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Universidade Politécnica

A POLITÉCNICA

Escola Superior Aberta

GUIA DE ESTUDO
Direitos Humanos
Curso de Ciências Jurídica
(2º Semestre - NC)

Moçambique
FICHA TÉCNICA

Maputo, Outubro 2014

© Série de Guias de Estudo para o Curso de Ciências Jurídicas


(Ensino a Distância).

Todos os direitos reservados à Universidade Politécnica

Título: Guia de Estudo de Direitos Humanos


Edição: 1ª

Organização e Edição
Instituto Superior Aberto (ISA)

Elaboração
José Luís Pereira Mulungo (Conteúdo)
José Luís Pereira Mulungo (Revisão)
UNIDADES TEMÁTICAS

 Teoria Geral dos Direitos Humanos

 Direitos Humanos Substantivos

 O Direito Institucional dos Direitos Humanos

 Direito Processual dos Direitos Humanos

 Direito Institucional e Processual Nacional de Direitos Humanos


Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

APRESENTAÇÃO
Caro(a) estudante,

Está nas suas mãos o Guia de Estudo da disciplina de Direitos Humanos que integra a grelha curricular do
Curso de Licenciatura em Ciências Jurídicas oferecido pela Universidade Politécnica na modalidade de
Educação a Distância.

O conteúdo aqui abordado, é uma introdução à disciplina a Direitos Humanos e Cidadania e faz parte de
um conjunto de disciplinas do curso de Direito, ministrado nesta instituição de ensino superior.

A disciplina de Direitos Humanos e Cidadania tem como objectivo geral, desenvolver e aperfeiçoar no
estudante conhecimentos que permitam uma compreensão do sistema social contemporâneo sob o prisma
das relações Direito/Economia, bem como o papel assumido pelos diferentes intervenientes na actividade
e em especial os diferentes papéis assumidos pelo Estado. A abordagem teórico-prática dos diferentes
institutos permitirá ao formando obter uma visão ampla sobre a aplicabilidade das normas jurídico-
económicas no meio económico e empresarial.

A disciplina foi dividida em cinco unidades para as quais se estabeleceram os seguintes objectivos
específicos:

A primeira unidade temática denominada Teoria Geral dos Direitos Humanos, definir os direitos humanos,
analisar as suas principais características e princípios, analisar as áreas afins e as principais fontes dos
Direitos Humanos.

Na segunda unidade temática denominada Direitos Humanos Substantivos, o estudante devera entender a
problemática dos direitos civis versus políticos e efectuar a destrinça que existe entre os direitos
económicos, sociais e culturais e os direitos colectivos.

Na terceira unidade temática denominada o Direito Institucional dos Direitos Humanos, aborda-se os vários
sistemas de protecção de direitos humanos, sendo um universal e os restantes regionais ou sub-regionais e
o sistema universal das Nações Unidas;

Na quarta unidade temática, denominada de Direito Processual dos Direitos Humanos, o discente devera
ser capaz de efectuar a descrição dos mecanismos processuais que estabelecem os procedimentos que
devem ser observados para proteger os direitos humanos. Isto significa que se trata de discutir os
mecanismos que asseguram o exercício de direitos quer para assegurar a prevenção quer para reagir contra
a sua violação.

Finalmente na quinta unidade temática vai se debruçar sobre a ordem constitucional moçambicana onde
encontramos os princípios essenciais que informam e servem de base à protecção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, nomeadamente, os princípios do constitucionalismo, do Estado de Direito, da
separação dos poderes e da democracia.

O seu sucesso nesta disciplina depende muito do modo como vai planificar e organizar as tarefas de estudo.
À medida que vai experimentando esse sucesso, isso lhe trará satisfação, cada vez mais interesse, entre
outros aspectos. Por isso, siga os conselhos que lhe são propostos para sair bem-sucedido no curso.

Seja bem-vindo (a) ao nosso convívio


A Equipa da ESA

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

UNIDADE TEMÁTICA I

TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

 Definir os Direitos Humanos;

 Enunciar as suas principais características e princípios;

 Efectuar a destrinca de Direitos Humanos e Áreas Afins;

 Explicar as principais fontes dos Direitos Humanos

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I. Conceito dos Direitos Humanos

A expressão “Direitos Humanos” é frequentemente usada, quer no discurso científico, quer no


discurso político, quer, sobretudo, no contexto da defesa dos direitos dos cidadãos na sua relação
com o Estado ou com outros poderes. Pode até dizer que a expressão “Direitos Humanos”
popularizou-se pelo seu constante uso, mas, também, desgastou-se pelo excessivo abuso.

No entanto, a popularidade da expressão “Direitos Humanos” em Moçambique contrasta com o


desconhecimento do ser conceito e conteúdo, sendo certo que ela é, de certo modo, mais conhecida
pelo seu preconceito. Tal preconceito resulta do facto de os direitos humanos, pela sua essência,
serem constantemente invocados em benefício de indivíduos em situação de vulnerabilidade, nas
relações de dominação ou de inferioridade, como sejam as relações de exercício do poder do
Estado sobre o cidadão, nas relações de género nas sociedades machistas, no poder paternal dos
progenitores sobre os filhos, no redor das empresas sobre os trabalhadores, etc.

Num contexto de relações de dominação e, vistos como direitos dos mais fracos ou vulneráveis,
os “direitos humanos” não representam muito para as elites económicas, politicas ou sociais, sendo
por essa razão que tal expressão é mais popular pelo seu preconceito do que pelo seu conceito. As
vezes, mesmo os que promovem e protegem os direitos humanos, como os que os desafiam, não
tem um profundo conhecimento da sua relevância jurídica.

Então, o que são afinal os direitos humanos? Num sentido geral, os direitos humanos constituem
o núcleo de direitos que protegem a vida e a dignidade da pessoa humana. Porém, a simplicidade
desta afirmação contrasta com a dificuldade de explicação do seu conteúdo, na medida em que é
difícil definir a dignidade humana. Afinal, em que consiste a dignidade humana?

Ao lado desta inquietação, vem outra que emerge da circunstância de as expressões “direitos
humanos” serem sinonímia, podendo nalguns casos, serem tratadas com alguma diversidade. É o
que acontece, para exemplificar, com a Constituição da República de Moçambique que, no artigo
11, determina os objectivos fundamentais do Estado, o capítulo que trata dos direitos pertinentes
ao homem aparecer com a epígrafe de direitos fundamentais.

No entanto, o artigo 43 da Lei mãe estabelece que a interpretação e aplicação das normas referentes
aos direitos fundamentais fazem-se de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Terá o legislador constituinte
entendido haver uma equivalência mútua entre os dois conceitos ou, antes pelo contrário, usa-as
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consciente da sua diversidade e complementaridade? Estas e outras questões são frequentes para
quem se autonomizar inicia no campo científico dos direitos humanos.

Contudo, apesar de, por um lado, faltar clareza relativamente ao seu conceito e, por outro, do
generalizado preconceito, é indiscutível que a consensualidade dos direitos humanos, como
valores universais, é quase certa, pois, um direito reconhecido como tal é universalmente
respeitado. Mas, perante a universalidade de aceitação dos direitos humanos, há uma pergunta que
fica por responder: será que a legitimidade universal dos direitos humanos resulta, igualmente, da
universalidade e internacionalidade dos instrumentos que normalmente os consagram,
designadamente, as convenções e tratados internacionais ou pelo contrário, esse consenso resulta
da universalidade da natureza humana? É inquestionável que, apesar da diversidade racial, cultural
e geográfica, o homem é um ser universal, por isso, os valores a ele inerentes são igualmente
universais.

A tensão permanente é relativa à fonte de legitimação desses valores da dignidade inerente ao


homem, questionando-se se ela é divina ou, pelo contrário, se a sua fonte é o próprio homem.
Tentando superar a ideia de direitos naturais, seguramente ligada à divindade dos direitos humanos,
uma vez ser o homem a representação de Deus na Terra, Emmanuel Kant propõe o próprio homem
como fonte de legitimação da sua própria dignidade, porque para ele a dignidade humana resulta
do fato de o homem ser um ser que pensa e sente, entendido este termo na dimensão ampla dos
sentimentos; quer dizer, nas já referidas relações de dominação, o homem não deve ser
arbitrariamente submetido a emoções de dor física ou moral, nem deve ver as suas escolhas
limitadas por alguma imposição externa que não decorra objectivamente da natureza das coisas.

Em fim, respeitar-se a dignidade humana é, por um lado, garantir ao ser humano a liberdade de
expressão do seu próprio pensamento, com tudo o que isso pressupõe, como seja a necessária
liberdade de procurar, receber e difundir informação. Por outro, o respeito pela dignidade humana
implica a garantia da genuidade dos sentimentos do homem, também, com tudo o que isso impõe,
nomeadamente, que o sentimento de dor não resulte, por exemplo, de prisões arbitrárias, de tortura,
de escravatura, de fome deliberadamente causada a outrem, etc. mas, ainda que as escolhas e
desejos da pessoa humana, quaisquer que sejam, tais como a escolha das suas relações sociais, de
profissão, de filiação sindical, etc., não resultem condicionadas por qualquer factor de dominação,
mas sim, da própria liberdade do querer do homem.

Assim defendem as correntes Jusnaturalistas.

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Deste modo, ao consagrar o ideal de que os “homens nascem livres e iguais”, a Carta da revolução
francesa assim como a Declaração Universal dos Direitos do Homem inclinaram-se para a
universalidade da natureza humana, considerando a dignidade humana como inerente ao homem.
Neste sentido, os direitos humanos são pertinentes à própria natureza humana, cujos valores vão
integrando novos conteúdos em função da evolução universal e civilizacional do homem, donde
resulta que, apesar de diversidade cultural entre os homens, os direitos humanos se apresentam
como o mínimo ético universal, isto é, o que em todas as civilizações e culturas é comummente
aceite como o que deve ser, por referência à dignidade do próprio homem.

É inquestionável, refira-se, que em qualquer civilização e cultura, a regionalidade do homem é


aceite, daí não repugnar o reconhecimento do direito humano à liberdade religiosa. Abstraindo das
guerras e outro tipo de barbaridades, em todas as civilizações e culturas, a vida humana é um valor
nobre, sendo por isso que o direito à vida aparece, aceite consensualmente como um direito
humano universal.

A história da evolução da humanidade revela, na verdade, que a luta pela afirmação da dignidade
humana foi sempre uma constante. No plano do mínimo ético, os direitos humanos representam,
portanto, os valores que em cada época da evolução da humanidade vão sendo universalmente
aceites como valores que integram o conceito mais amplo da dignidade humana. Esta é a razão
por que se diz que os direitos humanos são existenciais, porque evolvem com tempo.

Assim, em conclusão, pode-se afirmar que os direitos humanos são direitos inerentes à pessoa
humana, visando a protecção da sua dignidade. Por isso, que são comummente considerados
direitos inalienáveis e universais. Na verdade, a expressão “direitos humanos” é usada para
designar um amplo conjunto de direitos essenciais para a dignidade da pessoa humana.

A crença global de que todos os seres humanos, em virtude da sua condição humana, são titulares
de direitos humanos é, diga-se, relativamente nova. No entanto, as suas origens podem ser
encontradas em civilizações passadas, conforme comprovam vários escritos produzidos em
culturas ancestrais, como é o caso do Código de Humarabi. Porém, a Segunda Guerra Mundial é
que foi decisiva para alavancar o ideal dos direitos humanos para a consciência universal.

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II. Características e Princípios dos Direitos Humanos

Os direitos humanos têm suas premissas nos conceitos de dignidade e igualdade e são baseados
na convicção de que cada ser humano tem o direito de desfrutar dos seus direitos sem
descriminação.

Os direitos humanos têm características próprias. Porém, não há unanimidade entre autores sobre
o número de características dos direitos humanos, assim como sobre a sua terminologia. Para
efeitos da presente obra elegeram-se algumas características que, em razão de seus efeitos para a
interpretação e aplicação dos direitos humanos, merecem especial atenção, a saber:

a) Universalidade – Esta característica revela-se em três planos. No primeiro plano, os


direitos humanos tem um carácter erga omnes, uma vez que o seu titular é o ser humano,
não importando qualquer distinção de raça, credo, sexo, nacionalidade, idade ou qualquer
outro elemento que o distinga. No segundo pano, a universalidade centra-se no seu sentido
temporal, isto é, que os direitos humanos não são afectados por desenvolvimentos
históricos ou superações tecnológicas. Os indivíduos têm direitos pelo facto de serem seres
humanos independentemente do tempo. O terceiro plano diz respeito ao âmbito espacial
da universalidade em que os direitos humanos são de alcance internacional ou seja,
reconhecem-se em todas as partes do mundo.

Todavia, o reconhecimento da universalidade dos direitos humanos não é pacífico em face


do relativismo cultural, pois algumas correntes entendem que os direitos humanos são fruto
ou resultado histórico de cada realidade e desenvolvimento cultural de determinado povo
ou nação, ou seja, não se trata de um conceito e delimitação universais.
Nesta perspectiva, o reconhecimento e a efectivação dos direitos humanos, dependeriam
do nível de desenvolvimento económico, político e jurídico de cada sociedade, respeitados
ainda os seus valores e tradições culturais.

Apesar disso, a maioria dos Estados reconhece a universalidade como característica


essencial dos direitos humanos.

b) Indivisibilidade – Em termos técnicos jurídicos, a característica de indivisibilidade


fundamenta-se na não discriminação, conferindo aos direitos humanos igual importância.
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Dito por outras palavras, os Estados não se podem furtar de garantir um direito sob
argumento de que determinados direitos não são justiçáveis. A prática de discriminar os
direitos humanos tem a sua história ligada aquando da aprovação do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e
Cultural em 1966.

Porém, o reconhecimento da indivisibilidade como característica essencial de direitos


humanos deu-se, no plano internacional, com a Conferencia Internacional sobre Direitos
Humanos de 1968, em Teerão e reafirmado na conferência Mundial de Direitos Humanos
de Viena em 1993.

c) Interdependência – Os direitos humanos estão relacionadas entre si, mão sendo possível
efectivar uns sem os outros, por exemplo, não é possível realizar os direitos económicos,
sociais e culturais sem realizar os direitos civis e políticos.

A II Conferencia Mundial de Direitos Humanos de 1993, realizada em Viena, na sua


Declaração e Programa de Acções, artigo 5º, reafirmou esta característica, referindo que
“todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interrelacionados. A comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de forma justa e equitativa,
em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais
devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais
e religiosos…”

d) Irrenunciabilidade – os direitos humanos são irrenunciáveis, ma medida em que estão


ligados à condição humana. Renunciar tais direitos implicaria renunciar a própria condição
humana.

Os direitos humanos são indisponíveis, pois o seu titular, mesmo que deseje renunciar, não
pode fazê-lo. No nosso direito interno temos uma experiência de irrenunciabilidade de
direitos, em relação, por exemplo, aos direitos de personalidade. Com efeito, o artigo 69

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do Código Civil Moçambicano estabelece que ninguém pode renunciar, no todo ou em


parte, à sua capacidade jurídica.

e) Inalienabilidade - quer dizer que os direitos humanos não podem ser transferidos, seja a
título gratuito, seja por meio oneroso. Como muito bem refere Reinado Silva e Pereira,
esta característica não implica dizer que os direitos subjectivos resultantes da força de
trabalho ou ainda que não violam o princípio da dignidade da pessoa humana não possam
ser objecto de transacção, pois, por exemplo há uma diferença nítida entre a alienação da
força de trabalho e do direito de trabalho. A característica da inalienabilidade dos direitos
humanos reporta-se ao seu conteúdo moral, pessoal, individual inerente à condição humana
e que não podem ser alienados sob pena de se converter em objecto.

f) Imprescritibilidade – Os direitos humanos não dependem do prazo ou tempo necessário


para a sua realização. Dito por outras palavras, os direitos humanos podem ser evocados a
todo tempo (não se esgotam por decurso de tempo).

Além das características acima referidas, a doutrina dos direitos humanos avança outras,
tais como a inviolabilidade.

III. Direitos Humanos e Àreas Afins

Com vista à melhor compreensão e delimitação do conceito e amplitude dos direitos humanos,
importa mencionar, concisamente, as grandes diferenças com as áreas consideradas afins, sendo
de destacar os (a) direitos fundamentais, (b) direito internacional público, (c) direito humanitário
e (d) direito penal internacional, justamente, pela sua incidência sobre o mesmo objecto de estudo,
“a pessoa humana” e/ou as “relações internacionais”.

No entanto, tratando-se de uma área multidisciplinar, os direitos humanos podem incidir e até
confundir-se com outras áreas jurídicas. Todavia, a escolha destas quatro disciplinas jurídicas para
a sua abordagem, neste capítulo, como prioritária, funda-se na ligação mais estreita que têm com
os direitos humanos.

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Direitos Fundamentais

Os direitos humanos são um conjunto de garantias inerentes à existência da pessoa humana,


albergados como verdadeiros para todos os Estados e consagrados nos diversos instrumentos de
Direito Internacional Público. Estes direitos encontram a sua consagração tanto no direito
internacional como no direito humano (são direitos constitucionalmente estabelecidos).

Os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, consagrados


constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos direitos humanos, que visam garantir a
existência digna (ainda que minimamente) de cidadãos de um determinado Estado. Os direitos
fundamentais vão para além dos direitos da pessoa física, pois abrangem também, a pessoa jurídica.
A título ilustrativo, o direito ao nome, é um direito genericamente consagrado em várias realidades
constitucionais e destina-se tanto para as pessoas físicas como para as pessoas jurídicas.

Entendimento mais restritivo desta distinção é sustentado por Vieira de Andrade para quem os
direitos fundamentais são posições jurídicas subjectivas individuais ou, quando muito, direitos
individuais colectivizados e portanto, direitos como de religião, o de antena, os direitos de
organização de trabalhadores e outros direitos de participação se reconduzem a faculdades ou
competências no quadro de opções organizativas.

Com efeito, o Prof. Gomes Canotilho explica que tal como certos direitos fundamentais
pressupõem uma referência humana, não sendo susceptíveis de gozo e exercícios por parte de
pessoas colectivas, também existem na Constituição direitos fundamentais cuja titularidade
pertence às pessoas colectivas como tais, e não aos seus membros individualmente considerados.

Direito Internacional Público

O Direito Internacional dos Direitos Humanos ou simplesmente Direitos Humanos são de origem
essencialmente internacional. Dito de outro modo, os direitos humanos são parte integrante do
direito internacional público, isto é, trata-se de uma relação de género e espécie.

O direito internacional geral, para além de regular as questões relacionadas com a dignidade da
pessoa humana – objecto dos direitos humanos – inclui outros campos de regulamentação, tais
como a responsabilidade dos Estados, relações diplomáticas e consulares, relações sobre a
delimitação e utilização do Mar, relações sobre a delimitação e utilização do espaço aéreo, relações
cósmicas entre outras.

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O direito internacional dos direitos humanos tem como objecto a regulamentação de um conjunto
de valores considerados universais que promovem a dignidade da pessoa humana. Este ramo
revolucionou o direito internacional ao transformar o indivíduo em um dos seus principais sujeitos
em ruptura com o direito internacional clássico em que o Estado era o principal se não o único
sujeito.

Direito Humanitário

O Direito Internacional Humanitário (ou Direito dos Conflitos Armados) é um ramo do Direito
Internacional Público constituído pelas normas convencionais ou de origem consuetudinária
especificamente destinadas a regulamentar os problemas que surgem em períodos de conflito
armado. Os direitos humanos são direitos inerentes à todas as pessoas por sua condição de seres
humanos independentemente das circunstâncias.

De acordo com alguns instrumentos de Direitos Humanos, os Governos podem suspender algumas
normas em situações de emergência pública que ponham em perigo a vida da nação, desde que
tais suspensões sejam proporcionais à crise e sua aplicação não seja indiscriminada ou infrinja
outra norma do direito internacional, inclusive o Direito Internacional Humanitário. Contudo,
segundo tais normas, há certos direitos que pela sua importância na protecção da dignidade da
pessoa humana não devem ser suspensos de modo algum, como as relativas ao direito à vida, e as
que proíbem a tortura ou tratamento ou penas cruéis, desumanas e degradantes, a escravidão e a
servidão, e a retroactividade das leis penais.

Direito Penal internacional

O ramo de direito internacional que visa à repressão, pelos tribunais nacionais e internacionais, de
crimes internacionais de genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra e agressão, de
entre outros. Isto é a área do direito internacional público que visa a responsabilização do individuo
que comete crime sob a jurisdição do Tribunal sendo, individualmente responsável e passível de
sanção. É, entretanto, a área de direito internacional público que versa sobre a responsabilização
dos indivíduos por violação de direitos humanos. Neste sentido, os direitos humanos têm o seu
objecto mais vasto que o direito penal internacional.

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Breve Evolução Histórica dos Direitos Humanos

A evolução histórica dos direitos humanos coincide com a história da limitação do poder estadual
em vários quadrantes do mundo.

Como muito bem refere Flavia Piovesan, inicialmente, os direitos humanos foram pensados pelos
filósofos do mundo antigo, enquanto simples expressões de pensamentos individuais, serviam
apenas como propostas de actuação do Estado.

Com efeito, as origens dos direitos humanos podem ser encontradas tanto na filosofia grega quanto
nas várias religiões do mundo.

Como ilustra parte da história da humanidade, a pessoa humana foi adquirindo, de uma forma
progressiva, os seus direitos e responsabilidades por meio de sua participação como membro ou
parte de um grupo – por ex. família, religião, classe social, comunidade e Estado. A maioria das
sociedades teve regras similares, uma das quais a chamada “regra de ouro”, que significa “faça
aos outros o que gostaria que fizessem a si mesmo; e não faça aos outros o que não gostarias que
lhe fizessem”.

De acordo com a Flávia Piovesan, somente quando ocorre a positivação destas teorias filosóficas
de direitos humanos, enquanto limitação ao poder estatal, é que se pode falar de direitos humanos,
enquanto um autêntico sistema de direitos no sentido escrito da palavra, isto é, enquanto direitos
positivos ou efectivos.

Os Vedas Hindu, o Código de Hamurabi da Babilônia, a Bíblia, o Alcorão, e os Analectos de


Confúcio, são cinco das mais antigas fontes descritas que abordam questões ligadas aos direitos
das pessoas, incluindo os seus deveres e responsabilidades. Na verdade, todas as sociedades, na
tradição oral ou escrita, tiveram sistemas de justiça próprios, bem como formas específicas de
cuidar do bem-estar dos seus membros.

No entanto, somente por vota dos séculos XI ao século XII (Idade Média) é que ganha força o
ideal de limitação do poder dos governantes, pela consagração de direitos comuns a todos os
indivíduos. Nesta época temos as primeiras declarações, codificando direitos e liberdades
individuais podendo destacar-se desde logo a Magna ChartaLibertatum de 1215 e mais tarde ainda
Habeas Corpus Actde 1679 e o Bill ofRightsde 1689, instrumentos que no entanto pecavam por
não conter uma filosofia abrangente de direitos humanos, sendo que as liberdades eram muitas

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vezes vistas como direitos conferidos aos particulares ou grupos de indivíduos em função de sua
posição ou statussocial.

As primeiras Declarações de direitos humanos, com filosofia de direitos humanos claramente


definida e abrangente, foram as do Estado americano de Virgínia em 1776 e, posteriormente, a
declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, tendo, o termo “direitos humanos” ou
“direitos do homem” aparecido, pela primeira vez, nesta Declaração, no contexto da revolução
francesa.

A partir destes acontecimentos, os direitos humanos deixam de ser meras intenções e tornam-se
direitos positivos e exigíveis.

Curiosamente, numa fase embrionária, a evolução da luta pela consagração dos direitos humanos
verificou-se num contexto interno, domestico. Por exemplo, a Constituição Francesa de 1791 veio
incorporar os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem de 1789. Este facto
significou a constitucionalização e positivação de direitos humanos em detrimento da sua
universalização.

Contudo, a concepção contemporânea dos direitos humanos veios a surgir no século XX como
resultado das duas grandes guerras mundiais que banalizaram a dignidade da pessoa humana.
Trata-se de período histórico em que os direitos humanos ganham protagonismo na arena
internacional.

Assim, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, foi criada a Liga (ou Sociedade) das Nações,
em 1919, na sequência das negociações sobre o Tratado de Versalhes que culminam com o acordo
de paz, assinado após a Primeira Guerra Mundial, no grande Palácio de Versalhes em França, entre
a Alemanha e os Aliados. Os objectivos do acordo incluíam, de entre outros, o desarmamento,
prevenção da guerra através da segurança colectiva, resolução de conflitos entre países, por meio
da diplomacia e negociação e por fim a melhoria do bem-estar global.

A Liga das Nações surgiu em consequência dos horrores da Primeira Guerra Mundial e foi a
primeira tentativa de consolidar uma organização universal para a paz. Acreditava-se que futuros
conflitos só poderiam ser impedidos se fosse uma instituição internacional permanente,
encarregada de negociar e garantir a paz.

No entanto, a Liga das Nações fracassou por defeitos de origem. Desde logo, ela não dispunha de
um poder forte, nem contava com representantes da União Soviética e dos Estados Unidos – a
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nação de seu idealizador (Woodrow Wilson). Consequentemente, já em 1923, tornou-se evidente


a fraqueza da Liga, quando os franceses invadiram a região alemã da Renânia, para cobrar
reparações de guerra. A invasão da Manchúria pelo Japão, em 1931, foi também uma prova do
fracasso da Liga das Nações. Condenado um ano e meio depois pelo acto de agressão, o Japão
abandonou a organização. A Alemanha seguiu o mesmo caminho a 14 de Outubro de 1933. Outras
invasões posteriores como as invasões da Abissínia pela Itália, em 1935, e da Finlândia, pela União
Soviética, em 1939, revelaram qua a Liga das Nações não passava de uma organização moribunda
e sem capacidade de acção.

Com a Liga das Nações quase moribunda não foi possível evitar o eclodir da Segunda Guerra
Mundial cujas consequências em relação aos direitos humanos foram muito mais graves do que as
verificadas na I Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial violou todas as formas da dignidade
da pessoa humana.

As atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, fizeram o mundo representar um


novo modelo de protecção dos direitos humanos como forma de evitar um novo acontecimento
trágico. Houve necessidade de se estabelecerem marcos inderrogáveis de direitos a serem
observados por todos os Estados no pós-guerra, marcando o fim do ideal segundo o qual os Estados
eram supremos em decidir a forma como deviam tratar os seus cidadãos.

Nesse contexto, a adopção da Carta das Nações Unidas em 1945, surge como a premissa maior do
reconhecimento internacional da necessidade de se envidar todos os esforços para a protecção
internacional dos direitos humanos.

A Carta, distintamente, menciona o papel das Nações Unidas na promoção e estímulo do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião. A ideia de promulgar uma “carta internacional dos direitos humanos” foi
também considerada por muitos como basicamente implícita na Carta.

Dois anos após a aprovação da Carta, foi estabelecida a Comissão das Nações Unidas para os
Direitos Humanos (Comissão) e, posteriormente, surge a Declaração, adoptada a 10 de Dezembro
de 1948 em São Francisco, que significou um patamar elevado na consagração da universalidade
dos direitos humanos.

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A Declaração é formada por um preâmbulo e 30 artigos que enumeram os direitos humanos e


liberdades fundamentais de que são titulares todos os homens e mulheres, sem qualquer
discriminação. O Artigo 1º da mesma expõe a filosofia subjacente à Declaração, reafirmando que:
“todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

A Declaração surgiu como um código moral ‘universal’, porque não possui um carácter impositivo
ou imperativo. Declinou as linhas gerais dos direitos civis e políticos, bem como dos direitos
económicos, sociais e culturais. Tais colocações são consideradas actuais, mesmo que estejam
longe de serem postas em prática por todas as nações do mundo. E tornou-se a base de grande
parte do direito internacional e da carta internacional dos direitos humanos.

Concebida como “ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”, a Declaração
tornou-se um padrão por meio do qual se mede o grau de respeito e cumprimento das normas
internacionais de direitos humanos, sendo, até o presente a mais importante e ampla de todas as
declarações das Nações Unidas e uma fonte de inspiração fundamental para os esforços nacionais
e internacionais destinados a promover e proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Tem, também, ajudado a definir a orientação para todo o trabalho subsequente no campo dos
direitos humanos, assim como a proporcionais a filosofia básica a muitos instrumentos
internacionais que visam proteger os direitos e liberdades por ela proclamados.

Embora muito se discuta a questão da eficácia das normas da Declaração, considerado, por
exemplo, que ela não dispõe de um órgão ou instituição próprio criado para velar pela sua
implementação, não se pode deixar de notar que vários pactos e convenções internacionais devem
a sua existência, de entre os quais se destacam desde logo o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados
pela Assembleia-Geral da ONU em Nova Iorque, aos 16 de Dezembro de 1966, que surgiram,
pois, com a finalidade de conferir uma dimensão jurídica e quiçá eficácia à Declaração, tendo o
primeiro pacto regulamentado os artigos 1º ao 21 da Declaração, e o segundo os artigos 22 a 28.

Nos últimos anos, os órgãos das Nações Unidas, ao prepararem instrumentos internacionais no
campo dos direitos humanos, têm evidenciado uma tendência crescente para se referirem não só à
Declaração, mas também a outros textos da Carta Internacional dos Direitos do Homem. Foi o

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caso, por exemplo, da Declaração sobre a Protecção da Mulher e da Criança em Situação de


Emergência e de Conflito Armado, proclamada em 1974; da Declaração Sobre a Utilização do
Progresso Tecnológico e Cientifico em Benefício da Paz e da Humanidade, proclamada em 1975,
e da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação por
motivos de Religião ou Credo, proclamados em 1981.

A mais significante mudança na arena internacional, depois da Segunda Guerra Mundial, foi o fim
da Guerra Fria, cujo evento final, foi simbolizado pela queda do muro de Berlim.

O novo cenário mundial, após queda do murro de Berlim, trouxe à tona um conjunto de polaridades
indefinidas, contrariamente ao que se verificava, anteriormente, com a bipolarização, bloco
socialista vs capitalista. O novo cenário trouxe processos de integração económica e política e
ainda a globalização da economia, por um lado. Por outro lado, forças de fragmentação
manifestaram-se em fenómenos como a sucessão de Estados, os conflitos étnicos, os
fundamentalismos religiosos, etc. factores que valorizaram a sublevação dos particularismos.

É perante essa nova realidade internacional que se realiza, em Viena, em Junho de 1993. A
Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que se tornou um ponto de referência no
discurso internacional dos direitos humanos, ao reafirmar a noção de indivisibilidade dos direitos
humanos, cujos preceitos devem aplicar-se tanto aos direitos civis e políticos, quanto aos direitos
económicos, sociais e culturais, tendo ainda sido enfatizados os chamados direitos humanos de
terceira geração, tais como o direito de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento
e os direitos ambientais.

O parágrafo 5º da Declaração e Programa de Acção de Viena, aprovada na referida Conferencia


Mundial sobre Direitos Humanos em 1993, dispõe que:

“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-


relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma
global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora
particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como
diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e
proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus
sistemas políticos, económicos e culturais”.

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Deste modo, com a Declaração e Programa de Acção de Viena, afasta-se a visão fragmentária e
hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos, e procura-se encontrar uma concepção
mais contemporânea dos direitos humanos. Como destaca Carlos Seis, insistir na ideia de
supremacia ou hierarquia de direitos, “além de consolidar a imprecisão da expressão em face da
noção contemporânea dos direitos humanos, pode se prestar a justificar políticas públicas que não
reconhecem indivisibilidade da dignidade humana e, portanto, dos direitos fundamentais,
geralmente em detrimento da implementação dos direitos económicos, sociais e culturais ou do
respeito aos direitos civis e políticos nos tratados internacionais já antes citados”.

No entanto, embora se tenha afirmado, desde a Declaração e Programa de Acção de Viena, a tese
da universalidade dos direitos humanos, ainda hoje, existem posições divergentes a argumentar
em favor do relativismo cultural dos direitos humanos.

