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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO


CURSO PEDAGOGIA

ELISANGELA DE CASSIA MACHADO

MUSICALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO INFANTIL:


(com)posições de uma pesquisa bibliográfica-documental

Florianópolis
2021
2

ELISANGELA DE CASSIA MACHADO

Musicalização e Educação Infantil:


(com)posições de uma pesquisa bibliográfica-documental

Trabalho de Conclusão do Curso de


Graduação em Pedagogia, do Centro de
Ciências da Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito
para a obtenção do título de Licenciatura em
Pedagogia.
Orientadora: Profa. Dra. Marta Corrêa de
Moraes

Florianópolis
2021
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Ficha de identificação da obra elaborada pela autora, através do Programa de


Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,


através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da
UFSC.

Machado, Elisangela de Cassia


Musicalização e Educação Infantil: (com)posições de uma pesquisa
bibliográfica-documental/Elisangela de Cassia Machado;
orientadora, Marta Corrêa de Moraes, 2021.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -


Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
da Educação, Graduação em Pedagogia, Florianópolis, 2021.

Inclui referências.
1. Pedagogia. 2. Educação Infantil. 3. Música. 4. Linguagem Musical.
5. Musicalização. I. Moraes, Marta Corrêa de. II. Universidade Federal de
Santa Catarina. Graduação em Pedagogia. IV. Título.
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Elisangela de Cassia Machado

Musicalização e Educação Infantil: (com)posições de uma pesquisa bibliográfica-


documental

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi considerado adequado para obtenção do
Título de Licenciada em Pedagogia, e aprovado em sua forma final pelo Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis 1º de outubro de 2021.

________________________
Profa. Dra. Joana Célia dos Passos
Coordenadora do Curso de Pedagogia

Banca Examinadora:

_______________________
Profa. Dra. Marta Corrêa de Moraes
Orientadora
MEN/CED/UFSC

________________________
Profa. Dra. Patrícia de Moraes Lima
Avaliadora
MEN/CED/UFSC

________________________
Prof. Dr. Rogério Machado Rosa
Avaliador
MEN/CED/UFSC

________________________
Profa. Ma. Susana Pasinatto
Avaliadora Suplente
ESCOLA CATARINENSE DE BIODANZA
5

Para Letícia e Amanda, minhas filhas, meu


tudo! Em qualquer tempo, a qualquer hora,
em qualquer lugar.
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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, por me sustentar quando o desânimo se abateu sobre mim, pelo
livramento meu e da minha família dessa doença mortal que atingiu o mundo, o
vírus Sars-CoV-2, causador da COVID-19, que tirou a vida de muitas pessoas.

Às minhas amigas e presentes da UFSC, que sempre estiveram e estão comigo


independente de qualquer situação. Elas são amigas para a vida toda: Ana Beatriz
Amorim e Evelyn Amanda Pierre.

À Sandra Stuart, que me apoiou muito durante meus estudos e toda a minha jornada,
muito obrigada!

Minha amiga, confidente e a melhor professora que a Educação Infantil me apresentou,


que sempre está disposta a me ensinar e transmitir seus conhecimentos. Trabalhar com
ela me torna uma professora mais que apaixonada pela decisão que tomei de me tornar
professora, minha amiga Michele Souza.

Aos/às professores/as que foram muitos/as e que de uma ou de outra forma me ensinaram
e mostraram o caminho que eu poderia escolher e trilhar, com todo o conhecimento e
riquezas adquiridas por cada um deles/as. Gratidão meus/minhas inesquecíveis
professores/as da UFSC, curso de Pedagogia, 2016.

Às pessoas que cruzaram meu caminho nessa jornada no espaço da universidade, nos
seminários, palestras, assembleias estudantis, no Calpe e eventos acadêmicos, pois deram
um pouco de si e levaram um pouco de mim. Em especial, à professora Marta Corrêa de
Moraes, que em meio a um ano atípico em que nos encontrávamos, não hesitou em aceitar
o pedido para me orientar nesse trabalho. Eu me encontrava aflita, angustiada e quase
desistindo. Deixo aqui o meu muito obrigada!
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Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música


não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe
contaria sobre os instrumentos que fazem a
música. Aí, encantada com a beleza da música, ela
mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério
daquelas bolinhas pretas e escritas sobre cinco
linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas
são apenas ferramentas para a produção da beleza
musical. “A experiência da beleza tem de vir
antes.

Rubem Alves
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RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema a musicalização na Educação


Infantil. Seu objetivo foi investigar o modo como a musicalização é
apresentada/concebida nos documentos curriculares para a Educação Infantil,
estabelecendo relações com o Projeto Político-Pedagógico de uma instituição educativa
da Grande Florianópolis, para localizar em seus textos, as formas de imersão das crianças
em espaços-tempos que favoreçam a musicalização. Para alcançar tal finalidade, o estudo
se configurou como uma pesquisa bibliográfica e documental e utilizamos a análise de
conteúdo como técnica de estudo dos documentos. Alguns/mas autores/as foram
importantes para a composição musical da pesquisa, entre os/as quais podemos destacar:
BRITO (2003), BRÉSCIA (2003) e GILLIOLI (2008). Com base nas análises dos
documentos oficiais da educação – Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil/RCNEI e Base Nacional Comum Curricular/BNCC - e o Projeto Político
Pedagógico da instituição de Educação Infantil pesquisada, percebemos que no RCNEI a
discussão e a concepção sobre música/musicalização e sua importância na educação das
crianças é melhor apresentada/explorada. Quanto à BNCC e ao PPP da instituição, ambos
estão alinhados e pouco exploram a música/musicalização na Educação Infantil. Além
disso, parecem indicar uma concepção de musicalização amparada na perspectiva de um
conhecimento que se adquire pela experiência e que deve se transformar em competências
e habilidades. Difere, portanto, da noção de música/musicalização presente no RCNEI,
que a concebe/discute como um conhecimento que se constrói e como produto da cultura.

Palavras-chave: Musicalização. Educação Infantil. Currículo.


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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Concepção/discussão sobre Música, Musicalização e Linguagem Musical no


Referencial Curricular
Nacional/EI......................................................................................................................28

Quadro 2 – Concepção/discussão de Música, Musicalização e Linguagem Musical na


Base Nacional Comum
Curricular/EI....................................................................................................................33
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC – Base Nacional Comum Curricular


BNCC-EI – Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil
DCNGEB – Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica
DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PPP – Projeto Político Pedagógico
PNE – Plano Nacional da Educação
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil
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SUMÁRIO

1. Apresentação ............................................................................................................. 12
1.1. O meu encontro com a música ............................................................................. 12
1.2. Inquietações sonoras deste encontro - traçando partituras ................................... 14
1.3 Objetivos ............................................................................................................... 17
1.3.1 Objetivo geral .................................................................................................. 17
1.3.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 17
1.4 Metodologia .......................................................................................................... 18
2. A Música na Educação Infantil ............................................................................... 19
2.1 Música e Musicalização: diferenças e conceitos .................................................. 22
2.2 A música como arte de manifestar afetos ............................................................. 22
2.3 Notas sobre a Musicalização ................................................................................. 24
3. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – indicadores e
análise.........................................................................................................................26
4. Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil – indicadores e
análise.........................................................................................................................32
5. O Projeto Político Pedagógico nas Instituições de Educação Infantil ................. 39
5.1 Dimensões do Projeto Político Pedagógico .......................................................... 41
6. O Projeto Político Pedagógico da instituição pesquisada – indicadores e
análise.........................................................................................................................42
6.1 Entre o escrito e o vivido – cenas de uma com(posição) escolar.......................... 44
7. Considerações Finais ................................................................................................ 47
8. Referências Bibliográficas ....................................................................................... 50
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1. Apresentação

1.1. O meu encontro com a música

Iniciei a minha trajetória acadêmica em 2016 no curso de Pedagogia da


Universidade Federal de Santa Catarina. A graduação tem sido bem significativa na
minha vida-formação, pois tem me proporcionado ampliar conhecimentos na área da
Educação. Nesse espaço-tempo tive oportunidade de participar de seminários, palestras,
estágios supervisionados, obrigatórios e não-obrigatórios também.
Foi no início do meu estágio não-obrigatório que tive o meu primeiro contato com
a educação infantil e me identifiquei muito com crianças de 0 a 5 anos e 11 meses. A
partir disso é que meu Trabalho de Conclusão de Curso veio a ser desenvolvido, cujo
tema é a musicalização na educação infantil.
No decorrer da minha formação tive apenas uma disciplina que abordou a questão
da musicalização e a sua importância para a educação das crianças, a saber: MEN 7110 -
Arte, Imaginação e Educação - ministrada na 2º Fase do Curso de Pedagogia, no semestre
2017.1. Esta disciplina tem a seguinte ementa: “arte como experiência e conhecimento.
Imaginação, educação e cultura visual. Leitura e produção de imagens. Linguagens da
arte, suas mídias e interações: teatro, dança, música, cinema, artes visuais” (PPP, 2008,
p.31).
Quanto ao seu conteúdo programático, podemos destacar as seguintes unidades
de estudo: linguagens da arte e seus fundamentos em diálogo com a educação: dança,
teatro, música, artes visuais e cinema. Percebemos, pois, que a música em contextos
educativos parecia ter pouco espaço na disciplina proposta. O que evidencia os tantos
conteúdos importantes para a formação inicial de Pedagogas/os, além de nos fazer pensar
sobre as disputas que configuram uma determinada arquitetura curricular.
Contudo, é importante ressaltar que também foi a partir dos conteúdos e reflexões
forjadas ao longo desta disciplina que comecei a ampliar as minhas compreensões e
interesses acerca desse mundo da música/musicalização na educação infantil. Foi nesse
contexto que me aproximei de autores/as como Bréscia (2003) e Teca Brito (2003). Então,
construí uma postura reflexiva da minha prática pedagógica a ser exercida futuramente.
No ano de 2016, iniciei o estágio não-obrigatório e remunerado em uma escola
particular da grande Florianópolis. Comecei a minha atuação com as crianças do berçário
e, aos poucos, fui percebendo que a música era quase inexistente na prática pedagógica
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endereçada aos/às bebês. No intervalo da professora titular, eu colocava para tocar


