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Capa

IRENE FLUNSER PIMENTEL

A história da PIDE

Badana da Capa

Irene Flunser Pimentel é licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de


Lisboa, mestre em História Contemporânea (Século XX) e doutorada em História Institucional e
Política Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa. Elaborou diversos estudos sobre o Estado Novo, o período da II Guerra Mundial, a situação
das mulheres e a polícia política durante a ditadura de Salazar e Caetano.
É investigadora do Instituto de História Contemporânea (FCSH da UNL), autora do livro História
das Organizações Femininas do Estado Novo (Círculo de Leitores, 2000, e Temas & Debates,
2001), dos textos relativos a Portugal da obra Contai aos Vossos Filhos. Um Livro sobre o
Holocausto na Europa, 1933-1945 (Gótica, 2000), da Fotobiografia de Manuel Gonçalves Cerejeira
(Círculo de Leitores, 2002), de Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Em Fuga
de Hitler e do Holocausto (Esfera dos Livros, 2006), e Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência
Política (Esfera dos Livros, 2007), em co-autoria com João Madeira e Luís Farinha. No prelo
encontra-se o livro Um País de Refúgio. Os Refugiados em Portugal. 1933-1945 (a sair na
Alemanha).

Contracapa

Criada em 1945, a partir da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, 1933-1945),


a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), que mudaria de nome para Direcção Geral de
Segurança (DGS) em 1969, foi a polícia política do regime ditatorial que vigorou em Portugal até
1974. Serviu, por um lado, para intimidar e, deste modo, prevenir a contestação pública ao regime,
bem como, por outro lado, para destruir toda a oposição organizada contra o Estado Novo.

Na presente obra analisa-se a forma como a polícia política reprimiu, nos vários sectores da
sociedade portuguesa, todos aqueles que revelavam qualquer dissidência social, política e até
religiosa relativamente ao regime, tentando responder, entre outras, às perguntas: como se
estruturava e quais eram os seus métodos, desde a vigilância, à captura, ao interrogatório, à
investigação e à instrução dos processos? Quantos e quem foram os detidos políticos? Como era a
vida nas prisões da PIDE/DGS? De que forma decorriam os julgamentos políticos nos tribunais
plenários? E quais eram as relações entre a polícia política e o aparelho judicial político?
Por fim, descreve-se de forma breve como a DGS soçobrou no dia 25 de Abril de 1974.

Um importante trabalho sobre a nossa história mais recente, a levar-nos aos calabouços da PIDE,
aos meandros do poder político e a um dos lados mais negros do Estado Novo.

Folha de rosto

A história da PIDE

IRENE FLUNSER PIMENTEL

Círculo de Leitores
Temas e debates

Ficha técnica

Autora: Irene Flunser Pimentel


Copyright © Círculo de Leitores, Temas e Debates e autora, 2007
Capa e design gráfico: Fernando Rochinha Diogo
Revisão: Fotocompográfica
Paginação e pré-impressão: Fotocompográfica
Impressão: Printer Portuguesa Ind. Gráfica
Casais de Mem Martins, Rio de Mouro
Impresso em Outubro de 2007
1 .a edição: Outubro de 2007
ISBN: 978-972-759-956-1
Edição (Círculo de Leitores): 7197
Depósito legal: 265 228/07
Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é expressamente
proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o
tratamento informático, sem autorização expressa dos titulares dos direitos.

Dedico este trabalho a Maria Ângela Vidal e Campos e a Maria Fernanda de Paiva Tomás,
que infelizmente já não se encontram entre nós.
Foram as duas mulheres que, durante mais tempo, permaneceram presas por razões políticas pela
PIDE.
No entanto, conseguiram guardar um espaço de liberdade interior, tanto no cárcere, como num país
com uma longuíssima ditadura.

SUMÁRIO

Introdução 11

Primeira parte

A INSTITUIÇÃO POLICIAL.
FUNÇÕES E RELAÇÕES COM O ESTADO
I. A PIDE/DGS. Poderes, funções e evolução (1945-1974) 24; II. Os funcionários da PIDE/DGS:
recrutamento, formação e disciplina 52; III. Relações da PIDE/DGS com o Estado e a Igreja 73; IV
A «Polícia Internacional» 102

Segunda parte

A PIDE/DGS E OS SEUS PRINCIPAIS ADVERSÁRIOS


V. A PIDE e o PCP no pós-guerra (1945-1957) 132; VI. Do «furacão Delgado» ao final do regime.
A PIDE/DGS e o PCP entre 1961 e 1974 159; VIL A extrema-esquerda e as organizações de luta
armada 186

Terceira parte

OUTROS ADVERSÁRIOS/VÍTIMAS DA PIDE/DGS


VIII. Tentativas de golpe militar e outros alvos políticos e religiosos 220;
IX. Alvos «sociais» 250; X. O outro lado da barricada: a luta contra a PIDE/DGS 278

Quarta parte

OS MÉTODOS DA PIDE/DGS
XI. A informação e os informadores 308; XII. Da vigilância à investigação 338; XIII. As
modalidades de tortura da PIDE/DGS 360; XIV. Mortos pela PIDE/DGS em Portugal 387

Quinta parte

DA PRISÃO AO JULGAMENTO
XV. As prisões políticas 414; XVI. A vida quotidiana nos cárceres e o comportamento prisional
441; XVII. As medidas de segurança 459; XVIII. Os julgamentos, os tribunais e a defesa dos presos
políticos 476

Epílogo

XIX. A PIDE/DGS, as Forças Armadas e o MFA 498

Conclusões 520

Apêndices 537

Fontes e Bibliografia 543

Índice Onomástico 557

AGRADECIMENTOS

Este estudo sobre a polícia política do Estado Novo — PIDE/DGS —, entre 1945 e 1974, que
constitui uma versão resumida e corrigida da dissertação de doutoramento em História
Contemporânea Institucional e Política defendida, em Janeiro de 2007, na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é em primeiro lugar devedor à atenta e
disponível orientação do Prof. Doutor Fernando Rosas. Sem a partilha da sua sabedoria e o diálogo
estimulante que aceitou travar, as conclusões a que cheguei não teriam sido do mesmo teor.
Agradeço também a ajuda e a disponibilidade insubstituíveis do Prof. Doutor Bernardo de
Vasconcelos e Sousa e da Prof.a Doutora Miriam Halpern Pereira, directores do Instituto dos
Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT), e, em especial, da Dr.a Maria de Lourdes
Henriques e de muitos outros funcionários e funcionárias que possibilitaram a consulta de
documentação do Arquivo da PIDE/DGS.
Estou igualmente muito grata à Dr.a Natércia Coimbra, do Centro 25 de Abril da Universidade de
Coimbra, ao Dr. Aniceto Afonso, do Tribunal Histórico Militar, à Dr.a Isabel Hipólito, à Dr.a Paula
Cristina Ucha e a D.a Angelina, do Arquivo Histórico do Ministério da Administração Interna
(MAI), bem como à Dr.a Leonor Sá, conservadora do Arquivo Histórico da Polícia Judiciária, do
Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais. Sem o seu profissionalismo e interesse
em apoiar a investigação, as condições adversas em que se encontram parte dos arquivos
portugueses teriam tornado mais difícil e até impossibilitado o acesso a determinadas fontes.
Não quero ainda deixar de manifestar a minha gratidão em primeiro lugar ao Dr. José Barata, à
Prof.a Doutora Maria de Fátima Bonifácio, que me aconselhou, à Prof.a Doutora Maria Inácia
Rezola, que foi fundamental, ao criar bases de dados para o meu trabalho, à Dr.a Teresa Campos
Rodrigues, que me ajudou em vários tarefas da investigação, ao meu irmão, arquitecto Rui Flunser
Pimentel, que fez vários quadros e gráficos, aos meus jovens amigos, António Veiga, Francisco e
Mariana Veiga, e ao Dr. Nuno Brederode dos Santos, com o qual tive diversas conversas muito
estimulantes e elucidativas para a realização deste estudo. Com saudade, ao Miguel Medina.

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Resta-me ainda agradecer o apoio, através de uma bolsa de investigação, por parte da Fundação
para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Agradeço
também a todos os meus amigos e familiares, especialmente ao meu pai, que já não está entre nós, e
à minha mãe, bem como a muitos outros que não nomeio porque são os primeiros a saber a quem
eu me refiro, o apoio e o encorajamento constantes, que atenuaram momentos de maior impaciência
e cansaço que um trabalho deste teor origina. Finalmente, uma palavra de agradecimento especial à
Dr.a Guilhermina Gomes, do Círculo de Leitores, que aceitou novamente publicar um estudo de
carácter académico, e cuja coragem editorial nunca é demais realçar.

Irene Flunser Pimentel

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INTRODUÇÃO

Analisar a polícia política do Estado Novo e do marcelismo, entre 1945 a 1974, com o objectivo
mais amplo de caracterizar a repressão política exercida pelo regime de António de Oliveira Salazar
e de Marcelo Caetano, é o propósito deste estudo. A Polícia Internacional de Defesa do Estado
(PIDE), criada em 1945 a partir da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, 1933-1945), e
a sua sucessora, Direcção-Geral de Segurança (DGS), instituída em 1969, constituíram a polícia
política desse regime, cuja principal função era o combate aos «crimes políticos», considerados
«contra a segurança externa e interna do Estado».
Cabe, primeiro, esclarecer que a PIDE/DGS será aqui estudada enquanto instituição especializada
na informação, vigilância, investigação e, sobretudo, na repressão política. Ora, a repressão política
exerceu-se sobre determinados indivíduos, considerados como os adversários do regime e, por isso,
toda a análise será orientada para as «relações» entre essa polícia e os membros da oposição ao
Estado Novo, de carácter político, social e religioso.
Dar-se-á particular atenção ao «relacionamento entre» a PIDE/DGS e o Partido Comunista
Português (PCP), principal alvo do «trabalho» da polícia política, até final dos anos 60. Lembre-se
que, por um lado, a repressão do PCP pela PIDE/DGS acabou por moldar a acção ofensiva dessa
polícia, que, na prática funcionou em função desse partido. Pelo seu lado, a actividade defensiva e
reactiva dos comunistas relativamente à repressão da PIDE/DGS também enformou grande parte da
acção do PCP. A partir do final dos anos 60, surgiram no espectro político português, em parte com
origem na FAP/CMLP — cisão pró-chinesa ocorrida em 1964 no PCP —, a chamada extrema-
esquerda e os grupos vocacionados para a luta armada e, por isso, será também dada atenção ao
papel da PIDE/DGS relativamente a essas organizações, no período final do regime.
É verdade que, a partir de 1961, uma das tarefas mais importantes da PIDE/DGS se prendeu
também com a luta contra os movimentos de libertação africanos e com a informação de apoio às
Forças Armadas no esforço de Guerra Colonial. Foi também a partir de então que o quadro de
funcionários dessa polícia nunca deixou de aumentar, em particular em Angola, Moçambique e na
Guiné, chegando mesmo a ter, em 1974, mais efectivos nessas colónias do que na metrópole.

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No entanto, por razões de delimitação do tema, apenas será analisada a acção dessa polícia política
no chamado território metropolitano, não sendo por isso aqui abordada a actividade da PIDE/DGS
nas colónias, nem a sua importante colaboração com as Forças Armadas nos terrenos de guerra
africanos, já objecto de estudo. Por outro lado, apenas muito brevemente se referirão as funções da
PIDE/DGS relativamente à vigilância das fronteiras e dos estrangeiros, bem como à repressão à
emigração clandestina e ao engajamento. Também as funções dessa polícia relativas à segurança
externa do Estado, ou seja, às suas tarefas de «agência» secreta de informações, espionagem e
contra--espionagem, serão aqui abordadas apenas nos casos estritamente políticos. O período
cronológico em análise é um tempo longo, de modo a possibilitar a detecção da evolução e das
eventuais mudanças sofridas pela PIDE/DGS ao longo de quase trinta anos. O limite inicial do
trabalho é o final do ano de 1945 — fim da Segunda Guerra Mundial e dos regimes nacional-
socialista e fascista —, quando o Estado Novo se viu obrigado a «mudar alguma coisa para que
tudo ficasse na mesma» e criou a PIDE, em substituição da anterior PVDE. Quanto ao limite final
do estudo, situa-se no ano de 1974, quando a DGS foi dissolvida, na sequência do golpe militar do
Movimento das Forças Armadas (MEA), a 25 de Abril.

1. Os arquivos da PIDE/DGS

Em termos de fontes, optou-se por recorrer sobretudo à documentação escrita, em particular do


arquivo da própria PIDE/DGS, razão pela qual se justifica relatar brevemente a história deste. Com
o golpe de Estado do MEA, em 25 de Abril de 1974, a DGS foi imediatamente extinta na
metrópole, embora o diploma da sua dissolução especificasse que «no Ultramar, depois de
saneada», seria reorganizada «em Polícia de Informação Militar, nas províncias em que as
operações militares o exigirem». Em 24 de Junho de 1974, foi criado o Serviço de Coordenação da
Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa (SCE da PIDE/DGS e LP), à guarda do qual
ficaram os arquivos dessa polícia, e, dois dias depois, foi, por seu turno, instituída a comissão
liquidatária para a DGS.
Refira-se que, embora o desmantelamento da PIDE/DGS tenha sido enquadrado pelos militares, a
tarefa de análise da documentação coube a civis, que actuaram de acordo com uma lógica
partidária. Elementos de diversas forças políticas trataram dos dossiês dos seus próprios militantes,
embora, na prática, apenas o PCP dispusesse então de estrutura, organização e funcionários em
número suficiente para aproveitar o acesso aos arquivos da PIDE/DGS (Nota 1). Mais polémico foi
o facto de parte desses arquivos terem sido entregues ao KGB, da ex-URSS, como foi revelado por
elementos desse antigo serviço soviético, nomeadamente Oleg Kaluguin, que os consultou em
Moscovo, no Verão de 1975. Igor Prelin, reconheceu, por seu turno, ter lido na Lubyanka, sede do
KGB (o serviço secreto soviético), uma parte dessa documentação da PIDE/DGS (Nota 2).

Nota 1 - Pedro Vieira, «O mistério dos arquivos voadores», in Visão, 6/10/1994, pp. 24-27.
Nota 2 - Paula Serra, «O dossier negro dos arquivos da PIDE. Caça no Outubro Vermelho», in
Visão, n.° 84, 1994, pp. 37-42.

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Por seu lado, Vasili Mitrokhine, que procedeu, no seio do KGB, à feitura da relação dessa
documentação, esclareceu que continha informação extremamente importante sobre a estrutura, os
métodos de trabalho e redes de agentes dos serviços especiais de informações dos EUA, da França,
da RFA e da Espanha em território português e colonial (Nota 1).
Seja como for, em 5 de Dezembro de 1975, o SCE da PIDE/DGS e LP passou a depender do
Conselho da Revolução (CR). Depois, com a dissolução deste órgão, em 1982, o SCE foi colocado
na dependência da Assembleia da República, que ordenou, no início da década de 90, a
transferência dos arquivos da PIDE/DGS para o IAN/TT. Finalmente, em 25 de Abril de 1994, os
arquivos começaram a poder ser consultados, com algumas restrições.

2. Fontes e narrativa: problemas epistemológicos

A análise historiográfica de arquivos judiciários contém diversos perigos, pois não deixam de
apresentar um mundo aos bocados: por exemplo, sabe-se que a maioria dos interrogatórios policiais
são feitos de perguntas e respostas imprecisas, frequentemente com lacunas, de parcelas, de frases e
de pedaços de vida, cujo fio condutor é, na maior parte do tempo, pouco visível (Nota 2). Por outro
lado, o problema começa desde logo a montante, com o próprio trabalho dos arquivistas, dado que
os arquivos contemporâneos estão sujeitos a duas figuras antitéticas e complementares: entre o
«tudo guardar», ou seja, o «todo transparente», e, por outro lado, o «tudo apagar, tudo fechar», num
movimento impeditivo de a comunidade nacional «se reapropriar do seu passado para ganhar o seu
futuro» (Nota 3).
Depois, quando o historiador inicia a fase «documentalista», procurando as suas fontes, utiliza
umas, dispensando outras, para depois as reinterpretar de forma singular. Por outro lado, a ausência
de fontes não representa em si uma prova: por exemplo, nunca se encontrou uma ordem escrita a
incitar à tortura, na guerra da Argélia, e, da mesma forma, não há nenhum texto de Hitler a ordenar
expressamente o desencadeamento da «solução final», embora esta não deixasse de ter existido. O
mesmo aconteceu com as torturas infligidas pela PIDE/DGS, que esta polícia teve o cuidado de
nunca mencionar por escrito. Como quaisquer outras fontes, as fornecidas pelo arquivo da
PlDE/DGS devem ser, assim, manuseadas cuidadosamente e incessantemente cotejadas com outra
documentação informativa.
O facto de o conteúdo dos arquivos da PIDE/DGS se reportar a acontecimentos recentes, ainda
encarados de forma traumática por muitas pessoas vivas, tenham elas sido «vítimas» ou
«carrascos», também representa um perigo. Ao contrário da história da Inquisição, por exemplo, a
história da PIDE interfere ainda hoje com a vida das pessoas atingidas e dos seus próximos
descendentes.

Nota 1 - Christopher Andrew e Vasili Mitrokhine, O Arquivo Mitrokhine, O KGB na Europa e no


Ocidente, Publicações Dom Quixote, 2000, pp. 388-389.
Nota 2 - Arlette Farge, Le gout de L’archive, Paris, Seuil, 1989, pp. 81 e 146.
Nota 3 - Annette Wieviorka, «Entre transparence et oubli», in Le Débat, Paris, n.° 115, Mai-Aôut,
2001, pp. 139 e 144.

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Lembre-se que, por seu lado, os investigados/presos, de um modo geral, por razões óbvias,
procuravam fugir à investigação e à revelação de dados. Por outro lado, a polícia omitia ou
falsificava, nos seus relatórios, factos e objectos da sua investigação, escondia os métodos «ilegais»
de pressão e tortura utilizados e mentia, para obter condenações nos tribunais, apesar da ausência de
provas. Além disso, era a própria polícia que elaborava os «autos de perguntas», com fragmentos
retirados de vários sítios, e depois os dava a assinar a presos sujeitos à tortura.
O estudo sobre uma organização policial também parece, à primeira vista, estar facilitado, na
medida em que a «investigação», feita pela própria polícia, já surge anteriormente à pesquisa do
investigador. Mas a PIDE foi uma organização secreta, inserida no processo de justiça política de
um regime não democrático e ao serviço da manutenção da ideologia deste, cuja missão era
desmantelar as organizações de ideologia oposta, através de meios ilegais.
A ideologia está, assim, sempre presente de ambos os lados — «carrascos» e «vítimas» —,
somando-se à própria ideologia do investigador. Por outro lado, a neutralidade, para a qual deve
tender o historiador, ciente de que nunca a atingirá absolutamente, não deve fazê-lo esquecer que
analisar a PIDE/DGS é estudar um microcosmo em que funcionavam, numa situação-limite
dramática e radicalmente desigual, os agentes da polícia e os que ela detinha e interrogava.
A escrita da história não é neutra. A história é, como diz Paul Ricoeur, uma narrativa construída
para validar hipóteses, que não se limita a enumerar eventos, mas tem de «os organizar de forma
inteligível», através da criação de um enredo («mise en intrigue») (Nota 1). Neste estudo da
PIDE/DGS, procurou-se estabelecer como principais «personagens», quer os elementos dessa
polícia, quer os militantes, funcionários e dirigentes do PCP, bem como os da extrema-esquerda e
das organizações de luta armada. O «enredo» é a actuação dos primeiros contra os segundos e os
meios de defesa destes contra aqueles, bem como as consequências e efeitos (perversos ou não)
dessa acção. Mas esse enredo e essa narrativa são modelados pela forma como se pensa sobre uns e
outros, a qual não deixa de ser «moral», embora tudo se tente fazer para compreender os motivos
de todos os «personagens» e para tentar abarcar um máximo de significado possível da acção de
uns e outros.
Analisar a PIDE/DGS através dos seus arquivos é investigar a história contemporânea muito
recente e, por isso, apresenta diversos perigos. E há, por exemplo, o problema, na história do
passado recente, ocasionado pelo facto de o investigador estar confrontado com um tempo truncado
do seu futuro, dado que, por vezes, não conhece o destino temporal dos factos estudados, cujo
sentido se revela habitualmente a posteriori (Nota 2).

Nota 1 - Joel Guibert e Guy Jumel, La Socio-histoire, Paris, Armand Colin, 2002, pp. 128-130 e
145.
Nota 2 - François Bedarida, «La mémoire contre l'histoire», in Esprit, n.° 7, Juillet, 1993, «Le
poids de la mémoire»; Pierra Nora, «La loi de la mémoire», in Le Débat, 1994, «Mémoires
comparées»; Henry Rousso, La hantise du passe, conversations pour demain, entretien avec
Philippe Petit, Paris, Les Editions Textuel, 1998.

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Este problema, porém, não se coloca no estudo da PIDE/DGS, dado que o golpe de Estado de 25 de
Abril de 1974 e a subsequente extinção da polícia política representaram um efectivo corte
cronológico, ao colocar um ponto final na existência dessa instituição policial. «Fazer» a história do
passado recente implica também um confronto com regras arquivísticas que não possibilitam a
consulta de todas as fontes, muitas das quais nunca poderão ser disponibilizadas, ou apenas o serão
ao fim de um certo período. Para não falar do facto de os arquivos da PIDE/DGS terem visto a sua
integridade abalada e de chegarem «expurgados» à mesa do investigador.
Alguns dos perigos da história do tempo presente podem, porém, ser revertidos em vantagens para
a investigação: é o caso da profusão de arquivos que colmatam a ausência dos que foram
esbulhados ou não podem ser consultados. Não é, na verdade, a dificuldade provocada pela falta de
fontes que impera, mas sim a vantagem/armadilha que representa a sobreabundância das mesmas,
que ora encantam o investigador, contribuindo para refrear a vigilância, ora o confundem pelo
excesso de informações e pelas dificuldades em descodificar a sua linguagem legal hermética (Nota
1).
Além disso, na história do contemporâneo próximo, há muitas outras fontes, nomeadamente as
provenientes de testemunhas que viveram os acontecimentos. Embora se tenha feito recurso a
depoimentos e testemunhos escritos, quer de ex-presos políticos, quer de ex-elementos da PIDE/
/DGS, optou-se, porém, por não utilizar a chamada história oral. Não só porque se podia contar
com a já referida profusão de fontes e com muitos testemunhos escritos, como, sobretudo, porque
se encontrou dificuldades em entrevistar, paralelamente aos ex-presos políticos e opositores ao
regime alvo da PIDE/DGS, um número suficiente de ex-elementos desta polícia, que se revelaram
indisponíveis.
Mas, além destes factores, houve outros, de carácter heurístico. Embora a história seja um inquérito
quase policial, dado que analisa indícios e ouve testemunhas, o depoimento oral não constitui
necessariamente uma prova, mesmo que possa contribuir para esta. Acresce que esse tipo de
depoimento é dado num tempo diferente daquele em que o actor viveu o acontecimento e não
garante, assim, o carácter presente dos eventos. Tal como a informação proveniente da imprensa, o
testemunho oral não é o simples reflexo da opinião, mas o resultado de uma mediação.
Por outro lado, o testemunho oral é «provocado» pelo historiador, que, ao interrogar a testemunha,
constrói a sua própria fonte, utilizando-a à maneira de um produtor. Ao questionar a testemunha, o
historiador fá-lo em função de um saber prévio, de uma narrativa de eventos que ele já construiu de
antemão, mas que o depoente desconhece. Se há uma contemporaneidade entre o historiador e a
testemunha, há também uma distância temporal entre a acção relatada por esta e o tempo em que o
testemunho é dado. Por isso, o investigador da história contemporânea próxima cria, entre ele e a
testemunha, uma mediação, construída através da perspectivação crítica do testemunho (Nota 2).

Nota 1 - Questions aux sources du temps présent, sous la responsabilité de A. Chaveau et Philippe
Tétard, Paris, Ed. Complexe (Questions au XXème siècle), 1992.
Nota 2 - Robert Frank, in idem, ibidem, pp. 111-123.

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É certo também que as fontes escritas não deixam de ser construídas, mas diferem das fontes orais,
pois não são destinadas ao historiador: este não é o destinatário nem o autor da fonte escrita
quando, por exemplo, o director da PIDE escreve ao ministro do Interior ou a Salazar. Por outro
lado, a narrativa do «vivido» coloca ainda um problema de escrita, pois o historiador não deixa de
escolher as palavras para fazer ouvir a testemunha. De certa forma, ao citar, o historiador
estabelece-se em saber do outro e, nesse sentido, priva a testemunha da sua própria palavra (Nota
1).
A sua maneira, a memória de uma testemunha dá conta das transformações socio-históricas à escala
de uma vida, mas tem as suas próprias imperfeições, pois é selectiva. Tanto embeleza, como recalca
e censura, pois é condicionada pelo esquecimento, pela transformação e pela selecção das
lembranças (Nota 2). E um facto, porém, que a memória da testemunha é uma fonte, por vezes
insubstituível, ao dar o ambiente e o contexto de uma época, mas também é geradora de erros e de
mitos, que cabe ao historiador corrigir e desmistificar. Mas, quando se trata de estabelecer factos
cinquenta anos depois, são os documentos da época que marcam a diferença (Nota 3).

3. Memória e história. Estudar a PIDE/DGS trinta anos depois

O historiador francês Henry Rousso, que estudou a memória (chamou-lhe «a síndroma») do regime
de Vichy, assinalou quatro fases nesse processo: uma primeira, de «luto inacabado», em que
coexistiram duas memórias, ambas mistificadoras e mitificadas — a gaullista e a comunista —;
uma segunda, de negação e recalcamento, tanto da derrota francesa como do regime de Vichy e do
seu anti-semitismo; uma terceira, marcada pelo levantamento progressivo dos recalcamentos
anteriores e, finalmente, uma quarta fase, caracterizada pela obsessão com que os temas recalcados
foram debatidos e tomaram uma dimensão exagerada. Ora, esta fase marcada pelo «excesso de
passado» (Nota 4) contribui, tal como a «insuficiência» de memória, para o desenvolvimento de
uma memória patológica, como observou o filósofo Paul Ricoeur.
Ao longo do período de trinta anos de democracia, a memória da ditadura portuguesa e dos seus
instrumentos tem sofrido mudanças. Logo após o 25 de Abril, quando surgiu na imprensa muita
informação acerca da ditadura, um jornalista profetizou que, «se algum dia vier a ser publicada», a
história da PIDE/DGS «causará náuseas e assombro, vergonha e desprezo, asco e mal-estar» (Nota
5). O certo é que se atenuaram entretanto os fortes sentimentos de há trinta em causa — a
PIDE/DGS -, continue de certo modo a existir tanto um excesso de memória, por parte de uns,
como uma insuficiência de memória, por parte de outros.

Nota 1 - Antoine Prost, «L'historien, le juge, le témoin et l’accusé», in Le génocide des juifs entre
procès et histoires: 1943-2000, Paris, Complexe, 2000, pp. 292-295 e 299-300.
Nota 2 - Joel Guibert e Guy Jumel, La Socio-histoire, Paris, Armand Colin, 2002, pp. 128-130 e
145.
Nota 3 - Jean-Pierre Azéma e Georges Kiejman, «L’Histoire au Tribunal», in Le Débat, n.° 102,
Novembre-Décembre, 1998, p. 49.
Nota 4 - Eric Conan e Henry Rousso, Vichy, um passe qui ne passe pas, Paris, Gallimard («Folio
Histoire»), 1994, pp. 19, 23, 28, 161, 183, 401, 406, 411, 413, 416 e 421-423; Henry Rousso, La
hantise du passe, entretien avec Philippe Petit, Paris, Les Éditions Textuel, 1998, pp. 15-17 e 45;
Henri Rousso, Pour une historie de la mémoire collective..., pp. 249 e 251.
Nota 5 - Viriato Ruas, «Dossier PIDE?», parte 1, in Século Ilustrado, cit. p. 9, por Fernando Luso
Soares, PIDE/DGS: Um Estado dentro do Estado, Portugália Editora (Instituições do Fascismo),
s.d., p. 9.

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Em Portugal, devido à forma como caiu a ditadura e à crise do Estado que se desencadeou na fase
inicial da transição para a democracia, houve uma tentativa de ajuste de contas, nomeadamente com
o aparelho repressor do antigo regime, da parte das oposições a este. Essa primeira fase, em que a
ditadura ainda estava muito presente, foi caracterizada pelo estilhaçar violento do «espelho». No
entanto, posteriormente, devido às clivagens políticas do Verão Quente de 1975, caiu um certo —
embora nunca total — silêncio sobre o que tinha sido a ditadura, em proveito das lutas partidárias
então em presença.
Depois, no decurso dos anos 80, houve assim um segundo período, marcado por um certo
recalcamento da memória da ditadura. No entanto, a partir da abertura à consulta dos arquivos da
PIDE/DGS, tem havido, nos últimos dez anos, um levantamento progressivo dos recalcamentos,
muito devido ao trabalho historiográfico. Através de um processo por vezes entrecortado por
acessos esporádicos de memória, reveladores de que o passado tem relutância por vezes em
«passar», parece que se está a viver hoje em Portugal um novo período, marcado pela feitura da
história dessa época, contribuindo, esta, para que haja uma «boa» memória» relativamente ao tema.
Uma das questões que se colocam, em qualquer investigação histórica, é a da empatia do
investigador com o seu objecto de estudo, uma vez que, ao analisar qualquer situação humana, este
tem de se tentar colocar no lugar do outro, na forma de pensar ou de sentir do outro, para a tentar
interpretar, compreender e narrar. Ora, alguns autores consideram que a tentativa de compreensão,
«de forma empática», dos protagonistas só se deveria colocar relativamente às vítimas, dado que
compreender os carrascos poderia facilmente descambar numa desculpa dos seus actos. O
historiador Christopher Browning propôs-se, pelo contrário, fazer a história dos «perpetradores» ou
«carrascos» do regime nazi e sentiu a obrigação de recusar «demonizá-los», e de «empatizar» com
eles, para tentar compreender e explicar os seus motivos, o que não é a mesma coisa que perdoar e
desculpar. O reconhecimento de que os criminosos são seres humanos — e não «monstros»,
diferentes de todos os outros seres humanos — torna desejável a tentativa de empatizar, mesmo se
isso acarreta terríveis conclusões, entre as quais a de que elementos da espécie humana, em
determinada situação, são capazes de cometer as maiores monstruosidades (Nota 1).
Se compreender não é perdoar e se a empatia não é a mesma coisa que a simpatia, estudar a
PIDE/DGS implica tentar apreender os motivos e comportamentos dos seus elementos. Ao analisar-
se a PIDE/DGS deve-se tentar escapar tanto ao refúgio numa aparente neutralidade, como ao
envolvimento total e principal com as vítimas.

Nota 1 - Christopher Browning, Ordinary Men, Londres, Penguin Books, 2001.

18

Deve-se também fugir à tentação de se proceder como um polícia ou um juiz, mesmo se os


processos de investigação do historiador se assemelham aos do detective ou do magistrado em juízo
(Nota 1).
O processo em tribunal é, por assim dizer, o único caso de «experimentação historiográfica», mas
«não é uma lição da história». Enquanto os juízes têm de provar os «factos» e de chegar a uma
conclusão, os historiadores podem dar-se ao luxo de concluir consoante a «preponderância da
prova», mas nunca de forma categórica (Nota 2). A justiça tenta saber se um indivíduo é culpado ou
inocente, enquanto a história é um processo de conhecimento e elucidação de encadeamentos
plausíveis, mas sem capacidades probatórias, persuasivas e condenatórias.
Por outro lado, a justiça vai do geral ao particular, enquanto a história faz o contrário, porque parte
do singular para apreender o quadro geral de conjunto, elaborando um contexto com valor
hipotético, construído a partir da generalidade de casos particulares analisados (Nota 3). Quer pela
metodologia utilizada, quer pelos fins que pretende atingir — compreender, interpretar, mas não
julgar —, o historiador não tem o objectivo de defender valores, a não ser o «valor em si» que
constitui a própria escrita de uma história capaz de restituir o máximo da substância complexa do
passado. Esse «valor em si» da história só supera, porém, o positivismo estreito se contém a
valoração que o historiador, com os seus valores, lhe imprime, dando algum sentido ao que escreve.

4. A PIDE/DGS NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA DO ESTADO NOVO

Num dos primeiros trabalhos académicos de caracterização do Estado Novo, escrito em 1968,
Hermínio Martins observou que, em Portugal, a polícia política se foi transformando, com o tempo,
num aparelho «de notável eficiência, fortalecido por uma rede de informadores muito vasta». Neste
trabalho, marcado pela data em que foi realizado, em que recorreu à teoria do «totalitarismo», o
autor discutiu um conceito que era também frequentemente utilizado, na época: o de «coeficiente
óptimo de terror», ou de «economia do terror».
Ao comparar o caso português com o totalitarismo nazi, Martins lembrou que pode «haver um
coeficiente óptimo de terror que interesse à totalidade da população sem que seja necessário
recorrer a um extermínio em larga escala, mas evidenciando e propagandeando ao máximo, com
crueldade, a realidade desta situação».

Nota 1 - Carlo Ginzburg, «Le juge et 1'historien», in L’Histoire aujourd'hui, coord. Jean-Claude
Ruano-Borbalan, Paris, Éditions Sciences Humaines, pp. 39, 40 e 44.
Nota 2 - «Les historiens et le travail de mémoire. Les rôles respectifs du juge et de l’historien», in
Esprit, n.° 8/9, Aôut-Septembre, 2000; Christopher R. Browning, «German, Memory, Judicial
Interrogation, Historical Reconstruction», in Probing the Limits of Representation. Nazism and the
«Final Solution», ed. Saul Friedlander, Harvard University Press, 1992, pp. 27 e30.
Nota 3 - Yan Thomas, «La vérité, le temps, le juge et 1'historien», in Le Débat, n.° 102, Novembre-
Décembre, 1998, pp. 21, 27, 29, 33 e 35; Michael Wildt, «Des vérités qui diffèrent. Historiens et
procureurs face aux crimes nazis», in Le génocide des juifs entre procès et histoires: in 1943-2000,
Paris, éd. Complexe, 2000, pp. 281 e 286.

19

Ora, «o regime português conseguiu um resultado óptimo deste género: com um número exíguo de
assassínios políticos e prisões». (Nota 1) Noutro estudo, sobre «A oposição em Portugal», de 1969,
Hermínio Martins voltou a considerar que o sistema político de Marcelo Caetano continuava a
caracterizar-se «por um nível relativamente baixo de violência política» e a revelar «um elevado
grau de racionalidade política nesta esfera, tentando alcançar um óptimo de terror, e não um cru
máximo de terror», evitando, assim, os ardis do terror e do contra-terror (Nota 2).
Num livro editado em 1976, onde considerou o Estado Novo um regime «assaz despótico» e
«autoritário» mas não «totalitário» no domínio político, Manuel de Lucena observou que «o pai
(Salazar)» se fartou de «castigar», mas fê-lo «sem extremismo», e que «o verdadeiro terror é
desconhecido em Portugal, na metrópole entenda-se». Para Lucena, que aliás não menosprezou o
carácter «sinistro» da repressão política portuguesa, embora sistemática, esta era «comedida e
racional, no sentido de bem proporcionada às necessidades e aos fins» e, por isso, diferente do que
acontecia na Alemanha de Hitler ou mesmo na Espanha franquista (Nota 3).
Para caracterizar o aparelho policial e judicial do Estado Novo, Hermínio Martins utilizou o
conceito de «sistema justiça política» (Nota 4), depois retomado por Manuel Braga da Cruz, num
estudo publicado em 1988. Segundo este autor, o regime salazarista «criou aquilo a que podemos
chamar sistema de justiça política, como justiça paralela, dependente aliás no fundamental, e quase
sempre, não já do Ministério da Justiça, mas do Ministério do Interior», cujo principal meio era a
polícia política. Braga da Cruz observou que foi «uma repressão ditatorial muito mais do que uma
repressão totalitária», «selectiva, estratificada e dissuasora» em termos sociais. Ou seja, não foi
«uma repressão de massas, limitando-se a atingir opositores», tão mais duramente quanto maior e
mais diametralmente oposta fosse essa contraposição (Nota 5).
O primeiro trabalho exclusivamente sobre a polícia política, abrangendo o período entre 1928 e
1945, foi realizado por Maria da Conceição Ribeiro. Ao definir a PVDE mais como «uma arma
preventiva», através de uma imagem de omnipresença e omnisciência, a autora afirmou que essa
polícia foi uma «poderosa força dissuasora de ulteriores «desvios» à mentalidade e ao
comportamento que se pretendia incutir nos cidadãos». Só quando se revelava ineficaz a sua
«capacidade "persuasiva" e "educadora"», é que essa polícia intervinha, em último recurso, «de
forma punitiva, castigando o que era considerado "prevaricador", desencorajando possíveis
veleidades de outros actos de desobediência, instalando o medo e convidando ao silêncio e à
resignação» (Nota 6).

Nota 1 - Hermínio Martins, «O Estado Novo», in Classe, Status e Poder, ICS, 1998, pp. 42-45.
Nota 2 - Hermínio Martins, «A oposição em Portugal», in Classe, Status e Poder, p. 68.
Nota 3 - Manuel de Lucena, A Evolução do Sistema Corporativo Português, volume i: O
Salazarismo, Lisboa, Perspectivas e Realidades, 1976, pp. 112, 113, 121 e 145-146.
Nota 4 - Günter Grass, Crabwalk, Londres, Faber and Faber, trad. Krishna Winston, 2002, p. 45.
Esta expressão foi utilizada, desde o pós-guerra, pelo professor de Direito, Friedrich Grimm, que
editou um livro célebre, Political Justice: The Blight of our Era.
Nota 5 - Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, Lisboa, Editorial Presença,
pp. 84-96.
Nota 6 - Maria da Conceição Ribeiro, A Polícia Política do Estado Novo: 1926-1974, Lisboa,
Editorial Estampa, 1995, pp. 78, 196, 197, 250, 254 e 273.

20

Ao considerar a polícia política portuguesa como um «elemento central de um sistema repressivo»


de «justiça política», no qual se articulavam, além da polícia política — «a espinha dorsal do
sistema» —, as prisões especiais, os tribunais especiais, as medidas de segurança e o saneamento
político, Fernando Rosas afirmou que se pode falar do Estado Novo como um regime de «natureza
claramente policial» (Nota 1). Num ensaio onde se propôs encontrar as causas da longevidade do
regime salazarista, Fernando Rosas considerou a repressão policial, como «um factor decisivo da
conservação do Estado Novo e do silenciamento, intimidação e liquidação dos seus oponentes».
Para esse historiador, a PIDE actuou, porém, «como complemento, como segunda linha de uma
outra repressão menos visível mas mais eficaz» que «apostava na desmobilização cívica, no medo,
na subserviência, na intimidação generalizada». Segundo Rosas, «a censura, a Igreja católica, os
caciques locais, os professores primários e liceais arregimentados, etc., foram instrumentos de
opressão e de intimidação que precederam e frequentemente dispensaram os bons ofícios da polícia
política e da repressão política strictu sensu» (Nota 2).
Evelyne Monteiro concluiu que a política criminal, sob Salazar, reenviava a um modelo de Estado
autoritário e não totalitário, onde se mantinha a referência à legalidade. Face a esse argumento,
observe-se que, embora se concorde que o regime ditatorial português não teve um carácter
totalitário — e para a discussão desse carácter do regime, remeto para a conclusão de outro livro
meu (Nota 3) —, a questão da «legalidade», em Portugal, tem muito que se lhe diga, como se verá
mais tarde.
Mas, ao considerar a política criminal do regime salazarista como sendo de tipo autoritário,
Monteiro assinalou também, nela, uma «deriva totalitária», manifesta «na preeminência do poder
executivo e no facto de este colocar sob sua tutela a autoridade judicial».

Nota 1 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 7,
Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 275-278.
Nota 2 - Fernando Rosas, «Salazar e o salazarismo: Um caso de longevidade política», in AAW,
Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, pp. 23-31.
Nota 3 - Irene Flunser Pimentel, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa,
Círculo de Leitores, 2000. Neste livro se dizia que, em Portugal, houve um regime «tirânico» e não
um regime «totalitário», porque o «Estado Novo atirou os indivíduos para o "isolamento", no que
se refere à esfera política, e não para a "desolação" (termo de Hannah Arendt), que remete para a
esfera das relações humanas, sociais e privadas» e porque «os portugueses mantiveram um grau de
pertença a outras instâncias, quer à família, quer à Igreja, instituições intermédias entre o indivíduo
e o Estado, que continuaram a funcionar cora grande autonomia e capacidade de iniciativa».
Salazar erigiu como seus adversários e suas principais vítimas os seus opositores políticos,
«portanto em função das suas acções e pensamentos". Acções e pensamentos que continuaram a
subsistir, na intimidade individual. Mesmo ao perderem a liberdade de expressão, de actuação e até
a liberdade física, os adversários políticos do salazarismo mantiveram, contra a vontade do ditador,
a esfera da sua vida privada intocável e um pensamento próprio, além de não lhes terem sido
retirados nem a nacionalidade nem a vida (biológica), como aconteceu na Alemanha "nazi" aos
considerados "biologicamente inferiores". [...] Caiu sobre os portugueses a tirania, mas não se
abateu indiscriminada e arbitrariamente sobre eles o "terror total", que segundo Hannah Arendt,
constituiria a própria natureza do "totalitarismo"».

21
Ao comparar a justiça política do Estado Novo com a do regime de Vichy, Evelyne Monteiro
mostrou que estes dois regimes cederam à tentação de consagrar o raciocínio «analógico». Ora, ao
tratar-se de uma «incriminação elástica», este raciocínio «cheira a nazismo e totalitarismo». Ou
seja, nesse sector, a política criminal portuguesa ter-se-ia aproximado da política criminal
totalitária, segundo a qual «toda a forma de dissidência» se confundia com a delinquência, «para
dar lugar a diversas práticas de prevenção, repressão e eliminação», desenvolvidas «à margem das
leis e de todo o controlo da autoridade judicial» (Nota 1).
Destaque-se ainda, muito recentemente, o estudo de Dalila Cabrita Mateus acerca da PIDE/DGS
nos três teatros da Guerra Colonial, no período entre 1961 e 1974. Ao debater a questão da
qualidade do trabalho da polícia política em Angola, Moçambique e na Guiné, a autora afirmou que
esta revelou «uma organização muito experimentada e com uma enorme eficácia», sobretudo tendo
em conta os seus efectivos e a fraca instrução destes, apenas com a 4.a classe do ensino primário.
Dalila Mateus demonstrou que a PIDE/DGS colaborou «estreitamente com as Forças Armadas,
fornecendo-lhes informações, realizando operações ou, pura e simplesmente, reprimindo de forma
massiva e indiscriminada os africanos», concluindo que ela teve um papel de grande relevo na
Guerra Colonial. Esta autora observou, porém, que, ao contrário da metrópole, onde a PIDE/DGS
era temida mas desprezada, em África, os colonos e muitos militares eram, na sua maioria,
favoráveis à polícia política (Nota 2).

5. Plano do estudo

O carácter preventivo, repressivo, selectivo ou massivo, ou a questão da eficácia ou não da


PIDE/DGS serão, de seguida, abordados neste estudo, que está dividido em cinco partes. A primeira
parte, dedicada à análise da instituição policial, das suas funções e relações com o Estado, começa
com uma história «legal» da PIDE (1945-1969) e da DGS (1969-1974), bem como da sua estrutura
dirigente. Esta parte do trabalho terminará com uma abordagem de outra das grandes funções da
PIDE/DGS: ou seja, a sua função de «polícia internacional», com tarefas de vigilância das
fronteiras e estrangeiros, da repressão à emigração clandestina, bem como do seu relacionamento
com polícias e serviços secretos de outros países.
Partindo da hipótese inicial de que a PIDE serviu, por um lado, para intimidar e, deste modo,
prevenir a contestação pública ao regime e, por outro lado, para destruir toda a oposição organizada
contra o Estado Novo, dar-se-á um papel central às relações entre a polícia política e os militantes
das organizações da oposição. A segunda parte é dedicada à forma como a PIDE/DGS lidou com os
seus principais adversários/vítimas: o PCP, até ao final da década de 60, e, depois, os grupos de
extrema-esquerda e de luta armada.

Nota 1 - Evelyne Monteiro, «La politique criminelle sous Salazar: approche comparative du
modèle d'État autoritaire», in Archives de politique criminelle, n.° 20, 1998.
Nota 2 - Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial: 1961-1974, Lisboa, Terra-mar
(col. Arquivos do Século XX), 2004, pp. 394-397 e 420.

22

A vigilância da PIDE/DGS não poupava ninguém, dos monárquicos a elementos das Forças
Armadas, passando pelos católicos, mas sobretudo todos aqueles que revelavam uma qualquer
dissidência social, política e até religiosa em relação ao regime ditatorial. E isso que será analisado
na terceira parte do trabalho, que começará por abordar a forma como a PIDE/ /DGS lidou com as
tentativas fracassadas de golpe militar e com outros alvos políticos, religiosos e «sociais».
Dedicado ao «outro lado da barricada», ou ao «outro lado do espelho», o final desta parte aborda
ainda as formas de luta contra a PIDE/DGS, quer por parte do PCP e da extrema-esquerda, quer por
parte da «opinião pública».
Na quarta parte procurar-se-á ver que métodos «eram utilizados pela PIDE/DGS nas várias fases do
processo repressivo: a informação, a vigilância, a captura, o interrogatório, a investigação e a
instrução dos processos. A PIDE/DGS estava, basicamente, estruturada em dois grandes sectores: o
da informação e o da investigação. Era, por um lado, no importante serviço de informação que
funcionavam as redes de informadores, bem como a escuta telefónica e a intercepção e apreensão
de correspondência. Após a vigilância e a detenção, decorriam os interrogatórios, onde eram
utilizados métodos de coação física e psicológica, a cargo do serviço de investigação, que instruía
os processo-crimes. Embora de forma excepcional, estes métodos resultaram, por vezes, na morte
dos presos, aspecto que será abordado num capítulo à parte.
A quinta e última parte do trabalho tratará do processo que decorria após a «instrução do processo»,
ou seja, a vida nas prisões privativas da PIDE/DGS — onde era cumprida a detenção sem culpa
formada ou preventiva, mas também, em certos casos, onde os detidos políticos cumpriam as penas
a que eram condenados pelos tribunais plenários. Começando por ver quantas pessoas a PIDE/DGS
prendeu, ao longo do período em estudo, tenta-se responder à pergunta central: quantos e quem
foram os detidos políticos? Segue-se uma análise sobre as prisões políticas da PIDE/ /DGS e o
quotidiano dos presos mas também acerca dos dois poderes principais da polícia política — a
prisão preventiva e a medida de segurança de internamento. Esta quinta parte terminará com um
estudo das relações entre a polícia política e o aparelho judicial político e, antes de serem
apresentadas as conclusões, com uma breve descrição da forma como a DGS soçobrou, no dia 25
de Abril de 1974.

PRIMEIRA PARTE - A INSTITUIÇÃO POLICIAL.


FUNÇÕES E RELAÇÕES COM O ESTADO

24

I.
A PIDE/DGS. PODERES, FUNÇÕES E EVOLUÇÃO (1945-1974)

A polícia política do Estado Novo agiu a coberto da legalidade (Nota 1), por isso se analisará neste
capítulo a definição jurídica da PIDE/DGS e da forma como ela se manteve numa «legalidade»
aparente e na «ilegalidade» permanente. Começar-se-á com uma breve incursão pelo período
anterior ao da criação da PIDE, em que será referida a história da sua antecessora, a PVDE (1933-
1945), e, para efeitos comparativos, abordar-se-ão alguns modelos policiais estrangeiros de
ditaduras existentes no período entre as duas guerras. Tentar-se-á, depois, fazer a história «legal» da
PIDE (1945-1969) e da DGS (1969-1974), para tentar captar as ideias subjacentes à sua concepção
jurídica inicial, verificar os seus poderes, definir as suas funções e traçar a sua evolução no decurso
do longo período entre 1945 e o 25 de Abril de 1974.

I.1. A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) [1933-1945]:


A LEGISLAÇÃO

Após o golpe de 28 de Maio de 1926, na sequência do qual foi instituída uma Ditadura Militar,
foram criadas, ainda nesse ano e no seguinte, a Polícia de Informações (PI) de Lisboa e a Polícia de
Informações do Porto, As duas foram unificadas, em 17 de Março de 1928, na Polícia de
Informações do Ministério do Interior (PIMI), com a função principal de reprimir os «crimes
sociais» — o termo «social» substituía então frequentemente o termo «político» — e coadjuvar o
governo nos assuntos policiais de carácter internacional.
No período entre 1930 e 1932, marcado pela instabilidade político-militar resultante quer das
conspirações militares contra a ditadura, quer das dissensões que se manifestaram no seio do bloco
político-militar apoiante do regime saído do movimento de 28 de Maio, houve protestos contra as
violências da PIMI — nomeadamente em 1931 —, que mudou de nome, passando a chamar-se
Polícia Internacional Portuguesa (PIP). Inicialmente sob tutela do Ministério da Justiça e Cultos, a
PIP passou, em 30 de Julho desse ano, para a do Ministério do Interior, enquanto repartição
autónoma com funções de polícia de estrangeiros, combate à espionagem e repressão do
comunismo (entendido como uma quinta coluna estrangeira).

Nota 1 - Artur Costa, «O julgamento da PIDE/DGS e o direito à memória», in De Pinochett a Timor


Lorosae: Impunidade e Direito a Memória, 2000, p. 46.

25

No ano seguinte, de 1932, em que António de Oliveira Salazar foi nomeado presidente do Conselho
de Ministros, o novo ministro do Interior do seu governo, Albino dos Reis (1932-1933), criou a
Polícia de Defesa Política e Social (PDPS), com o objectivo de reprimir os desvios «políticos e
sociais» a nível interno. Com a demissão desse ministro, demitiu-se também o director da PDPS,
cujo pessoal passaria posteriormente para a PVDE (Nota 1).

1.1.1. Oliveira Salazar e a violência política

António de Oliveira Salazar caracterizou desde logo o que viria a ser o seu novo regime — o
Estado Novo, institucionalizado, em 1933, com o plebiscito de uma nova Constituição —,
reconhecendo que ele se assemelhava ao fascismo italiano, entre outros factores, «no reforço da
autoridade». (Nota 2) Numa das entrevistas dadas, em 1932, a António Ferro, Salazar esclareceu,
no entanto, que a «violência» fascista não se adaptava à «brandura dos costumes» portugueses e
que o Estado Novo não podia fugir «a certas limitações de ordem moral», que tornavam as leis
portuguesas «menos severas», os «costumes menos policiados» e o Estado «menos absoluto».
A uma pergunta sobre possíveis maus tratos que estariam a ser exercidos pela polícia, Salazar
declarou que após um inquérito, se chegara «à conclusão que as pessoas maltratadas eram sempre,
ou quase sempre, temíveis bombistas, que se recusavam a confessar, apesar de todas as habilidades
da Polícia, onde tinham escondido as suas armas criminosas e mortais». Justificou ainda que «só
depois de empregar esses meios violentos» é que eles se decidiam «a dizer a verdade»,
interrogando Ferro «se a vida de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem,
não justifica largamente, meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras...» (Nota 3).
Ao definir, no ano seguinte, os princípios da nova Constituição, afirmou que ela limitaria, pela
«moral e o direito», a omnipotência do Estado, ao impor-lhe «o respeito pelos direitos individuais e
corporativos, ao assegurar a liberdade de crença e prática religiosa» (Nota 4). Quanto à afirmação
de que, segundo a Constituição, o Estado reconheceria, fora do partido único (União Nacional), as
liberdades e os direitos políticos, ficou sem aplicação prática, pois admitia, ao mesmo tempo, uma
excepção que abria a porta a todas as excepções: não seriam toleradas quaisquer «ofensas à
actividade governativa nem aos fins da Constituição».

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, Fernando Gouveia, proc. 21/80, pasta 67, arquivo, volume 1,
fls. 1, 23 e 30-32.
Nota 2 - «Problemas da organização corporativa», conferência no SPN, em 13 de Janeiro de 1934,
in António de Oliveira Salazar (AOS), Discursos, vol. i, p. 285.
Nota 3 - Entrevistas de António Ferro a Salazar, Lisboa, Parceira A. M. Pereira, 2003, pp. 34 e 54.
Nota 4 - «O Estado Novo português na evolução política europeia», discurso na inauguração do I
Congresso da UN em 26 de Maio de 1934, in AOS, Discursos, vol. 1, pp. 335, 338, 342 e 344.

26

Como referia o 10.° ponto do Decálogo do Estado Novo, os «inimigos do Estado Novo» eram
«inimigos da Nação», contra os quais e ao serviço da qual — «isto é: a ordem, do interesse comum
e da justiça para todos» — se podia e devia «usar a força, que realizava, neste caso, a legítima
defesa da Pátria» (destaque do próprio texto).

1.1.2. Criação da PVDE, através da fusão de polícias já existentes

Em 29 de Agosto de 1933, o Decreto-Lei n. 22 992 fundiu a PIP com a PDPS, resultando dessa
fusão a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Nesse diploma de criação da PVDE,
considerava-se que tanto as funções da PIP como as da PDPS estavam estreitamente ligadas à
segurança do Estado e da sociedade, devendo, por isso, ambas ser submetidas a um comando único,
directamente subordinado ao ministro do Interior.
A PVDE ficou, assim, estruturada em duas secções, a de defesa política e social e a internacional,
cometendo à primeira, especialmente, a prevenção e repressão dos crimes de natureza política e
social, e à segunda verificar, nos postos de fronteira, a legalidade dos passaportes nacionais e a
regularidade dos passaportes dos estrangeiros.
A partir de Junho de 1934, foram ainda atribuídas à PVDE competências prisionais, sendo criada,
no seu seio, uma Secção de Presos Políticos e Sociais, bem como de controlo da actividade dos
engajadores de emigrantes clandestinos e da circulação de passaportes falsos (Decreto-Lei n.° 23
995, de 12 de Junho). Em 1935, dois novos diplomas reforçaram a actuação repressiva da PVDE:
por um lado, a proibição das associações secretas, e, por outro lado, a aposentação ou demissão dos
funcionários e empregados civis ou militares que tivessem revelado ou revelassem «espírito de
oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política» ou não dessem «garantia de
cooperar na realização dos fins superiores do Estado» (Nota 2).
No ano seguinte, os funcionários públicos passaram a ficar obrigados, sob juramento, a repudiar «o
comunismo e todas as ideias subversivas» e a aceitar «a ordem estabelecida pela Constituição
Política de 1933» (Nota 3). Esses vários diplomas introduziram, assim, «o saneamento preventivo
da função pública, isto é, a selecção política dos seus quadros», que, a partir de então, apenas eram
admitidos nos serviços públicos mediante prévia informação da polícia política (Nota 4).

1.1.3. Os dirigentes da PVDE

Assim como a PVDE resultou da fusão de polícias já anteriormente existentes, também os quadros
destas foram aproveitados pelo regime salazarista para dirigir a sua polícia política.
Nota 1 - Discriminação Política no Emprego no Regime Fascista, 1982, p. 261; Lei n.° 1901, de' 21
de Maio de 1935, de proibição das associações secretas.
Nota 2 - Decreto-Lei n.° 23 317, de 13 de Maio de 1935.
Nota 3 - Decreto-Lei n.° 27 003, de 14 de Setembro de 1936.
Nota 4 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 7,
Lisboa, Círculo de Leitores, p. 278.

A maior parte dos dirigentes da PVDE eram oficiais das Forças Armadas e, em particular, do
Exército. Estavam neste caso o próprio diretor, capitão de reserva Agostinho Lourenço, e o seu
braço direito, tenente José Ernesto Catela do Vale, secretário-geral da PVDE entre 1933 e 1945. Os
dois tinham sido antes, respectivamente, director e subdirector da PIP.

Nascido em 1886, Agostinho Lourenço tinha sido governador civil de Leiria e um defensor de
Sidónio Pais, começando por ingressar na Polícia de Segurança Pública (PSP), então dirigida pelo
tenente-coronel Ferreira do Amaral. Em 1931, assumira a direcção da PIP a pedido do ministro de
Interior, coronel Lopes Mateus, juntamente com o seu amigo José Catela e com pessoal da polícia
de trânsito que já dirigia anteriormente. Em 1932, Agostinho Lourenço iniciou um processo de
reforço da disciplina da sua polícia, ao impor aos candidatos à entrada na mesma a apresentação de
um registo criminal limpo e o patrocínio de dois oficiais do Exército, ao mesmo tempo que
expulsava todos os que haviam praticado roubo ou homicídio.
Após serem separados, no seio da PIP, os serviços internacionais dos serviços políticos, Agostinho
Lourenço passou a dirigir a recém-criada Polícia de Defesa Política e Social e, a partir de 1933, a
PVDE. Sob a sua chefia, a PVDE exerceu, em 1936, uma acção informativa sobre a Espanha, «até
à ocupação das forças nacionalistas de toda a fronteira hispano-portuguesa» (Nota 1).
Também o capitão, depois major, Rui Pessoa de Amorim ingressou na polícia, em 1931, passando
posteriormente para a PVDE, em 1933, onde actuou na respectiva Secção Internacional, na Secção
de Vigilância Política e Social e, depois, na delegação do Porto. Vindo da PIMI, o capitão Baleizão
do Passo ingressou na PVDE em 1933, embora fosse exonerado das suas funções em Dezembro do
ano seguinte. Neste ano de 1934, a PVDE integrou ainda o capitão de cavalaria António Maia
Mendes, que foi, até 1937, subdirector e chefe da Secção de Vigilância Política e Social, à qual
estiveram também ligados os tenentes Joaquim Correia Lucas e António Vieira de Castro e Silva,
adjunto da Secção Internacional.
Passaram também a desempenhar funções dirigentes na PVDE, respectivamente em 1935 e 1936,
os capitães Jorge Alcides Pedreira e Gaspar de Oliveira, antigo chefe de gabinete do ministro do
Interior (Mário Pais de Sousa), bem como o tenente Paulo Cumano, colocado nos Serviços de
Fiscalização e Fronteiras. Em 1937, o capitão Porfírio Hipólito da Fonseca substituiu o capitão
Maia Mendes na Secção de Vigilância Política e Social, onde também passou a desempenhar
funções o capitão João Amado de Vasconcelos e à qual estiveram ainda ligados os tenentes Joaquim
Correia Lucas e António Vieira de Castro e Silva, adjunto da Secção Internacional.
No ano seguinte foram ainda integrados no quadro dirigente da PVDE os tenentes Manuel Magro
Romão e Adelino Soares, este último como adjunto na delegação do Porto (Nota 2). Para esta
delegação nortenha iria, ainda em 1937, o tenente António Neves Graça, que viria a ser mais tarde
director da PIDE.

Nota 1 - Polícias: 25 Anos ao Serviço da Nação, dir. Ferreira de Andrade e Luís Ferreira, Lisboa,
Nota 2 - Maria da Conceição Ribeiro, A Polícia Política do Estado Novo (1926-1945), Lisboa,
Estampa, 1995, pp. 114-121.

28

Finalmente, ingressou ainda na PVDE, em 1941, o capitão Joaquim da Silveira. Outros oficiais do
Exército foram também nomeados para dirigir as prisões privativas da PVDE, nomeadamente o
Aljube e Caxias» em Lisboa, os fortes de Angra do Heroísmo e de Peniche, bem como a colónia
penal do Tarrafal, em Cabo Verde.

1.1.4. Polícias políticas ditatoriais no tempo da PVDE

Quando a PVDE surgiu, a existência de ditaduras em vários países da Europa no período entre as
guerras tornou aparentemente evidente o facto de os diversos regimes, apesar das diferenças,
apresentarem características semelhantes, nomeadamente no que se relacionava com a polícia
política. Quanto às diferenças, lembre-se, por um lado, que eram ditaduras nacionalistas, com a
preocupação de apresentarem modelos «nacionais», e, por outro lado, que o caso do nacional-
socialismo alemão apresenta diferenças de essência tão grandes com o fascismo italiano e a
ditadura salazarista que tem sido colocado numa espécie à parte, totalitária e racista. Quanto às
semelhanças, todas as ditaduras apresentaram em comum uma continuidade em relação ao regime
liberal anterior.

I.1.4.1. A Itália fascista

Foi o caso do fascismo italiano, que manteve a polícia do Ministério do Interior e o corpo militar de
Carabinieri, já existentes no período libe-B ral. Em 1923, o novo regime de Mussolini criou a
Milizia Volontaria per la Sicurezza Nationale (MVSN), do PNF (Partido Nacional Fascista), mas
não teve, porém, a preocupação de «fascizar» os órgãos da polícia tradicional. Além disso, o chefe
da polícia do Ministério do Interior, Arturo Bocchini, era um antigo prefeito que se opôs sempre aos
esforços do PNF para «fascizar» os corpos policiais.
O organigrama da Polícia de Segurança da Itália fascista tinha, no topo, o chefe da polícia, que
dirigia a Direcção-Geral da Polizzia di Sicurezza (D.G.P.S., Polícia de Segurança), da qual
dependiam, entre outras, as divisões da polícia política, da polícia de fronteiras, os Carabinieri, o
Ufficio Politico delle Questure e o Ufficio Politico della MVSN. Todos estes organismos foram
centralizados em 1930 na «secção especial da OVRA» (Opera Volontaria di Repressione degli
Antifascisti), integrada na Direcção-Geral da PS, chefiada por Bocchini e tutelada pelo Ministério
do Interior.
Em 1931, o Código da Polícia, versão desenvolvida do sistema liberal de polícia preventiva, fez da
Direcção-Geral da PS a base da ditadura, cuja tarefa principal era proteger o seu regime contra a
dissidência política, o I que teve como resultado substituir a violência institucionaliza nos
comissariados à violência semilegal do partido fascista (Nota 1).

Nota 1 - Jonathan M. Dunnage, «La police et le fascisme italien», in Pouvoirs et polices au XXe"
siècle, dir. Jean-Marc Berlière et Denis Peschanski, Paris, Éditions Complexe, 1997, pp. 35-37;
Franco Fucci, Le Polizie di Mussolini. La Repressione del Antifascismo nel «Ventennio», Milano,
Mursia. 1985, pp. 7, 126, 394-395.

29

Quadro I com a estrutura dos Serviços policiais e de segurança do regime fascista em Itália

Refira-se que, durante a vigência do regime fascista em Itália, um dirigente da polícia italiana,
Leone Santoro, esteve em Portugal, entre 1938 e 1940, para proceder a um estudo sobre a
remodelação da polícia portuguesa (Nota 1). Em 25 de Abril de 1940, Santoro enviou, ao
Ministério do Interior português, um relatório onde defendia a ideia de uma polícia «compreendida
como principal expressão do Poder executivo e como entidade única e forte». Ora, como «um
Estado forte» não podia ter «uma Polícia fraccionada», propôs, à maneira do sistema italiano, «a
unificação do Comando» e a criação de uma Direcção-Geral da Polícia, na dependência do
Ministério do Interior, que englobaria todas as polícias e a LP. Esta proposta não foi aceite pelo
governo português, embora tivesse sido assinado, entre a PVDE e a polícia italiana, um acordo
técnico e uma troca de informações sobre pessoas «politicamente perigosas», nomeadamente
comunistas.

I.1.4.2. A Alemanha nacional-socialista: a Gestapo


Embora, nos anos 30, a PVDE tenha mantido contactos com a Gestapo-SD, com troca de visitas
entre agentes, entre os quais o capitão Paulo Cumano recebeu treino policial na Alemanha, o
exemplo nacional-socialista também não vingou em Portugal. Aliás, apesar de algumas
semelhanças, o regime salazarista distinguiu-se na sua essência, do totalitarismo anti-semita
alemão. A polícia secreta da Alemanha nazi teve a sua génese na Schutzstaffel (SS, «escalão de
protecção»), serviço de segurança de Hitler, controlada, a partir de 1929, por Heinrich Himmler, e
no Sicherheitsdienst (SD, «serviço de segurança»), organizado em 1931, como um ramo de
inteligência das SS.

Nota 1 - Repressão Política e Social no Regime Fascista, 1986.

30

Neste ano, em que — note-se — ainda não vigorava o regime nazi, foi criada, na Alemanha, uma
medida repressiva que consistia na aplicação aos suspeitos de uma detenção até três meses sem
ordem judicial — a polizeiliche Haft («prisão policial»). Na medida em que conferia «poderes de
detenção à polícia, de que o Ministério Público não dispunha», Paulo Pinto de Albuquerque
considerou que esta «prisão policial» se assemelhou ao regime de detenção policial português,
subordinado à tutela hierárquica das polícias (PIDE e Polícia Judiciária) (Nota 1).
A Geheime Staatspolizei (Gestapo, «polícia secreta estatal»), criada em 1933, sob a chefia de
Hermann Göring, foi depois fundida com o SD e começou, desde logo, a exercei as suas
prerrogativas, independentemente do sistema judiciário, instituindo os seus próprios objectivos,
métodos e processos de administração da justiça. Para caracterizar esse tipo de justiça, o historiador
Robert Gellately utilizou o conceito de Polizeijustiz, que se pode traduzir por «justiça policial».
Em 4 de Fevereiro de 1933, o decreto de «protecção do povo alemão» possibilitou à Gestapo
prender e internar administrativamente os suspeitos (adversários do regime), colocando-os, «por
medida de segurança» (literalmente: medida de protecção), em «detenção preventiva», ou na
chamada «custódia protectora». Em 28 de Fevereiro, no dia a seguir ao incêndio do Reichstag, foi
emitido o decreto presidencial sobre a «protecção da nação e do Estado» (decreto sobre o incêndio
do Reichstag), que declarou o estado de urgência permanente, possibilitando à polícia a detenção
preventiva, sem controlo de qualquer instância judicial, e interditando o Partido Comunista e o
Partido Social-Democrata.
Em 1 de Abril, Heinrich Himmler, chefe supremo (Reichsführer) das SS, tornou-se comandante da
polícia política da Baviera. Depois, secundado por Reinhardt Heydrich, chefe do SD, foi
sucessivamente acumulando o controlo dos corpos policiais de todos os Länder. Em Abril de 1934,
Himmler foi nomeado director da polícia secreta do Estado da Prússia, bem como da Gestapo em
todo o território nacional (Nota 2) e, nos anos seguintes, centralizou em Berlim o controlo de todas
as forças policiais, ocupando os seus postos-chave com membros das SS (Nota 3). Na sequência da
Noite das Facas Longas e do massacre de diversos críticos de direita do regime (entre 30 de Junho e
2 de Julho de 1934), todos os campos de concentração foram colocados sob a autoridade de
Himmler e as SS tornaram-se autónomas (22 de Julho).
Em 10 de Fevereiro de 1936, quase todas as acções da Gestapo deixaram de ficar sujeitas à
fiscalização dos tribunais, podendo essa polícia decidir a detenção «provisória» de qualquer
suspeito. A Gestapo passou também a «corrigir» decisões dos tribunais e do Volksgerichtshof
(VGH, «tribunal do povo»), adoptando a prática de prender de novo os indivíduos absolvidos,
internando-os, sob «custódia protectora», em campos de concentração à sua guarda.

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa.


Almedina, 2003, pp. 565-570.
Nota 2 - Norbert Frei, L’État hitlérien et la société allemande: 1933-45, Paris, Seuil, 1994, pp.
180-188.
Nota 3 - Michael Burleigh, The Third Reich. A New History, Pan Books, 2000, pp. 179-197.

31

Segundo afirmava a própria Gestapo, a sua estratégia era, sobretudo, de carácter «preventivo»,
impedindo a actividade «subversiva» antes de ela eclodir (Nota 1). Este conceito de prisão
preventiva, como se verá, tanto fM utilizado no totalitarismo alemão, como na ditadura de Salazar e
Caetano.
Himmler foi nomeado, em 17 de Junho de 1936, chefe supremo das SS e do
Reichssicherheitshauptamt (RSHA, «ofício da polícia secreta do Estado»), que centralizava o SD,
chefiada por Heydrich, a Gestapo (polícia política) e a Kripo (polícia criminal). No início de 1938,
um decreto do ministro do Interior atribuiu exclusivamente ao RSHA o direito de deter
«provisoriamente» e colocou todos os «campos nacionais de trabalho e de reeducação» sob tutela
das SS. Por seu turno, um decreto de 23 de Junho ordenou que o pessoal de todas as polícias de
segurança (Gestapo e Kripo) se inscrevesse nas SS. A partir do início da guerra, em Setembro de
1939, foram inseridas na RSHA todas as forças policiais, que ficaram, na prática, sob o controlo de
Himmler e Heydrich (Nota 2).

I.2. A criação da PIDE (1945). Mudanças reais ou aparentes?

Todas essas polícias — fascista e nacional-socialista — foram extintas com a derrota desses
regimes ditatoriais e totalitários, no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Em Portugal,
terminado esse conflito, a polícia política ficou não só com um novo nome, passando a designar-se
por Polícia Internacional de Defesa do Estado (PlDE), como ganhou novos poderes. Centralizando
no seu seio todos os organismos com funções de prevenção e repressão política dos crimes contra a
segurança interna e externa do Estado, a PIDE conservou a instrução preparatória dos processos
respeitantes àqueles delitos e ficou ainda com a capacidade de determinar, com quase total
independência, o regime de prisão preventiva.
O Decreto-Lei n.° 35 046, de 22 de Outubro de 1945, que criou a PIDE, considerou-a como
organismo judiciário autónomo, com a mesma orgânica interna, poderes e funções que o direito
comum atribuía à PJ e formou, pela primeira vez, um quadro de funcionários e agentes. Lembre-se
que, se a PVDE apenas tinha cerca de 30 agentes, em 1935, através de uma reorganização dos
serviços, em 1947 (Decreto-Lei n.° 36 527), a PIDE ficou com um quadro composto por 541
funcionários de direcção e investigação e 150 de secretaria (Nota 3). Em 1948, o quadro tinha 726
funcionários, embora só houvesse 521 elementos colocados, faltando sobretudo preencher as vagas
do pessoal de investigação (Nota 4).

Nota 1 - Edward Crankshaw, Gestapo, Instrument of Tyranny, Greenhill Books, nova ed., 2002, pp.
91, 124, 204 e 215.
Nota 2 - Encyclopaedia of the Third Reich, dir. Louis L. Snyder, Wordsworth Military Library,
1998, nova ed., pp. 113-115 e 286.
Nota 3 - AOS/CO/TN, 16, pasta 4 (Arquivo Oliveira Salazar, Correspondência Oficial, no IAN/
ITT).
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 195/49 (Arquivo da PIDE/DGS, Ordens de Serviço, no IAN/TT).

32
A PIDE tinha competência em matéria administrativa relativa à emigração, compreendendo o
licenciamento das agências de passagem de passaporte, à passagem das fronteiras terrestres e
marítimas e ao regime dei permanência e trânsito de estrangeiros em Portugal. Em matéria de
repressão criminal, estavam no seu âmbito de actuação as infracções praticadas por estrangeiros,
relacionadas com a sua entrada ou permanência em território nacional, os crimes de emigração
clandestina e aliciamento ilícito dei emigrantes, bem como os crimes contra a segurança exterior e
interior do Estado (Nota 1).
A PIDE tinha, por outro lado, capacidade para propor a aplicação de medidas de defesa (ou de
segurança) previstas no art. 175 do Código Penal e vigiar indivíduos a elas sujeitos, mesmo se estes
estivessem entregues à supervisão do ministro da Justiça. A este ministério foram entregues, até ao
fim do ano de 1945, a colónia penal do Tarrafal, em Cabo Verde, e o forte de Peniche, presídios
dirigidos por intermédio do Conselho Superior dos Serviços Criminais, bem como a
superintendência na execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade aplicadas
nos processos instruídos pela PIDE.
Se todos os autores analisaram a criação da PIDE, contextualizando-a no período do pós-guerra,
alguns consideram que as mudanças então operadas apenas foram de fachada, enquanto outros
acham que, pelo contrário, essas modificações foram reais. Está no primeiro caso Manuel Braga da
Cruz, segundo o qual a instrução preparatória de crimes políticos, a cargo da PIDE, «permaneceu
sempre secreta e sem contradição, isto é, sem a assistência de advogados e a presença de qualquer
juiz de instrução» (Nota 2). Fernando Rosas partilha a mesma opinião, ao observar que, com as
reformas! processuais do pós-guerra (Nota 3), «sobretudo formais e cosméticas», a polícia política
continuou a ser «a entidade verdadeiramente condutora de todo o processo de "justiça política",
desde a instrução dos processos à execução das penas, passando pelo julgamento dos réus que
levava a tribunal» (Nota 4).
Pelo contrário, contra os que afirmam que a PIDE ficou com poderes discricionários, ao ter a
possibilidade de estender por três meses (mais dois períodos de 45 dias, cada) o período de prisão
sem culpa formada de oito dias, do tempo da PVDE, Paulo Pinto de Albuquerque considerou que
esse prazo máximo constituiu uma «limitação efectiva do arbítrio policial que reinava
anteriormente» (Nota 5). Este autor lembrou que, antes do diploma de 1945, a detenção policial
para averiguações era ilimitada, tal como o era a detenção ordenada ou mantida pelo Tribunal
Militar Especial (TME) uma vez que, na jurisdição militar, não existia limite para a prisão sem
culpa formada (Nota 6).
Essa afirmação de que o diploma de 1945 limitou «efectivamente» o arbítrio policial que reinava
no tempo da PVDE merece, porém, duas observações.

Nota 1 - 25 Anos ao serviço da Nação, dir. Ferreira de Andrade e Luís Ferreira, Lisboa, 1953.
Nota 2 - Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, p. 93.
Nota 3 - Decretos-lei n.° 35 007, de 9 de Outubro de 1945, e n.° 35 015, de 15 de Outubro de 1945.
Nota 4 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», in História de Portugal, p. 278.
Nota 5 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa,
Almedina, 2003, p. 559, nota 1301.
6 Idem, ibidem, p. 844 e nota 1298, p. 576.

33

Em primeiro lugar, deve-se dizer que esse diploma manteve de facto o arbítrio, cobrindo-o com o
manto da legalidade, dado que possibilitou legalmente à PIDE prender preventivamente durante
seis meses. Além disso, esse período podia ainda ser prolongado, através de uma medida de
segurança provisória, ou pela prática usada por essa polícia, de libertar um detido ao fim dos seis
meses e prendê-lo de novo, à saída da porta da cadeia, por mais um período de seis meses.
Por outro lado, depois de 1945, a situação do arguido detido era ainda agravada pela inexistência de
prazos de prisão preventiva depois da formação da culpa, confundindo-se esta com a duração do
próprio processo até ao trânsito da decisão. Como se verá, houve diversos presos que tiveram de
aguardar presos até quatro anos, pelo julgamento. Por outro lado, o arguido preso só podia requerer
para o Supremo Tribunal diligências para acelerar o andamento do processo, ficando sem qualquer
meio eficiente para provocar o fim da detenção preventiva, se o julgamento se protelasse para além
de certos prazos.
A legislação que criou a PIDE visou, assim, legalizar o que na realidade nunca deixara de ser uma
prática constante — e ilegal, dado que nos anos 30 a preocupação com a legalidade era nenhuma —
da PVDE, relativamente à detenção por tempo indeterminado, sem pena, ou para além desta. Deve-
se, assim, dizer que, longe de acabar, a partir de 1945 o arbítrio não deixou de existir, apenas foi
coberto com o manto da jurisdição.

I.3. A PIDE/DGS ao longo dos anos

A «vida» da PIDE/DGS, entre 1945 e 1974, pode ser dividida em quatro períodos cronológicos. No
primeiro período, entre 1945 e 1953, iniciado com a criação da PIDE, sucessivos diplomas deram
maior poder à polícia política, numa fase em que o regime recuperava as suas forças e endurecia a
repressão contra a oposição. Nesse primeiro período, especialmente marcado, em 1949, pela
criação do Conselho de Segurança Pública (CSP), a PIDE continuou a ser dirigida pelo capitão
Agostinho Conceição Pereira Lourenço, que já chefiava a PVDE.

I.3.1. O quadro dirigente da PIDE nos anos 40

Na correspondência do Foreign Office britânico, o relatório confidencial do ano de 1946 deu conta
de que, sob o controlo de Agostinho Lourenço, a «Política internacional (o ramo da força policial
não só responsável por controlar a actividade de estrangeiros mas também da segurança do
regime)» revelara «uma tendência crescente para exercer poderes arbitrários» (Nota 1). E certo, por
outro lado, que Agostinho Lourenço (Nota 2) despachava directamente com Salazar, como se pode
ver por alguns apontamentos no diário do ditador, onde este, na sua letra ininteligível, marcava
encontros com o director da polícia política.

Nota 1 - Public Record Office (PRO) FO 179/608, file 1/4 Correspondence respecting Portugal.
Use Foreign Office, Confidential 17633, part 1, January-December 1946, Annual RFI, p. 14.
Nota 2 - Agostinho Lourenço faleceu em 2 de Agosto de 1964.

34

Lembre-se que a nomeação dos directores da PIDE era feita «por portaria conjunta» do Ministério
do Interior e «do presidente do Conselho», além de que Lourenço era amigo pessoal do ditador
(Nota 1).

Quadro 2 A PIDE em 1945

Nota 1 - AOS/CP, 161, fls. 42-56 (Arquivo Oliveira Salazar, Correspondência Partícula IAN/TT.

35

Entre as imagens de Salazar, verdadeiras ou falsas, há aquela que dá como um dos seus
passatempos a leitura de relatórios da PIDE (Nota 1) e é um facto que existem provas directas e
indirectas da «mão» de Salazar sobre a polícia política. Independentemente dos «despachos»
pessoais, cuja oralidade fez com que nada tivesse ficado, é verdade que o Arquivo Salazar contém
muitas informações da PIDE enviadas ao presidente do Conselho (Nota 2).
Diga-se, aliás, que Agostinho Lourenço serviu, por vezes, de correio entre alguns diplomatas
portugueses e Salazar, como se pode ver por uma carta escrita ao presidente do Conselho por
Marcelo Mathias, em 12 de Outubro de 1949, onde dizia aproveitar a passagem do director da
PIDE para lhe enviar em mão uma carta, bem como «informações sobre a evolução dos problemas
do Extremo Oriente» (Nota 3).
O capitão Agostinho Lourenço foi assistido, na direcção da PIDE, pelo tenente Jorge Marques
Ferreira, até 1947, ao ser formado o Conselho da PIDE, constituído pelo capitão Jorge Pedreira,
inspector-adjunto. Este último, por seu turno, coadjuvado pelo inspector major José Antão Nogueira
(Nota 4), que depois acumulou funções de director do Aljube, foi depois substituído pelo tenente
António Vieira de Castro e Silva, que estava à frente do Bureau Nacional da Comissão
Internacional da Polícia Criminal (Nota 5).
Entre os novos elementos nomeados, em 1945/1946, para os cargos de inspectores contaram-se,
vindos da PVDE, o major Rui Pessoa de Amorim, os capitães Paulo Cumano, Joaquim Duarte da
Silveira (Nota 6) e João da Silva, este último com o cargo de director da cadeia de Caxias (Nota 7).
Em 1947, foi a vez de serem nomeados inspectores da PIDE os tenentes Ferry Correia Gomes e
Rogério Morais Coelho Dias, no ano seguinte, ascenderam a esse cargo Henrique Amaral Nunes,
José Aurélio Boim Falcão e o tenente Agostinho Barbieri Baptista Cardoso. Em 1949, tornaram-se
inspectores António Diogo Alves e Noé de Freitas Albuquerque, ao mesmo tempo que José Antão
Nogueira e António de Castro e Silva foram promovidos, respectivamente, a inspector-adjunto e a
subdirector da subdirectoria de Lisboa (Nota 8).
No final dos anos 40, a PIDE era composta por três divisões. A então l.a Divisão — Serviços
Internacionais —, que tinha começado por ser chefiada, em 1945, pelo inspector-adjunto Jorge
Alcides dos Santos Pedreira, passou a ser dirigida, em Julho de 1948, pelo inspector Rogério de
Morais Coelho Dias, que já lá prestava serviço (Nota 9).

Nota 1 - António de Figueiredo, Portugal: Cinquenta Anos de Ditadura, Dom Quixote, 1976, pp.
204 e 205.
Nota 2 - AOS/CO/IN, 8C, pasta 23.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 7468 Cl (2) EFTA, n.° 1412/61 — GU, fls. 160 e 162.
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 263, 20/9/47, e 313, 9/11/47.
Nota 5 - PIDE/DGS, OS 50, 19/2/48.
Nota 6 - PIDE/DGS, OS 154, 22/10/45.
Nota 7 - PIDE/DGS, n.° 24/24 por despacho ministerial, in OS 15, 15/1/46, OS 32, 1/2/46, e
119,29/4/46.
Nota 8 - Ibidem, Portaria de 31/3/48.
Nota 9 - PIDE/DGS, OS 199, 17/7/48, e 312, 8/11/49.

36

Em 1950, Jorge Pedreira (Nota 1a) foi nomeado subdirector da subdirectoria de Lisboa, onde
reorganizou a SCI da PIDE (Nota 1), e Coelho Dias foi transferido para a subdirectoria do Porto,
em substituição do inspector Wenceslau Ferreira Ramos (Nota 2). Nesse mesmo ano, o inspector
José Barreto Sacchetti Malheiro foi dirigir a então inspecção de Coimbra (Nota 3).
A 2.a Divisão — SCI — era dirigida pelo inspector Antonino Faria Pais, responsável pelos
respectivos Serviços Centrais (SC). ASCI era ainda composta pelos inspectores Ferry Correia
Gomes, bem como por Raul Rosa Porto Duarte e pelo tenente Abílio Garção Alcarva. Estes dois
últimos actuavam nos Serviços de Informação Reservada (SIR), para onde foram transferidos, em
1949, vindos do Porto, os inspectores António José da Cunha e Henrique Amaral Nunes (Nota 4).
Em Março deste ano, a SCI (Nota 5) passou a ser dirigida pelo então inspector-adjunto Abílio
Alcarva (Nota 6) e o anterior responsável, Antonino Faria Pais, foi transferido para a direcção dos
Serviços de Cadastro e Informativo, em substituição do inspector Eduardo Aires Trigo de Sousa.
Estes Serviços pertenciam à 3.a Divisão da PIDE — Serviços de Segurança do Estado —, à frente
da qual estivera inicialmente o inspector superior Ernesto Catela do Vale Teixeira (Nota 7), antes de
ser aí substituído, ainda em 1949, pelo inspector Agostinho Barbieri Cardoso.
A legislação da PIDE de 1945 foi completada, nos dois anos seguintes, por outros dois diplomas,
um dos quais (Decreto-Lei n. 35 830, de 27 de Agosto de 1946) atribuiu competência igual à de
todos os funcionários superiores da administração pública, aos sub-inspectores, chefes de brigada e
chefes de postos e delegações. A PIDE ficou ainda, em 1947, com a possibilidade de aplicar
«medidas de segurança» aos condenados por crimes contra a segurança do Estado, aos quais o
governo também passava a poj der fixar residência ou expulsar do país (Nota 8).
O poder da PIDE foi ainda reforçado, em 1949, com a criação do CSP (Nota 9), segundo o qual as
«medidas de segurança» foram transformadas em medidas de prisão, «em estabelecimento
adequado», de um a três anos, ficando a PIDE com a faculdade de propor a sua aplicação e
prorrogação. A PIDE passou a ter ainda o poder de encerrar tipografias que imprimissem
publicações subversivas ou passíveis de perturbar a ordem pública, proibir comícios e encontros,
fechar locais que servissem para facilitar actividades «subversivas» e vigiar trabalhadores em
empresas.

Nota 1a - PIDE/DGS, OS 95, 5/4/50, e 150, 30/5/50.


Nota 1 - PIDE/DGS, OS 71, 12/3/50.
Nota 2 - PIDE/DGS, OS 147, 22/5/50.
Nota 3 - PIDE/DGS, OS 91, 1/4/50.
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 88, 29/3/50.
Nota 5 - PIDE/DGS, OS 181, 30/6/48. Este último falecido em 7 de Setembro de 1953.
Nota 6 - PIDE/DGS, OS 67, 1949, e OS 333, 29/11/1949.
Nota 7 - Faleceu em 1950.
Nota 8 - Decreto-Lei n.° 36 387, de 1/7/47.
Nota 9 – Decreto-Lei n.° 37 447, de 13/6/49.

37

A legislação de 1947 e 1949 correspondeu a uma fase de contra-ataque do regime sobre as


oposições. Com o diploma de 1949, o Estado Novo procedeu à «desjudiciarização» completa do
controlo cautelar das actividades subversivas, nomeadamente através da criação da figura de
«vigilância especial», aplicável pelo CSP. Este tinha competência para impor, a indivíduos
condenados por crimes contra a segurança do Estado, um regime de limitações da liberdade vigiada
(Nota 1).

1.3.2. O reforço e endurecimento da PIDE nos anos 50 (1954-1960)

Em 1954, o Decreto-Lei n. 39 749, de 9 de Agosto, redefiniu a orgânica e as competências da


PIDE, atribuindo, nomeadamente, ao director, subdirector, inspector responsável, e eventualmente a
inspectores-adjuntos, sub-inspectores e chefes de brigada, funções de juiz, na instrução preparatória
dos processos, relativamente à manutenção da prisão dos arguidos e à aplicação provisória das
medidas de segurança (Nota 2). Através desse diploma de 1954, a PIDE ficou ainda com a
possibilidade de propor a aplicação de medidas de segurança — posterior ao cumprimento da pena
— e vigiar os indivíduos a elas sujeitos, cabendo porém ao ministro da Justiça a superintendência
da execução das penas e dessas medidas (Nota 3). Em 1954, foi ainda criado, ao lado do quadro
geral da PIDE, um quadro de funcionários do ultramar pessoal e, junto do director, passou a
funcionar um Conselho de Polícia (Nota 4).
Os novos poderes atribuídos à PIDE geraram, aliás, nesse ano de 1954, uma polémica entre o
ministro da Justiça e o do Interior. É que, ao definir a relação hierárquica da PIDE para com o
ministro do Interior, no continente, ou para com o ministro do Ultramar, nas colónias, o Decreto-
Lei n. 39 749 não tornou aplicável a esta polícia o reforço da posição de domínio do Ministério
Público sobre a Polícia Judiciária, que tinha sido regulamentado pelo Decreto-Lei n. 39 351, de 7
de Setembro de 1953.
O ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, criticou, nesse diploma, essa «evolução diferenciada» da
PIDE relativamente à PJ (Nota 5), bem como o que qualificou de «magnanimidade» na concessão
da competência para determinar a prisão preventiva fora de flagrante delito às autoridades
administrativas. Quanto à nova competência dos sub-inspectores e dos chefes de brigada, Cavaleiro
Ferreira entendeu que era «mais do que duvidosa a sua inclusão nesse conceito de "autoridade"».

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 578, nota 1299.


Nota 2 - A medida provisória de segurança não deve ser confundida com a prisão preventiva,
embora fosse aplicável ao detido ainda não condenado.
Nota 3 - MAI, gabinete do ministro do Interior (GM), caixa 116, suplemento à ordem de serviço
221/54, transcrição sobre a reorganização da PIDE.
Nota 4 - Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961-1974), Lisboa, Terra-mar
(col. Arquivos do Século XX), 2004, pp. 24, 25 e 413-414. Nesse ano, o quadro da PIDE nas três
colónias africanas era composto por apenas 58 homens (26 em Angola, 27 em Moçambique e cinco
na Guiné), constituindo cerca de 7,7 % do número total de elementos dessa polícia (755 elementos).
Segundo Dalila Cabrita Mateus, só se pode considerar que a PIDE se instalou nas colónias com
atribuições de polícia em 1957.
Nota 5 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 626.

38

Este ministro considerou, além disso, que a confirmação da prisão pelo director da PIDE dentro de
48 horas, no caso de ela ter sido decretada por um inspector-adjunto ou funcionários
hierarquicamente abaixo, constituía uma mera «fiscalização interna de serviço», introduzida com
vista a evitar a necessidade de validação pelo juiz da comarca da prisão realizada fora de Lisboa e
Porto (Nota 1).

I.3.3. Os directores da PIDE, António Neves Graça e Homero de Matos

Entretanto, o capitão de infantaria António Neves Graça, que dirigia a PIDE desde a passagem à
reforma do anterior director, capitão Agostinho Lourenço, passara a chefiar efectivamente essa
polícia, desde 27 de Novembro de 1956. Participante no golpe militar de 28 de Maio de 1926,
integrado nas forças comandadas pelo major Passos e Sousa, que avançaram da Elvas para Lisboa,
o capitão de infantaria António Neves Graça tinha sido, depois, presidente da câmara, governador
civil e comandante local da PSP de Beja.
Em 1938, ingressara na PVDE, sendo colocado no Porto, onde se distinguira por ter montado uma
vasta rede de informadores, bem como por se ter ligado a uma funcionária do PCP, que foi morta no
início da década de 50, como se verá. Segundo afirmam dois autores, António Neves Graça foi
perdendo o controlo da PIDE devido ao peso crescente dos inspectores, progressivamente
valorizados pelo trabalho informativo e repressivo apresentado, que competiam desenfreadamente
com o director e uns com os outros para subirem na hierarquia da polícia.
Crescentemente subalternizado pelos subdirectores — Ferry Correia Gomes, desde 1954, e Rui
Pessoal Amorim Melício, desde 1958 —, Neves Graça aproveitou como pretexto vários falhanços,
para sair da polícia em 1960, reformando-se aos 64 anos. Dois anos depois escreveu a Salazar a
queixar-se de estar cheio de tédio e a pedir para ser nomeado para um «cargo que possa ser
desempenhado por um director-geral aposentado ou oficial do Exército» ou em «empresa ou
sociedade onde o Estado comparticipe». Salazar sublinhou o pedido (Nota 2) e o certo é que Neves
Graça acabaria por aceitar um cargo na Sociedade Central de Cervejas, a convite de Caetano Beirão
da Veiga (Nota 3).
António Neves Graça foi substituído, em 26 de Fevereiro de 1960, pelo coronel de cavalaria
Homero de Matos, nomeado, segundo constou, por influência do general Júlio Botelho Moniz,
novo ministro da Defesa Nacional. Nascido em 1906, em Abrantes, Homero de Matos assentara
praça em 25 de Junho de 1926, concluindo o curso de Cavalaria em 1930. Em 1942, comandara,
com o posto de capitão, a GNR no Alentejo, no Algarve e no Barreiro, onde se distinguira na
repressão às greves de 1943. Tinha então abaixo de si, na hierarquia militar, o tenente António de
Spínola (Nota 4), era então alcunhado de «Himmler do Barreiro» (Nota 5).

Nota 1 - Idem, ibidem, p. 628, nota 1385.


Nota 2 - AOS/CP, 133. 4.1.6.1. Carta de Macieira de Cambra, fls. 112-1
Nota 3 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, O Caso Delgado..., pp. 51-55 e 59.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 196, pasta «pessoal nomeações».
Nota 5 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit, pp. 60-61; Homero de Matos era, segundo o
jornalista Jorge Morais, «um republicano de formação fascista», que deu «ao regime provas de
grande eficácia repressiva», cit. por José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde,
2003, p. 91.

39

Permanecera na GNR até Fevereiro de 1960, quando aceitou dirigir a PIDE (Nota 1). Ao chegar à
chefia da PIDE, verificou a enorme descentralização e anarquia dos serviços pelo que propôs ao
ministro do Interior um aumento do quadro de pessoal e alterações na redacção de vários artigos
dos diplomas que regulamentava essa polícia (Nota 2). Em 12 de Julho de 1960, Homero de Matos
sugeriu, num relatório enviado a Salazar, a criação de um quadro de pessoal único para a metrópole
e o ultramar, de modo a colmatar a falta de funcionários da PIDE (Nota 3).
Mas a parte mais importante do relatório de Homero de Matos era aquela que se prendia com a sua
intenção de transformar a PIDE numa verdadeira organização de informações e acabar com a
proliferação dos vários «serviços secretos», que se guerreavam entre si e dispunham de
informações de que só a «sua» polícia podia e devia dispor (Nota 4). Era sua vontade organizar a
PIDE como uma polícia «secreta», que não se apresentasse «como órgão burocrático do Estado,
com a sua ordem de batalha publicada no Diário do Governo», possibilitando assim ao inimigo o
conhecimento detalhado dos «efectivos», «dispositivo» e «elementos que a constituem, factores
que em qualquer organização desta natureza seria elementar manter em segredo» (Nota 5).
Diga-se que tinha razão nesse ponto, pois efectivamente o PCP recorria frequentemente à
documentação oficial para saber quem eram os seus inimigos, como se pode ver numa lista
encontrada pela PIDE no arquivo de Octávio Pato dos principais dirigentes dessa polícia, retirada
do Diário do Governo de 1 de Abril de 1955.
Inadmissível era também, para Homero de Matos, que elementos de um «órgão de segurança do
Estado ligado à defesa nacional, sob o ponto de vista jurídico e disciplinar», não estivessem sob a
alçada do Código de Justiça Militar e do Regulamento de Disciplina Militar. Lamentou, por outro
lado, que o pessoal da PIDE tivesse uma mentalidade de funcionalismo público, queixando-se de
que os melhores elementos estivessem a transitar para outros postos da administração ou empresas
particulares, «libertando-se (assim) da referenciação perigosa que lhes acarretava a qualidade de
agentes desta polícia» (Nota 6).

I.3.4. A PIDE e o início da Guerra Colonial

Nos anos seguintes, de 1961 e 1962, iniciou-se um terceiro período na vida da PIDE, devido ao
despoletar da Guerra Colonial em Angola e à unificação dos princípios que deveriam reger a
organização dessa polícia em Portugal e nas colónias.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 196, pasta «pessoal nomeações».


Nota 2 - AOS/CO/IN, 16, pasta 4; Arquivo Histórico Militar, Joaquim dos Santos
Costa, 4.º Juízo do TMT, proc. 90/79, pasta 57, arquivo 578, fls. 110-112.
Nota 3 - AOS/CO/IN, 16, pasta 4.
Nota 4 - PIDE/DGS. Tribunal da Boa Hora, caixa 703, 2. juízo, Octávio Pato e Albina Fernandes,
proc. 92/62, fl. 623.
Nota 5 - AOS/CO/IN, 16, pasta 4.
Nota 6 - Idem, ibidem.

40

O Decreto-Lei n.° 43 582, de 4 de Abril de 1961, previa a criação de subdelegações e postos de


fronteira e de vigilância em Angola e Moçambique. Distribuía, por outro lado, o pessoal da
metrópole e do ultramar por um quadro único, colocando a PIDE, «em relação ao ultramar, tal
como se encontravam as forças armadas», tal como tinha proposto Homero de Matos.
Esse ano de 1961 foi, porém, o último de Homero de Matos à frente da PIDE. Os acontecimentos
desse «annus horribilis» levaram a que fosse exonerado a seu pedido, tendo provavelmente a sua
saída estado ainda relacionada com o facto de os seus projectos de remodelação da PIDE serem
recusados pelo corpo de inspectores, que os consideraram atentatórios da sua autonomia,
nomeadamente a sua sugestão de subordinação da PIDE ao Ministério da Defesa Nacional (Nota
1).

Quadro 3 - Directoria da PIDE no período da chefia de Homero de Matos. 1960-1961


de Informação

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 60-61.

41

Lembre-se que Homero de Matos tinha alertado para o facto de a PIDE não poder servir o país se
nela estivessem instalados «os fermentos da insubordinação, deslealdade, má fé e grave
inconfidência relativamente às missões», pelo que propôs a demissão dos funcionários que
constituíam, segundo ele, focos de indisciplina, à cabeça dos quais estava Barbieri Cardoso (Nota
1).
Freire Antunes afirmou, pelo seu lado, que o coronel Homero de Matos era um homem do Exército
pouco vocacionado para o «trabalho sujo» e considerado afecto à linha de Júlio Botelho Moniz,
cujo «golpe palaciano» para remover Salazar falhou nesse ano. Esse autor observou ainda que,
juntamente com o esfriamento da cooperação entre a PIDE e a CIA, devido ao contencioso sobre
Angola, o «grupo anti-americano» de Barbieri Cardoso, marginalizado em 1958 e afastado por
Homero de Matos, ganhou novo impulso e voltou à PIDE, com a nomeação para director de
Fernando da Silva Pais, provido no cargo em 6 de Abril de 1962.

I.3.5. Fernando da Silva Pais, director da PIDE/DGS, e Salazar

Nascido no Barreiro, em 1905, Fernando Eduardo da Silva Pais alistara-se como recruta, em 9 de
Janeiro de 1926, e frequentara a Escola Militar, em 1927, tendo desde logo sido «um modesto, mas
esforçado opositor» de todas as «doutrinas dissolventes», conforme diria mais tarde (Nota 2).
Promovido a capitão em 1943, deixaria a PSP no ano seguinte para chefiar o serviço de fiscalização
da Intendência-Geral de Abastecimentos (Nota 3). Ao ser nomeado, em comissão permanente de
serviço, director da PIDE, em 6 de Abril de 1962, prometeu colocar «todos os elementos e meios de
que dispunha a Polícia Internacional e de Defesa do Estado à altura da luta que se impunha contra
todos os que, de dentro ou de fora, negam a Pátria, Deus e a Família» (Nota 4).
Fernando da Silva Pais, tal como anteriormente Agostinho Lourenço, despachava directamente com
Salazar, revelando bem que dependia deste último a aceitação das suas propostas de remodelação
da polícia política. Quando esteve preso, após o 25 de Abril de 1974, Silva Pais afirmou que nunca
tinha actuado por iniciativa própria, mas sempre sob tutela dos vários ministros do Interior,
acrescentando ainda que se encontrava, semanalmente, com Salazar e, depois, com Marcelo
Caetano, para receber instruções (Nota 5). Noutra ocasião, admitiu (Nota 6) «seguir
indefectivelmente Salazar» (Nota 7) e o certo é que, na sua correspondência com este último, o
director da PIDE informou-o de tudo o que se passava nessa polícia (Nota 8).
Também Barbieri Cardoso foi muito próximo de Salazar (Nota 9). Ingressando na PIDE em 1948
vindo da GNR, fora colocado, dois anos depois, no serviço de segurança pessoal de Salazar,
acompanhando este último a Espanha para o encontro com o generalíssimo Franco.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 196, pasta «pessoal nomeações, concursos».


Nota 2 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 90-95.
Nota 3 - O Século, 18/1/1967.
Nota 4 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 90-95.
Nota 5 - O Jornal, 30/1/1981.
Nota 6 - Sempre Fixe, 19/10/74.
Nota 7 - Diário Popular, 20/10/79, p. 5.
Nota 8 - AOS/CP, 208, fls. 31-35, 115, 121, 292-293, 300 e 306.
Nota 9 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 265, 267 e 269.

42

Além de visitar pessoalmente o ditador e de ter traduzido, a pedido do próprio Salazar, do francês
para português, o livro de Christine Garnier, Férias com Salazar, o poliglota Barbieri Cardoso
escreveu frequente e pessoalmente ao presidente do Conselho, assinando sempre como «amigo
muito dedicado e grato». Relativamente a um conflito com o novo director da PIDE, Homero de
Matos, de que resultara a sua saída da PIDE em 1960, Barbieri Cardoso agradeceu a Salazar «a
extrema bondade e a santa paciência com que resolveu o triste incidente» em que se vira envolvido
(Nota 1).
Salazar manteve também relações privilegiadas com outros elementos da PIDE, muitos dos quais o
conheceram por terem igualmente feito parte do seu serviço de segurança pessoal. José da Cunha
Passo (Nota 2), que acabaria por substituir, na investigação, José Sacchetti, em 1969, começou
também por ser guarda-costas de Salazar. Numa entrevista dada em 1994, em que criticou Marcelo
Caetano, por causa do 25 de Abril de 1974, Cunha Passo afirmou que a PIDE teria, de longe,
preferido trabalhar para Salazar (Nota 3).
Também Fernando Gouveia, que, segundo disse, apoiou desde logo Salazar na obra de
«reconstrução de Portugal», conheceu o presidente do Conselho nos anos 30, quando houve
ameaças contra ele e o acompanhou de Santa Comba Dão até Coimbra, onde se «refugiou». Outro
elemento que integrou a brigada de segurança do ditador, nos anos 40, foi António Rosa Casaco, a
única pessoa autorizada a fotografar a privacidade de Salazar com Christine Garnier (Nota 4).
Quando, nos anos 60, Rosa Casaco sofreu um acidente de automóvel à saída de Zafra, em Espanha
(Nota 5), ficando muito ferido, Salazar, aliás padrinho de um filho daquele, interessou-se por ele.

I.3.6. A reorganização da PIDE (1962-1968)

Ao enaltecer e justificar, após 1974, a sua estadia na PIDE/DGS, Fernando da Silva Pais afirmou
que sempre se tinha interessado pelos presos e que, ao chegar à direcção dessa polícia, tinha extinto
o Aljube e remodelado do Caxias, dando-lhe melhores condições e contratando médicos
especialistas. Disse ainda que tinha criado, na DGS, as direcções de serviços, verdadeiras polícias
com autonomia e responsabilidades e grande flexibilidade nas deslocações, e considerou errado o
facto de todas as polícias do regime possuírem serviços de informação para fins políticos,
defendendo que apenas a PIDE/DGS devia recolher todas as informações.

Nota 1 - AOS/CP, 208, fls. 235, 239, 243 e 246. Cartas de Barbieri Cardoso, já com o timbre da
PIDE, de 19/5/58 e de 9/12/60.
Nota 2 - Filho do capitão José (Baleizão) do Passo, um dos fundadores da polícia de informação em
Portugal, demitido em 1937 por se ter virado contra a direcção da PVDE, José da Cunha Passo
nascera em Mafra em 1925. Frequentara a Faculdade de Ciências, onde teria sido informador da
polícia política, e chegara a tenente miliciano da Força Aérea até ingressar na PIDE, em 1955.
Nota 3 - Ana Almeida, «Pides lavam mais branco», in «1974 foi há 20 anos», Visão, 21 a 27/4/94 n.
57.
Nota 4 - Joaquim Vieira, Fotobiografias do Século XX. António de Oliveira Salazar, Círculo de
Leitores, 2001, p. 145.
Nota 5 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 149 e 151.

43

Mencionou ainda ter então sugerido ao ministro do Interior que a instrução dos processos passasse
para a PJ, de modo a que a PIDE/DGS reforçasse o seu sistema informativo e partilhasse a má
vontade e o ódio que a população só votava à polícia política (Nota 1). Como se verá, esta ideia terá
sido veiculada, junto do ministro do Interior, pelo director dos serviços de informação da
PIDE/DGS, Álvaro Pereira de Carvalho.
O certo é que logo que chegou à direcção da PIDE, Silva Pais reorganizou os Serviços de
Segurança da sede (Nota 2), com o objectivo de «reforçar a informação», «efectuar a convergência
dos esforços das Divisões quanto às respectivas actividades» e «promover o conveniente
desenvolvimento de alguns Serviços, designadamente o Gabinete do Ultramar».

Quadro 4 - Reorganização dos Serviços de Investigação,


a cargo de J. B. Sacchetti, no início da chefia de F. Silva Pais. 1962

Nota 1 - Diário Popular, 3/4/76, p. 25; entrevista de Fernando Silva Pais ao jornal O País, 29/7/77.
Nota 2 - PIDE/DGS, OS 177, 26/6/62.
44

Os Serviços de Segurança, a partir de então dirigidos por Agostinho Barbieri Cardoso, eram
compostos pelo Gabinete do Ultramar e pela Secção Central (SC), com tarefas de investigação e
informação, onde passaram a prestar serviço (Nota l)
O inspector Sena Martinez e os sub-inspectores António Rosa Casaco el Henrique Sá Seixas.
Após a chegada de Fernando Silva Pais e de Barbieri Cardoso, a l.a e a 2.a divisões foram
reorganizadas. Na l.a Divisão, de investigação, que passou a ser chefiada por José Barreto
Sacchetti, transferido de Coimbra para Lisboa1, foram colocados os inspectores Cunha Passo e
Antero da Gloriai Santos, bem como o sub-inspector Vilão de Figueiredo. Compunham ai
1 .a Divisão o Gabinete de Identificação e de Polícia Científica, os serviços de Contencioso e de
Justiça, à frente dos quais estavam inspectores.
Quanto à 2.a Divisão, de informação, bem como o antigo Arquivo Geral, denominado Serviço
Reservado (SR), foram reorganizados por Álvaro Pereira de Carvalho, que ali substituiu, em 1962,
Manuel da Silva Clara, director dos Serviços Reservados (SR).

Quadro 5 - Reorganização dos Serviços de Informação, por Álvaro Pereira de Carvalho, no início
da chefia de Fernando da Silva Pais. 1962

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4° Juízo, Adelino da Silva Tinoco, proc.
66/77, 11 vols., EMGFA, 1.» secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 6, fls. 227-229.

45

Integravam a 2.a Divisão os Centros de Informações — nacionais, CI (1), e estrangeiras e


ultramarinas, CI (2) —, o Gabinete Técnico (GT), o Gabinete de Cifra, o Arquivo Geral de
Processos e as Brigadas Especiais de Vigilância. Nessa Divisão de Informação, trabalharam
inicialmente o célebre chefe de brigada José Gonçalves e, depois, António Rosa Casaco, Agostinho
Tienza e Ernesto Lopes Ramos, elementos que, excepto o primeiro, estiveram todos envolvidos no
assassinato de Humberto Delgado (Nota 1).

I.3.6.1. Mulheres na PIDE e recrutamento para o ultramar

Em 6 de Novembro de 1962, Silva Pais enviou aos ministros do Interior e do Ultramar um relatório
a alertar para a necessidade de preencher as vagas do quadro da PIDE (continente e ultramar), em
virtude das crescentes necessidades do serviço, e, tal como Homero de Matos, insistiu no fim da
publicação, em Diário do Governo, da lista de antiguidade dos funcionários da PIDE (Nota 2). Em
Julho do ano seguinte, o director da PIDE queixou-se do facto de o Supremo Tribunal
Administrativo ter imposto a habilitação mínima do 5.° ano do liceu para a nomeação em lugares
do funcionalismo público, impedindo assim os elementos da PIDE com dez ou vinte anos de
serviço, zelosos e competentes, de ascender às categorias superiores imediatas.
Silva Pais alertou ainda para o perigo de as categorias mais elevadas dos funcionários da polícia
poderem passar, no futuro, a ser preenchidas por 45 elementos do sexo feminino, com todas as
inconveniências que se fariam sentir, nomeadamente nos serviços políticos de carácter reservado.
Entre as várias soluções para resolver esse problema, o director da PIDE sugeriu a possibilidade de
dispensa das habilitações exigidas, mediante parecer favorável do Conselho da PIDE, e de
promoção, por «distinção», à classe imediatamente superior, baseada na classificação de mérito
extraordinário ou de serviços relevantes prestados em defesa da ordem pública.
No entanto, acompanhando o sinal dos tempos e apesar das reservas de Fernando da Silva Pais, a
PIDE também se «feminizou», a partir de 1961, quando um diploma criou um quadro de pessoal
feminino de investigação, que chegou a ter duas sub-inspectoras, três chefes de brigada, 16 agentes
de l.a classe e 37 agentes de 2.a classe. Muitas das agentes do quadro especial feminino tinham
originariamente ingressado na PIDE como telefonistas, passando mais tarde para o quadro de
investigação (Nota 3). Diga-se que a Guerra Colonial, com a transferência para o ultramar de
muitos dos seus colegas masculinos, que aí tinham de cumprir comissões de serviço, obrigou à
substituição de muitos homens por mulheres: por exemplo, em 1971, os postos de controlo dos
passageiros no aeroporto já estavam ocupados por agentes femininos (Nota 4).

Nota 1 - Síntese das intervenções de Alfredo Caldeira e A. A. Santos Carvalho in Humberto


Delgado, A Tirania Portuguesa, Publicações Dom Quixote, 1995, pp. 165-168.
Nota 2 - Decreto-Lei n.° 45 290, de 30/9/63.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.º Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
Serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 137.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 15673 Cl (2) DGS, OS 245, 29/8/71.

46

Embora continuasse a exercer o cargo de director da PIDE, Silva Pais tfl nha sido, entretanto,
nomeado, em 1967, director da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, cuja função foi
exercida interinamente pelo inspector superior Ennes Ferreira (Nota 1). Enviou então a Salazar um
novo projecto dei decreto-lei, a sugerir novo aumento do quadro geral da PIDE (Nota 2), na
sequencial do qual essa polícia passou a ter 3202 funcionários — efectivos —, 1187 no continente e
ilhas e 2015 no ultramar, dos quais 28 no Estado da Índia (Nota 3).

1.3.7. A PIDE transforma-se em Direção-Geral de Segurança (1969-1974)

Pouco depois, começou o quarto período da vida da polícia política após a substituição de Salazar
por Marcelo Caetano na presidência do Conselho de Ministros. Com o Decreto-Lei n.° 49 401, de
19 de Novembro de 1969, Marcelo Caetano extinguiu a PIDE e criou a Direcção-Geral de
Segurança (DGS), que continuou sob tutela do Ministério do Interior excepto nas colónias
ultramarinas, onde a tutela pertencia ao ministro do Ultramar.
A DGS foi, depois, reorganizada em 1972, com o fim de prover à segurança exterior e interior do
Estado, continuando com os mesmos poderes quanto às infracções que eram objecto da sua
competência, que alei conferia à PJ (Nota 4). Esse Decreto-Lei n.° 368/72, de 30 de Setembro desse
ano consagrou, por seu turno, uma velha reivindicação da directoria da PIDE desde o tempo de
Homero de Matos, passando a «ser dispensada, mediante autorização ministerial, a publicação no
Diário do Governo e nos boletins oficiais dos despachos relativos à nomeação e ao provimento do
pessoal da DGS, sem prejuízo de produzirem todos os seus efeitos».

I.3.7.1. Marcelo Caetano e a PIDE/DGS

Durante a fase terminal do regime, a continuidade foi um facto. Ex-1 pressão disso foi aliás «uma
carta que a dupla Barbieri Cardoso/Pereiral de Carvalho» endereçou, sob o pseudónimo PP, em 30
de Outubro de 1968, ao informador Oliveira (Mário de Carvalho), em Roma, dizendo-lhe, para o
acalmar, que, a «respeito do novo Governo tudo continua na mesma a não ser uma pequena
liberdade de imprensa, e outras no género mas sem importância» (Nota 5).
No entanto, inicialmente Marcelo Caetano não deixou de ser um crítico das forças policiais do
regime. Em final de 1943, enviara a Salazar uma carta onde dizia que os «métodos de repressão
indiscriminada e bruta» eram uma prova de «fraqueza» do regime e não de «força», dado que esta
era «segura de si, equilibrada e justa».
Nota 1 - O Século, 18/1/1967.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 0344. Carta enviada pela PIDE ao Ministério do Interior, em 9/10/68.1
Nota 3 - Decreto-Lei n.° 48 794, promulgado em 16/12/68, e Decreto-Lei n.° 48 999, promulgado
em 30/4/69.
Nota 4 - Decreto-Lei n.° 368/72, de 30/9/72, organização da DGS.
Nota 5 - Síntese das intervenções de Alfredo Caldeira e A. A. Santos Carvalho, op. cit., p. 165.

47

Numa exposição ao Conselho de Ministros de Dezembro de 1945 considerara que, entre as


deficiências do regime, se contava a actuação dessa polícia, que era tanto mais violenta quanto mais
incompetente se revelava. (Nota 1)
Mais tarde, após ser apeado do poder, em 1974, Caetano reconheceu que, ao tomar conta do
governo, havia «na Metrópole um mau ambiente em redor da PIDE». Afirmou no entanto que em
conversas com o major Silva Pais verificara «tratar-se de um homem inteligente e equilibrado,
perfeitamente consciente da delicadeza do serviço que dirigia e aberto a uma colaboração sincera
com o novo Governo». Caetano especificou, de forma enigmática, que isso «não se verificava,
infelizmente, com todos os seus adjuntos». Estar-se-ia a referir a Barbieri Cardoso e/ou a Sacchetti?
O certo é que Caetano assinalou ainda que pretendera sempre evitar o que pudesse justificar a má
reputação da PIDE e que também o ministro do Interior, António Gonçalves Rapazote, se havia
mostrado «constantemente interessado em manter a Polícia dentro da legalidade».
Da primeira fase da sua estadia na presidência do Conselho de Ministros, há pelo menos uma carta
de Marcelo Caetano, ao Ministério do Interior, de final de 1968, instando-o a rever a
regulamentação da prisão de Caxias, de modo a humanizar o tratamento dos presos (Nota 2). O
próprio Caetano disse ter ordenado, desde logo, «a remodelação do serviço de investigação, cujo
chefe foi posteriormente substituído» (José Barreto Sacchetti) e, numa ocasião, chegou até a dizer,
a polícia devia estar subordinada ao Estado e não ser «um Estado dentro do Estado» (Nota 3).
Entre os opositores a Salazar que tiveram inicialmente a ilusão de que Marcelo Caetano iria
liberalizar o regime, contou-se o católico António Alçada Baptista, que escreveu um livro sobre as
conversas que manteve com o novo presidente do Conselho. No diálogo que os dois travaram sobre
a DGS e os «crimes «políticos», Caetano afirmou que o sistema policial português revestia
«garantias da legalidade», embora tivesse «em consideração a natureza especial desses crimes e os
reflexos» que estes provocavam «em toda a instrução preparatória» (Nota 4).
Na verdade, apesar das afirmações de Caetano, os métodos de detenção arbitrária e tortura não
sofreram alterações básicas, tendo mesmo endurecido, no segundo período de crispação do
marcelismo. Também é um facto que Caetano sempre soube, quer por familiares de presos, quer
mesmo por elementos da própria DGS, que eram aplicadas torturas aos detidos. Por exemplo, o
director da delegação do Porto, José Manuel da Cunha, chegou a escrever-lhe pessoalmente,
insurgindo-se contra o tratamento reservado aos presos e assegurando «que as noites de vigília são
infelizmente uma triste realidade».

Nota 1 - José Freire Antunes, Salazar, Caetano, Cartas Secretas 1932-1968, Lisboa, Círculo de
Leitores, 1993, pp. 146-147; PIDE/DGS. Tribunal da Boa Hora, Ano 1962, proc. 92/62, caixa 703,
2.° Juízo, Octávio Pato e Albina Fernandes, 2.° vol., fls. 142, 12c (Marcelo Caetano, em 28/5/50).
Nota 2 - MAI-GM, caixa 454, pasta «saneamento da DGS».
'PIDE/DGS, pr. 8 Cl (2), NT 6976, Serviços franceses, vol. n, fls. 158-160, serviço de escuta da
Rádio Portugal Livre, 22/11/69; Marcelo Caetano, Depoimento, pp. 71-73. 4 António Alçada
Baptista, Conversas com Marcello Caetano, pp. 140-143.

48

No entanto, pouco tempo depois, Caetano concedeu uma entrevista, ao jornal sueco Svenska
Dagbladet, onde disse que os interrogatórios duravam apenas três a quatro horas (Nota 1).
Mais tarde, já no exílio, Marcelo Caetano justificou a manutenção de «certas especialidades do
regime processual da instrução dirigida pela DGS», com as reservas colocadas pela polícia,
nomeadamente «objecções a que se aplicasse certos preceitos, como o da faculdade de assistência
do advogado aos interrogatórios dos detidos». Que houve algumas divergências entre Caetano e a
DGS atesta-o o testemunho de Ana Maria Caetano, filha de Marcelo, segundo a qual os agentes de
vigilância dessa polícia, que a protegiam, lhe afirmaram numa ocasião que o pai não os deixava
trabalhar (Nota 2). O certo é que, relativamente à presença dos advogados de defesa nos
interrogatórios, Caetano aceitou a argumentação da DGS e a presença do advogado permaneceu
«facultativa», «mas sempre obrigatória a de testemunhas» (Nota 3), que, como se sabe, eram os
próprios agentes dessa polícia.
Paulo Pinto de Albuquerque considerou que a substituição da PIDE pela DGS não teve «natureza
meramente semântica ou modificações puramente aparentes», alegando que teria então passado a
haver «uma divisão clara de tarefas entre os órgãos dirigentes da DGS, aos quais incumbia a
validação e a manutenção da captura, e os inspectores, aos quais competia a direcção da instrução,
mas que não podia validar a prisão preventiva ou a aplicação provisória da medida de segurança»
(Nota 4).
Ora, essa divisão de tarefas interna não é de facto suficiente para que sei diga que ocorreram
mudanças, pois, na prática, tudo continuou na mesma. Segundo o Decreto-Lei n.° 368/72, de 30 de
Setembro de 1972, a ordenação da prisão era da competência do pessoal superior da DGS. Por
outro lado, as funções que a lei atribuía ao juiz eram desempenhadas pelo director-geral, pelos
inspectores superiores, directores de serviço e inspectores-adjuntos.
Quanto às funções do Ministério Público, durante a instrução preparatória ficavam a cargo dos
inspectores, por conseguinte à revelia do controle judicial. Isso também acontecia na PJ, facto que
foi criticado em 1973 por Francisco Sá Carneiro. Segundo o deputado, essa polícia não deveria
instruir processos, dado que não era composta por juízes e «as polícias não são tribunais», embora
tivessem formação jurídica e eram da carreira judicial. Ora, segundo observou Francisco Sá
Carneiro, os elementos da DGS nem isso tinham, nem isso eram (Nota 5).

I.4. Organização e direcção da DGS no final do regime

A partir de 1972, os diversos serviços da polícia política passaram a ficar organizados de uma
forma que durou até ao final da sua existência. (Nota 6) Foram criados três Conselhos — o
Conselho Técnico Superior, o Conselho da Direcção-Geral e o Conselho Administrativo — e os
antigos serviços passaram a direcções de serviços, chefiadas por directores de serviços.

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 396, nota 1; PIDE/DGS, pr. 73715/73,
Eleições, pasta 1, fl. 95, «Um caso concreto de tortura».
Nota 2 - Joaquim Vieira, op. cit., pp. 124, 128 e 169.
Nota 3 - Marcelo Caetano, Depoimento, pp. 71-73.
Nota 4 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 656.
Nota 5 - Idem, ibidem, p. 654, nota 1434.
Nota 6 - DL n.º 368/72, de 30/9.

49

Quadro 6 - A DGS. 1972-1974

Observe-se que a investigação, que começou por ser a 1.ª Divisão da PIDE, passou, em 1972, a 2.a
Direcção de Serviços de Investigação e Contencioso (DSIC), e que a antiga 2.a Divisão se
transformou na l.a Direcção de Serviços de Informação (DSI). O facto é revelador não só da
importância crescente de Álvaro Pereira de Carvalho, como de uma vontade de fazer da polícia
política uma organização de inteligência, em que a informação fosse o sector principal. No final da
vida da DGS, havia ainda a 3.a Direcção de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (DSEF) e a 4.a
Direcção de Serviços Administrativos (DSA).
Em 1974, a DGS tinha, além de várias subdelegações, postos de fronteira e de vigilância, como se
pode ver nas páginas dos extratextos (mapas 2 e 3), duas grandes delegações, no Porto e em
Coimbra. Os principais serviços centrais da DGS estavam concentrados na Rua António Maria
Cardoso, em Sete Rios, onde estava sediada a Escola Técnica de Polícia, e no Reduto Sul de
Caxias, onde estavam os serviços de investigação.

50

Quadro 7 – Organização da PIDE/DGS e principais dirigentes. 1945-1972.

1945-49
— Director: capitão Agostinho Lourenço
— 1.ª Divisão, Serviços Internacionais: Jorge Pedreira (45-48), Rogério Coelho dias (48)
— 2.a Divisão, Secção Central (SC ou Serviços Centrais de Investigação — SCI): Antonino Fana
Pais (chefia SC ou SCI), com Ferry Correia Gomes, Raul Rosa Porto Duarte e Abílio Alcarva
(Serviços de Informação Reservada. (SRI)
— 3.a Divisão, Serviço de Segurança do Estado; José Ernesto Catela (45), Agostinho Barbieri
Cardoso (49) e Serviço de Cadastro e Informativo: Eduardo Trigo de Sousa (45-49), Antonino Faria
Pais (49)
— Bureau da Comissão Internacional de Policia Criminal (CIPC): Castro e Silva
— Chefe del. Porto: Diogo Alves (45, acumula com direcção de Coimbra), Wenceslau Ferreira
Ramos

1950-61

— Director ETP: Joaquim Duarte da Silveira (49)


— Director: capitão Agostinho Lourenço, capitão António Neves Graça (56-60); coronel Homero
de Matos (60-62).
— Segurança e Serviços Reservados (SR): Ferry Correia Gomes (45-53), Manuel da Silva Clara.
— Investigação, Aurélio Aboim Falcão (58), Raul Porto Duarte.
— Bureau Interpol: José Manuel da Cunha Passo
— Chefe del. Porto: Rogério Coelho Dias (50)
— Chefe del. Porto: Raul Rosa Porto Duarte (1961)
— Chefe de. Coimbra: José Barreto Sacchetti (50-64)
— Director ETP: Catlos Lopes Veloso (50-74)
— Director Caxias: Jaime Gomes da Silva (61-74)
1962-71

— Director: Major Fernando da Silva Pais (62-74) Reorganização dos Serviços de Segurança, na
sede
— 1ª Divisão (Investigação): José Barreto Sacchetti Malheiro (chefia 62), José Manuel da Cunha
Passo
— 2.ª Divisão (Informação) e Serviços Reservados (SR): Álvaro Pereira de Carvalho (chefia 62),
Ferreira da Costa (SR)
— 3.a Divisão (Estrangeiros)
— 4.a Divisão (Fronteira e Segurança Especial): Abílio Alcarva
— Serviços Administrativos: Manuel da Silva Clara
— Bureau Interpol: José Manuel da Cunha Passo
— Chefe del. Coimbra: Jorge Leite Faria (64-69), Manuel José da Cunha (1969), Armindo Ferreira
da Silva (69-74)

1972-74
— Director: Major Fernando da Silva Pais Direcções de Serviços:
— l.a Direcção, de Informação (DSI) ou Secção Central (SC): Álvaro Pereira de Carvalho (dir.
serv.) Arquivos: Rosário da Silva — Cl (1); Abílio Pires — Cl (2); Fernando Gouveia, substituído
por Delgado Luís GT; Sílvio Mortágua — Cl (3); Bernardino da Cunha Azevedo — CI (4)
— 2.a Direcção, de Investigação e Contencioso (DSIC): José Manuel da Cunha Passo (dir. serv. 72)
— 3.a Direcção, de Estrangeiros e Fronteiras (DSEF): Manuel da Silva Clara (69-73), António
José Rodrigues.
— 4,a Direcção, Administrativos (DSA): José Maria Leitão Bernardino
— Bureau Interpol: José Manuel da Cunha Passo
— Chefe del. Porto: Manuel da Silva Clara (73), Manuel José da Cunha (sub-dir.)
Nota:
Outros elementos ao longo dos anos
Informação: Barbieri Cardoso, Baptista da Silva, José Ferreira Cleto, Inácio Ribeiro Ferreira, José
Gonçalves, Rosa Casaco, Mesquita ta Portugal, Álvaro Dias de Melo, Abílio Pires, Armindo
Ferreira da Silva; Joaquim Oliveira Monteiro; José Gonçalves; António Rosa Casaco; Mesquita
Portugal; Baptista da Silva; Ferreira Cleto; Inácio Ribeiro Ferreira; Agostinho Tienza; Álvaro Dias
de Melo; Casimiro Monteiro; João Nobre; Ernesto Lopes Ramos; Óscar Cardoso; Manuel Lavado;
Pedro Ferreira; António Vilas Boas da Silva; Armando Jorge da Silva Reis Vieira
Investigação: José Manuel Cunha Passo, Fernando Gouveia (44-58), Ferry Gomes; Aurélio Boim
Falcão; Inácio Afonso; Silvino Mortágua; Armindo Ferreira da Silva; Júlio Henriques Reis; António
Capela; Armando Rêgo; Benedito Pereira André; António Rosa Casaco; Francisco Fernandes;
Silvestre Delgado Luís; Joaquim Santos Costa; Artur P. dos Santos; Pedro de Oliveira; Rodrigues
Martins; Abílio Pires; Celso Russo; Bronze; Pompílio; António Pereira Coelho (Ricardo Graça);
Francisco Fernandes.
4 Divisões de Investigação: Rodrigues Martins, Teixeira da Silva, Pinto Galante, Américo da Silva
Carvalho
4 Secções: Matos Rodrigues — Justiça, Antero Glória Santos — Administrativos; Cândido Pires
Jurídicos e de Contencioso; Adelino Tinoco — Serv. prisionais
Delegação do Porto: Sub-inspectores Acácio Costa Matos e Manuel Martins Gomes; Chefes de
Brigada Alberto Ribeiro Monteiro, Alfredo Pereira Bastos, Álvaro Rodrigues Ferraz, Aníbal de
Magalhães, António Manuel Fernandes, António Manuel Morais,;
nio Marques de Almeida, Joaquim Maria de Oliveira, Joaquim Baieizão, José Coelho Fernandes,
Manuel Coelho da Silva
Delegação de Cojmbra; Sub-inspector Sérgio Avelino Pereira; Chefes de Brigada Arlindo Miranda,
Fernando Palma, José Matos da Silva, António Joaquim Aguiar

Várias fontes dão como sede da PVDE a Rua Serpa Pinto — antiga Rua 16 de Outubro, ainda
conhecida, em 1933, por «Rua da Leva da Morte» —, onde estava situada a Secção Política e
Social, e a Rua António Maria Cardoso, onde estava instalada a Secção Internacional e de
Estrangeiros. (Nota 1)

Nota 1 - 1 António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, Lisboa, ed. do autor, 2003,
p. 7; Pedro Rocha, Escrito com Paixão, Lisboa, Caminho, 1991, p. 68; Gilberto de Oliveira,
Memória Viva do Tarrafal, Editorial Avante, 1987, pp. 73-76; Emídio Santana, História de Um
Atentado: O Atentado a Salazar, Mem Martins, Europa-América, 1975, p. 77.

51

O certo é que a sede conhecida por gerações de oposicionistas foi que se localizou na Rua António
Maria Cardoso, em Lisboa, ao lado do Teatro de São Luís e perto do Teatro de São Carlos.
Em 1960, as instalações da sede da PIDE, alugadas à Casa de Bragança, já não eram suficientes e o
respectivo director, na época Homero de Matos, pediu a aquisição pelo Estado não só desse edifício
como de um terreno situado entre a directoria e o cinema São Luís e o prédio onde tinha estado
sediada a antiga Embaixada do Brasil, na Rua dos Duques de Bragança, nas traseiras da Rua
António Maria Cardoso (Nota 2). O Estado continuou porém a alugar as instalações da PIDE, e,
seis anos depois, Silva Pais solicitou o arrendamento de ainda outro andar na mesma rua, com rés-
do-chão e cave (Nota 3).
A primeira grande subdirectoria ou delegação, depois da de Lisboa, foi a do Porto, situada na Rua
do Heroísmo, a qual tinha uma cadeia privativa. Em 1974, era chefiada por Manuel da Silva Clara e
subdirigida por Manuel José da Cunha, enquanto à frente da delegação de Coimbra, na Rua Antero
de Quental, estava Armindo Ferreira da Silva (Nota 4).

Nota 2 - AOS/CO/IN, 16, pasta 4. Planta da instalação-sede da PIDE, Lisboa, 25/3/59; MAI-GM,
caixa 0207, carta enviada à PIDE pelo chefe do gabinete do ministro do Interior, Mário Bento, em
12/7/61, e ofício da 2.a secção dos serviços administrativos da PIDE ao ministro do Interior, em
24/7/61.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 0309, pasta «postos da fronteira».
Nota 4 - AEPPA, «Elementos para a história da PIDE, «Para que o tribunal julgue a PIDE»,
n.° 1,1976, p. 19.

52

II.
OS FUNCIONÁRIOS DA PIDE/DGS:
RECRUTAMENTO, FORMAÇÃO E DISCIPLINA

Através da caracterização social, profissional e geográfica dos seus elementos, analisar-se-á, neste
capítulo, o quadro dos funcionários da PIDE /DGS, com destaque para o pessoal não
administrativo, ou seja, os funcionários dos serviços de investigação e informação, todos aqueles
que dirigiram e participaram nas tarefas de informação, vigilância, investigação e repressão (Nota
1). Serão ainda abordadas a ascensão, na hierarquia da PIDE/DGS, dos seus principais funcionários
policiais, bem como a formação ministra da na ETP e a disciplina interna da polícia política.
O Quadro 8, baseado nos decretos-lei e ordens de serviço referentes à PIDE/DGS, refere o número
oficial do quadro geral de funcionários, ou seja, os lugares a preencher, mas que nem sempre eram
preenchidos: por exemplo, em 1946, o quadro comportava 518 elementos e a PIDE só tinha então
378 funcionários (Nota 2). Observe-se também que «a lista de antiguidade do pessoal de direcção,
investigação, técnico, administrativo e menor». onde constam os nomes de todos os funcionários do
quadro, apenas a apresenta completa em 1965, dado que nos outros anos não surgem os nomes dos
chefes de brigada e agentes.
Dito isto, observa-se, no Quadro 8, que, a partir de 1961, por razões óbvias (início da Guerra
Colonial em Angola), houve um aumento exponencial dos elementos da PIDE nas colónias. Como
se viu, o Decreto-Lei n.° 43 582, de 4 de Abril de 1961, unificou «os princípios que deviam reger o
emprego da PIDE» nas províncias ultramarinas e reuniu «num quadro único» os funcionários do
«Ultramar e da Metrópole», conforme estava previsto nos diplomas anteriores de 1954, 19573 e
1960.
Repare-se ainda que estes números oficiais, não batem certo com os relativos aos funcionários do
continente, ilhas e colónias existentes em 1974, fornecidos pela Comissão de Extinção da
PIDE/DGS, segundo a qual essa polícia teria então 2626 elementos (Quadros 9 e 10).

53

Quadro 8 – Número de funcionários segundo os quadros gerais de pessoal da PIDE, no continente e


ilhas

Alfredo Caldeira, que colaborou com a Comissão de Extinção da PIDE/DGS, observou que «os
verdadeiros efectivos da PIDE/DGS nunca foram divulgados, pois que a polícia mantinha-os
secretos», mesmo perante a tutela, além de que, nos números de 1974, também não se incluem os
contratados fora do quadro, os eventuais e, evidentemente, os informadores.

54

A discrepância pode ainda ter outras três explicações: ou, como se disse, o quadro oficial da
PIDE/DGS sempre teve oficialmente mais lugares do que aqueles que efectivamente foram
preenchidos; ou os números da Comissão de Extinção da PIDE/DGS são os mais próximos da
realidade, ou ainda esta última não apresentou o número total certo, omitindo involuntária ou
voluntariamente que havia mais funcionários dessa polícia nas colónias. Lembre-se que, nas
colónias, os funcionários da DGS continuaram em actividade no período imediato ao 25 de Abril de
1974, encarados já não como uma polícia política, mas como um serviço secreto de informações, de
apoio às Forças Armadas. No entanto, convém explicar que essa discrepância não tem grande
importância para o trabalho que aqui se pretende fazer, que se relaciona apenas com a actividade da
PIDE/DGS no continente e ilhas, e, neste caso, os números produzidos pela Comissão de Extinção
da PIDE/DGS não se afastam muito dos números oficiais acima referidos.

Quadro 9 - Total de funcionários da PIDE/DGS em 1974, no continente, ilhas e colónias

II. 1. Caracterização dos funcionários da PIDE/DGS ao longo dos anos


Através de uma análise do cadastro dos funcionários da PIDE/DGS existente no IAN/TT procedeu-
se a uma tentativa de caracterização dos 3600 elementos que estiveram ao serviço da PIDE/DGS no
período entre 1945 f 1974, no continente e ilhas. Deixa-se assim de fora os funcionários
directamente colocados nas colónias portuguesas, embora muitos dos que estão ti universo
analisado também tivessem cumprido comissões de serviço no ultra mar. No quadro abaixo,
também estão incluídos elementos que entraram pai a PVDE ou para polícias anteriores (Polícia
Internacional, etc.) mas que permaneceram, depois, na PIDE/DGS, entre 1945 e 1974.

55

Quadro 11 – Ano de contrato de elementos da PIDE/DGS

Por isso, surgem dois totais: um relativo a todo o quadro e outro relativo ao período entre 1945 e
1974, sobre o qual foram calculadas as percentagens.
No Quadro 11, salta à vista que ingressaram na polícia política mais elementos nos anos 1948, 1954
e 1958 e após o início da Guerra Colonial, nomeadamente no período a partir de 1964, quando,
como se viu, a habilitação necessária para a entrada na corporação passou a ser apenas a 4ª classe
do ensino primário, e até 1967. Com o intervalo do ano de 1969 — com menos admissões —
entraram, depois de 1970, até ao final do período de existência da DGS, um número considerável
de novos funcionários.
Como se verá em apêndice, a maioria dos elementos da PIDE/DGS, ou seja, 77,1 % do total,
ingressou entre os 20 e os 35 anos. Fizeram-no já depois de se terem casado, representando o
número destes mais de 65 % do total, embora se deva observar que se fez essa análise sobre um
universo mais restrito, dado que se ignora o estado civil de 1215 elementos (31,3 %). Tinham
evidentemente também já cumprido o serviço militar obrigatório — uma regra para ingressar na
PlDE, exceptuando os isentos —, na sua maioria, em postos subalternos: assim, os sargentos, cabos
e furriéis constituíam 39,4 % do total. Também aqui o universo analisado é mais restrito, pois se
ignora em que posto militar ingressaram 1347 indivíduos.

56

Existe o lugar-comum de que o grosso dos elementos da PIDE/DGS, nomeadamente dos agentes,
eram elementos das classes mais baixas da sociedade, originários dos campos, com pouca cultura e
quase analfabeta. É um facto, porém, que a PIDE/DGS evoluiu muito ao longo do tempo e, até ao
início dos anos 60, o recrutamento era feito num meio mais rural, uma década depois «a grande
base de recrutamento foi a tropa, os homens que fazem a guerra das colónias e que são recrutados
"in loco". É isso que afirma Fernando Rosas, ao acrescentar que os homens foral da PIDE, entre os
quais se contaram «o Mortágua, o Tinoco, o Abílio Pires» começaram «como tarimbeiros», ou seja,
ingressaram na polícia comi agentes auxiliares, enquanto os chefes da mesma, «como o Saquetti
[sic], o Silva Pais, o Agostinho Lourenço», eram oficiais das Forças Armadas. O mesmo autor
observa que não houve «grande recrutamento, entre os intelectuais fascistas assumidos», os quais
revelavam incomodidade em dizer que colaboravam com a PIDE. (Nota 1)
Como se viu, a partir de 1964 era apenas necessário ter concluído) 4.a classe do ensino primário ou
o 1.° ciclo para entrar na PIDE. Como a pode ver em apêndice, 27,5% dos elementos da PIDE/DGS
tinha apenas essas habilitações. Havia, porém, alguns que eram mesmo analfabetos oj apenas
sabiam ler e escrever e até tinham ficado isentos de fazer o exame da 3.a classe do ensino primário.
Por outro lado, 38% tinha apenas o 1.° ciclo do ensino secundário, muitos deles incompleto.
Ao acrescentar-se à percentagem de 65,5% dos que apenas tinham a escolaridade primária e o
primeiro ciclo incompleto do ensino secundário os que tinham a frequência incompleta de cursos
técnicos, conclui-se que 77,5 % dos elementos da PIDE/DGS tinha apenas essas habilitações. Isto,
além do facto de 2,6 % dos elementos terem frequentado o seminário, de bem a medida da origem
social dos mesmos, provenientes do meio rural Finalmente, respectivamente 7,1% e 2,47% dos
elementos da PIDE /DGS haviam frequentado o 2.° ciclo e o 3.° ciclo do ensino secundário apenas
1,1 % tinha frequentado o ensino superior.
Relativamente às profissões, num universo de cerca de 1400 elemento (muitos não têm indicação, o
que pode significar que não tinham uma profissão anterior) verifica-se que cerca de 30 % dos
admitidos nessa polícia eram camponeses ou assalariados agrícolas, operários, pessoal menor ofl
com outras profissões manuais, enquanto mais de 35 % provinham do comércio e dos serviços. Os
estudantes (não se trata aqui de estudantes universitários, mas de elementos que estavam em
qualquer grau de ensino), ou seja, os jovens que ainda não tinham tido outra profissão anterior,
representavam 12 % do total. Finalmente, apenas 1,25 % eram licenciados ou tinham uma profissão
liberal, 6,8 % eram mulheres domésticas e cerca de 6 % provinham de outras forças policiais e
militares.
Quanto à naturalidade dos elementos da PIDE/DGS, Setúbal, Beja e Évora e, em parte, Aveiro,
Viana do Castelo, Braga e Leiria parecem ter sido os distritos onde não havia «tradição» de
ingressar nessa polícia. Numa posição intermédia estavam os distritos de Portalegre, Faro,
Santarém e Guarda, onde nasceram em média 4 a 5 % dos elementos da PIDE.

57

Em contrapartida, os Açores e as cidades de Tondela, Viseu, Bragança, Castelo Branco, Tomar,


Torres Novas, Santarém, Lamego, Coimbra, Porto e, sobretudo, Lisboa deram numerosos
elementos à polícia política.
De relevar que certos microcosmos «tradicionalmente» com grande influência do PCP e, como se
verá, com muitas detenções ao longo dos anos, parecem ter sido regiões onde poucos conterrâneos
desejaram ingressar na PIDE/DGS. Além do mais não exerciam a sua tarefa policial no local: veja-
se como exemplo o facto de o único elemento natural de Alpiarça ter sido o tenente-coronel Rui
Pessoa de Amorim Melício, admitido como subdirector da PIDE, em Janeiro de 1958, que chegou a
inspector superior nessa corporação policial.
Entre as zonas fronteiriças, de onde eram naturais muitos elementos da PIDE/DGS, contaram-se
Castro Marim (Faro), Sabugal, Pinhel e Guarda e as zonas raianas de Bragança (Torre de
Moncorvo, Vinhais, Mirandela e Mogadouro) e Vila Real (Alijó, Montalegre e Chaves). No distrito
de Aveiro, enquanto nenhum elemento da PIDE é natural de São João da Madeira e só um de
Castelo de Paiva, o número de naturais da polícia é relativamente alto em Sever do Vouga. No
distrito de Braga, muitos são naturais de Barcelos e de Braga, mas nenhum de Cabeceiras de Basto.
Outros concelhos com um proporcionalmente grande número de funcionários da polícia política aí
nascidos foram os de Idanha-a-Nova, Fundão e Castelo Branco, no distrito com este nome, de
Pampilhosa da Serra, Montemor-o-Velho e Oliveira do Hospital (distrito de Coimbra), de Leiria e
Pombal (Leiria), de Elvas e Portalegre (zonas fronteiriças do distrito de Portalegre), da Póvoa do
Varzim e de Penafiel (Porto).
Em conclusão, pode dizer-se que a maioria dos elementos da polícia política são originários dos
meios rurais do Norte e centro interior do país, ou seja, de terras de pequena propriedade, mas
também das grandes cidades como Lisboa, Porto e Coimbra.

II.2. Ingresso e formação dos funcionários da PIDE/DGS

No cadastro de funcionários da PIDE/DGS, entre 1945 e 1974, observa-se que, de um modo geral,
a maioria ingressou como agente provisório, auxiliar ou de 3.a classe, consoante a definição que lhe
foi dada nos diferentes períodos, ou, a partir de determinado período, como agente de 2.a classe.
Após frequentarem um curso elementar de três meses, os agentes cumpriam um estágio, durante um
mínimo de seis meses, em vários postos, delegações ou na sede, nomeadamente no SEF e na DSIC
(Nota 1). Ascendiam depois, lentamente, ao fim duns anos, após frequentarem a ETP e se
submeterem a um concurso, com provas para ingresso na categoria de agente de 1ª classe. Após
novo curso e concurso, ascendiam ou não a chefe de brigada, a subinspector e, depois, a inspector.
Nota 1 - Portugal Informação, «Dossier para a história do fascismo português — a PIDE».

58

Entre os que chegaram a postos mais altos, contaram-se António Rosa Casaco, Fernando Gouveia,
Sílvio Mortágua e Adelino Tinoco, que passaria por uma longa tarimba. Quando, a partir de meados
dos anos 60, começara a ingressar na PIDE alferes milicianos que já haviam cumprido o serviço
militar, nomeadamente comissões de serviço em África, alguns entraram já no posto de inspector.
Os principais elementos da PIDE/DGS que fizeram uma longa carreira nessa polícia distinguem-se,
do ponto de vista cronológico, por terem pertencido a quatro levas principais: a primeira, que
incluiu elementos recrutados nos anos 30, para as polícias anteriores à PVDE e quando esta foi
criada, em 1933; a segunda, que integra os funcionários que ingressaram na PIDE em 1945 ou nos
anos seguintes; e, finalmente, a terceira e quarta levas, juntam os que entraram, respectivamente,
nos anos 50 e 60. Em apêndice pode-se ver o percurso ascensional no seio da PIDE/DGS dos seus
principais elementos ao longo dos anos.
Como se viu, muitos funcionários ingressaram e subiram na escala hierárquica da PIDE/DGS a
partir do final dos anos 40, mas houve também candidatos a essa polícia que não lograram aí
arranjar lugar. Por exemplo em 1948, um antigo elemento da PVDE e da LP, Salvador José dos
Santos, pediu a sua reintegração na PIDE, mas foi recusado por ser considerado «de moral
duvidosa» (Nota 1). Outro caso de recusa de entrada na PIDE ocorreu em Outubro de 1955 com o
inspector da PJ Gastão de Lorena de Sèves, que pedira para ingressar como subdirector. O gabinete
do ministro de Interior informou-o, porém, de que a pretensão não podia ser deferida devido a duas
prisões que teria ordenado na PJ por razões menos dignas. (Nota 2)
Perante uma recusa do Ministério do Interior, um indivíduo do Porto explicou, em 1961, que não
pretendia ingressar na PIDE mas numa «CIA portuguesa e não um FBI (que é o equivalente da
nossa PIDE)» (Nota 3). Nesse período, o próprio Silva Pais agastou-se, ao verificar que muitos
candidatos à PIDE apenas pretendiam pertencer a uma força de autoridade. Por exemplo, sobre um
determinado indivíduo, considerou que era «mais um dos que pretendem um cartão de autoridade,
para exibição e actuação, o que não é possível atender, não só por ser ilegal como pelos
inconvenientes que disso poderiam resultar» (Nota 4).

II.2.1. A formação na ETP

A maioria dos agentes da PIDE/DGS tinha fracas habilitações, ao ingressar nessa polícia, que,
consciente dessas deficiências, teve a preocupação de formar os seus funcionários.

Nota 1 - PIDE/DGS, NT 4172, copiador SR, correspondência expedida, Serviços Centrais,» pasta
1; MAI-GM, caixa 40, 17/8/48 e 5/5/49.
Nota 2 - MAI-GM, pasta «processos», carta do ministro de 31/10/55.
Nota 3 - Ibidem, caixa 207,10/2/61.
Nota 4 - Ibidem, caixa 250, pasta «nomeações, licenças, concursos».

59

O capitão Agostinho Lourenço criou, ai sim, em 1948, a Escola Técnica de Polícia ou da PIDE
(ETP) (Nota 1ª), destinada ao ensino e selecção de candidatos a agentes de polícia, bem como ao
aperfeiçoamento e especialização dos graduados e agentes, mediante cursos elementares, de
aperfeiçoamento e de especialização (Nota 1).
Dirigida, em 1949, por Joaquim Duarte da Silveira, a ETP contava, entre os seus professores
Fernando Falcão Machado, Carlos Lopes Veloso e Guilherme Frédéric Daupiás, os inspectores
Raul Rosa Porto Duarte e Jorge Marques Ferreira e o capitão Paulo Cumano, estes três últimos
funcionários da PIDE. A estes professores juntaram-se, nos anos seguintes, Noé de Freitas
Albuquerque, Luís Mouzinho de Albuquerque Viana Pedreira, Rui Jorge de Amorim Pessoa
Ribeiro, professor de Ciências e Química, e o capitão Henry Dumond Nesbitt (Nota 2).
Entretanto, para os elementos mais graduados, a PIDE criou um Gabinete de Estudos e um Boletim
de Informação, que surgiu pela primeira vez, a stencil, em Julho de 1951, e foi publicado até
Fevereiro de 1954, num total de 32 números. O director da ETP sugeriu, nesse mesmo ano de 1951,
a organização de um núcleo de estudos e investigação científica, que se passou a chamar Conselho
Escolar (CE) (Nota 3). Em 1963, ano do primeiro curso elementar para agentes femininos de 2.a
classe, Carlos Lopes Veloso assumiu interinamente a direcção da ETP (Nota 4) e, no ano seguinte,
foram novamente definidos os objectivos e requisitos dos cursos elementares, de aperfeiçoamento e
especialização ministrados na ETP.
Veja-se de que forma foram analisados e valorizados os candidatos, em 1966, através das
observações feitas pelo CE, então presidido por Manuel da Silva Clara: assim, enquanto um dos
candidatos foi considerado como sendo «conquistador, filósofo, amável», outro tinha «espírito
generoso e firme», enquanto outros surgiam como «descontentes consigo próprios» e
«excessivamente dissimulados e orgulhosos» (Nota 5). Quanto às candidatas a agentes auxiliares,
uma foi considerada como tendo «consciência pura» e seguindo «tranquila o seu caminho não
alternando a sua placidez nem com questões de moral», enquanto outra era vista como tendo
«nervos fortes» e desejando «governar o mundo», ao mesmo tempo que era «terna» e «mulher do
lar» (Nota 6).
No final dos cursos desse ano, o director da ETP considerou, porém, que os agentes tinham uma
formação deficiente e que só eram aprovados graças à benevolência dos professores.

Nota 1a - Nota 5 - PIDE/DGS, NT 8851, OS 21, de 21/1/48, portaria de 26/12/47, OS 71, de 11/3,1
OS 348, 13/12.
Nota 1 - Ibidem. Catálogo da Exposição sobre a PIDE/DGS no IAN/TT, cat. 117, vol. i.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 476, pasta «Janeiro a Junho».
Nota 3 - PIDE/DGS, NT 8851, Actas do Conselho Escolar da ETP, de 1952, actas n.° 32, de 1/2,
en.° 187, de 6/7.
Nota 4 - Eram então professores da ETP o sub-inspector Raposo de Medeiros, o major Francisco
Saldanha e Fonseca, o agente técnico Fernando Castanheira Francisco, bem como Júlio Alberto
Costa Evangelista, Januário dos Santos Pinheiro, José João Baptista e Joaquim da Costa Micael.
Nota 5 - PIDE/DGS, Actas do CE da ETP, vol. n, 1965-1974, actas n.° 186, de 8/4/65, n.° 188, de
20/4, n.° 192, de 18/6/65, no vol. n do livro de actas, 1965-1774.
Nota 6 - Ibidem, acta n.° 202, de 26/5/66.

60

Benevolência essa que, porém, o presidente do júri, Manuel Silva Clara, agradeceu, devido à
necessidade que a PIDE tinha, por falta de pessoal, de aproveitar quase todos os candidatos, mesmo
os menos capazes, muitos dos quais haviam revelado grandes qualidades no ultramar (Nota 1). Em
1970, a situação permanecia pouco brilhante, embora o CE sugerisse que os cursos elementares de
admissão a «agentes provisórios» (Nota 2) tivessem duração inferior ao habitual e que as aulas
fossem substituídas por palestras (Nota 3).
Dadas as dificuldades sentidas pela DGS de Luanda no preenchimento das vagas na categoria de
agentes estagiários e de 2.a classe, a respectiva delegação passou, em Dezembro de 1972, a efectuar
mensalmente provas para admissão de funcionários daquela primeira categoria, propondo aindam
criação de uma escola técnica nessa colónia. Ao ser extinta, na sequência do golpe militar de 25 de
Abril de 1974, a ETP tinha, no seu quadro docente, 39 professores (Nota 4).
Na ETP, os agentes aprendiam todas as normas legais, tinham aulas de prática processual e
treinavam a feitura de diversos autos. No caso de indivíduos presos, eram feitos «autos de
perguntas» e, nos casos de arguidos soltos, eram realizados «autos de declarações». Havia ainda
«autos de reconhecimento» e «autos de corpo delito» (inquirição a testemunhas). Nas aulas de
Prática Processual, ficavam a saber quais eram «as competências da DGS, ou seja, a «investigação
de crimes contra segurança interior e exterior do Estado e a instrução preparatória desses processos,
e do mesmo modo quanto a infracções de emigração, imigração, passagem de fronteiras e
permanência e trabalho de estrangeiros em Portugal, prazos e instrução contraditória».
Além da recolha dos indícios, feitura de exames e da inspecção de vestígios do crime, os alunos
eram instruídos no sentido de reconhecer os «direitos das testemunhas e declarantes» e,
nomeadamente, que «as pessoas não são obrigadas a depor nem a prestar declarações» (destaque na
própria sebenta da ETP). Quanto às «buscas e apreensões», as primeiras não poderiam «iniciar-se
antes do nascer ou depois do pôr-do-sol, salvo se nisso consentir o detentor do prédio ou se se tratar
de casa sujeita por lei à fiscalização especial da Polícia, como é dos casos dos hotéis, hospedarias,
restaurantes , cafés, tabernas, casas de diversões, casas de pernoita ou com quarto de aluguer, casas
de prostituição».
Outra matéria importante ministrada na ETP era a «técnica ao serviço da polícia», onde os
elementos da PIDE/DGS aprendiam as formas de colaboração entre os serviços técnicos e os
serviços de investigação e, sobretudo, as modalidades de «interrogatórios» (Nota 5). Segundo a
sebenta da ETP, «para se poder concluir é preciso estar suficientemente informado, o que, em parte,
resulta do interrogatório», e, por isso, havia a necessidade de «saber de que forma, sobre que e
quem, interrogar, sem intimidar, animar, ou excitar, admitindo que a sinceridade nem sempre
representa a verdade e que honestamente e sem intenção se falseia (Nota 6 ).

Nota 1 - Ibidem, acta n.° 200, de 2/4/66.


Nota 2 - Ibidem, acta n.° 238, de 5/12/69. A última acta, n.° 238, tem a, data de 4/1/74.
Nota 3 - Ibidem, acta n.° 248, de 24/10/70, cursos.
Nota 4 - «Revelados professores da PIDE», A Capital, 1/4/75, p. 10.
Nota 5 - PIDE/DGS, NT 8868.
Nota 6 - Ibidem, pr. 12641 Cl (2), Catálogo da Exposição sobre a PIDE/DGS, cat. 103, fl. 623.

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Quadro 12 - Alunos aprovados e excluídos nos cursos da ETP e percentagem destes últimos
relativamente aos primeiros (1947/48-1965/1966)

Anos Aprovados Excluídos %


1947/1948 37 9 24,3
1948/1949 104 33 31,7
1949/1950 68 19 27,9
1950/1951 88 11 12,5
1951/1952 39 19 13,6
1952/1953 88 22 25
1953/1954 89 29 32,5
1954/1955 80 14 17,5
1955/1956 110 37 33,6
1956/1957 99 23 23,2
1957/1958 73 20 27,3
1958/1959 93 11 11,8
1959/1960 72 15 28,8
1960/1961 154 16 10,3
1961/1962 82 4 4,8
1962/1963 64 1 1,5
1963/1964 105 3 2,8
1964/1965 120 2 1,6
1965/1966 50 1 2

Fonte: actas do CE da ETP, NT 8244 e 88.

Finalmente, nas aulas de preparação política eram valorizados os conhecimentos sobre o


comunismo, considerado o inimigo principal. Havia, nomeadamente, uma sebenta intitulada «As
medidas legislativas de defesa contra o comunismo», onde, entre as propostas de medidas de defesa
na legislação, se enumerava: a obrigatoriedade de publicidade dos métodos comunistas; a
depuração da administração pública; o reforço contra a espionagem e sabotagem da defesa
nacional; a interdição dos partidos comunistas e das suas organizações satélites e a repressão da
acção legal dos seus membros (Nota 1).

II.3. A DISCIPLINA NA PIDE/DGS

Os funcionários da polícia política estavam sujeitos a um regulamento disciplinar próprio, que


premiava os que eram considerados dignos de louvor pela sua actividade e punia os que cometiam
infracções. A maioria dos louvados eram-no por serviços prestados: foi o caso, por exemplo, do
então chefe de brigada Fernando Araújo Gouveia, elogiado em 1947 «pelas diligências das quais
resultaram prisão de elementos do PC e apreensão de documentos», juntamente com dois agentes
que prenderam um indivíduo travando luta da qual resultou o ferimento de um deles (Nota 2).

Nota 1 - Ibidem, cat. 103, fls. 103-104, sebenta do curso da ETP.


Nota 2 - Ibidem, OS 184, de 3/7/47; OS 66, de 7/3/49.

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Muitos dos elementos louvados foram também promovidos à categoria hierárquica superior e a
corporação no seu todo também foi, frequentemente, louvada pelo ministro do Interior, como em
1947, devido à «disciplina, dedicação, espírito de sacrifício e abnegação» com que servia o país,
defendendo a ordem (Nota 1). A partir de 1950, os louvores não especificavam, em regra, as razões
das recompensas, provavelmente para não dar publicamente conta de quem tinha prendido quem.
Por exemplo, em 1952, os chefes de brigada António do Sacramento e Manuel Farinha dos Santos,
bem a mo sete agentes, foram louvados por terem evitado «conflitos propositadamente
provocados», num «serviço de vigilância melindroso» (Nota 2).
Mas se muitos funcionários da PIDE/DGS foram louvados, outros ou os mesmos também foram
castigados. Ao chegar à chefia da PVDE, o capitão Agostinho Lourenço impôs a existência de um
registo criminal limpo e o patrocínio de dois oficiais do Exército para ingressar na polícia política.
Expurgou a corporação de agentes acusados de furto ou assassínio e estabeleceu uma disciplina
interna, punindo, nomeadamente, todos os que usurpassem ou abusassem da autoridade (Nota 3).
No ano de 1945, em que, com criação da PIDE, Agostinho Lourenço emitiu uma série de
regulamentos disciplinares, muitos elementos foram castigados por se envolverem em desordens,
enquanto outros foram sancionados. (Nota 4)
Os oficiais superiores raramente eram castigados. Veja-se, por exemplo, o inquérito instaurado, em
1947, ao subinspector Júlio de Almeida, onde não se verificou que tivesse «cometido qualquer
infracção antes se demonstrando que actuou com zelo numa espinhosa e delicada missão confiada à
PIDE», devendo por isso reassumir as suas funções (Nota 5). Júlio de Almeida tinha afastado, no
ano anterior, provavelmente devido à sua relação com a comunista Carolina Loff da Fonseca,
igualmente expulsa do PCP. (Nota 6)

II.3.1. Abuso de autoridade

Abusar da autoridade foi talvez das práticas mais usuais entre os elementos da PIDE/DGS, o que
levou a que, por vezes, alguns casos fossem punidos. Em 1946, foi sancionado um agente ao qual
tinha sido embargada a entrada numa sala de teatro, por ausência de livre-trânsito, que abusou da
sua autoridade ao ordenar ao fiscal que o acompanhasse à sede da PIDE (Nota 7). Esse e outros
factos levaram a que fossem dadas, em 1948, instruções para obstar ao uso abusivo de documentos
de livre-trânsito, lembrando a direcção da PIDE que eram um instrumento do serviço e não uma
regalia (Nota 8). Quanto às viagens de comboio, só podiam frequentar as carruagens de primeira
classe os funcionários com categoria de primeiro-oficial e superior, viajando todos os outros em
terceira classe (Nota 9).

