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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS LICENCIATURA A DISTÂNCIA

MÁRCIO PAULO GONÇALVES TIBÚRCIO

O USO DA FOTOGRAFIA EM SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A


PARTIR DO PROJETO OLHARES EM FOCO EM SOBRAL NOS ANOS DE 2014 -
2017

SOBRAL – CEARÁ
2023
MÁRCIO PAULO GONÇALVES TIBÚRCIO

O USO DA FOTOGRAFIA EM SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A


PARTIR DO PROJETO OLHARES EM FOCO EM SOBRAL NOS ANOS DE 2014 -
2017

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Artes Visuais Licenciatura a Distância do
Centro de Humanidades da Universidade
Estadual do Ceará, em parceria com a
Universidade Aberta do Brasil, como
requisito parcial à obtenção do grau de
licenciado(a) em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Me. Xxxxx.


Coorientador(a) (se houver): Prof.ª Dra.
Xxxxxxxxxxxxx.

SOBRAL – CEARÁ
2023
___________________________________________________________________

Página reservada para ficha catalográfica.

Gerar PDF da ficha catalográfica após o cadastro dos dados do trabalho no


SidUECE e inserir nesta página.

___________________________________________________________________
MÁRCIO PAULO GONÇALVES TIBÚRCIO

O USO DA FOTOGRAFIA EM SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A


PARTIR DO PROJETO OLHARES EM FOCO EM SOBRAL NOS ANOS DE 2014 -
2017

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Artes Visuais Licenciatura a Distância do
Centro de Humanidades da Universidade
Estadual do Ceará, em parceria com a
Universidade Aberta do Brasil, como
requisito parcial à obtenção do grau de
licenciado(a) em Artes Visuais.

Aprovada em: XX de (mês por extenso) de 2023.

BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Me. Xxxxxx (Orientador)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
________________________________________________
Profa. Dra. Xxxxxx (Coorientador)
Instituição que pertence por extenso – SIGLA
________________________________________________
Prof. Dr. Xxxxxx
Instituição que pertence por extenso – SIGLA
AGRADECIMENTOS

Ao Davi Ângelo, companheiro de vida e da arte.


Aos participantes do Projeto Olhares em Foco da Sociedade de Apoio à Família
Sobralense.
Aos amigos e amigas da primeira turma de Licenciatura em Artes Visuais da
UAB/UECE de Sobral.
Aos Professores e às Professoras do Curso de Artes Visuais da UAB/UECE.
À Coordenadora Professora Elídia, por toda atenção e cuidado.
Às minhas Psicólogas e amigas: Thais Andrade, Virna Vasconcelos, Géssica
Marques e Bruna Vieira.
Aos meus familiares.
“Tudo pode ser, se quiser será”
(Michael Sullivan e Paulo Massadas)
RESUMO

O objetivo deste trabalho foi o de realizar um estudo sobre o uso da fotografia em


sala de aula a partir de um relato de experiência com o Projeto Olhares em Foco em
Sobral nos anos de 2014 a 2017. O trabalho faz uma breve discussão sobre o
ensino de artes no Brasil e traz uma conceituação acerca da fotografia, trazendo
informações sobre seu surgimento e seus usos no decorrer do tempo, além de sua
importância para a humanidade. Explana sobre a metodologia da fotografia
participativa entre jovens a partir de uma apresentação de relato de experiência com
um projeto que utilizou a metodologia photovoice em Sobral.

Palavras-chave: Fotografia; ensino de artes; relato de experiência.


ABSTRACT

The objective of this work was to carry out a study on the use of photography in the
classroom based on an experience report with the Projeto Olhares em Foco in Sobral
in the years 2014 to 2017. The work makes a brief discussion about teaching of arts
in Brazil and provides a conceptualization of photography, providing information
about its emergence and uses over time, in addition to its importance for humanity. It
explains the methodology of participatory photography among young people based
on a presentation of an experience report with a project that used the photovoice
methodology in Sobral.

Keywords: Photography; arts teaching; experience report.


SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO......................................................................................................10
2 - REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................................12
2.1 - O ENSINO DA ARTE NO BRASIL............................................................12
2.2 – FOTOGRAFIA: BREVE HISTÓRICO.......................................................13
2.3 - A IMPORTÂNCIA DA FOTOGRAFIA PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS E
HUMANAS.................................................................................................................17
2.4 – A METODOLOGIA PHOTOVOICE..........................................................19
3 - A FOTOGRAFIA PARTICIPATIVA EM SOBRAL – UM RELATO DA
EXPERIÊNCIA COM O PROJETO OLHARES EM FOCO........................................21
4 - CONCLUSÃO.......................................................................................................29
5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................30
10

1 - INTRODUÇÃO

Para que se chegasse a este trabalho foi preciso um movimento de idas e


vindas entre formatos, quase que numa indecisão infinita, acerca do que poderia ser
um trabalho de conclusão para o Curso de Licenciatura em Artes Visuais. Ora, o
autor deste trabalho é multiartista (como costumam falar atualmente), fotógrafo e
professor (em formação) e já desempenhou o papel de facilitador em oficinas de
fotografia em diversos momentos. Assim, pensou-se inicialmente em debruçar-se
num Memorial de Formação acerca dessa trajetória acadêmico-pessoal, no que, em
meio a tantas indecisões e com o tempo a correr rapidamente, achou-se por bem
transferir as energias para a construção de um trabalho que discutisse o uso da
fotografia em sala de aula a partir da leitura de autores diversos e tendo como ponto
de partida a utilização da metodologia do PhotoVoice que, de acordo com TOUSO et
al. (2017),

se classifica como um tipo de pesquisa-ação participativa em que as


pessoas produzem e discutem fotografias que elas próprias tiraram sobre
suas vivências enquanto membros de uma determinada comunidade ou
grupo.

