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Educação em Espaço não Escolar: Pedagogia Hospitalar

Mediante a lei n° 13.716/2018, foi incluído na modalidade de educação especial, a


Pedagogia Hospitalar, que perpassa todos os níveis da educação – da educação infantil ao
ensino superior. “Historicamente, a ‘exigência’ desse atendimento no Brasil em enfermarias
pediátricas partiu da Sociedade Brasileira de Pediatria e ganhou ampla repercussão nas
organizações não governamentais de luta pelos direitos da criança e do adolescente”
(GONÇALVES et al., 2016, p. 2).
A educação especial é definida pela Lei n° 9.394/1996, como uma modalidade de
educação escolar, conjunto de métodos e procedimentos específicos do processo de ensino e
aprendizagem colocados à disposição aos alunos com necessidades especiais.
A intensa luta política educacional pelo reconhecimento do direito de toda criança à
educação e a oportunidade de atingir e manter um nível adequado de aprendizagem culminou
na Declaração de Salamanca (1994), sobre princípios e práticas em educação especial, que
defende o acesso à educação para toda e qualquer criança independente de quaisquer
condições que apresentem, Gonçalves et al. (2016).
Em dezembro de 2002, o Ministério da Educação (MEC) publica o documento
intitulado Classe Hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar (BRASIL, 2002), neste
documento, a Secretaria de Educação Especial se propõe a oferecer estratégias e orientações
para o atendimento pedagógico voltado para o desenvolvimento e a construção do
conhecimento correspondente à educação básica, assim como, sublinha que:
O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em Educação
Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre as doenças e
condições psicossociais vivenciadas pelos educandos e as características delas
decorrentes, sejam do ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo.
(BRASIL, 2002, p.22 apud FONTES, 2008).

A prática pedagógica em enfermarias pediátricas é discutida entre duas correntes


opostas, a primeira delas, a mais difundida e com respaldo na Política Nacional de Educação
Especial (BRASIL, 1994), defende a educação escolar através de Classes Hospitalares.
De acordo com a política do MEC: “classe hospitalar é um ambiente hospitalar que
possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens internados que necessitam de
educação especial e que estejam em tratamento hospitalar” (BRASIL, 1994, p.20 apud
FONTES 2008).

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Esta corrente defende a presença de professores em hospital para a escolarização das
crianças e jovens internados segundo os moldes da escola regular. A outra corrente de
pensamento sugere a construção de uma prática pedagógica com características do contexto,
tempos e espaços hospitalares e não simplesmente transplantada da escola para o hospital. A
educação em hospitais oferece um amplo leque de possibilidades e de um acontecer múltiplo
e diversificado que não deve ficar aprisionado a classificações ou enquadres.

O PEDAGOGO NO ESPAÇO NÃO ESCOLAR

Adoecer faz parte da vida. Algumas doenças nos levam a internação, o que limita
nossa vivência cotidiana, nos colocando em outro ambiente, em outra rotina, o que nos leva
em determinadas vezes a um quadro de piora em nossa saúde já debilitada. Imagine essa
situação no qual o paciente ali internado se trata de uma criança.
Estar no hospital impõe outros papéis sociais diferentes daqueles que a criança
desenvolvia até então. Suas novas relações se constituem neste novo espaço, o que pode lhe
deixar marcas profundas em seu desenvolvimento. Pensando neste grupo de pacientes
crianças e adolescentes, afastados temporariamente da escola, que alguns hospitais vêm
adotando práticas de acompanhamento pedagógico a seus pacientes.
O ensino hospitalar apresenta particularidades e com isso o modelo de escolarização
formal dentro do hospital é diferente, necessário adaptações e adequações curriculares, pois
ocorrem em ambientes de tratamento de saúde – ambulatórios e enfermarias.
Os objetivos do atendimento pedagógico aos estudantes hospitalizados são
correlacionados com aquisição de conhecimentos formais, continuidade do currículo escolar e
desenvolvimento cognitivo da criança hospitalizada.

