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Síntese dos conteúdos de cognição social

2. A construção do mundo social

Todos pensamos sobre o mundo social. Tentamos compreender os comportamentos dos


outros, o que os levou a agir de determinada forma, e tentamos também antecipar como
reagirão às nossas ações. Tentamos por exemplo imaginar que tipo de comportamento
impressionará uma pessoa pela qual nos sentimos atraídos ou convencerá os elementos de
um grupo a aceitar as nossas propostas. Assim, a forma como pensamos acerca dos
fenómenos sociais determina o nosso comportamento.
Como formamos impressões sobre as pessoas que conhecemos? Como escolhemos os
nossos amigos? O que nos faz preferir um produto em detrimento de outro? Que fatores
influenciam as nossas escolhas ao longo da vida?

Quando vos perguntam em que estão a pensar, normalmente sabem responder. Acham que
sabem o que se passa na vossa mente: muitas vezes consiste num pensamento consciente
que conduz a outro, de forma ordenada. Mas essa não é a única forma de a vossa mente
trabalhar, nem na verdade é a forma habitual. A maioria das impressões e dos pensamentos
surgem na vossa experiência consciente sem que saibam como é que foram lá parar. Não
conseguem traçar o modo pelo qual acabaram por acreditar que há um candeeiro sobre a
secretária à vossa frente, ou como detetaram um indício de irritação na voz da vossa esposa,
ao telefone, ou como conseguiram evitar uma ameaça de acidente na estrada, antes de se
terem consciencializado dela. O trabalho mental que produz impressões, intuições e muitas
decisões prossegue em silêncio na nossa mente.
Daniel Kahneman, Pensar, depressa e devagar, p.10

Quatro processos básicos formam a base do nosso pensamento em geral e concretamente do


nosso pensamento social: atenção, interpretação, julgamento e memória.

Atenção: selecionar a informação.

A nossa atenção é limitada, isto é, de toda a informação constantemente disponível aos


nossos cinco sentidos, apenas podemos focar-nos em uma pequena parte de cada vez. Assim,
para ouvirmos a matéria exposta numa aula temos de nos abstrair do que podemos ver através
de uma janela para a rua ou da conversa entre dois colegas na fila da frente.
A opinião que formamos por exemplo relativamente a uma pessoa quando a
conhecemos depende daquilo a que prestámos atenção. Alguns aspetos da pessoa têm mais
tendência para chamar a atenção, isto é, são mais salientes do que outros. Por outro lado,
fatores da nossa experiência e da nossa forma de pensar fazem-nos prestar mais atenção a
alguns aspetos do que outros.
Interpretação: dar sentido à informação
Após prestar atenção a uma determinada informação, precisamos de perceber o que é
que ela significa. Por exemplo, uma pessoa que fala muito, significa que é extrovertida ou que
está muito nervosa? A maior parte das situações sociais podem ser interpretadas de diferentes
formas. As crenças prévias da pessoa influenciam a forma como vai interpretar uma situação.

Julgamento: formar impressões e tomar decisões


Uma vez que recolhemos a informação e lhe demos um significado podemos usá-la
para formar impressões e tomar decisões. Por exemplo, decidir se a pessoa que acabámos de
conhecer nos parece alguém que queremos ter como amigo, e decidir ir falar com ele no fim
das aulas. Naturalmente, não temos toda a informação que seria necessária para saber ao
certo se esta nova pessoa será realmente um bom amigo. Como na maior parte das situações
sociais, temos de tomar a melhor decisão possível tendo em conta a informação de que
dispomos.

Memória: guardar a informação para uso futuro


Quando prestamos atenção a um estímulo, ele fica guardado na nossa memória. Essas
memórias são usadas nas nossas interpretações (se eu conheci uma pessoa que falava muito
quando estava nervosa, poderei interpretar a tagarelice da pessoa que acabo de conhecer
como nervosismo) e nos nossos julgamentos (se me lembro que este colega foi agradável
comigo noutras situações, posso concluir que é uma pessoa simpática e decidir ir falar com ele
no fim da aula). Às vezes a memória pode influenciar-nos de forma inconsciente ou implícita –
por exemplo, posso não simpatizar com um novo colega porque me faz lembrar uma outra
pessoa de quem não gosto, embora não esteja consciente dessa relação.

2.1. Teorias implícitas da personalidade


Como vemos, a formação de uma impressão ou atribuição de uma explicação a um
acontecimento são fenómenos complexos. Não admira então que várias teorias tenham
tentado explicar como realizamos este processo de julgar a nós e aos outros.

Bruni e Tagiuri (1958) criaram a expressão teoria implícita da personalidade para dar conta do
conhecimento que temos dos outros em geral e da forma como o usamos nas nossas
tentativas de compreender comportamentos particulares.

Solomon Asch e a formação de impressões


O trabalho de Solomon Asch (1946) trouxe alguma compreensão sobre o processo pelo qual
formamos impressões acerca de outras pessoas. Verificou que bastava apresentar uma série
de adjetivos a um grupo de pessoas para que fossem capazes de dar uma descrição de uma
personagem. Bastava mudar um dos adjetivos da lista (caloroso vs frio) para que a impressão
causada fosse marcadamente mais positiva ou negativa. O conjunto de características afetava
a forma como cada uma delas era interpretada pelos leitores. Concluiu então que a formação
de impressões é um processo organizado, em que as diferentes características não são
avaliadas individualmente mas em relação entre si.
Asch Verificou também que as pessoas interpretam a mesma informação de forma diferente
conforme o contexto em que é apresentada. Um ato adquire significado na sua relação com as
condições de tempo, lugar e circunstâncias em que ocorre.

