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Guia Direitos Humanos - NC
Guia Direitos Humanos - NC
A POLITÉCNICA
GUIA DE ESTUDO
Direitos Humanos
Curso de Ciências Jurídica
(2º Semestre - NC)
Moçambique
FICHA TÉCNICA
Organização e Edição
Instituto Superior Aberto (ISA)
Elaboração
José Luís Pereira Mulungo (Conteúdo)
José Luís Pereira Mulungo (Revisão)
UNIDADES TEMÁTICAS
APRESENTAÇÃO
Caro(a) estudante,
Está nas suas mãos o Guia de Estudo da disciplina de Direitos Humanos que integra a grelha curricular do
Curso de Licenciatura em Ciências Jurídicas oferecido pela Universidade Politécnica na modalidade de
Educação a Distância.
O conteúdo aqui abordado, é uma introdução à disciplina a Direitos Humanos e Cidadania e faz parte de
um conjunto de disciplinas do curso de Direito, ministrado nesta instituição de ensino superior.
A disciplina de Direitos Humanos e Cidadania tem como objectivo geral, desenvolver e aperfeiçoar no
estudante conhecimentos que permitam uma compreensão do sistema social contemporâneo sob o prisma
das relações Direito/Economia, bem como o papel assumido pelos diferentes intervenientes na actividade
e em especial os diferentes papéis assumidos pelo Estado. A abordagem teórico-prática dos diferentes
institutos permitirá ao formando obter uma visão ampla sobre a aplicabilidade das normas jurídico-
económicas no meio económico e empresarial.
A disciplina foi dividida em cinco unidades para as quais se estabeleceram os seguintes objectivos
específicos:
A primeira unidade temática denominada Teoria Geral dos Direitos Humanos, definir os direitos humanos,
analisar as suas principais características e princípios, analisar as áreas afins e as principais fontes dos
Direitos Humanos.
Na segunda unidade temática denominada Direitos Humanos Substantivos, o estudante devera entender a
problemática dos direitos civis versus políticos e efectuar a destrinça que existe entre os direitos
económicos, sociais e culturais e os direitos colectivos.
Na terceira unidade temática denominada o Direito Institucional dos Direitos Humanos, aborda-se os vários
sistemas de protecção de direitos humanos, sendo um universal e os restantes regionais ou sub-regionais e
o sistema universal das Nações Unidas;
Na quarta unidade temática, denominada de Direito Processual dos Direitos Humanos, o discente devera
ser capaz de efectuar a descrição dos mecanismos processuais que estabelecem os procedimentos que
devem ser observados para proteger os direitos humanos. Isto significa que se trata de discutir os
mecanismos que asseguram o exercício de direitos quer para assegurar a prevenção quer para reagir contra
a sua violação.
Finalmente na quinta unidade temática vai se debruçar sobre a ordem constitucional moçambicana onde
encontramos os princípios essenciais que informam e servem de base à protecção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, nomeadamente, os princípios do constitucionalismo, do Estado de Direito, da
separação dos poderes e da democracia.
O seu sucesso nesta disciplina depende muito do modo como vai planificar e organizar as tarefas de estudo.
À medida que vai experimentando esse sucesso, isso lhe trará satisfação, cada vez mais interesse, entre
outros aspectos. Por isso, siga os conselhos que lhe são propostos para sair bem-sucedido no curso.
UNIDADE TEMÁTICA I
Objectivos da Unidade
Num contexto de relações de dominação e, vistos como direitos dos mais fracos ou vulneráveis,
os “direitos humanos” não representam muito para as elites económicas, politicas ou sociais, sendo
por essa razão que tal expressão é mais popular pelo seu preconceito do que pelo seu conceito. As
vezes, mesmo os que promovem e protegem os direitos humanos, como os que os desafiam, não
tem um profundo conhecimento da sua relevância jurídica.
Então, o que são afinal os direitos humanos? Num sentido geral, os direitos humanos constituem
o núcleo de direitos que protegem a vida e a dignidade da pessoa humana. Porém, a simplicidade
desta afirmação contrasta com a dificuldade de explicação do seu conteúdo, na medida em que é
difícil definir a dignidade humana. Afinal, em que consiste a dignidade humana?
Ao lado desta inquietação, vem outra que emerge da circunstância de as expressões “direitos
humanos” serem sinonímia, podendo nalguns casos, serem tratadas com alguma diversidade. É o
que acontece, para exemplificar, com a Constituição da República de Moçambique que, no artigo
11, determina os objectivos fundamentais do Estado, o capítulo que trata dos direitos pertinentes
ao homem aparecer com a epígrafe de direitos fundamentais.
No entanto, o artigo 43 da Lei mãe estabelece que a interpretação e aplicação das normas referentes
aos direitos fundamentais fazem-se de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Terá o legislador constituinte
entendido haver uma equivalência mútua entre os dois conceitos ou, antes pelo contrário, usa-as
Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 3
Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
consciente da sua diversidade e complementaridade? Estas e outras questões são frequentes para
quem se autonomizar inicia no campo científico dos direitos humanos.
Contudo, apesar de, por um lado, faltar clareza relativamente ao seu conceito e, por outro, do
generalizado preconceito, é indiscutível que a consensualidade dos direitos humanos, como
valores universais, é quase certa, pois, um direito reconhecido como tal é universalmente
respeitado. Mas, perante a universalidade de aceitação dos direitos humanos, há uma pergunta que
fica por responder: será que a legitimidade universal dos direitos humanos resulta, igualmente, da
universalidade e internacionalidade dos instrumentos que normalmente os consagram,
designadamente, as convenções e tratados internacionais ou pelo contrário, esse consenso resulta
da universalidade da natureza humana? É inquestionável que, apesar da diversidade racial, cultural
e geográfica, o homem é um ser universal, por isso, os valores a ele inerentes são igualmente
universais.
Em fim, respeitar-se a dignidade humana é, por um lado, garantir ao ser humano a liberdade de
expressão do seu próprio pensamento, com tudo o que isso pressupõe, como seja a necessária
liberdade de procurar, receber e difundir informação. Por outro, o respeito pela dignidade humana
implica a garantia da genuidade dos sentimentos do homem, também, com tudo o que isso impõe,
nomeadamente, que o sentimento de dor não resulte, por exemplo, de prisões arbitrárias, de tortura,
de escravatura, de fome deliberadamente causada a outrem, etc. mas, ainda que as escolhas e
desejos da pessoa humana, quaisquer que sejam, tais como a escolha das suas relações sociais, de
profissão, de filiação sindical, etc., não resultem condicionadas por qualquer factor de dominação,
mas sim, da própria liberdade do querer do homem.
Deste modo, ao consagrar o ideal de que os “homens nascem livres e iguais”, a Carta da revolução
francesa assim como a Declaração Universal dos Direitos do Homem inclinaram-se para a
universalidade da natureza humana, considerando a dignidade humana como inerente ao homem.
Neste sentido, os direitos humanos são pertinentes à própria natureza humana, cujos valores vão
integrando novos conteúdos em função da evolução universal e civilizacional do homem, donde
resulta que, apesar de diversidade cultural entre os homens, os direitos humanos se apresentam
como o mínimo ético universal, isto é, o que em todas as civilizações e culturas é comummente
aceite como o que deve ser, por referência à dignidade do próprio homem.
A história da evolução da humanidade revela, na verdade, que a luta pela afirmação da dignidade
humana foi sempre uma constante. No plano do mínimo ético, os direitos humanos representam,
portanto, os valores que em cada época da evolução da humanidade vão sendo universalmente
aceites como valores que integram o conceito mais amplo da dignidade humana. Esta é a razão
por que se diz que os direitos humanos são existenciais, porque evolvem com tempo.
Assim, em conclusão, pode-se afirmar que os direitos humanos são direitos inerentes à pessoa
humana, visando a protecção da sua dignidade. Por isso, que são comummente considerados
direitos inalienáveis e universais. Na verdade, a expressão “direitos humanos” é usada para
designar um amplo conjunto de direitos essenciais para a dignidade da pessoa humana.
A crença global de que todos os seres humanos, em virtude da sua condição humana, são titulares
de direitos humanos é, diga-se, relativamente nova. No entanto, as suas origens podem ser
encontradas em civilizações passadas, conforme comprovam vários escritos produzidos em
culturas ancestrais, como é o caso do Código de Humarabi. Porém, a Segunda Guerra Mundial é
que foi decisiva para alavancar o ideal dos direitos humanos para a consciência universal.
Os direitos humanos têm suas premissas nos conceitos de dignidade e igualdade e são baseados
na convicção de que cada ser humano tem o direito de desfrutar dos seus direitos sem
descriminação.
Os direitos humanos têm características próprias. Porém, não há unanimidade entre autores sobre
o número de características dos direitos humanos, assim como sobre a sua terminologia. Para
efeitos da presente obra elegeram-se algumas características que, em razão de seus efeitos para a
interpretação e aplicação dos direitos humanos, merecem especial atenção, a saber:
Dito por outras palavras, os Estados não se podem furtar de garantir um direito sob
argumento de que determinados direitos não são justiçáveis. A prática de discriminar os
direitos humanos tem a sua história ligada aquando da aprovação do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e
Cultural em 1966.
c) Interdependência – Os direitos humanos estão relacionadas entre si, mão sendo possível
efectivar uns sem os outros, por exemplo, não é possível realizar os direitos económicos,
sociais e culturais sem realizar os direitos civis e políticos.
Os direitos humanos são indisponíveis, pois o seu titular, mesmo que deseje renunciar, não
pode fazê-lo. No nosso direito interno temos uma experiência de irrenunciabilidade de
direitos, em relação, por exemplo, aos direitos de personalidade. Com efeito, o artigo 69
e) Inalienabilidade - quer dizer que os direitos humanos não podem ser transferidos, seja a
título gratuito, seja por meio oneroso. Como muito bem refere Reinado Silva e Pereira,
esta característica não implica dizer que os direitos subjectivos resultantes da força de
trabalho ou ainda que não violam o princípio da dignidade da pessoa humana não possam
ser objecto de transacção, pois, por exemplo há uma diferença nítida entre a alienação da
força de trabalho e do direito de trabalho. A característica da inalienabilidade dos direitos
humanos reporta-se ao seu conteúdo moral, pessoal, individual inerente à condição humana
e que não podem ser alienados sob pena de se converter em objecto.
Além das características acima referidas, a doutrina dos direitos humanos avança outras,
tais como a inviolabilidade.
Com vista à melhor compreensão e delimitação do conceito e amplitude dos direitos humanos,
importa mencionar, concisamente, as grandes diferenças com as áreas consideradas afins, sendo
de destacar os (a) direitos fundamentais, (b) direito internacional público, (c) direito humanitário
e (d) direito penal internacional, justamente, pela sua incidência sobre o mesmo objecto de estudo,
“a pessoa humana” e/ou as “relações internacionais”.
No entanto, tratando-se de uma área multidisciplinar, os direitos humanos podem incidir e até
confundir-se com outras áreas jurídicas. Todavia, a escolha destas quatro disciplinas jurídicas para
a sua abordagem, neste capítulo, como prioritária, funda-se na ligação mais estreita que têm com
os direitos humanos.
Direitos Fundamentais
Entendimento mais restritivo desta distinção é sustentado por Vieira de Andrade para quem os
direitos fundamentais são posições jurídicas subjectivas individuais ou, quando muito, direitos
individuais colectivizados e portanto, direitos como de religião, o de antena, os direitos de
organização de trabalhadores e outros direitos de participação se reconduzem a faculdades ou
competências no quadro de opções organizativas.
Com efeito, o Prof. Gomes Canotilho explica que tal como certos direitos fundamentais
pressupõem uma referência humana, não sendo susceptíveis de gozo e exercícios por parte de
pessoas colectivas, também existem na Constituição direitos fundamentais cuja titularidade
pertence às pessoas colectivas como tais, e não aos seus membros individualmente considerados.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos ou simplesmente Direitos Humanos são de origem
essencialmente internacional. Dito de outro modo, os direitos humanos são parte integrante do
direito internacional público, isto é, trata-se de uma relação de género e espécie.
O direito internacional geral, para além de regular as questões relacionadas com a dignidade da
pessoa humana – objecto dos direitos humanos – inclui outros campos de regulamentação, tais
como a responsabilidade dos Estados, relações diplomáticas e consulares, relações sobre a
delimitação e utilização do Mar, relações sobre a delimitação e utilização do espaço aéreo, relações
cósmicas entre outras.
O direito internacional dos direitos humanos tem como objecto a regulamentação de um conjunto
de valores considerados universais que promovem a dignidade da pessoa humana. Este ramo
revolucionou o direito internacional ao transformar o indivíduo em um dos seus principais sujeitos
em ruptura com o direito internacional clássico em que o Estado era o principal se não o único
sujeito.
Direito Humanitário
O Direito Internacional Humanitário (ou Direito dos Conflitos Armados) é um ramo do Direito
Internacional Público constituído pelas normas convencionais ou de origem consuetudinária
especificamente destinadas a regulamentar os problemas que surgem em períodos de conflito
armado. Os direitos humanos são direitos inerentes à todas as pessoas por sua condição de seres
humanos independentemente das circunstâncias.
De acordo com alguns instrumentos de Direitos Humanos, os Governos podem suspender algumas
normas em situações de emergência pública que ponham em perigo a vida da nação, desde que
tais suspensões sejam proporcionais à crise e sua aplicação não seja indiscriminada ou infrinja
outra norma do direito internacional, inclusive o Direito Internacional Humanitário. Contudo,
segundo tais normas, há certos direitos que pela sua importância na protecção da dignidade da
pessoa humana não devem ser suspensos de modo algum, como as relativas ao direito à vida, e as
que proíbem a tortura ou tratamento ou penas cruéis, desumanas e degradantes, a escravidão e a
servidão, e a retroactividade das leis penais.
O ramo de direito internacional que visa à repressão, pelos tribunais nacionais e internacionais, de
crimes internacionais de genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra e agressão, de
entre outros. Isto é a área do direito internacional público que visa a responsabilização do individuo
que comete crime sob a jurisdição do Tribunal sendo, individualmente responsável e passível de
sanção. É, entretanto, a área de direito internacional público que versa sobre a responsabilização
dos indivíduos por violação de direitos humanos. Neste sentido, os direitos humanos têm o seu
objecto mais vasto que o direito penal internacional.
A evolução histórica dos direitos humanos coincide com a história da limitação do poder estadual
em vários quadrantes do mundo.
Como muito bem refere Flavia Piovesan, inicialmente, os direitos humanos foram pensados pelos
filósofos do mundo antigo, enquanto simples expressões de pensamentos individuais, serviam
apenas como propostas de actuação do Estado.
Com efeito, as origens dos direitos humanos podem ser encontradas tanto na filosofia grega quanto
nas várias religiões do mundo.
Como ilustra parte da história da humanidade, a pessoa humana foi adquirindo, de uma forma
progressiva, os seus direitos e responsabilidades por meio de sua participação como membro ou
parte de um grupo – por ex. família, religião, classe social, comunidade e Estado. A maioria das
sociedades teve regras similares, uma das quais a chamada “regra de ouro”, que significa “faça
aos outros o que gostaria que fizessem a si mesmo; e não faça aos outros o que não gostarias que
lhe fizessem”.
De acordo com a Flávia Piovesan, somente quando ocorre a positivação destas teorias filosóficas
de direitos humanos, enquanto limitação ao poder estatal, é que se pode falar de direitos humanos,
enquanto um autêntico sistema de direitos no sentido escrito da palavra, isto é, enquanto direitos
positivos ou efectivos.
No entanto, somente por vota dos séculos XI ao século XII (Idade Média) é que ganha força o
ideal de limitação do poder dos governantes, pela consagração de direitos comuns a todos os
indivíduos. Nesta época temos as primeiras declarações, codificando direitos e liberdades
individuais podendo destacar-se desde logo a Magna ChartaLibertatum de 1215 e mais tarde ainda
Habeas Corpus Actde 1679 e o Bill ofRightsde 1689, instrumentos que no entanto pecavam por
não conter uma filosofia abrangente de direitos humanos, sendo que as liberdades eram muitas
vezes vistas como direitos conferidos aos particulares ou grupos de indivíduos em função de sua
posição ou statussocial.
A partir destes acontecimentos, os direitos humanos deixam de ser meras intenções e tornam-se
direitos positivos e exigíveis.
Curiosamente, numa fase embrionária, a evolução da luta pela consagração dos direitos humanos
verificou-se num contexto interno, domestico. Por exemplo, a Constituição Francesa de 1791 veio
incorporar os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem de 1789. Este facto
significou a constitucionalização e positivação de direitos humanos em detrimento da sua
universalização.
Contudo, a concepção contemporânea dos direitos humanos veios a surgir no século XX como
resultado das duas grandes guerras mundiais que banalizaram a dignidade da pessoa humana.
Trata-se de período histórico em que os direitos humanos ganham protagonismo na arena
internacional.
Assim, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, foi criada a Liga (ou Sociedade) das Nações,
em 1919, na sequência das negociações sobre o Tratado de Versalhes que culminam com o acordo
de paz, assinado após a Primeira Guerra Mundial, no grande Palácio de Versalhes em França, entre
a Alemanha e os Aliados. Os objectivos do acordo incluíam, de entre outros, o desarmamento,
prevenção da guerra através da segurança colectiva, resolução de conflitos entre países, por meio
da diplomacia e negociação e por fim a melhoria do bem-estar global.
A Liga das Nações surgiu em consequência dos horrores da Primeira Guerra Mundial e foi a
primeira tentativa de consolidar uma organização universal para a paz. Acreditava-se que futuros
conflitos só poderiam ser impedidos se fosse uma instituição internacional permanente,
encarregada de negociar e garantir a paz.
No entanto, a Liga das Nações fracassou por defeitos de origem. Desde logo, ela não dispunha de
um poder forte, nem contava com representantes da União Soviética e dos Estados Unidos – a
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
Com a Liga das Nações quase moribunda não foi possível evitar o eclodir da Segunda Guerra
Mundial cujas consequências em relação aos direitos humanos foram muito mais graves do que as
verificadas na I Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial violou todas as formas da dignidade
da pessoa humana.
Nesse contexto, a adopção da Carta das Nações Unidas em 1945, surge como a premissa maior do
reconhecimento internacional da necessidade de se envidar todos os esforços para a protecção
internacional dos direitos humanos.
A Carta, distintamente, menciona o papel das Nações Unidas na promoção e estímulo do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião. A ideia de promulgar uma “carta internacional dos direitos humanos” foi
também considerada por muitos como basicamente implícita na Carta.
Dois anos após a aprovação da Carta, foi estabelecida a Comissão das Nações Unidas para os
Direitos Humanos (Comissão) e, posteriormente, surge a Declaração, adoptada a 10 de Dezembro
de 1948 em São Francisco, que significou um patamar elevado na consagração da universalidade
dos direitos humanos.
A Declaração surgiu como um código moral ‘universal’, porque não possui um carácter impositivo
ou imperativo. Declinou as linhas gerais dos direitos civis e políticos, bem como dos direitos
económicos, sociais e culturais. Tais colocações são consideradas actuais, mesmo que estejam
longe de serem postas em prática por todas as nações do mundo. E tornou-se a base de grande
parte do direito internacional e da carta internacional dos direitos humanos.
Concebida como “ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”, a Declaração
tornou-se um padrão por meio do qual se mede o grau de respeito e cumprimento das normas
internacionais de direitos humanos, sendo, até o presente a mais importante e ampla de todas as
declarações das Nações Unidas e uma fonte de inspiração fundamental para os esforços nacionais
e internacionais destinados a promover e proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Tem, também, ajudado a definir a orientação para todo o trabalho subsequente no campo dos
direitos humanos, assim como a proporcionais a filosofia básica a muitos instrumentos
internacionais que visam proteger os direitos e liberdades por ela proclamados.
Embora muito se discuta a questão da eficácia das normas da Declaração, considerado, por
exemplo, que ela não dispõe de um órgão ou instituição próprio criado para velar pela sua
implementação, não se pode deixar de notar que vários pactos e convenções internacionais devem
a sua existência, de entre os quais se destacam desde logo o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados
pela Assembleia-Geral da ONU em Nova Iorque, aos 16 de Dezembro de 1966, que surgiram,
pois, com a finalidade de conferir uma dimensão jurídica e quiçá eficácia à Declaração, tendo o
primeiro pacto regulamentado os artigos 1º ao 21 da Declaração, e o segundo os artigos 22 a 28.
Nos últimos anos, os órgãos das Nações Unidas, ao prepararem instrumentos internacionais no
campo dos direitos humanos, têm evidenciado uma tendência crescente para se referirem não só à
Declaração, mas também a outros textos da Carta Internacional dos Direitos do Homem. Foi o
A mais significante mudança na arena internacional, depois da Segunda Guerra Mundial, foi o fim
da Guerra Fria, cujo evento final, foi simbolizado pela queda do muro de Berlim.
O novo cenário mundial, após queda do murro de Berlim, trouxe à tona um conjunto de polaridades
indefinidas, contrariamente ao que se verificava, anteriormente, com a bipolarização, bloco
socialista vs capitalista. O novo cenário trouxe processos de integração económica e política e
ainda a globalização da economia, por um lado. Por outro lado, forças de fragmentação
manifestaram-se em fenómenos como a sucessão de Estados, os conflitos étnicos, os
fundamentalismos religiosos, etc. factores que valorizaram a sublevação dos particularismos.
É perante essa nova realidade internacional que se realiza, em Viena, em Junho de 1993. A
Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que se tornou um ponto de referência no
discurso internacional dos direitos humanos, ao reafirmar a noção de indivisibilidade dos direitos
humanos, cujos preceitos devem aplicar-se tanto aos direitos civis e políticos, quanto aos direitos
económicos, sociais e culturais, tendo ainda sido enfatizados os chamados direitos humanos de
terceira geração, tais como o direito de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento
e os direitos ambientais.
