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A PSICANÁLISE E O DESENVOLVIMENTO

INFANTIL
EDIÇÃO Nº 1 – 2020

LIGIA DIAS
APRESENTAÇÃO

Prezado Aluno,

Neste livro, abordaremos a psicanálise e o desenvolvimento infantil. Será uma


introdução sobre o assunto. Obviamente teremos um retorno ao pai da psicanálise,
Freud, que apesar de ter abordado em suas obras a sexualidade infantil não teve
ampla experiência no atendimento a crianças. Isto ficou a cargo de sua filha Anna
Freud e também na analista Melanie Klein.
A psicanálise infantil encontrou no brincar o caminho para desvendar o
inconsciente da criança. Winnicott foi aquele que mais contribuiu para isto, contudo a
ludoterapia é herança de Virginia M. Axine.
O importante é que a cada unidade estudada o seu conhecimento e
entendimento sobre a importância da psicanálise sejam fundamentados e que os
aportes teóricos aqui utilizados dêem o subsidio suficiente para que prossiga nesta
jornada.
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 2

SUMÁRIO

UNIDADE 1- PSICANÁLISE INFANTIL A PARTIR DE FREUD.........................03


UNIDADE 2- DUAS CORRENTES DA PSICANÁLISE INFANTIL......................13
UNIDADE 3- O BRINCAR....................................................................................23
UNIDADE 4- PSICOTERAPIA PARA UMA CRIANÇA.......................................32
UNIDADE 5 - DONALD WINNICOTT E AS ANSIEDADES INFANTIS..............45
UNIDADE 6- CASOS: PIGGLE E DIBS...............................................................61
REFERÊNCIAS....................................................................................................79

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 3

UNIDADE 01
PSICANÁLISE INFANTIL A PARTIR DE FREUD

Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!
Nesta primeira unidade, abordaremos a criança e seu surgimento na

psicanálise. A importância dada à infância por Freud e como a partir

daí foi se estruturando a análise psicanalítica nesta fase da vida.

Bons estudos!!!

Conteúdos da Unidade

Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assinalando os


assuntos, à medida que for estudando.

• Freud e as fases do desenvolvimento infantil


• Hermine von Hug-Hellmuth precursora da psicanálise infantil
• As contribuições de Anna Freud e Melanie Klein

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 4

1.1 FREUD E A DESCOBERTA DA INFÂNCIA

Em Sigmund Freud na obra “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905 -


Volume 6) discorre na primeira parte da livro sobre o que ele denomina de
aberrações sexuais, mas posteriormente de perversões. O psicanalista faz uma
espécie de catalogação e depois associa estas perversões a quadros clínicos,
buscando comprovar que estes traços fazem parte da nossa constituição.
É neste momento de sua obra que Freud se volta para a infância, no final do
primeiro dos Três ensaios, Freud conecta os casos patológicos de perversão a uma
investigação da origem dessa condição. Para o psicanalista esta origem situava-se
num campo ainda pouco explorado, o da sexualidade infantil.
É nesta mesma obra que o autor aborda as tão conhecidas fases do
desenvolvimento psicossexual: oral, anal e fálico.
A fase oral vai do nascimento até, mais ou menos, dois anos de vida. Como o
nome sugere os prazeres da criança e a sua satisfação estão relacionados à sucção,
ao morder, ao engolir. A insatisfação nesta fase produzirá questões na vida adulta
relacionadas ao oral: uma pessoa excessivamente preocupada com hábitos bucais:
fumar, beijar e comer.
A fase anal ocorre dos 2 aos 3/4 anos de idade, nesta fase a mucosa anal e
o intestino são fontes de prazer. A criança começa a descobrir que controla os
esfíncteres, a zona de maior satisfação é a região do ânus, pela ambivalência
(impulsos contraditórios) oferece as fezes à mãe ora como um presente, ora como
algo agressivo. As noções de higiene são aprendidas nesta fase. Conflitos neste
estágio podem resultar em adultos sujos, extravagantes ou asseados, compulsivos.
Na fase fálica, que ocorre dos 3/4 anos até os 5/6, a atenção da criança volta-
se para a região genital. Inicialmente a criança acredita que meninos e meninas
possuem um pênis. Quando descobrem as diferenças anatômicas, criam as
chamadas "teorias sexuais infantis", conjecturando que as meninas não têm pênis
porque lhe arrancaram o órgão (complexo de castração). É nesta fase que a menina
receia perder o seu pênis. Neste período, o complexo de Édipo abrolha, os meninos
apresentam um fascínio pela mãe rivalizando com o pai, e na menina ocorre o
inverso.

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 5

Freud propôs também um período de latência que os interesses libidinosos


são suprimidos, mas para retornarem na última fase: a genital que culmina com a
chegada da puberdade.
Apesar de teorizar sobre a infância e crer como uma fase importantíssima
para o desenvolvimento humano, verdade é que Freud apenas aborda um caso
infantil em suas obras em “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos”
(FREUD, S.1909, vol.X) – o caso do pequeno Hans. No entanto foi uma observação
indireta, pois o pais do menino – muito interessado em psicanálise - fornecia a
Sigmund os material necessário para a sua análise, ou seja, as conversas ocorriam
entre pai e filho e o analista participava indiretamente.
Intrigantemente, Freud não achou que o fato do pai ser o analista do filho
representa-se uma limitação, ao contrário atribui a este vínculo os resultados
obtidos:

“Só porque a autoridade de um pai e a de um médico se uniam numa só


pessoa, e porque nela se combinava o carinho afetivo com o interesse científico,
é que se pôde, neste único exemplo, aplicar o método em utilização para a qual
ele próprio não teria prestado, fossem as coisas diferentes”. (FREUD, S. 1909,
vol.X, p.13)

Atualmente esta prática é considerada estranha, após Freud vista com


reserva até ser extinta. Depois da análise de Hans, que foi uma análise de criança
isolada no conjunto da prática freudiana, a primeira psicanalista a se interessar pela
prática clínica com crianças foi Hermine von Hug-Hellmuth.
Hermine foi precursora no trabalho com crianças. Todavia, ela se satisfazia
com “êxito parcial” de suas análises. Segundo Melanie Klein, a psicanalista
austríaca, receosa em agitar excessivamente os impulsos recalcados, não penetrava
profundamente na análise infantil. Hermine, não pode contribuir mais com a
psicanálise infantil, pois foi cruelmente assassinada por seu sobrinho em 1924,
deixando este “terreno” da análise de crianças a ser disputado por Anna Freud e
Melanie Klein.

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 6

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) Freud se volta para a infância com quais objetivos?


a) Freud se volta para a infância a fim de compreender as brincadeiras de roda, pois
fundamentavam seu trabalho.
b) Freud buscou na primeira infância o embasamento teórico de que precisava para
colaborar com processos educacionais.
c) Freud conecta os casos patológicos de perversão a uma investigação da origem
dessa condição. Para o psicanalista esta origem situava-se num campo ainda pouco
explorado, o da sexualidade infantil.
d) Na busca de encontrar explicações para doenças biológicas, Freud se volta para
a primeira infância.
e) N.d.a

2) O que é o período de latência proposto por Freud?


a) período que ocorre dos 3/4 anos até os 5/6, a atenção da criança volta-se para a
região genital.
b) um período em que os interesses libidinosos são suprimidos, mas para
retornarem na última fase: a genital que culmina com a chegada da puberdade.
c) ocorre dos 2 aos 3/4 anos de idade, nesta fase a mucosa anal e o intestino são
fontes de prazer.
d) período em que os prazeres da criança e a sua satisfação estão relacionados à
sucção.
e) N.d.a

3) Quais são as fases do desenvolvimento psicossexual na ordem em que ocorrem:


a) anal, oral, latência, fálica e genital.
b) oral, fálica, anal, latência e genital.
c) latência, genital, oral, anal e fálica.
d) oral, anal, fálica, latência e genital.
e) fálica, oral, genital, anal e latência.

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 7

4) Foi precursora no trabalho com crianças. Todavia, ela se satisfazia com “êxito
parcial” de suas análises. Trata-se de:
a) Melanie Klein
b) Hermine von Hug-Hellmuth
c) Anna Freud
d) Axline
e) Arminda Aberastury

5) O “terreno” da análise de crianças foi muito disputado por:


a) Sigmundo Freud e Melanie Klein.
b) Hermine von Hug-Hellmuth e Anna Freud
c) Hermine von Hug-Hellmuth e Melanie Klein
d) Sigmund Freud e Hermine von Hug-Hellmuth
e) Melanie Klein e Anna Freud.

1.2 ANNA FREUD, MELANIE KLEIN E OUTROS

Anna Freud nasceu em 3 de dezembro de 1895, em Viena, na Áustria e foi a


caçula dos seis filhos de Sigmund Freud. Anna foi muito próxima de seu pai e
afirmava que grande parte de sua educação foi advinda desta proximidade e muito
pouco da escola.
Depois de concluir o Ensino Médio, Anna começou a traduzir as obras de seu
pai para o alemão e a trabalhar como professora na escola primária. Foi neste
período que se interessou pela terapia infantil. No ano de 1918 contraiu tuberculose
e foi obrigada a deixar seu cargo de professora. Durante esta fase difícil, passou a
narrar seus sonhos para seu pai e isto despertou-lhe o interesse pela psicanálise.
Ainda que acreditasse nas ideias básicas da psicanálise proposta por Freud, Anna
focou muito mais no ego e na dinâmica da psique de uma pessoa. Foi por conta
disto que publicou em 1936 o livro O ego e os mecanismos de defesa.
Anna Freud ficou muito conhecida por criar o campo da psicanálise infantil,
que contribuiu grandemente com a psicologia da criança; também foi responsável
por desenvolver diferentes métodos para o tratamento de crianças.
A fim de criar uma terapia eficiente para o público infantil, Anna planejou
seguir a risca a obra de seu pai. Desta forma poderia elaborar um cronograma e

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 8

mapear uma taxa normal de crescimento e desenvolvimento da criança. Assim se


notasse um atraso um terapeuta facilmente identificaria o trauma e poderia usar a
terapia para lidar com a situação (KLEINMAN, 2015).
Mas logo Anna percebeu que havia diferenças relevantes entre pacientes
adultos e crianças o que levou a mudanças em suas técnicas. Os pacientes adultos
de seus pais eram pessoas confiantes, mas as crianças, atendidas por ela, haviam
passado a maior parte de suas vidas na companhia de seus pais, isso trouxe-lhe a
mente que os pais eram figuras importantes no processo e que eles deveriam ter
papel ativo, ou seja, eles deveriam ser informados do que ocorreu durante a sessão
para que pudessem aplicar as técnicas terapêuticas no cotidiano.

“A criança não se vê, como o adulto, pronta a produzir uma nova edição de suas
relações amorosas, porquanto, como se poderia dizer, a antiga edição não se
encontra esgotada. Os objetos originais, os pais, são ainda reais e presentes
como objetos de amor – não apenas na fantasia, como acontece com os
neuróticos adultos; entre eles e a criança todas as relações da vida cotidiana
existem, e todas as suas gratificações e desapontamentos dependem, na
realidade, desses pais” (FREUD, Anna. 1971, p.60).

Anna Freud percebeu que as brincadeiras poderiam contribuir com a terapia.


Através dos jogos as crianças poderiam enfrentar os seus problemas e enquanto
brincavam poderiam falar livremente. Ao contrário dos adultos, que o pai de Freud
atendia, este público não revelava muito de seu inconsciente durante as brincadeiras
e de suas falas livres, pois tudo o que tinham vontade de falar falavam livremente,
ainda não haviam aprendido a esconder sentimentos ou reprimir emoções.
A filha caçula de Freud não ficou a sombra do pai, ao contrário fez
contribuições quando abordou os mecanismos de defesa e ainda é uma referência
para a psicologia infantil.
Melanie Klein, psicanalista austríaca, deu contornos precisos para a
psicanálise infantil, pois atendeu crianças pequenas e teorizou aspectos dos
estágios iniciais do desenvolvimento do bebê, estabelecendo o campo pré-edipiano.
Melanie sempre se autodenominou freudiana, mesmo que o próprio
psicanalista gostasse de manter certa distância dos estudos de Klein e até evitasse

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 9

comentários, contudo foi a partir da teoria das pulsões que a austríaca desenvolveu
a sua própria pesquisa: teoria das relações objetais.
Com relação ao atendimento das crianças, assim como Anna, acreditava na
importância dos pais, porém divergia em alguns aspectos, pois um ponto importante
sobre a divergência entre as autoras é a de que apesar de concordarem que a
relação da criança com os pais e a relação com o analista é da mesma natureza, se
opõem quando para Anna Freud, a relação que a criança tem com seus pais é uma
relação “real”, e não menos “real” com seu analista – uma reprodução da primeira.
Mas para Klein, a relação da criança com seus pais, ou com seu analista, é uma
relação “deformada”, uma relação transferida, ou seja, ela já é uma segunda edição.

“Sua originalidade [de Melanie klein] se assinala na extensão desta idéia às


crianças pequenas: quando uma criança inicia a análise, suas relações ‘reais’
com seus objetos reais já são, num certo sentido, relações de transferência.
Queremos dizer, com isso, que a atitude de uma criança de três anos frente a
seus pais não é determinada pela realidade de sua atitude, mas sim por uma
imago interna, uma representação imaginária e deformada dos pais” (PETOT,
2001, p.104).

Klein então entende a importância dos pais, porém buscava se afastar


destes para uma análise satisfatória da criança.

“Minha experiência, portanto, levou-me gradativamente a emancipar-me, em meu


trabalho, dessas pessoas (os familiares da criança), na medida do possível. Por
mais valiosas que sejam, às vezes, suas comunicações, quando nos contam
mudanças importantes que se dão no comportamento das crianças,
proporcionando-nos assim um conhecimento profundo da situação real, devemos
necessariamente ser capazes de manejar sem esta ajuda” (KLEIN, 1981, p.229)

Donald Winnicott, discípulo de Klein, distingue-se desta ao defender a


participação do ambiente na constituição do indivíduo e o papel dos pais no
processo de maturação da criança. Para ele o brincar não era apenas uma
alternativa simbólica, mas um tempo-espaço de criação e elaboração da realidade

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subjetiva e objetiva, opondo-se aos que se ocupavam mais de interpretar no setting


analítico o conteúdo da brincadeira. Propôs, assim, o brincar compartilhado como
atividade autônoma de produção de sentido.
Jacques Lacan, ao considerar que o sintoma da criança corresponde ao
sintoma familiar, principalmente ao fantasma materno, contribuiu para a nova prática
de análise da criança que se desenvolveu na França com Françoise Dolto, Maud
Mannoni, Jenny Aubry, Rosine Lefort e Robert Lefort. Estes últimos criticavam a
prática de redução da psicanálise com crianças a uma técnica de jogos e desenhos,
defendendo que a criança não deve ser abordada apenas a partir do imaginário.
Sustentavam que a criança é um sujeito por inteiro, não havendo diferença entre
uma cura de adulto e a análise com uma criança (CAMAROTTI, 2010)

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) Sobre a biografia de Anna Freud é correto afirmar:


I. Anna Freud nasceu em 3 de dezembro de 1895, em Viena, na Áustria e foi a
caçula dos cinco filhos de Sigmund Freud. Anna foi muito próxima de seu pai
e afirmava que grande parte de sua educação foi advinda desta proximidade
e muito pouco da escola.
II. Depois de concluir o Ensino Superior, Anna começou a traduzir as obras de
seu pai para o alemão e a trabalhar como professora na escola primária. Foi
neste período que se interessou pela terapia infantil.
III. No ano de 1918 contraiu tuberculose e foi obrigada a deixar seu cargo de
professora. Durante esta fase difícil, passou a narrar seus sonhos para seu
pai e isto despertou-lhe o interesse pela psicanálise.
IV. Ainda que não acreditasse nas ideias básicas da psicanálise proposta por
Freud, Anna focou muito mais no superego e na dinâmica da psique de uma
pessoa.

a) I, II e III
b) III e IV
c) II e III

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d) I, III e IV
e) III

3) Anna Freud sobre a analise infantil postulou, exceto:


a) As brincadeiras poderiam contribuir com a terapia.
b) Através dos jogos as crianças poderiam enfrentar os seus problemas e enquanto
brincavam poderiam falar livremente.
c) quando uma criança inicia a análise, suas relações ‘reais’ com seus objetos reais
já são, num certo sentido, relações de transferência.
d) Ao contrário dos adultos, este público não revelava muito de seu inconsciente
durante as brincadeiras e de suas falas livres, pois tudo o que tinham vontade de
falar falavam livremente, ainda não haviam aprendido a esconder sentimentos ou
reprimir emoções.
e) N.d.a

4) Leia as proposições a seguir:


I. Melanie Klein, psicanalista austríaca, deu contornos precisos para a
psicanálise infantil, pois atendeu crianças pequenas e teorizou aspectos dos
estágios iniciais do desenvolvimento do bebê, estabelecendo o campo pré-
edipiano.
II. Para Klein, a atitude de uma criança de três anos frente a seus pais não é
determinada pela realidade de sua atitude, mas sim por uma imago interna,
uma representação imaginária e deformada dos pais.
III. Klein entende a importância dos pais, porém buscava se afastar destes para
uma análise satisfatória da criança.
É correto apenas o que se afirma em:

a) I, II e III
b) I e II
c) II e III
d) Apenas em I
e) Apenas em III

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 12

5) Distingue-se ao defender a participação do ambiente na constituição do indivíduo


e o papel dos pais no processo de maturação da criança.
a) Lacan
b) Anna Freud
c) Donald Winnicott
d) Melanie Klein
e) Rosine Lefort

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 13

UNIDADE 2
DUAS CORRENTES DA PSICANÁLISE INFANTIL

Caro(a) Aluno(a)

Nesta segunda unidade, nos aprofundaremos nas correntes

psicanalíticas que surgiram a partir de Freud e Klein e os conceitos

que ambas trouxeram para a psicanálise infantil.

