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Covardes de farda ou algumas verdades inconvenientes

As forças armadas do Brasil não defendem o povo. Atuam de acordo com os interesses individuais e de
grupos. Sem qualquer papel na defesa territorial, coadunam com grileiros e garimpeiros, seguindo a
violência infame estabelecida a partir da colonização. O Exército Brasileiro, em particular, fundou a
República e, a partir de então, estabeleceu-se como ente moral e intelectualmente superior ao restante
da população brasileira. Diante de projetos políticos populares que visavam a justiça social, atuou
contra o interesse do povo brasileiro, notadamente alinhado com as aspirações estadunidenses.
Tentaram dar o golpe contra Getúlio Vargas, mas foram impedidos. Experientes, destruíram a
democracia em 1964. Generais do Exército e todo o conjunto das forças armadas impôs ao Brasil 21
anos de uma ditadura violenta, torturadora assassina, ocultadora de cadáveres que se dedicava a
perseguir e criminalizar aqueles que elegia como “inimigos” políticos. No plano econômico, a ditadura
militar serviu à enorme concentração de renda e aumento da desigualdade. A falácia do “milagre
econômico” tornou-se o terror inflacionário dos anos 1980 com dezenas de milhões de brasileiros
vivendo na mais absoluta miséria. Não houve qualquer coisa boa que a ditadura fez que a democracia
também poderia ter feito, mais e melhor, pois haveria participação e interesse público. Depois de
ocupar o poder por 21 anos, os generais do Exército Brasileiro controlaram o retorno da democracia de
forma “lenta, gradual e segura”. Segura para eles, óbvio. A lei de anistia garantiu impunidade aos
assassinos e corruptos que vestiam farda. Disseminou, na corporação, a ideia de que farda e
impunidade andam juntas no Brasil. O que é verdade.
Depois de garantirem seu lugar de privilégio na Constituição de 1988 (benefícios salariais,
previdenciários e constitucionais), decidiram atuar novamente, como coadjuvante garantidores do golpe
contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016. O general Villas Boas, em nome de todo o Alto
Comando, twittou mensagens para acuar o Supremo Tribunal Federal durante o julgamento de um
pedido da defesa que poderia beneficiar Lula. Em 2018, Lula liderava todas as pesquisas de opinião
sobre intenção de votos para a eleição presidencial. Assim, a prisão e sua saída do pleito beneficiava o
segundo colocado: Jair Bolsonaro. Deputado do baixo clero, adorador da ditadura, uma espécie de
Hitler de fundo de quintal. Apesar de reformado no Exército, Bolsonaro tornou-se a aposta dos generais
de agora, ciosos para atuarem como os de antanho. Os generais Hamilton Mourão, Braga Netto,
Augusto Heleno, Villas Boas, Fernando Azevedo e Silva, Luiz Eduardo Ramos e Sérgio Etchegoyen
(este último, filho e neto de históricos golpistas violadores dos direitos humanos) tornaram-se oficiais
durante a ditadura militar. Foram formados no período em que o Exército chefiava um regime de
exceção que matava o povo brasileiro. Logo, sequer temos o direito à surpresa em constatar que foi o
general Pazuello, então na ativa, o responsável por garantir a morte de brasileiros durante a pandemia.
Foi um oficial do Exército Brasileiro que, ocupando decisivo cargo na máquina pública, o responsável
por não comprar vacinas, distribuir medicamentos ineficazes e propagar desinformação durante a
pandemia. O Brasil foi um dos países em que mais morreram pessoas de covid-19. Se estivéssemos na
média mundial, quatro em cinco mortes poderiam ter sido evitadas se as medidas farmacológicas de
prevenção fossem tomadas e a vacinação ampla da população efetivada no menor tempo possível.