Desse modo, as críticas dirigidas à concepção universalista dos direitos humanos podem ser
resumidas em 7 grandes categorias:

1) As noções de “direitos” inerentes aos direitos humanos contrapõem-se à noção de “deveres”


proclamada por muitos povos. Assim, tem-se indicado que toda a tradição dos direitos
humanos se cinge à ideia primordial de “direito”, deixando de lado a concepção de
“deveres”, que é defendida primordialmente por outras tradições como a Islâmica, por
exemplo. No entanto, podemos registar algumas visões mais eclécticas na história recente
dos direitos humanos, apresentando um balanço entre o foco nos direitos e deveres das
pessoas. Desde logo, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, por exemplo,
reconhece que o gozo dos direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada
um e reafirma que estes valores constantes da Carta Africana se inspiram nas virtudes das
suas tradições históricas e os valores da civilização africana que devem inspirar e
caracterizar as suas reflexões sobre a concepção dos direitos do homem e dos povos
2) O conceito de direitos humanos é fundado numa visão antropocêntrica do mundo, que não
é compartilhada por todas as culturas. O facto é que, se a doutrina ocidental dos direitos
humanos não se preocupa com as questões metafísicas relacionadas ao sentido da vida
como, por exemplo, “quem é o ser humano” ou “por que está aqui”, a visão corânica não
compreende qualquer noção do ser humano, seus direitos e responsabilidades, sem analisá-
las. Isso porque a tradição dos direitos humanos, tipicamente ocidental, pauta-se numa
visão antropocêntrica do mundo, enquanto outras culturas, como a islâmica, partem de uma
visão teológica
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3) A visão universal de direitos humanos nada mais é do que uma visão ocidental que se
pretende geral, traduzindo, portanto, certa forma de imperialismo; Assim, um dos
argumentos que se tem levantado, prende-se como facto de, por exemplo, na elaboração
dos documentos internacionais tais como a Declaração ou Pactos de Direitos Civis e
Políticos e o dos Direitos Económicos Sociais e Culturais terem sido elaborados por países
do Ocidente e sem uma representatividade global.
4) O universalismo analisa um homem descontextualizado, sendo que o homem se define por
seus particularismos (língua, cultura, costumes, valores…); Assim, para a visão relativista,
é importante que se tenha em consideração as particularidades dos homens.
5) A falta de adesão formal por parte de muitos Estados dos tratados de direitos humanos e/ou
a falta de políticas comprometidas com tais direitos são indicativos da impossibilidade de
universalismo; Aqui questiona-se o facto de muitos países não aderirem a muitos
instrumentos internacionais de direitos humanos e ainda o facto de continuarem a existir
violações massivas mesmo nos estados que tenha rectificado diversos instrumentos com
vista a protecção dos direitos humanos.
6) A protecção de direitos humanos acaba sendo muito mais um discurso utilizado como
elemento da política de relações exteriores do que, efectivamente, algo que esteja
desvinculado de interesses políticos e económicos particulares.
7) É preciso um grande desenvolvimento económico para efectivamente proteger e
implementar direitos humanos, e essa realidade não se verifica em muitos países
“subdesenvolvidos”, o que faz fracassar o discurso universal dos direitos humanos frente
às disparidades e dificuldades económicas.

Esses são os principais argumentos apresentados. No entanto, tais argumentos apresentados pelos
defensores da teoria relativista contrários à afirmação da universalidade dos direitos humanos
também se revelam contraditórios em alguns aspectos. Por exemplo, não é de ignorar o risco, ainda
que mínimo, de o argumento relativista, possa ser usado para legitimar actos atentatórios à
dignidade da pessoa humana, sob a veste de que quaisquer práticas seriam legítimas desde que
compartilhadas por uma comunidade o grupo, como por exemplo algumas práticas culturais
nocivas.

Convém, no entanto notar que, embora exista o debate sobre o universalismo e relativismo cultural
dos direitos humanos, na verdade a diversidade cultural não se opõe à universalidade dos direitos,

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mas sim a fortalece. Impõem-se, pois, a construção de um diálogo intercultural como forma de se
atingir a universalidade efectiva dos direitos.

Com efeito, é de notar que na actualidade, a construção e manutenção de valores universais como
a paz, desenvolvimento e boa governação tem tido os direitos humanos como um elemento
essencial para o alcance dos mesmos.

IV. Fontes dos Direitos Humanos

O artigo 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (ETIJ), contém a enumeração das


“fontes formais de direito internacional”, denominação atribuída a um conjunto de normas que
indicam o processo de formação e revelação das normas jurídicas internacionais.

Como discutido, os direitos humanos fazem parte do direito internacional público, por isso, que
as formas de formação e de revelação dos direitos humanos obedecem às mesmas regras vigentes
no direito internacional. Nestes termos o artigo 38 do ETIJ considera-se que o Tribunal, cuja
função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhes foram submetidas,
aplicará:

 Tratados internacionais

As convenções internacionais gerais, como as especiais, que estabeleçam regras expressamente


reconhecidas pelos Estados litigantes – para que um Estado faça parte de uma convenção e
consequentemente seja susceptível de ser demandado/questionado ou que possa prestar contas, em
relação ao seu desempenho no que se refere ao respeito, protecção e realização dos direitos
humanos previstos num determinado instrumento internacional é necessário que estes tenham
ratificado esse instrumento.

A Ratificação é “o acto interno pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu
consentimento em obrigar-se, por um acordo, celebrado ao nível internacional”, conforme define
a Convenção de Viena que dispõe sobre o Direito dos Tratados. Em outras palavras, trata-se do
processo de domesticação do documento no ordenamento jurídico nacional, confirmando o
compromisso do Estado de respeitar, obedecer e fazer cumprir as obrigações previstas em
determinado tratado perante a comunidade internacional.

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No ordenamento jurídico moçambicano as normas internacionais, validamente aprovadas e


ratificadas vigoram na ordem jurídica após a sua publicação no boletim oficial e enquanto
vinculam internacionalmente o Estado de Moçambique (nº 2 do art. 17 da Constituição).

Os Direitos humanos são caracterizados por multiplicidade de fontes convencionais.

 Costume Internacional

Trata-se de práticas gerais aceites como sendo direito, isto é, prática reiterada, com convicção de
obrigatoriedade.

Para que uma prática tenha qualidade do direito consuetudinário internacional, dois elementos
devem ser demonstrados: (i) opinioiuris, ou seja, a convicção por parte dos Estados que eles são
instados a adoptar tal conduta, e (ii) a prática reiterada dos Estados.

Para a nossa abordagem, importa referir que não podemos, de forma alguma, negar a
preponderância que assumiu o direito costumeiro como fonte de Direito Internacional. É hoje
impensável não considerar a validade da fonte costumeira. Aliás, é importante verificar que muitos
tratados internacionais se tornaram nos dias de hoje parte do direito consuetudinário internacional.

Desde logo, podemos apontar a Declaração que é hoje o documento mais importante já adoptado
pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Apesar de não tomar a forma de um tratado, sua história
o fez mais do que um instrumento que simplesmente oferece normas orientadoras. A ausência, por
muitos anos, de outros textos de referência, pois só foi em 1976 que os dois Pactos Internacionais
de Direitos Humanos entraram em vigor, criou condições para que a Declaração Universal gozasse
de uma autoridade incontestável.

Pode-se, com certeza, afirmar que as disposições da Declaração fazem parte do direito
consuetudinário internacional. Qualquer outro tratado de direitos humanos faz referência à
Declaração Universal, formulando suas disposições baseadas nos originais da Declaração. O que
comprova esta ilação é o facto de muitas constituições nacionais incorporem dispositivos chaves
da Declaração ou fazerem referência para fins de interpretação e integração de lacunas como é o
caso de Moçambique.

O Direito Internacional consuetudinário tem ainda um relevo importantíssimo na formação de


normas de IusCogens, ou seja, das normas de direito imperativo que regulam as relações entre os
sujeitos do direito internacional.

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A título exemplificativo, a proibição da escravatura, tortura e discriminação racial são normas de


iuscogens (normas imperativas). Estas normas de iuscogens são constituídas por um conjunto de
princípios erga omnes, que salvaguardam interesses da comunidade internacional, naõ estando
sujeitos ao seu consentimento. Trata-se de um direito inderrogável, que não pode ser afastado pelas
partes.

 Os Princípios Gerais de Direito Reconhecidos pelas Nações Civilizadas

Princípios gerais são normas internacionais imperativas nos termos do art. 53 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), que estatui o seguinte:

“É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflitue com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma
imperativa de Direito Internacional geral é aceite e reconhecida pela comunidade
internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é
permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior do Direito Internacional geral
da mesma natureza”.

Alguma controvérsia tem sido levantada sobre o que se deve entender pelos costumes aceites pelas
nações civilizadas. No entanto, tem sido comummente consideradas civilizadas as nações cuja
orem jurídica se baseia no princípio do Estado de Direito. Os princípios geria reproduzem-se nas
ordens jurídicas internas dos Estados, orientando-as, e também no plano internacional. Alguns são
concebidos e nascem no plano interno dos Estados, que são transferidos ao plano jurídico
internacional, enquanto outros também nascem e já regulam as relações entre os Estados. Como
exemplo de princípios comuns às ordens internas e internacionais, podem se apontar os princípios
de lex posterior derogat priori, pacta suntservanda, princípio dos direitos adquiridos e princípio
da coisa julgada.

Os Direitos humanos, no entanto, são informados por muitos outros princípios, sendo de destacar
os princípios de igualdade, não discriminação, liberdade, universalidade dos direitos humanos.

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 Doutrina, Jurisprudência e Equidade

O art. 38 do ETIJ menciona a doutrina, a jurisprudência e a equidade como métodos de


interpretação do Direito. Estes não têm sido considerados fontes de Direito internacional, mas sim
ferramentas de auxílio. São as chamadas fontes mediatas cujo principal papel é a persuasão.

No sistema africano temos várias decisões que foram tomadas pela Comissão Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos que apresenta uma interpretação que, de alguma forma, está a
contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Direito Internacional dos direitos
humanos do mundo. Um exemplo disso, pode ver-se no caso SERAC. V Nigéria, onde ficou
considerado que “é evidente que os direitos colectivos, os direitos ambientais e outros direitos
sociais e económicos são elementos essenciais dos direitos humanos em África e que não há na
Carta um único direito que não possa ser efectivado” trazendo aqui a característica da
interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos e a dos direitos implícitos.

No mesmo sentido, o caso Media Right Agenda e outra V Nigéria evidencia quais as únicas razões
legítimas para as limitações dos direitos e das liberdades na Carta Africana estão consagradas no
art. 27 nº 2, ao considerar que uma limitação não pode ter como consequência que o direito em si
seja ilusório.

Para além da jurisprudência, também temos como fontes materiais a doutrina, os escritos dos
professores de direitos de reconhecido mérito que servem de inspiração para a interpretação dos
direitos humanos. Nos seus escritos, estes de forma científica, trazem as várias formas de
interpretação dos instrumentos internacionais que podem servir de fundamento das decisões sobre
matérias de direitos humanos.

V. A questão das Responsabilidades face aos Direitos Humanos

A primeira questão que se coloca no que concerne à responsabilidade em face dos direitos
humanos é a seguinte: “ a quem cabe respeita-los ou garantir o seu respeito?” Parece óbvio que a
responsabilidade primária deva recair sobre o Estado, isto porque a presença e o poder da
autoridade estatal são tão dominantes em todas as esferas de nossas vidas que os direitos humanos
frequentemente são concebidos como um conjunto de princípios, ou pactos, entre o Estado e os
que são governados por ele.

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Desta feita, os principais deveres emergentes de direitos humanos não recaem sobre os indivíduos,
mas sim sobre os Estados entanto que poder ou autoridade pública. Por outras palavras, os Estados
são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos humanos, isto
porque, em princípio, os mais notáveis, abusos, omissões e transgressões no que concerne aos
direitos humanos, são de responsabilidade do Estado, por via de seus agentes e órgãos (polícia,
judiciário, legislativo, serviços públicos e política externa).

Argumenta-se, no entanto, que os direitos humanos vão além da relação entre o Estado e o
indivíduo, como refere Oscar Vilhena Vieira, por razões

1) Eles exigem submissão individual voluntária a uma obrigação correlata de respeitar


o direito dos outros e criam, portanto, obrigações intersubjectivas;
2) Eles são afectados, tanto positiva quanto negativamente, por autoridades não-
estatais;
3) O encolhimento dos mandatos dos Estados face ao progresso de globalização,
promove a redução do papel da autoridade pública.

Ademais, a própria linguagem da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art. 28,
menciona explicitamente a necessidade de uma protecção e respeito dos direitos humanos no seio
de “uma ordem social e internacional” o que implica outros agentes, incluindo indivíduos,
comunidades, outras autoridades não – estatais, corporações e a comunidade internacional como
sujeitos de obrigações em relação aos direitos humanos.

O facto é que tradicionalmente, os direitos humanos eram entendidos como uma limitação da
interferência do Estado, salvo quando tais interferências pudessem ser claramente justificadas por
lei. E, como tal, foi concebido que os Estados tinham apenas uma obrigação negativa de se abster
em interferir no direito dos cidadãos a desfrutar de uma vida com dignidade.

No entanto, a evolução da doutrina da responsabilidade do Estado sobre os direitos humanos


internacionais influenciou em grande medida a visão tradicional que se tinha sobre os direitos
humanos. Reconheceu-se, assim, que os princípios de direitos humanos não impõem apenas
obrigações negativas, mas impõem igualmente obrigações positivas para um Estado que se
compromete a aderir a um regime de direitos humanos e ainda para outros actores fora da esfera
Estatal.

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Aliás, a Assembleia Geral das Nações Unidas, reafirmando a importância da realização dos
objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas para a promoção e protecção de direitos
humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas em todos os países do mundo, adoptou
num passado recente, a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos
ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
universalmente Reconhecidos.

Este evento reafirma a transição da visão tradicional e restrita no que tange a quem deve ser
responsável por garantir o respeito, promoção e protecção dos direitos humanos, marcando a
passagem para uma visão mais ampla e necessária em face dos desenvolvimentos na arena
internacional com cada vez maior empoderamento de entes não estatais cujas acções têm impacto
nos direitos das pessoas.

A Responsabilidade do Estado face aos Direitos Humanos

Os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos
humanos. Assim, os direitos humanos geraram pelo menos quatro níveis de obrigações para os
Estados, ou seja, as obrigações de respeitar, proteger, promover e cumprir - e estas obrigações são
universalmente aplicáveis a todos os direitos.

A obrigação de respeitar é essencialmente uma obrigação negativa, isto é, o Estado deve abster-
se de praticar actos que ponham em perigo as pessoas, enquanto as obrigações de promover,
proteger e cumprir são essencialmente obrigações positivas, o que requer que o Estado tome
medidas legislativas, administrativas e outras para assegurar que as pessoas gozem dos seus
direitos humanos, bem como para proteger as pessoas contra violações de seus direitos por
terceiros.

Assim, a obrigação de respeitar, requer que o Estado se abstenha de qualquer medida que possa
privar as pessoas do gozo de seus direitos ou de capacidade para satisfazer esses direitos por seus
próprios esforços. Desde logo, em face do direito humano a um trabalho adequado, o Estado não
pode estabelecer legislação que anule ou contradiz os instrumentos internacionais que versem
sobre os direitos humanos nem restringir actividades dos sindicatos, por exemplo.

Por obrigação de promover os direitos humanos, entende-se que o Estado deve se certificar de que
os indivíduos são capazes de exercer direitos e liberdade, por exemplo, promovendo a tolerância,
sensibilização, e até mesmo a construção de infra-estruturas.

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Já, a obrigação de proteger exige que o Estado previna e sancione as violações dos direitos
humanos por parte de terceiros. Esta obrigação é normalmente considerada como uma função
central dos Estados, que têm de evitar que danos irreparáveis sejam causados aos cidadãos.
Impõem-se então aos Estados, (i) evitar violações de direitos por parte de qualquer indivíduo ou
actores não estatais, (ii) evitar e eliminar incentivos para violações dos direitos de terceiros e, (iii)
garantir aos recursos legais quando ocorram violações, a fim de evitar privações adicionais de
direitos humanos.

Por fim, a obrigação de cumprir requer que o Estado tome medidas para assegurar que as pessoas
sob a sua jurisdição gozem de oportunidades para obter a satisfação das necessidades básicas,
conforme estabelecido e reconhecido pelos instrumentos de direitos humanos. A Comissão
Africana de Direitos Humanos e dos Povos ao se pronunciar sobre esta obrigação, no âmbito da
responsabilidade do Estado sobre os direitos humanos, estabeleceu que esta poderia incluir a
prestação directa de necessidades básicas, como comia ou recursos que possam ser utilizados para
a alimentação (ajuda alimentar directa ou segurança social).

Embora esta seja a obrigação chave dos Estados em relação aos direitos económicos, sociais e
culturais, o dever de cumprir surge também no que diz respeito aos direitos civis e políticos. Desde
logo, com respeito ao direito ao voto, por exemplo, requer-se a formação de técnicos eleitorais e
medidas preventivas contra fraudes, o direito a um julgamento justo (o que exige investimentos
em tribunais e profissionais de direito qualificados), etc.

Uma das classificações mais importantes de direitos humanos é o que faz a distinção entre direitos
civis e políticos e direitos económicos, sociais e culturais. Assim, os direitos civis e políticos são
considerados aqueles expressos em uma linguagem muito clara e precisa (por exemplo, os direitos
à vida, a liberdade ou participação politica) que impõe apenas obrigações negativas aos Estados
uma vez que se parte do pressuposto de que não necessitam de recursos para a sua execução, e
que, portanto, podem ser aplicados imediatamente. Por outro lado, os direitos económicos, sociais
e culturais são considerados aqueles que tem sido expressos em termos vagos (por exemplo, o
direito à habitação, vestuário ou o direito à educação) e, impondo apenas obrigações positivas para
os Estados, sujeito à existência e disponibilidade de recursos e, consequentemente, envolvendo
uma realização progressiva.

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Portanto, não obstante esta classificação dos direitos humanos é inegável que as obrigações dos
Estados de respeitar, proteger, promover e garantir os direitos humanos são aplicáveis a todo tipo
de direitos.

A Responsabilidade dos Estados Privados

Toda a construção conceitual em torno dos direitos humanos esteve fundamentada na necessidade
de se limitar a actuação do Estado-opressor para garantir o respeito à liberdade dos indivíduos, ou
de se compelir o Estado-negligente a implementar determinados direitos, como são os casos dos
direitos sociais e dos direitos civis e políticos.

Dessa forma, a aplicabilidade dos direitos humanos – segundo a doutrina tradicional dominante
entre os séculos XVI e XIX – esteve permanentemente pautada numa relação vertical entre o
Estado e os cidadãos e não numa relação horizontal, isto é, nas relações de carácter privado Um
outro enfoque ainda carente de uma exploração teórica consolidado tem haver com a eficácia
horizontaldos direitos humanos, pela qual, em principio, os direitos humanos também devem ser
respeitados no âmbito das relações privadas.

O direito comparado contempla, basicamente, três teorias acerca da matéria:

i. A teoria do stateaction, que nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas, por defender que o único sujeito passivo daqueles direitos é o Estado;
ii. A teoria da eficácia indirecta e mediata dos direitos fundamentais na esfera
privada, segundo a qual a Constituição não autoriza os particulares em direitos
subjectivos privados, mas tão-somente orienta o legislador infraconstitucional na
elaboração das Leis de direito privado (predominante na Alemanha, Áustria e, de
certa forma, na Franca);
iii. A teoria da eficácia directa e imediata dos direitos fundamentais na seara privada,
segundo a qual tais direitos tem aplicabilidade plena nas relações interpessoais,
podendo ser suscitados directamente, independentemente de qualquer regulação do
legislador infraconstitucional, conferindo maior liberdade de actuação ao
magistrado em cada caso concreto.

Cumpre ressaltar que, pelo menos à primeira vista, esse novo âmbito de alcance dos direitos
humanos difere, sob certos aspectos, daquele verificado nas relações com os poderes constituídos,

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especialmente, quanto à sua força de incidência que é muito mais restrita no plano da autonomia
privada.

Entretanto, um lado importante que sobreleva observar é o seguinte: se os direitos humanos, na


sua perspectiva verticalizada, foram fruto da insurgência fáctica e filosófica em face do poder
monárquico medieval, ou das injustiças decorrentes do modo de produção capitalista, a
necessidade de conferir eficácia horizontal a esses mesmos direitos também se faz premente por
razões muito similares.

O evidente estado de desequilíbrio facilmente observado no campo das relações privadas, no qual
o poder económico, em especial, o das grandes corporações globalizadas, detém incontestável
domínio de decisão e preeminência, inclusive, na direcção de políticas públicas que deveriam
salvaguardar os próprios direitos humanos. Nesse sentido, a onda globalizante e a consagração das
concepções neoliberais figuram como contundente referencia de constatação do quanto o eixo
vertical dos direitos humanos deve ser ampliado para um enquadramento de ordem horizontal.

Apesar do facto dos Estados serem os principais detentores de obrigações vis-à-vis direitos
humanos, reconhece-se que os Estados também estão sob o dever de proteger os seus cidadãos das
acções negativas perpetradas por entes da esfera privada que possam colidir com os direitos dos
cidadãos.

A Comissão Africana afirmou que é obrigação dos governos proteger seus cidadãos contra actos
danosos praticados por particulares. Nesta senda, a Comissão reafirmou que os governos têm o
dever de proteger os seus cidadãos, não apenas através de legislação adequada e efectiva aplicação,
mas também protegendo-os de actos danosos exigindo-se então uma acção positiva por parte dos
governos no cumprimento de sua obrigação ao abrigo de instrumentos de direitos humanos.

Na mesma linha, a Comissão Interamericana declarou, no caso Velásquez Rodriguezvs Honduras


que quando um Estado permite que particulares ou um grupo de particulares aja livre e
impunemente em detrimento dos direitos humanos, isto constitui uma clara violação das suas
obrigações de proteger os direitos de seus cidadãos. De igual forma, o Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, em X e Y vs Holanda declarou que havia uma obrigação por parte das
autoridades em tomar medidas para se certificar de que o gozo dos direitos de uma pessoa não seja
interferido por qualquer outra entidade privada.

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Em 2005 as Nações Unidas apontaram um Representante Especial para o tema de Empresas e


Direitos Humanos (RESG) – o Professor John Ruggie, o qual foi lhe conferida a tarefa de
investigar um conjunto de matérias importantes sobre a relação entre os negócios e os direitos
humanos. A criação do RESG reforça o crescente reconhecimento internacional da importância
de se envolver as empresas na luta pelo respeito e protecção dos direitos humanos, tendo em conta
o impacto que elas têm na realização destes direitos.

Algumas das questões de direitos humanos muito importantes na intersecção entre os negócios e
os direitos humanos prendem-se com a marginalização dos direitos dos trabalhadores; a
necessidade de incluir aspectos de direitos humanos nas duedillegences comerciais e societárias
das empresas; o relacionamento das empresas com as comunidades locais residentes nas áreas de
investimento; os direitos da mulher trabalhadora, os direitos das crianças, etc.

Todos estes aspectos têm merecido atenção internacional e desde a criação do RESG pelo Ex-
Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, diversos estudos e relatórios têm sido
publicados, sendo que o mais importante deles é o relatório de Ruggie de 2008, intitulado
“Proteger, Respeitar e Remediar: o Quadro Legal para os Negócios e Direitos Humanos” segundo
o qual a responsabilidade das empresas sobre os direitos humanos assentaria em três elementos
básicos: Proteger, Respeitar e Remediar, ou seja, (i) os Estados têm o dever de proteger os cidadãos
contra todas as violações de direitos humanos cometidos por terceiros, incluindo violações
cometidas pelas empresas, por meio de políticas, normas, bem como processos judiciais adequados;
(ii) as empresas possuem a responsabilidade de respeitar as normas de direitos humanos tendo o
dever de evitar abusos de direitos humanos e tomar todas as medidas preventivas para o efeito; e
(iii) as vítimas de direitos humanos devem ter um maior acesso a mecanismos judiciais e não-
judiciais para denúncia de violações de direitos humanos perpetrados pelas empresas, bem como,
gozarem da adequada compensação pelas violações sofridas.

Na mesma senda, a Assembleia das Nações Unidas ao Adoptar a Declaração sobre o Direito e a
Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhecem, explicitamente, que indivíduos,
grupos e associações têm o direito e a responsabilidade de promoverem o respeito e o
conhecimento dos direitos humanos e liberdades fundamentais a nível nacional e internacional.

No entanto, uma pergunta crucial seria se de facto podemos estabelecer a responsabilidade directa
de actores não-estatais sobre violações de direitos humanos?

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De uma forma geral, a resposta tem sido, tradicionalmente, negativa, pelo menos a nível da
responsabilidade “civil”. Todavia, ao nível da responsabilidade “criminal” tem havido
responsabilidade directa dos indivíduos, pelo menos desde 1945 embora ainda de uma forma um
tanto quanto limitada.

De facto, se entende que actores não-estatais não podem ser responsáveis e responsabilizados a
luz do direito internacional dos direitos humanos uma vez que não existe um fórum com jurisdição
apropriada sobre eles, excepto nos casos de justiça penal internacional.

VI. Restrições e Limitações de Direitos Humanos

Em algumas situações, alguns direitos humanos podem entrar em choque com outros direitos
humanos e, por isso, tem de se buscar um justo equilíbrio entre os mesmos por forma a gerir
potenciais violações. Nestes casos de conflito entre direitos é necessário que se faça um juízo sobre
a prioridade de um sobre o outro. A decisão pode ser tomada tanto a nível judicial quanto pelo
legislador. O problema, no entanto, é decidir sobre tal prioridade e ainda encontrar os fundamentos
que legitimem a priorização de direitos. Torna-se então necessário que se estabeleçam regras que
permitam a clara destrinça entre os limites legítimos e ilegítimos, ou melhor entre os limites e
violações dos direitos.

Todavia, como muito bem diz Manfred Nowak são poucos os direitos humanos que são
considerados absolutos ou ilimitados, tais como a proibição da tortura ou escravatura.

Os tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, e
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, propõem um “teste de três etapas” para
determinar a legitimidade de restrições aos direitos humanos.

A primeira parte deste teste requer que a restrição seja prescrita por lei; a segunda requer que a
restrição ou limitação do direito tenha por fim servir a um propósito legítimo, e por fim aterceira
etapa do teste requer que seja uma restrição necessária numa sociedade aberta e democrática”.

Embora o teor dos requisitos necessários para avaliar a legitimidade das restrições de direitos
humanos possa variar de um tratado internacional para o outro, em todos eles está subjacente a
ideia do teste das três fases ou etapas. Por exemplo, o artigo 29 nº 2 da Declaração contém uma

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linguagem específica determinando que as restrições aos direitos e liberdades individuais apensas
devem ter como finalidade “…promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades
dos outros a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa
sociedade democrática” enquanto o PIDCP no que diz respeito ao direito a liberdade de expressão,
claramente determina, no seu artigo 19 nº 3, que restrições ou limitações aos direitos devem ter
previsão legal e serem necessárias para assegurar o “respeito dos direitos ou da reputação de
outrem” e ou à “salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moral
públicas”.

Ademais, podemos ainda destacar o parágrafo 2 do artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem que requer que as limitações aos direitos devam ser prescritas por lei, necessárias numa
sociedade democrática, e tendo como interesse a “segurança nacional”, “integridade territorial”,
“segurança pública”, “de prevenção de ordem ou de crime”, ou ainda a “protecção da saúde ou da
moral”, “protecção da reputação ou os direitos dos outros”, “impedir a divulgação de informações
confidenciais”, ou finalmente para “ garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.

Tanto na Declaração Universal dos Direitos do Homem como no Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem podemos encontrar especial
ênfase para a importância de avaliar a legitimidade das restrições numa “sociedade democrática”.
Tendo em conta que a enumeração de interesses a serem protegidos em caso de limitação de
direitos é ampla e de difícil definição, notamos que a interpretação que se dá aos mesmos varia de
uma sociedade para outra e de um sistema político para outro.

Na Carta Africana, por exemplo, existe provisão sobre as chamadas cláusulas claw-back, qua são
aliás, uma característica distintiva (e talvez uma das maiores fraquezas da Carta). Estas cláusulas,
permitem, em circunstâncias normais, a restrição de certos direitos, por uma série de razões, desde
logo o exercício da maioria dos direitos na Carta Africana está limitado abinitio por cláusula que
estatuem que os direitos devem ser usufruídos “nos termos da lei”.

Assim, as cláusulas claw-back constituem restrições ao permitir que um Estado possa restringir
direitos dentro dos limites “permitidos por lei”. O artigo 6º da Carta Africana, por exemplo, prevê
que “todo indivíduo tem direito à liberdade e à segurança da sua pessoa. Ninguém pode ser privado
da sua liberdade, salvo por motivos e nas condições previamente determinados pela lei”. Perante
esta disposição, o indivíduo é dado o direito e, simultaneamente, privado dele porque ela está
sujeita a restrições internas, que muitas vezes as podem privar de toda uma protecção legal.

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Existem muitas outras cláusulas claw-back na Carta Africana que se relacionam com o direito à
vida (artigo 4), à liberdade e à segurança da pessoa (artigo 6), as liberdades de profissão,
consciência e religião (artigo 8), a liberdade de associação (artigo 10), de reunião (artigo 11),
liberdade de movimento e residência (artigo 12) e ainda o direito de participar na governação
(artigo 13).

Portanto, ao contrário do regime de derrogações que muitos instrumentos internacionais prevêem


e que indicam claramente as situações em que tais derrogações e ou limitações devem ter lugar, a
Carta é silenciosa neste aspecto, deixando um amplo campo para limitações, nos termos das leis
estaduais.

VII. Direitos Humanos e seu Impacto na Paz e Segurança das Nações

Conforme tivemos oportunidade de abordar, os direitos humanos são amplamente baseados em


valores morais e preferências filosóficas. Como tal, eles tendem a ser entendidos como abstractos
esforços intelectuais. No entanto, é inegável que o respeito pelos direitos humanos tem tido um
impacto enorme nos dias de hoje, que inclui a construção e manutenção da paz e segurança a nível
individual, nacional e global.

Desde logo, a busca pelo respeito e observância dos direitos humanos, na sua essência reflecte a
busca pelo respeito e observância da integridade física e moral dos indivíduos. A ideia da
inviolabilidade dos direitos e liberdades fundamentais visa proteger o indivíduo como um agente
independente e moral. Por outro lado, uma política de respeito pelos direitos humanos constitui
um dos pré-requisitos para o alcance de segurança nacional, isto é, a paz interna baseada num
amplo consenso social sobre a legitimidade de um dado regime político em vigência num Estado.

Desta feita, tem se afirmado que:

“A protecção efectiva dos direitos humanos promove a paz e a estabilidade em âmbito


nacional, não apenas permitindo que as pessoas usufruam de seus direitos e liberdades
básicas, mas também proporcionando uma estrutura básica democrática, cultural,
económica, política e social, dentro da qual os conflitos podem ser solucionados de modo
pacífico. A protecção efectiva dos direitos humanos é, em consequência, uma condição
prévia essencial para a paz e a justiça no âmbito internacional, visto que estabelece

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salvaguardas que oferecem à população meios para aliviar a tensão social no âmbito
doméstico, antes que a mesma alcance proporções que criem uma ameaça em larga escala”.

Existe pois, um amplo entendimento de que os direitos humanos tornaram-se um assunto global
dentro do qual surgiu uma multiplicidade de ligações e interconexões que envolvem, mas, também,
transcendem, os Estados. Como resultado, as violações dos direitos humanos num país podem
criar consequências sem precedentes noutros países, povos e indivíduos. Numa era em que os
limites territoriais se estão tornando cada vez mais penetráveis, implicações transnacionais de
violações dos direitos humanos acabam por ser inevitáveis. O fluxo maciço de refugiados em
função de situações que perigam os direitos das pessoas, são, apenas, um exemplo disso.

O Artigo 1º da Carta das Nações Unidas, e ainda, os primeiros parágrafos do preâmbulo da


Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como dos dois Pactos Internacionais,
transparecem o ideal de que a protecção efectiva dos direitos humanos no âmbito nacional é a base
para a justiça, paz e desenvolvimento social e económicos no mundo.

Se, por um lado, o respeito pelos direitos humanos aumenta a segurança nacional, por outro, a sua
violação coloca em risco não só a paz e segurança nacionais, como também, a paz e segurança
internacionais.

Esta constatação, favorece o entendimento de que a busca da paz e segurança mundiais começa
com a melhoria das condições dos direitos humanos a nível nacional, já que existe uma ligação
entre a segurança individual, nacional e global, justifica a preocupação com o destino dos
indivíduos em todos os lugares, como parte de uma pesquisa para a segurança global.

VIII. Interpretação dos Direitos Humanos

O processo da interpretação das leis constitui o coração da profissão jurídica, na medida em que o
jurista é constantemente confrontado com a necessidade de ter de revelar o sentido das normas
jurídicas, isto porque, nem sempre, o autor da norma consegue exprimir com exactidão o seu
pensamento em palavras. Mesmo um texto aparentemente simples pode suscitar dúvidas sobre o
respectivo sentido. Veja-se, a título de exemplo, a frase seguinte:

O estudante falou com o professor e ficou esclarecido.


