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Capítulo 2 - Ditadura do Estado Novo (1937-1945)

A tortura esteve presente por muito tempo também no Estado Novo (1937-1945),
período ditatorial no governo de Getúlio Vargas em que um “estado policial” foi
formado. Durante a ditadura de Getúlio, a polícia política tratava opositores do
governo na base da tortura. Não havia a garantia das liberdades individuais,
liberdade de expressão, direitos políticos e civis, além de as autoridades policiais
(delegados, oficiais e soldados) possuírem poder praticamente ilimitado sobre o
objeto de suas investigações e sobre os indivíduos.

Pouco antes, em 1934, um pequeno número de intelectuais e militares começou a


promover reuniões no Rio de Janeiro com o propósito de criar uma organização
política capaz de dar suporte nacional às lutas populares, que então se travavam
em reação ao crescimento da Ação Integralista Brasileira (AIB). Formaram-se
pequenas frentes antifascistas que reuniam comunistas, socialistas e antigos
"tenentes" insatisfeitos com a aproximação entre o governo de Getúlio Vargas e os
grupos oligárquicos afastados do poder na Revolução de 1930, esta última
considerada o acontecimento da história do período republicano brasileiro que pôs
fim à chamada República Velha (1889-1930).

Dessas reuniões surgiu a ANL (Aliança Nacional Libertadora), cujo programa


divulgado em fevereiro de 1935 tinha como pontos principais: a suspensão do
pagamento da dívida externa do país, a nacionalização das empresas estrangeiras,
a reforma agrária e a proteção aos pequenos e médios proprietários, a garantia de
amplas liberdades democráticas e a constituição de um governo popular.

Em novembro de 1935, militares filiados à ANL revoltaram-se contra o governo de


Getúlio Vargas. A rebelião, facilmente sufocada pelo Exército, provocou a aplicação
de medidas constitucionais de defesa da ordem política e social que suspendiam as
garantias das liberdades individuais de todos os brasileiros. Houve intensa
repressão contra os mais variados grupos de oposição atuantes no país, vinculados
ou não ao levante.

A ANL, alvo principal dessa onda repressiva, foi inteiramente desarticulada. A


repressão da época e o endurecimento do poder policial do Estado eram as brechas
necessárias para a utilização da tortura e também de assassinatos com finalidade
de punir atos considerados “comunistas”. Devido à censura à imprensa, poucos
desses crimes vieram a conhecimento público, quase todos foram abafados nos
porões das próprias delegacias.

No governo Vargas, presos sofriam diversos suplícios: maçarico, que queimava e


arrancava pedaços de carne; estiletes de madeira que eram enfiados por baixo das
unhas; alicate para apertar e esmagar testículos e pontas de seios; a “cadeira
americana”, que não permitia que o preso dormisse; e a máscara de couro; além de
queimaduras com pontas de cigarros e espancamentos (ver capítulo 4). O caso
mais famoso foi o do alemão Harry Berger, membro do Partido Comunista,
defendido pelo jurista Sobral Pinto “com base na lei de proteção aos animais”.

“As atrocidades praticadas no Brasil pela polícia política do capitão Filinto Müller
excederam, em alguns pontos, as torturas infligidas pela Gestapo ao judeus,
antinazistas e prisioneiros aliados. Difícil é comparar a maldade com a maldade, a
barbaria com a barbaria, o perverso com o perverso. Os nazistas alemães retiraram
a pele tatuada dos condenados para o fabrico de “abat-jours”... Os policiais
brasileiros enfiavam arames na uretra dos presos e com o maçarico, aqueciam
esses arames até ficarem em brasa. Os nazistas alemães executavam os presos
em câmaras de gás. Os policiais brasileiros apertavam o crânio dos presos até que
eles morressem ou enlouquecessem.”, escreveu o jornalista David Nasser no livro
“Falta Alguém em Nuremberg” [NASSER, D. 1947, p.5] sobre a tortura de presos
políticos praticadas pelo capitão do exército Filinto Müller, poderoso chefe da polícia
de Getúlio de 1933 a 1942, ligado a polícia nazista.

No título do livro, esse alguém que falta em Nuremberg (tribunal militar internacional
que julgou e condenou o alto escalão nazista por crimes de guerra e contra a
humanidade durante a Segunda Guerra Mundial) é o Filinto, mostrando que ele
cometeu crimes tão monstruosos como os nazistas e que deveria ter sido julgado e
condenado como eles, mas não foi.

Os acusados eram processados e julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional,


criado logo depois do levante comunista de 1935, antes mesmo do Estado Novo.
Esse movimento revolucionário foi chamado pelos militares do Governo Vargas de
“Intentona” (que significa revolta louca, insensata e traiçoeira) para denominar a
fracassada insurreição de militares comunistas. O Tribunal processou mais de 10
mil pessoas e condenou 4.099.

O líder comunista Luís Carlos Prestes, presidente da ANL, e sua esposa Olga
Benário, do partido comunista alemão, foram caçados pela polícia terrorista de
Müller, em uma das maiores operações repressivas da história, como mostra o filme
“Olga”, de Jayme Monjardim (2004).

Meu trisavô, Hugo de Souza Silveira, que era militar e integrante da ANL, também
foi preso político na Casa de Detenção da Rua Frei Caneca no Rio de Janeiro, onde
estavam Prestes, Olga, o escritor Graciliano Ramos, a psiquiatra Níse da Silveira,
Agildo Barata, Silvino Neto e muitos outros intelectuais e militares de esquerda. Ele
contava sobre o dia em que Olga Benário, grávida, foi enviada para a Alemanha
pelo governo brasileiro para ser morta pela Gestapo. Todos na prisão ficaram
revoltados e fizeram uma “greve do esporro”. O filme também mostra esta cena.

Outro filme, “Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos (1984), sobre o
livro de Graciliano Ramos escrito na prisão, mostra como era a rotina do escritor e
dos outros presos na Casa de Detenção e depois na prisão da Ilha Grande, para
onde foi enviado.

O nome do meu trisavô aparece no livro “Falta Alguém em Nuremberg” como um


dos homens de coragem que assinaram um documento histórico culpando Getúlio
Vargas pelo assassinato e tortura dos presos políticos durante o longo tempo em
que durou a noite fascista. “Guardados em celas úmidas, separados do mundo
exterior, os homens que ele mandara prender e supliciar não tinham perdido,
entretanto, a espantosa coragem que os marcara”. Eles “se firmaram como figuras
de vanguarda, impregnadas de heroísmo”. [NASSER, D. 1947, p.113).

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