algumas músicas infantis e logo fui percebendo que os bebês faziam movimentos com os
braços e pernas quando ouviam o som. Aqueles/as que já sentavam, começavam a mexer
a cabeça e também seus corpos, o que alimentava ainda mais a minha convicção de que a
música era uma escolha acertada. Mas, porque ela estava tão ausente? Será que apenas os
meus olhos viam aqueles pequeninos corpos vibrantes na cadência da canção? A partir
daí comecei a me interessar pela musicalização e também perguntar sobre a sua
importância para as crianças e o ambiente educativo.
A minha jornada de estágio continuou na mesma escola, mas tempos depois eu
passei a acompanhar os trabalhos da professora responsável pela turma do Infantil I.
Confesso que o contato com as crianças a partir de um ano e meio foi diferente, pois
algumas delas já sabiam cantar. Desse modo, foi crescendo ainda mais o meu interesse
pela musicalização e como ela pode ser potente para a aprendizagem, o desenvolvimento
e o movimento corporal das crianças sem, contudo, fazer da sua presença mera questão
de utilidade e disciplinarização (GUIMARÃES, 2012, p. 83).
É importante igualmente ressaltar que esse Trabalho de Conclusão de Curso foi
escrito em um ano atípico, que começamos a viver a partir de março de 2020, quando a
pandemia do novo coronavírus (COVID-19) chegou ao Brasil. Com ela, vieram muitas
angustias, medos, aflições, ansiedades e perdas. Em alguns momentos fui invadida pelo
desejo desistir. Situações muitos difíceis atravessaram a vida de muitas/os brasileiras/os,
entre as quais me incluo: dificuldades econômicas, sociais, políticas e educacionais, para
citar algumas delas. Sem esquecermos do grande número de pessoas infectadas que não
conseguiram sobreviver, o que nos fez contar mais de 600 mil vidas perdidas. Certamente
esse cenário poderia ser outro, caso a vacina tivesse chegado antes. Como medida de
contenção ao avanço da pandemia, o isolamento social se fez necessário e, então, nos
afastamos das famílias, dos amigos, das creches e escolas, da Universidade e do convívio
social. Isso tudo também teve impactos na construção dessa pesquisa, que foi orientada
no espaço-tempo do Ensino Remoto Emergencial (ERE) adotado pela UFSC. Durante
todo o percurso fui tentando manter o equilíbrio emocional para viver a vida e a travessia
desse tempo de aprendizagens mediadas, ora pelo computador ora pelo celular.
Desse modo, compartilho com os/as leitores/as o presente estudo, que teve como
referência as experiências vivenciadas na minha prática como educadora em formação,
especialmente no trabalho com a música/musicalização na educação infantil. Minha
intenção foi produzir uma pesquisa que alinhava reflexões teóricas importantes ao mesmo
14

tempo em que produz novos conhecimentos. Essa tessitura foi certamente fundamental
para que eu vislumbrasse como produzir mediações outras nos processos de ensinar e
aprender constituídos no chão da educação infantil. Sendo assim, desenvolver este estudo
permitiu um novo olhar sobre a prática pedagógica com crianças pequenas e sobre a
minha própria formação.
A presente pesquisa configura-se como qualitativa e bibliográfica-documental,
pois pretende analisar como a musicalização aparece em documentos oficiais da
educação, notadamente no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e na
Base Nacional Comum Curricular - Educação Infantil. Pretende, ainda, analisar como os
indicativos de tais documentos aparecem, ou não, no Projeto Político Pedagógico de uma
escola de Educação Infantil da Grande Florianópolis, auxiliando na imersão das crianças
em espaços-tempo de musicalização.

1.2. Inquietações sonoras deste encontro - traçando partituras

Som é tudo que soa!

De acordo com Teca Brito (2003, p.17):

A música é uma linguagem universal. Tudo o que o ouvido percebe sob


a forma de movimentos vibratórios. Os sons que nos cercam são
expressões da vida, da energia, do universo em movimento e indicam
situações, ambientes, paisagens sonoras: a natureza, os animais, os seres
humanos traduzem sua presença, integrando-se ao todo orgânico e vivo
deste planeta.

O presente trabalho justifica-se pela necessidade de se buscar metodologias


diferenciadas que visam relacionar o universo infantil ao sonoro. É importante que a
criança tenha oportunidades de encontro com a música e de compreendê-la como uma
linguagem universal, que muda de cultura para cultura, sendo uma arte que se transforma
em linguagem.
Para ampliar meus estudos na temática e compor este estudo, realizei um
levantamento bibliográfico sobre o tema da musicalização na Educação Infantil, na base
de dados Scientific Electronic Library - SCIELO, utilizando as seguintes palavras-chave:
Educação Infantil e Música; Educação Infantil e Musicalização; Educação Infantil
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e Linguagem Musical. O recorte temporal da pesquisa alcançou os anos 2009 a 2019,


para que tivéssemos aí representado o intervalo de dez anos depois da publicação da Lei
Nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que determinava a obrigatoriedade da
música nos Currículos da Educação Básica. Procurei investigar quais os impactos de tal
obrigatoriedade nos estudos publicados na área da Educação, notadamente aquela que se
dedica à musicalização na/das infâncias. Utilizamos como critério de seleção dos artigos
a presença das palavras acima destacadas no resumo das publicações. Contudo, não foram
encontrados textos que falassem sobre o assunto anunciado nesse TCC. Isso não impediu
que fizéssemos outras e importantes buscas para selecionar bibliografias e autores/as que
pudessem auxiliar na construção dos argumentos e questões deste estudo. Importante
também considerar o TCC intitulado “A Música na Formação em Pedagogia”, de autoria
da Letícia Dolores da Silva, defendido em 2014, como requisito para obtenção do diploma
de Licenciada em Pedagogia pela UFSC.
Observar a ausência/presença da musicalização no espaço da educação infantil em
meu estágio não-obrigatório, como auxiliar de sala, na rede privada, fez com que eu
percebesse que a música é muitas vezes incluída apenas como um passatempo. Contudo,
a sua importância vai muito além dessa inclusão passageira. Percebo que a música oferece
inúmeras oportunidades para que a criança aprimore suas habilidades motoras, aprenda a
controlar seus músculos, mova-se com mais desenvoltura ou consiga expressar algum
movimento que, até então, não era observado no seu dia a dia. Atualmente, presencio a
sua inquestionável importância no meu trabalho como cuidadora de uma criança pequena.
Vejo que a música estimula o processo da fala, os gestos, a maneira de movimentar o
corpo e também segurar o instrumento musical que lhe agrada. Falo aqui de uma criança
de 9 meses, cujo acompanhamento tem se dado diariamente. Nossos momentos musicais
tem sido mágicos e, assim, criamos encontros feitos de sensibilidade e criação.
É preciso salientar que incluir a música na educação infantil significa trabalhar
com a exploração dos sons, culturas e o repertório musical das infâncias, conhecimentos
esses, que ultrapassam a dimensão específica de uma (com)formação musical. Falar sobre
musicalização na educação infantil me deixa inquieta e ao mesmo tempo é um tema que
considero muito importante, pois faz parte da vida das crianças, além de estar presente
em vários lugares através dos sons, das manifestações culturais dos sentidos, e também
da imaginação.
Na prática pedagógica, a música pode estar presente desde o início das atividades,
no lanche, na brincadeira e até em uma contação de história, sempre de forma
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contextualizada e com sentido. Percebi, durante meu estágio na educação infantil, que
os/as colegas da escola deixavam a musicalização de lado, talvez pela ausência de
conhecimentos que lhes permitisse explorar esta forma de linguagem.
Realizar um trabalho pedagógico com a música/musicalização, no contexto
educacional, é muito importante. Como futura professora, entendo que a música é
essencial, pois contribui com o desenvolvimento das nossas formas de perceber,
experimentar, sentir, criar. Considero que a sua presença é muito importante para o
desenvolvimento e a formação das crianças. Entendo que a música contribui para o
desenvolvimento infantil, além de estimular a valorização de culturas regionais e
nacionais. É preciso, ainda, ultrapassar a noção estreita e utilitária da sua presença nos
processos educativos e, com isso, valorizar a sua ênfase na produção de conhecimentos e
na valorização da experimentação. Acredito, como professora em formação, que é
fundamental que as crianças possam explorar o (in)imaginável através da música. Escolhi
este tema de pesquisa, pois compreendo o papel da música/musicalização como
experiência estética. A musicalização na educação infantil pode contribuir muito para o
desenvolvimento corporal e linguístico das crianças, sem esquecermos, como bem nos
ensina Rubem Alves (2008, s/p), que “a experiência da beleza tem de vir antes”.
Neste trabalho, procuramos estabelecer relações entre o modo como a
musicalização é apresentada/discutida no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil e na Base Nacional Comum Curricular, com o Projeto Político-
Pedagógico de uma instituição de Educação Infantil da grande Florianópolis, para
localizar em seus textos, a forma de imersão das crianças em espaços-tempos que
favoreçam a musicalização. Partir das grandes diretrizes e documentações da Educação
Infantil nos pareceu uma estratégia acertada, pois permitiu reconhecer o modo como cada
contexto educativo, movido pelas reflexões oriundas da construção coletiva dos seus
Projetos Político-Pedagógicos, tece as linhas, as cores e as sonoridades desta
(com)formação.
É importante igualmente ressaltar que o ano de 2011 foi a data limite para que
todas as escolas públicas e privadas do Brasil incluíssem o ensino da música em seus
currículos, apesar de que encontrariam dificuldades em implantá-la, pois não havia
professores/as contratados para tal finalidade, além de existirem em muitos contextos
falta de instrumentos, local e materiais necessários e apropriados para a organização das
aulas. A LDBEN 9.394/1996 não trazia a música como conteúdo obrigatório dos
currículos escolares, a exigência surgiu com a Lei Nº 11.769, sancionada em 18 de agosto
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de 2008, que determinava tal obrigatoriedade. O art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, passa a figurar com seguinte redação: “§ 6º: A música deverá ser
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do componente curricular [artes]”. Em 2016,
tivemos nova alteração da LDBEN, a Lei Nº 13.278, de 02 de maio de 2016, que assegura
a presença das artes visuais, da dança, da música e do teatro como linguagens que devem
constituir o ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, como
componente curricular obrigatório da educação básica. A referida lei indica, ainda, o
prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino implementem tais mudanças. Prazo
este que finalizou em maio de 2021. Com base nesse conjunto de argumentos, que
sustentam a importância deste trabalho, passo a apresentar os objetivos a que ele se
propõe.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral

➢ Investigar o modo como a musicalização é apresentada/concebida nos


documentos curriculares para a Educação Infantil, estabelecendo relações com o
Projeto Político-Pedagógico de uma instituição da Grande Florianópolis, para
localizar em seus textos, as formas de imersão das crianças em espaços-tempos
que favoreçam a musicalização.

1.3.2 Objetivos específicos

➢ Investigar como a musicalização é apresentada/concebida nos documentos


curriculares para a Educação Infantil (RCNEI e BNCC);
➢ Estabelecer relações entre o modo como a musicalização é apresentada/concebida
nos documentos curriculares da Educação Infantil (RCNEI e BNCC) com o
Projeto Político-Pedagógico de uma instituição de Educação Infantil da Grande
Florianópolis;
➢ Identificar, no Projeto Político-Pedagógico analisado e em cenas do cotidiano da
instituição, experiências que favorecem a imersão das crianças nas diferentes
linguagens e no progressivo domínio de vários gêneros e formas de expressão,
com ênfase na musicalização.
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1.4 Metodologia

A presente pesquisa se configura como bibliográfica e documental, portanto, se


constitui a partir de documentos e materiais já elaborados e que podem ser acessados
virtualmente, como o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) e
a Base Nacional Comum Curricular. O Projeto Político-Pedagógico da instituição
participante deste estudo configura-se, ainda, como fonte documental absolutamente
relevante para as finalidades deste Trabalho de Conclusão de Curso. Para Sá-Silva (2009,
p. 02): “o uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza de
informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das
Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja
compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural”.

Sobre a pesquisa bibliográfica, adverte Gil (2002, p.44):

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já


elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho
dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de
fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser
definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias,
bem como aquelas que se propõem à análise das diversas posições
acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase
exclusivamente mediante fontes bibliográficas.

