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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA BIOMÉDICA

ERIKA BERGAMO SANTIAGO

DESENVOLVIMENTO DE UM TESTE RÁPIDO PARA DETERMINAÇÃO DA


TIPAGEM SANGUÍNEA DOS SISTEMAS ABO E RH

DISSERTAÇÃO

CURITIBA
2020
ERIKA BERGAMO SANTIAGO

DESENVOLVIMENTO DE UM TESTE RÁPIDO PARA DETERMINAÇÃO DA


TIPAGEM SANGUÍNEA DOS SISTEMAS ABO E RH

Development of a Rapid Test for Determining the ABO and Rh-blood Typing Systems

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Engenharia
Biomédica da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná como requisito para a
obtenção do título de “Mestre em
Ciências” – Área de Concentração:
Engenharia Biomédica.
Orientadores:
Prof. Dr. Reginaldo Justino
Ferreira
Prof. Dr. João Antônio Palma Setti

CURITIBA
2020

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desde que sejam atribuídos créditos ao(s) autor(es), sem a
4.0 Internacional possibilidade de alterá-la ou utilizá-la para fins comerciais.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Santiago, Erika Bergamo
Desenvolvimento de um teste rápido para determinação da tipagem
sanguínea dos sistemas ABO e Rh [recurso eletrônico] / Erika Bergamo
Santiago. -- 2020.
1 arquivo eletrônico (48 f.): PDF; 13,0 MB.

Modo de acesso: World Wide Web.


Texto em inglês com resumo em português.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica. Área de
Concentração: Engenharia Biomédica, Curitiba, 2020.
Bibliografia: f. 45-48.

1. Engenharia biomédica - Dissertações. 2. Grupos sanguíneos. 3.


Fator RH. 4. Grupos sanguíneos - Sistema ABO. 5. Teste no local de
atendimento - Avaliação. 6. Colorimetria. 7. Protótipos - Desenvolvimento.
8. Cuidados médicos - Métodos. I. Ferreira, Reginaldo Justino, orient. II.
Setti, João Antônio Palma, coorient. III. Universidade Tecnológica Federal
do Paraná. Programa de Pós-graduação em Engenharia Biomédica. IV.
Título.
CDD: Ed. 23 – 610.28
Biblioteca Central do Câmpus Curitiba - UTFPR
Bibliotecária: Luiza Aquemi Matsumoto CRB-9/794
AGRADECIMENTOS

À empresa Hi Technologies e a todos meus colegas de trabalho, em especial


ao Marcus Figueredo, por terem incentivado a execução deste trabalho.

Ao meu professor João Setti pelo carinho, presença e apoio durante toda a
minha caminhada pela UTFPR.

Ao meu orientador Reginaldo Ferreira pelo companheirismo durante esse


trabalho.

À minha colega e amiga Ana Lúcia Alvarez pelo apoio durante a execução dos
testes.

Aos meus pais Krystiane e Rogério, e avós Leonilda e Waldir por me darem as
ferramentas para sair da minha zona de conforto.

Ao Mateus Sokolowski pelo amor e pela parceria durante esta caminhada.

E, finalmente, a todos que estiveram presentes nesses últimos meses. O apoio


de vocês foi fundamental.
‘’O homem sensato adapta-se ao mundo;
o homem insensato persiste tentando adaptar o mundo a si mesmo.
Portanto, todo o progresso depende do homem insensato. ‘’
Bernard Shaw
RESUMO

SANTIAGO, Erika Bergamo. Desenvolvimento de um Teste Rápido para


Determinação da Tipagem Sanguínea dos Sistemas ABO e Rh. 2020, 48p.
Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica,
Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2020.

Os testes laboratoriais convencionalmente aplicados para a


determinação da tipagem sanguínea podem representar uma barreira a
pacientes com acessibilidade reduzida e em situações de emergência.
Objetivando ampliar o acesso a um teste laboratorial simples e rápido para a
identificação dos sistemas ABO e Rh, propomos o desenvolvimento de um
teste em formato de Vertical Flow, a partir do tratamento de camadas de
membranas responsáveis pela captura do sangue, com resposta colorimétrica
acusando presença ou ausência de reação. O protótipo exibiu resultados
satisfatórios quando testado em amostras conhecidas e viável para produção
em escala comercial, com consequente facilitação do acesso a este exame
laboratorial para populações em emergência e com mobilidade reduzida.

Palavras-chave: Teste rápido; Point of Care; tipagem sanguínea.


ABSTRACT

SANTIAGO, Erika Bergamo. Development of a Rapid Test for Determining


the ABO and Rh-blood Typing Systems. 2020. 48p. Dissertation – Graduate
Program in Biomedical Engineering, Federal University of Technology - Paraná.
Curitiba, 2020.

Laboratory tests conventionally applied to determine blood typing can


represent a barrier to patients with reduced accessibility and in emergency
situations. Aiming to expand access to a simple and quick laboratory test for the
identification of ABO and Rh systems, we propose the development of a test in
a Vertical Flow format, based on the treatment of layers of membranes
responsible for blood capture, with a colorimetric response showing presence or
absence of reaction. The prototype showed satisfactory results when tested on
known samples and viable for commercial scale production, with consequent
facilitation of access to this laboratory exam for populations in emergency and
with reduced mobility.

Keywords: Rapid test; Point of Care; blood typing.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Relações de compatibilidade entre o doador a partir do tipo sanguíneo


do receptor… ........................................................................................ 15
Figura 2. Configuração dos antígenos eritrocitários na membrana celular… ...16
Figura 3. Interpretação do processo de fenotipagem do sistema ABO direta .. 18
Figura 4. Exemplo de reações com e sem aglutinação .................................... 19
Figura 5. Exemplo de teste LF ..............................................................................................21
Figura 6. Exemplo de Vertical Flow ................................................................. 21
Figura 7. Exemplo de montagem do protótipo ................................................. 27
Figura 8. Comparação com Antibody pads utilizando papel Whatman n.1 e
n.4.......................................................................................................... 31
Figura 9. Análise de Hydrophobic pad ............................................................. .32
Figura 10. SEFAR PETEX® e Whatman n.1 como Hydrophobic pad............... 32
Figura 11. Análise do comportamento dos protótipos com o aumento do volume
de amostra ............................................................................................. 33
Figura 12. Modelo do cartucho aberto impresso por impressora 3D ............... 34
Figura 13: Modelo de cartucho fechado com suas dimensões… .................... 34
Figura 14. Posicionamento das membranas dentro do cartucho...................... 35
Figura 15. Visualização das reações do sistema ABO Rh nos cartuchos… ..... 35
Figura 16. Teste de anticorpos anti-IgG humano atuando como controle no
protótipo................................................................................................. 36
Figura 17. Cartuchos completos testados com amostras de diferentes tipagens
sanguíneas… ......................................................................................... 37
Figura 1 8 . Modelo do dispositivo para encaixe das membranas em
equipamento de POC ............................................................................ 37
Figura 19. Teste com o dispositivo para POC................................................... 38
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12
2 REVISÃO DE LITERATURA .............................................................................. 13
2.1 DIVERSIDADE IMUNOFENOTÍPICA SANGUÍNEA: UM DESAFIO QUE
PERMANECE ATUAL ÀS PRÁTICAS TERAPÊUTICAS .................................. 13
2.2 ASPECTOS MOLECULARES DOS SISTEMAS ABO E RH ....................... 15
2.3 TÉCNICAS DE IMUNOFENOTIPAGEM SANGUÍNEA… ........................... 18
2.4 DISPOSITIVOS DE TESTAGEM RÁPIDA… .............................................. 19
3 OBJETIVOS .................................................................................................. 24
3.1 OBJETIVO GERAL..................................................................................... 24
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS… ................................................................... 24
4 MÉTODOS .................................................................................................... 25
4.1 CASUÍSTICA… .......................................................................................... 25
4.2 PLANEJAMENTO DO ESTUDO ................................................................ 25
4.3 MONTAGEM DOS PROTÓTIPOS… .......................................................... 26
4.4 PREPARO DOS REAGENTES… ............................................................... 27
4.4.1 Tampão Carbonato .................................................................................. 27
4.4.2 Solução BSA 1% ..................................................................................... 28
4.4.3 Solução BCG........................................................................................... 28
4.5 TRATAMENTO DAS MEMBRANAS… ........................................................ 28
4.5.1 Tratamento do Hydrophobic pad ............................................................. 28
4.5.2 Tratamento do Antibody pad.................................................................... 28
4.5.3 Tratamento da Zona de detecção ............................................................ 29
5 RESULTADOS ..................................................................................................... 30
5.1 VIABILIDADE DO SISTEMA COMO VF .................................................... 30
5.1.1 Whatman n.1 e n.4 como Antibody pad ................................................... 30
5.1.2 Whatman n.1 como Hydrophobic pad ..................................................... 31
5.1.3 Membrana SEFAR PETEX® como Hydrophobic pad.............................. 32
5.1.4 Volume de Amostra ................................................................................. 33
5.2 TESTAGEM DO CARTUCHO COM AMOSTRAS CONHECIDAS… .......... 33
5.2.1 Análise das Reações Colorimétricas dos Sistemas ABO e Rh ............... 35
5.2.2 Região controle ....................................................................................... 36
5.2.3 Análise dos Cartuchos como Protótipo Pré-Comercial ............................ 36
5.3 Preparo para Dispositivo de Point of Care.................................................. 37
6 DISCUSSÃO ................................................................................................ 39
6.1 ANÁLISE DE MEMBRANAS WHATMAN COMO ANTIBODY PAD ............. 40
6.2 ANÁLISE DO HYDROPHOBIC PAD ............................................................... 40
6.3 VOLUME DE AMOSTRA… ........................................................................ 41
6.4 UTILIZAÇÃO DOS CARTUCHOS PRODUZIDOS POR IMPRESSÃO 3D 42
6.5 ANÁLISE DOS SISTEMAS ABO E RH NOS PROTÓTIPOS… .................. 42
6.6 TESTES PARA A PORÇÃO CONTROLE… ............................................... 43
6.7 ANÁLISE DOS CARTUCHOS FRENTE A AMOSTRAS REAIS… ..............43
6.8 TESTE RÁPIDO DE TIPAGEM SANGUÍNEA EM MODELO DE POINT OF
CARE… ................................................................................................ 44
7 CONCLUSÃO ............................................................................................... 45
8 PERSPECTIVAS FUTURAS…..................................................................... 48
REFERÊNCIAS… ............................................................................................ 49
12

