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RIBEIRÃO PRETO
2016
2
Ribeirão Preto
2016
3
Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam que a educação musical
pode abrir portas e oferecer à humanidade
caminhos para se encontrar com a sua
verdadeira essência.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, minha base imutável, por acreditar em mim e me mostrar, a cada
dia, quem realmente sou. Sem Ele, nem mesmo respirar seria possível.
À minha família, que me deu forças e condições para tornar possível cada etapa.
Minha gratidão é eterna e impagável.
Aos meus verdadeiros amigos que foram, e sempre serão, suporte em minha vida para
subir cada degrau com determinação, diligência e disciplina. Ainda temos muito a realizar
juntos.
À professora Patrícia de Morais Nogueira por ter se tornado para mim uma referência
de alguém que, mesmo perante tantos desafios na área da educação, não perde o sorriso, a
bondade e a motivação em ser e fazer o melhor em sua profissão. Sua vida é uma dádiva.
A todos os professores do curso de Licenciatura em Música da UNAERP,
especialmente à coordenadora do curso de Música, Prof.ª Me. Érika Andrade Silva, e à
orientadora deste trabalho, Prof.ª Me. Gisele Laura Haddad, que não mediram esforços para
somar e contribuir com a minha formação acadêmica e, também, pessoal. São referências às
quais admiro e nas quais me inspirarei por toda a vida.
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RESUMO
Este trabalho trata dos dilemas vivenciados pelo educador musical em seus primeiros contatos com o campo de
atuação. A pesquisa analisa o contexto da educação musical no século XX, até os dias atuais, fazendo uma
análise das leis que geraram progressos e retrocessos no processo de incorporação da educação musical nas
escolas, refletindo sobre a importância dos programas que fornecem capacitação para os licenciandos e futuros
professores. Abordamos, também, os principais desafios encontrados pelo educador musical, especialmente em
suas experiências iniciais, através do meu relato de experiência enquanto bolsista de iniciação à docência no
projeto PIBID, na escola estadual Ministro Veiga de Miranda, em Ribeirão Preto, no ano de 2014. A temática da
formação de docentes foi escolhida em razão das carências que o educador musical enfrenta em sua própria
formação profissional e atuação no campo educacional e em virtude do baixo número de bibliografias que
discorram sobre a formação de docentes da educação musical. Com base em uma abordagem qualitativa, o
trabalho adotou como meio de fundamentação teórica pesquisa de artigos acadêmicos de revistas eletrônicas e
livros voltados para a temática da educação musical e formação de docentes iniciantes e os relatórios escritos
como bolsista de iniciação à docência. Constatamos que as principais dificuldades do educador musical se
devem à desvalorização de sua atuação e ao não reconhecimento oficializado de sua profissão, à insuficiente
capacitação pedagógica, teórica e prática, que limitam a ação do educador no exercício de sua função, e a parca
presença de programas que investem na capacitação de novos docentes especializados na educação musical, com
ênfase na atuação em escolas públicas de ensino regular.
Palavras-chave: Educação musical. Formação de novos educadores musicais. Rede pública. Projeto de iniciação
à docência.
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ABSTRACT
This research is about the dilemas lived by music teachers at their first contacts with teaching practice. The
research analyzes the context of musical education from the twentieth century until today building a critic view
about the laws which incorporated musical education at schools and the importance of developing programs for
future music teachers. We also approached the main challenges found by music teachers, specially in ther first
experiences, through my experience’s reports while my research scholarship at PIBID which happens at the
school Ministro Veiga de Miranda in Ribeirão Preto at 2014. The theme of teachers formation was chosen
because of the shortage music teacher finds when they start their practice and because of the scarcity of literature
and bibliography about this particular theme. Based on a qualitative approach, the research adopted as grounding
academic articles published on digital magazines, books with music teacher’s formation theme and my reports of
PIBID. We concluded that the main struggle comes from the lack of appreciation of music teacher’s importance
at the society, from the abscence of an official recognition of the professional activity of music teachers, the
insufficient formation capacity theorical and practical which limitates professional’s activities at his practice and
from the meager existance of public programs which invests on new music teacher’s capacity development with
emphasis at regular publich schools.