Fritz Heider (1958) procurou compreender como as pessoas percebem as situações


interpessoais. Defendeu que as pessoas procuram desenvolver uma visão coerente e
ordenada do seu entorno. Assim, constroem uma psicologia ingénua, uma teoria baseada no
senso comum que lhes permite compreender o mundo e gerir as suas relações com os outros.
As pessoas tentam então compreender os motivos dos comportamentos dos outros,
enquadrados num determinado contexto. Desenvolve assim o conceito de atribuição, afirmando
que as pessoas atribuem os acontecimentos que observam a certos elementos centrais que
desenham a sua estrutura causal. Para tornar compreensível o mundo social, procuramos
encontrar as causas gerais que estão por detrás da multiplicidade de comportamentos
possíveis. Usamos um conjunto de conceitos como intenção e capacidade para explicar os
comportamentos que observamos. Um primeiro nível geral de atribuição determina se um
comportamento se deve ao sujeito ou à situação em que se encontra – atribuição interna ou
externa.

2.2. Objetivos do pensamento social


Conforme a situação em que nos encontramos, o pensamento social pode desempenhar
diferentes funções. Em algumas situações o nosso objetivo é compreender a situação da forma
mais correta possível, tentando evitar quaisquer possíveis erros. Noutras ocasiões, no entanto,
não temos tempo a perder e o mais importante é criar uma impressão ou tomar uma decisão
rapidamente e sem fazer um grande esforço. Noutros momentos, tentamos com a situação
social melhorar ou proteger a nossa visão de nós próprios. Conforme o nosso objetivo no
momento adotamos diferentes formas de pensamento social.

…referir-me-ei a dois sistemas na mente, o Sistema 1 e o Sistema 2.


- O Sistema 1 opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e sem
sensação de controlo voluntário.
- O Sistema 2 distribui a atenção pelas atividade mentais esforçadas que a exigem,
incluindo os cálculos complexos. As operações do Sistema 2 estão muitas vezes associadas à
experiência subjetiva de atuação, escolha e concentração.
[…] O Sistema 1 gera continuamente sugestões para o sistema 2: impressões, intuições,
intenções e sensações. Se forem apoiadas pelo Sistema 2, as impressões e as intuições
transformam-se em crenças e os impulsos transformam-se em ações voluntárias. Quando tudo
corre suavemente, o que acontece a maior parte das vezes, o Sistema 2 adota as sugestões
do Sistema 1 com poucas ou nenhumas modificações. Em geral, acreditam nas vossas
impressões e agem segundo os vossos desejos e está tudo bem – em geral.
Quando o Sistema 1 encontra uma dificuldade acorre ao Sistema 2 para que forneça um
processamento mais detalhado e específico, que possa resolver o problema do momento.
Daniel Kahneman, Pensar, depressa e devagar, pp.31-36

A. Estratégias de simplificação
O mundo social é extremamente complexo, mas os seres humanos têm uma capacidade
limitada de receção de informação. Uma vez que não nos é possível prestar atenção a tudo o
que se está a passar em simultâneo, somos muitas vezes obrigados a fazer os nossos
julgamentos com base na informação limitada de que dispomos, de modo a não ficarmos
parados. Assim, tomamos as melhores decisões possíveis com os meios que temos. Uma
decisão eficiente exige um equilíbrio entre um bom resultado e um gasto de tempo e recursos
mentais razoável. Vários mecanismos podem ser usados para fazer esses julgamentos rápidos
e com esforço limitado:

Estratégias de confirmação de expectativas


As nossas crenças sobre o mundo, ou expectativas, permitem-nos avaliar uma situação de
uma forma mais rápida e fácil do que se tivéssemos de começar do zero. Por exemplo, se
sabemos que um colega pertence a uma claque de um clube de futebol, podemos fazer logo
uma série de julgamentos sobre ele, e até decidir rapidamente se gostamos ou não dele. Este
tipo de expectativas tornam as nossas decisões relativamente às amizades que queremos
fazer muito mais fáceis. De facto, as expectativas sociais são tão úteis que as pessoas têm
uma certa relutância em aceitar informação que as contradiga, de modo a manter a sua
compreensão do mundo relativamente simples.
De facto, tendemos a estar mais atentos à informação que confirma as nossas expectativas do
que àquela que as contradiz. Assim, alguns acontecimentos que poderiam mudar as nossas
crenças podem passar desapercebidos. Uma vez que as nossas crenças nos ajudam a dar
sentido ao mundo, os acontecimentos ou comportamentos ambíguos são interpretados à luz
dessas crenças, e assim acabam por confirmá-las. Por outro lado, os acontecimentos
consistentes com as nossas expectativas são mais fáceis de recordar do que aqueles que não
estavam de acordo com elas. Deste modo, todo o nosso processo cognitivo acaba por se auto-
alimentar: as expectativas servem para nós lermos o mundo social de forma mais simples; ao
lê-lo de forma simplificada não somos sensíveis aos erros que a nossa expectativa pode
conter.
Ao influenciarem a nossa forma de ver as situações sociais, as nossas expectativas acabam
por influenciar também a forma como agimos nessas situações. Por exemplo, se tivermos a
ideia de que os espanhóis se sentem em geral superiores aos portugueses, é natural que não
sejamos muito abertos e sociáveis com as pessoas que encontrarmos nessa viagem, mas que
atuemos com eles de forma defensiva. Assim, será provável que as pessoas sejam distantes e
pouco simpáticas connosco, confirmando a nossa expectativa. Do mesmo modo, o nosso
receio de falhar num exame, apesar de nos termos preparado, pode deixar-nos tão ansiosos
que acabamos por bloquear e não ser capazes de responder às questões. Robert Merton
(1984) propôs o conceito de expectativas auto-confirmatórias para descrever estes processos
em que expectativas incorretas desencadeiam ações que fazem com que as expectativas se
tornem verdadeiras. Por exemplo, vários estudos realizados em escolas mostraram que os
professores tendiam a ser mais calorosos, interagir mais e estimular mais as crianças que lhes
haviam sido (erradamente) sinalizadas como tendo uma capacidade intelectual superior,
potenciando assim um melhor desempenho dessas crianças (Harris & Rosenthal, 1985).
Estas expectativas têm mais probabilidade de se auto-confirmar quando a pessoa que tem a
expectativa tem bastante controlo sobre a situação, e aqueles acerca de quem se tem a
expectativa estão numa situação de inferioridade.

