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Florianópolis
2021
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Florianópolis
2021
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Inclui referências.
1. Pedagogia. 2. Educação Infantil. 3. Música. 4. Linguagem Musical.
5. Musicalização. I. Moraes, Marta Corrêa de. II. Universidade Federal de
Santa Catarina. Graduação em Pedagogia. IV. Título.
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Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi considerado adequado para obtenção do
Título de Licenciada em Pedagogia, e aprovado em sua forma final pelo Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
________________________
Profa. Dra. Joana Célia dos Passos
Coordenadora do Curso de Pedagogia
Banca Examinadora:
_______________________
Profa. Dra. Marta Corrêa de Moraes
Orientadora
MEN/CED/UFSC
________________________
Profa. Dra. Patrícia de Moraes Lima
Avaliadora
MEN/CED/UFSC
________________________
Prof. Dr. Rogério Machado Rosa
Avaliador
MEN/CED/UFSC
________________________
Profa. Ma. Susana Pasinatto
Avaliadora Suplente
ESCOLA CATARINENSE DE BIODANZA
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AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por me sustentar quando o desânimo se abateu sobre mim, pelo
livramento meu e da minha família dessa doença mortal que atingiu o mundo, o
vírus Sars-CoV-2, causador da COVID-19, que tirou a vida de muitas pessoas.
À Sandra Stuart, que me apoiou muito durante meus estudos e toda a minha jornada,
muito obrigada!
Aos/às professores/as que foram muitos/as e que de uma ou de outra forma me ensinaram
e mostraram o caminho que eu poderia escolher e trilhar, com todo o conhecimento e
riquezas adquiridas por cada um deles/as. Gratidão meus/minhas inesquecíveis
professores/as da UFSC, curso de Pedagogia, 2016.
Às pessoas que cruzaram meu caminho nessa jornada no espaço da universidade, nos
seminários, palestras, assembleias estudantis, no Calpe e eventos acadêmicos, pois deram
um pouco de si e levaram um pouco de mim. Em especial, à professora Marta Corrêa de
Moraes, que em meio a um ano atípico em que nos encontrávamos, não hesitou em aceitar
o pedido para me orientar nesse trabalho. Eu me encontrava aflita, angustiada e quase
desistindo. Deixo aqui o meu muito obrigada!
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Rubem Alves
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RESUMO
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1. Apresentação ............................................................................................................. 12
1.1. O meu encontro com a música ............................................................................. 12
1.2. Inquietações sonoras deste encontro - traçando partituras ................................... 14
1.3 Objetivos ............................................................................................................... 17
1.3.1 Objetivo geral .................................................................................................. 17
1.3.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 17
1.4 Metodologia .......................................................................................................... 18
2. A Música na Educação Infantil ............................................................................... 19
2.1 Música e Musicalização: diferenças e conceitos .................................................. 22
2.2 A música como arte de manifestar afetos ............................................................. 22
2.3 Notas sobre a Musicalização ................................................................................. 24
3. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – indicadores e
análise.........................................................................................................................26
4. Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil – indicadores e
análise.........................................................................................................................32
5. O Projeto Político Pedagógico nas Instituições de Educação Infantil ................. 39
5.1 Dimensões do Projeto Político Pedagógico .......................................................... 41
6. O Projeto Político Pedagógico da instituição pesquisada – indicadores e
análise.........................................................................................................................42
6.1 Entre o escrito e o vivido – cenas de uma com(posição) escolar.......................... 44
7. Considerações Finais ................................................................................................ 47
8. Referências Bibliográficas ....................................................................................... 50
12
1. Apresentação
tempo em que produz novos conhecimentos. Essa tessitura foi certamente fundamental
para que eu vislumbrasse como produzir mediações outras nos processos de ensinar e
aprender constituídos no chão da educação infantil. Sendo assim, desenvolver este estudo
permitiu um novo olhar sobre a prática pedagógica com crianças pequenas e sobre a
minha própria formação.
