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Curso de especialização em Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias – com ênfase no ensino médio


Universidade de Brasília
Centro de Educação a Distância (CEAD)
Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal

MARCOS DE OLIVEIRA BASSUL


marcosbassul@gmail.com

Música na escola: anseios, expectativas e alternativas

Brasília
(2009)
Marcos de Oliveira Bassul
marcosbassul@gmail.com

Música na escola: anseios, expectativas e alternativas

Monografia apresentada ao Centro de Educação a


Distancia da Universidade de Brasília, como requisito
parcial para conclusão do Curso de Especialização
em Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias.

Orientadora: Profa. Me. Maria Rosário Caxangá

Brasília
(2009)
TERMO DE APROVAÇÃO

MARCOS DE OLIVEIRA BASSUL

Música na escola: anseios, expectativas e alternativas

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de


Especialização para Professores do Ensino Médio do Governo do Distrito
Federal, do Centro de Educação a Distância, Universidade de Brasília, pela
seguinte banca examinadora:

Aprovada em abril de 2009.

Orientadora: Me. Maria do Rosário Rocha Caxangá

______________________________________________
Professor Convidado: Me. André Lucio Bento
RESUMO

No segundo semestre de 2008 o presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva


sancionou um projeto de lei que torna obrigatório o ensino de música nas escolas
que, em um prazo de três anos, deverão estar “preparadas” para implantar a
obrigatoriedade e isso significa superar dificuldades, inserir mudanças na
preparação acadêmica do professor de música e na relação entre escola e
comunidade e discutir estratégias de elaboração e implantação de propostas
relevantes e significativas para o ensino de música nas escolas. O objetivo do
presente trabalho foi obter de professores ligados ao ensino básico em geral e ao
ensino de música no Distrito Federal, através de uma abordagem qualitativa,
expectativas e sugestões acerca de procedimentos didáticos possíveis e efetivos à
aplicação prática em sala de aula do ensino-aprendizagem musical que contemplem
estratégias dirigidas a uma educação integradora, renovadora, criativa e, acima de
tudo, valorizadora do ser humano e sua cultura. Seis professores foram submetidos
a entrevistas semi-estruturadas direcionadas a partir da questão central da
metodologia do ensino de música nas escolas e focadas na opção entre o método
tradicional ou a adoção de novas e mais acessíveis estratégias de ensino. Emergiu
da análise de dados uma expectativa unânime pela vivência da prática musical como
princípio básico para o ensino de música nas escolas bem como da utilização de
metodologias menos tradicionais, que explorem o repertório e a cultura musical
circundante. A constatação primordial desta pesquisa é a de que novas estratégias
de ensino musical, como as utilizadas na aprendizagem de músicos populares e nas
Oficinas de Música, devem ser observadas para efetiva introdução do ensino de
música nas escolas. Fica evidente também a necessidade de inserir o aluno no
estudo da música através do seu repertório musical, independente de julgamentos
de valor estético ou técnico. Como resultante dessas e de outras constatações
surgidas da pesquisa observa-se uma necessidade urgente de atualização dos
cursos de formação de professores de música, que devem estar sintonizados com
as diretrizes implantadas para o trabalho nas escolas. Também a capacitação de
professores de outras áreas que vão atuar como “professores” de música deve-se
iniciar urgentemente bem como devem ser implantadas políticas públicas dirigidas à
melhoria das condições estruturais das escolas, à valorização do professor e ao
resgate da cultura do aluno como matéria prima da educação em geral.

Palavras-chave: música; ensino; ensino médio; ensino de música; Lei 9.334


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8

1. REVISÃO DA LITERATURA

1.1. Breve visão do ensino de música no Brasil ...............................................12


1.2. Educação Estética .....................................................................................14
1.3. Educação formal e informal .......................................................................20
1.4. Século vinte: novos sons, novas idéias .................................................... 21

2. METODOLOGIA

2.1. Justificativa ............................................................................................... 24


2.2. Objetivo geral ........................................................................................... 25
2.3. Objetivos específicos ............................................................................... 25
2.4. Abordagem ............................................................................................... 25
2.5. Instrumento e questões ............................................................................ 26
2.6. Sujeitos ..................................................................................................... 27

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Categorização .......................................................................................... 27


3.2. Vivendo e aprendendo ............................................................................. 28
3.3. Afinal, quem pode ensinar música nas escolas? ..................................... 35
3.4. Cultura circulante: usando o repertório do aluno ..................................... 36
3.5. É possível ensinar música sem instrumentos? ........................................ 37
3.6. Música na aula de música ....................................................................... 39
3.7. Respeitável público .................................................................................. 41
3.8. Respeitável professor .............................................................................. 42
3.9. “Como é bom poder tocar um instrumento” ............................................. 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 43

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 46
INTRODUÇÃO

Acredito então que, sempre no contexto de nossas instituições


educacionais contemporâneas, todos gostaríamos de promover
acontecimentos memoráveis, como um antídoto para as
seqüência de baixa intensidade das insípidas rotinas que tão
freqüentemente parecem caracterizar o “básico” educacional
(Swanwick, 2005, p. 20).

Pensar o homem é pensar a sociedade; pensar a sociedade é pensar a


cultura; pensar a cultura é pensar a educação. O homem desenvolve-se em
sociedade através da transmissão da cultura. Tem na educação o instrumento dessa
continuidade social que se manifesta através da renovação dos comportamentos,
dos costumes e da própria organização da sociedade. E tudo isso resulta na
experiência humana.

Duarte Jr. (1986: 59), na busca de uma definição para educação, afirma: “em
termos abrangentes pode-se entendê-la como um processo pelo qual os indivíduos
adquirem sua personalidade cultural”. Processa-se através do aprendizado de
valores e sentimentos que estruturam a comunidade da qual fazemos parte.

Durante séculos a educação tem se mantido ao nível da cultura dominante,


atuando de forma mantenedora nos sistemas culturais. Nos países
subdesenvolvidos, principalmente, onde encontramos uma sociedade pautada pelas
desigualdades econômicas, políticas e sociais, uma sociedade que reserva as
oportunidades educacionais às elites, a pedagogia, também subdesenvolvida, “...
tende a funcionar mais como um sistema de domesticação de consciências do que
um meio de liberar as potencialidades dos educandos, tornando a educação uma
âncora que os prende ao passado” 1.

1
Veloso & Albuquerque, citado por Drefhal (1998). Decisões políticas para a educação brasileira.
Uma retrospectiva histórica e os desafios da transitoriedade. (In Humanidades, p.127)
A Civilização Industrial, fomentadora de avanços que se dão em velocidades
assustadoras e desenvolvendo-se sob o impulso de uma educação universalizadora,
estabelecida pela relação direta entre a prosperidade econômica e social e os níveis
de escolaridade, levou a competência dos sistemas educacionais a se orientar pela
funcionalidade de sua atuação e a direcionar seus objetivos principais à formação de
mão-de-obra produtiva, resultando na fragmentação da personalidade dos
educandos. “Hoje, o saber objetivo (racionalidade) tornou-se valor básico na
sociedade e a escola mantém tal valor, reproduzindo o que ocorre na própria
sociedade – a ruptura entre razão e emoção (que é mantida e estimulada) ”2.

A rapidez dos sistemas tecnológicos, confiando às máquinas tarefas físicas e


rotineiras, determinou ao homem o controle das informações e a responsabilidade
pelo trabalho intelectual, gerando uma “crise ainda em curso, para cuja resolução os
paradigmas tradicionais parecem ser ineficazes” 3. Isso faz com que o passado
perca sua autoridade como fonte do saber e do aprendizado, legando às novas e
futuras gerações a responsabilidade pela participação ativa nas discussões dos
referenciais que embasam a percepção e a interpretação da realidade, na busca de
alternativas inovadoras, adaptadas a uma realidade dinâmica, longe da estabilidade
do passado.

Frente aos desafios que se apresentam no mundo moderno, necessário se


faz a construção de um novo homem, integrado à sua cultura e capacitado para
tomar decisões de forma criativa e prática. Tal como ela se processa hoje, a
educação não responde satisfatoriamente a essa imensa responsabilidade que é a
de estruturar novas formas de relações sociais. Tudo isso nos leva à necessidade de
uma mudança na postura pedagógica, envolvendo educando, educador, escola,
governo e comunidade e voltada para uma visão de mundo integral, onde a cultura,
o cotidiano, as emoções e a criatividade trabalhem juntos.

No segundo semestre de 2008 o presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva


sancionou um projeto de lei que torna obrigatório o ensino de música nas escolas.
Esse projeto formalizou-se como alteração do artigo 26 da lei 9.394, de 20 de

2
Fernandes, J. N. (1993, p 15). Análise das oficinas de música no Brasil enquanto metodologia de
educação musical, p. 15
3
Drefhal, H. (op. cit, p. 127.).
9
dezembro de 1996, artigo esse que dispõe sobre os currículos do ensino
fundamental e médio e impõe, em seu parágrafo 2º, que o ensino da arte será deles
componente obrigatório. O que a nova lei traz de novidade é a instituição legal e
potencial do ensino da música nas escolas, que foi diluído nos currículos em meio
ao ensino de arte em geral e, por dificuldades de várias espécies, nunca se
concretizou efetivamente, ou mesmo, nunca existiu, como ensino de música. O que
a nova lei ainda não traz são os mecanismos que serão usados para a sua
implantação em meio a uma realidade contaminada pelos vícios pedagógicos e
pelas dificuldades logísticas a que estão sujeitas nossas escolas públicas.

Em um prazo de três anos as escolas deverão estar “preparadas” para


implantar a obrigatoriedade e isso significa superar dificuldades imensas relativas
aos profissionais, às metodologias, aos conteúdos, às gestões etc. Significa
mudanças na preparação acadêmica do professor de música e na relação entre
escola e comunidade. Significa também a discussão de estratégias de elaboração e
implantação de propostas relevantes e significativas para o ensino de música nas
escolas.

