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Augusto Massi
Júlio Castañon Guimarães
Murilo Marcondes de Moura
Capa da primeira edição de Poliedro, lançada
em 1972.
Microdefinição do autor
Setor Microzoo
O galo
A tartaruga
O tigre
O cavalo
A baleia
A girafa
O boi
O pavão
O porquinho-da-índia
O peixe
A aranha
O percevejo
A preguiça
A zebra
A lagosta
(B)
Pertenço à categoria não muito numerosa dos que se interessam
igualmente pelo finito e pelo infinito. Atraem-me a variedade das coisas, a
migração das ideias, o giro das imagens, a pluralidade de sentido de
qualquer fato, a diversidade dos caracteres e temperamentos, as
dissonâncias da história. Sou contemporâneo e partícipe dos tempos
rudimentares da matéria — desde 900 biliões de anos? —, do dilúvio, do
primeiro monólogo e do primeiro diálogo do homem, do meu nascimento,
das minhas sucessivas heresias, da minha morte e mínima ressurreição em
Deus ou na faixa da natureza, sob uma qualquer forma; do último
acontecimento mundial ou do acontecimento anônimo da minha rua. Na
gruta de Altamira disse: eu estava aqui na época em que gravaram estes
bichos. As portas da percepção abriram-se no momento-luz inicial dos
tempos; talvez nunca se fechem. O minúsculo animal que sou acha-se
inserido no corpo do enorme Animal que é o universo. Excitante, a minha
fraqueza: alimenta-se dum foco de energia em contínua expansão.
(C)
De substrato pagão; covarde; oscilante; incapaz de habitar o faminto, o
leproso, o pária; aterrorizado ante a cruz trilíngue — máximo objeto
realista — oclusa ao olho dos doutores, travestida pela montagem teatral
de Roma barroca-poliédrica; obsedado pelo Alfa e o Ômega; bêbado de
literatura, religião, artes, música, mitos; imbêbado de política, economia,
tecnologia; expulso dos teoremas; tachado de analfabeto pelo ísico
nuclear e pela história, dama agitadíssima; consciente da força agressiva
do mundo moderno, da espantosa ambiguidade da natureza humana,
indecisa entre adorar a matéria ou destruí-la; dinâmico na inércia, inerte
no dinamismo
sou.
(D)
Manipulo sempre, além do verbo comprar, o verbo perder; dialogo com a
minha própria negação; temo alternativamente a cadeira elétrica e os
fogos de bengala; atiço o conflito entre inspiração e estrutura; vejo-me
empurrado pelo motor das musas (terrestres) inquietantes; hóspede dos
enigmas; protegido pelo sense of humour, meu anjo da guarda; espero
em vão o escafandrista ou o cosmonauta hors-série capazes de
manifestar os tesouros ocultos da poesia, máquina construtora-
destruidora; sei que Don Giovanni e o convidado de pedra se completam;
observo a novidade das coisas debaixo do sol.
(E)
Tenho raiva de Aristóteles, ando à roda de Platão. Sou reconhecido a Jó,
aos quatro evangelistas, a São Paulo, a Heráclito de Éfeso, Lao Tseu,
Dante, Petrarca, Shakespeare, Cervantes, Montaigne, Camões, Pascal,
Quevedo, Lichtenberg, Chamfort, Voltaire, Novalis, Leopardi, Stendhal,
Dostoiévski, Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Lautréamont, Nietzsche,
Ramakrishna, Proust, Ka a, Klebnikov, André Breton;
a Ismael Nery, Machado de Assis, Mário de Andrade, Raul Bopp, Manuel
Bandeira, Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Drummond, João
Cabral de Melo Neto;
a Monteverdi, Bach, Mozart, Beethoven, Stravinski, Anton Webern, aos
inventores do jazz;
aos “primitivos” catalães, a Paolo Uccello, Piero della Francesca, Vittore
Carpaccio, Breughel, Van Eyck, El Greco, Rembrandt, Vermeer de Delft,
Goya, Mondrian, Picasso, Paul Klee, Max Ernst, Arp;
a Chaplin, Buster Keaton, Eisenstein;
convicto de que acima das igrejas, dos partidos, das fronteiras, todos os
homens conscientes, em particular os escritores, devem unir-se contra a
guerra, a massificação e a bomba atômica.
Roma, 14-2-1970.
Poliedro
OS QUATRO SETORES DE POLIEDRO:
1. Microzoo
2. Microlições de coisas
3. A palavra circular
4. Texto délfico
SETOR MICROZOO
A José Geraldo Vieira
O galo
Quando eu era menino, acordando cedo de madrugada, ouvia o galo
cantar longíssimo, o canto forte diluía-se na distância, talvez viesse
das abas redondas de Chapéu d’Uvas, ou das praias que eu imaginava
no Mar de Espanha, sei lá, no cornimboque do diabo. Nesse tempo
não existiam galos no nosso terreiro.
●
1. Um dos poetas mais importantes da França atual; entre outros livros, La Nuit remue, Un certain Plume, Un Barbare en
Asie. [Todas as notas de rodapé são do autor.]
O tigre
O tigre, segundo Valéry, é um fato grandioso, uma vera instituição,
um poder organizadíssimo, uma espécie de razão de estado, de
monarquia totalitária; o animal absoluto. Por estes e outros motivos
afins já se vê que le tigre ce n’est pas moi.
●
O tigre, mamífero (sic) da família real dos Felídeos, calcula seus atos
com rigor extremo; não se passa a limpo, não se desdiz, nem se
corrige. O tigre é autocronometrado. Mesmo quando opera durante a
noite opera diurno.
●
O tigre: tão bem organizado que até os tigres de papel fazem-se temer.
●
Agredirei a majestade desse animal definitivo, aludindo à tigricidade
da dupla Stalinhitler?
●
2. Michel de Ghelderode: ilustre dramaturgo belga contemporâneo. Peças principais: Hop Signor!, Mademoiselle Jaïre,
Fastes d’enfer, Escurial.
A baleia
A baleia é um cetáceo da dinastia dos Balenídeos de forma quadrado
redonda, cor de burro quando foge. Quem descobriu os abismos da
baleia, animal bárbaro, barbado?
●
Certo que o boi não alimenta o ódio nem a malvadez; rumina antes o
campo e a paisagem redonda. De tanto tocar a terra, despontaram-lhe
as raízes, subindo pelo corpo acima: os chifres.
●
Adverso à intriga, diante das fofocas da raposa e do macaco abana os
chifres em quarto crescente ou quarto minguante, não me recordo
bem. Nada vaidoso, olha condescendente as semostrações do pavão,
fundador do exército do Pará.
●
3. Alusão a Lulli (séc. XVII) e a Maurice Ravel (séc. XX), músicos franceses, o primeiro de origem italiana.
O porquinho-da-índia
O porquinho-da-índia é um animal muito gracioso e fino, nada erpe,
que me fez uma reverência, sorrindo-me com malícia, a primeira vez
que o encontrei — há muitos anos — atravessando meio desconfiado o
soalho de uma poesia de Manuel Bandeira.
O peixe
O infinito peixe. Alfa e ômega dos bichos.
O peixe finito. O peixe fluvial. O peixe marítimo. O peixe redondo.
O peixe estilete. O peixe oblongo. O peixe lírico. O peixe dramático. O
peixe épico, assaltador de homens e navios.
Minha iniciação ao peixe começou pelo grau mínimo, quando outrora
menino: o signo mágico era constituído pelo lambari; mais não podia
produzir o pobre Paraibuna.
●
O homem, ser muito piscoso, é por sua vez pescado pelo Peixe.
●
O olho pesca.
●
Peixe:
O tempo em que — sagrado — vivias no lago de Tiberíade
Quando___________________________________________
A aranha
Na minha infância não muito querida o tempo da aranha criou um
tempo suplementar de terror: tratava-se do reino secreto da aranha-
caranguejeira, cujo simples nome transmitia-me o quase pânico. Das
moléstias receava mormente a tuberculose pelo nome; dos bichos,
também pelo nome, a aranha-caranguejeira. Falava-se mal dela como
da maçonaria (cuja sede era próxima à casa paterna), sociedade
suspeita onde se realizariam insólitos ritos, entre outros a matança de
bodes. A caranguejeira, pior, mais sinistra, matava homens. Quando
comecei a estudar a mitologia grega assimilei-a logo a uma das
Górgones.
Só muito mais tarde vim a saber que tantos homens ilustres foram
mações; entre eles Haydn, Mozart, Beethoven; e que o espírito da
maçonaria é subjacente nos planos sonoros da Flauta mágica e da Ode
fúnebre, K.477.
●
Não julguem com isto — per carità! — que sou inimigo da metáfora.
Alguns filósofos e pensadores do nosso tempo, entre outros Cassirer,
Ortega y Gasset, escreveram mesmo que ela se confunde com a
própria linguagem. Diz o segundo: “A metáfora é a maior força que o
homem possui. Ela confina ao encantamento, parecendo um
instrumento da criação esquecido por Deus no interior das suas
criaturas, tal como o cirurgião distraído esquece um instrumento no
corpo do paciente”.
A metáfora moderna destruiu a analogia entre coisa e imagem.
Hugo Friedrich explica que essa metáfora nasce não tanto de uma
comparação quanto de um salto, um salto em comprimento. E aqui
termino o discurso senão teria que entrar em conflito com a preguiça,
cujo salto nada tem de audacioso; além disto, já se sabe, aprendi com
ela a noção do finito.
Mesmo porque, segundo Mallarmé, poderoso antídoto e antípoda
de Victor Hugo, “le mot d’infini ne peut être proféré dignement que par
un jeune gentilhomme, au type Louis XIII, en fourrures et cheveux
blonds”.
A zebra
Obscura foi a conversa que tive ou deveria ter tido com uma zebra, há
vários anos atrás, no Jardim Zoológico de Antuérpia, sendo eu
homem maduríssimo, ela de aparência jovem; seus olhos econômicos
lembravam-me os de dona Isaura, uma das minhas simpáticas
professoras primárias.
Aproximei-me do remansoso animal que passou a me sussurrar ao
ouvido coisas deliciosas ou profundas; mas, ai de mim! eu não
entendia patavina. Eram talvez milondades, considerações
meta ísicas sobre a incerteza do tempo presente, a angústia do
homem contemporâneo e seus trilemas, o existencialismo superado,
a má visibilidade dos campos das Flandres, a insuficiência da
alimentação, a concorrência das focas, e outros temas de interesse;
mas, repito, não capisquei nada. Talvez a zebra falasse flamengo,
sabe-se lá. A culpa não era dela, evidentemente. Peguei então em
mim e passei a considerar-me um sarapantão, um pamonha, vendo
em tudo fogo de boitatá, perdendo sempre as estribeiras, incapaz de
penetrar como Swedenborg os arcanos da natureza, de captar a língua
cifrada dos peixes, das zebras e dos pandas. Corri para o Museu,
consolando-me mais uma vez diante das telas dos maravilhosos
“primitivos” flamengos que entendiam a linguagem dos homens e
dos animais. Covarde, larguei a zebra sozinha, cortando
violentamente um ensaio de comunicação que partira dela, não de
mim.
●
4. Célebre pintor belga contemporâneo (surrealista), e com quem fiz amizade nos meus tempos de Bruxelas (1953-5).
O serrote
Tremo quando examino o serrote.
Acho angustiante a música dentada do serrote rangendo, pai de
Antonin Artaud, cuja mãe é uma das Górgones.
Para libertar-me do serrote compus um drama mínimo sobre.
DRAMATIS PERSONAE:
O SERROTE;
O lençol mais solene, o lençol dos lençóis é sem dúvida aquele onde
José de Arimateia, iniciado, depositou o corpo de Jesus Cristo
despregado da cruz.
Depois de ter passado ao longo dos séculos por numerosas mãos
este lençol — la santa Sindone — é hoje conservado na cidade de
Turim, onde pude venerá-lo.
●
5. >Eugenio Montale, grande poeta italiano do nosso tempo. Livros principais, além do citado: Le occasioni, La bufera e
altro.
Frutas da infância e Post
O jambo. O tamarindo. A guabiroba.
A uvaia. A pitanga. A carambola.
A pitangueira dá pitangas e indigestão.
Os uivos da uvaia. A raiva da cabeluda. A força da banana. O ácido do
araçá.
●
6. Alusivo à conhecida passagem dos Chants de Maldoror, de Lautréamont, poeta francês do século XIX, precursor do
surrealismo.
A caneta
Naqueles tempos a caneta era um palito aumentado, a que se ligava
uma pena estática.