Key words: Musical education. New music teacher's formation. Public School. Scholarship research.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................9
2 METODOLOGIA..........................................................................................11
3 CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO MUSICAL
BRASILEIRA.......................................................................................................12
1.1 ESTADO NOVO: CANTO ORFEÔNICO E O MOVIMENTO
MÚSICA VIVA...........................................................................................12
1.2 REGIME MILITAR: EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
E A LEI Nº 5692/71....................................................................................13
1.3 DÉCADA DE 90: PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS – ARTE.................................................................................14
1.4 INÍCIO DO SÉCULO XXI: LEI Nº 11.769/08...........................................15
4 CAPÍTULO 2: A FORMAÇÃO DO EDUCADOR MUSICAL..................17
2.1 A AUSÊNCIA DO EDUCADOR MUSICAL NAS ESCOLAS ...............17
2.2 O PERFIL DO EDUCADOR MUSICAL...................................................19
2.3. ESTÁGIO SUPERVISIONADO E PROJETOS DE INICIAÇÃO À
DOCÊNCIA...............................................................................................21
2.3.1 Estágio Supervisionado............................................................................21
2.3.2 Projetos de Iniciação à Docência..............................................................22
2.3.3 Corte de Bolsas e a Extinção do Subprojeto Música................................24
5 CAPÍTULO 3: INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: OS DESAFIOS DO
EDUCADOR MUSICAL................................................................................26
3.1 LIDANDO COM A REALIDADE.............................................................26
3.2 EXPERIÊNCIA COMO EDUCADORA MUSICAL.................................27
3.3 PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À
DOCÊNCIA................................................................................................28
3.3.1 Planejamento, reflexões e ações iniciais..................................................29
3.3.2 Conhecendo os alunos..............................................................................31
3.3.3 As primeiras atividades e os primeiros desafios.......................................31
3.3.4 Apresentação musical na escola...............................................................34
3.3.5 Os principais desafios...............................................................................35
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................38
8
REFERÊNCIAS...................................................................................................39
ANEXOS...............................................................................................................43
ANEXO A – DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA DO PROJETO.............43
9
1 INTRODUÇÃO
Educação Musical está longe de alcançar o patamar ideal de reconhecimento nos ambientes de
ensino.
O objetivo desta pesquisa foi o de relatar minha experiência como bolsista de iniciação
à docência pelo Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),
fomentado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES),
no ano de 2014, na escola estadual Ministro Veiga de Miranda, analisando os principais
desafios vivenciados em campo, investigando quais as lacunas existentes na formação de
novos educadores musicais e evidenciando a importância dos programas de iniciação à
docência para os licenciandos em formação.
11
2 METODOLOGIA
Para compreender os rumos da Educação Musical nos tempos atuais, consideramos ser
necessário observar os acontecimentos passados e os processos de transição que impactaram
drasticamente o ensino da música no Brasil, a partir do século XX, e cujas modificações
geraram marcas profundas em nosso sistema educacional.
Após sobreviver vários anos depois da queda do Estado Novo, o Canto Orfeônico foi
substituído pela Educação Musical, o que não trouxe nenhuma grande novidade com relação à
proposta anterior, mas, segundo Fonterrada (2008), despertou o interesse dos músicos pela
Educação Musical, tais como Anita Guarnieri, Liddy Chiafarelli Mignone, Sá Pereira e Gazzy
13
A educação musical tornou-se, então, privilégio de uns poucos, pois a maioria das
escolas brasileiras aboliu o ensino de música dos currículos escolares devido a
fatores como a não-obrigatoriedade da aula de música na grade curricular e a falta de
profissionais da área, somando-se a isso os valores culturais e sociais que regem a
sociedade brasileira. (MATEIRO, 2006, p. 118)
1
George Self pertenceu à segunda geração de pedagogos musicais do século XX e teve como proposta relacionar
a música contemporânea à produção musical em sala de aula, além de explorar novas formas de notação musical
simplificada.
14
2
Murray Schafer foi compositor, músico, educador musical e principal pesquisador da paisagem sonora mundial
no século XX.
15
Em 2004, as primeiras ideias, que culminariam, mais tarde, na lei que visava o ensino
obrigatório da música nas escolas, começaram a ser discutidas junto à sociedade civil, por
intermédio da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) e com a realização de fóruns junto à
16
Posteriormente, em 2008, cerca de trinta e sete anos depois da LDB nº 5692/71, a lei
nº 11.769/08, que prevê a música como conteúdo obrigatório dentro da disciplina de Artes, foi
sancionada com o prazo inicial de três anos para que as escolas pudessem ter tempo para se
regularizar. Contudo, o artigo que defendia a exigência de um professor com formação
específica em música foi vetado, sob o argumento de que “a música é uma prática social, com
vários profissionais, sem formação acadêmica, reconhecidos e atuantes na área” (BRITO,
2012, p.27), mantendo, ainda, a função polivalente do professor de Artes. Brito enfatiza: “Eu
tenho receio de soluções emergenciais e não acho que qualquer coisa é melhor do que nada.