Muitos são os setores da sociedade interessados e/ou envolvidos nesse


processo desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases, em 1996. Algumas
questões já vêm sendo levantadas por professores, teóricos, artistas e associações
na busca de definições e direcionamentos. Os relatos na literatura apontam para um
envolvimento docente nessa busca muito centrado no pesquisador, no especialista,
menos do que no professor regente do ensino básico.

O objetivo do presente trabalho é obter de professores ligados ao ensino


básico e ao ensino de música expectativas e sugestões acerca de procedimentos
didáticos possíveis e efetivos à aplicação prática em sala de aula do ensino-
aprendizagem musical e que contemplem estratégias dirigidas a uma educação
integradora, renovadora, criativa e, acima de tudo, valorizadora do ser humano e sua
cultura.

A questão básica que direcionou a pesquisa foi: como se deve ensinar música
nas escolas aos alunos do ensino básico? Optou-se pelo sistema de entrevistas
semi-estruturadas para coleta de depoimentos abertos e espontâneos.

10
Considerando-se a especificidade do tema que, em seus conteúdos, principalmente
os mais atuais, se distancia do conhecimento do público em geral, as entrevistas
foram conduzidas em torno das propostas de ensino tradicional de música ou de
práticas informais e/ou não-tradicionais, bem como das possibilidades de trabalho
com aprendizagem, vivência e expressão musical.

Foram entrevistados seis professores, e a escolha dos participantes não se


deu em direção a áreas específicas de atuação, a não ser as de trabalho no ensino
básico e/ou no ensino da música, este, mais evidente a nível técnico. Os sujeitos
representaram uma pequena parcela de um vasto universo conceitual envolvido no
trabalho de professores das mais diversas matérias e de profissionais da educação
envolvidos em amplos e variados setores.

O presente trabalho se divide em quatro partes: a primeira constitui a revisão


da literatura que fundamentou a pesquisa, principalmente voltado para a educação
estética, para a aprendizagem musical informal e para as propostas atuais no campo
da oficina de música, expectativas essas relevantes nos depoimentos colhidos.

A segunda parte detalha o desenvolvimento da pesquisa, apresentando o


método, o instrumento de pesquisa, os participantes e os procedimentos
metodológicos usados para coleta e análise dos dados.

A terceira parte apresenta os resultados obtidos a partir dos depoimentos dos


entrevistados, os quais colocaram opiniões diversificadas e expuseram livremente
suas ansiedades.

Na quarta e última parte os resultados são discutidos, as conclusões são


descritas e relacionadas à literatura pertinente e algumas sugestões são colocadas
como propostas para novas discussões e pesquisas.

11
1. REVISÃO DA LITERATURA

1.1. Breve visão do ensino de música no Brasil

Duarte Jr. (1986: 120) situa a educação no Brasil a partir de uma “... visão da
cultura brasileira como um todo, o que, em si, é altamente problemático” já que é
uma cultura de contornos não bem definidos e repleta de diferenças regionais
marcantes, principalmente em termos econômicos.

Nossa educação tem origem em um processo colonial, absorvendo a


sociedade um transplante cultural que se processou através da importação da
cultura européia. Em 1816, o príncipe-regente importa uma série de artistas
franceses, funda a Academia de Belas –Artes, “considerada o germe inicial de nossa
educação artística” (DUARTE JR, op. cit., p. 122), que se revelou mais como uma
imposição de valores, com a chegada de uma tendência neoclássica, vigente na
Europa e que “... provocou a suspeição e o arredamento popular em relação à Arte
”4. Afastando-se a arte do contato popular, reservando-a para os talentosos,
concorria-se para alimentar um dos preconceitos contra a arte, como uma atividade
supérflua, um babado, um acessório da cultura “5, concentrando-se o ensino de arte
no Brasil, até 1889, na “... “produção de bens, incluindo aí o desenho técnico e
geométrico” (Duarte Jr, op. .cit. p. 122). As escolas oficiais, então, eram destinadas
às classes trabalhadoras enquanto que as “belas-artes”, ensinadas em escolas,
academias e conservatórios especiais, atendiam as classes mais abastadas.

A partir da Semana de Arte Moderna, em 1922, descobriu-se novas formas de


entendimento da expressão artística e a arte infantil passou a ser olhada como “...
apresentando um valor estético ligado à espontaneidade da criança. Ou seja: a arte,
para a criança, deixou de ser vista por muitos como uma preparação do intelecto ou
uma preparação moral, para ser encarada também como a liberação de fatores
6
emocionais e a expressão de experiências” . A música era ainda incluída

4
Barbosa (citado por Duarte Jr., 1986: 123).
5
Ibid
6
Duarte Jr. (1981, p 114).
12
eventualmente nos currículos escolares como uma atividade de lazer, sob o nome
de “canto orfeônico”, ”... onde o aluno ouvia o mestre tocar ou cantava, com o seu
acompanhamento, os hinos do país e algumas outras canções7”.

Na década de 60, principalmente após 1964, sob a égide da “modernização”


do país e através da implantação de modelos de “desenvolvimento”, outras culturas,
principalmente a norte-americana, passam a ser adotadas no país, resultando numa
repressão significativa dos valores culturais próprios e na adoção de valores
estranhos á nossa cultura. Através da censura, restringe-se a circulação de idéias,
principalmente no que tange à produção artística nacional, eliminando ou
controlando o espírito crítico. Uma arma fundamental para a realização de tal
postura foi a televisão, que, chegando aos mais recônditos lugares, impunha a todos
uma forma de pensar e sentir, esvaziando manifestações artísticas regionais e
folclóricas.

A lei 5.692/71, voltada para a formação de mão-de-obra especializada e para


a reforma do ensino superior, inclui em sua “letra” a obrigação da educação artística
no ensino de 1° e 2° graus. O que parece contraditório segundo Duarte Jr. (1986:
131) é que a lei “... permite que se possa falar no caráter ‘humanizante’, ‘formativo’
do nosso sistema educacional que, tão voltado ao homem integral, até incluiu a arte
em sua formação”. Mas o buraco existente entre a “letra” da lei e sua aplicação (seu
espírito) mostram a impossibilidade de tal realização efetiva, pois não se ofereceram
condições reais (econômicas e materiais) para sua implantação. Cursos de
licenciatura formavam professores de arte que eram responsabilizados por todas as
áreas de artes nas escolas. “A literatura da área tem apresentado críticas a respeito
desta formação polivalente, mostrando que não é possível preparar adequadamente
um professor de tantas áreas artísticas num prazo tão curto de tempo, que são os
quatro anos da universidade” (FIGUEIREDO, 2008: 3). Apesar de algumas
universidades abolirem essa estratégia e se dirigirem à formação específica do
professor, muitas escolas ainda preferiam os professores polivalentes. Isso causou

7
Todavia, há que se ressaltar a iniciativa de inúmeros educadores e artistas que procuraram,
paralelamente ao ensino oficial, fundar e desenvolver as ‘Escolinhas de Arte’, nascendo a pioneira em
1948, no Rio de Janeiro, por iniciativa de Augusto Rodrigues. E, ainda, a célebre experiência
(duramente reprimida) dos Ginásios Vocacionais que, coordenados pela prof. Maria Nilde Mascellani,
deram à arte um lugar ao lado das outras ‘disciplinas (Duarte Jr., 1986: p 125).
13
uma evasão de professores de música para as escolas especializadas e para o
ensino particular, enfraquecendo e superficializando o ensino de música nas escolas
(FIGUEIREDO, op. cit.).

Ainda segundo Figueiredo (2008), as iniciativas seguintes, como a LDB de


1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais, apesar da mudança do termo
Educação Artística para Artes, não são claras em relação a qual o tipo de arte e que
profissional será responsável pelo seu ensino. Mesmo a liberdade de elaboração de
projetos político-pedagógicos pelas escolas foi cerceada pela “... tradição da
polivalência, a conveniência econômica de se contratar um único professor para
todas as artes, a lentidão no processo de entendimento e aplicação de novos
parâmetros educacionais” (FIGUEIREDO, op.cit.), contribuindo assim para que o
ensino das artes nas escolas brasileiras ainda conviva com a prática polivalente, a
superficialidade de abordagens e a ausência significativa de profissionais licenciados
na área de música atuantes nas escolas de educação básica.

Nesse momento em que a música ganha seu espaço potencial dentro da sala
de aula algumas soluções têm sido buscadas por profissionais da educação e da
música no intuito de se encontrar soluções para o efetivo ensino da música nas
escolas. Alguns cursos de licenciatura em música vêm se ajustando ás
determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Música “... o
que tem promovido uma discussão importante sobre a formação de professores de
música capazes de lidar com a diversidade de contextos onde a educação musical
pode acontecer” (FIGUEIREDO, op. cit.).

1.2. Educação Estética

Rubem Alves, prefaciando Duarte Jr. (1986), se apresenta:

E aqui está alguém que sugere que a educação seja pensada a partir
da beleza – o que equivale a afirmar que o poeta e o músico são
mais importantes que o banqueiro e o fabricante de armas, o que
sem dúvida provocará sorrisos tanto nos vencedores quanto nos
vencidos (p. 11).

14
Repensar a educação sobre uma perspectiva artística, como atividade
estética talvez seja o que de mais produtivo se encontre ao nosso alcance para
realizar uma mudança radical na formação educacional.

O conhecimento humano é resultado de sua capacidade de atribuir


significações, portanto a consciência do homem é fruto de sua dimensão simbólica.
Através dos símbolos o homem transcende a esfera física e biológica e ele e o
mundo se tornam compreensíveis. Segundo Duarte Jr. (1986), anteriormente a
essas simbolizações do pensamento, está o expererienciar, um “colocar-se” em
relação aos acontecimentos, às situações, que compreende aspectos para além da
consciência simbólica, no qual se incluem percepções e estados afetivos (p. 16).

Assim, configura-se um processo onde o sentir e o simbolizar se articulam na


formação do conhecimento do mundo.

