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AULA 1

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


INTRODUÇÃO

Olá, estamos começando a disciplina de Tomada de Decisão e Intuição,


na qual você conhecerá essas áreas, em seus aspectos neurológicos e sociais.
Vai ter acesso a estudos que sugerem que certas experiências conhecidas como
intuição talvez sejam parte de sua forma comum de funcionar no dia a dia,
enquanto, em outras situações, expressam fenômenos não bem compreendidos
pela ciência – e, por isso, chamados de anômalos. Verá como podemos nos
enganar com uma simples decisão, e os atalhos que frequentemente tomamos ao
decidir. Vai pensar sobre o papel da intuição no meio organizacional, em particular
com relação ao empreendedorismo e à inovação. Vai, ainda, conhecer os
resultados de estudos que se propuseram a treiná-la!
Nesse primeiro momento, vamos oferecer uma introdução à tomada de
decisão e intuição, entendo a intuição como emoção e como uma experiência não-
local. Finalizamos com uma estrutura integrada sobre a intuição, que mostra um
panorama geral sobre ela.
Iniciemos essa aventura que, em última análise, é sobre a fantástica e
complexa forma como nós mesmos funcionamos!

TEMA 1 – TOMADA DE DECISÃO

Podemos pensar na Tomada de Decisão (TD) como um processo de


escolha de uma ou mais opções entre algumas possíveis. O tipo de decisão faz
muita diferença, seja para uma decisão muito importante, como decidir sobre
nosso futuro acadêmico, profissional ou afetivo, ou menos importante, como o tipo
de bebida que vamos tomar. Podemos considerar os resultados de uma decisão
com referência ao fato de ele estar ou não acertada, mas nem sempre isso é
possível e/ou válido.

Há uma história de um cirurgião que teria dito: “Essa operação foi um


sucesso. Infelizmente, o paciente morreu. ” Isso soa como uma piada de
mau gosto. Entretanto, de fato, uma decisão pode ser boa,
considerando-se as informações disponíveis na ocasião de sua tomada,
mesmo parecendo ruim em termos de suas consequências. (Eysenck,
2017, p. 547)

Os primeiros modelos de TD não foram elaborados por psicólogos, mas por


economistas, estatísticos e filósofos. Homem e mulher econômicos é um
modelo clássico, que considerava os seguintes pontos:

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1. Os decisores são totalmente informados sobre todas as opções
possíveis para as suas decisões e de todos os possíveis resultados das
suas opções de decisão. 2. Eles são infinitamente sensíveis às
distinções sutis entre as opções de decisão. 3. Eles são totalmente
racionais em relação à escolha de opções. (Sternberg; Sternberg, 2011,
p. 489)

Como pode ser observado, a subjetividade não era considerada neste


modelo, e a racionalidade era superestimada. Esses fatos destoam dos resultados
de pesquisa atuais (Sternberg; Sternberg, 2011).
Outro modelo, que permite mais espaço para aspectos psicológicos dos
tomadores de decisão, é a "teoria da utilidade esperada subjetiva". A ideia básica
aqui é que decidimos buscando prazer e evitando a dor. Mas, ao fazê-lo, usamos
cálculos de utilidade subjetiva, ou seja, julgamentos pessoais com critérios não
objetivos. É uma estimativa pessoal de probabilidade, e não envolve cálculos.
Nessa abordagem, as características pessoais influenciam a TD; por exemplo, se
a pessoa que decide é mais otimista ou o pessimista. Porém, estudos posteriores
indicaram que a TD humana é bem mais complexa do que a abordagem sugeria
(Sternberg; Sternberg, 2011).
Pesquisas posteriores evidenciaram ainda mais as limitações da razão para
a TD, visto que faz uso de atalhos mentais e vieses. Quando decidimos,
mesclamos desejos (valores pessoais, utilidades e objetivos) e crenças, tais como
expectativas, conhecimento prévio, entre outras (Souza, 2010).
O processo é ainda mais sutil porque, frequentemente, decidimos sob
condições de incerteza, ou seja, quando não temos todas as informações sobre
as alternativas possíveis, sobre suas probabilidades de ocorrência, ou seus
resultados. E, para ficar ainda “mais interessante”, usualmente fazemos isso sem
percepção clara, de forma não consciente, o que nos leva frequentemente ao
equívoco (Souza, 2010).
Outro aspecto importante é que, antes de decidirmos, fazemos um
julgamento ou avaliação, uma estimativa/dedução das consequências que serão
geradas por nossa TD. Também estimamos qual se será nossa reação neste
contexto imaginário. Assim, o julgamento é essencial à TD, visto que vai orientá-
la. Frequentemente, fazemos esse julgamento de forma rápida, com base em
experiência anterior, sem raciocinarmos de forma consciente e intencional. A esse
tipo de julgamento chamamos de intuitivo, e ele produzirá uma TD Intuitiva!
Assim, vemos que a TD pode ser tanto consciente (racional) como não consciente
(intuitiva) (Souza, 2010).

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Um modelo de estudo de tomada de decisão é a teoria de decisão
comportamental, na qual se observa a diferença entre as previsões obtidas por
modelos normativos e os julgamentos e decisões observáveis. O processo
normativo é aquele ideal, uma solução racional, enquanto a perspectiva descritiva
procura observar como a tomada de decisão realmente acontece (Souza, 2010).
A perspectiva da tomada de decisão por normas (normativo), com base na
razão, não contempla as tomadas de decisões intuitivas. Esse modelo racional
parte do princípio de que os tomadores de decisão estão de posse de todas as
informações sobre as alternativas, podendo avaliá-las quanto à sua utilidade,
escolhendo a mais útil (Souza, 2010).
Como observamos, a racionalidade é limitada, e o modelo proposto por
Simon indica esse limite em termos do processamento de informações. Sob
condições de incerteza, essas limitações levam a heurísticas, ou regras práticas:

O estudo sistemático destas regras, por Kahneman e Tversky, na


transição entre os anos 60 e 70, constituiu-se num marco da pesquisa
da TD, mostrando que, em condições de incerteza, o julgamento é
baseado em “atalhos” que simplificam os processos de TD, levando
frequentemente a acertos, mas também a equívocos. Tais
procedimentos reduzem as informações necessárias a uma decisão e,
por isto, são econômicas e eficazes, mas também podem conduzir
sistematicamente a erros. (Silva, 2014, p. 4)

Segundo Kahneman (2012), as três principais meta-heurísticas


identificadas são:

• Representatividade – na qual a probabilidade de um elemento pertencer a


uma população é estimada com base no grau de semelhança que se tem
em relação à mesma população.
• Disponibilidade – a frequência de ocorrência de um fato se dá pela
facilidade com que as ocorrências vêm à mente, ou seja, pela
disponibilidade em nossa memória.
• Ancoragem e ajustamento – aqui usamos um valor de referência para uma
quantidade desconhecida, mesmo antes de estimar a quantidade. Quando
fazemos as estimativas, finais ajustamos esse valor (âncora), mas de forma
insuficiente.

As heurísticas e outras estratégias serão melhor apresentadas e


exploradas na sequência.

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1.1 Uma mente, dois sistemas?

Acrescentam-se às heurísticas a evidência de dois sistemas de tomada de


decisão (Souza, 2010, Kahneman, 2012, p. 29):

O Sistema 1 opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum


esforço e nenhuma percepção de controle voluntário. O Sistema 2 A loca
atenção as atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo
cálculos complexos as operações do sistema 2 são muitas vezes
associadas com a experiência subjetiva de atividade, escolha e
concentração.

Apresentamos mais detalhes desses dois sistemas no quadro.

Quadro 1 – Sistemas 1 e 2

Sistema 1 Sistema 2
Intuitivo ou experiencial Analítico, explícito ou deliberativo

Inconsciente Consciente
Automático, sem esforço consciente Controlável, com esforço consciente

Aparece já em espécies mais antigas, na


Evoluiu tarde, talvez dezenas de milhares de
escala evolutiva, talvez centenas de milhares
anos
de anos

Comum entre várias espécies Deve ser unicamente humano

Pragmático, modular, depende de conteúdo Lógico, descontextualizado, representações


(ex. parceiros sexuais; reconhecimento de abstratas (ex. resolução de problemas
faces) matemáticos; teorização filosófica)

Processamento serial, sequencial de


Processamento paralelo e simultâneo de
representações abstratas
múltiplas fontes (ex. expressão facial,
descontextualizadas (ex. esquema de
postura corporal e entonação vocal)
resolução passo a passo de um problema)

Processamento paralelo resulta em alta Processamento sequencial é limitado pelos


capacidade de processamento de Recursos de atenção e memória, sendo
informação, sem necessidade de esforço necessário grande esforço cognitivo
cognitivo consciente consciente

Não se relaciona com inteligência geral Relaciona-se com inteligência geral


Fala na linguagem dos sentimentos Fala na linguagem das palavras
Aprende lentamente mas opera rapidamente Aprende rapidamente mas opera lentamente

Fonte: Elaborado com base em Souza, 2010, p. 48; Sadler-Smith, 2011, p. 15-6; 2008, p. 15-16.

Adivinhe, qual sistema usamos mais ao decidirmos no dia a dia? O 1, é


claro, pois não há tempo para decidir de forma lenta!
O sistema 2 pode até supervisionar as decisões do sistema 1, aceitando-
as, negando-as ou, ainda, corrigindo-as conforme o caso. Mais uma vez, adivinhe:

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o sistema 2 participa ou supervisiona a maioria das decisões? Claro que não! Nem
seria possível! Contudo, o sistema 1 é suficientemente bom para decidir sozinho,
na maior parte do tempo. Mas, em contrapartida, é o sistema em virtude do qual
mais erramos. Por isso o sistema 2 é mais indicado para decisões importantes em
nossas vidas (Souza, 2010).
De fato, os dois sistemas podem funcionar de forma integrada, mas,
mesmo quando trabalham juntos, o sistema 2 é fortemente influenciado pelo 1.
Assim, frequentemente o sistema 2 não consegue corrigir o 1, e as distorções
deste parecem mediar a maioria, senão todos os julgamentos e TDs (Khneman;
Frederick, citados por Souza, 2010).
Você percebeu que o sistema 1 está relacionado à intuição, correto?
Passemos então a refletir mais sobre ela; antes, que tal descobrir qual é a sua
preferência? 1
No geral, você prefere usar sua mente analítica ou intuitiva?
No quadro abaixo, leia cada um dos pares de x e y, e, sem refletir, muito
faça um círculo indicando sua preferência para cada uma das
alternativas [X ou Y, uma ou a outra, não marque duas para um tema].
Por exemplo, se você prefere ser “espontâneo” a ser “reservado” marque
o Y, no lado direito da tabela. (Sadler-Smith, 2011, p. 50)

Quadro 2 – Teste

X Y
1. Ser reservado Ser espontâneo X Y
2. Gratificação Gratificação posterior X Y
imediata
3. Fatos e números Impressões e hipóteses X Y
4. Pequenos detalhes Quadro geral X Y
5. Ser criativo Ser conservador X Y
6. Meus Meus sentimentos X Y
pensamentos
7. O futuro O presente X Y
8. Coisas concretas Coisas abstratas X Y
9. Realidade Possibilidades X Y
10. Ser convencional Romper com as X Y
convenções
Soma total:

Fonte: Elaborado com base em Sadler-Smith, 2010, p. 50.

1
O teste a seguir serve como referência básica para a observação da sua preferência sobre os
dois modos indicados. No entanto, não se trata de um teste acadêmico elaborado com metodologia
científica. Tampouco implica que o modelo no qual se baseia (dois sistemas) seja consenso
científico nas pesquisas sobre intuição. Ele serve como referência para autoconhecimento e
desenvolvimento pessoal, mas não deve ser usado para se tomar decisões de qualquer natureza.
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Circule suas escolhas de x e y no Quadro 2, faça a soma de ambos, e
marque os resultados na Figura 1, traçando uma linha reta entre os dois extremos
X e Y.

Figura 1 – Teste: resultado

X ....................................................,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,............. Y
1. .1
2. .2

Mente intuitiva
Mente analítica

3. .3
4. .4
5. .5
6. .6
7. .7
8. .8
9. .9
Escala de preferência de pensamento
Fonte: Elaborado com base em Sadler-Smith, 2011, p. 50.

TEMA 2 – INTUIÇÃO

Como visto, julgamentos e decisões não conscientes abrem a porta para o


que, até o momento, estamos chamando de intuição. Adentremos essa porta,
inicialmente tentando definir melhor o que seja a intuição. Tarefa nada fácil!

2.1 Conceitos de intuição

Parece não existir consenso sobre um conceito de intuição entre os


pesquisadores e teóricos que a estudam. Em parte, isso se deve pelas diferentes
áreas nas quais os estudos são conduzidos: filosofia; administração; neurociência
cognitiva; biologia evolutiva; neuroeconomia; neuropsicologia; psicologias
cognitiva, profunda, social, humanista, organizacional, transpessoal e
anomalística; entre outras.
Apresentamos dois conceitos para iniciar a discussão sobre o tema:

• Intuição como um processo de pensamento no qual a entrada (input) é


provida em sua maioria por conhecimentos adquiridos automaticamente de
forma não consciente, enquanto a saída (output) é um sentimento que

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serve como base para julgamentos e decisões (Plessner; Betsch; Betsch,
2008).
• É um reconhecimento ou julgamento involuntário e difícil de articular,
carregado de influência, baseado em aprendizado e experiências
prévias, que chega rapidamente, através de associações holísticas e sem
pensamento racional consciente ou deliberativo (Sadler-Smith, 2008, p.
31).

Esses conceitos foram escolhidos por integrarem alguns aspectos dos


estudos contemporâneos. O primeiro refere-se à intuição como processo de
pensamento, ou seja, cognitivo, com baseado em conhecimentos adquiridos
automaticamente, ou de forma não consciente. Estamos na área das ciências
cognitivas; seus pesquisadores sugerem que muito de nossos processos de
cognição e memória são inconscientes. Alguns argumentam que 95% de nossos
pensamentos são inconscientes. Neste prisma, temos percepção, aprendizado
e memória implícitos (involuntários, não conscientes), bem como um sentimento
de saber (feeling of knowing – FOK), também não consciente. Tais aspectos
estariam relacionados à intuição; no prisma neurocientífico, são observados nos
estudos de imageamento dos processos de tomada de decisão. O segundo
conceito também indica a intuição como processo cognitivo não consciente, com
base em aprendizado e experiências prévias. Teríamos, sob tal prisma, um
processamento duplo e complementar de informações. Um intuitivo e
inconsciente, automático, rápido, holístico, baseado em experiências prévias;
outro racional, analítico, lento e “mais livre” de influência (Plessner; Betsch;
Betsch, 2008; Sadler-Smith, 2008).

2.2 Cognição implícita: percepção, aprendizado e memória não conscientes

Existem fortes evidências de que podemos aprender sem esforço


consciente, e pensar de forma rápida e complexa sem perceber os processos
envolvidos e os resultados alcançados. Em síntese, é plenamente possível que
saibamos mais do que podemos perceber. Isso foi chamado de cognição implícita,
envolvendo a percepção, a aprendizagem e a memória.
Quando percebemos algo de forma explícita, podemos distinguir presença,
localização, forma, características e movimento. Por exemplo, você pode
perceber o ambiente onde está inserido neste momento. Eu consigo perceber o

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cursor no texto, na tela do computador, para o qual estou ditando as frases que
você está lendo neste momento. Se podemos perceber muitos estímulos à nossa
volta, ou mesmo distantes de nós, como ouvir o barulho de um avião passando, é
notório que há uma grande quantidade de estímulos que nos são imperceptíveis
conscientemente. De fato, a maior parte dos estímulos que sensibilizam nossos
sentidos sensoriais não são percebidos conscientemente.
Mesmo não sendo percebidos dessa forma, eles podem nos influenciar
(percepção implícita). Imagens agressivas e não agressivas foram mostradas
aleatoriamente para sujeitos de uma pesquisa. O tempo de exposição (5
milissegundos) foi mais rápido do que aquele necessário para a percepção
consciente; ou seja, os participantes não conseguiram identificar a imagem
mostrada. Logo após a exposição subliminar, era mostrada uma imagem neutra,
que deveriam avaliar. Os resultados indicaram que os julgamentos foram
enviesados pela exposição anterior, não consciente. Tal efeito ficou conhecido
como mera exposição, com estudos pioneiros tendo sido realizados por Robert B.
Zajonc (citado por Sadler-Smith, 2008). Outro exemplo, mais cotidiano, ocorre
quando estamos conversando com alguém em um ambiente barulhento, por
exemplo em uma festa, e algum assunto de nosso interesse nos chama a atenção.
Neste momento, focamos nossa atenção para ouvir mais daquela conversa. Até
antes desse momento, o estímulo não estava sendo percebido conscientemente,
mas ainda assim estava sendo avaliado, por nós, de forma implícita.
Tal como a percepção, a memória também pode ser implícita. Quando
pensamos em memória, podemos lembrar que ela pode ser entendida em termos
de curta e longa duração. Pode ser dividida em dois: a chamada explícita ou
memória declarativa, que inclui a memória episódica (de eventos) e a semântica
(fatos); e aquela conhecida como implícita ou não declarativa, que inclui a
memória de procedimentos, como habilidades cognitivas e motoras, e o sistema
de representação perceptual, como o prime (priming) perceptual.

O termo priming refere-se a processos hipotéticos subjacentes ao efeito


priming, isto é, o achado empírico de que a identificação de um objeto
ou a produção de um item é facilitada pelo encontro prévio do indivíduo
com o mesmo ou um objeto ou item similar. Geralmente, os testes que
foram usados para medir os efeitos de priming podem ser amplamente
classificados em perceptivos e semânticos [...]. Os testes de priming
perceptual são caracterizados por uma relação perceptiva - geralmente
visual - entre a sugestão de recuperação e o item alvo. [...] Os
participantes estudam uma lista de palavras e, posteriormente, no teste,
são apresentados com [...] iniciais de três letras dos itens estudados e
não estudados e são solicitados a dizer a primeira palavra que vem à
mente. [...] Os efeitos de priming são indicados por uma diminuição na
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latência para tomar uma decisão ou pela tendência crescente de
completar [...] fragmentos com itens previamente estudados. Em
contraste, testes de priming semântico podem ser caracterizados pelo
fato de que a relação entre a sugestão de recuperação e o item alvo se
refere ao significado em vez da forma física. Por exemplo, na categoria
tarefa de geração de exemplares, os participantes estudam uma lista de
palavras (por exemplo, águia) e, posteriormente, no teste, eles são
obrigados a gerar instâncias de nomes de categorias (por exemplo,
aves). Diz-se que o priming ocorre quando mais palavras previamente
estudadas são geradas como exemplos de novas instâncias. (Plessner;
Betsch; Betsch, 2008, p. 75, tradução nossa)

A memória implícita pode ocorrer quando uma experiência recente produz


influência sobre o comportamento, mas a pessoa não consegue reconhecer que
a memória está sendo usada, ou que intencionalmente recorda daquelas
experiências. O priming é o paradigma principal desse tipo de memória.
Por fim, chegamos na aprendizagem implícita, que, como o próprio nome
sugere, refere-se àquela que ocorre sem o intermédio da consciência, ou seja,
sem a intenção e a percepção de se aprender algo.

O termo aprendizagem implícita foi cunhado por Reber (1989) para se


referir ao processo pelo qual as pessoas adquirem conhecimento sobre
as complexidades regidas por regras de um ambiente de estímulo,
independentemente das tentativas conscientes de fazê-lo. Reber (1993)
e Berry e Dienes (1993) mostraram que pessoas expostas a várias
situações estruturadas artificiais, sem serem informadas de que havia
alguma estrutura, foram posteriormente capazes de identificar instâncias
do fenômeno ou prever as ocorrências futuras. Consequentemente, o
estudo sobre aprendizado implícito foi considerado para ajudar na
compreensão dos mecanismos de aprendizagem que ocorrem sem
consciência, isto é, não como resultado do teste de hipóteses
conscientes. [...] a aprendizagem implícita é incluída como uma forma
de memória implícita, apesar das pesadas objeções dos pesquisadores
ao aprendizado implícito. No entanto, operacionalmente, os dois
conceitos não podem ser avaliados separadamente, pois a implicação
da aprendizagem é medida com base na implícita recuperação da
memória. (Plessner; Betsch; Betsch, 2008, p. 76-7, tradução nossa)

O ambiente da pesquisa experimental é importante para conseguir


controlar variáveis, o que em ambiente espontâneo é muito difícil ou até
impossível. Complementando, esse ambiente artificial pode imitar aquele natural,
se inspirando nos aspectos espontâneos das experiências estudadas.
Aprendizagem implícita foi observada em ambientes naturais, sugerindo estar
relacionada a comportamentos de ajuda, cooperação e controle de agressão. Tais
observações sugerem que as memórias e aprendizagens implícitas são muito
poderosas, relacionadas às “instituições sociais”. As observações inspiraram
estudos sobre o papel da memória implícita na aprendizagem de tarefas cruciais
ao ambiente de negócios, como habilidade de negociação (Sadler-Smith, 2008).

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Nadler e seus colegas realizaram um experimento utilizando mais de
cem participantes para comparar a eficácia de aprender a negociar por
observação e imitação com três outros métodos de treinamento (os
participantes foram divididos em quatro grupos experimentais de acordo
com o método de treinamento). O grupo de aprendizagem observacional
assistiu a um videotape de uma negociação "ganha-ganha" e, quando
testados, alcançaram os resultados mais altos de todos os grupos. No
entanto, eles foram incapazes de articular os princípios aprendidos que
estão envolvidos e que eles realmente praticaram na negociação bem-
sucedida. Eles adquiriram conhecimento implícito de como negociar com
sucesso pela observação do desempenho em vídeo, ajudou-os a ter um
bom desempenho, mas não conseguiram articular por que ou como.
Os aprendizes observacionais não apenas "sabiam mais do que
poderiam dizer", como não sabiam como aprenderam o que
aprenderam. O quadro que emerge dessa breve pesquisa de cognição
implícita está muito distante da visão convencional na administração e
em outros contextos profissionais do conhecimento como uma entidade
tangível e explícita, pensada como mais consciente e da aprendizagem
como um processo controlado e muitas vezes trabalhoso. A educação e
a formação em gestão convencional preocupam-se principalmente com
a aprendizagem explícita e em sala de aula, e tendem a fixar-se em
resultados tangíveis (Sadler-Smith, 2008, p. 143-4, tradução nossa).

Como pode ser visto, as implicações práticas para o ambiente, tanto


organizacional como educacional, são muito importantes, sugerindo novas
abordagens de percepção, aprendizagem e memória, até então pouco exploradas
conscientemente – mas, como sugerem os estudos e as observações, muito
utilizadas por todos nós.
Sobre as formas convencionais de aprendizagem explícita, seja em
ambiente organizacional ou escolar, duas questões emergem se considerarmos
aprendizagem e memória implícitas (Sadler-Smith, 2008, p. 144, tradução nossa):

(1) Os processos de aprendizagem e seus resultados podem estar


implícitos e explícitos - podemos conhecer e aprender mais do que
somos capazes de dizer e somos capazes de nos comportar de
maneiras que demonstrem domínio de conhecimento e habilidade, mas
que não podem ser facilmente expressos em palavras. Torna-se tangível
apenas no ato de fazer.
(2) Os programas educacionais e de treinamento convencionais podem
negligenciar o aprendizado (bom ou ruim) que ocorre através dos
mecanismos muito poderosos associados à observação e à imitação, e
também desvalorizar a multiplicidade de oportunidades para práticas
intensas e disciplinadas que existem no local de trabalho e que são as
chaves para o desenvolvimento de altos níveis de especialização e
excelente desempenho (incluindo a capacidade de fazer julgamentos
intuitivos e eficazes).

Os estudos sugerem que tanto a memória como a aprendizagem podem


ocorrer de forma explícita e implícita. Na perspectiva organizacional, a
aprendizagem implícita é muito importante em termos da cognição não
consciente. Podemos integrar e executar regras, algoritmos e habilidades
cognitivas muito complexas sem qualquer esforço e percepção conscientes. Por

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outro lado, podemos ter processos de raciocínio não consciente quando
percebemos nossos sinais corporais, como as sensações intestinais, que
acompanham as comissões implícitas, e que podem, de forma consciente,
orientar o julgamento e a tomada de decisão. Porém, a “esperteza não consciente”
e os atalhos cognitivos de reduzido esforço têm também suas limitações em
determinados contextos (Sadler-Smith, 2008), como veremos adiante nesta
disciplina.
Para finalizar essa abordagem da intuição como percepção, memória e
aprendizado implícitas, apresentamos um quadro que sintetiza esses elementos.

Quadro 3 – Percepção, memória e aprendizagem

Explícita Implícita
Percepção consciente em que o Experiência, pensamento e ação na
sujeito é capaz de discernir ausência de percepção consciente do
presença, localização, evento.
Percepção movimento, forma e outros. Ex. a imagem do sorriso ou da testa
atributos palpáveis do estímulo franzida exposta por 5 milissegundos
Ex. palavras na página à sua pode influenciar se o estímulo alvo
frente. subsequente é desejado / não apreciado
("preparo emocional subliminar").
Lembrança consciente ou Qualquer efeito no pensamento e ação da
reconhecimento de informações, experiência atribuível a eventos passados
regras ou eventos. na ausência de lembranças conscientes
Ex. memórias episódicas: lembrar desses eventos.
o que você estava fazendo no dia Ex. dirigindo para casa do trabalho em
Memória de Natal do ano passado. rota familiar. Memórias implícitas podem
estar disponíveis para a percepção
consciente (isto é, podem estar em
estado pré-consciente). Outras podem
estar indisponíveis para a percepção
consciente, mas podem afetar o
pensamento consciente e a ação.
Conhecimento e habilidade Conhecimento e habilidade adquiridos
adquiridos como resultado de independentemente de tentativas
eventos de que o sujeito está conscientes de aprender e na ausência
consciente e cujos resultados de conhecimento explícito sobre o que foi
Aprendizagem estão disponíveis em consciência. aprendido.
Ex. aquisição de regras Ex. reconhecer e usar regras de
processuais de aritmética, ou gramática em nossa língua nativa;
conhecimento de fatos. aprendendo por mera exposição ao
modelo
Fonte: Elaborado com base em Sadler-Smith, 2008, p. 132.

2.3 Sentimento de saber (feeling of knowing – FOK): estado intermediário


de recuperação

Jamais lhe ocorreu ser indagado sobre algo que você não consegue
responder, mas tem a sensação de que sabe? É como se você soubesse que tem

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a resposta e que, portanto, vale a pena procurar na memória. Esse sentimento de
saber, ou feeling of knowing – FOK, é justamente um estado intermediário de
recuperação. Em termos de pesquisa, duas perspectivas básicas são utilizadas:
os participantes são questionados sobre conhecimentos gerais e precisavam
indicar se sabiam ou não a resposta – quando não sabiam, se tinham um FOK da
resposta certa na presença de alternativas; participantes primeiro estudavam
certos conteúdos, nos quais posteriormente eram testados. Por exemplo, os
participantes precisavam codificar pares de palavras e posteriormente recuperar
esses pares, tendo somente uma das palavras de cada par como referência.

A ativação relacionada à recuperação [de memória] foi encontrada


dentro do giro frontal inferior esquerdo (IFG), de modo que os ensaios
em que as palavras foram recordadas suscitaram maior ativação do que
os testes FOK, que, por sua vez foram associados a respostas maiores
do que os ensaios em que as palavras não foram lembradas [...] Assim,
o FOK é concebido como um estado intermediário de recuperação
(Plessner; Betsch; Betsch, 2008, p. 81).

Sabemos assim que, mesmo que não seja possível lembrar, vale a pena
insistir.

TEMA 3 – INTUIÇÃO E EMOÇÃO

Bem, até agora temos explorado aspectos da intuição como um


processamento não consciente cognitivo. Mas, seria a intuição um processo
apenas cognitivo, e o processo analítico (consciente) seria realmente mais livre
de influências não conscientes? O primeiro conceito sugere que não, ao indicar
que a saída da intuição é um sentimento que serve como base para
julgamentos e decisões. De fato, há farta evidência (advinda principalmente de
estudos neurocientíficos) de que os sentimentos, conscientes ou não (sendo a
maioria não conscientes), influenciam nossos julgamentos e decisões. Lent (2004,
p.671) afirma: "De um modo ou de outro nossos atos e pensamentos são sempre
criados ou influenciados pelas emoções." Uma das vantagens desta influência
seria os marcadores de decisão para processar a informação mais rápida e
eficientemente.
Segundo Damásio (Bechara; Damásio, 2005; Lent, 2004; Damásio, 2004;
2000), a razão precisa da memória para funcionar, e estaria associada a
"marcadores somáticos", que representam os padrões mentais e de
comportamento e as correspondentes características fisiológicas geradas por elas
no momento em que foram registradas. Esses marcadores seriam especialmente
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importantes quando existem emoções negativas relacionadas a uma determinada
informação; eles ainda seriam cruciais no processo de tomada de decisão,
essencialmente caracterizado pelo uso da razão. Pacientes que tiveram lesões
em partes do córtex pré-frontal medial e orbital, ou com lesões ou doenças na
amígdala, apresentaram prejuízos em seus processamentos emocionais, além de
uma incapacidade de tomar decisões vantajosas para si mesmos (Purves et al.,
2005).
As emoções emergem de sistemas neurológicos voltados a avaliar a
valência ou o significado dos estímulos que nos chegam – se eles estão de acordo
ou desacordo com nossas metas e necessidades, se são relevantes / importantes
ou não. Por isso, modulam nossa atenção, percepção e avaliação (julgamento);
modulam nossa tomada de decisão; e nos preparam ou direcionam (motivação)
para uma resposta adequada (ação) (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2014; Gazzaniga,
2009). Tudo isso pode ocorrer na maioria das vezes de forma não consciente, de
maneira que a emoção (e os sentimentos que pode gerar) constitui parte do que
se pesquisa como intuição.

Sentimentos [viscerais] e pressentimentos são elementos


indispensáveis para uma tomada de decisão eficaz; eles podem ser
induzidos por processos de reconhecimento de padrões inconscientes e
pela ativação de estados corporais (ou seus substitutos) e podem ser
submetidos a avaliação por meio de simulação mental (Sadler-Smith,
2008, p. 212, tradução nossa).

As emoções podem ser entendidas como programas de tomada de


decisão intuitiva, impondo ao tomador de decisão inclinações para ação
que sirva de maneira mais adequada às atuais tentativas (Plessner;
Betsch; Betsch, 2008, p. xii).

TEMA 4 – INTUIÇÃO NÃO-LOCAL OU ANÔMALA (PSI-INTUIÇÃO)?

Até o momento, vimos que processos “cognitivos” e “emocionais” não


conscientes se relacionam com o que chamamos de intuição. Porém, se este
prisma estiver completo, a intuição é algo ligado ao passado (experiência
biográfica cognitiva, emocional, sendo naturalmente afetada por processos
culturais, sociais etc.). Poderia ela então ser útil para circunstâncias novas e
complexas, em que referências passadas talvez não sejam apenas válidas, como
também prejudiciais a uma eficaz tomada de decisão (algo frequente num mundo
organizacional extremamente dinâmico e complexo, onde inovar é tão crucial),
como sugere o relato de administradores que por ela se guiam? Resultados de

14
linhas de pesquisas da Psicologia Anomalística 2 sugerem que sim, que não
estaria restrita a informações do passado, integrando também informações do
futuro, de caráter extra-sensorial (Radin, 1997; 2006; 2008; 2011).

Há também a possibilidade intrigante, implícita em teorias subjacentes à


intuição não-local, de que nenhum processamento de informações
ocorre - já que recebemos informações 'pré-empacotadas' de algum
lugar. A intuição local pressupõe que respostas intuitivas são resultado
de informações processadas que já contemos na forma bruta (como
esquemas mentais ou memórias afetivamente codificadas; ou com as
quais estivemos em contato (através da leitura, aprender, perceber
nosso ambiente ou outra forma de exposição superficial). Mas e se, em
alguns casos, recorrermos a uma fonte externa de informações que não
exija nenhuma modificação adicional? (Sinclair, 2011, p. 24-25)

Estudos sobre o “efeito pressentimentos” têm mostrado que, quando certos


alvos ameaçadores (imagens estáticas) são apresentados a sujeitos, eles reagem
fisiologicamente alguns segundos antes de o alvo ser mostrado, indicando
perceberem nesse nível a ameaça potencial, antes que ela seja apresentada.
Para os alvos neutros, ou seja, que não representam ameaças, as reações
fisiológicas não ocorrem (Radin, 1997; 1998; 2006; 2008; 2011; Bierman, 2000;
Silva, 2014).
Os estudos do efeito pressentimento (ou precognição fisiológica) são muito
semelhantes aos conduzidos por Damásio 3 para verificar sua hipótese de
marcadores somáticos. Bierman (2004) revisou os dados de Damásio, procurando

2
Psicologia Anomalística designa um campo área de pesquisa da psicologia que investiga evento
e experiências associadas com experiências humanas, que são difíceis de explicar dentro dos
parâmetros científicos vigente, as Experiências Anômalas (EAs). Elas incluem as experiências
fora-do-corpo, de quase morte, alucinatórias, sinestésicas, de sonhos lúcidos, relacionadas à psi,
de contato e/ou abdução por alienígenas, de curas anômalas, experiências místicas ou espirituais,
entre outras. A Psicologia Anomalística as estuda, sem considerar, a priori, que existam
fenômenos anômalos causais relacionados a elas. Segundo a Associação Psicológica Americana
(APA), anômalo não indica disfunção ou patologia, de modo que as EAs podem ocorrer sem
psicopatologia e mesmo ser indicadoras de saúde psicológica acima da média. Estudos em várias
culturas sugerem que cerca de 50% das pessoas relatam ter tido ao menos uma dessas
experiências na vida. No Brasil este índice sobe para a casa dos 85%, com uma amostra de cerca
de 1000 pessoas de SP, PR e SC. Ainda, a maior parte destas pessoas indica ter sido influenciada
pelas EAs em termos de suas atitudes, crenças e tomadas de decisões (Cardenã, Lynn, Krippner,
2013; Machado, 2009; 2010). Uma categoria específica, as EAs relacionadas à psi, sugere a
possibilidade de que a organismos interajam entre si ou com o seu meio sem o intermédio dos
sentidos sensoriais (trocando energia e/ou informação), ou que obtenham informações do futuro.
Essas e outras possibilidades têm sido avaliadas cientificamente, através de estudos de casos
espontâneos, levantamentos e, principalmente, laboratório (pesquisa experimental), mostrando
fortes evidências estatísticas para a existência dos fenômenos psi, tais como telepatia,
precognição e influência mental direta sobre sistemas físicos e biológicos (Radin, 1997; 2006;
2008).
3
Nos estudos de Damásio, a resistividade elétrica da pele é medida como indicador da influência
da emoção na tomada de decisão; nos estudos de pressentimento, essa medida fisiológica
também é utilizada, porém é dada atenção não somente para o momento posterior à apresentação
do estímulo (como no caso dos experimentos de Damásio), mas também aos momentos anteriores
a ele.
15
o mesmo efeito pressentimento, vindo a encontrá-lo em nível significativo. Ou
seja, nos estudos da influência da emoção na tomada de decisão (hipótese dos
marcadores somáticos) feitos por Damásio, há indícios significativos de que as
decisões mediadas pelas emoções (reações corporais) não foram apenas
influenciadas pelo passado, mas também pelo futuro! Assim, este e outros
pesquisadores sugerem que essa reação orgânica prévia poderia estar também
na base de certas emoções, sensações ou sentimentos associados a
pressentimentos-intuição, e que essas experiências orgânicas estariam afetando
a tomada de decisão (Borgeois; Palmer, 2003; Bierman, 2004; Radin, 2011). Isso
parece coerente com os relatos dos participantes de estudos psi Ganzfeld (Silva;
Pilato; Hiraoka, 2003; Silva, 2002), e também com a pesquisa de doutorado de
Silva (2014), sobre como o efeito hipotético antecipatório anômalo para estímulos
aparentemente imprevisíveis poderia afetar a tomada de decisão humana.
Com esta abertura para outras fontes de informação e influência no
processo da intuição, refletimos que os fenômenos psi (telepatia, clarividência,
precognição e ação direta da mente sobre sistemas físicos ou biológicos) têm sido
evidenciados em estudos de laboratório (incluindo pesquisas neurocientíficas),
como sendo amplamente não conscientes, ou sendo melhor observados em
reações orgânicas do que em percepções e descrições cognitivas (Radin, 1997,
2011). Em complemento, um estudo clássico de levantamento de experiências psi
(coleção de casos), feito pela doutora L. E. Rhine, com mais de 10.000 relatos,
verificou que, em 26% dos casos, a forma subjetiva pela qual a informação psi ou
extra-sensorial chega à consciência do experimentador é a impressão intuitiva, ou
um pressentimento ou conhecimento súbito sobre um evento distante (no tempo
ou no espaço) (Targ; Schlitz; Irvin, 2000).
Importante notar que a possibilidade de se obter informações ou
impressões (cognitivas ou fisiológicas) por vias extra-sensoriais do futuro,
passado ou presente (fenômenos anômalos relacionados a psi) não exclui a
influência daquelas pré-existentes no organismo; ou seja, as novas informações-
impressões terão que concorrer com as anteriores na influência dos processos de
tomada de decisão, julgamento e resolução de problemas, ou ainda de
direcionamento.

16
TEMA 5 – UMA ESTRUTURA INTEGRADA DE INTUIÇÃO

Até agora observamos diferentes perspectivas e/ou tipos de intuição, e


ainda existem vários outros. Não é o escopo desse texto explorar todos os tipos e
abordagens; em vez disso, apresentamos a seguir uma perspectiva integrada
sobre a intuição, proposta por Sinlclair (2011), em seu livro Handbook of intuition
research. Ela engloba todos os elementos expostos e integra outros ainda não
abordados.

5.1 Sistemas de processamento experiencial e deliberativo

Como apresentado anteriormente, a perspectiva do processamento duplo


sugere que as informações são processadas por dois sistemas Independentes
que interagem entre si. Um sistema é rápido, não consciente, experiencial,
automático, holístico, não verbal e relacionado às emoções (sistema 1). Se
contrapondo ao primeiro, o sistema 2 é consciente, deliberativo, analítico e lento;
dessa forma, convencionou-se que qualquer processamento que implique
caminhos neurológicos relacionados à deliberação não pode ser classificado
como intuitivo. Mas não precisa necessariamente ser dessa forma.

Os proponentes da tomada de decisão naturalista sugerem, por


exemplo, que a experiência intuitiva se baseia em uma correspondência
rápida de padrões, que é muito rápida para que possamos registrar
conscientemente. [...] A informação poderia então muito bem ser
processada através do sistema deliberativo. Além disso, a teoria do
pensamento inconsciente [...] implica que nossa mente processa
informações quando desviamos nossa atenção consciente em outro
lugar, o que não exclui o emprego de um sistema racional / deliberativo
(Sistema 2). De alguma forma, assumimos que a deliberação requer
consciência - mas sempre? Pesquisas sugerem que os seres humanos
são capazes de comportamentos e atividades complexas sem
consciência [...]. Ainda está para ser determinado se a deliberação é uma
delas. (Sinclair, 2011, p. 4)

Alguns tipos de intuição talvez possam utilizar o sistema deliberativo. Seria


o processamento delas estruturado da mesma forma que os processos de
deliberação consciente? Poderia, por exemplo, ser mais holístico, sem seguir
regras lógicas impostas por processos mais conscientes? E a cultura teria algum
papel dessa forma de estruturação?

Curiosamente, esse argumento pode ser adaptado às culturas


ocidentais, onde a ênfase é colocada no raciocínio lógico. O
condicionamento social em algumas culturas não ocidentais em que a
intuição é ensinada desde tenra idade [...] pode resultar em uma
dependência de diferentes estruturas de conhecimento para processos

17
conscientes e não conscientes. Isso levanta questões sobre a
universalidade da intuição e os possíveis efeitos do condicionamento
social em seu uso. Infelizmente, falta uma visão cultural comparativa
sobre a intuição na literatura ocidental sobre administração. (Sinclair,
2011, p. 5)

5.2 Tipo e estilo de processamento inferencial holístico

Em termos o estilo de processamento intuitivo, podemos fazer uma


distinção básica entre aquele inferencial e o holístico. O processamento
inferencial, ou a “análise congelada no hábito”, é assim chamado, por vezes, por
se basear “em respostas automatizadas baseadas no rápido reconhecimento dos
padrões de memória acumulados pela experiência” (Sinclair, 2011, p. 5). Esse tipo
de processamento se relaciona à especialização (expertise), sendo resultado da
prática extensiva, frequentemente acumulada ao longo dos anos. Seu
processamento pode ser bem complexo e caracterizado por duas possibilidades:

(1) Ele pode ter uma rápida impressão desencadeada por experiências
anteriores (estilo associativo), que pressupõe processamento mínimo e
sua natureza associonística implica o envolvimento do sistema
experiencial. Ou (2) pode ser mais complexo, na medida em que
compara a situação atual com esquemas mentais armazenados e
procura uma correspondência ou uma anomalia (estilo de
correspondência). Isso requer um nível mais profundo de
processamento que poderia muito bem usar o sistema deliberativo
adequado para extrair inferências. (Sinclair, 2011, p. 5)

Em contrapartida ao processo inferencial, o processamento holístico


não é sequencial; ele se assemelha à síntese ou integração de fragmentos
desconectados de memória na construção de uma nova estrutura de
informação, semelhante à montagem de um quebra-cabeças. Ele integra
informações muito complexas, não podendo ser explicado por deliberações
conscientes rápidas. Esse tipo de processamento produz um resultado novo, e
por isso precisa ser mais sofisticado do que a “simples” correspondência com
experiências anteriores. No caso holístico, os resultados podem ser considerados
empreendedores e ou criativos, relacionados à intuição incremental e intuição
radical, respectivamente (Sinclair, 2011, p. 6):

A intuição incremental parece conectar informações de uma maneira


nova, mas previsível, que se baseia no conhecimento do domínio
existente, o que abre a possibilidade de que ela possa ser mediada pelo
sistema deliberativo. É acessível a especialistas que dependem de
esquemas extensos [...]. E possivelmente a empreendedores com
experiência em identificar oportunidades [...]. A intuição radical, por
outro lado, se afasta drasticamente dos padrões de conhecimento
existentes e gera uma novidade surpreendente em um verdadeiramente
"estilo criativo" [...], que requer certa predisposição e talento.

18
5.3 Modo de recepção (percepção) do resultado

A questão abordada aqui é como a intuição emerge na nossa consciência.


Através de um pensamento, sentimento ou de algum dos nossos sentidos
sensoriais? Através de uma sensação corporal mediada por uma emoção? Ou
através de um comportamento involuntário e até mesmo incomum? Como
tomamos consciência da intuição, como resultado de um processamento de
informações que ocorre sem que tenhamos consciência? Todas essas formas
podem representar possibilidades (Sinclair, 2011; Silva, 2006).
E seria possível criar uma condição psíquica orgânica que facilitasse o
processo intuitivo?

Outra distinção deve ser feita entre a falta de consciência de como ocorre
a intuição e nossa capacidade de facilitar o processo conscientemente
ou até mesmo acioná-lo. Parece haver quatro níveis de consciência a
esse respeito, variando de uma situação não consciente acidental
(quando a intuição surge por capricho) a uma abordagem
conscientemente ativa (quando entramos em um estado mental relaxado
com uma clara intenção de intuir o resultado desejado) Parece, portanto,
que "podemos aprender a invocar a intuição à vontade sem saber como
isso gera a resposta". (Sinclair, 2011, p. 7)

Voltaremos a esta polêmica questão, se de fato é possível treinar a intuição


(Silva, 2009), em textos posteriores. Por ora, podemos sintetizar alguns dos
aspectos apontados, indicando que a intuição, como conhecimento direto, utiliza
um processamento experimental (sistema 1) ou deliberativo (sistema 2), pode ser
inferencial ou holística, e inclui a recepção de informações através de fontes
externas, por meios anômalos. Ela pode ser percebida através de vários canais
ou até mesmo comportamentos, sendo que tais processos podem ser mediados
por sensibilidades e preferências individuais, o que chamaríamos de uma
“assinatura intuitiva” ou “assinatura psi”. Se de fato existir tal padrão individual,
talvez ele possa ser reconhecido por uma pessoa que treine sua percepção para
isso. Alguns estudos conduzidos por nós (Silva, 2006; 2009; Itice; Pianaro; Silva,
2011) sugerem a existência dessa possibilidade; no entanto, outros estudos
precisam confirmá-la, sistematicamente.

5.4 Afeto nos estilos de processamento

Como foi indicado, o afeto ou as emoções são importantes no processo da


intuição. O estilo associativo é baseado em respostas afetivas a estímulos
semelhantes daqueles vividos em experiências anteriores.

19
Esse mecanismo pode ser atribuído a marcadores somáticos que são
memórias codificadas afetivamente reativadas em uma situação
congruente ao contexto [...]. O estilo associativo parece, portanto,
funcionar como uma "correspondência afetiva" simples entre o estímulo
recebido e sua contraparte no "banco somático". Curiosamente, os
estados somáticos parecem ativar diferentes partes do cérebro,
dependendo da proveniência do estímulo [...], o que implica que o
mecanismo subjacente pode ser menos direto do que parece à primeira
vista. (Sinclair, 2011, p. 8)

Interessante notar que a intensidade do afeto no processo intuitivo pode


depender do grau de novidade da questão considerada. Uma situação nova pode
exigir a presença mais forte do afeto, pois a informação viaja através de uma rica
via afetiva, um loop corporal. Mas se a situação for menos desconhecida, o
processamento segue uma via afetiva pobre. Existe ainda a possibilidade de o
afeto não estar presente em algum tipo de processamento inferencial ultrarrápido,
como no estilo de correspondência baseado em esquemas mentais habituais
(Sinclair, 2011).