Sendo assim, tem-se aqui um trabalho de cunho bibliográfico-documental,


pautado na pesquisa teórica, porque abrange leituras de artigos, análise e interpretações
de diferentes documentos, como também materiais disponíveis na internet, buscando em
vários autores(as), que discutem essa temática, contribuições que permitam compreender
a presença/ausência da musicalização nos documentos curriculares para a Educação
Infantil e no Projeto Político Pedagógico de uma instituição endereçada às infâncias. De
igual modo, ao procurar traçar um histórico sobre o objeto de estudo, a pesquisa
bibliográfica ajuda a identificar contradições, limites e possibilidades de respostas, ainda
que transitórias, acerca das perguntas formuladas ao longo do trabalho. É igualmente
importante destacar que a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica são muito
próximas. Como bem advertem Sá-Silva at. al. (2009, p. 06):

O elemento diferenciador está na natureza das fontes: a pesquisa


bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre
o tema, atentando para as fontes secundárias, enquanto a pesquisa
19

documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento


analítico, ou seja, as fontes primárias. Essa é a principal diferença entre
a pesquisa documental e pesquisa bibliográfica.

Importante ressaltar que a bibliografia e a documentação selecionadas para as


finalidades desse estudo serão sistematizadas tomando como referência a análise de
conteúdo (MINAYO, 2002).

No próximo Capítulo a/o, a leitora encontrará alguns dos referenciais que


sustentam as ideias, as concepções e as defesas ético-políticas desse TCC, que também
pode ser concebido como uma combinação expressiva de sons.

2. A Música na Educação Infantil

A introdução da música na Educação Infantil torna-se uma ferramenta importante


para o desenvolvimento das crianças. O processo de crescimento de uma criança vai
muito além dos seus aspectos físicos e intelectuais, por isso a importância dos/as
professores/as priorizarem também a música no dia a dia da creche. É sabido que o
processo de musicalização pode ajudar no desenvolvimento infantil e colaborar com a
aprendizagem diária. A musicalização traz benefícios que ajudam não somente em
habilidades pedagógicas, mas no desenvolvimento humano; colaborando com o
desenvolvimento psíquico e comandos motores. Alguns/mas estudiosos/as como Gardner
(1995), Bréscia (2003), Gillioli (2008) e Brito (2003) ressaltam os benefícios da música
na educação infantil, produzindo efeitos positivos naqueles/as que usufruem dela nestes
contextos.

Ao longo deste trabalho procuramos mostrar os benefícios mais observados com


a prática da musicalização na Educação Infantil e em quais circunstâncias os mesmos
podem aparecer. Tratamos da musicalização como uma dimensão importante da prática
pedagógica, com ênfase nas suas contribuições para os ambientes educativos.
Pretendemos, com isso, que tenhamos mais estudos e pesquisas na área, assim como a
ampliação da sua inserção cada vez mais qualificada em instituições educativas forjadas
para as infâncias. Isto envolve considerar com atenção a possibilidade de construção de
vínculos musicais na infância.
A teoria das inteligências múltiplas formulada por Gardner (1995) sugere que existe
um conjunto de habilidades chamadas de inteligências, e que cada indivíduo as possui em
20

graus e em combinações diferentes. Para o autor, “uma inteligência implica capacidade


de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado
ambiente ou comunidade cultural” (p. 21). Gardner (1995) aborda a questão da
Inteligência Musical, e apresenta alguns motivos pelos quais ela deve ser melhor
considerada no currículo escolar. O autor indica a música como um elemento importante
para estabelecer harmonia pessoal, facilitando a integração, a inclusão social e o
equilíbrio psicossomático. A música é um facilitador no processo de ensino-
aprendizagem, mas deve ser incentivada, uma atividade realizada com prazer.
Para Bréscia (2003), a musicalização envolve um processo de construção do
conhecimento, que tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical,
favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer
de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, autodisciplina, do
respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva
consciência corporal e de movimentação. A autora evidencia que as atividades de
musicalização permitem que as crianças conheçam melhor a si mesmas, desenvolvendo
noções de esquema corporal, além de colaborar para a comunicação entre elas.
A musicalização pode facilitar a integração, a inclusão social e o equilíbrio. “O
aprendizado de música, além de favorecer o desenvolvimento afetivo da criança, amplia
a atividade cerebral, melhora o desempenho escolar dos alunos[a] e contribui para integrar
socialmente o indivíduo” (BRÉSCIA, 2003, p. 81). Com base na autora, a música
favorece a memória auditiva, a observação, a discriminação e reconhecimento dos sons.
Além disso, “a música na Educação Infantil auxilia no desenvolvimento psicomotor,
contribui no processo de socialização e aproxima a criança da arte” (GILIOLI, 2008, p.
6).
Percebemos que a musicalização pode oferecer inúmeras oportunidades para que
a criança aprimore suas habilidades motoras, aprenda a controlar seus músculos e a
mover-se com desenvoltura. Presencio situações em que a música estimula o processo da
fala, pois mesmo sem se comunicar verbalmente, as crianças cantam a seu modo,
tornando o momento mágico e desenvolvendo aprendizagens com sensibilidade e
criatividade. Minha experiência, como auxiliar de sala na Educação Infantil, oportunizou
perceber a importância da musicalização com todas as suas peculiaridades e significados.
Ela contribui para que as crianças apreciem o valor musical, despertando nelas o gosto
pela música.
21

A musicalização na Educação Infantil não deve almejar a formação de


instrumentistas, concertistas e nem mesmo o domínio de instrumentos como forma de
alçar certa carreira profissional. Talvez a criança, no futuro, deseje alcançar alguma
dessas carreiras, mas o ato de ensinar e trabalhar com a música não deve antecipar
temporalidades da existência. É preciso salientar que trabalhar com a musicalização na
educação infantil significa considerar a linguagem musical em toda sua potência. Isso
inclui promover espaços-tempo para a exploração dos sons, da música como parte
importante das culturas e dos repertórios musicais das infâncias. Lembremos mais uma
vez Rubem Alves (2008, s/p): “se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não
começaria com partituras, notas e pautas”.
Projetos que buscam integrar a música com a Educação Infantil podem ganhar
dimensões que ultrapassam os muros da escola. As instituições educativas, os/as
professores/as e as crianças podem ser disseminadores/as de práticas e ideias. Então vale
lembrar que o objetivo de inserir a musicalização nesses espaços auxilia na construção do
conhecimento. Sendo assim, a musicalização na educação infantil pode ser vista como
uma parceria que dá certo, além de deixar o ambiente leve e alegre, permite que a criança
se expresse, brinque e se movimente conforme a imaginação. Com ela, a criança pode
entrar em contato com as vivências cotidianas. A musicalização ajuda também no
processo de aprendizagem da leitura e escrita.

De acordo Teca (2003, p.58):

O fazer musical é um modo de resistência, de reinvenção, que ao mesmo


tempo, fortalece o estar - juntos, o pertencimento a um grupo, a uma
cultura. O viver (e conviver) na escola/creche favorece espaços de
trocas de vivências e construção de saberes e ampliação da consciência
– o que deve, obviamente, abarcar todas as dimensões que nos
constituem, incluindo a dimensão estética.

A autora nos permite compreender o fazer musical como uma importante


dimensão da proposta pedagógica da creche, pois diz da formação integral das crianças.
É também ela quem nos convida a analisar e refletir sobre o modo como as crianças
aprendem a música e qual o significado que este aprendizado musical tem em suas vidas.
Ela destaca que somos seres musicais, que a música é importante para nós e, por isso,
deve fazer parte dos currículos das escolas. Considerar o fazer musical como um modo
de resistência e reinvenção parece mostrar a força de uma (com)posição musical. O que
nos leva também a perguntar: quais resistências sonoras rondam nossas instituições?
22

Quais repertórios musicais se derramam de suas partituras? Quais silêncios gritam em


nossas creches?
O processo de musicalização tem o objetivo de fazer com que a criança se torne
um ouvinte sensível da música em seu amplo universo sonoro. E esse processo deve
acontecer na escola, segundo Silva (1992, p.92), “(...) sendo a escola a instituição
responsável pela formação cultural da criança, cabe a ela também proporcionar esse
conhecimento (...)”. Contudo, podemos nos perguntar: quais músicas estão presentes na
creche? O que essas músicas ensinam? Como “cantam” as diferentes infâncias
brasileiras? Suas letras e sonoridades promovem a igualdade racial? Quais músicas
escolhemos cantar? Qual delas deixamos de tocar? Perguntas insistentes para as quais não
temos respostas definitivas, mas ensaiamos algumas pistas-canções.
Diante disso, acreditamos que a creche deve incentivar a musicalização e também
proporcionar condições para que ela aconteça, garantindo a compra ou construção de
instrumentos, por exemplo. Contudo, sabemos que esta responsabilidade não é apenas da
creche, pois implica questionarmos qual educação queremos e como ela se torna possível
no conjunto das políticas públicas a ela endereçadas. De acordo com Snyders (1994), a
escola deve proporcionar além da preparação para o futuro, alegria para o presente, e essa
é uma das intenções da musicalização na creche, para que todas/os as crianças possam ter
acesso ao conhecimento musical. A música pode levar alegria para os ambientes
educativos e também contribuir com a recusa ao elitismo que afasta alguns/as do mundo
musical, fazendo-os/as considerar a música como um conhecimento para poucas/os.

2.1 Música e Musicalização: diferenças e Conceitos

2.2 A música como arte de manifestar afetos


A música é a arte de manifestar os
diversos afetos da nossa alma mediante o som.

Elvis Paz

A música pode se tornar essencial na vida das pessoas, promover encontros e


recordações de momentos felizes e/ou tristes. A sua definição no Dicionário Aurélio
(2008, p.523) alcança o seguinte significado: "a música é arte e ciência de combinar os
sons de modo agradável ao ouvido, também qualquer conjunto de sons”. Além do
Dicionário, recorremos a alguns teóricos como: Brito (2003), Queirós (1999), Cage
23

(1985), Bréscia (2003) e lançarei mão de alguns documentos oficiais como o RCNEI
(1998) e a BNCC/EI) sobre o conceito de música e musicalização.
A música foi utilizada para louvores, para festejos de culturas e também para o
ensino. Pitágoras ensinava determinados acordes musicais e melodias que criavam
reações no organismo do ser humano. “Pitágoras demonstrou que a sequência de sons, se
tocada musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e acelerar
o processo de cura” (BRÉSCIA, 2003, p.31).
Na Grécia, a música significa a arte das musas, belas artes, e basicamente se
constitui de uma sucessão de sons e silêncios, sendo considerada uma prática cultural
entre homens/mulheres de todas as épocas. Queirós (1999, p.7) destaca:

Com os ouvidos nós escutamos o silêncio do mundo. E dentro do


silêncio moram todos os sons: canto, choro, riso, lamento. [...] Quando
nós escutamos, imaginamos distâncias, construímos histórias,
desvendamos nossas paisagens. Os ouvidos têm raízes pelo corpo
inteiro (QUEIRÓS, 1999, p.7).

Música é melodia, ritmo e harmonia, e esses elementos estão muito presentes na


produção musical com a qual nos relacionamos cotidianamente. Ela oportuniza
possibilidades distintas de organização de material sonoro. A música não se restringe em
conhecer instrumentos, ouvir ou tocar um som, e sim em sentir a música, pois ela é
percepção, organização, interpretação e improvisação. Percebemos a música quando
prestamos atenção no que ela diz através da melodia, do tempo, do timbre, altura,
intensidade e ritmo. Todos esses são elementos que constroem a música para que seja
apreciada durante uma produção musical. Vejamos o que dizem as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (2009, p.162):

Nosso mundo está repleto de sons e as crianças estão sempre prontas a


descobrirem, reproduzirem e criarem outros sons, ruídos, barulhos,
canções e músicas. Devemos lembrar que elas já começam a descobrir
os sons dentro do útero materno e, desde que nascem, buscam explorar
o próprio corpo e todos os objetos que emitem ou com os quais possam
produzir sons.