Contudo, não há linguagem que explicite e aclare totalmente os


sentimentos humanos. Não se pode, nunca, descrever com
palavras como é a dor de dente ou como é a ternura que
estamos sentindo. O conhecimento dos sentimentos e a sua
expressão só podem se dar pela utilização de símbolos outros
que não os lingüísticos; só podem se dar através de uma
consciência distinta da que se põe no pensamento racional.
Uma ponte que nos leva a conhecer e a expressar os
sentimentos é, então, a arte, e a forma de nossa consciência
8
apreendê-los é através da experiência estética .

Isso nos leva a considerar a educação, sob um ponto de vista mais


abrangente que uma simples transmissão de conhecimentos, como um processo
formativo do ser humano, que o auxilie e oriente sua ação no mundo,
transcendendo, assim, os limites da escola para se situar no próprio contexto cultural
onde ela se dá. Atinge a educação uma dimensão estética ao levar o educando à
criação de valores e sentidos que direcionem sua ação no meio cultural em busca de
uma coerência e harmonia entre o sentir, o pensar e o fazer.

8
Duarte Jr., J. F. (1986). Fundamentos estéticos da educação, p. 16
15
Aprender, segundo Rubem Alves (citado por Duarte Jr. 1986: 22), é:
“preservar a experiência testada, para usá-la no futuro. A aprendizagem é a
transformação de uma experiência que se poderia perder no passado numa
ferramenta para conquistar o futuro”. A memória, neste sentido, evita que os
comportamentos se percam, subsidiando, desta forma, atividades definidas e
eficazes em substituição ao primitivo jogo de ensaio e erro. A memória biológica9
transmite às gerações de indivíduos respostas características das ações básicas
que o habilitarão a se manter vivo, e que dali não podem ser removidos10.

Quando nos reportamos ao homem, de cara distinguimos uma característica


peculiar: o homem não nasce programado biologicamente para a sobrevivência,
sendo a sua infância a mais longa de todos os seres vivos. “Não há nenhuma
relação determinada entre seu organismo e sua atividade, como no caso dos
11
animais” . Essa característica reflete-se num importante aspecto: o homem, ao
invés de adaptar-se à natureza, procura transformá-la para adaptá-la às suas
necessidades. O homem age, enquanto o animal reage, e o faz através da
organização simbólica da natureza, através dos símbolos com os quais ele interpreta
o mundo.12 Essa experiência simbólica permite ao homem o ato da reflexão, através
do qual ele, distanciando-se do seu corpo, pode voltar-se sobre si mesmo e
descobrir-se no tempo, evocando o passado e o futuro, acrescentando um sentido à
vida biológica que faz com que o homem não apenas viva mas exista, e procure um
significado para o fato de fazer parte dessa roda que é nascer, viver (construir) e
morrer.

No que diz respeito à aprendizagem, no homem ela não se dá de forma


mecânica, mas sim em termos de significação. Transforma-se a experiência em
símbolos através da significação, e esses símbolos são guardados e somados

9
A expressão memória biológica foi tomada de empréstimo por Duarte Jr. a Rubem Alves ({Notas
introdutórias sobre a linguagem} e significa, segundo o primeiro, a “própria programação organística
do animal”.
10
Interessante uma olhada no livro de Carl Sagan, Os dragões do Éden. “ A biologia assemelha-se
mais à história do que à física; os acidentes, erros e circunstâncias felizes do passado determinam
poderosamente o presente. Ao abordarmos problemas biológicos tão difíceis, quais sejam a natureza
e a evolução da inteligência humana, parece-me pelo menos prudente conferir razoável peso aos
argumentos derivados da evolução do cérebro (p. 19).
11
Duarte Jr., J.F. Op. cit. p. 22.
12
Um símbolo é uma estrutura, um objeto, uma coisa, um sinal que representa algo, existente ou
inexistente, e por seu intermédio pode-se apreender o mundo como uma totalidade.
16
àqueles já existentes. “O ato de conhecer é, portanto, um ato de re-conhecer: a
constatação da concordância entre dados sensórios novos e as formas
memorizadas” (Rubem Alves, citado por Duarte Jr., 1986: 26). Já não se trata mais
de apenas buscar o equilíbrio biológico mas também a “coerência simbólica”.
Portanto, o conhecimento é resultado de uma atitude valorativa e emotiva do ser
humano. A razão, ou seja, a reflexão, fundamenta-se no seu encontro com o mundo,
e as construções mentais somente recebem um significado em referência à vida
vivida, experimentada.

Duarte Jr. (1986, p. 29) distingue três fatores implícitos na aprendizagem: o


interesse, calcado nos valores atribuídos ao mundo; a memória, que permite a
retenção dos significados; e a transferência, que permite interpretar e agir sobre
situações com base em referenciais retidos anteriormente. Adquirir novos
significados quer dizer, então, a mobilização de conceitos e experiências. “O
significado possui assim uma dimensão sentida (vivida) e uma simbolizada
(refletida)”.

A constatação fundamental de tudo isso é que só se adquirem novos


conceitos quando estes se referem às experiências de vida. O que experimentamos
do mundo é sentido antes de ser compreendido. Esse processo (ordenar o mundo
numa estrutura significativa) implica uma fragmentação da experiência sensória que
torna a realidade concebível, memorizável e até mesmo previsível. Isso é a
imaginação: “... a forma mais fundamental de operação da consciência humana. Os
animais não têm imaginação. Por isto nunca produziram arte, profetas ou valores”.13
A imaginação dirige e orienta a aprendizagem.

Relacionando o que foi exposto à educação, podemos dizer que educar é dar
condições ao indivíduo de conviver com os significados flutuantes em sua cultura,
num processo ativo que o permita conhecê-la a partir de suas próprias vivências,
desenvolvendo uma capacidade crítica que o leve a compreender e selecionar os
significados nos quais se basearão sua ação enquanto indivíduos. A experiência
estética chama para si essa função pois permite a apreensão do mundo de maneira

13
Langer, Suzanne K. (citada por Duarte Jr., op. cit. p.42).
17
direta e total, sem a mediação de conceitos e símbolos, numa relação em que os
sentimentos entram em consonância com as formas vindas do exterior.

Herbert Read (citado por Marin, 1976: 21) conceitua a arte como

Um modo de integração entre percepção e sentimento.


Quando a estruturação de percepções e sentimentos acontece,
surge uma visão pessoal do mundo, e que se pode dizer,
fundamento de uma ou várias obras de arte. O resultado da
percepção no cérebro é a imagem; esta é a retenção do real
percebido (percepto). Imaginação artística, um dos elementos
da criação, é a capacidade de relacionar as imagens entre si,
estabelecendo combinações no processo de sentimento, na
reação efetiva a toda estimulação acima citada.

Partindo de uma breve análise da história da arte verificamos que a


sensibilidade artística sempre esteve presente no cotidiano da população. “Uma das
mais trágicas injustiças da nossa civilização tecnológica é que a sensibilidade
natural dos homens que em outras épocas encontrava um escoadouro nos
artesanatos básicos acha-se agora completamente suprimida ou encontra uma
14
saída patética em algum ‘hobby’ trivial” . Voltando nosso olhar para a evolução
histórica da civilização em direção ao que se denomina “mundo moderno”,
observamos transformações em todas as atividades, inclusive, na atividade artística.
Sendo esta um produto essencialmente humano, tal evolução levou-a a mudanças
em sua natureza e técnica, bem como ao sentimento e interpretação das outras
atividades.

O fato da arte se manter presente na vida do homem desde os seus


primórdios revela a necessidade de comunicação humana e a sua capacidade de
sensibilizar-se com as experiências. Refletindo a época através da forma como se
orientam impulsos interiores, afetividade, escolha de temas e formas, a obra de arte
age como o meio, impressionando aqueles que a contemplam e fomentando
reações das mais variadas espécies.

A preocupação de se colocar a arte como parte integrante da educação


formal vem de muito tempo. Platão, talvez o ponto de partida para todas as

14
Educação, arte e criatividade São Paulo: Pioneira, p. 2.
18
reflexões, dizia que a arte deve ser a base da educação. Sigamos com Marin (1976:
3-9) algumas posições de teóricos a respeito: Schiller, segundo Read (1957), talvez
tenha sido o primeiro a levantar a questão frente aos educadores, baseando-se na
espontaneidade e na capacidade criadora específica, visando uma formação integral
do ser humano. Já a partir deste século, com o movimento da Escola Nova, passou-
se a considerar a arte como parte integrante da formação do educando. Para o
próprio Schiller (1963) a arte livra o homem de influências negativas, tornando-o
pleno de moralidade, melhorando a sociedade. Quando o impulso formal domina, o
estado da pessoa rege-se pela moralidade; quando dominam os impulsos sensíveis,
rege-se o homem por estados subjetivos, variáveis, físicos. Cabe à educação
proporcionar o equilíbrio entre ambos, permitindo o desenvolvimento dos dois
impulsos. Dessa harmonia surge um terceiro impulso: o lúdico, considerado por
Schiller como o “estado ideal, o estado estético, a que todo homem deve aspirar,
pois o homem só é homem, em seu sentido pleno, quando o atinge”. Para
Whitehead (1969) a arte na educação é condição necessária à sobrevivência da
civilização através da não dissociação entre a vida estética e a vida intelectual. Para
Dewey (1959) a arte é um meio de enriquecimento de sentimentos e pensamentos e
tem aspectos que visam o social e outros que visam o pessoal, estes realizados
segundo esforços imaginativos. “A arte deve ser a expressão de seu relacionamento
com outras atividades”. Para Elliot Eisner (1963) a arte-educação atua no sentido da
melhoria de qualidade do pensamento. “As organizações das reações do indivíduo à
sua própria criação artística, às qualidades classificadas e selecionadas, vão dar a
medida da qualidade da inteligência”. Gloton (1965), na França, discorre sobre a arte
nas escolas como meio “... para a consecução de fins nacionais e sociais, de
formação da moral, iniciação à vida coletiva, educação da afetividade, formação do
gosto, desenvolvimento do aluno como um todo numa adaptação harmoniosa ao
mundo”. Para Piaget (1968), a arte é importante na educação por constituir uma
forma de satisfação às necessidades da criança e de adaptação ao real. “É um meio
de conciliar e sintetizar duas realidades: uma pessoal e outra material e social”.

