto de eterna jura de amor.
As bocas se conheciam e o ósculo foi tão lento e amoroso que o
ruivinho se sentiu eufórico, a ponto de quase explodir.
Devagar, os chifres de Heilel sumiram e sua aparência foi
retornando às origens. Logo, voltou a ser o homem esplêndido.
Ter Benjamin ali, distante de todas as coisas que podiam afetá-lo ou
machucá-lo, foi um prêmio para o Cão. Agora, poderia garantir que ele
sempre estaria protegido em seus braços, onde era um refúgio.
Pouco a pouco, Parker encerrou o beijo, permanecendo com os
olhos fechados. Carinhosamente, passou a pontinha de seu nariz pela
bochecha de Heilel, apoiando-se ali enquanto seu coração sussurrava:
Aqui é o meu lar.
— Eu senti tanto a sua falta — o alaranjado sussurrou, com o timbre
trêmulo e agudo.
Caleb abriu seus mirones, tendo em vista seu adorável puritano com
bochechas coradas, cabelo suado e grudado na testa, ainda banhado
em sangue seco, mas não perdendo a beleza. Sua feição ainda era
muito amedrontada, por isso ele voltou a agarrar Lúcifer, em um abraço
apertado.
— Eu também senti, tenha certeza disso, babe.
Por mais que tudo parecesse estar errado, era um engano. O
universo nunca esteve tão perfeitamente alinhado, como estava
naquele instante.
Caleb apoiou o queixo sobre o ombro de Benjamin, fitando Gadreel
de longe. Existia uma gratidão e isso foi entendido com apenas um
olhar de respeito, então Heilel acenou positivamente para ele, como
quem dissesse: muito obrigado.
— Eu amo você — o acobreado ditou, acariciando as costas de
Lúcifer, utilizando a ponta dos dedos.
— Eu amo você, Benjamin, muito mais — o pai da mentira falava a
verdade.
O arruivado sentiu-se completo com a resposta. Almejou, por tanto
tempo, ouvi-lo dizer tais palavras... Seu coração encheu-se de regozijo,
palpitou brutalmente. Dentro de si, existia tanto amor que o Diabo
carregava uma certeza: não merecia tê-lo, mas, felizmente, o tinha.
Heilel puxou o acobreado para mais um beijo, acariciando a
bochecha gordinha com o dedão, questionando se algo poderia ser
melhor. Ele sabia que era impossível.
Lúcifer tornou-se o maior e mais perverso pecado de Benjamin, e o
ruivo desejava ser um eterno pecador, um eterno demônio.
Teodoro encontrava-se bem, diferente do que imaginou. Seu estado
era muitíssimo lúcido, por mais que sentisse uma feroz dor de cabeça.
Entretanto, tudo aquilo só chegou ao fim quando a estrutura física
de Benjamin evaporou, semelhante a uma névoa, e um alívio dominou
o ambiente.
As asas de Teodoro não existiam mais, nem os anéis de energia,
tudo havia evaporado. Eles respiravam como seres humanos comuns.
— Joseph — chamou-o, com a voz diferente, mais baixa, porém
cheia de rouquidão. — Hope... — Sacudiu-o, observando Joseph
despertar-se lentamente, demonstrando uma sonolência selvagem e
certa rejeição à luz.
— Deu certo? — questionou, com o tom sensível e abalado.
O de fios platinados assentiu, sentindo-se sentimental àquela
situação. Passou a mão entre os fios de Geefs, jogando-os para trás,
arrumando-os.
— Obrigado… — segredou. Depositou um beijo de gratidão sobre o
peito da palma de Teodoro.
— Leve isso como um pedido de perdão, feito por Deus. Espero que
aceite — falou de forma temerosa, mirando-o bem nos olhos.
— Eu o perdoei há muito tempo.
Era verdade. Por mais que, dentro de si, houvesse o desejo de
acumular rancor, ele havia perdoado.
Teodoro sorriu-lhe quadrado, mostrando seus dentes branquinhos e,
em seguida, juntou os lábios, em um célere selar singelo.
— Nem posso acreditar que estou de volta… — Hope silabou, ainda
desacreditado de tudo o que fez.
— Mal posso esperar para passar a vida inteira com você. —
Teodoro brincou, exibindo outro riso.
— Sorte que podemos morrer. Imagine ter que aturar você por uma
eternidade?!
Não aguentaria viver um “para sempre” ao lado de seu eterno anjo
insolente, mas “uma vida”, talvez.
— O ponto crucial agora é: para onde vamos? — questionou
enquanto apoiava a palma sobre a cabeça, erguendo o dorso.
— Apenas me siga. — Esticou a palma, para que Joseph usasse-o
de apoio. Geefs levantou-se com a ajuda, cambaleando, mas nada que
atrapalhasse. Ele carregava uma sensação de leveza e distância,
parecia não mais conhecer o próprio corpo, esqueceu-se de como um
ser humano é frágil. Teodoro, por outro lado, sempre seria insolente;
não temia a vida, os medos, a morte. Estava muito mais centralizado.
— Para onde vamos? — inquiriu mais uma vez. — Diga logo.
Seguiu o platinado que desceu as escadas, ouvindo o ranger
infernal pela última vez. Analisou a casa, aquela cena de horror,
sentindo o peito gelar.
— Vamos à Sky, ora — proferiu como se fosse óbvio. — Você acha
mesmo que Lúcifer o deixaria sem nada? Claro que não. — Piscou-lhe
um dos olhos e continuou o caminho, passando pelo corpo morto-vivo
de Hector. Fez questão de lhe dar um chute, afastando-o do percurso e
demonstrando repulsa.
Saíram da casa, podendo analisar o mundo por outros olhos.
Adentraram o conversível de luxo, o que causou uma nostalgia boa em
Geefs.
— Pega. — Teodoro apontou uns óculos escuros para Joseph, que
segurou, mesmo que lentamente. Ainda se sentia abalado.
— Pronto para viver uma vida insana, baby? — questionou,
mantendo aquele sorriso encantador.
— Nem um pouco — Hope confessou, prendendo um rir nervoso.
— Nem eu. — Gargalhou, dando partida com o Corvette, abraçando
uma história nova, mesmo que tudo sempre fosse fazer parte de
ambos.
Joseph voltou a olhar para trás, observando a casa ficar cada vez
mais distante enquanto as chamas a consumiam. Suspirou pesado e
longo.
Mesmo que dentro de si existisse uma sensação de saudade, um
vazio irrecuperável, ele estava feliz. Esse pesar jamais seria
passageiro, mas, de um modo geral, existia alegria em seu íntimo.
Teodoro ligou o rádio, permitindo que a música “Highway To Hell”
tocasse, no volume máximo.
Então, Hope pôde fechar os olhos, sentindo a brisa gélida e
veraneia de Holy Paradise balançar os seus fios vermelhos enquanto
acariciava seu rosto bonito, em um consolo divino. E notou que tinha
algo maior consigo, uma coisa que somente Lúcifer lhe proporcionara e
jamais deixaria de ter: estilo.
Colocou seus óculos escuros e sorriu para a vida. Aquele era
apenas o começo de um fim.
Um ano depois

— Hoje, dia treze de outubro, acontecerá o julgamento final de


Hector Parker, conhecido por Reverendo Parker. Acusado de homicídio
doloso, violência contra a mulher e violência doméstica contra a sua
ex-esposa Karen Parker, além de fraude processual, por ter incendiado
a sua casa, em que residia há anos. Foi também enquadrado como
maior suspeito no desaparecimento do seu filho único, Benjamin
Parker. Parece que estamos sempre diante de lobos disfarçados de
cordeirinhos perdidos. Desejamos consolo e sentimentos a toda a
família — a repórter exibia indignação em cada pequenina palavra. Ao
redor dela, existiam centenas de pessoas protestantes e ex-seguidores
revoltados.
— Babe, não acha que está na hora de darmos uma saidinha? —
Lúcifer propôs, com um ar desdenhoso.
Mirou o ruivinho, não escondendo sua ira no ranger de dentes e
expressão fechada.
Benjamin, com seus doces orbes negros e inocentes, fitou-o,
sorrindo ladino e maldoso.
“No princípio criou Deus o Céu e a Terra. E a Terra era sem
forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de
Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus…”
Espere um momento.
Não querendo usar de uma posição ríspida e sem qualquer tom
deturpado, mas sejamos sinceros: após todos os acontecimentos,
quem realmente se importa com o: "Que haja luz"?
O Diabo não. Agora, ele tinha o filho da própria luz, a lanterna para
os pés, o manancial da vida, o sal do mundo.
As nuvens escuras faziam-se em pedaços rasgados, com uma
leveza etérea, similar a algodão, diante do céu escrupuloso e escarlate,
mediando variações de nuances nas cores vermelho e cinza. Anjos
pequenos sobrevoavam incansavelmente, como um castigo.
Bem abaixo de tal firmamento, existia o verdadeiro Martírio e o
castelo preto cintilante do Senhor do Inferno.
O trono preto, brilhoso de polimento, era ocupado por um corpo
diferente: desta vez, havia algo mais que novo habitando o lugar mais
profundo e profano da humanidade e da sobrenaturalidade. Uma
presença hediondamente genuína destruía todos os paradigmas e
mandamentos de Lúcifer. E, agora, cada pobre alma clamava, de modo
indescritível, por ele, o recém e doce demônio: Benjamin Parker.
A estrutura pequena estava deitada sobre o trono, de modo que
suas pernas nuas ficavam sobrando e sua cabeça pendia para trás,
descabidamente confortável. Longas cobras deslizavam por sua coxa,
enrolando-se na derme branca e lisa de suas panturrilhas, subindo de
forma sorrateira e lenta. Benjamin vestia uma espécie de toga muito
reveladora que o deixava extremamente sensual. Amava usá-la, pois
sabia como Lúcifer tornava-se um louco devasso quando o via.
A posição de seu corpo, jogado para trás, evidenciava o quão
desocupado o adorável demônio puritano encontrava-se e sentia-se.
Os fios cor de fogo balançavam com uma delicadeza absurda enquanto
existia, em sua face, uma feição de pura tranquilidade e poder.
Os olhos, que antes eram pretinhos e doces, agora carregavam uma
laminação que entregava a nova malícia e perversão. Fechou-os
sutilmente, apenas para inspirar e expirar, sentindo toda a energia
densa do Brumo.
Benjamin Parker tornou-se muito mais do que um mero braço direito
do Diabo, ele tinha um poder hediondo bem na palma da mão: tinha o
coração de Caleb.
Sua beleza radiante poderia enganar a qualquer um. Se quisesse,
ludibriaria o mundo com uma facilidade indescritível, usando apenas
seus lábios róseos e doces palavras, as mesmas que, um dia, utilizou
para clamar e adorar o Senhor Altíssimo.
Ao seu redor existiam moedas de ouro, joias e pedras preciosas.
Parker transformou o desejo luxuriado e avarento de cada pecador em
realidade, para que queimassem eternamente, diante de sua própria
ganância e depravação. A enorme estátua da Quimera, que existia ao
centro do castelo de Lúcifer, era rodeada de ouro e, agora, os seres
pecantes e desnudos que a rodeavam, com longas correntes pesadas,
clamavam um único e singelo nome: Benjamin.
Gritos não eram ouvidos, naquele instante, apenas pequenos
murmúrios de dor e lasciva; nada além de súplicas que diziam: Que
seja eterno o seu nome; que, diante do sol, se propague a sua glória e
o seu poder; que sejamos eternamente amaldiçoados.
Lúcifer havia saído para descobrir e trazer boas novas ao seu
amado demônio. Sabia que a terra da injustiça precisava de mãos
santas, para provar que não havia maneira melhor de lidar com um
maldito pecador do que olho por olho, dente por dente.
Quando, então, uma fresta de luz incandescente possuiu o mar de
escuridão e desespero; um fulgor genuíno irradiou como fogo e criou o
próprio rastro de labaredas, uma brasa que se levantou em um
fogaréu, suficiente para atrair a atenção do ruivo. Benjamin inclinou a
faceta angelical, observando aquele fogo, e franziu o cenho, erguendo,
atenciosamente, uma sobrancelha, sem mover sequer um músculo do
corpo.
No instante em que um grito alto e atormentado se tornou vívido,
dando início a bramidos exauridos, e os anjos, que voavam sobre o céu
escarlate, desceram, curvando-se um a um, até formar um caminho
glorioso, Parker pôde compreender quem estava por vir. Levantou-se
em uma pressa sem igual, sentindo a toga fina deslizar em todo o seu
corpo muito bem delineado e praticamente nu.
Pouco a pouco, abriu um sorriso pequeno, observando a figura mais
almejada do Chinfrim: Caleb Heilel fez-se diante do fogo; suas asas
compridas, límpidas e esplendorosas balançavam sutilmente, fazendo
uma ventania moderada. Seus olhos estavam vermelho-bordô e sua
estrutura forte e alta encontrava-se revestida por vestes elegantes e
pretas que lhe caíam muito bem.
Abriu um rir ladino, olhando diretamente para o seu doce garoto
enquanto levava o charuto Cohiba Behike à boca, para puxar e, então,
soprar a fumaça que se misturava ao cheiro de enxofre.
Ao observar a presunção de Heilel, o ruivo pôde, verdadeiramente,
deixar que um sorriso crescesse de orelha a orelha, comprimindo seus
olhos, transformando-os em listrinhas méleas. Caminhou lentamente,
sentindo o vento bater com um calor surpreendente, que nada tinha
efeito; parecia estar blindado. A veste branca movia-se com leveza,
deixando sua estrutura desenhada, como se fosse esculpido pelo
artesão mais cuidadoso e detalhista.
Benjamin estava tão deslumbrante que Lúcifer precisou suspirar
profundamente. Ele jogou o charuto sobre o chão, deixando que o seu
solado Gofer apagasse-o.
Quando tornaram a estar perto, Benjamin deslizou a mão pelo
peitoral forte de Caleb, ainda se privando de dizer qualquer palavra.
Subiu para o pescoço, segurando-o docemente por ali, ficando na
ponta dos pés. Heilel ficava realmente mais alto quando estavam no
Martírio.
— Novidades? — questionou enquanto perpetuou seus lumes
atrozes que brilhavam em devassidão sobre ele.
— Você nem imagina, meu bem — sussurrou roucamente. Levou
sua destra grande até o rosto angelical, de bochechas naturalmente
coradas e gordinhas, acariciando-o com o dedão enquanto encarava-o
de modo tão apaixonado que nem o próprio Tinhoso conseguia
compreender o sentimento.
— Preciso muito saber, Calebie — o tom de voz serena exibia o
quanto Benjamin estava no local errado, o quanto ele havia nascido
para ser um anjo divino.
— Babe, não acha que está na hora de darmos uma saidinha?
Benjamin, com doces orbes negros e inocentes, fitou-o, sorrindo de
forma ladina e maldosa. Faria vingança por sua mãe, mesmo que
precisasse mover o mundo, o Céu e o Inferno. Rapidamente
aquiesceu, em um movimento quase automático. Deixou um selar
agradecido no canto dos lábios de Lúcifer, que o segurou pela nuca e,
depois, dispôs a palma livre em sua cintura, colando os corpos.
— Vamos, e logo. Estou esperando por isso há muito tempo, não
quero continuar nessa espera — seu timbre exibia sinceridade. Isso era
tudo que Parker ansiava.
Agora, os anjos e almas condenadas faziam o mais pleno silêncio, o
Inferno padecia em sofrimento secreto; tudo para que Benjamin e
Caleb ouvissem apenas o som de suas vozes. O ápice do respeito
pontuado.
Heilel sorriu de modo cafajeste, soltando a estrutura do ruivo e
afastando-se um pouco. Enfiou a palma no bolso esquerdo, retirando
um pequenino objeto de lá, mas mantendo seu punho fechado.
— Ainda falta algo. — Abriu a mão, deixando que a pedra ônix
flutuasse sobre a palma, em movimentos giratórios e lentos. Era um
objeto precioso, brilhante, com detalhes sobressalentes que deixavam
em evidência as belas mesclagens internas, semelhante a mármore.
Os luzeiros de Benjamin encantaram-se pelo quartzo preto, fazendo-
o sorrir por, enfim, tê-lo. Lúcifer nunca havia entregado o item místico,
nem mesmo por um ínfimo segundo.
Agilmente, o alaranjado esticou a mão, tentando pegar a ônix que,
muito mais rápido, caiu no centro da palma do Diabo, grudando. Caleb
emitiu um som negativo com os lábios e estalou a língua enquanto
segurava Benjamin pelo queixo, erguendo a face para que os olhares
se encontrassem mais uma vez.
— Não é desse jeito que almejo entregar esse presente tão precioso
— ditou pausadamente, em um tom soprado e tão delicioso de ouvir
que Parker suspirou em deleite. — Feche seus olhos.
Benjamin fez um bico para baixo, negando com a cabeça. Apesar da
ansiedade notória, emitiu uma risadinha nervosa e apreensiva. Sem
pestanejar demais, obedeceu à ordem de Lúcifer, fechando os lumes
com tranquilidade.
O Diabo apertou o cristal energético, fazendo com que ele se
transformasse em uma aliança brilhosa, a qual reluzia
demasiadamente, tanto que poderia cegar os anjos que quisessem
olhar fixamente para ela. Havia um poder tão penetrante no pequeno
objeto que os seres emitiram gritos de dor, engolindo-os de modo ralho.
Com uma sutileza nova, que quase sempre lhe faltava, segurou a mão
direita e delicada do ruivo e deixou um beijo devoto sobre o peito da
palma.
— Abra os olhos — o Cão disse.
Muito suavemente, Benjamin abriu os luzeiros, tão calmamente que
emanava uma paz exorbitante. Seu coração acelerou, surpreendendo-
se ao ver o anel flutuante.
De maneira serena, Lúcifer deslizou a aliança pelo dedo anelar,
vendo que se encaixava com perfeição. Era feito unicamente para
Benjamin Parker.
— Isso significa o quê? — o ruivo questionou, engolindo a seco,
sentindo o peito eufórico.
— Significa que, se você se casa com o Diabo, você também vira o
Diabo, Heilel Benjamin. — Sorriu sorrateiramente. — Quero que você
seja a minha lua negra.
Assim como Lilith reouve Samael, Benjamin encontrou Caleb.
Benjamin ficou estático, por alguns longos segundos, apenas fixado
no anel que brilhava lindamente em seu dedo. Mordeu o lábio inferior,
com o intuito de conter a euforia e a alegria que sentia; era
transbordante. Mas não teve jeito, sua felicidade ficou evidente; suas
bochechas tornaram-se tão vermelhas que formigaram.
— Eu amo você. Amo demais! — proferiu alto. Pulou sobre a
estrutura de Caleb, circulando a cintura dele com as pernas enquanto
se segurava estoicamente na nuca, puxando-o para um beijo sem
espera, necessário e imediato. Juntou os lábios finos aos seus,
sentindo as palmas grandes apertarem firmemente suas nádegas, por
debaixo da toga, pele tocando pele, trazendo-o mais para perto.
As línguas, que se conheciam bem, tocaram-se de modo molhado e
morno, delicioso e liso, deslizando lentamente para dentro. O ósculo
era delicado e verdadeiramente apaixonado.
O gosto do charuto estava por toda a boca de Caleb, e Benjamin
descobriu o quanto amava isso. Tinha sabor de pecado, de falta de
cautela e de como Heilel nunca mudou seus hábitos mundanos.
Lúcifer, delicadamente, mordeu o lábio inferior do ruivo, enquanto
forçava o corpo dele contra o seu, apertando tanto a carne farta e
branquela que suas mãos deixaram uma marca avermelhada ali.
Aos poucos, Benjamin interrompeu o beijo, forçando-se para baixo,
com o intuito de voltar ao chão. Sorriu bobamente, finalizando o ósculo
com um último selar colado na pintinha que Heilel tinha abaixo dos
lábios.
— Só para constar: depois que voltarmos, quero uma bela cerimônia
diabólica. — Deu uma risadinha mélea, ainda não acreditando no que
Heilel havia falado.
— Tudo o que você quiser, meu bem. Tudo.
— Então me escuta, amor. — Olhou-o com lumes traiçoeiramente
brandos. — Tudo o que eu mais quero agora é voltar a Terra. Preciso
tirar essa dor que há dentro de mim, renovar o meu coração, para que
eu possa ser verdadeiramente feliz.
Parker sabia que Caleb atenderia todos os seus almejos, porém
queria deixar evidenciado como aquilo não era uma luxúria, mas sim
uma necessidade.
Heilel inclinou seu corpo, esticando o braço para frente e estalando
os dedos, de modo que ecoasse aos quatro cantos do Inferno.
O umbral melânico abriu-se gradativamente. Os querubins roubados
e protetores, que ficavam de cada lado do portal, começaram a emitir
sussurros que se transformaram em sons agudos e, em seguida, gritos,
como o som de uma trombeta violenta, anunciando para todo o Martírio
que o Senhor deles iria se retirar. Todo o Inferno chorou em desalento,
clamando apenas à presença de Heilel.
O Diabo voltou-se a ele novamente, olhando-o seriamente, como se
só estivesse esperando Parker para ir.
— Calma, ainda tenho que fazer uma coisa — o ruivo falou
pausadamente.
Lúcifer permaneceu encarando-o, cerrando os cílios e, em seguida,
rolando os olhos, como se soubesse perfeitamente o que Benjamin
faria.
O ruivo ergueu a palma para o céu, balançando dois dedos para
baixo.
No mesmo instante, em menos de um segundo, Gadreel desceu,
semelhante a uma bomba silenciosa e sem efeitos negativos. Quando
os seus pés tocaram o chão, ele juntou suas asas, de modo que
ficassem em pose de descanso. As roupas negras e os fios penteados
para trás davam-lhe um ar charmoso. Um verdadeiro demônio.
— Diga-me: o que deseja, vossa alteza? — ironizou, gesticulando
para frente, como um cumprimento real.
— Enquanto Caleb estiver fora, o comando é seu. — Parker lançou-
lhe uma piscadela, rindo de forma ladina. Benjamin não esperou que
Caleb refutasse sua ordem, pois sabia que, se isso acontecesse, ele
não teria poder suficiente para mantê-la.
Por isso, segurou-o pela mão, puxando-o para frente, até
ultrapassar o portal. Então, Parker abriu suas asas negras, voando tão
rápido que, para Heilel, só restou a opção de segui-lo.
Lúcifer ainda temia que o seu ruivinho não estivesse completamente
acostumado a ser um demônio. Talvez, por baixo daquela nova pele de
demônio desafiador, ainda houvesse um adorável garoto da Califórnia,
que sonhava com muito pouco.
Um sorriso macabro cresceu no rosto de Gadreel. Ele aproximou-se
do trono cintilante, deslizando os dedos, sentindo o poder vibrar na
aura. Sentou-se ali, cruzando lentamente as pernas. Pela primeira vez,
sentiu-se completo.

Holy Paradise, Califórnia. O lugar preferido de Lúcifer, entre tantos


que havia no mundo. Foi ali que ele decidiu eternizar parte de suas
raízes, como por exemplo, a Sky.
Os coqueiros altos e o sol vibrante, que aqueciam o corpo de modo
místico e maravilhoso, o céu com o mais puro azul... Até mesmo o ar
tinha sabor de nostalgia e insanidade.
Agora, lá estava ele, vestindo um elegante terno branco Desmons
Merrion, diferente do de costume, mas nunca deixando de ser classudo
e muito refinado. O seu corpo parecia um pouco mais forte em
questões musculares. Seus fios, ligeiramente longos, caíam sobre os
olhos, um pouco bagunçados enquanto um sorriso ladino e perverso
destoava de seus lábios, mostrando seus dentes brancos e
protuberantes, em um tipo de insubmissão saliente que cabia
perfeitamente em uma única palavra: estilo.
Bem ao lado do Diabo, existia um doce puritano, com bochechas
sardentas e coradas; o cabelo leve e ruivo balançava com a brisa
calorosa, tornando-se esvoaçante. A estrutura bem delineada, apesar
de não muito magra, encontrava-se perfeita dentro de uma camisa
preta de mangas longas que beirava o transparente; em seu pescoço,
havia uma gargantilha de camurça, a qual estava bem grudada, dando-
lhe um ar extremamente apetecível e devasso. Seus olhos esbanjavam
uma compleição grandiosa, com um ar terno e méleo, cheio de
bondade e perdão; no entanto, bem a fundo, habitava um trevor
indescritível. Agora, o seu cerne era pecador, e pobre de quem
acreditasse em seu dulçor perpétuo.