Deste modo, com a Declaração e Programa de Acção de Viena, afasta-se a visão fragmentária e
hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos, e procura-se encontrar uma concepção
mais contemporânea dos direitos humanos. Como destaca Carlos Seis, insistir na ideia de
supremacia ou hierarquia de direitos, “além de consolidar a imprecisão da expressão em face da
noção contemporânea dos direitos humanos, pode se prestar a justificar políticas públicas que não
reconhecem indivisibilidade da dignidade humana e, portanto, dos direitos fundamentais,
geralmente em detrimento da implementação dos direitos económicos, sociais e culturais ou do
respeito aos direitos civis e políticos nos tratados internacionais já antes citados”.
No entanto, embora se tenha afirmado, desde a Declaração e Programa de Acção de Viena, a tese
da universalidade dos direitos humanos, ainda hoje, existem posições divergentes a argumentar
em favor do relativismo cultural dos direitos humanos.
Desse modo, as críticas dirigidas à concepção universalista dos direitos humanos podem ser
resumidas em 7 grandes categorias:
3) A visão universal de direitos humanos nada mais é do que uma visão ocidental que se
pretende geral, traduzindo, portanto, certa forma de imperialismo; Assim, um dos
argumentos que se tem levantado, prende-se como facto de, por exemplo, na elaboração
dos documentos internacionais tais como a Declaração ou Pactos de Direitos Civis e
Políticos e o dos Direitos Económicos Sociais e Culturais terem sido elaborados por países
do Ocidente e sem uma representatividade global.
4) O universalismo analisa um homem descontextualizado, sendo que o homem se define por
seus particularismos (língua, cultura, costumes, valores…); Assim, para a visão relativista,
é importante que se tenha em consideração as particularidades dos homens.
5) A falta de adesão formal por parte de muitos Estados dos tratados de direitos humanos e/ou
a falta de políticas comprometidas com tais direitos são indicativos da impossibilidade de
universalismo; Aqui questiona-se o facto de muitos países não aderirem a muitos
instrumentos internacionais de direitos humanos e ainda o facto de continuarem a existir
violações massivas mesmo nos estados que tenha rectificado diversos instrumentos com
vista a protecção dos direitos humanos.
6) A protecção de direitos humanos acaba sendo muito mais um discurso utilizado como
elemento da política de relações exteriores do que, efectivamente, algo que esteja
desvinculado de interesses políticos e económicos particulares.
7) É preciso um grande desenvolvimento económico para efectivamente proteger e
implementar direitos humanos, e essa realidade não se verifica em muitos países
“subdesenvolvidos”, o que faz fracassar o discurso universal dos direitos humanos frente
às disparidades e dificuldades económicas.
Esses são os principais argumentos apresentados. No entanto, tais argumentos apresentados pelos
defensores da teoria relativista contrários à afirmação da universalidade dos direitos humanos
também se revelam contraditórios em alguns aspectos. Por exemplo, não é de ignorar o risco, ainda
que mínimo, de o argumento relativista, possa ser usado para legitimar actos atentatórios à
dignidade da pessoa humana, sob a veste de que quaisquer práticas seriam legítimas desde que
compartilhadas por uma comunidade o grupo, como por exemplo algumas práticas culturais
nocivas.
Convém, no entanto notar que, embora exista o debate sobre o universalismo e relativismo cultural
dos direitos humanos, na verdade a diversidade cultural não se opõe à universalidade dos direitos,
mas sim a fortalece. Impõem-se, pois, a construção de um diálogo intercultural como forma de se
atingir a universalidade efectiva dos direitos.
Com efeito, é de notar que na actualidade, a construção e manutenção de valores universais como
a paz, desenvolvimento e boa governação tem tido os direitos humanos como um elemento
essencial para o alcance dos mesmos.
Como discutido, os direitos humanos fazem parte do direito internacional público, por isso, que
as formas de formação e de revelação dos direitos humanos obedecem às mesmas regras vigentes
no direito internacional. Nestes termos o artigo 38 do ETIJ considera-se que o Tribunal, cuja
função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhes foram submetidas,
aplicará:
Tratados internacionais
A Ratificação é “o acto interno pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu
consentimento em obrigar-se, por um acordo, celebrado ao nível internacional”, conforme define
a Convenção de Viena que dispõe sobre o Direito dos Tratados. Em outras palavras, trata-se do
processo de domesticação do documento no ordenamento jurídico nacional, confirmando o
compromisso do Estado de respeitar, obedecer e fazer cumprir as obrigações previstas em
determinado tratado perante a comunidade internacional.
Costume Internacional
Trata-se de práticas gerais aceites como sendo direito, isto é, prática reiterada, com convicção de
obrigatoriedade.
Para que uma prática tenha qualidade do direito consuetudinário internacional, dois elementos
devem ser demonstrados: (i) opinioiuris, ou seja, a convicção por parte dos Estados que eles são
instados a adoptar tal conduta, e (ii) a prática reiterada dos Estados.
Para a nossa abordagem, importa referir que não podemos, de forma alguma, negar a
preponderância que assumiu o direito costumeiro como fonte de Direito Internacional. É hoje
impensável não considerar a validade da fonte costumeira. Aliás, é importante verificar que muitos
tratados internacionais se tornaram nos dias de hoje parte do direito consuetudinário internacional.
Desde logo, podemos apontar a Declaração que é hoje o documento mais importante já adoptado
pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Apesar de não tomar a forma de um tratado, sua história
o fez mais do que um instrumento que simplesmente oferece normas orientadoras. A ausência, por
muitos anos, de outros textos de referência, pois só foi em 1976 que os dois Pactos Internacionais
de Direitos Humanos entraram em vigor, criou condições para que a Declaração Universal gozasse
de uma autoridade incontestável.
Pode-se, com certeza, afirmar que as disposições da Declaração fazem parte do direito
consuetudinário internacional. Qualquer outro tratado de direitos humanos faz referência à
Declaração Universal, formulando suas disposições baseadas nos originais da Declaração. O que
comprova esta ilação é o facto de muitas constituições nacionais incorporem dispositivos chaves
da Declaração ou fazerem referência para fins de interpretação e integração de lacunas como é o
caso de Moçambique.
Princípios gerais são normas internacionais imperativas nos termos do art. 53 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), que estatui o seguinte:
“É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflitue com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma
imperativa de Direito Internacional geral é aceite e reconhecida pela comunidade
internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é
permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior do Direito Internacional geral
da mesma natureza”.
Alguma controvérsia tem sido levantada sobre o que se deve entender pelos costumes aceites pelas
nações civilizadas. No entanto, tem sido comummente consideradas civilizadas as nações cuja
orem jurídica se baseia no princípio do Estado de Direito. Os princípios geria reproduzem-se nas
ordens jurídicas internas dos Estados, orientando-as, e também no plano internacional. Alguns são
concebidos e nascem no plano interno dos Estados, que são transferidos ao plano jurídico
internacional, enquanto outros também nascem e já regulam as relações entre os Estados. Como
exemplo de princípios comuns às ordens internas e internacionais, podem se apontar os princípios
de lex posterior derogat priori, pacta suntservanda, princípio dos direitos adquiridos e princípio
da coisa julgada.
Os Direitos humanos, no entanto, são informados por muitos outros princípios, sendo de destacar
os princípios de igualdade, não discriminação, liberdade, universalidade dos direitos humanos.
No sistema africano temos várias decisões que foram tomadas pela Comissão Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos que apresenta uma interpretação que, de alguma forma, está a
contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Direito Internacional dos direitos
humanos do mundo. Um exemplo disso, pode ver-se no caso SERAC. V Nigéria, onde ficou
considerado que “é evidente que os direitos colectivos, os direitos ambientais e outros direitos
sociais e económicos são elementos essenciais dos direitos humanos em África e que não há na
Carta um único direito que não possa ser efectivado” trazendo aqui a característica da
interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos e a dos direitos implícitos.
No mesmo sentido, o caso Media Right Agenda e outra V Nigéria evidencia quais as únicas razões
legítimas para as limitações dos direitos e das liberdades na Carta Africana estão consagradas no
art. 27 nº 2, ao considerar que uma limitação não pode ter como consequência que o direito em si
seja ilusório.
Para além da jurisprudência, também temos como fontes materiais a doutrina, os escritos dos
professores de direitos de reconhecido mérito que servem de inspiração para a interpretação dos
direitos humanos. Nos seus escritos, estes de forma científica, trazem as várias formas de
interpretação dos instrumentos internacionais que podem servir de fundamento das decisões sobre
matérias de direitos humanos.
A primeira questão que se coloca no que concerne à responsabilidade em face dos direitos
humanos é a seguinte: “ a quem cabe respeita-los ou garantir o seu respeito?” Parece óbvio que a
responsabilidade primária deva recair sobre o Estado, isto porque a presença e o poder da
autoridade estatal são tão dominantes em todas as esferas de nossas vidas que os direitos humanos
frequentemente são concebidos como um conjunto de princípios, ou pactos, entre o Estado e os
que são governados por ele.
Desta feita, os principais deveres emergentes de direitos humanos não recaem sobre os indivíduos,
mas sim sobre os Estados entanto que poder ou autoridade pública. Por outras palavras, os Estados
são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos humanos, isto
porque, em princípio, os mais notáveis, abusos, omissões e transgressões no que concerne aos
direitos humanos, são de responsabilidade do Estado, por via de seus agentes e órgãos (polícia,
judiciário, legislativo, serviços públicos e política externa).
Argumenta-se, no entanto, que os direitos humanos vão além da relação entre o Estado e o
indivíduo, como refere Oscar Vilhena Vieira, por razões
Ademais, a própria linguagem da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art. 28,
menciona explicitamente a necessidade de uma protecção e respeito dos direitos humanos no seio
de “uma ordem social e internacional” o que implica outros agentes, incluindo indivíduos,
comunidades, outras autoridades não – estatais, corporações e a comunidade internacional como
sujeitos de obrigações em relação aos direitos humanos.
O facto é que tradicionalmente, os direitos humanos eram entendidos como uma limitação da
interferência do Estado, salvo quando tais interferências pudessem ser claramente justificadas por
lei. E, como tal, foi concebido que os Estados tinham apenas uma obrigação negativa de se abster
em interferir no direito dos cidadãos a desfrutar de uma vida com dignidade.
Aliás, a Assembleia Geral das Nações Unidas, reafirmando a importância da realização dos
objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas para a promoção e protecção de direitos
humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas em todos os países do mundo, adoptou
num passado recente, a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos
ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
universalmente Reconhecidos.
Este evento reafirma a transição da visão tradicional e restrita no que tange a quem deve ser
responsável por garantir o respeito, promoção e protecção dos direitos humanos, marcando a
passagem para uma visão mais ampla e necessária em face dos desenvolvimentos na arena
internacional com cada vez maior empoderamento de entes não estatais cujas acções têm impacto
nos direitos das pessoas.
Os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos
humanos. Assim, os direitos humanos geraram pelo menos quatro níveis de obrigações para os
Estados, ou seja, as obrigações de respeitar, proteger, promover e cumprir - e estas obrigações são
universalmente aplicáveis a todos os direitos.
A obrigação de respeitar é essencialmente uma obrigação negativa, isto é, o Estado deve abster-
se de praticar actos que ponham em perigo as pessoas, enquanto as obrigações de promover,
proteger e cumprir são essencialmente obrigações positivas, o que requer que o Estado tome
medidas legislativas, administrativas e outras para assegurar que as pessoas gozem dos seus
direitos humanos, bem como para proteger as pessoas contra violações de seus direitos por
terceiros.
Assim, a obrigação de respeitar, requer que o Estado se abstenha de qualquer medida que possa
privar as pessoas do gozo de seus direitos ou de capacidade para satisfazer esses direitos por seus
próprios esforços. Desde logo, em face do direito humano a um trabalho adequado, o Estado não
pode estabelecer legislação que anule ou contradiz os instrumentos internacionais que versem
sobre os direitos humanos nem restringir actividades dos sindicatos, por exemplo.
Por obrigação de promover os direitos humanos, entende-se que o Estado deve se certificar de que
os indivíduos são capazes de exercer direitos e liberdade, por exemplo, promovendo a tolerância,
sensibilização, e até mesmo a construção de infra-estruturas.
Já, a obrigação de proteger exige que o Estado previna e sancione as violações dos direitos
humanos por parte de terceiros. Esta obrigação é normalmente considerada como uma função
central dos Estados, que têm de evitar que danos irreparáveis sejam causados aos cidadãos.
Impõem-se então aos Estados, (i) evitar violações de direitos por parte de qualquer indivíduo ou
actores não estatais, (ii) evitar e eliminar incentivos para violações dos direitos de terceiros e, (iii)
garantir aos recursos legais quando ocorram violações, a fim de evitar privações adicionais de
direitos humanos.
Por fim, a obrigação de cumprir requer que o Estado tome medidas para assegurar que as pessoas
sob a sua jurisdição gozem de oportunidades para obter a satisfação das necessidades básicas,
conforme estabelecido e reconhecido pelos instrumentos de direitos humanos. A Comissão
Africana de Direitos Humanos e dos Povos ao se pronunciar sobre esta obrigação, no âmbito da
responsabilidade do Estado sobre os direitos humanos, estabeleceu que esta poderia incluir a
prestação directa de necessidades básicas, como comia ou recursos que possam ser utilizados para
a alimentação (ajuda alimentar directa ou segurança social).
Embora esta seja a obrigação chave dos Estados em relação aos direitos económicos, sociais e
culturais, o dever de cumprir surge também no que diz respeito aos direitos civis e políticos. Desde
logo, com respeito ao direito ao voto, por exemplo, requer-se a formação de técnicos eleitorais e
medidas preventivas contra fraudes, o direito a um julgamento justo (o que exige investimentos
em tribunais e profissionais de direito qualificados), etc.
Uma das classificações mais importantes de direitos humanos é o que faz a distinção entre direitos
civis e políticos e direitos económicos, sociais e culturais. Assim, os direitos civis e políticos são
considerados aqueles expressos em uma linguagem muito clara e precisa (por exemplo, os direitos
à vida, a liberdade ou participação politica) que impõe apenas obrigações negativas aos Estados
uma vez que se parte do pressuposto de que não necessitam de recursos para a sua execução, e
que, portanto, podem ser aplicados imediatamente. Por outro lado, os direitos económicos, sociais
e culturais são considerados aqueles que tem sido expressos em termos vagos (por exemplo, o
direito à habitação, vestuário ou o direito à educação) e, impondo apenas obrigações positivas para
os Estados, sujeito à existência e disponibilidade de recursos e, consequentemente, envolvendo
uma realização progressiva.
Portanto, não obstante esta classificação dos direitos humanos é inegável que as obrigações dos
Estados de respeitar, proteger, promover e garantir os direitos humanos são aplicáveis a todo tipo
de direitos.
Toda a construção conceitual em torno dos direitos humanos esteve fundamentada na necessidade
de se limitar a actuação do Estado-opressor para garantir o respeito à liberdade dos indivíduos, ou
de se compelir o Estado-negligente a implementar determinados direitos, como são os casos dos
direitos sociais e dos direitos civis e políticos.
Dessa forma, a aplicabilidade dos direitos humanos – segundo a doutrina tradicional dominante
entre os séculos XVI e XIX – esteve permanentemente pautada numa relação vertical entre o
Estado e os cidadãos e não numa relação horizontal, isto é, nas relações de carácter privado Um
outro enfoque ainda carente de uma exploração teórica consolidado tem haver com a eficácia
horizontaldos direitos humanos, pela qual, em principio, os direitos humanos também devem ser
respeitados no âmbito das relações privadas.
i. A teoria do stateaction, que nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas, por defender que o único sujeito passivo daqueles direitos é o Estado;
ii. A teoria da eficácia indirecta e mediata dos direitos fundamentais na esfera
privada, segundo a qual a Constituição não autoriza os particulares em direitos
subjectivos privados, mas tão-somente orienta o legislador infraconstitucional na
elaboração das Leis de direito privado (predominante na Alemanha, Áustria e, de
certa forma, na Franca);
iii. A teoria da eficácia directa e imediata dos direitos fundamentais na seara privada,
segundo a qual tais direitos tem aplicabilidade plena nas relações interpessoais,
podendo ser suscitados directamente, independentemente de qualquer regulação do
legislador infraconstitucional, conferindo maior liberdade de actuação ao
magistrado em cada caso concreto.
Cumpre ressaltar que, pelo menos à primeira vista, esse novo âmbito de alcance dos direitos
humanos difere, sob certos aspectos, daquele verificado nas relações com os poderes constituídos,
especialmente, quanto à sua força de incidência que é muito mais restrita no plano da autonomia
privada.
O evidente estado de desequilíbrio facilmente observado no campo das relações privadas, no qual
o poder económico, em especial, o das grandes corporações globalizadas, detém incontestável
domínio de decisão e preeminência, inclusive, na direcção de políticas públicas que deveriam
salvaguardar os próprios direitos humanos. Nesse sentido, a onda globalizante e a consagração das
concepções neoliberais figuram como contundente referencia de constatação do quanto o eixo
vertical dos direitos humanos deve ser ampliado para um enquadramento de ordem horizontal.
Apesar do facto dos Estados serem os principais detentores de obrigações vis-à-vis direitos
humanos, reconhece-se que os Estados também estão sob o dever de proteger os seus cidadãos das
acções negativas perpetradas por entes da esfera privada que possam colidir com os direitos dos
cidadãos.
A Comissão Africana afirmou que é obrigação dos governos proteger seus cidadãos contra actos
danosos praticados por particulares. Nesta senda, a Comissão reafirmou que os governos têm o
dever de proteger os seus cidadãos, não apenas através de legislação adequada e efectiva aplicação,
mas também protegendo-os de actos danosos exigindo-se então uma acção positiva por parte dos
governos no cumprimento de sua obrigação ao abrigo de instrumentos de direitos humanos.
Algumas das questões de direitos humanos muito importantes na intersecção entre os negócios e
os direitos humanos prendem-se com a marginalização dos direitos dos trabalhadores; a
necessidade de incluir aspectos de direitos humanos nas duedillegences comerciais e societárias
das empresas; o relacionamento das empresas com as comunidades locais residentes nas áreas de
investimento; os direitos da mulher trabalhadora, os direitos das crianças, etc.
Todos estes aspectos têm merecido atenção internacional e desde a criação do RESG pelo Ex-
Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, diversos estudos e relatórios têm sido
publicados, sendo que o mais importante deles é o relatório de Ruggie de 2008, intitulado
“Proteger, Respeitar e Remediar: o Quadro Legal para os Negócios e Direitos Humanos” segundo
o qual a responsabilidade das empresas sobre os direitos humanos assentaria em três elementos
básicos: Proteger, Respeitar e Remediar, ou seja, (i) os Estados têm o dever de proteger os cidadãos
contra todas as violações de direitos humanos cometidos por terceiros, incluindo violações
cometidas pelas empresas, por meio de políticas, normas, bem como processos judiciais adequados;
(ii) as empresas possuem a responsabilidade de respeitar as normas de direitos humanos tendo o
dever de evitar abusos de direitos humanos e tomar todas as medidas preventivas para o efeito; e
(iii) as vítimas de direitos humanos devem ter um maior acesso a mecanismos judiciais e não-
judiciais para denúncia de violações de direitos humanos perpetrados pelas empresas, bem como,
gozarem da adequada compensação pelas violações sofridas.
Na mesma senda, a Assembleia das Nações Unidas ao Adoptar a Declaração sobre o Direito e a
Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhecem, explicitamente, que indivíduos,
grupos e associações têm o direito e a responsabilidade de promoverem o respeito e o
conhecimento dos direitos humanos e liberdades fundamentais a nível nacional e internacional.
No entanto, uma pergunta crucial seria se de facto podemos estabelecer a responsabilidade directa
de actores não-estatais sobre violações de direitos humanos?
De uma forma geral, a resposta tem sido, tradicionalmente, negativa, pelo menos a nível da
responsabilidade “civil”. Todavia, ao nível da responsabilidade “criminal” tem havido
responsabilidade directa dos indivíduos, pelo menos desde 1945 embora ainda de uma forma um
tanto quanto limitada.
De facto, se entende que actores não-estatais não podem ser responsáveis e responsabilizados a
luz do direito internacional dos direitos humanos uma vez que não existe um fórum com jurisdição
apropriada sobre eles, excepto nos casos de justiça penal internacional.
Em algumas situações, alguns direitos humanos podem entrar em choque com outros direitos
humanos e, por isso, tem de se buscar um justo equilíbrio entre os mesmos por forma a gerir
potenciais violações. Nestes casos de conflito entre direitos é necessário que se faça um juízo sobre
a prioridade de um sobre o outro. A decisão pode ser tomada tanto a nível judicial quanto pelo
legislador. O problema, no entanto, é decidir sobre tal prioridade e ainda encontrar os fundamentos
que legitimem a priorização de direitos. Torna-se então necessário que se estabeleçam regras que
permitam a clara destrinça entre os limites legítimos e ilegítimos, ou melhor entre os limites e
violações dos direitos.
Todavia, como muito bem diz Manfred Nowak são poucos os direitos humanos que são
considerados absolutos ou ilimitados, tais como a proibição da tortura ou escravatura.
Os tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, e
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, propõem um “teste de três etapas” para
determinar a legitimidade de restrições aos direitos humanos.
A primeira parte deste teste requer que a restrição seja prescrita por lei; a segunda requer que a
restrição ou limitação do direito tenha por fim servir a um propósito legítimo, e por fim aterceira
etapa do teste requer que seja uma restrição necessária numa sociedade aberta e democrática”.