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Esta frase pode significar duas coisas. Em primeiro lugar, pode querer dizer que depois da conversa
entre o professor e o estudante, o professor ficou esclarecido. Mas, também, o seu autor pode ter
querido dizer que da conversa entre o professor e o estudante, este (o estudante) é que ficou
esclarecido e não o professor.

Se o texto do exemplo acima analisado fosse uma norma jurídica, o aplicador deveria tentar
recuperar o verdadeiro sentido pretendido pelo seu autor ao tê-la formulado naqueles termos. Por
isso que alguns autores afirmam que nenhuma norma está isenta de interpretação, por muito clara
que ela se apresente.

De um modo geral, é lícito afirmar que nenhuma norma está livre da incerteza do seu sentido, uma
vez que as palavras que expressam o pensamento do legislador podem ter diversos significados.
Aliás, mesmo palavras sinónimas, podem ter significados diferentes quando colocadas em
diferentes contextos textuais.

É por esta razão que a hermenêutica jurídica ocupa um lugar central no estudo do Direito, na
medida em que a interpretação das leis constitui uma ferramenta de trabalho de qualquer
profissional da área jurídica.

Normalmente, os processos de interpretação da lei costumam ser categorizados do seguinte modo:

a) Quanto ao autor da interpretação: distingue-se entre a interpretação autêntica, doutrinal e


jurisprudencial, consoante ela for feita pelo autor da norma, pelos jurisconsultos
académicos ou pelos tribunais, respectivamente;
b) Quanto ao modo de interpretação: a doutrina encontra diferenças entre a interpretação
literal e interpretação teleológica, porque enquanto esta última procura obter o sentido da
norma através da lógica das coisas, recorrendo para o efeito a vários processos técnicos,
quais sejam:

 O recurso aos trabalhos preparatórios para obter o pensamento do legislador


a partir dos documentos produzidos na fase da elaboração da lei. Diz-se
neste caso, tratar-se de uma interpretação menslegis.

 Um outro processo técnico pode consistir na recuperação do contexto


histórico, social, económico ou político em que a norma foi feita, de modo
a obter-se o seu sentido tendo em conta as circunstâncias em que ela foi
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emanada. Esta é a interpretação occasiolegis. O sentido da norma pode ser


encontrado a partir da sua conjugação com as demais normas em vigor,
determinando-se a coerência sistemática. A este processo interpretativo,
corresponde a designação interpretação sistemática.

 Por último, partindo-se da ideia de que com a adopção de uma norma o


legislador pretende resolver um problema ou atingir um determinado
objectivo, o sentido da norma pode ser encontrado na sua própria razão de
ser. Esta é a interpretação ratio legis.

Estas técnicas interpretativas têm a sua importância para os direitos humanos, na medida em que
a busca do sentido da norma pode implicar o recurso a estes vários processos metodológicos. É,
pois, de se concordar com autores como Boaventura Sousa Santos, sociólogo português, segundo
o qual sendo os direitos humanos um artefacto cultural, a sua hermenêutica exige um diálogo
cultural, ou seja, como escreve Maurício Bechot, os direitos humanos podem ser vistos como
artefactos da história moderna e como produtos culturais, devendo ser compreendidos filosófica e
culturalmente como forma de reacção perante a realidade, pressupondo, num caso como no outro,
uma hermenêutica aberta e dialógica sobre os demais sistemas.

Já a interpretação literal recorre apenas ao sentido das palavras do texto legal para extrair o
conteúdo da norma. Nesta forma de interpretação, o aplicador da norma limita-se a ler o seu texto
e chegar à conclusão sobre o seu verdadeiro sentido.

c) Quanto ao resultado: a interpretação da lei pode ser classificada em declarativa, aquela


que se limita a extrair o sentido da norma, coincidente com o respectivo texto legal. A
interpretação restritiva, aquela a que se chega quando do processo interpretativo conclui-
se que o legislador disse mais do que deveria ter dito. Pode-se ter, igualmente, a
interpretação extensiva, quando o intérprete conclui que o legislador disse menos do que
deveria ter dito.

O resultado interpretativo da norma pode dar lugar, também, à interpretação actualista, que tem a
ver com o facto de se chegar à conclusão de que o contexto histórico, social, político ou económico
em que a norma foi elaborada evoluiu a ponto de deixá-la desajustada, mostrando-se necessário
dar-lhe, por via de interpretação, um sentido mais consentâneo com as condições do momento em
que ela for interpretada.

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Mas estas são apenas técnicas de carácter geral que, embora ajudem na interpretação de qualquer
norma, carecem de adaptação para casos específicos, consoante o domínio de regulação jurídica.
No campo dos direitos humanos, cuja função é, por um lado, garantir a dignidade de pessoa
humana, concedendo-lhe direitos, liberdades e garantias; e por outro, limitar os poderes,
particularmente, os poderes públicos, mas não só, as regras de interpretação apresentam
particularidades que acrescentam ou retiram algo nas técnicas atrás mencionadas.

Desde logo porque a fonte primária das normas de direitos humanos são as convenções e tratados
internacionais cuja interpretação segue, ainda, as regras consagradas na Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados segundo a qual “Um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o
sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objectivo e
finalidade”.

Raramente os dispositivos de tratados de direitos humanos são tão claros a ponto de a sua
interpretação bastar-se com uma simples análise textual do dito dispositivo satisfaria o intérprete.
Muitas vezes, o sentido do texto de um Tratado não pode ser determinado sem se considerar o seu
contexto, o qual inclui o texto do tratado no seu todo, incluindo o respectivo preâmbulo. Por essa
razão, a sua interpretação segue o regime estabelecido pela Convenção de Viena.

Segundo VILLIGER a interpretação à Luz de seu objectivo e finalidade e de boa-fé, a que se refere
a Convenção, procura assegurar a efectividade dos dispositivos do tratado. Isto é importante, ma
medida em que, sendo os tratados de direitos humanos relativos a direitos e liberdades, as normas
que os consagram pretendem garantir à pessoa um espaço de inviolabilidade da sai dignidade
humana. Por isso mesmo, a limitação desse espaço de liberdade só é admissível nos casos
expressamente previstos nas normas convencionais.

Neste quadro, só o órgão autor do Tratado é que pode limitar um direito humano ou permitir
limitação, através de outras normas que constem de outros Tratados.

Daí que se diz que, em matéria de direitos humanos, não é lícita e nem é permitida a interpretação
restritiva de um direito ou uma liberdade fundamental, porquanto se essa faculdade fosse admitida,
então o intérprete defraudaria o sentido do princípio da tipicidade das restrições aos direitos
humanos. Com efeito, só o legislador é que pode restringir um direito humano, então, não pode o
intérprete substitui-se ao legislador para introduzir limitações não expressamente previstas na lei.
Por isso, escreve Magnus KILLANDER, que o objectivo e finalidade dos tratados de direitos
humanos e o critério de efectividade pressupõem uma interpretação não restritiva destes tratados.
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Como corolário desta proibição da interpretação restritiva dos direitos humanos, a doutrina e a
jurisprudência tem entendido que a interpretação conforme o objectivo de um tratado de direitos
humanos, com vista a dar maior efectividade às suas normas, implica que numa situação de dúvida
sobre o verdadeiro sentido de uma norma, há que interpretar a norma em sentido mais favorável
aos direitos humanos. In dúbio pro direito ou liberdade fundamental. Numa das suas Sentença do
Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, fundamentou a sua decisão, dizendo que ao
interpretar a Convenção [interamericana dos direitos humanos], deve-se escolher a opção mais
favorável para a protecção dos direitos consagrados nesse instrumento, com base no princípio da
regra mais favorável ao ser humano. Veja o seguinte exemplo: De acordo com o n.°1 do artigo
70 da Lei do Trabalho, As relações de trabalho podem ser modificadas por acordo das partes ou
mediante decisão unilateral do empregador, nos casos e limites previstos na lei.

Acontece que, o n.°1 do artigo 72 da mesma lei, dispõe o seguinte: O trabalhador deve
desempenhar a actividade definida no objecto do contrato e não ser colocado em categoria
profissional inferior aquela para que foi contratado ou promovido, salvo se verificarem os
fundamentos previstos na presente Lei ou mediante acordo das partes. Da conjugação das duas
normas, resulta a dúvida de saber se o disposto no n°1 do artigo 72 da Lei do Trabalho, permite
ao empregador mudar unilateralmente o objecto do trabalhador, desde que essa mudança se funde
num dos fundamentos do artigo 71 da mesma lei.

Ora, interpretando o sentido da norma do n°1 do artigo 72 da Lei do Trabalho à luz do direito
humano, que integra a liberdade de escolha de profissão e a proibição do trabalho forcado, resulta
ser duvidoso que o legislador quisesse atribuir ao empregador a faculdade de atribuir
unilateralmente ao trabalhador uma nova profissão, a pretexto de necessidades objectivas da
empresa.

Numa situação destas, sendo duvidoso o sentido da norma do n. °1 do artigo 72 da Lei do Trabalho,
há que interpreta-la em sentido favorável ao direito humano ao trabalho, passando a entender-se
que as mudanças unilaterais do objecto do contrato de trabalho, desde que isso não implique a
alteração da profissão do trabalhador Do que se acabou de dizer resulta um outro corolário de que
é admissível a interpretação restritiva das normas de direitos humanos, desde que essa restrição se
torne favorável à efectividade do direito humano. Ou seja, como se viu no exemplo anterior,
aparentemente, o legislador laboral disse mais do que deveria ter dito no artigo 72, dai que, se
possa interpretar restritivamente este dispositivo legal, de modo a não abranger as situações que
permitissem a violação da liberdade de escolha da profissão e a proibição do trabalho forçado.
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Muitos autores dos direitos humanos sublinham a interpretação virada para dar sentido útil e
efectivo - the rules ofeffectiveness - aos direitos humanos como denominador comum da
hermenêutica dos direitos humanos que na jurisprudência do sistema europeu dos direitos
humanos é aquela que parte do objecto e objectivos de um tratado de direitos humanos como um
instrumento emanado com o fim de providenciar protecção aos seres humanos, finalidade tal que
pressupõe que as disposições dos tratados de direitos humanos sejam interpretadas e aplicadas de
modo a tornar as suas garantias efectivas e práticas. Porem, a interpretação dos direitos humanos
deve ser evolutiva dos respectivos tratados, uma vez que os direitos humanos, como disse atrás,
são existenciais, porquanto evoluem ao longo do tempo, com as implicações que isso traz
relativamente ao seu conteúdo. No caso Loizidou v. Turkey, o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos fundamentou a sua decisão com o entendimento de que a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos era um instrumento com vida, devendo, por isso, ser interpretado à luz das
condições vigentes no momento e não apenas na base da intenção dos autores da Convenção
vazadas no texto há várias décadas Já o Tribunal interamericano dos Direitos Humanos, alinhando
no mesmo sentido, entende que é prudente interpretar o sistema interamericano dos direitos
humanos à luz da evolução verificada desde a adopção da Declaração Universal, do que
permanecer agarrado aos valores normativos e significado que se acreditou que essas normas
tinham quando foram elaboradas em 1948.

Esta interpretação é a interpretação actualista da norma que se viu atrás, que procura ajustar o
sentido na norma ao contexto do momento político, social, económico e cultural prevalecente no
momento da sua interpretação.

A Convenção de Viena, em referência, estipula que qualquer acordo posterior ou prática do estado
que indique o acordo a regras pertinentes ao direito internacional devem ser levados em
consideração ao interpretar o tratado. Esta posição é tida como fundamento para incluir a prática
jurisprudencial como critério interpretativo dos tratados relativos aos direitos humanos, nos
sentido de essa prática jurisprudencial constituir uma espécie de costume interpretativo a partir do
qual se funda o entendimento do sentido das disposições de determinada Convenção.

Uma outra regra de interpretação dos direitos humanos é a chamada interpretação autónoma,
segundo a qual é importante distinguir o conteúdo e conceitos do direito interno em relação ao
direito internacional em que assentam os direitos humanos. A jurisprudência que segue este
entendimento, assume que os termos de um tratado internacional dos direitos humanos tem um
significado próprio e por forca do qual não se lhes pode dar sentido equivalente aquele que é
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dado aos mesmos termos pelo direito interno. Na verdade, este é um princípio interpretativo muito
importante porque evita que os Estados usem o seu direito interno para derrogar o conteúdo das
normas constantes dos tratados de direitos humanos, o que limitaria a efectividade da garantia dos
direitos humanos.

Leituras Complementares

Nowak Manfred, Introduction to International Human Rights. Martinus Nijhoff, Publishers. 2002.
The Netherland

Adjovi, Roland, L’Union africaine etude critique d’un project ambiteux, in Revenue Juridique et
Politique, independence et cooperation, nº 1, Janvier-mars. 2002

Reinado Pereira e Silva, Novos Direitos: Conquista e Desafios, Juruá editora, 2008.

Andrade, José, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Editora Almedina.

Canotilho, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7º edição.

Viera, Óscar Vilhena Viera, Reflexões acerca da Sociedade civil e dos direitos humanos, Revista
Sur Sur, Revista Internacional de Direitos Humanos. Volume nº 1. São Paulo, 2004.

Centro de Acção dos Direitos Sociais (SERAC) e Outros V Nigéria, 2001.

Legislação

Constituição da República de Moçambique, aprovada na A.R, em 16 de Novembro de 2004;

Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, adoptado em 22 de Maio de 1969.

Actividade

1. Existe alguma diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais.

2. Enuncie as principais as principais fontes dos Direitos Humanos.

3. Quais são as principais responsabilidades do Estado face aos Direitos Humanos.


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UNIDADE TEMATICA II

DIREITOS HUMANOS SUBSTANTIVOS

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

 Entender a problemática dos direitos civis versus políticos;

 Entender a destrinca que existe entre os direitos económicos, sociais e culturais e os


direitos colectivos.

I. Notas Introdutórias

Os direitos humanos são, normalmente, encarados do ponto de vista seu ‘’Standard’’ e do ponto
de vista ‘’supervision’’. Fala-se em ‘’humanrightstandard’’ de um direito humano quando se
analisa o seu conteúdo tal e qual é e foi consagrado nos diversos instrumentos, quer universais,
quer regionais. Na vertente de supervisão, estuda-se a dinâmica de protecção dos direitos humanos,
matéria que neste manual se encontra reservada para parte relativa ao direito institucional e
processual.

Em boa verdade, no estudo de qualquer direito, é importante a descrição da sua essência, ou seja,
o seu conteúdo jurídico, de modo a que fique claro quais as implicações positivas (as faculdades
a exercer) e negativas (os limites do exercício das faculdades) decorrentes da titularidade de um
direito. Outrossim, porque a titularidade de um direito determina a existência de deveres para
terceiros, é justo que estes saibam o que legalmente se espera deles face ao direito em causa.

Toas estas questões prendem-se com a problemática da substancia de um direito, na qual se integra
o tema dos direitos humanos substantivos, cujo objectivo é permitir ao estudante desenvolver
competências de aplicação pratica dos instrumentos que consagram os direitos humanos.

Exemplificando: suponha que um cidadão se candidata a um emprego. Após ser aprovado em


várias fases de selecção, foi-lhe informado que a condição para a celebração do contrato de
trabalho é submeter-se a um exame médico, do qual ele veio, efectivamente, a ser declarado
seropositivo. Consequentemente, o candidato ficou privado do emprego. Neste exemplo, emergem
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varias situações cuja análise e solução depende do conhecimento dos direitos substantivos
envolvidos e, sobretudo, do conteúdo desses mesmos direitos. Pode-se invocar, no caso, que a
situação envolve direitos humanos substantivos como o direito humano ao trabalho, a proibição
de discriminação, o direito à privacidade, etc.

Porem, não bastara a mera indicação desses direitos, na medida em que, no caso concreto, importa
a sua operacionalização com vista à solução do caso, ou seja, determinar se terá havido alguma
violação de direitos de que o candidato é titular.

Portanto, o estudo da dimensão substantiva dos direitos humanos, matéria que constitui este
capítulo, é importantíssimo. No entanto, dada a sua multiplicidade e complexidade, não serão
abordados todos os direitos humanos substantivos, mas, sim, os mais frequentemente invocados,
os quais podem ser categorizados em vários grupos

Para efeitos metodológicos, sem prejuízo da interdependência e indivisibilidade dos direitos


humanos, a orientação sistemática desta unidade divide entre os direitos substantivos em Direitos
Civis e Políticos (I), Direitos Económicos, Sociais e Culturais (II) e os Direitos Colectivos (III).

II. Direitos Civis e Políticos

O Direito à vida

Com referência à dignidade da pessoa humana, o direito à vida é o centro de todos os demais
direitos porque é em torno dele que se desenvolvem outros direitos humanos, para alem disso, o
efectivo gozo dos outros direitos humanos depende da vida. Por isso, o direito à vida é o direito
humano básico.

Integrado na ordem jurídica, a vida é um bem jurídico digno de tutela jurídica, elevado a categoria
dos direitos humanos, por se ter considerado inerente à pessoa humana. A inerência da vida em
relação à pessoa humana traduz a inseparabilidade entre o bem jurídico vida e a a pessoa humana,
dai o direito à vida ser intransmissível e indisponível. É por esta razão, por exemplo, que a tentativa
de suicídio é punível por lei, na medida em que aquele que tenta suicidar-se pretende dispor de
algo que é indisponível.

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O direito à vida encontra-se consagrado no artigo 3 da Declaração Universal (DU), no artigo 6 do


Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e no artigo 4 da Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos. Para além destes instrumentos de carácter geral, este direito
encontra-se consagrado em outros instrumentos aplicáveis a grupos específicos, tais como na
convenção dos direitos da criança, a convenção relativa à eliminação de todas as formas de
discriminação da mulher.

Nenhum dos instrumentos acima referidos define o direito à vida, sendo certo que uma tal tentativa
seria sempre arriscada, uma vez que a dimensão deste direito é amplíssima e multifacetada,
compreendendo valores biológicos, religiosos, culturais, etc. O mais importante é o
reconhecimento de que o ser humano, pelo simples facto de o ser, tem o direito de viver.

O conteúdo deste direito compreende deveres positivos e negativos para os Estados. Em primeiro
lugar, conforme dispõe a segunda parte do n° 1 do artigo 6 do PIDCP, o direito à vida será
protegido por leis, impondo-se ao Estado a adopção de leis que protejam a vida dos seus cidadãos.
Por exemplo, é no contexto desta obrigação de proteger a vida através de leis que, se justifica tal
opção, vendo-se que em tais casos, o direito à vida estende-se à vida intra-uterina.

Mas, devido à dimensão multifacetada do direito à vida, o PIDCP optou por uma solução de
compromisso, no que diz respeito ao conteúdo negativo deste direito. Em geral, ele impõe que
nenhum Estado retire o direito à vida dos seus cidadãos, no entanto, nos casos em que os valores
próprios de cada sociedade permitirem o recurso à pena de morte, esta poderá ser imposta apenas
nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente na época em que o
crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do Pacto, nem coma
Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena
em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

Em termos jurídicos e práticos, as obrigações do Estado decorrentes do direito à vida devem ser
avaliados em função da relevância do contributo que a sua conduta do Estado teve na protecção
ou não protecção efectiva do direito à vida. Por exemplo, a obrigação de proteger a vida não se
deve resumir, apenas, na criação de normas que condicionem o uso de armas letais pelos agentes
de manutenção da lei e ordem. É ainda necessário que, em caso de ocorrência de um incidente que
envolva a morte de alguém, o Estado tome diligências de investigação das circunstâncias em que
ela ocorreu, que sejam punidos os seus agentes e que seja posto em prática um mecanismo que
evite semelhante ocorrência no futuro.

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Igualmente, o direito à vida implica a protecção eficaz de outros direitos humanos, tais como o
direito à saúde, provimento de água potável, a garantia de alimentação adequada e a segurança
nutricional.

O direito à liberdade e segurança


Essencialmente, o direito à liberdade e à segurança, reportam-se ao direito de o cidadão não ser
arbitrariamente preso ou encarcerado, impondo-se que o Estado deva ter um sistema penal
constituído por leis penais e processuais a partir das quais qualquer individuo saiba, previamente,
em que condições a sua liberdade pode ser coarctada através de prisão ou outras medidas
alternativas à prisão, mas aplicáveis no contexto de um eventual crime cometido por ele.

De acordo com o artigo 9 do PIDCP, toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais,
devendo garantir-se que ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente e que ninguém
poderá ser privado da sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com
os procedimentos nela estabelecidos. Além do PICDP, este direito consta do artio3 da Declaração
Universal e do artigo 6 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP).

Portanto, conforme proclamado na Declaração Francesa, as pessoas nascem livres e,


consequentemente, devem gozar dessa liberdade ao longo de toda a sua vida. Não se deve limitar
essa liberdade, senão nos casos em que a lei, expressamente, determine as condições em que essa
limitação deve ocorrer. Além de gozar da liberdade, o cidadão deve ver a sua segurança garantida
pelo Estado.

A propósito da liberdade e da segurança, dizia Jean-Jacques ROUSSEAU que ‘’renunciar à


liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios
deveres. Não há recompensa possível para a quem tudo renuncia. Tal renúncia não se compadece
com a natureza do Homem, e destituir-se voluntariamente de toda e qualquer liberdade equivale
excluir a moralidade de suas acções’’. Percebe-se, neste contexto de Rousseau que a liberdade e
segurança são direitos inerentes e inalienáveis, porquanto são pertinentes à própria natureza
humana.

Convém, no entanto, esclarecer que o ideal de segurança não se limita, apenas, aos aspectos
pertinentes à garantia de que o cidadão não será preso arbitrariamente, pois, conforme refere a
doutrina, o conceito de segurança é expansivo. No domínio social, o cidadão tem o direito à
segurança (social) contra os riscos sociais da doença, velhice, desemprego, miséria, etc.

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Mas, também, no âmbito da luta contra a criminalidade, como maior enfoque contra os actos de
terrorismo, o cidadão tem o direito de ver a sua segurança pessoal garantida através de mecanismos
postos em prática pelo Estado para evitar a ocorrência de actos criminais e terroristas, incluindo,
o que pode justificar, em alguns caos, a limitação da própria liberdade. Alisa, diz-se ate que o valor
de liberdade sofre uma ameaça crescente dada a expansão da garantia do valor se segurança.

No entanto, vale a pena referir que apesar da necessária repulsa e repressão das consequências
nefastas advindas dos ilícitos praticados por delinquentes, o direito à segurança, a ser provido pelo
Estado, não pode ser colocado acima do direito e da moral, a ponto de permitir que as autoridades
públicas se sirvam de quaisquer meios que entender necessários para alcançar os seus fins, pois
nenhuma actividade estatal pode ser empreendida com desprezo da dignidade humana.

O Direito a Tratamento Igual e de não ser Discriminado


Os homens, para além de nascerem livres, nascem iguais em dignidade e em direitos por isso
devem ser tratadas de modo igual pelas leis dos Estados de que sejam cidadãos,
independentemente da sua origem racial, étnica ou filiação religiosa, partidária ou de qualquer
outra natureza. Segundo Boaventura Souza Santos, o direito a igualdade de tratamento é chamado
quando o tratamento desigual inferioriza a pessoa na sua dignidade. Pelo contrário, a invocação
do necessário tratamento desigual é chamado quando o tratamento igual descaracteriza a pessoa
humana na sua dignidade.

Em termos práticos, é fácil perceber o fundamento da posição do Prof. Boaventura Sousa Santos,
pois, o princípio da igualdade significa, simultaneamente, tratar de modo igual, o que for igual, do
mesmo modo que se deve tratar de forma desigual aqueles que não estão em igualdade de
circunstâncias objectivas, possa haver tratamento diferenciado das pessoas se critérios objectos,
mostrar-se justo este tratamento desigual.

É essa filosofia que permite a adopção das chamadas acções afirmativas ou discriminação positiva,
através da qual as pessoas são intencionalmente tratadas de forma desigual, mas com o objectivo
de compensar algum privilégio que algumas possam ter por razoes históricas, culturais, sociais,
físicas, ou de outra natureza. Historicamente, o Apartheid concedeu privilégios ilimitados e
injustos à população de raça branca na África do Sul, fazendo sentido, hoje, que as leis concedam
um tratamento favorável aos negros sul-africanos em matéria de acesso ao emprego, ensino
superior, etc. este tratamento diferenciado não fere o conceito da dignidade, visto que ele visa
corrigir um desequilíbrio social entre a população branca e negra.

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Segundo Gomes Canotilho, o princípio da igualdade, não só significa que a lei deve tratar de modo
igual as pessoas, como também que a lei deve ser aplicada de modo igual para todas as pessoas.
Neste sentido, fala-se do princípio da igualdade enquanto princípio estruturante do Estado do
Direito. Contudo, para o autor em referência, este princípio transcende o Estado do Direito, na
medida em que é aplicável ao Estado Social e por forca dele os cidadãos devem gozar de igualdade
de oportunidades perante a lei.

A manifestação da proibição da discriminação e do direito a tratamento igual encontra-se plasmada


no artigo 1 da DU, no artigo 2 do PIDCP e artigo 2 da CADHP.

O direito de acesso a justiça


De acordo com o artigo 14 do PIDCP, todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes
de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e as Cortes de Justiça. Toda
pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação
de carácter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de
carácter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou na totalidade de um
julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma
sociedade democrática, que quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida
em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas
quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença
proferida em matéria penal ou civil devera tornar-se pública, a menos que o interesse de menores
exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela
de menores.

Este é o direito de acesso à justiça cujo conteúdo é vasto. Em primeiro lugar, conforme ressalta do
dispositivo legal em referência, o cidadão tem o direito de acesso físico aos tribunais, decorrendo
dai que o Estado tem o dever de criar tribunais e dota-los de recursos humanos e materiais
necessários ao seu funcionamento para satisfazer a demanda da justiça. Tal acesso físico inclui,
ainda, o direito de ter o tribunal a funcionar o mais próximo possível dos utentes

Porem, o direito humano de acesso à justiça não se preenche somente com a criação de tribunais,
sendo, ainda necessário que o Estado garanta que os tribunais actuem de forma independente e
imparcial. Isto é, que as decisões proferidas pelos tribunais não resultem de pressões ou influencia
de qualquer natureza exercida sobre os magistrados, impondo-se, em primeira linha a criação de

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garantias dessa independência através, por exemplo, do regime de incompatibilidades da função


de Magistrado com a de outras funções, a proibição dos magistrados se filiarem em algumas
organizações de carácter politico ou religioso que alguma forma pudessem exercer-lhes alguma
influência.

Da igualdade dos cidadãos perante a lei, decorre, segundo K. Hesse, citado por Gomes Canotilho
a exigência de que as leis devam ser aplicadas sem olhar às pessoas, isto é, os tribunais julgam de
acordo com os factos e o sentido objectivo da lei, não devendo beneficiar ou prejudicar ninguém
em razão da sua condição social, politica, étnica ou racial.

O direito de acesso à justiça tem outras vertentes processuais, designadamente o direito de


contraditório, ou seja, a condenação por um tribunal passa necessariamente da audição do
interessado e onde ele poderá exercer a sua defesa através, inclusive, de um defenso a sua escolha.
Além do direito de ser ouvido, o cidadão tem o direito a que o seu caso seja julgado em tempo
razoável, ou seja, a ser julgado sem dilações indevidas.

Este direito integra, também, o direito ao recurso contra as decisões condenatórias, o que lhe
habilita a que exija que o seu caso seja reexaminado por um outro tribunal de recurso.

O direito de acesso à justiça é garantido pelos artigos 8 e 10 da DUDH e pelo artigo 7 da CADHP,
para além do já citado artigo 14 do PIDCP.

O direito ao mecanismo de protecção efectivo e o direito a reparação em direitos humanos


A noção clássica de responsabilidade, implica a ideia de obrigação de reparação de um dano. Nesta
concepção conservadora, o prejuízo é o centro gravitacional do instituto da responsabilidade. Não
haveria de se falar em responsabilidade quando o afecto que violasse determinada obrigação não
resultasse em prejuízo alheio.

O direito a uma protecção efectiva, na eventualidade de ocorrência de violação dos direitos


humanos, está previsto em quase todas as Convenções, tanto específicas, como gerais, por
exemplo, no art.º 2 n° 3 da PIDCP e art.º 26 da Carta Africana. O direito à reparação, garante o
direito a um procedimento e um direito subjectivo de reclamação.

No que concerne aos Estados, estes tem a obrigação de criar instituições para tomar decisões no
que tange à violação dos direitos humanos, missão primariamente incumbida aos tribunais. O que
é importante nestes mecanismos todos é o facto da vítima da alegada violação dos direitos
humanos poder iniciar o processo ao nível doméstico, porque estas devem esgotar os recursos
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domésticos de protecção, como pré-requisito para admissão da apreciação da acção ou queixa nos
mecanismos internacionais matéria que será objecto de estudo exaustivo no capítulo seguinte.

O Direito subjectivo a um procedimento efectivo, pressupõe a reparação para as vítimas, no


entanto tal reparação é casuística, isto é, toma em consideração a natureza de cada direito violado
bem como a natureza patrimonial e não patrimonial dos danos.

Existem várias formas de reparação de danos decorrentes da violação de direitos humanos,


nomeadamente através da figura de compensação indemnização e reabilitação às vítimas.

O direito a não retroactividade da lei penal


A previsibilidade da lei penal exige que ninguém seja condenado por um facto que, no momento
em que o praticou, não era qualificado por lei como crime. É o princípio nullapoena sine lege que
foi elevado à dimensão de direito humano a não retroactividade da lei penal, por força do qual
Ninguém poderá ser condenado por actos ou omissões que não constituam delito de acordo com
o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos. Tão pouco poder-se-á
impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois, de
perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela
beneficiar-se.

Este direito complementa o ideal da segurança do indivíduo que deve ser garantido pelo Estado,
assegurando-se-lhe que apenas seja condenado com base num juízo de censurabilidade da sua
conduta, por ter agido de determinado modo quando podia e devia ter agido de outro modo
conforme as exigências da ordem pública. Para que ele possa pautar a sua conduta de acordo com
tais exigências, é justo esperar que o seu comportamento seja ajuizado em função de uma norma
em vigor no momento em que o acto foi praticado. De contrário, a censurabilidade, isto é, a culpa,
não lhe seria exigível.

No entanto, a retroactividade das leis é admissível quando ela favorece o cidadão, conforme,
resulta, por exemplo, do artigo 57 da Constituição da República.

O direito à protecção da vida privada


O direito à protecção da vida privada representa a dimensão moral da dignidade humana,
porquanto o conhecimento e/ou a revelação de certos aspectos da vida da pessoa pode por em
causa sentimentos profundos do seu ser.

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Há autores que entendem haver equivalência entres as expressões ‘’vida privada’’ e ‘’intimidade
privada’’. Sobre tal discussão, o importante é reter que a intimidade privada é uma espécie do
género vida privada, pois é vida privada tudo aquilo que se refere a um pessoa individualmente
considerada, que, ate, pode ser de conhecimento de todos E intimidade privada é aspecto que,
dizendo a ela respeito e ao seu modo de ser, só a ela interessa saber, devendo, portanto, ser excluído
do conhecimento de todos os demais.

Normalmente, aparecem como integrando o âmbito da intimidade privada aspectos relativos à


saúde da pessoa, à vida familiar e ao próprio domicílio da pessoa, bem como a sua correspondência,
os quais não deverão ser alvo de nenhuma ingerência, a não ser nos casos previstos na lei. Tal é a
realização de buscas no domicílio de um cidadão no âmbito de investigação criminal que,
constituindo uma excepção à protecção contra qualquer ingerência na vida íntima, só pode ocorrer
nos casos previstos na lei processual penal.

Com o advento das tecnologias de informação, a protecção da vida privada inclui o dever de
protecção dos dados pessoais recolhidos por provedores de serviços no âmbito de utilização de
documentos electrónicos.

A protecção da privacidade encontra-se, expressamente, referida no artigo 17 do PIDCP.

Liberdade de expressão e acesso à informação


A dignidade da pessoa humana inclui uma dimensão moral, a qual respeita ao atendimento de que
a pessoa é um ser que pensa e sente, ou seja, a pessoa humana é dotada de razão e consciência.
Uma das formas de manifestação da consciência e da razão pessoal é a emissão de opiniões que
expressam o próprio pensamento, baseado em informações que a sua vida cultural quotidiana lhe
propicia. Por isso, de acordo com o artigo 19 do PIDCP, Toda pessoa terá o direito à liberdade
de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e
ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou
por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

É obrigação do Estado garantir que as pessoas exprimam livremente as suas opiniões e que lhes é
garantido o acesso à informação útil para o exercício da sua cidadania, excepto se a limitação
decorrer da necessidade de defesa de outros direitos ou valores fundamentais.

