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A PRESENÇA DA FALTA – Como DOUTOR ESTRANHO: FIM encontra a

comunhão entre magia e tecnologia

Às vezes, aquilo que mais nos faz falta, é também aquilo que nos coloca em
movimento. Em Doutor Estranho: Fim, encontramos uma versão de futuro
onde a magia do mundo foi quase que inteiramente consumida pela presença
da tecnologia. O Mago Supremo é o último praticante da magia ainda vivo,
vivendo com base em truques baratos e humilhando jovens que buscam caçoar
de sua existência. Sua magia é resquícios do passado, porém, e toda companhia
com a qual conta é de uma inteligência artificial projetada a qual ele busca
encontrar um ponto de conexão com as suas próprias projeções místicas. Esse é
o futuro que encontramos e que dá sequência à edição de O Que Aconteceria
Se...? da Magia sobre a qual falamos no último vídeo. Eu bem disse que aquela
era uma história com começo, meio e fim e sem continuações, e estava sendo
sincero, mas ao mesmo tempo eu menti.

Por um bom motivo, porém. Se lá encontramos uma excelente história de


origem alternativa para Illyana Rasputin, aqui temos um breve e significativo
final para o Stephen Strange desse mundo.

(início do vídeo)

Eu gosto muito da maneira como Leah Williams escreve seus personagens


nessas duas histórias. Fico curioso para saber como ela traduziria dinâmicas e
maneirismos para uma narrativa longa, mas não estamos falando de uma
narrativa longa. Se na história anterior ela precisa de vinte páginas para
apresentar e desenvolver a origem de uma personagem, aqui ela tem a mesma
quantidade para levar um ao seu fim.

Seu Doutor Estranho é extremamente reconhecível, por isso. Ele não abre
espaço para se lamentar pelo fim da magia. É um homem arrogante, mas
extremamente engraçado, e fiel ao seu ofício e aquilo que lhe é importante. Os
únicos personagens com quem Strange interage nas primeiras páginas são a
inteligência artificial e os jovens, apenas para que ambos suma... os garotos,
fugindo de medo e a projeção sendo destruída em um acesso de fúria por parte
de Strange. Acesso de fúria esse que nos leva há mais importante interação entre
personagens de toda história: aquela entre o Doutor Estranho e Wong.

A questão é que Wong está morto, já. Não só isso, mas nós não temos diálogos
vindos desse espírito. Sabemos que ele realmente está presente, é claro, porque
é de um mundo mágico que ainda falamos, mas o silêncio de uma das partes da
comunicação que acontece já é suficiente para que haja um incômodo. Strange
continua falando e falando e falando sobre qualquer coisa e há todo momento,
sem nunca parar, e a voz dele é tão ativa e presente que nem notamos o fato de
que há muito silêncio do outro lado. Ele desenterra os corpos de outros magos
já mortos, como a Feiticeira Escarlate e o Doutor Voodoo, pronto para por em
prática um truque de emergência que eles prepararam e... há todo momento, as
trocas animadas e otimistas de Strange são carregadas pela noção de que há algo
faltando. E isso é reforçado pelas respostas que ele recebe de Wong, a qual não
ouvimos, mas somos privilegiados pelas reações.

Como Illyana, mesmo. Duas vezes é mencionado que algo aconteceu com ela
entre as histórias mas, diferentes de todos os demais magos os quais crânios
foram colocados dentro do altar da alma de Wong, ela ainda segue viva. Wong,
apesar de morto, segue vivo enquanto uma presença para Strange. É por isso
que quando ele começa a queimar todos os restos mortais dos usuários da
magia, assim como livros e artefatos antigos, ele se revolta para simples ideia de
Wong ter de ir junto.

É pequeno, mas é a primeira vez em que vemos Strange quebrar todo seu
otimismo. Ele não quer que seu amigo se vá porque seu amigo é tudo que ele
ainda tem. Por sua vez, ele entende o tamanho da tarefa e a falta que eles estão
tentando preencher. Quando nem mesmo isso é suficiente, porém, ele aceita de
bom grado que talvez ele mesmo tenha de ir. Se todas as coisas mágicas foram
queimadas e ainda não é suficiente, então ele mesmo deve preencher essa falta
que foi deixada no mundo e... e nele próprio.

DOUTOR ESTRANHO: Se houver algum transcritor psíquico por aí que por acaso
esteja gravando meus últimos pensamentos, então por favor deixem que a gravação
mostre que minha ida deste mundo foi aos modos de como eu existi nele:
MAGNÍFICA PRA CARALHO (bipe). Eu tenho conservado minha energia mística por
tanto tempo que, mediante a morte, ela se liberou de mim em velocidade abusiva e
atravessou a holocena. Antes de eu agradecidamente afundar no abraço do vazio, eu
senti o mundo mudar... e seguir mudando. A última coisa que eu soube com firme
certeza era que em algum lugar pelo cosmos, onde brechas dimensionais ainda são
finas, eu havia acordado um dragão. Como meu último truque de mágica, eu morri. E
eu finalmente libertei ela daquele terrível encantamento.

Como tende a ser, a falta é preenchida por meio de um nascimento que dá uma
nova chance as coisas. Se o mundo mágico tem uma nova chance, é por meio de
Illyana, que desperta de sua prisão e é imediatamente imbuída com a
responsabilidade de ser a nova Maga Suprema, responsabilidade essa já falada
desde a última história. Não apenas isso. Se na história anterior vimos Strange
alegando que treinava Illyana para o momento que ela o substituísse, aqui
descobrimos no final da história que o Sanctum Sanctorum foi por décadas
preparado e reformado para o momento em que a garota retornasse. Como um
pai que espera pela filha, é claro, e abre espaço para que ela preencha as faltas
que foram deixadas pelos erros de seu tempo. É um gesto de confiança numa
futura geração, mas não sem seu custo. O Doutor Estranho está morto.
Mas, também como as coisas tendem a ser, ele deixou uma luz. Em nossa
história de fantasia, é a presença de uma alma que falará sem que escutemos,
guiando essa garota que chora, ao mesmo tempo em que lembra com alegria da
presença que falta de seu pai. É a falta, como eu disse no começo desse vídeo,
que nos coloca em movimento.

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