Às vezes, nada é melhor do que qualquer coisa” (BRITO, 2012, p.27).
Mediante essa breve análise, é possível perceber que a ausência do educador musical
gerou atrasos significativos no que diz respeito ao desenvolvimento do estudo da Música nas
escolas públicas, desvalorizando os profissionais da área e impedindo que crianças de várias
gerações pudessem desfrutar dos benefícios que a Música pode gerar culturalmente e no que
diz respeito ao próprio desenvolvimento humano.
Mesmo com o avanço da legislação, que resultou na obrigatoriedade do conteúdo
musical em 2008 e proporcionou importantes reflexões para a educação brasileira, a prática
do ensino polivalente nas Artes, bem como a indefinição sobre quem deve exercer a função de
educador musical nas escolas, ainda permanece. No entanto, é preciso considerar que os
vários anos em que a Música foi silenciada resultaram na quase extinção dos Educadores
Musicais, elevando drasticamente a necessidade de profissionais que, ainda hoje, em 2016,
são insuficientes para atender à demanda. Por conta disso, a obrigatoriedade de formação em
Licenciatura em Música como requisito para ensinar conteúdos musicais tornou-se inviável, o
que não deixa de ser um fator preocupante, pois o ensino musical, em grande parte, continuará
sendo protagonizado por pessoas sem o devido preparo para assumir esta responsabilidade.
17
É relevante salientar, também, que a própria profissão de educador musical não existe
no Código de Profissões do Ministério do Trabalho. Segundo o documento, “fazer música
significa tocar, cantar, reger e compor. E músico é aquele que compõe, faz arranjos, toca,
18
O quadro real, que temos em grande parte das escolas do Brasil, é de professores
unidocentes cometendo “atrocidades” na área musical por falta de formação e
conhecimentos para melhor conduzir seus trabalhos. Se quisermos que a educação
musical, efetivamente, passe a fazer parte de nossas salas de aula, parece-me que o
conhecimento acerca da área é de fundamental importância para esse profissional.
Não defendo a substituição do especialista pelo unidocente, mas, sim, a formação
musical deste último (BELLOCHIO, 2003, p. 21).
19
Sem dúvida, a idéia de que, para ensinar, basta tocar é correntemente tomada como
verdade dentro do modelo tradicional de ensino de música, caracterizado pela ênfase
no domínio da leitura e escrita musicais, assim como da técnica instrumental, que,
por sua vez, tem como meta o “virtuosismo”. Presente em muitas escolas
especializadas – dos conservatórios a bacharelados e pós-graduações –, este tipo de
ensino, baseado na tradição, é bastante resistente a transformações, mantendo-se
como referência legitimada para o ensino de música. Nesse contexto, costumamos
“ensinar como fomos ensinados”, sem maiores questionamentos, e, desta forma,
reproduzimos: a) um modelo de música – a música erudita, notada; b) um modelo de
fazer musical; c) um modelo de ensino. E a verdade é que tais modelos são bastante
restritos, se comparados à larga e multifacetada presença da música na vida
cotidiana. (PENNA, 2007, p.51)
Essa situação, somada a vários fatores como a tradicional valorização das atividades
de pesquisa em detrimento das didático-pedagógicas nas universidades, por um lado,
e os baixos salários e as condições de trabalho precárias oferecidas pelos
estabelecimentos e secretarias de ensino, por outro, tem contribuído para a
depreciação da carreira do magistério (Montandon, 2012). (JÚNIOR, 2015, p.36)
21
que “o estágio supervisionado tem sido historicamente apontado como o único momento em
que o educando tem a oportunidade de conhecer e vivenciar o seu campo de atuação, mas que
não o torna competente e preparado para exercer sua profissão” (JÚNIOR, 2015). Contudo,
apesar do estágio não ser suficiente para preparar um educador musical, sua importância
jamais deverá ser menosprezada. É um momento que proporciona ao estudante de licenciatura
o contato não apenas com as escolas públicas de ensino fundamental, mas, também, o dia-a-
dia de um educador musical nos conservatórios, escolas de educação infantil, instituições
privadas e projetos sociais do terceiro setor, ajudando o licenciando a entender qual a
dinâmica de cada ambiente e a escolher melhor seu campo de atuação.