1 INTRODUÇÃO

Os antígenos eritrocitários são componentes da superfície extracelular da


membrana eritrocitária, podendo ser classificadas entre carboidratos, proteínas ou
glicoproteínas. Hoje, mais de 600 antígenos eritrocitários já foram descritos,
contudo, os mais importantes em relação à compatibilidade sanguínea ainda são os
antígenos provenientes do sistema ABO e Rh sendo, portanto, os marcadores mais
buscados em testes de tipagem sanguínea (ZAGO, 2004, DANIELS & BROMILOW,
2010).
Os tipos A, B e AB consistem, respectivamente, da presença exclusiva das
aglutininas A, B, e ambos, respectivamente; enquanto o tipo sanguíneo O é
resultante da ausência de ambos os antígenos A e B. Já para o sistema Rh, o tipo
Rh+ é identificado pela evidenciação do fator Rh nas células sanguíneas, enquanto
o tipo Rh-, pela ausência (DANIELS & BROMILOW, 2010).
A tipagem sanguínea representa a detecção dos tipos sanguíneos por meio
da evidenciação da presença das aglutininas nas membranas eritrocitárias. Essa
identificação é crucial em situações de emergência, onde há a necessidade de
realização de transfusão sanguínea, e também é de alta relevância para a
classificação correta de bolsas de sangue. Esta análise é normalmente realizada em
um laboratório por meio de técnicos treinados, a partir de testes de aglutinação de
glóbulos vermelhos contra anticorpos anti-A, anti-B e anti-Rh (SRIVATHSA e
DENDUKURI, 2016).
Com o intuito de facilitar o acesso ao exame de tipagem sanguínea, este
projeto propõe o desenvolvimento de um teste em modelo de Vertical Flow para a
testagem rápida, eficaz e barata dos sistemas ABO e Rh. A partir da sobreposição
de papéis filtro tratados, o protótipo irá interagir com a amostra de sangue
adicionada, aglutinando células eritrocitárias contendo o antígeno de busca. Após a
interação, a última camada do protótipo receberá o soro (de amostras aglutinadas)
ou o sangue total (de amostras não-aglutinadas), mostrando um resultado
colorimétrico indicando presença ou ausência de reação, demonstrando a tipagem
sanguínea da amostra.
13

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Diversidade Imunofenotípica Sanguínea: um Desafio que Permanece Atual às


Práticas Terapêuticas

A eritropoiese é o processo de formação e maturação dos eritrócitos


(hemácias), até que passem a fazer parte da circulação sanguínea. Este é um
processo contínuo, responsável pela reposição de hemácias. Ocorre na medula
óssea de indivíduos adultos saudáveis e no fígado em fetos. Os eritrócitos são
células bicôncavas, com vida média de 120 dias, encontrando-se em proporções de
4,5 a 6,5 x106 em indivíduos normais. Realizam o transporte de gases respiratórios,
como o oxigênio (O2) e o gás carbônico (CO2) entre os alvéolos pulmonares e os
diferentes tecidos (OLIVEIRA et al, 2013).
Os eritrócitos interagem com diferentes tipos celulares e tecidos pelo
organismo, enquanto são carregados pelo sangue. Estas interações ocorrem
principalmente no nível da sua membrana plasmática, a qual possui uma complexa
organização. Muitas moléculas expostas na sua membrana podem representar
antígenos, pois podem ser captadas por anticorpos ou por receptores de células T
sensibilizadas. Podem se portar como antígenos eritrocitários moléculas com função
de canais transportadores (exemplo: Diego e Rh), de regulação do complemento, ou
mesmo moléculas de adesão (exemplo CD36) (OLIVEIRA et al, 2013).
No começo do século XX, Karl Landsteiner (1922) observou que as hemácias
de alguns indivíduos eram aglutinadas quando em contato com o soro de outros
indivíduos. Demonstrou também que essas reações ocorriam devido à presença de
alguns marcadores (“antígenos”) nas hemácias e anticorpos no soro. Ele denominou
esses antígenos de A e B e, a depender da sua presença/ausência, o sangue era
classificado como do “tipo A” ou “tipo B”. Um terceiro tipo sanguíneo foi identificado
por não possuir os antígenos A e B, sendo denominado como “tipo O”. Além desses,
Landsteiner também identificou um quarto tipo, denominado AB, representando
indivíduos que possuíam ambos os antígenos nas suas hemácias (REID et al, 2015).
14