Nesse sentido, podemos dizer que o som é definido como uma expressão de
movimento, sendo tudo aquilo que soa, ou tudo aquilo que nossos ouvidos escutam. Já o
silêncio não é a ausência de som, mas sim aquilo que não se ouve. Desse modo, o silêncio,
caracterizado como ausência de som, se contrasta com a ideia de que a música é uma
24

propagação sonora de elementos melódicos em um encadeamento harmônico de notas


musicais. O silêncio se configura em muitos casos um estado primário ou secundário.
Portanto, existe uma relação em que numa composição harmônica, o silêncio se apresenta
intermitentemente e indispensável na construção melódica.

A música não é só uma técnica de compor sons (e silêncios), mas um


meio de refletir e de abrir a cabeça do ouvinte para o mundo [...]. “Com
sua recusa a qualquer predeterminação em música, propõe o
imprevisível como lema, um exercício de liberdade que ele gostaria de
ver estendido à própria vida, pois ‘tudo o que fazemos (todos os sons,
ruídos e não sons incluídos) é música” (CAMPOS apud CAGE, 1985,
p.5).

Durante a pesquisa, encontramos diversas definições acerca do conceito de


música, sendo considerada como arte que se manifesta pelos arranjos e escolhas de
combinações. Bréscia (2003, p.25) conceitua a música como “[...] combinação
harmoniosa e expressiva de sons e como a arte de se exprimir por meio de sons, seguindo
regras variáveis, conforme a época, a civilização, etc”. Já para Brito (2003, p. 25):

O emprego de diferentes tipos de sons na música, é uma questão


vinculada à época e à cultura. O ruído, por exemplo, considerado muito
tempo como não som, ou som não musical, presente apenas nas
produções musicais alheias ao modelo musical ocidental, foi
incorporado e valorizado como elemento de valor estético na música
ocidental do Século XX. Se o parâmetro altura, com a ordenação de
tons (sons com afinação determinada), predominou na música ocidental
desde a Idade Média até o final do Século XIX, o timbre tornou-se o
parâmetro por excelência no Século XX, pela ampliação das fontes
sonoras que foram incorporadas ao fazer musical (BRITO, 2003, p.25).

Na próxima seção, o/a leitor/a encontrará algumas pistas sobre o processo de


musicalização.

2.3 Notas sobre a Musicalização

Entendemos que o processo de musicalização deve buscar desenvolver esquemas


de apreensão da linguagem musical e durante o processo podemos adquirir certa
sensibilidade oriunda do encontro com determinado estímulo musical. A vivência musical
promovida pela musicalização permite à criança o desenvolvimento da capacidade de se
expressar de modo integrado, executando movimentos corporais quando canta ou ouve
25

uma música. Através dos movimentos e com músicas diferenciadas, as crianças podem
brincar por meio do seu corpo e sentir os ritmos que lhe chegam e/ou tocam, o que não se
desenvolve apenas na musicalidade, mas no vínculo afetivo com os outros/as que com ela
interagem. Além de possibilitar uma noção maior de espaço e tempo.

A realização musical implica tanto gesto como movimento porque o


som é também gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em
movimento os diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão,
balanceio, torção, estiramento etc. e os movimentos de locomoção,
como andar, saltar, correr, saltitar, galopar etc., estabelecem relações
diretas com os diferentes gestos sonoros (RCNEI, vol. 3, 1998, p.61).

Na Educação Infantil podemos incluir a música na hora da brincadeira, na


contação de história, momento de chegada da criança no ambiente educacional, sendo que
esse não deve ser o único motivo para a música ali existir. A criança além de cantar, tem
seus interesses também em querer tocar algum instrumento musical, buscando entender
sua construção. E a musicalização na educação infantil está diretamente relacionada com
a importância de se desenvolver atividades musicais de forma lúdica. Como relata Brito
(1998):

O termo “musicalização infantil” adquire então uma conotação


específica, caracterizando o processo musical por meio de atividades
lúdicas, em que as notações básicas de ritmos, melodia, compasso,
métrica, som, tonalidade, leitura e escrita musicais são apresentadas à
criança por meio de canções, jogos, pequenas danças, exercícios de
movimento, relaxamento e prática em pequenos conjuntos
instrumentais (JOLY apud BRITO, p. 116, 1998).

Na Educação Infantil a criança é mais receptiva a esse desenvolvimento musical,


podendo assim, usufruir com qualidade dessas práticas. De uma forma resumida,
podemos afirmar que a musicalização significa introduzir a música na vida das crianças,
e muitas vezes isso é feito sem sabermos. Musicalização não é somente ensinar uma teoria
ou técnica para a criança tocar um instrumento, mas inseri-la no mundo musical, para que
assim, crie interesse próprio e consiga desenvolver relações simbólicas com a música,
fazendo dela parte significativa da sua vida cotidiana.
No próximo Capítulo, o/a leitor/a será convidada/o a “escutar” como a
musicalização é apresentada/concebida no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil – RCNEI.
26

3. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – indicadores e


análise

Neste capítulo objetivo evidenciar e refletir o modo como a questão da


musicalização ganha visibilidade em documentos que intencionam orientar os/as
profissionais da Educação Infantil. Tal análise terá como base, neste momento do texto,
o RCNEI, embora seja importante lembrar que este e outros documentos compõem um
conjunto de orientações que evidenciam as disputas, as resistências e as lutas assumidas
por aqueles/as que insistem e/ou resistem aos processos de precarização da educação
expressos em algumas dessas composições curriculares. É fundamental também ressaltar
que a presente pesquisa não apresentou/aprofundou as muitas e contundentes críticas
endereçadas tanto ao RCNEI - EI quanto à BNCC - EI, como bem evidenciam os estudos
de Pavezi (2014) e Cerisara (1999).
Pensar os sentidos expressos acerca da musicalização nos documentos oficiais da
educação, envolve o leitor/a na busca por uma melhor compreensão sobre os desafios
teóricos e práticos voltados à sua inclusão qualificada na educação infantil. Para as
finalidades deste trabalho, elegemos os seguintes documentos para análise: Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998) e a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC, 2019).
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) integra a série
de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministério da
Educação atendendo as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei Nº. 9.394/96. Esse documento foi realizado após um amplo debate nacional
com a participação de professores/as e profissionais que atuam diretamente com crianças.
O RCNEI foi considerado um avanço na educação infantil ao buscar soluções educativas
para a superação da tradição assistencialista das creches e também para a superação de
experiências de antecipação da escolaridade nas pré-escolas. O documento foi elaborado
com a intenção de servir como um guia educacional, destacando conteúdos e orientações
didáticas para os profissionais da educação, principalmente os/as que atuam com crianças
de zero a cinco anos e 11 meses de idade, respeitando assim seus estilos pedagógicos e a
diversidade cultural brasileira. A intenção do RCNEI é indicar caminhos que contribuam
para que as crianças desenvolvam integralmente sua identidade e para que possam ser
capazes de crescer como cidadãos/ãs com direito à infância reconhecida.
27

Para o RCNEI, a música pode ser compreendida como uma linguagem ou forma
de conhecimento e, presente no cotidiano da humanidade, pode ser encontrada de modo
intenso na TV, no rádio e tantos outros meios de comunicação. A linguagem musical tem
estrutura própria sendo considerada como:
Produção - centrada na experimentação e na imitação tendo como
produtos musicais a interpretação, a improvisação e a composição;
Apreciação - percepção tanto dos sons e silêncio quanto das estruturas
e organizações musicais, buscando desenvolver, por meio do prazer da
escrita, a capacidade de observação, análise e reconhecimento;
Reflexão - sobre questões referentes à organização, criação e produtos
musicais (BRASIL, 1998, p.49, V. III).

Em outubro de 1998, o resultado final do RCNEI foi divulgado e organizado em


três volumes: Introdução; Formação pessoal e Social e Conhecimento do mundo. O
volume I seguiu como referência para a constituição do ser/estar criança em diferentes
contextos sociais, suas culturas, etc. Já os dois outros volumes do RCNEI, denominados
âmbitos de experiências, foram assim denominados: Formação Pessoal e Social, que
contempla os processos de construção da identidade e autonomia das crianças e
Conhecimento do Mundo, que apresenta seus subeixos: música, movimento, artes
visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática.
Ainda no eixo Música, inserido na proposta do RCNEI para a Educação Infantil,
são apresentados os objetivos e os conteúdos de acordo com a faixa etária de 0 a 3 anos e
de 4 a 6 anos. Nesses objetivos são dispostas algumas capacidades a serem desenvolvidas
pelas crianças através da mediação cuidadosa oportunizada pelo trabalho dos/as
professores/as. Crianças de 0 a 3 anos:
● Ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros diversos, fontes sonoras e
produções musicais;
● Brincar com a música, imitar, inventar e reproduzir criações musicais.

Para crianças de 4 a 6 anos:

● Explorar e identificar elementos da música para se expressar, interagir com


os outros e ampliar seu conhecimento de mundo;
● Perceber e expressar sensações, sentimentos e pensamentos por meio de
improvisações, composições e interpretações musicais.
28

O RCNEI reúne propostas pedagógicas que integram uma série de informações


sobre o trabalho na Educação Infantil e uma dessas propostas é a utilização da música
como recurso pedagógico. Diante disso, esse documento define música como:

A linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e


comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da
organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A
música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações:
festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas,
políticas etc. faz parte da educação desde há muito tempo [...].
(BRASIL, 1998, p.45, vol. III).

Para o RCNEI (1998, p.49, vol.III) o trabalho com música deve considerar,
portanto, que ela é um meio de expressão e forma de conhecimento acessível aos bebês e
crianças. A linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da expressão do
equilíbrio, da autoestima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração
social.
Dentre os vários eixos temáticos postos pelo Referencial Curricular da Educação
Infantil, a música/musicalização desempenha um importante papel, pois ajuda a criança
a aprimorar suas relações socioafetivas, auxiliando na coordenação motora e despertando,
enfim, inúmeros benefícios. Integrar sons musicais durante o exercício de movimento é
ótimo para as crianças, pois amplia a possibilidade de expressão corporal, garantindo uma
maior noção de ritmos, auxiliando assim, no desenvolvimento do equilíbrio, além de
trazer momentos de prazer e alegria às crianças.
Entendo que isso deve ser cultivado na educação infantil, podendo proporcionar
integração, interação e comunicação social, o que confere um caráter significativo à
linguagem musical. Essa é uma das formas mais importantes de expressão humana e pode
resultar em propostas que respeitam o modo de perceber, sentir e pensar em cada
momento da vida das crianças, contribuindo para que a construção do conhecimento
ocorra de modo significativo.
Abaixo apresento de forma sintetizada como os descritores “música”,
“musicalização” e “linguagem musical” aparecem no RCNEI. O objetivo desta seção é
alcançar o modo como a música é apresentada/concebida neste documento curricular
destinado à Educação Infantil. Antes disso, torna-se importante ressaltar que os
descritores acima mencionados são os mesmos que utilizei na pesquisa realizada nas
bases de dados investigadas para o levantamento das produções bibliográficas que versam
sobre a música/musicalização na Educação Infantil.
29

É importante igualmente destacar que a alta frequência de ocorrências do termo


música e suas derivações apresentada neste Capítulo tem a ver com a pesquisa direcionada
ao Volume 3 do RCNEI, pois este apresenta uma seção dedicada à música/musicalização
e é sobre ele que estamos a nos debruçar neste momento do trabalho. De modo geral, a
palavra música é citada trezentos e setenta e nove vezes no referido documento (379);
seguida da expressão linguagem musical, com doze (12) ocorrências e, por fim, da
palavra musicalização com apenas quatro (04) indicações. Contudo, a ocorrência dos
descritores se modifica um pouco quando tomamos como referência apenas o Capítulo
sobre a música (páginas 42 -77). Neste, a frequência dos descritores aparece da seguinte
forma: música - duzentos e trinta e seis (236) indicações; musicalização - duas (02)
ocorrências e linguagem musical - doze inserções (12).