É bastante pertinente, no entanto, que o MEC, junto às universidades públicas e
privadas, amadureça as diretrizes propostas para a realização do estágio supervisionado,
especialmente no que diz respeito ao estreitamento do acompanhamento entre o estagiário e
supervisor dentro da instituição escolar, que pode ser negligenciada e não corresponder com a
necessidade do licenciando.
Repensar o fato de não haver remuneração obrigatória prevista nas condições de
estágio instituídas pelo MEC é outro fator bastante importante e que, para muitos
universitários, é decisivo na continuação dos estudos e pode atrapalhar no desempenho
acadêmico e profissional. Muitos estudantes arcam com as próprias despesas da faculdade e
necessitam de um emprego para se manterem no curso, impossibilitando a disponibilidade de
horários para cumprir a carga horária de estágio obrigatório, haja visto que os universitários
precisam conciliar, além dos horários de trabalho, os horários de aula da faculdade, não
restando tempo para estagiarem, pois os horários de funcionamento das escolas se chocam
com os horários comerciais. Os estudantes que não possuem emprego remunerado, mas
também não possuem recursos para custear despesas mínimas, como de transporte, também
são prejudicados. Havendo remuneração obrigatória, parte desse problema poderia ser
amenizado.
A partir das reflexões feitas anteriormente, faz-se necessário observar quais são os
principais dilemas vivenciados pelo educador musical durante o processo de iniciação à
docência na prática, a partir de algumas experiências pessoais, como bolsista de iniciação à
docência e estagiária.
Esse choque, se não for bem gerido pelo professor com apoio de outros profissionais
da educação mais experientes, pode provocar sérios danos à construção do perfil do
docente que neste momento se inicia no trabalho escolar. (SOUZA, 2009, p.36).
professor na escola que o ajude nos primeiros passos de sua profissão. Este choque de
realidade não acontece, necessariamente, quando o professor acaba de se formar. Ele pode ser
sentido no momento em que inicia suas atividades como estagiário, o que é ainda pior, devido
a alguns preconceitos e estereótipos equivocados já existentes quanto à presença do estagiário
na escola.
É importante considerar que a própria presença do educador musical provoca certa
estranheza, por transmitir a chegada do novo e daquilo que move as pessoas da zona de
conforto, podendo soar, até mesmo, como confrontadora. Certamente, nem mesmo o corpo
docente das escolas, em geral, possui compreensão da importância que é ter, novamente, a
figura do educador musical nas salas de aula, trazendo à tona pensamentos distorcidos sobre a
sua função e, em alguns contextos, até discriminatórios, podendo abalar o convívio social do
profissional da educação musical em seu relacionamento com os demais professores.
Outro fator que desencadeia o choque de realidade é a diferença do formato de ensino
ao qual o professor de música está habituado, tradicionalmente, que contrasta com formato de
ensino das escolas regulares. Há uma grande distância entre ensinar um instrumento
específico, para um aluno ou um grupo pequeno de pessoas, do que ensinar vivências
musicais para trinta alunos, em escolas de ensino regular, onde os alunos, em sua maioria,
nunca tiveram contato com a prática musical. E, ao se deparar com a rotina de turmas cheias,
sem a disciplina necessária para se envolver com atividades musicais, falta de recursos,
infraestrutura e instrumentos para realização das atividades, o choque de realidade é
inevitável.
Durante minha experiência como bolsista de iniciação à docência, por meio do projeto
PIBID, pude vivenciar muitas dessas situações, que contrastaram com a experiência que eu
possuía, até então, como educadora musical.
Antes de ingressar no curso de licenciatura em música, eu já ensinava a tocar teclado,
violão e a cantar há 4 anos, como professora particular. Minha formação musical foi
autoditada e o meu primeiro “laboratório” musical prático se iniciou em uma comunidade
cristã de minha localidade, com a qual me envolvi, a partir dos 13 anos, cantando e tocando
teclado. Sempre que possuía oportunidade, pedia dicas e “mini aulas” para os amigos que
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tinham algo diferente pra me ensinar e, quando pude ter computador com acesso à internet em
minha casa, estudava assistindo vídeos e lendo textos sobre teoria musical e técnica vocal.