As questões que fizeram este professor em formação caminhar até este


trabalho perpassam, principalmente, pelas experiências em sala de aula (em oficinas
do Projeto Olhares em Foco em uma Organização da Sociedade Civil de Sobral - CE
e em outros momentos como facilitador noutros espaços de educação não formal)
tendo a fotografia como principal ponto de discussão.

Foi o fazer fotográfico que me instigou na escrita deste trabalho e este


instigar esteve (e ainda está) presente sempre que me encontrava em meio a
outros/as artistas, seja produzindo, criando ou discutindo arte. A seguir posso listar
alguns dos questionamentos que sempre vem e vão quando me vejo e me coloco
enquanto artista: “Por que sou artista?” “Por que faço arte?” “Qual o sentido disso
tudo?” Decerto as respostas são muito óbvias já que minhas vivências me levaram a
ser quem sou e a produzir o que produzo.

Todas as pessoas que pesquisam, pesquisam para responder a


questionamentos. Toda pessoa que faz arte, a faz para deixar fluir as inquietudes do
seu interior. Muitas por terem desenvolvido habilidades diversas no decorrer da vida
11

e outras por terem sido autodidatas no que fazem e tendo aperfeiçoado técnicas
com o passar do tempo, tendo ajuda de outras pessoas em muitos dos casos.

O que quero deixar explícito nestas palavras é que o fazer fotográfico que
me trouxe até a realização de um curso superior em artes visuais partiu de muitas
inquietações e tais inquietações continuarão a surgir indubitavelmente no decorrer
de minha existência neste plano. E foi este fazer fotográfico a razão pela qual este
trabalho se desenvolveu. A questão principal que se pretende elucidar nas páginas
que se seguem é a de qual é a importância do uso da fotografia em sala de aula,
seja ela enquanto item de ilustração dos livros didáticos, usadas para ilustrar a
história, como ponto de partida para discussões de temas diversos ou como método
de investigação-ação participativa. Entretanto nos ateremos mais em responder o
segundo ponto: o uso da fotografia enquanto método de investigação-ação
participativa, a partir de um relato de experiência.

As páginas que se seguem organizam-se em algumas partes importantes


para a compreensão deste trabalho. Logo após esta introdução realizar-se-á uma
conceituação da fotografia, seus usos e sua importância para a sociedade. Neste
ponto também será explicitado o conceito da metodologia Photovoice ou fotografia
participativa a partir da leitura de trabalhos de MEIRINHO (2016), TOUSO et al.
(2017) e COSTA (2020). Também traremos um breve histórico do surgimento da
fotografia tendo como base o trabalho de PAGANOTTI (2016) com pinceladas
extraídas de GOMBRICH (1999).

Em seguida, tendo por base outras leituras acerca da fotografia e seu uso
em sala de aula, faremos uma discussão dessa importância num diálogo entre
alguns autores e autoras, com as normativas e legislações brasileiras que versam
sobre a disciplina Arte e a sua relevância para a construção de seres humanos
críticos, que criam e apreciam a arte.

Por fim, traremos um relato de experiência junto a uma análise e debate,


partindo das falas de jovens participantes das turmas do projeto Olhares em Foco na
cidade de Sobral, num recorte temporal que vai de 2014 a 2016. Tais discussões
estarão conectadas com as vivências destes e destas jovens com a arte e a
fotografia no período supracitado e atualmente.
12

2 - REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 - O ENSINO DA ARTE NO BRASIL

Os debates que rodeiam o ensino de arte no Brasil percorrem diversos


autores e tempos e nos fazem chegar a um documento de caráter normativo que
norteia os currículos dos sistemas e rede de ensino brasileiras. A Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2018) é esta normativa, e nela

A Arte, enquanto área do conhecimento humano, contribui para o


desenvolvimento da autonomia reflexiva, criativa e expressiva dos
estudantes, por meio da conexão entre o pensamento, a sensibilidade, a
intuição e a ludicidade. Ela é, também, propulsora da ampliação do
conhecimento do sujeito sobre si, o outro e o mundo compartilhado. É na
aprendizagem, na pesquisa e no fazer artístico que as percepções e
compreensões do mundo se ampliam e se interconectam, em uma
perspectiva crítica, sensível e poética em relação à vida, que permite aos
sujeitos estar abertos às percepções e experiências, mediante a capacidade
de imaginar e ressignificar os cotidianos e rotinas. (BRASIL, 2018, p.
482)

As mudanças de paradigmas acerca do ensino de artes no Brasil


aconteceram a partir de muitas reformas no sistema de ensino, desde as primeiras
escolas de arte, impulsionadas pela vinda da Missão Artística Francesa no século
XIX, a passagem por um ensino voltado para o desenho geométrico como uma
preparação para o trabalho nas fábricas, a inclusão da Educação Artística na Lei de
Diretrizes e Bases da educação de 1971 e o seu caráter de disciplina obrigatória
com a LDB de 1996.

Acerca destas mudanças é válido destacar que Ana Mae Barbosa e seu
trabalho com a proposta triangular para o ensino de artes, teve também importante
lugar para a consolidação da arte enquanto disciplina já que, segundo MORAES,
SANTOS e PEREIRA (2018, p. 17) “a Abordagem Triangular deu um valor maior
para a Arte nas escolas, por ela ser uma proposta que não se baseava somente em
conteúdo, mas em ações e com facilidade de ser aplicada a vários assuntos.”

A Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa sofreu, além de influências


internacionais, a influência da pedagogia de Paulo Freire, sobretudo sua abordagem
da

leitura de mundo, conscientização crítica a partir da contextualização da


realidade dos educandos e agir para transformar que significa, fazer. Era
uma metodologia de Paulo Freire, porém não era voltado para o campo da
13

Arte, mas ele usava a imagem na aprendizagem dos adultos da zona rural.
(MORAES; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 18)

Ainda sobre o ensino de Arte na BNCC é válido que se mencione que


este componente curricular contribui para a criticidade dos alunos e que as
manifestações artísticas não devem ser restritas a o que se produz pelas instituições
culturais. A BNCC (BRASIL, 2018, p. 193) diz ainda que “a aprendizagem de Arte
precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática social, permitindo
que os alunos sejam protagonistas e criadores.”