5.5 Afeto como antecedente ou atributo

Outro aspecto importante da influência da emoção no processo intuitivo é


que ela pode ser um fator influente no estágio que antecede a intuição. Inclui-se
a influência do humor geral da pessoa, em particular a intensidade desse humor,
sua valência (se positiva ou negativa), além das emoções vividas. Como exemplo,
a raiva intensa ou o medo mediando o processamento de informações pode
dificultar a intuição se o tomador de decisão ficar completamente envolvido por
suas emoções, podendo resultar numa deliberação abaixo do padrão, ou paralisia.
Mas, se a pessoa conseguir ativar sua intuição afetiva, ou seja, canalizar a carga
emocional na intenção de atingir uma meta desejada, poderá haver um resultado
alternativo (Sinclair, 2011). Isso nos faz lembrar de processos de regulação ou
inteligência emocional.
Numa perspectiva clássica, a intuição serve principalmente para duas
funções: tomar decisões e resolver problemas. A maior parte das pesquisas têm
sido dirigida para a perspectiva da tomada de decisão. Isso ocorre provavelmente
em função do tempo despendido no processo. No entanto, a pesquisa sobre a
tomada de decisão pode oferecer uma visão restrita sobre a intuição. A solução
de problemas complexos usualmente é mais demorada; requer incubação, e por
essa razão destoa da questão da velocidade rápida associada ao processo
intuitivo (Sinclair, 2011).

20
Outra perspectiva, usualmente negligenciada, diz respeito ao papel da
intuição nas interações interpessoais. São características não verbais dos
relacionamentos, como expressões faciais, gestos ou tom de voz, que podem ser
captadas de forma não consciente. Usualmente, são expressões do afeto
subjacente à interação em curso; ou seja, teríamos aqui uma intuição relacionada
à emoção (Sinclair, 2011). Aqui também cabe refletir sobre a possibilidade de
interações intuitivas não locais, ou anômalas entre pessoas, usualmente com
vínculos afetivos entre si. Estudos sobre a observação da distância de outra
pessoa, sem que ela saiba de tal observação, sugerem que aspectos fisiológicos
da pessoa observada são alterados durante os momentos de observação, em
contraste com os momentos de controle (Radin, 1997).

5.6 Uma estrutura integrada: funcionalidade baseada em informações

Passamos agora a detalhar mais alguns aspectos da estrutura integrada


da intuição proposta por Sinclair (2011), para depois apresentar a tabela que
integra todos esses elementos. Em sua abordagem, são considerados: (i) o tipo
de informação; (ii) o momento em que a informação foi adquirida; e (iii) a
localização da informação. Combinando os dois primeiros aspectos, a
pesquisadora agrupa as funções intuitivas em: experiência intuitiva, criação
intuitiva e previsão intuitiva.
“A experiência intuitiva baseia-se principalmente em padrões específicos
de domínio armazenados localmente, acumulados no passado” (Sinclair, 2011, p.
13, grifos do original). Trata-se de aprendizado aperfeiçoado pela prática, e que
se converte em eficácia no processamento de informação e na ação decorrente.
A criação intuitiva pode também relacionar-se com informações
específicas de domínio, ainda que nem sempre. Incorpora experiência ampla da
pessoa e exposição superficial (rápida) a informações. Frequentemente são
originadas em experiências prévias, mas integram os elementos da situação
presente. “Sendo de natureza local, resta saber se ele também pode explorar
fontes não-locais [anômalas], como está implícito nas descobertas de pesquisas
empresariais” (Sinclair, 2011, p. 13).
Talvez a mais compreendida em termos de seu funcionamento interno seja
a previsão intuitiva. Ela parece usar um conjunto grande de informações,
incluindo conhecimento, experiência e exposição superficial. As pesquisas
relacionadas à intuição estratégica sugerem que esses dados relacionados ao

21
passado são integrados aos estímulos presentes, ou situacionais. Por outro lado,
os estudos relacionados ao empreendedorismo sugerem a possibilidade de
detectar o futuro, abrindo a possibilidade de percepção intuitiva não local, ou
anômala. Não se sabe ainda se essa previsão em Curitiba é mais bem explicada
pelo estilo construtivo – com base na experiência, identificam-se oportunidades –
ou pelo estilo criativo, que combina diferentes estilos ao longo do tempo (Sinclair,
2011).
Com relação ao tipo de informação ou à sua procedência, Sinclair (2011)
considera: (i) conhecimento específico de domínio; (ii) experiência geral; e (iii)
exposição superficial. O conhecimento específico diz respeito àquele de domínio
delimitado, como a química ou a física, por exemplo. A experiência geral inclui as
informações e experiências de vida acumuladas ao longo dos anos.
Complementarmente, a exposição superficial diz respeito à percepção não
consciente de estímulos, que podem catalisar processos criativos, por exemplo.
O processo da intuição seria então combinar diferentes conjuntos de informações
de profundidades variadas (Sinclair, 2011).
A autora também considera a aquisição de informações do tempo, ou
seja, o momento em que as informações processadas são integradas à nossa
estrutura de conhecimento. Como referência, Sinclair (2011) indica o passado,
integrando informações e experiências práticas vividas anteriormente,
armazenadas em esquemas ou marcadores somáticos em nosso cérebro e em
outras regiões corporais. As informações do presente também fazem parte dos
processos intuitivos, podendo se constituir na peça do quebra-cabeça que estava
faltando para desvendar, resolver ou criar algo. Por fim, considerando a
possibilidade da não localidade (ou, como preferimos, intuições anormais), a
pesquisadora inclui o futuro como fonte de informações.
Em termos de localização das informações, Sinclair (2011) também
trabalha com três categorias: (i) local interno, (ii) local externo e (iii) não local. A
primeira, talvez a principal, diz respeito ao nosso próprio sistema, considerando
que temos grandes quantidades de informações armazenadas. A segunda, o local
externo, inclui o ambiente no qual a experiência ocorre no momento presente. Ali
os estímulos externos são incorporados ao processamento intuitivo. Por fim,
Sinclair (2011) apresenta a possibilidade de obter informações que estão fora da
nossa presença física e mental, e ainda fora do ambiente que nos é acessível
pelos sentidos sensoriais. São estímulos de caráter não local.

22
Quadro 1 – Estrutura integrada da intuição: tentativa de categorização

Experiência Criação Previsão


intuitiva intuitiva intuitiva
Tipo de informação
Experiência (expertise) em
xx x xx
domínio específico
Experiência geral x xx xx
Exposição superficial (rápida) ? xx xx
Aquisição de informações no
tempo
Passado xx x x
Presente x xx xx
Futuro ? ? ??
Localização da informação
Local interno xx xx x?
Local externo x xx xx
Não-local ? ? ??
Estilo de processamento
Associativo x ? ?
Coincidindo xx ? ?
Construtivo xx x? x?
Criativo ? xx x?
Tipo de processamento
Inferencial xx ? x?
Holístico x xx x?
Sistema de processamento
Deliberativo xx ? x?
Experiencial x xx x?
Envolvimento do afeto (emoção)

Baixo a nenhum xx ? ?
Algum x x x
Dominante ? xx xx
Função principal
Tomada uma decisão xx x? x?
Solução de problemas x xx x?
Interação pessoal x ? x?
Tipo de resultado
Decisão sobre problema/dilema
xx x? n/a
existente
Solução para problemas
xx x n/a
existentes
Criação de novos conhecimentos ? xx x?
Impacto no relacionamento ? ? ?
Informações sobre o futuro ? ? xx
Domínio e / ou Criação Questões e/ou
Área de aplicação prática Inovação oportunidades
profissional Invenção futuras
Atenção
Complexidade
Antecedentes influentes Novidade etc. Apaixonada
etc.
?
Momento ahá
Atributos de resultado Velocidade etc. ?
etc.
Experiência Criação Previsão
intuitiva intuitiva intuitiva
xx = altamente provável; x = provavelmente; x? = talvez; ? = a ser determinado; ?? = a ser determinado, mas teorizado

Fonte: Elaborado com base em Sinclair, 2011, p. 14-5.

23
Muito bom, chegamos ao término dessa primeira aula, durante a qual
apresentamos a você uma visão introdutória sobre a tomada de decisão e a
intuição. Como é possível observar, o tema é complexo e muito importante, visto
que essa forma de funcionar (intuitiva) é mais comum do que poderíamos supor.
Juntamente por implicar mecanismos usualmente não conscientes, não nos
damos conta dela, na maior parte do tempo. Não a percebemos e, possivelmente,
não a compreendemos, mas ela é muito importante, visto que está muito presente
quando tomamos decisões, resolvemos problemas e nos relacionamos com
outras pessoas. Não fosse isso suficiente, ela tem se evidenciado crucial na
prática profissional, na liderança e na gestão, na criação, no empreendedorismo
e na inovação (Parikh; Neubauer; Lank, 2003; Itice; Pianaro; Silva, 2011; Pillay,
2011; Sadler-Smith, 2011, 2010, 2008; Barros, 1998).

24
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recursos humanos. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, 2010.

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TARG, E.; SCHLITZ, M.; IRVIN, H. J. Psi related experiences. In: CARDENÃ, E.;
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examining the scientific evidence. Washington: APA, 2000. p. 219-251.

27
AULA 2

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


INTRODUÇÃO
Chegamos à segunda aula da disciplina Tomada de Decisão (TD) e
Intuição, na qual você conhecerá os aspectos neurológicos e sociais da TD. Neste
texto, vamos conhecer alguns elementos comuns à TD e as áreas do cérebro que
atuam integradas para realizá-los. Vamos adentrar nos polêmicos estudos sobre
processamento consciente vs não consciente, e novo modelo de inconsciente, a
partir dos quais você talvez se questione se realmente tem livre arbítrio. Por falar
nele, vamos também refletir sobre o quanto nossas decisões são influenciadas
por processos sociais e que isso, por vezes, pode ser perigoso!
Mais uma nova experiência de aprendizado e transformação está
começando! Preparada(ao)?

TEMA 1 – ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA TOMADA DE DECISÃO

Ainda que uma grande quantidade de estudos evidencie áreas e sistemas


neuronais implicados na tomada de decisão, é necessário registrar que o
processo de decisão humana ainda é muito desconhecido. Ela envolve uma
quantidade grande de estruturas cerebrais, entre as quais apresentaremos
aquelas que parecem ser as mais importantes.
Córtex pré-frontal (CPF) – constitui-se na região mais importante para os
processos racionais, mantendo vínculos anatomofuncionais com várias regiões
ligadas ao processamento emocional, o córtex pré-frontal parece representar um
campo de múltiplas influências, em especial dos processos de raciocínio e dos
processos emocionais. Embora sejam usualmente não conscientes, podem se
manifestar na forma de sentimentos vindo a ser percebidos (Gil, 2005). É estrutura
essencial para o planejamento, para expressão de personalidade, moderação do
comportamento social e, como não poderia deixar de ser, para a tomada de
decisão. Danos nessa estrutura estão relacionados à incapacidade de avaliar
situações e realizar tarefas, também, sobre o discernimento do comportamento
social adequado (Rodrigues; Oliveira, 2013).
Córtex orbitofrontal – Entre as estruturas do CPF, esta se destaca
sobremaneira (veja Figura 1). Sua função relaciona-se a uma série de
comportamentos que parecem estar interconectados, tais como “regular nossas
capacidades de inibir, avaliar e agir com a informação emocional e social.”
(Gazaniga; Ivry; Mangun, 2006, p. 565). Tais comportamentos relacionam-se
diretamente com a TD, quando a situação social e emocional, nossos objetivos
2
atuais para aquela situação, nossos valores, além dos estímulos ali apresentados,
precisam ser integrados numa escolha (Gazaniga; Ivry; Mangun, 2006).

Existem ações habituais derivadas da informação perceptiva, novas


informações que requerem flexibilidade no planejamento, metas
internas, informações emocionais e do ambiente, dicas emocionais
internas e dicas sociais. Esses fatores são todos combinados quando
decisões são tomadas. Dependendo da tarefa a ser decidida, alguns
destes fatores podem ser mais importantes que outros. Se nossa
habilidade de processar qualquer tipo de informação está prejudicada, a
tomada de decisão ficará alterada. O córtex orbitofrontal parece ser
especialmente importante para processar, avaliar e filtrar informações
sociais e emocionais. O resultado é que um dano nesta região
prejudicará a habilidade de tomar decisões que requerem realimentação
de sinais sociais e emocionais. (Gazaniga; Ivry; Mangun, 2006, p. 565)

Danos nessas regiões levam pacientes a terem comportamento de


utilização, no qual apresentam exagerada dependência dos estímulos ambientais
ao orientar seu comportamento, como ao encontrar um prego, um martelo e um
quadro artístico na entrada de um consultório médico; pacientes com as referidas
lesões, tratavam de fixá-lo na parede.
Outro efeito dessas lesões é o comportamento imitativo, no qual pacientes
imitam ações inócuas ou socialmente inapropriadas. Outras dificuldades sociais
incluem mudanças de personalidade, irresponsabilidade, despreocupação com
presente e futuro, diminuição da consciência e empatia social, além de
desconsideração das regras sociais e das próprias condições problemáticas que
se envolvem, relatando seus problemas como se fossem observadores, não
envolvidos nas situações (Gazaniga; Ivry; Mangun, 2006).
Alguns desses pacientes, eventualmente, mostram-se agressivos,
entretanto dirigem tal agressividade mais para si próprios do que para os outros.
Disfunções nessas regiões (redução no metabolismo da glicose avaliada pelo
TEP7) também estão presentes em pacientes com transtorno de personalidade
anti-social e dificuldades de autocontrole da violência e agressividade (Gazaniga;
Ivry; Mangun, 2006).

3
Figura 1 – Estruturas cerebrais

1. CPF lateral (1ª – CPF dorsolateral) 6. Hipocampo

2. Córtex orbitofrontal (2ª – VmPC) 7. Estriado ventral (área tegmental ventral)

3. C. cing. anterior 8. Núcleo accumbens

4. Insula 9. Córtex motor primário

5. Amígdala

9
9
1a 33

1 8
2 4 2
2a 7
5 6

a) Vista lateral – Estrutura 4 é b) Vista medial


interna, por isso aparece
pontilhada

1a 2 2
1a
2 2

9 9

c) Vista superior d) Vista inferior

3
3

2 8 4
2a 7
5 6 e) Vista medial mesclada com lateral –
várias estruturas prestando informações
para o CPF vm – contador – para que
possa fazer uma decisão

Créditos: Fábio Eduardo da Silva.

4
Em interação com as características acima citadas, uma função crucial do
córtex orbitofrontal é a representação do valor de recompensa e punição. Sim,
nessa função ocorre a “miopia de futuro”, ou seja, a incapacidade de escolher
baseado nas consequências de médio e longo prazo (Rodrigues; Oliveira, 2013).
Uma subárea do córtex orbitofrontal é o córtex pré-frontal ventromedial
(ou CPFvm), (vide Figuras 1 e 2), ele é considerado o contador no cérebro.
Recebe informações de várias regiões cerebrais, incluindo outros locais dos lobos
frontais e do sistema emocional ou límbico. Com base nesses dados, analisa o
risco-benefício para tomada de decisão. Sua sensibilidade ao risco e benefícios é
variável, por isso, precisa da comunicação e check-in com outras estruturas
(Pillay, 2011; Rodrigues; Oliveira, 2013).
Sob efeito do estresse ou exigência, o CPFvm pode se tornar disfuncional.
Seu funcionamento ideal considera risco, atraso, ambiguidade e avaliações de
valor das escolhas. Para isso, o CPFvm é estrategicamente localizado para
receber e gerenciar informações de muitos outros locais do cérebro. Precisa
dessas informações para funcionar de forma ótima. Essa estrutura tornou-se
famosa porque seu estudo foi um marco no início dos estudos neurológicos da TD
humana. A situação envolveu Phineas Gage, um operário da construção de
estradas de ferro nos E.U.A. Gage, considerado o mais capaz e eficiente entre os
empregados, chefiava uma grande quantidade de homens, na missão de assentar
os trilhos da ferrovia através de Vermont. No verão de 1948, quando preparava
explosivos para abrir caminho para a rodovia, ao calcar a pólvora com uma barra
de ferro, provoca uma explosão que, além de lançá-lo a 30 metros de distância,
rendeu uma perfuração na região do CPFVM (Figura 2) do cérebro, produzida
pela barra de metal que atravessou seu crânio.

Figura 2 – Ilustração do local, no cérebro de Gage, perfurado por barra de metal

Créditos: Van Horn JD, Irimia A, Torgerson CM, Chambers MC, Kikinis R, et al./Licença 2.5
5
Surpreendentemente não morreu e se recuperou rapidamente. Apesar de
aparentar não ter sofrido nenhuma sequela, seu comportamento social e
personalidade modificaram-se radicalmente, vindo a perder seu emprego. Gage
não conseguia mais fazer escolhas acertadas, ao contrário, eram desvantajosas.
Seu caráter degenerou-se, emergindo uma personalidade nefanda. Apesar disto,
manteve integridade de várias funções mentais, tal como atenção, percepção,
memória, linguagem e inteligência (Damásio, 2004).
Tal contraste entre o intelecto preservado (funções cognitivas) e uma
emoção defeituosa levou Damásio (2004, 2009) a refletir que, de alguma forma,
um sinal emocional poderia explicar as falhas na TD; ideia esta que é a base para
sua hipótese dos marcadores somáticos (MS), um ponto de partida para explorar
a função da emoção na TD.
Em síntese, os supostos MS antecipam as possíveis consequências de
uma decisão, atualizando a emoção relacionada aos efeitos de decisões
anteriores semelhantes. Assim, teriam a função de orientar para melhores
decisões (Damásio, 2004, 2009; Cardoso; Zimmermann; Carvalho, 2010).
Como indicado, a emoção tem função crucial na TD e a principal estrutura
relacionada são as amígdalas. Suas funções incluem o processamento da
memória e de reações emocionais. Elas são responsáveis por associar memórias
a eventos emocionais. Com base nessas memórias emocionais, elas atribuem
valor e processam as emoções por ordem de importância. O medo, por exemplo,
tem prioridade de processamento por ser uma emoção forte e muito importante
para a adaptação. São também consideradas como parte de um sistema de
impulsividade no processo de tomada de decisões, como reações emocionais
imediatas. Ainda participam de uma série de processos cognitivos, incluindo
aprendizagem, memória, atenção e percepção (Rodrigues; Oliveira, 2013; Pillay,
2011).
As amígdalas se relacionam com a memória. Outra estrutura que tem
função crucial na memória é o hipocampo, sua atividade envolve a memória de
longo prazo. Sua importância para os sentimentos é que as memórias têm seus
registros emocionais (Pillay, 2011). Não coincidentemente, essa estrutura está ao
lado da amígdala, como pode ser visto na Figura 1, o que significa que o
processamento emocional está intimamente ligado ao processo de consolidação
das memórias de longo prazo (Rodrigues, Oliveira, 2013).

6
O registro de valor relacionado à memória tem um componente adicional,
que é o sistema de recompensa do cérebro. Ele registra a recompensa (prazer)
ou perda quando tomamos decisões, é com base nesse registro que agimos.
Relaciona motivação e aprendizagem com feedback positivo. Está localizado em
sua maior parte no estriado ventral, que inclui o nucleus accumbens (NA) (veja
sua localização na Figura 1), relacionado ao neurotransmissor dopamina (Ghadiri;
Habermacher; Peters, 2012; Pillay; 2011; Rodrigues; Oliveira, 2013).
O sistema de recompensa e de emoções funcionam em conjunto. Com
base na memória emocional, a amígdala atribui valor e processa as emoções por
ordem de importância. O sistema de recompensa produz recompensas primárias,
ligadas diretamente às necessidades de sobrevivência (ex.: comida, bebida, sexo,
abrigo), secundárias, ligadas às necessidades de sobrevivência de forma indireta
(ex.: status social, reconhecimento, valor social, gratidão, confiança, informação,
contato físico, altruísmo) e, também, de caráter individual, ou seja, ligadas à
história de vida da pessoa. Juntos, esses dois sistemas são cruciais para o
processo de motivação, que leva a ação (prática) crucial ao aprendizado,
tornando-se determinante para a Tomada de Decisão (Pillay, 2011; Jensen,
2005), como sugerem Rodrigues e Oliveira (2013, p. 139):
E quando há dificuldades, erros, conflitos? Uma estrutura especial entra em
cena, o córtex cingulado anterior (ACC). Localizado internamente no cérebro,
como mostra a Figura 1, ele fiscaliza o conflito no cérebro, detectando erros e
insuficiências. Sua atividade pode ser observada quando uma pessoa comete um
erro de desempenho, mas não tem consciência de ter errado. Essa estrutura
avalia a magnitude de tais erros e seleciona as respostas adequadas para reparar
as falhas.
Quando uma ação feita para reparar o erro obtém sucesso, essa estrutura
também entra em funcionamento, produzindo uma regulação na qual a pessoa
manifesta um bem-estar emocional. É importante para o sistema de atenção
(mudança do foco da atenção), possibilitando mudar de ideia e perceber opções,
flexibilidade (mental) de adaptação às mudanças do meio, enfrentamento de
problemas/conflitos, previsão de eventos negativos (insegurança), antecipação de
recompensas e atividades cooperativas (empatia social).
Tem uma parte dorsal que se conecta com o córtex pré-frontal e uma
parte ventral que se conecta com a amígdala, ínsula e centros de recompensa do
cérebro, ou seja, é um eixo central das conexões do pensamento e da emoção.

7
Tem funções básicas também, como da regulação da pressão arterial e frequência
cardíaca. (Rodrigues; Oliveira, 2013; Pillay, 2011).
Para que as informações se mantenham na consciência por tempo
suficiente para que possam ser processadas durante uma TD, o córtex pré-
frontal dorsolateral (ou CPFDL), entra em ação. Ele é responsável pela
memória de curto prazo (de trabalho) e para a manutenção e manipulação de
memória recente na TD. Também está envolvido no autocontrole e na atenção
seletiva (Rodrigues; Oliveira, 2013; Rodrigues; Oliveira; Diogo, 2015; Pillay, 2011).
Tal como várias estruturas anteriores, a ínsula (Figura 1) mantém íntimo
contato como regiões do sistema das emoções, estando também envolvida na
coordenação dos processos emocionais. De fato, é um dos lobos corticais e tem
importante papel no processamento de informações visoperceptivas, tornando-as
conscientes; tais como as sensações intestinais, respiratórias e cardiovasculares.
É também crucial na percepção da gustação (paladar), temperatura, cócegas,
olfato, estimulação sexual e toque sensual, dor e seus aspectos emocionais. Ela
registra estímulos aversivos e tem sido implicada na previsão de resultados
aversivos ou negativos (Kapczinski et al, 2011; Pillay, 2011; Rodrigues; Oliveira,
2013).

TEMA 2 – PROCESSAMENTO NÃO CONSCIENTE E TOMADA DE DECISÃO –


NOVAMENTE A INTUIÇÃO?

Os processos dos quais não estamos conscientes são chamados de


inconscientes, implícitos, subliminares ou automáticos. É curioso que a maioria
dos processos que controlam e produzem a experiência consciente ocorrem fora
dela. Não temos consciência dos processos que a geram, ou seja, processos
inconscientes interagem para gerar processos conscientes. Percebemos o
produto pronto, não seu processo de construção. Não temos controle sobre os
processos que aparentemente nos permitem controlar a nós mesmos (Gazzaniga;
Heatherton; Halpern 2018)!

2.1 Pesquisas para compreender processos não conscientes

O estudo da visão tem sido muito focado para se compreender os


processos não conscientes. Não coincidentemente, o sistema visual responde

8
pelo processamento de 10 milhões de bits por segundo, sendo que os demais
sistemas juntos integram 1 milhão de bits por segundo (Callegaro, 2011).
Num fenômeno conhecido como visão cega, pacientes com lesão no
córtex visual reagem a estímulos apresentados na parte cega do seu campo
visual, sugerindo um tipo de visão inconsciente. Os pacientes negam a
capacidade, mas decidem evidenciado tê-la. Eles não percebem a experiência da
informação, visto que a percepção ocorre na ausência da sensação (Gazzaniga;
Ivry; Mangun, 2019).
Um exemplo simples é a resolução do problema da Torre de Hanói (Figura
3), no qual é necessário transferir os anéis de uma torre para outra, sem colocar
um anel maior em cima de um menor e nem retirar mais de um anel por vez. A
tarefa não é difícil, porém quando os participantes são solicitados a descreverem
o método da resolução, suas explicações são bizarras, sugerindo que não
estavam cientes das estratégias utilizadas quando resolviam o problema
(Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006, 2019).

Figura 3 – Torre de Hanói

Créditos: Dmitry Elagin/Shutterstock.

Uma importante área de pesquisa sobre processos não conscientes diz


respeito à percepção subliminar. Em um estudo, participantes foram solicitados a
avaliar a personalidade de um garoto mostrado em uma fotografia (imagem B,
Figura 4), com uma aparência facial neutra, a qual foi precedida por outra
apresentada no nível subliminar. Se a primeira fotografia mostrasse o garoto com

9
o rosto feliz e segurando o bolo (imagem A1, Figura 4), a avaliação tendia a ser
positiva, mas se a fotografia subliminar fosse negativa (imagem A2, Figura 4), o
julgamento também o era. Tal como este, vários experimentos evidenciam que a
percepção não consciente afeta julgamentos, pensamentos e comportamento.
(Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006).

Figura 4 – Experimento de percepção subliminar, segundo Gazzaniga, Ivry e


Mangun (2006, p. 683)

Crédito: Jefferson Schnaider.

2.2 Intérprete cerebral – a complementaridade dos hemisférios esquerdo


e direito do cérebro

Fruto de décadas de estudo de Michael S. Gazzaniga e, possivelmente,


uma das suas contribuições mais impactantes para a neurociência cognitiva, o
que se convencionou chamar de intérprete do cérebro, ou cerebral, é um
sistema criativo e automático (não é usualmente controlado) de produção de

10
explicações que vem ao encontro da perspectiva abordada nos parágrafos
precedentes (Gazzaniga, 2011, Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006, 2019).
Localizada no hemisfério esquerdo, trata-se de uma narrativa privada,
contínua, desenvolvida evolutivamente para lidar com desafios, organizando
nossa subjetividade, por vias não conscientes, de forma a gerar uma síntese
interpretativa que constitui a nossa própria história pessoal. Nossas experiências,
memórias e inclusive TD ganham significado, gerando o senso de unidade
consciente que temos. Contador de fábulas, criador de justificativas (Gazzaniga,
2011, Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006, 2019, Callegaro, 2011).

Cria a ilusão de um eu e, com isto, o senso de que nós humanos temos


atuação e livremente fazemos decisões sobre nossas ações. Em muitas
formas é uma capacidade formidável e positiva para os humanos
possuírem. [...] A ilusão é tão poderosa que tão poderosa que não há
nenhuma quantidade de análise vai mudar a nossa sensação de que
todos nós estamos agindo deliberadamente e com um propósito.
(Gazzaniga, 2011, p. 106)

Num experimento realizado por Gazzaniga (Gazzaniga; Ivry; Mangun,


2006, p. 691) pacientes com o cérebro dividido 1 avaliam gravuras bilaterais
procurando correlacioná-las com imagens dispostas à sua frente. Eles observam
as imagens e fazem correlações corretas, mas justificam (HE) utilizando somente
as informações disponíveis ao HE, ou seja, o cérebro esquerdo interpreta com o
conhecimento disponível consciente, fazendo confabulações para encaixar esses
dados na realidade. "A pata da galinha vai com a galinha, e a pá é para limpar a
sujeira da galinha.". A informação sobre a casa com a neve foi processada, visto
que os participantes fazem as correlações corretamente, mas não estão
disponíveis ao HE, visto que não podem ser a ele transmitidas em função da
secção entre os hemisférios, como mostra a Figura 5.

1Seccionado na região do corpo caloso, impedindo a comunicação entre os dois hemisférios por
essa via. O HD processa as informações do campo visual direito e vice-versa.
11
Figura 5 – Experimento com participantes com cérebro dividido

Crédito: Leonardo Martins


Noutro experimento, um paciente com cérebro dividido recebe a instrução
"ria" no seu lado direito do cérebro, quando indagado a justificar (HE) porque
estava rindo, explica: "vocês são realmente engraçados" (Gazzaniga; Ivry;
Mangun, 2006, p. 691)

2.3 Voltando ao (novo) inconsciente

Como visto anteriormente, consciente e inconsciente parecem funcionar


em colaboração com vistas a otimizar a TD humana. Mas, afinal, qual seria a
proporção geral entre processamentos conscientes/controlados e aqueles não
conscientes/automáticos? E, ainda, quem controla os processos controlados?
A hipótese freudiana foi a única abordagem abrangente voltada a explicar
os processamentos não conscientes até o fim da década de 1980, quando
emergiu a psicologia cognitiva, trazendo o modelo do inconsciente cognitivo,
enfatizando que processamentos complexos e funções psicológicas superiores
poderiam ocorrer sem percepção consciente e, também, que a mente é fruto de
mecanismos de processamento de informação. Os conteúdos da consciência
surgem desse processamento, o qual não temos acesso consciente (Callegaro,
2011).
O modelo do inconsciente cognitivo foi desenvolvido por John F. Kihlstrom,
o qual apresenta uma reformulação de seu modelo original, “que evoluiu para o
novo inconsciente” (Callegaro, 2011, p. 29). Nesse modelo é apresentada uma
síntese dos novos estudos, sugerindo que a avaliação automática ou não
consciente é muito frequente. O afeto passa a receber atenção central, visto que
foi demonstrado que breves exposições subliminares eliciam respostas afetivas
não conscientes. Em síntese, os estudos recentes evidenciaram que:

12
Todos os principais processos mentais podem operar automaticamente,
inclusive a perseguição inconsciente de metas... as principais diferenças
entre o inconsciente cognitivo e o novo modelo estão relacionadas à
ênfase na pesquisa do processamento inconsciente no afeto, na
motivação, na autorregulação, e mesmo no controle e na metamotivação
(Callegaro, 2011, p. 29).

Para Callegaro (2011), o modelo do novo inconsciente tem seu marco


formal com o lançamento, em 2005, do livro The new unconscious, editado por
Ran R. Hassin, James S. Uleman e John A. Barch, das universidades Hebraica,
de Jerusalém, e Yale, de Nova Iorque, respectivamente.
Em seus 20 capítulos e 592 páginas, pesquisadores destacados em
diferentes áreas apresentam seus estudos sobre o inconsciente, sob as
perspectivas social, cognitiva e neurocientífica. Quando Callegaro estava
finalizando seu livro (com o mesmo nome, em português) ocorreu o lançamento
da obra acima comentada, levando-o a redimensionar seu projeto para incluir os
novos conhecimentos ali apresentados. Dessa forma, seu livro (O novo
inconsciente) também se constitui num marco de publicação científica, nacional,
a respeito desse novo corpo teórico (Callegaro, 2011, Hassin; Uleman; Barch,
2005).
É com base nessa nova abordagem que buscamos responder, finalmente,
as questões levantadas no início desta subseção. Como fora indicado
anteriormente, considerando apenas nosso sistema sensorial, nosso inconsciente
processa cerca de 11 Mb por segundo. Nossa capacidade de processamento
consciente é bem menor (ex.: ler em silêncio, 45 bits p/s; ler em voz alta, 30 bits
p/s; multiplicar dois números, 12 bits p/s).
Numa perspectiva otimista, se for considerada nossa média de 50 bits p/s;
chegamos ao valor de 200 mil processamentos não conscientes para 1
consciente, ou 0,000002% de consciência. Essa proporção, muito otimista, nos
dá um pouco da noção de quanto controlamos conscientemente nossos
processos (Callegaro, 2011).
O modelo do novo inconsciente apresenta um quadro bem mais complexo
da relação entre os processamentos conscientes e não conscientes, trazendo
implicações evidentes para o estudo da TD, que, sob esse novo prisma, passaria
a ter nos processos não conscientes seus principais elementos.
Tal como acontece com o modelo de TD baseado nos marcadores
somáticos de Damasio (2011), que, apesar de ser defensor da importância das

13
deliberações e processos conscientes, também atribui grande valor àqueles não
mediados pela consciência.
Como você pode notar, nosso funcionamento geral e, em particular, a TD
são amplamente não conscientes. Sendo essa uma característica essencial da
intuição, podemos afirmar que, na maior parte do tempo, somos intuitivos(as) e
isso é muito bom! Pois isso é mais eficiente e eficaz que os processos ditos
controlados, racionais. Não que esses sejam menos importantes, apenas menos
frequentes, mas formam um continuum quase indissociável com aquela
contraparte mais poderosa e “silenciosa”.
Passemos agora a abordar, de forma muito breve, as principais estruturas
relacionadas aos processos intuitivos.

TEMA 3 – ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA INTUIÇÃO

Parece ser redundante refletir sobre aspectos neurológicos da TD intuitiva,


considerando que a maior parte da TD se dá justamente pela intuição. Nossa
decisão costuma ser preponderantemente não consciente, mediada por
processos aqui organizados sobre a perspectiva da intuição. Assim, as regiões
ligadas ao processo da intuição deveriam ser as mesmas que aqueles
relacionados a TD. Não coincidentemente, é isso que ocorre.
Considerando genericamente a intuição como um processo menos
deliberativo, ou mesmo não deliberativo, automático, que integra experiências e
conhecimentos anteriores, sinais sensoriais, viscerais e emocionais, a estrutura
mais citada entre os autores que estudam o processo intuitivo é justamente o
córtex orbitofrontal (OFC).
Estando localizado estrategicamente para integrar informações viscerais e
sensoriais, modulando tanto comportamento visceral quanto motor, em especial
por meio de seu intercâmbio com a ínsula. Por sua conexão direta com o
hipocampo, consegue acessar e integrar informações de experiências anteriores.
Interconectado com a amígdala e sistema de recompensa (estriado ventral e
núcleo accumbens), integrando informações do significado motivacional e
preditivo das informações que nele circulam. Essas áreas (das quais indicamos
apenas algumas), que enviam e recebem informações ao OFC, também são
mencionadas como parte do processo intuitivo, mas como general iludido (termo
utilizado para designar o tomador de decisões do cérebro, com destaque para o
córtex pré-frontal ventromedial, que é parte do OFC) é justamente o OFC, a ele

14
é designado a principal estrutura do processo intuitivo, essencial também ao
processo de TD em geral (Plessner; Betsch; Betsch, 2008; Pillay, 2011).

TEMA 4 – ASPECTOS SOCIAIS DA TD

A TD ocorre num contexto determinado, numa dada cultura, sociedade,


economia e ambiente físico. Tais fatores influenciam a TD de diferentes formas e
intensidades. Afetam, por conseguinte, o cérebro do tomador de decisão. Os
aspectos biológicos podem ser considerados a base para os aspectos sociais,
tendo se desenvolvido ao longo de milhões de anos justamente para adaptar os
organismos aos seus ambientes, que incluem a convivência social. Assim, os
aspectos biológicos são moldados pelos aspectos ambientais e sociais, criando,
por exemplo, no caso dos humanos, a possibilidade da própria consciência e
individualidade, identidade, comportamentos e perspectivas sobre a realidade.
Naturalmente, os aspectos sociais são, também, mediados pelas
possibilidades e limitações da estrutura orgânica. Essa interface é apresentada
por Lev Semenovich Vygotsky, que propôs uma fusão entre o fisiológico e o social
para estudar a consciência, tendo recebido forte influência do materialismo
histórico e dialético de Marx e Engels. Para ele, quatro aspectos são constituintes
do ser humano: filogenético (desenvolvimento da espécie humana); sociogenético
(história dos grupos sociais); ontogénético (desenvolvimento do indivíduo) e
microgenético (aspectos específicos do repertório psicológico do sujeito). A
função psicológica tem origem biológica (material) no cérebro que, no entanto, é
plástico, mutável, sendo moldado na história da espécie e do desenvolvimento
individual. Seu proeminente seguidor Alexander Lúria (1981) é considerado como
o pai da neuropsicologia (Luria, 1981, 1992; Vygotsky, 1984).
A interdependência destes aspectos mais sociais e amais biológicos é hoje
aceita por muitos autores, incluindo aqueles que se destacam nos estudos dos
aspectos neurobiológicos, como Gazzaniga (Gazzaniga; Heatherton; Halpern,
2018; Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2019).

4.1 A influência social na TD

Passemos então a focar mais nos aspectos da influência social na TD. A


influência social pode ser considerada um dos mais importantes tópicos da
Psicologia Social, a qual já foi definida em 1924 por Allport, como “o estudo sobre

15
como as pessoas são influenciadas pela presença (real ou imaginária) dos outros”
(Fischer; Vauclair, 2011, p. 153).
A maioria de nós passa 75% do seu tempo em vigília com outras pessoas.
Precisamos de companhia e amor, buscamos apoio social, em particular quando
estamos ansiosos ou sozinhos. Nosso cérebro parece ter evoluído para resolver
problemas adaptativos e nosso maior desafio adaptativo é justamente lidar com
nossos semelhantes, ou seja, a nossa adaptação social (Gazzaniga; Heatherton;
Halpern, 2018).
Ficamos ansiosos quando isolados socialmente. Nossa natureza requer
contato frequente e estreito com outras pessoas. Temos necessidade
fundamental de pertencer, o que parece ter se desenvolvido por motivos
evolutivos. Viver em grupo aumenta nossas chances de sobreviver e passar
genes (facilitando a proteção, a obtenção de alimentos e o encontro de parceiros
sexuais). Essa necessidade é um motivo básico que afeta emoção, cognição e,
consequentemente, comportamento. Quando não satisfeita pode ter efeitos
nocivos, incluindo doença e morte prematura (Gazzaniga; Heatherton; Halpern,
2018).
Se, por um lado, temos essa extrema necessidade dos outros, da interação
social, por outro, somos também extremamente sensíveis ao contexto social (com
suas normas, padrões, valores). Ou seja, somos fortemente influenciados pelo
poder social. Nosso comportamento se modifica em função do grupo em que
estamos inseridos e com o qual nos identificamos (nossa identidade é construída
socialmente).
Exemplos dessa influência podem ser vistos em fenômenos grupais, como
a desindviduação, no qual pessoas aparentemente pouco autoconscientes
deixam de seguir seus padrões individuais para seguir os do grupo. Isto parece
ocorrer em tumultos de fãs, em saques após desastres ou outros eventos
coletivos, e com jogadores em cassinos lotados. Alta excitação, anonimato e
difusão de responsabilidade parecem facilitar tais comportamentos.
Uma consequência simples disso é que a TD em grupo frequentemente
produz piores ou más decisões. Tendem a ser mais arriscadas ou mais cautelosas
do que de forma individual. Podendo intensificar atitudes iniciais que alguns
membros do grupo que já concordavam entre si, num processo que ficou
conhecido por polarização grupal. Outros fenômenos incluem: a) facilitação
social, quando a presença dos outros faz melhorar o desempenho de pessoas,

16
na comparação com seus resultados quando sozinhas e b) vadiagem social, que,
em oposição ao fenômeno anterior, revela uma tendência de um esforço e
desempenho menores em grupo do que individual (Gazzaniga; Heatherton;
Halpern, 2018).

4.2 A moral social

Num modelo contemporâneo do funcionamento moral, Haidt citado por


Fischer e Vauclair (2011), inclui a influência social e o afeto (emoção) no
funcionamento moral, sugerindo duas formas de julgamento moral:

• Intuitiva e não racional (afetiva) – Usualmente o raciocínio moral é feito


interpessoalmente e não privadamente, assim, a influência social ocorre
sobre a intuição do indivíduo (pela persuasão fundamentada e formas não
racionais de persuasão social – normas sociais implícitas). As intuições
morais vêm primeiro e são seguidas pelo raciocínio moral.
• Deliberativa e reflexiva (raciocínio moral) – É feito interpessoalmente e
não privadamente. O raciocínio moral só serve para justificar racionalmente
a intuição em primeiro lugar.

Nota-se, nesse modelo, que o principal processamento moral é intuitivo e


não racional, ou seja, considera que a influência social ocorre sobre a intuição
do indivíduo (aqui associada ao processo emocional, como indicada
anteriormente). O processo racional, ou o raciocínio moral, surge depois (também
constituído coletivamente), como justificativa do que já fora decidido/julgado. Esse
modelo se aproxima dos modelos neuropsicológicos, os quais consideram a
decisiva influência da emoção da TD. Também passa a valorizar a possibilidade
de ao menos uma parte do processo de decisão/julgamento moral ocorrer de
forma não consciente.
Esse tipo de abordagem tem sido também considerado em estudos da
psicologia social, como mostra um quadro de referências para classificação dos
estudos e abordagens de influência social, organizado por Levy e colaboradores
citado por Fischer e Vauclair (2011, p. 154):

a. nível de processamento cognitivo (consciente x inconsciente);


b. intencionalidade percebida (intencional x não intencional x
ortogonal/irrelevante)
c. status relativo à influência (maior status x status de par/igual x
baixo status x ortogonal/irrelevante)
d. direção da mudança (positivo x negativo x ortogonal/irrelevante)
17
TEMA 5 – TOMADA DE DECISÃO NO CONTEXTO DO CONSUMO

5.1 Modelo básico de decisão do consumidor

Iniciamos este último tema apresentando o modelo básico de tomada de


decisão de consumo, que foi apresentado inicialmente por Plassmann, Ramsøy &
Milosavljevic (Plassmann, 2012 citado por Ramsøy, 2014). O modelo tem quatro
fases, as quais apresentamos a seguir, podendo ser vistas na Figura 6.

1) Representação e atenção – Como nossas necessidades e desejos se


apresentam para nós. Imagine que você está com sede e isso lhe traz uma
preocupação mental de procurar algo para beber, trazendo essa urgência
para que você possa ficar bem. Essa mesma urgência de alcançar um
bem-estar (um forte desejo) tem sido relatada por consumidores em
relação ao último iPhone, um chocolate Snickers, ou um novo vestido da
Dolce & Gabbana. A representação, nesse modelo, significa como nossas
mentes lidam com desejos e necessidades, desde diretamente
relacionadas à nossa sobrevivência até aquelas absolutamente supérfluas
para sobreviver. Nosso cérebro pode tratar esses desejos e reais
necessidades da mesma forma, com estruturas similares para calcular
seus valores (Ramsøy, 2014). Um tópico importante para a representação
é a atenção, a qual pode ser basicamente dividida em duas categorias: a)
bottom-up (de baixo para cima – reflexa), tem caráter automático
involuntário e é acionada por eventos/estímulos externos ou internos ao
organismo. É impulsionada pelas propriedades da própria informação e
não pela vontade da pessoa. b) top-down attention – (de cima para baixo
– executiva), representa a atenção que é dirigida voluntariamente em
direção a aspectos do mundo ou mesmo do próprio organismo (Ramsøy,
2014).
2) Valor previsto – Se refere ao valor que atribuímos às diferentes opções
antes de fazermos a escolha. Esse mecanismo pode acontecer de forma
consciente ou não consciente.

18
Figura 6 – O modelo da neurociência do consumidor de marca (branding),
mostrando as etapas cognitivas e emocionais relacionadas a efeitos de marca.

1) Representação e atenção

Identificação com conjunto de


escolha. Saliência das opções

2) Valor previsto

Previsão do consumidor de
quanto gostará da marca
Atualização das associações com
4b) Aprendizagem

3) Valor experimentado
a marca

Prazer/satisfação com a marca


durante o consumo

4a) Valor lembrado

Memória do prazer/satisfação
com a marca: como isso é
codificado, consolidado e
relembrado

Fonte: Plassmann, 2012 apud Ramsøy, 2014, p. 26.

De fato, a conversa sobre o valor previsto (em contraste com o valor


experimentado) é essencial para nossa compreensão da escolha do
consumidor e como a neurociência pode contribuir para isso. De muitas
maneiras, podemos dizer que o valor previsto de uma opção é a força
propulsora real da escolha e que a avaliação dos mecanismos cerebrais
nesse estágio pode prever a compra real, muito antes que o consumidor
tenha alguma experiência consciente de tomar essa decisão (Ramsøy,
2014, p. 28).

3) Valor vivido – Feita a escolha, lidamos com suas consequências. O prazer


de obter um produto que desejávamos há muito tempo ou desprazer de
descobrir que não era aquilo que esperávamos. Nossa experiência
hedônica (prazer ou desprazer) envolve estruturas cerebrais diferentes
daquelas envolvidas em prever ou estimar os valores.

19
Da perspectiva do modelo do novo inconsciente, fazemos escolhas de
forma não consciente e posteriormente justificamos, construindo uma
narrativa para que tal escolha possa fazer sentido pela nossa perspectiva.
4a) Valor lembrado & 4b) Aprendizagem – Todas as escolhas nos trazem
consequências, mesmo aquelas que não nos levam a nada. Com isso, a
TD está intimamente relacionada com a aprendizagem e cada escolha irá
influenciar aquelas subsequentes.

5.2 Variáveis que influenciam a TD no contexto da compra

Blackwell, Miniard e Engel (2005, citados por Rodrigues e Oliveira, 2013)


indicam três categorias de variáveis que influenciam a tomada de decisão do
consumidor:
Diferenças individuais:

(1) Demografia, psicografia, valores e personalidade; (2) recursos do


Consumidor como dinheiro, tempo ou reação e capacidade de
processamento de informação; (3) motivação; (4) conhecimento e (5)
atitudes. (Rodrigues; Oliveira, 2013, p. 34)

Influências ambientais

(1) Cultura; (2) classe social (status socioeconômico diferentes


caracterizam-se por padrões de consumo distintos); (3) família; (4)
influência pessoal (por norma, os consumidores comportam-se de forma
a respeitar códigos de conduta pré-existentes ou a corresponder às
expectativas de terceiros como seguir conselhos de compra) (5) situação
(contexto específico que envolve o consumidor). (Rodrigues; Oliveira,
2013, p. 34)

Processos psicológicos

(1) processamento de informação (o modo como os consumidores


recebem e percebem as mensagens lindas da comunicação de
marketing); (2) aprendizagem (processo que provoca alterações no nível
do conhecimento e do comportamento) e (3) mudança de
comportamento e atitude. (Rodrigues; Oliveira, 2013, p. 34)

Como você pode perceber, a quantidade e complexidade de variáveis é


considerável e, como é indicado no nível das influências ambientais, a TD é
marcadamente impactada por processos coletivos, como veremos com mais
detalhe no próximo item.