Nota 1 - Ibidem, OS 44, de 13/2/47.


Nota 2 - Ibidem, OS 177, de 26/6/52.
Nota 3 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., nota 1, p. 293.
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 194, de 13/7/46.
Nota 5 - 'Ibidem, OS 121, de 1/5/47.
Nota 6 - Ana Barradas, As Clandestinas, p. 91.
Nota 7 - PIDE/DGS, OS 271, de 28/9/46.
Nota 8 - Ibidem, OS 174, de 22/6/48.
Nota 9 - Ibidem, OS 285, de 12/10/49.

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Para só dar dois exemplos de casos de abuso de autoridade, registe-se o de um agente que, em
1965, se identificou como sendo da PIDE «em termos autoritários», exibindo ostensivamente a
pistola, para poder permanecer durante a noite na sala de espera da estação de Portimão. Acabou,
porém, apenas punido com oito dias de multa, por se ter mostrado arrependido e ter alegado que,
criado no campo, tinha pouca experiência da vida da cidade (Nota 1). Em 1968, os agentes Luís
Gonçalves Ribeiro e António Pereira Malta foram a uma livraria para apreender livros proibidos,
mas acabaram a insultar e agredir o proprietário, o qual obrigaram, depois, a pagar a conta do que
consumiram numa cervejaria. Os dois agentes foram sujeitos a processo disciplinar, instruído por
Fernando Gouveia, que propôs a pena de demissão, mas Silva Pais resolveu dar-lhes uma última
oportunidade, punindo-os com seis meses de suspensão (Nota 2).
Por vezes, os abusos de autoridade encontravam resistência por parte das suas vítimas. Foi o que
aconteceu com o porteiro do banco do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que recusou a entrada,
em 1970, ao agente Abílio Santana Novo, que pretendia visitar um cunhado, recusando identificar-
se. Em face da informação apresentada pelo agente de que o porteiro teria dito «é da PIDE, dessa
merda», o chefe de brigada Tienza ordenou a sua detenção.
Levado para a DGS, o porteiro queixou-se, depois, de ter sido espancado, no gabinete de Seixas,
pelo inspector Abílio Pires, pelo chefe Tienza e pelos agentes Abílio Novo, Pompílio Rosário, José
Dionísio e Alberto António Silva Ribeiro. O certo é que deu entrada no Hospital de Santa Maria
com um traumatismo craniano com perda de conhecimento e diversas feridas, mas a DGS concluiu
que os ferimentos eram poucos para quem alegara ter sido espancado por seis elementos. O agente
Abílio Novo foi punido com vinte dias de suspensão, Agostinho Tienza com uma advertência, José
Dionísio com cinco dias multa e Pompílio do Rosário com uma repreensão escrita (Nota 3).

II.3.2. Infracções à confidencialidade

A necessidade de confidencialidade foi também permanentemente lembrada a todos os funcionários


da PIDE (Nota 4), para os quais havia punições caso entregassem documentos respeitantes à
segurança do Estado a pessoas não autorizadas, obtivessem ou revelassem informações a espiões
estrangeiros (Nota 5). Em 1948, um agente de l.a classe foi punido com 30 dias de suspensão de
exercício e vencimentos por fornecer, para fins meramente particulares, um documento oficial a
uma pessoa estranha ao serviço (Nota 6),

Nota 1 - Ibidem, proc. disc. 6/65, Sá e Seixas, 7/12/65.


Nota 2 - Ibidem, proc. disciplinar 1/68; AOS/CP, 208, p. 21, 6.1.1/21.
Nota 3 - MAI-GM caixa 033, fls. 155 e segs. Processo de inquérito disciplinar, ano de 1970, agente
Abílio Santana Novo, subinspector Tienza, agentes José Joaquim Dionísio Alberto e Pompílio
Gabriel do Rosário e instrutor Rogério Morais Coelho Dias.
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 118, de 28/4.
Nota 5 - Ibidem, OS 229, 17/8/46.
Nota 6 - Ibidem, OS 317, de 12/11/48.

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enquanto um chefe de brigada foi demitido por revelar, a estranhos, factos de que só aos seus
superiores devia dar conhecimento (Nota 1).
Em 1951, houve um processo disciplinar curioso, motivado por falta de confidencialidade, no caso
Mário Mesquita, um funcionário do PCP que delatou os seus antigos camaradas. Para se vangloriar
dessa traição, a agente da brigada de Fernando Gouveia disse ao chefe de brigada Gomes da Silva e
ao agente Mortágua, da subdirectoria do Porto, que em Lisboa é que se trabalhava, «tanto assim
que havia sido preso um membro do CC do PCP, o qual havia feito declarações» (Nota 2). Outro
caso aconteceu com uma tradutora-intérprete, que trabalhou na PIDE/DGS e foi detida, em 1969,
sob a acusação de vender «segredos» da polícia. Interrogada pelo Serviços de Coordenação de
Extinção da PIDE/DGS, após 25 de Abril de 1974, afirmou a sua detenção apenas durara 24 horas e
que continuara, depois, a trabalhar pontualmente na DGS, porque, fazendo bluff, alegara «existirem
em poder de pessoas das suas relações documentos manuscritos que denunciavam actividades
ilegais da ex-DGS» (Nota 3).

II.3.3. Agressões e ameaças

Maus tratos a presos e outras pessoas foram, por vezes, assumidos pela hierarquia da PIDE, que
moveu por esse motivo alguns processos disciplinares a agentes. Manuel Farinha dos Santos foi
suspenso, durante 60 dias, em 1948, por ingestão de bebidas alcoólicas, de que resultara agressão a
«dois presos, que estavam a ser interrogados e cujas respostas considerou incompletas ou
insuficientes» (Nota 4). Em 1950 foi a vez de o agente Santos Costa ser acusado de ter agredido o
preso Carlos Simões, em Caxias (Nota 5).
Mas nem só presos eram agredidos e diga-se que, por vezes, a imprensa regional denunciou actos
de violência por parte de elementos da PIDE, como aconteceu com a Voz de Melgaço, que, em 1 de
Julho de 1956, noticiou uma agressão perpetrada pelo agente do posto de São Gregório, Manuel
Moreira Ferreira. O instrutor do processo disciplinar, subinspector José da Costa Pereira, apurou,
porém, que o indivíduo «supostamente agredido era um alcoólico inveterado, cujos ferimentos se
tinham devido ao estado de embriaguez, e concluiu que o agente se havia limitado a praticar um
«acto humanitário» (Nota 6).
Em Maio de 1957, outro indivíduo queixou-se de a sua casa ter si alvo de busca e de ele próprio ter
sido obrigado a ir à sede da PIDE de Coimbra, onde tinha sido agredido e ameaçado de cavalo-
marinho pelo chefe de brigada Armando Rego, que recusara a sua hospitalização.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 0377.


Nota 2 - Ibidem, proc. disciplinar de 26/3/51.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.a Juízo, proc. dos serviços de justiça da
SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 118.
Nota 4 - PIDE/DGS, OS 363, de 28/12/48.
Nota 5 - MAI-GM, caixas 0038 e 0042, 1950, 1951, 29/8/51.
Nota 6 - Ibidem, caixa 030, proc. disc. «Diversos».

65

O chefe da subdelegação afirmou que «o mexilhão» era um «cadastrado» «mentiroso», envolvido


em emigração clandestina e engajamento, e assegurou, «sem receio de desmentido, que nenhuns
maus-tratos lhe foram infligidos (Nota 1).

II.3.4. Insultos e maus tratos a mulheres

Atentados «ao pudor» a crianças e a mulheres, agressões a presas e familiares destas também
fizeram parte do rol do comportamento de elementos da PIDE. Em 1949, a mulher de um detido
acusou um agente de lhe ter proferido palavras atentatórias da sua dignidade de mulher casada. No
entanto, no inquérito, conduzido por Agostinho Barbieri Cardoso, este concluiu que o agente
Oliveira e Costa só teria tentado acalmar a mulher, que era, «aliás, feia e nojenta», não sendo, por
isso, «de admitir que o agente sentisse qualquer desejo que o tentasse a faltar ao seu dever de
correcção» (Nota 2).
Nos anos 50 e 60, foram vários os casos de processos disciplinares por envolvimento com mulheres
(Nota 3). Um dactilógrafo da PIDE e um guarda da prisão de Caxias foram acusados de agarrarem
pelas costas uma detida de nacionalidade belga, quando esta se encontrava nua da cintura para cima
na casa de banho (Nota 4). Em 1972, ocorreu outro episódio com um agente da então DGS, em
serviço no comboio Lusitânia Expresso, que foi demitido, por ter entrado na carruagem-cama onde
dormia uma jovem, tentando molestá-la (Nota 5).
A violência de elementos da PIDE chegou mesmo a atingir, por vezes, as próprias mulheres destes
e, num dos casos, os maus tratos chegaram ao assassinato. Em 12 de Setembro de 1952, O Século
noticiou que continuava preso em Portimão o agente Mário Rocha, da PIDE, suspeito de ter
assassinado com a pistola de serviço Maria da Conceição Costa, grávida, com quem vivia
maritalmente. Preocupada com a má publicidade feita à corporação, a PIDE interrogou o
correspondente do jornal, que, provavelmente ameaçado, declarou ter indicado a profissão do
arguido por desconhecimento da lei de imprensa e não com «qualquer intenção de desprestígio para
a corporação» a que pertencia.
No auto de declarações prestadas à PIDE de Portimão perante o inspector Boim Falcão e o chefe de
brigada Filipe dos Reis Teixeira, o arguido disse ter deixado a arma em casa, dando a entender que
a mulher a tinha disparado acidentalmente. Diga-se que o cadáver desta apresentava quatro
diferentes orifícios de entrada de bala. Em 24 de Outubro, o agente foi libertado, sendo apenas
punido com 60 dias de suspensão de vencimento, por apenas se ter provado que transportava a
arma sem as elementares precauções de segurança, além de que tinha ignorado os mais elementares
cuidados na conservação de vestígios de um processo crime (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 004, 5/9/49.
Nota 3 - Ibidem, proc. disc. Subdirector do Porto 8/53.
Nota 4 - Ibidem, proc. disc. 5/64.
Nota 5 - Ibidem, caixa 037, 1972, agente de 1.ª classe Francisco António da Mata Pereira.
Nota 6 - Ibidem, caixa 824, 1962-1963, proc. disc. 18/52, Ser. de 1952, fls. 2, 3, 15, 34 e 35.

66

II.3.5. Embriaguez, pancadaria e frequência de bordéis e bares

Informado de que diversos funcionários da PIDE frequentavam bares e dancings e outros recintos
«duvidosos», pela «qualidade das pessoas dos dois sexos que normalmente ali se encontram», o
director da PIDE proibiu-lhes, em 1952, a frequência desses locais (Nota 1). Assim, em 1953, um
agente foi punido com 30 dias de suspensão por não relatar ocorrências relativas a uma bailarina
espanhola do Maxim’s, «talvez com a intenção de ter relações íntimas com ela» (Nota 2).
O agente de l.a classe António Epifânio Nogueira Correia foi reincidente em vários casos e alvo de
diversos processos disciplinares. Num deles, em 1962, deu voz de prisão a um indivíduo que
afirmou depois ter sido insultado e agredido com o cabo de uma navalha, na sede da PIDE. (Nota 3)
Em 1964, António Epifânio Correia foi novamente punido com 10 dias de suspensão, acusado de
ter causado escândalo público e puxado da pistola num café onde, segundo ele, lhe tinham chamado
«bufo da PIDE» (Nota 4). Em Junho, sem se identificar como elemento da PIDE, entrou em
altercação com o proprietário de uma pastelaria, um espanhol que teria, segundo ele, proferido
insultos contra Portugal e os Portugueses. Muitos clientes defenderam, porém, o proprietário e o
agente Epifânio chamou um guarda da PSP, que recusou actuar, afirmando não se meter em
«assuntos políticos». Resta dizer que Epifânio Correia omitiu, ao ser inquirido em processo
disciplinar, que tinha agredido o espanhol (Nota 5).
Esse agente tornou-se bastante conhecido na própria PIDE, por se exceder e embriagar (Nota 6).
Um dos casos passou-se em 1965 em Loures, onde mesmo o seu presidente da câmara apresentou
queixa ao governador civil de Lisboa, por aquele agente ter agredido «barbaramente» diversas
pessoas, na rua, levando-as para a esquadra, onde continuara a espancá-las, mostrando-se como um
«indivíduo comandado por alcoólica bebida». Essa «atitude inesperada de autêntico terrorismo,
tomada por tal indivíduo, que em altos gritos fazia alarde da sua condição de agente da PIDE»,
espalhara o pânico e a revolta entre a população. Lembrando que estava em causa «o próprio
prestígio da PIDE», o presidente da câmara pediu ao governador civil para informar a «gente de
Loures» das «providências tomadas» por essa corporação policial, pela qual tinha, aliás, a maior
consideração. Que fez o instrutor do processo disciplinar, Óscar Cardoso? Não negando os factos,
considerou, porém, que a «atitude impetuosa, imponderada, isenta de bom senso» do agente não
havia sido «tão calamitosa» como lhe havia imputado o autarca, pedindo benevolência para o
arguido.
Não tendo sido a primeira, esta acusação também não foi a última pois em 1966 o mesmo Epifânio
Correia foi acusado de agressão a quatro soldados, um deles a pontapé e soco, quando já estava
prostrado no chão.

Nota 1 - PIDE/DGS, OS 46, 15/2/52. Determinação extensiva à subdirectoria do Porto, Inspecção


de Coimbra, delegações e postos.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 008, 1953, proc. disc. 2/53.
Nota 3 - Ibidem, caixa 022, proc. disc. 5/62.
Nota 4 - Ibidem, proc. disc. 1/64
Nota 5 - Ibidem.
Nota 6 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 50.

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Concluído o inquérito, a PIDE considerou provada, embora exagerada, a acusação e, de novo, o


facto de ele ser considerado um óptimo profissional fez com que só fosse punido com 15 dias de
suspensão. Dois anos depois, foi novamente acusado de agressão a um indivíduo (Nota 1).

II.3.6. Altercações entre elementos da PIDE e problemas com a PSP

Devido a diversas altercações entre elementos da PIDE e da PSP, Agostinho Lourenço emitira, em
1948, uma recomendação onde se dizia que na execução de várias diligências poderia ocorrer que
agentes da PIDE se vissem obrigados, por razões imperiosas de serviço, a transgredir
determinações de carácter geral, de trânsito ou outras. Quando tal acontecesse — continuava a nota
— e interviessem elementos da PSP, os da PIDE deviam identificar-se, rápida mas claramente,
mostrando o crachá e acrescentando que a transgressão se dera por motivo de serviço (Nota 2).
Continuaram, porém, a acontecer casos de desrespeito pela autoridade da PSP (Nota 3). Em 1950,
um funcionário da PIDE foi apanhado pela PSP no Rossio «em propostos desonestos» com um
indivíduo, pelo que foi demitido. Ocorreram, aliás, outros casos de homossexualidade que
envolveram elementos da PIDE: num deles, sete anos depois, um agente foi apanhado num beco de
Ponta Delgada a praticar «actos contra a moral», seguindo-se um inquérito no qual nada se provou,
apesar de uma antiga namorada daquele se ter queixado de que «seus modos e a sua maneira de
falar, até mesmo o seu tom de voz», lhe deixavam dúvida de se estar ou não «perante um
pederasta» (Nota 4).
Mas voltando aos problemas com a PSP, em 1965, dois agentes auxiliares da PIDE envolveram-se à
pancada com «gente de baixo nível social, sendo insultados» e puxando da pistola; a PSP foi
chamada a intervir e a levar os dois elementos à esquadra. Como o caso teve «grande repercussão»,
foram punidos com 30 dias de suspensão sem vencimento (Nota 5). Finalmente, em 1971, um
agente da delegação da DGS de Coimbra que se embebedara com uns amigos e desfechara dois
tiros contra um cartaz do cinema Sousa Bastos foi levado para a esquadra da PSP e depois entregue
à DGS. Como, porém, tivesse afirmado não se lembrar de nada, foi apenas afastado para outro
serviço análogo (Nota 6).

II.3.7. Infracções relativas à emigração, a passaportes e a estrangeiros

Nos postos de fronteira era fácil os funcionários da PIDE utilizarem o cargo para receber quantias
através do apoio à emigração clandestina e ao engajamento, bem como da falsificação e venda de
passaportes.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 029, proc. disc. 2/68 e gabinete do ministro, caixa 0368, pasta «recursos
diversos».
Nota 2 - PIDE/DGS, OS 338, de 3/12 /48 e OS 174, de 23/6/49.
Nota 3 - Ibidem, OS 80, de 21/3/51, 215, de 3/8/51, e 199, de 18/7/51.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 015, proc. disc. 31/57, de 20/4/57.
Nota 5 - Ibidem, proc. disc 12/64, fls. 31-33.
Nota 6 - Ibidem, caixa 034, delegação de Coimbra, processos do ano 1971.
68

Relativamente ao contrabando, refira-se um caso, em 1956, quando correram rumores de que um


agente do posto de Monção fazia «esperas» aos contrabandistas, exigindo-lhes quantias em
dinheiro para não serem presos. Mais frequentes foram os delitos relativos a passagem de fronteiras
perpetrados por elementos da PIDE/DGS. A direcção da PIDE verificou, em 1952, que era
«deprimente e vergonhoso que, desses exploradores sem escrúpulos», fizessem parte «funcionários
desta polícia que, além do crime de engajamento», cometiam «ainda actos de deslealdade para o
Estado de quem» eram servidores, aproveitando «para obter lucros ou ganhos indevidos (Nota 2).
Relativamente a estrangeiros, houve também funcionários da PIDJ /DGS que procederam contra a
lei, sendo por isso castigados. Dois agentes em serviço na «residência fixa» da Ericeira, onde eram
mantidos refugiai estrangeiros indocumentados, foram punidos, em 1946 com 60 dias suspensão,
por aceitarem dádivas, bem como exigi-las, em termos ameaçadores (Nota 3). Nos aeroportos, nos
portos e nos comboios houve também ao longo dos anos queixas relativamente a funcionários da
PIDE, como aquela, em 1948, contra agentes em serviço no aeroporto de Santa Maria, acusados de
receber dinheiro. O inquiridor do processo instaurado pela PI sugeriu que o chefe do posto fosse
transferido para Lisboa. Propôs, porém, que os agentes em serviço nesse aeroporto recebessem uma
gratificação especial, pois era mau, «num meio como o aeroporto de Santa Maria», não poderem,
com os seus fracos vencimentos, manter um trem de vida e uma apresentação correspondente à
função» (Nota 4).

II.3.8. O caso Matesa

Em 21 de Maio de 1970, o Diário de Notícias noticiou a condenação em Espanha, de quatro


portugueses envolvidos no caso Matesa (Maquinaria Têxtil do Norte), três dos quais eram
elementos da DGS — chefes de brigada João Nobre e Luís Meneses de Aguiar, bem como o 3.°
oficial Rodrigues Machado —, sentenciados a um ano de prisão, e outro, Jorge Farinha Piano, a
três anos de reclusão. Provara-se que eram culpados de envio ilegal para o estrangeiro de 5400
milhões de pesetas, referentes a préstimos concedidos pelo Estado.
No processo disciplinar da DGS, foi ouvido o agente Luís Meneses Aguiar, que confirmou a sua
estadia em Espanha em diligências dessa polícia, em 1969, por determinação do inspector António
Rosa Casaco. Negou, porém, estar envolvido no caso Matesa e conhecer qualquer um dos que
tinham sido condenados. Ao ser também interrogado, Rosa Casaco afirmou ser «completamente
estranho a quaisquer actividades referidas na imprensa», embora tivesse admitido a priori que três
dos condenados pertenciam à DGS, um dos quais era seu afilhado de casamento.

Nota 1 - Ibidem, caixa 014.


Nota 2 - PIDE/DGS, Ordens de Serviço, OS 84, de 24/3/52.
Nota 3 - PIDE/DGS, OS 74, de 15/3/46, e OS 140, de 20/5/46.
Nota 4 - MAI-GM, pasta «Ministério das Comunicações», 9/6/48.

69

Confirmou que ele próprio havia enviado esses funcionários a Madrid, . deveriam trazer umas
malas para o banqueiro Jorge Piano, de Bem Rosa Casaco era «amigo por força de relações
profissionais no aspecto policial, dado que era através dele que se pagava a alguns colaboradores
colocados no estrangeiro» (Nota 1). Como se verá, era através de Piano que o informador em
Roma, «Oliveira» (Mário de Carvalho), traidor de Humberto Delgado, era pago pelos seus serviços
à PIDE. Devido ao caso Matesa, Aguiar, João Nobre e Luís Machado foram transferidos para o
ultramar, enquanto Rosa Casaco foi colocado na delegação do Porto (Nota 2).
II.3.9. As «garantias administrativas»

Em 1972, a DGS emitiu uma instrução segundo a qual o seu pessoal de investigação estava sujeito
à jurisdição dos tribunais militares e ao Código de Justiça Militar, gozando ainda de garantias
administrativas (Nota 3). Relate-se, a propósito, o caso de um agente da DGS, acusado de crime de
injúria, que pediu ao Ministério do Interior uma garantia administrativa para não comparecer em
julgamento. Considerando oportuno proteger os agentes da DGS contra situações que pudessem
«diminuir-lhe o prestígio», o auditor jurídico desse ministério desaconselhou que fosse dada a
autorização para o julgamento do arguido (Nota 4).
Assim se vê que, embora tenha havido internamente muitos processos disciplinares e
provavelmente ainda mais infracções e crimes que não foram sujeitos a processos, a impunidade
era a regra, numa polícia onde os métodos de actuação eram violentos e arbitrários. Com efeito,
eram vários os elementos dessa polícia que se dedicavam à violência quotidiana, à prepotência, à
chantagem, ao abuso de poder e ao arbítrio, seguros que estavam de que a «garantia administrativa»
os furtava a uma punição real. Eram certamente sujeitos a processos internos, mas por parte de uma
polícia que, na prática, se julgava a si própria e se «punia» a si própria, mantendo a impunidade,
que era uma porta aberta para pequenos e grandes crimes e para o abuso permanente do dia-a-dia.
Pode-se mesmo dizer que essas «punições» internas e a ausência de qualquer punição externa
possibilitavam e mantinham, de forma perversa, o status quo de violência dessa polícia.

II.4. OS VENCIMENTOS E AS DESPESAS DA PIDE/DGS

Ao criar, em 1947, o Cofre Geral da PIDE, o legislador visou assegurar a esta polícia certa
independência financeira e libertá-la de condicionalismos, de modo a permitir uma liberdade de
acção adequada e imprescindível ao desempenho das suas missões. Foi isso que recordou à tutela,
numa carta de 1962, Fernando da Silva Pais, segundo o qual o cofre cobrira efectivamente os
encargos, até 1955.

Nota 1 - PIDE/DGS, OS 322, de 18/11/70.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 389, pasta «diversos», PSP.
Nota 3 - Ibidem, caixa 405, 1972, pasta «pessoal», Decreto-Lei n.° 48 794, de 26/12/68,
art.°81.
Nota 4 - Ibidem, auditor jurídico do Ministério do Interior, 6/4/72.

70

Concorriam então, para as receitas da polícia, as taxas pagas pelas viaturas, nas fronteiras, a
cobrança de atestados de sanidade passados a emigrantes e as multas aplicáveis a empresas
marítimas e aéreas que transportassem para portos nacionais e estrangeiros indocumentados (Nota
1). Ora, a partir de então, haviam sido suprimidas essas receitas — que representavam cerca 1700
000$00 - e as contas da PIDE passaram a ter um défice crónico anual superior a dois mil contos,
também devido ao aumento das despesas (Nota 2).
Como a PIDE tivesse sofrido um défice de 1629446$50 em 1961, era obrigada a requerer ao Estado
um subsídio no valor de 25000000$00 para o ano seguinte, o qual não foi, porém, concedido. O
director da PIDE de então, Homero de Matos, propusera que se aumentasse para o dobro as
receitas, onerando o Orçamento Geral do Estado na parte respeitante à PIDE.

Quadro 13 - Défice crónico (1956-1962)


Ano Receitas Despesas Diferença negativa
1954 5327 800$00
1956 4407 970$40 4697 078$40 289108$00
1957 5076 688$40 6702 668$30 1625 979$90
1958 3949 185$70 6259 629S40 2310443$70
1959 3703 829S90 6329 685$80 2625 855$90
1960 3878 698$60 6005 613$30 2126 914$50
1961 3922 368$40 5551 814$90 1629 446$50
1962 3679 531$70 7187 176$90 3507645$20

Fonte: anos 1945 a 1954. MAI-DDA, gabinete do ministro do Interior, caixa 454, pasta ex-DGS;
anos de 1956 a 1962, 1962, MAI-DDA, caixa 23, pasta «reorganização dos serviços da PIDE».

A solução mais razoável era, porém, que «os estrangeiros pagassem a crise» e, por isso, em Maio
de 1962, o novo director da PIDE, Fernando da Silva Pais, sugeriu ao ministro do Interior um
aumento para o dobro dos emolumentos de títulos de residência dos estrangeiros, de modo a
diminuir o défice em cerca de 1800 000$00, proposta que foi aceite. Após uma queixa de Silva
Pais, novamente enviada, em Novembro de 1962, à tutela, o Decreto-Lei n.° 44 709, de 21 desse
mês, elevou para o dobro os títulos de residência dos estrangeiros, conseguindo-se, assim, um
aumento de 1700 contos.
Em 1963, as receitas aumentaram em 2211 640$20 relativamente às de 1962, devido em parte ao
facto de a PIDE ter deixado de instruir os processos dos emigrantes clandestinos, os quais, a partir
de então, eram desde logo libertados com termo de residência, após levantados os autos (Nota 3). A
situação financeira da PIDE manteve-se, no entanto, problemática e, em Maio de 1967, o
Ministério do Interior teve de autorizar a antecipação de duodécimos das verbas reservadas à PIDE,
não sem avisar que não haveria «futuros reforços» (Nota 4)

Nota 1 - MAI, caixa 133, pasta «dotações orçamentais da PIDE». O Decreto-Lei n.° 397l 9/8/54,
aumentou as taxas a pagar pelos automóveis à entrada nas fronteiras.
Nota 2 - Ibidem, caixa 235, pasta «reorganização de serviços da PIDE»; pasta «dotações
orçamentais» 1962; caixas 016 e 093, pasta «projectos de orçamentos».
Nota 3 - Ibidem, gabinete do ministro do Interior, caixa 277, pasta «dotações orçamentais..
Nota 4 - Ibidem, caixa 326, pasta «dotações orçamentais»; cf. também AOS/CO/IN-14 pi pasta 43,
«Situação do cofre-geral da IDE, pedido de mais verbas, 29/6/67».

71

Quadro 14 - Dotações orçamentais da PIDE


Total das despesas Anos Total das despesas
1946 8 745 422 1960 30 950 800
1948 9 706 603 1962 46 534
1950 20 998 929 1964 53 389 640
1952 21693 014 1966 55 813 055
1954 21944 429 1969 61 226 835
1956 23 432 194 1971 86119160
1958 24 465 817 1974 105 778 445

Fontes: Conta Geral do Estado, MAI-DDA, gabinete do ministro, caixa 0033, pasta «circulares do
Ministério do Interior aos governadores civis; caixa 0399, pasta «orçamento, 1970/71»; MAI-DDA,
gabinete do ministro, caixa 454, pasta ex-DGS. Nota: para 1974, o valor é uma projecção do
orçamento das despesas da DGS para esse ano económico.

Por razões óbvias separou-se o período entre 1946 e 1960 do período entre 1962 e 1974, este último
marcado pela Guerra Colonial. Como se vê, o grosso dos gastos da PIDE/DGS era
compreensivelmente, composto pelas despesas com pessoal. Diga-se que pertencer à PIDE/DGS
não era apetecível, pelos vencimentos que os seus funcionários auferiam, pois estes não escapavam
à mediania das remunerações na função pública. Mas os vencimentos nunca foram a pedra-de-
toque para assumir um cargo no governo ou pertencer a qualquer outra instituição do regime
ditatorial. Era a partilha de uma parte do poder numa ditadura, apenas detido por uma minoria, que
atraía alguns, embora também não se deva esquecer que a participação nesse mesmo poder
possibilitava remunerações suplementares ou cargos futuros, públicos ou privados.

Quadro 15 /DGS - Aumentos das despesas da PIDE/DGS ao longo dos anos em percentagem
Aumento despesas totais Aumento despesas com pessoal Aumento com gastos
confidenciais
(1946-1960) 54% 58,2 % 57,9 %
(1960-1964) 26,6 % 24,6 % 38%
(1962-1974) 38,9 % 36,96 % 44,6 %
(1946-1974) 84,8 % 85,2 % 91,8%

Fomes: Conta Geral do Estado, MAI-DDA, gabinete do ministro, caixa 0033, pasta «circulares do
Ministério do Interior aos governadores civis»; para o ano de 1974, MAI-DDA, gabinere do
ministro, caixa 454, pasta ex-DGS.

Logo a seguir às despesas com pessoal, em termos de valor, vinham os «gastos confidenciais»,
onde se incluíam nomeadamente o pagamento dos informadores. Entre 1960 e 1966, houve um
aumento de 57,7 %, e, entre 1964 e 1966, de 25,4 %, nessa rubrica, embora, neste mesmo período,
as despesas com pessoal tivessem diminuído em 7,34 por cento. De qualquer forma, entre 1946 e
1974, as despesas totais e com o pessoal aumentaram em cerca de 85 %. As despesas com gastos
confidenciais aumentaram mais de 90 por cento. Veja-se de seguida quanto representavam as
despesas da PIDE/DGS no Orçamento Geral do Estado.
Estes valores coincidem com os apresentados pelo relatório oficial da Comissão Liquidatária da ex-
PIDE/DGS, segundo a qual esta corporação policial recebeu do Orçamento Geral do Estado 30,9
mil contos, em 1960, 55,5 mil contos, em 1965, 80,3 mil contos, em 1970, e 91,6 mil contos, em
1973.

72

Para o ano de 1974, estava prevista a verba de 105,7 contos, o que representava um aumento de
14,1 mil contos relativa/na ao ano anterior. Esse relatório concluía, assim, que, de 1960 a 1974, aij
tacão orçamental da PIDE/DGS tinha aumentado de 74,8 mil contos, que representa um acréscimo
de 250 por cento.
Além de receber verbas do Ministério do Interior, a PIDE/DGS também recebia dinheiro da
Presidência do Conselho, dos ministérios do Ultramar e da Defesa Nacional, bem como dos
governadores-gerais das colónias. Tinha ainda receitas próprias, que advinham das suas «funções
legais» — cauções de presos políticos, verbas de passaportes, autorizações de residência para
estrangeiros e vistos dos serviços de fronteiras. Por outro lado, chegava-lhe dinheiro de outras
fontes, nomeadamente de empresas, destinado a «fins assistenciais», eufemismo que encobria o
pagamento de prestação de informações. Este dinheiro era movimentado do mesmo modo que as
verbas dos «gastos confidenciais e reservados», ou seja, não existiam documentos comprovativos
dessas doações e movimentos efectuados (Nota 1).
Em 1974 foram encontrados no cofre da DGS, à ordem de Fernando Silva Pais, 5600 contos em
numerário, sem documentos legais justificara do movimento dessa rubrica, um depósito no Banco
de Portugal de 9167 contos, que constituía parte do produto do assalto pela LUAR ao banca
Figueira da Foz, em 1967, e 1068 moedas comemorativas, que se destinavam a «ofertas», no valor
de 53 070$00. A data da sua extinção, a DGS ocupava 39 edifícios do Estado e arrendava 60 outros,
com um encargo anual de 2446 contos. Possuía ainda 85 viaturas, três das quais apreendidas a
presos político, e seis motociclos (Nota 2).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 505. Relatório dos trabalhos «amados pela Comissão Liquidatária da
PIDE/DGS; Diário de Lisboa, 4/2/76, p. 5; «Pelo menos na administração, a PIDE já foi liquidada»,
in Luta Popular, 30/11/78; relatório oficial da Comissão Liquidatária da ex-PIDE/DGS, edição da
CNSPP.
Nota 2 - Ibidem, Relatório dos trabalhos realizados pela Comissão Liquidatária da cm /DGS.

73

III.
RELAÇÕES DA PIDE/DGS COM O ESTADO E A IGREJA

Além de ser a polícia política do regime, de «defesa da segurança interna e externa do Estado»,
com a tarefa de prevenir e reprimir os «crimes» políticos, a PIDE/DGS teve também outras
funções, algumas das quais se prenderam com o seu relacionamento com o Estado, nomeadamente
no apoio à censura e à informação sobre a idoneidade «política e moral» de candidatos à função
pública. É esse relacionamento com outras instituições do regime que se analisará neste capítulo,
onde serão ainda abordadas as relações que manteve com as outras forças policiais e a hierarquia da
Igreja católica.
Algumas palavras devem ser ditas para explicar porque não será aqui abordado o relacionamento
entre a PIDE/DGS e as Forças Armadas, embora seja um facto que estas colaboraram, em geral,
com a polícia política, mesmo se também houve conflitos entre as duas instituições. A PIDE/DGS
foi mesmo levada a reprimir militares envolvidos em revoltas e sublevações contra o regime, como
aconteceu, com a da Mealhada, as de 1946 e 1947 e os golpes falhados da Sé, em 1959, e de Beja,
em 1962. Deixar-se-á a análise dessas revoltas para outro capítulo, referente aos «alvos» da
PIDE/DGS, e, quanto as relações que a polícia política manteve com a instituição militar na
metrópole, serão abordadas sumariamente no último capítulo, onde também será tratada a atitude
da DGS face ao golpe militar do MFA.

III. 1. O Ministério do Interior

No período aqui analisado, a pasta do Interior começou por ser preenchida, entre 6 de Setembro de
1944 e 4 de Fevereiro de 1947, pelo general Júlio Botelho Moniz (1900-1970), que, em 1961, no
cargo da Defesa Nacional, viria a protagonizar um falhado golpe palaciano contra Salazar. Da sua
estadia no Ministério do Interior, ficou conhecida a polémica levantada quando, contra as vontades
locais e perante inúmeros protestos, substituiu quase todos os governadores civis.
Em substituição de Júlio Botelho Moniz, foi nomeado, para a pasta do Interior, em Fevereiro de
1947, o engenheiro Augusto Cancela de Abreu (1895-1965), que procedeu desde logo a uma
alteração orgânica e funcional, remodelando os serviços do gabinete do ministro e a Secretaria-
Geral e da Direcção Geral de Administração Política e Civil (Nota 1).
Nota 1 - Decretos-lei n.° 36 601 e 36 702, de 24 de Novembro e 30 de Dezembro de 1947.

74

Além de continuar a tutelar, entre outros organismos, a PSP, a GNR, PIDE, a LP e a Junta de
Emigração (JE), o Ministério do Interior orientava e actuava sobre os corpos administrativos e as
autarquias locais. Na prática, recebia de todo o país e das instituições que tutelava, as mais variadas
informações, que enviava depois à PIDE. Por seu turno, esta informava regularmente a tutela sobre
os presos políticos ou os oposicionistas, mas também sobre a situação da «opinião pública» e as
crises de trabalho, denunciando por vezes patrões de empresas por não aumentarem os salários e
contribuírem assim para a «desordem social» (Nota 1).
Numa breve análise do livro de correspondência do Ministério do Interior, no final dos anos 40,
pode-se ver que era esse ministro que concedia, a pedido da PIDE, a prorrogação da prisão
preventiva, enviava, por seu turno, a essa polícia, os pedidos dos governos civis no sentido de
libertar as zonas de «elementos indesejáveis» e servia de intermediário entre os denunciantes
anónimos e as diversas autoridades tuteladas (Nota 2).
Era ainda o ministro do Interior, sob proposta e informações da PIDE que autorizava ou não a
criação de associações, a admissão de candidatos na função pública ou, por exemplo, a obtenção de
uma «casa económica». Quando o presidente da República ou Salazar recebiam queixas contra a
prisão de opositores políticos ou mesmo contra a PIDE, estes remetiam-nas para o Ministério do
Interior, que, por seu turno, as enviava para aquela polícia — ou seja, a mesma contra a qual se
erguiam os protestos. (Nota 3) Dessa forma, o facto de o Ministério do Interior tutelar a PIDE não
significava que as arbitrariedades desta polícia fossem limitadas ou impedidas (Nota 4).
Cancela de Abreu foi substituído por Joaquim Trigo de Negreiros, que, após assumir a pasta do
Interior, em 2 de Maio de 1950, enviou aos organismos dependentes do seu ministério uma circular
confidencial a recomendar-lhes cautela nas nomeações que fizessem para cargos do Estado «de
forma a evitar o indesejável alastramento de infiltrações a que a tolerância do governo» tinha dado
lugar. Com igual fim, solicitou aos outros ministérios a consulta prévia aos governadores civis
sobre a idoneidade política dos indivíduos indicados para o provimento de cargos análogos. O
ministro do Interior recebia também inúmeras cartas de candidatos a informadores ou a agentes da
PIDE, bem como denúncias e calúnias anónimas. Em 1951, Trigo de Negreiros chegou mesmo a
preocupar-se com o alastramento desse mau hábito, que considerou, além do mais, contrário ao
chamado corporativismo e à ideia orgânica de nação. Assim sendo, enviou ao director da PIDE uma
carta onde se manifestava contra utilização da calúnia como arma política», com prejuízo do
respeito devido aos que exerciam determinadas funções públicas bem como da ordem e da
tranquilidade públicas (Nota 6).

Nota 1 - MAI-GM caixa 020, 1948-49, pasta «comunicados», pasta do Porto.


Nota 2 - Ibidem, livro15, 0003, livro 14, e 0004, livro 16, Registo de entrada de correspondência.
Nota 3 - Ibidem, caixa 0009, livro 21.
Nota 4 - Ibidem, caixa 226, 1962, pasta «Porto: actividades anti-situacionistas».
Nota 5 - Ibidem, gabinete do ministro, caixa 050.
Nota 6 - Ibidem, caixa 080.

75

Diga-se aliás que, considerado um ministro «fraco» e conotado como próximo de Marcelo Caetano,
Cancela de Abreu chegou a ser acusado de «moleza» na repressão pela ala mais à direita do regime
que lhe atribuiu nomeadamente a explosão delgadista de 1958 (Nota 1). Talvez por isso, Trigo de
Negreiros foi nesse ano substituído por José Pires Cardoso, que assumiu por pouco tempo o cargo
(de Agosto a Novembro), seguindo-se-lhe Arnaldo Schultz, ministro entre 1958 e 1961. Em Maio
deste último ano, foi nomeado Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior, um ultraconservador que
endureceu a repressão (Nota 2). Foi também na vigência de Santos Júnior que a imprensa
portuguesa se encheu de notas oficiosas, da PIDE (Nota 3).
Sete anos depois de ter assumido funções, Santos Júnior foi substituído por António Manuel
Gonçalves Rapazote (Nota 4), que, logo ao tomar posse, visitou, em 19 de Novembro de 1968, a
sede da PIDE/DGS. No discurso então proferido, elogiou esta polícia pela sua actuação, afirmando,
porém, que enquanto a sua acção vinha sendo «abençoada» nas colónias africanas, o mesmo não
acontecia na metrópole. Concluiu assim pela indispensabilidade de dar «alguns esclarecimentos»
que ajudassem «a formar uma opinião isenta sobre a acção directa da polícia no território
continental», onde o «tema dos presos políticos» estava a ser permanentemente explorado pelos
comunistas ou criptocomunistas (Nota 5).
Em 1970, esse ministro criou um serviço de informações próprio, para a chefia do qual nomeou o
coronel Júlio Viana Serzedelo Coelho (Nota 6). Numa reunião com a presença dos comandantes
gerais da GNR, PSP, LP e do director da DGS convocada pelo Ministério do Interior, em Janeiro de
1971, onde se decidiu criar um grupo de trabalho contra a subversão, concluiu-se que se deveria
estimular a recolha e selecção de informação, bem como vigiar a actividade dos informadores, de
modo a não se confundir a informação com a «indesejável delação». Foi ainda decidido que apenas
a DGS, ao nível da sua direcção, poderia difundir as informações relativas à segurança do Estado e
as respeitantes à idoneidade política e moral dos cidadãos (Nota 7).
Em 19 de Abril desse ano, o ministro do Interior emitiu um despacho sobre a segurança das
empresas privadas e de interesse público, de modo a contrariar os efeitos da «acção subversiva» nas
comunicações, nos transportes, na energia e na saúde. Prevenindo críticas, Gonçalves Rapazote
assegurou que defenderia tanto os indivíduos de qualquer acção irregular da DGS, como esta
polícia «da acção denegridora dos inimigos da ordem social e das manobras dos grupos de
pressão». Recordou, por outro lado, que os crimes contra a segurança do Estado eram de difícil
investigação e, por isso, o interrogatório dos arguidos exigia a «maior confidência» (Nota 8).

Nota 1 - Fernando Rosas, «O Estado Novo: 1926-1974», História de Portugal, vol. 7, pp. 511,
518 e 524.
Nota 2 - MA1-GM, caixa 345; caixa 208, 1961.
Nota 3 - Ibidem, caixa 248, pasta «notas oficiosas».
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 3557 E/GT Padre Felicidade Alves; Diário de Notícias, 17/8/68.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 345.
Nota 6 - Ibidem, caixas 372 e 383, pastas «política» e «diversos». Veja-se um exemplo de
informação desse gabinete (caixa 430): 23-30/6/73.
Nota 7 - Ibidem, caixa 389, pasta «diversos, PSP».
Nota 8 - Ibidem, caixa 390, 1971, circular.

76

Em 7 de Novembro de 1971, Gonçalves Rapazote foi substituído na pasta do Interior por César
Henrique Moreira Baptista, que tinha dirigido no final dos anos 50 o Secretariado Nacional da
Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI). Como se sabe, exerceu por pouco tempo o seu cargo,
ou seja, até 25 de Abril do ano seguinte (Nota 1).
II.2. O relacionamento por vezes difícil com o ministério da Justiça

Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, nem sempre os ministérios dos governos de
Salazar e de Caetano afinaram pelo mesmo diapasão. Os ministérios do Interior e da Justiça
tiveram, entre eles, alguns equívocos, ligados às instâncias que tutelavam. Por exemplo, em 1949 e
em 1954, o facto de Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Henrique Galvão estarem presos na
Penitenciária de Lisboa, cadeia tutelada pelos Serviços Prisionais do Ministério da Justiça,
desencadeou críticas mútuas entre m dois ministérios, com a PIDE de permeio (Nota 2).
Em 1949, o director da Penitenciária de Lisboa, António Abrantes Tavares, tutelado pela Direcção-
Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) do Ministério da Justiça, perguntou ao 3.° Juízo Criminal de
Lisboa, se tinha dado o seu consentimento para a vigilância policial de que Álvaro Cunhal e Militão
Ribeiro estavam a ser alvo por parte da PIDE. Questionou-o ainda, sobre o tipo de assistência
médica e de regime de visitas a que estavam sujeitos os dois reclusos. O certo é que o tribunal
respondeu que as visitas e o recreio apenas diziam respeito à direcção da cadeia, frisando ainda que
nada justificava «a incomunicabilidade dos detidos».
Numa carta de 4 de Novembro a PIDE queixou-se, por seu turno junto do Ministério do Interior e
de Salazar, das reclamações da Penitenciária de Lisboa contra esse regime de incomunicabilidade
(Nota 3). Por seu lado, Cancela de Abreu enviou ao seu colega da pasta da Justiça um parecer
segundo o qual esses reclusos não eram «presos políticos vulgares», razão pela qual não podiam
«usufruir do regime normal» que lhes permitisse «continuar a exercer, da própria cadeia, a sua
nefasta actividade dirigente da horda da comunista». O ministro do Interior solicitou ainda ao seu
colega da Justiça que desse «à direcção da cadeia as ordens convenientes».
O director da penitenciária continuou, porém, a erguer-se contra a PIDE, avisando até que, caso os
elementos desta polícia destacados nessa cadeia interferissem nas ordens de serviço internas, se
veria «forçado a impedir a entrada dos referidos agentes» naquele estabelecimento prisional. Em 14
de Novembro voltou a dirigir-se ao chefe de brigada da PIDE, Manuel Raposo Medeiros, aí em
serviço, comunicando-lhe que deveria abandonar a cadeia, se continuasse a impedir o cumprimento
das suas ordens (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, caixa 422.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 5618 SR, fls. 90 e 91.
Nota 3 - Ibidem, pr. dir. 746/49, Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, fls. 96 i
Nota 4 - Ibidem, fls. 101-103; AOS/PC, 37, pasta 24, fl. 105.

77

Anos depois, novo caso aconteceu com Henrique Galvão, também detido na enfermaria da
Penitenciária de Lisboa. O director da PIDE, Agostinho Lourenço, escreveu a Salazar a propósito
da «actividade subversiva de Henrique Galvão na Penitenciária», onde se queixou de que o director
da Penitenciária ignorava totalmente essa polícia. No mesmo dia, a Comissão Executiva da União
Nacional também se envolveu no assunto, pedindo explicações ao ministro da Justiça. Em resposta
ao ministro do Interior, aquele sugeriu que, havendo suspeitas de difamação por parte de Galvão, a
PIDE instaurasse um processo de instrução, o que o colocaria em prisão preventiva à ordem dessa
polícia (Nota 1).
Foi o que a PIDE fez, ao instaurar um processo contra Galvão, transferindo-o assim da
Penitenciária para Caxias, prisão privativa dessa polícia, sob a acusação de ter editado propaganda
subversiva no interior da cadeia. António Neves Graça, director interino da PIDE, enviou depois ao
Ministério do Interior um relatório onde lembrava que os problemas com a penitenciária já existiam
desde 1949 e acusava de negligência o director da mesma cadeia, que acabou por ser suspenso
(Nota 2). Os equívocos entre os responsáveis pelo Interior e a Justiça continuaram posteriormente
(Nota 3). No entanto, nem sempre as relações foram tensas e frequentemente a DGSP, ou pelo
menos algumas direcções de cadeias tuteladas por ela, não deixaram de colaborar com a PIDE.

III.3. Ministério do Interior versus Ministério da Defesa Nacional


As ligações entre o Ministério da Defesa Nacional e a PIDE/DGS, relativamente à retaguarda
metropolitana, eram feitas por intermédio do Ministério do Interior. Em 23 de Novembro de 1966,
por exemplo, a Defesa Nacional apresentou ao Ministério do Interior, que a transmitiu à PIDE, uma
queixa contra Luís de Sttau Monteiro, que havia publicado o livro Peças em Um Acto, entre as
quais se encontrava «A guerra santa», que representaria, segundo aquele ministério, «um ultraje às
tropas» em África. Embora reconhecesse que os livros tinham sido apreendidos, a Defesa Nacional
considerou, porém, que, quer o autor, quer a editora deviam ser punidos. O ministro do Interior
pareceu concordar com o da Defesa Nacional, pois informou, em 3 de Dezembro, que tinha
«imediatamente determinado que o autor fosse detido para organização do respectivo processo-
crime» (Nota 4).
Com o desenvolvimento da Guerra Colonial, os ministros do Interior e da Defesa Nacional
discutiram sobre quem deveria tutelar o sector de informações do regime. Em Maio de 1969, o
ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, apresentou ao Ministério do Interior um projecto do
futuro Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), que seria comandado pelo chefe do Estado-
Maior-General das Forças Armadas, general Venâncio Deslandes, com o objectivo de vigiar a
metrópole «como retaguarda de um dispositivo geral que cairia rapidamente se, no Portugal
europeu, se instalasse uma subversão violenta e triunfante».

Nota 1 - AOS/PC, 37, pasta 24; MAI-DDA, gabinete do ministro, caixa 119, pasta «Lisboa».
Nota 2 - Ibidem, PIDE/DGS, pr. 153/54 Serv. Inv., 1.° e 3.° volumes, Henrique Galvão e outros.
Nota 3 - Ibidem, pr. cr. 106/55, fls. 1 e segs, 35, 64, 69, 94, 96-98, 102, 106, 109, 112, 125, 143-
144, 160, 173, 176-178, 182, 214, 234-253, 485 e 567.
Nota 4 - Ibidem, pr. 1271/73 Cl (2), pasta «programas radiofónicos».

78

Nos sublinhados que o ministro do Interior apôs ao texto do projecto do CSDN, ficou evidente o
receio que tinha de perder a tutela das forças policiais a favor do Ministério da Defesa Nacional
(Nota 1).
Em 29 de Setembro, o ministro do Interior enviou aos comandantes das polícias que tutelava uma
circular confidencial a avisá-los de que as suas relações com o CGSI apenas seriam estabelecidas
através do gabinete do ministro e, depois, a partir de Abril de 1971 através do oficial de ligação,
Serzedelo Coelho (Nota 2). Após analisar nova proposta do ministro da Defesa Nacional, para que
fossem criadas Comissões de Segurança Interna (CSI) de troca permanente de informações e de
coordenação da acção entre m forças militarizadas e de segurança (Nota 3), o ministro do Interior
respondeu, em final de 1972, que, em tempo de paz, as relações das forças de seguram com o CGSI
continuariam a processar-se através do gabinete do ministro do Interior (Nota 4).

III.4. A PIDE/DGS e as outras forças policiais portuguesas

Como se viu, a fim de pôr à disposição da PIDE e colocar sob o sei comando todas as forças
repressivas do país, foi criado, em 1949, o Conselho de Segurança Pública, que incluía os
directores da PIDE, da P] e m PSP, bem como os comandantes da GNR e da LP. Em alguns
estudos, considera-se que dessa forma, a PIDE passou a ter «um ascendente institucional e
operacional» sobre os outros organismos do sistema de segurança — PJ, PSP, GNR e GF — e a
LP5. No entanto, se é certo que as informações relativas à «segurança do Estado» das várias forças
policiais acabava por ir parar à polícia política, quem continuava a tutelar as polícias — excepto a
PJ — era o governo, através do Ministério do Interior.
Refira-se, ainda que brevemente, que a GF e a Polícia Marítima (PM) também colaboraram com a
PIDE/DGS ao longo dos anos. A primeira, por razões óbvias, devido a também actuar como polícia
de fronteiras, relativamente ao contrabando e à passagem ilegal de armas e explosivos. Como
exemplo de colaboração entre a GF e a PIDE, veja-se, por exemplo, o caso da entrega, em 31 de
Maio de 1968, a esta polícia de um desertor pelo comandante da secção fiscal da Póvoa do Varzim
(Nota 6). Quanto à PM, não deixou, por vezes, de existir sobreposição de funções relativamente às
da PIDE (Nota 7).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 418, pasta «forças de segurança», secreto, directiva para a Segura
Interna n.° 1/69, de 21/8/69.
Nota 2 - Ibidem, caixas 372 e 383, pastas «política» e «diversos». Assina o chefe do gabinete
Geraldes Nunes e o oficial adjunto coronel do CEM, Serzedelo Coelho.
Nota 3 - Ibidem, caixa 418.
Nota 4 - Ibidem, pastas «pessoal do gabinete», 9/11/72, e «forças de segurança».
Nota 5 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 180-183.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 1 CI (1), pasta 1 «correspondência recebida da Guarda-Fiscal, emigração e
imigração clandestinas, actividades subversivas», 1967-1971.
Nota 7 - Arquivo do Ministério do Interior no IAN/TT, gabinete do ministro, caixa 093, maço 535.

79

III.4.1. A GNR

Tutelada pelo Ministério do Interior em tempo de paz, e pelo Ministério da Guerra, enquanto parte
do Exército, em situação de guerra, a GNR, criada em 1911, com uma actuação preferencial no
meio rural, sobreviveu à queda da I República, embora tivesse atravessado um período conturbado
devido à participação de parte dos seus comandos e elementos nas tentativas reviralhistas de 1927 e
1928. No entanto, tornou-se depois numa guarda ao serviço do Estado Novo, nomeadamente ao ser
reorganizada por um diploma de 1944 (Nota 1). A sua colaboração com a PIDE foi, depois, uma
constante (Nota 2).
Foi graça à colaboração da GNR que a PIDE obteve, em 1949, duas importantes vitórias, ao
detectar duas casas clandestinas do secretariado do PCP, em Macinhata de Vouga e no Luso, e ao
deter Luísa Rodrigues, Militão Ribeiro, Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira (Nota 3). Por seu turno, em
1953, a PIDE elogiou a «extrema dedicação, sacrifício e espírito nacionalista», bem como «o alto
espírito de colaboração e interesse» manifestados pelo comandante de posto da GNR e dos seus
subordinados em Albufeira, que haviam detido os funcionários do PCP Ângela Vidal Campos e
Carlos Costa (Nota 4).
Numa circular confidencial de Outubro de 1961, a GNR ficou de estabelecer contactos directos
com os elementos da PSP e PIDE, nas respectivas localidades, realizar reuniões periódicas com
estas, para troca de informação, bem como estudar os moldes de uma estreita cooperação entre
essas forças policiais (Nota 5). Ainda nesse mês, um informador da PIDE, da margem sul do Tejo,
deu conta da tentativa, por parte de trabalhadores do Arsenal do Alfeite, de organizar uma
manifestação comemorativa do 5 de Outubro, elogiando o «serviço de autoridade» conduzido pela
GNR, bem como a colaboração desta com a polícia política (Nota 6).
A PIDE nem sempre elogiou, porém, a actuação da GNR, como se vê num relatório confidencial da
delegação daquela polícia do Porto, enviado ao Ministério do Interior, em 11 de Setembro de 1961,
onde se acusava aquela guarda de tardar em informar a PIDE acerca de indivíduos subversivos
(Nota 7). Também a PIDE de Peniche não deixou, de se queixar à tutela de que o comandante do
posto da GNR do Bombarral não colaborava com essa polícia (Nota 8).
Mas, de um modo geral, mesmo se tardavam, as informações da GNR chegavam à PIDE,
habitualmente através do Ministério do Interior (Nota 9).

Nota 1 - Breve Resenha Histórica, coord. e ed. pelo serviço de relações públicas da GNR, 1977.
Nota 2 - J. M. Campos e L. Pereira Gil, Opressão (Fascismo) e Repressão (PIDE), pp. 68, 69, 70 e
101-103.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. dir. 746/49, Milhão Ribeiro, Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira, fls. 1-3.
Nota 4 - Ibidem, pr. 627/48 SR, Carlos Costa, fls. 35 e 37.
Nota 5 - Ibidem, Posto do Aeroporto, correspondência, fl. 30.
Nota 6 - Ibidem, pr. 1498 Cl (1), Ordem dos Advogados.
Nota 7 - MAI-GM, caixa 208.
Nota 8 - Ibidem, R. 205.
Nota 9 - Ibidem, caixa 226.

80

Por exemplo, na correspondência confidencial expedida pela PIDE dessa ml ma vila de Peniche, à
sua directoria, existem provas de que, pelo menos em Novembro de 1966, houve um encontro entre
esta polícia e os comandantes da GNR das Caldas da Rainha, de Torres Vedras e do forte de
Peniche (Nota 1). Por seu lado, só para dar mais um exemplo, no distrito de Setúbal tanto o
comandante da secção de Almada da GNR, tenente Jaime Romariz Gomes, como o chefe do posto
de Setúbal da PIDE, Canto e Silva, tinham a mesma «fonte fornecedora das informações» (Nota 2).

III.4.2. A PSP

Tal como entre a GNR e a PIDE/DGS, a colaboração entre esta polícia e a PSP nunca deixou de ser
estreita. Esta força policial fornecia nomeadamente «relatórios imediatos» do seu Gabinete de
Estudos e Planeamento (Nota 3) e colaborava na prisão de indivíduos, como aconteceu, em
Fevereiro de 1950, com o membro do PCP José Maria do Rosário, entregue pela PSP à polícia
política (Nota 4). Sobre a colaboração entre a PIDE e a PSP, esta polícia enviou um relatório ao
Ministério do Interior, onde informou que, entre Janeiro de 1963 e Maio de 1964, prestara à polícia
política 409 informações e 123 actos de ajuda (Nota 5).
A título de exemplo, mencione-se que, neste último ano, foi a PSP que prendeu, em Lisboa, o
estudante José Luís Saldanha Sanches, atingindo-o a tiro e entregando-o à PIDE (Nota 6). Depois,
em Janeiro de 1965, o comandante-geral da PSP dirigiu-se novamente a Salazar a solicitar o
aumento dos seus efectivos, com o argumento da colaboração dessa polícia com a PIDE, em 1965,
na detenção de elementos da FAP/CMLP (Nota 7). A identificação, por uma parte da população e
pela oposição ao regime, entre a PIDE e a PSP, consideradas cúmplices e como tendo o mesmo tipo
de actividade repressiva, não deixou de ser verdadeira, como se pode ver no quadro abaixo,
baseado em informações então enviadas pela PSP ao Ministério do Interior (Nota 8).
No seio da PSP, diversos guardas, muitos deles aposentados, foram informadores da PIDE/DGS.
Veja-se o caso do guarda reformado Antero Coelho, que, em 5 de Julho de 1973, denunciou Júlio
(ou António) Araújo Pinto, desertor do Exército e portador de propaganda subversiva (tinha consigo
o jornal Avante!), que transitava num autocarro no Porto. Na sua emissão de 11 de Setembro, a
Rádio Portugal Livre denunciou esse «miserável bufo» e, em face disso, o comandante-geral da
PSP, general Tristão Carvalhais, escreveu ao ministro do Interior, preocupado por «ter havido
inconfidência em relação à pessoa que forneceu a informação», que poderia «vir a sofrer as
consequências desse facto».

Nota 1 - PIDE/DGS, NT 9149, correspondência expedida de Peniche, 1965-66, vol. 1.


Nota 2 - Ibidem, fls. 29 e 30.
Nota 3 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 81.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. dir. 180/50 SC (1), fl. 105.
Nota 5 - Ibidem, fls. 99, 116e 143.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 508/64 SC2, 1.ª divisão, fls. 92 e 93.
Nota 7 - Ibidem, pr. 1441 Cl (1) e pr. 245 GT, Salvador Pereira Amália.
Nota 8 - Ibidem, fls. 154, 186, 196, 197, 198 e 208.

81

Quadro 16 - Colaboração prestada pela PSP à PIDE (1966)

Informações 2393
Presos por actividades subversivas 60
Presos por emigração clandestina 32
Estrangeiros indocumentados presos 3
Total 2841

No seu despacho, o ministro Gonçalves Rapazote considerou que o guarda Antero tinha cumprido
exemplarmente o seu dever, mas que o comando da polícia do Porto deveria ter sido mais prudente,
«reservando a informação» recebida (Nota 1).
No entanto, houve também desacordos entre as duas polícias e acusações recíprocas de que o
trabalho de uma se sobrepunha ao da outra (Nota 2). Por seu turno, a PIDE não deixou de vigiar a
actuação de membros da PSP: em Janeiro de 1965, recebeu, por exemplo, uma carta anónima a
denunciar o comandante do 1.° posto de Cheias da PSP como sendo da oposição, e transmitiu a
denúncia ao comando desta polícia (Nota 3). Dois anos depois, o informador da PIDE «Lojistas»
deu conta de que, na esquadra da PSP de Moscavide, o novo chefe, João Sobrinho, instigava os
guardas a não internem nos assuntos de carácter político (Nota 4).
Em Março e Abril de 1968, o chefe de posto da PIDE de Peniche queixou-se, junto da direcção em
Lisboa da falta de colaboração dos postos da PSP dessa vila, de Torres Vedras e das Caldas da
Rainha. Afirmou, nomeadamente que os guardas dessa localidade se revelavam «indecisos quanto à
colaboração a prestar aos agentes» da PIDE5. Mas o certo é que a colaboração continuou até à
queda do regime. Refira-se que muitos episódios referentes à colaboração ente a PSP e a PIDE são
desconhecidos porque esse relacionamento era, a maior parte das vezes, oral. Em 1970, a própria
divisão de pessoal da PSP chegou a enviar um ofício confidencial, à DGS de Coimbra, instando-a a
não prestar informações «por escrito» àquela polícia (Nota 6).
Entre outros exemplos de colaboração entre as duas polícias, mencione-se uma comunicação da
PSP à DGS sobre incidentes ocorridos na Praça do Chile, numa manifestação de cerca de 60 jovens,
em Fevereiro de 1973, à qual tinha assistido «um público tomando sempre o partido dos civis»
(Nota 7). Em Fevereiro de 1974, a PSP informou a DGS, do surgimento, no Hospital de Santa
Maria, de um indivíduo ferido numa manifestação subversiva, em Lisboa. Em novos incidentes
registados numa manifestação junto à Cervejaria Portugália, a PSP deteve dois indivíduos, acusados
de agredir com barras de ferro um agente da DGS à paisana, entregando-o a esta polícia.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 410, pasta «Diversos de Julho a Dezembro».


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 810 Cl (1), pasta 2, «Roubo e desvio de material de guerra», fl. 17.
Nota 3 - Ibidem, pr. 141 Cl (1), pasta 4, Comando da PSP de Lisboa. Correspondência diversa, fls.
128, 135, 147, 153-154 e 163-164.
Nota 4 - Ibidem, pr. 810 Cl (1), pasta 2, fl. 17.
Nota 5 - Ibidem, NT 9149, correspondência expedida de Peniche, Fevereiro a Maio de 1968, fls.
104, 174, 195 e 173.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 039, 11/5/1970.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 141 Cl (1), pasta n.° 4, Comando da PSP de Lisboa, correspondência
diversa, correspondência enviada pelo comandante da PSP coronel de infantaria Pedro de Barcelos,
fl. 52.

82

Esses tempos, porém, já se estavam a aproximar do fim... e, como é evidente, os dois presos não
permaneceram detidos por muito tempo (Nota 1).

III.43. Polícia Judiciária

Logo após o golpe de 28 de Maio de 1926, a Ditadura Militar pensara que a Polícia de Investigação
Criminal (PIC, criada em 1922) poderia assumir as funções de polícia política. No entanto, a
transferência da PIC, em 1927, para o Ministério da Justiça e dos Cultos, determinara, entre as duas
polícias, uma separação, que aumentara depois com a edificação do Estado Novo e a criação da
PVDE, em 1933. Em 1945, ano em que foi criada a PIDE, a PIC foi substituída pela Polícia
Judiciária (PJ), desde então vocacionada para a investigação criminal (Nota 2).
A atitude dos opositores políticos portugueses, nomeadamente dos comunistas, diferia consoante
lidavam com a PJ ou com a PIDE. Por exemplo, ao ser preso no Luso em 1949, Álvaro Cunhal
recusou responder a qualquer pergunta da PIDE, «instrumento de repressão exercida contra os
trabalhadores e todos os portugueses democratas», explicando isso mesmo ao chefe de brigada da
PJ, Antero da Glória Santos — que mais tarde ingressaria, aliás, na PIDE (Nota 3).
A PJ viu-se, porém, também envolvida na investigação de casos de carácter político, quando estes
envolveram aspectos considerados de carácter comum, ao incluírem nomeadamente homicídio ou
roubo. Foram os casos, entre outros, do assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, pela
LUAR, em 1967, e dos assassinatos dos funcionários do PCP, Aurélia Celorico, Manuel Vital,
Manuel Domingues e José Miguel, como se verá. Relativamente a estes assassinatos, pode-se desde
já afirmar que a PJ colaborou com a PIDE, mesmo se houve então alguma rivalidade entre as duas
polícias.
O inspector da PIDE Fernando Gouveia contou que, no primeiro caso, foi abordado por um
inspector da PJ do Porto, que lhe pediu colaboração (Nota 4). No caso Manuel Domingues, a PIDE
informou a PJ, acerca dos métodos clandestinos dos comunistas, e entregou-lhe, três funcionários
do PCP, José Magro, Alcino Ferreira e Augusto da Silva Martins, que, aliás se prontificaram a
prestar declarações nesta polícia, ao contrário do que haviam feito naquela. Depois, no relatório
final sobre o caso, a PJ conta que, «pela natureza da sua própria missão», era a PIDE que tinha a
«competência para investigar o crime» (Nota 5) e ordenou a remessa da cópia dos autos a esta
polícia (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem.
Nota 2 - Polícias: 25 Anos ao serviço da Nação; sítio da PJ na Internet; Leonor Sá, «Criminal
Investigation Police versus Political Police during the "First Republic" and the Dictatorship of
Salazar: notes from an archive», February, 1996; PIDE/DGS, OS 88, 29/3/45 — Decreto-Lei n.° 35
042, de 20/10/45.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. dir. 746/49, assinado pelo agente José Mesquita Portugal.
Nota 4 - Ibidem, pr. 431 GT, Luís Moreira do Vale, fl. 1.
Nota 5 - INPCC, Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, Arquivo Histórico
Documental, Arquivo da PJ, Ofício da PJ 5-1753.
Nota 6 - Ibidem, pr. 14379/761; Arquivo da PJ, pr. 7123, ano de 1951.

83

Quase dez anos depois, a investigação do assassinato de José Miguel, membro suplente do CC do
PCP, foi entregue ao então chefe de brigada Carlos Rodriguez da Silva Martinez, o mesmo que, dez
anos antes, tinha investigado o caso Manuel Domingues. No seu relatório, considerou novamente
que a PJ não estava especializada para apurar o crime em causa, mas, numa crítica velada à PIDE,
sugeriu que a polícia política não tinha colaborado, prestando as devidas informações (Nota 1).
Diga-se que, após o 25 de Abril de 1974, a PJ esforçou-se por não ser confundida com a
PIDE/DGS, tendo então um funcionário daquela polícia afirmado, numa assembleia, que, «entre
DGS e PJ houve sempre entendimento sobre o que era um crime marcadamente político e um crime
de delito comum» (Nota 2).
Também no caso referente à LUAR houve uma clara colaboração da PJ, cujo chefe de brigada
Saraiva informou a PIDE de que, ao prender vários elementos, em Alhos Vedros, tinha encontrado
apontamentos de carácter político, pelo que os remeteu àquela polícia. Quantos aos métodos da PJ,
aproximaram-se pela violência dos utilizados pela PIDE: Rui Gonçalves, um dos presos pela PJ,
afirmou à PIDE que só referira ter sabido da operação da Figueira da Foz porque o tinham obrigado
a fazê-lo à força de pancada.
Por seu lado, Ângelo Cardoso, atraído a Espanha para um falso encontro, pela PJ, que o prendeu,
raptou e espancou, contou que o próprio director desta polícia lhe disse que era escusado denunciar
ao juiz esse rapto, pois o tribunal acreditava mais numa mentira da polícia do que numa verdade de
um preso. Outro detido, posteriormente entregue à PIDE, contou que na PJ havia sido colocado, no
meio de 12 elementos desta polícia, entre os quais se contaram o chefe de brigada Saraiva e o
agente Regadas, que o haviam espancado (Nota 3). O mesmo Regadas e outros dois elementos da
PJ, Júlio Santos e Meireles, foram, durante o movimento estudantil de 1969 em Coimbra, acusados
pelo estudante Manuel Pinto de o terem colocado «de pé, em sentido, a meio metro da parede»,
insultado e espancado (Nota 4).

III.4.4. A PIDE/DGS e a Legião Portuguesa

Não cabe aqui fazer a história da Legião Portuguesa (LP), criada como uma milícia paramilitar do
regime, em 1936, e que, ao longo dos anos, se transformou num órgão de elementos idosos, cuja
pertença a essa organização servia sobretudo para obter empregos na função pública ou ascender na
hierarquia dos mesmos. Se, entre 1936 e 1945, a LP funcionou como um «corpo militar» chamado
a colaborar com o Exército, no período da Guerra Fria assistiu-se a uma cristalização da
organização, que nos anos 60 se dedicou ao combate à subversão, no plano sindical e estudantil
(Nota 5).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 14379/761, fls. 154 e segs., conclusão.


Nota 2 - Diário Popular, 19/li /75, p. 11.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 8259 Cl (2), pasta 3, fls. 1-6, 14, 43, 45, 112, 117, 130, 140, 160, 163, 164,
181, 188, 202, 251, 259, 385, 389, 453 e segs.
Nota 4 - Expresso, 10/6/99, pp. 66, 68 e 70.
Nota 5 - Art.° 3.º do Decreto-Lei n.° 44 062, de 28/11/61.

84

Lembre-se que a LP tinha uma rede de informadores, até porque teoricamente, embora nem sempre
na prática, qualquer legionário deveria ser um potencial denunciante. Legionários eram a maioria
dos que queriam ascender na hierarquia da função pública, e também em algumas empresas
privadas, embora se deva notar, que o facto de se ser legionário nem sempre indicava lealdade ao
regime ou espírito militante na defesa do Estado Novo.
Embora a LP tenha habitualmente colaborado com a PIDE/DGS, o relacionamento entre essas duas
forças, tuteladas pelo Ministério do Interior, não esteve isento de conflitos e rivalidades. Refira-se
também, por outro lado, que alguns legionários mais «afoitos» e «activos» acabaram por ingressar
na PIDE, mesmo continuando na LP, e que as redes próprias de informadores das duas
organizações, por vezes, se sobrepuseram. A PIDE mostrou, aliás, frequentemente o seu desagrado
relativamente ao facto de os legionários manterem, em paralelo, um serviço de informação e de
escuta das emissões clandestinas (Nota 1) e nem sempre enviarem a esta polícia os dados
recolhidos.
Um dos elementos da PIDE/DGS, o inspector adjunto Óscar Cardoso, confirmou que a LP
procurava «a todo o custo colaborar com a DGS», mas que esta sempre «procurou afastá-los, pois
criavam, por vezes, situações embaraçosas além de que a maior parte da sua colaboração era um
«trabalho de amadores» (Nota 2). A PIDE não deixou, aliás, de ter, no seio desta força paramilitar,
um informador, chamado «Penha de França» (António Antunes de Almeida (Nota 3)) devido ao
local onde estava a sede da Legião, em Lisboa. Teria sido, através de «Penha de França» que
António Rosa Casaco, chefe da brigada da PIDE que assassinou o general Delgado e a sua
secretária, em 1965, soube da realização de um curso, ministrado por Yves Guérin Sérac, chefe da
Aginter Press, em Lisboa, onde um dos exercícios foi a execução de um rapto e assassinato de uma
figura da oposição (Nota 4).

III.4.4.1. «Consta que...»

As denúncias da LP enviadas ao Ministério do Interior começavam habitualmente pela expressão


«consta que» (Nota 5), proposta ao ministro do Interior pelo comandante-geral Francisco Craveiro
Lopes, em 1944, ao verificar que as informações prestadas pelos seus serviços «nem sempre
assentavam em bases suficientemente sólidas para poderem ser aceites por entidades superiores»
(Nota 6).

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 259 e 260. Os autores relatam que os
serviços secretos da LP à escuta das rádios clandestinas eram feitas por um «Inocêncio».I
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso, 4.° Juízo do TMT,
proc. 118/76, fl. 37.
Nota 3 - Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 81.
Nota 4 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, Lourdes, op. cit. p. 81.
Nota 5 - PIDE/DGS, proc. n.° 663/46, de 28/11/46.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 044, em 4/8/50.

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Em Fevereiro de 1949, a LP acusou Luís Lupi, da agência noticiosa Lusitânia e representante da


Associated Press, de ser do «rerviralho» e ter fornecido à Grã-Bretanha notícias tendenciosas do
último eleitoral. Como se viu, a PIDE convocou esse jornalista para um interrogatório (Nota 1).
Por vezes, a LP incorria em excesso de zelo e mostrava desconhecimento de factos da história
recente, o que não deixava de irritar a PIDE. Por exemplo, em Julho de 1949, a PIDE recebeu uma
denúncia de um legionário acerca do director dos serviços administrativos dos CTT, acusado de ter
sido cabecilha de uma greve dos Correios durante a I República. Ora, além de a referida greve ter
tido então como alvo o Partido Democrático, o denunciado era um informador da PIDE, conforme
esta polícia deu conta ao ministro do Interior (Nota 2).
Tal como vigiou outras instituições do regime, a PIDE também se manteve atenta relativamente à
LP. Em 1968, o posto de Peniche enviou à direcção da PIDE várias informações sobre os
legionários da região, referindo que um deles, ex-comandante, tinha sido julgado por fraude e que o
segundo-comandante ostentava «vaidade e jactância». Ainda nesse ano, o chefe do posto de
Peniche informou a sua direcção de que o comandante da LP se recusara a condecorar o chefe de
brigada Fernando José Waldeman do Canto e Silva, por «não querer nada com os gajos da PIDE»
(Nota 3). Com efectivos cada vez mais diminutos e desprestigiados à medida que se tornavam mais
violentos, a LP distinguiu-se pelas provocações feitas aos oposicionistas durante as eleições de
1969 (Nota 4). Em Outubro desse ano compareceu na delegação de Coimbra da PIDE/DGS o
cabeleireiro José João Frutuoso Ribas a queixar-se de, numa sessão da CDE «por motivos que
ignora, a sua presença ter sido notada, razão porque um dos organizadores da reunião que não
soube identificar, lhe fizera sentir que o melhor era abandonar aquela sala», enquanto outros diziam
que ele era «um elemento da PIDE». O cabeleireiro esclareceu, porém, a DGS de que, na realidade
ele era um elemento da LP, «enviado para a sede da CDE». Desagradado com o facto de «tudo
anda(r) à paisana e, depois, tudo é da PIDE», o responsável da delegação desta polícia em Coimbra
considerou que se deveria impedir a repetição de procedimentos «desta ordem por parte de
elementos mal preparados» (Nota 5).
Depois, no decurso da campanha eleitoral de 1973, a LP perguntou à DGS a sua opinião sobre uma
acção de legionários que, na Baixa da Banheira, tinham feito «pichagens nos muros fronteiros ao
edifício onde decorria a sessão» da CDE e furado «os pneus das viaturas de alguns participantes».

Nota 1 - Ibidem, caixa 018, pasta «Lisboa», carta ao SNI, de 25/2/49.


Nota 2 - Ibidem, carta de 12/7/49.
Nota 3 - PIDE/DGS, NT 9149, correspondência expedida de Peniche, de Fevereiro de 1968 a Maio
de 1968, fls. 74, 176, 331, 339, 370, 383 e 386.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 372, pastas «política» e «diversos».
Nota 5 - PIDE/DGS, NT 10715, delegação de Coimbra, fls. 9 e 14.

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Não se sabe qual foi a opinião da DGS mas, pelo exemplo, vê-se que uma parte da LP tinha
claramente enveredado por actividades violentas e provocatórias, com destaque para os Centuriões,
um grupo de choque criado no seio do batalhão n.° 1 da LP, com sede no Largo do Rato,
comandado por Carlos Góis Mota (Nota 1). Lembre-se que este último terá tido uma intervenção no
assassinato de Humberto Delgado, em 1965 (Nota 2).

III.5. A PIDE/DGS e o aparelho distrital e local

O Ministério do Interior requeria habitualmente às câmaras municipais e aos governos civis,


informações que eram depois transmitidas aos diversos ministérios e à PIDE (Nota 3), com o
objectivo de «travar a infiltração no aparelho de Estado» (Nota 4). Através de uma circular de 1947,
o Ministério do Interior convocou também os governadores civis a actuar contra os autores,
proprietários de tipografias e distribuidores de imprensa clandestina, solicitando a intervenção da
GNR e da PIDE.
Que os governadores civis e autarcas eram obedientes provam-no os exemplos das informações
enviadas, ao Interior, em 1948, pelo Governo Civil de Lisboa, de que existiam em Alcoitão alguns
adeptos do MUD, e o pedido do vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, coronel Júlio
Garcez de Lencastre, para que a PIDE enviasse agentes a esse concelho. (Nota 5)
Por vezes instados pela tutela a prestar informações sobre a idoneidade dos elementos locais, os
governos civis pediam-nas, por seu turno, à PIDE, atitude contra a qual o ministro do Interior se
insurgiu. Diga-se, porém, que este também não permitiu que as informações dos governos civis
fossem directamente transmitidas à PIDE, como queria essa polícia. Por seu turno, alguns governos
civis manifestaram-se contra o facto de a PIDE pedir directamente informações sobre
oposicionistas. Em Novembro de 1948, o Governo Civil de Bragança estranhou, junto do
Ministério do Interior, que a PIDE lhe tivesse pedido elementos pormenorizados sobre
oposicionistas de Mirandela, dado que não era das suas atribuições esse tipo de informação (Nota
6). Acerca desse assunto, Cancela de Abreu esclareceu junto da PIDE que todas as consultas
deveriam passar pelo seu gabinete. (Nota 7)
Às vezes, embora raramente, os governadores civis queixavam-se à tutela das violências da PIDE
(Nota 8). No entanto, a maioria deles informou obedientemente o Ministério do Interior, e, através
deste, a PIDE. Muitos mostraram-se mesmo muito zelosos, transmitindo toda a espécie de de
denúncias sobre indivíduos das suas regiões, a ponto de a própria PIDE desmentir algumas dessas
suspeitas (Nota 9).

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 132 e 161.
Nota 2 - Juán Carlos Jimènez Redondo, El Otro Caso Humberto Delgado. Archivos Policiales y de
Información, pp. 217 e 252-253. Este historiador assinalou que estes Centuriões surgiram após a
tensão criada pelo caso do assassinato de Delgado e que uma das suas primeira acções foi, em
1965, o ataque à Sociedade Portuguesa de Escritores.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 008, 1947, pasta «Santarém», carta do governo civil ao ministro do
Interior, de 25/9/47.
Nota 4 - Ibidem, livro 115, correspondência enviada pelo chefe do gabinete do ministro do interior,
capitão Manuel Pereira Coentro, 24/4/47.
Nota 5 - Ibidem, caixa 020, 1948-49.
Nota 6 - Ibidem, caixa 003.
Nota 7 - Ibidem, caixa 018.
Nota 8 - Ibidem, caixa 011, pasta «subsídios a famílias de presos políticos».
Nota 9 - Ibidem, caixa 020, 1948-49, pasta «comunicados».

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Em 1960, o director da PIDE transmitiu à tutela que, segundo informação da delegação do Porto,
havia exagero na denúncia de que o presidente da Câmara de Arcos de Valdevez fosse comunista,
lembrando que, para «certa camada menos ilustrada da população» eram comunistas todos os que
não demonstravam «estar desassombrada e abertamente com os ideais que norteiam a nossa política
actual» (Nota 1).
Outra atribuição desta polícia, embora não oficial, foi a de vigiar os autarcas e governadores civis,
inquirindo sobre a veracidade das suspeitas e denúncias de corrupção e outras contravenções não
políticas formuladas contra estes que pudessem manchar ainda mais a imagem já deteriorada do
regime. Nesse sentido, também a PIDE funcionou como uma espécie de departamento de «relação
públicas» do Estado Novo. Veja-se a comunicação do posto de Torres Vedras segundo a qual a
Câmara de Sintra estaria na mais completa anarquia e haveria funcionários a fazer fortuna. No mês
seguinte, o posto de Peniche acusou o presidente da Câmara da Lourinhã ser «pouco amigo de
colaborar com as autoridades» (Nota 2).
O mês de Agosto de 1971 foi o do primeiro festival de música pop de Vilar de Mouros. A DGS
recebeu então, do seu «elemento informativo», críticas ao que lá se tinha passado, assinalando,
entre outros «horrores», relações sexuais», «porcaria de todo o género no chão» e «cabeludos».
Sobre o festival houve aliás visões desencontradas. Enquanto para a Câmara Municipal de Caminha
nada de «anormal» se tinha passado, o governador civil de Braga solicitou ao Ministério do Interior
que cessassem festivais anarquistas desse tipo. O seu colega de Viana do Castelo não concordou,
porém, com esta opinião, mas o ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, escreveu a este último
recomendando-lhe que cessassem essas iniciativas (Nota 3). O regime vivia entretanto, como se
sabe hoje, lenta mas seguramente, um clima de estertor. Em Janeiro de 1973, as más notícias —
para a DGS — continuavam, evidenciando muitas delas o facto de o regime se estar a debater com
dificuldades no recrutamento para a administração local e regional (Nota 4). De Évora, o chefe de
posto da DGS, António Cândido Melo, denunciou nesse ano o presidente da Câmara de Mourão,
por ver «com indiferença o pessoal» dessa polícia (Nota 5).
A DGS de Aveiro transmitiu, por seu turno, à sua direcção, em 1974, que o deputado Manuel José
Homem de Melo informara telefonicamente o presidente da Câmara Municipal de Águeda de que o
ministro do Interior iria enviar «outra Polícia», em diligências para essa zona. De facto, em
Fevereiro de 1974, o inspector da DGS do Porto mandou um relatório sobre buscas efectuadas em
Águeda, onde nada tinha encontrado, dado que a população tinha sido avisada da deslocação dessa
polícia através de alguém da família Mendes Leal (Nota 6).

Nota 1 – Ibidem, caixa 226, 1962, pasta «actividades anti-situacionistas de Outubro a Dezembro»,
18/10/62.
Nota 2 - PIDE/DGS, NT 9149, fls. 11, 106, 108, 109, 132, 134, 153, 338, 343, 357 e 435.
Nota 3 - Ibidem, caixa 396, pasta «diversos Julho a Dezembro», inf. da DGS 226 Cl (1).
Nota 4 - Ibidem, fl. 2, 8 e 11.
Nota 5 - Ibidem, pasta 10, distrito de Évora, fls. 2 e 8.
Nota 6 - Ibidem, pasta 1, distrito de Aveiro.

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III.6. A PIDE/DGS e outros organismos estatais

A PIDE/DGS tinha uma função com grande repercussão na vida dos Portugueses — dar
informações em abono ou desabono de candidatos a lugares na função pública. Dessa forma, a
polícia política nunca deixou de receber informações das instituições estatais, transmitindo-lhes,
por seu turno, os dados que considerava interessar-lhes. Estavam neste caso, as instituições ligadas
ao almejado «corporativismo» do Estado Novo. Por exemplo, em 1962, a polícia recebeu denúncias
acerca do gerente do grémio da lavoura e também secretário da Casa do Povo de Aljustrel,
considerado pelo anónimo denunciante um «intriguista político, com tendências comunistas» (Nota
1).
Lembre-se que os próprios ministérios tinham também os seus serviços privativos de informação,
como se viu no caso do Ministério do Interior. Sobre o do Ministério da Educação Nacional, com o
nome de Centro de Documentação Internacional, que transmitia à tutela informações sobre o meio
estudantil, há duas versões sobre a autoria do mesmo: numa teria sido formado, em 1966 (Nota 2),
pelo ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles, mas noutra teria sido da autoria de
Hermano Saraiva (Nota 3). O certo é que a PIDE/DGS colaborou com esse organismo, «fornecendo
subsídios e estabelecendo elos de informação que permitiam prever as movimentações dos
estudantes antifascistas» (Nota 4).

III.6.1. Informação sobre funcionários da administração pública

A missão de informar sobre a «idoneidade política e moral» de candidatos a um emprego na função


pública foi oficializada através da criação do Conselho Nacional de Segurança, em 1949 (Nota 5),
que definiu a classe de indivíduos sujeitos à vigilância da PIDE. Dado que era a administração
pública que empregava muitos portugueses, pode-se imaginar como era terrível o facto de a PIDE
dar uma má informação sobre alguém, que, a partir de então, podia pura e simplesmente ficar
desempregado e sem hipóteses de arranjar trabalho.
Como se verá, na vigência de Salazar, era ele, enquanto presidente do Conselho de Ministros, que
despachava definitivamente no sentido de aceitar ou não o candidato. A colaboração entre a PIDE e
os diversos organismos estatais era, bem entendido, feita directamente através do Ministério do
Interior e dos organismos por este tutelados, entre os quais se contaram as câmaras municipais e os
governos civis dos distritos, como também se verá mais adiante.
Recorde-se desde já um episódio que servirá depois abundantemente à PIDE nessa missão
informativa: a entrega, no pós-guerra, pela comissão central do MUD ao Ministério do Interior, das
listas com os assinantes a favor desse movimento político.

Nota 1 - Ibidem caixa 226, 1962, pasta «actividades anti-situacionistas de Outubro a Dezembro»,
inf. n.° 793 CI (1).
Nota 2 - AEPPA. Elementos para a História da PIDE, «Para que o tribunal julgue a PIDE», nº 1,
1976, p. 17.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 3529/62 SR, pasta 79, Ministério da Educação Nacional.
Nota 4 - AEPPA. Elementos para a História da PIDE, p. 17.
Nota 5 - PIDE/DGS, NT 4172, copiador SR, correspondência expedida, serviços centrais, pasta 1.

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Lembre-se também que a comissão distrital do MUD do Porto se recusou então a entregar as listas
respeitantes ao Norte do país. O certo é que a PIDE ficou, a partir de 1948, com as listas distritais
dos assinantes do MUD. O mesmo aconteceria, depois, com os requerimentos entregues nos
governos civis solicitando autorização para promover sessões de propaganda a favor do candidato
presidencial da oposição, Norton de Matos. Ainda em 1948, o subsecretário de Estado das
Corporações e Previdência Social tornou dependente de prévia informação do gabinete do ministro
do interior, «sob aspecto político», a nomeação de médicos dos postos da Federação das Caixas de
Previdência. O Ministério do Interior enviou, por seu turno, uma circular aos governadores civis a
pedir indicações sobre a idoneidade política dos candidatos a empregos na função pública, onde se
devia indicar os que eram «nitidamente adversos» e os «afectos» ou simpatizantes do regime
salazarista (Nota 1).
Os candidatos a um emprego recusados foram inúmeros. Em 1950, o médico João dos Santos teve
de ir viver para Paris depois de ser demitido do Hospital de Júlio de Matos, devido a uma
informação da PIDE de que tinha assinado as listas do MUD. A mesma polícia queixou-se, aliás, de
que, apesar de oposicionista, o médico tinha recebido uma casa económica do Estado no Bairro da
Encarnação, beneficiando «da política e realizações do governo no que respeita a regalias».
Noutro caso, apesar de o presidente da comissão concelhia da UN ter intercedido por ele, um
médico da Casa do Povo continuou a ser considerado, tanto pelo governador civil de Bragança
como pela PIDE, «desafecto ao regime (Nota 2). Que muitos médicos, para obterem trabalho,
fossem obrigados a renegar anteriores atitudes políticas não era das menores tragédias. Por
exemplo, em 1952, um candidato a assistente à Faculdade de Medicina de Lisboa afirmou ao
ministro do Interior ser a favor do regime e de ter sido anteriormente coagido a assinar uma lista da
oposição, apresentada pela assistente Cesina Bermudes, da qual era subordinado (Nota 3).
Em Maio de 1965, a Presidência do Conselho colocou à consideração do ministro de Estado um
processo disciplinar movido pelo Ministério da Saúde e Assistência contra Fernando de Oliveira
Rodrigues, 1.° assistente do Sanatório D. Carlos I, que tinha sido condenado, em 11 de Julho de
1964, a 18 meses de prisão por pertencer ao PCP. A Presidência do Conselho considerou, porém,
inútil o processo disciplinar, dado que «as infracções cometidas» por esse médico já tinham, como
consequência, «a aposentação ou a demissão do funcionário» (Nota 4).
Nota 1 - MAI-GM, caixa 002; caixa 018, despachos do Interior de 12/8 e 23/8/48, chefe do
gabinete major Manuel da Costa Monteiro, em 1/10/48.
Nota 2 - Ibidem, caixa 044, do chefe de gabinete ao ministro das Colónias e subsecretário das
Corporações e Previdência Social, em 21/1/50, informação da PIDE de 1/3/50.
Nota 3 - Ibidem, caixa 080, carta do ministro do Interior, de 10/7/52.
Nota 4 - Discriminação Política no Emprego no Regime Fascista, pp. 196-198; Manuel Sertório e
Ricardo Sá Fernandes, «Um processo político. Após 1974, requereu a revisão do processo», in
Diário de Notícias, 12/10/77, p. 9.

90

A situação já não era, porém, rigorosamente a mesma, nos anos 70, quando Marcelo Caetano se
tornara presidente do Conselho, em parte também porque a DGS já não conseguia lidar com o
amontoado de informações, e em parte porque a oposição ao regime se ia diversificando e
aumentando. Notou-se então, em vários casos, a readmissão de alguns médicos oposicionistas nos
hospitais civis. Isso levou, aliás, a DGS a queixar-se, em 1970, de que os meios «subversivos» de
Pias, Vale do Vargo, Aldeia Nova de São Bento e Serpa rejubilavam, devido à admissão de três
médicos «destacados oposicionistas» (Nota 1).
Outra das profissões ligadas ao Estado era a docente, com a qual, por razões evidentes, o regime
salazarista sempre se preocupou, mantendo-a sob apertada vigilância. Um caso terrível passou-se,
em 1946, com Maria Isabel Aboim Inglês, convidada para professora da Faculdade de Letras de
Lisboa, em 1942, mas demitida pelo ministro da Educação Nacional, Mário de Figueiredo. Em
1949, dois dias antes das eleições para a Presidência da República, em que apoiou o candidato da
oposição, general Norton de Matos, o seu colégio foi encerrado e o Conselho de Ministros decidiu
«cassar-lhe os diplomas de directora de estabelecimento de ensino e de professora. Depois foi
convidada a leccionar Filosofia numa universidade brasileira, mas o regime não lhe concedeu o
passaporte, obrigando-a a permanecer no país (Nota 2.)
Este caso, porém, só serve de exemplo, pois não foi único. Por vezes, as próprias entidades locais e
distritais intercediam a favor de indivíduos que tinham sido alvo de má informação da PIDE (Nota
3). Que esta polícia não conseguia dar conta dos inúmeros pedidos de informação feitos pelas
autarquias, distritos e pelos mais variados organismos do Estado pode ser atestado pela resposta que
deu, em 1952, a uma crítica da Câmara Municipal do Alandroal, ao argumentar que estava com
excesso de trabalho, lembrando a possibilidade legal de essa competência poder ser exercida pela
PSP, «na falta de serviços locais da PIDE» (Nota 4).
Finalmente, refira-se um último caso de impedimento de exercício da profissão docente, que
atingiu Maria Branca Ribeiro de Lemos, professora da Escola Industrial e Comercial de Aveiro,
secção de Ílhavo. Soube que se encontrava impedida de continuar a leccionar, devido a uma
informação da PIDE enviada em 1958 à Presidência do Conselho, segundo a qual ela tinha
subscrito uma circular do MUD e havia pertencido à direcção da delegação do Porto da Associação
Feminina Portuguesa para a Paz, dissolvida pelo governo em 1952 (Nota 5).
Não eram só os candidatos a médicos e professores a serem alvo de vigilância e despedimento, mas
também outros funcionários.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 406 Cl (1), NT 1185, pasta 6, distrito de Beja, 1972, íls.M Era
governador civil João Luís Graça Sagalo Vieira da Silva (exonerado), Fernando de Almeida Nunes
Ribeiro, Adriano Gonçalves da Cunha.
Nota 2 - José Ricardo, op. cit., pp. 196 e 197. Isabel Aboim Inglês morreu repentinamente em 7 de
Março de 1963.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 080, pasta «Évora», carta da PIDE, de 22/12/52.
Nota 4 - Ibidem.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 825/47 SR, Maria Branca Ribeiro de Lemos, fls. 14, 15 e 59, de 17/5/71.

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Veja-se o caso da viúva de Bento de Jesus Caraça, Cândida Caraça, empregada nos serviços
mecanográficos da Federação das Caixas de Previdência e à beira de ser promovida a chefe de
divisão, sobre a qual a PIDE deu, em 1949, a informação de que tinha sido «catequizada» pelo
marido para as ideias comunistas, razão pela qual não deveria continuar no emprego.
Por seu turno, em 3 de Março de 1964, o director da PIDE informou o secretário-geral da
Presidência do Conselho do «mau» currículo «político» do arquitecto Manuel Mendes Tainha,
candidato a professor na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (Nota 1). Em 26 de Março de
1968, outro arquitecto, Raul Hestnes Ferreira, foi «riscado», pelo director da PIDE, que informou a
Presidência do Conselho de que tinha sido preso em 1955 por ser «elemento de acção dentro do
"M.U.D. Juvenil"» (Nota 2)
Refira-se ainda que os indivíduos detidos eram impedidos de continuar na função pública, mesmo
quando eram libertados ou absolvidos, por nada se ir contra eles: por exemplo, em 1963, um
funcionário do Comissariado do Desemprego, preso por ter alegadamente proferido frases
subversivas e agredido um elemento da Delegação de Saúde de Lisboa, foi afastado do emprego,
mesmo depois de ter sido absolvido (Nota 3). As câmaras municipais, o Subsecretariado da
Corporação e Previdência Social, o INTP, os grémios (Nota 4) os vários ministérios chegaram a
afastar funcionários por não terem ou por terem secretariado mesas de voto pela oposição (Nota 5).
Como se verá mais à frente, os mais variados informadores anónimos ajudavam também a PIDE
nessa sua tarefa de informação. Em 1962, um «teimoso nacionalista» acusou de subversão um
advogado, chefe do movimento do pessoal dos CTT, e o próprio Ministério das Comunicações
solicitou ao do Interior, no sentido de que ele fosse vigiado pela PIDE. Após inquérito, esta
respondeu que efectivamente o dito funcionário «parecia não inspirar confiança» (Nota 6). No
entanto, também houve casos em que, após investigação, a própria PIDE considerou que afinal os
denunciados eram bons «nacionalistas», como aconteceu com um empregado de lavandaria do
Hospital de São José, denunciado por ser comunista, mas ilibado pela PIDE, segundo a qual ele
dava «indícios de simpatia pela actual Situação» (Nota 7).

Nota 1 - Discriminação Política no Emprego no Regime Fascista, p. 178.


Nota 2 - Ibidem, pp. 208, 224 e 226.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 252, pasta «actividades subversivas», carta de 26/3/63.
Nota 4 - Ibidem, caixa 018, Lisboa 22/9/49, carta ao presidente da Câmara de Lisboa do ministro
do Interior, chefe de gabinete Filipe Guedes, 24/6/49.
Nota 5 - Ibidem, caixa 025, 1949. Listas de funcionários dos vários ministérios que não votaram ou
foram secretários numa mesa eleitoral da oposição, etc...; caixa 018, 1949, carta ao Mistério da
Economia do chefe de gabinete do ministro do Interior, de 30/7/49, denunciando um funcionário do
grémio da Lavoura do Cadaval de ser «comunista confesso»; caixa 340, 1950, pasta «tarefeiros», a
PIDE envia, a pedido do Ministério do Interior, informações sobre indivíduos que prestavam
serviço no Laboratório de Física e Engenharia Nuclear; caixa 080, 1952, pasta «Lisboa».
Nota 6 - 'Ibidem, caixa 252, 1963.
Nota 7 - Ibidem, 1947.

92

Para o fim fica um terrível caso, revelador do que as más informações E/DGS levavam alguns
candidatos a um emprego a fazer: em 1971, o nome de um deles foi retirado de uma lista «maldita»
enviada aos governos civis, após informação da DGS de que tomara o compromisso de abandonar
aquilo a que chamava «actividade artística» e afirmara «a sua ligação consciente aos princípios
orientadores da política do Estado» (Nota 1)

III.6.2. Colaboração entre outras entidades estatais e a PÍDE/DI

Para se ter em conta o grau de colaboração de outras entidades com a PIDE/DGS, veja-se um
quadro que dá conta de quem entregava essa polícia os presos e quem pedia a captura destes.
Assim, num universo de 3188 prisões, se a PIDE/DGS, a nível central ou local, foi responsável
pela prisão de 58,5 %, por outro lado, 18,54% e 4,26%, respectivamente, foram da autoria de
outros polícias e dos tribunais, que entregaram os respectivos detidos à polícia política. Perto de
20% foram entregues à PIDE/DGS por outras forças policiais, o que revela o grau de colaboração
entre essas forças e a polícia enquanto 5,8 % foram entregues pelas autoridades militares. As
autoridades marítimas e capitães de navios, provavelmente relativamente a emigração clandestina,
entregaram à PIDE 4,35 % dos presos. Destaque-se a colaboração das câmaras municipais,
responsáveis por entregarem à PIDE/DGS mais de 2% dos presos.

Quadro 17 Colaboração das forças armadas, das polícias e dos tribunais

Outras entidades estatais Entregues à PIDE/DGS


Forças Armadas 186 (5,83%)
A pedido de ministérios 4 (0,03 %)
Autoridades marítimas 62 (1,95%)
Capitães de navios 76 (2,4 %)
Câmaras municipais 68 (2,1 %)
Cadeias civis 105 (3,3 %)
GNR 180 (5,64%)
PSP 336 (10,5)%
PJ 77 (2,4 %)
Guarda Fiscal 20 (0,6 %)
Polícia de Viação 4 (0,03 %)
Legião Portuguesa 11 (0,34%)
Directoria de Lisboa 1241 (38,9%)
Delegações 550 (17,25 %)
Postos da PIDE/DGS 78 (2,44 %)
Autoridades espanholas 206 (6,46 %)
Países estrangeiros 9 (0,28 %)
Tribunais 136 (4,26 %)
Presos a pedido de tribunais 22 (1,58%)
Entregues por tribunais à PIDE 114 (3,57%)
Outras 19 (0,6 %)
Total de prisões analisadas 3188

Fonte: Cadastro de presos da PIDE/DGS.

Dito isto, a maioria das prisões foram feitas pela própria PIDE/DGS ou seja, pelos seus postos,
delegações, subdelegações e pela diretoria de Lisboa, responsáveis pela prisão de mais de 58,5 %
dos indivíduos assim, é sintomático que 41,5 % dos presos tivessem sido entregues à PIDE/DGS
por outras autoridades do país. Destaque-se ainda o factode as autoridades espanholas serem
responsáveis pela entrega de muitos indivíduos à PIDE/DGS, incluindo-se, neste número, uma
maioria de emigrantes clandestinos portugueses.

III.7. Apoio da PIDE/DGS à Censura

A Censura não surgiu repentinamente, em Portugal, nem foi uma criação do Estado Novo.

Nota 1 - Ibidem, caixa 372, pasta «Lisboa», e caixa 390.

93

De facto, tal como o fez relativamente a outras instituições, nomeadamente as policiais, o novo
regime erguido por Salazar a partir de 1932/1933, recorreu a mecanismos censores da I República
e, sobretudo, aos da Ditadura Militar, «civilizando-os» e aumentando a sua eficácia ao longo dos
anos.
Ao assumir o novo cargo de presidente do Conselho de Ministros e ao erguer, a partir de 1932, o
Estado Novo, Salazar lançou a chamada «Política do Espírito», com uma dupla finalidade: a
propaganda do regime, a cargo do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), dirigido por
António Ferro, e a Censura, dirigida por Álvaro Salvação Barreto. Os dois serviços - de propaganda
e de censura — estiveram, aliás, relacionados desde o início e, não por acaso, viriam a ser reunidos
no Secretariado Nacional de Informação (SNI), sucessor do SPN.
Mais tarde, em 1949, ao ser criado o já referido Conselho de Segurança Pública, a PIDE ficou com
o poder de encerrar tipografias que imprimissem publicações, manifestos, ou panfletos subversivos,
bem como as funções de assegurar a colaboração com os serviços de Censura e o SNI, na apreensão
de livros e publicações periódicas nas livrarias, além da vigilância da imprensa.
A colaboração era mútua. Após o assassinato do general Humberto Delgado pela PIDE, os serviços
de Censura emitiram, em 10 de Julho de 1965, uma circular sobre as notícias que deviam ser
silenciadas na imprensa, contando-se, entre estas, quase tudo o que dizia respeito a essa polícia.
Qualquer notícia sobre repressão e prisões políticas devia ser fornecida, oficial ou oficiosamente,
pela própria PIDE ou pelo SNI (Nota 1).
No ano seguinte foi detido, sob a acusação de transmitir informações para Paris de maus tratos,
exercidos pela PIDE a um preso comunista, um funcionário da France Presse (FP) de Lisboa,
Ludgero Pinto Basto, que era, aliás, um oposicionista político já conhecido dessa polícia,
nomeadamente por ter pertencido ao PCP. Desta vez, Pinto Basto acabou por ser caucionado e
ilibado da acusação (Nota 2). O novo correspondente da AP em Lisboa, Isaac Flores, foi, em 1967,
alvo de vigilância do informador «Visconde» (Nota 3), da PIDE, que o chamou, aliás, à sua sede,
devido às críticas que tinha feito à censura sobre as notícias das catastróficas inundações e à forma
como as autoridades portuguesas tentavam diminuir a tragédia. A PIDE interrogou então também o
correspondente da United Press International (UPI), Edouard Khavessian, acerca de uma
informação dada por essa agência sobre protestos estudantis contra a actuação do governo
português em relação aos socorros prestados, nessas inundações (Nota 4).
Embora nunca descurasse a imprensa estrangeira, mantendo um serviço de recortes minucioso de
tudo o que se dizia nela sobre Portugal, bem como um serviço de escuta de rádio, a PIDE esteve,
como é evidente, sobretudo muito atenta à imprensa portuguesa. Vigiava, interceptava e apreendia
nomeadamente a correspondência enviada aos semanários e possuía as listas dos seus assinantes. O
Comércio do Funchal (CF) foi alvo de muitas perseguições e suspensões e, em Maio de 1967 (Nota
5), foi suspenso, por conter um artigo sobre a ditadura militar grega, embora a suspensão acabasse
por ser levantada graças à interferência de deputados pelo circula Funchal.

93

Nota 1 - A Política de Informação no Regime Fascista, Comissão do Livro Negro do Regime


Fascista, pp. 190-191.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1967 Cl (2), imprensa estrangeira em Portugal, fls. 79, 94 e 96.
Nota 3 - Ibidem, fl. 61, informação «Visconde» onde se fala da vida de Isaac Flores, 8/5/67.
Nota 4 - Ibidem, fls. 55, 56, 28 e 34.
Nota 5 – Ibidem, pr. 3608 Cl (2), Comércio do Funchal, 1967-73, fl. 121.

94

Também interceptada foi a correspondência de e para as publicações O Tempo e o Modo e Seara


Nova, cuja redacção foi alvo de inúmeras buscas (Nota 1). O mesmo aconteceu com o Jornal do
Fundão (JF) e o Notícia Amadora (NA). (Nota 2).
Mas, mais que os semanários, foram os jornais diários, já por si ai da Censura, a serem vigiados
pela polícia política, que aí mantinha informadores. O arquivo da PIDE/DGS referente ao DL
contém, por exemplo, uma incriminação feita por essa polícia, em 1971, ao administrador António
Ruella Ramos, por ter publicado no suplemento «A Mosca» um cartoon sobre o festival da canção,
de João Abel Manta, também alvo de processo. Numa nota manuscrita acerca de um artigo de
Janeiro desses sobre o acórdão do Supremo Tribunal relativo ao recurso feito pelos presos João
Pulido Valente, Rui d'Espiney e Francisco Martins Rodrigues, a DGS acusou o autor do artigo de
«incutir nos leitores o ódio à DGS» (Nota 3). Além deste, um dos jornais mais visados pela
vigilância e acção da PIDE/DGS foi o República, cuja correspondência interceptou habitualmente
(Nota 4).
Quanto aos livros, as buscas e apreensões começavam nas tipografias e terminavam nas livrarias.
Segundo relatou, em 1968, ao Foreign Office britânico, Miss Jane Gilbert, cada vez que uma
importante livraria recebia livros estrangeiros, cinco agentes da PIDE confiscavam tudo o que
mencionasse as palavras «social», «economics» e «communism» (Nota 6).
Em 1972, o ministro do Interior emitiu um despacho em que alertava para o aumento das
publicações «atentatórias contra a sociedade», instando a DGS a organizar brigadas para visitar e
notificar regularmente as tipografias e livrarias onde eram habitualmente apreendidas (Nota 7).
Pediu porém à DGS para esclarecer os livreiros de que a «apreensão» — que implicava a perda das
publicações — só podia verificar-se relativamente a «publicações proibidas pelos Serviços de
Censura» (sublinhado no texto) (Nota 8). Veja-se, a título de exemplo, um caso de «efectiva
apreensão», realizada pela DGS no final do regime: uma rusga em 23 de Março de 1972 na Livraria
Europa-América, em Queluz, onde foram apreendidos 400 livros e cartazes. (Nota 9)

III.8. A PIDE/DGS, os «situacionistas», a «ala liberal» E A EXTREMA-DIREITA

Contrariamente ao que se possa pensar, a PIDE/DGS não descurou a vigilância sobre os chamados
«situacionistas».

Nota 1 – Ibidem, pr. 560 Cl (1), Seara Nova, fls. 1 e 151.


Nota 2 - Ibidem, pr. 5558 Cl (1), Notícias da Amadora, fls. 1, 23 e 51.
Nota 3 - Ibidem, fls. 3, 8, 16 e 17.
Nota 4 - Ibidem, pr. 5311 Cl (2), jornal República.
Nota 5 - Ibidem, Delegação de Coimbra, Nt 10.625, 1971-73, fls. 1, 12 e 40.
Nota 6 - Public Record Office, PRO, FO 179/607, Lisbon, Portugal, Internai.
Nota 7 - Ibidem, caixa 372, pasta «despachos», de Gonçalves Rapazote, 3/2/72.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 219 Cl (1), pasta 5, Ministério do Interior, recolha de 1071-73, fl. 9,
24/4/72.
Nota 9 - A Política de Informação no Regime Fascista, p. 256.

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Por um lado, para prevenir a dissidência no seio do regime, por outro lado, para obter matéria sobre
fraquezas dos alvos passível de ser usada como chantagem e, em terceiro lugar, para auscultar a
«opinião pública», os boatos e os desejos escondidos ou manifestos de elementos de sectores do
regime1. A PIDE/DGS manteve, além disso, informadores junto de «situacionistas», como foi o
caso de «Inácio» (Nota 2), e vigiou as organizações do regime e os respectivos membros, bem
como a forma como eram considerados pela «opinião pública».
Tal aconteceu, por exemplo, com o Movimento Nacional Feminino (MNF) e a sua principal
dirigente, Cecília Supico Pinto (Nota 3). Esta tinha o telefone vigiado pela PIDE, que, em Janeiro
de 1966, transmitiu a Salazar o teor de um diálogo telefónico entre ela e um interlocutor aspirante a
um cargo no Estado, que solicitou «a intervenção» da dirigente do MNF para adiar a sua
incorporação militar. Cecília Supico Pinto respondeu-lhe que iria pôr a sua «bateria a trabalhar»
(Nota 4).
A PIDE/DGS também tinha, por via do Ministério do Interior, relações com a União Nacional
(UN). No entanto, Fernando Luso Soares recordou uma «famosa resposta do capitão Catela» a uma
observação de que não podia prender um deputado, em virtude da imunidade parlamentar»: «Mas
qual imunidade, qual carapuça!», disse Catela. «Eu cá posso prender todas as pessoas menos o
presidente do Conselho e o presidente da República.» (Nota 5)
É um facto que a PIDE/DGS também esteve atenta à actividade dos deputados mais irreverentes do
partido único do regime, chegando a ter sob escuta os telefones de elementos da UN ou da ANP,
como foi o caso do deputado Manuel Homem de Melo (Nota 6), para informar a tutela sobre se
algum deles tinha «telhados de vidro» ou era considerado corrupto. Veja-se, para só dar um
exemplo, a ficha na PIDE do industrial Sebastião Ramirez, ex-ministro do Comércio. Em 1965, o
chefe de brigada Fernando Waldeman do Canto e Silva, do posto de Portimão, deu conta de que a
comissão concelhia da UN tinha ficado indignada ao saber que a lista de deputados por Faro incluía
não só Ramirez como o almirante Tenreiro, elementos malvistos pela população (Nota 7).

III.8.1. A «ala liberal»

No entanto, foi sobretudo nos anos 70, durante o marcelismo, que a DGS sentiu o perigo que
poderia representar a «ala liberal» da UN/ANP, a meio caminho entre o «situacionismo» e o
«oposicionismo».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 5618 SR, pr. 266/48 SR, Ulisses de Cruz de Aguiar Cortês, fl., 18,
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 266/48, Ulisses Cortês, LP/SI n.° 205/42.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 217, pasta «Movimento Nacional Feminino», 1961, 1/8/61.
Nota 4 - AOS/CP-208, Pasta 21, 6.1.1/21, Fernando da Silva Pais, carta a Salazar, fls. 85-86 e 89-
90.
Nota 5 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 167-169.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 3.099 Cl (1), NT 1256, Assembleia Nacional, correspondência e
informações, confidencial, fls. 3 e 4; «Uma CIA de trazer por casa (1)», A Luta, 30/1/75,
pp. 16-18; Cf. ainda Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação.
Nota 7 - Ibidem, pr. 727/46 SR, Sebastião Ramirez, fls. 8, 16, 26, 29, 32. 34, 35 e 41.
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João Bosco Mota Amaral (Nota 1), José Pedro Pinto Leite e o católico João Pedro Miller Guerra
tiveram direito a pastas no arquivo da PIDE/DGS. A participação política deste último como
deputado na Assembleia Nacional teve, porém, pouca duração. Segundo deu conta a Silva Pais o
inspector-adjunto da DGS Armindo Ferreira da Silva, em Fevereiro de 1973, a situação de Miller
Guerra tinha-se revelado insustentável a partir do momento em que havia considerado legítima a
discussão acerca da presença de Portugal no ultramar, havendo pessoas a considerar que esse
deputado devia ser preso. (Nota 2)
Mas a figura mais emblemática da «ala liberal» foi, sem dúvida, Francisco Sá Carneiro, cujo
telefone esteve sob escuta da DGS. Logo no final de 1969, exigiu, num discurso sobre «instrução
criminal e os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos», a presença de advogados nos
interrogatórios da PIDE/DGS (Nota 3). Em Dezembro de 1972, Sá Carneiro lembro na AN que
ainda não tinha sido colocada à apreciação uma proposta sua de criação de uma comissão de
inquérito à «actuação da DGS» e ao lembrar que a defesa das sociedades não se podia fazer através
do desrespeito pessoas ouviu do deputado Casal Ribeiro: «faz-se à bomba» (Nota 4).
Em protesto contra a limitação das liberdades públicas e políticas em Portugal, Sá Carneiro
demitiu-se de deputado da AN em Janeiro de 1973. Continuou a ser vigiado pela DGS,
designadamente pelo posto de Leiria que relatou um colóquio aí realizado pela SEDES com a
participação dele e de Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua intervenção — sublinhada pela DGS —,
Sá Carneiro afirmou que o governo mantivera, desde 1945, «o sistema policial repressivo que
suprimia as liberdades» e que, depois, havia passado a controlar «em medida praticamente total o
poder judicial» através do Conselho Superior Judiciário.
Refira-se ainda, na intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, uma passagem — também sublinhada
pela DGS —, onde em resposta a uma pergunta sobre o papel que as Forças Armada poderiam
eventualmente desempenhar no país, aquele afirmou, de forma premonitória, que se estava então a
verificar um certo movimento entre os militares, iniciado com o alistamento de milicianos saídos
das universidades. Marcelo Rebelo de Sousa manifestou a opinião de que, num futuro próximo,
esse grupo iria tomar uma posição na política do país, mas não pelo «modo democrático (o que
lamentava)», dando assim a entender que esse movimento se manifestaria pela força (Nota 5).

III.8.2. A PIDE/DGS e a extrema-direita portuguesa

A PIDE/DGS também se relacionou com grupos da extrema-direita portuguesa, vigiando-os e


impedindo-os de se organizarem em partidos fascistas, ao mesmo tempo que os utilizava como
instrumentos seus, no meio académico.

Nota 1 - Ibidem, pr. 5058 E/GT, João Bosco Mota Amaral.


Nota 2 - Ibidem, pr. 5456 Cl (2), João Pedro Miller Guerra, fls. 23, 28, 43, 48, 52 92, 95, 133 e 160.
Nota 3 - Ibidem, pr. 5368 Cl (1), Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro, fls. 245, 291 e
297.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 428, pasta «Deputados».
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 5368 Cl (1).

97

Refira-se que o Gabinete Técnico (GT) desta polícia tinha pascerias para a Frente Patriótica
Nacionalista, o Movimento Jovem Portugal e para a Frente Nacional. Algumas dessas organizações
teriam sido criadas por grupos económicos ou elementos do regime: por exemplo, a Acção
Académica teria sido da iniciativa de Luís Supico Pinto, e a Frente dos Estudantes Nacionalistas
(FEN) era apoiada pelo ministro Correia de de Oliveira. Em 1963, o informador da PIDE «Causa»
deu conta de que este ministro tinha apoiado a FEN com um subsídio de 50000$00 (Nota 1).
O certo é que a PIDE informava o ministro do Interior sobre esses grupos, que também chegaram,
por vezes, a ser alvo de denúncias anónimas de outros «nacionalistas» rivais (Nota 2). Nos anos 60,
o principal grupo de ultranacionalistas era o Movimento Jovem Portugal (MJP) (Nota 3), que foi
vigiado pela PIDE desde o final de 1960, e relativamente ao qual essa polícia teve uma atitude
ambígua. Atesta-o a opinião de Raul Porto Duarte, da delegação da PIDE do Porto, que, num
relatório confidencial de Abril de 1963, considerou um panfleto desse movimento como «mais um
grito de repulsa do sector académico «politicamente são» contra as manobras de subversão
marxista».
O informador da PIDE intitulado «Causa» também esteve infiltrado no MJP, relatando sobre ele.
Em 1961, esclareceu que se tratava de um grupo de jovens ultranacionalistas, adversários da
Maçonaria, da plutocracia e do comunismo, chefiados pelo funcionário público e estudante da
Faculdade de Letras, Zarco Moniz Ferreira Rodrigues. Em 11 de Fevereiro de 1963, o mesmo
informador alertou a PIDE para o facto de os membros do MJP de Coimbra e de Lisboa estarem a
«bombardear» as actividades da FEN, grupo que, dois anos depois, desempenharia um papel no
assalto e destruição da Associação Portuguesa de Escritores, extinta pelo MEN por ter atribuído o
prémio literário desse ano a Luandino Vieira.
Após dissensões internas, o MJP passou a denominar-se, nesse ano, Movimento da Juventude
Portuguesa Nacional-Sindicalista (MJPNS), continuando, porém, a ser chefiado por Zarco Moniz
Ferreira, que no ano seguinte iniciou relações com a Ordine Nuovo italiana e, mais tarde, com o
extremista francês Fabrice Laroque (Nota 4). Em Fevereiro de 1966, a PIDE recebeu dos serviços
secretos franceses uma informação sobre uma reunião realizada em Paris de extremistas de direita
franceses, para formarem o Mouvement Nationaliste du Progrès. Os serviços franceses informaram
que tinham estado presentes dois delegados portugueses da FNR, Zarco Moniz Ferreira e um «Luis
Henandez», correspondente dessa organização na capital francesa, pedindo dados sobre estes à
PIDE.
Diga-se que esta apenas enviou referências sobre Zarco, dizendo nada saber sobre «Luís
Fernandes». Pergunta-se: seria este um informador da PIDE em França?

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 131.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 226.
Nota 3 - Ibidem, caixa 208, de 16/5/1961.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 1213/61 SR, Zarco Moniz Ferreira, fl.

98

O certo é que a PIDE recebeu, em Novembro, uma fotocópia de uma carta enviada por Zarco a
«Luís Fernando» Caraço, onde o primeiro informava que iria a Paris assistir a uma conferência de
nacionalistas, pelo que não é de crer que a PIDE ignorasse a existência desse Fernando ou
Fernandes. Até porque se sabe que «Caraço» era o pseudónimo de um informador desta polícia, que
em 1967 deu conta à PIDE da criação, por Zarco Moniz Ferreira, do novo Movimento da
Revolução Sindicalista (MRS). Ao mesmo tempo que sugeria a necessidade de vigiar o MRS, o
informador afirmou que esse movimento poderia prestar «alguns serviços», desde que fosse
«habilmente enquadrado, encaminhado e canalizado» (claro está, pela PIDE).
Em Lisboa, por seu turno, o chefe de brigada António Capela informou o inspector Álvaro Pereira
de Carvalho sobre uma reunião real em Lisboa pelo mensário Frente, da FEN, cuja mesa tinha sido
por Zarco M. Ferreira. A presença na assistência de legionários, entre os quais se contava Carlos
Góis Mota (Nota 1), estava relacionada com o facto de Zarco defender uma linha «pró-Legião»,
propondo uma colaboração grupos de extrema-direita com a LP. Através de uma informação de
1968, a PIDE ficou a saber que o triunvirato que dirigia o MJP em Lisboa - António Jorge
Gonçalves Rodrigues, Jorge Leite e José Barcelos (que trabalhava na RARET) — se opunha à
orientação pró-Legião Portuguesa de Zarco Moniz Ferreira.
Este último e os seus correligionários foram vigiados pela PIDE quando reuniam numa garagem na
Avenida Barbosa do Bocage, em Lisboa. A propósito da realização em França do Rassemblement
européen de la liberté, em 1970, os serviços secretos franceses pediram novamente informações
sobre Zarco M. Ferreira, que era então capitão miliciano. Diga-se que, embora os jovens em idade
militar não pudessem sair de Portugal, a própria DGS informou o quartel-general do governo
militar de Lisboa que não havia inconveniente em que este se ausentasse para o estrangeiro. (Nota
2)
A PIDE/DGS também vigiou outros grupos de extrema-direita, nomeadamente a Liga de Antigos
Graduados da Mocidade Portuguesa (LAG da MP) (Nota 3). Em 1966, o ministro da Educação
Nacional, Inocêncio Gil Teles, deu uma «machadada» na MP, ao colocá-la na dependência dos
reitores dos liceus e directores das escolas, esvaziando o poder do comissário nacional (Nota 4). Os
«ultras» do regime não gostaram da modificação (Nota 5) e a LAC realizou, nesse ano, um
congresso, onde foi dado o sinal de rebelião contra o diploma de Galvão Teles, segundo deu conta a
delegação de Coimbra da PIDE, que permaneceu atenta relativamente ao extremar de posições no
seio dos antigos graduados da MP, onde mantinha um informador (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 366 Cl (2), fls. 1, 6, 7, 9, 12, 17, 23, 45-49 e 77.
Nota 2 - Ibidem.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, «Estudantes», pasta 17.
Nota 4 - Cf. Irene Flunser Pimentel, As Organizações Femininas no Estado Novo, Lisboa, Temas e
Debates, 2001.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 3.056 Cl (1), NT 1255, pasta 1.
Nota 6 - Ibidem, pr. 3.056 Cl (1), NT 1255, pasta 1, fls. 9-11, 26, 28-30, 52-53 e 84.

99

III.9. PIDE/DGS E A HIERARQUIA DA IGREJA

Como se sabe, a hierarquia da Igreja católica e o Estado Novo tiveram, o geral, boas relações,
embora, em casos raros, se tenham feito sentir algumas dificuldades, devido à questão colonial. Em
1952, o arcebispo de Luanda, Moisés Alves de Pinho condenou a «mecânica do contrato», a
«mobilização de mulheres e crianças para as fazendas dos brancos» e o «bárbaro processo das
represálias sobre inocentes». No entanto, foi com o caso» do bispo do Porto que Salazar ficou
verdadeira e gravemente desagradado.
Como se sabe, as eleições presidenciais de 1958 foram um momento fundador da oposição católica
ao salazarismo, não só para muitos leigos, como para uma voz isolada do episcopado, D. António
Ferreira Gomes, bispo do Porto. No seu «pró-memória», de 13 de Julho desse ano, destinado a
preparar uma entrevista — nunca levada a efeito — com Salazar, o bispo do Porto criticou o
corporativismo estatal e a aliança do Estado com o patronato, condenou o «financismo à outrance»
de Salazar, bem como «o já exclusivo privilégio português do mendigo, do pé descalço, do
maltrapilho, do farrapão».
O Estado Novo reagiu à «carta» com uma campanha para desacreditar o bispo do Porto, ao mesmo
tempo que tentou, junto da Santa Sé, obter a sua destituição, com acusações de que ele quereria
transformar a Acção Católica num partido democrata-cristão (Nota 1). A partir do envio da «carta»,
a PIDE vigiou todos os passos do bispo do Porto, abrindo várias pastas para o «caso» (Nota 2) e, no
Outono de 1959, impediu a entrada em Portugal de D. António Ferreira Gomes, que esteve exilado
no estrangeiro durante dez anos. Após o seu regresso a Portugal, em 18 de Junho de 1969, durante a
vigência de Marcelo Caetano (Nota 3), a DGS preocupou-se de novo com o prelado,
nomeadamente em 1972, devido à celeuma provocada pela sua homilia acerca do dia da paz, onde
teria atacado os capelães militares (Nota 4).

III.9.1. O cardeal Cerejeira e a PIDE

Voltando ao final da década de 50, quando, como se viu, começou o «caso» do bispo do Porto,
refira-se outro acontecimento directamente relacionado com a PIDE, em que houve uma
intervenção do cardeal-patriarca, Gonçalves Cerejeira. Em 1 de Agosto de 1958, o militante do
PCP, Raul Alves, despenhou-se do 3.° andar da sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, em
Lisboa. A polícia política não conseguiu ocultar o caso, pois a embaixatriz do Brasil, mulher do
embaixador Álvaro Lins, cuja residência se situava nas traseiras da sede da PIDE, assistiu à queda e
queixou-se ao cardeal-patriarca.

Nota 1 - Luís Salgado de Matos, «A campanha de imprensa contra o bispo do Porto como
instrumento político do governo português (9/59-10/59)», in Análise Social, n.° 150, 1999, pp. 29-
90.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 2078/58 SR, vol. I, fls. 2, 84 e 86.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3953 CI (1), NT 1267, fl. 455.
Nota 4 - Ibidem, fl. 480.

100

No dia seguinte, Cerejeira escreveu ao ministro do Interior, Joaquim Trigo de Negreiros, fazendo-se
eco de apelos no sentido que não fossem usados pela PIDE processos que a «humanidade e o
Evangelho» condenavam (Nota 1).
Trigo de Negreiros garantiu-lhe que não existiam maus tratos a presos e que tais acusações eram
«fruto das paixões e da especulação política», pois a PIDE o tinha informado de que se tratara de
uma tentativa de fuga. Esta versão também foi transmitida ao cardeal pelo próprio director dessa
polícia, capitão António Neves Graça, que lembrou a Cerejeira que a polícia era caluniada e odiada
apenas por defender os crentes «em Deus da fúria sanguinária e destruidora da heresia mais
diabólica que tem aparecido na face do mundo depois de Cristo» (Nota 2). Este e outros pequenos
casos foram empolados por alguns dos biógrafos de Cerejeira para demonstrar uma não
fundamentada preocupação do cardeal-patriarca com os presos políticos (Nota 3).
Por outro lado, ao ser-lhe solicitada pela PIDE autorização para deter o capelão da Armada, padre
João Perestrelo de Vasconcelos, implicado no «golpe da Sé» de 1959, Cerejeira prontamente a
concedeu (Nota 4). Em carta ao director da PIDE, o próprio Perestrelo afirmou que tinha sido
detido ao apresentar-se na sede da polícia política, cumprindo uma ordem de Cerejeira (Nota 5).
E, no entanto, Cerejeira sabia do que se passava na PIDE, não só pela embaixatriz do Brasil, mas
também por ter sido informado, por uma sua familiar, presa em 1963, de que os detidos eram
sujeitos a torturas. Trata-se de Matilde Cerejeira Nunes Bento, casada e presa com Joaquim Jorge
Alves Araújo, a qual contou que foi então visitada por um padre enviado pelo cardeal, ao qual ela
aproveitou para informar que «durante a noite se ouvia na PIDE pancadas, gritos e corpos a cair».
Lamentando a situação o padre assegurou que iria transmitir «fielmente ao cardeal o depoimento»
(Nota 6)
Em 1965, a PIDE vigiou atentamente o «caso» do bispo da Beira, através da intercepção postal à
correspondência para e do núncio apostei monsenhor Maximiliano Fürstenberg (Nota 7). O «caso»
do bispo de Nampula foi o último a envolver um membro da hierarquia da Igreja que incomodou o
regime.

Nota 1 - José Geraldes Freire, Resistência Católica ao Salazarismo-Marcelismo, Porto, Telos, 1976,
p. 230.
Nota 2 - Ibidem.
Nota 3 - «O cardeal Cerejeira jovem em Guimarães», separata «Santa Teresa do Menino Jesus»,
conferência na Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, no primeiro centenário de MGC, 21/5/89,
Tomo LXIV, n.° 625, Outubro-Dezembro 1993, Anexo IV.
Nota 4 - Ana Vicente, Portugal Visto de Espanha (Correspondência Diplomática: 1939-l960),
Lisboa, Assírio & Alvim, 1992, pp. 216-217. Ofício de 26 de Março de 1959 do embaixador de
Espanha em Lisboa, pp. 216-217. A tentativa de golpe realizada pelo Movimento Militar
Independente, em 11 de Março de 1959, teve a participação de alguns católicos, entre os quais
Manuel Serra, dirigente da JOC, e os padres António Jorge Martins e Perestrello de Vasconcelos,
um dos assinantes do documento sobre a PIDE e neto do proprietário dos terrenos onde o pai de
Salazar tinha sido feitor, que tinha cedido uma dependência de Lisboa para reuniões dos
conjurados.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 368/59, 2.° vol., fl. 109.
Nota 6 - Ibidem, pr. 688 GT.
Nota 7 - Ibidem, pr. 7002 Cl (2) SC, fl. 113, emissão da Rádio Portugal Livre, 27/12/66;
Patriarcado de Lisboa, fls. 37 e 62.

101

Juntamente com alguns sacerdotes e missionários combonianos, o bispo de Nampula enviou em


1974 à conferência episcopal um documento a denunciar a atitude servil da Igreja portuguesa ao
não expor os massacres perpetrados pelo exército português. O documento provocou manifestações
orquestradas da população branca de Moçambique contra o bispo e os missionários, que foram
forçados pela DGS a abandonar a colónia. A conferência episcopal da metrópole acabou por se
solidarizar com o bispo de Nampula, em... 26 de Abril desse ano (Nota 1).

Nota 1 - Jorge Ferreira, «A verdade sobre o caso do bispo de Nampula», in O Século 17/4/74;
Diário de Lisboa, 8/5/74, p. 2. Cf. também PIDE/DGS, pr. 4317 CI (2), núncio apostólico, fls. 1 e 8.

102

IV. A «POLÍCIA INTERNACIONAL»

Inicialmente conhecida pelos Portugueses como a «Internacional», a PIDE/DGS tinha também a


função de fiscalizar e vigiar as fronteiras, gerir a entrada, permanência e saída dos estrangeiros,
bem como lidar com a emigração e imigração clandestinas. É esta função de carácter
«internacional», que se prendia ainda com as relações que mantinha com as polícias estrangeiras e
com as suas competências de serviço secreto de informação que lidava com a espionagem e contra-
espionagem, que se analisará agora.

IV. 1. Repressão à emigração clandestina

Como já se viu, a PVDE ficou, em 1934, com a incumbência de reprimir a emigração clandestina e
a aliciação da mesma, bem como de licenciar e fiscalizar as agências de passaportes (Nota 1). Com
o Decreto-Lei n.° 35 046 de 22 de Outubro de 1945, a PIDE continuou a ter as competências de
vigiar as fronteiras, fiscalizar os estrangeiros, as agências de emigração e de passagens de
passaportes. Em 29 de Março de 1947, o n.° 36 199 suspendeu deu quase por completo a
emigração, excepto se fosse feita ao abrigo de acordos ou convenções reguladoras das condições da
admissão e estabelecimento dos emigrantes nos países ou regiões de destino (Nota 2).
A emigração tornou-se maciça, nomeadamente para França, a partir dos anos 60; por exemplo,
entre 1960 e 1973, inclusive, emigraram 1 409 222 pessoas (um terço das quais clandestinamente,
ou seja 511 899) (Nota 3). Segundo afirmou Hermínio Martins, historicamente «associada ao
campesinato, típica do trabalhador rural com um pedaço de terra» a emigração portuguesa era
«consagrada pela tradição, legitimada pelas autoridades morais» e não «sujeita a sanções, como a
"subversão"» (Nota 4).
Se é certo que a emigração clandestina não foi sancionada como a «subversão», também é verdade
que a PIDE — polícia que «geria» e reprimia as actividades «subversivas» — colocou em larga
escala, a partir dos anos 60, o seu aparelho informativo, ao serviço da prevenção e repressão da
emigração clandestina, chamada «económica».

Nota 1 - Decreto-Lei n.° 23 995, de 12/6/1934.


Nota 2 - Decreto-Lei n.° 36 199, de 29/3/1947. No preâmbulo do diploma de 1947, a suspensão da
emigração era justificada pela necessidade de a regulamentar consoante «os interesses do país e
valorização dos territórios do ultramar pelo aumento da população branca convinha «assegurar a
mão-de-obra para realização dos trabalhos públicos em curso».
Nota 3 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, quadro V, p. 423.
Nota 4 - Hermínio Martins, «Classe, status e poder», pp. 127-128.

103

Em 29 de Junho de 1961, informou o Ministério do Interior de que estavam a aumentar, quer a


emigração clandestina, quer o grupo dos «pouco escrupulosos engajadores e sugeriu que o MNE
passasse a conceder salvos-condutos, em vez de passaportes.
Nesse ano, os Renseignements Géneraux franceses revelaram, numa nota dirigida à PIDE, que a
importância numérica dos imigrantes portugueses em França tinha aumentado desmesuradamente e
informaram que a propaganda comunista se estava a desenvolver junto de núcleos importantes de
emigrantes nos arredores de Paris (Nota 2). Depois, num relatório de 1964 (Nota 3), os serviços
secretos franceses deram conta à PIDE que os trabalhadores portugueses já eram então a quarta
força numérica em França, depois dos 700 000 italianos, dos 450 000 espanhóis e dos 80 000
refugiados de leste. Já na vigência de Marcelo Caetano, legislou-se em 1969 no sentido de punir
com maior severidade os actos de incitamento e auxílio à emigração clandestina do que a própria
emigração. A emigração clandestina foi assim considerada uma simples contravenção, punida com
multas, embora a saída do país com o propósito de fuga ao serviço militar continuasse a constituir
crime punível (Nota 4). Nos primeiros anos da década de 70, a DGS já pouco se ocupava de
questões de emigração, deixando-as a cargo da GNR e da Guarda Fiscal. Refira-se que o Serviço
Nacional de Emigração, dirigido por Américo Saraga Leal, passou, em 1971, da tutela do
Ministério do Interior — e, por isso, do âmbito da DGS — para o Ministério das Corporações
(Nota 5).

IV.2. A PIDE/DGS e o Ministério dos Negócios Estrangeiros

A PIDE/DGS recebeu, ao longo dos anos, via Ministério do Interior, informações do estrangeiro,
transmitidas pela Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna (DGNPAI) do
MNE, provenientes de informadores das várias embaixadas portuguesas (Nota 6). Em Julho de
1964, nomeadamente, este ministério avisou a PIDE de que o conselheiro da Embaixada em Paris
tinha sido chamado ao Quai d'Orsay para lhe serem transmitidas informações sobre exilados
políticos portugueses na Argélia (Nota 7).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 11/46 SR, Emigração, fl. 52.


Nota 2 - Ibidem, pr. 623 Cl (2), «Emigração portuguesa com França», fls. 357, 361 e segs.
Nota 3 - Ibidem, fl. 269, carta do MNE enviada à PIDE, em 22/2/1964.
Nota 4 - Decreto-Lei n.° 49 400, de 19/11/69.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 0391.
Nota 6 - Ibidem, caixa 042, pasta «MNE»; PIDE/DGS, pr. 11.813 CI (2), fls. 4, 7, 5, 8, 15 e 17; pr.
6819 Cl (2), pasta 24, fls. 34, 83, 121, 124 e 204.
Nota 7 - Ibidem, pr. 3.943 E/GT, Manuel Alfredo Tito de Morais, fls. 14 e 90.

104

Por indicação do embaixador Marcelo Mathias, também a Casa de Portugal em Paris transmitia
informações ao MNE, e este à PIDE, nomeadamente a partir dos acontecimentos de Maio de 1968,
quando passou a ser um local onde se realizavam sessões contra a política colonial e ditatorial
portuguesa (Nota 1).
Cinco dias antes da chegada a Paris do ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, em
Janeiro de 1971, o embaixador Marcelo Mathias enviou ao MNE um telegrama secreto a avisar que
os serviços de segurança franceses lhe haviam dado conta de que eram esperadas, durante a visita
ministerial, manifestações contra Portugal. Terminada essa visita, o agente da DGS responsável
pelo acompanhamento do ministro a Paris enviou a Silva Pais um relatório onde dizia que a
«viajem» (sic!; quem leu o relatório sublinhou a vermelho o erro) correra bem e realçava «a
cordialidade da Polícia francesa e o grande espírito de colaboração para com a Polícia Portuguesa»
(Nota 2).
Em Bruxelas, o embaixador de Portugal, Eduardo Brazão, vira-se obrigado a protestar contra a
indiferença com que a polícia belga tinha assistido a desacatos contra o edifício da embaixada, em
Outubro de 1968, por parte de um grupo que havia assistido à representação da peça de teatro de
Peter Weiss O Canto do Fantoche Lusitano (Nota 3). Segundo uma «fonte de informação» da PIDE
em Bruxelas (escrita em francês, sob o nome de «Aginter Press»), faziam parte desse grupo quatro
portugueses e a polícia actua «sem usar de grande violência para com os desordeiros» (Nota 4).
Diga-se que «o» ou um dos informadores da PIDE em Bruxelas, também o era da respectiva
embaixada. Em Abril de 1969, o MNE comunicou à PIDE que essa «fonte de informação»
transmitira ao embaixador que os refugiados políticos portugueses em Argel sabiam da existência
no seu seio de um agente da PIDE, em vias de ser identificado (Nota 5).
Relativamente à embaixada de Portugal em Madrid, que manteve, como se imagina, boas relações
com o governo espanhol, veja-se apenas um exemplo (Nota 6). Em Novembro de 1972, o MNE
remeteu à DGS uma carta dirigida ao cônsul geral de Barcelona pelo chefe superior de polícia
espanhola, a informar que tinham chegado àquela cidade «terroristas» da ARA com o objectivo de
cometer actos contra diversos consulados. O consulado em Barcelona estava a diligenciar para que
eles fossem detidos e entregues às autoridades portuguesas e a embaixada de Portugal em Madrid
sugeria que a DGS praticasse idêntica diligência junto da Seguridad espanhola. (Nota 7) Na
embaixada de Portugal em Washington havia um informador da DGS, segundo o qual eram
destituídos de fundamento rumores de que a CIA estava por trás de movimentos terroristas
portugueses. Ao tomar conhecimento, por escrito, dessa informação, alguém da DGS escreva mão:
«ainda bem!» (Nota 8).

Nota 1 - Ibidem, pr. 1.659 SR, Fernando Piteira Santos, fl. 101; idem, pr. 17.178 Cl (2), fls. 32 e 7.|
Nota 2 - Ibidem, pr. 7227 Cl (2), embaixada de Portugal em Paris, fls. 20 e 24.
Nota 3 - Ibidem, renseignement transmitido em 12 de Outubro e transcrito em 17, informação da
PIDE.
Nota 4 - Ibidem, pasta 19, embaixada de Portugal em Haia.
Nota 5 - Idem, pr. 6.819 Cl (2), pasta 8, embaixada de Portugal em Bruxelas, fls. 1, 12 35, 36, 57,
65, 68, 78, 79, 81, 84, 101 e 102.
Nota 6 - Ibidem, pr. 6819 Cl (2), pasta 26, embaixada de Portugal em Madrid, fl. 15.
Nota 7 - Ibidem, pr. 8259 Cl (2), pasta 3, fls. 234, 249, 247, 257 e 294.
Nota 8 - Ibidem, pasta 48, embaixada de Portugal em Washington, fls. 64, 84 e 90.

105

Na América, latina, compreensível e evidentemente, os representantes diplomáticos de Portugal


também tinham informadores que davam conta das actividades dos exilados políticos portugueses,
entre os quais estavam infiltrados. Nomeadamente, na Venezuela, o embaixador foi considerado,
por opositores aí exilados, «representante local da PIDE». No entanto, foi a embaixada de Portugal
no Brasil que se destacou, pelo seu permanente contacto com informadores e por possuir as suas
próprias fontes de informação. Em 9 de Março de 1961, o MNE informou a PIDE de que o
consulado de Portugal em São Paulo lhe dera conta de que Fernando Queiroga iria provocar
brevemente novos tumultos em África, estaria filiado no PC (o que era uma óbvia falsidade) e
manteria ligações com «a Gestapo de Fidel Castro» (Nota 1). Do informador da embaixada de
Portugal no Rio de Janeiro, a PIDE recebeu, no final de 1961, um relatório segundo o qual corria o
rumor entre os exilados que estaria ao serviço dessa representação diplomática o agente Manuel
Cruz, dessa polícia (Nota 2). No início de 1962, o mesmo informador deu conta de uma conversa,
que tivera com o opositor Fernando de Vasconcelos, que lhe dissera ter acompanhado Manuel Serra
à fronteira («Marrocos com Ceuta, Marrocos com Argélia ou luso-espanhola?» perguntava o
próprio informador) (Nota 3).
Pode-se concluir, em suma, que, no campo dos Negócios Estrangeiros, houve uma clara
colaboração com a PIDE/DGS, via Ministério do Interior, mas também de forma directa, até porque
alguns dos informadores das embaixadas e consulados de Portugal no estrangeiro também o eram
da PIDE/DGS. No trabalho informativo do que se passava nos países onde estavam instalados,
destacaram-se os embaixadores e cônsules na Grã-Bretanha, em França, em Espanha, na Bélgica e
no Brasil, países onde havia abundantes colónias de exilados portugueses.
Além de informarem sobre as actividades destes, as embaixadas, consulados e seus respectivos
informadores deram conta da movimentação dos governos e das opiniões públicas dos respectivos
países relativamente a Portugal, sobretudo da hostilidade crescente destas face à PIDE/DGS e à
Guerra Colonial. Neste último aspecto, os representantes diplomáticos portugueses dos países
referidos funcionaram como autênticos defensores da imagem do governo ditatorial português e até
de «relações públicas» da PIDE/DGS.

IV.3. AS RELAÇÕES «EXTERNAS» DA PIDE/DGS

A PIDE mantinha, no campo internacional, estreitas ligações com as polícias de outros países da
Europa, das Américas e da Ásia, exercida a coberto da luta contra a criminalidade comum, mas
concretizada numa acção conjugada de «perseguição» e «trabalho de espionagem» dos exilados
portugueses no estrangeiro (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, pr. 11.151 Cl (2), NT 7615, capitão Fernando Gualter Queiroga Chaves,
informadores no Brasil, 1961.
Nota 2 - Ibidem, pr. 3545 Cl (2), Manuel Serra e Maria Amélia Araújo Alves, fl. 182, informação
do director-geral dos Negócios Políticos e Administração Interna dos MNE, relatório geral de
21/2/1962, fls. 204, 207, 242, 256 e 268.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3.943 E/GT, Manuel Alfredo Tito de Morais, fl. 2.
Nota 4 - José Dias Coelho, op. cit. p. 44.

106

Freire Antunes considerou, porém, que o facto de Salazar ter tido uma postura anti-americana, nos
anos 60 levou a que a CIA ficasse numa posição lateral face a outros serviços europeus com os
quais a PIDE/DGS se relacionou preferencialmente. Entre estes, contaram-se o Service de
Documentation Extérieure et de Contre-Espionnage (SDECE) (Nota 1).
Outros autores observaram que, logo que assumiu a chefia da PM em 1962, Fernando Silva Pais
informou Salazar de que os «nossos vizinhos e amigos, com quem mantemos estreito contacto,
conhecem bem as organizações comunistas francesas do Sul». Entre esses «amigos» contava-se,
segundo disse, ainda o vice-presidente do governo espanhol, general Muñoz Grande, com quem
Silva Pais acabara de acordar a necessidade de um trabalho conjunto relativamente a Marrocos
(Nota 2).
Por outro lado, a PIDE/DGS representava as polícias portuguesa da Interpol e, além da colaboração
com os serviços secretos espanhóis, franceses e norte-americanos, outros autores assinalaram
também um relacionamento com as polícias de Itália, da Bélgica, Holanda, Alemanha,
Checoslováquia, Roménia, Hungria, Polónia e Argélia (Nota 3). Mesmo ex-elementos da
PIDE/DGS não negam a existência de um relacionamento entre esta e os serviços secretos de
outros países, até para afirmar que a polícia política portuguesa não se distinguia de outras agências
policiais de países democráticos. O ex-inspector Óscar Cardoso confirmou que houve relações com
os serviços do Vaticano, a Mossad e a Shin Bett israelitas (Nota 4), e que Silva Pais foi amigo
pessoal de Edgar Hoover, do FBI (Nota 5).
Diga-se que, aos países democráticos europeus (França, Alemanha, Grã-Bretanha e outros), não
interessou demasiado o facto de Portugal ter um regime ditatorial e que o relacionamento com os
serviços secretos desses países dependia sim dos interesses da defesa nacional e segurança das
referidas nações e de situações mais latas de geoestratégia. Ora, o período entre o pós-guerra e 1974
foi essencialmente marcado pela Guerra Fria, tendo-se Portugal situado na órbita «ocidental», com
os seus aliados da NATO, na luta contra a URSS e seus satélites. Por outro lado, a questão colonial
e as guerras travadas por Portugal em África tornaram importantes as relações entre a PIDE/DGS e
a polícia secreta da África do Sul (BOSS), e a Special Branch da Rodésia (CIO).
Uma palavra deve ser dita a propósito de não se referir aqui as relações com os serviços secretos da
Grã-Bretanha. Não, por não terem existido mas porque os arquivos da PIDE/DGS sobre o assunto
pura e simplesmente são inexistentes, pois foi na parte dos arquivos da PIDE/DGS relacionados
com os serviços secretos estrangeiros que mais se fez sentir o esbulho dos anos 1974-1975.

Nota 1 - José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, p. 110.


Nota 2 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 94 e 95.
Nota 3 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 156. «Torcionários da ex-PIDE/DGS
treinados nos EUA», in A Capital, 3/12/74, p. 8.
Nota 4 - Nuno Vasco, Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 211.
Nota 5 - Em 15 de Setembro de 1971, uma delegação chefiada por Silva Pais foi recebida por
Edgar Hoover (AEPPA, «Elementos para a história da PIDE», Lisboa, «Para que o tribunal julgue a
PIDE», n.° 1, 1976, p. 21); Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 193 e p. 210; Manuel
Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 39 e 203.
107

Por outro lado, nos arquivos britânicos, nomeadamente no Public Record Office, em Londres,
apenas se detectou documentação referente ao período anterior a 1945, havendo outra posterior que
ainda não está disponível à consulta. Quanto ao arquivo da PIDE/DGS, apenas algumas
informações dispersas dão conta de que o relacionamento entre as autoridades inglesas e
portuguesas de segurança continuou após a Segunda Guerra Mundial (Nota 1).

IV.3.1. A PIDE/DGS e a Interpol

Em 1947, o chefe da PIDE, capitão Agostinho Lourenço, deslocou-se, como delegado português, à
16.a reunião da Assembleia-Geral da Comissão Internacional de Policia Criminal (CIPC), do qual
viria a ser vice-presidente no início da década de 50, dando então conta a Salazar, da necessidade
de constituir um bureau nacional português da CIPC (Nota 2). Este passou a funcionar, no ano
seguinte, junto da PIDE, a cargo do inspector-adjunto Castro Silva (Nota 3).
Em 1951, a reunião internacional da CIPC (Nota 4) decorreu em Lisboa, sob a presidência do
ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira. O PCP denunciou o facto de, sob o falso pretexto de «luta
contra o crime», essa conferência ter juntado «representantes das polícias políticas de diversos
países fascistas e imperialistas», para tratar de «concertar uma acção comum contra todas as forças
anti-imperialistas e em especial os Partidos Comunistas» (Nota 5).
Diga-se, aliás, que a PIDE/DGS representava, em Portugal, a Interpol, sem se adequar aos moldes
em que essa comissão internacional de polícia funcionava. Refira-se, a título de exemplo, que, em
22 de Março de 1963, o ministro do Interior enviou à PIDE uma nota da Interpol relativa ao
«estudo do Direito em virtude do qual ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado»,
norma que, como se verá, não era seguida em Portugal.
Em 1966, na sequência da reunião internacional da OIPC (Interpol), realizada em Berna, o director
da PIDE, Silva Pais, foi visitar a nova sede desse organismo em Madrid, e estabeleceu contactos
com os serviços especiais da polícia francesa, para troca de informações acerca de «emídios
guerreiros, Manuel Sertório e tantos outros» (Nota 6). O certo é que Portugal continuou a ser
representado, nesse organismo internacional, por elementos da PIDE, entre os quais o inspector-
adjunto Manuel da Cunha Passo, que foi, até 1974, o chefe do gabinete nacional da Interpol.

Nota 1 - Arquivo PIDE/DGS, pr. 4.831 CI (2), pasta 2, «assuntos diversos», Grã-Bretanha, Se-
Secretaria-Geral da Defesa Nacional, fl. 7.
Nota 2 - AOS/CO/IN-8C, pasta 47.
Nota 3 - PIDE/DGS, Ordens de Serviço da PIDE, OS n.° 50, de 19/2/48.
Nota 4 - MAI-GM, caixas 0006 e 0008, livro 18, 1951, e caixa 0058, pasta «PIDE e MNE»:
Reunião da Comissão Internacional da Polícia Criminal em 1951, Assembleia-Geral da Comissão
Internacional da Polícia Criminal.
Nota 5 - Ibidem, caixa 256; PIDE/DGS, pr. 1353 Cl (2), pasta 4, «FPLN».
Nota 6 -AOS/CP-208, fl. 21, 6.1.1/21, carta de Fernando Silva Pais, fls. 98-104; PIDE/DGS, pr. 14
CI (1), pasta 2; AOS/CP-208, p. 21, 6.1.1/21.

108

Se a participação de Portugal na Interpol, representada pela PIDE//DGS, possibilitou a esta polícia


uma colaboração com outras polícias, (Nota 1) também a pertença de Portugal à NATO, a partir de
4 de Abril de 1941 proporcionou amplas relações com as polícias e serviços secretos de país
democráticos da Europa. Portugal foi então solicitado a aderir a diversas organizações
internacionais e passou a trocar, via MNE, notas com os serviços de informações dos países
envolvidos no Pacto do Atlântico Norte (Nota 2). A PIDE/DGS tinha, aliás, representantes na
NATO, como aconteceu, por exemplo, na reunião do respectivo comité especial, em 1966 e, em
1972 (Nota 3), em que participaram o inspector superior Barbieri Cardoso e o inspector-adjunto
Pereira de Carvalho (Nota 4).

IV.3.2. Relações com polícias e serviços secretos estrangeiros

A PIDE/DGS manteve também, como já se viu, um relacionamento «institucional» com agências


secretas e polícias congéneres de outros países. Por exemplo, em Fevereiro de 1961, alertou os
serviços policiais alemães, franceses, espanhóis, ingleses, israelitas e americanos de que, desde o
assalto ao Santa Maria, os chamados «democratas portugueses» fixados na América Latina e na
Europa pretendiam lançar acções subversivas (Nota 5).

IV.3.2.1. Espanha

A colaboração da PIDE com a polícia de Franco já vinha desde os tempos da PVDE, em que esta
colaborara com as forças «nacionalistas», logo que eclodira a guerra civil espanhola (Nota 6).
Depois de terminar a guerra civil de Espanha, continuou, até aos anos 60, uma oposição armada à
ditadura franquista, através de um movimento de guerrilha, com importância na Galiza, que se
relacionou com portugueses do outro lado da raia (Nota 7). Ver-se-á, mais tarde, que a PIDE
investigou e prendeu diversos portugueses acusados de apoio a guerrilheiros espanhóis, em
Cambedo da Raia (Nota 8).
No pós-guerra, Portugal foi, por seu turno, lugar de exílio de outros «refugiados», ou seja, algumas
cabeças coroadas europeias, nomeadamente do príncipe D. Juan de Espanha, que se instalou no
Estoril, em 1946, onde de foi sempre atentamente vigiado por um elemento da PIDE (Nota 9).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 039, pasta «estudantes».


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 642/49 SR, fl. 179.
Nota 3 - Ibidem, pr. 2518 SR, fl. 1, Jean Rochet, em 25/11/72, de saída do seu cargo, enviou
cumprimentos a Barbieri Cardoso, com quem teve contactos nas reuniões do Comité Especial da
NATO.
Nota 4 - Ibidem, pr. 19062 Cl (2), fls 1, 2 e 4, relações com a SDECE, Direction de Surveillance du
Territoire, 24/3/66.
Nota 5 - Ibidem, pr. 921 SR. Francisco Gaspar Rolão Preto, informação 211/61-GU: «Acção
Internacional comunista contra Portugal», 23/2/61.
Nota 6 - Julián Casanova, Francisco Espinosa, Conxita Mir e Francisco Moreno Gómez, Morir,
Matar, Sobrevivir: La violência en la dictadura de Franco, Barcelona, Editorial Critica, 211 p. 248.
Nota 7 - Idem, ibidem, pp. 216 e 219.
Nota 8 - AOS/CO/IN-8 e AOS/CO/IN-8 C, 1944, pasta 22, fl. 44.
Nota 9 - AOS/CO/IN-8C, pasta 35, 1.' subdivisão, fls. 25, 522 e 530; 2.a subdivisão, 3.a subdivisão
fl. 544, 4.a subdivisão, informação sobre o príncipe D. Juan de Espanha, 2/2/46.

109

A vigilância sobre D. Juan era exercida através de João d’Almeida Costa, um antigo equilibrista de
circo, amigo do motorista e criado particular do príncipe espanhol, José Jurado (Nota 1). O próprio
D. Juan sabia, aliás, que estava a ser vigiado, pois numa ocasião disse ao seu motorista: «No te
creas, que la policia, me protege sino que con mucho cuidado tambien me vigila, con mi seguridad
personal, no hago caso, nada me preocupa.»
Em 17 de Abril, o agente da PIDE informou os seus superiores de que António Sousa Lara, da
Companhia de Açúcares de Angola, o tinha «discretamente» convidado, em «atenção à PIDE», para
um jantar em honra de D. Juan. O agente também convidou, por seu turno, para jantar o mo-torista-
informador, o qual, depois de «uns cognacs», lhe deu conta de que a permanência de D. Juan em
Portugal «estava algo complicada», conforme este tinha sido informado pela embaixada de
Espanha (Nota 2).
Todas estas informações obtidas pela PIDE foram muito provavelmente transmitidas à Dirección
General de Seguridad (Seguridad) espanhola. Lembre-se, aliás, que o director de serviços desta
polícia espanhola enviou, em Novembro de 1947, a Agostinho Lourenço, uma carta de
agradecimento e louvor pela colaboração do chefe do posto da PIDE em Elvas, Manuel Vilão de
Figueiredo, no desmantelamento de uma organização comunista em Badajoz (Nota 3). A
correspondência oficial e particular da Seguridad à PIDE (Nota 4) era habitualmente assinada, em
Madrid, pelo comissário Vicente Reguengo Gonzalez, um escritor de livros policiais, chefe dessa
polícia e amigo de António Rosa Casaco (Nota 5).
Em Julho de 1958, o ministro do Exército de Espanha propôs ao embaixador de Portugal em
Madrid a realização de um contacto extraordinário entre as polícias dos dois países e o ministro da
Governación do país vizinho convidou a PIDE a deslocar um seu representante à capital espanhola.
Este e outros encontros com a polícia espanhola realizaram-se e, no ano seguinte, foi estabelecido
em Madrid um intercâmbio de informações entre a PIDE e a Seguridad (Nota 6). Em 1961, os
contactos a nível superior entre as duas polícias eram feitos através do director Homero de Matos,
da PIDE, e do director-geral Carlos Árias Navarro, da Seguridad, havendo ainda um canal
informativo directo entre a polícia portuguesa e a embaixada de Portugal em Madrid (Nota 7).
Em Março do ano seguinte, a Secretaria-Geral da Defesa Nacional informou, muito secretamente, o
director da PIDE de que, no decurso da nona conferência dos estados-maiores peninsulares de
segurança interna, realizada em Madrid, tinha sido decidido o estabelecimento de contai estreitos
entre os serviços de informação portugueses e espanhóis.

Nota 1 - José António Gurriarán, Um Rei no Estoril, Dom Juan Carlos, pp. 76-77.
Nota 2 - AOS/CO/IN-8C, pasta 35, 3.a subdivisão, fl. 544.
Nota 3 - MAI, pastas de pessoal da PIDE/DGS, pasta 40, Manuel Vilão de Figueiredo.
Nota 4 - Ibidem, pr. 19513 Cl (2).
Nota 5 - Vicente Reguengo, Del Crimen a la Confession, Madrid, Editorial Jordan, 1958, pp. 20 e
210; António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, p. 91.
Nota 6 - Ibidem, pr. 6341 Cl (2), pasta 6, fls. 1 e 2. Intercâmbio de informações com a Dirección
General de Seguridad, Madrid, informações enviadas a Carlos Árias Navarro, director geral de
segurança. Estas eram enviadas em dois envelopes lacrados dirigidos àquele.
Nota 7 - Ibidem, pr. 186/48 SIR, Fernanda Paiva Tomaz, secreto, PI-61-132, 5/12/61.

110
No mês seguinte, a PIDE e a Seguridad assinaram um acordo de colaboração mútua, segundo o
qual as duas polícias trocariam mensalmente informações e impressões de carácter político, bem
como dados sobre combate à subversão, ao nível de funcionários superiores, numa das duas
capitais.
Nesse ano, após o falhanço do «golpe de Beja», a PIDE conseguiu atrair a uma armadilha em La
Línea (Gibraltar) um dos participantes, Germano Pedro, que foi preso em território espanhol por
Rosa Casaco, acompanhado de dois agentes espanhóis, e enviado para Portugal. Mário Soares, que
foi o defensor de Germano Pedro no tribunal plenário, afirmou que esse caso revelou a existência
de uma «cooperação política das duas polícias, portuguesa e espanhola» (Nota 1). O certo é que,
relativamente a Germano Pedro, o próprio Rosa Casaco confirmou ter então ido a Madrid
«interessar» Dom Vicente Reguengo, da DGS espanhola, e que este último lhe teria dado «carta
branca» (Nota 2).
Em 15 de Novembro de 1962, alguém (com assinatura irreconhecível) mas provavelmente da
Seguridad, agradeceu a Silva Pais o envio a Espanha de Álvaro Pereira de Carvalho, que entregou
ao chefe de serviço da Informação da polícia espanhola documentos «com valiosa informação»
acerca de revolucionários portugueses. De forma críptica e codificada, o autor desta carta
acrescentou ter «a esperança de também poder conseguir em Itália alguma coisa parecida» com o
que a PIDE havia obtido e propôs-se contribuir para «cobrir» o «plano marroquino e argelino desde
o ponto de vista de informação». O certo é que, em 19 de Fevereiro de 1963, a Seguridad
transmitiu, efectiva e confidencialmente, à PIDE, dados de um informador sobre a movimentação
de exilados portugueses em Tânger. Deu também conta da visita de Agostinho Neto à Itália e da
presença, nesse país, de «Santos, Lins e Cunhal», o que indicava prováveis relações entre a polícia
italiana e a polícia espanhola.
Os contactos entre a PIDE e a Seguridad eram então feitos entre o comissário geral da investigação
social, Vicente Reguengo Gonzalez, acompanhado pelo director dos serviços de informação da
Seguridad, tenente-coronel Eduardo Blanco Rodriguez, e Fernando da Silva Pais. Este último
pediu, aliás, ao governo, em 1963, a condecoração das figuras que mais se haviam distinguido na
cooperação policial luso-espanhola, entre as quais se contavam, além dos dois espanhóis acima
referidos, Carlos Árias Navarro, director-geral da Seguridad, Eduardo Comin Colomer, secretário-
geral técnico de investigação social dessa polícia, e Miguel Martinez Aedon Asencio, adido policial
da embaixada de Espanha em Lisboa (Nota 3). O ministro do Interior português deu a sua
concordância, mas, em Fevereiro de 1965, aconselhou a aguardar «melhor oportunidade» para as
condecorações, talvez devido ao assassinato em Espanha de Humberto Delgado, não fosse a
opinião pública» relacionar as mesmas com o crime.