Notamos que a educação estética caminhou em um desenvolvimento pessoal


através da maturação promovida por combinações entre hereditariedade e
experiências pessoais, levando a situações de extremo valor para a sociedade. Para

19
que se realize plenamente na educação é necessário uma reforma total do ensino,
“[...] de forma que arte passasse a ser o seu núcleo” (Read, citado por Marin, 1976,
p. 7). Voltamos a Platão !

1.3. Educação formal e informal

“Estamos entrando em uma nova era da educação, que é


15
programada para a descoberta e não para a instrução” .

Distinguimos dois tipos de educação: uma educação informal, adquirida no


convívio com outras pessoas e uma educação formal, ou intencional, tarefa essa
destinada a alguns em particular e que se processa através de uma ação proposital
dos educadores sobre os educandos, “... influenciando, dessa forma, as futuras
gerações na identificação e escolha das alternativas para a resolução de seus
problemas” (Drefhal, 1998, p. 126).

O equilíbrio entre essas duas forças deve ser enfatizado e buscado através
da valorização da prática, do que realmente tem aplicação, ou melhor, daquilo que
interessa. A exclusividade oferecida à instrução formal, desvinculada da experiência,
da vida prática nada contribui para a socialização e autonomia, objetos primários da
educação nos dias de hoje. Para Drefhal (1998) “a educação é aqui entendida em
seu sentido mais amplo, como um processo social dialético, formal e informal, de
organização da estrutura cognitiva e de socialização das crianças e dos jovens” (p.
126).

Na música há profissionais que atuam em todas as áreas e não tiveram a


educação musical formal pela qual outros passam em conservatórios e academias
de música. Lembro-me de ter ouvido de Paul McCartney em uma entrevista ao
jornalista Larry King, responsável por um programa de entrevistas na CNN
Americana de repercussão mundial, que ele não sabia ler ou escrever uma nota
musical. Para muitos deve ser difícil imaginar um músico multiinstrumentista

15
Marshall McLuhan, citado por Shaefer (1981: 286):
20
(contrabaixo, piano, voz, violão, etc.), arranjador, produtor, uma das grandes
cabeças dos Beatles, que não saiba “ler música”.

Na verdade, grandes músicos que conhecemos só buscaram o aprendizado


formal da música depois que conquistaram um espaço e obtiveram condições
financeiras que facilitaram e o fizeram no intuito não de aprender música, mas sim
de aperfeiçoar a música que já tinham aprendido. Na verdade, todos sabem “ler
música”, mas a sua maneira. A música é a mesma!

Esse tipo de aprendizagem musical, encontrada em grande escala em


músicos populares, vem sendo sistematizada por alguns pesquisadores e podemos
encontrar trabalhos que evidenciam esse processo de aprendizado informal peculiar
do músico popular. Segundo Green (2008), a maioria dos músicos populares
aprendem música por um processo de “enculturação”, que é a imersão do indivíduo
na sua própria cultura, de forma continuada, aprendendo geralmente por um
processo de imitação que envolve também compor, tocar e escutar música.

Segundo Recôva (2005: 15) “a organização e a forma como os conteúdos


musicais são ensinados se diferenciam e sofrem influência constante das
transformações sociais, culturais, religiosas, políticas e econômicas do mundo”. A
oralidade configura-se como uma das formas de aprendizagem de músicos, que
aprendem ouvindo, olhando, experimentando e principalmente vivenciando a prática
musical. Mesmo depois do surgimento progressivo da escrita musical, como a
conhecemos hoje, durante muito tempo o ensino de um instrumento ainda se dava
de forma oral e não havia separação entre professores de instrumento e de teoria
musical. (RECÔVA, 2005).

1.4. Século vinte: novos sons... novas idéias

Lembro-me do depoimento do professor Rafael Guimarães, coordenador


pedagógico-musical do Projeto Cariúnas16, no I Simpósio de Sociologia em
Educação Musical, em Belo Horizonte, 2008. Dizia ele que quando criança gostava

16
Para conhecer o Projeto Cariúnas acesse: http://www.cariunas.org.br/principal.htm
21
muito de desenhar porque via em sua frente uma folha em branco sobre a qual
poderia desenhar qualquer coisa que quisesse. Já mais maduro, quando resolveu
estudar música, descobriu que não tinha na sua frente uma folha em branco,
estavam querendo adestrá-lo.

Para Schaefer (1991: 285) a música é “...assunto fundamentalmente


expressivo, como as demais artes, como a escrita criativa, ou como os vários tipos
de fazer” mas a ênfase destinada à teoria, à técnica e à memória levou a musica a
assumir o papel de ciência acumuladora do conhecimento. Dessa forma não vive o
seu grandioso papel que deveria ser o de libertar e exercitar a energia criativa e a
mente “na percepção de suas próprias criações” (ibid: 286).

O advento da música contemporânea no século vinte, de experimentalismo


abundante e novos pontos de vista estético-musicais; as novas formas tecnológicas
de se produzir, registrar e manipular a informação sonora e a influência da mídia e
dos meios de difusão musical trouxeram no seu rastro uma variedade de produções
e expressões musicais. A conseqüência foi a criação de novos paradigmas e novas
formas de linguagem baseadas em novas formas de relações sócio-culturais
(vídeoclip, DVD, mp3, internet, pendrives, ipods, etc.).

A música utiliza essas tecnologias de diferentes formas “...desde a concepção


de novos e modernos instrumentos musicais, a geração e síntese de novas
sonoridades, a simplificação do trabalho de notação musical, a facilitação do
processo composicional, o surgimento de novas técnicas no que tange à gravação e
à reprodução musical, até o auxílio no processo de educação e aprendizagem
musical” (MARINS, citado por RECÔVA, 2005: 20).

Revelando a matéria-prima da música - o som - como componente expressivo


em composições musicais, a música do século vinte e seus compositores
experimentalistas trouxeram para a educação musical alternativas baseadas no
conceito de oficina de música.

O conceito de Oficina de Música é ainda um conceito em formação. Há uma


diversidade de práticas que se utilizam do título oficina e há, até mesmo, uma
enorme variedade de material sobre o qual se trabalha com esta metodologia –
oficina de teatro, oficina literária, oficina gastronômica. Apesar dessa diversidade,
22
pode-se, desde já, observar alguns pontos de intenção: foco na criatividade e na
experimentação; objetiva a socialização criativa e avaliativa; promove o
desenvolvimento do aluno através da descoberta de suas potencialidades enquanto
pessoa.

Segundo Terraza17 a idéia de oficina pode ser entendida de mais de uma


maneira e inclusive utilizada para diferentes propósitos, embora o ideal seria que
não houvesse deturpações, para não confundir um processo de aquisição de uma
estrutura de pensamento como uma forma de ‘alta recreação’ (quando abordada
como disciplina), e como ‘vale tudo’ (quando abordada como processo
composicional).
18
Para Antunes , é uma metodologia adotada “junto ao educando, de modo
que ele cresça intelectualmente, interligado ao crescimento da cultura de sua época”
necessitando de “permanente prática, na sala de aula, da cultura e da estética de
nossa época”.
19
Carvalho (1987) define Oficina de Música como “... uma metodologia do
fazer musical a partir do contato direto com diversas fontes sonoras, visando à
criação musical”. Sua atuação “... é mais abrangente quanto à formação do aluno
enquanto pessoa, do que outro curso tradicional apenas de transmissão de
conhecimentos (apesar de não poder ser usada para tal fim)”.

Outras várias definições podemos encontrar, mas já é o suficiente para


notarmos que Oficina de Música é uma expressão que designa um modo de ação
sobre um campo de conhecimento abrangente mas que relaciona alguns termos
evidentes como: contato direto com o material sonoro, prática, criatividade, objetivo
definido de criação musical, apreensão da cultura de época, dinâmica e outros
tantos ligados à pedagogia musical.

Segundo Fernandes (1993: 104) a Oficina de Música é ativista; teoriza em


função da necessidade; revela a aprendizagem pela descoberta; capacita para o
trabalho autônomo, reflexivo, crítico, transcendente e relacional; induz ao
crescimento pessoal relacionando-o à cultura da época; incentiva a estruturação
17
Terraza, E. Oficina Básica de Música, para quê? A metodologia de oficina, apostila (s.d.).
18
Antunes, J. In Fernandes (1993), op. cit., p. 101.
19
Apud Fernandes, J. N. op. cit.., p. 102.
23
sonora; não controla as variáveis no processo criativo; situa a música dentro de um
universo sonoro; possui normas a serem seguidas; manifesta-se no “fazer musical”;
é abrangente quanto à formação pessoal; é interdisciplinar; atende a um público
variado; exerce-se através de uma ação direta do aluno com o som; desenvolve o
autoconhecimento, a auto-expressão e análise; e muito mais como veremos no
decorrer do trabalho. Revela-se na pedagogia da Oficina de Música a valorização do
processo de aprendizagem mais do que seu produto.

2. METODOLOGIA

2.1. Justificativa

Durante muitos anos, a metodologia de pesquisa em aprendizagem seguiu os


rumos de uma tradição “... de acordo com a qual se deveriam estudar as ciências
sociais assim como se estudam as ciências naturais: a verdade somente poderia ser
alcançada por meio da experiência e da observação sistematizada” (RECÔVA,
2006: 43). Distanciando-se da prática, a pesquisa perdeu de vista o sujeito da
vivência, aquele que se tornou, de uns tempos para cá, o centro de interesse
científico de estudos que buscam compreender os processos, relacionar e promover
a interação de diversas áreas do conhecimento.