Estas moléculas de membrana descobertas por Landsteiner podem ser


chamadas de antígenos eritrocitários devido à capacidade de ativarem o sistema
imune e serem ligadas a anticorpos. Porém a nomenclatura mais adequada a essas
partículas é aglutinogênio A e aglutinogênio B. Da mesma forma, os anticorpos anti-
eritrocitários capazes de se ligar ao aglutinogênios são denominados de aglutininas
(SOUZA, 2019).
Alguns anos mais tarde, Landsteiner e Wiener (1940) identificaram o “fator
Rh”, como resultado dos seus estudos experimentais envolvendo aglutininas
desenvolvidas em sangue de animais estimulados pela presença de hemácias de
um macaco rhesus. Uma dessas aglutininas foi encontrada em 39 de 45 amostras
de sangue humano. Este aglutinogênio foi então denominado “fator Rh” por ter sido
encontrado primeiramente em células sanguíneas do macaco rhesus. As células
humanas aglutinadas na presença de soro anti-Rh foram denominadas Rh+, e as
que não se aglutinam na presença destes anticorpos foram então denominados Rh-
(DIAMOND et al, 1945; REID & AVENT, 2018).
O sistema imunológico em cada indivíduo tem a habilidade natural de formar
aglutininas contra os aglutinogênios do sistema ABO que não fazem parte da sua
constituição. Esta produção é estimulada quando é inserido no organismo moléculas
que compõem as aglutininas do sistema ABO que em alimentos ou mesmo em
microrganismos. Desta forma, indivíduos com sangue do tipo A produzirão
algutininas anti-B, enquanto indivíduos do tipo B formarão aglutininas anti-A. Os
indivíduos do tipo sanguíneo O, por não possuírem ambos aglutinogênios A e B,
produzirão aglutininas anti-A e anti-B. Já os indivíduos com o tipo sanguíneo AB,
menos comum, não produzem tais aglutininas (DEAN, 2005).
Diferentemente do que ocorre no sistema ABO, os anticorpos do sistema Rh
não existem naturalmente no soro. Estes são gerados somente a partir de
imunização com antígenos do sistema Rh, que podem ocorrer em casos de
transfusões incompatíveis, e em mulheres que já tiveram uma gestação cujos fetos
apresentam Rh+ (RECHE & DE PAULA, 2014).
Para evitar os riscos de incompatibilidade sanguínea nas transfusões de
sangue, deve-se considerar o tipo sanguíneo do doador e do indivíduo receptor: o
15

doador não poderá possuir o tipo sanguíneo para o qual o paciente possui
anticorpos. Esta relação de compatibilidade está representada na Figura 1.

Figura 1. Relações de compatibilidade entre o doador a partir do tipo sanguíneo do receptor.

Fonte: http://www.utahblood.org/blood-types.html. Acesso em 26/04/2019

A realização da tipagem sanguínea é útil para se evitar problemas de


incompatibilidade em transfusões sanguíneas e também para prevenir reações
adversas em transplante de órgãos e complicações gestacionais, como no caso da
doença hemolítica do recém-nascido (DHRN). Neste último, os anticorpos maternos
Anti-Rh, adquiridos após a gestação de uma criança com fator Rh +, passam pela
placenta para a circulação fetal, causando hemólise fetal, resultando em
complicações como anemia e icterícia (HASSAN, 2017).
Uma categorização rápida e segura dos sistemas sanguíneos ABO e Rh é
fundamental para se evitar complicações em diferentes situações clínicas, sobretudo
diante da necessidade de transfusões. Neste contexto, o desenvolvimento de testes
rápidos se mostra de grande importância.

2.2 Aspectos Moleculares dos Sistemas ABO e Rh

Os componentes da membrana eritrocitária que atuam como antígenos e


definem os grupos sanguíneos são cadeias glicídicas combinadas a lipídios e/ou
16

proteínas. Uma série de reações de modificação de cadeias glicídicas são


responsáveis pela produção e exposição dos aglutinogênios do sistema ABO,
enquanto outras são responsáveis pela presença das proteínas que caracterizam os
antígenos Rh. (DEAN, 2005; HOFFMAN, 2018). A Figura 2 retrata as configurações
dos antígenos eritrocitários na membrana celular para diferentes sistemas de
classificação sanguínea.

Figura 2. Configuração dos antígenos eritrocitários na membrana celular.

Fonte: HOFFMAN, 2018. Acesso em 05/08/2019

Os aglutinogênios do sistema ABO são produzidos em várias etapas pela


ação de glicosiltransferases a partir de precursores dissacarídeos. A adição de uma
unidade de fucose em ligação α1,2 nos precursores dissacarídeos origina o antígeno
H, o que é determinado por dois tipos de α1,2-fucosiltransferases: as enzimas H e
Se. A enzima H regula a expressão do antígeno H no endotélio vascular e em
membranas de eritrócitos, enquanto a enzima Se regula a expressão do antígeno H
em células do epitélio gastrointestinal.
Os aglutinogênios A e B são produzidos a partir da adição de N-
acetilgalactosamina ou galactose, respectivamente, no antígeno H. Esta etapa é
17

catalisada pelas glicotransferases codificadas por diferentes alelos do gene FUT


presentes no cromossom 9 em 9q34.1-q34.2 (GRADELLA, 2007; BONIFÁCIO e
NOVARETTI, 2009).
A produção do antígeno H, precursor dos aglutinogênios A e B, resulta da
ação de enzimas α1,2-fucosiltransferases, codificadas pelos alelos do gene H,
presente no cromossomo 19 em 19q13.3. A perda funcional destes alelos leva a
formação do fenótipo de Bombay ou O h, caracterizado pela ausência total de
atividade das transferases ABH nos eritrócitos e, portanto, do antígeno H e
aglutinogênios A e B.
Os eritrócitos do tipo Oh são incompatíveis com o tipo O, uma vez que estes
últimos apresentem antígenos H na superfície de seus eritrócitos. Em casos de
transfusão de concentrados de hemácias de fenótipo O em indivíduos Oh, ocorrerá
reação entre os anticorpos anti-H do soro do receptor Oh contra antígenos H
presentes nas hemácias dos doadores do tipo O, causando hemólise intravascular.
Este fenótipo Oh possui a denominação de fenótipo de Bombaim em razão da sua
descoberta em 1952 em uma família de Bombaim (Índia), sendo encontrado em
menos de 0,01% da população em geral (GRADELLA, 2007; BATISSOCO e
NOVARETTI, 2003; GIRELLO e KUHN, 2016).
Dentre o sistema ABO, na população brasileira os fenótipos sanguíneos mais
comuns são os tipos O e o A, encontrados em 45% e 42% dos indivíduos,
respectivamente, seguidos pelos fenótipos B (10%) e AB (3%) (GIRELLO e KUHN,
2016; BEIGUELMAN, 2003).
O sistema Rh é considerado o mais complexo entre os grupos sanguíneos
devido ao seu elevado polimorfismo, apresentando 49 antígenos diferentes. Destes,
os mais importantes são o D, C, c, e, E. Este sistema, de fenotipagem positiva em
85% da população mundial, é considerado o segundo mais importante dentre os
sistemas sanguíneos, pelo fato de ser responsável por grande parte das reações
transfusionais, doença hemolítica do recém-nascido e anemias hemolíticas. Dentre
os vários antígenos, o D é o mais imunogênico, exibindo grande capacidade de
gerar resposta imune mediada por linfócitos (HARMENING, 2006; BEIGUELMAN,
2003).
18

Os dois genes do sistema Rh, o RHD e o RHCE, estão localizados no


cromossomo 1 em 1p34-36. O gene SMP1, interposto entre os genes RHD e RHCE
é responsável pela expressão e funcionalidade do antígeno Rh nas membranas
eritrocitárias. Hemácias RhD negativas podem ser provenientes de um dos 3
aspectos moleculares de negatividade do RHD: deleção do gene RHD, pseudogene
RHD e gene híbrido. Destas características, a mais comum para o fenótipo RhD
negativo é a deleção do gene RHD (NARDOZZA et al, 2010).

2.3 Técnicas de Imunofenotipagem Sanguínea

A determinação dos fenótipos nos sistemas ABO e Rh corresponde à


identificação da presença/ausência dos aglutinogênios A e/ou B e/ou antígeno RhD
na membrana dos eritrócitos. Atualmente, o método para a determinação da tipagem
sanguínea mais utilizado pelos laboratórios consiste na aglutinação observada a
olho nu. A prova direta consiste em adicionar soros conhecidos (anti-A, anti-B e anti-
Rh) às células sanguíneas a serem testadas, enquanto a prova reversa consiste em
adicionar o soro sanguíneo a ser pesquisado a uma suspensão de eritrócitos
conhecidos (A, B, Rh+) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).

Figura 3. Interpretação do processo de fenotipagem do sistema ABO direta.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014. Acesso em 26/04/2019.


19

Figura 4. Exemplo de reações com e sem aglutinação. A partir de uma amostra A+, é possível
verificar a reação das hemácias sanguíneas quando são postas em contato com aglutininas
anti-A, anti-B e anticorpor anti-RhD, respectivamente. Quando em contato com os soros anti-A
e anti-Rh, observa-se o aparecimento de grumos, indicando a aglutinação das hemácias.

Fonte: Autoria própria.