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 323-324


Nota 2 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, p. 91.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 9 Cl (2), vol. 6927, serviços espanhóis, fls. 719-721, 722, 728, 732, 737,
762, 770, 773 e 836.

111

O MNE, no entanto, não viu inconveniência em condecorar Eduardo Comim Colomer e Miguel
Aedo Asencio com o grau, respectivamente, de coronel e de capitão (Nota 1).
Entretanto, em Março de 1964, Vicente Reguengo informara António Rosa Casaco acerca do envio
de um «colaborador» da polícia espanhola à Argélia. O mesmo Rosa Casaco teve, em Abril, um
acidente de automóvel Espanha (Zafra), quando se preparava provavelmente para raptar o exilado
político Tito de Morais. O próprio Rosa Casaco contou ter sido Barbieri Cardoso a ordenar, em 17
de Abril de 1964, a sua ida a Sevilha, deter um português «que estava a organizar um grupo de
terroristas para praticar atentados a personalidades políticas portuguesas». Rosa Casaco era
efectivamente amigo do comissário chefe da polícia espanhola, em Sevilha, senhor Nieto, ou
poderia recorrer aos seus amigos Vicente Rego ou Eduardo Blanco, da DGS, razão para essa sua
«interferência como “protector da brigada"» (Nota 2).
Terá ainda sido Rosa Casaco o provável autor de um relatório, enviado à PIDE, sobre a situação
espanhola e a nomeação para o governo de tecnocratas da Opus Dei. Nele, dava-se conta que,
segundo o «colaborador» «Covotte», Marcelo Caetano e Francisco Leite Pinto, considerados da ala
modernizadora do Estado Novo, estavam a ser ultrapassados por Adriano Moreira e Teixeira Pinto,
os quais poderiam formar um novo partido (Nota 3). As actividades revolucionárias espanholas
foram também, em Setembro, tema de um relatório enviado à PIDE pelo Federal Bureau of
Investigation (FBI), onde se referia que Luís Suarez, dirigente do PCE, e delegados, no México, da
III República espanhola afirmavam receber a assistência de revolucionários portugueses, na Argélia
(Nota 4).
Em Dezembro de 19655, em pleno inquérito sobre o assassinato de Humberto Delgado em
Espanha, houve, como se verá, um certo afastamento, reforçado a partir dos anos 60, com a entrada
de elementos da Opus Dei no governo espanhol. O agente da PIDE, Raul Rodrigues Bernardino,
informou a sua direcção de que o embaixador de Espanha em Portugal, José Ibanez Martin, era um
federalista no que tocava ao problema ultramarino português e, por isso, um adversário de Salazar.
Também Rosa Casaco transmitiu, em Janeiro de 1966, informações sobre espanhóis que não
simpatizavam com o regime português, nomeando, entre outros, Fernando Moran (Nota 6).
Três anos depois, o informador «Caraço» alertou a DGS para o facto de a crescente liberalização do
regime espanhol vir a possibilitar, na administração do Estado, uma infiltração esquerdista.
Conscientes do perigo, grupos nacionalistas espanhóis tinham entrado em negociações com
estudantes portugueses, para, no momento oportuno, integrarem uma plataforma comum de
extrema-direita.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 310, pasta «condecorações e nobiliárquica», 9/1/65.


Nota 2 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, pp. 70, 71 e 75.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 9 Cl (2), serviços espanhóis, fl. 601 e 651.
Nota 4 - Ibidem, vol. 4, NT 6930, serviços espanhóis, fls. 4 e 5.
Nota 5 - Ibidem, pr. 1336 Cl (2), PCP, fl. 469, ficha 1/II/65.
Nota 6 - Ibidem, vol. iv, NT 6930, fl. 5.

112

Entre estes contava-se Blas Pinar, chefe da Fuerza Nueva, com o qual o informador conversou
sobre as consequências desastrosas da liberalização em Espanha (Nota 1).
Durante a vigência de Marcelo Caetano na Presidência do Conselho, foi negociado com o governo
de Franco um acordo de colaboração entre as polícias portuguesa e espanhola que previa a entrega
recíproca de indivíduos suspeitos ou condenados, refugiados em qualquer um dos países, embora
«sem publicidade» (Nota 2). A nível da direcção o relacionamento continuava relativamente bom.
Eduardo Blanco Rodriguez, director-geral da Seguridad, que esteve então alojado no Hotel Ritz de
Lisboa, a expensas da DGS, informou, em Julho de 1970, o seu «querido amigo» Silva Pais, da
substituição do adido policial da embaixada de Espanha em Lisboa, Martinez Aedo Asencio, pelo
inspector Bernardo Belda Ribes. Manifestou ainda o desejo de que se intensificassem as relações
entre as duas polícias.
A nível local, porém, as coisas não se passavam da mesma formal. Em Novembro, o chefe de posto
da DGS da Beirã informou Álvaro Pereira de Carvalho de que a polícia espanhola se tinha
«fechado em mutismo» relativamente à apreensão de explosivos checoslovacos numa camioneta de
um português vindo de Espanha (Nota 3). Talvez como represália, Barbieri Cardoso emitiu, em
Setembro de 1971, uma circular aos postos de fronteira a ordenar que, a partir de então, os que
atravessavam a fronteira para Espanha deviam munir-se de passaporte ou salvo-conduto emitido
pela DGS, o mesmo devendo acontecer com os Espanhóis e as autoridades espanholas (Nota 4).
O facto de o relacionamento e a colaboração entre as polícias de Espanha e Portugal já não serem
os mesmos como anos antes é ainda revelado por um depoimento do ex-chefe de brigada Manuel
Lavado, que, em Abril de 1973, se deslocou a Espanha para receber o português Júlio Rodrigues
que iria ser capturado pela polícia espanhola. Esta prendeu-o, mas não o entregou à DGS e,
passados dias, Júlio Rodrigues acabou por ser solto pois tinha um documento de refugiado da ONU
(Nota 5).
IV.3.2.2. França

Em 1946, o governo da IV República francesa decidiu criar o Service de Documentation Extérieure


et de Contre-Espionnage (SDECE) (Nota 6), que se ocupava da pesquisa de informações
estratégicas, bem como da espionagem e contra-espiongem no exterior.

Nota 1 - Ibidem, vol. n, fls. 388, 415, 512, 518 e 532; idem, pr. 13189 CI (2), «Fuerza Nueva,
Força Nova», fl. 2.
Nota 2 - Juán Carlos Jimènez Redondo, El Otro Caso Humberto Delgado, p. 275.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 9 Cl (2), vol. II, fls. 37-40, 120 e 140.
Nota 4 - Ibidem, vol. m, NT 6929, fl. 275.
Nota 5 - Arquivo Histórico Militar, Manuel Lavado, chefe de brigada, 4.a Juízo do MI 85/79, Auto
474 de 20/6/79, fls. 51 e 58.
Nota 6 - Sítio na Internet da Direction Générale de la Sécurité Extérieure.

113

Em França, havia ainda os Renseignements Généraux (RG), responsáveis pela pesquisa e


centralização de informes económicas, sociais e políticas, e a Direction de Surveillance du
Territoire/Direction Générale de la Sureté Générale (DST ou Sureté), um serviço de polícia que se
ocupava da pesquisa, controlo e repressão das actividades secretas. Embora nenhum dos diplomas
reguladores dos serviços franceses de informação previssem que o fruto do seu trabalho pudesse
servir governos estrangeiros, é um facto que não deixaram de fornecer informações sobre
refugiados políticos estrangeiros em França, ajudando assim regimes ditatoriais, como o português,
que queriam neutralizar os seus opositores (Nota 1).
No caso de Portugal, a PIDE/DGS manteve relações, tanto com os RG, como com a DST e o
SDECE, cujo director, o conde Alexandre de Marenches, ainda no início de 1974, aterrou o seu
avião na Base Aérea de Sintra (Nota 2). Após o 25 de Abril de 1974, foi também encontrada
correspondência, entre o director da PIDE e o director da DST, Roger Wybot, pelo menos a partir
de 1952. A Guerra Fria justificava essa colaboração anticomunista entre as polícias de Portugal e
França, num período em que a distinção entre um comunista e um espião ao serviço da URSS era
ténue.
Os serviços franceses também pediram, no entanto, informação sobre nazis e seus cúmplices
franceses: por exemplo, em 1957, solicitaram dados sobre um Jacques de Bernonville, condenado
dez anos antes, em Toulouse, à pena de morte, por colaboração com o inimigo alemão durante a
guerra. Nove anos mais tarde, Barbieri Cardoso intercedeu junto de um enviado do primeiro-
ministro francês, a favor do retorno a França do elemento da extrema-direita refugiado em Portugal
desde 1944, Jacques Ploncard d'Assac, autor de um livro panegírico sobre Salazar (Nota 3).
Manuel da Silva Clara, habitual receptor, por parte da PIDE, das informações vindas de França,
agradeceu em 1958 ao director da DST, dados sobre agentes de ligação em França entre o PCP e o
PCF, fornecendo, por seu turno, as biografias políticas dos indivíduos (Nota 4). Em 28 de Janeiro
de 1959, alguém do consulado de Portugal em Bayonne — possivelmente o informador que
assinava por «Bayonne» — escreveu a Silva Clara dizendo-lhe querer obsequiar, com vinho do
Porto, os seus informadores habituais — os cônsules de Espanha, nessa cidade e em Toulouse, e o
chefe dos serviços de contra-espionagem em San Sebastian, Jorge Ozores Araiz (Nota 5).
Noutro relatório, de Setembro de 1960, «Bayonne» assinalou a especial atenção que merecia o
DRIL às autoridades francesas (Nota 6). O mesmo ou outro informador, inserido no meio português
de Toulouse, enviou também à PIDE, nesse período, vários relatórios sobre exilados portugueses,
entre os quais se contava Manuel Bruno dos Santos Cardoso, que foi, aliás, informador dessa
polícia, como se verá.
Nota 1 - Le Monde, de 28/11/74, notícia sobre o jornal Le Canard Enchainé, de 27/11/74.
Nota 2 - Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS..., p. 43; PIDE/DGS, pr. 19062
CI (2), pasta 4, fls. 70, 88, 98, 110-112, 131, 154, 169, 174, 181, 183, 189, 202, 214, 216, 221, 238,
269, 246, 276, 279, 280-282, 285, 288, 299 e 300.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 1967 Cl (2), pasta «imprensa estrangeira em Portugal», fl. 76.
Nota 4 - Ibidem, pr. 5618 SR, fl. 41.
Nota 5 - Ibidem.
Nota 6 - Ibidem, pr. 921 SR, Francisco Gaspar Rolão Preto, informação 211/61-GU: «Acção
Internacional comunista contra Portugal», 23/2/61, informação 19/9/60.

114

O informador sugeriu à PIDE que pedisse às autoridades francesas para vigiarem Bruno Cardoso
dos Santos, e noutro relatório, deu conta de que isso já acontecia (Nota 1).
Além de ter passado a informar sobre este último (Nota 2), a DST deu conta, verbalmente à PIDE,
em Maio de 1960, de que Fernando Alberto Queiroga Chaves tinha sido expulso de França. Por seu
turno, o subdirector da PIDE, Manuel da Silva Clara, remeteu a Pierre Sirinelli, subdirector da
DST, um relatório sem data, sobre uma projectada visita a Paris de Humberto Delgado, pedindo-lhe
que tudo fizesse para proibir a entrada e a estada do general em França. Para tratar dessa viagem de
Delgado a Paris, a PIDE enviou à capital francesa o subinspector Rosa Casaco, que, num relatório
de 27 de Abril de 1961, deu conta aos seus superiores, dum encontro com o inspector-chefe,
Crouzet, que havia «gentilmente» prometido auxílio e colaboração «quando isso lhe fosse
solicitado» (Nota 3).
Em ofício interno enviado a Silva Pais, com a menção de «viagem a França de comunistas
portugueses, com nomes falsos», Álvaro Pereira de Carvalho informou ter entregue em 11 de
Dezembro de 1962, «ao Gaspard», informação sobre uma acção política contra Salazar por parte
dei um casal. Refira-se que Jean Gaspard, cônsul de França em Madrid, era informador dos
serviços secretos franceses e agente de ligação com a PIDE. Seja como for, os serviços secretos
franceses seguiram esse casal, mas pediram «instamment» à polícia portuguesa para não revelar a
«origem francesa» da informação, caso resolvesse explorá-las no quadro de uma «operação
repressiva» (Nota 4).
Questionado por um jornal francês, após o 25 de Abril de 1974, acerca de uma carta enviada ao
director da PIDE após a sua nomeação para director da Sureté Générale, em 1963, Maurice
Grimaud esclareceu que as duas polícias, francesa e portuguesa, cooperaram na procura de
membros da OAS. Assegurou, no entanto, que o governo de França tinha imposto limites estreitos à
colaboração, nunca permitindo à polícia francesa a entrega de refugiados políticos portugueses nem
de informação que pusesse pessoas em perigo (Nota 5). Em Abril desse ano, o embaixador de
França em Lisboa deslocou-se efectivamente ao MNE para agradecer a cooperação demonstrada
pelas autoridades portuguesas na resolução do caso Georges Bidault, dirigente da OAS que se tinha
exilado em Portugal (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, informação de 6/7/60 sobre o PCP e o Centro Português de Toulouse.


Nota 2 - Ibidem, pr. 19062 CI (2), relações com a SDECE, Direction de Surveillance du Territoire
1952-1960, fls. 27, 30, 31, 34, 39 e 53.
Nota 3 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, p. 211, nora 1, e p. 212.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 623 Cl (2), «Emigração portuguesa em França». 1963, fl. 357, carta dos
RG, onde está escrito à mão, pelos SC, entregue em mão aqui pelo director adjunto da Sureré 1, em
29/5/763, fls. 361 e segs.
Nota 5 - Le Monde, 28/11/1974.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 252, carta de MNE, DGNPA, 15/4/63. Georges Bidault (1899-1983),
político francês, partidário de De Gaulle até cortar com ele, por desacordo com a independência da
Argélia, entrou na clandestinidade em 1962, formando, no seio da OAS, o Conselho Nacional da
Resistência, que enveredou pelo terrorismo chegando a atentar contra a vida de De Gaulle. Exilou-
se em vários países, nomeadamente no Brasil e na Bélgica, tendo estado também em Portugal,
voltando a França em 1968, após ser amnistiado. Cf. Manuel Sertório, Humberto Delgado: Cartas
Inéditas, pp. 179 e 180.

115

No entanto, Silva Pais continuou a receber, a partir de 1963, várias cartas de Maurice Grimaud e,
nomeadamente, um relatório sobre as actividades do PCP em França. (Nota 1)
Em 1964, aconteceu algo de importante na cooperação entre os serviços secretos franceses e a
PIDE, como se pode ver na carta «Muito secreto, CI (2), de 13 de Maio, assinada por Silva Pais e
dirigida a Henri Boucoissan, director dos RS, a agradecer as facilidades concedidas para a
aquisição, pela polícia portuguesa, de aparelhos de escuta telefónica. Entretanto, a correspondência
entre a PIDE e a Sureté Nationale passou a ser enviada para Jean Chambon, BP 114.08, Paris (Nota
2), enquanto as cartas daqueles serviços franceses para a polícia portuguesa seguiam através de um
portador chamado Klein (Nota 3). Em Outubro desse ano, uma carta de Jacques Baranger
(Gaspard), o agente de ligação francês sediado na Embaixada de França em Madrid, dirigida a
Monsieur Pereira — provavelmente Pereira de Carvalho —, solicitou um encontro com Barbieri
Cardoso para combinar as condições da viagem a Portugal do director dos serviços secretos
franceses e para tratar de questões relacionadas com portugueses na Argélia (Nota 4).
Em 1966, a PIDE foi informada de que o general Eugène Guibaud que havia sido nomeado director
do SDECE, cujo oficial de ligação com Portugal, coronel Mareuil, manifestou a esperança de que
as polícias secretas Portugal e França continuassem a manter as melhores relações (Nota 5). Isso
parece ter acontecido, dado que, no ano seguinte, os serviços franceses informaram a PIDE de que
a LUAR contava com vários elementos em França (Nota 6). A PIDE transmitiu, por seu turno, em
1968, aos serviços franceses os nomes dos portugueses que tinham sido os maiores activistas nos
tumultos de Maio desse ano, em Paris (Nota 7).
Estas informações da PIDE não caíram em saco roto, pois que em 8 de Janeiro de 1969 o MNE deu
conta à polícia portuguesa da expulsão, em Novembro do ano anterior, de portugueses exilados em
França (Nota 8). Em Outubro, alguém dos serviços franceses, que prudentemente não assinou,
enviou à DGS uma nota a perguntar quais eram os objectivos prioritários desta polícia, de modo a
decidir em que medida as trocas de informações podiam ser mais frutuosas.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 2515 Cl (2), fls. 272-75, 278 e 293.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 19062 Cl (2), relações com a SDECE, DST, pasta 2, fls. 2, 133.
O verdadeiro nome de Jean Chambon, o qual não devia ser utilizado, era Jean Paul Guépratte,
comissaire principal, chefe da Section Exploitation-Liaison de la Direction des RG/Sureté
Nationale, rue Saussais, Paris 8, sem timbre e com o remetente Barbieri Cardoso, Apartado 2756.
Nota 3 - Ibidem, NT 3120, fls. 104 e 159.
Nota 4 - Ibidem, Embaixada de França em Espanha, informações de 1965, fl. 99.
Nota 5 - Ibidem, pr. 19. 062 Cl (2), fl.56.
Nota 6 - Ibidem, fls. 94 e 68.
Nota 7 - Ibidem, fl. 513, f 8/68 assunto: actividade de elementos do CMLP; Vincent Jauvert, in
Nouvel Observateur, n.º 1756, de 2/7/1998.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 8 Cl (2), NT 6975, vol. 1, fl. 409, sobre portugueses expulsos de França em
5/11/1968.
116

Pela sua parte, os franceses desejavam receber informações sobre os seus compatriotas ao serviço
da espionagem estrangeira, actividades relativas ao comunismo mundial e organizações
esquerdistas (Nota 1). Quanto à DGS, disse querer ser informada sobre a actividade dos
portugueses residentes em França e que aí desenvolvessem actividades contra o Estado português
(Nota 2).
Refira-se, aliás, que, segundo Alain Krivine, dirigente trotskista francês, havia então em França
muitos informadores da PIDE/DGS, a qual tinha uma secção quase oficial na Confederação
Francesa do Trabalho da Citroën, o sindicato patronal que controlava a Citroen (Nota 3). O que este
dirigente trotskista talvez não soubesse é que, em Janeiro de 1969, os serviços secretos franceses
enviaram à PIDE uma informação sobre a eventual deslocação a Portugal de trotskistas franceses, e
que, no mês seguinte, o director da polícia portuguesa enviou a todos os chefes de posto um alerta
sobre a entrada desses jovens (Nota 4).
Em Outubro de 1970, Alexandre de Marenches passou a ser o novo director do SDECE (Nota 5),
sendo a ligação com a DGS feita, sob cobertura diplomática, através de Isidore Banon ou do
capitão Gillier, da embaixada de França em Madrid (Nota 6). A correspondência da DGS era
enviada para a embaixada num envelope dirigido a Michel Koch, que continha no interior outro
envelope dirigido a J. Lacase, director dos serviços de informação do SDECE (Nota 7). Este
serviço secreto francês propôs, nesse ano, à DGS a realização de duas operações em África, para
servir em simultâneo, quer os interesses portugueses, quer os franceses, ao desmantelar o PAIGC e
actuar contra Sékou Touré. Tratava-se das operações Safira e Mar Verde na Guiné.
Segundo Óscar Cardoso, a segunda operação foi preparada, pela parte portuguesa, por Alpoim
Calvão e pelo inspector-adjunto da DGS, Matos Rodrigues (Nota 9). Quanto à operação Safira, foi
programada pelo SDECE para derrubar Sékou Touré e substituí-lo pelo coronel Diallo, sediado no
Gabão, aproveitando o assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973. Um relatório do
SDECE de 4 de Abril de 1974 fixou as modalidades finais da intervenção franco-portuguesa, mas a
operação não se chegou a desencadear, devido ao golpe militar de 25 de Abril desse ano, em
Portugal (Nota 10).

Nota 1 Ibidem, fls. 152-157. Os franceses queriam ainda receber dados sobre elementos marxistas-
leninistas (maoístas), bem como sobre os partidos pró-chineses e pró-albaneses, trotsquistas e as
organizações de solidariedade com os povos de África, Ásia e América Latina.
Nota 2 - Ibidem, ibidem, fl. 167.
Nota 3 - A Capital, 16/4/75.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 8 CI (2), NT 6975, vol. 1, fl. 378, 22/1/69.
Nota 5 - Ibidem, pr. 19062 CI (2), relações com a SDECE, pasta 2, fl. 17.
Nota 6 - Ibidem, pr. 8 CI (2), vol. n, 16/11/70, fl. 128. R. Gillier, que estava na Embaixada de
França em Madrid, era o contacto de Barbieri Cardoso com os RG.
Nota 7 - Ibidem, pr. 19062 CI (2), pasta 2, fl. 14.
Nota 8 - Roger Faligot e Pascal Krop, la Piscine: les services secrets français 1944-1984, Paris,
Seuil, 1985, pp. 334-337.
Nota 9 - Bruno Oliveira Santos, Histórias Secretas..., pp. 103 e 112.
Nota 10 - Roger Faligot e Pascal Krop, op. cit., pp. 334-337.

117

Nos últimos dois anos do regime ditatorial, diversos dirigentes dos serviços franceses deslocaram-
se a Portugal (Nota 1). Diga-se, aliás, que os últimos dias de Agostinho Barbieri Cardoso à frente
da DGS foram passados em França (Nota 2). O conde Alexandre de Marenches, director do
SDECE, contou, mais tarde, que o subdirector da DGS estava no seu gabinete, em Paris, no 25 de
Abril, quando soube que estava a decorrer um golpe militar. De «boca aberta, profundamente
incrédulo», Barbieri Cardoso telefonou para a sua sede em Lisboa, de onde, porém, só já ouviu um
zumbido (Nota 3). Não podendo voltar a Lisboa, Barbieri instalou-se, depois, numa casa na zona de
Paris, sob a protecção do SDECE, proporcionada pelo chefe das relações com os serviços
estrangeiros, coronel Jacques de Lageneste, antes de ir para Espanha (Nota 4).

IV.3.2.3. Alemanha

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, com a derrota dos nacional-socialistas, os aliados
vitoriosos desmantelaram as redes de espionagem alemãs. Refira-se, aliás, que tanto os Ingleses
como os Norte-Americanos e os próprios Soviéticos não deixaram de utilizar alguns dos elementos
dos serviços secretos nazis para os seus próprios serviços, durante a Guerra Fria. A reconstrução da
Alemanha, dividida em duas partes, originou a criação de novos serviços secretos na REA, mas
apenas nos anos 50. Por isso, o relacionamento entre a PIDE e os serviços secretos alemães, o
Bundes Nachriechtung Dienst (BND), só se iniciou a partir de 1956. Assim, foi em Agosto deste
ano que o general Reinhardt Gehlen (Nota 5), ex-dirigente da Abwehr, cuja rede de intelligence foi
recuperada, no pós-guerra, pela CIA, antes de ele próprio criar os serviços secretos da RFA, se
avistou com elementos da Secretaria de Estado da Defesa Nacional. Pouco tempo depois, uma
delegação portuguesa visitou a sede do BND, para estabelecer normas de intercâmbio.

Nota 1 - Ibidem, pr. 19062 Cl (2), pasta 2, fls. 7, 9, 10 e 11. Em 1972, Gillier, agente de ligação era
Madrid, esteve na sede da Rua António Maria Cardoso e no ano seguinte deslocaram-se, por seu
turno, a Lisboa, Jean Lacase e os seus colegas Francis Mollard e Roger Chabalier, bem como Alain
de Gaigneron de Marolles, com mais dois elementos, que ficaram alojados, a expensas da DGS, no
Hotel Tivoli.
Nota 2 - Ibidem, pasta 3. A correspondência ia, sem timbre, para Jacques Prudent (nome suposto)
BP 344.08; 75365 Paris Codex 08.
Nota 3 - Helena Sanches Osório, «Marenches, o aristocrata espião», in Expresso Magazine,
5/3/1988, p. 44.
Nota 4 - Roger Faligot e Pascal Krop, op. cit., pp. 334-337. Curiosamente, Lageneste terá
organizado, em Setembro de 1975, no Hotel Sheraton de Paris, uma conferência para preparar uma
reacção a um esperado putsch da extrema-esquerda em Portugal, que juntou partidos e
personalidades portugueses opostos ao comunismo, entre os quais se contavam António de Spínola,
Freitas do Amaral, Manuel Alegre, Jorge Jardim e um representante da UNITA.
Nota 5 - Vincent Jauvert, «Quand l'Amérique recrutait des officiers SS», in Le Nouvel Observa-
teur, n.° 1966, 11/7/2002.
118

No relatório enviado ao director da PIDE pela delegação portuguesa dava-se conta de que a troca
de informações de carácter militar sobre a URSS seria feita entre os departamentos de Defesa
Nacional dos dois países, enquanto o envio de dados sobre portugueses e estrangeiros suspeitos
ficaria a cargo dos serviços policiais alemães da PIDE (Nota 1).
Em 11 de Fevereiro de 1958, o secretário-geral adjunto da Defesa Nacional, comodoro Joaquim de
Sousa Uva, informou a PIDE de que, devido ao escasso tráfego, as vias de comunicação com a
Alemanha passavam ser feitas, pela PIDE, através do elemento de ligação dos serviços secretos
alemães Heinzgeorg Neumann, residente no Monte Estoril (Nota 2). Este último exerceu funções de
adido da Embaixada da RFA entre 1960 e Novembro de 1964, mas era, na realidade, «delegado do
Serviço Federal Alemão de Informações (Serviços Secretos)». Antes de regressar a Bona,
Neumman pediu para se despedir de Salazar, junto do qual Silva Pais intercedeu com o seguinte
argumento: «Merece-o bem, pois é muito nosso amigo e tem-nos prestado bons serviços.» (Nota 3)
Ao chegar à chefia da PIDE, em 1962, Fernando Silva Pais enviara entretanto Barbieri Cardoso à
sede do BND, em Munique, confirmando a continuação da cooperação no combate «contra os
fautores da descristianização e do enfraquecimento das forças morais, base da civilização
ocidental». Os serviços alemães também enviaram à PIDE informações de carácter político (Nota
4). Em Junho de 1970, elementos da DGS frequentaram na Alemanha, um curso de
telecomunicações e visitaram as instalações da polícia secreta alemã, em Munique, onde assistiram
a uma demonstração de aparelhos de escuta e gravação.
Sobre a cooperação entre as polícias de ambos os países, foi acordado o fornecimento, da parte dos
alemães, de aparelhagem, e a penetração, parte portuguesa, no sistema rádio dos serviços de
segurança da Tanzânia a partir de Moçambique (Nota 5). Roger Hochdorn, que ingressou no BND,
no final de 1973 devido à experiência que tinha adquirido em Portugal, onde havia estado em
comissão militar desde 1970, afirmou que os contactos entre essa agência secreta alemã e a DGS
eram «muito personalizada passavam pelo director, general Wessel, e por Silva Pais (Nota 6).

IV.3.2.4. Relações com outros serviços secretos europeus e de países «amigos»

As relações entre os «serviços italianos» e os portugueses começaram em 12 de Novembro de


1964, data em que a PIDE terá enviado uma carta a sondá-los.

Nota 1 - PIDE/DGS, mações 1956-58»


Nota 2 - Ibidem, fl. 1.
Nota 3 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 102-103.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 8241 CI (2), «Conferência dos católicos progressistas», realizada em
Berlim oriental, de 22 a 24 de Março de 1966, informações recebidas dos serviços alemãs pela
PIDE.
Nota 5 - Ibidem, pr. 7477 CI (2), pasta 43, fls. 9 e 11.
Nota 6 - Visão, 26 de Abril de 2001, p. 15-16, entrevista com Roger Hochdorn.

119

Em resposta, no ano seguinte, Giovanni Allavena, coronel dos Carabinieri, enviou a Barbieri
Cardoso uma carta a informá-lo sobre as possibilidades de cooperação e troca de correspondência
entre as duas polícias (Nota 1).
Anos depois, em 3 de Julho de 1971, Barbieri Cardoso, que falava e língua italiana, dirigiu-se ao
seu «caro amico» Frederico d'Amato, da direcção de negócios reservados do Ministério do Interior
de Roma, a transmitir informações «não seguras» de que elementos da extrema-esquerda italiana
— um da Lotta Continua e quatro jovens de Arzignano - iriam a Portugal em Agosto para cometer
atentados terroristas (Nota 2).
Tal como com os serviços secretos de outros países pertencentes à NATO, também a troca de
informações entre os holandeses e a PIDE/DGS se processou no quadro dessa organização
atlântica. Além de manter relações com a polícia holandesa através da NATO e com os serviços
secretos holandeses, Hool Hoofd Binnenlandse Veiligheidsdienstg (HHBV) sediados na Haia, a
PIDE/DGS também recebia da Holanda, via Interpol, informações sobre casos considerados crimes
comuns mas que, na realidade, eram políticos (Nota 3).
Com outros países onde se deram mudanças de regime, nomeadamente através de golpes militares,
para ditaduras anticomunistas, as relações da PIDE/DGS também se alteraram, passando a ser de
colaboração. Esteve nesse caso a Indonésia, cuja legação em Lisboa tinha anteriormente o telefone
sob escuta (pelo menos entre 9 e 30 de Janeiro de 1965). Outro foi o relacionamento após o golpe
de Estado de Suharto, cujas barbaridades foram, desde logo, do conhecimento da PIDE. A PIDE de
Timor chegou mesmo a mostrar algum incómodo, ao informar Lisboa, em 25 de Fevereiro de 1966,
sobre a forma como os comunistas estavam a ser massacrados no Timor indonésio.
Em informação distribuída em 10 de Março ao governador e ao comando militar, a PIDE de Timor
deu conta da detenção, de 6 a 9, em Batugadé, de cerca de doze elementos do Partido Comunista
Indonésio (PKI) fugidos da Indonésia, entre os quais se contavam alguns timorenses de
nacionalidade portuguesa a residir em Kefamenano. «Posteriormente e em cumprimento do
superiormente determinado foi feita a sua entrega no posto da Polícia indonésia de Matain, tendo
aqueles autoridades ficado muito reconhecidas» à PIDE. Ou seja, a polícia portuguesa entregou
cidadãos portugueses de Timor às autoridades indonésias, podendo-se adivinhar o que estas fizeram
de seguida (Nota 4).
Devido à questão colonial, a PIDE/DGS manteve colaboração com a polícia e os serviços secretos
da África do Sul e da Rodésia. No entanto, este relacionamento apenas é aqui sumariamente
mencionado, dado que se prendia, sobretudo, com Angola e Moçambique, que não é o objecto deste
estudo. Em Julho de 1954, o tenente-coronel Prinsloo, da Polícia da União Sul-Africana, visitou
Lisboa, avistando-se com Neves Graça e Ferry Gomes, da PIDE.

Nota 1 - Portugal Democrático, n.° 95, Junho de 1965.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 3110 Cl (2), serviços italianos, fls. 2, 3, 21, 270, 273 e 276; ibidem, pr.
16.647 CI (2), serviços italianos, fl. 15.
Nota 3 - Ibidem, pr. 631 Cl (2), serviços holandeses, fls. 28, 66, 76, 85, 212, 247, 286, 293, 299,
310, 344, 347, 402 e 435.
Nota 4 - Ibidem, pr. 236 Cl (2), serviços indonésios, fls. 336, 401, 403 e 908.

120

Por seu turno, uma delegação desta polícia deslocou-se a Pretória, para reunir com o comissário-
geral, major general Rademeyer, e dois brigadeiros comissários adjuntos. Segundo o acordo
assinado nesse ano de 1956, as polícias dos dois países ficaram de trocar informações sobre
medidas da combate ao comunismo (Nota 1).
Depois, a partir de 1964, as delegações da PIDE/DGS de Angola e Moçambique também passaram
a cooperar com o Bureau of State Security, com o qual a polícia portuguesa manteve um novo
acordo, entre 1961 e 1974 (Nota 2). Um acordo para troca de informações entre as autoridades de
segurança da Rodésia e Niassalândia e as da África oriental portuguesa também foi assinado, em
Outubro de 1958, em Lourenço Marques, na presença de Basil M. de Quehen, director do Federal
Intelligence Service Bureau, e do major Hilário Marques da Gama, comandante da polícia de
Moçambique. Ficou acordado que haveria troca de informações de segurança de interesse mútuo
através de um canal principal entre Salisbury e Lourenço Marques (Nota 3). Em 1961, com o
início da guerra em Angola, Basill Quehen deslocou-se a esta colónia e a Moçambique para
conferenciar com os respectivos dirigentes da PIDE (Nota 4) e aumentar a colaboração.

IV.3.2.5. Estados Unidos da América

Através do National Security Act de 1947, foi criada, nos EUA, a Central Intelligence Agency
(CIA), a qual ficou impedida de exercer funções policiais a nível interno (Nota 5). Nos anos 50, em
plena Guerra Fria, a CIA instalou um dos quatro retransmissores da Radio Free Europe Rádio
Europa Livre, criada em 1947, em Glória do Ribatejo (os outros situavam-se em Espanha,
Alemanha Ocidental e Taiwan), e gerida, em Portugal, pela Sociedade Anónima de Rádio-
retransmissão (RARET).
No entanto, a ligação «oficial» entre a PIDE e a CIA só foi formalizada em 7 de Junho de 1956,
quando o coronel Benjamin H. Vandervoort (Nota 6) adido da Embaixada dos EUA em Lisboa,
escreveu a Agostinho Loura comunicando-lhe o convite do director da CIA para uma deslocação
aos EUA «para discutir matérias de mútua preocupação». Como Agostinho Lourenço se desligou da
direcção da PIDE, por limite de idade, em 5 de Setembro, o convite foi transmitido a António
Neves Graça, que o aceitou com «muito agrado». Na correspondência então trocada entre as duas
polícias, é possível ver que a CIA se propôs prestar auxílio à PIDE na organização de um sistema
mecanizado de ficheiros e arquivos.

Nota 1 - Ibidem, pr. 6.341 CI (2) A, pasta 1, Federação das Rodésia e Niassalândia, fls, 29, fl 66,
1954-565. Acordo com a polícia da União da África do Sul para troca de informações, 24/1/55 a
1/5/56.
Nota 2 - Ibidem, pr. 12.641 CI (2), Colaboração com a RAS, polícia da África do Sul, Bureau for
State Security, fls. 16, 38, 82 e 119.
Nota 3 - Ibidem, pr. 6.341 CI (2)/A, pasta 5, Federação da Rodésia e Niassalândia. Ligação com
Salisbury.
Nota 4 - Ibidem, pasta 7, fls. 34, 41, 128 e segs.
Nota 5 - Sítio na Internet sobre a CIA, Factbook on Intelligence, December 1992, pages 4-5,
Vincent Jauvert, «Quand l'Amérique...», in Le Nouvel Observateur n.° 1966, 11/7/2002.
Nota 6 - Idem, ibidem, p. 106. Benjamin Vandervoort era oficialmente political officer
(conselheiro) da embaixada e nessa qualidade consta das listas públicas do Departamento de
Estado. Cessou as suas funções de chefe do posto da CIA em Lisboa no final de 1958.

121

Neves Graça elaborou, depois, uma proposta de colaboração entre os serviços, na sequência de uma
reunião em Washington. Nesse projecto de acordo, as duas polícias propunham-se trocar
informações sobre a organização comunista e efectuar diligências e operações conjuntas, entre as
quais se contavam a infiltração no seio dos partidos comunistas. A CIA comprometeu-se a difundir
técnicas de operações e de propaganda anticomunistas, bem como a formar pessoal especializado
em Washington, passível de ser consultado pela PIDE, para treino e briefing de funcionários da
polícia portuguesa. Por seu turno, a PIDE forneceria informações sobre o PCP e detalhes de
operações conduzidas contra ele, cuja utilidade fosse reconhecida para a CIA. Criaria ainda uma
equipa, treinada pela agência americana e dirigida pela PIDE, para trabalho exclusivo de penetração
no PCP em Portugal (Nota 1).

O «homens das Américas»

Fizeram parte da delegação da PIDE que participou no curso da CIA, Outubro e Novembro de
1957, realizado em Camp Peary (Virgínia), sob o nome codificado de Isolation, o subinspector
Jaime Gomes da Silva, o chefe de brigada Manuel Vilão de Figueiredo, os agentes Sílvio Mortágua,
Amândio Gomes Naia, Álvaro dos Santos Dias Melo, Abílio Augusto Pires, Felisbino Marques
Gomes, Ernesto Lopes (Ramos) José Mesquita Portugal e João Nobre e ainda os escriturários
Alfredo Fernando Robalo e Eduardo de Sousa Miguel da Silva, que chegou a 1.º oficial da DGS
(Nota 2).
Alguns dos quadros da PIDE que estagiaram na América — Ernesto Lopes Ramos, Abílio Pires e
Miguel da Silva — terão sido depois contratados pela CIA como agentes de ligação em Portugal.
Eduardo de Sousa Miguel da Silva teria sido mesmo considerado, pelos próprios dirigentes da
polícia, como um «homem das Américas». Por seu turno, numa entrevista dada pelo major João
Vargas, da Comissão de Extinção da PIDE/DGS e da LP, este afirmou que, além do inspector
Cunha Passo, também Abílio Pires tinha sido convidado para os quadros da CIA, pela quantia de
500 dólares mensais (Nota 3).
Após 1974, o próprio Abílio Pires negou o facto, embora afirmasse que a CIA o tinha de facto
tentado subornar, oferendo-lhe 600 dólares mensais, através de Walter Andrade, elemento da
estação dessa agência em Lisboa, depois substituído por John Morgan. Pires acrescentou que este
último efectivamente o procurara, mas que como sempre com a CIA, as relações da PIDE/DGS
eram de desconfiança, embora o homem da antena em Madrid, Colombatovic, se deslocasse por
vezes a Lisboa para falar sobre questões da Interpol com o subdirector Barbieri (Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 6. 341 CI (2), pasta 2, Acordo com a CIA, serviços americanos para troca
de informações, carta de Lisboa, 9/3/57, assinada por Neves Graça, fls. 2-7, 12, 31, 36,39, 40 e 45.
Nota 2 - Ibidem, pr. 2 CI (2) SC DSI, pasta 5, fls. 1-4, 7, 8, 18, 19,24, 28, 36, 40, 50, 53-55, 59, 64,
68-69 e 100; José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, p. 105.
Nota 3 - «A PIDE colaborou com a CIA», in Diário Popular, 7/2/1975.
Nota 4 - António Possidónio de Moura Diniz, proc. 104/79 do TMT de Lisboa, pasta 112, vol. 3,
fls. 523-525, Abílio Pires, relatório, 14/6/74; Bruno de Oliveira Santos, op. cit., p. 42.

122

Em 1974, Philip Agee, oficial de operações secretas da CIA, afirmou, por seu turno, que Rudolfo
(sic) Gómez, organizador da rede dessa agência em Portugal, tentara aliciar, no final dos anos 60, o
inspector Rosa Casaco com o qual terá reunido periodicamente no Porto e em La Toga (Galiza)
(Nota 1) António Rosa Casaco também negou ter trabalhado para a CIA, esclarecendo que apenas
teve uma «amizade desinteressada» com Gómez (Nota 2). Outro elemento que terá trabalhado com
a CIA foi Álvaro Pereira Carvalho, que confessou, aliás, numa entrevista a José Freire Antunes, ter-
se apercebia através do contacto com os serviços americanos, quão atrasadas estavam as técnicas da
polícia portuguesa (Nota 3).

Operações conjuntas entre a PIDE e a CIA: o caso Expectator

Após 25 de Abril de 1974, o ex-inspector Jaime Gomes da Silva da conta de que, no âmbito da
colaboração entre a PIDE e a CIA, foi montada a operação Expectator, dirigida pelo homem da CIA
em Lisboa, Vandervoort, e na qual participou ainda Fred Hubbard, adido da embaixada dos EUA
(Nota 4). A operação Expectator — de «cross contamination between the expectator and or other
Russian intelligencia service aparati in Portugal and PCP» — destinava-se a «vigiar a actividade de
refugiados de guerra em Portugal, provenientes de leste, quase todos judeus». Entre estes,
contavam-se nomeadamente, «uma senhora com uma loja de artigos de criança na Guerra
Junqueiro, o dono do barco Wildebrandt (de nome Philip Spitzer) que encalhou em Cascais» (Nota
5), o casal Katharina e Adolf Spitz, Max Azancot e Jorge Keri, acusados de fazerem parte de uma
rede soviética (Nota 5).
Em 25 de Novembro de 1957, a CIA enviara a Neves Graça um memorando, baseado num relatório
da inteligência alemã de 1943, onde afirmava que o conde d'Adix, pertencente à rede soviética Rote
Kapelle, tinha estado em Portugal até ser expulso em 1946. Em Abril do ano seguinte, Max
Azancot teria colocado novamente d'Adix no comando da organização comunista em Portugal.
Depois, até 1949, vários relatórios haviam dado este último como representante da NKVD e
implicado numa organização alemã antinazi, a INA (Independência Nacional Alemã), por
intermédio dos ex-elementos do PCP José de Sousa Coelho (José de Sousa) Miguel Wager Russel
(Nota 7).

Nota 1 - «Investigação sobre Rosa Casaco leva a rede da CIA», in A Capital, 9/12/74.
Nota 2 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, p. 93.
Nota 3 - José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, pp. 106-108.
Nota 4 - Ibidem, p. 107. O telefone particular de Hubbard, em Cascais, foi, aliás, um dos mais
escutados pela PIDE, ao longo de 1961-1962. Arquivo Histórico Militar, Jaime Gomes da Silva, 4.º
Juízo do TMT, proc. 28/80, pasta 66, arquivo 622; Luta Popular, 9/11/78.
Nota 5 - Segundo Nuno Vasco, em A bem da Nação, p. 195, esta operação foi dirigida pelo coronel
Vandervoort, elemento da CIA em Portugal.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 2 CI (2) SC DSI, pasta 5, fls. 152, 160, 162 e 168; «A PIDE colaborou com
a CIA», in Diário Popular, 7/2/75.
Nota 7 - Ibidem, pr. 2 CI (2) SC DSI, pasta 5, fls. 182 e segs. e 201.

123

Em Portugal, tinha ainda actuado, segundo a CIA, outra agência soviética da RIS (contra-
informação russa), da qual faziam parte, entre outros, Katherine Spitz, que a CIA pediu à PIDE para
interrogar, bem como a desta. Paralelamente, a CIA tinha referenciado, entre 1941 e 1944, outra
portuguesa como sendo correio dos serviços secretos alemães, e detectado ligações entre esta e
agentes soviéticos em Portugal. A CIA informou a PIDE da possível presença de um segundo
aparelho soviético a operar em Portugal ou nas suas colónias, no qual actuaria Carolina Loff da
Fonseca, ex-membro do PCP, partido do qual tinha sido expulsa por se ter tornado amante de um
inspector da própria polícia, Júlio de Almeida (Nota 1).
Convencida de que a Espionagem soviética estava a tentar reactivar os elementos da Rote Kapelle
na Europa, utilizando antigos agentes secretos alemães, a CIA sugeriu assim à PIDE que preparasse
com aquela agência uma investigação conjunta (Nota 2). O certo é que, num relatório com a data de
23 de Agosto de 1957, a PIDE deu ordens para «averiguar muito discretamente a identidade
completa dos empregados da firma "Construções Especiais Lda.", em Lisboa, sem dar a conhecer o
interesse da polícia acerca do assunto (Expectator), da qual faziam parte, entre outros, alguns dos
estrangeiros acima mencionados (Nota 3).

A PIDE e a CIA a partir do final dos anos 50

Numa entre várias notas não assinadas, de 3 de Novembro desse ano, dirigida ao subdirector
Manuel da Silva Clara, provavelmente por um elemento da CIA em Portugal, afirmava-se que a
«sede» acabara de enviar aos «serviços em Portugal» instruções para prestar à PIDE «todo e
qualquer auxílio necessário». Este elemento pretendia encontrar-se com o director da PIDE, para
discutir a viabilidade de ele próprio «ir a Tânger para coordenar todos os serviços americanos num
esforço completo para penetrar a organização de Queiroga». No caso afirmativo, assegurou que a
polícia portuguesa podia considerar «o seu agente neste assunto». O interesse dos serviços
americanos por Queiroga é revelado noutra nota de 10 de Novembro, onde se dizia que ele
pretendia sabotar os principais pontos estratégicos de defesa da Península Ibérica e bases militares
ligados à NATO (Nota 4). No entanto, apesar da colaboração entre a PIDE e a CIA, particularmente
evidente no final dos anos 50, houve pelo menos um caso onde, segundo Freire Antunes, a CIA teve
uma atitude dúplice: ao apoiar, em 1959, o grande inimigo do regime, Humberto Delgado.

Nota 1 - Sobre esta figura, veja-se José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política,
Daniel», o Jovem Revolucionário, Lisboa, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 1999, e a obra de
ficção de Vasco Graça Moura, O Enigma de Zulmira: Romance, Lisboa, Gótica, 02.
Correspondência do Ministério do Interior, 1946, processo Júlio de Almeida, 4/4, ofº 288 envia
requerimento sub-inspector Júlio Almeida em que pede que seja despachado o processo pelo qual
está suspenso enviado à PIDE. Ministério da Justiça, 18/5, of.° 458, indicação do capitão Agostinho
Lourenço como representante à conferência internacional da polícia, enviado ao MNE e à PIDE. –
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 2 CI (2) SC DSI, pasta 5, fls. 182 e segs. e 201.
Nota 3 - Ibidem, pr. cr. 2401/57.
Nota 4 - Ibidem, pr. 11.151 Cl (2), capitão Fernando Gualter Queiroga Chaves.

124

Segundo uma versão soviética que carece porém de confirmação, quando a PIDE provocou uma
pretensa manifestação de apoio a Delgado frente à sua casa para o deter, com o pretexto de essa
iniciativa não estar autorizada, Benjamin Vandervoort, o elemento da CIA, que estava a par dessa
provocação, interveio em socorro do general (Nota 1).
Diga-se, porém, que foi na sequência dessa manifestação que Delgado se refugiou na embaixada do
Brasil, facto que, como se verá, muitos dos apoiantes do general consideraram um erro, pois
resultou na sua saída do país, o que foi conveniente para o regime. Outros autores também
afirmaram que a PIDE recebeu provavelmente da CIA relatórios sobre Delgado, mas que esta
agência também manteve relações com o general, nomeada mente em 1962, quando este terá sido
visitado, no Brasil, por militares ao serviço da embaixada dos EUA (Nota 2).
A PIDE realizou também, pelo menos, duas viagens marítimas a portos soviéticos com elementos
seus a bordo de navios mercantes portugueses, sobre as quais relatou à CIA. A primeira viagem
realizou-se no mm Melo, ao porto de Riga, em 1959, com a presença de dois agentes da PIDE,
Santos e Lopes (provavelmente Ernesto Lopes Ramos). Quanto às segunda viagem, ao porto
soviético de Tuapse, no Mar Negro, em 1960, foi a própria CIA que, numa carta muito secreta à
PIDE, pediu que esta colocasse um agente a bordo. Ernesto Lopes Ramos foi de novo o escolhido
para se infiltrar no navio, de onde tirou fotografias ao porto soviético, que a agência norte-
americana agradeceu (Nota 3).
Embora alguns autores datem do início dos anos 60 o incremento de relações entre a PIDE e a CIA,
o ex-elemento da PIDE/DGS Óscar Cardoso afirmou que acontecera precisamente o contrário. Ou
seja, devido ao apoio que os americanos deram em 1961 à UPA e, três anos depois a Mondlane, as
relações apenas não cessaram devido a ambos os países serem membros da NATO (Nota 4).
Também Álvaro Pereira de Carvalho confirmou a deterioração do relacionamento durante a
presidência Kennedy, afirmando que a agência americana terá então escondido à PIDE dados sobre
os movimentos africanos. Por seu lado, esta polícia não só chegou a manter sob escuta o telefone
privado do chefe da estação da CIA em Portugal como terá recebido ordens de Salazar para
restringir a informação aos norte-americanos (Nota 5).
Nesse ano de 1961, houve ainda problemas relacionados com Henrique Galvão, responsável pelo
assalto ao paquete Santa Maria, o qual tentou então conquistar apoio e credibilidade nos EUA,
embora os serviços de emigração lhe tivessem recusado o visto de entrada nesse país. Em 3 de
Novembro, Galvão encontrou-se, na embaixada dos Estados Unidos em Estocolmo, com o
primeiro-secretário Parsons, e o certo é que ao regressar a Marrocos deu luz verde à operação Vagô:
o desvio de um Superconstellation da TAP, no percurso Casablanca-Lisboa (Nota 6).

Nota 1 - Freire Antunes, Kennedy e Salazar, pp. 111 e 112.


Nota 2 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 230.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 2 Cl (2) SC DSI, pasta 6, fls. 134, 136, 137,
Nota 4 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, op. cit., p. 94.
Nota 5 - José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, pp. 208 e 249-250.
Nota 6 - Ibidem, pp. 288-290.

125
Ao longo de 1962, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira manifestou preocupação
com o apoio dos EUA à UPA (Nota 1) e afirmou, a Theodore Anthony Xanthaky, conselheiro da
Embaixada dos EUA em Lisboa e elemento da CIA, que se tornava difícil manter um diálogo com
o governo americano (Nota 2). Após deixar funcionário da Embaixada dos EUA em Lisboa, em
1964, Theodore manteve-se em Portugal e foi admitido na Sonap, ficando sob vigilância da PIDE.
A partir de 1963, houve uma moderação no discurso anticolonialista dos EUA e uma tentativa de
conciliação, num momento de negociações para a renovação do acordo de utilização da base das
Lajes, nos Açores (Nota 3). Após o fim da administração Kennedy, a PIDE voltou a ter uma relação
«leal» com a CIA, embora, como era «óbvio», houvesse sempre informações que uma polícia
omitia à outra, segundo afirmou Álvaro Pereira de Carvalho (Nota 4). Em 1964, a colaboração
entre a PIDE e os serviços secretos norte-americanos já era das melhores (Nota 5), como se pode
ver pelo facto de a PIDE ter então sido informada de que o Departamento de Estado norte-
americano estava preocupado com as actividades de Humberto Delgado, contra o qual pensava
utilizar Henrique Galvão (Nota 6). Em Portugal, porém, a PIDE continuou a preocupar-se com a
activividade da embaixada e dos serviços secretos americanos. Refira-se, por exemplo, que,
segundo uma informação da PIDE/DGS, o segundo-secretário da embaixada em Lisboa, Robert B.
Bentley, contactou, em 1969, Jorge Branco Sampaio, ao qual sugeriu uma reunião em casa do novo
conselheiro daquela missão diplomática, Robert W. Zimmerman, propondo que aí estivessem
também presentes Francisco Pereira de Moura, Lindley Cintra e Victor Wengorovious (Nota 7). O
certo é que, em 20 de Novembro desse ano, o director da DGS soube, de fonte «absolutamente
segura», da ocorrência, dois dias antes, de um jantar em casa de Diego Asencio, conselheiro da
embaixada dos EUA (entre 1967 e 1972) e homem da CIA, com Robert Zimmerman, no qual
tinham estado presentes Mário Soares (Nota 8), Francisco Salgado Zenha e Francisco Sousa
Tavares (Nota 9).
Em 1973, o novo director da CIA, William Colby, que substituiu Richard Helms, despedido por
Richard Nixon, por ter falhado em cobrir o escândalo Watergate (Nota 10), considerou Portugal um
sítio tão estagnado que chegou a sugerir o encerramento do posto da agência no país.

Nota 1 - Luís Nuno Rodrigues, Salazar-Kennedy: A Crise de Uma Aliança, p. 114.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 71 e 147.
Nota 3 - Idem, ibidem, p. 322.
Nota 4 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 56 e 57.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 5962/61, fl. 16, nota, PI-65-24, October, 11, 1965.
Nota 6 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa..., p. 240. Informação da PIDE sobre Henrique
Galvão. 1. Informação sobre o Departamento de Estado Americano e Henrique Galvão. Vide doc.
n.° [...] 2 de 2 de Outubro de 1964, anexo ao ofício n.° PO 598, de 17 de Outubro de 1964 do MNE.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 4922 Cl (1), Francisco Pereira de Moura.
Nota 8 - José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, pp. 93-95.
Nota 9 - PIDE/DGS, pr. 121 Cl (1), Francisco Sousa Tavares, fl. 16.
Nota 10 - Steve Kangas, «Timeline of CIA Atrocities», no sítio da Internet do National Security
Archives.

126

Pouco antes de 25 de Abril de 1974, o posto da CIA era composto apenas por três elementos: John
Stinard Morgan (Nota 1), acabado de chegar a Lisboa, Frank W. Lowell e Leslie F. Hughes, ambos
incorporados na embaixada como oficiais de telecomunicações.
John Morgan terá continuado com o trabalho dos seus antecessores, mantendo a convicção na
imutabilidade do sistema político português. No dia 25 de Abril de 1974, chegou a telefonar a
Pereira de Carvalho, que declarou não ter chegado a atender, embora admitisse que o chefe do
posto da CIA lhe quisesse oferecer protecção nos Estados Unidos, depois de «quase 12 anos de
estreita colaboração com os Americanos» (Nota 2). Pereira de Carvalho afirmou, aliás, que oficiais
do EME avisaram os americanos do golpe e observou que «o 25 de Abril não teria sido possível
sem uma garantia dos Estados Unidos» (Nota 3).

IV.3.2.6. Brasil

Como se sabe, houve em 1959 um severo contencioso entre o Brasil e Portugal, a propósito do asilo
político de Humberto Delgado na embaixada daquele país em Lisboa, chefiada na época por Álvaro
Lins, que se tornara persona non grata para o regime salazarista. Lembre-se que, depois, a
embaixada desse país em Lisboa foi novamente escolhida também por outros oposicionistas
portugueses, nomeadamente por participantes no «golpe de Beja», para recorrerem ao asilo
político.
Mesmo assim, foi assinado nesse ano um acordo para troca de informações, entre a PIDE e o
Departamento Federal de Segurança Pública Rio de Janeiro (Nota 4). Em Outubro de 1960, esteve,
por seu turno, em Portugal, a convite da embaixada no Brasil, Alberto J. Soares, inspector da
divisão da Polícia Política e Social do Departamento Federal de Segurança Pública brasileiro, que
tinha sido, trinta anos antes, o agente de ligação com a polícia portuguesa relativamente a
actividades políticas no Brasil (Nota 5).

O caso Sérgio Baptista

Houve ainda outro contencioso, aberto em 1961, com o caso Sérgio Baptista, repórter fotográfico
nascido no Rio de Janeiro, detido quando desembarcava no cais da Rocha do Conde de Óbidos, por
suspeita de vir a desenvolver «actividades contra a segurança do Estado».

Nota 1 - John Morgan foi identificado, após o 25 de Abril de 1974, pelo Serviço de Informações
Militares (SDCI) como agente da CIA e antigo elemento de ligação com a PIDE/DGS. O Pulsar da
Revolução: Cronologia da Revolução de 25 de Abril (1973-1976), Porto, Afrontamento/Centro de
Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, 1997, p. 224.
Nota 2 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 311, 322-324, 345, 349 e 351-355.
Nota 3 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura. As Forças Armadas e a Imprensa na
Queda do Estado Novo (1973-1974), Lisboa, Editorial Estampa, 1996, pp. 177 e 217. Dominique
de Roux, que se apresentou como jornalista do semanário Paris Match, escreveu um livro sobre a
sua experiência em Portugal: O Quinto Império, Delraux, 1977.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 6341 CI (2), pasta 4, fl. 1.
Nota 5 - Ibidem, pr. 565 CI (2). Polícia brasileira. Departamento de ordem política e social (DOPS),
fls. 4 e segs.

127

Foram-lhe apanhadas várias mensagens para contactos em Portugal e material para fabricação
de explosivos, escondido em latas de goiabada, pelo que recolheu ao Aljube. Os interrogatórios a
que foi sujeito, entre Abril e Junho de 1961, ficaram a cargo de Rosa Casaco, o qual se tinha, aliás,
deslocado ao Brasil logo a seguir ao assalto ao Santa Maria, não sendo de descartar que tenha tido
conhecimento do envio de Sérgio Baptista a Portugal (Nota 1).
Nos interrogatórios, Sérgio Baptista afirmou ter sido abordado, no ano anterior, por um amigo
português, para fazer parte de um grupo que, no Brasil, preconizava o derrube do governo
português e a colocação no poder Delgado e Galvão. Baptista tinha sido depois aliciado, segundo
ele, a embarcar para Portugal, onde se deveria dirigir a Águeda e à Figueira da para contactar
indivíduos envolvidos numa operação que consistia em fazer ir pelos ares diversos comboios entre
Lisboa e Porto, bem como colocar bombas nas embaixadas dos EUA e do Brasil, que seriam
atribuídas a elementos do regime. Em tribunal, Sérgio Baptista contestou a acusação, afirmando ter
agido com imperfeito conhecimento do crime e sem intenção criminosa. Lembrou também a sua
confissão espontânea, o que não impediu que fosse condenado a cinco anos de prisão maior e
medidas de segurança (Nota 2).
Em carta dirigida ao seu amigo Franco Nogueira, em 5 de Março de 1963, o brasileiro Alves
Pinheiro, representante da firma Lloyd em Lisboa, intercedeu por Sérgio Baptista, lembrando que
ele apenas tinha sido levado a aceitar a incumbência de transportar explosivos, por imbecilidade e
ânsia viajar, e pediu que fosse indultado e expulso do país, acto que seria considerado um gesto de
simpatia no Brasil. O MNE remeteu o assunto para o Interior, que o remeteu para a PIDE, mas esta
afirmou que ele só poderia ser libertado quando terminasse metade da pena (Nota 3). Acabou por
ser solto e expulso de Portugal em 10 de Agosto de 1964 (Nota 4).

O golpe militar de 1964, no Brasil

Quando Sérgio Baptista chegou ao Brasil, o regime tinha mudado, através de um golpe de Estado
que instalou uma ditadura, diplomaticamente mais próxima do regime salazarista do que os
governos democráticos anteriores. Diga-se que, em final de Julho de 1964, a casa do ex-
embaixador do Brasil em Portugal, Álvaro Lins — que concedera asilo a Delgado —, foi assaltada
pelos militares brasileiros, afirmando a sua mulher, Heloísa, ao jornal Ultima Hora, de dia 29, que,
após ter visto «com horror se fazerem monstruosidades assim em Portugal», tinha acabado de as
ver, «com vergonha, no Brasil» (Nota 5).

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 72-73; António Rosa Casaco, Servi a
Pátria e Acreditei no Regime, p. 208. Rosa Casaco disse que foi ao Brasil tentar saber quais eram os
futuros planos de Henrique Galvão após o assalto ao Santa Maria.
Nota 2 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, proc. 16586/61, Sérgio Baptista, 3.° juízo
criminal, crime contra a segurança do Estado, fls. 2, 24, 29 e 89.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 0252 «actividades subversivas». Cópia da carta de Alves Pinheiro, de
5/3/63, frontispício do jornal brasileiro Globo.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, Tribunal da Boa Hora, pr. 16586/61, Sérgio Baptista, fls. 2, li 29
e 89.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 264, 1964. Recortes de notícias da imprensa brasileira com a chegada ao
Brasil do indultado Sérgio Baptista.

128

Em 12 de Agosto, o jornal brasileiro Correio da Manhã publicou, em primeira-mão, a relação dos


presos políticos detidos na sede da política DPPS, no Rio de Janeiro, entre os quais figuravam
alguns angolanos e e Fidelis Cabral, que estava em missão do PAIGC no Brasil, quando eclodira o
golpe militar. Depois de terem passado pelo centro de informação da Marinha, os detidos estavam a
ser interrogados na presença do inspector Cunha Passo, enviado pela PIDE ao Brasil. O jornal não
deixou de manifestar revolta pelo facto de esses cidadãos estarem a ser interrogados na presença de
um elemento da PIDE e de a maioria das perguntas feitas se relacionarem com Angola e Portugal e
não com o Brasil (Nota 1).
O relacionamento entre as forças policiais brasileiras e a PIDE/DGS passou a ser de cooperação,
como atesta uma carta de Sílvio Mortágua de finais de Janeiro de 1973 onde este agradece a
Alcides Cintra Bueno Filho, da DOPS de São Paulo, o envio de documentos apreendidos pela
polícia brasileira com notícias «falsas e tendenciosas» endereçadas à redacção do Portugal
Democrático. Ao despedir-se, Mortágua reafirmou o espírito de colaboração e amizade que unia as
duas polícias (Nota 2).

IV.4. A PIDE/DGS E A EXTREMA-DIREITA INTERNACIONAL:


A Aginter Press

Segundo um relatório do Ministério do Interior italiano de 1973, a Aginter Press era uma «oficina
de espionagem coberta pelos serviços secretos portugueses e ligada à CIA, às redes Gehlen da RFA,
à DGS espanhola, à KYP grega e à BOSS sul-africana». Era constituída por três centros: um
centro de treino e recrutamento de mercenários especializados em atentados e sabotagem; um
centro estratégico para operações de subversão e intoxicação política em África, na América Latina
e na Europa, com ligação a fascistas internacionais, e, finalmente, uma organização internacional
chamada Ordem e Tradição com um braço militar, a Organização de Acção contra o Comunismo
Internacional (OACI) (Nota 3).
A «agência» foi subsidiada pela PIDE/DGS, da qual recebia 900 contos anuais, fornecidos pelo
Ministério da Defesa Nacional, numa operação a cargo dos generais Deslandes e Paiva Brandão e
do major António César de Lima. Por intermédio de Hall Themido e Caldeira Coelho, o MNE
também terá pago 2000 contos à Aginter Press, que contava com colaboradores na Emissora
Nacional, na Voz do Ocidente e no jornal Agora. Tinha ainda o apoio de elementos da extrema-
direita portuguesa, entre os quais se incluíram Armando Marques de Carvalho, Zarco Moniz
Ferreira, José de Barcelos e José Valle de Figueiredo (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 565 CI (2) social (DOPS), fl. 2.
Nota 3 - Marie-Monique Robin, Escadrons de la mort, couverte, 2004, pp. 190-191.
Nota 4 - A Luta, 24/10/78. Este jornal refere-se ao livro surgido, nesse ano de 1978, en L’Orchestre
Noire, Editions Stock, de Frédéric Laurent, jornalista do Libération.

129

Nominalmente chefiada, até 1974, por Tacques Ploncard d'Assac, um francês fugido à justiça
francesa por colaboracionismo com o ocupante nazi, que vivia em Portugal desde 1945 (Nota 1), a
Aginter Press era, na realidade, dirigida por Yves Le Guillou, alias Ralf Guérin-Sérac, que se
instalou em Lisboa em 1962, para treinar a LP e unidades antiguerrilha do Exército português. Após
ter combatido na Indochina e na Argélia, este francês da extrema-direita pertenceu à OAS e esteve
implicado no atentado à bomba da Piazza Fontana, em Milão, em 12 de Dezembro de 1969, que fez
16 mortos e 88 feridos (Nota 2).
A relação entre terroristas da extrema-direita e a Aginter Press também foi revelada por um livro
francês publicado em 1978, segundo o qual, após o fracasso dos vários atentados neofascistas em
Milão e Roma, alguns dos elementos implicados, da organização Avanguardia Nazionale, se tinham
instalado em Lisboa para colaborar com aquela agência (Nota 3). Citando um despacho de
Moscovo, o Diário de Lisboa noticiou, em 4 de Junho de 1975, que, entre os amigos mais chegados
de Guérin-Sérac, se contavam os elementos da OAS Jean Marie Laffitte e Robert Leroy, um dos
organizadores do atentado desta organização terrorista em Paris (Nota 4).
O mesmo jornal declarou que a Aginter Press não passava de uma capa jurídica sob a qual
funcionava a sede da organização neofascista internacional Ordem e Tradição, criada em 1966,
conforme deu conta um informador da polícia italiana chamado «Aristo». Em Março de 1967, a
Ordem e Tradição contactou a Ordine Nuovo italiana para a realização de um convénio em Lisboa,
mas Guérin-Sérac recusou depois a colaboração dessa organização neofascista italiana,
provavelmente por preferir um relacionamento então estabelecido com a direita do Partido
Republicano italiano (Nota 5). Diga-se, aliás, que existe nos arquivos da PIDE/DGS, com fonte na
Ordem e Tradição, uma informação sobre actividades comunistas na Europa, nomeadamente de
organizações maoístas que, na Bélgica, apoiavam os desertores portugueses (Nota 6).
Segundo o jornal italiano Expresso, a Aginter Press prestava informações à PIDE/DGS e tinha,
além de relações com os neofascistas italianos e alemães, e membros da OAS, também com os
serviços secretos italianos e gregos. Uma das actividades da Aginter era a provocação e a infiltração
em grupos da extrema-esquerda e, por exemplo, o já referido Robert Leroy, um dos braços direitos
de Sérac, terá conseguido infiltrar-se, nomeadamente, nas Brigadas Vermelhas italianas (Nota 7). O
certo é que a Aginter Press elaborou, entre outros, um relatório geral sobre a situação dos grupos de
extrema-esquerda e, em 1968, um manual sobre a «acção política» destes (Nota 8).

Nota 1 - Pedro Vieira, «O mistério dos arquivos voadores», in Visão, 6/10/1994, pp. 24-27.
Nota 2 - Marie-Monique Robin, Escadrons de la mort, 1'Ecole Française, pp. 190-191.
Nota 3 - A Luta, 24/10/78. «Aginter Press, arquivo foi para Caxias», in Diário de Lisboa, 5/10/74,
p. 5
Nota 4 - A Luta, 24/10/78.
5 PIDE/DGS, pr. 9241CI (2), fls. 168, 314, 359 e 384.
Nota 6 - Ibidem, Centro de Pesquisas e Informação Especiais e Políticas (CRISP). Actividades
comunistas na Europa, Ficha ot/30 de 18/10, Fonte: «Ordem e Tradição».
Nota 7 - «Um segredo que se esconde em Caxias», in Diário de Lisboa, 1/8/74, p. 19, citando o
jornal italiano Expresso, de 8 de Agosto de 1974.
Nota 8 - Gianni Cipriano, Lo Stato Invisible, Storia dello Spionaggio in Itália, dal Dopoguerra a
Oggi, Milão, Sperling & Kupfer Editorio, 2002, pp. XIII, XXIII, 5, 6, 19 e 22.

Página em branco

SEGUNDA PARTE
A PIDE/DGS E OS SEUS PRINCIPAIS ADVERSÁRIOS

132

V. A PIDE E O PCP NO PÓS-GUERRA (1945-1957)

Partindo da hipótese inicial de que a PIDE serviu, por um lado, intimidar e deste modo prevenir a
contestação pública ao regime bem como, por outro lado, para destruir toda a oposição organizada
contra o Estado Novo, propõe-se, através da análise de casos escolhidos, dar um papel central às
relações entre a polícia política e os militantes das organizações da oposição. Embora sem esquecer
a actuação da PIDE/DGS nos casos de dissidência de membros do próprio regime, de movimentos
«reviralhistas», socialistas, ou em tentativas civis ou militares de derrube do governo - abordados
num próximo capítulo —, dar-se-á, em primeiro lugar, especial atenção às relações entre a polícia
política e o Partido Comunista Português o principal adversário político do regime até ao final da
década de 60.
Num estudo sobre a «Oposição em Portugal» entre 1945 e 1968, Hermínio Martins dividiu esta
última em quatro tipos, segundo um critério de legalidade e perspectiva temporal. Teria assim
havido uma «oposição, num sentido estrito», de comportamento anti-regime orientado para as
oportunidades legais ou semilegais de conflito político. O autor adjectivou, outro lado, de «paideia,
isto é, acção desenvolvida a longo prazo», «a estratégia "metapolítica" para a modernização das
formas de pensamento e a mentalidade cultural da intelligentsia adoptada por António Sérgio» e
pelo grupo da Seara Nova. Assinalou ainda, na luta contra o regime, a «conspiração», consagrada
pela tradição pretoriana portuguesa, por definição ilegal e episódica, e, finalmente, a «resistência»,
ou seja, a oposição clandestina com uma perspectiva estratégica a longo prazo.
Ora, para este autor, a «resistência» é de longe a estratégia de oposição que mais custos tem num
regime autoritário, em que «a repressão contra este modo de oposição é tão severa e inevitável, as
compensações tão incertas e remotas, que poucas são as estruturas organizativas que ousam adoptá-
la». Por isso, à «excepção do PC, apenas os movimentos de "libertação nacional" levaram a cabo
com sucesso uma tal estratégia» (Nota 1). Observe-se que, devido ao facto de ter escrito este ensaio
em 1969, o autor não se referiu à extrema-esquerda nem às organizações de luta armada e de
resistência anticolonial, que surgiram posteriormente.
Há a ideia, em comum aceite, de que o PCP constituiu, para a polícia política, o inimigo principal.

Nota 1 - Hermínio Martins, «Oposição em Portugal», in Classe, Status e Poder, pp. 56 e 60.

A PIDE/DGS, aliás, sempre o apelidou de «chamado "Partido Comunista Português"», colocando


aspas em tudo o com de se relacionava — «secretariado», «CC», «partido», «funcionários,
«militantes» e «simpatizantes» —, para o desvalorizar enquanto organização política, a favor de
uma noção de associação criminosa, subversiva e terrorista. Diga-se também que, para o PCP, a
PIDE/DGS foi o inimigo principal e parece ser verdade que quer a polícia quer este partido se
condiram mutuamente (Nota 1).
Tentar-se-á comprovar essa realidade através da análise de alguns casos que originaram processos
instruídos pela PIDE, a partir de 1945, contextualizados no tempo e nos acontecimentos políticos
que então tiveram lugar. Dada a longevidade do regime e do processo repressivo, dividir-se-á esta
parte do trabalho em dois capítulos dedicados ao PCP. Num terceiro capítulo será abordada a
actuação dessa polícia relativamente às organizações de extrema-esquerda e de luta armada.

V.l. A mudança de adversário principal, antes de 1945: A PVDE e o PCP

Embora em grande parte do período aqui estudado tenha sido o Partido Comunista Português o alvo
central da repressão, nem sempre assim foi. Até 1934, o inimigo principal do regime de Salazar foi
o reviralhismo e o revolucionarismo republicanista (Nota 2). Apesar de, com a liderança de Bento
Gonçalves, a partir de 1929, o Partido Comunista Português ter passado a repudiar oficialmente o
que designou por putschismo, os comunistas não passavam então «de um pequeno grupo de
agitação política e sindical, assente num punhado de activistas, com elevado espírito de militância e
iniciativa» (Nota 3).
A «fascização» dos sindicatos, em consequência das leis corporativas de Setembro de 1933, e a
dura repressão que se sucedeu à resposta operária a tal legislação — a «greve geral insurreccional»
de 18 de Janeiro de 1934 — alteraram o quadro da relação de forças oposicionistas. O PCP tornou-
se a única organização política permanente no campo oposicionista, com uma actividade mais ou
menos regular e uma estrutura partidária mais capaz de se adaptar à luta na clandestinidade. Após o
«18 de Janeiro», que marcou assim uma ruptura histórica no movimento operário e representou o
fim de uma época, o comunismo passou a hegemonizar o campo oposicionista, tomando o lugar do
reviralhismo e do anarcossindicalismo.
O regime apercebeu-se, aliás, disso e no comício da Associação Estudantil Vanguarda, de 3 de
Janeiro de 1934, Salazar definiu, pela primeira vez, o comunismo como «a grande heresia da nossa
idade». Depois, no contexto de crispação fascizante da guerra civil espanhola, entre 1936 e 1939, o
comunismo foi definitivamente consagrado como o inimigo principal, nomeadamente no período
da Guerra Fria, até 1969/1970.

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 62.


Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História, de Portugal, pp. 171-178 e 207-228.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 235-241.

134

A extrema-esquerda comunista, as organizações de luta armada e a resistência anticolonial


começaram então a distputar ao PCP o seu lugar anterior de «inimigo principal», passando esses
grupos a constituir alvos da DGS.
Um dos mais importantes inspectores da PIDE/DGS, «especializado» na repressão ao PCP,
Fernando Gouveia, afirmou que, até aos anos 1932-1933, «tinham surgido indícios da existência de
comunistas, mas assinalados apenas como "perigosos agitadores", não se suspeitando de que
fossem membros de uma organização clandestina». Assim, foi apenas a partir de então que a polícia
política começou a compreender o funcionamento da organização comunista, efectuando
importantes apreensões de arquivos e detenções (Nota 1).
Depois, entre 1934 e 1936, a repressão da PVDE abateu-se sobre a direcção do PCP. Em 1935,
foram detidos os dirigentes comunistas Bento Gonçalves, José de Sousa e Júlio Fogaça. Juntamente
com cerca de 150 outros companheiros, entre os quais se contaram o anarquista Mário Castelhano e
os comunistas Milhão Ribeiro e Sérgio Vilarigues, bem como outros, presos na sequência do 18 de
Janeiro de 1934 e da sublevação da Organização Revolucionária da Armada (ORA) de três navios
de guerra em 1936, os três foram enviados para a colónia penal do Tarrafal, aberta em Setembro
deste ano.
Em 1940 e 1941, José Gregório, Manuel Guedes e Álvaro Cunhal, entretanto libertado, com Júlio
Fogaça, Pedro Soares, Militão Ribeiro, Sérgio Vilarigues, Américo de Sousa e Pires Jorge, também
soltos, devido à amnistia dos centenários, encetaram um movimento de reorganização do PCP,
aparentemente iniciada pela Organização Comunista Prisional do Tarrafal (OCPT). Em luta contra
a direcção anterior do PCP — designada por «grupelho provocatório» —, os «reorganizadores»
restabeleceram uma rede organizativa e, a partir de Agosto de 1941, publicaram um Avante!,
paralelamente a outra publicação, com o mesmo nome, do Secretariado anterior, que acabaria,
porém, por se desarticular. Nesse ano, a PVDE conseguiu desmantelar uma organização do PC
espanhol em Portugal e capturar cerca de 35 pessoas (Nota 2) e, no ano seguinte, prendeu Dalila
Duque da Fonseca, Pedro Soares e Joaquim Pires Jorge, que conseguiria fugir do Hospital de São
José (Nota 3).
Aproveitando, a partir de 1943, a sua condição de força mais organizada na luta contra a ditadura, o
prestígio da URSS e a convicção de que a vitória do campo aliado na guerra poria fim ao regime
salazarista, o PCP «reorganizado» foi-se fortalecendo de forma crescente. Nesse ano realizou o seu
III Congresso (I Ilegal), em que se fez notar Álvaro Cunhal, reafirmado no Secretariado,
juntamente com Manuel Guedes e José Gregório.
Foram então definidos os princípios que norteariam a actividade do PCP nos anos posteriores: a
unificação das forças antifascistas, o desenvolvimento das lutas de massa e a perspectiva do
levantamento nacional com participação de uma parte das Forças Armadas.

Nota 1 - Maria da Conceição Ribeiro, A Polícia Política do Estado Novo..., p. 261.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 387/41, 1.° volume.
Nota 3 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas: O Partido Comunista e os Intelectuais, pp. 45 e
150.

135

Em consequência foi formado, com representantes do PCP e de quase todas as forças de oposição à
ditadura, o Conselho Nacional de Unidade Antifascista (CUNAF), organismo dirigente do
Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), criado em Dezembro, e, em Janeiro de
1944, foram ainda lançados os GAC (Grupos Antifascistas de Combate) (Nota 1 ).

V.2. DA ILUSÃO DE LIBERALIZAÇÃO À REPRESSÃO (1945-1949)

Com a derrota dos nazi-fascistas, a esperança generalizada numa mudança política surgiu em
Outubro de 1945, por iniciativa de elementos da oposição comunista, socialista e liberal, o
Movimento de Unidade Democrática (MUD), que, actuando como uma organização unitária quase
legal, recolheu um grande apoio popular.
O final de 1945 foi, depois, de desilusão para quem tivesse acreditado na vontade liberalizante do
regime. Num momento em que milhares de pessoas já tinham assinado as listas do MUD, o
governo civil comunicou a este movimento que o governo não satisfazia as suas exigências quanto
às eleições. A 11 de Novembro, este movimento recomendou a abstenção nas eleições, apesar de
três dias depois Salazar dizer que elas seriam «tão livres como na livre Inglaterra».
O governo ordenou a entrega das listas do MUD, cuja direcção de Lisboa acatou a ordem (Nota 2).
Alexandre Babo, do MUD do Porto, considerou que a «entrega das listas minou a confiança
popular nos dirigentes da oposição» e que, por causa dela, «se exerceu violenta e continuada
repressão sobre os assinantes», tendo milhares de pessoas perdido os empregos ou as promoções,
acesso a lugares e até sido sujeitas, em alguns casos, à prisão. Lembre-se que, no Porto, os
dirigentes do MUD recusaram entregar as suas listas e foram por isso presos, tendo, aliás, sido o
próprio Babo e o arquitecto Artur Andrade que as esconderam no forro do telhado de uma casa que
o primeiro então possuía em Ofir (Nota 3).

V.2.1. A hecatombe de 1945: os «desastres» do Norte e do Sul

Logo no dia a seguir às eleições, realizadas em 18 de Novembro de 1945, sem a participação da


oposição, morreu no Hospital de Santo António dos Capuchos, vindo do Aljube, Joaquim Henrique
Fernandes, preso em Março de 1939 por suspeita de ser comunista, sem nunca ter sido objecto de
julgamento. Não foi caso único, nesse ano de 1945, em que também foram mortos pela PVDE
Germano Vidigal, bem como Alfredo Diniz, do CC do PCP, assassinado a tiro em Julho na estrada
de Bucelas, numa cilada montada por agentes dessa polícia chefiados por José Gonçalves. Nesse
ano, além do assassínio de militantes seus e da prisão de 16 dos seus funcionários, o PCP perdeu
sete casas clandestinas e a tipografia o se imprimia o Avante!, assaltada pela PIDE em 7 de
Novembro.
Ñota 1 - PIDE/DGS, pr. 9078 SC «Elementos para a história do movimento operário e do PC». 2
Nota 2 - Marcelo Caetano, As Minhas Memórias de Salazar..., p. 393; PIDE/DGS, pr. 2697 CI (1),
João Gaspar Simões, fl. 84.
Nota 3 - Alexandre Babo, Recordações de Um Caminheiro..., pp. 164, 166 e 167.

136

Mais tarde, o inspector da PIDE/DGS Fernando Araújo Gouveia contaria a história deste «desastre»
para o PCP, afirmando que tudo começou com a «queda» de um primeiro funcionário do partido,
João Lopes ( Santos («Rafael» ou «António Soares»), que possibilitara o desmantelamento de
várias células de empresa na zona oriental da capital, controladas pelo «funcionário» «Alex».
Depois, em 3 de Junho de 1945, uma denúncia à guarda-fiscal de Monção levara à detenção, na
respectiva estação de caminhos-de-ferro, de Francisco Inácio da Costa («Raio X», «João»),
operário da CUF no Barreiro, que fora entregue à PVDE (Nota 1).
Entretanto, a PSP tinha entregue à PJ dois indivíduos presos em Cascais por suspeita de, envolvidos
em desinteligências entre espiões, pretenderem raptar um estrangeiro. Um dos indivíduos, autor do
plano, era uma «pessoa excepcional», caracterizado por uma mancha na face. A PVDE soube do
caso e conseguiu que esse indivíduo passasse, enquanto preso, a colaborar com ela. Metido numa
cela, incomunicável, na prisão da delegação do Porto, contígua à cela de Francisco Inácio da Costa,
acabou obter a confiança deste, reclamando ser «Rafael», o funcionário caído em Lisboa.
Depois, foi representada a «comédia», relatada por Gouveia: chamado a interrogatório, «Raio X»
deparou com o falso «Rafael», então já a representar outro papel, de elemento da polícia,
reconheceu-o como seu companheiro de cela e acabou por confessar toda a sua actividade. Segundo
Fernando Gouveia, «Raio X» disse ainda que, como a mulher se recusara a acompanhá-lo na
clandestinidade, ele tinha ido sozinho para uma casa clandestina em São Romão do Coronado. Já
descontente com o PCP, ainda mais ficara quando este passara a censurar a sua correspondência
para a mulher, que ameaçava denunciá-lo caso o marido não voltasse para junto dela (Nota 2).
Por outro lado, «Raio X» afirmara-se, ainda segundo Gouveia, surpreendido por ter sido preso, pois
que apenas Pires Jorge, o responsável pelo Comité Regional do Douro, conhecia o seu paradeiro.
Gouveia utilizou esse facto para tentar responsabilizar Pires Jorge de ter denunciado à Guarda
Fiscal Francisco Inácio da Costa, devido a este se ter tornado um perigo para o PCP, por causa das
ameaças da mulher. O agente da PVDE deu como razão o facto de ter encontrado, na casa de São
Romão, um documento de «Santos» (Manuel Guedes) segundo o qual «a mulher de Raio X
continua com exigências» e, se devia pôr em prática o plano estabelecido «se o amigo reagir mal».
Ainda segundo Gouveia, não se compreendia que, após a queda de «Raio X», Pires Jorge não
tivesse ordenado o desmantelamento das casas ilegais (Nota 3).
Esta é a versão de Gouveia, mas veja-se outra, diferente, relatada após o 25 de Abril de 1974 por
Francisco Inácio da Costa.

Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 537, 539 e 540.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 152, 156-157, 162-163, 167, 168-169, 172-173 e 175-179.
Nota 3 - Idem, ibidem.

137

Contou a sua experiência com o então agente Fernando Gouveia, que situou no Aljube, para
Onde tinha sido transferido do Porto. Aí encontrou, na cela, o «mártir «Rafael» que se terá feito
passar por João Lopes dos Santos e o terá incentivado a não se deixar abater moralmente, já que a
«Gestapo» saberia abatê-lo fisicamente. Numa ocasião, «Rafael» repreendera-o por não ter
comunicado ao PCP que, na CUF do Barreiro, ia todas as semanas a Lisboa buscar o dinheiro para
o pagamento do pessoal dessa companhia, podendo fazer um «assalto de classe e em cheio» para
recolher dinheiro para o partido.
Um dia, Fernando Gouveia, «muito sorridente e bem disposto», pediu a Inácio da Costa para o
acompanhar ao seu gabinete, mas, estranhamente, bateu à aporta, pedindo licença a um «chefe
Pinheiro», para entrar. Este não era mais que o falso «Rafael» que, dias antes, tinha sido colocado
na cela 10 do Aljube, «esfarrapado, coberto de nódoas de sangue e de aspecto faminto». Empurrado
por Gouveia em direcção ao «tal "Rafael"», Inácio da Costa levou deste um violento soco na cara,
que lhe partiu dois dentes e lhe retalhou a língua, deixando-o sem ouvir do lado esquerdo. O «chefe
Pinheiro ameaçou-o de não o deixar um segundo de pé, caso desmentisse o que lhe dissera no
Aljube (Nota 2).
Através dos interrogatórios conduzidos pelo secretário-geral da PVDE, José Catela, pelo inspector
Francisco Sales Velez e pelo agente Fernando Gouveia, a polícia ficou a saber que «Raio X» tinha
sido controlado por «Filipe», na margem sul do Tejo, indo depois para uma casa de Ermesinde, com
«Luís» (Manuel Domingues). Passara então a ser controlado por Pires Jorge («Gomes»), do Comité
Regional do Douro, e, devido a desinteligências com «Luís», fora transferido para o Comité Local
(CL) de Viana do Castelo, instalando-se na casa de São Romão do Coronado, onde habitavam
«Maria» e «Manuel», depois deslocados para a casa de «Luís», em Ermesinde (Nota 3).
No assalto a esta casa, a PVDE não conseguiu prender estes dois funcionários, Manuel dos Santos e
Luísa Oliveira, a qual só acabaria por ser detida, em 1949, em Sever do Vouga, após dar fuga ao
companheiro de então, Militão Ribeiro. Na casa de São Romão do Coronado, onde residiam
elementos do CR do Douro e do CL do Porto, a PVDE também não conseguiu prender Joaquim
Pires Jorge («Gomes»), que fugiu, mas deteve Dalila Duque da Fonseca («Aurora», «Maria»,
«Rosa»). Segundo Gouveia, esta reconheceu-o, por nos anos 30, ter passado uma busca à casa do
seu irmão em Lisboa, Álvaro Duque da Fonseca, já expulso do PCP. Eram ambos primos de
Carolina Loff.
Através do interrogatório a Dalila Duque da Fonseca, em 15 de Setembro, a polícia ficou a saber
que, depois de libertada de uma primeira prisão, em 1943, trabalhara como farmacêutica até final
do ano seguinte, quando «Alex» a convidara para ir para uma casa clandestina na Maia, com Pires
Jorge, onde também estava instalado Manuel dos Santos («Jorge»), dirigente do CR do Douro.

Nota 1 - Nuno Vasco, Dossier PIDE: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 104-106.
Nota - Idem, ibidem, pp. 107-109.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 14 499/46, Álvaro Cunhal e outros, vol. 1, apenso b.

138

Ela e Pires Jorge tinham ido depois para Vil Nova de Gaia e em Janeiro de 1945 para uma casa de
São João do Coronado, onde este reunia com «Pinheiro», «Adelino» e Francisco Inácio da Costa
(«João» ou «Raio X»). Este último, entretanto transferido para a casa de São João do Coronado,
ausentara-se em 3 de Junho e Vilarigues ordenou a desactivação dessa «instalação», três dias antes
de aquela funcional ser presa. A 17 de Setembro, Dalila Fonseca foi colocada em liberdade
condicional (Nota 1).
A PVDE assaltou ainda uma casa na Moreira da Maia onde viviam o casal constituído por Armanda
e Miguel Forjaz Lacerda («Maria» ou «Conceição» e «Pinheiro»), juntamente com Albano Simões
(«Carlos Alberto») ambos do CL do Porto. Este tinha sido transferido para o Norte sem a
companheira, por esta frequentar a missa, e Gouveia garantiu que ele teria sentido a prisão como
um alívio, dado que o seu «remorso era patente, pela falta de coragem em ter consentido que o
secretariado do CC o separasse da mulher», facto que possibilitara a sua «abertura» total (Nota 2).
Na casa da Moreira da Maia, assaltada em 14 de Junho, tinham também vivido «Fernando» e
«Vítor» (Manuel dos Santos) (Nota 3).
Enquanto Gouveia estava no Norte do país, em Lisboa o então agente José Gonçalves não parava,
tentando localizar as «pontas» da queda de «Rafael». Conseguiu assim apanhar, em Junho de 1945,
uma casa, na Buraca, onde capturou Fernando F. Barnett e Salvador Pereira Amália («Carlos»),
cuja mulher não foi presa e continuou na clandestinidade, até ser detida mais tarde, em 1952 (Nota
4). Num auto datado de 13 de Outubro de 1945, Fernando Barnett apenas disse ter sido controlado
por «Filipe» (Joaquim Campino) e «Alex», sem dar os nomes verdadeiros destes, e ter ido viver
para uma casa clandestina na Damaia.
José Gonçalves localizara ainda, em Julho, dois funcionários que desembarcaram da estação sul e
sueste em Lisboa, Joaquim António Campino («Filipe»), controleiro da região de Setúbal e do
Alentejo, e Orlando Juncal da Silva («Manuel»), advogado do Porto. Orlando Juncal havia sido
convidado por Pires Jorge, a mando de Piteira Santos («Fred»), para dar apoio às famílias de presos
políticos. Passara depois à clandestinidade e a dirigir o MUNAF, instalando-se na casa de São
Romão do Coronado com «Gomes» e «Maria» (Dalila Fonseca), antes de ser transferido para
Lisboa e de ser apresentado por «Fred» a «Filipe».
Embora tenha sido espancado, submetido a três dias em estátua e alvo de um logro parecido com o
de José Inácio da Costa, Campino recusou dar a chave da sua cifra (Nota 5).

Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 14 499/49, 3.° juízo, caixas 234-236,
vol. 8, fls. 480, 485, 488, 498, 504, 519 e 520. Cf. ainda PIDE/DGS, NP 4876, pr. 729/45 e pr.
18/45 SR. Francisco da Conceição Louro, pasta 3.
Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 152, 156-157, 162-163, 167-169, 172-173 e 175-179.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. de querela n.° 14. 180 C. José Alves Tavares Magro e outros; pr. 729/45
e pr. 14 499, Álvaro Cunhal e outros, vol. 1, apenso b.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 197, 203, 210-211, 220, 221, 233, 224-225 e 229.
Nota 5 – José Pacheco Pereira, «Duarte» ...., pp. 541 e 542.

139

No entanto, a PVDE conseguiu decifrar a sua agenda, ficando a saber que iria haver em 4 de Julho
um encontro conspirativo na estrada que ligava Loures ao Sobral do Monte Agraço, entre dois
elementos do CC, «João» (António Dias Lourenço) e «Alex» (Alfredo Diniz). Uma brigada da
PVDE chefiada por José Gonçalves acabou por só apanhar e matar a tiro Alfredo Diniz, membro do
bureau político do CC e responsável pelos comités regionais do Ribatejo, sul do Tejo, Alentejo
litoral e CL de Lisboa.
Ainda ao decifrar os documentos de Campino, a PVDE descobriu que a casa clandestina deste se
situava em Vila Nova da Caparica e que o funcionário «João» residia em A das Lebres, perto de
Bucelas, concelho de Loures, mas este conseguiu fugir. Os arquivos apreendidos nesta casa
pereciam a um tal «Mourão» — tratava-se de Agostinho Maria Mourão («Abílio») —, detido em 27
de Julho na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa.
Por outro lado, através da documentação apanhada a «Alex», a polícia detectou outra casa na
Portela, onde instalou agentes, e, ao fim de três dias, prendeu, em final de Julho, Fernando Piteira
Santos («Fred» e Gui Lourenço («Álvaro»). No arquivo de «Fred» foi encontrada documentação
sobre a organização do PCP na Marinha e Exército e sobre o relacionado PCP com o CUNAF e o
MUNAF.
Em 28 de Agosto, foi ainda detectada uma parte de casa na Lapa, onde viviam Georgette Ferreira e
António Assunção Tavares («Tomé»), operário da Cimentos Tejo que passara à clandestinidade
depois da greve de 1944, preenchendo, segundo Gouveia, a vaga de «Rafael» após a «queda» deste.
Os dois conseguiram fugir e Assunção Tavares passou a dormir em estações de comboio, mas,
numa ocasião em que descansava na de Algés, três meliantes quiseram roubar-lhe a pasta, tendo ele
gritado e atraído a polícia, que o revistou e prendeu. Um mês depois da detenção deste, foram
presos o litografo Joaquim Correia, membro do CL do Porto (Nota 1), e Francisco Louro, ajudante
de guarda-livros. Embora este tenha afirmado nunca ter pertencido ao PCP, a PIDE apurou que ele
tinha sido aliciado por Campino e fizera com este parte da organização militar desse partido,
juntamente com José Magro e Piteira Santos (Nota 2).
No relatório da PIDE sobre este caso, investigado por Fernando Gouveia, dizia-se que tinha sido
descoberta, após a prisão de Francisco Inácio da Costa, uma vasta rede do PCP no Norte, com
ligações aos quartéis, Oeste-Sul, Sul do Tejo e Alentejo litoral, e que se tinha apurado serem do
Secretariado desse partido Cunhal, Gregório, Guedes — estes três do bureau político —, Pires
Jorge («Gomes»), Manuel Domingues («Luís») e Sérgio Vilarigues («Amílcar»), fugidos à polícia.
A PIDE ficou também a saber que, além de «João», pertenciam ao CC Piteira Santos, Alfredo
Diniz, falecido, Joaquim Campino e Miguel Forjaz Lacerda.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 548 e 549.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. de querela n.° 14. 180 C. José Alves Tavares Magro e outros; pr. 729/45 e
pr. 14499, Álvaro Cunhal e outros, vol. 1, apenso b.

140

Entre os membros dos comités regionais contavam-se «Rosa», «Augusto», «Lima», «Joana»
(Cândida Ventura), Manuel dos Santos ou «Manuel da Fonte Santa», fugido da prisão, onde
cumpria pena por homicídio, «Laura» (Luísa Rodrigues), «Crespo», «Chaves», «Sérgio», «Mário»,
«Artur» (José Magro), «Armando» (Eduardo Cortesão) e «Campos». Todos os arguidos
continuaram presos, excepto Dalila Duque da Fonseca e Armanda Lacerda, soltas em liberdade
condicional, «por conveniência de outras averiguações». O tribunal condenou, em 4 de Novembro
de 1946, a maioria dos réus a uma pena de dez meses de prisão correccional, inclusive Dalila
Duque da Fonseca, e a três meses Armanda Silva Martins Forjaz Lacerda, por ser esposa do réu
Miguel Lacerda e assim o haver acompanhado na clandestinidade.

V.2.2. A tipografia de Alvaiázere

No dia 4 de Novembro de 1945, um domingo, a GNR de Alvaiázere que andava a investigar furtos
ocorridos ali próximo, bateu à porta de uma casa em Barqueiros, pedindo os documentos aos dois
indivíduos que lá se encontravam. Como se verá mais tarde, tratava-se dos funcionários
clandestinos Joaquim Justino Alves e José Augusto da Silva Martins. Declarando não serem
gatunos, afirmaram não os ter e que iam a uma cabine telefonar a um advogado de Leiria para que
este tudo esclarecesse. O primeiro-cabo deixou-os ir telefonar, mas como ao fim de duas horas não
aparecessem, entrou na casa e deteve Maria Machado («Rubina»), apreendendo uma tipografia
clandestina do jornal Avante! Entregue três dias depois à PIDE pela GNR, Maria dos Santos
Machado recolheu incomunicável em Caxias, sendo o seu caso investigado também por Fernando
Gouveia.
No seu relatório, este contou que ela vivia numa casa clandestina com outros dois indivíduos,
fazendo-se passar por mãe de um deles, o tipógrafo propriamente dito, que tinha um eczema na
face, e tia do outro, com o pseudónimo «Crespo». No dia 13, Maria Machado foi ouvida em auto de
perguntas pelo secretário-geral da PIDE, José Catela, na presença do inspector Francisco Velez e do
agente Fernando Gouveia, declarando não desejar «prestar quaisquer esclarecimentos» nem
«tampouco fornecer outros pormenores que se prende[ssem]m com o PCP, renunciando assim a ser
denunciante».
Para Gouveia, a recusa em falar sobre a identidade dos companheiros demonstrava «má fé» da
parte de Maria Machado. Apesar disso, Gouveia concluiu que a tipografia aí estava instalada desde
Setembro, ao cuidado de Maria Machado, também acusada de possuir uma pistola e de ter escrito
um documento a exortar o pessoal da GNR a não entregar a tipografia à PIDE, que
«aleivosamente» alcunhava de «Gestapo portuguesa». Dado que os Tribunais Militares Especiais
tinham sido extintos, o processo dei Machado foi depois entregue ao Tribunal Criminal Plenário, e
ela apenas julgada em 15 de Julho de 1946. Considerando a ré inteligente, honesta, culta e sincera,
os juízes condenaram-na a um ano e dez meses de prisão correccional, sendo ela restituída à
liberdade em 31 de Agosto de 1947 (Nota 1)

Nota 1 - Ibidem, pr. cr. 826/45, Maria dos Santos Machado.

141

V.2.3. Repressão sobre o MUD e alguns sectores intelectuais (1946)


Em 1946, o PCP realizou, na Lousã, o IV Congresso (II Ilegal), onde foi eleito um Secretariado
composto por Álvaro Cunhal, José Gregório, Manuel Guedes e Militão Ribeiro. Foi então decidida
a extinção da Federação das Juventudes Comunistas (FJCP) e a formação do Movimento de
Unidade Democrática Juvenil (MUD Juvenil), no qual se integraram posteriormente muitos jovens,
comunistas e não comunistas.
Em Agosto, o MUD protestou contra a admissão de Portugal na ONU, vetada pela URSS, sendo
presos os elementos da sua Comissão Central, entre os quais Bento de Jesus Caraça, que seria
afastado pelo governo de professor catedrático do ISCEF e que viria a morrer dois anos depois
(Nota 1). O grande processo da PIDE desse ano foi o do MUD de Viana do Castelo (Nota 2) ou,
como lhe chamou essa polícia, de uma «ramificação da organização doPCP e respectiva ligação
com o Unidade Nacional Anti-fascista», «com o fim de melhor mascarar a sua actividade
subversiva e captar os elementos que embora sejam inimigos declarados das instituições não estão
inteiramente de acordo com todos os princípios comunistas».
Começou por ser detido António Ribeiro da Silva e, na sequência dessa prisão, a PIDE prendeu o
presidente da direcção do Clube de Futebol de Viana do Castelo, acusado de fazer parte do sector
intelectual do PCP. Depois, foram caindo, um a um, outros elementos, entre os quais membros do
MUD de Ovar e Vagos, suspeitos de também pertencer a esse partido (Nota 3). Segundo Fernando
Gouveia, um elemento do MUD, um tipógrafo, genro do editor da Aurora do Lima, de Viana do
Castelo, mostrou, após ser transferido para a delegação da PIDE do Porto, um mutismo «impres-
sionante», só tendo finalmente reconhecido algumas fotos.
Embora viesse a ser expulso pelo PCP, desconfiado por ele ter sido solto antes dos seus co-
arguidos, Gouveia afirmou que a sua libertação apenas se tinha devido ao director da delegação do
Porto, subdirector António Neves Graça, que era amigo do director da Aurora do Lima. Gouveia
criticou, aliás, essa «generosidade», afirmando que ela se tinha depois espalhado a outros detidos,
autorizados a passar o fim-de-semana em casa (Nota 4).
O sector intelectual do Norte do PCP começara, segundo Gouveia, a ser estruturado em final de
1945, sob o controlo de Pires Jorge («Gomes»), responsável, como se viu, pela organização
regional do Norte, desmembrada nesse ano. No entanto, os intelectuais comunistas do Porto, Flávio
Martins, Jorge Delgado de Oliveira e o estudante Oliveira Pinto, apenas começaram a ser presos a
partir dos primeiros meses de 1946, o que, segundo Alexandre Babo, indicaria que a polícia vigiara
primeiro as actividades dos militantes que conseguira identificar antes de os prender (Nota 5).

Nota 1 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas..., pp. 168 e 169.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 949/46.
Nota 3 - MAI-GM, maço 541, caixa 99; proc. n.° 478/46 ag. 7989, de 11/9/46, e n.° 463/46, ag.
7989, de 6/9/46.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 235 e 240.
Nota 5 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas..., pp. 168 e 169.

142

A PIDE também detectou outras pontas da organização intelectual nortenha: Victor de Sá, em
Braga, e António Vieira da Silva, em Viana Castelo. Ao relatar a prisão de Flávio Soares Martins,
(«Chaves»), do Comité Regional do Norte do MUNAF e do sector intelectual do Porto, Gouveia
lembrou que tinha sido ele a arranjar a casa na Granja onde havia realizado em 1945 a V reunião
ampliada do CC e a transportar aí a sua mulher e a funcionária Maria Armanda Forjaz Lacerda,
que, fingindo ser a criada do casal, se ocupou das refeições dos participantes da reunião (Nota 1).

V.2.4. A «quadrilha» de Cambebo da Raia


Em 1946, ocorreu outro caso que, embora não ligado ao PCP, merece ser referido devido à sua
extensão e excepcionalidade. Em Dezembro desse ano encontravam-se refugiados em Cambedo, na
freguesia de Vilarelho da Raia, concelho de Chaves, três guerrilheiros galegos, Juan Salgado
Rivera, Demétrio Garcia Alvarez e Bernardino Garcia. A aldeia foi cercada por cerca de mil
homens da GNR e da polícia espanhola. A PIDE instaurou um processo-crime contra 63 pessoas,
entre as quais oito galegos e a maioria, portugueses, considerados «bandoleiros». Todos eram
suspeitos de pertencerem a uma «associação de malfeitores», que cometera um assalto à mão
armada em Negrões, concelho de Montalegre, em 16 de Setembro, e que assassinara três pessoas e
ferira outras duas.
Segundo o relatório do agente investigador desta polícia, Augusto Gomes da Silva, da subdirectoria
do Porto, a GNR de Chaves entregara ao posto de Vila Verde da PIDE sete elementos e David dos
Santos Pires, referenciado e preso por ser presumivelmente um elemento de ligação «bandoleiro
vermelho Manuel Gomez Vueno» ou «Luiz Gomes Bueno». Diga-se que um dos principais
envolvidos, o espanhol Demétrio Garcia Alvarez, condenado em Dezembro de 1947 a dez anos de
prisão seguidos de doze anos de degredo, que cumpriu em várias colónias penais, apenas foi
libertado da Penitenciária de Lisboa em 19 de Fevereiro de 1965, após dezoito anos de prisão (Nota
2).
No relatório final das averiguações, assinado pelo subdirector do capitão Neves Graça, referia-se
que um grupo de dez indivíduos munidos de espingardas tinha saído, na noite de 26 de Agosto, da
residência de uma viúva em Cambedo da Raia e tinha sido conduzido, juntamente com sete
espanhóis, por Vitorino António de Oliveira, a uma freguesia de Negrões onde acamparam perto de
uma capela.
Segundo a PIDE, o bando de «malfeitores» espanhóis, que incluía portugueses e actuava na zona de
Orense, tinha como objectivo matar um elemento da Falange espanhola, mas fora aliciado por um
português para «liquidar» e roubar o presidente da Junta de Negrões. Atingiram-no, bem como um
filho, uma irmã e um criado, mas, ao ouvirem os toques de sino a darem o alarme, os «salteadores»
fugiram, acabando por não efectuar o roubo.

Nota 1 - Idem, ibidem, p. 235.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 917/46, subdirectoria do Porto, fls. 15, 50 e 159.

143

V.2.5 Anos de endurecimento repressivo (1947-1948)

O ano de 1947 foi de agitação social e estudantil, mas já limitada pelo movimento de refluxo que
então se vivia, num período em que Salazar concluía o «complexo processo de reunificação das
forças do regime» (Nota 1). Este processo saldou-se, em particular, numa resolução do Conselho de
Ministros segundo a qual eram demitidos diversos funcionários civis e militares que haviam
participado na tentativa de golpe de Abril, independentemente das penas que seriam aplicadas nos
tribunais. Apesar disso, a PIDE não teve, nesse ano, mãos a medir, atacando greves, putschistas e o
MUD Juvenil.
Outra acção visível da tentativa frustrada de conspiração civil e militar unta Militar de Libertação
Nacional, em Abril de 1947, que já se tinha saldado por uma primeira derrota, em Outubro do ano
anterior, com o falhanço da «revolta da Mealhada», acabou por ser a sabotagem de aviões na Base
Aérea n.° 1, da responsabilidade de dois mecânicos militares, Hermínio da Palma Inácio e Gabriel
Gomes. Alertado de que o movimento revolucionário fora adiado, os dirigentes da conspiração
foram presos, Palma Inácio refugiou-se, com um companheiro, na quinta de um amigo em Loures,
onde se manteve escondido durante sete meses, até ser descoberto pela PIDE (Nota 2).
O ano de 1947 foi ainda de movimentação estudantil, tendo uma nota oficiosa do governo, de dia
29 de Abril, afirmado que a «agitação provocadora em alguns estabelecimentos de ensino de
Lisboa» se inseria «no plano de agitação comunista aludido em notas anteriores». No último dia do
mês de Maio, a polícia invadiu as instalações da Faculdade de Medicina de Lisboa, ao Campo de
Santana, motivando o pedido de demissão do director desse estabelecimento de ensino, António
Flores. Em Julho de 1947, a movimentação estudantil estendeu-se a Coimbra, onde a direcção da
Associação Académica havia passado a ser controlada por sectores da oposição ao regime (Nota 3).
À prisão dos membros da Comissão Académica de Lisboa do MUD J. Mário Ruivo, Castro
Rodrigues, Joaquim Ângelo Rodrigues, Fernando Pulido Valente, José Carlos Gonçalves, Orlando
Pereira e outros (Nota 4) sucedeu-se dos membros da Comissão Central (CC) desse movimento —
Mário Soares e Francisco Salgado Zenha, entre outros. Mário Soares relatou o julgamento onde ele
e os seus companheiros foram acusados de divulgar «notícias falsas e condenados a três meses de
prisão, com perda por cinco anos dos direitos políticos». Francisco Salgado Zenha, «que tinha às
costas um "crime" suplementar», ligado «ao tempo em que tinha sido presidente a Associação
Académica de Coimbra», o qual foi condenado em dois anos de prisão (Nota 5).

Nota 1 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 398 e 399. 2«O aventureiro
da liberdade perdida», in Visão, 16/6/1994, pp. 40-42.
Nota 2 - Francisco Salgado Zenha. Liber Amicorum, 2003, testemunho de Miguel Galvão Teles, p.
269.
Nota 3 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 137 e 138.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 175.

144
A PIDE referenciou, nesse ano, vários grumetes e marinheiros «subversivos» da Marinha de
Guerra, sendo seis deles condenados a 18 meses prisão correccional, três absolvidos e os outros
«desincriminados» (Nota 1). Arguidos noutro processo (Nota 2), tinham também sido
referenciados, na Escola Mecânica de Vila Franca de Xira, sete elementos acusados de pertencerem
à mesma ramificação do PCP na Armada, que foram julgados em Maio de 1948, sendo dois deles
condenados a 20 meses de prisão correccional (Nota 3).
Lembre-se que estes indivíduos do Exército e da Armada estavam ligados ao PCP ou ao MUNAF.
Todos haviam sido presos entre Dezembro de 1946 e Janeiro do ano seguinte, excepto, como se
verá, Francisco Ramos da Costa. Tinham sido detectados na documentação apreendida aos
funcionários Gui Lourenço e Piteira Santos, onde se dava a entender que a ORA (Organização
Revolucionária da Armada), desmantelada em 1936 estava a ser reestruturada. Ao referir esse caso,
Gouveia aproveitou para a criticar os juízes, ao declarar que o mesmo processo teve despachos
diferentes: enquanto no tribunal da Marinha alguns marinheiros foram condenados al vários meses
de prisão correccional, o TMT de Lisboa absolveu o ex-tenente miliciano Ramos da Costa
(«Campos»), por «não admitir que um "senhor oficial descesse ao ponto de vir aliciar praças ou ter
com essas praças quaisquer quer ligações ou relações sequer"» (Nota 4).

V.2.6. «Desastres» em Ovar, no Alentejo, Ribatejo e em Coimbra

Outro dos processos instruído pela PIDE em 1947 envolveu 21 funcionários e militantes do PCP,
entre os quais se contaram Saul Leal, António José Patuleia, Agostinho Saboga, a sua mulher,
Lucinda Mendes, mais 17 outros elementos do Couço, de Borba, Mora, Estremoz e de Torres
Novas (Nota 5). Nas suas memórias, Fernando Gouveia contou que, no ano anterior, José
Gonçalves e a sua brigada haviam detectado uma tipografia em Lisboa, quando esta ia ser mudada,
e haviam assaltado a casa ilegal de Agostinho Saboga, que «tinha ido tomar ar». Um dos elementos
da brigada era o próprio irmão de Agostinho, Tomás-Saboga, que acabou por pedir a demissão da
PIDE.
Gouveia conseguiu, depois, localizar a casa de Agostinho, nos arredores de Coimbra — mais
concretamente, em Casal dos Galegos-Granja do Ulmeiro, Alfarelos. Ao interrogar os vizinhos,
dizendo que se tratava de um «moedeiro falso», conseguiu saber que uma camioneta tinha
transportado mobília para uma nova casa em Alfarelos, onde Saboga, que controlava politicamente
a região «Y», de Coimbra a sul de Aveiro, acabou por ser preso com a sua companheira, Lucinda
Mendes (Nota 6).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 232/47.


Nota 2 - Idem, pr. 2594/46, do 2.° Juízo Criminal de Lisboa.
Nota 3 - Idem, fls. 217-238. Relatório de 30/4/1947.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias..., p. 214.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 757/47, 2 volumes.
Nota 6 - Fernando Gouveia, Memórias..., p. 254.

145

Em 8 de Junho desse ano de 1947 foram detidos em Vila Viçosa José António Rosado e os
trabalhadores rurais José Miguel Boquinhas, Isidoro de Albuquerque e António José Patuleia, que
morreu dez dias depois num interrogatório na PIDE de Lisboa, às mãos de Fernando Gouveia e do
chefe de brigada Mário Silva. A PIDE apurou que Rosado deveria comparecer em encontros com
funcionários do PCP e Gouveia conseguiu, efectivamente, prender em Borba João da Veiga e José
António Pombeiro e identificar mais dois elementos. João da Veiga, natural de Albufeira, disse que
era casado mas recusou-se a indicar onde residia (Nota 1).
Cinicamente, Gouveia contou que as suas conversas com João da Veiga «decorriam sempre na
melhor disposição e, por assim suceder», não o havia mandado recolher ao Aljube, mantendo-o
num dos gabinetes, na Rua António Maria Cardoso, onde fora colocado um colchão. Este era um
eufemismo usado por Gouveia para significar que João Veiga foi submetido à tortura do sono e,
provavelmente, da estátua. Gouveia disse ter percebido que o detido estava a «jogar» com ele e ia
demorando a «entrega» da sua casa ilegal, até atingir e ultrapassar a data que ele marcara para o seu
regresso. Tentava assim evitar que a sua mulher fosse presa. «O jogo durou pelo menos trinta dias,
resolvendo-se então o João da Veiga a indicar o local.»
A casa localizava-se no pequeno bairro de Escusa-Sacos, próximo do campo da feira, quase à
entrada da cidade de Évora, na qual Gouveia, juntamente com três agentes, deteve a companheira
deste, Mertilina Veiga, e outro elemento que aí tinha ido «levantar» a casa, o dirigente do PCP
Francisco Miguel Duarte (Nota 2).
No relatório do processo dos funcionários do PCP Saul Leal, Agostinho Saboga e Francisco
Miguel, a PIDE concluiu que se confirmava a prova já feita da actuação do PCP, tanto no MUD
adulto como no juvenil, e também a ligação da actividade académica do PCP com a do sector prole-
tário de Coimbra. Nesse processo era também provada a culpabilidade de Francisco Salgado Zenha,
ligado ao bureau político do CC através de Pires Jorge, bem como de José Martins Fonte, Jorge
Peixoto e Mário Canotilho, membros do sector estudantil de Coimbra do PCP. Da organização estu-
dantil, operária e sindical do PCP, MUD e MUD J de Coimbra foram ainda presos, pelo menos,
mais 21 elementos, que foram libertados sob caução (Nota 3).
Através dessas várias detenções, a PIDE ficou a conhecer a organização partidária de Alpiarça, o
CR do Sul do Ribatejo (Vila Franca de Xira, Alenquer, Cartaxo, Azambuja e Salvaterra de Magos),
os CL do PCP de Mora, Couço, Cabeção, Pavia, Montargil e Coruche), os pseudónimos dos
elementos dos subcomités do Ribatejo, bem como o responsável pela região norte, um
«Guilherme», que a PIDE concluiu ser afinal Sérgio Vilarigues, («Amílcar»), membro do bureau
político (Nota 4).

Nota 1 - Pedro Ramos de Almeida, Salazar: Biografia da Ditadura, p. 401.


Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 249 e 254-255.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 836/47.
Nota 4 - Ibidem, pr. 757/47, vol. 2.

146

Em Julho de 1948, ano em que o MUD foi ilegalizado, decorreu o «julgamento dos 108», ou seja,
todos os detidos no ano anterior, acusados de propaganda subversiva, que constituiu o primeiro
grande processo político no tribunal plenário após o fim da guerra (Nota 1). Uma testemunha conta
que esse célebre processo se transformou num conjunto de acções contra o governo da ditadura,
tendo então a própria PIDE compreendido o erro que cometera ao realizar um julgamento com
tanta gente. Salazar terá mesmo puxado as orelhas à polícia e os julgamentos voltaram a fazer-se
em pequenos grupos de acusados, embora, mais tarde, se voltassem a repetir julgamentos colectivos
de muitos réus, com resultados evidentemente idênticos (Nota 2).

V.2.7. O Algarve é atingido

Fernando Gouveia vangloriou-se, nas suas memórias, de ter conseguido, em 1948, graças à
apreensão de três relatórios a Francisco Miguel, um dos quais era da autoria do funcionário
«Ricardo», destroçar a organização do Algarve (Nota 3). Além de passar a conhecer a organização
algarvia, o então chefe de brigada soube ainda que António do Carmo Lourenço deveria ter um
encontro em Portimão, no dia 13, com «Ricardo», o qual, porém, não compareceu. Gouveia
ordenou ainda a detenção, em 24 de Maio, em Caldas de Monchique, de Clementina Ventura e
Manuel Campos Lima, ex-director de O Diabo, onde Piteira Santos, seu cunhado, tinha sido
redactor nos anos 30. Os interrogatórios aos vários detidos no Algarve, num total de 54,
decorreram entre 22 de Agosto e o final de Setembro.
A PIDE obteve novamente uma importante vitória e o PCP uma perda provisória, com a prisão pela
Guarda Fiscal em serviço na estação de Abrantes, em 28 de Outubro, de um indivíduo, por suspeita
de furto no comboio saído do Entroncamento para a Beira Baixa, em virtude de uma passageira se
ter queixado de que lhe haviam roubado a carteira. Como, ao ser revistado, lhe fora encontrada
propaganda clandestina, o indivíduo foi entregue à PIDE, que apurou tratar-se de Guilherme da
Costa Carvalho («Cruz»), de 27 anos, estudante do Porto, na clandestinidade desde 1946 e
responsável pela organização do PCP do Alto Alentejo.
O facto de se recusar a prestar declarações revelava, segundo a PIDE, que era funcionário do PCP.
De notar que, segundo os autos da polícia, Guilherme foi de novo interrogado, em 18 de
Novembro, e passou a regime de detenção «normal» em 22 de Novembro, o que não é de todo
credível, pois em 13 de Janeiro de 1949 o director dessa polícia solicitou a prorrogação da prisão
preventiva, o que revelava que os interrogatórios continuavam. Julgado em 21 de Julho de 1949, foi
condenado a dois anos e seis meses de prisão e medidas de segurança (Nota 4).

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 155.


Nota 2 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência..., pp. 51 e 52.
Nota 3 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 258-259 e 264-265; PIDE/DGS, pr. 785/48.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 1002/48, Guilherme da Costa Carvalho, relatório de 28/10/1948, assinado
pelo terceiro-oficial Luís Filipe de Sá.
147

Acabaria por ser enviado, em Setembro de 1949, para o Tarrafal, colónia penal que, no ano anterior,
havia feito duas novas vítimas: em 1 de Novembro de 1948 morrera, aos 38 anos, Joaquim
Marreiros (Nota 1) e, em 28 de Dezembro, falecera, aos 35 anos, quase cego, António Guerra (Nota
2).

V.2.8 Annus horribilis para o PCP. A direcção é atingida (1949)

Devido a todas essas prisões de 1947 e 1948, o PCP sofreu uma diminuição no número de
militantes e simpatizantes, que totalizavam neste último ano, respectivamente, 4487 e 5815 (Nota
3). Recorde-se que, em 1947, os militantes haviam sido contabilizados em 7000, enquanto o MUD
J tinha, segundo os seus próprios números, na Primavera deste último ano, 20 000 aderentes, e 10
000, segundo a LP (Nota 4). No final da década, a situação já era diferente daquela, repleta de
optimismo, provocada pela vitória aliada. Em vez de rejeitarem a ditadura salazarista, os Aliados
ocidentais vencedores apoiaram-na, aceitando a entrada de Portugal na NATO, em 1949, num
período em que a Guerra Fria quebrava as ligações entre comunistas e outros elementos da
oposição socialista e liberal. Já marcada pelas divisões e pela luta entre comunistas e liberais, a
unidade antifascista teve, aliás, nas eleições para a Presidência da República ano, em que toda a
oposição apoiou o general Norton de Matos, o último sopro de vida, antes da caminhada do deserto,
nos anos 50. A candidatura não chegou, porém, ao fim, vencendo, no seio dela, a linha do PCP, que,
contra a opinião do próprio Norton de Matos e dos não comunistas, defendeu a desistência à boca
das urnas.
Depois da proibição do MUD no ano anterior, e para prosseguir o movimento gerado na
candidatura de Norton de Matos, o PCP resolveu criar unilateralmente, em 20 de Março de 1949, o
Movimento Nacional Democrático (MND), dirigido, entre outros, por Rui Luís Gomes, Virgínia
Moura e outros, companheiros de estrada do partido. Considerado a «face legal» do PCP o MND
permaneceu, no entanto, isolado, não aderindo a esse movimento nem a maioria dos elementos do
MUD nem maçons ou republicanos. A desunião no seio da oposição foi, aliás, claramente utilizada
pela PIDE, que, segundo Mário Soares, «fazendo incidir a repressão sobre pessoas escolhidas,
dividia conscientemente a família oposicionista, que já de si tinha bastos motivos de divisão» (Nota
5).
No entanto, o pior estava para vir, pois o ano de 1949 foi de «hecatombes para o PCP, atingido no
topo. Sucederam-se os relatos de torturas às mãos de António Lopes, Gomes da Silva e Fernando
Gouveia (Nota 6). Esse ano foi também marcado pela razia de que foram alvo militantes
comunistas da direcção universitária do MUD J.

Nota 1 - Ex-grumete da Marinha, militante do PCP, que tinha chegado em Outubro de 1936, após
ser condenado a quatro anos de prisão maior, seguidos de oito anos de degredo.
Nota 2 - Também do PCP, que tinha participado na greve geral de 18 de Janeiro de 1934, na
Marinha Grande, e tinha sido condenado a 20 anos de degredo, com prisão.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, «Duarte»..., vol. II, Anexos.
Nota 4 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas..., p. 237.
Nota 5 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 164-166.
Nota 6 - José Pacheco Pereira, «Duarte»..., pp. 854-857.

148

Em Janeiro, foi preso o jovem Carlos de Aboim Inglês, o qual deu entrada com outros
companheiros na Aljube, no dia 18 (Nota 1) em plena campanha eleitoral para a Presidência da
República. Mais tarde, Aboim Inglês relatou essa estada na prisão, contando que, a dado momento,
um chefe de brigada e outro agente da PIDE começaram a agredi-lo «ao murro e ao pontapé», até
que «desistiram e fizeram a asneira» de o levar de novo para Caxias, onde os seus colegas e, mais
tarde, familiares viram os ferimentos (Nota 2).
Estes fizeram um grande escândalo, que se repercutiu nas várias faculdades, sendo movido um
processo ao agente e ao chefe da brigada Meneses, que «foi castigado com quinze dias de perda de
salário». Como reconheceu o próprio Aboim Inglês, a PIDE fazia «as suas diferenças de classe no
tratamento dos presos». Outro estudante preso, Lino Lima, conta também que a sua prisão foi de
ouro e que a PIDE tratava com brutalidade especial os operários e camponeses, pois ninguém
telefonava ao director a saber deles (Nota 3).
Aboim Inglês referiu ainda o aparecimento na sede da PIDE de um colega da Faculdade de Letras,
o chefe de brigada Farinha dos Santos, (Nota 4) o qual tentou, sem sucesso, convencer Aboim
Inglês a falar. Também Mário Soares, novamente detido em 1949, referiu, entre os elementos da
PIDE que então o interrogaram, o mesmo Farinha dos Santos, seu «antigo colega
na Faculdade de Letras, que, «alta madrugada», no terceiro andar da Rua António Maria Cardoso,
brincou com uma pistola, dizendo-lhe displicentemente: «Se o matar aqui, como um cão, nada se
passa, nem nada me acontece. Toda a gente estará disposta a acreditar que o matei em legítima
defesa.» (Nota 5)

V.2.8.1, A queda da casa do Secretariado

Mas Março de 1949 foi um mês terrível para o PCP, devido à prisão de Álvaro Cunhal, Militão
Ribeiro e Sofia Ferreira, no Luso. Lembr» que começara por cair uma casa ilegal em Macinhata do
Vouga, Sever do Vouga, descoberta pela GNR devido à desconfiança despertada entre os vizinhos
pelo casal que lá habitava. O homem conseguira fugir e a mulher fora presa, declinando o seu
nome: tratava-se de Luísa Rodrigues («Laura»), companheira de Militão Ribeiro — esta, como se
viu, tinha conseguido fugir em 1945, ao ser detectada a casa de Ermesinde, onde vivia com Manuel
dos Santos (da Fonte Santa).
Segundo Pacheco Pereira, a casa de Macinhata do Vouga fora denunciada em 10 de Fevereiro de
1949, três dias antes das eleições presidenciais, à GNR, que conduziu a operação (Nota 6). É um
facto que o chefe de brigada Jaime Gomes da Silva, responsável da PIDE pelo assalto posterior à
casa do Luso, confirmou que tinha sido o presidente da Câmara de Águeda a transmitir à GNR a
suspeita de que nessa casa, habitada por «António» e «Maria», haveria uma emissora clandestina.

Nota 1 - PIDE/DGS, OS n.° 18, de 18/1/1949.


Nota 2 - Miguel Medina, op. cit., vol. i, pp. 20 e 21.
Nota 3 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas..., pp. 190 e 191.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. I, pp. 20-21.
Nota 5 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 166.
Nota 6 - José Pacheco Pereira, «Duarte»..., pp. 869-871.

149

É também certo que, em 22 de Março, o mesmo presidente da câmara, José Feio, que vivia no
Luso, transmitiu ao seu colega Manuel dos Santos Lousada, presidente da Câmara da Mealhada,
que havia no Casal de Santo António do Luso, uma casa onde vivia, sem ser visto por ninguém, na
companhia de uma mulher, um indivíduo que se fazia passar por estudante. Uma semana depois da
denúncia, Lousada lembrou, numa carta confidencial para o governador civil de Aveiro, o seu papel
de colaboração com a PIDE na descoberta dos «agentes comunistas» no Luso (Nota 1). Diga-se,
por outro lado, que em 21 de Março de 1949, quatro dias antes da captura dos elementos do
Secretariado do PCP, a polícia espanhola de Piedras Altas informara o posto fronteiriço da PIDE de
que Álvaro Cunhal estaria provavelmente na zona do Porto (Nota 2). Segundo o relatório de Jaime
Gomes da Silva, diversas «diligências» tinham possibilitado a detecção do «Casal de Santo
António», no Luso, uma vivenda, estilo palacete», onde foram capturados, pela PIDE e pela GNR,
em 25 de Março de 1949, Álvaro Cunhal («Duarte») e Sofia Ferreira («Elvira»), fugidos desde
1942, e Militão Ribeiro («António»), em fuga desde 1946, após o seu regresso do Tarrafal. Gomes
da Silva fez ainda menção ao ao trabalho do tenente Mário Lopes da Cruz e de alguns soldados da
GNR de Águeda, que, através de recolha de informações, haviam possibilitado a captura. (Nota 3)
Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira recusaram-se a prestar declarações e a assinar os autos e Militão
Ribeiro apenas declarou ser do CC, desde o II Congresso ilegal (Nota 4). Num relatório de 20 de
Maio a PIDE considerou, porém, que da atitude dos dois detidos não resultavam quaisquer
inconvenientes para a determinação das suas actividades subversivas, pois existiam nos
documentos apreendidos comprovações de que ambos eram do Secretariado do PCP (Nota 5).
Diga-se ainda que, no processo da Boa Hora de Álvaro Cunhal, existe a menção de que muita
documentação não está a ele apenso, pois ainda estava a ser trabalhado. Por seu turno, nas suas
memórias, Fernando Gouveia não deixou de achar estranho que tivesse sido impedido de consultar
a documentação apreendida no Luso e de instruir o respectivo processo-crime (Nota 6).
De qualquer forma, a PIDE encontrou na casa do Luso a chave de uma das cifras usadas pelo PCP,
nomeadamente numa carta de Cunhal enviada para elementos do Secretariado no estrangeiro, que
tornou compreensível parte do seu conteúdo (Nota 7).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. dir. 746/49, Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, fls. 1-3.
Relatório de instrução elaborada pela PIDE, fls. 669-682.
Nota 2 - Ibidem, pr. 15786 SR, Álvaro Cunhal, 1949, carta do director da PIDE para subdirectoria,,
confidencial, 21/3/49.
Nota 3 - Ibidem, pr. dir. 746/49, fls. 669-682.
Nota 4 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 14 499/49, 3.° Juízo, caixas 234-236, fls.
1, 26 e 40.
Nota 5 - Ibidem, vol 8, fl. 542.
Nota 6 - Fernando Gouveia, Memórias..., pp. 248 e 278-279.
Nota 7 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 14 499/49, 3.° Juízo, caixas 234-36, vol.
9, fl. 613, e vol. 10, fl. 616.

150

O facto de a PIDE considerar mais importante a decifração da documentação apreendida explica


também porque não utilizou a tortura com Cunhal e Ribeiro, até porque sabia, por anteriores
interrogatórios com espancamentos selvagens, que eles se recusariam a prestar quaisquer
declarações (Nota 1).
Evidentemente que a prisão de Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro encheu de júbilo a PIDE. Mário
Soares, por exemplo, referiu que, quando foi preso e interrogado na Rua António Maria Cardoso,
ouviu as «chalaças» triunfantes dos agentes (Nota 2). Cunhal só recuperaria a liberdade 11 anos
depois, ao fugir de Peniche, e Militão Ribeiro morreu, logo em Janeiro de 1950, não sem antes
dizer que a polícia o estava a matar. A morte foi, aliás, motivo de controvérsia dentro do PCP, por
ter sido considerado que se «suicidara» através de uma greve de fome, da qual se voltará a falar
(Nota 3)

V.2.8.2. Prossegue a «colheita» da PIDE


O annus horribilis para o PCP não acabou assim. Uma terceira casa de funcionários também caiu,
no mesmo mês de Março, desta vez na capital. José Gonçalves, que com a sua brigada calcorreava
as ruas de Lisboa à procura de «funcionários», conseguira prender, num encontro de rua, Jaime
Serra («Celso») e Augusto Pereira de Sousa («Esteves»), do CL de Lisboa, o que possibilitou à
PIDE detectar a casa clandestina do primeiro. No relatório das investigações, de 19 de Setembro, a
PIDE observou que o desenvolvimento das mesmas tinha sido dificultada, dada a «posição que
ambos os arguidos tomaram, de inteira negativa a um esclarecimento completo das suas
actividades». No entanto, a PIDE apanhara a Jaime Serra, escondido em roupa, um apelo ao «povo
de Lisboa» assinado «JS do CL» de Lisboa, concluindo do facto de aquele não ter utilizado o
pseudónimo que tinha o «firme propósito de continuar a luta seja em que condições» (Nota 4).
Em 8 e 9 de Abril de 1949, fora detectada outra casa clandestina do PCP, em Coimbrão/Leiria, onde
estava instalada uma tipografia do Avante! e onde foram presos, por Fernando Gouveia, na época já
promovido a subinspector, dois casais de funcionários. Um destes era constituído por António
Eusébio Bastos Lopes («José»), um carpinteiro de 24 anos e Mercedes Oliveira, costureira de 20
anos, ambos de Vila Franca de Xira (Nota 5). O segundo casal era composto por Casimira da
Conceição Silva, costureira de 31 anos, também de Vila Franca de Xira, casada com António Dias
Lourenço («João» ou «Marques»), e por José Augusto da Silva Martins («Alves»), natural de
Oliveira de Azeméis e licenciado em Histórico-Filosóficas, membro substituto do CC e responsável
pelo aparelho de agitação e propaganda.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. SC 746/49, vol. 3.


Nota 2 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, proc. 92/62, caixa 703 2º Juízo. Octávio
Pato e Albina Fernandes, vol. 2, fl. 142 (12), documento interno sobre repressão.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 238 GT, Militão Bessa Ribeiro, fl. 19; Arquivo do Tribunal da Boa Hora no
IAN/TT, proc. 92/62, caixa 703, 2º Juízo, Octávio Pato e Albina Fernandes, 10 volumes, vol. 1, fl.
646. Carta de Militão Ribeiro.
Nota 4 - Ibidem, pr. cr. 752/49, «Relatório do processo-crime».
Nota 5 - Fernando Gouveia, Memórias... pp. 248 e 278-279.

151

Sobre a «instalação» do Coimbrão, a PIDE encontrou, mais tarde, em 1961, no arquivo de Júlio
Fogaça, um relatório de António Eusébio Bastos Lopes onde este afirmava que teria havido
denúncia, provavelmente do padre da terra. Segundo Bastos Lopes, Fernando Gouveia parecera
surpreendido por ter apanhado a tipografia, mas não se ensaiara em pregar-lhe uma coronhada de
pistola na cara e empurrá-lo de modo a que caísse estatelado (Nota 1). A investigação, a cargo do
inspector superior José Catela, foi considerada «morosa», dada «a posição de negativa que
tomaram (os detidos), em esclarecer a sua actividade e ligações, embora tenham sido presos na
própria casa onde a tipografia se encontrava instalada».
Mercedes Oliveira e Casimira da Silva Martins foram libertadas condicionalmente, respectivamente
em Outubro e Dezembro de 1951, enquanto António Eusébio Lopes e José Augusto da Silva
Martins foram amnistiados 11 de Maio de 1953, mas continuaram presos. Só seriam soltos em
1955, após requererem o habeas corpus (Nota 2).
Além de terem sido apanhadas as casas ilegais do Luso e de Coimbrão, também detectadas, em
zonas onde não havia ramificações do PCP, outras duas «instalações» clandestinas, que já tinham
sido abandonadas quando a polícia lá chegou: uma, no Vale da Mó, perto de Anadia, onde vivera
José Gregório; e outra, na Vacariça, onde tinha estado instalado Manuel Guedes. No entanto, o
desmantelamento de organizações e as prisões de dirigentes do PCP não acabaram aqui, pois que,
em Setembro de 1949, foi desmembrado o sector intelectual de Coimbra, através de uma acção
policial iniciada com a detenção de Arquimedes da Silva Santos, à qual se seguiram a de sete outros
(Nota 3).
A «colheita» da PIDE de 1949 ainda não tinha, porém, acabado. Em 17 de Dezembro, o inspector
Raul Porto Duarte informou ter detido, nesse dia, pelas 7 horas, António Dias Lourenço, de 34
anos, casado, torneiro mecânico, natural de Vila Franca de Xira, numa casa «ilegal» do PCP em
Monte de Moraventos, no concelho de Palmela, juntamente com Georgette Ferreira, de 25 anos.
Dias Lourenço («João» até ao II Congresso ilegal do PCP, depois «Marques») era procurado havia
seis anos e tinha dirigido, em 1947, a greve dos estaleiros navais, autocriticando-se, aliás, pelo
insucesso das mesmas junto do PCP, num documento também apreendido pela polícia. Quanto a
Georgette Ferreira, não «aqueceria» o lugar na cadeia, pois conseguiria fugir do Hospital de Santo
António dos Capunhos em 6 de Outubro de 1950. Como esta se encontrava fugida, Dias Lourenço
foi julgado à parte e condenado a quatro anos de prisão maior celular, ou seis anos de degredo e
medidas de segurança (Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 251 GT, António Eusébio Bastos Lopes, fl. 9, documento encontrado no
arquivo de Júlio Fogaça, em 6 de Fevereiro de 1961, da autoria de Eusébio de Bastos Lopes, sobre
o assalto à tipografia do Avante!
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. dir. SC 693/49, cópia do relatório do processo de 5 de Junho de 1949, fls.
127, 204, 402 e 432.
Nota 3 - João Madeira, Os Engenheiros de Almas..., pp. 188 e 189.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. dir. 1144/949.

152

Com todas as prisões realizadas em 1949, a PIDE ficou com muita informação proveniente dos
arquivos apreendidos do PCP, nomeadamente acerca das técnicas e processos conspirativos da
direcção, bem como de células de empresa, organizações entre os camponeses, comités de zona,
comités locais, sub-regionais, regionais e provinciais de norte a sul do país. Além disso, a polícia
atingira a organização sindical e militar, bem como o aparelho técnico, para não falar do CC e do
próprio Secretariado (Nota 1).

V.3. ANOS DE «CHUMBO» (1950-1960)

Enquanto Cunhal estava preso, o PCP analisou as consequências das prisões de 1949. Dos eleitos
para o CC, em 1946, apenas cinco membros efectivos, José Gregório, Joaquim Pires Jorge, Manuel
Guedes, Júlio Fogaça e Sérgio Vilarigues, e dois suplentes, Octávio Pato e Soeiro Pereira Gomes,
permaneciam activos em Abril de 1949, embora este último morresse pouco tempo depois, após
doença prolongada. De uma grande organização de massas que efectivamente foi nos anos do
imediato pós-guerra, depois das prisões de 1949 o Partido Comunista transformou-se, segundo
Mário Soares, «numa organização fechada, numa quase seita esotérica, donde os melhores
militantes fugiam até por razões de simples bom senso» (Nota 2).
Os anos 50 foram duros para o PCP, que se fechou sectariamente e endureceu a sua disciplina,
promovendo sucessivas críticas, «autocríticas», expulsões e depurações. Voltou-se «para si próprio
e, dentro de si próprio, para a sua Direcção», parecendo ter como único objectivo a preservação do
seu núcleo dirigente, as tipografias e o corpo de funcionários (Nota 3). O início da década foi
também um período de retraimento e divisão da oposição, que entrou «em hibernação mais ou
menos prolongada».
A oposição não comunista estava então «polarizada pelo Directório Democrático-Social (DDS)»,
no qual pontificaram António Sérgio, Mário de Azevedo Gomes, Jaime Cortesão e Cunha Leal. Ao
DDS adeririam também os «patriarcas sobreviventes do velho Partido Republicano Português»,
elementos dos «pequenos grupos socialistas de direita que tinham tentado organizar-se no pós-
guerra» e «intelectuais da esquerda socialista, em ruptura com o Partido Comunista Português,
agrupados no núcleo da Resistência Republicana e Socialista» e ainda activistas da União Socialista
dos anos 40 (Nota 4).

V.3.1. A meio do século: endurecimento de ambos os lados

A PIDE teve, no final de 1950, dois contratempos, com as evasões de Georgette Ferreira e de Jaime
Serra, embora tivesse também algumas vitórias, com a detenção de elementos do PCP.

Nota 1 - Ibidem, «O PCP e o movimento comunista internacional», NT 9100, pasta 4, «Relatório da


da organização do Partido" na Marinha de Guerra portuguesa», Fevereiro de 1948, fls. 8, 9, 15e 61.
Nota 2 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 174.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, pp. 54-56.
Nota 4 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 399, 518-521 e 531.

153

Segundo relatou Fernando Gouveia, a brigada de José Gonçalves atacou um encontro marcado para
os lados do Arco do Carvalhão, em Lisboa, entre António Saboga, irmão de Agostinho, e Manuel
Rodrigues da Silva, que, em 1935, havia substituído José de Sousa à frente da actividade sindical
clandestina. Ao revistar este último, a PIDE apanhou a chave de uma casa, na Travessa das
Laranjeiras, onde deteve, em 7 de Fevereiro, a sua companheira, Colélia Maria Alves Fernandes,
uma operária de 20 anos que permaneceu presa por ser solteira e, assim, considerada funcionária do
PCP.
No relatório da instrução do processo, assinada por Raul Porto Duarte, a PIDE concluiu que
Manuel Rodrigues da Silva era membro confesso do PCP mas que, dada «a sua posição de negativa
em esclarecer concretamente a sua actividade», não se sabia «em que sector trabalhava antes de
1947, quando foi substituir Dias Lourenço no de Lisboa». Quanto a Saboga, recusou prestar
declarações e a admitir serem seus os documentos apreendidos.
Além deles, a PIDE prendeu ainda José Maria do Rosário Costa Júnior, natural de Ovar, entregue
pela PSP, que o havia detido numa rua de Setúbal. Numa nota interna, a PIDE explicou que essa
prisão se tinha devido à publicação, no DN de 14 de Fevereiro de 1950, de uma notícia sobre o
«desaparecimento de indivíduo de nome José Maria, conhecido por Manuel», com uma fotografia.
A PIDE considerou que esse anúncio indicava «claramente tratar-se de um aviso do PCP, destinado
aos seus membros», ligados a «Manuel» e conseguiu identificá-lo como sendo José do Rosário
Júnior.
Manuel Rodrigues da Silva foi sentenciado a quatro anos de prisão maior, enquanto António
Saboga e José Maria do Rosário Júnior foram condenados a três anos, todos com medidas de
segurança. Colélia foi condenada, em Julho de 1951, a 18 meses de prisão correccional, mas apenas
libertada em 30 de Dezembro de 1953. Ingressando de novo na clandestinidade (Nota 1), deixou
então de visitar Manuel Rodrigues da Silva, que, por pertencer ao CC, apanhara prisão maior. Este
caso voltou a ser aproveitado por Gouveia com fins caluniosos, para afirmar que ela foi colocada
numa casa ilegal como «companheira» de Dias Lourenço, com o qual seria novamente presa, em
1962, em Buarcos (Figueira da Foz), juntamente com dois filhos (Nota 2).

V.3.2. O caso Mário Mesquita


Os primeiros anos da década de 50 foram os de todas as purgas e, mesmo, como se verá, de
algumas execuções no seio do PCP (Nota 3). Por volta de 1951, o partido já só contava com cerca
de um milhar de militantes e o número de funcionários havia diminuído (Nota 4). Apesar de a
situação ser então outra que nos anos 40, o PCP tentou impor novamente uma «frente unida», em
torno do Movimento Nacional Democrático (MND), que, porém apenas contou com o apoio dos
comunistas.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. dir. 180/50 SCI, Manuel Rodrigues da Silva, José Maria do Rosário Costa
Júnior, António da Conceição Saboga, Colélia Maria Alves Fernandes, fl. 23.
Nota 2 - Ibidem, fls. 37, 43, 50, 59, 117 e 150.~
Nota 3 – Ibidem, fls. 59-61.
Nota 4 – Ibidem, pr. 3968 SR, Ficheiro Geral, Júlio Fogaça, «Relatório acerca das actividades do
PCP, em 1951», fls. 30 e 32-33

154

Também inspirado pelo PCP, o Movimento Nacional de Defesa m Paz (MNDP) desenvolveu
campanhas contra a bomba atómica e contra a entrada de Portugal na NATO. O MUD J continuou,
mas a sua base antifascista reduziu-se muito, para quase só incluir comunistas. Em plena Guerra
Fria e no contexto da crítica à «política de transição», o PCP exigiu várias autocríticas a dirigentes
seus, acusados de envolvimento nessa política. Por seu turno, em 12 de Maio, o PCP divulgou a
defecção do funcionário Mário Mesquita, qualificado de «traidor ao serviço da polícia» (Nota 1)
Após o 25 de Abril de 1974, o ex-inspector Fernando Gouveia afirmou que a prisão de Mário
Mesquita se tinha devido a intensa investigação da PIDE e havia sido despoletada por um
telefonema anónimo que ele próprio recebera em 1950: «Interessa-lhe o Mário Mesquita? A mulher
abandonou-o e o MM é doido pelas filhas.» (Nota 2) Afirmando ter obtido depois a morada da casa
onde a mulher vivia, em Ovar, Gouveia confirmou tê-la detido, na noite de Natal, e transferido para
Lisboa, onde havia sido solta após compromisso do irmão dela de que a colocaria à disposição da
PIDE quando fosse necessário. Vigiada pelo chefe de brigada José Gonçalves, a mulher fora,
depois, localizada em Alcântara, onde vivia uma tia de de Mesquita e onde este acabou por ser
detido num encontro com a família e as filhas, em 28 de Dezembro.
O certo é que Mário Mesquita contou à PIDE tudo o que sabia sobre o PCP e acompanhou depois a
polícia, ajudando-a a detectar casas clandestinas, a identificar quadros e denunciando pontos de
apoios por todo o país. Da cadeia, o PCP foi informado de que Mesquita saía pela manhã para
«interrogatórios» e só regressava à noite «com os sapatos cheios de lama». Num comunicado de
Março de 1951, intitulado «Mário Mesquita traidor ao serviço da polícia», o CC do PCP deu conta
que este se tinha encontrado com a mulher, «às ocultas da direcção do Partido», entregando-se
assim nas mãos da PIDE, que depois havia feito constar que ele fugira quando se dirigia com um
agente a um hospital. «Devido às condições da sua prisão e a outros factos anormais e suspeitos, a
Direcção do Partido expulsou-o imediatamente das fileiras do partido.» (Nota 3)
Mesquita foi responsável, entre outras, pelas prisões de Severiano Falcão, em 30 de Dezembro de
1950, de Alcino de Sousa Ferreira, em Fevereiro de 1951, e do assalto à casa clandestina, a 24 deste
mês, de Júlio Paour, em Loulé. Num documento encontrado pela PIDE em diversos arquivos de
dirigentes comunistas, da autoria de «Pedro» (Alcino Ferreira), preso devido a denúncia de
Mesquita, aquele dá conta de ter ouvido, nos primeiros dias da sua detenção pela PIDE, que a «casa
de F. [provavavelmente o cunhado de Mesquita] não foi assaltada antes porque quiseram deixar o
casal passar o Natal descansado» (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, pr. dir. 314/50 S. Inv., Severiano Falcão e Maria Beatriz Rodrigues.
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.a Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 97-98.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 174 GT, Mário Mesquita, fl. 94.
Nota 4 - Ibidem, 6 GT, Alcino Sousa Fernandes, fl. 26. Documento encontrado no arquivo de
Joaquim Pires Jorge, em 26/7/60, da autoria de «Pedro».

155

Em Maio de 1951, «Ribeiro» (Gilberto Oliveira), provavelmente controleiro de Mesquita, fez a


análise desse caso e dos «fundamentos da traição e deserção que se esta[vam] a verificar no PCP».
Considerou que a direcção do PCP não conhecia suficientemente os seus quadros, a sua vida par-
e o seu carácter, além de analisar a posteriori o percurso de Mário Mesquita. (Nota 1). No folheto
do CC do PCP «contra os espiões e provocadores», datado de 1952, reconhecia-se que se tinha
subestimado «durante muito tempo o verdadeiro significado dos repetidos "encontros" de Mário
Mesquita com o agente José Gonçalves, que o conhecia muito bem e desde há muito». O
documento do CC revelava ainda que, «não obstante espancar a mulher a ocultas do Partido»,
Mesquita «era por esta dominado por esta em muitos casos» e que ela era «uma pessoa de baixos
sentimentos, tinha um irmão ligado à PIDE (brigada do José Gonçalves) e, quando da "prisão" do
marido fez um trabalho de colaboração com a PIDE e contra o Partido».
Entre os dirigentes do PCP, apenas permaneciam em liberdade José Gregório, pelo que ascenderam
então ao Secretariado Sérgio Vilarigues, Júlio Fogaça, apesar de este ter sido forçado, nos anos
anteriores, a fazer uma série de «autocríticas», e Manuel Guedes, detido em 19 de Maio (Nota 2).
Continuaram também as purgas, nomeadamente de diversos intelectuais comunistas. Paralelamente,
crescia a lista de «traidores»: Mário Mesquita, Sequeira, Carlos Gaspar, Joaquim Ventura, Eurico
Ferreira Manuel Domingues («Luís», assassinado) e «Teixeira» (Manuel Lopes Vital, assassinado)
(Nota 3).

V.3.3. Três prisões no Algarve

Em 29 de Março de 1953, a PIDE deteve Rogério de Carvalho («José, funcionário do PCP na


clandestinidade, do qual, em interrogatórios, a polícia nem sequer conseguiu localizar a casa
clandestina. Foi condenado a dois anos e dois meses de prisão maior e medidas de segurança. Maria
Lamas foi, por seu turno, presa à chegada ao aeroporto de Lisboa, em 20 de Dezembro, após ter
participado no Congresso dos Povos pela Paz em Viena e no Conselho Mundial da Paz de
Bucareste. Foram também detidos muitos jovens que esperavam no aeroporto (Nota 4), entre os
quais se contou Carlos Brito, que, relacionado com uma questão ligada a uma sede do MUDJ,
continuou depois preso (Nota 5).
A PIDE obteve uma importante vitória em 1953, com a prisão dos funcionários do PCP Maria
Angela Vidal Campos e Carlos Costa, detidos no Algarve, e, mais tarde, Rolando Verdial, preso na
mina de Jales. Ângela foi a primeira a ser presa, em 12 de Junho, pela GNR de Albufeira, cujos
elementos viriam aliás a ser gratificados pela PIDE.

Nota 1 - Ibidem, pr. 253 GT, José Gilberto Florindo de Oliveira, fls. 69, 75 e 77.
Nota 2 - Ibidem, pr. 1062, Manuel Guedes, fls. 3, 4, 71, 82, 137, 195-201, 213, 331, 340, 342 e 362.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, pp. 264-265 e
270.
Nota 4 - «PIDE/DGS, pr. dir. 160/53.
Nota 5 - Carlos Brito, Tempo de Subversão: Páginas Vividas na Resistência, Lisboa, Ed. Avante,
1958, p. 29.
156

Mais tarde, ao voltar de um encontro partidário, Carlos Costa foi detido na estrada, ao regressar a
casa. Os dois foram entregues à PIDE e transferidos para a sede de Lisboa, por indicação do
inspector Porto Duarte, que ficou responsável pela instrução do processo, juntamente com o chefe
de brigada José Alves e o agente Eugénio Carvela (Nota 1).
A PIDE considerou que a recusa de ambos os detidos «em descreverem e confessarem as suas
actividades» só confirmava «tratar-se de "funcionários" da citada associação secreta». Ou seja, as
únicas provas que a PIDE tinha eram documentos apreendidos a Carlos Costa e o facto de nada
responderem. Através da documentação, a PIDE concluiu que os dois, juntamente com Rolando
Verdial, actuavam como funcionários clandestinos no Algarve.
Este último já tinha sido preso, em 24 de Maio de 1952, em Paderne (Albufeira), mas fora libertado
por parecer estar mentalmente doente. A PIDE considerara, porém, depois, que ele tinha somente
fingido ser desequilibrado, continuando afinal a trabalhar para o PCP na semilegalidade nas minas
de Jales, onde foi detido em 25 de Novembro de 1953. No relatório (expurgado) sobre a detenção
de Paderne, a PIDE especificou que, apesar de parecer estar «a sofrer forte crise nervosa», existia
sobre ele a suspeita de ser um funcionário do PCP, devido a o seu comportamos assemelhar à
«maneira de ser corrente e vulgar entre os comunistas fanáticos, tenham eles a ilustração que
tiverem».
Finalmente, indicava-se que já anteriormente Verdial teria infringiu ordens do PCP que iam no
sentido de os seus funcionários ocultarem a militância comunista, razão provável para ter sido
«despedido» da «casa do partido», onde vivia com a mulher, Ângela Vidal e Campos, e Carlos
Costa, e por ter dado «indícios de excitação ou desequilíbrio mental», que haviam provocado a sua
prisão em Paderne (Nota 2).

V.3.4. MUD J, «ramificação do PCP»

Em 29 de Setembro de 1955, foi preso numa rua de Lisboa Américo Gonçalves de Sousa. Entre a
documentação que lhe foi apreendida contava-se uma carta cifrada dirigida aos presos do reduto
norte de Caxias que, segundo a PIDE, comprovava a «existência de ligações entre presos e a
organização no exterior do PCP». Outro documento apreendido foi aquele já referido, onde o PCP
apelava a uma modificação da orientação do comportamento em julgamento dos funcionários de
modo a evitar longas penas de prisão, para que o partido os pudesse recuperar rapidamente.
Américo de Sousa fugiria em 25 de Maio de 1957 do Aljube, mas viria a ser recapturado em 15 de
Dezembro de 1962 (Nota 3).
Entretanto, a PIDE assanhou-se no mesmo período contra o MUD J, prendendo muitos dos seus
elementos.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 89/53, vol. 1, Rolando dos Santos Verdial, Carlos Campos da Costa e
Maria Ângela e Campos, fls. lf-18, 29, 50, 54, 63-64, 104, 175 e 183-184.
Nota 2 - Ibidem, vol. 2, fls. 150 e 322-323.
Nota 3 - Ibidem, pr. cr. 105/55, fls. 1, 14, 140 e segs., 166, 195 e 200.

157

A sua libertação foi reclamada em dois telegramas endereçados, em Novembro, ao presidente da


República, que os remeteu a Salazar. Este respondeu-lhe que, nos «últimos tempos, a polícia tem
manifestado a sua grande preocupação acerca da captação muito intensa de estudantes para as
organizações comunistas», nas quais apareciam enredados rapazes e raparigas «das melhores
famílias, tanto em bens no em formação moral». O caso era tão «grave que só por meios políticos é
difícil de controlar», tornando-se necessária uma «contra-ofensiva ideológica» (Nota 1).
Sobre essas prisões, Fernando Gouveia afirmou que ninguém foi preso por ser apenas membro do
MUD J, mas por também militar no PCP. Enquanto a polícia tentava, nos interrogatórios, apurar se
eram ou não também membros do PCP, os jovens defenderam-se sempre com o argumento de que
pertenciam a um movimento juvenil legal, razão pela qual não deviam estar presos. José Augusto
Seabra, que pertenceu ao MUD J, mas nunca ao PCP, também descreveu que os interrogatórios que
então sofreu se concentravam na obsessão de a polícia querer provar que esse movimento e o
Movimento da Paz eram ramificações daquele partido, daí a utilização de violências e as torturas
aplicadas (Nota 2). No julgamento dos 52 elementos do MUD J detidos, apenas iniciado em 12 de
Junho de 1957, no Tribunal Plenário do Porto, este considerou, porém, a acusação improcedente,
absolvendo e mandando em paz 33 deles, por não ter ficado provado que tivessem conhecimento de
que o PCP dirigia aquela organização juvenil (Nota 3). No mesmo processo foram considerados
membros do PCP António Borges Coelho, Pedro Ramos de Almeida, Cecília Ramos de Almeida,
Hermínio Marvão, Hernâni Silva e Ângelo Veloso (Nota 4). Refira-se que um documento do MND,
de Abril de 1955, afirmou que em tribunal havia triunfado, contra a posição da PIDE, a ideia da
legalidade dos movimentos de opinião, defendida energicamente por acusados e testemunhas.
Como exemplos davam-se as absolvições de Arménio Jordão, do estudante Carlos Aboim Inglês e
da enfermeira Hortênsia Silva, apenas acusados de serem do MUD (Nota 5).

V.3.5. A viragem à direita no PCP

Ao longo da década de 50, houve entretanto várias mudanças, quer a nível nacional, onde se
assistiu a um processo de concentração económica, industrialização e urbanização, quer a nível
internacional, em que, em meados da década, se foi paulatinamente passando do ambiente da
Guerra Frias aos princípios da détente e de «destalinização».

Nota 1 - Pedro Ramos de Almeida, op. cit., p. 519.


Nota 2 - José Augusto Seabra, De Exílio em Exílio, Porto, Fólio Edições, 2004, pp. 42-43;
PIDE/ /DGS, pr, 1959 GT, pasta MUD Juvenil.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 22/55, Acórdão do Tribunal Plenário do Porto.
Nota 4 – Ibidem, pr. dir 47/55, Serv. Inv. do Porto, 2 volumes.
Nota 5 - Ibidem, pr. 73/56, vol. 2, Maria dos Santos Machado.

158

No PCP, começou a ser desenvolvida, a partir da VI Reunião Ampliada do CC, em 1955, a crítica
ao sectarismo nas relações do partido com as restantes componentes da oposição e na atitude em
relação à intelectualidade.
Muito importante para o PCP e o movimento comunista internacional foi, em Fevereiro de 1956, a
realização do XX Congresso do PCUS, onde foram aprovadas as teses de coexistência pacífica,
passagem parlamentar ao socialismo, unidade com os sociais-democratas e condenação do culto da
personalidade estalinista. Aderindo a estas teses, o CC defendeu em Abril uma linha, mais tarde
considerada «direitista», que aceitava a possibilidade de uma solução pacífica para o problema
político português e preconizava um relacionamento dos comunistas com o movimento liberal
burguês (Nota 1).
Sob a influência das teses da coexistência pacífica, Júlio Fogaça defendeu, no V Congresso do PCP
(III ilegal), realizado em 1957, no Estoril, o carácter «nacional» do partido e o relacionamento deste
com o movimento oposicionista não comunista, bem como a táctica partidária de pequenos
levantamentos que levariam a oposição anti-salazarista a uma transição pacífica para a democracia,
em substituição da anterior linha de insurreição de massas. Noutro informe, Guilherme da Costa
Carvalho relevou as eleições como instrumento de liberalização do regime e, no documento sobre a
organização, da autoria de Dias Lourenço, bem como nos estatutos aprovados, triunfou a
perspectiva da desagregação a breve prazo do regime e a luta contra o culto da personalidade, na
esteira do XX Congresso do PCUS.
Em Portugal, a PIDE capturou, em 5 de Fevereiro de 1957, dois funcionários do PCP, Francisco
Martins Rodrigues, do CL de Lisboa, detido num encontro na Rua do Olival, em Lisboa, que se
recusou a indicar a residência e a profissão, e sua mulher, Fernanda Ferreira Alves, presa numa
«instalação» na Rua Elias Garcia. Para investigar as chamadas telefónicas feitas nessa casa, a PIDE
recorreu à Anglo Portuguese Telephone Company, do Porto (Nota 2).
Em 23 de Novembro prendeu, na estrada do Pinhal Novo ao Montijo, Rolando Verdial, recém-
evadido da prisão do Aljube, que declarou, aos gritos, o nome e o facto de ser comunista, detendo
ainda no mesmo dia a sua companheira de então, Ivone Dias Lourenço. A PIDE apreendeu a
Verdial uma autocrítica de que tirou «provas» que serviram para o condenar, em Dezembro de
1960, a seis anos e um mês de prisão maior, enquanto» Ivone Dias Lourenço foi sentenciada em
dois anos de prisão maior. Verdial fugiria integrado na fuga colectiva de Caxias em 4 de Dezembro
de 1961. Recapturado em 1963, permaneceria preso até 29 de Maio desse ano, depois de o tribunal
lhe conceder a liberdade condicional. Ver-se-á, mais tarde porque é que isso aconteceu (Nota 3).