Ultimamente, o direito à informação tem vindo a ganhar muita projecção enquanto um direito
humano alicerce da democracia, da transparência na gestão da coisa pública e, quiçá, dos gestores

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públicos. Através dele, exige-se do Estado a garantia de acesso a qualquer tipo de informação de
natureza pública ou cujo conhecimento é de interesse público, por entender-se que é a partir do
acesso a tais informações que os cidadãos poderão exercer a sua participação no processo de
tomada de decisões públicas.

O artigo 19 da PIDC admite limites e restrições a este direito, estabelecendo que o seu direito,
estabelecendo que o seu exercício implicara deveres e responsabilidades especiais.
Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias com vista a assegurar o respeito dos
direitos e da reputação das demais pessoa ou protecção da segurança nacional, a ordem, a saúde
ou moral publicas. Portanto, não é um direito absoluto, na medida em que é passível de restrições
justificadas pelas razões atrás referidas.

III. Outros direitos civis e políticos

A enumeração que consta do presente Manual não esgota o leque dos direitos civis e políticos,
pois o simples exame dos instrumentos cuja referência consta do texto revela a existência de outros
direitos civis e políticos. Não foram desenvolvidos direitos como a protecção contra a tortura e
outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos, a protecção do direito ao reconhecimento da
personalidade jurídica individual, a liberdade de circulação e de residência, a liberdade de
pensamento, consciência e religião, a proibição da propaganda a favor da guerra.

Igualmente, não constam direitos civis e políticos ou proibições pertinente aos direitos humanos
constantes de outros instrumentos de direitos humanos, aplicáveis a grupos específicos de
individuais, como já acontece com a punição contra o genocídio, os crimes de guerra, etc.

Portanto, o leque de direitos é muito maior e não caberia neste manual o desenvolvimento
exaustivo de todos os eles.

Outro aspecto digno de realce é o facto de a leitura das obrigações dos Estados em matéria de
qualquer direito humano implicar a aplicação da regra dos 3P’s, isto é, o dever de promoção, de
protecção e de prover os direitos humanos. Deste modo, perante o conteúdo substantivo de cada
direito humano, é importante analisar o que era justo esperar que fosse o papel do Estado na
realização desse mesmo direito.

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Direitos Económicos, Sociais e Culturais

Direito de propriedade
Embora não haja consenso na doutrina sobre se o direito de propriedade é um verdadeiro direito
humano ou se o direito de propriedade faz parte de direitos económicos, sociais e culturais a
doutrina dominante defende que este é um verdadeiro direito humano inserido nos direitos
económicos, sociais e culturais. Na sua concepção baseada no individualismo liberal, mas num
contexto de Estado de Direito Social o direito de propriedade é o direito pleno e exclusivo de usar,
fruir e dispor das coisas próprias, dentro dos limites e restrições estabelecidas na lei.

Os dois pactos internacionais sobre os direitos humanos são omissos em relação ao direito de
propriedade. A consagração expressa do direito de propriedade pode-se encontrar no artigo 17 da
Declaração Universal, segundo a qual todo o individuo tem o direito à propriedade, só ou em
sociedade com outros, não podendo dela ser arbitrariamente privado. Este direito foi, igualmente,
acolhido nos instrumentos regionais de protecção dos direitos humanos tais como a Convenção
Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 e a Carta Africana dos direitos do Homem e dos
Povos de 1981. Porem, tanto a Convenção Americana sobre os direitos humanos artigo 21 n°1
como a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, no seu artigo 14, condiciona o
exercício deste direito público nacional e as leis nacionais em geral.

Ale deste regime especial, o direito Internacional comum defende e protege a propriedade privada.
Em caso de privação o Direito Internacional geral exige que se pague ao titular uma indemnização
justa, adequada e pronta.

Direito ao trabalho e os direitos dos trabalhadores


O direito ao trabalho compreende o direito que todas as pessoas têm de ganhar a vida por meio de
um trabalho livremente aceite e escolhido.

Vários instrumentos internacionais de protecção de direitos humanos consagram o direito ao


trabalho, sendo a destacar o artigo 23 nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o
artigo 6, nº 1, do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, artigo 26 da
Convenção Americana e artigo 15 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos povos.

Em qualquer um dos instrumentos acima referidos, realça-se o direito de todo o indivíduo ao


trabalho em condições de equidade, livre consentimento, condições de trabalho satisfatórias e a
receber um salário igual por um trabalho igual. A título de exemplo, artigo 7 do PIDESC consagra

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o direito dos trabalhadores a condições de trabalho justas e equitativas, das quais se destacam o
direito a salário igual para o trabalho igual, o direito a uma existência decente para si e para a sua
família, o direito a condições de trabalho seguras e higiénicas, direito a igualdade de oportunidades,
direito ao repouso, férias periódicas pagas, o direito sindical dos trabalhadores e direito à greve.

É importante referir que o exercício destes direitos encontra limites ou restrições nas leis internas
de cada Estado. Os limites mais comuns estão ligados à segurança nacional, à ordem pública,
assim como à protecção dos direitos de outrem numa sociedade democrática.

Aos Estados cabe tomar medidas legislativas, administrativas e outras necessárias para o gozo
pleno deste direito. Todavia, alguns instrumentos jurídicos supramencionados evidenciam o
carácter progressivo no exercício e gozo deste direito, isto é, a sua realização depende das
condições económicas e sociais de cada Estado.

Direito à segurança social e aos direitos da família


O PIDESC, no seu artigo 9, reconhece o direito à segurança social incluindo os seguros sociais.
Segundo o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, das Nações Unidas o direito à
segurança social é uma garantia fundamental à dignidade da pessoa humana quando enfrenta
situações da vida, os riscos sociais, que o privam da sua capacidade de exercício dos demais
direitos económicos e sociais.

O artigo 20 trata do PIDESC trata de promoção e da protecção da família, que é, segundo o pacto,
o núcleo central e fundamental da sociedade, consagrando o princípio no consentimento livre dos
esposos no casamento.

O preceito reconhece a necessidade de mediadas de protecção especiais para certas categorias de


pessoas: as mães, as crianças e adolescentes.

Este direito encontra-se consagrado, de uma forma geral, nos artigos 9 e 22 da Declaração
Universal.

Direito a um nível de vida suficiente e á saúde física e mental


O artigo 11 do PIDESC, reconhece o direito a um nível de vida suficiente para si e para sua família,
incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a melhoria contínua das suas
condições de existência.

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Para o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o conteúdo normativo deste direito
vai para além do simples direito a ser saudável, pois ele inclui liberdades e benefícios. Assim, no
conteúdo deste direito encontra-se a faculdade de a pessoa controlar a sua própria saúde e o seu
próprio corpo, incluindo, portanto, a liberdade sexual e direitos reprodutivos, bem como o direito
de estar livre de qualquer ingerência na sua integridade, nomeadamente, através de actos de tortura,
tratamento médico experimental não consentido.

Quanto aos benefícios, eles incluem o direito a um sistema de saúde que garante o direito à saúde
e o acesso efectivo, em igualdade de circunstâncias, a todos os cidadãos.

Existem relações íntimas entre a saúde e os direitos humanos. Algumas áreas de intersecção são a
violência, a tortura, a escravidão, a discriminação, agua, alimentação, a habitação, as práticas
tradicionais entre outras. É assim que, nos últimos anos, é notória a preocupação dos Estados e da
comunidade internacional em geral de garantir a toda a pessoa um adequado padrão de vida.

Com efeito, no actual Direito Internacional dos Direitos Humanos, são vários os instrumentos
jurídicos que de forma directa ou indirecta consagram este direito. A titulo de exemplo, a DUDH,
no seu artigo 25 n° 1, defende para toda a pessoa um nível de vida suficiente para lhe assegurar a
saúde e bem-estar. De forma mais directa o artigo 12 do PIDESC, reconhece o direito de todas as
pessoas a gozarem do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir. O artigo 16 da
CADHP também consagra o direito de toda a pessoa ao gozo do melhor estado de saúde física e
mental que for capaz de atingir.

O compromisso geral dos Estados é de tomarem medidas necessárias para proteger a saúde das
populações e para lhes assegurar assistência médica em caso de doença.

O direito à educação
O direito à educação é um direito de empoderamento, pois deste direito depende o cabal gozo de
outros direitos humanos tais como a liberdade de expressão, a liberdade de informação direito ao
voto e a ser eleito, direito de escolher trabalho, a usufruir das novas conquistas da ciência entre
outras. Isto quer dizer que o sujeito que passa por processo educativos, fundamentalmente através
do ensino escolar, é um cidadão que se pode dizer estar em melhores condições de realizar e
defender outros direitos económicos, sócias e culturais, bem como os direitos civis e políticos.

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Assim, a negação deste direito ou a sua violação limitam a capacidade das pessoas desenvolverem
as suas personalidades, de sustentarem e de se protegerem a si próprias, bem como às suas famílias
e de participarem adequadamente na vida social, política e económica.

Do ponto de vista normativo, o direito à educação compreende o direito de acesso à formação


escolar, mas não só, pois inclui, também a criação de oportunidades de desenvolvimento de
conhecimento ao longo de toda a vida através de vários mecanismos que o Estado deve dispor do
cidadão. Ou seja, embora não se possa negar a importância da educação como processo de
preparação para o mercado de trabalho, é preciso entender que o direito à educação estende-se a
outro tipo de dimensões relativas à formação da pessoa.

A importância do direito à educação é, de forma sólida, reconhecida no actual direito internacional


dos direitos humanos. Vários instrumentos internacionais universais e regionais reconhecem este
direito, nomeadamente, o artigo 26 da DHDH, os artigos 13 e 14 do PIDESC, o artigo 10 da
Convenção sobe a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres, Convenção
Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais e artigo 17 da
CADHP.

De acordo com os instrumentos supramencionados, os Estados obrigam-se a respeitar, proteger,


prover o direito à Educação nas condições de disponibilidades e acessibilidade. Dito por outras
palavras, os Estados obrigam-se a assegurar todos os níveis de ensino, devendo o ensino primário
ser obrigatório e gratuito e outros níveis progressivamente gratuitos e acessíveis a todos em
condições de igualdade.

Os Estados comprometerem-se a respeitar a liberdade dos pais de escolherem para os seus filhos
estabelecimentos de ensino privados e assegurarem a educação religiosa e moral, de acordo com
as suas próprias convicções (o artigo 13 n° 3 do PIDESC).

Os direitos culturais
O artigo 15, n° 1 do PIDESC reconhece a todos o direito de participar na vida cultural, de
beneficiar do progresso científico e técnico e de beneficiar da protecção dos interesses morais e
matérias, que decorrem de toda a produção científica, literária e artística.

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Além disso, os Estados comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à investigação


científica e as actividades criadoras (artigo 15 n° 3 do PIDESC).

V. Direitos Colectivos

Direito ao ambiente

Do ponto de vista histórico e conceitual, João Rocha afirma que direito ao ambiente foi
explicitamente proclamado na Conferencia de Estocolmo de 1972, que estabeleceu o principio de
que a pessoa humanos tem o direito a um meio ambiente de uma qualidade tal que lhe permita
levar uma vida digna, vindo a ser reafirmado na Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizado no Rio de Janeiro em 1992 e em cuja Declaração Final
foi alcançado o consenso de que os seres humanos tem o direito a uma vida saudável e produtiva,
em harmonia com a natureza.

A consagração do direito ao ambiente saudável é frequentemente associada ao artigo 28 da


Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual toda a pessoa tem direito a que
reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos
os direitos e liberdades enunciados na presente Declaração. Esta formulação é tida como o
fundamento de novos direitos humanos como o direito ao ambiente saudável, o direito ao
desenvolvimento e de não ser pobre.

Direito ao desenvolvimento e de não ser pobre

O direito ao desenvolvimento foi proclamado em 1986, pelas Nações Unidas, através da Resolução
41/28, de 4 de Dezembro de 1986 e foi definido pelo artigo 1 da referida resolução nos termos
seguintes: ‘’o direito ao desenvolvimento é um direito inaliável do homem em virtude do qual todo
o ser humano e todos os povos tem o direito de participar e contribuir para o desenvolvimento
económico-social, cultural e político no qual todos os direitos do homem e todas as liberdades
fundamentais possam ser plenamente realizados, e beneficiar-se deste desenvolvimento’’.

Segundo Flávia Piovesan, a adopção da Declaração sobre o direito ao desenvolvimento, constitui


um dos desafios contemporâneos dos direitos humanos. Para Flávia Piovesan, o direito ao
desenvolvimento compreende três dimensões, a saber, a dimensão participativa do cidadão no
processo de concepção de políticas de desenvolvimento, em cujo contexto se integra a

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problemática da transparência, democrática e accountability. Em segundo lugar, o direito ao


desenvolvimento integra uma dimensão de protecção do cidadão face às necessidades básicas de
justiça social que implicam a colocação da pessoa humana como sujeito central do
desenvolvimento. Por último, este direito há-de impor a adopção de políticas e programas
nacionais e internacionais dirigidos à promoção do desenvolvimento.

Instrumento como os Programas de Redução da Pobreza Absoluta, que sendo políticas nacionais,
fazem convergir apoios internacionais, traduzindo o ideal da cooperação internacional para a
redução da pobreza. Como direito humano, o direito ao desenvolvimento é a âncora do direito a
não ser pobre, uma vez que a pobreza a dignidade da pessoa humana é susceptível de por em causa
a possibilidade de outros direitos humanos.

É por isso que, todo o cidadão tem o direito de não ser pobre, razão pela qual o seu direito ao
desenvolvimento deve ser protegido pelo Estado, para que, conforme afirma Amartien Sem, as
suas possibilidades de hoje e de amanha não sejam condicionadas pela sua condição social e
económica. Neste prisma, o direito ao desenvolvimento faz parte de direitos humanos que
promovem o combate à exclusão social.

Como é fácil de perceber, este direito representa a essência do Estado de Direito Social,
‘’evidenciando que o ordenamento jurídico no contexto do Estado providência prioriza interesses
sociais, mas tendo como seu elemento central a pessoa humana.

Direito autodeterminação

Na Declaração da Conferência Mundial Sobre os Direitos Humanos (Conferência de Viena 1993)


foi reafirmado o compromisso de todos os povos têm direito à autodeterminação, em virtude do
qual determinam livremente a sua condição política e promovem livremente o desenvolvimento
económico, social e cultural. Por isso, aos povos submetidos à dominação colonial ou outras
formas de dominação estrangeira é-lhes reconhecido o direito de tomar mediadas legítimas, em
conformidade com a Carta das Nações Unidas, para garantir o seu direito inalienável à
autodeterminação, visto que a negação deste direito constitui violação dos direitos humanos.

O conteúdo do direito à autodeterminação, conforme se extrai do primeiro artigo, quer do PIDCP,


quer do PIDESC, integra, segundo Carol Divine, o direito dos povos de escolherem os seus líderes
e métodos de desenvolvimento. Ainda segundo e mesma autora, a origem da autodeterminação
podem ser associada à Declaração de Independência Americana, de 1776, e à Declaração dos

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Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França, porquanto ambos os documentos


proclamam o direito intrínseco das pessoas escolherem os seus governantes e a respectiva forma
de governo.

Dado o período em que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi adoptada,
caracterizado pela ainda dominação colonial de alguns povos africanos, não admira que tem há
consagrado este direito de forma expressa.

Direito das minorias

Os direitos das minorias dirigem-se à protecção de grupos de cidadãos que, apresentando


necessidades especiais que os distinguem da maioria dos cidadãos, carecem, nessa medida, de
protecção específica. Portanto, quando se fala em minorias, refere-se, de uma forma ou de outra,
a todas aquelas pessoas que de certa maneira são objecto de discriminação na sociedade, ou seja,
não tem os seus direitos como cidadãos respeitados.

Embora o termo ‘’direito das minorias’’, tenha-se popularizado mais através de movimentos que
reivindicam o reconhecimento de direitos sexuais dos grupos que se distinguem da maioria pela
sua orientação homossexual, a verdade é que outros casos existem, tais como a problemática das
minorias políticas, das minorias étnicas, minorias religiosas, das comunidades indígenas, etc.

A protecção das minorias aparece claramente consagrada no artigo 27 do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, nos termos do qual Nos Estados em que existam minorias étnicas,
religiosas, linguísticas, não se negara às pessoas que pertençam às referidas minorias o direito
que lhes corresponde, em comum com os demais membros de seu grupo, a ter sua própria vida
cultural, a professar e a praticar a própria religião e a empregar o seu próprio idioma.

O fundamento filosófico da protecção dos direitos das minorias é o princípio da igualdade e


proibição da discriminação, entendendo-se, por exemplo, que através do princípio da igualdade de
oportunidades, se preservam os direitos das minorias, prevenindo-se a ditadura da maioria.

Leituras Complementares

Rosseau, Jean – Jacques: Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1983

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Rocha, João Carlos de Carvalho. A emergência dos Refugiados Ambientais. Direitos Humanos e
Globalização. Parte III. In Rocha, João Carlos de Carvalho, Tarcísio Humberto Parreiras
Henriques Filho Ubiratan Gazetta (Coordenação). Direitos Humanos, Desafios Humanitários.
Editora Del Rey, 2008

Jayme, Fernando G. Direitos Humanos e sua efectivação pela Corten Interamericana de direitos
humanos.

Fillipo, José Augusto Correa, Os Direitos das Minorias na Sociedade Excludente Globalizada.
Editora Baraúna, 2011.

Actividade

1. Quando se aborda a problemática dos direitos humanos o que salta a vista de todos nós é
o direito a vida. Comente.

2. Em que consiste o direito ao acesso a justiça?

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

UNIDADE TEMATICA III

O DIREITO INSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

 Compreender os vários sistemas de protecção de direitos humanos, sendo um universal e


os restantes regionais ou sub-regionais;

 Compreender o sistema universal das Nações Unidas;

 Compreender que os sistemas regionais, assentam nos mecanismos de protecção de direitos


humanos de carácter continental, designadamente o sistema africano, e o sistema europeu;
e

 Compreender como funciona o sistema universal e do sistema regional africano, pelo facto
de se pretender que o estudante aprofunde o sistema com que terá maior contacto na sua
vida profissional.

Direito institucional do sistema universal dos direitos humanos

A primeira experiencia de criação de uma organização intergovernamental que pudesse relativizar


a soberania dos Estados começou com a Liga das Nações (predecessora da ONU), criada logo
após a I Grande-Guerra (1919), com o propósito de promover a cooperação, paz e segurança
internacional.

A Convenção da Liga estabelecia sanções económicas e militares a serem impostas pela


comunidade internacional contra os Estados que violassem suas obrigações.

O Fracasso da Liga das Nações, que foi incapaz de evitar novas guerras levou, a que no contexto
Pós-Guerra Mundial (1939-1945), se desenhasse uma nova organização, que, baseada na
cooperação internacional e no respeito pelos direitos humanos teria como função primordial evitar
novos conflitos.

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Neste contexto, surge a ONU, criada por 50 países a 26 de Julho de 1945, em São Francisco, na
Califórnia - Estados Unidos da América. Na Carta da ONU, também designada de Carta de São
Francisco, estabeleceu-se como propósitos da organização os seguintes: manter a paz e segurança
internacional, desenvolvendo relações amistosas entre as Nações (art. 1, n. 2); promover a
cooperação internacional para resolver problemas internacionais (art. 1, n. 1 e 2); promover o
respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (art. 1, n. 2).

Para a realização dos propósitos acima enumerados, a ONU organizou-se em dois grupos de órgão.
Por um lado tem-se os órgãos principais previstos no art. 7, n. 1, da Carta da ONU, que são
Assembleia Geral, Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho
Economico e Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado. Por outro, lado existem os órgãos
subsidiários aos órgãos principais, criados ao abrigo do art. 7, n. 2, da Carta da ONU, dentre os
quais se destacam Conselho de Direitos Humanos e o Alto Comissariado para os Direitos
Humanos, no que concerne a esfera protectiva dos direitos humanos. No âmbito dos órgãos
subsidiários pontificam igualmente os órgãos criados pelos tratados, também conhecidos como
órgãos dos tratados, onde se destacam os Comités de monitoramento dos tratados, os quais serão
analisados no ponto dedicado a análise do sistema convencional de protecção dos direitos humanos.

A Carta da ONU no que concerne aos Direitos Humanos, tem como ponto de partida a Carta, os
dispostos nos artigos 1 e 55, prevendo que os Estados-partes devem promover a protecção dos
direito humanos e liberdades fundamentais. Nesta linha, a Carta internacionalizou os direitos
humanos e inseriu, de maneira abrangente, a sua temática na construção da ordem mundial.

A Declaração Universal dos direitos do Homem, aprovada em 1948, define e fixa o leque de
direitos e liberdades a serem garantidos da esfera protectiva da ONU e dos Estados-partes.

A Declaração é o primeiro texto de alcance internacional que trata de maneira abrangente da


importância dos direitos humanos. ‘’ Neste sentido é um marco na afirmação histórica da
plataforma emancipatória do ser humano representada pela promoção dos direitos humanos como
critério organizador e humanizador da vida colectiva na relação governantes-governados’’. Outra
grande virtude da Declaração resulta do facto de ter consagrado os direitos humanos numa vertente
universal e indivisível, a partir de uma visão integral de direitos em que a garantia dos direitos
civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais e culturais e vice-versa.

Todavia, duas fragilidades foram apontadas à Declaração, uma referente à legitimidade porquanto,
da totalidade dos países que hoje integram o sistema ONU, somente 56 votaram, sendo que 48
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votaram a favor e 8 se abstiveram. Portanto, 25% dos Estados-partes aprovaram a Declaração, daí
alguns questionamentos sobre a legitimidade da aplicação dos valores contidos na Declaração
demais países cujas culturas têm valores que, em alguma medida, não estão na mesma linha dos
valores enformadores da Declaração.

Outra fragilidade deriva da ausência de forca jurídica vinculante, que suscita reserva sobre a
obrigatoriedade de cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração.

No que concerne a legitimidade, a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a


concepção da Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 5°, afirma: ‘’Todos os direitos
humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve
tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a
mesma ênfase. ‘’ Logo, a ‘’Declaração de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, endossa a
universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, revigorando o lastro de legitimidade da
chamada contemporânea de direitos humanos, introduzida pela Declaração de 1948’’.

Quanto à forca jurídica vinculante, ressalta-se que a Declaração mesmo não tendo formato de uma
lei internacional e tecnicamente não ser um comando legal, tornou-se num instrumento político de
referência, cujo cumprimento resulta do peso ético-moral dos dispositivos nelas contidas.

Contudo, afirmação dos direitos humanos na esfera da ONU, demanda a existência de normas
juridicamente vinculantes aos Estados-partes. Nesta óptica, em 1966 são aprovados dois tratados
internacionais designadamente o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, os quais conferem forca jurídica as previsões constantes da
Declaração.

Entre os defensores da juridicização dos dispositivos da Declaração por forma a torna-los


obrigatórios, prevalecia à tese de que este processo devia ocorrer num único tratado internacional,
porem profundas divergências ideológicas entre o ocidente liberal, mais próximo dos direitos civis
e políticos e o leste socialista, defensor dos direitos económicos, sociais e culturais, que em pleno
auge da guerra fria dominavam a ONU, impuseram uma visão fragmentada dos direitos humanos
e ditaram que a protecção global dos direitos humanos estivesse consagrado em dois diplomas
diferentes.

Os dois pactos de 1966 e a Declaração formam a chamada Carta Internacional dos Direitos
Humanos, também designada Bill of Rights.

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Paralelamente à Carta Internacional de Direitos Humanos, cujo parâmetro de protecção é


generalista, o Sistema ONU de Direitos Humanos desenvolveu tratados visando elevar a protecção
de grupos vulneráveis nomeadamente: a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação Racial, de 1965; Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher, de 1979; Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de 1984; Convenção sobre os Direitos da Criança, de
1989; Convenção sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes, de 1990; Convenção sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência, de 2006; e Convenção contra os Desaparecimentos Forcados,
de 2006.

As instituições de direitos humanos do sistema Universal

O Sistema da ONU de Direitos Humanos é, igualmente, conhecido como Sistema Internacional


ou Universal de Direitos Humanos, em contraposição aos sistemas regionais de direitos humanos,
como são os casos do Sistema Africano, Americano e Europeu, com os quais o Sistema Global
mantém uma relação de complementaridade.

O Sistema Internacional de Direitos Humanos divide-se em dois sistemas, igualmente, paralelos e


complementares: o Sistema Convencional e o Sistema Extra-convencional. A existência de
sistemas paralelos de protecção no âmbito internacional serve para expandir as opções protectivas
a vítimas de violações, de direitos humanos que podem escolher a melhor via de acção, tendo em
vista questões políticas, como existência ou não de clamor público internacional, questões
procedimentais, como o esgotamento ou não de recursos internos e a ratificação ou não de
convenções específicas por parte dos Estados, ou questões normativas, de consolidação de
precedentes legais.

Assim, segue-se a análise aos dois sistemas de protecção dos direitos humanos dentro do Sistema
Universal: Sistema Extra-Convencional e Sistema Convencional, observando-se a distinção entre
o direito institucional e processual com que o sistema se rege, nos casos possíveis.

Sistema da Carta das Nações Unidas (Ou Não-Convencionais)

O sistema Extra-Convencional é criado directa ou indirectamente pela Carta da ONU, e envolve


diversos órgãos, que segundo a Carta da ONU, tem como função principal ou acessória a protecção
dos direitos humanos. Estes órgãos podem dividir-se entre instituições políticas (a); onde se
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destaca a Assembleia Geral (i), o Conselho de Segurança (ii), o Conselho Economico e Social (iii)
e o Conselho de Direitos Humanos (iv); instituições administrativas (b) o secretariado, e
instituições jurisdicionais (c) onde encontra-se a Corte Internacional de Justiça (i) e o Tribunal
Penal Internacional (ii).

Instituições Politicas

A Assembleia Geral

De forma didáctica, podemos dizer que a Assembleia Geral corresponde ao poder legislativo da
ONU e é considerado o órgão democrático da organização.

À Assembleia compete discutir, fazer recomendações e aprovar resoluções e convenções sobre


qualquer matéria objecto da Carta, no qual todos Estados-partes agem numa posição de igualdade
formal, nos termos do art. 9 e 18, da Carta.

Como órgão legislativo, é no seio da Assembleia Geral que são adoptados todos tratados da ONU,
incluindo os tratados de direitos humanos. Em matéria de direitos humanos, compete, ainda, à
Assembleia Geral incentivar a cooperação internacional para promoção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais, nos termos do art. 13, n. 1, al. b), da Carta.

A Assembleia Geral é estruturada em seis comités com competência para discussão de temáticas
específicas. O Primeiro Comité, trata das questões de desarmamento e segurança Internacional; o
Segundo Comité, aborda assuntos económicos e financeiros; o Terceiro Comité é responsável
pelas temáticas social, humanitário e cultural; o Quarto Comité responde pelas questões políticas
e de descolonização; o Quinto Comité trata do administrativo e do Orçamento; e Sexto Comité é
encarregue pela justiça.

É no Terceiro Comité que são discutidas resoluções e tratados de direitos humanos que são levados
ao plenário da Assembleia Geral.

O Conselho de Segurança

O Conselho de segurança corresponde ao ‘’poder executivo’’ dentro da ONU e é considerado o


órgão mais poderoso da organização. Tem como responsabilidade principal, a manutenção da paz
e da segurança internacional, nos termos do art. 24 da Carta das Nações Unidas.

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É composto por 15 membros, cinco dos quais são permanentes e dez não permanentes. Os cinco
membros permanentes são a China, EUA, Franca, Grã-Bretanha e Rússia; ao posso que os não
permanentes são eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de dois anos, considerando-se a
contribuição dos membros para os propósitos da ONU e a distribuição equitativa, nos termos do
art. 23, n.1, da Carta.

As deliberações do Conselho são tomadas por voto, sendo necessários nove votos afirmativos e a
inexistência de veto dos membros permanentes para a adopção de uma deliberação.

No que concerne aos direitos humanos, compete ao Conselho de Segurança criar tribunais ad hoc,
com competência para a responsabilização criminal de individuas em casos de graves violações
de direitos humanos, como os casos de crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídios,
quando a situação de violação ameaça a situação de paz, nos termos dos artigos. 39 e 41, da Carta.
Nesta matéria, o Conselho de Segurança, também, pode estabelecer sanções económicas e/ou
militares, nos termos dos artigos. 41 e 42, da Carta.

Conselho Económico e Social

O Conselho Económico e Social (ECOSOC) é considerado o principal órgão extra-convencional


de protecção dos direitos humanos. É composto por vinte e sete membros eleitos pela Assembleia
Geral para um mandato de três anos.

O ECOSOC tem competência para promover a cooperação em questões económicas, sociais e


culturais, podendo igualmente fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a
observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais e submeter propostas de convenções
para a aprovação pela Assembleia Geral, nos termos do art. 62 da Carta.

Ao abrigo do disposto no art. 68 da Carta, que confere ao ECOSOC a faculdade de criar comissões
para assuntos económicos, sociais e para protecção de direitos humanos, este Conselho criou a
Comissão de Direitos Humanos, em 1946.

A Comissão é criada, visando, em princípio, o estabelecimento de padrões mínimos de direitos


humanos, contudo, seu âmbito de actuação foi se expandindo no decorrer dos anos. Dois
momentos marcaram o alargamento do âmbito da actuação da Comissão: primeiro a adopção da
resolução 1235 do ECOSOC, em 1967, intitulada ‘’Questão de violação dos Direitos Humanos e

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liberdades fundamentais, inclusive políticas de descriminação racial e de apartheid, em todos os


países, com referência especial aos países e territórios coloniais e dependentes’’. A partir desta
resolução, é permitida a denúncia de violações em países específicos junto a Comissão, por meio
de procedimento publico. O segundo momento é a adopção da resolução 1503 do ECOSOC, em
1970, intitulada ‘’Procedimentos para lidar com comunicações relativas a violações de Direitos
Humanos e liberdades fundamentais’’, determinado a avaliação confidencial das denúncias
efectuadas.

Com a criação dos procedimentos 1235 e 1503, o objectivo da Comissão muda consideravelmente.
Criada em 1946 com a função de estabelecer padrões mínimos de garantias dos direitos humanos,
a Comissão passa a ter um objectivo mais amplo e ambicioso de fiscalização dos direitos humanos
no âmbito global.

O primeiro objectivo, foi alcançado com êxito pela Comissão destacando-se a elaboração da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do elenco de tratados que integram o ‘’núcleo
duro dos direitos humanos’’, todavia no segundo objectivo diversos factores determinaram pouca
eficiência da Comissão, razão pela qual ela teve de ser abolida, a 16 de Junho de 2006 é substituída
pelo conselho de Direitos Humanos (CDH). Segundo Flávia Piovesan, ‘’a justificativa é que a
comissão de Direitos Humanos tem sofrido uma crescente crise de credibilidade e profissionalismo.
Estados têm se valido de sua condição de membros da Comissão, o que acabava por abalar a
reputação da própria ONU como um todo’’.

A expectativa é que os vícios que afectaram a Comissão não perturbem ou, ao menos, afectem
com menor intensidade o Conselho de Direitos Humanos, garantindo-se maior eficácia e eficiência
no envolvimento nas questões de violação de direitos humanos na esfera global.

O Conselho de Direitos Humanos

Com a criação do Conselho de Direitos Humanos através da Resolução 60/251, em Abril de 2006,
espera-se não apenas a superação das dificuldades da Comissão. Almeja-se, igualmente a elevação
do status dos Direitos Humanos na esfera da ONU, colocando-se em pé de igualdade com todos
os demais objectivos da organização, estatuídos no art.1 da Carta. Como observou Kofi Annan,
‘’não há desenvolvimento sem segurança, segurança sem desenvolvimento e nem tão pouco
segurança ou desenvolvimento sem respeito pelos direitos humanos’’, portanto, estes três
propósitos da ONU estão numa relação de complementaridade, razão pela qual os órgãos

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incumbidos para a sua prossecução, o Conselho de Direitos Humanos, respectivamente, devem


ocupar a mesma posição da ONU.

O CDH, apesar de vir substituir a Comissão de Direitos Humanos e, formalmente, ocupar a mesma
posição hierárquica dentro da ONU, porquanto a Comissão foi subsidiária do ECOSOC e o CDH
é subsidiário a Assembleia Geral. Portanto, a Comissão foi um órgão subsidiário de um órgão
principal da ONU, e igualmente o CDH é um órgão subsidiário a um órgão principal, nos termos
do art. 7, da Carta da ONU. Materialmente, o Conselho de Direitos Humanos tem maior
visibilidade dentro da ONU, ‘’o que lhe atribui maior destaque internacional’’. Esta maior
visibilidade deriva do facto da relação directa com Assembleia Geral (órgão supremo da ONU),
contrariamente a Comissão cujas propostas deveriam ser analisadas pelo ECOSOC.