Hoje a caneta sofreu também a enorme revisão que atinge todas as
coisas. Dividida em três partes niqueladas, com um belo suplemento
de alumínio; um desenho em branco e preto, rigidamente calculado.
A tinta, envolvida numa cápsula espacial que a protege dos ruídos
externos.
Os ruídos! Segundo Mallarmé “presque tout le monde répugne aux
odeurs mauvaises, moins au cri”. Certos ruídos, quem os podaria e os
expulsaria do território eleito, do território cotidiano. Mas não apenas
os ruídos familiares, ao alcance da mão, da orelha: antes os ruídos
rodando pela terra, ruídos errados de gatilho, de fuzil, de dança de
navalhas adversativas, de máquinas conspirando para o aumento do
absurdo, gritos descendentes daquele, formidável, de Cristo na cruz.
Isolada na sua cápsula espacial não ouvirá a caneta esses ruídos
exorbitantes? Ai, caneta, andorinha circulando no céu branco da
página. De vez em quando o pastor leva-a para beber nessa fonte, o
tinteiro, quadrado ou redondo, azul ou preto.
●
O gás não funciona hoje. Temos greve dos gasistas. A Itália tornou-se
a Grevelândia. Mas preferimos essa semianarquia à “ordem” fascista.
O fósforo, hoje em férias, espera paciente no seu casulo o dia de
amanhã desprovido de greves. O dia racional, o dia do entendimento
universal, o dia do mundo sem classes, o dia de Prometeu totalizado.
●
Manuel Bandeira viu certa vez um homem fuçando uma lata de lixo
num pátio. Com esse material mínimo escreveu uma poesia muito
admirada também num determinado setor das universidades de
Roma e de Pisa. Roma! Os palácios vermelhos de Roma! Pisa! A
lâmpada de Galileu! As romanas! As pisanas!
●
9. Cearense. Homem de cultura, poliglota, espirituosíssimo; músico nas horas vagas, tocava fagote e violoncelo. Morreu
recentemente, deixando muitos amigos nos círculos literários do Rio.
Colagens
Os blocos vermelhos, desarrumados, de Roma. A explosão do ocre.
Roma, enorme colagem de estilos.
Muros inspirados em gravuras de Piranesi, onde topamos fragmentos
de Césares togados, santos crucificados de cabeça para baixo, mitras
descosidas, lápides ornando o tempo, fotografias de La dolce vita e dos
peitos da soberba Loren, pedaços de jornal transformados em
colagens de Rotella,10 cartazes gritantes do PCI, do PSI e do PSIUP
concitando os cidadãos à greve e ao inconformismo; da DC, ao
semiconformismo; do MSI à galvanização do fascismo, ahimè!
Este é o nosso mundo lacerado, filho do tampão com a ditadura. Da
ditadura que de vez em quando toma férias, engordando para voltar à
carga. Da predominância do efêmero. Das teorias rapidamente
esgotadas. Dos objetos rapidamente consumidos e consumados. Que,
desejando recuperá-los, nós colamos e fotomontamos. O mundo
onde as coisas, laceradas pela espada do tempo ou do ditador, talvez
finalmente COLEM.
●
12. Ilustres poetas franceses do século XIX os dois primeiros; do século XX, o terceiro, nascidos no Uruguai.
Marilyn
Tema: a ideia de tentar fixar qualquer coisa me impele, me fascina,
me espaventa.
Guarda uma tal figura que súbito sumirá, já sumiu, sem auréola;
frágil-formidável no sexo, paisagem da coxa ao seio, do ventre ao
lábio debruado;
guarda rápido a épica da feminilidade inserida no écran que é
próxima poeira signo de morte preto e branco ou tecnicolor já
consumido antes da morte;
o écran, batistério, magistério e cemitério de Marilyn desdobrando-se
em mil cópias a consolar num barlume,13 autodesconsolada;
aquela que estendia o corpo público a tantos olhos erécteis — mesmo
escondendo-lhes “l’immortel pubis”;14
alas poor Marilyn que foste e já não és, voluntariamente subtraída à
bomba.
●
Reprovo-a; não lhe posso aplicar uma nota que segundo penso faz
falta: zero com louvor.
Quanta gente transita diante deste homem que talvez à sua época,
trancado no seu quarto, meditando a história, as singularidades da
natureza e de Roma, tenha visto desfilar os séculos, refazendo a seu
modo o Dialogo della naturaedi un islandese de Leopardi, ou o capítulo
VII de Brás Cubas.
Chineses,
Quando eu era menino, mãos ignotas deixavam certos folhetos
debaixo da porta do meu pai. A capa representava um chinês com um
punhal atravessado na boca. Portava a legenda: “O perigo amarelo”.
Passado muito tempo repete-se o caso: uma grande parte da
população mundial treme com pavor de vós. Pavor justificado?
●
O impacto vênero. Ambíguo era o meu dia, ambígua minha noite sob
a pressão da orácula.
●
O grifo é meu.
●
(Delfos; Hölderlin.)
Os trinta anos, de Hölderlin, passados em Tubingue, à mão do
carpinteiro, na ode, trancada, no eclipse da laranja, com janelas de
ferro-vidro, a medusa portátil, as letras regressivas, o serrote, a
plaina; mas era aqui, em Delfos, ou na ubíqua Tubingue; mas era
aqui, recordo-me bem, era em Delfos ou Tubingue, que Apolo a
Scardanelli18 atava o laço dos sapatos; e o padre Lana do colégio de
Niterói taxou-me de louco porque eu declarei: — “Delfos é maior que
Roma”. — “Imaginações dos 16 anos! Fantasias!” Ora, eu já vira de
perto a Anfisbena. Não sabia nada de Hölderlin, mas já sabia e lera
muitas letras sobre Delfos. De resto em Niterói também existia o mar,
gramáticas, dicionários, mulheres, mulheres mínimas, mulheres
máximas, fome, sede, o horizonte, nuvem, estrela, queijo, azeitona,
cabra, mel, hotel, liras, ainda que dissonantes, trilemas, árvores
antropomorfas, colinas, fogo, colunas, ainda que falsas, homens e
mulheres bicando-se afetuosamente, sísifos menores a rolar pedras
divertidos, papagaios de seda à moda de águias, tantos tântalos,
tantos, papoulas de Prosérpina, fechaduras de cara fechada; no
monteparnaso próximo levanta-se de Raimundo a Ode; um livro de
Platão ao alcance da mão; letras, letras, letras, fragmentos de pré-
sinais de Hölderlin, assim na prima Etruria c’era già Roma pré-
melhorada e nas primeiras flautas délficas a flauta de Debussy; mas
Hölderlin saberia de Mozart, seu não paralelo; tangente? E abandonei
o colégio para assistir à dança de Nijinski recriador, recriado e
binoculado. Ora, Nijinski seria possível sem Delfos? Com Hölderlin
se encontrará em outra Delfos ou mesmo nesta?
●
(Atenas.)
Desta colina São Paulo num comício discursa aos gregos. Novo
Sócrates recria a técnica da maiêutica: Paulo de Tarso também grego
opera o deus desconhecido na matriz das ideias. Desencadeia a
dialética. Atribui aos gregos pagãos o título de “homens mais
religiosos do mundo”.19
●
O pensamento grego:
Rotação — contato — ambiguidade — tangência — polivalência.
●
A humanidade através dos séculos tem sido muito bem treinada para
jejuar poesia. E com uma grande mesa posta diante dos olhos. Dos
olhos com formidáveis complementos.
●
ÁULICOS:
Além do além além do paralém alô a dupla flecha alada voa além do
álamo, da lâmpada, além de Alá, além de Elêusis… além de Belém
além de Belém do Pará23 além de Delfos o movimento alado voa
alódola tangendo os deuses para além dos deuses amém e além do
amém anti-Zenon de Eleia a flecha-deia a pura semideia a flechaideia
voa amém além do amém, do santiâmen ou do santiamém, amem
além do amar o além do paralém além do amém, amem.
●
1902
Em 20 de outubro, sua mãe morre de complicações no parto, aos 29 anos. Pouco depois, seu
pai se casa com Maria José Monteiro de Barros, sobrinha de Elisa, que o futuro poeta adota
como segunda mãe (“risquei do vocabulário a palavra ‘madrasta’”, dirá em A idade do
serrote). A família se muda para a rua Marechal Deodoro, 508. Do novo casamento nascem
mais cinco irmãos: Maria da Conceição, Vicentina, José Maria, Virgínia e Paulo.
1908
O poeta Belmiro Braga, seu vizinho, lhe dá lições de rima e metrificação e se torna seu
“padrinho de batismo literário”. Murilo Mendes estuda com os padres da Congregação do
Verbo Divino, em Juiz de Fora.
1910
Deslumbra-se com o cometa Halley. Numa entrevista, 35 anos depois, dirá: “Durante as três
noites em que apareceu não dormi um minuto sequer e talvez tenha sido esse o primeiro
instante em que me senti tocado pela poesia”.
1916
Matricula-se na Escola de Farmácia de Juiz de Fora. Abandona o curso no final do primeiro
ano.
1917
Muda-se para Niterói (RJ), matriculado no internato salesiano Colégio Santa Rosa. Partidário
da França na Primeira Guerra Mundial, desentende-se com os religiosos alemães do colégio.
Foge do internato para assistir a Nijinski e os Ballets Russes de Diaguilev no Teatro Municipal
do Rio. Consegue ver duas récitas.
Recusa-se a permanecer no internato, briga com a família. Passa alguns meses numa
fazenda de parentes no interior mineiro.
1918
Retorna a Juiz de Fora. Tenta sem sucesso as profissões de telegrafista, guarda-livros e prático
de farmácia, além de professor de francês na vizinha Palmira (atual Santos Dumont). Rompe
com a família. Trabalha na Coletoria Federal da cidade.
1919
Passa um ano de dificuldades longe de casa.
1920
Começa a colaborar no jornal de Juiz de Fora A Tarde, na coluna “Crônica mundana”, assina a
maioria dos 28 textos com o pseudônimo De Medinacelli.
Seu irmão mais velho, o engenheiro José Joaquim, se muda para o Rio de Janeiro para
trabalhar no Ministério da Fazenda e lhe consegue um emprego de arquivista na Diretoria do
Patrimônio Nacional. Reconcilia-se com o pai.
1922
Ismael Nery, seu colega na Diretoria do Patrimônio, pinta o primeiro retrato do amigo.
Não se integra aos grupos modernistas, embora conheça vários participantes da Semana de
Arte Moderna de São Paulo. “Em 1922 eu estava no Rio, olhando de longe e com simpatia o
movimento, mas sem aderir oficialmente, porque nunca tive espírito gregário, o que sempre
me impediu de fazer parte de qualquer grupo” (1945).
Murilo Mendes com tela de Ismael Nery ao fundo, Composição surrealista. Foto
de Jorge de Castro, em 1939.
1925
Deixa o Ministério da Fazenda. Trabalha como escriturário no Banco Mercantil.
1928
Seu poema “República”, posteriormente renomeado como “Quinze de novembro” (Poemas,
1930), aparece no sétimo número da Revista de Antropofagia de São Paulo.
É o marco inicial de sua intensa colaboração literária nas cinco décadas seguintes, com
poemas, ensaios, crônicas, críticas e entrevistas, em periódicos como Jornal do Brasil, Correio
da Manhã, Diario de Noticias, O Cruzeiro, entre outros.
1929
Deixa o Banco Mercantil. Fica sem emprego fixo até 1932. Publica “Canto novo” na revista
Verde, n. 1, segunda fase, do grupo modernista de Cataguases, maio 1929. Colabora
novamente na Revista de Antropofagia [segunda dentição, Diário de S. Paulo, 19 ago.] com
quatro poemas: “Canção do exílio”, Cartão postal”, “Vocação” e “Nova cara do mundo”.
1930
No fim do ano, publica seu livro de estreia: Poemas (Juiz de Fora: Estabelecimento Graphico
Companhia Dias Cardoso). Custeado pelo pai do poeta, o volume reúne 66 poemas escritos
entre 1925 e 1929.
Conhece Jorge de Lima, médico e poeta alagoano recém-chegado à capital, e se tornam
amigos.
Alberto da Veiga Guignard pinta seu retrato.
1931
Recebe com Poemas o prêmio de poesia da Fundação Graça Aranha.
Candido Portinari o retrata em pintura e desenho.
1932
Publica os poemas de História do Brasil (1932).