Bons estudos!!!

Conteúdos da Unidade
o Corrente Freudiana
o Corrente Kleiniana

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2.1 DUAS CORRENTES PSICANALÍTICAS

Quando as produções teóricas da psicanálise infantil são o tema da


discussão, os nomes Anna Freud e Melaine Klein se destacam no movimento
psicanalítico na década de 20, pois as duas protagonizaram uma grande rivalidade.
Ambas propuseram novas práticas para a clínica com crianças e permitiram a
formação de duas correntes de pensamentos para a análise infantil.
Anna Freud e Melaine Klein foram responsáveis pelas primeiras publicações
de livros sobre a psicanálise infantil. As autoras assumiram posturas diferentes em
suas técnicas, sobretudo na forma de abordar a transferência e também divergiram
sobre os conceitos teóricos da formação do ego e do superego, o complexo de
Édipo e a relação de objeto, é resultado desta dualidade de pensamento que surgem
as correntes em psicanálise de criança.
Enquanto Anna Freud propunha uma análise baseada na noção de um
aparelho psíquico em constituição, Melanie Klein postulava um psiquismo constituído
desde os primórdios, privilegiando a atividade fantasmática da criança (ZORNIG,
2008).

2.2 CONTRIBUIÇÕES FREUDIANOS PARA A PSICANÁLISE INFANTIL

Anna Freud nas suas publicações relatou sobre dez atendimentos de crianças
entre seis e doze anos, todas com neurose graves, percebendo os limites e alcances
da psicanálise. Durante seu estudo, concluiu que a situação analítica do adulto e da
criança eram diferentes, pois a criança não estaria consciente de sua enfermidade, e
por esta razão não buscava uma cura, ou seja, não passava por análise por sua livre
decisão e o mais importante: não era capaz de fazer associações verbais. Anna
Freud utilizou-se de interpretação de sonhos e desenhos, restringindo a utilização de
jogos (ABERATURY, 1982).
Freud, no decorrer dos atendimentos infantis, aperfeiçoou uma orientação que
era fundamentalmente pedagógica, destinada ao ego consciente mais do que para
as profundezas do inconsciente, assim a psicanalista reeducava a criança
adaptando-a para realidade, buscando a promoção de um convívio melhor em
família (ZIMERMAM, 2004).

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Em síntese, Anna Freud postulou que a capacidade de transferência (já


definida por Freud como sendo “reedições, reproduções das moções e fantasias
que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornarem-se conscientes,
mas com a característica de substituir a pessoa anterior pela pessoa do médico”)
não é espontânea na criança; e embora evidencie reações transferências
positivas e negativas, não faz uma verdadeira neurose de transferência, em parte
pelas condições inerentes à criança e em parte porque estas condições obrigam o
analista a realizar um trabalho educativo; o analista deve ser educador, porque o
superego do paciente ainda depende dos objetos exteriores que o originaram e
não está maduro; a transferência negativa não deve ser interpretada, mas
dissolvida por meios não analíticos; somente com transferência positiva pode ser
realizado um trabalho útil com a criança (PAULA, 2017)

Ana Freud asseverou que a análise do adulto reside em dificuldades maiores,


pois estão atreladas a objetos amorosos mais arcaicos e mais importantes do
individuo (os seus pais, que introjetou por meio da identificação e cuja lembrança é
protegida pela piedade filial). Os conflitos das crianças envolvem pessoas vivas que
existem no mundo exterior e que ainda não se encontram estabelecidas na memória.
Anna afirmava que o analista de crianças além do treinamento analítico, também
deveria possuir um segundo componente: o conhecimento pedagógico (SILVA &
SANTOS, 2008).
Freud ressalta que o analista deve se aplicar em colocar-se no lugar do Ego-
Ideal da criança durante a análise; é preciso assegurar que a criança esteja
desejosa em seguir seu comando, só depois disso a análise será iniciada. Segundo
ela, o analista precisa ter habilidade para conduzir o relacionamento entre o Ego da
criança e os seus instintos e, pois o Superego do infante ainda é fraco; visto que, as
exigências do Superego assim como a neurose são dependentes do mundo exterior.
Para ela, o analista é responsável por dirigir os instintos liberados pela criança já que
esta é incapaz de controlá-los. Em seguida, Anna Freud reconheceu as descobertas
de Melanie Klein, em que esta comprovou a existência de um campo transferencial
na análise de crianças e estabeleceu a correspondência entre a associação livre e
as técnicas de jogo (SILVA & SANTOS, 2008 apud Lopes 2012).

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 16

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) As duas correntes da psicanálise infantil são decorrentes:


a) Da divergência de pensamento entre Freud e Lacan
b) Da sintonia de trabalho que Anna e Melanie tiveram ao seguirem fielmente os
preceitos do pai da Psicanálise.
c) Freud e Klein assumiram posturas diferentes em suas técnicas, sobretudo na
forma de abordar a transferência e também divergiram sobre os conceitos teóricos
da formação do ego e do superego, o complexo de Édipo e a relação de objeto.
d) Hermine e Freud divergiram na forma de abordar as crianças na análise e isto foi
fundamental para que surgissem duas correntes psicanalistas.
e) N.d.a

2) Sobre as correntes Freudiana e Kleiniana podemos afirmar:


a) Enquanto Anna Freud propunha uma análise baseada na noção de um aparelho
psíquico em constituição, Melanie Klein postulava um psiquismo constituído desde
os primórdios, privilegiando a atividade fantasmática da criança.
b) Enquanto Klein propunha uma análise baseada na noção de um aparelho
psíquico em constituição, Freud postulava um psiquismo constituído desde os
primórdios, privilegiando a atividade fantasmática da criança.
c) Enquanto Anna Freud propunha uma análise baseada na noção de um aparelho
psíquico constituído, Melanie Klein postulava um psiquismo em constituição,
privilegiando a atividade fantasmática da criança.
d) Enquanto Anna Freud propunha uma análise baseada no complexo de Édipo,
Melanie Klein postulava um psiquismo baseado no Narcisismo.
e) Todas as alternativas estão corretas.

3) Leia as proposições:
I. Anna Freud nas suas publicações relatou sobre dez atendimentos de crianças
entre seis e doze anos, todas com neurose graves, percebendo os limites e
alcances da psicanálise.

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II. Anna Freud utilizou-se de interpretação de sonhos e desenhos, restringindo a


utilização de jogos.
III. Freud, no decorrer dos atendimentos infantis, aperfeiçoou uma orientação que
era fundamentalmente pedagógica, destinada ao ego consciente mais do que
para as profundezas do inconsciente, assim a psicanalista reeducava a
criança adaptando-a para realidade.
São verdadeiras as proposições:
a) I e II
b) II e III
c) Apenas I
d) Apenas III
e) I, II e III

4) Assinale a alternativa incorreta a respeito do trabalho de Anna Freud.


a) Ana Freud asseverou que a análise do adulto reside em dificuldades maiores, pois
estão atreladas a objetos amorosos mais arcaicos e mais importantes do individuo.
b) Para Freud, os conflitos das crianças envolvem pessoas vivas que existem no
mundo exterior e que ainda não se encontram estabelecidas na memória.
c) Freud ressalta que o analista não deve colocar-se no lugar do Ego-Ideal da
criança durante a análise.
d) Segundo ela, o analista precisa ter habilidade para conduzir o relacionamento
entre o Ego da criança e os seus instintos e, pois o Superego do infante ainda é
fraco.
e) Todas as afirmativas estão corretas.

5) Anna Freud concordou com quais idéias de Melanie Klein a respeito da análise
infantil?
a) Sobre as fases de desenvolvimento infantil.
b) No final Anna compreendeu que o inconsciente já estava constituído na criança
desde os primórdios.
c) Anna e Klein concordaram a respeito do método educativo, ambas viram a
colaboração que a área da educação poderia oferecer;

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 18

d) Anna Freud reconheceu as descobertas de Melanie Klein, em que esta


comprovou a existência de um campo transferencial na análise de crianças e
estabeleceu a correspondência entre a associação livre e as técnicas de jogo.
e) N.d.a

2.3 CONTRIBUIÇÕES KLEINIANAS PARA A PSICANÁLISE INFANTIL

Klein baseou suas análises na utilização do jogo continuando as


investigações de Freud, para construir um arcabouço teórico, partindo da
observação de bebês e dos atendimentos às crianças. Introduziu de forma
consciente e sistemática o uso de brinquedos, desenhos e jogos na técnica, o
permitindo-lhe descrever e interpretar a situação analítica para a criança. A criança,
através da brincadeira, vence realidades dolorosas e domina medos instintivos,
projetando-os ao exterior por meio dos brinquedos, isso porque tem a capacidade de
simbolizar (ABERATURY, 1982).
Klein postulou sobre a capacidade de transferência espontânea da criança e
que deve ser interpretada, sendo ela positiva ou negativa, desde o primeiro
momento, não devendo o analista tomar o papel de educador. Melanie atribui a
transferência como sendo um instrumento principal para conhecer o que acontece
na mente da criança e também para descobrir e reconstruir sua história inicial. A
criança expressa suas fantasias, seus desejos, e suas experiências reais de um
modo simbólico, através de brincadeiras e jogos, e na medida em que as figuras
aparecem no jogo da criança através do mecanismo de simbolização e
personificação, podemos compreender a formação de seu superego e amortecer sua
severidade (PAULA, 2017)
Outra importante contribuição da teorização kleiniana são os conceitos de
posição esquizoparanóide e posição depressiva. Períodos presentes no
desenvolvimento da vida de todas as crianças, assim como as fases do
desenvolvimento psicossexual propostas por Freud. Apesar disso, são mais flexíveis
do que estas fases, pois ocorrem por necessidade, e não por maturação biológica (é
importante destacar que a autora não deixou de considerar as fases da teoria
freudiana a respeito do desenvolvimento infanto–juvenil) (OLIVEIRA, 2007)
Para a teoria kleiniana, o bebê nasce imerso na posição esquizoparanóide,
cujas características são: a fragmentação do ego; a divisão do objeto externo (a

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 19

mãe), ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro órgão com o
qual a criança estabelece contato, em seio bom e seio mau – o primeiro é aquele
que a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe provoca frustração – a
agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna (SIMON,

Outro conceito importante na clínica de Klein foi o de Fantasia. De acordo


com Klein, a fantasia pode ser considerada uma estrutura através da qual o
sujeito se relaciona com os objetos exteriores. Durante o período inicial da vida, a
mente infantil funciona basicamente através de fantasia inconsciente, a qual
suplementa o pensamento racional enquanto este não estiver desenvolvido. As
fantasias são inatas no sujeito, uma vez que são as representantes dos instintos,
tanto os libidinais quanto os agressivos, os quais agem na vida desde o
nascimento. Elas apresentam componentes somáticos e psíquicos, dando origem
a processos pré–conscientes e conscientes, e acabam por determinar, desta
forma, a personalidade. Pode–se concluir que as fantasias são a forma de
funcionamento mental primária, de extrema importância neste período inicial da
vida (OLIVEIRA, 2007 apud LOPES, 2012).

1986).

Oliveira (2007) ressalta que Klein em sua clínica, notou que as crianças têm
uma imagem de mãe dotada de uma imensa maldade, mas que, na maioria das
vezes, não corresponde à mãe real. É a partir desta observação que o conceito de
fantasia kleiniano surge em que as crianças estariam lidando com uma deformação
da mãe verdadeira, inventada em sua mente de maneira fantasmática. Melanie Klein
fundamentou toda sua teoria evidenciando as fantasias inconscientes, presentes nas
relações objetais primitivas.
Relações objetais são as relações que as crianças estabelecem com os
objetos ligados à sua satisfação (desejos e necessidades), podem ser pessoas ou
parte delas, como o seio da mãe por exemplo, ou outros objetos. Sendo assim a
mãe e o seu seio e o modelo de relação entre eles e a criança se tornaram o objeto
de estudo de Klein.
Nesta perspectiva, os relacionamentos estabelecidos na vida adulta estão
permeados por representações psicológicas de antigos objetos que foram

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 20

significativos na infância, inclusive as pessoas. Enxergamos parcialmente estes


objetos nas pessoas com as quais nos relacionamos, denominados de
reminiscências - restos de experiências passadas que projetamos no presente.

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) O que são relações objetais:


a) a fantasia que pode ser considerada uma estrutura através da qual o sujeito se
relaciona com os objetos exteriores.
b) são as relações que as crianças estabelecem com os objetos ligados à sua
satisfação (desejos e necessidades), podem ser pessoas ou parte delas, como o
seio da mãe por exemplo, ou outros objetos
c) são os conceitos de posição esquizoparanóide e posição depressiva.
d) são as representantes dos instintos
e) são as fases do desenvolvimento psicossexual propostas por Klein.

2) Assinale V para verdadeiro ou F para falso


( ) Klein baseou suas análises na utilização do jogo continuando as investigações
de Freud, para construir um arcabouço teórico, partindo da observação de bebês e
dos atendimentos às crianças.
( ) Introduziu de forma consciente e sistemática o uso de desenhos e pinturas na
técnica, o permitindo-lhe descrever e interpretar a situação analítica para a criança.
( ) A criança, através da brincadeira, vence realidades dolorosas e domina medos
instintivos, projetando-os ao exterior por meio dos brinquedos, isso porque tem a
capacidade de simbolizar.
a) V, V, V
b) F, F, F
c) V, V, F
d) V, F, V
e) F, V, V

20
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 21

3) Analise as proposições a seguir:


I. Para a teoria kleiniana, o bebê nasce imerso na posição esquizoparanoide
II. A características da posição esquizoparanoide são: a totalidade do ego; a
divisão do objeto externo (a mãe), ou mais particularmente de seu seio, já
que este é o primeiro órgão com o qual a criança estabelece contato, em
seio bom e seio mau;
III. Klein em sua clínica, notou que as crianças têm uma imagem de mãe dotada
de uma imensa maldade, mas que, na maioria das vezes, não corresponde à
mãe real.
São incorretas as proposições:
a) II
b) I e III
c) I e II
d) III
e) I

4) Analise as afirmações a seguir:


I. Klein postulou sobre a transferência induzida da criança e que deve ser
interpretada, sendo ela positiva ou negativa, desde o primeiro momento pelo
analista
II. Melanie atribui à transferência como sendo um instrumento principal para
conhecer o que acontece na mente da criança e também para descobrir e
reconstruir sua história inicial.
III. A criança expressa suas fantasias, seus desejos, e suas experiências reais de
um modo simbólico, através de brincadeiras e jogos, e na medida em que as
figuras aparecem no jogo da criança através do mecanismo de simbolização e
personificação, podemos compreender a formação de seu superego e
amortecer sua severidade
É verdadeiro o que esta proposto em:
a) I e II
b) II e III
c) I e III
d) Apenas em I
e) Apenas em II

21
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 22

5) O conceito de fantasia kleiniano surge a partir de qual observação?


a) A partir das relações que as crianças estabelecem com os objetos ligados à
sua satisfação.
b) A partir da observação dos processos pré–conscientes e conscientes.
c) Quando notou que as crianças têm uma imagem de mãe dotada de uma
imensa maldade, mas que, na maioria das vezes, não corresponde à mãe real.
d) Quando viu que a criança expressa suas fantasias, seus desejos, e suas
experiências reais de um modo simbólico, através de brincadeiras e jogos.
e) N.d.a

22
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 23

UNIDADE 3
O BRINCAR
Caro(a) Aluno(a)

Nesta unidade estudaremos o brincar como ferramenta para a


psicanálise e as contribuições de Donald Winnicott.
Bons estudos!!!