20
5.3 TD grupal

Como apresentado de forma genérica no Tema 4 – Aspectos sociais da


TD, nós humanos somos seres voltados ao processo coletivo. Nele, nos
constituímos humanos, nos moldamos, adaptamos, mas, também, contribuímos
para uma mudança coletiva. Na TD de consumo, não poderia ser diferente. Nossa
TD, enquanto consumidores, é diferente se estamos sozinhos ou se estamos em
grupo. Somos amplamente influenciados pelas recomendações, opiniões e
experiências que tivemos em grupo. Quando, por exemplo, recebemos uma
recomendação, nosso cérebro desativa as regiões executivas e racionais e ativa
a ínsula, que, entre outras funções, se relaciona às emoções sociais. As
recomendações também influenciam nossos centros neuronais sensoriais
(Rodrigues; Oliveira, 2013).

Ariely constatou que, quando os clientes de uma cervejaria faziam seus


pedidos em privado, a escolha recaia no tipo de cerveja e, quando se
encontravam em grupo, por norma, escolhiam o tipo de cerveja que
ainda não tinha sido pedido. (Rodrigues; Oliveira, 2013, p. 142)

Tal como no processo individual, as emoções influenciam a TD dos


elementos de um grupo. Quando decisões são feitas em grupo, as emoções
expressas parecem contagiar seus elementos, “produzindo uma tendência para
imitar e sincronizar expressões faciais, localizações, posturas ou com os de outra
pessoa e, inconscientemente e consequentemente, convergir emocionalmente”
(Rodrigues; Oliveira, 2013, p.143).
O contágio emocional parece ser difundido de duas maneiras: 1) pelas
emoções propriamente ditas, por exemplo, se um membro sentir medo, isso pode
induzir os demais participantes do grupo à mesma emoção; 2) por meio do humor/
estado de espírito, o bom ou o mau humor de um ou mais elementos poderá ser
absorvido pelos demais membros.
Mowen e Minor (2008 apud Rodrigues; Oliveira, 2013) e Hoyer e Mancinnis
(2011 apud Rodrigues; Oliveira, 2013) indicam que os grupos podem influenciar a
decisão dos consumidores de cinco maneiras:

(1) Processos de influência de grupo: os grupos de referência


influenciam as pessoas por meio de normas - que são reconhecidas
pelos membros do grupo como padrões de comportamento -,
informações e das necessidades de expressão do valor do consumidor;
(2) Criação de papéis dentro do grupo: quando alguém assume um
papel, as pressões normativas exercem influência para que se atue de
uma forma específica, sendo que um dos papéis com maior grau de
importância é o de decisor;

21
(3) Desenvolvimento de pressões à conformidade: Mudança no
comportamento ou crença, quando se faz parte de um grupo, como
resultado da pressão real ou imaginária que esse grupo exerce;
(4) Processos de comparação social: nessa necessidade que os
consumidores têm de avaliar suas crenças e capacidades por meio da
comparação com outras pessoas;
(5) Desenvolvimento da polarização do grupo: seleção de escolhas mais
conservadoras por parte de alguns elementos do grupo em
contraposição com escolhas de maior risco tomadas por outros
elementos do mesmo grupo. (Rodrigues; Oliveira, 2013, p. 143)

Tais influências podem ser observadas tanto conscientemente como não


serem percebidas pelos consumidores. Uma característica importante sobre a TD
em grupo é que, nesse contexto, existe um julgamento coletivo que pode cobrir
uma quantidade maior de pontos de vista, se comparado ao processo individual.
Em complemento à tomada de decisão em grupo, tende a aceitar escolhas com
maior risco do que aquelas feitas individualmente (Rodrigues; Oliveira, 2013).
Chegamos ao final desta aula, em que exploramos os aspectos
neurológicos e sociais da TD. Parabéns por ter se aventurado nesse percurso!
Esperamos que agora você tenha uma percepção mais ampla da importância e
complexidade que é decidir, dos múltiplos fatores internos (como estruturas e
processos cerebrais, motivação, personalidade, restrição da consciência,
intuição) e externos (características da decisão, seu ambiente, influências
sociais/grupais). Com base no que você explorou, você mudaria algo na sua forma
de perceber e avaliar as decisões de outras pessoas? Ou das suas próprias
decisões? Mudaria seu jeito de decidir?
Passemos, então, para o próximo assunto, no qual vamos conhecer os
erros e enganos comuns do ato de julgar e de decidir. O espelho negro da
intuição! (The intuition Black Mirror!) 2

2
Black Mirror – É o nome de uma série televisa britânica de ficção científica que explora temas
“negativos” da sociedade atual/futura, com ênfase nas consequências ruins e imprevistas das
novas tecnologias.
22
REFERÊNCIAS

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Porto Alegre: Artemed, 2018.

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HASSIN, R. R; ULEMAN, J. S.; BARGH, J. A. (Eds.). The new unconscious. New


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JENSEN, E. Teaching with the brain in mind. Association for Supervision &
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23
KAPCZINSKI, F. et al. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos: uma
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neurociência cognitiva aplicada ao consumo, espaços e design. Viseu:
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RODRIGUES, F; OLIVEIRA, M. Neurobiologia dos processos de tomada de


decisão individual e grupal. In: RODRIGUES, F.; VITORINO, L.; MOREIRA, J.
(Coord.) Comportamento do consumidor: quando a Neurociência, a Psicologia,
a Economia e o Marketing se encontram! Viseu: Psicosoma, 2013.

24
AULA 3

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


INTRODUÇÃO

Nesta aula vamos experimentar o lado negro da força, digo, da intuição, e


adentrar no Intuition black mirror1 (espelho negro da intuição).
Nossa TD é orientada por processos pouco ou nada conscientes, a maior
parte deles relacionados ao que estamos chamando de intuição. Até então, temos
enfatizado o lado positivo, útil e eficaz da força intuitiva. Nesta aula, vamos
explorar o que não é tão bom assim, aquilo que nos é prejudicial, perigoso,
sombrio. Não somos nem seremos inteiros se não integrarmos esse lado. Não
amadureceremos nosso funcionamento intuitivo e analítico se ignorarmos nossas
ilusões. Enfim, esse é o grande desafio: explorar, conhecer, aceitar e lentamente
integrar um pouco de nossas falhas. É também o desafio mais lindo, visto que,
para encará-lo verdadeiramente, precisamos nos transformar, nos tornar humildes
diante de nossas ilusões e, por fim, como eternos aprendizes, crescer da infância
para a adolescência.
Não veremos todo o lado negro, o que seria impossível para apenas uma
aula. Começamos por nosso corpo/mente, quão importante é treinarmos nossa
atenção para percebê-los melhor? Chave para tudo o que virá:

 Emoções fortes;
 Estereótipos;
 Influências grupais;
 Expectativas que se auto confirmam;
 Facilidade de lembrar o que nos engana;
 Lógica irracional;
 Âncoras imprecisas que precisamos;
 Molduras (enquadramentos) que distorcem nossas telas perceptivas;
 Otimismo que nos ajuda e atrapalha;
 Perdas que valorizamos mais do que ganhos;
 Posses que supervalorizamos;
 Mudanças que evitamos.

Para finalizar – algo especial é sempre deixado para o final – aprenderemos


como abrir nossos olhos e ver os pontos cegos da nossa ilusão. É possível ou

1
Black Mirror - É o nome de uma série de TV britânica de ficção científica que explora temas
“negativos” da sociedade atual/futura, com ênfase nas consequências ruins e imprevisíveis das
novas tecnologias.
2
vamos usar todo esse conhecimento para nos engarmos ainda mais? Uma ilusão
sofisticada: percebendo-nos mais imunes (pelo conhecimento) e julgando os
demais.
Nova jornada começando, pronta (o) para ver a (sua) face escura da
intuição?

TEMA 1 – INIMIGOS DA INTUIÇÃO E A FALSA INTUIÇÃO

1.1 Intuição em meu corpo-mente: eu consigo perceber? Distinguir?

Comentamos anteriormente que a intuição é falha, mas, apesar dos erros


que induz, ainda é vantajosa e necessária à tomada de decisão. Então, iniciamos
essa aula, dedicada a tais falhas, indicando que frequentemente falhamos sem
nos dar conta disso. Temos variados mecanismos de autoengano que acobertam
nossos equívocos, o que por um lado é vantajoso, mas por outro é problemático.
A ideia central desta aula é esta: conhecendo alguns desses erros relativamente
comuns, podemos estar mais alertas para suas ocorrências e, ainda mais, talvez
possamos criar mecanismos que nos possibilitem errar menos.
Algo que se coloca como um grande desafio é conseguirmos distinguir uma
intuição acertada dee um engano camuflado de intuição (um viés). Nesse sentido,
cabe comentar que não parece existir um padrão comum intuitivo. Ao contrário,
talvez exista uma “assinatura individual intuitiva cognitivo-somática”, ou “um
sistema intuitivo corpo-mente” (Sadler-Smith, 2010).
Se esse for o caso, talvez um processo sistemático de autoconhecimento
possa reduzir a quantidade de erros intuitivos. Se esse sistema intuitivo ocorre no
corpo e se expressa na mente, treinar a percepção corporal e mental pode ser útil
(Sadler-Smith, 2010).

Assim como a mente analítica, a mente intuitiva não se encontra em


algum local externo isolado; não está desgarrada do cérebro e nem na
estrutura do sistema nervoso. Ela também não está simplesmente
“alojada” - para usar um termo de Decartes - em nosso corpo. Ela faz
parte de um todo integrado e altamente desenvolvido sistema físico
psicológico (corpo mente). Sabendo disso, e mantendo-nos atentos e em
sintonia com as mudanças sutis da nossa “paisagem corporal”, ou seja,
com nosso sistema corpo-mente, é possível que percebamos as
intuições de modo mais lúcido, que desenvolvamos uma consciência
maior em relação a elas e que as utilizemos de maneira mais eficiente.
(Sadler-Smith, 2010, p. 30)

Não é possível afirmar se a intuição está restrita ao nosso corpo/mente,


como sugerem as experiências anômalas ou as intuições não locais. Por outro
3
lado, existem boas evidências de que elas se manifestam predominantemente no
corpo, e minimamente na mente consciente. Assim, o treino da percepção
corporal pode se constituir numa chave para melhor perceber nossas intuições e
distingui-las de suas “inimigas”.

Experiências viscerais (físicas), incluindo nossas impressões, tem


um tremendo impacto sobre o modo como pensamos, avaliamos e
decidimos. O investidor bilionário, George Soros, nos conta que seu
corpo lhe envia sinais de alerta sempre que está prestes a tomar
decisões possivelmente equivocadas. (Sadler-Smith, 2010, p. 29)

Quando percebo o princípio de uma dor aguda, considero como um sinal


de que algo está errado com o meu portfólio de investimentos. A dor nas
costas não me diz exatamente o que está errado, mas me faz procurar
imediatamente por algum problema, quando normalmente não faria isso.
(George Soros, citado por Sadler-Smith, 2010, p. 29)

Nossa percepção corporal pode e precisa ser treinada, porque não é


apenas a intuição que se manifesta no corpo, mas também a emoção, por
exemplo. Como vimos antes, as emoções podem ser consideradas como parte do
processo intuitivo em particular no que diz respeito à avaliação de possibilidades,
conforme sugere o modelo dos Marcadores Somáticos de António Damásio (2000,
2004).
Lembremos que as emoções são caracterizadas por reações corpóreas,
usualmente não conscientes e de curta duração, enquanto os sentimentos tendem
a ser mais suaves, duradouros e conscientes. Sadler-Smith (2010, 2011) faz essa
distinção entre as experiências emocionais reativas e intensas e os sentimentos
mais duradouros e suaves que, segundo esse pesquisador, estariam mais
relacionadas à intuição:

Reações emocionais espontâneas podem gerar sentimentos intensos


tais como a raiva, tristeza, felicidade, medo ou aversão, mas
infelizmente, tendem a durar pouco (a maior parte das pessoas são
fisicamente incapazes de suportar uma emoção muito forte por muitos
dias - elas simplesmente ficam psicologicamente esgotadas). Enquanto
essas emoções são breves, os sentimentos que acompanham as
variações intuitivas são menos intensos, porém, mais duradouros e, uma
vez percebidos, podem ser reativadas e revividos. Intuições são
diferentes de emoções e confundi-los pode ser perigoso. Por exemplo,
se sentimos uma atração romântica por alguém ou se somos
"apaixonados" pelo que consideramos um grande projeto, nossas
emoções podem sobrepor-se a nossa intuição e mesmo as nossas
análises racionais. Partindo do princípio de que a intuição é plena de
sentimentos, mas não de emoções, é vital saber distinguir os delicados
sentimentos presentes nas intuições dos demais que são mais intensos
e emocionais assim como de toda a ansiedade das consequências que
eles trazem. (Sadler-Smith, 2011, p. 19)

4
Para esse pesquisador (2010, 2011), a intuição se torna consciência na
forma de um rótulo que indica um sentimento bom ou ruim. Se esse rótulo for
negativo, o sentimento será de repulsa, mas se for positivo, o efeito será a atração.

1.2 Inimigos da intuição (emoções intensas, estereótipos, grupos e


expectativa): consigo reconhecê-los e lidar com eles?

O primeiro deles foi comentado acima, é a emoção intensa, que quando


vivida, pode induzir TD equivocadas (Sadler-Smith, 2010; Pillay, 2011).

 Quando foi a última vez que eu estava com raiva e tomei uma decisão?
 Qual é a intensidade dessa emoção?
 Quanto tempo durou?
 Qual foi o resultado da minha decisão?

Recordemos de que intensa emoção (em especial as emoções negativas,


mas também as positivas) faz nosso sistema analítico ou racional funcionar de
forma alterada. Se a emoção é por demais forte, praticamente não conseguimos
pensar. Por esse motivo, decisões tomadas durante esses períodos podem ser
prejudiciais (Pillay, 2011; Gazzaniga, 2019).
Em nossas avaliações rápidas e intuitivas, não apenas as emoções podem
estar presentes (e, se formos saudáveis, elas sempre estarão), mas
também nossas expectativas e ainda preconceitos. Estes acontecem quando
avaliamos situações e indivíduos a partir de estereótipos, em particular quando
as situações ou pessoas se relacionam a meios sociais diferentes (Sadler-Smith,
2011).

Um dos riscos da intuição pouco desenvolvida está em levar-nos a julgar


os indivíduos conforme as avaliações positivas ou negativas que temos
a respeito do grupo ao qual ele pertence. Uma intuição pouco
desenvolvida é fraca porque é tendenciosa e preconceituosa. Favorecer
ou preferir alguém por ser da nossa mesma classe social raça ou gênero,
não é intuição; é preconceito e discriminação social, racial e de gênero.
(Sadler-Smith, 2011, p. 24)

Quando usamos estereótipos, fazendo uma classificação automática das


pessoas com base na sua aparência, origem ou pertencimento a determinados
grupos, entre outros, fazemos isso sem nenhum esforço e, frequentemente,
também sem consciência. Isso pode provocar efeitos negativos, por exemplo, as
impressões iniciais que temos sobre pessoas ou grupos podem ficar arraigadas e

5
nos gerar até reações descontroladas, inapropriados e, o que é pior, negativas,
em relação a essas pessoas ou grupos (Sadler-Smith, 2011).
Por falar em grupos, estes têm papel importante no processo dos
estereótipos. Com frequência, somos positivamente tendenciosos ao avaliar
meu/nosso grupo (in-group) e fazemos o contrário com outros grupos (grupos
externos - out-group), que potencialmente ou efetivamente se apresentam como
competidores em relação ao nosso (Sadler-Smith, 2010, 2011; Cosenza, 2016).

Os estereótipos em relação aos grupos externos são, às vezes, uma


mescla de aspectos negativos e positivos, por exemplo: "não gosto, mas
respeito". Mas os estereótipos dos grupos “de fora” também podem ser
muito negativos e extremadas E servir para reforçar o controle exercido
pelo grupo dominante. (Sadler-Smith, p. 153)

Essa tendência (in-groups versus out-groups = meu grupo versus outros


grupos) é bastante comum e pode produzir resultados bastante disfuncionais. Ela
pode ser vista na política, quando superestimamos as características positivas de
nossos candidatos e subestimamos seus aspectos negativos, e em complemento
fazemos o contrário com seus oponentes. Assim, nos tornamos pouco críticos e,
coletivamente, podemos fazer decisões prejudiciais, insensatas. Também pode
ocorrer no âmbito religioso, quando ao supervalorizarmos nossas crenças
culturais religiosas, desfazemos ou desmerecemos outras crenças e as pessoas
ligadas a elas (fanatismo religioso). Ambientes educacionais, esportivos e
organizacionais, entre outros, também são palco desse mesmo efeito, produzindo
consequências disfuncionais ou ainda problemas graves, como a agressividade e
a violência. Em casos extremos, produz mortes e até mesmo guerras. O estímulo
à competição pode gravar tal efeito, enquanto o contrário, o estímulo ao trabalho
cooperativo tende a reduzi-lo (Sadler-Smith, 2010, 2011; Cosenza, 2016).
Observe que estamos falando de julgamento, tomada de decisão e
comportamento, todos baseados em processos não conscientes.

O fato de que nos sentimos pertencendo a um grupo (ou a vários


grupos), aliado à capacidade automática de caracterização [que em
níveis de extremo leva aos estereótipos], faz as diferenças entre o “meu
grupo” e o “outro grupo” se tornarem inconscientemente aumentadas.
Isso leva a escolhas e a comportamentos que, embora compreensíveis,
não são um modelo de racionalidade. Experimentos mostram que a
divisão das pessoas em grupos, mesmo de forma casual, é como tirar a
sorte com uma moeda: em questão de minutos modifica a forma como
são vistos os pertencentes ao mesmo grupo, e se instala um viés em que
o próprio grupo é visto como superior, ocorrendo simultaneamente a
tendência de favorecer o “meu grupo” em detrimento do “outro grupo”.
(Cosenza, 2016, p. 61)

6
Esse efeito é não consciente e com base neurológica (programação
neurológica). Possivelmente, tem suas origens em processos evolutivos. Ter
pensado e feito o que a maioria do grupo estava fazendo e pensando deve ter
trazido vantagens em relação à nossa sobrevivência.

Mais recentemente, com o uso da ressonância magnética funcional,


pôde-se demonstrar que, em experiências do tipo relatado, o cérebro
realmente modifica a sua percepção, ou seja, o indivíduo, como em uma
ilusão de óptica, passa a enxergar e a sentir a situação como ela é vista
pelo grupo [...]. Além disso, foi possível observar que a influência do
grupo altera os processos da memória, de maneira que o indivíduo passa
a recordar os fatos em conformidade com o grupo, mesmo que
anteriormente sua memória fosse precisa. (Cosenza, 2016, p. 62)

Em complemento, algo que fazemos frequentemente sem perceber é julgar


uma situação de modo que se encaixe na nossa expectativa, ou seja, naquilo que
desejamos que seja ou aconteça. A isso se chamou de viés de confirmação
(Cosenza, 2016; Sadler-Smith, 2010).
Procuramos interpretar a situação a partir daquilo que acreditamos,
esperamos ou com as hipóteses que dispomos no momento. Assim, tendemos a
valorizar e involuntariamente focar mais nossa atenção, ou seja, selecionar, os
fatos que sintonizam com nossas crenças em detrimento daqueles que delas
divergem (Cosenza, 2016).

Se temos uma teoria, geralmente perceber melhor as evidências que a


confirmam, e tendemos a ignorar as que falam contra ela. Quem
acredita em adivinhos ou em horóscopos, por exemplo, tem facilidade
em se lembrar de quando as previsões estavam corretas e costuma se
esquecer das muitas vezes em que elas não fazem sentido. [...] um
raciocínio equilibrado teria de levar em conta, é claro, os dois lados da
questão de forma equivalente, mas não é o que geralmente acontece.
Mesmo cientistas, treinados para raciocinar com o equilíbrio, com
frequência favorecem os dados que confirmam suas teorias e tem
dificuldade de incorporar aqueles que podem ameaçá-las. (Cosenza,
2016, p. 41)

Esse viés é muito comum em nosso dia a dia e pode contribuir para a
manutenção de crenças equivocadas, por exemplo, os estereótipos comentados
acima. Se, por exemplo, acreditamos que as pessoas canhotas são mais
desastradas, tenderemos a observar mais isso entre elas do que na população de
destros, ainda que estes sejam a maioria (Cosenza, 2016). Nossas crenças
enviesam nossa percepção para confirmá-las.

Geralmente, pensamos sobre uma situação o suficiente para encontrar


uma explicação plausível, ainda que superficial. Tendo chegado a uma
conclusão, crença ou ponto de vista, nossa tendência é de buscar
evidências que possam sustentar lá, e não envolver muito esforço para
criar cenários alternativos. A avareza cognitiva conduz a uma satisfação
7
com o resultado obtido, e costuma se evitar o gasto de energia para
buscar outras possibilidades. No entanto, a conclusão apressada tem
grande chance de ser insatisfatória. (Cosenza, 2016, p. 41)

Estaria eu enxergando apenas o que quero ver, ignorando ou distorcendo


os fatos? Qual é a minha tendência, minha internação, meus desejos em relação
ao que eu estou avaliando, percebendo? Consigo perceber e avaliar para além
dessas minhas inclinações? Consigo perceber pelo olhar daqueles que enxergam
diferente de mim? Consigo aceitar que posso estar equivocado com certa
frequência? Como lido com essa possibilidade?
E para completar a dificuldade, se estamos com um bom estado de
espírito, otimistas, tendemos a acreditar mais em nossa intuição, seja ela
verdadeira ou não.

Uma maneira de distinguir a boa intuição da fraca, é refletir seriamente


sobre suas motivações e seu estado de espírito. Se, mesmo assim,
permanecer a dúvida, apele para sua mente analítica, que funcionará
como um salva-vidas, ou peça opinião de alguém de fora. A reação mais
fácil e tentadora em relação a um palpite é simplesmente segui-lo sem
refletir muito. Mas frequentemente esse é um modo incorreto de usar
intuição. (Sadler-Smith, 2011, p. 24)

Como pôde ser visto até o momento, e estamos apenas começando, não é
fácil distinguir nossas ilusões das verdadeiras intuições. Em complemento, é
importante lembrar que a mente intuitiva, apesar de funcionar de forma
rápida, aprende de forma lenta.

Portanto, a menos que você seja extremamente ligado às suas intuições,


será preciso experimentá-las, exercitá-las e avaliá-las continuamente
para que se desenvolvam e se aprimorem. Existem pessoas que
simplesmente têm o dom da intuição; muitas, porém, conseguem ter
boas intuições porque refinaram esta capacidade ao longo de suas
vidas. (Sadler-Smith, 2011, p. 24)

Isso é especialmente válido para intuições relacionadas ao trabalho. Se


mudamos nossa área profissional, precisaremos desenvolver novas intuições.
Ademais, se considerarmos as instituições de caráter anômalo ou psi, para
as quais a fonte de informação aparentemente é externa, podemos ter um cenário
de aprendizado diferente (se é que é possível aprender sobre esse tipo de
intuição), no qual o suposto aprendizado está mais relacionado à forma do que ao
conteúdo propriamente dito, como veremos posteriormente. De qualquer forma,
se for possível aprender sobre esse tipo de intuição, esse aprendizado
possivelmente também necessite de prática sistemática e tempo, conforme
sugerem nossos estudos nessa área (Silva, 2006, 2009).

8
TEMA 2 – DISPONIBILIDADE, ERROS LÓGICOS, ÂNCORA

2.1 Disponibilidade: se está facilmente disponível é porque é verdadeiro!

Dentre os vieses cognitivos, um bastante comum é o da disponibilidade.


Trata-se de considerar a primeira ideia que nos ocorre para fazermos julgamentos
e estimativas, ou seja, as informações que estão mais disponíveis e de fácil
acesso serão aquelas consideradas. Utilizamos esse viés para estimar
frequências e probabilidades. Por exemplo, qual é o risco de fazer uma viagem de
avião? De ter minha casa assaltada? Traições e divórcios ocorrem mais entre
pessoas ricas ou pobres? Entre casais mais jovens ou mais velhos? (Cosenza,
2016)
Quais são seus palpites sobre essas questões? Sejam quais forem suas
respostas, é muito possível que elas sejam influenciadas pelas lembranças que
mais facilmente vieram à sua mente. Se recentemente houve um acidente aéreo,
é muito possível que você tenha superestimado o risco desse tipo de transporte.
Da mesma forma que a resposta sobre a frequência de divórcios e traições tende
a ser respondida por lembranças de casos que conhecemos e da associação com
as idades dessas situações. Sim, frequentemente nossas conclusões podem não
corresponder à realidade. As informações que estão mais disponíveis na memória
tendem a nos convencer de que estamos corretos em nossas estimativas.
Este viés, bem como todos os demais, tem um sentido, uma utilidade,
senão teria desaparecido ao longo de nossa evolução. A disponibilidade é útil, por
exemplo, para nos lembrar de onde encontrar um certo alimento, que sinais
observados em pessoas representam uma ameaça (Cosenza, 2016).

Alguns fenômenos são ativados com prioridade: eventos recentes


costumam ser mais bem lembrados, assim como aqueles que são
salientes ou dramáticos, que despertam emoção ou que são concretos
em vez de abstratos. Isso distorce a exatidão de nossas estimativas e
pode afetar decisões nas áreas econômica, política ou ambiental, por
exemplo. Sabe-se que as vendas de seguros costumam aumentar logo
depois de um desastre, como um incêndio ou inundação, para
depois retornar lentamente ao seu número basal. Eventos muito
veiculados ou destacados pelos meios de comunicação costumam ser
lembrados com facilidade: a violência gera manchetes porque desperta
interesse, por isso acaba sendo muito noticiada e temos uma impressão
um tanto ampliada de sua presença. (Cosenza, 2016, p. 36)

Um elemento importante é a função da emoção nesse viés. Como


sabemos, ela é muito importante para intuição e para tomada de decisão, podendo
tanto auxiliar como prejudicar. Esta também influencia no processo de memória
9
daqueles eventos que são mais salientes emocionalmente, mobilizam nossa
atenção e influenciam a disponibilidade que teremos em relação a eles, na
memória. “Eles são processados de maneira preferencial pela memória ou pela
imaginação” (Cosenza, 2016, p. 376).

Sabemos que nosso estado emocional tem efeito observável na


memória: quando estamos alegres, é mais fácil nos lembrarmos de
coisas alegres, e, quando estamos deprimidos, a tendência é de nos
lembrarmos de coisas tristes. Ou seja, é mais provável que nos
lembremos de informações que sejam congruentes com o nosso estado
emocional. Além disso, avaliação que fazemos da informação é
influenciada pelo estado afetivo do momento: avaliamos as coisas de
forma mais positiva quando estamos alegres do que quando estamos
tristes, e vice-versa. (Chwarz, citado por Cosenza, 2016, p. 37)

2.2 Erros lógicos, eu?

A lógica é um ponto fraco de nossa mente intuitiva, facilitando que


tenhamos erros desse tipo. Observe o caso abaixo, desenvolvido nos anos 1970
pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman (Tversky; Kahneman, 1974,
cidado por Sadler-Smith, 2011, p. 140):

Linda é uma mulher de 31 anos, desembaraçada e muito brilhante. Ela


se formou em psicologia e quando estava na universidade, mostrava-se
profundamente preocupada com as questões de discriminação e justiça
social. Também participou de manifestações antinucleares. (Sadler-
Smith, 2010, p. 140)

A respeito de Linda, por favor, escolha entre alternativas a seguir aquela


que lhe parece mais provável a respeito desta personagem: 1) linda é bancária,
2) linda é bancária e ativista do movimento feminista.
Qual foi sua escolha? 1 ou 2? Se escolheu o número 2, o fez da mesma
forma que a maioria dos participantes das experiências conduzida com esse caso.
E quando indagadas sobre por qual motivo fizeram tal escolha, a resposta mais
comum foi: “é mais provável que Linda seja uma bancária feminista do que apenas
uma bancária”. Se você fez opção pelo número 2, é possível que sua mente tenha
cometido um erro de lógica, tal como 85% dos estudantes que participaram
desses estudos, e, se sua justificativa também foi parecida com aquela indicada,
você é parceiro(a) de 65% dos estudantes que indicaram tal razão, porque
acharam que a descrição feita “representava um protótipo de uma ativista
feminina” (Sadler-Smith, 2011).
Se retomarmos à questão de qual das duas alternativas era mais provável,
ou seja, que tinha mais chance de ocorrer, a primeira opção era e é a mais lógica,

10
pois há muito mais bancárias do que bancárias que fazem parte de movimentos
feministas. É curioso, mas não surpreendente, notar que as pessoas com
conhecimentos matemáticos apresentam mais aptidão lógica para lidar com as
questões como a que foi apresentada, tal como ocorre com pessoas com alto QI
(Sadler-Smith, 2011).
Caso tenha optado pela alternativa 2, não se sinta mal com isso, visto que
é uma tendência natural da nossa mente intuitiva estimar probabilidades usando
protótipos que são de baixo custo energético, ou seja, pensamentos que não
exigem esforço. Em complemento, é difícil fazer um trabalho de introspecção e
identificar os motivos dos erros de nossas escolhas. Nossa mente intuitiva
trabalha com protótipos porque são mais funcionais do que probabilidade ao
resolver problemas cotidianos, ou seja, funcionam bem na maior parte do tempo
(Sadler-Smith, 2011).
Para auxiliar ainda mais, você se considera uma pessoa mais feliz ou mais
depressiva? Se você for uma pessoa mais feliz, terá maior confiança nas suas
intuições iniciais, o que pode dar mais chances de avaliar incorretamente as
situações. Pessoas mais tristes tendem a duvidar mais de suas impressões
iniciais, aumentando a chance de fazer avaliações mais corretas (Sadler-Smith,
2011).

2.3 Ancorar é “preciso”?

Quando recebemos ou tomamos uma informação para fazer um julgamento


ou escolha, temos um tipo de viés corretivo chamado ancoragem. Essa
informação usualmente é uma quantidade ou o número que não necessariamente
precisa ter alguma relação com julgamento ou decisão que iremos fazer. Trata-
se de uma referência que tomamos como base, e que frequentemente nem nos
damos por conta de que estamos fazendo isso (Sadler-Smith, 2010, 2011;
Cosenza, 2016).
Tverski e Kahneman (1974, citado por Cosenza, 2016, p. 39) realizaram
um estudo no qual pediram para estudantes universitários girarem uma roleta, a
qual mostrava números entre 10 e 65. Depois, pediam que os estudantes
respondessem às seguintes perguntas:

1. A porcentagem de nações africanas na ONU é maior ou menor que


este número? [se referindo ao número sorteado pelo(a) estudante(a)], 2)
Qual é a porcentagem de nações africanas na ONU?

11
Os sujeitos que tinham obtido o número 10 estimavam em média a
porcentagem como 25%, enquanto que os que tinham obtido o número
65 a estimavam em 45%, ou seja, apesar de um número observado na
roleta não ser informativo para a questão proposta, ainda assim, ele
atuava como uma Âncora a partir da qual os sujeitos faziam as suas
estimativas. (Cosenza, 2016, p. 39)

Em outra pesquisa (Mussweiler, Strack, 2001, citado por Cosenza, 2016, p.


39), perguntou-se a estudantes universitários se Mahatma Gandhi tinha mais ou
menos do que 140 anos quando morreu ou, para outro grupo de estudantes, se
tinha mais ou menos que nove anos quando faleceu. Ainda que os números
fossem bastante irreais, eles influenciaram as respostas dos estudantes a uma
pergunta posterior, na qual se indagava com qual idade Gandhi realmente havia
morrido. Estudantes que tomaram como referência 140 anos indicaram uma
média de idade de 67 anos. O segundo grupo, da pergunta sobre 9 anos,
apresentou um média de resposta de 50 anos. Mais uma vez se evidencia o efeito
âncora, mostrando que somos influenciados por qualquer número que possa nos
dar um ponto de partida, com base no qual fazemos ajustes usualmente
insuficientes para chegar em ideal, ou mais realístico. Exemplos práticos desse
tipo de viés podem ser encontrados em várias áreas. Veja dois exemplos no
julgamento/tomada de decisão econômicos (Cosenza, 2016):

Sabe-se, por exemplo, que ofertas do tipo compras com limite de oito
itens por pessoa levam a um volume de vendas maior do que se a
chamada fosse compras com limite de quatro itens, ou, mesmo, se fosse
sem limite no número de itens. (Cosenza, 2016, p. 39)

Mesmo especialistas podem ser influenciados pela ancoragem, como


mostra um estudo feito na Universidade do Arizona, em que foi pedido a
experientes corretores de imóveis que avaliassem e estabelecessem o
valor correto para a venda de propriedades imobiliárias na sua região de
atuação. Verificou-se que eles eram influenciados (da mesma forma que
não profissionais envolvidos no mesmo estudo) por um preço sugerido
que atuou como âncora. (Cosenza, 2016, p. 40)

Essa estratégia é também utilizada pelo setor de vendas, quando um


vendedor apresenta os primeiros produtos/serviços mais caros, os
produtos/serviços posteriores vão aparecer mais razoáveis porque serão
comparados com aqueles apresentados primeiro (Sadler-Smith, 2011). Em
negociações, sejam elas de caráter profissional ou pessoal, aquele que propõe a
primeira oferta pode se beneficiar por estabelecer uma âncora, a qual poderá
influenciar a decisão final.

Muitas decisões de consumo são feitas entre alternativas de produtos de


diferentes qualidades e preços. As pesquisas mostram que, primeiro, as
pessoas se identificam com o produto de melhor qualidade - ele torna-

12
se o parâmetro-âncora - então, eles vão ajustando a diferença de preço
buscando equilibrar os dois itens. Mas frequentemente, o produto de
melhor qualidade é um escolhido. Por quê? Psicólogos acreditam que
isso se deva ao fato de a mente intuitiva rapidamente criar um parâmetro-
âncora imperfeito a partir do item de maior qualidade, uma situação que
a mente analítica não consegue corrigir - o resultado é uma decisão
tendenciosa em relação ao produto mais caro. (Sadler-Smith, 2011, p.
146-7)

O que parece ocorrer é a preativação (Priming) de um ponto de partida ao


sistema de processamento automático, o qual influencia o sistema de
processamento analítico, que não consegue fazer ajustes suficientes para uma
decisão adequada. Nossa economia cognitiva (preguiça ou avareza) dá prioridade
ao sistema automático, por ser o mais econômico. Quando o sistema analítico é
recrutado, pelo mesmo processo de Economia, o processamento associativo é
envolvido, sem evocar um esforço maior de verificação das alternativas, se
corretas ou acertadas, levando assim ao risco de conclusões rápidas e
frequentemente inadequadas (Cosenza, 2016).

Daniel Kahneman [2012] salienta que, nos casos citados, o cérebro


trabalha apenas com a informação que se encontra disponível, ou
ativada, nas redes cognitivas. O que não está ativado, simplesmente não
existe. É o que poderíamos chamar de PROSODI, ou seja: Processa só
o disponível. Quando isso ocorre, em nosso pensamento consciente é
criada uma narrativa, uma história em que acreditamos, que dá
coerência e justifica as escolhas e decisões envolvidas, ainda que seus
fundamentos não correspondam à realidade. (Cosenza, 2016, p. 40)

Nosso processamento consciente, analítico, mesmo que tenha mais


recursos, aceita de forma acrítica as impressões criadas pelo processamento
automático. Em síntese, frequentemente não percebemos que informações
essenciais ao processamento de uma decisão simplesmente não são
consideradas porque não estão disponíveis à consciência (Cosenza, 2016). Esse
mecanismo é ainda mais forte visto que o processamento automático, ou intuitivo,
traz consigo o poder do afeto, ou seja, de nossos desejos em relação à
determinada decisão (produto, serviço, ou uma dada situação, em particular se
envolver pessoas). Uma dica simples e talvez muito preciosa é que, antes de
tomar uma decisão impulsiva, acreditando muito em nossa mente intuitiva,
podemos esperar um certo tempo, caminhar, acalmar e deixar que a mente
analítica também faça a sua parte, examinando a situação de forma menos
calorosa e apressada (Sadler-Smith, 2010).

13
TEMA 3 – ENQUADRAMENTO E OTIMISMO

3.1 Ajo como percebo, mas não questiono a minha percepção!

Outra possibilidade de enviarmos a realidade é através do enquadramento


(framing). Essencialmente, para poder considerar um problema, precisamos de
uma descrição do quadro, de uma apresentação da situação. Quando aceitamos
uma certa descrição ou contexto sem nos questionarmos, temos um
processamento mais bem elaborado, o efeito do enquadramento. Nele, fazemos
um julgamento e tomamos uma decisão adotando certa perspectiva, ponto de
vista ou ângulo, o qual não questionamos. O sistema automático, como é de
costume, tem maior interferência que o sistema analítico (Cosenza, 2016).
Um experimento que exemplifica esse viés foi realizado na década de 40
por Salomão Asch (1946, citado por Cosenza, 2016). Nele, duas pessoas foram
descritas da seguinte forma: “a) inteligente, aplicada, impulsiva, exigente, teimosa,
invejosa; b) invejosa, teimosa exigente, impulsiva, aplicada, inteligente (Cosenza,
2016, p. 37).
Como pode ser percebido, as descrições são idênticas, salvo pela ordem
da apresentação das características. No entanto, essa ordem fez com que os
participantes da pesquisa considerassem a pessoa “a” como competente, ainda
que tivesse alguns defeitos, os quais não prejudicavam seus méritos. Já a pessoa
“b” foi a vista como problemática e, mesmo tendo habilidades, estas serão
prejudicadas por suas falhas. Nota-se, então, que as primeiras características
indicaram a impressão predominante no processo de avaliação, ou de
enquadramento da forma de pensar dos sujeitos.
De fato, a forma de enquadrar determinada situação pode mudar sua
avaliação completamente. No outro experimento, solicitou-se aos participantes
que escolhessem entre as opções de assinatura da revista The Economist. As
opções foram apresentadas da seguinte maneira (Cosenza, 2016, p. 38):

1. Assinatura on-line: $59,00;


2. Assinatura impressa: $125,00;
3. Assinatura on-line e impressa: $125,00.

Com essa estrutura de apresentação, 84% dos participantes escolheram a


alternativa 3. Para se testar o efeito de enquadramento, modificou-se a estrutura
apresentada, retirando-se a alternativa intermediária:

14
1. Assinatura on-line: $59,00;
2. Assinatura on-line e impressa: $125,00.

Os resultados se modificaram bastante, tendo 68% das pessoas preferido


a opção 1 e apenas 32% escolhido a opção 2. Observou-se que a opção
intermediária agia como um chamariz, não tendo sido escolhida em nenhuma das
versões. Como trazia à tona o fato de que a assinatura on-line parecia ser de
graça, mudou a decisão dos participantes (Cosenza, 2016).
No outro experimento, realizado por pesquisadores da Inglaterra, foram
oferecidos vinhos franceses e alemães dispostos lado a lado numa loja. A variável
que fora manipulada foi a música. Em dias alternados, tocava-se música alemã
ou francesa. Nesses dias, vende-se mais vinhos relativos à nacionalidade da
música. Quando indagados, apenas 10% dos participantes relatou que a audição
da música da mesma nacionalidade do vinho poderia ter influenciado sua escolha
(North, Hargreaves, Mckendrick, 1999, citado por Cosenza, 2016, p. 38):

O viés do enquadramento é largamente usado na área de marketing, e


podemos observá-lo, por exemplo, na ilusão dos 99 centavos, em que a
diferença de preço em um produto é ínfima, pois o desconto é de apenas
um centavo, mas as pessoas têm a impressão de estarem comprando
algo muito mais barato. Também nas promoções do tipo “leve dois e
pague um”, onde o consumidor é induzido a comprar mais do que
necessita e, com frequência, por um preço aumentado para compensar
o item adicional. (Deng, Deng, 2011, citado por Cosenza, 2016 p. 38)

3.2 Se a forma de perceber é a questão, ser otimista é a solução!

Imagine-se por um momento sem a capacidade de antever o futuro. Pode


até soar como estratégia de estar mais no presente, como nas práticas de
mindfulness. Mas não é disso que estamos falando, e sim de uma necessidade
natural da sobrevivência: estimar o futuro para, com base nisso, agir no presente.
Essa importante capacidade humana traz embutida uma tendência natural: o viés
do otimismo. Somos propensos a ampliar a probabilidade de acontecimentos
positivos futuros em reduzir aquela para eventos adversos. Esse viés relaciona-
se à diferença entre o que esperamos que aconteça e aquilo que de fato ocorre.
Curiosamente, também está presente em outros animais como camundongos e
aves. Os exemplos no dia a dia são muitos:

Estudantes avaliam que obterão melhores notas e terão melhores


salários e oportunidades de emprego do que na verdade terão; as
pessoas costumam subestimar a duração de tarefas e projetos, bem
como seu custo, e também acreditam que terão, no futuro próximo, mais
experiências positivas do que costuma acontecer. As probabilidades de

15
adoecimento, como sofrer um ataque cardíaco ou desenvolver um tumor
cancerígeno, são subestimadas, e a duração da própria vida,
superestimada. Além disso, as probabilidades de divórcio ou de gravidez
indesejada costumam ser depreciadas. (Cosenza, 2016 p. 63)

Parece que somos um tanto impermeáveis à experiência atual e tendemos


a acreditar que o futuro será melhor, afinal, ”coisas ruins têm que acontecer
apenas com as outras pessoas”. Tendemos, inclusive, a acreditar que somos
melhores do que a média. Melhores estudantes, melhores profissionais, e por aí
vai.
Tali Sharot (citado por Cosenza, 2016), psicóloga e pesquisadora britânica,
coordena um grupo que tem estudado esse desvio cognitivo. Seus estudos
descobriram que as pessoas são resistentes a perceber seu exagero otimista,
mesmo quando isso lhes é informado de forma explícita. Tal efeito, inclusive, é
observado no cérebro. Em estudos de ressonância magnética funcional,
observou-se que os lobos frontais processam com menos intensidade as
informações que levam as pessoas a reduzir sua expectativa inicial, otimista. Mas
adivinhe, quando a situação é oposta, ou seja, a informação sugere um aumento
em relação à expectativa inicial, a região frontal evidencia um processamento
mais eficiente. Parece que somos neurologicamente programados para acreditar
num futuro melhor.
Interessante é o contraponto, pacientes diagnosticados com depressão não
evidenciam a tendência de corrigir positivamente uma estimativa inicial.

Pacientes deprimidos têm dificuldade de imaginar com clareza o futuro,


e, quando o fazem, tendem a ter uma visão pessimista. No entanto, as
pessoas ligeiramente deprimidas costumam ser capazes de avaliar, com
mais precisão do que as pessoas normais, o que pode ocorrer no futuro.
Ou seja, provavelmente sem o viés do otimismo, todos seríamos um
pouco deprimidos. Esse viés tem, ao que parece, um caráter protetor, e,
sem ele, correríamos o risco de cair em depressão (Sharot, citado por
Cosenza, 2016, p. 64)

Mas não sejamos tão pessimistas com relação ao otimismo, já que se ele
foi selecionado pelo processo evolutivo, vantagens deve nos oferecer. De fato,
oferece. Otimistas tendem a se recuperar mais facilmente de doenças e viver por
mais tempo. Sofrem menos de estresse e ansiedade e são mais resistentes a
doenças infecciosas. São mais saudáveis, e quando adoecem, se empenham
para recuperar sua saúde. No âmbito profissional, acreditam mais em seu
sucesso, tendem ao empreendedorismo, ao qual se dedicam mais, aumentando
suas chances de realizarem sua expectativa otimista. Isso tudo é válido aos
moderadamente otimistas, visto que aqueles que exageram essa característica/

16
viés tendem a ter mais problemas, incluindo o comportamento de risco ligado à
sexualidade, drogas e gastos. Aqueles moderadamente otimistas são mais
prudentes, enquanto os exageradamente otimistas se envolvem em
comportamentos desastrados, chocando-se contra os limites evidentes.
“Otimismo é como um consumo de vinho: doses moderadas diárias são
claramente recomendáveis, enquanto que o excesso deve ser evitado” (Cosenza,
2016, p. 65). Se em relação ao futuro tendemos a ser mais otimistas, para o
presente o que mais nos impacta, ganhos ou perdas?

TEMA 4 – AVERSÃO A PERDAS, EFEITO DA AQUISIÇÃO E VIÉS DO STATUS


QUO

4.1 Perder ou ganhar, o que é mais importante para você?

Qual é sua resposta para a questão do subtítulo acima? Bem, vamos testar
com mais perguntas. Observe os dois problemas abaixo, segundo Kahneman
(2012), adaptado ao nosso contexto por Cosenza (2016, p. 56), e faça sua escolha
em ambos.

Problema 1: Você acaba de receber R$ 1.000,00 e agora pode escolher


uma das seguintes opções:
A) Você recebe mais R$ 500,00.
B) Você joga uma moeda e, se der cara, recebe mais R$ 1.000,00, mas
se der coroa, não ganha nada.
Problema 2: Você acaba de receber R$ 2.000,00 e agora pode escolher
uma das seguintes opções:
A) Você perde R$ 500,00.
B) Você joga uma moeda e, se der cara, perde R$ 1.000,00, mas se der
coroa, não perde nada.