2.2 – FOTOGRAFIA: BREVE HISTÓRICO

Quando iniciei meus estudos (há alguns anos) acerca da fotografia: dos
conceitos, do surgimento, da história, dos usos, fui levado a leituras diversas nas
pesquisas em revistas, livros e por meio da internet, que me mostraram que a
fotografia foi o resultado de processos químicos e físicos que se desenrolaram ao
longo de muitos anos e se “uniram” e “formaram” o que hoje se democratizou e é
parte importante para a história da humanidade, sendo responsável pela forma como
nos comunicamos atualmente inclusive, visto que uma pesquisa recente mostrou
que “92,5% das fotos tiradas diariamente em todo o mundo são capturadas
utilizando smartphones” (site Mundo Conectado, 2023), e estas fotos são
compartilhadas em redes sociais diversas alcançando milhões de usuários/as,
influenciando e formando opiniões.

Ela (a fotografia) foi o resultado da pesquisa e experimentos de diversas


pessoas ao redor do mundo durante diferentes eras, desde o período compreendido
na linha do tempo como o anterior ao nascimento de Cristo, por meio da chamada
câmara escura tanto na Grécia Antiga como também na China do período
supramencionado, até o avanço desta para a fixação da imagem observada em
superfície plana e sua posterior democratização.

Enquanto meio de comunicação, seus mais diversos usos atravessam o


fazer humano desde a documentação, seja enquanto fotojornalismo ou mesmo com
as fotografias de família, ao uso artístico na publicidade, com a fotografia de
produtos e pessoas, seus usos na arte contemporânea, etc.
14

Para que se possa contextualizar o surgimento e o desenvolvimento da


fotografia, partiremos da leitura da tese de mestrado de Caio Paganotti (2016) que
trata da evolução e revolução do suporte fotográfico. O trabalho em questão faz uma
análise da diferença entre os suportes fotográficos ao longo da história e trata
também da importância da fotografia e seus suportes, sobretudo na
contemporaneidade. Assim, segundo o autor:

“Para que a fotografia pudesse ser inventada, era necessário o


desenvolvimento em paralelo de dois processos. O primeiro é o físico, ou
ótico, já que era necessário que a luz refletida de um objeto fosse projetada
em uma devida superfície. O segundo processo é o químico (ou, mais tarde,
o eletrônico), que deveria garantir o registro da imagem refletida.” (p. 20)

O autor ainda complementa nos dizendo que esses processos não


transcorreram, em desenvolvimento, na mesma velocidade. De acordo com o ele, o
processo físico já vinha sendo estudado desde Aristóteles, em que temos relatos da
utilização da câmara escura no século IV a.C. “em um processo utilizado para se
observar um eclipse solar em um compartimento fechado com um furo em uma das
laterais.” Já acerca do processo químico o autor nos diz que os registros das
primeiras observações do escurecimento de sais de prata datam do século XIII.

É importante mencionar que o processo químico se desenvolveu


lentamente e, somente no século XVIII é que Joseph Niépce consegue aprimorar as
pesquisas e desenvolve uma técnica capaz de fixar a imagem negativa com a ajuda
dos sais de prata, que escureciam à ação da luz, e, com o betume da Judéia lavado
com uma solução de lavanda, a obtenção de uma imagem em positivo. É esta
imagem de Niépce que é considerada a primeira fotografia da história. “Não há
exatidão, mas a história mais difundida é que Pont de Vue du Gras é uma imagem
que teria levado 8 horas para sensibilizar a superfície.” PAGANOTTI, 2016.

Ao iniciar os estudos sobre fotografia em sala de aula, seja no ensino


formal ou em turmas de oficinas em outros espaços de educação não formal, é
comum trazer a etimologia da palavra e dizer que a mesma tem origem grega e
significa “escrever com a luz”. De fato, o que se faz nesse processo todo é isto.
Gravar algo com a ajuda da luz. Em alguns casos professores/as levam à sala de
aula uma câmara escura para exemplificar os primeiros experimentos com a
observação da imagem, como era feito com Aristóteles e outros cientistas da
15

antiguidade, assim como artistas, que se valeram desta tecnologia para reproduzir
imagens. Como está bem ilustrado no filme “Moça com Brinco de Pérola”, de Peter
Webber (2003) e que retrata a história por trás do famoso e homônimo quadro de
Vermeer. No filme podemos ver como os artistas da época utilizavam a câmara
escura para observar e realizar seus trabalhos e o próprio Vermeer, interpretado por
Colin Firth, demonstra o seu funcionamento de forma didática no filme.

Ainda segundo Paganotti, o daguerreótipo foi o aprimorar dos estudos de


Niépce feitos por Louis Daguerre, que implementou a utilização de iodo e água
salgada para a fixação das fotografias, reduzindo o tempo de exposição de quinze
minutos a uma hora. O autor ainda relata que outras pessoas, em paralelo,
desenvolviam pesquisas e experimentos para se chegar a imagens fixadas no papel
ou outros materiais, além dos estudos para a diminuição do tempo de exposição,
dentre os quais temos Henry Fox Talbot, em 1834, Hippolyte Bayard, em 1839, com
a primeira exposição de fotografias que se tem registro e também experimentos que
foram realizados no Brasil por Hercules Florence, um francês radicado que
descreveu em um diário achado em 1973 seus êxitos em obter imagens sobre papel
com nitrato de prata no ano de 1833.

Voltando ao daguerreótipo é válido ressaltar que o equipamento utilizado


para a obtenção das fotografias pesava 50kg e tinha o custo do equivalente a oito
meses do salário de um operário médio da época. Os processos para a obtenção de
fotografias foram sendo aprimorados com o uso de diversos outros materiais e
substâncias para que o tempo de fixação e exposição fossem diminuídos e também
que o material de suporte que antes eram chapas metálicas ou de vidro pudessem
ter um peso menor e ter a facilidade de transporte.