Nota 1 . Ibidem, pr. 9078 SC.


Nota 2 – Ibidem. Pr. Dir. 59/57 Dvi. Inv., vol. 1, Francisco Martins Rodrigues e Maria Fernanda
Parrocínio Ferreira Alves, fls. 45, 46, 49, 53, 56, 57, 64, 80, 97, 101, 105, 110, 122, 134, 142, 151,
157, 163, 168, 175, 182, 191, 196, 211, 213, 238, 239, 244, 246, 249, 253, 261, 269 e 324.
Nota 3 – Ibidem, pr. Dir. 728/57, Rolando Verdial e Ivone Dias Lourenço, fls. 204, 290, 335 e segs.,
381, 483, 528, 538, 548, 556, 594, 595 e 633.

159

VI. DO «FURACÃO DELGADO» AO FINAL DO REGIME.


A PIDE/DGS E O PCP ENTRE 1961 E 1974

O ano de 1958 foi marcado pelas eleições para a Presidência da República. Pelo lado do regime,
Salazar decidiu que o general Francisco Craveiro Lopes não seria reeleito, embora a escolha do
candidato do governo devesse recair sobre um militar. Depois e, numa reunião da UN, foi escolhido
o almirante Américo Tomás como candidato do regime. Na primeira quinzena de Fevereiro, um
grupo de oposicionistas encarregou o arquitecto Artur Andrade de sondar o general Humberto
Delgado no sentido de se candidatar às eleições para a Presidência da República. Em Março, O
Militante inseriu um texto em que Cunha Leal era considerado um democrata e Delgado um militar
da confiança do governo e do imperialismo americano, mas o primeiro informou que não se
candidataria, e, no dia seguinte, 19 de Abril, Delgado oficializou a sua candidatura. Após o falhanço
da alternativa Cunha Leal, foi apresentada no dia 21 a candidatura de Arlindo Vicente, apoiada pelo
PCP.

VI.1. O «TERRAMOTO DELGADISTA» E A REPRESSÃO SOBRE O PCP

No dia 10 de Maio de 1958, Delgado proferiu numa conferência de imprensa no Café Chave de
Ouro a célebre frase segundo a qual demitiria «obviamente» Salazar se ganhasse as eleições, e oito
dias depois realizou um comício no Liceu Camões, na sequência do qual os altos comandos
militares se comprometeram, perante o regime, a defender a «ordem pública». Devido ao
extraordinário apoio que a candidatura de Delgado foi congregando, com recepções apoteóticas
pelo país, Arlindo Vicente acedeu, no fim do mês, em retirar-se a favor do general.
Nas eleições, realizadas a 8 de Junho, em que a candidatura de Delgado se viu impossibilitada de
fiscalizar as urnas e vários dos seus apoiantes foram presos, os números oficiais deram 76% dos
votos para Américo Tomás e apenas 23% para Humberto Delgado. A partir de 12 de Junho,
desencadearam-se diversas greves e manifestações de protesto, em Lisboa e na Margem Sul, contra
o que se qualificou de fraude eleitoral. No entanto, as oposições revelaram não estar preparadas
para fazer face à nova situação decorrente do clima pré-insurrecional instalado e da vaga de
indignação (Nota 1).

Nota 1 - João Madeira, «As greves de Junho-Julho de 1958», in Humberto Delgado: As Eleições de
58, pp. 207, 209, 212 e 213; idem, «A oposição e as eleições presidenciais de 1958», in Humberto
Delgado: As Eleições de 58, pp. 60-61.

160

Segundo números do PCP, estiveram, porém, envolvidos em manifestações cerca de 60000


trabalhadores, na Margem Sul, Vila Franca de Xira, Couço, Alpiarça, Ribatejo, Baixo Alentejo e
Porto/Matosinhos, embora em Lisboa a expressão tivesse sido reduzida. Alda Nogueira («Joel»,
«Lídia») responsável do PCP pela organização das greves na capital, atribuiu a incapacidade em
desencadeá-las à debilidade de laços partidários com os trabalhadores e a distorções na assimilação
da linha política por parte dos militantes (Nota 1).
O próprio director da PIDE a partir de 1960, Homero de Matos, descreveria mais tarde, numa carta
a Salazar, a actuação dos funcionários do PCP, na campanha eleitoral de 1958, afirmando que a
agitação entre as massas operárias não tinha tido grande sucesso, pois o PCP não conseguiria
desencadear greves nos grandes centros, devido à luta incessante que a PIDE movia àquele partido.
Este tinha, no entanto, segundo Matos, desencadeado lutas nas pequenas terras da província e
levado os rurais do Ribatejo e Alentejo a deixarem as lutas economicistas por aumentos de jornas
para se envolverem na luta política contra a eleição do candidato da UN (Nota 2). Seja como for, a
repressão directa e brutal dessa movimentação popular começou cedo e, entre 1 de Maio e 31 de
Dezembro de 1958, foram presas 1013 pessoas e remetidos a Tribunal Plenário 31 processos.
Foram detidos muitos elementos das comissões centrais de Delgado e Arlindo Vicente. No Couço,
onde o movimento atingira uma maior expressão, foram presos, no final de Junho, dezenas de
trabalhadores rurais e enviados a tribunal mais de 60. Outros, entre os organizadores, passaram a
funcionários clandestinos do PCP, entre os quais se contou Joaquim José Dias, já referenciado pela
PIDE (Nota 3). Entre os funcionários do PCP, foram detidos quatro do CC, dois dos quais da
Comissão Política, oito da direcção intermédia e 11 funcionárias de casas clandestinas (Nota 4).

VI. 1.1. A queda de vários funcionários do PCP

Entretanto, em Março de 1958, Olívia Sobral, companheira de José Carlos, tinha sido presa em
Olhão, à porta de uma fábrica de conservas a angariar assinaturas para o candidato presidencial da
oposição, o que mostra que o PCP estava então a expor demasiado os seus funcionários. Foi através
do arquivo de José Carlos, apreendido a Olívia, que a PIDE soube das actividades do marido
enquanto dirigente do Baixo Alentejo. Este último acabou por ser detido, em Novembro, por mero
acaso, pela GNR de Salvado, que dele desconfiou ao vê-lo no cruzamento da estrada com Beja
e o entregou à PIDE.
Em Maio, esta polícia prendeu em Lisboa diversos elementos do que viria a concluir ser um
organismo do PCP na função pública, nos organismos corporativos, na banca e nos seguros.
Nota 1 - Idem, ibidem.
Nota 2 - AOS/CO/IN-16, pasta 4.
Nota 3 - João Madeira, «As greves de Junho-Julho de 1958», in Humberto Delgado: As Eleições
de 58, p. l91. W
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 58.

161

Todos os condenados a prisão maior foram, como habitual, demitidos da administração estatal
(Nota 1). Ainda em Lisboa, a PIDE deteve, em 23 de Junho de 1958, o funcionário do PCP Joaquim
Augusto da Cruz Carreira, na clandestinidade desde 1951, o responsável pelo CL de Lisboa (Nota
2). Ao relatar a sua prisão e a de Malaquias Pinela, Joaquim Carreira («Dias») disse ter sido o
primeiro a ser detido, pelas 18 horas e meia de 26 de Junho de 1958, na Rua Latino Coelho, ao
encontrar-se «casualmente» com trabalhadores da Fábrica Portugal, aos quais tinha ido pedir lume
(Nota 3).
No seu relato, Carreira considerou que a polícia sabia quem ia prender, e que, por outro lado, ao
entrar no gabinete de Gouveia viu em cima da secretária uma foto sua, além de que alguém da CP
lhe dissera haver uma infiltração da PIDE nessa empresa. Joaquim Carreira contou ter sido
agredido a soco e pontapé por Gouveia e, mais tarde, sujeito a 11 dias de estátua, entre 19 e 30 de
Agosto, dos quais nove dias seguidos de pé e sem dormir. No total, foi chamado quatro vezes à
PIDE e esteve três meses numa cela do Aljube e 43 dias no segredo nas casamatas de Caxias (Nota
4). O próprio Gouveia confirmou que a polícia «não teve possibilidade de obter proveito da "casa
ilegal" de Joaquim Carreira, por este a ter indicado um pouco tarde», quando já havia sido
«desmontada» pela «companheira», uma «funcionária» de idade que passava por sua mãe.
Quanto a José Malaquias Pinela, ainda segundo Joaquim Carreira, tinha sido preso sozinho em
Alfama, pouco depois de ter largado um táxi. Este detido foi o mais longe possível na sua
«abertura», conforme contou Gouveia (Nota 5). No entanto, apesar destas afirmações, a casa de
José Malaquias Pinela também já estava vazia quando a PIDE lá chegou. Gouveia disse ter então
montado uma «ratoeira» e, cerca de quinze dias depois da mudança, foi assinalada junto à casa a
aproximação de um indivíduo. Tratava-se do funcionário Rogério de Carvalho, que foi prontamente
detido, em 29 de Julho. e sujeito, de 30 de Julho a 2 de Agosto, a um tratamento classificado de
«interrogatórios contínuos» — ou seja, a tortura do sono, à qual se tinha seguido o isolamento total,
sem livros nem possibilidade de escrever (Nota 6).
A PIDE fez também, na segunda metade de 1958, uma razia entre funcionários e dirigentes do PCP.
Fernando Gouveia relatou as prisões que a PIDE conseguiu fazer então, graças à «abertura» total de
Joaquim Marinho, «funcionário» e membro suplente do CC, que, com a mulher, «resolveu
igualmente recuperar a liberdade», seguindo depois ambos para o país da sua escolha.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 894/58, fls. 204, 233, 242-272, 284, 341, 486-497, 559-561, 601, 688 e
731.
Nota 2 - Ibidem, pr. cr. 1065/58 D. Inv., Joaquim Augusto da Cruz Carreira, fls. 723 e 728.
Nota 3 - Ibidem, pr. 53 GT, Guilherme da Costa Carvalho, fl. 51, relatório de prisão encontrado em
Guilherme da Costa Carvalho, em 14/11/60, da autoria de «Dias» (Joaquim Carreira), fl. 58.
Nota 4 - Ibidem, Guilherme da Costa Carvalho, fl. 51.
Nota 5 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 394-396.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 1135/58, Rogério de Carvalho, fls. 22 e 77.

162
Da sua «franqueza» resultou a localização de uma parte de casa ilegal» na Rua Castilho, em Lisboa,
onde residiam Aida Paulo, a mãe desta, Luísa Paulo, e Fernando Augusto Blanqui Teixeira
(«Carlos»), que não foi, porém, capturado (Nota 1).
Em Outubro de 1958, Américo Gonçalves de Sousa («Abel»), que se tinha evadido do Aljube no
ano anterior, juntamente com Carlos Brito e Rolando Verdial, foi novamente detido, juntamente
com a sua companheira, Adélia Terruta, e outro casal de funcionários. Ainda devido a denúncias de
Marinho, foi assaltada a casa onde estava a troika do Norte no Porto, sendo detidos Joaquim
Gomes, Pedro Soares e suas companheiras, Maria da Piedade Gomes e Maria Luísa Costa Dias,
bem como Jaime Serra «Freitas», que, depois, caiu numa armadilha da PIDE (Nota 2).
Fugido de Peniche em 1950 e de Caxias em 1956, o próprio Serra contou essa detenção,
começando por explicar que, no contexto eleitoral de então, os «quadros clandestinos, mesmo os
mais responsáveis», tinham sido «obrigados a uma maior movimentação à luz do dia, tornando
desse modo mais vulneráveis as defesas do Partido face à violenta repressão que se seguiu» às
eleições presidenciais. Como se vê, Serra não responsabilizou então a interiorização do ambiente
do «desvio de direita» pela vulnerabilidade política e policial na conjuntura delgadista.
Relatou Serra que, em 8 de Dezembro, Dias Lourenço, também do Secretariado, o tinha procurado,
comunicando-lhe «que, segundo informações de que dispunha, houvera uma série de prisões de
quadros funcionários na região do Porto, entre eles um tal José Marinho, o qual havia traído o
Partido ao ser preso». Ora, como este conhecia várias casas clandestinas, haveria que tomar
medidas urgentes para tentar evitar novas prisões, estando particularmente em risco de serem
presos, no Porto, Joaquim Gomes e Pedro Soares, do CC.
Sabia-se ainda que na casa de Joaquim Gomes se iria realizar nesse dia uma reunião, na qual, além
dos já citados, deveriam comparecer também Sérgio Vilarigues e Octávio Pato, do Secretariado do
CC. Ao dirigir-se a essa casa para avisar os seus camaradas, Serra foi detectado pela PIDE que já
havia ocupado a «instalação», depois de a ter assaltado e prendido os seus ocupantes, Joaquim
Gomes e Maria da Piedade Gomes, após ter detido, noutra residência, Pedro Soares e Maria da
Luísa Costa Dias. Serra tentou fugir, mas, quando já havia alcançado uma certa distância dos
agentes perseguidores, a gritarem «agarra! agarra!» e a dispararem na sua direcção, um guarda da
PSP de pistola em punho prendeu-o e entregou-o à PIDE (Nota 3).
Ainda resultante da «abertura» de Marinho, foi localizada uma «casa ilegal» situada nos arredores
da Covilhã, habitada pelo «funcionário» do «sector» das Beiras, Américo Lázaro Leal, que não foi
preso, embora aí tivesse sido detida a sua mulher, Cesaltina Maria dos Santos (Nota 4).

Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 376-377.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 682-684.
Nota 3 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber; Páginas de Luta Clandestina, pp. 113-116.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 377-378.

163

Em Coimbra, na Cova da Piedade e em Montemor-o-Novo, foram, por seu turno, detidos Tomás
Xavier de Figueiredo («Mourão»), José da Conceição Gomes e Joaquim José Dias, um dos
organizadores da movimentação popular contra a fraude eleitoral, no Couço, e a sua companheira,
Constantina Maria. Finalmente, em São Mamede de Infesta, foram ainda detidos Agostinho Saboga
e a sua companheira, Lucinda Mendes (Nota 1).

VI.2. 1959 O ANO DE TODAS AS PRISÕES

Em 11 de Março de 1959, a PIDE prendeu os implicados num movimento revolucionário com


cumplicidades nas Forças Armadas, que ficou conhecido como o «golpe da Sé». O sector militar da
revolta, organizado m torno do Movimento Nacional Independente (MNI), tinha como responsáveis
os majores Pastor Fernandes, Luís Calafate e Alvarenga e os capitães Amílcar Domingues,
Fernando Romba e Vilhena e Almeida. O movimento terá sido infiltrado pela PIDE, onde, pelo
menos, Manuel da Silva Clara, que chefiava os Serviços Reservados (centralização de informações)
e passara, em 1958, para os Serviços Administrativos, teve conhecimento do programado golpe e
vigiou Manuel Serra (Nota 2).
Dezenas de implicados — nove militares e 22 civis — foram presos, acabando Manuel Serra e
Calafate por pedirem asilo político em embaixadas latino-americanas. Em nota oficiosa, o governo
declarou autorizar a saída destes dois do país, embora sem fornecer salvo-condutos e sem
reconhecer a legitimidade do asilo político concedido. Em 12 de Maio, também Henrique Galvão,
que tinha fugido do Hospital de Santa Maria e se havia refugiado na Embaixada da Argentina,
deixou Portugal, com destino a Buenos Aires.
Guilherme da Costa Carvalho («Manuel»), do CC do PCP, foi novamente preso, em 11 de Abril, no
Porto, e transferido para Lisboa. No relatório dos autos, a PIDE deu conta de que essa detenção
tinha sido despoletada pela entrega a essa polícia pela PSP portuense de um elemento detido a
distribuir propaganda, que depois denunciara outros, ligados entre si à União dos Jovens
Portugueses e ao PCP. Guilherme Carvalho tinha sido preso com documentação e um rolo de
rastilho, na Praça da República, quando se ia encontrar com o controleiro dos jovens, já detido na
véspera.
A PIDE relatou ainda que, no dia seguinte à prisão de Guilherme da Costa Carvalho, o PCP tinha
espalhado panfletos sobre ele, o que sucedia apenas quando era detido um dirigente do partido,
atribuindo esse «desastre» a traição de «Abel de Gaia». Tratava-se de Abel Soares da Silva, que foi
submetido pelo chefe de brigada Pinto Soares a cinco dias de estátua e, depois, a mais oito dias de
tortura do sono. Segundo declarou o próprio Abel, Pinto Soares tinha-lhe pago 300$00 para que
fizesse declarações falsas sobre Diniz Miranda.
Refira-se que a PIDE encontrou um papel entregue na cadeia a este último por Abel onde este
confirmava ter prestado declarações e estar desesperado por ter prejudicado Miranda, ao qual pedia
perdão.

Nota 1 - PIDE/DGS, n.° 5618 SR, publicado imprensa de 7/10/1959.


Nota 2 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 77.

164

Em 18 de Agosto, Abel tentou golpear-se com um pedaço de vidro da janela, e, no fim desse mês,
deixou de comer, sendo hospitalizado. Condenado inicialmente a uma pena de 18 meses, Abel foi
novamente julgado, por «denúncia caluniosa», ao acusar de maus tratos e ofertas monetárias o
chefe Pinto Soares e o agente Maia, e sentenciado, em cúmulo jurídico, a dois anos dois meses de
prisão e medidas de segurança (Nota 1).
Pelas 21.30 horas de 28 de Maio de 1959, foram também detidos os funcionários do PCP Sofia
Ferreira e António Santo, na Rua da Artilhai Um, em Lisboa. António Santo («Silva») e Sofia
Ferreira («Soares») recusaram responder às perguntas da PIDE, mas, segundo o resumo do
processo, a PIDE apurou que ambos actuavam num denominado «organismo regional de Lisboa»,
de cuja direcção central «fazia parte a arguida Sofia», na qualidade de membro suplente do CC,
desde o Congresso de 1957. Como prova de que Santo havia passado à semi-ilegalidade no início
de Outubro do ano anterior, deixando a empresa Sorefame, serviu o facto de ter deixado de pagar as
quotas para a Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal (Nota 2).
Nesse ano de 1959, a PIDE teve outro golpe de sorte, ao recapturar, em 14 de Junho, entre a
Avenida João XXI e a Avenida de Paris, Carlos Aboim Inglês, que vivia então numa casa
clandestina no Bairro da Picheleira (Nota 3). Ao PCP, Aboim Inglês transmitiu que havia sido
preso, de pistola em punho, por Fernando Gouveia, num encontro casual de rua (Nota 4). Embora
tivesse sido preso no local acima indicado, portanto perto de sua casa, constou ao PCP que tinha
sido capturado no Bairro de Alvalade. Foi com base nesta última informação que Carlos Brito se
dirigiu à casa de Aboim Inglês para buscar a mulher daquele, Maria Adelaide, e a filha Margarida, a
fim de as colocar em lugar seguro (Nota 5).
Ao entrar em contacto telefónico com a casa, não se notava ainda qualquer anormalidade, mas,
dado que Brito se atrasou com a resolução de outras tarefas, o tempo que mediou entre o
telefonema e a chegada dele possibilitou à PIDE a ocupação da casa de Aboim Inglês. Carlos Brito,
que se encontrava a monte depois de se ter evadido do Aljube, foi preso no dia seguinte. Aboim
Inglês considerou depois que a prisão de Brito se devera a descuido e precipitação na ida a sua casa,
sem o PCP ter conhecido devidamente as condições da sua própria detenção, e devido ao facto de aí
se ter deslocado passada uma hora após ter telefonado (Nota 6).
O PCP teve dificuldade em perceber como conseguira a PIDE localizar a casa de Aboim Inglês tão
rapidamente, pois pensava que esta tinha sido detectada após a sua prisão e não antes, considerando
que a polícia tivera «de andar muito depressa e por isso o não interrogaram na noite da prisão»,
conforme conclui a direcção do PCP.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 179/59, Guilherme da Costa Carvalho, fls. 1 e segs., 36, 42, 85, 87,
segs., 119, 123, 138, 140, 141, 144, 145, 204, 232, 233, 236, 239, 241, 244, 251 e 296.
Nota 2 - Ibidem, pr. dir. 551/59 D. Inv. António Santo e Sofia Oliveira Ferreira.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1. pp. 39 e 40.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 381-382.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 503/59 SC, Div. Inv., Carlos Brito.
Nota 6 - Ibidem, pr. 20 GT, Carlos Aboim Inglês, fl. 74. Documento sobre a prisão de Carlos
Aboim Inglês, encontrado no arquivo Guilherme da Costa Carvalho, da autoria de «Óscar».

165

Veja-se como a PIDE conseguiu apanhar a casa ilegal de Aboim Inglês. Gouveia contou que, logo
na manhã seguinte à prisão de Aboim Inglês, na posse do bilhete de identidade falsificado, com
uma fotografia, apreendido ao detido, uma brigada da PIDE percorrera a rua à entrada da
Picheleira. Gouveia — sem dizer porquê - depreendera que a sua «casa ilegal» estaria situada nessa
rua e, de «porteira em porteira, exibiu a fotografia, até esta ser reconhecida como «senhor
professor» que morava em determinado prédio e andar.
A brigada actuou de imediato, deteve a «funcionária» e depois montou a ratoeira onde caiu Carlos
Brito (Nota 1).
Já a detenção de Domingos Abrantes, em 27 de Julho, não foi casual e ocorreu na sequência da
prisão de João Manuel Louceiro («Costa»), acusado de ter participado numa reunião conspirativa
em Sacavém com mais cem jovens para criar comités nacionais e regionais da União da Juventude
Portuguesa (Nota 2). Segundo contou mais tarde Domingos Abrantes, a polícia andava já atrás dele
e por diversas vezes tinham-se cruzado na Amadora e em Lisboa, mas ele sempre tinha atribuído tal
facto a meras casualidades. Ao chegar ao local do encontro, num descampado na Venda Nova, a
polícia já tinha montado um cerco e uma encenação, utilizando um casal com um bebé que parecia
estar num piquenique. Abrantes sentou-se encostado a uma árvore, muito próximo deles, quando
surgiram por detrás outros pides que o prenderam (Nota 3).
Só após o 25 de Abril de 1974 conseguiu saber o motivo da sua prisão e desses encontros
«casuais», ao ser então descoberto e preso um informador da Sorefame que tinha denunciado esse
encontro . Trata-se de José Miguel da Rocha («Régua»), carpinteiro da Sorefame, responsável pelas
detenções de José Magro, António Santo, Sofia Ferreira, Amador e do próprio Domingos Abrantes
(Nota 5). Tinha sido António Santo, que trabalhava na Sorefame desde 1957, a travar conhecimento
com «Régua», durante a campanha eleitoral de 1958 e a «agarrá-lo», participando depois com ele
em reuniões alargadas e em movimentos de agitação. Como tivesse boa impressão dele, Santo
encarregara «Régua» de organizar e controlar a célula do PCP da carpintaria da Sorefame. Por volta
de Março ou Abril de 1959, Santo abandonara Amadora-Venda Nova e, como se viu, foi detido em
28 de Maio, apercebendo-se de que a PIDE sabia que ele tinha trabalhado nesse sector (Nota 6).

VI. 3. AS PRISÕES DE 1960

Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 383-385.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 556/59 D. Inv., Domingos Abrantes e João Faria Borda, fls. 2, 22, 289 e
303-307.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, vol. 2, pp. 67 e 68, testemunho de Domingos Abrantes.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.a Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 138.
Nota 5 - Arquivo Histórico Militar, Fernando Gouveia, proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, proc.
441, vol. 2, fl. 292.
Nota 6 - Ibidem, fl. 304, depoimento de António Santo.

166

Em 26 de Julho de 1960, a PIDE teve outro golpe de sorte, ao descobrir a residência ilegal de
Joaquim Pires Jorge («Gomes»), na vivenda de Montalvinho em São João do Estoril. Embora não
tivesse conseguido prendê-lo nem à sua companheira (Nota 1), conseguiu porém apreender um
volumoso arquivo (Nota 2). Alguns dirigentes do PCP também foram presos nesse ano,
nomeadamente dois que se tinham evadido em Janeiro de Peniche, Francisco Miguel (detido em
Agosto, quando tentava sair clandestinamente de Portugal (Nota 3) ) e Guilherme da Costa
Carvalho (detido em Novembro), bem como Júlio Fogaça.
Preso em companhia de um companheiro na Nazaré, em 28 de Agosto, Júlio Fogaça foi alvo de
humilhantes perguntas acerca da sua homossexualidade, a qual tinha sido confessada pelo outro
preso. A recusa de Fogaça em responder às perguntas da polícia revelava, segundo esta, que estava
«cumprindo fielmente as directivas emanadas da "direcção central" do já referido "PCP"» (Nota 4).
Em Novembro de 1961, o CC comunicaria, porém, a expulsão, «por acções imorais, por graves
faltas conspirativas» e «por gastos indevidos de dinheiro», de Júlio Fogaça (Nota 5). Através de
vários documentos apreendidos a este último, a Pires Jorge e a Alcino Ferreira, a PIDE conseguiu
não só acrescentar dados à tipificação do comportamento dos clandestinos como usar alguns efeitos
contraditórios, conflituosos e perversos provocados pela clandestinidade (Nota 6).
Ainda em Agosto desse ano de 1960, foram detidos os funcionários clandestinos Maria Cândida
Ventura, membro efectivo do CC, e Orlando Lindim Ramos, membro substituto do CC, cooptado
em 1959 para preencher uma das vagas ocorridas devido a prisões do ano anterior. Ambos eram
então dirigentes do sector do Ribatejo e parte do Oeste. Foi Gouveia, instrutor do processo, a
concluir que Lindim Ramos era do CC, embora suplente, pois que, se provas faltassem, «bastava o
facto de viver em mancebia (com Ventura) para comprovar aquela posição». Caso contrário, se
fosse um simples funcionário, Gouveia afirmou que nunca «a direcção do PCP consentiria que um
membro seu vivesse daquela forma», «dado que não lhe seria possível esconder a
"responsabilidade" da sua "tarefa" dirigente" no citado "partido"» (Nota 7).
Quase no fim de 1960, a PIDE prendeu diversos trabalhadores rurais do Couço, suspeitos de
ligações ao PCP, provavelmente denunciados por um informador. No resumo dos autos, conduzidos
pelo inspector Pereira de Carvalho, considerava-se o Couço como «uma das terra do País, à qual o
partido tem votado a maior atenção, fundos, dado grande número de membros» e na qual o PCP
gozava «de certa impunidade».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 370 GT, José Arandes «Castres», fl. 91.
Nota 2 - Ibidem, pr. 6 GT, Alcino Sousa Ferreira; documento encontrado no arquivo de Pires Jorge,
em 26/7/1960, da autoria de «Pedro», fls. 22 e 26.
Nota 3 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 179-180.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 844/60, pr. 185 GT Júlio Fogaça, fl. 36.
Nota 5 - Ibidem, pr. cr. 844/60, Júlio Fogaça, fls. 28, 81-90 e 255; O Militante, Julho de 1961.
Nota 6 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, p. 193.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. CI (2) 5349, fls. 22, 24, 28, 33, 62, 87 e 89; pr. 16/GT, fls. 141-159.

167

A PIDE acrescentava que a organização local do PCP no Couço era constituída por elementos rudes
e sem cultura política, mas que obedece[iam]m fanaticamente à "palavra de ordem" do "partido",
modificando amiudadamente os seus "quadros" como medida conspirativa» (Nota 1).

VI.4. 1961, ANNUS HORRIBILIS PARA O REGIME MAS TAMBÉM PARA O PCP

O ano de 196l iniciou-se, em 21 de Janeiro, com o arranque, em La Guaira, Curaçao, da operação


Dulcineia, ou seja, o assalto ao paquete Santa Maria. Delgado confirmou depois, no Rio de Janeiro,
que era o responsável pela operação e Henrique Galvão decidiu entregar o paquete às autoridades
brasileiras, encaminhando-o para o Recife, onde seria entregue às autoridades portuguesas. No dia
seguinte, foi divulgado o documento «Programa para a democratização da República», sendo todos
os 62 signatários incriminados e muitos presos, em Maio de 1961.
Em 4 de Fevereiro, independentistas angolanos tentaram assaltar a Casa de Reclusão Militar e
outros objectivos em Luanda, resultando sete mortos entre as forças policiais e incontáveis vítimas
entre os atacantes. Em 15 de Março, a partir da fronteira e da região dos Dembos, membros das
Tribos Bakong empreenderam uma insurreição que alastrou aos distritos de Luanda, Cuanza Norte,
Maianje, Uíje e Zaire, tendo sido chacinados dezenas de colonos brancos. Os acontecimentos
relatados pela imprensa nacional e internacional causaram profunda emoção na opinião pública
portuguesa, sendo a responsabilidade dessas acções atribuída à UPA, de Holden Roberto.
Entretanto, em Portugal, recém-fugido de Peniche após 11 anos de prisão, prestigiado por não se ter
envolvido na linha de ultradireitismo, Álvaro Cunhal foi eleito secretário-geral do PCP, em Março
de 1961, e orientou o partido para uma severa crítica ao «desvio à direita». Com o regresso de
Álvaro Cunhal voltou não só a estratégia de desmantelamento do regime, através do «levantamento
nacional» (Nota 2), como a afirmação da hegemonia do PCP na luta contra a ditadura, enquanto
organizador autónomo da luta de massas e da mobilização para uma futura insurreição popular.
Por outro lado era derrotada a chamada «Abrilada», liderada pelo ministro da Defesa Nacional,
Júlio Botelho Moniz, que, como se verá, pretendera levar o presidente da República, Américo
Tomás, a demitir Salazar. Este assumiu então a pasta da Defesa Nacional e, num importante
discurso, afirmou que «andar rapidamente e em força» para Angola era o objectivo que iria pôr à
prova a capacidade de decisão do governo português. Na véspera das eleições de deputados para a
Assembleia Nacional, em que os candidatos da oposição em oito círculos do continente e no
Funchal anunciaram a desistência, ocorreram confrontos com a polícia em Almada e em Lisboa,
sendo morto Cândido Capilé (Nota 3).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 856/60, Arnato David Brás, Joaquim Fino Henriques, Custódio Henriques,
Joaquim Domingos da Cruz, António Camilo, António Catarino e Joaquim Castanha, fls. 72, 111,
131, 178, 194, 211, 222, 228, 285, 326, 340, 345, 392, 411, 422, 522 e 523, ibidem, pr. 43 GT, João
Camilo Pereira da Rosa, fl. 91; ibidem, pr. 861/60. Processo do CL do Couço.
Nota 2 - Carlos A. Cunha, «PCP», Dicionário de História de Portugal, vol. 8, pp. 25-29.
Nota 3 - Arquivo do Tribunal Boa Hora, pr. 92/62, 2.º Juízo, caixa 703, Octávio Pato e Albina
Fernandes, vol. 1, Informações de Novembro 1961.

168

Em 10 de Dezembro, ocorreu a operação Vagô, organizada por Henrique Galvão: tratou-se da


tomada, em pleno voo, do avião da TAP Mouzinho de Albuquerque, que fazia a linha Casablanca-
Lisboa, por um comando onde se incluíam Hermínio da Palma Inácio e Camilo Mortágua. No dia
18, a União Indiana ocupou Goa, Damão e Diu, quase sem resistência, embora Salazar tenha dado
ordens para que esta se fizesse até ao último homem. Dez dias depois, Humberto Delgado entrou
clandestinamente Portugal, passando por Lisboa e dirigindo-se a Beja para comandar uma revolta
militar que deveria eclodir no regimento de Infantaria 3 nesta cidade, mas foi derrotada à nascença.
Entretanto, na Avenida Elias Garcia, em Lisboa — zona fatal para d funcionários do PCP, muitos
dos quais foram presos nas Avenidas Novas -, a brigada de José Gonçalves conseguiu capturar o
funcionário do PCP Ilídio Esteves, em 6 de Fevereiro de 1961. No mesmo dia, foi detida Maria
Fernanda Paiva Tomás «Maria» (ou «Maia», ou «Marques», ou «Ana»), recentemente cooptada
para o CC do PCP, que vivia na ilegalidade desde 1952 e actuara no Porto, controlando
interinamente o sector intelectual até final de 1958. Fernanda Paiva Tomás foi uma das primeiras
mulheres a ser torturada pela PIDE segundo o padrão da tortura aplicado aos presos do sexo
masculino (Nota 1).
Por seu lado, Fernando Gouveia contou que, numa noite de Setembro de 1961, regressava ele da
Feira Popular com a família pela Avenida de São João de Deus, quando tentou distrair a sua filha de
um jovem par que se beijava, e reparou num indivíduo que subia a avenida, «ora encoberto pelo par
amoroso ora descoberto, dadas as deambulações dos jovens dentro do próprio passeio». Mas a certa
altura o indivíduo atravessou a rua, chamando a atenção de Gouveia, que reconheceu Fernando
António Piteira Santos. «Discretamente», Gouveia enviou a família para casa e interpelo* teira
Santos, que emudeceu e foi enviado para a sede da PIDE (Nota 2).
Em 4 de Dezembro de 1961, um grupo de comunistas — Francisco Miguel, José Magro, Guilherme
da Costa Carvalho, António Gervásio, Domingos Abrantes, Rolando Verdial e Ilídio Esteves —
conseguiram evadir-se da cadeia de Caxias, utilizando o Chrysler blindado de Salazar. Esta vitória
do PCP foi, no entanto, obscurecida pela prisão, no dia 15, dos dirigentes do partido, Pires Jorge,
Octávio Pato, Américo de Sousa, Júlio Silva Martins e da sua companheira Natália David Campos.
Estas prisões deveram-se, em parte, a Lázaro do Carmo Viegas, um informador da polícia, ligado,
no PCP, a Francisco Canais Rocha. Numa ocasião, Viegas transportou Canais Rocha, na sua viatura
Fiat para um encontro na Avenida da das Descobertas, em Belém, com Octávio Pato.
Este conduzia um automóvel Taunus, cuja matrícula ficou na posse da PIDE, dado que o encontro
foi presenciado pelo chefe de briga Gonçalves e pelo subinspector Baptista da Silva.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 18 429 Cl (2) SC, Fernanda Paiva Tomás; pr. 25 GT, Fernando Tomás; pr.
cr. 281/50.
Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 385-387.
169

Francisco Canais Rocha apanhou, depois, no apeadeiro de Braço de Prata, o comboio para o Porto,
sendo seguido por esses dois elementos da PIDE, que, no entanto, lhe perderam o rasto. O próprio
Canais Rocha confirmou esses factos, em 5 de Maio de 1975, afirmando que Carmo Viegas
(«Madeira») lhe tinha sido apresentado pelo dirigente comunista Joaquim Gomes e transportava
habitualmente dirigentes do PCP no seu carro.
Através do mesmo informador, José Gonçalves apurou que o indivíduo em ligação com Canais
Rocha era provavelmente um elemento importante do PCP c foi indagar a quem pertencia o Taunus,
verificando que o seu dono morava perto da Rua de São Bento, onde montou vigilância (Nota 1).
Na sequência dessa localização, foram detidos alguns dos principais dirigentes do PCP no que foi
considerado um dos maiores «desastres» da vida desse partido: Octávio Pato, ao volante de um
Anglia, na auto-estrada Lisboa-Sintra, companheira Albina Fernandes, na casa ilegal de ambos, e
Júlio da Silva Martins, bem como Natália David Campos, noutra «instalação» em Linda-a-Velha.
Na casa ilegal destes dois últimos, a PIDE apanhou inúmeros passaportes, cujos detentores
interrogou, acusando os dois de serem quadros técnicos do aparelho de falsificação de documentos
do PCP. Depois de assaltada a casa de Júlio Martins, o subinspector Baptista da Silva manteve lá
agentes, que detiveram, em 30 de Dezembro, quando aí se dirigiam, Américo Gonçalves de Sousa e
Carlos Campos Costa. Manuel Lavado esclareceu que nessas capturas trabalharam duas brigadas da
PIDE, chefiadas pelo inspector Baptista da Silva, com os chefes de brigada e agentes Ferreira Beto
e Inácio Ribeiro Ferreira, reforçadas com pessoal da Investigação, chefiado pelo inspector Gouveia
(Nota 2).
No mesmo dia 15 de Dezembro de 1961, em que foram detidos Júlio Silva Martins e Natália David
Campos, foi detido Joaquim Pires Jorge («Gomes»), do Secretariado do CC do PCP, numa padaria
em Algés, pouco depois de se ter apeado de um automóvel de marca Taunus. A PIDE concluiu,
assim, que não era Pato que conduzia o Taunus, que tinha sido duas vezes por agentes na Rua
Castilho, mas sim Pires Jorge. A este a PIDE apreendeu um bilhete de identidade falso, em nome de
José Faria Rodrigues, com impressões digitais de José Dias Coelho, que, segundo a PIDE, tinha
sido o falsificador dos documentos. O ano de 1961 continuaria a ser trágico para o PCP, com o
assassinato, a 19 de Dezembro, de José Dias Coelho, na Rua da Creche, em Alcântara/Lisboa, por
uma brigada da PIDE comandada por José Gonçalves, como se verá.
Entre outra documentação, foi apreendida a Pires Jorge uma agenda de bolso com actividades
partidárias, um papel onde estava escrito «reunião do dia 15», dia em que foi preso, e a habitual
lista distribuída pelo PCP aos seus funcionários contendo matrículas e marcas de automóveis da
PIDE. Nos interrogatórios, Pires Jorge não prestou qualquer declaração, mas a PIDE sabia, através
de outro preso, integrado no CL do Estoril (Nota 3), que «Gomes» se tinha instalado, com
Georgette Ferreira, na Vivenda Montalvinho, em São João do Estoril, alugada por Octávio Pato.

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, Manuel da Silva Clara, 4.° TMT, proc. 3, pr. 1656, 1." Secção,
do Serviço de Justiça do Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS, relativo a apenso ao
processo, sem número de folha e fl. 25.
Nota 2 - Ibidem, Manuel Lavado, chefe de brigada, 4.a Juízo do TMT, proc. 85/79, Auto 474 de
20/6/79, fl. 25.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 1083/61 e pr. 58 GT, vol. 1, Joaquim Pires Jorge.

170

VI.5. A ENTRADA EM CENA DAS JUNTAS PATRIÓTICAS E OS «DESASTRES» DE 1962 E 1963


Entretanto, em final de Abril de 1962, a PIDE detectara e prendera elementos das juntas de acção
patriótica (JAP) — núcleos unitários criados em 1959 pelo PCP — e membros da direcção do
organismo de estudantes universitários do PCP de Coimbra. O primeiro a ser detido, nesta cidade,
havia sido o funcionário do PCP Eduardo Viana, transferido no mesma dia para Lisboa, que teria
estado na origem das prisões. Depois, foram referenciados como responsáveis pelo sector
académico de Coimbra das referidas JAP os professores Orlando de Carvalho e Joaquim Namorado
(Nota 1), enquanto o médico de Coimbra Manuel Lousã Henriques foi detido, acusado de pertencer
ao organismo de direcção dos intelectuais daquela cidade.
O facto de as prisões em massa terem principiado em Coimbra no da 27 de Abril, treze dias depois
da prisão de Viana e dois dias após a vigilância policial já ali estar concentrada, podia ser indicativo
de que aquele funcionário devia «ter começado logo a falar», devido à «maneira pormenorizada
como a PIDE se referira às organizações que ele controlava exibindo um grande conhecimento
sobre elas». Estes dados vinham num relatório enviado ao CC onde se referia a preocupação nítida
de a polícia «esconder o nome do traidor o que aliás e[ra] ainda mais claro se considerarmos que a
PIDE estava (não sabemos se está ainda) a justificar as prisões em massa em Coimbra pelos dados
apreendidos em casa de Lindolfo» (Nota 2).
Ainda segundo esse relatório, ao ser interrogado, este último tinha ouvido de um agente a seguinte
frase: «Quando você souber o que se passou com uma pessoa que conhece bem vai dizer que isso é
traição, mas não é, ele já não podia mais.» Quanto ao agente Aguiar, afirmara-lhe que o «outro que
o meteu cá é que teve juízo». Seja como for, através das detenções dos membros da direcção do
organismo de estudantes universitários do PCP Mário Aires Marques da Rocha Pereira, Adalcina
Maria Casimiro Silva e Francisco José de Sá Lopes, bem como de documentos apreendidos, a
PIDE ficou a saber que um «Frederico», de Cantanhede, estudante Direito em Coimbra, fazia
também parte da direcção estudantil comunista, juntamente com J. A. da Silva Marques e Germano
Ferreira da Costa, ambos fugidos (Nota 3).
Este último tinha conseguido escapar, quando a PIDE detectara um encontro em que ele se deveria
reunir com João Honrado e Augusto Lindolfo, os quais foram presos, em 25 de Abril. No dia
seguinte a essas duas detenções, o agente Abílio Pires prendeu, numa casa no Porto, Evelina
Ferreira, natural de Santiago do Cacém, companheira de Lindolfo e irmã de outras duas
funcionárias do PCP.

Nota 1 - Ibidem, pr. 310 GT, Manuel Lousã Henriques.


Nota 2 - No arquivo de Blanqui Teixeira, a PIDE apreendeu, em 1963, um relatório sobre «Alguns
aspectos da traição de Viana».
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 9079 SC, pasta 15/1 «Elementos do PCP de Tortozendo», pasta 15/2,
«Estudantes», Resumo dos autos, fls. 14, 18, 23, 28 e 52.

171

Em Junho, Evelina Ferreira reconheceu as fotografias de José Carlos, com o qual tinha vivido numa
casa em Setúbal, de António Dias Lourenço, Rogério de Carvalho e Joaquim Gomes dos Santos.
Evelina Ferreira, segundo a PIDE, resolveu pôr a claro toda a actividade por si desenvolvida
durante sete anos em que viveu na clandestinidade, fornecendo deste modo à polícia documentos
preciosos, pelo que foi libertada (Nota 1). No resumo dos autos do processo, a PIDE concluiu que
Lindolfo e Honrado, cuja mãe também foi interrogada, ao visitar o filho, eram funcionários do PCP
e controlavam a zona a norte do rio Mondego e a organização de Coimbra, nomeadamente os
sectores estudantil e intelectual. Honrado foi condenado a cinco anos e meio de prisão maior,
enquanto Lindolfo sentenciado em três anos (Nota 2).
No Porto e em Lisboa, a PIDE deteve ainda o advogado Armando Bacelar, o economista Ernesto
Lindim Ramos e o pintor Nikias Skapinakis, de pertencerem às JAP (Nota 3). No Norte, numa
ponte entre Santo Tirso e Famalicão, a PIDE prendeu, em 28 de Abril, Joaquim Araújo, quando este
se dirigia para um encontro com Domingos do Carmo (Nota 4). Joaquim Araújo conseguiria fugir
da prisão da PIDE do Porto, juntamente com J. ª da Silva Marques, também detido, mas em 2 de
Maio, nas traseiras de Espinho, denunciado por um jovem que se deveria encontrar com ele nesse
dia e havia já sido preso, ao distribuir manifestos apelando para uma manifestação no 1.° de Maio
(Nota 5).
Ainda em 24 de Maio de 1962, foram presos num encontro junto à Igreja de São Domingos de
Rana os funcionários clandestinos José Manuel de Oliveira Bernardino e José Tavares Magro,
ambos da direcção do PCP de Lisboa. O primeiro tinha sido visto pelo agente Pedro Ferreira, em 22
de Maio, a circular numa viatura Fiat 500, pela Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, com quatro
pessoas, pelo que a PIDE enviou, a 24, uma circular telefónica à PSP, instando esta polícia a
apreender o automóvel e a prender os seus ocupantes (Nota 6).
Bernardino estava integrado no CL de Lisboa, sob a orientação de José Magro, que tinha
comandado a agitação operária e estudantil desse ano na capital, com vista a preparar um
«levantamento nacional», programado para 28 de Maio (Nota 7), após ter orientado «tumultos» em
1 e 8 de Maio de 1962 (Nota 8).

Nota 1 - Ibidem, pr. 1143/62, l.a Divisão, Evelina da Conceição Ferreira, fls. 122, 124, 125,
128,171 e 224.
Nota 2 - Ibidem, pr. 1143/62, l.a Div. Augusto Lindolfo, João António Honrado e Evelina da
Conceição Ferreira, fls. 33, 35, 37, 40, 43, 47, 49, 52, 53, 56, 60, 62, 80, 96, 107, 110, 171,224,226,
233, 249, 298, 311, 312, 315, 325, 328, 333, 340, 347, 397, 419 e 420.
Nota 3 - A0S/CO/IN-14, pasta 15.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 570 GT, Joaquim Araújo, fl. 144, documento encontrado no arquivo de
Blanqui Teixeira, em 1963, da autoria de Jorge Araújo.
Nota 5 - J. A. Silva Marques, Relatos da Clandestinidade: O PCP Visto por dentro, p. 100.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. cr. 1293/62, l.a Div., José Manuel Mendonça de Oliveira Bernardino,
fl. 11.
Nota 7 - Ibidem, pr. cr. 1293/62, l.a Div., José Manuel Mendonça de Oliveira Bernardino, fls. 106,
116, 178-179 e 346-369.
Nota 8 - Ibidem, pr. cr. 1067/62, l.a Div., José Tavares Magro, fls. 62 e segs.

172

Ainda nesse mês de Maio, a PIDE deteve, por seu turno, um enfermeiro do Hospital Júlio de
Matos, colocando-o na sala onde estava preso o capitão Varela Gomes, detido por participação no
golpe de Beja. Este ultimo referiu ter sido avisado da função desse «provocador/informador» pelo
servente prisional José Martins, que estranhara «o tratamento excepcional de que ele passara a
beneficiar depois de regressar do primeiro interrogatório» o que só podia significar que «o preso
tinha "rachado"». O certo é que o «novo recruta da PIDE foi posto em liberdade passados uns oito
dias», constando «que teria sido destacado para Paris para aí tentar infiltrar-se nos meios de
emigrantes anti-fascistas» (Nota 1).
No mesmo ano de 1962, a PIDE atacou, a 13 de Agosto, uma casa do Secretariado e, uma semana
depois, outra instalação clandestina, em Caneças, de Joaquim Gonçalves e Maria Luísa Silva. Ao
analisar esses «desastres», numa reunião realizada em Dezembro, o CC considerou que os
funcionários e dirigente presos tinham cometido graves erros conspirativos devido à euforia ligada
à manifestação do 1.° de Maio. Nomeadamente José Magro, dirigente de um organismo especial
criado para a realização da mesma, foi criticado por ter revelado liberalismo e ideias erradas sobre a
«breve queda do fascismo» (Nota 2).
O Diário Popular de 26 de Maio de 1963 transmitiu uma nota ofíciosa da PIDE segundo a qual,
após a prisão, em Janeiro, de membros do CL de Lisboa, essa polícia localizara algumas casas
clandestinas, capturando em simultâneo, além de Joaquim Jorge Araújo, preso, como se viu, no ano
anterior, e fugido da delegação da PIDE do Porto, e a sua mulher, Maria Matilde Cerejeira Nunes
Bento, os funcionários do PCP José Carlos, a sua mulher, Olívia Sobral, Guilherme da Costa
Carvalho, Manuel Rodrigues, a sua mulher, Lucrécia dos Santos, António João da Silva e a sua
mulher, Corália dos Santos.
Estes últimos, que eram pais de Adelino Pereira da Silva, preso no ano anterior acusado, entre
outras actividades, de ter falsificado documentos para o PCP, foram detidos a 6 de Maio, numa casa
clandestina em Coimbra, que habitavam juntamente com Blanqui Teixeira, também capturado.
Segundo o resumo do seu processo instruído pela PIDE, o CC decidira recentemente a transferência
do Secretariado para o estrangeiro, algures na «cortina de ferro», mas Blanqui tinha permanecido
no país, como elemento desse órgão máximo da direcção do PCP (Nota 3).
Fugido de Peniche em 1960, José Carlos foi recapturado em 7 de Maio de 1963, juntamente com a
sua companheira Olívia Sobral e Guilherme da Costa Carvalho, numa casa da Malveira da Serra,
onde foi apreendida muita documentação (Nota 4).

Nota 1 - João Varela Gomes, Tempo de Resistência, pp. 145 e 147.


Nota 2 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 92/62, 2.a Juízo, Octávio Pato e Albina
Fernandes, fl. 611.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 1286/63, l.a Div. Blanqui Teixeira, Corália Pereira e António João da
Silva, fls. 41-73 e 67-71.
Nota 4 - Ibidem, pr. cr. 1290/63, pasta 15/1 «Elementos do PCP de Tortozendo», vol. 1, fols. 1 segs.
e 293, vol. 2, fls. 56, 116, 118, 176 e 193, vol. 3, fls. 33, 105 e 146.

173

Em Agosto de 1963, o director da PIDE enviou a Salazar uma nota oficiosa a informar que o
Secretariado do PCP ordenara uma reorganização dos quadros directivos em Portugal, enviando
para o território nacional dois elementos entrados clandestinamente no país através do aparelho de
fronteiras do PCP, a cargo de Manuel Gonçalo Maia e Ramiro Moreira da Costa. Estes tinham sido,
porém, presos numa casa ilegal, seguindo-se a esta prisão várias outras detenções de funcionários
clandestinos, em cuja captura tinha perdido a vida o agente da PIDE João Peres Águas (Nota 1). Os
detidos eram Isidro Paula («Quim»), corticeiro da Moita, Carlos Gouveia dos Santos («Valentim»),
polidor, e Carlos Loureiro de Carvalho («Pires»), ex-oficial da Marinha Mercante, desde 1958
funcionário do PCP e locutor da Rádio Praga (Nota 2).

VI.6. O caso Verdial e o desmantelamento do organismo intelectual de Lisboa

As diversas detenções de trabalhadores portuários, estivadores, operários da construção naval e da


Carris, de dirigentes do PCP e o assalto a casas clandestinas em Queluz e no Barreiro foram
atribuídas, por uma circular da Comissão Executiva do CC de Maio de 1963, à detenção e traição
de «Augusto» (Pedro Lourenço dos Santos), um funcionário do CL de Lisboa do PCP que actuava
na União da Juventude Portuguesa. Acerca dele, a PIDE/DGS diria mais tarde que, «dada a
franqueza com que descreveu nesta polícia, todas as actividades subversivas», foi «restituído à
liberdade, sem ter sido tomado qualquer procedimento». No seu processo, um cartão com o seu
nome manuscrito enviado por Henrique Tenreiro a um elemento da PIDE, em 22 de Maio de 1963,
dava conta de que o «homem» já tinha «emprego» no Rio de Janeiro e que, «portanto, o assunto
[estava] solucionado».
«Augusto» era, por seu turno, controlado por Rolando Verdial, que terá talvez sido um dos
elementos que mais prejudicou o PCP, ao denunciar, não só mas também, todo o sector intelectual
de Lisboa, que controlava, e que foi consequentemente desmantelado (Nota 3). As razões da traição
de Verdial prenderam-se certamente com as circunstâncias da vida dos casais clandestinos. Casado
com Maria Ângela Vidal, de quem teve um filho, Rolando Verdial fora preso pela primeira vez em
Maio de 1952 e, depois, entregue à família pela PIDE, por dar indícios de «alienação mental»,
embora a polícia considerasse posteriormente que se havia tratado de simulação.
Verdial tinha ingressado depois na clandestinidade, no Algarve, com a mulher e o filho, bem como
com outro funcionário, Carlos Costa, antes de ser preso em Paderne, Albufeira, em 24 de Maio de
1953. Segundo o relatório da PIDE, ao ser detido «parecia estar a sofrer forte crise nervosa». A
polícia concluiu que os indícios de desequilíbrio mental revelados por Verdial poderiam ter sido
causados por várias razões: ou por haver infringido as ordens do PCP, segundo as quais, no
momento da captura, deveria ter ocultado que era comunista; ou em resultado de haver sido
«despedido» da «casa do partido», onde vivia com a mulher e outro funcionário (Nota 4).

Nota 1 - A0S/CO/IN-14, pasta 12, 3/8/1963.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 19432 SR, Dinis Miranda; O Primeiro de Janeiro, 4/8/65.
Nota 3 - AOS/CO/IN-14, pasta 1.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 89/53, vol. 1, Rolando Verdial e outros, fls. 150, 154-163, 172 e 180.

174

Condenado a seis anos de cadeia e medida de segurança, Verdial evadira-se do Aljube em 1957,
mas, novamente recapturado e julgado, em 17 de Dezembro de 1960, fora condenado a seis anos de
prisão maior (Nota 1). Voltara a fugir de Caxias, na evasão colectiva de 1961, passando a pertencer
à troika que controlara o CL de Lisboa, até voltar a ser preso em 1963 (Nota 2).
O seu pai, Mem Verdial, um oposicionista do Porto, escreveu ao ministro do Interior a dar conta de
ter encontrado o filho em bom estado da saúde, na sua primeira visita na prisão, em 4 de Março
desse ano. No entanto, ao voltar a visitá-lo, em 15 de Maio, Rolando contara-lhe a sua «dolorosa
experiência», levando o pai a dizer-lhe: «Estás doido!» Na sua petição Mem Verdial perguntava:
«Que métodos científicos teriam sido empregados para que em 54 dias o meu filho ficasse louco?»,
de tal modo que acabasse internado no Hospital Júlio de Matos (Nota 3).
Veja-se agora o que se terá passado. No processo de Mário Soares existe uma cópia do auto de
perguntas feitas a Rolando Verdial em 15 de Maio de 1963 pelo inspector-adjunto Cunha Passo,
com o chefe de brigada Adelino Tinoco e o agente António Capela, em que este relatava toda a sua
biografia política. Nesse auto de perguntas consta a frase, que terá sido pronunciada por Rolando
Verdial, de que, após «ter reconsiderado e ponderado maduramente a sua situação, resolveu
esclarecer o melhor que pode toda a actividade partidária e conspirativa que desenvolveu e...
abandonar definitivamente essas actividades». O facto é que é verdadeiramente impressionante, no
processo-crime n.° 1641/63, de Rolando Verdial, o rol de denúncias que fez à PIDE, à qual relatou a
sua actividade desde 1948, bem como os nomes de cerca de 70 pessoas, entre militantes,
funcionários, médicos e intelectuais do PCP. Em 29 de Maio de 1963, o juiz António Almeida
Moura emitiu o mandato de liberdade condicional para Rolando Verdial (Nota 4).
Em Junho, o PCP já sabia da traição de Verdial, pois discutiu-a internamente. A PIDE ficou a saber
o que se havia passado numa dessas reuniões ao apreender um relatório a Joaquim José Dias, onde
Verdial era descrito como um poço de defeitos: não só era conflituoso, carreirista e vaidoso, como
se esforçava «por se pôr em destaque rebaixando os outros» e se gabava de ter dirigido lutas para
que nada fizera. Esse militante analisava, depois, atitudes anteriores, já com os olhos de quem sabia
da traição, mas embora «visse os seus aspectos errados, nunca sonhou que pudesse trair pois «tivera
posições corajosas perante o inimigo», mesmo se algumas velassem mais anormalidade que
coragem» (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, pr. 92 GT, Rolando Verdial, cópia do parecer do processo-crime 728/57, fls. 39,
50, 52, 57 e 87.
Nota 2 - Ibidem, pr. 2069/67, Mário Soares, vol. 2, fls. 61, 70, 72, 76, 80, 82, 92 e 97.
Nota 3 - AOS/CO/1N-13, pasta 17, pedido a Salazar, em 20/6/63, de abertura de um inquérito sobre
o tratamento ministrado a Rolando Verdial, preso pela PIDE.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. dir. 728/57, Rolando Verdial e Ivone Dias Lourenço, fls. 593-5^ 633.
Nota 5 - Ibidem, pr. 110 GT, Joaquim José Dias, fl. 107.

175

Como provas da traição de Verdial, registe-se que a Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS


descobriu, após 25 de Abril de 1974, uma carta confidencial enviada pela delegação do Porto ao
director da PIDE, em Lisboa, com o seguinte texto:
«Para reembolso desta Delegação do Conselho Administrativo, junto tenho a honra de enviar a
Vexa. um documento de esc. 3000$00, importância entregue a Rolando Verdial, segundo instruções
telefónicas dessa dir. 13 de 1963, assina o inspector António Diogo Alves.»,

Noutro manuscrito, provavelmente da directoria de Lisboa, consta a seguinte passagem: «Faz-se


um vale branco e envia-se o dinheiro à delegação.» Outro documento ainda é uma carta de Álvaro
Pereira de Carvalho, de Lisboa, ao «caro amigo inspector António Diogo Alves», datada do Porto,
de 20 de Agosto:
«Relativamente ao ofício confidencial dessa delegação, n.° 578/S.a proc. 6 - 3 secção de 13 deste
mês, comunico-lhe que nesta data se remeteu pelo vale postal n.º 33066 a importância de 3000$...
para reembolso a esse Conselho Administrativo de igual quantia entregue a Rolando Verdial. Tomo
a liberdade sugerir que, de futuro, e em casos semelhantes, não se utilizem ofícios numerados e os
assuntos sejam postos directamente ao Exmo. Inspector Superior. Desse modo, evitar-se-ão os
registos de entrada nos vários livros e o consequente conhecimento dos factos aos diversos
funcionários pelas mãos de quem passam» (Nota 1)
A partir da traição de Rolando Verdial, a PIDE desatou os fios da rede do organismo intelectual de
Lisboa, nomeadamente dos núcleos comunistas dos arquitectos, engenheiros, advogados, médicos,
escritores e artistas, prendendo dezenas de pessoas em Lisboa (Nota 2). O organigrama do sector
intentelectual, com os respectivos militantes, controleiros e dirigentes, que abaixo se apresenta, foi
feito com base no que a PIDE apurou ao prender sucessivos seus membros. No despacho enviado a
tribunal, a PIDE reafirmou a «importância desse sector [dos intelectuais de Lisboa], agora
desmantelado pela primeira vez», vertendo interessantes comentários, reveladores de que o que
mais a revoltava era a origem social elevada dos seus membros:
«O que confrange é verificar-se que indivíduos cultos, bem preparados e instalados, com enormes
responsabilidades pessoais e profissionais, se deixem acorrentar de tal forma que reneguem a Deus,
traiam a pátria, ignorem ou desprezem a família [...]. E são eles intelectuais, mentores de um povo,
condutores de massas, já pela cultura, já pela posição social, já pelas facilidades de toda a ordem de
que vêem rodeados [que] [...] assim agem e colaboram numa obra corruptora de gerações,
revestidos de uma capa de humanitarismo que os faz aparecer como heróis ou como mártires, aos
olhos dos menos instruídos.» (Nota 3)

Nota 1 - Ibidem, pr. 92 GT, Rolando Verdial, fls. 119-131. «Documentos comprometedores para o
Verdial. Elementos que provam a sua traição».
Nota 1 - Ibidem, pr. 506 GT, Frederico Georges Mirrão, fl. 60; pr. 1596/63, Sector intelectual de
Lisboa.
Nota 3 - Ibidem, fls. 234-251.

176

Refira-se ainda que o desmantelamento do sector intelectual não implicou que a PIDE prendesse
todos os seus elementos, provavelmente porque, ao prender os principais dirigentes, considerou que
os outros ficariam paralisados. Mas o mais certo é que, como fez frequentemente, tenha deixado
ficar em liberdade certas «pontas» que, sob vigilância, poderiam posteriormente conduzir a outras
prisões. Por exemplo, não deixou de manter sob vigilância uma engenheira química, integrada no
organismo dos engenheiros, mulher do respectivo responsável, que nunca foi detida (Nota 1).

Quadro 18 – Organismo Intelectual de Lisboa [omitido]

O PCP apercebeu-se disso, dado que num documento apreendido provavelmente da autoria de
Pedro Soares, se afirmava que, em vez de prender todo e qualquer elemento do PC, a PIDE
«procurava castrar a combatividade desses elementos, aterrorizá-los e levar a cabo uma acção
destrutiva entre as massas», só reprimindo e prendendo quando via que isso não resultava (Nota 2).
Efectivamente, o próprio Fernando Gouveia esclareceu mais tarde, que «havia o cuidado e a
preocupação de só efectuar capturas de elementos com responsabilidades nos sectores e nas
células», de modo a cortar a ligação com todos os elementos sob o seu controle, que assim eram
forçados a ficar desligados, dado o desmantelamento».

Nota 1 - Ibidem, pr. 1802 E/GT, Maria Joaquina Gomes Silvério.


Nota 2 - Ibidem, pr. 89 GT, Pedro dos Santos Soares.

177

Acrescentou, assim, que «raramente era efectuada uma prisão de membro de base, «sendo certo que
na polícia ficavam as identidades desses indivíduos não presos, para o caso de ser restabelecida a
ligação anterior». Essa actuação tinha por fim, segundo Gouveia, quer evitar um número excessivo
de prisões, quer «provocar o afastamento desses indivíduos da reorganização clandestina por
saberem que corriam o risco de serem caso de voltarem à actividade» (Nota 1).
A PIDE prendeu ainda, em 1964, Joaquim José Dias, o «Capador», acusado de ter sido um dos
agitadores da paralisação de trabalho no Couço, em 1958, onde então formara um CL do PCP (Nota
2), controlado por José Miguel «Lambanas», elemento do CC assassinado em 1961, mas que antes
prestou diversas informações à PIDE. Joaquim José Dias estava na clandestinidade com a sua
mulher, Custódia Marques Dias, fazendo então parte do organismo regional do Baixo Alentejo
(Alcácer do Sal, Grândola e Santiago do Cacém) (Nota 3).
Joaquim Augusto dos Santos foi, por seu turno, preso em 3 de Abril 1964, em Pinhal Novo
(Palmela), não sem ter resistido à PIDE, que o teve de desarmar. Joaquim Augusto dos Santos
ingressara no PCP em 1958, e na clandestinidade, dois anos depois, com a sua mulher, Amélia
Estêvão («Irene») e a filha. Ascendendo a membro do organismo de direcção regional do Alentejo,
em substituição do seu antigo controleiro, António Gervásio, frequentara depois um curso em
Moscovo. Com a ausência de Gervásio, então na capital da URSS, a mulher deste, Maria
Cabecinha («Lina»), ficara a residir na casa ilegal habitada por Joaquim Augusto dos Santos e
Amélia Estevão (Nota 4). Esta e Maria Cabecinha foram, por seu turno, presas nessa casa ilegal em
12 de Abril, recusando-se a prestar declarações (Nota 5). Através destas prisões, a PIDE detectou o
CL de Baleizão, prendendo, entre Abril e Junho de 1964, vários dos seus elementos, entre os quais
a costureira Mariana Janeiro. A PIDE reconheceu que, «se todos os arguidos souberam merecer» a
confiança do PCP, «um existe que a terá, hoje mais que nunca, já que soube defender
intransigentemente a sua posição, cumprindo escrupulosamente, até ao fim, a "palavra de ordem"
que o "partido" impõe a todos os seus "membros"». Tratava-se de Mariana Janeiro, que, como se
verá, foi violentamente torturada e que, segundo a PIDE, «obstinadamente, se recusou as responder
a todas as perguntas que lhe foram feitas e a assinar os autos respectivos» (Nota 6).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, proc. 441, interrogatório a
Fernando Gouveia, 9/5/75, fl. 31.
Nota 2 - PIDE/DGS,pr. 856/60.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 110 GT, Joaquim José Dias, fls. 46, 49 e 62.
Nota 4 - Ibidem, cópia do despacho, assinado por José Barreto Sacchetti, em 6/7/1964.
Nota 5 - Ibidem, pr. 514/64.
Nota 6 - Ibidem, pr. cr. 665/64 SC, Mariana Balbina Janeiro, fls. 2, 116, 130, 131, 142, 150, 151 e
154-177.

178

A delegação de Coimbra conseguiu, por seu turno, capturar, em 27 de Maio, nos caminhos-de-ferro
de Aveiro, o membro do CC do PCP, António Pinto Ferreira (o «Marmelada») (Nota 1). Três dias
depois, deteve outro indivíduo, ficando a saber que o controleiro deste iria comparecer numa
reunião no dia 6 de Junho, às 10 horas, num café situado no largo da feira da freguesia de Palhaça,
concelho de Aveiro. Tendo estabelecido um «plano de acção», no qual se incluiu a presença, no
automóvel da polícia, do outro arguido, para que identificasse o controleiro, a PIDE vedou todas as
saídas do local e colocou agentes com vestuário de trabalho nas tabernas e barbearia. Enquanto as
imediações da freguesia eram vigiadas por duas patrulhas da GNR, uma brigada da PIDE, chefiada
por António Marques de Almeida, entrou no café e prendeu o funcionário do PCP José Guerreiro
Drago, que «resistiu, lutando com denodado furor» (Nota 2).

VI.7. A QUEDA DO SECTOR ESTUDANTIL DE LISBOA (1964-1965)

Em Lisboa, fora entretanto preso, em Abril, o estudante José Luís Saldanha Sanches, acusado de
resistência a agentes de autoridade e agressão a um guarda da PSP. Segundo o relatório da 1.a
Divisão da PIDE, ele estava com um companheiro, a distribuir propaganda do PCP para o l.° de
Maio, na Travessa de Santa Marta, em Lisboa, quando os dois foram seguidos e agarrados, na Rua
Barata Salgueiro, por guardas da PSP que, disparando, feriram Saldanha Sanches. Este fora metido
num táxi, com um médico que se prontificou a socorrê-lo, cujo condutor acabaria, aliás por ficar
preso durante três meses (Nota 3).
Além do caso Verdial, que, em 1963-1964, levou ao desmantelamento do sector intelectual de
Lisboa do PCP, ocorreu outro, nesse mesmo período, que originou a detenção de muitos estudantes
da capital. Tratou-se do caso Nuno Álvares Pereira («Moreira»), controleiro do sector estudantil do
PCP, que denunciou, em final de 1964, os respectivos elementos, provocando nova hecatombe no
PCP. Segundo os autos de «André», outro estudante do PCP, «Moreira» substituíra em 1961 Luís
Rodrigues, passai a controlar o organismo liceal, constituído por Carlos Myre Dores, Manuel José
Claro e Rui d'Espiney. Ao ser detido, «Moreira» começou por negar fazer parte do PCP e explicou
que as suas actividades apenas eram de natureza académica, devido ao facto de discordar da
proibição do dia do estudante.
Depois, dado que em todos os seus autos de perguntas o arguido apenas afirmava ter exercido
actividade académica, a PIDE concluiu, ao fim de muitas diligências, não conseguir provas de que
tivesse praticado actos contra a segurança do Estado. De facto, ao terminar o primeiro período da
prisão sem culpa formada, a PIDE não pediu a sua prorrogação e propôs ao invés, a sua libertação.
Em 26 de Julho de 1965, a mesma polícia reafirmou que, não tendo obtido motivo de acusação
contra o arguido, o processo ficava a aguardar melhor prova (Nota 4).

Nota 1 - MAI, arquivo dos funcionários da PIDE/DGS, chefe de brigada António Marques de
Almeida, do Porto.
Nota 2 - Ibidem.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 621/64, l.1 Div. José Luís Saldanha Sanches, fls. 29, 32, 33,37, 42, 48-50,
60, 91-94, 99, 116 e 118.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 1705/64, autuação 7/12/64.

179

Fernando Rosas, um dos elementos denunciados pelo «controleiro» do sector estudantil do PCP,
Nuno Alvares Pereira, contou que se apercebeu de que a polícia sabia tudo quando Sacchetti lhe
mostrou um mapa, com os militantes a vermelho, os simpatizantes a amarelo, e outros a azul.
Depois, como não acreditasse que tivesse sido o seu «controleiro» a denunciar todo o sector
estudantil, foi levado por Sacchetti a uma sala onde estava Nuno Álvares Pereira, «a fazer acessoria
à PIDE» (Nota 1). Posteriormente, Nuno Álvares Pereira, tal como Verdial, foi colocado pela PIDE
no estrangeiro, neste caso, em Angola. Foi este o prémio por ter denunciado inúmeros camaradas
seus, nomeadamente aqueles pelos quais era responsável (Nota 2).
Antes de o PCP se aperceber da sua traição, recebeu uma análise do comportamento prisional, sem
data, apreendida pela PIDE, em que o autor - provavelmente o próprio «Moreira» — considerava
que, segundo tradição conspirativa portuguesa», ele não havia traído, mas tinha apenas tentado
«aldrabar a PIDE». Considerando haver «uma diferença sensível entre os diversos tipos de erro», o
autor do documento dizia que, «no caso não houve traição», mas «sim, uma redução de campo,
consciente e responsável, depois de ter cometido o erro que a existência do papel apreendido
significa[va]». Queixava-se ainda o autor desse documento de que havia, relativamente a ele, «uma
atmosfera de boato mesmo de gente de esquerda» (Nota 3).
A partir da prisão de «Moreira», cerca de 40 estudantes denunciados foram sucessivamente detidos,
a partir de 21 de Janeiro de 1965, e alvo de grande violência por parte dessa polícia (Nota 4). O
Diário da Manhã divulgou, em 28 de Janeiro, uma nota da PIDE sobre as prisões no meio
estudantil, negando que, como constava, os estudantes tivessem sido presos por simples suspeita ou
recebido maus tratos, como se dizia de Fernando Baeta Neves (este estudante tinha tentado engolir
pedaços de vidro dos seus óculos) (Nota 5). Salazar foi também directamente informado dessas
detenções pelo director da PIDE (Nota 6).

VI.8 A FPLN e a FAP

Nota 1 - Conversa entre a autora e Fernando Rosas, em 12 de Março de 2003; pr. 311 GT,
Guilhermino Abreu parente, fls. 16 e 19.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 724 GT, Nuno Álvares Pereira, fls. 24, 27, 36-41, 93, 114 e 115.
Nota 3 - Ibidem, fls. 5, 7 e 47.
Nota 4 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, vol. 7, p. 541.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 2351 E/GT, Maria Adelaide Augusta da Conceição Barroso; ibidem, pr.
311 GT, Guilhermino Abreu parente, fls. 16 e 19; AOS/CO/IN-14, pasta 1, fl. 33; PI-DE/DGS, pr.
de averiguações 824/65, fl. 23, João Reimão Aires Teixeira («Mendes»), Sara Birros Queiras
Amâncio («Laura» ou «Luísa») e João Crisóstomo Teixeira, bem como os estudantes Afonso Pinho
Monteiro («Guerreiro»), António Seixas Nogueira de Lemos («Silva») (Fernando Mendes Rosas
(«Rui»), que faziam parte de outro organismo de direcção.
Nota 6 - A0S/CO/IN-14, pasta 1, fl. 33. Salazar também recebeu uma lista com as sentenças dos
estudantes presos, que tinha sido apreendida pela PIDE, no arquivo de Álvaro Veiga de Oliveira
(PIDE/DGS, pr. cr. 2641/65, l.a Div.).

180

Entretanto, com outras forças, o PCP esteve também envolvido na mação, no exterior do País, da
Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), na qual se integrariam novos grupos
oposicionistas, entre os quais o Movimento de Acção Revolucionária (MAR) e a Acção Socialista
Portuguesa (ASP) (Nota 1). Segundo a PIDE, tinha ocorrido, em Dezembro de 1962, em Londres, a
I Conferência das Forças Antifascistas, de onde saíra o embrião da FPLN (Nota 2). Noutra
informação da qual a PIDE tirou muitos exemplares, que também enviou aos serviços secretos de
diversos países, dizia-a que os comunistas tinham, depois, conseguido tomar as rédeas dessa
organização, na II Conferência do FPLN, realizada em Praga. Nesta, Humberto Delgado tinha sido
convidado para presidir à Junta Revolucionária Portuguesa, cargo que deteve entre Janeiro e
Outubro de 1964 (Nota 3).
Ao mesmo tempo, nesse período, devido às críticas do Partido Comunista Chinês à política de
coexistência pacífica preconizada no XX Congresso do PCUS, a nível internacional, surgiu no PCP
uma corrente «pró-chinesa» (Nota 4). A própria PIDE fez o historial desse processo, ao mencionar
o surgimento de graves divergências no CC do PCP, da parte de Francisco Martins Rodrigues
(«Serpa» ou «Campos»), que propusera, contra a posição do Secretariado, o recurso imediato à
violência revolucionária. Depois, em 1963, com a declaração «Defesa da unidade do movimento
comunista internacional», o PCP tinha alinhado com a URSS no diferendo com a Albânia e a
China.
Em Agosto, «Campos» participara na reunião do CC realizada em Moscovo, onde defendera o PC
chinês, mas as suas propostas haviam sido consideradas sectárias, dogmáticas e terroristas pelo
Secretariado. De uma atitude divergente, Martins Rodrigues passara a outra, de antagonismo
inconciliável, e em Janeiro de 1964 fora expulso do PCP, radicando-se em Paris, onde formara uma
nova organização, a Frente de Acção Popular (FAP), primeiro, e o Comité Marxista-Leninista
Português (CMLP) .
A FAP/CMLP seria, como se verá, desmembrada pela PIDE a partir 1965 e 1966, mas daria, mais
tarde, origem a vários grupos reclamando-se do marxismo-leninismo e da necessidade da
reconstrução de um novo partido comunista, uma vez que consideravam que o PCP havia traído o
seu carácter revolucionário.
O GT da PIDE não compreendeu, porém, imediatamente o sentido dessas divergências, e achou
inicialmente que a recém-criada FAP constituía uma «abertura para uma organização revolucionária
de influência nitidamente comunista», que seria a «facção pró-chinesa do PCP», caso não ocorresse
o afastamento de Álvaro Cunhal. Posteriormente, o mesmo GT elaborou também um relatório sobre
a FAP, onde se dizia que essa organização era «tão boa» como o PCP e que ambas tendiam para o
«mesmo» embora os processos de luta fossem diferentes.

Nota 1 - Sacuntala Miranda, Memórias de Um Peão nos Combates pela Liberdade. Edições
Salamandra, 2003, pp. 137 e 139.
Nota 2 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, O Caso Delgado: Autópsia da «Operação Outono»,
pp. 180, 185 e 187; PIDE/DGS, pr. 1353 CI (2), pasta 4, FPLN, fl. 185.
Nota 3 - Avante!, 331 e 338, Janeiro e Fevereiro de 1964.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 9078 SC, «Elementos para a historia do movimento operário e do PCP».
181

Por seu lado, «o chamado PCP reconhecia que por si só não tinha força suficiente para derrubar o
regime vigente e procurava o apoio e a ajuda da oposição" composta na sua maioria pelos
denominados burgueses-liberais, tomando a posição de "lobo" disfarçado de "cordeiro" para os não
assustar». Quanto aos «comunistas da tendência do Francisco Martins Rodrigues», dizia o GT,
eram «menos pacientes e sobretudo, menos experientes e habilidosos», preconizando «o uso da
força imediata, a tudo deitando mão para conseguir um derrubamento rápido, não olhando nem a
meios nem a violências».
Em 5 de Outubro desse mesmo ano de 1964, a PIDE avisou o ministério do Interior de que
detectara o rebentamento de um explosivo, no Parque Mayer, em Lisboa, quando estava a ser
montado por um membro da FAP, a fim de ser utilizado contra viaturas da PSP. O falhanço dessa
primeira acção armada da FAP levou à prisão, dias depois, do elemento que tinha ficado ferido, e,
na sequência desta, a detenção de mais 13 elementos dessa organização (Nota 1). Começava aí a
actividade da FAP, sobre a qual o inspector Abílio Pires diria mais tarde que tinha morrido à
nascença por «denúncia do PCP» (Nota 2).

VI.9 O ENDURECIMENTO DAS TORTURAS DA PIDE

Entretanto, em Março de 1964, Álvaro Cunhal apresentara, em reunião do CC do PCP, o


documento Rumo à Vitória («As tarefas do partido na revolução democrática e nacional»), o qual
constituiu uma contribuição para o programa do partido a aprovar em futuro congresso. O mês de
Setembro de 1964 fora entretanto o do inicio da luta armada de libertação nacional em
Moçambique, dirigida pela Frelimo, e o de Outubro, o da realização em Argel, da terceira
conferência da FPLN, onde já não esteve presente Humberto Delgado.
Consumada a sua ruptura com a Frente Patriótica de Libertação Nacional, Humberto Delgado
anunciou, em 12 de Janeiro de 1965, a formação da Frente Portuguesa de Libertação Nacional.
Como se sabe, Delgado seria atraído por Ernesto Sousa e Castro e Mário de Carvalho, o primeiro
dos quais veio a revelar ser um elemento da PIDE e o segundo um informador da mesma polícia, a
uma armadilha em Badajoz, e viria a ser assassinado no mês seguinte (Nota 3).
O programa do PCP foi finalmente aprovado, no VI Congresso (IV Ilegal) do PCP, realizado em
Kiev, na URSS, em Setembro de 1965, onde foram confirmados, no Secretariado, Álvaro Cunhal,
Manuel Rodrigues da Silva e Sérgio Vilarigues (Nota 4). Nesse ano, ocorreram vários outros
acontecimentos, entre os quais se contou, em 21 de Maio, a extinção da Sociedade Portuguesa de
Escritores (SPE), cuja sede foi assaltada e destruída por «desconhecidos», conforme noticiou a
imprensa.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 264, «Pasta actividades anti-situacionistas, de Outubro a Dezembro de


1964.
Nota 2 – Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 121, testemunho de Abílio
Pires.
Nota 3 – Pedro Ramos de Almeida, op. cit, p. 744, citando Franco Nogueira.
Nota 4 – Carlos ª Cunha, «PCP», Dicionário de História de Portugal, vol. 8, pp. 25-29.

182

Às 10.30 horas de 19 de Dezembro de 1965, foram detidos Rogério Carvalho, funcionário do PCP,
e José Manuel Calhau, numa viatura, na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, em Lisboa. A
Rogério de Carvalho, a PIDE apreendeu uma carta de condução que pertencia a Pedro Vieira de
Almeida, que foi, por seu turno, preso em 7 de Janeiro de 1966 (Nota 1). No dia seguinte à prisão
de Rogério de Carvalho e José Calhau, foi preso Álvaro Veiga de Oliveira («Lemos»), engenheiro,
dirigente do sector estudantil e militar do PCP. Em autos de perguntas a outros presos, a PIDE ficou
a saber que «Lemos» tinha participado numa reunião de quadros do PCP, em 5 de Dezembro de
1964, no Estoril, presidida por Rogério de Carvalho. Por seu turno, a polícia soube através de
«Moreira» (Nuno Álvares Pereira), que «Lemos» controlava o sector intelectual, com António da
Graça e Alberto Mendonça Neves.
Esse ano de 1965 foi aquele em que tiveram lugar as torturas mais violentas, em toda a década de
60. Foi então que Álvaro Veiga de Oliveira, detido em 20 de Dezembro desse ano, passou 17 dias
seguidos na «estátua» e, depois, voltou para mais dois períodos de dez dias no «sono»
espancamentos, acabando por cair inanimado (Nota 2), e que Maria da Conceição Matos foi sujeita
a violências humilhantes. Esta última tinha sido presa em 21 de Abril de 1965, numa casa ilegal no
Montijo, seguindo-se a detenção do seu companheiro, Domingos Abrantes, quando entrava nessa
«instalação» (Nota 3).

VI. 10. O DESMANTELAMENTO DA FAP

Entretanto, a PIDE prendera, em 21 de Outubro de 1965, João Polido Valente e João de Jesus
Martins, em Lisboa, quando se iam encontrar numa casa da Avenida da República, junto à Rua de
Entrecampos, com Mário de Jesus da Silva Mateus, um estivador que tinha sido membro do PCP e,
depois, da FAP, mas era na realidade informador da polícia (Nota 4). Em 7 de Dezembro, o Diário
Popular noticiou, entretanto, que tinha sido encontrado num pinhal em Belas o cadáver de um
indivíduo assassinado e que a polícia estava à procura de três implicados. Posteriormente, o cadáver
foi reconhecido como sendo de Mário Mateus e, em 24 de Fevereiro do ano seguinte, O Século deu
conta de que o crime de Belas tinha sido «um ajuste de contas entre agentes políticos na
clandestinidade».
A PIDE tinha, sobre o caso Mateus, uma informação, através de um documento apreendido no
arquivo do funcionário do PCP Álvaro Veiga Oliveira («Lemos»), segundo a qual o «morto de
Belas teria sido membro clandestino do P. donde saiu por ser expulso por questões de dinheiro».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 2617/65, Rogério de Carvalho, José Manuel dos Santos Calhau e Pedro
César Vieira de Almeida, fls. 41, 70, 172, 189, 192, 195, 201, 238 e 301.
Nota 2 - Ibidem, pr. 3671/59 SR, fl. 61.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1112/65, Domingos Abrantes e Maria da Conceição Matos Abrantes, fls. 1, 14,
80, 106, 153, 155, 159, 184, 319, 323, 328, 361, 372, 374, 382, 392, 411, 432 e 449.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.a Juízo, proc. 109/76, dos Serviços de
Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 132. Depoimento, em 10 de Junho de 1974, do
ex-chefe de brigada da DGS Manuel Lavado.

183

Segundo essa informação, após ter denunciado Pulido Valente, aquele tinha sido morto «pelos FAPs
após julgamento sumário» e «antes de lhe esfriarem o céu da boca teria confessado ter ligações com
o chefe de brigada Ferreira Cleto» (Nota 1).
No início de 1966, respectivamente em 30 de Janeiro e 14 de Fevereiro, a PIDE conseguiu prender
os dirigentes da FAP/CMLP Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espiney. O primeiro («Campos»,
no CMLP, e «Armando» na FAP), que vivia numa casa clandestina, foi detido num encontro com
Acácio Barata Lima, e o segundo foi preso juntamente com a sua mulher, Rita d’Espiney. Foram
depois detidos José Carvalho Vilar, João Natividade e o francês Jean Bernard Sanvoisin, acusado de
ser correio da FAP, segundo informação comunicada à PIDE pelas autoridades de Madrid e Paris.
Depois, foram detidos outros elementos da FAP/CMLP, nomeadamente o advogado de Francisco
Martins Rodrigues, Joaquim Monteiro Mathias, acusado de servir de correio entre aquele e outros
elementos dessa organização (Nota 2).
A sentença do «crime de Belas» foi lida em 25 de Novembro de 1966, no tribunal de Sintra, sendo
Martins Rodrigues e Rui d'Espiney condenados, respectivamente, a 15 anos e 14 anos e nove meses
de prisão (Nota 3). Dois anos depois, Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espiney foram
novamente julgados, juntamente com João Pulido Valente, por serem dirigentes a FAP/CMLP. O
tribunal plenário, presidido pelo juiz Morgado Florindo, condenou os réus, em cúmulo jurídico,
respectivamente, a penas de 19 e 15 anos de prisão maior e medidas de segurança. Os três só viriam
a ser libertados de Peniche na sequência do golpe militar de 25 de de 1974 (Nota 4).

VI.11. OS ÚLTIMOS DOIS ANOS DE SALAZAR À FRENTE DE PORTUGAL

Na sua habitual repressão a membros do PCP, a PIDE prendeu em 13 de Junho de 1967, num
encontro, na Avenida Rainha D. Amélia, em Lisboa, Manuel Joaquim Colaço e Graciete Casanova,
à qual foram apreendidas duas malas com um revólver e munições (Nota 5).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 2641/65, 1.a Div., Álvaro Augusto Veiga de Oliveira («Lemos»), fl.
220.
Nota 2 - Ibidem, pr. 47.660 SR, julgamento no Tribunal da Boa Hora de João Joaquim Marques de
Almeida; pr. 1397/67, João Joaquim Marques de Almeida, vol. 1, fls. 35, 82, 83, 105, 134, 161,
177, 182, 183, 200, 208, 246, 255, 259, 260, 273, vol. 6, fl. 61.
Nota 3 - Ibidem, pr. ind. 19217, Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espiney; pr. 38167 SR;
ibidem, pr. 38167 SR, José Luís Machado Feronha, Sebastião Martins dos Santos, João Evaristo de
Jesus Martins, Sebastião dos Santos, Vítor Manuel Pinto Catanho da Silva, João Natividade
Figueiredo e Rita Gandra Gonçalves d'Espiney. Fernanda Ferreira Alves Martins Rodrigues e Ana
Rita Gonçalves d'Espiney foram sentenciadas, em 7 de Março de 1968, a 10 meses e 20 meses de
prisão correccional, saindo ambas em liberdade por o tempo de prisão preventiva ter excedido essas
penas.
Nota 4 - Ibidem, pr. 2163 CI (2), Frente de Acção Popular, pasta 1, «notícias tendenciosas», fls. 15,
19 e 20; ibidem, pr. ind. 19217-SR, Francisco Martins Rodrigues, José Pires Claro e Mário de Jesus
da Silva Mateus, fls. 2, 23-26, 36, 40, 57, 58, 60, 78, 97, 109-110, 137, 161, 342, 365 e 367-372.
Nota 5 - Ibidem, pr. 1643/67, vol. 1, fls. 1 e segs., 53-55, 67-68, 91, 145, 172, 187, 193, 211, 324 e
328.

184

A partir do dia seguinte, foram ainda detidos Manuel Afilhado Rodrigues, João Leonardo Tomé,
João Veiga dos Santos, Manuel Grilo Tomé, Maria Emília Miranda de Sousa, Fernando Miguel
Bernardes e Aida Paulo. Em 15 de Junho, fora também detido, na Quinta do Pombal, Cova da
Piedade, Henrique Ricardo da Graça, que, tal como Graciete Casanova, havia estado na Escola
Central de Moscovo. Na sequência desta prisão, a PIDE deteve mais seis pessoas e apurou
informações sobre outros que já estavam a cumprir pena (Nota 1).
O dia 25 de Novembro de 1967 foi marcado por chuvas diluvianas em Lisboa e arredores, que
causaram centenas de mortos, não sendo divulgada na imprensa a magnitude do desastre nem o
número de vítimas. Muitos estudantes de Lisboa mobilizaram-se para ajudar as populações,
apercebendo-se, nesse contacto, das terríveis condições em que viviam muitos portugueses.
Entretanto, tinha havido no seio do regime o caso dos ballets roses, conforme noticiou, em
Dezembro, o jornal inglês Sunday Telegraph.
Preso sob a acusação de ter prestado a esse jornal informações sobre o escândalo de corrupção de
menores, Mário Soares seria deportado e sujeito a residência fixa na ilha de São Tomé, em
Fevereiro de 1968. Na sequência de uma queda, Salazar foi operado, em 7 de Setembro, a um
hematoma craniano, mas nove dias depois sofreu nova recaída devido a um acidente vascular
cerebral. No dia 17, após convocar uma reunião do Conselho de Estado, o presidente da República
anunciou que iria nomear novo Presidente do Conselho de Ministros. Dez dias depois, informou
que, atormentado entre os seus sentimentos afectivos de gratidão», decidira exonerar Salazar e
nomear Marcelo Caetano.

VI.12. A DGS na «Primavera marcelista»

No dia 10 de Outubro, em que Marcelo Caetano esclareceu, num discurso, quais seriam as
principais linhas de actuação do seu governo, morreu no hospital, depois de ter sido preso pela
PIDE, o estudante Daniel Sousa Teixeira. No dia a seguir ao Natal de 1968, o Decreto-Lei n.°
48794 introduziu alterações na organização dos serviços da PIDE, cujo quadro, segundo números
oficiais, era composto por 3202 funcionários, 1187 quais no continente e ilhas. Em Lisboa, a PIDE
deteve, em 23 de Maio de 1969, três funcionários do PCP: Ângelo Matos Mendes Veloso, Manuel
Pedro e Carlos Cabral de Matos (Nota 2), que se recusaram «a prestar declarações ou esclarecer
sequer a sua posição nessa associação ilícita» (Nota 3). O penúltimo mês do ano de 1969 foi o da
«criação», através do Decreto-Lei n.º 499401 de 19 de Novembro, da Direcção-Geral de Segurança
(DGS), que substituiu a PIDE.

Nota 1 - Ibidem, pr. 1732/67, fls. 1, 17 e segs., 153- 175 e 183.


Nota 2 - Ibidem, pr. 1050/69, vol. 1, «Actividade JR associação secreta e subversiva que
denominam PCP», Angelo Veloso, Carlos Matos, Manuel Pedro, Carlos Alberto Picado Horta,
Mimi ou Mary Cornélia Cavender e Maria Madalena Ferreira de Oliveira: A Capital, 24/6/1969.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1050/69, vol. 2, fls. 448-485 resumo do despacho, fl. 489.

185

Em 10 de Agosto de 1970, a DGS elaborou um relatório sobre o momento político interno, em que
dava mostra de alguma confusão, com a proliferação de diferentes grupos políticos que tinham
entretanto surgido. Relativamente ao sector estudantil, dizia-se que tanto o PCP como o CMLP
tinham conquistado um grande número de aderentes no ensino médio, pré-universitário e
universitário. Quanto ao «sector empresarial», a DGS alarmava-se com o facto de as massas
trabalhadoras estarem cada vez mais a sofrer a influência de todos os agrupamentos indicados.
Após referir os católicos progressistas, alguns dos quais estariam a tentar promover um movimento
sindical autónomo, e o Movimento da Oposição Democrática (MOD), a DGS debruçava-se sobre
os «agrupamentos revolucionários»: LUAR, FAP e FPLN (Nota 1).

Nota 1 - Ibidem, pr. 958 CI (1), Maria Eugénia Varela Gomes, fl. 23, «Relatório da PIDE sobre o
Movimento Político».

186

VII. A EXTREMA-ESQUERDA E AS ORGANIZAÇÕES DE LUTA ARMADA

Os últimos quatro anos da ditadura foram particularmente duros no que se relacionou com a
repressão. Mário Soares referiu-se a isso, concluindo que o «alargamento dos quadros da polícia e
as intervenções brutais» que teve «nos últimos meses, mormente a repressão dos movimentos
académicos», eram bem reveladores de que «a arbitrariedade» dos poderes da DGS era ilimitada,
tal como no tempo de Salazar (Nota 1). É um facto que a repressão endureceu, à medida que
surgiram as organizações de luta armada e de extrema-esquerda e se agudizaram as lutas estudantis
e de trabalhadores.
Em Outubro de 1970, ocorreu um Encontro Nacional de Direcções Sindicais, onde foi decidida a
criação da Intersindical, que recebeu de imediato a adesão de vinte e dois sindicatos de todo o país.
Envolvido nesta acção sindical, o PCP criou entretanto a Acção Revolucionária Armada (ARA),
que realizou as suas primeiras operações no final de Novembro de 1970, com a colocação de um
engenho explosivo no navio Cunene, no cais de Alcântara, e, depois, de uma carga explosiva no
Vera Cruz, paquete utilizado para transporte de tropas para África (Nota 2). Novas acções da ARA
seriam depois desencadeadas. Em 7 de Novembro de 1971, foi a vez de rebentarem explosivos na
base da NATO da Fonte da Telha, numa operação reivindicada pelas Brigadas Revolucionárias
(BR).
Em 1972, eclodiu, em Coimbra, Porto e Lisboa, a agitação estudantil, enquanto as autoridades
encerravam as instalações das associações de estudantes da Faculdade de Letras, Direito e Ciências
de Lisboa, bem como do IST e do ISCEF, faculdade onde dois elementos da DGS assassinaram a
tiro, a 12 de Outubro, o estudante Ribeiro dos Santos. Nesse ano, o Decreto-Lei n.° 368/72
reorganizou a DGS, que, entre outras prerrogativas manteve a instrução preparatória dos processos
da sua competência, podendo a assistência do advogado aos interrogatórios ser interdita quando
houvesse «inconveniente para a investigação ou a natureza do crime o justificasse».
No final do ano, um grupo de católicos realizou, na capela do Rato, uma vigília para assinalar o dia
mundial da paz, tendo a polícia detido 70 pessoas, depois entregues à DGS e demitidas da função
pública.

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado..., pp. 665-667, nota 9.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 413, pasta «Notas Oficiosas», 1970.

187

Por outro lado, internacionalmente, o regime português estava cada vez mais isolado, devido à
Guerra Colonial. Em 1973 foi assassinado, por um grupo de mercenários, em Conakry, o dirigente
do PAIGC Amílcar Cabral, sendo o crime atribuído à DGS. Em Tete, Moçambique, ocorreu, em 16
de Dezembro o massacre de Wiriyamu, que, segundo uma versão, terá provocado a morte de
quatrocentos civis, pelas Forças Armadas portuguesas (Nota 1).
Viu-se que, pelo menos, até ao final da década de 60, o PCP foi o adversário da PIDE. No entanto,
a partir do início da década de 70 a situação mudou. O certo é que, nas vésperas do 25 de Abril, o
número de cerca de 3000 militantes indicado pelo PCP não se distanciava muito do conjunto de
elementos de toda a extrema-esquerda nesse período (Nota 2). O inspector Fernando Gouveia
afirmou, aliás, que, antes da queda do regime, «os grupos radicais praticantes do combate armado
ou influentes nas universidades consumiam mais energia à PIDE/DGS do que a estrutura
clandestina comunista, que era a que "dava menos trabalho"».

VII.1. A LUAR

No início da década de 70, a então DGS ficou também inicialmente confusa com o surgimento dos
diversos agrupamentos de extrema-esquerda e das várias organizações de luta armada, sem saber,
no começo, quem era quem. O único facto que a polícia conhecia era que a Liga de União e Acção
Revolucionária (LUAR) tinha uma origem diferente de todas as outras organizações, além de ter
sido criada anteriormente, por Hermínio da Palma Inácio, um dos participantes no assalto ao avião
da TAP, em Novembro de 1961. Do núcleo fundador da LUAR faziam também parte Camilo
Mortágua (que já tinha participado no assalto ao paquete Santa Maria e no desvio do avião da TAP,
em 1961), António Barracosa, Luís Benvindo, Júlio Alves, Emídio Guerreiro, José Lopes Seabra e
Fernando Echevarria.
A primeira acção da LUAR foi, em 17 de Maio de 1967, o assalto à Delegação do Banco de
Portugal da Figueira da Foz — operação Mondego - onde foram roubados cerca de 30 mil contos.
Depois da acção, os operacionais da LUAR abandonaram a zona, num avião que o próprio Palma
Inácio pilotou e pousou no Algarve. Enquanto a PIDE investigava a eventualidade de uma fuga de
barco para Marrocos, já o grupo se encontrava perto de Barcelona, seguindo, depois, para França,
onde Palma Inácio foi preso pelas autoridades francesas. A pretexto de que o assalto ao banco
relevava do direito comum, o governo salazarista pediu a sua extradição, mas a justiça francesa não
aquiesceu e, após cinco meses de detenção na Santé, Palma Inácio foi libertado pelo tribunal (Nota
3).
A PJ e a PIDE conseguiram prender alguns elementos implicados na operação Mondego, entre os
quais havia uns acusados de pertencerem simultaneamente à FAP e à LUAR.

Nota 1 - Pedro Ramos de Almeida, Biografia da Ditadura, p. 684, citando Franco Nogueira,
(FN V. 414).
Nota 2 - João Madeira, «As oposições de esquerda e a extrema-esquerda», A Transição Falhada: O
Marcelismo e o Fim do Estado Novo (1968-1974), 2004.
Nota 3 - «O aventureiro da liberdade perdida», in Visão, 16/6/94, pp. 40 e 42.

188

No julgamento dos vinte e dois implicados no assalto ao banco da Figueira da Foz, seis foram
absolvidos, oito condenados a penas correccionais e outros oito elementos a prisão maior. Entre
estes, só Ângelo Cardoso, sentenciado a sete anos e três meses de prisão maior, se encontrava
preso. Os outros forma todos julgados à revelia, sendo Palma Inácio condenado a 16 anos de prisão.
(Nota 1)

VII.1.1. O dinheiro do Banco da Figueira da Foz

Num comunicado de Setembro de 1968, a LUAR deu conta do surgimento, no interior da


organização, em Paris, de problemas com Emídio Guerreiro, a propósito do dinheiro roubado no
Banco de Portugal da Figueira da Foz. Dos 29 200 contos então «recuperados», apenas 4700 contos
podiam ser utilizados, dado que a PIDE comunicara os números das notas a todos os bancos
internacionais e nacionais.
Em Paris, após descontarem despesas da organização, os assaltantes haviam depositado, junto de
Emídio Guerreiro, Fernando Echevarria e José Augusto Seabra, cerca de 1955 contos da LUAR,
que estes não queriam restituir (Nota 2). Por seu turno, a outra facção, que se auto-intitulava
Conselho Superior da LUAR, constituída por estes três últimos, divulgou um comunicado a afirmar
que, devido à recusa de entrega à LUAR dos fundos recuperados na operação Mondego, Camilo
Mortágua, António Barracosa e Luís Benvindo tinham violado gravemente a disciplina da LUAR
(Nota 3).
Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, Palma Inácio declarou que, dos 29 200 contos «recolhidos»
no assalto ao banco da Figueira da Foz, só tinha conseguido trocar 3300 contos, dos quais parte
tinha sido gasto na operação da Covilhã, realizada em 1968, e cerca de 500 contos, na compra de
uma quinta no Alentejo, para servir de apoio às operações. No entanto, devido a «um erro de uma
pessoa que estava encarregada do caso», a PIDE apreendera material no valor de 1000 contos, bem
como 9000 contos, entregues a essa polícia por «um agente, que de início, se conseguiu infiltrar na
Organização».
Também após 1974, o ex-inspector da PIDE/DGS Abílio Pires, afirmou ter ele próprio recuperado
11000 contos em Paris, em Maio de 1968, através de um elemento da PIDE infiltrado na LUAR
(Nota 4). Tratava-se de Ernesto Castelo Branco («Canário», na PIDE), embora se deva dizer que na
LUAR não esteve só infiltrado um informador mas dois, sendo o outro António Moura Diniz.
Quanto aos restantes 17000 contos Abílio Pires disse que 11000 contos tinham sido escondidos pela
LUAR numa mina de água, nos arredores de Guimarães, 3000 contos haviam sido gastos em
viagens de Camilo Mortágua e Palma Inácio e outros 3000 contos estariam depositados numa conta
de Emídio Guerreiro. Sobre este dinheiro, Pires assegurou ter chegado a falar com um elemento da
policia francesa, mas acabara por concluir ser impossível recuperá-lo (Nota 5).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 8259 CI (2), pasta 1, fl. 232.


Nota 2 - Ibidem, pr. 2515 CI (2), Emídio Guerreiro, fls. 10, 27, 29 e 38; pr. 8259 CI (2), pasta 1. fl.
15.
Nota 3 – Ibidem, pr. 8259 CI (2), pasta 1.
Nota 4 – Ibidem, pasta 3, fls. 284 e 287.
Nota 5 – Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 121, testemunho de Abílio
Pires.

189

VII.1. 2. Recolha de informações sobre a LUAR na Europa

Além de recolher muitas informações através de Ernesto Castelo Branco e de António Moura
Diniz, dos quais se voltará a falar, a PIDE/DGS obteve outras, de informadores em França e na
Bélgica, bem como através dos serviços secretos europeus, nomeadamente franceses e espanhóis.
Por exemplo, em 1968, a PIDE recebeu uma lista de indivíduos, conhecidos como sendo da LUAR,
a viver em Paris, Bruxelas e Lovaina e, a avaliar pelas fiches de renseignements em língua francesa,
essas informações tinham sido obtidas pelas polícias francesa e/ou belga. No final desse ano, um
tribunal belga julgou três portugueses da LUAR, presos em Bruxelas, Luís Moreno Curado,
Joaquim Palminha da Silva e Luís Benvindo, depois de terem sido expulsos de França, em 25 de
Novembro desse ano (Nota 1).
Por seu turno, o jornal de Bruxelas, o flamengo De Standaard, deu conta, em 24 de Janeiro de 1969,
que dez membros da resistência portuguesa tinham utilizado a Bélgica «como campo de repouso
(base)» e reproduziu uma entrevista com um elemento da LUAR segundo o qual a PIDE actuava na
Bélgica, directamente ou através de espiões ao seu serviço. O facto de, no dia seguinte, a imprensa
de Bruxelas ter noticiado que dois dos elementos da LUAR detidos tinham sido libertados e não
seriam extraditados para Portugal, embora tivessem de abandonar a Bélgica, enfureceu a PIDE, ao
ponto de retaliar. Efectivamente, como se pode ver através de um despacho manuscrito dessa
polícia, quatro dias depois, a PIDE decidiu passar a negar quaisquer facilidades de entrada em
Portugal a súbditos belgas.
Em 14 de Junho, o MNE transmitiu à PIDE/DGS informações recolhidas pela embaixada de
Portugal na Bélgica, segundo as quais membros da LUAR estariam a preparar uma operação de
grande envergadura no Sudeste de Portugal. Informou ainda o MNE que determinado «indivíduo
ligado ao assalto a sucursal da Figueira da Foz do Banco de Portugal [...] teria encomendado a um
informador da nossa embaixada 300 pistolas de 9 mm ou 7.65 mm, o que parec[ia]e confirmar o
propósito de promover aquela operação». Ao receber esta informação, reveladora do grau de
infiltração policial na Bélgica e na LUAR, bem como da colaboração da Embaixada de Portugal
com a polícia política, esta escreveu à mão, no documento, que estavam em curso diligências para a
localização dos referidos elementos da LUAR.
Em Novembro de 1970, foram apanhados pela Sureté belga, em Bruxelas, 250 quilos de explosivos
e presos dois portugueses e a mulher de um deles. Segundo sugeriu então o jornal La Belgique, no
artigo «Plaque tournante de la police secrète portugaise?», a polícia secreta belga teria recebido,
para essa captura, a colaboração da DGS, cujo inspector Rosa Casaco tinha sido visto em Bruxelas,
além de que os presos tinham sido interrogados por um elemento que falava muito bem português.

Nota 1 – PIDE/DGS, pr. 8359 CI (2), fl. 411, carta de 5/11/68, com uma lista de indivíduos
conhecidos da LUAR.

190

O próprio Rosa Casaco contou, nas suas memórias, que esteve efectivamente várias vezes em
Bruxelas desde 1963, mas afirmou que, habitualmente, nas suas investigações efectuadas no
estrangeiro, «nunca procurava as autoridades locais, com excepção da Espanha» (Nota 1).

VII.1.3. Detenção, fuga e nova detenção de Palma Inácio

Após a operação Mondego, a LUAR foi ainda responsável por um roubo de diversas pistolas e
munições, do Quartel-General da 3.a região militar de Évora, em 17 de Setembro de 1967 —,
operação Diana —, da autoria de Barracosa, Benvindo e de Francisco Seruca Salgado. Ao chegar a
França, este foi preso, devido a um pedido de extradição português, que também não foi levado
adiante pelas autoridades francesas. (Nota 2).
Em 20 de Agosto de 1968, Palma Inácio entrou em Portugal, com cerca de cinquenta operacionais,
para desencadear a operação Hermínios, destinada a ocupar a Covilhã, que falhou, saldando-se o
fracasso na prisão de Palma Inácio e de mais oito militantes (Nota 3). Num comunicado de
Setembro, a LUAR informou que um lamentável acidente de viação, em Trás-os-Montes tinha
provocado a prisão de Palma Inácio e dos seus companheiros, quando estavam a convergir para a
Covilhã para tomar a cidade (Nota 4).
Outro dos militantes presos foi Filipe Viegas Aleixo, depois condenado a uma das maiores penas de
prisão impostas pelo Tribunal Plenário: cúmulo jurídico com a pena de 17 anos, a que tinha sido
condenado à revelia pelo assalto ao paquete Santa Maria, foi condenado a uma pena 19 anos de
prisão. Filipe Aleixo tal como Francisco Martins Rodrigues e Rui d'Espiney, seriam, aliás, os três
presos não imediatamente libertados do Forte de Peniche, no dia 26 de Abril de 1974, por terem
sido considerados como «criminosos comuns» (Nota 5).
Depois de ser preso, em 21 de Agosto de 1968, na falhada operação da Covilhã e de o seu processo
ter sido remetido ao tribunal do Porto, para cuja delegação da PIDE foi transferido, Palma Inácio
conseguiu fugir em 8 de Maio de 1969 (Nota 6). Foi detido na fronteira luso-espanhola pelas
autoridades do país vizinho e enviado para a prisão de Carabanchel, em Madrid. O próprio Palma
Inácio contou depois que na sua detenção participaram inspectores da PIDE, «entre os quais Rosa
Casaco, que comandava o grupo de polícias portugueses», mas que o seu advogado convenceu os
juízes espanhóis de que os seus crimes eram de natureza política. Por isso, não foi extraditado para
Portugal e as próprias autoridades espanholas disseram para informar onde se encontrava para lhe
«poderem dar protecção, já que a PIDE podia fazer uma tentativa de rapto» (Nota 7).

Nota 1 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, p. 63.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 2515 CI (2), Emídio Guerreiro, fls. 10, 27, 29 e 38.
Nota 3 - «Quem tira a "prova" às contas da "Operação Mondego"» in O Jornal, 25/7/1975, pp. 10-
11.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 8259 CI (2), pasta 3, comunicados da LUAR, fl. 15.
Nota 5 - Ibidem, pr. 1461/68, Comunicados da LUAR, pasta 3, fl. 305.
Nota 6 - Ibidem, pr. 8259 CI (2), pasta 2, comunicados da LUAR, «Comité de soutien à la LUAR»,
1969, fls. 2, 10 e 12.
Nota 7 - A Capital, 25/2/75, pp. 12-13.

191

Ao ser libertado em Espanha, Palma Inácio refugiou-se na Itália, chegando à Suécia em 26 de


Janeiro desse ano (Nota 1), não sem antes ter dado uma entrevista à BBC, onde contou o que havia
sofrido às mãos da PIDE e do tribunal plenário, que o tinham, respectivamente, submetido a 10 dias
de tortura de sono e condenado a 15 anos de prisão e medidas de segurança (Nota 2).
Mesma sorte que Palma Inácio não teve o seu camarada da LUAR, Eduardo Cruzeiro, preso em
Madrid e condenado a um ano e três meses de prisão por uso de passaporte falso e transporte de
armas, que, por ter sido considerado «desertor», e não ter assim cometido «delito político», foi
entregue às autoridades portuguesas, em Janeiro de 1970.
Segundo soube a DGS, em 1973, Palma Inácio comprara armas em Praga, parte das quais haviam
sido apreendidas, ao entrarem em Paris, e incumbira alguém de alugar em Portugal um monte
alentejano, para depositar armamento. Alguns explosivos tinham sido entregues ao ex-padre
Francisco Fanhais, que os dividira em duas encomendas, entregues em Portugal, respectivamente, a
Maria de Fátima Pereira Bastos e a um pároco de Alhos Vedros. Nesse ano, Palma Inácio entrara de
novo em Portugal, para praticar acções armadas, nomeadamente para libertar alguns presos
políticos, mas fora novamente preso.
Num relatório a DGS deu conta de que a intensa acção policial que levara à prisão de Palma Inácio
e de outros indivíduos se tinha iniciado devido às investigações relativas ao «grupo de terroristas da
LUAR», presos, em 23 de Agosto, no posto fronteiriço espanhol de Navas Frias, perto do Sabugal,
quando queriam entrar no país com explosivos e material de guerra. Um dos detidos, Joaquim
Alberto Simões, contaria mais tarde que em Ciudad Rodrigo um agente da DGS tentara assistir aos
interrogatórios, permitindo-se «até, tomar a iniciativa» de o interrogar, embora ele se tivesse
recusado «a responder a quaisquer perguntas na sua presença» (Nota 3).
No já referido relatório da DGS, subentende-se também que esta polícia apurou, através da polícia
espanhola, que, após a intercepção e prisão em Espanha dos elementos da LUAR, esta organização
enviara um novo grupo a Portugal, constituído por Hermínio da Palma Inácio e outros cinco
elementos. Material de guerra tinha já sido anteriormente introduzido, ao país, com a ajuda de
Riscado Monteiro, Maria de Fátima Pereira Bastos e Carlos Alves. A DGS tinha detido estes
elementos apreendendo 16 quilos de explosivos. A este grupo acrescentavam-se ainda três
indivíduos detidos, vindos de Paris, e outros, aliciados em Portugal (Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 8259 Cl (2), pasta 3, fls. 234, 249, 247, 257 e 294.
Nota 2 - Ibidem, pr. 457 GT, Hermínio da Palma Inácio, fls. 45, 50 e segs. e 54.
Nota 3 - A Capital, 16/7/74; PIDE/DGS, pr. 8259 Cl (2), pasta 2, Comunicados da LUAR, fl. 117.
Outros dois elementos, Rafael Galego e Ramiro Raimundo, tinham conseguido fugir às autoridades
espanholas e haviam sido detidos em Portugal, no mês seguinte.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 671/73, vol. 4. João Frade, José de Oliveira Silva, José Santos Lopes,
Maria José Campos, Luís Guerra, Abílio Brandão, Nuno Gama Freire e Henrique Sanchez; ibidem,
pr. 8259 CI (2), pasta 1, Comunicados da LUAR, fls. 13-32; pasta 2, Comunicados da LUAR, fls.
101 e 109.
192

O próprio Palma Inácio revelou as circunstâncias da sua prisão, ao contar que, na sequência de uma
série de prisões em 1972, a DGS tinha descoberto uma herdade da LUAR, próximo de Évora, onde
estava guardadas importantes quantidades de explosivos. Ao explicar como tudo tinha acontecido,
disse que tudo havia sido «provocado por um contacto mal feito de um dos militantes», que
«andava a ser seguido por a Polícia ter interceptado uma carta enviada da Bélgica».
Numa entrevista dada ao jornal A Capital, o proprietário da mercearia Os Unidos da Avenida, na
Avenida Duque de Ávila, em Lisboa, onde Palma Inácio e os seus companheiros foram detidos, às
11 horas e 45 minutos, de 22 de Novembro de 1973, contou que os «fregueses da LUAR» haviam
permanecido durante hora e meia numa mesa, quando entraram os agem da DGS à paisana (Nota
1). Diga-se que esta detenção teve interferência indirecta com o Movimento dos Capitães, que
derrubaria o regime no ano seguinte.
Dois dias depois da prisão de Palma Inácio, um grupo de 40 oficiais do MFA reuniu-se numa casa
em São Pedro do Estoril, cedida por um indivíduo cuja irmã pertencia à LUAR e aí tinha escondido
explosivos da organização. Presa e torturada, esta nada revelou, porém, acerca de onde havia
escondido explosivos. O coronel Vasco Lourenço, que contou esse pormenor, do qual só soube
vinte anos após 1974, questionou-se sob que teria acontecido caso ela tivesse indicado a casa onde
os militares, que estavam armados, se reuniram (Nota 2).

Quadro 19 – Acções da Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR) [Quadro omitido]

Depois de ser detido, Palma Inácio foi sujeito a violentos espancamentos e à tortura do sono,
durante 18 dias, às mãos do inspector Silva Carvalho, do chefe de brigada Afonso Duarte e do
agente Domingos Duarte (Nota 3).

Nota 1 - «Eu vi prender Palma Inácio e mais seis», in A Capital, 29/11/73; A Capital, 25/2/75, pp.
12-13 e entrevista com Palma Inácio, por Lourdes Féria (Diário de Lisboa, 2/5/74, pp. 18 e 19).
Nota 2 - 30 Anos do 25 de Abril, coord. de Manuel Barão da Cunha. Um Documento para melhor
compreender a nossa história contemporânea, Lisboa, Casa das Letras, 2005, p. 40.
Nota 3 - Entrevista com Palma Inácio, por Lourdes Féria (Diário de Lisboa, 2/5/74 pp. 18 e 19).

Seguem-se 8 folhas com fotografias e gráficos

193

Após os interrogatórios aos presos, a DGS concluiu que a LUAR se propunha, através de acções
armadas, assaltar agências bancárias e repartições de Finanças, bem como postos da PSP e GNR,
para se apossar de armas e uniformes, desviar um avião comercial para a Argélia e raptar «altas
individualidades portuguesas que nele viajassem, para pedir resgate», numa chamada operação do
século». Mais tarde, Palma Inácio revelou que nessa operação estava incluída o rapto do director da
DGS, com o «objectivo principal [de] obrigar o major Silva Pais a confessar quem tinha
assassinado o general Humberto Delgado» (Nota 1).

VII.2. A ARA E A CONFUSÃO INICIAL DA DGS

Depois da LUAR, surgiu a organização armada ARA, ficando a DGS inicialmente confusa quanto à
autoria das diversas sabotagens e dos diversos rebentamentos de explosivos. Num relatório de 1972
sobre os «actos de terrorismo que ultimamente se vêm verificando no País e no estrangeiro com o
fim de atentar contra a segurança do Estado e das populações», a DGS começou por não perceber
de quem era a autoria de todas as operações, e por achar que a acção da Escola Técnica se devia a
«elementos comunistas da facção terrorista (maoístas)» (Nota 2).
Quando ocorreram as acções no Comiberlant, em 27 de Outubro, em Oeiras, na base subterrânea da
NATO na Fonte da Telha, em 7 de Novembro de 1971, e na bateria de canhões em Santo António
da Charneca, em l2 de Novembro desse ano, a DGS atribuiu-as ao «MRPP ou outra organização
clandestina do género». Ora, como se viu, a do Comiberlant foi da autoria da ARA e as outras duas
operações de outra «organização clandestina», as Brigadas Revolucionárias. Só depois é que a DGS
soube que estas duas operações, bem como o roubo de explosivos numa pedreira no Algarve e a
sabotagem dos camiões da Berliet, em Lisboa, respectivamente em 11 de Junho e de Julho de 1972,
tinham sido da autoria da chamada «Frente Patriótica de Libertação Nacional», através das suas
«brigadas revolucionárias» (Nota 3).
Raimundo Narciso, um dos operacionais da ARA, contou que começou por «achar graça» ao
«logro» em que a polícia caíra, na «convicção de que a curto prazo, se desenganaria». Isso
aconteceria pouco depois com a operação na base de Tancos, onde, segundo ele, a ARA revelara
possuir «uma capacidade operacional muito grande», que na altura só o PCP tinha (Nota 4).

Nota 1 - Quem tira a "prova" às contas da "Operação Mondego"?», in O Jornal, 25/7/75, 10-11:
PIDE/DGS, pr. 457 GT, Hermínio da Palma Inácio, fls. 11, 16, 34, 37, 38, 45, 50 e segs., 54, 60 e
76; ibidem, pr. 8259 CI (2), Figueira da Foz, pasta 2, LUAR; ibidem, MC, Manuel Serra, vol. 1, fls.
1 e 2, vol. 4, fl. 2; pr. 3545 CI (2), Manuel Serra e Maria Amélia de Araújo Alves, fl. 14.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 119 CI (1).
Nota 3 – M. Campos e L. Pereira, Opressão (Fascismo) e Repressão (PIDE), pp. 122 e 123.
Nota 4 - Raimundo Narciso. Entrevista de José Pedro Castanheira», in Expresso, 18/11/2000, p.
155.

194

Ao descrever a ARA, esse operacional e membro do seu Comando Central, juntamente com Jaime
Serra e Francisco Miguel, esclareceu que essa organização esteve em actividade entre 1970 a 1972
— «por razões políticas, suspendeu a sua actividade» em 1973 —, tendo desencadeado acções
armadas.
Segundo ele, «a ARA era, do ponto de vista da organização, uma entidade auutónoma mas do ponto
de vista político era uma organização do PCP», que decidira a sua criação em 1964, num período
em que - Lembre-se — Francisco Martins Rodrigues e outros saíram do PCP e criaram a
organização pró-chinesa FAP/CMLP, enveredando pela luta armada. No entanto, a ARA só
começara a actuar seis anos depois, devendo-se esse atraso, segundo Narciso, às «sucessivas
ofensivas da PIDE contra o PCP, desmantelando várias organizações e levando à prisão numerosos
quadros — entre os quais Rogério de Carvalho, o primeiro dirigente da ARÀ, detido em finais de
1965 (Nota 1).
Por outro lado, ainda segundo Narciso, tinha havido um «fraco empenhamento da direcção do PCP
na concretização das chamadas "acções especiais"» armadas, dado que estas não estavam inscritas
na táctica política delineada, sendo aliás um dos motivos do combate político e ideológico às forças
maoístas que a defendiam. A primeira acção, do «Cunene», fora, aliás, aplaudida pelas
organizações maoístas e dissidentes do PCP, pensandovque era «coisa sua». Chegara mesmo a
haver organizações do partido que a condenaram e militantes presos que a «classificaram como
uma acção aventureira». Segundo relatou Narciso, que nunca foi preso durante os 10 anos passados
na clandestinidade, ele próprio fazia «parte dos que defendiam a utilização de acções armadas no
combate à ditadura, opiniões que acabaram por vencer» (Nota 2).
Saído legalmente do país, em 1965, para Moscovo, fora incumbido de criar, com o seu controleiro,
Rogério de Carvalho, com António Pedro Ferreira e outros, uma organização que realizasse acções
armadas. Depois de uma estadia em Cuba, onde recebera, juntamente com Rogério Carvalho, treino
militar, os dois haviam entrado clandestinamente em Portugal. Seis meses depois, porém, este
último fora detido, sem prestar quaisquer declarações à polícia sobre a casa de Raimundo Narciso e
este só voltara a ser contactado, por mero acaso, pelo PCP, no Verão de 1966, através de Ângelo
Veloso (Nota 3).
Entretanto, haviam recebido treino militar no estrangeiro mais três grupos, que incluíam Francisco
Miguel, Jaime Serra e «outros operacionais já experimentados, como o Carlos Coutinho, o Ângelo
de Sousa e o António Eusébio». Até chegarem estes elementos, Raimundo Narciso e Francisco
Miguel asseguraram, no interior do país, a direcção da ARA, que desencadeou então as acções do
«assalto ao paiol na serra da Amoreira, a sabotagem do Comiberlant (o quartel da NATO) e o
rebentamento do armamento no navio Muxima». Entre os 43 elementos da ARA, contaram-se os já
referidos dirigentes do PCP e ainda Joaquim Gomes, que assegurava a ligação entre a direcção do
partido e o seu braço armado (Nota 4).

Nota 1 - Entrevista concedida a João Tunes, inserido no blogue da Internet «Bota Acima»,
«Raimundo Narciso. Entrevista de José Pedro Castanheira», in Expresso, 18/11/2000, pp. 150-154.
Nota 2 - Ibidem, p. 155.
Nota 3 - Ibidem, p. 152.
Nota 4 - Ibidem, p. 153, «caixa».

195

VII.2.1. As acções da ARA

Pelo seu lado, Jaime Serra afirmou que a ARA era «constituída por militantes do PCP e outros
revolucionários seus simpatizantes», que, no «plano da direcção, da organização e da sua acção
específica», constituía uma estrutura autónoma e, no plano político, «actuava em consonância com
a política e os objectivos do Partido Comunista Português». Ao enumerar as principais acções da
ARA, Jaime Serra referiu, em 26 de Outubro de 1970, «a imobilização durante vários dias do navio
"Cunene" atracado à doca de Alcântara e pronto para partir para África com material militar», no
casco do qual foi colocada uma carga explosiva. Essa acção envolveu meios muito rudimentares,
como, por exemplo, a utilização de um pequeno barco a remos, conduzido por Gabriel Pedro,
juntamente com Carlos Coutinho (Nota 1 ).
Com a acção contra as aeronaves militares na Base Aérea de Tancos, de Março de 1971, a cargo do
mesmo Carlos Coutinho, acompanhado de Ângelo de Sousa, ficaram destruídas cerca de três
dezenas de helicópteros e aviões militares. A propósito desta acção, o general João de Faria Leite
Brandão, secretário adjunto da Defesa Nacional, informou a DGS, em 11 de Março, de que a ARA
projectava assaltos a bancos, nomeadamente à Caixa Geral de Depósitos do Porto, e novas
sabotagens, na base de Monte Real e nas composições da CP que transportavam material de guerra
(Nota 2).
No dia seguinte, o Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN) insistiu junto da DGS na tese
das ligações da ARA com o estrangeiro, uma vez que, ocorrida na madrugada de dia 8, a sabotagem
em Tancos tinha sido noticiada pela BBC às 23 horas do dia seguinte. Pediu assim a colaboração
«prestimosa» da DGS, «por forma a que serviços de escuta competentes envid[ass]em todos os
esforços no sentido» de serem identificados os meios de comunicação da ARA (Nota 3).
No resumo dos autos do processo de Daniel Cabrita e outros, a DGS reconheceu não ter conseguido
atingir e penetrar a organização, mas que, esclarecimentos prestados por um dos arguidos, apurara
que «a "ARA" existe porque o "partido" existe». No entanto — acrescentava a DGS —, o PCP
procurava preservar a actividade delituosa dos seus «quadros legais», sobretudo os que se
distinguiam pela qualidade de luta e pelo intelecto, «compartimentando tanto quanto possível o
sector em que milita[va]m», visando dificultar o trabalho da polícia (Nota 4).
Em 14 de Abril de 1971, a DGS informou a Presidência do Conselho diversos ministérios de que a
ARA não era uma «organização terrorista mas um grupo de indivíduos recrutados no seio do PCP»,
estando fora do propósito atentados que pudessem provocar vítimas.

Nota 1 - Ibidem, pp. 155 e 156.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 16.042-SC/ CI (2), fl. 366.
Nota 3 - Ibidem, fl. 364.
Nota 4 - Ibidem, pr. 392/71, vol. 1, fls. 151, 179, 202, 216, 233, 276 e segs. 327, 329, 339, 348,
352, 374, 465 e segs.

196

O PCP, segundo a DGS, apenas optara por essas acções «numa linha de transigência com os
adeptos do Comité Marxista Leninista» (Nota 1). A DGS também enviou, quatro meses depois, a
Clemente Rogeiro, presidente da Comissão Interministerial de Acção Psicológica, uma fotocópia
das declarações de Augusto Lindolfo (Nota 2), funcionário do PCP detido, segundo o qual a ARA
se inseria na política do PCP, num contexto de conflito sino-soviético e de formação de
organizações marxistas-leninistas (Nota 3).
Numa operação da autoria de Carlos Coutinho e Alberto Serra, vários explosivos haviam entretanto
destruído, em 3 de Junho de 1971, a central telefónica e de telecomunicações de Lisboa, bem como
o centro de distribuição de electricidade, colocara na escuridão, durante 10 horas, a reunião do
Conselho Ministerial da NATO. Em 29 de Setembro, uma nota oficiosa da DGS informava que
tinham sido levados a tribunal cinco processos da ARA, com muitos indivíduos implicados. Os
responsáveis operacionais por todas essas acções eram, segundo a DGS, Raimundo Narciso, do
PCP, (o que era verdade) e outros dois indivíduos, Carlos Antunes, da FPLN (o que não era
verdade), e o ex-seminarista Joaquim Alberto Lopes Simões da LUAR (o que não era verdade)
(Nota 4).
A confusão parecia, de facto, reinar no seio da DGS, a menos que se tratasse de uma nota para
confundir essas organizações armadas, fingindo que essa polícia sabia menos do que realmente
sabia. Mais tarde, em 26 de Abril de 1973, a imprensa publicou outra nota da DGS em que esta
afirmava ter detido quase todos os elementos da ARA (Nota 5), embora continuassem a monte
Jaime Serra, Raimundo Narciso, Francisco Miguel Duarte e Ângelo Rodrigues de Sousa (Nota 6).
Em Maio, a ARA emitiu, porém, um comunicado onde declarava «que face ao desenvolvimento de
um amplo movimento político cujo êxito se considerava importante para o enfraquecimento e
derrota do regime fascista e colonialista», fazia «uma pausa temporária na sua acção, com vista a
facilitar o máximo aproveitamento da luta popular antifascista».
A última grande acção da ARA, que se desdobrou em várias operações e mobilizou cerca de duas
dezenas de quadros, meios técnicos e materiais elevados, ocorreu, entretanto, em 9 de Agosto:
tratou-se da danificação em Lisboa, Porto e Coimbra, de vinte torres metálicas das linhas de alta
tensão da rede eléctrica nacional (Nota 7).

Nota 1 - Ibidem, fl. 306, informação n.° 119 CI (1).


Nota 2 - Lembre-se, a propósito, que Augusto Lindolfo começou por declarar, no auto de 7 de
Junho de 1971, que não queria esclarecer a sua actividade enquanto funcionário do PCP e que a
mulher não era do Partido, mas depois, a partir do segundo auto, de 22, disse ter sido controlado
por Joaquim Gomes dos Santos, António Santo, e denunciou os membros do CC e do secretariado,
bem como uma enorme lista de 79 membros, com os seus verdadeiros nomes e pseudónimos, do
PCP em várias fábricas dos arredores de Lisboa.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 16.042-SC/CI (2), fls. 48-60.
Nota 4 - Ibidem, fls. 48-60, 240, 288, 297-300, 364, 366, 394, 395, 554, 556, 797, 844, 859, 869,
873, 883 e 896.
Nota 5 - Ibidem, pr. 16.042-SC/CI (2), fls. 770, 777 e 780. Manuel Policarpo Guerreiro, pintor da
construção civil, Carlos Coutinho, professor primário e arquivista do jornal O Século, Anónio
Eusébio, estucador da construção civil, na clandestinidade, Manuel dos Santos Guerreiro,
motorista, e dois estudantes de agronomia, Amado de Jesus Ventura da Silva e Mário Wrem.
Nota 6 - Ibidem, fl. 765.
Nota 7 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber..., pp. 159-166 e 168-170.

197

Raimundo Narciso explicou que a ARA desistiu de levar a cabo outras operações já programadas:
atacar as antenas da rádio Voz da América e uma fila de camiões Berliet «estacionados para os
lados de Cabo Ruivo, e que acabaram por ser alvo das Brigadas Revolucionárias». (Nota 1)

Quadro 20 - As operações da ARA, segundo a DGS (quadro omitido)

Entre as razões para a paragem da ARA, destacou as de «carácter político», mas também o facto de
haver nove operacionais presos. A sua própria detenção estava próxima, se não tivesse acontecido o
25 de Abril de 1974, dado que Joaquim Gomes — o elemento de ligação entre a direcção do PCP e
a ARA — usava como ponto de apoio um elemento, funcionário da empresa J. Pimenta, que mais
tarde se soube ser um infiltrado da PIDE (Nota 2).

WII.3 As BR

Num folheto de contra-informação não assinado, provavelmente da própria PIDE/DGS ou da LP,


afirmava-se que, segundo o PCP, «Piteira» e «Alegre se tinham apoderado «abusivamente [de]
dinheiro e materiais da FPLN», revelando «extrema deslealdade e desonestidade» e que esse
partido desaprovava «tudo o que viesse a ser feito a partir de então, por essa organização» (Nota 3).
Que se tinha passado? Segundo o PCP, tinha ocorrido um «golpe» na FPLN, ficando, de um lado,
Piteira Santos, Manuel Alegre, Manuel Sertório e Manuel Ruela e outros, e, do outro lado, os
representantes do PCP Pedro Ramos de Almeida e Pedro Soares.

Nota 1 - «Raimundo Narciso. Entrevista de José Pedro Castanheira», in Expresso, p. 156.


Nota 2 – Ibidem, pp. 150, 152 e 153. '
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 984 CI (2), A Voz da Liberdade, fl. 1.

198

Na sua emissão de 5 de Janeiro de 1971 a Rádio Portugal Livre, emissora do PCP, dava conta da
«acção desagregadora de aventureiros de Argel», nomeando sobretudo Piteira Santos e Manuel
Alegre, a voz de locução da Rádio Voz da Liberdade (RVL). A emitir dessa cidade, a RVL passou a
ser então a estação das Brigadas Revolucionárias (BR). Esses elementos de Alger foram, por seu
turno, qualificados de «intrujões» pelo jornal de exilados portugueses no Brasil Portugal
Democrático (n.° 155, Fevereiro de 1971), por terem dado a entender que teriam sido os autores d
acção de sabotagem do navio Cunene, quando a autoria desta era a ARA.
VII.3.1. As operações das BR

Na terceira semana de Novembro de 1971, a RVL de Alger noticiou porém, o rebentamento de


explosivos nas instalações da NATO, na Caparica, desta vez reivindicado pela Brigada
Revolucionária n.° 2, que também se disse autora das três explosões no dia 12 nos canhões
antiaéreos da bateria em Santo António da Charneca de Caparica. Embora com certa demora, a
DGS percebeu que a autoria das várias explosões não era a mesma que a das acções da ARA e
afirmou, em 15 de Novembro, que se estava em presença de duas «organizações terroristas», ambas
de «inspiração comunista e integradas no movimento revolucionário português». Embora já
atribuísse à ARA a primeira operação, no Comiberlant, a DGS ainda não sabia bem então a quem
atribuir as acções na Fonte da Telha e na Charneca de Caparica. No relatório sobre todos esses
rebentamentos, afirmou que as diligências até então efectuadas tinham levado à detecção de dois
indivíduos, que não tinha sido possível deter, provavelmente por terem «alterado o sistema de
actuação para iludir as autoridades» (Nota 2 ).
De qualquer forma, em 8 de Maio de 1972, a DGS já sabia que Carlos Antunes, das BR, era o autor,
na semana anterior (1.° de Maio), das sabotagens ocorridas nos postos de alta tensão no Alto do
Mira/Amadora e próximo da barragem de Castelo de Bode. Em resposta a uma nota oficiosa do
ministro do Interior, que acusara a ARA e as BR de serem «organizações terroristas», a própria
RVL esclareceu, na sua emissão de 19 de Maio, que se tratava de organizações autónomas.
No dia seguinte, uma nota da DGS (Nota 3) avisou a tutela de que estavam em preparação «acções
de terrorismo a desencadear no país por organizações constituídas por portugueses residindo no
estrangeiro e apoiados em quadros internos», mas — erroneamente — disse «que existia um enten-
dimento" em nível de "alta direcção"» entre os vários grupos e os seus quadros, «para uma acção de
carácter revolucionário». A DGS assegurava, porém, ter identificado os mais importantes dirigentes
dessas organizações armadas, embora a «diversidade e escassa interdependência directa das
organizações, no campo da sua estrutura e acção» tivessem tornado «particularmente difícil a
tarefa» da polícia.

Nota 1- Ibidem, pr. 720 Cl (2), Fernando Piteira Santos e Stella Bicker Correia Ribeiro Piteira
Santos, fls. 41, 61, 68, 85 e 288.
Nota 2 - Ibidem, pr. 18327 CI (2), pasta «Diversos», fls. 5 e 34.
Nota 3 - Ibidem, fls. 463-466.

199

Referindo depois as diversas organizações, seus meios e fins, colocando-as todas no mesmo saco, o
que manifestamente não correspondia à verdade, informou ter desarticulado em Março a
organização O Comunista e haver detido, em 19 de Abril, na fronteira do Caia, um indivíduo das
BR. Além das das BR, a polícia assinalou ainda a LUAR, que recrutava entre «desertores,
aventureiros políticos e ex-padres», e, depois de estar um tempo paralisada, tinha voltado à
actividade, visando a «desorganização social, o abalo das instituições políticas mediante raptos,
atentados, terrorismo anarquista para desgastar a nação».
A imprensa internacional publicou esse relatório da DGS, em Julho de 1972, esclarecendo o jornal
Il Secolo d’Italia — erradamente — que as «Brigadas Internacionais» — referia-se às BR — eram
de tendência maoísta. Como vê, reinava a confusão, ainda revelada por outra notícia do jornal
alemão Die Welt, segundo a qual a ARA tinha destruído, num atentado em Lisboa, 13 dos 60
camiões militares para a Guerra Colonial e tinha reivindicado a autoria, designando-se como «uma
fracção da Brigada Internacional» (!!!).
Mas voltando à actividade das BR, refira-se que, após terem «desviado», em 11 de Junho de 1972,
centenas de quilos de explosivos numa pedreira no Algarve, destruíram diversos camiões Berliet,
orçamentados em 15 000 contos. Foram também as BR que largaram, no Rossio e em Alcântara,
em Lisboa, durante a «campanha eleitoral», dois porcos fardados de almirante, que traziam um
letreiro pendurado com a frase «Américo Thomaz, presidente ao quilómetro». A DGS informou,
internamente, em 15 de Julho, que entre os indivíduos ligados às BR se contavam Carlos Antunes,
na clandestinidade, Vítor Manuel Dias Ramos, desertor, António Santana Alho, Tomás Melo da
Fonseca, residente em França, José António Silva Calado, estudante de Medicina em Coimbra, e
João Carlos de Oliveira Moreira Freire.
Por volta do mesmo período, uma emissora clandestina em língua portuguesa alertou para o facto
de a DGS pretender infiltrar-se nas BR, aliciando jovens e dizendo-lhes para contactarem essa
organização, através de um determinado apartado em Lisboa. Lembre-se que, num relatório ma-
nuscrito, provavelmente também datado de 1972, da autoria de um especialista em «contra-
espionagem» da DGS, este sugerira novos modos de actuação contra as organizações
revolucionárias armadas, propondo um que passava pela criação, pela própria DGS, de um grupo
que recrutaria membros da FPLN, do PCP e da LUAR, para acções de provocação.
No último dia do ano de 1972, um grupo de católicos realizou uma vigília na capela do Rato, a
favor da paz e contra a Guerra Colonial, que foi divulgada pelas Comissões de Trabalhadores
Revolucionários (das BR) através de petardos que, ao rebentarem, espalharam panfletos em Lisboa
e Setúbal. Lembre-se que, ao apoiar a divulgação da vigília, as BR passaram
contar com o apoio de alguns desses elementos católicos ao seu aparelho logístico, e que muitos
destes foram presos, embora os operacionais nunca tivessem sido detectados pela DGS. A mesma
organização desviou dos serviços Cartográficos do Exército cerca de duzentos mapas de África,
que, segundo a FPLN, foram entregues aos movimentos de libertação africanos.
Em 19 de Março de 1973, o jornal Afrique-Asie incluiu uma entrevista, conduzida por Aquino de
Bragança, com «Chico Manuel» ou «André», pseudónimos de Carlos Antunes, dirigente das BR,
onde este explicou a opção por «núcleos autónomos de combatentes», além de reivindicar a autoria
de várias acções, entre as quais algumas não referidas pela DGS. Na sua emissão de 22 de Abril de
1973, referindo-se ao comunicado da DGS publicado no dia 8, a RVL considerou-o uma «confissão
pública da ignorância da PIDE/DGS em relação às Brigadas Revolucionárias» (Nota 1).
Entre as últimas operações atribuídas às BR, a DGS enumerou as ocorridas em Lisboa em 9 de
Março de 1973, nas instalações do Quartel-General, na Rua Rodrigo da Fonseca, para desorganizar
o sistema de abastecimento à Guerra Colonial, nos Serviços Mecanográficos do Exército, no
Quartel da Graça, e contra a repartição distrital de recrutamento na Avenida de Berna, em que
morreram dois operacionais («Ernesto», Arlindo Gomes Garrett, e «Luís») (Nota 2). Estas três
acções destinavam-se a ocorrer no mesmo momento, às 3 horas da manha, mas um acidente técnico
provocou a explosão prematura de uma delas e a morte desses dois militantes.

Quadro 21 Operações das Brigadas Revolucionárias


Data Operações
7/8 de Novembro de 1971 Explosão da base da NATO, Fonte da Telha, Setúbal
12 de Novembro de 1971 Explosões na bateria antiaérea em Santo António da Charneca,
Barreiro
1 de Maio de 1972 Tentativa de sabotagem postos alta tensão, em parte do centro e sul do país:
Amadora e perto da barragem Castelo do Bode
11 de junho de 1972 Desvio de explosivos de pedreira, Algarve
25 de junho de 1972 No período eleitoral pata a reeleição de Américo Tomás, rebentamento de
explosivos com panfletos e largada de porcos, no Rossio e em Alcântara, Lisboa
11 de julho de 1972 Destruição em Cabo Ruivo de 15 viaturas militares Berliet
25 de Setembro de 1972 Sabotagem de instalações electrónicas de Palmela e Sesimbra da
Rádio Marconi
Dezembro Recuperação de mapas militares, num assalto aos Serviços Cartográficos do
Exército, entregues à FRELIMO, ao MPLA e PAIGC
31 de Dezembro de 1972 Rebentamento de petardos, a divulgar a «greve da fome» de cristãos
pela PAZ, na Capela do Rato, Lisboa e margem sul
9 de Março de 1973 Explosivos no Distrito de Recrutamento e Mobilização na Avenida de Berna,
Lisboa
9 de Março de 1973 Explosivos nas instalações do Q.M.G., na Rua Rodrigo da Fonseca, Lisboa
9 de Março de 1973 Explosivos nos Serviços Mecanográficos, no Quartel da Graça, Lisboa
6 de Abril de 1973 Explosivos em várias secções dos serviços de recrutamento do Q.G. da 2a
Região Militar, Porto
6 de Abril de 1973 Explosivos na sede do Movimento Nacional Feminino, Porto
29 de Abril de 1973 Distribuição de panfletos em 200 locais de todo o país, feita por petardos
1 de Maio de 1973 Destruição da Divisão de Contratação Colectiva e Direcção dos Serviços do
Trabalho, do Ministério das Corporações, na Praça de Londres, Lisboa
26 de Outubro de 1973 Destruição de uma das secções do arquivo no Q.G. da Região Militar
do Porto
22 de Fevereiro de 1974 Sabotagem do Q.G. da Guiné, Bissau
9 de Abril de 1974 Sabotagem do navio Niassa, quando ia partir para Bissau

Fonte: PIDE/DGS e Brigadas Revolucionárias, Lisboa, Edições Revolução, s. d., 2.a ed., pp. 96-98.

Nota: As BR realizaram ainda outras acções, não reivindicadas, de desvio de dinheiro de bancos, a
primeira das quais em Paris, no Banco Franco-Portugais. Seguiram-se, entre outras, os assaltos, um
ao Banco Português do Atlântico de 6 de Novembro de 1972 e 25 de Maio de 1973, à agência do
Banco Totta & Açores de Cabo Ruivo e uma tentaria agência do Banco Nacional Ultramarino, em
Lisboa.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1118/73 CI (2), Partido Revolucionário do Proletariado – PRP, fls. 21, 26,
42, 75, 106, 146, 147, 151, 154, 170, 198, 202, 249, 437 e 713.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 16.042 CI (2), SC fl. 765; pr. 15673 Cl (2), DGS, fl. 28. Segundo J.
Plácido Júnior, no artigo «Meu pai, o "camarada Ernesto"», in Visão, 4/3/1995, «Ernesto» era o
serralheiro Arlindo Gomes Garrett.

201

No entanto, depois deste último relatório da DGS ter sido elaborado, continuaram as operações, que
só podiam, a partir de então, ser atribuídas às BR, dado que a ARA tinha entretanto suspenso as
suas acções (Nota 1). Na madrugada de 6 de Abril, foram destruídas a sede do Movimento Nacional
Feminino e as instalações da 2.a repartição do Quartel-General da 2.a Região Militar, ambas no
Porto. Segundo referiam ainda as BR, com o início das acções armadas do Norte do país, estavam a
prestar homenagem à memória dos camaradas «Ernesto» e «Luís», mortos em 9 de Março. Por seu
turno, em 6 de Maio, o Diário de Lisboa divulgou um comunicado das BR a reivindicar a acção
praticada no 4.° piso do Ministério das Corporações, na Praça de Londres em Lisboa, onde
funcionavam a Divisão de Contratação Colectiva e a Direcção dos Serviços do Trabalho, às 2 horas
da madrugada de 1 de Maio.
VII.3.2. O PRP e o desmantelamento do aparelho logístico das BR e da LUAR

Diga-se que, nesse período, além de reivindicar as acções das BR, a RVL transmitia frases cifradas
de instrução para as operações cometidas em Portugal. Em Setembro de 1973, era, porém, outra a
notícia transmitida por essa rádio, ao informar que tinha sido criado o Partido Revolucionário do
Proletariado (PRP), a partir da FPLN e de elementos que tinham participado na CDE, nas eleições
de 1969. Numa carta com a data de 15 de Manuel Alegre e Fernando Piteira Santos descreveram «a
manobra» de que a FPLN fora vítima, quando um autodenominado PRP ocupara as suas instalações
e se apropriara dos seus bens. A DGS foi, aliás, informada dessa dissensão, em 8 de Janeiro de
1974, através de «David», o seu informador na Bélgica. A RVL passou então a chamar-se Rádio
Voz da Revolução, órgão do PRP que, em Dezembro, anunciou o afastamento desses dois militantes
(Alegre e Piteira), acusados de «manobras frentistas e «social-democratas e de nada terem a ver
com as BR» (Nota 2).
Entretanto, a DGS tinha conseguido desmantelar o aparelho logístico constituído, na sua maioria,
por elementos católicos. Num relatório interno, a DGS afirmou ter detido, por «ligações com
membros da LUAR e das BR», o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, fundador de um de cristãos»
que desenvolvia «vasta acção subversiva a nível nacional e internacional com vista ao fim da
chamada guerra colonial», com dinheiro proveniente de assaltos à mão armada de agências
bancárias (Nota 3). Uma das publicações desse grupo de cristãos, o Boletim Anti Colonial, ia sido
editada através de uma máquina IBM financiada por Luís Moita, através de dinheiro proveniente
das BR. Nuno Teotónio Pereira colaborara, ainda segundo a DGS, com elementos da LUAR no
transporte de explosivos que guardara em seu poder e entregara às BR, que os utilizara em
sabotagens.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 393 CI (2), Atentados bombistas; pr. 18327 CI (2), pasta «Diversos», fls.
55, 178-182, 220, 377, 383, 408, 447, 450, 454 e 463-66.
Nota 2 – Ibidem, pr. 1118/73 CI (2), Partido Revolucionário do Proletariado, fls. 21, 26, 42, 75,
106, 146, 147, 151, 154, 170, 198, 202, 249, 437 e 713.
Nota 3 - «Brigadas Revolucionárias. "Pedro" revela acções armadas antes do 25 de Abril»,
entrevista de Fernando Carneiro, in A Capital 20/11/74, pp. 12-13; PIDE/DGS, pr. 14 CI (1), 20,
Posto de Setúbal, fl. 2.

202

A polícia ficou inicialmente confundida, pensando tratatar-se de uma colaboração entre a LUAR e
as BR, mas depois verificou que não só Nuno Teotónio Pereira não pertencia a nenhuma dessas
organizações como a segunda tinha «roubado» à primeira o material explosivo.
A confusão da DGS relacionou-se com o facto de ter sabido que havia estado à guarda de Nuno
Teotónio Pereira material explosivo da LUAR, depois retirado por elementos das BR. Lembre-se
que uma das envolvidas no processo da LUAR foi Maria de Fátima da Fonseca Ribeiro Pereira
Bastos, ligada desde Agosto de 1971 ao ex-padre Joaquim Alberto Simões que auxiliara a sair
clandestinamente de Portugal. Fátima Pereira Bastos e outros quatro indivíduos tinham sido presos,
em 12 e 13 de Maio de 1972, acusados de auxiliarem «conscientemente», segundo a DGS, a saída
ilegal do país de desertores da LUAR.
No entanto, como não se tivesse comprovado que os mesmos pertencessem a essa organização,
haviam sido libertados sob caução e, em 22 de Dezembro de 1972, absolvidos (Nota 1). Depois,
ainda segundo a DGS, num encontro em Espanha, Fátima Pereira Bastos recebera de Joaquim
Alberto dinheiro que depositara na sua conta bancária e, mais tarde, um carregamento de
explosivos e 1800 detonadores, introduzidos no país em Março de 1972 numa viatura que ela
conduzira até uma casa no Estoril, onde os escondera. Mais tarde, os explosivos haviam mudado de
mão, ficando entregues a outros elementos, através de Nuno Teotónio Pereira (Nota 2).
Acontece que Maria de Fátima Pereira Bastos tinha pedido a este último para guardar material
(explosivos), ao que ele acedera. Entretanto, ela e Osório de Castro são detidos, como já se viu e,
Nuno Teotónio Pereira informa Luís Moita de que tem à sua guarda o material da LUAR. Este
último, que tinha contactos com as BR, informa Carlos Antunes da existência dos explosivos, os
quais vão parar às mãos das BR. Quando Fátima Bastos é libertada da sua primeira prisão, em
1972, pede o material de volta e fica perturbada ao saber que outros o tinham ido buscar, ficando
Luís Moita de tratar do assunto (Nota 3).
Luís dos Santos Moita, ex-padre, funcionário do Sindicato dos Electricistas de Lisboa, acusado de
manter ligações com elementos das BR também foi preso, bem como os seus dois irmãos Manuel e
Maria da Conceição. Foram ainda detidos Rui de Lemos Peixoto, Joaquim Osório de Castro, Maria
Luísa Sarsfield Pereira Cabral, Pedro Onofre e Pereira Neto (Nota 4).

VII.4. A LUTA ANTICOLON1AL

Estes elementos católicos que colaboraram, sabendo-o ou não, com organizações armadas
revelaram, nesse início dos anos 70, uma radicalização assinalável — à semelhança aliás, como se
verá, de muitos jovens, nomeadamente estudantes — devido à Guerra Colonial.

Nota 1 - Ibidem, pr. 340/72, Maria de Fátima Fonseca Ribeiro Pereira Bastos
Nota 2 - Ibidem, pr. 671/73, vol. 4,
Nota 3 - Ibidem, pr. ind. 3167-E/GT; pr. cr. 544/73.
Nota 4 - Ibidem, pr. 18327 CI (2), pasta «Diversos», fls. 9, 43, 44, 67-68, 98, 118, 126 e 160; pr.
46.239 SR, Delegação do Porto, Luís Moita e outros católicos; pr. 19539 CI (2), Boletim Anti-
Colonial — BAC, fls. 1, 7, 35, 47, 122, 133, 143, 205 e 225.

203

Dado que não há aqui o propósito de analisar a acção da PIDE/DGS nas colónias africanas nem na
Guerra Colonial, só se refere aqui, com alguns exemplos, a preocupação crescente desta polícia
com a oposição à guerra na retaguarda «metropolitana» bem como casos ligados aos movimentos
de libertação que tiveram repercussão na metrópole.

VII.4.1. Os presos de África

Ainda num período em que não tinha começado a luta armada dos movimentos de libertação
africanos, houve um caso de transferência para a metrópole de alguns portugueses presos em
Angola e Moçambique, entre julho e Agosto de 1959. Tratou-se do caso de António Matos Veloso,
António Calazans Duarte, José Vieira Meireles, Maria Julieta Gandra, António Contreiras da Costa,
Hélder Ferreira Neto e Manuel dos Santos Júnior. Estes seis últimos eram acusados de ter formado,
em meados de 1959, um grupo para a criação do Movimento de Libertação Nacional de Angola,
segundo os moldes do PCP. Condenados pelo tribunal militar de Luanda, os detidos recorreram da
pena para o Supremo Tribunal, que aconselhou ao agravamento da pena, sendo Julieta Gandra,
Manuel dos Santos júnior e António Contreiras sentenciados a quatro anos de prisão, José Meireles
e Matos Veloso, a cinco anos, e Calazans Duarte, a cinco anos e meio de prisão maior.
O subdirector interino da delegação de Angola da PIDE, Aníbal de São José Lopes, propôs porém
que Calazans Duarte, Meireles, Gandra e Veloso fossem transferidos, «como medida preventiva»,
para a metrópole, os primeiros de Angola e o último de Moçambique. Um dos argumentos
para a transferência deste último foi o facto de as suas actividades o creditarem «como "herói"
junto dos pretos e mestiços partidários da libertação de Angola» (Nota 1). Em Novembro de 1960,
os quatro presos foram remetidos para Lisboa, sendo enviados para Caxias. Ao terminar a sua pena,
em 30 de Junho de 1964, Julieta Gandra, muito doente, requereu a liberdade condicional, que só foi
concedida em 7 de Julho do ano seguinte, embora a delegação da PIDE de Luanda tivesse
desaconselhado o seu regresso a Angola, dado que se tratava de «uma médica, que no meio nativo»
de Luanda «gozava à data da sua captura de certo prestígio» (Nota 2).

VII.4.2. O caso Domingos Arouca

Em Maio de 1965, um mês após ter tomado posse do cargo de presidente da Direcção do Centro
Associativo dos Negros de Moçambique, o advogado «negro» Domingos Arouca foi aí preso, sob a
acusação de ser dirigente da Frelimo. É aqui utilizado o qualificativo «negro» porque esse facto
teve grande importância no caso e foi revelador da componente racista existente quer na DGS quer
nos tribunais portugueses.

Nota 1 - Ibidem, pr. 1405/53, Maria Julieta Guimarães Gandra, fls. 1, 87 e 89.
Nota 2 - Ibidem, pr. cr. 715/59 SC, fls. 331 e 336; pr. 744 GT e pr. 899 SR, fls. 23 e 36.

Contra a própria lei prisional, que só permitia a incomunicabilidade durante seis meses, este
moçambicano foi então submetido a isolamento entre Maio de 1965 e Junho de 1968, data em que
foi transferido para o forte de Peniche, na metrópole. Dado que o seu sistema nervoso estava muito
debilitado, um médico quis interná-lo imediatamente, mas o inspector-adjunto da PIDE, Manuel
dos Santos Correia, não o permitiu e apenas depois de um movimento de pressão acabou por baixar
ao hospital-prisão de Caxias (Nota 1).
Em final de Maio de 1972, Domingos Arouca já havia expiado a condenação que lhe fora imposta
pelo Tribunal Militar de Lourenço Marques (quatro anos de prisão mais três anos de prisão de
«medida de segurança») e o seu advogado, Francisco Salgado Zenha, pediu o habeas corpus,
descrevendo ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça todas as ilegalidade cometidas contra o
detido. O seu julgamento, apenas marcado para Julho de 1967 — o que representou uma prisão
preventiva de dois anos — fora adiado sine die, «sem que para tal se tivesse invocado qualquer
fundamento — legal ou ilegal!!!». Por outro lado, havia sido promulgada, em Maio desse ano, por
ocasião da visita do papa Paulo VI a Portugal, uma amnistia que mandava contar por inteiro todo o
tempo de prisão preventiva sofrida, mas esta não lhe foi aplicada, em consequência de o julgamento
se ter iniciado «após a amnistia»! Zenha acrescentou que até parecia «que o adiamento do
julgamento inicialmente marcado se fez de propósito para o efeito!»
Ao ser finalmente condenado, Arouca não havia sido abrangido por nenhuma das amnistias
entretanto decretadas, por se entender que elas não eram aplicáveis aos «ultramarinos», não
obstante ele ter sido transferido das cadeias «ultramarinas» para as cadeias «metropolitanas», em
Junho de 1968. Ora, segundo Zenha, era «absolutamente absurdo e kafkiano» que houvesse,
«dentro da mesma cadeia, um Código Penal para os metropolitanos e outro Código Penal para os
ultramarinos!». A verdade — sublinhou Zenha — era que o preso, «negro» — no que tem muita
honra — e nativo de Moçambique (sendo o primeiro licenciado em direito negro moçambicano)»,
tinha sido «vítima de uma verdadeira discriminação racial».
Revelador disso mesmo era o facto de que, em consequência de um movimento de solidariedade
dos advogados portugueses em 1970 a favor de três colegas então presos por motivos políticos,
Domingos Arouca, Monteiro Matias e Saul Nunes, estes dois últimos tinham sido postos em
liberdade, mas o primeiro continuara detido. «Aqueles eram brancos,» o requerente é negro»,
explicou Zenha. Além de mencionar que constava ter sido o ministro do Ultramar que opusera o
seu veto à libertação, Zenha perguntou «Continuará ele preso porque é negro?» e requereu que
fosse declarada ilegal a prisão em causa e imediatamente libertado Domingos Arouca (Nota 2).

Nota 1 – Ibidem, pr. 36 GT, fl. 355.


Nota 2 - «Habeas corpus para Domingos Arouca», in Francisco Salgado Zenha, A Prisão do Doutor
Domingos Arouca, pp. 13-20.
205

No entanto, em resposta ao pedido de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça argumentou


que Domingos Arouca tinha iniciado em 18 de Junho de 1970 o cumprimento da medida de
segurança («que só terminaria em 18/6/1973») e não beneficiara dos perdões concedidos pelos
decretos-lei n.º 47 702, de 15 de Maio de 1967, e n.° 204/70, de 12 de Maio de 1970. Para o facto
de este último perdão não lhe ter sido aplicado, o Supremo Tribunal alegou que a Portaria n.°
340/70, de 7 de Julho, que tornara aquele diploma extensivo ao ultramar, excluíra expressamente o
detido, porque, à data da emissão da mesma, já se encontrava no cumprimento da medida de
segurança de internamento, ao abrigo da legislação ultramarina.
Ora, como a lei penal era «de aplicação territorial e, encontrando-se o Domingos António
Mascarenhas Arouca em estabelecimento metropolitano, unicamente por falta de estabelecimento
adequado no Ultramar, havia que aplicar ao caso as leis ultramarinas e não as metropolitanas».
Com isso, considerava o Supremo Tribunal, não se estava a infringir «o princípio constitucional da
igualdade dos cidadãos perante a lei, visto que, segundo a Constituição», o Estado português
constituía um «ordenamento jurídico plurilegislativo» e o diploma, entretanto promulgado em
1972, que acabava com as medidas de segurança, ainda não se havia «tornado extensivo ao
Ultramar» (Nota 1). Domingos Arouca apenas foi libertado em 19 de Junho de 1973, mas ficou
ainda sujeito a residência fixa na cidade de Inhambane, até 25 de Abril de 1974.

VII.4.3 O caso Joaquim Pinto de Andrade

Outro caso também ocorrido com um «negro» foi o do padre angolano Joaquim Pinto de Andrade,
secretário do bispo de Luanda, detido em 25 de Junho de 1960 pela PIDE (Nota 2), que o acusou de
pertencer a um movimento independentista. Em resposta a esta polícia, Pinto de Andrade respondeu
que, sem ter dado a sua adesão formal a qualquer movimento ou partido político, nunca deixara de
se interessar, na medida em que lho permitia a «sua actividade sacerdotal, pelas aspirações e pelos
problemas que preocupações das organizações políticas angolanas», porque «a independência está
para o povo, como a liberdade para o indivíduo» (Nota 3). Num depoimento publicado num jornal
de exilados portugueses no Canadá, o padre Joaquim Pinto de Andrade contou que, em 1950 (deve
ser 1959), durante o chamado «processo dos cinquenta», tinha organizado um movimento de
solidariedade para com os detidos e, mais tarde, devido à sua actividade nos musseques, havia sido
preso pelas autoridades coloniais. Após semanas de interrogatórios, o próprio delegado da polícia
considerara que ele devia ser libertado, mas como houvesse uma campanha pela sua libertação em
Angola, a polícia achara preferível a sua saída dessa colónia (Nota 4), embarcando-o para São
Tomé e Príncipe em 8 de Novembro de 1960, onde permanecera em residência fixa.

Nota 1 – Idem, Ibidem, pp. 30, 31, 32.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 83 CI (2), Joaquim Pinto de Andrade, fl. 260, L’Unitá, de 12/2/1971, do
correspondente em Argélia.
Nota 3 - Ibidem, fls. 262 e 100, Portugal Democrático, n.° 162, Outubro de 1971.
Nota 4 - Ibidem, fl. 124, «Depoimento do padre angolano Joaquim Pinto de Andrade ao jornal
Jeune Afrique», in Luso-Canadiano, de Montreal, 15/5/1971.