De acordo com a teoria da utilidade esperada, os dois problemas são


equivalentes. As opções A e B para ambos levam aos mesmos resultados.
Assim, se você escolheu A no primeiro problema, tende a fazer o mesmo no
segundo. O que também é válido para alternativa B em ambos os problemas. Foi
dessa forma que você escolheu, correto? Se sim, você escolheu diferente da
maioria das pessoas que responderam a essas questões. Elas escolheram A na
primeira questão e B na segunda. Essa foi sua resposta? Se sim, sabe por qual
razão?
Ocorre que as duas questões são diferentes em um aspecto, o do
enquadramento (visto acima). A primeira pergunta aborda a questão dos ganhos,
enquanto a segunda, o das perdas. Em relação a esses dois elementos, por

17
razões evolutivas, as pessoas tendem a buscar segurança em termos de seus
ganhos, mas, quando se trata de perdas, elas optam por arriscar, em vez de ter
um prejuízo garantido (Kahneman, 2012; Cosenza, 2016).
Essa abordagem é parte da Teoria da Perspectiva proposta por Daniel
Kahneman e Amos Tversky (Kahneman, 2012). Segundo ela, em situações de
incerteza, as pessoas buscam um ponto de referência, a partir do qual conseguem
considerar ganhos ou perdas, sendo que estas estão muito mais valorizadas do
que aquelas:

Fato é que existe uma enorme aversão à perda, que parece estar
entranhada nos circuitos cerebrais encarregados da tomada de decisão.
É importante, para os animais, identificar e reagir a ameaças no
ambiente de forma mais sensível do que percebem as oportunidades,
pois as ameaças têm o potencial de pôr em xeque a sobrevivência e a
reprodução. Provavelmente por isso, desenvolveu-se nos nossos
cérebros um “aplicativo” que calcula as perdas de forma mais acentuada
do que calcula os ganhos. (Cosenza, 2016 p. 56-57)

Ou, nas palavras de Kahneman (2012, p 351):

Quando diretamente comparadas ou ponderadas em relação umas às


outras, as perdas assomam como maiores do que os ganhos. Essa
assimetria entre o poder das expectativas ou experiências positivas e
negativas tem um histórico evolucionário, organismos que tratam
ameaças como mais urgentes do que as oportunidades têm uma melhor
chance de sobreviver e se reproduzir.

As implicações dessa tendência podem ser vistas no dia a dia. Por


exemplo, temos resistência a mudanças que levam a perdas, visto que estas são
muito mais significativas que aquelas que levam a ganhos ou melhorias.
Novamente, isso depende de como cérebro percebe a situação, ou seja, de qual
enquadramento utiliza para fazer a avaliação. Observe as duas sentenças abaixo,
segundo Cosenza (2016 p. 58), e reflita qual lhe parece mais favorável:

a) Uma empresa está passando por dificuldades financeiras. Ela se


localiza em uma comunidade onde há recessão e desemprego, mas não
há inflação. A empresa decidiu baixar os salários de seus empregados
em 7% este ano.
b) Uma empresa está passando por dificuldades financeiras. Ela se
localiza numa comunidade onde há recessão e desemprego, com uma
inflação de 12%. A empresa decidiu aumentar os salários de seus
empregados em apenas 5% neste ano.

Qual foi a sua resposta? Foi igual a de 63% das pessoas que consideraram
a primeira alternativa é injusta, e 22% que fizeram o mesmo com segunda
alternativa? Não é difícil notar que elas são equivalentes, mas a primeira enfatiza
a perda enquanto a segunda, a ausência do ganho. É a mesma razão pela qual
entendemos como injusto o pagamento extra pelo uso do cartão de crédito, mas
18
perfeitamente natural o desconto pelo pagamento em dinheiro. Entramos no modo
de defesa emocional quando percebemos a possibilidade da perda. (Cosenza,
2016).
Essa tendência, segundo a teoria da perspectiva de Kahneman (2012;
Cosenza, 2016), está também relacionada a dois efeitos complementares, o efeito
da aquisição e o viés de status quo, que veremos a seguir.

4.2 O que é meu tem mais valor! O efeito da aquisição

Quando eu possuo alguma coisa, tendo a valorizá-la de uma forma


especial, em comparação à situação de que essa mesma coisa não me pertence.
Se é meu, tem mais valor. Especialmente quando precisamos nos desfazer de
algo, nos separar de algum bem, esse fenômeno se manifesta, novamente em
função de que teremos uma perda. É curioso notar que tal valorização é
amplamente irracional, visto que nós mesmos não pagaríamos esse valor pelo
mesmo bem se estivéssemos comprando de outra pessoa (Cosenza, 2016).

Em um experimento clássico realizado na Universidade de Cornell, nos


Estados Unidos, foram distribuídas canecas a um grupo de estudantes,
enquanto outro grupo não recebeu o mesmo presente. Os grupos foram
incentivados a negociar com as canecas, e o resultado foi que os
“vendedores” pediam um preço que era, aproximadamente, o dobro
daquele que os “compradores” estavam dispostos a oferecer. Muitos
pesquisadores replicaram, com pequenas variações, o experimento
original, sempre com resultados semelhantes. (Cosenza, 2016, p. 59)

O próprio fato de selecionar o objeto que nos interessa, que desejamos ter,
já é suficiente para que comecemos a valorizá-lo mais do que outras opções, que
não nos interessam. Uma aplicação dessa tendência de valorizar o que
escolhemos pode ser aplicada para valorizar e conservar nossas relações
afetivas, sejam elas amorosas ou de amizade. Basta que reafirmemos
periodicamente as escolhas que fizemos antes, ou seja, que voltemos a escolher
aquele(s) relacionamento(s). Esse simples ato nos traz a consciência de que ele
é valoroso para nós (Cosenza, 2016). Isso pode também ser aplicado a bens
materiais, ou a qualquer situação que tenha implicado em decisão prévia.

4.3 Se o ganho não for muito grande, deixe como está!

Mudanças podem trazer resultados imprevisíveis, tanto com vantagens


como desvantagens. Então, se há possibilidade de perdas (sempre
supervalorizadas), melhor deixar do jeito que está. O estado atual é uma

19
referência, um ponto de estabilidade, previsibilidade, preferível ao risco da
mudança (Cosenza, 2016).

O fenômeno tem presença generalizada e pode ser observado desde o


mercado financeiro até o comportamento de assistir à televisão [...]. As
pessoas tendem a evitar mexer em suas aplicações financeiras, e, por
outro lado, mesmo com o controle remoto em mãos, existe uma
tendência a continuar a ver o canal que já está sintonizado. (Cosenza,
2016, p. 59).

TEMA 5 – CEGUEIRA PARA OS VIESES: O QUE FAZER?

5.1 Cego? Eu não, os outro sim!

Agora que conhecemos algumas das muitas formas com as quais podemos
nos enganar, certamente estamos mais aptos a não cometer esses equívocos.
Estamos mais imunes e as pessoas que não conhecem esses vieses têm mais
chance de serem afetadas por eles. Você concorda com essas afirmações?
Talvez possa desconfiar delas, mas ainda assim não lhe soam agradáveis? Pois
bem, essa parece ser a nossa tendência natural. Temos um ponto cego para os
vieses (bias blind-spot) e conhecê-los é garantia nenhuma de que não os
utilizaremos. Talvez, ao contrário, aumentando nossa autoconfiança por conhecê-
los, fiquemos mais iludidos ainda.

É comum as pessoas afirmarem que estão sendo objetivas, enquanto


observadores externos rapidamente apontam a possibilidade de vieses
em seus comportamentos [...]. Juízes, professores ou gestores, por
exemplo, são frequentemente apontados como vítimas desse fenômeno.
[...] Muitos trabalhos científicos têm mostrado a presença da cegueira
para os vieses, não só no campo da interação social, mas também no
que diz respeito aos vários desvios cognitivos de que temos tratado até
aqui, como o enquadramento, a ancoragem, o viés da confirmação, etc.
Ela foi detectada para todos eles, nas diferentes populações estudadas,
tendo sido confirmado que o fato de saber da sua existência não nos
torna imunes, da mesma forma que pessoas mais inteligentes também
não escapam de sua influência. (Cosenza, 2016, p. 65)

Tendemos a nos ver de uma forma positiva, inclusive nos colocando acima
da média mesmo diante de fatos contrários. Resistimos a eles, selecionamos os
dados que confirmam nossas expectativas, convicções. Podemos até admitir de
forma genérica nossa suscetibilidade a erros, mas é mais difícil (e muito honroso)
fazer isso em relação a situações específicas. Tendemos a acreditar que nosso
envolvimento ou determinada situação é justamente o que nos permite ter maior
esclarecimento, mas em relação a outras pessoas é justamente o que provoca
nelas distorções perceptivas, ou vieses (Cosenza, 2016).

20
Emily Pronin (citado por Cosenza, 2016) sugere que a cegueira aos vieses
ocorre em função de dois fatores:

O [1] realismo ingênuo é a convicção equivocada que temos de que


existe uma realidade objetiva no mundo e de que somos capazes de
percebê-la e de interagir com ela de forma direta. Não levamos em conta
que o conhecimento do mundo é permeado por nossos processos
sensoriais e cognitivos, que são imperfeitos. Acreditamos ser capazes
de ver o mundo de forma imparcial e, então, se as outras pessoas
fossem isentas, também teriam de ver o mundo de forma semelhante.
Quanto à [2] ilusão introspectiva, ela se refere à tendência de darmos
crédito irrestrito ao conteúdo dos nossos pensamentos conscientes e
àquilo que percebemos como nossos sentimentos, motivações e
intenções. Acontece que a maior parte do nosso processamento
cognitivo é inconsciente, e a ele não temos acesso real. Em outras
palavras, os vieses atuam inconscientemente e, portanto, não são
acessíveis à introspecção. Essa última nos dá acesso a conteúdos
mentais, mas não aos processos inconscientes que os originam.
(Cosenza, 2016, p. 66, grifo nosso)

Essa nossa tendência de não perceber nossos pontos cegos – em que


ocultamos os vieses e, simultaneamente, os identificamos com muita destreza nas
outras pessoas – usualmente não gera problemas. No entanto, pode incitar
dificuldades interpessoais e desentendimentos. O fato de nos percebermos
imunes aos vieses, os quais são facilmente identificáveis nos outros, induz a
sentimentos de hostilidade e situações de conflito. Quando percebemos os outros
enviesados, podemos nos tornar mais competitivos e agressivos (Cosenza,
2016).
O que fazer então? Abaixo indicamos algumas possibilidades.
Essencialmente, a chave é o autoconhecimento, para o qual precisamos da auto-
observação, tão contínua quanto nosso treinamento permitir. Lembremos que
nosso cérebro desconhece o que está fora dele – a partir de estímulos, faz
estimativas, a maior parte de forma automática, não consciente. Em grande
medida, fazemos isso com base em nossa própria experiência e conhecimento,
ou seja, os ingredientes que usamos para avaliar o mundo externo estão em nós
mesmos. Nesse sentido, o autoconhecimento é a melhor ferramenta que podemos
usar para perceber melhor a realidade externa, praticamente toda construída por
nós (individual e coletivamente), sem nos darmos conta.

5.2 Abrindo meus olhos?

Seguem algumas dicas – ato arriscado, visto que ainda não existe base
científica suficiente para garantir que qualquer atividade produza um resultado
confiável quando se trata de intuição e vieses. Dessa forma, por um lado considere
21
nossas sugestões de forma crítica e, por outro, teste você mesmo(a), procurando
obter suas próprias conclusões.
Sadler-Smith (2010, p. 34) propõe que aprendamos sobre nossas intuições
a partir de duas perguntas: “as pedras angulares da intuição inteligente são as
perguntas ‘o que acontece quando intuo?’ e ‘o que aconteceu quando incluí no
passado?”.
Em nossos estudos, observamos que é importante observar esses
aspectos e também contrastá-los com aqueles que deram errado, ou seja, qual é
a diferença do que acontece comigo quando tenho uma intuição verdadeira, que
se mostra efetiva e eficaz em relação ao que acontece quando acredito ter tido
intuição, mas percebo que não era de fato uma (Silva, 2006, 2009).
Em adição, indico que o nível de confiança muito elevado pode ser um bom
alerta para uma falsa intuição ou ainda uma falsa memória.
Não que não devamos ter confiança em nossas intuições, a confiança
parece ser um fator importante para que possamos planejar e executar na direção
intuitiva obtida. No entanto, seu excesso pode ser prejudicial e até mesmo indicar
que não se trata de uma intuição. Excesso de confiança e/ou paixão sobre algo
pode cegar nossa percepção para falhas pessoais e para situações externar
perigosas ou mesmo desastrosas. Intuições falham ou, se preferir, podemos ter
falsas intuições acreditando que são verdadeiras (Sadler-Smith, 2010, 2011).
De algo não há dúvida: enganamo-nos muito, e usualmente não
percebemos (Callegaro, 2011; Cosenza, 2016).
Sadler-Smith (2010, p. 157, 162) também propõe regras básicas para o
julgamento intuitivo, buscando justamente reparar alguns de nossos vieses ou
intuições fracas:

Não faça generalizações intuitivas a respeito de um indivíduo mesmo


quando o estereótipo tenha um “fundo de verdade" (por exemplo, os
homens preferem se formar em engenharia);
Não desenvolva a crença intuitiva que somente pelo fato de uma pessoa
fazer parte de um grupo ela necessariamente compartilha as
características daquela comunidade (procure se informar melhor sobre
a pessoa);
Tenha cuidado com profecias autorrealizáveis - certezas estereotipadas
podem levar as pessoas a se comportarem de acordo com os padrões
do estereótipo (funcionários podem render pouco em suas funções
simplesmente porque o estereótipo que o chefe tem deles os leva a agir
assim);
Seja especialmente cuidadoso com estereótipos que contenham juízos
de valor - positivo ou negativo. Estereótipos culturais baseados em
religião, gênero ou raça, muitas vezes contém juízos potencialmente
nocivos;

22
Julgue as pessoas pelo caráter, nunca pelos seus preconceitos ou por
suas percepções primitivas. (Sadler-Smith, 2010, p. 157)

E prossegue noutro trecho:

Procure contrariar as evidências - devemos procurar, com empenho,


desmentir nossas hipóteses, especialmente aquelas com as quais temos
algum tipo de ligação emocional por causa de um desejo
futuro. Devemos ficar abertos as evidências em ambos os sentidos a
favor e contra nossos projetos, por mais encantadores e arrebatadores
que eles sejam.
Evite os estereótipos - não devemos procurar dados que confirmem
nossos estereótipos e sim permanecer receptivos às informações que os
contraírem, especialmente se eles forem carregados de julgamentos
sociais negativos.
Questione suas intuições – devemos questionar nossas intuições –
intuições genuínas resistem a exames detalhados, enquanto que as
tendenciosas, estereotipados ou " desejosas" tendem a cair diante de
uma avaliação crítica, tanto de nossa parte quanto dos outros.
Cuidado com o "pensamento coletivo" - devemos ficar atentos ao poder
do "pensamento coletivo", inclusive em relação às normas de um grupo
de trabalho ou de uma sociedade como um todo. A opinião da maioria
não necessariamente é correta. Precisamos estar preparados para ser
a voz discordante - Talvez o Imperador esteja, de fato, nu. *referência à
obra A roupa nova do Imperador, de Hans Christian Andersen (1837)
(Sadler-Smith, 2010, p. 162)

Muito bem, mais uma aula vai sendo concluída! Se você chegou até aqui,
parabéns. Talvez tenha ficado um pouco “balançado” com a quantidade de erros
que comentemos, como nossos vieses, intuições falhas. Se isso ocorreu,
parabéns novamente. Esse é o processo. E lembre-se: o que apresentamos é
uma parte pequena de nossos equívocos, ilusões e vieses cognitivos. Há muito
mais. Mas importante é treinar nossa percepção, questionar nossas certezas,
confianças. Sendo nosso cérebro plástico, o treino modifica seu funcionamento e,
se isso ocorrer, se você treinar sua atenção para os erros mais comuns, abrirá
uma janela para outro nível de consciência, para outra forma de lidar consigo e
com as pessoas à nossa volta. Ao lidar com nossas ilusões e perceber o quão
árdua é essa tarefa, tendemos a ser mais tolerantes com as falhas, com as ilusões
de outras pessoas. Se isso não ocorrer, ou se ocorrer o contrário, mais intolerante
e crítico você se tornará com os outros, a partir desses textos, fique alerta, talvez
esteja usando esses conhecimentos para se iludir mais ainda.
Decidir é crucial para a vida de todos nós e se baseia em nossa percepção,
julgamentos e perspectivas, como crenças, atitudes. Tudo isso ocorrendo em nível
pessoal e coletivo. A maior parte disso, em nível não consciente, intuitivo.
Conhecer e explorar esse nível, com seus acertos e erros, benefícios e riscos é
algo difícil e fantástico. Exige o treino da atenção (ex. Mindfulness) e o trabalho
com as emoções. Que bom que estamos nesse movimento. Aliás, creio que estar
23
nele é o melhor que podemos fazer para que outros também o façam. O exemplo
é a chave. Lembre-se: o que não percebemos de nossas falhas é percebido,
facilmente, pelos outros. Então, se lidarmos com elas, isso também é percebido
e, usualmente, produz positivo impacto.

24
REFERÊNCIAS

ASCH, S. Psicologia Social. São Paulo: Nacional, 1966.

CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed. 2011.

COSENZA, R. M. Por que não somos racionais. Porto Alegre: Artmed, 2016.

DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. São Paulo, Cia das Letras: 2004.

_____. O mistério da consciência. São Paulo, Cia das Letras: 2000.

DENG, I.; DENG, P. S. Cognitive framing illusions and consumer rationality. The
Open Management Journal, v. 4, n. 1, p. 1-8, 2011.

GAZZANIGA, M.; IVRY, R.; MANGUN, G. Cognitive neuroscience: the biology


of the mind. 5. ed. New York: W. W. Norton, 2019.

KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2012.

MUSSWEILER, T.; STRACK, F. Considering the impossible: Explaining the effects


of implausible anchors. Social Cognition, v. 19, n. 2, p. 145-160, 2001.

NORTHCRAFT, G.; NEALE, M. Experts, amateurs, and real estate: An anchoring-


-and-adjustment perspective on property pricing decisions. Organizational
Behavior and Human Decision Processes, v. 39, n. 1, p. 84-97, 1987.

PILLAY, S. S. Your brain and business. New Jersey: Pearson, 2011.

SADLER-SMITH, E. Mente intuitiva: o poder do sexto sentido no dia-a-dia e nos


negócios. São Paulo: Évora, 2011.

_____. The intuitive manager: profiting from the power of your sixth Sense.
Cornwall: John Wiley & Sons, 2010.

SILVA, F. E. Estimulando a Percepção de Experiências Anômalas? Um Estudo


Exploratório com Grupos de Dinâmicas e Vivências In: 3º ENCONTRO PSI:
IMPLICAÇÕES E APLICAÇÕES DE PSI. Livro de registro de trabalhos
apresentados. Curitiba: Faculdades Integradas Espírita, 2006. p. 92-101.

_____. Psi: é possível treinar? revisando a literatura sobre desenvolvimento psi.


239 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de psicologia, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009.

25
TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: Heuristics and
biases. Science, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, 1974.

26
AULA 4

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


INTRODUÇÃO

Nesta aula, vamos refletir sobre a importância da intuição em várias áreas.


Você já deve ter percebido que decidimos intuitivamente na maior parte do tempo.
Nosso sistema é rápido, eficaz, sem esforço consciente ou deliberativo
(Kahneman, 2012). Não temos estrutura para decidir conscientemente na maior
parte do tempo, pois simplesmente travaríamos! Então a primeira reflexão de
fazemos é que a intuição é muito importante, de fato essencial ao nosso modo
usual de decidir, independente do contexto.
Neste texto, vamos focar em algumas áreas nas quais a intuição parece se
destacar. Vamos explorar o contexto organizacional no qual a intuição ocorre: a
4ª Revolução Industrial. O que a intuição tem a ver com ela? Estaria também a
consciência humana evoluindo exponencialmente, num movimento transformador
massivo? Trata-se de uma mudança de paradigma e a intuição está nele, tanto
num nível pessoal quanto organizacional! Por exemplo, a administração intuitiva;
isso é possível? Se sim, que efeitos produz, para que é usada? E quais países
mais usam a intuição no mundo? E o Brasil?
Fenômenos paranormais ou anômalos, ou ainda intuição-psi, você
vivenciou alguma coisa desse tipo? É muito possível que sim, visto que em
estudos brasileiros, cerca de 8 a cada 10 pessoas relatam ter tido ao menos um
deles! Mas esses fenômenos existem mesmo? Se sim, podem ser usados nas
organizações?
Observe que a intuição parece ter muitas faces e utilidades! Nas ocupações
de risco, por exemplo: na enfermagem, clínica, diagnóstico, terapia. Entre os
bombeiros, no exército e na aplicação da lei. E por fim, no ensino. Seria a intuição
boa ou ruim para a educação? Que implicações teria ela para essa área?

TEMA 1 – CONTEXTO DA INTUIÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

1.1 A intuição no contexto da 4ª Revolução Industrial

O contexto da intuição nas organizações é a 4ª Revolução Industrial!


Marcada pela disrupção tecnológica sem precedentes, se, por um lado, está
modificando completamente a forma de funcionamento do mundo (nos negócios,
no governo e política, na educação, na cultura e sociedade em geral), por outro,
está trazendo novos problemas que exigem novas soluções. A inteligência

2
artificial (IA) está cada vez mais natural no nosso dia a dia e vai se tornar comum
nas demais tecnologias; a internet das coisas (IoT), na qual nossos objetos se
interconectam uns com os outros por meio da internet; as realidades virtual e
aumentada, transportando-nos para multiversos cibernéticos; a análise massiva
de dados (big data) produzida por toda essa interligação; as nano, bio e
neurotecnologias, que vão nos tornar híbridos com as máquinas (em certa medida
já o somos, smartphones são extensões de nosso cérebro, que é muito plástico)
e revolucionar vários campos; os sistemas inovadores de produção e
armazenamento de energia; drones, para as mais impensadas funções;
impressoras 3D, que imprimirão de tudo, seja físico ou biológico (uma das formas
da biologia sintética), micro ou macroscópico; a computação cognitiva e quântica;
e, como não poderia faltar, a robótica, presente na automação massiva das
indústrias (que reduzirá ao extremo seus quadros de funcionários) e nas mais
diferentes interfaces com humanos (Filatro et al., 2019; Fava, 2018; Perasso,
2016; Saiba..., 2019).
A 4ª Revolução Industrial está ainda nos seus primórdios, o que significa
que as principais mudanças ainda estão por vir. Entre elas, talvez a mais grave
seja a perda de milhões de vagas de trabalho, em especial nos países mais
industrializados. Muitos empregos vão se transformar, extinguir-se, mas outros
tantos surgirão. Assim, a requalificação profissional representa um grande desafio
e provavelmente vai fazer surgir outro tipo de desigualdade social, entre as
pessoas com baixa e elevada qualificação, esta essencial para a empregabilidade
nessa nova fase. Esse cenário de futuro cada vez mais presente, tem Volatilidade
intensa, Incertezas crescentes, Complexidade nunca vista e Ambiguidade
emergente (VUCA) e exigirá, de fato já está exigindo, novas habilidades e o
aprimoramento de inteligências aplicáveis a um contexto extremamente
novo (Fava, 2016; Época, 2019).
Fava (2016) fala das inteligências necessárias para o século XXI, dentre as
quais a inteligência cognitiva, ligada à nossa capacidade de raciocinar, planejar,
sintetizar, resolver problemas e tomar decisões, pensar de forma abstrata e
categorizar. Também, o que se faz cada vez mais necessário, aprender
rapidamente com a experiência, para se adaptar a um mundo novo e
aceleradamente mutável. Essa é uma área onde a inteligência artificial, a
inteligência cognitiva e a aprendizagem de máquinas vão atuar amplamente,
podendo substituir inúmeras atividades realizadas por seres humanos, os quais

3
precisam desenvolver suas habilidades cognitivas. Para isso, a educação precisa
se atualizar para contribuir com esse desenvolvimento.
Como estamos no plano das funções cognitivas, também conhecidas
como funções executivas, adicionamos uma habilidade crucial relacionada a essa
área, a atenção. Em meio à multiplicidade e à crescente quantidade de
estímulos/informações a que estamos submetidos (infoxicação), treinar a atenção
se faz crucial. Para que não nos percamos na ilusão da multitarefa, na dispersão
do foco e no fascínio absorvente das novas tecnologias, o treino estimula a
atenção, o centramento, e a presentificação se apresenta como necessidade
adaptativa atual, pois está relacionada tanto à percepção quanto ao controle ou
regulação emocional, o que inclui a gestão do stress e ansiedade, e
consequentemente a manutenção da própria saúde física, mental e emocional.
Neste tema, devemos destacar as técnicas de mindfulness, que têm sido
aplicadas nas mais diferentes áreas, tais como negócios, educação, segurança e
saúde (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016; Loughton; Morden, 2015).
O treino estimula a atenção também se relaciona diretamente com a força
de vontade, que Fava (2018) nos indica como inteligência volitiva e inclui a
proatividade como elemento crucial para empregabilidade em tempo de mudança,
no qual atividades que não requerem criatividade, ou seja, que podem ser
repetidas facilmente, serão substituídas máquinas ou programas:

Os profissionais poderão enfrentar a faina de maneira muito


diferente: uns se encarregam de lançar novas iniciativas, gerar
mutações construtivas e liderar de forma dinâmica e ativa. Outros tentam
manter a conjuntura, se conformar com o tradicional, ficar apenas com a
cabeça acima da água, serem bons Guardiões do status quo. Os
primeiros abordam as questões de frente e trabalham para uma
transmutação construtiva. Os segundos seguem a corrente, são
empurrados pelo fluxo da multidão sem qualquer diferencial e conduzem
passivamente os negócios de forma conservadora em uma
enfadonha rotina. [...] Proatividade, dinamismo e iniciativa se resumem
no que denominaria de inteligência volitiva. [...] Nesse mundo
tecnológico, a mais notável característica para o profissional do Futuro é
o QV [Quociente volitivo] (Fava, 2018, p. 124-125).

É esse tipo de inteligência que permite o processo de inovação, de


transformações e metamorfoses essenciais à competitividade e à sobrevivência
das organizações. Implica também a eficiência, ou seja, fazer a coisa da maneira
correta, fazer bem feito, gerando eficácia, ou seja, o resultado, o alcance das
metas, daquilo que foi planejado. Na concorrência crescente dessa nova fase, que
inclui não apenas outros profissionais e outras organizações, mas também as
máquinas inteligentes, a inteligência volitiva se faz essencial (Fava, 2018).

4
Como comentamos, o treino da atenção é a base para esse tipo de
inteligência, visto que a motivação é em grande parte dirigida por processos
afetivos, do tipo dow up, ou seja, de estruturas subcorticais (profundas no cérebro)
para estruturas corticais (na superfície do cérebro). Atenção reflexa, automática
também segue o mesmo processo, sendo definida de forma externa pela
qualidade dos estímulos, tal como ocorre com as reações emocionais. Mas a
atenção executiva segue o processo inverso (tipo top-dow), está relacionada à
vontade consciente e pode e de fato deve ser treinada.

Saiba mais

Para conhecer mais sobre o midfulness e suas técnicas, indicamos as


seguintes obras:
MARTI, A. C. I; GARCIA-CAMPAYO, J.; DEMARZO, M. Mindfulness e
ciência: da tradição à modernidade. São Paulo: Palas Athena, 2016.
WALLACE, B. A. A revolução da atenção: revelando o poder da mente
focada, Vozes, 2018.

Fava (2018) também nos recorda da inteligência emocional, muito


conhecida nos meios organizacionais e que tem sido foco de treinamentos cada
vez mais frequentes. As emoções são cruciais em praticamente tudo o que
fazemos. Influenciam (dirigem) nossa atenção, memória, aprendizado,
julgamento, tomada de decisão, resolução de problemas, motivação e seu
resultado direto, ação ou prática.
Também são cruciais nos relacionamentos interpessoais, em especial com
relação à comunicação não verbal. Tamanha sua importância que se faz
necessário que desenvolvamos a inteligência para lidar com ela. A inteligência
emocional pode ser sintetizada em:

a. autopercepção, ou perceber as emoções em nós mesmos;


b. autogestão emocional, ou gerir nossas próprias emoções para que se
alinham as metas e objetivos que temos;
c. percepção das emoções das outras pessoas, por exemplo, no processo da
empatia; e
d. lidar com a emoção das outras pessoas, nos relacionamentos
interpessoais, com especial destaque para a gestão de conflitos (Goleman,
2001; Gonzaga, 2018).

5
Por fim, Fava (2018) apresenta-nos a inteligência decernere, ou seja,
aquela ligada à capacidade de discernir, que influenciará diretamente a tomada
de decisão, particularmente em nosso ambiente VUCA.

A inteligência decernere é faculdade de saber examinar, testar


proposições de qualquer tipo que sejam oferecidas para aceitação, a fim
de descobrir se elas correspondem ou não a realidade. Embora abrange
uma ampla gama de atividades mentais, como pesquisa, escolha de
informações, raciocínio efetivo, pensamento sistêmico, resolução de
problemas e tomada de decisões, a parte medular da inteligência
decernere refere-se a reivindicações de questionamento, da crítica, do
discernimento em sua essência em vez de aceitá-las ao valor nominal.
(Fava, 2018, p. 127)

Essa inteligência, como bem enfatiza o autor, não conta com pesquisas
acadêmicas, ao menos não com esse nome, mas, como você pode perceber, esse
é o tipo de inteligência que mais se aproxima dos processos intuitivos, os quais
têm como característica o funcionamento espontâneo e não consciente, por um
lado, e por outro, necessitam de processos racionais, cognitivos, para que possam
ser utilizados com eficiência e eficácia. Assim, reduz-se a infinidade de vieses e
processos de autoengano, naturais ao nosso processamento mental. Para que
possamos ter senso crítico em relação às informações externas, ou seja, ao nosso
julgamento em relação às informações do mundo, precisamos desenvolver o
senso de autocrítica, aquele pelo qual observamos nossos equívocos e nos
tornamos mais aptos para discernir, julgar, decidir e, consequentemente, agir,
visando mais eficiência e eficácia.
E, mais ainda, é crucial para que possamos equiparar nosso
desenvolvimento interior com aquele que acontece fora de nós. A maior parte da
pesquisa científica está dedicada ao domínio de tecnologias relacionadas ao
mundo exterior a nós mesmos(as). Há também muitos estudos sobre a nossa
fisiologia e, em particular, sobre nossos processos neuronais. Proporcionalmente,
é muito pequena a parcela de pesquisa dedicada a como desenvolvemos nossas
capacidades internas, emocionais, cognitivas e intuitivas. Esse contraste pode ser
perigoso. Parece que, se não cuidarmos de nós mesmos(as), de nosso
desenvolvimento interno, não cuidamos bem uns dos outros, não conquistamos
harmonia interpessoal, seja ela em nível local ou global. Tampouco conseguimos
harmonia com o meio ambiente.
Dentre as principais preocupações do Fórum Econômico Mundial de 2019,
estão as tensões geopolíticas, potencialmente criadoras de conflitos sociais,
econômicos e até mesmo bélicos. Também existe a preocupação com a

6
sustentabilidade de nosso planeta em função dos evidentes desequilíbrios
climáticos não apenas previstos, mas, em alguns casos, já em curso. Esse fórum,
naturalmente também dedica muito de seu foco à 4ª Revolução Industrial. Por
exemplo, como estimulá-la em diferentes situações geopolíticas nos países em
desenvolvimento, como o Brasil (Saiba..., 2019).

1.2 A intuição e a evolução da consciência: vivemos um movimento


transformador massivo?

Toda essa fantástica evolução tecnológica econômica precisa ser


acompanhada por uma evolução da consciência. Isso está ocorrendo?
Se, por um lado, estamos numa época em que ocorre a maior produção e
acumulação de riqueza jamais vistas, por outro, a desigualdade de recursos e de
oportunidades está em proporções avassaladoras. Contrastes entre abundância
e carência ainda caracterizam nosso desenvolvimento coletivo. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, 2,2 bilhões de pessoas têm sobrepeso em seus
corpos, enquanto 850 milhões de pessoas passam fome. Quatro bilhões de
pessoas têm smartphones, mas 800 milhões não têm eletricidade. A economia
extrativa é predadora de nosso planeta, arriscando a vida das novas gerações.
Nós nos aproximamos de um aquecimento médio da temperatura superior a dois
graus, o que é preditor de catástrofes inevitáveis no plano ambiental (Marins,
2019).
Se considerarmos esses e outros dados, poderíamos ter uma visão
pessimista do contexto atual. Lembre-se de que, por razões filogenéticas,
tendemos a valorizar mais os riscos, as dificuldades e as perdas do que suas
contrapartes. No entanto há razões para acreditar que efetivamente estamos
passando por uma transformação na consciência Mundial, uma nova consciência,
ou, nas palavras de Marins (2019), um movimento transformador massivo, que
caracteriza a Era do Impacto, nome de sua obra, que combate a nossa ignorância
e apatia e incita-nos a colaborar com esse movimento, enfatizando que “todo
mundo pode mudar o mundo”! Inspirado na obra cinematográfica (filme
documentário) de Maria Mourão (Quem se importa), ganhadora de vários prêmios
internacionais, Marins fala-nos sobre o momento especial que estamos vivendo.
Segundo ele, a melhor época da humanidade.

7
Como o mundo está mais transparente, para o mal e para o bem tanto
exsudando diariamente o que tem de ruim quanto multiplicando tudo que
há de bom - que não é pouco -, temos que eleger minuto a minuto o que
vamos impulsionar: egoísmo, etnocentrismo, utilitarismo, ódio, tribalismo
e nacionalismo ou compreensão, tolerância, amor, empatia, diversidade,
colaboratividade e globocentrismo. Na dinâmica da hiperconexão, na
lógica das conexões ecossistêmicas, cabe a nós, tão somente,
impulsionar problemas ou coedificar soluções. Mas Livres, mais
informados, mais conectados e mais conscientes, nossa
responsabilidade com toda a humanidade aumenta. Nossas ações
individuais se multiplicam com facilidade e contam agora mais do que
nunca. A liberdade conquistada, física ou digital, não é o território do
conforto como pensam alguns. É o território da decisão, onde o
pensamento, ao ser compartilhado, se torna ação massiva. (Marins,
2019, p. 31-32)

Nesse movimento transformador massivo ocorre a integração de milhões


de pessoas, preocupadas, por exemplo, com a degradação ambiental e o
esgotamento dos recursos que poderão levar ao fim da sobrevivência humana! O
Homo economicus, já bastante idoso, com cerca de 250 anos, parece dar lugar
ao Homo solidários, noeticus ou emphaticus. Milhares de empreendedores já
definem seu sucesso principalmente pelo impacto social e socioambiental voltado
a beneficiar toda a sociedade, sem ser os maiores do mundo e sim os melhores
para o mundo! Grandes iniciativas que beneficiam milhões de pessoas convivem
com pequenas e médias. Diferentes tamanhos, sempre ideias transformadoras,
são capazes de descentralizar soluções, de promover mudanças efetivas em toda
a sociedade e economia. São os designers do futuro:

Universo de seres humanos empáticos, empreendedores conscientes,


líderes integrais e cidadãos colaborativos, atuando em rede e
sistematicamente desfrutando possibilidades inéditas, local ou
globalmente. [...] reflexo de um novo nível de consciência da
humanidade. [...] ocorrências relacionadas a um momento histórico
global, uma era de transição planetária, o momento auspicioso para
nossa espécie. [...] é um gigantesco movimento transformador massivo
que está em curso, acessível a todos e entretecido de fios invisíveis. É
a era do impacto. (Marins, 2019, p. 31-32)

Em sua obra, Marins (2019) não se apresenta como otimista visionário, mas
mostra dados impressionantes, seja pela qualidade ou pela quantidade, que
suportam suas ideias. Esse processo ao qual se refere o autor é o movimento
transformador da liberdade, o movimento transformador da economia e o
movimento transformador da consciência. Em termos de liberdade, fala-nos sobre
o quanto foi conquistado em termos de nossas necessidades fisiológicas (física),

8
da equidade de raça e de gênero e da liberdade política (cívica) e religiosa
(espiritual).
A segunda dimensão, da economia, indica que nosso mercado capitalista
migra para uma nova fase, a do pós-capitalismo. As transformações profundas
que estão ocorrendo na forma de pensar e de agir, incluindo a dimensão da
inovação e as ferramentas tecnológicas para um novo futuro: “tinge a economia
estatal, privada e da ecologia, com movimentos de evolução dessa percepção e
a sua associação com empreendedorismo social e os novos designs econômicos”
(Marins, 2019, p. 38).
Por fim, o autor considera que a mais importante dimensão desse
movimento transformador massivo é aquela relacionada à consciência! A sua
evolução permite o aperfeiçoamento coletivo e a conquista de um nível de
liberdade pós-convencional. “Essa terceira subdimensão se dedica aos
movimentos de evolução que vão do egocentrismo, passam pelo etnocentrismo e
chegam ao globo-centrismo” (Marins, 2019, p. 38).
Para o autor, a descentralização, a exponencialidade e a inovação operam
tanto quanto pressupostos quanto na geração de resultados. Tem sido assim para
milhões de cidadãos que conquistam uma nova capacidade de pensar e de agir,
descentralizando decisões, soluções e o uso de recursos e informações. Estas,
que até bem pouco tempo estavam centralizadas pelo governos, corporações e
universidades, agora estão distribuídas em torno do planeta de forma exponencial
(Marins, 2019, p. 38):

essas tremendas transformações que ocorrem em todo o mundo estão


associadas a elevação do nível de consciência da humanidade,
fenômeno evolutivo da espécie humana que vem sendo estudado nas
últimas décadas por pesquisadores da psicologia do desenvolvimento.
Essas pesquisas indicam a existência de uma curva exponencial no
estágio de desenvolvimento da consciência de todos os indivíduos.

Pelo que vimos até o momento, a percepção/valorização da intuição, como


parte essencial de nosso funcionamento (em especial da tomada de decisão), e
seu uso deliberado e relativamente consciente são parte dessa evolução da
consciência. Permitindo-me especular, talvez seja a intuição um dos principais
propulsores dessa evolução, senão o maior. Vejamos mais sobre isso.

9
1.3 A intuição na mudança de paradigma

Como comentamos, habitamos a mudança (volatilidade), incerteza,


complexidade e ambiguidade (conflito) – VUCA. O mundo não apenas muda
rápido, mas cada vez mais rápido. Os padrões predominantemente racionais de
pensamento não são mais suficientes para compreendê-lo como está ou no que
ele se tornará, nem para lidar com esses quadros emergentes (Parikh; Neubauer;
Lank, 2003, Filatro et al., 2019).

Para lidar com mudanças tão rápidas, é necessário certo sentido de


estabilidade interior; para lidar com a complexidade é necessário uma
âncora de simplicidade; para lidar com a incerteza, a pessoa tem de
desenvolver um nível mais profundo de sistema de apoio interno; e para
lidar com o conflito faz-se necessário uma capacidade especial de
síntese, um nível mais profundo de percepção. A intuição parece
facilitar o cultivo dessas qualidades. (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p.
44, grifo nosso)

Quadro 1 – O papel da intuição ao se lidar com a mudança:

Mudança Estabilidade
Intuição
Complexidade Simplicidade

Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 44

A mudança global em curso pode ser vista como parte da evolução (da
consciência) humana. Passamos por várias revoluções, parece que estamos
agora nos dirigindo para a revolução da “consciência”, para conquistarmos mais
percepção de nosso mundo interior. Assim, a intuição é vista como um nível mais
profundo de consciência, associado a uma informação distinta, não acessível ao
nível dos sentidos. A 4ª Revolução Industrial é um processo coletivo fruto de nossa
evolução intelectiva e inventiva, é externa e traz impactos muito fortes, mas ainda
não conhecidos. O desenvolvimento da intuição, ou melhor, a conscientização e
seu aprimoramento podem ser considerads também uma revolução, mas
silenciosa, possivelmente essencial para que nos adaptemos de forma saudável
à revolução externa (Marins, 2019; Parikh; Neubauer; Lank, 2003).
Parece não ter permanecido nenhuma âncora! As ideologias foram
desconfiguradas, não cumpriram com suas promessas de padrões e qualidade de
vida. O mesmo ocorreu com os sistemas de valores materialistas e espiritualistas
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003).

10
Mudança de paradigma – num nível profundo, a aceleração das mudanças
com a consequente perda das referências convencionais pode indicar a
transformação na visão da realidade, ou seja, na emergência de um novo
paradigma, no qual a perspectiva positivista, determinista, mecanicista,
materialista e reducionista dá lugar a um prisma mais subjetivista de uma visão
aproximada, holística, interligada, na forma de rede ordenada, semelhante a um
pensamento. Essa visão impacta as organizações e seus líderes. Observe tais
mudanças nas gravuras (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 48-49):

Figura 1 – Mudanças nas organizações

1.4 Intuição no nível da organização

Respeitabilidade-reconhecimento cada vez maiores: conforme


levantamento dos autores, mais e mais administradores de alto nível, incluindo

11
presidentes de empresas, estão admitindo o uso da intuição na tomada de decisão
(TD).
Sistemas computadorizados de apoio à TD: quando as informações são
disponíveis, a TD tem sido apoiada por sistemas computadorizados, porém a
dependência absoluta desses sistemas leva à paralisia de análise. Em cenários
em mutação, em áreas que não podem ser computadorizadas, no excesso ou na
falta de informação, quando as variáveis não são previsíveis com razoável grau
de certeza, enfim, quando o clima é de incerteza, o uso da intuição é essencial.
Falta de precedentes e problemas mal estruturados: um dos princípios da
TD é a confiança nos precedentes, porém muitas situações emergentes não têm
precedentes nem paralelos. De forma similar, problemas mal estruturados e que
não podem ser avaliados analiticamente (decisões ligadas a contratação de
executivos, aquisições, fusões) carecem da intuição.
Escolher entre alternativas equilibradas: quando as alternativas são quase
igualmente equilibradas, a intuição pode ser também necessária.
Outros itens incluem inovação e empreendedorismo, bem como liderança,
os quais serão considerados no próximo texto.

1.5 Intuição no nível individual

Processamento humano de informações – capacidades mentais: a intuição


pode ser vista como uma das excepcionais capacidades humanas, ainda não
compreendida nem desenvolvida. Com o estudo da criatividade, a intuição
emergiu com especial significado.
Integração: a intuição pode ser auxiliar na compreensão da consciência, na
sua dinâmica interna e integração externa, colaborando para uma visão de
unidade num estado aparente de separação e conflito.
Músculo, cabeça e coração: quando primitivos, nossa força estava nas
mãos, em nossos músculos. A civilização focou poder nas ideias. Nosso próximo
passo é desenvolver a nossa consciência para superarmos a inteligência racional,
precisamos conquistar a sabedoria. “Precisaremos agir tanto com a cabeça como
com o coração, para estabelecer uma cooperação entre nós mesmos, entre
nossas nações, nossos continentes e nossos hemisférios. Só recentemente nos
tornamos superiores aos outros animais; agora, precisamos aprender a nos tornar
melhores seres humanos” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 52).

12
Sobreviver à prosperidade: pela inteligência a humanidade alcançou o
patamar presente; precisa agora da sabedoria para a próxima etapa, para
prosperar, libertando-se de seus temores ligados à sobrevivência, rumando para
uma visão compartilhada do mundo provedor. Com mente e coração superiores,
será possível construir um mundo melhor.
Questões existenciais: a intuição pode auxiliar na compreensão de 4
questões existenciais: necessidade de liberdade; causas do isolamento,
significado da vida e a natureza da morte.

TEMA 2 – SEU PAPEL NA ADMINISTRAÇÃO

2.1 A intuição na administração (ADM)

O conceito de descoberta de soluções criativas é fundamental para a


compreensão de uma filosofia moderna de ADM. A maioria das empresas antigas
diminuíram seus funcionários, os novos empregos têm sido criados por empresas
jovens e empreendedoras, surgidas de ideias criativas (veja o tema 5).
Profissionais de grandes empresas admitem também que utilizam a intuição, e
que esta é mais confiável e precisam na medida em que aprendem a confiar nela:
“A intuição é realmente necessária na administração? A primeira resposta é que
a intuição não consiste simplesmente em conhecer o estado futuro das coisas. Ela
também está relacionada com o modo como algumas pessoas administram o
estado atual das coisas” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 58)
Ter as melhores informações possibilita tomar as melhores decisões. A
perfeita informação é a “linha direta com Deus”, porém o poço da sabedoria virou
um hidrante e não é mais possível manter-se atualizado sobre as informações
úteis que são geradas, de forma cada vez mais rápida, no mundo (Parikh;
Neubauer; Lank, 2003). Em 1900, para o conhecimento do mundo dobrar, levava
aproximadamente 100 anos. Em 1945, 25 anos; em 2015, 13 meses e, em 2020,
isso ocorre a cada 12 horas (Filatro et al., 2019)!
Essa explosão de informações também desencadeia um movimento muito
rápido de motores sociais. Isso cria um contínuo estado de mudanças, impossível
de ser acompanhado. Pela intuição é possível examinar uma quantidade grande
de informações e ainda encontrar aquelas que são relevantes. Pela intuição é
também possível manter-se no crescente de fluxo de mudanças, tal qual um
malabarista que se foca no ritmo e não em cada bola que manuseia. A intuição

13
poderá consistir-se numa orientação constante, num eixo que mantém um
equilíbrio dinâmico em meio às mudanças contínuas e cada vez mais aceleradas
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003).

2.2 Efeitos diretos da administração intuitiva

Criação de uma visão – inovar continuamente é necessário para a


sobrevivência empresarial. Para isso, é preciso ter uma visão do futuro e uma
introvisão dos pontos críticos, que necessitam da implementação de estratégias.
A mudança provoca resistências psicológicas, emoções negativas (ansiedade,
medo), as quais precisam ser convertidas em energia positiva, como coragem. A
criação de uma visão comum dentro da empresa produz essa energia positiva,
dirigida à concretização do sonho coletivo. Isso será apresentado no tema 5.
Escolha de uma direção – tendo as metas sido visionadas, um método para
alcançá-las se faz necessário. A intuição pode auxiliar na criação dessas
estratégias.
Tomada de decisões – Com a direção e o método escolhido, as decisões
operacionais precisam ser feitas. Que tarefas e qual a ordem delas?