A presente pesquisa configura-se como qualitativa e bibliográfica-documental,
pois pretende analisar como a musicalização aparece em documentos oficiais da
educação, notadamente no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e na
Base Nacional Comum Curricular - Educação Infantil. Pretende, ainda, analisar como os
indicativos de tais documentos aparecem, ou não, no Projeto Político Pedagógico de uma
escola de Educação Infantil da Grande Florianópolis, auxiliando na imersão das crianças
em espaços-tempo de musicalização.
contextualizada e com sentido. Percebi, durante meu estágio na educação infantil, que
os/as colegas da escola deixavam a musicalização de lado, talvez pela ausência de
conhecimentos que lhes permitisse explorar esta forma de linguagem.
Realizar um trabalho pedagógico com a música/musicalização, no contexto
educacional, é muito importante. Como futura professora, entendo que a música é
essencial, pois contribui com o desenvolvimento das nossas formas de perceber,
experimentar, sentir, criar. Considero que a sua presença é muito importante para o
desenvolvimento e a formação das crianças. Entendo que a música contribui para o
desenvolvimento infantil, além de estimular a valorização de culturas regionais e
nacionais. É preciso, ainda, ultrapassar a noção estreita e utilitária da sua presença nos
processos educativos e, com isso, valorizar a sua ênfase na produção de conhecimentos e
na valorização da experimentação. Acredito, como professora em formação, que é
fundamental que as crianças possam explorar o (in)imaginável através da música. Escolhi
este tema de pesquisa, pois compreendo o papel da música/musicalização como
experiência estética. A musicalização na educação infantil pode contribuir muito para o
desenvolvimento corporal e linguístico das crianças, sem esquecermos, como bem nos
ensina Rubem Alves (2008, s/p), que “a experiência da beleza tem de vir antes”.
Neste trabalho, procuramos estabelecer relações entre o modo como a
musicalização é apresentada/discutida no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil e na Base Nacional Comum Curricular, com o Projeto Político-
Pedagógico de uma instituição de Educação Infantil da grande Florianópolis, para
localizar em seus textos, a forma de imersão das crianças em espaços-tempos que
favoreçam a musicalização. Partir das grandes diretrizes e documentações da Educação
Infantil nos pareceu uma estratégia acertada, pois permitiu reconhecer o modo como cada
contexto educativo, movido pelas reflexões oriundas da construção coletiva dos seus
Projetos Político-Pedagógicos, tece as linhas, as cores e as sonoridades desta
(com)formação.
É importante igualmente ressaltar que o ano de 2011 foi a data limite para que
todas as escolas públicas e privadas do Brasil incluíssem o ensino da música em seus
currículos, apesar de que encontrariam dificuldades em implantá-la, pois não havia
professores/as contratados para tal finalidade, além de existirem em muitos contextos
falta de instrumentos, local e materiais necessários e apropriados para a organização das
aulas. A LDBEN 9.394/1996 não trazia a música como conteúdo obrigatório dos
currículos escolares, a exigência surgiu com a Lei Nº 11.769, sancionada em 18 de agosto
17
1.3 Objetivos
1.4 Metodologia
Elvis Paz
(1985), Bréscia (2003) e lançarei mão de alguns documentos oficiais como o RCNEI
(1998) e a BNCC/EI) sobre o conceito de música e musicalização.
A música foi utilizada para louvores, para festejos de culturas e também para o
ensino. Pitágoras ensinava determinados acordes musicais e melodias que criavam
reações no organismo do ser humano. “Pitágoras demonstrou que a sequência de sons, se
tocada musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e acelerar
o processo de cura” (BRÉSCIA, 2003, p.31).