Além da observação a olho nu, as hemácias aglutinadas podem ser


detectadas por meio de vários testes, incluindo teste convencional com tubo,
ensaios em microplaca e em fase sólida, aglutinação em coluna de gel e tecnologia
de coluna de afinidade. Estes ensaios são altamente sensíveis, específicos e
confiáveis. Contudo, são também dependentes de instrumentos laboratoriais
especiais, que devem ser operados por pessoal treinado e exibem tempo
prolongado de teste (10-30 min), tudo isso refletindo invariavelmente em alto custo
(AL-TAMIMI et al, 2011).
Segundo a RDC 153, os bancos de sangue devem realizar a tipificação do
sistema ABO de modo direto e indireto, utilizando anticorpos anti-A, anti-B e anti-AB.
A tipificação utilizando anticorpos anti-AB não é necessária apenas quando os dois
primeiros forem monoclonais. Já para a determinação do fator Rh, deve ser
realizado a prova direta utilizando um anticorpo anti-RhD e, em paralelo, a
realização de um controle da tipagem Rh, utilizando-se para isto soro-controle de Rh
do mesmo fabricante do soro anti-D. Se a reação for negativa para a presença do
antígeno D, deve ser aplicada técnica para a exclusão de D-fraco (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2004).

2.4 Dispositivos de Testagem Rápida


20

Nas últimas décadas, os exames laboratoriais de rotina tornaram-se cada vez


mais automatizados e eficientes, com a utilização de equipamentos sofisticados de
alto rendimento. Simultaneamente, o alto custo e a demora para a entrega de
resultados demandaram o desenvolvimento de novas soluções diagnósticas (ABEL,
2015).
Os testes rápidos consistem em uma modalidade de diagnóstico laboratorial
que oferece diversas vantagens sobre os testes laboratoriais convencionais, como
um manuseio simples das amostras, a possibilidade de coleta sanguínea capilar,
baixo custo e também tempo curto de resposta, entre 5 a 15 min (ABEL, 2015;
VASHIST et al, 2015).
Os modelos mais adotados são os testes do tipo Fluxo Lateral (Lateral Flow,
LF) e Fluxo Vertical (Vertical Flow, VF). Os testes LF são constituídos basicamente
por membranas impregnadas com anticorpos específicos para a evidenciação de
determinado analito na amostra. Na maioria dos testes LF, a zona de detecção é
impregnada com os anticorpos dispostos em duas linhas: a linha controle e a linha-
teste. A linha controle deverá aparecer para todos os testes realizados com o
modelo, indicando a validade do resultado obtido, enquanto a linha-teste aparecerá
somente se o analito investigado estiver presente na amostra. A amostra é
dispensada na parte inferior (Sample pad) da tira reagente e, por capilaridade, é
conduzida através das membranas, reagindo com partículas de ouro coloidal (no
caso de imunocromatografia) ou com fluoróforos (no caso de imunofluorescência),
que acusarão a presença da amostra nas linhas reagentes (no Conjugation pad,
Figura 5) (ABEL, 2015; JIANG et al, 2019).
21
Figura 5. Exemplo de teste LF. a) estrutura do teste. b) visualização do resultado.

Fonte: Adaptado de YANG et al, 2018. Acesso em 05/10/2019.

Já os testes rápidos VF são constituídos por membranas sobrepostas, cada


uma tratada com um reagente específico. A amostra é inserida em um lado do
dispositivo, passa através das membranas que estão no meio do sistema e chega ao
lado posterior do arranjo. Durante essa passagem, a amostra pode reagir com
compostos impregnados nas membranas e, a partir destas reações, demonstrar um
resultado na zona de detecção, geralmente colorimétrico (JIANG et al, 2019).

Figura 6. Exemplo de Vertical Flow.

Fonte: Autoria própria.


22

O desenvolvimento de testes simples, rápidos e confiáveis para a


determinação da tipagem sanguínea é de grande valia para verificações de
compatibilidade em situações de emergência, e em situações onde não há acesso a
instalações laboratoriais, como áreas rurais, instalações militares e países em
desenvolvimento (AL-TAMIMI et al, 2011).
Esta crescente demanda por exames laboratoriais rápidos e de menor custo
criou a necessidade do desenvolvimento de novos modelos de testes rápidos em
modelo de Point of Care (POC). Estes testes oferecem como vantagem a facilidade
em sua operação por não possuírem a necessidade de serem executados em
ambiente laboratorial, podendo ser realizados juntamente ao leito do paciente, em
clínicas médicas, em casa ou até mesmo em ambulâncias, simplificando o acesso a
exames laboratoriais e garantindo rapidez no resultado em situações de emergência.
Outro benefício desta metodologia é a redução da quantidade de amostra biológica
necessária para a geração do resultado. No caso de exames sanguíneos, 1 gota da
amostra é suficiente para a análise, podendo ser coletada por punção digital,
dispensando a necessidade de coleta venosa ou arterial (VASHIST et al, 2015;
NICHOLS, 2008).
Diferentes soluções já foram propostas para facilitar o teste laboratorial de
tipagem sanguínea em formato de testes rápidos. Em sua maioria, estas soluções
baseiam-se em testes rápidos em formato de Lateral Flow com a determinação dos
sistemas ABO e Rh, com alguns modelos incluindo também os sistemas K, Duffy,
Kidd e Ss (ZHANG et al, 2017; MDmulticard®).
Com o intuito em inovar no modelo de detecção deste teste rápido, o protótipo
apresentado neste trabalho utiliza-se da colorimetria para a leitura do resultado,
baseando-se na capacidade de ligação do corante bromocresol verde (BCG) com a
albumina sérica (HSA) para formação de um complexo azulado. Neste teste, o
sangue aglutinado seria “filtrado”, não passando pelos poros do papel
cromatográfico, permitindo a ligação da HSA com o corante BCG, para a formação
do complexo azul BCG-HSA. Já o sangue não aglutinado passaria pelos poros do
papel cromatográfico, gerando uma cor marrom ao se misturar com o corante. Desta
forma, nosso protótipo permite distinguir com precisão a aglutinação de eritrócitos
23

ocasionada pela reação com aglutininas anti-A, anti-B e anticorpos anti-Rh (ZHANG
et al, 2017).
24

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

O objetivo deste trabalho foi o desenvolvimento de um protótipo para


determinação rápida dos sistemas de classificação sanguínea ABO e Rh em um
sistema Teste Laboratorial Remoto (TLR) de Point of Care a partir de pequenos
volumes de amostras sanguíneas.

3.2 Objetivos Específicos

Para se atingir o objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos


específicos:

1. Especificação e montagem das tiras reagentes (membranas).


2. Produção do protótipo porta-tiras por manufatura aditiva.
3. Teste de configurações membrana-protótipo.
4. Otimização da relação tempo de reação × volume de amostra nas
membranas.
5. Avaliação da eficiência do protótipo finalizado com amostras de sangue
padrões.
6. Avaliação do protótipo finalizado em equipamento de Point of Care.
25

4 MÉTODOS

4.1 Casuística

Este estudo foi desenvolvido nas dependências da empresa Hi Technologies,


nos laboratórios de Fabricação e Clínico. No Laboratório de Fabricação, a
temperatura e umidade ambientes foram controlados, mantendo-se em 19-25°C e
umidade <45%.
O estudo tratou-se de uma pesquisa aplicada, exploratória e experimental
para a produção de um modelo de teste-rápido para triagem sanguínea dos
sistemas ABO e Rh. O protótipo foi desenhado para, a partir de uma pequena
alíquota de sangue, apresentar o resultado de forma colorimétrica. As amostras
consistiam de sangue total, obtidas a partir do banco de amostras da empresa Hi
Technologies.
O protótipo desenvolvido não é impedido por nenhuma patente registrada,
conforme pesquisa realizada junto ao banco de dados do Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI).