Estereótipos
A divisão da realidade em diferentes categorias é uma estratégia que permite uma poupança
considerável de tempo e esforço na nossa compreensão da realidade. “Nós” e “eles” são duas
categorias básicas que todos usamos quando consideramos grupos de pessoas. Em psicologia
social estas categorias são também designadas endogrupo (nós) e exogrupo (eles).
Uma vez que é impossível prestar atenção a todas as variedades de características que as
pessoas podem apresentar, simplificamos muitas vezes o nosso pensamento social através do
uso de categorias gerais que aplicamos a todo um grupo, atribuindo um conjunto de
características a todos os seus elementos. São aquilo a que chamamos estereótipos – teorias
implícitas de personalidade geralmente aceites pelo nosso grupo acerca de outro grupo (ou do
nosso próprio grupo).
Ao categorizar os membros de outros grupos de acordo com um estereótipo, torna-se mais fácil
sentirmos que sabemos como são. Por exemplo, basta-nos conhecer uma ou duas pessoas do
norte da Europa que nos pareçam frias para dizermos que as pessoas do norte da Europa são
frias e que as pessoas do sul são mais calorosas. Assumimos que dentro do grupo “nórdicos”
haverá alta semelhança e que esse grupo se distingue claramente do nosso grupo – “europeus
do sul”. Ou seja, tendemos a acentuar as semelhanças entre os elementos do mesmo grupo e
as diferenças entre elementos de grupos diferentes.

A generalização dos estereótipos aos elementos individuais do grupo dá origem aos


preconceitos. Estas ideias pré-estabelecidas da pessoa são mantidas independentemente da
veracidade do estereótipo e de se aplicar ou não ao indivíduo em questão (Jones, 1986).
Assim, um preconceito é uma atitude favorável ou desfavorável face aos elementos de um
grupo, baseada sobretudo na pertença ao grupo e não em características concretas desses
elementos.
Embora possa ser positivo, a maior parte das vezes falamos em preconceitos negativos. Se o
preconceito é uma ideia negativa em relação a um grupo, está associado a emoções negativas
em relação aos elementos desse grupo e a uma predisposição para comportamentos
negativos.

A discriminação é a manifestação comportamental do preconceito – tratar uma pessoa de


forma positiva ou negativa devido à sua pertença a um determinado grupo. Mais uma vez, é
mais frequente a discriminação negativa. O comportamento discriminatório pode assumir
diferentes graus de gravidade. Se nalguns casos mais moderados faz com que alguém evite
proximidade com as pessoas de um determinado grupo, em casos extremos leva por exemplo
à violência racista.
Tajfel (1970) estudou os fenómenos de discriminação através de experiências em que os
participantes eram divididos em dois grupos, formados apenas no momento e para a realização
da experiência. Era dito às pessoas a que grupo pertenciam e passava-se ao experimento. È o
chamado paradigma dos grupos mínimos, uma vez que não havia nenhum fator de
identificação ou afinidade entre os elementos do grupo. Verificou que o simples facto de dizer
às pessoas que pertenciam a um grupo e não a outro desencadeava comportamentos de
discriminação, em que os participantes privilegiavam os elementos do seu grupo e
prejudicavam os membros do outro grupo.

Inferências correspondentes
Como vimos anteriormente, quando observamos o comportamento de outras pessoas,
tendemos a inferir qual a intenção da pessoa ao agir de determinada forma, isto é, atribuir uma
causa a esse comportamento. Embora os comportamentos possam ser provocados tanto pela
personalidade do indivíduo como por fatores da situação, quando observamos o
comportamento dos outros tendemos a atribuir os seus comportamentos mais a fatores da
pessoa do que da situação. Jones e Davis (1965) chamaram inferência correspondente a este
julgamento que um observador faz de que a determinado comportamento de uma pessoa
corresponde um determinado traço de personalidade. A partir das ações que temos
oportunidade de observar de uma determinada pessoa, atribuímos-lhe determinadas
características. Este mecanismo de simplificação é tão comum que é conhecido em psicologia
social como o erro fundamental de atribuição.
No entanto, quando explicamos o nosso próprio comportamento não demonstramos esta
tendência para valorizar mais as características individuais do que as circunstâncias em que
nos encontramos. Parece haver um critério diferente quando estamos no papel de ator ou no
papel de observador de uma determinada ação. Este efeito, observado em diferentes estudos,
é denominado diferença ator-observador. Pensa-se que ocorre porque quando estamos numa
situação, enquanto atores, não nos observamos a nós próprios, mas sim ao que nos envolve;
pelo contrário, quando estamos a observar uma outra pessoa, o foco da nossa atenção é a
pessoa e as suas ações, sendo o contexto menos valorizado, ou mesmo em parte
desconhecido. Por exemplo, se observamos um homem responder com irritação a um pedido
do filho, nem sempre temos em conta que o filho havia já feito variados pedidos num curto
espaço de tempo, e podemos não saber que o sujeito está preocupado com problemas
profissionais e dificuldades económicas. Assim, é mais provável que pensemos nele como um
pai duro, enquanto ele próprio tenderá a explicar a sua reação com base na situação em que
se encontrava.