Na Grécia, a música significa a arte das musas, belas artes, e basicamente se
constitui de uma sucessão de sons e silêncios, sendo considerada uma prática cultural
entre homens/mulheres de todas as épocas. Queirós (1999, p.7) destaca:
Nesse sentido, podemos dizer que o som é definido como uma expressão de
movimento, sendo tudo aquilo que soa, ou tudo aquilo que nossos ouvidos escutam. Já o
silêncio não é a ausência de som, mas sim aquilo que não se ouve. Desse modo, o silêncio,
caracterizado como ausência de som, se contrasta com a ideia de que a música é uma
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uma música. Através dos movimentos e com músicas diferenciadas, as crianças podem
brincar por meio do seu corpo e sentir os ritmos que lhe chegam e/ou tocam, o que não se
desenvolve apenas na musicalidade, mas no vínculo afetivo com os outros/as que com ela
interagem. Além de possibilitar uma noção maior de espaço e tempo.
Para o RCNEI, a música pode ser compreendida como uma linguagem ou forma
de conhecimento e, presente no cotidiano da humanidade, pode ser encontrada de modo
intenso na TV, no rádio e tantos outros meios de comunicação. A linguagem musical tem
estrutura própria sendo considerada como:
Produção - centrada na experimentação e na imitação tendo como
produtos musicais a interpretação, a improvisação e a composição;
Apreciação - percepção tanto dos sons e silêncio quanto das estruturas
e organizações musicais, buscando desenvolver, por meio do prazer da
escrita, a capacidade de observação, análise e reconhecimento;
Reflexão - sobre questões referentes à organização, criação e produtos
musicais (BRASIL, 1998, p.49, V. III).
Para o RCNEI (1998, p.49, vol.III) o trabalho com música deve considerar,
portanto, que ela é um meio de expressão e forma de conhecimento acessível aos bebês e
crianças. A linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da expressão do
equilíbrio, da autoestima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração
social.
Dentre os vários eixos temáticos postos pelo Referencial Curricular da Educação
Infantil, a música/musicalização desempenha um importante papel, pois ajuda a criança
a aprimorar suas relações socioafetivas, auxiliando na coordenação motora e despertando,
enfim, inúmeros benefícios. Integrar sons musicais durante o exercício de movimento é
ótimo para as crianças, pois amplia a possibilidade de expressão corporal, garantindo uma
maior noção de ritmos, auxiliando assim, no desenvolvimento do equilíbrio, além de
trazer momentos de prazer e alegria às crianças.
Entendo que isso deve ser cultivado na educação infantil, podendo proporcionar
integração, interação e comunicação social, o que confere um caráter significativo à
linguagem musical. Essa é uma das formas mais importantes de expressão humana e pode
resultar em propostas que respeitam o modo de perceber, sentir e pensar em cada
momento da vida das crianças, contribuindo para que a construção do conhecimento
ocorra de modo significativo.
Abaixo apresento de forma sintetizada como os descritores “música”,
“musicalização” e “linguagem musical” aparecem no RCNEI. O objetivo desta seção é
alcançar o modo como a música é apresentada/concebida neste documento curricular
destinado à Educação Infantil. Antes disso, torna-se importante ressaltar que os
descritores acima mencionados são os mesmos que utilizei na pesquisa realizada nas
bases de dados investigadas para o levantamento das produções bibliográficas que versam
sobre a música/musicalização na Educação Infantil.
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[“...] reconhecer a
música como linguagem
cujo conhecimento se
constrói;” (p.66, v.III)
A nova BNCC (Brasil, 2017) para a educação infantil amplia a carga horária
destinada aos campos de experiências que envolvem a arte e suas linguagens, tendo a
música como conteúdo obrigatório desde a infância. A BNCC está prevista na
Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(LDB, Lei nº. 9394/1996) e no Plano Nacional da Educação de 2014-2024 (PNE, Lei nº
13005/ 2014). Ela se constitui em uma referência nacional para reformulação dos
currículos e das propostas pedagógicas das instituições escolares em ação conjunta com
o Estado e os Municípios.
assim, estratégias pedagógicas voltadas aos contextos nos quais as atividades estão
inseridas. Essas competências gerais caracterizam-se como um conjunto de habilidades,
conhecimentos, atitudes e valores desenvolvidos a partir dos desafios que o mundo
contemporâneo oferece. A BNCC estrutura os objetivos de desenvolvimento e
aprendizagem em cinco campos de experiências.