Ao possuir alguma experiência com música, passei a ensinar outros amigos que
gostariam de aprender a tocar teclado, sem exigir remuneração a princípio, e, posteriormente,
fui convidada para dar aulas na organização não governamental (ONG) Projeto Passo Livre,
em Ribeirão Preto, fundada por um grupo de amigos meus, sem possuir qualquer
conhecimento prévio de pedagogia musical. Na ONG, atendi crianças e adolescentes carentes
do bairro Salgado Filho, ministrando aulas de canto, teclado e violão, individualmente e em
grupo.
Cerca de um ano depois, passei a ser professora de música, juntamente com um amigo,
que estava abrindo uma escola música, ministrando cursos livre, individuais e em grupo, de
teclado e canto. Mesmo sem compreender os fundamentos metodológicos da educação
musical, pude notar na prática a necessidade de envolver não apenas o intelecto, mas corpo e
emoções durante o processo de ensino aprendizagem. Entretanto, vivenciei, em inúmeras
ocasiões, a dificuldade de não saber como orientar esse processo, o que me levou a buscar
formação superior em educação musical.
Quando iniciei os estudos acadêmicos, tive a chance de aprender inúmeros conteúdos
teóricos e práticos de que não tinha conhecimento e aprimorar o que eu já conhecia, com
maior embasamento. Com relação ao universo da pedagogia musical, meu olhar para a
educação musical foi grandemente expandido, através do contato e vivência dos métodos dos
pedagogos da primeira e segunda geração da educação musical, como Émile-Jacques
Dalcroze, Edgar Willems, Zoltan Kodály, Carl Orff, Shinich Suzuki, George Self, John
Paynter, Rudolf Steiner e Murray Schafer, sempre refletindo sobre os princípios
humanizadores que englobam o processo de ensino aprendizagem.
Uma das primeiras ações realizadas no projeto foi visitar a instituição de ensino para
conhecer o local, o corpo docente, a coordenação, direção e a professora que seria nossa
supervisora no subprojeto de Música dentro da escola. Situada na zona norte da cidade, a
escola Ministro Veiga de Miranda pertence a um bairro de classe média baixa e atende
crianças dos seis aos onze anos, de bairros vizinhos, especialmente do Jardim Aeroporto,
bairro de periferia da cidade, sendo que alguns dos alunos eram oriundos das favelas da
comunidade.
Em seguida, fiz o período de observação para conhecer a rotina escolar das turmas do
2º, 4º e 5º ano da manhã e da tarde, visando conhecer a rotina de cada turma e a dinâmica
entre professores e alunos durantes as aulas. Nesse período, tive acesso, também, ao plano
pedagógico da Escola e conheci o material didático usado pelos professores. Como previsto, o
plano pedagógico da Escola, assim como de todas as escolas da Rede Estadual, seguia as
diretrizes do governo do Estado, bem como os materiais didáticos (livros), que são os mesmos
em todas as instituições estaduais. Constatei que, independente da característica, peculiaridade
e necessidade daquela instituição local, todas as ações pedagógicas eram padronizadas a partir
de uma cartilha que oferece as linhas gerais a serem seguidas pela Escola.
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Observei, outrossim, que não havia pró-atividade por parte da Escola em promover
ações para intervir no desempenho escolar dos alunos, com ressalva do projeto Mais
Educação que estava em andamento na Escola e fornecia aulas de dança e música para os
alunos interessados, em um horário extra curricular. O projeto é uma estratégia do MEC para
ampliar a jornada escolar nas escolas públicas para, no mínimo, 7 horas diárias, por meio de
atividades optativas, como: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e
lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde;
comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação
econômica.
Segundo o relato de professoras e de acordo com o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) de 2012, a Escola estava entre os piores desempenhos da cidade, por
múltiplas razões: o corpo docente e a direção da Escola eram bastante instáveis, sofrendo
trocas de professores e diretores com frequência; expressiva rotatividade de alunos; grande
parte dos alunos era migrante, especialmente das regiões Norte e Nordeste, e, em suas terras
de origem, não tiveram acesso à escolaridade, apresentando um atraso considerável na
alfabetização; vários alunos enfrentavam situação sócio econômica e familiar desfavorável,
que atrapalhava no rendimento escolar e no processo de aprendizagem; presença de crianças
com distúrbios mentais e psiquiátricos, sem atendimento apropriado.
