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Revista Pátio - Educação Infantil
Ano I - Nº 02 - De que Professor precisamos para a Educação Infantil - Julho à Outubro de 2003

Diretrizes para a formação de professores de educação


infantil
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O professor da educação infantil deve preparar-se para ser um


pesquisador capaz de avaliar as muitas formas de aprendizagem que
estimula em sua prática cotidiana, as interações por ele construídas com
crianças e famílias em situações específicas. Ele é alguém cuja riqueza de
experiências vividas deve ser integrada ao conjunto de saberes que
elabora o seu fazer docente.

A educação infantil vive um período bastante agitado, porém muito rico.


Diversos caminhos têm sido trilhados para se definir seu lugar e sua
função atual em nossa sociedade. Novas perspectivas em relação ao
desenvolvimento infantil têm aberto interessantes possibilidades de
promover a aprendizagem e o desenvolvimento de crianças pequenas em
ambientes de educação coletiva, como a creche e a pré-escola.

Uma das importantes questões nesse processo é a da formação do


professor de educação infantil, considerado como sendo todo profissional
que trabalha diretamente com as crianças no período em que elas ficam
na creche ou na pré-escola. Muitos desses profissionais têm uma formação
mais próxima de uma visão tradicional do que seria o trabalho escolar com
crianças mais velhas, faltando-lhes modelos de desempenho adequados
para mediar o desenvolvimento de crianças desde o nascimento. Outros,
em número não desprezível, não têm sequer o nível mínimo de
escolaridade legalmente requerido -- a habilitação magistério ou o curso
normal em nível médio --, o que tem levado as políticas públicas na área a
dar maior atenção ao problema, criando programas especiais de formação
docente, sobretudo para os educadores de creches.
As questões mais freqüentes são: de que professor precisamos para a
educação infantil e que pressupostos e alternativas de qualificação devem
orientar a formação docente? O que as pesquisas na área têm apontado é
que a criança desenvolve desde cedo sua sensibilidade, sua autonomia e
sua solidariedade a partir de experiências educativas cuidadosamente
organizadas. Isso também se faz presente na educação infantil. Nas
múltiplas situações criadas em creches e pré-escolas, a criança tem no
professor alguém qualificado para mediar seu desenvolvimento,
auxiliando-a a ampliar as linguagens que usa para representar e exprimir
sua forma de compreender o mundo e a si mesma.

Tem sido apontado que o professor de educação infantil deve ter formação
ética e competência na especificidade de sua tarefa, levando-se em conta
o atual momento sócio-histórico, que ocorre em um mundo complexo,
contraditório, violento, individualista, consumista e em constante
mudança. O importante é proporcionar aos professores de creches e pré-
escolas o domínio de conceitos e habilidades necessários para se ter uma
atuação junto às crianças, atuação esta que seja promotora da
aprendizagem e do desenvolvimento delas no sentido de lhes garantir o
direito à infância.

O professor da educação infantil deve preparar-se para ser um


pesquisador capaz de avaliar as muitas formas de aprendizagem que
estimula em sua prática cotidiana, as interações por ele construídas com
crianças e famílias em situações específicas. Ele é alguém cuja riqueza de
experiências vividas deve ser integrada ao conjunto de saberes que
elabora sobre o seu fazer docente. Dele são exigidos investimento
emocional, conhecimento técnico-pedagógico e compromisso com a
promoção do desenvolvimento dos alunos. Ele precisa abrir-se a seus
próprios modos de agir para enfrentar combinações que podem ser
criativamente estabelecidas entre diferentes coisas, lidar com os próprios
desejos e com a imaginação, compreendendo a maneira como a criança
constrói significados sobre o que a cerca e sobre si mesma.
Como na relação com a criança o professor repete suas próprias
experiências infantis, em sua formação profissional ele precisa reconhecer
suas emoções, trabalhar certos sentimentos que lhe desperta a atuação
profissional, analisar continuamente suas próprias frustrações e sua
agressividade para poder estabelecer uma relação segura com a criança,
co-construir com ela conhecimentos em clima carinhoso e ter uma
compreensão mais autônoma do próprio trabalho. Essa perspectiva de
educação continuada integra-se ao projeto educativo constituído na
instituição em que atua ou irá atuar, o que requer discutir como a
articulação entre educar e cuidar é trabalhada na formação docente.