Embora a BNCC não defina o currículo a ser implementado pelas escolas, esse
documento constitui a base comum dos currículos e deve ser implementado de acordo
com as características regionais e locais da sociedade, da cultura (BRASIL, 1996).
Significa que os currículos não devem se limitar aos conteúdos da BNCC, pois esta deve
servir de “base” na elaboração dos mesmos uma vez que cada currículo deve ser
complementado com os conteúdos e competências relacionados às particularidades das
culturas brasileiras. Contudo, na sua atual versão, “o que era para ser uma referência,
passou a ser uma prescrição curricular – tendente à homogeneização de conteúdos e
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A BNCC (Brasil, 2017 p. 63) afirma que “as atividades humanas são realizadas
nas práticas sociais imediatas e mediadas pelas diferentes linguagens: oral, visual,
corporal, sonora e, contemporaneamente, digital, e por meio dessas práticas há os
processos de interação”. Neste trecho a música está respaldada pelo uso da linguagem
sonora, e é explorada através dos parâmetros do som, através de práticas pedagógicas
diversificadas principalmente através de jogos musicais. O documento indica que Música
e Artes Visuais estão atreladas ao ensino da Arte e à área de Linguagens.
Diante disso, chega-se a um ponto que merece destaque no documento, pois a Arte
é uma disciplina tão importante quanto as demais e não deve ser menosprezada. A Lei nº
13.278, de 02 de maio de 2016, citada no início da pesquisa, diz que a música é uma
linguagem que constitui a componente curricular “Arte”, que, por sua vez, inclui outros
componentes como: a dança e o teatro, por exemplo. Urge questionar se nos espaços
educativos tais componentes ganham a mesma visibilidade e de fato se traduzem em
conhecimentos a serem ensinados-aprendidos. Parece importante, não só o/a professor/a,
mas também a escola reconhecer a importância de todas essas linguagens e expressões.
A BNCC (Brasil, 2017 p. 196) relata que “a música é uma expressão artística que se
materializa por meio de sons”, daí vê a importância de um ensino voltado a práticas
musicais que explorem esses sons, e o próprio documento acima nos dá dicas de como
trabalhar com a música no ambiente escolar da educação infantil, com foco na ludicidade.
artísticas (artes visuais, dança, música, etc.), a BNCC desconsidera essa Lei supracitada
reduzindo os amplos e ricos Campos de Experiência de cada linguagem artística, nas
formas de conteúdo ou temas. Essas medidas fazem parte de avanços legais nas últimas
décadas e entender esses avanços é antes de tudo compreender que ainda temos muitos
desafios para a Educação e a inserção da música/musicalização nas instituições da
educação infantil. Como adverte Bittencourt (s/d, p. 555):
Partindo para o sentido etimológico da palavra, Veiga apud Ferreira (1975) aponta
que “o termo projeto vem do latim projectu, particípio passado do verbo projicere, que
significa lançar para diante. Plano intento, desígnio. Empresa, empreendimento. Redação
provisória de lei. Plano geral de edificação” (FERREIRA, 1975, p.1.144). Já Vasconcelos
(2004, p. 169), tem a seguinte explicação:
É Projeto porque se refere a uma projeção que expressa o horizonte a ser buscado,
com um olhar prospectivo. É político porque é participativo, realizado e avaliado com
base na atuação, no diálogo entre todos os integrantes da comunidade escolar e com
articulações diferentes. A educação é uma prática social, permeada pela diversidade e
42
família. Trabalha com uma “imagem de criança” (PPP, s/d, p. 05), que tem como
fundamento a “pedagogia da escuta” (PPP, s/d, p. 06) dentro de uma proposta
socioconstrutivista. “A pedagogia da escuta busca desenvolver no[a] professor[a] a
capacidade de ter abertura e sensibilidade para escutar e ser escutada” (p. 06).