Abaixo, indicamos algumas passagens do texto, selecionadas a partir dos


descritores analisados, para compreender o modo como a música/musicalização é
concebida neste documento.

Quadro 1 – Discussão/Concepção de Música, Musicalização e Linguagem


Musical no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998):

Doc. Música Linguagem Musical Musicalização

“A música é a “A integração entre os “o contato intuitivo


linguagem que se traduz aspectos sensíveis, afetivos, e espontâneo com a
em formas sonoras estéticos e cognitivos, assim expressão musical
capazes de expressar e como a promoção de desde os primeiros
comunicar sensações, interação e comunicação anos de vida é
sentimentos e social, conferem caráter importante ponto de
pensamentos, por meio significativo à linguagem partida para o
da organização e musical.” (p.45, v.III) processo de
relacionamento musicalização” (p.
expressivo entre o som e “[...] a linguagem musical 46, v III).
o silêncio.” (p.45, v.III) tem estrutura e
R características próprias, [...]” O ambiente sonoro,
C “Nesses contextos, a (p.48, v.III) assim como a
N
música é tratada como presença da música
E “[...] a linguagem musical em diferentes e
I se fosse um produto
pronto, que se aprende a deve ser tratada e entendida variadas situações
reproduzir, e não uma em sua totalidade: como do cotidiano fazem
linguagem cujo linguagem presente em todas com que os bebês e
30

conhecimento se as culturas, que traz consigo crianças iniciem seu


constrói.” (p.47, v.III) a marca de cada criador, cada processo de
povo, cada época.” (p.65, musicalização de
“as formas de v.III) forma intuitiva (p.
organização social e o 51, v III).
papel da música nas “[...] a linguagem musical
sociedades modernas como forma de expressão
tenham se transformado, individual e coletiva e como
R [...]” (p.47, v.III) maneira de interpretar o
C mundo.” (p.65, v.III)
N “Compreende-se a
E música como linguagem
I e forma de
conhecimento.” (p. 48,
v.III)

“a música como produto


cultural do ser humano é
importante forma de
conhecer e representar o
mundo.” (p.56, v.III)

“[...] música, que é uma


interferência intencional
que organiza som e
silêncio e que comunica.
O silêncio valoriza o
som, cria expectativa e é,
também, música.” (p.60,
v.III)

[“...] reconhecer a
música como linguagem
cujo conhecimento se
constrói;” (p.66, v.III)

A leitura atenta do documento nos permite reconhecer a seguinte concepção de


música, a saber: como linguagem que se constrói; como produto cultural e maneira de
interpretar o mundo e, ainda, como forma de expressão. O que por vez, nos aproxima de
Brito (p. 58), notadamente quando a autora destaca o fazer musical como forma de
resistência e pertencimento a um grupo cultural. Perspectiva que alcança o seu significado
31

como um conhecimento que se constrói e a importância de apresentá-la desse modo às


infâncias. Sem esquecer que, como produto cultural, as crianças vivem diferentes
espaços-tempos de imersão na música. Para algumas delas, inclusive, a sua presença pode
ser muito forte e motivar o fortalecimento do estar - junto e do pertencimento a uma dada
comunidade. É também Campos apud Cage (1995, p. 05) quem nos lembra que a música
vai muito além de mera composição técnica, sendo considerada como um “exercício de
liberdade que ele gostaria de ver estendido à própria vida”. Talvez esteja aí uma das pistas
para seguirmos com a defesa dos espaços-tempos de musicalização para as infâncias: sua
concepção como arte e, portanto, como resistência. Em um país marcado por profundas
desigualdades, a sua defesa assume um princípio ético-político inegociável.
Destaco aqui um momento de conversa com uma colega de trabalho (atelierista)
na instituição onde trabalho atualmente. Falávamos da dimensão cultural que atravessa
os processos de musicalização e das tantas ausências que forjam muitas creches. E diante
dessa conversa deixo aqui uma reflexão muito importante sobre esse assunto: Como
podemos contemplar a diversidade da história brasileira e a música como forma de
resistência dos povos originários (indígenas) e quilombolas, por exemplo? Há um silêncio
que parece amordaçar a nossa criticidade e a produção cultural das infâncias.
Quando falamos em produção cultural das crianças estamos falando nas
manifestações infantis, nas crianças se relacionando criativamente com a cultura e tudo
aquilo que são bens culturais que as cercam nos espaços educacionais. As crianças
reelaboram e recriam suas vivências. De acordo com Coutinho (2003):

Eles[as] recriam situações já presenciadas e criam, assim, uma cultura


infantil, pois como afirmam Pinto e Sarmento (...): “as culturas infantis
não nascem no universo simbólico exclusivo da infância, este universo
não é fechado, pelo contrário, é mais do que qualquer outro
extremamente permeável” (COUTINHO, 2003, pp. 03-04).

Por fim, como destacamos anteriormente, a palavra musicalização aparece apenas


duas vezes no documento. Chama a nossa atenção que as duas ocorrências falam de um
processo pelo qual, de modo intuitivo, o conhecimento musical pode chegar aos(às)
bebês/crianças. Contudo, o texto também destaca que este seja apenas o ponto de partida.
No entanto, parece igualmente evidente que a concepção de música apresentada, como
linguagem e forma de conhecimento, não consegue superar certa noção estreita que a
encerra apenas como meio de comunicação e expressão.
32

A seguir apresentaremos a presença/ausência dos mesmos descritores na Base


Nacional Comum Curricular.

4. Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil – indicadores e


análise

A nova BNCC (Brasil, 2017) para a educação infantil amplia a carga horária
destinada aos campos de experiências que envolvem a arte e suas linguagens, tendo a
música como conteúdo obrigatório desde a infância. A BNCC está prevista na
Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(LDB, Lei nº. 9394/1996) e no Plano Nacional da Educação de 2014-2024 (PNE, Lei nº
13005/ 2014). Ela se constitui em uma referência nacional para reformulação dos
currículos e das propostas pedagógicas das instituições escolares em ação conjunta com
o Estado e os Municípios.

Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em creche pré-


escola às crianças de zero a 6 anos de idade torna-se dever do Estado.
Posteriormente com a promulgação da LDB em 1996, a Educação
Infantil passa a ser parte integrante da Educação Básica, situando-se no
mesmo patamar que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E a partir
da modificação introduzida na LDB em 2006, que antecipou o acesso
ao Ensino Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil
passa a atender a faixa etária de zero a 5 anos e 11 meses (BNCC, 2017,
p.35).

A BNCC é um documento oficial, que envolve todas as etapas da Educação


Básica, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e que classifica faixas etárias bem
pequenas. De acordo com a BNCC, essas faixas etárias demonstram interesse pela
música, pois as propostas musicais envolvem a criança nos movimentos, na atividade de
escuta dos instrumentos musicais, na socialização e relaxamento. O documento anuncia
uma perspectiva de criança como protagonista em todos os contextos que ela faz parte,
pois não apenas interage, mas cria e modifica a cultura e a sociedade.

Parte do pressuposto de que a criança aprende por meio de experiências vividas


no contexto escolar onde o papel do/a professor/a é ser um/a mediador/a que planeja com
cuidado os materiais e as propostas sugeridas, para que assim haja uma atenção na criança
para que ela construa sua aprendizagem. A BNCC estabeleceu objetivos de aprendizagem
por meio de habilidades e competências essenciais para a educação infantil, criando
33

assim, estratégias pedagógicas voltadas aos contextos nos quais as atividades estão
inseridas. Essas competências gerais caracterizam-se como um conjunto de habilidades,
conhecimentos, atitudes e valores desenvolvidos a partir dos desafios que o mundo
contemporâneo oferece. A BNCC estrutura os objetivos de desenvolvimento e
aprendizagem em cinco campos de experiências.

Importante relacionar os campos de experiência apontados no documento com as


reflexões acerca da Música e Musicalização. Abordaremos nesse momento somente a
parte referente a esse assunto na Educação Infantil.

● Corpo, gestos e movimentos -


A consciência corporal é de grande importância para o
desenvolvimento de outras aptidões como a noção espacial,
coordenação motora e expressão corporal, a dança, as
brincadeiras e a música são muito importantes na aquisição
dessa consciência (BNCC, 2017, pp. 40-41).

● Traços, sons, cores e formas -

São diversas formas de expressão e manifestações artísticas que


possibilitam a assimilação de várias linguagens que podem ser
expressas de várias maneiras para que as crianças tenham
oportunidade de experimentar essas formas e expressar suas
ideias, seja por meio de desenhos, pinturas, colagens ou
somente apreciar a arte em suas diversas manifestações
(BNCC, 2017 p. 41).

Entre os documentos orientadores na construção da BNCC estão as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), que definem no artigo 9º, que
os eixos das práticas pedagógicas na educação infantil são as brincadeiras e interações.
Esses dois eixos possibilitam que as crianças exerçam seus direitos de aprendizagem e
desenvolvimento apresentados pela BNCC.

Embora a BNCC não defina o currículo a ser implementado pelas escolas, esse
documento constitui a base comum dos currículos e deve ser implementado de acordo
com as características regionais e locais da sociedade, da cultura (BRASIL, 1996).
Significa que os currículos não devem se limitar aos conteúdos da BNCC, pois esta deve
servir de “base” na elaboração dos mesmos uma vez que cada currículo deve ser
complementado com os conteúdos e competências relacionados às particularidades das
culturas brasileiras. Contudo, na sua atual versão, “o que era para ser uma referência,
passou a ser uma prescrição curricular – tendente à homogeneização de conteúdos e
34

organização da educação infantil no Brasil –, contrariando a autonomia garantida na LDB


de 1996” (BARBOSA et. al., 2019, p. 82).

A BNCC (Brasil, 2017 p. 63) afirma que “as atividades humanas são realizadas
nas práticas sociais imediatas e mediadas pelas diferentes linguagens: oral, visual,
corporal, sonora e, contemporaneamente, digital, e por meio dessas práticas há os
processos de interação”. Neste trecho a música está respaldada pelo uso da linguagem
sonora, e é explorada através dos parâmetros do som, através de práticas pedagógicas
diversificadas principalmente através de jogos musicais. O documento indica que Música
e Artes Visuais estão atreladas ao ensino da Arte e à área de Linguagens.

Diante disso, chega-se a um ponto que merece destaque no documento, pois a Arte
é uma disciplina tão importante quanto as demais e não deve ser menosprezada. A Lei nº
13.278, de 02 de maio de 2016, citada no início da pesquisa, diz que a música é uma
linguagem que constitui a componente curricular “Arte”, que, por sua vez, inclui outros
componentes como: a dança e o teatro, por exemplo. Urge questionar se nos espaços
educativos tais componentes ganham a mesma visibilidade e de fato se traduzem em
conhecimentos a serem ensinados-aprendidos. Parece importante, não só o/a professor/a,
mas também a escola reconhecer a importância de todas essas linguagens e expressões.
A BNCC (Brasil, 2017 p. 196) relata que “a música é uma expressão artística que se
materializa por meio de sons”, daí vê a importância de um ensino voltado a práticas
musicais que explorem esses sons, e o próprio documento acima nos dá dicas de como
trabalhar com a música no ambiente escolar da educação infantil, com foco na ludicidade.

