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A natureza da atenção e da consciência

Atenção
Observar os sinais no curto e no longo prazos
Detecção de sinais: identificar estímulos importantes no grupo
Vigilância: esperar para detectar um sinal
Busca: procurando ativamente
Teoria da integração de características
Teoria da semelhança
Neurociência: envelhecimento e busca visual
Atenção seletiva
O que é atenção seletiva?
Teorias da atenção seletiva
Neurociência e atenção seletiva
Atenção dividida
Investigação laboratorial da atenção dividida
Teorias da atenção dividida
Atenção dividida na vida diária
Fatores que influenciam na nossa habilidade de prestar atenção
Neurociência e atenção: um modelo de rede
Quando a nossa atenção falha
Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
Cegueira de mudança e cegueira inatencional
Negligência espacial - metade do mundo equivocado
Processos automáticos e controlados na atenção
Processos automáticos e controlados
Como a automatização ocorre?
Automatização na vida diária
Erros que cometemos nos processos automáticos
Consciência
Consciência dos processos mentais
Processamento pré-consciente
Estudo do pré-consciente - primação
Aquela palavra novamente? O fenômeno da ponta da língua
Quando as pessoas com deficiência visual podem enxergar
Temas-chave
Resumo
Pensando sobre o pensamento: questões analíticas, criativas e práticas
Termos-chave

111
' - ' - • ÍV~

1. É p o ssív e l processar ativamente a informaçãomesmo que não


estejamos cientes dessa ação? Em casó afirmativo, o que é processado
e como isso é feito?
2. Quais são algumas dás funções da atenção?
3. Quais são algumas das teorias aue os psicólogos c o g n i t i v o s _
desenvolveram para explicar os processos da atenção?
4. O que os psicólogos cognitivos aprenderam a respeito da atenção por
meio do estudo do cérebro humano.1" r

IB r AC RE DI T E OU NÄ0 As me,hores decisões sã0 tomadas quando

Então você tem uma decisão importante a ser lhes era dada a chance de pensar conscientemente
tomada? Geralmente, as pessoas são ensinadas sobre as escolhas.
a ponderar com cuidado as decisões mais As escolhas conscientes podem falhar por
complexas. No entanto, algumas vezes, as não termos capacidade mental ilimitada. Em
decisões tomadas inconscientemente podem ser algum ponto, temos de diminuir a quantidade
melhores do que as ponderadas. de informações consideradas. Além disso,
Ap Dijksterhuis et al. (2006) conduziram quando pensamos conscientemente sobre
experimentos nos quais os participantes tiveram alternativas, damos mais importância a atributos
de escolher o melhor entre quatro carros e outros menos relevantes, que podem levar a escolhas
objetos, como pasta de dente. A complexidade inadequadas. Então, da próxima vez que precisar
das decisões depende da quantidade de tomar uma decisão complexa, talvez seja melhor
atributos importantes que descrevem o objeto. Os sentar-se, relaxar e deixar que a decisão se
participantes se saíram melhor ao tomar decisões manifeste. Neste capítulo, trataremos da atenção
simples, como optar pela pasta de dente (que tem e da consciência e de como os psicólogos
dois atributos como base), em que as escolhas cognitivos as abordam (consultar também a
eram ponderadas. No entanto, ao escolher o descrição do trabalho de Gerd Gigerenzer sobre
melhor dos quatro carros (descritos com 12 heurística rápida e frugal no Capítulo 12).
atributos cada), eles se saíam melhor quando não

Vamos examinar o que significa prestar atenção em uma situação cotidiana. Ima­
gine dirigir em horário de pico perto de um estádio esportivo quando um evento está
prestes a começar. As ruas ficam tomadas de carros, alguns deles buzinam. Em algu­
mas interseções, a polícia está orientando o tráfego, mas não em sincronia com os se­
máforos. Essa assincronia - o semáforo apresenta um sinal e o policial outro - divide a
sua atenção. Além disso, milhares de pessoas estão atravessando as ruas para participar
do evento. Você precisa prestar muita atenção no semáforo, assim como no policial,
nos carros que passam e nos pedestres que podem atravessar a rua inesperadamente.
O que nos permite prestar atenção em tantos movimentos diferentes? O que permite
desviarmos a atenção se um pedestre atravessar a rua subitamente? E por que, às vezes,
a nossa atenção falha, ocasionalmente com consequências drásticas, como um aciden­
te de carro? Este capítulo explora nossa capacidade maravilhosa de prestar atenção, de
dividi-la e selecion^.^s estímulos nos quais prestamos atenção minuciosa.

112
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 113

A natureza da atenção
e da consciência
[Atenção] é a posse da mente, deforma clara e viva, do que parece ser
diversos objetos simultaneamente possíveis ou diversas linhas de pensa-
mento... Implica afastar-se de algumas situações para lidar efetivamente
com outras.

—William James, Principies ofPsychology

Atenção é o meio pelo qual selecionamos e processamos uma quantidade limitada de


~ informação de todas as informações capturadas por nossos sentidos, nossas memórias
* armazenadas e outros processos cognitivos (De Weerd, 2003a; Rao, 2003). A atenção
induios processos consciente e inconsciente (Nobre e Kastner, 2014). Em muitos casos,
o s jttocessos conscientes são relativamente fáceis para os pesquisadores estudarem. Já os
processos inconscientes são mais difíceis, simplesmente porque não estamos conscientes
(Jacoby, Lindsay e Toth, 1992; Merikle, 2000). Por exemplo, uma pessoa sempre tem uma
riqpza de informações disponíveis mesmo que não esteja consciente até recuperar tais
; infórmações da memória ou desviar a atenção para elas. Essa pessoa pode se lembrar
de onde dormia quando tinha 10 anos ou de onde tomava café da manhã quando tinha
12 anos. As informações sensoriais extensas também estão disponíveis a qualquer mo-
mçnto, mesmo que não prestemos atenção. No fim das contas, caso a pessoa prestasse
atenção em cada detalhe do ambiente, logo se sentiria sobrecarregada (Figura 4.1). É
possível ter poucas informações confiáveis sobre o que acontece quando dormimos. As-
sifef¥ difícil estudar os processos que, de alguma forma, estão ocultos em algum lugar
4q inconsciente e dos quais não estamos cientes.
Jf-r atenção permite utilizar os recursos mentais limitados (Goleman, 2013). É possí­
vel focar mais em um estímulo que nos interessa e menos nos estímulos externos (sen­
sações) e internos (pensamentos e memórias) que não são de nosso interesse. Esse foco
acentuado aumenta a probabilidade de resposta rápida e precisa aos estímulos interes­
santes. A atenção acentuada também abre caminho para os processos da memória. É
mais provável que o indivíduo se recorde de informações nas quais tenha prestado aten­
ção do que nas informações ignoradas.
Em um dado momento, os psicólogos acreditavam que atenção e consciência fos­
sem a mesma coisa. Hoje eles reconhecem que prestamos atenção em algumas informa­
ções sensoriais e memórias sem nossa consciência (Bahrami et al., 2008; Shear, 1997).

Dirigindo um carro • Está frio dentro do c a rrè '* Você percebe uma criança Você freia
Você pensa na nova tarefa atravessando a rua na
da escola sua frente
Você vê a rua

■ Figura 4.1 Como a atenção trabalha? Em qualquer ponto no tempo, percebemos muitas informações sensoriais.
Pelos processos de atenção (que podem ser automáticos ou controlados), filtramos as informações relevantes e nas
quais queremos prestar atenção. Esse filtro nos conduz a tomar atitudes com base nas informações tratadas.
114 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Consciência inclui a sensação de consciência e o conteúdo da consciência, que po­


dem estar no foco da atenção (Bourguignon, 2000; Farthing, 1992, 2000; Taylor, 2002).
Assim, atenção e consciência formam dois conjuntos parcialmente sobrepostos (Srini-
vasan, 2008; DiGirolamo e Griffin, 2003). Por exemplo, escrever o próprio nome exige
um pouco de consciência. É possível escrever enquanto estamos ocupados com outras
atividades. Em contrapartida, escrever um nome que nunca vimos requer atenção à se­
quência das letras.
A atenção consciente desempenha um papel causal na cognição, além de servir a
três propósitos. Em primeiro lugar, ajuda a monitorar as interações do indivíduo com
o ambiente. Mantemos nossa consciência se nos adaptamos bem à situação. Em segun­
do lugar, ajuda as pessoas a estabelecer uma relação entre o passado (lembranças) e o
presente (sensações) para dar-lhes sentido de continuidade da experiência. Essa conti­
nuidade pode até servir de base para a identidade pessoal. Em terceiro lugar, ajuda os
indivíduos a controlar e planejar as ações futuras com base nas informações de monito­
ramento e das ligações entre a memória passada e as sensações presentes (Posner, 2011).
Neste capítulo, exploraremos diferentes tipos de atenção, como vigilância, busca,
atenção seletiva e atenção dividida. Depois, consideraremos o que acontece quando a
atenção não funciona adequadamente e quais estratégias são utilizadas para evitar a so­
brecarga em um mundo cheio de estímulos sensoriais. Então, abordaremos a natureza
dos processos automáticos, os quais nos ajudam a utilizar melhor os recursos da atenção.
E por último, mas não menos importante, consideraremos o tópico da consciência com
mais detalhes.

Nesta seção, exploraremos as quatro funções principais da atenção - detecção de sinal


e vigilância, busca, atenção seletiva e atenção dividida assim como as teorias que as
explicam (ver Tabela 4.1). Além disso, consideraremos vários estudos neurocientíficos e
modelos explicativos. Por último, daremos atenção às situações e às condições relacio­
nadas a quando nossa atenção falha.

Tabelâ 4.1 Quatro funções principais da atenção


Função Descrição Exemplos

Detecção de sinal Tentamos detectar o surgimento Em um submarino de pesquisa, prestamos atenção em sons
e vigilância de estímulos. intermitentes incomuns;
em uma rua escura, tentamos detectar sinais óu sons
indesejados;
após um terremoto, devemos ter cautela em relação a cheiro
de gás ou de fumaça.

Busca Fazemos buscas ativas por Ao detectar fumaça (como resultado da vigilância), fazemos
determinados estímulos. uma busca ativa pela origem da fumaça.
Procuramos por chaves, óculos de sol e outros itens dos
quais damos falta.

Atenção seletiva Escolhemos atentar para alguns Prestamos atenção na leitura de um livro didático ou
estímulos e ignorar outros. Focar em uma aula enquanto ignoramos estímulos como rádio
a atenção nos ajuda a executar próximo ou pessoas que chegam atrasadas à aula.
outros processos cognitivos, como
a compreensão verbal ou a sátâÇão
de problema.

Atenção dividida Conseguimos realizar mais de Em muitas situações, motoristas experientes conversam
uma tarefa ao mesmo tempo enquanto dirigem, mas se outro veículo vier em direção ao
e redirecionamos os recursos carro, eles imediatamente redireçionam toda a atenção para
atentívos, distribuindo-os segundo a condução de seu veículo (e paráni de conversar).
-za-i — n^as necessidades.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 115

Observar os sinais no curto e no longo prazos


y * *á oassou um dia quente em uma praia lotada? As pessoas deitam lado a lado na
I * alinhadas como sardinha em lata. Embora uma viagem para a praia traga algum
^ . ,pr nã0 significa que teremos alívio da praia lotada - uma multidão na água com
uco espaço para se mover, a menos que você vá mais para o fundo do mar. Os sal­
i v a vidas devem monitorar as pessoas que estão na água para detectar qualquer coisa
7
m ie pareça incomum e agir rapidamente em caso de emergência. No curto prazo, eles
Ht&n de identificar um estímulo crucial entre o conjunto de estímulos na praia (detecção
sinal), por exemplo, para ter certeza de que ninguém está se afogando; no entanto,
í n o longo prazo, precisam prestar atenção por muito tempo (vigilância) para garantir
que nada está errado durante o período de trabalho. Quais fatores contribuem para a
£habilidade de detectar eventos que possam parecer emergências? Como as pessoas exa­
minam as praias e as costas para identificar estímulos importantes? Compreender essa
^fiinção da atenção tem importância prática imediata. As ocupações que exigem vigilân-
^ c i a incluem aquelas que envolvem comunicação, sistemas de advertência e controle de
- qualidade, assim como o trabalho dos detetives policiais e médicos. Elas também exigem
atenção contínua (Nobre e Koull, 2010). Além disso, os pesquisadores na área da psico­
logia devem buscar entre um conjunto de itens variados os mais importantes. Em cada
Stim desses ambientes, as pessoas devem permanecer alertas para detectar a aparência de
^um estímulo. Mas em cada ambiente existem distrações, assim como longos períodos
vdurante os quais o estímulo está ausente. Nas seções seguintes, exploraremos como as
pessoas detectam os estímulos-alvo entre inúmeros estímulos (ou seja, como detectam
sinais). Uma vez que compreendemos como as pessoas discriminam os sinais-alvo das
distrações, voltaremos para a mánutenção da atenção por um período longo (vigilância)
para detectar estímulos importantes.

Detecção de sinais: identificar estímulos


importantes no grupo
^ A teoria da detecção de sinal (TDS) explica como as pessoas captam estímulos impor­
tantes incorporados a um conjunto de estímulos irrelevantes ou que distraem. A TDS é
$ geralmente usada para medir a sensibilidade à presença de um alvo. Quando tentamos
I detectar um estímulo-alvo (sinal), temos quatro resultados possíveis (Tabela 4.2). Va­
mos permanecer com o exemplo do salva-vidas. Em primeiro lugar, nos acertos (tam-
"*bém chamados de “verdadeiros positivos”), é identificada corretamente a presença de
um alvo (ou seja, alguém se afogando). Segundo, nos alarmes falsos (também chamados
de “falsos positivos”), o profissional identifica incorretamente a presença de um alvo que
está, de fato, ausente (ou seja, o salva-vidas pensa que alguém está se afogando quando,
na verdade, não está). Terceiro, m s falhas (também chamadas de “falsos negativos”), o
salva-vidas falha em observar a presença de um alvo (ou seja, ele não vê a pessoa se afo­
gando). Quarto, nas rejeições corretas (também chamadas de “verdadeiros negativos”), o
salva-vidas identifica a ausência de um alvo (ou seja, ninguéfh está se afogando e ele sabe
que ninguém está com problemas).
Getty Images/Steven L. Raymer/Contributor

Detecção de sinal, vigilância e busca na vida diária (a) Detecção de sinais. Os médicos aprendem técnicas que
lhes permitem ler os raios X para maximizar “acertos” e “rejeições corretas”, minimizar “alarmes falsos” e “falhas”, (b)
Vigilância. Para os controladores de tráfego aéreo, a vigilância é uma questão de vida e morte, (c) Busca. Cães policiais
treinados buscam ativamente pelo alvo, como bombas ou drogas.
116 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Matriz de detecção de sinais utilizada na teoria da detecção de sinal

A teoria da detecção de sinal foi uma dás primeiras teorias a sugerir a interação entre a sensação física de um estímulo e
os processos cognitivos, como a tomada de decisões. Pense no trabalho dos seguranças de aeroporto. Eles precisam ser
capazes de perceber objetos, como um estilete em uma bagagem de mão.

Sinal Detectar um sinal Não detectar um sinal

Presente Acerto: o segurança reconhece o estilete na Falha: o segurança não reconhece o estilete na
bagagem. bagagem.
ÀV• )■ « T &
Ausente Alarme falso: o segurança acha que há um estilete Rejeição correta: o segurança reconhece que não há
na bagagem quando, na verdade, não há. estilete na bagagem, e de fato não há.

Normalmente, a presença de um alvo é difícil de detectar. Dessa forma, fazemos


julgamentos de detecção com base nas informações inconclusivas com alguns critérios
para a detecção de alvos. A quantidade de acertos é influenciada por onde colocamos os
critérios para considerar algo como tal. Em outras palavras, até onde a pessoa está dis­
posta a dar alarme falso? Por exemplo, no caso do salva-vidas, as consequências de uma
falha são tão graves que ele reduz os critérios para considerar algo como acerto. Dessa
maneira, o profissional aumenta o número de alarmes falsos para impulsionar os acertos
(detecções corretas).
Muitas vezes, essa compensação aparece também nos diagnósticos médicos. Por
exemplo, pode ocorrer no caso de testes de rastreio altamente sensíveis em que os resul­
tados positivos levam a outros testes. Assim, a sensibilidade para os alvos deve refletir
um critério flexível para declarar a detecção de um sinal. Se os critérios para detecção
forem muito exigentes, o médico não identificará a doença (falha). Se os critérios forem
pouco exigentes, o médico detectará uma doença que não existe (alarme falso). A sensi­
bilidade é medida em termos de acertos menos os alarmes falsos.
A TDS pode ser discutida no contexto da atenção, da percepção e da memória:
• atenção - prestar atenção suficiente para perceber os objetos
• percepção - perceber os sinais fracos que podem ou não ir além da gama de
percepção (como tom agudo)
• memória - indicar se a pessoa foi exposta ao estímulo antes, como se a palavra
champagne aparecesse em uma lista que era para ser memorizada

Em 11 de setembro de 2001, quando os terroristas colidiram dois aviões contra âs


Torres Gêmeas de Nova York, os seqüestradores passaram pela vistoria nos aeroportos
no momento em que estavam para embarcar. Muitos deles foram separados porque o
detector de metal disparou. Após serem revistados novamente, foi permitida a entrada
deles no avião, mesmo portando estiletes. O resultado do que constituiu uma “falha”
para os seguranças foi desastroso. Efh decorrência desse fiasco, as regras para revista tor­
naram-se consideravelmente mais rígidas. No entanto, as novas regras provocaram mui­
tos alarmes falsos. Bebês, avós e outros passageiros, normalmente considerados de baixo
risco, começaram a ser revistados duas e até três vezes antes de embarcar. As regras fo­
ram modificadas para selecionar passageiros pelo computador. Por exemplo, pessoas com
passagem só de ida e que mudam seus planos de última hora estão mais sujeitas à revista
extra. Tal procedimento, por sua vez, tem causado muitos inconvenientes para aqueles que
mudam seus planos de viagem frequentemente, como os que viajam a negócios. O sistema
para revista de passageiros tem evoluído para minimizar falhas e alarmes falsos.