Segundo Lüdke; Marli (1986), a mudança natural de todo ser vivo, resultado
de uma fenomenologia fluida, exige pesquisas no âmbito da educação que se
movimentem entre os conhecimentos acumulados e as transformações sociais. “Um
dos desafios lançados à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa
realidade dinâmica e complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica”
(LÜDKE; MARLI, op. cit. p. 5). Na pesquisa escolar isso significa voltar-se para a
sala de aula e o funcionamento da escola.

24
2.2. Objetivo geral

Identificar a receptividade, anseios, expectativas e pontos de vista de


professores da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal a respeito
da obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de nível básico.

2.3. Objetivos específicos

• Obter opiniões de professores a respeito do ensino obrigatório de


música nas escolas.

• Elencar dúvidas, anseios e sugestões em relação às atuais


condições gerais das escolas em relação ao ensino de música.

• Relacionar propostas metodológicas coerentes com as expectativas


e os anseios dos sujeitos e que podem ter aplicação funcional e prática na lei.

2.4. Abordagem

Uma abordagem20 que vem sendo muito usada nas pesquisas em educação é
a abordagem qualitativa que tem, segundo Bogdan e Biken, citado por Lüdke; Marli
(op. cit.), cinco características básicas importantes: a) tem o pesquisador como
instrumento e o ambiente como fonte de dados; b) o material coletado é rico em
descrições pessoais; c) o foco é o processo, não o produto; d) valoriza as visões
pessoais dos sujeitos; e) o envolvimento do pesquisador na análise dos dados é
grande, pois envolve abstrações e reflexões indutivas.

20
Severino (2007: 119) sugere o uso do termo abordagem ao invés de pesquisa ou metodologia: “são
várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que
faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades
metodológicas”.
25
As características elencadas acima colocam a abordagem qualitativa em
sintonia com as expectativas deste trabalho porque dirigem a pesquisa para o
contexto, para o prático e para o dinamismo participativo da educação. O que se
quer é ouvir as ansiedades, as expectativas de quem está em sala de aula
vivenciando as transformações e as relações sociais bem de perto. As aulas de
música, como se projetam daqui pra frente, não têm personalidade formada ainda e
qualquer que seja o caminho que sua estruturação pedagógica irá tomar, acredita-se
que este é o momento de ouvir o professor, aquele que convive diariamente com
cada aluno e em cada modelo diferenciado da cultura brasileira.

2.5. Instrumento e questões

Um dos procedimentos de coleta de dados mais utilizados nas pesquisas em


ciências humanas é a entrevista, uma técnica na qual “o pesquisador visa apreender
o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam” (SEVERINO,
2007). Seguindo os passos de Ludke; Marli (op. cit.) utilizou-se o esquema de
entrevistas semi-estruturadas em torno de uma questão central: como se deve
ensinar música nas escolas no ensino básico? Um roteiro elaborado através dos
seguintes tópicos guiou as entrevistas como forma de conduzir e auxiliar os sujeitos
através do tema:

• Deve-se priorizar a aprendizagem ou a vivência musical? Em que


etapas?

• Deve-se ensinar música nas escolas do ensino básico de forma


tradicional ou de forma não-tradicional e/ou informal?

• Seria possível a professores de outras áreas, sob capacitação,


ministrar vivências musicais com os alunos e promoverem um contato com a música
sem a teoria musical tradicional?

• Seria viável um sistema no qual a Escola de Música de Brasília, de


nível técnico, absorve-se os alunos do ensino médio que tivessem maiores aptidão e
interesse para um aprendizado efetivo da música?
26
2.6. Sujeitos

Os sujeitos deste trabalho são professores do ensino básico do Distrito


Federal e sua escolha se deu aleatoriamente, respeitado o critério de diversidade de
áreas de ensino. Todos são do círculo de conhecimento do autor e tinham
conhecimento, de alguma forma, da existência do trabalho, o que possibilitou, em
todas as entrevistas, um clima de sintonia, abertura e transparência. Todos ficaram
cientes antes da entrevista da proposta de trabalho e dos objetivos da pesquisa. As
entrevistas se deram em locais diversos que não afetaram em nenhum momento a
coleta dos dados, tornando irrelevante, portanto, sua descrição. Duraram em média
quinze minutos, os professores tiveram total liberdade de se expressar e foram
consultados sobre a revelação de suas identidades, com a qual todos consentiram.
As entrevistas foram gravadas e degravadas pelo autor, transcritas apenas nos
trechos relacionados aos temas relevantes, e foram outra vez ouvidas durante a
análise dos dados, buscando reavivar questões.

Foram entrevistados: um professor de educação física, em regência em todo


o ensino básico; uma professora em cargo de Orientadora Educacional; uma
professora de educação infantil e atendimento especial de ensino Braile; um
professor em regência de História e Teoria da Música na Escola de Música de
Brasília; um professor de Geografia em regência no ensino médio; uma professora
de violão em regência na Escola de Música de Brasília;

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Categorização

Em um mundo como o de hoje a falta de uma verdade absoluta e de teorias


perfeitas leva a formas diferentes de se olhar e interpretar a realidade. “Dentro dessa

27
diversidade é que se aprende a conviver com a visão individual, coletiva e
democrática das formas de pensar e agir sobre a realidade” (RECÔVA, 2005: 52). A
análise do discurso, portanto, envolve constatações a partir de seus elementos
constituintes acrescidas de emoções, desejos e receios, que revelam as
individualidades latentes nos indivíduos.

Dessa forma, a partir da análise dos dados das entrevistas, algumas


categorias de dados emergiram como unânimes e outras foram elencadas a partir de
anseios individuais, surgidos durante os discursos. Após essa categorização os
discursos foram novamente a elas relacionados e outras subcategorias surgiram e
acrescentaram informações pertinentes.

A análise dos resultados teve como referência duas categorias principais:

1. Vivência ou aprendizado musical no ensino de música nas escolas?

2. É viável a capacitação de professores de outras áreas para ministrar aulas


de música?

A partir dos questionamentos levantados outras subcategorias surgiram


relativas a materiais musicais, equipamentos, instrumentos, contexto, repertório e o
papel da Escola de Música no processo.

3.2. Vivendo e aprendendo

O ensino-aprendizado da Música, na sua forma mais tradicional, traz uma


carga muito grande de mistério e inacessibilidade aos olhos do público em geral.
Diferentemente das Artes Plásticas ou Cênicas, por exemplo, que se utilizam de
linhas, cores e gestos - signos presentes no cotidiano das pessoas - para se fazer
representar, a Música, na sua forma de representação tradicional utiliza uma
linguagem gráfica inerente e só aplicável a ela mesma. Pode-se observar no
depoimento de alguns entrevistados esse distanciamento simbólico que a “matéria”
Música carrega. Em alguns depoimentos sobre a progressão do ensino musical,
observa-se nas entrelinhas e nas inflexões esse “mistério” que é a linguagem
musical tal qual se lhes apresenta:
28
Eu acho que é possível, mas aí entrar em formação já... é eu
não sei exatamente... parte de notas musicais, toda aquela
formação ... experiências globais, ...mais novos e mais à frente
fazendo as opções por aquela... aquela maior aptidão em
uma... em uma atividade ou outra, dentro da música (professor
Paulo, Educação Física, ensino médio);

...e é lógico, no ensino fundamental seria uma coisa assim bem


mais light, vamos dizer assim ... não ter a parte de
instrumentos... só no ensino médio... pra ter essa continuidade
(professor Kleber, Geografia, ensino médio).

De certa forma, todo mundo sabe que a Música se aprende, mas têm esse
aprendizado como algo distante de sua compreensão ou mesmo vinculado a um
dom natural:

... levar essas crianças que têm naturalmente uma aptidão, um


dom, que eu já percebi, dentro da minha família, são seis
irmãos, duas irmãs tinham o dom e foram desenvolvidas e hoje
são... tem uma que é professora de música também mas que,
durante muito tempo, viveu da música, com o próprio
aprendizado (professor Paulo, Educação Física, Ensino Médio)

O ensino musical vem há muito tempo transferindo e fixando conhecimentos


importados, conhecimentos estes que refletem uma realidade que não é nossa e nos
está muito distante espacial e temporalmente, criando barreiras quase
intransponíveis à interpretação de sua simbologia que, desvinculada da realidade
prática no ensino musical, acaba também se tornando um objeto abstrato e
inacessível a uma maioria de “pobres mortais não músicos”.

”Vejo a música como assunto fundamentalmente expressivo,


como as demais artes, a escrita criativa, ou como os vários
tipos de fazer. Ela é isso, deveria ser assim, porém, com a
ênfase dada à teoria, à técnica e ao trabalho da memória, a
música torna-se predominantemente uma ciência do tipo
acumulação de conhecimento” (SHAEFER, 1991, p. 285).

29
A música transcende quaisquer limites que a ela tenham submetido quaisquer
culturas em quaisquer épocas. Se por um lado a sistematização sob a qual se
desenvolveu durante séculos permitiu seu estudo, registro e difusão, por outro criou
um casulo dentro do qual grande parte da música foi alimentada e dele não mais
saiu, até agora.

Novas tecnologias e novos conceitos a respeito da exploração da matéria


sonora juntamente com a prática musical cotidiana se ampliando a cada dia e a
multiplicação de portas de acesso a músicas de diversas culturas disponíveis hoje
na sociedade exigem estratégias diferentes das utilizadas nas viciadas metodologias
de ensino musical, construídas sobre um repertório europeu de séculos atrás.
Marshall McLuhan, citado por Shaefer (1991, p. 286) dizia que “estamos entrando
em uma nova era da educação, que é programada para a descoberta e não para a
instrução”.