Quanto aos indígenas, o governo negou-se a enviar água e qualquer cuidado para prevenir a
contaminação. Associado a Bolsonaro, o Exército Brasileiro também é responsável pelo genocídio de
brasileiros. Em troca, os oficiais receberam cargos, aumentos salariais, benefícios previdenciários,
orçamentários, além do prestígio de retornar ao comando da máquina pública. Por isso os militares
incentivaram o ataque às urnas eleitorais; por isso generais foram passear de moto, de helicóptero, de
cavalo ou jet ski para acossar os demais poderes da República. Por isso sentiram-se moralmente
superiores ao restante da sociedade civil para exigir respeito mesmo diante de evidentes e gravíssimas
violações à vida de brasileiros. Esses oficiais aprenderam com os seus mestres a negar a violência da
ditadura: a época em que covardes de farda usavam o dinheiro público para perseguir e matar
brasileiros. Diante de tantas violações, a única saída era o golpe. Não há como separar o alto comando
das forças armadas das graves violações aos direitos humanos cometidas no Brasil, notadamente
durante o governo Bolsonaro. Os generais incentivaram e permitiram os ataques violentos ao processo
eleitoral, ameaçaram as instituições e seus integrantes. Em frente aos quartéis, tentou-se formar o
movimento popular que garantiria o golpe. Por viverem no continente mental de 1964, alguns
alucinados acharam que poderiam impor ao país e a 60 milhões de pessoas que votaram em Lula, a
permanência de Bolsonaro e seus capatazes de farda no governo. Percebendo que não haveria adesão
de qualquer setor do país, que até mesmo os Estados Unidos, patrocinador oficial de golpes de Estado
no Brasil desde o milênio passado, não embarcariam numa aventura autoritária de Jair e seus generais,
recuaram. Pobre coronel Lawand e todos que “cagavam e mijavam em banheiros químicos” em frente
aos quartéis pedindo “pelo amor de deus” por um comando de golpe. No dia 8 de janeiro, tentaram,
ocuparam os palácios, mas não tiveram forças para sustentar o poder. Envolvidos até o pescoço,
generais e oficiais foram filmados protegendo os vândalos destruidores do patrimônio público.
Familiares de generais estiveram nos acampamentos, estimularam as emoções golpistas. O comandante
do Exército, general Júlio César Arruda, impediu a Polícia Militar do Distrito Federal de prender
vândalos que estavam em frente ao QG do Exército. Anteriormente, já havia impedido a PMDF de
desmontar os acampamentos. Por tentar proteger o tenento-coronel Mauro Cid, pau mandado de
Bolsonaro (vulgo: ajudante de ordens), o general Arruda foi substituído pelo general Tomás. Em
palestra proferida a oficiais pouco tempo depois das invasões de janeiro, o general Tomás teceu
enormes elogios ao general Arruda, de quem foi colega de turma, e reiterou que também não teria
permitido à PM prender o “pessoal” que estava no acampamento, além de lamentar a vitória de Lula
que não era “o que muitos de nós queriam”. Disse que qualquer oficial do Exército que estiver
envolvido “em coisa errada” vai ter de responder a justiça, mas confessou esperar que “não mexam
com o Exército”. Vale lembrar que o comandante general Tomás era responsável pela Academia Militar
das Agulhas Negras, em 2014, quando Bolsonaro lançou sua candidatura e transitava livremente em
seus espaços. Por coincidência (ou não), o general Tomás passou a integrar o Alto Comando em 2019,
no primeiro ano do governo Bolsonaro. Tudo isso pra resumir: ao que parece, Lula trocou seis por meia
dúzia no comando do Exército Brasileiro. O depoimento do coronel Lawand, na CPMI dos Atos
Golpistas, é o retrato do Exército Brasileiro: machões no golpe urdido às escusas sob a proteção da
farda, covardes de terno quando chamados a público para assumirem suas responsabilidades. Lawand
negou qualquer intenção golpista para não ter de entregar os superiores. Durante o depoimento,
carregava um lembrete, impresso em letras garrafais, “sem cagoete”. É preciso esclarecer o
envolvimento do Exército Brasileiro e de todas as forças armadas nos crimes cometidos durante a
pandemia e contra o processo eleitoral brasileiro. Seus comandantes agiram em nome da instituição e é
preciso atribuir às forças armadas a responsabilidade que lhes cabem em relação aos crimes cometidos
contra o povo e o processo eleitoral brasileiro. Se tiverem dignidade, os oficiais de agora pedirão
desculpas, jogando na sepultura as práticas autoritárias de seus antecessores.

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