Porem, enquanto garante dos direitos humanos, que a par da segurança e do desenvolvimento
constitui um dos três pilares da ONU, o desejável é que o Conselho dos Direitos Humanos seja
um órgão principal da ONU, tal qual acontece com o Conselho de Segurança e o ECOSOC, que
garantem os outros dois pilares. No entanto, apenas a reforma Carta da ONU pode permitir tal
modelo.

Analisando-se a Resolução 60/251 da Assembleia Geral e a Resolução 5/1, do CDH, pode-se


apontar como principais inovações do CDH, em relação à Comissão, as seguintes: a sua
composição e o processo de eleições dos países-membros; a agenda e programa de trabalho; os
métodos de trabalho e regras de procedimento, o mecanismo de revisão periódica universal; os
procedimentos especiais, o Comité Consultivo do Conselho de Direitos Humanos; e o
procedimento de denuncia.

O CDH é composto por 47 países, leitos segundo uma lógica de representação geográfica. Segundo
Lúcia Nader ‘’ o processo eleitoral é considerado uma das maiores mudanças do Conselho de
Direitos Humanos em relação a extinta Comissão de Direitos Humanos, por estar vinculado à
Assembleia Geral e por incluir critérios para candidaturas. Ainda, cria-se com o Conselho a
possibilidade de suspensa do mandato em caso de violações sistemáticas aos direitos humanos. A
nova composição do Conselho é, também, bastante inovadora, dano aos países de África e de Asia
forca numérica proporcional, superior àquela que detinha na Comissão.

CDH têm como órgão subsidiário o Comité Consultivo do Conselho de Direitos Humanos, que
substitui a Subcomissão de Direitos Humanos, que se subsidiava a Comissão. Sua principal função
é fornecer apoio consultivo temático ao CDH. Há um relativo enfraquecimento do Comité
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Consultivo do CDH, se comparado a Subcomissão, visto que ‘’ a fraca referência de que o


Conselho de Direitos Humanos manterá um assessoramento especializado é claramente
insuficiente para assegurar a continuidade dos trabalhos da Subcomissão’’.

Instituições Administrativas: O Secretariado Geral

O Secretariado é o órgão administrativo da ONU. O seu funcionário principal é o Secretário-Geral,


que nos termos do disposto no art. 97 da Carta da ONU, é indicado para um mandato de cinco
anos pela Assembleia Geral, a partir de recomendações do Conselho de Segurança.

No que tange aos direitos humanos; a Assembleia Geral da ONU criou em 1993, através da
Resolução 48/141, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, como parte
integrante do Secretariado, cuja missão é concentrar a promoção e o respeito aos direitos humanos
numa pessoa com autoridade moral e integridade. Deste modo, busca coordenar e integrar as
instituições que tratam da promoção e protecção dos direitos humanos por meio do trabalho em
conjunto; cooperação entre órgãos e programas dentro da ONU, bem como com outras
organizações, governos e organizações não-governamentais.

Instituições Jurisdicionais

O Tribunal Internacional de Justiça

A Corte Internacional de Justiça é nos termos do disposto no art. 92 da Carta, o principal órgão
com competências contenciosas e consultivas, com mandato para dirimir apenas conflitos entre os
Estados-membros, conforme resultado do disposto no art. 34 do seu Estatuto.

O Tribunal Penal Internacional

A génese do Tribunal Penal Internacional vem da Convenção para a Prevenção e Repreensão do


Crime de Genocídio, de 1948, na medida em que esta Convenção, enquanto primeiro instrumento
internacional de protecção de direitos humanos, definiu o genocídio como sendo um crime que
viola o direito internacional, o qual os Estados se comprometem a prevenir e punir.

Em 1998, cinquenta anos após a aprovação da Convenção, foi aprovado o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional (TPI) na conferência de Roma.

Como observa Flávia Piovesan, ‘’o Tribunal Penal Internacional assenta no primado da
legalidade, mediante uma justiça pré-estabelecida, permanente e independente, aplicável

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igualmente a todos os Estados que a reconhecem, capaz de assegurar direitos e combater a


impunidade, especialmente a dos mais graves internacionais’’.

O TPI permite, pois, evitar a selectividade que se verificou com a criação dos Tribunais ad hoc
para o Ruanda e para a ex-Jugoslávia, proclamando, assim, o princípio da universalidade na justiça
penal internacional.

Sistema Convencional das Nações Unidas

Como foi enunciado anteriormente, o Sistema ONU de Direitos Humanos é integrado por dois
sistemas que são complementares. Tendo sido efectuada a análise do Sistema Extra-convencional,
cabe agora a análise do Sistema Convencional, que é aquele que é composto por órgãos de
monitoramento criados por convenções específicas de direitos humanos no âmbito das Nações
Unidas.

O Sistema Convencional resulta dos órgãos dos tratados de direitos humanos da ONU, tem as
características da não-universalidade e da independência, dado que apenas os Estados que
ratificam um determinado tratado estão sujeitos ao escrutínio dos órgãos do respectivo tratado e
pelo facto dos órgãos dos tratados serem compostos por especialistas independentes,
diferentemente do Sistema Extra-Convencional que é universal e autónomo, na medida em que se
aplica a todos Estados-partes da ONU e é integrado por órgãos cuja composição é efectuada pelos
Estados (os seus representantes).

O Sistema Convencional de Direitos Humanos é integrado pelos seguintes órgãos de tratados: o


Comité de Direitos Humanos (a); o Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (b); o
Comité sobre Eliminação de Descriminação Racial (c), Comité sobre Eliminação de
Descriminação contra a Mulher (d); Comité contra a Tortura (e); Comité dos Direitos da Criança
(f); Comité para os Trabalhadores Migrantes g); e pelo Comité dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (h).

A Convenção contra Desaparecimentos Forçados não previu a existência de um Comité de


monitoria da sua implementação e ainda não se aprovou um protocolo que prevê a existência deste
órgão.

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Comité de Direitos Humanos (Comité)

O Comité de Direitos Humanos é criado pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966. É
integrado por dezoito membros nacionais dos Estados-partes e por eles eleitos que, sendo pessoas
de reconhecida competência em Direitos Humanos, exercem o cargo com autonomia e
independência em relação aos seus Estados, nos termos do art.º 28 do Pacto.

O mandato do Comité de Direitos Humanos é apreciar os relatórios sobre medidas legislativas,


administrativas e judiciárias sobre a implementação dos direitos civis e políticos, cujos Estados
tem a obrigação de remete-los ao Comité de Direitos Humanos, nos termos art. 40, do Pacto. Nos
termos do n. 4, do mesmo artigo, o Comité de Direitos Humanos tem a faculdade de submeter à
apreciação do ECOSOC os comentários sobre a apreciação dos relatórios dos Estados, bem como
a cópia do respectivo relatório.

No tocante a litígios entre Estados, o Pacto prevê um sistema de comunicações interestatais no


artigo 41, onde um Estado-parte pode denunciar outro Estado-parte com fundamento na violação
dos direitos humanos previstos no Pacto.

Como forma de garantir o acesso de indivíduos vítimas de violações de Direitos Humanos ao


Comité, foi adoptado em Dezembro de 1966 o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, que consagra o mecanismo de petições individuais.

A instituição do Protocolo constitui um marco imensurável na elevação do individuo como sujeito


activo no direito internacional. Como observa Cançado Trindade, ‘’o sistema de petições,
mediante o qual veio a cristalizar-se a capacidade processual dos indivíduos (direito de petição
individual), constitui um mecanismo de protecção de marcante significação, além de conquista de
transcendência histórica’’.

Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CESCR)

No sistema convencional, compete ao Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais


monitorar a implementação dos direitos previstos pelo Pacto Internacional dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Diferentemente dos relatórios apresentados ao Comité
de Direitos Humanos, no CESCR os Estados para alem da vinculação de apresentação das medidas
tomadas para a efectivação dos direitos assegurados no PIDESC, podem indicar as dificuldades
encontradas para a efectivação dos direitos emanados do PIDESC, nos termos dos art. 16, n. 1 e

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17, n. 2 do PIDESC. Esta faculdade deriva do facto de direitos assegurados no PIDESC serem de
natureza programática e não auto-aplicáveis como acontece com os direitos emanados do PIDCP.

O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, diversamente do Comité Direitos


Humanos, não resulta da previsão no respectivo pacto, pelo facto de ter sido instituído pelo
Conselho Economico, Social e Cultural. O Conselho Economico, Social e Cultural, ao instituir o
CESCR, não previu o mecanismo de comunicação inter estatal, bem como sistema de petições tal
como acontece com Comité dos Direitos Humanos.

Em 2008, a Assembleia Geral e o Conselho de Direitos Humanos, aprovaram o protocolo


facultativo do PIDESC, que permite o envio de comunicações individuais ao CESCR.

O protocolo facultativo foi aberto para ratificação em Setembro de 2009 e entrará em vigor após
a ratificação por 10 Estados.

Comité sobre Eliminação da Distribuição Racial (CEDR)

O Comité sobre Eliminação de Descriminação Racial é criado pela Convenção Internacional sobre
a Eliminação de todas as formas de Descriminação Racial, adoptada em 1965.

A Convenção prevê o sistema de relatórios, o mecanismo de comunicações interestatais e o


sistema de petições, nos termos dos artigos. 9, 10 e 14, respectivamente.

Comité sobre Eliminação de Descriminação contra a Mulher (CEDAW)

A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, adoptada


em 1979, consagra o Comité sobre Eliminação de Discriminação contra a Mulher, só seu
mecanismo de monitoramento, cuja competência, a princípio, restringiu-se a analise de relatórios
submetidos pelos Estados-partes da Convenção.

Em 1999, com a aprovação do Protocolo Facultativo à Convenção, na sequência de recomendações


emanadas da Declaração de Viena, de 1993, a competência do CEDAW foi alargada, nos Estados-
partes do Protocolo. A expansão da competência do CEDAW consistiu na

instituição de poderes para analisar petições individuais encaminhadas com o fundamento na


violação dos direitos previstos na Convenção por parte dos Estados-partes, bem como na
instituição da faculdade de realizar investigações no terreno em caso de denúncia de violações
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sistemáticas dos direitos humanos previstos no respectivo tratado, nos termos dos artigos 2 e 8 do
Protocolo.

Comité contra Tortura (CAT)

Comité Contra Tortura é o órgão de monitoramento previsto na Convenção contra Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, adoptada em 1984.

O Comité Contra Tortura tem competência para a análise de relatórios periódicos dos Estados,
análise de comunicações interestatais, realização de visitas aos Estados e recebimento de petições
individuais, nos termos dos artigos. 19, 21, 20 e 22 da Convenção, respectivamente. Os requisitos
de admissibilidade e as regras procedimentais são similares às do CDH, e, igualmente, o
recebimento de petições individuais carece de declaração habilitante por parte dos Estados-partes,
nos termos do art. 22 da Convenção.

Na mesma linha do seguimento da Declaração de Viena de 1993, em 2002, foi adoptado o


Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e outros Tratamentos os Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes, no qual se consagrou o sistema preventivo de visitas regulares a locais
de detenção.

Uma particularidade do CAT, em relação aos restantes comités, é a Faculdade de iniciar


investigações por conta própria, em caso de recebimento de denúncias sobre ocorrência de caso
sistemáticos de tortura em um Estado-parte.

Comité dos Direitos da Criança (CRC)

A Convenção sobre os Direito da Criança, de 1989, institui como órgão de fiscalização dos direitos
nela previsto o Comité dos Direitos da Criança, prevendo como competência, tao somente o
recebimento e análise dos relatórios dos Estados-partes, nos termos do art. 44 da Convenção.

Dentre os órgãos dos tratados, a Convenção dos Direitos da Criança é a que possui mecanismo de
fiscalização menos efectivo, mesmo com aprovação de dois protocolos, designadamente o
Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, ambos de Maio
de 2000, esta deficiência não foi suprida, tão-somente se alargou a competência da Convenção dos
Direitos da Criança, visando a análise das matérias concernentes a estes protocolos.

Comité para a Protecção dos Direitos de Todos Trabalhadores Migrantes e Membros das
suas Famílias.
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A Convenção para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das
suas Famílias, de 1990, à semelhança de convenções já abordadas, prevê, igualmente, a existência
de um Comité de monitoramentos da implementação dos seus dispositivos.

O Comité para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das suas
Famílias, na mesma linha dos outros comités, recebe e analisa relatórios dos Estados-partes, nos
termos do art. 73, da Convenção e por meio de cláusulas facultativas, prevê os mecanismos das
comunicações inter estatais e o sistema de petições, nos arts. 76 e 77, da Convenção,
respectivamente.

Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)

Previsto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, o Comité dos
Direitos das Pessoas com Deficiência, é instituído apenas com a competência de recebimento e
análise dos relatórios dos Estados-partes, nos termos do art. 35, da Convenção. Todavia, o
Protocolo Facultativo à Convenção, adoptado na mesma data da Convenção, consagra o sistema
de petições individuais, cuja admissibilidade obedece aos requisitos da inexistência da
litispendência internacional e o prévio esgotamento dos recursos internos, nos termos do art. 2, do
Protocolo.

O CDPD tema ainda a competência de realizar investigações no terreno em casos de graves e


sistemáticos de violação dos direitos protegidos pela Convenção, contudo, esta faculdade é
condicionada à aquiescência do Estado em causa, nos termos do art. 6 do Protocolo.

Todos os comités são integrados por especialistas independentes, da área dos Direitos Humanos,
distribuídos por um critério de equilíbrio geográfico entre as regiões do planeta. Na visão Flávia
Piovesan, embora as decisões dos Comités não sejam vinculantes e obrigatórias, tem
efectivamente auxiliado o exercício dos direitos humanos reconhecidos no plano internacional, em
face do chamado Powerofshame ou Powerofembarrassment.

Direito Internacional do Sistema Regional África

Em África, a necessidade de salvaguarda dos direitos humanos dos povos africanos, pela
institucionalização de um sistema de promoção e protecção dos direitos humanos, surge com a
criação em 1963 da Organização Continental e Pan-africanista que aprova instrumentos de

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promoção e protecção dos direitos humanos dos povos africanos saídos da colonização, dos quais
a Carta Africana dos Direitos dos Humanos e dos Povos constitui o exemplo paradigmático.

Assistimos, assim, desde o início das independências africanas, no início da década de 60, a criação
de organizações governamentais continentais que colocam nas suas agendas a luta pela promoção
e defesa dos direitos humanos, através da aprovação de instrumentos e de instituições conducentes.

Em princípio, estes instrumentos e as instituições de direitos humanos constituíam uma resposta


ao sistema colonial, que desde a sua implementação no Continente, violou sistematicamente os
direitos humanos dos povos africanos, desde a negação do direito a autodeterminação, até a prática
de actos cruéis como a escravatura, trabalho forcado, descriminação racial, social, o direito à vida,
etc.

Entretanto, aos fundamentos de génese para implementação do sistema de garantia de paz,


segurança, bem-estar dos povos africanos, através da luta contra impunidade e pelo respeito
incondicional dos direitos humanos no Continente africano, desidrato que ainda esta longe de ser
uma realidade.

Deste modo, o sistema regional africano foi desenvolvido sob a égide da Organização da Unidade
Africana (OUA), criada em 1963 e transformada em União Africana (UA), em 2002, através da
adopção pelos Estados membros da Carta Africana dos Direitos dos homens e dos povos em
1981, que, para além de prever os direitos humanos de que são titulares os povos africanos,
individual e colectivamente considerados, prevê a existência de instituições encarregues de
assegurar o respeito desses direitos (Direito institucional regional dos direitos humanos) (I)
através de um procedimento devidamente estabelecido para cada instituição (Direito processual
regional dos direitos humanos) (II).

A abordagem do Direito Institucional africano dos direitos humanos constitui a análise da sua
engenharia institucional, a qual se apresenta complexa comparativamente aos outros sistemas
regionais (Europeu e Americano).

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Coexistem no Continente africano um leque de Instituições encarregues, sob as mais variadas


formas, de velar pela promoção e protecção dos direitos humanos, que se diferenciam-se, tendo
em conta o seu âmbito territorial e a sua natureza.

A abordagem do Direito institucional africano que aqui se faz, cingir-se-á à análise das
Institucionais de âmbito continental, deixando, assim, de lado as instituições comunitária que
podemos encontrar nas várias sub-regiões africanas.

Deste modo, Direito institucional africano é constituído pela coexistência pela coexistência de
instituições que, quanto a sua natureza (composição e poderes) podem ser caracterizadas por
instituições de carácter meramente político (1), instituições Quasi-Juridiscionais (2) e Instituições
de carácter acentuadamente Jurisdicional (3).

As Instituições Politicas

Conforme já referido, o sistema regional foi desenvolvido pelas Organizações político-


governamentais continentais, mormente, a organização da Unidade Africana (O.U.A) que foi
substituída pela União Africana (UA) em 2002. Assim, a UA é a principal instituição politica na
promoção e protecção dos direitos humanos no continente.

A OUA, criada em 25 de Maio de 1963 pela adopção da carta da O.U.A, assinada em Addis Abeba
por todos os Estados africanos independentes do tempo, com excepção de Marrocos e Togo, teve
como principais objectivos a luta pela descolonização do continente e contra o apartheid que via
o seu esplendor na África de Sul.

Substituída pela UA em Julho de 2002, esta organização continental definiu como objectivo, para
alem de acelerar e aprofundar o processo de integração regional, no plano socioeconómico,
promover a cooperação internacional, tendo em conta a Carta das Nações Unidas, a Declaração
Universal dos direitos humanos e a Carta Africana dos direitos do homem e dos povos, através da
paz, segurança e estabilidade no continente, por forma a elevar o nível de vida dos povos africanos.
O acto de a fundação da UA ser o primeiro tratado de direito internacional, que mantem o direito
de intervenção militar por razoes humanitárias.

Constituída por um leque variado de instituições e órgãos com mais diferenciada composição,
naturezas e funções, a actual e principal organização político-governamental africana, a UA, tem
como principais órgãos, com destacadas funções em matéria de promoção e defesa dos direitos
humanos no continente, os seguintes:
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A Conferencia de chefes de Estado e de Governo

A Conferencia é o órgão supremo da UA previsto nos art 5 e seguintes do Acto Constitutivo da


União Africana e tem como membros os Chefes de Estado e de Governos dos Estados Partes ou
seus representantes, devidamente credenciados.

Na sua qualidade de órgão supremo da UA, a conferência de chefes de Estado e de Governo possui
importantes poderes de decisão, nos termos do art 9 da Carta Constitutiva da UA, nas várias áreas
de actuação da UA, em geral, e na área de direitos humanos, em particular. Sendo de destacar
relativamente a esta última os seguintes poderes:

 Definir as políticas da UA;


 Receber, examinar e decidir em relação os relatórios e recomendações dos outros órgãos e
instituições da U.A, sendo de destacar os relatórios da Comissão Africana dos Direito do
Homem e dos Povos e do Comité para o Bem-Estar da Criança;
 Criar comissões de investigação sobre qualquer assunto de interesse da U.A;
 Nomear e exonerar os Comissários e juízes dos órgãos jurisdicionais ou quasi-
jurisdicionais (A Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos povos e o Tribunal
Africano de direitos do Homem e dos Povos).

A par destes poderes, a Conferencia dispõe do poder de autorizar a intervenção militar e/ou
humanitária em qualquer Estado-parte que se encontre numa situação de crise que coloque em
causa os direitos humanos dos seus cidadãos (Crimes de Guerra, crimes contra a humanidade ou
genocídio). Este órgão reúne-se, sob direcção do seu presidente eleito para dirigir o órgão, durante
um ano, duas vezes em sessão ordinária em Adis-Abeba, capital da Etiópia, ou
extraordinariamente, quando convocado, tendo em conta os requisitos fixados no seu regulamento
interno que exige, entre outros, a anuência de pelo menos 2/3 dos Estados-partes.

As decisões tomadas pela conferência privilegiam o consenso, porem, as mesmas podem ser alvo
de votação que exigem a anuência de pelo menos 2/3 dos Estados-membros. Assim, para que as
deliberações tomadas pela conferência sejam consideradas validas e obrigatórias para todos os
Estados-membros da UA é necessário que as deliberações tenham sido validadas por 2/3 dos
Estados membros.

A Comissão da União Africana

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A Comissão da UA constitui o secretariado da União, exercendo a função nos termos dos artigos
5 e 20 da carta da UA.

Sucessora do antigo secretariado da OUA, à Comissão da U.A é conferido o papel de assegurar o


bom funcionamento da UA, exercendo as competências que lhe são atribuídas pela Carta da UA,
pelos protocolos específicos, pelo seu regulamento e pelas decisões tomadas pela conferencia dos
Chefes de Estado e de Governo, enfim, a Comissão da U.A tem o principal papel de fazer cumprir
as politicas e decisões da UA.

Na sua qualidade de órgão executivo da UA, a Comissão, para alem de exercer competências
meramente administrativas, vê-se confiada também podres relativos à promoção e defesa dos
direitos humanos no continente, pela análise que fazemos do art. 3 do seu regulamento, dos quais
podemos destacar a faculdade de tomar medidas em áreas como gesto ambiental, refugiados e
pessoas deslocadas, segurança alimentar, promoção da Paz, democracia, segurança e estabilidade,
entre outras.

Há que acrescer aos poderes enunciados da Comissão, o seu poder de iniciativa para propor a
aprovação de políticas e decisões nas mais diversas áreas (incluindo aquelas que têm uma relação
estreita com a promoção e defesa dos direitos humanos no Continente) que é conferido a Comissão.

A Comissão tem a sua sede em Adis-Abeba, Etiópia, e é composta por 10 comissários, dos quais
um Presidente e um Vice-presidente.

O Conselho de Paz e Segurança

A região africana é conhecida por uma incidência considerável de conflitos armados inter e intra-
estadual que, desde os anos 90, vezes sem conta, põem em causa os direitos humanos da população
africana, com destaque para o direito humano à vida.

Como forma de prevenir a eclosão assim como resolver os conflitos que devastam a África, a
União africana criou em 2004 um Conselho de Paz e Segurança que tem como missão, nos termos
dos artigos 3 e 6 do Protocolo da sua criação, a promoção da paz, segurança, estabilidade,
prevenção gestão e resolução de conflitos, a consolidação dos processos de Paz e de construção
pós-conflito e acção humanitária e de gestão catástrofes, dispondo para tal das competências
elencadas no art. 7 do se Protocolo Constitutivo como, por exemplo, a possibilidade de aplicação
de sanções contra quaisquer ameaças ou violações à paz e segurança continental. Por outras

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palavras, a implementação do Conselho de Paz e Segurança visa permitir consolidação de uma


cultura de paz e segurança no continente.

Com vista a realizar as suas funções, o Conselho dispõe de uma estrutura armada, i. é, de um braço
armado com competências de realizar missões de paz junto dos Estados membros e pode mesmo
fazer o uso do direito de ingerência defendido pela União Africana nas questões humanitárias.

O conselho de paz e segurança é composto por 15 membros, e reflectindo o equilíbrio regional do


continente, 05 dos seus membros são eleitos por um mandato de 03 anos e os restantes 10 para um
mandato de 02 anos. É dirigido por um presidente, indicado entre os membros do conselho, através
de um sistema rotativo que permite a cada membro presidir o Conselho por um período de um
mês.

O funcionamento do Conselho é feito baseado em reuniões dos representantes permanentes dos


Estados membros, que se reúnem ordinariamente, pelo menos duas vezes por mês, e através de
reuniões dos Chefes de Estado ou de Governo que se reúnem, pelo menos uma vez por ano.

O Conselho pode criar estruturas subsidiárias (Comités adhoc de mediação, conciliação ou de


inquérito) que julgar necessárias para o exercício das suas funções composto por Estados-membros
ou experts.

Instituições Quasi-Jurisdicionais

As instituições quasi-jurisdicionais contemplam a Comissão Africana dos Direitos dos Homens e


dos Povos (Comissão Africana) e o Comité Africano dos direitos e Bem - estar da Criança
(CADBE).

A Comissão Africana dos Direitos dos Homens e dos povos

Prevista no artigo 30 da Carta africana dos direitos humanos e dos povos, a Comissão Africana
dos direitos humanos e dos povos (Comissão Africana) é uma instituição regional de promoção e
protecção de direitos humanos, prevista pela Carta Africana, existente desde 02 de Novembro de
1987.

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O artigo 30 da Carta Africana prevê a criação da Comissão Africana como um grupo de 11


especialistas independentes (sem nenhuma ligação funcional com Estado, i. é, o candidato a
comissário não pode ser, por exemplo, membro do governo, diplomata, etc) oriundos dos Estados
partes da Carta Africana, reconhecidos pela sua grande experiencia em matéria de promoção e
defesa de direitos humanos, integridade, moral e imparcialidade e eleitos por um mandato de 06
(seis) anos renováveis indefinidamente.

Os membros, que recebem a designação de comissários, da Comissão Africana, gozam de


privilégios e imunidades, em virtude das funções que desempenham, semelhantes aos privilégios
concedidos aos magistrados para o desempenho das suas funções, nomeadamente, independência
e inamovibilidade no exercício das suas funções.

A Comissão Africana é dirigida por um presidente e um vice-presidente, eleitos entre os


Comissários, nos termos do seu regulamento interno, e apoiada por um secretariado (composto
por um secretario executivo e alguns funcionários) que lhe permite realizar as suas sessões
ordinárias anuais que tem lugar, durante 15 dias, nos meses de Abril/Maio e Outubro/Novembro,
normalmente, na sua sede em Banjul.

A par das actividades que são realizadas pelos comissários, a Comissão Africana pode, sempre
que entender e com a aprovação da Conferência dos Chefes de Estado e de governo, grupos de
trabalho ou indicar relatores especiais (que podem não ser membros da Comissão Africana com a
missão de estudar e obter informações sobre questões ou situações de violações de direitos
humanos nos Estados-partes.

As sessões da Comissão Africana têm, normalmente, um carácter público, podendo delas


participar as organizações da sociedade civil que tenham o estatuto de observador junto da
Comissão e nelas, analisam os comissários, os relatórios sobre a situação dos direitos humanos

nos Estados-partes, fornecidos quer pelos Estados-partes, quer pelas organizações da sociedade
civil, pelos grupos de trabalhos ou pelos relatores especiais.

À Comissão Africana é atribuída uma tripla competência, designadamente, em matéria de


promoção, protecção e consultiva de direitos humanos a nível regional africano.

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Em virtude do artigo 45 da carta africana, a Comissão Africana tem competências relativamente a


promoção dos direitos humanos, através da realização de actividades de formação, sensibilização
e de cooperação.

Como forma de permitir maior conhecimento dos direitos humanos através da formação, a
Comissão Africana procura traduzir e difundir a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos, quer nas línguas de trabalho da União Africana (Árabe, Francês, Inglês e o Português) quer
nas mais diversas línguas africanas (ex: wolof, fang, swahili, shona, etc), bem como apoiar a
realização de estudos e publicações sobre a temática de direitos humanos e África.

Procurando ainda, promover os direitos humanos no Continente, a Comissão Africana joga um


papel importante quer na adopção de vários instrumentos normativos de direitos humanos, através
da sensibilização dos actores políticos africanos para a aprovação dos mesmos, como forma de
salvaguarda destes direitos, quer no desenvolvimento de uma cooperação institucional com vários
organismos internacionais e nacionais, governamentais e não-governamentais, prosseguindo os
mesmos objectivos.

A par da competência promocional, a Comissão Africana exerce uma competência marcadamente


protectora de direitos humanos no continente, através da apreciação e emissão de resoluções e
recomendações dos relatórios e queixas (provenientes dos Estados-partes, de cidadãos dos Estados
partes ou de organizações da sociedade civil) de violações de direitos humanos nos Estados-partes.
É no exercício desta competência que se manifesta o poder quasi-jurisdicional da Comissão
Africana, sendo de destacar o papel das organizações da sociedade civil como impulsionadoras da
Comissão Africana para o exercício desta competência.

Ainda, com vista a exercer eficazmente a sua competência protectora, a Comissão Africana dispõe
também de competências de investigação em caso de situações de violações graves e

massivas de direitos humanos, podendo recorrer a quaisquer instituições, indivíduos ou medidas


com vista à por termo situações de violação de direitos humanos.

Este conjunto de competências de competências conferidas à Comissão faz desta, uma instituição
incontornável na promoção e protecção dos direitos humanos no Continente.
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Entretanto, em virtude do seu complexo e moroso procedimento, aliado ao facto de as suas


decisões ‘’não’’ se revestirem de forca obrigatória para os Estados, viu-se a necessidade de criação
e entrada em funcionamento de uma instituição com um carácter jurisdicional para colmatar as
deficiências e insuficiências da Comissão Africana, o Tribunal Africano dos Direitos dos Homens
e dos Povos.

O Comité Africano dos Direitos e Bem - estar da Criança (CADBE)

O CADBE foi instituído em cumprimento do art.º 32 da Carta africana de direitos e bem - estar da
criança com vista a, de forma especial, promover e proteger os direitos da criança africana.

O CADBE, tal como a CA é composto por 11 membros eleitos pela Assembleia dos Chefes de
Estado e de governo da UA por um mandato de 05 (cinco) anos não renováveis, (o que lhe
distingue dos Comissários da Comissão Africana), conforme o artigo 33 da Carta Africana dos
Direitos da Criança.

Os especialistas, membros do CADBE são eleitos entre as individualidades africanas com elevadas
qualidades morais, integridade, imparcialidade e competência relativamente às questões de
promoção e protecção dos direitos e bem-estar das crianças africanas (artigo 33 da Carta Africana
dos Direitos da Criança).

Ao exigir-se estas qualidades aos candidatos a membros do CADBE pretende-se garantir que estes
sejam independentes de qualquer governo é que na sua actuação não representem nenhum governo,
mas, sim, com independência e imparcialidade. Deste modo, os membros do CADBE provem,
normalmente, de organizações da sociedade civil ou de ensino, sendo interditas as candidaturas de
pessoas que trabalham em organizações inter-governamentais, nas agências das Nações Unidas ou
que ocupam um cargo politico ou parlamenta no País de origem.

O CADBE é dirigido por um Presidente (coadjuvado por um secretariado, dirigido por um


secretário) que orienta as suas sessões de trabalho, nas quais, para poderem ser validas, as suas
deliberações devem participar dela pelo menos 07 membros que tomam decisões por maioria,
cabendo ao Presidente em voto de qualidade em questões de empate.

Em virtude da sua natureza especial virada para a promoção e protecção das crianças africanas, o
CADBE tem, essencialmente, os seguintes poderes:

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a) Promover e proteger os direitos previstos na Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da


Criança através da recolha de documentos e informações concernentes, da avaliação
interdisciplinar, organização de reuniões encorajamento das instituições nacionais que
lidam com esta matéria e da apresentação de recomendações aos governos;
b) Elaborar e formular princípios e regras visando proteger os direitos e o bem-estar da
criança em África.
c) Monitorar a aplicação dos direitos consagrados na Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar
da Criança.
d) Interpretar as disposições da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança a pedido
dos Estados-partes, das instituições da UA ou de qualquer outra instituição reconhecida
pela UA ou por um Estado-membro.

Deste modo, o CADBE é a instituição principal na promoção e protecção dos direitos das crianças
africana, a nível regional.

Instituições Jurisdicionais: O Tribunal Africano dos Direitos dos Homens e dos Povos

A 25 de Janeiro de 2004, entrou em vigor o Protocolo estabelecendo o Tribunal de Africano de


Direitos do Homem e dos Povos (TADHP), materializando, assim, uma ideia com mais de 40 anos,
de que um eficaz sistema africano de protecção de direitos humanos reside na existência, A nível
regional de uma instituição de cariz jurisdicional.

O TADHP foi criado para complementar a Comissão Africana, ou seja, ele não visa substituir a
Comissão Africana, mas complementa-la, através da analise das queixas individuais, das
organizações da sociedade civil e dos Estados membros, o que significa que o mandato do TADHP.

A entrada em funcionamento do TADHP visava estabelecer uma instituição com cada vez mais
poderes de dissuasão e come efeitos preventivos, por forma a combater a impunidade em matéria
de direitos humanos, uma vez que o TADHP tem uma natureza jurisdicional, razão pela qual ele
apresenta especificidades relativamente a sua composição e funcionamento (1) e poderes (2).

O TADHP é composto por 11 juízes, seleccionados entre juristas independentes (sem nenhum
vinculo funcional com o Estado-parte), com alto nível de moral e com elevada competência
jurídica, judiciária ou académica em matéria de direitos humanos, atendendo o equilíbrio entre as
sub-regiões africanas e a questão do género.