Vigilância: esperar para detectar um sinal


Quando você tem de prestar atenção para detectar os estímulos que podem ocorrer a
qualquer momento em um período, é necessário estar vigilante.

O que é vigilância? Vigilância refere-se à habilidade de uma pessoa de tratar de um


campo de estímulo por um longo período, em que uma pessoa busca detectar a aparência
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 117

^tímulo-alvo particular. Um indivíduo que espera atentamente para detectar um


Àde estímulo que possa aparecer em um momento desconhecido está em vigilância,
almente, a vigilância é necessária em ambientes em que um dado estímulo ocorre
ente, mas que requer atenção imediata assim que ocorre. Oficiais militares em
ncia para um ataque surpresa realizam uma tarefa de vigilância de alto risco,
um estudo anterior, os participantes vigiavam um mostrador que se parecia com
t çelógio (M ackworth, 1948). O ponteiro do relógio se movia continuamente, exceto
►às vezes, dava um passo duplo, que tinha de ser detectado pelos participantes. O de-
ho dos sujeitos começou a enfraquecer substancialmente após meia hora de ob-
►(ver MacLean et al., 2009, para um estudo mais recente). Para relacionar esses
^ id ia d o s à TDS ao longo do tempo, parece que os participantes ficam menos dispostos a
«Apontar alarmes falsos. Eles erraram por não relatarem a presença de estímulo de sinal
: ^ p ianj 0 não tinham certeza se haviam detectado, mostrando taxas mais altas de falhas.
^ ■'0 treinamento pode ajudar a aumentar a vigilância, mas não neutraliza a fadiga, assim
í^im ápausa ajuda muito (Fisk e Schneider, 1981).
gjn tarefas de vigilância, as expectativas com relação ao local do estímulo afetam
l^nuito a eficiência de resposta (LaBerge, Carter e Brown, 1992; Motter, 1999). Um sal-
_ya-vidas ou controlador aéreo ocupado pode responder rapidamente a um sinal em um
jaio estreito de onde se espera que um sinal apareça. Mas os sinais que aparecem fora
SÉkssa faixa concentrada de vigilância podem não ser detectados de forma tão rápida ou
ASpreása. De qualquer forma, o desencadeamento abrupto de um estímulo (por exem-
% plo, o surgimento inesperado de um estímulo) capta a atenção do indivíduo (Yantis,
1993). Ao que parece, as pessoas estão predispostas a perceber o aparecimento súbito
de estímulos no campo visual. Pode-se especular sobre a vantagem adaptativa que essa
característica da atenção ofereceu aos nossos antepassados caçadores-coletores. Presu-
^jnivelmente, eles precisavam evitar predadores e tinham de capturar presas.
* Quando assistimos a uma palestra longa, tentamos nos manter vigilantes o maior
^tem po possível. Ao caminharmos em um parque ou em uma parte da cidade escura e
^ deserta, provavelmente ficamos vigilantes com relação a qualquer ruído que indique a
presença de outra pessoa por perto. A vigilância é extremamente importante durante a
revista nos aeroportos para detectar malas abandonadas ou itens suspeitos que possam
apresentar algum risco à segurança. Os médicos que interpretam imagens por resso­
nância magnética (IRM) ou raios X também precisam estar atentos a qualquer anor­
malidade nos resultados, mesmo sendo pequena. No século XXI, os custos do fracasso
relacionados à vigilância representam muitas perdas de vida e de patrimônio.

Neurociência e vigilância A amígdala e o tálamo estão envolvidos na vigilância. A


amígdala desempenha papel essencial no reconhecimento de estímulos emocionais (por
exemplo, quando alguém é confrontado com um estímulo ameaçador; Phelps, 2004,
2006; van Marle et al., 2009). Um eletroencefalograma (EEG) apresenta menos atividade
de baixa frequência e mais potenciais relacionados a evento (ERP) quanto mais vigilante
a pessoa estiver (Llinas e Steriade, 2006; Oken, Salinsky e El$as, 2006).

Busca: procurando ativamente


Você já foi buscar parentes ou amigos em um aeroporto lotado e tentou localizá-los entre
a multidão saindo dos terminais? A busca envolve utilizar os recursos atencionais para
localizar um alvo de forma ativa, frequente e hábil (Cisler, Bacon e Williams, 2007; Posner
e DiGirolamo, 1998). Especificamente, busca refere-se ao mapeamento do ambiente para
localizar características particulares - procurando ativamente algo quando não se tem cer­
teza de onde aparecerá (Mangun, 2012). Tal qual ocorre com a vigilância, quando busca­
mos algo é possível respondermos com aj#£jnes falsos. A busca fica ainda mais difícil em
razão dos fatores de distração, estímulos que não são alvos e que desviam a atenção dos es-
tímulos-alvo. No caso da busca, os alarmes falsos geralmente surgem quando encontramos
fatores de distração enquanto buscamos os estímulos-alvo. Por exemplo, vamos pensar na
busca de um produto em um supermercado. Muitas vezes, vemos inúmeros itens que nos
distraem, já que se parecem muito com aquilo que esperamos encontrar. Os designers de
embalagem se aproveitam da eficácia da distração para criar as embalagens dos produtos.
118 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Por exemplo, se uma embalagem parecer com uma caixa da Cheerios™, o indivíduo pode
pegá-la sem se dar conta de que, na verdade, é TasteeosV
Existem dois tipos diferentes de buscas - busca de característica e busca de con­
junção. Na busca de característica, procuramos apenas uma característica (por exem­
plo, cor, formato ou tamanho) que torna o nosso objeto de busca diferente dos outros
(Treisman, 1993; Weidner e Mueller, 2009). Assim, várias distrações não desempenham,
de fato, um papel calmante. Já na busca de conjunção, temos de combinar pelo menos
duas características para encontrar os estímulos que procuramos. Uma vez que na busca
de conjunção procuramos uma combinação de características, ela é mais difícil do que a
busca de característica, em que procuramos apenas uma característica. Observe a Figura
4.2(b) e tente achar o O. Essa busca deve ser relativamente fácil porque procuramos um
objeto com formato diferente (busca de característica). Observe a Figura 4.2(a) e ache o
T. Esse é um exemplo de uma busca de conjunção porque os Ts e os Ls têm uma linha
horizontal e vertical e você está procurando uma combinação particular de tais linhas
para compor o L. Essa busca é mais difícil e leva mais tempo que encontrar o O.
O número de alvos e distrações afeta a dificuldade da busca de conjunção. Nor­
malmente, os pesquisadores manipulam o tamanho do display nos estudos (o número
de itens em um determinado arranjo visual) para, assim, observar quais fatores afetam
a busca. O córtex dorsolateral pré-frontal, assim como os campos oculares frontais e o
córtex parietal posterior, desempenham um papel nas buscas de conjunção (mas não nas
buscas de característica; Kalla et al., 2009).
Nas seções seguintes, exploraremos duas teorias que tentam explicar os processos
de busca. Essas teorias desenvolveram-se de maneira dialética à medida que respondem
uma à outra: teoria da integração de características e teoria da similaridade.

Teoria da integração de características


A teoria da integração de características explica o motivo pelo qual é relativamente
fácil conduzir as buscas de característica e relativamente difícil conduzir as buscas de
conjunção. Anne Treisman (1986) desenvolveu um modelo de como a mente huma­
na conduz buscas visuais. Ela sugeriu que os dois estágios estão envolvidos quando os
objetos são percebidos. No primeiro estágio, percebemos as características dos objetos,
incluindo cor e tamanho (consultar Figura 4.3). Esse processo é automático e não precisa
da nossa atenção consciente. O primeiro estágio ocorre nas buscas de características.

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(a) ** (b)
■ Figura 4.2 Tamanho do display. Compare a dificuldade relativa de encontrar o T e
o O nos painéis (a) e (b), respectivamente. O tamanho do display afeta a facilidade de
realizar a tarefa.

1 No Brasil, o caso pode ser ilustrado pelas embalagens dos biscoitos recheados Negrito* e Nesgresco*.
(N.E.)
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 119

Estágio 1 Estágio 2
Busca de característica Busca de conjunção
V- -- -y ; .
" Combina as *' ■
-> características ^
no objeto ‘
___=
____C" ■......

Pode ser feita paralelamente • Deve ser feita sequencialmente


(tudo de uma vez) (um objeto por vez)
Ocorre em estágio de • Exige recursos de atenção
pré-atenção • Apresenta o efeito de tamanho
Não há nenhum efeito de presente
tamanho no display

■ Figura 4.3 Teoria da integração de características de Treisman. De acordo com


Treisman (1986), primeiro analisamos as características individuais de um objeto para
depois integrarmos tais características a ele.

Podemos reconhecer um estímulo imediatamente e não precisamos de tempo adicional


para o processamento cognitivo. O segundo estágio de percepção de objeto envolve co­
nectarmos pelo menos duas características com algum tipo de “cola mental”. Esse estágio
exige nossa atenção consciente. Pense em como você teve de combinar duas linhas para
formar um T no painel de busca na Figura 4.2(a) ou pense na busca por uma letra T azul
em que você não tenha de buscar apenas a cor azul, mas também a letra T com a cor cor­
reta. Pelo fato de precisarmos combinar as características que buscamos individualmen­
te, existem efeitos de tamanho de display (ou seja, leva mais tempo buscar determinado
estímulo se houver uma grande quantidade de itens no painel de busca).
O modelo de Treisman contou com algum suporte neuropsicológico. Por exemplo,
David Hubel e Torsten Wiesel (1979), ganhadores do prêmio Nobel, identificaram os
detectores de características nervosas específicas. Esses são os neurônios corticais que
respondem de modo diferenciado a estímulos visuais de orientações particulares (por
exemplo, vertical, horizontal ou diagonal), as quais correspondem a características utili­
zadas durante as buscas de característica. No entanto, uma pesquisa mais recente sugeriu
que o cérebro não aumenta necessariamente a atividade dos neurônios que respondem
ao estímulo-alvo. Em vez disso, uma estratégia é ativar os neurônios que podem distin­
guir o alvo das distrações e ignorar os neurônios que respondem melhor somente ao alvo
direcionado (Navalpakkam e Itti, 2007; Pouget e Bavelier, 2007).

Teoria da semelhança
Nem todos concordam com o modelo de Treisman. De acordo com a teoria da seme­
lhança, quanto mais semelhantes forem o alvo e as distrações, mais difícil será a busca
pelo alvo (Duncan e Humphreys, 1992; Watson et al., 200fj. Além disso, a dificuldade
da tarefa de busca depende da diferença entre as distrações. Mas isso não depende da
quantidade de características a serem integradas. Por exemplo, é mais fácil 1er textos
longos em letras minúsculas do que em letras maiúsculas porque estas tendem a ser mais
semelhantes entre si. As minúsculas têm mais características de diferenciação.

Neurociência: envelhecimento e busca visual


Um estudo interessante investigou o efeito da idade nas capacidades de busca visual
(Madden, 2007; Madden et al., 2002). Os pesquisadores contaram com dois grupos de
participantes - um grupo na faixa dos 2é^fcnos e um grupo entre 60 e 77 anos - condu­
zidos por uma variedade de buscas visuais de diversas dificuldades pelo L preto vertical:
( 1) uma busca de característica na qual os participantes tiveram de encontrar um L preto
vertical entre os Ls brancos e parcialmente rotacionados; (2) uma busca guiada na qual
o alvo precisa ser encontrado entre os Ls brancos e os três Ls pretos de diversas rotações;
e (3) uma busca de conjunção na qual o L preto precisa ser encontrado entre a variedade
de Ls rotacionados, brancos ou pretos (Figura 4.4).
CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Característica Guiada

■ Figura 4.4 Tarefas de busca em um experimento. Aqui temos exemplos de busca


de característica, busca guiada e busca de conjunção. Nos três casos, os participantes
foram instruídos a buscar pelo L preto vertical.
Fonte: Madden, D. J., Turkington, T. G., Provenzale, J. M., Denny, L. L., Langley, L. K., Hawk, T. C. et al.
(2002). Aging and attentional guidance during visual search: Functional neuroanatomy by positron emission
tomography. Psychology and Aging, 17(1), 24-43.

As buscas dos adultos jovens foram mais precisas e rápidas que as buscas dos adultos
mais velhos (ver Figura 4.5). Além disso, os participantes eram aproximadamente 300
milissegundos mais lentos ao realizarem buscas guiadas em comparação a buscas de ca­
racterísticas. O volume cortical de adultos mais velhos mostrou-se mais baixo que o de
adultos mais jovens (ver também Mueller-Oehring et al., 2013), o que é consistente com
o declínio aproximado no volume de 2% por década. A busca mais difícil (busca de con­
junção) levou à ativação das vias dorsal e visual ventral, assim como do córtex pré-fron-
tal nos adultos mais jovens e nos adultos mais velhos. Embora haja uma ativação menor
no córtex occipital direito nos adultos mais velhos, a ativação foi praticamente a mesma
nos dois grupos nas regiões pré-frontais e parietal superior. Quanto mais difícil a tarefa de
busca, mais o córtex occipito-temporal era ativado em adultos mais jovens, mas não em
adultos mais velhos. Parece que nos adultos mais velhos essa região cerebral foi ativada em
um nível maior até durante as tarefas de busca mais fáceis, aparentemente na tentativa de
compensar o declínio relacionado à idade. No entanto, eles não recrutaram outras regiões
cerebrais fora das vias visuais para compensar o declínio relacionado à idade.

Atenção seletiva
Exploramos as duas primeiras funções de atenção - detecção de sinal e busca. Agora,
vamos examinar outra função de atenção - atenção seletiva.

Acertos Rejeições corretas


1400
Adultos mais jovens
Adultos mais velhos

Característica Guiada Conjunção Característica Guiada Conjunção

■ Figura 4.5 Tempos de reação no experimento de Madden sobre envelhecimento e busca


visual. Os tempos de reação para respostas corretas (acertos: participantes com a resposta sim correta;
rejeição correta: participantes com resposta não correta) foram mais longos para adultos mais velhos se
comparado a adultos mais jovens.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4

ique g atençao sGl©tiva?


luoonha que você esteja em um jantar festivo. Por pura falta de sorte, você está sentado
Jjróxinio de um vendedor. Ele vende 110 marcas de aspirador de pó e descreve com de-
1^% lhes torturantes os méritos relativos a cada marca. À medida que ouve a tagarelice, à
'IS |||u a direita, você começa a prestar atenção na conversa de duas pessoas à sua esquerda. A
!Pl4rt)á é muito mais interessante. São informações abundantes sobre um de seus conheci­
d o s Você tenta manter a aparência de estar conversando com o fofoqueiro à direita, mas
,g | | e mantém ligado na conversa à esquerda.
T s ll Colin Cherry (1953; ver também Bee e Micheyl, 2008) referiu-se a esse fenômeno
problema coquetel, o processo de acompanhar uma conversa enquanto se está
« r absorto em outras conversas. Ele observou que os jantares em festas normalmente são
^ u m ambiente no qual a atenção seletiva torna-se saliente. Cherry não compareceu, de
^ fato, em diversos jantares desse tipo para estudar as conversas. Ele pesquisou a aten-
JÉÉ^ão seletiva em um ambiente experimental mais cuidadosamente controlado. Pensou
^S^m T una tarefa conhecida como sombreamento. No sombreamento, são ouvidas duas
mensagens diferentes. Cherry apresentou uma mensagem para cada ouvido, o que é co­
nhecido como apresentação dicótica. A Figura 4.6 ilustra como essas tarefas de escuta
podem ser apresentadas. A pessoa precisa repetir uma das mensagens logo depois de
s-las ouvido. Em outras palavras, deve-se seguir uma mensagem (como o detetive, que
Sa “sombra” de um suspeito) e ignorar a outra.
,No experimento de Cherry, os participantes sombrearam com sucesso as mensa­
gens distintas nas tarefas de audição dicótica, embora tal sombreamento exigisse certa
# concentração. Os participantes foram capazes de observar mudanças físicas e sensoriais
na mensagem em que não estavam prestando atenção; por exemplo, quando a mensa-
à gem era alterada para um tom diferente ou quando a voz mudava de masculina para
.^feminina. No entanto, não observaram mudanças semânticas nas mensagens nas quais
*^ não estavam atentos. Eles falharam em observar até quando uma mensagem em que
v^jnão estavam prestando atenção mudava de inglês para alemão ou quando era tocada
de fundo. Inversamente, cerca de um terço das pessoas, sempre que seus nomes eram
^ apresentados nessas situações, direcionava a atenção para o próprio nome. Alguns pes­
quisadores perceberam que as pessoas que ouviram seus nomes durante a apresentação
de uma mensagem na qual não estavam prestando atenção tinham a tendência de apre­
sentar capacidade limitada de memória de trabalho. Consequentemente, distraiam-se
com facilidade (Conway, Cowan e Bunting, 2001). As crianças que ouviram duas men­
sagens também desviaram a atenção para uma mensagem na qual o próprio nome era
dito (Newman, 2005).