Assim, por volta de 1880, nasce a película de celulose, aprimorada por


George Eastman, que mais tarde lançaria a primeira máquina fotográfica portátil e
acessível ao público: a Kodak nº 1. Este é um dos passos para a democratização da
fotografia, mesmo que nem todas as pessoas pudessem ter acesso, com a Kodak o
fazer fotográfico popularizou-se. Mais tarde, já em meados do século XX é que
camadas de cor foram introduzidas nas películas, criando as fotografias coloridas.
16

O século XIX é tido como o período em que a fotografia surgiu e este


surgimento veio carregado de rivalidades entre fotógrafos e pintores, principalmente
os retratistas. GOMBRICH (1999) relata que neste mesmo período pintores
impressionistas viam-se hostilizados pelas características de suas obras e a
fotografia passou a ser uma das aliadas para a vitória e aceitação do
impressionismo à época. O autor diz que

“Nos primeiros tempos, essa invenção foi usada principalmente para


retratos. (...) O surgimento da máquina fotográfica portátil e do instantâneo
ocorreu durante os mesmos anos que presenciaram a ascensão da pintura
impressionista. A máquina fotográfica ajudou a descobrir o encanto das
cenas fortuitas e do ângulo inesperado.” (p. 524)

Ainda acerca desse período o autor diz que com o desenvolvimento


fotografia os artistas passaram a explorar e experimentar já que “não havia
necessidade de a pintura executar a tarefa que um dispositivo mecânico podia
realizar melhor e mais barato” (p. 524). Houve também nesse tempo amplo debate
que se desenrolava a partir da “imitação” da realidade por parte da pintura ou da
fotografia. Com isso, ainda em A História da Arte, de Gombrich, temos que a
expansão da fotografia esteve elencada como sendo rival da pintura e, neste
embate, alguns fotógrafos, no intuito de mostrar que a fotografia também poderia ter
o caráter artístico, começam a produzir o que passou a ser chamado de fotografia
pictorial ou o pictorialismo “com intuito de aperfeiçoarem suas imagens, fotógrafos
foram desenvolvendo técnicas de manipulação do negativo, cujo resultado se
aproximava da pintura” (SIQUEIRA et al. 2016).

Com o Pictorialismo a fotografia passava a se estabelecer como uma


forma de arte legítima, sendo uma forma de expressão pessoal, elevando-se ao
nível das artes tradicionais tendo seus princípios estéticos adotados por inúmeros
fotógrafos posteriormente. Além disto, foi influência de novas técnicas fotográficas
dentre as quais a impressão em platina e em gelatina-bromada.

Assim como outros meios de comunicação e diversos outros aparatos,


que auxiliam a vida humana, foram se modificando ao longo do tempo, a fotografia
seguiu também esse caminho de aprimoramento. O uso do filme fotográfico, das
câmeras analógicas e da revelação da fotografia num processo químico deu lugar,
ainda por volta da década de 1980 e mais ainda no início do século XXI, à fotografia
17

digital. O filme fora substituído pelo sensor, os álbuns de fotografia, por pastas em
computadores e a fotografia passa a figurar como o registro diário da vida da maioria
da população que utiliza as redes sociais e possui um smartphone com câmera.

2.3 - A IMPORTÂNCIA DA FOTOGRAFIA PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS E


HUMANAS

A fotografia também foi e é importante para a ciência, sobretudo as


sociais e humanas, visto que, quando do seu surgimento foi amplamente utilizada
por pesquisadores da etnografia, e hoje ainda o é, assim como a imagem em vídeo.
Acerca disso, MEIRINHO (2016) traz uma análise e nos diz que

A representação fotográfica passou a ser, desde as suas origens, justificada


e legitimada como uma tecnologia a serviço da ciência. Fato que é
comprovado pela sua rápida adoção em áreas distintas do conhecimento,
particularmente na exploração de culturas e territórios longínquos e
desconhecidos.

Apesar de termos a imagem fotográfica como aliada à ciência é


importante evidenciar, de acordo ainda com o autor, que o uso da fotografia como
uma ferramenta e instrumento metodológico para a investigação acadêmica não foi
reconhecido por todas as correntes científicas, e, em seu trabalho, essa discussão é
trazida a partir da leitura de BOURDIEU et al. (1965 apud MEIRINHO, 2016) que
tratam da “representação legítima da realidade” e também que as ciências sociais
por meio de seus “procedimentos metodológicos analíticos, buscam, (...) uma
objetividade que a imagem fotográfica pode vir não discutir de forma clara.”

O autor ainda cita que há certa expansão do uso da fotografia como


metodologia visual dado ao desenvolvimento da Antropologia Visual e Sociologia
Visual, campos que, para o recolhimento de informações de indivíduos e grupos
sociais, utilizam-se da imagem como um complemento.

As discussões acerca do uso da imagem e do fazer fotográfico


perpassam ainda pela questão de quem está a manusear a câmera e qual a
legitimidade que isso tem. É válido citarmos estes questionamentos agora, pois logo
adiante traremos um aprofundamento acerca disto quando falarmos do ponto chave
deste trabalho, que é a metodologia photovoice e o uso da fotografia em sala de
aula. Assim, RUBY (1996 apud MEIRINHO, 2016) traz essa discussão dizendo que
“a câmara é condicionada pela cultura da pessoa por trás do aparato”.
18