A longo prazo, a capacidade de manter um ritmo interior intuitivo gera


continuamente a transformação de novos conflitos em desafios
partilhados. A médio prazo, esta mesma capacidade permite que a
pessoa identifique as orientações que levam a estratégias mais claras.
Só então os administradores poderão tomar decisões quanto às tarefas
que deverão ser executadas num determinado momento. (Parikh;
Neubauer; Lank, 2003, p. 69)

TEMA 3 – ALGUMAS PESQUISAS SOBRE INTUIÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

3.1 Relatório global sobre intuição

Processos intuitivos têm sido atribuídos a várias descobertas científicas,


por exemplo, a descoberta da estrutura de anel fechado da molécula de
compostos orgânicos por F. A Von Kekulé (1829-1896). Mas no contexto
organizacional seria a intuição também valorizada?
Num levantamento internacional sobre Intuição, Parikh, Neubauer e Lank
(2003) obtiveram questionários respondidos por 1.312 administradores advindos
de 9 países (Áustria, França, Holanda, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos,
Japão, Brasil e Índia). Destes, 53,6% indicaram utilizar tanto a intuição quanto a

14
lógica-raciocínio em seu trabalho; 7,5% assinalaram usar mais a intuição do que
a razão, enquanto 38,9% responderam que faziam o contrário.
Os dados do Brasil indicaram que 53,5% dos administradores utilizam mais
a razão que a intuição, 42,1% utilizam em igual medida e apenas 4,4% utilizam
mais a intuição, portanto abaixo da média geral do estudo (7,5%). Um dado
interessante é que os países que mais relatam usar/valorizar a intuição são do
primeiro mundo: Suécia – 8,9%, Holanda – 8,7%, EUA – 8,9%, Reino Unido –
7,5% e Japão – 7,5%!
Esses dados indicam o valor dado à intuição no contexto organizacional.
Porém, cabe acrescentar que não valorizá-la (38,9%) não significa não utilizá-la,
visto que estudos indicam que a utilizamos inconscientemente praticamente o
tempo todo! Como fora comentado, processos intuitivos (de vários tipos) não
conscientes são parte essencial de nosso funcionamento mental e funcionam
involuntariamente quer os percebamos e valorizemos ou não!
Retornando ao levantamento indicado acima, as principais áreas que foram
consideradas relevantes para a aplicação da intuição foram:

a. estratégia e planejamento empresarial;


b. marketing;
c. desenvolvimento de recursos humanos; e
d. pesquisa e desenvolvimento.

Utilidade na empresa, os pesquisadores incluem:

a. inovação;
b. Criação de estratégias;
c. Tomada de decisões;
d. Resolução de problemas;
f. Elaboração de uma visão de futuro;
g. Valorização dos potenciais humanos;
h. Encontro/confirmação de sentido existencial;
i. Melhora na autoestima e autoconfiança;
j. Melhora no bem-estar subjetivo (felicidade);
k. Melhora nos relacionamentos interpessoais e
l. Vantagem competitiva (Parikh; Neubauer; Lank, 2003).

Esses dados sugerem que não apenas a intuição tem forte importância na
vida profissional de administradores como é utilizada voluntariamente por 61,5%

15
da amostra investigada. Além disso, é reconhecida como tendo valor em diversas
áreas a atividades.

3.2 Intuição anômala, psi ou não local e organizações

Como vimos no tema 1, existe um tipo de intuição que parece desafiar


nossos conhecimentos sobre as habilidades ou potencialidades humanas. São os
fenômenos psi (telepatia, clarividência, precognição e ação direta da mente sobre
sistemas físicos ou biológicos), parte de um conjunto maior ditas anômalas,
porque representam lacunas no conhecimento humano (Radin, 2011).
Lembre-se de que a “possibilidade de se obterem informações ou
impressões (cognitivas ou fisiológicas) por vias extrassensoriais do futuro,
passado ou presente (fenômenos anômalos relacionados a psi), não exclui a
influência daquelas preexistentes no organismo, ou seja, essas informações
supostamente anômalas vão interagir com aquelas de caráter “normal”, digamos
assim.
As evidências para esses fenômenos são fruto de controvérsia científica,
apesar de que as revisões sistemáticas de estudos, com base estatísticas,
usualmente chamadas de meta-análises, têm dado suporte para a existência
destes (Cardeña, 2018). Também os relatos das pessoas indicam que elas têm
essas experiências. Estudos de levantamento feitos por pesquisadores da USP,
UNESC e instituto Neuropsi (este conduzido por nós) encontraram que cerca de
85% de 918 respondentes, de São Paulo, Paraná e Santa Catarina alegaram ter
vivenciado pelo menos uma das experiências anômalas relacionadas à psi
(intuição psi) que estamos considerando. Em síntese, essas experiências
intuitivas têm elevada prevalência e impacto psicossocial e clínico (Machado,
2009; 2010, Batista, 2016). Mas seria intuição-psi usada nas organizações?
Numa pesquisa realizada na cidade de Recife, Barros (1998), do Instituto
Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, buscou saber até onde a intuição-
psi ou não local (Telepatia, Clarividência e Precognição), era empregada por
administradores(as) de empresas como forma de solucionar problemas.
O estudo buscou saber a postura dos(as) empresários(as) a respeito
dessas questões e incluiu uma amostra de 300 micro, pequenas e grandes
empresas localizadas na cidade de Recife. As empresas averiguadas englobam
4.283 empregados. Delas foram entrevistados(as) empresários(as) que atuam em
diferentes ramos de atividade, sendo os do campo industrial 15% das empresas,

16
os do comércio, 44% e os do campo de serviços, 41%. Na disposição por gênero,
a classificação é de 70% homens e 30% mulheres. 77% das empresas originaram-
se devido à iniciativa dos próprios donos. 23% das empresas foram adquiridas por
herança familiar. A diferença que se deseja conseguir com a origem da empresa,
se por legado ou por iniciativa do empresário, é analisar as atitudes do empresário
nas suas decisões, desde o momento em que este decide pelo comércio
escolhido. Por que optar por este em vez daquele? Como o empresário chegou a
uma decisão final e decidiu optar por um especifico ramo do comércio? Fatores
de escolha do ramo de atividade: a experiência anterior na atividade é
predominante com 50%, a intuição com 23% e a pesquisa de mercado com 12%.
Deve-se evidenciar a intuição, com um total de 23% de sugestão, como uma
opção de importância na história empresarial desde os primeiros tempos do
estabelecimento (Barros, 1998).
Dentre os resultados, as alternativas “Medito e encontro a solução” e “Uso
a minha intuição” pareceram indicar formas distintas de se referir ao mesmo
fenômeno. Isoladamente a opção “Uso a minha intuição” para resolver problemas
foi assinalada por 34% dos empresários pesquisados. A expressão “Medito e
encontro a solução”, se for analisada como um fator intuitivo, tem um percentual
que sobe para 46%. Verificou-se também que a expressão “Peço ajuda a
terceiros”, como consulta a esotéricos, foi pouco evidenciada pelos empresários
(Barros, 1998). Em termos da referência de acerto na resolução de problemas,
verificou-se que 2/3 dos empresários que relataram utilizar a intuição obtiveram
acertos na ordem de 75% ou mais. Os que optaram pela ajuda mística obtiveram
1/3 de acertos. Verifica-se também que 7% dos empresários afirmam acertar
sempre, ou seja, 100% das vezes. Os(as) entrevistados(as) alegam entender a
intuição como um sexto sentido, como algo que não vem do uso da razão, é uma
forma de percepção extrassensorial, um autoconhecimento adquirido por alguma
fonte que não se situa entre os sentidos clássicos, ficando assim bem clara a
intuição como um fenômeno paranormal (Barros, 1998).
Voltando ao contexto internacional, em um episódio clássico apresentado
pela Newark College of Engineering (Faculdade de Engenharia Newark), os
pesquisadores analisaram a habilidade de precognição entre empresários. Nesse
teste, os participantes criavam uma sequência de números binários de 100 dígitos.
Para verificar o acerto, 100 dígitos eram gerados por um computador, utilizando
técnicas de geração de números aleatórios, sendo então comparados com

17
aqueles criados pelos empresários. Os resultados mostraram que vários
participantes tinham a capacidade de obter escores para além das expectativas
do acaso e, o mais importante, os empresários mais bem-sucedidos (empresas
com mais sucesso financeiro) obtinham escores que excediam de maneira
significativa as probabilidades do acaso. Já os empresários cujo empreendimento
perdia dinheiro apresentaram números inferiores da média e se distanciaram
expressivamente dos níveis do acaso (Mihalasky, 2010).
Kasian (2006) da Akamai University, investigou os sonhos que pareceram
predizer vendas de propriedade. Dez participantes foram selecionados e, após
fornecer um relato de sonho escrito, os participantes foram entrevistados por
telefone. Aos dados da entrevista integraram-se os relatos dos sonhos para
responder à pergunta da pesquisa. Os relatos continham temas de amizade e de
familiaridade acima da norma, e agressão e negatividade abaixo da norma. Esses
sonhos pareceram informar, alertar, inspirar e acoplar o sonhador a perseguir
pessoalmente opções significativas de casas. Porque as imagens sonhadas se
assemelharam frequentemente à propriedade vendida. Junguianos considerariam
tal correspondência entre uma experiência interna e um evento exterior uma
sincronicidade. Na escala de absorção, os participantes marcaram 26 (p<0,02),
alto comparada ao normativo de 20, com um desvio padrão de 6. Os participantes
que terminaram a escala criativa da personalidade produziram uma contagem
média de 8.6 (p<0,02), alta comparada ao normativo de 3.6, com um desvio
padrão de 4.1. Nos testes de Torrance do pensar criativo, as contagens medianas
dos participantes, as figurais e as verbais caíram nos percentis 90 e 56,
respectivamente. O estudo autoriza pesquisa adicional a demonstrar como
maneiras sutis, anômalas do saber podem suplementar decisões lógicas,
racionais (Kasian, 2006).
Esse professor (Silva; Martins, 2020) realizou um estudo experimental,
desenvolvido numa empresa imobiliária de Curitiba, verificando se era possível
que 16 corretoras se utilizem de intuição-psi (clarividência e precognição) para
aumentar suas locações. O estudo foi conduzido no mês de junho e julho/2011. A
proposta teve como objetivo avaliar os escores de testes psi (clarividência e
precognição) das corretoras de imóveis e correlacioná-los com os níveis de
locações destes. Os resultados não são conclusivos, mas foram significativos.
Mais detalhes dessa pesquisa são apresentados posteriormente.
Esses poucos estudos indicam que a intuição-psi ou anômala

18
possivelmente faça parte das decisões profissionais, e ainda mais, talvez estejam
ligadas ao sucesso, à vantagem competitiva. Naturalmente, como se trata de uma
área nascente de pesquisa, os resultados precisam replicados e novas pesquisas
desenvolvidas em quantidade e qualidade considerável para que possamos ter
mais referências sobre esse tipo de intuição, se de fato existe e quais suas
características no contexto organizacional. De qualquer forma, é uma área muito
promissora e provavelmente relacionada às profundas mudanças atuais e ao
futuro do desenvolvimento da consciência humana.

TEMA 4 – OCUPAÇÕES DE RISCO

4.1 Ocupações médicas

4.1.1 Enfermagem e enfermagem de emergência

Estudos qualitativos têm sugerido que a intuição é um componente na


prática de enfermagem, em especial na enfermagem de emergência. Tem sido
descrita como um tipo de conhecimento da enfermagem e tem ganho aceitação
como válido não só na emergência, mas também na enfermagem clínica. Num
estudo com 14 enfermeiras experientes, surgiram relatos semelhantes ao que é
apresentado a seguir (Langan-Fox; Vranic, 2011).

Por volta das 23 horas, um bebê de sete meses acompanhado por sua babá
chegou sem nenhuma queixa específica. De repente, senti meu estômago
revirar. Avaliei os sinais básicos do bebê, não encontrei nada incomum e o
peguei e informei ao pediatra que eu o estava levando para a área de
ressuscitação. Quando perguntado por que, eu respondi que ele precisava estar
lá. O residente não teve escolha senão me seguir. Duas horas depois, o bebê foi
internado na sala de operações, necessitando de reparo de um grande defeito
do septo ventral não diagnosticado anteriormente. Mais tarde, o pediatra
perguntou como eu sabia sobre a insuficiência cardíaca. Não pude responder,
pois tinha a sensação de saber que algo estava seriamente errado. Essa
experiência me perturbou. (Lyneham et al. citados por Langan-Fox; Vranic, 2011,
p. 111)

Estudos nessa área têm-se concentrado no trabalho de enfermeiras


experientes, focando-se então em explicações ligadas à expertise profissional,
experiência e conhecimento. Essas pesquisas têm reconhecido intuição como
uma forma legítima de conhecimento, o que fortalece o uso dessas habilidades
em todos os níveis de experiência e também estimula estudos acadêmicos com
essa temática (Langan-Fox; Vranic, 2011).

19
a intuição é caracterizada como percepção direta, e como um fenômeno
lícito, observável e mensurável, potencialmente ensinável e parte
apropriada da ciência da enfermagem. (Effken, citado por Langan-Fox,
Vranic, 2011, p. 112)

4.1.2 Consulta clínica/Diagnóstico/Terapia

A intuição tem sido também considerada relevante no campo das consultas


e diagnósticos clínicos, pois a perspectiva intuitiva pode melhorar a qualidade das
consultas, e os estudos de levantamentos feitos com médicos têm indicado que
estes reconhecem a prevalência das experiências intuitivas em suas práticas. De
forma similar, diagnósticos psiquiátricos também podem ter a intuição como
função importante. “Como nós temos demonstrado, entretanto, a intuição é um
importante componente do diagnóstico psiquiátrico e não é inferior a outras
ferramentas diagnósticas” (Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 112-113).
Médicos homeopáticos também frequentemente relatam o uso da intuição
e a importância disso nas suas práticas. Na área de psicoterapia, a intuição
também é utilizada para resolver problemas psicológicos, em especial por meio
de leituras das reações durante os relatos em psicoterapia.
Assim, os dados sugerem que são comuns os relatos do uso da intuição
dentro de profissões da saúde, indicando a sua eficácia detectando anomalias
perigosas, sejam elas fisiológicas ou psicológicas.
Num estudo que estamos conduzindo junto ao Grupo Interdisciplinar de
Psicologia Analítica e da Religião (GIEPAR), sediado no Conselho Regional de
Psicologia do Paraná, verificamos que 86,6% dos 179 psicólogos e psicólogas
respondentes relatam ter vivenciado ao menos uma experiência anômala
relacionada a psi (intuição psi). Também seus(suas) clientes relatam ter essas
experiências, sendo que apenas 13% deles nunca relataram alguma experiência
dessa natureza. O estudo que explora a prevalência e a relevância dessas
experiências na prática profissional de psicólogas(os) deve ser finalizado neste
ano (2020), trazendo mais evidência e compreensão sobre o impacto dessas
experiências na vida profissional.

4.2 Bombeiros, exército, aplicação da lei

4.2.1 Bombeiros

Combate a incêndios usualmente implica decisões muito rápidas com

20
base em pouquíssimas informações. Essas decisões frequentemente podem
fazer a diferença entre a vida e a morte. Murgallis (citado por Langan-Fox; Vranic,
2011), num artigo da Harvard Business Review, afirma que a intuição é uma
habilidade crítica para os grupos de combate ao incêndio de alta
performance. Relata também que ela pode ser apreendida “por meio de
treinamento, leitura, resposta a emergências e conversas com veteranos” (Effken,
citado por Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 113).
Buckman (citado por Langan-Fox, Vranic, 2011) é um treinador de
bombeiros. Ele enfatiza a importância dos “dois primeiros segundos” no combate
ao incêndio e que a intuição é muito relevante, ao ponto de que sua utilização
deva ser ensinada aos bombeiros, oficiais, chefes e comandantes de incidentes.

Buckman também afirma que a parte inconsciente adaptativa do cérebro


processa informações de maneira rápida e silenciosa. Sua noção final é
de que, para que um filtro se torne melhor em concluir uma rápida
avaliação de uma determinada situação e, portanto, produza boas
decisões, seu cérebro deve ser treinado e receber informações
confiáveis para tomar a decisão intuitiva correta no ambiente nos
primeiros dois segundos. (Langan-Fox, Vranic, 2011, p.114)

4.2.2 Exército

Intuição tática é a expressão utilizada por Reinwald (citado por Langan-


Fox; Vranic, 2011) num artigo para a revista Military Review, dos Estados Unidos.
Trata-se do pensamento intuitivo aplicado ao combate. A compreensão imediata
de uma situação e a atitude a ser tomada podem ser vitais no exército. É a intuição
que permite aos líderes tomarem decisões de forma mais rápida que os inimigos
e, em consequência disso, pode ser a “diferença entre a competência e a
incompetência, a vitória ou a derrota”. Por essa razão, a intuição é muito
considerada no exército, como no Programa de Avaliação e Desenvolvimento de
Liderança (LADP), que reconhece essa habilidade como uma qualidade-chave da
liderança, estimulando fortemente para que seja desenvolvida, principalmente
entre os comandantes seniores. (McClean, citado por Langan-Fox; Vranic, 2011).
Além disso,

Os comandantes raramente controlam os eventos no campo de batalha.


O general de sucesso não é aquele que implementa cuidadosamente
seus planos originais, mas aquele que intuitivamente "lê" o caos no
campo de batalha o suficiente para aproveitar as oportunidades que
passam. . . Como é impossível pesar todos os fatores relevantes, mesmo
para as decisões mais simples da guerra, é a intuição do líder militar [...]

21
que deve, em última análise, guiá-lo na tomada de decisões eficaz.
(Handel citado por Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 114).

4.2.3 Aplicação da lei

No estudo de levantamento feito pelo Instituto de Justiça Nacional dos


Estados Unidos, em 2004, cerca de 90% dos entrevistados da Academia Nacional
relataram sentir um instinto, um sexto sentido, ou seja, ter algum tipo de intuição
manifesta via corpo. Os pesquisadores concluíram que a intuição deve ser vigiada
e que seu uso pode produzir vieses cognitivos, os quais podem criar problemas
nos processos investigativos criminais (Langan-Fox; Vranic, 2011). Recorde-se
que consideramos alguns dias e enganos que usualmente cometemos ao avaliar
e decidir.
Outro estudo realizado em 2007 por Tussey (citado por Langan-Fox;
Vranic, 2011) considerou uma amostra de 37 acadêmicos da polícia municipal e
37 graduandos da universidade rural do oeste da Pensilvânia. Os resultados
foram numa direção que apoia a ideia de que a intuição é pertinente à tomada de
decisão dos policiais.

TEMA 5 – INTUIÇÃO NO ENSINO

5.1 Intuição não boa para o ensino!

Considere o que você estudou sobre intuição e responda, por favor: ela é
uma estratégia boa para o ensino?
Tradicionalmente, professores e professoras conduzem seus estudantes
passo a passo, explicando conteúdos e procedimentos para que eles(elas) os
dominem de forma explícita, sendo capazes de reproduzi-los prática e
teoricamente de forma deliberada, consciente, justificando as razões pelas quais
o fizeram (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011). Estamos nos referindo ao sistema
2, analítico, consciente, liberado, dispendioso e lento. A intuição, por sua vez, está
mais relacionada ao sistema 1 (Intuitivo ou experiencial), no qual os processos
mentais ocorrem rapidamente, de forma não consciente, apresentando evidências
diretas, sem requerer raciocínio lógico, tampouco evidencia como chegou a
determinada conclusão (Kahneman, 2012). Assim, a docência não deve conduzir
aos processos intuitivos, ou seja, à compreensão de conceitos ou aplicação
procedimentos intuitivamente. Ao contrário, as concepções que os alunos

22
apreendem espontaneamente da realidade (intuições) geralmente estão erradas
e precisam ser estruturadas por meio dos conceitos acadêmicos. Nessa
perspectiva, a intuição pode ser igualada ao senso comum, usualmente ilusório,
ingênuo.

Além disso, alguns conteúdos a serem aprendidos são contraintuitivos.


Nesse caso, o ensino deve ser usado não apenas para ajudar os alunos
a substituir as intuições por conceitos mais relevantes, mas também para
combater os vieses produzidos pelas supostas evidências intuitivas [...].
De qualquer forma, mesmo que a intuição possa levar os alunos a
desenvolver concepções corretas, tais concepções não representam
conhecimento válido. Isso ocorre porque os alunos não podem articular
e analisar essas concepções explicitamente e, portanto, não podem
destacar seus fundamentos, sondar sua veracidade por meio de
argumentos ou comunicar os conceitos a outros, esclarecendo por que
eles confiam em sua validade. (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 168)

Ainda que a intuição pudesse ser importante no processo da descoberta,


ou seja, no processo que o aluno chega a compreender alguma coisa, ela não
teria condições de explicitar a justificativa ou como os alunos se deram conta
daquilo que aprenderam. Em síntese, ela não é uma estratégia boa para o ensino.

5.2 Intuição pode facilitar ensino?

Da perspectiva construtivista, a pré-compreensão dos estudantes é o ponto


inicial com base no qual se chega aos conceitos a serem compreendidos. Parece
estar bem estabelecido que estudantes não são tábulas rasas, uma vez que eles
e elas têm sua própria compreensão sobre aquilo que os professores irão explicar.
Independente se refletem mais ou menos a realidade, é por certo o ponto de
partida para o ensino, cuja base é a interação, a conexão entre docentes e
discentes, a qual, de caráter emocional, é importantíssima para o processo de
ensino-aprendizagem. Intuições também envolvem uma seleção de
características da realidade, uma representação rápida, simplificada do que vai
ser compreendido posteriormente, isso de forma leve, sem sobrecarga cognitiva.
Em complemento, ainda que algumas intuições possam estar incorretas, elas
serviram de base para a ampliação posterior. Outras, no entanto, podem levar os
alunos a identificar aspectos essenciais daquilo que está em jogo, facilitando a
sua compreensão e aprendizado. Lembre-se de que uma das características da
intuição é o processamento simultâneo de várias características, permitindo
compreender relações entre os vários elementos, fornecendo uma visão geral
inicial da situação. Outro elemento importante é que a intuição trabalha com
conhecimento familiar ao indivíduo, por isso apresenta um certo senso de certeza,
23
que reduz o medo e a ansiedade diante do desconhecido. Por vezes até
acompanha um senso de confiabilidade e autoconfiança. Todos esses elementos
são muito importantes ao processo de aprendizagem (Iannello; Antonietti; Betsch,
2011).

5.3 Estilos cognitivos podem facilitar ensino?

Vários estudos têm mostrado que pessoas apresentam formas ou estilos


de funcionamento que são tendências para atitudes comportamentos e
estratégias semelhantes em situações comuns. Eles refletem como a pessoa age
e não quão bem ela se sai. Se as habilidades podem ser medidas pelo nível de
desempenho, os estilos cognitivos são mensurados pela maneira de
desempenhar. As habilidades tendem a ser unipolares, enquanto os estilos
usualmente são bipolares ou multipolares. Estilos cognitivos são preditores de
desempenho acadêmico e outras habilidades gerais. Existem vários pares de
estilos cognitivos e muitos instrumentos que os mensuram. Voltaremos
posteriormente à temática dos estilos cognitivos, trazendo mais informações sobre
eles. Um dos estilos que tende a uma dimensão mais unificadora de vários outros
considera a polaridade intuição-deliberação (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011).
O CSI (Índice de Estilo Cognitivo) é um instrumento muito utilizado nos
estudos de gestão e negócios. Ele se baseia na polaridade em que os extremos
de cognição intuitiva e cognição analítica (ou deliberativa) representam um
contínuo de uma única dimensão. As pessoas com estilo intuitivo abordam tarefas
cognitivas de maneira rápida fácil e automática, pois confiam e seguem seus
instintos e sentimentos. Esse estilo é caracterizado como global, impulsivo,
divergente e indutivo. Em contraposição, as pessoas com estilo analítico confiam
mais em técnicas lógicas mais lentas, elaboradas e planejadas para lidar com
tarefas cognitivas.
O instrumento indicado (CSI) apresenta os dois polos e entre eles uma
escala contínua. Ou seja, um indivíduo pode estar no extremo no outro ou em
qualquer ponto do espectro entre os dois. Mais do que isso, estudos sugerem
que, mesmo que uma pessoa tenha predominância em uma das polaridades, ela
faz uso dos dois sistemas, dependendo se a situação requer mais um ou outro
estilo de funcionamento. Pode inclusive utilizar os dois ao mesmo tempo. O
mesmo já foi indicado sobre o funcionamento intuitivo e analítico. Em síntese, é
comum que as pessoas tenham tendências para uma das polaridades, mas que

24
utilizem ambos os sistemas, conforme as necessidades (Iannello; Antonietti;
Betsch, 2011).
Um exemplo da importância desses estilos para a aprendizagem é
mostrado nos estudos em que o aprendizado se dá por meio de hipermídia. Nela,
os dispositivos institucionais mostram-se em vários formatos (ex.: textos, falas,
gráficos, figuras, filmes, entre outros). Além disso, os(as) estudantes podem
acessá-los na ordem que desejar, por exemplo, pulando de um conhecimento
para o outro com base em suas preferências pessoais. Essa flexibilidade é
considerada positiva, pois pode facilitar ambos os estilos cognitivos (Iannello;
Antonietti; Betsch, 2011, p. 173):

Riding e Grimley [...] descobriram que os alunos que possuem um estilo


cognitivo analítico não aprendem tão bem quanto os alunos com um
estilo intuitivo-holístico ao usar uma apresentação multimídia de
informações que fragmentam o texto a ser aprendido em várias
pequenas unidades. Graff [...] observou que os melhores resultados de
aprendizagem não foram obtidos nem por analistas nem por holistas
intuitivos, mas por estudantes que exibiam um estilo intermediário.

Esses e outros estudos sugerem que a intuição é parte de um sistema


mental duplo, ou seja, permite o funcionamento tanto intuitivo quanto analítico
simultaneamente, ou a mudança de um modo para outro, para compensar as
fraquezas de modo menos desenvolvido ou se adequar à necessidade do
contexto.

5.4 Por uma educação ambidestra

Nos moldes clássicos de nossa educação ocidental, poderíamos até


pensar que é intuição não é boa para o ensino. Centrado na atenção e na
consciência, nosso ensino tradicional não apenas ignora os processos intuitivos
como parece combatê-los. Culturalmente a razão, a análise, a consciência têm
mais valor que a intuição, que é não consciência. Isso é válido para o ambiente
escolar/acadêmico e, usualmente, também para o organizacional. Em outras
culturas, essa valorização se dá de forma diversa (Iannello; Antonietti; Betsch,
2011, p. 175):

Por exemplo, em algumas tribos nômades, os pastores percebem que


falta uma cabeça de gado não contando os animais um a um, mas
simplesmente olhando o rebanho. Em contraste, nas escolas ocidentais
somos ensinados a aplicar um procedimento aritmético, em vez de um
rápido ato intuitivo para estimar o tamanho de um grupo de elementos.
Tais diferenças culturais em relação ao uso da intuição podem ser uma
das razões pelas quais os jogos infantis em alguns países visam treinar

25
esse tipo de habilidade intuitiva. Por exemplo, em algumas aldeias
africanas, as crianças recolhem pedras em pequenas pilhas e adivinha
quantas pedras há em cada pilha: a criança que estimou com sucesso o
número de pedras à primeira vista é a vencedora. Da mesma forma, na
Europa durante o período renascentista, a capacidade de avaliar a
quantidade e / ou tamanho dos produtos a serem comprados foi muito
apreciada, uma vez que os comerciantes nem sempre eram capazes de
contá-los e medi-los; consequentemente, os aprendizes foram
incentivados a confiar em intuições desse tipo. Esses exemplos
etnográficos e históricos sugerem que a intuição pode desempenhar um
papel no ensino.

Comentamos que os processos intuitivos podem ser funcionalmente


relevantes ao aprendizado porque apresentam um quadro preliminar, holístico,
familiar e autoconfiante daquilo que será aprendido, facilitando os processos
analíticos posteriores. Também vão sucedê-los, visto que depois que algo foi
aprendido tende a se tornar automático, permitindo um procedimento mais rápido,
direto e eficaz. A matemática é um exemplo simples dessa lógica. Após a
compreensão, determinados cálculos são feitos de forma automática e a estrutura
que foi criada para que pudessem ser compreendidos de forma linear é retirada.
Essa é também a diferença entre um enxadrista iniciante e um mestre de xadrez.

Antonietti et al. [...] no campo do ensino de matemática pode ser usado


para exemplificar isso. Os autores descobriram que o estilo de
pensamento intuitivo era predominante tanto no baixo desempenho
como no desempenho elevado, enquanto o estilo analítico caracteriza os
alunos medianos. Parece que a abordagem intuitiva é seguida por
estudantes que não conseguem aplicar os algoritmos sequenciais que
foram ensinados (o que lhes permitiria alcançar resultados aceitáveis de
aprendizado), bem como por estudantes que não precisam seguir
mecanicamente passo a passo, pois eles podem pular algumas
passagens. Para resumir, as estratégias intuitivas são duplas: elas
podem ser implementadas tanto por estudantes qualificados quanto por
fracassados. No entanto, para produzir bons resultados de aprendizado,
eles devem ser integrados a modos de pensar analíticos, como ocorreu
no caso dos estudantes que superaram, mas não dos que fracassaram.
(Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 176)

Os resultados desses e de outros estudos sugere que o ensino não deve


corresponder ao estilo cognitivo predominante do(a) aluno(a). Ou seja, em ensinar
de forma intuitiva e holística aqueles(as) estudantes que têm esse estilo cognitivo
predominante e vice-versa. Pode ser mais útil estimular que “passem de uma
abordagem intuitiva para uma analítica e vice-versa, de acordo com os recursos
da tarefa, demandas, recursos disponíveis, restrições situacionais, resultados
esperados e assim por diante” (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 176).
A flexibilidade cognitiva ou uma mente ambidestra parece obter melhores
resultados tanto na educação, como sugerem os estudos relacionados à

26
matemática, quanto nas organizações, em particular quando nos referimos à
inovação e ao empreendedorismo.

5.5 Por uma educação aberta para o novo?

Nossa educação tem sido inspirada em estudos que se baseiam em


concepções diversas de sobre como nós humanos funcionamos. As contribuições
da neurociência cognitiva fazem surgir novos olhares sobre o funcionamento ou o
processamento mental. Como sabemos, uma nova teoria sobre o processamento
consciente versus não consciente (teoria do novo inconsciente) traz uma
perspectiva bastante diversa sobre a nossa forma normal de funcionar. Esses
estudos revelam os mecanismos inconscientes do processamento complexo de
informação envolvidos no afeto, na motivação, na autorregulação, no controle e
na metacognição. Também na aprendizagem. Não temos tempo nem energia para
funcionar de forma consciente. Para que qualquer organismo complexo possa
trabalhar em tempo real é preciso que tenha uma imensa restrição às informações
que acessa. Por exemplo, em nosso sistema sensorial temos apenas 0,000002%
de consciência das informações que nos chegam a cada segundo (Hassin;
Uleman; Bargh, 2005; Mlodinow, 2014; Callegaro, 2011; Cosenza, 2016). Que
implicações tem esse novo modelo de funcionamento humano?
Como fica nossa visão sobre nós mesmos e sobre os outros (ex.: alunos e
alunas) se funcionarmos, como sugerem os estudos, amplamente de forma não
consciente, mesmo que não consigamos perceber isso?
Quais são as implicações disso para a comunicação (em especial a não
verbal), memória (implícita), atenção (involuntária), aprendizado e tomada de
decisão (TD)?
Devemos focar numa educação que estimule a consciência ou que se
adapte ao fato de que a maior parte do aprendizado é não consciente, tal como a
maior parte da memória, atenção, comunicação, tomada de decisão etc.?
Devemos ser mais tolerantes e flexíveis conosco e com os demais ou, ao
contrário, devemos nos esforçar mais e estimular que os outros também o façam,
para que todos sejamos mais conscientes?
Para finalizar, recordemo-nos de que a intuição, à qual temos nos referido
neste tópico, é aquela mais convencional, baseada no aprendizado, na
experiência e na percepção. Como vimos antes neste texto, há ainda a intuição-
psi, anômala ou não local. Lembrando que a prevalência desse tipo de intuição

27
(experiências anômalas) em amostras brasileiras é muito alta, na ordem de 85%,
qual seria o papel ou a importância desse tipo de intuição no processo de ensino-
aprendizagem? Poderia esse tipo de intuição ser ensinada-aprendida? Poderia
auxiliar na resolução de problemas, na orientação, na tomada de decisão
relacionadas ao contexto escolar/acadêmico?
A produção de conhecimento científico é significativa e crescente nessas
áreas. Diante dela, deveríamos nos abrir para o novo, talvez para uma nova
educação?
Com todas essas dúvidas, que nos reportam à nossa fantástica ignorância,
por um lado, e imensas possibilidades ainda inexploradas por outro, concluímos
nosso texto. Parabéns por chegar até este ponto! Espero que tenha gostado, ou
ao menos se inquietado com a aventura.

28
REFERÊNCIAS

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de Recife, PE, Brasil. Tercer Encuentro Psi, p. 27-33, 1998.

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30
WALLACE, B. A. A revolução da atenção: revelando o poder da mente focada,
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31
AULA 5

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


CONVERSA INICIAL

Olá, bem-vindo(a) a mais uma nova experiência! Nela vamos nos aventurar
na intuição aplicada ao empreendedorismo. Você vai compreender os estilos
intuitivo e reflexivo da mente e descobrir, se ainda não sabe, que o melhor estilo
são os dois juntos, ou seja, uma mente ambidestra. Liderança e
empreendedorismo intuitivos também estão em nossa trilha. E, deixando o melhor
para o final, vamos conhecer um modelo de aplicação da intuição para visionar o
futuro. Onde sua empresa ou empreendimento pretende chegar em cinco, dez
anos? É possível antever e/ou criar uma visão de futuro integrando intuição e
razão? Qual o poder de uma visão, para uma empresa?
Relaxe seu corpo, prepare sua emoção, aguce sua razão e, principalmente,
libere sua intuição...

TEMA 1 – INTUIÇÃO E EMPREENDEDORISMO

1.1 O empreendedor

A expressão empreendedor tem origem na palavra francesa entrepreneur


e acredita-se que tenha sido usada pela primeira vez pelo economista francês
Jean Baptiste Say (1767-1832). Para ele, significava “[...] alguém com a
capacidade de estimar e prever o resultado potencial de uma ideia de negócio,
assumir a empreitada (como aventureiro) e consequentemente – como todos os
aventureiros –, correr riscos” (Sadler-Smith, 2011, p. 239).
Parece não haver consenso científico sobre os conceitos de
empreendedor, empreendedorismo ou, mais recentemente, comportamento
empreendedor. Estudos buscaram distinguir aqueles considerados
empreendedores daqueles não empreendedores considerando características
físicas, psicológicas, fatores demográficos, entre outros. Há também proposições
de caráter funcional, relacionando o empreendedorismo à criação de novas
empresas. Outros ainda, buscaram ampliar o escopo, incluindo características do
comportamento do empreendedor, a questão do reconhecimento das
oportunidades, da escolha do modelo da organização e também a importância
social do comportamento empreendedor, ou seja, a função do empreendedor na
sociedade. Aspectos cognitivos, em maior escala, e também afetivos foram
também estudados em relação ao comportamento do empreendedor, sugerindo

2
que essas duas categorias são indissociáveis e devem ser estudadas em conjunto
para melhor se compreender tal comportamento (Nassif, 2014).

1.2 O empreendedorismo intuitivo

A análise é infalível apenas quando todas as variáveis são conhecidas,


quantificadas com precisão e o cálculo é realizado com perfeição. Como
um participante apontou, se todas as informações fossem perfeitamente
conhecidas, não haveria realmente uma decisão a ser tomada. Na vida
real, isso raramente é o caso. As universidades não preparam as
pessoas para um mundo tão complexo e incerto: “Quando fui para a
universidade, todos os problemas foram apresentados de uma maneira
bem organizada – esse é o problema e é assim que você o resolve.
Minha experiência foi que minha vida sempre foi confusa e os problemas
apresentados a mim e meu trabalho sempre foram confusos” [...]
(Robson, 2015, p. 24, tradução nossa).

O empreendedorismo ocorre no ambiente da vida real (não ideal) e é


marcado por elevada competitividade, incerteza e mudanças muito rápidas; as
decisões são tomadas em condições de informação imperfeita e risco contínuo. A
natureza dos processos empreendedores implica a capacidade das pessoas de
formar impressões e lidar com problemas e oportunidades que não têm soluções
fáceis ou evidentes. Por isso a intuição empreendedora tem uma função
importante (Kickul; Gundry, 2011).
O empreendedorismo pode ser pensado em estágios que incluem a
descoberta de oportunidades, o planejamento para o lançamento do
empreendimento, a obtenção de recursos e a efetivação do que foi planejado. Tais
fases não são lineares nem repetitivas e podem ser percebidas pelos
empreendedores mediante diferentes perspectivas cognitivas (Kickul; Gundry,
2011).

Os empreendedores aspirantes, cujas habilidades intuitivas são fortes,


têm maior probabilidade de descobrir novas oportunidades, observando
informações desconhecidas e muitas vezes desorganizadas e, em
seguida, sintetizando essas informações para ajudar-lhes a tomar
decisões [...]. Esse uso da heurística ajuda os empreendedores a reduzir
a complexidade com que são confrontados e permite que eles façam
conexões e se concentrem no que consideram crítico [...]. Os instintos
[ou intuições] não são infalíveis, no entanto, e existem armadilhas que
os empresários devem evitar, como confundir reações (baseadas na
emoção e irracionalidade) com decisões intuitivas (baseadas no instinto
e na experiência) [...] (Kickul; Gundry, 2011, p. 88-89, tradução nossa).

As habilidades intuitivas podem ser muito eficazes na descoberta de ideias


e oportunidades e também nas fases posteriores, por exemplo quando se busca
inventar a organização ou importar novos produtos, serviços, tecnologias e

3
processos. A intuição empreendedora permite a identificação de oportunidades
viáveis quando outras pessoas nada percebem (Kickul; Gundry, 2011).

A intuição emergiu como um fator crítico de sucesso no


empreendedorismo [...]. Portanto, no contexto empresarial, ela está
intimamente relacionada às competências criativas dos
empreendedores e à sua capacidade de navegar a frente [pelo front
end], [o que é] muitas vezes confuso, da inovação e formação da
organização (Kickul; Gundry, 2011, p. 89).

1.3 Estilo cognitivo intuitivo e empreendedorismo

Empreendedores intuitivos descobrem oportunidades percebendo sinais,


por meio de informações desconhecidas ou desorganizadas, que são
processadas por eles de forma sintética e holística. A intuição é um modo de
pensamento para aqueles que são especialistas em gerar ideias. São pessoas
que não gostam de regras ou rotinas diárias; preferem ambientes flexíveis,
voltados para atividades, em vez de estruturas rígidas. Os estudos de Allinson e
Hayes (1996, 2012); Allinson, Chell e Hayes (2000); e Kickul e Gundry (2011), da
Universidade de Leeds, na Inglaterra, os levaram à criação e validação do índice
de estilo cognitivo (CSI, do inglês cognitive style index) e à descoberta de que as
pessoas empreendedoras tendem a pontuar mais no polo intuitivo do que naquele
analítico, dessa escala.
Na literatura, existem vários instrumentos que buscam avaliar os estilos
cognitivos nas áreas organizacional, educacional e psicológica, como segue
(Verdinelli et al., 2016, p. 4):

[...] Grupo Incorporado de Testes de Figuras (GITF) proposto por Witkin


(1971); o Kirton Inventário de adaptação-inovação (KAI) elaborado por
Kirton (1976), Inventário de Estilo de Pensamento (TSI) proposto por
Sternberg e Wagner (1991), o Índice de Estilo Cognitivo (CSI) de Allinson
e Hayes (1996), Inventário Racional-Experimental (REI) de Epstein et al.
(1996), o Indicador do Tipo de Myers-Briggs (MBTI) proposto por Myers
et al. (2003), Estilo e Perfil de Pensamento não-linear/linear de Vance et
al. (2007) e o Indicador de Estilo Cognitivo (COSI) sugerido por Cools e
van den Broeck (2007).

Entre esses instrumentos, três têm sido frequentemente utilizados nos


estudos de gestão e negócios: MBTI, KAI e CSI.
Cada pessoa tem uma predisposição singular para buscar, processar e
analisar informações. Tal preferência influencia a forma como aprendemos,
resolvemos questões e tomamos decisões. O CSI se baseia numa perspectiva
polar em que os extremos de cognição intuitiva e cognição analítica representam
um contínuo de uma única dimensão. O questionário traça o modelo cognitivo e
4
de aprendizagem voltado principalmente para os ambientes organizacionais. Foi
projetado especialmente para gerentes e grupos de profissionais, mas também
tem sido utilizado com eficácia em estudantes e colaboradores que não ocupam
cargos de gestão. Suas 38 perguntas são respondidas com 3 alternativas
(verdadeiro, incerto e falso) e a pontuação máxima de 76 indica um estilo analítico,
enquanto que a pontuação mínima, próxima de zero, indica seu oposto, o estilo
cognitivo intuitivo. Entre os extremos são possíveis vários graus de um processo
contínuo, conforme mostram as cinco categorias possíveis e seus escores
(Allinson; Hayes, 2012; Kickul; Gundry, 2011):

1. intuitiva: de 0 a 28 pontos;
2. quase intuitiva: de 29 a 38 pontos;
3. adaptativa: de 39 a 45 pontos;
4. quase analítica: de 46 a 52 pontos;
5. analítica: de 53 a 76 pontos.

Estudos utilizando essa escala também evidenciaram que a preferência


cognitiva de intuição se correlaciona de forma positiva com alta eficácia e
intenções empreendedoras. As pessoas com estilo cognitivo intuitivo “[...] estavam
mais confiantes em sua capacidade de identificar e reconhecer novas
oportunidades de empreendedorismo” (Kickul; Gundry, 2011, p. 90, tradução
nossa).
Brigham e Sorenson (citados por Kickul; Gundry, 2011) desenvolveram um
modelo para investigar o estilo cognitivo intuitivo que sugere que esse estilo serve
como atração ou empurrão que influencia as pessoas com esse estilo para que
reconheçam novas oportunidades empreendedoras. No entanto, tais indivíduos
fracassam ou obtêm resultados psicossociais negativos em organizações não
favoráveis ao empreendedorismo. Ou seja: se, por um lado, temos uma
propensão para a inovação, por outro precisamos de um ambiente favorável para
que ela ocorra.

Os fatores de atração incluem a oportunidade de buscar uma ideia ou


oportunidade de mercado ou um incentivo financeiro e de desempenho,
em oposição aos fatores de pressão mais negativos, como baixa
satisfação no trabalho ou demissão. Tanto os fatores de atração quanto
de empurrão, especialmente em combinação, podem ser vistos como
‘forças impulsoras’ [...] que funcionam como um papel fundamental na
decisão de um indivíduo de deixar sua organização existente e embarcar
em sua própria, nova. Assim, a intuição exerce um papel fundamental e
essencial na motivação de indivíduos (em uma perspectiva de puxar e
empurrar) para considerarem uma carreira empreendedora (Kickul;
Gundry, 2011, p. 90, tradução nossa).
5
1.4 Intuição e liderança

É possível haver liderança sem empreendedorismo, mas o contrário é bem


mais difícil, visto que, para empreender, é necessário liderar um empreendimento,
o que é praticamente sinônimo de liderar pessoas. Passemos então a adicionar
alguns elementos relacionados à intuição na liderança, considerando a pesquisa
realizada por Martin Robson (2015), em seus estudos de pós-graduação com 38
líderes australianos de elite, entre eles presidentes, diretores, chief executive
officers (CEOs) e executivos seniores de empresas públicas e privadas. Também
participaram um advogado, dois políticos e um chefe de defesa aposentado. A
maioria dessas pessoas foi selecionada por seus pares e por eles citadas como
verdadeiras líderes.
Entre os resultados dessa pesquisa, verificou-se que os participantes
consideram que o processo intuitivo pode lidar com mais incerteza que o processo
racional. Por essa razão, a intuição é muito importante para o exercício da
liderança, nas organizações. Essa sensação ou sentimento de saber se algo ou
alguém vai funcionar bem permite um certo direcionamento crucial ao processo
de liderança (Robson, 2015).
Esses líderes consideraram a intuição mais voltada a julgamentos de
pessoas e de fatores qualitativos em suas empresas. No entanto, também
indicaram que, quando precisavam fazer avaliações quantitativas, ou seja, de
caráter racional, também utilizavam a intuição, por exemplo refletindo sobre
mudanças futuras de rumo em face da análise de dados numéricos. Em
complemento, relataram ainda que as informações objetivas não podiam ser
totalmente separadas daquelas pessoas que as forneciam, visto que estas
poderiam ter também suas tendências de interpretação, que contagiavam quem
as recebia. Por exemplo, uma pessoa com forte aversão a riscos pode contaminar
aquele que recebe dados a considerá-los com esse viés. A intuição também lhes
servia para detectar a possibilidade de dados ausentes, incorretos ou enviesados
de alguma forma (Robson, 2015).

Como líder, você obtém informações filtradas e isso não é intencional, é


apenas a natureza humana. Todo mundo tem suas próprias perspectivas
e acho que uma das principais coisas na tomada de decisão é avaliar
quais são os principais fatores, intenções e desejos das pessoas que
estão fornecendo essas informações, para que você possa recalibrá-las
adequadamente antes de tomar a decisão. Eu acho que esse é um
passo fundamental [...] (Robson, 2015, p. 25, tradução nossa).