... e mesmo porque esse ensino formal aí que a gente tem


vem de um modelo francês, conservatório francês. (professor
Wellington, História da Música e Música Popular Brasileira,
ensino técnico)

Seguindo os caminhos que traçam as Orientações Curriculares para o


Ensino Médio, em direção a uma aprendizagem significativa, encontramos a noção
de que “o objetivo do ensino de linguagens é desenvolver as capacidades de
produzir textos (emissor) e interpretar textos (receptor)” (p. 180). Para isso indica
que:

“é importante conhecer os códigos (ou seja, os elementos e as


estruturas básicas das diversas linguagens: verbal, visual,
sonora, corporal e suas mixagens); conhecer os canais
(materiais, suportes, veículos, isto é, os meios de comunicação
antigos e atuais, tradicionais e tecnológicos) e conhecer o
contexto” (p. 180).

Considerando o contexto como zona de interesse de emissor e receptor,


sugerem que conhecer, vivenciar, experimentar e compreender o seu e o contexto

30
dos outros, bem como os materiais, canais e códigos aumenta a zona de interesse
tornando o aprendizado significativo.

Pesquisas feitas por Grossi (2003) revelaram no contexto do ensino da


Percepção Musical a existência ainda de “problema na abordagem limitada da
música uma vez que não considera as formas com que as pessoas vivenciam e
respondem à música” (p. 1). Segundo a autora a diversidade e riqueza de
manifestações musicais levam à necessidade de uma aproximação que considere
as “dimensões de resposta à música”, ou seja, como as pessoas respondem ao que
ouvem.

Que dimensões são essas? Swanwick (citado por Grossi, op cit), detectou
quatro dimensões de respostas à música: as que dão ênfase aos materiais da
música (valorização do som e elementos musicais); à expressão (associação de
com sentimentos e estados emotivos); à forma (como se organizam os materiais da
música) e ao valor (significância em particular) às quais Grossi (2003) acrescentou
mais duas: contextual e ambígua.

O que observamos no atual sistema de educação musical é um processo


inibidor, limitado e modelador da criatividade onde a “música criativa é
progressivamente difamada e passa a não existir” (SHAEFER, 1991). Alguns relatos
dos entrevistados sobre ensinar música a partir da teoria musical, como vemos hoje
na maioria das escolas e academias, ou através da vivência prática e auditiva
trazem alguns dados:

...não, eu acho que não faz sentido, mesmo porque, como eu


falei anteriormente, essa questão da realidade aí, ela é
completamente multiplural. Eu não vejo sentido você pegar
uma criança que mal dá conta de segurar um lápis pra ficar
fazendo semibreve. Melhor experienciar, vivenciar o som
(professor Wellington, História da Música e Música Popular
Brasileira, ensino técnico).

Se você apresenta pra determinado aluno primeiro a notação,


antes de trabalhar a vivência musical, isso vai trazer pra ele
algumas limitações. Então, o principal seria trabalhar essa
vivência musical, trabalhar essa experimentação com som, ele
conhecer o instrumento, conhecer as possibilidades do
instrumento, compor (professora Simone, Percepção e
Estruturação Musical e Violão, ensino técnico).
31
Experiências globais para os mais novos e mais à frente
fazendo as opções por aquela maior aptidão em uma atividade
ou outra, dentro da música, né? (professor Paulo, Educação
Física).

...e que esse ensino fosse ministrado de uma maneira


diferente, pelo menos com as crianças, começasse com uma
musicalização como primeiro contato com a música e depois
fosse mais sistematizada, mais gradualmente, de maneira mais
lúdica, acrescentando a formalização. Primeiro a vivência,
depois o ensino. (professora Gisela, Ensino Infantil e Educação
Especial)

Dois consistentes depoimentos revelam posições que não estão em


total sintonia com a aplicação da lei:

Em minha opinião, nem todo mundo tem que tocar, nem todo
mundo e nem todo mundo quer tocar, assim como nem todo
mundo quer jogar basquete, na educação física, vôlei. Então, a
música deveria, nesse momento realmente mais integrador,
inicial, das pessoas até se relacionarem, a música tem um
momento de interagir, trabalhar em grupo e um momento
posterior mais específico. O pessoal deveria escolher uma das
artes, um dos esportes, e não ser direcionado, todo mundo
toca, todo mundo toca música, todo mundo toca instrumento.
Que não é a finalidade na obrigatoriedade. (professora Simone,
Percepção e Estruturação Musical e Violão, ensino técnico).

Muito mais interessante seria resgatar a idéia inicial das


escolas parque, aonde você vai lá, faz aula normal e no turno
contrário você vai e freqüenta, faz educação física, faz artes
plásticas, teatro, e outras oficinas. Não necessariamente só as
linguagens artísticas. O esporte é uma coisa superimportante
que também tem que parar com essa estória de recreação,
porque isso aí, o meu medo também muito disso aí é uma aula
que tende a virar recreação (professor Wellington, História da
Música e Música Popular Brasileira, ensino técnico).

A obrigatoriedade do ensino da música não pode incorrer na presunção de


achar que todos têm que ser músicos e/ou tocar um instrumento e nem pode se
limitar aos festivais de música de colégios ou música no recreio.

32
Os entrevistados foram unânimes em relação às estratégias de ensino da
música nas escolas, no sentido de que a vivência musical deve ser o ponto de
partida de todo esse processo.

Trabalhar basicamente em cima de três pilares, que seriam o


compor, o criar e a percepção, o ouvir. Compor, criar e ouvir.
Trabalhar muito a questão da audição, desenvolver muito a
questão da audição. E a questão do pentagrama, isso seria um
ensino mais especializado. Vem, ele vem, mas inicialmente
vem a questão de uma vivência musical, pegar no instrumento,
tocar em banda, ter uma vivência em grupo, inicial, não essa
questão da notação (professora Simone, Percepção e
Estruturação Musical e Violão, ensino técnico);

...prática musical, auditiva, prática, fazer não precisa ser


virtuose, mesmo porque os virtuoses são pouquíssimos e
esses aí, durante o processo, se você detectar, você
encaminha para uma instituição mais especializada (professor
Wellington, História da Música e Música Popular Brasileira,
ensino técnico);

Acho que sim (sobre começar o ensino de música pela vivência


e prática musical), até mesmo porque os alunos do terceiro ano
estão escolhendo as áreas de atuação deles, as profissões, os
cursos que eles vão seguir. Então, essa parte instrucional seria
mais voltada mesmo para o ensino médio, eu acho que teria
mais validade (professora Lúcia, Orientadora Pedagógica,
ensino médio).

Segundo Martins (2009: 53) “o grau de domínio dos conceitos exige


uma habilidade mental crescente para interpretar e fazer generalizações”. No caso
da notação musical, os signos só devem ser introduzidos depois que o educando
adquirir suficiente prática da linguagem musical e esta surgir como “resposta a uma
necessidade”. Considera que o professor deve despertar, encorajar, manter e
preservar a capacidade inventiva da criança, proporcionar-lhe o conhecimento de
suas possibilidades, dando a ela condições de se expressar, de manifestar suas
expectativas e fantasias. A educação musical deve começar por oferecer ao aluno
oportunidades de descoberta, criação, exploração, manipulação e experimentação
com o material sonoro.

33
Este ponto de vista é reiterado pelos teóricos da Oficina de Música que
consideram que “o compositor, para agir diretamente no som, teve que aprender a
‘sujar as mãos’ com a matéria sonora, pesquisar, analisar, inventar para após,
finalmente, ter condições de construir sua própria composição” (SILVA, 1983).
Terraza (s/d), discorrendo sobre a metodologia da Oficina de Música, enfatiza que
esta deve provocar a aquisição de uma estrutura de pensamento, e não apenas
transmitir informações.

Atualmente as pesquisas com processos de aprendizagem informal de


música têm trazido novas luzes sobre uma pedagogia que existiu desde sempre,
mas somente agora vem sendo estudada e sistematizada. Em sua tese Recôva
(2006) constata em entrevistas com músicos populares que:

...aprender sozinho, brincando, explorando o universo sonoro


a partir do instrumento musical, em um contexto de
independência foram aspectos bastante presentes na fala dos
participantes. Outros aspectos importantes, tais como o papel
da família, dos amigos, da cultura regional e dos primeiros
professores, foram também enfatizados (p. 56).

Também o caráter interativo e participativo da aprendizagem musical


ficou relevante na pesquisa de Recôva (2006) que observou que:

Os entrevistados relataram também ter aprendido a tocar um


instrumento musical a partir do convívio com amigos, que já
tocavam ou que ainda estavam no processo inicial de
aprendizagem. O interesse pela música, bem como a escolha
de repertório e do instrumento, também foi influenciado por
essa rede social. Com o intuito de formar uma banda, por
exemplo, essa roda de amigos acaba por fazer uma divisão
instrumental meio que aleatoriamente, aproveitando quem já
toca e incentivando os demais a aprenderem um instrumento
que está faltando (p. 59).

34
3.3. Afinal, quem pode ensinar música nas escolas?

Esta é uma questão parcialmente resolvida pelo veto do Presidente de


República ao artigo da lei que limitava o ensino de música nas escolas a professores
de música. Apesar do veto, é uma questão contraditória que merece ser futuramente
revista e suscitou depoimentos relevantes nas falas dos entrevistados. Sobre a
viabilidade de capacitar professores de outras áreas para ministrar vivências
musicais básicas foram colhidos depoimentos significativos:

Eu acho que poderia sim ser um professor da área de artes


que tivesse uma capacitação adequada pra fazer o trabalho, eu
acho que não teria nenhum problema. Não precisa ser uma
pessoa especializada pra trabalhar essa parte (vivência)
(professora Lúcia, Orientadora Pedagógica, ensino médio).

É talvez seja possível... com... eu acho que... orientação, com


orientação, a parte básica né... de estímulos né. eu acho que é
possível, mas aí entrar em formação já... é eu não sei
exatamente... parte de notas musicais, toda aquela formação...
eu acho que... (professor Paulo, Educação Física).

Nota-se acima certa indecisão gerada talvez pela associação do ensino da


música com o ensino das notas musicais.