Esses questionamentos sobre o uso da imagem enquanto parte


importante na investigação científica, sobretudo na Sociologia e Antropologia visuais
são postos em evidência no trabalho de Meirinho quando o mesmo traz a defesa
que distingue duas correntes de doutrinas epistemológicas proposta por Ricardo
Campos. Tais correntes são a positivista/naturalista em que a imagem é tida como
ela é – “um vestígio do real”. CAMPOS (2007) apud MEIRINHO (2016) nos diz que a
fotografia, nesta corrente, é tida como uma testemunha ocular. E é partindo destas
discussões de que a fotografia não deve ser vista somente como um recorte da
realidade, pois alguém está, com a sua subjetividade, operando a máquina
fotográfica e, de certo modo, escolhendo o que apresentar à ciência, é que há o
rompimento com a tradição positivista com o modelo colaborativo que pretende
discutir a imagem fotográfica para “além da compreensão estética” e visualizando “o
entendimento dos códigos, símbolos e o potencial retórico que o recurso visual
possui.” (p. 28)

Ainda acerca da importância da fotografia para as ciências MEIRINHO


(2016) cita outros autores e nos diz que

Andrade (2002) aludiu que a imagem fotográfica está em parte mudando a


compreensão da representação do mundo. Assim como a Antropologia, “a
fotografia tem um observador participante que escava detalhes e fareja com
o seu olhar o alvo e o objeto de suas lentes e de sua interpretação” (2002:
31- 32). A fotografia surge num momento bastante propício, pois nesse
período os teóricos estavam preocupados em estudar a evolução humana,
do ponto de vista das variedades culturais e etnológicas (Achutti, 1997). (p.
30)

A importância da imagem para as ciências é ainda discutida por Sylvia


Caiuby Novaes (2006) em seu livro Etnografia e Imagem. Nele a autora traz uma
análise dos sentidos enquanto órgãos do conhecimento no decorrer do tempo até o
momento em que a visão passou a ter lugar de destaque. Em sua análise Novaes
cita FEBVRE (1935) que diz que

“No século XVI era o ouvido. O que já foi uma mudança. De um homem
sagaz os romanos diziam: “ele tem um nariz fino”. Para Horácio “Homo naris
emunclae, homo obesae naris”. Nós dizemos: ele tem uma boa visão. E
nossos pais no século XVI: ele tem um ouvido astuto; ele ouve a relva
crescer... Curiosa progressão. Primeiro o odor, o sentido animal; em
seguida o ouvido, este sentido já mais refinado. Finalmente a visão, este
sentido intelectual”
19

A autora diz ainda que é no século XIX que a visão passa a tornar-se não
somente um meio de conhecimento, mas também “objeto do saber e da
investigação”. É a partir da visão que os cientistas, sobretudo os sociais e
antropólogos, produzem o conhecimento com a observação espacial e “neutra” de
seus objetos de estudo.

2.4 – A METODOLOGIA PHOTOVOICE

Nos ateremos à conceituação da metodologia Photovoice a partir da


leitura de MEIRINHO (2016), que faz uma introdução à fotografia participativa
falando da importância da fotografia documental, sobretudo do trabalho realizado
pela Farm Security Administration nos Estados Unidos a partir dos anos de 1930
“para o uso do meio como alerta para os problemas sociais”. Daniel Meirinho ainda
nos diz que jornalistas, fotógrafos, documentaristas é quem, tradicionalmente,
captam de maneira profissional as “realidades sociais de contextos problemáticos”,
assim essa representação visual é credibilizada pelo caráter profissional.

Contudo, o universo representado nas imagens fotográficas é apresentado,


muitas vezes, a partir do ponto de vista de um agente externo e suas
escolhas são influenciadas pelos seus repertórios pessoais que podem não
interagir com os contextos ou indivíduos fotografados. Ao desconhecer uma
determinada realidade, ou pelo simples fato de estar fora de um
determinado contexto, o fotógrafo pode, ou não, distorcer a carga
informativa que a imagem fotográfica possui. Mesmo que essa manipulação
não seja propositada. (MEIRINHO, 2016, p. 106)

O método photovoice foi também discutido por COSTA (2020) e a autora


nos diz que este método foi criado por duas pesquisadoras – Caroline Wang e Mary
Ann Burris – nos anos de 1990, sendo uma “metodologia de pesquisa participativa e
de ação associada à fotografia”. A metodologia possui três objetivos (RODRIGUES,
2008 apud DIAS, 2022) que é a capacitação de indivíduos para que identifiquem e
reflitam sobre aspectos de sua identidade e experiência tanto pessoal como
comunitária, a promoção de um diálogo crítico além do conhecimento de aspectos
importantes da comunidade por meio de grupos de discussão sobre as fotografias e
a projeção da visão sobre si e sobre os outros.

As referências teóricas da metodologia Photovoice, segundo Meirinho,


são fundamentadas em três pilares que são “a teoria feminista, a fotografia
documental e a educação para a consciência crítica, de Paulo Freire.” O autor ainda
20

nos diz que “com base na teoria feminista, o método se caracteriza por uma
apreciação da experiência subjetiva das mulheres, um reconhecimento da
importância dessa experiência, e o compromisso político que é resultado dela.” (p.
113).

Acerca da educação crítica e dialógica proposta por Paulo Freire, Costa


nos diz que suas concepções “influenciaram sobremaneira a photovoice, na medida
em que os seus pressupostos partem da necessidade de uma pedagogia dialógica e
emancipatória.”

É importante ressaltar que acerca desta metodologia as discussões sobre


a ética e consentimentos são tratados no início para que se abordem as questões
inerentes à privacidade e, principalmente, ao poder da imagem. Acerca disto,
podemos exemplificar trazendo um debate sobre o documentário Nascidos em
Bordéis (2004), nele as cineastas Ross Kauffman e Zana Briski utilizam-se de um
workshop de fotografia com crianças moradoras de um bairro de prostituição e
pobreza de Calcutá. Após isso cada criança recebe uma máquina fotográfica e inicia
um processo de captura de imagens do cotidiano naquela comunidade. O filme é
instigante e nos faz refletir sobre o poder da imagem e sobre as questões referentes
às pessoas fotografadas e as suas relações com as crianças que as fotografaram.