Outros atalhos cognitivos


Heurística de representatividade – se alguém apresenta algumas características típicas de um
determinado grupo, tendemos a assumir que ele pertence a esse grupo. Por exemplo, um
colega que veste roupas mais clássicas pode ser automaticamente considerado um “betinho”.
Heurística de disponibilidade – alguma informação está mais acessível do que outra na nossa
mente, é mais fácil de recuperar. É natural assumirmos que os acontecimentos que
recordamos mais facilmente são mais frequentes do que os outros. No entanto, muitas vezes
não o são – lembramo-nos melhor deles por serem mais salientes, isto é, mais diferentes do
habitual. Por exemplo, podemos facilmente formar a opinião de que uma criança se porta muito
mal, porque uma vez a vimos fazer uma enorme birra. No entanto, não ficaram tão marcadas
na nossa memória todas as vezes em que estivemos com a mesma criança e o seu
comportamento foi adequado.
Heurística de ancoragem e ajustamento – quando temos de fazer uma previsão para uma nova
situação, tendemos a basear-nos nalguma informação de que dispomos para fazer uma
estimativa genérica. Podemos usar por exemplo a memória de uma situação passada que
tenha algumas características em comum com a nova ou a nossa forma de pensar sobre um
assunto. Depois, fazemos ajustamentos para adaptar a estimativa aos aspetos em que a nova
situação é diferente. Por exemplo, se somos convidados para a nossa primeira festa da
faculdade, é natural fazermos as nossas previsões (por exemplo, decidir o que vestir)
baseando-nos nas festas a que já fomos. No entanto, devemos ter em conta os aspetos em
que esta festa será diferente das anteriores para adaptarmos a nossa estimativa (por exemplo,
se é num recinto ao ar livre, enquanto as anteriores tiveram lugar em discotecas, será melhor
levar um agasalho).
Falso consenso – Outra simplificação frequente é assumirmos que a nossa forma de ver as
coisas é a óbvia e natural, e que portanto será partilhada pela maior parte das outras pessoas.
Vemos os comportamentos e opiniões diferentes como minoritários e indicadores de traços
específicos da pessoa em causa.
Algumas pessoas acabam por cometer o erro oposto: considerar que as suas ideias são únicas
e originais, não reconhecendo quando são no fundo semelhantes às gerais (ignorância
pluralista).
Situações potenciadoras das estratégias de simplificação:
As estratégias de simplificação tornam mais fácil fazer julgamentos em situações sociais,
permitindo-nos poupar tempo e recursos mentais. No entanto, há situações em que esta
poupança de recursos perde importância e preferimos fazer um juízo mais rigoroso. Isto
acontece por exemplo quando estamos numa situação de responsabilidade, como um
professor ao avaliar os exames dos alunos. Por outro lado, às vezes a realidade demonstra
que as nossas atribuições estão incorretas, levando-nos a abandonar as estratégias de
simplificação até aí usadas para fazer uma análise mais detalhada da situação.
As estratégias de simplificação são mais usadas por pessoas com maior necessidade de
estrutura. Estas pessoas gostam de situações claras e previsíveis, tendo baixa tolerância à
incerteza. Assim, o uso de atalhos cognitivos permite-lhe sentir-se rapidamente numa situação
conhecida.
Fatores fisiológicos interferem na nossa predisposição para usarmos estratégias de
simplificação. Quando estamos ativados, como quando fazemos exercício ou apanhamos um
susto, tendemos a poupar os nossos recursos e fazer julgamentos rápidos e fáceis. O mesmo
acontece quando estamos em momentos “baixos” do nosso ritmo circadiano, isto é, nas nossas
horas de maior fadiga e menos produtividade. Também quando estamos de bom humor
tendemos a simplificar os julgamentos, provavelmente devido a uma sensação geral de que
“não há problema” e não vale a pena pensar muito.
Quando nos encontramos numa situação particularmente complexa, em que é difícil fazer uma
análise mais rigorosa de todos os fatores envolvidos, ou quando temos um tempo limite
apertado para fazer os nossos julgamentos estas estratégias revelam-se extremamente úteis
para podermos lidar com a situação. Este tipo de condicionante é bastante frequente no nosso
dia-a-dia, tornando também frequente o uso de estratégias de simplificação do pensamento
social.