Na cesta4e^cpBí}i€p8ííelaífiiM t
tinha sanduíches de manteiga
de amendoim e brçwníes
de chocolate

Entrada em que há Entrada em que não há atenção


atenção do participante do participante

■ Figura 4.6 Apresentação dicótica. Na apresentação dicótica, cada ouvido recebe uma mensagem
diferente. O ouvido sombreado recebeu a mensagem-alvo.
122 CÁPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Então, o que nos auxiliaria a prestar atenção somente na mensagem da pessoa que
desejamos ouvir?
1. distintas características sensoriais do discurso-alvo (por exemplo, som alto versus
baixo e ritmo)
2. intensidade do som (sonoridade)
3. local da origem do som (Brungard e Simpson, 2007)
Prestar atenção nas propriedades sensoriais da voz do interlocutor-alvo tem suas
vantagens porque não precisamos lidar com o conteúdo das mensagens que não são
alvo. Evidentemente, a intensidade do som do alvo também ajuda. Além disso, é prová­
vel que você virará um ouvido para a pessoa-alvo, e o outro para o outro lado. Observe
que esse método não oferece uma maior intensidade de som total, mas conta com a
diferença no volume por conta de um ouvido estar mais perto do interlocutor e o outro
estar mais longe. No entanto, recentes estudos na área da psicologia constataram que tais
fatores, como quão harmonioso e rítmico é o som-alvo, podem ser mais importantes do
que outras pistas (Darwin, 2008; Muente et al., 2010).

Teorias da atenção seletiva


Na seção que segue, discutiremos diversas teorias da atenção seletiva (uma das quatro
principais funções da atenção). Observe como os processos dialéticos influenciam no
desenvolvimento das teorias subsequentes. As teorias descritas pertencem ao grupo de
teorias de filtro e de gargalo. Um filtro bloqueia algumas informações e, assim, seleciona
somente uma parte delas para passar para o próximo estágio. O gargalo diminui a ve­
locidade da informação. Os modelos se diferenciam de duas maneiras: (1) se há ou não
um filtro distinto para a informação recebida e (2) se o filtro ocorre antes ou depois do
processamento da informação.

Modelo de filtro anterior De acordo com uma das primeiras teorias da atenção, fil­
tramos as informações logo depois que a percebemos no nível sensorial (Broadbent, 1958;
Figura 4.7), ou seja, toda a informação recebida é percebida e armazenada na memória
sensorial. O armazenamento dura uma fração de segundo, então, a memória sensorial
encaminha a informação para um filtro que permite que somente uma mensagem se
mova para ser processada mais detalhadamente. Tal mensagem é diferenciada pelas ca­
racterísticas, como sonoridade, passo ou tom. É possível que os estímulos filtrados fora
do nível sensorial nunca alcancem o nível da percepção. Exceto uma mensagem que será
processada posteriormente, todas as outras informações estão em processamento. Entã<^,
a memória de curto prazo permite responder à mensagem e armazenar as informações
necessárias para uso futuro da memória de longo prazo. A teoria de Donald Broadbent
encontrou apoio nos achados de Colin Cherry, segundo os quais, às vezes, as informações
sensoriais são percebidas por um ouvido que não está prestando atenção se não precisarem
ser processadas de modo elaborado (por exemplo, perceberíamos que a voz que não está
prestando atenção mudou o tom). Entretanto, as informações que exigem um processo de
percepção superior não são percebidas por esse ouvido (por exemplo, não perceberíamos
que o idioma no qual não estamos prestando atenção muda de inglês para alemão).

Modelo de filtro seletivo Pouco tempo depois de a teoria de Broadbent ser proposta,
evidências sugeriram de que tal modelo poderia estar equivocado (por exemplo, Gray e
Wedderburn, 1960). Moray (1959) descobriu que mesmo quando os participantes igno­
ravam a maioria dos outros aspectos de alto nível de uma mensagem na qual não presta­
vam atenção (por exemplo, semântica), reconheciam seus próprios nomes com o ouvido
não atento (WoocL^jCowan, 1995). Moray sugeriu que o motivo para esse efeito é que
as mensagens de grande importância para a pessoa podem romper o filtro da atenção
seletiva (por exemplo, Koivisto e Revonsuo, 2007; Marsh et al., 2007), mas outras men­
sagens podem não passar por ele. Para modificar a metáfora de Broadbent, poderíamos
dizer que, de acordo com Moray, o filtro bloqueia a maioria das informações no nível
sensorial. Contudo, algumas mensagens importantes são tão poderosas que passam pelo
mecanismo de filtragem.
Atenção e consciência • CAPITULO 4 123

Memória Processos Memória de


sensorial Rltro perceptivos curto prazo
E
V.^Nãóatento
N
T
Modelo de p
flttro anterior

Atento D

Memória Processos Memória de


sensorial Atenuador perceptivos curto prazo

^ Não atento ^
f* T
I Modelo de R
atenuação

■ Figura 4.7 Modelos de atenção de Broadbent e de Treisman. Vários mecanismos já foram propostos
sugerindo o meio pelo qual a informação sensorial passa pelo sistema de atenção para chegar aos proces­ /
sos de percepção de alto nível. No modelo de Broadbent, um filtro bloqueia totalmente uma informação na
qual não se está prestando atenção e somente a mensagem em que se está prestando atenção é proces-
sáda. No modelo de Treisman, um atenuador enfraquece a mensagem na qual não se está prestando aten­
ção. Ela é encaminhada de forma enfraquecida de modo que a informação de significado maior possa ser
captada pelo interlocutor e subsequentemente possa ser processada.

Modelo de Atenuação Para explorar por que as mensagens nas quais não pres­
tamos atenção passam pelo filtro, Anne Treisman conduziu alguns experimentos. Os
participantes sombreavam mensagens coerentes e, em algum ponto, ela mudava o resto
da mensagem coerente do ouvido atento para o não atenta Os participantes captavam
as primeiras poucas palavras da mensagem sombreada no ouvido não atento (Treisman,
1960), assim, eles tinham que, de algum modo, processar o conteúdo da mensagem na qual
não prestavam atenção. Além disso, se essa mensagem era idêntica àquela na qual presta­
vam atenção, todos os participantes observavam isso. Eles também notaram que uma das
mensagens estava ligeiramente fora de sincronia temporal em relação à outra (Treisman,
1964a, 1964b). Treisman observou que alguns participantes bilíngues fluentes perceberam
a identidade das mensagens sempre que a segunda era a tradução da primeira.
A alteração de Moray no mecanismo de filtragem de Broadbent foi insuficiente para
explicar as modificações de Treisman (1960,1964a, 1964b). Os achados sugeriram que
pelo menos alguma informação sobre os sinais aos quais não se prestava atenção estava
sendo analisada. Treisman propôs uma teoria da atenção seletiva que envolve um meca­
nismo de atenuação (Figura 4.7). Em vez de bloquear os estímulos, o filtro (atenuador)
enfraquece (atenua) a resistência de todos os estímulos, exceto o estímulo-alvo. Então,
quando um estímulo nos alcança, nós o analisamos em nível baixo para as propriedades-
-alvo, como sonoridade e altura do som. Você pode ouvir a voz da pessoa com quem está
conversando em um bar barulhento, poj*<?xemplo. Se o estímulo possuir tais proprieda-
des-alvo, passamos o sinal para o próximo estágio; caso contrário, passamos para uma
versão enfraquecida do estímulo. Na próxima etapa, analisamos de forma perceptual o
significado do estímulo e sua relevância para nós. Se uma mensagem recebida no ouvido
não atento contiver alguma informação importante (por exemplo, nosso nome), ela será
coletada, mesmo com o sinal enfraquecido pelo atenuador. Em outras palavras, embora
o atenuador enfraqueça alguns fluxos de informação para facilitar o processamento da
CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

mensagem na qual prestamos atenção, percebemos tal informação como um sinal enfra­
quecido e, assim, podemos captar a informação relevante. Pelo fato de as mensagens em
que não prestamos atenção serem mais fracas, somente as partes significativas delas são
captadas, o restante passa despercebido.

INVESTIGAÇÃO
PSICOLOGIA COGNITIVA
Modelo de atenuação
Peça a dois amigos para o ajudarem com esse seu amigo, diga “animal” de forma bem suave. Mais
experimento. Solicite que um deles leia algo, bem tarde, pergunte a ele o que você disse. O seu amigo
suavemente, no ouvido do outro (pode ser qualquer conseguiu identificar suas palavras? Provavelmente
coisa, uma piada, um cartão de felicitações ou um não. Tente novamente, mas agora diga o nome de
trecho do livro sobre psicologia cognitiva) e peça ao seu amigo. É provável que ele consiga dizer que você
outro amigo que tente “sombrear” o que o primeiro falou o nome dele. Esse achado demonstra o modelo
está dizendo. (Sombrear é repetir todas as palavras de atenuação de Treisman.
que a outra pessoa está dizendo.) No outro ouvido do

Ini .... ....

Modelo de filtro pogterior DêUtSíh £ DêlltSCh (1963; Nòrtnan, 1968) desenvolveram


um modelo no qual o local do filtro é posterior no processo (Figura 4.8). Eles sugeriram
que os estímulos são filtrados somente após a análise das propriedades físicas e seus signi­
ficados. Essa filtragem posterior permite que as pessoas reconheçam informações que che­
gam ao ouvido não atento. Por exemplo, é possível reconhecer o próprio nomeou uma tra­
dução de dados recebidos em que a pessoa esteja prestando atenção (no caso de indivíduos
bilíngues). Os proponentes dos mecanismos de filtragem anterior e posterior indicam a
existência de um gargalo de atenção, pelo qual apenas uma fonte de informação consegue
passar. Os dois modelos diferem apenas em relação à localização do gargalo.
í
Uma síntese dos modelos de filtros anterior e posterior As teorias de seleção
anterior e posterior têm dados para apoiá-las. Então, o que um pesquisador faz? Epi
1967, Ulric Neisser sintetizou os modelos de filtros anterior e posterior e propôs dois
processos que administram a atenção:

Memória Processos Memória de


sensorial perceptivos Filtro curto prazo
P áí*r* i-j,í

N ...
*]■ * o •-
p ktu&Mi&ã

A g&giizv
im m m m
M èíiSfò.tólfisli

■ Figura 4.8 Modelo do filtro posterior de Deutsch e Deutsch. De acordo com alguns
psicólogos cognitivos, os mecanismos de filtragem de atenção sucedem os processos per-
ceptuais preliminares em vez de precedê-los.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 125

£ Processos de pré-atenção: esses processos automáticos são rápidos e ocorrem para­


lelamente. Podem ser utilizados para observar somente as características senso-
^ riais físicas da mensagem na qual não se presta atenção. Mas não discernem o
significado ou as relações.
• Processos atentivos, controlados: esses processos ocorrem posteriormente. São
executados em série e consomem tempo e recursos da atenção, como memória de
trabalho. As informações são processadas com mais detalhes.

Um modelo de dois passos explicaria os dados de Cherry, Moray e Treisman. Ele


tçorpora aspectos da teoria da atenuação de sinais de Treisman e da teoria subsequente
integração de características. Lembra-se de como Treisman sugeriu que podemos
dois processos diferentes durante as buscas: a detecção de característica e a inte-
tção de característica? O processo de detecção de característica pode estar relacionado
jgprocesso de pré-atenção automático. O processo de integração de característica pode
íestar relacionado ao processo de atenção consciente. Infelizmente, o modelo de dois
“issos não explica bem a continuação de processos que vai desde os totalmente automá-
ícos até os totalmente controlados. É bom lembrarmos que, por exemplo, os processos
totalmente controlados parecem ser, ao menos em parte, automatizados (Spelke, Hirst
"Neisser, 1976). Como o modelo de dois processos explica a automatização de pro-
ío s em fenômenos de atenção dividida? Por exemplo, como podemos ler buscando

compreender ao mesmo tempo em que escrevemos palavras ditadas e categorizadas?


Discutiremos isso na seção que trata da atenção dividida.

iNeurociência e atenção seletiva


fo início de 1970, os pesquisadores utilizaram os ERPs para estudar a atenção. Um
S estudo inovador foi conduzido por Hillyard et al. (1973), quando expuseram os par-
Mticipantes a dois fluxos de tons, um em cada ouvido (os fluxos diferiam no tom). Os
^participantes tinham de detectar os estímulos-alvo ocasionalmente. Quando os-estímu-
/ ^los-alvo ocorreram no ouvido atento, o primeiro componente negativo do ERP foi maior
|d o que quando o alvo ocorreu no ouvido não atento. Uma onda negativa denominada
f§Nl aparecia aproximadamente 90 milissegundos após o início do estímulo-alvo. Os pes-
^quisadores elaboraram hipóteses de que a onda NI era resultado do aprimoramento do
estímulo-alvo. Ao mesmo tempo, outros estímulos ficavam escondidos. Esse resultado
é consistente com as teorias dos filtros. Estudos posteriores (Woldorff e Hillyard, 1991)
constataram que uma reação anterior no estímulo-alvo na forma de uma onda positiva
ocorre aproximadamente 20 a 50 milissegundos após o início de um alvo. A onda ori-
gina-se no giro Heschl, localizado no córtex auditivo (Woldorff et al., 1993). No século
XXI, estudos ainda utilizam esses métodos para explorar tópicos tão diversos quanto a
influência do status socioeconômico da mãe na atenção seletiva das crianças (Stevens,
Lauinger e Neville, 2009). Eles descobriram que filhos de mães com níveis baixos de
educação apresentam redução dos efeitos de atenção seletiv^no processamento nervoso.
Efeitos semelhantes também foram descobertos no tocante à atenção visual. Se um
estímulo-alvo aparecer em uma região atenta do campo visual, o PI occipital (uma onda
de polaridade positiva) será maior do que quando o alvo aparece em uma região não
atenta (Eason, Harter e White, 1969; Van Voorhis e Hillyard, 1977). O efeito PI também
ocorre quando a atenção do participante é atraída pela pista sensorial para um local
particular, e o alvo aparece subsequentemente apenas naquele local. Se o intervalo entre
a aparência da pista e o alvo for pequeno, a onda PI é aumentada e o tempo de reação é
mais rápido do que no caso de alvos que aparecem com um atraso significativo após a
pista. De fato, o atraso entre a pista e o alyp pode levar ao atraso no tempo de reação e à
diminuição do tamanho da onda PI? (Hopfinger e Mangun, 1998,2001).