A Revista Nova (ano II, SP, n. 8, 15 dez.), dirigida por Paulo Prado e Antônio de Alcântara
Machado, publica o auto Bumba-meu-poeta, escrito em 1930-1. O poema dramático de 485
versos permanece inédito em livro até a edição de Poesias (1959), primeira reunião de sua
obra, reorganizada criteriosamente pelo poeta.
Começa a trabalhar no cartório de seu primo Aníbal Machado, em Copacabana.
Retrato de Murilo Mendes por Guignard, c. 1930.
Retrato de Murilo Mendes por Candido
Portinari, 1931.
1933
História do Brasil é lançado pela Ariel Editora, com capa de Di Cavalcanti. O livro não será
incluído em Poesias (1959).
1934
A agonia da morte do amigo Ismael Nery, em abril, vítima de tuberculose, provoca uma crise
espiritual que desemboca na conversão (ou “volta”, como prefere) ao catolicismo. Abandona
as rodas boêmias.
Assume a “Coluna do Centro”, do Centro Dom Vital, veiculada em O Jornal. A colaboração
dura até julho de 1935.
Começa a se dedicar seriamente à leitura de filosofia, sobretudo Platão, Pascal,
Kierkegaard e pensadores católicos.
Corresponde-se com o grupo da revista francesa Esprit.
1935
Com Jorge de Lima, publica Tempo e eternidade pela Livraria do Globo, de Porto Alegre. Seus
poemas aparecem na segunda parte do volume, dedicado à memória de Ismael Nery. O lema
do livro é “Restauremos a poesia em Cristo”, suprimido na reedição das Poesias (1959).
“Descobre” de Mozart.
1936
Como membro da Comissão de Literatura Infantil do Ministério da Educação e Saúde,
integra o júri de um concurso literário do gênero com Jorge de Lima, Manuel Bandeira, José
Lins do Rego, entre outros.
Nomeado inspetor de ensino secundário do Distrito Federal (município do Rio de Janeiro)
pelo presidente da República. Deixa o cartório de Aníbal Machado.
1937
Inicia sua colaboração na revista Dom Casmurro (n. 8, RJ, 15 jul.) com o ensaio “Perfil do
catolicão”.
Com a poeta Adalgisa Nery, viúva de Ismael, escreve uma carta ao encarregado de
negócios da Espanha no Brasil, protestando “contra a tentativa de destruição do regime
democrático e ameaça de implantação do fascismo na Espanha. […] Como católicos,
lamentamos a violência de um lado e de outro”.
Em novembro, depois do golpe do Estado Novo, desentende-se com a direção da Dom
Casmurro acerca de um texto crítico ao integralismo. Desliga-se temporariamente da revista.
Em dezembro publica O sinal de Deus, coletânea de poemas em prosa escritos em 1935, pela
editora José Olympio, que chega a anunciar o lançamento do livro que não ocorre. O sinal de
Deus não figura na reunião da obra poética em 1959 e só reaparece, postumamente, em Poesia
completa e prosa (1994).
1938
Publica A poesia em pânico, escrito desde 1936. A edição é custeada pelo autor e impressa pela
Cooperativa Cultural Guanabara. A capa é uma fotomontagem realizada em parceria com
Jorge de Lima e tem letreiros de Tomás Santa Rosa.
1939
Em junho, escreve um “autorretrato” para a Revista Academica, de Murilo Miranda: “Encara a
poesia como fenômeno diário constante, permanente, eterno e universal. Considera seus
poemas como ‘estudos’ que outros poderão desenvolver. Entende que o germe da poesia
existe em todos os homens, competindo ao artista desenvolvê-lo nos outros. Crê na missão
altíssima do poeta”.
Em nome dos artistas brasileiros, discursa em saudação ao presidente Getúlio Vargas
durante sua visita à exposição de Portinari no Museu Nacional de Belas Artes, em dezembro.
1940
Conhece Maria da Saudade Cortesão [1913-2010], poeta e tradutora, filha do historiador
português Jaime Cortesão que, em função da ditadura de Salazar, exila-se com a família no
Brasil.
Dedicatória a Paulo Mendes de Almeida num
exemplar de tiragem especial de O visionário,
1941.
1942
Publica O visionário pela José Olympio. Capa de Santa Rosa. O volume, datado de 1941, reúne
62 poemas escritos entre 1930 e 1933. A editora imprime cem exemplares em papel vergé para
subscritores.
Com Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego, Álvaro Lins, Rachel de Queiroz e
outras figuras da intelligentsia brasileira, assina em junho um manifesto público contra o
fascismo e o nazismo, instando o Palácio do Catete a declarar guerra ao Eixo.
Integra o júri do I Concurso Estudantil de Poesia de Guerra, organizado pela União
Nacional dos Estudantes (UNE).
Frequenta a Pensão Internacional, em Santa Teresa, onde vive o casal de pintores Arpad
Szenes e Maria Helena Vieira da Silva, também exilados no Brasil. Vieira da Silva e Szenes
realizam os primeiros de muitos retratos do poeta e de sua esposa. Os laços de amizade e o
diálogo artístico entre os casais se prolongam até o final a vida.
1943
Seu pai morre.
Interna-se por seis meses no Sanatório Bela Vista, em Correias (RJ), para tratamento de
tuberculose.
1944
Seu irmão José Joaquim morre de tuberculose.
Em junho, torna-se colaborador efetivo de A Manhã.
As metamorfoses sai pela recém-fundada Editora Ocidente do Rio de Janeiro, de Adonias
Filho. Com ilustrações de Portinari e capa de Santa Rosa, o livro é dedicado “À memória de
Wolfgang Amadeus Mozart”. As metamorfoses também teve uma tiragem de cem exemplares
em papel especial, numerados e assinados pelo autor.
Em dezembro, refuta Drummond numa carta aberta em A Manhã. O poeta de Itabira
escrevera em “Religião e poesia” (Confissões de Minas) que a religião “não trouxe nenhuma
felicidade a Murilo Mendes; não lhe trouxe também nenhum enriquecimento ou plenitude
poética […]”. Na resposta, Murilo garante que “a religião, querido poeta, é a chave do enigma
da vida”.
1945
O discípulo de Emaús sai pela Agir (Rio de Janeiro). Com dedicatória a Maria da Saudade,
datado de 1943, é seu primeiro livro de prosa. O volume será reeditado em 1946.
Morre Maria José Monteiro Mendes, sua “segunda mãe”.
Com dezenas de colegas escritores, assina um manifesto contra a tentativa getulista de
prolongar a ditadura do Estado Novo. Pela mesma razão, interrompe provisoriamente sua
colaboração em A Manhã.
Publica Mundo enigma pela Livraria do Globo, de Porto Alegre. O volume, dedicado a Maria
da Saudade, é composto por dois livros: Mundo enigma (1942) e Os quatro elementos (1935). A
capa traz um desenho de Vieira da Silva e, dentro, figura um retrato do autor por Arpad
Szenes.
Adere à Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa, antissalazarista.
1946
Empossado no conselho fiscal da Associação Brasileira de Escritores (ABDE).
Integra o conselho do recém-fundado Ateneu Garcia Lorca, dedicado à promoção da língua
e da cultura espanholas e ao combate do franquismo, presidido por Carlos Drummond de
Andrade.
Por influência de seus amigos José Linhares e Álvaro Ribeiro da Costa, ministros do
Supremo Tribunal Federal, é nomeado escrivão da 4a Vara de Família do Distrito Federal.
Demite-se da inspetoria de ensino para assumir o cartório.
Publica sonetos na imprensa, compilados em Sonetos brancos (Poesias, 1959).
Retrato de Murilo Mendes por Arpad Szenes,
1940.
1947
Casa-se com Maria da Saudade Cortesão na igreja do mosteiro de São Bento, no Rio de
Janeiro, numa cerimônia discreta.
Integra a delegação carioca no II Congresso Brasileiro de Escritores, em Belo Horizonte.
Poesia liberdade é publicado pela Agir (Rio de Janeiro). Dedicado “aos poetas moços do
mundo”, o livro tem duas partes, “Poesia liberdade” (1943) e “O ício humano” (1944-5).
1948
Eleito ao conselho deliberativo do recém-fundado Centro Brasil-França.
Entre 1948 e 1953, escreve os quinze poemas ou “meditações” de O infinito íntimo, inéditos
até 1994.
1949
Viaja a Ouro Preto, onde concebe “Romance das igrejas de Minas” e outros poemas de
Contemplaçãode Ouro Preto (1954), escritos em 1949-50.
Desliga-se da ABDE com outros 120 associados, em protesto contra a ingerência comunista
na entidade.
Participa do almoço em homenagem a Albert Camus, que visita o Brasil para um ciclo de
conferências, e tornam-se amigos.
Em Paris, o poema Janela do caos é objeto de uma edição de arte, ilustrado por seis
litografias coloridas de Francis Picabia, impresso pela Imprimerie Union com patrocínio da
embaixada brasileira. A tiragem foi limitada a 197 exemplares numerados e 23 fora do
comércio. João Guimarães Rosa, secretário da embaixada, colabora na edição do volume.
Albert Camus, Maria da Saudade Cortesão e
Murilo Mendes, no Rio de Janeiro, em 1949.
Leonardo Sinisgalli, Rafael Alberti, Giuseppe Ungaretti, Libero De Libero,
Murilo Mendes, c. 1960.
Murilo Mendes, 1951.
1951
Esboça um autorretrato na seção “Flash” da coluna de João Condé na Tribuna da Imprensa:
“Altura 1,83. Colarinho n. 39. Sapato n. 41. Pesa 82 quilos”. “É católico romano e relaxado.”
“Não suporta os vizinhos que usam rádio alto.” “É nervoso mas se controla muito.” “Se
pudesse recomeçar a vida, gostaria de ser arquiteto.” “Ajuda a mulher em casa, devido ao seu
senso de ordem.” “Seu escritor preferido: Stendhal. Pintores brasileiros de sua predileção:
Portinari, Pancetti, Cícero Dias, Ismael Nery, Di Cavalcanti, Guignard e Djanira.” “Seu prato
predileto: tutu de feijão à mineira.” “Gosta também de música popular, de blues e sambas.”
“Só escreve à mão e muito rapidamente.” “É amigo pessoal de Mozart, Stendhal, William
Blake, El Greco e o Aleijadinho.” “Viu certa vez Mozart estendido no chão de seu quarto às 16
horas, vestido de fraque azul.” “Morrerá quando Deus quiser.”
Murilo e Maria da Saudade compram um apartamento em Botafogo, na rua Farani, 61, no
mesmo prédio de João Cabral de Melo Neto e Ledo Ivo.
Flávio de Carvalho o retrata em pintura e desenho.
1952
Jorge de Lima publica Invenção de Orfeu, dedicado a Murilo Mendes, que sugere o título e
escreve o apêndice do livro.
É membro fundador da Sociedade Carioca de Escritores, sucessora da ABDE. Jorge de Lima
é eleito à presidência provisória da entidade.
Parte para a primeira viagem à Europa, com Maria da Saudade. Em Paris, encontra-se com
André Breton. A estada europeia se estende até julho de 1953.
Conclui os poemas de Parábola, dedicados a João Cabral de Melo Neto e inéditos até 1959.
Murilo Mendes segura partitura de Mozart,
1953.
Murilo Mendes com tela de Ismael Nery ao
fundo, Composição surrealista. Foto de Jorge
de Castro, em 1939.
Cartão-postal, enviado por Murilo Mendes, de Bruxelas, 1954.
1953
Designado pelo Ministério das Relações Exteriores para o curso de estudos brasileiros na
Universidade de Madri, não chega a assumir oficialmente o cargo. A chancelaria espanhola o
declara persona non grata por sua aberta oposição ao regime franquista. Retorna ao Brasil em
julho.
Nova viagem à Europa, designado pelo Itamaraty para os cursos de estudos brasileiros nas
universidades de Bruxelas, Louvain e Amsterdam. Adota Bruxelas como sua “base” no
continente, onde permanece até 1955. Além dos ciclos universitários regulares, faz
conferências em Antuérpia, Ghent, Haia e Utrecht.
Morre Jorge de Lima. Recebe a notícia em Bruxelas.
Pronuncia na Universidade Sorbonne, em Paris, uma conferência sobre poesia brasileira,
destacando Jorge de Lima, com Albert Camus na plateia.
1954
Realiza um ciclo de conferências sobre cultura brasileira na Universidade de Bruxelas.
Recebe a medalha de honra universitária da reitoria da instituição.