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Os Juízes do TADHP são eleitos pelo Estados partes da União Africana para um mandato de seis
anos renováveis uma só vez, nos termos dos artigos 11, 12 e 15 do seu Protocolo e, exercem as
suas funções a tempo parcial (com excepção do Presidente), gozando de garantias de
independência e imparcialidade (por exemplo, através da proibição de existência de vinculo
funcional com um Estado-parte) e de certas imunidades.

O TADHP é dirigido por um presidente, e um vice-presidente eleitos pelos seus pares por um
período de 02 anos renováveis, uma só vez, nos termos do art.º 21, n° 1 do Protocolo.

Contrariamente à CA, o TADHP possui na sua estrutura um cartório, dirigido por um escrivão
nomeado para um mandato de 05 anos renováveis, e apoiado por funcionários oriundos dos
Estados-membros, que tem como funções, nos termos do art.º 25 do seu regulamento interno,
administrar o Tribunal, sob direcção do Juiz-presidente e garantir a realização por este da sua
função jurisdicional, através da realização do papel de intermediário entre o queixoso e o Tribunal.

O funcionamento do TADHP é regido pelo Protocolo da sua criação por um regulamento interno,
aprovado pelo próprio Tribunal que prescreve, entre outros, que as audiências do TADHP são
públicas e que as decisões, com forca obrigatória para os Estados em causa, devem ser proferidas
dentro de 90 dias após o término da audiência de julgamento.

De acordo com o Protocolo que cria o TADHP, dispõe principalmente, competências contenciosas,
mas também de competências consultivas.

O TADHP é competente para apreciar todas as acções concernentes a interpretação e aplicação da


Carta Africana, do Protocolo do Tribunal e de todo instrumento pertinente relativo aos direitos
humanos nos termos do art°3 (1) do Protocolo. Ou seja, ao TADHP pode ser solicitado pelo
requerente a interpretar com precisão de qualquer dispositivo da Carta Africana ou de outro
instrumento de direitos humanos (mesmo relativo a sua competência ou as decisões), devidamente
ratificado pelo Estado-parte em causa, prescrevendo um direito ou um procedimento, de forma a
proceder à aplicação da norma de direitos humanos, pois por enquanto, como bem lembra-nos o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ‘’ os instrumentos de protecção dos direitos humanos e
liberdades fundamentais não podem ser interpretados de forma literal, pois, são instrumentos
vivos de interpretação à luz das condições de vida actuais’’, i.é, na interpretação dos instrumentos
de protecção dos direitos humanos e económico e cultural onde os mesmos são aplicados, se com
isto pretender-se por em causa o carácter universal destes direitos e liberdades.

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Deste modo, no exercício da sua competência contenciosa o TADHP aplica outros instrumentos
de direitos humanos, para além da Carta Africana, por forma, quer a complementar a Carta, quer
a preencher lacunas que esta possa ter, o que constitui um avanço significativo na protecção dos
direitos humanos, em comparação com outros tribunais regionais de direitos humanos (o europeu
e o interamericano).

A semelhança da CA, a pedido de qualquer Estado parte, órgão da UA ou uma organização


reconhecida pela UA, o TADHP pode ser chamado e emitir pareceres sobre questões jurídicas
relativas à Carta Africana ou outro instrumento, de direitos humanos, desde que este pedido não
recaia sobre um caso em análise pela Comissão Africana.

A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos estabeleceu a coexistência, na ordem
regional, da Comissão Africana e do TADHP, com competências quase semelhantes.

 No Período que vai desde a criação da Comissão Africana em 1987 e a entrada do TADHP
em 2004, coube à primeira assegurar a promoção e protecção dos direitos humanos em
África. Entretanto, a partir de 2004, com a entrada em funcionamento destas duas
instancias que coexistem no sistema regional, desempenhando competências no que tange
à protecção, promoção e a emissão de pareceres em matéria de direitos humanos.

A Relação que se deve estabelecer entre a Comissão Africana e o TADHP encontra as suas regras
nos regulamentos da Carta Africana, e do TADHP e, resume-se quer pela atribuição ao TADHP
do papel de completar e reforça o mandato da primeira, quer pela possibilidade que é concebida à
Comissão Africana de interpor junto do TADHP acções contra um Estado membro da carta
africana que viola direitos humanos.

Esta legitimidade activa que é concebida à Comissão Africana demonstra-se relevante na medida
em que grande parte dos Estados signatários da Carta Africana e dos protocolos sobre a Criação
TADHP ainda não permitem a interposição de acções junto do TADHP pelas organizações da
Sociedade civil ou pelos cidadãos individualmente considerados, nos termos exigidos pelo art.º 34
(6) do Protocolo sobre a criação do TADHP, o que impõe à Comissão Africana o desafio de
principal impulsionador do TADHP.

Deste modo, a Comissão Africana devera desempenhar este seu papel de principal instância
impulsionadora da TADHP sobre a iniciativa das ONGs e dos cidadãos dos Estados-partes, sob
pena obstruir o trabalho do TADHP, como aconteceu, pro exemplo no sistema regional americano,

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onde a Comissão interamericana de direitos humanos por muito tempo evitou e interposição de
acções junto do Tribunal interamericano de direitos humanos, levando este último a quase
inoperacionalidade.

Outra relação que se pode estabelecer entre estas duas instâncias regionais de protecção de direitos
humanos prende-se com o facto de só as organizações não-governamentais de promoção e
protecção de direitos humanos, com estatuto de observador junto da Comissão Africana poderem
interpor acções junto do TADHP (cf. Art.º 5.3 do protocolo), na condição de o Estado parte ter
feito a declaração nesse sentido, nos termos do art.º 34.6 do protocolo sobre a criação do TADHP.

Pro outro lado, o TADHP pode solicitar o parecer consultivo da Comissão sobre qualquer acção
que lhe tenha sido submetida, nos termos do art.º 6 (1) do Protocolo sobre a criação e envia-la à
Comissão Africana para a sua apreciação, nos termos do art.º 6 (3) do Protocolo sobre a criação
do TADHP.

Portanto, a articulação entre a Carta Africana e o TADHP é crucial para um efectivo


funcionamento destas instâncias, nos termos previstos nos respectivos protocolos.

Quadro comparativo entre a Carta Africana & TADHP

COMISSÃO AFRICANA TRIBUNAL AFRICANO DOS


DOS DIREITOS DO DIREITOS DO HOMEM E DOS
POVOS
HOMEM E DOS POVOS

Criação Criado pela Carta Africana Estabelecido pelo protocolo à Carta


dos direitos dos homens e dos Africana relativo à criação do
povos, entrou em TADHP de 10 de Junho de 1998,
funcionamento a 21 de Junho entrou em funcionamento a 25 de
de 1981. Janeiro de 2004.

Composição 11 Comissários 11 Juízes


1) Velar pela 1) Velar pela Interpretação e
Competência
Interpretação e aplicação da carta Africana e
aplicação da carta outros instrumentos de

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Africana pelos direitos humanos pelos


Estados partes; Estados partes;
2) Mediar a resolução 2) Mediar a resolução amigável
amigável diferendos de direitos humanos;
em matéria de direitos 3) Emitir pareceres
humanos; e consultativos; e
3) Emitir pareceres 4) Interpretar as suas decisões e
consultativos. Decidir sobre os recursos
interpostos contra elas.

Meio Comunicações Acções


processual
1) Estados-parte; 1) A Comissão Africana;
Legitimidade
2) Indivíduos; e 2) Estados-parte;
3) ONGs. 3) Estado em que o cidadão é
vítima de violação de
direitos humanos por um
Estado-Parte;
4) Organizações inter-
governamentais africanas;
5) Os indivíduos e ONGs com
estatuto de observador junto
da Carta Africana, nos
termos do art. 34.6 do
protocolo.

Tipo de Recomendações (Não Sentença (Coerciva)


decisão coerciva)

Leituras Complementares

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1. Piovesan, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 9º Edição,


Editora Saraiva, 2008.

2. Lafer, Celso, Origens, Alcance e Significado da Declaração Universal dos Direitos


Humanos de 1948.

3. Nader, Lucia, Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 7, ‘’ O papel das ONG’s
no Conselho de Direitos Humanos, 2007.

4. Duran, Carlos Villan, Sur – Revista Internacional de Direitos, nº 5, ‘’ Luzes e Sombras do


novo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas’’, 2006.

Actividade

1. Qual foi a primeira organização intergovernamental que reactivou a soberania dos Estados
após o final da I Grande Guerra Mundial (1919). E quais os seus objectivos?

2. Em breves linhas explique o teor da Declaração Universal dos Direitos do Homem


aprovada em 1948 e de 1993.

3. Explique o papel do tribunal Penal Internacional (TPI), quanto a prevenção e repreensão


de crimes contra humanidade.

4. Qual foi o objectivo da criação do Tribunal Africano dos Direitos dos Homens e dos povos.

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UNIDADE TEMATICA IV

DIREITO PROCESSUAL DOS DIREITOS HUMANOS

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

 Efectuar a descrição dos mecanismos processuais que estabelecem os procedimentos que


devem ser observados para proteger os direitos humanos. Isto significa que se trata de
discutir os mecanismos que asseguram o exercício de direitos quer para assegurar a
prevenção quer para reagir contra a sua violação.

 Compreender que os mecanismos de realização de Direitos Humanos subdividem-se em


meios de exigibilidade e meios de jusdiciabilidade. Onde os primeiros são os que efectivam
junto de instituições não jurisdicionais como por exemplo o recurso o direito de petição na
Assembleia da Republica. Enquanto os segundos são os que aplicam junto de instituições
jurisdicionais e quase-jurisdicionais, pro exemplo junto do Tribunal Penal Internacional.

Direito Processual do sistema Universal dos Direitos Humanos

O direito processual universal compreende o conjunto de mecanismos processuais de protecção


de direitos humanos no âmbito do sistema das Nações Unidas, nomeadamente, relatórios de
Estados Partes, comunicações interestaduais, petições individuais e, procedimento de investigação.
Embora os procedimentos sejam comuns a todos os órgãos acima referidos, na verdade, eles são
adaptados ao modo de funcionamento de cada um deles. Por isso, deve estudar-se cada
procedimento institucional dos órgãos das Nações Unidas ou seja, o funcionamento específico dos
procedimentos em função de cada órgão.

O direito processual no sistema convencional não apresenta grandes variações de comité para
comité, na medida em que o regime dos comités, nas convenções, deriva da experiencia da
Convenção para a Eliminação da Descriminação Racial, de 1965, sendo que nas convenções
subsequentes previram-se regras análogas no que ao funcionamento destes órgãos diz respeito.
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Ainda assim, releva a análise pormenorizada das regras específicas de funcionamento seguido por
cada comité, porque alguns comités são dotados de procedimentos que outros não possuem.

O Processo do Comité de Direitos Humanos (Comité)

O Comité funciona, basicamente, através de três procedimentos: a análise dos relatórios dos
Estados-parte (i), as comunicações interestaduais (ii) e as petições individuais (iii).

A Analise dos Relatórios dos Estados-parte

Os Estados-parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, devem submeter um


relatório ao Comité dos Direitos Humanos, através do Secretário-geral das Nações Unidas, sempre
que aquele órgão solicitar, nos termos do disposto no art.º 40 n°. 1, e n.º 2, do PIDCP.

O Secretário-geral da ONU, deve encaminhar o relatório do Estado-parte ao Comité de Direitos


Humanos, podendo encaminhar cópias do relatório às agências especializadas da ONU, nos termos
do disposto no art.º 40, n°. 2 e n°. 3, do PIDCP.

O Comité de Direitos Humanos, após análise dos relatórios dos Estados-parte, transmite a estes o
seu próprio relatório, assim como os comentários que julga pertinentes. O Comité tem, igualmente,
a faculdade de fornecer ao Comité as observações que tiverem sobre os comentários do Comité,
nos termos do art.º 4º n°. 4 e n°.5.

As comunicações Interestaduais

O procedimento das comunicações interestaduais é facultativo, dado que depende de uma


declaração elaborada pelo Estado-parte, reconhecendo a competência do Comité para recebe-las.
Consistem de petições de um estado contra um outro Estado.

As comunicações interestaduais, apenas, são admitidas nos casos que ambos os Estados
envolvidos fizeram a declaração de reconhecimento, e esta condicionado ao princípio do
esgotamento dos recursos internos e ao fracasso das negociações bilaterais, nos termos da al. a) b)
e c), do n. 1, do art.º 41 do Pacto.

O Comité de Direitos Humanos analisa as comunicações interestaduais em reuniões confidenciais,


procurando sempre soluções amistosas e garantidoras dos direitos humanos e dos direitos
fundamentais reconhecidos no PICDP, nos temos do disposto no art.º 41 n°. 1, al. d), c) e e).

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Os Estados-parte, interessados, podem fornecer informações adicionais, sempre que o Comité


solicitar, tendo igualmente a faculdade de se fazerem representar quando as questões são
analisadas pelo Comité, podendo apresentar observações orais e/ou escritas, nos termos do
disposto no art.º 41 n°.1, al. f) e g).

O Comité tem o prazo de 12 meses, contados a partir de recepção da comunicação pelo Estado
destinatário, para apresentar um relatório sobre o alcance de uma solução ou não, nos termos do
disposto no art.º 41 n°. 1, al. h). Contudo, não tendo sido resolvida a questão, pode o Comité, com
anuência dos Estados-parte interessados, constituir uma Comissão de Conciliação ad-hoc,
constituída pro cinco membros, designados com consentimento das partes interessadas, os quais
exerceram as suas funções de forma independente, nos termos do disposto no art.º 42 n°.1, al a) e
b) e n°.2.

A Comissão ad-hocpara alem de trabalhar com base nas informações obtidas pelo Comité, pode
solicitar informações adicionais aos Estados-partes interessadas, devendo, no prazo de um ano
apresentar um relatório ao Presidente do Comité, o qual deve ser aceite no prazo de três meses
pelas partes interessadas caso não se tenha alcançado alguma solução, nos termos do disposto no
art.º 42 n.6 e 7 al. a), b), c) e d).

As petições Individuais

O sistema de petições individuais só e admissível contra Estado violador que tenha ratificado tanto
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, quanto o Protocolo respectivo, nos termos do
disposto no art.º 1 do Protocolo Facultativo. Com a ratificação do Protocolo, observa Flávia
Piovesan, ‘’os Estados-partes podem consentir em submeter à apreciação do Comité de Direitos
Humanos comunicações encaminhadas por indivíduos, que estejam sob sua jurisdição e que
tenham sofrido violação de direitos assegurados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos’’.

O recurso ao sistema de petições, carece da observância dos seguintes requisitos: alegacão de


violação de direitos assegurados pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; prévio
esgotamento dos remédios internos; identificação do denunciante e a inexistência de litispendência
internacional, nos termos dos art.ºs 1, 2,3 e 5, todos do Protocolo Facultativo.

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O Comité submete as petições admitidas ao Estado acusado de violação de um dispositivo do


PIDCP, que no prazo de seis meses, devera se pronunciar por escrito sobre as acusações, nos
termos do disposto no art.º 4 § 1 e § 2.

O Comité analisa todas comunicações numa sessão a porta fechada e, posteriormente comunica as
suas conclusões ao Estado-parte interessado e ao particular denunciante, para alem de fazer constar
do seu relatório anual de actividades, nos termos do disposto no art.º 5 § 3 e 4 e art.º 6 do Protocolo
Facultativo.

O Processo do Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CESCR)

O CESCR possui quatro procedimentos de actuação; a análise dos relatórios dos Estados-partes
(i), as comunicações interestaduais (ii), as petições individuais (iii) e o procedimento de
investigação.

A Análise dos Relatórios dos Estados-partes

Sempre que os Estados parte apresentam os seus relatórios, o CESCR adopta o seguinte
procedimento: recebidos e processados pelo secretariado, os relatórios dos Estados parte são
inicialmente avaliados pelo grupo de trabalho prévio à sessão do CRSCR, composto por cinco
membros, que reúne seis meses antes da apreciação do relatório pelo CESCR, em plenário. O
grupo de trabalho prévio à sessão, considera, preliminarmente, o relatório, indica um dos seus
membros para sobre ele formular considerações específicas, e elabora uma lista de perguntas
escritas, relativas a informações constantes do relatório que, posteriormente, são apresentadas só
Estado parte envolvido. O Estado deve então responder por escrito a essas perguntas antes da
discussão do relatório perante o CESCR.

Os representantes do Estado que apresenta o relatório, são encorajados a estarem presentes nas
reuniões em que o CESCR o aprecia. A delegação governamental constituída para o efeito faz-se,
normalmente, presente durante este processo, que é conduzido por um período de dois dias. A
delegação faz inicialmente uma apresentação do relatório e das respostas às perguntas escritas
formuladas pelo grupo de trabalho prévio à sessão. Segue-se uma apresentação de informação
relevante, nomeadamente posterior à elaboração do relatório (actualizações, etc). Os membros do
CESCR, colocam a seguir perguntas e formulam observações ao Estado parte durante a sessão.
Um período de tempo é, então, concedido aos representantes dos Estados parte para responder, de
modo tão preciso quanto possível, às perguntas e observações que lhes foram apresentadas. Esta

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resposta do Estado pode iniciar-se no próprio dia ou, o mais tardar, no dia seguinte. Se as questões
não puderem ser adequadamente tratadas durante a sessão, o CESCR solicita ao Estado que lhe
faculte informação adicional para consideração em sessões subsequentes.

Uma vez concluída a analise dos relatórios e a apreciação das intervenções dos representantes dos
Estados parte, o CESCR conclui pela formulação de ‘’observações finais’’, que constituem a
apreciação do CESCR do modo como o Pacto é aplicado num determinado Estado parte. As
observações finais são divididas em cinco secções: a) introdução, b) aspectos positivos, c) factores
e dificuldades que impedem a implementação do Pacto, d) áreas principais de preocupação, e)
sugestões e recomendações. As observações finais são adoptadas em sessão à porta fechada e são
tornadas públicas no último dia de cada sessão, sendo os textos publicados e incluídos no relatório
do Secretário-geral.

As Comunicações Interestaduais

As comunicações interestaduais constituem um dos procedimentos do CESCR.

Como se pode depreender do art.º 10 do Protocolo Facultativo ao PIDESC, as regras de processo


referente as comunicações interestaduais no CESCR são similares às do Comité dos direitos
humanos, do Pacto Internacional dos direitos Civis e Políticos, diferenciando-se apenas pelo facto
de no instrumento acima citado, não se previr uma Comissão de Conciliação ad hoc como
mecanismo de resolução de diferendos no CESCR, como acontece no PIDCP.

As Petições Individuais

Os requisitos de admissibilidade das petições individuais são fundamentalmente os mesmos


previstos no Comité. Contudo, no Protocolo Facultativo ao PIDESC, expressamente se declara a
exigência do consentimento da vítima quando terceiros pretendem actuar a seu favor (art.º 2).

No que concerne ao requisito do esgotamento dos recursos internos, no Protocolo consagra-se de


forma expressa, a prolongada demora na resolução de um caso equivalente a exaustão dos recursos
internos e o prazo de caducidade de um ano para a submissão da petição, após o esgotamento dos
recursos internos, ex. vi art.º 3 n° 1, al. a) do PIDESC.

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A inexistência do caso julgado internacional é, também, requisito de admissibilidade das petições


individuais, nos termos da al. c) do artigo retro mencionado, não se fazendo menção apenas a
litispendência internacional, como ocorre no Protocolo Facultativo ao PIDCP.

O Protocolo consagra o princípio da não retroactividade do mecanismo das petições individuais a


factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nos termos da al. b) do art.º 3 do PIDESC e a
exigência de exaustiva fundamentação da petição (al e) do art.º 3).

Nos termos do art.º 4 do Protocolo do PIDESC, o CESCR pode declinar a apreciação de uma
petição quando ela não revelar que o autor tenha sofrido uma clara desvantagem, a não ser que o
Comité considere que a petição levante uma seria questão de importância geral.

Uma inovação que o Protocolo prevê, no que tange às petições individuais, é o facto de a qualquer
momento depois do recebimento da comunicação e antes de a decisão sobre o mérito ter sido
tomada, o CESCR poder transmitir ao Estado-parte interessado, para sua urgente consideração,
um pedido para que esse Estado tome medidas provisórias para evitar danos irreparáveis, fazendo-
o ao abrigo do art.º 5 do PIDESC.

O Estado Parte deve submeter ao CESCR, dentro de seis meses, uma resposta por escrito,
incluindo informação sobre qualquer acção adoptada à luz das opiniões e recomendações do
CESCR, sendo que o CESCR tem a faculdade de convidar o Estado - Parte a submeter novas
informações sobre quaisquer medidas que o Estado em referência tomou em resposta às suas
orientações ou recomendações e inclusive, se o CESCR considerar apropriado, nos relatórios
subsequentes que o Estado-parte apresente, conforme os apresente, conforme os artigos 16 e 17
do Pacto.

O Procedimento de Investigação

Nos termos do art.º 11 n°.1 do Protocolo ao PIDESC, o procedimento de investigação carece de


declaração habilitante por parte do Estado a ser investigado.

No início da investigação, o CESCR deve solicitar a colaboração do Estado em investigação, o


qual, no prazo de seis meses após a recepção dos resultados da investigação, deve submeter as
suas observações ao CESCR, nos termos do disposto nos n°s. 2, 5 e 6 do art.º 11 do Protocolo ao
PIDESC.

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As conclusões do procedimento de investigação podem constar no relatório anual do CESCR, nos


termos do 8 do artigo retro mencionado. Contudo, o Estado investigado, pode a convite do CESCR,
incluir informações sobre as medidas tomadas após a investigação no relatório do CESCR ou,
apenas, fornecer informação, nos termos dos n°s. 1 e 2 do art.º 12 Protocolo ao PIDESC.

O Processo do Comité sobre Eliminação da Discriminação Racial (CEDR)

O CEDR funciona através de três mecanismos: análise de relatórios anuais, de comunicações


interestaduais e das petições individuais, nos mesmos moldes em que funciona o Comité de
Direitos Humanos.

Contudo, o CEDR, diferentemente do Comité, não foi instituído por um protocolo. É consagrado
dentro do próprio tratado como sendo uma cláusula facultativa, por isso, as petições individuais
apenas são aplicáveis aos Estados-parte que por, via de uma declaração, habilitaram o CEDR a
examinar petições que os denunciam, nos termos do art.º 14, da Convenção sobre a Eliminação de
todas as formas de Descriminação Racial.

O Processo do Comité sobre Eliminação de Discriminação contra a Mulher (CEDAW)

O CEDAW funciona através de três mecanismos: a análise de relatórios estaduais, as petições


individuais e o procedimento de investigação.

Os procedimentos de funcionamento destes mecanismos são similares aos dos usados nos outros
comités, nos casos em que são previstos.

O Processo do Comité Contra Tortura (CAT)

O CAT funciona igualmente através de quatro mecanismos, nomeadamente a análise de relatórios


estaduais, de comunicações interestaduais e de petições individuais e sistema preventivo de visitas
regulares aos locais de detenção.

O Sistema preventivo de visitas regulares aos locais de detenção, marca a diferença no


funcionamento do CAT a dos outros comités. Através deste procedimento, o Subcomité de
Prevenção pode fazer visitas aos lugares onde as pessoas podem ser ou não privadas de liberdade,
mas apenas, com anuência das autoridades públicas dos Estados membros do Protocolo
Facultativo à Convenção Contra Tortura (OPCAT),nos termos do disposto na al. a) do art.º 11 e
do n°.1, do art.º 4 do OPCAT.

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Os requisitos de admissibilidade e as regras procedimentais do CAT são similares às do Comité


dos direitos humanos, e igualmente o recebimento de petições individuais carece de declaração
habilitante por parte do Estados-parte, nos termos do art.º 22 da Convenção.

O Processo do Comité dos Direitos da Criança (CRC)

O Comité dos Direitos da Criança é mais simplista quanto aos procedimentos de actuação, na
medida em que apenas funciona atreves do mecanismo de análise dos relatórios Estaduais. Através
deste procedimento, o CRC analisa questões gerais sobre a implementação da Convenção dos
Direitos da Criança, bem como questões específicas relacionadas com a implementação de
medidas para a prevenção da participação de crianças em Conflitos Armados e na Prostituição,
nos termos do previsto no art.º 8 do Protocolo Facultativo sobre Conflitos Armados, no art.º 12
Protocolo Facultativo sobre Prostituição Infantil e no art.º 44 da Convenção dos Direitos da
Criança.

O Processo do Comité Para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e


Membros das suas Famílias.

O Comité para a Protecção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros das suas
famílias funciona através de três procedimentos, os quais foram abordados nos comités anteriores
a saber, análise dos relatórios estaduais, comunicações interestaduais e petições individuais.

O Processo do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência

A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência prevê apenas o procedimento de análise
de relatórios estaduais como mecanismo de funcionamento. Contudo, o Protocolo Facultativo à
Convenção previu o mecanismo de petições individuais e de investigação, passando o Comité dos
Direitos das Pessoas com Deficiência a funcionar com três procedimentos.

O Direito Processual Regional Africano dos Direitos Humanos

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As instâncias regionais competentes para a promoção e protecção dos direitos humanos, na


apreciação de possíveis violações de direitos humanos, conduzem a sua actuação de acordo com
normas que definem os requisitos e os actos necessários para tal, desde que vão desde a
legitimidade de interpor comunicações/acções, condições de aceitação, fases do processo, ate aos
tipos e características das decisões a serem tomadas. À este conjunto de normas designa-se direito
processual regional dos direitos humanos.

O Direito processual em matéria de promoção em matéria de promoção e protecção de direitos


humanos ao nível regional varia de instância para instância, fazendo com que cada uma delas
(politica, quasi-jurisdicional ou jurisdicional) tenha o seu Direito processual. Dai a necessidade de
analisar-se o Direito processual tendo em conta as particularidades de cada uma destas instâncias.

Direito Processual Junto das Instituições Politicas

As instituições políticas promotoras e protectoras dos direitos humanos no Continente africano


são os órgãos da União Africana, basicamente, a Conferência de Chefes de Estado e Governo, a
Comissão Africana e o Conselho de Paz e Segurança.

Em virtude do seu carácter político, estas instituições não tem por vocação receber queixas
(petições) de indivíduos dos Estado-partes ou das organizações da sociedade civil, razão pela qual
não existem normas procedimentais bem definidas para orientar o acesso a tais instituições.

Entretanto, em resultado das suas competências em matéria de direitos humanos, estas instituições
podem devem apreciar e decidir sobre petições apresentadas por cidadãos dos Estados-parte ou
das organizações da sociedade civil, nas mais diversas matérias relativas às situações de direitos
humanos no continente, desde que, no nosso entender, estas petições versem sobre a violação de
disposições de instrumentos de direitos humanos africanos sejam da sua competência assegurar
cumprimento, fundamentalmente os actos constitutivos desses órgãos. Ou seja, apesar de não
existirem normas formais, os cidadãos podem remeter às instituições políticas petições
informando-as de violações de direitos humanos.

Em resultado do exposto, os Estados-partes, os outros órgãos da União Africana, incluindo as


próprias instituições, que tem poder de se auto demandar, gozam da legitimidade de demandarem

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a prática de acções tendentes a promoção e protecção dos direitos humanos pelas instituições
políticas.

Direito Processual Junto das Instituições Quasi-Jurisdicionais.

O Processo da Comissão africana dos direitos dos homens e dos povos.

O Direito processual junto da Comissão Africana é caracterizado pela existência de normas sobre
a legitimidade activa para fazer comunicações, as condições de aceitação das comunicações, as
fases do processo, os tipos e características das decisões tomadas pela Comissão Africana.

A Legitimidade para apresentar comunicações à Carta Africana é atribuída, nos termos do art.6 do
regulamento interno da Comissão Africana, aos Estados partes da Carta africana, que o fazem
através daquilo que se designa de ‘’Comunicações estaduais’’, a todo individuo vítima (ou alguém
em sua representação) de violação de direitos humanos constantes da Carta Africana e às
organizações não-governamentais de luta e promoção de direitos humanos que constatem uma
situação de grave violação dos direitos humanos constates da carta africana.

Através deste alargamento das entidades com legitimidade para recorrerem à Comissão Africana
o sistema africano, contrariamente ao seu homólogo europeu adoptou a possibilidade da acção
popular.

Para que as comunicações das entidades com legitimidade atrás enunciadas sejam admitidas e
apreciadas pela Comissão Africana é necessário que elas preencham duas condições essenciais,
designadamente, esgotamento das vias de recurso internas a não apreciação do mesmo caso pro
outra jurisdição internacional.

O esgotamento das vias de recurso internas, previsto no art.º 56 (5), da Carta Africana, significa
que o requerente deve, para recorrer à Comissão Africana, provar que utilizou previamente as vias
de recurso disponíveis no Estado membro contra quem intente a comunicação.

Esta obrigação de recorrer, previamente, a todas instâncias susceptíveis de resolver o caso, a nível
interno, antes de recorrer à Comissão Africana, visa permitir que os Estados-parte se retratem e
repõem a situação de não violação de direitos humanos, por forma a evitar a sua exposição
internacional que origina o recurso ao Comissão Africana.

Entretanto, esta condição não supõe que só se pode recorrer à Comissão Africana depois do
Estado-parte ter proferido uma decisão, pois, esta condição encontrar-se-á preenchida se o Estado-
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parte não possuir instâncias para proceder a devida apreciação, ou se demonstrar não querer
proceder a uma apreciação demorada equiparada a apreciação ou no caso de proceder a uma
apreciação demorada equiparada a uma denegação de Justiça.

A não apreciação do mesmo caso por outra jurisdição internacional, prevista no art.º 56 (7) da
Carta Africana, significa que o caso levado a apreciação pela Comissão Africana não deve estar a
ser julgado por uma outra instância internacional competente ou pertinente, seja da UA ou da ONU.
Trata-se, na verdade, de litispendência e do caso julgado.

A prescrição desta condição visa impedir a duplicação de recurso, assim como que evitar à
Comissão Africana contrarie uma decisão tomada por uma instância competente e pro, deste modo,
em causa a segurança jurídica das decisões das instâncias de protecção de direitos humanos.

Para além disso, destas duas condições importantes de recepção das comunicações pela Comissão
Africana, é indispensável para a recepção das comunicações, a identificação do requerente, a
descrição dos factos que constituem violação de direitos humanos e a menção das disposições da
Carta africana violadas que qualificam tais factos.

O processo na Comissão Africana começa pro aquilo que se designa ‘’exame preliminar’’ da
comunicação, através do qual a Comissão Africana pode requerer esclarecimentos emitir
observações que determinam a aceitação ou a não-aceitação da comunicação para efeitos de
apreciação e decisão pela Comissão Africana.

Independentemente da aceitação ou não da comunicação, a Comissão Africana informa ao autor


da mesma da sua decisão, entretanto, somente a decisão de aceitação da comunicação é
comunicada ao Estado-parte contra quem é feita a comunicação, por forma a permitir a este lugar,
deste modo, à segunda fase do processo.

Uma vez comunicado da existência de uma comunicação contra si, o Estado-parte apresenta a sua
versão dos factos e indica quais as medidas que foram ou serão tomadas, por forma a remediar ou
a evitar a situação de violação de direitos humanos em causa, cabendo ao autor da comunicação o
direito de apresentar informações e observações suplementares que julgar necessárias.

Finda a apresentação das explicações pelos Estados-partes e das informações complementares pelo
autor da comunicação, a Comissão realiza o ‘’exame de fundo’’ da comunicação e emite a sua
decisão.

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Entretanto, a crítica que se faz ao processo de análise das comunicações pela Comissão Africana
é o da inexistência de prioridade no exame das comunicações, a utilização de um procedimento
pouco preciso e a falta de pessoal para fazer face à grande demanda que se assiste na Comissão
Africana.

Após análise de fundo da comunicação apresentada à Comissão Africana dois tipos de decisões
podem ter lugar; ou aplicação de medidas conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-
parte em causa a tomar medidas provisórias e urgentes, por forma a salvaguardar uma situação
actual de violação de direitos humanos, ou a comissão decide fazer recomendações que visam
‘’condenar’’ o Estado parte a adoptar uma certa conduta com vista a repor a situação e parar com
a violação de direitos humanos.

Estas decisões são, geralmente, consideradas não vinculativas aos Estados-parte, já se trata de
simples recomendações que caberá ao Estado acatar ou não. No entanto a outra posição é a de que
estas decisões são, sim, obrigatórias, ou seja vinculativas desde logo, por isso o fundamento da
existência mesmo da Comissão Africana, como também pelo facto de visarem a protecção de
direitos cruciais ao ser humano, que são direitos humanos. Contudo, reconhece-se que a sua
execução em caso de não cumprimento pelo Estado-aparte é difícil, em virtude de a comissão não
dispor de poderes coercivos por parte da Comissão.