Pode ser, lógico que é, com certeza. Tem tantas pessoas que
transitam tão bem no mundo da música, no mundo da
literatura, no mundo teatral, tem várias pessoa, quer dizer, se
você é um ator e vai fazer um musical, tem que lidar com
música, então vai entrar com música, e mesmo porque se
amplia o mercado de música ele é muito mais amplo do que a
gente imagina. A gente tem a idéia errada de achar que pra ser
músico você tem que ser necessariamente instrumentista,
virtuose, de preferência, que toca cinco mil notas por segundo
(professor Wellington, História da Música e Música Popular
Brasileira, ensino técnico).

Abaixo podemos observar depoimentos que convergem para a


presença de pelo menos um professor de música em cada escola:

35
eu acredito que a melhor forma seria ter um professor de
música em cada escola Se fosse essa parte de vivência da
música, eu acredito que poderia ser feito sim, mas a
sistematização do conhecimento musical teria que ser feito por
um professor de música (professora Gisela, Ensino Infantil e
Educação Especial).

Com certeza. A demanda é muito grande, faz parte de uma


realidade que vai ter que ter música em todas as escolas e não
tem profissionais formados, gente pra cobrir em todas as
escolas. O ideal seria que realmente um professor de música
fosse dar aula em cada local desse. Mas não é a realidade
(professora Simone, Percepção e Estruturação Musical e
Violão, ensino técnico)

Com relação à introdução da disciplina música, pra mim o


professor tem que ter uma especialização. Pode até ser que
ele não seja músico, mas que ele tem que ter uma
especialização. Eu não sei como seria isso. Já que isso foi
descartado, que pra mim era fundamental, né porque eu to
passando por essa experiência na aceleração... eu sou
professor de geografia e estou dando aula de inglês. Pra mim
foge completamente da normalidade. Eu concordo plenamente
com isso. Agora, esse processo tem que acontecer antes,
antes de ter a introdução dessa disciplina. porque se não uma
coisa vai atropelar a outra e até mesmo pra saber se o
professor, se ele tem, essa, como é que se diz... se ele vai
realmente...vai se adaptar a essa nova metodologia. Então, pra
mim tem que acontecer antes a capacitação pra ver se
realmente o professor tem condições de ministrar essas aulas
(professor Kleber, Geografia, ensino médio).

Essa é uma real dificuldade a ser resolvida em três anos. Como formar
professores de música para cumprir a lei em todas as escolas de nível básico do
País? Essa é uma constatação que alguns dos entrevistados usaram como
justificativa para sua aceitação em relação à capacitação de outros professores para
o ensino da música..

3.4. Cultura circulante: usando o repertório do aluno

Pierre Boulez, citado por Mársico (1989), compositor do século vinte


que se tornou um líder filosófico no movimento artístico pós-guerra, em favor de
maior experimentação e abstração, diz que
36
“aprender música não é fazer considerações teóricas
desligadas de qualquer prática; não é debruçar-se sobre um
instrumento até conseguir o domínio técnico que permita
executá-lo adequadamente, não é esforçar-se para armazenar
os signos convencionais – chave do vocabulário musical”

e segue perguntando: “por que não começar pelo contato com o material sonoro que
se encontra ao alcance da mão, transformando-o em instrumento de música?”

A diversidade musical existente hoje em todas as culturas, e isso nós


temos de sobra aqui no Brasil, é material de estudo para muitos séculos e revela
possibilidades estratégicas também diversificadas para o ensino da música.

Eu acho que as escolas têm autonomia para definir


metodologicamente o que pretendem. Mesmo porque as
realidades das escolas aí são completamente diferentes,
diferenciadas, não há uma unidade física, um perfil, assim,
digamos, um caráter, é tudo muito diversificado. Como é que
você vai pegar, por exemplo, uma escola do interior da
Paraíba, do Acre, você tem um repertório ali que pertence
àquele meio e talvez as coisas sejam bem mais interessantes
você trabalhar em princípio com esse repertório (professor
Wellington, História da Música e Música Popular Brasileira,
ensino técnico).

...desenvolverem um trabalho... no ritmo que eles vivem no


momento, que... tem o batuque, tem o rap... eles
desenvolverem o som que eles gostam (professor Paulo,
Educação Física).

3.5. É possível ensinar música sem instrumentos?

Outro problema que se apresenta para a real, didática e motivadora


aplicação da lei é a dificuldade de obtenção de recursos financeiros para
estruturação logística da maioria das escolas brasileira.

37
Eu acho que primeiro as escolas tinham que ter um
equipamento, uma estrutura que pudesse atender a forma mais
adequada do aprendizado. (professor Paulo, Educação Física).

Nem todos os alunos têm condições de adquirir um instrumento e nem toda


escola vai poder disponibilizar um para ele ou talvez nem mesmo adquirir um
tocador de cd.

Eu acho que tem que ter um instrumento, pode ser canto, pode
ser flauta doce, tem que ter um instrumento, pode ser violão,
pode ser piano. Tem que ter um instrumento. Ele tem que estar
tocando, ele tem que estar tocando. É uma ferramenta porque,
me parece que o mais importante nessa lei, por exemplo, o
aspecto mais interessante dela, reside no fato de se ter contato
com o fazer musical, porque não creio que seja a idéia
principal, primordial formar músicos, não vejo que seja por aí
(professor Wellington, História da Música e Música Popular
Brasileira, ensino técnico).

Essa primeira parte, a questão dos instrumentos, é uma


questão muito séria, é um problema que, realmente, se o
professor não tiver jogo de cintura, não souber como lidar com
isso vai virar uma... é um problema muito sério, é um problema
real. A solução principal é essa mesma: você trabalhar
principalmente com a questão percussão, percussão corporal,
trabalhar com a voz, trabalhar com a expressão. Mesmo não
sendo instrumentos tradicionais, desde a época das oficinas de
música já se trabalhava com essa questão da criação e não
necessariamente precisava ter os instrumentos. Apesar de que
hoje em dia a gente já tem alguns instrumentos bem
acessíveis. Os alunos têm instrumentos, nem todos, mas isso
não pode ser um fator que iria limitar. E no ensino médio sim,
seria uma coisa mais específica (professora Simone,
Percepção e Estruturação Musical e Violão, ensino técnico)

Eu acho que todas as escolas como têm a educação física


deveriam ter aulas de música com uma área que eles
pudessem criar os instrumentos deles, dentro da escola
como uma oficina, uma oficina de música. Como existe
educação física, toda escola tinha que ter uma oficina de
música (professor Paulo, Educação Física).

Observam-se aqui duas posturas um pouco divididas. Por um lado


manifesta-se a necessidade de contato com um instrumento, mesmo que não vá
aprender a tocá-lo de forma efetiva, mas que se possa trabalhar com ele. Por outro
lado, há a constatação de que, apesar de ideal, isso seria uma limitação que afetaria

38
principalmente aqueles menos favorecidos que não teriam como adquirir um
instrumento, mas que essa tarefa pode se desenvolver com outro tipo de
instrumental menos convencional, nas fases iniciais, como o corpo ou a voz.

3.6. Música na aula de música

Surgiu desta pesquisa em primeiro plano e de forma unânime a


constatação de que, no ensino musical, a vivência deve ser a porta de entrada.
De onde vem essa certeza que cada um tem a respeito do ensino musical
mesmo sem conhecimento de seus signos e de suas relações? Se abrirmos uma
revista na sala de espera do dentista provavelmente encontraremos alguma
matéria sobre como a música faz bem para o ser humano, como é bom para a
criança conviver com a música desde cedo, ouvir, brincar, tocar, como isso ajuda
em seu desempenho escolar e afetivo e etc., etc. Outro dia li uma que mostrava:
“estatisticamente, os músicos são cidadãos com menores taxas de crime, quando
comparados com o resto da população”. Mas o que a música exatamente tem a ver
com isso? Será que é o estudar, o tocar, o criar, o trabalhar ou o quê é o
responsável por essa influência tão benéfica que, de tão aparente, já faz parte
do senso comum?

Há um tempo recebi um aluno de faixa etária em torno de cinqüenta anos


que tinha saído de um acidente vascular e tinha sido encaminhado à escola para
estudar música como forma de terapia auxiliar no tratamento. Essa é uma visão
integrada ao senso comum sob outra direção: a de que a música faz bem para a
saúde. Sou professor em uma escola de nível técnico, na qual o ensino é voltado
para a formação profissional e onde o currículo é denso, os professores e as
tarefas são muitas e as cobranças também. Não acho que estudar música em
uma escola técnica seja terapia. Talvez para uns poucos. Outras dinâmicas
musicais certamente seriam mais apropriadas para o caso.

O evidente é que, em qualquer tipo de trabalho com música, ouvir, tocar,


criar ou qualquer outro em que a participação seja integrada, a vivência deve

39
estar presente em todos. O contato com a música, direto, de forma atuante, ativa
ou passivamente, é o que faz a diferença.

Isso está presente também nas novas direções que tem tomado a
pedagogia musical em geral. A experiência com a música, o ouvir e o fazer
musical em suas mais diversas formas, têm se tornado o eixo central de novas
teorias no ensino da música até mesmo a nível de graduação. Quanto mais
próximo da música estiver o indivíduo, quanto maior seu grau de
comprometimento com ela, mais forte a marca que ela deixará impregnada na
personalidade. Mársico (1989) chega a colocar que “a experiência musical
necessita estar ligada ao corpo” de modo que a totalidade da pessoa se ligue ao
fato sonoro através da multiplicação das sensações e finaliza o parágrafo
alertando que o corpo é o “grande esquecido do sistema escolar atual”.

Aqui surge a certeza de que, antes de qualquer aproximação aos signos


musicais, antes de qualquer teorização sobre procedimentos ou conteúdos, e
isso vale para todas as idades, a vivência musical deve fazer a sua parte. Ouvir
e experimentar a música são os primeiros passos. Ouvir a música que gosta,
aproximar-se de sua estética de forma lúdica e gradual, usando a sua linguagem,
não a da música; criar música a partir de sua inspiração pessoal, usando a
totalidade do material sonoro existente e os motivos que representam os anseios
individuais. Cada um faz a música que quer. Cada um ouve a música que gosta.