As tarefas de cuidar e educar os membros socialmente imaturos realizadas


pelos membros mais experientes de seu grupo têm atravessado os
tempos, adquirindo feições novas e ajustando-se às demandas de cada
época histórica. No entanto, os termos "cuidar" e "educar" têm
significados particulares na educação infantil: o primeiro tem sido
associado às necessidades do corpo e o segundo, às possibilidades da
mente; o primeiro está voltado a dar condições de sobrevivência às
populações desprivilegiadas e o segundo, ao desenvolvimento intelectual
dos filhos de grupos de maior prestígio social. O que a educação infantil
busca fazer hoje é redefinir os dois termos, integrando-os em uma única
meta: mediar o desenvolvimento sociocultural de nossas crianças desde o
seu nascimento.

Um modelo pedagógico que planeje a especificidade educativa da


instituição de educação infantil não reduz a idéia de cuidado a assistência
e custódia. O professor educa e cuida quando acolhe a criança nas
situações difíceis, quando a orienta nos momentos necessários e
apresenta-lhe pontos que considera significativos do mundo da cultura, da
natureza, das artes, das relações sociais, conforme a leva a passear,
brincar, observar a natureza, ouvir e ler histórias, ouvir música, conforme
a ajuda a comer e dormir, sentir-se limpa, confortável e segura.

Um trabalho pedagógico em que cuidar e educar são aspectos integrados


é realizado pela criação de um ambiente em que a criança sinta-se segura
e acolhida em sua maneira de ser, em que ela possa trabalhar
adequadamente suas emoções, construir hipóteses sobre o mundo e
elaborar sua identidade. Isso requer que cada professor aproprie-se
criticamente de teorias sobre o desenvolvimento humano e examine o
contexto concreto no qual as crianças vivem e as múltiplas formas como a
cultura atua na promoção do seu desenvolvimento. A partir daí, o
professor em formação pode aprender a planejar o dia-a-dia de uma
creche ou pré-escola como um contexto que garanta o direito de toda
criança a um ambiente acolhedor e desafiador, a organizar tempos e
espaços para a realização de diferentes atividades que promovam o
aprendizado do cuidado pessoal, o envolvimento das crianças em
brincadeiras e o estímulo à realização por elas de projetos de investigação
que atendam a seus interesses e necessidades, tudo isso em um
programa de parceria com as famílias.

Segundo essa concepção integrada de educar e cuidar, o professor de


educação infantil participa da elaboração da proposta pedagógica de sua
instituição, efetiva a partir dela um plano de trabalho junto às crianças,
zela por sua aprendizagem e por seu desenvolvimento, ajustando as
condições do ambiente físico e social da instituição, e responde diante da
sociedade pela programação estipulada, avaliando seus resultados.

Para desempenhar suas tarefas, o professor da creche participa de


espaços de formação junto com seus colegas e trabalha em articulação
com a família e a comunidade, devendo ser preparado para considerar os
conflitos surgidos em sua relação com a criança e sua família.

A ênfase curricular deve recair em experiências diversificadas, que


estimulem a iniciativa e a autonomia intelectual dos professores em
formação e ofereçam-lhes oportunidades de desenvolver habilidades e de
construir conhecimentos e valores em circunstâncias reais. Tais
experiências devem partir da vivência concreta e promover o
fortalecimento do pensamento crítico, do raciocínio argumentativo, da
sensibilidade pessoal e da capacidade para trabalhar em equipe. Para
tanto, a formação do docente da educação infantil deve articular os vários
conceitos trabalhados no programa de capacitação -- inicial ou continuada
-- com sua prática profissional cotidiana.

Reuniões de supervisão da prática de ensino são um ponto fundamental


na formação defendida. Nelas, tanto a percepção do papel do professor
quanto o desempenho do mesmo devem ser trabalhados de maneira
integrada e crítica. O desenvolvimento de competências para tomada de
decisões nas situações interativas que o professor estabelece com as
crianças também é requerido, cuidando-se ainda de garantir o exame das
dimensões éticas da atuação docente. A fim de consolidar uma atuação
mais eficiente, todo o período de prática de ensino requer criar uma
programação estimulante de atividades que dê espaço para que a
pesquisa ocorra e conduza os alunos a sistematizar suas reflexões em
várias modalidades de registro.

A possibilidade de se implementar inovadores, criativos e instigantes


programas de formação docente a partir desses pontos tem aberto novas
questões e reformulado perspectivas, em um movimento que é muito
bem-vindo na área.
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
é pedagoga e livre-docente em Psicologia do Desenvolvimento.
E-mail: zilmaoliveira@uol.com.br

REFERÊNCIAS
DEVRIES, R. e ZAN, B. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre:
Artmed, 1998. SCHÖN, D.A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000

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