A BNCC, (2017, p.199) propõe uma continuidade da educação infantil na qual o


ensino de arte deve estar centrado na ludicidade, sendo que durante o ensino fundamental
este ensino deve continuar por meio lúdico. Há inúmeras possibilidades de se trabalhar
com a música, e isto com certeza auxilia e muito no processo de ensino e aprendizagem
das crianças como já citado por vários autores/as nessa pesquisa. Sabemos que a
ludicidade deve ser estendida ao longo do ensino fundamental.

Em se tratando do objeto de estudo deste TCC, a BNCC começou a ser discutida


e escrita em 2015, a fim de se elaborar um único documento que contemplasse a
diversidade e as exigências de cada uma das áreas do conhecimento, e essa trajetória se
modificou, trilhando lugares diversos.

Com o avanço importantíssimo da Lei nº 11.769, de 2008, posteriormente


atualizada com a Lei nº 13.278, 2016, que dispõem como obrigatoriedade das linguagens
35

artísticas (artes visuais, dança, música, etc.), a BNCC desconsidera essa Lei supracitada
reduzindo os amplos e ricos Campos de Experiência de cada linguagem artística, nas
formas de conteúdo ou temas. Essas medidas fazem parte de avanços legais nas últimas
décadas e entender esses avanços é antes de tudo compreender que ainda temos muitos
desafios para a Educação e a inserção da música/musicalização nas instituições da
educação infantil. Como adverte Bittencourt (s/d, p. 555):

É importante salientar que [...] agências como a Organização para


Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União das
Nações Unidas para a Educação (UNESCO) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), que constituem as instâncias que caracterizam o
atual contexto de influência na determinação das políticas públicas de
ordem transnacional, têm suas diretrizes constantemente
reinterpretadas na definição de políticas nacionais.
Ressaltar tais influências da Base se torna fundamental, sobretudo se
considerarmos “o processo de internacionalização das políticas educacionais, cuja
influência pode ser evidenciada, no Brasil, a partir do início da década de 2000 [...] e se
consolida nas sucessivas versões da BNCC” (BITTENCOURT, s/d, p. 555).

É igualmente importante considerar como evidencia Bittencourt, que (s/d, p. 566):

[...] na versão final [da Base], bastante diferente da segunda, nota-se a


afirmação das competências, acompanhada por uma mudança
significativa de linguagem, dos objetivos de aprendizagem para as
habilidades, numa perspectiva curricular bastante pragmática, na qual
tudo que é estudado (os objetos de conhecimento) deve ser apresentado
como resultado por meio de uma ação (as habilidades).

Diante disso, parece oportuno perguntar: qual discussão/concepção acerca da


música/musicalização ecoa da BNCC-EI? Para alcançar essa finalidade procuramos
identificar como os descritores Música, Musicalização e Linguagem Musical aparecem
no texto do documento.

Quadro 2 – Discussão/Concepção de Música, Musicalização e Linguagem


Musical na Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil (BNCC - EI,
2017):

BNCC “A Música é a expressão artística que se


materializa por meio dos sons, que ganham
forma, sentido e significado no âmbito tanto
da sensibilidade subjetiva quanto das
36

interações sociais, como resultado de saberes


e valores diversos estabelecidos no domínio
de cada cultura. A ampliação e a produção dos
conhecimentos musicais passam pela
percepção, experimentação, reprodução,
manipulação e criação de materiais sonoros
diversos, dos mais próximos aos mais
distantes da cultura musical dos alunos. Esse
processo lhes possibilita vivenciar a música
inter-relacionada à diversidade e desenvolver
saberes musicais fundamentais para sua
inserção e participação crítica e ativa na
sociedade (p. 196).

Importante considerar que a palavra música aparece 13 vezes citada no texto, em


sua parte específica da Educação Infantil. Não encontramos as palavras musicalização e
linguagem musical nesta parte do documento. Importa considerar que a presença da
palavra música se amplia para 136 ocorrências se considerarmos o documento na íntegra.
Em um primeiro momento, a palavra Música aparece na página 26 onde são
definidos/apresentados os objetivos musicais a serem alcançados com os diferentes
grupos de crianças: Bebês (0 - 1 ano e 6 meses), Crianças bem pequenas (1 ano e 7meses
a 3 anos e 11 meses) e Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). A Música está
inserida em dois dos Campos de Experiências, a saber: Corpo, Gestos e Movimento e
Traços, Sons, Cores e Formas) que, por sua vez, compõem a área de conhecimento
denominada “Linguagens”. Esses campos estão organizados em unidades temáticas
(Música, Dança, Teatro, Brincadeiras, Faz-de-conta e Audiovisual), e cada unidade é
composta por objetos de conhecimentos e que estão relacionadas às habilidades que são
requeridas pela linguagem musical.
Apesar de concentrarmos nosso foco no capítulo dedicado à educação infantil, é
importante destacar que a concepção de música expressa na BNCC aparece apenas no
capítulo destinado ao ensino fundamental. Importante igualmente considerar que no
RCNEI há uma parte dedicada à música onde é apresentada a concepção que embasa o
documento, bem como alguns conteúdos a serem trabalhados e propostas de atividades
para a educação infantil.
O currículo na Educação Infantil, de acordo com a BNCC, deve conter as
atividades educativas que irão compor os espaços-tempos de musicalização, levando
assim em consideração a rotina e também os materiais que serão utilizados e
37

disponibilizados pela instituição.


Importante mais uma vez lembrar que esse documento foi construído no campo
de disputas e a versão final deixou de fora muitas intenções e contribuições de
professores/as e profissionais de educação, notadamente aqueles/as que resistem a uma
concepção de educação baseada em competências e, portanto, forjada por uma dimensão
bastante restrita e positivista de conhecimento. Com isso, procuram, como afirmam
Delmondes e Silva (2018, p. 74):

[...] refletir e questionar os princípios asilares da ciência filosófica


positivista aplicados à educação que, protagonizada por Augusto Comte
(1798-1857), apresenta um conceito de experiência tendo por
sustentação o empirismo, a observação e as precisões, fundamentos
medulares das ciências exatas.
Como a BNCC é um documento de base para os currículos das instituições
educacionais, acredito ser importante que se questione os seus fundamentos, bem como
se amplie o espaço de alguns temas, como o pesquisado nesse trabalho: a música,
musicalização e a linguagem musical. Percebemos o quanto estão ausentes ou pouco
desenvolvidos na parte que trata da educação infantil, além de identificarmos outras
grandes ausências, neste caso, os/as professores/as. É fundamental considerar a presença
do/a professor/a como mediador/a e sujeito privilegiado na (re)construção dos Projetos
Políticos Pedagógicos das instituições dedicadas à educação das infâncias, bem como na
formulação ativa de políticas educacionais. Diante disso, parece evidente que o RCNEI
tem concepções importantes no que se refere a música, a linguagem musical e a
musicalização para as crianças de zero a 5 anos e 11 meses de idade e que esse documento
foi elaborado a partir de experiências que apresentam as linguagens musicais com certa
visibilidade e importância, além de considerar a efetiva participação de professores/as e
sociedade. Por outro lado, parece igualmente evidente que na BNCC a
música/musicalização encontram-se de certo modo silenciada, ou ainda, apresentada
como um mero conhecimento a ser traduzido em competências e habilidades. Talvez aqui
estejamos diante do que mais uma vez nos ensinou Rubem Alves (2008, s/p), “as bolinhas
pretas e escritas sobre cinco linhas”.

Alguns/mas pesquisadores/as ainda criticam a BNCC afirmando que:

[...] a visão política pedagógica que estrutura não assegura ou ratifica a


identidade nacional sobre o eixo pluralismo de ideias e concepções
pedagógicas, a valorização e o respeito à diversidade e a efetiva
38

inclusão, conhecimento, cultura, respeito aos valores culturais e


artísticos, nacionais e regionais (DOURADO; OLIVEIRA, 2018, p.
41).

Por fim, de modo geral, podemos identificar uma concepção de


música/musicalização como expressão artística, cuja produção dos conhecimentos
musicais passam pela percepção, experimentação, reprodução, manipulação e criação de
materiais sonoros, para participação crítica e ativa na sociedade. Tais eixos parecem
indicar a música como uma expressão artística que pode ser traduzida em um
conhecimento capaz de se transformar em competências e habilidades. E, tais
competências e habilidades musicais, surgem das experiências, sobretudo de reprodução
e manipulação de materiais sonoros. Como bem advertem Esteves Bortolanza e Freire
(2018), a BNCC - EI apresenta muitas fragilidades, sobretudo ao apresentar uma certa
concepção de criança que não coincide com as proposições inerentes aos campos de
experiência. Por um lado, o documento diz de uma criança “[...] como um sujeito capaz,
sujeito que pensa, que sente, que se expressa, que convive, que aprende, que interage com
o mundo físico e social” (ESTEVES BORTOLANZA e FREIRE, 2018, p. 79). Mas, por
outro, advertem as autoras:
[...] nos preocupa a interação social concebida de modo linear,
gradativo, o que retira o caráter dinâmico da constituição do sujeito a
partir das interações sociais. Quando analisamos, verticalmente, os
objetivos pensados para as crianças de zero a um ano e seis meses, nos
perguntamos qual é realmente a concepção de criança defendida na
BNCC. Ao observamos os três primeiros objetivos, identificamos uma
concepção de criança que caminha do nível individual para o nível
social. Por exemplo em dois trechos: Perceber que suas ações têm
efeitos nas outras crianças e nos adultos. Perceber as possibilidades e
os limites de seu corpo nas brincadeiras e interações das quais participa.
A criança irá balizar nessa idade as consequências de suas atitudes?

Perguntas insistentes que nos levam a examinar os campos de experiências nos


quais a música é citada.

No campo da expressão aparece a imitação como uma


possiblidade para crianças nessa faixa etária: Imitar gestos,
sonoridades e movimentos de outras crianças, adultos e animais.
Por que delimitar? E a descoberta de sons do próprio corpo e sons
da natureza? Em relação aos objetivos pensados para as crianças
de 1 ano e sete meses a 3 anos e 11 meses encontramos,
centralmente, o cuidado e movimento do próprio corpo e um
objetivo com foco na expressão: Apropriar-se de gestos e
movimentos de sua cultura no cuidado de si e nos jogos e
39

brincadeiras. O que se pretende quando se busca a apropriação de


gestos? Seria a aprendizagem de gestos presentes na nossa
cultura? Explorar formas de deslocamento no espaço, pular,
saltar, dançar combinando movimentos e seguindo orientações.
Seria expressão ou correspondência a comandos? Desenvolver
progressivamente as habilidades manuais adquirindo controle
para desenhar, pintar, rasgar, folhear, entre outros. Habilidades
manuais, controle ou expressão?

Imitar ou apropriar-se de gestos e movimentos da cultura será suficiente para um


processo de musicalização pensado em toda a sua potência como arte, resistência,
liberdade e criação? Além disso, como destacam Esteves Bortolanza e Freire (2018, p.
83), o documento parece mostrar que “ao se referir às diferentes linguagens, os objetivos
mencionados não suscitam um trabalho efetivo relacionado à expressão cênica, à
expressão musical e à expressão plástica”. E, ainda, a mera aprendizagem de gestos
presentes na cultura permitiria a participação crítica e ativa na sociedade? Quais
críticas permitem cantar? Quais gestos presentes na cultura estamos a referendar? Quais
danças, quais cantos, quais corpos fazem parte desta (com)posição curricular?