4.2 Planejamento do Estudo

Após uma pesquisa bibliográfica utilizando as palavras chave “teste rápido”,


“sistema ABO e RH” e “tipagem sanguínea” nas bases de dados Web of Science,
Google Acadêmico, PubMed e Scopus, compreendendo o período de 1945 a 2019,
iniciou-se o levantamento das características do produto a ser desenvolvido. Este
levantamento contou com a análise das características de funcionamento do
produto, verificação de materiais e reagentes necessários para a produção, e
pesquisa por fornecedores de matéria prima. Posteriormente, foi definido um modelo
colorimétrico VF para análise de tipagem sanguínea direta do sistema ABO Rh,
utilizando membranas de papéis filtro e de poliéster tratadas com diferentes
reagentes, as quais foram prensadas em um cartucho produzido por manufatura
26

aditiva em impressora modelo Ultimaker, utilizando-se filamentos de PLA (ácido


poliláctico).
As membranas selecionadas foram papéis filtro Whatman n.1 e n.4, e uma
membrana poliéster SEFAR PETEX®. Os anticorpos escolhidos para o tratamento
das membranas para a captura dos eritrócitos reagentes são anticorpos comumente
utilizados para a determinação de tipagem sanguínea manual do sistema ABO Rh.
Para a determinação colorimétrica do resultado, foi escolhido o tratamento das
membranas com uma solução com corante verde de bromocresol (do inglês
bromocresol green - BCG).
Por se tratar de um protótipo, as amostras escolhidas para serem analisadas
neste trabalho foram amostras padrões provenientes de um banco de amostras da
empresa Hi Technologies. Os sistemas sanguíneos destas amostras foram
previamente testados através de técnica de tipagem direta, e então as alíquotas
foram armazenadas para as análises posteriores.

4.3 Montagem dos Protótipos

Os protótipos foram desenvolvidos a partir da montagem de camadas de


papéis filtro tratadas, montadas em um cartucho com 4 aberturas. Cada uma dessas
aberturas recebeu membranas tratadas com diferentes reagentes (anti-IgG Humano,
anti-A, anti-B e anti-RhD) e sua leitura foi individual.
As aberturas do cartucho são dispostas de forma que, em uma face seja
dispensada a amostra, e na face oposta seja visualizado o resultado. Desta forma, o
sangue percorre as camadas até chegar no outro lado do cartucho. Inicialmente foi
determinado a seguinte estrutura:
1) Sample pad: membrana de poliéster responsável por receber e
distribuir a amostra para a próxima camada;
2) Antibody pad: camada consistindo em pequenas membranas de papel
filtro Whatman diferentes, cada uma tratada com um anticorpo
diferente (anti-A, anti-B, anti-RhD, e anticorpos controle);
27

3) Hydrophobic pad: papel filtro responsável por receber a amostra


(sangue ou plasma) do Antibody pad e distribuir a amostra de maneira
uniforme pela Zona de detecção;
4) Zona de detecção: consistindo em membranas tratadas com corante
verde de bromocresol dispostas diretamente após o antibody pad, que
determinam a passagem de sangue total ou apenas plasma a partir do
antibody pad.

Figura 7. Exemplo de montagem do protótipo. As membranas tratadas foram posicionadas na


parte interior do cartucho (cartucho representado em preto na imagem).

Sample pad
Antibody pad
Hydrophobic pad
Zona de detecção

Fonte: Autoria própria.

4.4 Preparo dos Reagentes

Após a análise da literatura, três reagentes foram preparados para serem


utilizados no tratamento das membranas: tampão carbonato, solução BSA 1% e
solução BCG.

4.4.1 Tampão Carbonato

Os Antibody pads, antes de receberem o tratamento com seus respectivos


anticorpos, foram tratados com solução tampão carbonato 0,1M pH 9. Para a
produção deste tampão, foram diluídos 5,3g de carbonato de sódio (Na 2CO3) em
100mL de água deionizada e 4,2g de bicarbonato de sódio (NaHCO 3) em 100mL de
água deionizada. Após, a solução de uso foi preparada por meio da mistura de 10mL
da solução carbonato e 13mL da solução bicarbonato, produzindo um tampão
28

carbonato 0,5M. Esta solução foi diluída na proporção 1:5 em água destilada para
obtenção do tampão carbonato 0,1M. Este teve seu pH ajustado em 9,2.

4.4.2 Solução BSA 1%

A solução BSA 1% foi produzida por meio da diluição de 1mL de albumina de


soro bovino (BSA) em 99 mL de solução tampão fosfato-salino 0,01M (PBS)
fornecido pela Science Pro. O pH final da solução foi ajustado em 7,4.

4.4.3 Solução BCG

A produção da solução BCG realizou-se por meio da diluição de 0,105g de


BCG (Sigma-Aldrich), 8,85g de ácido cítrico, 4mL de agente surfactante (Renex) em
950 mL de água deionizada. Após, a solução foi ajustada para o volume de 1L com
água deionizada, e o seu pH foi ajustado em 4,21.

4.5 Tratamento das Membranas

4.5.1 Tratamento do Hydrophobic pad

O Hydrophobic pad foi preparado a partir do tratamento de um papel filtro


Whatman n°1 com solução BSA 1% pH 7,2. Com o auxílio de uma placa de petri, os
papéis filtro foram imersos na solução BSA 1% por 10 minutos, e então foram secos
em temperatura ambiente de 25°C por 2 horas. Após a secagem, as membranas
foram armazenadas em placa de petri na presença de sílica.

4.5.2 Tratamento do Antibody pad


29

Os papéis filtro que compõem o Antibody pad foram preparados com papel
Whatman n.1 e n.4, tratados com solução tampão carbonato e com anticorpos anti-
A, anti-B, anti-RhD e anti-IgG humano (Fresenius). Primeiramente todas as
membranas foram imersas em solução tampão carbonato por 10 minutos e secas
em temperatura ambiente por 2h. Após secas, as membranas foram separadas em 4
conjuntos, cada um recebendo o tratamento de um dos anticorpos. Cada membrana
foi submersa em uma solução de anticorpo por 10 minutos, e depois secou em
temperatura ambiente por 2h. Após o tratamento, as membranas foram guardadas
separadamente por tipo de anticorpo em recipiente fechado e armazenadas entre 2
a 8°C em refrigerador.

4.5.3 Tratamento da Zona de detecção

A zona de detecção corresponde à última membrana do sistema, a qual


evidenciará o resultado do teste a partir de uma coloração azulada ou marrom-
avermelhada. Os papéis filtro Whatman n.1 foram imersos na solução BCG por 10
minutos e depois foram secos por 2h em temperatura ambiente. Após a secagem, as
membranas foram armazenadas em recipiente fechado na presença de sílica.
30

5 RESULTADOS

Para avaliar a melhor conformação para a montagem das membranas, foram


realizados testes investigativos, como a comparação de diferentes materiais
diferentes na composição de uma das camadas do teste e a análise de diferentes
volumes de amostra.

5.1 Viabilidade do Sistema como VF

Os testes contaram com a montagem das camadas na seguinte ordem:


Sample pad, o Antibody pad referente da região, Hydrophobic pad e Zona de
detecção. Cada membrana foi cortada em dimensões 1×2cm.

5.1.1 Whatman n.1 e n.4 como Antibody pad

Análise qualitativa de comparação entre membranas Whatman n.1 e n.4 para


tratamento com os anticorpos específicos e atuação no Antibody pad do protótipo.
31

Figura 8. Comparação com Antibody pads utilizando papel Whatman n.1 e n.4. Na imagem da
esquerda, a membrana utilizada para tratamento do Antibody pad foi o Whatman n.1, e na
imagem da direita, o Whatman n.4. O anticorpo anti-A foi utilizado para tratamento, e a amostra
A+ foi utilizada para teste. Na imagem, as setas vermelhas indicam os pontos onde houve
aparecimento do complexo azul, indicando presença de reação nas membranas.