À frente desses desafios, eu e meu colega bolsista tivemos que desenvolver o plano de
ensino, de acordo com a realidade cada turma, e desenvolver atividades musicais, que
pudessem ajudá-los a progredir no desempenho escolar e para envolvê-los com vivências e
práticas musicais que contribuem para o desenvolvimento humano. No plano de ensino
contemplamos atividades que envolviam paisagem sonora, corpo, ritmo e movimento, canto,
improvisação, apreciação musical e construção de objetos sonoros.
Diferente das experiências anteriores que tive, naquela realidade era inviável e,
tampouco, desejável, que as práticas musicais se limitassem no ensino musical de um
instrumento específico. Várias indagações passaram a surgir a partir de então, como: Qual
deveria ser a maneira de conduzir uma atividade musical para um grupo de 20 alunos? Como
me dirigir às crianças? Como conseguir a atenção deles, quando estiverem prestando atenção
em outras coisas? Qual a melhor forma de mostrar aos alunos e professores a importância da
educação musical dentro das vivências escolares? Como contribuir, por meio da educação
musical, com a alfabetização dos alunos? Como ajudá-los a despertar para a criatividade
musical dentro de um sistema que não os encoraja a imaginar, construir e se expressar
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Nas primeiras aulas, optamos por conhecer os alunos e saber quais eram suas
expectativas quanto às aulas de música, o que ouviam habitualmente, se sabiam tocar algum
instrumento ou se já tinham feito aulas de música alguma vez, para termos maior clareza e
noção sobre como começar. Como o esperado, os alunos nunca haviam tido a experiência de
estudar música na escola e nem em nenhum outro lugar. Entre eles, havia os que já tinham
visto de perto uma banda ou orquestra tocando nos cultos e cerimônias religiosas das igrejas
de suas localidades. Uma das raras exceções de alunos que tocavam algum instrumento foi de
um aluno do 5º ano, que sabia tocar violão. Na verdade, ele e o irmão haviam sido meus
alunos de violão, através do projeto da ONG, no qual trabalhava como voluntária, e tive a
satisfação de reencontrá-lo durante minha passagem na escola, como bolsista.
A maioria dos alunos possuía uma convivência limitada com a música e ouvia apenas
as músicas veiculadas pela indústria cultural. No entanto, a expectativa de todos com relação
ao nosso trabalho na escola era quase unânime de que nós iríamos ensiná-los a cantar. E de
fato, todos gostavam de cantar. Pedimos, nesse primeiro contato, que eles se apresentassem
dizendo seus nomes e cantassem uma canção que gostassem. Os repertórios apresentados
eram sempre os mesmos: funk, sertanejo universitário e canções de novelas infantis, todos
entoados com alegria e coreografias, especialmente pelas turmas do 2º ano. Neste momento,
julgamos importante respeitarmos as manifestações culturais das crianças ao invés de reprimi-
las para que pudéssemos ganhar a confiança delas, pensando no momento em que tivéssemos
que apresenta-las a outras possibilidades musicais que não conheciam, e levando em conta de
que nós, também, podíamos aprender com o que elas traziam para as aulas.
Com base nas referências estudadas em pedagogia musical, optamos por iniciar as
primeiras atividades com vivências que trabalhavam corpo e ritmo, usando o espaço da
biblioteca da escola para as aulas de música. Ensinamos as crianças do 2º ano a cantar
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cantigas de roda e a andar de acordo com pulso de cada canção, alternando com atividades
que as estimulavam a fazer sons e silêncio, de acordo com o sinal que recebiam. Nas aulas
seguintes, trabalhamos o conceito da paisagem sonora e da escuta dos sons do ambiente,
identificando quais eram sons da natureza e quais eram provocados pelo Homem, quais sons
eram agudos e quais eram graves, quais tinham volume alto e quais tinham volume baixo.
Acalmá-los foi a maior dificuldade que notei, ao lidar com os alunos de sete anos. Eles
se agitavam, corriam e gritavam freneticamente durante as atividades, tornando inviável o
seguimento do que estava sendo feito. A primeira coisa que eu refletia, ao perceber a agitação
dos alunos, era: “será que esta atividade é adequada para eles?” Quando percebia que a
atividade não estava no nível daquilo que eles podiam corresponder, ou para mais, ou para
menos, trocava por outra que pudessem aproveitar melhor, mas com a mesma finalidade da
anterior.
