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UM ASSALTO INUSITADO

CENÁRIO: SALA DE UMA CASA POBRE, COMUM.

(Em cena Mãe e Filha. Pai chega com a cara suja, cabelo arrepiado, chupando dedo
meio tonto.)

PAI – Maldito Chuveiro! Miséria! Levei um choque e tanto.

MÃE – Você tá bem, meu querido?

FILHA – Papai, papaizinho. Você tá bem?

(Genaro senta na cadeira, quase desfalecido.)

Genaro – Sim, sim... Aquele maldito chuveiro!

MÃE – Você fica inventando de consertar o que já não tem conserto!

FILHA – Isso não é pobreza, é miséria!

(Batem à porta)

MÃE – Abre a porta, filha. Deve ser a vizinha pra pedir o que a gente não tem.

(A filha vai abrir a porta. Entram dois homens encapuzados, meio atrapalhados.
Ladrões amadores. Entram com as mãos ocultas embaixo da camiseta, como se
estivessem armados.)

Sérgio – Mãos ao alto!

Zé – Isso é um assalto!

(Todos se assustam e fazem o que eles mandam.)

Sérgio – (Empurrando-os para um canto.) Encosta... encosta...

(Faz sinal para que o comparsa revire a casa, em busca de algo de valor. O mesmo
age do modo combinado.)

Sérgio – Bem quietinhos, hein, senão eu acabo com vocês.

(Os três ficam quietos, aflitos, se lamentando. Instantes depois chega o comparsa.)

Zé - Sérgio, não tem nada que serve aqui não, mano!

Sérgio – Não fala meu nome, idiota!

Comparsa – Ai, desculpa, Sérgio...

Sérgio – Cala a boca! (...) Como não tem nada?


(O comparsa fica quieto.)

Sérgio – Como...? Fala!

Comparsa – Você não me mandou calar a boca?

Sérgio – Mas agora é pra falar. Como não tem nada?

Comparsa – Eu revirei tudo aí, e não tem nada que preste!

Mãe – Também não ofende, né?!

Sérgio – Cala a boca aí, Dona. Ninguém te chamou na conversa! (Para o comparsa.)
Vamos embora, então. (Dirigem-se para a porta.)

Mãe – Mas como? Aonde vão?

Sérgio – Embora, por quê?

Mãe – E não vai levar nada?

(Todos ficam perplexos. Os ladrões se entreolham sem entender.)

Mãe – (Se lamentando.) Que vergonha. Já roubaram a casa de todos os vizinhos e


agora, chega nossa vez e não levam nada?!

(Pai e Filha dão uns beliscões pra ver se a mulher fica quieta.)

Mãe – Mas vocês não podem ir embora sem levar nada, assim, de mão abanando!
(Eufórica.) Péra aí. Lembrei. Tem uma coisa que vocês podem levar. Um radinho que
eu dei pra Laurinda, muito bom.

Zé – (Interessado.) Que tipo de radinho? (Olha curioso para Sérgio.)

Mãe – (Para Laurinda.) Como é que chama, filha, aquele radinho que eu comprei no
camelô?

Filha – “Walkman”, mãe.

Zé – Que você acha, Sérgio?

Sérgio – Não fala meu nome...

Zé – Ai, esqueci...

Sérgio – (Sem dar muita importância.) Vamos embora, Juca.

Zé – Juca? Que Juca? Você tá cansado de saber que meu nome é Zé Roberto. Sou
teu primo! Cê foi lá em casa me chamar pra fazer esse assalto, não lembra?
Sérgio – CALA A BOCA, SUA ANTA!!!

Comparsa – Aaaaiii, descupa de novo. É que eu não gostei de Juca. Me chama então
de Cauã Reymond, Thiago Lacerda, Alexandre Nero... (Vão saindo.)

Mãe – (Triste.) Péra aí. Não vão embora.

Sérgio – (Parado na porta da casa.) Mas vocês não tem nada de valor pra gente
roubar, poxa.

Filha – Tem um vídeo cassete.

Sérgio – Cadê?

Mãe – Não adianta, tá no conserto há quase um ano.

Pai – É que eu tive dinheiro pra ir buscar.

(Os ladrões vão saindo. Até que Zé tem uma ideia. Explica a Sérgio.)

Zé – Você tem uma grana aí?

Sérgio – (Tira dez reais do bolso.) Tem esse da condução, pra casa.

Zé – Dá aqui. (Ele pega a nota, vai até o Pai e a coloca no bolso da camisa. Vira as
costas, dá três passos em direção à porta, combinando o plano com Sérgio. De
repente, viram-se.)

Ladrões – Mãos ao alto! (Todos se assustam.)

(Sérgio vai até o Pai, enfia a mão no bolso e tira os dez reais.)

Sérgio - Escondendo o ouro, hein tiozinho! (Vai saindo com Zé.)

Mãe – Como? Agora ladrão faz caridade, é? Não aceito isso!

Sérgio – E a senhora quer que a gente faça o quê?

Mãe – Deixa eu pensar. (Anda de um lado para o outro, pensativo.)

Pai – Já sei. Tem o dente de ouro da Maria! (Empolgado.)

(Os ladrões se olham animados e sorridentes)

Filha – Vale mil reais.

Mãe: Não! Eu ganhei no dia que joguei na raspadinha. Ganhei uma barrinha de ouro
de mil reais, que eu mandei derreter e botei na boca.

Pai: Mas é melhor do que nada!


(Maria se desespera, tapa a boca com as mãos, arregala os olhos, e corre.)

Zé – (Olha para todos.) Pega ela!!!

Pai – Segura firme que ela é forte!

(Mãe olha para o pai.)

Mãe – Até tu, Brutus?

Filha – Arranca logo que dói menos.

Mãe – Assim, sem anestesia?

Zé – Chega! Na hora que eu contar três. Um... dois... três...

Mãe – Aiiiiiiiii!!!!!

(Ladrões indo embora)

Sérgio – Ué, mas não parece de ouro não!

Zé – É ouro branco?

Mãe – Não! É que essa anta, arrancou o dente errado! Aiiiii!

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