Embora o teor dos requisitos necessários para avaliar a legitimidade das restrições de direitos
humanos possa variar de um tratado internacional para o outro, em todos eles está subjacente a
ideia do teste das três fases ou etapas. Por exemplo, o artigo 29 nº 2 da Declaração contém uma
linguagem específica determinando que as restrições aos direitos e liberdades individuais apensas
devem ter como finalidade “…promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades
dos outros a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa
sociedade democrática” enquanto o PIDCP no que diz respeito ao direito a liberdade de expressão,
claramente determina, no seu artigo 19 nº 3, que restrições ou limitações aos direitos devem ter
previsão legal e serem necessárias para assegurar o “respeito dos direitos ou da reputação de
outrem” e ou à “salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moral
públicas”.
Ademais, podemos ainda destacar o parágrafo 2 do artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem que requer que as limitações aos direitos devam ser prescritas por lei, necessárias numa
sociedade democrática, e tendo como interesse a “segurança nacional”, “integridade territorial”,
“segurança pública”, “de prevenção de ordem ou de crime”, ou ainda a “protecção da saúde ou da
moral”, “protecção da reputação ou os direitos dos outros”, “impedir a divulgação de informações
confidenciais”, ou finalmente para “ garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
Tanto na Declaração Universal dos Direitos do Homem como no Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem podemos encontrar especial
ênfase para a importância de avaliar a legitimidade das restrições numa “sociedade democrática”.
Tendo em conta que a enumeração de interesses a serem protegidos em caso de limitação de
direitos é ampla e de difícil definição, notamos que a interpretação que se dá aos mesmos varia de
uma sociedade para outra e de um sistema político para outro.
Na Carta Africana, por exemplo, existe provisão sobre as chamadas cláusulas claw-back, qua são
aliás, uma característica distintiva (e talvez uma das maiores fraquezas da Carta). Estas cláusulas,
permitem, em circunstâncias normais, a restrição de certos direitos, por uma série de razões, desde
logo o exercício da maioria dos direitos na Carta Africana está limitado abinitio por cláusula que
estatuem que os direitos devem ser usufruídos “nos termos da lei”.
Assim, as cláusulas claw-back constituem restrições ao permitir que um Estado possa restringir
direitos dentro dos limites “permitidos por lei”. O artigo 6º da Carta Africana, por exemplo, prevê
que “todo indivíduo tem direito à liberdade e à segurança da sua pessoa. Ninguém pode ser privado
da sua liberdade, salvo por motivos e nas condições previamente determinados pela lei”. Perante
esta disposição, o indivíduo é dado o direito e, simultaneamente, privado dele porque ela está
sujeita a restrições internas, que muitas vezes as podem privar de toda uma protecção legal.
Existem muitas outras cláusulas claw-back na Carta Africana que se relacionam com o direito à
vida (artigo 4), à liberdade e à segurança da pessoa (artigo 6), as liberdades de profissão,
consciência e religião (artigo 8), a liberdade de associação (artigo 10), de reunião (artigo 11),
liberdade de movimento e residência (artigo 12) e ainda o direito de participar na governação
(artigo 13).
Desde logo, a busca pelo respeito e observância dos direitos humanos, na sua essência reflecte a
busca pelo respeito e observância da integridade física e moral dos indivíduos. A ideia da
inviolabilidade dos direitos e liberdades fundamentais visa proteger o indivíduo como um agente
independente e moral. Por outro lado, uma política de respeito pelos direitos humanos constitui
um dos pré-requisitos para o alcance de segurança nacional, isto é, a paz interna baseada num
amplo consenso social sobre a legitimidade de um dado regime político em vigência num Estado.
salvaguardas que oferecem à população meios para aliviar a tensão social no âmbito
doméstico, antes que a mesma alcance proporções que criem uma ameaça em larga escala”.
Existe pois, um amplo entendimento de que os direitos humanos tornaram-se um assunto global
dentro do qual surgiu uma multiplicidade de ligações e interconexões que envolvem, mas, também,
transcendem, os Estados. Como resultado, as violações dos direitos humanos num país podem
criar consequências sem precedentes noutros países, povos e indivíduos. Numa era em que os
limites territoriais se estão tornando cada vez mais penetráveis, implicações transnacionais de
violações dos direitos humanos acabam por ser inevitáveis. O fluxo maciço de refugiados em
função de situações que perigam os direitos das pessoas, são, apenas, um exemplo disso.
Se, por um lado, o respeito pelos direitos humanos aumenta a segurança nacional, por outro, a sua
violação coloca em risco não só a paz e segurança nacionais, como também, a paz e segurança
internacionais.
Esta constatação, favorece o entendimento de que a busca da paz e segurança mundiais começa
com a melhoria das condições dos direitos humanos a nível nacional, já que existe uma ligação
entre a segurança individual, nacional e global, justifica a preocupação com o destino dos
indivíduos em todos os lugares, como parte de uma pesquisa para a segurança global.
O processo da interpretação das leis constitui o coração da profissão jurídica, na medida em que o
jurista é constantemente confrontado com a necessidade de ter de revelar o sentido das normas
jurídicas, isto porque, nem sempre, o autor da norma consegue exprimir com exactidão o seu
pensamento em palavras. Mesmo um texto aparentemente simples pode suscitar dúvidas sobre o
respectivo sentido. Veja-se, a título de exemplo, a frase seguinte:
Esta frase pode significar duas coisas. Em primeiro lugar, pode querer dizer que depois da conversa
entre o professor e o estudante, o professor ficou esclarecido. Mas, também, o seu autor pode ter
querido dizer que da conversa entre o professor e o estudante, este (o estudante) é que ficou
esclarecido e não o professor.
Se o texto do exemplo acima analisado fosse uma norma jurídica, o aplicador deveria tentar
recuperar o verdadeiro sentido pretendido pelo seu autor ao tê-la formulado naqueles termos. Por
isso que alguns autores afirmam que nenhuma norma está isenta de interpretação, por muito clara
que ela se apresente.
De um modo geral, é lícito afirmar que nenhuma norma está livre da incerteza do seu sentido, uma
vez que as palavras que expressam o pensamento do legislador podem ter diversos significados.
Aliás, mesmo palavras sinónimas, podem ter significados diferentes quando colocadas em
diferentes contextos textuais.
É por esta razão que a hermenêutica jurídica ocupa um lugar central no estudo do Direito, na
medida em que a interpretação das leis constitui uma ferramenta de trabalho de qualquer
profissional da área jurídica.
Estas técnicas interpretativas têm a sua importância para os direitos humanos, na medida em que
a busca do sentido da norma pode implicar o recurso a estes vários processos metodológicos. É,
pois, de se concordar com autores como Boaventura Sousa Santos, sociólogo português, segundo
o qual sendo os direitos humanos um artefacto cultural, a sua hermenêutica exige um diálogo
cultural, ou seja, como escreve Maurício Bechot, os direitos humanos podem ser vistos como
artefactos da história moderna e como produtos culturais, devendo ser compreendidos filosófica e
culturalmente como forma de reacção perante a realidade, pressupondo, num caso como no outro,
uma hermenêutica aberta e dialógica sobre os demais sistemas.
Já a interpretação literal recorre apenas ao sentido das palavras do texto legal para extrair o
conteúdo da norma. Nesta forma de interpretação, o aplicador da norma limita-se a ler o seu texto
e chegar à conclusão sobre o seu verdadeiro sentido.
O resultado interpretativo da norma pode dar lugar, também, à interpretação actualista, que tem a
ver com o facto de se chegar à conclusão de que o contexto histórico, social, político ou económico
em que a norma foi elaborada evoluiu a ponto de deixá-la desajustada, mostrando-se necessário
dar-lhe, por via de interpretação, um sentido mais consentâneo com as condições do momento em
que ela for interpretada.
Mas estas são apenas técnicas de carácter geral que, embora ajudem na interpretação de qualquer
norma, carecem de adaptação para casos específicos, consoante o domínio de regulação jurídica.
No campo dos direitos humanos, cuja função é, por um lado, garantir a dignidade de pessoa
humana, concedendo-lhe direitos, liberdades e garantias; e por outro, limitar os poderes,
particularmente, os poderes públicos, mas não só, as regras de interpretação apresentam
particularidades que acrescentam ou retiram algo nas técnicas atrás mencionadas.
Desde logo porque a fonte primária das normas de direitos humanos são as convenções e tratados
internacionais cuja interpretação segue, ainda, as regras consagradas na Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados segundo a qual “Um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o
sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objectivo e
finalidade”.
Raramente os dispositivos de tratados de direitos humanos são tão claros a ponto de a sua
interpretação bastar-se com uma simples análise textual do dito dispositivo satisfaria o intérprete.
Muitas vezes, o sentido do texto de um Tratado não pode ser determinado sem se considerar o seu
contexto, o qual inclui o texto do tratado no seu todo, incluindo o respectivo preâmbulo. Por essa
razão, a sua interpretação segue o regime estabelecido pela Convenção de Viena.
Segundo VILLIGER a interpretação à Luz de seu objectivo e finalidade e de boa-fé, a que se refere
a Convenção, procura assegurar a efectividade dos dispositivos do tratado. Isto é importante, ma
medida em que, sendo os tratados de direitos humanos relativos a direitos e liberdades, as normas
que os consagram pretendem garantir à pessoa um espaço de inviolabilidade da sai dignidade
humana. Por isso mesmo, a limitação desse espaço de liberdade só é admissível nos casos
expressamente previstos nas normas convencionais.
Neste quadro, só o órgão autor do Tratado é que pode limitar um direito humano ou permitir
limitação, através de outras normas que constem de outros Tratados.
Daí que se diz que, em matéria de direitos humanos, não é lícita e nem é permitida a interpretação
restritiva de um direito ou uma liberdade fundamental, porquanto se essa faculdade fosse admitida,
então o intérprete defraudaria o sentido do princípio da tipicidade das restrições aos direitos
humanos. Com efeito, só o legislador é que pode restringir um direito humano, então, não pode o
intérprete substitui-se ao legislador para introduzir limitações não expressamente previstas na lei.
Por isso, escreve Magnus KILLANDER, que o objectivo e finalidade dos tratados de direitos
humanos e o critério de efectividade pressupõem uma interpretação não restritiva destes tratados.
Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 34
Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
Como corolário desta proibição da interpretação restritiva dos direitos humanos, a doutrina e a
jurisprudência tem entendido que a interpretação conforme o objectivo de um tratado de direitos
humanos, com vista a dar maior efectividade às suas normas, implica que numa situação de dúvida
sobre o verdadeiro sentido de uma norma, há que interpretar a norma em sentido mais favorável
aos direitos humanos. In dúbio pro direito ou liberdade fundamental. Numa das suas Sentença do
Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, fundamentou a sua decisão, dizendo que ao
interpretar a Convenção [interamericana dos direitos humanos], deve-se escolher a opção mais
favorável para a protecção dos direitos consagrados nesse instrumento, com base no princípio da
regra mais favorável ao ser humano. Veja o seguinte exemplo: De acordo com o n.°1 do artigo
70 da Lei do Trabalho, As relações de trabalho podem ser modificadas por acordo das partes ou
mediante decisão unilateral do empregador, nos casos e limites previstos na lei.
Acontece que, o n.°1 do artigo 72 da mesma lei, dispõe o seguinte: O trabalhador deve
desempenhar a actividade definida no objecto do contrato e não ser colocado em categoria
profissional inferior aquela para que foi contratado ou promovido, salvo se verificarem os
fundamentos previstos na presente Lei ou mediante acordo das partes. Da conjugação das duas
normas, resulta a dúvida de saber se o disposto no n°1 do artigo 72 da Lei do Trabalho, permite
ao empregador mudar unilateralmente o objecto do trabalhador, desde que essa mudança se funde
num dos fundamentos do artigo 71 da mesma lei.
Ora, interpretando o sentido da norma do n°1 do artigo 72 da Lei do Trabalho à luz do direito
humano, que integra a liberdade de escolha de profissão e a proibição do trabalho forcado, resulta
ser duvidoso que o legislador quisesse atribuir ao empregador a faculdade de atribuir
unilateralmente ao trabalhador uma nova profissão, a pretexto de necessidades objectivas da
empresa.
Numa situação destas, sendo duvidoso o sentido da norma do n. °1 do artigo 72 da Lei do Trabalho,
há que interpreta-la em sentido favorável ao direito humano ao trabalho, passando a entender-se
que as mudanças unilaterais do objecto do contrato de trabalho, desde que isso não implique a
alteração da profissão do trabalhador Do que se acabou de dizer resulta um outro corolário de que
é admissível a interpretação restritiva das normas de direitos humanos, desde que essa restrição se
torne favorável à efectividade do direito humano. Ou seja, como se viu no exemplo anterior,
aparentemente, o legislador laboral disse mais do que deveria ter dito no artigo 72, dai que, se
possa interpretar restritivamente este dispositivo legal, de modo a não abranger as situações que
permitissem a violação da liberdade de escolha da profissão e a proibição do trabalho forçado.
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
Muitos autores dos direitos humanos sublinham a interpretação virada para dar sentido útil e
efectivo - the rules ofeffectiveness - aos direitos humanos como denominador comum da
hermenêutica dos direitos humanos que na jurisprudência do sistema europeu dos direitos
humanos é aquela que parte do objecto e objectivos de um tratado de direitos humanos como um
instrumento emanado com o fim de providenciar protecção aos seres humanos, finalidade tal que
pressupõe que as disposições dos tratados de direitos humanos sejam interpretadas e aplicadas de
modo a tornar as suas garantias efectivas e práticas. Porem, a interpretação dos direitos humanos
deve ser evolutiva dos respectivos tratados, uma vez que os direitos humanos, como disse atrás,
são existenciais, porquanto evoluem ao longo do tempo, com as implicações que isso traz
relativamente ao seu conteúdo. No caso Loizidou v. Turkey, o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos fundamentou a sua decisão com o entendimento de que a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos era um instrumento com vida, devendo, por isso, ser interpretado à luz das
condições vigentes no momento e não apenas na base da intenção dos autores da Convenção
vazadas no texto há várias décadas Já o Tribunal interamericano dos Direitos Humanos, alinhando
no mesmo sentido, entende que é prudente interpretar o sistema interamericano dos direitos
humanos à luz da evolução verificada desde a adopção da Declaração Universal, do que
permanecer agarrado aos valores normativos e significado que se acreditou que essas normas
tinham quando foram elaboradas em 1948.
Esta interpretação é a interpretação actualista da norma que se viu atrás, que procura ajustar o
sentido na norma ao contexto do momento político, social, económico e cultural prevalecente no
momento da sua interpretação.
A Convenção de Viena, em referência, estipula que qualquer acordo posterior ou prática do estado
que indique o acordo a regras pertinentes ao direito internacional devem ser levados em
consideração ao interpretar o tratado. Esta posição é tida como fundamento para incluir a prática
jurisprudencial como critério interpretativo dos tratados relativos aos direitos humanos, nos
sentido de essa prática jurisprudencial constituir uma espécie de costume interpretativo a partir do
qual se funda o entendimento do sentido das disposições de determinada Convenção.
Uma outra regra de interpretação dos direitos humanos é a chamada interpretação autónoma,
segundo a qual é importante distinguir o conteúdo e conceitos do direito interno em relação ao
direito internacional em que assentam os direitos humanos. A jurisprudência que segue este
entendimento, assume que os termos de um tratado internacional dos direitos humanos tem um
significado próprio e por forca do qual não se lhes pode dar sentido equivalente aquele que é
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
dado aos mesmos termos pelo direito interno. Na verdade, este é um princípio interpretativo muito
importante porque evita que os Estados usem o seu direito interno para derrogar o conteúdo das
normas constantes dos tratados de direitos humanos, o que limitaria a efectividade da garantia dos
direitos humanos.
Leituras Complementares
Nowak Manfred, Introduction to International Human Rights. Martinus Nijhoff, Publishers. 2002.
The Netherland
Adjovi, Roland, L’Union africaine etude critique d’un project ambiteux, in Revenue Juridique et
Politique, independence et cooperation, nº 1, Janvier-mars. 2002
Reinado Pereira e Silva, Novos Direitos: Conquista e Desafios, Juruá editora, 2008.
Viera, Óscar Vilhena Viera, Reflexões acerca da Sociedade civil e dos direitos humanos, Revista
Sur Sur, Revista Internacional de Direitos Humanos. Volume nº 1. São Paulo, 2004.
Legislação
Actividade
UNIDADE TEMATICA II
Objectivos da Unidade
I. Notas Introdutórias
Os direitos humanos são, normalmente, encarados do ponto de vista seu ‘’Standard’’ e do ponto
de vista ‘’supervision’’. Fala-se em ‘’humanrightstandard’’ de um direito humano quando se
analisa o seu conteúdo tal e qual é e foi consagrado nos diversos instrumentos, quer universais,
quer regionais. Na vertente de supervisão, estuda-se a dinâmica de protecção dos direitos humanos,
matéria que neste manual se encontra reservada para parte relativa ao direito institucional e
processual.
Em boa verdade, no estudo de qualquer direito, é importante a descrição da sua essência, ou seja,
o seu conteúdo jurídico, de modo a que fique claro quais as implicações positivas (as faculdades
a exercer) e negativas (os limites do exercício das faculdades) decorrentes da titularidade de um
direito. Outrossim, porque a titularidade de um direito determina a existência de deveres para
terceiros, é justo que estes saibam o que legalmente se espera deles face ao direito em causa.
Toas estas questões prendem-se com a problemática da substancia de um direito, na qual se integra
o tema dos direitos humanos substantivos, cujo objectivo é permitir ao estudante desenvolver
competências de aplicação pratica dos instrumentos que consagram os direitos humanos.
varias situações cuja análise e solução depende do conhecimento dos direitos substantivos
envolvidos e, sobretudo, do conteúdo desses mesmos direitos. Pode-se invocar, no caso, que a
situação envolve direitos humanos substantivos como o direito humano ao trabalho, a proibição
de discriminação, o direito à privacidade, etc.
Porem, não bastara a mera indicação desses direitos, na medida em que, no caso concreto, importa
a sua operacionalização com vista à solução do caso, ou seja, determinar se terá havido alguma
violação de direitos de que o candidato é titular.
Portanto, o estudo da dimensão substantiva dos direitos humanos, matéria que constitui este
capítulo, é importantíssimo. No entanto, dada a sua multiplicidade e complexidade, não serão
abordados todos os direitos humanos substantivos, mas, sim, os mais frequentemente invocados,
os quais podem ser categorizados em vários grupos
O Direito à vida
Com referência à dignidade da pessoa humana, o direito à vida é o centro de todos os demais
direitos porque é em torno dele que se desenvolvem outros direitos humanos, para alem disso, o
efectivo gozo dos outros direitos humanos depende da vida. Por isso, o direito à vida é o direito
humano básico.
Integrado na ordem jurídica, a vida é um bem jurídico digno de tutela jurídica, elevado a categoria
dos direitos humanos, por se ter considerado inerente à pessoa humana. A inerência da vida em
relação à pessoa humana traduz a inseparabilidade entre o bem jurídico vida e a a pessoa humana,
dai o direito à vida ser intransmissível e indisponível. É por esta razão, por exemplo, que a tentativa
de suicídio é punível por lei, na medida em que aquele que tenta suicidar-se pretende dispor de
algo que é indisponível.
Nenhum dos instrumentos acima referidos define o direito à vida, sendo certo que uma tal tentativa
seria sempre arriscada, uma vez que a dimensão deste direito é amplíssima e multifacetada,
compreendendo valores biológicos, religiosos, culturais, etc. O mais importante é o
reconhecimento de que o ser humano, pelo simples facto de o ser, tem o direito de viver.
O conteúdo deste direito compreende deveres positivos e negativos para os Estados. Em primeiro
lugar, conforme dispõe a segunda parte do n° 1 do artigo 6 do PIDCP, o direito à vida será
protegido por leis, impondo-se ao Estado a adopção de leis que protejam a vida dos seus cidadãos.
Por exemplo, é no contexto desta obrigação de proteger a vida através de leis que, se justifica tal
opção, vendo-se que em tais casos, o direito à vida estende-se à vida intra-uterina.
Mas, devido à dimensão multifacetada do direito à vida, o PIDCP optou por uma solução de
compromisso, no que diz respeito ao conteúdo negativo deste direito. Em geral, ele impõe que
nenhum Estado retire o direito à vida dos seus cidadãos, no entanto, nos casos em que os valores
próprios de cada sociedade permitirem o recurso à pena de morte, esta poderá ser imposta apenas
nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente na época em que o
crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do Pacto, nem coma
Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena
em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.
Em termos jurídicos e práticos, as obrigações do Estado decorrentes do direito à vida devem ser
avaliados em função da relevância do contributo que a sua conduta do Estado teve na protecção
ou não protecção efectiva do direito à vida. Por exemplo, a obrigação de proteger a vida não se
deve resumir, apenas, na criação de normas que condicionem o uso de armas letais pelos agentes
de manutenção da lei e ordem. É ainda necessário que, em caso de ocorrência de um incidente que
envolva a morte de alguém, o Estado tome diligências de investigação das circunstâncias em que
ela ocorreu, que sejam punidos os seus agentes e que seja posto em prática um mecanismo que
evite semelhante ocorrência no futuro.
Igualmente, o direito à vida implica a protecção eficaz de outros direitos humanos, tais como o
direito à saúde, provimento de água potável, a garantia de alimentação adequada e a segurança
nutricional.
De acordo com o artigo 9 do PIDCP, toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais,
devendo garantir-se que ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente e que ninguém
poderá ser privado da sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com
os procedimentos nela estabelecidos. Além do PICDP, este direito consta do artio3 da Declaração
Universal e do artigo 6 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP).
