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O Parlamento de Portugal
O Parlamento de Portugal
Jorge Miranda
Sumário
1. O regime constitucional português. 2. A
constituição actual. 3. O Parlamento ao longo
do constitucionalismo português. 4. As com-
petências do actual Parlamento. 5. O mandato
parlamantar e a organização da Assembléia da
República. 6. Os Deputados. 7. Os grupos parla-
mentares. 8. Parlamento, Deputados e partidos.
1. O regime constitucional
português
I – O Estado português remonta a 1140 e
vem como entidade independente em conti-
nuidade histórica nunca interrompida (mes-
mo quando houve entre 1580 e 1640 uma
união pessoal com a Coroa espanhola) até
aos nossos dias. Neste largo período
sucederam-se diferentes formas políticas,
desde a monarquia tradicional à república
democrática.
Na Idade Média, havia em Portugal, as-
sim como noutros países europeus, assem-
bleias estamentais, as Cortes (semelhantes
aos Parlamentos, aos Estados Gerais ou às
Dietas), e que integravam, a partir de 1254,
quer a nobreza e o clero quer procuradores
dos municípios. E os seus momentos áure-
Jorge Miranda é Professor das Faculdades os viriam a ser 1385 e 1640 (em que elege-
de Direito da Universidade de Lisboa e da Uni- ram e aclamaram, respectivamente, o pró-
versidade Católica Portuguesa. prio Rei). Com o absolutismo deixaram, po-
*Texto em português europeu. rém, de ser convocadas.
Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 225
Em 1820, com a primeira revolução li- nores do que aquilo que as une (a separação
beral vitoriosa, abrir-se-ia caminho ao de poderes e os direitos individuais).
constitucionalismo moderno. Em vez de Vem a seguir, entre 1926 e 1974, a quase
Leis Fundamentais do Reino, de base consu- obnubilação do Estado constitucional, re-
etudinária, passar-se-ia a Constituições presentativo e de Direito ou, doutro prisma,
escritas de tipo francês. E com estas sur- a pretensão de se erguer um constituciona-
giria um Parlamento assente no princípio lismo diferente, um “Estado Novo”, um
da representação política, na linha de constitucionalismo corporativo e autoritá-
Burke e dos grandes políticos e juristas rio. Eis o período da Constituição de 1933
do século XVIII, com Deputados que re- (apesar de tudo, uma Constituição, ao con-
presentam toda a colectividade e não ape- trário do que se passou em Itália, Alemanha
nas quem os designa. e Espanha), cujo despontar não surpreende
Mas implantada essa ideia, a instituição no paralelo com a situação europeia dos
parlamentar viria a conhecer múltiplas vi- anos 20 e 30, mas cuja longa duração não se
cissitudes – as vicissitudes corresponden- afigura facilmente explicável.
tes às da conturbada história do País du- Com a revolução de 1974, entra-se na
rante os séculos XIX e XX. época actual, muito recente e já muito rica
II – Como não podia deixar de ser, existe de acontecimentos, ideologias e contrastes
uma relação constante entre história políti- sociais e políticos – em que se consolida um
ca1 e história constitucional portuguesa2. regime democrático pluralista com garan-
Por um lado, aqui como por toda a parte, tia dos direitos, liberdades e garantias e afir-
são os factos decisivos da história política mação de direitos económicos, sociais e cul-
que, directa ou indirectamente, provocam o turais. A Constituição de 1976, resultante
aparecimento das Constituições, a sua mo- dessa revolução, significa, em primeiro lu-
dificação ou a sua queda. Por outro lado, gar, o termo daquele interregno e, depois, a
contudo, as Constituições, na medida em abertura para horizontes e aspirações de
que consubstanciam ou condicionam certo Estado social e de Estado de Direito demo-
sistema político e na medida em que se re- crático. E só nesta altura pode falar-se em
percutem no sistema jurídico e social vêm a constitucionalismo democrático, porque só ago-
ser elas próprias, igualmente, geradoras de ra está consignado o sufrágio universal.
novos factos políticos.
Daí que, sem se confundirem as perspec- 2. A Constituição actual
tivas peculiares de uma e outra, seja possí-
vel e necessário considerar a experiência I – A Constituição de 1976 é a mais vas-
constitucional portuguesa a partir de três ta e a mais complexa de todas as Constitui-
grandes períodos: o período das Constitui- ções portuguesas – por receber os efeitos do
ções liberais, o da Constituição de 1933 e o denso e heterogéneo processo político do
da Constituição de 1976. tempo da sua formação, por aglutinar con-
A época liberal vai de 1820 a 1926. Du- tributos de partidos e forças sociais em luta,
rante ela sucedem-se quatro Constituições por beber em diversas internacionais ideo-
– de 1822, de 1826, de 1838 e de 1911 que se lógicas e por reflectir a anterior experiência
repartem por diferentes vigências; há duas constitucional do país3.
efémeras restaurações do antigo regime; e Ela tem como grandes fundamentos a
passa-se da monarquia à república. E, a dis- democracia representativa e a liberdade
tância, as principais diferenças entre essas política. Admitiria, no entanto, a subsistên-
Constituições (relativas aos poderes recípro- cia até à primeira revisão constitucional
cos do Rei ou Presidente e do Parlamento e (efectuada em 1982) de um órgão de sobera-
à forma de eleição deste) parecem bem me- nia composto por militares, o Conselho da