6
Os participantes da pesquisa também consideraram a intuição
indispensável para realizar a interseção entre dados objetivos e subjetivos
(pessoas e informações) (Robson, 2015).
Uma utilidade especial da intuição é fazer julgamentos sobre pessoas,
porque estas são usualmente complexas, incertas e, dessa forma, imprevisíveis,
até enganosas e maquiavélicas. Por isso, os participantes da pesquisa revelaram
depositar uma alta prioridade nesse tipo de julgamento, visto que percebem as
pessoas diretamente relacionadas ao sucesso de todos os aspectos da estratégia
organizacional. A intuição é a única ferramenta para alcançar fatores intangíveis
e qualitativos, em uma tomada de decisão. Talvez seja, ainda, a única defesa
contra pessoas disfuncionais, enganosas, corruptas ou psicopatas
organizacionais (Robson, 2015):

[...] e então eu o conheci e disse aos meus colegas diretores e ao diretor


administrativo que tenho um péssimo senso sobre esse homem. Eu
disse: “ele não pode se relacionar comigo [...] ele me dá a sensação de
ser escorregadio, meloso, tanto faz”. E não sei por que senti isso [...]. Eu
disse [...] “mas esse homem me dá arrepios, esse homem tem problemas
escrito em cima dele”. E, posteriormente, tivemos muitos problemas [...]
(Robson, 2015, p. 27, tradução nossa).

Os participantes do estudo também descrevem a intuição como muito


importante nos processos interpessoais, ou seja, nos relacionamentos humanos,
especialmente aqueles relacionados às organizações. A intuição parece permitir
a percepção de agendas ocultas, incluindo humores, atitudes, desejos,
necessidades, motivações e tensões entre as pessoas, envolvendo, por vezes,
situações afetivo-sexuais. E todas essas situações podem não ser ditas ou
mesmo contradizerem o que é falado, o que está sendo vivido. Nesses casos, a
intuição é sensível a sinais sutis como a linguagem corporal, a entonação de voz
e os gestos, que podem revelar como as pessoas estão de fato se sentindo em
relação aos seus processos pessoais, interpessoais ou mesmo em relação à
organização. A intuição permite ouvir o que não é dito e esses julgamentos
qualitativos podem ser cruciais para os líderes. Interessante notar que esses(as)
líderes não entendiam a intuição como infalível. Ela é falível, porém confiável,
principalmente nas áreas em que eles ou elas têm experiência (Robson, 2015).

Alguns disseram que a fé em sua própria intuição havia crescido com o


uso e posterior reflexão: vendo os resultados. Assim, os participantes
indicaram um uso reflexivo da intuição que contribuiu para o seu
desenvolvimento como líderes, ao longo dos anos: “Para mim, ouvir a
voz, mas ter a experiência para validá-la, há uma razão para confiar nela

7
[…] minha experiência como líder, na verdade, se aprofundou – evoluiu”
(Robson, 2015, p. 28, tradução nossa).

Outra temática muito considerada em relação à intuição é quando esta


indica algum sinal de alerta sobre alguma coisa que não está correta ou que não
é como parece ser. Nesses casos, os participantes indicaram que buscam
informações adicionais para verificar e talvez confirmar seus sentimentos
intuitivos (Robson, 2015).

“Se minha intuição me dissesse que algo não iria funcionar da maneira
que as pessoas me apresentavam com base em evidências, eu não
ignoraria totalmente minha intuição. Eu não lançaria completamente um
plano de ação que negasse minha intuição. Eu provavelmente daria
algumas concessões e daria passos menores” [...]. Assim, em vez de
usar a intuição como um substituto da análise, os participantes usariam
a intuição de mãos dadas com a análise (Robson, 2015, p. 28, tradução
nossa).

Como pôde ser visto nesse último relato e também já deve ter ficado
evidente, pelos conteúdos anteriores, o uso da intuição não exclui o uso da razão
ou da análise. Ambas – intuição e razão – são falíveis e, portanto, podem
auxiliar mutuamente numa tomada de decisão. Vários participantes indicam que
verificam suas impressões intuitivas por meio de pesquisas e análises detalhadas,
quando isso é possível, o que está relacionado à natureza do problema, a se ele
é de ordem mais qualitativa ou quantitativa e ao seu contexto.

“Eu nunca diria que iria apenas com intuição. [...] Eu sempre tentava
entender cognitiva ou intelectualmente, usando as evidências
disponíveis, e tentava vincular isso ao que minha intuição está me
dizendo”. Consequentemente, quase todas as tomadas de decisão
foram percebidas como várias misturas de análises e intuição (Robson,
2015, p. 28-29, tradução nossa).

A Figura 1 indica uma matriz condicional elaborada com base nos dados
da pesquisa (Robson, 2015). Ela descreve as condições que suprem os cenários
de tomada de decisão que influenciam o modo cognitivo, se mais intuitivo ou
analítico. A tomada de decisão pode ser feita mais de um modo que de outro, com
mais intuição ou mais análise, mas praticamente nunca esses processos se
excluem um do outro.

É provável que as decisões qualitativas invoquem a intuição nos casos


em que há alto precedente e, portanto, um alto nível de experiência,
baixa informação “dura” [detalhada, precisa], alta urgência, alta
complexidade e ambiguidade e baixa gravidade percebida, enquanto o
inverso normalmente seria verdadeiro para análise. Os participantes
tiveram intuições sobre suas análises; por outro lado, eles também
analisaram suas intuições. Os participantes procuraram alinhar suas
intuições e análises. Assim, a maioria das tomadas de decisão era vista
como uma mistura de intuição e análises, na medida em que a diferença
8
entre elas se tornava indistinta: uma “quase racionalidade” [...]. “Acho
que agora, depois de todos esses anos, não há margem definida. Para
mim, é um processo borrado” (Robson, 2015, p. 29, tradução nossa).

A mensagem retirada desse estudo é que tanto a análise como a intuição


são cruciais para a tomada de decisão e o exercício da liderança. No entanto, ele
também evidencia que a intuição é mais frequente, ainda que não explicitamente
assumida, graças às culturas organizacionais que a desvalorizam, dando mais
importância aos métodos analíticos (Robson, 2015).

Figura 1 – Matrix condicional de tomada de decisão intuitiva/analítica

Nível de Gravidade Informação Urgência


Intuição
experiência percebida adequada
Qualitativa

Combinação
Natureza Contexto da
análise/
da decisão decisão
intuição

Quantitativa

Análise Precedente Pessoal ou Ambiguidade Complexidade


negocial

Chave: Condição Condição Consequência


da decisão contextual

Fonte: Adaptado de Robson, 2015, p. 29.

Se ambos os modos – intuitivo e analítico – parecem ser complementares


e cruciais para o empreendedorismo e o exercício da liderança, mas há tendências
tanto individuais como contextuais em seus usos, seria possível desenvolver
ambos e usá-los de forma mais apropriada, conforme demande cada situação?

TEMA 2 – A MENTE AMBIDESTRA

2.1 Introdução ao modo ambidestro

É possível que a maior parte das pessoas confie mais em um estilo


cognitivo, aquele de sua preferência, seja ele intuitivo, seja analítico. No entanto,
na liderança, na administração e no empreendedorismo os dois estilos são

9
necessários. Então, podemos pensar se existem caminhos para alcançar uma
mente ambidestra e também se seria benéfico aprender a trabalhar com pessoas
com modo diferente de pensar do nosso (Sadler-Smith, 2008, 2010, 2011).
Importante notar que existem quatro aspectos que influenciam a nossa
tendência e, por conseguinte, a nossa confiança na intuição ou no processo mais
analítico:

1. nossa personalidade, com base na qual podemos preferir a estabilidade,


a rotina e o detalhismo ou, de forma complementar, quadros mais amplos,
experiências abertas, novas e, naturalmente, mais arriscadas;
2. nosso ambiente familiar e, especialmente, alguma pessoa que nos é
muito importante e que tem um estilo cognitivo muito forte, intuitivo ou
racional;
3. a educação e a capacitação que tivemos, pela qual podemos ter sido
treinados a sermos mais analíticos e objetivos, por exemplo se nos
desenvolvemos na engenharia, na matemática ou mesmo em diferentes
áreas de pesquisa científica; ou, de forma complementar, podemos ter sido
treinados a sermos mais subjetivos, intuitivos, a explorarmos mais a
liberdade, em áreas como as de arte, psicologia, sociologia;
4. nossa ocupação profissional, se os diretores, clientes ou acionistas que
dirigem a organização valorizam e até estimulam que a gestão seja mais
intuitiva, criativa, inovadora ou o contrário, que seja mais conservadora,
menos arriscada e, por conseguinte, mais racional e lógica (Sadler-Smith,
2008, 2010, 2011).

Outro aspecto bastante importante, que diz respeito ao aprendizado e sua


avaliação é que indivíduos com preferências por um dado estilo (intuitivo ou
analítico) vão aprender mais facilmente e mostrar melhor rendimento naquela área
de sua propensão; em contrapartida poderão ter mais dificuldade na sua área
menos desenvolvida, na qual poderão ter fracassos e ser avaliados de forma
ríspida ou severa. Perceber, respeitar e valorizar a propensão do(a) estudante ou
colaborador(a) favorece que não cometamos erros em julgamentos e também que
possamos estimular de forma respeitosa a contraparte menos evoluída da pessoa
(Sadler-Smith, 2008, 2010, 2011).
Tomar decisões e resolver problemas no mundo real implica conseguir
avaliar a situação, requer mais análise ou intuição, por isso estimular ambos os
processos são importantes e oportunos, quando feito de forma apropriada e
10
habilidosa. Por exemplo, se você estiver preparando a sua declaração do Imposto
de Renda, qual o estilo que lhe parece mais apropriado? Ao se encontrar com
uma pessoa pela primeira vez ou se for necessário que você tome uma decisão
profissional de maneira rápida, que estilo você utilizaria (Sadler-Smith, 2008,
2010, 2011)?
Considerar o estilo cognitivo pode ser muito útil e até mesmo crucial para:

a. recrutar, selecionar novos funcionários, buscando pessoas com estilos


apropriados à função que elas irão exercer;
b. definir o estilo adequado às diferentes tarefas, em que a concepção de
novos produtos precisa ser feita principalmente por pessoas intuitivas; mas,
são as pessoas de mente analítica aquelas mais indicadas para o seu
desenvolvimento;
c. desenvolver e orientar carreiras de funcionários, de modo que sejam
coerentes com seus estilos, “[...] por exemplo, a capacidade de fazer
avaliações intuitivas é necessária para os executivos, portanto, o
desenvolvimento da intuição é indispensável para aspirantes essa posição”
(Sadler-Smith, 2008, 2010, 2011, p. 46);
d. treinar e apoiar colaboradores(as) para que desenvolvam sua
contraparte menos preferida;
e. estimular que funcionários com preferências diversas ou semelhantes
possam trabalhar em conjunto, como uma equipe, aprendendo a
aproveitarem as diferenças de uma forma funcional e criativa.

O tenista espanhol Rafael Nadal, vencedor do torneio Wimbledon de


2008, é naturalmente destro, seu treinador o ensinou a jogar com o braço
esquerdo por considerar que isso lhe traria vantagens sobre os demais
tenistas, que, quase sempre, também são destros. Apesar de ser muito
desconfortável no início, existem potenciais compensações pela
alternância entre diferentes modos quando as circunstâncias exigem, e
com a prática e treinamento é possível tornar-se cognitivamente mais
versátil (Sadler-Smith, 2011, p. 47-48).

Gestores e gestoras precisam fazer uso de ferramentas analíticas para lidar


com problemas quantitativos e objetivos; por outro lado, nas situações incertas e
não quantificáveis, que requerem avaliações subjetivas, as habilidades intuitivas
precisam estar presentes (Sadler-Smith, 2008, 2010, 2011).

1. Gestores com mente analítica - planejadores por natureza - costumam


ser muito bons na realização de tarefas e na implantação de ideias,
porém, tem as ideias para serem implementadas, suas mentes analíticas
não teriam muita aplicação prática.

11
2. Gestores com mente intuitiva - inovadores por natureza - costumam
ser muito bons em ter ideias, mas sem ajuda de alguém que possa
planejá-las e implementá-las, suas mentes intuitivas não teriam grande
uso prático (Sadler-Smith, 2011, p. 48).

Ou seja:

Para que o negócio seja eficiente, é vital que ele, seus líderes e gestores
mesclem “clareza lógica e poderosa intuição”. Empresários e executivos
precisam conseguir inovar, criar estratégias e liderar, assim como
comunicar e enfatizar tudo isso junto às suas equipes; e, para ser
eficiente na imensa variedade de problemas enfrentados e decisões
tomadas no atual mundo dos negócios, é necessário ser cognitivamente
ambidestro (Sadler-Smith, 2011, p. 48).

Se, por um lado, podemos passar uma vida inteira sem nos incomodarmos
com a mão que mais utilizamos, se a direita ou a esquerda, o mesmo não é válido
para o mundo dos negócios, no qual não teremos sucesso se não desenvolvermos
ambos os lados de nossa mente (intuitivo e analítico). Isso ocorre porque “[...]
tanto na vida pessoal quanto profissional, e seguramente no mundo dos negócios
e da administração, é muito difícil alcançar o sucesso operando com a mente em
apenas um módulo” (Sadler-Smith, 2011, p. 48).

2.2 Modo analítico

Dois marcos do nascimento do gestor analítico devem ser considerados:


Frederick W. Taylor (1856-1915) e Henry Ford (1863-1947). O avanço dessa
abordagem se deu nos anos 1950 e 1960, quando o desenvolvimento dos
computadores permitiu a econometria e as pesquisas operacionais que serviram
de base para análises quantitativas, que passaram a ser aplicadas na
administração de negócios. Esta se aproximou de se tornar uma ciência precisa,
naquele momento. A eficácia desse método é indubitável quando:

1. Todos os atributos podem ser identificados de maneira rápida, fácil e


inequívoca;
2. Atribuição dos pesos é objetiva [por exemplo, quando se criam
colunas de vantagens e desvantagens sobre uma determinada
decisão e se atribui peso a cada uma delas]
3. É possível obter um acordo se mais ou uma pessoa estiver envolvida
no processo;
4. Os cálculos puderem ser feitos de modo automático (por exemplo,
com o uso de algoritmo ou computador), evitando o cansaço e a
possibilidade de erro humano (Sadler-Smith, 2011, p. 53-54).

Essa situação não é muito comum e o modelo racional que usualmente


fornece uma resposta definitiva e clara pode ser insuficiente quando o processo
de escolha envolve a construção de um modelo que será avaliado, visto que a

12
própria construção será feita sobre uma base de subjetividade. Também não é
interessante quando a listagem de prós e contras de uma determinada situação
pode se dar de forma indefinida. É igualmente inválido que os pesos dados a um
dos atributos não possam ser mensurados de forma objetiva, se aproximando
mais de uma opinião. Por fim, se esses pesos variarem de acordo com o estado
de espírito de quem os está avaliando ou ainda por força de novas informações
que podem emergir, o processo racional também não é o mais indicado, de forma
isolada.
Como processos mais racionais estão, a princípio, conectados àqueles de
caráter mais afetivo, uma boa prática para descobrir qual a propensão emocional
por detrás de uma determinada avaliação racional (quando isso não é evidente)
é, segundo Eugene Sadler-Smith (2009, 2011), o lançamento de uma moeda,
sendo que a cara e a coroa representarão escolhas para a situação em foco. Após
lançar a moeda e um dos resultados for identificado, o autor sugere que
observemos nosso corpo, ou melhor, nossa reação corporal diante do resultado.
Sentimo-nos aliviados ou desconfortáveis com o que se apresenta? Essa reação
instantânea surge sem nenhum controle e pode ser percebida, indicando qual
nossa preferência emocional diante de uma determinada a escolha, ou seja, o que
estamos querendo e do que estamos fugindo.
Perceber essa preferência pode ser muito útil para se evitar vieses não
conscientes na avaliação racional dos fatos. Em complemento, se estabelece uma
linha direta com nossos próprios sentimentos e também com a mente intuitiva.

A subjetividade e os sentimentos estão presentes em tudo, até mesmo


na mais elegante das escolhas que fazemos, o que quer dizer que,
gostemos ou não, há uma dimensão intuitiva no pensamento humano e
em sua maneira de tomar decisões. Como já foi mencionado várias
vezes, desenvolver a “inteligência intuitiva” não quer dizer ignorar as
escolhas racionais, mas sim aprender a balancear intuição e análise.
Porém, como quase todas as pessoas têm preferências por um modo de
raciocinar – intuitivo ou analítico –, tornar-se intuitivamente inteligente
representa, quase sempre, deixar sua zona de conforto cognitivo e
explorar o mundo desconhecido de sua mente humana (Sadler-Smith,
2011, p. 55).

As questões-chave do gestor analítico incluem:

a. ser deliberativo e fazer as coisas passo a passo;


b. buscar ser imparcial, buscando se manter frio, calmo e racional – mostrar
sentimentos não é interessante ou importante;
c. procurar ser detalhista, procurando as particularidades das coisas – “[...]
concentrar-se na árvore, em vez da floresta” (Sadler-Smith, 2011, p. 55).
13
2.3 Modo intuitivo

O ápice da gestão analítica ocorreu na metade do século 20. No entanto,


sempre houve perspectivas divergentes. Em 1938, Chester Barnard, executivo da
AT&T e autor de um best-seller sobre administração – As funções do executivo –
reconhece que, em paralelo ao processo mental lógico, ocorre um flash de
experiência, uma sensação da medula ou ainda um processo, também mental e
lógico, que protege o indivíduo da frieza da mente analítica, referindo-se
obviamente ao processo intuitivo.
Dez anos mais tarde, Herbert Simon (1916-2001), o economista norte-
americano que ganhou o prêmio Nobel, propôs, em seu livro Administrative
Behavior (Comportamento administrativo), que a razão era limitada. Para ele, os
gestores buscam mais satisfação do que maximização. Logo que encontram uma
solução que os satisfaça, param de procurar outras. Propôs, ainda, que os
gestores tanto planejam e analisam como fazem avaliações intuitivas rápidas, as
quais foram desenvolvidas depois de muitos anos de treinamento e experiência.
Mas, foi na década de 1980 que a intuição começou a ser seriamente
considerada tanto por pesquisadores como por gestores. Isso ocorreu em função
de uma pesquisa que levantou a opinião de dezenas de executivos norte-
americanos de alto escalão, descobrindo que eles usam a intuição para tomar
decisões importantes, mas também que não se baseiam exclusivamente ou na
análise ou na intuição.
Na década seguinte, um levantamento internacional, que considerou mais
de mil executivos, evidenciou que a intuição é considerada muito importante pelos
gestores de estratégia corporativa, recursos humanos e marketing.
Mas, foi em 2006 que a intuição ganhou sua popularidade mundial, por
meio do livro Blink: a decisão num piscar de olhos, o qual trazia a síntese de
pequenos artigos publicados na revista New Yorker, realizados por Malcom
Gladwell. Com esse movimento crescente, “[...] no começo do século XXI, hoje
estou intuitivo finalmente emergiu do armário onde estava escondido (ou mantido
encoberto) para revelar-se” (Sadler-Smith, 2011, p. 58).
Entre as principais características de um indivíduo intuitivo, encontram-se:

a. espontaneidade: ou a confiança necessária para apostar em seus


palpites, usualmente baseados na especialização e na experiência;

14
b. holismo: ou a capacidade de perceber a situação na sua totalidade, sem
ficar preso às análises;
c. afetividade: ele reconhece e presta atenção nos sentimentos como
informações sutis que são tão importantes quanto aquelas obtidas pelos
fatores objetivos;
d. conhecimento de que é falível: gestores e gestoras intuitivos(as) sabem
que a intuição não acerta sempre; mesmo assim, com ela eles(as) obtêm
mais acertos do que erros;
e. capacidade de se manter informado: com anos de experiência, feedback
e aprendizado, gestores e gestoras intuitivos(as) sabem instintivamente o
que fazer, mesmo sem poder explicar de forma exata as razões desse
saber (Sadler-Smith, 2009, 2011).

Não coincidentemente, essas características são inestimáveis ao


empreendedorismo, aos recursos humanos, às áreas de estratégia e de liderança,
entre outras. Mas, como comentado antes, a mente intuitiva não é suficiente para
se ter eficácia no complexo e dinâmico mundo organizacional e, se você é uma
pessoa que tem propensão mental intuitiva, precisará também sair da segurança
de seu território usual e avançar no território da mente analítica, o que
possivelmente lhe causará desconforto e insegurança, mas, em compensação,
lhe abrirá portas para novas e estimulantes possibilidades, tanto pessoais como
profissionais. Interessante notar que, mesmo para as pessoas altamente
intuitivas, desenvolver a intuição continuará sendo um projeto de vida, visto que o
conhecimento intuitivo “É uma jornada e não um destino” (Sadler-Smith, 2009, p.
61).
Um estudo conduzido nas últimas duas décadas mapeou situações nas
quais gestores e gestoras tendem a utilizar sua intuição:

1. alto grau de incerteza: não é possível saber o que exatamente está


acontecendo e não há informações a respeito, ou não há tempo para
se obter mais informações;
2. poucos precedentes: em águas desconhecidas, nas quais pouco ou
ninguém navegou anteriormente, e não existem mapas disponíveis,
a intuição pode ser a única fonte de informação possível;
3. variáveis imprevisíveis: ninguém sabe como a situação vai evoluir, as
projeções do computador não ajudam e tudo o que o gestor pode
fazer é ir em frente, baseando-se em suas experiências e palpites;
4. necessidade de escolha entre diversas soluções: [se é] preciso avaliar
diversas soluções diferentes, escolha uma delas e tomar uma
decisão (ao contrário do que ocorre quando as opções são similares
e as escolhas não trazem grandes consequências, mas paralisam
muitos gestores);

15
5. prazo limitado para tomar uma decisão: diante de uma possibilidade,
é necessário decidir rápido; do contrário, um concorrente poderá
obter vantagem agindo antes que você (Sadler-Smith, 2011, p. 51).

Após observarmos características de ambos os modelos mentais (analítico


e intuitivo), passemos a pensar em ambos, juntos.

2.4 Modo ambidestro e quando usar intuição ou análise

Estar ciente de qual é nossa propensão mental importa tanto a nível


profissional como pessoal, porque podemos compreender nosso aspecto mais
forte e aquele mais frágil. Isso também é importante para que possamos perceber
que certas circunstâncias podem demandar mais um ou o outro tipo mental.
Fatores como personalidade, história e educação influem a forma de
pensar do(a) executivo(a), assim como o nível de sua função e o seu grau de
experiência:

Os dados mostram que os altos executivos experientes são


definitivamente mais inclinados a obedecer seus palpites do que
gestores em posição inferior na hierarquia. Os gestores de nível
intermediário, por sua vez, são mais intuitivos que os que estão
começando na carreira. O fato de os mais experientes serem mais
intuitivos pode estar relacionado a vários motivos:
1. ser mais intuitivo confere ao indivíduo o que lhe falta para ser bem-
sucedido e alcançar promoções;
2. estar em um cargo mais alto exige que a pessoa seja mais intuitiva;
3. estar em uma posição de poder permite ao executivo lidar com a sua
intuição (às vezes até de maneira despreocupada) e ser visto como
alguém que “administra com intuição” (Sadler-Smith, 2011, p. 61).

É possível que esses três fatores contribuam para que os gestores


experientes sejam mais intuitivos. Em complemento, aqueles(as) que não são tão
intuitivos(as) precisarão desenvolver essa mentalidade ou habilidade para
ascenderem, na organização.
Nos escalões mais altos das organizações, as decisões e os problemas
enfrentados pelos executivos e empresários são mais complexos, amplos e
determinantes para o futuro. Para lidar com esses tipos de decisão, os altos
executivos e líderes precisam ser mentalmente intuitivos. Observe o que afirmou
no Harvard Business Review um importante executivo de uma indústria
farmacêutica situada entre as maiores do mundo:

Frequentemente as pessoas têm um desempenho brilhante nos níveis


intermediários de gerência onde há um volume grande de decisões a
serem tomadas. Então, elas ascendem a cargos mais altos, em que os
problemas se tornam mais complexos e ambíguos, e descobrimos que a
sua capacidade de avaliação, ou intuição, não é como deveria ser. E,

16
quando isso acontece, temos nas mãos um grande problema (Sadler-
Smith, 2011, p. 63).

Mas, se ser intuitivo(a) é necessário para se exercer altos cargos


gerenciais, ser apenas intuitivo(a) não é suficiente. Certas tarefas são mais bem
realizadas por pessoas com a mente analítica, como quando é necessário lidar
com um grande volume de dados concretos. Outras atividades necessitam mais
de mentes intuitivas, como aquelas em que é necessário lidar com pessoas. Por
essa razão, gestores e gestoras, empresários e empresárias precisam adequar
seu modo de pensar às diversas situações com que se deparam.

Tarefas que requerem mente analítica tendem a ser bem estruturadas,


objetivas, quantitativas e envolver cálculos complexos (muitas vezes
mais bem executados por máquinas do que por pessoas, especialmente
nos casos em que a fadiga ou o erro humano podem retardá-las, como
na garagem manual resmas de dados financeiros). Essas são tarefas
sistemáticas e perfeitamente “computadorizáveis”. No outro extremo,
estão desde os trabalhos que exigem escolhas morais e éticas até as
decisões sobre investimentos em negócios de risco. Estas exigem uma
avaliação intuitiva, baseada em estudo, experiência e instinto. São
tarefas “de julgamento” e possuem uma ou mais características
específicas (Sadler-Smith, 2011, p. 63).

Groves et al. (citados por Sadler-Smith, 2011) realizaram um estudo no


qual compararam o modo de pensar de empreendedores experientes com outros
dois grupos bem diversos: de contadores e de atores. O que encontraram é que
o perfil dos empreendedores é mais equilibrado do que aquele dos outros dois
grupos, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1 – Comparação de perfis: contadores, atores e empreendedores

linear/analítico criativo/intuitivo diferença

Contadores 82 54 -28

Atores 51 80 +29

Empreendedores 72 67 -5

Fonte: Sadler-Smith, 2011, p. 6.

Divergindo do senso comum de que o empreendedor ou a empreendedora


se ocupa principalmente com a criatividade, com as novidades, esse estudo
mostrou que esse tipo de pessoa confia tanto na sua mente intuitiva como na sua
mente analítica, com intensidade praticamente igual.
Daí a necessidade de se adaptar o modo de pensamento ao tipo de tarefa
ou atividade. Para tanto, é necessário praticar aquele modo que não é o nosso

17
preferido. Com exercício sistemático e avaliação dos resultados, é possível que
nos tornemos ambidestros cognitivos.

Vale sempre ressaltar: saber quando alternar o modo de operação, estar


apto a alternar entre a mente analítica e a intuitiva é um dos atributos
fundamentais da inteligência intuitiva. Existem pouquíssimos trabalhos
que envolvam exclusivamente dados objetivos ou exclusivamente
fatores humanos, ou que possam ser realizados com sucesso usando
unicamente a mente intuitiva ou analítica – na maioria dos trabalhos, é
essencial que ambas estejam combinadas (Sadler-Smith, 2011, p. 66).

TEMA 3 – O EMPREENDEDOR INTUITIVO

3.1 A mentalidade empreendedora

O que pode parecer caos, contradições e confusões é matéria-prima para


empreendedores farejarem oportunidades, em particular nos períodos de
mudança, quando mais prosperam (Sadler-Smith, 2009, 2011). Ousadia,
proatividade, inovação e até uma certa teimosia na busca de oportunidades: essas
podem ser as características de empreendedores e empreendedoras.
Insatisfeitos com o presente, são quase sempre muito ligados(as) ao futuro, ao
que está por vir.
Vinod Khosla é cofundador da Sun Microsystem. Esse indo-americano
representa a criatividade, a inovação e o empreendedorismo tecnológico
característicos do Vale do Silício, na Califórnia. Com formação em engenharia,
sabe do valor e muito utiliza a mentalidade analítica, tecnológica. Mas, também
conhece as desvantagens dessa forma de pensar, indicando que “[...] uma
mentalidade muito mecânica pode ferir” (Khosla, citado por Sadler-Smith, 2011, p.
240). Antes, empreendedores(as) precisavam planejar os negócios para, no
mínimo, dois anos e garantir segurança em relação a sua execução. Hoje, a
necessidade é de adaptação, não de planejamento. Acredita ele:

Que o melhor que se pode fazer é ter uma noção de direção a ser
seguida – uma intuição [de] onde estão as grandes oportunidades. Em
segundo lugar, desde o início, é preciso criar um “conflito controlado” de
modo a garantir que a intuição também faça parte do mix que compõe o
mecanismo do DNA do negócio. Mas não precisa ser uma intuição
compartilhada por todos – uma mentalidade crítica, que administra o
conflito entre o criativo e o construtivo é essencial na concepção de um
novo negócio (Sadler-Smith, 2011, p. 241).

18
3.2 Planejar ou simplesmente fazer?

Uma controvérsia muito válida no campo do empreendedorismo é a


questão do planejamento ou da ação exploratória imediata. Planejar consome
tempo precioso, que pode ser usado na ação. O meio no qual o
empreendedorismo ocorre é caracterizado por uma dinâmica que faz com que o
planejamento perca sua validade em pouco tempo e, para complementar, a
intuição parece se constituir numa forma de planejamento. Em contrapartida, para
que não se perca tempo e dinheiro com erros concretos, suposições podem ser
pensadas e testadas previamente. O planejamento também permite que
processos sejam mais bem geridos, como na escassez de recursos e nos gargalos
operacionais (Sadler-Smith, 2009, 2011). Talvez um meio-termo seja possível:

Não se engane: o planejamento formal é inestimável para um negócio,


especialmente quando sua implementação exige capital de risco ou
algum “anjo” investidor. O planejamento deve ser feito de maneira
habilidosa, deixando espaço para outras possibilidades complementares
na condução do empreendimento. Planeje, mas não se sinta obrigado a
obedecer cegamente ao planejado; tenha a presença de espírito de fazer
adaptações quando necessário (Sadler-Smith, 2011, p. 244).

Constitui um mito pensar que intuição e planejamento se excluem


mutuamente. Possivelmente isso seja defendido por aqueles fervorosamente
favoráveis ou à intuição ou à análise. Mas, os fatos mostram, por exemplo, que:

É perfeitamente possível planejar a execução de uma ideia intuitiva.


Aliás, isso é o que muitas grandes e modernas empresas fazem em seu
dia a dia, em uma atividade normal da gestão de projetos inovadores.
Essa opinião tem o apoio de Akio Morita, da Sony, o fundador de uma
companhia conhecida por sua agilidade em disponibilizar produtos
inventivos no mercado. Ele disse: “a intuição espontânea é parte vital do
mix criativo da inovação e do desenvolvimento de novos produtos”
(Sadler-Smith, 2011, p. 244).

Pouca dúvida existe sobre que a percepção e a avaliação intuitivas são


características determinantes de vários empreendedores corporativos.

TEMA 4 – PRONTIDÃO, EXPERTISE E CRIATIVIDADE

Explorarei os aspectos intuitivos da mente empreendedora e como a


intuição permite aos empreendedores reconhecer e julgar a viabilidade
de oportunidades de negócios que outras pessoas podem ignorar. Além
da prontidão, os empreendedores intuitivos também têm o conhecimento
profundo que lhes permite entender as oportunidades e o estilo de
pensamento criativo para estabelecer novas conexões. Os três
elementos que se reforçam mutuamente do DNA empreendedor são
prontidão, expertise [experiência e conhecimento] e criatividade
(Sadler-Smith, 2011, p. 239, grifos do original).

19
4.1 Prontidão

Prontidão pode ser concebida como “[...] uma atitude de receptividade


para avaliação de oportunidades (desapercebidas, até o momento)” (Sadler-
Smith, 2011, p. 245), não de conhecimento, ao menos consciente, do que se está
buscando. Tampouco se usam técnicas estruturadas para tanto. A ideia básica é
manter o radar ligado no amplo horizonte, esperando alguma coisa nova, uma
surpresa. Não há uma busca deliberada, apenas uma abertura, uma atenção.

Coco Chanel, que produziu a fragrância de maior sucesso no mundo dos


cosméticos, o Chanel no. 5, não se considerava uma mulher de negócios
no sentido de alguém que entende os aspectos técnicos e numéricos da
função. Em compensação, tinha sensibilidade tanto para fazer dinheiro
como para interpretar os desejos femininos, como contou em uma
entrevista à revista Vogue: “moda não é uma questão de roupas. A moda
está no ar, é levada pelo vento. Intuímos sobre ela. Está no céu e nas
ruas” (Sadler-Smith, 2011, p. 245-246).

Óbvio que empreendedores(as) de grande intuição, como Coco Chanel,


têm grande experiência, aprendizado e habilidades; eles “[...] não inovam no
vazio” (Sadler-Smith, 2011, p. 245).
A prontidão percebe padrões relativamente ocultos à maioria das pessoas
e ainda estabelece conexões inéditas. Tal habilidade, se por um lado parece não
estar à disposição de qualquer pessoa, por outro acaba sendo produto da
experiência prática e de aprendizados com os resultados obtidos.

Enxergar padrões que outros não percebem é como qualquer outro tipo
de especialização, e leva-se anos para desenvolver. Por exemplo, o
sucesso de Bill Gates pode ser atribuído a vários fatores, incluindo o seu
passado, sua personalidade, as circunstâncias em que vivia e as
motivações. Creditar o sucesso dele, ou de qualquer outro grande
empreendedor, a apenas um motivo (como a intuição) seria uma
simplificação grosseira (Sadler-Smith, 2011, p. 246).

Por outro lado, se naturalmente não podemos atribuir à intuição todo o


crédito, ela parece estar presente em muitas realizações. Em uma entrevista à
CNN, perguntaram a Gates no que confiava para avaliar suas ideias. A resposta
rápida que ele deu foi: “intuição”. “‘Se eu acho que uma coisa vai funcionar, confio
na minha intuição’”. Gates sabe bem que palpites podem falhar, e reconhece: ‘erro
várias vezes, mas o meu ritmo é bom o suficiente para que me mantenha alerta
sempre que uma nova oportunidade surge’” (Sadler-Smith, 2011, p. 247).

20
4.2 Criatividade e expertise

Contar com experiência e conhecimento para perceber e avaliar


oportunidades e, ainda, se adaptar às mudanças e desafios (ter prontidão) é
crucial no empreendedorismo, mas não suficiente. Outro elemento crucial é a
criatividade, que pode surgir de diferentes formas, como ao acaso, em sonhos e
em brainstorms (Sadler-Smith, 2009, 2011).

Independente do caminho tomado, empreendedores criativos


conseguem conectar pontos que estavam desconectados, e criar laços
que, após estabelecidos, parecem óbvios, mas que, no momento de sua
concepção, exigiram imensas doses de imaginação. [...] fazer novas
conexões é algo fácil e natural para algumas pessoas (os chamados
“pensadores divergentes”). Elas são capazes de formar livres
associações, muitas das quais se mostram redundantes. Contudo, é
mais provável que uma nova ideia apareça na mente fértil de alguém que
produza grande volume de combinações do que na cabeça de um
indivíduo que insiste em fazer sempre associações convencionais
(Sadler-Smith, 2011, p. 247-248).

Esses pensadoras e pensadoras divergentes são extremamente


criativos(as); enxergam o novo no que é familiar. Gostam do
desconhecido. Pessoas curiosas “por natureza”, abertas e desejosas de novas
experiências, conseguem encontrá-las e/ou criá-las e ainda costumam desfrutar
de grande sensibilidade. Novamente, não o fazem sem uma base, sem matéria-
prima. Um exemplo é Charles Darwin, cujas conexões criativas produziram uma
das teorias científicas mais impactantes já vistas. Mas, para conseguir chegar a
essas conexões e a uma ideia original, dedicou décadas ao estudo e observação
do mundo natural. Ou seja, a área em que intuiu era também a de sua expertise
(Sadler-Smith, 2009, 2011).
Aliás, processos intuitivos podem contribuir para processos criativos:

Qual é o papel da intuição no processo criativo? Afinal, quando uma


solução clara para um problema repentinamente emerge, ela já não é
uma impressão ou um palpite; não há nada de vago ou indefinido, já que
a solução (ou insight) é nítida e fácil de ser compreendida. A intuição
pode não ser uma solução, mas pode indicar uma direção (Sadler-Smith,
2011, p. 250).

Direção essa que pode contribuir com diferentes áreas. Como indicado, a
ciência é uma delas. William Shockley ganhou o Prêmio Nobel em Física em 1956,
por inventar o transmissor. Ele foi descrito por um colega como uma pessoa
extremamente intuitiva, como se pudesse enxergar os elétrons ou ter a
capacidade de sentir o que acontecia dentro do silício. Outra sumidade científica,
Albert Einstein, declarou que a única coisa que realmente tem valor é a intuição,
21
se referindo às descobertas científicas. Se é válido para a ciência, também o é
para a administração de negócios e para o empreendedorismo. A visão periférica
da intuição permite que empreendedores e empreendedoras sintam as tendências
antes que elas se tornem em foco (Sadler-Smith, 2009, 2011).

[Entre] As habilidades fundamentais na administração estão: a fina


sintonia com sinais mais sutis; a capacidade de distinção entre sinais em
relação ao alvoroço geral; a percepção do que tais vestígios indicam e a
atuação adequada sobre elas. As pesquisas de Shoemaker apontam
que menos de 20% das empresas têm o ângulo de visão necessário para
detectar ameaças e oportunidades. [...] Visão periférica é algo que
gestores podem desenvolver. Para isso esses profissionais precisam:
manter-se abertos a novas experiências; ler bastante; cultivar
relacionamentos profissionais e sociais; explorar as fronteiras da
empresa em busca de novas informações; escutar clientes e
fornecedores; estudar as tendências que estão além da atividade
principal da companhia; observar aonde os concorrentes estão indo; e
incutir o espírito de curiosidade dentro da organização (Sadler-Smith,
2011, p. 250-251).

TEMA 5 – APLICANDO A INTUIÇÃO: VISÃO E VISIONAMENTO

5.1 Missão, visão e valores

Um passo primordial para o desenvolvimento de uma empresa é a


elaboração do planejamento estratégico, que se inicia com as diretrizes
organizacionais: missão, visão e valores.
A missão é o sentido ou razão de existência da empresa, é a resposta para
o quê, para quê, para quem, onde e como a empresa deve fazer, bem como com
qual responsabilidade social. Os valores são com quais padrões éticos ela deve
fazer e quais deve seguir. E a visão é aonde pretende chegar (O que, 2019;
Carvalho; Santos, 2016).
Se perguntarmos “o que você quer ser quando crescer?” para uma
empresa, teremos sua visão de futuro ou visão empresarial. Trata-se de seu
destino em cinco, dez ou mais anos. Essa visão tem influência crucial tanto para
as novas empresas como tem potencial para revitalizar aquelas mais maduras
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003; Closs, 2019).

5.2 O poder de uma visão

“Não há máquina mais poderosa para direcionar uma organização para a


excelência e o sucesso duradouro do que uma visão atraente, compensadora,
realizável e amplamente compartilhada” (Nanus, citado por Closs, 2019). Esse

22
aspecto de motivação, implícito e explícito na visão de futuro, ocorre porque essa
visão integra as pessoas. Por exemplo: o que queremos criar juntos? Essas visões
têm o poder de, literalmente, “criar futuros”!
Em 1928, William Paley, na época com 27 anos, assume à frente da
CBS. Nesse momento a companhia estava tendo prejuízos, não tinha emissoras
de rádio próprias e tampouco estava entre as maiores do ramo. David Halberstam
(citado por Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 142) descreve que o que Paley

tinha desde o início era uma visão, uma percepção daquilo que poderia
ser. Era como se ele, em Nova York, sentado no pequeno escritório de
uma empresa quase falida pudesse ver não apenas a sua escrivaninha
e uma série de anunciantes em potencial, ao longo da avenida Madison,
milhões de americanos no interior, muitos deles em casas ainda sem
eletricidade, pessoas solitárias para as quais o rádio era praticamente a
única forma de diversão. O que tornou diferente foi a sua percepção, sua
confiança de que poderia chegar até elas e de que tinha algo para lhes
oferecer. Ele pode ver uma audiência onde, de fato, não havia
audiência alguma. Ele não apenas teve uma visão como também soube
aproveitá-la.

De forma semelhante, Steve Jobs, que fundara a Apple Computer


Company, assim descreveu a seu staff a visão de seu novo computador NeXT:

[...] Assim, nossa visão é de que uma revolução do software está agora
ocorrendo em faculdades e em cada campus universitário. Você não
pode dar a um estudante de biologia um laboratório de DNA
recombinante ao custo de cinco milhões de dólares; mas você pode
simular essas coisas, pode fazer isso no computador poderoso. Os
alunos não podem comprar essas máquinas, nem tampouco a maioria
dos professores universitários. Assim, se considerarmos aquilo que
melhor sabemos fazer, que é descobrir uma tecnologia realmente boa e
colocar lá no mercado a um preço que as pessoas possam pagar, e se
pudermos fazer o mesmo para esse tipo de computador, que poderá ser
dez vezes mais poderoso do que um computador pessoal, então acho
que poderíamos exercer uma influência significativa sobre a maneira
como as experiências de aprendizado vão ocorrer ao longo dos próximos
cinco anos. E é isso que estamos tentando fazer… Um de meus maiores
desejos é o de que possamos construir o NeXT. Eu também ficaria feliz
se as pessoas que estão pensando em trabalhar para nós, ou comprar
os nossos produtos, ou que querem nos vender algo, sentissem que
estamos fazendo isso com paixão. Fazemos isso porque realmente nos
importamos com a educação superior e não por dinheiro (Gates, citado
por Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 143).

A citação anterior é um exemplo de como uma visão pode ser inspiradora,


estimulante, excitante o suficiente para tirar uma organização da sua rotina. Com
visões como essa, empresas podem dar um salto para frente. Elas não trabalham
rumo àquela visão, mas com base nela, como se ela já existisse. Isso gera um
alinhamento entre as pessoas, uma identidade comum, uma direção, um propósito
compartilhado por todos, que passam a trabalhar em função dela. “Visões

23
poderosas são declarações de intenção que criam na empresa toda uma
obsessão pela vitória” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 144).
E é interessante notar que esses visionários confiam em suas intuições
mesmo sem ter dados concretos, no momento que elas surgem. Quando Steve
Jobs tentou convencer empresas de computação a investir em sua ideia, de
viabilizar computadores a uma grande parcela da população, recebeu como
resposta, de muitas, que, com base em dados de pesquisa, não havia mercado
para computadores pessoais. Isso também exemplifica que essas visões e esses
visionários interpretam um ambiente de uma forma diversa daquela obtida pela
maioria e, por estarem submersos nessa visão, acreditando totalmente nela,
também se dispõem a correr os riscos e a experimentarem (Parikh; Neubauer;
Lank, 2003).

5.3 Praticando o visionamento


“Os bons líderes empresariais criam uma visão, articulam essa visão,
possuem-na com paixão e, implacavelmente, levam-na a cabo” (Welsh, citado por
Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 159). Parikh, Neubauer e Lank (2003) propõem
uma prática de visionamento (o modelo Parikh e Neubauer – PN) que, em
essência, é realizada de uma forma individual, reflexiva (analítica) e intuitiva e
socializada por meio de uma visão partilhada. As abordagens analíticas e
intuitivas são assim integradas numa única visão. Junta-se essa visão com a
realidade objetiva criando uma tensão criativa, com base na qual surge um plano
de ação circular em contínua revisão ou atualização. Vamos explorar esse
modelo? A Figura 2 apresenta um esquema completo do modelo PN, que tem
nove etapas, as quais passamos a apresentar.

24
Figura 2 – Processo de construção da visão: o modelo PN

Oportunidades
no ambiente
Etapa 9
Visionamento Visão Visão Revisão
reflexiva reflexiva permanente
reflexivo
individual partilhada*

Uma nova forma Etapa 2 Etapa 3


de ver o mundo
Visão
Etapa 1 integrativa*

Etapa 6
Tensão
Planos de
Acentuamento
criativa ação
da intuição
Etapa 8
Realidade do
Visionamento Visão Visão momento
intuitivo intuitiva intuitiva
Etapa 7 Revisão
individual partilhada*
permanente
Aplicação da intuição Etapa 4 Etapa 5 Etapa 9
na construção de
visões

* Na entidade organizacional em consideração, tal como uma corporação, divisão, departamento,


unidade.
Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 161.