Contemplação de Ouro Preto é publicado pelo Serviço de Documentação do MEC. O livro
inclui doze fotografias da cidade por Humberto Moraes, Franceschi e Erich Hess. É dedicado
à memória dos pais do poeta.
1955
Faz conferências no Instituto de Altos Estudos da América Latina, em Paris, sobre as artes
barroca e moderna no Brasil, além de dar aulas de literatura brasileira na Sorbonne.
Em entrevista ao Diario de Noticias, declara: “A minha vocação é de universalismo, é de
pertencer ao mundo; ao Brasil, e ao mundo ao mesmo tempo; foi por desejo de universalismo
que eu me tornei católico”.
Retorna ao Brasil em novembro.
Durante a permanência na Europa, encontra René Char, Albert Béguin, Henri Michaux,
Jean Cocteau, François Mauriac, Fernand Léger, Marc Chagall, Max Ernst, Jean Arp e Alberto
Giacometti.
1956
Participa do júri do V Salão Nacional de Arte Moderna, realizado no Rio de Janeiro pelo MEC.
Lançamento de um LP, pelo selo Festa, de Irineu Garcia, com poemas narrados na voz de
Murilo Mendes. João Cabral de Melo Neto participa de metade do álbum. Capa de Poty e
texto de Alceu Amoroso Lima.
Escreve os poemas de Quatro textos evangélicos, inéditos até 1994.
1957
Viaja com Maria da Saudade para a Itália, onde assume o curso de estudos brasileiros da
Universidade de Roma La Sapienza, substituindo Sérgio Buarque de Holanda, a serviço do
Departamento Cultural do Itamaraty. Estabelecem-se definitivamente na capital italiana.
Nos anos seguintes, o apartamento na via del Consolato se torna um ponto de referência de
artistas, escritores, músicos e intelectuais. Entre seus conhecidos italianos se incluem
Giuseppe Ungaretti, Alberto Moravia, Giorgio de Chirico, Giulio Carlo Argan, Elsa Morante,
Federico Fellini e Luigi Dallapiccola (que musica poemas seus). Entre os estrangeiros, os
poetas e pintores espanhóis Dámaso Alonso, Jorge Guillén, Rafael Alberti, Joan Miró e Pablo
Picasso, os escritores franceses Jean Cocteau e André Breton, a poeta portuguesa Sophia de
Mello Breyner Andresen, o pintor russo Marc Chagall e o poeta americano Ezra Pound.
O editor Pierre Seghers publica em Paris Office humain, coletânea de cinquenta poemas
traduzidos por Maria da Saudade e Dominique Braga. É o volume 39 da coleção Autour du
Monde, que já editara Vinicius de Moraes.
Participa do Congresso Internacional de Críticos de Arte, em Nápoles. Também integram a
delegação brasileira Sérgio Milliet, Mário Barata, Quirino Campofiorito e Mário Pedrosa.
Murilo Mendes e Maria da Saudade Cortesão
na Alemanha, 1958.
1958
Além de lecionar na Universidade La Sapienza, é convidado por Luciana Stegagno Picchio a
dar aulas na Universidade de Pisa. Cria cursos de literatura brasileira nas duas universidades.
1959
Publica seu primeiro livro na Itália, Siciliana. Sai em Palermo pela editora Sciascia, em edição
bilíngue com tradução de Anton Angelo Chiocchio e prefácio de Giuseppe Ungaretti e um
excerto de Manuel Bandeira sobre Murilo Mendes, extraído do seu livro Apresentação da
poesia brasileira.
Lança Poesias (1925-1955) pela José Olympio, com capa de Luís Jardim. O volume inclui
Bumba-meu-poeta, Sonetos brancos, Parábola e Siciliana, então inéditos em livro no país.
Vários poemas são corrigidos e outros, eliminados. Conclui a nota introdutória: “Não sou
meu sobrevivente, e sim meu contemporâneo”.
Recebe o título de cidadão carioca, proposto pelo vereador Murilo Miranda (UDN) e
atribuído pela Câmara Municipal do Rio.
Tempo espanhol sai pela Livraria Morais, de Lisboa, sendo o quinto volume da coleção
Círculo de Poesia. O livro é dedicado ao “grande ibérico Jaime Cortesão, querido sogro e
amigo”.
1960
João Cabral de Melo Neto dedica a Murilo Mendes seu livro Quaderna, publicado em Lisboa.
1961
Viagem ao Brasil.
É publicado em edição bilíngue Finestra del caos, com tradução de Giuseppe Ungaretti, pela
editora Vanni Schweiller, de Milão.
A antologia Poesie sai pela Nuova Accademia Editrice, de Milão, com edição de Ruggero
Jacobbi e tradução de Jacobbi, Ungaretti, Luciana Stegagno Picchio e Anton Angelo
Chiocchio.
1962
O primeiro número da Revista de Cultura Brasileña (Madri, jun.), publicação oficial da
embaixada brasileira criada por João Cabral de Melo Neto e dirigida pelo poeta e tradutor
Ángel Crepo, traz doze poemas de Murilo Mendes traduzidos e apresentados pelo poeta e
crítico Dámaso Alonso.
1964
É publicado Alberto Magnelli, monografia ilustrada do pintor italiano, com introdução de
Murilo de Mendes [Roma: Edizioni dell’Ateneo]. Pintor e poeta se corresponderam por duas
décadas; um conjunto parcial dessas cartas consta do livro Alberto Magnelli, coleção
Classiques du XXe siècle [Paris: Editions du Centre Pompidou, 1989].
Vem ao Brasil a serviço do Itamaraty para colaborar na organização da representação
brasileira na XXXII Bienal de Veneza.
Participa do júri da Bienal de Veneza e escreve a apresentação do catálogo da
representação brasileira.
Em Lisboa, a Livraria Morais publica Antologia poética na coleção Círculo de Poesia, com
seleção e introdução do autor.
Le metamorfosi é publicado em Milão pela Lerici, na coleção Poeti Europei, dirigida por
Ruggero Jacobbi. Edição bilíngue.
1965
Participa do VIII Festival dei Due Mondi — Settimana della Poesia, em Spoleto, na Itália, do
qual também participam Pablo Neruda, Rafael Alberti, Ted Hughes, Pier Paolo Pasolini e
Ezra Pound.
Italianissima (7 murilogrammi) sai em Milão pela editora Vanni Schweiller. A Revista de
Cultura Brasileña (n. 12, Madri, mar.) publica Siete poemas inéditos de Murilo com nota
introdutória e tradução de Dámaso Alonso e Ángel Crespo.
1966
João Cabral de Melo Neto organiza uma antologia poética de Murilo Mendes para a Editora
Sabiá (Rio de Janeiro), de Rubem Braga e Fernando Sabino, mas o livro acaba não sendo
publicado. A Antologia poética com seleção de João Cabral de Melo Neto e introdução de José
Guilherme Merquior sairá postumamente, dez anos depois, em coedição da Fontana e do
Instituto Nacional do Livro.
1967
Viaja ao Canadá para participar do Encontro Internacional de Poesia, em Montreal.
1968
Publica A idade do serrote pela Sabiá. Livro de memórias da infância e da adolescência em
Juiz de Fora, foi escrito em Roma em 1965-6. Traz um objeto do Farnese fotografado por
Humberto Moraes Franceschi.
Escreve a maioria dos poemas de Ipotesi (1977, póstumo).
1970
Convergência, escrito em 1963-6, sai pela Duas Cidades (São Paulo).
1971
Poesia libertà, antologia com organização, tradução e nota crítica de Ruggero Jacobbi, é
publicada em Milão pela Accademia Sansoni, em edição bilíngue.
1972
É contemplado com o XI Premio Internazionale di Poesia Etna-Taormina, de 1 milhão de liras
(cerca de 10 mil dólares em 2017), por Poesia libertà.
A José Olympio lança Poliedro, livro de prosa escrito em Roma em 1965-6. Prefácio de
Eliane Zagury, capa de Israel Pedrosa e fotografia interna do autor por Marianne Adelmann.
As orelhas do volume são extraídas de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre a
atribuição do Etna-Taormina.
Em agosto, viaja ao Brasil pela última vez.
Publicação pela editora Vozes (Petrópolis) de Murilo Mendes, de Laís Corrêa de Araújo, com
cartas, fotografias e outros documentos inéditos.
1973
Recebe o Premio Internazionale Viareggio.
Sai em São Paulo Retratos-relâmpago:1a série, editado pelo Conselho Estadual de Cultura e
pela Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, na coleção Textos e Documentos. Escrito em
Roma 1965-6 e dedicado a Antonio Candido, o livro de prosa é composto de 45 perfis de
escritores, artistas e músicos. É sua última obra publicada em vida. A segunda série dos
Retratos-relâmpago aparece em 1994.
1975
Morre no dia 13 de agosto de ataque cardíaco em Lisboa, onde passava férias com Maria da
Saudade. É enterrado no Cemitério dos Prazeres. No ano seguinte é publicado Mondo enigma,
com introdução de Ruggero Jacobbi e tradução de Carlo Vittorio Cattaneo, na prestigiosa
coleção de poesia Giulio Einaudi Editore.
Em 1994, foi criado o Centro de Estudos Murilo Mendes em Juiz de Fora.
Murilo Mendes no Museu Nacional Romano,
1972.
Fontes
Poliedro teve uma única edição em vida do autor (Rio de Janeiro: José
Olympio, 1972), sendo esta, portanto, a que serviu de base para a
presente publicação. Uma seleção de textos do livro foi incluída na
antologia de prosa Transístor (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980);
embora póstumo, o livro contou em sua organização com a
participação do autor. Poliedro foi republicado no volume Poesia
completa e prosa (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994), no qual a
organizadora, Luciana Stegagno Picchio, assinala que o texto do livro
não tem variantes. A edição de 1972 trazia uma errata com a correção
de seis erros, o que foi devidamente levado em conta, ainda que na
própria errata houvesse alguns erros. Para a presente edição
considerou-se em seu preparo tanto o volume Transístor quanto o da
Poesia completa e prosa, o primeiro pela participação do autor e o
segundo por se tratar de edição crítica. Foi também levada em conta a
publicação de alguns textos do livro no Suplemento Literário do Minas
Gerais e no Suplemento Literário do Estado de S. Paulo (referidos no
posfácio a esta edição). A preparação do texto desta edição limitou-se
a adaptá-lo à norma ortográfica em vigor, ressalvadas as
peculiaridades criativas autorais, entre as quais neologismos e
estrangeirismos, e a emenda de eventuais erros evidentes.
J. C. G.
Posfácio
Júlio Castañon Guimarães
1.
Poliedro, cuja primeira edição saiu em 1972,1 faz parte assim do
conjunto de livros da fase final de Murilo Mendes. Depois de Siciliana
e Tempo espanhol, ambos de 1959, o autor havia passado um período
de quase dez anos sem publicar, após o quê saem, além deste livro, A
idade do serrote, em 1968, Convergência, em 1970, e Retratos-
relâmpago, em 1973. Poliedro, por mais sedutora que fosse sua leitura e
por mais brilhante e inteligente que se pudesse considerá-lo, acabava,
de uma forma ou de outra, pelo menos insinuando a questão de como
o livro podia ser situado. Convergência, por mais inovador que fosse,
era um livro de poemas; A idade do serrote, por mais que sua prosa
incorporasse procedimentos da poesia, era um livro de memória da
infância; e os Retratos-relâmpago constituíam uma galeria muito
particular, em prosa, entre instantâneos e breves ensaios, de figuras
caras ao universo cultural do autor. Poliedro indagava como poderia
ser classificado, ainda que essa perspectiva não seja a mais
interessante para sua leitura. Talvez se pudesse dizer que ele seja o
par em prosa de Convergência, o que é ainda uma tentativa de
percebê-lo de maneira indireta.
Numa prosa desenvolta, entre abrupta e célere, como que por entre
imprevistos, o livro passa pela Grécia antiga, por Juiz de Fora, por
Roma, pelo Vietnã em guerra, e assim por diante. Com formulações
insólitas e paradoxais, experimentando a todo instante as
possibilidades da linguagem, vai da infância do poeta a seus mais
caros interesses culturais. O poeta indaga sobre sua condição, situada
na história, decorrendo daí, entre outras possibilidades de
compreensão de seu título, o caráter de multiplicidade que ele indica.