A instituição se inspira na pedagogia de Reggio Emília - uma filosofia educacional
baseada na imagem de uma criança com fortes potencialidades de desenvolvimento e
sujeito de direitos, que aprende através das centenas de línguas pertencentes a todos os
seres humanos, e cresce nas relações com os outros. Minha experiência na instituição faz
crer que a música está presente em seu cotidiano, embora não apareça com certa ênfase
em seu Projeto Político Pedagógico. Isso nos ajuda a entender que nem sempre o
documento escrito consegue acompanhar o saber-fazer cotidianos, embora saibamos da
sua sempre necessária atualização.
A partir de uma “escuta” atenta do PPP, percebemos que a palavra música é citada
apenas duas vezes, na página de número trinta. Importante ressaltar que as duas menções
à palavra aparecem em citações retiradas da Base Nacional Comum Curricular,
notadamente no seu capítulo dedicado aos campos de experiência, a saber: corpo, gestos
e movimentos e traços, sons, cores e formas. Tais citações aparecem, ainda, no capítulo
11 do PPP da escola. Esse capítulo é dedicado ao “Currículo Emergente”, assim
apresentado: “o planejamento do currículo na escola [...] acontece como um método de
trabalho em que os[as] professores[as] apresentam objetivos gerais integrados, mas não
definem os objetivos específicos antecipadamente” (PPP, s/d, p. 28).
O encontro com o documento escrito nos faz crer que a escola já procurou ajustar
o seu Projeto Político Pedagógico aos ditames da Base Nacional Comum Curricular. Não
encontramos no texto problematizações acerca desse ajuste, especialmente em relação à
música e musicalização. De outro modo, o texto ressalta a importância do currículo
emergente, ou seja, “um currículo baseado nas experiências vividas nos cotidianos das
crianças, respeitando os seus direitos de aprendizagem e os campos de experiência
conforme a Base Nacional Comum Curricular” (PPP, s/d, p. 28).
Na próxima seção do trabalho, a/o leitora/o encontrará algumas cenas que guardo
na memória. Elas foram “registradas” ao longo do meu estágio na mesma creche que hoje
desenvolvo a pesquisa. A ideia de trazer as cenas para o texto nasceu no percurso de
produção deste estudo, como forma de ampliar/qualificar ainda mais esse texto-canção.
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Nesse momento do texto quero compartilhar com a/o leitor/a uma cena vivida
entre os muros da instituição. Pedro1 (2 anos e meio) brincava no tanque de areia com
seus/suas colegas. De repente, a criança pega duas colheres grandes de alumínio e se
desloca até o local onde se encontram quatro pratos de bateria pregados sobre um deck.
Pedro começa a bater em dois desses pratos ouvindo o som que fazia. Nesse momento,
Pedro começa a fazer gestos com a cabeça e passa a bater com mais força nos quatro
pratos. Logo em seguida, começa a dançar. Por diversas vezes o menino tocava os pratos
e inventava um novo som achando esse processo divertido e engraçado, criando gestos
enquanto cantava emoldurado por sua bateria inventiva.
interesse das crianças, o que é igualmente fundamental, mas não suficiente para
entendermos a complexidade que envolve a dimensão político-pedagógica do trabalho
com crianças. Não é possível identificar como as ampliações dos repertórios musicais
aparecem ali, nem mesmo como as culturas infantis figuram entre as proposições
anunciadas.
Certo dia propomos uma atividade para que as crianças da turma do Infantil II,
com idades entre 2 - 3 anos, construíssem um chocalho. Mostramos às crianças um
chocalho feito no México para que observassem, tocassem e sentissem o som do
instrumento. Em uma mesa preparamos os materiais necessários para que cada um
construísse o seu instrumento, depois de pronto começaram a chacoalhar e perceberem
sons diferentes. Júlia (2 anos e 4 meses) falou: “meu chocalho faz um barulho diferente
da Giovanna (2 anos e 6 meses)”. Propomos, então, que as crianças desenhassem no papel
como eles/as imaginavam o som do seu chocalho. Sentimos que as crianças ficaram
encantadas com a proposta e ansiosas para desenhar seu som. Aos poucos os sons se
transformaram em linhas tortas, curvas, rabiscos e círculos, etc. Perguntei à Ana (3 anos),
como era o som do seu chocalho e ela me respondeu: “O som do meu chocalho são 3
bolinhas profe.”. Diante desse fato, podemos perceber que as atividades desenvolvidas
com e pelas crianças mostram que a linguagem musical deve ser contemplada nas
instituições de educação infantil. Como relatei anteriormente, a música/musicalização
pode não ganhar evidencia no PPP dessa instituição, mas encontram-se presente nas
atividades e brincadeiras das crianças no chão da creche/escola.