206

Em Angola tinha entretanto começado a luta pela independência e, em 25 de Abril de 1961, Pinto
de Andrade fora transferido para Portugal , ficando encarcerado no Aljube durante quatro meses.
Após uma greve da fome em protesto pelas péssimas condições de prisão, fora depois mantido
durante 11 meses em prisão domiciliária, no mosteiro beneditino de Singeverga, em Roriz/Negrelos
(Nota 1).
Novamente detido em 12 de Julho de 1962 pela PIDE, com o argumento de que quebrara as suas
«obrigações», ficara encarcerado no Aljube numa masmorra de um metro por dois, com luz e ar que
passavam apenas por uma pequena fresta, dormindo numa enxerga de cordas traçadas imunda e mal
cheirosa. Ao faltarem três dias para expirar o prazo máximo autorizado pela lei para a prisão
preventiva, em 5 de Janeiro de 1963, fora solto, mas mal pusera um pé fora da prisão havia sido
novamente detido. Em 14 de Agosto, depois de 398 dias ininterruptos de prisão, sem nenhuma
acusação, fora «libertado», sendo-lhe fixada residência em Ponte de Sor, vigiado ostensivamente
por agentes.
Preso novamente, entre 24 de Janeiro e 3 de Fevereiro de 1964, nada se provara contra ele, pelo que
os autos ficaram então a aguardar melhor prova. Como a PIDE pretendesse que ele aceitasse de
livre vontade a residência fixa, argumentando que se tratava de uma decisão conjunta do Ministério
do Ultramar e do núncio apostólico, Joaquim Pinto de Andrade dissera duvidar da existência de tal
acordo, e recusara. O certo é que depois o núncio lhe negaria as «absurdas acusações da polícia».
Pinto de Andrade continuara em residência fixa, no Seminário da Nossa Senhora da Boa Nova, até
1967, ano em que, por intervenção de Paulo VI, fora autorizado finalmente a deslocar-se, desde que
não saísse de Portugal nem voltasse a Angola. A sua vida prisional, porém, não acabou aí, como se
verá.
Outros padres angolanos estiveram também em regime de residência fixa em Portugal, desde 1961.
Entre eles contaram-se o abade Franklim da Costa, cónego da Catedral de Luanda, exilado em
Braga, o abade Alfredo Osório Gaspar, superior da Missão Pio X em Angola, anteriormente preso
antes de ser colocado em residência vigiada em Viana do Castelo, bem como os abades Alexandre
do Nascimento e José Vicente, exilados em Lisboa.
Outros três padres angolanos que tinham estado presos em Angola, Gaspar Domingues, de
Muxima, Martinho Samba, antigo vigário de Samba, e Lino de Guimarães, de Quibala, foram
também colocados era residência fixa, respectivamente, em Lisboa e nos conventos dos
Franciscanos de Braga e dos Capuchinhos (Nota 2). Por seu lado, o padre Manuel Joaquim Mendes
das Neves, deão da Catedral de Luanda e vigário-geral da arquidiocese de Luanda, preso e
deportado para Portugal sob a acusação «chefe de terroristas em Angola», faleceu em 11 de
Dezembro no Seminário da Torre, em Soutelo, Vila Verde. A transladação dos seus restos mortais
para Luanda foi impedida, por medo de que provocasse manifestações antiportuguesas (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, fl. 2.


Nota 2 - Ibidem, fls. 480 e 582.
Nota 3 - Ibidem, fl. 617.

207

No final de Janeiro de 1967, o arcebispo de Luanda, Manuel Nunes Gabriel, escreveu à PIDE a
solicitar a revisão da situação dos padres Joaquim Pinto de Andrade, Alfredo Osório Gaspar e
Martinho Samba, declarando não haver «inconveniente em que um ou outro regressasse a Angola.
Em 1969, os padres Alfredo Osório Gaspar, Vicente José Rafael e Lino Alves Guimarães puderam
regressar a Angola, mas este último foi assassinado por «desconhecidos», na véspera do Natal desse
ano (Nota 2).
Um ano antes, o director da PIDE tinha informado secretamente o MNE que a situação «dos
sacerdotes ultramarinos» havia sido «estabelecida por acordo secreto entre a Nunciatura em Lisboa
e o ministério do Ultramar», servindo aquela polícia «como órgão de execução das medidas
adoptadas nesses acordo». Quanto a Joaquim Pinto de Andrade, irmão de Mário Pinto de Andrade,
dirigente do MPLA, afirmou a PIDE que tinha ido frequentar, em 1967, a Faculdade de Direito de
Lisboa, mas, «merece[ia] muita vigilância pois contacta[va] bastante com elementos das
"esquerdas"» (Nota 3). Em 7 de Abril de 1970, Joaquim Pinto de Andrade foi preso pela sexta vez,
juntamente com outros acusados de apoio ao movimento de libertação angolano. O julgamento
destes, realizado em Abril de 1971, foi seguido por representantes da Liga dos Direitos do Homem,
da Amnistia Internacional e da Associação Internacional dos Juristas Democratas (Nota 4). Um
desses observadores, Marie Thérèse Cuvelliez, da Federação da Liga Belga dos Direitos do
Homem, deu uma conferência de imprensa em Bruxelas onde afirmou que o julgamento tinha sido
«uma paródia de justiça». No julgamento foram condenados a penas entre 16 meses e quatro anos
de prisão Álvaro Sequeira Santos, António Garcia Neto, Rui Ramos, António Ferreira Neto, Diana
Andringa, Raul Feio, Fernando Sabrosa e José Coelho da Cruz, enquanto Joaquim Pinto de
Andrade foi sentenciado a três anos de cadeia (Nota 5).

VII.4.4 Os desertores

As diversas organizações da oposição ao regime e à Guerra Colonial tinham estratégias diferentes


no que se relacionava com a mobilização para o serviço militar obrigatório. Assim, enquanto o PCP
deu como palavra de ordem aos seus militantes o cumprimento do serviço militar e inclusive a ida
para as colónias, no sentido de desenvolverem trabalho político junto dos soldados, os outros
grupos, nomeadamente os marxistas-leninistas, apelaram de uma forma geral à refracção ou, mais
propriamente, à deserção.
As Forças Armadas e a PIDE/DGS dividiam os jovens suspeitos em cumprimento do serviço
militar obrigatório entre «politicamente suspeitos» (PS) ou «politicamente activos» (PA).

Nota 1 - Ibidem, fl. 594.


Nota 2 - Ibidem, fl. 100.
Nota 3 - Ibidem, fl. 458, proc. n.° 2669, 22/U5/68.
Nota 4 - Ibidem, (is. 201, 230, 232, 246, 271 e 355.
Nota 5 - Ibidem, pr. 21/70, DSIC, 2 vols; DL, de 2 de Abril de 1971, fls. 242, 244, 286, 515, 558 e
568.

208

No caso de serem capturados, como refractários ou desertores, ou por desenvolverem acção política
contra guerra, eram punidos com a incorporação na companhia disciplinar de Penamacor ou com a
mobilização para os diversos campos de batalha. Os casos eram julgados pela instituição militar,
embora a partir de 1961 a PIDE tivesse retido alguns dos «prevaricadores» nas suas prisões, sem os
entregar às Forças Armadas.
Com o início da guerra, muitos refractários e desertores saíram clandestinamente do país, a
caminho do exílio, às vezes correndo grandes riscos, como aconteceu em 1963 com três jovens que
tentaram fugir de Tavira para o Norte de África num barco a remos que naufragou. O bote acabou
por ser encontrado pelas autoridades espanholas ao largo da costa de Cádis, mas apenas com dois
sobreviventes, Rui Cardoso de Mata e António Guerreiro, tendo o terceiro, José Pinharanda Rego,
morrido. Na sequência das prisões desses dois jovens, a PIDE deteve os estudantes universitários
angolanos Humberto Traça, Cláudio Sobral, João Nobre e Alberto Rui Pereira, antigo vice-
presidente da direcção da Casa dos Estudantes do Império. Detido durante 23 dias no Aljube, este
foi depois enviado para a colónia disciplinar de Penamacor, de onde conseguiu fugir, exilando-se
em Paris (Nota 1).
Dois anos depois, foi preso o aspirante miliciano Manuel Noel Costa Araújo, que foi colocado à
disposição da PIDE. Numa informação transmitida ao Ministério do Exército, a PIDE deu conta de
que a prisão de Araújo se tinha devido ao facto de manter contactos com o desertor Manuel da Silva
Abreu. A PIDE sabia que tanto Manuel Araújo como o irmão dele tinham sido aliciados para
desertar, com apoio de um indivíduo de apelido Ferrão e de João Santa Rita, que se encontrava em
Angola a prestar serviço militar. Três dias depois, o Ministério do Exército ordenou a vigilância
deste último e deteve José Noel Araújo, irmão de Manuel, e o alferes miliciano Mário Domingues
Costa. Passados à disponibilidade e entregues à PIDE, o primeiro foi libertado em 13 de Fevereiro
de 1968, tendo o mesmo acontecido ao irmão em 9 de Maio, por nada se ter provado contra os dois.
Quanto a José Mário Costa, natural de Luanda, foi transferido para a Casa de Reclusão da Trafaria
e entregue à Justiça Militar, sendo julgado em Conselho de Guerra em 26 de Abril de 1969, por ter
ajudado a desertar Manuel Nobre Francisco e haver entregue munições à Frente da Acção Popular
(FAP). Dois meses depois, o Supremo Tribunal Militar considerou que a pena de Mário Costa devia
ser agravada, condenando-o, em cúmulo jurídico, a nove anos de prisão maior e medidas de
segurança (Nota 2). Nesse ano, foram aliás promulgados dois diplomas, que puniam os que se
subtraíssem ao serviço militar com penas de seis meses a um ano de prestação de serviço militar
efectivo em regime disciplinar (Nota 3) o que não impediu que as refracções e deserções
aumentassem.

Nota 1 - Ibidem, pr. 11.692 CI (2), Alberto Rui Pereira, fls. 33 e 34; pr. 14 CI (1) pasta 20, Posto de
Vigilância de Setúbal.
Nota 2 - Ibidem, pr. 2127/67, Mário Domingues Costa e outros, fl. 2.
Nota 3 - Lei n.° 2135, de 11/7/68, Diário do Governo, n.° 163-1 série, art.° 64.

209

Sob vigilância da DGS estiveram também os vários comités de desertores e de refractários


portugueses, criados em vários países da Europa. Por exemplo, na Suécia, onde viviam cerca de
130 desertores portugueses, havia comités em Estocolmo, Uppsala e em Malmö (Nota 1). Em
França, onde havia portugueses com o estatuto de refugiados políticos — uma minoria entre os
exilados, que na sua maior parte não estavam legalizados —, havia também vários comités, entre os
quais o Comité de Apoio aos Desertores Portugueses, de Grenoble, que defendia a «deserção com
armas» (Nota 2). Contra esta estratégia estava o Comité de Apoio aos Desertores, Refractários e
Insubmissos Portugueses, com sede em França. Na Holanda havia o Comité Angola e o Comité de
Desertores da Holanda (Nota 3) e na Dinamarca o Comité de Desertores Portugueses (Nota 4).

VII.5 Outras organizações da extrema-esquerda

Após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), realizado em 1956,


houve no seio de muitos partidos comunistas cisões de militantes, dando posteriormente origem a
várias correntes políticas e ideológicas de extrema-esquerda. Em Portugal, como se viu, o
nascimento da extrema-esquerda foi relativamente precoce, ocorrendo com o aparecimento da
Frente de Acção Popular (FAP) e do Comité Marxista-Leninista Português (CMLP), em 1964.
Considerado de «extrema-esquerda», foi também criado, na sequência da crise académica de 1962,
o Movimento de Acção Revolucionária (MAR), que teve, porém, pouca duração, extinguindo-se na
década de 60.
De «extrema-esquerda» são considerados os agrupamentos e forças políticas que, seguindo a
ideologia marxista, se situavam mais à esquerda que os partidos comunistas, que criticavam pela
sua orientação «revisionista», pacifista, de colaboração de classes e abandono da via revolucionária
para a conquista do poder. Nos anos 60 assistiu-se no mundo ocidental a uma vaga de contestação
da sociedade, para cuja transformação eram propostas alternativas revolucionárias que defendiam a
utilização de meios violentos. Dessa vaga nasceram os agrupamentos da corrente marxista-
leninista, trotskista ou castrista, influenciada esta pela revolução cubana.
Também em Portugal, as transformações sociais ocorridas na década de 60, associadas à crescente
contestação à Guerra Colonial, provocaram o aparecimento de novas organizações. A maioria
destas reivindicava-se na continuação da FAP/CMLP e reclamava-se do marxismo-leninismo,
disputando o terreno político ao PCP, nomeadamente no meio estudantil (Nota 5).
Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 11 006 Cl (1), pasta de Julieta Gandra, fl. 106; pr. 15.568 CI (2),
«Desertores portugueses na Suécia».
Nota 2 - Ibidem, pr. 19 181 CI (2), Comité de Apoio aos Desertores Portugueses, Grenoble.
Nota 3 - Ibidem, pr. 402/73 CI (2), fls. 6, 35 e 37.
Nota 4 - Ibidem, pr. 19 461 CI(2), Comité de Desertores Portugueses na Dinamarca, fl. 42.
Nota 5 - José Manuel Lopes Cordeiro, «Extrema-esquerda», in Dicionário de História de Portugal,
vol. 7, pp. 711-714.

210

Após a desagregação da FAP/CMLP, devido à repressão verificada entre 1965 e 1968, a direcção do
CMLP, no exterior, organizou em Março deste ano a 1ª Conferência.
Segundo a DGS, alguns dos elementos da FAP/CMLP, que não tinham sido presos e se haviam
refugiado em Paris, começaram a desentender-se entre eles quanto à criação do futuro Partido
Comunista Marxista-Leninista, considerada necessária após a traição do PCP, qualificado de
revisionista. Dessa luta interna resultara a realização de uma 2.a Conferência, em Paris, em
Novembro de 1968, onde fora eleita uma nova Comissão Central, composta, entre outros, por
Carlos Janeiro («Mendes») e Heduíno Gomes («Vilar»).
Estes expulsaram alguns militantes, enquanto outros saíram, vindo depois a criar outras
organizações. Na sequência destas saídas e expulsões, haviam sido formados os núcleos «O
Comunista», que publicavam, O Comunista, em Paris, a Luta Armada, na Suécia, Armas do Povo e
ainda O Grito do Povo, no Porto.
Diga-se que a DGS estava um pouco confundida, pois os grupos em volta de O Comunista (criados
em 1968, em Paris) e de O Grito do Povo (criados em 1969, no Porto) haviam tido origem
separada. Só se viriam a fundir numa única organização, chamada Organização Comunista
Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP-O Grito do Povo), criada em final de 1972.
Numa nota à imprensa de 1971, a DGS fez o historial dos grupos «marxistas-leninistas» com
origem na FAP/CMLP, não sem deixar de mencionar que, «por mais estranho que pareça, as
referidas organizações, todas de feição comunista, mas em luta aberta umas contra as outras, nem
sempre são dirigidas por operários ou ex-operários». Pelo contrário, segundo a DGS, eram
chefiadas por «intelectuais e estudantes, muitos deles saídos do que chamam a classe burguesa a
que pertencem e que eles próprios combatem» (Nota 1)
Segundo a nota da DGS, outros militantes, reclamando-se do CMLP, tinham entretanto formado,
ainda em 1969, os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCRML), com
implantação Instituto Superior Técnico, a Esquerda Proletária, e o Grupo de Base A Vanguarda, que
durou pouco mais de um ano. No Norte do país surgiu outro comité propondo-se constituir uma
«organização da luta armada», a Acção Revolucionária Comunista (ARCO).
Por seu lado, em Paris, o CMLP do exterior realizou, em Agosto de 1970, uma reunião,
denominada de 5.° Congresso (Reconstitutivo), formando-se em Partido Comunista de Portugal
(Marxista-Leninista ) [PCP (M-L)], só tornado público em Agosto de 1971. A criação desse
partido», cujos órgãos teórico e de massas eram Estrela Vermelha e Unidade Popular, surpreendeu
«um grupo de intelectuais» que foram considerados «indisciplinados», e criaram o CML de P, em
torno do jornal O Bolchevista, dirigido por António Bento Vintém.
Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 16 042-SC/CI (2), fl. 797.

211
Quadro 22 – Organizações de luta armada e de extrema-esquerda [Quadro omitido]

Divergências políticas e organizativas entre vários membros do Comité Central do PCP (M-L)
levaram depois a uma divisão, passando a existir dois PCP (M-L), o de «Vilar», no exterior, em
torno de A Voz do Trabalhador, e o de «Mendes», no interior, à volta do órgão A Verdade. Pondo
em causa o chamado 5.° Congresso, este último retomaria o nome de CML P (Nota 1).

Nota 1 - José Manuel Lopes Cordeiro, «MRPP», in Dicionário de História de Portugal, vol. 8, pp.
559-560.

212

Entretanto haviam sido ainda criados em Portugal outros grupos da corrente marxista-leninista,
reclamando-se da necessidade de «reconstruiu o Partido Comunista Marxista-Leninista, já sem
qualquer ligação ao antigo CMLP. Contaram-se, entre estes, os Comités Revolucionários (Marxista
-Leninistas) (CR-ML), rapidamente desmembrados pela DGS, e, na sequência das eleições de
1969, a Unidade Revolucionária Marxista-Leninista (URML), com os órgãos Revolução Proletária
e Folha Comunista, constituído por sectores radicais operários, desiludidos com a linha proposta
pelo PCP. Exceptuava-se outra organização, também com uma origem diferente, intitulada
Esquerda Democrática Estudantil (EDE), fundada no rescaldo de uma manifestação estudantil
contra a Guerra do Vietname em Lisboa e também na sequência da radicalização gerada pelas
eleições de 1969. Desta organização, com implantação na Faculdade de Direito de Lisboa e
constituída por jovens estudantes ex-militantes do PCP, de tendência «pró-chinesa», surgiu em
Setembro de 1970 a «organização embrionária do futuro Partido Revolucionário do Proletariado
Português» (PRPP). Tratava-se do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP)
em torno do órgão Bandeira Vermelha e do jornal de massas Luta Popular, surgido em 1971. Em
1971, o MRPP criou a sua organização de estudantes, a Federação dos Estudantes Marxistas-
Leninistas (FEML), com o órgão Guarda Vermelha (Nota 1), bem como a Resistência Popular Anti-
Colonial (RPAC). Com menor importância, surgiu, em Paris, no início da década de 70, a primeira
organização trotskista, o Comité de Ligação dos Militantes Revolucionários Portugueses, com os
jornais Revolta Proletária e Política Operária. Ainda em França, foram criados a Liga Para a
Construção do Revolucionário e o Grupo Healy. Em Portugal, surgiram a União Operária
Revolucionária, em torno do órgão (Toupeira Vervmelha) e os Grupos de Acção que se transformou
em Grupo Marxista Revolucionário. Já em 1973 a Liga Comunista Internacionalista (LCI),
reclamando-se de pertencer à IV Internacional, com base nos Grupos de Acção Comunista (Nota 2).
Na Suíça iniciou-se, por seu turno, a publicação do jornal Polémica, do Grupo Socialista
Revolucionário, que reuniu António Barreto, Medeiros Ferreira, Eurico de Figueiredo, Carlos
Almeida, Ana Benavente e Manuel de Lucena.

VII.5.1. O desmantelamento em Portugal dos núcleos O Comunista

Em 29 de Fevereiro de 1972, a PSP recebeu de um jovem uma carteira com panfletos dirigidos aos
soldados e marinheiros, encontrada na estação do metropolitano de Entrecampos, em Lisboa, que
pertencia a António Coutinho Coelho, soldado-cadete da Escola Prática de Infantaria. O dono da
carteira foi detido no Porto pela DGS, que nos dias seguintes procedeu a uma busca na casa da
família de Luís Miguel Vilan e prendeu, e prendeu, em Lisboa, o arquitecto José Charters Monteiro.
Nos interrogatórios, conduzidos pelo inspector José Américo da Silva Carvalho e pelo chefe de
brigada António Capela, a DGS apurou que Rui Paulo da Cruz se tinham envolvido, em Paris, nos
núcleos O Comunista e que o primeiro tinha estabelecido contactos com os colegas de pelotão em
Mafra, Licínio Pereira da Silva, José da Silva Dias, António Marques da Silva e Nuno Álvares
Pereira.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 2163 CI (2), Partido Comunista de Portugal Marxista-Leninista, pr.
1336 CI (2), PCP, pasta 2188.
Nota 2 - José Pacheco Pereira, informações enviadas por e-mail, em 24/7/2007.

213

A DGS ficou a saber que José da Silva tinha estado em Paris, onde conhecera elementos de O
Comunista, entre os quais se contavam Daniel Beles e António da Silva Ribeiro. Regressados a
Portugal, estes dois foram presos em Agosto de 1970, e Silva Dias foi detido em Coimbra em 14 de
Abril de 1971, a seguir à detenção de Pereira da Silva e de Rui Paulo da Cruz. A DGS estava
particularmente interessada em descobrir o paradeiro das armas levadas de quartéis por desertores
(Nota 1).
Mais tarde, prendeu outros elementos da mesma organização (Nota 2), que, segundo a polícia,
visava «o incitamento das massas populares à luta armada com vista ao derrubamento das
instituições por meios violentos», através de «numerosa propaganda panfletária» (Nota 3). Dado
que alguns dos presos eram alunos do Instituto Superior de Ciências Políticas Ultramarinas
(ISCPUL), o subdirector dessa instituição, António da Silva Rego, escreveu a um amigo, inspector
da DGS, a pedir que procedesse a uma clarificação da situação dos detidos. Em 27 de Abril, o
inspector respondeu, informando que era dada a todos os presos, «a garantia e a protecção que a lei
lhes confere na qualidade de detidos» (Nota 4).
No relatório do processo, a DGS considerou ter ficado «cabalmente demonstrado» que «todos os
arguidos faziam parte da citada organização “O Comunista"», cujas «actividades delituosas» não
«se limitavam ao ataque cruel e desenfreado contra a "guerra colonial", ao incitamento à deserção,
ao furto de armas e explosivos, e à criação de "núcleos revolucionários"». A fim de criar «um clima
de agitação entre as massas populacionais», O Comunista incitava também os seus membros à
construção de copiógrafos manuais e à difusão de propaganda subversiva. A organização estava
dividida em dois sectores, no Sul e no Norte, cujos responsáveis eram, respectivamente, Raul
Caixinhas e o estudante de arquitectura Rui Ramos Losa («Francisco») — fugido —, que
controlava, no Porto, uma imprensa própria desde final de 1971, O Grito do Povo (Nota 5).
No período em que O Comunista estava a ser desmantelado no Sul, a organização em Paris já
estava em negociações com a organização O Grito do Povo para uma fusão, da qual resultaria a
criação da OCMLP. Dada a compartimentação de O Comunista relativamente ao Grito do Povo, a
DGS não conseguiu, porém, atingir a OCMLP, apenas começando a recolher exemplares desse
jornal em 1973 (Nota 6).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 130/72 SC, vol. 1, fls. 2, 3, 47, 105-107, 141, 187, 190-191, (180), (172-
262), 187, 280, 290, 296 e 307; vol. 2, fls. 77, 105, 132, 173, 177, 245. 243-253, 254-276,336, 347,
484, 427, 486, 490, 488 e 490.
Nota 2 – Ibidem, pr. cr. 258/72.
Nota 3 - Ibidem, «O Comunista», vol. 1, fl. 2; MAI-DDA, gabinete do ministro do Interior, caixa
410, pasta «1 de Maio de 1972, Indivíduos presos».
Nota 4 - Ibidem, pr. 259/72, fls. 3, 14, 16, 22, 30, 42, 64, 70, 78, 80, 105-129, 152-160, 164-
172,186, 211-254, 258, 272, 283, 292, 294, 296, 310, 318, 319, 323, 326, 333, 336, 349, 368,369,
377, 431, 437 e 453.
Nota 5 - Ibidem, pr. 259/72, fls. 531-582; ibidem, proc. 130/72, vol. iv, fls. 40-43 e 86.
Nota 6 - Ibidem, pr. 19103 SC, O Grito do Povo, órgão da OCMLP, fls. 60 e 178-181.
214

Nesse ano prendeu um dos dirigentes da OCMLP, Pedro Baptista, que não chegou a ser julgado.
Diga-se que os membros de O Comunista foram condenados a pesadas penas, nomeadamente Rui
Paulo da Cruz, sentenciado a três anos de prisão maior, bem como Licínio Pereira da Silva e José
da Silva Dias, ambos condenados a seis anos de prisão maior, acusados de desvio de armas dos
quartéis.

VII.5.2. Os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninista

No mesmo ano de 1972, em que surgiram na Faculdade de Medicina de Lisboa os Grupos de Acção
Comunista, que publicavam os jornais Toupeira Vermelha e Luta Proletária, e em que os núcleos O
Comunista de Lisboa foram desmantelados, a DGS obteve outra vitória. Em Agosto, desarticulou
os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCR M-L), dos quais foram presos
vários estudantes do Instituto Superior Técnico (IST).
Tudo começou quando chegaram informações à DGS de que existiria na Avenida Rainha D. Leonor
uma casa que vinha sendo utilizada para a «prática de crimes contra a segurança do Estado,
havendo mesmo suspeitas que os indivíduos que a frequenta[va]m estariam ligados aos actos de
terrorismo, designadamente as Brigadas Revolucionárias». Isto não se veio a provar, mas o certo é
que a DGS deteve os residentes da casa, Rui Teives, a sua mulher, Maria de Gertrudes de Sousa,
bem como Carlos Palma Miranda.
No dia 12 de Agosto foram, por seu turno, detidos em Vilar Formoso António Neves Cardoso e
Duarte Teives, e, na sua residência, Ana Maria Francisco, Carlos Almeida Fernandes, Fernando
Martins de Brito e Eugénio Ferreira Alves. Relativamente a este último, um agente da DGS relatou
aos seus superiores que, cerca das 4 horas da madrugada de 4 de Setembro de 1972, o detido tivera
«um ataque de nervos», pelo que se vira forçado a «mudar de tom no aspecto interrogativo»(Nota
1).
Em 9 de Setembro foi feita uma busca à casa de Carlos Tomás e seis dias depois a DGS apreendeu
propaganda e um duplicador que tinha sido roubado da Associação de Estudantes do IST, numa
casa no Cacém, alugada em nome de Joaquim Vieira, detido na sua residência. Em 30 de Abril de
1973, foi ainda detido, em Queluz, José Luís Pinto de Sá («Aníbal» ou «Vicente»), sobre o qual a
DGS apurou que havia formado, com José Vieira Lopes e Carlos Tomás, o Comité Luta Popular,
cuja tarefa era a impressão do jornal teórico dos CCR M-L. Em Julho de 1972, Pinto de Sá aliciara
Rui Rodrigues e Filipe Simões, com os quais criara o Comité Luta Operária Consciente e, em
Fevereiro de 1973, tinha recebido, da irmã de Carlos Tomás, um copiógrafo que entregara depois a
João Pedro Mendes da Ponte («Viriato»), o qual também foi preso (Nota 2).
.

Nota 1 - Ibidem, pr. 500/72 SC, CCR m-1, vol. 3, fls. 173, 207.254, 339 e 501.
Nota 2 - Ibidem, pr. cr. n.° 228/73; pr. 11.824 E/GT, José Luís Costa Pinto de Sá, fls. 1-3, 5, 8, 13-
46, 49, 58, 95 e 99.

215

Quanto a Gertrudes de Sousa, Carlos Almeida Fernandes, Eugénio Alves, Ana Maria Francisco,
António Neves Cardoso, Rita Freitas e José Rosado Marques, a DGS considerou que os autos não
forneciam provas, pelo que foram libertados sob caução. Duarte Teives foi constituído arguido sob
acusação de ter relações com a FEML e o MRPP. A DGS considerou dos os outros seis detidos
eram militantes dos CCRM-L, organização com origem na cisão no PCP, preconizando a
«aplicação de métodos eficientes na luta a travar» e perfilhando uma «ideologia pró-chinesa» (Nota
1). Foram condenados no início de 1974 a penas de prisão maior, enquanto Pinto de Sá foi
sentenciado a 20 meses de prisão correccional, com pena suspensa (Nota 2).

VII 5.3- O Comité Revolucionário Marxista-Leninista

Em 4 de Abril de 1973, a DGS também prendeu João Manuel Duarte de Carvalho, acusado de
pertencer a um grupo intitulado Comité Revolucionário Marxista-Leninista (CR M-L), do qual
faziam parte os chamados «comités de guerra popular», constituídos por estudantes. A DGS
prendeu depois, entre 7 de Abril e 1 de Maio, diversos indivíduos próximos de Duarte de Carvalho,
que, interrogados pelo inspector Américo da Silva Carvalho, foram constituídos arguidos de um
processo.
Segundo a DGS, criado em Outubro de 1971, o CR M-L era uma organização maoísta e marxista-
leninista que preconizava a luta armada para derrubar as instituições vigentes, destruir objectivos
estratégicos e fomentar a insurreição armada, através da criação de um exército popular de liberta-
ção. Estruturado em comités, dirigidos pelo Comité Marx, o CR M-L estava organizado, no Sul do
País, em três zonas — A (Algarve), B (Alentejo) e C (Lisboa) —, por seu turno subdivididas em
sectores sindical e estudantil.
Um dos fundadores do CR M-L, João Duarte de Carvalho, controlava o organismo estudantil
(União dos Estudantes Marxistas-Leninistas) e diversos comités de guerra popular, bem como o
aparelho técnico, constituído por duas máquinas duplicadoras furtadas à Associação de Estudantes
do ISCEF e à Livrelco. António Metelo Perez era, por seu turno, responsável por um comité de
guerra popular e pelo comité teórico, com João Patrício Silva. Finalmente, Joffre Justino, a cargo
do qual estava outro comité, desenvolvia actividade em diversas faculdades, juntamente com
Fernando Justino, Miguel Magalhães, Ana Maria Cunha e Fernando Coelho (Nota 3).
Julgados em Março de 1974, João Duarte de Carvalho e António Metelo Perez foram condenados,
respectivamente, a seis e três anos de prisão maior, enquanto os outros foram sentenciados a 18
meses, saindo em liberdade condicional

Nota 1 - Ibidem, vol. 1, fls. 2, 26, 35, 45, 55, 64, 76, 82, 107, 124, 129, 141, 183, 192, 201, 233,
244, 288-289, 322, 362-363, 375, 387, 404, 413, 415, 440, 446, 447, 450 e 453, vol. 2, fl. 78.
Nota 2 – Ibidem, pr. Cr. nº 228/73; pr. U.824 E/GT, José Luís Costa Pinto de Sá, fls. 1-3, 5, 8, 13-
46, 49, 58, 95 e 99.
Nota 3 – Ibidem, pr. 24l/73 DSIC, Comité Revolucionário Marxista-Leninista, fls. 164, 406 e 443.

216

VII.5.4. O Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado

O ex-inspector da PIDE/DGS Óscar Cardoso afirmou que os militantes do MRPP eram «filhos
maus de famílias boas» que, no início dos anos 70, «já causavam mais problemas que os
comunistas» (Nota 1). Por seu turno, o responsável pelos Serviços de Informação da PIDE/DGS,
Álvaro Pereira de Carvalho, disse que os militantes do MRPP «eram muito barulhentos e activos
nas universidades e através dos CLAC’S» (Nota 2).
Quanto aos comités de luta anticolonial (CLAC), a DGS assinala sua actividade, em 17 de
Fevereiro de 1970, afirmando que esses grupos abalavam «o moral dos jovens», tentando
convencê-los a desertarem ou a não comparecerem nas incorporações, nomeadamente na
Universidade Lisboa. A DGS mostrou, no entanto, uma certa confusão relativamente aos CLAC, ao
considerá-los ligados ao Comité Marxista-Leninista, embora esta última organização também
tivesse um Comité Português de Luta Anti-Imperialista (CPLAI). O que confundiu inicialmente a
DGS foi o facto de surgirem panfletos destes comités, assinados tanto pelo MRPP como pela UEC
M-L, ligada ao PC de P M-L (Nota 3).
Um dos primeiros membros do MRPP a ser preso pela DGS foi o estudante José Lamego, em 12 de
Outubro de 1972, ferido no mesmo dia em que foi assassinado por agentes daquela polícia, no
ISCEF, José António Ribeiro dos Santos, estudante de Direito, também militante daquela
organização. José Lamego, de 19 anos, deu entrada nesse dia no banco do Hospital de São José,
mas a DGS exigiu, no dia 18, que ele fosse removido para o hospital-prisão de Caxias.
Mais tarde, José Lamego contaria que fora «retirado à força por uma brigada da PIDE, do hospital-
prisão de S. João de Deus, em Caxias», onde havia sido «ameaçado várias vezes», embora não
tivesse propriamente sido sujeito à tortura, até porque havia um grande movimento de opinião à
volta da sua prisão (Nota 4). Em 8 de Janeiro de 1973, na véspera de completar 90 dias de prisão
preventiva, a DGS considerou não ter conseguido confirmar as suspeitas que haviam presidido à
detenção de Lamego e, no dia seguinte, este foi solto.

Nota 1 - Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 125, testemunho de Óscar
Cardoso.
Nota 2 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, p. 234.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 16643 CI (2), pasta 1, fls. 1, 46, 54, 86, 90, 129,144, 151, 167, 169,
228 e 237.
Nota 4 - Ibidem, pr. cr. 647/72, DSIC SC, José Alberto Rebelo dos Reis, fls. 3, 5, 14, 16, 18, 26-28
e 32; Miguel Medina, Esboços, vol. 2, pp. 132 e 135, testemunho de José Lamego.

217

José Lamego foi novamente preso pela PSP em 3 de Maio do mesmo ano, com outros 20
estudantes, quase todos alunos do ISCEF ou do IST, em terrenos anexos à Cidade Universitária,
junto à Faculdade de Letras de Lisboa, «onde se entrincheiraram após levarem a efeito uma
Reunião de Alunos, com cerca de 150 a 200 estudantes», convocada para tratar da expulsão dos
«gorilas» (Nota 1). Quase todos foram libertados em 4 de Maio, excepto Lamego e Aurora
Rodrigues, por terem sido identificados como militantes do MRPP, que apenas foram soltos em 12
de Julho (Nota 2).
Entretanto, o MRPP tinha sido alvo de novas prisões. Num relatório de 30 de Janeiro de 1973, a
DGS assinalou ter referenciado nessa organização os pseudónimos de «Alberto», «Arsénio»,
«Manuel», «Gervásio» e «Victor», considerando haver suspeitas de que este era Acácio Manuel
Martins da Cunha. As autoridades militares tinham prendido este último e José Augusto Rodrigues,
em 18 de Dezembro de 1972, acusando-os de terem ministrado aos seus instruendos, no quartel de
Vendas Novas, «ideias contrárias à presença de Portugal no ultramar» e entregara-os à DGS em 3
de Fevereiro de 1973.
O advogado Sebastião de Lima Rego e o cabo José Manuel Iglésias foram, entretanto, detidos em
Campo de Ourique pela PSP, quando espalhavam panfletos sobre o assassinato de Amílcar Cabral.
Enquanto Iglésias «Gervásio») foi entregue às autoridades militares, que, por seu turno, o
remeteram à DGS, Lima Rego foi logo interrogado por esta polícia. Em 6 de Março, a DGS apurou
que pertenciam ao aparelho técnico do MRPP José Caeiro Costa («Júlio»), Joaquim Jordão, Carlos
Paisana e Luísa Medeiros. Por outro lado, a polícia referenciou ainda o secretário do comité da
RPAC, com o pseudónimo de «Manuel», identificado como Vítor Ramalho, bem como outros
quatro militantes do MRPP, com o pseudónimo de «João», «Serafim», «Fernando» e «Francisco».
Mais tarde, detectaria ainda outros quinze militantes do MRPP.
A dado momento, ocorreu algo que acontecia frequentemente, devido à natureza endogâmica dos
diversos grupos da chamada extrema-esquerda: um dos elementos interrogados pela DGS
mencionou ter tentado aliciar para o MRPP um indivíduo que depois soube estar ligado a O
Comunista. Outro exemplo dessa mesma endogamia ocorreu quando a DGS revistou a casa da
cunhada de Sebastião Lima Rego, Glória Magalhães Ramalho, apurando que ela não pertencia ao
MRPP mas sim ao PCP de P M-L, e já era vigiada devido à sua actividade como dirigente da
Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências. Outro caso passou-se com Ana Amado,
companheira de José Charters Monteiro, julgado por pertencer a O Comunista, que teve uma ordem
de captura da DGS por suspeita de pertencer ao MRPP.
Em 16 de Abril de 1973, o agente Artur dos Santos informou a direcção da DGS de que Carlos
Casimiro Ferreira, José Caeiro da Costa, Carlos Paisana, Joaquim Vieira Jordão, Luís da Silva
Marques e Fernando Rosas se encontravam ausentes em parte incerta. Este quase tinha sido
capturado mas conseguira escapar, conforme relatou o agente Luís Filipe Pires em 14 de Março.
Este e outros elementos da polícia tinham detectado e perseguido de automóvel esse dirigente do
MRPP, que conseguira fugir «amolgando o carro dos agentes» (Nota 3).

Nota 1 - IPIDE/DGS, pr. 231/73, vol. 1.


Nota 2 - Ibidem, vol. 2.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 46/73, DSIC, Sebastião Lima Rego, vol. 1, pasta 2, fls. 13, 21, 48, 59, 139,
143,151, 155, 156, 158-160, 178, 189, 215, 231, 236, 239, 256, 257, 287, 319, 331, 361, 372, 387,
401, 526, 578, 608 e 671.

218

Entretanto, na madrugada de 1 de Maio de 1973, um elemento da GNR detectou numa rua de Mem
Martins um casal que espalhava panfletos a apelar a uma manifestação para esse dia. Apesar de os
dois tentarem fugir, a mulher foi apanhada e levada ao posto, antes de ser entregue à DGS, em
Caxias, onde foi interrogada pelo inspector-adjunto Alberto Matos Rodrigues. A polícia apurou que
a detida, Maria Fernanda Figueira e o marido eram ambos do MRPP e tinham contactos com um
serralheiro, Fernando de Sousa Nunes, o indivíduo que tinha fugido em Mem Martins, mas acabou
por ser detido em sua casa. Em final de Junho, o agente Manuel Marques Gomes relatou ter
apreendido, na visita a Fernanda, um papel onde se lia: «continuo a ser torturada, estive mais sete
noites sem dormir. São já 17 ao todo» (Nota 1).
No dia a seguir à prisão de Fernanda Figueiredo, ou seja, em 2 de Maio de 1973, Horácio Faustino,
que tinha sido anteriormente visto a lançar propaganda em Vieira de Leiria, foi preso com outros
indivíduos, em São Martinho do Porto (Nota 2). Faustino esteve então pouco tempo preso, mas, em
início de 1974, foi novamente detido, juntamente com José Lamego. Apanhados a escrever frases
«subversivas», em Coimbra, em 15 de Fevereiro de 1974, os dois tinham fugido, com a PSP no seu
encalço, mas haviam acabado por ser capturados, sendo-lhes apreendidos documentos do MRPP.
Interrogados pelo inspector Henriques de Matos Rodrigues, recusaram «esclarecer toda e qualquer
actividade partidária que desenvolveram», apesar de terem sido violentamente torturados, como
revelam duas fotografias tiradas pela DGS, onde os dois surgem com as caras marcadas e grandes
olheiras (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, pr. 338/73 DSIC, Maria Fernanda Dâmaso de Almada Marques Figueiredo e
Fernando de Sousa Nunes, pasta 1, fls. 193-195, e pasta 2, fls. 67, 71, 78, 119, 120, 123, 150-152,
164-176, 177 e 180.
Nota 2 - Ibidem, pr. 5667 CI (1), Horácio Faustino, fls. 10, 16, 18 e 22.
Nota 3 - Ibidem, pr. 109/74, Horácio Crespo Pedrosa Faustino e José Lamego, vol. 1, fls. 15, 25,
172, 174, 184, 186, 191, 198, 201, 203, 205, 217-219, 227, 229, 249, 256-257, 260, 265, 268 e 271;
ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 105, Comités Revolucionários de Estudantes Comunistas de Portugal
e boletim «Viva a Revolução» dos CREC’s de Coimbra» fl. 19.
TERCEIRA PARTE
OUTROS ADVERSÁRIOS / VÍTIMAS DA PIDE/DGS

220

VIII. TENTATIVAS DE GOLPE MILITAR E OUTROS ALVOS POLÍTICOS E RELIGIOSOS

Se é certo que o PCP foi, até ao final dos anos 60, o adversário principal da PIDE/DGS, juntando-
se-lhe, a partir de então, as organizações luta armada, anticoloniais e de extrema-esquerda, também
é verdades essa polícia reprimiu outros elementos da oposição ao regime. Assim, falar-se-á agora
do que Hermínio Martins considerou serem, para além da «resistência» — ou seja, oposição
clandestina, com uma perspectiva estratégica a longo prazo —, dois outros grupos da «Oposição
em Portugal»: era primeiro lugar, a «conspiração», por definição ilegal e episódica, e, em segundo
lugar, a oposição, num sentido estrito, de comportamento anti-regime (Nota 1).

VIII. 1. Conspirações militares, assalto a navio e desvio de avião

Antes do início da Guerra Colonial, a relação do regime e da PIDE com as Forças Armadas foi
muito cuidadosa e respeitosa e, por isso, os golpes e as conspirações militares foram quase sempre
julgados pela justiça militar, apesar de a polícia política também ajudar nas investigações. Por outro
lado, o aparelho militar de justiça foi, até ao «golpe da Sé» de 1959, inclusive, relativamente
branda, só revelando maior violência, relativamente ao «golpe de Beja» (1 de Janeiro de 1962).
Deve-se dizer, porém, que esta última tentativa de «golpe» não pertence à categoria dos putsch
militares propriamente ditos, e foi mais uma tentativa insurreccional com forte componente civil —
a militar foi quase nula —, a lembrar mais as «revoluções» do reviralho, no período da Ditadura
Militar (Nota 2). No entanto, como teve como objectivo inicial o assalto a um quartel militar, foi
incluída neste capítulo.

VIII. 1.1. Os golpes da «Mealhada» e da «Abrilada» (1946-1941)

Na realidade, os casos da «Mealhada», de 1946, e da «Abrilada», de 1947, fizeram parte de uma


mesma tentativa falhada de golpe militar para derrubar o regime de Oliveira Salazar que havia
começado a ser preparado ainda durante a Segunda Guerra Mundial.

Participaram nessa tentativa alguns dos tradicionais oposicionistas republicanos, entre os quais se
contaram o vice-almirante Mendes Cabeçadas, o brigadeiro Tamagnini Barbosa, o coronel Celso
Magalhães, ou monárquicos, como Carlos Selvagem. Em Junho de 1946 surgiu a Junta Militar de
Libertação Nacional (JMLN), agregando diversos sectores oposicionistas e mesmo algumas figuras
ligadas ao regime, entre as quais se contaram o general Marques Godinho, ex-governador militar
dos Açores, e o general Carlos Ramires, substituto daquele nas ilhas atlânticas, que acabara de
deixar o comando-geral da GNR.
O centro das operações do golpe era a 3.a Região Militar, em Tomar, de onde deveria sair uma
unidade de Infantaria que faria a ligação, no Entroncamento, com forças blindadas da Escola
Prática de Cavalaria de Torres Novas. Paralelamente, haveria uma acção militar de sabotagem na
Base Aérea de Sintra, bem como a ocupação do emissor de Castanheira do Ribatejo, para funcionar
como antena do movimento. Os conspiradores pretendiam criar um movimento civil-militar que
manifestaria pela força, junto do Presidente da República, a necessidade de demissão de Salazar e a
constituição transitória de um governo provisório militar até à convocação de eleições
democráticas.
Em Setembro de 1946, vários oficiais do Exército e da Marinha de Portuguesa assinaram um pacto
e prepararam a conspiração, que seria dirigida pelo vice-almirante Mendes Cabeçadas e faria a
ligação com elementos civis, entre os quais se contaram João Soares e Celestino Soares. O golpe
foi, primeiro, marcado para 4 e 5 de Outubro de 1946, e depois para 10 desse mês, mas à última
hora os comandos levantaram objecções ao plano de operações e estas foram suspensas.
No entanto, o tenente Fernando Queiroga, um ex-nacional-sindicalista, conseguindo entrar no
Regimento de Cavalaria 6 do Porto e aliciando alguns oficiais milicianos, pretendeu dirigir-se com
uma pequena coluna em direcção a Tomar para pressionar os chefes da intentona a saírem. Às 4
horas da madrugada do dia 10, seguiu à frente da sua tropa até às proximidades da Mealhada, onde
os seus homens foram obrigados a render-se às forças governamentais da 2.a Região Militar
(Coimbra) (Nota 1).
Dominado o «golpe da Mealhada», o movimento militar não desarmou, porém, e preparou a sua
reorganização. No entanto, em início de Março de 1947, as remodelações no governo e na União
Nacional, «atraindo certos sectores descontentes, retiraram parte importante do apoio dissidente a
outro golpe» (Nota 2). Tentando desmobilizar o golpe, o governo ordenou o envio, em 12 de Abril,
para comissões de serviço nas ilhas atlânticas e colónias africanas, cinco dos oficiais superiores
envolvidos. A Junta Militar tentou antecipar os acontecimentos, programando a eclosão do golpe
para 10 de Abril, mas só conseguiu realizar as sabotagens na Base de Sintra (Nota 3).

Nota 1 - Dilermano Marinho, «O «alfabeto dos prisioneiros: Episódio vivido numa prisão da
PIDE» in Opinião, n.° 93, 22/5/75, p. 11; José Ricardo, Romanceiro do Povo Miúdo, pp. 121-123.
Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, p. 395.
Nota 3 – Telmo Faria, «Golpe da Mealhada» e «O golpe de 10 de Abril de 1947», Dicionário de
História de Portugal, vol. 8, pp. 101-102 e 108-109.

222

Dilermano Marinho, que participou no «golpe da Mealhada», relatou o contexto dessa segunda
saída falhada, comandada pelo almirante Mendes Cabeçadas, sob pressão do tenente Queiroga, que,
detido, ameaçara «que durante o julgamento, revelaria o nome dos generais que estavam
comprometidos e haviam traído se, até lá, eles não derrubassem o regime». O resultado da tentativa
falhada de revolta de 10 de Abril de 1947 foi «a prisão do Estado-Maior dos Conjurados»: entre
outros, dos generais Sampaio e Marques Godinho, dos brigadeiros Maia e Corregedor Martins, dos
coronéis Celso de Magalhães e Carlos Selvagem. O general Carlos Maria Ramires, que acabou por
se entender com Santos Costa, sofreu apenas uma pequena punição disciplinar (Nota 1).
Quanto ao general Marques Godinho, viria a falecer em circunstâncias controversas no Hospital
Militar da Estrela, em 14 de Dezembro de 1947, onde tinha baixado, vindo da Casa de Reclusão da
Trafaria. O próprio general Godinho alertara as autoridades para o risco, em virtude do seu estado
de saúde, de não aguentar a transferência para essa Casa de Reclusão, o que fora ignorado por
Santos Costa. Este tinha sido denunciado pelo general de lhe ter escrito para os Açores, onde
Godinho fora comandantel militar entre 1939 e 1945, uma carta apelando à resistência aos
americanos. (Nota 2)
Depois da morte do general Godinho, a sua viúva apresentou uma petição a pedir um inquérito e foi
presa durante duas semanas. Antes de ordenar o arquivamento da queixa desta última, Salazar
emitiu um despacho no sentido de se «apreender os originais dos documentos apontando nomes e
provando negligências da polícia, ajuramentando-se os funcionários de que guardarão deles
absoluto segredo» (Nota 3). Nas suas memórias, Marcelo Caetano relatou que a família do general
Godinho constituíra um jovem advogado para apurar as responsabilidades. Tratava-se de Adriano
Moreira, que, numa noite, segundo contou Caetano, o procurara «muito perturbado» a dar conta de
que resolvera «acusar o Ministro da Guerra, Santos Costa, de homicídio voluntário e premeditado
do general, alegando que, sabendo da doença de coração deste, era inadmissível que não previsse o
resultado da transferência».
A pedido da família do general Godinho, tinha dado entrada na PJ uma queixa contra Santos Costa,
da qual a PIDE tinha sido informada. Esta polícia já havia questionado um dos filhos do general,
«acerca do advogado, que tinha fama de esquerdista», e Adriano Moreira receava também vir a ser
preso e interrogado. Marcelo Caetano contou que tinha então censurado, «paternalmente mas
asperamente», o jovem advogado pelo «disparate sem nome» que a queixa constituía, pois que não
se acusava ministro «por factos cometidos no exercício das suas funções, na polícia, como um
delinquente qualquer». Adriano Moreira acabou por ser detido pela PIDE e, segundo assegurou
Marcelo Caetano, este mexeu-se junto do ministro do Interior e do próprio presidente do Conselho
para que ele fosse libertado (Nota 4).

Nota 1 - José Ricardo, op. cit., pp. 121-123.


Nota 2 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 233;
Correspondência de Santos Costa, 1936-1982, org. e prefácio de Manuel Braga da Cruz, Lisboa,
Verbo Editora, 2004, p. 105.
Nota 3 - Ana Barradas, As Clandestinas, p. 119.
Nota 4 - Marcelo Caetano, As Minhas Memórias de Salazar, pp. 459-462.

223

VIII.1.1.1 As consequências da «Abrilada»

Entretanto, dois dos participantes na falhada tentativa de golpe de 1947, o então furriel mecânico
Hermínio da Palma Inácio e o primeiro-cabo Gabriel Gomes, autores da sabotagem nos cabos de
aviões da Base Aérea da Granja do Marquês, tinham conseguido fugir, refugiando-se numa quinta
em Loures. Por azar, uma amiga da dona da quinta, era irmã de um elemento da GNR, reconheceu-
os em fotografias expostas no posto local desta guarda e denunciou os dois fugitivos, que foram
presos e entregues à PIDE. Palma Inácio conseguiu fugir do Aljube 15 de Maio de 1948, enquanto
Gabriel Gomes só foi libertado da Penitenciária de Lisboa mais de 10 anos depois, em 7 de Maio de
1958 (Nota 1.)
A PIDE iniciou as prisões dos civis e foi descobrindo a extensão da conspiração entre os oficiais
superiores, bem como a cumplicidade do próprio Carmona. Entre 15 e 19 de Junho, prendeu 27
civis do MUD, do PCP e do Partido Socialista Português, por suspeita de estarem implicados nos
manejos revolucionários ocorridos em 10 de Outubro de 1946 e 10 de Abril de 1947. A maioria
deles foram, porém, libertados condicionalmente sem fiança, só um deles foi entregue aos tribunais
(Nota 2). Tratou-se, como se viu, de Ferio Gualter Queiroga Chaves, preso na Mealhada em
Outubro de 1946 e condenado a três anos de prisão (Nota 3). Os conspiradores da tentativa de golpe
militar 10 de Abril de 1947 foram, por seu turno, julgados em tribunal onde os advogados civis
Almeida Braga, Lima Alves, Vasco da Gama Fernandes e Adelino da Palma Carlos, sentindo
coarctadas as suas prerrogativas de defesa, acabaram por abandonar o pretório, «num gesto
espectacular mas em absoluto ineficaz» (Nota 4). No entanto, os revoltosos acabaram a ser
condenados a penas brandas, de cerca de um ano de prisão correccional (Nota 5).
Embora afirmando não dar «importância maior ao acto sedicioso verificado numa unidade da
guarnição do Porto, em Outubro de 1946, e que terminou por uma estranha entrega na Mealhada
(esta frase foi riscada), nem à intentona que, em 10 de Abril de 1947» (Nota 6), Salazar considerou
imperativo tomar «providências a fim de libertar o País da acção perniciosa deste grupo de
agitadores», «ainda com a generosidade que a brandura dos nossos costumes impõe» (Nota 7). Em
15 de Junho, o Diário da Manhã publicou a lista dos chefes militares que iriam passar
compulsivamente à reforma e de um conjunto de professores universitários que iriam ser
aposentados ou expulsos do ensino.

Nota 1 -PIDE/DGS, pr. cr. 1002/48, Hermínio da Palma Inácio, fls. 6, 14, 36 e 39; A Capital,
22/2/1975.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. cr. 771/47, pp. 428 e segs. Foram presas 27 pessoas.
Nota 3 – Ibidem, pr. 921/47 SR, pasta 2, PIDE/DGS, SC e pr. 11.151 CI (2) SC, Fernando Gualter
Queiroga Chaves.
Nota 4 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 150.
Nota 5 - Telmo Faria, «Golpe da Mealhada» e «O golpe de 10 de Abril de 1947», Dicionário de
História de Portugal, vol. 8, pp. 101-102 e 108-109.
Nota 6 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, vol. 6, p. 395.
Nota 7 - Em defesa de Aquilino Ribeiro, pp. 61-63, 161, 163 e 179.

224

O diploma de aposentação e expulsão desses militares e docentes rematava afirmando que o


governo não hesitaria «em impor a saída do País ou a residência em algumas das partes do território
nacional aos agitadores reincidentes, ainda quando estes não estejam sujeitos a fixação de
residência por determinação judicial» (Nota 1).

VIII. 1.2. Henrique Galvão, nova tentativa de golpe militar e o caso

No início da década de 50 foram trazidos «para o campo da oposição moderada e da conspiração


putschista, homens emblemáticos do antigo tenentismo (participantes do 28 de Maio de 1926)»,
bem como outros militares, magoados com os «excessos da "clique de Santos Costa" nas Forças
Armadas». Parte destes agiu «como núcleo animador da candidatura de Quintão Meireles, que
quase serviu de arranque à preparação do golpe militar» (Nota 2), descoberto porém pela PIDE em
Janeiro de 1952. A acção desta iniciara-se com a vigilância, desde 26 de Dezembro de 1951, ao
Teatro Trindade e a um prédio na Avenida do Aeroporto, onde os conjurados se reuniam, bem
como, desde 4 de Janeiro de 1952, a uma casa na Rua da Assunção, em Lisboa.
Entre 7 e 12 de Janeiro foram detidos vários conjurados, sendo o processo instruído pelos
inspectores Manuel da Silva Clara e Raul Rosa Porto Duarte e pelo inspector-adjunto Ferry Correia
Gomes. Refira-se que os elementos militares foram entregues pelo governo militar de Lisboa à
PIDE, que encerrou os oficiais detidos num palacete da Estada da Luz, onde foram interrogados
(Nota 3). Entre estes contava-se Henrique Galvão, que aderira ao Estado Novo mas entrara em
dissidência com o regime em 1947, ao elaborar um relatório sobre abusos cometidos no âmbito do
Estatuto dos Indígenas em Angola (Nota 4).
Um dos participantes da intentona da Rua da Assunção, em 1952, o major Daniel Sarsfield
Rodrigues contou que Henrique Galvão pensou «constituir um movimento aqui em Lisboa, para
derrubar a ditadura», fazendo, com o auxílio de outros oficiais, um plano da «revolução», que era
«uma verdadeira peça de teatro». Entretanto, o Centro, onde se reuniam os conspiradores, «na Rua
da Assunção, passou a ser vigiadíssimo pela Polícia» e um dos homens passou a ser agente duplo,
denunciando Galvão e os outros. Tratava-se de António Júlio Borges, «filho de um republicano de
antigamente», que convocou uma reunião, realizada na Rua da Assunção a 7 de Janeiro, onde
participaram Henrique Galvão, o brigadeiro António Maia, o coronel Tadeu, o comandante José
Moreira de Campos e o major Pereira de Macedo.
Nota 1 - Diário da Manhã, 15/6/47, publicado no Diário do Governo, n.° 138, I Série, 18/6/48
AOS/CO/PC-2 D, pasta 32 «Sobre a demissão de oficiais da Marinha, do Exército e professores
universirários, 1947».
Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, p. 520; PIDE/DGB pr. Da dir.
42/52, S. Inv.
Nota 3 - Ibidem, pr. 42/952, S. Inv.; MAI-GM, caixa 080, Caso Galvão/Ministério do Exército,
1952.
Nota 4 - António Figueiredo, «Censura e Impunidade», De Pinochet a Timor Lorosae...

225

Quando estavam reunidos, «por volta do meio-dia, como uma praga de gafanhotos, armados de
pistolas e até de pistolas-metralhadoras», entrou a PIDE que os prendeu na presença do delator e os
transportou para a rua António Maria Cardoso. A primeira coisa que o inspector da PIDE fez foi
procurar a pasta de Galvão, dado que sabia pelo «traidor» que o capitão aí guardava os planos. Por
outro lado, ainda através do delator, a PIDE recebeu um "croquis" a indicar o sítio do escritório» da
casa de Galvão onde encontrou «o plano da revolução» (Nota 1).
Mário Soares também relatou esse «caso de uma célebre pasta de Galvãoe desapareceu dos serviços
da candidatura Meyrelles, por dois dias, e tinha, nada menos, do que os planos da revolta
projectada». Com «o seu desplante conhecido», Galvão alegou no seu julgamento, considerado por
Mário Soares como um dos mais extraordinários a que assistiu (Nota 2), «que se tratava de um
trabalho de pura imaginação para uma peça de teatro que tencionava escrever».
Maria Archer, que assistiu ao julgamento, realizado no Tribunal Militar de Santa Clara, em Lisboa,
relatou-o depois num jornal de exilados portugueses no Brasil, descrevendo as audições dos réus.
Henrique Galvão, segundo ela, entrou «a direito como um toiro na arena», alegando que os
documentos referidos eram «planos duma hipotética revolução» e exercícios em que ele se tinha
entretido como escritor e como militar». Galvão afirmou que Borges tinha sido colocado na sua
cela, onde havia conseguido saber o local exacto da casa onde se encontrava o documento e, ao ser
solto, foi «naturalmente dizer tudo ao tal indivíduo», que tinha «um físico de cantador de tangos e
que depois se dirigiu a sua casa» (Nota 3) (um inspector da PIDE, provavelmente, como se viu,
Porto Duarte).
Noutra audiência, Raul Porto Duarte negou que Borges fosse informador da PIDE e o responsável
pela detenção dos réus, acrescentando que ele próprio se tinha deslocado, às 17 horas, à residência
de Galvão, para recolher a documentação. Diga-se que Porto Duarte se deslocou a essa hora a casa
de Galvão provavelmente porque já sabia então, através de Borges, onde se encontrava o tal
documento com o plano da intentona (Nota 4).
Galvão continuou, porém, a considerar que o delator era Borges, devido ao facto de ele ter sido
logo solto, como também acontecera ao tenente Fons\eca, que nem constava nos autos, e a Pires
Guerreiro, que nem sequer fora interrogado (Nota 5). Outros implicados que denunciaram Galvão
foram o chefe da PSP José António Fernandes e o tenente-coronel na reserva Manuel Martins dos
Reis, ex-director do campo de concentração do Tarrafal (Nota 6).

Nota 1 - «Major Sarsfield recorda intentona de 1952», in A Capital, 6/1/1975, p. 11.


Nota 2 Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 203.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 131/48 SR, Maria Emília Archer Eyroles Baltasar.
Nota 4 – Ibidem, pr. dir. 42/52, S. Inv.
Nota 5 – Ibidem, NT 9123, maço 32, caixa 29; ibidem, pr. dir. 42/52, S. Inv., fls. 103, 114 e 119.
Nota 6 - Ibidem, pr. 131/48 SR, Maria Archer Baltazar, «Os últimos dias do fascismo português»,
fl. 197; ibidem, pr. dir. 42/52, S. Inv.

226

Na audiência de 24 de Março de 1953 foi ouvido o capitão António Neves Graça, da PIDE, que
relatou ter essa polícia tomado conhecimento da intentona em 1951, através de cartas e telefonemas
de colaboradores anónimos cuja identidade a polícia não procurara saber. Posteriormente, haviam
chegado à PIDE uma cópia do plano revolucionário elaborado por Galvão bem como fotografias e
outros documentos obtidos na casa da Rua da Assunção, — diga-se que, na realidade, estas fotos
foram apreendidas em casa de Galvão —, e a polícia tomara as devidas providências.
O tribunal militar leu a sentença em 31 de Março de 1953, proferindo condenações relativamente
brandas, excepto contra Henrique Carlos da Mata Galvão, que foi condenado a três anos de prisão
maior celular (Nota 1). Estava Henrique Galvão na Penitenciária de Lisboa a cumprir esta última
condenação, que deveria terminar em 7 de Outubro de 1954, quando foi alvo de outro processo
devido ao caso Moreanto. Ao assinalar o «aparecimento de um pasquim clandestino e anónimo
intitulado "Moreanto"», cujo autor era aquele detido da Penitenciária de Lisboa, a PIDE apreendeu
nessa cadeia duas máquinas de escrever e um duplicador manual, a cargo do recluso Manuel Bruno
dos Santos Cardoso, o «tipógrafo» do referido panfleto (Nota 2).
Através da investigação realizada, a PIDE soube, através de um servente dessa cadeia, que Bruno
Cardoso estava autorizado, para ganhar algum dinheiro, a fazer sebentas e apontamentos para o
exterior e que um dia lhe pedira para levar um pacote a uma morada na Rua Almirante Reis. Outros
dois serventes, que afirmaram não saber o que continham os embrulhos disseram ter entregue um
deles a Maria Helena Amaral, na Praça da Alegria, que depois os levara a casa do advogado Filipe
Mendes. Por seu turno, ao ser interrogada, em 24 de Setembro, Cândida Timóteo confessou ter
recebido embrulhos na Rua Almirante Reis, e que o filho lhe tinha explicado que continham livros
para o Dr. Abel das Neves.
Ao ser interrogado, Bruno dos Santos Cardoso declarou que, em início de 1953, Henrique Galvão
lhe pedira para dactilografar a sua comédia A Farsa do Amor e, mais tarde, o seu romance Vagô.
Em troca, Cardoso pedira a Galvão para lhe arranjar clientes e interceder pela sua libertação no
Ministério da Justiça. Galvão prometera-lhe que lhe facilitaria a libertação se ele fizesse o panfleto
«Moreanto, do Movimento de Resistência Anti-Totalitária».
Denunciado por Bruno Cardoso, Henrique Galvão foi transferido para o reduto norte da prisão de
Caxias, a fim de ser interrogado pela PIDE, mas afirmou que não era «denunciante» e entrou em
greve da fome. Segundo o relatório da PIDE, os cerca de 13 números do «pasquim Moreanto»
tinham sido reproduzidos na Penitenciária, e uma segunda edição dos três primeiros havia depois
sido feita fora dessa cadeia. Considerou a PIDE que Galvão usufruía de regalias e liberdades que
lhe haviam permitido praticar actos criminosos, com a ajuda do seu co-arguido Manuel Bruno dos
Santos Cardoso. Foi ainda considerado réu Carlos Alberto Lino, chefe dos guardas da Penitenciária
de Lisboa (Nota 3), que, não resistindo à pressão, se suicidou.

Nota 1 - Ibidem, fls. 250, 291, 597, 627, 736 e 833.


Nota 2 - Ibidem, pr. 153/54, S. Inv. Henrique Galvão e outros, vol. 1.
Nota 3 - Ibidem, vol. 2.

227

Mário Soares contou que essa nova «conspiração» de Henrique Galvão foi comentada, por todo o
país, «à boca pequena» (Nota 1). Em 23 de Julho de 1957, o tribunal condenou Henrique Galvão,
que não assistiu à leitura da sentença por estar doente, a 16 anos de prisão maior.
VIII. 1.3. O «golpe da Sé» (1959)

Sobre o «golpe da Sé», assim chamado porque os conspiradores reuniram na Sé Patriarcal de


Lisboa, de que era pároco o padre Perestrelo de Vasconcelos, disse Mário Soares «que se tratou de
um movimento de clara inspiração católica, embora com a participação importante de elementos
Não católicos, democratas de diferentes correntes oposicionistas». A «alma civil da conspiração foi
o oficial da marinha mercante Manuel Serra, antigo dirigente da juventude católica e participante
entusiástico da candidatura Delgado» (Nota 2), que, segundo a PIDE, era o chefe de uma milícia
civil e elemento de ligação entre esta e a Junta do Movimento Nacional Independente (MNI).
Varela Gomes, que chegou a participar numa das reuniões preparatórias da conspiração, com os
então capitães Vasco Gonçalves e Baptista Fernandes, considerou também que, sob a direcção
suprema do então major Fernandes, o núcleo dinamizador dessa movimentação era constituído por
Católicos e monárquicos (Nota 3). Outras figuras de relevo do movimento foram os capitães
Romba e Amílcar Domingues, o comandante da marinha Vasco da Costa Santos e o oficial
miliciano médico Jean Jacques Valente. Entre os civis, destacaram-se Fernando Oneto, António
Vilar, Raul Marques, Jaimer Conde, Pedro Bogarim e Amândio da Conceição e Silva (Nota 4).
Ao ser marcada para 12 de Março a data da eclosão, cerca de 100 civis aliciados receberam ordem
de concentração em leitarias e cafés, em vários pontos da cidade de Lisboa, enquanto os chefes dos
grupos foram convocados para os claustros da Sé de Lisboa, a aguardar instruções. Dispondo de
automóveis alugados ou táxis, cada grupo iria para um determinado local receber armamento de
uma certa unidade militar da guarnição de Lisboa.
Às 23 horas do dia 11, Manuel Serra, com quatro ou cinco colaboradores, distribuiu distintivos,
cordas e fardas. Chegaram porém dois oficiais do movimento que deram conta de que o golpe tinha
sido detectado pelo governo, pelo que mandaram dispersar. Dado que Fernando Oneto já tinha
partido para a unidade militar carregar o armamento para distribuir aos grupos civis, dois oficiais
sublevados seguiram para a entrada da rua onde se encontrava essa unidade e conseguiram travá-lo.
O movimento falhou, entre outras razões, devido a infiltração da PIDE, tal como na conspiração de
Galvão, em 1952, soube de antemão o que se iria passar.

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 203.


Nota 2 – Ibidem, pr. 3.303 E/GT, Eurico Ferreira.
Nota 3 - João Varela Gomes, Tempo de Resistência, pp. 176 e 177.
Nota 4 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 264 e 265; PIDE/DGS, pr. 3.303 E/GT, Eurico
Ferreira.

228

Na posse de Manuel Serra, detido na noite de 13, foi encontrada uma lista das individualidades do
regime a prender. Depois, foram sucessivamente detidos outros 43 participantes na conspiração,
ficando a PIDE a conhecer o plano e os respectivos participantes, bem como os locais onde se
deviam concentrar (Nota 1). Entre os detidos, contaram-se os dirigentes católicos Joaquim João
Gomes, presidente da JOC, José Hermínio Bidarra de Almeida, da JUC (Nota 2), e Armando Bento
dos Santos, por cuja libertação a Câmara Eclesiástica do Patriarcado intercedeu (Nota 3). Um dos
elementos presos pertencia à família da casa onde o pai de Salazar tinha sido feitor. Tratava-se do
padre Perestrelo de Vasconcelos, que havia facilitado a entrada de revolucionários civis nos
claustros da Sé (Nota 4).
Segundo apurou essa polícia, a ligação com a Junta Militar era feita através do major Calafate,
tendo havido vários encontros preparativos cafés com o capitão Vilhena e Costa Santos, além de
uma reunião do núcleo dirigente, composto por Serra, Santos, Pastor e Calafate, bem como outro
encontro, na cervejaria Portugália, com Oneto, Mateus, Condes, Marques e Amândio (Nota 5).
A PIDE solicitou ao ministro da Marinha a detenção do tenente Vasco da Costa Santos e ao
ministro do Exército que fossem colocados à sua posição alguns oficiais que tinham sido referidos
por civis, lembrando que lhe cabia a ela e não à PJ militar a instrução preparatória dos processos
respeitantes a crimes contra a segurança do Estado, onde havia arguidos civis e e militares (Nota 6).
Ao serem interrogados pelo inspector-adjunto Boim Falcão, da PIDE, Clodomiro Viana
d'Alvarenga, José de Almeida e Santos e Fernando Revez Romba queixaram-se da humilhação que
representava, como oficiais militares, o facto de serem interrogados pela PIDE num processo do
foro militar» (Nota 7). O ministro do Exército, Almeida Fernandes, chegou a manifestar então o seu
descontentamento, argumentando que tudo se deveria passar dentro do Exército e o certo é que o
segundo interrogatório se realiza já sem a presença da PIDE.
O capitão José de Almeida Santos, o aspirante oficial miliciano Jesus Jacques Valente e o primeiro-
cabo António Marques Gil, que se encontrava em serviço como sargento de dia, evadiram-se na
noite de 20 de Novembro de 1959 do forte de Elvas. Sacuntala Miranda contou que Fernando
Piteira Santos foi o «cérebro da fuga dos três militares», na chamada «operação Papagaio» (Nota
8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 730 GT, Manuel Serra, fl. 71.


Nota 2 - Ibidem, vol. 3, fls. 3, 161, 168, 171, 191, 205, 286 e 314.
Nota 3 - Ibidem, vol. 4, fl. 150.
Nota 4 - Ibidem, vol. 1, fl. 141; vol. 2, fls. 46, 95, 109 e 110.
Nota 5 - Ibidem, fl. 81.
Nota 6 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora, Carlos Aboim Inglês, pr. 585/59, caixa 582, vol. 9, |
fl. 635.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 101 GT, capitão de Cavalaria Fernando da Costa Revez Romba, fl. 17, pr.
368/59, vol. 2, fls. 195 e 222, vol. 3, fls. 9, 11, 31, 32, 104, 111, 116, 120, 127 e 193, e vol. 4, fl.
105.
Nota 8 - Sacuntala Miranda, Memórias de Um Peão nos Combates pela Liberdade, Lisboa, Edições
Salamandra, 2003, p. 113.

229

Após a sua fuga, o capitão Almeida Santos foi encontrado assassinado numa praia do Guincho e,
enquanto o regime tentou inicialmente fazer crer que se tratava de uma acção do PCP, Mário Soares
revelou que «a primeira reacção do público, por todo o País, foi dizer à boca pequena que se tratava
de "mais um crime da PIDE"» (Nota 1).
Soares referiu que os fugitivos, acompanhados da amante de Almeida Santos, Maria José (ou
«Zezinha»), da mãe desta e de dois militares subalternos que haviam ajudado à fuga, assentaram
arraiais num chalé em Rio Mouro, onde «a tensão nervosa de homens encurralados e perseguidos, a
existência de uma mulher de comportamento equívoco e, sobretudo, o temperamento violento de
todos — foram os elementos que, entrelaçados, conduziram ao crime: um assassinato de
características passionais». Ainda segundo Soares, a PJ «bateu mais uma vez a PIDE e conseguiu
prender os verdadeiros culpados: Jean Jacques Valente, o cabo Gil e a Zezinha» (Nota 2). O certo é
que a própria PIDE achou «um absurdo» a atribuição do crime ao PCP, afirmando que se tivesse
havido o dedo desse partido outras medidas conspirativas teriam sido tomadas e nunca os evadidos
teriam andado escondidos de casa em casa (Nota 3).
Entre os implicados do «golpe da Sé», 23 arguidos foram a tribunal, mas quando o julgamento
começou o capitão Almeida Santos estava morto, Jean Jacques Valente evadido e Manuel Serra,
bem como o tenente-coronel Luís Calafate, encontravam-se asilados em embaixadas (Nota 4). Em
6 de Abril de 1960, a imprensa noticiou que tinham chegado ao Rio de Janeiro, na véspera, Manuel
Serra, Francisco Mateus, Afonso José da Costa, José Manuel Gonçalves, Hélder Assunção, Raul
Miguel Marques e Amândio da Conceição Silva, antes abrigados na Embaixada do Brasil (Nota 5).
Amândio Silva seria, depois, um dos participantes no assalto ao avião da TAP, sob as ordens de
Henrique Galvão, enquanto Raul Marques seria referenciado pela PIDE, através de uma informação
da Seguridad espanhola, como sendo um dos acompanhantes daquele capitão quando este chegou a
Tânger em 6 de Outubro de 1961 (Nota 6).
Em 14 de Janeiro de 1961, o tribunal leu a sentença dos implicados no golpe da sé, mas as penas
não foram muito elevadas, oscilando entre os três e os 22 meses de prisão. Esse facto e o de muitas
das penas terem ficado suspensas (Nota 7) levaram, aliás, Mário Soares a elogiar o presidente do
tribunal e o juiz auxiliar, coronéis Rui da Cunha e Teixeira (Nota 8).

VIII.1.4. O assalto ao Santa Maria e a um avião da TAP (1961)

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 268 e 269.


Nota 2 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 76.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 8845 SR, Delegação do Porto, Alcino Sousa Ferreira, fl. 68.
Nota 4 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora, Carlos Aboim Inglês, pr. 15684, 1.° Juízo, pr. 585/59,
caixa 582, vol. 9, fl. 635; A Liberdade Tem Um Preço, Póvoa do Varzim, 1975; PIDE/DGS, pr.
11.151 Cl (2), NT 7615, capitão Fernando Gualter Queiroga Chaves, 1961, fls. 242 e 256.
Nota 5 - Ibidem, pr. 368/59, vol. 4, fl. 739.
Nota 6 - Ibidem, pr. 2985/61 SR, Raul Miguel Marques, fl. 30.
Nota 7 – Ibidem, vol. 4, fl. 656.
Nota 8 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 267.

230

Um golpe decisivo que traumatizou o regime e revelou falta de vigilância da PIDE foi o célebre
caso do Santa Maria, o paquete atacado na operação Dulcineia, em Janeiro de 1961, no mar das
Caraíbas, por 23 homens — 12 portugueses e 11 espanhóis — do Directório Revolucionário Ibérico
de Libertação (DRIL), comandados pelo capitão Henrique Galvão. Diga-se que a PIDE sabia que
algo se iria passar, provavelmente pela embaixada portuguesa de Caracas, pois antes da operação
deu conta a Salazar de que «certos elementos da oposição residentes» na capital venezuelana se esta
a preparar, sob a chefia de Galvão, a seguir para Angola para fomentar um movimento separatista
(Nota 1).
Acreditando inicialmente na versão portuguesa, segundo a qual se tratava de um acto de pirataria, o
governo de Londres e a administração Kennedy acabaram por mudar de atitude e consideraram o
assalto ao navio como um acto político. O gabinete inglês de MacMillan, pressionado pela oposição
trabalhista, suspendeu as buscas, enquanto os governos da França e da Holanda, solicitados a
intervir, preferiram abster-se e Washington decidiu tratar Galvão como um opositor político do
regime.
O governo português apercebeu-se de que o almirante americano Deninson conferenciara a bordo
do Santa Maria com Galvão e que este tentara ganhar tempo até à tomada de posse, a 1 de
Fevereiro, do novo presidente eleito do Brasil, Jânio Quadros, seu amigo e opositor de Salazar.
Depois de empossado, este último propôs a Salazar que o navio fosse entregue ao Brasil, que o
remeteria a Portugal, e daria asilo político aos captores (Nota 2).
Ainda o governo português não tinha conseguido respirar de alívio quando, em 10 de Novembro do
mesmo ano de 1961, também por iniciativa de Henrique Galvão, um grupo assaltou um avião da
TAP, de ligação semanal entre Casablanca e Lisboa. Palma Inácio e Camilo Mortágua participaram
na operação Vagô, contaram que, antes do desvio do avião, haviam chegado a Tânger, em meados
de 1961, Helena Vidal e o marido, Fernando Vasconcelos, fugidos do Porto, com mais cinco
pessoas, numa lancha que esteve à beira de naufragar. Helena, que estava grávida, ficou com a
missão de levar cinco armas escondidas na cinta quando embarcou no avião com o resto do
comando que o desviaria.
Diga-se, aliás, que a operação Vago tinha sido pensada inicia mo «uma alínea de um plano bem
mais vasto e ambicioso, que passava pela tomada de um quartel no Norte do País, acção a partir da
qual se desencadearia uma rebelião generalizada». O «grupo de operacionais pensara que o avião
sequestrado serviria, em simultâneo, para transportar Delgado e Galvão para Lisboa — «juntos à
força, se fosse preciso», como contou Camilo Mortágua — ao mesmo tempo que seriam lançados
panfletos com «"uma autêntica ordem de batalha", fornecendo instruções sobre cortes de árvores,
bloqueio económico, fabrico de cocktails Molotov». Por falta de dinheiro e de contactos, o plano
inicial acabou por ser remodelado e a operação Vagô transformou-se então numa «solução de
recurso» (Nota 3).

Nota 1 - Luís Nuno Rodrigues, Salazar-Kennedy: A Crise de Uma Aliança, p. 37.


Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 532 e 533.
Nota 3 - Visão, 26/2/1998, pp. 41-42.

231

Chefiado por Hermínio da Palma Inácio e composto por Camilo Mortágua, Manuel Domingos
Pinto, Fernando Vasconcelos, Maria Helena Amândio da Conceição e Silva, participante no «golpe
da Sé» o grupo forçou o avião a sobrevoar Lisboa, Beja, Faro e Barreiro, lançando milhares de
manifestos políticos da Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres no Estrangeiro, assinados por
Henrique Galvão (Nota 1). O primeiro jornal a noticiar a operação foi o DL, em 10 de Novembro,
seguindo-se o jornal brasileiro A Noite, segundo o qual os assaltantes, sem nunca ostentarem armas,
pelo que nunca houvera pânico a bordo, obrigaram depois o piloto a regressar a Marrocos,
aterrando em Tânger, onde estava Henrique Galvão. Rabat determinou não prorrogar o visto
temporário de permanência de Galvão em território marroquino, e os membros do «pelotão
Liberdade ou Morte», responsáveis pelo desvio do avião, partiram para o Senegal e, de Dakar, para
o Rio de Janeiro, onde chegaram a 21 de Novembro (Nota 2).
No dia seguinte, o jornal brasileiro Última Hora assinalou a chegada do grupo ao aeroporto do
Galeão, onde os seus elementos foram presos pela Divisão de Polícia Política e Social (DPPS). O
ex-embaixador em Lisboa, Álvaro Lins, já tinha entretanto encaminhado o pedido de asilo, ficando
Galvão em residência fixa em Belo Horizonte e os outros detidos até receberem o estatuto de
refugiados políticos (Nota 3). Diga-se que a PIDE tinha um informador junto de Álvaro Lins, pois
que, num relatório, um indivíduo que tinha estado preso em 1959 com Raul Marques e Amândio da
Conceição Silva deu conta à PIDE do Brasil, de que aquele já havia conseguido asilo para os
oposicionistas portugueses (Nota 4).

VIII. 1.5. O «golpe de Beja» (1961-1962)


Dias depois, na noite da passagem do ano de 1961 para 1962, desencadeou-se a operação Ícaro,
tentativa falhada de assalto ao quartel de Beja, ferido e foi preso o capitão João Varela Gomes. Num
livro de memórias, este contou que, em princípio de Dezembro, Manuel Serra, sem procurar a sua
«opinião, que antecipadamente sabia desfavorável», avançara com o esquema de assalto a um
quartel por um grupo armado» (Nota 5).
A PIDE traçou o percurso de Manuel Serra, através dos interrogatórios que lhe fez, usando de
grande violência. Apurou que após a sua chegada ao Brasil, Humberto Delgado lhe transmitira o
plano de ocupação de uma unidade militar. Manuel Serra saíra assim do Brasil com destino à
Holanda, em final de 1960, para se encontrar com Jaime Conde, outro interveniente do «golpe da
Sé», a quem entregara uma credencial de Delgado. Esta era destinada a Bandeira Lima, em Lisboa,
encarregue de recolher informações sobre as unidades militares de Faro, Lagos e Tavira.

Nota 1 - DGS, pr. 459 GT, Amândio da Conceição Silva.


Nota 2 – Ibidem, pr. 1912/63, 1.ª divisão, Cunha Leal; pr. 16950 CI (2), Assalto ao avião da TAP,
vol. 1, fls. 12, 75, 79, 93, 99, 113, 120, 125, 130, 140 e 147.
Nota 3 – Ibidem, pr. 16950 Cl (2), vol. 1, fls. 12, 75, 79, 93, 99, 113, 120, 125, 130, 140 e 147.
Nota 4 – Ibidem, pr. 2985/61 SR, Raul Marques, fl. 36.
Nota 5 - Varela Gomes, Tempo de Resistência, p. 94.

232

Serra deslocara-se depois a Paris, onde se lhe juntaram outros ex-participantes do golpe de 1959 —
Raul Marques e Amândio da Conceição Silva, depois substituído por José da Silva Graça. Em final
de Outubro de 1961, os três tinham entrado clandestinamente em Portugal (Nota 1).
De 2 para 3 de Dezembro houve uma primeira tentativa de assalto ao quartel de Beja, por vários
comandos de cinco elementos cada, chefiados por Edmundo Pedro, Gualter Basílio, Joaquim
Pereira, Artur Vaz, António Vilar e David Abreu. Com a enfermeira Mariana e o irmão Maximino,
Manuel Serra partiu de automóvel para Cacilhas, onde se encontraram com o médico António
Graça Miranda, que asseguraria o socorro aos feridos. Ao chegarem a Beja verificaram, porém, que
só havia cerca de metade dos 50 homens prometidos e a operação foi anulada.
Avisando Piteira Santos do adiamento do movimento, Serra incumbiu-o de convocar Varela Gomes
para uma nova operação, que se deveria realizar em 9 de Dezembro, mas foi novamente abortada
por falta de pessoas. De novo em Lisboa, Serra contactou, através de Piteira Santos, Alçada
Baptista e Lino Neto, aos quais pediu a mobilização de forças católicas, Varela Gomes transmitiu,
entretanto, o seu apoio ao plano e assegurou que, se o golpe tivesse êxito, vários oficiais de
unidades de Évora, Estremoz, Vendas Novas e Santa Margarida se comprometiam a sair com os
seus regimentos.
Nessa altura, a operação já estava delineada, estando programada depois do assalto ao quartel, a
ocupação da cidade de Beja e o envio de três colunas para diversos pontos do Sul do país. A coluna
Falcão, comandada por Artur Vaz, com 30 homens, iria para a serra do Caldeirão, enquanto a
coluna Águia, chefiada por Vilar, reforçaria a primeira e ocuparia Faro. Finalmente, a coluna
Andorinha, sob o comando de Serra, iria para Mértola e Almodôvar, onde neutralizaria a GNR e a
PSP, mobilizaria as populações, entregando-lhes armas, e seguiria depois para a serra do Caldeirão,
para marchar sobre Faro. Dominada esta cidade, a emissora local difundiria uma proclamação e
Humberto Delgado entraria em Portugal. Em Beja, Edmundo Pedro e David de Abreu garantiriam a
ocupação da cidade e do aeroclube, cujas avionetas seriam utilizadas para viagens de
reconhecimento. Dois outros comandos, sob a chefia de Alfredo Guaparrão dos Santos,
dinamitariam pontes na Vidigueira e Alcácer do Sal para retardar as forças governamentais.
Os grupos, com 50 a 60 homens, seguiram para Beja no dia 31 de Dezembro, em dois itinerários, e
às 2 horas e 10 minutos chegaram ao portão do quartel de Infantaria 3, saltaram o muro e ocuparam
a casa da guarda, desarmando praças e distribuindo armas pelos assaltantes. Manuel Serra,
Edmundo Pedro, Artur Vaz, António Vilar e Joaquim Dias Lourenço dirigiram-se ao comando para
dominar os oficiais e apoderarem-se das armas, chegando o primeiro a lançar uma granada a um
dos defensores do quartel, major Galapez, que não foi, porém, atingido (Nota 2).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 2985/61 SR, Raul Marques, fl. 32.


Nota 2 - Ibidem, pr. 683/62. Processo colectivo sobre assalto ao quartel de Beja, vol. 2, fl. 104 ,
Relatório do posto de Elvas da PIDE, 10/1/1962.

233

Da parte dos assaltantes, morreu, logo no assalto, David de Abreu, enquanto o capitão Varela
Gomes, o estudante Raul Zagalo Gomes Coelho e António Vilar foram feridos, vindo este último a
falecer no Hospital de Beja. Do lado do governo, morreu no ataque o tenente-coronel Jaime Filipe
da Fonseca, subsecretário de Estado do Exército, que tinha recentemente substituído nesse cargo
Francisco da Costa Gomes, na sequência da «Abrilada de 1961». Relativamente à morte de
Fonseca, este último considerou que se teria devido a um «erro só comparável, em gravidade, ao do
Varela Gomes»: é que, ao «deslocar-se a Beja para comandar a defesa do quartel, foi à paisana» e,
ao «entrar na zona da GNR que já estava a cercar o quartel, foi baleado, com toda a probabilidade,
por um agente daquela força que não o reconheceu» (Nota 1).
Segundo o relato de Eugénia Varela Gomes, os assaltantes do quartel prenderam num quarto os
quatro oficiais da unidade, mas esqueceram-se de cumprir a ordem de desligar os telefones,
acabando por possibilitar-lhes que alertassem Lisboa. Quanto a João Varela Gomes, apanhou logo
dois tiros à queima-roupa, desferidos pelo comandante, que estava vestido e acordado. Os outros
assaltantes do quartel fugiram, deixando mortos dois dos companheiros, Abreu e Vilar (como se
viu, este último acabaria por falecer, mas no hospital) (Nota 2).
Falhada a operação, foi a debandada geral (Nota 3). Gualter Basílio e António Miranda foram
presos, enquanto Manuel Serra, Edmundo Pedro, Joaquim Dias Lourenço, Artur José da Silva e o
capitão Eugénio Filipe de Oliveira foram detidos pela GNR em Tavira. Várias pessoas colaboraram
na fuga falhada dos elementos da «intentona de Beja». Gilberto de Oliveira, exigente do PCP,
auxiliou Adolfo Ayala e Piteira Santos, conduzidos a Vila Real de Santo António num carro de um
cunhado de Germano Pedro, que os transportou de barco para o Norte de África. O próprio Gilberto
de Oliveira contou que também ajudou a introduzir na Embaixada do Brasil outros participantes do
golpe (Nota 4).
Os interrogatórios dos detidos, que começaram logo no dia 1 de Janeiro de 1962, ficaram a cargo
do inspector Álvaro Pereira de Carvalho, do chefe de brigada Sílvio Mortágua e do agente José
Inácio da Conceição, que, aliás, torturaram selvaticamente, pelo menos, Manuel Serra. Como este
tinha estado refugiado em casa do padre Costa Pio, também este foi preso, em 2 de Janeiro, dia em
que também foi detida Irene do Carmo Aleixo Rosa (Nota 5).
Ao interrogar esta última, a PIDE apurou que o major João Robim, Estela Piteira Santos, um José
ou João Guilherme, que tinha ido buscar Delgado à fronteira, Eugénia Varela Gomes, Lígia
Monteiro e Francisco Veloso tinham aparecido em sua casa, em 31 de Dezembro, dizendo-lhe que
iria eclodir uma revolução nessa noite.

Nota 1 - Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes: O Último Marechal, entrevista, Lisboa, Círculo de
Leitores/Centro do Documentação 25 de Abril, 1998, p. 119.
Nota 2 - Maria Manuela Cruzeiro, Maria Eugénia Varela Gomes: Contra Ventos e Marés, Porto,
Campo das Letras, 2003, p. 197.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 730 GT, Manuel Serra, fls. 143 e 154.
Nota 4 - Ibidem, pr. 2069/67, Mário Lopes Soares, vol. 2, fls. 61 e 97.
Nota 5 - Ibidem, pr. 683/62, vol. 1.

234

Ao saber disso, Irene Aleixo Rosa, que foi, aliás, de imediato libertada, telefonara ao seu amigo,
ministro da Saúde e Assistência, a informar acerca do que iria acontecer (Nota 1).
Como se viu, Maria Eugénia Varela Gomes disse que o governo foi avisado imediatamente do que
se estava a passar no quartel de Beja através de um telefonema de quatro oficiais da unidade,
devido à imprudência, assaltantes, que não inutilizaram os telefones. Contou ainda que, mais tarde,
confirmara essa versão, ao saber que o telefonema recebido por Irene Aleixo em sua casa tinha sido
do ministro da Saúde, Martins de Carvalho, que terá dito à dona da casa: «Desliga, que eu daqui a
bocado telefono para aí e vou indagar o que é que se passa.» Voltando depois a ligar, transmitiu a
Irene Aleixo que estava «tudo resolvido» e disse-lhe para avisar Eugénia de que o seu marido
estava gravemente ferido e internado no hospital sob prisão (Nota 2).
O «golpe da Sé» terá falhado, como se viu, por infiltração da PIDE na organização do movimento,
ainda antes de este se desenrolar, enquanto o «golpe de Beja», que se chegou a iniciar, fracassou no
começo da operação. Já se viu que uma das detidas afirmou ter telefonado, no dia 31 de Dezembro,
a um amigo, que era nem mais nem menos o ministro da Saúde, mas não se sabe se esse telefonema
ocorreu antes ou depois de os quatro oficiais de Beja terem avisado o governo do golpe. Por outro
lado a presença do subsecretário de Estado do Exército no quartel de Beja pode ser uma
coincidência, mas também pode ser revelador de que o Exército estava avisado e que a PIDE soube
do assalto antes de ele se realizar. As anteriores tentativas de assalto ao quartel também poderiam
ter alertado as autoridades civis e militares de que algo se iria passar.
Segundo o relatório do processo-crime colectivo, com nove volumes, 1681 páginas e 60 arguidos
(Nota 3), referente à tentativa de assalto ao quartel de Beja, instruído por José Aurélio Boim Falcão,
o plano tinha sido idealizado no Brasil por Humberto Delgado, em colaboração com Manuel Serra,
e contava com a participação de elementos de várias facções políticas, inclusive do PCP. A este
partido pertenciam, pelo menos, o empregado fabril Francisco Lobo e o ferroviário Germano
Madeira, que se haviam prontificado a colaborar no golpe, embora provavelmente à revelia do
partido (Nota 4).
O regime português ter-se-á então assustado muito com o «golpe de Beja», pelo que puniu
severamente os participantes. Mas o susto também se espalhou ao governo espanhol, que, seis
horas depois, ordenou o avanço de tanques espanhóis de Mérida para Badajoz. Por seu lado, a CIA
«confirmou que o generalíssimo Francisco Franco planeava invadir Lisboa, Porto e Coimbra,
usando a 11a Divisão do Exército, caso Salazar fosse derrubado pela esquerda» (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, vol. 3.


Nota 2 - Maria Manuela Cruzeiro, Maria Eugénia Varela Gomes..., pp. 197 e 202.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 683/62, vol. 5.
Nota 4 - Ibidem, vol. 8, fls. 101, 406 e segs.; pr. cr. 840/62.
Nota 5 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, p. 348.

235

Ao todo, foram presos 67 indivíduos refugiando-se na Embaixada do Brasil Manuel Pedroso Alves
Marques, Lígia Monteiro e Francisco Veloso, fugindo Piteira Santos e outros, enquanto Gualter
Basílio se internou no sanatório da Guarda (Nota 1). Após numerosas diligências junto do governo
português, o embaixador brasileiro Negrão de Lima acabou por obter autorização para transferir os
restantes asilados para uma vivenda no Restelo, onde permaneceram, até Agosto de 1264, Pedroso
Marques, Lígia Monteiro e Francisco Veloso. Depois, outras saídas foram acontecendo, ao longo
dos dois anos e meio que durou o drama dos refugiados da Embaixada do Brasil.
Humberto Delgado, que esteve então realmente em Portugal, conseguiu fugir do país com a ajuda
de Adolfo Ayala. A secretária do general, Arajaryr de Campos contou que ela própria também se
encontrava em Portugal quando, em 9 de Janeiro, Delgado a mandara procurar, para tratarem da
saída de ambos do país. Ficou decidido que Arajaryr partiria no dia 10 de comboio para Madrid,
através de Vilar Formoso, enquanto Delgado sairia por Barca d'Alva. O facto de terem conseguido
fugir do país sem serem capturados levou Arajaryr a comentar: «Que miséria é essa polícia! Duas
vezes ludibriada!!!» (Nota 3)

VIII.2 «Reviralhistas», liberais e socialistas

Ao longo dos anos, a PIDE/DGS vigiou e perseguiu outras personalidades da oposição não
comunista, entre as quais se contaram alguns «reviralhistas», constantemente presos, dos quais se
dará aqui apenas alguns exemplos. Um dos participantes em diversas tentativas de golpe militar
goradas, no período da Ditadura Militar e no início do regime salazarista, foi Horta Catarino
(nascido em 1907), furriel da Aeronáutica e secretário-geral da Organização Revolucionária de
Sargentos (1935). Detido muitas vezes nos anos 30 e demitido «por razões políticas», foi
condenado, em 1938, no TMT de Lisboa, a 10 anos de prisão, seguidos de 20 anos de pena de
degredo. Com a extinção da pena de degredo, a primeira sentença a que havia sido condenado foi
convertida em 23 anos de prisão maior celular, que ele cumpriu integralmente, só sendo libertado
aos 53 anos.
Dois anos depois foi novamente preso, acusado de conspirar contra o governo, sendo encarcerado
nos «curros» do Aljube e torturado pela PIDE com «estátua» e «sono», durante dois dias e três
noites. Após ser libertado, voltou novamente a ser preso, degredado para os Açores e internado em
Peniche, de onde se evadiu para França e, posteriormente, para o Brasil. É certo que tudo isso se
passou fora do período cronológico aqui contemplado, mas o facto de ter permanecido durante 23
anos seguidos detido na Penitenciária de Lisboa, até 1961, fez de Horta Catarino provavelmente a
«pessoa que mais tempo ficou presa por razões políticas sem ser comunista, pelo que se justifica
uma referência ao seu caso (Nota 4).

Nota 1 - In Memoriam Fernando Abranches Ferrão (1908-1985), Lisboa, 1995, pp. 131-133.
Nota 2 - João Varela Gomes, Tempo de Resistência, pp. 122 e 123.
Nota 3 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, pp. 218 e 219.
Nota 4 - Rui Cartaxana, «Testemunho de Francisco Horta Catarino», in Diário de Lisboa,
24/9/1976, pp. 14-17.

236

Outro «reviralhista» perseguido pela polícia foi o maçon Hélder Armando dos Santos Ribeiro, que
começou por ser preso em 1931, sendo-lhe fixada residência nos Açores, de onde regressou no ano
seguinte. Em 1933 foi-lhe fixada residência em Celorico de Basto, mas foi preso, em 24 de
Novembro, embora tenha sido depois amnistiado e reintegrado com o posto de coronel. Em 1945,
foi preso por ser membro do CUNAF, e depois a PIDE continuou a referenciá-lo como elemento
participante do golpe de Abril de 1947, apoiante das candidaturas de Norton de Matos e de
Humberto Delgado, bem como membro da Comissão Nacional da Causa Republicana, do Conselho
Nacional da Frente Nacional Liberal e Democrata e da Comissão Promotora do Voto, do Directório
Democrático Social (Nota 1).
Muitos homens da sua geração foram perseguidos da mesma forma por terem um percurso
semelhante ou por apoiarem o MUNAF, o MUD ou outras organizações republicanas ou socialistas.
O coronel Oliveira Pio começou por participar no golpe de 6 de Fevereiro de 1927 (Nota 2), sendo
demitido do Exército mas continuou a luta contra a ditadura, juntamente com Jaime Morais, Jaime
Cortesão e Moura Pinto. Estava em Madrid quando eclodiu a guerra civil e alistou-se nas tropas
republicanas, sendo gravemente ferido. Exilou-se depois em França, Marrocos e no Brasil, onde
aderiu ao MNI de Humberto Delgado (Nota 3).
Outros dois casos paradigmáticos foram os de Emídio Guerreiro e de Hermínio da Palma Inácio.
Guerreiro foi preso em 1931 e em 1932, evadindo-se para Espanha, onde se tornou professor e
lugar-tenente de carabineros espanhóis (republicanos). Escapando depois para França, após a
vitória de Franco na Guerra Civil de Espanha, participou na resistência francesa ao ocupante
alemão e, no pós-guerra, foi fundador, em 1946, da Union Anti-fasciste Portugaise. De França, os
RG mantiveram sempre a PIDE informada da actividade de Emídio Guerreiro, pelo menos a partir
de 1956, retribuindo, aliás, a polícia portuguesa com informações sobre ele (Nota 4).
A partir do final da década de 60, a PIDE referenciou-o como dirigente da LUAR, tal como
Hermínio da Palma Inácio. Este último foi preso pela primeira vez em 1948 por ter sabotado
aviões, no contexto da frustrada tentativa revolucionária militar de Abril de 1947 e, em 1961,
participou no desvio de um avião da TAP. Fundador da LUAR, teve uma auréola de aventureiro
romântico, a que não foram estranhas as suas fugas bem-sucedidas das cadeias da PIDE/DGS, em
1948 e em 1969 (Nota 5).
A PIDE esteve também sempre atenta ao percurso de Fernando Piteira Santos, preso como dirigente
do PCP no distante ano de 1945 e participante no «golpe de Beja». Em 1962, conseguiu fugir para o
Norte de África, sendo depois referenciado como dirigente da FPLN de Argel (Nota 6), juntamente
com Manuel Sertório, Marques da Silva (Nota 7) e Manuel Alegre de Melo Duarte (Nota 8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 293 GT, Hélder Armando dos Santos Ribeiro.
Nota 2 - Ibidem, pr. 304 GT, José Mendes Cabeçadas Júnior.
Nota 3 - Ibidem, pr. 2515 Cl (2), Emídio Guerreiro.
Nota 4 - Ibidem, pr. 2515 Cl (2), Emídio Guerreiro, fls. 3, 342-345, 357, 359 e 413-414.
Nota 5 - Ibidem, pr. 671/73, vol. 4.
Nota 6 - Ibidem, pr. 720 CI(2), Stella Bicker Correia Ribeiro Piteira Santos.
Nota 7 - Ibidem, pr. 225 CI (2) SC, vol. 1.
Nota 8 - Ibidem, pr. 846 R/GT, Manuel Alegre de Melo Duarte, pp. 5, 7 e 9.

237

Outros «notáveis», entre os quais, como se verá, os chamados advogados da Baixa lisboeta ou
portuense, foram alvo dos informadores da PIDE/DGS, nomeadamente ao frequentarem tertúlias de
cafés ou por serem considerados compagnons de route do PCP (Nota 1). Expulso, como outros
professores universitários, da universidade em 1947, Manuel Valadares, professor de Física, exilou-
se em Paris, onde dirigiu o Centro de Espectometria Nuclear e de Massa do CNRS de Paris (Nota
2). Flausino Torres, professor do ensino secundário particular, esteve preso entre 30 de Outubro de
1962 e 6 de Janeiro de 1963, antes de se exilar em Praga (Nota 3).
Outro exemplo de alguém constantemente vigiado e perseguido pela PIDE foi o de Mário de
Azevedo Gomes, ex-professor catedrático do Instituto Superior de Agronomia, preso em 1946 por
ser signatário do panfleto contra a admissão de Portugal na ONU, e, dois anos depois, por pertencer
à comissão central do MUD (Nota 4). A PIDE vigiou, aliás, muitos docentes universitários de
Lisboa, Porto e Coimbra, cidade onde manteve sempre um olho sobre os professores Orlando de
Carvalho e Paulo Quintela, tentando até 1969, que este não chegasse a catedrático.

VIII.2.1 A «corrente socialista de Mário Soares»

A PIDE esteve atenta a todas as organizações de carácter político da oposição e, nomeadamente, às


tentativas de formação de partidos, que, como sabe, eram proibidos pela ditadura salazarista. Entre
as várias organizações da oposição contou-se, por exemplo, a corrente socialista criada a partir do
final da guerra, quando o Partido Trabalhista e a União Socialista (US) integraram o MUNAF e o
MUD. Nos primeiros três meses de 1946, um grupo de jovens universitários criaram a Juventude
Socialista Portuguesa (JSP) e, no ano seguinte, ocorreu a constituição do Partido Social Operário,
da iniciativa de José de Sousa, ex-dirigente do PCP (Nota 5). Os socialistas tentaram, em 1948,
unir-se num pacto de aliança assinado pelo PS, de António Sérgio, pela União Socialista, pelo PSP
(SPIO) e pela JSP, mas a fusão das quatro organizações não se concretizou (Nota 6). O fracasso da
campanha eleitoral do general Norton de Matos (1949) e a repressão policial que se seguiu, num
período de agudizar da Guerra Fria, acabaram com essas tentativas de organização socialista (Nota
7).

Nota 1 - Ibidem, pr. 4310 E/GT, José Cardoso Morgado Júnior, fl. 1.
Nota 2 - Ibidem, pr. 1395 GT, Manuel Valadares; cf. Nuno Crato, «Um físico discreto», in
Expresso, revista, 21/2/2004, p. 30.
Nota 3 - Ibidem, pr. 571 GT, Flausino Esteves Correia Torres.
Nota 4 - Ibidem, pr. 316 GT, Mário de Azevedo Gomes.
Nota 5 - Susana Martins, Socialistas na Oposição ao Estado Novo, Lisboa, Casa das Letras, 2005,
pp. 227-231.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 0050, maço 550.
Nota 7 - Susana Martins, Socialistas na Oposição ao Estado Novo, pp. 227-231.

238

Depois, no início dos anos 50, a oposição não comunista reuniu-se em torno do Directório
Democrático-Social (DDS), no qual pontificaram António Sérgio, Mário de Azevedo Gomes, Jaime
Cortesão e Cunha Leal, que tinha ganho nova influência numa oposição que se definira em clara
ruptura com o Partido Comunista (Nota 1). Constituída por antigos membros desiludidos da União
Socialista (US), foi criada, em 1955, a Resistência Republicana e Socialista (RRS), onde a PIDE
manteve, aliás, um informador (Nota 2).
Quando o PCP e FPLN lançaram, em 1959, a directiva de criação de Juntas de Acção Patriótica,
muitos intelectuais, advogados e médicos foram aliciados para esses núcleos, que a PIDE encarou
sempre como sendo uma ramificação do PCP (Nota 3). Entre estes contou-se Mário Soares
(«Fontes»), que tinha sido aderente do MUD e membro da comissão central do MUDJ (Nota 4), até
ser expulso do PCP no início da década de 50. Em Dezembro de 1957, teve ligações com o
Conselho Mundial da Paz e, em 1963, fez parte do Directório Democrático-Social e do Secretariado
da Acção Democrato-Social, até ser um dos fundadores da ASP, em Genebra, em 1964 (Nota 5).
Em 19 de Abril de 1973, 27 delegados dessa organização oriundos de Portugal e núcleos de
exilados em países europeus reuniram-se em Bad Munsterfeld na Alemanha, e formaram o Partido
onde se incluía Soares Socialista (Nota 6).
Entretanto Mário Soares tinha sido novamente preso, em 1968, juntamente com Urbano Tavares
Rodrigues e Francisco Sousa Tavares, devido ao caso chamado dos Ballets Roses. Jornalistas de
todos os países precipitaram-se sobre Portugal, onde Salazar «aparecia a encobrir alguns dos seus
ministros, transformados em playboys de pacotilha e envolvidos em actos criminosos de corrupção
de menores de 12 anos!» (Nota 7). Quando se soube que estavam ministros envolvidos, a PJ
entregou o caso à PIDE, que interrogou esses três opositores ao regime, convencida de que tinham
sido eles a divulgá-lo à imprensa estrangeira. Como não chegasse a qualquer conclusão, os três
detidos foram libertados em 1 de Março de 1968 (Nota 8).
No entanto, Mário Soares foi depois enviado em residência fixa para São Tomé e Príncipe, de onde
apenas voltou por ordem de Marcelo Caetano, embora tenha tomado depois o caminho do exílio em
França. Após seis meses de ausência, Mário Soares pôde regressar a Portugal, durante 48 horas,
para assistir ao funeral do pai. Findas as exéquias, foi informado por Pereira de Carvalho de que
seria preso e julgado, correndo o risco de ser condenado a uma pena de oito a 12 anos de prisão
caso permanecesse no país (Nota 9). Numa carta posteriormente escrita em Paris, em 10 de Agosto
de 1970, Soares explicou que decidira então abandonar o país (Nota 10).
Na «Primavera marcelista», tudo o que estivesse ligado à oposição à Guerra Colonial continuava a
ser considerado tabu ou traição e passível de perseguição e repressão pela DGS.

Nota 1 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 518-521 e 531.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 4137 CI (2), Resistência Republicana, fls. 17 e 19.
Nota 3 - Ibidem, pr. 312 GT, Luís Hernâni Dias Amado, fls. 44, 63, 67 e 82.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 550.
Nota 5 - Susana Martins, Socialistas na Oposição ao Estado Novo, pp. 227-231.
Nota 6 - Visão, 15/4/1993, p. 18.
Nota 7 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 545-547.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 2069/67, Mário Alberto Nobre Lopes Soares, vol. 2, Mário Soares,
Portugal Amordaçado, pp. 545-547.
Nota 9 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 185 e 186.
Nota 10 - PIDE/DGS, pr. 237 GT, Mário Alberto Nobre Lopes Soares, vol. 1, fl. 67.

239

Mário Soares tinha um mandato de captura e foi alvo de um processo quando se encontrava ausente
no estrangeiro, tal como o foram os três socialistas, Jaime Gama, Raul Rego e Francisco Salgado
Zenha, precisamente por participação na «campanha contra a política ultramarina portuguesa»,
Francisco Salgado Zenha foi detido em 19 de Fevereiro de 1970, permanecendo durante vários dias
na Rua António Maria Cardoso, a ser interrogado pelo inspector Mortágua e pelo chefe de brigada
Inácio Afonso, e durante três meses em Caxias (Nota 1). Numa ocasião em que o visitou, o
sobrinho de Zenha viu o tio «um pouco preocupado», porque «as noites sem dormir - como lhe veio
a acontecer durante duas — surgiam sempre depois da primeira visita».
Justificando-se por ter detido Zenha sem que este tivesse feito algo, a DGS deu como motivo o
facto de «o Direito» não ser apenas «repressão» mas «também prevenção, para a defesa da Ordem
jurídica estabelecida», outro exemplo, além dos já referidos, de uma prisão «preventiva» m
indivíduo só porque lhe eram conhecidos pensamentos opostos aos do regime (Nota 2).

VIII.3 A PIDE/DGS e as eleições

Como se sabe, o regime salazarista manteve sempre, a partir do final da Segunda Guerra Mundial,
um sistema eleitoral no qual participaram, por vezes, elementos da oposição ao regime, embora
quase sempre sem se submeterem ao sufrágio, devido à total ausência de condições democráticas.
Foi assim nas eleições para a Assembleia Nacional de 1945, 1949, 1953, 1957, 1961 e 1965, bem
como nas eleições presidenciais de 1949, 1951 e 1958, no tempo de Salazar. Recorde-se ainda que,
ao longo dos anos, o regime perseguiu os funcionários públicos que tomavam parte em sessões de
propaganda da oposição, participavam em comissões eleitorais ou como delegados de listas da
oposição democrática, aposentando-os ou demitindo-os (Nota 3).

VIII.3.1 As eleições presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado


Os períodos eleitorais eram, de facto, de muito trabalho para a PIDE/DGS. Em 19 de Agosto de
1948, cercou a casa de Norton de Matos, candidato presidencial de toda a oposição, onde se
realizava uma reunião de preparação da sua campanha, prendendo alguns dos participantes. Estes
acabaram por ser libertados depois de um protesto do general junto de Salazar. O Supremo Tribunal
de Justiça acabou por aceitar a candidatura de Norton de Matos, mas em 10 de Fevereiro de 1949
foi anunciada a desistência do candidato por não terem sido satisfeitas as suas exigências políticas
mínimas.

Nota 1 - Ibidem, pr. 136/70, Mário Soares, Jaime Gama, Francisco Salgado Zenha e Raul Rego,
vol. 2, fls. 11, 28, 36, 39, 41, 45, 151-155, 159, 161, 162, 173 e 175.
Nota 2 - Francisco Salgado Zenha: Liber Amicorum, pp. 305-306.
Nota 3 - Eleições no Regime Fascista, «Nota explicativa», pp. 8, 9 e 11.
Nota 4 - General Norton de Matos, Os Dois Primeiros Meses da Minha Candidatura à Presidência
da República (9/7/48-9/11/48), Lisboa, edição do autor, 2.a ed., pp. 53-54, 58 e 60.

240

Entre as várias correntes da oposição que apoiaram a candidatura Norton de Matos, gerara-se uma
controvérsia quanto à decisão de ir ou não às urnas, tendo o PCP apoiado a posição da desistência.
Por essa razão, a PIDE quis saber posteriormente qual tinha sido a posição dos elementos das
comissões eleitorais na assembleia de delegados da candidatura realizada em Lisboa, em 7 de
Fevereiro de 1949, para decidir sobre a ida às urnas, concluindo da atitude que aí tinham tido se
pertenciam ou não ao PCP.
Diga-se também que, já durante a campanha eleitoral, o chefe do gabinete do Ministério do Interior,
Manuel da Costa Monteiro, enviara à PIDE as listas com os nomes dos subscritores dos
requerimentos entregues nos governos civis a solicitar autorização para promoverem sessões de
propaganda a favor de Norton de Matos (Nota 1). Estas listas, bem como as do MUD, serviriam
posteriormente como identificação das pessoas que a polícia política não considerava afectas ao
regime e, por isso, não deveriam ser escolhidas para lugares na administração pública (Nota 2).
O candidato do regime, Óscar Fragoso Carmona «ganhou» essas eleições, onde — diga-se —
apenas estavam recenseados para votar 14,6% dos eleitores (Nota 3). Com a morte deste, em 1951,
voltou a haver eleições presidenciais, às quais concorreram dois candidatos da oposição: por um
lado, o contra-almirante Quintão Meireles, apoiado por personalidades políticas moderadas, e, por
outro lado, o professor Rui Luís Gomes, que tinha o apoio do MND e do PCP. O governo sujeitou
as diversas candidaturas à apreciação selectiva do Conselho de Estado, que considerou, em 17 de
Julho, inelegível o candidato Rui Luís Gomes, ao mesmo tempo que a PIDE passava a pente fino os
proponentes das duas candidaturas da oposição (Nota 4). Dada a ausência de garantias essenciais
para a seriedade do acto eleitoral, Quintão Meireles retirou, por seu turno, a candidatura. A 22 o
candidato da UN e do governo, general Craveiro Lopes, foi eleito presidente da República sem
qualquer oposição.
Foi, no entanto, nas eleições para a Presidência de República de 1958 que a PIDE recolheu mais
informações sobre a actividade de diversas pessoas que apoiaram a campanha de Arlindo Vicente e
Humberto Delgado, abrindo pastas com informações, consoante as corporações profissionais,
bancos, empresas, locais ou sectores a que pertenciam (Nota 5). A PIDE também fotografou as
sessões da campanha eleitoral dos candidatos da oposição: por exemplo, comícios e jantares a favor
de Arlindo Vicente, com a respectiva identificação das pessoas presentes, bem como das suas
viaturas (Nota 6).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 003.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 104/49.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte», pp. 844 e 845.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 0065, pasta «Eleições PR, 1951».
Nota 5 - Ibidem, pr. 1498 CI (1), Ordem dos Advogados.
Nota 6 - Ibidem, pr. 315 GT, Arlindo Valente.

241

Relativamente a protestos endereçados por oposicionistas ao Ministério do Interior contra a prisão


das «comissões distritais» das candidaturas oposicionistas, a PIDE respondeu que apenas havia
detido «alguns indivíduos, aos quais são actividades delituosas contra a segurança do Estado», que,
«por acaso» faziam «parte dessas extintas comissões de candidatura» (Nota 1).
Iva Delgado observou que durante as eleições presidenciais de 1958 a «novidade em termos de
actuação do aparelho repressivo» foi precisamente a «abrangência de suspeitos». Em todo o lado,
mesmo «na situação, apareciam inesperadamente militantes da oposição» e a PIDE já não se
limitava ao «sistema de perseguições individuais e selectivas, que funcionava em tempos ditos
normais» (Nota 2).
No dia 6 de Junho, antevéspera das eleições, Humberto Delgado foi informado de que a PIDE e a
LP estavam concentradas ao pé da Penitenciária para assaltar a candidatura e telefonou ao comando
da PSP, solicitando a protecção desta. Um dos apoiantes de Delgado contou que então «o insólito
aconteceu: a PSP, paga pela candidatura, cumpria fielmente as ordens recebidas, e impedia que a
PIDE embaraçasse os distribuidores, que, assim, puderam completar o trabalho com êxito». Por
volta das 10 da noite, o subchefe da esquadra da Praça da Alegria devolveu 20 000 das 100 000
Listas roubadas pela PIDE, e, depois, a PSP colaborou com os jovens voluntários, ajudando-os
«inclusivamente, a meter os boletins debaixo das portas e nos apartados» (Nota 3).
Em 25 de Junho de 1958, um grupo de centenas de personalidades da candidatura de Humberto
Delgado, entre os quais se contavam António Sérgio e Francisco Vieira de Almeida, enviou um
protesto ao Presidente da República «eleito», Américo Tomás, do qual se reproduz uma parte, por
revelar de que forma decorreu o «acto eleitoral»:
«Por via de regra, os eleitores não puderam assistir ao apuramento e foram obrigados a permanecer,
sob coacção a grande distância da mesa dos trabalhos. Em muitos casos as urnas não foram
previamente patenteadas ao público; noutros eram levadas para fora do recinto, sem o cuidado de as
selar; e sucedeu até que numa das freguesias do concelho de Viana do Castelo, em Mujães, (...) o
presidente da mesma, na perfeita consciência dos propósitos de quem manda, abria as listas, ao
passo que lhe eram entregues, e rasgava as que continham o nome do candidato da Oposição»
(destacado pela PIDE) (Nota 4).
Depois do dia da votação, a vigilância policial recaiu sobre todos os trabalharam para as
candidaturas e se apresentaram nos governos civis para copiar os cadernos eleitorais. Até os que
exigiram certidões de recenseamento ou se apresentaram para fiscalizar as mesas e ainda os que
participaram nos comícios, cortejos automóveis, ou colaram cartazes e distribuíram boletins de voto
foram perseguidos.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 0178, pasta «Eleições de 1958», vários protestos contra prisões e
apreensão de documentos; pasta «Correspondência com Arlindo Vicente».
Nota 2 - Iva Delgado, «O Império da Vigilância», Humberto Delgado: As Eleições de 58, pp. 215,
216 e 223.
Nota 3 - Manuel Bessa Múrias, Obviamente, Demito-o, Lisboa, Intervoz, s. d. pp. 61 e 97-99;
Sacuntala Miranda, Memórias de Um Peão nos Combates pela Liberdade, pp. 99 e 100. Sacuntala
Miranda confirmou esse curioso episódio, no qual ela própria participou, juntamente com Jean-
Jacques Valente, Herberto Hélder e Lígia Monteiro.
Nota 4 - Eleições no Regime Fascista, p. sem numeração.
242

Além da perseguição aos apoiantes de Humberto Delgado, havia que destruir o próprio general, que
pediu asilo político na Embaixada do Brasil, em 12 de Janeiro de 1959, não sem antes o provocar
para o afastar de Portugal. Alguns opositores ao regime consideraram dúbias as condições desse
pedido de asilo, na sequência da convocação de uma manifestação de «apoio» junto à residência de
Delgado, três dias antes, que foi considera por alguns como uma provocação da PIDE (Nota 1).
O jornalista da Pravda O. Ignatiev que esteve em Portugal após 1974, afirmou que teria sido
Rodrigo de Abreu, informador da PIDE coral pseudónimo de «Actriz», a transmitir a vontade de
Delgado de pedir asilo político junto do capitão Neves Graça, director dessa polícia, que havia, por
seu turno, ordenado aquela manifestação provocatória de apoio ao general, para o forçar a partir
(Nota 2). Também o jornalista Manuel Beça Múrias citou um interlocutor, segundo o qual Rodrigo
de Abreu, «pessoa muito ligada» a Delgado, advogara «que o General procurasse refúgio na
embaixada do Brasil», não «por amizade, mas para fazer um favor ao Governo», que se queria ver
livre dele (Nota 3). Por seu lado, o oposicionista Manuel Sertório também considerou que a decisão
do pedido de asilo de Delgado fora «instilada ao antigo candidato, por Rodrigo de Abreu,
personagem dúbio e anticomunista do Movimento Nacional Independente». Sertório afirmou
porém ter sido ele próprio um dos organizadores da manifestação, e que não fora uma provocação
da PIDE (Nota 4).
Através da consulta do arquivo da PIDE/DGS, não se apurou nada que confirmasse a colaboração
de Abreu com essa polícia, nem a autoria da convocação da manifestação e, por isso, ainda hoje
permanecem dúvidas acerca da forma adoptada pelo regime para neutralizar Delgado. Há, por
exemplo, quem advogue que Salazar teria preferido, ao exílio, a prisão do general, tornada possível
a partir do momento em que este ficara desligado da Força Aérea.
Dito isto, Rodrigo de Abreu regressou a Portugal em 5 de Setembro de 1965, mas como tinha
mandato de captura, foi preso no mesmo dia, ao desembarcar de um avião da Varig, no Aeroporto
de Lisboa. No auto de interrogatório da PIDE, assinado pelo inspector Óscar Cardoso, que reproduz
ipsis verbis uma carta manuscrita de 7 de Setembro desse ano, enviada por Rodrigo de Abreu ao
director da PIDE, este afirmou ter pedido asilo político na Embaixada de Cuba, saindo de Portugal
para esse país em 5 de Maio de 1959. Em Havana, onde permanecera durante três meses,
encontrara-se com Fernando Queiroga, com o qual se incompatibilizara, e partira depois para o
Brasil, via Lima (Peru).
No Rio de Janeiro, contactara Humberto Delgado, mas dissera depois, numa entrevista ao jornal
brasileiro Correio da Manhã, ter-se distanciado dele, acrescentando que o general não tinha
«gabarito».

Nota 1 - Freire Antunes, Kennedy e Salazar..., pp. 111 e 112.


Nota 2 - O. Ignatiev, Conspiração contra Delgado: História de Uma Operação da CIA e da PIDE:
Uma Crónica Documentada, Moscovo, Edições Progresso, 1986, pp. 26, 53 e 56.
Nota 3 - Manuel Beça Múrias, Obviamente, Demito-o, pp. 24 e 109.
Nota 4 - Manuel Sertório, Humberto Delgado: Cartas Inéditas, p. 30, nota 22.

243

A viragem à direita e a defesa do ultramar português havia-o posteriormente isolado na


comunidade lusa, nos seis anos em que permanecera no Brasil, até resolver regressar à pátria. O
certo é que Rodrigo de Abreu foi libertado no dia 6, véspera da data da sua carta reproduzida nos
autos, pelo que poderá ter entrado anteriormente em compromisso com a PIDE (Nota 1).
VIII.3.2. As eleições de 1969 para a Assembleia Nacional

A partir de final dos anos 60, como já o haviam feito antes, muitos mobilizaram-se numa campanha
pelo recenseamento eleitoral. Lembre-se que, por exemplo, no ano de 1967, só estavam
recenseados, quatro bairros de Lisboa, 186 145 eleitores (Nota 2). Com o «marcelismo» houve
inicialmente uma «liberalização», que possibilitou, pela primeira vez, de forma mais ou menos
credível, a candidatura de listas da oposição. Em 18 de Dezembro de 1968, passaram a ser eleitores
todos os cidadãos portugueses (abrangendo ambos os sexos) que soubessem ler e escrever
português e «não estivessem abrangidos por qualquer das incapacidades previstas na lei».
Como se sabe, em Lisboa a oposição não conseguiu então liquidar as suas divergências e
concorreram duas listas: a CDE (Comissão Democrática Eleitoral) e a CEUD (Comissão Eleitoral
de Unidade Democrática). Mário Soares, que chefiou esta última lista, contou como decorreu a
caminha eleitoral da oposição:
«A sede da CDE de Lisboa foi assaltada por elementos que se não eram eles próprios polícias
gozavam manifestamente da protecção policial. À saída das sessões de propaganda de ambas as
candidaturas oposicionistas, barragens de pides à paisana procuravam intimidar os assistentes e
suscitar desordens. Foi que, à saída de uma sessão da CEUD, realizada no teatro Vasco Santana, em
Lisboa, o escritor Urbano Tavares Rodrigues, candidato oposicionista por leia, foi espancado por
polícias à paisana.» (Nota 3)
A agressão de que este último foi objecto e o assalto à sede da CDE foram, aliás, muito noticiadas
na imprensa estrangeira, que atribuiu essas violências a elementos da LP, auto-intitulados
«centuriões». Perante os protestos de Francisco Pereira de Moura e do professor Lindley Cintra, da
CDE, Caetano chegou mesmo a assegurar que a polícia passaria a velar no sentido de esses ataques
da extrema-direita não continuarem a suceder (Nota 4).
Por seu lado, a PIDE/DGS não se mostrou muito entusiasmada com a actuação dos «centuriões» e,
nomeadamente, a delegação de Coimbra dessa polícia queixou-se da actuação «de elementos mal
preparados» que andavam à paisana e eram confundidos com elementos daquela polícia (Nota 5).

VIII.4. Monárquicos dissidentes e católicos «progressistas»

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1758/65, Rodrigo Teixeira Mendes de Abreu Júnior.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 338, pasta «Recenseamento eleitoral de Lisboa».
Nota 3 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 638.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 4922 CI (1), fls. 227 e 251-258.
Nota 5 - Ibidem, NT 10750, delegação de Coimbra, fl. 9.

244

Nos anos 50, algumas personalidades do campo monárquico começaram a distanciar-se do regime.
Nas eleições para a Assembleia Nacional de 1957, foi formado o Movimento Monárquico
Independente (MMI) (Nota 1), por Francisco Sousa Tavares, Domingos Megre e Gonçalo Ribeiro
Teles, entre outros, que então se manifestaram «contra a «continuação já anormal de estado de
ditadura do País» (Nota 2). Depois, em 1962, a tentativa de unificar» monárquicos e restaurar a
Causa Monárquica (CM) fez a PIDE assestar as baterias sobre reuniões realizadas no escritório de
Francisco Sousa Tavares (Nota 3). Este não mais deixou de ser alvo da vigilância da PIDE,
nomeadamente a partir de 1966, quando foi preso por ser o autor de uma carta enviada em 8 de
Novembro ao presidente da República a pedir a demissão de Salazar e a dissolução da Assembleia
Nacional (Nota 4).
VIII.4.1. Uma quebra na «frente nacional»

Relativamente aos católicos, esclareça-se que, contrariamente ao que se passou com as minorias
religiosas — e nestas não foi o aspecto religioso que contou, mas as consequências políticas das
suas crenças - a PIDE/DGS não os perseguiu, evidentemente, enquanto membros dessa religião
maioritária em Portugal. Perseguiu apenas a minoria de católicos que se afastou progressivamente
do regime, enveredando pela contestação a este (Nota 5).
É consensual entre os estudiosos o marco representado pelo ano de 1958 para o arranque em força
da contestação católica ao Estado Novo, não só pelos apoios que Humberto Delgado reuniu então
entre católicos, mas também devido à célebre carta do bispo do Porto a Salazar. Foi então que o
presidente do Conselho e também a PIDE começaram a preocupar-se com os chamados católicos
«progressistas» (Nota 6).
Ainda o regime não recuperara do susto eleitoral, quando António Ferreira Gomes, bispo do Porto,
enviou a Salazar um pró-memória onde formulava críticas ao Estado Novo. Em Março de 1959,
diversos católicos, entre os quais se contaram seis padres — Abel Varzim, António Jorge Martins,
Adriano da Silva Botelho, César Teixeira da Fonte, Perestrelo de Vasconcelos e José da Costa Pio
—, assinaram uma «Reclamação dos cata sobre a actuação dos serviços de repressão do regime»
(Nota 7). Os subscritores foram processados por injúrias e falsas afirmações atentatórias do bom
nome de Portugal, mas seriam depois amnistiados (Nota 8).

Nota 1 - A comissão executiva era constituída, cm 1965, por Fernando Amado, José Portugal da
Silveira, João Camossa, Alberto Montinho Abranches, João Pestana Teixeira, Rodrigo Costa Félix e
Gonçalo Ribeiro Teles.
Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 520 e 521 (citação de
Manuel Braga da Cruz, 1985, p. 78).
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 1327 CI (1) vol. 1, «Organização católica, diversos», fls.49 e 67-69.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 3197 E/GT, Francisco de Sousa Tavares, fls. 6 e 24.
Nota 5 - José Barreto, «Oposição e resistência de católicos ao Estada Novo», Religião e Sociedade:
Dois Ensaios, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2002, pp. 121-175.
Nota 6 - João Bénard da Costa, «Nós os vencidos do catolicismo», in Independente, 9/8/1997.
Nota 7 - AOS/CO/PC-51-A, pasta 12.
Nota 8 - José Geraldes Freire, Resistência Católica ao Salazarismo-Marcelismo, Porto, Telos,
1976, pp. 249 e 250.

245

VIII.4.2 Denúncias de padres e preocupação com a Opus Dei

Em 1961, muitos informadores da PIDE denunciaram alguns católicos e padres. Em Abril, «Joel»
denunciou o padre Gamboa por ter dito que os jovens do Liceu Camões deviam despir as «camisas
fascistas». Outros informadores acusaram o padre António Marujo, de Alferrarede, por andar a
agitar o operariado», bem como o pároco de Lobão/Tondela, por simpatizar com o bispo do Porto
(Nota 1).
Ao anunciar, em Outubro de 1963, a sua presença no Congresso Eucarístico de Bombaim,
colocando a hipótese de uma deslocação a Goa, o papa Paulo VI enfureceu Salazar, que
prontamente avisou Cerejeira de que, a realizar-se essa visita, a Concordata poderia ser revogada
(Nota 2). Cerejeira reuniu então 70 padres, aos quais pediu para não se referirem no púlpito à visita
papal à Índia. No entanto, quatro sacerdotes de Évora pregaram sobre a viagem papal, sendo
detidos pela PIDE (Nota 3).
Em 1963, o informador «Coyotte» assinalou à PIDE que eram testas-de-ferro da Opus Dei (OD) em
Portugal Guilherme Braga da Cruz, Daniel Barbosa e Cavaleiro Ferreira e que o representante
dessa congregação, Gregório Ortega Pardo, apostava «na sequência política em Portugal para
depois do Governo de Salazar» (Nota 4). Dois anos depois, o próprio major Silva Pais lembrou a
Salazar que, com a entrada de membros da OD no governo espanhol, a Seguridad estava a ser
«avara nas informações» que prestava à polícia portuguesa». Além disso, a PIDE referiu, numa
informação interna que, por intermédio de Gregório Ortega Pardo, professor em Coimbra, a OD
tomara posições no Banco de Agricultura, em dois cinemas de Lisboa (um dos quais o cinema
Roma) e em algumas pequenas empresas.

VIII.4.3. A contestação católica nos anos 60 e a repressão da PIDE

Em 1965, a PIDE informou Salazar de que, na sua homilia proferida na Igreja dos Jerónimos, em
17 de Janeiro, o reverendo José Alves Piedade defendera a teoria evolucionista, terminando com
uma crítica às relações entre o Estado e a Igreja em Portugal. Disse ainda a PIDE que tinha sido
«feita uma gravação integral desta homilia», prometendo que continuaria a gravar as missas desse
sacerdote (Nota 5).
Dois anos depois, essa polícia selou a sede da cooperativa católica Pragma e prendeu os seus
dirigentes, com o argumento de que difundiam «ideias dissolventes».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1327 CI (1), vol. 1, «Organização católica, diversos», fls. 76, 77, 80, 82,
92, 94, 95, 123, 128, 132, 153 e 166; António Teixeira Fernandes, op. cit., 2001, p. 123.
Nota 2 - Franco Nogueira, Salazar, vol. V, pp. 591-593; entrevista de Moreira das Neves a Geraldes
Freire, op. cit., p. 235.
Nota 3 - Padre Luís Mafra, Lisboa no Tempo de Cerejeira, 1997, pp. 35-51; PIDE/DGS, pr.
1327 CI (1), «Organização católica, diversos», vol. 1, fls. 2, 30, 48 e 146.
Nota 4 - AOS/CO/PC-77, vol. 8; AOS/CO/PC-77-A, «Opus Dei», fls. 23, 28 e 33; PIDE/DGS, pr.
7008 CI (2), «Opus Dei», fls. 7, 21, 81, 154, 169, 324 e 422.
Nota 5 - AOS/CO/PC-77, informação 4 CI (1).

246

No ano seguinte, o ministro do Interior, Santos Júnior, dissolveu a Pragma, num despacho cujo
articulado se baseou na linguagem da informação, que havia sido enviada à tutela por Silva Pais
(Nota 1).
A polícia política esteve, em Novembro de 1967, atenta a alguns padres de Alcântara, que haviam
censurado o governo pela forma como (não) gerira as inundações ocorridas em Lisboa e arredores
(Nota 2). Especial atenção reservou também a PIDE à agitação ocorrida no seminário da Guarda, à
questão dos padres operários e ao Centro Académico da Democracia Cristã (CADC).
Efectivamente, a delegação de Coimbra da PIDE relatou então que se notava uma mudança para
«as esquerdas» nessa associação católica, e no ano seguinte assinalou a acção desse Centro «em
prol da agitação estudantil» (Nota 3).
Também o caso da demissão do reitor e de padres do Seminário dos Olivais foi seguida atentamente
pela PIDE, que obteve a acta do plenário realizado em Dezembro de 1968 na Casa de Retiros do
Bom Pastor. O cardeal-patriarca, que já só pensava então na inauguração da Universidade Católica,
precipitou os acontecimentos, ao decidir transferir para esta escola superior os seminaristas e
professores dos Olivais (Nota 4), que, colhidos de surpresa, se demitiram (Nota 5).
Diferentemente do caso do bispo do Porto, em que Salazar se envolveu directamente mas em que o
papel ambíguo de Cerejeira foi sobretudo de silêncio, o caso do padre Felicidade Alves teve a
intervenção deste que acabou por emitir sobre ele o decreto de remoção e de suspensão a divinis
das funções sacerdotais. No entanto, o padre Felicidade Alves contou que apenas começou a ser
alvo da repressão da PIDE/DGS durante o governo de Marcelo Caetano (Nota 6).
Embora o sucessor de Salazar tivesse tentado, no início, cativar moderados católicos, não deixou
depois de endurecer a repressão contra muitos deles, em crescente oposição radicalizada ao regime,
devido à Guerra Colonial. O ano de 1968 acabou com uma manifestação de católicos contra a
guerra, no final da missa do fim do ano na Igreja de São Domingos (Nota 7).
Alguns dos padres demissionários do Seminário dos Olivais, José Maria Henriques, António Tomás
de Oliveira e Abílio Tavares Cardoso, foram enviados pelo cardeal Cerejeira para Cascais, onde
foram alvo de denúncias da parte da esposa de Moreira Baptista e de Clara Teotónio Pereira, que os
de realizar comícios subversivos na Igreja.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 410, pasta «diversos de Julho a Dezembro».


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1327 CI (1), «Organização católica, diversos», vol. 1, pasta 2, fls. 13-14;
pasta 2, fls. 112 e 149-152.
Nota 3 - Ibidem, pr. 958 CI (1), Maria Eugénia Varela Gomes, fl. 42.
Nota 4 - João Miguel d'Almeida, op. cit., p. 186.
Nota 5 - Abílio Tavares Cardoso, «O "Te Deum" de Salazar», in O Jornal, 1/12/1998, pp.
40-41.
Nota 6 - Entrevista por Fernando de Assis Pacheco, O Jornal, 17/3/1969, pp. 10-17; Franco
Nogueira, Salazar, vol. 6, pp. 354-55; João Miguel d’Almeida, op. cit. p. 169; PIDE/DGS,
Informação da PIDE n.° 13 CI (1), fl. 137; entrevista por Fernando Assis Pacheco; cf. Ainda
António Teixeira Fernandes, op. cit., pp. 185 e 261.
Nota 7 - João Bénard da Costa, «Nós, os vencidos do catolicismo», in O Independente,
14/8/1997, pp. 29-36; PIDE/DGS, pr. 7002 CI (2), fl. 40; ibidem, pr. 1327 CI (1) vol. 1,
«Organização católica, diversos», pasta 3, fls. 37, 39 e 40.

247

A DGS queixou-se de ira não condenava os «desmandos do trio de padres» nem os expulsava da
Igreja», e quando ele se deslocou a Cascais, em 24 de Abril de conversar com Abílio Cardoso,
assinalou que o cardeal havia sido omisso sobre as actividades dçsses sacerdotes (Nota 1).
Em 28 de Julho de 1970, ano do encontro em Roma entre Paulo VI e os dirigentes dos movimentos
de libertação das colónias portuguesas, que abriu uma crise entre o Vaticano e as autoridades
portuguesas, foi detido o padre Mário de Oliveira, de Macieira da Lixa, denunciado por «crentes»,
Segundo os quais teria criticado o governo «por fazer a guerra em África» (Nota 2). Permaneceu
em Caxias até ao julgamento, apenas iniciado, no Porto, em 17 de Dezembro, que terminou com a
sua absolvição, após já ter entretanto cumprido sete meses de prisão. Depois, devido a outra
homilia, proferida no dia 1 de Janeiro de 1973, relativa ao Dia da Paz, o mesmo padre foi
novamente detido, em 21 de Março desse ano, acabando por ser julgado em Fevereiro de 1974
(Nota 3).
A DGS elaborou, aliás, uma lista dos sacerdotes católicos «progressistas» que mais se estavam a
evidenciar em actividades político-sociais em vários pontos do país (Nota 4). Também as
organizações da ACP, nomeadamente a JOC e a JUC, foram alvo da vigilância dessa polícia, que
recebeu do delegado do INTP uma denúncia de que cerca de 30 operários dos lanifícios da Guarda,
considerados ligados à LOC, queriam levar a cabo, em 1970, uma greve na fábrica Penteadora, de
Unhais da Serra (Nota 5).
A DGS voltou a referir, em 18 de Janeiro de 1971, alguns católicos «progressistas» sobre os quais
mantinha uma atenta vigilância, entre os quais se contavam o ex-padre Fanhais, que estava a
trabalhar como servente na CUF do Barreiro, e um ex-padre operário, que trabalhava na fábrica de
montagem de automóveis Movauto (Nota 6). Em Abril, foi a vez de o chefe do posto da DGS da
Guarda denunciar uma conferência no Fundão em que o padre António Morão, «saindo do campo
propriamente dito religioso, abordou vários temas político-sociais e de tal forma ideológica que
chegou a afirmar» que a greve era um direito dos trabalhadores (Nota 7).
De Leiria e de Santarém, respectivamente, os subinspectores da DGS José Pinto Galante e José
Orlando Teixeira de Lucena também enviaram, em 1973, ao director-geral dessa polícia,
informações sobre o clero «progressista» da região (Nota 8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 7002 CI (2), «Patriarcado de Lisboa», vols. 4 e 5, fls. 128, 68 e 74.
Relatórios do chefe de brigada António Augusto Teles Freire, chefe de posto da DGS de Cascais.
Nota 2 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 683, nota 28; cf. José da Silva, Subversão ou
Evangelho, Porto, 1971; PIDE/DGS, pr. 219 CI (1), «Ministério do Interior», recolha de
informação, 1971-1973, pasta 5, fls. 32-34.
Nota 3- PIDE/DGS, pr. 108/70, delegação do Porto, Mário Pais de Oliveira, fls. 3-5, 15, 19, 24, 28,
30, 32, 62, 69, 71, 73, 82, 85, 87, 88, 106, 120, 123, 143, 149, 159-182, 185 e 221; Mário Pais de
Oliveira, Cartas da Prisão, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1975.
Nota 4 - Ibidem, pr. 1327 CI (1), «Organização católica, diversos», vol. 4, fl. 79.
Nota 5 - Ibidem, vol. 2, pasta 2, fls. 199 e 201.
Nota 6 - Ibidem, vol. 6, fl. 11.
Nota 7 - Ibidem, vol. 2, pasta 2, fls. 17 e 26.
Nota 8 - Ibidem, vol. 8, fl. 46, vol. 9, fl. 46.

248

A situação era de tal forma grave que Silva Pais enviou uma circular a todos os postos da DGS, em
21 de Março, a apelar a uma vigilância redobrada sobre «as homilias dos padres conhecidos nas
áreas por tais actividades» (Nota 1). A DGS não conseguiu, porém, impedir a vigília pela paz
realizada por um grupo de católicos na passagem do ano de 1972, na capela do Rato, em Lisboa. Os
cerca de 70 participantes foram, no entanto, presos, e 12 deles demitidos da função pública (Nota
2).

VIII.5. Espiritismo e minorias religiosas

Alvos da PIDE/DGS foram também as minorias religiosas, embora a repressão sobre elas se tenha
exercido, sobretudo, na medida em que as suas convicções interferiam com a política do regime.
Foi esse o caso dos núcleos protestantes (Nota 3), como, por exemplo, a Assembleia de Deus em
Condeixa-a-Nova, vigiada por uma brigada da PIDE em 1968 (Nota 4), ou das associações espíritas
e, em particular, das Testemunhas de Jeová.
Quanto ao chamado «espiritismo» (Nota 5), a tutela enviou em 1947 ao Governo Civil do Porto
instruções para proibir «a investigação e o estudo dos fenómenos alegados por aquele». Em 1950,
foi a vez de o MEN emitir um parecer segundo o qual as associações espiritistas «não davam a mais
leve garantia de seriedade científica», pelo que o seu funcionamento devia ser proibido e as suas
actividades reprimidas pela PIDE (Nota 6).
No entanto, foi sobretudo nas colónias africanas que a PIDE/DGS se preocupou com a «Igreja
evangélica» e com outras minorias religiosas, que tinham aí certa importância (Nota 7). Quanto às
Testemunhas de Jeová (TJ), as autoridades portuguesas argumentaram, em 1952, que não era
desejável «a instalação em território português de organismos integrados em associações com sede
no estrangeiro, cujos adeptos se subordinem à orientação e direcção de elementos estranhos à
nacionalidade portuguesa» (Nota 8).
O Estado Novo estava particularmente atento a alguns aspectos da prática das TJ, em particular à
objecção de consciência e à disseminação de ideais «pacifistas» nos quartéis e no seio da juventude
durante o período da Guerra Colonial. Em 17 de Outubro de 1964, o ministro do Interior, Santos
Júnior, enviou uma circular confidencial aos governadores civis, à GNR, à PSP e à PIDE onde se
concluía que a actividade das TJ devia ser considerada «delituosa, na medida em que pregam a
desobediência colectiva às leis da ordem pública e às ordens legítimas das autoridades» (Nota 9).

Nota 1 - Ibidem, vol. 13, notícia na imprensa de 4/7/1974.


Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, testemunho de Nuno Teotónio Pereira, pp. 170, 171 e
Nota 3 - Arquivo do Ministério do Interior no IAN/TT, gabinete do ministro, maço 535, caixa 93.
Nota 4 - PIDE/DGS, NT 10748, Coimbra, cópias de informações da brigada da SC de Coimbra.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 008, pasta «Santarém».
Nota 6 - Ibidem, caixa 091, «Espiritismo».
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 19639 CI (2) SC, «Igreja evangélica presbiterana ou operação Vendaval»;
MAI-GM, caixa 405, 1972, pasta «Queixas».
Nota 8 - Ibidem, pp. 3 e 8.
Nota 9 - MAI-GM, caixas 266 e 370, 1964, circulares aos governadores civis, informação sobre as
Testemunhas de Jeová.

249

O facto é que, em Junho de 1965, a polícia dissolveu uma reunião das ´TJ de Feijó e prendeu 49
pessoas, julgadas sob a acusação de cometimento de «crimes contra a segurança do Estado» e
«incitamento à desobediência», em Maio de 1967, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa (Nota 1). Já
durante o «marcelismo», o ministro do Interior relembrou, em 1970 e em 1972, que a repressão de
mantinha (Nota 2), mas a própria DGS começou a achar que a vigilância e as rusgas de nada
serviam, o que provocou, aliás, atritos daquela polícia com a PSP e GNR.
O facto de as diversas corporações policiais não adoptarem um critério uniforme levou o
governador civil de Faro a queixar-se, em Maio de 1973, pretender entregar duas TJ detidas à DGS,
a PSP de Vila Real António ouvira, daquela polícia, que «os seus próprios agentes mesmo em
presença de flagrante delito apenas se limitavam a identificar os infractores e informar
superiormente» (Nota 3). Refira-se ainda que os julgamentos de TJ realizados no início de 1974 em
Cascais e no Peso da Régua acabaram todos com a absolvição dos réus.

Quadro 23 - Perseguições a Testemunhas de Jeová (1961-1974)

1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974
8 12 36 75 148 27 118 113 7 32 14 21 85 22

Fonte: Pedro Pinto, Testemunhas de Jeová: Uma minoria perseguida no Estado Novo», in História,
n.° 48, Setembro de 2002, pp. 38-45.

Nota 1 - PIDE/DGS, PI 29248, delegação de Coimbra, «Testemunhas de Jeová», pasta 1, fls. 186 e
segs.; MAI-GM, caixa 0325, pasta «Testemunhas de Jeová».
Nota 2 - PIDE/DGS, NT 9149, correspondência expedida de Peniche, Fevereiro a Maio de 1968,
fls. 73, 353, 423 e 429; ibidem, pr. 1073/68, António Barrancos, vol. 1; Liberdade Religiosa: Textos
e Documentos (1971), Lisboa, 1971, p. 70 e 107-108.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 425, pasta «Testemunhas de Jeová».

250
IX. ALVOS «SOCIAIS»

Embora seja difícil distinguir entre o factor político e o factor social, optou-se, devido a questões
de economia do texto, por separar, entre os outros alvos da PIDE/DGS, aqueles cujo estatuto social
preocupava essa polícia, independentemente da sua actuação política. Ou seja, será aqui, em parte,
abordado o que Hermínio Martins qualificou de «estratégia "metapolítica" para a modernização das
formas de pensamento e a mentalidade cultural da intelligentsia» e a oposição política orientada
para as oportunidades legais ou semilegais (Nota 1). Por isso, a PIDE/DGS sempre as sujeitou a
uma estreita vigilância, como também se verá.

IX. 1. Intelectuais, escritores e artistas

A expressão «intelectual», surgiu, no mundo ocidental, com a intervenção pública (e política) de


Émile Zola e de outros escritores, na Questão Dreyfus em França (1898). Passou depois a designar
os escritores e os diplomados pela universidade em geral, que, na primeira metade do século XX,
procuraram influenciar os governos europeus, fundando a sua intervenção pública na fama ou
prestígio adquiridos através de actividade literária ou científica.
Na opinião de Rui Ramos, falar de «intelectuais em Portugal» durante o Estado Novo era «falar da
oposição». Esta opinião é, aliás, corroborada por elementos do próprio regime e do seu chefe,
Salazar, que, em 1966, se queixou a Franco Nogueira de que «os intelectuais lhe fugiram sempre».
Em 1972, Eduardo Lourenço confirmou que «o intelectual mais típico entre nós tem sido o da
oposição». Acrescentou, no entanto, que, durante anos, os intelectuais portugueses [da oposição]
«viveram no medo de passarem, pelas suas atitudes, pelos seus escritos, pelas suas ideias, por
aliados objectivos da ideologia oficial». Graças a esse medo, a «ideologia mesmo minoritária mas
coerente» do PCP pôde, assim, «facilmente estabelecer o seu domínio», embora de forma
intermitente, entre os intelectuais portugueses (Nota 2).

Nota 1 - Hermínio Martins, «Oposição em Portugal», in Classe, Status e Poder, pp. 56 e 60.
Nota 2 - Rui Ramos, «Intelectuais e Estado Novo», Dicionário de História de Portugal, coord. de
António Barreto e Maria Filomena Mónica, vol. 8, pp. 286-289.

251

Diga-se que a oposição intelectual nunca deixou de viver, no Portugal da ditadura, o drama do
afastamento relativamente ao resto da sociedade.
O próprio Franco Nogueira anotou, no seu diário, que a «élite, o chamado escol, os intelectuais, os
sujeitos que sabem coisas e têm teorias», ignoravam o que era Portugal. Por seu turno, um dos
«intelectuais» da oposição, Jorge de Sena, confirmou que «a educação ou a cultura ou a conquista
de um lugar de intelectual em Portugal têm correspondido automaticamente a uma separação em
relação ao povo em geral» (Nota 1).
Por causa desse afastamento, os intelectuais da oposição não foram considerados como alvos
principais da PIDE/DGS, embora, como se viu, esta tenha colaborado com os serviços de Censura,
precisamente a instituição da ditadura que lidava com eles. Na realidade, apesar da desconfiança da
polícia relativamente aos intelectuais, tal como relativamente aos católicos «progressistas», a
PIDE/DGS só os reprimiu directamente quando tinham uma actuação política oposicionista ou
eram simpatizantes ou militantes do PCP. No entanto, se muitos deles foram perseguidos pela sua
acção política, também é um facto que a sua produção artística e literária esteve sob o crivo da
censura e da polícia política.
Veja-se só alguns casos paradigmáticos ao longo dos anos, reveladores da mão longa da
PIDE/DGS, que também vigiou escritores e artistas, bem como diversas associações. Uma destas
foi a Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em Lisboa, por onde a PIDE irrompeu, em 13 de
Maio de 1947, quando decorria a II Exposição de Artes Plásticas, apreendendo quinze quadros. A
comissão organizadora da exposição protestou e lamentou que a entrega dos quadros não tivesse
«realmente constituído o termo desta humilhação inútil e sem sentido imposta aos artistas», dado
que os autores dos quadros apreendidos haviam depois sido chamados a interrogatórios na PIDE.
No dia seguinte, a comissão organizadora da exposição enviou ao ministro do Interior, Cancella de
Abreu, uma carta a dar conta de que a PIDE tinha informado os autores dos quadros de que
deveriam levantá-los na sede dessa polícia. Ora, ao tentar levantar a sua obra, um dos pintores
Havia sido detido e interrogado sobre a sua pertença ao MUD, razão pela qual a comissão
organizadora solicitava que fosse ela própria a reavê-los. Num despacho de 17 de Junho, Cancella
de Abreu afirmou não reconhecer aos signatários «qualquer direito a receberem os quadros, e muito
menos a pedirem explicações». Renovou assim «a indicação, já dada, de os quadros serem
entregues aos seus proprietários, com a proibição de voltarem a ser expostos» (Nota 2).
Entre os escritores sob vigilância da PIDE refira-se, a título de exemplo, alguns casos. Um deles foi
António Alves Redol, preso pela primeira vez em 1944 e referenciado no ano seguinte como
membro do MUD e do PCP. Em Outubro de 1951, a PIDE considerou-o um dos principais
orientadores do passeio fluvial a Vila Franca de Xira organizado pela Cooperativa dos
Trabalhadores de Portugal, que, porém, não se efectuou.

Nota 1 - Idem, ibidem.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 494/47, Avelino Cunhal.

252

Foi referenciada a sua presença, juntamente com outros escritores portugueses, no restaurante do
aeroporto de Lisboa, num jantar organizado por Francisco Lyon de Castro com o escritor brasileiro
Jorge Amado, em 12 de Fevereiro de 1953. A PIDE alegou que ele teria pertencido ao organismo de
escritores do PCP e, em 1963, chegou a detê-lo (Nota 1).
Quanto ao já referido Francisco Lyon de Castro, ou Francisco de Carvalho e Castro ou Lopes e
Castro, também já tinha estado preso, em Março de 1934, acusado de implicação nos
acontecimentos da greve geral de 18 de Janeiro desse ano. Novamente detido em 13 de Novembro
de 1935, por suspeita de organizar uma célula comunista, foi condenado» a quatro anos de desterro
e seguiu para o forte de Angra do Heroísmo (Nota 2). Depois, a sua correspondência foi sempre
vigiada, nomeadamente a partir do momento em que criou a importante editora Europa-América,
cuja colecção de bolso incluiu, como primeiro livro, o romance Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes,
um funcionário do PCP precocemente falecido.
Muitos escritores foram referenciados por assinar os mais diversos abaixo-assinados contra o
regime e nunca mais a sua correspondência deixa de ser vigiada e interceptada pela PIDE. Foi o
caso, entre centenas de outros, de Carlos de Oliveira, por ter subscrito abaixo-assinados em 1952
contra o Pacto do Atlântico e, em 1965, pela amnistia para os presos políticos (Nota 3). Outros,
perseguidos pela PIDE, acabaram por ter de se exilar. Refira-se, entre outros, o caso de Adolfo
Casais Monteiro, preso várias vezes entre 1930 e 1943, que se exilou no Brasil (Nota 4).
Também o já referido escritor e engenheiro Jorge de Sena se exilou no Brasil, em Janeiro de 1962,
para fugir a uma ordem de captura que pendia sobre ele, vivendo posteriormente nos EUA. A sua
correspondência para Portugal, nomeadamente para João Benard da Costa, Rui Knopfli e Urbano
Tavares Rodrigues, foi sistematicamente apreendida pela PIDE, até 1969, quando regressou a
Portugal com a autorização de Marcelo Caetano (Nota 5).
Referido desde os anos 30 pela PVDE, Adolfo Correia da Rocha, conhecido como Miguel Torga,
foi preso em 1939. Em 1951, um informador que vigiava as tertúlias no café Arcádia, de Coimbra,
deu conta de uma conversa sobre as eleições presidenciais desse ano entre Torga e Paulo Quintela.
Depois, Torga continuou a ser vigiado pela PIDE, que assinai em 1968 o facto de ele pertencer à
comissão de auxílio a Mário Soares, em residência fixa na ilha de São Tomé (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 519 E/GT, António Alves Redol, fls. 8, 14 e 20.
Nota 2 - Ibidem, pr. 164 CI (2), Francisco Lyon de Castro, ou Francisco de Carvalho ou Lopes e
Castro, fl. 194.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3715 E/GT, Carlos Alberto Serra d'Oliveira.
Nota 4 - Ibidem, pr. 8118 E/GT, Adolfo Casais Monteiro; pr. 8385 SR, Alice Pereira Gomes, fl. 7
Nota 5 - Ibidem, pr. 15 CI (2) SC, Jorge Cândido Alves Rodrigues Teles Grilo Raposo Abreu de
Sena e Maria Mécia de Freitas Lopes de Sena.
Nota 6 - Ibidem, pr. 1638 SR, Adolfo Correia Rocha, «Miguel Torga», pastas 1 e 2, fls. 5, 6, 15, 22,
23, 51, 80, 104, 116, 122, 126 e 138.

253

Além de Miguel Torga, também José Régio, Fernando Namora, João de Freitas Branco e João
Gaspar Simões foram, em 1964, considerados «desafectos» ao regime pela PIDE, que, na sequência
da outorga de um prémio ao angolano Luandino Vieira pela Sociedade Portuguesa de Escritores,
(SPE) interrogou os membros dos corpos gerentes desta associação (Nota 1). Outro membro da
SPE sobre o qual a PIDE exerceu a sua vigilância foi o escritor Alexandre Cabral, que em 1964
chegou a ser preso. O subdirector da PIDE, Sacchetti, foi obrigado a esclarecer, em Setembro, que
apesar do mérito e êxito desse escritor não lhe deveria ser facultado «o desenvolvimento paralelo
de uma actividade que pusesse em grave perigo a garantia da ordem social estabelecida» (Nota 2).
O poeta Alexandre O'Neill foi preso, em 1953, quando participava, com outros cerca de 50 jovens,
na recepção feita à chegada ao aeroporto de Maria Lamas (Nota 3). A PIDE referenciou-o, depois,
como estando ligado ao Movimento Surrealista em Portugal (!) e procurou saber se estaria ligado
ao sector intelectual do PCP, sem nunca o conseguir apurar. O facto de um poema seu, intitulado
«Perfilados de medo», ter sido publicado no jornal de exilados portugueses no Brasil Portugal
Democrático, n.° 29, de Outubro de 1959, atraiu de novo a atenção da PIDE sobre ele (Nota 4).
Entretanto, ocorreu nesse ano um célebre caso que envolveu o escritor Aquilino Ribeiro, contra o
qual foi instaurado um processo-crime devido ao facto de pretensamente existirem, no seu romance
Quando os Lobos Uivam, partes injuriosas nomeadamente para a PIDE e os tribunais plenários. De
qualquer forma, o mesmo tribunal plenário, que o julgou, acabou por concluir em 17 de Novembro
de 1960 que o escritor tinha, na realidade, pretendido atingir «o regime político vigente», além de o
considerar abrangido por uma amnistia publicada três dias antes (Nota 5).
Para lidar com os intelectuais, o chefe de brigada Amândio Maia elaborou, em Março de 1969, uma
proposta de criação de um Gabinete de Leitura na PIDE, que não chegou porém a existir, por falta
de «possibilidades e de espaço». O GL tinha como objectivo juntar dados que indicassem «a
identificação, idoneidade moral e política, situação social de intelectuais, com predominância para
os escritores, poetas, jornalistas e artistas plásticos, publicação cronológica de obras, tendências ou
escolas literárias e artísticas e críticas» (Nota 6).
Relativamente ao teatro e à música, a PIDE de Coimbra informou, em 1948, a sua sede em Lisboa
de que «os elementos extremistas da academia» faziam os melhores elogios à sua «camarada», a
actriz Maria de Jesus Barroso — afastada pelo governo do Teatro Nacional D. Maria II. A mesma
inspecção de Coimbra tinha, aliás, alertado, no ano anterior, a sua sede para o facto de o teatro de
estudantes dessa cidade, dirigido por Paulo Quintela, Barrigas de Carvalho e Diniz Jacinto, ser uma
«escola de propaganda comunista» (Nota 7).

Nota 1 - Ibidem, pr. 2687 CI(1), João Gaspar Simões, fls. 2, 17 e 24; ibidem, pr. 7546 E/GT, Natália
de Oliveira Correia, fl. 15.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 266.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 5096 Cl (2), Alexandre O'Neill, fl. 57.
Nota 4 - Ibidem, fls. 14, 20-22, 28, 46 e 57.
Nota 5 - 'Em defesa de Aquilino Ribeiro, pp. 26, 27, 31-36, 61-63, 151, 152, 154, 155, 157, 161,
163, 179, 198, 217, 219, 221-223, 226, 235-236, 240-242 e 244-245.
Nota 6 - PIDE/DGS, Catálogo da Exposição, vol. 1, cat. 80, fls. 107-110.
Nota 7 - Ibidem, pr. 1638 SR, Adolfo Correia Rocha, «Miguel Torga», pasta 1 e 2, fl. 126.