Conteúdos da Unidade
o O brincar
o Donald Winnicott

23
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 24

3.1 O BRINCAR

O “brincar” desempenha um papel muito importante na análise de crianças, e


possui equivalência às associações livres que ocorrem na análise dos adultos. As
brincadeiras precisam ser analisadas e observadas assim como o são as falas dos
pacientes adultos.
O brincar carrega consigo a história e a experiência de cada criança, não
descreve apenas o momento observado, expondo quais foram os efeitos de
linguagem e da fala, sob a forma de uma rede transferencial específica. O analista
não deve confundir os objetos concretos (brinquedos e jogos), com as suas
simbolizações e imagens. Há diferenças entre a realidade psíquica da criança e a
realidade concreta. A realidade psíquica deve guiar o processo de análise da
criança, nunca a realidade concreta desta ou a realidade psíquica do psicanalista.

A utilização de atividade lúdica como uma das formas de mostrar os conflitos


interiores das crianças foi, sem dúvida, uma das maiores descobertas da
Psicanálise. É brincando que a criança revela suas desordens de uma forma
muito semelhante que os adultos revelam na fala. No entanto, o brincar e as
brincadeiras infantis não podem ser tomados como processos iguais à linguagem
e à fala. Eles apresentam uma singularidade típica (MRECH, 1999 apud LOPES,
2012).

Na brincadeira, o mais importante não é a relação entre a criança e o objeto,


mas as representações simbólicas a ele atribuídas. Quando a criança brinca, a
realidade é recriada, mas com novas regras todas formadas pelo brincante. Neste
mundo ficcional ricamente elaborado pelo pequeno paciente começa a ocorrer o
jogo das imitações, onde a criança representa papeis e é neste representar que
reside o material para o trabalho do psicanalista.

Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e problemas


internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo todas as situações
excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio sobre

24
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 25

os objetos externos a seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente,
modificar um final que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam
proibidas na vida real tanto interna como externamente e também repetir à
vontade situações prazerosas (ABERASTURY, 1992, p. 15 apud LOPES, 2012).

Melaine Klein percebeu que o brincar se era componente essencial da


análise de crianças, pois possibilitava o estabelecimento da transferência em
análise. A atividade lúdica dava acesso ao psicanalista ao inconsciente da criança,
pois naquele momento era manifesto o desejo e as fantasias inconscientes. Nas
brincadeiras eram projetados o universo fantasmático: fantasmas de destruição e de
ataque se articulam com sentimentos de depressão e culpa. A dialética da
introjeção-projeção é principalmente assinalada na transferência. Indica os
momentos da relação da criança com o analista que, para Melaine Klein,
correspondem à primazia de um tipo de fantasia dominante (VIDAL, s.d.).
Segundo Klein (1970), o brincar e jogar são as formas mais básicas da
comunicação infantil, neste falar os pequenos expõem o seu mundo interno e os
impactos exercidos pelo mundo externo. As crianças jogam, brincam e desenham e
é de maneira lúdica que preferem enunciar o que se encontra no registro do
inconsciente. Assim, o jogo não é uma simples brincadeira.
A psicanalista se preocupa em compreender o significado que a criança
exterioriza em cada jogo e com cada brinquedo. Para compreender corretamente o
jogo da criança é importante analisar o significado dos símbolos separadamente.

Melanie Klein notou que a criança expressava suas fantasias, desejos e


experiências simbolicamente no brinquedo e acentuou a importância da caixa de
brinquedos. Porém quem realmente introduziu o uso da caixa de brinquedos no
setting analítico foi Arminda Aberastury. Para esta autora (1992), a caixa representa
o mundo interno da criança, o mundo não verbal, contendo as representações
inconscientes e as relações com seus objetos. Para Aberastury o uso da caixa
privilegiando o jogo e o brinquedo torna-se valioso porque difere do discurso verbal

25
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 26

onde o sujeito tem a possibilidade de modificar o seu discurso através das


defesas que se organizam para impedir que venha a tona algo que traga
sofrimento (REGHELIN, 2008 apud LOPES, 2012).

Para Anna Freud o brincar sempre foi uma questão secundária em sua teoria
e técnica psicanalítica com crianças. Sua preocupação estava em conduzir o
pequeno sujeito, com técnicas educacionais, ao dispositivo analítico. A partir do
momento que a criança está pronta para a análise, as técnicas de Freud consistiam
em interpretação dos sonhos, dos devaneios e dos desenhos. O brincar e a
colocação de brinquedos eram recursos não simbólicos para Anna o que marca sua
discordância do simbolismo de Melanie Klein com relação ao brincar na sessão. O
importante para Anna Freud era o estabelecimento de vínculo com o analista de
modo que possibilite sua intervenção e interpretação (VIDAL, s.d.).

EXERCICIOS PROPOSTOS

1) O brincar sempre foi uma questão secundária em sua teoria e técnica


psicanalítica com crianças, preocupava-se mais em conduzir o sujeito com técnicas
educacionais.
a) Melanie Klein
b) Anna Freud
c) Donald Winnicott
d) Virginia Axline
e) Hermine von Hug-Hellmuth

2) O brincar e jogar, na sua visão, são as formas mais básicas da comunicação


infantil, neste falar os pequenos expõem o seu mundo interno e os impactos
exercidos pelo mundo externo.
a) Melanie Klein
b) Anna Freud

26
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 27

c) Donald Winnicott
d) Virginia Axline
e) Hermine von Hug-Hellmuth

3) Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e problemas


internos, dominando-os por meio da ação.
a) Melanie Klein
b) Anna Freud
c) Donald Winnicott
d) Arminda Aberastury
e) Hermine von Hug-Hellmuth

4) Considere as importantes contribuições da psicanalista Melanie Klein (1980) para


psicoterapia analítica infantil, analise as afirmativas abaixo e dê valores Verdadeiro
(V) ou Falso (F).

( ) Klein não acreditava na capacidade de transferência das crianças, inicialmente


na psicoterapia infantil, seria necessário um trabalho não analítico para prepará-las
para o atendimento, inspirando confiança na análise e no psicanalista, sendo que
somente esta possibilidade poderia produzir um resultado útil com criança.
( ) A autora afirmava que as brincadeiras e as atividades diversas são meios que a
criança encontra para expressar aquilo que os adultos manifestam, principalmente,
por palavras.
( ) Klein pontua como importante no atendimento com criança, compreender e
interpretar as fantasias, os sentimentos, as ansiedades e as experiências expressas
durante o brincar.
( ) A identificação projetiva, processo compreendido como a externalização do que
acontece no mundo interno, foi uma das contribuições técnicas de Klein para a
psicoterapia analítica infantil.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de cima para baixo.

a) F, V, V, V

b) V, V, V, V

C) F, V, V, F

d) V, F, V, F

e) F, F, F, F

5) Quem realmente introduziu o uso da caixa de brinquedos no setting analítico foi:


a) Melanie Klein

27
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 28

b) Anna Freud
c) Donald Winnicott
d) Arminda Aberastury
e) Hermine von Hug-Hellmuth

3.2 WINNICOTT E UM NOVO BRINCAR

A técnica em Psicanálise infantil sofreu diversas modificações ao longo do


tempo. Desde o método clínico de Klein e seus seguidores, que acentuava a
importância do trabalho exaustivo de interpretação em análise de crianças,
visando à decodificação do significado da brincadeira desenvolvida na sessão
analítica, encontramos, atualmente, modelos teóricos que ampliam ou alteram
essas concepções originais. Temos por exemplo, dentro de um modelo bioniano,
a proposta de Ferro de interpretações “insaturadas, pensadas como “algo
construído a duas vozes, fruto da relação da qual participarão, de modo diferente,
as duas mentes (FERRO, 1995, p. 36). Nessa perspectiva, a decodificação de
significados cede lugar à construção de sentidos. O autor cita inúmeros exemplos,
visando demonstrar como aquilo que ele denomina de “excesso de atividade
interpretativa” pode provocar um engaiolamento da comunicação e fazer assumir
um sentido de maneira forte, excluindo todos os outros (FELICE, 2003)

Donald Woods Winnicott nasceu em sete de abril de 1896, em Plymouth na


Inglaterra. Filho de John Frederick Winnicott e Elizabeth Martha Woods Winnicott.
No ano de 1923 atual como médio no hospital Paddington Green Children, em
Londres. Neste mesmo ano, começou sua análise pessoal com o Dr. James
Strachey, tradutor oficial de inglês, das obras completas de Sigmund Freud. O
exercício da pediatria e sua análise pessoal fundamentaram seu trabalho posterior.
Foi por dois mandatos consecutivos, Presidente da Sociedade Britânica
de Psicanálise. A partir de 1947, ministrou palestras para estudantes de assistência
social na Escola Londrina de Economia e Ciências Políticas. Entre 1940 e 1944 fez
supervisão com Melanie Klein (MOURA, 2008).
Winnicott colabora significativamente quando propõe uma relação analítica
com a criação de um espaço potencial em que duas pessoas tenham a possibilidade
de brincar juntas. Para ele a psicanálise é uma “forma altamente especializada do

28
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 29

brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros” (WINNICOTT,


1975, p. 63). Se o paciente não for capaz de brincar, é responsabilidade do
terapeuta direcionar seu trabalho no sentido de levá-lo a conseguir brincar (FELICE,
2003).
A psicoterapia reside na capacidade de duas pessoas brincarem juntas. O
brincar, por si só, é visto como uma terapia. Neste contexto, Winnicott sugere ao
terapeuta de crianças que o espaço de brincar tenha maior importância do que o
momento das perspicazes interpretações (WINNICOTT, 1975, p. 75). Segundo ele, a
interpretação não tem validade se o paciente não for capaz de brincar simplesmente
e além de não ser útil pode causar confusão, como o próprio explica:

Minha descrição equivale a um pedido a todo terapeuta para que permita a


manifestação da capacidade que o paciente tem de brincar, isto é, de ser criativo
no trabalho analítico. A criatividade do paciente pode ser facilmente frustrada por
um terapeuta que saiba demais. Naturalmente, não importa, na realidade, quanto
o terapeuta saiba, desde que possa ocultar esse conhecimento ou abster-se de
anunciar o que sabe (WINNICOTT, 1975, p. 83-84).

A teoria do brincar proposta por Winnicott (1975) considera que a brincadeira


é primária, e não produto da sublimação dos instintos. É uma forma primitiva de
viver, universal e própria da saúde, facilitadora do crescimento e condutora dos
relacionamentos grupais. O brincar aparece no contexto da relação mãe-bebê,
seguindo uma sequência no processo de desenvolvimento. Primeiramente, a mãe é
entendida como um objeto subjetivo, criado pelo bebê. A mãe, sensível e orientada
para as necessidades de seu filho, torna concreto o que ele está pronto para
encontrar, possibilitando a experiência da ilusão e de controle onipotente sobre o
mundo. Em um segundo momento, o interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a
experiência de controle de objetos reais cria um espaço potencial entre a mãe e o
bebê, no qual a brincadeira começa. Num terceiro estágio, a criança é capaz de ficar
sozinha na presença da mãe, brincando com base na suposição de que ela está
disponível. Finalmente, abre-se o espaço para um brincar conjunto num
relacionamento, em que a mãe introduz seu próprio brincar (FELICE, 2003).

29
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 30

A brincadeira ocorre na área intermediária entre a realidade externa e a


interna, ou pessoal, o que equivale a dizer que os objetos e fenômenos oriundos
da realidade externa são usados a serviço de alguma mostra derivada da
realidade interna (WINNICOTT, 1975 apud FELICE, 2003).

EXERCICIOS PROPOSTOS

1) Uma das principais colaborações de Winnicott foi:


a) O importante era o estabelecimento de vínculo com o analista de modo que
possibilitasse sua intervenção e interpretação.
b) Conduzir o pequeno sujeito, com técnicas educacionais, ao dispositivo
analítico
c) Quando propõe uma relação analítica com a criação de um espaço potencial
em que duas pessoas tenham a possibilidade de brincar juntas.
d) Com a dialética da introjeção-projeção é principalmente assinalada na
transferência
e) N.d.a

2) Considere somente as afirmações verdadeiras:


I. A técnica em Psicanálise infantil sofreu diversas modificações ao longo do
tempo.
II. Para Winnicott, a psicoterapia reside na capacidade de duas pessoas
brincarem juntas. O brincar, por si só,é visto como terapia.
III. Para Winnicott, a criatividade do paciente poderia ser facilmente frustrada por
um terapeuta que soubesse demais.
a) I e II apenas; d) I, II e III;
b) II e III apenas e) III apenas;
c) I apenas;

30
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 31

3) A psicoterapia reside na capacidade de duas pessoas brincarem juntas. O


brincar, por si só, é visto como uma terapia. Neste contexto, Winnicott sugere:
a) Que o analista interprete cada ação da criança sem fazer qualquer interferência
ou participação.
b) Saliente que o analista deve ter uma atitude passiva durante as sessões.
c) Ações educativas para com o pequeno sujeito.
d) Ao terapeuta de crianças que o espaço de brincar tenha maior importância do que
o momento das perspicazes interpretações.
e) Todas as alternativas estão corretas.

4) A teoria do brincar proposta por Winnicott (1975) considera que:


a) a brincadeira é primária, e não produto da sublimação dos instintos.
b) É uma forma primitiva de viver, universal e própria da saúde, facilitadora do
crescimento e condutora dos relacionamentos grupais.
c) O brincar aparece no contexto da relação mãe-bebê, seguindo uma sequência no
processo de desenvolvimento.
d) Primeiramente, a mãe é entendida como um objeto subjetivo, criado pelo bebê.
e) Todas as alternativas estão corretas.

5) Considere somente as afirmações verdadeiras:


I. o interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de
objetos reais cria um espaço potencial entre a mãe e o bebê, no qual a
brincadeira começa.
II. a criança não é capaz de ficar sozinha na presença da mãe, brincando com
base na suposição de que ela está disponível.
III. os objetos e fenômenos oriundos da realidade interna são usados a serviço
de alguma mostra derivada da realidade externa

a) I e II apenas; d) I, II e III;
b) II e III apenas e) III apenas;
c) I apenas;

31
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 32

UNIDADE 4
PSICOTERAPIA PARA UMA CRIANÇA

Caro(a) Aluno(a)

Nesta unidade abordaremos o processo terapêutico,


indicação, entrevistas e outras situações próprias da análise
.
Bons estudos!

Conteúdos da Unidade

o Indicação de psicanálise e outros aspectos da terapia


o Espaço para o brincar
o Arminda Aberastury

32
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 33

4.1 Especificidades na indicação de psicoterapia para uma criança

O encaminhamento de uma criança para psicoterapia deve estar baseada em


critérios que sustentam-se a partir da observação de expressões de
empobrecimento e de dificuldades do desenvolvimento emocional da criança. Sendo
assim é imprescindível que o psicanalista infantil tenha noções bastante claras e
apuradas do desenvolvimento psicológico, em que sintomas próprios da plasticidade
de um desenvolvimento relativamente normal poderiam e deveriam ser diferenciados
de manifestações patológicas do desenvolvimento.
Esta avaliação sobre o funcionamento mental de uma criança tem seu
primeiro passo na entrevista com os pais ou os responsáveis pela criança, aqueles
que realmente acompanham o seu desenvolvimento, conhecedores de sua história e
significativos para ela. Há certa concordância entre os analistas de crianças sobre o
valor de se atender primeiramente os pais e depois fazer observações diagnósticas
com a criança, dentro de um contexto lúdico (COIMBRA; FRANÇA, 2002).
A psicoterapia infantil é uma modalidade específica de tratamento que leva
em conta o momento evolutivo da infância. Para o início da psicoterapia infantil é
fundamental uma avaliação criteriosa e formulação de hipótese diagnóstica, que leva
em conta o momento desenvolvimental da criança. O psicoterapeuta, durante a
avaliação, determinará se as dificuldades apresentadas pela criança são
decorrentes de vicissitudes do desenvolvimento normal ou resultantes de uma
incapacidade de dar seguimento. É essencial que o diagnóstico tenha uma
dimensão para além da pura classificação de doenças, podendo constituir-se no
entendimento das relações familiares e das possibilidades de mobilização de seus
membros.
A psicoterapia na infância geralmente pode ser indicada em três situações
básicas: diante de sintomas específicos, na presença de conflitos interpessoais
persistentes, ou de atrasos, paradas ou regressões no desenvolvimento adaptativo e
emocional. A contra indicação da psicoterapia psicanalítica ocorrerá quando a
patologia familiar for predominante, caracterizando-se como impedimento ao
atendimento, haverá também contra indicação se a criança recusar-se a ser
atendida. O papel do analista não pode ser o de atendente dos desejos dos pais,
nem de seus próprios desejos, mas o de servir de suporte para que a criança possa
encontrar-se a si mesma (ALBORNOZ, 2011)

33
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 34

Devemos considerar que o desenvolvimento mental da criança ocorre a


partir da participação emocional do ambiente familiar e, se houver um sintoma de
qualquer natureza, este não “aparece do nada”; provavelmente terá ligações com
a natureza interna da criança (condições inatas) e com as inter-relações com as
mentes das pessoas ao seu redor. Temos observado o quanto é difícil a
manutenção de um trabalho com uma criança, uma vez que ela não tem
autonomia para mantê-lo. Daí a importância das paratransferências, definidas por
Racker (conforme Landolfi, 1989, apud Lisondo, 1996): “as paratransferências são
as transferências que se produzem a partir do entorno do pequeno paciente e
incluem não só e obviamente os pais, mas também os irmãos”. E, pela nossa
experiência, poderíamos colocar nessas reticências os avós, as babás, os
motoristas etc.
O analista de crianças provavelmente será alvo das projeções desse
contexto paratransferencial, o qual vai afetar o trabalho – daí decorre a
importância de uma atenção especial a este ponto (COIMBRA; FRANÇA, 2002).