Convém, no entanto, esclarecer que o ideal de segurança não se limita, apenas, aos aspectos
pertinentes à garantia de que o cidadão não será preso arbitrariamente, pois, conforme refere a
doutrina, o conceito de segurança é expansivo. No domínio social, o cidadão tem o direito à
segurança (social) contra os riscos sociais da doença, velhice, desemprego, miséria, etc.
Mas, também, no âmbito da luta contra a criminalidade, como maior enfoque contra os actos de
terrorismo, o cidadão tem o direito de ver a sua segurança pessoal garantida através de mecanismos
postos em prática pelo Estado para evitar a ocorrência de actos criminais e terroristas, incluindo,
o que pode justificar, em alguns caos, a limitação da própria liberdade. Alisa, diz-se ate que o valor
de liberdade sofre uma ameaça crescente dada a expansão da garantia do valor se segurança.
No entanto, vale a pena referir que apesar da necessária repulsa e repressão das consequências
nefastas advindas dos ilícitos praticados por delinquentes, o direito à segurança, a ser provido pelo
Estado, não pode ser colocado acima do direito e da moral, a ponto de permitir que as autoridades
públicas se sirvam de quaisquer meios que entender necessários para alcançar os seus fins, pois
nenhuma actividade estatal pode ser empreendida com desprezo da dignidade humana.
Em termos práticos, é fácil perceber o fundamento da posição do Prof. Boaventura Sousa Santos,
pois, o princípio da igualdade significa, simultaneamente, tratar de modo igual, o que for igual, do
mesmo modo que se deve tratar de forma desigual aqueles que não estão em igualdade de
circunstâncias objectivas, possa haver tratamento diferenciado das pessoas se critérios objectos,
mostrar-se justo este tratamento desigual.
É essa filosofia que permite a adopção das chamadas acções afirmativas ou discriminação positiva,
através da qual as pessoas são intencionalmente tratadas de forma desigual, mas com o objectivo
de compensar algum privilégio que algumas possam ter por razoes históricas, culturais, sociais,
físicas, ou de outra natureza. Historicamente, o Apartheid concedeu privilégios ilimitados e
injustos à população de raça branca na África do Sul, fazendo sentido, hoje, que as leis concedam
um tratamento favorável aos negros sul-africanos em matéria de acesso ao emprego, ensino
superior, etc. este tratamento diferenciado não fere o conceito da dignidade, visto que ele visa
corrigir um desequilíbrio social entre a população branca e negra.
Segundo Gomes Canotilho, o princípio da igualdade, não só significa que a lei deve tratar de modo
igual as pessoas, como também que a lei deve ser aplicada de modo igual para todas as pessoas.
Neste sentido, fala-se do princípio da igualdade enquanto princípio estruturante do Estado do
Direito. Contudo, para o autor em referência, este princípio transcende o Estado do Direito, na
medida em que é aplicável ao Estado Social e por forca dele os cidadãos devem gozar de igualdade
de oportunidades perante a lei.
Este é o direito de acesso à justiça cujo conteúdo é vasto. Em primeiro lugar, conforme ressalta do
dispositivo legal em referência, o cidadão tem o direito de acesso físico aos tribunais, decorrendo
dai que o Estado tem o dever de criar tribunais e dota-los de recursos humanos e materiais
necessários ao seu funcionamento para satisfazer a demanda da justiça. Tal acesso físico inclui,
ainda, o direito de ter o tribunal a funcionar o mais próximo possível dos utentes
Porem, o direito humano de acesso à justiça não se preenche somente com a criação de tribunais,
sendo, ainda necessário que o Estado garanta que os tribunais actuem de forma independente e
imparcial. Isto é, que as decisões proferidas pelos tribunais não resultem de pressões ou influencia
de qualquer natureza exercida sobre os magistrados, impondo-se, em primeira linha a criação de
Da igualdade dos cidadãos perante a lei, decorre, segundo K. Hesse, citado por Gomes Canotilho
a exigência de que as leis devam ser aplicadas sem olhar às pessoas, isto é, os tribunais julgam de
acordo com os factos e o sentido objectivo da lei, não devendo beneficiar ou prejudicar ninguém
em razão da sua condição social, politica, étnica ou racial.
Este direito integra, também, o direito ao recurso contra as decisões condenatórias, o que lhe
habilita a que exija que o seu caso seja reexaminado por um outro tribunal de recurso.
O direito de acesso à justiça é garantido pelos artigos 8 e 10 da DUDH e pelo artigo 7 da CADHP,
para além do já citado artigo 14 do PIDCP.
No que concerne aos Estados, estes tem a obrigação de criar instituições para tomar decisões no
que tange à violação dos direitos humanos, missão primariamente incumbida aos tribunais. O que
é importante nestes mecanismos todos é o facto da vítima da alegada violação dos direitos
humanos poder iniciar o processo ao nível doméstico, porque estas devem esgotar os recursos
Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 45
Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
domésticos de protecção, como pré-requisito para admissão da apreciação da acção ou queixa nos
mecanismos internacionais matéria que será objecto de estudo exaustivo no capítulo seguinte.
Este direito complementa o ideal da segurança do indivíduo que deve ser garantido pelo Estado,
assegurando-se-lhe que apenas seja condenado com base num juízo de censurabilidade da sua
conduta, por ter agido de determinado modo quando podia e devia ter agido de outro modo
conforme as exigências da ordem pública. Para que ele possa pautar a sua conduta de acordo com
tais exigências, é justo esperar que o seu comportamento seja ajuizado em função de uma norma
em vigor no momento em que o acto foi praticado. De contrário, a censurabilidade, isto é, a culpa,
não lhe seria exigível.
No entanto, a retroactividade das leis é admissível quando ela favorece o cidadão, conforme,
resulta, por exemplo, do artigo 57 da Constituição da República.
Há autores que entendem haver equivalência entres as expressões ‘’vida privada’’ e ‘’intimidade
privada’’. Sobre tal discussão, o importante é reter que a intimidade privada é uma espécie do
género vida privada, pois é vida privada tudo aquilo que se refere a um pessoa individualmente
considerada, que, ate, pode ser de conhecimento de todos E intimidade privada é aspecto que,
dizendo a ela respeito e ao seu modo de ser, só a ela interessa saber, devendo, portanto, ser excluído
do conhecimento de todos os demais.
Com o advento das tecnologias de informação, a protecção da vida privada inclui o dever de
protecção dos dados pessoais recolhidos por provedores de serviços no âmbito de utilização de
documentos electrónicos.
É obrigação do Estado garantir que as pessoas exprimam livremente as suas opiniões e que lhes é
garantido o acesso à informação útil para o exercício da sua cidadania, excepto se a limitação
decorrer da necessidade de defesa de outros direitos ou valores fundamentais.
Ultimamente, o direito à informação tem vindo a ganhar muita projecção enquanto um direito
humano alicerce da democracia, da transparência na gestão da coisa pública e, quiçá, dos gestores
públicos. Através dele, exige-se do Estado a garantia de acesso a qualquer tipo de informação de
natureza pública ou cujo conhecimento é de interesse público, por entender-se que é a partir do
acesso a tais informações que os cidadãos poderão exercer a sua participação no processo de
tomada de decisões públicas.
O artigo 19 da PIDC admite limites e restrições a este direito, estabelecendo que o seu direito,
estabelecendo que o seu exercício implicara deveres e responsabilidades especiais.
Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias com vista a assegurar o respeito dos
direitos e da reputação das demais pessoa ou protecção da segurança nacional, a ordem, a saúde
ou moral publicas. Portanto, não é um direito absoluto, na medida em que é passível de restrições
justificadas pelas razões atrás referidas.
A enumeração que consta do presente Manual não esgota o leque dos direitos civis e políticos,
pois o simples exame dos instrumentos cuja referência consta do texto revela a existência de outros
direitos civis e políticos. Não foram desenvolvidos direitos como a protecção contra a tortura e
outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos, a protecção do direito ao reconhecimento da
personalidade jurídica individual, a liberdade de circulação e de residência, a liberdade de
pensamento, consciência e religião, a proibição da propaganda a favor da guerra.
Igualmente, não constam direitos civis e políticos ou proibições pertinente aos direitos humanos
constantes de outros instrumentos de direitos humanos, aplicáveis a grupos específicos de
individuais, como já acontece com a punição contra o genocídio, os crimes de guerra, etc.
Portanto, o leque de direitos é muito maior e não caberia neste manual o desenvolvimento
exaustivo de todos os eles.
Outro aspecto digno de realce é o facto de a leitura das obrigações dos Estados em matéria de
qualquer direito humano implicar a aplicação da regra dos 3P’s, isto é, o dever de promoção, de
protecção e de prover os direitos humanos. Deste modo, perante o conteúdo substantivo de cada
direito humano, é importante analisar o que era justo esperar que fosse o papel do Estado na
realização desse mesmo direito.
Direito de propriedade
Embora não haja consenso na doutrina sobre se o direito de propriedade é um verdadeiro direito
humano ou se o direito de propriedade faz parte de direitos económicos, sociais e culturais a
doutrina dominante defende que este é um verdadeiro direito humano inserido nos direitos
económicos, sociais e culturais. Na sua concepção baseada no individualismo liberal, mas num
contexto de Estado de Direito Social o direito de propriedade é o direito pleno e exclusivo de usar,
fruir e dispor das coisas próprias, dentro dos limites e restrições estabelecidas na lei.
Os dois pactos internacionais sobre os direitos humanos são omissos em relação ao direito de
propriedade. A consagração expressa do direito de propriedade pode-se encontrar no artigo 17 da
Declaração Universal, segundo a qual todo o individuo tem o direito à propriedade, só ou em
sociedade com outros, não podendo dela ser arbitrariamente privado. Este direito foi, igualmente,
acolhido nos instrumentos regionais de protecção dos direitos humanos tais como a Convenção
Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 e a Carta Africana dos direitos do Homem e dos
Povos de 1981. Porem, tanto a Convenção Americana sobre os direitos humanos artigo 21 n°1
como a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, no seu artigo 14, condiciona o
exercício deste direito público nacional e as leis nacionais em geral.
Ale deste regime especial, o direito Internacional comum defende e protege a propriedade privada.
Em caso de privação o Direito Internacional geral exige que se pague ao titular uma indemnização
justa, adequada e pronta.
o direito dos trabalhadores a condições de trabalho justas e equitativas, das quais se destacam o
direito a salário igual para o trabalho igual, o direito a uma existência decente para si e para a sua
família, o direito a condições de trabalho seguras e higiénicas, direito a igualdade de oportunidades,
direito ao repouso, férias periódicas pagas, o direito sindical dos trabalhadores e direito à greve.
É importante referir que o exercício destes direitos encontra limites ou restrições nas leis internas
de cada Estado. Os limites mais comuns estão ligados à segurança nacional, à ordem pública,
assim como à protecção dos direitos de outrem numa sociedade democrática.
Aos Estados cabe tomar medidas legislativas, administrativas e outras necessárias para o gozo
pleno deste direito. Todavia, alguns instrumentos jurídicos supramencionados evidenciam o
carácter progressivo no exercício e gozo deste direito, isto é, a sua realização depende das
condições económicas e sociais de cada Estado.
O artigo 20 trata do PIDESC trata de promoção e da protecção da família, que é, segundo o pacto,
o núcleo central e fundamental da sociedade, consagrando o princípio no consentimento livre dos
esposos no casamento.
Este direito encontra-se consagrado, de uma forma geral, nos artigos 9 e 22 da Declaração
Universal.
Para o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o conteúdo normativo deste direito
vai para além do simples direito a ser saudável, pois ele inclui liberdades e benefícios. Assim, no
conteúdo deste direito encontra-se a faculdade de a pessoa controlar a sua própria saúde e o seu
próprio corpo, incluindo, portanto, a liberdade sexual e direitos reprodutivos, bem como o direito
de estar livre de qualquer ingerência na sua integridade, nomeadamente, através de actos de tortura,
tratamento médico experimental não consentido.
Quanto aos benefícios, eles incluem o direito a um sistema de saúde que garante o direito à saúde
e o acesso efectivo, em igualdade de circunstâncias, a todos os cidadãos.
Existem relações íntimas entre a saúde e os direitos humanos. Algumas áreas de intersecção são a
violência, a tortura, a escravidão, a discriminação, agua, alimentação, a habitação, as práticas
tradicionais entre outras. É assim que, nos últimos anos, é notória a preocupação dos Estados e da
comunidade internacional em geral de garantir a toda a pessoa um adequado padrão de vida.
Com efeito, no actual Direito Internacional dos Direitos Humanos, são vários os instrumentos
jurídicos que de forma directa ou indirecta consagram este direito. A titulo de exemplo, a DUDH,
no seu artigo 25 n° 1, defende para toda a pessoa um nível de vida suficiente para lhe assegurar a
saúde e bem-estar. De forma mais directa o artigo 12 do PIDESC, reconhece o direito de todas as
pessoas a gozarem do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir. O artigo 16 da
CADHP também consagra o direito de toda a pessoa ao gozo do melhor estado de saúde física e
mental que for capaz de atingir.
O compromisso geral dos Estados é de tomarem medidas necessárias para proteger a saúde das
populações e para lhes assegurar assistência médica em caso de doença.
O direito à educação
O direito à educação é um direito de empoderamento, pois deste direito depende o cabal gozo de
outros direitos humanos tais como a liberdade de expressão, a liberdade de informação direito ao
voto e a ser eleito, direito de escolher trabalho, a usufruir das novas conquistas da ciência entre
outras. Isto quer dizer que o sujeito que passa por processo educativos, fundamentalmente através
do ensino escolar, é um cidadão que se pode dizer estar em melhores condições de realizar e
defender outros direitos económicos, sócias e culturais, bem como os direitos civis e políticos.
Assim, a negação deste direito ou a sua violação limitam a capacidade das pessoas desenvolverem
as suas personalidades, de sustentarem e de se protegerem a si próprias, bem como às suas famílias
e de participarem adequadamente na vida social, política e económica.
Os Estados comprometerem-se a respeitar a liberdade dos pais de escolherem para os seus filhos
estabelecimentos de ensino privados e assegurarem a educação religiosa e moral, de acordo com
as suas próprias convicções (o artigo 13 n° 3 do PIDESC).
Os direitos culturais
O artigo 15, n° 1 do PIDESC reconhece a todos o direito de participar na vida cultural, de
beneficiar do progresso científico e técnico e de beneficiar da protecção dos interesses morais e
matérias, que decorrem de toda a produção científica, literária e artística.
V. Direitos Colectivos
Direito ao ambiente
Do ponto de vista histórico e conceitual, João Rocha afirma que direito ao ambiente foi
explicitamente proclamado na Conferencia de Estocolmo de 1972, que estabeleceu o principio de
que a pessoa humanos tem o direito a um meio ambiente de uma qualidade tal que lhe permita
levar uma vida digna, vindo a ser reafirmado na Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizado no Rio de Janeiro em 1992 e em cuja Declaração Final
foi alcançado o consenso de que os seres humanos tem o direito a uma vida saudável e produtiva,
em harmonia com a natureza.
O direito ao desenvolvimento foi proclamado em 1986, pelas Nações Unidas, através da Resolução
41/28, de 4 de Dezembro de 1986 e foi definido pelo artigo 1 da referida resolução nos termos
seguintes: ‘’o direito ao desenvolvimento é um direito inaliável do homem em virtude do qual todo
o ser humano e todos os povos tem o direito de participar e contribuir para o desenvolvimento
económico-social, cultural e político no qual todos os direitos do homem e todas as liberdades
fundamentais possam ser plenamente realizados, e beneficiar-se deste desenvolvimento’’.
Instrumento como os Programas de Redução da Pobreza Absoluta, que sendo políticas nacionais,
fazem convergir apoios internacionais, traduzindo o ideal da cooperação internacional para a
redução da pobreza. Como direito humano, o direito ao desenvolvimento é a âncora do direito a
não ser pobre, uma vez que a pobreza a dignidade da pessoa humana é susceptível de por em causa
a possibilidade de outros direitos humanos.
É por isso que, todo o cidadão tem o direito de não ser pobre, razão pela qual o seu direito ao
desenvolvimento deve ser protegido pelo Estado, para que, conforme afirma Amartien Sem, as
suas possibilidades de hoje e de amanha não sejam condicionadas pela sua condição social e
económica. Neste prisma, o direito ao desenvolvimento faz parte de direitos humanos que
promovem o combate à exclusão social.
Como é fácil de perceber, este direito representa a essência do Estado de Direito Social,
‘’evidenciando que o ordenamento jurídico no contexto do Estado providência prioriza interesses
sociais, mas tendo como seu elemento central a pessoa humana.
Direito autodeterminação
Dado o período em que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi adoptada,
caracterizado pela ainda dominação colonial de alguns povos africanos, não admira que tem há
consagrado este direito de forma expressa.
Embora o termo ‘’direito das minorias’’, tenha-se popularizado mais através de movimentos que
reivindicam o reconhecimento de direitos sexuais dos grupos que se distinguem da maioria pela
sua orientação homossexual, a verdade é que outros casos existem, tais como a problemática das
minorias políticas, das minorias étnicas, minorias religiosas, das comunidades indígenas, etc.
A protecção das minorias aparece claramente consagrada no artigo 27 do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, nos termos do qual Nos Estados em que existam minorias étnicas,
religiosas, linguísticas, não se negara às pessoas que pertençam às referidas minorias o direito
que lhes corresponde, em comum com os demais membros de seu grupo, a ter sua própria vida
cultural, a professar e a praticar a própria religião e a empregar o seu próprio idioma.
Leituras Complementares
Rosseau, Jean – Jacques: Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1983
Rocha, João Carlos de Carvalho. A emergência dos Refugiados Ambientais. Direitos Humanos e
Globalização. Parte III. In Rocha, João Carlos de Carvalho, Tarcísio Humberto Parreiras
Henriques Filho Ubiratan Gazetta (Coordenação). Direitos Humanos, Desafios Humanitários.
Editora Del Rey, 2008
Jayme, Fernando G. Direitos Humanos e sua efectivação pela Corten Interamericana de direitos
humanos.
Fillipo, José Augusto Correa, Os Direitos das Minorias na Sociedade Excludente Globalizada.
Editora Baraúna, 2011.
Actividade
1. Quando se aborda a problemática dos direitos humanos o que salta a vista de todos nós é
o direito a vida. Comente.
Objectivos da Unidade
Compreender como funciona o sistema universal e do sistema regional africano, pelo facto
de se pretender que o estudante aprofunde o sistema com que terá maior contacto na sua
vida profissional.
O Fracasso da Liga das Nações, que foi incapaz de evitar novas guerras levou, a que no contexto
Pós-Guerra Mundial (1939-1945), se desenhasse uma nova organização, que, baseada na
cooperação internacional e no respeito pelos direitos humanos teria como função primordial evitar
novos conflitos.
Neste contexto, surge a ONU, criada por 50 países a 26 de Julho de 1945, em São Francisco, na
Califórnia - Estados Unidos da América. Na Carta da ONU, também designada de Carta de São
Francisco, estabeleceu-se como propósitos da organização os seguintes: manter a paz e segurança
internacional, desenvolvendo relações amistosas entre as Nações (art. 1, n. 2); promover a
cooperação internacional para resolver problemas internacionais (art. 1, n. 1 e 2); promover o
respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (art. 1, n. 2).
Para a realização dos propósitos acima enumerados, a ONU organizou-se em dois grupos de órgão.
Por um lado tem-se os órgãos principais previstos no art. 7, n. 1, da Carta da ONU, que são
Assembleia Geral, Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho
Economico e Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado. Por outro, lado existem os órgãos
subsidiários aos órgãos principais, criados ao abrigo do art. 7, n. 2, da Carta da ONU, dentre os
quais se destacam Conselho de Direitos Humanos e o Alto Comissariado para os Direitos
Humanos, no que concerne a esfera protectiva dos direitos humanos. No âmbito dos órgãos
subsidiários pontificam igualmente os órgãos criados pelos tratados, também conhecidos como
órgãos dos tratados, onde se destacam os Comités de monitoramento dos tratados, os quais serão
analisados no ponto dedicado a análise do sistema convencional de protecção dos direitos humanos.
A Carta da ONU no que concerne aos Direitos Humanos, tem como ponto de partida a Carta, os
dispostos nos artigos 1 e 55, prevendo que os Estados-partes devem promover a protecção dos
direito humanos e liberdades fundamentais. Nesta linha, a Carta internacionalizou os direitos
humanos e inseriu, de maneira abrangente, a sua temática na construção da ordem mundial.
A Declaração Universal dos direitos do Homem, aprovada em 1948, define e fixa o leque de
direitos e liberdades a serem garantidos da esfera protectiva da ONU e dos Estados-partes.
Todavia, duas fragilidades foram apontadas à Declaração, uma referente à legitimidade porquanto,
da totalidade dos países que hoje integram o sistema ONU, somente 56 votaram, sendo que 48
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
votaram a favor e 8 se abstiveram. Portanto, 25% dos Estados-partes aprovaram a Declaração, daí
alguns questionamentos sobre a legitimidade da aplicação dos valores contidos na Declaração
demais países cujas culturas têm valores que, em alguma medida, não estão na mesma linha dos
valores enformadores da Declaração.
Outra fragilidade deriva da ausência de forca jurídica vinculante, que suscita reserva sobre a
obrigatoriedade de cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração.
Quanto à forca jurídica vinculante, ressalta-se que a Declaração mesmo não tendo formato de uma
lei internacional e tecnicamente não ser um comando legal, tornou-se num instrumento político de
referência, cujo cumprimento resulta do peso ético-moral dos dispositivos nelas contidas.
Contudo, afirmação dos direitos humanos na esfera da ONU, demanda a existência de normas
juridicamente vinculantes aos Estados-partes. Nesta óptica, em 1966 são aprovados dois tratados
internacionais designadamente o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, os quais conferem forca jurídica as previsões constantes da
Declaração.