B. Preservar ou melhorar a auto-imagem


Todos preferimos ouvir elogios do que críticas. Termos uma opinião positiva de nós próprios
tem um papel importante no nosso bem-estar. Para além disso, acreditarmos que somos
capazes motiva-nos a usar todos os nossos recursos para conseguir os nossos objetivos. O
nosso pensamento social pode por vezes ajudar-nos a manter e mesmo melhorar a nossa
auto-imagem. Como tiramos partido da cognição social para nos sentirmos melhor connosco
próprios?
Comparação social – para nos sentirmos melhor, focalizamos muitas vezes a nossa atenção
em pessoas em pior situação do que nós, de modo a ficarmos a ganhar na situação – “Eu só
tirei um 10, mas houve muitíssimas negativas!”. Para além disso, tendemos ainda a avaliar os
outros ainda mais negativamente do que a realidade e a nós mais positivamente.
Noutras ocasiões, comparamo-nos com aqueles que estão em melhores condições, ignorando
a diferença entre eles e nós. Ao colocarmo-nos na mesma categoria vemo-nos a nós próprios
com melhores olhos. Por exemplo, se pertencemos a uma equipa desportiva que tem obtido
bons resultados, podemos pensar em nós próprios como sendo tão bons como o melhor
jogador da equipa.
Enviezamento pessoal – uma outra estratégia que favorece a nossa auto-estima é
considerarmo-nos responsáveis pelos nossos sucessos, mas atribuirmos os fracassos a
condicionantes externos. Se tentamos atingir um determinado objetivo, fazendo o que nos
parece necessário para o alcançar, temos expectativas de sucesso. Quando confirmamos essa
expectativa é então natural atribuir esse sucesso às ações por nós empreendidas. Quando pelo
contrário o nosso esforço não dá bom resultado, procuramos outros fatores que tenham
interferido com o nosso desempenho, como por exemplo azar ou imprevistos. Para além disso,
tendemos a aceitar a informação que nos favorece e a rejeitar aquela que diminui as nossas
qualidades.
Exagerar as nossas forças e diminuir as nossas fraquezas – de forma a melhorarmos a nossa
auto-imagem, tendemos a valorizar as qualidades em que somos fortes e desvalorizar aquelas
em que não o somos. Por exemplo, as pessoas que se vêem como divertidas valorizam mais o
sentido de humor do que aquelas que são sérias. Estas tenderão a achar o sentido de humor
algo sem importância, preferindo por exemplo pessoas trabalhadoras e prestáveis.
Por outro lado, quando acreditamos que um determinado traço é importante, tendemos a
considerar-nos mais fortes nesse aspeto. Num estudo, estudantes que leram um artigo
defendendo que as pessoas extrovertidas tinham mais sucesso profissional classificaram-se
posteriormente como pessoas extrovertidas, enquanto aqueles que leram um artigo dizendo
precisamente o contrário se classificaram como introvertidos (Kunda & Sanitioso, 1989).
Acreditar que temos o controlo – Sentir que podemos controlar as situações faz-nos em geral
sentir melhor. Mesmo em situações que estão totalmente fora do nosso controlo, muitas vezes
temos comportamentos ou rituais destinados a tentar influenciar o resultado, como quando
pedimos um desejo, rezamos ou fazemos figas. Esta perceção de controlo leva-nos a mobilizar
os nossos recursos para atingir os nossos objetivos. Perante uma situação que não
controlamos, como por exemplo o diagnóstico de uma doença crónica, podemos sentir-nos
melhor se formos capazes de aumentar a nossa perceção de controlo. Por exemplo, sentimo-
nos mais em controlo ao procurar informação sobre a doença e tratamentos (controlo de
informação), ao tornar o nosso estilo de vida mais saudável (controlo comportamental) e ao
concentrarmo-nos nas coisas boas e estáveis da nossa vida (controlo cognitivo). Para além
disso, procurar médicos que acreditamos que nos podem ajudar é uma forma de sentirmos que
a situação está mais controlada através de uma outra pessoa (controlo vicariante). Estudos têm
demonstrado que a perceção de controlo dos doentes aumenta a sua qualidade de vida e até o
seu estado de saúde (Taylor, Lichtman & Wood, 1984).

Porquê melhorar a auto-imagem?


O uso destas estratégias de pensamento social que visam melhorar a nossa imagem de nós
mesmos varia entre pessoas e situações. As pessoas com elevada auto-estima usam todas
estas estratégias com maior frequência do que as pessoas com auto-estima moderada ou
baixa. Estas tendem mais a usar estas estratégias quando a sua auto-estima é ameaçada.
Pessoas com uma auto-estima mais instável sentem-se ameaçadas por situações sociais com
maior facilidade, recorrendo também mais ao uso de estratégias de auto-proteção.
Estes enviesamentos foram observados em culturas ocidentais, tipicamente individualistas. Em
culturas mais coletivistas nota-se uma maior tendência para a auto-crítica do que para o
aumento da auto-estima.