Importância especial terá as primeiras entrevistas para o processo


psicoterápico, afinal geralmente essas entrevistas estão carregadas das questões
primordiais que serão desenvolvidas durante todo o tratamento. Os dados relevantes
não são extraídos das informações obtidas pelo terapeuta, mas do conteúdo, do
material que o paciente fazer emergir na sessão. O paciente não relata fatos, ele
vive situações e é importante que o analista, em contato com esse paciente, capte, a
partir de sua história, o sentido que aquela informação representa no aqui e no
agora.
Segundo Aberastury, já desde a primeira sessão, a criança costuma
expressar uma fantasia inconsciente de sua doença e também uma fantasia
inconsciente de cura. É importante considerar que o tratamento infantil é mais
impreciso do que o de adultos, afinal as crianças costumam não ter domínio da
linguagem simbólica recorrendo as formas plásticas, ou seja, por desenho ou
construções, para expressarem os conteúdos do seu inconsciente. As brincadeiras,
como já visto anteriormente, são também um excelente modo para permitir que a
criança expresse livremente as suas sensações, o seu inconsciente. Quando a
criança expressa suas fantasias de forma verbal ou não verbal ela estará

34
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 35

contribuindo para o setting - o espaço criado especialmente para que esta relação
aconteça. É um ambiente especial que permite que o paciente viva experiências
raras, únicas e singulares, e reviva experiências velhas que podem ser
ressignificadas, o que leva ao amadurecimento. O setting é formado a partir do
cumprimento das regras do contrato.
Será a tarefa do terapeuta traduzir em palavras as manifestações dos
impulsos inconscientes, inclusive os sentimentos ainda não verbalizadas.

Em muitas ocasiões, porém, para que um trabalho ocorra, é necessário


que os pais sejam ajudados individualmente ou em conjunto (orientação de pais)
– por um segundo profissional – propiciando outro campo de trabalho – de modo
a criar melhores condições para a psicoterapia da criança, já que os pais estarão
acolhidos por outra mente. É relevante apontar o quanto uma criança pode ser
ajudada quando os pais são ajudados, mas também o quanto a psicoterapia de
uma criança pode trazer um retorno à família, à medida que suas mudanças
psíquicas podem contribuir para descaracterizar uma dinâmica patológica a que
esteja vinculada (COIMBRA; FRANÇA, 2002).

A psicoterapia tem sido cada vez mais buscada por pessoas não amadas,
exploradas e carentes de recursos materiais ou de elementos necessários para
humanização. A psicoterapia é recurso essencial em situações excessivamente
traumáticas desde que se leve em conta a condição peculiar. É preciso ressaltar que
este contexto de tratamento requer uma visão especial, pois nem sempre é possível
situar as crianças e os adolescentes privados de suas famílias nas estruturas
clínicas clássicas: neurose, psicose e perversão. Nenhuma dessas recobriria todo o
conteúdo da personalidade de tais indivíduos. Diferente dos outros casos essas
crianças não tem o seu desconforto ou seu sofrimento residindo em uma experiência
ou representação, mas reside em um vazio que a mente busca preencher
concretamente (ALBORNOZ, 2011).
No caso de crianças órfãs, em que perderam os pais ainda muito pequenas,
ou que vivem em caso de pobreza seriam fortalecidos através da análise, tornando-
se capazes de resistência e de trabalho produtivo, como sugeriu Freud

35
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 36

Albornoz explica que o processo terapêutico inaugura no paciente a


capacidade de sofrer a dor psíquica. É neste momento que a mente passa nomear o
sofrimento que o acomete e investigar seu significado transformando as
consequências psíquicas dessa experiência, tornando possível ao sujeito alcançar o
prazer. Portanto a tarefa do tratamento reencontrar a causa que golpeou o
psiquismo infantil e, quando isto for impossível, o analista deverá propor uma
hipótese sobre ele a partir do que se registra no momento do tratamento, para que
assim a mente possa apropriar-se do que ele diz respeito ele confere sentido.
É importante que o paciente reconheça quem foram seus pais e também sobre como
ele é, é necessário que conheça o que sofreu nas mãos de quem, e como isso
afetou. Toda essa reconstrução de história tem como objetivo fortalecer o ego do
paciente e com um ego mais integrado, possa enfrentar o conteúdo de sua
vitimização e reconhecer o efeito nocivo provindo dele.

A transferência das Crianças vítimas de abusos é recheada


predominantemente de más expectativas e de raiva, o que torna muito difícil seu
manejo. É frequente a tentativa do paciente de reproduzir os contextos de
vitimização outrora experimentados, mostrando-se provocativo e desagradável,
ou sedutor e envolvente, atribuindo ao terapeuta o papel de responsável pelos
fatos passados, tentando incitá-lo de várias formas ao impor-lhe sofrimento,
demanda esta que deve encontrar forte resistência ( SHENGOLD, 1999, apud
ALBORNOZ, 2011, p. 53)

EXERCICIOS PROPOSTOS

1) A psicoterapia tem sido cada vez mais buscada por certos tipos de
pessoas, exceto:
a) não amadas;
b) exploradas;
c) carentes de recursos materiais;
d) carentes de elementos necessários para humanização;

36
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 37

e) pessoas abastadas.

2) Ambiente especial que permite que o paciente viva experiências raras, únicas e
singulares, e reviva experiências velhas que podem ser ressignificadas, o que leva
ao amadurecimento:
a) sala do terapeuta
b) ambiente familiar
c) setting
d) transferência
e) N.d.a

3) A transferência destas crianças é recheada predominantemente de más


expectativas e de raiva, o que torna muito difícil seu manejo. Estamos citando:
a) As crianças vítimas de abusos;
b) As crianças órfãs;
c) As crianças filhas de pais separados;
d) As crianças que vivem em situação de pobreza;
e) Todas as alternativas estão corretas.

4) Segundo Aberastury, já desde a primeira sessão:


a) a criança esconder o seu inconsciente rejeitando que possua alguma doença e
por isso não necessita de cura.
b) a criança costuma expressar uma fantasia inconsciente de sua doença e também
uma fantasia inconsciente de cura.
c) a criança costuma expressar uma fantasia inconsciente de sua doença, mas não
tem uma fantasia inconsciente de cura.
d) a criança costuma expressar-se consciente de sua doença e também um desejo
consciente de cura.
e) N.d.a

5) Considere as afirmações:
I. A psicoterapia na infância geralmente pode ser indicada em três situações
básicas: diante de sintomas específicos, na presença de conflitos

37
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 38

interpessoais persistentes, ou de atrasos, paradas ou regressões no


desenvolvimento adaptativo e emocional.
II. A contra indicação da psicoterapia psicanalítica ocorrerá quando a patologia
familiar for predominante, caracterizando-se como impedimento ao
atendimento, haverá também contra indicação se a criança recusar-se a ser
atendida.
III. O papel do analista será o de atender aos desejos dos pais, não os seus
próprios desejos, e assim servir de suporte para que a criança possa
encontrar-se a si mesma.

É verdadeiro o que se diz em:


a) I, II e III
b) I e II d) Apenas em I
c) I e III e) Apenas em III

4.2 O brincar terapêutico

No trabalho psicanalítico com crianças as regras, que são claras no


atendimento a adultos, não são tão delimitadas e por isso necessitarão de algumas
adaptações a fim de estabelecer e favorecer a comunicação emocional.
O local de atendimento, o espaço físico pode ser pensado como um local
suficientemente amplo, onde criança e analista tenham a condição de movimentar-
se confortavelmente. É útil que seja um local de fácil limpeza (móveis de fórmica,
paredes de azulejo, por exemplo) (COIMBRA; FRANÇA, 2002).
A disposição dos materiais lúdicos também é algo que não se deve esquecer,
colocá-los em caixas identificadas com o nome de cada paciente contendo em seu
interior brinquedos simples e práticos (material gráfico, massa para modelar,
pedaços de madeira, pequenos bonecos, barbante, fita adesiva etc.) A presença de
água corrente na sala de atendimento a uma criança é de grande valor.
O mobiliário da sala deve ser pensado à medida que estes também podem
ser usados no momento da brincadeira. Em alguns casos é possível que ocorra a
destruição de todo este material, visto que a criança pode dirigir a estes toda a sua
frustração, principalmente quando significa o desejo da criança de fazer um ataque
agressivo ao corpo da mãe-analista – representados pela caixa ou, também, o

38
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 39

esvaziamento da caixa pela destruição dos brinquedos, podendo expressar o vazio


interno da criança em questão (COIMBRA; FRANÇA, 2002).

É importante que o material seja de boa qualidade para evitar fáceis


estragos, situação essa que pode criar culpa na criança, além de sentir que o
psicólogo pode ser facilmente destruído por seus impulsos agressivos, os quais
ela tem pouca capacidade para conter e manipular. Além disso, deve-se evitar a
inclusão de material perigoso para cuidar a integridade física do psicólogo e da
criança (Aberastury, 1982). Zavaschi et al. (2005) citam que brinquedos muito
sofisticados podem seduzir a criança impedindo-a de dar livre curso as suas
fantasias.
Aberastury (1982) refere outro aspecto importante a ser considerado, que
esse material lúdico contido na gaveta da criança representa seu mundo interno e
a primeira ação que a criança realiza, assim como o tempo que transcorre até que
a inicia, nos ensina muito sobre sua atitude frente ao mundo: o grau de inibição do
jogo que manifesta é índice da gravidade de sua neurose. A primeira sessão tem
importância especial, porque nela a criança mostra qual é a sua fantasia
inconsciente de enfermidade e de cura, como aceita ou rejeita nosso papel de
terapeuta (SCHMIDT; NUNES, 2012).
Arminda Aberastury (1992) psicanalista argentina e pioneira da análise infantil
da América Latina fundamentou seu trabalho na teoria e na técnica elaborada por
Melanie Klein. Todavia sua contribuição foi além ao propor algumas modificações a
partir de sua experiência clínica. Na obra de sua autoria “A criança e seus jogos”
apresenta aportes importantes a respeito do brincar, afirmando que o brinquedo traz
consigo características de objetos reais, transformando-se no instrumento para o
domínio de situações penosas, difíceis e traumáticas. Para a criança, a importância
do brinquedo reside no fato de que o mesmo é substituível e permite a repetição de
situações prazerosas e dolorosas que, ela por si mesma, não poderia reproduzir no
mundo real. Ao longo da entrevista lúdica um mesmo brinquedo ou jogo adquire
diferentes significados, baseado em todo o contexto, assim se interpreta uma
brincadeira levando em consideração a situação analítica global (SCHMIDT;
NUNES, 2012).

39
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 40

A apresentação dos materiais e brinquedos para a criança durante a sessão


de atendimento é razão de controvérsia entre os autores. Segundo Axline (1972),
quando todos os brinquedos ficam a vista e as crianças podem escolhê-los
livremente como seus meios de expressão os melhores resultados são obtidos. Já
Zavaschi et al. (2005) defende a escolha prévia dos brinquedos por parte do
terapeuta que com um mínimo de materiais observam interessantes resultados.
Ainda, em um primeiro contato/entrevista acreditam que a apresentação dos
brinquedos sobre a mesa, fora da caixa, evita o incremento da ansiedade
persecutória na criança que poderia ocorrer diante da caixa desconhecida. Efron et
al. (2001) defendem que os brinquedos devem ser distribuídos aleatoriamente pelo
ambiente dando ao paciente a possibilidade de ordenação que corresponda as suas
variáveis internas, em função de suas fantasias e/ou de seu nível intelectual
(SCHMIDT; NUNES, 2012).

Nos variados tipos de atendimento com crianças, o mediador é o brinquedo


oferecido, que expressa o que a criança está vivenciando no momento. Porém,
cabe lembrar que a criança é capaz de utilizar quaisquer objetos para brincar,
pois o essencial não tem relação com o objeto, pois este serve apenas como um
mediador entre a realidade e a imaginação. O importante é observar o valor
simbólico, o que se configura naquele momento e qual a representação do que
está sendo expresso e principalmente considerar que cada encontro com o
paciente significa uma experiência nova e implica no estabelecimento de um
vínculo transferencial breve, cujo objetivo é o conhecimento e a compreensão do
paciente (ROZA, 1993 apud SCHMIDT; NUNES, 2012 ).

Para Ocampo, existem alguns critérios auxiliam o analista e seriam os


seguintes indicadores: escolha e modalidades de brinquedos e brincadeiras, que
indicam a forma como o ego manifesta a função simbólica que estrutura o seu
brincar; a personificação que indica a capacidade de assumir e atribuir papéis de
forma dramática; a motricidade que permite analisar a adequação da criança à etapa
evolutiva que atravessa; a criatividade, elemento importante que demonstra a
capacidade de vivenciar novas experiências; a capacidade simbólica que se
expressa no brincar, que permite acesso as fantasias inconscientes; a tolerância a

40
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 41

frustração, indicador importante que o psicólogo investiga a possibilidade de aceitar


as instruções com as limitações que são impostas, e por fim a adequação à
realidade que nos permite avaliar o desprender da mãe no primeiro encontro com o
psicólogo e atuar de acordo com sua idade cronológico (1987).
Aberastury (1992) dispõe as fases do brincar de acordo com o momento do
desenvolvimento da criança que surge a partir dos quatro meses, momento em que
o bebê inicia a atividade lúdica, pois já mostra capacidade de controlar seus
movimentos, conseguindo aproximar a mão dos objetos que estão próximos, brinca
com o seu corpo, se esconde e reaparece atrás do lençol. Através dos seus
brinquedos sente e elabora que as pessoas ou os objetos podem aparecer como
desaparecer. A partir de um ano de idade, o bebê é um grande explorador dos
brinquedos e de tudo que está a sua volta, fazendo movimento de pôr, retirar, unir,
separar, levar até a boca, entre outros. Estas descobertas servem como indicadores
do seu funcionamento psíquico e estes aspectos podem ser trabalhados num
processo terapêutico. Com três anos de idade a criança pode ser posta diante de
jogos egocêntricos, centrados em si mesma, o psicólogo não será um participante
ativo na brincadeira. Geralmente nesta idade as crianças gostam de brincar com
carros, trens, locomotivas, bonecas, animais e nos desenhos representam mais
rabiscos e garatujas (Efron et al., 2001). Também é com esta idade que as crianças
passam a diferenciar imagens oníricas, pensamentos e objetos reais. Podendo
brincar de “faz de conta”, estes que permitem o acesso a processos e
conhecimentos que não poderiam estar conscientes de outra forma. Assim, as ideias
são tidas como representacionais, mas sua correspondência com a realidade não é,
de fato, testada. Além disso, conseguem identificar facilmente a intenção de
dramatizar (Fonagy & Target,1996). No brincar como método terapêutico, os
desenhos costumam ser uma fonte rica de informações sobre a criança, por serem
espontâneos durante o tratamento e outras quando solicitadas. Através desse tipo
de expressão gráfica características da personalidade podem ser evidenciadas,
relacionamentos familiares, atitudes e comportamentos sociais, atitudes em relação
as limitações físicas e aos problemas percepto-motores específicos ou outras
dificuldades de aprendizagem (Logan, 1991).
Dos quatro aos sete anos o real vai ganhando força, a criança apresenta
crescente preocupação com a imitação exata, podendo observar isso em desenhos
gráficos e nas associações verbais. É neste momento que o analista assume papel

41
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 42

ativo, pois o paciente começa a reconhecê-lo: é o desenvolvimento do processo de


socialização. Nos desenhos é possível observar uma imitação mais realista do
objeto representado (Efron et al., 2001). Os meninos costumam gostar de
brincadeira de ação, mistério, espadas, fantasiam de bandidos ou super heróis. As
meninas dão preferência a brinquedos mais tranquilos como bonecas, preparar
comidas, fingem relações sociais, costumam fantasiar-se. Nesta idade, na medida
em que a criança brinca e se apropria da situação que vive, os contos de fada
tornam-se ferramentas importantíssimas oferecendo recursos para as crianças
lidarem com questões reais, pois identificam na bruxa, no vilão ou na princesa tipos
ou questões sociais. Através do conto elas recriam, inventam, recontam e deslocam
simbolicamente, sentimentos e conflitos. A autora refere que os contos têm função
organizadora da mente. Gutfreind (2004) refere que os contos interferem
significativamente na mente da criança uma vez que a ela livra-se da dureza da
realidade permitindo o espaço para a imaginação e imaginando ela pode brincar
com temas próprios da sua realidade psíquica, por vezes difíceis como o amor, a
morte, o medo, a rivalidade fraterna, a separação e o abandono.