Atenção dividida
Já lhe aconteceu de dirigir com um amigo e vocês engatarem uma conversa interessante?
Ou fazer um jantar enquanto estava ao telefone? Sempre que você se dedica a pelo menos
duas tarefas ao mesmo tempo sua atenção fica dividida.
CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

no laboratório de JOHN F. KIHLSTROM


Hipótese de amnésia pós-hipnótica
A hipnose é um estado especial de consciência no uma primação semântica ao responderem a itens
qual o indivíduo pode ver objetos que não estão no da lista mais frequentemente em comparação a itens
local, falha em ver objetos que estão no local e res­ que não foram previamente estudados. A magni­
ponde a sugestões pós-hipnóticas sem saber o que tude do efeito de primação era a mesma em sujei­
está fazendo ou por quê (Kihlstrom, 2007,2008). É tos hipnotizáveis e com amnésia e em sujeitos não
possível que a pessoa não se lembre daquilo que fez suscetíveis e sem amnésia. Em outras palavras, a
enquanto estava hipnotizada - fenômeno conhecido amnésia pós-hipnótica acarreta dissociação entre as
como amnésia pós-hipnótica, que tem sido o foco expressões de memória episódica explícita e implícita
mais importante do meu trabalho. (Schacter, 1989).
Antes de testar a amnésia pós-hipnótica, temos Embora as memórias explícita e implícita estejam
de encontrar os sujeitos certos. Infelizmente, não há dissociadas em outras formas de amnésia, a dissocia­
maneiras de predizer quem pode ou não vivenciar ção observada na amnésia pós-hipnótica tem algumas
a hipnose. A única maneira de descobrir é tentar a características que a tomam especial. A maioria dos
hipnose e ver se funciona. Para essa estudos da memória implícita em sujei­
finalidade, confiamos em um conjunto de tos neurologicamente intactos emprega
escalas padronizadas de suscetibilidade condições de codificação altamente ,
hipnótica. Existem testes com base em degradadas, tais como processamento
desempenho estruturado bem como tes­ sem profundidade, de forma a prejudicar a
tes de inteligência. Cada escala começa memória explícita. Entretanto, nos nossos
com uma introdução de hipnose, seguida experimentos, os sujeitos memorizaram
por uma série de sugestões de diversas a lista deliberadamente, conforme cri­
experiências hipnóticas. A resposta a cada tério rígido de aprendizado, antes que a
sugestão é avaliada de acordo com os sugestão de amnésia fosse dada e lembra-
critérios reais comportamentais, represen­ ram-se perfeitamente de toda a lista bem
tando a capacidade do indivíduo John F. Kihlstrom depois de a sugestão de amnésia ser can­
de ser hipnotizado. celada. Dessa forma, a memória implícita
A partir desse ponto, nossos experimentos em pode ser dissociada da memória explícita até mesmo
cognição se parecem com quaisquer outros, exceto em condições de processamento profundo e ideal.
pelo fato de que os nossos sujeitos estão hipnoti­ Mais importante, a maioria dos estudos sobre
zados. Em um estudo que utiliza um paradigma de memória implícita em amnésia foca na primação de
aprendizagem verbal tradicional (Kihlstrom, 1980), repetição, que pode ser mediada pela representati-
os indivíduos memorizavam uma lista de 15 palavras vidade com base na percepção do essencial. Con­
familiares, como garota ou cadeira, e recebiam a sequentemente, algumas das teorias de memória
seguinte sugestão: “Você não se lembrará de nenhuma implícita mais populares focam nos sistemas de repre-
palavra aprendida enquanto estiver hipnotizado... até sentatividade de percepção no cérebro. Contudo, no ,
que eu diga 'Agora, você se lembrará de tudo'”. Após estudo original, a natureza da primação era semântica
sair da hipnose, os sujeitos altamente suscetíveis à e precisava ser mediada por uma representação com
hipnose não se lembravam de quase nada da lista, ao base na representação do essencial. Dessa maneira,
passo que os não suscetíveis - que haviam passado os estudos sobre hipnose nos lembram que uma teoria
pelos mesmos procedimentos - se lembravam dela abrangente da memória implícita tem de ir muito além
quase que perfeitamente. Esse achado demonstra que da primação da repetição e dos sistemas de represen­
a ocorrência da amnésia pós-hipnótica tem correlação tação perceptiva.
com a hipnotizabilidade. Outra pesquisa mostrou que a amnésia pós-hip­
Seguindo a hipnose, os sujeitos completaram um nótica poupou a primação de repetição e a primação
teste de associação de palavras no qual lhes era soli­ semântica. Os estudos que utilizaram o “procedi­
citado relatar a primeira palavra que vinha à mente. mento de dissociação de processos” de Jacoby
Algumas das pistas eram palavras como menino ou confirmaram que os efeitos primação foram mediados
cadeira, suscetíveis de serem extraídas da lista. Outras pelo processamento automático em vez do proces­
eram igualmente suscetíveis de induzir a palavras samento controlado. Pesquisas sobre amnésia pós-
de controle que não haviam sido estudadas. Apesar -hipnótica e outros fenômenos da hipnose prometem
da incapacidade de se lembrarem das palavras que nos proporcionar insights acerca da natureza da vida
haviam acabado de estudar, os sujeitos hipnètízáveis e mental inconsciente. Além disso, habilitando os pes­
os amnésicos produziram itens da lista na mesma taxa quisadores para controlar a percepção da consciên­
que os sujeitos não suscetíveis e os não amnésicos. cia e a memória é possível que a hipnose passe a ser
Esse achado demonstra que a amnésia pós-hipnótica utilizada na pesquisa de imagem cerebral que busca
é uma interrupção da memória episódica, mas não da descobrir os substratos nervosos da cognição cons­
semântica. Até mais importante, os sujeitos mostraram ciente e inconsciente.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 127

- ^ Investigação laboratorial da atenção dividida


prim eiro trabalho na área da atenção dividida os participantes assistiram a um ví-
Heo no qual as telas de um jogo de basquete e de um jogo de duelo de mãos estavam
sobrepostas. O s participantes monitoraram com sucesso uma atividade e ignoraram a
outra. No entanto, tiveram grandes dificuldades em monitorar as duas atividades simul­
taneamente, mesmo quando visualizavam o jogo de basquete com um olho e assistiam
a i) jogo de duelo de mãos separadamente com o outro (Neisser e Becklen, 1975).
A hipótese de Neisser e Becklen era de que como resultado da prática haveria me­
lhoria no desempenho. Além disso, para eles, o desempenho em diversas tarefas tinha
como base a habilidade decorrente da prática. De acordo com esses estudiosos, o desem­
penho não se fundamentava em mecanismos cognitivos especiais.
No ano seguinte, pesquisadores usaram um paradigma de tarefa dupla
para estudar a atenção dividida durante a realização simultânea de duas ati­
vidades: leitura de estórias curtas e escrita de palavras ditadas (Spelke, Hirst
e Neisser, 1976). Os pesquisadores comparariam e contrastariam a latência
(tempo de resposta) e a precisão do desempenho em cada uma das duas ta­
refas. É claro que latências mais altas significam respostas mais lentas. Con­
forme esperado, o desempenho inicial foi fraco para as duas tarefas quando
tinham de ser realizadas ao mesmo tempo. No entanto, Spelke, Hirst e Neisser
fizeram com que os participantes praticassem as duas tarefas cinco dias por
semana por muitas semanas (no total, 85 sessões). Para surpresa geral, com
prática suficiente, o desempenho dos participantes melhorou em ambas as ta­
refas. Eles apresentaram melhoria na velocidade de leitura e precisão na com­
preensão, medidas por testes de compreensão. Além disso, demonstraram
aumento na memória de reconhecimento para palavras que haviam escrito
durante o ditado. Com o tempo, o desempenho dos participantes em ambas
as tarefas atingiu os mesmos níveis que os participantes haviam demonstrado O paradigma duplo de tarefa utilizado
no estudo por Spelke, Hirst e Neisser
anteriormente para cada tarefa isolada.
(1976). Os participantes tinham de,
Quando as palavras ditadas estavam relacionadas de alguma maneira simultaneamente, 1er estórias curtas e
(por exemplo, rimavam ou formavam uma sentença), primeiro, os participan­ escrever palavras ditadas.
tes não observaram a relação. No entanto, após a prática repetida, começaram
a observar que as palavras tinham relação umas com as outras de diversas maneiras.
Logo passaram a realizar as duas tarefas ao mesmo tempo sem queda no desempenho.
Spelke sugeriu que essas conclusões demonstravam que as tarefas controladas podem ser
automatizadas de forma a consumir menos recursos de atenção. Além disso, duas tare­
fas diferentes controladas podem ser automatizadas para funcionar em conjunto, como
uma unidade. Contudo, as tarefas não eram totalmente automáticas. Em uma tarefa, eles
continuavam a ser intencionais e conscientes. Em outra, envolviam níveis relativamente
altos de processamento cognitivo.

INVESTIGAÇÃO
PSICOLOGIA COGNITIVA
Divisão da atenção
Escreva seu nome várias vezes em um pedaço de o braço. Quais sensações você identifica - pressão
papel enquanto visualiza tudo o que çuder lembrar do chão, os sapatos ou as roupas, ou talvez dor em
sobre o quarto em que você dormia dfóãndo tinha 10 algum lugar? Você ainda está conseguindo escrever
anos. Enquanto escreve o próprio nome e imagina o seu nome enquanto vê as imagens e presta atenção
quarto antigo, faça uma jornada de consciência men­ nas sensações? É mais fácil realizar uma das tarefas
tal para observar as sensações corporais; comece de cada vez do que realizá-las simultaneamente.
em um dedo do pé e suba para a perna, atravesse Você conseguiria dividir a sua atenção com sucesso?
o tronco até o ombro do lado oposto e desça para

W -
128 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Uma abordagem diferente para estudar a atenção dividida foca em tarefas extre­
mamente simples que exigem reposta rápida. Sempre que as pessoas tentam realizai
duas tarefas rápidas sobrepostas (aquelas em que muitas pessoas não conseguem finali­
zar a tempo), as respostas para uma delas ou para ambas quase sempre são mais lentas
(Pashler, 1994). Quando uma segunda tarefa começa logo depois do início da primeira^
geralmente a velocidade do desempenho é sofrível. Essa lentidão é efeito do período
refratário psicológico (PRP) também chamado de piscada atencional. Os achados dos
estudos sobre PRP indicam que as pessoas têm facilidade em processar as proprieda­
des físicas das informações recebidas enquanto realizam outras tarefas (Miller, Ulrich e
Rolke, 2009; Pashler, 1994). No entanto, quando precisam se envolver em um processo
mais elaborado, como escolher uma resposta ou relembrar uma informação, a velocida­
de cai e uma ou as duas tarefas apresentam o efeito PRP.
O quão bem as pessoas podem dividir a própria atenção tem a ver com a inteligência
(Hunt e Lansman, 1982). Suponha que tenha sido solicitado aos participantes resolve­
rem problemas matemáticos e, simultaneamente, ouvirem um sinal e pressionarem o
botão assim que o perceberem. De acordo com Hunt e Lansman, as pessoas mais inte­
ligentes são capazes de se dividir entre as duas tarefas e realizar ambas de modo eficaz.

Teorias da atenção dividida


Para compreender a habilidade de dividir a atenção, os pesquisadores desenvolveram
os modelos de capacidade de atenção. Esses modelos ajudam a explicar como é possível
realizar simultaneamente mais de uma tarefa que demande atenção. De acordo com tais
modelos, as pessoas têm uma quantidade fixa de atenção que podem escolher alocar
conforme a tarefa exige. Dois tipos de modelo diferem-se em termos de qual é a origem
da atenção (Kahneman, 1973; McDowd, 2007):
• Um modelo sugere que um conjunto simples de recursos da atenção pode ser
dividido livremente.
• Outro modelo sugere a disponibilidade de diversas fontes de atenção, uma para
cada modalidade (por exemplo, verbal ou visual).
A Figura 4.9 mostra exemplos dos dois modelos. Em 4.9(a), o sistema tem um con­
junto simples de recursos que pode ser dividido entre as diversas tarefas (Kahneman,
1973). Em 4.9(b), o modelo tem diversos conjuntos de atenção para diferentes modali­
dades (Navon e Gopher, 1979).
Os modelos de conjunto simples provavelmente simplificam o que está em anda­
mento. As pessoas são muito melhores na divisão da atenção quando as tarefas concor­
rentes pertencem a diferentes tipos sensoriais. Pelo menos alguns recursos da atenção

Entrada de estímulos Entrada de estímulos

Recursos Recursos
mentais mentais
disponíveis disponíveis

Possíveis atividades Possíveis atividades Possíveis atividades |


1 selecionadas selecionadas se le cio n a d a s-^ *

T
Respostas reais Respostas reais
(a) (b)
■ Figura 4.9 Alocação de recursos da atenção. Os recursos da atenção podem compreender um único
conjunto ou múltiplos conjuntos específicos para cada modalidade. Embora já tenha sido criticada pela
imprecisão, a teoria dos recursos da atenção parece complementar as teorias dos filtros no que se refere à
explicação de alguns aspectos da atenção.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 129

lindem ser específicos da modalidade (por exemplo, verbal ou visual) na qual a tarefa é
resentada. Por exemplo, a maioria das pessoas consegue ouvir música e se concentrar
: Rescrita simultaneamente. No entanto, é mais difícil ouvir o noticiário e concentrar-se
lia escrita ao mesmo tempo. Isso ocorre porque ambas são tarefas verbais. As palavras do
noticiário interferem nas palavras sobre as quais o indivíduo está pensando. Da mesma
'forma duas tarefas visuais têm mais probabilidade de interferir uma na outra do que
kuttfr tarefe visual ligada a uma auditiva,
áír Esses modelos relacionados à alocação de recursos da atenção foram severamente
criticados por serem muito amplos e vagos (por exemplo, Navon, 1984; S. Yantis, comu-
. Reação pessoal, dezembro de 1994). Na verdade, sozinhos, eles podem não dar conta de
explicar os aspectos da atenção, mas complementam as teorias dos filtros.
^ : Além disso, para explicar fenômenos que dizem respeito à busca, as teorias especí-
i ficas sobre o tema (como os modelos que propõem a busca guiada [Cave e Wolfe, 1990;
Wolfe, 2007] ou similaridade [Duncan e Humphreys, 1989]) parecem ter maior poder
explicativo do que as teorias dos filtros ou de recursos.

9 ACREDITE 00 NÃO Você é produtivo quando é multitarefas?

Você está trabalhando na sua dissertação, tempo ou salvar vidas enquanto dirigimos, ligamos
enviando mensagens a seu melhor amigo e para alguém ou enviamos mensagens ao mesmo
comendo um lanche enquanto ouve uma música tempo. Mesmo as capacidades de aprendizagem
de fundo. Você acha que está sendo produtivo? Os são enfraquecidas. Um estudo de Foerde,
pesquisadores Paul Dux et al. (2006) descobriram Knowlton e Poldrack (2006) constatou que a
que executar mais de uma tarefa ao mesmo tempo informação da memória declarativa (essencial para
não apenas desacelera o ritmo, mas também a aprendizagem de sucesso) é dificultada mesmo
aumenta as chances de cometermos algum erro. por pequenas distrações, como o som de fundo,
O tempo de reação demora até um segundo porque quando realizamos tarefas complexas,
quando realizamos duas tarefas ao mesmo tempo. mantemos muitas informações ativadas na nossa
Embora isso possa não ser tão importante quando memória. A concentração necessária pode ser
sentamos à mesa para trabalhar, pode economizar facilmente interrompida pela agitação externa.
J

Atenção dividida na vida diária


A atenção dividida desempenha um papel importante nas nossas vidas. Com que fre­
quência você se compromete com mais de uma tarefa ao mesmo tempo? Considere di­
rigir liftt dàrro. Você precisa estar constantemente atento às ameaças a sua segurança.
Suponha que tenha falhado em perceber uma ameaça, comg um carro que passa o sinal
vermelho e vem na sua direção quando você entra em um cruzamento. O resultado é que
você pode se tornar uma vítima inocente de um terrível acidente. Mais do que isso, se
não conseguir dividir sua atenção, você pode causar um acidente. A maioria dos aciden­
tes de carro é causada por falhas na atenção dividida.
Alguns estudos intrigantes têm como base nossa experiência diária. Um paradigma
amplamente utilizado simula uma situação de condução de veículo (Strayer e Johnston,
2001; ver também Fisher e Pollatsek, 2007). Os pesquisadores levaram os participantes
a realizarem uma tarefa de rastreamento. Os participantes controlavam um joystick que
movia um cursor na tela do computador. Eles deveriam manter o cursor em posição so­
bre um alvo em movimento. Em vários ra&mentos, o alvo piscaria verde ou vermelho. Se
a cor fosse verde, os participantes deveriam ignorar o sinal. Se fosse vermelha, deveriam
empurrar um freio simulado, que era um botão do joystick. Em uma condição, os par­
ticipantes realizaram apenas uma tarefa. Em outra, foram envolvidos em uma segunda
tarefa. Esse procedimento criou uma situação de tarefa dupla. Os participantes ouviam
rádio enquanto realizavam as tarefas ou conversavam ao celular com um parceiro de
experimento (um colaborador do pesquisador). Eles falavam cerca de metade do tempo
130 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

e escutavam aproximadamente metade do tempo. Os participantes ouviram tópicos di­


ferentes durante o estudo para garantir que os resultados não fossem influenciados pelo
tópico da conversa.
Conforme indicado na Figura 4.10, a probabilidade de falha no sinal vermelho au­
mentou substancialmente (e o tempo de reação foi mais lento) quando os participantes
estavam falando ao celular em comparação a quando não estavam falando. No entanto,
ouvir rádio não atrapalhou o desempenho. Assim, usar o celular parece ser muito mais
arriscado do que ouvir rádio enquanto estamos dirigindo (ver também Charltona, 2009;
Drews, Pasupathi e Strayer, 2008). Então, quando estamos dirigindo, é melhor não usar­
mos celular.
Estudos adicionais analisaram os dados de incidentes no mundo real. Um estudo
sobre 2.700 colisões no estado da Virgínia, entre junho e novembro de 2002, investigou
as causas de acidentes (Warner, 2004). Abaixo seguem alguns dos principais fatores que
resultaram em acidentes com a porcentagem correspondente:
• virar a cabeça por curiosidade (olhar para acidentes já ocorridos): 16%
• sentir-se cansado: 12%
• olhar a paisagem ou lugares importantes: 10%
• distrair-se com um passageiro ou com crianças: 9%
• ajustar o rádio ou outro tipo de mídia: 7%
• usar o celular: 5% *
Em média, as distrações ocorridas dentro do veículo foram responsáveis por 62%
do total de ocorrências. Já as distrações externas, 35%. Os outros 3% decorreram de
causas indeterminadas. As causas dos acidentes diferiram um pouco entre áreas rurais e
áreas urbanas. Os acidentes nas áreas rurais tinham mais probabilidade de ocorrer por
conta da fadiga do motorista, de insetos entrando ou batendo no veículo ou da distração
causada por animais de estimação. Nas áreas urbanas, os acidentes tinham mais proba­
bilidade de ocorrer em razão de distrações com outros acidentes, tráfego carregado ou
uso do celular (Cohen e Graham, 2003; Figura 4.1 IX
Vinte e um por cento dos acidentes ou quase-acidentes envolveram, pelo menos, um
motorista falando ao celular, embora a conversa pudesse ou não ter causado o acidente
(Seo e Torabi, 2004). Outra pesquisa indicou que, quando o tempo na tarefa e as condi­
ções de dirigibilidade eram controladas, os efeitos de conversar ao celular poderiam ser
tão prejudiciais quanto dirigir embriagado (Strayer, Drews e Crouch, 2006). Há, ainda,
uma outra pesquisa segundo a qual comparando-se pessoas que não estavam ao celular,
as pessoas que conversavam ao telefone mostraram-se mais agressivas por meio de bu­
zinas e expressões faciais quando se deparavam com uma situação frustrante (McQarva,
Ramsey e Shear, 2006). O aumento da agressividade também foi associado ao aumento