Contudo, hoje também percebo que poderíamos ter explorado tantos outros
elementos desse encontro, como a origem do próprio chocalho que trouxemos como
exemplo. Isso anima a minha convicção acerca da necessidade de desenvolvermos um
olhar atento sobre o que pode a musicalização no espaço da creche, para qualificar a nossa
prática educativa com as crianças. Ficamos no par “instrumento-registro no papel”. Será
que não poderíamos ter ensaiado propostas outras para essa “canção”? O que a nossa
formação tem a ver com isso? Como enfrentar as lacunas das partituras que nos formam
como professoras? Será que temos deixado espaço para que, encantada com a beleza da
música, a criança tenha interesse pelo “mistério das bolinhas pretas sobre cinco linhas”
47
(ALVES, 2008, s/p)? Nossa “pedagogia da escuta” tem permitido ouvirmos juntas as
melodias mais gostosas?
7. Considerações Finais
trabalhadas a partir de objetos acessíveis tanto para as crianças quanto para o/a
professor/a. Outro aspecto importante a se considerar diz respeito à palavra
“musicalização”, pois apesar de identificarmos diferenças entre os termos música e
musicalização, nos documentos, essas distinções não aparecem tampouco são
problematizadas.
Quanto à BNCC e ao PPP da instituição, ambos pouco exploram a
música/musicalização na Educação Infantil. Além disso, parecem indicar uma concepção
de musicalização amparada na perspectiva de um conhecimento que se adquire pela
experiência e que deve se transformar em competências e habilidades. O que, por sua vez,
se afasta da noção de um saber que se constrói e é forjado na cultura. É fundamental
igualmente considerar “o fato da Base se submeter ao conceito de competência e
meritocracia na perspectiva neoliberal [o que] permite questionar seu valor histórico para
a construção de uma educação infantil de qualidade na esfera dos direitos sociais da
maioria da população” (BARBOSA et. al., 2019, p. 88).
No decorrer desse trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica-documental,
observei que a presença da música na educação infantil auxilia no desenvolvimento da
criança de várias formas, sendo um importante meio para a criação e oportunidades de
vivências musicais. Isso me faz crer que entre os documentos, a Base representa um
retrocesso na educação, especialmente na qualidade de ensino e no enfraquecimento do
trabalho docente. Contudo, é importante compreender que “os textos produzidos são
documentos curriculares [...], isto é, a materialidade que representa a política. Esta, por
sua vez, é mais uma vez interpretada pelos agentes curriculares (redes de ensino,
professores, gestores) que atuam no denominado contexto da prática” (BITTENCOURT,
s/d, p. 556). Assim, continua em jogo um campo de disputas, que articula macro e
micropolíticas, assim como formas outras de enfrentamento aos seus ditames e
precarizações. O PPP das instituições pode ser um espaço fértil de resistências, contudo
nem sempre conseguem ultrapassar a mera configuração de um documento “de gaveta”.
Ao longo da pesquisa percebi que inclusive o PPP pode silenciar o que acontece no
contexto da instituição. Minha experiência faz crer que nem sempre o texto escrito
alcança os cotidianos e práticas.
A música como contribuinte para o desenvolvimento da criança deveria ser
inserida nas instituições educacionais como direito humano, pois a musicalização não
deixa de ser um comprometimento com seus princípios. Há uma imensa necessidade de
valorização desta linguagem e da importância da sua presença no currículo educacional.
49
8. Referências Bibliográficas
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