Porem, uma das mais relevantes críticas que se faz ao processo de tomada de decisões pela
Comissão Africana, é o da sua morosidade o que, acrescido ao facto de que a recepção das
comunicações só é possível após o esgotamento das vias de recurso interno, faz com que muitas
das decisões tomadas pela Comissão Africana, para além de não poderem ser impostas
coactivamente aos Estados-parte, são tomadas depois de perdido o seu efeito útil da decisão.

O Processo do Comité africano dos Direitos e Bem-estar da Criança (CADBE).

Em virtude da sua natureza similar com à Comissão Africana, o Direito processual junto do
CADBE apresenta as mesmas características das do Direito processual junto da Comissão
Africana e, por isso, pode ser analisado tendo em conta os mesmos aspectos, nomeadamente, a
legitimidade activa para fazer comunicações, as condições de aceitação das comunicações, fases
do processo e os tipos e características das decisões tomadas.

A Legitimidade para fazer junto do CADBE encontra-se conferida, nos termos do art.º 42 e
seguintes da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, aos Estados partes da Carta, às

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instituições da UA, à toda criança vítima (ou alguém em sua representação) de uma violação e às
organizações não-governamentais de luta e promoção de direitos da Criança.

Importa referir, que esta possibilidade conferida pela Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da
Criança aos Estados constitui um avanço, comparativamente à Convenção sobre os direitos da
Criança das Nações Unidas que não prevê a existência de mecanismos contenciosos, à par da
competência promocional, na salvaguarda dos direitos da criança.

Relativamente à questão sobre a existência de condições de aceitação das comunicações, o


CADBE não possui ainda normas precisas para o efeito, o que levou a que, aquando da
apresentação de uma comunicação por uma organização ugandesa de defesa de direitos da criança,
este viu-se na obrigação de solicitar ao Gabinete Jurídico da UA um parecer relativamente à esta
questão. Entretanto, alguns autores consideram que à semelhança do que acontece com à Comissão
Africana, para que as comunicações das entidades com legitimidade, atrás enunciadas, sejam
admitidas e apreciadas pela CADBE, é necessário que elas preencham as duas condições
essenciais, designadamente, esgotamento das vias de recurso internas e a não apreciação do
mesmo caso por outra jurisdição internacional.

O desenrolar do processo junto do CADBE apresenta também as duas fases existente à nível da
Comissão Africana, nomeadamente, a fase de ‘’exame preliminar’’ da comunicação, através da
qual o CADBE analisa se a comunicação preenche os requisitos para ser alvo de apreciação por
parte CADBE e decide sobre a aceitação ou rejeição da mesma e a fase do ‘’exame de fundo’’ da
comunicação, durante a qual o CADBE analisa a pretensão do requerente, de acordo com as
normas aplicáveis ao caso em apreço e emite a sua decisão.

Tal como acontece junto da Comissão Africana, após a análise de fundo da comunicação
apresentada, a CADBE pode emitir dois tipos de decisões a saber, a aplicação de medidas
conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-parte em causa a tomar medidas provisórias e
urgentes, de forma a salvaguardar uma situação actual de violação de direitos humanos ou fazer
recomendações que visam ‘’condenar’’ o Estado parte a adoptar uma certa conduta com vista e
repor a situação de não violação de direitos humanos, tendo em atenção que os direitos a serem
protegidos neste caso são direitos de um grupo vulnerável que carece de maiores atenções, as
crianças, por isso, tal como nos referimos, relativamente as decisões da Comissão Africana,
pensamos que as decisões tomadas pelo CADBE são sim obrigatórias, ainda que desprovidas de
mecanismos coercivos para impor o seu respeito.

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Direito processual junto das instituições jurisdicionais: O Processo Tribunal africano dos
direitos dos homens e dos povos.

A questão processual coloca-se com maior relevância, relativamente, ao TADHP, por se tratar
aqui de verdadeira instituição jurisdicional. Entretanto, tal como junto à Comissão Africana, o
Direito processual do TADHP é caracterizado pela existência de normas sobre a legitimidade
activa para interpor acções (a), as condições de aceitação das acções (b), fases do processo (c) e
os tipos e características das decisões tomadas pelo TADHP (d).

A Legitimidade para interpor acções junto do TADHP é atribuída à Comissão Africana, aos
Estados partes do Protocolo sobre a criação do TADHP, às organizações inter-governamentais
africanas, aos cidadãos do Estado-parte, vítimas (ou alguém em sua representação) de violação de
direitos humanos, constantes da Carta Africana ou outro instrumento de direitos humanos e às
organizações não-governamentais defesa e promoção de direitos humanos que constatem uma
situação de grave violação dos direitos humanos constantes da Carta Africana ou outro
instrumento de direitos humanos.

Reafirmando o princípio do alargamento das entidades com legitimidade no sistema africano,


através da adopção da possibilidade da acção popular, o individuo e organizações da sociedade
civil, ao deixar à mercê dos Estados (principais visados das acções) a possibilidade de determinar
se estes podem ou não exercer este direito, através da emissão ou não da declaração nesse sentido,
nos termos do art.º 34 (6) do Protocolo.

Deste modo, o papel primordial na demanda de acções a nível do TADHP é desempenhado pela
Comissão Africana, da qual se exige que não seja tímida nas demandas ao TADHP para o bem da
protecção dos direitos humanos no continente.

À semelhança das exigências feitas pela Comissão, o TADHP introduzidas pelas entidades com
legitimidade atrás enunciadas sejam, depende do preenchimento das condições de esgotamento
das vias de recurso internas e a não apreciação do mesmo caso por outra jurisdição internacional.
À estas exigências, acrescem as seguintes:

 A necessidade de declaração do Estado-parte para à interposição de acções pelos


indivíduos e ONGs;
 Os factos invocados devem ser posteriores a ratificação do protocolo pelo Estado-parte;

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 Compatibilidade da acção com os princípios da Carta da União Africana e com a Carta


Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos;
 Uso de linguagem apropriada (proibição de uso de termos insultuosos em relação aos
Estados-partes);
 Apresentação de meios de prova bastantes (a referencia exclusiva aos meios de
comunicação social não é considerado como prova bastante);
 Apresentação de petição dentro de um prazo de 06 meses a contar da decisão definitiva ao
nível interno;

Para além destas condições, tal como acontece junto da Comissão Africana, para que acção seja
admitida, é indispensável a identificação do requerente, a descrição dos factos e a menção das
disposições da Carta Africana ou outro instrumento de direito humanos violados.

Uma das diferenças entre a Comissão Africana e o TADHP pode ser identificada relativamente às
fases e os princípios que norteiam a análise das acções apresentadas ao TADHP, poi, por tratar-se
duma jurisdição propriamente dita, o TADHP guia-se pro princípios, tais como a transparência e
igualdade das partes na apreciação, seguindo as seguintes fases:

1ª Fase: Recepção da acção e comunicação das partes e aos órgãos da UA. Ou seja, após receber
a petição, o cartório do TADHP comunica da existência de uma acção no TADHP às seguintes
entidades:

Estado parte visado e o Estado parte donde o requerente é originário (se diferentes);
A Comissão Africana;
A Comissão da UA e através dela à todos os Estados partes da UA.
Ao próprio requerente.

Estas comunicações visam informar as entidades interessadas do processo e determinar as partes


do processo.

2ª Fase: Analise preliminar, tal como acontece na Comissão Africana por forma a determinar a
aceitação ou não da acção.

3ª Fase: Analise de fundo, que ocorre a partir do momento em que o TADHP considera que a
acção não pode ser rejeitada liminarmente.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Nesta fase o TADHP convida o Estado-parte visado a responder a acção dentro de 60 dias, analisar
as provas apresentadas (de referir que o processo junto do TADHP é contraditório, o que obriga
as partes à apresentação de provas ao TADHP), ouve as partes e ‘’experts’’ (se julgar necessário),
solicita parecer à quem julgar pertinente para a boa decisão da causa e permite o debate da causa
pelos representantes das partes.

Durante a análise de fundo, o TADHP pode convidar as partes a resolver a disputa que lhe opõe
de forma amigável.

Findos os debates e análise de fundo da acção, o TADHP, em sessão privada, deve tomar a sua
decisão, que pode revestir as seguintes formas: parecer (tratando-se de um pedido de parecer)
medidas conservatórias ou tutelares, visando instar o Estado-parte em causa a tomar medidas
provisórias e urgentes, por forma a salvaguardar uma situação actual de violação de direitos
humanos, ou condenações ao Estado-parte a adoptar uma certa conduta com vista a repor situação
de não violação de direitos humanos (ex: indemnizar a vitima).

As decisões do TADHP que devem ser proferidas em 90 dias após a discussão da causa pelas
partes em sessão pública, e contrariamente as decisões da comissão Africana, revestem-se de um
carácter vinculativo para os Estados-partes, indicando-lhes as acções a tomar para repor a situação
de não violação de direitos humanos. Contudo a sua execução ainda constitui o calcanhar de
Aquiles, uma vez que, estas ficam dependentes quer da boa vontade dos Estados-parte quer da
vontade da Conferencia dos Chefes de Estado da UA, desempenhando, por efeito o Conselho
Executivo da União africana um papel fundamental.

Legislação Complementar

Vide a Constituição da República de Moçambique, 2004;

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Guia do Tribunal africano dos direitos do homem e dos povos. FIDH, 2010

Actividade

1.Define o direito processual universal.

2. Em que circunstâncias e admissível as petições individuais?

UNIDADE TEMATICA V

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

O DIREITO INSITTUCIONAL E PROCESSUAL NACIONAL DE DIREITOS


HUMANOS

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:

Entender que a ordem constitucional moçambicana consagra princípios essenciais que informam
e servem de base à protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente, os
princípios do constitucionalismo, do Estado de Direito, da separação dos poderes e da democracia.

O Princípio do Constitucionalismo

O constitucionalismo significa que o Estado deve exercer os seus poderes na base dos ditames
constitucionais, sendo este o limite do exercício do poder estadual. O Estado deve usar o seu poder
para realizar o interesse público, proteger e promover os direitos humanos e liberdades
fundamentais. É neste princípio onde reside a supremacia da Constituição, a qual determina que
as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico e
que a ordem constitucional deve ser respeitada por todos, razão por que quaisquer actos contrários
a Constituição são sujeitos à sanção, nos termos da lei. Trata-se de um princípio cuja violação
pode dar lugar a acções jurisdicionais de inconstitucionalidade como garantia da supremacia da
Constituição, relativamente à demais normas e actos, no Direito Moçambicano. As acções de
inconstitucionalidade constituem um instrumento relevante para a protecção dos direitos humanos
e liberdades fundamentais.

A Constituição é o acto normativo supremo que estabelece as bases fundamentais e estruturantes


do sistema político, social, económico e jurídico em Moçambique. Ela oferece os instrumentos
essenciais que permitem o empoderamento legal dos cidadãos para, junto dos órgãos competentes,
impugnar a violação dos seus direitos e liberdades fundamentais.

O Princípio do Estado de Direito

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

O princípio do Estado de Estado de Direito funda-se, sobretudo, no respeito e na garantia pelos


direitos humanos e liberdades fundamentais e na realização do interesse público. O Estado de
Direito obriga que a sua aplicação tenha por base o pluralismo de expressão e a organização
política democrática. Todos devem a obediência a lei e o Estado não deve exercer o seu poder
sobre ninguém fora dos fundamentos e limites da lei. Não há espaço para o Estado actuar sem leis
e condutas do Estado devem ser racionais e compatíveis com a ordem constitucional em vigor.

Este princípio consagra o primado e a reserva da lei.

O Estado de Direito tem um valor acrescentado ao princípio da legalidade, por ter implicações no
conteúdo da lei e na conduta do Estado entanto que poder. O princípio do Estado de Direito assenta
na ideia de que constitui dever do Estado respeitar os direitos e liberdades fundamentais e
satisfazer o interesse público, pelo respeito da legalidade, da dignidade humana, igualdade e
liberdade. Este princípio proíbe os poderes públicos de actuar caprichosamente ou com
arbitrariedades. A falta de independência do judiciário pode resultar na tomada de decisão
arbitrária. Se a legislação é aprovada com base em detrimento do interesse público então ela é
inconsistente com o Estado de Direito e não garante proteger os direitos humanos.

Princípio da Democracia e da Responsabilidade

Segundo a Constituição da Republica o sistema do governo deve basear-se na vontade soberana


do povo, no que a soberania reside no povo. Consequentemente, no sistema de governo
democrático, a relação entre os governo e o povo não deve ser simplesmente na base de poder,
mas sim, no consentimento e interesse geral dos governados é que é o conteúdo fundamental dessa
relação, com vista a realização do interesse público.

Moçambique é um Estado democrático e de justiça social, fundado nos valores de sufrágio


universal, e de permanente participação democrática na vida Publica, com vista a garantir ou
assegurar a abertura, colaboração, responsabilidades e prestação de contas (vide os artigos 3 e 73
da CRM). A lei ou conduta contrária ao princípio da democracia não deve subsistir e é, pois,
inválida. O texto constitucional não traz uma definição da democracia, mas defende que o sistema
de governo deve responder a vontade do povo e as instituições públicas devem pautar por
princípios democráticos serem acessíveis para responder o interesse público, para além de que as
autoridades devem explicar o significado e alcance das leis e das políticas públicas ao povo. Todo
o exercício do poder que afecta os direitos humanos, liberdades fundamentais e o interesse público

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

deve ser justificado, seja através da participação pública, do acesso a informação ou da prestação
de contas pelo poder público ao seu povo.

Princípio da Separação dos Poderes

Nos termos do artigo 134 da Constituição, os órgãos de soberania assentam nos princípios da
separação e interdependência dos poderes. A separação de poderes é, fundamentalmente, um
princípio constitucional próprio do Estado de Direito democrático.

Este principio garante a separação e justo equilíbrio entre os poderes legislativo, Executivo e
judicial, não admitindo qualquer tipo de arbitrariedade e interferência que implique ou que resvale
para a usurpação de poderes, limitação ilegal entre os poderes, uso de competência doutro poder
ou perturbação das atribuições e competência doutro poder ou perturbação das atribuições e
competência dum poder em relação ao outro poder. Todavia, a separação do poder deve ser
exercida em consideração interdependência existentes entre os poderes na prossecução do
interesse publico e no respeito pelos direitos humanos.

As Instituições Nacional dos Direitos Humanos


Instituições jurisdicionais

O exercício da função jurisdicional em Moçambique cabe aos tribunais, os quais tem por objectivo
garantir e reforçar a legalidade como factor de estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas
leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos
diferentes órgãos e entidades com existência legal. Existem várias categorias de tribunais,
nomeadamente: o Tribunal Supremo, o Tribunal Administrativo, os Tribunais Judiciais, tribunais
administrativos, tribunais superiores de recurso, de trabalho, fiscais, aduaneiros, marítimos e
arbitrais e comunitários, sendo que é proibida a existência de tribunais de competência exclusiva
para o julgamento de certas categorias de crimes.

Tribunal Supremo e Tribunais Judiciais

O Tribunal Supremo é um Tribunal judicial, não é uma categoria de tribunal adversa dos tribunais
judiciais, mas tem a particular natureza de ser o órgão superior da hierarquia, só tribunais judiciais
conforme definido no n° 1 do artigo 225 da Constituição.

Os tribunais judiciais são comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as
áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais, conforme resulta da Constituição (art.º 223 n°

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

4) e da Lei da Organização Judiciaria (art.º 33). O nosso direito vai no sentido de que aos tribunais
judiciais cabe-lhes resolver os litígios de natureza civil e criminal.

Os litígios sobre violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais são por natureza acções
contar o Estado devidamente investido dos seus poderes de autoridade, uma vez defende-se na
teoria geral dos direitos humanos que o Estado é o principal guardião e violador dos direitos
humanos, é a esta entidade que cabe a protecção e a garantia do gozo e exercício dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, sem no entanto, negligenciar a responsabilidade das empresas
pela violação destes direitos.

É assim que tribunais judiciais são competentes para dirimir litígios sobre a violação dos direitos
humanos, incluindo os que o Estado é parte investido dos seus poderes de autoridade, desde que
esse litígio não esteja atribuído a outras jurisdições. Nos casos em que a violação dos direitos
humanos resulta fora do âmbito de todas as outras jurisdições, a competência de julgar esses casos
recai aos tribunais comuns. Os tribunais judiciais exercem jurisdição em todas as áreas não
atribuídas a outras ordens jurisdicionais, o que significa extensão legal de jurisdição ou
competência destes tribunais a todas essas áreas não atribuídas, por lei, a outras jurisdições.

A Jurisdição Administrativa

De acordo com a lei, a jurisdição administrativa e a fiscalização da legalidade das receitas e das
despesas públicas são exercidas pelo Tribunal Administrativo e pelos tribunais administrativos,
competindo ainda ao Tribunal Administrativo o exercício da jurisdição fiscal e aduaneira, em
instância única ou em segunda e terceira instâncias. Portanto, do que resulta da lei, conclui-se que
a jurisdição administrativa compreende o Tribunal Administrativo e os tribunais administrativos
provinciais.

Dentro da divisão dos poderes do Estado, em obediência ao princípio da separação de poderes, os


tribunais administrativos e o Tribunal Administrativo integram o Poder Judicial, cabendo-lhes
nessa qualidade o papel de protecção dos direitos humanos, por atribuição do artigo 212, n.°1, da
Constituição da República. De uma forma geral, a jurisdição administrativa conhece dos litígios
emergentes das relações jurídicas administrativas ou dos actos administrativos decorrentes do
exercício da actividade administrativa.

Na verdade, por força do disposto nas normas conjugadas dos artigos 11, alínea e), 42, 43 e 249,
n.°1, todos da lei mãe, a Administração Pública exercem a actividade administrativa com

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

observância das leis e dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, incluindo, portanto, os
direitos humanos. Neste sentido, o julgamento de actos ou factos que resultem em violação de
direitos humanos, no âmbito do exercício da catividade administrativa compete, à jurisdição
administrativa.

Portanto, o papel primacial da jurisdição administrativa na protecção dos direitos humanos é


inquestionável, sobretudo, tendo em atenção o facto de a eficácia vertical dos direitos humanos
colocar o Estado e demais entes públicos, particularmente, a Administração Publica, com potencial
violador dos direitos humanos. Ora, cabendo à jurisdição administrativa julgar litígios entre o
Estado e os particulares compreende-se o papel privilegiado desta jurisdição no domínio dos
direitos humanos.

Nos termos da Lei Orgânica da Jurisdição Administrativa, o Tribunal Administrativo e os tribunais


administrativos não tem competência para julgar casos resultantes da função politica, da função
legislativa, da acção penal, etc, sejam lesivos de direitos, o Tribunal Administrativo escusa-se de
apreciar e decidir sobre os mesmos com o fundamento de incompetência material. E, nos casos
em que o Tribunal assim decide, pode na sua argumentação indicar o foro competente para dirimir
a acção a si interposta em respeito ao princípio da decisão, mas tal indicação não é vinculativa
para as outras jurisdições.

O Conselho Constitucional

O n° 1 do artigo 241 da Constituição estabelece que: ‘’O Concelho Constitucional é o órgão de


soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matéria de natureza jurídico-
constitucional’’, o que inclui os direitos humanos e liberdades fundamentais. Esta é função
jurisdicional que cabe aos tribunais.

O Conselho Constitucional também é um órgão de protecção dos direitos humanos com


especificidades de órgão jurisdicional, se não vejamos: a Constituição confere ao Conselho
Constitucional natureza, atribuições e competências próprias dos órgãos jurisdicionais. Mas não é
definido com um tribunal na Constituição, não integra, pois, o titulo IX da Constituição referente
aos tribunais. Alem do mais, a doutrina jurídica moçambicana defende a tese de que o Conselho
Constitucional é, do ponto de vista das atribuições e competências um tribunal, não obstante a sua
designação de Conselho.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Este órgão é composto por juízes tal como são compostos os tribunais, sobretudo os que preferem
decisões por colectivo de juízes com o respectivo relator. Tem competências para julgar e decidir
casos como um verdadeiro tribunal e em certos casos a sua decisão não cabe recurso para nenhum
outro órgão. Tem, sobretudo, competência para dirimir conflitos de competências entre os órgãos
de soberania, os quais, incluem os tribunais. Curiosamente, no caso determinado tribunal decida
negar aplicar qualquer norma, com o fundamento de que essa norma é contrária a Constituição, o
mesmo tribunal deve remeter tal decisão ao Conselho Constitucional para a sua apreciação. O
Conselho Constitucional é supremo relativamente aos tribunais na matéria de decisão sobre a
inconstitucionalidade das leis e actos normativos.

Ora, no que concerne a competência do Presidente da Republica de nomear os presidentes dos


tribunais, incluem a nomeação do presidente do Conselho Constitucional, um reconhecimento de
que se trata de presidente dum tribunal e, antes do funcionamento do Conselho Constitucional as
suas competências eram temporariamente exercidas pelo Tribunal Supremo. Esta substituição faz
perceber que só um tribunal é que pode substituir as competências do outro órgão jurisdicional e,
considerando a natureza do Tribunal Supremo é de interferir que o Conselho Constitucional
também tem uma natureza de supremo tribunal constitucional, cujas decisões assumem a forma
de acórdão à semelhança de determinados tribunais e são irrecorríveis no ordenamento jurídico
interno.

Instituições quase-jurisdicionais

Alem das instituições jurisdicionais acima referidas, no sistema institucional nacional de


promoção e protecção dos direitos funcionam os órgãos quase jurisdicionais que desempenham
um papel importante na área dos tribunais. Neste sistema destacam-se a Procuradoria da Republica,
a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e o Provedor da Justiça.

Comissão Nacional de Direitos Humanos

A Comissão Nacional dos Direitos Humanos, foi criada pela Lei n° 33/2009, de 22 de Dezembro
e visa, de acordo com o seu preâmbulo trata-se de um mecanismo para o reforço do sistema
nacional de promoção, protecção, defesa e da melhoria da situação dos cidadãos sobre direitos
humanos pais bem como a consolidação da cultura paz.

Segundo o artigo 5 da lei que cria a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, esta tem como
funções principais promover e proteger os direitos humanos no país através de programas de

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educação sobre os direitos humanos e execução de acções de protecção dos mesmos; desenvolver
e conduzir programas de informação para promover o entendimento público, elaborar propostas
de programas sobre direitos humanos, bem como propor ao órgão competente e colaborar com as
autoridades competentes na adopção de medidas no âmbito da assistência jurídica e judiciaria dos
cidadãos carenciados.

Em tempos de composição, a CNDH é composta por onze membros, sendo quatro representantes
de organizações da sociedade civil, que exerçam actividades na área dos direitos humanos,
designados por estas e apresentados ao Primeiro-Ministro, três personalidades ligadas aos sectores
da educação, da justiça e da saúde, designadas pelo Primeiro-Ministro, ouvidos os ministros da
tutela, três personalidades de reconhecida idoneidade e mérito, com conhecimento ou experiencias
em matérias relacionadas com a promoção dos direitos humanos, eleitas pela Assembleia da
Republica, de acordo com o principio de representatividade parlamentar, um representante da
Ordem dos Advogados de Moçambique, designado por esta.

No que concerne às competências, o artigo 4 da CNDH estatui que compete a esta instituição
receber queixas ou reclamações por parte dos cidadãos sobre casos de violação dos direitos
humanos reconhecidos, protegidos e garantidos pela Constituição, instrumentos jurídicos
internacionais e regionais ratificados por Moçambique, ouvir o queixoso e reunir prova indiciaria
testemunhal ou documental por ele apresentada ou encontrada pela Comissão Nacional dos
Direitos Humanos e envia-las à Procuradoria - Geral da República, caso se trate de matéria de
âmbito criminal, ouvir o queixoso e informa-lo sobre os mecanismos legais para a respectiva acção,
caso a matéria seja do âmbito do direito civil ou Administrativo, cooperar na compilação de
jurisprudência nacional na área dos direitos humanos, monitorar a implementação das convenções
internacionais e regionais ratificados e demais legislação interna no âmbito dos direitos humanos,
entre outras.

A sua organização interna e funcionamento são definidos por um Regulamento Interno.

Provedor de Justiça

Uma das instituições quase-jurisdicionais de direitos humanos é o Provedor da Justiça. Esta


instituição foi criada através da Lei n° 7/2006, de 16 de Agosto com a função de garantir os direitos
dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça, na actuação da Administração Publica

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Nos termos do artigo 4 da Lei, o Provedor da Justiça é eleito pela Assembleia da Republica por
maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções e toma posse perante o Presidente
da assembleia da Republica. Deve ser uma personalidade de nacionalidade moçambicana, com
pelo menos 35 anos de idade, com reconhecida probidade e imparcialidade segundo o artigo 5 da
Lei n° 7/2009, de 2013.

O Mandato do Provedor de Justiça é de cinco anos, podendo ser reeleito apenas, uma vez em igual
período (artigo 6).

Na sua actuação, o Provedor de Justiça tem poderes para; instruir processos resultantes de queixas
ou pedidos apresentados pelos cidadãos relativos aos actos praticados pela Administração Publica,
proceder a investigações, audições e inquéritos que julgar necessários ou convenientes para a
recolha de matéria e produção de prova, podendo adoptar todos os procedimentos razoáveis,
respeitando os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, mediar, antes de formular
recomendações, a solução dos litígios apresentados, efectuar visitas de inspecção a todas as
instituições previstas no artigo 2, entre outros (artigo 16).

Em termos de organização, o Provedor de Justiça é coadjuvado por um Gabinete do Provedor


constituído por coordenadores e assessores com curso superior adequado e comprovada reputação
e integridade. É este Gabinete que lhe presta toda assistência técnica, administrativa e financeira
na prossecução das suas funções.

Ministério Público

O Ministério Público constitui uma magistratura hierarquicamente organizada, subordinada ao


Procurador-Geral da República e compreende a respectiva magistratura, a Procuradoria-Geral da
República e os órgãos subordinados (artigo 1 da Lei n° 22/2007, de 1 de Agosto).

No exercício das suas funções, os magistrados e agentes do Ministério Público estão sujeitos aos
critérios de legalidade, objectividade e isenção. O Ministério Publico goza de estatuto próprio e
de autonomia, que compreende a autonomia administrativa e autonomia em relação aos outros
órgãos do Estado.

O Ministério Publico, embora não tenha competência exclusiva em direitos humanos, o seu
comando em direitos humanos é claro e encontra-se expressamente consagrado no artigo 4 da Lei
n° 22/2007, de 1 de Agosto, destacando-se, nomeadamente, as seguintes competências: exercer a
acção penal, zelar observância da legalidade e fiscalizar o cumprimento das leis demais normas
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

legais, nomeadamente os menores, os ausentes e os incapazes, controlar a legalidade das detenções


e a observância dos respectivos prazos, velar para que a pena de prisão determinada pela sentença,
bem como o respectivo regime de reclusão sejam estritamente cumpridos, inspeccionar as
condições de reclusão dos estabelecimentos prisionais e outros similares, controlar e orientar
metodologicamente todos os órgãos do Estado que tenham competência legal para proceder a
detenção de cidadãos.

Em todas as instâncias do poder jurisdicional o Ministério Público encontra-se representado nos


termos do artigo 5 da Lei que lhe cria.

São órgãos do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, a Procuradoria de Província


e a Procuradoria de Distrito (artigo 8 da Lei).

São agentes do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da


República, o Procurador-Geral Adjunto, o Procurador Provincial e Procurador Distrital.

Instituições Politicas e Administrativas

No sistema das instituições nacionais dos direitos humanos, funcionam instituições de natureza
politica e administrativa, designadamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos
Humanos e Legalidade da Assembleia da Republica, (Também conhecida por 1ª Comissão), a
Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da Assembleia da República (também conhecida
por 8ª omissão), a Direcção Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e o Instituto
de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).

Comissão dos Assuntos Constitucionais Direitos Humanos e de Legalidade

A Comissão dos Assuntos Constitucionais Direitos Humanos e de Legalidade, ou simplesmente


1ª Comissão, é um órgão da Assembleia da República, nos termos do artigo 59 n°1, da Lei n°
17/2013, de 12 de Agosto, que aprova o Regimento da Assembleia da Republica. Trata-se de uma
instituição de natureza política que, entre outras competências vela pela promoção e protecção dos
direitos humanos.

Segundo o n° 1 do artigo 85 da Lei 17/2013, de 12 de Agosto, são domínios das competências da


1ª Comissão, entre outros; zelar pelo exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos consagrados
na Constituição, valores inerentes aos direitos humanos e implementação, a nível interno, das
convenções internacionais de que Moçambique é signatário, igualdade do cidadão perante a lei, o

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seu acesso a justiça, o direito a defesa e patrocínio judiciário e demais garantias constitucionais,
assim como impulso e enquadramento das iniciativas da cidadania, em diversas frentes,
nomeadamente, no âmbito da luta contra quaisquer formas de descriminação.

Esta instituição desempenha e/ou pode desempenhar um papel central na promoção e protecção
dos direitos humanos. Segundo o estabelecido no artigo 73 do Regimento, em matéria dos direitos
humanos, esta Comissão tem a competência de elaborar e submeter à aprovação projectos de lei,
de resolução e de moção, elaborar pareceres, propostas, estudos e inquéritos e garantir a função
política de controlo da Assembleia da República às actividades das instituições verificando-se o
respeito pela lei e pelo interesse público.

Em termos de composição, a 1ª Comissão está constituída nos termos do artigo 68, n° 1, da Lei
17/2013 de Agosto por um mínimo de cinco e máximo de dezassete Deputados, eleitos para a
duração da Legislatura, observando-se o princípio da representatividade parlamentar.

A 1ª Comissão é dirigida por um presidente, coadjuvado por um Vice-Presidente, um Relator e


Vice-Relator, eleito pelo Plenário, cujo mandato coincide com a duração da Legislatura.

Comissão de Petições, Queixas e Reclamações

A Comissão de Petições, Queixas e Reclamações, ou simplesmente 8ª Comissão, é um órgão da


Assembleia da Republica, nos termos do artigo 59, n° 1, da Lei n° 17/2013, de 12 de Agosto, que
aprova o Regimento da Assembleia da República.

Nos termos do artigo 92, n° 1, do Regimento da Assembleia da Republica, são domínios de


competência específica da Comissão de Petições, Queixas e Reclamações, entre outros, petições,
queixas e reclamações e elaboração periódica de relatório de análise do grau de satisfação das
preocupações expressas pelos cidadãos por via das petições enviadas à Assembleia da República.

Esta instituição desempenha e/ou desempenhar um papel central na promoção e protecção dos
direitos humanos. Segundo o estabelecido no artigo 73 do Regimento, em matéria dos direitos
humanos, esta Comissão tem a competência de elaborar e submeter à aprovação, projectos de lei,
de resolução e de moção, pronunciar-se sobre projectos e propostas de lei, de resolução e de moção,
elaborar pareceres, propostas, estudos e inquéritos e garantir a função politica de controlo da
Assembleia da Republica às actividades das instituições, verificando-se o respeito pela lei e pelo
interesse publico.

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Em termos de composição, a 1ª Comissão é constituída nos termos do artigo 68, n°1, de um


mínimo de cinco e máximo de dezassete Deputados eleitos para a duração da Legislatura,
observando-se o princípio da representatividade parlamentar.

Direcção Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania

De acordo com o Decreto Presidencial n° 1/2012, de 26 de Junho, no seu artigo 3 alínea k),
constitui uma das áreas de actividade, a promoção e desenvolvimento dos direitos humanos.

Na sequência desta atribuição, o Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça, aprovada pela


Resolução n° 23/2012, de 28 de Dezembro, pela Comissão Interministerial da Função Publica,
cria a Direcção Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania.

De acordo com o estipulado no n° 11 da Resolução n° 23/2012, a Direcção Nacional dos Direitos


Humanos e Cidadania, tem, entre outras, as seguintes funções: promover a observância e o respeito
pelos direitos humanos e o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos individualmente
considerados, com envolvimento da sociedade civil, promover a divulgação dos direitos humanos
e dos direitos e deveres cívicos dos cidadãos, promover a assinatura, ratificação, implementação e
a observância dos tratados internacionais em matéria dos direitos humanos. Compete-lhe, ainda,
promover as actividades necessárias à implementação dos vários instrumentos legais em matéria
dos direitos humanos, promover os mecanismos de articulação entre todos os intervenientes que
lutam pela observância e respeito da vida e dignidade humanas, promover a parceria entre todas
as instituições do Estado e da sociedade nacional e internacional de defesa e promoção dos direitos
humanos, promover e desenvolver estudos e pesquisas sobre direitos humanos e divulgar os seus
resultados, coordenar, no Ministério da Justiça, as actividades no âmbito das estratégias de HIV e
SIDA, do género, da pessoa com deficiência, criança e meio ambiente e desenvolvimento
sustentável e dar parecer sobre assuntos que digam respeito à promoção e protecção dos direitos
humanos e aos direitos e deveres cívicos dos cidadãos.