Numa rara passagem do livro em que há uma referência associada ao
título, lemos: “Eis um dos aspectos positivos desta problemática
poliédrica: a vontade de recuperação dum mundo onde a crueldade,
se não desaparecer de todo, ao menos não se torne organizada como
neste século sinistro-grandioso; cientificamente organizada”. É nesse
âmbito que seus textos se desenvolvem, mas também com humor e
extremo refinamento, como quando da lembrança de infância do
canto de um galo se chega a uma peça de Mozart, ou quando o cavalo
é ocasião para referir o dramaturgo belga Michel de Ghelderode, ou
ainda quando a girafa remete a Christian Dior e a Fellini etc. De modo
sintético, pode-se dizer que o livro se compõe em boa medida com as
questões mais presentes de sua poética. Um manuscrito de projeto2
para Poliedro elenca como “Tema do livro: A rotação das coisas e das
ideias / Unidade na diversidade / Tangência / Síntese”. Na mesma
página, são listados “Conceitos fundamentais: apologia, assimilação,
atrito, comunicação, contacto, contraponto, convergência,
informação, reciprocidade, reversibilidade, rotação, ruptura,
tangência”. Ainda que se trate de um projeto sumário, sendo
improvável uma relação direta entre seus elementos e o livro efetivo,
as noções aí apresentadas constituem no mínimo indícios das
concepções gerais do autor ao compor suas pequenas narrativas com
animais, coisas, pessoas, memória, elementos culturais etc.
2.
Em vários momentos, Murilo Mendes referiu-se ao fato de haver, em
sua fase final, um processo de reformulação na produção de seus
textos. Isso se dá em contexto um pouco mais amplo e lento, no qual o
poeta deu indícios de processo similar em vários níveis de suas
concepções. Assim, já em 1959, quando da publicação do volume
Poesias, que reunia sua obra poética, com exceção de História do
Brasil, Murilo introduziu numerosíssimas alterações nos textos dos
poemas. Em Tempo e eternidade, todavia, fez outro tipo de alteração:
eliminou a epígrafe da primeira edição — “Restauremos a poesia em
Cristo” — e modificou a dedicatória — que na primeira edição dizia:
“A Ismael Nery na eternidade” — para “À memória de Ismael Nery”.
Essas alterações foram manuscritas por Murilo nas páginas iniciais de
um exemplar de Tempo e eternidade (inclusive com a menção: “Tomei
estas decisões de acordo com Jorge de Lima”).3 Numa carta a Laís
Corrêa de Araújo, datada de 22 de maio de 1972, Murilo ainda diria:
“provavelmente se falará muito de ‘misticismo’ e Tempo e eternidade,
palavra e livro de que estou bastante longe”. Vale lembrar que na
mesma carta indicará outro distanciamento: “Ouro Preto é uma
página virada na minha vida”.4
Há outro episódio ainda relacionado com Ismael Nery,
provavelmente num outro plano, ou pelo menos não apenas no do
aspecto religioso, mas já envolvendo concepções artístico-literárias (o
que é mera dedução, tendo em vista o caráter sumário do que se
segue). Aracy Amaral, depois de mencionar a série de artigos que
Murilo Mendes publicou sobre Ismael Nery em 1948, observa que a
admiração do poeta pelo amigo morto “não permaneceria imune ao
tempo”. Relata então depoimento do crítico Antônio Bento, a
propósito da exposição que a Petite Galerie realizou com obras de
Ismael Nery no Rio de Janeiro, em 1966. Segundo Antônio Bento,
Murilo Mendes lhe declararia que já não ratificaria todas as suas
abordagens anteriormente expressas sobre Ismael Nery, sobretudo
depois de sua vivência em Roma, mas que, no entanto, elas
testemunhavam um dos aspectos da curiosidade da alma humana.5
E é a partir da “vivência em Roma” que Murilo Mendes mais uma vez
indica uma mudança de sua visão estética, quando, em carta ao
diplomata Roberto Assumpção (datada de Roma, 26 de março de
1960), ele diz aceitar “com prazer seu convite para fazer uma
conferência sobre arte brasileira, em Milano, em começos de maio”.
Em seguida diz supor que deveria falar sobre a arte contemporânea e
menciona a necessidade de diapositivos, para então salientar:
reservo-me o direito de abordar somente determinados nomes.
Com o meu séjour na Europa fiz uma revisão de minhas opiniões a
respeito de artes plásticas, inclusive sobre o movimento brasileiro.
Não gostaria de falar de determinados nomes cuja orientação nos
últimos 15 anos não aprovo, e evidentemente não conviria dar um
tom polêmico à palestra. Preferiria falar sobre os gravadores e os
pintores concretos; é o que mais me interessa no momento.6
De modo bem mais delimitado, mas em consonância com a
observação da carta acima referida, Murilo, em carta a Homero Sena
(datada de Roma, 27 de junho de 1970), fala de quanto lhe desagradou
a capa de seu livro A idade do serrote, na qual se reproduz um trabalho
do artista plástico Farnese de Andrade. Observa que foi “feita sem
que eu fosse consultado” e, por oposição, ressalta o nível de seu
incômodo ao dizer que “soube que o nosso [Rubem] Braga estava
eufórico, achando a dita capa uma obra-prima”. Rubem Braga na
verdade reconheceu a má qualidade da impressão da capa, mas não
deixou de ressaltar a boa qualidade do trabalho de Farnese.7 O
comentário de Murilo talvez implique essa má qualidade da
impressão, mas não é improvável seu desagrado com a escolha da
imagem, bem em desacordo com as preferências do poeta à época. A
escolha terá levado em conta a exploração do inconsciente no
trabalho de Farnese de Andrade e o que aí poderia haver de relação
com um Murilo surrealista.
O comentário é importante, ainda, pois se faz no âmbito da
publicação de Poliedro. Em carta (datada de Roma, 20 de fevereiro de
1971) para Daniel Pereira, da Editora José Olympio, além de
mencionar mais uma vez o incômodo com a capa de A idade do
serrote, Murilo diz, em relação à de Poliedro: “Penso que Aloísio
Magalhães, ou então José Armando Ferrara, autor da capa do meu
livro Convergência, recentemente editado pela Livraria Duas Cidades,
de São Paulo, poderiam fazê-la bem”. Diz ainda:
A capa deverá ser composta com letras maiúsculas, traços, talvez
alguma figura geométrica, obviamente o poliedro (se bem não seja
indispensável). Além da capa de Convergência (creio que o Otto
[Lara Resende] recebeu um exemplar), poderia servir de referência
também a capa de livros do Círculo de Poesia da Editora Morais de
Lisboa, em que foram editados, além de muitos outros, Tempo
espanhol e Antologia poética de MM.8
A capa de Poliedro acabou sendo feita por Israel Pedrosa, em
consonância com as sugestões do poeta. E seria o caso de lembrar
aqui, a propósito justamente dessas sugestões e preferências do
poeta, um dos fragmentos do “Setor Texto délfico”, de Poliedro:
“Paralelas e tangentes alegrias da construção geométrica”, que não
deixa de ser uma manifestação de seu interesse pelas vanguardas
construtivas da época.
3.
Entre as primeiras publicações de Murilo Mendes estavam textos de
prosa publicados sob o título “Chronica mundana” no jornal A Tarde,
de Juiz de Fora, em 1920 e 1921 (alguns desses textos podem até
mesmo ser considerados poemas em prosa). A seguir, ao longo de sua
produção, a prosa sempre esteve presente, tendo sido numerosos os
artigos que escreveu para a imprensa, sobre música, artes plásticas,
literatura, religião. Em 1945 publicou um primeiro livro de prosa, O
discípulo de Emaús, coletânea de centenas de aforismos, alguns de
fato breves, mas outros se estendendo em verdadeiras explanações.
Antes, porém, no campo da poesia, houve o livro de 1936 retirado de
circulação pelo próprio autor, O sinal de Deus, composto por poemas
em prosa, assim como também podem ser considerados poemas em
prosa uns poucos textos de Tempo e eternidade, de 1935.
Poliedro, como de resto os outros livros do mesmo período, situa-se
já num outro contexto, o de uma “reformulação” de sua linguagem,
expressão que o próprio Murilo Mendes emprega a respeito de
Convergência em carta a Carlos Drummond de Andrade (datada de 10
de fevereiro de 1966), mas que se pode aplicar também sem dúvida à
prosa. Assim, em carta a Vieira da Silva (datada de Roma, 17 de
janeiro de 1965), a propósito da proposta de publicação de um livro
feita por um editor de Milão, Murilo diz: “só recentemente voltei a
escrever poesia”. Poucos meses depois, em outra carta (datada de 19
de junho de 1965), diz: “Já escrevi 2 livros novos de poesia, e agora
escrevo outro de prosa”.9 Em carta a Haroldo de Campos (datada de 2
de maio de 1963), também irá dizer: “eu, que há cinco anos não
escrevo versos, estou tentado a recomeçar”.10 Nesse período haverá
frequentes referências ao fato de não estar escrevendo poesia e a seu
grande interesse pela prosa, com a menção, a seguir, da volta à poesia,
mas “reformulada”. Em carta11 a João Cabral de Melo Neto, de 1962,
diz:
Pessoalmente não acho saída para a crise de linguagem da minha
poesia. Há quatro anos não escrevo versos, por impossibilidade de
projetar coisas novas. […] No momento escrevo só em prosa, que me
induz a restringir a fantasia, economizar a metáfora, disciplinando-
me mais. Leio muito ensaio — filosofia, estética, artes plásticas,
história, e pouco poesia.
Esses comentários são muito sugestivos, como podem demonstrar os
livros que escreveu por essa época. De modo especial em relação a
Poliedro, constituem quase um roteiro de leitura, pois há nele ensaio,
filosofia, estética, artes plásticas, história.
Num texto em que relata encontro com o poeta em Roma, Haroldo
de Campos diz:
Murilo não escreve poesia há cerca de 5 anos, disse-me. Depois do
Tempo espanhol — marco de uma poesia que assumia, no mais
extremo, sua vocação para o mundo substantivo —, as exigências do
poeta com o seu próprio o ício levaram ao silêncio (um silêncio sem
dúvida temporário, propiciatório de novas realizações, que ele há de
querer disciplinar e despojar nessa decantação constante que
constitui a pedra de toque da poesia brasileira mais consciente: a
que é rara e rigorosa). No momento, Murilo escreve
predominantemente sobre artes visuais, e prepara um livro de
apontamentos sobre a estética, impressões do convívio com poetas
e pintores, notas de viagem.12
Mais uma vez aí se refere o fato de estarem em elaboração vários
livros, que aqui e ali o poeta anuncia, ainda que não estivessem
definidos por completo. Em carta também a João Cabral de Melo Neto
(datada de Roma, 28 de agosto de 1966), revela estar escrevendo
Figuras. Esse título aparece também em carta dirigida a Vieira da Silva
e Arpad Szenes (datada de Roma, 26 de abril de 1969), quando Murilo
diz: “Fico-lhe(s) devendo outro texto, chamado ‘Os bichos’; fará parte
do meu livro inédito, e já quase pronto, Figuras”.
Se é provável que esse título tenha sido substituído pelo de Retratos-
relâmpago, e neste finalmente não tenha sido incluído o texto
prometido, o que importa aqui são as menções a projetos que se
entrecruzam na pesquisa em andamento realizada pelo poeta. Além
destas, têm especial interesse menções como a que o autor faz numa
entrevista de 1961, ao dizer: “No momento, a técnica da prosa
interessa-me mais que a do verso”.13 Não se trata apenas de não
escrever poesia, mas de se apropriar de outra técnica, o que não deixa
de ter a ver com a já citada “impossibilidade de projetar coisas novas”.
Não se trata de substituir a poesia pela prosa, mas de, graças à técnica,
projetar uma nova prosa.
4.
Em Poliedro há apenas dois textos com data — um deles é “Carta aos
chineses”, datado de Roma, 9 de outubro de 1965. O texto, como diz o
título, se apresenta em forma de carta, sendo essa data a da carta e
podendo, com bastante probabilidade, ser atribuída ao texto. O outro
texto é o que serve de apresentação ao livro, “Microdefinição do
autor”, datado de Roma, 14 de fevereiro de 1970. De certo modo ele
não integra exatamente o conjunto de textos que compõem o livro
Poliedro, pois precede a página em que são indicados os quatro
conjuntos de textos que constituem o livro, assim apenas
antecedendo o livro na condição de apresentação. No entanto, em
seus aspectos gerais de fato identifica-se com o conjunto do livro.