Certa vez, alguns alunos queriam que eu tocasse uma música no violão para que eles
brincassem de estátua. Como já havíamos brincado de estátua em outra aula e tínhamos outras
coisas para fazer, não seria possível atender os pedidos dos alunos, que, contrariados,
decidiram não participar da aula. Naquele momento, a firmeza era imprescindível para não
ceder e não voltar atrás do que havia sido dito.
Percebi o quanto é importante ter o equilíbrio para dizer não quando necessário e
mostrar aos alunos que, às vezes, até na aula de música, existiria o momento em que eles não
iriam fazer o que queriam e que, mesmo não sendo a vontade deles, seria algo necessário e
benéfico para toda a turma. De igual modo, é muito importante planejar as aulas e atividades
com um objetivo claro e específico, ao invés de lançar uma proposta só porque será agradável
para as crianças. Para o professor que não sabe aonde quer chegar, qualquer prática serve e
este pensamento nada tem a ver com o que chamamos de educação musical, nem sequer se
configura como educação.
Com os alunos do 4º e 5º ano, também, trabalhamos o ritmo e movimento corporal
como ponto de partida. Desenvolvemos exercícios rítmicos por meio da imitação, com sons
feitos com corpo. Nós fazíamos uma sequência de ritmos e os alunos nos imitavam em
seguida. Nas aulas posteriores, promovemos atividades em grupo, onde os dividimos em
turmas para que cada uma criasse seus próprios ritmos e fossem imitados e vice e versa.
Também selecionamos músicas de vários gêneros, como samba, bossa nova, rock, música
erudita e folclórica, para tocar no equipamento de som da biblioteca, para que eles andassem
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Algumas das atividades musicais que planejamos foram feitas igualmente com todas
as turmas envolvidas no projeto. Uma dessas atividades foi a apresentação de uma canção em
um evento semestral que acontecia na escola, aberto para alunos, pais e comunidade. Nesse
evento, os outros subprojetos de educação física e letras se envolveram, para promover
atividades de recreação para as crianças. Durante um mês preparamos as três turmas dos dois
períodos para aprenderem a canção “A Casa”, de Vinícius de Morais, e um cânone de três
frases para que as turmas do 4º e 5º ano apresentassem na escola. Nossa supervisora, que era
professora do 4º ano da manhã, auxiliou-nos para realizarmos ensaios gerais com todas as
turmas e a organizá-los no dia do evento. Antes de ensinarmos a cantar a canção, mostramos
como eles deveriam relaxar antes de cantar e a maneira correta de usar a voz e de respirar
entre as frases, para não machucarem as pregas vocais.
De maneira geral, todos desafinavam e não sabiam discernir quando estavam cantando
ou não no tom certo, entretanto, tínhamos a consciência de que trabalhar a afinação vocal é
um trabalho a longo prazo e que necessitaria de um maior envolvimento, além do projeto,
para conseguir resultados palpáveis. Nosso intuito, a curto prazo, era proporcionar às crianças
a vivência de cantar em grupo, sob regência e apresentarem o que produziram para seus
amigos e familiares e, quem sabe assim, despertar as crianças para que, num futuro próximo,
possam se envolver mais profundamente com a música.
O evento, chamado de “O Dia D”, aconteceu em um Sábado de manhã e apenas uma
parte pequena dos alunos participou, pois a grande maioria, que não morava próximo à
Escola, dependia do transporte escolar gratuito, que só funcionava de segunda a sexta.
Levamos alguns instrumentos musicais, como violino, ukulelê, acordeon, violão, cavaquinho,
bongô e meia lua, para fazer uma amostra e deixar que os alunos e visitantes vissem e
tocassem com a nossa monitoria. A apresentação das canções, apesar de ter contado com
apenas metade dos alunos, ocorreu conforme o ensaiado e com o entusiasmo das crianças que
participaram. Nossa supervisora, em um depoimento que fez durante uma das reuniões gerais
com os bolsistas, coordenadores e supervisores do PIBID na UNAERP, emocionou-se ao
relembrar a apresentação, dizendo que, em 20 anos de magistério no Estado, aquela havia sido
a primeira vez que havia assistido uma apresentação musical na escola.