— Deixar o Gadreel, no comando, foi a pior coisa que você me
forçou a aceitar — seu comentário foi feito em um tom sério e bastante
insatisfeito.
— Mas você aceitou. Poderia ter dito não ou simplesmente imposto
a sua autoridade que está bem acima da minha. — Inclinou o rosto
para olhá-lo de forma branda e afável. — Eu não forcei, você que
permitiu, Calebie.
— Hum... Está usando essa lábia de demônio iniciante comigo,
Benjamin Heilel? — questionou, erguendo uma sobrancelha e soltando
um riso nasal, praticamente incrédulo.
Estavam caminhando diretamente para o fórum da Califórnia, onde
aconteceria o julgamento não televisionado de Hector Parker — visto
que ele estava preso há exatamente um ano.
Havia uma gigantesca necessidade de pôr uma pedra naquele
assunto; a carestia de decidir o destino do abominável pastor. A própria
população mostrava-se esquiva a ele e organizava muitos protestos
para garantir que Hector não voltasse às ruas, muito menos às igrejas.
O reverendo deixou um pesado legado para trás; poucos conheciam
sua verdadeira índole e pouco caráter, por isso ficaram extremamente
assustados, como um choque de realidade. Muitos padeceram por
Karen, que sempre se mostrou uma mulher, esposa e mãe exemplar,
mas que teve o seu suspiro de vida arrancado desumanamente.
— Não estou... — Abaixou a cabeça, suspirando alto, em seguida.
— E só vou ser oficialmente “Benjamin Heilel” quando você me der
uma cerimônia concreta. — Tentou disfarçar seu gesto anterior.
A verdade era que Parker se sentia extremamente apreensivo, o seu
coração latejava de maneira vívida, violenta e má. Não carregava essa
sensação há muito tempo. A última vez que esse sentimento
assustador o domou foi quando esteve diante de seu pai, em uma
posição injusta e indefesa; quando a arma que estava apontada para si
foi virada e disparada contra Karen naquele instante ínfimo e maldito.
Poderia se lembrar até mesmo do som dos pássaros voando para
longe e as últimas palavras trêmulas de sua mãe.
Benjamin havia se tornado um demônio, mas, assim como Joseph
anteriormente, sua fraqueza era transparente como água.
O Diabo franziu o cenho, visivelmente estranhando a resposta
pouco argumentativa de seu adorável ruivinho. De imediato, parou os
passos, agarrou-o pelo pulso, inclinou seu corpo, para ficar frente a ele
e, então, de modo amoroso, segurou suas duas mãos, como se
estivesse transmitindo uma onda de segurança, falando sem usar
qualquer palavra.
Benjamin voltou o rosto para Lúcifer, mirando-o diretamente nos
lumes, emanando uma vaga de angústia violenta, tão forte que poderia
fazer mal a qualquer ser humano que o tocasse; uma energia tão
pesada e depredadora que os olhos, costumeiramente pretos, estavam
azuis, o mais celestial possível, brilhando inexplicavelmente.
— Meu bem, tudo dará certo. Lembre-se de que este era o seu
objetivo. Depois de hoje, encontrará essa justiça que busca há tantos
meses — sussurrou roucamente.
Caleb, carinhosamente, dispôs a palma sobre a nuca do ruivo,
deixando que alguns dedos tocassem os fios lisos.
— Eu não vou conseguir fazer isso, não dá — confessou. — Sou
incapaz de olhar para ele. — O acobreado sentiu o seu estômago
revirar, dando-lhe um anseio falso de vômito.
— Claro que consegue. Esperou demais por isso e, agora, o dia
chegou. — Acariciou a bochecha gordinha. — Você é a porra de um
demônio, então crie forças, porque isso é de sua responsabilidade,
babe. — Curvou-se com sutileza, colando sua testa à de Parker de
modo afetuoso. Pôde sentir Benjamin respirar pesado e observou-o
fechar os olhos em um aperto, como se buscasse coragem em seu
cerne.
— Não... Realmente não posso — repetiu. — Você tem que cuidar
disso para mim. Por favor, Calebie. Eu sei que você pode fazer isso.
— Tem toda a razão, óbvio que eu posso, mas não vou — emitiu de
modo direto e duro. — Sempre cuidei de você, prometi estar ao seu
lado e protegê-lo; no entanto, você fazer isso sozinho é uma
necessidade. Ninguém, além de você mesmo, vai ser capaz de curar a
sua própria dor. — Depositou um selar poderoso, sobre a testa lisa, tão
cheio de devoção que era explicitamente um beijo de “amor”.
— Tenho medo de olhar para ele e sentir o mesmo de antes.
Porque, agora, eu posso me defender, posso ir até lá e dar um soco na
cara dele. — Rangeu os dentes. — Caleb, eu posso destruí-lo sem
sequer me mover. Juro que vou explodir a cabeça dele, apenas
olhando-o. E, definitivamente, não posso fazer isso na frente de todo
mundo.
Caleb emitiu uma gargalhada sádica e fora de hora que deixou
Parker completamente confuso.
— Meu bem, se você fizer isso será o dia mais feliz da minha
existência. — Fez questão de ser hiperbólico enquanto lançava uma
piscadela ordinária. — Mas escute-me: penso que você não tenha
compreendido a natureza desse julgamento: não é apenas uma
audiência, é o julgamento final.
— Julgamento final? — repetiu de modo inquisitivo, franzindo o
cenho em uma indiscutível imprecisão.
O Tinhoso continuou sorrindo-lhe, de uma maneira costumeira e
cheia de malícia. A devassidão transbordava por suas retinas perjuras,
por suas covinhas pouco salientes e por todo o seu charme evidente.
Entrelaçou os dedos longos aos do doce demônio puritano, para,
enfim, cruzar a esquina. Já podia ver uma multidão agrupada na frente
do fórum público.
As pessoas gritavam xingamentos, palavras de baixo calão, todas
direcionadas a Hector. Havia diversos cartazes de papel e placas de
um material mais resistente, que eram segurados por pessoas
enfurecidas. A sede de justiça humana era hilária: eles fechavam os
olhos para tantas coisas e resolviam clamar apenas depois que o pior
acontecia.
Existiam carros de emissoras pela rua inteira enquanto câmeras,
repórteres locais e distintos estavam bem ali.
— Isso. Hoje será um ponto final — falou roucamente. — Tenho
alguém muito importante para apresentar a você. — Sorriu totalmente
ladino.
O ruivo engoliu um nó frio e grosso que ralhou sua garganta, porém
decidiu depositar toda a sua confiança no Diabo. Não seria a primeira
vez e muito menos a última que tomaria tal decisão. Heilel nunca o
decepcionou, nem mesmo por um só momento.
— Tudo bem... — Suspirou, contendo a aflição.
— E não se preocupe, você não vai estourar os miolos de alguém —
ditou paulatinamente. — Se bem que é exatamente isso o que eu
chamo de estilo.
No instante em que a multidão pôde ver a imagem de Benjamin, foi
como se algo santo existisse no lugar de sua alma demoníaca, como
se um corpo celeste estivesse ali e não uma simples carne pecadora.
Toda gente correu, de uma só vez, para cima do alaranjado,
absolutamente todos: repórteres, curiosos, preocupados e religiosos.
Após o sumiço repentino de Benjamin, muitos dos fiéis acreditaram,
fervorosamente, que ele havia sido levado por Cristo e que a sua alma
havia sido santificada.
Bem, tecnicamente ele havia sido santificado, mas não
precisamente como sugeriam os boatos ou imaginação popular.
Parker encolheu-se, indo para perto de Caleb, quase grudando-se,
pois era embaixo das asas do ímpio que o ex-filho de Deus encontrava
afago e proteção.
Com uma agilidade sobrenatural e gigantesca, Lúcifer afastou uma
parte das pessoas que queria tocar em Benjamin; sequer deu espaço
ou ouvidos a elas, ignorou cada uma, transformando suas falas em
murmúrios deselegantes e extremamente enfadonhos.
A mídia carregava em si uma redoma de questionamentos
desrespeitosos e abusivos, por isso não permitiria uma superexposição
de Benjamin.
— Benjamin Parker, é verdade que a sua mãe morreu por você? —
um pastor histérico questionou, em tom cadenciado e grave que se
misturava com o som da multidão que o rodeava.
O casto garoto olhou-o com uma feição desesperada, como se
aquilo o estivesse atingindo de forma drástica e violenta.
— A informação que o seu pai, Hector Parker, tentou estuprá-lo é
verdadeira? — Foi a vez de um repórter que falou de forma vociferante
enquanto apontava o microfone preto com a logo da emissora para os
lábios do acobreado.
Lúcifer sentiu o seu sangue ferver, pois compreendia como o
assunto era intocável para Benjamin. Ele nunca, nem mesmo por um
segundo infinitesimal, citou isso para Heilel. Jamais. Parker havia
escolhido esquecer e, agora, estava sendo exposto de modo
descabido, diante de diversas emissoras de televisão que só queriam
fechar uma matéria sensacionalista.
O objetivo sempre era esse: apenas fechar o artigo jornalístico, sem
qualquer preocupação humanitária, sem empatia pelo próximo. Cumprir
um dever profissional e ganhar dinheiro tornara-se o objetivo fervoroso
da mídia tirânica e ímproba; não importava o quão fragilizada a vítima
estivesse, nada seria mais significativo do que a audiência emissorial e
potentada.
Agindo de modo cegante e utilizando uma força apta para matar,
Heilel esticou o braço, empurrando a estrutura do jornalista com uma
violência tão exorbitante que ele foi atirado para o outro lado da rua. O
estrondo de seu corpo batendo e amassando a porta de um carro foi
brutal.
Uma gritaria ainda mais ampla iniciou-se. Agora, os fiéis devotados
e diligentes tinham uma certeza hedionda de que Benjamin estava
sendo protegido e regido por uma força maior e divina.
O casal de demônios deu passos mais extensos, bastante ligeiros
enquanto alguns guardas, enfim, surgiram para intervir aquela invasão
de privacidade distópica. Subiram os dez degraus com uma pressa
infinita, adentrando o ambiente gigantesco que mais parecia um museu
refinado; encontrava-se inteiramente vazio.
— Você me arrumou um advogado? — inquiriu, a fim de tentar
disfarçar sua recente fragilidade e corpo trêmulo.
— Claro — seu tom foi objetivo. — Eu sou o seu advogado. —
Mostrou seus dentes em um sorriso presunçoso e ansioso, como quem
quer falar mais do que deveria e não podia; tudo o que restou foi sorrir
e esperar.
Mesmo já dentro do congresso, uma enorme quantidade de flashes
de câmeras os atingia. Tiravam tantas fotografias que Caleb mantinha
a certeza de que Parker estaria na primeira página do jornal impresso,
em todos os programas de televisão, notícias online e assuntos do
Twitter.
— Como assim, Calebie? — tornou-se verdadeiramente baralhado.
Antes que Lúcifer pudesse respondê-lo, dois guardas, fardados
formalmente em vestes pretas, aproximaram-se, em passos brunidos e
contemplativos.
— Pedimos imenso perdão pela balbúrdia. — Curvaram-se em
respeito, bem ligeiramente. — Estava realmente impossível conter a
população ebulitiva.
Um dos guardas inclinou o corpo para o lado, exibindo uma feição
séria, quase sem expressão.
— Vamos levá-los até a sala principal — seu timbre foi grave.
Estavam cinco minutos atrasados, mas nada que pudesse interferir
ou estorvar físico e espiritualmente o julgamento.
Benjamin suspirou profundamente, de maneira ansiosa. Soltou-se
de Caleb, aprumando sua postura enquanto deslizava a palma pela
camiseta de tule grosso e preto, ajustando-a bem. Eram todos toques
pacificadores, como se pudesse se consolar.
O ambiente estava muito deserto e era extremamente espaçoso,
tanto que dava para ouvir plenamente o barulho do sapato Gofer de
Heilel, com as palmilhas tocando assiduamente o chão, emitindo um
tilintar irritante. Caminharam tranquilamente, até estar de frente para
uma enorme porta de madeira marrom roble, com detalhes
sobressalentes de uma tinta mais escura, quase betume.
— Pronto para esse momento? — Lúcifer questionou.
— Acho que sim. Você está?
Foi uma pergunta bastante tola, e rapidamente uma resposta óbvia
surgiu:
— Eu nasci pronto, meu bem.
Abriu a limiar, deixando que Benjamin passasse primeiro e, em
seguida, foi a sua vez, fechando a porta sem muito cuidado.
Era uma grande sala de julgamento, como qualquer outra: móveis
envelhecidos, de uma boa madeira; bancos longos que eram divididos
em duas metades: uma para a esquerda e outra para a direita. O único
diferencial era: estava completamente vazia.
Parker manteve o cenho franzido e predispôs a faceta para Caleb,
exibindo uma expressão genuinamente ambígua.
Uma galhofada boa escapou da boca do Cão, como se amasse a
ingenuidade persistente do alaranjado. Retirou a sua pedra negra do
bolso enquanto deixava os seus lumes firmes sobre os de Benjamin.
— Preste bem atenção e verá o que quis dizer esse tempo todo.
Jogou o objeto de cor envelhecida sobre o caminho reto que era da
porta até o banco alto do juiz. A ônix andou um pouco, rolando até,
enfim, tamborilar e parar sobre o chão, exatamente no centro.
— Aperta ergo ianua.
Sem intervalo de tempo, uma luz poderosa saiu de dentro da pedra,
tão forte que atingiu o alto do teto. Progressivamente, abriu-se,
iluminando todo o local, dividindo-o pela metade, semelhante à
separação do joio e do trigo. O lado direito foi envolvido por um azul-
celestial e opimo; o lado esquerdo, por um fulgor vermelho-encarnado.
A tapeçaria bege, que ficava no chão, ganhou uma nova cor:
escarlate abrasivo, a qual tomou o tom vagarosamente, como um toque
de mágica. O recinto tornou-se uma metamorfose paradoxal.
Sete anjos surgiram ao lado direito, cada um com uma trombeta, e
ficaram no alto, voando baixo, em uma fileira ordenada. Sopraram
sobre o instrumento, deixando seu som cavo escapar, em uma sinfonia
rouca, cheios de poder. Ao lado oposto, demônios e anjos caídos
posicionaram-se em uma seguida fileira, sem proferir nenhum sonido.
— O julgamento final... — Benjamin ciciou, atinando, enfim. — Hoje,
vamos decidir o destino da alma e do espírito dele?
Heilel negou lentamente, erguendo uma sobrancelha e contendo um
sorriso audacioso.
— Não… Hoje, Ele decidirá isso. — Então, apontou para frente.
Do amparo, surgiu uma luz poderosa que desceu em um trono rígido
e blindado de poder, ficando pontualmente no meio da sala de
audiência, a qual, agora, parecia completamente aberta.
Era um homem: tinha uma pele que parecia fragmentos de brilho
que se constituíam aos poucos; fez-se presente de modo sereno, sem
causar qualquer espanto. Suas vestes eram alvas como a neve e o seu
corpo era magro e de ombros largos. Uma auréola existia bem atrás
dele e reluzia, como uma luminescência divinal que brilhava
incandescente, tanto que, quem tivesse olhos amaria fitá-lo, admirá-lo
e contemplá-lo; quem tivesse boca iria idolatrá-lo e poderia dizer:
Bendito seja o Senhor.
No átimo em que o corpo santo se concebeu carne e sangue,
quando, mais uma vez, ele se fez presente na Terra, agora, em seu
estado nítido e escolhido, as trombetas cessaram. Lentamente, ele
ergueu dois dedos, desenhando uma cruz gloriosa no ar, para, em
seguida, tocar o seu próprio coração.
Lúcifer, sem qualquer nirvana, caminhou para frente, pegando a sua
pedra; sem sequer precisar abaixar, o objeto, subitamente, subiu a sua
mão. Passou bem à beira do rosto divino, deixando que seus olhos
vermelhos o analisassem sem cautela. Fazia tempo, desde a última
vez.
— Lúcifer... — cumprimentou-o, inclinando a cabeça e fechando os
olhos, de modo gentil, exalando uma bonança imensurável.
— Poupe-me de seu palavrório — ditou de modo direto e duro. —
Apenas comece isso logo, Jim.
Então, Deus suspirou em calmaria e negou lentamente, guardando a
certeza de que o Diabo nunca aprendia com os próprios erros.
— Não me denomine dessa maneira venal. Você sabe muito bem o
meu nome — advertiu.
— Você acha mesmo que eu vou falar o seu nome aqui? — inquiriu,
em real curiosidade. — Por que não pede logo para eu gargarejar água
santa, Jim? — Por conseguinte, Lúcifer sentou-se na primeira fileira,
logo à frente de sua legião mais fiel de demônios.
Benjamin não deu sequer um passo, permaneceu gélido ali, parado
como uma estátua, não pertencendo a nada, nem a Deus e nem ao
Diabo. Apenas ficou à face de ambos, e os seus luzeiros lacrimejaram,
em uma emoção novíssima. Deu pequeninos e robóticos andares para
frente. Cada sutil movimento era cercado de uma esquisita sensação
de abandono, uma tristeza viva, intangível e sem medida.
Diferente do que Caleb imaginou, Benjamin não se virou e seguiu
para o seu lado, mas sim parou à frente de Deus.
Os seus luzeiros brilharam no mais perfeito e ininterrupto azulado
enquanto um deles tremia, em uma patente condução elétrica de sua
contração muscular: um imutável nervosismo. O marejar tornou-se
bastante inatacável, quase transbordante.
O Altíssimo fitou-o profundamente, analisando todo o edulcorado
demônio de forma quase vulpina, mas não traiçoeira.
— Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados,
e eu vos aliviarei — ciciou para Benjamin, inclinando a cabeça em um
gesto sutil e comedido.
Parker sequer conseguiu agir, sentia lágrimas grossas percorrerem
as suas bochechas, deslizando pelo rosto casto, até pingar pelo
queixo. Deglutiu em seco e, então, curvou-se, como qualquer ser ínfero
faria. O ruivo dobrou os seus joelhos, deixando-os apoiados no chão
enquanto seus lumes se apertaram em um fechar. E lá estava: um
demônio prostrado diante de Deus. Ergueu suas mãos, sem medo,
sem receio ou qualquer sentimento que pudesse contrariar sua ação.
Segurou-se firmemente nas palmas santas de Cristo, tão intensamente
que pôde sentir o Espírito Santo queimar o seu corpo intrinsecamente.
Foi extremamente doloroso, mas permaneceu, como um sacrifício vivo.
Entalou todas as palavras que cogitaram escapar e permaneceu em
um silêncio pesaroso.
— Sempre soube, filho meu... — enunciou calmamente. — Nem
mesmo o pecado poderia esconder um coração pertencente a mim.
Não se curve mais, levante-se, pois é digno de estar à minha face.
À distância, Caleb somente fechou sua expressão e abaixou a
cabeça, evidentemente insatisfeito e sequioso.
Após ser expulso do Céu, todo e qualquer anjo caído ou demônio
sem alma é proibido de tocar em Deus ou em quaisquer matérias
genuinamente santas ou devidamente abençoadas. No entanto, Lúcifer
pôde tocar em Benjamin e este pôde tocar em Deus; para isso, só
havia uma única resposta efêmera: compaixão.
O ruivo elevou o seu rosto, deixando sentir o resplandecer
arrebatado daquela redoma de luz que envolvia o corpo celeste de
Deus Pai, Filho e Espírito. Não mais um, porém três; não mais carne,
mas espectro.
— Obrigado por me amparar debaixo de sua destra e me conduzir
ao caminho, Senhor. — Foram as primeiras palavras que escaparam
do demônio, de maneira metódica e lenta.
Deus sorriu-lhe grandemente, preenchido de brandura, tanto que o
transparecer de paz foi ensurdecedor, estrepitoso.
— Soprei, sobre as suas narinas, o fôlego da vida. Vi-te seguindo o
seu próprio destino, selando-o… E, agora, vejo-te diante de mim,
prostrado como a pecadora Maria, que lavou meus pés com unguento
de nardo puro e enxugou-os com seus próprios cabelos; ou como
Simão que se prosternou a mim, admitindo ser um homem pecador —
pausou. — Você, Benjamin, apesar de pecante, subsiste-se como bom.
Então, Deus segurou-o estoicamente, fazendo-o ficar de pé;
levantou-se também, em conjunto. Curvou o seu corpo alto,
depositando um selar sobre a testa do ruivo, bem no centro, onde, um
dia, o quartzo preto estava cravado, minutos antes de sua alma ser
oferecida a Lúcifer.
— Não me diga que sou bom. Assim como Marcos, vou repetir:
bom, só você — gaguejou de nervosismo.
Por segundos infinitesimais, naquele momento, havia o simples e
mélico garoto, exclusivamente Benjamin Parker, um sonhador e
adorador.
— Venha, meu bem — foi a vez da voz de Lúcifer se fazer presente,
em um chamado inseguro. Caleb Heilel sentiu uma espécie nova de
medo periclitante, afinal Deus já havia lhe tirado tudo quando o
expulsara do Céu; repetir o ato não seria difícil.
Por muitos milênios, o Diabo negou-se a amar os errôneos seres
humanos, enxergava-os como indivíduos medíocres e ignóbeis;
contudo, ali estava ele, temendo que Deus tomasse a única criatura
humana que pôde devolvê-lo a sensação de ter e pertencer, amar e ser
amado, quase incondicionalmente.
O Todo-Poderoso ergueu a palma em direção ao Tinhoso, como se
dissesse: Pare.
— Benjamin... — Deus chamou-o, tocando a faceta singela. —
Posso afirmar com justeza: você é bom. Sempre ouvi as suas orações
diárias, os monólogos doloridos e longos e sei que o seu coração,
mesmo convertido para o lídimo pecado, permanece preenchido de
bonança.
Parker estava tão imerso e encantado que foi como se não pudesse
dar ouvidos ao Diabo.
— Por que nunca me respondeu? — interpelou, em um fio de voz, e
continuou: — Houve momentos em que precisei de você, de uma
resposta ou um simples sinal.
O Ser iluminado sentou-se mais uma vez, permanecendo o segurar
nas mãos pequenas do alaranjado.
— Sua resposta era ele. — Portanto, apontou com o queixo para o
Tinhoso. — Sempre foi, e sei que você sabia disso.
Benjamin comprimiu os lábios, aquiescendo lentamente enquanto
tragava um nó de receio. Analisou a feição de Deus, em silêncio, como
se precisasse urgentemente decorar cada aspecto de sua fisionomia
santa: uma garantia de que nunca o esqueceria. Os fios castanhos
pareciam brilhar, eram lisos e caíam sobre a testa; os lábios, levemente
polposos, e o arco do cupido eram bem delineados; sua pele transmitia
verdadeira cintilância, como se de seus poros prorrompesse luz opima;
suas feições entregavam a mais pura tranquilidade e mansidão; os
seus ombros eram bem largos e ele vestia uma túnica branco artesão e
fulgente.
— Demorei a compreender como o Calebie poderia ser a minha
resposta, já que me trouxe centenas de dúvidas. — Sorriu fraco e de
forma apaixonada. — E, pouco a pouco, ele dissipou cada uma delas
com o amor. — O amável ruivo tinha a bravura e ousadia necessárias
para falar da bonança do Diabo a Deus.
— Sim, sei disso — Jim, graciosamente apelidado por Lúcifer,
proferiu.
— E é justamente por isso que, hoje, é a última vez que me curvo
diante do Senhor e que entrego minha dor em suas mãos, para que
você chore comigo e padeça ao meu lado.
Lentamente e com graciosidade, Deus piscou, quase não
acreditando nas palavras de Benjamin, fitando-o com serenidade,
apesar de parecer querer reverter algum tipo de situação. Ergueu a
palma, como se quisesse fazer um terminante e perpétuo carinho em
Parker… E mantinha uma certeza vívida de que, algum dia, Benjamin
voltaria aos seus braços e se tornaria um anjo precioso.
Sobre a testa lisa do demônio alaranjado, uma marca azul formou-
se, uma espécie de círculo que foi sofrendo uma mutação brusca,
tornando-se o mais vivo vermelho, algo latente e quase indecoroso que
esplendia e incendiava com sua amplitude. Era o sangue do Cordeiro:
o sangue que, um dia, esteve manchado na cruz.
Quando Deus estava prestes a tocá-lo, exatamente naquele local
suntuoso e valedoiro, Heilel esticou sua palma em direção a Parker, e
foi como uma força bruta, um vento fortíssimo que o puxou com a
pujança de dez animais selvagens, trazendo Benjamin diretamente
para os braços de Lúcifer, onde pertencia.
— Ele é meu, Jim — silabou de forma lenta e pontual, fazendo
questão de acentuar seu epíteto adorável.
O Todo-Poderoso abriu um sorriso branco e magnífico, banhado por
uma plenitude vigente, algo muito pouco corriqueiro, e preenchido por
um espécime de novidade que era conhecida somente por aquele que,
um dia, tentou se rebelar e tomar o seu posto: Lúcifer que cobiçou o
lugar do próprio Deus.
O Tinhoso fixou seus luzeiros vaidosos, temperamentais e
selvagens, bem de baixo para cima e quase ladino, como uma pintura
cabal de Alexandre Cabanel[1], o retrato de um Anjo Caído. Suas íris
estavam escarlates, com uma mistura movente e caleidoscópica de
bordô. Semicerrou seus dentes protuberantes e o seu cenho franziu;
era uma impetuosidade mais que indubitável. Em seus braços fortes e
quentes, estava Benjamin, pequeno e frouxo, que logo se tornou
confuso, caótico e alheio àquela situação hodierna.
Jim emitiu uma risada nasal, mostrando uma antipatia prosaica,
conjuntamente com um éolo ardiloso, soando quase como um desafio
cômico. Permitiu que o silêncio pairasse por todo o ar, enchendo o
ambiente, e essa falta de som falava mais do que qualquer outro tipo
de comunicação.
— Não se preocupe, Caleb Heilel — pontuou certeiramente aquele
nome mundano, perdurando um sorriso. — Conheço o que me
pertence e o que pertence a você, especialmente quando fui eu quem
lhe deu.
Todo o pequenino e tênue milésimo que Lúcifer passava fitando
aquele riso de bochechas gomosas que emitia o próprio fulgor, fazia-o
queimar em genuína cólera. Conhecia cada nuance de Cristo,
propriamente cada uma delas.
— Apenas quis deixar registrado em sua memória — cuspiu as
palavras, em uma urgência abrasante. — Não toque no que não lhe
pertence, Jim.
O Onicriador inclinou subitamente a cabeça para o lado, sem
expressões fortes, mas não tirou seus lumes de Heilel, nem por um
ínfimo segundo. O seu jeito prepotente ressoava para o Diabo como
uma flecha envenenada e certeira.
— Não esqueça, anjo meu... Se Deus dá, Deus pode tomar. E você
deverá continuar a dizer: Bendito é o nome do Senhor — sussurrou,
quase como um soprar de lembrança arrogante.
Jim manteve-se com o queixo erguido, olhando-o como se o Diabo
fosse apenas mais um, um grão inferior entre tantos.
— Isso você não pode tomar, caro YHWH. Ele não.
Na face esplendorosa de Deus, o riso caiu por terra e, em sua
feição, costumeiramente branda, cresceu uma seriedade sombria que o
consumiu lentamente. Abaixou o rosto, muito devagar, de modo
umbrífero, espreitando os olhos, encarando o Diabo.
— Não duvide disso, pois esse dia vai chegar, Lúcifer. — Cerrou os
dentes, forçando a mandíbula, porém suas falas fluíram
paulatinamente. — Aprenda como Jó.
— Por que você não enfia o “Jó” nessa sua bunda santa? —
blasfemou, de modo horripilante, e gargalhou, em seguida, com aquela
voz computadorizada e enfurecida.
Os demônios, que estavam ao lado esquerdo, emitiram risadas
traiçoeiras e longas, cheias de escárnio e malícia; roucas e cavas,
como se amassem aquele vituperar abominável.
Benjamin, assustado, inclinou-se rapidamente, para fitar Caleb,
dispondo um pequeno tapa sobre o seu ombro, em pura repreensão.
Exibia uma expressão facial visivelmente irritadiça.
Em uma epifania ligeira, o Diabo pôde captar a essência dos planos
poderosos do Criador, em que ele usaria de sua própria braveza para
causar rancor a Benjamin. A forma mais singela e sutil de Heilel perder
o doce ruivinho seria daquele jeito, afetando quem ele mais amou:
Deus.
Lúcifer umedeceu seus lábios finos, respirando profundamente,
tanto que suas narinas se dilataram e o peitoral subiu e desceu
bruscamente.
— Peço-lhe perdão, Jim.
Um primeiro e único pedido verdadeiro, proferido pela boca que
mais blasfema e blasfemou na história do mundo; algo tão superior que
assustou o próprio Deus.
Jim, insatisfeito, negou lentamente, pacífico e ímpeto.
— Não se preocupe com isso, filho meu. — Estranhamente,
direcionou-se a Benjamin, apenas a ele. — Conheço muito bem a
quimera que eu criei.
Heilel rolou os olhos com uma rispidez inequívoca enquanto
continuava entrelaçando Benjamin em seus braços, como se
necessitasse fitar Deus nos lumes de possessão, como um recado
mudo que serviria mais do que qualquer longa e desgastante ameaça.
Com todo seu rompante, Jim riu nasalmente, de modo literal, para
Lúcifer, como um deboche calculado e ardiloso.
— Vamos ao nosso objetivo, Lúcifer.
Estalou seus dedos longos, em uma sutileza pérfida, e, em seguida,
cada demônio sentou-se e cada anjo curvou-se. Ao lado direito, uma
criatura terna, fiel e verdadeira: seus olhos eram cheios por uma chama
azul e, no topo de sua cabeça, havia uma coroa luzidia; vestia um linho
puro, tanto quanto o de Cristo. Ali, seria o lugar de Teodoro, caso ele
não tivesse optado por seguir uma vida trivial, de escarnecimento e
pecado humano.
Lúcifer soltou Benjamin e pôs-se à frente do anjo iluminado, bem à
esquerda. Perto do Salvador, existia um banco vazio, um espaço
próprio para julgamento, com uma bancada de madeira maciça e
escura. Tudo estava pronto para a vinda do reverendo.
— Faça isso ser rápido, Lúcifer — Deus ordenou, deixando seus
luzeiros sacrossantos pousarem sobre o mal.
Ser ligeiro foi o maior desejo de Caleb, afinal não havia motivação
suficiente para um anjo precioso clamar tanto pela vida de Hector. Por
esse motivo, da boca do Cão, nenhuma sentença ousou escapar, nem
por cogitação.
Da enorme porta, por onde Benjamin e Lúcifer adentraram, surgiu
uma fresta e, progressivamente, abriu-se, para, ao fim, revelar a
imagem de Hector.
O pastor estava mais robusto, mais gordo; os fios, inteiramente
brancos, davam-lhe um ar mais definhado, abandonando o antigo
grisalho que disfarçava isso; a marca eterna, ao centro de sua testa,
clareou, permanecendo como uma sutil queimadura.
Parker questionou-se mentalmente como seu pai pôde envelhecer
tanto em apenas um ano, pois até suas bochechas encontravam-se
caídas e ele parecia mais baixo, um pouco corcunda, mas nada que o
impedisse fisicamente. Era o mesmo homem, apenas mais
desgastado.
Hector era segurado por um anjo e um demônio, de cada lado
determinado. Suas mãos estavam algemadas para trás e os seus olhos
cruéis pousaram sobre Benjamin, de modo agressivo e latente, como
lumes de vidro, sem uma reação emocional, senão a gana.
O alaranjado sentiu a estrutura física bambolear, tremendo a ponto
de seu queixo tremelicar e os seus dentes baterem uns nos outros,
emitindo um som típico, causando um tiritar e esfriar nos seus ossos.
A sensação que o dominou foi a de estar preso, como se os seus
pés estivessem enfiados em um balde de cimento seco e o seu corpo
colado duramente naquele banco.
Um turbilhão de emoções, sentimentos e lembranças percorreram a
corpulência de Benjamin, semelhante a uma onda de choque em sua
espinha, agressiva e pavorosa. Mesmo que, naquele momento, ele
fosse um demônio poderoso, quando se colocou à frente de Hector,
enxergou-se como um menino sem identidade, sem escolha, sem
espaço, sem liberdade. Tudo isso em um ínfimo e insignificante
momento, em apenas um atravessar de tapete.
Seu pai passou ao seu lado, tão perto que lhe causou calafrios.
O anjo soltou-o e o demônio retirou as algemas de cobre pesado,
em um som que amedrontou o ruivo. Era como se Hector estivesse
liberto, ainda que não fosse isso.
O reverendo acomodou-se, abancando e observando aquele lugar
caótico e sobrenatural, repelindo cada uma das criaturas que ali havia.
Todavia, quando os seus olhos sem expressão pousaram sobre o
Diabo, ele provou o legítimo medo. Nem mesmo a imagem mais doce
ou enfurecida de Deus foi capaz de causar tanto impacto ao velho.
Caleb, morosamente, abriu um sorriso macabro, astuto e
engenhoso, mirando-o de um ângulo ladino, de modo que o seu rosto
formoso ganhasse uma expressão maquiavélica. Metade de sua
faceta, momentaneamente, tornou-se apenas ossos e um olho atro
grudado, apenas para Hector ver.
O reverendo emitiu um grito, jogando-se para trás, quase caindo do
banco enquanto tremelicava, sem qualquer intervalo, e os seus pelos
eriçavam-se de pavor.
— Cuidado para não mijar em suas calças, reverendo Parker —
ciciou em zombaria e, apesar de rir, foi bastante arrogante em seu tom.
A criatura iluminada e alada, com seu esplendor e piedade, negou
veemente — apesar de muito detidamente —, desaprovando, de feitio
visível, a atitude pueril de Lúcifer.
Hector, sentindo seus nervos à flor da pele, nada fez. Segurou-se,
com firmeza, na bancada de madeira, com mãos suadas e
escorregadias, tinindo sem escrúpulos, e sequer intentou olhar
novamente para o Cão ou para Benjamin.
— Chega de brincadeirinhas, Lúcifer! — Cristo impôs, erguendo
uma de suas sobrancelhas. — Vamos dar início.
Outro anjo, desta vez um serafim, com fios loiros, quase dourados, e
olhos verde-oliva que brilhavam com uma cintilância inexplicável,
aproximou-se, com certa pressa, e ajoelhou-se perante Deus,
erguendo suas mãos, como um sustentáculo.
Jim pegou um alfarrábio grande e pesado que estava ao seu lado,
apoiou-o sobre as mãos curtas do anjo, e ele o segurou estoicamente,
como um alicerce.
Era o precioso livro da vida.
Sua capa era de ouro puro, com arabescos tracejados
profusamente, de uma cor belíssima; estava inteiramente em hebraico
arcaico.
Um silêncio soberano reinou por toda a sala unificada, nem mesmo
um som de suspirar foi ouvido.
Benjamin manteve-se estático, com o coração aflito e dorido, em
batimentos sobre-humanos, ultrapassando o brutal. Tremia sem parar,
ainda que tentasse se controlar. O frio que o acometeu foi o mesmo do
dia em que entregou a sua alma, naquele quarto, com três seres
sobrenaturais e insanos.
Um pigarreado do Onicriador exaltou e suas falas vieram, em
seguida:
— Este é o julgamento final, não simples como qualquer julgar
terreno, mas sim decisivo — sua voz ecoou eufonicamente. — Hector
Parker, em sua vida humana e espiritual, conquistou dívidas
irrecuperáveis e hediondas, causou dores irreparáveis e tomou o sopro
de vida que eu entreguei a outro ser humano. É por isso que estamos
todos reunidos, hoje, mas não somente: a causa, também, é Benjamin
Parker, a quem jurei refúgio e abrigo abaixo das minhas asas, e o
Diabo, que se prostrou diante de mim, suplicando algo que jamais serei
capaz de negar: Justiça.
O Tinhoso engoliu em seco, recordando-se de tal maldito dia,
recapitulando o momento em que sua boca suja se limpou para clamar
ao Senhor lá de cima. Suspirou profundamente, mantendo-se com a
postura endireitada e uma expressão severa.
— Assim como Benjamin é o meu filho, Hector também é. Os seres
humanos são todos da mesma carne, do mesmo sangue e do mesmo
Deus. É por isso que este julgamento acontecerá: porque eu estou aqui
para quem me chama e ofereço perdão a todo aquele que me pede. E
Hector pediu.
O reverendo manteve-se com os luzeiros arregalados, como se
estivesse quase maravilhado com a possibilidade de garantir o seu
perdão e um espaço no Céu, para que sua alma, um dia, descansasse.
Havia tanta piedade e benevolência nas falas divinas que Caleb
sentiu-se à beira de um abismo oco e caliginoso. Perdoar nem sempre
era fazer justiça.
— Anjo Miguel e Lúcifer… Deem início a este julgamento, de modo
respeitável e digno, usando as leis da Bíblia Sagrada, tanto do Velho,
quanto do Novo Testamento; ambos têm a minha autoridade para
refutá-la — pausou. — O Mal deve dar o início.
Caleb ralhou a garganta propositalmente, em um ato de preparação.
Ansiava começar e terminar tal espetáculo o mais rápido possível, pois
não queria deixar Benjamin sofrendo diante do pastor, alguém que o
afetava da pior maneira possível e muito ferozmente. Em cada
microscópico segundo ali, sentia-se mais instigado a acabar com a
alma, quase condenada, do ominoso clérigo; almejava consumir aquele
espírito porco.
— Em vida mundana, Hector Parker foi um homem, no mínimo,
detestável: violento, adúltero, herege, hipócrita, um falso profeta, um
profano… Quase tudo o que um demônio como eu poderia querer em
um frágil ser humano, visto que o seu destino sempre foi muito
evidente — retardou, somente para abrir um sorriso solerte. — No
entanto, suas atitudes levianas ganharam proporções surpreendentes e
horripilantes, até mesmo para alguns dos mais blasfemos anjos
roubados. Havia maldade genuína em suas veias, e ainda há. Hector
agiu com barbaridade e crueldade com quem menos merecia, com
quem Deus jurou proteger e não cumpriu o seu prometido. — Lúcifer
deixou um silêncio desconfortável, mas necessário, aplainar sobre o
ambiente e, por sua visão periférica, tentou analisar Benjamin que
parecia cabisbaixo e emurchecido.
O ruivo encolheu-se, como se ouvir tais palavras, dos lábios
renegadores de Caleb, machucasse o suficiente para trazer a mais
remota lembrança de todos os acontecimentos, a memória mais
nostálgica e amarga.
— Seguindo as Suas leis, a Sua palavra, Jim, que é denominada
sagrada, em Eclesiastes, número doze, versículo quatorze, diz: “Pois
Deus trará a julgamento tudo o que foi feito em Terra, inclusive o que
está escondido, quer seja bom, quer seja mau” — anunciou a palavra
sacra. — É, por essa razão, que estou aqui, procurando a justiça falha
de Deus, no mundo falho dos homens — Lúcifer concluiu, mantendo-se
com uma fisionomia irritadiça.
Não era minimamente agradável estar naquele ambiente pesaroso,
para nenhum dos lados. Nem para Deus, para o Diabo, para Benjamin
ou Hector. Tudo era um axiomático desconforto primordial, para uma
possível justiça e confortabilidade futura.
O anjo, a quem Cristo chamou por “Miguel”, mostrou-se contra cada
pequenina fala que escapava de Heilel, mesmo que, da boca maldosa,
apenas fluísse a escrita do próprio Eterno.
— Hector, um humilde homem de cinquenta e três anos que serviu a
Deus desde a sua juventude, começando por seus primeiros anos de
vida — a voz doce e melodiosa ressoou por todo o ambiente. — Um
servo fervoroso e fiel, mas que, também, é falho e humano e que,
apesar de tudo e de todos os seus erros perdoáveis, trouxe dezenas de
almas para o caminho do Senhor, libertou-as, usando a sua fé
inabalável, mesmo que deturpada. Ele é apenas mais um indivíduo,
feito de matéria frágil, sangue e suor, medos, receios, alegrias e
tristezas. Nada além de uma criatura feita à imagem e semelhança do
Senhor, mas que não tem a sua bonança.
Com uma graciosidade assustadora, Miguel inclinou-se a Deus,
mirando profundamente os olhos supremos, deixando que
transpassasse todo o seu apetecer, piedade e compaixão.
— Hoje, ele está aqui, fazendo o que, segundo Coríntios, parte
cinco, versículo dez, deixou explícito... Compadecendo-se perante o
tribunal de Cristo, para que receba a sua pena de acordo com a sua
gravidade; apresentando-se para receber o que merece por suas
obras, tanto as más quanto as boas.
Hector respirou agudamente, enchendo os seus pulmões vivos com
uma esperança nova que parte de Deus; e, se há Deus, há perdão, ele
sabia.
Lúcifer negou friamente, tornando-se decepcionado com a
justificativa do anjo, como se fosse hediondo vê-lo em tal posição.
Miguel era mais uma das criaturas que Caleb conhecia há milênios,
que tinha o cerne preenchido pela inveja. Deus sabia, mas os pecados
e pecadores sempre foram fardos diferentes, incrivelmente distintos.
Miguel era belo e radiante como a própria luz, mas, por dentro, havia
algo que crescia, assim como, um dia, floresceu em Lúcifer: uma
luxúria descabida, uma ambição descomedida, e ele estava ciente de
que, algum dia, Deus o jogaria dos Céus.
Naquele julgamento, era notório como Cristo não gostaria de ser
imparcial, porém necessitava, por sua própria lei, por sua própria
integridade sacra. Quantos homens como Hector havia no mundo?
Milhões e milhões. Diante de tantas exceções, essa Cristo não poderia
oferecer a Benjamin, pois seria injusto.
— O livro sagrado, escrito por mãos humanas, no manuscrito
hebraico arcaico, também humano, mostrou-se impiedoso para com
quem não cumpre os seus mandamentos sagrados, que são apenas
dez, presentes em Êxodo — sua voz, de timbre rouco, mostrou-se
sábia, e os seus olhos escarlates repousaram sobre Deus. — O seu
quinto mandamento foi: “Não matarás”, todavia sabemos que esse
princípio é quase um incógnito, visto que há outras permissões de
homicídio em Levíticos, com autodefesa ou em ataques de guerra. Só
que é de suma clareza que as leis divinas não permitem que membros
de sua própria comunidade matem uns aos outros, e o “Não matarás” é
rigoroso quando afeta um dos vínculos mais perpétuos da vida
humana: a própria família. Karen era parte dessa “comunidade” de
Hector: era esposa e mãe.
Miguel apressou-se em erguer sua palma enquanto seus olhos azul-
celeste brilhavam em desesperação.
— Em seu princípio, o perdão está acima do pecado e o amor acima
do pecador — pontuou. — Em João, três, versículo dezoito, alude:
“Quem em Cristo crê, não é condenado”. Se Hector se arrependeu com
todo o seu coração, é digno do seu perdão, meu Senhor.
Benjamin, como um real conhecedor da Sagrada Escritura, sabia
muito bem tal versículo, e atentou-se que o anjo de luz parecia
bastante iníquo em suas interpretações. Uma raiva sucumbiu a Parker,
de modo que rangeu os dentes tortinhos, engolindo um nó agressivo, e
juntou todas as suas forças apenas para tragar as palavras más que
queriam escapar.
— Errado — o timbre de Lúcifer clamou. — Quem pensa que é
digno do perdão divino, se mostra imodesto e logo desmerecedor.
Apenas um espírito humilde é capaz de se arrepender com verdade.
— Eu me arrependo! — Hector exclamou. — Me arrependo, Senhor
— a voz rouca e esforçada escapou da boca pudica do pastor, quase
como sem uma real permissão, entretanto ele usou a sua única e
permanente qualidade: a coragem.
— Você, Santo Deus, é bondoso e perdoador para todos aqueles
que te invocam. — Miguel deixou-se concluir.
Heilel inclinou-se para Hector, semicerrando seus olhos, encarando-
o com vigor e fervor, sentindo o genuíno pecado nas entranhas
amaldiçoadas do velho.
Um pecador reconhece o outro, um blasfemo estrema o outro.
Andou, com passos curtos e despretensiosos, sem uma autorização
divinal.
— Lúcifer... — Cristo proferiu, em tom de advertência.
— Primeiro Coríntios nos diz que você — apontou para Deus —
trará luz ao que está oculto nas trevas, que manifestará as más
intenções dos corações impuros.
Lúcifer ficou perto o suficiente de Hector e tocou, com brusquidão, o
peitoral, deixando a palma reta sobre o centro; o velho tremeu e
segurou a respiração, em um incontestável medo. Os orbes do Diabo
tornaram-se vermelhos como o sangue encarnado; ele cravou-os sobre
os luzeiros sacrossantos do Salvador e deixou transmitir cada intenção
daquele mau âmago.
A maldade que fazia morada em Hector era algo incomum, talvez
uma maldição hereditária que se quebrou em Benjamin, o qual se
mostrou um fidedigno garoto casto e doce. No entanto, naquele pastor
existia um mal muito mais avulso e verídico, como se a sua corpulência
fosse um fantoche para o inerente mal.
— Basta. — Jim desviou-se. — Fui claro quando disse uma vez de
cada, defendendo de modo justo e com as leis sagradas. Não use de
trapaçaria.
— Eu sou ímpio e abandono esse caminho. Tenha piedade, Caleb
— Hector vociferou, em certo desespero, atrapalhando o sermão
divino. O reverendo clamou por sua vida, não a Deus, mas ao próprio
Diabo, a quem temia com verdade.
— Pois todo e qualquer pecante que se arrepender de seus infindos
pecados e voltar à sua face para Deus, nele encontrará, de bom grado,
perdão e misericórdia. Isaías, cinquenta e cinco, versículo sete. —
Miguel exibia uma feição pedante. Ele o defendia, com unhas e dentes,
determinado, como se em seu peito houvesse uma compaixão
complacente, até mesmo para com alguém igual a Hector.
— Eu clamo por perdão verdadeiro. Porque não foi você, Cristo, que
disse que quem buscasse alicerce iria encontrar, bastava ser de todo
coração? — inquiriu com ânsia e desespero.
— Cale-se! — Caleb exclamou, em um quase grito bruto. — Uma
vez de cada, eu e o Miguel, apenas.
Jim somente aquiesceu devagar, pois era o probo, foi o acordo
imposto. Já Hector, encolheu-se, amedrontado.
— Vamos recapitular o acontecido, não de maneira banal ou
semelhante a um erro pouco grave, mas sim como o roubo de um
sopro de vida dado por você, Jim — delongou. — Efésios, cinco,
versículo vinte e cinco, afirma que o homem deve amar a sua esposa,
da mesma maneira que ama o seu próprio corpo, do mesmo modo que
Cristo amou a sua igreja e por ela sacrificou-se, do mesmo jeito que
ama a Deus. Mas Hector segurou uma arma, com muito afinco… —
Lúcifer caminhou lentamente, deixando seu tiritar de sapatos caros
ressoar pelo recinto.
Apropinquou-se de Deus com uma ousadia inapropriada e, mesmo
que essa proximidade queimasse o seu cerne, ele fez questão de
permanecer naquela posição elevada. Usando o indicador e o polegar,
Lúcifer simulou uma pistola, apontando-a diretamente para Jim, bem
em seu peitoral, onde habitava o coração-pai, o mais puro possível, e
tocou-o.
— Bem assim... — sussurrou, mantendo os lumes sobre Cristo, com
ganância e poder. — E foi nesse mesmo coração que ele puxou o
gatilho e atirou. — Afastou-se, sentindo a sua corpulência tremelicar,
sem anuência, e os seus olhos tornarem-se brancos; as suas íris não
tinham cor, nem sequer um resquício, exclusivamente um vazio
preenchido de níveo. Foi como se o poder de Deus tivesse invadido o
lídimo mal.
Benjamin abriu uma feição assustada, de lábios entreabertos,
deixando escapar um suspiro para dentro, de surpresa, enquanto se
mantinha naquela pose de espectador, totalmente impotente; em uma
inanição tão brusca que suas cordas vocais não emanaram som,
palavra alguma escapou, todas foram engolidas, em desespero, e sua
estrutura física ficou congelada. O ruivinho era um demônio à mercê de
sua humanidade fraca, cruel e vil.
Jim sentiu-se abalado com aquele simples toque, tanto que um de
seus olhos ganhou um amálgama vermelho e movediço que quase
tomava toda a sua íris. Mas, em um simples piscar forte, voltou à cor
original.
No momento em que Miguel pôde depreender que, por um miúdo
segundo, o poder de Cristo entrou em Lúcifer, e o poder do demônio
mais forte habitou Deus, naquele súbito instante, deu-se conta de como
tudo aquilo era inútil. Era um teatro, apenas para não haver peso em
consciências santas, puramente para não condenar um homem sem a
justiça prometida nas escrituras.
Miguel tomou confinidade de Cristo, segurando suas duas mãos e
juntando-as, podendo observar estigmas muito suaves, mas que
deveriam ser hediondos, ao centro. Porque aquele era o Pai, o Filho e
o Espírito Santo em uma só carne, coberta por pele e segurada por
ossos.
— Não lave suas mãos como Pôncio Pilatos, meu Senhor —
conclamou, com indulgência e retidão. — Foi você quem disse a Pedro,
o seu discípulo, que quem buscar remissão a encontrará, e quem bater
à sua porta, declamando estar arrependido, merecerá o perdão; não
uma, duas ou sete vezes, mas setenta vezes sete, diariamente. Mateus
dezoito, versículo vinte e dois. É a sua sentença, é imaculado. Use de
sua bonança e remita um pecado.
Jim ergueu o queixo, como se tais palavras realmente tivessem
atingido o seu íntimo, relembrando sua real posição. Atinou-se que
Lúcifer, com sua sabedoria pestilenta, nutriu, em seu coração
benevolente, um rancor já existente, alimentando-o mais e mais, como
um animal insaciável. Era uma maldade plantada em terra fértil que
floresceu e deu frutos podres.
— Anjo meu, não se engane. Serei justo — revelou o que era para
ser óbvio.
— Não estamos calculando um só pecado, mas muitos outros,
centenas deles — o Cão virgulou. — E ainda que fosse apenas um, é
como Jim deixou salientado em Tiago dois, versículo doze, o qual
expõe que um pecado é igual a dez e dez pecados são iguais a um;
tem o mesmo peso, pois o equivalente Deus que disse “não matarás”,
também falou “não cometa adultério”, “não roube”. É a lei divina, é a
justiça simplista e excêntrica de Deus.
— Cometi pecados drásticos, porém a minha carne foi fraca perante
situações tendenciosas — Hector pronunciou-se fora de hora
novamente. — Quantos seres humanos deveriam ter o mesmo
julgamento que o meu? Ainda estou em vida, mas dependendo de
hoje, posso não mais estar. Isso não é isonomia… Não é justiça.
— Silêncio. — Jim franziu o cenho para o reverendo, já exausto de
tantos e tantos argumentos, pois sua própria palavra jogava-o contra a
parede. — Acabou a baderna bíblica, tenho o meu veredito.
Jesus não precisaria de muito para condenar ou salvar Hector,
bastava o seu próprio querer e fim, tudo seguiria nos eixos. Todavia,
desta vez, Jim quis mais do que ele mesmo.
Benjamin fitou Lúcifer, com lumes abatidos e marejados, como se
esperasse uma resposta assídua de Cristo, como se soubesse a sua
deliberação.
O Deus benévolo, o Deus piedoso, o Deus que é pai, iria perdoar
um filho. Afinal, um progenitor nunca poderia renegar sua própria
criação, estava em suas escrituras.
— Jim, ouça... — Heilel pigarreou, a fim de continuar a
argumentação.
— Já disse — falou firmemente. — Tenho o meu veredito, Lúcifer.
Sem mais tempo gasto, avisei para ser ligeiro.
Os anjos, à direita, colocaram-se de joelhos no chão, apenas para
ouvir o veredito final, enquanto uma luz forte, que escapava deles,
tornava-se mais viva; ao lado esquerdo, os demônios colocaram-se de
pé — menos Benjamin, que permaneceu pregado àquele banco,
sentado, com pernas zambetas para dentro, como um menino doce
que um dia foi. Ali, não existia um posto de demônio, mas Benjamin, o
cru e verdadeiro.
— Antes que o Senhor diga a Sua decisão... — Parker sobressaltou
sua voz, com a cabeça baixa, mexendo em seus próprios dedos curtos.
— Queria relembrar um versículo. Êxodo trinta e quatro, sete: “Pois eu
sirvo ao Deus da beneficência, que perdoa a iniquidade, a transgressão
e o pecado, mas que, de maneira alguma, terá como inocente um
culpado.”
O Diabo sentiu-se impotente, ainda que estivesse lá, oferecendo
tudo de si, sentindo o seu cerne em lumaréus perto de Cristo. Mesmo
desta maneira cruenta, não era o suficiente. Seu ego despencou, ao
ver o amor de sua vida, que já havia sofrido tanto nas mãos de um
imprudente, não ter a devida justiça. Lúcifer sentiu-se golpeado.
Jim franziu o cenho, em uma evidente surpresa, estranhando as
falas de Parker. O ruivinho que ele conhecia clamaria pela alma de seu
pai, ainda que machucasse a si mesmo. Não somente isso: perdoaria
todos os seus atos ferozes, sem qualquer egoísmo.
Um nó estranho e pedante percorreu a garganta de Cristo, em uma
sensação de curiosidade que nunca havia provado antes. Ergueu-se de
seu trono rútilo e caminhou até Benjamin. Parou à sua frente, porém o
garoto não elevou o rosto para enfitar o resplendor de Cristo, apenas
encolheu-se mais, com medo. Deus exibiu uma feição alquebrada e
descontente, caiu em decepção; o seu coração sacro preencheu-se de
tristeza. Usando seus dedos leves e compridos, segurou o queixo de
Parker, fazendo com que os olhos pretinhos mirassem-no.
Mas Benjamin não o olhou, apertou os lumes em um fechar violento
enquanto algumas lágrimas pesadas escorriam pelos cantos,
caminhando por toda a bochecha pálida.
— Você é Deus, você é bom, sabe sua própria equidade — ciciou
duramente, apesar de roufenho. — Faça o que é justo.
— Culpado. Hector é culpado.
Jim não quis ver a face de Benjamin, na mesma proporção que o
ruivo não o quis ver. Pois, só naquele segundo, Deus soube que, ali,
não era o seu piedoso filho, mas sim o mal e o pecado. O alaranjado
tornou-se um ser que não mais sabia perdoar, à semelhança de Lúcifer.
— NÃO! EU IMPLORO! — Hector clamou alto. — POR FAVOR!
Parker entrelaçou-se a Lúcifer, como Lilith e Samael, Cleópatra e
Marco, Tristão e Isolda; e, igual a todos, trouxe desgosto para Deus.
— Lúcifer, jogue-o no Vale dos Ventos — ordenou friamente. — Com
a sua matéria, faça o que quiser, quem sabe o deixe pendurado em sua
cela, com um lençol enrolado no pescoço. De toda forma, essa morte é
culpa dele mesmo. Você tardou isso por um ano, e, hoje, está aqui sua
justiça, Benjamin.
Agora, era o fim da existência mundana de Hector. Talvez, ele ainda
pudesse sofrer mais na cadeia, em vida, observando o seu nome
manchado; contudo, um fim era imprescindível, em nome de Benjamin.
Lúcifer o jogaria no mar dos demônios, no Vale dos Ventos, onde se
localizavam os outros sete príncipes demônios, todos aprisionados; e
eles tinham gana, sede e muita fome.
Semelhante a uma súbita luz, Deus se desfez, desvanecendo, sem
qualquer vestígio, sem qualquer adeus, como uma névoa sombria.
Cada anjo foi junto a ele, em ordem, como uma longa corrente, e
Miguel foi contíguo, muito enfurecido. Antes de sumir, olhou no fundo
dos mirantes acarminados de Lúcifer, jurando uma espécie de
retornança, mesmo que precisasse demorar muito tempo.
Os demônios aproximaram-se de Hector, puxando-o para o chão,
onde um buraco ventoso se abriu: era o portal do submundo, e ele foi
levado. Apesar de seus gritos de socorro e piedade, nada foi páreo,
nem mesmo sua maior súplica.
A sala, agora, estava do mesmo jeito de quando Benjamin entrou:
vazia, como se jamais tivesse habitado qualquer coisa ali. Era o
desfecho, o ponto final necessário, o egoísmo que Benjamin precisou
ter, não por ele, não por seu próprio sofrimento, mas por sua mãe.
Benjamin foi fraquejando o corpo, curvando-se demoradamente,
sentindo uma pontada violenta e gélida em seu peito, em seu cerne;
uma dor aguda que ele foi incapaz de reconhecer o motivo. Abraçou a
própria estrutura física enquanto afundava a cabeça para baixo,
inteiramente afetado. Um choro sincero veio, em seguida, um pranto
retardatário, porém alto, que exibia uma verdadeira contrição.
Lúcifer atentou-o com surpresa, de olhos cetrinos e arregalados,
pois não imaginou que Parker iria lamuriar, muito pelo contrário.
Um grito de liberdade conclamou das cordas vocais de Benjamin e
ecoou por toda a gigantesca sala de audiências. Foi um verdadeiro
ressoar de algia, como se, por um pequeno instante, estivessem
enfiando um punhal envenenado em seu coração, causando um
queimor e uma dor incurável.
Não obstante, naquele clamar de aflição, aqueloutro sentimento
bruto não era como todos os outros ou semelhante a qualquer um. Não
havia um pesar sobre os seus ombros, mas sim alívio. Um choro, um
grito, uma dor e uma lacuna preenchida pela represália.
Heilel, vagarosamente, tomou proximidade, suspirando agudamente,
em certo desalento. Sentou-se ao lado de seu ruivinho, abraçando-o
com carinho.
— Acabou, meu bem... — sussurrou rouco.
O recém-demônio, com sua corpulência bamba, embalou-se
naquele abraçamento e apertou Lúcifer, investindo toda a sua força
naquele toque de desesperação, tanto que cerrava os dentes,
rangendo-os.
— Eu sei... — ciciou. — Sei que acabou — a voz estava
quebrantada, misturando-se com o choro e o acúmulo de saliva na
boca. Afastou-se um pouco, apoiando uma palma terna e incerta sobre
a bochecha de Caleb, fazendo uma carícia na cicatriz pequenininha
que lá havia, mirando-o com devoção. O amor que sentia quando
encarava aqueles olhos de jabuticaba — que, em suas nuances,
revelavam muitas coisas, além de exalar uma maldade perpétua —,
causava um rebuliço no estômago, borboletas aflitas e brandidas. Era
um amor bem-intencionado, leal e incomensurável.
— Obrigado por fazer tudo isso por mim... Sei que não foi fácil para
você, e quanto custou os acontecimentos de hoje — seu timbre era
dócil e sereno.
— Por você, eu faço qualquer coisa, seja qual for a loucura,
Benjamin. — Lúcifer levou seus extensos dedos até os amados fios
ruivos, jogando-os para trás, ao mesmo tempo que entregava um
sorriso para o alaranjado; um rir lindo, cafajeste e cativante, com
covinhas suaves, mas que se tornaram sobressalentes.
Parker, apressadamente, juntou seus lábios aos dele, no entanto
não foi um beijo libidinoso, foi um selar colado, apenas isso; molhado e
cheio de virtude.
— Não importa o quanto eu precise lutar, o quanto eu precise estar
próximo de Deus, por você vale a pena — enunciou para Benjamin,
naquela paixão violenta. — Por você.
— E eu faria o mesmo por você... Sabe disso, não é, Calebie?
Lúcifer enxugou as lágrimas do rosto singelo e simplório de Parker,
observando as bochechas ganhando vida novamente, com aquela
coloração avermelhada. Esticou-se e depositou um simples e perfeito
selar em sua testa, algo nobre, cheio de devoção.
— Nunca duvidaria disso, babe — a voz rouca exauriu bem. —
Como está se sentindo?
— Bem. No entanto, há algo no meu coração e entranhas, algo está
doendo. — Inspirou e expirou. — Porém, me sinto realmente em
harmonia.
Os luzeiros de Benjamin estavam genuinamente lilás, o mais puro,
celeste e insidioso violáceo, esbanjando um abatimento tragado, um
solilóquio predador que perdeu para uma pujança soberana. O anterior
puritano pôs ambas as mãos em suas maçãs do rosto, bem gordinhas,
apertando-as, sentindo a palma bastante gelada. Em seguida, soprou
brandamente, porque precisava de forças, e colocou-se de pé.
— Para onde está indo? — interpelou, franzindo o cenho.
— Compreendo que, agora, o momento está estranho, mas preciso
fazer isso transcorrer. — Foi cândido nas sentenças. — Preparei uma
surpresa para você.
Heilel ergueu a sobrancelha esquerda, fitando-o de forma ladina,
com uma presunção engraçada, analisando o rosto de Benjamin que
somente abriu um sorriso de dentes tortinhos e mirones fechadinhos,
comprimidos como listrinhas.
— Sei bem qual é a sua surpresa — declarou, resoluto. — Por
acaso é um cara de um metro e setenta e sete, com fios pintados do
mais refinado vermelho e, de combo, um ex-anjo insolente?
Parker gargalhou de forma comedida, balançando os ombros,
tornando-se mais leve, naquele instante de descontração.
— Acho que você vai ter que vir até aqui para descobrir!
A mão pequena do demônio puxou o Diabo, entrelaçando os dedos
e usando de uma pressa cômica, pois, agora, Benjamin soava bastante
eufórico. No fim das contas, a alegria de Caleb era o seu regozijo.
Desde que o acobreado se tornou seu braço direito, pôde ouvir
centenas de histórias sobre Joseph e Heilel, cada pequeno detalhe de
seus passados. Era lógica a saudade que Lúcifer sentia de seu fiel
amigo, por isso nunca deixou fugir da memória cada pequenina
poranduba, e quase se tornara um sentimental.
O ruivo foi à saída de emergência, onde combinara, anteriormente,
com Joseph e Teodoro. Lúcifer seguiu, ainda duvidoso do que viria a
seguir. Todavia, no instante em que atravessou a grande limiar, seus
olhos captaram a figura de Joseph.
Geefs parecia vibrante, ansioso, como sempre foi. Seus fios ainda
eram de um vermelho-ardente, mas, agora, ele parecia um pouco mais
magro, porém nada que o deixasse menos charmoso. Ele ficou
estático, encarando Caleb por segundos curtos, mas que soaram
desmedidos, tanto que o coração humano quase explodiu em
expressiva alegria.
Heilel abriu um sorriso sincero. Era impossível negar a felicidade
estampada, de modo que seus olhos sorriram juntos e suas maçãs
ergueram-se em conjunto.
Locomoveu-se até Joseph e, quando ficou contíguo o suficiente,
ambos deram um aperto de mão truculento, efetivamente bruto que se
estendeu em um puxão de Lúcifer, para crescer um abraço, ainda de
feitio ríspido, com três tapas fortes nas costas, em sincronia enquanto
risos escapavam.
— Há quanto tempo, em... Diabão — proferiu em tom brincalhão.
— Qual é, não faz tanto tempo assim — ressaltou avidamente,
afastando-se, em seguida.
— Por acaso você está sem visão periférica, Lúcifer? — a voz de
timbre enrouquecido se fez presente muito corriqueiramente, como
sempre foi. — Só está enxergando o Joseph? — Teodoro cruzou os
braços, erguendo uma sobrancelha, com todo aquele seu ar
presunçoso e cheio de indignação.
— Céus, quanto drama! — Rolou os olhos para o Teodoro, indo à
sua direção. Segurou a palma comprida, deixando um selar célere,
apaixonante e cavalheiro, cheio de veneração, igual ao que fez por
muitos e muitos anos. — Você está mais radiante do que nunca,
humano insolente. — Não deixou escapar o tom paquerador, mesmo
que não fosse verdadeiramente cobiço.
— Posso afirmar o mesmo de você, Heilel. Lindo como sempre,
majestoso.
Uma risadinha diferente ecoou, chamando a atenção de Lúcifer;
soava como uma presença dissemelhante e poderosa. Inclinou-se,
olhando através dos ombros, sem muita importância. Analisou a figura
de Benjamin, brincando com uma garotinha bastante eufórica. Parecia
ter cinco anos e tinha olhos pretinhos e puxados. Os fios escorridos
estavam presos por duas marias-chiquinhas tortas e pompons verdes
do Mike Wazowski[2] enquanto ela corria velozmente ao redor do ruivo,
pulando e gargalhando.
Quando Parker se movimentou, brincador, como se fosse pegá-la,
de maneira destrambelhada e meio coxa, ela correu e subiu sobre o
banco, puxando um extintor de incêndios que estava preso em cada
ímpar de pilar.
— Solta isso agora, Celina! — Teodoro vociferou com vigor, batendo
o pé sobre o chão.
— Não! — ela vozeou, fazendo um bico autoritário e teimoso.
Celina tinha íris rúbeas como sangue naquele seu momento de
braveza. Em passinhos de perninhas curtas e rengas, ela saiu em
disparada, rindo, totalmente sapeca, com aquele extintor pesado,
correndo rápido o suficiente para que Teodoro não a alcançasse tão
facilmente.
— Está vendo? Eu perdi cinco quilos de tanto correr atrás da Ceci!
— Joseph afirmou veemente, encarando Lúcifer. — Te solicitei uma
criança, mas você me entregou uma peste infatigável.
Lúcifer, rapidamente, emitiu um estalar de línguas, negando com a
cabeça, muito devagar.
— Não, não — prorrogou. — Você me postulou uma criança, disse
que queria para sempre lembrar de mim. Foi isso o que eu dei: uma
fedelha diabólica e adorável.
Celina era um doce serafim dos Céus, até que foi roubada e
colocada em uma das camadas mais profundas do Inferno, onde sua
pureza era corroída e sua sabedoria manchada, enquanto muitos
pecados tornavam-se prolíferos em seu coração benigno.
No entanto, quando Geefs mostrou-se necessitado de criar seus
próprios laços familiares e a vontade de ter filho foi crescendo, o almejo
de deixar um legado, como qualquer outro humano incongruente, ele
tentou meios legais.
A adoção ainda era uma etapa muito difícil jurídica e socialmente,
além de demorada, principalmente quando se era um casal
homoafetivo. E, ainda que, na Califórnia, as leis fossem mais
apaziguantes, não funcionou bem para Teodoro e Joseph; precisaram
passar por diversas etapas que duraram certos meses. Lidar com
assistentes sociais, psicólogos e juízes fazendo entrevistas
frequentemente não foi nada fácil para seres que se tornaram humanos
havia tão pouco tempo. Um azafamado hediondo e, ainda assim, não
foram considerados “capazes”.
Caídos naquela frustração humana — que nunca estiveram
habituados a sentir —, Hope invocou Lúcifer e mostrou toda a sua
suma tristeza em não alcançar tal objetivo. Então, entregou sua alma
ao Diabo e Lúcifer atendeu seu genuíno pedido. Mais uma vez, a alma
de Joseph pertencia ao Tinhoso.
— Eu disse uma criança! — enfatizou, cruzando os braços.
Celina continuou pulando como um coelho, correndo e olhando para
trás, com o intuito de fugir de seu pai, mas acabou batendo de testa
com a perna de Lúcifer.
O Diabo olhou para baixo, com mirantes em chamas, estritamente
para assustar a inquieta e endiabrada garotinha.
— Você tem que obedecer aos seus pais, caso contrário, vou jogá-la
no Inferno — ditou pausadamente, de maneira assustadora e com um
vozear grave.
Ela franziu o cenho, com as bochechas enormes coradas, e fez um
bico com seus lábios pequeninos.
— Não vai nada! — a voz infantil manifestou-se, de forma
abundantemente corajosa. — Se você fizer isso, sabe o que vai
acontecer? O papai Hope vai chorar muitão e eu vou pedir pra Minnie
me salvar de lá! — Mostrou a língua para Caleb, fazendo uma
dancinha, completamente debochada; e não parou quieta, voltou a
açodar.
— Veja só: até a Ceci sabe quem é que manda em tudo, agora. —
Teodoro balançou as sobrancelhas, sorrindo quadrado.
— Ela é maquiavélica mesmo, parece comigo.
— Ah, não... Isso não é verdade. — Benjamin foi rápido em dizer,
abraçando Heilel.
A pequena peste aproximou-se, um pouco ofegante, com a franja
caindo nos olhos dóceis e fraudulentos.
— Minnie... Vem brincar comigo lá fora! — Puxou a barra da
camiseta do ruivo. — Vem, papai Teodoro!
— Vamos brincar de pique-pega. Tem que correr mais rápido que
eu, Ceci! — o tom divertido de Parker se fez presente. — Vou contar:
um, dois, três… — Deu passos muito apressados, porém não o
suficiente para ser mais veloz do que Celina, pois senão a brincadeira
não teria graça para ela.
Era muito complicado encontrar alguma criança com a mesma
energia e disposição de Ceci, por isso era realmente satisfatório vê-la
brincando com outro ser sobrenatural.
— E lá vou eu, correndo igual a um bobo... Saudades asas —
lamuriou, jogando a cabeça para trás, em evidente preguiça. — Boa
conversa para vocês.
Antes de sair, aconchegou-se em Joseph, deixando um gentil
beijinho em seus lábios enquanto segurava um coelhinho de pelúcia,
completamente retalhado e costurado, com olhos de botões diferentes
— mais parecia um artefato do museu de Ed e Lorraine Warren[3],
todavia Celina amava.
— Como está essa vida conturbada de ser humano, hum? — Lúcifer
perguntou.
— Melhor do que pude imaginar ou prever. As coisas com a Sky
andam ótimas, agora tem um palco bem maior, está mais elegante. —
Sorriu, imaginando que Heilel fosse apreciar tal notícia. — O Teodoro é
menos insuportável do que eu pensava, a Ceci é essa praga amável
que você viu hoje... Tudo perfeito!
O Cão emitiu uma risada, anuindo negativamente. Ele não era fã de
criança, mas Celina soou-lhe bastante agradável. Além disso, ver o seu
melhor amigo feliz, tendo a vida que sempre mereceu, era, de fato,
gratificante.
— Hoje, deve ter sido duro para você e o ruivinho. — Respirou,
abaixando a cabeça. — Os olhos dele estavam bem lilás quando
vieram para cá; conheço esse ancenúbio. Acredito que foi algo
realmente doloroso, principalmente reviver o dia de hoje, ver o Hector.
— De fato. — Passou a língua pela bochecha, em irritação pelo dia
doído para Benjamin. — Mas isso foi como abandonar a tristeza; esse
violeta é de alívio.
— Penso o mesmo.
— Sabe, Hope... — Heilel coçou a nuca, analisando aquela efígie.
— Agora que o Benjamin se tornou um demônio poderoso — muito
além do que pude cogitar —, temos mais força, exuberância e poder.
Se você quiser voltar… Acho que podemos dar um jeito.
Joseph encarou-o com surpresa, sua feição encheu-se de uma
ambição incabível, uma vontade periódica e, quando menos percebeu,
já estava com um sorriso grande em seus lábios; uma alegria
condescendente invadiu o seu intrínseco. No entanto, quando se sentiu
tentado a responder de imediato, olhou para trás: observou a imagem
de Teodoro arrumando uma maria-chiquinha de Celina enquanto ela
saltitava, gritando que era uma pipoca de panela, naquela entonação
inocente e embolada.
Lúcifer sabia a retornança desde o proêmio, porém algo em seu
íntimo forçou-o a lançar tal proposta. Talvez, fosse saudade daquela
esperança antiga.
— Lúcifer... — Ralhou a garganta, ciciando o nome dele.
— É Caleb Heilel! — corrigiu-o atentamente, de modo muito
nostálgico.
— Heilel... Eu viveria para você durante cada milésimo da minha
existência; na verdade, vivo. Escolhi você em todas as ocasiões e
posições que pude, que estive. Só que, desta vez... É diferente — o
timbre foi soturno. — Nesta ocasião, tenho que priorizar o Teodoro,
assim como ele me escolheu há um ano.
— Pressupus. Contudo, achei substancial deixar claro que o Martírio
tem lugar para você e que posso reverter a situação atualmente —
explicou, ditando grave e lento.