a) impedir a interrupção do processo de aprendizagem da criança e do adolescente


internados para no futuro serem integrados à sala de aula;
b) contribuir para diminuir o trauma hospitalar ao trazer para o hospital uma parte de
sua vida que é a escola;
c) ampliar o serviço hospitalar ao fazer a junção da educação com a saúde;
d) contribuir para a recuperação da criança e do adolescente ao lhes atribuir
responsabilidades educacionais;
e) orientar o aluno, o professor da escola de origem e a família quanto à necessidade
da continuação dos estudos após a hospitalização, nos casos possíveis;
f) proporcionar condições ao aluno para a continuidade e alcance da terminalidade
escolar, adequadas às características individuais (GONÇALVES, 2001;
GONÇALVES; MANZINI, 2011 apud GONÇALVES et al., 2016, p. 4).

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A contribuição das atividades pedagógicas para o bem estar da criança enferma passa
por duas vertentes de análise, a primeira aciona o lúdico como canal de comunicação com a
criança, procurando fazê-la esquecer, durante alguns instantes, o ambiente ao qual está
inserida. A segunda refere-se ao processo de conhecimento desse novo espaço, desmitificando
o ambiente hospitalar, ressignificando suas práticas e rotinas.
A especificidade de uma educação em hospital leva à necessidade de se pensar
métodos pedagógicos específicos para o contexto hospitalar. A atuação do professor exigirá o
desenvolvimento de habilidades que nenhum curso ensina à disposição para saber trabalhar
com o imprevisto (uma criança repentinamente começa a ter convulsões, outra teve uma
recaída, ou aquela que foi tirada da atividade para tomar medicação intravenosa). Os
professores sabem que cada momento no contexto hospitalar deve e precisa ser vivido em
toda sua intensidade. É fundamental que o professor hospitalar saiba escutar, compreender a
criança enferma.
A abordagem pedagógica pode ser entendida como instrumento de suavização dos
efeitos traumáticos da internação hospitalar e do impacto causado pelo distanciamento da
criança da sua rotina, principalmente no que se refere ao afastamento escolar.
Wallon e Vygotsky são citados por Fontes (2005), haja vista a grande contribuição de
seus estudos que tratam da infância. Para Wallon, “o desenvolvimento assemelha-se a uma
construção progressiva em que se sucedem fases com predominância alternadamente afetiva e
cognitiva”. (FONTES, 2005, p.125). Ou seja, o desenvolvimento do intelecto se dá a partir
das emoções vivenciadas.
Já Vygotsky, nos mostra em seus estudos a relação entre aprendizado e
desenvolvimento em crianças na idade escolar, sendo a linguagem, material fundamental do
pensamento. Para os dois estudiosos, é a partir do contato social que um ser se torna
indivíduo, portanto, quando crianças ficam hospitalizadas e privadas do convívio com seu
grupo, sua capacidade de construção de conhecimento e subjetividade fica comprometida.
Levando em consideração que a média de tempo de internação na enfermaria
pediátrica é de quinze dias, Fontes permaneceu por 7 meses fazendo seu estudo de campo.
Nesse período, teve contato com 32 crianças e as atividades eram realizadas duas vezes na
semana, no período da manhã. Na primeira fase de suas observações, desenvolveu atividades
pedagógicas com todas as crianças e adolescentes que podiam ir até a sala de recreação. Num
segundo momento, sua análise voltou-se para aqueles que estavam em sua segunda
internação, e naqueles que estavam internados a mais de trinta dias.

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As atividades eram realizadas em grupo, e delas participavam crianças de 3 a 14 anos
e seguiam da seguinte forma:

O critério de escolha das atividades levou em consideração os seguintes aspectos:


adequação à faixa etária, exigência de diferentes níveis de organização mental,
atenção, respeito às regras, convívio social, conhecimento de rotina hospitalar,
conhecimento de sua doença e de seu corpo, e expressão de seus pensamentos e
sentimentos através da linguagem oral, gráfica e corporal. (FONTES, 2005, p.131).