Sobre a elaboração e a constituição de Poliedro, há poucos dados
específicos disponíveis. Um projeto manuscrito do livro, datado de 24
de outubro de 1965 e 21 de fevereiro de 1966,14 elenca cinco setores:
“A idade do serrote”, “Microzoo”, “Microlições de coisas”,
“Colagens” e “Texto délfico”. A presença do título “A idade do
serrote” talvez indique que o que veio a constituir o livro de memórias
inicialmente tivesse sido pensado como parte desse outro volume que
veio a ser Poliedro, o que também explica que neste haja uma
constante participação da memória infantil, como já mencionado.
Não há indícios de como esses conjuntos eram formados ou de como
foram reformulados. Assim, não é possível saber se “Colagens”, que
desapareceu de Poliedro, correspondia ao setor “A palavra circular”. O
fato é que neste há o texto “Colagens”, assim como em Convergência
há o poema “Colagem para Drummond”, o que sugere pelo menos
uma atenção a um procedimento. E em “Colagens” o trabalho do
artista italiano Mimmo Rotella (autor de colagens compostas de
fragmentos de cartazes) é tomado como imagem concreta, como
visualização da convulsa situação política e social do momento.
Caso se recorra ainda a dados referentes a outros livros do autor
produzidos mais ou menos na mesma época, é possível ter mais
algumas informações pertinentes relativas a Poliedro. Segundo a
crítica italiana Luciana Stegagno Picchio, em seu prefácio a Janelas
verdes, a “microdefinição” foi “escrita num primeiro tempo para ser
incluída nas Janelas verdes”.15 Como Janelas verdes não saiu em vida do
autor, a “microdefinição” foi por ele integrada a Poliedro. Além da
transferência desse texto, a introdução de Luciana Stegagno Picchio
assinala no projeto inicial de Janelas verdes — livro de prosa, lembre-se
— um setor composto por poemas, murilogramas, que acabaram por
fim integrando Convergência — são os murilogramas dedicados a
Camões, Antero de Quental, Cesário Verde, Antônio Nobre,
Fernando Pessoa e Maria da Saudade. Em carta a Laís Corrêa de
Araújo (datada de 1º de dezembro de 1979), Murilo efetivamente
anuncia a conclusão de Janelas verdes, dizendo que é “quase todo em
prosa”.16 A explicação para a migração desses textos estaria também
no fato de Janelas verdes ter permanecido inédito, como já
mencionado. O livro, sempre segundo Luciana Stegagno Picchio, teve
sua “primeira estruturação” em 1970, na época exatamente da
publicação de quatro livros de Murilo Mendes. Houve assim um
estreito contato entre esses livros — de prosa e de poesia — tanto em
termos de sua organização quanto, evidentemente, em termos
temáticos e de procedimentos de escrita.
A informação sobre um texto integrante de outro livro, Conversa
portátil, também acrescenta um pequeno dado para a formação de
Poliedro. Uma nota de pé de página de Murilo Mendes ao primeiro
texto de Conversa portátil, “Texto sem rumo”, informa: “‘Texto sem
rumo’ deveria ser publicado em Poliedro. Mas à última hora achei que
o livro ficaria demasiado longo, pelo que o mesmo foi excluído. M. M.
Roma, 1974”.17 Assim, a datação do texto, 1964-6, contribui para a
datação também de Poliedro, mas o que efetivamente chama atenção
é a proximidade entre esse texto e dois de Poliedro — “O menino
experimental” e, sobretudo, o “Texto délfico”. De fato, sua inclusão
no livro talvez reduzisse o impacto em especial do segundo, mas, por
outro lado, a indicação de que inicialmente esses textos integrariam o
mesmo livro sublinha a insistência na experimentação com um tipo
de escrita. Pode-se supor que havia uma produção de textos que se
iam organizando segundo diferentes projetos de livro, de modo a
permitir esse tipo de contato mesmo entre um livro mais solto, como
Conversa portátil, que inclui textos bem variados e de épocas bem
distanciadas, e outro estruturado com mais rigor, como é o caso de
Poliedro.
Parece que não são muitas as publicações esparsas conhecidas de A
idade do serrote e de Poliedro anteriores aos livros. Do segundo, houve
nove pequenos fragmentos numa edição de serigrafias do artista
plástico italiano Antonio Calderara, fragmentos de resto
apresentados como “poesias”,18 além da publicação dos textos “A
girafa”, “A tartaruga”, “A zebra”, “A magnólia”, “O percevejo” e “Ieti”
no Suplemento Literário Minas Gerais.19 Em outros casos, como
Conversa portátil e A invenção do finito, foram recolhidos textos
anteriormente publicados de modo esparso, o que não implica que
tenham se constituído como simples recolha desse material. Algumas
das notas da organizadora da edição de 1994 reproduzem anotações
de Murilo Mendes que mostram tanto sua preocupação com a
organização dos vários livros, de prosa e de poesia, quanto as relações
entre estes. Assim, uma nota do autor, constante de seus manuscritos,
diz a respeito de Carta geográfica: “O plano geral prevê dois volumes.
De qualquer modo o texto atual constitui só por si um livro, cujo
defeito de falta de unidade reconheço, mas que é voluntário: misto de
informação, poesia em prosa, jornalismo”. Uma nota a Retratos-
relâmpago diz: “Este livro foi escrito em 1965-66. Desde essa época sei
que lhe falta unidade estrutural. Se eu dispusesse de tempo, gostaria
de ordená-lo diversamente. Caso não possa fazê-lo, poderia ser
publicado assim mesmo. O plano original prevê duas séries”.
Os comentários, tendo sempre a preocupação com a organização,
revelam um autor insatisfeito com esse aspecto, mas dando a
impressão de que acabaria por chegar ao que lhe parecia desejável e
possível. Mais importante ainda, revelam os diferentes âmbitos de
escrita presentes na elaboração dos livros. Por exemplo, muitos dos
textos de Poliedro relacionam-se diretamente com o livro de
memórias de modo explícito, pela maneira como frequentemente se
iniciam: “Quando eu era menino, acordando cedo de madrugada,
ouvia o galo cantar”, “Quando menino nas viagens pelo interior de
Minas”, “De menino conheci o pavão”, e assim por diante. Em outro
plano, a já citada “Carta aos chineses” tem distante relação com um
texto de imprensa de Murilo; inclui referência à apresentação da
Ópera da China no Rio de Janeiro em 1956, o que constituiu ocasião
para um artigo de Murilo para o jornal Paratodos (primeira quinzena
de setembro de 1956) intitulado “A ópera de Pequim” e escrito antes
da apresentação carioca a partir do espetáculo a que assistira em
Paris.
Esses aspectos remetem ainda ao trânsito entre os livros, situação
para a qual há em Conversa portátil esta nota: “No capítulo
‘Fragmentos de Paris’ deveriam figurar textos relativos a numerosos
encontros que tenho tido em Paris com poetas, artistas etc. Resolvi
entretanto inseri-los em outro livro: Retratos-relâmpago (2a série)”.
Esse trânsito pode dar-se, como já assinalado, no espectro dos
contatos prosa/poesia, como indica esta outra nota a Carta geográfica:
“Profundamente impressionado por Marrocos, resumi os sinais deste
encontro em algumas poesias de Convergência. O mesmo se diga da
Sicília, resumida nos textos de Siciliana”. De qualquer modo,
ampliando o espectro das distinções entre os textos, a Sicília ainda foi
tema de um texto de imprensa de Murilo Mendes, “Imagens da
Sicília”, saído em O Estado de S. Paulo de 16 de fevereiro de 1963 e não
recolhido em livro — texto muito distinto tanto do livro de poemas
quanto do Carta geográfica.
Assim, um mesmo tema poderá ser tratado mais de uma vez de
forma distinta, o que dá pistas não só para a identificação de
diferentes formas, como também para aquelas que incorporam
justamente esse trânsito. De Poliedro, textos como “O copo” ou
“Frutas da infância e Post” poderiam estar em Convergência. O tema
do texto “As lanças” aparece no “Grafito para Paolo Uccello” de
Convergência. Os livros conversam entre eles, por seus temas, seus
procedimentos, e necessariamente suas leituras.
5.
Às várias referências de Murilo Mendes ao período em que não estava
escrevendo poesia acrescentam-se, além dos já mencionados, alguns
outros pequenos dados esparsos, como a passagem de uma carta
(datada de Roma, 10 de julho de 1967) enviada a Haroldo de Campos
em que pergunta quando seria publicada uma edição das Galáxias,
“um texto de alto interesse”.20 Na mesma carta, Murilo diz estar
ocupado com várias atividades, entre as quais justamente “a redação
de vários livros de (prosa)”.21 O interesse por uma prosa altamente
experimental pode mostrar-se mais do que apenas circunstancial,
assim como as menções quantitativas a sua própria prosa podem
indicar a insistência numa prática. A referência na entrevista de 1961
à “técnica” ajuda a esclarecer esses aspectos, pois salienta a
preocupação com um conhecimento específico, com um exercício
aplicado, com uma experiência particular de escrita, que todavia não
se isolava de sua poesia.
No prefácio à primeira edição de Poliedro, Eliane Zagury
comentava: “Poliedro vem oferecer-nos a clarificação de mais uma
face da poesia muriliana, embora seja um livro em prosa”. Atribuía
esse aspecto ao fato de a prosa, desprovida apenas de um dos
elementos da poesia, “o maior grau de síntese que a língua
comporta”, poder em sua maior racionalidade oferecer um “espectro”
da realidade poética. Essa clarificação se dá não apenas por eventuais
abordagens do assunto, mas sobretudo pela própria escrita do livro,
como indicado na mesma introdução:
E Poliedro se presta especialmente a isso, uma vez que inaugura
para nós um novo subgênero literário: não se trata de uma simples
coletânea de fragmentos de prosa lírica, mas sim de uma estrutura
cerrada, orgânica, bem montada sobre os alicerces de toda a obra
anterior, outras partes do poliedro agora vislumbrado.22
Para a questão de como situar (para não dizer “classificar”) os textos
de Poliedro, parece que o caminho — tal como indiretamente sugerido
por Eliane Zagury — é o de sua relação com a poesia. A assídua
menção por parte de Murilo a projeto, a plano de livro, acaba por, ao
mesmo tempo, ressaltar a diversidade dos textos, aspecto com
frequência presente em grandes livros de prosa de poetas. Na
dedicatória de Le spleen de Paris, Baudelaire assinala uma falta de
ordem ou uma possível ordem aleatória para o conjunto, assim como
salienta o caráter fragmentário dos textos e a inexistência de uma
“intriga supérflua”, afirmando porém que, mesmo com a eliminação
de alguma parte de um texto, os outros pedaços se uniriam sem
dificuldade. Hoje pode-se considerar que esses comentários são de
fato uma espécie de indicação de leitura para esse conjunto
multifacetado, cuja história de publicação, no entanto, acrescenta
muito a essas considerações entre reticentes e falsamente
displicentes de seu autor. A publicação de vários textos do livro na
imprensa, em diferentes momentos, em diferentes agrupamentos e
em diferentes órgãos, introduz muitos aspectos na compreensão
tanto de sua organização quanto da significação dos diferentes textos.
Assim, Antoine Compagnon observa:
A releitura dos primeiros poemas do Spleen de Paris no contexto de
sua publicação pré-original permite restituir-lhes o poder de
violência e de agressão, quando estavam lado a lado com a Bolsa, o
fait divers, a publicidade. Na página do jornal, lemos o poema de
outro modo.23
Talvez os comentários de Baudelaire na dedicatória ainda estivessem
fortemente marcados por tudo o que significou a publicação
fragmentada desses textos na imprensa, em convívio, nas páginas por
sua vez fragmentadas, com outros tipos de materiais.
Mallarmé escreve, na nota que antecede suas Divagations, sobre os
livros “privados de arquitetura”, o que ele atribui a um jornalismo de
que “ninguém escapa” (lembre-se a nota já citada de Murilo com
menção a “jornalismo” em relação aos textos de Carta geográfica).
Aqui naturalmente não está em questão a possibilidade de
fragmentação e eliminação, mas de modo mais insistente a própria
organização. A preocupação com a organização mais ou menos
rigorosa não é por certo exclusiva da elaboração de livros de prosa,
mas diz muito no caso dessa prosa que encontra sempre dificuldade
para ser situada, identificada. Assim, se a prosa de Baudelaire dialoga
com o jornalismo cotidiano, a de Mallarmé também dialoga, ainda
que de modo muito diferente, quase por oposição; o segundo, de
qualquer modo, reconhece igualmente que há distinções entre os
vários textos de seu livro e que este não era homogêneo.