— A resposta é não... Mas sabemos que uma hora eu vou voltar,
entreguei minha alma em suas mãos novamente. — Tragou um nó. —
Um dia, voltarei a ser o seu demônio, Lúcifer.
— Tenho ciência disso — sinalou, querendo disfarçar o
desapontamento previsível. — Acho sua redarguição justa, porém
saiba que, se mudar de ideia, vou estar à sua espera. — Lúcifer sentia-
se um pouco de “coração partido”, pois realmente desejava outra
resposta.
— Sinto sua falta todos os dias, até das coisas mais idiotas e de
suas atitudes mais tolas — confessou, pregando o olhar sobre o Diabo,
defronte. — Só que, agora, eu preciso estar aqui, pelo Teodoro e pela
Ceci.
— Não precisa argumentar tanto. Não duvido disso, não coloco sua
fidelidade a mim em jogo.
— PAPAI! — Celina esbravejou, chamando Joseph.
Benjamin voltava na direção dos dois homens, porque estava
impossível sair dali para brincar com a garotinha; havia muitos
repórteres, um tumulto de pessoas.
— Sei que nos vimos muito avulsamente, hoje; o ruivo planejou isso
assim que chegaram a Terra. Mas você sabe onde me encontrar —
falou suavemente, em onda sonora típica. — Podíamos ir à Sky, hoje à
noite, se estiver livre.
— Nos veremos, garanto.
Tal resposta foi imensamente ambígua, mas Geefs não questionou
isso.
— Vou esperar por você, hoje à noite, na Sky — insistiu.
— É engraçado, Hope... Uma vez eu olhei para você e disse: O
Diabo não ama, Joseph. — Parou as palavras e sorriu. — Mas estava
enganado, eu amo sim. Obrigado por ser capaz de me fazer sentir isso.
Imediatamente, o de fios vermelhos largou uma risadinha e abraçou-
o novamente, desta vez, tinha mais carinho e airosidade.
— Eu confesso que nunca acreditei nessa sua fala — disse,
completamente divertido.
Caleb sorriu, naquele abraçar esquisito, com uma gratidão estranha.
Quando se separaram, Benjamin chegou, agora com uma feição mais
contente, de íris pretinhas.
— Enfim, acho que é isso, não é? — Geefs questionou, como se
fosse mais uma despedida eterna, enfiando as mãos nos bolsos de seu
blazer Versace.
— É, penso que sim. — Heilel emitiu e fitou-o saudosamente.
— Não esquece de hoje à noite. É sério! — O convite foi quase
desesperado, como se Joseph gritasse: “Por favor, venha. Eu preciso
de mais tempo com você, seu Diabinho.”
— Certo, certo, não pense muito sobre isso — respondeu,
enigmático novamente.
— Sendo assim… — Riu de forma nervosa, sem realmente querer ir.
— Já vou saindo. Até mais tarde, Diabão. E espero que fique bem,
Benjamin. — Então, Joseph virou-se, com muito contragosto, e foi
caminhando. Ainda era doloroso esse final incerto, essa sensação de
não saber quando o veria novamente, porque, no final de tudo, não
importando quanto tempo passasse, ele permaneceria sendo carne,
sangue e enxofre. Ele era parte do mal e jamais deixaria de ser.
Lúcifer observou-o distanciar-se, indo até Celina e pegando-a no
colo, em um girar que a fez galhofar docemente. O Diabo deu vida
duas vezes para Joseph: quando o tirou de um buraco de mortos e
quando o tirou do Inferno. Agora, Geefs viveria sua vida comum e feliz,
com aquele sorriso acalentador que poderia causar toda a felicidade do
mundo para Teodoro.
Benjamin observou aquela melancolia e sorriu fraco, acariciando o
rosto magnífico e ajeitando os fios longos que caíam nos olhos.
— E agora?
O Tinhoso se recompôs, volvendo-se para o seu alaranjado,
entregando um sorriso.
— E agora? Hoje é o seu aniversário, meu projetinho de demônio
adorável. — Acariciou as bochechas fofas. — Tenho um lugar muito
bom para levá-lo.
Benjamin ergueu um de seus sobrolhos, cruzando os braços
vagarosamente, demonstrando uma evidente refusão àquilo, a tal
proposta; uma desconfiança maviosa, medo e muito receio, pavor da
nostalgia.
— Você sabe que eu não quero comemorar o meu aniversário... —
disse em mansidão, e formou-se um bico em seus lábios. — Essa data
deixou de ser especial e se tornou tenebrosa, sabe disso, Calebie.
Repeti várias vezes.
Lúcifer observou aquela recusa indubitável, morando naquele olhar
empedernido e triste, na expressão de cenho franzido: a costumaz
feição que Benjamin fazia quando se sentia ameaçado.
Poderia até mesmo ouvir o bater de coração violento no peito, quase
como uma taquicardia de ansiedade que escapulia dos poros.
Ainda que fosse um ser maligno, a alma de Parker permanecia
vivente em seus sobrossos e apreensões; suas dores e lembranças
continuariam a atormentá-lo.
Lúcifer compreendia essa comoção humana, não por experiência
própria, mas sim porque testemunhou Joseph sofrer por seus fardos,
durante oitenta anos, e nunca se livrou de seu dolor, de suas perdas e
decepções.
— Babe, algum dia eu decepcionei você? — perguntou, em tom
quase retórico. — Confie, não será uma festa ou comemoração
surpresa. Só quero entregar para você toda a sensação de liberdade e
fim. Um basta definitivo. — Com sossego e sapiência, levou seu palmo
amplo e deslizou-o pelas costas de Benjamin, passando na nuca, até
alcançar os fios arruivados, deixando-os entre seus dedos. Trouxe-o
para perto e, devagar, encostou sua testa à dele, podendo sentir o ar
quente de seus pulmões, que escapava das narinas, naquele sopro de
vida sobre-humano. — Diga... Confia em mim? — ciciou.
Parker apertou os luzeiros, apoiando a mão em um dos ombros de
Heilel, ao mesmo tempo que moveu a faceta, de maneira que os
narizes se tocaram com graciosidade, como um afável beijinho de
esquimó.
— Agora, é você quem está usando a lábia de Diabo comigo —
enunciou baixinho. — Não faça isso, Calebie.
Um sorriso maléfico cresceu nos lábios finos do Cão e ele se
afastou o suficiente para observar o rosto de Benjamin.
— Você gosta — proferiu de modo imposto e risonho. — Venha,
prometo que vou fazê-lo muito feliz no dia de hoje.
— Tudo bem, eu confio em você. — Foram as únicas palavras que
escaparam do ruivo, e eram o suficiente. Benjamin tomou certa
distância, sentindo seu rosto queimando em uma timidez descabida,
tanto que suas bochechas estavam coradas como lindos pêssegos
róseos e méleos.
— Então vamos, porque vai ser muito burlesco.
O Tinhoso nunca abandonava aquele seu ar particular e elegante,
presunçoso e manipulador. Isso ficava irrefutável em seus olhos
famintos, entre o seu fascínio cafajeste e seu sorriso charmoso; ou até
mesmo em seu andar incisivo, cheio de si. Entrelaçou seus dedos aos
de Parker, caminhando em direção à porta de saída, pelo mesmo local
que Joseph e Teodoro saíram.
— Se você estiver planejando algo de aniversário, eu vou ficar
chateado! — advertiu e continuou: — E usarei minhas habilidades de
demônio para enfiar uma adaga bem no seu olho.
— Eu descreio muito disto, você é incapaz de matar uma mosca...
Imagine arrancar o olho do amor da sua vida? Sem chances. —
Lúcifer não esperou uma real resposta de Benjamin, pelo contrário,
imaginou que não haveria qualquer refutamento. Por essa razão,
somente abriu a porta e deu espaço para que o ruivo passasse na
frente.
— Acho uma petulância você duvidar de mim! — exclamou,
sentindo-se contraditado. Fechou a expressão em um bico habitual,
precisamente como sempre fazia, sendo um garoto mimado, do jeito
que Caleb conhecia bem e apreciava.
Benjamin atravessou o portal do limiar, já observando alguns
seguranças a postos para qualquer situação de inconveniência — além
de impedir que populares e profissionais da mídia atravessassem a
cerca gradeada do estacionamento particular do fórum. Uma
quantidade exuberante de flashes apareceu, naquele segundo em que
a imagem de Parker se fez evidente; alguns gritos e perguntas
eufóricas eram anunciadas sem intervalo.
Heilel tinha conhecimento que um de seus seguranças havia
deixado o Corvette polido no meio do parqueamento, então se
direcionava para lá. Todavia, muito cuidadoso, retirou seu blazer
branco com agilidade, jogando-o por cima do acobreado enquanto o
agarrava pela cintura, para guiá-lo ao conversível, sem que fosse mais
importunado.
— Sabia que realmente duvido? — sussurrou, como se pudesse
quebrar aquele gelo que a situação invasiva causava. — Sei que você
apreça por meus lindos olhos vermelhos.
Por baixo da peça Desmons Merrion, Benjamin estendeu os olhos,
em busca de Heilel e, ainda naquela adrenalina moderada de fugir dos
holofotes, permitiu-se exibir um debique e rolar os luzeiros, em
seguida.
— Vai acreditando nisso — assentou, de fato, audacioso.
— Você está muito ousado hoje, Benjamin Parker. Um garoto
malcriado. — Alvoreceu um sorriso, no instante em que alcançou o
veículo estiloso, pegando a chave que se situava em seu bolso direito.
Com cavalheirismo e avidez, abriu a porta do passageiro para
Benjamin; assim que o arruivado se sentou no banco, Heilel fechou-a
em uma batida e seguiu para o lado do volante, entrando com
habitude.
Dirigir tal Corvette era uma das maiores saudades terrenas de
Caleb. Talvez, o Diabo fosse plenamente patético por ter se apegado
tanto a um bem material, no entanto aquele conversível tinha
numerosas histórias para contar, muita nostalgia. E quando Lúcifer se
colocava àquele volante, sentia-se um verdadeiro inconsequente.
Posicionou a chave na ignição, girando-a e ligando o veículo.
Fechou o teto solar e, em seguida, os vidros, na garantia que ninguém
ousaria assediá-los ainda mais.
No instante em que saiu do estacionamento, vários noticiaristas e
câmeras correram para próximo do carro, todavia não permitiu que isso
durasse muitos instantes, pois acelerou o veículo quase
inapropriadamente, tão brutal que a estrutura física de Benjamin foi
violentamente para trás.
— Se segura aí, babe — determinou em tom divertido.
Caleb conhecia avidamente as longas estradas e ruas de Holy
Paradise, um conhecimento unânime. Por tanto, fazer os bisbilhoteiros
perderem-nos de vista foi muito mais descomplicado do que imaginou:
simplesmente fez um percurso entre as passagens mais esquivas da
cidade. Dirigia em alta velocidade, sem preocupações com policiais de
plantão ou multas de trânsito. Tudo o que almejava era levar Benjamin
ao encontro de seu objetivo.
— Me diz... Para onde vamos? — indagou, permitido que sua fala
ecoasse pelo conversível. — Eu fico ansioso demais sem ter certeza
de onde irei. Não tenho boas lembranças de acontecimentos assim.
— Não vou precisar falar, logo compreenderá — emitiu rouquenho.
— Você está comigo, eu nunca o levaria para um ambiente onde
alguém pudesse lhe fazer mal. Não prometo que essa surpresa deixará
o seu âmago integralmente contente, no entanto, se estamos aqui,
depois de tanto, finalizaremos isso com um ponto final, sem mais ponto
e vírgula.
O ruivo mordeu o lábio inferior, em verídica curiosidade. De fato,
parte de Benjamin não apreciava aquela data amarga, porém, em sua
singularidade estranha e enigmática, pareceu realmente aguardar que
Heilel fizesse qualquer celebração.
— Acho que já posso imaginar aonde vamos agora. — Pigarreou
levemente. Em contrapartida, sua voz ecoou com certa melancolia.
Fechou os lumes, franzindo o cenho, como se pudesse sentir uma dor
intensa ao analisar tal percurso afamado.
Mais uma vez, o Corvette preto passava nos mesmos quarteirões
conhecidos, aquela luz solar autêntica traçando a mesma jornada de
tantos dias anteriores, há um ano. Por fim, seguiu adiante do gramado,
que já não era mais verdinho, muito pelo contrário: encontrava-se com
a grama seca e amarelada. O caminho de ladrilhos de cimento
encontrava-se torto, faltando algumas pedras enquanto outras se
apresentavam eivadas.
— Abra os olhos, babe — ordenou.
Com uma lentidão dolorosa, o alaranjado predispôs o rosto para ver
através da janela e examinou a igreja que tanto amava, o seu único
refúgio particular. Com miradouros espremidos, demonstrou alta
tristura, tanto que, sem qualquer movimento natural, abriu a porta;
retirou-se do conversível e não se preocupou em fechar a limiar ou
esperar por Lúcifer. Andou demoradamente, pisando em linha reta no
relvado seco, respirando de forma ofegante, em conformidade com
suas mãos que suavam. A cada segundo, tornava-se mais ocioso, até
seus suspiros eram para dentro; seu coração gelou, ainda que
acelerado.
A igreja era a mesma que habituava ser, contudo evidentemente
mais velha. Algumas janelas estavam quebradas, havia muitas
pichações com palavras de baixo calão, protestos contra Hector e
xingamentos como “porco” e “escroto”, e muito mais.
O nível de estatelado que Benjamin estava era quase
incompreensível. A inquietação que consumiu o seu cerne foi tão
abrupta que um de seus olhos piscava em um espasmo nervoso; um
nó ralhou toda sua garganta e doeu. Tudo pareceu condoer-se naquele
ponto. Por um diminuto momento imberbe, olhou para um azulejo
amarelo da vidraçaria colorida e quebrada e contemplou o seu próprio
reflexo, colocando-se em um paradoxo temporal, em que se viu dentro
e fora da igreja; e não importava onde se situava, a unanimidade
pesava.
Uma lágrima de angústia verteu de seu olho esquerdo, percorrendo
um caminho frio por sua bochecha. Por um breve momento,
semelhante a uma visão súbita, pôde retroceder no tempo e ver a si
mesmo. Enxergou-se sobre o palco, poderia até mesmo sentir a vazia
e pressurosa sensação de estar acolá outra vez; quase conseguiu
visualizar Karen sentada na primeira fileira dos bancos, batendo
palmas para sua última apresentação do coral.
Um sorriso atormentado apareceu, entretanto não durou, porquanto,
em uma atitude de desespero e padecimento, o encantador ruivo
acertou um soco descomedido e bruto contra o vidro e seu próprio
revérbero.
Lúcifer, que se localizava logo atrás do garoto acobreado, tocou seu
ombro, despertando-o do devaneio maldito.
— Eu imaginei que entraria nesse condicionamento... — mussitou,
apoiando o queixo sobre o ombro baixinho de Parker. — Por essa
razão te trouxe. Hoje, quase tudo o que aconteceu morrerá aqui. Esse
lugar nunca foi um santuário divino, e daremos fim. — Abraçou-o com
um único braço enquanto a sua outra palma lhe entregava um bastão
de beisebol.
Com luzeiros vermelho-sangue, Benjamin tornou-se um verdadeiro
ensandecido, de feitio tão vívido que sequer o abraçar do Tinhoso foi
suficiente para acalmá-lo ou detê-lo. Na mais fulgurante cólera, o
antigo puritano agarrou o bastão e distanciou-se de Caleb sem dizer
palavra alguma, apenas se posicionou à frente da porta grande e
principal. Sem pensar nos seus prós e contras, Parker ergueu sua
perna com velocidade e robustez, acertando um chute impetuoso sobre
o trinco do umbral, tão forte que arrebentou drasticamente, e o fecho
voou para longe. Já a porta, abriu-se em estrondo. Suas mãos
pequeninas agarraram o báculo pela ponta, umedecendo os lábios.
Depois, emitiu uma lamentação, por meio do suspiro fatigante.
— Eu vou acabar com esse inferno de lugar, até não restar mais
nada! — vociferou com impetuosidade.
Heilel não projetou tamanha fúria, no entanto abriu um sorriso
notoriamente prazenteiro, astucioso e sem-vergonha.
— É incrível como cada dia eu te amo mais. — Articulou entre um
riso nasal. — Todavia, não ofenda nosso lar, babe. Aqui é além do
Inferno.
Na expressão facial de Parker não se mantinha unicamente a raiva,
mas uma ira nova que não partia de um só momento, e sim de um
conjunto de ações, emoções e lembranças, algo eviterno, e nem o mais
prolongado tempo carcomeria isso. Semelhante a Joseph, agora era a
escala de Benjamin, a sua vez de depreender o quanto Deus tinha os
seus escolhidos, os especiais; e ser um deles não significava que
pudesse escapar ou não sofrer uma injustiça drástica. Apesar disso,
ser o selecionado era descomplicado, desde que tudo fosse como
Deus almejava.
Em uma respiração arquejante, quase sem cabimento, caminhou
para dentro do santuário cristão e parou na metade do caminho,
ficando apropriadamente no ponto central. Deixou sua visão pousar
sobre a maior liturgia que havia: uma cruz cristã de madeira, muito bem
pregada no tapume; também existiam outras duas menores, uma de
cada lado oposto. Encarou o objeto religioso com tanto vigor, furor,
rancor, fúria e tristeza que o elemento sagrado se balançou; os três, de
um lado para o outro e de supetão, inverteram-se.
— Se eu não tivesse dito nada... — ciciou para Heilel, ainda sem
olhá-lo. — Caso eu tivesse ficado calado, onde ele estaria agora?
Onde padeceria minha justiça?
— Igual a toda justiça entregue nas mãos de Deus, Benjamin: ao
léu.
Sem ao menos aperceber, dos antigos olhos doces, escorreram
lágrimas grossas e escuras enquanto os luzeiros se tornavam o mais
profundo melânico.
No decorrer de muitos anos, Benjamin devotou-se fielmente a Deus,
inclusive naquele seu instante de fraqueza, ao conhecê-lo. Até lá, como
um demônio que sentia o espírito contorcer e arreliar, ainda desse jeito,
subjugou-se face a face com Cristo. Entretanto, agora, só lhe restava
um inquérito: para quê? Se tudo não passava de uma encenação
quimérica, se houve a necessidade de relembrar a própria palavra
sagrada para Deus, com o intuito de obter justiça, qual então era o
motivo para continuar crendo que sua adoração tinha valor ou
serventia?
Tudo o que Benjamin queria era o mínimo de respeito.
Sem embargo, por meias palavras, Deus retrocedeu suas ideias de
perdão; por hemisfério discurso, Hector não estava solto, gozando de
sua vida imunda e sórdida.
A sua primeira ação, no ínterim em que estava domado pelo pecado
da ira, foi a de bater o taco selvagemente contra a primeira janela à sua
frente, destruindo-a com vigor e poder. O som dos estilhaços coloridos
foi muito bem ouvido, alto e notório.
Lúcifer galhofou de modo refreado, adentrando o lugar com desdém
e esnobismo, em uma tranquilidade inopinada. Sentou-se na primeira
fileira de bancos e cruzou suas pernas, sem tirar a satisfação do rosto.
Apesar dos pesares, era um dia de opulência.
— Eu não suporto este lugar! — declarou, quase em um grito.
A igreja local tinha o total de oito fenestras, duas em sua fronte e
três de cada extremidade, antagônicas. Benjamin fazia questão de
arrebentar uma a uma.
O seu bastão tinha a força de dez demônios, sua fúria era como um
cavalo apocalíptico. Suas veias saltavam na testa, pulsando veemente,
acarretando uma vigorosa dor de cabeça que aumentava
drasticamente sua irritação.
Atingiu mais uma vidraçaria policromática, quebrando-a
automaticamente; não em grandes cacos, desta vez, pelo contrário:
esmigalhou-se como farinha seca, naquela sisudez tão declivosa que a
parte do contorno de aço partiu-se ao meio. Parker, com sua respiração
desregulada e desvairada, parou somente quando observou as três
vidraçarias do lado esquerdo destruídas.
Seus passos pesados seguiram para o lado direito, agora. A gana
não morria, não aliviava; não existia alma em seus mirantes. A primeira
ventana já se apresentava um pouco esfacelada, no entanto isso não
impediu que Benjamin estourasse o restante que havia, usando de uma
rispidez atípica que escancarou um buraco na parede; e o aço, que
segurava os vidros, quase volitou. Os fragmentos voaram em direção
ao demônio, porém nada cortou sua pele lisa. O sabor de ver a
destruição de tal ambiente era como trazer renovação ao seu cerne,
era a reafirmação do seu poder e de sua vingança.
Lúcifer assistia a tudo com devoção, boquiaberto, em seu completo
estado de júbilo.
Ao chegar ao segundo vitral, sua força, ao segurar o bastão e batê-
lo contra, foi tanta que arrebentou aquela madeira em suas mãos, bem
ao meio.
— Que droga! — Benjamin resmungou.
— Babe, você não precisa de um bastão para espalhar o seu caos,
tem poder suficiente para isso. Ele corre em suas veias.
O acobreado umedeceu os lábios, sentindo uma cegueira para
qualquer tipo de lógica. Agarrou um dos bancos de madeira,
levantando-o, utilizando uma supraforça — algo, de fato, sobrenatural
—, e atirou-o contra a cruz cristã, recentemente invertida, pregada no
ponto médio, bem ao alto. Os pedaços de madeira voaram para todos
os lados, em uma exaltação eufórica sem limites; era satisfação pura.
A faceta de Benjamin encontrava-se vermelha, suada, os fios
estavam colados à testa, no entanto ele não parou. Empurrou uma
fileira inteira de bancos, fazendo com que todos se tornassem uma
pilha de madeiras quebradas pela sêmis. Correu para cima do palco,
naquela presteza incomum, sobre-humana, puxando o tecido
acarminado da cortina, somente uma metade. Suas mãos ficaram
cheias de fogo, fazendo com que o tecido o consumisse, para, depois,
o fogo consumi-lo.
Entre seus ataques de fúria, ódio e rancor, por um brevíssimo átimo,
seus miradouros sem vida pousaram em Caleb; convergiram-se à face
austera de seu amado, analisando. Benjamin engoliu em seco,
ajustando sua postura enquanto seus lumes se tornavam habituais,
outra vez.
— Foi para isso que me trouxe? — interrogou requintado, devido à
certa distância.
— Sim, exatamente — a resposta foi muito mais que rudimentar.
— E você gosta de me ver desta forma... Não sendo o seu doce
garoto? — outra pergunta jogada no ar.
Lúcifer entreabriu a boca, para entregar uma resposta justa e
verdadeira, contudo Parker não quis ouvir. Emitiu um “shhh”, levando
seu indicador à boca, pedindo silêncio, e o teve.
Com lumes irresolutos e uma feição bastante confusa, o Tinhoso
permaneceu vidrado na imagem conhecida de Benjamin no palco. O
ruivo seguiu para trás do cortinado que ainda não se apresentava em
chamas.
Em um tempo infindável e efêmero, Benjamin surgiu de trás da meia
acitara, encarando Heilel de feitio mavioso e inocente, absolutamente
traiçoeiro enquanto, atrás dele, o fogo alastrava-se cada vez mais.
Agora, sua constituição física encontrava-se com as roupagens de
modo diferente: só vestia sua camiseta de tule transparente e uma
boxer preta, as meias comuns estavam erguidas até metade da
panturrilha. Era o retrato de um falso ninfeto.
Dando passos arteiros, brunidos e calculados, o arruivado desceu a
escada do palco e, ainda que tentasse ser totalmente insonte, os seus
olhos tragavam Caleb da cabeça aos pés.
Quando Lúcifer despertou da fantasia deslumbrada que criou ao vê-
lo, Benjamin já se situava bem à sua frente, olhando-o de baixo para
cima, de jeito astucioso e ingênuo. Sua mão deslizou pelo peitoral do
Diabo, por cima do tecido caro da camiseta social, até descer e apertar
o cinto que envolvia a cintura.
— Você realmente gosta de me ver como antes? — inquiriu baixo.
— Pensei que eu era o seu puritano, Calebie... Que sempre seria. —
Aquela face que trazia manantes desconhecidos e energéticos, uma
pujança que vinha do interior para o exterior, pedante e maldosa. Tudo
isso habitando a face mais inocente que poderia existir, naquele bater
de cílios perpétuos e puros. Os fios ruivos caíam sobre os lumes
brilhantes e ansiosos, com bochechas coralinas e sardentas,
completando com um bico rosa e carnudo.