Os eixos de análise das interações foram linguagem, brinquedo e jogo, emoção,


conhecimento e relação com a escolarização. Levar a escola para o ambiente hospitalar,
propiciou às crianças a ideia de uma vida normal. A escuta pedagógica surge como a chance
da criança se expressar de forma verbal, conseguindo então, expressar seus sentimentos
quanto ao momento vivenciado. O desenho também mostrou-se ferramenta ímpar de trabalho,
onde a criança pode expor seus pensamentos. Também “Os momentos de interação com o
grupo propiciam à criança oportunidade de desenvolver plenamente sua inteligência”.
(FONTES, 2005, p.133).
As interações com outras crianças hospitalizadas trouxe para elas a oportunidade de
conhecer as histórias umas das outras, fazendo com que se solidarizassem e até mesmo
entendessem melhor o que estava acontecendo com elas mesmas. Sendo assim, a sala de
recreação hospitalar se mostra ambiente de extrema importância na vida dessas crianças,
levando-as a ter sensação de prazer e alegria em um lugar antes considerado lugar de dor.
Portanto, os educadores devem dirigir-se às crianças como um todo, trabalhando com
ele por inteiro, compreendendo-o como sujeito completo e historicamente situado. O papel da
pedagogia hospitalar se torna então aquele que através do afeto, da linguagem e das interações
sociais leva a criança hospitalizada ressignificar o ambiente em que se encontra e restaurar
sua subjetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em seus dois artigos, Fontes descreve a dificuldade do professor em se ressignificar no


campo hospitalar, devido as enfermidades dos estudantes. A educação proposta é mais lúdica
do que em uma escola. Levar a escola para o ambiente hospitalar, é levar um pouco da vida
“normal” para a criança hospitalizada.

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Fontes também sugere a interação entre as crianças para oportunizar a comunicação e
a solidariedade entre elas. O pedagogo precisa utilizar diversas atividades para propiciar um
conhecimento científico e popular que possibilite o autoconhecimento da criança.
Gonçalves, Granemann e Pacco, elucida os aspectos legais da Pedagogia Hospitalar,
porém por meio de suas pesquisas é possível observar que é um ambiente pouco explorado
nas Universidades, logo, o profissional recém graduado precisa se especializar para que possa
atuar neste espaço não escolar.
Com os artigos estudados, fica evidente o quão desafiador é o trabalho pedagógico em
um hospital, visto que foge do ambiente tradicional de ensino e lida com crianças com saúde
debilitada. É preciso a compreensão e a quebra de preconceitos na área da saúde, pois esta é
mais uma área de atuação profissional.

Os profissionais atuantes neste espaço devem ter formação preferencialmente em


Pedagogia, educação especial ou outras licenciaturas, de acordo com o Ministério da
Educação. E sua formação do profissional é extremamente importante, pois é ele quem fará
que o estudante tenha oportunidade de aprendizado e desenvolvimento enquanto estiver
hospitalizado ou em tratamento de saúde, o professor passa a ser um mediador de estímulos,
que reinventa maneiras para possibilitar a continuidade dos estudos.

REFERÊNCIAS

FONTES, R. de S. Da Classe à Pedagogia Hospitalar: a educação para além da


escolarização. LINHAS, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 72 – 92, jan. / jun. 2008. Disponível em:
<http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1395/1192>. Acesso em:
28 jul. 2020.

FONTES, Rejane de Souza. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel


da educação no hospital. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 29, p. 119-138,
2005. Acesso em: <https://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a10.pdf>. Acesso em 28 jul.
2020.
GONÇALVES, Adriana Garcia; GRANEMANN, Jucélia Linhares; PACCO, Aline Ferreira
Rodrigues. Estudo Bibliométrico sobre a Formação de Professores Atuantes em Classe
Hospitalar. Criar Educação. UNESC, Criciúma, v. 5, nº1, janeiro/Junho 2016. Disponível
em: <http://periodicos.unesc.net/criaredu/article/view/2477>. Acesso em 29 jul. 2020.
GONÇALVES, Adriana Garcia; GRANEMANN, Jucélia Linhares; PACCO, Aline Ferreira
Rodrigues. Formação de Professores de Classes Hospitalares: realidade brasileira. Aula, v.
23, p. 135-146, 2017. Disponível em: <https://go.gale.com/ps/anonymous?id=GALE
%7CA545669609&sid=googleScholar&v=2.1&it=r&linkaccess=abs&issn=02143402&p=IF
ME&sw=w>. Acesso em 29 jul. 2020.

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