Uma situação significativa, ainda que restrita, para a identificação
desse tipo de texto é a daqueles textos que tiveram forma de poema e
forma de prosa. Entre muitos exemplos, um especialmente digno de
nota é o do livro de poemas de Pierre Reverdy La Balle au bond,
composto de poemas em prosa que em grande parte haviam
integrado o livro Le Cadran quadrillé, em que se apresentavam todos
sob a forma de verso.24 Essa modificação tem a ver com a
experimentação desenvolvida por Reverdy não apenas entre o poema
e o poema em prosa, mas também no plano da narrativa, no plano
tipográfico e espacial. Outro exemplo, envolvendo diferentes
aspectos, encontra-se na tradução em prosa que Mallarmé faz dos
poemas de Poe — não se trata aí apenas de tradução, mas da criação
de poemas em prosa a partir de poemas em verso. Em Murilo Mendes
não há exatamente situações similares, além daquelas já referidas em
que textos de Poliedro caberiam em Convergência ou em que os
mesmos temas são explorados em prosa e em poesia, mas há pelo
menos um caso, de pequenas proporções, que se somaria aos dois
exemplos acima. O texto sobre o artista plástico Pasquale Santoro foi
escrito e publicado inicialmente em italiano com a forma de poema
em verso (está reproduzido em L’occhio del poeta); posteriormente, foi
incluído em A invenção do finito, com a forma de prosa e em
português. Pode-se supor que a forma em verso se devesse apenas à
diagramação da publicação, e não fosse uma efetiva disposição
autoral; todavia, na suposição contrária, pode-se ver a exploração de
uma forma que não é exatamente poesia, tal como praticada pelo
autor, forma esta que por meio da tradução se torna prosa, como
solução talvez mais adequada. A primeira versão lembra o que
posteriormente Augusto de Campos viria a desenvolver em seus
textos em “prosa porosa”, a prosa do poeta-crítico, mas quando “a
poesia vazou e contaminou essa prosa”.25 Em Poliedro, todos os textos
estão assim contaminados, ainda que nem sempre isso leve a uma
modificação formal. Mas estão também contaminados por um humor
muitas vezes próximo do nonsense, como o que se encontra nos
textos de um artista plástico da predileção de Murilo, o dadaísta Jean
Arp, autor também de poesia e prosa; em sua literatura encontram-se,
reunidos em Jours effeuillés, poemas-ensaio, textos de prosa entre o
ensaio e a poesia. Essa produção não terá passado despercebida para
Murilo, como se pode notar pelo texto sobre Arp incluído na segunda
série dos Retratos-relâmpago e pelo poema também sobre Arp
incluído em Ipotesi.26
Antonio Candido mostra como em Drummond se encontra “um
trânsito de mão dupla” entre os diversos tipos de sua produção — a
poesia, a crônica, a prosa de ficção. E mostra como as “estruturas
especificamente poéticas, com função própria”, não impedem que
haja uma “interpenetração”, “um gosto acentuado pelo elemento
narrativo”.27 Esse “trânsito de mão dupla” será mostrado, a partir de
outro ponto de observação, no Murilo Mendes de A idade do serrote:
“E a prosa tem um ímpeto de tal maneira transfigurador, que nós nos
sentimos dentro da poesia, como um primeiro fator que alarga o
restrito elemento particular da recordação pessoal”.28 Isto que é,
afinal, uma constatação, sugere pelo menos uma pista de leitura. Há
procedimentos que possibilitam essa constatação, que já estavam em
A idade do serrote e que se acentuam em Poliedro.
6.
À escolha do termo geométrico para título e à sugestão de capa
também geométrica pode-se considerar que se associem os subtítulos
do livro, que incluem sempre a palavra “setor”. No manuscrito da
“Microdefinição do autor”,29 vê-se que esse texto inicialmente se
intitulava “Microapresentação do autor”. A mudança de
“apresentação” para “definição” entra em consonância (ainda que
não se saiba quando foi feita a modificação) com o ambiente
geométrico acima referido e, de modo especial, com o segundo setor,
o das microlições, mesmo que na verdade as definições se insinuem
por todo o livro — assim, “A luva é uma sociedade secreta…”; “O
telegrama é um trevo de papel dobrado…”; ou “A baleia é um cetáceo
da dinastia…”. Não se trata, é claro, de definições de dicionário, a não
ser pela formulação, mas de definições que reinventam o objeto,
inserindo-o numa espécie de ensaio em que as associações se dão,
entre outros modos, por sonoridade, por jogos semânticos. Talvez se
pudesse ler “micro” como a formulação contemporânea de Murilo
para o “pequenos” dos Pequenos poemas em prosa de Baudelaire, obra
sem dúvida atuante no universo criativo de Poliedro.
Se o título do primeiro setor remete a bestiários, numerosos na
literatura, o do segundo lembra de imediato especificamente títulos
significativos de algumas obras, além de configurar um processo da
poética de Murilo Mendes. Esse processo é importante para a leitura
dos demais setores do livro, parecendo assim merecer uma atenção
especial em função da compreensão dos procedimentos de todo o
livro. Lembra antes de tudo o Lição de coisas de Drummond — há de
fato alguns pontos de contato entre os trabalhos dos dois poetas, em
que a recuperação das coisas se dá pela nomeação, pela enumeração
exaustiva, pela exploração e criação vocabular. Lembra também o
romance homônimo de Claude Simon, Leçon de choses, em que a
descrição extremada integra o andamento da narração. A certa altura
do romance, um dos personagens pega um livro, entre alguns que
estão sobre uma mesa, e este tem o título Leçons de choses; abre o livro
cheio de ilustrações e, ao mesmo tempo que olha para um ponto da
paisagem externa, olha para as imagens do livro, de modo que a
descrição dessas imagens interfere na descrição do que o personagem
vê ao longe. Fica aí claro que o livro folheado, Leçons de choses, é um
manual do método de ensino que, simplificadamente, consistia na
apresentação das imagens de coisas para daí se chegar a seu
conhecimento e às palavras que as nomeiam. A referência a esse
método por esses autores indica uma concepção e uma consequente
atitude do texto diante da realidade — o que Haroldo de Campos, em
relação a Murilo Mendes, designou como “substantivação”.
O livro de Gertrude Stein Tender buttons tem como subtítulo
“objects, food, rooms”, suas três partes. Aí a descrição das coisas
constitui-se como construção de outra coisa, um objeto textual, o que
em geral, em termos de procedimento, é relacionado com o cubismo.
Não há similaridade com a prosa de Poliedro, mas não é sem propósito
pensar como também nos textos de Murilo Mendes as coisas suscitam
palavras que, por sua vez, se encadeiam por processos vários, seja por
sonoridade, seja por conexões semânticas.
Aproximação talvez mais importante é a que se verifica com o livro
de Francis Ponge Le parti pris des choses — aproximação evidente, já
pela própria utilização do nome desse autor como definição de um
processo de modificação da poética muriliana em Convergência (o
“francispongei-me”). E até mesmo se poderia tomar “microlições”
como equivalente de “le parti pris”. Nessa aproximação, chama
atenção a separação que se dá em Poliedro entre as “coisas” e os
demais elementos, como o “zoo”. Essa distinção é inexistente em
Ponge, em cujo livro “coisas” engloba tudo — o pão, a chuva, a ostra, o
cigarro, o ginasta, o pescador, a borboleta. Ao abordar aquilo que
pode ser “coisa” em Francis Ponge, Sartre diz que se torna “coisa”
tudo aquilo de que se retirar as significações humanas.30 Por toda a
trajetória de Murilo Mendes, compreende-se que em sua poética seja
diferente. Em Ponge, a atenção se volta para o funcionamento das
coisas; em Murilo, para suas associações pessoais e culturais. Em
Ponge, a tônica não está no sujeito, enquanto em Murilo este nunca
está ausente. No “Setor A palavra circular” encontram-se alguns
textos cujos títulos são nomes de pessoas, o que indica, pelo menos
em parte, o critério para a distribuição dos textos (esse subtítulo, “a
palavra circular”, um tanto obscuro, talvez encontre um ponto inicial
de compreensão na variedade de personagens, de lugares e situações
dos textos).
Pelo menos uma das lições que as coisas dão tem a ver com o
próprio texto. Aquilo que inicialmente pode ser não mais que
descrição é também uma forma de exposição condensada, concreta,
despojada de desgastes líricos. Está aí, pelo menos em parte, aquela
técnica que Murilo dizia buscar, tal como de resto ele sucintamente a
sugeriu. Nunca, porém, excluiu o que é próprio de seu universo — a
memória, a cultura, o imprevisível, as associações implausíveis, ou
seja, a imaginação em liberdade. Na verdade, os textos acabam como
autênticas antidescrições ou pelo menos como um desafio às
descrições, assim como o menino experimental o é em relação às
lições.
Ao analisar textos de A idade do serrote, Antonio Candido fornece
elementos para a compreensão de alguns procedimentos frequentes
na prosa final de Murilo Mendes. Chamando atenção para o uso da
anáfora (repetição de uma mesma ou mais palavras em inícios de
frases ou versos) e da paronomásia (palavras de sonoridade
semelhante, mas sentido diferente), num trecho do texto inicial do
livro, o crítico observa: “É como se a palavra propusesse um mundo
refeito por ela, de tal modo que o discurso parece propor-se como
finalidade de si mesmo, ao chamar a atenção sobre si por meio dos
recursos de sonoridade e simbolização”.31 Há uma “razão específica”
do texto, estabelecendo-se um discurso que “garante e ao mesmo
tempo perturba o nexo com o mundo”.32 Está-se assim longe de uma
mera descrição, de uma mera exposição. Aos elementos mencionados
por Antonio Candido é possível acrescentar vários outros de não
menor função no conjunto, como enumeração caótica, antíteses,
forma de pontuação ou falta de pontuação, neologismos,
estrangeirismos, arranjo gráfico do texto e assim por diante. Levando-
se em conta a observação de Antonio Candido quanto à perturbação
no nexo com o mundo, pode-se considerar o texto “O menino
experimental” como uma forma iconoclasta de explodir esse nexo
(“O menino experimental antefilma o acontecimento agressivo, o
Apocalipse, fato do dia”); assim, o texto também antecipa a forma
incisiva e avassaladora como o “Texto délfico” enuncia sua percepção
seja da criação artística (“Maria Callas: A túnica vermelha de
Clitenestra apertada com tenazes”), seja mesmo da própria história
(“O mito pré-fabrica a história, superando-a”).
7.
Como revelam várias menções no correr do texto, é clara no “Texto
délfico” a referência ao oráculo de Delfos, um dos mais conhecidos da
Grécia antiga. Por que Delfos? Diz um dos fragmentos do texto: “O
município-universo. Santuário-universidade. Univercidade. O
umbigo do mundo”. Já outro fragmento diz: “Delfos não teve
importância política ou militar. Um dos motivos máximos da sua
força espiritual que cresceu progressivamente”, o que leva José
Guilherme Merquior a observar que Delfos “constitui o topônimo
ideal para essa poética libertária cujo primeiro cuidado é a denúncia
do potencial repressivo da civilização”.33 Especificamente em
Poliedro, essa “denúncia” pode encontrar-se, por exemplo, nas
sentenças oraculares do “Texto délfico”, assim como nas
antidescrições dos demais textos.
Composto de fragmentos breves, é inevitável que essa última parte
do livro, em especial, traga à lembrança o livro de 1944, O discípulo de
Emaús — não mais pelas proposições contidas num e noutro, mas pela
forma. Os fragmentos não podem ser considerados da mesma
maneira, ou seja, não constituem um procedimento uniforme. Assim
como o “Texto délfico” está dentro da proposta de reformulação de
Murilo Mendes, também O discípulo de Emaús não consistiria apenas
num apanhado mais convencional, como observou Raul Antelo:
Graças a O discípulo de Emaús, o aforismo passa da periferia do
sistema literário ao fórum pré-concretista. Murilo funde nele várias
linhagens — a dos pensadores assistemáticos, a dos românticos
alemães, a dos artistas-filósofos, a das sínteses surrealistas.34
Não se trata de modo algum de ver aí uma prefiguração da prosa final,
mas sim de ver o que ocorre nos aforismos do livro de 1944, a
liberdade com que Murilo os compõe. É verdade que há uma grande
desigualdade entre eles, nem sempre sendo muito feliz o resultado,
quando se estendem em digressões ou quando caem em lugares-
comuns do bom senso, o que enfraquece o que neles há de
perturbador graças à mencionada fusão. A retirada do aforismo da
“periferia” talvez possa ser entendida, de modo particular, também
como o impacto dele no conjunto da obra de Murilo, em que ganha
presença mais explícita justamente na fase final, quando há suas
aproximações com as vanguardas da época. Assim, em Convergência
há poemas compostos integralmente de fragmentos “aforismáticos”,
dispersos também por vários dos textos de Poliedro — uma das partes do
texto “A baleia” compõe-se apenas deste fragmento: “A baleia:
autossuficiente, melvilliana, inexpugnável”.