C. Fazer julgamentos corretos


Se em algumas situações não nos importamos de ser pouco rigorosos nos nossos julgamentos
e preferimos a simplificação ou proteger a nossa auto-imagem, há casos em que o nosso
esforço é exigido e tentamos fazer a avaliação mais correta possível de uma situação. Isto
acontece quando consideramos a situação importante: assim, queremos evitar cometer erros
de julgamento e tentar controlar os resultados das nossas interações.
Recolha de informação rigorosa
Uma forma de aumentar a probabilidade de fazermos julgamentos corretos é recolher o
máximo de informação possível. Quando estamos motivados para tomar a melhor decisão
possível, tentamos superar as nossas expectativas iniciais, prestando atenção a toda a
informação, e em particular àquela que as contradiz.
Ser o “advogado do diabo”
Se apenas considerarmos um ponto de vista, outras alternativas podem ser negligenciadas e o
nosso julgamento pode ser enviesado. Assim, uma estratégia útil para analisar detalhadamente
uma situação é assumir um papel crítico, de contra-argumentação, com o objetivo de encontrar
falhas no nosso próprio julgamento inicial.
Atribuição causal
Para fazermos julgamentos corretos tentamos compreender os motivos do comportamento dos
outros. Se em algumas situações simplificamos essas atribuições, por exemplo negligenciando
os fatores situacionais, quando queremos compreender de forma rigorosa uma situação
fazemos uma análise mais complexa das possíveis motivações das outras pessoas. Assim,
tentamos perceber qual o impacto de fatores do indivíduo e qual o impacto de fatores
contextuais.
Diferentes autores tentaram compreender como fazemos este tipo de atribuição. Como já
vimos, Heider (1958) criou a primeira teoria da atribuição, depois desenvolvida por Jones e
Davis (1965) com a teoria das inferências correspondentes. Segundo este modelo, para
aferirmos a causalidade de um acontecimento devemos observar as circunstâncias imediatas
em que ocorreu. Perguntamos em primeiro lugar se o comportamento foi intencional ou fruto do
acaso ou de um erro. É ainda necessário saber se as consequências do comportamento eram
previsíveis. Se o comportamento foi intencional e as suas consequências eram previsíveis,
então podemos concluir que o acontecimento foi causado por uma decisão. Podemos ainda
questionar se a pessoa tinha escolha ou se se viu forçada por alguma circunstância a agir de
determinada forma.
Tendo concluído que o acontecimento foi livremente escolhido e com consciência das suas
consequências, procuramos saber o que motivou essa decisão, nomeadamente se se deveu a
fatores da personalidade do sujeito ou a condicionantes da situação.
Harold Kelley (1967) tentou explicar este processo com a sua teoria da covariação e esquema
causal. Segundo este modelo, ao tentar explicar o comportamento dos outros, as pessoas
escolhem entre as várias possíveis causas aquela que melhor covaria com o acontecimento
(isto é, quando aumenta uma aumenta também a outra). A partir das nossas diferentes
observações de uma pessoa, ou de diferentes pessoas em situações semelhantes, detetamos
padrões de relações entre fenómenos e tentamos compreender quais são causa e quais são
efeito.
Podemos atribuir um comportamento a três fontes: o ator, a entidade, isto é, a pessoa ou grupo
com quem o ator interage, ou as circunstâncias. Há três variáveis fundamentais que
determinam a qual das fontes daremos mais peso na nossa atribuição:
1. Distintividade – atribuímos um comportamento a uma causa quando apenas
observamos o comportamento na presença dessa causa.
2. Consistência – quando, na presença da causa, observamos sempre o mesmo efeito.
3. Consenso – quando perante a mesma causa, a mesma resposta é observada em
diferentes indivíduos. Perante um alto consenso, tendemos a atribuir o comportamento
a causas externas ao indivíduo, isto é, ao outro ou à situação.
Assim, se por exemplo observamos em repetidas ocasiões uma amiga gritar em
discussões com a sua mãe (consistência), mas nunca a vimos gritar com outra pessoas
(distintividade), poderemos pensar que há uma forte influência de fatores externos neste
comportamento. Poderemos pensar que conflitos com a mãe são a causa deste
comportamento, o que será reforçado se observarmos outros filhos terem comportamentos
semelhantes em conflitos com os seus pais (consenso).
No entanto, perante acontecimentos isolados não temos informação suficiente para usar este
tipo de lógica nas nossas atribuições. Nesses casos, recorremos a outro tipo de mecanismos –
os esquemas causais. Trata-se da conceção que nós temos acerca das causas que poderiam
dar origem a um determinado fenómeno que observamos. Perante um fenómeno consideramos
com frequência diferentes causas possíveis que poderiam explicar o fenómeno. Usamos um
esquema de múltiplas causas suficientes quando cada uma das possíveis causas seria
passível, por si só, de explicar o acontecimento. Quando seria necessário um conjunto de
causas em simultâneo para explicar o comportamento, usamos um esquema de múltiplas
causas necessárias. Quanto mais um comportamento é raro ou difícil de compreender, mais
tendemos a usar um esquema de múltiplas causas necessárias. Por exemplo, para tentar
explicar o comportamento do jovem que entrou num cinema americano na estreia do filme
“Batman” e assassinou vários espectadores, provavelmente enumeramos uma série de causas
cumulativas, como características de personalidade, falha na educação, situação de vida
desesperada, influência de outros acontecimentos semelhantes noticiados anteriormente…
Perante uma multiplicidade de causas suficientes, elas podem ganhar maior ou menos peso
consoante a situação envolvente. Quantas mais forem as hipóteses plausíveis, menos
poderemos confiar em cada uma delas – princípio de desconto. À medida que vamos
descartando possibilidades, vamos ganhando confiança naquelas que nos restam.
Quanto mais a situação potenciar a resposta observada, mais acreditaremos que os fatores
externos ao indivíduo foram determinantes. Se, por outro lado, verificamos que as
circunstâncias não favoreciam a decisão que foi tomada, aumenta a nossa confiança de que a
decisão se deveu a fatores disposicionais, isto é, a caraterísticas do indivíduo – princípio de
aumento.

Motivos para o uso de julgamentos rigorosos


Algumas pessoas têm maior apetência do que outras por sentir controlo sobre as situações.
Essas pessoas usam menos atalhos cognitivos nas suas atribuições. Procuram mais
frequentemente analisar as situações de forma rigorosa, de modo a poder melhor compreender
e prever as situações sociais.
Como já vimos, as emoções positivas fazem-nos sentir que tudo está bem, facilitando nos
nossos julgamentos e usando assim mais estratégias de simplificação do pensamento social.
Pelo contrário, quando as emoções negativas predominam, ficamos mais alerta e, assim, mais
predispostos a fazer julgamentos o mais corretos possível.
Uma exceção é o caso de pessoas severamente deprimidas, para quem todo o raciocínio e
concentração se tornam tarefas árduas. Nestas situações as pessoas não tendem a fazer
julgamentos rigorosos.
Análises mais rigorosas das situações sociais são também mais frequentes em pessoas que
apreciam desafios cognitivos, como quebra-cabeças. Pessoas que gostam de desafios mentais
são menos propensas a poupar esforço ao fazer julgamentos sociais.
Acontecimentos inesperados fazem-nos tipicamente sentir que não controlamos a situação. O
que nos coloca mais alerta e ativa formas de pensamento mais complexas, diminuindo assim o
uso de estratégias de simplificação. Por outro lado, situações inesperadas exigem um maior
esforço de compreensão do que as situações que confirmam as nossas expectativas.
Também tendemos a aumentar o rigor das nossas avaliações acerca das pessoas com quem
temos relações de interdependência. Por exemplo, necessitamos compreender e prever o
melhor possível o comportamento de um chefe ou de um colega de equipa, já que deles
depende o nosso sucesso.
Por fim, por muito motivados que estejamos para fazer julgamentos sociais rigorosos, apenas
somos capazes de o fazer se tivermos a capacidade mental para isso. Quando temos outras
preocupações em mente, tendemos muito mais a recorrer a estratégias de simplificação.

2.3. As representações sociais


Nas sociedades modernas, a comunicação assume um papel central nas atividades humanas.
As nossas conversações servem para descrever a realidade, mas também para a transformar.
Por exemplo, os governos democráticos decidem através da conversação o futuro de um país;
dois futuros sócios criam um projeto de negócio através de uma conversa; dois amigos
zangam-se devido a palavras trocadas e fazem as pazes através de explicações e pedidos de
desculpas.
Atualmente, os meios de comunicação de massas têm o poder de divulgar a informação e
também de exercer influência sobre indivíduos e grupos. Todos temos acesso a uma
quantidade enorme de informação, e as nossas conversas centram-se em notícias e produtos
culturais tanto quanto em assuntos particulares.
Assim, tal como as pessoas pensam sobre o mundo social, formando impressões e construindo
teorias sobre o comportamento dos outros, os grupos sociais criam também coletivamente as
suas teorias, ou representações sociais.