Seguindo no desenvolvimento infantil, é possível observar dos sete aos dez


anos de idade que a criança já consegue assumir papéis próximos a realidade,
tem noção de brincadeira mútua, costuma dramatizar cenas cotidianas e tem
consciência da alteração de regras. Outro elemento observado nessa idade é o
importante uso que a criança já faz da linguagem (Efron et al., 2001).

Schmidt e Nunes (2012) em seu artigo complementam:

O jogo está circunscrito em limites próprios de tempo e espaço: ele possui


um começo, uma duração até que chegue a um determinado fim e contém
elementos presentes de tensão, equilíbrio, ritmo, harmonia, força e tenacidade,
habilidade e coragem e lealdade às regras. A imprevisibilidade constitui uma das
mais marcantes características do jogo e está associada ao engajamento
passional que o mesmo provoca, Jogar é colocar-se em um espaço de “faz-de-
conta”, aquilo ao que as crianças tão propriamente se referem como não sendo
“de verdade”, mas de “ brincadeira” (Roza, 1993). Por outro lado alguns terapeutas
preferem não oferecer jogos estruturados, acreditando que favorecem uma atitude
defensiva de evitação do confronto com seu mundo interno (Zavaschi et al., 2005).
42
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 43

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) Arminda Aberastury (1992) psicanalista argentina e pioneira da análise


infantil da América Latina fundamentou seu trabalho na teoria e na técnica
elaborada por :
a) Anna Freud
b) Melanie Klein
c) Donald Winnicott
d) Virginia Axline
e) N.d.a

2) A respeito do espaço de atendimento é incorreto afirmar:


a) O local de atendimento, o espaço físico pode ser pensado como um local
suficientemente amplo, onde criança e analista tenham a condição de movimentar-
se confortavelmente.
b) É útil que seja um local de fácil limpeza (móveis de fórmica, paredes de azulejo,
por exemplo).
c) A disposição dos materiais lúdicos é algo irrelevante.
d) A disposição dos materiais lúdicos é algo que não se deve esquecer, colocá-los
em caixas identificadas com o nome de cada paciente contendo em seu interior
brinquedos simples e práticos (material gráfico, massa para modelar, pedaços de
madeira, pequenos bonecos, barbante, fita adesiva etc.)
e) A presença de água corrente na sala de atendimento a uma criança é de grande
valor.

3) A criança já consegue assumir papéis próximos a realidade, tem noção de


brincadeira mútua, costuma dramatizar cenas cotidianas e tem consciência da
alteração de regras, a partir de qual idade?
a) Três anos de idade
b) Quatro anos de idade
c) Um ano de idade
d) Sete anos de idade
e) Dez anos de idade

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 44

4) O real vai ganhando força, a criança apresenta crescente preocupação com a


imitação exata, podendo observar isso em desenhos gráficos e nas associações
verbais. A partir :
a) Três anos de idade
b) Quatro anos de idade
c) Um ano de idade
d) Sete anos de idade
e) Dez anos de idade

5) Os meninos costumam gostar de brincadeira de ação, mistério, espadas,


fantasiam de bandidos ou super heróis. As meninas dão preferência a brinquedos
mais tranquilos como bonecas, preparar comidas, fingem relações sociais,
costumam fantasiar-se. A partir:
a) Três anos de idade
b) Quatro anos de idade
c) Um ano de idade
d) Sete anos de idade
e) Dez anos de idade

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 45

UNIDADE 5
DONALD WINNICOTT E AS ANSIEDADES INFANTIS

Caro(a) Aluno(a)

Nesta unidade serão apresentados dois casos de


Winnicott: Edmund e Diana e também discutiremos sobre as
ansiedades infantis.

Conteúdos da Unidade

Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assinalando os


assuntos, à medida que for estudando

o Caso Edmund

o Caso Diana

o Ansiedades infantis

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 46

5.1 Casos de Donald Winnicott

Donald Winnicott em seu livro “ O brincar e a realidade” apresenta a descrição


de casos para abordar a naturalidade do brincar: “O natural é o brincar, [...] Para o
analista, não deixa de ser valioso que se lhe recorde constantemente não apenas
aquilo que é devido a Freud, mas também o que devemos à coisa natural e universal
que se chama brincar” (1975).
E depois desta introdução o psicanalista nos apresenta dois casos, que
também apresentaremos integramente aqui.

Edmund, Dois Anos e Meio de Idade


A mãe viera fazer-me uma consulta sobre si mesma e trouxera consigo o
filho, Edmund. A criança ficou em minha sala enquanto eu conversava com sua mãe;
coloquei entre nós uma mesa e unia cadeirinha, que ele poderia usar, se quisesse.
Parecia sério, mas não assustado ou deprimido. Perguntou: 'Onde estão os
brinquedos?' Foi tudo o que disse durante todo o tempo. Evidentemente. tinham-lhe
dito que talvez encontrasse brinquedos ali e respondi-lhe que havia alguns na outra
extremidade da sala, no chão, debaixo da estante.
Encheu logo um balde com brinquedos e ficou brincando de maneira
deliberada, enquanto a consulta entre mim e a mãe prosseguia. A mãe pôde contar-
me o momento exato e significativo em que Edmund começara a gaguejar, aos dois
anos e cinco meses de idade, após o que deixara de falar, 'porque a gagueira o
assustava'. Enquanto debatíamos uma situação de consulta sobre ela própria e
sobre ele, Edmund colocou algumas partes de um trenzinho sobre a mesa e
começou a dispô-las, fazendo-as juntar-se e relacionar-se. Ele estava apenas a meio
metro de distância da mãe. Logo subiu a seu colo e teve um pequeno momento de
bebê. Ela reagiu de modo natural e adequado. Depois, o menino desceu
espontaneamente e voltou a brincar na mesa. Tudo isso aconteceu enquanto a mãe
e eu estávamos empenhados em uma conversa profunda.
Vinte minutos depois, aproximadamente, Edmund começou a animar-se e foi
até o outro lado da sala, buscar novo suprimento de brinquedos. Voltou com um
emaranhado de cordão. A mãe (inegavelmente afetada pela escolha do cordão, mas
não consciente do simbolismo) fez a observação: 'Em seu ponto máximo de não-
verbalização, Edmund é muito apegado, precisando de contacto com meu seio real

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 47

e necessitando de meu colo real'. Na época em que a gagueira surgira, ele


começara a disciplinar-se, mas revertera à incontinência juntamente com a gagueira,
e a isso seguira-se o abandono do falar. Estava começando a cooperar novamente,
por ocasião da consulta. A mãe entendia isso como parte de uma recuperação do
retrocesso no desenvolvimento da criança.
Observando o brincar de Edmund, pude manter comunicação com a mãe.
Agora, Edmund, enquanto brincava, fez crescer uma bala na boca. Ficou
preocupado com o cordão. A mãe comentou que ele recusava tudo, quando bebê,
exceto o seio, até crescer e passar a aceitar alimentar-se em xícaras. 'Ele não tolera
substituto algum', contou-me, significando que não aceitava mamadeiras; a recusa
de substitutos tornara-se um aspecto permanente de seu caráter. Mesmo a avó
materna, de quem gostava muito, não era integralmente aceita, por não ser a mãe
real. Sempre teve a mãe para acalentá-lo à noite. Quando ele nasceu, a mãe teve
problemas no seio e ele costumava apertar-lhe o seio com as gengivas, nos
primeiros dias e semanas, talvez como garantia contra a sensível proteção que a
mãe concedia a si mesma, em conseqüência de seu estado delicado. Aos dez
meses, nasceu-lhe um dente e, em determinada ocasião, mordeu-a, mas não tirou
sangue.
'Edmund não foi um bebê tão fácil quanto o primeiro'.
Tudo isso levara tempo para ser relatado e misturava-se aos outros assuntos
que a mãe queria debater comigo. Edmund parecia interessado na ponta do cordão
que sobressaía do emaranhado. Às vezes fazia um gesto como se 'ligasse' a ponta
do cordão, como uma tomada, à coxa da mãe. Era interessante observar como ele
utilizava o cordão como um símbolo de união com a mãe, embora não 'tolerasse
substituto algum'. Era evidente que o cordão constituía simultaneamente um símbolo
de separação e de união pela comunicação.
A mãe contou-me que ele possuíra um objeto transicional chamado 'meu
cobertor'; podia usar qualquer cobertor que apresentasse um debrum de cetim
semelhante ao do cobertor original de sua tenra infância.
Nesse ponto, Edmund deixou de lado os brinquedos com toda naturalidade,
subiu no divã, rastejou como um animal na direção da mãe e aninhou-se em seu
colo. A mãe reagiu com naturalidade, sem exagero. A criança ficou assim uns três
minutos; depois, desaninhou-se e retornou aos brinquedos. Colocou agora o cordão
(de que parecia gostar) no fundo do balde, como um forro, começando a pôr os

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 48

brinquedos ali, de modo que tivessem um lugar bom e macio para repousar, como
um berço ou caminha. Depois de se agarrar à mãe mais uma vez e retornar aos
brinquedos, estava pronto para ir; tínhamos concluído, eu e sua mãe, a consulta.
Nessa brincadeira, ele ilustrara muita coisa de que a mãe estivera falando
(embora esta também estivesse falando de si própria). Comunicara existir nele o
movimento de maré montante com maré vazante, a afastar-se da dependência e a
ela retornando. Mas isso não era psicoterapia, pois eu estava trabalhando com a
mãe. O que Edmund fizera, fora simplesmente apresentar as idéias que ocupavam
sua vida, enquanto sua mãe e eu conversávamos. Não interpretei, e tenho de supor
que essa criança teria brincado do mesmo modo sem que ninguém estivesse ali
para vê-la, ou para receber a comunicação que, nesse caso, teria sido talvez' uma
comunicação com alguma parte do eu (sei!), o ego observante. Tal como aconteceu,
eu espelhava com a minha presença o que estava acontecendo, concedendo-lhe,
assim, uma qualidade de comunicação (cf. Winnicott, 1967b).

Diana, Cinco Anos de idade


No segundo caso, tal como sucedera com Edmund, tive de conduzir
paralelamente duas consultas, uma com a mãe, que se encontrava em dificuldades,
e um relacionamento lúdico com a filha, Diana. Esta tinha um irmãozinho (em casa)
mentalmente deficiente, afetado também por uma deformidade cardíaca congênita.
A mãe viera debater o efeito que a doença da criança causava sobre si mesma e
sobre a filha, Diana.
Meu contacto com a mãe durou uma hora. A criança esteve conosco durante
todo o tempo e minha tarefa foi tríplice: conceder à mãe atenção plena, por causa de
suas próprias necessidades, brincar com a criança, e (com a finalidade de escrever
esse artigo) registrar a natureza da brincadeira de Diana.
De fato, foi a própria Diana quem tomou conta desde o início: quando abri a
porta para deixar entrar a mãe, uma meninazinha ansiosa se apresentou, mostrando
um pequeno ursinho. Não olhei para a mãe, nem para ela, mas dirigi-me diretamente
ao ursinho e perguntei: 'Qual é o nome dele?' Ela respondeu: 'Só Teddy'.* Assim, um
intenso relacionamento se desenvolvera rapidamente entre mim e Diana, e tive de
mantê-lo em andamento, a fim de cumprir minha missão principal, que era atender
às necessidades da mãe. No consultório, evidentemente, Diana precisou sentir todo

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 49

o tempo que recebia minha atenção, mas foi-me possível conceder à mãe a atenção
de que precisava e brincar também com Diana.
Ao descrever esse caso, assim como ao descrever o de Edmund,
apresentarei o que aconteceu entre mim e Diana, deixando de lado o material da
consulta com a mãe.
Instalamo-nos no consultório: a mãe sentou-se no divã e Diana numa
cadeirinha, perto da mesa de crianças. Logo em seguida, a menina colocava seu
ursinho dentro do bolso de cima de meu paletó. Tentou ver até onde podia ir e
examinou o forro do meu paletó; depois disso, interessou-se pelos diversos bolsos e
pela maneira como não se ligavam uns aos outros. Tudo isso acontecia enquanto a
mãe e eu conversávamos seriamente sobre a criança retardada de dois anos e meio
de idade; Diana forneceu a informação adicional: 'Ele tem um buraco no coração'.
Era como se escutasse com um dos ouvidos, enquanto brincava. Pareceu-me ser
capaz de aceitar a deficiência física do irmão, devida ao 'buraco no coração', embora
o retardamento mental não estivesse ao alcance de sua compreensão.
Na brincadeira que Diana e eu fizemos juntos, um brincar sem terapêutica em
si, pude sentir-me livre para ser brincalhão. As crianças brincam com mais facilidade
quando a outra pessoa pode e está livre para ser brincalhona. Repentinamente, fingi
escutar algo do ursinho que estava em meu bolso e disse: 'Ouvi-o dizer algo!' Ela
ficou muito interessada. Continuei: 'Acho que ele quer alguém com quem brincar'.
Falei-lhe sobre o cordeirinho cheio de lã que poderia encontrar, se procurasse no
outro lado da sala, entre os brinquedos misturados sob a estante. Talvez eu tivesse
um outro motivo, ou seja, tirar o urso de meu bolso. Diana foi buscar o cordeirinho,
consideravelmente maior do que o urso, e aceitou minha idéia da amizade entre o
ursinho e o cordeiro. Por algum tempo, pôs ambos juntos no divã, perto do lugar
onde se sentava sua mãe. Eu, naturalmente, continuava a minha entrevista com esta
e podia-se notar que Diana se mantinha interessada no que dizíamos, fazendo isso
com uma parte de si mesma, a parte que se identificava com os adultos e as atitudes
adultas.
Durante a brincadeira, Diana decidiu que o ursinho e o cordeirinho eram seus
filhos. Colocou-os sob sua roupa, fazendo-se grávida deles. Após um período de
gravidez, anunciou que iam nascer, mas que 'não iam ser gêmeos'. Deixou bem
evidente que o cordeiro deveria nascer primeiro e, depois, o ursinho. Depois que se
deu o nascimento, colocou os dois filhos recém-nascidos juntos sobre uma cama

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 50

que improvisou no chão, e cobriu-os. A princípio, colocou-os em lados opostos,


dizendo que, se ficassem juntos, brigariam. Poderiam 'encontrar-se no meio da
cama, sob as cobertas e brigar'. Depois, colocou-os dormindo juntos, pacificamente,
sobre o leito improvisado. Afastou-se, então, e apanhou uma porção de brinquedos
num balde e em algumas caixas. Sobre o assoalho, em torno da parte de cima da
cama, dispôs os brinquedos e com eles brincou; o brincar era ordenado e havia
diversos temas diferentes, os quais desenvolvia, mantendo cada um deles separado
do outro. Intervim novamente com uma idéia minha. Disse: 'Oh, olhe só! Você está
espalhando no chão, em volta das cabeças dos bebês, os sonhos que eles estão
tendo, enquanto dormem'. A idéia intrigou-a, ela a aceitou e continuou a desenvolver
os diversos temas, como se sonhasse para os bebês os sonhos deles. Tudo isso
nos concedia o tempo livre de que precisávamos, para levar a cabo o trabalho que
estávamos fazendo. Houve um momento em que a mãe começou a chorar, muito
perturbada. Diana levantou a cabeça por um instante, prestes a ficar ansiosa. Eu
adverti: 'Mamãe está chorando porque está pensando no seu irmãozinho, que está
doente'. Isso a tranqüilizou, porque tinha sido direto e concreto; ela falou: 'buraco no
coração', e continuou a sonhar os sonhos dos bebês para eles.
Assim, Diana, que não viera para uma consulta sobre si mesma, e sem
qualquer necessidade especial de auxílio, tinha brincado comigo e sozinha, e, ao
mesmo tempo, estava envolvida na condição de sua mãe. Pude perceber que esta
tivera necessidade de trazer Diana, como a evitar uma confrontação direta comigo,
devido a seu estado ansioso relativo ao distúrbio muito profundo que sentia por ser
mãe de uma criança doente. Posteriormente, a mãe veio ver-me sozinha, sem
precisar mais da distração da criança.
Quando, em data posterior, recebi a mãe sozinha, pudemos repassar o que
acontecera quando a vi com Diana, e então ela pôde acrescentar um pormenor
importante, explicando-me que o pai de Diana explora o progresso da filha e dá
demonstração de preferi-la quando ela se parece exatamente com um adulto
pequeno. Pode-se perceber no material uma pressão no sentido de um
desenvolvimento prematuro do ego, uma identificação com a mãe e uma
participação nos problemas desta que se origina do fato de o irmão ser realmente
doente e anormal.
Voltando a. deter-me sobre o que aconteceu, acho possível dizer que Diana
preparou-se antes de vir, embora a entrevista não tivesse sido marcada em seu

50
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 51

benefício. Daquilo que a mãe me contou, pude ver que Diana estava organizada
para o contacto comigo, tal como se soubesse que vinha ver um psicoterapeuta.
Antes de sair, reunira o primeiro de seus ursinhos e também seu objeto transicional
abandonado. Não trouxera consigo o último, mas viera preparada para organizar
uma experiência algo regressiva em suas atividades lúcidas. Ao mesmo tempo, a
mãe e eu estávamos assistindo à capacidade de Diana de identificar-se com ela,
não apenas com respeito à gravidez, mas também com referência à tomada de
responsabilidade pelo cuidado com o irmão.