É importante destacar que o uso da fotografia participativa, sobretudo


com adolescentes e jovens de comunidades de periferia possui alguns objetivos, dos
quais podemos destacar que a reflexão entre os participantes sobre seus direitos,
suas identidades e raízes passam a ser estimuladas. A partir das exposições
realizadas trazendo as realidades em que vivem, com a evidência dos problemas
enfrentados na comunidade há a divulgação do olhar de cada participante de
maneira individual e coletiva. Podemos afirmar também que com as exposições
realizadas a partir da aplicação do photovoice os questionamentos sobre os
estereótipos individuais e comunitários criados pela mídia local e regional entram
também em evidência, muitas vezes para que tais estereótipos sejam repensados,
reanalisados. Um dos objetivos principais da aplicação dessa metodologia entre
jovens é, certamente, o da promoção de habilidades e o desenvolvimento do censo
crítico para a construção da identidade individual e coletiva.
21

3 - A FOTOGRAFIA PARTICIPATIVA EM SOBRAL – UM RELATO DA


EXPERIÊNCIA COM O PROJETO OLHARES EM FOCO

Revisitando algumas memórias para a construção deste trabalho, mesmo


quando esta configuração de escrita ainda não era a escolhida, me percebi
retornando ao ano de 2014 e aos três anos que o sucederam.

Naquele ano trabalhava numa Organização da Sociedade Civil - OSC de


Sobral chamada Sociedade de Apoio à Família Sobralense - SAFS, em um bairro de
periferia, como educador social. E, no primeiro semestre de 2014 participei de uma
formação, junto a outros/as educadores/as sociais de diversas cidades cearenses,
do Projeto Olhares em Foco, que naquele momento inseria-se como metodologia a
ser trabalhada com jovens em situação de vulnerabilidade atendidos/as por OSC’s
parceiras do ChildFund Brasil1.

A formação foi facilitada por Daniel Meirinho – autor consultado neste


trabalho – e consistia na metodologia da fotografia participativa ou photovoice. O
intento da formação era o de capacitar pessoas para trabalharem a metodologia nas
organizações parceiras do ChildFund em Fortaleza e algumas cidades do interior em
que a organização se fazia presente. Durante o período formativo de três dias, nos
foi apresentada a metodologia, e os passos que devíamos seguir para aplicá-la em
turmas de crianças, adolescentes e jovens nas organizações em que trabalhávamos.

Ao retornar à SAFS iniciei, junto à direção e à coordenação pedagógica,


as preparações para começar a aplicação da metodologia. Para isso precisava-se
realizar uma pesquisa de preço para a compra de máquinas fotográficas digitais
compactas e, após isso, partimos para a sensibilização do público para a
participação no projeto. Realizamos então ampla divulgação entre as pessoas
(crianças, adolescentes e jovens) que participavam de outras atividades na
instituição e também à outras pessoas interessadas em participar. Tal divulgação foi
realizada em grupos de whatsapp do bairro e nas redes sociais da instituição.

Para a primeira turma foram selecionadas por volta de quinze


adolescentes e iniciamos a aplicação da metodologia, que consistia em aulas
1
O ChildFund Brasil é uma organização ligada ao ChildFund (anteriormente chamada de Christian Children's
Fund ou Fundo Cristão para Crianças em português), que tem como principal objetivo “apoiar o desenvolvimento
de crianças, adolescentes e jovens em situações de privação, exclusão e vulnerabilidade social”.
https://www.childfundbrasil.org.br/quem-somos/?tab=marcos
22

teóricas inicialmente, já que as câmeras fotográficas ainda não haviam sido


compradas. É importante que se mencione que há época a fabricação desse tipo de
equipamento estava sendo descontinuada, visto que os smartphones com câmera já
haviam ganhado popularidade e encontrávamos poucas câmeras no mercado.

As aulas aconteciam numa ampla sala de aula e tínhamos um notebook e


Datashow como recursos de suporte. Algum tempo antes havia preparado as aulas
com o material disponibilizado na formação – um manual sobre o projeto com
instruções, modelos de planos de aula, breve história da fotografia e técnicas
fotográficas – e realizei adaptações para adequar-me à realidade da turma.

As primeiras aulas tratavam da fotografia enquanto meio de comunicação.


Discutia-se a alegoria da caverna, de Platão e a história bíblica da Torre de Babel
buscando a promoção de um diálogo entre a imagem e a fala, para que se pudesse
fazer um primeiro panorama do que viria a se trabalhar no decorrer do projeto.

Após isso, de forma didática, a história da fotografia perpassava desde os


primeiros experimentos com a câmara escura à chegada no Brasil e a importância
que Dom Pedro II deu para a fotografia. Sempre antes de cada aula realizávamos
uma vivência para que a turma pudesse se conhecer (individualmente) e conhecer
os colegas, mesmo que todas as pessoas ali morassem no mesmo bairro essas
atividades eram importantes e tinham uma intenção: a de que pudessem vincular-se
enquanto grupo e desenvolvessem o sentimento de pertença junto à instituição e
para com o bairro. Em uma das aulas (Figura 1) o/a participante era levado/a a
pensar sobre o seu círculo de amizade e assim pensar sobre si enquanto pessoa
desenvolvendo assim competências socioemocionais referentes à amabilidade e
engajamento com os outros.

Figura 1 – Vivência inicial em uma das aulas

Fonte: Próprio autor


23

As aulas partiam de um plano de aula disponibilizado pelo Projeto Olhares


em Foco e tinham uma grade que ia desde a História da Fotografia à organização
para se montar uma exposição fotográfica.

Durante uma dessas aulas iniciais foi levado uma caixa (Figura 2) em que
se colocava a cabeça numa das extremidades e observava-se em uma das paredes
internas o que se projetava a partir de um pequeno furo na parede oposta. Todos os
participantes ficavam instigados e curiosos por chegar a vez de perceber o céu, e o
que mais se pudesse observar, de outra maneira. Assim exemplificava-se o
funcionamento da câmara escura, parte importante para a história da fotografia e
que fora estudado nas primeiras aulas do projeto.