— Meu bem, você sempre será o meu puritano — a voz de Heilel
escapuliu em uma rouquidão nova.
— Você jura? — demandou em um pedido, tão docemente que seria
impossível não jurar.
— Por tudo que há em minha existência.
— Quando estávamos no carro... — pausou, para discorrer a palma
pelo abdômen de Lúcifer novamente. — Você disse que eu estava
sendo malcriado.
Um sorriso habitou o rosto maldoso de Caleb, tanto que foi inegável
o seu deleitamento ao perceber o ponto a que Parker gostaria de
chegar. Com sutileza, levou a destra até a nuca do ruivinho, segurando
com devoção e carinho, ao mesmo tempo que seu dedão acariciava o
rosto gordinho. Encurvou-se sutilmente, deixando um beijo estalado
nos lábios de Benjamin, algo singelo, mas que, ainda assim, transmitia
uma vaga de tensão sexual.
— Não falei sério sobre isso — justificou-se, porém não era uma
verdade.
— Claro que falou, eu sei que pensou isso — contrapôs, naquele
sopro angelical. — Você tem razão... Ando sendo um mau garoto e,
hoje, que estamos na igreja, eu deveria rezar e pedir perdão pelos
meus pecados. — Deixou os lumes pérfidos sobre os do Cão,
abaixando-se muito lentamente até encostar os joelhos no piso
amadeirado e gélido.
O Diabo o seguiu com a faceta, observando Benjamin encostar o
queixo um pouco acima de sua intimidade, em axiomático erotismo.
Um palavrão quis escapar da boca nociva de Heilel, pois seria capaz
de imaginar claramente o quão delicioso poderia ser dois demônios
fodendo dentro de uma igreja, embora fosse pouco sagrada.
— Quem sabe eu não precise ser santificado... — rumorejou.
— Benjamin Parker... — seu tom de advertência foi tangível.
Por um segundo, o arruivado deixou escapar um sorriso maldoso,
muito sapeca, que logo conteve, mordendo o lábio inferior.
— Se continuar me provocando, colocarei você para rezar o terço
inteiro.
— Eu nunca pedi menos que isso, Calebie. — As mãos arteiras de
Benjamin correram para o cinto de couro, desatacando-o com destreza,
para, sem qualquer espera, desabotoar o único botão e abrir o zíper,
naquele som que ecoou aos quatro cantos do templo cristão.
O ambiente apresentava-se aos pedaços, o fogo parecia deteriorar
aquela cortina muito detidamente, tornando aquela atmosfera santa em
um antro de devassidão.
Puxou a barra da calça, observando o membro duro e marcado na
boxer azul- marinho, tão deliciosamente delineado que transpirava
vigor e poder.
— Você já está tão duro... — disse baixinho.
— Como eu não estaria? — questionou. — Você abala todas as
minhas estruturas, Parker. É o meu pecado, sempre me leva ao
caminho da tentação. Você é a minha serpente do Éden, é a minha
última gota d’água no deserto escaldante; minha escassez e a minha
fome. — Segurou os fios ruivos entre os dedos, fazendo a boca de
Benjamin friccionar contra o seu caralho ereto, preso no tecido
ominoso.
— Não quero ser apenas sua gana... Pois também sou o seu
paraíso, o seu desejo, o seu banquete. Estou na casa de Deus apenas
para servir ao Diabo.
Benjamin olhava-o com uma intensidade descomedida, uma sede
bruta, um desejo inexplicável. Abaixou a cueca, observando o membro
rígido saltar para fora, ficando bem diante de si, desperto como nunca.
Suas veias estavam saltadas, salientando sua grossura apessoada; a
pintinha marrom deixava uma singeleza inapropriada. Da fenda,
escorria pré-gozo, demonstrando os níveis de excitação do Diabo.
Parker deu adeus a qualquer preliminar momentânea;
incontinentemente, encontrava-se ali, servindo ao seu majestoso
homem. O almejo e a cupidez transpassavam por toda a corpulência
do arruivado: por seus orbes, seus poros, seu pau preso na cueca
preta. Um verdadeiro blasfemo em busca do prazer mais herege
possível.
— Chupa.
A ordem fez Benjamin tremer da cabeça aos pés, tanto que seus
pelinhos ruivos se eriçaram, tornando-se bolinhas brancas suaves pela
derme. Tocou o membro de Caleb, bem carinhosamente, somente para
vê-lo ansiar por mais. Fez um bico com seus lábios carnudos,
depositando um beijinho sobre a cabecinha, ainda deixando seus
lumes fixos aos do outro.
— Goza na minha boca — sussurrou astuciosamente, para
provocar. Em contrapartida, colocou a língua para fora, encostando-a
no pau enquanto sorria de forma sapeca, segurando o membro pela
base, pondo-se a deslizar o músculo pela glande, de modo circular; em
seguida, enfiou-o em sua boca, masturbando o que restava. Amava
chupar o Diabo, tanto que sua compleição correspondia àquilo de
maneira urgente e carecida, acarretando-lhe uma abrasada excitação.
Lúcifer prendeu o lábio inferior, mantendo uma feição séria, embora
estivesse corroído pelo prazer mais ímpio e depravado. Assistir a
Benjamin naquela posição tão beatificada e sinuosa, por um triz
paradoxal, fazia-o querer se extraviar de qualquer resquício de
sanidade ou autocontrole.
— Você está impossível hoje, Parker — a voz escapou em
rouquidão. — Coloque seus olhos sobre mim. Quero vê-los marejando
lágrimas castas de volúpia. — Segurou o cabelo ruivo com mais afinco,
fazendo-o engolir mais do seu caralho, ao mesmo tempo que escapou,
de seus lábios finos, um arfar pesado. A garganta do demônio
arruivado contraía-se e apertava-o com lascívia prazenteira. Adorava
sentir que poderia dominar Benjamin, que, em um mover de quadril,
foderia aquela boquinha santa.
Parker elevou o olhar castiço para o Tinhoso enquanto gemia
abafado, e franziu o cenho em regalo, sentindo a gasganete arder pelo
esforço. Louvava sentir o contato ríspido em suas madeixas, o puxar
levava-o ao intenso e puro delírio; mais ainda quando as vistas
vermelhas encaravam-no com um apetite perverso, transpassando
todo o prazer que possuía, a absoluta libertinagem.
Iniciou um vai e vem dedicado, chupando-o até onde sua palma
delimitava enquanto o masturbava, ao mesmo tempo, permitindo-se ir
cada vez mais fundo e instigante, com maior rapidez, deixando o
cacete bem ungido com sua saliva impudica. Um demônio que amava
Deus, de joelhos, chupando o caralho delicioso e quente de Lúcifer,
completamente à mercê do pecado, bem no íntimo da casa de Deus.
Uma profanação estonteante, uma prevaricação sem limites. Benjamin
sentia o seu peito se encher de satisfação, era como se profanar
aquele ambiente trouxesse paz ao seu cerne endemoniado.
Heilel emitiu um gemido afônico que o forçou apertar os olhos e
desfrutar daquela sensação aprazível. A boquinha deveras quente do
antigo puritano fazia o Diabo ir aos Céus. Lutando contra o seu próprio
prazer, inclinou os luzeiros para baixo, no intuito de ver como seu
caralho entrava na cavidade bucal do outro, tão ardente e gostosa.
Moveu o quadril, metendo o pau sem delicadeza alguma, fazendo com
que Parker perdesse seu próprio ritmo, engasgando-se, necessitando
tirar o pênis da boca para ganhar fôlego.
— É apenas isso o que sabe fazer, babe? — inquiriu
sorrateiramente, provocador. — Volte e me chupe direito.
Uma tosse ocorreu em Parker, fazendo-o ficar muito mais vermelho,
além dos lábios inchadinhos que formavam um conjunto de arte
indescritível aos mirones do Cão.
Sentindo-se desafiado, Benjamin retornou à posição anterior,
segurando o caralho com ímpeto, apertando-o, somente para assistir
ao sofrer apetitoso de Caleb. Sem pestanejar, enfiou o membro até o
máximo que suportava, sentindo a boca se abrir mais e mais, no
mesmo momento em que tocou fundo sua garganta, deslizando por
sua língua áspera e picante. Levou as palmas diretamente para a coxa
de Lúcifer, cravando suas unhas no tecido da calça social, descontando
o prazer que sentia tendo-o em sua boca. Passou a se mover sem
cautela, e não teve jeito, não tinha como olhá-lo; estava permitindo que
o pau fosse tão fundo que estava a um fio de não suportar mais tempo,
antes de se engasgar novamente.
— Isso, meu bem... — gemeu. — Deixe meu caralho bem
molhadinho, porque, depois, vou socá-lo tão fundo em sua bunda que
encontrarei a glória suprema.
Benjamin sentiu a sua corpulência ondear e ferver com a voz tão
ferina e imponente que Heilel tinha; cada palavra erótica o fez querer
gemer. Foi uma onda de excitação tão violenta que, naquele instante,
sentiu o seu membro pulsar, e até pôde ter a sensação do pré-gozo
escorrendo e pingando dentro da boxer que estava úmida, devido à
ereção impetuosa.
Vez ou outra, seus dentes raspavam suavemente no mastro, no
entanto não era algo que desagradava a Lúcifer, pelo contrário: dava-
lhe uma tremenda excitação.
Afastou-se do pau, em palpável necessidade, e sorveu o ar,
sentindo-se ofegante; sem demora, voltou para chupá-lo. Almejava
provar o sabor de Heilel em sua língua, percorrendo o paladar,
resvalando pela garganta de forma cálida, firme e bruta.
Mantendo um sorriso presunçoso e libertino nos lábios finos, Lúcifer
deteve, com muito mais dinamismo, os fios alaranjados e gemeu
sôfrego de prazer, rouco e cavo. Empurrou o rosto de Benjamin contra
o seu quadril e passou a socar o caralho, incansavelmente, na boca
edulcorada.
O arruivado apertou os lumes, permitindo, deliberadamente, que o
Tinhoso fodesse, infatigavelmente, com ela. Os sons de sucção e o
arremeter na garganta ecoavam eroticamente por todo o santuário de
Deus. A sensação do caralho surrando sua goela era impetuosa,
levava-o ao seu particular limite, ao prazer herético, masoquista e
alucinado, gemendo de modo abafado e choroso.
Lúcifer observou a face branquela tornar-se o mais profundo e
intensivo vermelho, ao mesmo tempo que Benjamin volveu os olhos
inocentes aos seus, fixando-os. Observou o marejar desejado, o
apreço pela falta de limites, o esforço por aquele dar prazer, e quase se
entregou a um estopim voluptuoso. Brandamente, fechou suas
pálpebras, sem parar o movimento abrupto, ouvindo e sentindo o seu
demônio casto gemer e tremer enquanto segurava suas coxas com
brutalidade. Seus músculos tensionaram, o membro pulsou na boca de
Parker, dilatando-se e, com uma força inebriante, esporrou sua porra
santa contra a gasnete do seu amado ruivinho.
A destra, antes pesada, agora se tornou gentil e afastou Benjamin
do seu membro que ainda jorrava seu gozo, deleitando-se ao ver que
algumas gotas de seu prazer foram contra o rosto belo.
O sabor de Caleb espalhou-se por toda a cavidade bucal do
acobreado que permanecia vidrado na imagem de Lúcifer. Então,
entreabriu sua boca, mostrando o sêmen que havia ali, e engoliu, em
uma provocação que esbanjava safadeza.
Utilizando de uma onda e engenhosa lentidão, Caleb dobrou os
joelhos, agachando-se. Seus dígitos correram para o rosto liso de
Benjamin e segurou-o, com firmeza, pelo queixo, forçando um olhar
sobre ele, que viria de qualquer maneira, a qualquer instante. Mas ele
não queria tempo, sua morosidade proposital mostrava o quão dono do
próprio tempo ele era; o queria em si imediatamente, como um menino
que não sabe ouvir um não, e um homem que conhece o seu inerente
poder.
O de mechas arruivadas prendeu o lábio inferior, quase o
retorcendo, e sua força foi diferente: desta vez, seus lábios tornaram-se
brancos e, depois, retornaram ao mais vívido vermelho-cereja.
— Você acha que mereço perdão? — a voz mélica questionou, em
uma ousadia delgada, ainda que petulante, como quem peca e gosta
de pecar.
Parker não almejava algum tipo de redenção, alguma linha reta de
perdão; no entanto, havia algo que ele desejava ardentemente,
deslumbrava, àquele momento, e era fatídico, ele conquistaria: a perda
do controle de Caleb. Tê-lo tão bem em suas mãos que,
involuntariamente, Heilel faria os seus desejos, sem nunca perceber a
manipulação disfarçada de submissão resvaladiça e engenhosa.
Como um neófito demoníaco e sorrateiro, sem qualquer sobrosso do
desconhecido paradoxalmente conhecido, na metamorfose mais
absurda, almejava a insanidade do Diabo. Queria o seu corpo mais
pesado, senti-lo o mais fundo possível, com o sexo mais sujo que
pudesse fazer, na casa de Deus, deixando farelos de heresia
espalhados por todos os cantos, para que se misturassem à poeira do
nada que restaria quando o fogo consumisse absolutamente tudo.
Não queria um simples sexo, santificado ou contemplativo,
acalentador ou até mesmo o mais violento; desejava, ansiava o sexo
mais erotizado, sujo, caótico, louco, sem qualquer resquício de
prudência ou temor divino. Benjamin queria cuspir na cruz cristã
enquanto Caleb cuspia sua porra dentro dele. Anárquico demais,
insano e blasfemo. O que era Parker naquele momento? Um demônio.
O calor estouvado do fogo causava uma viveza maior ao ambiente
caloroso; agora, as chamas espalhavam-se por ambas as cortinas,
comendo-as de baixo para cima, pouco a pouco.
— É adorável essa sua feição. — Contemplou-o. — Você merece
tudo, menos perdão. Está safado além do limite. O que lhe aconteceu?
A pergunta feita em um tom rouco, ainda que repleta de surpresa, só
poderia ganhar uma resposta:
— Você me aconteceu.
Nesse momento, Benjamin segurou a gola da camiseta social
branca, puxando Caleb mais para baixo, beijando os seus lábios
açucarados e levianos. A língua resvalou para dentro da boca de
Lúcifer, tão aquentada e inebriante. O jogo de lábios tornava-se cada
vez mais prazeroso, era um encaixe perfeito. Todavia, para destruir os
planos do recém-demônio que, por segundos curtos, jurou que
dominaria o seu superior, o seu novo deus, a quem devotaria a vida, o
amor e o sexo, estava muito enganado.
Caleb, em uma mistura particular e genuinamente dominadora,
naquela mesclagem de denotação e luxúria deturpada, deixou-se levar
às provocações tênues. Agarrou a nuca de Benjamin, ao mesmo tempo
que sua destra correu para a cintura bem definida e, em um impulso,
desprovido de cuidado, ergueu o corpo dele. Para Lúcifer, o seu doce
pecador era leve como uma pena.
As pernas de Parker rodearam a cintura de Caleb, e nenhum dos
dois preocupavam-se com o alastrar de flama, eram impermeáveis
àquilo.
Sem cessar o ósculo gostoso, cheio de paixão e chamas intensas,
Heilel caminhou com o ruivo em seu colo, subindo os degraus do palco.
Aproximou-se do púlpito alto do pastor, que aparentava estar
conjuntado ao chão, como se fossem apenas um complemento do
outro e, sem cautela, empurrou-o, fazendo-o quebrar perfeitamente e
cair para o lado. Colocou Benjamin sobre aquele móvel de madeira que
era um dos poucos itens indispensáveis de uma morada cristã. Deu
intervalo ao beijo gostoso, chupando a língua de Benjamin para,
depois, mordiscar o lábio, puxando-o e soltando-o, ordinário. Estava
ansioso para oferecer algo muito mais gostoso ao seu ruivinho; queria
dar sua língua, seus dedos, o seu caralho inteiro.
— Vou realizar todos os meus desejos profanos — soprou para ele.
Elevou seu torso novamente, apenas para desabotoar a camiseta de
seu corpo forte. Ir de botão em botão não parecia a melhor opção, por
isso, sem cautela alguma, puxou a vestimenta, ouvindo os botões
estourando um a um. No momento em que o tecido caro abandonou
seu corpo, jogou-o para o mais longe possível.
Heilel, de antemão, previa que as labaredas consumiriam boa parte
daquele local enquanto ainda estivessem dentro dele, então cuidou
para a roupagem ficar quase à beira da entrada, visto que seria cômico
demais dirigir pelado.
Os lumes luxuriosos de prazer acompanharam, milimetricamente, a
corpulência robusta e definida. Pousaram sobre a tatuagem — um
dragão gigantesco —, percorrendo-o inteiro, envolvendo-o como o
pecado, arrancando um cobiçar alto de Benjamin. O garoto umedeceu
os lábios, jogando a cabeça para trás, sentindo o próprio membro
pulsar preso na boxer. Estava loucamente excitado.
— Gosta do que está vendo, babe? — inquiriu em tom provocatório.
Dedilhou as coxas desnudas, com dedinhos brincalhões e espertos
demais, para, em seguida, abrir as pernas de Parker com brutalidade,
puxando-o para si, causando o impacto da bunda farta contra o seu
caralho duro.
— Gosto... — arfou ufano e ansioso. — Muito...
Lúcifer curvou-se detidamente, deixando os olhos selvagens e
impiedosos sobre o puritano. Selou o interior de suas coxas — um beijo
molhado, instigante e duradouro — e, em seguida, traçou uma linha
pelo local.
O corpo frágil tremeu, inofensivo, arrepiando-se da cabeça aos pés.
De maneira sacana, ameaçou tocar a barra da cueca preta, e
exprimiu um sorriso ao ver a feição desesperada de Benjamin, como se
clamasse por aquilo, de feitio absorto e desejoso.
No vislumbre de Parker, era notório a veneração do caralho do
Diabo: ele queria, queria demais.
Apenas para ver o ruivo sofrer, Caleb afastou as mãos e subiu-as
para a camiseta de tule, onde fez questão de retirar os botões, um de
cada vez, tão lentamente que Parker gemeu, impaciente.
Para o Diabo, o corpo de Benjamin era uma obra de arte e precisava
ser, primeiramente, muito bem admirado, com um entrever que
entregasse o respeito, o amor, a paixão avassaladora, a libido
interminável. Todos aqueles sentimentos em um bater de cílios, em
pura apreciação e devoção de uma compleição.
Removeu a camiseta transparente com celeridade, apesar de utilizar
uma amabilidade impertinente. Seus miradouros famintos decidiram
voltar ao início, começando pelos fios ruivos que caíam sobre a testa.
Então, vislumbrou a feição de Parker, aquele rosto de bochechas
gordinhas, coradas e sardentas; depois, o piscar lento, os lábios
vermelhos e brilhantes, a expressão de quem implora. O conjunto de
uma obra que formava o retrato de um deus.
Transcorreu a vista para o pescoço lisinho e nevado; depois,
alcançou as clavículas pouco salientes. Amou ver os mamilos róseos,
eriçados, chamando por sua boca macia e abrasadora. O abdômen
liso, apesar de carnudo, era belo. Por último, observou as coxas fartas
e gostosas. Um sorriso cresceu.
— Você é lindo, meu bem — a rouquidão domou a voz, na
amálgama de frenesi.
Benjamin nada lhe respondeu, pois, subitamente, uma timidez
atingiu o seu âmago, sucumbindo-lhe ferozmente. Sentiu o desejo de
cobrir a face e assim fez: as mãos correram diretamente e escondeu-se
bobamente.
Uma risada nasal escapou do Cão, de modo incrédulo, e ele
arqueou perfeitamente sua sobrancelha.
— Depois de me chupar, de dizer poucas e boas, está tímido? —
sussurrou. — Tudo bem, você sabe que adoro vê-lo desse jeito, meu
puritano.
Inclinou-se, ficando por cima de Parker, beijando os lábios doces.
Mas não se demorou ali: escorreu o beijo para o canto do labro, depois
para o maxilar inferior delicado, deixando uma mordidinha traiçoeira
sobre ele. Colocou a língua úmida para fora, passando-a pela região do
pescoço de maneira fervorosa, percorrendo um caminho intenso e
saboroso. Propositalmente, ralhou os dentes na pele branquela,
deixando listras rúbeas em evidência, passando pela clavícula,
marcando-o. Sugou com afinco, sem receio de marcá-lo; poderia fazer
isso, agora, sem qualquer preocupação ou prudência, visto que
Benjamin o pertencia por inteiro.
Um arfar manhoso escapou do casto demônio que apertou os
mirantes, desfrutando dos toques que faziam as borboletas em seu
estômago voarem desesperadas.
Heilel alcançou os mamilos delicados e, especificamente, o biquinho
eriçado, deslizando a língua ao redor enquanto a mão livre corria para
o outro, divertindo-se com os dedos, apertando-o. Conhecia o corpo de
Benjamin, sabia como os botõezinhos eram sensíveis e como o
deixava loucamente excitado; tanto que ele gemeu fraquinho,
totalmente à mercê. Desta vez, sugou o bico com força, de maneira
molhada, para, depois, rodeá-lo novamente.
Retornou para os beijinhos, outra vez, usando uma adoração
sempiterna para selar e marcar cada parte da derme intocável. Do
início do abdômen, observando o respirar ansioso de Benjamin, foi
criando uma trilha, uma caça ao tesouro imaginária. Deixou chupões
drásticos que, visivelmente, tornaram-se arroxeados. Fez uma fileira,
até alcançar a sua preciosidade: a virilha.
Entregou-se, enfim, e puxou aquele tecido para fora do corpo
delicioso, observando o pano deslizar com a maior leveza entre as
pernas bonitas. Os poucos pelos ruivos que Benjamin tinha
conseguiam cativar a insanidade casta do Tinhoso. Achava charmoso,
dava um ar puro e inalterado, como se a natureza tivesse se
encarregado de, por si só, criar um homem perfeito, atenta aos
mínimos detalhes. Lúcifer tinha o objetivo de mostrar, ao ruivo, como
um demônio, na Terra, era dez vezes mais sensível em suas partes
íntimas, de tal forma que os orgasmos eram mais poderosos, mais
duradouros, além de deixarem o corpo trêmulo.
Beijou a virilha, percorrendo o monte de vênus, descendo o músculo
úmido para as bolas, as quais, ousadamente e sem qualquer
preparação ou aviso, sugou. A mão foi diretamente para o pau róseo,
iniciando um vai e vem implacável e frenético enquanto sugava uma de
suas bolas.
O ruivinho curvou-se para trás, gemendo alto, porém tentando se
conter. Segurou firme no púlpito, franzindo levemente o cenho, em
deleitação. O sonido do prepúcio sensível do membro subindo e
descendo, naquele típico molhado, em decorrência do excesso de pré-
sêmen, era delirante.
Caleb, nessa hora, seguiu para a outra bola, chupando-a com gosto
e dedicação, cuidadoso. Queria explorar o corpo inteiro de Parker,
deixá-lo sem chão.
Em um instinto, o ruivo entreabriu os olhos, encimando o pescoço e
assistindo à cena pornográfica de Heilel chupando, sem pudor, as
partes mais sensíveis de seu corpo. Genuinamente, corou. Corou
muito.
Lúcifer, sentindo os olhos sobre si, tomou certa distância,
demonstrando um sorriso maldoso nos lábios tão belos. Sua palma não
parou, pelo contrário, agora movia-se com mais e mais afinco, sem
qualquer controle ou clemência.
— Eu vou te fazer gozar tão gostoso que você vai sair daqui
tremendo todinho. — Existia selvageria naquele tom rasgado.
Os lumes de Lúcifer encontravam-se no mais genuíno rubente vivo,
semelhante a sangue. Transbordava de regalo e obscenidade. Seu
palmo deslizava deliciosamente pelo pau ereto, ia e vinha com
facilidade, devido à lubrificação. Podia até sentir as vibrações do pênis
de Benjamin, era alucinante.
Não contente com apenas o masturbar árduo, rodeou a língua
encharcada pela glande, lentamente, usando de certo sadismo, para
torturá-lo. Quando Parker menos esperou, já embriagado de tesão,
Lúcifer engoliu-o, chupando-o do começo ao fim, sem pausas.