5.4 Etapa 1: visionamento reflexivo

Um primeiro aspecto que deve ser comentado sobre a proposta de


visionamento reflexivo é que ela é uma atividade coletiva de que participa o grupo
geral de administração superior de uma empresa ou mesmo de uma subdivisão
sua, uma subsidiária, desde que tenha relativa independência. O processo
também pode ser aplicado a departamentos, áreas de caráter mais funcional, por
exemplo aquelas ligadas à pesquisa e desenvolvimento ou de recursos humanos
(RH), entre outras. Inicialmente o conceito de visionamento é apresentado, para
que o grupo tenha a noção teórica necessária a respeito e para que não caiam na
perspectiva de encontrar rotinas já conhecidas de planejamento estratégico
tradicional.
Uma visão de futuro se apoia em dois princípios: “[1] Uma quebra ou
descontinuidade no ambiente e/ou uma nova maneira de interpretar esse
ambiente, e [2] a capacidade de criar ‘uma nova imagem de um estado
25
organizacional desejável futuro’ da unidade em consideração” (Parikh; Neubauer;
Lank, 2003, p. 160).
A etapa 1 vai explorar justamente esses princípios e, para ofertar subsídios
aos integrantes do grupo, são oferecidas rápidas palestras com especialistas
sobre temáticas relacionadas ao contexto econômico, tecnológico, social e político
no qual a empresa ou unidade está inserida. Nelas são apresentadas possíveis
descontinuidades, convergências ou tendências possíveis.
Busca-se que, ao final dessa etapa, tenham emergido ideias empresariais
estimulantes e inovadoras. “Para fazer descobertas não necessita novas
paisagens, mas novos olhos” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 162). Para
estimular esses novos olhos e olhares, trabalham-se técnicas baseadas na
criatividade. Parikh, Neubauer e Lank (2003) indicam as técnicas de criatividade
criadas por Edward de Bono.
Edward Charles Francis Publius de Bono, 86 anos, é médico, psicólogo,
autor, inventor e consultor maltês. Foi e é professor em várias universidades.
Escreveu 57 livros, que foram traduzidos para 34 idiomas. Ele criou o termo
pensamento lateral, bem como técnicas para desenvolver a criatividade,
buscando também compreendê-la. No entanto, é criticado por não testar
cientificamente suas perspectivas ou a eficácia de suas técnicas e abordagens.
Seu livro Six Thinking Hats (Seis chapéus para pensar, em tradução livre) é um
dos seus mais conhecidos trabalhos (Bono, 2016). Nele, o autor propõe a
representação, com seis chapéus coloridos, de seis diferentes formas de pensar,
a saber:

1. chapéu branco, no qual busca-se uma objetividade e neutralidade o mais


livre possível de preconceitos; em síntese, procuram-se fatos concretos,
sem avaliações sobre eles;
2. chapéu preto, em que se faz uma avaliação lógico-negativa dos fatos,
explorando aquilo que pode dar errado ou resultar diferente das nossas
melhores expectativas;
3. chapéu verde, aquele que representa o pensamento lateral, a originalidade
criativa, a inovação, o conseguir o impossível;
4. chapéu vermelho, da emoção, da paixão, do sentir, do perceber e do viver
com base no coração; pensamento que expressa subjetividade, liberdade
e também compreensão das emoções dos outros;

26
5. chapéu amarelo, pensamento que se opondo ao preto e representa o
pensamento lógico-positivo, cujo enfoque é otimista, construtivo, mas com
lógica e raciocínio;
6. chapéu azul, o primeiro e último chapéu, com o qual se representa a
estrutura, o equilíbrio, o autocontrole e a tranquilidade – por isso, as
práticas devem iniciar e terminar com ele (Bono, 2016; A técnica, 2018;
Edward, 2019).

5.5 Etapa 2: visão reflexiva individual

Baseados no que aprenderam na primeira etapa, é solicitado aos(às)


participantes que criem, individualmente, suas visões pessoais para a empresa,
pensando em um futuro de cinco anos. Para auxiliar nesse processo, os autores
utilizam uma pergunta: “O que você gostaria que a revista Fortune escrevesse
sobre sua empresa daqui a cinco anos?” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 163).
Se essa revista não for oportuna ao contexto, utiliza-se outra que seja de
conhecimento e gosto dos participantes.

Em nossas instruções, solicitamos explicitamente aos participantes que


escrevam um relato inteligente e de caráter jornalístico que eles usariam
a fim de atrair para sua organização a nata dos formandos das melhores
universidades. Essa solicitação obriga os participantes a deixar de lado
o estilo conciso e esquemático que costumam usar quando fazem uma
exposição para os seus colegas ou superiores. Também solicitamos
explicitamente que deem asas à imaginação e escrevam uma história
isenta de fatores limitantes. [...] numa etapa posterior do processo,
fazemos com que eles trabalhem a partir de suas visões, ou seja: que se
ponham mentalmente no estado futuro descrito por sua visão e
perguntem o que precisariam fazer hoje para chegar a esse estado
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 163).

Essa atividade costuma gerar resistência por parte de alguns participantes,


indicam os pesquisadores (Parikh; Neubauer; Lank, 2003), em função de sua
crítica sobre os hipotéticos resultados, ao que lhes é indicado aguardar que eles
aconteçam, efetivamente. Uma abordagem semelhante a essa da Fortune é a do
visionamento ideal, que Tuchy (citado por Parikh; Neubauer; Lank, 2003)
exemplifica com o caso da fusão da empresa Clark Michigan com a divisão BM
da Volvo. Clark estava em dificuldades financeiras, sem expectativas de futuro.
Para sair da crise, adotou uma perspectiva incomum:

a. solicitou a seus executivos que criassem livremente um projeto ideal que


pudesse competir com os das duas maiores empresas no ramo (Caterpillar
e Komatsu);
27
b. ainda no plano da imaginação sem limites, esses executivos foram
solicitados a selecionar, dentre as empresas do ramo associadas à Clark
Michigan, aquela que mais se aproximasse da empresa ideal que eles
haviam planejado, experiência que resultou em três empresas
selecionadas;
c. seguindo essa visão e arriscando muito, a Clark adquiriu a subsidiária
Euclid Truck, empresa especialista em veículos pesados, voltada a
ambientes abertos. Após isso, propuseram uma joint venture
(empreendimento em conjunto) à Volvo BM, esta relacionada a
equipamentos de construção. A ideia foi bem acolhida e, após várias
equipes analisarem a proposta, em outubro de 1984 a parceria foi firmada.
É curioso notar que aqueles executivos da Clark Michigan compararam os
resultados reais com aqueles que haviam visionado e tiveram que admitir
que a maior parte deles havia sido conseguido. “O que aconteceu com a
Clark dificilmente teria conseguido através do planejamento convencional”
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 164).

Parikh, Neubauer e Lank (2003) indicam que, com a experiência, passaram


a integrar os dois métodos: a escrita do artigo para a Fortune com a imaginação
de como seria a empresa se fosse a ideal competidora no seu ramo de atuação.
E, novamente, aqueles pesquisadores apresentam questões para estimular a
construção imaginária desejada:

Imagine a versão ideal de seu produto como seria? Em circunstâncias


normais, o tempo só nos permite solicitar a opinião dos participantes. Se
o processo fosse estendido por um período mais longo, poderíamos até
mesmo apresentar essa pergunta aos principais clientes e distribuidores
e fazer o uso da reação dessas pessoas quando estiverem escrevendo
o produto ideal. O mesmo é válido, por exemplo, para os serviços que
uma empresa oferece. O “avião para o agrado do passageiro”, criado por
Jan Carlzon, é um exemplo. A visão de Carlzon é um avião de design
não ortodoxo, com 75-80% do volume interno da fuselagem dedicado ao
conforto do passageiro e à cabina onde são guardadas as bagagens,
comparado aos 35% tradicionalmente alocados para esses fins. [...] Para
a década de 90, partimos do princípio que precisamos de um avião que
os passageiros queiram, só então acrescentamos os motores e a
Carlinda, não o contrário (Parikh, Neubauer, Lank, 2003, p. 164-165).

Questionando seus próprios clientes, Jean Carlos conseguiu retomar o


crescimento da Scandinavian Airlines, que fora dramaticamente abatida pela crise
do petróleo iniciada em 1973 e que desencadeou o aumento dramático do preço
do combustível. As aeronaves foram todas redesenhadas para atenderem à visão
de seus principais usuários, os executivos, que continuavam a viajar, em

28
contraponto aos turistas, que reduziram seu consumo em função da crise
(Albuquerque, 2011). Os autores acrescentam outras questões (Parikh;
Neubauer; Lank, 2003, p. 165-167):

Qual seria o sistema de distribuição [de serviços e produtos] ideal em


seu ramo? Se você pudesse começar tudo de novo, como você
organizaria? [...] Qual seria a estrutura ideal para sua empresa? Ou: em
sua opinião, qual seria o modelo ideal de administração? (A resposta
para essa última questão também expressaria uma opinião sobre uma
cultura desejável e sobre os valores básicos em que ela se apoia.) [...] Se
pudéssemos começar tudo de novo, qual seria o sistema administrativo
ideal para nossa empresa? Em qual etapa da cadeia de valores
deveríamos nos concentrar? Poderíamos eliminar etapas que não
aumentam o valor agregado?

Parikh, Neubauer e Lank (2003) exemplificam a situação indicando que


Ingvar Kamprad, o fundador da empresa sueca Ikea, sonhou com uma forma
diferente de organização empresarial, na qual eliminava as atividades que
elevavam o custo de seus produtos, podendo ofertar móveis mais baratos, com
elevado design e em grande quantidade. Os móveis são modulares e podem ser
levados para casa de carro. Isso fez com que, na década de 1980, ela se tornasse
a maior empresa de móveis do mundo, status que ostenta até hoje, estando
presente em mais 40 países. Observe trechos retirados do site da empresa, que
naturalmente explora muito bem sua vantagem competitiva:

Na IKEA, há sempre mais — por menos do que imaginam. A lógica é


simples: se todos temos direito ao design, então todos temos de
conseguir pagá-lo. É por isso que, na IKEA, passamos tanto tempo a
perceber como podemos baixar os preços, mantendo tudo o resto:
qualidade, funcionalidade, sustentabilidade e estilo.
Todos temos direito ao design.
Na IKEA, acreditamos que todos temos direito ao design. E quem diz
design, diz uma casa de sonho. Mas de que serve sonhar se não
podemos pagar? É por isso que, na IKEA, trabalhamos dia a dia para
baixar os preços — sempre mantendo a qualidade, funcionalidade,
sustentabilidade e estilo. Ou, se preferir, mantendo o design. Para todos,
claro (Ikea, [S.d.]).

5.6 Etapa 3: visão reflexiva partilhada


Para que uma visão possa realizar a sua função, ela precisa ser partilhada.
E é disso que trata essa etapa. A partilha entre os todos os participantes é feita
numa reunião em que as declarações individuais de visão são expostas e
discutidas em profundidade. Facilitadores experientes orientam esse processo, no
qual características comuns e ideias fundamentais são levantadas para que
possam ser integradas, ou seja, para que possa se formar uma visão partilhada
reflexiva, com todas as especificidades necessárias. No caso de essas

29
especificidades representarem as divisões heterogêneas de uma empresa, o
processo prossegue no nível divisional, buscando-se chegar a uma visão
partilhada dessas unidades. Posteriormente, procura-se então a integração
dessas diversas visões numa perspectiva total para a empresa (Parikh; Neubauer;
Lank, 2003).
Como pode ser observado, as três primeiras etapas se situam no espaço
da racionalidade, ambiente com o qual os participantes estão familiarizados. Isso
facilita o início dessa jornada, permitindo-lhes conforto e confiança, antes que a
proposta de ruptura seja efetivada, mediante processos intuitivos não racionais,
que vão permitir o benefício total do processo de visionamento, segundo o modelo
de Parikh, Neubauer e Lank (2003).

5.7 Etapa 4: visionamento intuitivo

O visionamento reflexivo pode ser indicado pela resposta a uma pergunta:


“O que eu posso conseguir?”. Trata-se da expansão racional em direção ao futuro,
uma imaginação, naturalmente restrita pela realidade. Em contraste, o
visionamento intuitivo responde a outra pergunta: “O que eu quero realmente?”. A
resposta a essa pergunta busca soltar as referências de realidade em relação ao
presente e ao futuro (Parikh; Neubauer; Lank, 2003):

Ela implica uma total ressonância com o que quer que o indivíduo queira
fazer na vida, com os impulsos básicos, quaisquer que sejam eles, e com
os seus sonhos interiores mais puros. Em outras palavras, depois de o
indivíduo estender ao máximo – intelectual, racional ou realisticamente
– sua imaginação no contexto das possibilidades do mundo real, isto é,
no desenvolvimento da visão reflexiva, ele deve passar para outro nível
de atividade mental – o nível intuitivo – e ganhar acesso ao seu mundo
interior através de alguns processos mentais para criar uma visão
intuitiva (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 168-169).

Essa atividade se caracteriza por um salto em relação ao pensamento


linear, lógico, racional, permitindo diferentes conexões, ideias inovadoras ou
aplicações que não poderiam ser consideradas no nível anterior. Nossa educação
e nossa experiência moldam nossos cérebros, nos proporcionando adquirir certos
tipos de conhecimento e habilidades; por outro lado, podem restringir nossa
imaginação, criatividade e sensibilidade. Em complemento, ser realista significa
também manter-se coerente e adaptado ao paradigma do que é a realidade, no
mundo dos negócios (Parikh; Neubauer; Lank, 2003).

Quando usamos o processo intuitivo para nos aprofundar dentro de nós


mesmos, libertamos esses fatores limitantes. Em outras palavras, esse
30
processo nos permite ir além do nosso estado mental comum,
consciente, lógico, racional e um tanto simplista, e começar a explorar
os padrões mais profundos e complexos nos níveis subconscientes. Isso
facilita a expansão ou a ampliação do contexto de nosso pensamento,
tornando-o mais realista, macroscópico e sintetizador (Parikh; Neubauer;
Lank, 2003, p. 169).

Para Parikh, Neubauer e Lank (2003), um estado de profundo relaxamento


e receptividade, um estado modificado de consciência pode retirar as barreiras do
pensamento, permitindo que sejam acessadas informações com base em fontes
externas, especificamente a percepção extrassensorial (PES). Eles indicam,
especificamente, a prática da telepatia (capacidade de interação direta mental
entre pessoas sob isolamento sensorial); da clarividência (capacidade de
percepção sensorial do ambiente físico sem a utilização dos meios sensoriais e/ou
tecnológicos); e da precognição (capacidade de acessar diretamente o futuro
sem a mediação de processos dedutivos baseados em informações presentes ou
por puro acaso). Ou seja, eles se referem ao tipo de intuição indicado como
anômala. Existem evidências de que estados modificados de consciência podem
ser favoráveis à percepção PES ou a experiências anômalas; no entanto, essa é
uma questão cientificamente controversa, bem como a própria existência das
experiências de PES (Silva, 2002, 2006, 2009; Cardenã; Lynn; Krippner, 2014).
Independentemente da controvérsia científica, sigamos com o modelo de
Parikh, Neubauer e Lank (2003), os quais sugerem que é possível utilizar tais
habilidades no processo de visionamento, expandindo as fontes de
informação, proporcionando que introvisão e conexões inovadoras possam se
tornar conscientes, por meio da intuição. Mas, os autores indicam também que,
embora o processo de visionamento intuitivo possa e deva envolver a intuição,
isso não necessariamente exclui a influência de processos racionais e
emocionais, os quais, segundo Parikh, Neubauer e Lank (2003), são distintos do
processo intuitivo. “Trata-se de uma síntese de todas as três coisas (intuição,
razão e emoção), que resulta numa espiral virtuosa de análise, imaginação e
inovação” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 171). A Figura 3 representa essa
síntese, com base na qual é possível criar uma visão intuitiva, tanto de forma
individual como compartilhada. A experiência de partilhar uma visão intuitiva
individual pode favorecer, em uma organização, o sentimento de união, de
pertença que pode estimular as ações necessárias para se concretizar a visão
intuída.

31
Figura 3 – O trabalho como visão tornada visível

Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 171.

Sobre a etapa 4, os autores apresentam uma sequência de três atividades


voltadas a criar a visão intuitiva individual: “Relaxamento: o primeiro e mais
importante passo é estar relaxado em termos de corpo, mente e emoção. Há
processos de relaxamento específicos que permitem a pessoa passar pela
experiência de estar ‘concentrada’” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 172). Os
pesquisadores apresentam técnicas específicas, que podem ser obtidas em
diferentes manuais, incluindo aquelas de caráter mais ativo, como o relaxamento
progressivo de Jacobson; até técnicas mais passivas, nas quais o controle
respiratório e comandos mentais produzem o relaxamento físico e mental.
Como segunda atividade, tem-se a “Formação de imagens: [...] a pessoa
entrega-se ao processo de formação de imagens e vai até um nível mais profundo
de consciência, o qual a conduz a um retiro imaginário, afastado e desligado do
ambiente externo” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 172). Com essa atividade,
os autores indicam a indução de imaginação ativa, podendo os leitores recorrer a
textos específicos sobre essas práticas.
No item seguinte, dão detalhes dessa imaginação dirigida. Cabe apenas
lembrar que existem diferenças individuais em termos da facilidade ou não para a
criação e manutenção de imagens mentais. Segue-se à terceira atividade:

Simbolização:
(a) vida pessoal:
Recebendo: depois de ser totalmente absorvido pelo seu próprio eu
interior, você começa a sonhar e a criar uma imagem daquilo que
realmente quer em sua vida pessoal, facilitar, em suas relações de

32
amizade e em outras atividades sociais. Deixe a mente pensar de forma
cognitiva a respeito de sua vida e, intuitivamente, criar imagens visuais.
Analisando: então, identifique os principais elementos dominantes
dessas imagens ou cenários com que você sonhou para sua vida
pessoal.
(b) vida profissional:
Recebendo: então, enquanto permanece nesse estado de profundo
relaxamento e numa espécie de zona de transição entre o consciente e
o subconsciente, comece a fazer perguntas sobre o tipo de atividade ou
trabalho que você gostaria de ocupar-se. Em outras palavras, responda
à pergunta: “o que eu realmente desejo fazer em minha vida pública e
profissional?” e desenvolva um sonho articulado na forma de uma visão:
uma imagem visual ou um símbolo.
Analisando: assim como foi feito para a vida pessoal, identifique os
elementos do cenário ou quadro com que se sonhou.
Verbalização: seguindo a mesma sequência, articule uma declaração
verbal que expressa uma visão que você tem de sua vida
profissional. (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 172-173, grifos do
original).

As sugestões gerais permitem a uma pessoa ou grupo com certa


experiência conduzir uma prática; no entanto, é possível que outras
pessoas/grupos, sem experiência, possam ter dificuldade de realizar essa
atividade sem orientação de um(a) facilitador(a). De qualquer forma, segundo os
autores, a prática descrita aqui é parte de um processo maior, orientado por
facilitadores(as) (Parikh; Neubauer; Lank, 2003).
O resultado da prática apresentada pode ser um símbolo ou uma imagem
considerado(a) pelos autores como útil e estimulante, em particular por:

a. permitir tomar consciência de um processo interior, o que pode gerar


surpresa, em especial a respeito daquilo que as pessoas realmente
desejam para suas vidas;
b. treinar o desenvolvimento do pensamento total, que, segundo os autores,
possibilita integrar a linguagem visual da criação de imagens e símbolos
com a linguagem lógica, racional e analítica, processo considerado
agradável e energizante, conforme pode ser visto na Figura 4.

33
Figura 4 – Construção intuitiva da visão

Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 173.

Após a criação de uma visão e de uma declaração verbal sobre a vida


pessoal e a vida profissional, a fase final da etapa 4 é a comparação e a síntese
das duas. Essa atividade faz emergir aspectos convergentes e divergentes dessa
polaridade:

Embora o indivíduo, no mais das vezes, esteja consciente dessa


situação, ele na maioria das vezes não iniciou um processo sistemático
e consciente de identificação, cristalização e balanceamento dessas
complementaridades e divergências. Essas, portanto, muitas vezes se
manifestam na forma de tensão e, mesmo, de conflito entre a vida
pessoal e familiar, de um lado, e a vida profissional e empresarial, de
outro. Conquanto essa tensão e conflito não possam ser totalmente
evitados ou resolvidos, pode-se sim certamente minimizá-los através de
um esforço consciente e deliberado para produzir um alinhamento entre
as duas visões e, até mesmo, transformar essa tensão em energia
criativa e, desse modo, as negativas em positivas (Parikh; Neubauer,
Lank; 2003, p. 174).

Parikh, Neubauer e Lank (2003) entendem que essa prática pode


transformar a postura mais profunda de uma pessoa, permitindo que ela seja
menos reativa e mais ativa, favorecendo-a tanto em seu aspecto profissional como
pessoal. Em síntese, os autores apresentam assim as três fases da etapa 4:

1. desenvolvimento de uma visão pessoal intuitiva;


2. desenvolvimento da visão profissional da pessoa;
3. desenvolvimento de uma visão intuitiva individual harmoniosa
através do equilíbrio entre os dois estágios mencionados acima.
(Parikh; Neubauer, Lank; 2003, p. 174).

34
5.8 Etapa 5: visão intuitiva partilhada
Na etapa 5, o grupo avança de uma visão intuitiva individual para uma
visão intuitiva partilhada ou consensual, que se completará com uma
declaração verbal que represente o máximo alcançado em um processo de
discussão e partilha grupal. Trata-se de um dos processos que mais
recompensam as pessoas e que mais eficazmente as aglutinam em torno do
processo organizacional. Isso é obtido com base na partilha das visões intuitivas
individuais harmonizadas quanto ao aspecto profissional e pessoal, de cada
participante, por meio de pequenos grupos, até que se alcancem instâncias mais
completas da organização.
No entanto, é raro que a visão seja partilhada em todas as partes da
organização, o que, inclusive não deve ser um objetivo essencial; é mais
corriqueiro que se atinja um consenso amplo e profundo sobre os principais
elementos da visão, bem como seu sentido. O processo é muito rico e divertido e
permite que as introvisões ressoem entre os colegas, mediante articulações
verbais. Como se tratam de elementos profundos e importantes de cada
participante, o resultado é uma sintonia grupal profunda e sutil, um tipo de
alinhamento das diversas forças e influências internas da organização,
permitindo-lher chegar a um direcionamento comum (Parikh; Neubauer; Lank,
2003).

Resumindo, em toda visão – visão pessoal de vida, visão profissional de


vida, visão intuitiva individual e visão intuitiva partilhada – existem três
aspectos: 1) uma imagem, quadro ou símbolo; 2) os principais
elementos desses componentes visuais; e 3) uma declaração verbal
incorporando esses elementos (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 175).

5.9 Etapa 6: visionamento integrativo

O objetivo agora é alcançar a visão integrativa, que incluirá as visões


partilhadas (reflexiva e intuitiva), numa síntese equilibrada, resultando inclusive
em um processo motivador forte e também no direcionamento para atividades e
prioridades de um futuro de curto prazo. Trata-se de um processo de intenso
aprendizado, de uma cultura de aprender a partir de si mesmo, da família e da
organização.
O desenvolvimento da visão reflexiva estimula características de análise e
de imaginação, porém de uma forma responsável em relação à realidade e suas
limitações. Em complemento, a visão intuitiva permite liberar os(as) participantes

35
desses limites, favorecendo um salto criativo. A integração entre esses dois níveis
é um grande desafio, visto se constituir em um contínuo aprendizado,
considerando-se que, usualmente, há preferências individuais e também culturais
(no caso da cultura ocidental, a preferência é pelo processo reflexivo). Inclui-se
nessa dificuldade o fato de que tal integração produz contínua tensão criativa, o
que também ocorre em outras integrações, como entre a visão intuitiva pessoal e
a profissional (Parikh; Neubauer; Lank, 2003).

5.10 Etapa 7: realidade do momento em tensão com a visão integrativa

Por falar em tensão criativa, a etapa 7 propõe um choque ou o contraste


da visão integrativa com a realidade do momento, o que naturalmente produz nova
tensão. O objetivo aqui é utilizar o processo de revisão integrativa como um
propulsor para a realidade, no sentido de que ela seja dirigida para conquistar o
futuro desejado, visionado.

Esse processo envolve três estágios de simbolização:


1. Símbolos do futuro desejado (que chamamos de visão);
2. Símbolos da realidade corrente;
3. Símbolos dos vários estados intermediários, cada um dos quais
indicando mudanças em cada estágio ao longo do tempo, através das
quais a realidade corrente poderia ser impedida rumo ao estado
visionado. (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 176).

Cada estágio é marcado por uma estrutura temporal e o objetivo é partilhar


“[...] esse processo para todos os níveis da organização, como por exemplo,
equipes, unidades, divisões ou departamentos” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p.
176). Tal processo produz uma forte energia ou impulso em toda a organização,
com o único propósito que é concretizar a visão corporativa elaborada. Os
pesquisadores chamam esse princípio organizador de visionância, entendendo-o
como algo de extrema relevância e até mesmo urgência no contexto atual da
administração de empresas e, ainda, que sua característica mais importante é a
excelência sustentável.

Em outras palavras, ela gera uma ressonância (sintonização) com o


indivíduo, e uma congruência (alinhamento entre a vida pessoal e
profissional de um indivíduo e sua partilha com os colegas) na família
e/ou no trabalho. Ela também cria a base para a delegação de poderes
dentro da organização, conduzindo a um melhor desempenho e senso
de realização (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p.179).

A Figura 5 mostra exemplos de construção de símbolos de transformação.

36
Figura 5 – Construção de símbolos de transformação

Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 177-178.

Já a Figura 6 ilustra a sequência do desenvolvimento de uma visão


integrativa.

Figura 6 – Desenvolvimento de uma visão integrativa

Ressonância (sintonização)

Congruência (alinhamento)

Governação (delegação)

Desempenho (realização)

Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 179.

37
5.11 Etapa 8: planos de ação
A tensão criativa gerada pela união da visão partilhada integrada com a
realidade do momento produz um plano de ação, o qual deve discriminar de forma
detalhada o que deve ser feito, por quem, quando e com quais recursos, se
constituindo então na etapa mais importante, aquela na qual todas as ideias e
inspirações se convertem uma direção prática. É crucial que seja conduzida com
o máximo de participação e dedicação, em todos os níveis (Parikh, Neubauer,
Lank, 2003).

5.12 Etapa 9: revisão permanente

Essa etapa é muito importante porque apresenta a mudança contínua como


forma de atualização sistemática do processo, que implicará possíveis alterações
nos planos de ação.

A construção de uma visão partilhada deve ser vista como o elemento


central da atividade diária dos líderes. Trata-se de um processo
permanente e que nunca tem fim. [...] Uma visão, essa jornada para o
interior de um território desconhecido e não mapeado, tem de ser
recalibrada vezes e vezes seguidas. Isso requer tino comercial, força de
caráter e coragem. Isso é o que tem demonstrado os desbravadores
através dos tempos (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 180).

5.13 Reflexões finais

Como todo processo novo, a proposta de Parikh, Neubauer e Lank (2003)


pode parecer desafiadora, complexa e até mesmo despertar receio. No entanto,
naqueles que se aventurarem nessa exploração a prática produzirá seu efeito de
automatismo, após o desenvolvimento dessas novas capacidades. Naturalmente
que isso requer tempo e esforço, que ao final produzirão uma forma natural de ser
e de pensar.
Como indicado anteriormente nesta aula, integrar o visionamento reflexivo
ao visionamento intuitivo é explorar e desenvolver a habilidade de uma mente
ambidestra, capaz de permitir um desenvolvimento ótimo e sustentado, sonho de
qualquer organização que busca o sucesso continuado. Essa perspectiva
ambidestra permite que cada participante e o grupo tenham uma interação com o
mundo externo menos reativa e mais (cri)ativa. Em complemento, conseguir guiar-
se ou, mesmo, que um grupo seja guiado por uma visão de futuro permite um nível
excelente de motivação. Uma metáfora conhecida exemplifica esse fato:

38
Num canteiro de obras, onde vários trabalhadores estavam cortando
pedra, um operário comum diria “estou portando pedra”; um outro
trabalhador, mais inteligente, mais bem treinado e mais especializado,
diria “estou convertendo a pedra em blocos com formas específicas”; um
trabalhador visionário diria “estou construindo uma catedral” (Parikh;
Neubauer; Lank, 2003, p. 182).

Não é difícil imaginar a diferença de motivação e desempenho entre alguém


que corta pedras e aquele que está construindo uma catedral. A visão da catedral
dá a uma atividade monótona e árdua um sentido completamente diverso. Outra
metáfora intensifica e amplia essa perspectiva:

[...] é a conhecida história de Michelangelo e da estátua de Davi, de sua


autoria. Quando lhe perguntaram como havia conseguido criar uma
obra-prima a partir de um simples bloco de mármore, consta que ele
disse que isso foi muito simples: ao olhar para o mármore ele teve uma
visão de Davi e, depois, tudo que fez foi tirar o que “não era Davi”.
(Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 182).

Essa última metáfora aborda, em complemento, a ideia de que, para


alcançarmos a realização de uma visão, precisamos também lapidar aquilo que
não é essencial, para que o essencial possa vir à tona. Nesse processo de
visionamento, intuitivo, produz-se uma absorção e uma identificação do sujeito
com o grupo de tal forma que ele ou mesmo o grupo se torna a própria visão. O
estado visionado já existe e, tanto no nível pessoal como no coletivo, ocorre um
movimento de alcançá-lo. Não se trata de agir rumo à visão, mas, antes, trabalhar
com base nela, como se já existisse aquele estado almejado.

Trata-se de uma mudança transformativa que deixa de lado uma cultura


organizacional e convencional voltada para a solução de problemas, e
que fica presa no ciclo problema/solução e a substituir por uma cultura
impulsionada por uma visão em que os problemas aparecem como
oportunidades para ampliação do contexto – em certo sentido, fazendo
com que as limitações ou adversidades trabalhem a seu favor (Parikh;
Neubauer; Lank, 2003, p. 182-183).

Outro ponto muito interessante é que a própria percepção da realidade


atual é moldada pela visão de futuro. O bloco de pedra guarda um significado
especial porque, a cada lasca dele retirada, mais próximo estamos de Davi (da
visão de futuro).

39
REFERÊNCIAS

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42
AULA 6

TOMADA DE DECISÃO
E INTUIÇÃO

Prof. Fábio Eduardo da Silva


INTRODUÇÃO

Esta aula trata de um tema polêmico e difícil: é possível melhorar nossa


tomada de decisão, com enfoque na intuição e destaque para a intuição-psi? De
fato, não sabemos se isso é realmente possível, mas nos arriscamos nessa
direção, fazendo os alertas necessários àqueles que também se arriscarem
conosco.
Nessa aventura, você encontrará algumas considerações iniciais de alerta,
para que estimule seu senso crítico sobre a leitura que virá. Vamos também refletir
sobre a possível importância do treino da atenção (mindfulness) no processo de
desenvolvimento da intuição, inclusive indicando algumas práticas para você!
Seguimos com dicas de como melhorar a intuição, compiladas de vários
pesquisadores. Avançamos para um tema instigante e polêmico, se é possível
treinar a intuição-psi ou anômala, aquela que envolve a percepção extra-sensorial
(ex.: telepatia, clarividência e precognição) e psicocinesia (ação direta da mente
sobre o mundo). Trata-se de uma pesquisa de mestrado desenvolvida na USP.
Que resultados apresenta? Podem ser úteis para você?
Após, apresentamos duas experiências de treinamento de intuição-psi em
grupos, uma delas em contexto organizacional. Por fim, apresentamos um modelo
de neuroliderança integral, no qual a intuição é cereja do bolo!
Então, pronto para a experiência final?
Comecemos e boa transformação, digo, aventura!
Mas tome muito cuidado!

TEMA 1 – É POSSÍVEL MELHORAR A TOMADA DE DECISÃO E INTUIÇÃO?

1.1 Considerações iniciais de alerta

1. Existe conhecimento científico suficiente capaz de garantir que


determinados procedimentos melhorem efetivamente a tomada de decisão
humana e, em particular, aquela baseada ou inspirada na intuição? A
própria pergunta induz à resposta. A complexidade dos temas que estamos
abordando e o estado inicial das pesquisas nessas áreas podem sugerir
um enfático não! Essa é nossa primeira reflexão sobre a possibilidade de
melhorar a tomada de decisão e a intuição. Serve de alerta e sugere um
olhar crítico ao que apresentaremos a seguir, principalmente se você for

2
testar ou experimentar os procedimentos sugeridos (esperamos que o
faça), que não se apoie exclusivamente neles para fazer decisões
relevantes em sua vida. Imagine que o conhecimento atual possa estar
equivocado, incompleto ou impreciso. Em alguma medida, é muito provável
que esteja. Acreditamos que esta aula possa lhe ser útil, mas saiba que ela
expressa um estado muito inicial de compreensão científica sobre os temas
considerados.
2. Outro fato que merece nossa atenção é que, segundo o modelo do novo
inconsciente, a maior parte do nosso processamento mental passa longe
de nossa percepção consciente. Além disso, nosso principal tema é a
intuição, que se caracteriza essencialmente por ocorrer de forma não
consciente. Esses fatos não vão mudar, mesmo que você desenvolva
práticas indicadas adiante. Ou talvez mudem minimamente,
qualitativamente, e isso possa fazer muita diferença na sua forma de
decidir, mas seu processamento mental, tal como o meu, continuará a
funcionar amplamente de forma não consciente. Essa é a melhor forma de
ele funcionar, aquela que a natureza elaborou ao longo de milhões de anos.
Então, mesmo que as práticas o auxiliem nas tomadas de decisão
(esperamos que sim), sugerimos que mantenha uma postura de humildade,
de saudável reconhecimento de nossa profunda ignorância diante de nós
mesmos, o que inclui nossa fantástica capacidade de autoengano e
autoilusão. Parece-nos que, diante de tais experiências, capacidades e
fenômenos, somos apenas pequenos aprendizes, condição da qual
possivelmente nunca sairemos.
3. Em complemento aos dois primeiros alertas, é da nossa natureza evoluir.
Tem sido assim ao longo de milhões de anos e a única diferença que
observamos é a velocidade com a qual isso ocorre atualmente, mais rápido.
Então, se, por um lado, é saudável, de fato necessário, muita autocrítica e
cuidado ao lidarmos conosco e com os outros, por outro é muito bom que
continuemos a explorar nossas capacidades, aparentemente ainda muito
pouco desenvolvidas (a intuição talvez seja um bom exemplo disso).

1.2 Capturando a intuição em pleno voo por meio da atenção plena

No item 2 do tópico anterior, falamos sobre o modelo do novo inconsciente


e que o processamento não consciente é a nossa forma habitual de funcionar. Os

3
estudos que observamos até agora se referem à nossa dificuldade de perceber a
intuição quando ela ocorre. Pode ter ficado implícito que a intuição usualmente
ocorre de forma não consciente, mas quando emerge é percebida
conscientemente. Esse aspecto parece ter sido pouco estudado na literatura. Erik
Dane (2011) é um pesquisador que desafia o pressuposto de que a intuição na
maior parte das vezes nos é óbvia. Esse autor presenta estudos psicológicos que
sugerem justamente o contrário, ou seja, que falhamos em percebê-las e que elas
podem retroceder ou dissipar-se antes que consigamos considerá-las
conscientemente. Dane (2011, p. 2017) questiona se é possível nos tornarmos
mais conscientemente atentos às nossas intuições:

Nesse ponto, afirmo que é mais provável que os indivíduos "capturem"


suas intuições através da atenção consciente, na medida em que
estejam em um estado mindful de consciência, no qual sua atenção é
direcionada para os fenômenos do momento presente. Portanto, ofereço
a atenção como um veículo pelo qual os indivíduos podem obter maior
acesso a suas intuições e, talvez, se tornarem tomadores de decisão
mais eficazes.

Antes de apresentar o estado de atenção plena (mindfulness) o


pesquisador reflete sobre atenção e consciência, comentando que, apesar de
esses elementos estarem correlacionados um com o outro, são processos
diferentes. Para elucidar, apresenta-nos uma tabela com quatro quadrantes
possíveis da relação entre os dois aspectos, como segue:

Tabela 1 – Processamento consciente e atenção: tipologia para classificação de


estímulos

Atenção
Alta Pouca ou nenhuma
Quadrante I – Exemplos
Emoções conscientes Quadrante II – Exemplos
Sim Objetivos conscientes Percepções visuais de fundo
Intuições atendidas Intuições não percebidas
Processamento conscientemente
consciente Quadrante III – Exemplos
Emoções inconscientes Quadrante IV – Exemplos
Não Objetivos perseguidos
Estímulos irrelevantes à meta
inconscientemente
Intuições suprimidas
Fonte: Dane, 2011, p. 219.

4
1.2.1 Quadrante I

Emoções e intuições frequentemente são recebidas com alto grau de


atenção e consciência. “Eu me sinto feliz hoje” ou “eu tenho uma intuição” são
exemplos desse quadrante. Coerente com a nova modelo do inconsciente, esse
não é o quadrante mais frequente de nosso funcionamento (Dane, 2011).

1.2.2 Quadrante II

Aqui temos a percepção consciente de determinados estímulos, mas sem


prestar atenção a eles. As percepções de fundo se encaixam nesse quadrante.
Neste momento, é possível que você esteja focando sua atenção na leitura deste
texto, tendo uma certa consciência do seu ambiente de fundo, o qual não recebe
sua atenção. Talvez agora, com o exemplo, você tenha percebido esse ambiente
e também focado sua atenção a ele. De forma semelhante, podemos ter intuições
conscientes sem que tenhamos nossa atenção voltada a elas. Por exemplo, se
você estiver trabalhando concentrado na leitura deste texto, uma intuição pode lhe
ocorrer na forma de um pensamento ou sensação, sem que você lhe dê atenção.
Então, você ignora e segue seu trabalho. As instituições para as quais não
atribuímos atenção se encaixam nesse quadrante. Algumas dessas instituições
são completamente dissipadas por não receberem atenção consciente (Dane,
2011).

1.2.3 Quadrante III

Ainda que algumas emoções possam ser percebidas conscientemente,


possivelmente com maior frequência é a sua ocorrência sem essa percepção
consciente. Ainda assim, elas consomem recursos atencionais. Um indivíduo
pode ser feliz (ou triste) sem ter consciência disso. Os estudos de
priming inconsciente também são importantes, pois sugerem que podemos ser
influenciados por estímulos dos quais não temos consciência. Sua influência
ocorre porque recebem atenção no nível não consciente. Esses estímulos são
ativados ou são relevantes a uma meta específica. Aqui se encaixam também
intuições que são suprimidas. Elas recebem o mínimo de atenção ou nenhuma no
nível consciente, no entanto têm o potencial de influenciar o comportamento
(Dane, 2011).

5
1.2.4 Quadrante IV

Estímulos que não se iniciam nem se relacionam com a busca de objetivos


ou metas ou que não nos parecem relevantes recebem o mínimo ou nenhuma
atenção e ocorrem no nível não consciente. Seu impacto em nosso
comportamento é limitado (Dane, 2011).
A tipologia apresentada, na sua relação com processos intuitivos, precisa
de estudos adicionais para ser mais bem compreendida, principalmente o terceiro
quadrante. No entanto ela representa um esforço inicial para que possamos refletir
sobre a relação entre atenção e consciência na percepção das intuições, em
particular no nível de precisão que elas se apresentam, pois quando são
percebidas, temos um grau mínimo de atenção, podendo dessa forma estar mais
sintonizados com elas (Dane, 2011).
Para contribuir com esse objetivo, o pesquisador entende que a atenção
plena (mindfulness) seja um estado de consciência favorável.
Mindfulness pode ser traduzida de forma simples como um estado de
atenção plena ou um estado no qual a atenção é focada no momento presente,
naquilo que está ocorrendo agora internamente (ex.: sensações corporais,
emoções, pensamentos) e externamente (ambiente onde estamos inseridos)
(Dane, 2011).

refere-se ao traço ou estado mental de estar atento, intencionalmente, à


experiência presente. [...] está atento, de forma deliberada, ao
desenvolve, com aceitação e sem julgar. O traço mindfulness descreve
a personalidade que tende a adotar uma atitude de aceitação - centrada
no presente - em relação a própria experiência. [...] aceitação não
significa resignação; é uma tentativa de não julgar, uma curiosidade e
isenta de julgamento, ou abertura ao desenvolvimento da experiência
imediata, seja ela positiva ou negativa. Assim, mindfulness envolve dois
componentes fundamentais: autorregulação da atenção e uma
orientação aberta à experiência. (Marti, Garcia-Campayo, Demarzo,
2016, p. 19-20)

O aspecto da regulação da atenção implica manter o foco na experiência


imediata para perceber melhor as sensações corporais, incluindo os sentidos
sensoriais e ainda os estados ou experiências mentais. O componente ligado à
abertura para experiência inclui curiosidade, receptividade e aceitação, ou seja,
uma tentativa de acessar a realidade mais crua, para além dos nossos filtros e
vieses cognitivos, afetivos e culturais, os quais nos trazem reações padronizadas
por situações prévias (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016).

6
Considerando-se que nossa natureza mental é usualmente de inquietude,
e que o julgar é um processo natural e essencial à nossa adaptação (estamos
constantemente avaliando tudo o que muda para podermos agir de forma
adaptativa), o conceito de mindfulness pode parecer estranho, ou mesmo sugerir
algo intangível. Por essa razão, a compreensão do seu significado só pode ser
obtida na prática, ou melhor, por meio do treino sistemático, visto que não o
fazemos de forma espontânea. Trata-se de uma capacidade inata, porém
praticamente inexplorada e, no contexto contemporâneo, caracterizado por uma
multiplicidade de tarefas e estímulos. Desenvolver mindfulness é tanto um imenso
desafio quanto uma importante necessidade, haja vista que:

mindfulness está relacionado a vários indicadores da saúde física e


psicológica como, por exemplo, maior equilíbrio do sistema nervoso
autônomo (simpático e parassimpático), níveis mais elevados de afeto
positivo, satisfação com a vida, vitalidade e menores níveis de afetos
negativos e de outros sintomas psicopatológicos. (Marti; Garcia-
Campayo; Demarzo, 2016, p. 21)

O treino da atenção traz como consequência imediata uma menor


reatividade aos estímulos externos e, por conseguinte, maior regulação e
flexibilidade emocional e cognitiva. Centrar nossa atenção no presente, que inclui
observar nossos próprios pensamentos, descortina que muitos deles se
relacionam ao passado ou ao futuro. Nossa conversa mental automática,
elaborada por nosso intérprete cerebral, torna-se mais evidente e acaba por gerar
uma experiência menos narrativa (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016; Dane,
2011).
Reduzindo a reatividade aos estímulos externos e internos, trazendo maior
controle emocional e cognitivo, o mindfulness reduz também o stress e seus
nocivos efeitos, como a destruição de células neuronais.
O foco nas experiências internas permite uma maior conscientização
corporal e uma alta taxa de autoconcordância, o que significa que a pessoa
consegue avaliar corretamente seus estados internos, por exemplo, estados
emocionais, quando comparados a avaliações fisiológicas. Pessoas que não
praticam essas medidas tendem a divergir, ou seja, a avaliação que a pessoa faz
de seu corpo não corresponde às medidas fisiológicas. O estado de alta
concordância pode ser favorável aos processos de tomada de decisão intuitiva
(Dane, 2011, p. 222-223):

Os resultados de Brown e Ryan indicam que a atenção plena sintoniza


os indivíduos com os resultados de processos originados no sistema

7
inconsciente de processamento. Por extensão, a atenção plena pode
sintonizar os indivíduos com suas intuições [...] - uma afirmação que
concorda com a observação de que a atenção plena permite que os
indivíduos atendam a uma ampla variedade de estímulos, incluindo
fenômenos cognitivos e emocionais [...]. Em suma, por meio da
crescente sintonização com os resultados de processos orientados
inconscientemente, a atenção plena pode aumentar o grau em que os
indivíduos atendem às suas intuições à medida que surgem.

Para completar esse tópico, apresentamos as algumas técnicas de


mindfulness, segundo Marti, Garcia-Campayo e Demarzo (2016, p. 26-27):

Tabela 2 – Principais técnicas utilizadas na prática de mindfulness

Práticas de mindfulness Instrução Objetivo

Focar a atenção somente na experiência Mindfulness em contraposição aos


de comer pensamentos automáticos.
Comer em atenção plena
(exercício da uva-passa)
Levar a atenção às Sensações e aos Atenção plena como transformadora
sentidos enquanto se come da experiência.

Aprender o quanto a mente é difusa e


dispersa
Focar a atenção nas atividades cotidianas
Atenção plena nas atividades
que, com, se realiza sem dar-se conta (
cotidianas Aprender como acessar uma nova
tomar banho, dirigir etc.)
forma de se relacionar com as
experiências

Praticar conscientemente focar e


desfocar a atenção.

Repetir a prática de dar-se conta,


observar e voltar ao corpo.
Colocar atenção nas diferentes
Meditação na contemplação Sensações que surgem no corpo.
Aumentar a consciência corporal.
das sensações ou Body Scan
(escaneamento corporal) Começar pelos pés até chegar a cabeça e
Atenção plena em como as Sensações
ao contrário.
são geradas no corpo, sejam estas
agradáveis ou não.

Dar-se conta da aversão gerada por


algumas Sensações.

Usar a respiração como foco ou âncora da Treinar a capacidade de manter a


Atenção plena na respiração.
atenção. atenção no presente.

É treinada como uma meditação


rápida, para realizar em qualquer
Aprender a lidar com a divulgação da
momento do dia.
mente.
Prática dos 3 minutos
São três frases: tomada de consciência
Aprender a ser amável com sigo
(de pensamentos, emoções, Sensações,
mesmo.
etc.); trazer a atenção ao presente ampliar
a atenção para todo o corpo.

8
Levar a atenção aos movimentos do corpo
Aumentar a consciência corporal.
Movimentos corporais com enquanto se realizar
atenção plena (mindful alongamentos. Costuma-se utilizar
Repetir a prática de dar-se conta,
movements) posturas ou asanas simples de yoga (Hata
observar e voltar o corpo.
Yoga)

Levar a atenção ao processo de caminhar,


Mindfulness caminhando tomando consciência de todos os Praticar mindfulness em movimento.
músculos e movimentos necessários.

Fonte: Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016, p. 26-27.

Mindfulness é:

Um estilo de vida baseado na consciência e a calma, que nos permite


viver de forma íntegra no momento presente. [...] Seu objetivo
fundamental consiste em desmascarar automatismos, promover a
mudança e a melhora em nossas vidas. [...] Da mesma forma que o
exercício físico regular fortalece nossos músculos, exercitar-se com
técnicas de atenção plena pode desenvolver em nós uma força interior,
que nos permita viver de um modo muito mais desperto, mas consciente,
e que nos possibilite desfrutar mais do positivo, enfrentar com
serenidade o negativo, aprender mais com nossas experiências e, em
suma, ser mais felizes. (Marti, Garcia-Campayo, Demarzo, 2016, p. 113,
114)

TEMA 2 – MELHORAR A COMPETÊNCIA INTUITIVA?