Os dois pactos de 1966 e a Declaração formam a chamada Carta Internacional dos Direitos
Humanos, também designada Bill of Rights.
Assim, segue-se a análise aos dois sistemas de protecção dos direitos humanos dentro do Sistema
Universal: Sistema Extra-Convencional e Sistema Convencional, observando-se a distinção entre
o direito institucional e processual com que o sistema se rege, nos casos possíveis.
destaca a Assembleia Geral (i), o Conselho de Segurança (ii), o Conselho Economico e Social (iii)
e o Conselho de Direitos Humanos (iv); instituições administrativas (b) o secretariado, e
instituições jurisdicionais (c) onde encontra-se a Corte Internacional de Justiça (i) e o Tribunal
Penal Internacional (ii).
Instituições Politicas
A Assembleia Geral
De forma didáctica, podemos dizer que a Assembleia Geral corresponde ao poder legislativo da
ONU e é considerado o órgão democrático da organização.
Como órgão legislativo, é no seio da Assembleia Geral que são adoptados todos tratados da ONU,
incluindo os tratados de direitos humanos. Em matéria de direitos humanos, compete, ainda, à
Assembleia Geral incentivar a cooperação internacional para promoção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, nos termos do art. 13, n. 1, al. b), da Carta.
A Assembleia Geral é estruturada em seis comités com competência para discussão de temáticas
específicas. O Primeiro Comité, trata das questões de desarmamento e segurança Internacional; o
Segundo Comité, aborda assuntos económicos e financeiros; o Terceiro Comité é responsável
pelas temáticas social, humanitário e cultural; o Quarto Comité responde pelas questões políticas
e de descolonização; o Quinto Comité trata do administrativo e do Orçamento; e Sexto Comité é
encarregue pela justiça.
É no Terceiro Comité que são discutidas resoluções e tratados de direitos humanos que são levados
ao plenário da Assembleia Geral.
O Conselho de Segurança
É composto por 15 membros, cinco dos quais são permanentes e dez não permanentes. Os cinco
membros permanentes são a China, EUA, Franca, Grã-Bretanha e Rússia; ao posso que os não
permanentes são eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de dois anos, considerando-se a
contribuição dos membros para os propósitos da ONU e a distribuição equitativa, nos termos do
art. 23, n.1, da Carta.
As deliberações do Conselho são tomadas por voto, sendo necessários nove votos afirmativos e a
inexistência de veto dos membros permanentes para a adopção de uma deliberação.
No que concerne aos direitos humanos, compete ao Conselho de Segurança criar tribunais ad hoc,
com competência para a responsabilização criminal de individuas em casos de graves violações
de direitos humanos, como os casos de crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídios,
quando a situação de violação ameaça a situação de paz, nos termos dos artigos. 39 e 41, da Carta.
Nesta matéria, o Conselho de Segurança, também, pode estabelecer sanções económicas e/ou
militares, nos termos dos artigos. 41 e 42, da Carta.
Ao abrigo do disposto no art. 68 da Carta, que confere ao ECOSOC a faculdade de criar comissões
para assuntos económicos, sociais e para protecção de direitos humanos, este Conselho criou a
Comissão de Direitos Humanos, em 1946.
Com a criação dos procedimentos 1235 e 1503, o objectivo da Comissão muda consideravelmente.
Criada em 1946 com a função de estabelecer padrões mínimos de garantias dos direitos humanos,
a Comissão passa a ter um objectivo mais amplo e ambicioso de fiscalização dos direitos humanos
no âmbito global.
O primeiro objectivo, foi alcançado com êxito pela Comissão destacando-se a elaboração da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do elenco de tratados que integram o ‘’núcleo
duro dos direitos humanos’’, todavia no segundo objectivo diversos factores determinaram pouca
eficiência da Comissão, razão pela qual ela teve de ser abolida, a 16 de Junho de 2006 é substituída
pelo conselho de Direitos Humanos (CDH). Segundo Flávia Piovesan, ‘’a justificativa é que a
comissão de Direitos Humanos tem sofrido uma crescente crise de credibilidade e profissionalismo.
Estados têm se valido de sua condição de membros da Comissão, o que acabava por abalar a
reputação da própria ONU como um todo’’.
A expectativa é que os vícios que afectaram a Comissão não perturbem ou, ao menos, afectem
com menor intensidade o Conselho de Direitos Humanos, garantindo-se maior eficácia e eficiência
no envolvimento nas questões de violação de direitos humanos na esfera global.
Com a criação do Conselho de Direitos Humanos através da Resolução 60/251, em Abril de 2006,
espera-se não apenas a superação das dificuldades da Comissão. Almeja-se, igualmente a elevação
do status dos Direitos Humanos na esfera da ONU, colocando-se em pé de igualdade com todos
os demais objectivos da organização, estatuídos no art.1 da Carta. Como observou Kofi Annan,
‘’não há desenvolvimento sem segurança, segurança sem desenvolvimento e nem tão pouco
segurança ou desenvolvimento sem respeito pelos direitos humanos’’, portanto, estes três
propósitos da ONU estão numa relação de complementaridade, razão pela qual os órgãos
O CDH, apesar de vir substituir a Comissão de Direitos Humanos e, formalmente, ocupar a mesma
posição hierárquica dentro da ONU, porquanto a Comissão foi subsidiária do ECOSOC e o CDH
é subsidiário a Assembleia Geral. Portanto, a Comissão foi um órgão subsidiário de um órgão
principal da ONU, e igualmente o CDH é um órgão subsidiário a um órgão principal, nos termos
do art. 7, da Carta da ONU. Materialmente, o Conselho de Direitos Humanos tem maior
visibilidade dentro da ONU, ‘’o que lhe atribui maior destaque internacional’’. Esta maior
visibilidade deriva do facto da relação directa com Assembleia Geral (órgão supremo da ONU),
contrariamente a Comissão cujas propostas deveriam ser analisadas pelo ECOSOC.
Porem, enquanto garante dos direitos humanos, que a par da segurança e do desenvolvimento
constitui um dos três pilares da ONU, o desejável é que o Conselho dos Direitos Humanos seja
um órgão principal da ONU, tal qual acontece com o Conselho de Segurança e o ECOSOC, que
garantem os outros dois pilares. No entanto, apenas a reforma Carta da ONU pode permitir tal
modelo.
O CDH é composto por 47 países, leitos segundo uma lógica de representação geográfica. Segundo
Lúcia Nader ‘’ o processo eleitoral é considerado uma das maiores mudanças do Conselho de
Direitos Humanos em relação a extinta Comissão de Direitos Humanos, por estar vinculado à
Assembleia Geral e por incluir critérios para candidaturas. Ainda, cria-se com o Conselho a
possibilidade de suspensa do mandato em caso de violações sistemáticas aos direitos humanos. A
nova composição do Conselho é, também, bastante inovadora, dano aos países de África e de Asia
forca numérica proporcional, superior àquela que detinha na Comissão.
CDH têm como órgão subsidiário o Comité Consultivo do Conselho de Direitos Humanos, que
substitui a Subcomissão de Direitos Humanos, que se subsidiava a Comissão. Sua principal função
é fornecer apoio consultivo temático ao CDH. Há um relativo enfraquecimento do Comité
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No que tange aos direitos humanos; a Assembleia Geral da ONU criou em 1993, através da
Resolução 48/141, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, como parte
integrante do Secretariado, cuja missão é concentrar a promoção e o respeito aos direitos humanos
numa pessoa com autoridade moral e integridade. Deste modo, busca coordenar e integrar as
instituições que tratam da promoção e protecção dos direitos humanos por meio do trabalho em
conjunto; cooperação entre órgãos e programas dentro da ONU, bem como com outras
organizações, governos e organizações não-governamentais.
Instituições Jurisdicionais
A Corte Internacional de Justiça é nos termos do disposto no art. 92 da Carta, o principal órgão
com competências contenciosas e consultivas, com mandato para dirimir apenas conflitos entre os
Estados-membros, conforme resultado do disposto no art. 34 do seu Estatuto.
Em 1998, cinquenta anos após a aprovação da Convenção, foi aprovado o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional (TPI) na conferência de Roma.
Como observa Flávia Piovesan, ‘’o Tribunal Penal Internacional assenta no primado da
legalidade, mediante uma justiça pré-estabelecida, permanente e independente, aplicável
O TPI permite, pois, evitar a selectividade que se verificou com a criação dos Tribunais ad hoc
para o Ruanda e para a ex-Jugoslávia, proclamando, assim, o princípio da universalidade na justiça
penal internacional.
Como foi enunciado anteriormente, o Sistema ONU de Direitos Humanos é integrado por dois
sistemas que são complementares. Tendo sido efectuada a análise do Sistema Extra-convencional,
cabe agora a análise do Sistema Convencional, que é aquele que é composto por órgãos de
monitoramento criados por convenções específicas de direitos humanos no âmbito das Nações
Unidas.
O Sistema Convencional resulta dos órgãos dos tratados de direitos humanos da ONU, tem as
características da não-universalidade e da independência, dado que apenas os Estados que
ratificam um determinado tratado estão sujeitos ao escrutínio dos órgãos do respectivo tratado e
pelo facto dos órgãos dos tratados serem compostos por especialistas independentes,
diferentemente do Sistema Extra-Convencional que é universal e autónomo, na medida em que se
aplica a todos Estados-partes da ONU e é integrado por órgãos cuja composição é efectuada pelos
Estados (os seus representantes).
O Comité de Direitos Humanos é criado pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966. É
integrado por dezoito membros nacionais dos Estados-partes e por eles eleitos que, sendo pessoas
de reconhecida competência em Direitos Humanos, exercem o cargo com autonomia e
independência em relação aos seus Estados, nos termos do art.º 28 do Pacto.
17, n. 2 do PIDESC. Esta faculdade deriva do facto de direitos assegurados no PIDESC serem de
natureza programática e não auto-aplicáveis como acontece com os direitos emanados do PIDCP.
O protocolo facultativo foi aberto para ratificação em Setembro de 2009 e entrará em vigor após
a ratificação por 10 Estados.
O Comité sobre Eliminação de Descriminação Racial é criado pela Convenção Internacional sobre
a Eliminação de todas as formas de Descriminação Racial, adoptada em 1965.
sistemáticas dos direitos humanos previstos no respectivo tratado, nos termos dos artigos 2 e 8 do
Protocolo.
Comité Contra Tortura é o órgão de monitoramento previsto na Convenção contra Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, adoptada em 1984.
O Comité Contra Tortura tem competência para a análise de relatórios periódicos dos Estados,
análise de comunicações interestatais, realização de visitas aos Estados e recebimento de petições
individuais, nos termos dos artigos. 19, 21, 20 e 22 da Convenção, respectivamente. Os requisitos
de admissibilidade e as regras procedimentais são similares às do CDH, e, igualmente, o
recebimento de petições individuais carece de declaração habilitante por parte dos Estados-partes,
nos termos do art. 22 da Convenção.
A Convenção sobre os Direito da Criança, de 1989, institui como órgão de fiscalização dos direitos
nela previsto o Comité dos Direitos da Criança, prevendo como competência, tao somente o
recebimento e análise dos relatórios dos Estados-partes, nos termos do art. 44 da Convenção.
Dentre os órgãos dos tratados, a Convenção dos Direitos da Criança é a que possui mecanismo de
fiscalização menos efectivo, mesmo com aprovação de dois protocolos, designadamente o
Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, ambos de Maio
de 2000, esta deficiência não foi suprida, tão-somente se alargou a competência da Convenção dos
Direitos da Criança, visando a análise das matérias concernentes a estes protocolos.
Comité para a Protecção dos Direitos de Todos Trabalhadores Migrantes e Membros das
suas Famílias.
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A Convenção para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das
suas Famílias, de 1990, à semelhança de convenções já abordadas, prevê, igualmente, a existência
de um Comité de monitoramentos da implementação dos seus dispositivos.
O Comité para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das suas
Famílias, na mesma linha dos outros comités, recebe e analisa relatórios dos Estados-partes, nos
termos do art. 73, da Convenção e por meio de cláusulas facultativas, prevê os mecanismos das
comunicações inter estatais e o sistema de petições, nos arts. 76 e 77, da Convenção,
respectivamente.
Previsto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, o Comité dos
Direitos das Pessoas com Deficiência, é instituído apenas com a competência de recebimento e
análise dos relatórios dos Estados-partes, nos termos do art. 35, da Convenção. Todavia, o
Protocolo Facultativo à Convenção, adoptado na mesma data da Convenção, consagra o sistema
de petições individuais, cuja admissibilidade obedece aos requisitos da inexistência da
litispendência internacional e o prévio esgotamento dos recursos internos, nos termos do art. 2, do
Protocolo.
Todos os comités são integrados por especialistas independentes, da área dos Direitos Humanos,
distribuídos por um critério de equilíbrio geográfico entre as regiões do planeta. Na visão Flávia
Piovesan, embora as decisões dos Comités não sejam vinculantes e obrigatórias, tem
efectivamente auxiliado o exercício dos direitos humanos reconhecidos no plano internacional, em
face do chamado Powerofshame ou Powerofembarrassment.
Em África, a necessidade de salvaguarda dos direitos humanos dos povos africanos, pela
institucionalização de um sistema de promoção e protecção dos direitos humanos, surge com a
criação em 1963 da Organização Continental e Pan-africanista que aprova instrumentos de
promoção e protecção dos direitos humanos dos povos africanos saídos da colonização, dos quais
a Carta Africana dos Direitos dos Humanos e dos Povos constitui o exemplo paradigmático.
Assistimos, assim, desde o início das independências africanas, no início da década de 60, a criação
de organizações governamentais continentais que colocam nas suas agendas a luta pela promoção
e defesa dos direitos humanos, através da aprovação de instrumentos e de instituições conducentes.
Deste modo, o sistema regional africano foi desenvolvido sob a égide da Organização da Unidade
Africana (OUA), criada em 1963 e transformada em União Africana (UA), em 2002, através da
adopção pelos Estados membros da Carta Africana dos Direitos dos homens e dos povos em
1981, que, para além de prever os direitos humanos de que são titulares os povos africanos,
individual e colectivamente considerados, prevê a existência de instituições encarregues de
assegurar o respeito desses direitos (Direito institucional regional dos direitos humanos) (I)
através de um procedimento devidamente estabelecido para cada instituição (Direito processual
regional dos direitos humanos) (II).
A abordagem do Direito Institucional africano dos direitos humanos constitui a análise da sua
engenharia institucional, a qual se apresenta complexa comparativamente aos outros sistemas
regionais (Europeu e Americano).
A abordagem do Direito institucional africano que aqui se faz, cingir-se-á à análise das
Institucionais de âmbito continental, deixando, assim, de lado as instituições comunitária que
podemos encontrar nas várias sub-regiões africanas.
Deste modo, Direito institucional africano é constituído pela coexistência pela coexistência de
instituições que, quanto a sua natureza (composição e poderes) podem ser caracterizadas por
instituições de carácter meramente político (1), instituições Quasi-Juridiscionais (2) e Instituições
de carácter acentuadamente Jurisdicional (3).
As Instituições Politicas
A OUA, criada em 25 de Maio de 1963 pela adopção da carta da O.U.A, assinada em Addis Abeba
por todos os Estados africanos independentes do tempo, com excepção de Marrocos e Togo, teve
como principais objectivos a luta pela descolonização do continente e contra o apartheid que via
o seu esplendor na África de Sul.
Substituída pela UA em Julho de 2002, esta organização continental definiu como objectivo, para
alem de acelerar e aprofundar o processo de integração regional, no plano socioeconómico,
promover a cooperação internacional, tendo em conta a Carta das Nações Unidas, a Declaração
Universal dos direitos humanos e a Carta Africana dos direitos do homem e dos povos, através da
paz, segurança e estabilidade no continente, por forma a elevar o nível de vida dos povos africanos.
O acto de a fundação da UA ser o primeiro tratado de direito internacional, que mantem o direito
de intervenção militar por razoes humanitárias.
Constituída por um leque variado de instituições e órgãos com mais diferenciada composição,
naturezas e funções, a actual e principal organização político-governamental africana, a UA, tem
como principais órgãos, com destacadas funções em matéria de promoção e defesa dos direitos
humanos no continente, os seguintes:
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Na sua qualidade de órgão supremo da UA, a conferência de chefes de Estado e de Governo possui
importantes poderes de decisão, nos termos do art 9 da Carta Constitutiva da UA, nas várias áreas
de actuação da UA, em geral, e na área de direitos humanos, em particular. Sendo de destacar
relativamente a esta última os seguintes poderes:
A par destes poderes, a Conferencia dispõe do poder de autorizar a intervenção militar e/ou
humanitária em qualquer Estado-parte que se encontre numa situação de crise que coloque em
causa os direitos humanos dos seus cidadãos (Crimes de Guerra, crimes contra a humanidade ou
genocídio). Este órgão reúne-se, sob direcção do seu presidente eleito para dirigir o órgão, durante
um ano, duas vezes em sessão ordinária em Adis-Abeba, capital da Etiópia, ou
extraordinariamente, quando convocado, tendo em conta os requisitos fixados no seu regulamento
interno que exige, entre outros, a anuência de pelo menos 2/3 dos Estados-partes.
As decisões tomadas pela conferência privilegiam o consenso, porem, as mesmas podem ser alvo
de votação que exigem a anuência de pelo menos 2/3 dos Estados-membros. Assim, para que as
deliberações tomadas pela conferência sejam consideradas validas e obrigatórias para todos os
Estados-membros da UA é necessário que as deliberações tenham sido validadas por 2/3 dos
Estados membros.
A Comissão da UA constitui o secretariado da União, exercendo a função nos termos dos artigos
5 e 20 da carta da UA.
Na sua qualidade de órgão executivo da UA, a Comissão, para alem de exercer competências
meramente administrativas, vê-se confiada também podres relativos à promoção e defesa dos
direitos humanos no continente, pela análise que fazemos do art. 3 do seu regulamento, dos quais
podemos destacar a faculdade de tomar medidas em áreas como gesto ambiental, refugiados e
pessoas deslocadas, segurança alimentar, promoção da Paz, democracia, segurança e estabilidade,
entre outras.
Há que acrescer aos poderes enunciados da Comissão, o seu poder de iniciativa para propor a
aprovação de políticas e decisões nas mais diversas áreas (incluindo aquelas que têm uma relação
estreita com a promoção e defesa dos direitos humanos no Continente) que é conferido a Comissão.
A Comissão tem a sua sede em Adis-Abeba, Etiópia, e é composta por 10 comissários, dos quais
um Presidente e um Vice-presidente.
A região africana é conhecida por uma incidência considerável de conflitos armados inter e intra-
estadual que, desde os anos 90, vezes sem conta, põem em causa os direitos humanos da população
africana, com destaque para o direito humano à vida.
Como forma de prevenir a eclosão assim como resolver os conflitos que devastam a África, a
União africana criou em 2004 um Conselho de Paz e Segurança que tem como missão, nos termos
dos artigos 3 e 6 do Protocolo da sua criação, a promoção da paz, segurança, estabilidade,
prevenção gestão e resolução de conflitos, a consolidação dos processos de Paz e de construção
pós-conflito e acção humanitária e de gestão catástrofes, dispondo para tal das competências
elencadas no art. 7 do se Protocolo Constitutivo como, por exemplo, a possibilidade de aplicação
de sanções contra quaisquer ameaças ou violações à paz e segurança continental. Por outras
Com vista a realizar as suas funções, o Conselho dispõe de uma estrutura armada, i. é, de um braço
armado com competências de realizar missões de paz junto dos Estados membros e pode mesmo
fazer o uso do direito de ingerência defendido pela União Africana nas questões humanitárias.
Instituições Quasi-Jurisdicionais
Prevista no artigo 30 da Carta africana dos direitos humanos e dos povos, a Comissão Africana
dos direitos humanos e dos povos (Comissão Africana) é uma instituição regional de promoção e
protecção de direitos humanos, prevista pela Carta Africana, existente desde 02 de Novembro de
1987.
A par das actividades que são realizadas pelos comissários, a Comissão Africana pode, sempre
que entender e com a aprovação da Conferência dos Chefes de Estado e de governo, grupos de
trabalho ou indicar relatores especiais (que podem não ser membros da Comissão Africana com a
missão de estudar e obter informações sobre questões ou situações de violações de direitos
humanos nos Estados-partes.
nos Estados-partes, fornecidos quer pelos Estados-partes, quer pelas organizações da sociedade
civil, pelos grupos de trabalhos ou pelos relatores especiais.
Como forma de permitir maior conhecimento dos direitos humanos através da formação, a
Comissão Africana procura traduzir e difundir a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos, quer nas línguas de trabalho da União Africana (Árabe, Francês, Inglês e o Português) quer
nas mais diversas línguas africanas (ex: wolof, fang, swahili, shona, etc), bem como apoiar a
realização de estudos e publicações sobre a temática de direitos humanos e África.
Ainda, com vista a exercer eficazmente a sua competência protectora, a Comissão Africana dispõe
também de competências de investigação em caso de situações de violações graves e
Este conjunto de competências de competências conferidas à Comissão faz desta, uma instituição
incontornável na promoção e protecção dos direitos humanos no Continente.
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O CADBE foi instituído em cumprimento do art.º 32 da Carta africana de direitos e bem - estar da
criança com vista a, de forma especial, promover e proteger os direitos da criança africana.
O CADBE, tal como a CA é composto por 11 membros eleitos pela Assembleia dos Chefes de
Estado e de governo da UA por um mandato de 05 (cinco) anos não renováveis, (o que lhe
distingue dos Comissários da Comissão Africana), conforme o artigo 33 da Carta Africana dos
Direitos da Criança.