Benjamin encontrava-se inteiramente desnudo, à frente de um
homem delicioso que sabia brincar com o seu corpo e sua mente.
Estava entregando tudo o que podia de sua devastada submissão
característica, permitindo que, com a sua compleição, Lúcifer fizesse o
que desejava, tudo o que sonhava. E o Demônio faria.
Sentir a boca tíbia, ao redor do seu pênis, levava-o à loucura. Caleb
tinha bastante habilidade, tanta que, facilmente, Benjamin poderia
descrevê-lo como uma divindade do sexo profano. E entre tantos
homens e mulheres, ele foi o único premiado para sentir aquela boca,
aquele homem-feito, e muito mais.
A respiração do alaranjado encontrava-se ofegante, o coração
estava batendo rapidamente e o peitoral subia e descia, em euforia.
Jogava-se para trás, esfregando-se contra o púlpito, como se fosse
possível fundir-se àquele móvel. As suas coxas apoiaram-se nos
ombros largos de Caleb, abrindo-se ainda mais para o seu homem.
Sua entrada suplicava para recebê-lo bruscamente, como se dissesse,
sem falar: me coma, por favor. No entanto, não tinha autoridade
suficiente para dizer ou força inopinada. Benjamin somente gemia e
gemia, cada vez mais desmoderado, cada vez mais alto, sentindo-se
brandir.
— Calebie... — gemeu, elucido de prazer. Pressionou o lábio
inferior, sua mão correu para os fios longos e castanhos, segurando-os
com violência, naquela sensação insensata de quem está à beira de
gozar vividamente. Seus mamilos estavam demasiadamente sensíveis
e rígidos; a estrutura física mantinha-se tensa, segurando o gozar que
queria vir, como se pudesse suportar mais tempo, em nome de maior
júbilo.
Lúcifer sabia como tratar o seu adorável e travesso ruivinho, sabia
fazê-lo gozar como um delirante.
O movimento de ir e vir no caralho foi ficando com mais vivacidade.
A boca molhada deixava a fricção ainda melhor, o deslizar pela língua
áspera era um verdadeiro pecado. O pênis de Benjamin estava tão
vulnerável que latejava.
Sem um aviso feito pela voz, Parker suspirou para dentro, engolindo
o gemido que quis escapar, e ficou em um perpétuo silêncio. Os lábios
entreabriram-se, a corpulência tremeu vigorosamente, ao mesmo
tempo que as coxas tensionaram. Seu membro pulsou com adrenalina
e expeliu sua porra adocicada para dentro da boca do Diabo.
Caleb permaneceu chupando-o mesmo após o orgasmo,
intensificando a sensação, engolindo o sêmen com felicidade e
satisfação.
Benjamin tremulou do começo ao fim, apertando os olhos com tanta
força que, quando os abriu, a visão estava turva. Aquilo foi longe de ser
um gozar comum, estava em legítimo êxtase.
— Eu estou sensível... — anunciou, em certo desespero. Fechou as
pernas na cara de Caleb, quase o empurrando com violência. Seu
corpo estava com espasmos de prazer hediondos, não aguentaria
sentir mais da boca dele.
Lúcifer emitiu uma risadinha libertina e safada, como se fosse a
melhor coisa do mundo vê-lo enlouquecer. Seu riso foi tão sincero e
satisfeito que arrancou outro de Benjamin, naquela intimidade
suficiente para rir e não perder nem um pouco o tesão.
— Hum, já? — inquiriu arteiro. — Estamos só começando, babe.
O ruivo, detidamente, abaixou as pernas, relaxando a constituição
física, ainda que as contrações boas estivessem bastante vivazes;
suspirou alto, buscando fôlego.
Sem entregar um tempo de descanso para Benjamin — pois o
Tinhoso já sabia que precisariam ser longos e pesantes minutos —,
volatilmente virou-o, arrancando um gemido surpreso, de dentro para
fora. Deixou Parker de bruços, o pau róseo ficou prensado contra a
madeira e o próprio peso, em uma fricção que o deixava à beira da
sensibilidade. Encontrava-se, praticamente, de quatro.
Caleb passou as palmas pelas costas bonitas, sentindo cada
pequenina curva, até que alcançou as nádegas abundantes.
Posteriormente, apertou a carne afincadamente, separando as bandas
e soltando-as logo depois, para, prazenteiramente, destilar dois
descomedidos tapas em cada uma.
Um gritinho sucumbiu à garganta do arruivado que reprimiu a
estrutura para frente, sentindo o queimor aprazível em sua pele alva e
rúptil. Após tal ato de Heilel, em um incitamento, Benjamin empinou-se,
como se estivesse pedindo mais das palmadas brutais, ainda que a
sua derme formigasse ardentemente.
— Você vai colocar? — o questionamento, feito de maneira
inocente, conquistou um sorriso malicioso de Lúcifer. O recém-demônio
não era o tipo de pessoa que facilmente deixaria escapar um: “Vai
meter o pau?”; na verdade, suas palavras eram sempre ponderadas,
banhadas de eufemismo: um costume imutável.
Alisou a bunda arrebitada e coralina dos seus tapas anteriores e não
teve dó: simplesmente estapeou mais uma vez, porque adorava ver
sua mão marcando a pele clara.
— Ainda não... — proferiu, bem sem-vergonha. — Preciso deixar
você bem molhadinho e preparado para me receber.
O alaranjado dobrou-se, olhando através dos ombros, mordendo o
lábio inferior em contenção. Com avidez, analisou a figura possessiva
de Lúcifer: ele parecia tão cobiçoso, sua feição demonstrava tamanho
desejo... Era transluzente.
Mais uma palmada foi dada, sem aviso, desta vez mais cautelosa,
como se estivesse trazendo certa piedade, seguindo para apaziguar o
ardor com o carinho ríspido. Segurou firmemente uma das nádegas,
afastando-a e esticando a entradinha apertada, analisando-a piscar em
ambição.
— Está morrendo de ansiedade para receber o meu caralho, não é?
— perguntou retoricamente, rude e safado. — Você quer sentir a minha
língua em você, babe?
Como um deslumbrado e precipitado, Benjamin aquiesceu
veemente, voltando a vista para frente, sentindo o rosto febril e rubro.
Agora, começou a separar ambas as nádegas, segurando-as com
força, com tanta gana que Benjamin gemeu doloridamente.
Apropinquou o rosto e não se delongou para deslizar a língua morna do
períneo até a entrada, circulando-a paulatinamente.
O ruivo gemeu manhosamente. Sabia que aquela região era repleta
de terminações nervosas que causavam um imenso prazer, e ele era
tão sensível que poderia gozar outra vez, bastavam efêmeros minutos
de devotamento vindos de Caleb.
Afundou-se de vez, fechando os luzeiros, e dedicou-se, com deleite,
a chupar o cuzinho de seu edulcorado puritano, deixando beijos
molhados e o verter de sua língua hábil, cheia de apetite. O caralho de
Lúcifer estava tão duro que mal podia se conter; usava suas últimas
forças para isso. No fim das contas, almejava entregar todo o prazer do
mundo para Benjamin.
Apartou-se um pouco, observando o buraquinho molhado. Era
delicioso.
— Eu adoro ver você assim. — Caleb louvava a profundidade das
palavras, sabia que um bom dirty talk deixava Parker em níveis
extremos de tesão. Ainda que este fosse muito tímido para falar
durante o sexo, Lúcifer sabia que ele amava ouvir.
Levou um dedo à entrada, espalhando mais de sua saliva e, sem
rodeios, enfiou-o. Um gemido escapou de Benjamin, muito baixinho,
anelante. Observou seu dígito entrando e saindo de modo gostoso, liso
e quente. Quando achou que poderia avançar, colocou mais um dedo.
Desta vez, um gemidinho mais sôfrego escapou de Benjamin que, de
fato, estava mais vulnerável que o habitual, em todas as proporções
possíveis.
— Não importa o quanto eu te coma, você permanece apertadinho,
porra... — ciciou no final.
— Calebie! — repreendeu-o, com vergonha. Cobriu o rosto
rapidamente, afundando-o entre os seus braços dobrados, ficando de
cara para o púlpito.
A saliva de Caleb fazia um bom trabalho lubrificando os dedos;
Lúcifer metia-os cada vez mais forte, indo fundo em Parker. O gemer
manhoso fazia-se constante, àquele momento, sem intervalos, sem
pausas curtas; somente emitia seus sons de prazer, abafando em
timidez, ainda que se empinasse cada vez mais para o Tinhoso.
Ousadamente, rebolou sobre os dedos, sabendo como Caleb amaria
vê-lo fazendo isso.
— Céus... — gemeu fraquinho.
— Quanta ironia, babe — Heilel disse tiranamente. Acertou outro
tapa bruto na nádega já avermelhada e, desta vez, não houve piedade:
meteu fundo os dedos, movendo-os com rapidez e, em seguida,
estalou mais palmadas fortes, deixando a marca perfeita de sua mão.
O ruivinho choramingou prazenteiramente enquanto continuava a se
movimentar, buscando mais e mais. Naquela euforia espeloteada,
Benjamin rendia-se semelhante a um exasperado, como se não
houvesse forma melhor de dizer o quanto precisava, demonstrando a
complexa necessidade que transcorria por seu corpo, por suas ações,
por sua expressão facial, que revelava o verdadeiro significado de
carecer. Afrontou para trás, ainda que com dificuldade, umedeceu seu
labro, gemendo sem se conter. Não havia maneira de resguardar o seu
necessitar, ele era superior, mais forte que sua própria pujança.
Encarou Caleb, que mantinha aquele ar audaz, permitindo que os
lumes falassem mais que a boca, em uma comunicação que só quem
tem a alma aberta e uma conexão delirante poderia transmitir.
Lúcifer contemplou a feição cheia de beleza, como se Parker fosse
uma Cleópatra de cinema[4], cheio de truques, debruçando os seus
próprios encantos sobre ele, de maneira que não poderia calcular o
quanto estava enlouquecido. Heilel morava naquela santidade e
devassidão, esperteza e inocência. Eram como um único, uma linha
tênue que se embaralhou e perdeu sua intrínseca lógica. O mesmo
sentimento de um verão juvenil, a inconsequência notória que
incapacita qualquer um.
Parou o mover dos dedos, retirando-os, e não se conteve mais. Não
havia por que resguardar seu próprio desejo, existia um corpo clamado
pelo seu e um desejo mútuo. Seu pau pulsava, implorando
complacência, tanto que poderia doer.
— Olhe para os meus olhos, Benjamin — decretou.
Em um anuir contingente, entretanto cheio de vontade, Parker
pousou a vista sobre ele, causando uma mistura complexa de íris por
íris.
Apertando o quadril carnudo, trazendo-o para perto, Heilel segurou o
caralho pela base, deslizando a glande ensopada de pré-porra pela
entrada, deixando-a ainda mais molhada. Brincava dissimuladamente,
sem efetivamente penetrar.
— Por favor... — Benjamin deixou escapulir.
Um sorriso progressista conservou-se no rosto esplendoroso de
Caleb, como um verdadeiro homem indecente. Posicionou-se mais
certeiramente na entrada apertada e empurrou, com firmeza, para
dentro. A cabecinha inchada de excitação invadiu Benjamin de maneira
lenta, dificultosa.
Enquanto sentia o membro acometer sua bunda, naquele misto de
dor e desejo, alargando-o pouco a pouco, emitiu um gemido mais alto.
Já se encontrava tão sensível que era impossível não rolar os olhos em
deleite. Estava sendo tão bem preenchido...
Suas pernas tremeram mais, e agradeceu mentalmente, por estar
debruçado no púlpito, naquela posição que lhe dava a segurança de
não cair. A entrada — agora cheia — contraía ao redor, pela
sensibilidade do orgasmo recente. Toda a corpulência de Parker
evidenciava o quanto estava vulnerável.
Lúcifer, rapidamente, correu uma palma para os fios arruivados,
puxando-os com vitalidade, e iniciou um movimento lento, deixando
pouco mais da cabeça entrar e sair, ainda que muito comprimido.
Em um desejo quase masoquista e impaciente, Benjamin empurrou
a ilharga contra a pélvis do Diabo, a fim de senti-lo fundo de verdade;
no entanto, o segurar em seu quadril era verdadeiramente rígido e
impedia o movimento cobiçado.
— Está apressado? — deixou a pergunta ecoar, estalando um tapa
na bunda completamente vermelha. — Quer o meu caralho todo dentro
de você, é isso?
— Quero... Por favor — gemeu inerte.
— Então, peça com jeitinho.
O rosto de Benjamin ganhou uma cor muito mais rosada, vibrou
internamente, em fidedigna desordem momentânea, causada pela
timidez lasciva.
Igual a uma ação de tortura, Heilel retirou seu pênis de dentro do
ruivo, voltando a apenas pincelá-lo pelas terminações. Ouviu um
muxoxo inteiramente insatisfeito.
— Mete em mim, Calebie! — pediu, beirando o manhoso e o
desesperado, e escondeu-se, em seguida.
Um barulho de insatisfação ecoou em um estalar de língua; Lúcifer
negou enfático, puxando mais forte os fios, curvando as costas do
garoto.
— Não está pedindo com dedicação — sussurrou. — Parece que
não quer o suficiente. Se deseja isso, faça por merecer, Parker. —
Então, soltou-o, para, de supetão, arrepelar o quadril dele para frente,
ao mesmo tempo que a palma empurrou as costas para baixo, fazendo
Benjamin ficar vergonhosamente aberto, com o rosto colado no púlpito
e a bunda aprumada bem para cima.
O demônio angelical gemeu pelo toque bruto, em um som baixinho,
como o miado de um gato amável.
— Eu quero muito... Por favor, me coma de verdade, amor.
Sadicamente, soltou um sorriso frouxo pela subjugação de Parker,
sentindo uma satisfação hedionda, uma vaga afluindo em sua robustez,
como uma corrente elétrica. A vontade absurda de comê-lo fazia parte
da carne de Lúcifer. Encaixou seu caralho e arremeteu-o sem qualquer
compadecimento, indo fundo, preciso e duro, de uma só vez. Havia
tanta vivacidade que o Tinhoso gemeu enrouquecido, sentindo o
membro vibrar de felicidade.
Benjamin emitiu um gritinho, encolhendo-se para frente, ao mesmo
tempo que rolou os olhos, sentindo o pau ir gloriosamente fundo. Seu
cuzinho contraiu, espremendo Caleb com precisão, devoção e prazer.
As coxas do casto garoto tremeram e tensionaram; a algia misturava-
se ao ardor, em um prazer praticamente masoquista.
Apertou as bordas do púlpito, sentindo Caleb parado, como se
estivesse com receio de se mover — um cuidado inapropriado, visto
que, segundos atrás, investira sem qualquer compaixão.
Heilel abriu as bandas de Benjamin, analisando o seu cacete: estava
socado até o talo. Dentro do ruivo era quente, mágico, gostoso e
apertado.
— Porra... — arfou de forma rude.
Curvou sua estrutura, deixando selares curtos sobre as costas lisas,
cheias de sinais marrons e adoráveis. Acariciou a lateral do corpo, a
fim de que Benjamin relaxasse. Após longos minutos de flagelação,
passou a se mover devagar, ainda que assertivo, saindo muito pouco e
entrando muito lento.
Com gás e desejo, Heilel retirou-se de dentro do outro, unicamente
para cuspir sobre os dedos e resvalar a saliva pela religião do ânus.
Quando o deixou ainda mais ungido, voltou a adentrar, bruto da mesma
forma, e estranhamente paciente também, apesar do som insidioso
causado pelo choque de peles.
A nova invasão o fez curvar as costas, sentindo a lubrificação da
baba mais facilitosa, ajudando Heilel a entrar e sair mais rapidamente.
Com olhos fechados, entregando-se àquele prazer de sentir suas
preguinhas sendo maltratadas, ofegou. Moveu a anca de jeito circular,
dispondo-se a arrancar a higidez mental de Lúcifer.
— Mais forte... — pediu, a fim de provocá-lo, ainda que fosse gemer
de modo sôfrego com seu rogo atrevido.
Heilel arqueou perfeitamente uma das sobrancelhas, dispôs um
aperto bruto na nádega esquerda e, depois, um tapa ardido na direita.
Ambas as mãos seguraram firmemente o quadril. Ele daria o que
Parker havia solicitado: se queria mais forte, iria mais forte.
O sexo com Lúcifer nunca era meramente sexo, não era o simples
ato de estar nu, junto a outro corpo nu, buscando o prazer mais
sodomita possível; era mais do que isso, muito mais. O foder do Diabo
era para causar tremores a cada lembrança vívida.
Caleb ofegou, retirando o membro e, depois, estocando
violentamente, causando um bater de peles que deixou a derme de
Benjamin intensamente vermelha.
O ruivinho sentiu seu corpo inteiro formigar, seus gemidos tornaram-
se constantes, sem sequer uma única pausa para retornar o fôlego.
Encontrava-se em chamas, tudo em si clamava por seu homem, pelo
pau sagrado dele, pelo quanto ele incitava furiosamente, fazendo seus
olhos rolarem e a entrada apertar. Seu membro já estava revigorado e
duro, gotejando um líquido viscoso e transparente.
Lúcifer era verdadeiramente forte, isso era evidente na maneira
como estocava incansavelmente, entrando e saindo, como se aquela
fosse a última foda de toda a sua vida.
— Calebie... — gemeu inerte. Naquela posição, Benjamin parecia
prostrado, e não poderia se adequar melhor: estava sendo um bom
garoto dentro da igreja de Deus.
Em pura gana, Heilel mordeu o lábio ínfero, como se suportasse
conter o prazer que sentia ao meter em seu amável demônio. Sua
movimentação era imparável, ágil e rígida. Desuniu melhor as pernas
de Benjamin, para que pudesse se submergir mais profundamente,
deixando-o em maior exposição. Louvava isso. Suspendeu o rosto,
constatando a única janela que não foi estilhaçada, notando o reflexo
dos corpos, naquela profanação truculenta, e sorriu de modo cafajeste.
A destra correu para os fios ruivos, puxando-os com vigor, e ergueu
um pouco o dorso de Benjamin.
— Olhe para janela... — sussurrou. — Veja como o seu corpo reluz
nos vidros coloridos, como essa posição te deixa gostoso para um
caralho.
Quando os luzeiros de Benjamin pousaram em sua silhueta, brilhou
em notória luxúria. Seu reflexo pecaminoso no vitral santo o fez querer
mais, gemendo, sôfrego de deleite, sentindo as faces corarem,
encalistrado. Assistiu à sua feitura — embora pouco detalhada — sobre
os pedaços de vidro, e a maneira como o corpo de Caleb movia-se
atrás de si: os ombros largos, atlético, gostoso. Tal cena deixou o
puritano tão extasiado que sentiu o pau pulsar, expelindo pré-gozo em
certa abundância enquanto sua entrada comprimia, em incontestável
aperto de excitação.
O Tinhoso gemeu baixinho, inibindo os sons que queriam se
esgueirar de sua boca herética. Encarou o revérbero e sorriu impudico;
puxou as mechas ruivas, fazendo Parker olhá-lo levianamente.
Ondulou seu quadril, estocando precisamente, em um mexer de
estrutura física inesgotável. Seus mirantes sobre os de Benjamin
causaram uma espécie de conexão estouvada, tanto que os lumes
vermelhos de Lúcifer brilharam no mais profano encarnado enquanto
os de Benjamin reluziam no perfeito cerúleo.
Perdurou, movimentando-se rudemente; o púlpito balançava junto
com as compleições físicas. O fogo já os cercava e demorou para que
pudessem perceber, no entanto não deram importância.
Por segundos infinitesimais, Benjamin cortou o contato visual,
girando os orbes e fechando as pálpebras com afinco, tudo para sentir
e entregar-se cem por cento àquele prazer.
Sentia a carne de sua bunda batendo violentamente contra a pélvis
do Diabo, em um estalar massivo que reverberava pela igreja. Seu
buraquinho engolia-o muito bem e parecia que ansiava para ser
preenchido de porra.
O ruivinho voltou a fitá-lo descomedidamente, quase debulhando-se
de gemer. Seu contemplar mantinha-se ressacado enquanto se sentia
tão próximo do clímax que seu coração pararia de bater.
Daí em diante, foi a vez de Caleb fechar os mirones enquanto
segurava brutalmente a cintura fina, metendo com força, expondo-se a
um limite perigoso de regozijo.
O fogo ao redor causava um calor descomunal; o suor percorrendo
as corpulências, o tremido elétrico passando pelas espinhas, o
comprimir e o mergulhar: um conjunto de coisas que só terminaria em
algo óbvio: o ápice.
— De frente... De frente! — Benjamin bramiu desesperadamente.
Virou-se tão desembaraçadamente que sequer precisou remover o
pênis do interior, apenas atravessou a perna e deitou as costas.
Lúcifer tinha uma feição enraivecida, de cenho franzido; os fios
longos caindo nos olhos, uma perfeita criatura aprazível. O corpo
possante encontrava-se brilhando de suor, e as chamas atrás dele
alcançavam o monte de bancos quebrados: acometiam um fogaréu
efetivamente crescido e arriscado. Abonou crivado a cintura de Parker,
o suficiente para as marcas de suas mãos brutas ficarem evidentes na
carne branquela. Observou o membro róseo deitado no corpo,
pulsando desejosamente, então afundou mais rápido, voltando a um
ritmo desenfreado.
Benjamin inclinou o rosto para o lado, segurando-se nas próprias
coxas, apertando-as e sentindo o cravar das unhas curtas raspando
sobre a pele, deixando rastros. Estava à beira do orgasmo, faltava
muito pouco.
Lúcifer soltou onde se localizava, para correr e agarrar as pernas
sensuais, erguendo-as e pondo-se a abraçar as coxas com o braço
direito, apoiando-as em seu torso, arremetendo de forma bruta. O
caralho entrava e saía sem intervalo.
— Oh... Meu Deus... — Benjamin gemeu desconexo. — Está
entrando muito, muito... — Não foi capaz de completar tal frase, pois
sua mente e seu corpo só conseguiam pensar na sensação de êxtase
que o possuía pouco a pouco.
Os lumes cheios de luxúria rodearam Benjamin, analisando-o com
firmeza: o ruivinho estava róseo, completamente rubro; seus fios
colavam na testa, as curvaturas brilhavam pelo suor, deixando-o
escorregadio. A Capela Sistina sentiria inveja.
Em absoluto ânimo e libido, o Diabo meteu cavo, como se fosse
capaz de ir mais adiante. A palma longa apoiou-se sobre o baixo-ventre
de Benjamin, pressionando a área. Podia sentir o seu membro ir fundo,
sendo capaz de perceber uma elevação, deixando cada estocada
saliente na barriga.
— Parece que vou morrer... — sussurrou, gemendo agudo. Seus
olhos giraram, as bochechas gordinhas estavam febris; seu cuzinho
contraiu em total premência. Em um impulso, curvou as costas,
sentindo uma das pernas tremular.
No segundo em que Heilel pôde perceber o ápice de Benjamin à
porta, afastou-se, retirando-se do íntimo dele.
Uma contração percorreu a estrutura delicada do demônio puritano
e ele tocou a própria barriga, tentando conter a sensação de vazio e
exiguidade.
— Você precisa aprender a gemer o nome correto, babe — disse. —
Dessa maneira sinto que você não merece o meu caralho indo tão
fundo, muito menos o deleite de gozar.
Apesar de achar cômico o seu gemido espontâneo, ofegou e
permaneceu distante.
— Desculpa, amor...
Juntou as coxas, balançando-as de um lado para o outro, em
contenção. Em seguida, ergueu-as, unidas, de modo que parecia estar
chamando por Lúcifer.
— Entra em mim de novo... Preciso de você, por favor... — o timbre
adorável e carecido era furtivo.
Diante de tão intensa clemência, Caleb sorriu de modo ladino e
pervertido, aproximando-se outra vez. Parker era mais que um mero
desejo: era o seu vício, o seu pecado.
Posicionou o seu caralho e, muito pontualmente, enfiou-o, ouvindo,
instantaneamente, o som de seu quadril contra a bunda farta,
estalando.
Em desespero, Benjamin levou os dedos aos próprios mamilos,
brincando com ambos, sentindo o fogo subindo ao redor, cada vez
mais quente.