Tarefa única
I Tarefa dupla

To3
0>
■§ 0.05
TJ
= 0.04
| 0.03
| 0 02
0.01

Celular "Controle do rádio

■ Figura 4.10 Desempenho em tarefa dupla enquanto estamos dirigindo. No painel esquerdo, o desempenho na
tarefa dupla aumentou significativamente a probabilidade de falha com o celular, mas não com o rádio. Já no painel
direito, o tempo de reação aumentou significativamente na tarefa dupla com o celular, mas não com o rádio.
Fonte: Baseado em Strayer, D. L. e Johnston, W. A. (2001). Driven to distraction: Dual-task studies of simulated driving and conversing on a
cellular telephone. Psychological Science, 12,463.
Atenção e consciên cia • CAPITULO 4 131

J Figura 4.11 Atenção dividida: dirigir e conversar ao celular. Exemplo de falha


na atenção dividida: normalmente os acidentes acontecem porque os motoristas
êstàvam ocupados com outras atividades, como conversar ao celular. Virar a cabeça por
curiosidade para ver a cena de um acidente também foi outra causa principal de acidentes.

de acidentes (Deffenbacher et al., 2003). Assim, é provável que as pessoas que falam ao
telefone enquanto dirigem tenham tendência à raiva e, consequentemente, causem mais
acidentes. Esses resultados, juntamente com aqueles sobre os efeitos da atenção dividida,
contribuem para explicar o aumento de acidentes devido ao uso do celular.
A presença de um passageiro no carro torna a direção mais segura do que dirigir
sozinho. Qual a diferença entre conversar ao celular e conversar com um passageiro? Um
estudo feito por Maciej, Nitsch e Vollrath (2011) sugere que um passageiro pode ajustar a
fala dele à situação do tráfego, ao passo que o interlocutor que está ao celular obviamente
não sabe se a pessoa com quem está falando está em uma rodovia vazia ou na cidade,
em meio ao trânsito pesado. Outro estudo indicou que quanto mais as pessoas falam ao
celular, menos risco percebem nesse comportamento (Hallett, Lambert e Regan, 2011).
Outro comportamento de alto risco é dirigir e enviar mensagem de texto. Quando
a pessoa está digitando, a velocidade do veículo diminui significativamente ao passo
que seu tempo de reação em uma rodovia aumenta substancialmente. Há também um
risco maior de as pessoas se envolverem em um acidente per estarem mais distraídas e
reagirem de modo mais lento (Yannis et al., 2014). Uma pesquisa com estudantes uni­
versitários constatou que 91% deles enviavam mensagens de texto enquanto dirigiam,
mesmo ao mudar de faixa ou de velocidade, embora estivessem cientes dos perigos que
envolvem essa prática (Harrison, 2011).

Fatores que influenciam a nossa habilidade de


prestar atenção
Os modelos teóricos existentes podem ser simples ou mecanicistas demais para explicar
as complexidades da atenção. Muitas oufráCs variáveis têm impacto na nossa habilidade
de nos concentramos ou de prestarmos atenção. Abaixo estão algumas delas:
• Ansiedade: estar ansioso, seja por natureza (traço de ansiedade, relacionado à per­
sonalidade) ou pela situação (ansiedade baseada no estado), restringe a atenção
(Eysenck e Byrne, 1992; Reinholdt-Dunne, Mogg e Bradley, 2009).
• Agitação: o estado geral de agitação também afeta a atenção. O indivíduo pode
132 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

estar cansado, sonolento ou drogado, o que pode limitar a atenção. Às vezes, estar
animado melhora o estado da pessoa (MacLean et al., 2009).
• Dificuldade da tarefa: se a pessoa está trabalhando em uma tarefa difícil ou nova,
é necessário alocar mais recursos da atenção do que quando trabalha em uma
tarefa fácil ou muito familiar. A dificuldade da tarefa influencia, particularmente,
o desempenho durante a atenção dividida.
• Habilidades: quanto mais prática e habilidade o indivíduo tem para realizar deter­
minada tarefa, mais atenção terá (Spelke, Hirst e Neisser, 1976).
Em suma, alguns processos de atenção ocorrem fora da consciência do indivíduo.
Outros estão sujeitos ao controle consciente. O estudo psicológico da atenção tem inclu­
ído diversos fenômenos, entre eles vigilância, busca, atenção seletiva e atenção dividida
durante o desempenho de múltiplas tarefas. Para explicar essa diversidade de fenôme­
nos, as teorias atuais enfatizam que um mecanismo de filtragem parece comandar al­
guns aspectos da atenção. Os recursos da atenção limitados a modalidades específicas
parecem influenciar outros aspectos da atenção. Assim como os resultados da pesquisa
cognitiva proporcionaram muitos conhecimentos sobre a atenção, outros insights foram
obtidos por meio do estudo dos processos de atenção no cérebro.

Neurociência e atenção: um modelo de rede


Imagine como seria difícil sintetizar todos os estudos que investigam a gama de proces­
sos de atenção no cérebro. A atenção é uma função do cérebro como um todo ou uma
função de módulos distintos que a comanda? De acordo com Michael Posner, o sistema
de atenção no cérebro “não é propriedade de determinada área nem de todo o cérebro”
(Posnér e Dehaene, 1994, p. 75). Em 2007, Posner montou uma equipe com Mary Ro-
thbart para conduzirem uma revisão dos estudos de neuroimagem na área da atenção e
investigarem se os resultados dos estudos conduzidos apontariam para uma direção em
comum. Eles descobriram que o que parecia um tipo confuso de ativação poderia ser
efetivamente organizado em áreas associadas às três subfunções da atenção: estado de
alerta, orientação e atenção executiva. Os pesquisadores organizaram os achados para
descrever cada uma das funções em termos de áreas envolvidas, neurotransmissores que
modulam as mudanças e resultados da disfunção dentro do sistema.

Estado de alerta: o estado de alerta é definido como estar preparado para um evento
que está para ocorrer e manter a atenção. Além disso, inclui o processo de se chegar ao
estado de preparação. As áreas do cérebro envolvidas no estado de alerta são o córtex
frontal direito e parietal, assim como o locus coeruleus. O neurotransmissor norepine-
frina está envolvido na manutenção do estado de alerta. Se o sistema de alerta não fun­
cionar apropriadamente, as pessoas desenvolvem sintomas de TDAH; no processo de
envelhecimento, é possível que disfunções do sistema de alerta se manifestem.

Orientação: orientação refere-se £ uma seleção de estímulos a serem atendidos. Esse


tipo de atenção é necessário quando realizamos uma busca visual. Podemos observar
esse processo pelos movimentos oculares de uma pessoa, mas, às vezes, a atenção está
encoberta e não pode ser observada do lado externo. A rede de orientação desenvolve-se
durante o primeiro ano de vida. As áreas do cérebro envolvidas na função de orientação
são o lóbulo parietal superior, a junção parietal temporal, os campos oculares frontais
e o colículo superior. O neurotransmissor que modula a orientação é a acetilcolina. A
disfunção nesse sistema pode estar associada ao autismo.

Atenção executiva: a atenção executiva inclui os processos para monitoramento e


solução de conflitos que surgem nos processos internos. Esses processos incluem pen­
samentos, sentimentos e reações. As áreas do cérebro envolvidas nessa final e mais im­
portante ordem do processo de atenção são o córtex cingulado anterior, lateral ventral e
pré-frontal e os gânglios basais. O neurotransmissor mais ligado à atenção executiva é a
dopamina. A disfunção nesse sistema está associada ao mal de Alzheimer, ao distúrbio
de personalidade limítrofe e à esquizofrenia.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 133

Quando a nossa atenção falha


ortância real da atenção torna-se clara em situações nas quais não conseguimos
^çoncentrar. Muitos estudos envolvem participantes normais. Mas os neuropsicó-
; cognitivos também aprenderam muito sobre os processos de atenção estudando
)as que não apresentavam os processos de atenção normais, como indivíduos que
adavam déficits de atenção específicos e que descobriram ter lesões ou fluxo de
ue inadequado nas áreas principais do cérebro. No geral, os déficits de atenção são
\ ao lóbulo frontal e ao gânglio basal (Lou, Henriksen e Bruhn, 1984); os déficits
ção visual estão ligados ao córtex parietal posterior e ao tálamo, assim como às
í do mesencéfalo relacionadas aos movimentos oculares (Posner e Petersen, 1990;
ner et aL, 1988). O trabalho com pacientes com cérebro dividido (por exemplo, La-
ílavas et aL, 1994; Luck et aL, 1989) também levou a achados interessantes com relação
^F atenção e à função cerebral, como a observação de que o hemisfério direito parece ser
5-, o dominante para manter o estado de alerta e que os sistemas de atenção envolvidos na
Jffwsca visual parecem ser distintos de outros aspectos da atenção visual.
^ Nas seções seguintes, consideraremos dois exemplos de falta na atenção: (1) trans­
umo de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e (2) cegueira de mudança/cegueira
acionai.

transtorno do déficit de atenção e hiperatividade


^ A maioria de nós toma como certa a habilidade de prestar atenção e dividir a atenção de
r -maneiras adaptativas, mas nem todos podem fazer isso. As pessoas com transtorno do
^déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) têm dificuldades em focar a atenção de ma­
neira que seja possível se adaptar ao ambiente (Attention Déficit Hyperactivity Disordery
2009; ver também Swanson et aL, 2003).
—# Essa condição foi primeiramente descrita pelo Dr. Heinrich Hoffman em 1845. Em­
bora amplamente investigado, ninguém sabe ao certo a causa do TDAH. O transtorno
f* pode decorrer de uma condição parcialmente hereditária. Algumas evidências indicam
uma ligação com o fumo e com a ingestão de bebida durante a gravidez (Hausknecht et
aL, 2005; Obel et aL, 2009; Rodriguez e Bohlin, 2005). A exposição ao chumbo na infân­
cia também pode estar associada ao TDAH. Lesão cerebral é outra causa possível, assim
^ como os aditivos alimentícios - em particular, açúcar e determinados corantes (Cruz e
Bahna, 2006; Nigg et al., 2008). As pessoas com TDAH apresentam diferenças nos cir­
cuitos cerebelares frontais-subcorticais catecolaminérgicos e na regulação da dopamina
? '(Biederman e Faraone, 2005).
Os três sintomas principais de TDAH são falta de atenção, hiperatividade (ou seja,
níveis de atividades que excedem o que normalmente se vê em crianças de determinada
idade) e impulsividade. Existem três tipos principais de TDAH, dependendo dos sin­
tomas predominantes: (1) hiperativo-impulsivo, (2) desatento e (3) a combinação de
hiperativo-impulsivo e comportamento desatento. Trataremos do tipo desatento por ser
mais relevante ao tópico deste capítulo.
As crianças com TDAH do tipo desatento apresentam vários sintomas específicos:
• Distraem-se facilmente com sons e sinais irrelevantes.
• Não costumam prestar atenção nos detalhes.
• São suscetíveis a cometer erros no trabalho por falta de cuidado.
• Deixam, muitas vezes, de ler instruções por completo ou cuidadosamente.
• São suscetíveis a esquecer ou perder coisas, como lápis ou livros, de que neces­
sitam para realizar tarefas.
• Tendem a pular de uma tarefa incompleta para outra.
Estudos mostram que crianças com TDAH apresentam tempos de reação menor e
mais variáveis do que os irmãos sem esse distúrbio (Andreou et al., 2007).
O TDAH, muitas vezes, começa a surgir na pré-escola e nos primeiros anos do en­
sino fundamental. Estima-se que aproximadamente 5% das crianças no mundo tenham
esse distúrbio, embora a estimativa varie amplamente para menos de 3% a mais de 20%
Atenção e consciência

(Polanczyk e Jensen, 2008). Tipicamente, o distúrbio não acaba na fase adulta, embora
possa variar na gravidade, tomando-se mais ou menos severo. Algumas evidências suge­
rem que a incidência de TDAH aumentou nos últimos anos. Durante o período de 2000
a 2005, a incidência de tratamento médico cresceu mais de 11% por ano (Castle et al.,
2007). Os motivos para esse aumento não são claros. Há diversas hipóteses, incluindo
aumento do tempo assistindo programas de televisão em ritmo acelerado, uso de video-
games de ritmo mais rápido, aditivos em alimentos e aumento de toxinas desconhecidas
no ambiente.
Os pesquisadores descobriram que o TDAH e o autismo compartilham de algumas
semelhanças, por isso têm conduzido os experimentos de forma a visualizar em que
medida as pessoas com essas duas síndromes diferem-se na habilidade de focar e pres­
tar atenção. Com relação ao modelo de rede descrito anteriormente, eles descobriram
que crianças com TDAH apresentavam mais problemas na orientação da atenção. As
crianças com autismo, por sua vez, apresentavam déficits no monitoramento de conflito
e preparo de resposta (Tye et al., 2014). Normalmente prendem a atenção em conceitos
ou objetos particulares.
O TDAH é tratado mais frequentemente com uma combinação de psicoterapia e
medicação. Atualmente, algumas das drogas utilizadas pra tratar a TDAH são Ritalina
(metilfenidato), Metadate (metilfenidato) e Strattera (atomoxetina). Esta difere-se das
outras utilizadas para o tratamento de TDAH por não ser estimulante. Em vez disso,
afeta o neurotransmissor norepinefrina. Os estimulantes afetam o neurotransmissor
dopamina. É interessante notar que, em crianças, o número de meninos que recebem
medicação para tratamento de TDAH é duas vezes maior que o de meninas. No entanto,
em adultos, o uso de medicação para tratamento do TDAH é aproximadamente igual
para ambos os sexos (Castle et al., 2007). Muitos estudos indicam que, embora a medi­
cação seja um instrumento útil para o tratamento do TDAH, a melhor abordagem é a
combinação de medicamento com intervenções comportamentais (Corcoran e Dattalo,
2006; Rostain e Tamsay, 2006).
A teoria de inteligências múltiplas (Gardner, 1985) comprova ser especialmente
útil no tratamento e no suporte de crianças com TDAH. Gardner sugeriu que a inteli­
gência inclui diversas construções independentes, não apenas uma construção simples,
unitária. Em vez de falar das diversas habilidades que juntas constituem a inteligência
(por exemplo, Thurstone, 1938), essa teoria distingue oito inteligências distintas relati­
vamente independentes: linguística, matemática lógica, naturalista, interpessoal, intra-
pessoal, espacial, musical e inteligência corporal cinestésica. Cada inteligência forma
um sistema separado de funcionamento, embora esses sistemas possam interagir para
produzir o que vemos como desempenho inteligente. Concentrando-se nas habilidades
dos estudantes (ou em inteligências predominantes) nas intervenções educacionais, as
conquistas de estudantes com TDAH podem ser maiores e os pontos fortes podem ser
enfatizados (Davidson e Kemp, 2011; Schirduan e Case, 2004).

Cegueira de mudança e cegueira inatencional


Evolutivamente, a nossa habilidade de localizar predadores assim como de detectar uma
fonte de alimento é uma grande vantagem para a nossa sobrevivência. O comportamen­
to adaptativo exige que prestemos atenção nas mudanças no ambiente, pois elas ofere­
cem pistas para oportunidades e perigos. Assim, pode ser surpreendente descobrir que
as pessoas apresentam níveis impressionantes de cegueira de mudança, ou seja, a inca­
pacidade para detectar mudanças em objetos ou cenas que estão sendo vistas (Galpin,
Underwood e Crundall, 2009; 0 ’Regan, 2003). Intimamente relacionada à cegueira de
mudança é a cegueira inatencional, um fenômeno no qual as pessoas não conseguem
enxergar os abjetos que estão no local (Bressan e Pizzighello, 2008).
É possível encontrar alguns exemplos de cegueira de mudança e cegueira inaten­
cional no início do Capítulo 1. Mudança e cegueira inatencional são importantes no
trânsito ou durante os exames médicos, por exemplo, nos quais uma motocicleta negli­
genciada ou uma massa no corpo pode ter consequências potencialmente fatais. Para
saber mais sobre cegueira de mudança, ver o Capítulo 3.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 135
-o

Cegueira de mudança. Os participantes foram instruídos a contar a quantidade de


vezes que os participantes de branco passavam a bola. Muitos não perceberam um
gorila andando entre os jogadores.
Fonte: The original selective attention task (Tarefa original de atenção seletiva) em: www.theinvisiblegorilla.
com/videos.html (primeiro vídeo).