5. O Projeto Político Pedagógico nas Instituições de Educação Infantil

O Projeto Político Pedagógico (PPP) permanentemente é objeto de estudos nas


diferentes instâncias da área pedagógica. Ele se configura como a formulação de uma
ação intencional com um sentido explícito e um compromisso definido coletivamente.
Todo PPP tem uma dimensão política, pois está (ou deveria estar) articulado a um
compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população.

Sendo assim, surgiu a necessidade das instituições educacionais construírem o


Projeto Político Pedagógico, baseado numa participação em que todos/as que fazem parte
da comunidade escolar possam opinar de forma democrática, ética e política, como
previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Art. 43 e 44):

O projeto político pedagógico, independentemente da autonomia


pedagógica, administrativa e de gestão financeira da instituição
educacional, representa mais do que um documento, sendo um dos
meios de viabilizar a escola democrática para todos e de qualidade
social (DCNGEB, 2013, p.74).
40

O Projeto Político Pedagógico é organizado visando à qualidade do ensino, a


construção da autonomia e identidade, auxiliando na definição de estratégias para a
escola, priorizando metas para, enfim, avaliar os resultados. Segundo Vasconcelos (2004,
p.176), “o Projeto deve ser iniciado quando houver por parte da instituição o desejo, a
vontade política, de aumentar o nível de participação da comunidade educativa, o real
compromisso com a educação democrática”.

Partindo para o sentido etimológico da palavra, Veiga apud Ferreira (1975) aponta
que “o termo projeto vem do latim projectu, particípio passado do verbo projicere, que
significa lançar para diante. Plano intento, desígnio. Empresa, empreendimento. Redação
provisória de lei. Plano geral de edificação” (FERREIRA, 1975, p.1.144). Já Vasconcelos
(2004, p. 169), tem a seguinte explicação:

É o plano Global da instituição. Pode ser entendido como


sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento
Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que
define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um
instrumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança da
realidade, é um elemento de organização e integração da atividade
prática da instituição neste processo de transformação.

Portanto, o Projeto Político Pedagógico é um documento que facilita e organiza


as atividades escolar sendo mediador de decisões das ações e análise dos resultados e
impactos. Configura-se como um retrato da memória histórica construída e um registro
que permite à escola rever sua intencionalidade e sua história. Nesse sentido, entende-se
que o projeto organiza o trabalho da escola e encaminha ações para o futuro com base em
sua realidade atual. É também um planejamento que prevê ações interventivas
diretamente na prática pedagógica. Essas ações refletem no projeto e incluem desde os
conteúdos, avaliações, funções, até mesmo relações que se estabelecem entre a escola e a
comunidade. A relação ideológica quanto ao tipo de sujeito que a escola pretende formar
dá o tom político ao projeto. Segundo Libâneo (2008, p.153): “o Projeto é um guia para
a ação, prevê, dá uma direção política e pedagógica para o trabalho escolar, formula
metas, institui procedimentos e instrumentos de ação.”
Veiga (2002) fala que “ao construirmos os projetos de nossas escolas, planejamos
o que temos intenção de fazer, de realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que
temos, buscando o possível. É antever um futuro diferente do presente. Nas Palavras de
Gadotti (1994, p.579):
41

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro.


Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se,
atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade
em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do
que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa
frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os
campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

Enquanto processo que implica continuidades e rupturas, o PPP mantém o


posicionamento da escola, com coragem de assumir o risco da projeção de uma promessa
à comunidade escolar, enquanto respostas às necessidades de seus estudantes e dos
contextos em que estão inseridos. Com relação a esse assunto, vale destacar que estamos
vivendo uma situação inédita para as instituições educacionais, estamos destacando a
pandemia, causada pelo vírus COVID-19, que tem infligido a cada um de nós, à sociedade
e às escolas o desafio (re)planejar para minimizar os impactos causados pela pandemia, e
elaborar respostas diante da excepcionalidade. Entretanto, é importante lembrar, como
bem nos ensina Boaventura (2020), que as desigualdades que atingem o nosso “sul
global” há muito provocam mortes, simbólicas ou de fato, para grande parcela da
população brasileira que de certo modo sempre viveu “ao sul da quarentena”. Sendo
assim, que as rupturas com o presente e as promessas para o futuro nos levem a arranjos
e canções embalados pelo esperançar.

5.1 Dimensões do Projeto Político Pedagógico

O PPP engloba três dimensões indissociáveis e complementares na expressão da


identidade, da finalidade e das ações da escola. Ele é projeto, é político e é pedagógico.
Para Veiga (2002) “todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por
estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e
coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação
do cidadão para um tipo de sociedade. “A dimensão política se cumpre na medida em que
ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica” (SAVIANI, 1983, p.93).

É Projeto porque se refere a uma projeção que expressa o horizonte a ser buscado,
com um olhar prospectivo. É político porque é participativo, realizado e avaliado com
base na atuação, no diálogo entre todos os integrantes da comunidade escolar e com
articulações diferentes. A educação é uma prática social, permeada pela diversidade e
42

interesses de diferentes setores e necessita de engajamento desde sua construção até a


avaliação. A dimensão pedagógica do PPP está voltada principalmente à essencialidade
do trabalho da escola no desenvolvimento de processos de aprendizagem por meio das
vivências e experiências que façam sentido na vida dos sujeitos. As teorias pedagógicas
e diretrizes educacionais buscam integrar esses elementos em torno de uma missão
educativa e coletiva para que as práticas da escola sustentem uma plataforma de
princípios, ideias e valores.

Político e Pedagógico têm assim uma significação indissociável. Neste sentido


é que se deve considerar o projeto político-pedagógico como um processo
permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de
alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade, que não é descritiva
ou constatativa, mas é constitutiva (VEIGA apud MARQUES,1990, p.23)

De outro modo, favorece a prática da democracia necessária para a participação


de todos os membros da sociedade escolar e para o pleno desempenho do exercício da
cidadania. Pode parecer um pouco complicado, mas trata-se de uma relação recíproca
entre a dimensão política e a dimensão pedagógica da escola. Considerando estas
reflexões, o PPP é um processo que exige uma frequente discussão sobre os problemas
enfrentados na sociedade e na comunidade escolar, isto implica dizer que há uma
necessidade de ousadia e determinação. Partindo desse pressuposto, faz-se necessário que
o ambiente seja um espaço escolar democrático e promova a participação e reflexão do
seu papel junto à comunidade. Como discorre Libâneo (2008, p.152), “a autonomia de
uma instituição significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de
organização, manter-se relativamente independente do poder central”. Portanto, o Projeto
Político Pedagógico associa-se à organização do trabalho pedagógico em dois níveis:
organização da escola na sua totalidade e como organização da sala de aula, buscando
defender a visão de totalidade.

6. O Projeto Político Pedagógico da instituição pesquisada – indicadores e


análise

Um dos objetivos desta pesquisa envolveu a análise do Projeto Político


Pedagógico de uma instituição de ensino particular, localizada na Cidade de
Florianópolis/SC, que atende crianças desde o Berçário (03 meses) ao 4º ano do Ensino
Fundamental. A instituição é uma comunidade educativa composta por crianças, famílias
e educadores/as, que tem entre os seus princípios, estreitar as relações entre escola e
43

família. Trabalha com uma “imagem de criança” (PPP, s/d, p. 05), que tem como
fundamento a “pedagogia da escuta” (PPP, s/d, p. 06) dentro de uma proposta
socioconstrutivista. “A pedagogia da escuta busca desenvolver no[a] professor[a] a
capacidade de ter abertura e sensibilidade para escutar e ser escutada” (p. 06).
A instituição se inspira na pedagogia de Reggio Emília - uma filosofia educacional
baseada na imagem de uma criança com fortes potencialidades de desenvolvimento e
sujeito de direitos, que aprende através das centenas de línguas pertencentes a todos os
seres humanos, e cresce nas relações com os outros. Minha experiência na instituição faz
crer que a música está presente em seu cotidiano, embora não apareça com certa ênfase
em seu Projeto Político Pedagógico. Isso nos ajuda a entender que nem sempre o
documento escrito consegue acompanhar o saber-fazer cotidianos, embora saibamos da
sua sempre necessária atualização.
A partir de uma “escuta” atenta do PPP, percebemos que a palavra música é citada
apenas duas vezes, na página de número trinta. Importante ressaltar que as duas menções
à palavra aparecem em citações retiradas da Base Nacional Comum Curricular,
notadamente no seu capítulo dedicado aos campos de experiência, a saber: corpo, gestos
e movimentos e traços, sons, cores e formas. Tais citações aparecem, ainda, no capítulo
11 do PPP da escola. Esse capítulo é dedicado ao “Currículo Emergente”, assim
apresentado: “o planejamento do currículo na escola [...] acontece como um método de
trabalho em que os[as] professores[as] apresentam objetivos gerais integrados, mas não
definem os objetivos específicos antecipadamente” (PPP, s/d, p. 28).
O encontro com o documento escrito nos faz crer que a escola já procurou ajustar
o seu Projeto Político Pedagógico aos ditames da Base Nacional Comum Curricular. Não
encontramos no texto problematizações acerca desse ajuste, especialmente em relação à
música e musicalização. De outro modo, o texto ressalta a importância do currículo
emergente, ou seja, “um currículo baseado nas experiências vividas nos cotidianos das
crianças, respeitando os seus direitos de aprendizagem e os campos de experiência
conforme a Base Nacional Comum Curricular” (PPP, s/d, p. 28).
Na próxima seção do trabalho, a/o leitora/o encontrará algumas cenas que guardo
na memória. Elas foram “registradas” ao longo do meu estágio na mesma creche que hoje
desenvolvo a pesquisa. A ideia de trazer as cenas para o texto nasceu no percurso de
produção deste estudo, como forma de ampliar/qualificar ainda mais esse texto-canção.
44

6.1 Entre o escrito e o vivido – cenas de uma com(posição) escolar

Cena 1 – uma bateria inventiva

Nesse momento do texto quero compartilhar com a/o leitor/a uma cena vivida
entre os muros da instituição. Pedro1 (2 anos e meio) brincava no tanque de areia com
seus/suas colegas. De repente, a criança pega duas colheres grandes de alumínio e se
desloca até o local onde se encontram quatro pratos de bateria pregados sobre um deck.
Pedro começa a bater em dois desses pratos ouvindo o som que fazia. Nesse momento,
Pedro começa a fazer gestos com a cabeça e passa a bater com mais força nos quatro
pratos. Logo em seguida, começa a dançar. Por diversas vezes o menino tocava os pratos
e inventava um novo som achando esse processo divertido e engraçado, criando gestos
enquanto cantava emoldurado por sua bateria inventiva.

Cena 2 – Professora! Coloca a música do urso panda? Eu quero dançar!

Outro dia, no momento das atividades que envolvem “movimento e expressão


corporal”, Vinícius (2 anos e 6 meses) parou de fazer a atividade proposta pela professora,
olhou em seus olhos e disse: - Professora! Coloca a “música do urso panda”? Eu quero
dançar! Então, a professora, sem questionar, atendeu ao pedido da criança e colocou a
música. Vinícius começou a interagir com o som, movimentando seu corpo, imitando
gestos que o urso fazia na música, e assim os seus colegas também começaram a expressar
corporalmente o que estavam ouvindo. Por meio dessa interação do som com o corpo e
nas reações que se apresentam, faz-se necessário dar liberdade para as crianças
expressarem-se também por meio do canto, como salienta Brito (2003, P. 93):

É certo que a música é gesto, movimento, ação. No entanto, é preciso


dar às crianças a possibilidade de desenvolver sua expressão,
permitindo que criem gestos, que observem e imitem os colegas, e que
principalmente, concentrem-se na interpretação da canção, sem a
obrigação de fazer gestos comandados durante o tempo todo [...].