Embora o conceito já houvesse surgido anteriormente em Sociologia, o estudo aprofundado


das representações sociais foi propulsionado pela Psicologia Social, concretamente por Serge
Moscovici, que publicou em 1961 um grande estudo sobre as representações sociais da
psicanálise, lançando em França uma corrente de estudo sobre as representações sociais.
Segundo este autor, as sociedades são entidades pensantes. Quando as pessoas trocam as
suas afirmações, explicações e conceitos, na comunicação com as outras pessoas, constrói-se
um espaço simbólico coletivo, um saber partilhado. Este sistema simbólico coletivo, ou
representação social, vai posteriormente influenciar o pensamento individual, criando-se assim
um ciclo.
As representações sociais são um fenómeno contemporâneo, que vem substituir os mitos e
sistemas de valores das sociedades mais tradicionais. São, assim, as nossas formas coletivas
de compreender o mundo. São compostas por um conjunto de conceitos, afirmações e
explicações.

Definição:
“O conceito de representação social designa uma forma de conhecimento específica, o saber
do senso comum” (Jodelet, 1983)
“Uma representação social define-se como a elaboração de um objeto social por uma
comunidade” (Moscovici, 1963)
“Uma forma de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, com uma orientação
prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”
(Jodelet, 1989).
“Um sistema de valores, de noções e de práticas relativas a objetos […] do meio social”
(Moscovici, 1961)
Características
As representações sociais têm um objeto, um assunto ao qual se referem, que é socialmente
partilhado. É uma forma de ver as coisas gerada por um determinado grupo social.
As pessoas têm representações cognitivas individuais dos objetos que percebem. As
sociedadse constroem representações sociais, fenómenos socio-históricos, construídos
coletivamente. Uma vez formadas, as representações sociais são relativamente independentes
das pessoas que as criaram. Estes significados partilhados tornam possível a comunicação
entre as pessoas (e são elaborados nessa mesma comunicação).

Desenvolvem-se na relação entre a pessoa, o objeto e as outras pessoas. Assim, a sua


construção é influenciada pela informação de que nós dispomos sobre o objeto, a informação e
opinião dos outros sobre esse objeto e as nossas comunicações com os outros acerca desse
objeto. As representações sociais que nós próprios construímos nas nossas interações com os
outros vão-se tornar no contexto social em que as nossas próximas construções acontecerão.
Assim, são ao mesmo tempo causa e efeito da nossa construção. Por exemplo, a
representação social da maternidade é construída pelos indivíduos com base na sua
experiência enquanto filhos, mas também nas mensagens sociais recebidas acerca deste
tema. Por outro lado, as mensagens sociais determinam as próprias práticas de maternidade,
que por sua vez vão alimentar a representação social da mesma.

As representações sociais são então:


 Estruturas simbólicas partilhadas pelos membros de uma sociedade
 Estruturas dinâmicas construídas através das nossas práticas sociais e ao mesmo
tempo construtoras dessas práticas sociais
 Significados que permitem a nossa comunicação com os outros, e que ao mesmo
tempo são construídos e elaborados através dessa comunicação.

A maternidade enquanto objeto socialmente construído

A representação social da maternidade é um construto social que orienta as práticas e os


afetos dos sujeitos sociais. A partir de noções socialmente construídas do que é ser mãe, são
orientadas as relações sociais entre mãe e filho assim como a própria identidade de ser
mulher.
O que hoje se considera como um bom referencial de mãe é bastante discordante do que se
concebia, por exemplo, na Europa, nos sécs. XVII e XVIII. Alguns comportamentos maternos
considerados naquela época normais, corretos e esperados seriam algo anormal, incorreto e
incompreensível no contexto de várias sociedades contemporâneas (Azevedo & Arrais, 2006).
[…]
Como entender valores maternos tão diferentes nos diversos momentos da História?
[…]
O conceito de maternidade está intrinsecamente relacionado com várias representações
sociais, dentre elas as de família, mulher e criança. Na Europa, até o século XVII, a infância era
considerada um estado a ser superado através de uma educação severa, rígida e intolerante.
Cabia aos pais domar os impulsos infantis, assumindo uma posição coercitiva e sem mimos.
Por sua vez, a amamentação era vista como um prazer ilícito que corrompia moralmente o
infante (Ariès, 1981; Badinter, 1985).
[…]
No Brasil, […] no séc. XX, a identidade feminina foi fortemente estruturada a partir da
representação social da maternidade, na medida em que se atribuía à mulher a reprodução
como principal função. As demais características femininas acabariam em segundo plano no
seu reconhecimento social. Dessa forma, a maternidade não é apenas uma opção da mulher,
mas a condição sine qua non para que ela constitua plenamente um ser natural.
Ancorada na noção de naturalidade e de atributos biológicos, a representação social da
maternidade assume um caráter determinista. O fato de a mulher não desejar ser mãe e
desempenhar o papel maternal é justificado por algum “problema”, como, por exemplo,
mecanismo de defesa (uma falsa vontade de não ser mãe), fruto de um impedimento orgânico
para gerar filhos, conseqüência de algum “trauma” na infância que a impossibilita ter tal
desejo ou ainda por uma deficiência de caráter (Santos, 1998; Trindade & Enumo, 2001).
Vale destacar, contudo, que a apropriação desse lugar simbólico socialmente construído se dá
ao longo das várias relações sociais que os sujeitos estabelecem, nos diversos grupos sociais
dos quais fazem parte.

Juliana Sampaio, Maria de Fátima de Souza Santos, Maria Rejane Ferreira da Silva (2008). A
representação social da maternidade de crianças em idade escolar. Psicologia: Ciência e Profissão,
vol.28, no.1
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932008000100013

Funções
As representações sociais permitem interpretar e compreender a realidade, ao mesmo tempo
que influenciam os fenómenos sociais. Pode-se dizer, assim, que constroem a realidade.
Permitem a comunicações com os outros que partilham o mesmo significado, da mesma forma
que fala a mesma língua nos permite falar com alguém. Ao serem construídas dentro de um
grupo social, as representações são próprias desse grupo, nem sempre sendo partilhadas com
outros grupos – assim, nem sempre é fácil a comunicação entre pessoas de culturas e
sociedades diferentes, uma vez que não partilham os mesmos significados. Então, uma das
funções das representações sociais é também definir e consolidar os grupos sociais em que
têm origem.

Dimensões das representações sociais


Uma representação social pode ser vista como “um universo de opiniões e crenças,
organizadas à volta de uma significação central” (Neto,1998, p.452). É constituída por três
elementos:
1. Informação – refere-se a quanto os indivíduos em determinado grupo social sabem
acerca do assunto em questão. Assim, podem ter uma representação social mais rica e
aprofundada ou mais vaga e superficial. Para avaliar o grau de informação há que
comparar o discurso dos sujeitos com as características objetivas do objeto.
2. Atitude – tomada de posição relativamente ao objeto da representação social. Pode ser
positiva ou negativa. É composta por processos emocionais (o que sentimos em
relação ao objeto), percetivos (como vemos o objeto), cognitivos (o que pensamos do
objeto) e motivacionais (predisposição para agir de determinada forma em relação ao
objeto). Trata-se do elemento mais emocional e básico da representação social e toma
prioridade sobre os outros: tendemos a tomar posição relativamente a um objeto
mesmo antes de obter maior informação acerca dele e de termos uma representação
elaborada.
3. Campo de representação – conteúdo concreto da representação. É o esquema ou
imagem que temos do objeto, o “texto” da representação. Requer uma organização dos
diferentes elementos de conhecimento sobre o objeto, havendo normalmente aspetos
mais centrais e outros mais periféricos.

Processo de desenvolvimento das representações sociais


As representações sociais são construídas através de dois processos fundamentais:
ancoragem e objetivação.
1. Ancoragem
Os novos objetos que experienciamos seguram-se na nossa experiência e conhecimentos
prévios, que lhes servem de âncora. Se observamos algo novo e radicalmente diferente de
tudo o que já vimos até então, é-nos extremamente difícil compreender esse novo fenómeno e
até falar sobre ele. Para que algo estranho passe a formar parte da nossa realidade necessita
ter um nome e ser classificado no contexto de uma representação social.
Para classificarmos um objeto comparamo-lo com protótipos que representam uma
determinada classe, por generalização ou por particularização. A generalização permite
salientar as semelhanças entre o novo objeto e o protótipo da classe, enquanto a
particularização salienta as diferenças entre ambos. Ao classificar um objeto transformamo-lo e
delimitamos o seu significado, assim como o tipo de comportamentos que se podem realizar
perante esse objeto.
Depois de classificar o objeto passamos ao processo de nomeá-lo. Ao ganhar um nome, o
objeto passa a poder ser falado, torna-se convencional para o grupo de pessoas que o
conhece e a ele se refere. Um objeto com nome pode também diferenciar-se de outros objetos.
Para além disso, o nome atribui características ao objeto em função das relações da palavra
escolhida para o nomear com outras palavras.
A ancoragem, ou seja, este processo pelo qual classificamos um novo objeto numa das
categorias que já conhecemos e lhe damos um nome, é feito de forma coletiva, nas
conversações entre os elementos de uma sociedade, fazendo com que o objeto até aí
desconhecido adquira significado e se torne familiar.

2. Objetivação
Através do processo de objetivação, conceitos abstratos tornam-se objetivos e esquecemo-nos
de que são produto da nossa própria construção - percebemos os novos objetos como algo
real. Quando algo se objetiva deixa de ser visto como uma criação nossa e passa a ser visto
como algo independente de nós, que pertence ao mundo real e nele tem efeitos.
Se a ancoragem dá significado ao desconhecio, a objetivação transforma o intangível em
realidade. O processo de objetivação de uma teoria complexa passa por diferentes fases:
 Seleção e descontextualização dos elementos da teoria. Os conceitos mais salientes
ou úteis são extraídos do seu contexto teórico e aplicados à realidade do grupo social.
 Formação de um núcleo figurativo, isto é, adaptação da estrutura conceptual da teoria,
criando-se uma estrutura que a reproduz de certa forma.
 Naturalização – os elementos desse núcleo figurativo tornam-se parte do mundo real.

Referências

Harris, M. J.; Rosenthal, R. (1985). Mediation of interpersonal expectancy effects: 31 meta-


analyses. Psychological Bulletin, Vol 97(3), May 1985, 363-386. doi: 10.1037/0033-
2909.97.3.363

Kahneman, D. (2011). Pensar, depressa e devagar. Maia: Círculo de Leitores.

Leyens. J. P. (1985). Teorias da personalidade na dinâmica social. Lisboa: Verbo.

Neto, F. (1998). Psicologia Social. Universidade Aberta.

Sampaio, J.; Santos, M. F. S.; Silva M. R. F. (2008). A representação social da maternidade


de crianças em idade escolar. Psicologia: Ciência e Profissão, vol.28, no.1.
doi:10.1590/S1414-98932008000100013

Taylor, S. E.; Lichtman, R. R.; Wood, J. V. (1984). Attributions, beliefs about control, and
adjustment to breast cancer. Journal of Personality and Social Psychology, Vol 46(3), 489-502.
doi: 10.1037/0022-3514.46.3.489

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