Perante tanto tesão, não houve motivo para segurar mais o seu
desejo: o corpo correspondeu urgentemente e um único incitar duro o
fez delirar. O alaranjado jogou a estatura em conjunto a de Caleb,
contraindo-se completamente enquanto apertava os olhos, gemendo
alto e consecutivamente. Não havia maneiras de suportar mais, não
aguentaria nem mais dois segundos.
Gozou violentamente e as pernas fraquejaram, porém Heilel
segurou-as resistentemente. Seu membro cuspiu seu prazer, atingindo
o próprio abdômen, sentindo-se delirar em níveis estratosféricos.
Parker conservou-se envolto àquele regalo titânico que o consumia
drasticamente; no entanto, também era autorrestaurado: cortava e
colhia-se no mesmo prazer, sentimento que é impossível descrever,
somente quem se entrega é capaz de provar.
No geral, um orgasmo masculino dura entre cinco a sete segundos;
por outro lado, o clímax feminino dura de quinze a vinte segundos.
Porém, naquele instante efêmero, Benjamin podia se sentir nas
nuvens, não por tão pouco tempo, mas por ínfimos segundos longos,
longos e longos.
Quanto a Caleb, ele permaneceu metendo fixamente, sentindo o seu
cacete ser rodeado pela entrada gulosa, apertando-o como um virgem
maldito, arrancando, inopinadamente, um gemido auditivo, cavado e
afônico. Utilizando de sua lepidez, atravessou uma perna de Benjamin,
ficando entre as coxas copiosas. Sua destra correu para a cintura
contundida, apertando-a sem pudor, como se deixar sua marca fosse
muito além de uma inevitabilidade.
Por infinitesimais milésimos, que zombavam de sua figura de
linguagem e demoravam horas, Heilel sentiu-se dominado pelo legítimo
prazer. A feição, a figura de Benjamin diante de si, à mercê, vivendo
seus próprios segundos de alacridade, desabrochou uma loucura
irremediável, o suficiente para fazer o Diabo se perder de si mesmo,
ainda que se encontrasse. O gozo era isso, era ser mútuo e lítico.
Nas íris diabólicas, morava o mais apurado bordô que transmitia
diligência, desejo, ansiedade e falta de controle. Nesta última parte,
Caleb deixou-se levar por algo maior que ele mesmo, exatamente por
isso que suas asas se abriram em desespero. Compridas asas, alvas
como a neve, belas e reluzentes.
Benjamin entreabriu os olhos, podendo ter a autêntica sensação do
pau entrando e saindo de si; cada centímetro enfiando-se
precisamente, afogando-se dentro, indo reentrante, impiedoso, de
forma que se sentiu frágil como porcelana, jurando que poderia se
partir em dois nas mãos de um homem definhado de prazer.
Ainda que perdido em sua sensibilidade, o ruivo deixou-se examinar
a imagem do Demônio à sua frente. Agora, havia uma sagacidade
diferenciada, um ar muito mais sacrílego que o anterior, como se as
asas lhe dessem a certeza de uma pura heresia saborosa. Isso,
subitamente, desviou o acobreado. O almejo programou-se de
instantâneo. Em uma mutualidade, seus luzeiros tornaram-se o mais
profano azul- púrpura, como se juntos formassem a mistura perfeita de
luz e escuridão, trevas e celestiais, puro e impuro.
Buscando uma pujança, vinda de seu sumo intrínseco, Benjamin
ergueu sua estrutura física, abraçando o pescoço de Lúcifer, em
absoluta carência. Estava em ponto de ebulição.
— Quero sentir você vindo dentro de mim... — usou de toda a
ousadia que tinha para expor seu desejo devasso.
Lúcifer apertou a carne farta das nádegas, segurando-as para ajudar
com o afundar. Em evidente precisão, Heilel buscou os lábios carnudos
e açucarados de Parker, deslizando a língua para dentro, engolindo os
seus gemidos e deliciando-se com isso. Entretanto, como estavam
afundados naquele particular manante desconhecido e fluvial, perante
a uma energia diabólica que se espalhava em imensidão, movendo-se
junto ao fogaréu, alastrando-se entre as cruzes cristãs, Heilel decidiu
que fariam algo mais especial.
Rapidamente, o espaço ganhou um peso e uma leveza desiguais;
parecia que a gravidade assentava diferente para os corpos
mefistofélicos. Posteriormente, foi em uma troca de lugar, quase
automática. Não pareceu um enlaço e um mover de robustezas, mas
sim um circunlóquio no ambiente, como se, agora, tudo estivesse de
ponta-cabeça.
Quando menos perceberam, em uma transmutação inexplicável, as
costas de Lúcifer repousaram contra o pérfido teto da igreja, bem ao
lado do lustre existente. Segurava Benjamin com constância,
garantindo uma segurança sólida, ainda beijando-o insaciavelmente.
Perdia-se nos lábios nectarinos, eles eram o seu privativo desvario.
Quando Parker sentiu sua estrutura com um volume diferente,
separou-se do ósculo, largando a boca almejada, e seus olhos
percorreram todo o ambiente virado.
— Você não vai cair, meu bem... — um aviso foi entregue, com um
tom seguro e certeiro.
O coração fescenino do arruivado palpitava vigorosamente. Ele não
sabia se o orgasmo o tinha deixado tão exorbitante ou se tal posição
inusitada alcançava todos os seus possíveis medos. Por preservação,
puxou as mãos robustas de Caleb e entrelaçou seus dedos curtos aos
dele, segurando com fixidade. Morosamente, ergueu seu dorso, até
que estivesse completamente sentado, com as coxas fincadas em volta
do corpo maior. Sentia o caralho pulsando dentro de si, as vibrações do
desejo e carecimento, como se o Diabo conclamasse por uma
atenuação, pelo prazer. Precisava ardentemente de seu clímax mais
poderoso e intenso.
Os fios ruivos caíam para baixo. Podia sentir um frio na barriga, a
entrada apertando-o brutalmente, as preguinhas ardidas de tesão.
Somente gemeu baixinho.
Observou as asas, de extrema beleza, espalharem-se pelo telhado.
O talhe forte e muito bem formado estava lúbrico de suor, e a particular
feição do Tinhoso dizia o quanto queria mais e mais.
Um desejo florescente de fazer Caleb gozar calcorreava o ruivinho
por inteiro: queria entregar o mesmo prazer que havia recebido.
Ainda apertando as mãos do Tinhoso, fechou os lumes, esquecendo
a ojeriza de cair, e começou a se movimentar, sentando-se sobre o
caralho extremamente duro. Dedicou-se veemente a isso.
Tão próximo do gozo, Heilel poderia facilmente desvairar, àquela
altura. Benjamin, sem sequer perceber, zombava de toda a sua
sanidade, de modo cruel e inocente.
— Seja mais rápido, mais forte... Sente-se direito! — provocou-o, em
um tom bruto.
Mordendo o lábio ínfero, o demônio aquiesceu e, prontamente,
rebolou ardentemente, sentindo o pau ir de modo cavo e acurado.
Poderia ter a sensação de que Heilel encontrava o próprio esplendor
naquela profundidade prazerosa. Todavia, logo iniciou um vai e vem
duro.
O rosto gracioso de Benjamin estava ruborizado, devido à posição, e
o cabelo caía todo espetado para baixo enquanto aquela expressão
banhada de desespero e tesão falava sem falar. Quanto mais receio de
cair tinha, mais adrenalina percorria o seu organismo. Era inapropriado
tal posição amalucada.
Lúcifer soltou as mãos do garoto, correndo para segurá-lo pela
carne abundante dos quadris, não entregando tempo para nada, além
do foder com força.
O movimento do quadril de Lúcifer era implacável e dominante,
afundava sem parar nem por milésimos, algo realmente sobrenatural.
Benjamin entrou em uma espécie de frenesi e excitação, e apoiou-
se sobre o peitoral do Diabo, empinando-se mais, para que o caralho
entrasse o mais fundo possível, com a maior pujança que quisesse.
Ainda sentia espasmos por cada músculo, encontrava-se um poço
de sensibilidade, até seus mamilos estavam eriçados e vulneráveis.
Continuava com a sensação de um orgasmo perdurado, como se
resquícios daquele prazer ainda o estivessem percorrendo.
Lúcifer espremeu seus lumes, gemendo roucamente. Não quis
acobardar aquela sensação gostosa, não almejava disfarçar, muito pelo
contrário: ele desejava que Benjamin fosse hábil para enxergar do que
era capaz.
As peles chocavam-se com violência; Parker sentia o sangue
descendo e seu rosto tornando-se mais vermelho, e, apesar disso, não
tinha repúdio ou consideração pela morada de Cristo que se acabava
em dois tipos de fogo: literal e carnal.
Os lumaréus estavam muito violentos e alastravam-se com ligeireza,
tanto que já estavam alcançando os poucos bancos quebrados
restantes.
Sentindo-se governado pela ledice, pela calidez e pelo suor, Caleb
rendeu-se ao particular deleite de gozar fervorosamente e, enfim,
atingiu seu ápice.
As coxas torneadas verteram-se a tensas, o caralho pulsou
drasticamente, dilatando e cuspindo sua porra para dentro do puritano,
preenchendo-o com vigor e devassidão. Aquilo foi o suficiente para
cativar um gritinho agudo de Parker, semelhante a uma surpresa.
Seguiu estocando com destreza, prolongando o seu prazer, podendo
sentir seu sêmen escapar pela entrada inundada, pingando do teto ao
chão da igreja.
Lúcifer era um insaciável, sua satisfação não era apenas gozar, mas
sentir e assistir ao Benjamin alcançar o ápice pela última vez, naquela
tarde ensolarada de depravação.
— Goze mais uma vez para mim, quero ouvir o meu nome saindo
desses seus lábios doces... — ciciou de modo libertino. — Faça isso
por mim.
A destra calcorreou para o rosto adoravelmente rosado de Benjamin
e abandonou um tapinha atrevido na bochecha, ao mesmo tempo que
metia, revigorado.
O ruivo anuiu, ainda que meio inerte, e deixou-se navegar naquela
onda turbulenta que era o sexo com Caleb. Uma energia imoderada
percorreu sua espinha, assim como uma pressão no baixo-ventre, ao
mesmo tempo que tragou seu próprio gemido, deixando os lábios
entreabertos. Em surpresa, o orgasmo veio igual a uma ordem, como
se o seu corpo respeitasse Caleb o suficiente para ir de acordo com o
seu mandar.
O pau róseo expeliu em demasia o gozo branqueado e, devido à
posição gravitacional, a porra caiu diretamente na face do próprio
Benjamin, que não entregou muito tempo para pensar sobre isso, pois
encontrava-se em deleitação, com pernas tremendo, braços vacilantes
e tronco sem potência.
Limpou a fronte cheia de doçura e porra enquanto se abaixava,
deitando-se, ofegante, sobre o peito de Lúcifer, esquecendo
completamente que estava de cabeça para baixo.
Em uma metamorfose aloucada, um giro ocorreu, de supetão, no
respectivo ambiente, como um calidoscópio esférico e muito lesto.
Caleb abraçou o corpo de seu ruivinho, em proteção, pressionando-o
contra si. Rapidamente, tudo mudou e, agora, as compleições
repousavam sobre o chão. As asas cheias de plumagens
desapareceram, como ilusionismo. Então, o Cão sorriu, libidinoso.
— Agora, posso dizer, verdadeiramente, que comi você de todos os
jeitos possíveis — soltou a piada, engolindo uma risada.
Ainda buscando fôlego e forças, Benjamin emitiu um rir nasal e
curto, apesar de querer rir de verdade. Sentia-se exausto demais para
entregar longos sorrisos, naquele momento.
— Isso foi muito intenso... — sussurrou, quase bramido.
Heilel, como um íntegro malandro, ainda ousou estocar dentro dele,
uma última vez, sentindo o cuzinho apertá-lo, quase esmagando; em
contrapartida, Parker gemeu de mansinho, surpreso.
A canícula e o fogo ampliavam-se por todas as partes, quase
alcançando-os. Agora, a sensação era, efetivamente, insuportável.
— É melhor irmos, antes que bombeiros cheguem e nos vejam
pelados — Heilel disse nutrido de comicidade.
— Ah, você está cheio de gracinhas agora... De muito bom humor.
— Parker ergueu o queixo, com a intenção de fitar Lúcifer, emitindo
uma galhofazinha.
— Existem maneiras de não estar? — ditou retoricamente. — Babe,
se eu estou com você, automaticamente sou feliz — a voz soou com
uma sinceridade conhecida pelo ruivo. A palma robusta acariciou a
bochecha gordinha — que, pouco a pouco, retornava para a cor natural
—, ao mesmo tempo que deixava um selar nos lábios carnudos e outro
na testa, cheio de ternura.
— Você me dá forças para enfrentar tudo, é o meu amuleto da
sorte... — Parker soprou, de modo carinhoso, baixinho.
— Vou garantir para você força eterna, meu puritano sem-vergonha.
O arruivado sentiu o coração disparando, aquecendo com presteza.
Lúcifer era a sua aposta e o seu prêmio. Todo o amor que, um dia,
poderia querer ou precisar, encontrou nos braços mais inesperados; e
não importava de onde esse amor surgira, só precisava saber que
existia e era verdadeiro.
Ainda deitado de forma evidentemente preguiçosa, Caleb esticou o
braço e alcançou a camiseta que antes havia atirado para próximo da
porta.
— Estamos sem roupa para voltar, não é? — Benjamin inquiriu,
fazendo uma careta enquanto batia a palma sobre a testa.
Uma risada gostosa escapou de Caleb, apesar de curta, e ele
assentiu veementemente. Havia tudo queimado junto às brasas. De
longe, já se podia ouvir o som das sirenes dos bombeiros; aproximava-
se a cada segundo, tornando-se um som gradual.
— Veste a minha camiseta... Pelo menos ainda estou de calça. —
Então, virgulou: — Quem precisa de roupas? Estamos em Holy
Paradise, Califórnia, meu bem. Aqui é terra de ninguém.
Imediatamente, Parker negou com a cabeça, estalando a língua, e
inclinou-se, depositando um beijo nos lábios finos do Diabo. Ainda
sentia uma comedida tontura, enxergava meio turvo. Ergueu seu dorso,
sentando-se sobre o colo de Heilel, pegou a camiseta branca que ele
segurava e apenas deslizou o tecido em seu corpo, vestindo-a
naturalmente enquanto, morosamente, abotoava-a.
— Nada disso! — declarou, com um bico. — Acha que não vamos
ser presos por atentado ao pudor?
— “Atentado” é ver você pelado na minha frente e não poder te
comer de novo.
As maçãs do rosto de Benjamin ganharam uma coloração
violentamente rubra e, de modo ligeiro, abandonou um tapinha
sorrateiro sobre o peitoral desnudo do Diabo.
— Calebie! — exclamou, em evidente repreensão. — Aqui está
quente como o inferno, vamos sair logo.
Agora, naquele momento, diante do incêndio e do desmoronamento
de uma santidade farsante, Benjamin sentia algo grande, uma espécie
de pudor e compostura, uma sensação louca de legítima satisfação.
Imaginar-se pondo os pés para fora daquela igreja deturpada seria, de
fato, fechar os olhos para um passado pesado e seguir rumo ao futuro,
garantindo felicidade e uma vida melhor, em seu presente.
O ruivinho levantou-se, ainda com as pernas bambas, sentindo-se
inteiramente úmido da cabeça aos pés que ainda calçavam meias
desajeitadas — uma para cima e outra para baixo —, enquanto a
camiseta social de Caleb parecia muito maior em seu corpo exíguo,
apesar do suor fazê-la colar parcialmente na estrutura.
A sirene do caminhão de bombeiros aparentava estar cada vez mais
auditiva, mais próxima.
Quando ultrapassou o portal, pôde sentir a brisa caótica e veraneia
refrescar sua compleição molhada, entregando-lhe um alívio
inexplicável, ainda que a fumaça atrapalhasse esse momento.
Naquela distância, Lúcifer deu-se o apreço de contemplar a feitura
da silhueta de Benjamin, admirando-o enfiado em sua roupa após uma
foda memorável. Era lindo. Tão belo que poderia equiparar-se a olhar o
intrínseco paraíso, só que ainda melhor. Ergueu-se aceleradamente,
ajustando a única peça de roupa restante — sua calça — e, então, pôs-
se a caminhar com os pés descalços, passando por Parker e já se
prontificando a destravar o conversível. Havia pressa em suas ações,
uma vez que sabia o quanto o demônio casto era tímido e, muito
provavelmente, não estaria confortável em ficar sem cueca pela rua.
Adentrou o veículo, abrindo o teto solar, para que o vento aprazível
o atingisse bem; encontrava-se fervendo. Posteriormente, abriu a porta
do passageiro para seu amado puritano, esperando-o.
— Entre, babe. Não queremos ser presos por atentado ao pudor e
incêndio! — soou divertido.
Análogo a uma espécie de despedida desejada e distinta, Benjamin
observou o ambiente em chamas; abusou de sua imaginação e até
conseguiu visualizar Hector entre o fogo, queimando em um adeus
mais que fundamental. A destruição da igreja era a construção de sua
vida, um renascimento. Tudo se exauria em fogaréu, caindo aos
pedaços.
A sirene não parava de gritar, indicando, desesperadamente, para
Benjamin, enfim, entrar no Corvette. No entanto, ele permaneceu, por
segundos, com a vista fixada na maior cruz cristã que havia sobrado ao
centro, intacta e invertida, como se houvesse poder. E, acima dela,
pintado pelas flamas, letras garrafais fizeram pinturas, e elas diziam:
Aqui é onde Deus acaba.
O méleo ruivo piscou calmamente, sentindo o coração esfriando,
assim como seus outros órgãos, as veias, o sangue, a pele e os
músculos: tudo congelou. Tinha uma razão plausível para isso: a igreja
foi onde tudo começou e seria onde terminaria. Jamais nenhum outro
ser sofreria na entrada de lajotas de cimento e um gramado verdinho e
saudável; ninguém mais cairia nas palavras santas, cheias de heresia,
daquele lugar.
Fechou os olhos, inspirando e expirando; adentrou o veículo e bateu
a porta com força, sentindo certo contentamento descontente, uma
agonia que também trazia fluentes de paz e harmonia, mesmo que o
seu estômago revirasse em mil borboletas mortas.
Caleb observou aquela aparência e sorriu pequenino. Conhecia a
angústia do alívio pesado e tinha o conhecimento de como tudo era
temporário. A vida de Benjamin estava apenas acabando de começar.
Atentou para baixo, vendo uns óculos escuros entre o banco do
motorista e o câmbio de marcha e, de maneira cândida, deu uma
risada. Sabia que aquele objeto era de Joseph, esquecido da última
vez que adentrou o Corvette preto, um ano atrás, naquele passado
presente em memória. Pegou o acessório, abriu as hastes e encaixou-
o em seu rosto, fitando Benjamin.
— Gostou? — indagou com graça.
Era engraçado ver Lúcifer em tal posição leve e extrovertida, com
um sorriso protuberante e lindo, acompanhado de um torso desnudo e
ousado que, agora, estava seco, apesar de pegajoso, e o combo dos
óculos de sol patético, enquanto a mão grande segurava o volante.
Uma gargalhada escapou de Parker que, agilmente, esticou-se e
retirou o objeto do rosto encantador, negando veementemente.
— Dirige logo, Calebie! — o timbre foi soprado, junto a um riso.
Ainda que o riso quisesse persistir, naquela tentativa boba de ser
sensual com óculos escuros, Lúcifer anuiu e deu partida. O pé no
acelerador demonstrava certa pressa, por isso o conversível correu a
todo vapor. Podiam até sentir o vento caloroso do verão atingi-los com
engenho e atenuação.
Benjamin puxava a camiseta para baixo, impedindo que a aragem a
levantasse do nada. Não passaria essa vergonha.
Quase como uma atitude automática, Caleb esticou-se e ligou o
rádio.
“Rádio RUBI, trazendo uma das notícias mais chocantes do dia!”, a
exclamação veio com o requinte mais sensacionalista possível. “Hector
Parker, conhecido pelos populares como Reverendo Parker; acusado
de cometer diversos delitos, e o mais grave deles: homicídio, crime
cometido contra sua esposa Karen Parker. Minutos antes do
julgamento acontecer, ele foi encontrado...”
Com ligeireza, a mão pequena de Benjamin correu para o rádio,
desligando-o.
— Nunca mais quero saber disso — ditou seriamente. — Quero
esquecê-lo. — Manteve os orbes sobre os do Diabo, de maneira que
ainda brilhavam em certo azul, apesar de o preto estar prevalecendo:
uma mesclagem.
— Se depender de mim, nunca mais ouvirá o nome dele.
Benjamin aquiesceu devagar, quase imperceptível. Fechou os
lumes, por um certo momento, buscando forças e uma espécie de
fôlego para viver.
Jogou a cabeça para trás, totalmente desleixado, esticando-se no
banco. A sensação de liberdade era tão boa que lhe causava remorso,
como se tivesse medo de viver algo muito bom; um temor necessário
para viver, decoro perante tudo o que pode ser grande em excesso.
— Eu amo você — Lúcifer falou de modo simplista, como se
precisasse afirmar aquilo repetidamente.
Um sorriso cresceu em Benjamin e, em uma epifania louca,
percebeu que não havia necessidade para tanto medo, apenas certo
pudor bastava.
— Eu amo você também... — entregou o mesmo carinho. — É
sempre bom ouvir isso. Antes, parecia quase impossível.
Não esperou uma justificativa ou uma resposta sobre aquele
assunto passado; sabia que, tempos atrás, Heilel tinha suas
dificuldades de aceitação sobre o amor.
Para evitar um silêncio categórico, ligou o rádio novamente, desta
vez mudando de estação e, por conveniência, uma delas tocava uma
música muito adequada: “Feeling Good”. Foi ali que Parker deixou,
ouvindo-a ecoar pelo veículo aberto, deixando a letra espalhada pelas
ruas de Holy Paradise.
— Então, diretamente ao Inferno? — Heilel questionou, arqueando
uma sobrancelha, olhando-o de forma ladina.
— Claro que não. Há algumas coisas para cuidarmos por aqui —
anunciou com esperteza. — Gadreel estará distraído o suficiente,
brincando de ser o “Senhor do Martírio”. — Apesar de, levemente,
zombar do anjo demoníaco, Benjamin achava adorável o senso de
responsabilidade que ele tinha. Era cômico.
— Hum, e que coisas são essas? — inquiriu como quem não quer
nada.
— Um dos seus sete demônios escapou do Vale dos Ventos.
Percebi isso quando o buraco se abriu no julgamento. — Benjamin
estava realmente sendo um demônio atento. — E você marcou de
encontrar o Joseph na Sky, não seja rabugento com o seu melhor
amigo! — Prontamente, entregou um tapinha no braço de Lúcifer,
fazendo-o rir baixinho.
— Percebi o mesmo. É Sathanis — disse, sem muita preocupação.
— Tudo bem, agora seremos eu e você, estilo Bonnie e Clyde[5],
caçando um demônio amador e mergulhando em uma vida maluca.
Apesar de rir, Benjamin aquiesceu rapidamente, piscando-lhe um
dos olhos, como se fosse um verdadeiro astuto.
Continuou observando Heilel ao volante: as mãos, a expressão no
rosto... Tudo, cada pequeno detalhe. Sentiu seu coração transbordante
de felicidade, afinal, encontrava-se exatamente onde queria e deveria
estar: nos braços de seu Demônio.
Ja me vu!

Dimensões: 16 x 23
Orelhas: 7 cm
Papel: Pólen 80grs
Todos os direitos reservados à Marcela Talavus e
EDITORA EUPHORIA © 2020
Impresso e produzido em Rio de Janeiro — RJ

[1]
Pintor francês do século XIX, representante do Neoclassicismo.
[2]
Protagonista da animação “Monstros S.A” (Pixar Animation Studios e Walt
Disney Pictures, 2001).
[3]
“Museu Oculto”, museu de relíquias sobrenaturais e amaldiçoadas, recolhidas
pelo famoso casal paranormal Warren (Connecticut, EUA).
[4] Livro: O amor é um cão dos diabos (2007, pág. 171) Poema: Castanho-claro.
Charles Bukowski.

[5] Casal de criminosos, famosos na década de 30.

Você também pode gostar