Diante disso, verifica-se nas experiências acima que a musicalização pode


envolver as crianças e seus repertórios culturais. O PPP da instituição pode não apresentar
a música/musicalização como proposta, mas através das experiências narradas, constata-
se a prática musical nos momentos de interação em grupos.

1 Todos os nomes citados no decorrer desse trabalho são fictícios.


45

Para Brito (2003, p. 93), quando cantamos coletivamente “desenvolvemos


também aspectos da personalidade, como atenção, concentração, cooperação e espírito de
coletividade. Durante o desenvolvimento das atividades podemos constatar o
envolvimento das crianças com a música, transmitindo prazer e alegria, pois participam
e se apropriam dos conteúdos musicais, significando-os a seu modo. Diante disso,
ressaltamos vários aspectos dessa interação como a imitação, a influência nas decisões, o
respeito, a amizade, a união do grupo e o aprendizado de compartilhar o mesmo espaço.
A presença do movimento e da apreciação de um repertório variado de músicas e
instrumentos musicais é fundamental na educação infantil, ressaltando assim, a
importância de se trabalhar com a música/musicalização na creche, com as crianças
pequenas, pois as mesmas proporcionam um enorme ganho no desenvolvimento delas por
se trabalhar com os aspectos como cognição, criatividade e expressão. Granja (2006)
ressalta que:

Na atual configuração curricular da escola, a música está longe de


ocupar um lugar de destaque. Ainda que esteja presente em parte das
atividades de integração e/ou em atividades lúdicas nas séries iniciais
da educação, à medida que as séries avançam, a Música vai perdendo
espaço dentro do currículo para as disciplinas tradicionais [...], e quando
mantida no currículo, é tratada como disciplina isolada, desvinculada
de um projeto educacional integrado. Outras vezes, permanece no
currículo como disciplina optativa, destinada àqueles poucos que tem
talento ou que já tocam algum instrumento. (GRANJA, 2000, p. 15).

Muitas vezes por falta de conhecimento no âmbito da musicalização, a música é


vista apenas como um recurso para diversão ou somente para rotinas, limitando-se o uso
da mesma no processo de ensino e aprendizagem. Dentro desse contexto é que entra o
papel da musicalização na educação infantil, pois permite às crianças contato com os
elementos musicais como o som e o silêncio, o ritmo, a melodia, etc. Proporcionar a
eles/as experiências de improvisação e invenção, divertindo-se com os movimentos do
corpo é de fato essencial.
As cenas aqui apresentadas parecem evidenciar que existe por parte da instituição,
especialmente de algumas professoras/es, escuta atenta e sensível às experiências que
podem favorecer a imersão das crianças nas diferentes linguagens e no progressivo
domínio de vários gêneros e formas de expressão, com ênfase na musicalização. Contudo,
tais recortes não nos permitem identificar o quanto essas experiências fazem parte do
planejamento das professoras/as, pois as vivências aqui relatadas parecem partir do
46

interesse das crianças, o que é igualmente fundamental, mas não suficiente para
entendermos a complexidade que envolve a dimensão político-pedagógica do trabalho
com crianças. Não é possível identificar como as ampliações dos repertórios musicais
aparecem ali, nem mesmo como as culturas infantis figuram entre as proposições
anunciadas.

Cena 3 – Chocalho feito no México

Certo dia propomos uma atividade para que as crianças da turma do Infantil II,
com idades entre 2 - 3 anos, construíssem um chocalho. Mostramos às crianças um
chocalho feito no México para que observassem, tocassem e sentissem o som do
instrumento. Em uma mesa preparamos os materiais necessários para que cada um
construísse o seu instrumento, depois de pronto começaram a chacoalhar e perceberem
sons diferentes. Júlia (2 anos e 4 meses) falou: “meu chocalho faz um barulho diferente
da Giovanna (2 anos e 6 meses)”. Propomos, então, que as crianças desenhassem no papel
como eles/as imaginavam o som do seu chocalho. Sentimos que as crianças ficaram
encantadas com a proposta e ansiosas para desenhar seu som. Aos poucos os sons se
transformaram em linhas tortas, curvas, rabiscos e círculos, etc. Perguntei à Ana (3 anos),
como era o som do seu chocalho e ela me respondeu: “O som do meu chocalho são 3
bolinhas profe.”. Diante desse fato, podemos perceber que as atividades desenvolvidas
com e pelas crianças mostram que a linguagem musical deve ser contemplada nas
instituições de educação infantil. Como relatei anteriormente, a música/musicalização
pode não ganhar evidencia no PPP dessa instituição, mas encontram-se presente nas
atividades e brincadeiras das crianças no chão da creche/escola.
Contudo, hoje também percebo que poderíamos ter explorado tantos outros
elementos desse encontro, como a origem do próprio chocalho que trouxemos como
exemplo. Isso anima a minha convicção acerca da necessidade de desenvolvermos um
olhar atento sobre o que pode a musicalização no espaço da creche, para qualificar a nossa
prática educativa com as crianças. Ficamos no par “instrumento-registro no papel”. Será
que não poderíamos ter ensaiado propostas outras para essa “canção”? O que a nossa
formação tem a ver com isso? Como enfrentar as lacunas das partituras que nos formam
como professoras? Será que temos deixado espaço para que, encantada com a beleza da
música, a criança tenha interesse pelo “mistério das bolinhas pretas sobre cinco linhas”
47

(ALVES, 2008, s/p)? Nossa “pedagogia da escuta” tem permitido ouvirmos juntas as
melodias mais gostosas?

De acordo com o RCNEI (1998):

Muitas instituições encontram dificuldades para integrar a linguagem


musical ao contexto educacional. Contata-se uma defasagem entre o
trabalho realizado na área da música e nas demais áreas do
conhecimento, evidenciada pela realização de atividades de reprodução
e imitação em detrimento de atividades voltadas à criação e à
elaboração musical. Nesses contextos, a música é tratada como se fosse
um produto pronto, que se aprende a reproduzir, e não uma linguagem
cujo conhecimento constrói (BRASIL, 1998, p. 45).

Como resultado, constatamos que a discussão acerca do processo de


musicalização e sua importância na Educação Infantil pouco aparece no PPP da
instituição, sendo prevista tanto na BNCC quanto no RCNEI. Considerando o Projeto
Político Pedagógico da escola e as minhas experiências nessa instituição, observo que a
inserção da música se dá com mais ênfase no contexto da prática do que no texto do PPP.
É interessante verificarmos a quantidade de habilidades musicais que estão sendo
desenvolvidas pelas crianças no ato de cantar quando estão em grupo interagindo nas
atividades. Muitas das diferentes atividades curriculares da instituição não contam com a
presença da música, por isso, levou-me a refletir sobre a sua presença-ausência. Como
professora, constatei que minhas ações devem ser planejadas e estudadas antes de
apresentar às crianças, não somente no processo de reflexão, mas também durante a ação.

7. Considerações Finais

Com base nas análises dos documentos oficiais da educação (RCNEI – EI e


BNCC - EI) e o PPP da instituição de Educação Infantil pesquisada, percebemos que no
RCNEI a discussão e a concepção sobre a música e o processo de musicalização, bem
como sua importância na educação das crianças aparece melhor apresentada/explorada.
Há um capítulo dedicado à música na Educação Infantil. Ali fala-se da sua importância,
dos objetivos e dos conteúdos que podem ser trabalhados, além de algumas orientações
para as/os professoras/es. Este documento tem como foco levar para o/a professor/a
propostas que estimulem a criança a construir conhecimentos musicais, propondo práticas
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trabalhadas a partir de objetos acessíveis tanto para as crianças quanto para o/a
professor/a. Outro aspecto importante a se considerar diz respeito à palavra
“musicalização”, pois apesar de identificarmos diferenças entre os termos música e
musicalização, nos documentos, essas distinções não aparecem tampouco são
problematizadas.
Quanto à BNCC e ao PPP da instituição, ambos pouco exploram a
música/musicalização na Educação Infantil. Além disso, parecem indicar uma concepção
de musicalização amparada na perspectiva de um conhecimento que se adquire pela
experiência e que deve se transformar em competências e habilidades. O que, por sua vez,
se afasta da noção de um saber que se constrói e é forjado na cultura. É fundamental
igualmente considerar “o fato da Base se submeter ao conceito de competência e
meritocracia na perspectiva neoliberal [o que] permite questionar seu valor histórico para
a construção de uma educação infantil de qualidade na esfera dos direitos sociais da
maioria da população” (BARBOSA et. al., 2019, p. 88).
No decorrer desse trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica-documental,
observei que a presença da música na educação infantil auxilia no desenvolvimento da
criança de várias formas, sendo um importante meio para a criação e oportunidades de
vivências musicais. Isso me faz crer que entre os documentos, a Base representa um
retrocesso na educação, especialmente na qualidade de ensino e no enfraquecimento do
trabalho docente. Contudo, é importante compreender que “os textos produzidos são
documentos curriculares [...], isto é, a materialidade que representa a política. Esta, por
sua vez, é mais uma vez interpretada pelos agentes curriculares (redes de ensino,
professores, gestores) que atuam no denominado contexto da prática” (BITTENCOURT,
s/d, p. 556). Assim, continua em jogo um campo de disputas, que articula macro e
micropolíticas, assim como formas outras de enfrentamento aos seus ditames e
precarizações. O PPP das instituições pode ser um espaço fértil de resistências, contudo
nem sempre conseguem ultrapassar a mera configuração de um documento “de gaveta”.
Ao longo da pesquisa percebi que inclusive o PPP pode silenciar o que acontece no
contexto da instituição. Minha experiência faz crer que nem sempre o texto escrito
alcança os cotidianos e práticas.
A música como contribuinte para o desenvolvimento da criança deveria ser
inserida nas instituições educacionais como direito humano, pois a musicalização não
deixa de ser um comprometimento com seus princípios. Há uma imensa necessidade de
valorização desta linguagem e da importância da sua presença no currículo educacional.
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Mas, é igualmente oportuno perguntar sobre qual presença estamos a falar/defender.


Afinal, do modo como se apresenta na Base e no Texto do PPP da instituição pesquisada,
a ideia de currículo reforça a sua compreensão como mero “conjunto de práticas” ou,
ainda, como lista de atividades sequenciais, pelas quais poderemos avaliar o
desenvolvimento das crianças (BARBOSA et. al., 2019).
Esse trabalho me ajudou a compreender como é preciso problematizar os
documentos que nos chegam, bem como o processo de suas formulações, para não sermos
meros/as executores/as de políticas forjadas por outrem. Ajudou, igualmente, a olhar para
minha prática como professora em formação. Espero que esse trabalho possa contribuir
com o processo de musicalização nas instituições endereçadas às infâncias. Que ela esteja
presente nos Projetos Político Pedagógicos das instituições e que ali (re)nasça do coletivo
de reflexões. Talvez aí tenhamos experiências musicais de fato mais significativas para
as crianças. Quem sabe aquelas em que a experiência da beleza venha antes de partituras,
notas e pautas.
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