Figura 2 – Exemplificação de funcionamento de câmara escura

Fonte: Próprio autor

As aulas também tinham um viés de serem teóricas. Assim foram


repassados conteúdos acerca de técnicas fotográficas para os/as participantes no
intuito de que pudessem, quando da chegada das câmeras fotográficas, realizar a
tomada de fotografias com uma composição e enquadramentos bem elaborados e
que essas técnicas pudessem também ser discutidas em sala, a partir da
observação das fotografias produzidas pela turma.

Quando da compra das máquinas fotográficas pela SAFS as aulas de


fotografia tomaram novo rumo. Pode-se então iniciar os primeiros exercícios com as
câmeras e as primeiras discussões.
24

Ao todo o projeto contou com três turmas distintas com uma exposição
montada ao final de cada turma. Assim tivemos as exposições Novos Olhares em
2014, Viver Comunidade em 2015 e Momentos e Memórias em 2016 (Figuras 3, 4 e
5). É importante ressaltar que a exposições foram apresentadas, inicialmente, para a
comunidade em evento realizado na própria SAFS e aberto ao público.
Posteriormente a exposição Viver Comunidade fez parte da programação do VII
Visualidades (2015-2016) evento de caráter científico promovido pelo Laboratório
das Memórias e das Práticas Cotidianas – LABOME da Universidade Estadual Vale
do Acaraú e também um compilado de todas as exposições fizeram parte de uma
mostra numa galeria montada para exposições de arte no North Shopping Sobral
(antigo nome do Sobral Shopping) em 2017.

Figura 3 – Card da exposição Novos Olhares, 2014

Fonte: Próprio autor

Figura 4 – Card da exposição Viver Comunidade, 2015


25

Fonte: Próprio autor

Figura 5 – Card da exposição Momentos e Memórias, 2016

Fonte: Próprio autor


As aulas, a partir das tomadas fotográficas, eram divididas entre a parte
de teoria e da prática. Durante a teoria eram explanadas as técnicas e após isso
lançados exercícios, que poderiam ser realizados naquele momento (como os de
composição, enquadramento, regra dos terços) para fixação do conteúdo e outros
exercícios que seriam realizados em casa/comunidade, com a possibilidade de levar
a câmera fotográfica do projeto para casa. Nessa etapa cada participante, quando
menor de idade, deveria trazer de casa um termo assinado por um/a responsável,
garantindo a utilização responsável pelo equipamento e também um termo cessão e
direito de uso de imagem.

Os exercícios que seriam realizados externamente ao ambiente da


instituição eram agrupados em temas que listaremos a seguir:

 O mundo do Eu. Cada participante registrava a si (autorretratos),


momentos e/ou coisas que lhe identificasse, como uma maneira de
mostrar às outras pessoas um pouco de si;
 Minha Família. Aqui os membros e membras da família eram
registrados para que se pudesse realizar uma discussão acerca
das pessoas que cuidam e que fazem parte do círculo familiar;
 Meus Amigos. O registro das pessoas com quem os participantes
possuem afetos, que se ligam a partir dos mesmos interesses e
que fazem parte dos mesmos grupos sociais;
26

 Minha Comunidade. As fotografias registradas aqui faziam parte da


realidade em que viviam. As ruas do bairro, as pessoas, os
acontecimentos.

A frequência das aulas era semanal, sempre aos finais de semana e cada
participante ficaria com as câmeras pelo período de três a cinco dias. Quando
devolvidas era realizada uma seleção prévia de imagens por parte do facilitador do
projeto. A aula seguinte começava com as discussões acerca das fotografias tiradas
e havia a análise técnica e subjetiva. Durante a análise técnica cada pessoa da
turma poderia opinar sobre a fotografia do outro sobre pontos como o
enquadramento, exposição, composição, etc. Após isso o/a autor/a respondia alguns
questionamentos acerca da sua fotografia que perpassavam pela escolha do objeto
fotografado, como a proximidade de cada pessoa com o que se mostrava nas
fotografias realizadas, com a representação ali explícita ou implícita.

Daniel Meirinho (2016) cita Paula Gonzalez (2011) para tratar sobre a
tomada fotográfica por jovens em projetos de fotografia participativa e nos diz que

um dos benefícios do levantamento fotográfico em projetos de fotografia


participativa é conectar os discursos apresentados nos diálogos sobre as
imagens produzidas, ultrapassando o valor simbólico da imagem e da
intenção que o levou ao registo daquele momento específico. A
representação visual e os discursos complementam-se, “informando-nos o
que a pessoa queria expressar sobre o assunto fotografado” (2011: 406).
(GONZÁLEZ, 2011 apud MEIRINHO, 2016, p. 239)

Para a realização deste trabalho necessitei, além do acesso às memórias


e fotografias de um período distinto, realizar uma coleta de informações com
algumas pessoas que participaram do Projeto Olhares em Foco na SAFS, para que
se pudesse realizar um breve discurso sobre a importância do uso da fotografia
participativa em sala de aula e para a construção da criticidade entre os jovens.

A pesquisa foi realizada em ambiente virtual a partir da coleta de


respostas em formulário na plataforma Google Formulários. Foram contactados
cerca de quinze jovens que participaram das turmas do projeto e, destes, seis
responderam à pesquisa que possuía questões abertas e fechadas as quais listo a
27

seguir com gráficos (Figura 6) para as fechadas e algumas das respostas dadas
para as abertas.

A primeira pergunta referente ao projeto foi se o/a participante havia tido,


antes do Projeto Olhares em Foco, experiência com fotografia em sala de aula. Das
repostas obtidas o “Não lembro” obteve 16,7% e o “Não” 83,3%.