Aqui se esboça uma sugestão: sigamos os passos dos que trabalham com
Oficina de Música e vamos tomar o som em geral como material experimental
para aproximarmos nossos alunos da música; vasculhemos as dinâmicas de
Shaefer em busca das paisagens sonoras e vamos levá-las aos alunos para que
construam suas próprias, com os sons que estão a sua volta, com os sons que
carrega consigo; vamos usar o corpo como instrumento, levar o aluno a percuti-
lo, a percutir com ele, a usar a voz dentro de sua expressividade e capacidade.
Vamos ouvir música junto com nossos alunos e conversar com eles sobre ela.

40
3.7. Respeitável público

Experiências pedagógicas contemporâneas vêm introduzindo o ensino


musical a partir do ouvinte, o responsável por dar significação à música através
da sua prática auditiva. As pesquisas sobre dimensões de respostas auditivas à
música revelaram categorias de respostas individualizadas, mas integradas a
uma cultura e a um repertório dominante. Então, para ser bom músico é preciso
ser bom ouvinte.

O fazer musical inclui ouvir, tocar e criar e, segundo Grossi (2003), a


audição é a única que está presente em todas as três atividades e envolve não
somente captar os sons, mas também a apreciação estética, “pensar e refletir
sobre a música”. Esse é um tipo de vivência que pode direcionar o ensino de
música no nível médio. Afinal, não creio que a intenção da aprovação da lei seja
formar músicos. Vejo como maior objetivo o de inserir a música no processo
educativo do cidadão. Para isso não é preciso ensinar notação musical ou uma
teoria sem prática sobre um repertório estranho ao aluno. Já que se faz música
para o ouvinte, se começarmos trabalhando o ouvido estaremos formando, em
primeiro lugar, bons e conscientes ouvintes e, quem sabe, atentos e criativos
músicos. Ensinar o aluno a ouvir música de forma intencional pode ser um fator
de aproximação a zonas de interesse comum e despertar motivação e
socialização.

Também emergiu da pesquisa a necessidade de se usar o repertório do


aluno como material de trabalho, ao invés de exemplos musicais estranhos a ele
e a sua própria cultura. Esse também é um ponto que vem ganhando
unanimidade na comunidade musical em geral e acredita-se que o ensino de
música tem que considerar em primeiro plano a cultura local, regional, nacional,
a cultura do rádio, da televisão, da internet. As ofertas são muitas e é sobre elas
que se deve aproximar o aluno da música. O ouvinte é o alvo - se ninguém ouvir
não é música, já sugeria Umberto Eco a respeito da arte - e o próprio músico é
seu primeiro ouvinte.

41
3.8. Respeitável professor

Uma questão que suscitou divergências foi sobre a capacitação de


professores de outras áreas para ministrarem as aulas de música em nível de
vivência musical. Observa-se nos depoimentos que professores especializados em
música têm uma resistência maior a essa abertura, apesar de um deles se mostrar
consciente da dificuldade de, na atual conjuntura, formarmos professores de música
suficientes e achar que essa poderia ser uma saída para este momento. Os
professores de outras áreas se mostraram mais abertos a essa adaptação, alguns
mais flexíveis e outros condicionaram a uma capacitação efetiva. Essa pode ser uma
solução para os alunos de nível fundamental, desde que suas aulas sejam
direcionadas para a vivência prática da música, de forma lúdica e experimental, na
qual o professor não interfere a não ser para coordenar e orientar o grupo. Para isso
professores de outras áreas, sob capacitação prévia, poderiam preencher espaços
que certamente ficarão em aberto por todo o território.

Uma das preocupações evidentes em um dos depoimentos é a de que aulas


de música com professores de outras áreas podem levar a estratégias mais
recreativas do que educativas. Esta é uma preocupação compartilhada por este
autor. Acredito que pode ser uma solução viável e momentânea desde que
trabalhada com ênfase na capacitação prévia e dirigida desses professores que
atuarão na área de música, para atuarem com os alunos do nível fundamental. Os
alunos do nível médio, e isso também surgiu como consenso entre os que são pela
capacitação, devem ter um ensino mais especializado, conduzido por professores de
música, capacitados para o ensino e abertos aos anseios dos alunos.

Também surge das considerações transversais presentes nas entrevistas que


o aluno de nível médio que tenha interesse e/ou aptidão pelo estudo aprofundado de
algum instrumento pudesse ser absorvido por escolas públicas ou conservatórios de
música, como, por exemplo, a Escola de Música de Brasília, a partir de
encaminhamento de seus professores de música nas escolas, e sob condições
definidas. Isso abriria um campo enorme para o trabalho com a música nas escolas
porque mudaria o foco do aprendizado da música (deixado para os que tivessem

42
real interesse no seu estudo) para o da apreciação e vivência musical, o que
realmente interessa dentro desse contexto.

3.9. “Como é bom poder tocar um instrumento”

A instrumentalização da escola e do aluno foram questões levantadas


por alguns dos entrevistados e estas são dificuldades evidentes e inerentes a nossa
realidade social. Percebe-se em depoimentos dos professores não ligados a música
uma preocupação maior com a questão da vivência musical elencando a questão do
estudo instrumental como atividade posterior e dirigida a interesses mais
específicos. Em depoimentos dos professores especializados em música observa-se
uma preocupação grande em relação a isso, no sentido de que o instrumento tem
que estar presente, qualquer que seja ele, mesmo que o aluno não vá aprender a
tocá-lo ao estilo dos virtuoses, mas que possa produzir sua música com ele. Um dos
entrevistados se revelou mais flexível em relação ao que pode ser o instrumento e
sugeriu que o próprio corpo possa ser usado para tal fim, assim como a voz.

Fica evidente que o instrumento deve estar presente no ensino musical


em atividades de produção e criação e que esse instrumento pode ser qualquer um,
um piano, uma flauta doce ou um apito, a voz, os pés, as mãos ou o corpo inteiro.
Atividades de audição, análise e percepção musical não exigem a utilização de
instrumentos e podem promover excelentes e instigantes aulas de música. Evidente
também é que as escolas vão ter que se equipar, no mínimo, com alguns aparelhos
de som e alguns instrumentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi levantado e exposto, algumas sugestões vêm a tona


na intenção de contribuir com a discussão ainda inicial de como aplicar a lei sem que
ela se fixe apenas como mais um parágrafo na Constituição Federal:

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a) ao nível fundamental, as aulas de música poderiam ser dirigidas
exclusivamente ao ouvir e ao fazer musical, usando o corpo, a voz, os sons ao
alcance da mão e mesmo instrumentos de percussão, quando possível. Também é
possível e útil o trabalho experimental com sons indiferenciados, os quais podem ser
produzidos a partir de qualquer objeto a mão, que, nesse momento, se torna o
instrumento musical. O importante aqui é dar vazão à expressividade e à criatividade
do aluno e introduzi-lo na audição intencional e atenta, através da qual poderá
absorver gradualmente conceitos sobre os materiais musicais;

b) ao nível médio, aulas voltadas para a percepção intencional, para a


escuta atenta e criativa da música, aprendendo a identificar dimensões de respostas
auditivas; aulas de criação musical em grupo com ou sem o uso instrumental. A
preparação para o aluno concorrer ao vestibular, no que concerne às questões
ligadas à música, tem que ser considerada. Também o vestibular, nesse ponto, tem
que ser considerado já que o nível médio traz em suas funções a de preparar o
aluno para tal;

c) Os cursos de licenciatura em Música são a preparação para os que vão


estar em sala de aula e por isso mesmo têm que ser repensados em suas
metodologias para que contemplem uma nova realidade no ensino musical. Esta
pesquisa não contemplou os professores que ministram as aulas de graduação na
licenciatura e é de fundamental importância que sejam ouvidos e que debatam a
questão;

d) políticas do governo em parcerias com empresários ligados ao ramo da


música – instrumentos, escolas, estúdios, gravadoras, lojas de CDs e outros -
poderiam promover a instrumentalização de várias escolas e a execução de
eventos. A música é fonte de público, o músico atrai gente, onde tem gente, tem
sempre um empresário querendo aparecer;

e) para finalizar, é preciso um pouco mais de criatividade administrativa


nas escolas; maior interesse pela sua administração; maior curiosidade e disposição
para buscar alternativas efetivas e criativas. Precisamos de idéias!

Este trabalho não pretendeu abranger toda a dimensão do problema


que é muito maior do que se apresenta aos nossos olhos. O fato de envolver uma
44
atividade ainda não presente no contexto a que se refere direcionou a coleta de
dados para a entrevista semi-estruturada, ficando de fora processos de observação
que, futuramente, devem ser realizados, principalmente nos ambientes de trabalho
com práticas alternativas de educação musical, inclusive fora das escolas públicas.

Também deve ser superado o limite geográfico sobre o qual esta


pesquisa se desenvolveu, tendo em vista a grandiosidade do território brasileiro e a
diversidade de culturas e condições sociais a que se submete boa parte de nossos
alunos. Esta é uma questão que deve ser verificada antes de se definir qualquer
estratégia, sob o risco de esconder e reforçar a exclusão que já se manifesta em
larga escala.

É preciso encontrar estratégias para ensinar música nas escolas de


forma que se contemplem os aspirantes e os não aspirantes a carreira de
músico, que se adéqüem às mais diversas realidades culturais, sociais e
econômicas do País e que reforcem e despertem a motivação intrínseca à
música e não deixem que aulas de música se tornem aulas de “música dos
outros”. A nossa diversidade musical é muito grande e está esquecida nos discos
de folclore do MEC, nas iniciativas culturais de bancos e de grupos musicais que
se propõe a resgatar nossas origens. Somos um país de musicalidade natural,
fisiológica, genética. Temos que aproveitar isso!

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