Em termos organizacionais a Direcção é dirigida por um Director Nacional, coadjuvado por um


Director Nacional Adjunto, ambos nomeados pelo Ministro que superintende a área da Justiça
(artigo 11 n° 2).

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Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica

O Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) é uma instituição do Estado regulado pelo
Decreto n° 15/2013, de 26 de Abril e visa garantir a concretização do direito a defesa,
proporcionado ao cidadão economicamente desprotegido, o patrocínio judiciário e Assistência
Jurídica. O IPAJ subordina-se ao Ministério da Justiça.

Trata-se portanto de um mecanismo que garante ao acesso à justiça aos mais desfavorecidos. São
atribuições do IPAJ, proporcionar assistência jurídica e judiciaria aos cidadãos que carecem em
todas as instancias e graus, promover, prioritariamente, a resolução extrajudicial de litígios e
exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, colectivos e individuais homogéneas
e dos direitos dos consumidores, promover e divulgar os direitos e deveres dos cidadãos entre
outros.

Em termos de Direcção, o IPAJ é dirigido por um Director-Geral que é coadjuvado por uma
Director-Geral Adjunto ambos nomeados pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da
Justiça (artigo 9 do Estatuto Orgânico do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica).

Organizações sociais (públicas e privadas)

As organizações sociais, sejam elas públicas ou privadas, desempenham um papel crucial na


promoção e defesa dos direitos humanos. Os seus instrumentos constitutivos, de forma directa ou
indirecta, preconizam a promoção, protecção e defesa dos direitos humanos como seu objectivo
principal. Neste leque de instituições, podem-se destacar, a Ordem dos Advogados de
Moçambique, Liga dos Direitos Humanos, a Rede da Criança, etc.

Para o presente Curso, tratar-se-ão, a título exemplificativo, apensa duas instituições, sendo uma
pública - a Ordem dos Advogados de Moçambique e outra privada - a Liga Moçambicana dos
Direitos Humanos.

Ordem dos Advogados de Moçambique

Uma das instituições fundamentais na promoção e protecção dos direitos humanos é a ordem dos
Advogados cujos Estatutos foram aprovados pele Lei n°. 28/2009, de 29 de Setembro.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Constituem atribuições da OAM, entre vários, defender o Estado de Direito Democrático, os


direitos e liberdades fundamentais, e participar na boa administração da Justiça. Incumbe ainda à
OAM promover o acesso à justiça, bem como contribuir para o acesso aos direitos de acções que
desenvolvam a cultura jurídica e o conhecimento e o aperfeiçoamento do direito pelo cidadão.

Das atribuições acima referidas, resulta claramente que o legislador quis atribuir à OAM uma
missão na promoção e defesa dos direitos humanos.

Liga Moçambicana dos Direitos Humanos

A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) é uma organização da sociedade civil, criada
em 1996, com o objectivo de contribuir para a criação de uma sociedade educada em direitos
humanos e obrigações fundamentais, cumprindo com a sua responsabilidade de cidadania e
usufruindo do gozo pleno dos seus direitos fundamentais. A particularidade da LDH é ser das
poucas com um mandato geral no domínio dos direitos humanos,

A exemplo da LDH existem outras organizações da sociedade civil com mandato geral ou
especifico de promoção e defesa dos direitos humanos.

O papel fundamental das organizações da sociedade civil é de promoção dos direitos humanos,
através de educação cívica, actividades de investigação, formação e informação no campo dos
direitos humanos. Todavia, apesar da importância que tem, o seu papel é limitado pelo facto deste
tipo de organizações serem dependentes de doadores e actuarem de forma isolada, o que as leva a
competir entre elas, no lugar de coordenarem actividades.

II. Direito Processual Nacional dos Direitos Humanos

A Constituição consagra, essencialmente e em primeira linha, a protecção jurisdicional dos direitos


humanos e liberdades fundamentais nos artigos 62, 69, 70 e 253 n°3. É assim que a lei fundamental
garante a tutela jurisdicional dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Esta protecção encontra suporte também na lei ordinária que materializa, em parte, a garantia
constitucional da protecção jurisdicional dos direitos humanos. É o caso da Lei da Organização
Judiciaria, Lei Orgânica da Jurisdição Administrativa, da Lei Orgânica da Jurisdição
Administrativa, da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, o Código de Processo Civil e o
Código de Processo penal.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Do ponto de vista legal, a tutela jurisdicional consiste na protecção dos direitos e interesse
legalmente reconhecidos por meio de tribunais independentes e imparciais na realização da justiça,
proferindo decisões com forca vinculativa.

No caso de falta de lei processual ordinária para a tutela jurisdicional dos direitos humanos e
liberdades fundamentais em situações concretas, os particulares tem de prerrogativa de recorrer
aos princípios gerais de Direito ou, directamente, à Constituição para exigir junto ao tribunal
competente a responsabilidade jurisdicional pela violação do direito em questão.

A tutela jurisdicional dos direitos humanos e liberdades fundamentais é, também, consagrada nos
instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. São os casos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos; do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos, esta última, com forca vinculativa, que consagra,
simultaneamente, os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais.

Ora, alguns meios processuais sobre a protecção dos direitos humanos, no direito interno incluem
os seguintes:

O Processo na jurisdição comum

As regras processuais aplicáveis à jurisdição comum são as que resultam do Direito Processual
Civil, Direito Processual Penal e Direito Processual do Trabalho.

De uma forma geral, o que se pode dizer a propósito destes regimes processuais é que elas são
dirigidas para a resolução de litígios em que as relações entre as partes são horizontais, pelo facto
de não resultarem do exercício de poderes de autoridade. Nesta medida, há que ter sempre em
mente que os direitos humanos, sendo direitos subjectivos públicos, a sua violação são apreciados
através de meios processuais de natureza pública e não privada.

Todavia, conforme foi referido na parte introdutória, as questões de direitos humanos podem ser
suscitadas no âmbito de relações jurídicas de direito privado, caso em que as disposições
processuais do direito civil e do direito d0 trabalho são chamadas a regular as relações jurídico-
processuais estabelecidas com vista à composição desses conflitos.

Na jurisdição comum, o regime frequentemente usado para a salvaguarda dos direitos humanos é
o Direito Processual Penal. Desde logo, porque ele estabelece os procedimentos dirigidos à
regulação do exercício do poder punitivo do Estado, dai o facto de as regras desta área processual

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

serem chamadas as regular relações jurídico- processuais decorrentes da violação dos direitos
humanos. É no processual penal, que as pessoas invocam o direito à liberdade e segurança,
alegando ser ilegal a detenção ou prisão, podendo no mesmo domínio requerer o habeas corpus.

Em segundo lugar, porque muitas vezes, as situações juridicamente qualificáveis como violação
dos direitos humanos desembocam numa qualificação jurídico-criminal, mesmo nas relações
privadas. É o que acontece com a violência domestica que, sendo uma questão pertinente ao
exercício do poder marital ou parental, podem ser qualificadas como ofensas corporais ou ofensa
à honra das pessoas.

No entanto, não é apenas o direito processual penal que as questões de direitos humanos podem
ser suscitadas. Por exemplo, no âmbito das relações jurídicas de trabalho, onde com maior
acuidade se verifica a eficácia horizontal dos direitos humanos, o trabalhador pode recorrer só
Direito Processual do Trabalho, lançada mão dos meios processuais aqui previstos, para reclamar
a reparação dos direitos fundamentais do trabalhador, violados.

No domínio do direito processual civil, muitas questões de direitos humanos se entrelaçam, desde
logo, as questões relativas ao direito de acesso à justiça, quer devido à problemática de custas
processuais elevadas, quer devido à circunstância da delonga na tramitação de processos em
consequência da própria burocracia processual. Estas questões podem ser suscitadas no curso dos
próprios meios processuais civis.

Por outro lado, ao estabelecer a Constituição da República que os Tribunais não devem aplicar
normas inconstitucionais, abre-se espaço que no decurso dos meios processuais civis uma questão
de direitos fundamentais, interpretada à luz dos direitos humanos, possa ser invocada de modo a
conseguir-se o afastamento da norma inconsistente com os direitos humanos.

Ademais porque é comum entender-se que a jurisdição comum é titular da competência residual,
isto é, todas as questões que não caibam na competência das jurisdições especializadas, em
princípio caiem no âmbito da competência da jurisdição comum. Exemplificando, a Lei Orgânica
da Jurisdição Administrativa, exclui da competência dos tribunais administrativo as questões de
responsabilidade civil decorre de actos legislativos, ou questões que, sendo pertinentes, à
qualificação de bens como domínio público, podem determinar a violação de direitos
fundamentais, passam a ser do conhecimento dos tribunais comuns, atento o direito humano de
acesso à justiça.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

A opinião geral que se pretende deixar neste ponto é a de que, encarados no ângulo de eficácia
horizontal, os direitos humanos podem gerar relações jurídico-processuais regulados pelo direito
processual civil, direito processual penal e o direito do trabalho.

Alias, a invocação de direitos humanos perante a jurisdição comum é recomendável, esta


jurisdição é a que dispõe de melhores meios processuais que podem ser colocadas ao serviço da
salvaguarda da maior parte dos chamados direitos civis.

O Processo no Tribunal Administrativo

O contencioso administrativo refere-se ao conjunto de normas jurídicas reguladoras da intervenção


dos tribunais face a litígios existentes entre a Administração Pública e os particulares e que são
solucionadas por aplicação de normas de Direito Administrativo e por uma jurisdição própria, a
jurisdição administrativa. Para o efeito, o contencioso administrativo dispõe de meios processuais
a que se pode lançar mão para a defesa dos direitos humanos.

Desde logo, o recurso contencioso como meio processual principal e a suspensa de eficácia de
actos administrativos, enquanto meio processual acessório, com a natureza de providência cautelar,
são meios aos quais o cidadão pode recorre quando uma decisão unilateral da administração
pública, que revista a natureza de acto administrativo, viola os seus direitos humanos ou os direitos,
liberdades e garantias fundamentais.

De uma forma geral, o acto administrativo violador dos direitos humanos ou dos direitos,
liberdades e garantias fundamentais esta eivada de vício de violação da lei, podendo, com este
fundamento, ser declarado nulo e de efeito algum. E para a tomada da medida cautelar de
suspensão de eficácia de acto administrativo, o interessado deve provar que a decisão
administrativa violadora dos seus direitos humanos ameaça causar prejuízo irreparável ou de
difícil reparação a uma situação na sua esfera jurídica.

A título hipotético, suponha que as autoridades autorizem a abertura de uma pedreira numa zona
habitacional sem terem realizado o estudo de impacto ambiental, os moradores afectados podem
interpor um recurso contencioso, requerendo a declaração de nulidade da autorização com
fundamento na violação do seu direito humano de viver em meio ambiente saudável. Dado o risco
eminente para a sua saúde, com eventuais repercussões no seu direito à vida, podem requerer a
suspensão de eficácia do acto, com fundamento na ameaça de causar prejuízos de difícil reparação
para a sua saúde, com sérios riscos de causar mortes na comunidade.

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No mesmo domínio do contencioso administrativo, os cidadãos podem recorrer à providência


cautelar de intimação da administração pública, particular ou concessionário para comportamento,
com fundamento na violação de direitos humanos ou de direitos, liberdades e garantias
fundamentais. A adopção de comportamento devido tanto pode referir-se a uma abstenção, como
a uma acção, desde que em ambos os casos a falta de adopção desse comportamento possa resultar
em violação de direitos humanos.

Outro meio processual de grande relevância no domínio do contencioso administrativo das acções
é a acção de responsabilidade civil extracontratual da Administração Publica por prejuízos
decorrentes de violação de direitos humanos no âmbito do exercício da actividade administrativa.
Tal responsabilidade pode decorrer de actos/factos ilegais, ou de actos/factos legais, exigindo-se,
como pressuposto fundamental, que de tais actos ou factos resulte violação de direitos humanos.
Os actos declarados ilegais em recurso contencioso, com fundamento em violação de direitos
humanos, podem constituir fundamento da responsabilidade civil por actos ilegais.

Em muitos casos, as chamadas operações materiais da Administração Pública que sendo


actividades legais, podem causar prejuízos aos direitos humanos do cidadão, situação que acontece
frequentemente com o direito de propriedade. Alias, resulta das próprias convenções de direitos
humanos que o direito de propriedade pode ser limitado resultado do interesse público, havendo
neste caso direito à compensação. É nestes casos que se pode lançar mão da acção de
responsabilidade civil extracontratual da Administração Publica.

Outro meio processual que se pode lançar mão é a acção de reconhecimento de direitos ou
interesses legalmente protegidos, nos casos em que seja duvidosa a existência de um direito
humano ou direito, liberdade ou garantia fundamental. A título exemplificativo, um médico em
serviço num hospital público pode ser constrangido a praticar actos médicos (aborto, transfusão
sanguínea, transplante de órgãos, etc) que contrariem as suas convicções religiosas, em caso de
dúvida, recorre a este meio o tribunal declarar que ele ou ela tem direito à objecção de consciência
em relação a tais práticas.

Contencioso Constitucional

Para solicitar a declaração de inconstitucionalidade das leis e das ilegalidades dos catos normativos,
tem legitimidade, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 245 da Constituição, o Presidente da
República, o Presidente da Assembleia da República, um terço, pelo menos, dos deputados da
Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Procurador-Geral da República e o Provedor
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de Justiça e o número de 2000 cidadãos. Quanto a estes últimos, desde o funcionamento efectivo
do Conselho Constitucional, não temos exemplos quantitativamente significativos em que 2000
cidadãos solicitaram a declaração de inconstitucionalidade de qualquer lei ou acto normativo dos
órgãos do Estado, uma vez ser difícil e oneroso angariar 2000 assinaturas dos cidadãos. Nestes
casos, a solução dos particulares para solicitar a apreciação de inconstitucionalidade, passa por
recorrer a outras entidades com legitimidade para o efeito. No entanto, esta via também pode, por
vezes, não ser satisfatória, uma vez que se fica dependente do interesse ou vontade dessas
entidades em analisar e satisfazer o pedido dos interessados.

Os particulares e quaisquer entidades com legitimidade podem solicitar a protecção jurisdicional


dos direitos humanos e liberdades fundamentais, por via de acções de inconstitucionalidades a este
órgão de soberania.

A apreciação da inconstitucionalidade incide apenas sobre as leis e legalidade dos demais actos
normativos deixando de fora os demais actos que não sejam normativos, mas que possam ser
ilegais e contrários à Constituição, como é o caso de actos políticos, actos administrativos
inconstitucionais que não são objecto de acções de inconstitucionalidades mesmo que sejam
ilegais e contrários à Constituição.

Portanto, a protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais por via de acções de
inconstitucionalidades ao Conselho Constitucional nos termos em que está consagrado é deficiente,
primeiro porque o acesso ao Conselho Constitucional pelo cidadão esta repleto de limitações,
segundo, pela falta de clareza quanto à natureza jurisdicional do Conselho Constitucional, terceiro
por excluir a apreciação de inconstitucionalidade dos actos não normativos inconstitucionais.

Leituras complementares

1. Queiroz, C. Direitos fundamentais sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões


interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra, editora, Lda, 2006.

2. Siqueira Castro, Carlos Roberto. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na
Nova Constituição do Brasil. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1989.

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3. Timbana, Tomás; ‘’O poder judicial no projecto de revisão da Constituição in Faculdade


de Direito da Universidade Eduardo Mondlane Contributo para o debate sobre a revisão
constitucional’’, Maputo, Imprensa Universitária, 2004.

4. Timbana, Tomás; Lições de processo civil I: Maputo Escolar Editora, Lda, 2010.

5. Trindade, João Carlos, Constituição e reforma da Justiça: um projecto por realizar in IESE
(2009) Desafios para Moçambique 2010, Maputo, IESE, 2009.

Legislação

Vide a Constituição da República de Moçambique de 2004;

Vide a Lei nº 25/2009, de 28 de Setembro;

Vide a Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto (Lei da Organização Judiciaria e da Lei Orgânica do


conselho Constitucional)

Actividade

1.O que significa o princípio do Constitucionalismo?

2. O princípio do estado de direito funda-se, sobretudo, no respeito e na garantia pelos direitos


humanos e liberdades fundamentais. Comente.

3. Enuncie as principais instituições nacionais dos direitos humanos.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

CHAVE DE CORRECÇÃO DAS ACTIVIDADES

UNIDADE TEMÁTICA I

Actividade I

1.R: Os direitos humanos são um conjunto de garantias inerentes à existência da pessoa humana,
albergados como verdadeiros para todos os Estados e consagrados nos diversos instrumentos de
Direito Internacional Público. Estes direitos encontram a sua consagração tanto no direito
internacional como no direito humano (são direitos constitucionalmente estabelecidos).

Os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, consagrados


constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos direitos humanos, que visam garantir a
existência digna (ainda que minimamente) de cidadãos de um determinado Estado. Os direitos
fundamentais vão para além dos direitos da pessoa física, pois abrangem também, a pessoa jurídica.
A título ilustrativo, o direito ao nome, é um direito genericamente consagrado em várias realidades
constitucionais e destina-se tanto para as pessoas físicas como para as pessoas jurídicas.

2.R: As principais fontes, são: Tratados internacionais; costume internacional; princípios gerais
de direito reconhecido pelas nações civilizadas; e a doutrina, jurisprudência e equidade.

3. R: Os Estados são os principais responsáveis por garantir que todos desfrutem de seus direitos
humanos. Assim, os direitos humanos geraram pelo menos quatro níveis de obrigações para os
Estados, ou seja, as obrigações de respeitar, proteger, promover e cumprir - e estas obrigações são
universalmente aplicáveis a todos os direitos.

UNIDADE TEMATICA II

Actividade II

1. R: O direito à vida é o centro de todos os demais direitos porque é em torno dele que se
desenvolvem outros direitos humanos, para além disso, o efectivo gozo dos outros direitos
humanos depende da vida. Por isso, o direito à vida é o direito humano básico.

Integrado na ordem jurídica, a vida é um bem jurídico digno de tutela jurídica, elevado a categoria
dos direitos humanos, por se ter considerado inerente à pessoa humana. A inerência da vida em
relação à pessoa humana traduz a inseparabilidade entre o bem jurídico vida e a pessoa humana,
dai o direito à vida ser intransmissível e indisponível. É por esta razão, por exemplo, que a tentativa
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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

de suicídio é punível por lei, na medida em que aquele que tenta suicidar-se pretende dispor de
algo que é indisponível.

O direito à vida encontra-se consagrado no artigo 3 da Declaração Universal (DU), no artigo 6 do


Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e no artigo 4 da Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos. Para além destes instrumentos de carácter geral, este direito
encontra-se consagrado em outros instrumentos aplicáveis a grupos específicos, tais como na
convenção dos direitos da criança, a convenção relativa à eliminação de todas as formas de
discriminação da mulher.

O conteúdo deste direito compreende deveres positivos e negativos para os Estados. Em primeiro
lugar, conforme dispõe a segunda parte do n° 1 do artigo 6 do PIDCP, o direito à vida será
protegido por leis, impondo-se ao Estado a adopção de leis que protejam a vida dos seus cidadãos.
Por exemplo, é no contexto desta obrigação de proteger a vida através de leis que, se justifica tal
opção, vendo-se que em tais casos, o direito à vida estende-se à vida intra-uterina.

Mas, devido à dimensão multifacetada do direito à vida, o PIDCP optou por uma solução de
compromisso, no que diz respeito ao conteúdo negativo deste direito. Em geral, ele impõe que
nenhum Estado retire o direito à vida dos seus cidadãos, no entanto, nos casos em que os valores
próprios de cada sociedade permitirem o recurso à pena de morte, esta poderá ser imposta apenas
nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente na época em que o
crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do Pacto, nem coma
Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena
em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

Em termos jurídicos e práticos, as obrigações do Estado decorrentes do direito à vida devem ser
avaliados em função da relevância do contributo que a sua conduta do Estado teve na protecção
ou não protecção efectiva do direito à vida. Por exemplo, a obrigação de proteger a vida não se
deve resumir, apenas, na criação de normas que condicionem o uso de armas letais pelos agentes
de manutenção da lei e ordem. É ainda necessário que, em caso de ocorrência de um incidente que
envolva a morte de alguém, o Estado tome diligências de investigação das circunstâncias em que
ela ocorreu, que sejam punidos os seus agentes e que seja posto em prática um mecanismo que
evite semelhante ocorrência no futuro.

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Curso de CJ – Direitos Humanos – Semestre II - NC

Igualmente, o direito à vida implica a protecção eficaz de outros direitos humanos, tais como o
direito à saúde, provimento de água potável, a garantia de alimentação adequada e a segurança
nutricional.

2.R: De acordo com o artigo 14 do PIDCP, todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as
Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e as Cortes de Justiça.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação
de carácter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de
carácter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou na totalidade de um
julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma
sociedade democrática, que quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida
em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas
quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença
proferida em matéria penal ou civil devera tornar-se pública, a menos que o interesse de menores
exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela
de menores.

Este é o direito de acesso à justiça cujo conteúdo é vasto. Em primeiro lugar, conforme ressalta do
dispositivo legal em referência, o cidadão tem o direito de acesso físico aos tribunais, decorrendo
dai que o Estado tem o dever de criar tribunais e dota-los de recursos humanos e materiais
necessários ao seu funcionamento para satisfazer a demanda da justiça. Tal acesso físico inclui,
ainda, o direito de ter o tribunal a funcionar o mais próximo possível dos utentes

Porém, o direito humano de acesso à justiça não se preenche somente com a criação de tribunais,
sendo, ainda necessário que o Estado garanta que os tribunais actuem de forma independente e
imparcial. Isto é, que as decisões proferidas pelos tribunais não resultem de pressões ou influencia
de qualquer natureza exercida sobre os magistrados, impondo-se, em primeira linha a criação de
garantias dessa independência através, por exemplo, do regime de incompatibilidades da função
de Magistrado com a de outras funções, a proibição dos magistrados se filiarem em algumas
organizações de carácter político ou religioso que alguma forma pudessem exercer-lhes alguma
influência.

Da igualdade dos cidadãos perante a lei, decorre, segundo K. Hesse, citado por Gomes Canotilho
a exigência de que as leis devam ser aplicadas sem olhar às pessoas, isto é, os tribunais julgam de

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acordo com os factos e o sentido objectivo da lei, não devendo beneficiar ou prejudicar ninguém
em razão da sua condição social, política, étnica ou racial.

O direito de acesso à justiça tem outras vertentes processuais, designadamente o direito de


contraditório, ou seja, a condenação por um tribunal passa necessariamente da audição do
interessado e onde ele poderá exercer a sua defesa através, inclusive, de um defenso a sua escolha.
Além do direito de ser ouvido, o cidadão tem o direito a que o seu caso seja julgado em tempo
razoável, ou seja, a ser julgado sem dilações indevidas.

Este direito integra, também, o direito ao recurso contra as decisões condenatórias, o que lhe
habilita a que exija que o seu caso seja reexaminado por um outro tribunal de recurso.

O direito de acesso à justiça é garantido pelos artigos 8 e 10 da DUDH e pelo artigo 7 da CADHP,
para além do já citado artigo 14 do PIDCP.

UNIDADE TEMATICA III

Actividade III

1.R: A primeira experiencia de criação de uma organização intergovernamental que pudesse


relativizar a soberania dos Estados começou com a Liga das Nações (predecessora da ONU),
criada logo após a I Grande-Guerra (1919), com o propósito de promover a cooperação, paz e
segurança internacional.

A Convenção da Liga estabelecia sanções económicas e militares a serem impostas pela


comunidade internacional contra os Estados que violassem suas obrigações.

2.R: A Declaração Universal dos direitos do Homem, aprovada em 1948, define e fixa o leque de
direitos e liberdades a serem garantidos da esfera protectiva da ONU e dos Estados-partes.

A Declaração é o primeiro texto de alcance internacional que trata de maneira abrangente da


importância dos direitos humanos. ‘’ Neste sentido é um marco na afirmação histórica da
plataforma emancipatória do ser humano representada pela promoção dos direitos humanos como
critério organizador e humanizador da vida colectiva na relação governantes-governados’’. Outra
grande virtude da Declaração resulta do facto de ter consagrado os direitos humanos numa vertente
universal e indivisível, a partir de uma visão integral de direitos em que a garantia dos direitos
civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais e culturais e vice-versa.

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Todavia, duas fragilidades foram apontadas à Declaração, uma referente à legitimidade porquanto,
da totalidade dos países que hoje integram o sistema ONU, somente 56 votaram, sendo que 48
votaram a favor e 8 se abstiveram. Portanto, 25% dos Estados-partes aprovaram a Declaração, daí
alguns questionamentos sobre a legitimidade da aplicação dos valores contidos na Declaração
demais países cujas culturas têm valores que, em alguma medida, não estão na mesma linha dos
valores enformadores da Declaração.

Outra fragilidade deriva da ausência de força jurídica vinculante, que suscita reserva sobre a
obrigatoriedade de cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração.

No que concerne a legitimidade, a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a


concepção da Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 5°, afirma: ‘’Todos os direitos
humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve
tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a
mesma ênfase. ‘’ Logo, a ‘’Declaração de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, endossa a
universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, revigorando o lastro de legitimidade da
chamada contemporânea de direitos humanos, introduzida pela Declaração de 1948’’.

Quanto à forca jurídica vinculante, ressalta-se que a Declaração mesmo não tendo formato de uma
lei internacional e tecnicamente não ser um comando legal, tornou-se num instrumento político de
referência, cujo cumprimento resulta do peso ético-moral dos dispositivos nelas contidas.

3.R: A génese do Tribunal Penal Internacional vem da Convenção para a Prevenção e Repreensão
do Crime de Genocídio, de 1948, na medida em que esta Convenção, enquanto primeiro
instrumento internacional de protecção de direitos humanos, definiu o genocídio como sendo um
crime que viola o direito internacional, o qual os Estados se comprometem a prevenir e punir.

Em 1998, cinquenta anos após a aprovação da Convenção, foi aprovado o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional (TPI) na conferência de Roma.

Como observa Flávia Piovesan, ‘’o Tribunal Penal Internacional assenta no primado da
legalidade, mediante uma justiça pré-estabelecida, permanente e independente, aplicável
igualmente a todos os Estados que a reconhecem, capaz de assegurar direitos e combater a
impunidade, especialmente a dos mais graves internacionais’’.

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O TPI permite, pois, evitar a selectividade que se verificou com a criação dos Tribunais ad hoc
para o Ruanda e para a ex-Jugoslávia, proclamando, assim, o princípio da universalidade na justiça
penal internacional.

4.R: A 25 de Janeiro de 2004, entrou em vigor o Protocolo estabelecendo o Tribunal de Africano


de Direitos do Homem e dos Povos (TADHP), materializando, assim, uma ideia com mais de 40
anos, de que um eficaz sistema africano de protecção de direitos humanos reside na existência, A
nível regional de uma instituição de cariz jurisdicional.

O TADHP foi criado para complementar a Comissão Africana, ou seja, ele não visa substituir a
Comissão Africana, mas complementa-la, através da analise das queixas individuais, das
organizações da sociedade civil e dos Estados membros, o que significa que o mandato do TADHP.

A entrada em funcionamento do TADHP visava estabelecer uma instituição com cada vez mais
poderes de dissuasão e come efeitos preventivos, de forma a combater a impunidade em matéria
de direitos humanos, uma vez que o TADHP tem uma natureza jurisdicional, razão pela qual ele
apresenta especificidades relativamente a sua composição e funcionamento (1) e poderes (2).

UNIDADE TEMATICA IV

Actividade IV

1.R: O direito processual universal compreende o conjunto de mecanismos processuais de


protecção de direitos humanos no âmbito do sistema das Nações Unidas, nomeadamente, relatórios
de Estados Partes, comunicações interestaduais, petições individuais e, procedimento de
investigação. Embora os procedimentos sejam comuns a todos os órgãos acima referidos, na
verdade, eles são adaptados ao modo de funcionamento de cada um deles. Por isso, deve estudar-
se cada procedimento institucional dos órgãos das Nações Unidas ou seja, o funcionamento
específico dos procedimentos em função de cada órgão.

2.R: Os requisitos de admissibilidade das petições individuais são fundamentalmente os mesmos


previstos no Comité. Contudo, no Protocolo Facultativo ao PIDESC, expressamente se declara a
exigência do consentimento da vítima quando terceiros pretendem actuar a seu favor (art.º 2).

No que concerne ao requisito do esgotamento dos recursos internos, no Protocolo consagra-se de


forma expressa, a prolongada demora na resolução de um caso equivalente a exaustão dos recursos
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internos e o prazo de caducidade de um ano para a submissão da petição, após o esgotamento dos
recursos internos, ex. vi art.º 3 n° 1, al. a) do PIDESC.

A inexistência do caso julgado internacional é, também, requisito de admissibilidade das petições


individuais, nos termos da al. c) do artigo retro mencionado, não se fazendo menção apenas a
litispendência internacional, como ocorre no Protocolo Facultativo ao PIDCP.

O Protocolo consagra o princípio da não retroactividade do mecanismo das petições individuais a


factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nos termos da al. b) do art.º 3 do PIDESC e a
exigência de exaustiva fundamentação da petição (al e) do art.º 3).

Nos termos do art.º 4 do Protocolo do PIDESC, o CESCR pode declinar a apreciação de uma
petição quando ela não revelar que o autor tenha sofrido uma clara desvantagem, a não ser que o
Comité considere que a petição levante uma seria questão de importância geral.

Uma inovação que o Protocolo prevê, no que tange às petições individuais, é o facto de a qualquer
momento depois do recebimento da comunicação e antes de a decisão sobre o mérito ter sido
tomada, o CESCR poder transmitir ao Estado-parte interessado, para sua urgente consideração,
um pedido para que esse Estado tome medidas provisórias para evitar danos irreparáveis, fazendo-
o ao abrigo do art.º 5 do PIDESC.

UNIDADE TEMATICA V

Actividade V

1.R: O constitucionalismo significa que o Estado deve exercer os seus poderes na base dos ditames
constitucionais, sendo este o limite do exercício do poder estadual. O Estado deve usar o seu poder
para realizar o interesse público, proteger e promover os direitos humanos e liberdades
fundamentais. É neste princípio onde reside a supremacia da Constituição, a qual determina que
as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico e
que a ordem constitucional deve ser respeitada por todos, razão por que quaisquer actos contrários
a Constituição são sujeitos à sanção, nos termos da lei. Trata-se de um princípio cuja violação
pode dar lugar a acções jurisdicionais de inconstitucionalidade como garantia da supremacia da
Constituição, relativamente à demais normas e actos, no Direito Moçambicano. As acções de
inconstitucionalidade constituem um instrumento relevante para a protecção dos direitos humanos
e liberdades fundamentais.

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2.R: O princípio do Estado de Estado de Direito funda-se, sobretudo, no respeito e na garantia


pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e na realização do interesse público. O Estado
de Direito obriga que a sua aplicação tenha por base o pluralismo de expressão e a organização
política democrática. Todos devem a obediência a lei e o Estado não deve exercer o seu poder
sobre ninguém fora dos fundamentos e limites da lei. Não há espaço para o Estado actuar sem leis
e condutas do Estado devem ser racionais e compatíveis com a ordem constitucional em vigor.

Este princípio consagra o primado e a reserva da lei. O Estado de Direito tem um valor
acrescentado ao princípio da legalidade, por ter implicações no conteúdo da lei e na conduta do
Estado entanto que poder. O princípio do Estado de Direito assenta na ideia de que constitui dever
do Estado respeitar os direitos e liberdades fundamentais e satisfazer o interesse público, pelo
respeito da legalidade, da dignidade humana, igualdade e liberdade. Este princípio proíbe os
poderes públicos de actuar caprichosamente ou com arbitrariedades. A falta de independência do
judiciário pode resultar na tomada de decisão arbitrária. Se a legislação é aprovada com base em
detrimento do interesse público então ela é inconsistente com o Estado de Direito e não garante
proteger os direitos humanos.

3.R: No sistema das instituições nacionais dos direitos humanos, funcionam instituições de
natureza política e administrativa, designadamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos Humanos e Legalidade da Assembleia da República, (Também conhecida por 1ª
Comissão), a Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da Assembleia da República (também
conhecida por 8ª omissão), a Direcção Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e
o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).

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