254

Também sobre o actor Rogério Paulo, que a PIDE considerava ser membro ou compagnon de route
do PCP, essa polícia abriu, em 1945, uns pasta. Referido por alguns detidos como pertencendo ao
PCP, em Agosto de 1963, foi detido em 12 de Novembro, mas afirmou ter apenas dado apoio a
famílias de presos políticos, pelo que foi solto quatro dias depois A sua correspondência nunca
deixou de ser interceptada pela PIDE/DGS, que o referenciou mais tarde, em 1970, como membro
da CNSPP (Nota 1).
Mas a PIDE preocupou-se sobretudo com a actividade dos grupos de teatro universitário, pois
conjugavam, no seu seio, dois inimigos: teatro e estudantes. Assim, essa polícia sempre enviou
agentes às respectivas estreias, como aconteceu com a de Fuenteovejuna, de Lope de Vega, levada à
cena pelo Teatro Universitário do Porto, em Coimbra. Segundo informou o agente de serviço, antes
da representação da peça, que considerou «revolucionária», tinha subido ao palco uma estudante a
lamentar a ausência do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC) e do Teatro
dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), que haviam ficado sem os seus encenadores,
respectivamente Ricardo Salvat e Luís de Lima (Nota 2).
Diga-se que a PIDE também vigiou músicos (Nota 3). No caso de Fernando Lopes-Graça,
interceptou a sua correspondência e a das pessoas que eram próximas, além de enviar elementos
seus a todos os concertos e conferências do compositor. Em 1966, o chefe da subdelegação da
PIDE de Ponta Delgada, Gentil Garcia Coelho informou que Lopes-Graça e Michel Giacometti
tinham seguido para Lisboa depois de participarem em conferências na Semana da Música e Arte
Popular Portuguesa, nos Açores, onde se tornara notória a presença do oposicionista capitão
Ernesto Melo Antunes (Nota 4).
Até o cantor popular Francisco José foi alvo da vigilância da PIDE por ter havido especulação
política em torno de declarações suas. A verdade é que essa polícia concluiu, em 1965, que as suas
actuações eram suspeitas de representarem um movimento político, «visto não ter outra explicação
a febril popularidade» de que ele estava a gozar (Nota 5). No entanto, foram os chamados cantores
«de intervenção» que a polícia mais vigiava, cada vez que faziam espectáculos, como foi o caso de
Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira e José Afonso, entre outros.
Dado que o autor de «Grândola, vila morena» foi talvez o mais conhecido desses cantores, optou-se
aqui por apresentar, como exemplo, a perseguição de que foi alvo da PIDE/DGS. José Afonso
atraiu a atenção da PIDE a partir de 1962 (Nota 6) e, sobretudo, de 1964, quando Silva Pais se
informou junto da delegação de Coimbra sobre quem era esse cantor (Nota 7).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 264; PIDE/DGS, pr. 180 GT, Rogério Paulo.
Nota 2 - PIDE/DGS, NT 10488, pasta 34.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3327 E/GT, Jorge Manuel Rosado Marques Peixinho.
Nota 4 - Ibidem, pr. 493 CI (2), Fernando Lopes Graça e outros, fls. 88-92 e 112.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 266, Francisco José.
Nota 6 - PIDE/DGS, José Afonso Cerqueira Afonso dos Santos, pr. 931 CI (1), fl. 275.
Nota 7 - Ibidem, fls. 429-430.

255

Quando Zeca Afonso se instalou em Moçambique, neste ano, o chefe da subdelegação de Lourenço
Marques informou o director da PIDE de que havia tido a oportunidade de trocar impressões» com
aquele «fadista», verificando que continuava hostil às instituições vigentes (Nota 1).
Por seu turno, o chefe de posto da PIDE de Setúbal, Fernando Waldeman do Canto e Silva,
informou, em 19 de Dezembro de 1967, de que se realizado «sem qualquer licença», no cineclube
do Barreiro, uma reunião de «Universitários» de Lisboa, onde falara e cantara o «elemento»
desafecto bastante conhecido Dr. José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos» (Nota 2). Em 4 de
Outubro de 1971, Zeca Afonso foi preso no Aeroporto de Lisboa quando embarcava com destino a
Paris, tendo-lhe a DGS apreendido os versos da canção «Na Rua António Maria», que fazia uma
referência à morada da sede dessa polícia (Nota 3). Muitas das suas sessões de canto foram
proibidas pela DGS, a cujo posto de Setúbal o cantor foi chamado cerca de sete vezes, até que, em
30 de Abril de 1973, foi novamente detido, permanecendo em Caxias durante 21 dias (Nota 4).
Mas José Afonso não foi o único a ser alvo da sanha policial. Em 11 de Abril de 1970, Silva Pais
enviou a todos os postos da DGS um despacho onde se assinalava que, «se o padre Fanhais fosse
cantar a festas, o posto devia fazer prova das baladas que ele cantaria, a fim do caso ser apreciado»
(Nota 5). Por volta do mesmo período, a DGS foi solicitada, pela Censura, a apreender os últimos
discos deste cantor, de José Mário Branco e de José Jorge Leiria, respectivamente Canção da
Cidade Nova, Margem de Outra Maneira e Até ao Pescoço (Nota 6). Em 23 de Abril, o director-
geral dos Serviços de espectáculos enviou à DGS uma carta a solicitar que, sem consulta prévia,
não concedesse autorização para a «realização de espectáculos — algumas vezes até clandestinos»,
onde eram apresentadas «"baladas" que traduzem ideias de contestação, de pacifismos, de
reivindicações sociais, como forma de luta contra as instituições vigentes e sobretudo contra a
posição de Portugal no Ultramar» (Nota 7).

IX.2 Associações, clubes, colectividades e cooperativas

Num país a viver em ditadura, onde os partidos políticos eram proibidos, as associações e
colectividades de cultura e recreio foram espaços de liberdade, onde o PCP, e, depois, mais tarde e
em menor escala, outros grupos da oposição e organizações de extrema-esquerda aproveitaram para
fazer o seu chamado «trabalho legal». Por essa razão e por serem locais de concentração de
estudantes, trabalhadores e de oposicionistas, foram também vigiadas pela PIDE/DGS.

Nota 1 - Ibidem, fl. 427.


Nota 2 - Ibidem, pr. E/GT, fl. 2.
Nota 3 - João Afonso dos Santos, José Afonso: Um Olhar Fraterno, Lisboa, Caminho, 2002, 2ª ed.,
p. 216; PIDE/DGS, José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, pr. E/GT, fl. 4.
Nota 4 - Ibidem, fls. 7 e 9.
Nota 5 - Ibidem, Francisco Júlio Amorim Fanhais, pr. 4977 CI (1), fl. 256.
Nota 6 - Ibidem, pr. 2224 CI (1), pasta 36.
Nota 7 - Ibidem, pr. 5301 CI (1), fl. 10.

256
IX.2.1. O movimento esperantista

Entre as associações particularmente perseguidas contou-se o movimento esperantista, devido aos


seus aspectos «internacionalistas», contrários ao nacionalismo estado-novista. Em 1948, a PIDE
sugeriu ao Ministério Interior a tomada de providências para obstar à difusão da chamada «língua
esperanto», pois esta vinha «servindo, a pretexto do seu ensino, prática e difusão», para «a
propaganda de ideias políticas internacionalistas, com o consequente aliciamento de indivíduos
para as organizações avançadas e clandestinas». O Ministério do Interior recomendou que não
fossem autorizadas quaisquer actividades ou associações esperantistas. Por seu lado, a PIDE
solicitou ao correio-mor dos CTT a apreensão de todas as publicações esperantistas. Em Maio de
1949, o MEN emitiu um despacho a recusar a aprovação dos estatutos da Associação Portuguesa de
Esperanto (Nota 1).
O ministro do Interior, Trigo de Negreiros, assinou em 1952 outro despacho, onde afirmava que,
«sendo a língua pátria um dos elementos fundamentais da coesão nacional, todas as providências
relativas à sua defesa e desenvolvimento» lhe mereciam inteiro aplauso. Permitiu, no entanto, a
publicação de escritos em esperanto, desde que não colidissem com estabelecido no despacho.
Onze anos depois, nova circular instou os governadores civis à tomada de medidas contra o
alastramento do esperanto e, em 29 de Março de 1974, menos de um mês antes do golpe de Estado»
que derrubaria o governo, a DGS realizou uma busca às instalações da Associação Esperanto, em
Lisboa (Nota 2).

IX.2.2. Associações de mulheres

Até ao início dos anos 50, o Estado Novo permitiu a continuação de duas organizações femininas
não afectas ao regime. Uma delas foi o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP),
cujo período áureo decorreu em 1945, quando Maria Lamas foi eleita para a presidência da
direcção e o regime lutava desesperadamente pela sua própria manutenção. Quando esta já estava
consolidada, o Estado Novo extinguiu o CNMP (Nota 3) e cinco anos depois, aconteceu o mesmo à
Associação Feminina Portuguesa para a Paz (AFPP), criada em 1936, em pleno período da vitória
da Frente Popular em Espanha (Nota 4).
A partir da Segunda Guerra Mundial, as associadas da AFPP, numerosas em Lisboa, no Porto e em
Coimbra, participaram numa rede de apoio aos internados antinazis nos campos franceses e nos
campos espanhóis (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, caixa 0091, «Esperantismo», fl. 124.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 19563 CI (2), Esperanto, fls. 26, 27 e 123; MAI-DDA, gabinete do
ministro, caixa 002, 1947, caixa 044, «Esperanto».
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 409/47 SR, Maria Alda Barbosa Nogueira; Arquivo do Ministério do
Interior no IAN/TT, correspondência enviada pelo chefe de gabinete capitão Manuel Pereira
Coentro, livro 118. Circular do Ministério do Interior, gabinete do ministro, 29-7-47.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 0064, fl. 90; PIDE/DGS, pr. 827/60 SC, Cândida Ventura, fl. 5.
Nota 5 - Entrevistas realizadas em 1993 e 1994 com Maria Helena Correia Guedes, dirigente da
AFPP nos anos 50, e com Maria Alice Lamy Chicó, organizadora da rede de pacotes para os
internados em França e em Espanha durante a guerra.

257

Em 1947, a secção do Porto da AFPP viu indeferido pelo governador civil um pedido para realizar
uma «comemoração do Armistício relevando o papel da mulher na guerra e na paz» (Nota 1).
Depois, na sequência de uma sessão de comemoração do Dia da Mulher, em Março de 1952, em
Lisboa, a AFPP foi encerrada pela PIDE (Nota 2). O argumento utilizado foi o de «a referida
Associação» constituída em grande parte por elementos comunistas ou comunizantes», ter «como
tarefa principal, secundar a propaganda» do Cominform (Nota 3). Nos dias 25 e 27 foram também
dissolvidas as delegações de Coimbra e Porto, «sob a acusação de exercerem actividades de
carácter comunista» (Nota 4).
Já anteriormente, em 1949, a PIDE vigiara as mulheres que participaram na Comissão Feminina da
candidatura de Norton de Matos, cujos nomes constavam de uma lista apreendida na sede do
CNMP (Nota 5). Dois anos depois fizera o mesmo relativamente ao Movimento Nacional
Democrático feminino (Nota 6). Várias mulheres dessas associações femininas também foram alvo
da repressão do regime a título individual. Irene Lisboa já tinha sido afastada do ensino pelo MEN,
em 1940, Maria Barroso fora demitida do Teatro Nacional e ficara impedida, dois anos depois, de
leccionar no Colégio Moderno. Por seu lado, a advogada Maria Elina Guimarães esteve também
sob contínua vigilância da PIDE/DGS, que, em 1966, assinalou a sua presença num colóquio sobre
A Mulher Portuguesa perante a Lei e, em 1969, no Congresso Republicano de Aveiro (Nota 7).

IX.2.3. Cineclubes e associações desportivas e culturais

Além das associações, a PIDE vigiou também o movimento cineclubista e os seus dirigentes,
alguns dos quais receberam, invariavelmente, por parte dessa polícia, informações em seu
desabono, que frequentemente os "impediu de assumir funções na administração pública. Muitos
desses clubes, entre os quais se contaram o Becine, em Lisboa, o Clube Português de
Cinematografia, no Porto, e o Círculo de Cultura Cinematográfica, de Coimbra, foram encerrados
(Nota 8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 14602 SR, Beatriz Cal Brandão.


Nota 2 - Maria Helena Correia Guedes, entrevista em Maio de 1993.
Nota 3 - Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios..., pp. 152 e segs.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 817/47 — SR, SC, Elina Guimarães, fl. 12; Maria Lúcia Marques
Serralheiro, Associação Feminina Portuguesa para a Paz: Delegação do Porto (1942-1952),
mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Universidade Aberta, 2002 (policopiado),
pp. 186, 187 e 196-199.
Nota 5 - MAI-GM, 1949, caixas 026, 027 e 028; caixa 0033, «Uma eloquente afirmação das
mulheres portuguesas».
Nota 6 - Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios..., pp. 199-201, 204-205 e 215.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 817/47 — SR, SC.
Nota 8 - Ibidem, pr. 213/48. Processo de averiguações de Humberto Eduardo António Fortes
Pereira e outros oito indivíduos, conduzido pelo chefe de brigada Fernanda Gouveia, em Fevereiro
de 1948.

258

Para só dar um exemplo da interferência da PIDE no movimento cineclubista, refira-se que, em


Janeiro de 1948, o chefe da brigada Fernando Gouveia foi incumbido pela PIDE de averiguar se
havia uma ligação entre o PCP e o Círculo de Cinema. Concluiu pela «tendência avançada da
maioria dos seus sócios», sugerindo o seu fecho e, no final do mês, diversos elementos do Círculo
de Cinema foram presos pela PIDE, só sendo libertados em 26 de Fevereiro (Nota 1).
Quanto aos clubes desportivos, a PIDE preocupou-se sobretudo com as associações de artes
marciais, nomeadamente com o Judo Clube de Portugal. Em 1961, procedeu, aliás, a uma busca
nesse clube, e levou os ficheiros dos sócios para aí descobrir opositores ao regime. Mais tarde, ao
ser criada, em 1972, a Comissão de Artes Marciais, sob controlo do Ministério da Defesa Nacional,
apenas podiam ser praticantes os que tivessem uma informação favorável da DGS (Nota 2).
A PIDE/DGS vigiou, aliás, todos os clubes ou organismos que mantinham grupos de associados.
Em 24 de Julho de 1962, um relatório acerca da vigilância exercida sobre uma assembleia geral do
Centro Português de Bailado deu conta de que este seguia uma ideologia «nitidamente esquerdista e
alheia a qualquer acto nacional», desde que tinha surgido, nos seus corpos gerentes, «uma falange
de indivíduos, sócios da Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal» (Nota 3).
Sob vigilância esteve também a Juventude Musical Portuguesa (JMP), existente em Portugal desde
1948, a qual tinha começado logo, segundo a PIDE, por ter «uma direcção um tanto duvidosa»,
constando que aí se fazia «política anti-situacionista ou talvez avançada», sob a égide de Fernando
Lopes-Graça. A preocupação da polícia política prendia-se, em especial com as relações
internacionais da JMP, que fazia parte da Fédération Internacionale des Jeunesses Musicales, criada
em 1941, na qual estavam representados países da «cortina de ferro».
Em Janeiro de 1952, José Barreto Sacchetti, da delegação de Coimbra da PIDE, pediu uma
informação sobre a JMP, dizendo que ficava «logo de pé atrás» quando ouvia a palavra
«juventude». A PIDE enviava, aliás, um agente às assembleias gerais e interceptava a
correspondência de e para a sede da JMP. No arquivo da PIDE/DGS há uma curiosa carta «secreta»
escrita em inglês, datada de 5 de Agosto de 1957, a dar resposta a uma missiva anterior «sobre o
assunto JMP». Dado que foi então que a polícia política portuguesa incentivou a sua colaboração
com a CIA, é provável que tenha sido essa agência a autora da missiva, onde se pedia à PIDE
informações sobre a JMP em Portugal, questionando se ela tinha influência comunista (Nota 4).
Também a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do (AJHLP) foi alvo de vigilância da
PIDE. Segundo reparou o inspector Manuel Cunha, em 16 de Janeiro de 1961, a AJHLP tinha
sofrido uma profunda remodelação e estava a realizar colóquios com elementos da oposição ao
regime, dando o exemplo de um, dedicado a Irene Lisboa.

Nota 1 - Ibidem, pr. 690 CI(2), pasta 45, Associação Recrearia Recreativa de Educação Física,
Cultural e Recreativa Penichense, fl. 2.
Nota 2 - A Bola, 9/1/1975.
Nota 3 PIDE/DGS, pr. 1622/51 SR, Manuel Vinhas.
Nota 4 - Ibidem, pr. 5118 CI (1), pasta 110, Juventude Musical Portuguesa, fls. 105, 113 e 200.

Depois, numa circular da delegação do Porto, Raul Porto Duarte informou que os «colóquios
literários» da AJHLP resvalam «muitas vezes para o campo da política», onde a insinuação
malévola, a frase intencional ou mesmo a crítica formal e categórica às instituições, passaram a seo
o motivo de maior sensação e agrado da assistência». No entanto, segundo se regozijou a PIDE, a
partir de 1962 houve uma mudança radical na frequência da AJHLP, depois de empossada a nova
direcção, composta por «homens de uma envergadura política diferente, se não diametralmente
oposta à dos anteriores corpos gerentes» (Nota 1).
O Centro Nacional de Cultura fundado por elementos monárquicos, começou a ser referenciado
pela PIDE em 1952, como local de reunião de «indivíduos suspeitos». Mais tarde, a PIDE fez o
historial dessa associação, referindo que, com o aparecimento de Francisco Sousa Tavares e o
afastamento de elementos monárquicos afectos ao governo, em 1963, o Centro fora invadido por
dissidentes monárquicos e católicos progressistas. Dentem 1967, sofrera uma profunda
transformação, «ficando à mercê» de católicos progressistas, socialistas e comunistas e começara a
realizar colóquios que serviam aos «inimigos do regime» (Nota 2).

IX.2.4. Sociedades e colectividades de cultura e recreio


Nas pastas do arquivo da PIDE/DGS referentes às sociedades e colectividades de cultura e recreio
há inúmeros relatórios de agentes dessa polícia incumbidos de assistir a colóquios ou conferências,
que depois relatavam o que lá se passava. Por exemplo, num relatório confidencial de 1952, o chefe
de posto de Alpiarça, agente Hélder Sousa dos Santos, informou acerca da realização de uma sessão
cultural de homenagem a Alves Redol, na Sociedade Filarmónica Alpiarsense 1 de Dezembro. Ao
relatar a sessão, a PIDE mencionou que, «a fim de explorar a sensibilidade dos alpiarcenses», as
senhoras haviam recebido ramos de flores de duas meninas, muito aplaudidas, por serem filhas de
Carlos Augusto Pinhão Correia, «membro do denominado "PCP" que se encontrava na
clandestinidade» (destacado pela PIDE) (Nota 3).
Carlos Pinhão Correia, tesoureiro, e outros membros da direcção do Clube As Águias de Alpiarça
foram, aliás, acusados pela PIDE, em 1952, de pertencerem ao PCP, embora o presidente da
Câmara dessa vila tivesse então afirmado que essa acusação era falsa (Nota 4). Diga-se que não foi
o único caso de um presidente de câmara que, para não se afastar das pessoas, acabou por ter
atitudes que mereceram críticas das autoridades policiais. Veja-o caso do presidente da Câmara de
Torres Vedras, criticado pela PIDE por ter aprovado a direcção proposta para a colectividade de
maior influência na vila, «constituída por indivíduos de índole adversa à situação, cadastrados
políticos» (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, pr. 5118 CI(1), pasta 109, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do
Porto, fls. 8, 10, 15, 21, 22, 32, 39, 53 e 63.
Nota 2 - Ibidem, pr. 397 CI (1), Francisco Lino Neto, fl. 81, informação de 27/11/68.
Nota 3 - Ibidem, pr. 5118 CI (1), Sociedade Filarmónica Alpiarsense 1 de Dezembro, pasta 30.
Nota 4 - Ibidem, pr. 757/47, vol. 3.
Nota 5 - Ibidem, NT 9149, correspondência expedida de Peniche, entre Fevereiro e Maio de 1968,
fl. 11, carta de 14/21/1968.

260

As colectividades de Vieira de Leiria também mereceram a atenção da PIDE, que, em 1952,


informou o Ministério do Interior de que um «comunista» tinha sido nomeado director da
Sociedade Desportiva Vieirense. Avisado, o Governo Civil de Leiria também ordenou, mais tarde, o
encerramento do Clube Industrial Vieirense, por lá actuar um comunista (Nota 1). Em Junho de
1969, o agente Rogério de Jesus Baptista, da PIDE de Peniche, denunciou a ideologia
«progressista», difundida nos colóquios da Associação Penichense (Nota 2). Sem data, mas
provavelmente do início da década de 70, uma informação da DGS acerca da Sociedade Musical
Fraternidade Operária Grandolense, de Grândola, destacava a existência de uma biblioteca de livros
com características subversivas, trazidos de Setúbal pelo estudante José Horta, «desafecto ao
regime» (Nota 3).
Em Fevereiro de 1970, a PSP enviou à Câmara Municipal de Loures, que a remeteu ao Governo
Civil de Lisboa, e que, por seu turno, a enviou à DGS, uma informação de que elementos da CDE
estavam a tentar tomar a direcção do Atlético Clube de Moscavide (Nota 4). Em Junho, o
Ministério do Interior alertou os governos civis e a DGS para o facto de o «chamado Movimento de
Oposição Democrática» estar a transformar as associações, cooperativas e sociedades de cultura e
recreio «em veículo ideal de propaganda, de defecção e subversão», através de «autênticos
comícios políticos, disfarçados de colóquios» (Nota 5).
Entre as colectividades e sociedades recreativas e culturais, as da margem sul do Tejo eram as mais
vigiadas pela DGS. Em Março de 1972, o chefe do posto de Setúbal, Fernando do Canto e Silva,
enviou ao seu director a lista dos elementos «desafectos» das direcções do Grupo Desportivo
Operário do Barreiro, da Académica Musical Recreativa Oito de Janeiro de Alhos Vedros (Nota 6),
da Sociedade União Barreirense — Os Franceses (Nota 7) e da Sociedade Filarmónica Incrível
Almadense (Nota 8).

IX.2.5. Cooperativas culturais

Em 5 de Dezembro de 1953, a PIDE assaltou a sede da Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal,


nas Escadinhas do Duque, em Lisboa, disparando tiros que provocaram feridos. Tomou parte no
assalto, dirigido pelo inspector Manuel da Silva Clara, o subinspector Fernando Gouveia, que
assinou o relatório sobre essa acção. Assinalou que se vira «obrigado a dar «uma palmada na cara»
de um indivíduo e a puxar da pistola, para intimar a parar um grupo de indivíduos que avançara
contra o agente Fonte de Melo.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 0009, livro 21, de 1951/1952.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 5118 CI (1), pasta 45, Associação Recreativa de Educação Física, Cultural
e Recreativa Penichense, fl. 2.
Nota 3 - Ibidem, pasta 97, Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense.
Nota 4 - Ibidem, pasta 31, Associação Desportiva do Fundão, colectividade recreativa.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 0372, Circular n.° 11 confidencial aos governadores civis de 16/6/1970.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 5118 CI (1), pasta 83, Academia Musical e Recreativa Oito de Janeiro de
Alhos Vedros, fls. 2 e 56.
Nota 7 - Ibidem, pasta 38.
Nota 8 - Ibidem, pasta 56, Sociedade Filarmónica Incrível Almadense; MAI-DDA, gabinete de
ministro, caixa 410.

261

Gouveia disse ter ouvido posteriormente «uma detonação no andar inferior», e que haviam sido
feridos a tiro um homem e uma mulher. Questionado, o agente Fontes de Melo, autor do disparo,
afirmou que «a pistola se lhe tinha disparado, por qualquer toque dado pelos indivíduos que o
rodeavam» (Nota 1).
Outra cooperativa de consumo, existente desde 1961, era a Livrelco, constituída por professores e
alunos do Instituto Superior de Agronomia, na qual se inscreveram, depois, sócios colectivos, entre
os quais se contaram diversas associações de estudantes. Após a agitação estudantil de 1962, a
Reunião Interassociações tinha nomeado uma comissão para incrementar a acção da Livrelco, em
cuja direcção estavam elementos «desafectos ao regime» conforme informou o governador civil de
Lisboa à PIDE.
Em 21 de Janeiro de 1963, esta fez uma busca às instalações da Livrelco, descobrindo aí boletins da
Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico e prendendo Gaspar Teixeira, presidente da
cooperativa Diálogo, ali presente (Nota 2). Em Fevereiro de 1970, apurando que tinha sido eleita
uma nova direcção, composta por elementos «esquerdistas», a DGS realizou nova busca à
cooperativa, apreendendo diversas obras.
Em 24 de Novembro de 1971, um diploma estabeleceu que, sempre que as cooperativas exercessem
actividades que não fossem exclusivamente de carácter económico, ficavam «sujeitas ao regime
legal que regula o exercício do direito de associação» (Decreto-Lei n.° 520/71) (Nota 3). Depois, o
ministro do Interior elaborou outro despacho segundo o qual apenas após submeterem os seus
estatutos à aprovação da autoridade administrativa competente as cooperativas poderiam exercer
actividades fora do quadro económico que era objecto específico da cooperação que haviam
organizado (Nota 4). Com base nestes diplomas, o Conselho Superior de Segurança Pública
decidiu, «sob proposta da DGS» e sob a acusação de «instigação a desobediência colectiva às leis»,
ordenar, entre Março e Outubro de 1972, o encerramento das cooperativas Livrelco, Ateneu
Cooperativo, Cooperativa de Trabalhadores de Portugal, Devir Expansão do Livro, Grua —
Cooperativa de Produção e Consumo, Húmus Cooperativa de Consumo, Livrope, Proelium,
Eudóxio, Sextante, Spes, Unitas e Vis (Nota 5).

IX.3. Estudantes

Como se viu, a polícia política vigiou particularmente intelectuais e elementos de profissões


liberais, procurando detectar os que aderiam ao campo oposicionista.

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, 4.° TMT proc. 3, pr. 1656, 1ª Secção, do Serviço de Justiça do
Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS, relativo a Manuel da Silva Clara, relatório da
DGS, fls. 7 e 18-22.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 5191 CI (1), pasta 33, Livrelco, fls. 241, 265, 266, 269, 273, 275, 284 e
285.
Nota 3 - Legislação Repressiva e Andidemocrática do Regime Fascista, p. 43.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 219 CI (1), Ministério do Interior, pasta 5.
Nota 5 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 127, ISCEF; ibidem, NT 9112 SC, Cooperativas, vols. 1
e 2.

262

Essa vigilância iniciava-se desde o momento em que eles eram estudantes universitários, e mesmo,
em alguns casos, ainda antes, nos bancos dos liceus. As eleições para as associações académicas,
nomeadamente para a da Universidade de Coimbra (AAC), foram sempre atentamente vigiadas
pela PIDE, a partir do momento em que Francisco Salgado Zenha se tornou presidente desta última,
em Maio de 1945. Da agitação estudantil de 1947 surgiu, depois, uma geração de jovens da
oposição, integrados ou não no PCP, que se envolveram no MUD J e na candidatura presidencial de
Norton de Matos, em 1949 (Nota 1).

IX.3.1. As crises estudantis de 1962 e 1969

A partir da campanha eleitoral de Humberto Delgado de 1958, surgiu uma nova geração, que
influenciaria a chamada «crise estudantil de 1962», na qual se envolveram, pela primeira vez de
uma forma mais alargada, muitos jovens. Em Lisboa, tudo começou quando dirigentes estudantis
reunidos na Associação Académica do ISCEF decidiram, em 3 de Fevereiro de 1962, a criação
provisória do Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses e a realização, em Março, do I
Encontro Nacional de Estudantes, para debater problemas sociais e pedagógicos. As comemorações
do Dia do Estudante, que deveriam ocorrer entre 23 e 25 de Março, foram proibidas e, a 24, a
polícia de choque invadiu a Cidade Universitária de Lisboa (Nota 2).
Em plenário realizado durante a tarde de dia 25, no estádio universitário, foi decretado o luto
académico, interrompido dois dias depois, após uma reunião entre representantes de estudantes com
o ministro da Educação Nacional, onde as comemorações do Dia do Estudante foram aprazadas
para 7 e 8 de Abril. A 5 deste mês, o MEN voltou a proibir as comemorações e os estudantes
convocaram novo luto académico nas academias de Lisboa e Coimbra.
Na capital, a polícia de choque interveio, reprimindo no dia 7 uma manifestação estudantil que
decorria entre o estádio universitário e o Campo Santana. Em Coimbra, devido à aprovação de uma
moção em Assembleia Magna pedindo a demissão do reitor, o Senado universitário instaurou, a 9
de Abril, processos disciplinares aos membros da direcção da AAC. Um plenário estudantil decidiu
retomar o luto académico. O MEN suspendeu a direcção da AAC, cuja sede foi encerrada pela
polícia, que reprimiu violentamente uma manifestação de estudantes, prendendo muitos deles.
No final de Abril, a agitação atingira entretanto outro meio social, ao realizar-se em Aljustrel uma
manifestação, logo reprimida pela GNR, que matou António Adângio e Francisco Madeira e feriu
outros. Na manifestação realizada em Lisboa, em 1 de Maio, foi também morto a tiro pela polícia o
militante comunista Estêvão Giro. Em Lisboa, centenas de pessoas voltaram a manifestar-se contra
o regime, em 8 de Maio, e, no dia seguinte, foi decretado no plenário no Estádio Universitário de
Lisboa o luto académico total, com ausência às aulas e às provas de frequência e aos exames finais.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 055, pasta «Coimbra 1950/51»; PIDE/DGS, pr. 10712, delegação de
Coimbra, «Associação Académica de Coimbra»; NT 10486, delegação de Coimbra, pasta 6
Nota 2 - MAI-GM, caixa 0237, pasta «Propaganda, diversos, caso académico», 1962.

263

Um grupo de dirigentes associativos anunciou que entraria em greve da fome na cantina


universitária, mas no dia seguinte a polícia prendeu os grevistas, que foram levados para Caxias, os
jovens, e para o Governo Civil de Lisboa, as raparigas. Em Junho, porém, o movimento estudantil
entrou em refluxo.
Na agitação estudantil de 1962, juntaram-se aos estudantes universitários alunos de alguns liceus de
Lisboa, que formaram uma Comissão Pró-Associação (Nota 1), cujo código de comunicações a
PIDE conseguiu interceptar. Por volta do mesmo período, a PIDE informou o Ministério do Interior
de que um professor do «nosso lado» estava aflito porque a filha, aluna do Liceu Maria Amália,
tinha defendido ideias comunistas. A PIDE sugeria, assim, que o Ministério do Interior informasse
os estabelecimentos de ensino e que estes esclarecessem os estudantes e os encarregados educativos
sobre o assunto, o que aconteceu em 1963 (Nota 2).
Neste ano, a PIDE considerou que o panorama académico se estava a alterar, «talvez» devido
ao «ingresso dos alunos que já nos últimos anos do curso secundário se vinham interessando pelos
assuntos associativos», através das comissões pró-associações. No caso do ISCEF, os elementos da
respectiva Associação de Estudantes haviam, segundo a PIDE, passado a ser recrutados entre os
alunos do 1º ano, «elementos partidários fiéis à linha subversiva». Por essa razão, foram nomeadas
pelo governo comissões administrativas em diversas faculdades, como na Faculdade de Ciências de
Lisboa, em Maio de 1965, a fim de pôr termo à actividade académica e de «normalizar» a vida
económica desse estabelecimento de ensino (Nota 3).
Anos depois, em 1968, o Ministério do Interior e o governo estavam novamente muito preocupados
com a agitação estudantil, que nem nos meses de férias parava (Nota 4). Tomando de surpresa os
estudantes que se preparavam para fazer greve e ocupar o Instituto Superior Técnico, em Lisboa, o
governo ordenou o encerramento desse estabelecimento e a entrada da polícia nas instalações, onde
esta apreendeu os arquivos da Associação de Estudantes. Em protesto, realizou-se em 6 de Janeiro
de 1969, no ISCEF, uma reunião estudantil com 400 jovens, à qual assistiu o informador da PIDE
«Esteves» (Nota 5).
Nesse período, eclodiu a luta estudantil na Universidade de Coimbra, quando o presidente da
República, Américo Tomás, foi inaugurar um novo edifício de Matemáticas. Apesar de ser
impedido de falar, o presidente da Direcção-Geral da AAC, Alberto Martins, fez uma intervenção e
foi preso, ocorrendo diversos incidentes com estudantes em protesto contra essa prisão.

Nota 1 - Ibidem, gabinete do ministro, caixa 252, «Actividades subversivas», 1963.


Nota 2 - Ibidem.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 3529/62 SR, Faculdade de Ciências de Lisboa, pasta 208, 1965-1966, fls.
232, 238 e 273.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 340, 1968.
Nota 5 - PIDE/DGS. Dr. 5329/63 SR, «Estudantes», pasta 1 «Instituto Superior Técnico», fls. 2,
264

No dia seguinte, os membros da direcção da AAC foram suspensos, mas a Academia decidiu a
greve geral às aulas, com a qual se solidarizaram cerca de 150 docentes. A universidade foi
encerrada pelo ministro da Educação, José Hermano Saraiva (Nota 1). Como previsto, iniciou-se
em 2 Junho a greve aos exames na Universidade de Coimbra, registando-se cerca de 85 % de
adesão. A PIDE/DGS colocou de imediato de «prevenção» seus informadores, entre os estudantes
das «direitas», que fotografaram os membros dos piquetes de greve.
Numa das fotografias surgia uma estudante que havia furado a greve e tinha sido rodeada por
estudantes ameaçando rapar-lhe o cabelo, embora nada tivesse acontecido, graças à «coragem»
revelada por ela, segundo a PIDE. Diga-se que a preocupação revelada por esta polícia
relativamente à jovem, apelidada de «traidora» pelos colegas, se deveu ao facto de se tratar de
Isabel Tinoco, filha do célebre inspector da PIDE. O caso, considerado «crime» comum, foi
entregue à PJ (Nota 2). As prisões de estudantes pela PJ, sob a acusação de «tumulto público» ou
«motim empregando violências e insultos», continuaram depois a decorrer e, em Agosto, o governo
encerrou a AAC, mandando instruir 200 processos disciplinares a estudantes envolvidos nas
manifestações de protesto (Nota 3).

IX.3.2. Repressão aos estudantes universitários no período marcelista

Entre 1969 e 1974, o movimento estudantil deixou de apenas reivindicar a autonomia e a liberdade
universitárias para se tomar um meio de crítica da própria universidade e do regime. O PCP
continuou a investir nas associações de estudantes, mas foi paulatinamente perdendo terreno para
os inúmeros grupos marxistas-leninistas. Marcelo Caetano afirmou então que as escolas superiores
se haviam transformado «em centros de doutrinação revolucionária, infectando gravemente a
juventude que havia de formar os quadros da vida económica e social e era chamada a conduzir os
soldados nas operações contra-subversivas no Ultramar» (Nota 4).
Nesse período, muitas associações de estudantes do país foram encerradas pela DGS, ao mesmo
tempo que o Ministério do Interior introduziu os «gorilas» — antigos pára-quedistas, ex-fuzileiros e
ex-comandos - em algumas faculdades (Nota 5). Em Coimbra, Porto e Lisboa, a agitação estudantil
não mais deixou de se verificar e as autoridades encerraram a instalação da Associação de
Estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa e o IST, em Janeiro de 1971. Para debater esse
encerramento, houve um plenário de cerca de 500 estudantes, na Faculdade de Ciências de Lisboa
(FCL) conforme transmitiu à DGS um informador.

Nota 1 - Marta Benamor Duarte, «Movimentos estudantis», Dicionário de História do Estado Novo,
dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, vol. 2, pp. 644-645.
Nota 2 - PIDE/DGS, NT 10748 e 10750, delegação de Coimbra, fls. 123, 130, 140, 427, 430, 452 e
490.
Nota 3 - Ibidem, NT 10483, delegação de Coimbra, pasta 45, «Academia», colecção de cópias,
ofícios confidenciais 1968-1969, fls. 37, 49, 100, 284, 390, 418 e segs., 424,429 e 521.
Nota 4 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, p. 234, a citar Depoimento, p. 164.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 4767 CI (1) SC, Alberto Bernardes Costa, fl. 108, inf. Do subinspector
Dias de Melo, Lisboa, 3/2/1970.

265

Em Fevereiro, a DGS enviou às associações de estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa, FCL


e do ISCEF uma notificação segundo a qual elas «não podiam continuar a exorbitar dos seus fins e
deviam cessar toda a actividade de propaganda política e toda a actuação ilegal, sujeitando-se
automaticamente às sanções previstas na lei». Depois, ao considerar que a mesma actividade tinha
continuado, a DGS propôs ao Ministério do Interior a convocação de uma reunião do Conselho de
Segurança Pública, para decidir o imediato encerramento das instalações das associações de
estudantes envolvidas e a apreensão do respectivo mobiliário. Foi o caso da do ISCEF, notificado
em 28 de Janeiro de 1971, cujo encerramento foi proposto pela DGS (Nota 1).
Ainda na sequência do encerramento dessas associações de estudantes, a DGS enviou, em 14 de
Maio, uma circular aos seus postos fronteiriços, instando-os a passar uma rigorosa busca pessoal a
uma das dirigentes associativas da FCL, Maria da Glória Ramalho, logo que esta entrasse ou saísse
dopais. O certo é que, ao entrar pela fronteira de Ficalho, foi revistada (Nota 2). Mais tarde, esta
última seria denunciada, tal como outros dirigentes estudantis da FCL, pelo informador «Reis» da
DGS, vindo a ser detida.
Ainda na FCL, um agente da DGS à paisana deteve, em 26 de Maio de 1971, três jovens por
distribuírem um «comunicado aos estudantes e à população». Na tarde do dia seguinte, estudantes
apanharam em «flagrante delito» na Associação de Estudantes da FCL, um «provocador»,
identificado como João Manuel da Silva Artur, da LP. Finalmente, no dia 28, a PSP invadiu essa
faculdade, na Rua da Escola Politécnica, para impedir uma greve às aulas.
Temeroso das reacções estudantis, Marcelo Caetano ordenou, aliás, ao ministro do Interior,
Gonçalves Rapazote, que fossem evitados métodos extremos de repressão, o que parece dar razão a
uma queixa da parte da PSP, de não ter ordens imediatas para reprimir. Veja-se a carta enviada ao
ministro do Interior em 23 de Maio de 1972, uma semana depois da invasão do IST e do ISCEF:
«O recurso às companhias móveis, por exemplo, só se justifica perante casos de manifestações
tempestuosas em campo aberto, ou quando haja risco de ela se produzir e convenha tentar o efeito
dissuasor. E normalmente desaconselhável em académicos e com grupos juvenis. A dissolução de
grandes ajuntamentos e a evacuação de edifícios devem ser tentadas por avisos e meios
dissuasórios. Quando estes não dêem resultado, há meios incruentos hoje em uso por rodas as
polícias do mundo, como sejam os gases lacrimogéneos.» (Nota 3)

Nota 1 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 208, fl. 103; pasta 213, fls. 1 e 78; ibidem, Instituto Superior
de Ciências Económicas e Financeiras, pasta 212, 1968/1969, fls. 82, 89, 103, 107, 198,209, 253,
258, 262, 267, 281, 282, 301, 308, 370, 406 e 411.
Nota 2 - Ibidem, pr. 18361 Cl (2), Maria da Glória Tavares de Magalhães Ramalho, fls. 1, 10, 31 e
78.
Nota 3 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, p. 235.

266

Em Outubro, no mês seguinte ao assassinato de José António Ribeiro dos Santos por elementos da
DGS no ISCEF, o Ministério do Interior considerou que «a acção desenvolvida por grupos
organizados para a luta ilegal, em todos os terrenos», não tinha tido «a resposta adequada das forças
de segurança», nomeadamente da PSP. Deu assim ordem para «preparar e experimentar formas de
actuação» que conduzissem «à efectiva identificação dos grupos subversivos».
Foram, nomeadamente, constituídas «brigadas especiais», que filmassem e fotografassem os
grupos, depois das manifestações para «ulterior identificação e chamada à responsabilidade» dos
mesmos (Nota 1). Muitos estudantes foram então presos, como se pode ver num documento de
1972, da CNSPP. Em 24 de Novembro, o IST foi encerrado, seguindo-se o fecho das faculdades de
Letras e de Medicina de Lisboa.

IX3.3. A repressão nos liceus


Anos depois de ter sido criada a Pró-Associação dos Estudantes do ensino secundário, foi formado,
no início da década de 70, o Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de
Lisboa, onde muitos alunos fizeram a sua primeira aprendizagem política. Sabendo disso, a DGS
vigiou atentamente os passos desse movimento e os seus principais activistas, investigando, em
1972, uma reunião do movimento que contou com a participação de cerca de mil jovens, entre os
quais alguns foram presos depois de escaramuças com a polícia (Nota 2).
Avisada por um funcionário do Hospital de Santa Maria, a PSP deteve, em 16 de Dezembro de
1973, cento e cinquenta e um alunos dos liceus presentes numa reunião ilegal numa sala da
Faculdade de Medicina. Entre os jovens detidos, onze rapazes, um dos quais com 15 anos, e sete
raparigas foram entregues à DGS, enquanto vinte e três rapazes e catorze raparigas foram apenas
identificados por serem menores de 16 anos e noventa e dois jovens de ambos os sexos foram
autuados.
Os liceus também foram, individualmente, alvo da vigilância da PIDE/ /DGS, que recolhia e lia
atentamente os boletins e jornais dos alunos dessas escolas secundárias. Nem mesmo o Liceu
Francês Charles Lepierre escapou, sendo enviado à DGS em 1969, por um informador, um
exemplar do jornal de alunos, intitulado Club 360, ode alguém escrevera à mão que se tratava de
«publicação clandestina» e «propaganda comunista» (Nota 3). No liceu de Maria Amália Vaz de
Carvalho, a DGS assinalou o aparecimento, em Janeiro de 1974, de um panfleto reclamando a
«liberdade para estudantes presas», mas a reitora de então ordenou à vice-reitora para não fornecer
à polícia quaisquer informações sobre as alunas.
Diferente foi, porém, a atitude dos reitores do Liceu Nacional de Cascais e da Amadora, que, em
1973, chamaram a PSP devido ao surgimento de inscrições contra a Guerra Colonial e a «repressão
fascista». No liceu D. Pedro V, a DGS preocupou-se, em Abril de 1972, com o surgimento de
inscrições «subversivas», a distribuição de panfletos e a indisciplina reinante, que, segundo essa
polícia, o reitor não estava a atalhar (Nota 4).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 0411, 1972, pasta «Estudantes».


Nota 2 - Ibidem, caixa 0430, 1972.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 3529/62 SR, Lycée Français Charles Lepierre, pasta 117.
Nota 4 – Ibidem, Liceu D. Pedro V, pasta 92, fls. 3 e 8.

267

No ano seguinte, a DGS assinalou a existência de distúrbios no Liceu Nacional de Oeiras, o


surgimento de panfletos da Resistência Popular Anti-Colonial, no liceu Pedro Nunes de Lisboa, e o
lançamento, no Liceu Nacional de Sintra, de panfletos contra o «autoritarismo» dos professores
(Nota 1).

IX.4. TRABALHADORES E EMPRESAS

Como se viu, quando Silva Pais chegou, em 1962, à direcção da PI DE, Barbieri Cardoso e Álvaro
Pereira de Carvalho reorganizaram os Serviços de Informação dessa polícia, que passaram a
funcionar por grandes sectores, a que correspondiam também as grandes empresas e serviços
públicos ou semipúblicos. As próprias administrações e gerências montaram então sistemas de
«Autoprotecção, Vigilância e Segurança», a cargo de oficiais reformados das Forças Armadas ou da
GNR, pagando avenças à PIDE/DGS para recolha de informações e sustentação de uma rede de
informadores.
Em alguns casos, o director da PIDE/DGS delegava em subalternos seus, como aconteceu na Junta
de Energia Nuclear, onde o inspector Jaime Gomes da Silva era o respectivo delegado da polícia
política para a segurança. Após 25 de Abril de 1974, este ex-inspector afirmou que contactara
elementos de diversas empresas, entre os quais se contaram José Frederico Ulrich e Kaulza de
Arriaga, presidente da Junta de Energia Nuclear, bem como os administradores da Covina, da
Socel, da Companhia de Celulose de Cacia ou dos Nitratos de Portugal. Relatou ainda um encontro
que teve com António Champallimaud, para discutir aspectos de segurança da Siderurgia Nacional,
e confirmou ter conhecido o coronel Mota e Carmo, responsável pela segurança desta empresa
(Nota 2).

IX.4.1. O ex-coronel coronel Mota e Carmo

Como se viu, a maioria das grandes empresas tinha o seu próprio sistema de segurança e vigilância,
habitualmente coordenado por um ex-oficial do Exército ou da GNR. Um dos elementos que
coordenou a segurança de quatro das maiores empresas semipúblicas de Lisboa, Sacor,
Petroquímica, Companhia das Águas e Companhia Nacional de Electricidade, depois Companhias
Reunidas Gás e Electricidade, bem como a Termoeléctrica Portuguesa e a Hidroeléctrica do Zêzere,
foi o coronel Miguel da Conceição Mota Carmo, o qual se voltará a referir relativamente à morte de
Humberto Delgado (Nota 3).
Embora se tenha apoiado sobretudo nas «informações» da PIDE/DGS para vigiar o pessoal das
«suas» empresas, Mota e Carmo chegou a criticar os métodos da polícia política, com a qual tinha
uma relação conflituosa, nunca sendo, por exemplo, recebido pelo director Silva Pais.

Nota 1 - Ibidem, pasta 48, fls. 5, 7, 14, 18, 21 e 22.


Nota 2 - Vida Mundial, n.° 1848, 13/2/1975, pp. 43-48; Arquivo Histórico Militar, Jaime Gomes da
Silva, proc. do TMT, 4.° Juízo, proc. 28/80, auto 1652/75, pasta 66, arquivo 622, vol. 1, fl.53
Nota 3 – Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 105; Bruno Oliveira Santos, Histórias
Secretas…., pp. 262-264.

268

Em 10 de Setembro de 1965, pediu a Silva Pais para a PIDE responder aos seus pedidos de
informação, queixando-se de não ter recebido qualquer resposta, o que estava a causar prejuízo aos
serviços da Sacor.
Álvaro Pereira Carvalho respondeu a essa carta numa missiva abrupta onde perguntou a Mota
Carmo se este pretendia que a PIDE pusesse de parte as «suas funções e os seus compromissos para
passar a andar às suas ordens». Ofendido com o teor da carta, Mota e Carmo queixou-se de Pereira
de Carvalho a Silva Pais, lembrando as longas relações que mantinha com a PIDE, para funcionário
da qual tinha mesmo sido convidado pelo falecido director, o capitão Agostinho Lourenço (Nota 1).
O arquivo da PIDE/DGS sobre a Companhia Portuguesa de Electricidade (CPE) e as Companhias
Reunidas Gás e Electricidade [muito expurgado, em «Defesa ao bom nome de cidadãos
(informadores)»] contém muita correspondência no período entre 1957 e 1972 entre a PIDE/DGS e
o coronel Mota e Carmo, que continuava então a ser chefe de segurança da Sacor (Nota 2). Em 21
de Agosto de 1972, por exemplo, Mota e Carmo escreveu à DGS sobre os «atentados terroristas de
dia 9» à rede eléctrica primária pelos «terroristas da ARA». A terminar lembrava, numa passagem
sublinhada pela DGS, que esta polícia tinha «arquivadas relações de todo o pessoal da CPE» (Nota
3).

IX.4.2. Os contactos da PIDE/DGS nas empresas

Na grande maioria dos casos, eram as próprias administrações que accionavam a polícia política,
através de um telefonema ou de um contacto pessoal (Nota 4). Pagavam depois directamente ao
tesoureiro da PIDE/ /DGS, sob o disfarce de «serviços prestados», «donativos para assistência
social da polícia» «fundo de assistência aos órfãos», «despesas de fim-de-semana» ou «acção social
da polícia» (Nota 5). O certo é que a Secção Central da PIDE/DGS mantinha uma relação
confidencial com algumas empresas, havendo mesmo um documento onde constam nomes, escritos
à mão, das pessoas que essa polícia contactava. Junto à lista, assinada pelo subdirector da
PIDE/DGS, um documento assinalava que nenhuma detenção devia ser efectuada entre os
empregados ou operários dessas empresas sem prévio contacto com a SC.
Nuno Vasco reproduziu vários documentos reveladores das relações entre essa polícia e as
empresas, como aquele de Fevereiro de 1962 em que o administrador da Grundig Electrónica
Portugal, de apelido Hoffmeister, agradece à PIDE a «inteligente decisão e extraordinário tacto
mostrado» na resolução de problemas registados na empresa em Braga (Nota 6).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 106-107 e 122; cf. Vida Mundial, n.° 1848, 13/2/1975, pp. 43-48, artigo
de Fernando Antunes sobre «A santa aliança entre a PIDE e as empresas».
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 167 Cl (1), Esso Standard Portuguesa, pasta 67.
Nota 3 - Ibidem.
Nota 4 - Diário Popular, 7/2/1975, entrevista concedida pelo major João Vargas, chefe da secção de
análise documental da Comissão de Extinção da PIDE/DGS.
Nota 5 - «Uma CIA de trazer por casa, mas... (3)», in O Jornal, 13/2/76, pp. 16 e 17.
Nota 6 – Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 105-120.

267

Quadro 24 – Empresas, respectivos contactos com a PIDE/GDS e pagamentos (omitido)

270

Fontes: «Uma CIA de trazer por casa, mas... (3)», in 0 Jornal, 13/2/76, pp. 16 e 17; PIDE/DGS, pr.
19603 Cl (2). Jonas Sidónio Malheiro Savimbi, fl. 73. Esta lista é completada com as confissões de
Sílvio Mortágua e Álvaro Pereira de Carvalho («empresa que contribuíam para a PIDE/DGS»)
(Luta Popular, 7/12/1978).

Noutra carta, de Março de 1971, o director-geral da Firestone Portuguesa agradeceu ao major Silva
Pais a «maneira eficiente e sensata posta na solução dos problemas recentemente ocorridos» numa
fábrica dessa empresa em Alcochete, pelo chefe de brigada Américo Coelho. Depois, as ligações
desta polícia com as empresas ficaram a cargo de Basílio Afonso Garcia (Nota 1).

IX.4.3. Os relatórios de Álvaro Pereira de Carvalho e de Sílvio Mortágua

Após o 25 de Abril de 1974, o ex-inspector superior Álvaro Pereira de Carvalho elaborou, em


Caxias, onde estava detido, dois relatórios, datados de 14 e 16 de Julho de 1974, sobre a ligação da
DGS com as empresas (Nota 2). No primeiro relatório, afirmou que os «serviços prestados pela
DGS» eram fundamentalmente de dois tipos: «verificação do pessoal a admitir pelas empresas
através dos arquivos da DGS», ou, «pelo mesmo processo dos seus quadros já existentes» e/ou
«recrutamento entre o pessoal da empresa de fontes de informação (ou seja, informadores) capazes
de detectar sintomas de greves, paralisações de trabalho, descontentamentos».
Pereira de Carvalho afirmou que, muitas vezes, «o “serviço” era pedido pelas empresas, outras era
oferecido pela DGS às empresas», em contrapartida de dinheiro, para pagamento de fontes de
informação.
Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.° Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
Serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 138.
Nota 2 - Excertos do relatório elaborado por Pereira de Carvalho em Caxias, em 14 de Julho de
1974, foram publicados no Diário Popular de 28 de Setembro e 16 de Novembro de 1976 e na
Gazeta da Semana, n.° 25, de Outubro de 1976, in AEPPA, A PIDE e a Empresas. «Para que o
tri9bunl julgue a PIDE», nº 2, 1977.

271

A empresa «escolhia então um representante para o contacto com o elemento da DGS


(normalmente um empregado superior, ou mesmo um colaborador) e entregava à tesouraria da
DGS» a importância combinada. Como confirmou o ex-director dos Serviços de Informação da
DGS, a polícia «alargava desta maneira a muitos sectores a sua rede de informações, sem dispêndio
das suas verbas». Quanto à empresa, «por pouco dinheiro tinha assegurado a informação sobre o
seu pessoal».

IX.4.3.1. A zona industrial de Cabo Ruivo, arredores de Lisboa

No segundo relatório, de 16 de Julho de 1974, Pereira de Carvalho acrescentou que, relativamente à


zona de Cabo Ruivo, onde os problemas nas empresas vizinhas tinham reflexos imediatos sobre as
outras, devido à contiguidade das mesmas, o agente Basílio Garcia pedia uma entrevista com as
administrações das quatro ou cinco firmas vizinhas, procurando interessá-las na montagem de um
serviço de segurança nos mesmos moldes (Nota 1).
A Fábrica Barros, de lanifícios, foi uma das empresas situadas em Cabo Ruivo onde houve várias
paralisações de trabalho. Em 1969, um agente da PIDE informou a sua direcção da ocorrência de
uma greve de «braços caídos», à qual quase todos os operários tinham aderido. Depois, na
sequência de nova greve, realizada entre 18 e 20 de Março de 1971, foram despedidos quinze
homens e vinte e oito mulheres, cujos nomes foram transmitidos à DGS. Os operários reuniram-se,
nesses dias, na Avenida Infante D. Henrique, em Cabo Ruivo, a discutir a situação e a tentar a
adesão dos trabalhadores de outras fábricas, tendo sido dispersos à bastonada pela PSP.
Após saber que os operários da fábrica Manuel Lopes Henriques também estavam em greve e que o
gerente estava a tentar resolver o assunto prometendo-lhes aumentos, a PSP dirigiu-se àqueles
instando-os a não irem para a via pública, como os da fábrica Barros. Na manhã de sábado, as duas
fábricas estiveram quase paralisadas, vendo-se ao longo da alameda grupos de operários, que
dispersaram com a chegada da PSP. A gerência da Barros deu a conhecer que tinha despedido
quarenta deles e, por isso, um grupo de operários reuniu novamente, a duzentos metros da porta das
fábricas, sendo novamente disperso à força pela PSP. O comandante de divisão desta polícia, Jaime
Alves Martins, salientou, num relatório de 21 de Março de 1971, «a cooperação e o bom
entendimento do pessoal da DGS», em especial do senhor inspector Mortágua (Nota 2).

IX.4.3.2. Empresas de transportes e comunicações

No seu relatório de Julho de 1974, Pereira de Carvalho confirmou que a DGS já tinha excedido em
muito a capacidade de ligação às empresas, pelo que o modo de funcionamento, com lapsos
informativos enormes, tinha deixado de ser eficiente. Deu ainda vários exemplos de empresas com
as quais a DGS colaborava.

Nota 1 - Diário Popular, 28/9/1976.


Nota 2 – PIDE/GDS, pr. 167 CI(1), pasta 95, fls. 23-25.
Relativamente à Metalúrgica Duarte Ferreira, grande empresa que montava os camiões Berliet para
o Exército, Pereira de Carvalho esclareceu que, com «grande ajuda social dada aos empregados e
grande apoio dos empregados antigos, muito identificados com a região e as suas características»,
os problemas reivindicativos se resolviam sem pedido de intervenção da DGS. De um modo geral,
o receio «era sempre de fora para dentro, como aliás aconteceu com a sabotagem feita em Cabo
Ruivo às camionetas prontas para entrega». «Ideias modernas sobre gestão de pessoal» era também
o que tinha, na opinião de Pereira de Carvalho, o engenheiro Pereira Coutinho, da empresa Mague.
Pelo contrário, a Companhia Industrial Portugal e Colónias «não era uma empresa actualizada em
relação às relações patrão-trabalhador» (Nota 1).
Também interrogado sobre a ligação entre a DGS e algumas empresas, Sílvio Mortágua esclareceu
que o responsável pelos ficheiros das mesmas era o chefe de secção Joaquim do Rosário Silva e
que as verbas pagas a essa polícia eram administradas por Pereira Carvalho, Barbieri Cardoso e
Silva Pais (Nota 2). No caso da ponte sobre o Tejo, era o Gabinete da Ponte que pagava à DGS o
respectivo serviço de segurança, cuja montagem havia sido acompanhada pelo próprio Mortágua e
pelo engenheiro Canto Moniz, chefe de conservação da ponte. Depois, o contacto era feito através
do engenheiro Guerra Pontes, até à integração da ponte na Junta Autónoma das Estradas (Nota 3).
Os Correios e Telecomunicações não davam qualquer contribuição à polícia política, mas Pereira de
Carvalho tinha, no seio dessa empresa, uma amizade antiga com o responsável pela segurança,
Jaime dos Reis Chagas. Este último era, aliás, o elemento designado pela administração dos CTT
para resolver os problemas que se levantavam com a intercepção postal, e o elemento de ligação
para a colocação de um número telefónico em escuta.
Com a passagem dos CTT a empresa pública, Chagas foi nomeado responsável pelas relações
públicas dessa empresa, contactando nessa qualidade a PIDE e outras forças policiais.
Na Carris de Lisboa havia, segundo Mortágua, um serviço de segurança desde os anos 60 e uma
rede de informadores da PIDE/DGS a cargo do funcionário dos serviços sociais dessa empresa,
Nunes de Almeida (Nota 4). Uma das lutas mais emblemáticas dos trabalhadores da Carris foi a que
se iniciou em Junho de 1968, e cujo ponto culminante foi, no mês seguinte, a recusa por parte
destes em cobrar bilhetes, na chamada «greve da mala», que teve amplo apoio da população. Os
grevistas saíram, aliás, vitoriosos, pois conseguiram um aumento diário de 20$00 e o compromisso
de revisão da contratação colectiva. Depois, a DGS instruiu um processo contra dezoito
funcionários da Carris, presos em 7 de Julho de 1970, por terem paralisado o trabalho duas vezes
(Nota 5).
A Companhia de Caminhos-de-Ferro Portugueses (CP) tinha, em 1947, a sua própria polícia
privativa, dirigida por Albertino Ferreira, embora a PIDE mantivesse sempre essa empresa debaixo
de olho.

Nota 1 - Diário Popular, 28/9/1976.


Nota 2 - Luta Popular, 4/1/1979.
Nota 3 - Diário Popular, 28/9/1976.
Nota 4 - Diário de Lisboa, 5/12/1974.
Nota 5 - PIDE/GGS, pr. 167 CI (1), pasta 7, fl. 132 ; pasta 10, fl. 5 e pasta 15/3, fls. 42 e 44.

273

Também a Comissão Nacional de Ferroviários foi vigiada, a partir de 1968, pela PIDE/DGS, que
recebeu, nomeadamente, panfletos da mesma, da parte do engenheiro Espregueira Mendes,
director-geral da CP. O comando-geral da GNR também informou a PIDE de que na estação do
Entroncamento constava estar programada uma greve da CP para o primeiro dia de 1969. Nesse dia
um chefe de brigada denunciou alguns factores que estavam a provocar agitação nas estações do
Rossio e do Barreiro.
Por seu turno, os chefes de posto da PIDE desta vila, bem como de Faro, Coimbra, Portimão, Eivas
e Évora deram conta de que, em sinal de protesto contra o último acordo salarial da CP, os
ferroviários se tinham apresentado ao serviço de braçadeira preta. A PIDE ordenou, a 10 de Janeiro,
a todos os seus postos, a retirada das referidas braçadeiras e, no mesmo dia, um informador da CP
de Lisboa deu conta de que, à excepção do Barreiro, tinha diminuído o seu uso, após a detenção do
revisor João Firmino Martins.
As denúncias na CP continuaram a chegar à DGS, nomeadamente de Coimbra, onde o inspector
Armindo Ferreira da Silva transmitiu a Lisboa que a Comissão Nacional de Ferroviários estava a
convocar os ferroviários para abandonar o trabalho no dia 1 de Outubro de 1970 (Nota 1). De
Setúbal, o chefe do posto da DGS enviou, em Abril do ano seguinte, à sua direcção panfletos
encontrados pelo «colaborador» da CP do Barreiro, onde as oficinas paralisaram, em 15 de Julho.
Nesse período, Sílvio Mortágua foi incumbido por Pereira Carvalho de contactar o engenheiro
Garcia, que tratava perante essa polícia dos problemas de segurança da CP, pagando 4000$00
mensais à DGS (Nota 2).

IX.4.3.3. Órgãos de comunicação social

Da Radiotelevisão Portuguesa (RTP), a PIDE/DGS recebia pelos seus serviços, no final dos anos
60, 15 000$00, e, posteriormente, 22 000$00. Respondendo a uma sugestão da DGS, o
administrador-geral da RTP, Ramiro Valadão, encarregara em 1969 o engenheiro Matos Correia de
montar um serviço de segurança na empresa, com o apoio de todas as forças policiais. Depois, em
Maio de 1971, Ramiro Valadão nomeou, para os assuntos de segurança da RTP, o coronel Augusto
Bagorra (Nota 3).
Também os trabalhadores dos jornais de maior tiragem foram atentamente vigiados pela
PIDE/DGS, que tinha informadores no seu seio, como aquele que, em 24 de Fevereiro de 1966,
enviou um relatório com as biografias dos principais colaboradores do Diário de Lisboa (DL). Esse
mesmo informador, ou outro, que também estava infiltrado no Sindicato dos Jornalistas, denunciou
em 1968 os elementos «esquerdistas» desse jornal, nomeando Mário Castrim, Assis Pacheco e
Silva Costa, um católico progressista, «cérebro de todo o movimento» (Nota 4).

Nota 1 - Idem, ibidem, Companhia de Caminhos-de-Ferro; Min. Interior, maço 550, fls. 73, 75,
118, 186, 212, 223, 319, 351-352, 356, 407, 435-437, 505, 566, 578-581, 607 e 608.
Nota 2 - Diário de Notícias, 5/6/1974, p. 7.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 167 Cl (1), SC, Rádio Televisão Portuguesa, pasta 136, fls. 2, 8, 11, 21-23,
26, 30, 32, 37, 38, 60, 82, 88, 97 e 26; A Política de Informação no Regime Fascista, pp. 249 e 253.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 212 CI (1), Diário de Lisboa, 1966-1968, fls. 22, 46, 58, 77, 88, 91 e 115.

274

No Diário de Notícias (DN) o engenheiro-chefe Fernando Manuel Moutinho entregou em 1965 à


PIDE uma relação do pessoal do jornal e, dois anos depois, solicitou a atenção daquela polícia para
quatro trabalhadores que estariam a desenvolver «agitação entre os operários». Silva remeteu o
assunto para o inspector superior Pereira de Carvalho que despachou no sentido de serem sujeitos a
uma «busca» (Nota 1). Por seu turno, eu Maio de 1971, um inspector da DGS deslocou-se ao DN,
para investigar uma paralisação laboral, avisando os operários de que seria obrigado a deter quem
fizesse greve. A verdade é que todos voltaram ao trabalho (Nota 2).

IX. 4.3.4. Mais informações da PIDE/DGS sobre o mundo do trabalho


Nos Cabos d’Avila, empresa onde o descontentamento do pessoal era permanente, a DGS não
tinha, porém, informadores e, segundo contou Mortágua, o contacto era feito pelo coronel Mendes
Dias. Na Icesa, era o próprio Miguel Quina, que tinha quatro guarda-costas, elementos da
PIDE/DGS (Nota 3). Também a Grão-Pará, empresa que subsidiava a revista da DGS,
Continuidade, tinha um serviço de segurança, chefiado pelo agente Henrique Pinto (Nota 5).
Quanto à CUF, foi aprovado, quatro meses antes do 25 de Abril de 1974, um novo serviço de
segurança e, a partir de então, a verba de 4500$00, anteriormente atribuída à DGS foi aumentada
para 10 000S00 (Nota 6). O contacto entre o agente Basílio Garcia, responsável pelo
relacionamento entre a DGS e essa empresa, era o major Roberto Durão (Nota 7), embora Pereira
de Carvalho também tenha mencionado Vasco de Melo como desempenhando «funções de
segurança e de relações públicas» (Nota 8).
Também diversos ministérios e elementos do regime pediam regularmente à PIDE/DGS
informações sobre os seus trabalhadores ou sobre os de empresas. Veja-se, a título de exemplo, o
caso do ministro das Corporações e Previdência Social, José Soares da Fonseca, que, numa carta de
3 de Junho de 1954, solicitou a Salazar uma averiguação da PIDE sobre «alguns operários (creio
que 23) e alguns encarregados (13, se não me engano) da fábrica (Sol) do Porto», que estavam
detidos por terem faltado ao trabalho no dia 1 de Maio (Nota 9).
Também os mineiros, bem como os pescadores e outros profissionais, foram alvo de vigilância
policial.

Nota 1 - Diário de Notícias, 10/3/1977, p. 7.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1141 -CI (1), Diário de Notícias, fls. 18 e 21.
Nota 3 - Diário Popular, 29/5/1978.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, Joaquim Malta de O. Monteiro, proc. 15/79, pasta 50, arquivo
50, auto 1631 de 16/1/79, de Miguel Cadenas Caimoto, fls. 72 e segs.
Nota 5 - O Diário, 25/5/1982.
Nota 6 - Luta Popular, 4/1/1979.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 167 Cl (1) SC, pasta 74.
Nota 8 - Declarações de Pereira de Carvalho à comissão de extinção da PIDE.
Nota 9 - Sindicatos e Greves no Regime Fascista, fls. 169 e 205-206.

275

Em 12 de Novembro de 1964, o inspector Diogo Alves, da delegação do Porto, avisou a direcção da


PIDE de que, devido a questões salariais, lavrava o desânimo entre os mineiros de São Pedro da
Cova, situação que poderia ser explorada pelos «agentes da subversão» (Nota 1).
Veja-se, ainda a título de exemplo, a carta confidencial enviada em 1968 por Henrique Tenreiro ao
mesmo inspector-adjunto António Diogo Alves, a pedir para que continuasse a acompanhar «de
perto e com todo o interesse, a questão das matrículas dos pescadores das áreas de Vila do Conde e
Póvoa do Varzim». «Graças a esse interesse», Tenreiro pediu depois ao ministro do Interior uma
«condecoração — talvez a Ordem do Infante D. Henrique», para o inspector Diogo Alves (Nota 2).

IX.4.4. Os sindicatos nacionais e a efervescência sindical no «marcelismo»

A PIDE também manteve ficheiros acerca dos sindicatos nacionais, assinalando as assembleias-
gerais eleitorais e os nomes dos respectivos dirigentes e activistas, mesmo se a maioria deles era
então dirigida por comissões administrativas nomeadas pelo governo, do qual eram meras correias
de transmissão. Até 1969, quando os sócios dos sindicatos eram chamados a votar, as listas para os
corpos directivos já tinham passado pelo crivo da PIDE/DGS e do Ministério das Corporações e da
Previdência Social, que nomeava uma comissão administrativa, na ausência de qualquer lista. No
entanto, depois, irrompeu o fenómeno das listas B, compostas por elementos da oposição, que
aproveitaram a «liberalização» marcelista. Em 1970, estas listas obtiveram mais de 60 vitórias, a
primeira das quais foi, ainda no ano anterior, a do Sindicato dos Bancários de Lisboa, liderada por
Daniel Cabrita (Nota 3).
O recurso constante às forças policiais pelo patronato levou então o ministro do Interior, Gonçalves
Rapazote, a esclarecer numa circular desse ano que «a disciplina das empresas» cabia «aos
empresários, devendo ser estes e os respectivos quadros dirigentes a responder pela ordem dos
trabalhadores». Cabia-lhes informar «os serviços do INTP e a PIDE das suas suspeitas ou das
anormalidades» verificadas nos locais de trabalho. Só após uma definição do comportamento dos
trabalhadores pelo INTP ou feita a respectiva participação de greve por parte da empresa competia
então à PIDE seguir os acontecimentos e organizar o respectivo processo, em ordem ao apuramento
das responsabilidades dos dirigentes e operários (Nota 4). Fátima Patriarca relevou o facto de este
despacho exprimir não só «uma mudança de atitude do Estado perante a greve» como proceder a
uma «divisão de tarefas entre forças de segurança e serviços do Ministério das Corporações».
Depois, em Junho e Agosto, o governo publicou outros dois diplomas «que serviram de ponto de
partida ao Estado Social de Marcelo Caetano». O primeiro alterou a lei sindical, pondo termo à
homologação dos dirigentes eleitos, acabando com a nomeação de comissões administrativas por
tempo ilimitado e impedindo a dissolução dos sindicatos por via administrativa, possibilitando
assim «sindicatos mais fortes e menos dependentes do Estado».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 167 CI (1), Companhia de Minas de São Pedro da Cova, pasta 78,
fl. 6.
Nota 2 - Diário Popular, 615/1975, p. 17; PIDE/DGS, pr. 5330 CI (1), pasta 1 a.
Nota 3 - Afonso Praça «Suspeitos e sem garantia», in Visão, 14/4/1994, pp. 24-25.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 0368, pasta «Circulares 1969».

276

Quanto ao segundo despacho, tornou imperativa a negociação de contratos e acordos colectivos de


trabalho e criou as figuras da conciliação e da arbitragem (Nota 1).
A DGS não deixou, aliás, de alertar para os malefícios das novas leis sindicais, ao recordar que o
PCP sempre havia pretendido infiltrar militantes seus nas direcções dos sindicatos nacionais e que,
com o fim da homologação, desaparecera a determinação legal que possibilitava ao Ministério das
Corporações evitar a eleição desses elementos. O facto é que, em Agosto e Outubro de 1970, o
governo tomou medidas para restringir o exercício das liberdades e direitos de expressão e reunião:
por um lado, o Ministério das Corporações obrigou as publicações sindicais a serem sujeitas a
exame prévio e, por outro lado, foram introduzidas limitações aos diplomas liberalizantes de 1969,
no domínio da conciliação, da arbitragem e da homologação da decisão arbitral (Nota 2).
Por seu turno, o ministro do Interior sujeitou as assembleias-gerais dos sindicatos a um maior
controlo e vigilância e, no mês seguinte, especificou os requisitos de elegibilidade das direcções
sindicais. Entre estes, incluiu-se a necessidade de o candidato aos corpos gerentes «não professar
ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente ou à disciplina social»,
devendo a informação sobre esta condição ser solicitada à DGS. Ou seja, o controlo, que cabia ao
ministro das Corporações e Previdência Social, transitou quase por completo para o do Interior e a
DGS (Nota 3).
A DGS e o ministro das Corporações e Previdência Social, Joaquim da Silva Pinto, informavam-se,
aliás, mutuamente do que se passava nas reuniões sindicais (Nota 4). Em 17 de Fevereiro de 1972,
o director de serviços de Informação da DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, enviou a Silva Pinto um
extracto da conversa telefónica de José Malaquias Pinela, presidente do Sindicato dos Caixeiros de
Lisboa, classe que estava então em luta pelo regime de 44 horas semanais de trabalho.
Em Lisboa, esse sindicato realizou, em início de Março, uma assembleia na Voz do Operário, com
cerca de 1000 assistentes, e o facto de Malaquias Pinela, ex-preso político, ter sido um dos oradores
levou o inspector Fernando Gouveia a concluir que estava «em preparação a formação de uma
Central Sindical clandestina», «em cumprimento da palavra de ordem» difundida pelo PCP e outras
organizações subsidiárias (Nota 5). Milhares de caixeiros manifestaram-se depois, em 16 de Março,
junto da Assembleia Nacional, sendo reprimidos pela PSP, que informou a DGS sobre as pessoas
feridas que tinham procurado tratamento no Hospital de São José

Nota 1 - Fátima Patriarca, in A Transição Falhada, coord. de Fernando Rosas e Pedro Aires
Oliveira, Editorial Notícias, 2004, pp. 174-184.
Nota 2 - Decreto-Lei n.° 49 2170, de 20 de Outubro de 1970.
Nota 3 - Fátima Patriarca, in A Transição Falhada, pp. 174-184.
Nota 4 - «Elementos para o processo fascismo...», in Diário de Lisboa, 15/2/1975, p. 3
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 5330 Cl (1), fls. 102, 126, 128, 143, 154 e 157. A DGS tinha a indicação de
que a comissão nacional sindical do PCP à escala nacional era composta por Augusto Lindolfo
(«Rui», o controleiro), Manuel Candeias («António») e Daniel Cabrita («Jacinto»).
Nota 6 - Sindicatos e Greves no Regime Fascista, pp. 266-268.

277

A prisão do dirigente sindical Daniel Cabrita motivou, em Julho, uma manifestação de protesto de
1500 bancários, que foi violentamente reprimida pela polícia (Nota 1). Depois, a DGS sugeriu a
Silva Pinto que os dirigentes sindicais dos bancários fossem chamados a interrogatórios e, em 1972,
as sedes dos Sindicatos dos Bancários de Lisboa e do Porto foram encerradas, sendo suspensas as
respectivas direcções (Nota 2). Em 24 de Outubro de 1973, a situação endureceu, quando o governo
emitiu uma portaria segundo a qual os empregados dos organismos corporativos tinham de
apresentar, no prazo de 30 dias, certificados do registo criminal e de bom comportamento moral e
civil (Nota 3).
Veja-se ainda, através de outro exemplo, como eram resolvidos os problemas laborais no último
ano de vigência do regime. Em 5 de Janeiro de 1974, a administração da fábrica de tintas Robiallac
informou o chefe de brigada da DGS Sanches de que receava uma paralisação laboral. Segundo o
jornal República de 8 de Janeiro, os trabalhadores da empresa tinham na véspera sido impedidos de
entrar na fábrica, embora a situação se tivesse posteriormente «normalizado». Na pasta da DGS
relativa a essa empresa, com a data de dia 8, consta a seguinte declaração: «Ao entrar
voluntariamente na fábrica, declaro comprometer-me a executar o meu trabalho de forma completa,
como habitualmente.» Ou seja, a situação normalizara-se com uma garantia por escrito dos
trabalhadores de que não iriam paralisar o trabalho (Nota 4).

Nota 1 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 186-187.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 158 GT, José Malaquias Pinela; ibidem, pr. 15673 CI (2), escuta do RPL;
Diário de Notícias, 27/7/1972.
Nota 3 - Fátima Patriarca, in A Transição Falhada, pp. 174-184; Sindicatos e Greves no Regime
Fascista, DD. 2S6-257.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 167 CI (1), Fábrica de Tintas Robiallac, pasta 49, fls. 8, 9 e 54.

X. O OUTRO LADO DA BARRICADA: A LUTA CONTRA A PIDE/DGS


A PIDE/DGS não actuou sobre pessoas passivas e teve de contar com reacções e resistências do
outro lado da barricada. O PCP, cujo comportamento face à polícia se tornou central na vida dos
seus militantes e funcionários, teve mesmo, como se viu, uma moral e um comportamento próprios
para lidar com a PIDE/DGS, escapar à prisão, enfrentar os interrogatórios sob tortura e continuar a
luta no interior dos cárceres e nas sessões de julgamento. Se a polícia política teve, na ofensiva,
como alvo principal, o PCP, este partido também foi obrigado, embora na defensiva, a precaver-se
da acção da polícia política. Ver-se-á, assim, de que forma o PCP e, mais tarde, a extrema-esquerda
reagiram à PIDE/DGS e como lutaram contra esta, a vários níveis, a começar pela utilização da
clandestinidade. Inevitável numa ditadura a vida clandestina foi, ao mesmo tempo, uma faca de
dois gumes, dado que a PIDE/DGS não deixou de utilizar o conhecimento real do funcionamento
dos seus adversários, usando-o contra eles. Esta parte terminará com uma breve abordagem da luta
da «opinião pública» contra a PIDE/DGS e da forma como esta polícia se preocupou com as suas
«relações públicas».

X.1. UMA FACA DE DOIS GUMES: A VIDA CLANDESTINA

Num livro de J. A. Silva Marques, ex-funcionário do PCP, é feito um retrato analítico muito crítico
da vida clandestina, onde o autor começa por afirmar que a PIDE tinha dificuldades semelhantes às
do PC, «e que tais dificuldades da PIDE eram muitas vezes a defesa do militante clandestino,
quando este as sabia ou podia explorar em seu benefício». Ou seja, a relação entre a polícia e o
clandestino era, segundo ele, «em larga medida uma concorrência permanente e intensa de atenção,
de saber fazer, de informação, de invenção, de previsão, de autodomínio, de discrição, de
capacidade de se identificar e confundir com o sítio e meio onde se actua, pessoas, hábitos». No
entanto, segundo Silva Marques, «as concepções do PC, sobre o regime, e, em particular, a PIDE,
que surgia como um ser todo-poderoso», não facilitavam «a imaginação da descoberta e
aproveitamento das fraquezas e dificuldades do adversário» (Nota 1).
Descrevendo detalhadamente os métodos e os termos usados pelos clandestinos, Silva Marques
afirmou que, contrariamente ao que se poderia imaginar, «a vida do funcionário era uma rotina
muito igual e estreita, com a particularidade de ser vivida em permanente risco, que acabava por se
transformar também numa rotina», apenas quebrada pela prisão.

Nota 1 - J. A. Silva Marques, Relatos da clandestinidade..., pp. 100-102 e 290-291.

279

Com o decorrer dos anos, o corte com o mundo exterior do funcionário agravava-se, ao ponto de o
clandestino não se aperceber das transformações da sociedade.
Quanto ao relacionamento entre o funcionário e a funcionária de uma casa clandestina, Silva
Marques observou que «era terminantemente proibido travar ou manter relações sexuais sem
autorização do organismo superior» e, de preferência, da direcção. Esse «sistema de relações
sexuais» levava com alguma frequência «a uma autêntica sexualidade clandestina dentro do próprio
Partido», ou seja, algumas vezes havia a prática de «relações sexuais entre “não-casados” à face da
direcção, às ocultas da mesma direcção» e «alguns, apanhados em flagrante delito ou não só,
sofreram sanções». Havia, assim, «relações clandestinas da clandestinidade» (Nota 1).
Como se viu, bastante documentação interna do PCP foi muito útil à investigação da PIDE/DGS e
pode mesmo dizer-se que, através da apreensão desses documentos conspirativos, a polícia política
obteve grandes conhecimentos do seu adversário. A ponto, aliás, de esse saber se ter transformado
na sua maior arma contra o PCP, a par dos métodos de interrogatório e de tortura, que tornavam a
luta entre este partido e a polícia extremamente desigual, a favor desta última. Foi através da
análise dessa documentação que homens da PIDE como Fernando Gouveia — que dirigiu o
Gabinete Técnico — e José Gonçalves — o chefe de brigada de rua —, entre outros, se tornaram
verdadeiros «especialistas» do funcionamento do PCP. Ou seja, os «mesmos cuidados que
protegiam um clandestino ajuda[va]m agora a revelá-lo à polícia» (Nota 2).
Por exemplo, num relatório de 1947, o seu autor — provavelmente Fernando Gouveia —
aproveitou para dar a conhecer o funcionamento do PCP. Afirmou que «a organização clandestina»
se escondia «de forma perfeita dentro de cada região, devidamente orientada e dirigida por
agitadores profissionais», denominados «“funcionários”, por viverem exclusivamente à conta da
mesma e se dedicarem unicamente ao trabalho de desenvolvimento de sua organização e agitação
correspondente». Alguns conseguiam arrastar as suas companheiras ou esposas para a vida
clandestina, outros recebiam «nessas casas, companheiras a que dão o nome de “amigas”
destacadas pelo próprio “PCP”» (Nota 3).
Por outro lado, o facto de um preso não querer revelar a sua residência era de imediato para a PIDE
uma prova de que se tratava de um funcionário clandestino, a viver numa casa ilegal, a qual não
queria revelar porque era lá que se encontravam, pelo menos, a sua companheira, mais um ou dois
funcionários e os arquivos partidários. Até à prisão de Cunhal e Militão Ribeiro, no Luso, em 1949,
a PIDE sabia que habitualmente os funcionários escolhiam, para montarem as suas «instalações»
ilegais, locais ermos no campo (Nota 4).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 301-305 e 311-316.


Nota 2 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte»..., pp. 854-857.
Nota 3 - Ibidem, pr. 757/47. vol. 2, fls. 93-94.
Nota 4 - Ibidem, pr. 642/49 SR, fl. 155.

280

Também a «argumentação» que davam para se terem instalado nessas casas e para justificar as
ausências dos elementos masculinos, em trabalho partidário, revelava a presença de funcionários à
PIDE, pois que se apresentavam habitualmente como caixeiro-viajante ou jovem estudante
acometido por uma doença, que procurava, com o ar do campo, recuperar a saúde. O certo é que
esses argumentos, bem como as viagens de controlo, realizadas pelos funcionários de bicicleta de
comboio, com malas e pastas, bem como o excesso de contactos, levantavam desconfianças sobre
eles, levando-os à prisão.
Após a prisão de Jaime Serra e de Georgette Ferreira, em Dezembro de 1954, a PIDE já sabia muito
sobre o modo de actuação dos funcionários ilegais, mas apercebeu-se então de que nos últimos
tempos tinha sido «modificada a rigidez anteriormente seguida», que impunha aos que não eram
«“membros do CC” e do “secretariado”, uma ilegalidade absoluta». A partir de então, sempre que o
«funcionário» tivesse possibilidade de obter trabalho e não resultasse daí inconveniência para a sua
tarefa de controlo do sector a seu cargo, podia empregar-se, com a finalidade de aliviar os fundos
do PCP, então com graves problemas financeiros. Por outro lado, pelo facto de ter apreendido nesse
período grande quantidade de bilhetes de identidade falsificados, a PIDE concluiu que o PCP tinha
montado um serviço próprio de falsificação.
Em 4 de Janeiro de 1960, o director da PIDE enviou a todos os seus postos, bem como à PSP e
GNR, a circular urgente e confidencial acerca de «Como identificar as actividades clandestinas do
PCP». A PIDE esclarecia que os funcionários clandestinos formavam habitualmente um casal, em
que o homem alegava ser o marido e exercer uma profissão que justificasse a sua saída da terra.
Não recebiam correspondência pelo correio, a não ser, em alguns casos, jornais por assinatura. Não
era hábito os habitantes dessas casas frequentarem cafés, cinemas, tabernas ou qualquer lugar
público. Sempre que possível, em meios mais pequenos, os funcionários procuravam casas isoladas
e em pontos altos, de onde dominassem, à distância, todos os acessos. De uma maneira geral,
compravam na localidade ou nas proximidades as peças de mobiliário indispensáveis à sua
«instalação», que tentavam vender quando mudavam de localidade (Nota 1).

X.1.1. As funcionárias do PCP

Como se viu, as funcionárias, detidas nas casas clandestinas, em princípio não ficavam presas, nem
eram por vezes julgadas, caso fossem casadas com os companheiros, dado que se considerava que
elas os tinham acompanhado, em função da sua obrigação de esposa, tal como era regulamentada
no Código Civil. As que não eram casadas com os «companheiros» eram automaticamente
consideradas funcionárias e apanhavam pena maior.
Mas nem sempre as coisas se passavam assim, porque a própria PIDE se apercebia de que também
as «esposas» eram frequentemente mulheres politizadas que utilizavam essa argumentação para
serem libertadas. Por outro lado, a PIDE fez constar que, se fossem apanhadas nas casas ilegais
com filhos menores, não ficariam detidas, pois estavam a cuidar dos filhos delas e dos seus
maridos. No entanto, aconteceu frequentemente o contrário e muitas permaneceram detidas com os
filhos pequenos (Nota 1).
O facto de a maioria das funcionárias se limitar no dia-a-dia aos trabalhos domésticos dentro da
casa clandestina e à vigilância destas, e o de viverem completamente isoladas da luta que os
homens travavam, fez com que Cândida Ventura, a primeira mulher a pertencer ao CC, propusesse
em 1947 ao Secretariado a publicação de um jornal clandestino expressamente dirigida a essas
«companheiras». Este começou por se chamar 3 Páginas e mais tarde passou a ser feito pelas
próprias funcionárias, com o nome de a Voz das Camaradas das Casas do Partido (Nota 2).
Ao interrogar mulheres presas, a PIDE tentou sempre saber qual o seu pseudónimo, para depois
verificar se tinham escrito artigos nas publicações 3 Páginas e Voz das Camaradas das Casas do
Partido. No caso afirmativo, isso provava automaticamente que elas eram militantes e funcionárias
do PCP e não simples acompanhantes dos maridos. Por outro lado, o facto de o exemplo de Maria
Machado ser constantemente convocado nesses jornais de modo a moldar o comportamento das
funcionárias deu à PIDE uma caracterização das mesmas.
Também um artigo de «Maria Iber», no 3 Páginas, explicando que tinha aderido ao PCP para
prestar homenagem ao seu pai, «falecido em consequência de espancamentos de que foi vítima nas
prisões salazaristas», deve ter dado indicações à PIDE sobre a sua verdadeira identidade (Nota 3).
Depois, «Maria Iber» deu algumas indicações sobre ela, ao dizer que não era camponesa de
profissão, mas nascera e vivera num meio camponês, onde tinha visto a fome nos campos, além de
afirmar que tinha encontrado no PCP o seu companheiro, do qual tinha uma filha (Nota 4).
Nas suas memórias, Fernando Gouveia dá a entender que pensa saber a identidade desta última, ao
afirmar ter ficado impressionado com o seu estilo literário diferenciado (Nota 5). Segundo Ana
Barradas, «Maria Iber» era, porém, o pseudónimo de Catarina Rafael, camponesa algarvia, mulher
de Joaquim Rafael (Nota 6), o que indicaria que Gouveia se terá enganado na identificação dessa
funcionária. No entanto, parece que «Maria Iber» saiu do corpo de funcionárias, o que não terá
acontecido com Catarina Rafael, que nele permaneceu até 1974.
Muitos dos artigos davam indicações sobre o comportamento das funcionárias face à repressão
(Nota 7). No primeiro número de A Voz das Camaradas..., de Janeiro de 1956, surgiu uma pequena
polémica sobre o comportamento das mulheres do PCP perante a polícia e o tribunal.
Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 146/53 e pr. 190 GT, Maria Luísa Costa Dias, fl. 25.
Nota 2 - Cândida Ventura, O Socialismo Que Eu Vivi, Lisboa, O Jornal, 1984, 2.ª ed., p. 32.
Nota 3 - 3 Páginas, n.° 28, de Outubro de 1948; «Como é a vida de uma funcionária», in A Voz das
Camaradas das Casas do Partido, Dezembro de 1953.
Nota 4 - A Voz das Camaradas..., n.° 15, Junho/Julho de 1958.
Nota 5 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, p. 248.
Nota 6 - Ana Barradas. As Clandestinas, p. 156.
Nota 7 - 3 Páginas, nº 13, Novembro de 1947, p. 1; nº 28, Outubro de 1948.

282

Por seu lado, «Cecília» advogou «mais habilidade perante o inimigo», considerando correcto
revelar intransigência e altivez, embora sem arrogância, para não dar «lugar às provocações». No
número de Dezembro de 1957, «Lídia» considerou injusto que «Cecília» criticasse uma camarada
que se deixasse «cair em esquerdismos e arrogâncias». Nesse momento, também estava em debate
no jornal se este devia ou não ser alargado a camaradas não funcionárias.
A Voz das Camaradas... deixou de ser publicado no final da década de 50, mas muitas funcionárias
pediram, em 1960, que o jornal surgisse de novo (Nota 1). Após voltar a surgir, a voz... incluiu no
seu número de Novembro de 1960 um artigo de «Daniela» a alertar contra as «falsas amabilidades»
que a PIDE usava, principalmente com as mulheres. Rebatendo um artigo anteriormente publicado,
da autoria de «Teresa», «Daniela» defendeu que as funcionárias deveriam sempre negar que eram
comunistas, para não serem condenadas a «prisão perpétua».

X.1.2. A questão das relações sexuais e conjugais

Num estudo sobre a clandestinidade, Pacheco Pereira relatou que, «com as quedas das casas
clandestinas, os «casais» dissolviam-se muitas vezes, inclusive porque era comum a polícia não
prender ou libertar rapidamente a “companheira”». Os conflitos assim gerados eram «muitas vezes
violentos, sendo sempre explorados pela polícia, que conseguia algumas confissões de presos que
até então não faziam declarações». Pacheco Pereira contou que a «tensão da vida clandestina, o
isolamento da família, as dificuldades materiais, a falta de privacidade, conflitos dentro de casa ou
de carácter político, o cansaço e a apatia crescente» levavam «a uma usura acentuada, na qual a
própria circunstância da prisão pode[ia] ser sentida como um alívio» (Nota 2).
A PIDE nunca deixou de aproveitar as potenciais contradições surgidas entre os «companheiros» de
vida clandestina. O «problema das relações afectivas entre militantes na clandestinidade constituía
aliás, frequentemente, um factor de crítica ou mesmo de atrito entre os funcionários e a direcção do
PCP»; por exemplo, Fernanda Paiva Tomás foi obrigada a separar-se de Joaquim Carreira, seu
companheiro e pai do seu filho, e pediu para o ver quando ambos estavam clandestinos, protestando
contra o facto de a direcção do PCP não lhe facultar os encontros (Nota 3).
Numa nota de 7 de Fevereiro de 1950 publicada na imprensa, a PIDE afirmou que dos arquivos
apreendidos aos funcionários do PCP sobressaíam relatórios «repugnantes» onde estes se
autocriticavam das suas actuações e descreviam «as várias provas de ordem moral» a que eram
periodicamente submetidos. Bastante «elucidativo» foi como a PIDE considerou o exemplo de um
«membro substituto» do CC que, por ter manifestado velada relutância relativamente ao facto de a
sua «companheira» o ser simultaneamente de outro «camarada», se viu alcunhado de «burguês»
(Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 688 GT, Joaquim Augusto dos Santos, fl. 67.
Nota 2 - José Pacheco Pereira, A Sombra: Estudo sobre a Clandestinidade Comunista, pp. 132,
133 e 159.
Nota 3 - João Madeira. Os Engenheiros de Almas.... pp. 155-157 e 159.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 642/49 SR, fl. 155.

283

Para denegrir o PCP, o inspector Fernando Gouveia narrou o caso ocorrido em 1950 com as
detenções dos funcionários Manuel Rodrigues da Silva e da sua companheira, Colélia Fernandes,
uma operária de 20 anos que, por ser solteira, não pôde alegar que se havia limitado a acompanhar
o marido na vida clandestina. Enquanto Manuel Rodrigues da Silva apanhou prisão maior, Colélia
foi condenada a prisão correccional e, depois de libertada, deixou de visitar o companheiro na
prisão e ingressou novamente, na clandestinidade, com outro funcionário. O «sensível» Gouveia
aproveitou para caluniar os membros do CC que, segundo ele, utilizavam o cargo directivo
escolhendo as companheiras e separando-as, por vezes, dos seus maridos.
Mais tarde, em 1962, Colélia voltaria a ser presa em Buarcos, na Figueira da Foz, juntamente com
António Dias Lourenço, que era então seu companheiro e do qual tivera entretanto dois filhos. A
PIDE tomou conhecimento destes dados através da apreensão de um relatório do início dos anos
50, de António Dias Lourenço («João»), onde este relatava conversas mantidas na cadeia com
«Almeida» (Manuel Rodrigues da Silva) e «A.L.» (provavelmente António Bastos Lopes), que
discordavam do regresso à clandestinidade de Colélia Fernandes, companheira do primeiro (Nota
1).
Dias Lourenço acrescentava que «A.L.» tinha dito à sua própria mulher que deveria escolher entre
ele e o partido. Depois, o facto de esta ter desistido de ser funcionária clandestina levou «João» a
sugerir ao Secretariado do PCP que este tentasse convencê-la de tomar uma atitude contrária. Dias
Lourenço disse ainda ter explicado a «A.L.» que se de facto tinha havido anteriormente dirigentes
que se haviam aproveitado do seu estatuto para escolherem as companheiras com quem iriam viver
para as casas ilegais, isso já não acontecia, graças à vigilância do Secretariado. Depois, numa carta
de Janeiro de 1952 dirigida ao Secretariado sobre a crítica que este lhe fizera por alegadamente
revelar «falta de confiança» no partido, «A.L.» reafirmou a vontade de continuar a viver com a
companheira ou a deixá-la, caso ela voltasse para a clandestinidade (Nota 2).
Na mesma casa clandestina, em Coimbrão, onde António Bastos Lopes («A.L.») tinha sido preso
com a sua companheira, Mercedes Ferreira, a PIDE também havia detido José Augusto da Silva
Martins e Casimira da Silva, ex-companheira de Dias Lourenço. De novo Gouveia aproveitou para
denegrir a «falta de sentimentos» dos dirigentes do PCP (Nota 3) e, ao descrever a casa, apenas
com um divã tosco e uma bilha de barro a servir de penico, observou, relativamente a José da Silva
Martins: «ao que um filho-família rico e já com um firme futuro na sua frente se sujeita!». Gouveia
assinalou que Casimira da Silva teve logo de seguida, já sob prisão, um filho deste, mas não contou
a chantagem que a PIDE exerceu sobre ela.
Numa carta ao Secretariado de Abril de 1952, Casimira Silva relatou o nascimento dessa criança e a
pressão da PIDE para que esta fosse registada como filho de Dias Lourenço, o que ela recusara.

Nota 1 - Ibidem, pr. 251 GR, António Eusébio Bastos Lopes, fl. 12.
Nota 2 - Ibidem, fls. 12 e 16.
Nota 3 - Ibidem, pr. Dir. 1144/94

284

Por outro lado, Casimira transmitiu novamente a decisão de se casar com o seu companheiro, José
Augusto da Silva Martins, e perguntou à direcção do PCP porque tinha o seu nome desaparecido da
imprensa comunista, dado que, fora da sua atitude perante o companheiro, não via «qualquer outra
razão para ser excluída das linhas» do Partido (Nota 1).
Em Setembro desse mesmo ano, o Secretariado do PCP enviou uma carta a Joaquim Campino a
apelar para que a companheira deste, após a sua libertação, desse o «máximo no quadro de
funcionários». Os dois tinham sido presos em 1950, sendo ela absolvida e ele condenado a seis
anos de prisão, pelo que só seria solto em 1958. O Secretariado não terá tido sucesso nesse desejo
de recuperar Luzia Campino para o quadro de funcionários, pelo que voltou a escrever a Joaquim
criticando-o por, enquanto membro do CC, não ter desenvolvido o trabalho político necessário para
que a companheira compreendesse o seu dever (Nota 2).
Algo de semelhante sucedeu em 1953 com Salvador Pereira Amália, que, após vários relatórios
enviados da prisão à direcção do Partido, reagiu contra uma sanção que lhe fora imposta por ter
discordado de que a mulher, Clementina, continuasse na ilegalidade. Noutro documento, também
apanhado pela polícia, esta ficou a saber que Salvador Amália tinha sido sancionado pela direcção
do PCP e impedido de enviar uma carta onde cortava relações com a companheira, por esta ter
permanecido na clandestinidade.
Ao ser libertado, em 1957, Salvador Amália estabeleceu novamente ligação, por intermédio do
partido, com a mulher (Nota 3), que acabaria por ser detida em 1962. Clementina assegurou então
que desde a libertação do marido voltara a viver com ele e uma filha em Setúbal, sem que os dois
tivessem desenvolvido actividades políticas. Em 11 de Fevereiro de 1963, Clementina foi solta,
ficando os autos a aguardar melhor prova. Voltou porém novamente a ser detida em 28 de Abril de
1965, pela PIDE do Porto, segundo a qual, entre 1953 e 1956, ela tinha de facto vivido na
clandestinidade, primeiro com «Helena» (Georgette Ferreira) e depois com Eduardo Pires («José»),
a mulher e um filho, ocupando-se todos de uma tipografia clandestina sob controlo de Manuel Luís
da Rosa Júnior («Ivo») (Nota 4).
Aida Magro («Lídia» e «Eva») acompanhou o marido, José Magro, na clandestinidade. Quando o
marido foi preso, em 1951, Aida continuou a viver como funcionária e, antes de a filha atingir a
idade escolar, mandou-a para casa da sogra (Nota 5). Mais tarde, a PIDE apreendeu um manuscrito
dirigido à direcção do PCP, da autoria de Aida Magro, onde se queixava de que o Secretariado
tardava a decidir em relação ao futuro dela e do companheiro e pedia para lhe ser proporcionado
um encontro com este e a filha de ambos (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 336 GT, Casimira da Conceição Silva Martins.


Nota 2 - Ibidem, pr. 52 GT, Joaquim António Campino, fl. 69, na pasta diz «Ramiro».
Nota 3 - Ibidem, pr. 245 GT, Salvador Pereira Amália, fls. 14, 51 e 61.
Nota 4 - Ibidem, pr. 259 GT; pr. cr. 1559/62, Maria Clementina da Conceição Coelho Amália.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 5 GT, Aida Magro.
Nota 6 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 15935/57, 3.° Juízo Criminal, autos de
instrução preparatória, Aida de Freitas Loureiro Magro, fls. 858 e segs.

285

Aida Magro foi ela própria presa, em 27 de Maio de 1957, e ver-se-á como Fernando Gouveia
tentou chantageá-la ao «proporcionar»-lhe uma visita em comum com o marido e a filha, «na
esperança de recuperar para a vida legal, um casal que se presumia estar consciente da sua
responsabilidade paternal» (Nota 1).

X.1.3. A endogamia do corpo de funcionários

A PIDE, e especialmente Fernando Gouveia, também conheciam bem a endogamia do corpo de


funcionários do PCP e o facto de, em alguns casos estes fazerem parte de verdadeiras «dinastias»
(Nota 2) familiares. Adelaide Dias Coelho Aboim Inglês, irmã de José Dias Coelho, era casada com
Carlos Aboim Inglês; Aida Magro era casada com José Magro, irmão de Helena Magro, por seu
turno mulher de Pires Jorge; Arminda dos Santos Soares, irmã de Pedro Soares, era casada com
Humberto Lopes (Nota 3). Entre outras «dinastias» familiares do PCP contaram-se as constituídas
por Rui Perdigão, a mãe, o irmão e a mulher, todos pertencentes ao PCP, ou pelos irmãos Armanda,
José Augusto e Júlio Silva Martins, os irmãos Casanova, do Couço, bem como Augusto e Maria
Luísa Costa Dias, mulher de Pedro Soares.
Havia também grupos de irmãs, todas funcionárias do PCP: Sofia Dias Coelho e Maria da Piedade
Morgadinho; Fernanda e Cecília Ferreira Alves e Mercedes, Georgette e Sofia Oliveira Ferreira, as
quais chegaram a estar todas presas ao mesmo tempo, em 1949. Outro grupo de irmãs funcionárias
foi aquele composto pelas irmãs Albertina, Adelina e Evelina Ferreira Diogo, companheiras,
respectivamente, de Guilherme da Costa Carvalho, Ilídio Esteves e Augusto Lindolfo.
Presa em 1962, Evelina contou à PIDE que, para não sobrecarregarem os pais, corticeiros pobres,
ela e as irmãs tinham ido como criadas de servir para casas ilegais onde tinham sido consideradas
«funcionárias» do PCP. Evelina vivera, primeiro, com o dirigente comunista José Carlos, em
Setúbal, antes de se juntar com Augusto Lindolfo, do qual teve uma filha. Segundo o relatório da
PIDE, por «razões ainda desconhecidas (crê-se que por incompatibilidade com o “companheiro”)»
resolvera «pôr a claro toda a actividade por si desenvolvida». Por essa razão, fora «restituída à
liberdade», ficando em poder da polícia elementos bastantes para se poder fazer «fogo para
qualquer dos lados» (Nota 4). Evelina Ferreira seria, depois, expulsa do PCP (Nota 5).
O inspector Gouveia contou ainda, nas suas memórias, que também encontrou na clandestinidade
casos de mãe e de filha, ambas funcionárias, citando os de Aida e Luísa Paula e de Aurora da
Piedade Diniz e Alice Parente Capela.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 5 GT, Aida Magro.


Nota 2 - Termo utilizado por Vanda Gorjão em Mulheres em Tempos Sombrios.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 146/53.
Nota 4 - Ibidem, pr. 1143/62, l.ª divisão, Augusto Lindolfo, João Honrado e Evelina Ferreira,
fls. 37, 40, 56, 60, 62,J0, 122, 124, 125 e 128;
Nota 5 - Ibidem, pr. 36 GT, Ilídio Esteves, fls. 268-572.

286

Esta última viveu na clandestinidade com os pais, até ela própria se «funcionalizar», aos 17 anos,
por volta de 1952, e, quando o marido foi preso, continuou na ilegalidade. Havia também famílias
de funcionários, compostas por pai, mãe e filho, como aconteceu com a formada por Manuel
Rodrigues, Lucrécia dos Santos Ramos e pelo filho de ambos, Manuel Ramos Rodrigues (Nota 1).
Em 1958, este foi, autonomamente, para a clandestinidade, casando-se mais tarde com Conceição
Cascalheira, por seu turno filha dos funcionários clandestinos João Honrado e Felisberta Conceição
Cascalheira (Nota 2). Os pais de Manuel Ramos Rodrigues continuaram entretanto a viver na
clandestinidade, com outros três filhos, Lucrécia, Gonçalo e Veríssima dos Ramos Rodrigues.
Nascida em 1946, esta última viveu na ilegalidade com os pais, entre 1955 e 1960, quando passou,
por seu turno, à clandestinidade (Nota 3).
Entre outras famílias de funcionários contou-se aquela constituída por Úrsula Machado Castelhano
e José Lobato Pulquério, cujas três filhas viveram na clandestinidade com os pais (Nota 4). Outra
família foi a formada por António José da Silva e Corália Maria Pereira, a residirem numa casa
ilegal em Coimbra, quando foram presos, em Abril de 1963 (Nota 5). Estes tinham anos antes
ingressado na clandestinidade com os três filhos. Um deles, Adelino Pereira da Silva («Armando»)
também entrou no corpo de funcionários do PCP, sendo detido em 1962, e duas outras filhas do
casal, Dorília e Isaura Maria Pereira da Silva, também se «funcionalizaram» (Nota 6). Em algumas
tipografias clandestinas do PCP, que eram geridas por casais, os pais formaram os filhos na tarefa
de tipógrafos e alguns destes foram eles próprios também para a clandestinidade. Foi o caso do
casal formado por Eduardo Pires e Glória Simões («Maria»), pais de Carlos Alberto da Glória
Pires.
Ainda outra família de funcionários foi a que era constituída por Teodósia Vagarinho, filha de
Manuel José Vagarinho («Neves») e de Mariana Vagarinho, que saiu de casa dos pais em 1953 para
ingressar na clandestinidade com o funcionário António Gervásio. De seguida, foi companheira de
Afonso Gregório, de quem teve um filho e, mais tarde, do operário vidreiro do Porto Manuel
Joaquim. Vários irmãos de Teodósia também foram suspeitos de pertencerem ao PCP: Urbino,
funcionário da CP no Barreiro; Manuel, trabalhador rural; Mariana, doméstica, e António, Arménio
e Ilídio, padeiros nas Vendas Novas.
Relativamente a estes irmãos, a direcção da PIDE recomendou ao posto de Setúbal «cuidado no
manobrar, dada a “ligação” ao citado PCP», embora acrescentasse que não se devia prender
qualquer um deles de imediato, «a não ser que surja uma eventualidade que proporcione captura de
“ilegais”».

Nota 1 - Ibidem, pr. 708 GT, Manuel Ramos Rodrigues, autos de Lucrécia dos Santos Ramos, fl. 1.
Nota 2 - Ibidem, pr. 1143/62, l.a divisão, Augusto Lindolfo, João Honrado e Evelina Ferreira, fl.
171.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1273/63, vol. 1, Lucrécia dos Santos Ramos; ibidem, pr. 680 GT, Veríssima dos
Ramos Rodrigues.
Nota 4 - Ibidem, pr. 8179 E/GT, fl. 3. cf. família de funcionários, composta por José Lobato
Pulquério, Úrsula Machado Castelhano Pulquério e Maria Machado Lobato Pulquério.
Nota 5 - Ibidem, pr. 601 GT, António João da Silva, fl. 18.
Nota 6 - Ibidem, pr. 27 GT, Fernando Augusto da Silva Blanqui Teixeira, julgado em 3 de
Dezembro de 1965. fls. 303, 357 e 359.

287

Aí está a explicação para o facto de a PIDE não prender imediatamente todos os elementos dos
quais tinha suspeitas. A táctica era vigiados para prender funcionários clandestinos que deles se
aproximassem (Nota 1).

X.1.4. A utilização das autocríticas pela PIDE

Tal como toda a documentação apreendida nas casas clandestinas do PCP foi utilizada pela PIDE,
também as autocríticas dos elementos desse partido representaram uma faca de dois gumes:
servindo a disciplina interna do partido, foram utilizadas pela polícia como meio de informação
sobre a vida política e privada dos comunistas. Um caso terrível, ocorrido em 1955, foi o que se
passou com José Henriques Arandes («Raul») e a sua mulher Clementina Branco, irmã de Maria
Branco, mulher do falecido Manuel Domingues. Após o assassinato deste, Maria Branco fora
expulsa do PCP, que exigira a todos os militantes o corte de relações com ela, mas, como a irmã
não tivesse cumprido essa ordem, Arandes fora obrigado a separar-se da mulher (Nota 2).
Mais tarde, numa reunião com Guilherme da Costa Carvalho («Manuel») e António Dias Lourenço
(«António»), «Raul» autocriticou-se, nomeadamente por ter mostrado resistência inicial à sua
funcionalização e ao corte de relações com Maria Branco e Manuel Domingues (Nota 3). Diga-se
que o inspector da PIDE, provavelmente Fernando Gouveia, que analisou as três autocríticas de
«Raul» incluiu no relatório dos autos deste último a frase manuscrita: «Ajustar-se a declarações que
Arandes fez no auto em 26.» (Nota 4) Assim se vê que a PIDE introduzia nos autos, como se
fossem extractos de afirmações ditas pelos presos, dados que na realidade eram apurados na
documentação apreendida a membros do PCP.
Outros casos de autocríticas repetidas, abundantemente utilizadas pela PIDE, foram as de Júlio
Fogaça, («Ramiro»), Cândida Ventura («André») e José Lopes Baptista («Montes»), estes
relacionados também com o caso João Rodrigues («José Pedro»). Júlio Fogaça teve de fazer cinco
autocríticas, a primeira das quais em 1945, depois de ser amnistiado e ter voltado do Tarrafal,
acusado pela direcção de Lisboa de ter participado na «política de transição». Mesmo assim,
Fogaça ingressou mais tarde no Secretariado, ficando responsável pela direcção do Norte do país,
ao qual estava subordinado, entre 1951 e 1954, o organismo composto por João Rodrigues («José
Pedro»), outro membro do CC que também tinha estado no Tarrafal, igualmente acusado de
defender a «política de transição» e obrigado a fazer uma autocrítica.
Mais tarde, João Rodrigues foi expulso, acusado de trabalho «fraccional», juntamente com
«André» e «Montes», que também foram obrigados a fazer autocríticas, através das quais a PIDE
ficou a saber muito sobre o PCP.

Nota 1 - Ibidem, pr. 356 GT, Teodósia Vagarinho, fls. 4, 7-10 e 13.
Nota 2 - Ibidem, pr. 673 GT SC, Clementina Branco, pr. 672 GT.
Nota 3 - Ibidem, pr. 370 GT, José Arandes, fls. 50 e 56.
Nota 4 - Ibidem, fl. 91, «Desastres».

288

Num relatório de Novembro de 1960 a dar conta da análise feita à autocrítica de Cândida Ventura
em 1954, o inspector Fernando Gouveia observou que «os seus sentimentos familiares» estavam
«de tal forma destruídos e a sua vida está inteiramente votada ao partido e aos seus objectivos», que
considerava o seu próprio irmão, Joaquim Ventura, «traidor» ao PCP (Nota 1).

X.1.5. O ambiente de desconfiança na clandestinidade

No arquivo de Júlio Fogaça, apreendido em 1961, a PIDE encontrou um documento de Junho de


1946, da autoria de «Januário» (Joaquim Justino Alves). Lembre-se que este último estava, em
1945, com José Augusto da Silva Martins na tipografia clandestina de Barqueiro/Alvaiázere e
tinham ambos conseguido fugir graças a Maria Machado, então presa. Mais tarde, ao interrogar
José da Silva Martins, em 1950, Gouveia soube que, dali, os dois tinham fugido a pé até Vila Nova
de Ourém e haviam contactado o responsável do CC pelas tipografias, Manuel Domingues
(«Luís»). Por ordem deste, ficaram a viver na mesma casa clandestina, juntamente com Casimira
Martins, nas proximidades de Colares.
Ora, no referido documento apreendido pela PIDE, «Januário» pedia ao Secretariado para não
continuar nessa casa clandestina com o casal de funcionários «Alves» e «Fernanda», que, segundo
ele, faziam «panelinha», num ambiente paranóico e de desigualdade. No final desta terrível carta,
reveladora do ambiente em circuito fechado da clandestinidade, «Januário» avisava que, se o seu
caso não fosse resolvido, ele próprio se retiraria do quadro de funcionários. Este cumpriu o
prometido, pois no mesmo arquivo de Júlio Fogaça a PIDE encontrou um relatório da autoria de
«Alves» a pedir ao Secretariado para «tratar da questão Januário», que tinha desaparecido após
dizer que ia ao barbeiro. Gouveia apurou que, devido ao repentino desaparecimento do
«funcionário» tipógrafo, o casal composto por Silva Martins e Casimira se mudara imediatamente
para os arredores da Lousã, onde continuara a laborar a «tipo» (Nota 2).
A PIDE, e em particular Gouveia não deixou de explorar essas rivalidades e inimizades geradas
pela dura vida clandestina, utilizando-as nos interrogatórios, segundo o mote de «dividir para
reinar»: por exemplo, aos funcionários dizia que os do CC tinham uma boa vida, a estes que os
membros do Secretariado viviam no luxo, e assim sucessivamente. Noutro documento, de
Setembro de 1947, apreendido anos depois e dirigido ao CC por «Cruz» — António do Couto e
Castro — são visíveis as tremendas dificuldades da vida de funcionário clandestino do PCP, as
quais geravam muitos conflitos entre estes e os seus controleiros. «Cruz» criticou particularmente o
seu controleiro, «Artur», e a companheira deste, por terem sido autorizados pelo CC a comprar uma
bacia de zinco, enquanto ele próprio tinha sido disso impedido por outro funcionário (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, pr. dir. 827/60 Div. Inv., Cândida Ventura e Orlando Lindim Ramos; cf. também
pr. cr. 844/60, Júlio Fogaça, fls. 202 e 228-252.
Nota 2 - Ibidem, pr. 151 GT, Joaquim Justino Alves, fls. 7-12.
Nota 3 - Ibidem, pr. 412 GT, António do Couto e Castro, fl. 18.

289

X.2. MORTES «MISTERIOSAS» DE ELEMENTOS DO PCP

Veja-se agora um tema muito controverso e repleto de mistérios, que foi utilizado pela PIDE não só
para dar a imagem de que o PCP não era um partido mas um bando de malfeitores, e também para
confundir os militantes comunistas nos interrogatórios: a ocorrência de assassinatos de membros
desse partido, atribuídos pela polícia política à direcção daquele.
O assunto foi de tal importância que muitos elementos da PIDE/DGS o retomaram
sistematicamente nos seus testemunhos, após 25 de Abril de 1974, nomeadamente Abílio Pires,
Óscar Cardoso e Fernando Gouveia.
Para dar a ideia de que os comunistas eram assassinos, este último chegou mesmo a utilizar um
caso diferente dos demais, ao lembrar o assassinato na Rua do Bonjardim, no Porto, em Maio de
1940, do «capitalista» septuagenário António de Silva Freitas, por elementos do PCP que o
tencionavam roubar. Largamente publicitado entre 17 de Maio desse ano e Março de 1941, no
Jornal de Notícias, este caso não será aqui abordado por razões cronológicas e por ser claramente
diferente dos outros. Refira-se, porém, que entre os seus autores se contavam alguns espanhóis,
condenados a pesadíssimas penas de prisão, só saindo da cadeia em 1960, e o já referido Manuel
Bruno dos Santos Cardoso, que «fugiria» da prisão após denunciar o capitão Henrique Galvão.

X.2.1. Os casos Aurélia Celorico e Manuel Vital (1950)

O certo é que o início dos anos 50 parece ter sido o de quase «todas» as execuções. O primeiro caso
foi o crime da Maia, noticiado em 26 de Junho de 1950 pelo Jornal de Notícias, que deu conta do
aparecimento de uma mulher morta a tiro, em São Gemil, Águas Santas, identificada como Aurélia
Celorico, de Vila Franca de Xira, casada com Luís Moreira do Vale («Martins»). Nas suas
memórias, Fernando Gouveia contou ter ligado imediatamente essa morte à transferência de uma
tipografia do PCP em Gaia, concluindo que Aurélia tinha sido punida, a mando do Secretariado
desse partido, por querer regressar à legalidade (Nota 1). Seja como for, Luís Moreira do Vale,
funcionário clandestino do PCP desde 1944, que continuou a monte, foi constituído arguido pela PJ
do Porto, que o acusou de homicídio voluntário na pessoa da sua mulher, Aurélia de Assunção
Celorico («Regina»), mas nunca conseguiu resolver o caso (Nota 2).
Em 19 de Novembro de 1950, o Diário de Lisboa noticiou que tinha sido encontrado na véspera, no
sítio de Pereiro, o cadáver de um homem com buracos de dois tiros na cabeça, um no coração e
outro numa das mãos. No dia seguinte, O Século identificou o morto como Manuel Lopes Vital. Em
2 de Dezembro, o chefe de brigada Reis Teixeira comunicou à directoria da PIDE que Joaquina
Freitas Vital, de Alpiarça, havia recebido, antes do assassinato do seu marido, Manuel Lopes Vital
(«Teixeira»), uma carta com queixas à forma como a direcção do PCP tinha procedido a seu
respeito.

Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 325-329; PIDE/DGS, pr. 462
E/GT, Aurélia da Assunção Celorico.
Nota 2 - Ibidem, pr. 431 GT, Luís Moreira do Vale, fl. 1; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O
Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, pp. 66-67.

290
Não era conhecido o destino da carta, sabendo-se apenas que ela a entregara a Carlos Augusto
Pinhão Correia, que aguardava em liberdade, caucionado, o recurso de sentença a que tinha sido
condenado em 1948.
Interrogada pela PIDE, Joaquina Vital disse que o marido se tinha afastado do partido e havia ido à
procura de trabalho, no Carregado. No princípio de Novembro, entrara em casa duas vezes, depois
da meia-noite, com ar «aborrecido», mostrando o mesmo aspecto no dia em que saíra de casa, ao
meio-dia, e encontrara a morte.
Em Julho do ano seguinte, a PIDE prendeu Alcino de Sousa Ferreira, apreendendo-lhe diversos
documentos de Manuel Lopes Vital («Teixeira»). Apurou ainda que Alcino tinha censurado um
elemento da CP de Alpiarça, António da Conceição Jorge, por ter ajudado Manuel Vital, e resolveu
prendê-lo. Interrogado, António Jorge disse ter encontrado «Armando» no comboio, do qual soube
da irradiação do corpo de funcionários e das dificuldades económicas por que Vital estava a passar,
e confirmou tê-lo ajudado e entregue três cartas dele à mãe. Em Setembro, Jorge havia sido
procurado por «Joaquim», que trazia uma carta de um «Rui», a pedir para que estabelecesse
contacto entre o portador e Vital. Depois, António Jorge vira mais uma vez Vital, que o informara
ter-se encontrado com «Joaquim», ao qual entregara as suas ligações partidárias.
Em início de 1953, a PIDE estava à procura de Joaquim Rafael («Albano»), um pequeno camponês
de Santarém que se tornara quadro técnico do PCP e vivia na clandestinidade com a mulher,
Catarina, e uma filha, cuja detenção essa polícia considerava fundamental para deslindar o caso
(Nota 1). A PIDE nunca conseguiu, porém, determinar sem margem para dúvidas quem era o
culpado no assassinato de Vital, nem capturar Joaquim Ferrão Rafael, que permaneceu na
clandestinidade até 25 de Abril de 1974, falecendo, neste mesmo ano, em Vale do Vargo.
Nas suas memórias, Fernando Gouveia relatou ter sido interrogado, quando estava então preso, pelo
elemento do PCP Gaspar Ferreira, cuja prisão, bem como a de Dias Lourenço, em 1949, tinham
sido atribuídas a um homem de bicicleta, identificado como Manuel Lopes Vital. Gouveia
assegurou que Vital apenas havia sido assassinado por ter uma bicicleta, e que a denúncia à PIDE
que havia possibilitado a detenção de Gaspar Ferreira e Dias Lourenço partira de um telefonema
anónimo (!!!) de Vila Franca de Xira. Disse ainda o ex-inspector da PIDE/DGS estar convencido de
que Vital se queria entregar à polícia e que, no decorrer de Outubro de 1950, Conceição Jorge fora
incumbido por Joaquim Ferrão Rafael de marcar um encontro entre um dirigente do PCP e a vítima
(Nota 2).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 59 GT, Joaquim Rafael; ibidem, pr. 313/50, Carlos Pinhão Correia, com
Joaquina Freitas Vital (curiosamente, a capa deste ficheiro indica «Joaquim Rafael», fls. 2, 3, 8, 21,
35, 37 e 45.
Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, p. 392.

291

X.2.2. O caso Manuel Domingues (1951)

O caso Manuel Domingues iniciou-se, para a PJ, com uma carta anónima enviada para o Torel, de
10 de Maio de 1951, a identificar um morto encontrado seis dias antes num pinhal em Belas, que
figurava numa foto publicado no jornal O Século, como sendo Manuel das Almoinhas, da Marinha
Grande. Na PJ, o investigador constituído para o caso foi o inspector Gastão de Lorena de Sèves,
que seguiu, inicialmente, a pista falsa de quatro ladrões de fazenda, em Figueiró dos Vinhos, vistos
numa taberna antes do crime.
Dado que o crime foi considerado político, a PJ remeteu cópias dos autos de perguntas à PIDE, a
fim de que esta usasse das suas faculdades e dos meios de que dispunha no combate ao PCP. Como
a PIDE a avisasse de que o PCP tinha noticiado, em Abril de 1952, a expulsão de Manuel
Domingues e da mulher, Maria Branco, a PJ interrogou esta última e deteve-a. Esta recusou, porém,
responder ao interrogatório, justificando a sua atitude de silêncio com o compromisso que fizera
com «Luís» e apenas disse que não tinha ido à morgue ver o cadáver deste, pois estava convicta de
que ele tinha sido morto pela PIDE.
Sem provas, a PJ considerou que Maria Branco podia ser solta sob caução, mas manteve-a presa,
alegando que era encobridora e até cúmplice do crime. O problema da caução foi aliás tema de um
opúsculo (Nota 1) de Manuel João da Palma Carlos, apreendido pela polícia, onde este advogado
de Maria Branco se queixou de que a PJ estava a agir no exclusivo interesse da PIDE, prosseguindo
assim «objectivos políticos».
Em virtude de haver «fortes indícios de que o crime de homicídio de que foi vítima Manuel
Domingues» fora «determinado por motivos políticos, relacionados com a segurança do Estado», a
PJ propôs, em 5 de Janeiro de 1953, a remessa da cópia dos autos à PIDE e a entrega de Maria
Branco a esta polícia (Nota 2). No relatório final da PJ, de 14 de Fevereiro de 1958, o agente
Martinez aventou, porém, a hipótese de o crime ter sido cometido num encontro entre Manuel
Domingues e Manuel Guedes e Pires Jorge, os quais seriam os autores do homicídio, com o
conhecimento de todo o Secretariado desse partido (Nota 3).
O caso Manuel Domingues foi o mais emblemático de todos os que foram atribuídos ao PCP, até
porque, embora sem nunca reconhecer ter tido responsabilidade no assassinato, este partido veio
mais tarde a reconhecer o erro da denúncia pública da suposta traição deste.

Nota 1 - Intitulado «História de uma caução de cem contos que a PJ fixou... com a condição de que
não fosse prestada...».
Nota 2 - INPCC, Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, Arquivo Histórico
Documental, pr. 14379/761 e pr. 7123, ano de 1951, cópia do processo da PJ, subdirectoria de
Lisboa, fl. 79-80; ofício da PJ 5-1753.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 7123/51, Manuel Domingues e Maria Branco CT PIC/II/09/01, vol. 1, fls.
22, 32, 34, 45 e 127; vol. 2, fls. 290 e 307; pr. 233 GT, Maria Branco, fls. 22-23 e 25-45; pr. Dir.
67/53, Maria Branco.

292

De qualquer forma, em 1952 o Secretariado distribuiu inúmeros documentos, um dos quais foi o
célebre texto «Lutemos contra os espiões e provocadores», onde, entre outras acusações, afirmava
que Domingues tinha sido assassinado pela PIDE por ter deixado de lhe servir, ao ser desmascarado
no seio do PCP (Nota 1).
Num livro escrito após 1974, o ex-funcionário do PCP Rui Perdigão manifestou a opinião de que o
PCP não tinha praticado qualquer «crime político», embora sem considerar impossível que este
tivesse ordenado execuções nos anos 40 e 50, altura em que se fez sentir uma paranóia
«persecutória e ideológica». Perdigão contou que, por volta de Março de 1951, fizera uma viagem
com Sérgio Vilarigues e Pires Jorge, que disse ter julgado ver «o Mário Mesquita (que entregou
tempos antes duas casas clandestinas)», afirmando ter tido como primeira ideia pegar na pistola.
Tinha-se gerado depois entre os três uma conversa sobre justiça popular, da qual se havia concluído
que a execução desses canalhas era «um erro político porque desviaria os nossos esforços da
organização e da luta de massas», considerara-se porém «politicamente educativo» se, «porventura,
gente do povo, sabendo dos crimes desses bandidos, decidisse meter-lhes uma bala na cabeça»
(Nota 2).
Mais recentemente, Pacheco Pereira declarou que se devia contextualizar o assassinato de
Domingues na situação dramática em que vivia o PCP desde meados de 1949, nomeadamente
devido à «traição» de Mário Mesquita, que colocara «Luís» numa situação muito difícil, tornando-o
suspeito de muito do que aquele havia denunciado. Por seu lado, a PIDE, em particular o inspector
Fernando Gouveia, aproveitara este caso para lançar a confusão no seio do PCP (Nota 3).
Nas suas memórias, Gouveia afirmou que Silva Martins teria enlouquecido por amor, ciúme e ódio,
após «Luís» ter levado para uma tarefa a companheira daquele, Casimira da Silva. Depois, na
prisão, José Augusto começara a achar que «Luís» era um elemento da PIDE infiltrado no PCP,
segundo contou Gouveia, que, aliás, «teve o cuidado» de o transferir para uma cela do Aljube, junto
de António Dias Lourenço. Cheio de ódio e ciúme relativamente a «Luís», Silva Martins tê-lo-ia
responsabilizado junto de Dias Lourenço pela denúncia e teria, assim, provocado indirectamente a
execução de Domingues (Nota 4).
Evidentemente que a PIDE utilizou esses casos nos interrogatórios de elementos do PCP: a
Salvador Pereira Amália, Gouveia referiu as «brigadas de abate», dizendo-lhe ainda que, quando se
queria ver livre de um funcionário, o partido denunciava-o à PIDE num telefonema anónimo (Nota
5). O mesmo aconteceu a Manuel Guedes, ao qual Gouveia mostrou o documento apanhado a
Alcino Ferreira pertencente ao «homem de Alcochete», atribuindo-lhe a autoria (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 228 GT, Manuel Domingues, fls. 6, 7, 9-11 e 16; pr. 2025/52 SR, Manuel
Domingues. «Lutemos contra os espiões e provocadores», pp. 22-28.
Nota 2 - Rui Perdigão, O PCP Visto por Dentro e por Fora, pp. 25, 29, 30, nota 3, e 32.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, pp. 78-87.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 299, 305-307 e 318-332.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 245 GT, Salvador Pereira Amália, fls. 45 e 47.
Nota 6 - Ibidem, pr. 79 GT, Manuel Guedes, «Santos», fl. 37, documento encontrado no arquivo de
António Dias Lourenço, em 14/8/1962, da autoria de «Santos», relatório sobre a sua prisão.

293

Noutro documento apreendido pela PIDE, Alcino Sousa Ferreira («Pedro») informou o CC de que
nos seus interrogatórios a polícia referira os três assassinatos de «Regina, Vital e do homem de
Belas», atribuindo-os a dirigentes do PCP «especializados na tarefa». A PIDE falara ora de Pires
Jorge, ora de Manuel Guedes, ora de Gui Lourenço, nos casos de «Regina» e Vital. Segundo
«Pedro», Gouveia conhecia todos os pormenores da investigação do caso «Regina» e dizia, a
propósito do caso Vital, que este tinha ido a dois encontros marcados por um funcionário do PCP e
fora morto num local assinalado num mapa encontrado no próprio cadáver. Sobre o caso de Belas, a
polícia dizia supor tratar-se de «Luís» ou «Amorim», responsável pelas tipografias clandestinas.
Gouveia afirmava que este tinha sido sancionado em consequência de uma «pega» com Pires Jorge,
dando a entender que o seu assassinato estava relacionado com prisões recentes, entre as quais a do
próprio Alcino Ferreira. Este contou ainda, na carta ao CC, que, um mês antes da morte, Gouveia
dissera a um dos presos: «quer aqui o Luís? É só ir buscá-lo ali dentro» (Nota 1).

X.2.3. O caso José Miguel («o Lambanas») (1961)

Dez anos depois do caso Manuel Domingues, foi encontrado morto a tiro, em Julho de 1961, no
lugar de Vale das Flores/Almada, um indivíduo de nome José Miguel («o Lambanas»), natural de
Aldeia Nova de São Bento, então a trabalhar como servente de pedreiro na construção civil. Ao ser
ouvida no comando da GNR, a mulher de José Miguel, Francisca Serejo, natural de Vale de Vargo,
declarou que ela e o marido haviam sido presos em Fevereiro pela PIDE de Setúbal e que, ao serem
libertados, o marido lhe manifestara o desejo de abandonar o PCP (Nota 2).
A PIDE havia tido, de facto, em 28 de Fevereiro de 1961, uma grande vitória ao prender José
Miguel, «o Lambanas», membro suplente do CC, que usava os pseudónimos de «Inácio» e
«Roque» (Nota 3). Os autos de perguntas da PIDE, onde constam as abundantes declarações de
José Miguel, têm a data de 26 de Abril e ele foi solto, com o processo ainda em curso, dois dias
depois, ou seja, dois meses após a sua detenção, enquanto a mulher havia sido libertada dez dias
depois de ser presa (Nota 4). Após a libertação, ambos tinham ido viver para casa de cunhados, em
Vale de Figueira, que também haviam sido irradiados do PCP devido ao facto de José Miguel e a
mulher terem «falado abertamente para os funcionários da PIDE, o que lhes teria evitado serem
julgados, passando a receber favores da dita corporação».
Dado que o caso era da competência da PJ, a investigação foi entregue ao então chefe de brigada
Carlos da Silva Martinez, que, dez anos antes, tinha investigado o caso Manuel Domingues.

Nota 1 - Ibidem, pr. 6 GT, Alcino Sousa Fernandes, fl. 26.


Nota 2 - Ibidem, pr. 184/54, José Miguel («o Lambanas») e outros, fls. 92, 97 e 119.
Nota 3 - Ibidem, pr. cr. 213/61, José Miguel «o Lambanas» e Francisca da Conceição, vol. 1, fls.
28, 35 e 38.
Nota 4 - Ibidem, pr. 184/54, José Miguel («o Lambanas») e outros, fls. 92, 97 e 119.

294

No relatório da PJ, Martinez escreveu que, cerca de um mês antes da sua morte, José Miguel e a
família tinham ido viver para o Alto das Flores (Feijó/Cova da Piedade), «sendo notória a sua
ligação à PIDE, o que ele não disfarçava». Talvez por isso — observava o elemento da PJ —
tivesse começado a sentir-se perseguido e chegara mesmo a pedir à PIDE uma arma para sua
defesa, parecendo prever com antecedência o que iria acontecer.
Após ter recebido informações da PIDE, Martinez informou os seus superiores, em 13 de Agosto,
de que, no período do «abate» de José Miguel, actuavam na margem sul do Tejo Joaquim Gomes
dos Santos («Ferreira») e Lopes Baptista («Montes»), do CC do PCP, que estavam a monte. O
chefe de brigada da PJ, que acabaria aliás por ser afastado da investigação, reconhecia, porém, que
nada se tinha apurado. Numa crítica velada à PIDE, sugeriu que esta polícia não tinha prestado a
colaboração suficiente à PJ, e o processo ficou a aguardar melhor prova (Nota 1).

X.2.4. O caso Augusto Lindolfo

Além de referir a execução de Mário de Jesus Mateus, pela FAP/ /CMLP, em 1965, já abordada
num capítulo anterior, Fernando Gouveia também mencionou o atentado perpetrado em Vila Nova
de Gaia contra Augusto Ferreira Lindolfo, em 30 de Janeiro de 1973 (Nota 2). Lindolfo, já ante-
riormente preso, em 1955 e em 1962, havia sido libertado em 20 de Dezembro de 1967 (Nota 3) e,
dois anos depois, regressara à clandestinidade, tendo sido detido em 30 de Maio de 1971.
Por volta de 6 ou 7 de Junho, Joaquim Sousa Duarte, que estava detido em Caxias acusado de
pertencer à ARA, viu da janela da sua cela Augusto Lindolfo chegar a essa cadeia com «um ar
fresco e calmo transportando malas de viagem», apesar de provavelmente ter estado seis ou sete
dias em interrogatório (Nota 4), o que indicaria que teria passado a colaborar com a DGS. Depois,
num documento interno do PCP de Novembro de 1971 apreendido pela DGS, aquele partido
informava que Augusto Lindolfo havia sido libertado e que a mulher dele teria dito a uma pessoa
que o marido «já se tinha sacrificado bastante», confessando que a DGS oferecera emprego a
ambos, em Angola (Nota 5).
O certo é que no Verão de 1971 Lindolfo enviou a Marcelo Caetano uma carta a pedir que, caso
alguém atentasse contra a sua vida, desse publicidade a uma missiva endereçada ao «Povo de
Portugal» onde relatava a sua biografia política. Afirmava aí que a sua prisão em Maio ocorrera
num contexto de «desarticulação e reestruturação do PCP, que queria fazer dele um bode
expiatório», responsabilizando-o de ter provocado detenções de elementos da ARA.
Nota 1 - INPCC, Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, Arquivo Histórico
Documental, pr. 14379/761, 18/7/61, fls. 154 e segs.
Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 337-339.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 43304 SR, Augusto Ferreira Lindolfo e Ana Emília Lindolfo, fls. 90-
-92.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Benedito Pereira André, proc.
393/74, vol. 2, fl. 137.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 507/58, Augusto Lindolfo, fl. 19.

295

Ou seja, Lindolfo sabia que poderia ser alvo de um atentado, que ocorreu efectivamente em 30 de
Janeiro de 1973, quando abria o portão da sua residência, em Valadares/Vila Nova de Gaia, e foi
atingido, pelas costas, por duas rajadas de tiros que o deixaram gravemente ferido. Em 23 de
Fevereiro, o jornal A Capital noticiou que Lindolfo deixaria em breve o hospital para lugar secreto,
e o certo é que ele partiu para Angola a expensas da DGS (Nota 1).
Regressado a Portugal após o 25 de Abril de 1974, Lindolfo foi capturado e interrogado pelos
Serviços de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e afirmou que, após ser submetido a 21 dias
de tortura do sono, às mãos de Fernando Gouveia e Adelino Tinoco, denunciara em 1971 algumas
organizações de base do seu partido e dezenas de militantes de Lisboa, Setúbal e do Ribatejo.
Disse, além disso, ter feito «alguns trabalhos (teóricos)», a pedido do inspector Adelino Tinoco,
mas que, ao ser solto, em Agosto, nunca mais havia colaborado com a DGS, até porque estava
«queimado» aos olhos do PCP. No entanto, recebera então «auxílio económico da PIDE/DGS», de
Adelino Tinoco, e contactava telefonicamente com o chefe de brigada Moreira Fernandes, do Porto,
junto do qual utilizava os pseudónimos de «Porto» e «Fernando Moreira» (Nota 2).

X.3. O COMPORTAMENTO DOS COMUNISTAS NOS INTERROGATÓRIOS E NA PRISÃO

Após voltar a analisar o comportamento dos vários presos numa reunião realizada em 1945, o
Secretariado do CC decidiu afastar do trabalho partidário, sancionar, suspender ou expulsar
diversos militantes e funcionários (Nota 3), ordenando ainda «uma retirada com vista a uma nova
ofensiva» do PCP (Nota 4). Pacheco Pereira lembrou que, nessa reunião, Militão Ribeiro não teria
concordado com as opções conspirativas de Cunhal, tendo então alertado o PCP para o facto de a
PIDE procurar «penetrar no Partido a todo o custo».
Na primeira quinzena de Agosto de 1946, o Avante! publicou, porém, um informe optimista,
apresentado no II Congresso ilegal do PCP, da autoria de «Alberto» (José Gregório), segundo o
qual desde a «reorganização» não tinha havido indícios de infiltração policial do partido (Nota 5).
Depois, em Setembro de 1947, o Secretariado alertou contra o facto de a maioria ter repetido o erro
de confirmar o que a polícia já sabia e contra a tendência em desculpar os que haviam fraquejado
na polícia (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 43304 SR, Augusto Lindolfo e Ana Emília Lindolfo; pr. 417 GT, Augusto
Alberto Ferreira Lindolfo, vol. 2, fls. 165, 166, 175 e 189-1992.
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco proc. 66/77,
11 volumes, EMGFA, l.a secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 2, fl. 39.
Nota 3 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora, pr. 15935/57, 3.° Juízo Criminal, autos de instrução
preparatória, Aida Magro («Lídia» ou «Eva»), vol. 9, fl. 620.
Nota 4 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora, pr. 92/62, caixa 703, 2.° Juízo, Octávio Pato e Al- bina
Fernandes, vol. 2.
Nota 5 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte»..., pp. 642-643, 867 e 868.
Nota 6 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora, pr. 15935/57, Aida Magro, vol. 9, fls. 578 e 747;
Ibidem, Tribunal da Boa Hora, pr. 92/62, vol. 2

296

X.3.1. «Se fores preso, camarada...» (1947)

Mas o verdadeiro ponto de mudança foi a publicação nesse ano do documento, depois
sucessivamente alterado e reeditado ao longo dos anos, que iria moldar durante anos a «moral» dos
comunistas na cadeia e chegou mesmo a influenciar outros elementos da oposição não comunista.
Tratou-se do folheto «Se fores preso, camarada...», da autoria de Álvaro Cunhal, redigido após este
ter analisado diversos processos políticos resultantes das prisões de 1945, facultados pelo advogado
Manuel João da Palma Carlos.
No início do texto, Cunhal esclarecia que o primeiro passo do interrogatório era um momento
crucial, pois era então que a polícia tentava «ficar com o preso na mão» (Nota 1). Depois, o texto
traçava a linha de separação entre os que não «falavam», aos quais era devida «a consideração e a
estima», e os que «traíam», que perdiam a honra e o seu lugar no PCP e aos quais estava reservado
o «desprezo» e o isolamento total (Nota 2).
Relativamente à tortura da estátua, Cunhal realçou o carácter humilhante da sua aceitação, pois
implicava de certa maneira a colaboração do preso. Mais tarde, numa circular de Dezembro de
1949, o Secretariado do CC consideraria «degradante para os comunistas submeterem-se a esta
exigência da polícia», tornando obrigatória aos elementos do CC a recusa da «estátua». Num
documento a relatar a sua prisão, em 1951, Alcino Ferreira («Pedro») assinalaria, porém, que não
havia ideias claras no PCP acerca da «estátua», «a começar nos seus aspectos aparentes — estar de
pé, sentado ou à vontade — e a acabar no que ela verdadeiramente era — uma tentativa de
esgotamento do indivíduo pela perda de sono» (Nota 3).
Contra algumas opiniões no seio do partido, segundo as quais se espalhava o terror entre os
militantes ao narrar as violências das torturas, Cunhal considerava, pelo contrário, que era útil
preveni-los do que os esperava. Cunhal alertou também para a táctica policial de utilizar, à vez, o
«Pide bom», que alternava com o «Pide mau», frequentemente usada, com sucesso, com as
mulheres: «Rodeiam-nas de “atenções”» — exemplificou Cunhal, ao relatar que, por vezes, «a
polícia leva a sua “amabilidade” ao ponto de autorizar visitas de famílias aos incomunicáveis ou
facilitar-lhes melhor alimentação, tudo isto com vistas a obter declarações».
A preocupação com o comportamento das mulheres na prisão, evidenciada no texto de 1947 de
Álvaro Cunhal, ficou também exposta no órgão para as funcionárias clandestinas do PCP, 3
Páginas. Num artigo desse mesmo ano assinado por «Rosária» afirmava-se que «o inimigo tem
duas máscaras: a fera e o bondoso» e que se «a presa vacilasse, esta estaria a dar uma vitória à
polícia» (Nota 4). Veja-se que, nesse período, não se falava de torturas e violências físicas infligidas
pela PIDE às presas.

Nota 1 - Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte...., pp. 684-685.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 683-708.
Nota 3 - PIDE/DGS, 6 GT, Alcino Sousa Fernandes, fl. 26, documento encontrado no arquivo de
Joaquim Pires Jorge, em 26/7/60, da autoria de «Pedro».
Nota 4 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 14499/49, 3.° Juízo Criminal, vol. 4,
caixas 234-236, 3 Páginas, de 2 de Fevereiro de 1948.

297

X.3.2. Os «desastres» de 1949


Em O Militante de Agosto de 1949 retirava-se a lição dos «desastres» que levaram à prisão do
próprio Álvaro Cunhal, de Militão Ribeiro e Sofia Ferreira e de funcionários do aparelho
tipográfico do PCP. O Secretariado considerou que essas capturas se deviam ao excesso de trabalho
dos dirigentes detidos, bem como a deficiências no trabalho conspirativo na defesa dos quadros e
do aparelho técnico. Numa reunião do CC, José Gregório refutou a explicação, segundo a qual
apenas «iniciativas e acções de elementos fascistas locais» teriam estado na origem das prisões no
Luso, consideradas como «um dos maiores reveses experimentados em toda a sua história» pelo
PCP (Nota 1).
Revelaram-se então duas correntes no que se referia ao tipo de instalações. Uma delas, encabeçada
por Pires Jorge e Júlio Fogaça, defendia a ideia de que as novas instalações dos elementos do
Secretariado e do CC deviam ser montadas numa base absolutamente legal, devendo o PCP criar
condições financeiras para poder alugar casas com quintas, mantidas por camponeses de confiança.
Em vez da instalação das casas ilegais em locais ermos, como até então, foi defendida a sua
localização em meios grandes e centros populosos, mas a ideia não foi avante por razões
financeiras. Por outro lado, o Secretariado aconselhou os membros da direcção a apresentarem-se
bem vestidos, a não abusarem do recurso de bicicletas e a deslocarem-se à noite, de automóvel
(Nota 2).

X.3.3. Críticas a «Se fores preso...»

O certo é que, provavelmente devido aos «desastres» desse ano, que atingiram o Secretariado, o
folheto «Se fores preso...» foi então reeditado. No início dos anos 50, a versão de 1949 de «Se fores
preso...» foi debatida no interior do PCP e, nomeadamente, criticada num documento assinado por
«P.» («Paredes», Francisco Miguel, segundo Pacheco Pereira) (Nota 3) intitulado «Observações
sobre o folheto “Se fores preso camarada...”» (Nota 4). O crítico afirmava que o folheto «Se fores
preso...» fazia «concessões à traição e tolerância para com a fraqueza», por fazer «apelo ao brio, à
honradez e ao espírito de abnegação», em vez de dizer que cada comunista «tem obrigação de se
recusar terminantemente a fazer qualquer outra declaração».
Em Maio de 1951, o documento «Observações...» foi, por seu turno, considerado demasiado radical
e dogmático por «F.» — provavelmente Octávio Pato («Frazão»)5. «F.» considerava que não era
justo «definir antecipadamente para todos» o que se devia ou não declarar à polícia». Considerava,
por outro lado, que se devia «conjugar as duas faces da questão: evitar medo e pânico e preparar
para os sacrifícios e sofrimento».

Nota 1 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O Prisioneiro (1949-1960), vol. 3, pp. 49-51.
Nota 2 - Idem, «Duarte»..., vol. n, pp. 854-857.
Nota 3 - Idem, ibidem, p. 688.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 58 GT, Joaquim Pires Jorge pp. 7-24.
Nota 5 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte»..., p. 688.

298

Se era «um facto que dezenas de traidores» o tinham sido sem a polícia ter sequer utilizado a
violência, também era «um facto que muitos traíram não devido aos berros, mas a violências e
torturas usadas pela polícia».
Finalmente, «F.» assinalava a existência de uma contradição no documento: dizia-se aí, por um
lado, que a PIDE era «o mais perigoso instrumento do fascismo» e, por outro lado, que era «o
maior inimigo do nosso P. e do nosso povo». Ora, se era um instrumento do fascismo, era este que
era o inimigo principal; ou seja, «a PIDE por si só pouco significaria, se não tivesse o apoio do
conjunto das forças repressivas do fascismo» (Nota 1). Como se vê, o documento de «F.» era
revelador de uma tentativa, no seio do PCP, de descentrar a actividade deste exclusivamente da
defesa relativamente à PIDE. Ou seja, embora o PCP tivesse de ter em conta a PIDE, para se
defender dela, não era esta defesa a sua actividade principal, mas sim o derrube do «fascismo».

X.3.4. O que o PCP sabia sobre a PIDE

No arquivo de Pires Jorge («Gomes»), a PIDE encontrou um relatório de Julho de 1951, da autoria
de Alcino Sousa Ferreira («Pedro»), revelador do que o PCP sabia então sobre esse aparelho
repressivo. No capítulo «Organização policial», dava-se conta de que a luta directa contra o PCP
era conduzida pelo Serviço de Investigação da PIDE, chefiado pelo inspector Raul Porto Duarte e,
particularmente, em Lisboa, pela «brigada do Gouveia», que estava, por seu turno, ligada à brigada
exterior de José Gonçalves (Lisboa e arredores).
Sabia-se ainda que a PIDE estava a renovar os seus quadros, com base em sargentos e oficiais
milicianos, para, respectivamente, agentes e cargos de direcção. Esses homens eram caracterizados
como querendo «acima de tudo um “tacho”» e de nem serem «fascistas». Quanto ao pessoal mais
antigo, era constituído por aventureiros sem moral, que sabiam «estar queimados e, por isso,
dispostos a tudo». Dizia ainda o relatório que, entre as diversas classes, existia «uma disciplina
caserneira» e uma «subserviência miserável» e que a polícia estava a utilizar o «roulement» entre
os quadros, de forma a dar a todo o pessoal a experiência dos diversos serviços, além de os «unir e
queimar igualmente». O relatório descrevia depois os principais quadros da PIDE que lutavam
contra o PCP.
A PIDE também sabia que estava «sob vigilância» do PCP. Por exemplo, numa ocasião o
subinspector Gouveia e o chefe de brigada Casaca Velez analisaram documentos apreendidos a um
funcionário onde encontraram um pequeno bloco com uma relação dactilografada de automóveis
dessa polícia, bem como de informadores e elementos da PIDE de Lisboa e Porto, organizadas por
ordem alfabética (Nota 2). Essas listas eram distribuídas a todos os funcionários do PCP, «com o
fim destes tomarem todas as precauções ao assinalarem qualquer viatura ali indicada, nas
proximidades».

Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 15935/57, 3.° Juízo Criminal, autos de
instrução preparatória, Aida Magro («Lídia» ou «Eva»), vol. 9, fl. 585.
Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, p. 248.

299

O facto de os nomes dos membros da PIDE constarem no Diário do Governo, contra o que, como
se viu, vários directores dessa polícia se queixaram, possibilitava ao PCP um conhecimento de
quem era quem (Nota 1).

X.3.5. O aumento da repressão em 1959 e um documento incómodo

O facto de muitos dirigentes e militantes do PCP se terem evidenciado na campanha eleitoral para a
Presidência da República de 1958 levou a inúmeras prisões no ano seguinte, atribuídas num
documento de Pedro Soares («Moreno») à análise optimista do panorama nacional e respectiva
«subestima do perigo fascista» (Nota 2). Ao analisar os «últimos golpes», logo em Janeiro de 1959,
o CC emitiu um comunicado onde se referia o suplício da «gota de água» infligido a Rogério de
Carvalho, bem como o enlouquecimento do mineiro do Lousal, Manuel da Égua, obrigado a fazer
«estátua» (Nota 3). Além disso, numa linguagem apocalíptica, o comunicado dava conta das
deformações físicas irreversíveis do trabalhador de Montemor, António Farrica, após torturas, e os
espancamentos no ventre infligidos a Adélia Terruta, nos últimos dias da sua gravidez. O certo é
que o CC optara então por dar uma imagem negra e violenta da repressão contra os comunistas,
mas também sobre outros «portugueses honrados» (Nota 4).
As prisões de 1959 levaram também à reedição, ainda nesse ano, pela terceira vez, da brochura «Se
fores preso, camarada...», em parte alterada. Embora mantivesse o mesmo índice da versão de dez
anos antes, tinha o acrescento de mais dois capítulos. Entre as alterações, contava-se a eliminação
da palavra «herói», que havia sido alvo de discussão no seio da direcção do PCP: o título «O
prémio dos heróis» (1947) passou, na versão de 1959, a «O prémio dos verdadeiros comunistas».
Na versão de 1959, foi dado maior ênfase à posição de «só fala quem quer», considerando-se que,
se «a resistência física» podia ter limites, a «resistência moral» não podia ser vencida, a não ser que
o preso quisesse.
Enquadrado na luta «contra o desvio de direita» do PCP, provavelmente da autoria de «Melo», um
documento de 9 de Fevereiro de 1960 repetia que, desde o congresso de 1946, nunca tinha sido tão
elevada a percentagem de funcionários a trair. Numa parte muito interessante do documento, o
autor criticava, depois, a forma exagerada como o Avante! referia os «métodos cruéis da PIDE».
Entre as «notícias exageradas e falsas e afirmações politicamente incorrectas», «Melo» citava, entre
outras, a (falsa) notícia do assassínio de António Farrica, de Montemor-o-Novo, e a do
espancamento no ventre de Adélia Terruta, quando a própria tinha relatado que nunca lhe tinham
batido.

Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 92/82, caixa 703, 2.° Juízo, Octávio Pato
e Albina Fernandes, fl. 623.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 89 GT, Pedro dos Santos Soares, fl. 246.
Nota 3 - Ibidem pr. 496/59, José Magro, fls. 70-71, «Circular a todos os organismos do PCP»;
Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 92/62, Octávio Pato e Albina Fernandes, caixa
703, 2.° Juízo, vol. 3, fl. 205; pr. dir. 674/59, Alda Nogueira, fl. 2; ibidem, pr. 14499/ /49, 3.° Juízo,
caixas 234-236, vol. 12, «Sobre trabalho conspirativo», fl. 26.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 36 GT, Ilídio Dias Esteves, fl. 98; ibidem, pr. 585/59, fls. 280, 406, 409,
411 e 412; Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 15684, l.° Juízo, Carlos Aboim Inglês.

300

«Melo» considerou que a falta de objectividade nas notícias sobre a repressão contribuía para
desprestigiar o partido e que bastava dizer o que realmente se passava para desmascarar a PIDE e o
fascismo.
Por outro lado, criticou o facto de a imprensa comunista dizer que a repressão se devia à
«demência» de Salazar, quando era «precisamente por estar no seu perfeito juízo» que ele
desencadeava uma repressão brutal, pois de outro modo «o governo fascista não se poderia
aguentar no Poder». O autor do documento referia, finalmente, o erro político subjacente à ideia de
que a violência policial apressaria a decomposição total do regime, considerando, aliás, a própria
«ilusória crença que “a nau salazarista estava a meter água por todos os bordos”», como a causa do
aumento da percentagem de maus portes na polícia, durante e após o período eleitoral em 1958
(Nota 1).

X.3.6. O documento da FAP e o último documento do PCP

Em 1965 já não era, porém, apenas o PCP que organizava a sua defesa contra a PIDE, mas também
os elementos organizados na FAP/CMLP, dirigida por Francisco Martins Rodrigues, Rui d’Espiney
e João Pulido Valente. Em Outubro de 1965, essa organização apresentou o texto «Reforcemos a
combatividade dos comunistas e de todos os anti-fascistas frente à PIDE», onde o PCP era criticado
por colocar o problema sob o «ângulo da honradez e lealdade», ao utilizar conceitos — inferno,
paraíso e purgatório — de «um catecismo» de tipo católico, em vez de considerar o comportamento
perante o inimigo como uma manifestação superior da luta de classes entre o proletariado e a
burguesia (Nota 2).
Como se viu, antes, durante e após a «correcção do desvio de direita», o PCP teve sempre a
tendência a explicar os desastres repressivos com o excesso de actividade de ligação dos quadros e
funcionários, no decorrer das lutas sociais e políticas. Foi assim durante o «terramoto delgadista»
de 1958, ou no ano das importantes lutas estudantis e de assalariados rurais do Sul, em 1962. Era
como se o PCP tivesse deixado de se encarar como um instrumento da luta política, para considerar
o partido como um fim em si próprio. Essa crítica foi aliás feita ao PCP pelas organizações de
extrema-esquerda, que, como se viu, surgiram com uma nova forma de actuação em que até os
dirigentes políticos participavam no activismo político de base.
Talvez por isso, o PCP resolvesse editar, em 1972, uma nova versão do folheto «Se fores preso...»,
dando-lhe um novo título — «Não falar na polícia dever revolucionário» —, não só para
acompanhar os novos tempos, em que esse partido já não era o único que estava no terreno, como
também para seguir a evolução das novas técnicas da DGS.

Nota 1 - Ibidem, pr. 16827/62, 3.° Juízo Criminal de Lisboa, João Honrado, Augusto Lindolfo e
Evelina Ferreira, fl. 711.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1397/67. FAP.

301

Num período em que havia novas formas de tortura psicológica, associadas à «estátua» e à privação
do sono, era, por exemplo, referida «a possibilidade de um preso falar sob a influência de drogas,
ou no sono». Pacheco Pereira observou que o «silêncio face à polícia» passou a ser «considerado
do ponto de vista utilitário». Mais do que recorrer ao «sentimento interior da sua dignidade»,
exortava-se o preso a procurar a sua força na «dedicação e confiança na vanguarda da classe
operária, no PCP» e na revolução mundial (Nota 1). Como se vê, de certa forma, o texto
aproximava-se mais daquele que a FAP/CMLP tinha difundido em 1965.

X.4. A LUTA DA «OPINIÃO PÚBLICA» PORTUGUESA E ESTRANGEIRA

Além do PCP e da FAP/CMLP, houve diversas outras organizações cívicas portuguesas e


estrangeiras que defenderam a causa dos presos políticos. Aproveitando a «liberalização»
marcelista, um grupo de cidadãos constituiu, porém, no último dia de 1969, a importante Comissão
Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP), que alertou, desde logo, para o facto do
diploma de criação da DGS manter em vigor toda a legislação que regulamentava aquela polícia. A
CNSPP considerou inconstitucional o DL n.° 368/72, que reorganizou a DGS (Nota 2), por levar à
supressão da assistência do advogado aos interrogatórios. Por outro lado, a CNSPP alertou contra o
eufemismo «gratificação de tecnicidade ao pessoal da DGS com funções de investigação criminal»,
receando que este fosse um «prémio à aplicação na desumanidade», nos tradicionais interrogatórios
pela noite dentro.
No final da década de sessenta, também foi muito importante a actuação de diversas Ordens de
profissionais liberais, com relevância para as dos engenheiros, dos médicos e advogados. Por
exemplo, a Ordem dos Engenheiros (OE) intercedeu pela libertação de alguns engenheiros presos,
entre os quais se contaram Acácio Pinto Barata Lima, Álvaro Veiga de Oliveira, Fernando Blanqui
Teixeira e Fernando Sousa Marques (Nota 3). Outros profissionais que colocaram paus na
engrenagem da PIDE/DGS foram médicos e enfermeiros.
Em 1957, uma enfermeira do serviço de Obstetrícia impediu a entrada na sala de observações, ao
chefe de brigada da PIDE que acompanhava a detida Maria Fernanda Ferreira Alves, internada sob
prisão. No ano seguinte, o professor Eduardo Coelho, director da Faculdade de Medicina de Lisboa
(Hospital de Santa Maria) transmitiu, ao ministro da Saúde, que era «altamente prejudicial» a
presença de agentes dentro dos seus serviços.
O director da PIDE respondeu que tudo parecia decorrer «do desagrado pessoal» do Dr. Eduardo
Coelho relativamente à PIDE (Nota 4).
Ao narrar a sua passagem pelo hospital de S. José, numa ocasião em que tinha ficado ferido, ao ser
capturado pela PIDE, nesse mesmo ano, Carlos Brito contou que o médico ordenou aos agentes
dessa polícia para ficarem à porta da sala de observações.

Nota 1 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... «Duarte»..., pp. 704-708.


Nota 2 - PIDE-DGS, pr. 1327 CI (1) volume 1, pasta 4, Carta da CNSPP ao Presidente do Conselho
de Ministros.
Nota 3 - Idem, pr. 5140 CI (1), Ordem dos Engenheiros, fls. 8, 9, 10, 16, 20, 24, 41, 54, 82,
90, 94, 98, 102, 106, 116, 112 e 123.
Nota 4 - Idem, pr. Dir. 42/952 s. Inv.

302

Depois, numa ocasião, em que Brito esteve na tortura do sono, o inspector Boim Falcão ameaçou-o,
devido à cena no hospital, barafustando que a PIDE iria «tomar conta daquela célula do S. José»
(Nota 1).
No entanto, foi, por razões evidentes, a Ordem dos Advogados (OA) a associação profissional que
maior actividade teve contra as violências da PIDE/DGS, até porque muitos dos seus associados
foram advogados de defesa dos detidos políticos (Nota 2). Em Julho de 1951, o Conselho Geral da
OA aprovou um parecer de protesto contra a presença de um guarda prisional nas visitas entre os
advogados e os presos políticos (Nota 3). A partir de 1958, José Magalhães Godinho, então
secretário do Conselho Geral da OA, defendeu, numa exposição do ministro da Justiça, que o
interrogatório deveria ser feito, na presença dos advogados dos constituintes ou do defensor
oficioso (Nota 4).
Em 1963 e 1965, o conselho geral da Ordem dos Advogados (OA), através do seu bastonário Pedro
Pita, apresentou, por duas vezes, um documento sobre as «ilegalidades constitucionais» cometidas
pelas duas polícias instrutórias (PIDE e PJ)5. A questão da assistência dos advogados aos
interrogatórios foi retomada, em final de 1970, por associados da OA, ao elogiar um recente
acórdão da Relação do Porto, «que decretou a ilegalidade da prática uniformemente seguida pelas
Polícias de proibirem a assistência do advogado aos interrogatórios do arguido durante a instrução
preparatória» (Nota 6).
Face a novas queixas da OA, Barbieri Cardoso lembrou à tutela, em 1971, que os actos de instrução
preparatória haviam ficado a cargo do Ministério Público e dos funcionários superiores da PJ e
DGS e que como estas polícias não eram parte do processo, não se previa a assistência de advogado
aos interrogatórios. Cinicamente, acrescentou que, anteriormente ao despacho de pronúncia
provisória, a assistência de um advogado serviria apenas para «vexar» inutilmente o arguido,
«perante mais uma pessoa com uma imputação que poderia não obter um juízo de probabilidade»
(Nota 7).
Em Novembro de 1972, ocorreu o I Congresso Nacional de Advogados, aberto pelo bastonário
Almeida Ribeiro, que reafirmou a necessidade do princípio da assistência dos advogados ao
interrogatório dos arguidos, que a lei já então consagrava no caso da PJ. O bastonário Almeida
Ribeiro apelou ainda ao titular da pasta da Justiça, no sentido de se abolir «as tão criticadas
medidas de segurança e reduzir os prazos, excessivamente longos, de prisão preventiva na fase
instrutória». Lembre-se que o congresso teve sucesso pois as medidas de segurança acabaram por
ser abolidas, embora só na metrópole.