De fato, não seria o caso, no conjunto da obra, de recorrer à palavra
“aforismo”, pois o termo não implica apenas uma forma, mas uma
declaração, uma máxima, um princípio, uma diretriz. A forma em
operação na obra de Murilo, localizável ao longo de sua poesia, é o
que José Guilherme Merquior identificou como “poética do
fragmento explosivo”,35 considerando o fragmento como a forma de
pensamento do texto muriliano: “O fragmento é apenas o gesto
estilístico que corresponde a uma estrutura de pensamento”.36
Referindo-se a esses fragmentos como “estilhaços”, Merquior, no
entanto, ainda não os distingue propriamente do aforismo: “Desde
cedo, a poesia de Murilo exibe uma autêntica vocação para a forma-
fragmento. Os aforismos que visivelmente dominam a produção
tardia do poeta representam a otimização desse gosto pelo estilo
haché, admiravelmente apto à expressão do paradoxal e
paroxístico”.37 O uso do termo “estilhaços” não deixa de lembrar a
palavra adotada por Baudelaire como título de seus fragmentos,
“fusées” (foguetes, rojões), onde a violência se volta para o tratamento
de seus temas. Os estilhaços de Murilo atingem a própria noção de
aforismo, transformando-o então na forma-fragmento, em que
comparecem o inesperado, o insólito, por meio de procedimentos
como paradoxos ou jogos de palavras.
Esse elemento vem a ter repercussão no ritmo do texto, implica uma
modificação do ritmo. Nos textos mais longos, as partes compostas de
modo fragmentário acabam tendo um andamento claramente mais
rápido. No caso do “Texto délfico”, o texto como que se precipita,
ganha uma espécie de urgência. Passa das “sandálias dos deuses” aos
“subúrbios da bomba”, de Penélope a Maria Callas, das “tesouras de
Átropos” às “asas do transistor”. São estilhaços provindos de vários
campos — da religião, da filosofia, da literatura, das artes plásticas. É a
formulação dos pontos luminosos (para usar a expressão poundiana
cara aos concretos) de sua trajetória literária. Os dois fragmentos
finais, mais extensos, compõem-se de um texto sem pontuação,
quando o andamento se apressa numa voragem de ideias que só
ralenta no fragmento final — “Bebi da vida. Suportei dos deuses.
Acrescento-me da morte”. Há aí um tom de pacificação humana,
sempre, porém, no fundo e na formulação, em consonância com o
projeto de que surgiram livros como Poliedro.
1. Vale lembrar que o livro chegou a estar em lista dos mais vendidos, como registrado no Jornal do Brasil de 26 ago. 1972
e de 28 out. 1972.
2. Reproduzido em Murilo Mendes, Poesia completa e prosa. Org. de Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Aguilar,
1994. p. 77.
3. Consultou-se cópia xerox do exemplar no Museu de Arte Murilo Mendes da UFJF.
4. Carta transcrita em Laís Corrêa de Araújo, Murilo Mendes. São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 224.
5. Aracy Amaral, Textos do Trópico de Capricórnio: Artigos e ensaios (1980-2005). Vol. I: Modernismo, arte moderna e o
compromisso com o lugar. São Paulo: Editora 34, 2006. pp. 81-2. A autora precisa que se trata de depoimento telefônico
realizado em 11 jul. 1984.
6. Júlio Castañon Guimarães (Org.), Cartas de Murilo Mendes a Roberto Assumpção. Rio de Janeiro: Fundação Casa de
Rui Barbosa, 2007, p. 72.
7. Numa crônica em que fala das assemblages de Farnese de Andrade, Rubem Braga relata: “Tenho dele um objeto que
comprei há uns oito anos na Petite Galerie, um velho tinteiro de cristal cheio de bonequinhos mínimos e bolas de vidro,
e dominado por uma cabeça de boneco pateticamente inocente. Usei isso uma vez para fazer a capa do
interessantíssimo livro de memórias de Murilo Mendes, A idade do serrote […] mas a capa saiu mal impressa, e Farnese
ficou aborrecido com seu objeto antigo. Quer trocar por um novo, destruindo o velho, o que não permitirei”. Rubem
Braga, “Farnese e as coisas que ele faz”. In: ______. Os segredos todos de Djanira & outras crônicas sobre arte e artistas.
Org. de André Seffrin. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. Devo a informação sobre essa crônica a Augusto Massi.
8. As cartas citadas nesta passagem, com exceção da dirigida a Roberto Assumpção, encontram-se no Arquivo-Museu
de Literatura da Fundação Casa de Rui Barbosa.
9. As cartas para Vieira da Silva encontram-se na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa.
10. Carta reproduzida em Murilo Mendes 1901-2001 (Org. de Júlio Castañon Guimarães. Juiz de Fora: Centro de
Estudos Murilo Mendes, 2001).
11. As cartas a João Cabral de Melo Neto encontram-se no Arquivo de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui
Barbosa, no Rio de Janeiro.
12. Haroldo de Campos, “Murilo Mendes, romano”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 7 abr. 1964.
13. “Toda boa e autêntica poesia é de vanguarda”. Entrevista a Vera Pereira, Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, Rio
de Janeiro, 2-3 set. 1961.
14. Reproduzido em Murilo Mendes, Poesia completa e prosa. Org. de Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Aguilar,
1994, p. 77.
15. Luciana Stegagno Picchio, “As janelas verdes de Murilo Mendes”. In: mendes, Murilo. Janelas verdes. Vila Nova de
Famalicão: Quase Edições, 2003, p. 10.
16. Carta reproduzida em Laís Corrêa de Araújo, Murilo Mendes (São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 196).
17. Nota em Murilo Mendes, Poesia completa e prosa. Org. de Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1994, p. 1705.
18. Antonio Calderara, “Murilo Mendes”. Nove seriegrafie di A. Calderara, nove poesie inedite di M. Mendes. Roma:
Editrice Magma, s. d. Embora a edição não seja datada, a menção “inedite” permite supor que se trate de publicação
anterior à de Poliedro.
19. Foram publicados nas seguintes datas, respectivamente: 11 abr. 1971, 29 maio 1971, 20 nov. 1971, 1º jan. 1972, 4 mar.
1972 e 22 abr. 1972. No mesmo periódico saiu ainda “O ovo”, em 23 set. 1972, quando o livro já estava publicado. De
modo similar, a publicação de “Microdefinição do autor”, “O tigre” e “A baleia” no Suplemento Literário do Estado de S.
Paulo, em 30 abr. 1972, já se faz como divulgação do livro, Poliedro, que iria sair logo a seguir.
20. Carta reproduzida em Murilo Mendes: 1901-2001 (Org. de Júlio Castañon Guimarães. Juiz de Fora: Centro de
Estudos Murilo Mendes, 2001). A importância que o próprio Haroldo deu à breve indagação se revela no fato de ele a ter
comentado em carta de 14 ago. 1967 enviada a Affonso Ávila (arquivo de Affonso Ávila).
21. O itálico e os parênteses estão no texto da carta.
22. Eliane Zagury, “Murilo Mendes e o poliedro”. In: mendes, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, p. xi.
23. Antoine Compagnon, Baudelaire l’irréductible. Paris: Flammarion, 2014, p. 55.
24. Cf. a nota em Pierre Reverdy, Oeuvres complètes. Édition préparée, présentée et annoté par Étienne-Alain Hubert.
T. 2. Paris: Flammarion, 2010, p. 1492.
25. Augusto de Campos, “Antes do anti”. In: ______. O anticrítico. São Paulo: Companhia da Letras, 1986, pp. 9-10.
26. Em Jours effeuillés encontra-se também um poema sobre Murilo Mendes, “Souvenir Mendes”.
27. Antonio Candido, “Drummond prosador”. In: ______. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 14.
28. Antonio Candido, “Poesia e ficção na autobiografia”. In: ______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo:
Ática, 1985, p. 57.
29. Reproduzido na edição de Janelas verdes de 2003 (Vila Nova de Famalicão: Quase Edições).
30. Cf. Jean-Paul Sartre, “L’homme et les choses”. In: ______. Situations I. Paris: Gallimard, 1947, p. 256.
31. Antonio Candido, “O mundo desfeito e refeito”. In: ______. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 33.
32. Ibid.
33. José Guilherme Merquior, Le “texto délfico”, Bulletin des Études Portugaises et Brésiliennes, 1975-6, v. IX, p. 243.
34. Raul Antelo, “Concisão e convergência”. In: ______. Transgressão e modernidade. Ponta Grossa: UEPG, 2001, p. 147.
35. José Guilherme Merquior, “À beira do antiuniverso debruçado ou introdução livre à poesia de Murilo Mendes”. In:
______. O fantasma romântico e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 158.
36. Ibid., p. 159.
37. Id., “Notas para uma muriloscopia”. In: mendes, Murilo. Poesia completa e prosa. Org. de Luciana Stegagno Picchio.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 18.
O “texto délfico” de Murilo Mendes *
José Guilherme Merquior
* Artigo publicado originalmente em francês no Bulletin des Études Portugaises et Brésiliennes (Institut Français de
Lisbonne, tomos 35-6, 1974-5). Trad. de Júlio Castañon Guimarães.
1. É com alegria, portanto, que assinalamos o recente estudo, seguido de uma antologia, de Laís Corrêa de Araújo,
Murilo Mendes (Petrópolis: Vozes, 1972). Aí se encontrará, além do mais, uma bibliografia ativa e passiva do poeta. Para
a análise estilística de um determinado poema, que nos seja permitido citar José Guilherme Merquior, Razão do poema
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, pp. 65-7) e A astúcia da mímese (Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, pp. 203-
10). Haroldo de Campos, em Metalinguagem (Petrópolis: Vozes, 1970, pp. 55-65), abordou com finura aspectos
semânticos de Tempo espanhol (Lisboa: Morais, 1959). Ver também Luciana Stegagno Picchio, “Itinerário poético de
Murilo Mendes”, Revista do Livro, n. 16 (dez. 1959, Rio de Janeiro).
2. Maurice Blanchot, La part du feu. Paris: Gallimard, 1949, p. 96.
3. Walter Benjamin, “Le Surréalisme: Le dernier instantané de l’intelligence européenne” (1929). In: ______. Mythe et
violence. Paris: Denoël, 1971, pp. 299, 311.
4. Murilo Mendes, Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, pp. 125-46.
5. Distinguimos pelo menos três períodos na obra poética de Murilo: o que vai de Poemas (1930) a Poesia em pânico
(1938); aquele, muito mais rico, que se estende de As metamorfoses (1944) a Poesia liberdade (1947); e enfim aquele, ao
mesmo tempo classicizante e ultramoderno, de livros como Sonetos brancos e Parábola, escritos a partir de 1946, mas
publicados em 1959 no volume Poesias (1925-55, Rio de Janeiro: José Olympio).
6. Ver as observações de Laís Corrêa de Araújo (op. cit., pp. 47, 48, 53) a propósito da redução dos versos e das
formulações entrecortadas a partir do segundo período.
7. Murilo Mendes, Convergência. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970.
8. Note-se, de passagem, que se trata de uma tese cara à “poética do silêncio” de Blanchot: ver “Le regard d’Orphée” (In:
blanchot, Maurice. L’espace littéraire. Paris: Gallimard, 1955, pp. 179, 184).
9. É, portanto, bastante surpreendente ver o poeta reprovar Nietzsche (p. 153), ao lamentar que nele o “caminho” passe
“pela espada”, pela “inestrela que não dança”. Mais que ninguém, Nietzsche foi um pensador coreográfico, pensador da
dança, e do pensamento como dança. Murilo teria conservado de Nietzsche a imagem deformada que foi difundida, a
partir dos anos 1930, ao mesmo tempo pelo fascismo, pelo antifascista Georg Lukács e, ainda que num outro plano, por
Heidegger, para quem a vontade de potência permanece ligada a uma meta ísica da agressividade?
Poliedro*
Affonso Romano de Sant’Anna
Érico Melo
PREPARAÇÃO
Fernando Nuno
Ana Maria Barbosa
ISBN 978-85-438-1087-4