Fonte: Autoria própria

5.1.2 Whatman n.1 como Hydrophobic pad

O Hydrophobic pad é uma camada intermediária entre o Antibody pad e a


Zona de detecção. Foi realizado teste comparando a resposta de uma amostra com
e sem a membrana Whatman n.1 tratada com BSA 1% como Antibody pad.
32

Figura 9. Análise de Hydrophobic pad. Nas imagens A e B, foram utilizados anticorpos Anti-B
no Antibody pad, sendo que no B a montagem contou com o Hydrophobic pad e no A não. Nas
imagens C e D foram utilizados anticorpos anti-A, no D com Hydrophobic pad e no C sem esta
membrana. O sangue testado possuía tipagem AB+, sendo esperado a reação entre as
hemácias nos quatro protótipos.

Fonte: Autoria própria

5.1.3 Membrana SEFAR PETEX® como Hydrophobic pad

A membrana SEFAR PETEX® de menor espessura (75 µm) que o papel filtro
Whatman n.1 (180 µm) foi testada em comparação com a Whatman n.1 como
Hydrophobic pad.

Figura 10. SEFAR PETEX® e Whatman n.1 como Hydrophobic pad. À esquerda a membrana
Whatman n.1 como Hydrophobic pad. À direita a membrana SEFAR PETEX®. Foi utilizado
anticorpo anti-A no Antibody pad e amostras de tipagem A+. Na imagem, as setas vermelhas
indicam os pontos onde houve aparecimento do complexo azul, indicando presença de reação
nas membranas.

Fonte: Autoria própria


33

5.1.4 Volume de Amostra

Após a definição da composição do protótipo, foi analisado o volume de


amostra que demonstraria melhores resultados na zona de detecção. Com base nas
análises anteriores de verificação dos componentes das camadas do teste, foi
decidido testar os volumes de 20, 30 e 40 μL de amostra.L de amostra.

Figura 11. Análise do comportamento dos protótipos com o aumento do volume de amostra.
Todos os protótipos possuíam como Antibody pad anticorpos anti-A, e foram testados com um
sangue de tipagem A+. Na imagem, as setas vermelhas indicam os pontos onde houve
aparecimento do complexo azul, indicando presença de reação nas membranas.

Fonte: Autoria própria

5.2 Testagem do Cartucho com Amostras Conhecidas

Os cartuchos foram impressos em filamento PLA (ácido poliláctico) a partir


uma impressora 3D, modelo Ultimaker 2, em medida 4,5 x 8 cm. As figuras 12 e 13
mostram os modelos fabricados, abertos e fechados respectivamente. A figura 14
mostra a disposição das membranas dentro do cartucho.
34

Figura 12. Modelo do cartucho aberto impresso por impressora 3D. O modelo possui 4
aberturas independentes para entrada de amostra, dispostas em duas placas. As placas foram
desenhadas para serem complementares entre si, podendo ser encaixadas uma em cima da
outra. Após encaixadas, os dois encaixes laterais unem as placas, realizando a prensa das
membranas em seu interior.

Fonte: Autoria própria

Figura 13: Modelo de cartucho fechado com suas dimensões.

Fonte: Autoria própria


35

Figura 14. Posicionamento das membranas dentro do cartucho. Cada abertura possui um
conjunto de membranas diferenciadas por seu Antibody pad.

Fonte: Autoria própria

5.2.1 Análise das Reações Colorimétricas do Sistema ABO Rh

A partir dos resultados obtidos nos testes anteriores de volume de amostra e


posição de membranas, as membranas do sistema ABO Rh foram testadas
separadamente dentro do cartucho com amostras de tipagens variadas.

Figura 15. Visualização das reações do sistema ABO Rh nos cartuchos. Na imagem, as setas
vermelhas indicam os pontos onde houve aparecimento do complexo azul, indicando presença
de reação nas membranas.

Fonte: Autoria própria


36

5.2.2 Região Controle

Para a porção controle do protótipo, foi analisada a viabilidade da utilização


de soro anti-IgG humano nesta etapa. Este Antibody pad foi testado com amostras
padrões diferentes, com a finalidade de analisar se os anticorpos anti-IgG humano
são capazes de reter hemácias de diferentes tipos sanguíneos.

Figura 16. Teste de anticorpos anti-IgG humano atuando como controle no protótipo. As
membranas foram montadas da mesma forma como em testes com outros anticorpos, e então
as amostras de sangue de diferentes tipagens foram testadas.

Fonte: Autoria própria

5.2.3 Análise dos Cartuchos como Protótipo Pré-Comercial

Os cartuchos foram montados utilizando as membranas aprovadas nas


análises anteriores, utilizando amostras padrões conhecidas. Utilizando o volume de
30 µL de amostra em cada um dos poços, foi possível observar a reação
colorimétrica na Zona de detecção para cada tipo sanguíneo utilizado.
37

Figura 17. Cartuchos completos testados com amostras de diferentes tipagens sanguíneas. Na
imagem, as setas vermelhas indicam os pontos onde houve aparecimento do complexo azul,
indicando presença de reação nas membranas.

Fonte: Autoria própria

5.3 Preparo para Dispositivo de Point of Care

As membranas foram cortadas em dimensões 5×5mm para a inserção em um


dispositivo pronto para a utilização em um equipamento de Point of Care, de
dimensões 1×4,5cm.

Figura 18. Modelo do dispositivo para encaixe das membranas em equipamento de POC. As
membranas foram montadas na seguinte ordem (de cima para baixo): anticorpos anti-A, anti-B
e anti-RhD.

Fonte: Autoria própria


38

Figura 19. Teste com o dispositivo para POC. O modelo sem adesivo amarelo corresponde a
uma amostra de tipagem A+, e a imagem com adesivo a uma amostra B-.

Fonte: Autoria própria


39

6 DISCUSSÃO

O objetivo deste projeto foi o desenvolvimento de um teste rápido para


tipagem sanguínea que permitisse informar um resultado seguro e de fácil leitura,
em tempo reduzido. O protótipo proposto para este trabalho foi desenvolvido a partir
da montagem de membranas tratadas, capazes de capturar hemácias que contém
os antígenos eritrocitários alvo, permitindo apenas a passagem de plasma até a
Zona de detecção e formação de complexo azul visível a olho nu em amostras
reagentes, e coloração marrom-avermelhada em amostras não-reagentes.
Inicialmente, as membranas foram testadas quanto à viabilidade do seu uso
em um teste VF. Após as membranas foram montadas no interior de cartuchos
apropriados para a leitura, para a realização de testes com amostras de sangue total
provenientes do banco de amostras da empresa Hi Technologies.
Todos os materiais utilizados para a execução deste trabalho são materiais já
utilizados em outros procedimentos dentro da empresa Hi Technologies, e foram
escolhidos para a execução deste projeto justamente por apresentarem bons
resultados em outros processos.
Todas as membranas foram tratadas da mesma forma, com a submersão em
diluente, e posterior secagem em temperatura ambiente em local com temperatura e
umidade controlada. Os testes analíticos dos protótipos permitiram selecionar a
membrana com a porosidade mais adequada, capaz de reter as hemácias com os
antígenos investigados.
Soluções tampão são comumente utilizadas no desenvolvimento de testes LF
com a finalidade de obter de consistência no desempenho do produto e na
fabricação da tira reagente (MERK MILIPORE 2013). Quando tamponado, o papel
muda sua estrutura aumentando a reatividade do anticorpo imobilizado e sua fixação
na tira.
A solução tampão carbonato foi escolhida para o tratamento das membranas
antes destas receberem os anticorpos. Segundo Postigo (2017), com a fixação dos
reagentes nas membranas, o sangue aglutinado (eritrócitos ligados aos anticorpos
imobilizados) fica retido nesta fase e apenas o plasma ou o sangue não reativo (sem
o antígeno específico) atravessa a membrana.
40

A solução BCG foi escolhida para a evidenciação colorimétrica do resultado


do teste de tipagem devido à capacidade da albumina sérica humana reagir com o
corante verde de bromocresol, produzindo um complexo azulado visível a olho nu
(ZHANG et al, 2017). Se a amostra de sangue for aglutinada na membrana Antibody
pad, somente o plasma encontrará a membrana final e formará a coloração azul. Se
a amostra não tiver os antígenos específicos, toda a amostra atravessará as
membranas, e ao atingir a membrana final, esta apresentará coloração marrom
avermelhada, como pode ser observado nas figuras 14, 15 e 16.
Foram utilizadas as membranas SEFAR PETEX® como Sample pad,
Whatman n.1 como Hydrophobic pad, Whatman n.1 e n.4 como Antibody pad e
Whatman n.1 como Zona de detecção. As amostras utilizadas foram provenientes do
banco de amostras da empresa Hi Technologies e consistiam em sangue venoso
armazenado para fins de pesquisa na empresa. As amostras foram inicialmente
testadas em tipagem direta com a utilização de anticorpos anti-imunoglobulinas em
sangue total, e então testadas nos protótipos.