Nota 1 - Miguel Medina, Esboços, volume 2, testemunho de Carlos Brito, pp. 16 e 17.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 13.013 SR, delegação do Porto, Orlando Juncai da Silva, fl. 29.
Nota 3 - Ibidem, pr. 108/52, Pedro Manuel Ramos de Almeida e Maria da Luz Cabral Gomes da
Costa, fls. 49 e segs.
Nota 4 - Diário de Notícias, de 22 de Novembro, e Primeiro de Janeiro, de 23 de Novembro.
Nota 5 - Duarte Vidal e Francisco Salgado Zeriha, Justiça e Polícia, Lisboa, ed. autores, 1969.
Nota 6 - Fernando Abranches-Ferrão e Francisco Salgado Zenha, O Direito de Defesa e a Defesa do
Direito, Lisboa, 1971, pp. 32-38, 43-49 e 58.
Nota 7 - MAI-GM, caixa 172, pasta «I.isboa».

303

A nível internacional, a Comissão Internacional de Juristas (CIJ), com sede em Haia, esteve
também atenta ao que se passava em Portugal, noticiando as arbitrariedades policiais e judiciais.
Enviou também observadores aos julgamentos políticos, como foram os casos, em 1962, 1963 e
1964, dos advogados Hans Rau, Patrick Hallinan, Audrey Sander e Ian Macdonald. Posteriormente,
a PIDE e o governo passaram a evitar a presença desses observadores e de jornalistas estrangeiros,
em Portugal (Nota 1).
No entanto, a mais importante organização internacional, a interceder pelos presos políticos
portugueses, foi a Amnistia Internacional (AI), fundada na Grã-Bretanha, em 28 de Maio de 1961,
pelo advogado inglês, Peter Benenson. Este contou aliás que a AI se devia a Portugal, pois tinha
sido ao ler uma notícia sobre a prisão de dois estudantes quando brindavam pela democracia, em
Lisboa, em 1960 (Nota 2), que resolvera escrever um artigo que dera origem à Amnistia Britânica,
embrião da AI.
A actividade do comité britânico da AI, que fez campanha a favor das presas políticas Piedade
Gomes dos Santos, Ivone Dias Lourenço e Fernanda de Paiva Tomás, ganhou tal amplitude, que a
PIDE de Moçambique transmitiu, nesse ano de 1964, a morada da sede dessa associação em
Londres, com informações sobre quem lá entrava (Nota 3). Nesse ano a médica Julieta Gandra foi
aliás eleita «prisioneira do ano», pela AI (Nota 4). Em 1973, a AI organizou, em Paris, um
Congresso Mundial pela Abolição da Tortura, onde participou o psiquiatra português, Afonso de
Albuquerque (Nota 5). Pouco faltava para a queda do regime ditatorial.

X.5. RELAÇÕES PÚBLICAS DA PIDE/DGS

A PIDE/DGS sempre se preocupou em dar, a outros organismos do Estado e ministérios, os


argumentos para justificar a sua acção e responder às críticas, vindas tanto de Portugal, como do
estrangeiro. Por outro lado, nunca deixou de enviar para os meios de comunicação social notas
oficiosas a informar sobre as detenções que fazia entre os militantes do PCP e da extrema-esquerda.
Essas notas de imprensa serviam dois propósitos, ligados ao facto de a repressão, exercida por essa
polícia, ser selectiva e de pretender ter um aspecto preventivo. Ao publicitar as detenções que fazia,
a PIDE/DGS quis, por um lado, dar de si própria uma imagem de eficácia, e, por outro lado,
atemorizar o grosso da população, avisando-a do que acontecia aos recalcitrantes políticos.
A PIDE/DGS teve também a preocupação, por vezes, de dar dos seus elementos, temidos e
desprezados, uma imagem de homens normais.
Nota 1 - Ibidem, caixa 252, Bulletin de la Comission des Juristes, n.° 15, Abril de 1963. «Un
procès politique au Portugal»; cf. também pr. 2332/57 SC, Comissão Internacional de Juristas, fls.
37, 50 e 58.
Nota 2 - Jornal de Notícias, 2/3/1981.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 264.
Nota 4 - Idem, pr. cr. 715/59 SR.
Nota 5 - Idem, pr. 1078 Cl (2) SC, Amnesty Internacional, fls. 25, 149, 170, 266, 300, 314, 321,
373 e 384.

304

Por exemplo, o Diário do Norte, de 20 de Março de 1952, noticiou a realização de «Um casamento
na PIDE», de um preso político, na delegação dessa polícia no Porto, ao qual haviam assistido o
inspector Diogo Alves e o subdirector, tenente Rogério Coelho Dias, «que concedeu as maiores
facilidades para que o vivo desejo dos noivos fosse realizado» (Nota 1). Tratou-se do preso, Carlos
Gaspar, um militante do PCP, expulso, não só pela colaboração que dera à PIDE, como por ter
permitido essa operação de propaganda da polícia (Nota 2). Para efeitos de propaganda e de
relações públicas, a PIDE não deixou ainda de promover alguns inquéritos internos a possíveis
torturas, precisamente, para melhor continuar a torturar. (Nota 3)
Por outro lado, o regime também se preocupou em limpar a imagem da sua polícia política. Em
1953, foi editado um livro oficioso sobre os vários organismos policiais portugueses, onde um
capítulo era dedicado a «corrigir ideias erradas» sobre a PIDE. O livro esclarecia que, «pela
natureza sigilosa das suas funções», os frutos do seu trabalho eram «geralmente ignorados», mas
que havia «a vantagem em restabelecer relações com o público a fim de o trazer informado» da sua
missão, vilipendiada por muitos. Os autores lembravam «que o total repúdio por parte da PIDE dos
processos de coacção» obrigava essa polícia a «uma complicada relojoaria» de vigilâncias e
diligências. Após afirmarem que o figurino da PIDE era «exclusivamente português», elogiaram a
«orientação psicológica dos serviços», terminando a dizer que tinha sido essa polícia a assegurar a
Salazar «a ordem nas ruas para que ele pudesse pôr ordem no demais» (Nota 4).
No final do regime, quando a violência policial recrudesceu, acompanhada de um aumento os
protestos contra ela, Silva Pais afirmou que «serviços» como os da DGS não deviam ser
«desconhecidos» pelos portugueses (Nota 5). O certo é que essa polícia decidiu criar, em Outubro
de 1971, a revista Continuidade, dirigida pelo inspector-adjunto Lopes Veloso, distribuída
gratuitamente, com publicidade paga por vários bancos, bem como pelas empresas Grão-Pará, J.
Pimenta e pelos hotéis Alvor Praia, Cidadela de Cascais e Vau Portimão (Nota 6).
Depois da divulgação internacional dos massacres de Wyriamu, em 1972, Marcelo Caetano enviou,
à DGS, um despacho acerca da «campanha a tocar a tecla das “torturas” a presos», onde, como se
verá pelo seu teor, admitia implicitamente os factos que dizia condenar e que sempre negara que
existissem:
«O combate à criminalidade, a defesa da ordem pública e das instituições, têm de processar-se com
vigor e tenacidade, mas de modo que se não dêem argumentos ao adversário contra quem o
persegue. Se os criminosos espalharem calúnias contra a polícia é preciso poder demonstrar, de
consciência tranquila, que são calúnias.

Nota 1 - Arquivo da PIDE/DGS no LAN/TT, pr. 420 GT, Carlos Augusto Gaspar, fl. 25.
Nota 2 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal... O Prisioneiro (1949-1960), volume 3, p. 270.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, volume 1, testemunho de Carlos Aboim Inglês, p. 21.
Nota 4 - Polícias, 25 Anos ao Serviço da Nação, dir. Ferreira de Andrade e Luís Ferreira, Lisboa,
1953.
Nota 5 - J. M. Campos e L. Pereira Gil, Opressão (Fascismo) e Repressão (PIDE), pp. 160-163,
161.
Nota 6 - AEPPA, Elementos para a história da PIDE, «Para que o tribunal julgue a PIDE, n.° 1,
1976, p. 22.

305

É neste espírito que deverão ser recordados aos serviços os seguintes princípios:
1. Agressão a presos. — Bater num homem privado da sua liberdade e em manifesta desigualdade
de meios é sempre uma cobardia.
Agredir um detido para averiguações a fim de o «fazer falar», revela, além do mais, falta de técnica
de investigação e como o arguido pode depois vir a negar tudo quanto afirmou sob coação física
(...)» (Nota 1).
Apesar desse despacho, nada se alterou no que respeitava a violências praticadas da DGS, que, até
ao fim, continuou também a defender a sua imagem. Por exemplo, em Fevereiro de 1974, a DGS
assegurou que, do exercício da sua acção, jamais resultara «qualquer ofensa aos direitos, liberdades
e garantias individuais dos cidadãos portugueses». Diga-se, porém, que acrescentou a esta frase, a
expressão «salvo, os casos restritos» quando indivíduos fizessem uso desses direitos, «para
prejudicar os direitos de terceiros ou para lesar os interesses da sociedade» (Nota 2).
A necessidade de esclarecer a acção da polícia política levou mesmo um funcionário da DGS a
propor, num memorando confidencial, datado de 8 do derradeiro mês de Abril de 1974, a criação de
um Gabinete de Relações Públicas, com o objectivo de dar «uma imagem real e dignificante da
DGS» e criar um «clima favorável entre um serviço público particularmente criticado e os seus
públicos e meios materiais» (Nota 3).

Nota 1 - Arquivo da PIDE/DGS no LAN/TT, pr. 12641 Cl (2). Circular n.° 72 - l.a D. I.
Confidencial, enviado aos chefes de posto da DGS.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 266, pasta «actividades anti-situacionistas, de Julho a Setembro», 1964.
Nota 3 - Arquivo da PIDE/DGS no LAN/TT, Catálogo da exposição sobre a PIDE/DGS no
AM/TT, CAT 85, volume I.

<Página em branco>

QUARTA PARTE - OS MÉTODOS DA PIDE/DGS

308

XI. A INFORMAÇÃO E OS INFORMADORES

Procurar-se-á, nesta quarta parte, analisar os métodos utilizados pela PIDE/DGS nas várias fases do
processo repressivo até ao julgamento: a informação, a vigilância, a captura, a investigação e a
instrução do processo. Lembre-se que, nos últimos anos, a DGS era composta por quatro direcções
de serviços: a Direcção de Serviços de Informação (DSI), que incluía os arquivos e geria os
informadores; a Direcção de Serviços de Investigação e Contencioso (DSIC), que incluía os
investigadores; a Direcção de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (DSEF) e a Direcção dos
Serviços Administrativos (DSA) (Nota 1).
A PIDE/DGS era, assim, constituída por dois grandes sectores: o da informação, onde se incluíam a
escuta telefónica, a intercepção postal, os ficheiros, a vigilância directa e os informadores, e o de
investigação, que se ocupava dos interrogatórios e da instrução dos processos. Embora esses dois
sectores estivessem interligados, não deixou, porém, de haver, ao longo dos anos, uma rivalidade
entre eles, como se pode ver, aliás, através das afirmações de alguns importantes elementos dessa
polícia. Por exemplo, o ex-inspector Fernando Gouveia afirmou que a PIDE/DGS «não possuía um
serviço de Informação à altura das organizações clandestinas comunistas e o pouco que se fazia
para as combater devia-se ao trabalho de investigação e ao aproveitamento de toda a documentação
apreendida». Lembre-se que ele próprio tinha pertencido ao Serviço de Investigação (Nota 2).
Tal como Fernando Gouveia, o ex-inspector António Rosa Casaco, num provável ajuste de contas
com os seus ex-colegas da polícia, afirmou que esta tratava informação em «cima do joelho», que
os seus membros eram «amadores» e muitos dos seus dirigentes «ineptos». Acrescentando que a
informação era, «por razões evidentes, uma questão vital em qualquer serviço de Intelligence»,
queixou-se de que «nesta área a PIDE enfermava de grandes e graves deficiências». Quanto aos
Serviços de Investigação, Rosa Casaco não deixou de confirmar que a PIDE/DGS actuava «de uma
forma mais ou menos severa nos interrogatórios» e que o «mais elementar» era «o chamado
interrogatório contínuo».

Nota 1 - MAI-GM, caixa 129, «Organização da PIDE».


Nota 2 - Fernando Gouveia, Memórias de um Inspector da PIDE, p. 439.

309

Ao mesmo tempo que afirmou que «sobre os presos não se exerciam quaisquer outras violências»,
admitiu que um ou outro funcionário da polícia se tivesse «excedido no seu comportamento, até por
razões de ordem emocional» (Nota 1).

XI. 1. Os SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO

Nos anos 50, o Serviço de Informação era dirigido por Ferry Correia Gomes, substituído, devido à
sua morte, pelo seu adjunto, Manuel da Silva Clara. Com a chegada de Fernando da Silva Pais à
chefia da PIDE e a reentrada de Barbieri Cardoso, em 1962, Álvaro Pereira de Carvalho substituiu
Silva Clara e reorganizou o sector de informação, que melhorou substancialmente. No entanto, no
período final do regime, assistiu-se à deterioração da qualidade do sector informativo, com o
crescendo das lutas e os novos tipos de acção da oposição.
A DGS viu-se nomeadamente incapacitada de gerir o aumento exponencial das informações, em
parte devido à transferência para as colónias africanas dos seus melhores quadros e ao facto de não
ter possibilidade de preparar «convenientemente» outros (Nota 2). Por outro lado, o serviço de
microfilmagem era pouco eficiente e a utilização das técnicas criptográficas fazia-se de uma forma
rudimentar (Nota 3). É certo que estava planeada a computorização do sistema informativo,
havendo indicações de que a DGS chegou a encetar negociações com a IBM e que o tratamento
informático deveria iniciar-se em Fevereiro de 1975 e que um projectado centro mecano do
Ministério da Justiça seria ligado ao da polícia política (Nota 4).
José Freire Antunes afirmou que, com o «eclipse de Salazar», se acentuou na PIDE/DGS o
«desfasamento entre os serviços de informação e de investigação», surgindo «curtos-circuitos
operacionais». Numa entrevista recolhida por esse autor, o ex-director da DSI, Pereira de Carvalho,
contou que, «no tempo de Salazar, tudo reentrava em ordem após as eleições». No entanto, após as
eleições de 1969, a DGS teve de lidar, segundo ele, com diversas formas de oposição «legal», além
de se confrontar com a entrada em acção da ARA, da LUAR e das BR, para a qual essa polícia não
estava preparada. Foi nesse contexto que Pereira de Carvalho, segundo o próprio, apresentou um
projecto de reestruturação da DGS, onde propunha o desaparecimento da DSI. Sugeriu que essa
polícia apenas ficasse com a «repressão preventiva», tornando-se uma agência de inteligência,
enquanto a responsabilidade pelos presos e a instrução dos seus processos seria atribuída a outra
polícia, possivelmente à PJ. O ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, discordou, porém, desse
projecto, alarmando-se com a quantia exigida para tal reorganização (Nota 5).

Nota 1 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, pp. 81 e 82.
Nota 2 - «Uma CIA de trazer por casa», in O Jornal, 30/1/1975, pp. 16-18.
Nota 3 - Diário Popular, 7/2/1975; José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 180-183.
Nota 4 - «Uma CIA de trazer por casa», in O Jornal, 30/1/1975, pp. 16-18.
Nota 5 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 180-183.

310

Em 24 de Agosto de 1970, a DGS enviou ao SNI um relatório informativo sobre a DSI, chefiada
por Álvaro Pereira de Carvalho, descrevendo as suas competências, entre as quais se incluíam
assegurar a pesquisa, a recolha, o estudo e a difusão das informações que interessassem à política
externa e interna, à defesa das instituições, à administração e à defesa do território nacional. Era,
assim, o órgão único de difusão e troca de serviços e de informações com as organizações
congéneres estrangeiras, bem como o serviço receptor das notícias recolhidas pela GNR, PSP, GF,
pela administração civil ou por outros organismos com meios de recolhas de notícias para estudo e
elaboração. Era ainda à DSI que competia a salvaguarda dà segurança pessoal do chefe de Estado,
do presidente do Conselho e de altas individualidades estrangeiras que visitassem o país, bem como
a gestão dos serviços de contra-informação.

Quadro 25 - Direcção dos Serviços de Informação

Divisão de telecomunicações Centrais de rádio e telefone


Gabinete de Coordenação Arquivo geral de processos
1 .a Divisão de Informações Território continental e insular
2.a Divisão de Informações Territórios ultramarinos
3.a Divisão de Informações Instituições administrativas do território nacional
4.a Divisão de Informações Actividades do PCP e estudantis
5.a Divisão de Informações Informação, contra-informação e segurança
6.a Divisão de Informações Apoio técnico

As seis divisões de informações (DI) eram ainda constituídas pelos Centros de Informação [CI (1) e
(2)], Centro de Operações Especiais, Gabinete do Comité Especial da NATO, duas divisões de
contra-informações (DCI), Gabinete Técnico (GT), subdelegações e postos de vigilância e pelos
serviços externos das brigadas (Nota 1). Óscar Cardoso, que chefiou, no seio da DSI, a 2.a DI,
referente a Angola e Moçambique, enquanto Abílio Pires era o responsável pela informação da
Guiné (Nota 2), explicou que, no caso das colónias, quando uma notícia chegava por documento
escrito seguia para avaliação, só adquirindo foros de informação quando era «recortada»
(confirmada) (Nota 3).
Os arquivos foram uma peça fundamental da estrutura informativa da polícia política, embora em
1961 a PIDE apenas tivesse um arquivo geral, denominado Serviço Reservado (SR). Depois,
Álvaro Pereira de Carvalho reorganizou o Arquivo Geral (AG), que, em 1974, tinha cerca de três
milhões de fichas individuais, correspondentes a um milhão e duzentas mil pessoas, cada uma com
três secções, que remetiam para o processo-crime, para os boletins de informação e para os
processos directamente políticos.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 15673 Cl (2), DGS, fl. 301.


Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso, 4.° Juízo do TM 1,
proc. 118/76, fl. 47.
Nota 3 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 88. A consideração da credibilidade da
fonte ou do informador passava pela caracterização com as letras a, b, c ou d, conforme a
idoneidade da origem, e pelo estabelecimento, em escala de valores decrescentes, com a numeração
1, 2, 3, 4, 5 ou 6, conforme a verosimilhança ou veracidade da notícia.

311

Quadro 26 - Os arquivos da PIDE/DGS reorganizados por Álvaro Pereira de Carvalho (omitido)

Estes encontravam-se no Serviço Reservado (SR), dirigido, em 1974, por Manuel da Silva Clara, e
nos CI (1), relativo ao continente, e CI (2), referente ao estrangeiro e colónias, chefiados,
respectivamente, pelo chefe de secção Joaquim do Rosário da Silva e pelo inspector Abílio Pires
(Nota 1).
Havia ainda o GT, ou E/GT, idealizado em 1958 por Pereira de Carvalho, com a colaboração do
inspector-adjunto Fernando Gouveia, que dirigiu esse sector até adoecer, em 1971, e ser substituído
pelo chefe de brigada Silvestre Delgado Luís. Segundo explicou o próprio Fernando Gouveia, ao
ser criado, em 1958, por sua sugestão, o GT tinha como objectivo «recolher do serviço de
Informação todos os elementos de interesse imediato para o serviço de Investigação».
Aquele serviço deveria receber, deste, «as cópias de todos os autos levantados aos arguidos, com o
fim de extrair o que de mais rápido pudesse interessar à orientação da informação» e ao mesmo
tempo extrair «todos os elementos que pudessem vir a constituir no futuro, antecedentes que
permitissem desenvolver a investigação no caso dos indivíduos referenciados virem a ser presos
envolvidos na organização comunista». Essa ideia inicial não foi, porém, totalmente levada à
prática, pelo que a actividade do GT se «resumiu apenas ao extracto dessas cópias dos autos, dos
tais elementos que passavam a constituir antecedentes dos indivíduos referenciados e para facilitar
a investigação no caso de cada um deles» (Nota 2).

Nota 1 - «O que era a PIDE: PIDE: gato “extinto” com rabo de fora», A Luta, parte 2, 4/6/1976;
«Uma CIA de trazer por casa (1)», in O Jornal, 20/1/1975; Diário Popular, 7/2/1975, entrevista
concedida a Nuno Vasco pelo major João Vargas.
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, Fernando Gouveia, proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, proc.
441, vol. 1, fls. 60-61.

312

Diga-se que o GT foi considerado sempre integrado no Serviço de Investigação e não no de


Informação.

XI.2. A DELAÇÃO E OS INFORMADORES NOUTROS REGIMES DITATORIAIS E


TOTALITÁRIOS
Além dos arquivos, era a rede de informadores da PIDE/DGS que constituía a força dos Serviços
de Informação. Antes de se analisar no concreto o caso português, convém dizer que o fenómeno da
denúncia e da delação é um factor típico dos regimes totalitários, autoritários e de partido único.
Num estudo sobre a denúncia no regime fascista italiano, conclui-se que os motivos dos
denunciantes não tinham, na sua maioria, um carácter político e que o caminho para a delação era
pavimentado por paixões mesquinhas, rivalidades subterrâneas, sonhos de grandeza e vontade de
afogar rancores privados através da relação confidencial estabelecida com a autoridade.
Por outro lado, ainda no fascismo italiano, a maioria das delações era de carácter horizontal: entre
operários, comerciantes ou empregados; pessoas com ligações directas ou de amizade ou
parentesco e, num número limitado de casos, o encontro casual entre estranhos. A denúncia
anónima, vertical, contra pessoas de classe social superior foi minoritária e funcionou como uma
«arma dos débeis» contra os «poderosos». Algumas cartas de denúncia apresentam formas de
atenuar a desagradável sensação de anonimato, através de expressões de participação no ideal da
comunidade política, como «grupo de fascistas» ou «camisa negra da primeira hora» (Nota 1).
Também em Portugal, o Ministério do Interior, Salazar e outros governantes receberam inúmeras
cartas de anónimos que assinavam por «bom nacionalista».
Ao comparar o caso italiano com o alemão, M. Franzinello relevou o facto de, na Alemanha nazi, a
«colaboração» dos «cidadãos» com a polícia ter sido tão maciça que, a partir de 1938, a Gestapo
apenas utilizou 20 % das cartas anónimas. Em vários estudos sobre a Gestapo, os historiadores têm
concordado com o facto de esta polícia ter contado com a cumplicidade de muitos alemães, que se
transformaram em «polícias» (Nota 2). Por seu lado, o historiador Robert Gelatelly revelou que
grande parte da eficácia das polícias locais proveio do apoio que encontraram junto dos alemães,
muitos dos quais, através da delação, foram os «olhos» da Gestapo (Nota 3).

Nota 1 - Mimmo Franzinello, Delatori. Spie e confidente anonimi: l'arma secreta del regime
fascista, Oscar Mondadori, 2002, pp. 3-6 e 11.
Nota 2 - Edouard Husson, Comprende Hitler et la Shoab. Les historiens de la RFA et lldentité ale-
mande depuis 1949, PUF, 2000, p. 178; Stalinisme et nazisme. Histoire et mémoire comparées, dir.
Henri Rousso, Éditions Complexe, 1990, pp. 30-31 e 142.
Nota 3 - Robert Gellately, «Surveillance and disobedience: aspects of the political policing of nazi
Germany», The Third Reich, ed. Christian Leitz, Blackwell, 1999, p. 182.

313

Hitler e os seus colaboradores não deixaram aliás, por vezes, de expressar alarme com o excesso de
denúncias, considerando que, na prática, elas contradiziam o ideal de coesão do povo alemão, da
Volksgemeinschaft (comunidade do povo) (Nota 1). O mesmo se poderá dizer da existência de uma
contradição entre a delação e a ideia de Estado orgânico e corporativo, quer do fascismo italiano
quer do salazarismo português, como se verá. Enquanto na Alemanha nazi 70 % das denúncias
eram assinadas, na Itália fascista — e o mesmo se pode dizer sobre o Portugal de Salazar — a
maioria das cartas eram anónimas (Nota 2).
Por seu lado, na Espanha franquista, em que se assistiu, na década de 60, a alguma liberalização
económica, um autor assinalou que a sociedade se tornou largamente «colaboracionista» com o
regime. A força da polícia adveio então menos dos seus efectivos, mas, sobretudo, do facto de se
respirar em Espanha um clima policial, em que se multiplicavam os informadores, a ponto de se
realizar uma espécie de «polícia imanente», muito mais poderosa e totalizadora que a presença
inquietante do comissário ou do inspector. Enquanto a polícia exagerava o poder dos adversários do
regime, atribuindo a qualquer um o epíteto de «comunista», a oposição anti-franquista também
inflacionou o poder policial. Ou seja, assim como o «temor da polícia multiplica o número de
polícias», o «medo da delação» e o medo generalizado, e nem sempre justificado, fazia com que se
visse polícias e denunciantes por todo o lado (Nota 3). O mesmo aconteceu em Portugal, como se
verá de seguida.

XI.3. A REDE DE INFORMADORES DA PIDE/DGS

Em Novembro de 1956, um documento interno da PIDE recomendou a criação de um grupo de


penetração no PCP e deu indicações sobre a elaboração de fichas acerca desse partido clandestino,
para apoio às operações de «contra-informação». A base desse sistema tinha sido fornecida, em
parte, à PIDE pela CIA, que, como se viu, passou a colaborar de forma mais estreita com a polícia
portuguesa, a partir desse período. A colaboração com a CIA ter-se-á também devido a elaboração
de outro documento interno da PIDE, de 8 de Março de 1957, onde se referia que «o coração de
uma organização de contra espionagem» era constituída pelos seus ficheiros (Nota 4).
Um dos elementos da PIDE que assistiu nesse ano ao curso da CIA foi Ernesto Lopes Ramos, que
aí terá aprendido métodos de infiltração, pondo-os em prática, em 1957, num campo de trabalho
para jovens de carácter ecuménico realizado em Carcavelos, organizado pela Junta Presbiterana de
Cooperação (Nota 5).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 16, 213, 222 e 223; Robert Gellately, Denunciation in twentieth-century
Germany: aspects of self-policing in the Third Reich and the German democratic republic, pp. 191-
193.
Nota 2 - Mimmo Franzinello, Delatori. Spie e confidente anonimi..., pp. 11-16.
Nota 3 - Prólogo de José Ignacio Gracia Noriega, no livro de Jose Ramón Gómez Fouz, Clandesti
nos Pentalfa Ediciones (Biblioteca Asturianista), Oviedo, 1999, in http://www.helicon.es.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 12641 CI (2), fls. 70-71.
Nota 5 - Ibidem, pr. 1741 CI (2), pasta 1, Campos de Trabalho, fls. 12-13, 114 e 116.

314

Ernesto Lopes Ramos e Mário César Pereira infiltraram-se também num grupo de jovens que se
deslocaram ao VI Festival Mundial da Juventude para a Paz e Amizade, em Helsínquia, em 1962 e
de cuja presença a polícia ficou com fotografias comprovativas (Nota 1).
Por seu turno, em Setembro de 1962, provavelmente já com a autoria de Álvaro Pereira de
Carvalho, uma circular «secreta» do director da PIDE admitia que os Portugueses já não tinham
tanto medo da polícia política como seria desejável, e, por isso, dava instruções para se fazer
renascer esse temor e melhorar a qualidade das informações sobre o ambiente político, militar,
económico e social (Nota 2). Um dos principais meios de obtenção de informações da PIDE/DGS
era o conjunto de informadores. A sua importância era tal que a ETP elaborou uma «sebenta»
própria e um manual, onde eram descritos os métodos de «colheita de informações» (Nota 3) da
parte de «colaboradores» «involuntários» ou «voluntários» (Nota 4).
Iva Delgado ensaiou uma abordagem analítica da rede de informadores do regime salazarista, onde
considerou que «muitos cidadãos que em circunstâncias normais seriam apenas isso, em regime de
ditadura» transformavam-se em delatores. Para esta autora, o «complexo de omnipresença» da
PIDE resultava «não só das funções que [o regime] exercia em muitos sectores essenciais à vida
quotidiana dos cidadãos», como da interacção dos muitos meios de vigilância de que o Estado
dispunha. Alertou, além disso, para que não se subestimasse, como «auxiliar natural da PIDE», o
«papel das populações, a tendência para o palavreado fácil, o hábito colectivo de convivência em
locais públicos, a impunidade da delação, a vingança de ódios locais» (Nota 5).
Tentar-se-á ver, de seguida, como foi a realidade desse mundo de denúncias que manchou o século
xx e faz hoje parte da história portuguesa. Realce-se, porém, que no arquivo da PIDE/DGS os
nomes dos informadores foram expurgados, tornando-se assim impossível chegar a uma conclusão
sobre o número dos mesmos. Além disso, no dia 25 de Abril de 1974, a DGS destruiu um ficheiro
onde era feita a correspondência entre os pseudónimos usados pelos informadores e a sua
identificação real (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 522/57, Festival de Moscovo, fls. 194 e segs. Contaram-se ainda, entre os que
foram ao referido festival, José da Fonseca e Costa, João Pedro Pulido Valente Monjardino, detidos
de 13 de Fevereiro a 28 de Março, Raul Pedroso Gonçalves, preso em 13 de Fevereiro de 1958 e
solto em 18 de Abril, Fausto de Oliveira Marreiros, preso em 28 de Abril e solto em 10 de Maio,
Joaquim Gonçalves, Bruce Marques Salgado, preso em 8 e solto em 22 de Abril, Ana Maria
Carvalheiro e Costa, presa entre 1 e 18 de Abril, Manuel Martins Pedro, preso em 13 de Fevereiro e
solto em 28 de Março, bem como António Louro, Gui Dutra Pacheco da Silva, João Paulo Simões
Santiago, Joaquim Gonçalves e José Ernesto Frade de Sousa.
Nota 2 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação..., pp. 84-85.
Nota 3 - Entre estes, contavam-se os métodos «a frio» (obtenção da informação a troco de qualquer
oferta ou recompensa), «por cultivação» (que requeria uma certa preparação começando por se
estudar e criar amizade com o elemento escolhido para informador), por «intermediário» (obtenção
da informação através de elemento distinto do informador) e, finalmente, por «coação» (através do
qual se obrigava o informador a fornecer dados).
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 12641 Cl (2), ETP, «Curso elementar», «O recrutamento dos agentes de
informação» e «Métodos a utilizar na “colheita de informações”»
Nota 5 - Iva Delgado, «O império da vigilância», Eleições de 1958: Humberto Delgado: As
Eleições de 58, pp. 221-223.
Nota 6 - Diário Popular, 19/11/1976.

315

O próprio Álvaro Pereira de Carvalho confirmou esse facto numa entrevista em que explicou que se
«quis impedir a prisão dessa gente» (Nota 1). Diga-se, no entanto, que a Comissão de Extinção da
PIDE/DGS afirmou que os informadores da PIDE/DGS chegaram aos 20 000, em 1974 (Nota 2),
enquanto Kenneth Maxwell citou um documento encontrado em Caxias, segundo o qual um em
cada quatro mil portugueses tinha recebido pagamentos da PIDE/ /DGS por informações prestadas
(Nota 3).
Alfredo Caldeira, que trabalhou na Comissão de Extinção da ex-PIDE/ /DGS, afirmou que, a partir
dos anos 60, quando esta polícia se tentou modernizar, os informadores passaram a ter
características diferentes. Ao lado dos «informadores velho estilo, ou infiltrados em organizações,
ou porque moravam numa zona, ou conheciam inimigos do Estado Novo», o aparelho de Estado
passou então a ser o «grande informador».
Com informação «a nível local, geográfico ou das organizações», esses informadores funcionavam
em sistema de clandestinidade, sendo escondidos pelos agentes e chefes de brigada que os
controlavam, «porque era importante a posse desses bufos para a ascensão na PIDE». Se um
informador estava infiltrado numa organização clandestina, a PIDE defendia a zona em que ele
actuava para que não fosse detectado ou chegava mesmo a prendê-lo para enganar os seus
companheiros de organização (Nota 4).
Os informadores estavam nas cidades e nos campos, nas pequenas aldeias e vilas da província, nas
empresas, nos sindicatos, nas escolas e nos cafés. Havia-os entre os trabalhadores, por exemplo,
desiludidos com uma última greve, antigos criminosos de delito comum, moradores de bairros de
lata, engraxadores, empregados de café, barbeiros, alcoólicos frequentadores de taberna, mas
também entre funcionários e intelectuais (Nota 5). João Vasco confirmou que os «bufos» não
provinham só de «uma «inferior» extracção social», havendo «o bufo de alta posição, o
denunciante por interesse de classe e de posição económica». Entre estes citou os casos exemplares
do ex-governador civil de Santarém, de um médico de Torres Novas e presidente do município
local, bem como de um antigo deputado e director da Escola Industrial e Comercial de Tomar, ou
de um advogado que recebia da PIDE/DGS 10 000$00 (Nota 6).
Quanto aos motivos da delação, João Vasco referiu a ideologia e o dinheiro, mas deu, porém, outros
exemplos, como o caso de raparigas que denunciaram antigos namorados por vingança, pais que
delataram amigos ou colegas dos filhos ou doentes que depuseram contra os seus médicos (Nota 7).

Nota 1 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 180-183.


Nota 2 - Diário de Notícias, 3/8/1974.
Nota 3 - Kenneth Maxwell, The Making of Portuguese Democracy, cit. por António Araújo, «O
Fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente», in Atlântico, 25/8/2005, pp. 38-47.
Nota 4 - Diário Popular, 19/11/1976.
Nota 5 - «Mais um subsídio para o dossier da PIDE», in Sempre Fixe, 10/8/1974.
Nota 6 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 75.
Nota 7 - Diário Popular, 7/2/1975.

316

A chantagem também foi utilizada pela PIDE: por exemplo, o chefe de brigada Américo Coelho
«terá forçado uma senhora a tornar-se informadora ameaçando-lhe de prender e maltratar o
sobrinho (que pertencia a organização comunista estudantil)», chantageando-a depois com a
ameaça de a desmascarar como informadora (Nota 1).
Os informadores estavam distribuídos por zona geográfica ou campo de trabalho, não se
conhecendo entre si e dependendo de inspectores ou chefes de brigada que guardavam segredo
sobre a identidade (Nota 2). Por exemplo, os informadores das zonas de São João da Madeira,
Braga e Guimarães eram controlados pela delegação do Porto, enquanto a de Coimbra tratava da
Covilhã, embora, por exemplo, Castelo Branco coubesse ao posto da Guarda. Por seu turno, o posto
de Santarém coordenava as informações de Alpiarça, Entroncamento e Azambuja (Nota 3).
Ligada, por exemplo, ao posto de Peniche da PIDE havia, em 1968, uma informadora com o
pseudónimo de «Luís Perdigão». Outro informador que actuava na Figueira da Foz, avisou por
carta a PIDE de que se algum agente fosse a sua casa, nunca perguntasse pelo «Américo», pois esse
era o nome que só usava para a polícia, e que todos ali o conheciam pelo seu verdadeiro nome, que
era Filipe José da Costa.
Em 4 de Setembro, esse informador escreveu ao «senhor Pereira» (provavelmente Pereira de
Carvalho), a dar conta de que mantinha, sob sua vigilância, os «chamados republicanos», tanto
mais que se aproximavam eleições. Veja-se a continuação da sua carta:
«Continuo a escrever como dantes 3 cartas mensais, salvo ordem em contrário pois se houver
assunto de urgência, eu telefono para aí e a dizer pode vir encomenda. Quero eu dizer que podem
vir agentes para proceder a prisão ou prisões. Isto era o combinado com os senhores inspectores
que se foram embora, mas como digo, aguardo novas ordens de V. Exa., pois não quero de maneira
nenhuma que as antigas ordens sirvam de padrão.
— Envio recibo. Mais uma vez, muito Obrigado.» (Nota 4)

XI.3.1. Candidatos a informadores

Ao longo dos anos, várias pessoas tentaram ser informadores da PIDE/ /DGS, que, porém, nem
sempre aceitou essas «candidaturas». Em Fevereiro de 1960, um «ex-padre de 72 anos, que
abandonou por falta de vocação o sacerdócio», declarou, junto do Ministério do Interior, estar
«disposto a cooperar com a PIDE», mas não foi aceite devido à avançada idade e ao pouco
interesse que representava (Nota 5). Outro sacerdote, de Barcelos, que queria, ao mesmo tempo,
servir Deus e a Pátria, também não foi aceite por ter «temperamento arrebatado» (Nota 6).

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 53, nota 1.


Nota 2 - «Os bufos...», in Opção, 21/4/1977.
Nota 3 - O Diário, 1/8/1979, citando o livro A bem da Nação, de Nuno Vasco e Óscar Cardoso.
Nota 4 - PIDE/DGS, NT 9149, correspondência expedida de Peniche de Fevereiro a Maio de 1968,
fl. 643.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 196, pasta «pessoal nomeações».
Nota 6 - Ibidem.

317

Em Abril de 1963, a PIDE respondeu ao Ministério do Interior acerca de três trabalhadores


desempregados de Aljustrel que se haviam candidatado a servir essa polícia, considerando que não
eram úteis por serem considerados, «no meio oposicionista, como informadores desta Polícia, pelo
facto de serem legionários» (Nota 1). Ao candidato a «bufo» José Gonçalves Arieira, de Caxias,
que havia escrito a Salazar dizendo que se poderia infiltrar no PCP, a PIDE informou a tutela de
que a técnica «de penetração» nesse partido era diferente da que ele «ingenuamente» imaginava,
pelo que não oferecia possibilidade de qualquer colaboração útil (Nota 2).
Já em 12 de Março de 1962, o director da PIDE, Homero de Matos, informara o Ministério do
Interior de que muitos indivíduos eram «apodados de informadores desta polícia sem que na
verdade a ela prestem qualquer colaboração», até porque qualquer indivíduo conhecido ou
apontado como tal deixava de «reunir condições de poder ser aproveitado para colaborador» da
polícia (Nota 3). Relativamente a Manuel Joaquim Ribeiro da Fonseca, o próprio chefe de gabinete
do ministro considerou que não oferecia qualquer interesse, pois era do tipo de colaboradores que
pretendiam apenas exibir o crachá da polícia. Este não foi, porém, caso único e, por exemplo, na
zona coberta pelo posto de Peniche, vários indivíduos com vontade de mostrar poder afirmaram ser
informadores daquela polícia sem o serem, apesar de o estatuto de denunciante ser social e
politicamente mal visto (Nota 4).
No seu arquivo, a PIDE guardou numa pasta diversas cartas, a maioria de autoria anónima,
enviadas aos vários ministérios, à Presidência do Conselho e ao chefe do Estado, e depois
remetidas para essa polícia, a oferecerem colaboradores e informadores dessa polícia. Entre os
locais de origem das cartas contaram-se, em 1965, o Fundão, Barreiro, Sesimbra, Cova da Piedade,
Almada, Castelo Branco, Vila Franca de Xira, Cabeceiras de Basto, Macieira de Lixa, Lisboa,
Lousada-Régua, Funchal e Marco de Canaveses (Nota 5).
Nesse ano, dois jovens trabalhadores das OGMA, em Alverca, escreveram ao Ministério do Interior
pedindo para serem «informadores civis» da PIDE (Nota 6). Entre outros candidatos a
informadores não aceites pela PIDE//DGS, cujas idades oscilaram entre os 32 e os 59 anos,
contaram-se um padre de Chaves, um jornaleiro de Amarante, um caixeiro-viajante do Porto e um
oficial de diligências do tribunal de Vila do Conde (Nota 7). Quase à beira do 25 de Abril de 1974,
Francisco Pedro, desempregado de Castelo Branco, pediu ao ministro do Interior que olhasse por
ele, pois tinha passado «36 anos na vida de informações e sem nunca receber qualquer receita do
Estado» (Nota 8).

XI.3.2. A PIDE/DGS e os informadores


Nota 1 - Ibidem, caixa 277, pasta «pessoal nomeações.
Nota 2 - Ibidem, caixa 250.
Nota 3 - Ibidem, caixa 237, pasta sem nome.
Nota 4 - PIDE/DGS, NT 9149, correspondência expedida de Peniche de Fevereiro a Maio de 1968,
fls. 2, 15, 57, 101, 142, 151, 388 e 396.
Nota 5 - Ibidem, pr. 219 CI (1), Ministério do Interior, pasta 4.
Nota 6 - Ibidem.
Nota 7 - Diário de Notícias, 22/5/1975.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 219 CI (1), Ministério do Interior, pasta 4.

318

O ex-inspector Óscar Cardoso, que ingressou na PIDE/DGS nos anos 60, qualificou a denúncia
como um «flagelo» imprescindível a qualquer serviço de informação (Nota 1). Da mesma forma, o
ex-inspector Fernando Gouveia afirmou, num livro de memórias, que era «uma hipocrisia» negar a
sua utilidade, qualquer que fosse a opinião sobre a moralidade dos informadores. Esclareceu que,
no tempo da PVDE, «o recrutamento de informadores possuía um carácter mais ocasional do que
regular», sobretudo devido à «incapacidade da polícia política para manter secreta a identidade
destes “colaboradores de ocasião”», que «queimados», acabaram por ser incorporados na polícia
política «para salvar as suas vidas».
No entanto, essa integração só era viável, segundo Gouveia, para aqueles que haviam anteriormente
actuado «no meio revolucionário (revilharista)», dado que «não deixavam por isso de ser
portugueses», quando «se “viravam”, podia admitir-se que o fizessem por uma questão de
reconhecimento da obra nacional que se desenvolvia». Essa atitude era impossível no caso dos
comunistas, pois a «doença» deixava «sempre algum vírus latente» e a sua «falta de patriotismo,
por a ideologia ser de origem soviética», impedia a sua transformação de elemento «queimado» em
agente da polícia. A utilização de «colaboradores de ocasião» na organização comunista revelava-
se, além disso, pouco eficaz, devido ao «secretismo e ao conhecimento restrito que esse elemento
teria do “sector”» (Nota 2).
Segundo Álvaro Pereira de Carvalho, ex-director dos Serviços de Informação da PIDE/DGS,
entendia-se como informador «todo o indivíduo ligado ou com acesso a qualquer sector de
actividade política “identificando-se” por um pseudónimo e que como pagamento do seu trabalho
recebia um ordenado mensal contra recibo», o qual ficava consignado na designação genérica de
«serviços prestados». Havia ainda os chamados «colaboradores eventuais: os indivíduos que tendo
conhecimento de qualquer facto ou actuação política julgados suspeitos entendiam ser sua
obrigação ou interesse comunicá-los à PIDE», cujas informações podiam ser remuneradas se,
depois de estudadas, provassem ter interesse.
Alguns agentes da PIDE/DGS fingiram ter informadores para receber o dinheiro destinado aos
«bufos», outros ficavam com parte da quantia que servia para o seu pagamento e alguns
«colaboradores» inventavam informações para justificar as quantias recebidas. Por exemplo, um
indivíduo que esteve preso em Caxias, após 1974, revelou que um dos informadores, de
pseudónimo «Bruxelas», lhe confidenciara ter passado facturas por serviços prestados à polícia
política, sem nunca ter recebido dinheiro (Nota 3). Veja-se ainda o caso de «José Liberato»,
informador do chefe de brigada Farinha dos Santos, que, em 1948, escreveu ao Ministério do
Interior, a queixar-se de que este último se tinha «abotoado» com o dinheiro que lhe era devido. O
assunto foi remetido para a PIDE, que decidiu acreditar em Farinha dos Santos e considerar o
informador de «má índole» e estar «queimado» (Nota 4).

Nota 1 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 88; Bruno de Oliveira Santos, Histórias
Secretas da PIDE/DGS, p. 47.
Nota 2 - Maria da Conceição Ribeiro, A Polícia Política no Estado Novo, pp. 143-145.
Nota 3 - António Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente», in Atlântico,
25/8/2005, pp. 38-47.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 003.

319

XI.3.3. Informadores «especializados»

Embora houvesse informadores infiltrados nos meios «situacionistas», os seus principais alvos
foram, compreensivelmente, os oposicionistas do regime. Havia, por exemplo «Figueiredo»,
«Porto», «Cristóvão», «Barbosa» e, sobretudo, «Teixeira», que frequentava os cafés Brasileira e
Primus, do Porto, e foi apoiante da candidatura de Norton de Matos, em 1949 (Nota 1). Os mais
diversos meios políticos e sociais portugueses tinham informadores da PIDE no seu seio. Um deles
era «Inácio», provavelmente da Universidade de Coimbra, que, no ano de 1949, denunciou uma
conversa ouvida entre Orlando de Carvalho, membro do CADC, e Francisco Salgado Zenha. Em
1954, delatou as actividades de monárquicos, dando conta da realização de reuniões da Causa
Monárquica (CM), na Figueira da Foz (Nota 2).
Diga-se, aliás, que, tal como os católicos, os monárquicos também tinham os seus «bufos
especializados», tendo sido um deles o que se intitulava «Causa», provavelmente infiltrado na CM.
Por seu turno, o informador, com o pseudónimo «S» reportava, tal como «Causa», sobre a CM,
bem como sobre o Instituto António Sardinha, os Antigos Combatentes Monárquicos, os Círculos
Tradicionalistas Portugueses e os Combatentes do Norte (Nota 3). «S» transmitiu também à PIDE
uma informação sobre Fernando Amado, proprietário do jornal Cidade Nova e assinalou, em 1965,
que ele era membro do conselho executivo do MMI (Nota 4). Amado foi ainda alvo de denúncia do
informador «Meca», por pertencer ao CNC, em 1952, e do informador «Causa», que o referenciou,
em 1957, como um dos organizadores do Teatro Realista (Nota 5).
No final da década de 50, vários apoiantes monárquicos da candidatura de Humberto Delgado
foram denunciados pelos informadores «Maurício Andrade» e «Gouveia» (Nota 6). Em Agosto de
1962, o informador «AAA» denunciou a existência de uma célula da CM no Centro de Cultura
Popular, no CNC e em torno do jornal O Debate, dirigida por monárquicos hostis ao Estado Novo
(Nota 7). Outro denunciante de filiados da CM foi o jornalista Manuel Falcão Machado, que, com o
pseudónimo de «Josué», chegou a informar a polícia sobre colaboradores do jornal Expansão, do
qual ele próprio era proprietário (Nota 8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1263 SR, delegação do Porto, vol. 1; ibidem, pr. 1986 SR, Bernardino
Machado de Sousa Vaz, fl. 29.
Nota 2 - Ibidem, pr. 735 E/GT, Orlando Alves Pereira de Carvalho, fls. 99, 108, 123, 126, 137, 149,
159, 163, 165, 167, 175 e 176; pr. 4090 CI (1), Orlando Alves Pereira de Carvalho, fls. 38, 88 e 90.
Nota 3 - Ibidem, pr. 119 CI (1), Gonçalo Ribeiro Teles, fls. 3, 47 e 49.
Nota 4 - Ibidem, pr. 540/52, Fernando Amado.
Nota 5 - Ibidem, pr. 1130/49 SR, Henrique José Barrilaro Ruas e Gastão da Cunha Ferreira, fl. 70,
cópia da estação central dos Correios, fiscalização postal interna, Lisboa 27/7/49.
Nota 6 - Ibidem, pr. 921 SR SC, pasta 2.
Nota 7 - Ibidem, pr. 540/52, Fernando Alberto da Silva Amado, fls. 5, 14, 16, 19, 21, 24, 34, 37, 38
e 43.
Nota 8 - «O crime do padre Adriano», in O Jornal, 4/7/1975, p. 5.

320
Um informador, que assinava por «Repórter X», referiu, em 1968, que havia agitação nos meios
monárquicos, por causa de uma «suposta princesa de Bragança que se diz filha de D. Carlos»,
representada pelos advogados Mário Soares e Francisco Sousa (Nota 1).
Da mesma forma que os monárquicos, alguns católicos também foram alvo de informadores, como
aconteceu com Francisco Pereira de Moura, procurador à Câmara Corporativa, denunciado, por
exemplo, em 1968, pelos «colaboradores» da PIDE no ISCEF «Glória e Vera Cruz», dos quais se
voltará a falar (Nota 2). Quando pareceu estar envolvido na tentativa de criação de um Partido
Democrata Cristão, outro católico, António Alçada Baptista, foi denunciado, em 1968, pelo
informador «Curtex» (Nota 3).
Junto de Nuno Teotónio Pereira, o informador «João Peixinho» deu conta, em 1971, da estadia
deste e da família na sua casa em Marvão, a qual foi sujeita a uma busca por parte dessa polícia
(Nota 4). Para só dar mais alguns exemplos, refira-se que, após 1974, foram detectados, como
informadores da DGS, um sacristão e um indivíduo da Covilhã, acusado de ter recebido 250$00
mensais para prestar informações sobre sacerdotes e frequentadores do Centro Católico dessa
cidade (Nota 5). Poder-se-á ter tratado do informador «Esteves», que esteve infiltrado na JOC.

XI.3.4. OS informadores nos anos 50

Também os ministérios receberam, ao longo dos anos, inúmeras informações de «colaboradores».


Ao Ministério do Interior, um anónimo escreveu, em 1950, que não era delator por «covardia», mas
por «conveniência», aproveitando, desde logo, para prestar informações sobre um caso de
desordem, provocada por... agentes da PIDE (Nota 6). No mesmo ano, nova carta anónima, de um
«nacionalista» — talvez do mesmo anteriormente referido —, denunciou irregularidades da PIDE,
entre as quais a libertação de um indivíduo preso no Porto. Em carta ao ministro do Interior,
Barbieri Cardoso esclareceu que esse indivíduo havia sido solto devido a ter prestado colaboração à
polícia na descoberta da organização comunista em Ponte de Lima e Viana do Castelo (Nota 7).
Preocupado com a quantidade de denúncias anónimas que regularmente lhe chegavam,
nomeadamente a criticar elementos do próprio regime, o ministro do Interior Trigo de Negreiros
enviou em 1951, como se viu, à PIDE uma circular a queixar-se da «utilização da calúnia como
arma política» (Nota 8).
Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 121 CI (1), fls. 3, 13, 14, 33, 35, 38, 53, 55, 62, 97, 104, 119, 122, 126,
129, 143, 144, 159, 160, 183, 187, 189-198, 202-205, 213, 215, 225, 227, 233-235, 237 e 241.
Nota 2 - Ibidem, pr. 4922 CI (1), Francisco Pereira de Moura, fls. 21, 43-45, 52, 63, 186, 200- -202,
287, 290, 325 e 327-328.
Nota 3 - Ibidem, pr. 138 CI (1), António Alçada Baptista, fls. 1, 8, 13, 22, 46, 48, 68, 141, 178, 194,
196, 205, 250, 271, 294, 327, 329, 332 e 343.
Nota 4 - Ibidem, pr. 3823 CI (2), Nuno Teotónio Pereira e Maria Natália Duarte Silva Teotónio
Pereira, fls. 32 e 53.
Nota 5 - «Lida a sentença do julgamento de António Domingues. Apenas mais dez meses de prisão
para o “pide” que matou Dias Coelho», in Diário de Notícias, 6/1/1977, p. 7.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 005.
Nota 7 - Ibidem, caixa 040, 1950.
Nota 8 - Ibidem, caixa 042, pasta «Lisboa».

321

Diga-se que os factos denunciados nem sempre mereciam o crédito da polícia. Relativamente a
uma denúncia de um indivíduo enviada à PIDE em 23 de Fevereiro de 1953, esta polícia concluiu
que o denunciante dava sinais de alienação mental. Merecedor de crédito foi, porém, também nesse
ano, um criado de café de Coimbra que tinha «muitas vezes, sem qualquer interesse monetário»,
auxiliado essa polícia «com informes de natureza vária» (Nota 1).
No mesmo ano, em Lisboa, uma informadora com o nome de código «D-43», provavelmente
Delfina Teixeira Azevedo, chefe da secção de embalagens de um laboratório farmacêutico,
compareceu na sede da PIDE, onde foi interrogada na presença do inspector Manuel Silva Clara
acerca da razão por que se tinha inscrito nas associações femininas AFPP e CNMP. Afirmou ter
sido convidada a fazê-lo em casa de Lígia Lourenço, onde encontrara Aida Magro, Helena Magro e
Maria da Encarnação Couceiro. Ao saber que Encarnação e Lígia suspeitariam da curiosidade de
Delfina de Azevedo, o chefe de brigada Miguel Cardoso aconselhou-a a «suspender a averiguação
em causa», pois estava «queimada» (Nota 2).
Em 20 de Janeiro de 1954, o comandante adjunto Trigo de Sousa, da polícia internacional de
Moçambique, escreveu ao director da PIDE a informar que um indivíduo (nome expurgado) que
vivia nessa colónia se tinha prontificado «a esclarecer, sob sigilo», as actividades comunistas do
professor José Henrique Arandes. Tratava-se de António Carlos da Maia, que, em Fevereiro,
escreveu a Salazar apresentando-lhe o seu currículo: ex-marxista, tinha-se demarcado dessa
ideologia, passando a prestar serviço à PIDE através do inspector Roquete.
Ao regressar à metrópole, fora procurado a mando do inspector Ferry Gomes, e havia feito «um
relatório completo que entregou à PIDE sobre militantes comunistas nas colónias e na índia».
Embora esclarecesse que não queria «nada em troca, pois não esta[va] à venda», foi dizendo que
estava desempregado e que havia um lugar de dispenseiro na Marinha. Mais tarde, em 5 de Junho,
um chefe de brigada da PIDE declarou ter conversado com António Maia, na sede em Lisboa, sobre
a possibilidade de este continuar a dar informações sobre as actividades comunistas em
Moçambique, mas que ele nada havia dado de «palpável» (Nota 3).

XI.3.5. Informadores de «reviralhistas»

No final da década de 50, a oposição republicana e o meio reviralhista eram vigiados por «Maurício
de Andrade», próximo do Directório Democrático Social e do Partido Republicano Português (Nota
4). Em Março de 1957, outro informador do Porto, frequentador do café Excelsior, onde
diariamente se reuniam vários oposicionistas, deu conta ao agente José Roque que se mantinha no
seu posto de «observação e audição» (Nota 5).

Nota 1 - PIDE/DGS, NT 10647 e 10648, delegação de Coimbra, correspondência confidencial.


Nota 2 - Ibidem, pr. cr. 1093/54 SC, fls. 37, 38 e 90-94.
Nota 3 - Ibidem, pr. 264/52 SR, José Henrique Arandes, fls. 35-39, 43, 47 e 49.
Nota 4 - Ibidem, pr. 131/48 SR, Maria Emília Archer Eyroles Baltasar, fl. 234.
Nota 5 - Ibidem, pr. 13.013 SR, delegação do Porto, Orlando Juncai da Silva, fl. 63; ibidem, pr.
1986 SR, Bernardino Machado de Sousa Vaz, fl. 24.

322

Outro que informava sobre esse meio, em Lisboa, era «Jacinto Lemos» ou «Jacinto», que em 1957
deu conta de uma reunião da candidatura de Azevedo Gomes. Depois, denunciou diversos
apoiantes de Humberto Delgado (Nota 1) e outros oficiais das Forças Armadas, com os quais falava
nas tertúlias dos cafés, como as da Casa Chinesa, do Estrela de Ouro e da Livraria Portugália, no
Chiado (Nota 2).
No ano seguinte, este informador, que passaria em 1961 a usar o nome de «Evaristo», estava
próximo da Comissão Cívica Eleitoral e dos oposicionistas Cunha Leal, Jaime Cortesão e Ferreira
de Castro, também «cobertos» por «Joaquim Manuel» (Nota 3). Este último frequentava o Café
Brasileira de Lisboa, onde também actuavam «Haga» e «Campos» (Nota 4). As reuniões da revista
Seara Nova eram «cobertas» pelos informadores «Maya» e «Victor», que enviou à PIDE listas de
recolha de assinaturas para essa publicação, dizendo que estas estariam melhor na «mão do senhor
Inspector».
«Jorge Machado» transmitia informações sobre o DRIL, afirmando que pelo menos duas pessoas
suas «amigas», em Paris, o Dr. (Emídio) Guerreiro, seu antigo professor, e o engenheiro António
Brotas, estavam ligadas a essa organização. Numa nota de 5 de Fevereiro de 1957, o mesmo
informador deu conta de que, pedindo-lhe para não fazer uso da informação, um «amigo» lhe havia
dito que iria publicar um artigo sobre as «medidas de segurança». Esse «amigo» era António
Brotas, com o qual o informador marcou um encontro na Rua Duque de Ávila em Lisboa, para dele
receber uns documentos (Nota 5). As reuniões da Comissão Cívica Eleitoral eram relatadas à PIDE
pelo informador «Santarém», que, em 18 de Abril de 1958, perguntou à PIDE se devia ou não «ir à
reunião conforme estava indicado» (Nota 6).

XI.3.6. Informadores da campanha presidencial de 1958

As eleições presidenciais de 1958 vieram colocar em primeiro plano a própria existência da PIDE,
conforme afirmou Iva Delgado, segundo a qual os «informadores passaram a ser farejados» e a
sociedade descobriu-se então delatora, «num universo concentracionário sufocante em que metade
do país vigia a outra metade» (Nota 7). Em 14 de Maio desse ano, «Nunes da Silva» relatou à
polícia uma conversa entre Humberto Delgado e José de Barahona, em que o general teria dito só
ter «um caminho a seguir, renunciar ou ir para a revolução» (Nota 8).

Nota 1 - Ibidem, pr. 921 SR SC, pasta 2.


Nota 2 - Ibidem, pr. 122/487 SR, Júlio Botelho Moniz, fls. 79 e 86.
Nota 3 - Ibidem, NT 9079, fl. 7.
Nota 4 - Ibidem, pr. 122/487 SR, Júlio Botelho Moniz; ibidem, pr. 397 Cl (1), Francisco Lino Neto,
fls. 6, 10, 20, 25, 34, 35, 38, 41, 51-91, 97, 99, 101, 102, 106 e 110; ibidem, pr. 180 E/GT, Rogério
Paulo, fls. 23, 98, 107, 110, 136, 144, 146, 153, 156 e 167.
Nota 5 - Ibidem, pr. 2393 Cl (2) SC, António Brotas, fls. 20 e 233; ibidem, pr. 921/SR SC, pasta 2.
Nota 6 - Humberto Delgado: As Eleições de 58, Documento 13, pp. 549 e 551.
Nota 7 - Iva Delgado, «O império da vigilância», Humberto Delgado: As Eleições de 58, pp. 215,
216 e 223.
Nota 8 - Humberto Delgado: As Eleições de 58, Documento 23. pp. 570-571.

323

A chegada, nesse mesmo ano, de Humberto Delgado à estação de Santa Apolónia para apanhar o
comboio que o levaria ao Porto, numa viagem da candidatura, também foi relatada por um
informador que, aliás, participou na viagem ao Porto do candidato presidencial. Depois de relatar
que, «em Coimbra, Aveiro e Gaia, entraram alguns membros da comitiva do general», considerou
que «o pior» tinha sido na estação de São Bento no Porto, onde «a estação, o largo fronteiriço, parte
da Avenida dos Aliados e ruas das imediações, estavam repletos de povo» (Nota 1).
Dois dias depois, um agente da PIDE também descreveu essa viagem ao Porto (Nota 2), enquanto o
informador «Jacinto Lemos» «cobriu» o regresso do general Delgado à estação de Santa Apolónia,
bem como os tumultos que em Lisboa se verificaram. Numa informação de 17 de Maio, este
informador contou ter ouvido, no «n.° 148, da Avenida da liberdade» (sic), sede da candidatura,
diversas conversas segundo as quais os distúrbios, na estação de Lisboa tinham sido provocados
por «agentes da PIDE», munidos de «bastões escondidos debaixo do casaco» e que, «de sociedade
com os legionários, começaram a dar “vivas” a Salazar na altura da chegada do comboio» (Nota 3).
Outros dois informadores junto da candidatura do general Humberto Delgado tinham,
respectivamente, os pseudónimos de «M-3» e «Max». Em Maio de 1958, este último avisou a PIDE
de que elementos comunistas se estavam a aproximar da candidatura do general e, em Julho, deu
conta do resultado da vigilância que ele próprio exercera junto de Piteira Santos — lembre-se que,
em 1951, este era vigiado pelo já referido «Nunes da Silva»4. «Max» informou também sobre
vários colaboradores do «famigerado general», entre os quais se contaram Rolão Preto e a sua filha
Rita, Acácio Gouveia, Joaquim Bastos, Moreira Ascensão e António Sérgio (Nota 5).
Um caso terrível ocorreu no início da década de 60, quando um filho de uma destacada figura da
oposição denunciou o próprio pai e companheiros deste. Tratou-se de um caso típico de chantagem
por parte da PIDE: o subinspector Manuel Santos Cunha abordara esse filho, convencendo-o a
informar a polícia quando o pai fosse a manifestações, «evitando-lhe sarilhos ao mesmo tempo que
pouparia assim a saúde da mãe». O certo é que, pensando defender o pai, o jovem passou também a
informar, pelo menos, sobre Fernando Queiroga, que estava então em Tânger (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, Documento 25, pp. 572 e 573.


Nota 2 - Ibidem, Documento 27, pp. 580 e 581 (relatório de um agente da PIDE sobre a viagem de
Humberto Delgado ao Porto).
Nota 3 - Ibidem, Documento 29, pp. 582-584.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 1659 SR, Fernando Piteira Santos e outros, fl. 467.
Nota 5 - Ibidem, fls. 305, 336, 340-344, 354.
Nota 6 - Não se cita aqui a fonte, por razões de privacidade da pessoa envolvida.

324

XI.3.7. Informadores no estrangeiro: Tânger, Brasil e Europa

Este estava, aliás, também sob vigilância de um outro delator, em Tânger, de nome Ferreira da Silva
(Nota 1) — provavelmente o informador que assinava «Nunes da Silva» ou «N. Silva» —,
posteriormente transferido para a Argélia. O certo é que, para seguir Queiroga, a PIDE enviou nesse
ano um informador a Tânger, que remeteu a essa polícia uma informação sobre «Santos», também
conhecido como «agente provocador», que iria partir para o Brasil. O informador de Tânger pediu
que nenhum agente da PIDE tivesse conhecimento das suas informações por escrito, afirmando que
havia, «dentro da Polícia, agentes» que trabalhavam para Humberto Delgado.
Ele próprio mantinha relações com um «Carlos» ou «Cipriano» (escrito à mão pela PIDE:
«Cipriano da Cruz Afonso, proprietário do “Hotel Carlos”, em Tânger»), que lhe havia dito que
Queiroga era vigiado pelos agentes secretos Garcia, Dias e Santos, ao serviço da polícia espanhola.
O informador pediu, porém, à PIDE para não transmitir nada disso à polícia espanhola, dado que,
se o fizesse, «Carlos» saberia que tinha sido ele o denunciante. Antecipando uma pergunta da PIDE
sobre como teria ele ganho tanta confiança entre os oposicionistas de Tânger, o mesmo informador
deu conta de que tinha levado uma apresentação maçónica a «Carlos», através do qual saberia, em
Janeiro de 1960, que Fernando Queiroga ainda se encontrava «lá» (em Tânger) e estava a chamar
«as atenções das polícias com as suas parvoíces».
Em 22 de Março, o informador, que assinou algumas cartas com o pseudónimo de «N. Silva», já
estava, porém, na capital portuguesa. Transmitiu à PIDE que estava a ser solicitado para se deslocar
a Tânger, mas que não sabia se iria ele próprio ou «Santos». Assim se vê que este último também
trabalhava para a PIDE. Numa carta de 7 de Abril, «Tang.» (Tânger) deu conta de que Queiroga era
um «caso arrumado», pois tinha sido preso e expulso de Marrocos, embora a sua secretária, Maria
do Céu Alvares (ou Alves), lá tivesse ficado (Nota 2). Sobre esta última, outro informador, que
actuava no Brasil, transmitiu que tinha sido expulsa da PIDE, embora houvesse indícios de que
continuaria ligada à polícia política e estaria a funcionar como correio entre elementos do
movimento revolucionário português nessa cidade marroquina e em Portugal (Nota 3).

Nota 1 - Agentes com esse nome houve vários, além do inspector-adjunto Armindo Ferreira da
Silva, que entrou na PIDE como inspector em 1963 e, em 1974, chefiava a delegação de Coimbra.
Não se trata evidentemente deste último. Segundo o cadastro da PIDE/DGS, os outros tinham o
nome de: José Ernesto Ferreira da Silva, contratado para a PIDE em 1968, como agente auxiliar e
exonerado a pedido em 1970; Serafim Ferreira da Silva, que ingressou como agente auxiliar em
1953 e chegou a subinspector, e ainda Hermenegildo Ferreira da Silva, contratado em Angola em
1969 como agente provisório e só chegou a agente de 2.a classe. Segundo os locais onde prestaram
serviço, o primeiro e o último estiveram colocados em Angola e o segundo, nos anos 60, esteve em
Luanda e, a partir de 1965, na Guiné. Por isso não deve ser nenhum destes e é possível que Ferreira
da Silva fosse um informador e não um agente do quadro.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 11.151 CI (2), capitão Fernando Gualter Queiroga Chaves.
Nota 3 - Ibidem, informação 211/61-GU, de 23/2/1961.

325

Fernando Queiroga não era só vigiado por informadores da PIDE, mas também por forças policiais
e de informação de outros países, nomeadamente da França, da Bélgica e dos EUA. Por exemplo,
determinados serviços secretos estrangeiros informaram o director da PIDE, coronel Homero de
Matos, de que, «percebendo a continuação do interesse» por Queiroga, tinham pedido informações
sobre este às suas «diversas Estações» (Nota 1). Do Brasil, onde o dono do Hotel Carlos tinha
vivido anteriormente, o informador do Consulado de Portugal em São Paulo transmitira, em 1959,
que Queiroga havia estado em Genebra para entrar em contacto com subversivos espanhóis,
nomeadamente com os irmãos Pedro e José Vazquez Albela, mas que as autoridades suíças o
haviam expulso do país (Nota 2).
Lembre-se que estes dois espanhóis tinham sido recentemente expulsos de Portugal, após
cumprimento de parte da pena de 28 anos a que tinham sido condenados por terem participado no
roubo e assassinato de um industrial, em 1940, na Rua Bonjardim, no Porto. Neste crime, também
havia estado implicado Manuel Bruno dos Santos Cardoso, uma figura controversa, utilizada em
1954/1955 pela PIDE para incriminar Galvão, no caso «Moreanto». Depois de várias tentativas de
suicídio em 1955, a PIDE considerou que Bruno Cardoso estava em perigo de vida e decidiu o seu
internamento numa clínica psiquiátrica, «sem se atender mesmo ao aspecto de segurança». Pouco
depois de baixar ao Hospital de Miguel Bombarda, Bruno Cardoso conseguiu «evadir-se» do
respectivo pavilhão de segurança, em 13 de Maio, com outro internado que foi, porém, recapturado.
A verdade é que, em 31 de Agosto de 1960, nem a PIDE nem a PJ pareciam saber do paradeiro de
Manuel Bruno dos Santos Cardoso, embora haja na pasta da primeira polícia referente a Fernando
Queiroga um relatório sobre exilados portugueses em Toulouse a informar que Bruno dos Santos
Cardoso ali frequentava a École Supérieure du Commerce. Além disso, a PIDE foi sempre
informada acerca de Bruno Cardoso pelo seu informador em Toulouse, nomeadamente pelo que
assinava com o pseudónimo de «Bayonne» (Nota 3).
XI.3.8. Informadores junto de Humberto Delgado

Além de ter informadores em França, a PIDE também os tinha junto dos exilados portugueses
(Nota 4) em Londres, Joanesburgo, Toronto e na América Latina (Nota 5). No exílio brasileiro, um
dos «bufos» que cercavam Delgado tinha o pseudónimo de «Jorge», que pediu, aliás, para voltar a
Portugal ao pressentir que a chegada do general a esse país iria aumentar o seu trabalho
informativo. Numa investigação sobre a operação Outono (assassinato de Delgado), foi descoberto
um relatório enviado por «Jorge» à PIDE, em 16 de Outubro de 1962, onde o próprio se referia a
ele na terceira pessoa, como sendo o «bufo» de Delgado no Rio de Janeiro.

Nota 1 - Ibidem, informação 23/2/1961.


Nota 2 - Ibidem, pr. 11.151 CI (2), capitão Fernando Gualter Queiroga Chaves, informação 211/61-
GU, de 23/2/1961.
Nota 3 - Ibidem, pr. 153/54, Henrique Galvão e Abel Dias das Neves, vol. 3.
Nota 4 - Ibidem, pr. 921 — SR, informação 211/61-GU, 23/2/1961.
Nota 5 - Ibidem.

326

«Jorge» cometeu, porém, o erro de apresentar com o seu verdadeiro nome um recibo no valor de
2000 cruzeiros em troca de um seu contributo — ou da PIDE —, para a Fundação Delgado (Nota
1). O jornalista da Pravda O. Ignatiev declarou que «Jorge» era Júlio Teixeira Pinto (Nota 2).
Outro informador junto de Delgado era «G» — Gusmão Calheiros —, que teria sido membro do
PCP, de onde havia sido expulso. Tinha, porém, guardado uma aura de «homem de esquerda» e ao
chegar ao Brasil, havia ganho ascendência na União Nacional dos Estudantes, além de frequentar
algumas personalidades brasileiras — nomeadamente Álvaro Lins (Nota 3).
Diga-se que, em Maio de 1962, um informador do Brasil junto de Delgado queixou-se aos seus
«empregadores» de que estes apenas lhe tinham enviado 5000 cruzeiros em pagamento pelo
relatório referente a esse mês e se encontrava, assim, desprovido de fundos. Afirmando não ter
culpa se havia falta de «rendimento», esclareceu que não podia «trabalhar com calma não tendo o
necessário para subsistir». Entre as informações que enviou, contavam-se uma sobre encontros no
Rio de Janeiro entre Jorge Amado e Álvaro Lins e representantes do MPLA, com os quais o
informador estava intimamente relacionado (Nota 4).

XI.3.8.1. Mário de Carvalho

Na Europa, Humberto Delgado foi alvo de denúncias de «José Duarte», um informador que mais
tarde se infiltrou na LUAR e do qual se voltará a falar, cujo verdadeiro nome era António Moura
Diniz (Nota 5). No entanto, de «grande calibre» foi o informador «Oliveira», que, da Itália, atraiu
Humberto Delgado à cilada de Badajoz, onde o general e a sua secretária encontraram a morte às
mãos da PIDE. «Oliveira» era Mário de Carvalho, em cujo «passado de combate» Delgado
acreditou.
Dois autores chegaram à conclusão de que esse «currículo» era falso, entre outras razões, porque na
«biografia» de Carvalho transmitida por Henrique Cerqueira para o defender se dizia que ele tinha
participado na revolta de 1927. Ora, como nascera em 1912, Carvalho apenas teria, nesse ano, 15
anos de idade (Nota 6). Mário de Carvalho tinha de facto um passado antifascista, pois participou,
na noite de 3 para 4 de Outubro de 1930, aos 18 anos, numa manifestação comemorativa da
implantação da República, na Praça do Marquês de Pombal (Nota 7).

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 102-104.


Nota 2 - O. Ignatiev, Conspiração contra Delgado: História de Uma Operação da CIA e da PIDE:
Uma Crónica Documentada, Moscovo, Edições Progresso, 1986, pp. 83, 107, 286-287, 292, 301 e
308-309.
Nota 3 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, relatórios de informador da PIDE no Rio de
Janeiro, l.° relatório de 16/12/63, nota 1, p. 226.
Nota 4 - PIDE/DGS, pasta 1, pr. 3311, PO 255; ibidem, pr. 2515 Cl (2), fl. 299.
Nota 5 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 188-189.
Nota 6 - Idem, ibidem, p. 104.
Nota 7 - Pedro da Rocha, Escrito com Paixão, Lisboa, Caminho, 1991, pp. 17-18. Segundo relatou
o comunista Pedro da Rocha, que participou nessa manifestação, «um jovem ergueu uma bandeira
vermelha tendo, só dum lado, uma foice e um martelo». Tratava-se de Mário de Carvalho, «um
jovem, mais tarde expulso da Juventude por moralidade duvidosa e tentativa de cisão, pretendendo,
sem nenhum sucesso, criar a Juventude Espartaquista».

327

Segundo o advogado Fernando Luso Soares, o inspector Farinheira da PJ já tinha investigado, anos
antes, Mário de Carvalho, o qual se teria «profissionalizado» como informador da PIDE em
Setembro de 1962. O certo é que existe, no arquivo da PIDE/DGS, uma carta com a data desse ano
endereçada de Roma, por um indivíduo a oferecer os préstimos à PIDE e que Rosa Casaco foi
enviado a Itália para tomar contacto com ele. À capital italiana deslocaram-se ainda, depois,
Barbieri Cardoso e Pereira de Carvalho (Nota 1).
Outra prova documental de que Carvalho era «Oliveira» deve-se a um deslize do funcionário da
PIDE Rosário da Silva, do CI (2), que processou uma carta por ele enviada a essa polícia em 2 de
Maio de 1963, na qual escreveu, à margem, o nome de Mário de Carvalho. Por outro lado, nos
dossiês da operação Outono do arquivo da PIDE/DGS, vários autores encontraram dezenas de
cheques enviados a «Oliveira» e uma carta deste último endereçada a Barbieri Cardoso onde, junto
a esse pseudónimo, figura também o nome de Mário de Carvalho. Além de atrair Delgado para a
armadilha de Badajoz, Carvalho tinha também a tarefa de subornar jornalistas da imprensa do
centro e da esquerda de Roma, de modo a que estes não publicassem notícias desfavoráveis ao
governo salazarista.
Diga-se que «Oliveira» terá chegado a atraiçoar outro informador da PIDE, Ernesto Bisogno, que
possuía documentos falsos forjados pela PIDE que o davam como professor catedrático da
Universidade de Coimbra. Este indivíduo enviou uma carta à PIDE onde se revelava convencido de
que era o principal informador dessa polícia e que Mário de Carvalho, por ele recrutado, estava sob
sua dependência. Em Itália haveria ainda o informador «Manuel de Oliveira», que seria o
pseudónimo de Gianni Esposito, membro da internacional fascista, responsável por atentados em
Itália, e morto, num tiroteio com a polícia italiana, em 1969, a quem foi encontrado um cartão da
PIDE (Nota 2).

XI.3.9. Informadores no seio do meio operário e no PCP

Infiltrar o PCP e os meios operários foi evidentemente um dos principais objectivos da PIDE/DGS,
especialmente a partir de 1958, ano do «terramoto delgadista». Por exemplo, na Companhias
Reunidas de Gás e Electricidade (CRGE), a PIDE tinha um informador muito bem colocado,
integrado na célula do PCP, que denunciou operários grevistas, bem como empregados que
recolhiam dinheiro para os presos políticos. No ano seguinte, o agente Tito Levy Pires disfarçou-se
de operário da Sorefame, embora o disfarce não tivesse tido muito sucesso, dado que o próprio
assinalou que constara entre os trabalhadores a presença de um elemento da PIDE na empresa, no
dia 1 de Maio.
Na Sorefame havia um informador, chamado «José Amado», que, no ano seguinte, denunciou à
polícia três elementos do PCP nessa empresa, bem como uma concentração de cerca de 70
«esquerdistas» projectada para 22 de Março de 1958. na

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 104.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 104, 537, 549, 555, 557, 563, 581, 587 e 596.

328

Este não era, no entanto, o único informador na Sorefame, onde havia ainda os «colaboradores»
com os pseudónimos de «Atílio», «Cristo», «Manuel Tomar» (Nota 1), «Paris» e «Régua»,
elemento da célula de carpintaria do PCP nessa empresa.
Estes dois últimos informadores foram mencionados, após 1974, pelo ex-elemento da DGS Reis
Soares, que referiu ainda ter conhecido, nos Serviços Reservados, onde trabalhara sob a chefia do
inspector Ferry Gomes, «Amado» e o empregado dos correios «Chaves» (Nota 2). Este denunciou
operários da CP, da CUF, dos estaleiros navais, do Barreiro, de Queluz e do Bairro da Serafina,
enquanto o já referido informador «S» conseguiu penetrar o meio dos estivadores de Lisboa. No
«sector da Panificação», a PIDE tinha o informador «Z-13», que deu conta, em 8 de Fevereiro de
1960, de que o PCP havia dado a palavra de ordem de «infiltração e máxima propaganda» na
direcção do respectivo sindicato (Nota 3).
A PIDE e os seus informadores eram, no geral, mal vistos, mesmo por pessoas das instituições do
regime, nomeadamente as corporativas. António Pires de Lima, assistente corporativo junto do
Sindicato Nacional do Pessoal dos Carros Eléctricos, enviou em 14 de Março de 1961 uma queixa
ao ministro das Corporações e da Previdência Social contra um «Sr. Alberto» «informador da
PIDE», que o tinha posto em causa numa eleição de um organismo corporativo (Nota 4).
Quanto a informadores no seio do PCP, veja-se o caso de um que tinha a confiança de Adolfo
Ramos, pai do oposicionista Rui Ramos, o qual lhe chegara mesmo a pedir a sua casa para «ponto
de apoio aos elementos do Partido». Em Fevereiro de 1965, esse elemento assistiu ao casamento de
Rui Ramos com a filha de José Magro, onde iriam estar presentes indivíduos do PCP, sobre os
quais enviou informações e fotografias, uma vez que tinha sido o fotógrafo oficial da cerimónia.
Pediu para a PIDE agir o mais confidencialmente possível, mas, quando esta polícia tentou depois
prender Rui Ramos e a mulher, estes conseguiram fugir «devido a um trabalho mal feito do
agente», que atraiu a atenção sobre ele. Conforme lamentou o informador, perdera-se por isso «a
ligação para o sector da construção naval», que devia ser feita por intermédio do pai de Rui Ramos
(Nota 5).
Em início de 1969, um «colaborador» da Lisnave (Nota 6) informou a PIDE de que o principal
«magnate da Margueira» a manobrar «a massa operária» era João Tavares Magro, irmão de José
Magro. A PIDE/DGS tinha ainda informadores na CP, nomeadamente em Lisboa, no Barreiro, em
Faro e em Viana do Castelo. Nesta cidade, um deles foi convidado, em 1969, por membros da
Comissão Nacional de Ferroviários, para espalhar panfletos na linha do Minho, pedindo à PIDE
instruções sobre como deveria actuar.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 167 CI (1), Sorefame, pasta 94, fls. 13, 29-30, 37, 42, 62 e 124.
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, Silvestre dos Reis Soares, 4.° Juízo do TMT, proc. 117/76, pasta
33, arquivo 340, fls. 13, 25-27 e 40.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 35/46 SR, Sindicatos, fls. 33, 86, 103 e 104.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 197.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 840 CI (1), fls. 12, 13, 19 e 21-23.
Nota 6 - «Render da guarda em Abril» parte 4, in A Luta, 7/6/1976. A rede de informadores na
Lisnave teria sido montada por Alpoim Calvão

329

Na CP de Barcarena e da Amadora actuou durante oito anos como informador, Joaquim Oliveira de
Jesus, mais tarde «gorila» no Instituto Comercial de Lisboa, que esteve inicialmente ligado ao chefe
de brigada José Gonçalves, usando o pseudónimo de «Valdemar» e de «C. Ferro». Em 1970,
ingressou na Carris e restabeleceu o contacto com a DGS, através do subinspector Inácio Ribeiro
Ferreira, usando então os pseudónimos «Juca» e «Pinheiro» (Nota 1).
Nos últimos anos do regime, Ermelindo Silva («Manuel Fernandes»), do Barreiro, prestou
informações acerca das eleições das comissões de trabalhadores da CUF e sobre a CDE, enquanto
no MOP (Movimento Democrático Português) o informador da DGS era Celso Ferreira, um
operário têxtil que foi candidato pela oposição nas eleições de 1973. Denúncias de militantes do
PAIGC e do MPLA, pelas quais recebia 2500$00 mensais, eram feitas por José Perez Féria
(«Gabriel» ou «Pedro I») (Nota 2). Outro informador era José Candeias Lourenço Canena
(«Carvalho»), natural de Baleizão, preso pela PIDE. Depois de libertado, arranjou emprego na
Federação Nacional dos Produtores de Trigo, graças ao director dessa polícia, Neves Graça, e ficou
a «colaborar» em troca de 500$00 mensais, controlado pelo posto de Beja (Nota 3).
Ao posto de Beja, dirigido nos anos 50 pelo então chefe de brigada Baptista da Silva, e, a partir de
1963/1964, por Jaime Paulino, estavam, aliás, ligados, além de «Carvalho», «Trigo», um cauteleiro
de Serpa com oito filhos, preso por ser do PCP e que também chegou a receber 500$00, bem como
inúmeros outros informadores. Entre estes contaram-se: «Alves»; «Joaquim» e «António Barata»,
de Aljustrel, este último, depois, informador de Faro; «Paulo» e «Alecrim», de Pias; «Rosa», de
Vale do Vargo; «Arlindo», de Olhão; «Cacém», «Trincheira» e «Aval de Budiosa», de Beja;
«Moreanes», de Moreanes; «Cercal», de Vila Nova de Milfontes; «Primo», de Vila Real de Santo
António; «Miramar,» da CP; «Tourega», de Valver-de-Évora; «Sebastião», de São Sebastião da
Gesteira-Évora; «Vicente», de Corte Vicente Anes (Nota 4).
Quando estava preso, após 1974, o ex-chefe de brigada Manuel Lavado referiu o nome de alguns
outros informadores infiltrados no PCP e na extrema-esquerda, antes controlados por José
Gonçalves, que ele próprio teve de «agarrar», em 1973, para os «entregar» a Inácio Ribeiro
Ferreira. Um deles era o informador «Alcântara», da Polícia Marítima e dos corpos gerentes da
Cooperativa da Cova da Piedade (Nota 5).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, Fernando José Waldeman do Canto e Silva, proc. 129/78, TMT
de Lisboa, 4° Juízo, fls. 9, 62 e 68; ibidem, José Gonçalves, TMT, 4.a Juízo, proc. 109/76, vol. 1, fl.
211; ibidem, Manuel Lavado, proc. 85/79, TMT 4.° Juízo, fls. 22-27.
Nota 2 - Diário de Notícias, 3/6/1974; O Século, 10/9/1974.
Nota 3 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, p. 21; Arquivo Histórico Militar,
José Candeias Lourenço Canena, proc. 73/77, pasta 25, fls. 3, 5 e 10; Benedito Pereira André, proc.
393/74, vol. 2, fls. 137 e 333; «Lida a sentença do julgamento de António Domingues...», in Diário
de Notícias, 6/1/1977, p. 7.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 3480/59 SR, Minas de Aljustrel, processo referente a Manuel Salvador
Bernardino, escriturário; Arquivo Histórico Militar, José Candeias Canena, proc. 73/77, do TMT de
Lisboa, pasta 25, fls. 41 e 105; ibidem, Adelino da Costa, proc. 240/78 TMT 5.°, fls. 23, 98, 100,
103, 108-109, 111-112, 211, 216 e 264.
Nota 5 - Ibidem, José Gonçalves, TMT, 4.° Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos Serviços de Justiça
da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. I, fls. 125, 126, 128 e 135.

330

O outro era um ex-empregado da CUF no Barreiro, com o pseudónimo de «Leal», cuja casa servira
de ponto de apoio a militantes clandestinos do PCP e que estava ligado a uma tipografia desse
partido no Seixal, através do funcionário Domingos Abrantes.
Entre os informadores que Lavado «agarrou», contou-se ainda o que tinha o pseudónimo de «Lide»
(Carlos Alberto Albuquerque), ligado ao ex-funcionário do PCP Guilherme Parente. Por seu turno,
«José de Matos», integrado no sector de imprensa do PCP, assistia a reuniões do Movimento
Democrático, em Coimbra, Castelo Branco, Porto, Caídas e Leiria, que denunciava a troco de
3000$00 mensais. «Joaquim», ao tempo empregado do Comissariado do Desemprego foi outro
informador da PIDE, que cedia a sua casa para reuniões do PCP, até ficar «queimado», após a
detenção de José Magro, José Bernardino e Estanqueiro, em São Domingos de Rana, em 24 de
Maio de 1962.
Esta detenção terá sido, porém, da responsabilidade de Lázaro do Carmo Viegas, que, aliás,
transportara José Magro para esse encontro e através do qual, como se viu, a PIDE conseguira, em
1961, prender os funcionários e dirigentes do PCP Júlio da Silva Martins, Octávio Pato, Pires Jorge
e Carlos Costa. Segundo referiu Manuel Lavado, Carmo Viegas («Mata», no PCP) tinha sido
detectado pela PIDE num encontro com o «colaborador» José Maria de Jesus, na Avenida 24 de
Julho e, após a detenção de Carlos Soares da Costa, havia sido preso por José Gonçalves em
Cacilhas. Interrogado, afirmara trabalhar para a PIDE e ser controlado pelo posto de Setúbal, pelo
que fora solto, ficando mais tarde a ser contactado por José Gonçalves, numa ruela junto aos quatro
caminhos da auto-estrada Lisboa-Sintra (Nota 1).
Como se viu, Lázaro do Carmo Viegas, ligado no PCP ao funcionário Francisco Canais Rocha,
tinha transportado este último, em 1961, para um encontro com Octávio Pato, na Avenida das
Descobertas, em Belém, que fora então vigiado pela PIDE. Anos mais tarde, após uma estadia na
URSS, Canais Rocha voltou clandestinamente a Portugal, mas acabou por ser detido, em 20 de
Agosto de 1968, pelo subinspector José Gonçalves, numa casa em Pinheiro de Loures, juntamente
com os funcionários do PCP José Pulquério e Úrsula Machado. Ora, os três estavam então ligados a
António José Marques Dias («Pascoal»), sobre o qual se veio a apurar que tinha sido informador da
PIDE/DGS (Nota 2).
António Viseu («Moreira», «Manuel de Oliveira», «Estiva», «Rio» ou «Manuel Rio» (Nota 3)), um
estivador do PCP, mais tarde infiltrado na extrema-esquerda, foi outro caso emblemático de
informador. Nas declarações que prestou após ser detido pelos militares, depois de 25 de Abril de
1974, afirmou que o seu primeiro contacto com a PIDE se dera em 1966, ao ser preso na estação de
Alcântara-Mar.

Nota 1 - Ibidem, fls. 41 e 45-49.


Nota 2 - Ibidem, Benedito Pereira André, proc. 393/74, vol. 2, fl. 137; ibidem, Manuel Lavado,
chefe de brigada, 4.° Juízo do TMT, proc. 85/79, auto 474 de 20/6/79, fl. 25.
Nota 3 - «Render da guarda em Abril», parte 4, in A Luta, 7/6/1976.

331

A detenção durara apenas meia hora, após a qual se teria desligado do PCP e fora levado por
«Carlos Coxo» (Carlos Arménio de Sousa), outro informador que trabalhava numa companhia de
navegação, a um encontro na igreja dos Anjos, com o chefe de brigada José Gonçalves.
A prova de que recebia dinheiro a troco de denúncias está num recibo de 30 de Setembro de 1967
no valor de 3000$00, referente a «informações prestadas» nesse mês, assinado «Estiva» e
justificado por José Gonçalves, com o qual Viseu se encontrava habitualmente, no Jardim das
Amoreiras e na esquadra da PSP da Praça da Alegria. Segundo Manuel Lavado, Viseu teria ficado
«queimado» no PCP com a prisão de Graciete Casanova, em 1967, pois fora então detido e solto
imediatamente. Ligara-se, mais tarde à FAP, através de João de Almeida Júnior, dando «à noite»
(expressão usada por Lavado para se referir a «denúncia») este último e o engenheiro Sérgio
d’Espiney. Regressara depois ao PCP, ficando ligado ao alfaiate Joaquim de Sousa Duarte, tendo
sido responsável pela prisão deste e de José Drago, na Alameda Afonso Henriques, em 20 de Maio
de 1971 (Nota 1).
XI.3.10. Informadores no seio da extrema-esquerda, na LUAR e na ARA

Viseu não se ficou, porém, por aqui, pois nos anos 70 voltaria a infiltrar-se em organizações de
extrema-esquerda, MRPP, PC de Portugal e União Revolucionário Marxista-Leninista (URML),
através do seu trabalho de estivador. Sobre esta última organização, prestou nomeadamente
informações acerca do militante Joaquim Luciano, também denunciado por Francisco Cabedal
(«Jerónimo», no PCP, e «Brito» e «Manuel Teixeira», na PIDE), a residir na Cova da Piedade.
Controlado pelo chefe de brigada Jaime Paulino, em 1964, Cabedal tinha sido detido pela PIDE em
1963, e, depois de ser solto, fora «passado» por aquele chefe do posto de Beja ao chefe de brigada
Arlindo da Costa.
A partir de 1967, passou a ser controlado pelo chefe do posto de Setúbal, José Waldeman do Canto
e Silva, recebendo entre 250 e 500$00 mensais. Em Maio de 71, entrou para o PCP, através de José
Drago, ficando a ser controlado por Augusto Lindolfo, mas, segundo afirmaria após 1974, deixou a
Lisnave, onde trabalhava, para não continuar a ser informador, e arranjou vários empregos, em
Viana do Castelo e Torres Novas. No entanto o chefe de posto de Setúbal, Canto e Silva, afirmou
num relatório de 1971 que, deixando de trabalhar na Lisnave, ele tinha ido para a CUF do Barreiro,
onde continuou a denunciar, entre outros, António Viseu, como se viu também ele informador da
PIDE/DGS (Nota 2).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.° Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
Serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 190 e 193
Nota 2 - Ibidem, Manuel Lavado, chefe de brigada, 4.° Juízo do TMT, proc. 85/79, auto 474 de
20/6/79, fls. 22-27 e segs.; ibidem, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco, proc. 66/77,
11 volumes, EMGFA, 1.ª secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 4; ibidem, Benedito Pereira André, 4.°
Juízo do TMT, proc. 393/74, vol. 2, fl. 137; ibidem, António Capela, proc. 4/80, pasta 60, arquivo
598, proc. 1628 de 75, auto de corpo delito, vol. 115/5/75; ibidem, Francisco Cabedal, proc.
247/78, TMT Lisboa, pasta 62, vol. 2, auto 265/74, fls. 223, 274 e 411.

332

O informador Mário Mateus teve um percurso algo parecido com o de António Viseu, pois que,
além de ambos terem sido estivadores, estiveram os dois ligados ao PCP. Após 25 de Abril de 1974,
José Magro disse que, depois da fuga de Caxias, em 1961, foi detido na Rua dos Açores, onde,
segundo António Santo, residia Mário Mateus. Tanto Viseu como Mateus infiltraram-se na FAP,
organização que assassinou este último, ao descobrir que tinha sido ele a denunciar João Pulido
Valente, quando se dirigia a sua casa, junto à ponte de Entrecampos, em Lisboa (Nota 1).
Mateus era controlado pelo subinspector Baptista da Silva, quando Manuel da Silva Clara era
director dos Serviços de Informação, mas, depois, com a substituição deste por Pereira de Carvalho,
passou a sê-lo por José Gonçalves. Os dirigentes da FAP começaram a desconfiar de Mateus, que
chegou a ter dois encontros, um dos quais na Penha de França, com Rui d Espiney. A PIDE
observou então esses encontros, mas não prendeu este último, podendo-se por isso aventar a
hipótese de que não protegeu voluntariamente o seu informador, deixando que o matassem (Nota
2).
Para mostrar a eficácia da investigação da PIDE, o ex-inspector da DGS Óscar Cardoso garantiu
mais tarde que, ao contrário do que se dizia, a última prisão de Palma Inácio, em 1973, não se tinha
ficado a dever a carta anónima mas a um informador, que teria posteriormente morrido atropelado,
controlado pelo inspector Abílio Pires (Nota 3). Mais tarde, este último vangloriou-se de que a
PIDE/DGS sabia tudo sobre a LUAR, esclarecendo porém que, contrariamente ao que se pensava,
esse informador não era Moura Diniz, embora este último também reportasse a Abílio Pires (Nota
4).
Nascido em Lisboa, em 1923, António Possidónio Moura Diniz («José Duarte», na PIDE) fora
apoiante de Norton de Matos, em 1949, e sócio de uma drogaria do socialista Manuel Sertório, em
1952, chegando à capital francesa, em 1963, com a capa de refugiado político. Tornara-se, depois,
representante da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem e um elemento próximo de Emídio
Guerreiro. Num relatório, provavelmente do próprio Moura Diniz, enviado à PIDE, talvez para
esclarecer algumas dúvidas desta polícia, este deu conta de que, inicialmente hesitante, Emídio
Guerreiro lhe pedira para apresentar uma carta de referência, a atestar que era da oposição.
Segundo contou Moura Diniz, Emídio Guerreiro informara-o, em 1968, de que havia sido
constituída a LUAR, responsável pelo assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, e,
posteriormente, entregara-lhe 6000 contos de notas marcadas para trocar em Nice. Ao proceder à
troca num banco, Diniz tinha sido preso, permanecendo sete meses na cadeia, antes de ser expulso
de França e ir para Bruxelas (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, Processo EMGFA/Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS, Serviço de


Justiça, proc. 441, Fernando Araújo Gouveia, vol. 2, fls. 305 e 311; ibidem, proc. 247/78, Francisco
de Oliveira Cabedal, pasta 62, vol. 2, fls. 4 e segs.
Nota 2 - Ibidem, Manuel Lavado, chefe de brigada, 4.° Juízo do TMT, proc. 85/79, auto 474 de
20/6/79, fl. 50.
Nota 3 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 88.
Nota 4 - Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 121.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 2515 Cl (2), fl. 10; Arquivo Histórico Militar, António Possidónio de
Moura Dinis, proc. 104/79, pasta 1112, vol. 3, fls. 161, 463 e segs. E 523.

333

Em 1969, como estivesse desiludido e se sentisse abandonado pelos seus camaradas, segundo disse,
indagara se poderia reentrar em Portugal, para montar uma representação da firma Bally.
Assim fizera, sendo então recebido, na DGS, por Álvaro Pereira de Carvalho e Abílio Pires, que o
incumbiram, em 1971, de ir para a Argélia, durante dois anos, sob a capa de realizar um estudo de
petróleo, mas na realidade para reentrar na LUAR e desempenhar missões de informação para a
PIDE/DGS na Bélgica, em França e no Norte de África. Para isso, muniram-no de dois passaportes
— um em seu nome e outro em nome de António Marçal Dias de Sousa —, mas Moura Diniz
afirmou nunca ter colaborado com a polícia e que, pressionado por esta, lhe enviara cartas
endereçadas da Argélia sem nunca lá ter posto os pés (Nota 1).
Além de António Possidónio Moura Diniz, que chegou a ganhar 30 000$00 por mês (Nota 2),
estava ainda infiltrado na LUAR Ernesto Castelo Branco (Nota 3), gerente comercial, mais tarde
residente na Costa de Caparica, ao qual Emídio Guerreiro entregou dinheiro proveniente do assalto
ao banco na Figueira da Foz. Guerreiro afirmou que, à época da entrada de Castelo Branco na
LUAR, este ainda não colaborava com a PIDE e confirmou ter-lhe entregue «uma metralhadora e
outro armamento, bem como todo o dinheiro marcado». Depois, Guerreiro disse ter tentado que ele
devolvesse o dinheiro e as armas, mas este não o fizera, pelo que a LUAR cortara imediatamente
com ele (Nota 4).
O próprio Ernesto Castelo Branco confirmou ter colaborado com a PIDE/DGS, usando, para a
correspondência com esta, a sigla «Franklin 333 & Pestana» e o pseudónimo «Canário». Apoiante
de Humberto Delgado, em 1958, disse ter sido denunciado por um «telefonema anónimo de
pretender colocar uma bomba na estação da CP do Cais do Sodré, em 1 de Maio de 1963, sendo
preso pela PIDE mas logo restituído à liberdade, depois do que emigrou para França. Segundo
contaria após 1974, devido a obstáculos à sua entrada em Portugal por Vilar Formoso, em 1964,
telefonara ao ex-subinspector José Gonçalves e, levado depois ao inspector Pereira de Carvalho,
recebera deste um passaporte e dinheiro para se tornar informador da PIDE. Após a morte de
Humberto Delgado, conhecera Emídio Guerreiro, em França, e fora incumbido por Pereira de
Carvalho e Barbieri Cardoso de se informar sobre o destino do dinheiro do assalto ao banco da
Figueira da Foz, em 1967, ficando de receber, pelo seu serviço à PIDE, 10 contos por mês.

Nota 1 - Ibidem, fls. 162, 168-169, 284, 459-461, 468 e 523-534; Diário Popular, 20/3/1975.
Nota 2 - «O caso Delgado em julgamento», in O Diário, 25/11/1978; Arquivo Histórico Militar,
António Possidónio de Moura Diniz, proc. 104/79, pasta 112, vol. 3, fls. 161, 463 e segs. e 523. Só
em Julho de 1971, recebeu da DGS 77 740$00 por serviços prestados.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, TMT, 4.° Juízo, Silvestre dos Reis Soares, proc. 117/76, pasta
33, arquivo 340, fls. 25-27.
Nota 4 - «L.U.A.R. Regresso sete anos depois», in O Jornal, 23/11/1974, p. 24; «As contas do
assalto da LUAR ao banco de Portugal na Figueira da Foz. Era agente da PIDE um falso militante
da organização que entregou ao governo 9 mil contos», in Diário Popular, 18/11/1974, p. 16.

334

Em Janeiro de 1968 deu assim conta a essa polícia de que em Portugal se encontravam 8 427
044$00 e posteriormente conseguiu que Emídio Guerreiro lhe entregasse uma mala com 9 167
000$00, provenientes do mesmo assalto. Ele próprio a entregou na Embaixada de Portugal em
Paris, recebendo depois, como recompensa, 400 000$00 do Banco de Portugal, através da PIDE.
Passou a residir em Lisboa e, com a prisão de Palma Inácio, depois da falhada operação da Covilhã,
em Agosto de 1968, entrou em contacto com uma irmã deste que residia em Inglaterra, entretanto
chegada a Portugal. Esta transmitiu-lhe que Palma Inácio pedia umas serras para fugir da cadeia e
Castelo Branco entregou-as, informando Pereira de Carvalho de que aquelas tinham sido
introduzidas na cadeia. Como se verá, a PIDE não conseguiu apanhar essas serras, e, mais tarde,
Palma Inácio conseguiria levá-las de Caxias para a delegação do Porto, de onde fugiria (Nota 1).
Em Bruxelas, depois de ter estado no Zaire, também ligado à PIDE/ /DGS, havia ainda o
informador «David», de apelido Fonseca, que, segundo Abílio Pires, a quem ele reportava, tentou
estabelecer relações com as BR, sem o conseguir, embora tivesse denunciado elementos dessa
organização, da LUAR e de grupos marxistas-leninistas portugueses na capital belga. Numa
ocasião, «David» informou aquela polícia de que se deslocaria a Portugal com o objectivo de
estudar «os estragos feitos pelo dito grupo em certos meios» e de tomar «contactos com elementos
do movimento em questão no interior» (Nota 2). Nem sempre «David» esteve, porém, bem
informado, pois, segundo ele, o assalto ao Consulado de Portugal no Luxemburgo, em 1973, tinha
sido obra da ARA, «girando em torno» do jornal O Salto. Ora, não só esse assalto foi realizado pela
LUAR, como o jornal em causa, editado em França, pertencia a um grupo marxista-leninista, sem
qualquer ligação com a ARA (Nota 3 ).
Na Bélgica estava também estabelecido outro informador, Manuel Oliveira Duarte, controlado pelo
inspector Miguel da Silva e, em França, antes de ir para a Austrália, actuava o construtor civil João
Santos (Nota 4). Num desses países havia ainda «Arcos», possivelmente outro pseudónimo de
Ernesto Castelo Branco. «Arcos» contou que, após a vitória de Pompidou, a polícia francesa estava
a exercer um severo controlo sobre os estrangeiros, parecendo-lhe ser uma magnífica ocasião para
«obstar à continuação dos Cadernos de Circunstância, tanto mais que interferem na política
francesa, fazendo a apologia» da «revolução de Maio». Outro informador da DGS, «Dour» (sic),
denunciou em 21 de Abril de 1971 dois elementos da LUAR que tinham participado no atentado à
bomba na Embaixada de Portugal e na agência da TAP em Bruxelas, informando que um deles iria
cumprir o serviço militar a Portugal para cometer acções revolucionárias (Nota 5).
Nota 1 - Arquivo do Tribunal Militar, Ernesto Castelo Branco, proc. 14/80 do TMT de Lisboa, fls.
187-199 e 410-421.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 2515 CI (2), pasta 3, fls. 169-373.
Nota 3 - Ibidem, pr. 11/46 SR. Emigração, pasta 3, fl. 38; pr. 4767 Cl (1) SC Alberto Bernardes
Costa, fl. 57; pr. 1336 CI (2), PCP, pasta 1.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, António Possidónio de Moura Diniz, proc. 104/79, pasta 112,
vol. 3, fls. 162, 168-169, 459-461 e segs.
Nota 5 - PIDE/DGS. pr 2515 CI (2), pasta 3, fls. 169-373.

335

Entretanto, conforme transmitiu, em 24 de Março de 1971, a Rádio Portugal Livre, a «raiva


impotente» da DGS tinha-a levado a praticar um acto de «gangsterismo político», ao difundir um
apelo à população para que fornecesse indicações sobre o cabo aviador Ângelo de Sousa, suspeito
de ter participado na acção da ARA de dia 8 em Tancos (Nota 1). O apelo parece ter encontrado
eco, dado que num relatório posterior um agente relatou a denúncia de um informador, segundo o
qual o «sabotador Angelo Rodrigues de Sousa» dissera a um amigo, no café Petit Point, em Paris,
que a operação em Tancos se daria no dia aprazado a determinada hora. Segundo o relatório da
DGS, o informador estava «absolutamente resolvido a ir a Paris e, sem se “queimar”, pormenor que
tanto teme, indicar o Ângelo e até atraí-lo a local aonde facilmente fosse raptado» (Nota 2).

XI.3.11. Informadores do meio liceal e estudantil (anos 60

A delegação de Coimbra da PIDE/DGS teve ao seu serviço diversos informadores que seguiram as
assembleias magnas de estudantes e denunciaram os estudantes grevistas, os membros mais activos
da AAC ou os professores apoiantes da luta estudantil. Em 1969, a PIDE/DGS tinha,
nomeadamente, um informador que conversava regularmente com o dirigente estudantil Alberto
Martins. Outro, ou o mesmo informador escreveu várias vezes ao «senhor Sérgio» (subinspector
Sérgio Avelino Pereira), da delegação de Coimbra, informando-o sobre o ambiente académico
(Nota 3).
No IST, de onde a PIDE recebeu do informador «Indústria» (Nota 4) relatórios sobre as actividades
da respectiva AE, desde 1964, outro dos «bufos» era «Esteves». Estudante do IST era ainda
«América» (Hélio Lopes), que prestava informações sobre professores e alunos ao agente António
Inácio, em troca de 750$00 mensais (Nota 5). No Instituto Superior de Educação Física actuava o
informador António Mário Henrique da Silva («Brazza», por ser natural do Congo Brazzaville),
que denunciou, nomeadamente, elementos do grupo Estar na Luta da sua escola, em troca de
500$00 e, depois, 750$00 mensais (Nota 6).
Na Faculdade de Ciências de Lisboa (FCL), um dos informadores era «Reis», através do qual a
DGS soube que, durante a agitação estudantil de 1971, ele próprio tinha colaborado com os colegas
na distribuição de panfletos para obter uma «aparência estudantil». Noutra ocasião, «Reis» deu
conta de ter apurado, «de uma fonte de informação estudantil», que o principal orientador do
movimento estudantil em Ciências era Pedro Ferraz de Abreu, denunciando ainda os principais
elementos da AE da FCL, «Melro», o «polícia» da associação, «Orlando», vice-presidente da
Assembleia Geral, e o estudante brasileiro Pedro Paulo.

Nota 1 - Ibidem, pr. 642/49 SR, fl. 36.


Nota 2 - Ibidem, pr. 16.042 Cl (2) SC, fl. 309.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1079, NT 10485, delegação de Coimbra, «Academia, diversos», pasta 48,
1970-71, fl. 643.
Nota 4 - Ibidem, pr. 180 E/GT, Rogério Paulo, fl. 32.
Nota 5 - Ibidem, pr. 3529/63 SR, Estudantes, pasta 1, Instituto Superior Técnico, fls. 59 e 294.
Nota 6 - A Capital, 13/11/1074, p. 10.

336

«Reis» mencionou ainda que Ferraz de Abreu, «Melro» e Glória Ramalho, presidente da AE, se
ausentavam habitualmente de Lisboa quando havia intervenção da polícia na Faculdade, como
acontecera em 28 de Maio de 1971 (Nota 1).
Mas os informadores mais prolixos no meio estudantil foram os do ISCEF, que assinavam por
«Glória e Vera Cruz», eram dois irmãos de Aveiro, estudantes finalistas em 1973, que recebiam,
cada um, 1000$00 pelos serviços prestados. Em 12 de Janeiro de 1968, enviaram à PIDE um
relatório acerca de uma reunião de alunos no decorrer da qual um deles apanhara «discretamente»
um papel que tinha sido trocado entre os estudantes Serras Gago, Alberto Costa e Júlio Dias (Nota
2). Em Abril de 1969, «Glória e Vera Cruz» informaram que os representantes da Academia de
Lisboa na Comissão Nacional dos Estudantes Portugueses eram Alberto Costa, Arnaldo de Matos e
Carlos Pimenta (Nota 3).
A DGS também tinha informadores que «cobriam» o Movimento Associativo dos Estudantes do
Ensino Secundário de Lisboa (MAESL). Entre eles contavam-se os denominados «Estêvão» e
«Lojistas», este último contínuo no Liceu Gil Vicente de Lisboa (Nota 4). Em 26 de Fevereiro de
1973, este deu conta de que um grupo de estudantes do ensino secundário pretendia levar a cabo
uma reunião na cantina do ISCEF com vista à preparação de eleições para o MAESL (Nota 5).
Neste movimento havia, aliás, um informador muito bem colocado, pois pertencia a um grupo
marxista-leninista que actuava no meio liceal: tratava-se do estudante Manuel Bárcia Pereira
Baptista («Isidoro»), que se dirigiu à sede da DGS, onde disse querer «colaborar» com essa polícia,
sendo então atendido pelo chefe de brigada Arlindo da Costa. Em Setembro de 1973, enviou à
DGS, a pedido desta, um relatório sobre a ligação entre o MAEESL, o PCP M-L e os CLAC, e
denunciou os membros da célula da UEC M-L (Nota 6).

XI.3.12. Informadores detectados após 25 de Abril de 1974

Depois da revolução de Abril de 1974, muitos informadores foram detidos e houve mesmo o caso
de Deolinda Pessoa, que se dirigiu ao então MAI a solicitar «o pagamento de serviços prestados à
extinta DGS» pelo marido.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 3529/63 SR, Estudantes, pasta 208, Faculdade de Ciências de Lisboa,
1970/71, fls. 1, 22, 33, 42, 59, 65, 78, 98, 196, 124, 134 e 244; cf. ainda pr. 312/71.
Nota 2 - Ibidem, pr. 4767 CI (1) SC, Alberto Bernardes Costa, fls. 153, 156, 158, 170, 175, 182,
194, 208, 217 e 219.
Nota 3 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 212, Instituto Superior de Ciências Económicas e
Financeiras (ISCEF), 1968/69, fls. 48, 51, 92, 129, 134, 140, 142, 191, 254, 296, 333, 345, 352,
357 e 360; ibidem, pr. 5667 Cl (1), Horácio Faustino, Cordovil, João Isidro, Horácio, António
Manso, Jofre Justino, Quim Zé, Gavião, Emanuel, Coelho e Pratas.
Nota 4 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 92, Liceu D. Pedro V; ibidem, pr. 958 Cl (1), Maria Eugénia
Varela Gomes, fl. 30.
Nota 5 - Ibidem, pasta 91, Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, fl. 10.
Nota 6 - Segundo Nuno Vasco e Óscar Cardoso, in A bem da Nação, p. 74, tinha o pseudónimo de
«Lobato» no trabalho partidário e recebia 750$00 da DGS por cada denúncia. Cf. Arquivo do
Tribunal Militar, Arlindo da Costa, 4.° Juízo do TMT, proc. 80/76, pasta 30, arquivo 312, fls. 16-19.
Arlindo da Costa, nascido em 1917, era empregado comercial quando entrou na PVDE, em 1942,
como aspirante, chegando a chefe de brigada, por distinção, em 1965; PIDE/DGS. pr. 3529/62 SR,
pasta 43, MAESL, fls. 92, 98, 166 e 187.

337

A resposta dada pela comissão de extinção foi que o indivíduo referido não fazia parte dos quadros
orgânicos dessa polícia, «pelo que certamente os seus serviços eram liquidados pela verba de
“gastos confidenciais” (Nota 1). Através de uma recolha feita na imprensa portuguesa nos meses
após o 25 de Abril de 1974 sobre os informadores da DGS presos, recolheu-se um pequeníssimo
universo de 361 elementos, dos quais oito mulheres, os quais se tentou caracterizar (Nota 2).

Quadro 27 - Idade dos informadores (omitido)


Quadro 28 - Naturalidade dos informadores (omitido)
Quadro 29 - Profissões por ordem numérica (omitido)

Nota 1 - MAI-DDA, gabinete do ministro, caixa 453.


Nota 2 - Jornal de Notícias, 17/12/1974, 22/12/1974, 8/3/1975, 5/4/1974, 12/4/1974, 17/5/1974 e
19/5/1975; Diário Popular, 18/61974, p. 16, 26/4/1978, p. 11, 15/5/1975, 26/7/1975, p. 3, 8/1/1975,
20/7/1975, 20/2/1975, 1/3/1975, 30/10/1974, 19/3/1975, 24/3/1975, 20/3/1975, 15/3/1975,
9/4/1975, 12/4/1975, 16/4/1975 e 5/6/1975; O Diário, 25/11/1978 e 1/8/1979; A Luta, 13/5/1977 e
28/10/1977; O Século, 10/9/1974; Diário de Lisboa, 10/2/1977.

338

XII. DA VIGILÂNCIA À INVESTIGAÇÃO

Quando recebiam uma denúncia ou uma prova circunstancial de um determinado indivíduo, os


agentes da PIDE passavam a vigiar a sua casa e os seus movimentos (Nota 1). Na ETP os
instruendos tinham acesso a uma sebenta dos Serviços de Investigação sobre como montar uma
«observação contínua de alguém sem o seu conhecimento, com aspecto ofensivo e defensivo». A
vigilância tinha como fim «colher uma informação para investigar as actividades do indivíduo»,
podendo classificar-se os vários sistemas de vigiar pela natureza do serviço. Os alunos aprendiam
vários exemplos de «estudo das vigilâncias a pé e estáticas», os preparativos, a condição e técnica
de vigilância e a condução desta, sempre com a consciência de que «o segredo de uma vigilância
estava no à vontade, não dar nas vistas e fazer tudo como normalmente se faz». Eram, em seguida,
instruídos a fazer relatórios, sempre com o cuidado de mencionar «é da minha opinião» (Nota 2).

XII.1 A VIGILÂNCIA

Veja-se, na prática, alguns exemplos sobre a forma como a PIDE sujeitava suspeitos à vigilância.
Em Dezembro de 1961, procedeu-se à vigilância da casa de campo de Fernando Piteira Santos na
Venda Seca, tendo o chefe de brigada Martins Ferreira achado então que, como lá havia muitas
viaturas, possivelmente aquele teria dado apoio a fugitivos do PCP da cadeia de Peniche. Concluiu
depois, que era apenas uma casa de fim-de-semana (Nota 3).
Manuela Bernardino, mulher de José Bernardino, preso em Peniche, foi vigiada diariamente, em
1963 e 1964, sendo os relatórios da sua vigilância apelidados de «Actividade da “Miúda”». Mais
tarde, em final de 1969, quando estava em liberdade condicional, o próprio José Bernardino tinha
agentes da DGS postados junto à sua casa, que o seguiam cada vez que ele se deslocava para o IST,
descreviam as viaturas onde entrava, vigiavam o café Vavá, que aquele frequentava, relatavam as
reuniões que fazia em casa e mencionavam as pessoas que contactava (Nota 4).

Nota 1 - António Figueiredo, Portugal: Cinquenta Anos de Ditadura, pp. 172 e 173.
Nota 2 - PIDE/DGS, NT 8881, Publicações da PIDE/DGS, Serv. Inv. n.° 61.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1659 SR, Fernando Piteira Santos, fls. 127-177 e 188.
Nota 4 - Ibidem, pr. 324 CI (1), José Bernardino, Manuela Bernardino, fls. 20, 21 e 267.

339

Maria Eugenia Varela Gomes e o marido, capitão Varela Gomes, participantes do «golpe de Beja»,
foram também sempre atentamente vigiados, nomeadamente a partir da libertação deste último de
Peniche, no último dia de 1967, relatada por um agente com referências às pessoas que o tinham
ido receber à porta do forte. Ao ser libertado condicionalmente, ficou impedido de sair do país e
passou a ter sempre no seu encalço elementos da PIDE. O mesmo acontecia com a sua mulher
Eugénia Varela Gomes, a qual, porém, podia deslocar-se para fora do país, pois já estava em
liberdade definitiva.
Mesmo assim, em Setembro de 1968, o director da PIDE ordenou que lhe fosse passada uma busca
pessoal à bagagem, ela entrasse no país, e de seguida interditou-lhe a saída da metrópole. Em 9 de
Fevereiro de 1969, o director da então DGS considerou inconveniente a sua readmissão no Hospital
de Santa Maria, «por a interessada não oferecer garantias de cooperar com os fins superiores do
Estado». A sua correspondência também era interceptada e a sua casa foi frequentemente sujeita a
busca, como aconteceu em 5 de Junho de 1970 (Nota 1).

XII. 1.1. Intercepção postal e escuta telefónica

A PIDE/DGS manteve outras formas de vigilância, entre as quais se contaram a intercepção postal
e a escuta telefónica. Os CTT terão chegado a manter, durante certo tempo, um grupo de
funcionários («catadores» ou «farejadores»), que colaboravam com a PIDE na violação da
correspondência. De acordo com listas de moradas de suspeitos fornecidas pela polícia, os carteiros
eram obrigados a separar correspondência e a entregá-la aos serviços de fiscalização dos CTT, que
depois a remetia à PIDE. O dirigente do PCP Rogério de Carvalho afirmou que a intercepção postal
— «operação cegonha» — estava montada com conhecimento a nível ministerial (Nota 2).
Segundo ele, a PIDE requisitava aos CTT a «correspondência de todos os locatários de um prédio
(para desviar as suspeitas) e escolhia a que mais lhe interessava ou, numa fase posterior, detectava,
por métodos sofisticados, as cartas ou encomendas dirigidas às pessoas sobre as quais recaíam
suspeitas nas próprias estações de correio» (nota 3). A correspondência suspeita era aberta, lida,
fotocopiada e colocada novamente no envelope, que, depois de fechado, era devolvido ao circuito
de distribuição dos CTT. Isto quando não era pura e simplesmente interceptado o original, que o
destinatário nunca recebia. Quanto aos métodos de abertura da correspondência, eram, em parte
empiricamente aprendidos e em parte transmitidos no curso da CIA de 1957 (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, pr. 480 GT, Maria Eugénia Varela Gomes, fls. 173 e 180; pr. 958 Cl (1), Maria
Eugénia Varela Gomes, vol. 1, fls. 38, 48, 60-62, 77, 83, 147, 151, 171, 183-186 e 201- -203; vol. 2,
fls. 7, 15, 19, 23-24, 26, 33, 40 e 43-50.
Nota 2 - O Diário, 22/5/1976.
Nota 3 - O Diário, 7/12/1976.
Nota 4 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 147-149.

340
Mais tarde, devido a queixas sobre desvios de dinheiro de emigrantes e de correspondência diversa,
os «catadores» foram afastados, passando a PIDE a assegurar directamente esse «serviço, na
Estação Central dos Correios, no Terreiro do Paço, onde trabalhavam agentes chefiados por João
Nobre, homem de confiança de Rosa Casaco (Nota 1). O próprio Casaco contou, nas suas
memórias, que o controlo de correspondência era feito na Praça do Comércio e na estação de
Arroios, em Lisboa, através de quatro agentes que faziam a triagem das cartas, depois analisadas na
sede por um inspector superior. Reconheceu, aliás, que este «método de trabalho, em rigor
inconstitucional, se processava, à boa maneira portuguesa, «em cima do joelho» (Nota 2).
Segundo contou o ex-elemento da DGS Silvestre dos Reis Soares, a polícia dava muito importância
à «correspondência do Sector intelectual», resultando frequentemente da intercepção postal,
vigilâncias e prisões (Nota 3). O ex-agente de 1ª classe Miguel Caimoto afirmou, por seu lado, que,
nos últimos anos da DGS, era o ex-inspector Sílvio Mortágua que tinha a seu cargo a violação das
cartas dos CTT, aonde as ia buscar o agente Orlando Couto Meneses (Nota 4 ). É um facto que a
PIDE solicitava aos CTT para reter a correspondência dirigida a determinadas pessoas, como se
pode ver através de um pedido daquela polícia aos Correios, de 1 de Abril de 1948, para interceptar
as cartas dirigidas ao pintor Júlio Pomar.
Outro ofício da PIDE, de l4 de Agosto de 1951, enviado ao director da Administração Geral
daquela empresa, solicitou «a fineza de mandar suster a remessa a esta directoria das
correspondências dirigidas» a Francisco Lyon de Castro (Nota 5). Em 26 de Fevereiro de 1953, a
PIDE pediu ao chefe de estação dos CTT de Coimbra que se dignasse «conceder ao portador,
agente de l.a classe», as «facilidades possíveis para o desempenho da missão de que vai incumbido,
referente à Casa dos Estudantes do Império».
Houve por vezes dificuldades com os CTT. Por exemplo, nesse ano, José Barreto Sacchetti, chefe
da delegação da PIDE de Coimbra, queixou-se à directoria de ter solicitado «ao chefe interino da
circunscrição de exploração da Beira Litoral» dos CTT a autorização para interceptar determinada
correspondência, mas haver recebido um despacho do correio-mor a lembrar que «de futuro
conviria que essas requisições fossem assinadas» pelo director da polícia política (Nota 6). A nível
interno da PIDE também houve por vezes problemas, como mostra uma carta de um inspector-
adjunto da PIDE aos serviços de censura dos SR a comunicar que a correspondência dirigida à
morada de Fernando Piteira Santos lhe fosse directamente entregue (Nota 7).

Nota 1 - Idem, ibidem.


Nota 2 - António Rosa Casaco, Servi a Pátria e Acreditei no Regime, p. 82.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, TMT, 4.° Juízo, Silvestre dos Reis Soares, proc. 117/76, pasta
33, arquivo 340, fl. 13.
Nota 4 - Ibidem, Joaquim Malta de O. Monteiro, 4.° Juízo do TMT, proc. 15/79, pasta 50, arquivo
50, fls. 72 e segs.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 164 CI (2), Francisco Lyon de Castro, fls. 166 e 167.
Nota 6 - Ibidem, correspondência confidencial, 2/1-30/12 de 1953, fls. 435 e 963.
Nota 7 - Ibidem, pr. 1659 SR Fernando Piteira Santos, fl. 445.

341

A prática de intercepção postal, em Portugal, chegou mesmo a ser criticada, em 1958, pela União
Postal Universal, com sede em Berna, após esta ter recebido uma mensagem de protesto do Comité
dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão contra a severa censura postal
de cartas, jornais, telegramas e chamadas telefónicas exercida pelo «governo ditatorial de Salazar»
(Nota 1).
Seria fastidioso enumerar as muitas intercepções postais que a PIDE/ /DGS fez até 1974 e, por isso,
não são aqui referidos exemplos (Nota 2). Acrescente-se, todavia, que os Portugueses, regra geral,
sabiam que a correspondência era interceptada e diziam-no frequentemente nas próprias cartas, de
modo a que isso fosse lido pela PIDE (Nota 3).
Segundo escreveu um professor da ETP na sua sebenta «Noções de Direito», o «sigilo da
correspondência» devia «equiparar-se ao segredo das comunicações telefónicas», o qual só poderia
«ser violado quando tal for estritamente indispensável à instrução do processo». Imagina-se a
latitude do significado desse adjectivo «indispensável». Os oposicionistas políticos também se
sabiam escutados pelo telefone, embora nem sempre o fossem, mas funcionavam como se isso
estivesse sempre a acontecer. Nuno Vasco observou que «indivíduos com responsabilidades
políticas não falavam normalmente das suas actividades pelo telefone mas “abriam-se”, por vezes
escandalosamente, em assuntos da sua vida íntima» (Nota 4).
Este autor disse ainda que a DGS dispunha de uma capacidade máxima de escuta simultânea de
cinquenta e seis telefones, em Lisboa, e oito, no Porto. Fazendo parte dos Serviços de Informação,
dirigidos por Álvaro Pereira de Carvalho, o principal equipamento de escuta da PIDE encontrava-se
no quarto andar do edifício-sede da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, numa área
estritamente reservada (Nota 5). Nos últimos anos da DGS, chefiada pelo subinspector Bernardino
da Cunha Azevedo e a cargo de Mário César Ferreira, a escuta telefónica tinha oito canais, que
permitiam vigiar cerca de oitenta telefones (Nota 6).
Ao descrever como funcionava o sistema, João Vasco assinalou que «havia um certo número de
telefones que podiam estar em escuta vinte e quatro horas por dia, sendo gravadas todas as
conversações para e desse posto telefónico». Outros «eram escutados por uma questão de rotina, de
tempos a tempos e por espaços de horas ou de dias». Na maioria dos casos, as conversas eram
passadas a escrito e seguiam para o dossiê individual dos interlocutores. Posteriormente, em
impressos próprios, os agentes «dissecavam a conversa, extraindo dela os elementos considerados
necessários».
Para além da escuta «normal», a PIDE/DGS fazia «cerca de onze horas diárias de busca telefónica,
por sondagem, sendo semanalmente actualizado um ficheiro completo dos assinantes da zona de
Lisboa, dispondo de dois índices (nomes e moradas)».

Nota 1 - Ibidem, pr. 131/48 SR, Maria Emília Archer Eyroles Baltasar, fl. 197.
Nota 2 - Ibidem, pr. 2583 CI (1).
Nota 3 - Ibidem, pr. 4635 CI (2) Alda do Espírito Santo, fl. 7.
Nota 4 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 131 a 136.
Nota 5 - Idem, ibidem.
Nota 6 - «Dossier para a história do fascismo português: A PIDE; «Uma CIA de trazer por casa
(1)», in O Jornal, 30/1/1975, pp. 16-18.

Quadro 30 - Formulário da PIDE/DGS da ficha de escutas telefónicas

Informação biográfica
Nome, pseudónimos, nascimento (lugar e data), filiação, nacionalidade, cônjuge, filhos, outros
parentes, religião, habilitações, idiomas, profissão, serviço militar, detenções, descrição física
Informação pessoal e particular
Endereços das residências, endereços dos escritórios, bens móveis e imóveis, criados, restaurantes,
barbeiro, cabeleireira, alfaiate, modista, médico, lojas, igrejas, desportos, teatros, cinemas, clubes,
bares, férias, passatempos, amantes, amigos pessoais, visitas, sistema de transporte
Informação política
Filiação partidária, grau de convicções políticas, sociedade ou associações a que pertence, outras
informações políticas
Emprego
Posição que ocupa, ordenado e bónus, outros rendimentos, viagens profissionais, número de
telefone, reputação profissional, outras informações relativas ao emprego
Informações de controlo
Dificuldades com a família, dificuldades no emprego, bens que aprecia mais, aceitação de
espórtulas, informação que poderá ser usada como chantagem, idem para assustar ou deprimir
Outras informações
Observações
Contactos
Fonte: Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 131 a 136.

O telefone de uma determinada pessoa era posto em escuta para a obtenção de quatro tipos de
informações: de confirmação (ou não) dos motivos da escuta; de complementaridade relativamente
aos motivos da escuta; de definição do perfil humano, social e psicológico do escutado; finalmente,
de fornecimento de elementos para chantagem.
Já se viu que os aparelhos de escuta telefónica foram adquiridos pela PIDE junto dos serviços
secretos franceses, a SDECE, nos anos 60. O sistema Dial, francês, do qual a PIDE/DGS tinha 10
aparelhos, permitia contar os impulsos enviados pelo telefone sob escuta, quando era marcado o
número de chamada, e este era, depois, automaticamente indicado numa fita de papel, o que
possibilitava a identificação posterior do interlocutor de quem fizera a chamada. Com essa
aparelhagem, a PIDE/DGS teria passado a poder ter cerca de quinhentos telefones sob vigilância,
em Lisboa (Nota 1).
O ex-inspector Óscar Cardoso disse, porém, que o equipamento mais recente de escuta ao serviço
da DGS tinha sido adquirido junto da CIA, «dentro do espírito de cooperação de organizações
congéneres». Óscar Cardoso afirmou também que alguns elementos do regime pediam, por razões
pessoais, para que certos telefones fossem colocados sob escuta. Exemplificando, citou o caso de
um oficial superior da GNR, o qual solicitara a Álvaro Pereira de Carvalho — e conseguira-o —
que o seu próprio telefone fosse escutado, pois desconfiava da mulher. Óscar Cardoso negou,
porém, que essa polícia tivesse escutado ministérios, o presidente do Conselho ou o presidente da
República (Nota 2).
No entanto, o facto, como já se viu, de a PIDE ter escutado telefonemas de Maria Cecília Supico
Pinto, esposa de um membro do governo e dirigente do Movimento Nacional Feminino, confirma
que essa polícia escutava efectivamente elementos do regime (Nota 3).

Nota 1 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 194, 203, 205, 247 e segs.
Nota 2 - Ibidem, A bem da Nação, p. 140.
Nota 3 - AOS/CP-208, Fernando Silva Pais, pasta 21, 6.1.1/21, fls. 85-86. Escuta telefónica a
Cecília Supico Pinto, fls. 88 e 89.

343

Mas, como é evidente, a PIDE escutava sobretudo conhecidos oposicionistas. Veja-se só alguns
exemplos, retirados dos arquivos da PIDE/DGS, reveladores de como funcionavam as escutas
telefónicas.
Em Agosto de 1965, cessou a escuta do telefone de Francisco Lyon de Castro (Nota 1), enquanto,
no ano seguinte continuava a audição dos telefonemas da ex-presa política Maria Branco (Nota 2).
Os telefones da casa de Mário Soares e do Colégio Moderno, dirigido por Maria Barroso, também
estavam sob escuta, como se pode ver pela transcrição enviada a Silva Pais de uma conversa
escutada, em 2 de Abril de 1968, entre aquele oposicionista, então em residência fixa na ilha de São
Tomé, e a mulher (Nota 3).

XII.2. CAPTURAS E BUSCAS

Detida pela PIDE em 9 de Abril de 1949 em Coimbrão, Casimira da Silva Martins contou a sua
captura, pelas 4 horas da madrugada, numa casa clandestina onde vivia com o companheiro, José
Augusto da Silva Martins:
«Bateram à porta do rés-do-chão, ao mesmo tempo que arrombavam as janelas. Entraram de
repelão quatro “pides” dirigidos pelo Gouveia, cada um com a sua metralhadora. [...] Lá se
mantiveram até às sete da manhã, saqueando tudo. A casa fora cercada pela Guarda Republicana e
fomos todos metidos numa carrinha, em direcção a Leiria. Separaram-nos dos homens e puseram-
nos na prisão.» (Nota 4)
A propósito da forma como a PIDE/DGS procedia às buscas após «assaltar» as casas dos detidos,
lembre-se que não necessitava de autorização judicial, nem levava, na maior parte das vezes,
qualquer mandato de captura (Nota 5). Por outro lado, como confessou o ex-agente de 1ª, Luís
Cardoso, após 25 de Abril de 1974, tanto a Secção Central, como a Investigação «levavam
panfletos, ditos subversivos ou clandestinos, e procediam como se fossem encontrados em casa do
locatário», para o incriminar (Nota 6).
Em Novembro de 1950, o PCP recebeu um relatório com informações acerca da prisão de Joaquim
Campino («Afonso»), provavelmente do próprio, onde o seu autor explicava que a tipografia
clandestina em Espinho tinha sido apanhada pela PIDE devido à apreensão anterior de uma série de
facturas por esta polícia. Acreditava ele que a polícia percorrera todas os postos de venda,
conseguindo assim localizar a casa onde o dono da tipografia tinha comprado o papel, bastando-lhe
depois consultar as respectivas cópias das facturas aí arquivadas e ler o nome e a morada do
comprador (Nota 7).

Nota 1 - PIDE-DGS, pr. 164 Cl (1), Francisco Lyon de Castro, fl. 197.
Nota 2 - Ibidem, pr. 8455 Cl (2), Maria Branco, fls. 5, 6, 12 e 43, escuta telefónica, pp. 51 a 58
M.B. 24-4-67, 16.48, fls. 12 e 43.
Nota 3 - Ibidem, fl. 255.
Nota 4 - Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Lisboa, Seara Nova,
1975, pp. 60 e 61, testemunho de Casimira Silva Martins.
Nota 5 - A Luta, 17/5/1978.
Nota 6 - «Entrevista concedida a Nuno Vasco pelo major João Vargas, in Diário Popular, 7/2/1975;
Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 167-169, 171 e 172.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. 52 GT, Joaquim António Campino, fl. 47.

344
Noutro documento de Campino, mais tarde encontrado pela PIDE no arquivo de Blanqui Teixeira
(«Carlos»), aquele atribuiu a sua prisão à detecção da mobília da sua antiga casa de Famalicão, que
tinha sido daí retirada e colocada nos arredores de Braga. O facto fazia-o «partir do princípio» de
que existia então «uma muito boa vigilância da polícia sobre mobílias, mudanças e volumes
despachados» (Nota 1). Campino contou ter sido preso, às 6 horas e meia da manhã, quando ele e a
companheira ainda estavam deitados, logo a seguir à passagem da leiteira e, devido a ter sido
detectada na zona uma viatura da PJ, concluiu que esta polícia estaria a colaborar com a PIDE
(Nota 2).
A PIDE/DGS aproveitou, aliás, frequentemente a passagem de madrugada de leiteiras e padeiras
pelas casas clandestinas: isso também aconteceu ao casal de funcionários Pedro Soares e Maria
Luísa Costa Dias, detidos em 5 de Dezembro de 1958 pela polícia, que irrompeu na casa atrás da
padeira (Nota 3). Em final de 1958, a campainha tocou às 7 horas, num toque igual ao usado por
«camaradas», na casa clandestina, situada na Rua Leonardo Coimbra, no Porto, de Joaquim e Maria
da Piedade Gomes. Esta perguntou quem era e viu que se tratava da polícia, indo ao quarto avisar o
companheiro e os dois foram para a casa de banho queimar documentação. Cerca de seis agentes
arrombaram então a porta e invadiram a casa de pistola em punho. Joaquim Gomes conseguiu fugir
pela clarabóia da casa de banho e tentou refugiar-se em casa de duas vizinhas, que recusaram dar-
lhe guarida, chamando uma delas a polícia (Nota 4).

XII.2.1. Golpes de sorte, ou nem tanto, da PIDE

Em 12 de Junho de 1953, Carlos Costa, funcionário do PCP a viver clandestinamente no Algarve,


foi, como se viu, preso pela GNR de Albufeira e entregue à PIDE. Mais tarde contou que, ao
contrário de muitos outros casos, não foi detido por ter sido reconhecido, mas sim porque tinha
havido naquela zona uma série de roubos (Nota 5). Factos desses, de «prisões por acaso» pela
GNR, quando esta estava à procura de ladrões ou de contrabandistas ocorreram noutras ocasiões,
como já se viu, por exemplo, no caso da detenção de Maria Machado e da apreensão da tipografia
do Avante!, em 1945. Guilherme da Costa Carvalho foi detido no comboio, algures em Abrantes,
depois de ser revistado pela GNR em virtude de uma passageira se ter queixado de que lhe haviam
roubado a carteira, sendo-lhe então apanhada uma pasta com documentação e propaganda do PCP6.

Nota 1 - Ibidem, fls. 72 e 73.


Nota 2 - Ibidem, fl. 80 «Sobre o comportamento na polícia, quadros», encontrado em 6/2/61 no
arquivo de Júlio Fogaça.
Nota 3 - Ibidem, pr. 89 GT, Pedro dos Santos Soares, fl. 114.
Nota 4 - Ibidem, pr. 1215/58 Div. Inv., Joaquim Gomes dos Santos e Maria da Piedade Gomes dos
Santos, fl. 53, documento apreendido no arquivo de José Miguel, em 28/2/61, de Joaquim Gomes
dos Santos.
Nota 5 - Miguel Medina, Esboços, vol. 2, fls. 29-31, testemunho de Carlos Costa; PIDE/DGS, pr.
19 GT, Carlos Costa, fls. 72 e 85.
Nota 6 - Ibidem, pr. 1002/48, Guilherme da Costa Carvalho.

345

Uma das prisões de Pedro Soares («Moreno», «Matos»), em 1954, também se deveu a esse tipo de
engano, mas da parte da PIDE. Foi preso num encontro de rua na Avenida 5 de Outubro, em
Lisboa, e chegou à conclusão de que a PIDE «batia a zona» (Nota 1). Mais tarde, Pedro Soares
apercebeu-se também de que Joaquim Gomes tinha sido detido próximo dali, na Avenida Elias
Garcia, e não em Alcântara, como se pensara (Nota 2). Por isso, Pedro Soares chamou a atenção
para a necessidade de se saber logo em que local os militantes tinham sido presos (Nota 3). Ao
relatar essa mesma detenção, em 5 de Abril de 1954, quando também ele foi preso, Carlos Aboim
Inglês contou que, ao subirem a Avenida 5 de Outubro, Pedro Soares e ele estavam à beira de se
separarem, quando este foi agarrado por agentes da brigada de José Gonçalves (Nota 4).
Preso em 1956, também em Lisboa, Blanqui Teixeira contou, num relatório, que essa prisão tinha
sido «estranha». Encontrara-se com um camarada perto do Campo Grande e, ao separar-se deste,
fora abordado por um homem que lhe dera voz de prisão. Blanqui dera um encontrão ao seu captor,
e fugira em direcção à Avenida 5 de Outubro, mas alguns passos mais adiante deparara-se com um
agente da PSP que lhe apontara uma pistola. Na sede da PIDE, soubera que o outro camarada tinha
sido preso pelo chefe de brigada José Gonçalves, que o havia reconhecido (Nota 5).
Por seu turno, ao deslocar-se a um encontro conspirativo perto de Salvada, em 9 de Novembro de
1957, José Carlos foi detido por elementos da GNR, que o questionaram e lhe pediram a
identificação. Ao dizer que era de Beja, morando numa determinada rua, José Carlos levantou
suspeitas sobre a falta de solidez da sua resposta e a GNR levou-o para a esquadra, onde os guardas
lhe contaram ter desconfiado que ele fosse o assaltante de umas casas (Nota 6).
É certo, como já se viu, que a PIDE prendeu muitos elementos por «casualidade» ou por ter
recebido denúncias ou obtido informações nos interrogatórios, onde era utilizada a tortura. Mas
uma das mais importantes fontes de informação da PIDE foi a extensa documentação apreendida
aos funcionários do PCP, que era depois pormenorizadamente analisada pelo GT, a cargo de
Fernando Gouveia (Nota 7). Ao obter informações, a PIDE muitas vezes não prendia
imediatamente, deixando alguns elementos livres para os poder vigiar e saber com quem
contactavam (Nota 8).
No relatório de prisão de Francisco Canais Rocha, datado de 1968, este contou que a sua
companheira, Graciete Casanova, tinha sido reconhecida, durante as inundações de 1967, quando
viajava numa camioneta com destino a Odivelas.

Nota 1 - Idem, pr. 89 GT, Pedro dos Santos Soares, fl. 90, documento em papel-bíblia encontrado
6/5/63, da autoria de Soares, no arquivo de Blanqui Teixeira, sobre prisão do «amigo».
Nota 2 - Ibidem, fl. 99, encontrado em 26/7/60 no arquivo de Pires Jorge; relatório oral encontrado
no arquivo de Júlio Fogaça em 6/2/61, da autoria de «Moreno ou «Matos», Julho de 1954, fl. 159;
cf. ainda pr. 146/53.
Nota 3 - Ibidem, Pedro dos Santos Soares, fl. 90, documento em papel-bíblia encontrado 6/5/63, da
autoria de Soares, no arquivo de Blanqui Teixeira, sobre prisão do «amigo», fl. 99, encontrado em
26/7/60 no arquivo de Pires Jorge.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, pp. 29-31.
Nota 5 - Idem, ibidem, Esboços, vol. II, pp. 86 e 87, testemunho de Blanqui Teixeira
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 67 GT, José Carlos, fl. 56, documento apreendido no arquivo de José
Carlos, («Nobre»), da sua autoria, 7/5/63.
Nota 7 - Ibidem, 82 C 106/55, fls. 143-144.
Nota 8 - Ibidem, pr. 18063 SR, delegação do Porto, Rogério de Carvalho, fl. 54.

346

Depois, segundo concluiu o PCP, a PIDE não se apressou a actuar e a prender Graciete, sujeitando-
a a vigilância durante meses (Nota 1). Noutro relatório do PCP dizia-se que Graciete Casanova
tinha sido localizada a partir dos primeiros encontros com uma camarada, que tinha sido
denunciada por outro elemento. Entretanto, um casal com filhos alugara o apartamento por baixo da
casa onde a funcionária do PCP vivia, ao mesmo tempo que começaram a surgir duas raparigas na
varanda de outro apartamento.
Mais tarde, após ser detida, Graciete Casanova viu, na sede da PIDE, uma mulher e um homem que
tinha visto nesses apartamentos: tratava-se da agente Leontina e de um elemento da brigada de
Mortágua, de nome Afonso (provavelmente Inácio Afonso). Soube, depois, que também um carro
das obras que permanecia junto à sua casa pertencia a um chefe de brigada e que outra mulher que
ia ao seu cabeleireiro de nome Laurinda, era da PIDE. Graciete Casanova também reconheceu, na
sede da PIDE, «Teresa, de Braga», uma vendedeira que encontrara várias vezes na rua (Nota 2).
Como se vê, a PIDE não poupava, nesse período, agentes para vigiar os seus alvos, que só prendia
ao fim de algum tempo, para poder recolher todos os contactos.
XII.3. A «INVESTIGAÇÃO» E OS INTERROGATÓRIOS

A instrução dos processos políticos, como já se viu, era feita pela PIDE/DGS, que os remetia depois
para os tribunais plenários. Essa polícia dispunha de seis meses para manter preso preventivamente
qualquer cidadão e assim o interrogar, sem assistência de advogado, o que queria dizer que podia
torturar e era esse o seu principal meio de «investigação». Veja-se agora a forma como investigava
e obtinha informações nos interrogatórios.
Diversos autores observaram que o uso sistematizado da tortura e da chantagem foi o principal
método de actuação policial (e de recolha de informações). Isso permitiu colmatar a falta de
preparação técnica da esmagadora maioria dos elementos da PIDE (a par, aliás, do seu reduzido
nível de escolaridade). Alguns consideram mesmo que a PIDE/DGS «exibiu, quase sempre, uma
espantosa fragilidade — o que não obstou, evidentemente, à eficácia da sua actuação, já que esta se
baseava, sobretudo, nos poderes quase absolutos que lhe estavam cometidos pelo regime» e no
recurso impune à tortura e à violação dos direitos fundamentais dos cidadãos (Nota 3).

XII.3.1. A tortura na história

A tortura judiciária tem uma longa história e já estava presente no Código de Hamurabi,
ordenamento legal do século 18 a. C., adoptado na Babilónia.

Nota 1 - Ibidem, pr. 36 GT, fls. 342, 362-371.


Nota 2 - Ibidem, fl. 357.
Nota 3 - Síntese das intervenções de Alfredo Caldeira e A. A. Santos Carvalho, in Humberto
Delgado, A Tirania Portuguesa, pp. 168-169.

347

Mais tarde, o Direito romano também previa o uso da tortura, nomeadamente nos processos de
lesa-majestade. Depois, na Idade Média, após a cristianização da matriz romana, espalhou-se a
prática da «confissão» judiciária (confessio, em latim). A mesma palavra — quaestio — designava
tanto o interrogatório — a interrogado —, como a tortura, enquanto o termo tormenta era aplicado à
intervenção dos carrascos, no inquérito (inquisitio), realizado em tribunal.
No entanto, Santo Agostinho, em De Civitate Dei, escrito entre os anos 412 e 416, criticou os
juízes, que ficavam «frequentemente reduzidos a torturar testemunhas inocentes» para descobrirem
a verdade (Nota 1). O tema da tortura parece ter apenas sido retomado por ocasião da conversão
dos Búlgaros, em 866, aos quais o papa Nicolau I escreveu a insistir na necessidade de a confissão
dever ser espontânea. A tortura continuou, porém, a fazer parte dos códigos processuais da Igreja,
cuja obra mais conhecida sobre o assunto foi O Manual dos Inquisidores, de Nicolau Emérico
(1320-1399).
No século XVI, o humanista João Vives rejeitou decididamente a tortura e, em 1624, João Graefe,
pastor arménio holandês, publicou em Hamburgo o Tribunal reformatum, onde afirmou que ela era
contra a caridade cristã e o direito natural. Seguiram-se diversos tratados contra a tortura, entre os
quais o mais importante foi o de C. Thomasius, De tortura ex foris christianorum proscribenda,
publicado em 1705. Depois, a partir da obra de Cesare Beccaria, Tratado dei delitti e delle penne
(Livorno, 1764), os iluministas, entre os quais este último e Voltaire, retomaram os argumentos de
Thomasius. A tortura passou a ser proibida na Suécia, na Prússia de Frederico II e, em 24 de Agosto
de 1780, uma declaração real francesa acabou com essa prática (Nota 2).
A partir do século XIX, nenhum manual recolocou a questão da tortura. Isso levou Victor Hugo a
declarar, em 1874, que a «tortura deixou, para sempre, de existir». Infelizmente, o século xx
demonstrou que o escritor francês se enganara, pois que, após a Primeira Guerra Mundial, a tortura
voltou a ser um método privilegiado de interrogatório policial e militar, em dezenas de países,
mesmo encontrando-se excluída da legislação. Sabe-se o que aconteceu, depois, no período entre
guerras, nos regimes ditatoriais e totalitários europeus.
Alguns anos após o final da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente a 10 de Dezembro de
1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 5.° dizia: «Ninguém será submetido à tortura, nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.»

Nota 1 - Ian Thomas, «La Torture et L’Aveu», L’Histoire, Spécial, «Le crime, le juge et assassins
depuis 5000 ans», Julho/Agosto de 1993, n.° 168, pp. 26-33, p. 32.
Nota 2 - Jean Imberto, «Cesare Beccaria, le pire de la Justice moderne», L’Histoire, Spécial, «Le
crime, le juge et assassins depuis 5000 ans», Julho/Agosto de 1993, n.° 168.

348

A tortura foi definida, numa declaração adoptada pela ONU, em Dezembro de 1975, como «todo o
acto pelo qual são deliberadamente infligidos a uma pessoa, por agentes da função pública ou
instigados por eles, uma dor ou sofrimento agudos, físicos ou mentais, com as finalidades,
nomeadamente, de obter dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões, de a punir por
um acto que ela cometeu ou que é suspeita de ter cometido, de a intimidar ou de intimidar outras
pessoas» (Nota 1).

XII.3.2. O caso da guerra da Argélia

No entanto, a tortura continuou a ser utilizada, até em países democráticos, como foi o caso da
França, durante a guerra da Argélia (Nota 2). O historiador Pierre Vidal-Naquet foi, logo em 1937,
um dos primeiros a denunciar a tortura perpetrada na Argélia (Nota 3), e recentemente, não por
acaso, trinta anos após o final dessa guerra (1962), algumas historiadoras francesas têm estudado o
tema.
Sylvie Thénault analisou o papel da magistratura francesa na guerra da Argélia, mostrando como o
desenvolvimento da chamada «assignation à résidence» — residência fixa — possibilitou a
utilização progressiva da detenção, escapando ao controlo judiciário, em centros de triagem que se
transformaram em centros de tortura. Ao revelar o grau de colaboração dos magistrados franceses
com a justiça militar de excepção, bem como de aceitação da transferência dos poderes da polícia
para o Exército, essa autora concluiu que, entre 1954 e 1962, a justiça francesa deixou de ser um
poder independente em equilíbrio entre o poder estatal e o cidadão (Nota 4).
Outra historiadora, Raphaëlle Branche, analisou a tortura praticada pelo Exército francês, no
mesmo período, na Argélia, começando por alertar que, tal como nos arquivos da PIDE/DGS, nos
arquivos militares de França o termo «tortura» foi substituído por eufemismos, tais como
«interrogatório musculado, rigoroso ou sob constrangimento» (Nota 5). Os militares franceses
justificaram o uso da tortura, descrevendo-a como uma violência controlada, necessária para a
«obtenção de informações» na luta contra um terrorismo dirigido contra os inocentes. O mesmo
argumento que Salazar utilizou, em 1932, ao defender que «meia dúzia de safanões a tempo»
podiam salvar as mulheres e crianças dos terroristas.
Entre as principais conclusões de R. Branche conta-se a de que, mais do que «fazer falar», a tortura
«faz ouvir», imprimindo no corpo do supliciado a voz do poder. Da mesma forma, Paul Ricoeur
afirmou que o aparelho torcionário não pretende «só fazer falar a vítima, mas fazer calar toda a
oposição». No entanto, a utilização da tortura não era confessada pelas autoridades, pois transgredia
o limite da força legítima que o Estado democrático podia reivindicar.
Nota 1 - Antoine Garapon, «Que signifie maintenir l’ordre?, in Esprit, Dezembro de 1998, n.° 248,
121-133, pp. 123, 132 e 133.
Nota 2 - Jean-Luc Einaudi, «De 1’Indochine à 1’Algérie», Devoir de Mémoire, Droit à 1’Oubli, dir.
Thomas Ferenczi, Complexe, 2002.
Nota 3 - Les Crimes de 1’Armée Française. Algérie 1954-62, dossier réuni par Pierre Vidal-Naquet,
1975, pp. 13, 21, 71-73 e 109.
Nota 4 - Sylvie Thénault, Une Drôle de Justice. Les magistrats dans la guerre d’Algérie. préf. de
Jean-Jacques Becker, postface de Pierre Vidal-Naquet, La Découverte («1’Espace de 1’Histoire),
Paris, 2001, pp. 102-103, 133, 160-161 e 320.
Nota 5 - Raphaëlle Branche, La Torture et L’Armée pendant la Guerre d’Algérie, 1954-62,
Gallimard, 2001, p. 132.

349

Ver-se-á que, no caso da ditadura portuguesa, a utilização da tortura também foi negada, em nome
dos «brandos costumes» e da «civilização cristã», embora a ameaça da sua existência tenha sempre
permanecido no ar, junto da população, como medida de desmobilização (Nota 1).

XII.3.3. Os efeitos da tortura

Muitas das ideias de Raphaëlle Branche baseiam-se num estudo psicológico sobre a tortura de
Françoise Sironi, segundo a qual a tortura não se propõe apenas fazer «falar» mas fazer «calar»,
encerrando no mesmo silêncio tanto as vítimas como os carrascos. Os torcionários são agentes de
um poder violento, utilizados para fabricar a submissão total e a paralisia dos que são governados,
para «desvitalizar» e «desactivar» aqueles que o poder acusa de colocar em perigo a ordem
estabelecida (Nota 2).
A estratégia do torcionário é, segundo Sironi, a anulação da sua vítima enquanto ser humano, ao
tornar-se dono da consciência desta e ao ser atingida directamente a singularidade e o carácter
insubstituível dos indivíduos. Françoise Sironi comparou a tortura com os processos de aculturação,
que reduzem a pessoa à sua parte universal, privando-a da sua singularidade e do seu sentimento de
pertença a um grupo. Ao desarticular a ligação entre o singular e o colectivo, é a «parte colectiva»
do indivíduo que a tortura pretende realmente atingir, fabricando seres humanos desapossados do
que os diferencia.
Para o torturado, como para o torturador, «confessar» é desvendar um segredo, é render-se à
vontade omnipotente do torcionário, e, a partir daí, sofrer a atroz transparência da
despersonalização, dado que o segredo e a opacidade íntima são fundamentos da identidade e
modalidades de constituição dos grupos, que desenham uma linha de demarcação com os outros.
Na tortura, a marca física inscreve-se na ruptura com o grupo de pertença e na transformação
psíquica do torturado, do qual se tenta modificar o processo de pensamento, através da transgressão
dos seus tabus e da sua desumanização. Em suma, a tortura esforça-se por isolar o «fragmento de
alteridade», decompondo, através do traumatismo, o indivíduo em várias partes, numa experiência
da qual nunca se recompõe. Os métodos de tortura utilizados são modelados pela vontade de
inverter os valores do indivíduo, de modo a que o torcionário seja interiorizado por aquele e que a
intencionalidade subjacente aos seus actos seja colocada no próprio torturado (Nota 3).
Ao referir-se aos diversos métodos de tortura, Sironi dá especial relevo à dor, à privação sensorial e
ao isolamento. Quanto à privação do sono e ao isolamento, habitualmente acompanhadas de má
alimentação deliberada e de variações importantes de temperatura, acarretam, nos indivíduos que
sofrem essas torturas, um sentimento permanente de ameaça sem objecto e uma vivência de
despersonalização.

Nota 1 - André Jacques, L’Interdit, ou la Torture en procès, Cerf, 1994, pp. 16, 17, 27, 167
e 425.
Nota 2 - Bourreaux et Victimes. Psychologie de la Torture, Éditions Odile Jacob, 1999, p. 12.
Nota 3 - Ibidem, pp. 24, 25 e 33.

350

Surgindo habitualmente depois da tortura física, o período de isolamento provoca um sofrimento


psíquico profundo, que leva à confusão total, a alucinações e à perda de referências
espaciotemporais.
Após um período de dor e de privação de dormir, muitos torturados referem ter sentido uma quase
felicidade inicial com o retorno ao isolamento na cela, vista como um lar. No entanto, acabam por
considerar o isolamento mais duro do que a própria tortura, dado que a espera do futuro suplício
provoca o desespero, o cansaço e a sensação de vazio. Acontece até que o preso chegue a aspirar
tornar a ver pessoas, mesmo se estas, evidentemente, são apenas os carrascos. Assim, quando o vão
buscar à cela para uma nova sessão de torturas, o preso quase experimenta uma sensação de
«libertação» relativamente ao isolamento.
Frequentemente é então que actua o chamado torturador «bom», aquele que aparenta ser um
«amigo», numa situação onde se torna fácil ceder e abandonar-se a ele. Muitos dos torturados
testemunharam que o «ponto de ruptura» surge quando o torcionário se transforma em «bom» e
pronuncia palavras simpáticas. A alternativa entre a «bondade» ou a «maldade» dos torcionários é
também, segundo Sironi, uma estratégia de desconstrução identitária. Outro método de tortura é a
prevalência de uma ordem binária, como modo de apreensão do mundo, entre o sujo (o torturado
que «cheira mal», impedido de se lavar, de mudar de roupa, de dormir, de comer bem) e o limpo (o
torcionário que dormiu e comeu bem, está elegantemente vestido e bem cheiroso) (Nota 1).
No caso da PIDE/DGS, muitos dos presos estudantes ou chamados «intelectuais», por contraponto
aos operários e camponeses, foram impedidos de se lavar durante semanas. Quando, ao fim de uma
semana, o corpo cheirava mal, os pés estavam inchados e o preso é obrigado a descalçar-se e tem a
barba por fazer, a PIDE explorava a situação, insultando o preso: «Você é um porco, não tem
vergonha.» Ou seja, era «o amarfanhamento da personalidade em aspectos exteriores e naquilo que,
para um intelectual, são valores de representação.» (Nota 2) Após 1974, o ex-inspector da DGS
Óscar Cardoso referiu-se ao mau cheiro exalado por um dos elementos que torturou. Por outro lado,
muitos ex-presos da PIDE/DGS referiram a chegada, a meio da noite, de torcionários perfumados.

XII.3.4. O exemplo da CIA

Mencione-se que, entre outra matéria ministrada no curso da CIA que se realizou em 1957, em
Camp Peary, perto de Williamsburg (Virgínia), os elementos da PIDE foram instruídos no sentido
de conduzir um interrogatório de um suspeito (Nota 3). Em Julho de 1963, a CIA distribuiu um
manual secreto, intitulado KUBARK Counterintelligence-Interrogation, que incluía uma secção
detalhada sobre «métodos coercivos de interrogatório de contra-intelligence a fontes resistentes»
(Coercive Counterintelligence Interroga- tion of Resistant Sources), com sugestões concretas de
utilização de «Ameaças e medo», «Dor», «Debilidade» e, sobretudo, «Privação de estímulos
sensoriais».

Nota 1 - Ibidem, p. 35.


Nota 2 - «Destaque», in Público, 22/4/1994, p. 11.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 2 CI (2) SC DSI, pasta 4, CIA curso em 1957/58, informações secretas,
pasta 1, fl. 53.

351

Na parte relativa a «Ameaças e medos» dizia-se que esses métodos enfraqueciam e destruíam a
resistência de forma mais eficaz do que a própria coerção, dado que a brutalidade física directa
apenas criava em geral ressentimento e hostilidade no preso. Na parte atribuída à «Debilidade»
sugeria-se o impedimento de dormir e o fornecimento de refeições de forma regular, de modo a
desorientar o interrogado e aniquilar a sua vontade de resistir. Na secção relacionada com a «Dor»,
observava-se que aquela que era infligida numa pessoa a partir do exterior podia intensificar a sua
vontade de resistência, e, por isso, se deveria optar pela que parecia ser infligida do interior: era o
caso do indivíduo obrigado a permanecer de pé («estátua»), o que dava a ideia de que a fonte da dor
não era o carrasco mas a própria vítima.
Na secção «Privação de estímulos sensoriais» propunha-se a submissão do prisioneiro ao
isolamento prolongado, sugerindo que o interrogador aproveitasse o estado de ansiedade que daí
resultava. Depois, ao quebrar-se o isolamento através do contacto humano do torturado, o
interrogador acabava por ser visto pelo preso como tendo um papel benévolo. Segundo o manual,
«a privação de estímulos induz a regressão ao privar o sujeito do contacto com o mundo exterior»
e, ao serem-lhe dados «estímulos calculados durante o interrogatório» leva-se o sujeito regredido a
ver «o interrogador como uma figura paternal, resultando daí a quebra da sua resistência» (Nota 1).
Ora, sabendo-se que a PIDE tinha relações próximas com a CIA, pelo menos desde 1957, não será
certamente uma coincidência o facto de esse manual apresentar «técnicas coercivas» idênticas às
utilizadas pela polícia política portuguesa. Um dos elementos da Comissão de Extinção da
PIDE/DGS confirmou, aliás, que nos últimos tempos a polícia política portuguesa «passou a
utilizar nas suas técnicas os conhecimentos da psicologia moderna» (Nota 2), aprendidos com os
norte-americanos, que haviam realizado experiências sobre «privação sensorial» (Nota 3).

XII.3.5. Provas de torturas da PIDE/DGS

Embora não haja um único documento no arquivo da PIDE/DGS — pelo menos de que se tenha
conhecimento — que prove a utilização de tortura, muitos dados revelam o seu uso.

Nota 1 - National Security Archive, site, texto pp. 90-104.