Figura 6 – Gráfico com pergunta sobre a experiência com o uso da fotografia em


sala de aula

Fonte: Próprio autor

O segundo questionamento foi referente à importância da fotografia para


cada pessoa participante no que obtivemos respostas diversas que variam desde
“uma arte” à “(...) memória afetiva de momentos especiais da vida”. A questão
seguinte versou sobre o quão importante foram as aulas de fotografia no projeto e
eram respondidas numa escolha em uma escala que ia de “0” à “5” em que “0”
correspondia a Pouco Importante e “5” Muito Importante. A maioria das respostas
obtidas (5) foram que as aulas foram Muito Importantes e apenas uma marcou a
opção “4” na escala. O questionamento seguinte seria respondido caso fosse
marcado a opção “5” na escala e o/a participante poderia relatar um momento
marcante da experiência com o projeto. Três das respostas versaram sobre a
experiência de poder “sair com a câmera fotográfica” outra disse que o momento
28

marcante foi o da “exposição das fotos que tiramos. Foi muito bom ver os moradores
ocupando a SAFS e se vendo nas fotos na exposição.”

As duas próximas perguntas foram fechadas e discorriam sobre se a


participação no Projeto Olhares em Foco havia modificado o modo de o/a
participante pensar sobre si e a outra se haviam modificado o modo de pensar sobre
a comunidade em que viviam. Em ambas as perguntas todas as respostas foram
“sim”. Percebemos com isso que o uso da fotografia, sobretudo a fotografia
participativa, faz com que os jovens possam se ver e ver a sua comunidade de outro
modo, como já foi anteriormente discutido.

A pergunta seguinte foi sobre se o projeto havia instigado o/a participante


a realizar outras atividades no que apenas dois responderam que não tiveram ainda
a oportunidade e os/as demais que sim, que visitam “exposições de arte”, que o
projeto a “fez querer ter mais proximidade com o mundo da arte, como o teatro” e
“que atualmente registro os momentos da infância dos meus sobrinhos. E no
trabalho registro as atividades que realizamos com a juventude.”

A última questão versou sobre a relação do/a participante com a


comunidade após a participação no projeto e o intento da pergunta foi o de saber se
houve mudanças quanto a esta relação, no que os/as participantes responderam
positivamente, que passaram a ver a periferia de outra maneira, “com outros olhos”.
Uma das participantes respondeu que acredita que as pessoas, sobretudo jovens e
adolescentes precisam ter um contato maior com a arte.

O Projeto Olhares em Foco em Sobral trouxe a metodologia da fotografia


participativa para que crianças, adolescentes e jovens pudessem se ver e ver sua
comunidade de outra maneira. Para que pudessem se perceber e perceber o outro
de forma a se pensar caminhos de mudança e empoderamento. Os anos em que o
projeto aconteceu atravessaram sobremaneira a comunidade do Bairro Dom José e
todos e todas que fizeram parte do projeto, seja nas turmas ou como visitantes nas
exposições.
29

4 - CONCLUSÃO

A fotografia é um potente “fabricador” de memórias, como também é uma


ferramenta importante para ser voz, para comunicar. Nos valemos da fotografia para
acessar memórias, muitas vezes nossas e em algumas das vezes de um coletivo ou
quiçá de toda a humanidade. Durante a história tivemos importantes momentos e
pessoas que foram eternizadas pela fotografia: momentos de guerra, tensão, alegria,
imagens icônicas de personalidades e pessoas anônimas. A fotografia é sem
dúvidas um invento que revolucionou a forma como pensamos o tempo, como
produzimos o tempo.

Utilizar a fotografia para dar voz é um dos principais objetivos da


metodologia photovoice, que foi discutida ao longo deste trabalho. Passar por essa
experiência e ser atravessado pelas inúmeras vivências contidas nela foi,
certamente, a maior das inquietudes de um Ser Artista. O potencial que o uso da
fotografia em sala de aula (não só na sala de aula convencional) pode ter vai desde
as discussões sobre imagens já produzidas e que ilustram a história da humanidade,
até a possibilidade de se produzir fotografias por parte de estudantes e fazê-los/as
pensar sobre si e sobre o mundo criando consciência e censo críticos, promovendo
aprendizagens diversas e novas formas de se comunicar.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,


2018.

CARBONE, Felipe. Mais de 90% das fotos do mundo são capturadas com
smartphones. Site Mundo Conectado. 2023. Disponível em:<
https://www.mundoconectado.com.br/fotografia/mais-de-90-das-fotos-do-mundo-sao-
capturadas-com-smartphones/> Acesso em 26 de novembro de 2023.
30

COSTA, Maria Alice Nunes. A metodologia photovoice como arqueologia de olhares


e saberes invisibilizados. LexCult: revista eletrônica de direito e humanidades,
[S.l.], v. 4, n. 3, p. 36-56, nov. 2020. ISSN 2594-8261. Disponível em:
<http://177.223.208.8/index.php/LexCult/article/view/377>. Acesso em: 25 de
novembro de 2023. doi: https://doi.org/10.30749/2594-8261.v4n3p36-56.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

KAUFFMAN, Ross e BRISKI, Zana. Nascidos em bordéis [Born Into Brothels:


Calcutta’s Red Light Kids]. Estados Unidos, Índia, 85 min., 2004.

MEIRINHO, Daniel. Olhares em foco: fotografia participativa e empoderamento


juvenil. Covilhã, Editora LabCom.IFP, 2016.

MORAES, Camila Borges; SANTOS, Carina Carmo dos; PEREIRA, Sheila Freitas.
Revisitando a proposta triangular na concepção e prática do arte/educador.
2018. 66 p. Monografia. Universidade Federal do Amapá -UNIFAP, Macapá, 2018.

MORAIS, Pollyanna Guimarães da silva de. A fotografia em sala de aula: selfie,


hipermídia e criação. 2016. 81f. Dissertação (Mestrado Profissional Em Ensino De
Artes - Profartes) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.

NOVAES, Sylvia Caiuby. Etnografia e imagem. 2006. Tese (Livre Docência) –


Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

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Atílio Avancini. 103 p. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) –
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-07032017-
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SIQUEIRA, Camila et al. Fotografia pictorialista: a importância do pictorialismo na


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promoção da equidade. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 12, p. 3883–3892, dez.
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