Os especialistas, membros do CADBE são eleitos entre as individualidades africanas com elevadas
qualidades morais, integridade, imparcialidade e competência relativamente às questões de
promoção e protecção dos direitos e bem-estar das crianças africanas (artigo 33 da Carta Africana
dos Direitos da Criança).
Ao exigir-se estas qualidades aos candidatos a membros do CADBE pretende-se garantir que estes
sejam independentes de qualquer governo é que na sua actuação não representem nenhum governo,
mas, sim, com independência e imparcialidade. Deste modo, os membros do CADBE provem,
normalmente, de organizações da sociedade civil ou de ensino, sendo interditas as candidaturas de
pessoas que trabalham em organizações inter-governamentais, nas agências das Nações Unidas ou
que ocupam um cargo politico ou parlamenta no País de origem.
Em virtude da sua natureza especial virada para a promoção e protecção das crianças africanas, o
CADBE tem, essencialmente, os seguintes poderes:
Deste modo, o CADBE é a instituição principal na promoção e protecção dos direitos das crianças
africana, a nível regional.
Instituições Jurisdicionais: O Tribunal Africano dos Direitos dos Homens e dos Povos
O TADHP foi criado para complementar a Comissão Africana, ou seja, ele não visa substituir a
Comissão Africana, mas complementa-la, através da analise das queixas individuais, das
organizações da sociedade civil e dos Estados membros, o que significa que o mandato do TADHP.
A entrada em funcionamento do TADHP visava estabelecer uma instituição com cada vez mais
poderes de dissuasão e come efeitos preventivos, por forma a combater a impunidade em matéria
de direitos humanos, uma vez que o TADHP tem uma natureza jurisdicional, razão pela qual ele
apresenta especificidades relativamente a sua composição e funcionamento (1) e poderes (2).
O TADHP é composto por 11 juízes, seleccionados entre juristas independentes (sem nenhum
vinculo funcional com o Estado-parte), com alto nível de moral e com elevada competência
jurídica, judiciária ou académica em matéria de direitos humanos, atendendo o equilíbrio entre as
sub-regiões africanas e a questão do género.
Os Juízes do TADHP são eleitos pelo Estados partes da União Africana para um mandato de seis
anos renováveis uma só vez, nos termos dos artigos 11, 12 e 15 do seu Protocolo e, exercem as
suas funções a tempo parcial (com excepção do Presidente), gozando de garantias de
independência e imparcialidade (por exemplo, através da proibição de existência de vinculo
funcional com um Estado-parte) e de certas imunidades.
O TADHP é dirigido por um presidente, e um vice-presidente eleitos pelos seus pares por um
período de 02 anos renováveis, uma só vez, nos termos do art.º 21, n° 1 do Protocolo.
Contrariamente à CA, o TADHP possui na sua estrutura um cartório, dirigido por um escrivão
nomeado para um mandato de 05 anos renováveis, e apoiado por funcionários oriundos dos
Estados-membros, que tem como funções, nos termos do art.º 25 do seu regulamento interno,
administrar o Tribunal, sob direcção do Juiz-presidente e garantir a realização por este da sua
função jurisdicional, através da realização do papel de intermediário entre o queixoso e o Tribunal.
O funcionamento do TADHP é regido pelo Protocolo da sua criação por um regulamento interno,
aprovado pelo próprio Tribunal que prescreve, entre outros, que as audiências do TADHP são
públicas e que as decisões, com forca obrigatória para os Estados em causa, devem ser proferidas
dentro de 90 dias após o término da audiência de julgamento.
De acordo com o Protocolo que cria o TADHP, dispõe principalmente, competências contenciosas,
mas também de competências consultivas.
Deste modo, no exercício da sua competência contenciosa o TADHP aplica outros instrumentos
de direitos humanos, para além da Carta Africana, por forma, quer a complementar a Carta, quer
a preencher lacunas que esta possa ter, o que constitui um avanço significativo na protecção dos
direitos humanos, em comparação com outros tribunais regionais de direitos humanos (o europeu
e o interamericano).
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos estabeleceu a coexistência, na ordem
regional, da Comissão Africana e do TADHP, com competências quase semelhantes.
No Período que vai desde a criação da Comissão Africana em 1987 e a entrada do TADHP
em 2004, coube à primeira assegurar a promoção e protecção dos direitos humanos em
África. Entretanto, a partir de 2004, com a entrada em funcionamento destas duas
instancias que coexistem no sistema regional, desempenhando competências no que tange
à protecção, promoção e a emissão de pareceres em matéria de direitos humanos.
A Relação que se deve estabelecer entre a Comissão Africana e o TADHP encontra as suas regras
nos regulamentos da Carta Africana, e do TADHP e, resume-se quer pela atribuição ao TADHP
do papel de completar e reforça o mandato da primeira, quer pela possibilidade que é concebida à
Comissão Africana de interpor junto do TADHP acções contra um Estado membro da carta
africana que viola direitos humanos.
Esta legitimidade activa que é concebida à Comissão Africana demonstra-se relevante na medida
em que grande parte dos Estados signatários da Carta Africana e dos protocolos sobre a Criação
TADHP ainda não permitem a interposição de acções junto do TADHP pelas organizações da
Sociedade civil ou pelos cidadãos individualmente considerados, nos termos exigidos pelo art.º 34
(6) do Protocolo sobre a criação do TADHP, o que impõe à Comissão Africana o desafio de
principal impulsionador do TADHP.
Deste modo, a Comissão Africana devera desempenhar este seu papel de principal instância
impulsionadora da TADHP sobre a iniciativa das ONGs e dos cidadãos dos Estados-partes, sob
pena obstruir o trabalho do TADHP, como aconteceu, pro exemplo no sistema regional americano,
onde a Comissão interamericana de direitos humanos por muito tempo evitou e interposição de
acções junto do Tribunal interamericano de direitos humanos, levando este último a quase
inoperacionalidade.
Outra relação que se pode estabelecer entre estas duas instâncias regionais de protecção de direitos
humanos prende-se com o facto de só as organizações não-governamentais de promoção e
protecção de direitos humanos, com estatuto de observador junto da Comissão Africana poderem
interpor acções junto do TADHP (cf. Art.º 5.3 do protocolo), na condição de o Estado parte ter
feito a declaração nesse sentido, nos termos do art.º 34.6 do protocolo sobre a criação do TADHP.
Pro outro lado, o TADHP pode solicitar o parecer consultivo da Comissão sobre qualquer acção
que lhe tenha sido submetida, nos termos do art.º 6 (1) do Protocolo sobre a criação e envia-la à
Comissão Africana para a sua apreciação, nos termos do art.º 6 (3) do Protocolo sobre a criação
do TADHP.
Leituras Complementares
3. Nader, Lucia, Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 7, ‘’ O papel das ONG’s
no Conselho de Direitos Humanos, 2007.
Actividade
1. Qual foi a primeira organização intergovernamental que reactivou a soberania dos Estados
após o final da I Grande Guerra Mundial (1919). E quais os seus objectivos?
4. Qual foi o objectivo da criação do Tribunal Africano dos Direitos dos Homens e dos povos.
UNIDADE TEMATICA IV
Objectivos da Unidade
O direito processual no sistema convencional não apresenta grandes variações de comité para
comité, na medida em que o regime dos comités, nas convenções, deriva da experiencia da
Convenção para a Eliminação da Descriminação Racial, de 1965, sendo que nas convenções
subsequentes previram-se regras análogas no que ao funcionamento destes órgãos diz respeito.
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Ainda assim, releva a análise pormenorizada das regras específicas de funcionamento seguido por
cada comité, porque alguns comités são dotados de procedimentos que outros não possuem.
O Comité funciona, basicamente, através de três procedimentos: a análise dos relatórios dos
Estados-parte (i), as comunicações interestaduais (ii) e as petições individuais (iii).
O Comité de Direitos Humanos, após análise dos relatórios dos Estados-parte, transmite a estes o
seu próprio relatório, assim como os comentários que julga pertinentes. O Comité tem, igualmente,
a faculdade de fornecer ao Comité as observações que tiverem sobre os comentários do Comité,
nos termos do art.º 4º n°. 4 e n°.5.
As comunicações Interestaduais
As comunicações interestaduais, apenas, são admitidas nos casos que ambos os Estados
envolvidos fizeram a declaração de reconhecimento, e esta condicionado ao princípio do
esgotamento dos recursos internos e ao fracasso das negociações bilaterais, nos termos da al. a) b)
e c), do n. 1, do art.º 41 do Pacto.
O Comité tem o prazo de 12 meses, contados a partir de recepção da comunicação pelo Estado
destinatário, para apresentar um relatório sobre o alcance de uma solução ou não, nos termos do
disposto no art.º 41 n°. 1, al. h). Contudo, não tendo sido resolvida a questão, pode o Comité, com
anuência dos Estados-parte interessados, constituir uma Comissão de Conciliação ad-hoc,
constituída pro cinco membros, designados com consentimento das partes interessadas, os quais
exerceram as suas funções de forma independente, nos termos do disposto no art.º 42 n°.1, al a) e
b) e n°.2.
A Comissão ad-hocpara alem de trabalhar com base nas informações obtidas pelo Comité, pode
solicitar informações adicionais aos Estados-partes interessadas, devendo, no prazo de um ano
apresentar um relatório ao Presidente do Comité, o qual deve ser aceite no prazo de três meses
pelas partes interessadas caso não se tenha alcançado alguma solução, nos termos do disposto no
art.º 42 n.6 e 7 al. a), b), c) e d).
As petições Individuais
O sistema de petições individuais só e admissível contra Estado violador que tenha ratificado tanto
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, quanto o Protocolo respectivo, nos termos do
disposto no art.º 1 do Protocolo Facultativo. Com a ratificação do Protocolo, observa Flávia
Piovesan, ‘’os Estados-partes podem consentir em submeter à apreciação do Comité de Direitos
Humanos comunicações encaminhadas por indivíduos, que estejam sob sua jurisdição e que
tenham sofrido violação de direitos assegurados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos’’.
O Comité analisa todas comunicações numa sessão a porta fechada e, posteriormente comunica as
suas conclusões ao Estado-parte interessado e ao particular denunciante, para alem de fazer constar
do seu relatório anual de actividades, nos termos do disposto no art.º 5 § 3 e 4 e art.º 6 do Protocolo
Facultativo.
O CESCR possui quatro procedimentos de actuação; a análise dos relatórios dos Estados-partes
(i), as comunicações interestaduais (ii), as petições individuais (iii) e o procedimento de
investigação.
Sempre que os Estados parte apresentam os seus relatórios, o CESCR adopta o seguinte
procedimento: recebidos e processados pelo secretariado, os relatórios dos Estados parte são
inicialmente avaliados pelo grupo de trabalho prévio à sessão do CRSCR, composto por cinco
membros, que reúne seis meses antes da apreciação do relatório pelo CESCR, em plenário. O
grupo de trabalho prévio à sessão, considera, preliminarmente, o relatório, indica um dos seus
membros para sobre ele formular considerações específicas, e elabora uma lista de perguntas
escritas, relativas a informações constantes do relatório que, posteriormente, são apresentadas só
Estado parte envolvido. O Estado deve então responder por escrito a essas perguntas antes da
discussão do relatório perante o CESCR.
Os representantes do Estado que apresenta o relatório, são encorajados a estarem presentes nas
reuniões em que o CESCR o aprecia. A delegação governamental constituída para o efeito faz-se,
normalmente, presente durante este processo, que é conduzido por um período de dois dias. A
delegação faz inicialmente uma apresentação do relatório e das respostas às perguntas escritas
formuladas pelo grupo de trabalho prévio à sessão. Segue-se uma apresentação de informação
relevante, nomeadamente posterior à elaboração do relatório (actualizações, etc). Os membros do
CESCR, colocam a seguir perguntas e formulam observações ao Estado parte durante a sessão.
Um período de tempo é, então, concedido aos representantes dos Estados parte para responder, de
modo tão preciso quanto possível, às perguntas e observações que lhes foram apresentadas. Esta
resposta do Estado pode iniciar-se no próprio dia ou, o mais tardar, no dia seguinte. Se as questões
não puderem ser adequadamente tratadas durante a sessão, o CESCR solicita ao Estado que lhe
faculte informação adicional para consideração em sessões subsequentes.
Uma vez concluída a analise dos relatórios e a apreciação das intervenções dos representantes dos
Estados parte, o CESCR conclui pela formulação de ‘’observações finais’’, que constituem a
apreciação do CESCR do modo como o Pacto é aplicado num determinado Estado parte. As
observações finais são divididas em cinco secções: a) introdução, b) aspectos positivos, c) factores
e dificuldades que impedem a implementação do Pacto, d) áreas principais de preocupação, e)
sugestões e recomendações. As observações finais são adoptadas em sessão à porta fechada e são
tornadas públicas no último dia de cada sessão, sendo os textos publicados e incluídos no relatório
do Secretário-geral.
As Comunicações Interestaduais
As Petições Individuais
Nos termos do art.º 4 do Protocolo do PIDESC, o CESCR pode declinar a apreciação de uma
petição quando ela não revelar que o autor tenha sofrido uma clara desvantagem, a não ser que o
Comité considere que a petição levante uma seria questão de importância geral.
Uma inovação que o Protocolo prevê, no que tange às petições individuais, é o facto de a qualquer
momento depois do recebimento da comunicação e antes de a decisão sobre o mérito ter sido
tomada, o CESCR poder transmitir ao Estado-parte interessado, para sua urgente consideração,
um pedido para que esse Estado tome medidas provisórias para evitar danos irreparáveis, fazendo-
o ao abrigo do art.º 5 do PIDESC.
O Estado Parte deve submeter ao CESCR, dentro de seis meses, uma resposta por escrito,
incluindo informação sobre qualquer acção adoptada à luz das opiniões e recomendações do
CESCR, sendo que o CESCR tem a faculdade de convidar o Estado - Parte a submeter novas
informações sobre quaisquer medidas que o Estado em referência tomou em resposta às suas
orientações ou recomendações e inclusive, se o CESCR considerar apropriado, nos relatórios
subsequentes que o Estado-parte apresente, conforme os apresente, conforme os artigos 16 e 17
do Pacto.
O Procedimento de Investigação
Contudo, o CEDR, diferentemente do Comité, não foi instituído por um protocolo. É consagrado
dentro do próprio tratado como sendo uma cláusula facultativa, por isso, as petições individuais
apenas são aplicáveis aos Estados-parte que por, via de uma declaração, habilitaram o CEDR a
examinar petições que os denunciam, nos termos do art.º 14, da Convenção sobre a Eliminação de
todas as formas de Descriminação Racial.
Os procedimentos de funcionamento destes mecanismos são similares aos dos usados nos outros
comités, nos casos em que são previstos.
O Comité dos Direitos da Criança é mais simplista quanto aos procedimentos de actuação, na
medida em que apenas funciona atreves do mecanismo de análise dos relatórios Estaduais. Através
deste procedimento, o CRC analisa questões gerais sobre a implementação da Convenção dos
Direitos da Criança, bem como questões específicas relacionadas com a implementação de
medidas para a prevenção da participação de crianças em Conflitos Armados e na Prostituição,
nos termos do previsto no art.º 8 do Protocolo Facultativo sobre Conflitos Armados, no art.º 12
Protocolo Facultativo sobre Prostituição Infantil e no art.º 44 da Convenção dos Direitos da
Criança.
O Comité para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das suas
famílias funciona através de três procedimentos, os quais foram abordados nos comités anteriores
a saber, análise dos relatórios estaduais, comunicações interestaduais e petições individuais.
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência prevê apenas o procedimento de análise
de relatórios estaduais como mecanismo de funcionamento. Contudo, o Protocolo Facultativo à
Convenção previu o mecanismo de petições individuais e de investigação, passando o Comité dos
Direitos das Pessoas com Deficiência a funcionar com três procedimentos.
Em virtude do seu carácter político, estas instituições não tem por vocação receber queixas
(petições) de indivíduos dos Estado-partes ou das organizações da sociedade civil, razão pela qual
não existem normas procedimentais bem definidas para orientar o acesso a tais instituições.
Entretanto, em resultado das suas competências em matéria de direitos humanos, estas instituições
podem devem apreciar e decidir sobre petições apresentadas por cidadãos dos Estados-parte ou
das organizações da sociedade civil, nas mais diversas matérias relativas às situações de direitos
humanos no continente, desde que, no nosso entender, estas petições versem sobre a violação de
disposições de instrumentos de direitos humanos africanos sejam da sua competência assegurar
cumprimento, fundamentalmente os actos constitutivos desses órgãos. Ou seja, apesar de não
existirem normas formais, os cidadãos podem remeter às instituições políticas petições
informando-as de violações de direitos humanos.
a prática de acções tendentes a promoção e protecção dos direitos humanos pelas instituições
políticas.
O Direito processual junto da Comissão Africana é caracterizado pela existência de normas sobre
a legitimidade activa para fazer comunicações, as condições de aceitação das comunicações, as
fases do processo, os tipos e características das decisões tomadas pela Comissão Africana.
A Legitimidade para apresentar comunicações à Carta Africana é atribuída, nos termos do art.6 do
regulamento interno da Comissão Africana, aos Estados partes da Carta africana, que o fazem
através daquilo que se designa de ‘’Comunicações estaduais’’, a todo individuo vítima (ou alguém
em sua representação) de violação de direitos humanos constantes da Carta Africana e às
organizações não-governamentais de luta e promoção de direitos humanos que constatem uma
situação de grave violação dos direitos humanos constates da carta africana.
Através deste alargamento das entidades com legitimidade para recorrerem à Comissão Africana
o sistema africano, contrariamente ao seu homólogo europeu adoptou a possibilidade da acção
popular.
Para que as comunicações das entidades com legitimidade atrás enunciadas sejam admitidas e
apreciadas pela Comissão Africana é necessário que elas preencham duas condições essenciais,
designadamente, esgotamento das vias de recurso internas a não apreciação do mesmo caso pro
outra jurisdição internacional.
O esgotamento das vias de recurso internas, previsto no art.º 56 (5), da Carta Africana, significa
que o requerente deve, para recorrer à Comissão Africana, provar que utilizou previamente as vias
de recurso disponíveis no Estado membro contra quem intente a comunicação.
Esta obrigação de recorrer, previamente, a todas instâncias susceptíveis de resolver o caso, a nível
interno, antes de recorrer à Comissão Africana, visa permitir que os Estados-parte se retratem e
repõem a situação de não violação de direitos humanos, por forma a evitar a sua exposição
internacional que origina o recurso ao Comissão Africana.
Entretanto, esta condição não supõe que só se pode recorrer à Comissão Africana depois do
Estado-parte ter proferido uma decisão, pois, esta condição encontrar-se-á preenchida se o Estado-
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
parte não possuir instâncias para proceder a devida apreciação, ou se demonstrar não querer
proceder a uma apreciação demorada equiparada a apreciação ou no caso de proceder a uma
apreciação demorada equiparada a uma denegação de Justiça.
A não apreciação do mesmo caso por outra jurisdição internacional, prevista no art.º 56 (7) da
Carta Africana, significa que o caso levado a apreciação pela Comissão Africana não deve estar a
ser julgado por uma outra instância internacional competente ou pertinente, seja da UA ou da ONU.
Trata-se, na verdade, de litispendência e do caso julgado.
A prescrição desta condição visa impedir a duplicação de recurso, assim como que evitar à
Comissão Africana contrarie uma decisão tomada por uma instância competente e pro, deste modo,
em causa a segurança jurídica das decisões das instâncias de protecção de direitos humanos.
Para além disso, destas duas condições importantes de recepção das comunicações pela Comissão
Africana, é indispensável para a recepção das comunicações, a identificação do requerente, a
descrição dos factos que constituem violação de direitos humanos e a menção das disposições da
Carta africana violadas que qualificam tais factos.
O processo na Comissão Africana começa pro aquilo que se designa ‘’exame preliminar’’ da
comunicação, através do qual a Comissão Africana pode requerer esclarecimentos emitir
observações que determinam a aceitação ou a não-aceitação da comunicação para efeitos de
apreciação e decisão pela Comissão Africana.
Uma vez comunicado da existência de uma comunicação contra si, o Estado-parte apresenta a sua
versão dos factos e indica quais as medidas que foram ou serão tomadas, por forma a remediar ou
a evitar a situação de violação de direitos humanos em causa, cabendo ao autor da comunicação o
direito de apresentar informações e observações suplementares que julgar necessárias.
Finda a apresentação das explicações pelos Estados-partes e das informações complementares pelo
autor da comunicação, a Comissão realiza o ‘’exame de fundo’’ da comunicação e emite a sua
decisão.
Entretanto, a crítica que se faz ao processo de análise das comunicações pela Comissão Africana
é o da inexistência de prioridade no exame das comunicações, a utilização de um procedimento
pouco preciso e a falta de pessoal para fazer face à grande demanda que se assiste na Comissão
Africana.
Após análise de fundo da comunicação apresentada à Comissão Africana dois tipos de decisões
podem ter lugar; ou aplicação de medidas conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-
parte em causa a tomar medidas provisórias e urgentes, por forma a salvaguardar uma situação
actual de violação de direitos humanos, ou a comissão decide fazer recomendações que visam
‘’condenar’’ o Estado parte a adoptar uma certa conduta com vista a repor a situação e parar com
a violação de direitos humanos.
Estas decisões são, geralmente, consideradas não vinculativas aos Estados-parte, já se trata de
simples recomendações que caberá ao Estado acatar ou não. No entanto a outra posição é a de que
estas decisões são, sim, obrigatórias, ou seja vinculativas desde logo, por isso o fundamento da
existência mesmo da Comissão Africana, como também pelo facto de visarem a protecção de
direitos cruciais ao ser humano, que são direitos humanos. Contudo, reconhece-se que a sua
execução em caso de não cumprimento pelo Estado-aparte é difícil, em virtude de a comissão não
dispor de poderes coercivos por parte da Comissão.