2.1 Melhor que a intuição é intuição e razão juntas

Comentamos em outros textos que se a intuição é bastante importante no


processo de tomada de decisão, mas que melhor que ela é o equilíbrio entre o
processo analítico e o intuitivo. Algumas evidências surgem de estudos com
empreendedores (texto 5) e na educação (texto 4). Mais do isso, trata-se da forma
natural de funcionamento humano, a qual pode ser moldada pelo contexto (o
ambiente cultural e o tipo de decisão ou questão e a situação em si) e as
preferências pessoais do estilo cognitivo.
A perspectiva racional é útil na análise da situação decisória, analisando
alternativas e refletindo relações de causa e efeito. O processo intuitivo auxilia na
detecção do problema, na criação de uma imagem integrada e holística deste
também, na avaliação das várias alternativas possíveis para a decisão e ainda na
verificação profunda da decisão escolhida. A flexibilidade cognitiva de uma mente
ambidestra pode usar um ou outro tipo de processamento de acordo com a
situação, podendo trocar de um para o outro ou mesmo usar ambos, o que parece
ser um caminho do meio eficiente e eficaz. Para tanto, faz-se necessário

9
reconhecer o estilo de preferência para focar mais atenção ao menos
desenvolvido. A cultura ocidental ainda parece privilegiar o modo analítico,
apresentando-se como uma forma de moldar ou uniformizar a forma de
funcionamento. Mas o biológico é mais velho que a cultura e se apresenta como
tendência natural ao intuitivo. Assim, as dicas e as práticas que se seguirão
continuam a focar nesse aspecto não privilegiado culturalmente, a intuição. Mas
fica o alerta de que não estamos desvalorizando o processo analítico, do qual
tanto precisamos também, em equilíbrio com a intuição.

2.2 Melhorando a intuição?

Muitos autores propõem que é possível desenvolver a intuição (Burke;


Sadler-Smith, 2011). Sadler-Smith e Shefy (2007) oferecem um guia de
desenvolvimento da consciência intuitiva para que executivos possam utilizar a
intuição de forma inteligente e eficaz, reconhecendo limites e maximizando os
potenciais.

Eles argumentaram que intuição e racionalidade são dois sistemas


paralelos de conhecimento, ou seja, são processos duplos [...] e o
desafio para educadores de negócios (e gerentes) é unir os dois
sistemas para desenvolver alunos que são 'intuitivamente inteligentes'
[...] A análise e a intuição interagem de maneira iterativa no processo de
decisão, com base no pressuposto de que, para muitos problemas de
negócios do mundo real, nem a análise nem a intuição são suficientes.
(Burke; Sadler-Smith, 2011, p. 239)

Noutra publicação, esses pesquisadores (Sadler-Smith; Shefy, 2010)


apresentam a ideia de uma inteligência intuitiva, indicando três perspectivas que
devem ser seguidas para o seu desenvolvimento:

(i) da perspectiva da expertise intuitiva [...] é possível desenvolver mais


habilidades de julgamento intuitivas ajustadas e específicas do domínio;
(ii) os gerentes podem construir um conhecimento e entendimento das
características distintivas da intuição e, assim, delineá-la de construções
relacionadas (como heurística ou insight); e (iii) a autoconsciência
aprimorada pode ajudar as pessoas a entender melhor seus próprios
processos de intuição (componentes cognitivos e afetivos) e resultados.
(Burke, Sadler-Smith, 2011, p. 240)

Burke e Sadler-Smith (2011, p. 241-242) apresentam as recomendações


de vários pesquisadores sobre como desenvolver a intuição.

Hogarth
 Selecionar/criar o ambiente certo para aprender (ou seja, adquirir
intuições corretas em ambientes apropriados)
 Triagem de ações automáticas antes de segui-las (por exemplo,
imposição de 'disjuntores')

10
 Buscando feedback e reconhecendo se um ambiente é gentil (o
feedback é crítico e funcional) ou malicioso (o feedback é defeituoso)
 Reconhecer emoções como parte do sistema intuitivo e tratá-las como
dados
 Explorar conexões usando narrativa, imagens e simulação mental
 Aceitar conflitos na escolha (entre análise e intuição)
 Tornar o método científico intuitivo (isto é, instrução e prática no
raciocínio científico, para que se torne tácito e possa ser implementado
automaticamente)

Sadler-Smith e Shefy
 Refletir sobre experiências de intuição, nível de confiança depositada no
instinto, supressão de palpites e dissimulação da confiança no
pressentimento
 Desenvolver uma apreciação cognitiva das diferenças entre instinto,
insight e intuição
 Obter feedback confiável sobre julgamento intuitivo, construindo
confiança no instinto e estando em um ambiente no qual boas intuições
podem ser desenvolvidas
 Fazer um benchmarking de quão confiável é o julgamento intuitivo e
identificar como o julgamento intuitivo pode ser melhorado
 Usar imagens em vez de confiar exclusivamente em palavras (ou seja,
visualizar possíveis cenários futuros e refletir sobre as respostas
intuitivas)
 Testar julgamentos intuitivos, levantando objeções, gerando contra-
argumentos e sondando a robustez do instinto aos desafios
 Criar condições para a intuição, capturando intuições antes que elas
sejam censuradas pela 'mente analítica' e validando intuições

Sadler-Smith e Burke
 Dissipar mitos sobre a intuição: reconhecendo as bases científicas da
intuição e contrastando a experiência intuitiva com a intuição mágica
 Capturar e analisando intuições: desenvolvendo uma abordagem
sistemática para gravar, interpretar e articular intuições

Sadler-Smith e Burke
 Examinar intuições e dando feedback: examinando a intuição usando
técnicas de questionamento apropriadas; identificar situações em que a
intuição funcionou e onde falhou
 Estar ciente dos vieses: reconhecer e combater o viés de confirmação e
outras fontes de erro (por exemplo, representatividade, disponibilidade e
ancoragem)
 Dar alívio à mente racional: praticando técnicas de relaxamento e
contemplação mental

Sadler-Smith e Shefy
 Desenvolver expertise intuitiva (ou seja, conhecimento de um domínio)
 Desenvolver entendimento intuitivo (ou seja, conhecimento da intuição)
 Desenvolver autoconsciência intuitiva (ou seja, conhecimento da própria
mente intuitiva)

2.2.1 Desenvolver expertise intuitiva

É necessário criar condições apropriadas para que as pessoas possam


aprender pelas suas experiências e desenvolver as associações políticas e
padrões de pareamento para o reconhecimento intuitivo. Ambientes favoráveis ao
aprendizado explícito e implícito (este gerado pela observação) com apropriado

11
feedback, aquele no qual a crítica é feita de forma habilidosa e está voltada ao
processo de crescimento. Esses ambientes parecem fomentar as boas intuições,
ao passo que aqueles de caráter disfuncional, ambientes perversos, marcados por
comentários defeituosos e enganosos, parecem estimular as intuições ruins.
Compreender os acertos e os erros por meio de feedback pode ser uma chave
para construir a expertise intuitiva, trazendo confiabilidade. É importante lembrar
que essa expertise, como outras, acontece com o tempo, algo como ao menos 10
anos de trajetória em um domínio específico. Pode envolver rituais de passagem
e, ainda que possa ser acelerada por meio de métodos, é pelas experiências
concretas, fora da zona de conforto, sejam elas simuladas ou no ambiente da vida
real, que se constrói (Burke; Sadler-Smith, 2011).

2.2.2 Autoconsciência intuitiva

A expertise intuitiva está relacionada tanto ao processo quanto ao conteúdo


da intuição, ao passo que a autoconsciência se foca no desenvolvimento do
processo. Inclui-se nela, por exemplo, uma atitude em relação à intuição, às
experiências intuitivas significantes e como a intuição trabalha. É importante o
treino do acesso à mente intuitiva, das capacidades tanto de análise quanto de
intuição (equilibrando o estilo de pensamento mais favorável a um ou outro
aspecto), e da adequação às circunstâncias e à tarefa em foco (se ambas são
mais propícias ao uso da intuição ou da análise, ou de ambas) (Burke; Sadler-
Smith, 2011).
Outro aspecto importante é que, sendo a intuição afetivamente carregada,
as emoções, que parecem permear todos os processos humanos, devem ser
consideradas como dados.
Burke e Sadler-Smith (2011, p. 243) entendem que os sentimentos
intuitivos são diferentes daqueles emocionais e que, dessa forma, devem ser
distinguidos para o correto uso da intuição:

sentimentos intuitivos não são equivalentes a sentimentos emocionais;


portanto, é essencial não apenas que os alunos reconheçam o afeto
como dados, mas também que sejam capazes de distinguir entre o afeto
mais forte associado aos sentimentos emocionais (por exemplo, medo,
amor, felicidade) e o afeto mais sutil (por exemplo, palpite,
pressentimento ou vibrações) associados à expressão dos resultados da
intuição na percepção consciente.

12
Em complemento, lembramos que nossas emoções, em parceria com o
sistema de recompensa (prazer), representam a base para a maior parte de nosso
comportamento e decisões. Usualmente integradas ao nosso sistema cognitivo
(predominantemente mediado pelo córtex pré-frontal), nos garantem decisões
voltadas ao sucesso, no curto, médio e longo prazo. Mas nem sempre esse é o
caso, pois frequentemente também somos estimulados por recompensas de curto
prazo. Por exemplo, o prazer imediato de um doce em vez da manutenção de uma
dieta que conduziria a um prazer de médio e longo prazo. Nesse caso, e em
muitos outros, podemos utilizar de alguma justificativa e decidir/agir para
satisfação de um desejo.
Enfatizamos aqui a importância do treino da atenção, diretamente
relacionada com o treino da força de vontade. Sem que eu ou você consigamos
estar presentes no momento da “tentação”, nem a perceberemos
conscientemente. Mas, se a percebermos, precisaremos ter força de vontade para
resistir a ela. Lembre-se de que a intuição nem sempre vai na direção de nossos
desejos; muitas vezes ocorre exatamente o contrário. Nesse ponto, cabe lembrar
que o estado de atenção plena, acima indicado, pode ser determinante na
percepção e ação coerentes, e consequentemente na administração de nossos
vieses e ilusões inevitáveis.

Burke (2009) destacou a importância de reconhecer e combater o viés


de confirmação e outras fontes de erro. Sadler-Smith também destaca
medos pessoais, preconceitos e ilusões como fontes de intuições
“fracas” e inimigas do bom julgamento intuitivo. Hogarth recomendou
que os tomadores de decisão se tornassem hábeis na triagem de suas
ações automáticas e impusessem deliberadamente um “disjuntor”,
“orientando assim o comportamento, se não mudando atitudes
subjacentes”. (Burke; Sadler-Smith, 2011, p. 244)

Um elemento relacionado à imaginação ou à forma lúdica de pensar


(favoráveis a intuição) é a narrativa de histórias e o pensamento metafórico.
Ambos podem ser treinados por estudantes no sentido de expressar ou comunicar
intuições no nível de diálogos tanto intra quanto interpessoal.
Aquietar a mente analítica dando ao processo cognitivo um descanso é um
outro elemento aparentemente favorável à intuição. Técnicas de relaxamento,
meditação e outras práticas podem ser incluídos nesse item.

Para esse fim, Sadler-Smith e Shefy (2007) aplicaram uma variedade de


técnicas contemplativas e meditativas em um ambiente de educação
gerencial; os participantes relataram positivamente o programa e uma
análise dos relatos diários de suas experiências revelou impactos
13
positivos percebidos nas sensibilidades intra e interpessoais, maior
confiança no julgamento intuitivo e uma maior conscientização dos
próprios processos cognitivos e afetivos. (Burke; Sadler-Smith, 2011, p.
244)

2.2.3 Autoconsciência corporal e emocional

De acordo com Sadler-Smith e Shefy (2010, p. 398), “O corpo é o principal


sensor da emoção e da intuição. É importante ouvir seu corpo no contexto de
eventos diários”, por exemplo, quando estamos em experiências estressantes ou
inovadoras. Nossas emoções se expressam no corpo; as intuições também. Por
vezes se manifestam em uníssono, em outros momentos, de forma bastante
divergente. O treino da observação do próprio corpo nos leva a perceber,
compreender e gerir mais nossas emoções (inteligência emocional).

Inteligência emocional e inteligência intuitiva estão intimamente ligadas.


Maior atenção aos fenômenos somáticos - consciência somática - é o
ponto de partida para a habilidade de distinguir o afeto que acompanha
uma intuição daquele que provém de uma experiência emocional mais
intensa. (Sadler-Smith; Shefy, 2010, p. 398-399)

TEMA 3 – INTUIÇÃO-PSI OU ANÔMALA: É POSSÍVEL TREINAR?

3.1 Apresentando a área e a pesquisa

Vimos em outros textos um tipo especial de intuição, chamando por nós de


intuição-psi ou anômala, conhecida na pesquisa de intuição como intuição não
local. Essas experiências são relatadas por um grande número de pessoas, em
estudos de diferentes países em cerca de 50% das amostras investigadas. No
Brasil, esse número chega a 85% (Machado, 2010; Batista, 2016; Cardeña;
Krippner; Lynn, 2013). Como indicado anteriormente, a intuição-psi refere-se a
experiências anômalas (EAs) relacionadas à psi e incluem duas categorias:
percepção extrassensorial (ESP), ou a suposta capacidade de se obter
informação sem a utilização dos canais sensoriais ou de inferências lógicas (ex.:
telepatia, clarividência e precognição) e psicocinesia (PK), que se refere à
hipotética ação ou efeito da mente sobre a matéria, ou seja, quando as
preferências ou pensamentos de pessoas parecem afetar o ambiente físico ou
biológico, sem a mediação do sistema muscular ou outra força física ou
mecanismo físico reconhecido (Cardeña; Lynn; Krippner, 2013; 2014).

14
O estudo que vamos apresentar questionou se é possível treinar pessoas
para estarem mais aptas para perceber e utilizar EAs relacionadas à psi
(fenômenos psi ou simplesmente psi) no contexto experimental, por meio de
experimentos controlados em laboratório. Também verificou se a manipulação de
certos fatores pode aumentar significativamente os escores de psi em laboratório.
Buscando respostas a essas questões, a pesquisa revisou a literatura científica
internacional sobre desenvolvimento psi. Esse estudo foi a base do mestrado
desse professor (Silva, 2009) junto ao Instituto de Psicologia, Departamento de
Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo, sob a orientação
do prof. Dr. Esdras Guerreiro Vasconcellos.

3.2 Alguns modelos conceituais para o treinamento psi ou da intuição-psi

3.2.1 Retroalimentação-informação (extrassensoriomotor) – Charles Tart

Trata-se do modelo conceitual mais extensivo de treinamento psi (Tart,


1975; Mishlove, 1983).
Tart (1975) sugeriu que a informação psi passa inicialmente por um
mecanismo receptor psi, o qual funciona de forma intermitente. O fluxo de
informação psi pode também passar através de dois hipotéticos componentes
adicionais, um processamento específico de informação psi e um processamento
e inconsciente, ambos funcionando também de forma intermitente. Cada um
desses componentes pode enviar informações adicionais à mente consciente,
indicando que eles estão em operação, sendo talvez possível para a mente
consciente exercer um pouco de controle sobre a operação deles. No entanto Tart
(1975) observou que a mente consciente (avaliação de sentido e tomada de
decisão) não apenas recebe uma informação mediada pela PES (percepção
extrassensorial) mas é também influenciada:

a. por informações advindas dos sentidos sensoriais;


b. pela memória;
c. por processos inconscientes; e
d. por fixações, estratégias, sentimentos e pensamentos irrelevantes (Tart,
1975; Mishlove, 1983).

Tart (1975) sustenta que o aprendizado psi ocorreu quando sujeitos foram
hábeis para desenvolver estratégias para obter informação correta mediada por

15
PES a respeito do alvo, obter retroalimentação imediata sobre a efetividade
dessas estratégias, categorizar e relembrar dessas estratégias, e finalmente
desenvolver estratégias novas e mais efetivas após avaliar os resultados dos
ensaios prévios. As estratégias podem ser relacionadas a vários sinais internos,
tais como imaginação mental ou sensações fisiológicas, que podem acompanhar
a informação psi-mediada correta; ou as estratégias podem envolver tentativas de
controle dos sistemas internos de processamento de informação-psi para causar
o aparecimento de informações relevantes do alvo na mente consciente (Tart,
1975; Mishlove, 1983, p. 31).

3.2.2 Redução do ruído – Charles Honorton

Outra perspectiva importante no treinamento de habilidades psi é o modelo


de redução do ruído, o qual sugere um problema de ruído no sinal na obtenção
de uma clara informação mediada por psi. As fontes desse ruído poderiam advir
de pensamentos ou imaginação irrelevante, atividade do sistema nervoso
autônomo, atividades somáticas, estimulação sensorial exteroceptiva (Mishlove,
1983).
Com base na observação de dados experimentais, clínicos e de fenômenos
espontâneos, Honorton (1994, p. 205) pergunta: “O que os sonhos, hipnose e
meditação têm em comum que levaria cada um deles a facilitar a performance de
um teste de PES?”.
Sua resposta indica três fatores:

a. o relaxamento físico;
b) a redução do processamento perceptivo ordinário (privação sensorial); e
c. um nível suficiente de estimulação cortical para sustentar uma atenção a
consciência (Honorton, 1994).

Com base na referência de que os estados de atenção interna facilitam a


detecção da psi por meio da redução dos estímulos sensoriais e somáticos, que
mascaram o fraco sinal da psi, Honorton (1977; 1994) sugere que a privação
sensorial seja a chave para a frequente associação entre a psi e os estados de
atenção interna (estados modificados de consciência, como sonho, meditação), e
dessa forma propõe o modelo da redução do ruído, e propõe uma técnica de
pesquisa que utiliza a privação dos sentidos sensoriais, chamada Ganzfeld.

16
Honorton entendia que o cérebro fica muito ocupado processando os sinais
sensoriais normais e assim não registra os sinais da PES. Os sinais externos são
diminuídos, pela privação sensorial, buscando-se fortalecer os fracos sinais da
psi. Os Estados Alterados de Consciência ou Estados de Atenção Interna (sonho,
hipnose, meditação, etc.) favoreceriam a psi por reduzirem drasticamente os
sentidos normais (Eysenck; Sargent, 1993).

Saiba mais

Técnica Ganzfeld
Essa técnica se utiliza de meias bolinhas de ping-pong, recortadas de forma
anatômica e alocada sobre os olhos do participante (chamado de receptor), de
forma a cobri-los completamente. Sob essas bolinhas incide uma luz vermelha, a
qual, ao atravessar a superfície das bolinhas, produz uma sensação de cor
roseada. Como esse estímulo é constante e nossos sentidos estão voltados a
perceber as diferenças, ou seja, aquilo que muda, a cor deixa de ser percebida
em aproximadamente 3 minutos. A pessoa que estiver tendo essa experiência
pode não mais saber se está com os olhos abertos ou fechados, ainda que seja
solicitada a permanecer com eles abertos. Ela também usa fones de ouvido, por
meio dos quais houve, inicialmente, induções para relaxamento físico e mental.
Após essas instruções para relaxar, a pessoa passa a ouvir um chiado
homogêneo chamado de chiado branco, algo semelhante ao som da turbina de
um avião. Esse estímulo auditivo, também constante, deixa de ser percebido por
volta de 12 minutos.
O conjunto desses artefatos produz uma espécie de alucinação em vigília.
Imagens mentais, sons e sensações corpóreas podem ser sentidas, quase
caracterizando um sonho acordado. Durante esse período, o receptor fica
relatando em voz alta todas as suas percepções e, a distância, uma outra pessoa
(emissor) assiste um estímulo – usualmente um vídeo curto, de aproximadamente
um minuto. O objetivo da experiência é que a pessoa (receptor), em estado
modificado de consciência, ou estado Ganzfeld, possa captar as informações a
que a outra pessoa (emissor) está assistindo. Ao final do experimento o receptor
assiste a quatro vídeos e tenta, com base em sua experiência, descobrir qual teria
sido visto pelo emissor (Silva, 2009; Silva; Martins, 2020, no prelo). Essa técnica
tem sido considerada uma das técnicas mais promissoras, em termos de
evidenciar em contexto de laboratório a existência de fenômenos psi, ou de

17
intuição-psi, nesse caso relacionada à experiência extrassensorial (Cardeña,
2018). Você pode assistir ao vídeo de um estudo que fizemos com essa técnica
acessando o link a seguir:
VÍDEO Documentário: Pesquisa Ganzfeld x não Ganzfeld. INeuropsi
Instituto, 24 nov. 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=zgtZY_6c1kI>. Acesso em: 15 fev. 2020.

3.2.3 Abordagem sistêmica para o desenvolvimento psi

A abordagem sistêmica, desenvolvida por Von Bertalanffy et al. (citados por


Mishlove, 1983) elaborou uma perspectiva filosófica e metodológica que impactou
de forma revolucionária em diversas áreas do conhecimento, grupos sociais,
movimentos econômicos, administrativos, entre outros.
Churchman (citado por Mishlove, 1983, p. 33) apresenta cinco
constatações básicas sobre sistemas, as quais são relacionadas com aspectos de
um sistema de desenvolvimento psi:

a. Os objetivos totais do sistema e, mais especificamente, as medidas


de performance do sistema total – aumentar os escores ESP,
evidenciados por uma curva de aprendizagem positiva sob condições de
controle experimental;
b. O ambiente do sistema: as limitações físicas – o laboratório no qual
treinamento ocorre, seu ambiente social interno e sua inserção na
sociedade onde existe, incluindo se existem mecanismos de limitação,
restrição ou constrangimento, implícitos no universo físico voltado a
permitir os processos psi;
c. As fontes do sistema – a habilidade psi inata dos participantes, a
habilidade experimental do pesquisador, a sensibilidade das medidas do
laboratório e as habilidades psicológicas e sociais dos funcionários do
laboratório;
d. Os componentes do sistema, suas atividades, metas e medidas de
performance – o desenho e os procedimentos experimentais utilizados,
os alvos ESP e os mecanismos de retroalimentação e
e. A administração do sistema – recai sobre o pesquisador e também,
em alguns casos, sobre o patrocinador.

Num sistema de desenvolvimento psi, a consciência individual é vista como


um subsistema de um sistema maior, que inclui as atividades de grupo, a
harmonia pessoal com o professor, a estrutura filosófica ou mitológica, o sistema
de valores, os padrões éticos, a disciplina física e mental, entre outros fatores
(Mishlove, 1983).
Vários aspectos podem ser úteis na discussão de características de
sistemas de desenvolvimento psi (Mishlove, 1983):

 A função da instrução pessoal por um professor


 Os procedimentos de seleção dos candidatos para o desenvolvimento

18
psi;
 O uso do segredo
 A ênfase resultados rápidos,
 O valor que é atribuído para psi em si,
 A ênfase em considerações éticas
 A ênfase numa estrutura lógica para entender psi,
 Ênfase sobre outras realidades ou dimensões do ser
 A ênfase nos estados alterados de consciência para induzir psi,
 Ênfase na psicocinesia,
 Utilização de retroalimentação para o aprendizado psi,
 Utilização de habilidades hipercognitivas como concentração e
meditação,
 Utilização de exercícios físicos
 Utilização de instrumentos e implementos para a ativação psi,
 A ênfase na mudança e desenvolvimento da personalidade,
 Utilização de dinâmicas de grupo no desenvolvimento psi,
 Ênfase na verificação dos resultados psi.
Esses fatores podem relacionar-se uns com os outros e também com
subsistemas de estados de consciência.

3.3 Síntese quantitativa geral dos dados

Como pode ser visto na Tabela 3, 128 estudos foram revisados


diretamente, sendo 87 deles relacionados à manipulação de variáveis
consideradas psi-condutivas (VPC) e 41 relacionados ao treinamento de psi (TP).
Essa desproporção reflete apenas suavemente a pouca atenção que os estudos
de treinamento recebem dos pesquisadores psi. 37% dos estudos TP receberam
críticas (de outros pesquisadores ou deste acadêmico), sendo que a maior parte
delas foi endereçada a problemas de método, ao passo que apenas 16% dos
estudos VPC receberam críticas. Essa diferença é natural em função de que a
complexidade dos estudos de treinamento é maior. O número de participantes nos
estudos VPC também é proporcionalmente bem maior que aquele relacionado aos
estudos TP, o que sintoniza com a queixa de alguns pesquisadores quanto à
dificuldade de obter participantes para estudos desta natureza. A grande
quantidade de ensaios para os dois tipos de estudo, ainda que igualmente
desproporcional para os estudos VPC, advém principalmente de pesquisas com
geradores de eventos aleatórios, representando um conhecido desequilíbrio
quantitativo na produção de ensaios ligados ESP em relação a PK (Silva, 2009).

19
Tabela 3 – Síntese quantitativa geral dos dados dos artigos revisados

Não Número
Número Receberam Número de
de receberam
Tipo de estudo de
estudos críticas participantes
críticas ensaios

De manipulação de
87 14 16% 73 84% 8.114 687.538
variáveis psi-condutivas

De treinamento psi 41 15 37% 26 63% 1.039 158.277

Total 128 29 - 99 - 9.153 845.815

3.3.1 Estudos de manipulação das variáveis psi-condutivas (VPC)

Os dados a respeito do tipo de VPC indicam que 34% dos estudos que
expuseram os participantes a determinadas condições o fizeram com
relaxamento, o qual pode ser considerado como a forma mais simples de
modificação de consciência voluntária. Ele é seguido pelos estudos de hipnose,
meditação e grupos. Estes, tendo ficado em último lugar, podem refletir também
o pouco valor ou atenção que recebem dos pesquisadores psi, ainda que possam
se constituir em espaço privilegiado de produção e estudo qualitativo dos
fenômenos em foco. O individual parece ter supremacia em relação ao social, no
que diz respeito ao estudo desses fenômenos. Quando os participantes foram
selecionados por manifestarem determinadas características psi-condutivas,
destaca-se a criatividade e a disciplina mental (práticas de relaxamento
concentração meditação entre outros). Esses fatores psi-condutivos se
relacionaram principalmente aos estados modificados de consciência (77%) e
fatores ligados aos sujeitos experimentais (23%) (Silva, 2009).

3.3.2 Estudos experimentais de treinamento psi (TP)

71% dos estudos alcançaram significância estatística e em 44% deles


houve um aumento de desempenho psi ou uma vantagem para o grupo teste (no
qual se tentou treinar psi) em relação ao grupo controle. Em 5% dos estudos
ocorreu o declínio do desempenho ou o grupo controle obteve resultados mais
satisfatórios que o grupo teste. Em 7% dos estudos verificou-se a estabilidade do
desempenho ou o equilíbrio dos grupos experimentais. Esse resultado apresenta-
se positivo em favor destes estudos, visto que, por acaso, apenas 5% deles

20
deveriam mostrar significância. Isso não significa dizer que eles obtiveram
sucesso no treino psi, mas apenas que os resultados são muito interessantes.
55% dos estudos buscaram estimular o aprendizado de características
pessoais da psi por meio do processo da retroalimentação. 14% deles utilizaram
a visualização como foco de treinamento, 10% trabalharam com relaxamentos,
9% com crenças. Hipnose e meditação estiveram presentes cada uma em 5% dos
estudos. 14% dos estudos utilizaram mais de uma abordagem.

3.3.3 Discutindo a eficácia dos treinamentos psi e os resultados de estudos


que manipulam variáveis consideradas psi-condutivas

Uma resposta direta à questão de que se os estudos reavisados foram


eficazes em treinar psi ou manipular variáveis psi-condutivas é não! Ainda que a
maior parte deles tenha obtido resultados significativos e na direção esperada, de
uma forma geral, os estudos falharam em termos da elaboração de métodos
capazes de excluir hipóteses alternativas àquelas testadas.
Como pode ser visto, os estudos tiveram resultados na direção da
possibilidade do treinamento de psi (intuição-psi), mas seus métdodos não foram
bons o suficientes para mostrar que o resultado ocorreu pelo treinamento ofertado.

3.3.4 Aprendizados dessa revisão

Indicam-se alguns elementos que parecem importantes para o treino da


intuição-psi, sempre com a ressalva de que mais estudos precisam ser feitos para
confirmá-los (Silva, 2009):

 Aprendizado de características pessoais da psi por meio do processo da


retroalimentação – tanto nessa revisão como em outros estudos nossos,
observamos a possibilidade da existência de uma forma pessoal de
funcionamento psi-intuitivo, ou seja, que a intuição-psi seja diferente para
cada pessoa. Para algumas pessoas, ela pode vir predominantemente por
meio dos sonhos; para outras, na forma de sensações corporais
específicas; outras relatam ouvir uma voz interna; há aquelas ainda que
relatam sentir em uma certa convicção, ou um pressentimento a respeito
de uma certa situação. Outra variedade inclui a percepção de imagens,
como se fossem alucinações. A sensação de que a consciência se modifica
diante de algo intuitivamente importante também é relatada. Enfim, existe

21
uma variedade de possibilidades, as quais não necessariamente se
excluem mutuamente, ainda que possa acontecer predominância de
alguma ou algumas delas. Se de fato existir uma forma pessoal de
funcionamento intuitivo (seja ele relacionado ou não à psi), o processo de
retroalimentação pode ser muito importante para o aprendizado, do que
estamos chamando de assinatura psi. Uma hipótese de trabalho que
utilizamos em nossos grupos de treinamento. Se existir
realmente assinatura provavelmente envolve aspectos somáticos,
emocionais, cognitivos e de modificação de consciência;
 Hipnose e crenças – outro aspecto que se destaca nessa perspectiva de
treinamento da intuição é o fator crença, ou se a pessoa acredita ou não na
intuição-psi. Em síntese, é necessário uma crença moderada na
possibilidade. A descrença parece dificultar ou impossibilitar o processo.
Uma crença exagerada pode gerar ansiedade e ou fantasias, do tipo tudo,
ou quase tudo é intuição;
 Criatividade – vários estudos experimentais vêm sugerindo que pessoas
criativas, em diferentes áreas, tendem a ter escores aplicativos de intuição-
psi. Considerada um dos fatores psi-condutivos, a criatividade é
mencionada em vários estudos nas diferentes áreas que estudam a
intuição, portanto sugere-se que esteja presente em qualquer tentativa de
estimular ou mesmo de treinar a intuição;
 Disciplina mental (relaxamento, concentração, meditação,
visualização, entre outros) – o mesmo pode ser dito sobre as práticas de
disciplina mental, ou modificação de consciência. Parece que são a porta,
ou janela para a mente intuitiva. Assim, não podem faltar nas abordagens
de treinamento da intuição.

TEMA 4 – GRUPOS DE TREINAMENTO DE INTUIÇÃO-PSI

A base teórica e estudos de levantamento e experimentais sobre intuição


que apresentamos indicam que a intuição (em geral, a intuição-psi) possivelmente
faça parte das decisões profissionais, e ainda mais, talvez esteja ligada ao
sucesso, à vantagem competitiva. A seguir, apresentamos duas experiências
práticas em que tentamos treinar intuição-psi, uma delas em ambiente
organizacional e a outra em espaço privado (grupos experimentais de vivências

22
para autoconsciência), desenvolvido junto as Faculdades Integradas Espírita, em
Curitiba.

4.1 Locação de imóveis via intuição-psi?

Figura 1 – Experimento

Figura 2 – Escores

Trata-se de um estudo experimental, desenvolvido numa empresa


imobiliária de Curitiba, verificando se é possível que os corretores se utilizem de
fenômenos anômalos relacionados à psi (intuição-psi) para aumentar suas

23
locações. O estudo foi conduzido no mês de junho e julho/2011. A proposta teve
como objetivo avaliar os escores de testes psi (clarividência e precognição) de
corretores de imóveis e correlacioná-los com os seus níveis de locações.
Participaram 16 corretoras, sendo os critérios de seleção que as voluntárias
estivessem empregados da empresa e desejassem participar do estudo.
Em termos de métodos, cada participante fez 120 ensaios, sendo metade
para o teste de precognição e metade para clarividência. Neles tentaram
adivinhar, de uma ficha com 60 imóveis, quais seriam locados por 5 pessoas,
sendo que cada pessoa locaria 3 imóveis (total de 15 alvos). Quando as
participantes conseguiam, no teste de clarividência a informação-alvo estava
próxima dos participantes, porém coberta por folhas opacas e lacrada em
envelope também opaco. No caso da precognição, a técnica é a mesma, porém a
informação dos alvos foi elaborada posteriormente. A aleatorização dos alvos foi
baseada numa tabela de números aleatórios e foi feita por um assistente externo.
Foram realizadas duas baterias de testes, uma antes e outra depois da
intervenção, a qual se constituiu em treinamento de habilidades interpessoais
(inteligência emocional) e intuitivas. Para as habilidades intuitivas,
desenvolveram-se técnicas de modificação de consciência e de percepção
corporal. Também se realizaram práticas com testes psi.
Quando as participantes conseguiam adivinhar corretamente os imóveis
que cada pessoa de forma individual locaria, havia um acerto direto (p= 0,05), mas
se acertasse dentro do conjunto dos 15 alvos (imóveis), independente de acertar
ou não a relação direta entre locadores e Imóveis alvo, considerou-se um acerto
indireto (p=0,25). Como pode ser observado no gráfico da Figura 2, os resultados
indiretas, que, teoricamente, deveriam ser mais fáceis, visto estarem associados
a uma probabilidade maior, tiveram um decréscimo entre o primeiro e o segundo
teste.
Curiosamente o contrário ocorreu com os acertos diretos, condição de
maior dificuldade. Os acertos subiram de 11 para 28 nesta condição direta. A
diferença é significativa, sugerindo que houve uma melhora nas habilidades se
dessas corretoras. A correlação entre os acertos psi e a quantidade de locações,
que se havia previsto, não gerou dados significativos em particular em função da
sazonalidade relacionada à área.

24
4.2 Grupos exploratórios de treinamento de intuição-psi

Esse estudo dentro de uma organização foi uma experiência nova para
nós. Mas vimos trabalhando com grupos com esse mesmo objetivo desde 1998.
Basicamente nos questionamos se seria possível treinar a intuição-psi, ou
a sua percepção. Para isso, desenvolvemos experiências em grupos exploratórios
em treinamento psi. Uma delas foi realizada de março de 2008 a dezembro de
2009, totalizando 68 sessões de 2 horas cada. Quatorze participantes
participaram dos grupos experimentais de vivências para autoconsciência nesse
período, mas apenas sete realizaram testes formais para psi, que foi o critério de
inclusão nesse estudo
Esses grupos visaram estimular:

a. autopercepção sistemática (treinamento em auto-observação);


b. os chamados fatores psicocondutivos (com ênfase na criatividade e estados
modificados de consciências);
c. desenvolvimento interpessoal/emocional; e
d. utilização de psi em testes e rotinas diárias (tomada de decisão, solução de
problemas e orientação pessoal).

Várias técnicas foram usadas no treinamento psi (por exemplo, visão


remota, telepatia através de desenhos, clarividência usando imagens como alvos)
(Silva, 2011).
Duas técnicas foram usadas para avaliar os escores psi oficiais, conforme
se observa na Figura 3:

25
Figura 3 – Formulário utilizado no teste de clarividência chinesa. Parte deste
formulário, com a ordem aleatória que mostra os retângulos onde cada desenho
deve ser feito. Essa parte é cortada e somente a parte superior é dada aos juízes
independentes

4.2.1 Clarividência chinesa (Chi)

Os participantes tentam adivinhar figuras dentro de um pedaço de papel


pequeno e macio (3x3 cm), dobrado de maneira especial para ocultar as
informações do alvo. Durante o teste, o papel dobrado é colocado em uma das
orelhas do participante, que tenta verificar os dados ocultos. Depois de receber
algumas informações mentais sobre o alvo, o participante registra essas
informações (desenhos e notas) em um formulário específico. Então ele tira o
papel da orelha e verifica o resultado, adicionando-o ao mesmo formulário. Os
alvos são colados em retângulos na parte inferior do formulário, na ordem em que
são usados; os desenhos e notas são registrados em retângulos na parte superior
do formulário em uma ordem determinada aleatoriamente. Isso permite a
avaliação por juízes independentes, que combinam cegamente cada alvo com
dois desenhos dos participantes. Um desenho é indicado primeiro e, se
corresponder ao alvo, um acerto de primeira ordem é marcado. O outro desenho
é colocado em segundo lugar. Os acertos contados no primeiro e no segundo
lugares são chamados de acertos totais (Silva, 2011).

26
Figura 4 – Formulário utilizado de clarividência utilizando fotografias

4.2.2 Clarividência brasileira (Br)

Inspirada na primeira técnica, é muito semelhante. A principal diferença é


que os alvos são pequenas imagens impressas, duplamente escondidas em
envelopes opacos. Acertos diretos e totais também são levados em consideração
nessa técnica. Foram realizados três conjuntos de testes em cada técnica (Chi1,
Chi2, Chi3, Br1, Br2 e Br3), totalizando 3.008 tentativas. Nos testes Chi1 (n = 448),
os acertos diretos foram significativos (p = 0,04, = 0,43), já os acertos totais não
foram. Os testes de Chi2 (n = 560) não geraram acertos em um nível significativo.
O Chi3 (n = 560) indicou resultados significativos apenas para acertos diretos (p
= 0,0028,  = 0,56). Os resultados de Br (n = 320, 520 e 600, respectivamente)
para acertos diretos foram significativos (Br1, p = 0,0003,  = 0,63; Br2, p =
0,000002,  = 0,63; Br3, p = 0,0012,  = 0,57) e parcialmente significativo para
acertos totais (Br1, p = ns; Br2, p = 0,00005,  = 0,77; Br3, p = 0,0018,  = 0,73)
(Silva, 2011).

27
Figura 5 – A sequência aleatória cortada de um desses formulários

Com base nesses dados e nas pontuações individuais dos participantes,


algumas hipóteses foram rejeitadas:

a. “alguns dos participantes melhorariam seu desenvolvimento psi-intuitivo


além do que era esperado por acaso, mantendo-o assim pelo menos
durante o período em que eles permanecer nos grupos” (Silva, 2011); e
outra foi confirmada;
b. “que o grupo como um todo poderia mostrar sinais de melhora nos escores
psi” (Silva, 2011).

Esses dados poucos significam dentro de um contexto maior relacionado


ao treinamento psi, porém servem como referência a uma área que precisa ser
explorada, com possibilidades muito promissoras.

TEMA 5 – NEUROLIDERANÇA INTEGRAL: O MODELO INLEAD

5.1 Apresentação geral

Após termos refletido sobre várias possibilidades teóricas e práticas do


desenvolvimento da intuição, podemos pensar que intuição ocorre num contexto
orgânico (um corpo) e social (economia, cultura, sociedade). Qualquer tentativa
de desenvolvimento dessa habilidade complementar à nossa racionalidade, você
quer a utilização de uma visão sistêmica. Nosso próprio organismo é um sistema
complexo e não podemos pensar na intuição como algo desvinculado ao nosso
corpo. O modelo que apresentaremos abaixo, de forma muito sucinta, reflete uma
tentativa de integrar vários elementos individuais e coletivos do sistema múltiplo

28
no qual a intuição se insere.
Esse modelo é pensado em torno de uma temática central, que é a
liderança, e para tanto se inspira nos conhecimentos do cérebro. Por isso, sua
temática abrangente é a neuroliderança, ou seja, como seria o processo da
liderança se os conhecimentos da neurociência fossem a ela aplicados.
Naturalmente não se restringe somente a essa área, pois inclui a psicologia
organizacional, social, anomalística (que estuda a intuição-psi), entre outras. Esse
modelo (inLead - Integral neuroleadership) vem sendo desenvolvido ao longo dos
anos pelo Instituto Neuropsi: pesquisa e ação inovadora em desenvolvimento
humano integral e, mais recentemente, temos desenvolvido cursos presenciais de
formação nessa área. O inLead considera uma base quaternária (corpo, emoção,
mente e intuição) para sua organização teórico-didática, tendo como inspiração a
psicologia junguiana, com destaque para seu modelo dos tipos psicológicos.

5.2 IMEE – Intuição, mente, emoção e energia

5.2.1 Energia

Se a intuição é o topo o corpo é a base, topo e base se integram, visto que


a intuição ocorre e é expressa no corpo, muito mais do que na mente ou na
consciência. Como indicado acima, o treinamento da percepção corporal é base
para quem quer desenvolver a intuição. Mas talvez não baste perceber o corpo; é
necessário cuidar dele. Temas como nutrição (com ênfase para nutrição cerebral);
ingesta de água, quantidade e qualidade do sono; sexualidade; exercícios físicos
e neuróbicos (aqueles que estimulam o cérebro) são cruciais quando queremos
ter um desempenho elevado em termos de liderança. Para liderar, é preciso muita
energia, e sua gestão diz respeito aos cuidados corporais, o que inclui a
administração do stress.

5.2.2 Emoção

Se a energia é o nosso combustível corporal, é a emoção que se encarrega


da maior parte da sua distribuição. Está presente em todos os processos
cognitivos, racionais e também intuitivos! É a base de nossa motivação, atenção
e percepção. Se conseguirmos desenvolver a inteligência emocional, estaremos
mais perto da inteligência intuitiva. Sem aquela, não conseguimos sequer
distinguir o que seja a intuição. Misturamos nossos desejos, necessidades,
29
projetamos nossas dificuldades nos outros, inventamos histórias, ilusões que
justificam nossas escolhas enviesadas, por processos que sequer suspeitamos
que existem. Treinar a percepção, aceitação, transformação e gestão emocional
parece ser essencial a quem quer desenvolver a intuição. De fato, é essencial
para todas as coisas que fazemos em nossas vidas, com destaque para a tomada
de decisão. A propósito, é também a base de nossa saúde, estando diretamente
relacionada com o nosso sistema imune. Desenvolver inteligência emocional é
desenvolver inteligência interpessoal, habilidades sociais, mas também é
desenvolver felicidade, cura pessoal.

5.2.3 Mente

Um ditado oriental indica que “A mente mente continuamente”! Estamos


falando de nossos vieses e ilusões, que são de fato contínuos na nossa
experiência cognitiva. Nosso intérprete cerebral é aquela vozinha que quase
nunca se cala; ao contrário, ela fala, fala e fala, para que tenhamos (criemos)
sentido nas coisas. Acalmar essa voz é possível pelo treino da atenção,
mindfulness ou atenção plena, e nos permite observar mais nosso corpo, nossas
emoções e diálogos internos. Como sugerem alguns autores citados, é possível
também perceber, decidir e agir intuitivamente. Estar no presente parece nos
permitir tudo isso. O treino da mente nos permite gerir colaborativamente outras
estruturas de nosso sistema, incluindo aspectos corporais e emocionais. Esse
treino também implica estudar o conhecimento científico de forma crítica, podendo
aplicá-lo cuidadosamente. Aqui se consideram em especial os modelos de
neuroliderança.

5.2.4 Intuição

Parece existir alguma evidência de que temos acesso direto ao futuro


(Silva, 2014; Cardeña, 2018). Se assim for, isso pode ser crucial para o
direcionamento pessoal e profissional. A visão (visionamento) do
futuro, apresentado anteriormente, pode ser um exemplo disso. Pode, talvez,
também explicar o sucesso de alguns empreendedores. Para além disso, por meio
dos estados modificados de consciência, a intuição pode nos levar a um contato
íntimo com nós mesmos, com realidades que transcendem nossa capacidade
cognitiva. Talvez seja a intuição, ou inteligência intuitiva como propõem alguns

30
pesquisadores, aquela que nos leve a um patamar mais elevado de consciência,
tanto no plano individual quanto coletivo. Talvez também nos leve a colaborar com
um movimento massivo de transformação, em curso em nosso planeta (Marins,
2019).
Esses quatro elementos podem ser trabalhados em atividades de
treinamento. Basicamente é isso que propõe o modelo de liderança integral
(inLead), o qual pode ser aplicado a profissionais de diferentes áreas, por
exemplo, educação, organizações, saúde, segurança e direito. Naturalmente que
muita pesquisa precisará ser desenvolvida até que uma abordagem como essa
possa ser referendada como eficiente e eficaz, o que não impede que as
experiências e cursos possam ser desenvolvidos, sempre deixando claro aos
participantes o status de conhecimento científico, que não permite qualquer
garantia ou previsão.
A apresentação muito rápida desse modelo tem como objetivo mostrar a
necessidade de uma abordagem integrada no que se refere à intuição. É preciso
também mostrar que iniciativas nesse sentido já estão sendo conduzidas, ou seja,
que é possível realizá-las. A seguir, há um esquema do modelo de neuroliderança
integral.

Figura 6 – Modelo de neuroliderança integral

A intuição parece ser nosso grande desafio de crescimento, talvez o maior.


Vivemos num mundo de profundas e rápidas transformações (4ª Revolução

31
Industrial em plena pós-modernidade). Habitamos a velocidade, a mudança
contínua, a incerteza e a complexidade. Estamos nos transformando sem muito
perceber o quanto e como ou para onde. Parece urgente que nos conectemos
mais e mais com nós mesmos(as); que encontremos referências internas seguras
e sábias sobre nossa situação e direção. A intuição pode ajudar! Mas conquistá-
la não parece ser algo fácil. Talvez, ao contrário, o que há de mais difícil, pois
implica uma jornada para dentro de nós mesmos(as). Isso é perigoso! Ao mesmo
tempo, incrível. E não implica apenas autoconhecimento e autotransformação.
Simultaneamente é uma jornada para contato mais profundo com os outros, com
o social, com nossas possibilidades colaborativas para a transformação do
mundo. E, todos podemos mudar o mundo! Trabalhar para desenvolver a intuição
é, talvez, emergir capacidades de liderança, de uso consciente de poder, é
empoderar-se e, naturalmente, assumir crescentes responsabilidades, desafios!
Parece evidente que temos muito mais capacidades do que aquelas que já
desenvolvemos. O momento é propício! Empenhemo-nos mais nessa imprevisível
aventura de nos tornarmos tudo aquilo que podemos ser!

32
REFERÊNCIAS

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sua prevalência, relevância e associação com crenças e atitudes. Trabalho
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