Segundo Donald, a brincadeira, tanto para Eduard como para Diana, foi
autocurativa. O resultado de ambos foi comparável ao de uma sessão
psicoterapêutica em que a história tivesse sido pontuada por interpretações por
parte do terapeuta. Winnicott atribuiu ao fato de ter se permitido brincar ativamente
com Diana o resultado criativo da experiência lúdica de Diana.
A escolha dos dois exemplos, por parte do psicanalista, ocorreu
simplesmente porque foram dois casos consecutivos que havia recebido em sua
clínica em determinada manhã enquanto escrevia o artigo.

EXERCICIOS PROPOSTOS

1) Durante a consulta de Edmund, Winnicott observou que o cordão


sombolizava.
a) a conexão entre o menino e o terapeuta.
b) a ligação do menino com os brinquedos.
c) Era evidente que o cordão constituía simultaneamente um símbolo de separação
e de união pela comunicação.
d) Era evidente que o cordão constituía um símbolo da ruptura de seu vínculo com
a mãe.
e) N.d.a

2) Qual era o objeto transicional de Edmund?


a) um boneco
b) o seio materno

51
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 52

c) um carrinho
d) uma mamadeira
e) um cobertor

3) O que seria o efeito movimento de maré montante e maré vazante?


a) era a atitude do menino de afastar-se da dependência e a ela retornar.
b) afastar-se do terapeuta e a ele retornar
c) está relacionado ao fato de o menino ter voltado a urinar na cama.
d) está relacionado ao fato do menino ter regredido em seu desenvolvimento e estar
gaguejando.
e) N.d.a

4) No caso de Diana, Winnicott reflete sobre o brincar. Assinale a alternativa correta:


a) o psicanalista orienta o brincar direcionado, carregado de intenção.
b) as crianças brincam com mais facilidade quando a outra pessoa pode e está livre
para ser brincalhona.
c) As crianças brincam com mais facilidade quando estão sozinhas, livres da
interferência de outra pessoa.
d) o psicanalista orienta a que os brinquedos sejam sempre previamente escolhidos.
e) Todas as alternativas estão corretas.

5) Analise as proposições a seguir:


I. O brincar de Diana era ordenado e havia diversos temas diferentes, os quais
desenvolvia, mantendo cada um deles separado do outro.
II. A mãe tivera a necessidade de trazer Diana, para evitar uma confrontação
direta com o terapeuta, devido a seu estado ansioso relativo ao distúrbio
muito profundo que sentia por ser mãe de uma criança doente.
III. Diana era uma criança mentalmente deficiente, afetada também por uma
deformidade cardíaca congênita.
É correto o que se afirma em:
a) I, II e III d) Apenas em I
b) I e II e) Apenas em III
c) II e III
.

52
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 2

5.2 As ansiedades infantis

A ansiedade é um sentimento de ameaça a que ninguém é imune ou


indiferente. Impositiva, mobiliza fantasias, defesas, pensamentos, ações.
Experimentada na subjetividade, exibe, entretanto, sinais objetiváveis, alguns até
de ordem somática (palpitações, sudorese etc.). Objeto de interesse da
psicanálise, vem sendo exaustivamente estudada – origem, manifestações,
significado, decorrências, forma de abordagem, de alívio (COIMBRA; FRANÇA,
2002).

Freud acreditava que a ansiedade era o resultado do recalcamento de


impulsos libidinais, censurados por instâncias mentais contrárias a esses desejos.
Esses impulsos, atuantes em nível inconsciente, a fim de buscar sua satisfação
exerceriam pressão, mesmo que de modo substitutivo, na forma de atos falhos,
sonhos ou mesmo sintomas (Freud, 1900). A ansiedade seria, portanto, descarga de
libido.
De acordo com o ponto de vista econômico de sua teoria, a ansiedade estaria
relacionada à quantidade de energia libidinal envolvida no conflito entre os princípios
do prazer e da realidade.

Este ponto de vista (econômico) permanece válido mesmo posteriormente,


quando Freud postula a existência da pulsão de morte e ao conflito entre pulsões
de vida e de morte (Freud, 1920). Apenas quando trata da questão do luto (Freud,
1917), da ansiedade de separação, é que se distancia da visão energética.
Quando destaca a importância da ansiedade de separação, o medo de perder o
amor do objeto, mobilizando o processo de luto, aproxima-se da interiorização dos
vínculos, da nossa capacidade simbólica (COIMBRA; FRANÇA, 2002).

2
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 3

Foi mais tarde que Freud propôs que a ansiedade seria resultante dos
mecanismos de defesa do ego. Sendo assim ela não seria resultado do
recalcamento, mas sim mobilizadora dos mecanismos de defesa (COIMBRA;
FRANÇA, 2002).

O primeiro caso clínico de criança que auxiliou o pensamento de Freud


(1909/1996) no que se refere à angústia de castração foi o Pequeno Hans. O
título original desse trabalho é “Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco
Anos” e consiste na análise da fobia de cavalos desse menino feita por seu pai e
supervisionada por Freud. À luz da segunda teoria da angústia, o autor sustenta
que essa fobia era uma tentativa de solucionar o conflito edipiano em relação ao
pai através do recalque da pulsão hostil. O que causa a repressão é a angústia
perante a ameaça de castração, simbolizado, por exemplo, no ser mordido pelo
cavalo. Assim, o ego reconhece o perigo de castração, emite o sinal de angústia e
inibe, através da instância prazer-desprazer, o processo de investimento
ameaçador do id, e realiza-se a formação da fobia (HECK, 2014)

Para Melanie Klein postulou dois tipos de ansiedades: a persecutória, em que


haveria um risco para o ego; e a depressiva, em que o objeto é que correria algum
tipo de ameaça (característica da posição depressiva).
Para a psicanalista a ansiedade faria parte do constructo da mente humana
exercendo papel fundamental. O próprio conceito de posição dá destaque à
ansiedade: trata-se de uma configuração de ansiedades e de mecanismos de defesa
utilizados contra elas, em conjunto com o tipo de relação objetal predominante em
determinado momento (válido para adultos e crianças tanto em situações normais
como patológicas) (COIMBRA; FRANÇA, 2002). A psicanalista explica:

Há, no inconsciente, um medo de aniquilamento da vida.... Se presumirmos a


existência de uma pulsão de morte...., presumiremos o medo do aniquilamento da

3
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 4

vida.... Em minha concepção, o perigo resultante do trabalho interno da pulsão de


morte é a primeira causa da ansiedade. Uma vez que a luta entre as pulsões de
vida e de morte persiste a vida inteira, essa fonte de ansiedade jamais é
eliminada, e entra como um fator permanente em todas as situações de
ansiedade (Klein, 1948/1991, p. 50).

Encontramos na literatura muitas outras definições dos termos ansiedade,


angústia e medo. Dumas (2011b), afirma que a ansiedade é uma reação natural
manifesta diante de objetos ou situações que representem ameaça, perigo real ou
imaginário. Poderia ser entendida como a expressão dos sentimentos intensos de
medo e angústia. O termo ansiedade costuma aparecer relacionado a outros dois:
angústia e medo. O medo é um sentimento que está vinculado a um objeto ou a uma
situação específica; a angústia não tem este objeto ou situação definidos
claramente.
Segundo Marcelli e Cohen (2010), a ansiedade é um afeto árduo coligado a
uma atitude de expectativa, sentida de maneira desagradável, a um acontecimento
imprevisto. Já a angústia pode ser traduzida como uma sensação de extremo mal-
estar acompanhada de manifestações somáticas. Sendo assim, o medo está unido a
um objeto, situação específica, seja em razão da experiência, seja em razão da
educação. A ansiedade pode ser definida como uma resposta a situações de perigo
ou ameaças reais, como aos estresses e desafios do cotidiano. Caracteriza-se por
apresentar sintomas somáticos (taquicardia, palpitação, dificuldade respiratória,
tremor, calorões, calafrios, tensão muscular, náusea, dor de cabeça, sudorese, etc.),
sintomas cognitivos (dificuldade de concentração, pensamento catastrófico,
hipervigilância, medo de perder o controle), sintomas comportamentais (inquietude,
isolamento, esquiva), sintomas emocionais (medo, apreensão, irritabilidade,
impaciência) e sintomas perceptivos (despersonalização, desrealização e
hiperreatividade aos estímulos) (HECK, 2014). Heck continua:

4
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 5

Do ponto de vista da prática clínica, os termos angústia, ansiedade e medo


estão relacionados, como em um continuum, manifestando-se ao mesmo tempo
por meio de reações comportamentais, cognitivas, afetivas e psicológicas
(Marcelli & Cohen, 2010; Dumas, 2011b). Cabe destacar que a ansiedade faz
parte do desenvolvimento infantil e também desempenha um papel adaptativo.
Nesse sentido, a literatura apresenta algumas manifestações universais da
ansiedade e do medo (Catellanos & Hunter, 1999; Dumas, 2011 b; Marcelli &
Cohen, 2010)

Dumas (2011b) salienta que mais do que apresenta os manuais de


classificação diagnóstica, cabe para os transtornos de ansiedade a classificação
conforme a natureza da ansiedade observada: ansiedade de separação, fobia
específica, fobia social e transtorno obsessivo-compulsivo, em que a ansiedade é
resultante de algo que a criança teme ou uma situação específica que lhe causa
preocupação constante. No transtorno do pânico, temos uma ansiedade invasiva e
extrema, a criança subitamente tem sensações de pânico que levam,
eventualmente, a uma perda momentaneamente do autocontrole. No transtorno de
estresse póstraumático, a ansiedade é reacional; sensações extremas de medo e
angústia causadas por uma situação traumática que a criança sofreu ou alguém
próximo a ela foi vítima. A ansiedade generalizada é fruto de vários temores
persistentes e irrealistas, que perturbam bastante o comportamento da criança.
Diferentemente dos adultos, as crianças não reconhecem seus medos como
exagerados ou irracionais (HECK, 2014).
Heck (2014) complementa o assunto com o que foi proposto por Winnicott a
cerca da ansiedade infantil:

Ao pensar na influência do ambiente para os sintomas de ansiedade infantil


é válido lembrar que Winnicott postula a existência de dois tipos de falhas. As
falhas menores de adaptação que fazem parte do cotidiano e são fundamentais
para que a criança se torne relativamente independente (pois não é possível uma
independência absoluta). E as chamadas falhas básicas do meio ambiente que
não foram corrigidas e que produzem três tipos de ansiedade (Winnicott, 1963):

5
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 6

ansiedade de não-integração, que se transforma em um sentimento de


desintegração (ser feito em pedaços, cair para sempre, completo isolamento);
ansiedade devido à ausência de ligação entre psique e soma, que culmina em um
sentimento de despersonalização; e ansiedade correspondente à sensação de
que o centro de gravidade da consciência foi passado do cerne para a casca,
gerando o funcionamento do tipo falso self (Winnicott, 1952/2000, 1968/1988).
Consequentemente, ocorre o retraimento como defesa e o falso self submisso
aceita as exigências do meio, no intuito de proteger o verdadeiro self (Winnicott,
1960/1983).

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) Freud em seus anos de estudo postulou sobre a ansiedade, levantando várias


teses, mas por fim definiu que a ansiedade:
a) era o resultado do recalcamento de impulsos libidinais, censurados por instâncias
mentais contrárias a esses desejos.
b) seria resultante dos mecanismos de defesa do ego.
c) é um afeto árduo coligado a uma atitude de expectativa, sentida de maneira
desagradável, a um acontecimento imprevisto.
d) faria parte do constructo da mente humana exercendo papel fundamental.
e) Todas as alternativas estão corretas.

2) É incorreto afirmar sobre o que postulou Melanie Klein a respeito da ansiedade:


a) Para Melanie Klein há dois tipos de ansiedades: a persecutória, em que haveria
um risco para o ego; e a depressiva, em que o objeto é que correria algum tipo de
ameaça (característica da posição depressiva).
b) Para a psicanalista a ansiedade faria parte do constructo da mente humana
exercendo papel fundamental.

6
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 7

c) O próprio conceito de posição dá destaque à ansiedade: trata-se de uma


configuração de ansiedades e de mecanismos de defesa utilizados contra elas, em
conjunto com o tipo de relação objetal predominante em determinado momento.
d) A ansiedade é um afeto árduo coligado a uma atitude de expectativa, sentida de
maneira desagradável, a um acontecimento imprevisto.
e) Em sua concepção, o perigo resultante do trabalho interno da pulsão de morte é a
primeira causa da ansiedade.

3) Segundo Marcelli e Cohen (2010), a ansiedade é:


a) era o resultado do recalcamento de impulsos libidinais, censurados por instâncias
mentais contrárias a esses desejos.
b) seria resultante dos mecanismos de defesa do ego.
c) é um afeto árduo coligado a uma atitude de expectativa, sentida de maneira
desagradável, a um acontecimento imprevisto.
d) faria parte do constructo da mente humana exercendo papel fundamental.
e) Todas as alternativas estão corretas.

4) Ainda sobre a ansiedade é correto afirmar:


a) No transtorno do pânico, temos uma ansiedade invasiva e extrema, a criança
subitamente tem sensações de pânico que levam, eventualmente, a uma perda
momentaneamente do autocontrole.
b) No transtorno de estresse póstraumático, a ansiedade é reacional; sensações
extremas de medo e angústia causadas por uma situação traumática que a criança
sofreu ou alguém próximo a ela foi vítima.
c) A ansiedade generalizada é fruto de vários temores persistentes e irrealistas, que
perturbam bastante o comportamento da criança.
d) A ansiedade faz parte do desenvolvimento infantil e também desempenha um
papel adaptativo.
e) Todas as alternativas estão corretas.

5) Ao pensar na influência do ambiente para os sintomas de ansiedade infantil é


válido lembrar o que Winnicott postula:

7
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 8

I. As falhas menores de adaptação que fazem parte do cotidiano e são


fundamentais para que a criança se torne relativamente independente (pois
não é possível uma independência absoluta).
II. As falhas básicas do meio ambiente que não foram corrigidas e que
produzem três tipos de ansiedade.
III. Do ponto de vista da prática clínica, os termos angústia, ansiedade e medo
estão relacionados, como em um continuum, manifestando-se ao mesmo
tempo por meio de reações comportamentais, cognitivas, afetivas e
psicológicas.

a) I, II e III
b) I e II
c) II e III
d) Apenas em I
e) Apenas em III

8
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 9

UNIDADE 6
CASOS: PIGGLE E DIBS

Caro(a) Aluno(a)

Nesta última unidade traremos mais dois casos, o

primeiro analisado por Donald Winnicott e o segundo por Virginia

Axline.

Conteúdos da Unidade

Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá

assinalando os assuntos, à medida que for estudando

• O caso Piggle
• O garoto Dibs

9
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 10

6.1 DONALD WINNICOTT: O CASO PIGGLE

Conceição A. Serralha (2009) de maneira muito interessante discorreu em


seu artigo “Gabrielle e seus pais”, uma análise sobre o caso analisado por D.
Winnicott da menina Gabrielle e a participação de seus pais no trabalho terapêutico.
Trabalho que foi chamado por Winnicott de psicanálise compartilhada (partagée).