Porem, uma das mais relevantes críticas que se faz ao processo de tomada de decisões pela
Comissão Africana, é o da sua morosidade o que, acrescido ao facto de que a recepção das
comunicações só é possível após o esgotamento das vias de recurso interno, faz com que muitas
das decisões tomadas pela Comissão Africana, para além de não poderem ser impostas
coactivamente aos Estados-parte, são tomadas depois de perdido o seu efeito útil da decisão.
Em virtude da sua natureza similar com à Comissão Africana, o Direito processual junto do
CADBE apresenta as mesmas características das do Direito processual junto da Comissão
Africana e, por isso, pode ser analisado tendo em conta os mesmos aspectos, nomeadamente, a
legitimidade activa para fazer comunicações, as condições de aceitação das comunicações, fases
do processo e os tipos e características das decisões tomadas.
A Legitimidade para fazer junto do CADBE encontra-se conferida, nos termos do art.º 42 e
seguintes da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, aos Estados partes da Carta, às
instituições da UA, à toda criança vítima (ou alguém em sua representação) de uma violação e às
organizações não-governamentais de luta e promoção de direitos da Criança.
Importa referir, que esta possibilidade conferida pela Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da
Criança aos Estados constitui um avanço, comparativamente à Convenção sobre os direitos da
Criança das Nações Unidas que não prevê a existência de mecanismos contenciosos, à par da
competência promocional, na salvaguarda dos direitos da criança.
O desenrolar do processo junto do CADBE apresenta também as duas fases existente à nível da
Comissão Africana, nomeadamente, a fase de ‘’exame preliminar’’ da comunicação, através da
qual o CADBE analisa se a comunicação preenche os requisitos para ser alvo de apreciação por
parte CADBE e decide sobre a aceitação ou rejeição da mesma e a fase do ‘’exame de fundo’’ da
comunicação, durante a qual o CADBE analisa a pretensão do requerente, de acordo com as
normas aplicáveis ao caso em apreço e emite a sua decisão.
Tal como acontece junto da Comissão Africana, após a análise de fundo da comunicação
apresentada, a CADBE pode emitir dois tipos de decisões a saber, a aplicação de medidas
conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-parte em causa a tomar medidas provisórias e
urgentes, de forma a salvaguardar uma situação actual de violação de direitos humanos ou fazer
recomendações que visam ‘’condenar’’ o Estado parte a adoptar uma certa conduta com vista e
repor a situação de não violação de direitos humanos, tendo em atenção que os direitos a serem
protegidos neste caso são direitos de um grupo vulnerável que carece de maiores atenções, as
crianças, por isso, tal como nos referimos, relativamente as decisões da Comissão Africana,
pensamos que as decisões tomadas pelo CADBE são sim obrigatórias, ainda que desprovidas de
mecanismos coercivos para impor o seu respeito.
Direito processual junto das instituições jurisdicionais: O Processo Tribunal africano dos
direitos dos homens e dos povos.
A questão processual coloca-se com maior relevância, relativamente, ao TADHP, por se tratar
aqui de verdadeira instituição jurisdicional. Entretanto, tal como junto à Comissão Africana, o
Direito processual do TADHP é caracterizado pela existência de normas sobre a legitimidade
activa para interpor acções (a), as condições de aceitação das acções (b), fases do processo (c) e
os tipos e características das decisões tomadas pelo TADHP (d).
A Legitimidade para interpor acções junto do TADHP é atribuída à Comissão Africana, aos
Estados partes do Protocolo sobre a criação do TADHP, às organizações inter-governamentais
africanas, aos cidadãos do Estado-parte, vítimas (ou alguém em sua representação) de violação de
direitos humanos, constantes da Carta Africana ou outro instrumento de direitos humanos e às
organizações não-governamentais defesa e promoção de direitos humanos que constatem uma
situação de grave violação dos direitos humanos constantes da Carta Africana ou outro
instrumento de direitos humanos.
Deste modo, o papel primordial na demanda de acções a nível do TADHP é desempenhado pela
Comissão Africana, da qual se exige que não seja tímida nas demandas ao TADHP para o bem da
protecção dos direitos humanos no continente.
À semelhança das exigências feitas pela Comissão, o TADHP introduzidas pelas entidades com
legitimidade atrás enunciadas sejam, depende do preenchimento das condições de esgotamento
das vias de recurso internas e a não apreciação do mesmo caso por outra jurisdição internacional.
À estas exigências, acrescem as seguintes:
Para além destas condições, tal como acontece junto da Comissão Africana, para que acção seja
admitida, é indispensável a identificação do requerente, a descrição dos factos e a menção das
disposições da Carta Africana ou outro instrumento de direito humanos violados.
Uma das diferenças entre a Comissão Africana e o TADHP pode ser identificada relativamente às
fases e os princípios que norteiam a análise das acções apresentadas ao TADHP, poi, por tratar-se
duma jurisdição propriamente dita, o TADHP guia-se pro princípios, tais como a transparência e
igualdade das partes na apreciação, seguindo as seguintes fases:
1ª Fase: Recepção da acção e comunicação das partes e aos órgãos da UA. Ou seja, após receber
a petição, o cartório do TADHP comunica da existência de uma acção no TADHP às seguintes
entidades:
Estado parte visado e o Estado parte donde o requerente é originário (se diferentes);
A Comissão Africana;
A Comissão da UA e através dela à todos os Estados partes da UA.
Ao próprio requerente.
2ª Fase: Analise preliminar, tal como acontece na Comissão Africana por forma a determinar a
aceitação ou não da acção.
3ª Fase: Analise de fundo, que ocorre a partir do momento em que o TADHP considera que a
acção não pode ser rejeitada liminarmente.
Nesta fase o TADHP convida o Estado-parte visado a responder a acção dentro de 60 dias, analisar
as provas apresentadas (de referir que o processo junto do TADHP é contraditório, o que obriga
as partes à apresentação de provas ao TADHP), ouve as partes e ‘’experts’’ (se julgar necessário),
solicita parecer à quem julgar pertinente para a boa decisão da causa e permite o debate da causa
pelos representantes das partes.
Durante a análise de fundo, o TADHP pode convidar as partes a resolver a disputa que lhe opõe
de forma amigável.
Findos os debates e análise de fundo da acção, o TADHP, em sessão privada, deve tomar a sua
decisão, que pode revestir as seguintes formas: parecer (tratando-se de um pedido de parecer)
medidas conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-parte em causa a tomar medidas
provisórias e urgentes, por forma a salvaguardar uma situação actual de violação de direitos
humanos, ou condenações ao Estado-parte a adoptar uma certa conduta com vista a repor situação
de não violação de direitos humanos (ex: indemnizar a vitima).
As decisões do TADHP que devem ser proferidas em 90 dias após a discussão da causa pelas
partes em sessão pública, e contrariamente as decisões da comissão Africana, revestem-se de um
carácter vinculativo para os Estados-partes, indicando-lhes as acções a tomar para repor a situação
de não violação de direitos humanos. Contudo a sua execução ainda constitui o calcanhar de
Aquiles, uma vez que, estas ficam dependentes quer da boa vontade dos Estados-parte quer da
vontade da Conferencia dos Chefes de Estado da UA, desempenhando, por efeito o Conselho
Executivo da União africana um papel fundamental.
Legislação Complementar
Guia do Tribunal africano dos direitos do homem e dos povos. FIDH, 2010
Actividade
UNIDADE TEMATICA V
Objectivos da Unidade
Entender que a ordem constitucional moçambicana consagra princípios essenciais que informam
e servem de base à protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente, os
princípios do constitucionalismo, do Estado de Direito, da separação dos poderes e da democracia.
O Princípio do Constitucionalismo
O constitucionalismo significa que o Estado deve exercer os seus poderes na base dos ditames
constitucionais, sendo este o limite do exercício do poder estadual. O Estado deve usar o seu poder
para realizar o interesse público, proteger e promover os direitos humanos e liberdades
fundamentais. É neste princípio onde reside a supremacia da Constituição, a qual determina que
as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico e
que a ordem constitucional deve ser respeitada por todos, razão por que quaisquer actos contrários
a Constituição são sujeitos à sanção, nos termos da lei. Trata-se de um princípio cuja violação
pode dar lugar a acções jurisdicionais de inconstitucionalidade como garantia da supremacia da
Constituição, relativamente à demais normas e actos, no Direito Moçambicano. As acções de
inconstitucionalidade constituem um instrumento relevante para a protecção dos direitos humanos
e liberdades fundamentais.
O Estado de Direito tem um valor acrescentado ao princípio da legalidade, por ter implicações no
conteúdo da lei e na conduta do Estado entanto que poder. O princípio do Estado de Direito assenta
na ideia de que constitui dever do Estado respeitar os direitos e liberdades fundamentais e
satisfazer o interesse público, pelo respeito da legalidade, da dignidade humana, igualdade e
liberdade. Este princípio proíbe os poderes públicos de actuar caprichosamente ou com
arbitrariedades. A falta de independência do judiciário pode resultar na tomada de decisão
arbitrária. Se a legislação é aprovada com base em detrimento do interesse público então ela é
inconsistente com o Estado de Direito e não garante proteger os direitos humanos.
deve ser justificado, seja através da participação pública, do acesso a informação ou da prestação
de contas pelo poder público ao seu povo.
Nos termos do artigo 134 da Constituição, os órgãos de soberania assentam nos princípios da
separação e interdependência dos poderes. A separação de poderes é, fundamentalmente, um
princípio constitucional próprio do Estado de Direito democrático.
Este principio garante a separação e justo equilíbrio entre os poderes legislativo, Executivo e
judicial, não admitindo qualquer tipo de arbitrariedade e interferência que implique ou que resvale
para a usurpação de poderes, limitação ilegal entre os poderes, uso de competência doutro poder
ou perturbação das atribuições e competência doutro poder ou perturbação das atribuições e
competência dum poder em relação ao outro poder. Todavia, a separação do poder deve ser
exercida em consideração interdependência existentes entre os poderes na prossecução do
interesse publico e no respeito pelos direitos humanos.
O exercício da função jurisdicional em Moçambique cabe aos tribunais, os quais tem por objectivo
garantir e reforçar a legalidade como factor de estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas
leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos
diferentes órgãos e entidades com existência legal. Existem várias categorias de tribunais,
nomeadamente: o Tribunal Supremo, o Tribunal Administrativo, os Tribunais Judiciais, tribunais
administrativos, tribunais superiores de recurso, de trabalho, fiscais, aduaneiros, marítimos e
arbitrais e comunitários, sendo que é proibida a existência de tribunais de competência exclusiva
para o julgamento de certas categorias de crimes.
O Tribunal Supremo é um Tribunal judicial, não é uma categoria de tribunal adversa dos tribunais
judiciais, mas tem a particular natureza de ser o órgão superior da hierarquia, só tribunais judiciais
conforme definido no n° 1 do artigo 225 da Constituição.
Os tribunais judiciais são comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as
áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais, conforme resulta da Constituição (art.º 223 n°
4) e da Lei da Organização Judiciaria (art.º 33). O nosso direito vai no sentido de que aos tribunais
judiciais cabe-lhes resolver os litígios de natureza civil e criminal.
Os litígios sobre violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais são por natureza acções
contar o Estado devidamente investido dos seus poderes de autoridade, uma vez defende-se na
teoria geral dos direitos humanos que o Estado é o principal guardião e violador dos direitos
humanos, é a esta entidade que cabe a protecção e a garantia do gozo e exercício dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, sem no entanto, negligenciar a responsabilidade das empresas
pela violação destes direitos.
É assim que tribunais judiciais são competentes para dirimir litígios sobre a violação dos direitos
humanos, incluindo os que o Estado é parte investido dos seus poderes de autoridade, desde que
esse litígio não esteja atribuído a outras jurisdições. Nos casos em que a violação dos direitos
humanos resulta fora do âmbito de todas as outras jurisdições, a competência de julgar esses casos
recai aos tribunais comuns. Os tribunais judiciais exercem jurisdição em todas as áreas não
atribuídas a outras ordens jurisdicionais, o que significa extensão legal de jurisdição ou
competência destes tribunais a todas essas áreas não atribuídas, por lei, a outras jurisdições.
A Jurisdição Administrativa
De acordo com a lei, a jurisdição administrativa e a fiscalização da legalidade das receitas e das
despesas públicas são exercidas pelo Tribunal Administrativo e pelos tribunais administrativos,
competindo ainda ao Tribunal Administrativo o exercício da jurisdição fiscal e aduaneira, em
instância única ou em segunda e terceira instâncias. Portanto, do que resulta da lei, conclui-se que
a jurisdição administrativa compreende o Tribunal Administrativo e os tribunais administrativos
provinciais.
Na verdade, por força do disposto nas normas conjugadas dos artigos 11, alínea e), 42, 43 e 249,
n.°1, todos da lei mãe, a Administração Pública exercem a actividade administrativa com
observância das leis e dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, incluindo, portanto, os
direitos humanos. Neste sentido, o julgamento de actos ou factos que resultem em violação de
direitos humanos, no âmbito do exercício da catividade administrativa compete, à jurisdição
administrativa.
O Conselho Constitucional
Este órgão é composto por juízes tal como são compostos os tribunais, sobretudo os que preferem
decisões por colectivo de juízes com o respectivo relator. Tem competências para julgar e decidir
casos como um verdadeiro tribunal e em certos casos a sua decisão não cabe recurso para nenhum
outro órgão. Tem, sobretudo, competência para dirimir conflitos de competências entre os órgãos
de soberania, os quais, incluem os tribunais. Curiosamente, no caso determinado tribunal decida
negar aplicar qualquer norma, com o fundamento de que essa norma é contrária a Constituição, o
mesmo tribunal deve remeter tal decisão ao Conselho Constitucional para a sua apreciação. O
Conselho Constitucional é supremo relativamente aos tribunais na matéria de decisão sobre a
inconstitucionalidade das leis e actos normativos.
Instituições quase-jurisdicionais
A Comissão Nacional dos Direitos Humanos, foi criada pela Lei n° 33/2009, de 22 de Dezembro
e visa, de acordo com o seu preâmbulo trata-se de um mecanismo para o reforço do sistema
nacional de promoção, protecção, defesa e da melhoria da situação dos cidadãos sobre direitos
humanos pais bem como a consolidação da cultura paz.
Segundo o artigo 5 da lei que cria a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, esta tem como
funções principais promover e proteger os direitos humanos no país através de programas de
educação sobre os direitos humanos e execução de acções de protecção dos mesmos; desenvolver
e conduzir programas de informação para promover o entendimento público, elaborar propostas
de programas sobre direitos humanos, bem como propor ao órgão competente e colaborar com as
autoridades competentes na adopção de medidas no âmbito da assistência jurídica e judiciaria dos
cidadãos carenciados.
Em tempos de composição, a CNDH é composta por onze membros, sendo quatro representantes
de organizações da sociedade civil, que exerçam actividades na área dos direitos humanos,
designados por estas e apresentados ao Primeiro-Ministro, três personalidades ligadas aos sectores
da educação, da justiça e da saúde, designadas pelo Primeiro-Ministro, ouvidos os ministros da
tutela, três personalidades de reconhecida idoneidade e mérito, com conhecimento ou experiencias
em matérias relacionadas com a promoção dos direitos humanos, eleitas pela Assembleia da
Republica, de acordo com o principio de representatividade parlamentar, um representante da
Ordem dos Advogados de Moçambique, designado por esta.
No que concerne às competências, o artigo 4 da CNDH estatui que compete a esta instituição
receber queixas ou reclamações por parte dos cidadãos sobre casos de violação dos direitos
humanos reconhecidos, protegidos e garantidos pela Constituição, instrumentos jurídicos
internacionais e regionais ratificados por Moçambique, ouvir o queixoso e reunir prova indiciaria
testemunhal ou documental por ele apresentada ou encontrada pela Comissão Nacional dos
Direitos Humanos e envia-las à Procuradoria - Geral da República, caso se trate de matéria de
âmbito criminal, ouvir o queixoso e informa-lo sobre os mecanismos legais para a respectiva acção,
caso a matéria seja do âmbito do direito civil ou Administrativo, cooperar na compilação de
jurisprudência nacional na área dos direitos humanos, monitorar a implementação das convenções
internacionais e regionais ratificados e demais legislação interna no âmbito dos direitos humanos,
entre outras.
Provedor de Justiça
Nos termos do artigo 4 da Lei, o Provedor da Justiça é eleito pela Assembleia da Republica por
maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções e toma posse perante o Presidente
da assembleia da Republica. Deve ser uma personalidade de nacionalidade moçambicana, com
pelo menos 35 anos de idade, com reconhecida probidade e imparcialidade segundo o artigo 5 da
Lei n° 7/2009, de 2013.
O Mandato do Provedor de Justiça é de cinco anos, podendo ser reeleito apenas, uma vez em igual
período (artigo 6).
Na sua actuação, o Provedor de Justiça tem poderes para; instruir processos resultantes de queixas
ou pedidos apresentados pelos cidadãos relativos aos actos praticados pela Administração Publica,
proceder a investigações, audições e inquéritos que julgar necessários ou convenientes para a
recolha de matéria e produção de prova, podendo adoptar todos os procedimentos razoáveis,
respeitando os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, mediar, antes de formular
recomendações, a solução dos litígios apresentados, efectuar visitas de inspecção a todas as
instituições previstas no artigo 2, entre outros (artigo 16).
Ministério Público
No exercício das suas funções, os magistrados e agentes do Ministério Público estão sujeitos aos
critérios de legalidade, objectividade e isenção. O Ministério Publico goza de estatuto próprio e
de autonomia, que compreende a autonomia administrativa e autonomia em relação aos outros
órgãos do Estado.
O Ministério Publico, embora não tenha competência exclusiva em direitos humanos, o seu
comando em direitos humanos é claro e encontra-se expressamente consagrado no artigo 4 da Lei
n° 22/2007, de 1 de Agosto, destacando-se, nomeadamente, as seguintes competências: exercer a
acção penal, zelar observância da legalidade e fiscalizar o cumprimento das leis demais normas
Escola Superior Aberta/A Politécnica – Ensino à Distância 109
Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
No sistema das instituições nacionais dos direitos humanos, funcionam instituições de natureza
politica e administrativa, designadamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos
Humanos e Legalidade da Assembleia da Republica, (Também conhecida por 1ª Comissão), a
Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da Assembleia da República (também conhecida
por 8ª omissão), a Direcção Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e o Instituto
de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).
seu acesso a justiça, o direito a defesa e patrocínio judiciário e demais garantias constitucionais,
assim como impulso e enquadramento das iniciativas da cidadania, em diversas frentes,
nomeadamente, no âmbito da luta contra quaisquer formas de descriminação.
Esta instituição desempenha e/ou pode desempenhar um papel central na promoção e protecção
dos direitos humanos. Segundo o estabelecido no artigo 73 do Regimento, em matéria dos direitos
humanos, esta Comissão tem a competência de elaborar e submeter à aprovação projectos de lei,
de resolução e de moção, elaborar pareceres, propostas, estudos e inquéritos e garantir a função
política de controlo da Assembleia da República às actividades das instituições verificando-se o
respeito pela lei e pelo interesse público.
Em termos de composição, a 1ª Comissão está constituída nos termos do artigo 68, n° 1, da Lei
17/2013 de Agosto por um mínimo de cinco e máximo de dezassete Deputados, eleitos para a
duração da Legislatura, observando-se o princípio da representatividade parlamentar.
Esta instituição desempenha e/ou desempenhar um papel central na promoção e protecção dos
direitos humanos. Segundo o estabelecido no artigo 73 do Regimento, em matéria dos direitos
humanos, esta Comissão tem a competência de elaborar e submeter à aprovação, projectos de lei,
de resolução e de moção, pronunciar-se sobre projectos e propostas de lei, de resolução e de moção,
elaborar pareceres, propostas, estudos e inquéritos e garantir a função politica de controlo da
Assembleia da Republica às actividades das instituições, verificando-se o respeito pela lei e pelo
interesse publico.
De acordo com o Decreto Presidencial n° 1/2012, de 26 de Junho, no seu artigo 3 alínea k),
constitui uma das áreas de actividade, a promoção e desenvolvimento dos direitos humanos.
O Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) é uma instituição do Estado regulado pelo
Decreto n° 15/2013, de 26 de Abril e visa garantir a concretização do direito a defesa,
proporcionado ao cidadão economicamente desprotegido, o patrocínio judiciário e Assistência
Jurídica. O IPAJ subordina-se ao Ministério da Justiça.
Trata-se portanto de um mecanismo que garante ao acesso à justiça aos mais desfavorecidos. São
atribuições do IPAJ, proporcionar assistência jurídica e judiciaria aos cidadãos que carecem em
todas as instancias e graus, promover, prioritariamente, a resolução extrajudicial de litígios e
exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, colectivos e individuais homogéneas
e dos direitos dos consumidores, promover e divulgar os direitos e deveres dos cidadãos entre
outros.
Em termos de Direcção, o IPAJ é dirigido por um Director-Geral que é coadjuvado por uma
Director-Geral Adjunto ambos nomeados pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da
Justiça (artigo 9 do Estatuto Orgânico do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica).
Para o presente Curso, tratar-se-ão, a título exemplificativo, apensa duas instituições, sendo uma
pública - a Ordem dos Advogados de Moçambique e outra privada - a Liga Moçambicana dos
Direitos Humanos.
Uma das instituições fundamentais na promoção e protecção dos direitos humanos é a ordem dos
Advogados cujos Estatutos foram aprovados pele Lei n°. 28/2009, de 29 de Setembro.
Das atribuições acima referidas, resulta claramente que o legislador quis atribuir à OAM uma
missão na promoção e defesa dos direitos humanos.