6.1 Análise das Membranas Whatman como Antibody pad

Para analisar a espessura ideal da membrana para retenção dos eritrócitos


contendo os antígenos do sistema ABO Rh, foram testados dois tipos de protótipos:
um com o Antibody pad correspondendo à membrana Whatman n.1 e outro com o
Antibody pad correspondendo à membrana Whatman n.4, ambas contendo
anticorpos anti-A, testadas então com amostra de sangue A+. Os resultados destes
testes podem ser observados na figura 8.
A maior espessura da membrana Whatman n.4 tornou necessária a aplicação
de maior volume de amostra que o n.1 para evidenciação do resultado. Contudo, a
aplicação de maior volume da amostra sobrecarregou as membranas, causando
extravasamento da amostra na zona de detecção (Figura 8). Desta forma,
padronizamos o uso da membrana Whatman n.1 como Antibody pad no protótipo.

6.2 Análise do Hydrophobic pad


41

No modelo proposto, o Hydrophobic pad é uma camada composta por uma


membrana posicionada entre o Antibody pad e a Zona de detecção. Sua função é
basicamente direcionar a mistura resultante da interação do sangue com os
anticorpos fixados no Antibody pad até a última membrana do protótipo, onde a
coloração azulada ou marrom-avermelhada evidenciará a ocorrência ou não de
aglutinação da amostra.
A membrana utilizada nesta etapa deve ser inerte, sem interação com a
amostra. Por esta razão, foi escolhida uma solução de bloqueio, composta por BSA
1% para tratar a membrana utilizada como Hydrophobic pad, inibindo que a amostra
se ligasse a sítios inespecíficos na membrana (POSTIGO, 2017). A validação desta
etapa foi realizada por meio do teste de protótipos com e sem a membrana
Whatman n.1 tratada com BSA.
Pode-se observar na figura 9, que a presença da membrana Whatman como
Hydrophobic pad melhorou a evidenciação do resultado. O tratamento com BSA,
além de atuar como um segundo filtro para as amostras retidas no Antibody pad,
evitou que o excesso de eritrócitos aglutinados atrapalhassem a evidenciação do
resultado na Zona de detecção, promovendo maior sensibilidade ao teste.
Em segundo momento, foi testado a viabilidade da utilização das membranas
SEFAR PETEX® como fase de Hydrophobic pad. Esta membrana foi escolhida
devido à sua capacidade de distribuição homogênea da amostra para a camada
seguinte. Por esta mesma razão, foi testada também sua aplicação em substituição
à membrana Whatman n.1 com BSA 1% como Hydrophobic pad (Figura 10).
Quando utilizada a membrana SEFAR PETEX®, a evidenciação da resposta
na Zona de detecção foi menos “limpa”. Isso demonstrou a necessidade do uso de
uma membrana com espessura maior após o Antibody pad, para auxiliar a filtragem
das hemácias que possam “escapar” da etapa anterior.

6.3 Volume de Amostra

O volume ideal de dispensação de amostra no Sample pad também foi


testado. Na figura 11 é possível observar os resultados obtidos com a aplicação dos
volumes de 20, 30 e 40 µL de sangue no Sample pad. Com o primeiro volume, não
42

houve fluxo suficiente entre as membranas, impossibilitando a leitura na Zona de


detecção. Já a adição de 40 µL, notou-se a retenção da amostra no Antibody pad,
porém com extravasamento capaz de interferir na leitura. O volume de 30 µL de
amostra foi o que permitiu a evidenciação mais nítida do resultado.

6.4 Utilização dos Cartuchos Produzidos por Impressão 3D

Os cartuchos produzidos possuíam 4 aberturas frontais e dorsais, para que a


amostra pudesse ser dispensada de um lado e o resultado visualizado do outro lado
do cartucho, após atravessar as membranas contidas no seu interior. Os cartuchos
foram projetados com encaixes internos e laterais que, além de manterem as
membranas imóveis no seu interior, realizavam a prensa das membranas, auxiliando
na passagem da amostra de um lado para o outro.
Inicialmente os testes foram realizados em cartuchos impressos por filamento
PLA, de dimensões 4,5×8 cm, para análise do comportamento das membranas em
modelo VF. O design com 4 aberturas foi escolhido pois, além dos anticorpos do
sistema ABO Rh (anti-A, anti-B e anti-RhD), planejamos adicionar uma porção
controle, contendo anticorpos anti-eritrocitários naturais a todas as hemácias, como
anti-CD36. Até o momento, a aquisição deste anticorpo não se tornou viável em
razão do alto custo.
As membranas foram montadas nas aberturas do cartucho e separadas
conforme o anticorpo presente em seu Antibody pad. As membranas foram
posicionadas da seguinte ordem dentro do cartucho: anti-A, anti-B e anti-RhD. Os
cartuchos podem ser visualizados desmontados e montados, respectivamente, a
partir das figuras 12 e 13. Na figura 14 é demonstrado a montagem das membranas
no interior do cartucho.

6.5 Análise dos Sistemas ABO e Rh nos Protótipos

Após a montagem dos cartuchos, foram analisadas as reações colorimétricas


para os sistemas ABO e Rh. Como pode ser observado na figura 15, quando ocorreu
a reação do antígeno com seu anticorpo específico, houve retenção de parte das
43

hemácias e separação do plasma. Este plasma reagiu com o corante BCG


produzindo uma coloração azulada visível a olho nu. Quando a ligação com os
anticorpos não ocorreu, o sangue passou diretamente pelas membranas, não sendo
observada coloração azul na Zona de detecção, ficando a mesma com tom marrom-
avermelhada.
Na mesma figura, pode-se observar a diferença das reações na Zona de
detecção quando o antígeno está presente e quando não está. Apesar de ter
ocorrido algum extravasamento, é possível diferenciar a ocorrência ou não de
reação pela intensidade da coloração marrom quando o antígeno não está presente.

6.6 Testes para a Porção Controle

A reação positiva na região controle de um teste rápido indica a validade do


resultado, demonstrando que os reagentes imobilizados atendem ao padrão de
normalidade. Neste projeto, o controle idealmente definido foi um anticorpo capaz de
reagir com todos os tipos de hemácias, o anticorpo anti-CD36. O marcador CD 36 é
uma molécula presente na membrana de todos os eritrócitos e tem atividade
relacionada à adesão celular. Contudo, devido ao alto custo deste anticorpo, a
realização desta etapa não pôde ser concluída no âmbito deste projeto, sendo
delegado para análises futuras, quando da validação comercial do produto.
Foram então realizados testes com anticorpos anti-IgG humano, amplamente
utilizados em testes de Coombs. Estes anticorpos são utilizados para a evidenciação
de outros anticorpos associados às hemácias ou livres no soro ou plasma (GIRELLO
e KUHN, 2016).
Nos testes realizados, foi possível evidenciar a retenção dos eritrócitos em
todas as amostras de tipagens sanguíneas distintas, como pode ser observado na
figura 16. Embora exitoso, este controle não será utilizado como padrão nas etapas
futuras em razão da sua inespecificidade.

6.7 Análise dos Cartuchos Frente a Amostras Reais


44

Os protótipos foram testados em amostras de tipagens sanguíneas diferentes


provenientes do banco de amostras da empresa Hi Technologies. Como pode ser
observado na figura 17, foi possível evidenciar a coloração diferente na zona de
detecção entre as amostras reativas e não reativas para cada anticorpo.

6.8 Teste Rápido de Tipagem Sanguínea em Modelo de Point of Care.

As membranas, antes cortadas em dimensões 1×2cm, foram reduzidas para


5mm² para seu encaixe em um dispositivo próprio para a leitura em um equipamento
de POC de leitura colorimétrica, de dimensões 1×4,5cm (Figura 18). As membranas
foram montadas seguindo o mesmo protocolo e ordem dos protótipos.
Nos testes anteriores, pôde-se observar algum extravasamento nas laterais
da zona de detecção. Com a diminuição das dimensões das membranas, o
extravasamento observado foi mais evidente, causando poluição visual na zona de
detecção, dificultando a diferenciação entre as amostras reativa e não reativa.
Na figura 19 é possível observar que grande parte do volume da amostra não
foi contido pelos Antibody pads, comprometendo a leitura do resultado. Para esta
nova dimensão de cartucho, novos testes deverão ser realizados, o que poderá
incluir novos materiais como Antibody pad, melhorando a evidenciação do resultado.
Para contornar este problema, será necessário realizar testes com alguma barreira
física ao fluxo da amostra pelas laterais da membrana, o que poderia ser feito por
alguma cola, fita aderente à membrana, ou até mesmo um molde diferenciado no
dispositivo. Outra opção seria aprimorar o sistema de retenção das hemácias no
Antibody pad, adicionando uma outra membrana ou outro reagente ao
sistema.
45

7 CONCLUSÃO

Todos os materiais utilizados para a execução deste trabalho são materiais já


utilizados em outros procedimentos dentro da empresa Hi Technologies, e foram
escolhidos para a execução deste projeto justamente por apresentarem bons
resultados em outros processos.
O tratamento do Hydrophobic pad com a solução de bloqueio BSA 1%
melhorou a leitura final dos protótipos. O corante BCG utilizado para o tratamento da
Zona de detecção se mostrou eficiente na evidenciação da ocorrência de
aglutinação das hemácias, ao assumir a coloração azul quando em combinação com
o plasma sanguíneo, embora nem sempre nítida, mesmo quando não havia
extravasamento de hemácias. Hemólise da amostra e utilização de amostras frescas
ou com EDTA podem ter interferido no processo e deverão ser investigadas.
Os anticorpos utilizados para o tratamento dos Antibody pads foram
anticorpos amplamente utilizados por laboratórios convencionais para a busca de
antígenos de superfície específicos do sistema ABO Rh. Pretende-se futuramente,
ao aplicar tal estudo para modelos comerciais, utilizar a região controle com um
anticorpo de detecção específica de antígenos eritrocitários naturais em células
saudáveis, como o Anti-CD36. Tal região deverá reagir com todas as hemácias
saudáveis presentes na amostra e, portanto, a zona de detecção na região controle
deverá sempre apresentar coloração azulada. No presente estudo, foi analisado a
utilização de anticorpos Anti-IgG humano, reagente amplamente utilizado por
laboratórios convencionais para testes de Coombs, na porção controle do protótipo.
A utilização de IgG humano como controle exibiu resultados satisfatórios, porém, por
ser inespecífico, não seria adequado seu uso em um produto comercial.
Em primeiro momento, o design do protótipo foi criado para o recebimento
das amostras separadamente em cada poço contendo os reagentes para a
determinação de um parâmetro sanguíneo. Tal configuração mostrou-se mais fácil
de manipulação para a realização dos testes com as membranas do protótipo, além
de também apresentar bons resultados após as análises. A desvantagem
apresentada por este modelo é a necessidade de várias aplicações da amostra
sanguínea no sistema para a obtenção do resultado. Além disso, devido à
46

necessidade de aplicação seriada da amostra, pode-se perder o controle de volume


de amostra inserida no sistema, podendo mais quantidade de sangue ser inserido
em um poço do que em outro. Essa situação poderia contribuir para a geração de
resultados errôneos.
A disposição das membranas dentro do cartucho foi realizada
individualmente, com a inserção das membranas cortadas em tamanho próprio e já
tratadas uma após a outra. Esta produção ocorreu desta forma para evitar possíveis
erros de montagem e facilitar o manuseio das membranas para os testes. Pretende-
se, com a produção industrial, automatizar a montagem e corte das membranas para
garantir a qualidade do produto e a agilidade na fabricação.
O arranjo das membranas utilizado, em ordem de Sample pad, Antibody pad,
Hydrophobic pad e Zona de detecção, mostrou-se eficaz em apresentar presença ou
ausência de aglutinação nas amostras padrão testadas. As membranas Whatman
n.1 e SEFAR PETEX® apresentaram bons resultados quando utilizados no protótipo.
Porém para a comercialização do produto, outras membranas deverão ser testadas
para garantir a nitidez do resultado na Zona de detecção, e assim assegurar a boa
sensibilidade e especificidade do teste.
A validação do protótipo em equipamento Point of Care não pôde ser
concluído satisfatoriamente, sendo necessário otimizar a miniaturização do protótipo.
Para o equipamento em questão, é necessário a diminuição dos protótipos do
tamanho anterior (1x2 cm) para 5 mm² para o encaixe das membranas dentro do
dispositivo próprio para a leitura no equipamento. Nas análises com o dispositivo de
menor tamanho, foi observado que o extravasamento das hemácias até a Zona de
detecção é intensificado quando as membranas possuem menor área, não sendo
possível a análise adequada do resultado. Para contornar este problema, será
necessário realizar testes com alguma barreira física que impeça o fluxo da amostra
pelas laterais da membrana, esta podendo consistir de cola, fita aderente à
membrana, ou até mesmo um molde diferenciado no dispositivo. Além disso, outra
opção seria aprimorar o sistema de retenção das hemácias retidas ao Antibody pad,
adicionando uma outra membrana ou outro reagente ao sistema que auxilie nesta
filtração.
47

Apesar não ter sido possível a diminuição do protótipo para seu encaixe em
um equipamento de POC, a primeira versão do protótipo em cartucho fabricado por
manufatura aditiva mostrou-se satisfatória, com a demonstração correta dos
sistemas ABO e Rh a partir das amostras padrão utilizadas. Esse bom desempenho
observado guiará análises futuras para aprimoramento deste teste, tornando-o mais
robusto para a sua aplicação comercial.
Este primeiro protótipo possui elevada relevância e ineditismo com relação a
testes rápidos para tipagem sanguínea, podendo no futuro auxiliar o atendimento de
pacientes em situações de emergência e ampliar o acesso à saúde em áreas
remotas.
48

8 PERSPECTIVAS FUTURAS

As próximas etapas no aprimoramento do protótipo apresentado deverão


incluir anticorpos específicos para antígenos comuns a todas as hemácias para
assegurar a confiabilidade do teste.
Pretende-se futuramente adicionar mais um conjunto de membranas ao teste,
com Antibody pad tratado com anticorpos anti-H, para a detecção dos antígenos H,
atuando como uma prova extra no sistema ABO Rh, o que permitirá evidenciar o
fenótipo sanguíneo Bombay.
Outros anticorpos também poderão ser implementados ao sistema, como os
dos subgrupos do tipo A (anti-A1 e anti-A2), anticorpos de outros sistemas Rh além
do D (anti-RhC, anti-RhE) e também anticorpos de outros sistemas sanguíneos,
aumentando as possibilidades de diagnóstico em um único teste.
Pretende-se adaptar protótipo para um modelo de Point of Care com leitura
dos resultados a partir de uma inteligência artificial, com envio do resultado através
de laudo em poucos minutos. Novos testes serão necessários também para
determinar a sensibilidade e especificidade para cada um dos parâmetros, para a
determinação de prazo de validade do produto, além da validação com testagem em
amostras reais.
Após a conclusão do modelo comercial, o presente teste rápido poderá ser
aplicado para diversas finalidades nas quais a determinação da tipagem sanguínea
é relevante. Por ser um exame de fácil manuseio, de baixo custo, e não necessitar
de ambiente laboratorial ou mão de obra altamente especializada para sua
manipulação, poderá facilitar o atendimento de pacientes em situação de
emergência ou que possuem mobilidade reduzida, principalmente em localidades
onde não há instalações laboratoriais, contribuindo para a democratização do
acesso à saúde.
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