Ao receber um novo caso, além do diagnóstico do momento do


amadurecimento em que a criança se encontrava, Winnicott considerava importante
“avaliar a capacidade da família de tolerar e assumir a criança que está doente e de
suportar a doença da criança por um período de tempo antes que a psicoterapia
começasse a fazer efeito” (1980; 1961b [1957], p. 64). Segundo Dias (2002),
Winnicott chegou a dizer que o tratamento só poderia ser realizado se ele pudesse
contar com a família como co–terapeuta. Além disso, ele considerava a
acessibilidade, ou não, da família ao consultório, a distância de sua moradia até este
e a frequência possível das sessões, entre outros aspectos. A possibilidade de tratar
Gabrielle, uma garotinha de 2 anos e 5 meses de idade, apelidada de Piggle e que
morava distante de Londres, foi analisada por ele tendo por base essas
considerações.
Segundo os pais da menina, as preocupações desta a mantinham acordada à
noite, e iniciaram–se após o nascimento de sua irmã, quando ela estava com 21
meses. Além da vigília, Gabrielle também ficava facilmente aborrecida, deprimida,
insegura, angustiada e ciumenta. O tratamento, que terminou quando ela estava
com 5 anos de idade, não foi um trabalho de análise clássica, com 4 a 5 sessões por
semana, mas sim um trabalho de psicanálise de acordo com a demanda, por causa
das condições já citadas de acesso dificultado pela distância. As sessões com
Gabrielle aconteciam quando esta as solicitava, dentro das possibilidades de
Winnicott, uma vez que o tratamento aconteceu quando ele já não se encontrava
bem de saúde.
Winnicott chamou a atenção para a “saúde básica” na personalidade de
Gabrielle, não definindo um diagnóstico, mas parecendo descartar uma psicose.
Para ele, após um primeiro momento do tratamento, em que a patologia da criança
se tornou “um padrão organizado como doença”, ou seja, em que defesas mais
primitivas se organizaram no lugar das defesas que entraram em colapso, o que se

10
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 11

estabeleceu foi um trabalho de retomada de “uma série de estádios de maturação”,


que já haviam sido vividos por Gabrielle antes da segunda gravidez de sua mãe.
Os pais participaram do tratamento de uma forma praticamente incomum nos
tratamentos psicanalíticos da época. Essa participação não aconteceu somente pelo
fato de os pais necessitarem de acolhimento e compreensão acerca do que estava
acontecendo com Gabrielle, ou porque Winnicott necessitava de informações sobre
ela, mas porque ele entendia que, com a sua ajuda, os pais seriam capazes de
auxiliar a criança em seu desenvolvimento; houve o que Winnicott chamou
de psicanálise compartilhada. Os pais e Winnicott compartilharam informações,
preocupações, hipóteses por meio de cartas e telefonemas, além de uma
participação, nas sessões, de forma real ou transferencial. Na verdade, a mãe,
pessoalmente, só esteve presente na primeira consulta; já o pai, esteve presente em
todas as subsequentes. Winnicott acreditava que as angústias da mãe se
encontravam, de fato, na etiologia do adoecimento da menina.
Retomando as anotações de Winnicott sobre a sua maneira de trabalhar com
os pais de Gabrielle, encontra–se o seguinte: “dividir o material com os pais – terapia
de família não – estudo de caso não – psicanálise partagée (compartilhada)” (1987
[1977], p. 10). A partir dessa conclusão do autor, torna–se importante analisar essas
diferentes possibilidades de relação com os pais – que Winnicott considerava existir
na análise de crianças –, juntamente com os prováveis motivos que o levaram a
optar por um compartilhamento.
Em primeiro lugar, por que Winnicott não considerou esse trabalho como uma
terapia de família?
Sabe–se que, na terapia de família, mesmo que se identifique a doença em
um de seus membros, o terapeuta toma para tratamento o grupo familiar,
estabelecendo com cada um dos membros desse grupo uma relação de intensidade
semelhante. Segundo Cordeiro (1987), na avaliação de um caso, “o terapeuta
familiar não nega que um membro possa não ter se adaptado bem, mas a sua
atenção estará voltada para a ‘função perturbada na família‘. Desse modo, fazer o
diagnóstico em uma perspectiva familiar, é levar o terapeuta a compreender o
funcionamento da família” (p. 14).
Lendo o relato do caso, percebe–se que não foi esse o enfoque dado por
Winnicott. Ele nunca deixou de considerar que estava tratando a pequena Gabrielle,
embora cuidasse também das angústias e das necessidades dos pais.

11
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 12

Contudo, a não consideração do tratamento de Gabrielle como uma terapia


de família não quer dizer que Winnicott tenha seguido um modelo psiquiátrico, que
entendesse a condição em que Gabrielle se encontrava como uma questão de
estrutura, ou de perturbação intrapsíquica em que ela se tornasse única e
exclusivamente o centro de sua patologia. Além disso, os pais de Gabrielle não
foram contatados apenas para que Winnicott obtivesse deles informações sobre ela
e seu problema, ou para que recebessem orientações práticas.
O modo de trabalhar de Winnicott, sem retirar o foco das angústias da
criança, mas deixando “caminho aberto para que o relacionamento da paciente com
seus pais se desenvolvesse como parte do processo terapêutico total” (Claire
Winnicott, 1987 [1977], p. 10), mostrava a sua visão sobre a parte de
responsabilidade que cabe ao ambiente no adoecimento da criança. Além disso,
esse modo possibilitava aos pais confiar no terapeuta, evitando interferências
negativas e tornando a colaboração e participação deles importantíssimas para o
êxito do tratamento.
Em segundo lugar, por que Winnicott não considerou o tratamento
de Gabrielle como um estudo de caso?
Winnicott (1980; 1965e [1959]) descreve esse modelo de tratamento como um
“processo de resolução de problemas”, que, na prática, coexiste com a psicoterapia,
e ambos acabam se tornando processos dependentes um do outro. Entretanto, o
estudo de caso relaciona–se, de modo específico, com a provisão social que precisa
reparar uma deficiência do ambiente quando do adoecimento de uma criança.
No caso de Gabrielle, seus pais, além de serem profissionais com noções de
trabalho psicanalítico3, foram avaliados por Winnicott como suficientemente
saudáveis e capazes de colaborar com o tratamento da filha. Para ele, o estudo de
caso é indicado para o tratamento de casos em que o ambiente original não foi
suficientemente bom e, à época do início do tratamento, ao ser avaliado, foi
considerado insuficientemente capaz de oferecer o que a criança necessitava.
Winnicott (1980; 1965e [1959]) afirma:
O estudo de caso não é a característica principal, na grande maioria dos
casos, nos quais a criança está mentalmente enferma. Geralmente existem pais que
reconhecem a doença dos filhos e procuram tratamento para eles. O estudo de caso
obviamente se torna a característica principal, quando a criança é mentalmente
enferma e ao mesmo tempo existe uma deficiência do ambiente, a qual tem que ser

12
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 13

reparada. Chamei atenção especial para o tipo de caso em que o estudo de caso
adquire um significado especial, devido ao fato de que existe algum elemento de
ruptura (pp. 156–157).
Outra característica ainda, que pode ser encontrada e que conduz a um
estudo de caso, é a de que os pais não sejam capazes de tolerar que os sintomas
não desapareçam de imediato e até se intensifiquem assim que começa o
tratamento. Segundo Winnicott,
o analista é mais susceptível de tolerância da sintomatologia da criança do que os pais;
estes tendem a achar que, uma vez que a criança entrou em tratamento, o aparecimento de
sintomas deva significar um reinício do tratamento. Uma vez que se inicia um tratamento, o
que se perde de vista é a rica sintomatologia de todas as crianças que são satisfatoriamente
tratadas em suas próprias casas (1987 [1977], p. 18).
Ainda segundo Winnicott,
é possível que o tratamento de uma criança de fato, interfira em algo muito valioso, que é a
capacidade da família de tolerar e enfrentar os estados clínicos da criança, indicativos de
tensão emocional, ou paradas temporárias no desenvolvimento emocional, ou o
desenvolvimento propriamente dito (1987 [1977] , p. 18).
No estudo de caso, portanto, uma nova provisão ambiental deverá ser
oferecida por pessoas especializadas e por um elemento essencial que é a
estabilidade institucional. Para Winnicott, nessa modalidade, mais do que o
profissional responsável pelo caso, é a clínica ou a instituição que possibilita a
continuidade da provisão ambiental que é oferecida, uma vez que não se tem como
garantir a permanência de um profissional em um cargo para sempre. Segundo ele,
“a clínica tem uma estabilidade que ultrapassa de longe a de qualquer indivíduo”
(1980; 1965 [1959], p. 156). Esse elemento pode ser considerado fundamental para
a transferência que a criança e, principalmente, os pais fazem com a instituição. A
importância da estabilidade pode ser constatada nos casos em que a criança,
mesmo tendo possibilidade de acompanhar o profissional – que deixa a instituição e
com quem estabeleceu uma forte transferência –, para continuar o tratamento em
outro lugar, permanece na atual instituição.
Finalmente, em terceiro lugar, por que Winnicott chamou o tratamento
de psicanálise compartilhada (partagée)?
Ao contrário de todos os psicanalistas de crianças de sua época, Winnicott não
acreditava na possibilidade de sucesso no tratamento de uma criança, mantendo os

13
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 14

pais afastados deste. Sobretudo quando o trabalho não tinha como ser conduzido de
uma forma tradicional, com várias sessões semanais.
Nos casos de psicanálise de acordo com a demanda e de consulta
terapêutica, uma condição fundamental para o sucesso do tratamento seria a de que
o ambiente da criança fosse capaz de dar a ela a sustentação emocional necessária
nos períodos entre as sessões e após o término destas. Contudo, no caso de
Gabrielle, o trabalho dos pais não se resumiu a essa sustentação inter e pós–
sessões. Eles participaram efetivamente nas próprias sessões, em particular o pai,
que se colocou totalmente disponível para ser usado por Gabrielle. Foram vários os
usos, como, por exemplo, transferencialmente:
enquanto fazia acrobacias no colo do pai, contava–lhe todos os detalhes. Mas logo ela
iniciou uma fase nova, e muito premeditada no jogo. ‘Eu também sou um bebê‘, anunciou. E
desceu de cabeça por entre as pernas do pai até o chão”. Anotação de Winnicott: “Nascida
do corpo do pai como se fosse do corpo da mãe” (1987 [1977], p. 39).
Esse uso transferencial do pai, por Gabrielle, era importante para Winnicott,
pois, em suas palavras, desse modo ele ficava livre para outras funções (1987
[1977], p. 62). Entretanto, Winnicott percebia nesse movimento de Gabrielle que,
além da transferência, havia também uma defesa contra a ansiedade que emergia
na relação de Gabrielle com a pessoa real de Winnicott. Ele comentou:
Consegui que o pai se assentasse na cadeira na outra metade da sala, e Piggle subiu para
o seu colo. Agora, desenvolveu–se outra vez o jogo no qual ela era um bebê, nascendo do
pai, entre suas pernas. Isso repetiu–se muitas e muitas vezes. Era um esforço físico muito
grande para o pai, mas ele prosseguia sem constrangimento, fazendo exatamente o que se
exigia dele. Eu disse a Piggle que era importante ter um pai quando ela tivesse medo de
ficar sozinha com Winnicott, e quisesse brincar com Winnicott um jogo semelhante àquele
de nascer, usando um homem como uma mãe (1987 [1977], p. 62).
Para Winnicott, era importante o modo como Gabrielle usava o pai e ele
mesmo na sessão, trocando papéis de acordo com a vontade dela, uma vez que,
com isso, ela comunicava suas ansiedades e conseguia ser compreendida por eles.
Por trás de tudo isso, Winnicott acreditava evidenciar–se “o sentimento de
segurança com relação ao pai e à mãe reais” (1987 [1977], p. 64). Ela sempre
buscava o pai e, transferencialmente, a mãe no pai, quando algo inesperado
acontecia na sessão, gerando ansiedade e desagradando–a. Um exemplo era
quando Winnicott antecipava o momento em que ela poderia lidar bem com os fatos
evidenciados em suas interpretações, como o que se segue: “Você estava com

14
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 15

medo de achar que você queria fazer bebês comendo os navios”. Gabrielle, então,
respondeu: “Posso dizer ‘Alô‘ para o papai?” Ela foi até o pai, voltou e disse: “Não
vou voltar mais” (1987 [1977], p. 71); e Gabrielle não quis mais voltar para a sessão.
Outro exemplo pôde ser visto na décima consulta, descrito assim por Winnicott:
Tocou meu joelho, mas saiu pulando e dizendo: ‘Eu tenho de ir até o papai. Eu vou voltar.
Eu quero trazer minha boneca’. Era uma boneca muito grande chamada Frances. Trouxe a
boneca para que eu a cumprimentasse. Ela estava acariciando o meu sapato. A ansiedade
tinha se manifestado paralelamente aos contatos afetuosos. Nesse sentido, a separação de
cada objeto uns dos outros, era uma defesa (1987 [1977], p. 116).
Winnicott tinha a compreensão do quanto era importante para Gabrielle
buscar a proteção do pai nesses momentos, busca que podia ter até mesmo a
função de que ela não necessitasse proteger–se com defesas mais primitivas.
Provavelmente, em razão da grande ansiedade, ela se teria defendido dessa
maneira se não tivesse podido contar com o colo do pai.
Apesar da ansiedade e das defesas contra esta, Winnicott tinha a confiança
de Gabrielle, que podia ser percebida não só em consulta, mas também nos pedidos
que fazia aos pais para vê–lo sempre que, em casa, as coisas ficavam muito difíceis
para ela. Podia ser percebida uma alternância de ego auxiliar. Quando a ansiedade
se originava na relação com os pais, Gabrielle buscava o Dr. Winnicott. Quando a
ansiedade se originava transferencialmente, ou não, na relação com Winnicott,
Gabrielle buscava os pais reais. Essas eram necessidades de Gabrielle, que
Winnicott se empenhava em atender.
O seu olhar para o fato da dependência do indivíduo em relação ao ambiente
– primordialmente no início da vida, mas, também, ao longo de vários momentos de
estresse no desenvolvimento do ser – justifica e corrobora diferenças substanciais
na maneira com a qual Winnicott conduzia a participação dos pais na análise da
criança, quando cotejado com outros psicanalistas. Se ele confiava nos pais, ou
seja, se acreditava no potencial desses para uma colaboração, mostrava–lhes os
desenhos do filho, comentava o que acontecia em sessão, buscando não só que os
pais tivessem uma compreensão mais real do que estava se passando com a
criança, mas também que pudessem ter um insight de como atender às
necessidades do filho de uma forma própria.
Winnicott, no caso de Gabrielle, não teve nenhuma objeção em compartilhar o
material das sessões com os pais. Isso pôde ser percebido em várias passagens

15
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 16

como na carta da mãe a Winnicott, após a décima segunda consulta. Ela escreveu:
“Desejava agradecer–lhe muito por ter–me enviado o texto datilografado da sua
última sessão com Gabrielle. Foi uma grande gentileza sua, e eu fico satisfeita em
saber que o senhor percebeu o quanto essa leitura me agradaria” (1987 [1977], p.
142).
Além das evidências de contato dos pais com o material produzido em
sessão, ficou claro como Winnicott usava os pais para manter contato com Gabrielle,
pois ele sabia da importância de manter–se “vivo” para ela. Em carta aos pais, após
a oitava consulta, ele escreveu:
Aflige–me não poder marcar uma hora para Gabrielle imediatamente. Este período é muito
difícil para mim. Seria possível a vocês dizerem a ela que pretendo vê–la, embora não
possa fazê–lo de imediato? Não hesitem em telefonar–me ou escrever–me se acharem que
eu me esqueci. Vocês podem transmitir o meu carinho à Gabrielle” (1987 [1977], pp. 99–
100).
Winnicott também mostrou com o caso de Gabrielle, como o ambiente
familiar, se potencialmente saudável, pode ser o próprio hospital mental da criança.
Ele sabia, no entanto, que, mesmo com um potencial saudável, situações externas,
fora da capacidade desse ambiente de controlar, poderiam ocorrer. Ao incluir entre
as consultas relatadas, uma consulta na qual o calor interferiu provocando sono e
letargia em si, fazendo–o necessitar de deixar a janela aberta com os ruídos
externos incomodando Gabrielle, Winnicott permitiu–nos compreender aqueles
pontos de sua teorização em que coloca o acaso como fator indissociável de um
desenvolvimento satisfatório de uma relação ambiente–indivíduo, ou do próprio
indivíduo. Em muitos momentos, por fatores alheios a qualquer contexto desejável,
as condições modificam–se sem que se possa fazer algo para evitar mudanças
indesejáveis. Daí, o cuidado, que Winnicott sempre teve, de evitar a culpabilização
dos pais acerca do fracasso de suas relações com o filho, sem, contudo, deixar de
apontar as responsabilidades inerentes aos seus papéis.

EXERCICIOS PROPOSTOS

1) Ao receber um novo caso Winnicott costumava:


a) Dispensar os pais e dar atenção apenas a criança.

16
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 17

b) Fazer rapidamente um diagnóstico para evitar que as sessões se prolongassem


de maneira desnecessária.
c) considerava importante avaliar a capacidade da família de tolerar e assumir a
criança que está doente e de suportar a doença da criança por um período de tempo
antes que a psicoterapia começasse a fazer efeito.
d) aplicar técnicas educativas para redirecionar a criança ao convívio social.
e) Todas as alternativas estão corretas.

2) Quando Gabrielle em uma das sessões disse ‘Eu também sou um bebê‘, e
desceu de cabeça por entre as pernas do pai até o chão, Winnicott pode inferir que:
a) a garota queria voltar a ser um bebê.
b) ela entendia já como havia sido seu parto.
c) Gabrielle tinha uma habilidade motora fantástica em comparação a outras
crianças de sua idade.
d) A menina estava simulando seu nascimento a partir do pai e não da mãe.
e) N.d.a

3) Apesar da ansiedade e das defesas contra esta, Winnicott tinha a confiança de


Gabrielle, que podia ser percebida.
a) nos pedidos que fazia aos pais para vê–lo sempre que, em casa, as coisas
ficavam muito difíceis para ela.
b) na busca pelos pais quando a ansiedade se iniciava.
c) na forma como se relacionava com o pai
d) na maneira como a menina brincava nas sessões com sua boneca
e) N.d.a

4) Winnicott também mostrou com o caso de Gabrielle:


a) que a criança não precisa da proteção dos pais
b) que o terapeuta sozinho é essencial para o desenvolvimento da criança.
c) como o ambiente familiar, se potencialmente saudável, pode ser o próprio hospital
mental da criança.
d) com um ambiente familiar potencialmente saudável, situações externas não
poderiam interferir e atrapalhar.
e) Todas as alternativas estão corretas.

17
Psicanálise e o desenvolvimento infantil 18

5) Considere as afirmações:
I. Winnicott tinha a compreensão do quanto era importante para Gabrielle
buscar a proteção do pai em alguns momentos.
II. Para Winnicott, era importante o modo como Gabrielle usava o pai e ele
mesmo na sessão, trocando papéis de acordo com a vontade dela.
III. Gabrielle sempre buscava o pai e, transferencialmente, a mãe no pai, quando
algo inesperado acontecia na sessão, gerando ansiedade e desagradando–a
São verdadeiras as afirmações:
a) I, II e III
b) I e II
c) II e III
d) I e III
e) Apenas III

6.2 VIRGINIA M. AXLINE E O GAROTO DIBS

Virginia Axline foi uma psicóloga pioneira no uso da ludoterapia como prática
de intervenção. Na década de 40, desenvolveu a prática de ludoterapia não diretiva,
baseada nos princípios da obra de Carl Rogers, cuja abordagem centrada na
pessoa (ACP) era recente. A autora refletia acerca da prática clinica, e da postura
do profissional diante do cuidado ao humano.
Em 1964, Virginia publicou “Dibs em busca de si mesmo” esta obra foi
determinante para a prática atual da ludoterapia, pois é amplamente baseada no
trabalho da psicóloga. O livro narra a história de um garoto de cinco anos que não
falava, não brincava, não comportava-se de forma alguma com aquilo que era
esperado socialmente.
A suspeita era de que o menino sofria de algum retardo mental. Contudo a
Ludoterapia revelou um Dibs extremamente inteligente e perspicaz, e que a cada
etapa do tratamento avançava e descobria-se como pessoa.
Um dado importante revelado durante a narrativa é a relação afetiva do garoto
com os pais, marcada pela rejeição por parte dos genitores. À medida que isto
também é trabalhado Dibs vai se mostrando um menino autônomo e confiante.
Observa-se em uma conversa da mãe de Dibs com a terapeuta:

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 19

"Não tínhamos planejado ter uma criança. Ele desmoronou todos os nossos
sonhos", "mas que bebê estranho era ele quando nasceu, tão grande, tão feio, tão
grande e sem forma, como um pedaço de qualquer coisa" (p. 111) e "meu marido
sentiu-se ofendido com a minha gestação. Sempre achou que deveria tê-la
evitado."(p.112).

Os mecanismos de defesa eram o calar-se e esconder-se em interior, fugindo


para seu mundo, distanciando-se de todos aqueles que poderiam feri-lo da mesma
forma, e por este motivo era rotulado pelos pais e professores como "retardado
mental", "autista", ou portador de alguma anormalidade mental. Nas palavras da
autora:

"Nunca olhava diretamente para os olhos de uma pessoa, jamais respondia


quando alguém lhe falava", "Recusava até ficar com as costas contra a parede e
colocava as mãos para cima prontas para arranhar, prontas para lutar se alguém
tentasse aproximar-se (...) parecia decidido a manter-se isolado das pessoas"
(p.19).

Para Carl Rogers, as influências exteriores são determinantes para o


desenvolvimento da personalidade do sujeito, principalmente as relações
interpessoais que contribuem diretamente para o desenvolvimento do individuo.
A rejeição por parte dos pais de Dibs, a falta de afeto nas relações naturais
prejudicaram o desenvolvimento "natural" da personalidade da criança, tornando-o
cativo em si mesmo, e esta parecia ser uma conclusão muito obvia, no entanto em
determinadas ocasiões ele demonstrava comportamentos que iam contra essas
certezas, como afirma sua professora em uma conversa com a terapeuta: "Nunca
deixava de aceitar um livro. Olhava atentamente as páginas escritas 'como se
pudesse ler', suas atitudes eram tão paradoxais! (p. 20).
Sobre isso a teoria rogeriana afirma que mesmo em condições adversas,
mesmo sobre os condicionantes mais severos, o humano pode ser agente criativo
na realidade que o rodeia, ou seja, este humano é dotado de uma tendência natural
para o crescimento (HIPÓLITO, 1991 apud Santos 2004).

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 20

Dibs era uma criança excepcional, afinal era possível, através de uma
observação perspicaz, perceber o quão inteligente era o menino. A terapeuta
notando as potencialidades resolve contribuir com o progresso de Dibs.
Nas palavras dela:

"Dentro de mim, trazia, da reunião, um sentimento de respeito e de ansiedade de


encontrar Dibs. Havia sido contagiada por uma impaciência confiante e por uma
satisfação de procurar ajudá-lo em sua busca (...) destrancaríamos as portas de
nossas respostas até aqui inadequadas aos seus problemas." (p. 27)

Para ela as sessões de ludoterapia seriam o meio para fornecer ao garoto as


ferramentas necessárias para ir adiante. "Este recinto poderia proporcionar a cada
pequeno uma zona segura onde pudesse extravasar seus sentimentos sem receios,
e, assim aceitando-os, entendendo-os, desabrochar a original unicidade de seu ser"
(p. 37).
A terapeuta constrói a partir dai uma relação autêntica com Dibs, fornecendo
a ele um ambiente acolhedor e onde se sentisse benquisto verdadeiramente. Um
espaço onde ele pudesse entrar em contato consigo mesmo, e buscar, de forma
autônoma, o que lhe faltava para o seu amadurecimento e crescimento pessoal.

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 21

É valido salientar neste contexto, a forma peculiar como a terapeuta


conduz o processo terapêutico: "Não o estimulei a qualquer atividade. Se que o
deseja era sentar-se ali em silêncio, assim o faria. Deveria haver algumas razões
para agir desse modo" (p.39) e "Desejava que fosse ele quem abrisse os
caminhos. Deveria segui-lo, respeitá-lo e entendê-lo. Desejava fazê-lo sentir que
a ele caberiam as iniciativas a serem assumidas naquele recinto" (p.57).
É evidente nestes fragmentos a utilização pela terapeuta de um dos
principais pressupostos da teoria rogeriana, a compreensão empática, que se
configura como "um processo dinâmico que consiste na capacidade de penetrar
no universo do outro, sendo sensível a mobilidade e significação de suas
vivencias" (HIPÓLITO, p.59, 1991, apud SANTOS, 2004), ou seja, através desta,
é possível compreender os sentimentos do cliente, acatando o seu próprio tempo,
e mantendo abertura frente ás possibilidades que lhe possam surgir.(GUEDES,
2010)

Sabe-se que a participação da família no processo terapêutico é primordial, a


abertura da mãe ao narrar seus sentimentos a respeito de Dibs para a terapeuta,
possibilitou que esta pudesse direcionar o trabalho com a criança.
Importante também foi a postura da analista diante da sinceridade de
sentimentos da mãe, o seu olhar positivo incondicional sem julgamentos foi um
passo importante para o processo terapêutico, afinal a mãe não teria porque negar-
lhe confiança e assim as falas seria honestas a maior parte do tempo.

"Se ela decidisse abrir-se para o encontro, não a apressaria e nem tentaria
arrancar-lhe qualquer pedaço que pela sua livre vontade não oferecesse. Não
arrombaria as suas portas, mas confiaria no seu desejo de abrir o seu mundo em
um encontro com outra pessoa" (p.107), e "Quem pode amar, respeitar e
compreender uma outra pessoa senão quem vivenciou em si mesmo tais
sentimentos? (...) nada poderia ser-lhe mais útil neste entrevista, que possibilitar-
lhe sentir-se respeitada, entendida e aceita" (p.121).

Pode-se entender que a atitude de Axline no caso de Dibs foi decisiva para o
seu crescimento pessoal. Foi um trabalho intenso, mas principalmente de respeito
para com o outro (GUEDES, 2010), observa-se em: "Dibs subia a metafórica estrada

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do autoconhecimento (...). Deveria eu proceder com toda a precaução para que não
o impedisse de qualquer maneira na sua caminhada, mas também não o puxasse
antes que estivesse pronto para galgar o próximo degrau." (p.198)

É valido salientar que em todo o processo terapêutico de Dibs, foi


enfatizada pela terapeuta a autonomia deste no referido processo, e o espaço
favorável para que ele pudesse se desenvolver, ou seja, o poder contratual
presente na relação terapeuta-cliente superou os ditames do suposto saber,
observa-se isso nas falas sempre presentes da terapeuta no decorrer do
processo: “Como você disse que queria; Como eu falei que desejava; como nós
conversarmos que queríamos".
Desse modo, evidencia-se que, conforme postula a teoria rogeriana, a
terapia é sempre centrada na pessoa, em sua total autonomia no processo de
busca por si mesmo. De modo geral, em nossa opinião, o ápice do relato de
Virginia M. Axline acerca de Dibs é quando este conclui: "Eu posso fazer coisas!
(...) qualquer coisa que deseje fazer." (p.209).
Observa-se neste fragmento toda a mudança pela qual Dibs passou, toda a
transformação que sofreu, aquele que outrora era alguém trancado em seu
mundo, passou a ser um garoto confiante, confiante em si e aberto para as
possibilidades que o mundo tinha para lhe oferecer.
Apesar de todas as dificuldades e descrenças, Dibs foi percebido pela
terapeuta em questão como um ser de possibilidades, ele foi respeitado em sua
singularidade e isso proporcionou o seu crescimento (GUEDES, 2010)

Segue resenha do livro “Dibs uma busca de si mesmo”, escrita por Dayvison Hebert:

Este livro escrito por Virginia M. Axline retrata a história de uma criança em
busca de si mesma. A criança chama-se Dibs filho de um renomado cientista e de
uma cirurgiã, irmão de Dorothy. Logo no começo do livro vemos a diferença entre ele
e os demais alunos. Na hora de ir ao almoço na escola todas as crianças faziam o
barulho habitual e corriam de um lado ao outro, mas Dibs se encontrava quieto, no
canto da sala, cabeça baixa e braços dobrados.
A psicóloga da escola tentou se aproximar da criança, mas não houve
sucesso e o mesmo aconteceu com a pediatra, nele havia uma repulsa pelo jaleco

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 23

branco onde o mesmo ficava com mãos em garra a ponto de se defender. E assim
crescia a duvida se seria retardo mental, psicopatia ou até mesmo lesão cerebral. A
equipe de professores começou a ficar preocupada com o caso do garoto e decidiu
tomar algumas atitudes quando os pais dos outros alunos começaram a reclamar do
comportamento estranho de Dibs e sobretudo depois que ele arranhou uma criança.
Nesse momento convidam a psicóloga Virginia para participar de uma reunião
em que explanariam o caso de Dibs. Nessa reunião a professora diz que a mãe do
garoto é complicada, que ela prefere acreditar que o filho é um retardado mental do
que emocionalmente perturbado e que talvez a própria mãe seja a responsável.
Virginia decide fazer ludoterapia com seu mais novo paciente caso os pais
concordassem.
Na manhã seguinte a psicóloga chega à escola primeiro que as crianças na
busca de obter mais informações acerca de Dibs na tentativa de ajudá-lo a se auto
decifrar. A professora Miss Jane diz que nunca se sabe sobre o estado de ânimo
dele, jamais alguém da escola o viu sorrindo ou com ares de felicidade. Virginia ficou
ali observando as crianças chegando à escola, todas parecendo felizes, retirando
seus chapéus e pendurando-os nos cabides.
Logo em seguida Dibs chegou com sua mãe que o conduziu pra sala de aula.
A professora perguntou se ele gostaria de retirar o casaco, mas nada respondeu. A
criança estava pálida e a professora como de costume tira o sobretudo e o chapéu
de Dibs. O garoto é chamado por outro colega, mas se não fosse pela rapidez do
colega em se desviar levaria uma arranhão de Dibs.
Os pais aceitam a ludoterapia e Dibs começa a chamar de D.A. a terapeuta
Virginia. As terapias foram feitas no Centro de Orientação Infantil onde Virginia
trabalhava. Os brinquedos iriam fazer a criança sentir suas próprias emoções
buscando encarar o medo a fim de diminuir o sofrimento e dor.
No inicio, o analisando ficava quieto, mas depois foi se abrindo a terapia. As
portas não poderiam ficar fechadas no começo e DIBS demonstrou que não gostava
de seus pais e da irmã Dorothy. A forma como DIBS falava pra sua idade era
impressionante, uma linguagem cheia de força. A cada sessão era notável um
melhoramento e o primeiro sinal disso foi quando ele passou a tirar seu casaco e
sapato. Começou a nascer uma resignificação onde o ódio, medo, raiva começaram
a ser substituídos pelo sentimento de confiança e alegria.

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Psicanálise e o desenvolvimento infantil 24

A criança passou há ficar menos tempo em seu quarto e foi sendo mais aceito
em casa, passou a conversar mais com seus pais e já comia na mesa com a família.
E para alegria dos professores, Dibs passou a se interessar por atividade em grupo
e a fazer amizades, ao passo que foi percebido que a criança não tinha nenhum
retardo mental pelo contrário era dono de uma inteligência incrível que se manteve
guardada por tanto tempo, mas que agora estava sendo exteriorizada e trabalhada.
Graças a D.A Dibs conseguiu se autoconhecer e demonstrar seus
sentimentos, pois antes ficavam escondidos, guardados dentro de si causando
momentos de crise raivosa. Dibs foi rejeitado desde o ventre de sua mãe a grande
cirurgiã que assim que ficou grávida achou que tudo em sua vida tinha acabado e
que sua carreia profissional estaria arruinada. E quando nasceu esse peso em suas
costas aumentou ainda mais, pois a culpa da mãe não trabalhar e do casamento não
estar tão satisfatório como antes estava sobre Dibs. Partindo disso nas sessões de
ludoterapia Dibs descobriu que existe o perdão. A criança fez uso dessa ferramenta
perdoando seus pais e sua irmã, podendo se abrir ao seu autoconhecimento,
resignificação e crescimento.

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

1) Em 1964, Virginia publicou “Dibs em busca de si mesmo” esta


obra foi determinante para a prática atual da ludoterapia, pois é amplamente
baseada no trabalho da psicóloga.
a) O livro narra a história de um garoto de cinco anos que não falava, não brincava,
não comportava-se de forma alguma com aquilo que era esperado socialmente.
b) O livro narra a história de uma garota de cinco anos que não falava, não brincava,
não comportava-se de forma alguma com aquilo que era esperado socialmente.
c) O livro narra a história de um garoto de cinco anos que falava, mas não brincava,
não comportava-se de forma alguma com aquilo que era esperado socialmente.
d) O livro narra a história de um garoto de dois anos que não falava, não brincava
apropriadamente para a idade, apesar de se comportar muito bem na escola.
e) O livro narra a história de um garoto de cinco anos que falava, brincava, e
comportava-se da forma como se era esperado socialmente.

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2) Podemos notar no trabalho de Axline a influência de:


a) Melanie Klein
b) Anna Freud
c) Donald Winnicott
d) Carl Roger
e) Lacan

3) Durante a terapia um dado relevante para Virginia foi o fato:


a) de ter diagnosticado um leve retardo mental no garoto.
b) de a relação afetiva do garoto com os pais, ser marcada pela rejeição por parte
dos genitores.
c) de o menino ser rejeitado pelos colegas de escola.
d) de os professores não compreenderem o menino.
e) N.d.a

4) Uma postura ressaltada da terapeuta diante da família foi


a) Ter afastado o menino dos pais durante as brincadeiras, para dar-lhe liberdade.
b) a postura da analista diante da sinceridade de sentimentos da mãe, o seu olhar
positivo incondicional sem julgamentos foi um passo importante para o processo
terapêutico.
c) postura da analista diante da sinceridade de sentimentos da mãe, o seu olhar de
julgamentos e apontamentos para que houvesse mudança de atitude da mãe.
d) postura da analista diante da desonestidade de sentimentos da mãe, o seu olhar
positivo incondicional sem julgamentos foi um passo importante para o processo
terapêutico.
e) N.d.a

5) Considere as afirmações:
I. A atitude de Axline no caso de Dibs foi decisiva para o seu crescimento
pessoal. Foi um trabalho intenso, mas principalmente de respeito para com o
outro.
II. A participação da família no processo terapêutico é primordial
III. A Ludoterapia revelou um Dibs extremamente inteligente e perspicaz, e que a
cada etapa do tratamento avançava e descobria-se como pessoa.

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São verdadeiras as afirmações:


a) I e II
b) II e III
c) I e III
d) I, II e III
e) N.d.a

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