A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) é uma organização da sociedade civil, criada
em 1996, com o objectivo de contribuir para a criação de uma sociedade educada em direitos
humanos e obrigações fundamentais, cumprindo com a sua responsabilidade de cidadania e
usufruindo do gozo pleno dos seus direitos fundamentais. A particularidade da LDH é ser das
poucas com um mandato geral no domínio dos direitos humanos,
A exemplo da LDH existem outras organizações da sociedade civil com mandato geral ou
especifico de promoção e defesa dos direitos humanos.
O papel fundamental das organizações da sociedade civil é de promoção dos direitos humanos,
através de educação cívica, actividades de investigação, formação e informação no campo dos
direitos humanos. Todavia, apesar da importância que tem, o seu papel é limitado pelo facto deste
tipo de organizações serem dependentes de doadores e actuarem de forma isolada, o que as leva a
competir entre elas, no lugar de coordenarem actividades.
Esta protecção encontra suporte também na lei ordinária que materializa, em parte, a garantia
constitucional da protecção jurisdicional dos direitos humanos. É o caso da Lei da Organização
Judiciaria, Lei Orgânica da Jurisdição Administrativa, da Lei Orgânica da Jurisdição
Administrativa, da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, o Código de Processo Civil e o
Código de Processo penal.
Do ponto de vista legal, a tutela jurisdicional consiste na protecção dos direitos e interesse
legalmente reconhecidos por meio de tribunais independentes e imparciais na realização da justiça,
proferindo decisões com forca vinculativa.
No caso de falta de lei processual ordinária para a tutela jurisdicional dos direitos humanos e
liberdades fundamentais em situações concretas, os particulares tem de prerrogativa de recorrer
aos princípios gerais de Direito ou, directamente, à Constituição para exigir junto ao tribunal
competente a responsabilidade jurisdicional pela violação do direito em questão.
A tutela jurisdicional dos direitos humanos e liberdades fundamentais é, também, consagrada nos
instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. São os casos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos; do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos, esta última, com forca vinculativa, que consagra,
simultaneamente, os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais.
Ora, alguns meios processuais sobre a protecção dos direitos humanos, no direito interno incluem
os seguintes:
As regras processuais aplicáveis à jurisdição comum são as que resultam do Direito Processual
Civil, Direito Processual Penal e Direito Processual do Trabalho.
De uma forma geral, o que se pode dizer a propósito destes regimes processuais é que elas são
dirigidas para a resolução de litígios em que as relações entre as partes são horizontais, pelo facto
de não resultarem do exercício de poderes de autoridade. Nesta medida, há que ter sempre em
mente que os direitos humanos, sendo direitos subjectivos públicos, a sua violação são apreciados
através de meios processuais de natureza pública e não privada.
Todavia, conforme foi referido na parte introdutória, as questões de direitos humanos podem ser
suscitadas no âmbito de relações jurídicas de direito privado, caso em que as disposições
processuais do direito civil e do direito d0 trabalho são chamadas a regular as relações jurídico-
processuais estabelecidas com vista à composição desses conflitos.
Na jurisdição comum, o regime frequentemente usado para a salvaguarda dos direitos humanos é
o Direito Processual Penal. Desde logo, porque ele estabelece os procedimentos dirigidos à
regulação do exercício do poder punitivo do Estado, dai o facto de as regras desta área processual
serem chamadas as regular relações jurídico- processuais decorrentes da violação dos direitos
humanos. É no processual penal, que as pessoas invocam o direito à liberdade e segurança,
alegando ser ilegal a detenção ou prisão, podendo no mesmo domínio requerer o habeas corpus.
Em segundo lugar, porque muitas vezes, as situações juridicamente qualificáveis como violação
dos direitos humanos desembocam numa qualificação jurídico-criminal, mesmo nas relações
privadas. É o que acontece com a violência domestica que, sendo uma questão pertinente ao
exercício do poder marital ou parental, podem ser qualificadas como ofensas corporais ou ofensa
à honra das pessoas.
No entanto, não é apenas o direito processual penal que as questões de direitos humanos podem
ser suscitadas. Por exemplo, no âmbito das relações jurídicas de trabalho, onde com maior
acuidade se verifica a eficácia horizontal dos direitos humanos, o trabalhador pode recorrer só
Direito Processual do Trabalho, lançada mão dos meios processuais aqui previstos, para reclamar
a reparação dos direitos fundamentais do trabalhador, violados.
No domínio do direito processual civil, muitas questões de direitos humanos se entrelaçam, desde
logo, as questões relativas ao direito de acesso à justiça, quer devido à problemática de custas
processuais elevadas, quer devido à circunstância da delonga na tramitação de processos em
consequência da própria burocracia processual. Estas questões podem ser suscitadas no curso dos
próprios meios processuais civis.
Por outro lado, ao estabelecer a Constituição da República que os Tribunais não devem aplicar
normas inconstitucionais, abre-se espaço que no decurso dos meios processuais civis uma questão
de direitos fundamentais, interpretada à luz dos direitos humanos, possa ser invocada de modo a
conseguir-se o afastamento da norma inconsistente com os direitos humanos.
Ademais porque é comum entender-se que a jurisdição comum é titular da competência residual,
isto é, todas as questões que não caibam na competência das jurisdições especializadas, em
princípio caiem no âmbito da competência da jurisdição comum. Exemplificando, a Lei Orgânica
da Jurisdição Administrativa, exclui da competência dos tribunais administrativo as questões de
responsabilidade civil decorre de actos legislativos, ou questões que, sendo pertinentes, à
qualificação de bens como domínio público, podem determinar a violação de direitos
fundamentais, passam a ser do conhecimento dos tribunais comuns, atento o direito humano de
acesso à justiça.
A opinião geral que se pretende deixar neste ponto é a de que, encarados no ângulo de eficácia
horizontal, os direitos humanos podem gerar relações jurídico-processuais regulados pelo direito
processual civil, direito processual penal e o direito do trabalho.
Desde logo, o recurso contencioso como meio processual principal e a suspensa de eficácia de
actos administrativos, enquanto meio processual acessório, com a natureza de providência cautelar,
são meios aos quais o cidadão pode recorre quando uma decisão unilateral da administração
pública, que revista a natureza de acto administrativo, viola os seus direitos humanos ou os direitos,
liberdades e garantias fundamentais.
De uma forma geral, o acto administrativo violador dos direitos humanos ou dos direitos,
liberdades e garantias fundamentais esta eivada de vício de violação da lei, podendo, com este
fundamento, ser declarado nulo e de efeito algum. E para a tomada da medida cautelar de
suspensão de eficácia de acto administrativo, o interessado deve provar que a decisão
administrativa violadora dos seus direitos humanos ameaça causar prejuízo irreparável ou de
difícil reparação a uma situação na sua esfera jurídica.
A título hipotético, suponha que as autoridades autorizem a abertura de uma pedreira numa zona
habitacional sem terem realizado o estudo de impacto ambiental, os moradores afectados podem
interpor um recurso contencioso, requerendo a declaração de nulidade da autorização com
fundamento na violação do seu direito humano de viver em meio ambiente saudável. Dado o risco
eminente para a sua saúde, com eventuais repercussões no seu direito à vida, podem requerer a
suspensão de eficácia do acto, com fundamento na ameaça de causar prejuízos de difícil reparação
para a sua saúde, com sérios riscos de causar mortes na comunidade.
Outro meio processual de grande relevância no domínio do contencioso administrativo das acções
é a acção de responsabilidade civil extracontratual da Administração Publica por prejuízos
decorrentes de violação de direitos humanos no âmbito do exercício da actividade administrativa.
Tal responsabilidade pode decorrer de actos/factos ilegais, ou de actos/factos legais, exigindo-se,
como pressuposto fundamental, que de tais actos ou factos resulte violação de direitos humanos.
Os actos declarados ilegais em recurso contencioso, com fundamento em violação de direitos
humanos, podem constituir fundamento da responsabilidade civil por actos ilegais.
Outro meio processual que se pode lançar mão é a acção de reconhecimento de direitos ou
interesses legalmente protegidos, nos casos em que seja duvidosa a existência de um direito
humano ou direito, liberdade ou garantia fundamental. A título exemplificativo, um médico em
serviço num hospital público pode ser constrangido a praticar actos médicos (aborto, transfusão
sanguínea, transplante de órgãos, etc) que contrariem as suas convicções religiosas, em caso de
dúvida, recorre a este meio o tribunal declarar que ele ou ela tem direito à objecção de consciência
em relação a tais práticas.
Contencioso Constitucional
Para solicitar a declaração de inconstitucionalidade das leis e das ilegalidades dos catos normativos,
tem legitimidade, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 245 da Constituição, o Presidente da
República, o Presidente da Assembleia da República, um terço, pelo menos, dos deputados da
Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Procurador-Geral da República e o Provedor
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
de Justiça e o número de 2000 cidadãos. Quanto a estes últimos, desde o funcionamento efectivo
do Conselho Constitucional, não temos exemplos quantitativamente significativos em que 2000
cidadãos solicitaram a declaração de inconstitucionalidade de qualquer lei ou acto normativo dos
órgãos do Estado, uma vez ser difícil e oneroso angariar 2000 assinaturas dos cidadãos. Nestes
casos, a solução dos particulares para solicitar a apreciação de inconstitucionalidade, passa por
recorrer a outras entidades com legitimidade para o efeito. No entanto, esta via também pode, por
vezes, não ser satisfatória, uma vez que se fica dependente do interesse ou vontade dessas
entidades em analisar e satisfazer o pedido dos interessados.
A apreciação da inconstitucionalidade incide apenas sobre as leis e legalidade dos demais actos
normativos deixando de fora os demais actos que não sejam normativos, mas que possam ser
ilegais e contrários à Constituição, como é o caso de actos políticos, actos administrativos
inconstitucionais que não são objecto de acções de inconstitucionalidades mesmo que sejam
ilegais e contrários à Constituição.
Portanto, a protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais por via de acções de
inconstitucionalidades ao Conselho Constitucional nos termos em que está consagrado é deficiente,
primeiro porque o acesso ao Conselho Constitucional pelo cidadão esta repleto de limitações,
segundo, pela falta de clareza quanto à natureza jurisdicional do Conselho Constitucional, terceiro
por excluir a apreciação de inconstitucionalidade dos actos não normativos inconstitucionais.
Leituras complementares
2. Siqueira Castro, Carlos Roberto. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na
Nova Constituição do Brasil. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1989.
4. Timbana, Tomás; Lições de processo civil I: Maputo Escolar Editora, Lda, 2010.
5. Trindade, João Carlos, Constituição e reforma da Justiça: um projecto por realizar in IESE
(2009) Desafios para Moçambique 2010, Maputo, IESE, 2009.
Legislação
Actividade
UNIDADE TEMÁTICA I
Actividade I
1.R: Os direitos humanos são um conjunto de garantias inerentes à existência da pessoa humana,
albergados como verdadeiros para todos os Estados e consagrados nos diversos instrumentos de
Direito Internacional Público. Estes direitos encontram a sua consagração tanto no direito
internacional como no direito humano (são direitos constitucionalmente estabelecidos).
2.R: As principais fontes, são: Tratados internacionais; costume internacional; princípios gerais
de direito reconhecido pelas nações civilizadas; e a doutrina, jurisprudência e equidade.
3. R: Os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos
humanos. Assim, os direitos humanos geraram pelo menos quatro níveis de obrigações para os
Estados, ou seja, as obrigações de respeitar, proteger, promover e cumprir - e estas obrigações são
universalmente aplicáveis a todos os direitos.
UNIDADE TEMATICA II
Actividade II
1. R: O direito à vida é o centro de todos os demais direitos porque é em torno dele que se
desenvolvem outros direitos humanos, para além disso, o efectivo gozo dos outros direitos
humanos depende da vida. Por isso, o direito à vida é o direito humano básico.
Integrado na ordem jurídica, a vida é um bem jurídico digno de tutela jurídica, elevado a categoria
dos direitos humanos, por se ter considerado inerente à pessoa humana. A inerência da vida em
relação à pessoa humana traduz a inseparabilidade entre o bem jurídico vida e a pessoa humana,
dai o direito à vida ser intransmissível e indisponível. É por esta razão, por exemplo, que a tentativa
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC
de suicídio é punível por lei, na medida em que aquele que tenta suicidar-se pretende dispor de
algo que é indisponível.
O conteúdo deste direito compreende deveres positivos e negativos para os Estados. Em primeiro
lugar, conforme dispõe a segunda parte do n° 1 do artigo 6 do PIDCP, o direito à vida será
protegido por leis, impondo-se ao Estado a adopção de leis que protejam a vida dos seus cidadãos.
Por exemplo, é no contexto desta obrigação de proteger a vida através de leis que, se justifica tal
opção, vendo-se que em tais casos, o direito à vida estende-se à vida intra-uterina.
Mas, devido à dimensão multifacetada do direito à vida, o PIDCP optou por uma solução de
compromisso, no que diz respeito ao conteúdo negativo deste direito. Em geral, ele impõe que
nenhum Estado retire o direito à vida dos seus cidadãos, no entanto, nos casos em que os valores
próprios de cada sociedade permitirem o recurso à pena de morte, esta poderá ser imposta apenas
nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente na época em que o
crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do Pacto, nem coma
Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena
em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.
Em termos jurídicos e práticos, as obrigações do Estado decorrentes do direito à vida devem ser
avaliados em função da relevância do contributo que a sua conduta do Estado teve na protecção
ou não protecção efectiva do direito à vida. Por exemplo, a obrigação de proteger a vida não se
deve resumir, apenas, na criação de normas que condicionem o uso de armas letais pelos agentes
de manutenção da lei e ordem. É ainda necessário que, em caso de ocorrência de um incidente que
envolva a morte de alguém, o Estado tome diligências de investigação das circunstâncias em que
ela ocorreu, que sejam punidos os seus agentes e que seja posto em prática um mecanismo que
evite semelhante ocorrência no futuro.
Igualmente, o direito à vida implica a protecção eficaz de outros direitos humanos, tais como o
direito à saúde, provimento de água potável, a garantia de alimentação adequada e a segurança
nutricional.
2.R: De acordo com o artigo 14 do PIDCP, todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as
Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e as Cortes de Justiça.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação
de carácter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de
carácter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou na totalidade de um
julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma
sociedade democrática, que quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida
em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas
quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença
proferida em matéria penal ou civil devera tornar-se pública, a menos que o interesse de menores
exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela
de menores.
Este é o direito de acesso à justiça cujo conteúdo é vasto. Em primeiro lugar, conforme ressalta do
dispositivo legal em referência, o cidadão tem o direito de acesso físico aos tribunais, decorrendo
dai que o Estado tem o dever de criar tribunais e dota-los de recursos humanos e materiais
necessários ao seu funcionamento para satisfazer a demanda da justiça. Tal acesso físico inclui,
ainda, o direito de ter o tribunal a funcionar o mais próximo possível dos utentes
Porém, o direito humano de acesso à justiça não se preenche somente com a criação de tribunais,
sendo, ainda necessário que o Estado garanta que os tribunais actuem de forma independente e
imparcial. Isto é, que as decisões proferidas pelos tribunais não resultem de pressões ou influencia
de qualquer natureza exercida sobre os magistrados, impondo-se, em primeira linha a criação de
garantias dessa independência através, por exemplo, do regime de incompatibilidades da função
de Magistrado com a de outras funções, a proibição dos magistrados se filiarem em algumas
organizações de carácter político ou religioso que alguma forma pudessem exercer-lhes alguma
influência.
Da igualdade dos cidadãos perante a lei, decorre, segundo K. Hesse, citado por Gomes Canotilho
a exigência de que as leis devam ser aplicadas sem olhar às pessoas, isto é, os tribunais julgam de
acordo com os factos e o sentido objectivo da lei, não devendo beneficiar ou prejudicar ninguém
em razão da sua condição social, política, étnica ou racial.
Este direito integra, também, o direito ao recurso contra as decisões condenatórias, o que lhe
habilita a que exija que o seu caso seja reexaminado por um outro tribunal de recurso.
O direito de acesso à justiça é garantido pelos artigos 8 e 10 da DUDH e pelo artigo 7 da CADHP,
para além do já citado artigo 14 do PIDCP.
Actividade III
2.R: A Declaração Universal dos direitos do Homem, aprovada em 1948, define e fixa o leque de
direitos e liberdades a serem garantidos da esfera protectiva da ONU e dos Estados-partes.
Todavia, duas fragilidades foram apontadas à Declaração, uma referente à legitimidade porquanto,
da totalidade dos países que hoje integram o sistema ONU, somente 56 votaram, sendo que 48
votaram a favor e 8 se abstiveram. Portanto, 25% dos Estados-partes aprovaram a Declaração, daí
alguns questionamentos sobre a legitimidade da aplicação dos valores contidos na Declaração
demais países cujas culturas têm valores que, em alguma medida, não estão na mesma linha dos
valores enformadores da Declaração.
Outra fragilidade deriva da ausência de força jurídica vinculante, que suscita reserva sobre a
obrigatoriedade de cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração.
Quanto à forca jurídica vinculante, ressalta-se que a Declaração mesmo não tendo formato de uma
lei internacional e tecnicamente não ser um comando legal, tornou-se num instrumento político de
referência, cujo cumprimento resulta do peso ético-moral dos dispositivos nelas contidas.
3.R: A génese do Tribunal Penal Internacional vem da Convenção para a Prevenção e Repreensão
do Crime de Genocídio, de 1948, na medida em que esta Convenção, enquanto primeiro
instrumento internacional de protecção de direitos humanos, definiu o genocídio como sendo um
crime que viola o direito internacional, o qual os Estados se comprometem a prevenir e punir.
Em 1998, cinquenta anos após a aprovação da Convenção, foi aprovado o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional (TPI) na conferência de Roma.
Como observa Flávia Piovesan, ‘’o Tribunal Penal Internacional assenta no primado da
legalidade, mediante uma justiça pré-estabelecida, permanente e independente, aplicável
igualmente a todos os Estados que a reconhecem, capaz de assegurar direitos e combater a
impunidade, especialmente a dos mais graves internacionais’’.
O TPI permite, pois, evitar a selectividade que se verificou com a criação dos Tribunais ad hoc
para o Ruanda e para a ex-Jugoslávia, proclamando, assim, o princípio da universalidade na justiça
penal internacional.
O TADHP foi criado para complementar a Comissão Africana, ou seja, ele não visa substituir a
Comissão Africana, mas complementa-la, através da analise das queixas individuais, das
organizações da sociedade civil e dos Estados membros, o que significa que o mandato do TADHP.
A entrada em funcionamento do TADHP visava estabelecer uma instituição com cada vez mais
poderes de dissuasão e come efeitos preventivos, de forma a combater a impunidade em matéria
de direitos humanos, uma vez que o TADHP tem uma natureza jurisdicional, razão pela qual ele
apresenta especificidades relativamente a sua composição e funcionamento (1) e poderes (2).
UNIDADE TEMATICA IV
Actividade IV
internos e o prazo de caducidade de um ano para a submissão da petição, após o esgotamento dos
recursos internos, ex. vi art.º 3 n° 1, al. a) do PIDESC.
Nos termos do art.º 4 do Protocolo do PIDESC, o CESCR pode declinar a apreciação de uma
petição quando ela não revelar que o autor tenha sofrido uma clara desvantagem, a não ser que o
Comité considere que a petição levante uma seria questão de importância geral.
Uma inovação que o Protocolo prevê, no que tange às petições individuais, é o facto de a qualquer
momento depois do recebimento da comunicação e antes de a decisão sobre o mérito ter sido
tomada, o CESCR poder transmitir ao Estado-parte interessado, para sua urgente consideração,
um pedido para que esse Estado tome medidas provisórias para evitar danos irreparáveis, fazendo-
o ao abrigo do art.º 5 do PIDESC.
UNIDADE TEMATICA V
Actividade V
1.R: O constitucionalismo significa que o Estado deve exercer os seus poderes na base dos ditames
constitucionais, sendo este o limite do exercício do poder estadual. O Estado deve usar o seu poder
para realizar o interesse público, proteger e promover os direitos humanos e liberdades
fundamentais. É neste princípio onde reside a supremacia da Constituição, a qual determina que
as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico e
que a ordem constitucional deve ser respeitada por todos, razão por que quaisquer actos contrários
a Constituição são sujeitos à sanção, nos termos da lei. Trata-se de um princípio cuja violação
pode dar lugar a acções jurisdicionais de inconstitucionalidade como garantia da supremacia da
Constituição, relativamente à demais normas e actos, no Direito Moçambicano. As acções de
inconstitucionalidade constituem um instrumento relevante para a protecção dos direitos humanos
e liberdades fundamentais.
Este princípio consagra o primado e a reserva da lei. O Estado de Direito tem um valor
acrescentado ao princípio da legalidade, por ter implicações no conteúdo da lei e na conduta do
Estado entanto que poder. O princípio do Estado de Direito assenta na ideia de que constitui dever
do Estado respeitar os direitos e liberdades fundamentais e satisfazer o interesse público, pelo
respeito da legalidade, da dignidade humana, igualdade e liberdade. Este princípio proíbe os
poderes públicos de actuar caprichosamente ou com arbitrariedades. A falta de independência do
judiciário pode resultar na tomada de decisão arbitrária. Se a legislação é aprovada com base em
detrimento do interesse público então ela é inconsistente com o Estado de Direito e não garante
proteger os direitos humanos.
3.R: No sistema das instituições nacionais dos direitos humanos, funcionam instituições de
natureza política e administrativa, designadamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos Humanos e Legalidade da Assembleia da República, (Também conhecida por 1ª
Comissão), a Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da Assembleia da República (também
conhecida por 8ª omissão), a Direcção Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e
o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).