Negligência espacial - metade do mundo equivocado


Imagine-se no zoológico com um conhecido e vocês olham as jaulas. Enquanto isso,
você comenta sobre o comportamento dos animais. Logo observa que seu amigo não
está prestando atenção em nada do que está acontecendo à esquerda do campo visual.
Não se trata apenas de que ele não vê os animais, mas também de não estar ciente de eles
estarem no local.
Essa condição é chamada de negligência espacial ou heminegligênciay uma dis­
função da atenção na qual o participante ignora metade do campo visual que é con­
tralateral ao (no lado oposto) hemisfério do cérebro que tem uma lesão. Ela resulta
principalmente de lesões unilaterais nos lobos parietal e frontal, com mais frequência
no hemisfério direito. Para testar essa condição, é oferecida aos pacientes uma folha
de papel com várias linhas horizontais. Em seguida, eles devem dividir cada linha
exatamente ao meio. Os pacientes com lesões no hemisfério direito tendem a bifurcar
as linhas para o lado direito da linha central. Já os pacientes com lesões no hemisfério
esquerdo tendem a bifurcar as linhas para o lado esquerdo da linha central. Isso ocorre
porque pacientes com esse tipo de lesão não veem todas as linhas à esquerda, ao passo
que o outro grupo não enxerga as linhas à direita. Por vezes, as pessoas deixam de
ver todas as linhas (ou seja, os pacientes negligenciam todo o campo visual). Se for
solicitado aos pacientes copiarem as pequenas imagens apresentadas, eles desenharão
somente um lado da imagem (Figura 4.12).
Curiosamente, quando são apresentados aos pacientes estímulos somente no lado
direito ou esquerdo, eles os percebem, não importando o lado. Isso significa que eles não
têm grandes problemas em relação ao campo visual. Quando os estímulos são apresen­
tados nos dois lados do campo visual, as pessoas com heminegligência ignoram subita­
mente os estímulos contralaterais à lesão (ou seja, se a lesão for no hemisfério direito, ne­
gligenciam os estímulos do campo visuat^squerdo). Esse fenômeno chama-se extinção.
O motivo para a extinção pode ser que os pacientes não conseguem separar a atenção
dos estímulos no campo ipsilateral (parte do campo visual em que está a lesão) para
desviar a atenção para o campo visual contralateral. A atenção deles “gruda” no objeto
ipsilateral de modo que não conseguem desviar a atenção para o estímulo que aparece
no lado contralateral. De modo fascinante, esse achado é verdadeiro não apenas no que
se refere à percepção do mundo externo, mas também em relação às memórias.
136 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Um estudo recente constatou que as pessoas com negligência espacial também têm
problemas em se lembrar dos eventos passados. Pense em uma linha horizontal como
uma linha do tempo com o passado à esquerda, o presente no centro e o futuro à direita.
Os pacientes estudados por Saj et al. (2014) tiveram problemas em representar o passa­
d o - o lado esquerdo da Unha do tempo. Os resultados indicam que alguns mecanismos
cerebrais que precisam de visualização espacial também são envolvidos quando se trata
da representação de eventos temporais.
No estudo de 1978 conduzido por Bisiach e Luzzatti, foi solicitado aos participantes
portadores de negligência descreverem a principal praça da cidade. Eles descreveram so­
mente um lado da praça; no entanto, quando solicitado para descreverem a parte oposta,
■ Figura 4.12 Desenho mostraram que sabiam como eram os dois lados da praça.
feito por uma pessoa com Não há um consenso com relação a qual parte do cérebro é responsável pelos sinto­
negligência hemiespacial. mas de negligência. Estudos recentes indicam que o giro temporal superior posterior, a
Esse desenho é de um
paciente que sofre de insula e o gânglio basal, assim como o fascículo longitudinal superior no lobo parietal,
negligência. Como podemos são os mais prováveis de estarem relacionados à negligência espacial (Hillis, 2006; Hillis
observar, ele ignora parte do et al., 2005; Karnath et al., 2004; Shinoura et al., 2009).
relógio.

VERIFICAÇÃO DE CONCEITOS
1. Por que a atenção é importante para os humanos?
2. Quais são os erros cometidos ao se tentar detectar um sinal?
3. O que é vigilância?
4. O que é busca de característica e como ela se diferencia da busca de
conjunção?
5. Qual é a diferença entre atenção dividida e atenção seletiva?
6. Quais são as teorias dos filtros da atenção? *

Processos automáticos e controlados na atenção


Conforme vimos, a nossa atenção é capaz de processar muitas informações ao mesAo
tempo. Os filtros da atenção nos permitem processar o que é importante filtrando os
estímulos irrelevantes. Para nos movermos em nosso ambiente com mais êxito, auto­
matizamos muitos processos de modo que possamos executá-los sem utilizar recursos
que podem ser empregados em outros processos. Assim, é útil diferenciar os processos
cognitivos no que diz respeito a se çles exigem ou não o controle consciente (Schneider
e Shiffrin, 1977; Shiffrin e Schneider, 1977).

Processos automáticos e controlados


Os processos automáticos, como escrever o próprio nome, não envolvem nenhum con­
trole consciente (Palmeri, 2003). Para a maioria, eles são realizados inconscientemente.
No entanto, podemos estar conscientes de que tais ações estão sendo realizadas. Eles
demandam pouco ou nenhum esforço, ou mesmo intenção. Os diversos processos au­
tomáticos podem ocorrer de uma vez ou rapidamente e sem determinada sequência.
Assim, eles são chamados de processos paralelos (Posner e Snyder, 1975). Você consegue
ler este texto ao mesmo tempo que aponta o lápis ou coça a perna com o pé. Você já se
pegou no chuveiro perguntando se já havia lavado o cabelo? O processo de lavar o cabelo
é tão automático que você não lembra se o lavou ou não.
Em contraposição, os processos controlados são acessíveis ao controle consciente e até
o exigem. Tais processos são realizados em série, por exemplo, quando queremos calcular o
custo total de uma viagem que estamos prestes a reservar on-line. Em outras palavras, os pro-

\
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 137

llfeccos controlados ocorrem sequencialmente, uma etapa por vez. Eles levam bastante tempo
Ipara serem executados, pelo menos se comparados aos processos automáticos. A Tabela 4.3
•jesume as características dos processos controlados e dos processos automáticos.
Uma visão alternativa da atenção sugere um continuum de processos entre os total-
* mente automáticos e os totalmente controlados. De um lado, a extensão dos processos
■ controlados é tão grande e diversificada que seria muito difícil caracterizar todos da mes-
Mi ma maneira (Logan, 1988). Além disso, alguns processos automáticos são fáceis de serem
m recuperados da consciência e podem ser controlados intencionalmente, ao passo que ou-
(L íros não são acessíveis à consciência ou não podem ser controlados de modo intencional.
m ^ Muitas tarefas que começam como processos controlados eventualmente se tornam
S automáticos como resultado da prática (LaBerge, 1975,1990; Raz et al., 2007). Esse pro-
W cesso é denominado automatização (também chamado de proceduralização). Por exem-
5 pio, dirigir um carro é, inicialmente, um processo controlado. Uma vez que se aprende
M a fazê-lo, torna-se automático em condições normais. Essas condições compreendem
J| trajetos conhecidos, tempo bom e pouco ou nenhum tráfego. Da mesma forma, quando
aprendemos a falar uma língua estrangeira, precisamos traduzir palavra por palavra com

§ base na língua nativa. Com o tempo, passamos a pensar na segunda língua. Esse pensa­
is* mento permite ignorarmos o estágio de tradução intermediária. Além disso, permite que o
processo de fala se torne automático. A atenção consciente pode ser revertida ao conteúdo
H da fala, em lugar de seu processo. Mudança semelhante do controle consciente ao proces­
samento automático ocorre quando adquirimos a capacidade de ler. Quando as condições

Tabela 4.3 Processos controlados versus processos automáticos

É possível que haja um continuum de processos cognitivos, dos totalmente controlados até os totalmente automáticos;
^estes traços caracterizam os extremos de cada grupo. ■m
Características Processos controlados Processos automáticos

^Quantidade de esforço Requerem esforço intencional Requerem pouco ou nenhum esforço (o esforço
intencional intencional pode até ser necessário para evitar
comportamentos automáticos).
- . -
m. »Grau de consciência Requerem consciência total Geralmente ocorTem fora da consciência,
■M embora alguns processos automáticos possam
estar disponívéi#ã consciência ^ r -
*"<**-- s.4*
Uso de recursos da atenção Consomem muitos recursos da atenção Consomem recursos de atenção desprezíveis
Tipo de processamento Realizados em série (um passo por vez) Realizados por mèiò de processamento paralelo
(por èxemplò, muitas operações ao mesmo
tempo ou sem sequência definida)
Velocidade de Execução relativamente demorada, se Relativamente rápidos
processamento comparada aos processos automáticos

Novidade relativa das tarefas Tarefas novas e imprevistas ou com Tarefas conhecidas e muito executadas, com
muitas características variáveis características bastante estáveis

Nível de processamento Níveis relativamente altos de Níveis relativamente baixos de processamento


processamento cognitivo (exigem cognitivo (análise ou síntese mínimas)
análise ou síntese)

Dificuldade das tarefas Tarefas geralmente difíceis Tarefas quase sempre relativamente fáceis,
mesmo as relatiy^eyçite complexas podem ser
automátizadás seTióüver prática suficiente.

Processo de aquisição Com a pratica, muitos procedimentos de rotina e estáveis p^^m^e tomar automatizados,
de maneira que os processos altamente controlados poderft se tomar parcial ou totalmente
automáticos; a quantidade de prática necessária para a automatização aumenta no caso de
tarefas muito complexas
• Atenção e consciência

mudam, a mesma atividade poderá exigir novamente controle consciente. Ao dirigirmo


por exemplo, se a rua estiver inundada, provavelmente prestaremos mais atenção para fre
ar e acelerar. Em condições normais, essas tarefas são automáticas.

Como a automatização ocorre?


Como o processo se torna automatizado? Uma visão amplamente aceita é a de que, du­
rante a prática, a implantação dos vários passos se torna mais eficiente. Uma pessoa
combina gradualmente as etapas de esforço individual com os componentes integrados,
que são adicionalmente integrados até que todo o processo se torne uma operação sim­
ples (Anderson, 1983; Raz et al., 2007). Essa operação exige pouco ou nenhum recurso
cognitivo, como a atenção. Essa abordagem é sustentada por um dos primeiros estudos
da automatização (Bryan e Harter, 1899). Esse estudo investigou como os operadores
de telégrafo automatizavam, gradualmente, a tarefa de enviar e receber mensagens. No,
início, os novos operadores automatizavam a transmissão de letras individuais. Entre­
tanto, uma vez automatizada a transmissão de letras, eles automatizavam a transmissão
de palavras, de frases e, depois, de outros grupos de palavras.
Uma explicação alternativa, chamada teoria do exemplo, foi proposta por Logan
(1988). Logan sugeriu que a automatização ocorre por conta do acúmulo gradual de co­
nhecimento sobre determinadas reações e estímulos. Por exemplo, quando uma criança
aprende a somar e a subtrair, ela aplica um procedimento geral - contar - para lidar com
cada par de números. Após a prática repetida, a criança armazena aos poucos o conheci­
mento sobre pares específicos de números específicos. Eventualmente, ela pode recupe­
rar as respostas específicas da memória para combinações específicas de números. Ain­
da assim, pode recorrer ao procedimento geral (contar) quando necessário. Do mesmo
modo, quando aprende a dirigir, uma pessoa pode se utilizar de uma riqueza acumulada
de experiências específicas. Essas experiências formam uma base de conhecimento na
qual a pessoa pode recuperar rapidamente os procedimentos específicos para responder
a estímulos específicos, como carros ou semáforos próximos. Conclusões preliminares
sugerem que a teoria do exemplo de Logan explica melhor as respostas específicas a estí­
mulos específicos, como o cálculo de combinações aritméticas (Logan, 1988).
Os efeitos da prática sobre a automatização mostram uma curva de aceleração
negativa. Nessa curva, os efeitos da prática inicial são grandes. Os efeitos da prática
posterior fazem cada vez menos diferença no grau de automatização. Um gráfico de
aprimoramento de desempenho apresentaria uma curva íngreme ascendente logo no
início e, eventualmente, a curva se nivelaria (Figura 4.13). De modo geral, os processos
automáticos administram as tarefas familiares, nas quais há prática e que são fáceis.^Os
processos controlados administram tarefas relativamente novas, bem como as difíceis.
Em razão de o comportamento altamente automatizado exigir um pouco de esforço ou
controle consciente, podemos nos engajar em diversos comportamentos automáticos.
No entanto, raramente podemos nos engajar em mais de um comportamento controla­
do de trabalho intensivo.

Automatização na vida diária


Mesmo com prática, a automatização de tarefas, como a leitura, não é garantida. No
caso de dislexia, por exemplo, a automatização é enfraquecida. Geralmente, os indivídu­
os com dislexia apresentam dificuldade em finalizar tarefas normalmente automáticas,
além da leitura (Brambati et al., 2006; Ramus et al., 2003; van der Leij, de Jong e Rijswijk-
-Prins, 2001).
No entanto, às vezes, a automatização na leitura pode trabalhar contra nós. Uma de­
monstração disso é o efeito Stroop, denominação advinda de John Ridley Stroop (1935).
A tarefa funciona do seguinte modo: leia rapidamente em voz alta as seguintes palavras:
marrom, azul, verde, vermelho e púrpura. Fácil, não é? Agora diga rapidamente em voz
alta o nome das cores indicadas na Figura 4.14(a). Nessa figura, a tinta colorida é com­
patível com o nome da cor. Essa tarefa é muito fácil também. Olhe para a Figura 4.14(c).
Nela, as cores das tintas diferem dos nomes das cores impressas. Novamente, nomeie as
cores das tintas visualizadas, em voz alta, o mais rápido que conseguir.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 139

provavelmente, você achará essa tarefa difícil. Cada uma das palavras escritas inter­
na nomeação da cor da tinta. O efeito Stroop demonstra a dificuldade psicológica
èm tratar seletivamente a cor da tinta e tentar ignorar a palavra impressa com a tinta
^daquela cor. Uma explicação do motivo pelo qual o teste de Stroop pode ser particular-
í^nente difícil é que, para você e para a maioria dos adultos, a leitura, agora, é um proces-
^ so automático. Ele não está facilmente sujeito ao controle consciente (MacLeod, 1996,

^ ■ Figura 4.13 O efeito da prática. A taxa de melhoria provocada pelos efeitos da


prática mostra um padrão de aceleração negativa. A curva de aceleração negativa
ÍAàtribuída a efeitos da prática é semelhante à curva apresentada, indicando que a taxa
# de aprendizado fica mais lenta à medida que o volume de aprendizado aumenta, até ?
atingir um pico de aprendizado em nível estável.

O E F E IT O S T R O O P

(a) Leia esta lista de nomes de cores o mais rápido que conseguir. Leia de linha
em linha, da direita para a esquerda.
Vermelho Amarelo Azul Verde
Azul Vermelho Verde Amarelo
Amarelo Verde Vermelho Azul

(b) Nomeie cada uma destas amostras de cor o mais rápido possível. Nomeie
linha por linha, da direita para a esquerda.

(c) Nomeie a cor da tinta na qual a palavra foi impressa o mais rápido que conse­
guir. Nomeie linha por linha, da direita para a esquerda.
Vermelho Azul Verde Amarelo
Amarelo * * * Vermelho Azul Verde
Azul Amarelo Verde Vermelho

■ Figura 4.14 Efeito Stroop. Em 1935, John Ridley Stroop observou um fenômeno peculiar de atenção seletiva visual.
Tente implantar o conjunto de tarefas solicitadas acima. Se você for como a maioria das pessoas, achará mais difícil
realizar a tarefa c do que as tarefas a ou b. Durante décadas, desde que o efeito Stroop foi observado pela primeira
vez, foram sugeridos muitos motivos para explicá-lo.
*Você pode visualizar esta imagem em cores no final do livro.
140 CAPITULO 4 • Atenção e consciência

2005). Por esse motivo, você acha difícil não ler as palavras e, em vez disso, concentra-se
na identificação da cor da tinta. Uma explicação alternativa é que a saída de uma respos­
ta ocorre quando a via mental para a produção de resposta está suficientemente ativada
(MacLeod, 1991). No teste de Stroop, a palavra cor ativa a via cortical para dizer a pa­
lavra. Em contraposição, o nome da cor da tinta ativa a via para nomeação da cor. Mas
a via anterior interfere na posterior. Nessa situação, leva mais tempo para reunir a força
suficiente de ativação para produzir a resposta de nomeação da cor, e não a resposta de
leitura da palavra.
Existem variações do efeito Stroop, incluindo o número Stroop, o Stroop direcional,
o Stroop animal e o Stroop emocional. Essas tarefas são semelhantes ao Stroop padrão.
Por exemplo, no número Stroop, são utilizados numerais por extenso. Assim, a palavra
dois deve ser escrita três vezes, dois dois dois, e o participante deve contar a quantidade
de palavras. Assim como na tarefa Stroop padrão, ler pode interferir na tarefa de con­
tar (Girelli et al., 20Ô1; Kaufmann Nuerk, 2006). Uma das variações mais utilizadas é o
Stroop emocional, em que a tarefa básica é modificada para que as palavras coloridas
sejam substituídas ou por palavras emocionais ou por palavras neutras. Os participantes
devem dar nome às cores das palavras. Os pesquisadores acham que o atraso é maior na
tarefa de nomear as cores com palavras emotivas em comparação às palavras neutras.
Esses resultados sugerem que a leitura automática de palavras emotivas causa mais in­
terferência do que a leitura de palavras neutras (Bertsch et al., 2009; Phaf e Kan, 2007;
Thomas, Johnstone e Gonsalvez, 2007).
No entanto, em algumas situações os processos automáticos podem salvar vidas. É
importante automatizar as práticas de segurança (Norman, 1976). Isso se aplica princi­
palmente às pessoas com ocupações de alto risco, como pilotos, mergulhadores e bom­
beiros. Por exemplo, mergulhadores novatos reclamam da frequente repetição de vários
procedimentos de segurança, como soltar a cinta pesada dentro dos limites de uma pis­
cina. No entanto, a prática é importante, uma vez que os mergulhadores podem depen­
der de processos automáticos diante de eventual pânico em uma situação de emergência
no fundo do mar que coloque vidas em risco. >
Em outras situações, a automatização pode resultar em “insensatez” e ser conside­
rada uma ameaça à vida (Kontogiannis e Malakis, 2009; Krieger, 2005; Langer, 1989,
1997): em 1982, um piloto e um copiloto passaram por uma lista de checagem de rotina
antes de decolar. Eles observaram que o anticongelante estava desligado, como deve ser
na maioria das circunstâncias, mas não nas condições de baixa temperatura em que
iriam voar. O voo acabou em um acidente com 74 passageiros mortos. Muitas vezes, a
implantação descuidada de processos automáticos resulta em consequências bem me­
nos trágicas. Por exemplo, ao dirigir, podemos ir para casa como de costume em ve* de
parar em uma loja, como intencionávamos fazer. Também podemos derramar um copo
de leite e colocar a caixa de leite no armário em vez de colocá-la no refrigerador.