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Dentre as turmas que me envolvi na escola, duas delas me desafiaram mais e foram
alvos de grandes reflexões, que fiz ao longo do projeto. A primeira foi a turma do 5º ano da
manhã, com um número reduzido de 14 alunos, em comparação às outras turmas, que tinham
cerca de 25, aproximadamente. Aquela sala era a que tinha mais problemas com a
alfabetização e aprendizagem das crianças. Todas tinham dificuldade em ler, escrever,
calcular e apreender conteúdos específicos para a faixa etária em que estavam, sendo que dois
deles foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) e um com Dislexia.
Além desses três casos, dois alunos da mesma sala possuíam um histórico familiar difícil, que
os afetava emocionalmente, gerando consequências negativas no desempenho escolar.
Os professores de cada turma, geralmente, ficavam conosco na sala enquanto fazíamos
as atividades e eram livres para participarem e auxiliarem quando fosse preciso. A professora
desta turma, no entanto, foi a que mais se envolveu com o nosso trabalho e a que mais
participava do que propúnhamos. Ao conversar com ela, soubemos o nível da dificuldade que
enfrentava e as limitações que vivenciava, por não ter formação profissional suficiente para
atender às carências de sua turma, nem tampouco recursos pedagógicos para auxiliá-la em
suas aulas. Ela acreditava que a educação musical poderia ajudar seus alunos a darem um
salto maior no processo de aprendizagem e a melhorar o nível de concentração, que era
bastante prejudicado. Nesse caso, então, tivemos o cuidado de sempre preparar atividades que
estimulassem, principalmente, a atenção e a criatividade.
Muitas vezes, eu e meu colega nos encontramos sem saber o que fazer, diante das
questões que nos foram apresentadas naquela situação, especialmente pelo fato de não
possuirmos instrumentos musicais pedagógicos para auxiliar nas atividades, contando com
apenas um violão cedido pela escola. No projeto estava previsto que a CAPES forneceria uma
verba destinada para aquisição de materiais pedagógicos com a finalidade de usá-los no
projeto, porém, tivemos dificuldade em conseguir a liberação da verba, pois instrumentos
musicais não eram considerados materiais pedagógicos. Assim, tivemos que recorrer a
CAPES, explicando que, no caso da música, o principal recurso pedagógico utilizado nas
aulas são instrumentos musicais, como sinos, chocalhos, ovinhos, guizos, flautas, cajóns,
bongôs, côcos, tambores, entre outros. Após vários meses, apenas no último mês do ano letivo
tivemos acesso à verba e pudemos fazer a compra dos instrumentos musicais para usarmos
com as crianças na escola.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os tempos difíceis que a educação tem enfrentado há vários anos, têm minado a força
e esperança dos professores como nunca antes se viu. Temos vivido uma crise civilizatória,
que vem desgastando os principais pilares do desenvolvimento sustentável no aspecto social,
ecológico, econômico, cultural, ético, estético e político, inviabilizando o verdadeiro
progresso da nação. A educação, que vem sofrendo as consequências pelo imenso descaso
político, especialmente no atual momento político em que o país se encontra, não escapa da
mira desta crise, necessitando de uma reforma em todos os níveis, juntamente com as demais
áreas de desenvolvimento humano.
É essencial que a educação musical tenha o seu espaço garantido na esfera da
educação pública e seja conquistado por educadores musicais. Para tanto, este momento é
totalmente propício para que haja um maior investimento na formação inicial de novos
educadores musicais, para que estes comecem a exercer influência no âmbito educacional e
tragam para as escolas um ensino musical estruturado, melhorando a perspectiva da educação
musical para as próximas décadas.
As mazelas e desafios vivenciados pelo educador musical estão longe de se
restringirem apenas no que foi referido neste trabalho. Contudo, através desta breve análise,
pudemos distinguir quais são as principais lacunas existentes que interferem no avanço da
educação musical no Brasil, levando à conclusão de que os projetos que valorizam e
capacitam o educador musical em formação são indispensáveis para auxiliar os novos
docentes no processo de contextualização de sua área de atuação e proporcionar um ambiente
em que eles possam pesquisar novas estratégias de ensino que estejam à altura dos desafios
atuais.
Minha atuação como bolsista no projeto PIBID acrescentou em grandes contribuições
em meu desempenho profissional e acadêmico. Acreditamos que estas mesmas oportunidades,
geradas através do programa de iniciação à docência, vêm contribuindo para a capacitação de
centenas de educadores musicais em formação e, portanto, devem ser mantidos, ainda que
seja preciso reivindicar por sua permanência.
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS