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CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Esther Faria
Paulo Wíctor Viana

Trabalho apresentado como requisito de


avaliação parcial da disciplina Tópicos Especiais em Geografia:
Conflitos Urbanos e Socioambientais,
ministrada pelo professor Ednilson Gomes de Souza Junior.

CAMPOS DOS GOYTACAZES


2023

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CONFLITOS URBANOS E SOCIOAMBIENTAIS DA CONSTRUÇÃO DO
COMPLEXO PORTUÁRIO DO AÇU

RESUMO
Nas últimas décadas o projeto do Complexo
Portuário e Logístico do Açu tem impactado a vida dos
moradores do Norte Fluminense, em especial a do
município em que se localiza, São João da Barra. As obras
do Porto do Açu vieram com a promessa de melhorar a
economia local e aumentar o número de empregos na
região, mas através de pesquisas já existentes, artigos e
notícias em veículos de informação é possível ver que os
custos do desenvolvimento para a região e para as
comunidades tradicionais que nela vivem e desenvolvem
suas atividades econômicas.

Este artigo busca por meio de uma análise crítica


de diferentes fontes bibliográficas o real custo do
desenvolvimento para o município de São João da Barra e
como o neoliberalismo enraizado na nossa sociedade e
presente até mesmo nos aparelhos estatais é um agente
causador e potencializador de inúmeros problemas sociais
e ambientais.

Palavras-chave: São João da Barra,


neoliberalismo, Complexo Portuário e Logístico do Açu.

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I INTRODUÇÃO

Ao final do ano de 2006, o município de São João da Barra, localizado no


interior do norte fluminense do estado do Rio de Janeiro, pôde contar com um suposto
enorme avanço industrial em seu próprio território. O Complexo Logístico Industrial
Portuário do Açu trouxe à localidade uma proposta fundamentada na ampliação regional
no que diz respeito a geração de empregos e renda, avanço tecnológico e científico e
afins. No entanto, com o passar do tempo, a população que residia naquele local passou
a notar que, na verdade, a construção do Porto do Açu passou a se tornar um retrocesso
para os respectivos habitantes do município.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) rege, por meio da


Resolução 001/1986, que a construção de complexos portuários apresente uma série de
estudos e relatórios relacionados aos efeitos ecossistêmicos causados pela instalação de
Grandes Projetos de Investimentos (GPIs). O objetivo principal é assegurar que o
impacto ambiental seja de menor negatividade possível.

Apesar disso, a aplicabilidade deste regimento caminha distante da realidade


enfrentada todos os dias - cada vez mais, a responsabilidade social e ambiental é tratada
em negligência e descaso.

II A CHEGADA DO PORTO

Servindo ao modelo capitalista neoliberal, foram adotadas nas últimas décadas


a ideia de que grandes projetos de infraestrutura estariam diretamente ligados ao
desenvolvimento nacional. Seguindo esta ótica desenvolvimentista o Estado do Rio de
Janeiro adotou o empreendimento complexo portuário do Açu como agente
solucionador dos problemas econômicos da região Norte Fluminense sob pretexto do
de levar desenvolvimento econômico através da oferta de emprego e geração de renda
dando início às obras do complexo portuário do Açu, no município de São João da
Barra - RJ.

Até o os anos de 1970, a economia da região era baseada na agroindústria do


açúcar e com seu declínio o município passou a viver da indústria de bebidas,
alimentos e turismo, até a descoberta de petróleo na região da Bacia de Campos que

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levou a São João da barra a receber royalties. Sendo até a implementação do complexo
uma região com tradição em agricultura familiar e pesca artesanal.

É importante destacar que até a instalação do porto, o município ocupava a


posição 79 no ranking de IDH dos municípios do estado do Rio de Janeiro fazendo
com que o projeto do Porto do Açu tivesse grande apoio não somente de iniciativas
privadas mas estatais, e na atualidade ocupa a posição 77 levando a conclusão que nem
todo crescimento está atrelado ao desenvolvimento.

A justificativa de aumento dos empregos, por exemplo, não faz análise de que
mão de obra é esta, que se for analisada é uma mão de obra não qualificada, ou seja, a
renda da população do município não foi expressivamente alterada. Na realidade, o
cenário apresentado pelo Porto do Açu traz um debate muito importante acerca do
conceito de superexploração do trabalho, apresentado pelo sociólogo Ruy Mauro
Maurini.

Apesar do complexo portuário se propagandear no crescimento empregatício


local, a veracidade dos fatos se dá com base numa oferta de trabalho que submete o
proletariado a um mercado de trabalho injusto, fomentado pelo processo de
globalização, que fortalece dia após dia um sistema neoliberal e capitalista que cada
vez mais se sobrepõe a classe trabalhadora. Em São João da Barra, este cenário se faz
ainda mais presente com a chegada do Porto do Açu, pois, com a vasta desapropriação
de terras, grande parte dos pequenos agricultores teve que passar a se submeter a um
serviço exploratório gerado pela indústria que se articulava no porto.

Ainda que, inicialmente, a ideia da construção do complexo portuário tenha se


apresentado como democrática e um bem populacional, o passar do tempo foi
mostrando que, na prática, os habitantes não tinham outra opção senão se submeter à
expansão do porto. A demanda territorial crescia cada vez mais, e com isso, a
necessidade de ampliação da área industrial passou a crescer paralelamente, por meio
de uma desapropriação de terra completamente forçada e compulsória. Grande parte
dos agricultores locais foram obrigados a vender suas respectivas terras por um preço
completamente injusto, sem contar aqueles que sequer receberam o valor que lhes foi
oferecido.

Utilizando um conceito de David Harvey vemos que o modelo de


empreendimento na região como o de acumulação por espoliação, que se baseia na

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adoção de políticas neoliberais que culminam na centralização de riquezas nas mãos de
poucos, num processo que gerou e gera conflitos com agricultores locais pelo uso de
força estatal para servir ao interesses do capital privado. Através da tabela
desenvolvida por VILAÇA, Natália,2018; podemos ver com clareza os atores sociais
que deveriam manter o bem estar dessa população local e que se renderam às políticas
neoliberais e passaram a defender o capital privado e atores da sociedade civil como
agentes da denúncia dos abusos e injustiças ambientais.

Tabela 1: Atores Sociais da Esfera do Estado e da Sociedade Civil.

(A) ATOR SOCIAL (B) CONDUTA (C) SITUAÇÃO (D) FORMAS DE


DO ATOR DO ATOR AÇÃO DO ATOR
SOCIAL FRENTE SOCIAL SOCIAL FRENTE AO
AO PROBLEMA FRENTE AOS PROBLEMA
EFEITOS DO
PROBLEMA

ASPRIM - Denunciadora Desvantagem Denúncias do uso de


Associação dos violência física na
Proprietários de desapropriação de
Imóveis e Moradores terras, denunciadas
de Pipeiras, pela ASPRIM
Barcelos, Cajueiro e
Campo da Praia

Associação dos Denunciadora Não é afetado Produção o Relatório


Geógrafos do Brasil diretamente pelo dos Impactos
(AGB) - Seção problema Socioambientais do
Niterói Complexo Industrial
Portuário do Açu

INEA - Instituto Negligente Não é afetado Conflitos de


Estadual do Meio diretamente pelo competências no
Ambiente problema processo de
licenciamento

Governo do estado Repressora Vantagem Responsável pelo


do Rio de Janeiro processo de
desapropriação

Prefeitura de Negligente Vantagem “Oportunidade de gera-


São João da Barra ção de emprego e renda
para o município”

EBX / Prumo Geradora Vantagem Programa de


Logística Reassentamento Rural
Vila da Terra

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Fonte: A implantação do Porto do Açu: um estudo de caso sobre os conflitos
ambientais do 5° Distrito de São João da Barra/RJ a partir das falas dos atingidos.
Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego. Campos dos
Goytacazes/RJ, 2018, p. 344.

Com a tabela podemos ver a organização dos moradores da região na busca a


defesa de suas terras, mas os agentes que deveriam auxiliá-los não o fazem, como é o
caso do INEA que alega haver conflitos em realizar um licenciamento ambiental para
o empreendimento pois o território em que se localiza o complexo portuário pertence a
União alegando assim que este deveria ser realizado pelo IBAMA, somado a este fator
é possível identificar como o Estado e o Município se colocam em posição de defender
a transformação do Distrito do Açu em área de expansão industrial sem se preocupar
com os impactos ambientais e sociais que esse tipo de investimento causa.

Em recente episódio a polícia militar expulsou agricultores de suas terras


fazendo valer os interesses da Prumo Logística Global, terras essas que é importante
destacar são desapropriadas e estão sob domínio do Estado do Rio de Janeiro,
PEDLOWISK 2023 traz a tona um fato interessante nesse último evento de violência
contra os agricultores locais, essas terras são arrendadas legalmente e estão em disputa
para que a PLG coloque mais uma linha elétrica para servir o Porto do Açu.

III IMPACTOS DE UM PORTO E PROBLEMAS AMBIENTAIS DO


PORTO DO AÇU

Segundo relatório do Observatório de Justiça e Conservação (OJC) os impactos


da implementação de um porto são diversos, a vegetação jamais voltaria a ser a mesma
e as comunidades locais seriam expulsas dos locais onde vivem, além dos riscos de
vazamento de cargas que poderiam contaminar toda vida marinha da região, quando
levamos ao caso específico de São João da Barra observamos o alto nível de salinidade
da água doce na lagoa de Iquiparí e do canal de Quitingute, afetando a vida dos
agricultores, pescadores e da população local que utiliza essa água para consumo
próprio e meio de vida.

Não é difícil encontrarmos reportagens e estudos sobre os impactos ambientais


do Porto do Açu para o município e para os agricultores locais, muitos relataram que
produções de abacaxi nasceram queimadas e muitos agricultores perderam suas
plantações, gerando um processo de desertificação na região, a empresa responsável
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pelas obras do porto alegam porém que os níveis de salinidade já eram altos, o que foi
facilmente contestados por pesquisadores:
“(...) A principal fonte de abastecimento dos agricultores é o canal
Quitingute. Caracterizado como de água doce pelo estudo de
impacto ambiental, tem atualmente 2,1 de salinidade o adequado
para irrigação é, no máximo, 0,14.(...)”

Com as reportagens é possível mais uma vez ver a ausência do Estado para
impedir esses ataques ao meio ambiente, em nenhuma delas o INEA se manifestou.
Na tentativa de minimizar os impactos da implementação do porto foram crianças
Unidades de Conservação, que tiveram o efeito contrário, essas UCs são de uso
integral o que delimitada a forma como o solo é usado restringindo o acesso a
determinadas atividades, segundo VILAÇA, Natália e LOPES, Alexandre 2018, essas
UCs geram mais conflitos que soluções pois:
“(...) Nesse sentido, a criação de UCs gera conflitos,
pois elas devem ser analisadas primeiramente como
territórios, uma vez que existem nelas claramente

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disputas de poder por serem habitadas por atores
sociais que possuem simbologias e identidades
territoriais distintas. São espaços habitados
basicamente por comunidades tradicionais (atores
diretamente afetados), pelo Estado (ator que cria esse
território) e pela academia (pesquisadores).“
Além da atividade agrícola as atividades de pesca também foram afetadas pela
criação do complexo portuário pois as regiões onde esses pescadores costumavam
pescar agora se encontram sob domínio do capital privado, essas relações apontam um
caso nítido de injustiça ambiental onde comunidades tradicionais são prejudicadas em
prol de um suposto desenvolvimento.

IV CONCLUSÃO

A análise dos fatos aqui apresentados conclui que, de fato, a construção do


Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu foi marcada por um retrocesso no que
tange às questões urbanas e socioambientais, discutidas no decorrer desta disciplina.
Diferente de sua proposta inicial, o Porto do Açu foi o principal condutor de um
quadro de desigualdade e de propagação neoliberal no município de São João da
Barra. Uma terra enraizada por uma cultura baseada na agroecologia e na pesca, com o
passar do tempo, foi sendo degradada por um avanço industrial compulsório, chegando
a ocupar cerca de 40% do território do município em questão.

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Figura 1: Mapa de São João da Barra com demarcação do território ocupado pelo
Complexo Portuário do Açu.

Anos se passaram desde o início da construção do Porto do Açu e, ainda assim,


os habitantes do município ainda sofrem com o descaso causado por este cenário. Por
diversas vezes, até os dias atuais, pequenos agricultores ainda se mobilizam, lutando
pela resolução dessa injustiça urbana e socioambiental que vem se perpetuando ao
longo dos anos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VILAÇA,N. M; LOPES, A.F. A implantação do Porto do Açu: um estudo de caso
sobre os conflitos ambientais do 5° Distrito de São João da Barra/RJ a partir das
falas dos atingidos. Campos dos Goytacazes/RJ, v.12 n.2, p. 335-360, jul./dez. 2018.
HARVEY, D. O novo Imperialismo. Tradução de Adail Sobral, Maria Stela Gonçalves.
São Paulo: Edições Loyola, 2003.
TRAMONT, G. A. G; DEODATO, I. A. N et al; SANTOS, V.J.Indicadores Sociais do
Município de São João da Barra: o que Mudou com a Implantação do Complexo
Portuário do Açu. Seminário de Integração,Grupo de Trabalho: ST4. Trabalho e
Emprego: desenvolvimento e crise.
SINHOR, V; KITZMAN. D.I.S; HENKES, J.A. LEVANTAMENTO DE ASPECTOS E
IMPACTOS AMBIENTAIS EM UM TERMINAL INDUSTRIAL PORTUÁRIO.
Revista de Gestão e Sustentabilidade Ambiental, Florianópolis, v. 7, n. 3, p.397-434,
jul/set. 2018.
O IMPACTO DE UM PORTO, Observatório de Justiça e Conservação, 2020.
Disponível em: <URL>https://justicaeco.com.br/o-impacto-de-um-porto-2/
NOGUEIRA, Italo. Estudo diz que porto de Eike salgou região no Rio, Folha de São
Paulo, 2012 . Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/12/1202918-estudo-diz-que-porto-de-ei
ke-salgou-regiao-no-rio.shtml>.
Pedlowski, Marcos. Conflito agrário ressurge no Porto do Açu, um dia após Câmara de
São João da Barra aprovar moção de repúdio
Blog do Pedlowski, 2023. Disponível em:
<https://blogdopedlowski.com/2023/04/05/conflito-agrario-ressurge-no-porto-do-acu-u
m-dia-apos-camara-de-sao-joao-da-barra-aprovar-mocao-de-repudio/>.
RJ – Fragilidade no processo de licenciamento ambiental do Complexo Portuário de
Açu coloca em risco comunidades de 32 municípios dos estados de Minas Gerais e Rio
de Janeiro, Mapa de Conflitos. Disponível em
<https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?conflito=rj-fragilidade-no-processo-de-licenci
amento-ambiental-do-complexo-portuario-de-acu-coloca-em-risco-comunidades-de-32-
municipios-dos-estados-de-minas-gerais-e-rio-de-janeiro>.

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