Erros que cometemos nos processos automáticos


4
Uma análise abrangente dos erros humanos indica que eles podem ser classificados
como equívocos ou como lapsos (Reason, 1990). Equívocos são erros em relação à es­
colha de um objetivo ou em relação à especificação de um meio para alcançá-lo. Lapsos
referem-se a erros ao executar um meio projetado para alcançar um objetivo. Suponha
que você decidiu que não precisa estudar para uma prova. Intencionalmente, você dei­
xará o livro para trás quando viajar em um feriado prolongado. Então, percebe que, no
momento da prova, deveria ter estudado. Segundo Reason, você cometeu um equívoco.
Agora suponha que tivesse a intenção de levar o livro consigo. Você planejou estudar
muito durante o feriado prolongado, mas na pressa para sair, deixou acidentalmente o
livro para trás,tf$so seria um lapso. Resumindo, os erros estão relacionados a processos
intencionais e controlados. Normalmente, os lapsos estão relacionados a erros em pro­
cessos automáticos (Reason, 1990).
Existem vários tipos de lapsos (Norman, 1988; Reason, 1990; ver a Tabela 4.4). Em geral,
os lapsos têm maior probabilidade de acontecer em duas circunstâncias. A primeira é quan­
do nos desviamos de uma rotina e os processos automáticos, inadequadamente, dominam
os processos intencionais e controlados. A segunda é quando os processos automáticos
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 141

, iflterrompidos. Essas interrupções costumam resultar de eventos externos ou de in-


nnações de fora, mas, algumas vezes, podem resultar de eventos internos, como os
nsamentos que causam distração. Imagine que você está escrevendo uma carta logo
nós ter discutido com um amigo. Você fará pausas enquanto escreve à medida que os
nsamentos sobre como deveria ter reagido à discussão interrompem a redação, que
normalmente é automática. Os processos automáticos são muito úteis em várias ocasiões.
Eles nos fazem evitar prestar excessiva atenção em tarefas rotineiras, como amarrar os
sapatos ou ligar para um número conhecido. Assim, é provável que abramos mão dos
processos automáticos apenas para evitar lapsos ocasionais. Contudo, devemos tentar
m inim izar os custos desses lapsos.
Como minimizar as potenciais consequências negativas dos lapsos? Em situações
cotidianas, é menos provável cometermos lapsos quando recebemos respostas adequa­
das do ambiente. Por exemplo, a caixa de leite pode ser maior que a prateleira do armário
da cozinha ou a pessoa que está com você no carro poderá lhe dizer: “Achei que passa­
ríamos na loja antes de ir para casa”. Se fosse possível encontrar maneiras de termos um

Tabela 4.4 Lapsos associados aos processos automáticos

Ocasionalmente, quando nos distraímos ou somos interrompidos durante a realização de um processo automático, /
ocorrem lapsos. Em comparação com o número de vezes em que o indivíduo se envolve em processos automáticos a
cada dia, os lapsos são eventos relativamente raros (Reason, 1990).

i Tipos de erro Descrição do erro Exemplo do erro


fr ■
. Erros de captura Com a intenção de desviar de uma atividade Seguir automaticamente uma rotina comum,
rotineira, implementamos no entorno familiar, corrotirar á roupadotrabalho e colocar
mas no ponto no qual devemos nos afastar pijama e ir pafaa cama - apenas para
da rotina, falhamos em prestar atenção e perceber que pretendemos tirar a roupa
recuperar o controle do processo; assim, os de trabalho para sair para jantar (James,
processos automáticos capturam o nosso 1890/1970, mencionado em Langer, 1989).
comportamento e falhamos em nos desviar­
mos da rotina.

Omissões* A interrupção de uma atividade de rotina Quando vamos a outro cômodo da casa pára
pode causar um lapso de um passo ou dois pegar algo, se uma distração (por exemplo, o
na implantação da parte remanescente da telefone) nos interrompe, podemos voltar ao
rotina. cômodo onde estávamos sem o obMo. ^

Perseverações* Após a conclusão de um procedimento Se ao ligarmos o carro nos distrairmos, v


automático, um ou mais passos podem ser podemos girar à chave outra vez;
repetidos.

Erros de descrição A descrição interna de um comportamento Ao guardar as compras, colocamos o sor­


pretendido leva-nos a realizar a ação correta vete no armário e o pacote de farinha no
em relação ao objeto errado. * congelador. *

Erros causados por Informações sensoriais que recebemos Na intenção de digitar um número conhecido,
dados podem dominar as variáveis pretendidas em caso ouçamos alguém dizer outra série de
uma sequência de ação automática. números, podemos acabar digitando tais
números.

Erros de ativação Associações fortes podem desencadear a Quando esperamos que alguém chegue à
associativa rotina automática errada. porta, se o telefone tocar, podemos atender
dizendo: “Entre!”.

Erros de perda de A ativação de uma rotina pode ser insufici­ Vamos a outro cômodo da casa para fazer
ativação ente para l e v á - l o final. algo e, ao chegarmos lá, nos perguntamos:
( “O que eu vim fazer aqui?”. Pior ainda é a
sensação desagradável: “Sei que eu deveria
estar fazendo alguma coisa, mas não lembro
o que é”. Algo no ambiente desencadeia a
nossa lembrança.
*As omissões e perseverações podem ser consideradas exemplos de erros na sequência de processos automáticos. Entre os erros desse tipo
estão a sequência incorreta de passos, como tentar tirar as meias antes dos sapatos.
142 ^ CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

retorno útil, talvez pudéssemos reduzir as probabilidades de consequências desastrosas


dos lapsos. Um tipo de retorno bastante útil envolve uma função forçada. Essas são li­
mitações típicas que dificultam ou impossibilitam a realização de um comportamento
automático que possa levar a um lapso (Norman, 1988). Por exemplo, alguns carros mo­
dernos dificultam ou impossibilitam dirigir sem usar o cinto de segurança. Você pode
inventar suas próprias funções forçadas, como deixar um lembrete no volante para reali­
zar uma tarefa no caminho para casa ou colocar os itens em frente à porta para bloquear
a saída de modo que você não os esqueça. Com o tempo, acabamos por automatizar as
incontáveis tarefas diárias.

Consciência
Nem tudo que fazemos, sobre o que raciocinamos e o que percebemos é necessariamen­
te consciente. Podemos estar cientes dos estímulos que alteram as nossas percepções
e avaliações ou podemos ser incapazes de falar a palavra certa em uma frase mesmo
sabendo que sabemos a palavra correta. Esta seção explora a consciência dos processos
mentais e como o processamento pré-consciente pode influenciar a nossa mente. "

Consciência dos processos mentais


Nenhum pesquisador sério da cognição acredita que as pessoas tenham acesso cons­
ciente a processos mentais simples. Por exemplo, ninguém tem uma boa ideia dos meios
pelos quais reconhecemos que uma letra impressa como um A está em maiúscula ou
em minúscula. Contudo, vamos considerar um processamento mais complexo. Até que
ponto temos consciência dos próprios processos mentais mais complexos? Os psicólo­
gos cognitivos têm visões diferentes de como responder a essa pergunta.
Uma visão (Ericsson e Simon, 1984) é que as pessoas têm um bom acesso aos com­
plexos processos mentais. Simon e colaboradores, por exemplo, utilizaram a análise de
protocolo para analisar como as pessoas solucionam problemas, como questões de xa­
drez e os chamados problemas criptaritméticos, nos quais a pessoa tem de descobrir
quais números substituem as letras no problema de cálculo matemático. Essas inves­
tigações sugeriram a Simon e colaboradores que as pessoas têm acesso aos complexos
processos de informação.
Uma segunda perspectiva é a de que o acesso das pessoas a processos mentais com­
plexos não é muito bom (por exemplo, Nisbett, Wilson, 1977). Conforme essa teoria, ls
pessoas podem pensar que sabem como resolver os problemas complexos, mas, muitas
vezes, os pensamentos estão equivocados. Segundo Nisbett e Wilson, em geral, estamos
conscientes dos produtos de nosso pensamento, mas apenas vagamente conscientes, se é
que estamos, de nossos processos de pensamento. Por exemplo, suponha que você tenha
decidido comprar um modelo de bicicleta em vez de outro. Certamente, você saberá o
produto da decisão - qual modelo comprou. Mas pode ter somente uma ideia vaga de
como chegou a essa decisão. Na realidade, de acordo com essa visão, você pode acreditar
que sabe por que tomou determinada decisão, mas talvez essa crença esteja errada. Os
anunciantes de produtos dependem dessa segunda visão. Eles tentam manipular pen­
samentos e sentimentos em direção a um produto de forma que sejam quais forem os
pensamentos conscientes, os inconscientes farão com que você compre o produto deles
e não o do concorrente. A essência da segunda perspectiva é que o acesso consciente das
pessoas aos processos de pensamento e até mesmo o controle que elas têm sobre eles é
reduzido (Levin,^2004; Wegner, 2002; Wilson, 2002). Pense no problema que é esque­
cer alguém que terminou um relacionamento íntimo com você. Uma técnica utilizada
para isso é a supressão dos pensamentos. Assim que pensa na pessoa, você tenta tirá-la
da mente. Essa técnica tem um grande problema: normalmente não funciona. De fato,
quanto mais você tenta não pensar na pessoa, mais você pensa nela e terá problemas em
tirá-la de seus pensamentos. Na verdade, as pesquisas indicam que tentar não pensar
sobre algo não funciona (Tomlinson et al., 2009; Wegner, 1997a, 1997b). Ironicamente,
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 143

to mais tentamos não pensar em alguém ou em algo, mais obcecados ficamos pela
Hpessoa ou pelo objeto.

processamento pre-consciente
g r u m a s informações que atualmente ficam fora da consciência ainda podem estar dis-
JáLnoníveis na consciência ou pelo menos nos processos cognitivos. Por exemplo, quando
Hf víícê penteia o cabelo para um encontro, você consegue penteá-lo embora, muito pro-
J ljt vaVelmente, sua mente esteja em outro lugar, ou seja, no encontro. A informação sobre
como pentear o cabelo está disponível mesmo que não esteja fazendo isso consciente­
mente. As informações disponíveis para o processamento cognitivo, mas que atualmente
j@ estão fora da consciência, existem no nível pré-consciente da consciência. A informação
5 |l pré-consciente in clu i recordações armazenadas que não estão sendo usadas em determi-
S l nado momento, mas que podem ser acessadas quando necessário. Por exemplo, quando
Ü l fòlicitado, você pode se lembrar de como era seu quarto. Obviamente, nem sempre você
fjip èstá pensando conscientemente sobre o seu quarto (ao menos, talvez, que você esteja
extremamente cansado). Da mesma forma, as sensações também podem ser trazidas da
pré-consciência para a consciência. Por exemplo, antes de ler esta sentença, você estava
^ consciente das sensações do pé direito? Provavelmente não. No entanto, tais sensações
estão disponíveis para você.
'St- -
s Estudo do pré-consciente - primação
Como é possível estudar situações que, atualmente, estão fora da consciência? Os psi­
cólogos resolveram esse problema estudando um fenômeno conhecido como primação.
Na primação, os participantes são apresentados a um primeiro estímulo (o essencial),
"h seguido por um intervalo que pode variar de milissegundos a semanas ou meses. En-
" tão, os participantes são apresentados a um segundo estímulo e fazem um julgamen­
to (por exemplo, o primeiro e o segundo estímulos são os mesmos?) para verificar a
# apresentação do primeiro estímulo afetado pela percepção do segundo (Neely, 2003).
O pensamento por trás desse procedimento é que a apresentação do primeiro estímulo
pode ativar os conceitos relacionados à memória que são mais facilmente acessíveis.
;# Suponha, por exemplo, um amigo que lhe conta sobre as férias dele na Flórida e sobre
*31 como ele amou ver as gruas nos pântanos. Posteriormente, você ouve a palavra grua .
Provavelmente pensará no pássaro, e não na máquina utilizada para mover objetos pesa-
^ dos, diferentemente de alguém que não tenha ouvido a conversa anterior sobre pássaros.
A maioria das primações é positiva no que diz respeito ao primeiro estímulo facilitar o
reconhecimento posterior. Mas a primação presente pode ser negativa e impedir o re­
conhecimento posterior. Por exemplo, pedem para você resolver diversos problemas de
álgebra que podem ser solucionados com a mesma fórmula e depois pedem para você
resolver outros problemas que exigem outras fórmulas, você pode ter primação negativa
em relação a alguém que não resolveu o primeiro conjunto de problemas com a fórmula
agora irrelevante. 4
Às vezes, estamos cientes dos estímulos de primação. Entretanto, a primação ocor­
re mesmo quando os estímulos são apresentados de uma maneira que não permite a
entrada deles na consciência (por exemplo, é apresentado muito brevemente para ser
registrado de modo consciente).
Vamos olhar para alguns estudos que utilizaram a primação. Mareei (1983a, 1983b),
por exemplo, observou o processamento de estímulos que foram apresentados de forma
muito rápida para serem detectados no âmbito da consciência. Em um estudo, Mareei
apresentou aos participantes um estímulo-primo com dois significados diferentes. Um
seria a palavra palma , que pode se referir tanto ao corpo humano quanto a uma planta.
Depois, outra palavra foi apresentada aos pérticipantes, para os quais foi solicitado clas­
sificá-la em diversas categorias. Para os participantes que viram conscientemente o essen­
cial, a via mental para um dos dois significados (por exemplo, planta) foi ativada e facili­
tou (acelerou) a classificação de uma palavra relacionada subsequente. A via para o outro
significado (por exemplo, parte corporal) mostrou um efeito de primação negativo, no
qual foi inibida (desacelerou) a classificação da palavra não relacionada subsequente. Por
exemplo, se a palavra palma for apresentada, a palavra facilita ou inibe a classificação da
144 CAPITULO 4 • Atenção e consciência

palavra pulso, dependendo se o participante associou palma com mão ou com árvore.
Em contrapartida, se a palavra palma for apresentada por pouco tempo, de modo que a
pessoa não a tenha visto de forma consciente, os dois significados podem ser ativados.
Outro exemplo de possíveis efeitos de primação e processamento pré-consciente
pode ser encontrado em um estudo definido como teste de intuição. Esse estudo utilizou
uma tarefa “díade de tríades” (Bowers et al., 1990). Pares (díades) de um grupo de três
palavras (tríade; ver a Figura 4.15) foram apresentados aos participantes. Um grupo de
tríades em cada díade era potencialmente coerente. O outro tinha palavras aleatórias e
não relacionadas. Por exemplo, as palavras do Grupo A, uma tríade coerente, poderiam
ser desempenho, crédito e relatório. Já as palavras do Grupo B, uma tríade incoerente, po­
deriam ser ainda, páginas e música. (As palavras do Grupo A podem ser agrupadas sig­
nificativamente com uma quarta palavra - cartas [jogar cartas, cartão de crédito, bole­
tim]; as palavras do Grupo B não suportam tal relação.) Após a apresentação da díade de
tríades, foram mostradas aos participantes as possíveis opções para uma quarta palavra
relacionada a uma das duas tríades. Então, pediu-se para os participantes identificarem
qual das duas díades era coerente e relacionada à quarta palavra, e qual quarta palavra es­
tava ligada à tríade coerente. Alguns participantes não descobriram a quarta palavra
unificadora para determinado par de tríades. No entanto, pediu-se para que indicassem
qual das duas tríades eram coerentes. Quando os participantes não conseguiam verificar a
palavra unificadora, ainda conseguiam identificar a tríade coerente em um nível acima das
probabilidades. Ao que parece, havia algumas informações pré-conscientes disponíveis.
Essas informações os levaram a selecionar uma tríade sobre a outra. Eles fizeram isso mes­
mo sem saber conscientemente qual palavra unificou a tríade.
Os exemplos descritos aqui envolvem a primação visual. No entanto, a primação
não precisa ser visual. Os efeitos da primação também podem ser demonstrados por
meio de material de áudio. Os experimentos que exploram a primação auditiva revelam
os mesmos efeitos comportamentais da primação visual. Ao usar métodos de neuroima-
gem, os pesquisadores descobriram que áreas similares do cérebro estão envolvidas em
ambos os tipos de primação (Badgaiyan, Schacter e Alpert, 1999; Bergerbest, Ghahre-
mani e Gabrieli, 2004).
Uma aplicação interessante da primação auditiva foi utilizada com pacientes sob
efeito de anestesia. Enquanto estavam anestesiados, foi-lhes apresentada uma lista de
palavras. Após o efeito da anestesia passar, eles respondiam às perguntas com sim/não e
completavam as letras com as palavras ouvidas. Os pacientes respondiam às perguntas
sim/não. Eles não relataram conhecimento consciente das palavras. No entanto, na tare­
fa de completar as letras, mostraram evidências de primação. Os pacientes completaram
as letras com itens que lhes foram apresentados enquanto estavam anestesiados. EssesVe-
sultados demonstram que, mesmo quando o indivíduo não tem nenhuma lembrança de
um evento auditivo, o evento ainda pode afetar seu desempenho (Deeprose et al., 2005).

Aquela palavra novamente? O fenômeno


da ponta da língua
Infelizmente, às vezes, trazer informações pré-conscientes para a consciência não é fácil.
A maioria das pessoas já vivenciou o fenômeno da ponta da língua, no qual tentamos
lembrar de algo que sabemos estar armazenado na memória, mas que não conseguimos

1. Apresentação: 2. Apresentação: 3. Apresentação:

■ Figura 4.15 A tarefa díade de tríades. Essa tarefa foi apresentada aos participantes com
dois grupos de três palavras (tríades). Uma das tríades continha palavras não relacionadas;
a outra tríade continha palavras de algum modo coerentes. Após os participantes verem as
duas tríades, outra palavra lhes foi apresentada, então, foi-lhes solicitado identificar qual tríade
estava relacionada àquela palavra.
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 145

llessar. Os psicólogos tentaram gerar experimentos que pudessem medir esse fenômeno
foor exemplo, ver Hanley e Chapman, 2008). Em um estudo clássico (Brown e McNeill,
líK>6)> os participantes liam uma grande quantidade de definições do dicionário. Por
flfemplo, poderiam receber a dica: “instrumento usado por navegadores para medir o
jugulo entre um corpo celeste e o horizonte”. Foi-lhes solicitado identificar as palavras
mie correspondiam a esses significados. Esse procedimento constituía um jogo seme-
Sihante ao apresentado em programas televisivos de perguntas e respostas. Alguns parti­
cipantes não conseguiram apresentar a palavra, mas achavam que a conheciam. Ainda
assim, identificaram as primeiras letras, o número de sílabas ou o som aproximado dos
1vocábulos. Por exemplo, começa com “s”, tem duas sílabas e soa como “sexteto”. Por fim,
S alguns participantes descobriram que a palavra procurada era “sextante”. Esses resultados
l ihílicam que informações prévias pré-conscientes, embora não estejam totalmente acessí-
1 veis ao pensamento consciente, estão disponíveis para os processos de atenção.
O fenômeno da ponta da língua é aparentemente universal. É observado em falan­
tes de muitos idiomas diferentes. Os bilíngues vivenciam mais a ponta da língua que
£ os monolíngues; isso pode acontecer por conta de o bilíngue utilizar uma das línguas
com menos frequência que os monolíngues (Pyers, Gollan e Emmorey, 2009). Também
& é observado em pessoas com limitações de leitura ou analfabetas (Brennen, Vikan e
Dybdahl, 2007). Os adultos mais velhos têm mais experiências de ponta da língua se

f comparados a adultos mais jovens (Galdo-Alvarez, Lindin e Diaz, 2009; Gollan e Brown, * j

2006). Os córtices pré-frontais cingulados anteriores estão envolvidos quando a pessoa •


~-*vivenda o fenômeno da ponta da língua. Isso provavelmente acontece em razão de os j
mecanismos cognitivos de alto nível serem ativados para resolver a falha de recuperação /
(Maril, Wagner e Schacter, 2001).

Quando as pessoas com deficiência visual podem enxergar


A percepção pré-consciente também é observada em pessoas com lesões em algumas
áreas do córtex visual (Rees, 2008; Ro e Rafai, 2006). Geralmente, os pacientes são cegos
em áreas do campo visual que correspondem às áreas lesionadas do córtex. Alguns pa-
^ cientes, no entanto, parecem apresentar blindsight2 - vestígios de habilidade de percep­
ção visual nas áreas cegas (Kentridge, 2003). Quando forçados a adivinhar os estímulos
na região “cega”, eles adivinham os locais e as orientações de objetos em níveis acima das
^ probabilidades (Weiskrantz, 1994, 2009). De modo semelhante, quando forçados a en-
contrar objetos na área cega, “participantes cegos no âmbito cortical (...) pré-ajustam as
mãos ao tamanho, ao formato, à orientação e ao local 3D daquele objeto no campo cego”
T (Mareei, 1986, p. 41). Contudo, não conseguem demonstrar comportamento voluntário, ^
como pegar um copo de água que esteja na região cega, mesmo quando estão com sede.
Parece ocorrer algum processamento visual mesmo quando os participantes não têm
consciência das sensações visuais.
Um exemplo interessante de blindsight é o estudo de caso de um paciente chamado
D. B. (Weiskrantz, 2009). O paciente era cego do lado esquçrdo do campo visual como
resultado infeliz de uma operação. Em outras palavras, cada olho tinha um ponto cego
do lado esquerdo do campo visual. Coerente com esse dano, D. B. relatou não ter cons­
ciência de objetos colocados no seu lado esquerdo ou de eventos que ocorressem desse
lado. Contudo, apesar da falta de consciência de visão desse lado, havia evidências de
visão. O pesquisador mostrou objetos do lado esquerdo do campo visual e, a seguir,
apresentou a D. B. um teste de escolha focada, em que ele tinha de indicar qual dos dois
objetos havia sido apresentado desse lado. D. B. teve um desempenho em um nível sig­
nificativamente melhor do que o acaso. Em outras palavras, ele “viu”, apesar de não ter
consciência de ter visto.
Outro estudo emparelhou as apresenfcáções dos estímulos visuais com choques elé­
tricos (Hamm et al., 2003). Após inúmeros pares de estímulos, o paciente começou a
demonstrar medo sempre que o estímulo visual era apresentado, embora não pudesse
explicar por que estava com medo. O paciente estava processando as informações visu­
ais, apesar de não conseguir ver.
2 Ou visão cega. (N.R.T.)
146 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

Uma explicação para o blindsight é que a informação da retina é encaminhada para


o córtex visual, que está danificado nas pessoas cegas no âmbito cortical. No entanto, pa­
rece que parte das informações visuais é desviada do córtex visual e enviada para outros
locais no córtex. As informações desses locais são acessíveis de modo inconsciente, em­
bora pareçam ser conscientes quando processadas no córtex visual (Weiskrantz, 2007).
Os exemplos anteriores mostram que pelo menos algumas funções cognitivas po­
dem ocorrer fora da consciência. Ao que parece, o ser humano pode sentir, perceber e
até mesmo reagir a muitos estímulos que nunca adentram na consciência (Mareei, 1983a).

V VERIFICAÇÃO DE CSNCEITOS
1. Como o processo mental se torna automatizado?
2. O que é primação e como pode ser estudada?
3. Quais são os sintomas observados em um indivíduo que apresenta
blindsight?

O estudo da atenção e da consciência coloca em destaque vários temas fundamentais da


psicolpgiíi ççgnitiYa,
Estruturas versus processos. O cérebro tem várias estruturas e sistemas de estru­
turas, como o sistema de ativação reticular, que gera os processos que contribuem para
a atenção. Às vezes, o relacionamento entre estrutura e processo não é totalmente claro
e é função dos psicólogos cognitivos entendê-lo melhor Por exemplo, a visão cega é um
fenômeno no qual ocorre um processo - a visão - na ausência das estruturas do cérebro
que seriam necessárias para que ele ocorresse.
Validade das inferências causais versus validade ecológica. A pesquisa deveria ser
conduzida em laboratório para alcançar controle experimental cuidadoso? Ou a pesqui­
sa de situações de vigilância de alto risco deveria ser estudada de uma perspectiva ecoló­
gica? Por exemplo, um estudo no qual oficiais militares verificam as telas de radares em
busca de possíveis ataques deve ter um alto gràu de validade ecológica para garantir que
os resultados possam ser aplicados à situação atual que os oficiais militares vivencialn.
Os riscos são muito altos para permitir que alguma falha venha a ocorrer. Ainda assim,
quando a vigilância em situação da vida real é estudada, ningüém gostaria que ocorresse
um ataque de fato. Assim, é necessário utilizar simulações o mais realistas possível. Des­
sa maneira, a validade ecológica das conclusões pode ser garantida.
Métodos biológicos versus métodos comportamentais. O blindsight é um caso de
vínculo curioso, mas pouco compreendido. A biologia parece não estar presente para
gerar o comportamento. Outro exemplo interessante é o TDAH. Hoje os médicos con­
tam com a disponibilidade de medicamentos para tratar este transtorno. Os tratamentos
permitem que crianças e adultos foquem nas tarefas que precisam ser feitas. Mas os
mecanismos pelos quais os medicamentos funcionam são pouco compreendidos. De
fato, paradoxalmente, a maioria dos medicamentos utilizados para tratar o TDAH é es­
timulante e, quando administrados a crianças, parecem acalmá-las.

RESUMO
1. É possível processar ativamente a informação mesmo que não estejamos cientes
dessa ação? Em caso afirmativo, o que é processado e como isso é feito? Ao passo
que a atenção compreende todas as informações que o indivíduo manipula (uma
parte das informações disponíveis na memória, nas sensações e em outros processos
Atenção e consciência • CAPÍTULO 4 147

itivos), a consciência inclui uma gama menor de informações, de cuja manipu-


ição QS indivíduos estão cientes. A atenção permite que utilizemos nossos recursos
litivos ativos limitados (por exemplo, por conta do limite da memória de tra-
o) de forma judiciosa, para respondermos com rapidez e precisão a estímulos
iteressantes, e para nos lembrarmos das informações notáveis. A consciência nos
ite monitorar nossas interações com o ambiente, ligar as experiências passadas
as futuras, de modo a sentirmos uma linha contínua de experiência, e controlar
planejar as futuras ações.
^ io d e m o s processar ativamente as informações no nível pré-consciente sem estar-
[os cientes disso. Por exemplo, os pesquisadores estudam o fenômeno da primação,
to qual determinados estímulos aumentam a probabilidade de que um estímulo sub-
tente (ou idêntico) seja prontamente processado (por exemplo, recuperação da
lemória de longo prazo). Em contraposição, no fenômeno da ponta da língua, outro
Exemplo de processamento pré-consciente, não ocorre a recuperação das informações
memória, apesar da habilidade de recuperar as informações relacionadas.
Os psicólogos cognitivos também observam as distinções entre a atenção cons-
[ente e a atenção pré-consciente com base nos processamentos controlado e au-
«nático no desempenho de tarefas. Os processos controlados são relativamente
lentos, sequenciais por natureza, intencionais (exigem esforço) e permanecem sob
•ntrole consciente. Os processos automáticos são relativamente rápidos, paralelos
por natureza e para a maior parte fora da consciência. De fato, parece existir um
continuum no processamento, desde os processos totalmente automáticos aos total­
mente controlados.
% Quais são algumas das funções da atenção? Uma função principal envolvida na
atenção é a identificação de objetos e eventos importantes no ambiente. Os pesqui­
sadores utilizam as medidas da teoria da detecção de sinal para determinar a sensi­
bilidade de um observador aos alvos em diversas tarefas. Por exemplo, a vigilância
refere-se à habilidade da pessoa de observar um campo de estímulo por um longo
período, geralmente com os estímulos ocorrendo com pouca frequência. Ao passo
;âa6r que a vigilância envolve a espera passiva da ocorrência de um evento, a busca envol­
ve a procura ativa por um estímulo.
As pessoas utilizam a atenção seletiva para rastrear determinada mensagem e
simultaneamente ignorar as outras. A atenção seletiva auditiva (como no “problema
coquetel” apresentado) pode ser observada se for solicitado aos participantes som­
brearem as informações apresentadas de forma dicótica. A atenção seletiva visual
pode ser observada nas tarefas que envolvem o efeito Stroop. Os processos de
atenção também estão envolvidos na atenção dividida, quando as pessoas tentam
realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo; geralmente, o desempenho simul­
tâneo em mais de uma tarefa automatizada é mais fácil do que o desempenho si­
multâneo em mais de uma tarefa controlada. No entanto, com a prática, as pessoas
podem se tornar capazes de manusear mais de uma tarefa controlada ao mesmo
tempo, mesmo no caso de tarefas que exigem compreensão e tomada de decisão.
3. Quais são algumas teorias que os psicólogos cognitivos desenvolveram para ex­
plicar os processos da atenção? Algumas teorias da atenção envolvem um filtro ou
gargalo, de acordo com a informação que é seletivamente bloqueada ou atenuada à
medida que passa de um nível de processamento para outro. Das teorias aprimora­
das (gargalo da garrafa), algumas sugerem que o bloqueio de sinal ou o mecanismo
de atenuação de sinal ocorre logo após a sensação e antes de qualquer processamen­
to perceptivo; outras propõem um mecanismo posterior, depois de alguns processa­
mentos perceptivos terem ocorrido.
As teorias de recursos da atenção oferecem uma maneira alternativa para expli­
car a atenção; de acordo com essas^feorias, as pessoas têm uma quantidade fixa de
recursos atencionais (talvez modulados pelas modalidades sensoriais), que alocam
de acordo com as exigências das tarefas. De fato, as teorias de recursos e as teorias
aprimoradas (gargalo da garrafa) podem ser complementares. Além dessas teorias
gerais da atenção, algumas teorias específicas relacionadas a tarefas (por exemplo,
a teoria da integração de características e a teoria da semelhança) tentam explicar
alguns fenômenos particulares.
148 CAPÍTULO 4 • Atenção e consciência

4. O que os psicólogos cognitivos aprenderam a respeito da atenção por meio d


estudo do cérebro humano? As primeiras pesquisas neuropsicológicas levarairf j
descoberta de detectores de características e o trabalho subsequente explorou outr;
aspectos da detecção de características e dos processos de integração que podem es
envolvidos na busca visual. Além disso, a extensa pesquisa dos processos de aten
no cérebro parece sugerir que o sistema de atenção envolve principalmente duas regiões
do córtex, assim como o tálamo e algumas outras estruturas subcórticas; o sistema dé
atenção também administra diversos processos específicos que ocorrem em diversas!
áreas do cérebro, particularmente no córtex. Os processos de atenção podem ser reli
sultado do aumento da ativação de algumas regiões cerebrais, da atividade inibida e i |
outras áreas ou talvez de algumas combinações de ativação e inibição. Os estudos dei
resposta a estímulos particulares mostram que mesmo quando uma pessoa está focaíl
da na tarefa primária e não está consciente do processamento de outros estímulos, o|
cérebro responde automaticamente aos estímulos pouco frequentes e anormais (porl
exemplo, um tom estranho). Utilizando diversas abordagens para estudar o cérebrol
(por exemplo, tomografia por emissão de pósitrons, potencial relacionado a eventojl
estudos de lesões e estudos psicofarmacológicos), os pesquisadores estão adquirin-!
do conhecimento sobre diversos aspectos e tornando-se capazes de utilizar operaçõesl
convergentes para explicar alguns dos fenômenos observados.

" PENSANDO SOBRE O PENSAMENTO: QUESTÕES


ANALÍTICAS, CRIATIVAS E PRÁTICAS
1. Descreva algumas das evidências relacionadas ao fenômeno da primação e à per­
cepção pré-consciente.
2. Compare e contraste as teorias de busca visual descritas neste capítulo. Escolha
uma das teorias da atenção e explique como a evidência da detecção de sinal, a
atenção seletiva ou a atenção dividida fundamentam ou desafiam a teoria.
3. Projete uma provável tarefa para ativação do sistema atencional posterior e outra
provável tarefa para o sistema atencional anterior.
4. Projete um experimento para o estudo da atenção dividida.
5. Como os anunciantes utilizam alguns dos princípios da busca visual ou da atenção
seletiva para aumentar a probabilidade de as pessoas observarem as mensagens?
6. Descreva algumas maneiras práticas nas quais podemos utilizar as funções de
força e outras estratégias para diminuir a probabilidade de o processo automáti­
co ter consequências negativas em algumas das situações que vivenciamos.

* TERMOS-CHAVE
agitação, p. 132 busca de conjunção, p. 118 processos automáticos, p. 136
apresentação dicótica, p. 121 cegueira de mudança, p. 134 processos controlados, p. 136
atenção, p. 113 cegueira inatencional, p. 134 sinal, p. 115
atenção dividida, p. 127 consciência, p. 114 teoria da detecção de sinal (TDS),
atenção executiva, p. 132 detecção de sinal p. 115 p. 115
atenção seletiva, p. 120 distração, pH 17 teoria da integração de características,
automatização, p. 137 efeito Stroop, p. 138 p. 118
blindsight, p. 145 fenômeno da ponta da língua, p. 144 vigilância, p. 116
busca, p. 117 primação, p. 143
busca de característica, p. 118 problema coquetel, p. 121

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