Nota 2 - Diário Popular, 7/2/1975.
Nota 3 - «De um livro da AEEPPA, “A PIDE e os Métodos”», in Página Um, 25/9/1978,
pp. 8-10.

352
Diga-se que, relativamente a um estudante preso em 1964, Artur Catarino Simões, ficou conhecido
o facto de, no seu processo, haver uma indicação manuscrita de um inspector da PIDE, dirigida ao
agente Caldeira Fernandes, indicativa da existência de uma instrução dada para a condução dos
«interrogatório» (Nota 1), cujo conteúdo é o seguinte:
«Artur Catarino Simões. Perguntas a fazer: desde quando “voltou” ao Partido Comunista; quem o
“aliciou” e “cotização” que pagava; “pseudónimo” que usava; “actividades” que tem vindo a
desenvolver como “membro” do “partido”. Nota: este homem não dorme» (destaque nosso) (Nota
2).
Por outro lado, no processo dos Serviços de Justiça da Comissão de Extinção da PIDE/DGS
referente ao ex-chefe de brigada Joaquim dos Santos Costa há uma lista escrita à máquina
encontrada «no gabinete do comandante A. Serra» onde consta a palavra «Torturas», podendo-se aí
ler os dias, os presos e os respectivos agentes de piquete nas escalas para impedidos de dormir
(Nota 3).
Nos dias imediatos ao 25 de Abril de 1974, alguns agentes subalternos da PIDE/DGS presos
reconheceram as violências praticadas por essa polícia. O ex-agente António Dias da Fonseca
confirmou a existência de «ordens superiores para determinados presos políticos não serem
autorizados a dormir, permanecendo em salas ou gabinetes da Investigação», onde se revezavam
«os funcionários na vigilância de tais presos» (Nota 4). Também o exigente Garcia Estêvão disse
não poder «garantir que os detidos não fossem objecto de maus-tratos», referindo nomeadamente
Tinoco como «muito capaz de um tratamento mais violento com os detidos» (Nota 5).
Por seu turno, o ex-subinspector Farinha dos Santos afirmou que, num dado período, pôde verificar
«serem usados interrogatórios prolongados para obrigar os detidos a confessar as suas actividades».
Nos gabinetes onde os agentes «faziam investigação dia e noite, em turnos de quatro horas», os
detidos eram interrogados «segundo questionários elaborados pelos investigadores» Abílio Pires,
Rodrigues Martins, Adelino Tinoco, Rego, Rosa Casaco, Francisco Fernandes e Pedro de Oliveira,
que eram depois chamados quando os detidos «queriam confessar». Farinha dos Santos declarou
ainda que os agentes dos «serviços de repressão, chefiados» por Fernando Gouveia batiam às vezes
nos presos e, entre alguns torturadores, nomeou António Capela, Inácio Afonso, Santos Costa,
Pereira André, Artur Pereira dos Santos, Cosme, Duarte, Celso e Ricardo Graça (Nota 6).

Nota 1 - Trata-se de um documento apenso ao processo de querela n.° 62/65, do 4.° Juízo Criminal
de Lisboa, devido à iniciativa do advogado de defesa Joaquim Pires de Lima.
Nota 2 - Fernando Luso Soares, PIDE/DGS: Um Estado dentro do Estado, Portugália Editora, s.d.,
p. 92.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar. Joaquim dos Santos Costa, 4.° Juízo do TMT, proc. 90/79, pasta
57, arquivo 578, processo 1592 de 1975, l.a secção, Porto, auto corpo delito, fls. 38- -39
Nota 4 - Ibidem, Benedito Pereira André, 4.° Juízo do TMT, proc. 15/81, pasta 85, arquivo 744, fls.
220, 223, 224 e 227); ibidem, Óscar Cardoso, 4.° Juízo do TMT, proc. 118/76, pasta 6, arquivo 70,
vol. 2, fl. 125).
Nota 5 - Ibidem, António Capela, proc. 4/80, pasta 60, arquivo 598, vol. 1, fl. 128.
Nota 6 - Ibidem, fls. 36-40 e 173-176.

353

Lista de rotação dos agentes por preso para a tortura do sono (omitida)

Fonte Arquivo Histórico Militar, Joaquim dos Santos Costa, 4º Juízo TMT, proc. 90/75, pasta 57,
arquivo 578, proc. 1582, de 1975, 1ª secção, Porto, fls. 38-39.

354

Este último, que torturou nomeadamente, em 1971, José Pedro Soares, era o falso nome do agente
António Pereira Coelho, como deu conta, em 1 de Junho de 1974, um indivíduo preso em Caxias
numa sala onde se encontravam elementos da antiga polícia política, ao afirmar que os elementos
da DGS usavam por vezes pseudónimos quando iam «contactar com os presos para os efeitos
acima mencionados» (interrogatórios) (Nota 1). Por seu turno, o ex-agente da PIDE Belarmino
Alves de Araújo disse ter visto, na sede da PIDE, «por mais de uma vez», «indivíduos de pé, muito
tempo, no suplício de “estátuas” [sic], ou sono» (Nota 2).
O ex-agente auxiliar Luís Fernando Neves Castro, que saiu da PIDE em 1949, admitiu ter ele
próprio feito «dois serviços nocturnos que consistiam na vigilância a indivíduos que se
encontravam a fazer “estátua”» (Nota 3). Também o agente de l.a classe Luís Cardoso assegurou ter
«a certeza moral de que são verdadeiras em pelo menos noventa por cento as declarações dos ex-
presos políticos, sobre torturas sofridas nas cadeias e interrogatórios da PIDE/DGS». Segundo ele,
existia em Caxias um grupo de «agentes “disponíveis” que faziam os turnos de vigia à tortura do
sono dos presos políticos, para que não dormissem, em escalas feitas pelo agente Joaquim Valente
Fialho (Nota 4)».
Quanto aos elementos mais graduados e aos dirigentes da PIDE/DGS, todos eles negaram a prática
de torturas nos interrogatórios, embora, por exemplo, o ex-inspector Óscar Cardoso não tivesse
negado que «algumas vezes e contra a instruções» os presos «levassem um calor» e «se tivesse de
recorrer a processos menos elegantes» (Nota 5). Por seu lado, José Barreto Sacchetti, que dirigiu a
delegação dessa polícia em Coimbra e, posteriormente, os Serviços de Investigação, até 1969, disse
que, conhecendo as campanhas de «difamação» contra a polícia, recomendava aos agentes recém-
admitidos a tomada de precauções quanto à segurança dos detidos, segundo os «princípios de
humanidade, educação e correcção com que desejava que fossem tratados». Quanto ao facto de ser
«certo que uma ou outra vez se verificou que alguns interrogatórios se prolongavam pela noite»,
disse que isso acontecia a pedido dos próprios detidos.
Mas onde Sacchetti fez prova de cinismo foi quando teve o cuidado, após 25 de Abril de 1974, de
denegrir o PCP e tentar introduzir a confusão, dando a entender que quase todos os seus elementos
detidos pela PIDE tinham traído. Segundo ele, os detidos entravam «em francas confissões» que
permitiam «outras diligências coroadas de êxito a troco de lhes ser proporcionado o recomeço de
nova vida». Depois remetiam ao PCP autocríticas para justificar «a fraqueza», invocando
«falsamente torturas a que teriam sido submetidos».

Nota 1 - Ibidem, Adelino da Silva Tinoco, proc. 66/77, vol. 4, fl. 54; ibidem, Joaquim dos Santos
Costa, proc. 90/79, vol. 1, fl. 45. Entre os carrascos contavam-se, segundo ele, os chefes de brigada
Santos Costa e Inácio Afonso, bem como os agentes Bronze, Celso Russo e António Pereira
Coelho, cujas «irregularidades» eram organizadas pelo inspector Américo Silva Carvalh
Nota 2 - Ibidem, TMT de Lisboa, 4.° Juízo do TMT, Fernando Gouveia, proc. 21/80, pasta 67,
arquivo 625, fls. 323 e segs.
Nota 3 - Ibidem, Luís Fernando Neves Castro, 4.° Juízo do TMT, proc. 25/79, pasta 50, arquivo
504, ex-agente auxiliar, fls. 23-24 e 94.
Nota 4 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, pp. 167-169, 171 e 172.
Nota 5 - Idem, ibidem, p. 88; Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS. p. 49.

355

Repudiando todas as acusações de ter praticado quaisquer violências sobre os detidos, Sacchetti
assegurou que delas seria «incapaz pela sua educação, pela sua formação moral e cívica e até pelas
suas crenças religiosas» (Nota 1).

XII.3.6. Alguns dos principais torturadores da PIDE/DGS

Para haver tortura é necessário haver torturadores. Françoise Sironi interessou-se pelo processo de
fabricação do torcionário e, retomando uma célebre frase de Simone de Beauvoir aplicada às
mulheres, assegurou que uma pessoa não nasce torcionária, embora se possa tornar torcionária.
Considerou que para se fabricar um torcionário é necessária uma prévia aculturação e afastamento
do grupo original, familiar, geracional e escolar, à qual se segue uma interiorização de uma nova
cultura do grupo de pertença (dos torcionários) (Nota 2).
Como qualquer outra força militar ou policial que utiliza a tortura, também a PIDE/DGS não era
constituída, na sua maioria, por «degenerados», embora homens como Sílvio Mortágua, Casimiro
Monteiro e Cunha Passo não se afastassem desse qualificativo. A PIDE era composta por
indivíduos normais, que, fora da instituição, compartilhavam valores familiares e até, alguns, uma
vida exemplar: por exemplo, Tinoco era um bom pai, Sá e Seixas, um marido terno para a sua
mulher cega e Diogo Alves era bombeiro. Um dos elementos da PIDE confessou que, quando
entrava ao serviço, mudava totalmente, esquecendo crenças, valores e amizades. A PIDE afrouxava,
nos seus elementos, as resistências aos comportamentos anti-sociais, fornecendo-lhes uma lógica de
justificação, lançando-os numa infrene competição uns com os outros e acabando por os compelir a
comportamentos condenáveis (Nota 3).
Diga-se que os torturadores da PIDE/DGS estavam em toda a corporação, tanto nos Serviços de
Informação como nos de Investigação. Houve escriturários dessa polícia que fizeram «horas
extraordinárias», tomando parte nos «turnos» da tortura do «sono» e da «estátua». Como em
qualquer polícia, eram evidentemente os agentes e o pessoal mais baixo que se «molhava» no
trabalho sujo da tortura. Os «investigadores» e os chefes dos serviços da PIDE/DGS apenas
apareciam na sala de interrogatórios ao fim de um tempo, para recolher as confissões dos presos,
extenuados por horas e horas de espancamentos, «estátua» e «sono». Por isso foi possível, por
exemplo, a Sacchetti ou a Álvaro Pereira de Carvalho, negarem, após 25 de Abril de 1974, ter
torturado qualquer preso. No entanto, o empregado bancário Fausto Correia Martins, preso em
1962 por alegada implicação no «golpe de Beja», contou ter estado na Rua António Maria Cardoso
durante oito dias sem poder dormir e a ser espancado em interrogatórios dirigidos por Pereira de
Carvalho (Nota 4).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, Adelino da Silva Tinoco proc. 66/77, vol. 6,
fls. 227-229, 263 e 266-267.
Nota 2 - Françoise Sironi, Bourreaux et Victimes. Psychologie de la Torture, pp. 129, 134, 137 e
143-45.
Nota 3 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 284 e 286.
Nota 4 - «Processos da PIDE denunciados no 2.° TMT, 39.a sessão do julgamento», in O Diário,
7/5/1979.

356

Na Investigação distinguiram-se, ao longo dos anos, o subdirector Sacchetti e os inspectores


Fernando Alves, Abílio Pires, Sílvio Mortágua, Adelino Tinoco (Nota 1), Inácio Afonso, Joaquim
dos Santos Costa, António Capela, Magalhães Silva, Rodrigues Martins, Júlio Henriques, Óscar
Cardoso, Silva Carvalho, Antero Glória Santos, Carlos Franco, Esteves Martins, Rosa Casaco, Sá e
Seixas, Varela, Duarte, Gomes da Silva, Joaquim Monteiro, Mário Coelho, Pereira André, Arlindo,
Rego Faustino, Reis Sardinha e o guarda prisional Dias. Entre as mulheres, contaram-se Conceição,
Odete, Fátima e Madalena (Nota 2), além de uma dactilógrafa, Alzira, que também fazia esses
«biscates» (Nota 3).
Veja-se, com alguns exemplos, quem eram os «interrogadores», encarregues da instrução dos
diversos processos ao longo dos anos. Após 1945, primeiro no Porto e depois em Lisboa, um dos
elementos mais conhecidos pelos presos foi Fernando Gouveia, um profundo conhecedor da vida
clandestina do PCP que chegou a inspector e dirigiu mais tarde o GT da PIDE/DGS. Lembre-se
que, entre os seus métodos, além das torturas, contaram-se o aliciamento, a exploração das
fragilidades dos presos, a calúnia e, como aconteceu pelo menos com dois presos, a colocação na
mesma cela de um denunciante que fingiu pertencer ao PCP (Nota 4). «Perito» em fazer chantagem
aos presos utilizando a família e os filhos, Gouveia utilizou esse estratagema, como se viu, com
Aida Magro, em 1957, com Albina Fernandes Pato, em 1962, e já o tinha usado com Jaime Serra,
em 1949 (Nota 5).
Segundo o Avante! de Fevereiro de 1948, o então agente Gouveia foi responsável por ter colocado
Agostinho Saboga em «estátua» durante mais de quatro dias e por lhe ter dito, após três meses de
incomunicabilidade, que ficaria «na posição vertical até cair aos bocados». Ao preso João da Veiga,
Gouveia teria dito: «não estás disposto a falar mas também não viverás muito tempo, e se viveres,
certamente que cairás novamente na polícia e então talvez me possa vingar» (Nota 6). A
companheira de João da Veiga, Mertelina da Conceição Veiga contou mais tarde que, ao visitar o
marido, soube que ele tinha estado, durante 31 dias, no gabinete de Fernando Gouveia, sujeito à
«estátua» durante quarenta e oito horas e ao «sono» durante dez dias e noites. Depois de mais de 8
horas sem dormir, permaneceu 75 horas de pé e, finalmente, mais 33 horas na «estátua» (Nota 7).

Nota 1 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, 1998, p. 88.


Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, Jaime Gomes da Silva, proc. do TMT, 4.° Juízo, proc. 28/80,
auto 1652/75, Serviço de Justiça dos Serviços de Coordenação da Extinção da PIDE/ /DGS e da LP,
2 volumes. Relatório elaborado pela CNSPP para os serviços de Coordenação da Extinção da
PIDE/DGS e LP, após o 25 de Abril de 1974.
Nota 3 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».
Nota 4 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 104-109.
Nota 5 - Miguel Medina, Esboços, vol. 11, pp. 109 e 110, testemunho de Jaime Serra, Avante! n.°
313, Fevereiro de 1962.
Nota 6 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no LAN/TT, pr. 14499/49, 3.° Juízo, caixas 234- -236,
vol. 10, fl. 621.
Nota 7 - Gina Azevedo, «A força ignorada das companheiras», testemunho de Mertelina da
Conceição Veiga, in Diário de Lisboa, 8/1/1975.

357

Em Lisboa, no final dos anos 40 e princípio dos anos 50, a maioria dos processos eram dirigidos
pelo inspector superior José Catela, tendo como investigadores, além do já referido Fernando
Gouveia, Ferry Correia Gomes e o subinspector Francisco Sales Velez. Entre os agentes que os
acompanhavam contavam-se então António Lopes e um outro, que viria a subir na hierarquia da
PIDE e a ser conhecido por todos os presos políticos — o então agente Sílvio Mortágua (Nota 1).
Inúmeros processos de 1949 foram, por seu turno, instruídos por Raul Porto Duarte (Nota 2),
acompanhado pelos chefes de brigada Luís Patacho e Fernando José Alves (Nota 3). No mesmo
ano, diversos processos foram conduzidos, no Porto, pelos inspectores Jaime Gomes da Silva e
Antonino Faria Pais, bem como pelo subinspector Joaquim de Oliveira Monteiro, destacando-se,
nas violências exercidas sobre os detidos, o chefe de brigada António Pinto Soares (Nota 4).
O processo do MUD J, em 1952, foi «instruído» pelo inspector Aurélio Boim Falcão, com o agente
Pedro Aníbal de Oliveira, em Lisboa (Nota 5), no mesmo período em que os casos do distrito de
Coimbra estavam a cargo do inspector José Sacchetti, subdirector dessa delegação (Nota 6). Em
1958, João Cesário Catarino Gonçalo foi torturado com «sono» e «estátua», na delegação de
Coimbra, por Fernando Gouveia e Costa Pereira e, depois, na presença de José Aurélio Boim
Falcão, pelo então agente Adelino Tinoco (Nota 7). Este e António Rosa Casaco, que, no ano
seguinte, ascenderam a chefe de brigada, interrogaram muitos presos, em Lisboa, então às ordens
de Aníbal de São José Lopes (Nota 8).
Em 1961, os presos acusados de serem do CL do Couço foram interrogados pelo jovem inspector
Álvaro Pereira de Carvalho, pelo chefe de brigada Armando Rego e pelo agente Américo da Silva
Carvalho (Nota 9). Nos anos 60, o chefe de brigada Adelino Tinoco distinguiu-se como um dos
mais brutais torturadores. Em declarações ao Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS
disse, porém, cinicamente, que a chamada «estátua» não era mais do que uma reacção de alguns
detidos que se recusavam a sentar-se com o argumento de que as cadeiras pertenciam à PIDE (Nota
10).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 771/47 «Averiguações sobre a preparação de movimento revolucionário
em preparação».
Nota 2 - Ibidem, pr. dir. 1144/49, Dias Lourenço da Silva e Georgette Ferreira.
Nota 3 - Ibidem, pr. dir. 746/49, Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, fls. 1-3.
Nota 4 - Ibidem, pr. 1039/47; ibidem, pr. 1021/47.
Nota 5 - Ibidem, pr. 108/52, Pedro Ramos de Almeida.
Nota 6 - Ibidem, pr. 54/53, Albano Rodrigues da Cunha, vol. 1.
Nota 7 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. dir. 681/59 D. Inv., 27/10/1959.
Nota 9 - Ibidem, pr. 861/60.
Nota 10 - «As lágrimas de Tinoco», in Diário de Lisboa, 11/5/1974, cit. por Fernando Luso Soares,
PIDE/DGS, Um Estado dentro do Estado, Portugália Editora («Instituições do fascismo»), s.d, p.
70; Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.° Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
Serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, fl. 8.
Nota 11 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco proc.
66/77, 11 volumes, EMGFA, 1.* secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 4, fl. 66.
Nota 12 - A Capital, 13/7/1977, p. 4.

358

Contra Tinoco testemunharam, após 1974, ainda Alexandre Alhinho de Oliveira (Nota 11), bem
como os ex-presos João Camilo Rosa (Nota 12) e Domingos Abrantes, a quem aquele teria dito: «a
ética da casa é esta: ou fala ou sai daqui morto» (Nota 1). Também vários elementos da PIDE/DGS
detidos após 1974 confirmaram a prática de torturas, designadamente por Tinoco. Um deles foi o
ex-subinspector António Baptista da Silva, segundo o qual este usava «os sistemas violentos
aprendidos com Gouveia, de quem foi aplicado aluno» (Nota 2). Júlio da Conceição de Silva
Martins, preso em Dezembro de 1961, foi sujeito a 11 dias e noites de «sono», alvo de suborno e
ameaças e espancado durante três dias consecutivos às mãos do mesmo Tinoco, sob as ordens de
Aníbal de São José Lopes. Maria da Conceição Matos, detida em Abril de 1965, acusou Tinoco de
ter ordenado a Madalena para a espancar (Nota 3).
Nesse período, além do inspector Rosa Casaco (Nota 4) e de Óscar Cardoso, destacaram-se ainda,
entre os mais violentos, aqueles que estavam às ordens do subdirector José Barreto Sacchetti,
director dos Serviços de Investigação, e do inspector-adjunto Porto Duarte. O chefe de brigada
Benedito Pereira André, que trabalhou nas brigadas de Sílvio Mortágua e de Manuel Rodrigues
Martins, foi «promovido por distinção pelas violências exercidas nos presos», conforme afirmou o
ex-subinspector Baptista da Silva (Nota 5). Um dos ex-presos políticos que acusou Pereira André
de o ter impedido de dormir durante nove noites submetendo-o ainda a «estátua» e espancamentos,
foi Manuel Joaquim Miguel Judas (Nota 6).
Após o 25 de Abril de 1974, o ex-chefe de brigada Francisco Casas Fernandes também foi acusado
por diversos ex-presos políticos, de lhes ter infligido maus tratos (espancamento à bofetada, a
cavalo-marinho, matraca, com a mão em forma de cutelo, a cassetete, tortura do sono e insultos). A
estas acusações respondeu que estava a ser confundido com outro chefe de brigada que se chamava
Francisco (conhecido por Chico) Fernandes (Nota 7). Além de Adelino Tinoco, Sílvio Mortágua,
Manuel Rodrigues Martins e Benedito Pereira André, contavam-se ainda, entre os elementos mais
violentos da PIDE/DGS, o chefe de brigada Quartau, bem como os agentes José Manuel Baptista
Coelho, Inácio Afonso, Armando Cristofaneti da Costa Lima e Manuel Lavado (Nota 8).
A utilização de médicos na tortura também não é excepcional. Nos EUA, onde, lembre-se, a PIDE
aprendeu novos métodos de «investigação» com a CIA, esta realizou, com apoio de médicos,
investigações psicológicas sobre a privação sensorial.

Nota 1 - Diário de Lisboa, 13/7/1977; «Julgamento do pide Tinoco: Depoimentos de torturados», in


O Diário, 14/10/1977.
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco proc. 66/77,
vol. 1, fl. 14, auto de 27/8/1974.
Nota 3 - A Capital, 20/7/1977, p. 9.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 329 GT, Adelino Pereira da Silva, documento de 4/1/1963.
Nota 5 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Benedito Pereira André, proc. 15/81,
4 volumes, fl. 13.
Nota 6 - «Como se transforma um torcionário da PIDE em “cidadão exemplar”», in O Diário,
19/5/1980, pp. 12 e 13.
Nota 7 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, Francisco Casas Fernandes, 4.° Juízo, proc.
2428.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 429/56 SR, Dinis Miranda, campanha pela sua libertação; pr. cr. 1312/67,
Dinis Miranda e Aura de Jesus, fl. 88.

359

A PIDE/DGS dispunha de um corpo médico, formado por especialistas de cardiologia, de clínica


geral e ainda por psiquiatras, aos quais competia distinguir quando a vítima delirava ou quando
falava verdade e impedir que as torturas a liquidassem. Um relatório posterior a 1974 deu conta de
que, por vezes, os próprios médicos da PIDE interrogavam os presos e exploravam a resistência das
vítimas, «aparentando uma hipócrita vontade de ajudar, que visava enfraquecer ao preso a vontade
de não fazer declarações à Polícia». Outras vezes, os presos receberam dos médicos medicamentos
para dormir, num período em que a PIDE as sujeitava, ao mesmo tempo, à tortura do sono (Nota 1).

Nota 1 - Dossier «Os Horrores da PIDE», pp. 19 e 20.

360

XIII. AS MODALIDADES DE TORTURA DA PIDE/DGS

Álvaro Cunhal contou que, da primeira vez em que foi preso, pela PVDE, nos anos 30, foi
colocado, algemado, no meio de uma roda de agentes, que o espancaram a murro e pontapé, com
cavalo-marinho e umas tábuas grossas. Depois, deixaram-no cair, descalçaram-lhe os sapatos e
deram-lhe violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando o levantaram, obrigaram-no a marchar
sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltaram a espancá-lo pelo primitivo
processo. Isto repetiu-se por numerosas vezes, até que perdeu os sentidos (Nota 1). Era desta forma
que a PVDE e, nos seus primeiros anos, a PIDE interrogava os detidos políticos, aos quais também
submetia à «estátua». O inchaço dos pés, as dores por todo o corpo e o peso da cabeça como se
fosse estoirar não tardavam. Quando o preso se deixava cair, os pontapés atingiam-no em todas as
partes do corpo.
Posteriormente, o método de eleição da PIDE/DGS foi a tortura do «sono», embora os
espancamentos com matracas nunca tivessem sido abandonados, ao longo dos anos, especialmente
nos casos dos presos mais indefesos socialmente ou contra os suspeitos de acção armada. Por
exemplo, os presos do PCP, da FAP, ARA, LUAR e das BR foram vítimas da mais selvagem
violência, tanto física como psicológica (Nota 2).
Todos os presos sujeitos a torturas guardaram sequelas físicas, de ordem orgânica e psíquica, como
foi afirmado, após 23 de Abril de 1974, pelos médicos Fragoso Mendes e Monteiro Baptista, que
visitaram muitos detidos políticos (Nota 3). Ao analisar, após 1974, as consequências clínicas dos
interrogatórios, através de uma amostra de cinquenta pessoas detidas por razões políticas entre
1966 e 1973, o psiquiatra Afonso de Albuquerque mencionou as seguintes causas de perturbações:
o isolamento e a despersonalização (50 %); a privação de sono (96 %); os espancamentos (46 %); a
«estátua» (38 %), os insultos e as chantagens (30 %), as variações de temperatura (8 %); os
altifalantes com gravações (8 %) e os choques eléctricos (4 %) (Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 15786 SR, Álvaro Cunhal «No tribunal fascista».
Nota 2 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 18 e 19.
Nota 3 - Manuel Anta, «O passar da esponja ou o crime recompensado», in Diário de Lisboa,
31/7/1976, p. 11.
Nota 4 - «Dossier 1974, foi há 20 anos», in Visão, 21/4/1994; Cambio 16, 16/9/1974.

361

No mesmo grupo, o psiquiatra observou as seguintes consequências imediatas da tortura: as


alucinações e o delírio (76 %); as perdas do conhecimento (15 %); os edemas dos membros
inferiores (10 %) e as tentativas de suicídio (6 %). Foram ainda observadas sequelas a médio e
longo prazo: falhas de memória (16 %); depressão (16 %); insónias (8 %); psicoses esquizofrénicas
(8 %) e ansiedade, cefaleias, gaguez e dificuldades sexuais, entre outras (30 %). Albuquerque
acrescentou que, para a PIDE/DGS, fazer «falar» não era o mais importante, mas sim a destruição
da personalidade do preso e a criação de um clima de terror em todo o país através do que
contavam as pessoas mais próximas do detido.
O mesmo psiquiatra relatou que, nos últimos anos do regime, os presos eram conduzidos à noite
para um quarto onde havia junto ao tecto alto-falantes que transmitiam gravações, para fazer crer
aos detidos que as suas mulheres ou filhas também estavam presas e seriam torturadas, bem como
um poderoso aquecimento, que provocava extremas mudanças de temperatura. Um dos advogados
de presos políticos, Macaísta Malheiros, afirmou que a droga começou a ser utilizada a partir de
1969, quando os presos «começaram a demonstrar sintomas de perturbações mentais em razão da
administração, por via oral, de determinados tipos de drogas» e nove réus sobre dez apresentaram
perturbações mentais depois da tortura (Nota 1). Em 1971, estudantes do IST, reunidos em
Assembleia Geral, enviaram ao ministro do Interior um telegrama de protesto contra o facto de
terem sido usados alucinogénios em colegas presos (Nota 2).

XIII. 1. Os ESPANCAMENTOS

Os espancamentos — muito utilizados no tempo da PVDE — nunca cessaram, depois, a partir de


1945, nomeadamente, como se viu, com elementos das classes sociais mais baixas e com
funcionários do PCP. A luta de classes, tão detestada por Salazar, nunca deixou de estar, assim,
presente no seio da PIDE, que tratava de maneira diferente operários, camponeses, intelectuais,
burgueses, homens e mulheres. Por exemplo, no interrogatório do economista Gilberto Lindim
Ramos, o director da PIDE ameaçou-o de, a persistir no seu comportamento (ao negar prestar
declarações), passar a ser interrogado como o eram «os camponeses do Alentejo» (Nota 3).
Também o ex-funcionário do PCP, detido em 1962, J. A. da Silva Marques afirmou, por experiência
própria, que na «prisão era notória a diferença de tratamento dado aos diferentes presos,
relativamente ao seu estrato social». Embora, com excepções, entre as quais se contaram
funcionários e dirigentes do PCP, a PIDE «raramente brutalizava os da classe dos “Dr.”» (Nota 4).

Nota 1 - Manuel Anta, «O passar da esponja ou o crime recompensado», in Diário de Lisboa,


31/7/1976, p. 11.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 0399, pasta «Estudantes».
Nota 3 - «Destaque», in Público, 22-4-1994, p. 11.
Nota 4 - J. A. Marques, Relatos da Clandestinidade, pp. 114-116 («As diferenças de classe para
além das grades e da PIDE»).

362

Ao funcionário comunista Rogério de Carvalho, o director da delegação de Coimbra, José Barreto


Sachetti, disse que iria ser submetido «a tratamento especial para funcionários» e o facto é que foi,
depois, barbaramente agredido durante 30 horas (Nota 1). São, de facto, inúmeros os exemplos que
mostram essa diferença de tratamento. Por exemplo, o assalariado rural Bento Quaresma, de Vale
do Vargo, preso em 1952, ouviu, a meio do seu interrogatório, o inspector Gouveia exclamar para
os agentes: «Que maneiras são estas de interrogar um comunista?» e, para mostrar como era,
«bateu em cheio no nariz do detido» (Nota 2).

XIII.2. A «ESTÁTUA»

No entanto, depois de 1945, há indicações de que os espancamentos passaram a ser menos


frequentes que a «estátua», a qual foi também sendo substituída gradualmente pela tortura do
«sono», embora aquelas duas modalidades de tortura nunca cessassem e voltassem a ser usadas
pela DGS no final do regime (Nota 3), «democratizando-se», aliás, socialmente. Detido novamente
em 1947, Francisco Miguel foi submetido, durante 30 dias e noites, em três etapas, à «estátua» e ao
«sono», às ordens do chefe de brigada Fernando Gouveia (Nota 4).
Mateus Gregório, preso por pertencer ao MUD de Silves, nos anos 40, contou ter recusado fazer a
«estátua», sentando-se no chão, pelo que foi brutalmente agredido por dois agentes e castigado com
29 dias de «segredo» do Forte de Caxias (Nota 5). Como se viu, a atitude do PCP relativamente à
estátua não foi sempre a mesma. Por exemplo, em 1949, Jaime Serra foi mantido durante oito dias
na «estátua» (Nota 6), mas o mesmo não aconteceu a Carlos Aboim Inglês, que se recusou a essa
tortura, atirando-se para o chão, pelo que foi espancado (Nota 7). No mesmo ano, Eusébio Bastos
Lopes também recusou fazer a «estátua», sendo brutalmente espancado por Fernando Gouveia
(Nota 8), acontecendo o mesmo a Alcino Sousa Ferreira («Pedro»), em 1951 (Nota 9).
Sobre a «estátua», há um documento da PIDE onde se alude à sua utilização.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 90 GT, Rogério de Carvalho, fls. 65 e 84.


Nota 2 - Público, 9/1/2000.
Nota 3 - «O que era a PIDE: PIDE: gato “extinto” com rabo de fora», in A Luta, parte 2, 4/6/1976.
Nota 4 - 48 Anos de Fascismo em Portugal, pp. 67-69. Entrevista de Francisco Miguel à imprensa
internacional, em Setembro de 1965.
Nota 5 - António Ventura, Memórias da Resistência, pp. 269 e 270.
Nota 6 - Miguel Medina, Esboços, vol. n , pp. 109 e 110, testemunho de Jaime Serra.
Nota 7 - Idem, ibidem, vol. 1, p. 129, testemunho de Carlos Aboim Inglês.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 251 GT, António Eusébio Bastos Lopes, fl. 9, encontrado no arquivo de
Júlio Fogaça, em 6/2/1961.
Nota 9 - Ibidem. pr. 6 GT. Alcino Sousa Ferreira, fls. 26 e 50-56.

363

Carta de um PIDE com alusões à tortura da «estátua»

Excelentíssimo Senhor

Para os fins que V. Exª tiver por conveniente, cumpre-me e tenho a honra de Informar que hoje,
pelas 16 horas, quando interrogava o decido JÚLIO DA CONCEIÇÃO SILVA MARTINS, que
nesta Direcção tem um processo em curso, este exigiu e instou para que lhe fosse dada uma cadeira,
porque de contrário se sentaria no chão.
Devo esclarecer V. Exª que aquele detido foi transportado da cadeia de Caxias para a Direcção onde
chegou por volta das 15 horas, e aguardou na sala destinada a presos no rés do chão, que fosse
solicitada a sua presença no terceiro andar. Uma vez aqui foi-lhe comunicado que deveria
providenciar para que a chave do quarto que ocupava em casa de MARIA DA GLÓRIA DE
SOUSA, na Travessa do Convento de Jesus, nº 15, 1º Dto., desta cidade, fosse entregue à locatária,
uma vez que esta chave se encontra agora em poder da irmã do detido; e isto porque àquela Maria
da Glória de Sousa causa embaraços o facto de não poder alugar o quarto devoluto. Seguidamente
foi o detido introduzido num dos gabinetes de investigação, onde por determinação do
Excelentíssimo Inspector Superior existe apenas o mobiliário indispensável, e depois de 10 ou 15
minutos de Interrogatório exigiu uma cadeira conforme atrás se refere. Mais tarde por volta das 19
horas, por necessidade de recolher à cadeia, foi novamente instado para que se levantasse e porque
mantivesse a sua recusa, tornou-se necessário o auxílio de dois agentes que, segurando-lhe por
baixo de cada um doa braços, pretenderam compeli-lo a andar. Apesar disso, o detido cruzou as
mãos por baixo dos joelhos e só se resolveu a andar depois dos agentes terem deixado de lhe dar
apoio.
Lisboa 5 de Dezembro de 1955
O Chefe de Brigada

Fonte: PIDE/DGS, 8ª C, pr. 106/55, fls. 69.

364

Trata-se de uma informação interna para a direcção da PIDE, de 3 de Dezembro de 1955, onde um
chefe de brigada dá conta de que, ao interrogar, pelas 16 horas, o detido Júlio Silva Martins, este
exigira que lhe fosse dada uma cadeira porque, de contrário, se sentaria no chão. Mais tarde —
continuou o chefe de brigada —, o preso fora «novamente instado para que se levantasse e porque
mantivesse a sua recusa, tornou-se necessário o auxílio de dois agentes, que, segurando-lhe por
baixo de cada um dos braços, pretenderam compeli-lo a andar» (Nota 1).

XIII.2.1. Um inquérito sobre maus tratos na PIDE

No início dos anos 50, a PIDE deteve diversos jovens por pertencerem ao MUD J, acusando-os de
militarem no PCP. Um deles, preso em 14 de Outubro de 1952, contou ter sido interrogado pelo
chefe de brigada João Lourenço, que fazia de «pide bom», enquanto o agente Varatojo fazia de
«pide mau», esbofeteando-o com tal violência que ficou a expectorar sangue e deixou de ouvir do
ouvido esquerdo (Nota 2).
Também pertencente ao MUD J, Diniz Miranda foi novamente preso, em 1955, sendo espancado
durante três dias e noites pelo inspector Porto Duarte e o agente Cristofaneti. Sofreu as maiores
violências: torceram-lhe as orelhas, as pernas, os braços e os testículos; quebraram-lhe a estrutura
óssea do nariz e deslocaram-lhe o corpo e o braço direito. No meio de uma roda de agentes, foi
agarrado pelos cabelos, pelas orelhas, braços e pernas e levantado até à altura da cabeça deles para
depois o deixarem cair no soalho (Nota 3).
Em 1957, 72 advogados, entre os quais Abranches Ferrão, solicitaram um inquérito às mortes de
dois presos e a maus tratos exercidos sobre outros, na delegação da PIDE do Porto. O ministro da
Justiça designou então, para inquirir sobre essas acusações, o juiz António Alexandre Soares Tomé,
da comarca de Vinhais, que ouviu presos, advogados de defesa e elementos da PIDE do Porto e de
Coimbra. Entre os presos, testemunharam sobre as violências sofridas os jovens Fernando Miguel
Bernardes, Artur Oliveira de Almeida, Diniz Miranda, Pedro Ramos de Almeida, José Augusto
Seabra (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, 8.“ C, pr. 106/55, fl. 69. Nesse processo foram referenciados maus tratos
(«estátua», «sono» e pancada) aos seguintes presos: Pedro Ramos de Almeida, Cecília Ramos de
Almeida, Diniz Miranda, José Augusto Seabra, Albino da Silva, David Cunha, Artur de Almeida,
Victor Alegria Lobo, Luís Fonseca Carvalho, Humberto Morais Lima, António Emílio, Raul
Hestnes Ferreira, Rui de Oliveira, Luís Fidalgo, Fernando Miguel Bernardes, Júlio Rebelo, Joaquim
Brito, Jorge Baptista, Francisco Delgado, João Carlos Teixeira Lopes, Alfredo Calheiros e Manuel
Canijo.
Nota 2 - Ibidem, fls. 527-531.
Nota 3 - Avante!, 27/1/1977, in PIDE/DGS, pr. 429/56 SR, Diniz Miranda; Arquivo do Tribunal da
Boa Hora no IAN/TT, pr. 15.531 C, vol. 12, fl. 539.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar, TMT, Hélder Machado Cordeiro Alves, TMT, 4.a Juízo, proc.
142/76, auto 2909 dos Serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 7/12/76, fls. 3 e 48-55; Arquivo
dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705, Processo de inquérito
aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, vol. 1, fls. 90, 91, 95 e 162-163; ibidem,
vol. 2, fls. 206, 209-220, 224-226, 230-232, 236, 237, 257 e 264; ibidem, vol. 3, fls. 533-534 e 538;
ibidem, vol. 5, fl. 891; vol. 6, fls. 1157-1161, 1346, e vol. 8, fls. 1478-1483; ibidem, vol. 8, fls.
1478-1483 e 1568; ibidem, vol. 9, fls. 1746-1747 e 1781; Arquivo Histórico Militar, Jaime Gomes
da Silva, proc. 28/80, pasta 66, arquivo 622.

365

Num depoimento editado em 2004, pouco antes de falecer, este último contou a sua experiência
prisional em Coimbra, às mãos do inspector Sacchetti, dos subinspectores Gomes da Silva e José
Maria Leitão Bernardino, do chefe de brigada Potier e do agente Campos. Na delegação do Porto,
os seus interrogatórios foram realizados pelos chefes de brigada António Pinto Soares e Hélder
(Cordeiro Alves), bem como os agentes Matos, Aires, Puga, Moisés, Freitas, Roque, Borges,
Trindade, Berlinga e António Fernandes (Nota 1). Interrogado sobre maus tratos, o chefe de brigada
Pinto Soares afirmou que os interrogatórios, de noite, nunca ultrapassavam a uma hora da manhã e
que todas as «senhoras eram interrogadas de dia», enquanto o inspector Diogo Alves, da mesma
delegação do Porto, disse que os presos só ficavam de pé porque queriam (Nota 2).

XIII.2.2. O recrudescimento das torturas após 1958

No seu relatório de prisão, de 1958, Joaquim Carreira («Dias») contou ter sido agredido a soco e
pontapé por Fernando Gouveia e, mais tarde, sujeito a 11 dias de estátua, dos quais, nove dias
seguidos de pé e sem dormir, só com um intervalo de oito horas. Além de Gouveia, participaram
nessas violências Lemos, Chico Fernandes, Gomes da Silva e Casaca (Nota 3). Quanto a Rogério
de Carvalho, detido em 1960, autocriticou-se por ter revelado orgulho ao ter feito «58 horas de
estátua», quando antes tinha decidido recusar essa tortura por considerá-la colaboração com a PIDE
(Nota 4).
Num relatório sobre a sua segunda prisão, em 1960, Alcino Ferreira referiu que a PIDE estava
então a usar tanto as «amabilidades» como as «violências»; por exemplo, enquanto um Reis
Teixeira era o «correcto», o Chico Fernandes era «o bruto». Este detido acrescentou que a «polícia
considera e com razão que desmoralizar o preso é meio caminho andado para o fazer falar» e que a
PIDE estava a utilizar o que os americanos chamavam «interrogatório seguido»; vários
investigadores revezavam-se, insistindo no mesmo ou mesmos pontos, muitas vezes aparentemente
insignificantes, para levar os presos a crises de nervos. Quando todos os outros processos se
malogravam, a PIDE insistia para que o preso ficasse de pé, mas se este reagisse permitia-lhe que
se sentasse, pois o que lhe interessava era o seu esgotamento por falta de sono (Nota 5).

Nota 1 - José Augusto Seabra, De Exílio em Exílio, Porto, Folio Edições, 2004, pp. 26-30, 37-40 e
44-45; Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705,
Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, vol. 5, fl. 891;
Arquivo Histórico Militar, António Pinto Soares, TMT, 4.° Juízo, proc. 41/78, pasta 13, arquivo
124.
Nota 2 - Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705,
Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, vol. 6, fls. 1121-
1133; vol. 7, fls. 1202, 1236, 1238, 1239, 1264, 1284 e 1289; vol. 9, fls. fl. 1321, 1630, 1638 e
1641.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 53 GT, Guilherme da Costa Carvalho, fl. 51.
Nota 4 - Ibidem, pr. 90 GT, fls. 608 e 678, encontrado no arquivo de Pires Jorge («Gomes»), em
26/7/1960, da autoria de Rogério Carvalho.
Nota 5 - Ibidem, fl. 26, documento encontrado no arquivo de Pires Jorge em 26/7/1960, da autoria
de «Pedro».

366

Joaquim Jorge Araújo, detido em 1959, 1962 e 1963, relatou a sua segunda prisão, em que, depois
de ser violentamente agredido a soco e à coronhada no acto de captura, fora espancado com socos
na cara e no estômago pelos agentes Melo, Fernandes, Pinto Ferreira e Coelho da Silva, do Porto.
Tinha depois sido submetido à «estátua» durante seis dias e noites, de uma vez, e mais cinco dias e
noites, virado para a parede. Além de ser agredido a soco e pontapé nas três primeiras noites,
surgira ainda a «novidade» do «cavalo-marinho», com o qual fora espancado pelos agentes Melo,
Escaleira e J. Fernandes. Durante uma agressão, apanhara uma pancada na região pulmonar,
ficando com a respiração cortada, o que assustara o seu agressor (Escaleira), que lhe metera a
cabeça debaixo de água. «Muito bruto», esse agente dissera-lhe que «a gente habitua-se» a infligir
maus tratos aos presos, embora lhe custasse muito, porque era «católico» (Nota 1).
J. A. da Silva Marques, que foi, aliás, companheiro de fuga de Araújo, da prisão da delegação do
Porto, contou a sua experiência quando, findo o primeiro interrogatório, em que se recusou a
responder às perguntas, quis sentar-se mas não o deixaram. Já de noite, percebeu que aquilo era a
«estátua», essa célebre tortura usada sistematicamente pela PIDE e de que tanto ouvira falar. Por
volta da terceira noite, começou a ter alucinações e a sentir «os músculos das pernas muitíssimo
rijos, ao ponto de quase não poder fazer a mais ligeira flexão». Por volta da quinta noite, ao cabo de
muitas hesitações, Silva Marques decidiu finalmente sentar-se no chão e ouviu o chefe de brigada
dizer que iria «buscar o «aquecedor» (queria ele dizer o cavalo-marinho)», dando-lhe cinco minutos
para reflectir, antes de o «fazerem estoirar». No entanto, ao voltarem, não o espancaram e foi
levado para uma cela, onde adormeceu profundamente. «A “estátua” tinha acabado. Ia começar o
“isolamento”.» (Nota 2)

XIII.3. A TORTURA DO «SONO»

Se a «estátua» implicava o «sono», esta última tortura, que nem sempre implicava a «estátua», foi o
meio de tortura mais utilizado pela PIDE/DGS e temido pelos presos políticos. A «estátua» foi
sendo progressivamente abandonada, até porque, como se viu, o preso podia recusar-se a «fazê-la»,
além de que era um meio de tortura que esgotava o detido de forma demasiado rápida. Já impedir
alguém de dormir tornava o sofrimento mais longo, dado que um preso, «apenas» no «sono»,
«aguentava» mais tempo do que na «estátua». Por isso se assistiu a presos que estiveram durante
mais de duas semanas no «sono», o que era impossível na «estátua» (Nota 3).
Num documento interno conspirativo, de Maio de 1959, José Pedro Dias Júnior («Aníbal»)
informou o PCP ter estado durante oito dias e oito noites sem dormir, durante os quais ouvira o
choro de uma criança e vira um preso a ser assassinado, prestes a despenhar-se de cabeça para
baixo de um telhado, fazendo-lhe a polícia crer que se tratava de uma alucinação (Nota 4).

Nota 1 - Ibidem, fl. 144, relatório da prisão de Joaquim Jorge Araújo, encontrado no arquivo de
Blanqui Teixeira, em 1963.
Nota 2 - Silva Marques, Relato da Clandestinidade..., pp. 104-110.
Nota 3 - PIDE: A História da Repressão, pp. 108, 110 e 111.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 596 GT, José Pedro Dias Júnior.

367

Dois dias depois de Joaquim Rolim ter sido preso numa rua de Lisboa, em 28 de Janeiro de 1960,
começaram os interrogatórios. Permaneceu sem dormir durante seis dias e sete noites, apenas com
um pequeno intervalo de cinco horas. Seis dias depois, voltou de novo à PIDE, onde foi agredido à
bofetada e a pontapé por Sílvio Mortágua. Esteve mais três vezes na PIDE, cortando numa ocasião
a língua com um bocado de lâmina, porque, apesar de saber que não prestaria declarações, temeu
ficar louco e comprometer alguém (Nota 1).
Em 1961, foi preso e torturado Octávio Pato, que mais tarde testemunhou sobre a sua experiência
de privação do sono, durante 11 dias e noites, de uma vez, e sete dias e sete noites, noutra, com um
pequeno intervalo de dois ou três dias. Contou que, para impedirem o preso de dormir, os agentes
da PIDE batiam com uma moeda no vidro da janela, fazendo «um barulho que parece um tiro».
Uma vez, caiu redondamente no chão, «como um pau», o que era uma situação muito perigosa,
pois que se batesse com a cabeça na ponta duma secretaria poderia «ter morte imediata». Ora,
segundo contou Pato, a polícia não estava interessada na morte do preso, pois o que lhe interessava
era que ele «traísse, denunciasse e ficasse liquidado politicamente», pelo que, mais tarde, esses
cantos e esquinas foram protegidos. Os agentes disseram a Octávio Pato que «tinha batido o
recorde» e «prestado um mau serviço ao Partido ao ter mostrado à polícia que era possível estar
tantos dias sem dormir» (Nota 2).
Manuel Serra, um dos revoltosos do «golpe da Sé» (1959) e do «golpe de Beja» (1962), foi sujeito
por Mortágua, Abílio Pires e Rosa Casaco à tortura do sono, ao longo de 33 dias, quase sem
descanso. Mais tarde, ele próprio contou que foi espancado «nove vezes», por «seis ou sete
indígenas, com cassetetes e aos pontapés, durante horas», «algemado e de adesivo na boca, para
não gritar» (Nota 3). Em Setembro de 1962, José Manuel Bernardino («Júlio») enviou uma carta
para a Conferência Pró-Amnistia onde relatava ter estado, durante nove dias e noites, no «sono», e,
depois de nova estadia no Aljube, mais sete dias e noites (Nota 4).
Também em 1962, foram presos muitos assalariados rurais de Montemor-o-Novo, por participarem
em paralisações na luta pelas oito horas de trabalho. Um deles, Joaquim Machado, preso em 13 de
Maio em Vila Viçosa pela GNR e entregue à PIDE, sofreu a tortura do sono durante 19 dias:
primeiro, durante nove dias e noites, e, após dormir quatro horas, esteve de novo no «sono». De 13
de Agosto a 2 de Setembro, esteve sempre na sede da PIDE, sujeito a brutais espancamentos (Nota
5).
Mesmo assim, posteriormente, ainda houve uma nova radicalização das torturas. Num relatório da
Amnistia Internacional dava-se conta de que os juristas Nicolas Jacob e Ian Macdonald tinham
estado em Portugal em Dezembro de 1965, para assistir ao julgamento de 31 dos 57 estudantes
presos em Lisboa.

Nota 1 - Ibidem, pr. 223 GT, José Joaquim Rolim, fls. 30, 39 e 40.
Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, pp. 189-195, testemunho de Octávio Pato.
Nota 3 - Visão, 21/4/1994.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 480 GT, José Manuel Bernardino («Júlio»), fl. 259, encontrado no arquivo
de Blanqui Teixeira em 6/5/1963, da autoria de «Júlio»; ibidem, pr. 324 Cl (1), A Voz, 22/5/1963 e
Diário da Manhã, 17/5/1963.
Nota 5 - António Modesto Navarro, «O que foi a resistência ao fascismo no Alentejo (II parte), in
Diário de Lisboa, 22/12/1976, pp. 10 e 11.

368

Entre outros casos relatados pelo último, contou-se o de José Alberto Caeiro da Costa, de 17 anos,
que havia estado 54 horas de «estátua», três dias sem dormir e 10 dias na solitária no Aljube (Nota
1).
A atenção do jurista Jacob dirigiu-se, por seu turno, para uma estudante de Belas-Artes, Gina
Azevedo, levada «em transe para o hospital depois de 60 horas de interrogatório» (Nota 2). Numa
carta de protesto ao ministro do Interior, o pai de Gina contou tê-la encontrado, após 12 dias de
isolamento, com a cara «cadavérica», sem conseguir coordenar as ideias e estar de pé, com
dificuldade em articular as palavras. Nas mesmas condições, também após 60 horas sem dormir,
tinha sido hospitalizado, durante mais de um mês, Maximino Vaz da Cunha, estudante de Medicina,
enquanto os estudantes de Direito, Baeta Neves e Maria Antonieta Coelho, haviam tentado suicidar-
se, engolindo fragmentos de vidros (Nota 3).

XIII.3.1. Dezassete dias de «sono»: «um novo recorde»

Ainda em 1965, o membro do CC do PCP Domingos Abrantes foi sujeito à tortura do «sono»
durante 11 dias, chegando «a um estado lastimoso». Contou Domingos Abrantes que a grande
novidade «foi a “máquina” que, segundo os PIDEs, consultava o cérebro das pessoas», o que
parecia anedótico mas tinha efeitos, naquelas circunstâncias, tendo «em conta o estado psicológico
do indivíduo que está preso». Todos os dias, um PIDE dava uma explicação «científica» sobre o
funcionamento do cérebro e da máquina, preparando-o psicologicamente para a ideia de que nada
se poderia esconder à «máquina». Mais tarde Domingos Abrantes percebeu que aquilo «era mesmo
tanga» e que não havia nenhuma máquina (Nota 4).
Um dos presos que mais tempo esteve na tortura do «sono» foi o engenheiro Álvaro Veiga de
Oliveira, detido em 20 de Dezembro de 1965, que contou as brutalidades a que foi sujeito (Nota 5).
Torturado durante 37 dias, esteve, primeiro, 17 dias na «estátua», só se podendo sentar nos curtos
períodos das refeições, enquanto era espancado, «inclusive com um cassetete eléctrico». Depois de
o deixarem dormir uma noite, certamente para evitar que morresse, voltou a ser submetido à tortura
do «sono» por dois períodos de 10 dias, até que entrou em coma. Ficou «com as orelhas inchadas, o
canal auditivo completamente tapado e insensibilizado a ponto de não sentir qualquer dor». Numa
ocasião, puseram-lhe a mão num cano de água a ferver, mas nada sentiu, de tão insensível que já
estava. O subdirector Sachetti, que disse que os 17 dias de estátua eram um «novo recorde», e o
inspector Tinoco apareciam, cerca das 4 da madrugada, «aparentemente vindos de “boites”» (Nota
6).
Em 1965, começaram a ser presos membros da FAP/CMLP.

Nota 1 - Idem, ibidem.


Nota 2 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».
Nota 3 - Ibidem.
Nota 4 - Ibidem, pp. 72-73.
Nota 5 - P1DE/DGS, pr. 3671/59 SR, fl. 61.
Nota 6 - «Destaque», in Público, 22/4/1994, pp. 8 e 9.

369

Um deles foi o advogado Joaquim Monteiro Mathias, ao qual a PIDE apreendeu uma pequena
cronologia manuscrita relatando os seus primeiros dias de prisão, que aqui se reproduz, para
exemplificar como decorriam os «interrogatórios»:
«24/7, de manhã, fotos e impressões digitais, dia e noite sem dormir [sublinhado no original a
vermelho]. 25/7 Assino ao fim da tarde auto negativo quanto à matéria de acusação, dia e noite sem
dormir. 26/7, de manhã, a meu pedido, sou observado por médico da PIDE, dia e noite sem dormir.
27/7 [...] vou dormir depois do jantar, por volta das 20 horas, portanto... dia sem dormir. Dia 28/7,
durmo também durante uma pequena parte do dia e à tarde começa o esclarecimento da
correspondência; durmo de noite. Sábado dia 29/7: de manhã, recomeça a tortura do sono. [...] Dia
e noite sem dormir.
Dias 30 e 31, domingo e segunda-feira: dia e noite sem dormir. Dia 1/8, por volta das 14/15 h,
deixam-me dormir e também à noite. 2/8, durmo de dia; ao fim da tarde é-me lido o manuscrito do
auto a dactilografar; durmo de noite. 3/8, de manhã é passado à máquina o auto sem que me seja
permitido fazer qualquer alteração [...]. 12 horas, visita, 17 horas, partida para Caxias. Dia 4, 13.30
h regresso à PIDE, 14 h, visita do bastonário da Ordem dos Advogados, 15 h visita irmão e
cunhado; “visita” do inspector e agente Costa [...]; ao fim da tarde, regresso a Caxias...» (Nota 1)
Preso em 30 de Janeiro de 1966 numa rua de Lisboa, o dirigente da FAP/CMLP Francisco Martins
Rodrigues também relatou as torturas a que foi sujeito. Só deu entrada em Caxias em 15 de Março,
pelo que esteve durante um mês e meio fechado num gabinete da sede da PIDE, onde passou por
dois períodos de privação de sono, de sete e oito dias, só intervalados por algumas horas de
repouso. Quando caía, exausto, faziam-no levantar à cacetada. Contou depois que, nos últimos dias
deste suplício, quando já não se sustinha de pé, com as pernas e os pés inchados, sofrendo
alucinações, esbarrando contra as paredes, os agentes seguraram-no por baixo dos braços e
passearam-no na sala.
Além disso, Francisco M. Rodrigues foi brutalmente espancado pelo inspector José Gonçalves e
um grupo de agentes, logo que entrou na sede da PIDE, e, três dias depois, sofreu, da parte do
inspector Mortágua, durante mais de meia hora, um espancamento a soco e a pontapé. Foi ainda
sovado várias vezes pelo agente Inácio Afonso, que chegou a fazer uma simulação de fuzilamento,
encostando-lhe uma pistola à cabeça e, noutra ocasião, fê-lo despir-se e, exibindo uma faca de
mato, disse que ia pôr-lhe os intestinos à mostra, «como tinha feito em Angola aos guerrilheiros do
movimento de libertação» (Nota 2).
Francisco Martins Rodrigues, tal como Octávio Pato, também não acreditou que o fossem matar e
dispôs-se a aguentar o sono e as pancadas.
Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1397/67, vol. 2, fls. 11, 14, 37, 43, 58, 88, 95, 117, 119, 124, 249, 251, 261,
282, 328, 342, 393-403 e 423-434.
Nota 2 - Ibidem, pr. ind. 19217 SR, Francisco Martins Rodrigues e outros, «Defesa de F. M.
Rodrigues em tribunal plenário», Maio de 1970, Socorro Vermelho Português, 1970, pr. 2988 CI
(2), Francisco Martins Rodrigues, fl. 53, «Defesas revolucionárias, de FMR, n.° 2». edições O
Bolchevista.

370

Pouco depois, voltou «o Mortágua com o Inácio Afonso e começou» a fazer-lhe perguntas, mas,
como nada respondesse, o primeiro deu-lhe a maior sova que sofreu na PIDE (Nota 1). Passados
esses primeiros 16 dias, deixaram-no dormir e não voltou a ser espancado, mas teve de ficar mais
um mês na sede da PIDE, até desaparecerem as equimoses no rosto e pelo corpo. Mais tarde, a
PIDE forjou várias folhas de «declarações», falsificou a sua rubrica no cimo das páginas e
intercalou-as num auto que ele assinara (Nota 2).

XIII.4. O ISOLAMENTO

Falhada a estátua ou/e o sono, a polícia podia ainda voltar aos outros métodos, «aliás já sem
grandes esperanças», mas restava ainda a prova da incomunicabilidade, que não era, aliás, das
menos duras, como disseram muitos presos. No geral, esta durava à volta de dois meses, embora
pudesse ir até aos seis meses, com proibição de livros, revistas e correspondência. Após um período
de agitação inicial, o detido ficava impaciente, agressivo, inerte, descuidado com a higiene, envolto
em passividade e com as suas defesas físicas quebradas. Depois, ainda que com o nome de
«isolamento contínuo», a incomunicabilidade prolongava-se em Caxias (Nota 3).
Embora se refira aqui, de um modo genérico, o isolamento, convém especificar que no regime
prisional português a «incomunicabilidade» se distinguia do «isolamento contínuo». Em 1959, o
advogado Abranches Ferrão escreveu ao director da PIDE lembrando que, segundo a Reforma
Prisional, apenas no período de incomunicabilidade, que durava cinco dias no máximo, o detido
não podia receber visitas. Em resposta, a PIDE citou o mesmo diploma, segundo o qual «aos actos
de instrução contraditória poderão assistir o Ministério Público, o arguido, o seu defensor e o
advogado dos assistentes», mas «o juiz pode denegar a faculdade a que se reporta este artigo na
medida em que se considere incompatível com o êxito ou finalidade das diligências» (Nota 4).
Diversos estudiosos observaram que muitos presos consideraram o isolamento a pior das torturas.
No isolamento, o silêncio torna-se insuportável, a imaginação e os fantasmas enlouquecem e
provocam a perda das referências, a destruição da identidade, bem como do funcionamento
psíquico normal e da vida civil e civilizada. É quando o indivíduo está absolutamente só, isolado,
desorientado, que mais facilmente pode ceder e submeter-se ao poder do torturador, que penetra
então no âmago da vítima (Nota 5).
Álvaro Cunhal afirmou, com conhecimento de causa, que a «incomunicabilidade» «era a pior de
todas as torturas».

Nota 1 - Ibidem, pr. 2988 CI (2), Francisco Martins Rodrigues, fl. 17, Francisco Martins Rodrigues,
Tribunal Fascista-tribunal burguês: A Privação do Sono, edições O Bolchevista.
Nota 2 - Ibidem, pr. ind. 19217 SR, Francisco Martins Rodrigues e outros, «Defesa de F. M.
Rodrigues em tribunal plenário», Maio de 1970, Socorro Vermelho Português, 1970, pr. 2988 CI
(2), Francisco Martins Rodrigues, fl. 53, «Defesas revolucionárias, de FMR, n.° 2», edições O
Bolchevista.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 6 GT, Alcino Sousa Ferreira, fl. 26, documento encontrado no arquivo de
Pires Jorge, em 26/7/60, da autoria de «Pedro».
Nota 4 - Ibidem, pr. 368/59, vol. 2, fls. 231-33.
Nota 5 - André Jacques, L'Interdit, ou la Torture en procès, pp. 40, 41, 95 e 99.

371

Lembre-se que esteve incomunicável durante onze anos, nove deles na Penitenciária de Lisboa e
depois em Peniche. Passou os primeiros catorze meses, numa cela, sem direito a passeios, livros,
nem jornais, de manhã, tarde e noite, jogando xadrez consigo próprio, em peças esculpidas com
migas de pão (Nota 1).
Em 1953, após ser sujeito à tortura do sono durante três dias e noites, Carlos Brito foi submetido ao
isolamento durante cinco meses numa cela do Aljube, relatando mais tarde que o isolamento «era
muito penoso porque era num espaço muito pequeno», em que «uma pessoa com os braços abertos
tocava nas duas paredes e o comprimento era pouco mais do que o de uma cama». A cela apenas
comunicava com o exterior através de um postigo, pelo que estava às escuras. Apenas ao fim do
terceiro mês teve acesso a um livro por semana, razão pela qual leu cada um deles duas vezes (Nota
2).
Ainda sobre o isolamento prisional, veja-se a descrição detalhada de J. A. da Silva Marques, que,
embora menos doloroso que a «estátua», considerou «muito mais abalador que a mera violência
física». Contou que houve presos que, tendo suportado espancamentos violentíssimos e as mais
difíceis provas, acabaram por ceder ao «isolamento», que era um «implacável demolidor da
resistência moral do preso». Veja-se como relatou a sua própria experiência:
«Sozinho numa cela, sem visibilidade para o exterior, sem nada para fazer, sem ninguém para
conversar, sem nada para ler, sem nada para escrever, sem horas, sem dias, atravessando as
intermináveis horas dos dias e das noites, o preso no “isolamento” é verdadeiramente um homem
só. Sem tempo e sem espaço, retirado da vida. Como se tivesse sido metido num buraco, e o mundo
continuasse a rodar, passando-lhe por cima ou ao lado. Antes entre inimigos.
Uma reacção significativa era a dos presos em “isolamento” chamados a interrogatório. Como se
ansiava dia a dia essa chamada. Ir a interrogatório era como que ir ver o que se passava “lá fora”.
Um regresso ao mundo. E quando se ouvia no corredor os passos da brigada que vinha buscar um
preso para interrogatório, e ela se dirigia para a cela ao lado, sentia-se uma amargurada mistura de
alívio e frustração. A “sorte” de não ter ido, de não suportar provavelmente novos vexames ou
violências; e o não ter tido a “sorte” de ir, de ir lá “fora”.» (Nota 3)

XIII.5. CALÚNIAS, AMEAÇAS E CHANTAGEM À FAMÍLIA

Um aspecto que parece, e é seguramente, menor, mas é relatado por muitos presos, é o facto de
terem sido sujeitos a calúnias, ameaças e chantagem com a família. A um preso sujeito às maiores
violências, o que mais o chocou foi o facto de o ameaçarem de ser condenado como «vadio».

Nota 1 - AOS/CP/PC-37. «Situação prisional de Álvaro Cunhal e de Militão Ribeiro»; Francisco


Ferreira (Chico da Cuf), Álvaro Cunhal: Herói Soviético, Subsídios para Uma Biografia, ed. autor,
1976, p. 41; PIDE/DGS, pr. 15786, Álvaro Cunhal, no tribunal fascista.
Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. n, pp. 11 e 12, testemunho de Carlos Brito.
Nota 3 - Silva Marques, op. cit., pp. 111-114.

372

Muitos outros membros e funcionários do PCP relataram as calúnias que a PIDE fazia a esse
partido e aos seus dirigentes, bem como as de tipo pessoal, relativamente a companheiras ou
companheiros. As ameaças de morte e de prisão de amigos e familiares, bem como as chantagens
com as famílias dos presos também foram métodos muito utilizados (Nota 1).
Jaime Serra contou a chantagem que a PIDE lhe fez, ao prender a sua mulher, Laura, e ao levar
(Fernando Gouveia) à sua presença as filhas, «numa operação de pura chantagem», para «assim o
quebrar» (Nota 2). Dez anos depois, o preso Manuel dos Santos Gonçalves contou que o que mais
lhe custou foi a tortura psicológica a que o sujeitaram, ao falarem-lhe dos filhos. Isto porque, ao ser
preso, lhe tinham sido vistas lágrimas nos olhos ao despedir-se dos filhos, que ficaram também a
chorar (Nota 3).
No entanto, as chantagens com familiares, nomeadamente com os filhos, foram sobretudo
utilizadas com as mulheres presas. Segundo contou Albertina Diogo, detida em 1960, uma das
coisas que mais a chocou foi o facto de um dia, quando era levada para os interrogatórios, terem
aberto uma porta de uma sala onde estavam à sua espera os seus dois filhos que viviam com a avó
desde os 20 meses de idade (Nota 4).
Os interrogatórios das funcionárias, dirigentes e militantes do PCP presas variaram ao longo dos
anos e foram diferentes e específicos relativamente aos dos homens. Por exemplo, para as humilhar
e insultar, a PIDE utilizava o facto de serem solteiras e terem vivido na companhia de vários
funcionários do PCP em casas clandestinas, como aconteceu com Georgette Ferreira (Nota 5). A
Maria Ângela Vidal Campos, presa em 1953, que declarou nada ter a declarar, assim procedendo
«por sua honra», Fernando Gouveia retorquiu brutalmente que ela nada sabia de honra, pois estava
a viver com outro funcionário, e não com o marido.
Com a enfermeira Isaura Silva, também detida em 1953, os agentes da PIDE alternaram os insultos
e as ameaças violentas (Nota 6). Um dia, uma guarda fê-la sair da cela, dizendo-lhe para se despir
porque estava ali «uma porção de “pides”» que queriam «ver a sua roupa interior». Recusou
terminantemente. Quando voltou à sua cela, estava tudo na maior desordem, pois tinham feito uma
busca. O director da cadeia chamou-a ao gabinete e disse-lhe para se despir pois que duas
«apalpadeiras de presas comuns» lhe iriam passar uma busca. Isaura Silva agarrou logo num banco
para lhes atirar e fez-lhes um discurso político, que elas «perceberam muito bem», pois
«comoveram-se muito e acabaram» por não lhe tocar, pedindo-lhe desculpas (Nota 7).

XIII.6. MULHERES DETIDAS COM OS FILHOS

Outra característica terrível de algumas detenções de mulheres foi o facto de terem sido detidas
com os filhos pequenos.

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 156.


Nota 2 - Jaime Serra, op. cit., p. 66.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 432 GT, Manuel dos Santos Gonçalves, documento encontrado no arquivo
de «Melo», fls. 60 e 62.
Nota 4 - Rosa Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 199-203, testemunho de Albertina Diogo.
Nota 5 - Idem, ibidem, pp. 67-69, testemunho de Georgette Ferreira.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 73/56, vol. 2.
Nota 7 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 127-131.

373

O caso passou-se com Ângela Campos, a qual, apenas ao fim de algum tempo, devido aos seus
protestos, teve direito a leite para o filho, que estava com ela na cela (Nota 1). Também a Olívia
Sobral, detida com a filha de 22 meses, o director de Caxias, Gomes da Silva, e o médico da PIDE,
Barata, negaram-se a dar alimentação mais apropriada para a criança, embora esta estivesse doente.
Mais tarde, Úrsula Machado, de Vale do Vargo, foi detida com a filha de 14 anos, a qual
permaneceu em Caxias durante 18 dias e também foi interrogada. Ambas traziam apenas o que
tinham vestido e foram obrigadas a limparem-se com o casaco da mãe.
Outras mulheres com filhos foram chantageadas. Por exemplo, Casimira da Conceição Silva
Martins foi presa quando estava grávida e, ao interrogá-la, Fernando Gouveia alternava os métodos:
«umas vezes falava ao coração», dizendo que a mandaria para uma casa de saúde ter o bebé,
enquanto outras a insultava. Quando o filho nasceu, pouco depois da sua detenção, na Maternidade
Alfredo da Costa, a polícia quis obrigar Casimira a registá-lo com o nome do marido, embora o pai
biológico fosse outro, mas ela recusou. Depois do parto, voltou com o bebé a uma cela na cadeia,
onde ele esteve durante dois anos, com falta de assistência médica, de sol e de recreio, o que lhe
originou uma avitaminose. «De cada vez que o carcereiro abria a porta da cela ele gatinhava muito
depressa para se escapulir para fora», segundo contou (Nota 2).
Também Albina Fernandes, presa no mesmo dia que o seu companheiro, Octávio Pato, em final de
1961, teve de levar os filhos, de seis e dois anos, para a cela. Ao recusar-se a entregar as crianças
aos avós sem que ela ou Pato estivessem presentes, uma vez que temia uma cilada da polícia, ficou
durante cerca de 13 dias com elas numa sala da cadeia de Caxias, sem dormir, para estar sempre
com os braços por cima delas e, assim, impedir que os carcereiros as levassem enquanto
descansava. A mulher e os filhos serviram também à PIDE para exercer chantagem sobre Pato,
insinuando-lhe os agentes que estavam a ser torturados (Nota 3).
Um caso tremendo passou-se com Colélia Maria Alves Fernandes, ou Alves Lourenço, presa em
Agosto de 1962 e isolada numa cela com os dois filhos por não ter ninguém a quem os deixar no
exterior, e sobre a qual os inspectores Tinoco e Jaime Gomes da Silva exerceram chantagem,
ameaçando que seriam internados num orfanato (Nota 4). As inúmeras cartas que escreveu aos
directores da PIDE e de Caxias para atenuar as péssimas condições de vida dos filhos são
reveladoras de quão dura era a situação de uma mãe com crianças numa cadeia política. O filho foi
o primeiro a sair, em 25 de Agosto de 1963, para casa de familiares que nunca tinha visto antes, e,
três dias depois, Colélia pediu para que a visita com ela e a filha, que só partira em Novembro, não
fosse feita «à rede» e durasse uma hora, para que os dois irmãos não estranhassem tanto a
separação.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 232 GT.


Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 60-62, testemunho de Casimira da Silva.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, pp. 180, 188-190 e 193, testemunho de Octávio Pato.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, Jaime Gomes da Silva, proc. do TMT, 4.° Juízo, proc. 28/80,
vol. 1, fl. 57; ibidem, Adelino da Silva Tinoco, proc. 66/77, vol. 6, fl. 22; ibidem, Fernando
Gouveia, proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, fls. 34-36.

374

XIII.7. A GENERALIZAÇÃO DAS TORTURAS AS MULHERES

Alda Nogueira contou que algumas presas foram desnudadas e espancadas a chicote, e que a PIDE
confrontou uma detida com uma voz gravada parecida com a de uma sua camarada, mas, na
realidade, de uma «actriz» que representava uma cena com gritos e súplicas. Ligaram o
magnetofone e ameaçaram-na de que, se não falasse, o mesmo aconteceria à filha. Isto foi feito
também a Aurora Capela, à filha Alice, a Luísa e Aida Paula («Maria») (Nota 1). Mas, à data da
prisão de Alda Nogueira, em 1959, «por sistema, a Polícia ainda não batia nas mulheres nem as
obrigava à tortura do sono», embora dez anos antes Sofia Ferreira, presa no Luso com Cunhal e
Militão, tivesse sido esbofeteada.
Pode-se dizer que as torturas infligidas às mulheres começaram verdadeiramente em final de 1960,
com as detenções de Albertina Diogo e de Fernanda Paiva Tomás e generalizaram-se, depois, com
as mulheres do Couço (Nota 2). Ou seja, de mulheres de rebeldes, a PIDE passou a considerá-las
como mulheres rebeldes (Nota 3). Maria Albertina Ferreira Diogo, companheira de Guilherme da
Costa Carvalho, detida em 14 de Novembro de 1960, relatou os interrogatórios a que foi sujeita, às
mãos de Falcão, Rego, Tinoco e Rosa Casaco, entre outros, quando esteve em interrogatórios entre
uma segunda-feira e o sábado seguinte. Ao quarto dia, as agentes Madalena e Odete deram-lhe tanta
pancada que lhe lesaram um ouvido para sempre. As duas empurraram-na de encontro às paredes e,
como ela protestasse, atiraram-se a ela «como feras», deixando-a «toda marcada, muito
congestionada e a deitar sangue por uma mão» (Nota 4).
Quanto a Fernanda Paiva Tomás, dirigente do PCP presa uma primeira vez em 1950 e uma segunda
vez em 1961, quando já era funcionária do partido, foi uma das primeiras mulheres a ser torturada
segundo o padrão da tortura aplicado aos presos do sexo masculino. Ela própria contou ter tido
«uma primeira experiência de 80 horas consecutivas sem dormir». Além de referir as torturas
sofridas por Albertina Diogo, Fernanda Paiva Tomás relatou o caso de seis camponesas do Couço
«submetidas a estas mesmas torturas durante 3, 4 e mais dias, algumas mais do que uma vez», e
«agredidas por agentes da PIDE que desceram às mais vis insolências» (Nota 5).

XIII.7.1. As mulheres do Couço

Maria Rosa Viseu, operária agrícola do Couço, detida em 19 de Janeiro de 1961, foi interrogada
pelas duas pides Madalena e Odete, que a encheram de bofetadas. Quando começou a vomitar,
tiraram-lhe a cadeira e puseram-na a fazer «estátua», com os braços elevados à altura dos ombros,
no meio da sala.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 10.886 Cl (2), fl. 14, «Cautivas en la Fotaleza de Caxias a um Mar», in
Tempos Nuevo, n.° 7, 17/2/1971.
Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 180-184, testemunho de Alda Nogueira.
Nota 3 - Idem, ibidem, p. 93.
Nota 4 - Idem, ibidem, pp. 199-203, testemunho de Albertina Diogo
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 18 429 Cl (2) SC, Fernanda Paiva Tomás; pr. 25 GT, Fernanda Tomás; pr.
cr. 281/50.

375

Quando baixava os braços, obrigavam-na a levantá-los à força de murros. Ficou assim durante
horas, com pides, homens e mulheres, a entrarem, até à segunda noite, em que Madalena e a colega
voltaram à sala, «sempre à porrada», sem a deixarem ir à casa de banho para se lavar.
Às duas da tarde, apareceram na sala Silva Carvalho, Rego, Rosa Casaco, Correia e quatro outros
agentes. Enquanto um a interrogava, o outro dizia «Damos-lhe tamanha tareia!» e outro ainda
«Atiramo-la da janela, que ela não sabe!».
Isso durou até às 3 horas da manhã, e, como nada dissesse, levaram-na a uma sala onde Madalena,
Odete, Rego e Rosa Casaco lhe colocaram «uma espécie de capacete em metal na cabeça, com duas
lâmpadas, uma branca outra vermelha», dirigidas para os olhos. A partir daí, sentiu a cabeça
arrefecer e a apoderar-se dela um sono tal que não podia resistir. Levaram-na outra vez para a sala
anterior, «toda suja de sangue por baixo, já toda ferida», e as agentes saíram para darem entrada a
homens. Na quarta noite sem dormir, a «estátua» continuou e, já não se aguentando de pé,
Rosa Viseu caiu ao chão. Mais tarde, ameaçaram-na de a despir, no meio de insultos, e entraram
agentes que lhe levantaram a roupa, embora não a tivessem desnudado. Os interrogatórios
continuaram ainda por mais um dia (Nota 1).
Aida Magro disse que as primeiras mulheres a serem torturadas pela PIDE foram Maria da
Conceição Figueiredo, Maria Custódia Chibante, Maria Guilhermina Galveias, Maria Madalena
Henriques e Olímpia Brás, todas do Couço, que sofreram a «estátua» e o «sono», durante cinco dias
e noites (Nota 2). Um panfleto do PCP disse, porém, que uma camponesa do Couço, Cesaltina,
tinha sido «completamente despida e colocada numa sala cheia de pides que ora a espancavam
brutalmente, ora a insultavam da maneira mais baixa tomando atitudes humilhantes à sua dignidade
de mulher» (Nota 3). Ora, como Cesaltina Maria Feliciano foi presa em 15 de Dezembro de 1960
(Nota 4) e Rosa Viseu foi, por seu turno, detida em Janeiro do ano seguinte, as torturas a mulheres
do Couço começaram de facto antes de 1962, embora se tivessem generalizado, em 27 de Abril
desse ano, com a prisão de outras mulheres do Couço (Nota 5).
Entre estas, Maria Galveias contou ter ficado «onze dias de interrogação» e, depois, mais seis dias e
seis noites, enquanto Maria Madalena Henriques ficou 66 horas sem dormir e a ser espancada e
ameaçada de ser despida, ficando com o nariz torto e o corpo cheio de nódoas negras (Nota 6).

Nota 1 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 210-213, testemunho de Rosa Viseu.
Nota 2 - Gina de Freitas, «A força ignorada das companheiras», depoimento de Aida Magro, in
Diário de Lisboa, 14/8/1974.
Nota 3 - Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 16827/62, p. 449.
Nota 4 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 206-207, testemunho de Cesaltina Maria Feliciano.
Nota 5 - Gina de Freitas, «A força ignorada das companheiras», depoimento de Aida Paulo, in
Diário de Lisboa, 20/2/1975.
Nota 6 - Paula Cristina Antunes Godinho, Memórias da Resistência Rural no Sul: Couço (1958-
1962), pp. 400 e 401.

376

Olímpia Brás contou ter sido colocada numa sala com o chefe de brigada Silva Carvalho, mas
como, ao fim de um tempo, permanecesse calada, vieram as agentes Madalena e Assunção, que
começaram a espancá-la, até seu braço esquerdo ficar completamente negro. (Nota 1)
Depois, ficou sentada num banco, no meio da sala, sem se encostar revezando-se os agentes, que
chegaram a ser 20, durante horas e horas de tormentos. Ao fim de duas ou três noites, o inspector
Silva Carvalho avisou-a de que se não falasse era despida e isso aconteceu realmente, às mão das
agentes Assunção e Madalena, que lhe bateu com um cassetete no peito esquerdo. O «peito ficou
negro de repente» e, cerca de dez dias depois começaram «a nascer caroços debaixo dos braços» e,
mais tarde, teve de levada ao Instituto de Oncologia, na Palhavã, onde uma médica lhe disse que
precisava de ser operada. Olímpia Brás esteve presa durante seis meses e não foi «levada a
julgamento, assim como ninguém» do Couço (Nota 2).
Maria Custódia Chibante, outra mulher do Couço, esteve na sala de torturas vigiada pela agente
Odete, que, a poucos momentos de ser rendida a esbofeteou. A seguir entrou uma outra, de nome
Assunção, transferida da PJ para a PIDE, que espancou Custódia durante toda a noite, apenas
parando durante pequenos intervalos, para descansar, ofegante. Levantava a saia da presa e
espancava-a com o cassetete, a pontos de deixar Maria Chibante negra da cintura até à curva da
perna, sem quase ver do olho esquerdo devido ao inchaço provocado pelas bofetadas. A presa foi de
seguida colocada de «estátua» no meio da sala e entrou a agente Madalena, de «porte altivo e olhar
cínico», que a espancou na nuca. Ao fim de 75 horas sem dormir, como não conseguisse suster-se
em pé, os interrogatórios continuaram, com ela sentada. Finalmente, ao verem que não se
recompunha, resolveram levá-la para Caxias em braços (Nota 3).
Madalena das Dores Oliveira — a «pide Leninha» —, chefe de brigada durante 12 anos, tinha 40
anos em 1974. Em tribunal, foi acusada por Maria da Conceição Figueiredo, uma das detidas no
Couço em 27 de Abril de 1962, de a ter esbofeteado com um cassetete e espancado brutalmente,
deixando-lhe «o corpo todo negro e inchado». Segundo Mariana Janeiro, «com as mulheres mães
presas», Madalena «arrancava-lhes os filhos e jogava com eles, para as fazer falar», criando-lhes
assim «a arrepiante e monstruosa angústia de verem os seus filhos em risco de serem torturados,
caso não delatassem» (Nota 4).
Interrogada na Rua António Maria Cardoso, onde ficou 12 dias e noites em tortura do sono, Úrsula
Machado foi espancada pela agente Albertina, que lhe bateu com o punho fechado na cabeça e na
cara e deu-lhe pontapés, deixando-a com a «vista fechada, toda roxa, boca inchada, sem poder
comer». Além desta agente, também Madalena e Zulmira fizeram «turnos» para a manter sem
dormir e, por vezes, sem se sentar. Esta última espancou-a com o cassetete no braço, deixando-a
com os dedos todos encolhidos.

Nota 1 - José Sarabando, «Uma aldeia de resistência: Povo do Couço recorda brutalidade», in
Diário de Lisboa, 1/10/1974, pp. 12-13.
Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 169-173, testemunho de Olímpia Brás.
Nota 3 - Dossier PIDE: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 155-157.
Nota 4 - «Pide Leninha em Tribunal Militar», in Extra, 5/8/1977; Diário Popular, 23/7/1977, p. 5.

377

Entre os elementos da PIDE que apareceram na sala, António


Capela, Adelino Tinoco e Artur Monteiro, que, numa ocasião, lhe deram uma tareia tão grande que
desmaiou (Nota 1).

XIII.7.2. Tortura com conotações sexuais

Várias detidas relataram que era habitual, na situação de tensão máxima nos interrogatórios, surgir-
lhes o fluxo menstrual e a PIDE não as deixar recorrer a qualquer protecção, obrigando-as a limpá-
lo com a própria roupa. Maria Galveias contou que, ao fim de 11 dias e noites, a levaram para o
forte de Caxias, «toda a cheirar mal, toda urinada», pois não a deixaram lavar-se (Nota 2). Como se
viu e vê, a proibição de recorrer a qualquer higiene, proibindo os presos de se lavarem, foi utilizada
sobre os presos para humilhá-los e provocar aquela distanciação relativamente à humanidade
comum com o torturador.
Esse efeito também era conseguido, por outro lado, com o desnudamento dos presos. A tortura com
conotações sexuais foi aplicada a alguns homens e mulheres do Couço. Não terá acontecido
frequentemente, mas foi utilizado, e provavelmente não se sabe de mais casos devido a humilhação
provocada na vítima, que perdura ao ser recordada. É assim possível que muitos presos tenham
ocultado esse tipo de tortura.
Um dos presos do Couço, Jerónimo Bom, mencionou que a agente Madalena e outra o despiram
totalmente, chamando-lhe nomes e mexendo «em todo o lado», para lhe arrasar os nervos, «para
rebentar com tudo». Quanto a Domingos Catarino, relatou, com a mesma coragem de Jerónimo
Bom, que lhe retiraram o cinto e, como estava magro, as calças caíram-lhe: «mandaram-me lá para
uma casa de banho aberta, e depois meteram-me uma mulher. Aquilo eram mulheres preparadas,
mulheres pides. Meteram a mulher a lavar o chão, ali mesmo em baixo de mim. Depois eu não fui
capaz de fazer nada. Enervado, envergonhado por não estar habituado àquilo» (Nota 3).
Detida em 21 de Abril de 1965, no Montijo, Maria da Conceição Matos seguiu nessa noite para a
sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, onde a submeteram, no terceiro andar, à tortura do
«sono» e a avisaram de que «não ia à casa de banho» enquanto não falasse. E assim aconteceu.
(Nota 4) Mais tarde, Conceição Matos contou a sua experiência, que foi muito impressionante. No
entanto, como o seu depoimento e muito longo, reproduz-se aqui apenas parte dele. Conceição
Matos começou por contar que, numa sala onde estavam duas agentes femininas, Odete e Mariete,
não a deixaram ir à casa do banho, pelo que acabou por se «agachar a um canto», mas «entraram na
sala, de repelão, o Tinoco e o Serras» e levantou-se imediatamente. Veja-se a continuação do seu
relato.

«Foram-me despindo aos poucos e tentaram obrigar-me a limpar a porcaria com a minha roupa.
Opus-me terminantemente e tiveram eles que ensopar os excrementos e a urina na minha roupa. O
Tinoco provocava-me da forma mais soez, ofendendo-me na minha dignidade de mulher. Eu já
estava combinação.»

Nota 1 - O Jornal, 4/12/1974, testemunho de Úrsula Machado.


Nota 2 - Paula Cristina Antunes Godinho, Memórias da Resistência Rural no Sul: Couço (1958-
1962), p. 407.
Nota 3 - Idem, ibidem, p. 405.
Nota 4 - Visão, 21/4/1994.

378

Finalmente entraram diversos pides e a agente Madalena foi «despindo peça por peça» a sua roupa,
até que Maria da Conceição Matos ficou nua. Quando estava sozinha com Madalena, esta atirou-se
a ela, espancando-a brutalmente, à bofetada e ao pontapé. Ao mesmo tempo, o agente Serra dava-
lhe socos no queixo para a obrigar a manter a cabeça levantada, erguia-a pelos sovacos e atirava-a
com toda a força para cima de uma cadeira, repetindo várias vezes esta agressão. Quando outro
agente lhe apresentou um papel para que assinasse, Conceição Matos recusou, gritando, mas o
«último não» ficou «na garganta sufocada». Perdeu a respiração e tiveram de lhe bater muito na
cara para que pudesse respirar (Nota 1).
Lígia Galapez contou ter sido levada, em dois períodos diferentes, de oito dias cada, para a Rua
António Maria Cardoso. Durante os interrogatórios, obrigaram-na a estar acordada durante 22
horas, em cada dia. Mais tarde, entrou na cela Abílio Pires, à frente de alguns agentes, e montou
«uma espécie de espectáculo de teatro»: começou a bater-lhe, enquanto os outros faziam um círculo
à sua volta e ele ia-a atirando ao empurrão em direcção a cada um dos agentes, que lhe aplicavam
uma bofetada. Entrou então em cena uma outra personagem, que assistiu ao interrogatório, o Dr.
Magalhães, que a auscultou. Depois de um período na cela, em Caxias, voltou aos interrogatórios,
onde passaram a só deixá-la dormir uma hora por dia, revezando-se as agentes para a manterem
acordada. Antes do seu 378 julgamento, Mortágua e Tinoco perguntaram-lhe se «falava» ou não, e,
perante a sua negativa, este último leu a sentença: «Então, tem pena maior.» (Nota 2)
Mariana Janeiro foi torturada das duas vezes em que foi presa. Na primeira foi sujeita ao suplício
do sono durante 18 dias e noites. Deram-lhe tanta pancada na cabeça que lhe romperam a
membrana do ouvido esquerdo e, à canelada, rasparam-lhe a pele das pernas, de «onde corria
sangue como se fosse água». Deitaram-lhe água pela cabeça para que não desmaiasse, fizeram-lhe
dar voltas a uma mesa e saltar para cima das cadeiras. Mariana ficou com a memória afectada e sem
conseguir lembrar-se dos nomes dos que a supliciaram, mas recordou um deles, que lhe bateu com
uma matraca até lhe deixar o corpo todo negro e «inchada que nem uma pipa». Outra das que a
seviciaram foi Teresa Leite, de Braga, que, com um murro, lhe deslocou o braço, deixando-a com
tantas dores que não conseguia parar de gritar (Nota 3).
Mariana foi novamente presa, em 20 de Julho de 1967, sendo ainda tratada de forma mais violenta:
queimaram-lhe os olhos com fósforos e foi supliciada novamente, durante 13 ou 14 dias, com a
tortura do «sono» e muita pancada na cabeça. A presa Maria Lourenço Cabecinha contou que, no
reduto sul (por motivos de obras no reduto norte) onde estava, assistiu ao regresso dos
interrogatórios de Mariana Janeiro, «em braços», parecendo «mais um cadáver que um ser humano,
inchada, a cara toda negra, nódoas negras pelo corpo, um farrapo humano».

Nota 1 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 260-264.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 232-234.
Nota 3 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit, pp. 250-253.

379

Foi assim que viu também Alice Capela, Maria José Lopes da Silva e outras )Nota 1).

XIII.8. O RECRUDESCIMENTO DA TORTURA NO FINAL DO REGIME

Hermínio Martins afirmou que, se, no passado, «a severidade do tratamento era proporcional à
posição social e à ideologia» (os operários comunistas eram os tratados da pior maneira), tinha
havido entretanto, nos últimos anos do regime, «uma aparente igualização» (Nota 2). A partir de
final dos anos 60, as torturas aumentaram, à medida que o regime entrava em estertor, devido ao
arrastamento sem fim à vista da Guerra Colonial, contra a qual cada vez mais elementos da
população, nomeadamente os jovens, estavam crescentemente em oposição, e devido ao surgimento
das acções armadas contra o regime. Foi então que a duração da tortura do «sono» atingiu limites
indescritíveis, de mais de duas semanas consecutivas, e a «estátua» e os espancamentos foram
novamente utilizados, até contra elementos apenas acusados de distribuição de propaganda
«subversiva».
Nesse período, a DGS utilizava, habitualmente, nos autos de perguntas que ela própria redigia um
texto para justificar as declarações dos presos, após violentas e insuportáveis torturas: por exemplo,
de que o arguido «negou inicialmente toda e qualquer actividade a favor do Partido Comunista
Português», mas, posteriormente, quando se apercebeu de que as «tarefas por si desempenhadas no
“partido” eram já conhecidas» da DGS, «aquiesceu em esclarecê-las». Noutro caso, a DGS
escreveu que o arguido só posteriormente, «e em face das provas existentes, abandonou a sua
posição de negativa que vinha sustentando em obediência à “palavra de ordem” que o “PCP” impõe
aos seus membros quando detidos e, assim acabou por explicar as suas ilegais actividades». Em
julgamento, verificou-se por depoimentos que esses presos tinham sido todos torturados (Nota 3).

XIII.8.1. Casos de violência extrema no «marcelismo»

No estertor do regime, outros homens e mulheres acusados de pertencerem a diversas organizações


foram presos e conheceram a crescente selvajaria e a violência da DGS. Terrível foi o caso de José
Pedro Soares, preso em 1 de Junho de 1971, que sofreu um total de 21 dias e noites sem poder
dormir. A primeira «“sessão” teve a duração ininterrupta de seis dias e seis noites». Sofreu então o
primeiro espancamento, de que lhe resultaram ferimentos no nariz e no olho direito. Em seguida,
obrigaram-no a permanecer de pé durante três dias e noites consecutivas, e como «se tivesse
recusado a comer enquanto fosse torturado, quiseram-lhe introduzir um tubo no estômago para
alimentação».

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 243-244.


Nota 2 - Hermínio Martins, «O Estado Novo», Classe, Status e Poder, p. 43.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 411/71, Actividades da organização da associação secreta e subversiva que
usa a designação de «partido comunista português», vol. 1, Augusto Lindolfo e outros.
380

No quinto dia, «foi o director da cadeia quem tomou a iniciativa de “persuasão” com socos na cara»
e como «o preso o insultasse, novo grupo de agentes entrou na sala para o agredirem a pontapé». O
agente «Ricardo Graça» — nome falso do agente António Pereira Coelho —, que se fez
passageiramente de «bom», foi o mesmo que, nos interrogatórios seguintes, teve um dos
comportamentos dos mais brutais. Dormiu em Caxias na noite de 8 para 9 de Junho e recebeu a
visita dos pais, mas às 16.30 horas voltou a sofrer mais seis dias e noites sem dormir, com períodos
vários sem cadeira para se sentar. Ao terceiro dia, os espancamentos recomeçaram e o agente
«Ricardo Graça» ameaçou-o de que o matava. Interrogatório e pancada prosseguiram até 15 de
Julho, dia em que voltou para Caxias, terminada a segunda fase do «interrogatório».
No dia 24, conduziram-no de novo para a última sala do corredor do reduto sul, onde Ricardo
Graça e outros dois agentes quiseram forçá-lo a comer, agredindo-o tão selvaticamente que, devido
aos pontapés, ficou a escorrer sangue de ambas as pernas, da boca e da cara. Surgiu o director da
cadeia, acompanhado de dois agentes empunhando matracas de borracha, que começaram logo a
bater no preso, deixando-o com a cabeça partida, com o pescoço tumefacto e ambos os braços
inchados, com nódoas negras e sangue a jorrar pelo nariz. Após nova estada em Caxias, iria
começar o último, mais penoso e mais prolongado período de sofrimento a que o preso José Pedro
Soares esteve sujeito. De novo, os agentes revezaram-se, de três em três horas, para não deixarem o
preso dormir e repetiram-se as cenas de pontapés e socos, alternados com beliscões e a obrigação
de manter a posição de sentido com os braços levantados à altura dos ombros. Cada vez que os
baixava, os agentes procuravam atingi-los com pontapés, ficando o preso «com os braços em estado
de não poder sequer fechar as mãos».
Passados alguns dias entrou o agente «Ricardo Graça», com outro grupo, e mandou o preso
arregaçar as calças para que todos vissem os ferimentos nas pernas. Depois, puxou de um cavalo-
marinho e começou a chicoteá-lo brutalmente. Obrigado a despir-se, recusou e, por fim, foi forçado
a deitar-se no chão mantendo as pernas levantadas a um palmo do chão, sendo chicoteado quando
os pés baixavam. Não aguentando mais, «levantou-se rapidamente sendo novamente espancado até
que alguém gritou: “Já chega”». Tinha as costas «inchadas a ponto de ser incapaz de mover os
braços, ambos os olhos ensanguentados, os lábios rebentados, os restos das calças e da camisa
coladas às muitas postelas de sangue que tinha pelo corpo todo». Posteriormente voltou a ser
chicoteado pelo agente «Ricardo Graça» e por mais dois agentes, com um chicote de tiras de
cabedal entrançado. De mistura com o que se descreveu, houve ainda escarros na cara, ofensas
pessoais e à família, horas de «estátua» e caprichos vários dos agentes encarregados de sustentar a
vigília (Nota 1).
Outro terrível caso passou-se com Júlio Lopes Freire (Nota 2), preso em 30 de Junho de 1971, que
permaneceu numa cela em Caxias até 19 de Julho, dia em que, após a visita com a família, se
iniciaram os interrogatórios.

Nota 1 - PIDE: A História da Repressão, pp. 112-116; PIDE/DGS, pr. 73715/73, «Eleições», pasta
1, fl. 95, «Um caso concreto de tortura. História de José Pedro Correia Soares, CDE».
Nota 2 - «O testemunho da Comissão de Socorro aos Presos Políticos», in Público, 17/4/2004, p.
15.

381

Ou seja, só foi interrogado (torturado) 19 dias depois da detenção, pormenor que é muito
importante, pois deita por terra a justificação da polícia segundo a qual torturava para obter
informações sobre atentados que possibilitariam o salvamento de inocentes. No segundo dia de
interrogatório, entrou na sala o agente Joaquim dos Santos Costa (Nota 1), que, por volta das 21
horas, sem lhe fazer qualquer pergunta, puxou de um chicote e espancou-o com raiva,
acompanhando a agressão de joelhadas nos músculos das pernas. No terceiro dia de manhã, Santos
Costa espancou-o a murro e pontapé, intercalando a pancada com ameaças de morte.
Na noite de 21 de Julho, entrou aos gritos na sala de interrogatórios um agente com aspecto de ter
18 anos, que, de braço dado com o preso, começou a andar às voltas na sala em passo acelerado. De
cada vez que o preso tentava parar, o agente dava-lhe uma cotovelada no estômago ou no peito. A
noite de 21 para 22 de Julho foi uma das piores e, no dia seguinte, foi espancado, ora «pelo Santos
Costa, ora pelo pide pequeno». Na noite de 23 para 24, Freire começou a ver bichos enormes e
«coisas horríveis» e a ouvir gritos verdadeiros, de uma gravação cujo som era emitido por dois
altifalantes disfarçadamente colocados em duas paredes da cela. Por volta das 5 horas da manhã,
como a sua situação fosse «verdadeiramente horrível», virou-se para um dos agentes, apertando-lhe
o pescoço, quando se sentiu agarrado pelas costas por quatro agentes que o espancaram
interminavelmente. Voltou para Caxias na noite de dia 27 (Nota 2).
Na sua terceira prisão, em 1971, o operário agrícola António Gervásio não foi submetido a
espancamentos nem insultos, sendo até tratado por «senhor», mas esteve no «sono» durante 18
dias, de 31 de Julho até à tarde de 17 de Agosto à noite, dormindo apenas cerca de oito horas na
noite de 16 para 17. Ficou «semilouco» e um «semicadáver», como contou no seu julgamento.
Aludindo à entrevista dada por Marcelo Caetano a um jornalista sueco segundo a qual os
comunistas, à falta de pior, chamavam «tortura a interrogatórios de 3 ou 4 horas (!!!)», Gervásio
afirmou que «a cruel tortura» a que fora sujeito era o desmentido mais concludente das afirmações
dos governantes portugueses (Nota 3).
Ao ser acareado em tribunal após 1974 com o ex-preso político Fernando Vicente, que o acusou de
ter sido o seu torturador, o chefe de brigada Inácio Afonso negou, dizendo que «legalmente não
poderia fazer o que o senhor está a dizer que eu fiz». No entanto, sujeitou esse membro do PCP à
tortura do sono, em dois períodos num total de 13 dias e noites. Contou Fernando Vicente que as
pancadas eram «cientificamente aplicadas», batendo os agentes com os cassetetes nas partes mais
sensíveis do corpo.

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar. Joaquim dos Santos Costa, proc. TMT 90/79, 4.° Juízo, auto
1592, Serviço de Justiça dos Serviços de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e da LP,
2/7/1979, vol 1, fls. 41, 94, 97, 111, 129, 142 e 146.
Nota 2 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 115-119. Depoimento de José
Lopes Freire publicado no Boletim da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos.
Nota 3 - Avante!, 27/1/1977; Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 77-81.

382

Além disso queimaram o detido com pontas de cigarro, cravaram as unhas até fazer sangue,
tentaram estrangulá-lo e Inácio Afonso chego, mesmo a encostar-lhe uma pistola à cabeça,
ameaçando matá-lo. Após vários dias sem dormir e a fazer de «Cristo» («estátua» de braços
abertos) Fernando Vicente ficou com alucinações e, nos passeios forçados que o obrigavam a fazer,
amparado por dois agentes à roda da sala, para não adormecer, bateu várias vezes contra as paredes
(Nota 1).
Carlos Coutinho, suspeito de pertencer à ARA, começou a ser torturado às 19 horas do próprio dia
22 de Fevereiro de 1973, em que foi preso, numa primeira etapa de cerca de 190 horas ininterruptas
sem dormir, numa sala onde havia emissores escondidos em dois simulacros de vasos para flores.
Por volta da meia-noite da terceira noite, começou a ter alucinações além de ouvir gritos de um
homem a ser torturado, pancadas nas paredes, zumbidos, longas conversas da sua mulher e gritos
da filha. Tiraram-lhe então a cadeira e obrigaram-no a fazer «estátua». Os torcionários redobraram
de crueldade, andando atrás dele às palmadas e às patadas no chão e obrigando-o a andar, umas
vezes depressa e outras mais lentamente. Coutinho achou que, no quinto dia, havia sido sujeito a
droga, porque, nas três ou quatro horas que se seguiram, ficara possuído de uma alegria quase
delirante e, logo após o almoço, caiu numa depressão terrível. Também as alucinações visuais e
auditivas se tornaram mais frequentes e, à tarde, houve um episódio que poderá ter sido um misto
de alucinação e montagem pois escutara claramente a voz da mulher e o choro da filha.
De então até ao fim da oitava noite, as torturas foram em crescendo apocalíptico, embora tivesse
ficado sem saber o que se passou, pois a memória ficou perturbada. A unha do polegar do pé
direito, por exemplo, começou a sair algumas semanas depois das torturas, porque, sem ele se
lembrar, a unha sido pisada num espancamento a que fora submetido no fim da tarde do sétimo dia.
Do sexto, sétimo e do oitavo dias apenas lhe ficaram recordações das muitas alucinações e,
particularmente, do espancamento brutal na tarde do sétimo dia. Uma das dores mais terríveis que
sofreu foi causada por água fria que, na sétima noite, lhe despejaram sobre a cabeça. Na madrugada
da oitava noite, deixaram-no dormir um bocado e transportaram-no para a cela, onde dormiu cerca
de 40 horas. Mas poucos dias após a primeira etapa de torturas, levaram-no para mais uma, que
durou apenas dois dias, mas na qual lhe tiraram os medicamentos que entretanto o médico lhe dera
(Nota 2).

XIII.8.2. As torturas infligidas a católicos e elementos da extrema-esquerda

Nos últimos anos do regime, nem só os membros do PCP eram alvo de terríveis torturas. Veja-se o
caso dos católicos acusados de pertencer à LUAR e às BR.

Nota 1 - Manuel Anta, «O passar da esponja ou o crime recompensado», in Diário de Lisboa,


31/7/1976, p. 11; «Dossier 1974 foi há 20 anos», in Visão, 21/4/1994; Avante!, 17/2/1977-
Relatório das torturas.
Nota 2 - PIDE: A História da Repressão, pp. 179 a 194. Depoimento escrito em Agosto de 1973, em
Caxias.

383

Na terceira vez que o arquitecto Nuno Teotónio Pereira foi preso em 1973, esteve a ser torturado até
desmaiar, com espancamentos, chicotadas nas pernas e com a tortura do «sono» (Nota 1). No relato
do que sofreu às mãos dos agentes da DGS, «bons» e «maus», contou que, mal negou a primeira
acusação da polícia, caíram sobre ele quatro agentes da brigada de Inácio Afonso, armados com
matracas, um cassetete, um chicote e o mais terrível instrumento de tortura, que consistia numa
espiral de aço que dava a volta completa ao corpo aderindo a carne. Cada vez que desmaiava, era
acordado com água e pontapés, obrigado a levantar-se e espanado nas partes inferiores do corpo, no
abdómen, na cara e na cabeça. Durante cinco dias e cinco noites, este «tratamento» foi
acompanhado com a «tortura do sono», sendo Teotónio Pereira totalmente impedido de fechar
olhos e de apoiar a cabeça nas mãos. Nas últimas 24 horas, perdeu a noção do dia e da noite, ouviu
gritos de presos e teve alucinações auditivas (Nota 2).
Luís Moita foi preso em 27 de Novembro de 1973, pouco depois das 7 30 horas. Cerca das 10
horas, foi levado directamente para uma sala de interrogatórios do reduto sul de Caxias e, menos de
meia hora depois, começou o primeiro espancamento. Quatro agentes bateram-lhe ferozmente com
matracas (uma delas era de aço em espiral e as outras três de borracha dura), atingindo-o sobretudo
nos ombros, nos braços, nas nádegas, nas coxas, no estômago, nos intestinos e na cara. Após a
sessão de fotografias, foi levado novamente para a sala, onde os agentes se atiraram, de
calcanhares, para cima dos seus pés, dando-lhe pontapés nas pernas, bofetadas e murros. Tão
depressa tremia de frio como sentia imenso calor e, de novo, teve diversos desmaios, sendo
obrigado a deitar-se no chão, para não cair desamparado. Enviado para o reduto norte de Caxias, foi
visto por uma enfermeira e, no dia seguinte, por um médico, que lhe receitou um forte antibiótico,
para prevenir eventuais infecções.
A meio da tarde foi novamente levado para uma sala do rés-do-chão do reduto sul, onde foi sujeito
ao segundo espancamento, já não «científico» mas totalmente descontrolado e muito mais violento,
por seis agentes com matracas. Quando estava por terra, meteram-lhe a matraca na boca e
espezinharam-lhe a cara, só parando quando gritou que se sentia muito mal e foi enviado para o
reduto norte. No dia 29, passada a hora do jantar, tomou um calmante e já estava preparado para
dormir quando o foram buscar para a sala de interrogatório, deslocando-se ele apoiado às paredes.
Começou então «a tortura do sono, numa altura em que não tinha posição possível para o corpo e
em que sentia dores intensas, sobretudo nos braços, nas pernas e na região lombar».
Na noite do dia 30 tornou a ser espancado por um só agente, com a matraca de aço em espiral, mas
esse terceiro espancamento foi quase insignificante comparativamente aos dois primeiros. Esteve
durante seis dias e noites seguidos na mesma sala de interrogatório, sem nunca poder lavar-se.

Nota 1 - Idem, ibidem, vol. I, pp. 170-172, testemunho de Nuno Teotónio Pereira.
Nota 2 - Artigo de Nuno Teotónio Pereira à Flama sobre violências a que foi submetido pela PIDE,
em 1973 (Sempre Fixe, 17/8/1974).

384

Ficou num estado de imensa prostração, acompanhado de um progressivo amolecimento da


vontade e de um aniquilamento da personalidade. Além destes seis dias, voltou à sala de
interrogatório mais 10 vezes, numa média de seis horas de cada vez (Nota 1).
Na sua segunda prisão, ocorrida em Maio de 1973, José Lamego, acusado de pertencer ao MRPP,
foi sujeito a dois períodos de «sono» e de espancamentos, respectivamente de sete e seis dias e
noites, ou seja, 13 no total. Foi ainda preso uma terceira vez, em Coimbra, já em finais de Janeiro
de 1974, tendo então sido sujeito a um período de 16 dias e noites ininterruptos de tortura do
«sono», que depois foram acrescidos de mais sete e, posteriormente, de mais três dias e noites. Para
Lamego, essa tortura era a «mais sofisticada», pois ficava-se «numa apatia geral, com períodos de
lucidez».
Segundo contou, o principal elemento da DGS que conduzia as torturas era o chefe de brigada
Inácio Afonso, apelidado de «cavaleiro branco», numa referência a um detergente «que por onde
passava não deixava “marca”». Era precisamente isso que a tortura do «sono» fazia: não deixava
sinais exteriores, mas era muito violenta, mais do que o próprio espancamento. Na «estátua»,
Lamego esteve durante seis dias, ficando com os pés transformados «numas bolas enormes, a pele
ficava muito fina e sensível e as unhas das mãos sangravam» (Nota 2).
A prisão de Pedro Baptista, dirigente da OCMLP-Grito do Povo, ocorrida em 16 de Abril de 1973,
é reveladora do recrudescimento das torturas no final do regime, mas também da confusão reinante
na DGS e das rivalidades entre elementos dessa polícia. Na delegação da DGS do Porto, o
«subchefe Coelho dos Santos» impediu-o de dormir, encostar-se ou sentar-se durante 10 dias, em
que entrou de imediato em greve de fome. Num dos primeiros dias desse período de 10, foi
chamado ao inspector Cunha, «uma espécie de segunda cabeça que deveria disputar a liderança
com o Casaco». Lembre-se que a delegação da DGS do Porto era então dirigida, desde Fevereiro de
1973, por Manuel da Silva Clara e subdirigida por Manuel José da Cunha, que, como Pedro
Baptista se apercebeu, estavam em conflito com António Rosa Casaco, transferido para essa cidade,
de castigo, devido ao seu envolvimento no caso Matesa.
Este achava esses dois, bem como Porto Duarte, anteriormente director dessa delegação do Porto,
«ineptos» e considerava que apenas ele tinha know-how policial. Este pormenor pode explicar o
episódio seguinte, relatado por Pedro Baptista, que, sem o saber, esteve no meio de um conflito
entre torcionários, que não transmitiam uns aos outros os conhecimentos que tinham sobre os
«casos». Por volta do sexto ou sétimo dia, Rosa Casaco «desceu ao calabouço, fechou a porta, e,
em tom baixo, mesmo cordato», disse ao detido que sabia que ele era dirigente do Grito do Povo.
Após lhe dizer «quando quiser falar comigo avise», Casaco desapareceu mantendo-se a situação de
privação de sono e de greve de fome.

Nota 1 - PIDE: A História da Repressão, pp. 125-129; alguns casos de tortura, depoimento de Luís
Moita, pp. 146-150.
Nota 2 - «Dossier 1974 foi há 20 anos», in Visão, 21/4/1994, testemunho de José Lamego; Miguel
Medina, Esboços, vol. II, pp. 132 e 135-136, testemunho de José Lamego, pp. 132 e 135-136.

<Seguem-se 8 folhas com diversas fotografias relativas a várias personalidades perseguidas pela
PIDE/DGS e alguns mapas elementos gráficos>

385

Ao fim de 10 dias, mandaram-no subir penosamente a escadaria até ao último piso e entrou num
gabinete onde estava Rosa Casaco, que o questionou porque continuava sem comer. Pedro Baptista
aproveitou para perguntar quando acabavam os métodos miseráveis de tortura a que estava sendo
submetido. Rosa Casaco pareceu-lhe «nervoso, depois meteu os olhos para baixo e disse para o
Coelho dos Santos que o preso iria dormir», seguindo-se uma «grande peixeirada» entre os dois
elementos da DGS. A verdade é que o transferiram para uma parte nas traseiras do edifício da DGS,
onde, após cerca de um mês, deveria ser posto em liberdade, por falta de provas. No entanto, por
ser refractário, foi entregue ao Exército e conduzido para a Casa de Reclusão Militar do Porto, até
que a DGS o foi novamente buscar e o enviou para Caxias, por volta de princípio de Junho.
Pedro Baptista ficou aí numa cela durante umas semanas, até que o conduziram a uma sala do
reduto sul, onde, fazendo a «velha rábula do bom e do mau», os agentes em quatro horas, o
impediram de dormir durante 14 longos dias e noites. O detido já sabia ao que ia, pois tinha lido «o
texto atribuído ao Francisco Martins Rodrigues intitulado “A tortura do sono”» e conhecia «de cor
e salteado a patologia do torturado», de tal forma que, quando chegavam os sinais anunciados,
«estava preparado». Por volta do quarto ou quinto dia, surgiu um subinspector a «fazer o Pide
bom», que, antes de se ir embora, numa sexta-feira ou num sábado, o ameaçou de que na segunda-
feira lhe «iria arrancar tudo com sangue».
O «sofrimento dos pés era o maior» e, quanto «às alucinações, começaram lá pelo 6.° dia», com
«os insectos virtuais», embora nunca fossem aterrorizadoras.
Pelo contrário, Pedro Baptista ouviu «serenatas com música de protesto, que pensava ocorrerem à
volta da Cadeia em solidariedade» com ele, e até fado. Eram alucinações tão «perfeitas» que
desconfiou que poderiam ser montagens sonoras e ainda hoje não tem «a certeza absoluta se o que
ouvia eram alucinações ou não» (Nota 1). Sobre esse facto, refira-se que, quando estava a ser
torturada, também Maria da Conceição Matos ouviu um agente jovem a cantar o Treze de Maio
(Nota 2), e que Eva Forest, detida em 16 de Dezembro de 1974 pela polícia espanhola de Franco,
sujeita ao suplício da «banheira», afirmou que, ao mesmo tempo, os torcionários puseram a tocar
um flamenco nostálgico. Segundo esta presa política, através deste meio o torturador tentava
provocar uma ruptura no torturado, devido à contradição entre a tortura física daquele instante e o
lado eterno, quase calmo, da canção (Nota 3).
Mas voltando ao relato de Pedro Baptista, ao fim de duas semanas de tortura do sono, por volta das
6 da manhã, levaram-no de Caxias para o Porto, onde foi entregue no Quartel-General da Região
Militar do Norte.
Nota 1 - Pedro Baptista, Depoimento sobre a Minha Prisão pela PIDE, em 1973, Porto, 10 de
Janeiro de 2007. Enviado pelo autor por e-mail.
Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 260-264.
Nota 3 - «Eva Forest: uma longa experiência nos cárceres espanhóis», in O Jornal, 8/7/1977,
pp. 20-21.

386

Passados 15 dias, deram-lhe uma farda, algemaram-no e meteram-no num avião, com destino a
Angola, de onde regressaria a Portugal em 1 de Maio de 1974 (Nota 1), devido ao golpe militar de
25 de Abril. Diga-se que, dois dias antes, em 23 de Abril de 1974 (!!), um grupo de opositores ao
regime entregara a Marcelo Caetano um abaixo-assinado onde se protestava contra a «verdadeira
escalada da violência da polícia» e se assinalava «a coincidência deste agravamento da brutalidade
policial com os problemas atravessados pelo regime e pelo governo» (Nota 2).

Nota 1 - Pedro Baptista, Depoimento sobre a Minha Prisão pela PIDE, em 1973, Porto, 10 de
Janeiro de 2007.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 410. «Presos políticos». 1974

387

XIV. MORTOS PELA PIDE/DGS EM PORTUGAL

Antes de 1945, a PVDE foi responsável, directa ou indirectamente por muitas mortes, quer nas suas
prisões, vítimas de violências, quer no Tarrafal, colónia penal que até então esteve à sua guarda e
ficou, a partir desse ano, sob tutela do Ministério da Justiça. Um panfleto do PCP deu conta das
mortes, às mãos da PVDE, entre outros, de Germano Vidigal, Ferreira de Abreu e António José
Patuleia. Noutro documento, também do PCP, acrescentava-se aos já referidos António Guerra, no
Tarrafal, general Godinho, Almeida Martins, Mário Fernandes, Américo Gomes, Aurélio Dias e
Elvira Mendonça.
A estes acrescente-se os mortos antes de 1945, de Alfredo Ruas, a 7 de Novembro de 1932, numa
manifestação em Lisboa, Manuel Vieira Tomé, 387 dirigente do sindicato dos ferroviários, em Abril
de 1934, provavelmente devido à tortura pela PVDE, que tentou fazer crer que se tinha suicidado.
Em 1937, morreram Augusto Martins, um operário torturado pela PVDE (Nota 1), e, no mesmo
ano, José Lopes da Silva foi assassinado por essa polícia (Nota 2). Em 10 de Fevereiro de 1938, foi
a vez de Rui Ricardo da Silva, outro operário, morrer em consequência das torturas na prisão (Nota
3). Lembre-se ainda que, só no campo de concentração do Tarrafal, morreram 31 presos deportados
e que, antes de 1945, muitos outros presos, cujos nomes não ficaram para a posteridade, morreram
ou adoeceram gravemente durante o período de cativeiro, como se pode ver no cadastro de presos
dessa polícia.
Em 4 de Julho de 1942, ocorreu o assassinato, com uma rajada de metralhadora, do médico António
Ferreira Soares, atribuído pelo PCP ao subinspector da então PVDE António Roquete, que durante
anos dirigiria depois a PIDE em Lourenço Marques. O crime teria sido cometido na presença da
irmã e da criada, as quais não compareceram ao julgamento em tribunal militar, pelo que o
assassino foi absolvido (Nota 4).

Nota 1 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber, p. 43.


Nota 2 - Emídio Santana, História do Atentado a Salazar, p. 147; Valdemar Cruz, Histórias Secretas
de Um Atentado, p. 128.
Nota 3 - Diário de Lisboa, 3/8/1976, pp. 10-12.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 1143/62 1ª divisão, Augusto Lindolfo e João Honrado, caixa 701, vol. 4, fl.
351.

388

Quadro 31: Mortos pela PVDE antes de 1945

Nome Profissão Data da prisão Morte


António Albino Motorista 26/5/1933 Baixou ao Hospital de São José em 15/10, onde
morreu cm 24/10/1935
José Pinto dos Santos 9/9/1932 Baixou ao Hospital Miguel Bombarda, onde
morreu em 1/11/1933
José Vicente da Silva Costa Sapateiro 11/7/1932 Baixou ao Hospital Miguel Bombarda,
onde morreu em
2/9/1943
Carlos Alberto da Silva 6/1/1936 Baixou ao Hospital de Santo António do Porto
em 12/11/1936, onde morreu em 13/11/1936
José António Alves 13/5/1936 Foi para o forte de Angra do Heroísmo, onde
morreu em 1/12/1945
Rui Ricardo da Silva Carpinteiro 9/7/1937 Foi para o forte de Angra do Heroísmo,
de onde pediu transferência, por razões de saúde, indeferido; só veio de Angra em 9/2/1938
transferido para o Hospital de São José, onde morreu em 10/2/1938
Alexandre Rodrigues Morgado Trabalhador 29/3/1938 Baixou ao Hospital de São José
em 30/6, onde morreu em 7/1/1939
Abílio Sousa Marques Encadernador 7/7/1936 Enviado para Peniche, baixou em 14/10
e em 16/11/1936 ao Hospital de São José e Curry Cabral, onde morreu em 1/1/1937
Manuel Valente Tenente-coronel 10/9/1936 Condenado a três anos por conspiração,
morreu em Caxias em 29/7/1937
António Matos Fernandes 29/8/1936 Baixou ao Hospital de Coimbra em 29/1/1938,
onde morreu em 30/1
Adelino Marques Andrade 29/10/1936 Baixou duas vezes ao Hospital de São José e da
Estefânia, onde morreu em 21/7/1938
Carlos Eugénio Tavares Jornaleiro Baixou em 16/10/1936 ao «hospital de alienados» em
3/3/1937 e morreu numa casa de saúde em 31/7/1937
Manuel Joaquim Nogueira Comerciante 25/1/1937 Condenado a três anos de
desterro em Peniche e Angra, onde baixou ao hospital em 24/5/1940 e morreu em 30/5/1940
António Lourenço da Costa Fotógrafo 29/5/1937 Estava em Angra havia 18 meses
quando pediu indulto, recusado, e aí morreu em 27/11/1941
Alberto Serradas Vendedor de jornais 1/7/1937 Baixou ao Hospital de Santo António,
em 14/10, onde morreu a 15/10
José Moraes 25/8/1937Condenado a seis anos de degredo, morreu no Hospital Curry
Cabral em 3/5/1939
Amadeu Ferreira Piedade 11/9/1937 Baixou ao Hospital de Miguel Bombarda em
17/1/1947, onde morreu em 22/5/1947
Henrique Fernandes 1/3/1939 Baixou ao hospital em 19/10/1945 e foi transferido
para o Hospital dos Capuchos em 31/10, onde morreu em
19/11/1945
Augusto Almeida Martins Caldeireiro 24/9/1937 Morreu em 24/9/1937
Manuel José Barbosa Jornaleiro17/3/1938 Baixou ao Hospital de Santo António em 23/3,
onde morreu a 22/5/1938
Joaquim José da Silva 31/8/1938 Morreu em 25/9/1938, ao ser conduzido ao
Hospital de São José
António Augusto Duque Jornaleiro26/10/1938 Baixou em 28/11/1938 ao Hospital da
Misericórdia de Bragança, onde morreu
António Catarino Rebelo Serrador 28/5/1939 Baixou ao Hospital de São José em 18/11/1939;
morreu no Hospital Curry Cabral em 22/1/1940
João Marques Trabalhador 28/6/1941 Baixou ao Telhai em 13/12/1941, onde morreu
em 26/9/1942
José Joaquim Fuzeta Marítimo 27/2/1942 Baixou em 27/6 ao Hospital de São José, onde
morreu em 5/7/1942
José Francisco Garcia Trabalhador 23/8/1940 Baixou ao Hospital Miguel Bombarda,
onde morreu em 1/9/1941
Joaquim Teixeira Magalhães Canalizador 14/2/1945 Baixou em 15/2/1945 ao
Hospital Curry Cabral, onde morreu em 20/2/1945
João Gomes NetoEmpregado do comércio 16/7/1941 Baixou à enfermaria do Aljube em
11/2/1943, onde morreu em 5/4/1943
Felisberto Fernandes Operário 7/7/1941 Baixou ao Hospital de São José em 1/12/1941 e
morreu no Hospital do Desterro em 20/12/1941
Manuel Pinto Ribeiro Padeiro 18/4/1941 Foi indultado, mas baixou em 26/1/1943 ao
Hospital de Santo António do Porto, onde morreu em 11/6/1943
Luís Gamero 15/1/1945Baixou em 2/3/1945 ao Hospital de São José, onde morreu em
14/3/1945

389

Em 1976, o Diário de Lisboa deu a versão de que o assassinato, no lugar da Ribeira, perto de
Espinho, tinha sido obra da PVDE, que armara uma cilada ao médico: fingindo ter sofrido um
acidente de automóvel, uma pseudovítima — na realidade da PVDE — foi levada a Ferreira
Soares, que foi assassinado pelo inspector António Roquete e os agentes Laranjeira e Coimbra
(Nota 1). Outro crime da PVDE foi a do comunista Francisco Ferreira Marquês, detido, pela
segunda vez, em 1 de Abril de 1944, que morreu em Caxias em 13 de Maio desse ano. Terá sido
encontrado enforcado na cela, mas, segundo consta, a morte foi devida a «lesões orgânicas de
espancamentos», segundo relatou um jornal, após 1974, que, no entanto, deu para a sua morte a
data errada de Junho de 1945 (Nota 2).

XIV. 1. As MORTES PROVOCADAS PELA PIDE (1945-1949

Relativamente às mortes atribuídas pelo PCP à PIDE, o inspector Fernando Gouveia negou a
responsabilidade dessa polícia, dando uma explicação para cada uma delas. Por exemplo, sobre
Germano Vidigal, disse que se «suicidou», em Junho de 1945, no posto da GNR, e é um facto que
ele morreu, em 28 de Maio de 1945, em Montemor-o-Novo, às mãos dessa guarda, mas após ser
espancado a cavalo-marinho na cabeça e no rosto (Nota 3). Quanto a Militão Bessa Ribeiro,
afirmou que ele teria morrido na Penitenciária, quando fazia a greve de fome, em Janeiro de 1950.
Relativamente às mortes de Alfredo Lima, em Alpiarça, ocorrida nesse ano, e de Catarina Eufémia,
em 1954, esse inspector da PIDE disse que tinham sido obra da GNR, e a última das quais acidental
(Nota 4).
O certo é que foi a PIDE (ainda se chamava então, embora por pouco tempo, PVDE) a assassinar a
tiro, em 4 de Julho de 1945, Alfredo Diniz, («Alex»), na estrada de Bucelas, após cair numa cilada
montada por José Gonçalves. Na versão do PCP, «Alex» foi assassinado a tiro pelos «agentes da
«Gestapo portuguesa», que lhe atiraram «uma camioneta da polícia para cima». Após o terem
ferido, «deram-lhe dois tiros, um dos quais lhe vazou um olho» e, de seguida, atiraram o «cadáver
para a valeta da estrada» (Nota 5). Após o 25 de Abril de 1974, o ex-subinspector José Gonçalves
foi interrogado sobre o assunto e escreveu uma declaração, na qual afirmava ter apanhado, numa
agenda de um elemento do PCP, a indicação de um encontro que se deveria realizar entre Sobral do
Monte Agraço e a Estrada de Loures (Nota 6).
José Gonçalves disse que, no dia 4 de Julho, quando estava na Estrada de Bucelas, surgira, a dado
momento, um homem de bicicleta, que, ao ser surpreendido pela brigada policial, não teria acatado
a ordem de se entregar, tentando disparar contra os agentes. Afirmou ainda Gonçalves que, após
«luta forte», ele próprio agarrara com a mão esquerda a arma do indivíduo e que, a sua própria
«arma que era uma FN pequena disparou-se e ele morreu a caminho do hospital de S. José ou lá
dentro».

Nota 1 - Diário de Lisboa, 3/8/1976, pp. 10-12; O Diário, 26/3/1982.


Nota 2 - António Modesto Navarro, «O que foi a resistência ao fascismo no Alentejo (II parte)», in
Diário de Lisboa, 22/12/1976, pp. 10-11.
Nota 3 - Diário de Lisboa, 3/8/1976, pp. 10 e 11.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 424, 426 e 428.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 7 GT, Alfredo Diniz, fl. 11.
Nota 6 - Como se viu, trata-se de um engano, pois essa agenda foi apanhada em 1945, a Joaquim
Campino, detido em 2 de Julho desse ano.

390

Num auto de declarações posterior, José Gonçalves negou ter sido a sua arma a disparar sobre
«Alex», acrescentando que tinha então prestado declarações sobre essa morte na PJ e que o
processo tinha sido remetido para o TMT, presumindo que os autos tinham sido arquivados (Nota
1).
Em 19 de Novembro de 1945, morreu, aos 39 anos, no Hospital de Santo António dos Capuchos,
para onde havia sido transferido da cadeia do Aljube, Joaquim Henriques Fernandes, preso em
Março de 1939, sem nunca ter sido submetido a julgamento (Nota 2). Quanto a António José
Patuleia, camponês de São Romão de Vila Viçosa, segundo o cadastro da PIDE morreu na cadeia
do Aljube em 21 de Junho de 1947. Em 21 de Janeiro de 1949, António Lopes de Almeida, operário
vidreiro da Marinha Grande com 36 anos, responsável pelo Comité do Litoral Oeste do PCP,
apareceu morto na sua cela do Aljube, 96 horas depois de ter sido preso. A PIDE anunciou que ele
se tinha «suicidado», embora testemunhos apontassem para um assassinato (Nota 3).
Da primeira vez que foi preso, nesse ano de 1949, Carlos Aboim Inglês contou que tinha sido
metido numa sala da Rua António Maria Cardoso, onde estava outro preso com a cara feita num
bolo, que havia estado 40 horas a apanhar pancada. Não conseguiu dizer mais nada, «pois a PIDE,
apercebendo-se da asneira de os ter colocado na mesma saleta», retirou logo Aboim Inglês. No dia
seguinte, ao ser posto em liberdade, este soube que se tratava de António Lopes de Almeida, que
morrera durante a noite, apercebendo-se assim que «a ultima pessoa, não polícia, que o tinha visto,
fora ele» . A viúva de Antonio Lopes de Almeida dirigiu-se por duas vezes ao ministro do Interior a
solicitar a autorização para que os restos mortais do marido fossem transladados para a Marinha
Grande, mas em 7 de Abril recebeu uma carta a dar conta de que não se considerava «ainda
oportuna a solicitada transferência» (Nota 5).

XIV.2. A GREVE DA FOME DE MILITÃO RIBEIRO


O ano de 1950 apresentou-se particularmente mortífero, pois foi o da morte de Militão Bessa
Ribeiro (2 de Janeiro), José Moreira (23 de Janeiro), Wenceslau Ferreira Ramos (22 de Maio) e
Carlos Rodrigues Pato (25 de Junho) (Nota 6).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, José Gonçalves, TMT, 4.° Juízo, proc. 109/76, auto 1687 dos
serviços de Justiça da SCE da PIDE/DGS, 25/11/76, vol. 1, 0. 8, carta de Santos Graça de 28/8/74;
PIDE/DGS, pr. 52 GT, fl. 42; relatório da PIDE sobre a prisão de Campino em 2/7/45, pr. 729/49,
fls. 63, 158-164 e 170.
Nota 2 - João Morais e Luís Violante, Contribuição para Uma Cronologia dos Factos Económicos e
Sociais, p. 109.
Nota 3 - José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política: «Duarte», Público,
22/4/1994.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. i, pp. 14-17, testemunho de Carlos Aboim Inglês, pp. 14-17.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 018, pasta «Lisboa».
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 92/62, caixa 703, 2.° Juízo, Octávio Pato e Alcino Fernandes, pr. 96/62,
vol. 2, fl. 142 (12) «Repressão e 12 a, 12 b»; ibidem, pr. 1413/65, papel aprendido na casa ilegal de
Eduardo Pires e de Glória Simões

391

Militão Bessa Ribeiro faleceu na Penitenciária de Lisboa com 37 quilos, após uma greve da fome.
Mais tarde, Álvaro Cunhal considerou Militão não tinha procedido bem e que, embora tivesse
morrido «como um herói», não era «preciso morrer assim... Ter-lhe-ia dito: come!» (Nota 1).
O próprio Militão redigiu um texto de despedida para os seus camaradas do PCP, em 5 de
Novembro de 1949, onde relatou os seus «últimos momentos de vida» e a forma como, segundo
ele, o estavam a assassinar. Acusando dois médicos, o enfermeiro, o chefe dos guardas, o guarda
Custódio e alguns agentes, Militão Ribeiro contou que, mesmo «quasi um cadáver», havia sido
esbofeteado (Nota 2). Sobre esta morte, a PIDE explicou, numa nota oficiosa para a imprensa, de 7
de Fevereiro de 1950, que o detido se encontrava na enfermaria da Penitenciária de Lisboa «por se
lhes terem agravado os padecimentos de que sofria à data da sua captura» e falecera «vitimado por
uma pneumonia, conforme se verificou na autópsia» (Nota 3).

XIV.3. JOSÉ MOREIRA «CAI» DO TERCEIRO ANDAR DA SEDE DA PIDE

No mesmo comunicado, a polícia referiu ainda a morte, do comunista José Moreira, preso numa
casa clandestina, onde residia com a companheira Filomena Pereira Galo, «desempenhando tarefa
de responsabilidade no denominado “aparelho de agit e prop”». Conduzido a «esta Polícia,
declarou imediatamente preferir matar-se a fazer qualquer declaração», segundo esclareceu a PIDE.
Esta acrescentou que, apesar «de terem sido reforçadas as recomendações habituais no respeitante a
vigilância do detido, este iludiu, com uma atitude absolutamente calma e quase de indiferença, o
agente encarregado de o guardar e precipitou-se da janela do gabinete, onde se encontrava, para o
pátio do edifício, falecendo quando era conduzido ao hospital» (Nota 4).
O então subinspector Fernando Gouveia, responsável pelo interrogatório de José Moreira, deu a sua
versão dos factos, ao afirmar que, após ter chegado à sede da PIDE, o detido almoçara num
gabinete do terceiro andar (o dos interrogatórios) e não recolhera ao Aljube, por a polícia ter achado
«útil continuar a conversa encetada no automóvel durante o percurso», prolongando-a pela tarde. À
hora de jantar, José Moreira teria tornado a refeição no gabinete, para, em seguida, continuar a
«conversa», dado que Gouveia apurara que havia três tipografias clandestinas e queria obter «o
mais rapidamente possível a confissão para elas não serem mudadas». No entanto, às 2 horas da
manhã, como Gouveia e os «investigadores» estivessem cansados, saíram da sede da PIDE e
mandaram vir um colchão, para deitar o detido, com expressa ordem para que este não se
deslocasse dali.
Disse ainda Gouveia ter ficado a saber que um dos chefes de brigada havia aberto a janela para tirar
o fumo e que José Moreira se lançara «no vácuo aproveitando a distracção» provocada pela entrada
na sala de dois agentes.

Nota 1 - Francisco Ferreira (Chico da Cuf), Álvaro Cunhal...., p. 43.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 238 GT, Militão Bessa Ribeiro, fl. 19.
Nota 3 - Ibidem, pr. 642/49 SR, fls. 29, 133, 155, 159.
Nota 4 - Ibidem: Carlos Brito, op. cit., p. 132.

392

Cinicamente, Gouveia louvou o detido — com a frase: «preferiu o suicídio à traição» — e concluiu
que a «imprevidência e a imprudência de dois chefes de brigada e de três agentes proporcionaram a
José Moreira a possibilidade de se suicidar, lançando-se da janela daquele gabinete» Contou ainda
que tanto a PIDE como a PJ realizaram inquéritos, no final dos quais os dois chefes de brigada,
Aníbal de São José Lopes e José da Costa Pereira foram condenados a penas disciplinares internas,
enquanto os 3 gentes César de Sousa Rodrigues, António Nunes Poço e David Rendeiro foram
removidos para tribunal militar, por «incúria e desleixo na vigilância» (Nota 1).
O instrutor do processo disciplinar interno da PIDE sobre o caso, Barbieri Cardoso, chegou às
mesmas conclusões de Gouveia, após interrogar o chefe de brigada São José Lopes. Este declarou
que, depois de mandar abrir a parte superior da janela, devido ao fumo, viera uma comunicação
para o preso descer a fim de ser fotografado. Depois, São José Lopes contradisse essa afirmação, ao
afirmar que ordenara a abertura da janela após a saída de José Moreira, acrescentando que o próprio
detido lhe dissera que preferia «a morte a confessar, visto que nunca fora traidor», frase que o
declarante se «apressou a transmitir» a Gouveia. Barbieri Cardoso propôs o arquivamento dos
autos, mas não obteve a concordância de alguém da PIDE, provavelmente do director, pois, numa
carta de 3 de Março foi emitido um despacho segundo o qual os superiores tinham de dar exemplo
Aos inferiores, pelo que os chefes de brigada foram punidos com uma repreensão escrita (Nota 2).
Segundo o relatório final da PIDE, José Moreira, casado, serralheiro, natural de Vieira de Leiria, de
37 anos, fora preso em 22 de Janeiro de 1950 em Vila do Paço, concelho de Torres Novas, pelo
subinspector Fernando de Araújo Gouveia. Recolhera ao Aljube e, no dia seguinte, quando se
encontrava num dos gabinetes da PIDE, no 3.° andar, arremessara-se pela janela estatelando-se no
pátio, tendo morte instantânea. No inquérito, porém, o chefe de brigada Costa Pereira dissera que,
ao dirigir-se às traseiras da sede da PIDE, ainda encontrara o preso vivo e que este tinha morrido ao
chegar ao Hospital de São José (Nota 3).
XIV.4. A MORTE DE CARLOS PATO

Em 4 de Junho desse mesmo ano de 1950, morreu o jovem assalariado agrícola Alfredo Lima,
assassinado por guardas da GNR em Alpiarça, no decorrer de uma greve por aumento das jornas.
No mesmo mês, morreu às mãos da PIDE Carlos Pato, do PCP, irmão de Octávio Pato. Segundo
uma carta aberta publicada no Diário de Lisboa de 24 de Agosto de 1974, dizia-se que detido em 28
de Maio de 1949, Carlos tinha morrido, aos 29 anos, na cadeia de Caxias, em 26 de Junho de 1950,
«de um ataque cardíaco segundo o medico da cadeia».

Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 211 e 309.


Nota 2 - MAI, caixa 005, proc. ind. n.° 10, proc. n.° 16726, fl. 26.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. Dir. 184/50 CI(1), José Moreira (falecido) e Filomena Pereira Galo (solta),
fl. 32.
393

Por seu turno, a mãe de Carlos Pato contou que, na primeira vez que visitara o filho, este dissera-
lhe que o tinham torturado muito. Soubera-se depois que tinha estado 130 horas de «estátua», com
os sapatos «todos rebentados devido a ter ficado muito inchado por causa das torturas». Carlos Pato
morreu «em Caxias, na sala 7 do rés-do-chão, onde estavam mais 14 presos», um dos quais contou
posteriormente à família que, apesar de muitos detidos terem pedido assistência médica, esta não
havia sido fornecida a tempo (Nota 1).

XIV.5 DUAS MORTES NA DELEGAÇÃO DA PIDE DO PORTO

Sete anos depois, em 21 de Fevereiro de 1957, o jornal República noticiou a morte, no Porto, na
Rua do Heroísmo (sede da PIDE naquela cidade, embora isso não fosse referido na notícia), após
15 dias de «dolorosos sofrimentos, do sr. Joaquim Lemos Oliveira, de 48 anos, grande democrata
S
i° pafe que deixava viúva e quatro órfãos». Preso em 31 de Janeiro, este barbeiro sucumbira em 15
de Fevereiro, de «suicídio» segundo afirmou o subinspector Costa Pereira, que o tinha interrogado
(Nota 2). Pouco tempo depois, na mesma delegação da PIDE do Porto, morreu, em 3 de Março,
Manuel da Silva Júnior, trabalhador de Viana do Castelo, com 69 anos, em condições por
esclarecer, pois «estava isolado e encarcerado num calabouço absolutamente impróprio para ser
habitado por um ser humano» (Nota 3).
Como se viu, foi então designado para proceder a um inquérito o juiz António Alexandre Soares
Tomé, da comarca de Vinhais, que recolheu, entre outros, o depoimento do inspector da PJ Joaquim
Marques de Sá Couto (Nota 4). Este disse ter encontrado Joaquim Lemos de Oliveira «dependurado
por um laço que os peritos disseram ser parte do forro duma gabardina».
Ele próprio disse ter visto o homem apoiado no chão na ponta dos pés, «com cara voltada para a
parede e vestido pelo menos com calças, casaco e sapatos» (Nota 5).
Interrogada pelo juiz Tomé em 18 de Junho de 1957, Isaura, viúva de Joaquim Lemos de Oliveira,
contou ter recebido da PIDE o sobretudo do marido e que, como estivesse manchado de sangue, o
entregara ao advogado Mário Cal Brandão. Ouvido o genro de Joaquim, Marcelio Gonçalves este
disse que, ao entregar-lhe a roupa do morto, o funcionário da PIDE lhe dissera: «andou-se a
suicidar, agora que lhe faltavam dois dias para se ir embora, foi para causar complicações à polícia»
(Nota 6).
No seu depoimento ao juiz, o preso político Mário de Araújo confirmou ter ouvido dois agentes
dizerem de Joaquim Lemos de Oliveira, quando o levavam para a cela, após este ter estado mais de
sete dias em interrogatórios: «o bandido, tanta porrada tem apanhado está sempre a morrer e nunca
mais morre».

Nota 1 - Gina de Freitas, A Força Ignorada das Companheiras, depoimento de Maria Rodrigues
Pato, pp. 27-31.
Nota 2 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, Carlos Aboim Inglês, pr. 15684/59, 1°
Juízo; PIDE/DGS, pr. 585/59, fls. 390 e 396.
Nota 3 - Ibidem, pr. 627/48 SR, Carlos Costa, fls. 31 e 33.
Nota 4 - Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705
Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, 10 volumes,
1957-1958, vol. 1, fls. 8, 11 e 13.
Nota 5 - Ibidem, vol. 10, fls. 1957-1958.
Nota 6 - Ibidem, vol. 1, fl. 193; vol. 2, fl. 221.

394
Refira-se que, numa nota a vermelho incluída no processo, provavelmente da autoria do juiz
instrutor, dizia-se que os factos referidos por Mário de Araújo tinham sido corroborados pelos
detidos Virgínia Moura e Luís Nogueira, situando o episódio por volta de 12 de Fevereiro de 1957,
e que não era «de admitir a possibilidade de conluio entre o advogado Lino Lima e os presos
Nogueira, Araújo e Moura» (Nota 1).
Quanto a Manuel da Silva Fiúza Júnior, um dos argumentos justificativos do suicídio,
abundantemente referido pela PIDE, foi o facto de, já quando estava detido na esquadra da PSP
antes de ser entregue à polícia política, ele ter alegadamente tentado acabar com a vida. Por isso, o
juiz Tomé ouviu o testemunho do guarda da PSP Moisés Gonçalves da Rocha, segundo o qual, ao
referir-se à sua transferência para a PIDE do Porto, o preso lhe dissera que era muito natural que
eles lhe acabassem com a vida, até porque a sua idade já está bastante avançada e não se aguentaria
«com aquilo», pois já sabia «como aquilo é por já lá ter estado» (Nota 2).
Interrogado pelo juiz, o filho de Manuel Fiúza Júnior confirmou que o guarda Rocha tinha
efectivamente entregue à família um pullover rasgado. No sábado seguinte, o comandante da PSP
dissera-lhe que o pai se encontrava muito mal, mandando-o apresentar-se na esquadra no domingo,
onde fora então informado de que o pai tinha falecido. Na segunda-feira de manhã, o filho
deslocara-se à morgue, no Porto, mas não pudera ver o pai, sendo procurado por um elemento da
PIDE, que o convidara a acompanhá-lo ao subdirector, o qual o informara de que o pai se tinha
suicidado. Dez dias depois, ao ser chamado novamente à PIDE, o filho contara o caso do pullover,
sendo essa conversa depois utilizada pela PIDE, fora do contexto, para dar a entender que Manuel
da Silva Fiúza Júnior era um «suicida» (Nota 3).
No processo do inquérito, conduzido pelo juiz Tomé, constam fotografias dos dois presos mortos,
na posição em que terão sido encontrados. Ora, na análise das mesmas choca o facto de os dois
homens, sem qualquer contacto entre eles, se terem suicidado da mesma forma, com nós
elaboradamente entretecidos. Se é um facto que se poderiam ter suicidado devido às condições
prisionais e que os suicídios parecem, por vezes, ter carácter epidémico, sobretudo num momento
de tremendo sofrimento, não deixa de ser estranho o facto de o modo utilizado pelos dois ter sido
quase idêntico, como revelam os relatórios do Instituto de Medicina Legal (IML) do Porto (Nota 4).
Diga-se ainda que, anos depois, durante a vigência de Marcelo Caetano na presidência do Conselho
de Ministros, o advogado Fernando Abranches Ferrão tentou reactivar o caso, enviando uma carta
ao chefe de gabinete do ministro do Interior, Manuel Geraldes Nunes, em 27 de Abril de 1971.

Nota 1 - Ibidem, vol. 2, fls. 305, 306 e 322; vol. 8, fl. 1422, depoimento de Luís Nogueira.
Nota 2 - Ibidem, fls. 185-187.
Nota 3 - MAI-GM, 1974, caixa 454, pasta «ex-DGS»; Arquivo dos serviços de coordenação e
extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705, Processo de inquérito aos serviços da PIDE
instaurado pelo ministro da Justiça, 10 volumes, 1957-1958, vol. 1, fl. 188; vol. 8, fl. 1458.
Nota 4 - Ibidem, vol. 2, fl. 221: ibidem, vol. 1, fls. 61, 68, 71, 73, 74 e 76.

395

Este último pediu o processo do inquérito ao director da DGS, mas este respondeu que não se
encontrava naquela polícia e que não tinha sido «deduzida acusação contra qualquer funcionário da
então PIDE». Em 26 de Julho de 1971, o chefe de gabinete escreveu a Abranches Ferrão, dizendo-
lhe que tinha visto a documentação sobre o assunto e ficara convencido «tratar-se de um caso
inequívoco de suicídio comprovado por exame médico-legal em que a Polícia correu os riscos
habituais de tratar com desesperados e se mover no terreno da paixão política» (Nota 1).

XIV.6. RAUL ALVES: NOVA «QUEDA» DO TERCEIRO ANDAR DA SEDE DA PIDE


Ainda em 27 de Março de 1957, morreu, vítima de acção policial, José Centeio, de Alpiarça, e, em
24 de Junho do ano seguinte, o assalariado agrícola José Adelino dos Santos («Zé Gaitas») foi
morto a tiro durante os protestos realizados na praça de Montemor-o-Novo contra a «burla
eleitoral» das eleições presidenciais (Nota 2). Não se sabe se estes assassinatos foram da autoria da
GNR ou da PIDE, mas o certo é que esta polícia foi novamente responsável pela morte, na sede na
Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, de Raul Alves, operário de Vila Franca de Xira, que, como
já se viu, «caiu», em 1 de Agosto do mesmo ano, do terceiro andar da sede da PIDE.
Sobre esta morte, o ex-agente da PIDE/DGS Belarmino Alves de Araújo disse, após 25 de Abril de
1974, que constou na época que o preso estaria tão desesperado que se havia lançado pela janela do
terceiro andar, onde trabalhavam Mortágua, Gouveia, Tienza e Falcão (Nota 3). Desta vez, porém,
como se viu, houve uma testemunha importante e incómoda para a PIDE. Tratou-se da mulher do
embaixador do Brasil, Álvaro Lins, que assistiu à queda do preso do parapeito da janela, o que
levou a um protesto daquele diplomata junto do cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira (Nota 4).

XIV.7. O CASO DIAS COELHO

Em 11 de Novembro de 1961, o operário corticeiro Cândido Martins Capilé, de 17 anos, foi morto a
tiro pela GNR numa manifestação em Almada contra a «burla eleitoral» e, em 19 de Dezembro, foi
assassinado numa rua de Alcântara, em Lisboa, o escultor e funcionário clandestino do PCP José
Dias Coelho, por uma brigada da PIDE comandada por José Gonçalves. Num relatório escrito
quando esteve preso, após o 25 de Abril de 1974, o ex-chefe de brigada Manuel Lavado afirmou
que o autor da morte de Dias Coelho tinha sido o seu colega António Domingues.

Nota 1- Idem, caixa 399, pasta «Diversos».


Nota 2 - Modesto Navarro, «O que foi a resistência ao fascismo no Alentejo (2ª parte)», in Diário
de Lisboa, 22/12/1976, pp. 10 e 11; Fernanda Mestrinho, «Montemor-o-Novo interroga-se: Quem
matou Zé Gaitas, José Adelino dos Santos?», in Diário de Lisboa, 1/8/1974.
Nota 3 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo do TMT, Fernando Gouveia,
proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, fls. 323 e segs.
Nota 4 - José Geraldes Freire, A Resistência Católica ao Salazarismo-Marcelismo, p. 230.

396

Lavado contou que, em meados de Dezembro de 1961, os dois e o agente Pedro Ferreira, sob
ordem do chefe de brigada José Gonçalves, foram enviados para a zona do Calvário, em Lisboa,
para capturar um comunista.
Após montarem um piquete de vigilância, surgira, por volta das 20 horas, o referido indivíduo a
descer a rua, mas Domingues hesitara no seu reconhecimento, gritando depois ao agente Pedro
Ferreira para ir buscar o automóvel da polícia, onde estavam mais agentes, para os auxiliar na
captura. Com o barulho atraíra a atenção do indivíduo, o que José Dias Coelho, correra pela rua
fora, gritando que a PIDE andava atrás dele. Segundo disse Lavado, este tê-lo-ia conseguido
agarrar, mas, segundos depois, soara uma detonação de um tiro, da autoria de Domingues. Lavado
acrescentou «que Domingues não queria matar Dias Coelho pois este já estava agarrado» e, como
prova disso, assinalou que, antes de atingir o falecido, o projéctil furara a sua própria gabardine.
Diga-se que, no processo interno realizado pela PIDE sobre o acontecimento, consta a versão de
Domingues, segundo a qual, solicitado a identificar-se, Dias Coelho lhe teria desobedecido,
tentando agredi-lo. Domingues afirmou ter então sido forçado a intimidá-lo com a arma e que, no
meio da luta, teriam caído por terra os dois agentes e Dias Coelho, atingido pela pistola que havia
disparado acidentalmente (Nota 1). Ora, Lavado afirmou mais tarde que tanto ele como Pedro
Ferreira não tinham contrariado a versão dada por Domingues na sede da PIDE para que a carreira
policial dos agentes não ficasse prejudicada. No seu depoimento, o agente Pedro Ferreira alegou,
porém, que o processo interno instaurado pela PIDE logo a seguir à morte tinha sido fabricado pelo
inspector Boim Falcão.
Manuel Antunes da Fonseca (Mário Castrim), cuja casa serviu de «ponto de apoio» aos fugitivos do
forte de Caxias José Magro e António Gervásio, contou que temia, na época, que a residência
estivesse a ser vigiada pela PIDE, pois apercebera-se da presença de um agente escondido atrás da
porta da rua de sua casa, de forma a poder vigiar a Rua dos Lusíadas, em Alcântara. Um dia, às 8
horas da noite, Castrim estava na sala de professores da Escola Comercial Ferreira Borges, na Rua
da Creche, onde leccionava, quando um colega gritou que tinha visto um homem a ser morto na
rua. Tratava-se de José Dias Coelho, como veio a saber mais tarde Castrim, que então se apercebeu
de que o agente da PIDE estava aí, não para o vigiar a ele, mas sim o escultor. Este último, segundo
Castrim, devia estar a dirigir-se para sua casa, mas, ao verificar ter caído na ratoeira, correra pela
rua fora, em direcção ao Largo do Calvário, sendo abatido a tiro na Rua da Creche (Nota 2).
A mulher de Dias Coelho, Margarida Tengarrinha, que, em 1961, era funcionária clandestina do
PCP, tal como o marido, relatou mais tarde como soube do assassinato, contextualizando-o num
período de recrudescimento da repressão, em que tinham sido presos muitos dirigentes desse
partido.

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, Manuel Lavado, chefe de brigada, 4.a Juízo do TMT, proc.
85/79, auto 474 de 20/6/79, fl. 254.
Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. n, p. 168.

397

Margarida, que, como membro da redacção do Avante!, trabalhava na análise da imprensa, não se
apercebeu então de uma notícia, no jornal República, a dar conta de uma «Cena de tiros em
Alcântara — Um homem morto, José António Pires». Ora, tinha sido a própria Margarida a fazer
esse bilhete de identidade falso.
Apreensiva com a ausência de Dias Coelho, convenceu-se de que ele tinha sido preso e preparou «o
saquinho com o pijama, com a escova de dentes, com aquelas coisas mais necessárias» para um
detido, para mandar através dum encontro que ia ter com um camarada da redacção do Avante!, em
26 de Dezembro. Este informou-a da morte do companheiro. Incrédula, Margarida Tengarrinha
andou depois «a vaguear por aquele finíssimo Bairro do Restelo, com as casas enfeitadas, as
árvores de Natal, as luzes, e todo aquele ambiente de festa», sem se lembrar onde morava, só
recuperando a memória quando um polícia se aproximou dela, lembrando-se então que a casa
estava situada ali perto, na Rua de Pedrouços (Nota 1).
Ainda hoje permanece o mistério relativamente ao facto de a PIDE saber onde se encontrava Dias
Coelho. O próprio Fernando Gouveia deu uma explicação, ao explicar que este tinha duas irmãs,
Adelaide, como já se viu, mulher de Carlos Aboim Inglês, e outra, que na época era casada com o
filho do antigo comandante-geral da GNR, general Farinha Beirão, Alexandre. Este, tal como o
irmão, Augusto, tinha-se alistado na Polícia de Informação do Ministério do Interior, onde serviram
até à extinção desta, em Julho de 1931. Gouveia deu assim a entender que a irmã de José Dias
Coelho se encontrou com este na clandestinidade, e, sabendo disso, o marido o teria denunciado à
polícia. Há que ter, porém, em conta que Gouveia utilizou as suas memórias para denegrir o PCP e
semear a confusão no seio deste.
Lembre-se que os membros da brigada que assassinaram Dias Coelho viriam a ser julgados, após o
25 de Abril de 1974, no Tribunal de Santa Clara (Nota 2). No julgamento do crime, realizado em
Dezembro de 1976, surgiram contradições relativamente ao alegado desconhecimento sobre a
identidade da vítima na ocasião da captura e às circunstâncias do homicídio. O advogado da
acusação deu, porém, um forte argumento para a possibilidade de o ex-agente Manuel Lavado
conhecer Dias Coelho, pois este tinha sido professor na Escola Ferreira Borges, que o agente
frequentara (Nota 3). A defesa, por seu turno, quis mostrar que não só os três elementos da PIDE
não conheciam a vítima como tinha havido um só tiro, fortuito. A acusação conseguiu provar porém
que tinha havido dois tiros e a bala fatal tinha sido disparada de cima para baixo, à queima-roupa.
Uma testemunha ocular do crime, Maria Helena Botelho da Silva, contou que Dias Coelho tinha
tentado fugir e havia tropeçado, antes de ser apanhado e cercado por outros dois indivíduos — o
réu, António Domingues, e Manuel Lavado — e que ela própria tinha ouvido as detonações dos
tiros, disparados à queima-roupa.

Nota 1 - Idem, ibidem, vol. i, pp. 152 e 153, testemunho de Margarida Tengarrinha.
Nota 2 - O Independente, 13/12/1991.
Nota 3 - A Luta, 2/12/1976, 4/12/1976, 18/12/1976 e 2/12/1976.

398

O Tribunal Militar que julgou António Domingues considerou provado que este havia sido enviado
para Alcântara, com os agentes Manuel Lavado e Pedro Ferreira, para «localizar e prender» José
Dias Coelho, entendendo que os tiros tinham sido disparados com o intuito de «não frustrar a
missão» e que ele disparara voluntariamente, «mas sem intenção de matar» (Nota 1). Provados
foram ainda os factos de que, na altura do segundo disparo, já a vítima se encontrava agarrada por
Lavado e de que o tiro fora disparado com a arma «muito próxima da roupa da vítima».
O tribunal considerou, porém, como atenuante o facto de Domingues e os outros intervenientes da
brigada de José Gonçalves terem recebido, uma semana depois da morte de Dias Coelho, um
louvor. Embora Domingues tivesse afirmado que o louvor se teria devido à sua colaboração na
prisão de outros elementos do PCP, pode-se pensar que ele foi louvado pelo crime e que, nesse
caso, em vez de essa distinção ser considerada atenuante, deveria ter sido vista como agravante
(Nota 2). António Domingues foi condenado a três anos e nove meses de prisão, mas o advogado
de acusação, Luso Soares, interpôs um recurso da sentença (Nota 3) e o Supremo Tribunal de
Justiça agravou a sua pena para sete anos de cadeia.
Depois, o ano de 1962, de intensa agitação estudantil e popular, foi também de grande repressão.
Em 8 de Abril, dois participantes numa manifestação em Aljustrel contra a prisão de 15 pessoas
acusadas de actos subversivos, António Adângio e Francisco Madeira, foram mortos a tiro pela
GNR. No dia 1 de Maio, o militante comunista Estêvão Giro foi morto a tiro pela PSP numa
manifestação de rua em Lisboa. Noutra manifestação, em 1 de Maio do ano seguinte, foi, por seu
turno, morto a tiro pela polícia o tipógrafo Agostinho Fineza e, no l.° de Maio de 1964, a PIDE terá
disparado sobre manifestantes junto ao Palácio Foz em Lisboa, e morto David Almeida Reis (Nota
4).
Diga-se que, embora não se possa atribuir com certeza à PIDE estas mortes, um preso às mãos
dessa polícia foi então levado ao suicídio, tentando, com uma tesoura de cortar unhas, golpear o
pescoço, sendo disso impedido por um guarda e um enfermeiro do Aljube (Nota 5). Aliás, esta
tentativa de suicídio de presos às mãos da PIDE/DGS não foi caso único.

Nota 1 - Fernando Luso Soares, O Caso Dias Coelho, pp. 31-33, 43 e 48.
Nota 2 - «Lida a sentença do julgamento de António Domingues: Apenas mais dez meses de prisão
para o “pide” que matou Dias Coelho», in Diário de Notícias, 6/1/1977, p. 7; Artur Costa, «O
julgamento da PIDE/DGS e o direito à memória», De Pinochet a Timor Lorosae, p. 47.
Nota 3 - Fernando Luso Soares, O Caso Dias Coelho, pp. 31-33, 43 e 48.
Nota 4 - «l.° de Maio, história de uma data», in O Jornal, 2/5/1975, pp. 18 e 19.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 1143/62, l.a divisão, Augusto Lindolfo e João Honrado, fl. 96.
399

Refira-se apenas três casos, no início dos anos 70: o de um detido, em 1971, que, depois de três
dias de sono e de estátua, tentou suicidar-se com barbitúricos; o de outro preso, que, em Agosto ou
Setembro de 1972, engoliu os vidros dos óculos, na presença do agente de 2.a classe João Landeiro
Lopes, e um terceiro caso, de corte de veias, apanhado a tempo pelo agente Orlando de Figueiredo
(Nota 1).

XIV.8. O CASO HUMBERTO DELGADO

O certo é que a PIDE foi responsável, em 1965, por um dos mais falados e investigados
assassinatos, só julgado após 1974: o do general Humberto Delgado e da sua secretária Arajaryr
Campos (Nota 2). Logo que se exilou no Brasil, em 1959, Humberto Delgado terá sido alvo de uma
tentativa de assassinato da PIDE e, pressentindo-o, escreveu então que se esta polícia o conseguisse
agarrar, ou o balearia ou o colocaria em prisão perpétua. Os assaltantes do paquete Santa Maria,
que se encontravam a bordo do navio, souberam, em Janeiro de 1961, «que, no Rio de Janeiro, um
jovem português de 21 anos havia sido preso no quarto n.° 818 do Hotel Florida, onde se
encontrava instalado o general Humberto Delgado» e tinha confessado que o seu irmão, o agente da
PIDE Álvaro Dias de Melo, o incumbira de assassinar o general Delgado (Nota 3).
Esta notícia tinha vindo no Jornal do Brasil de 31 de Dezembro de 1960, que noticiara as
declarações prestadas por esse jovem, de nome Emanuel Dias de Melo, à polícia brasileira.
Segundo esta, «quando se encontrava no interior de um ónibus na linha de Salvador/Rio
Cumprido», no dia 27, aquele jovem «fora surpreendido com a presença do irmão no colectivo, o
inspector Álvaro Dias de Melo», nascido no Rio de Janeiro, que lhe prometera «para mais tarde
retorno a Portugal, estabilização de vida, desde que “fizesse calar” o general Delgado». Em
Portugal a censura impediu a imprensa de se referir à prisão de Emanuel e apenas o jornal A Voz de
1 de Fevereiro anunciou a sua libertação, afirmando tratar-se de um débil mental (Nota 4).
Mais tarde, numa carta enviada em 15 de Setembro de 1963 ao ministro das Relações Exteriores do
Brasil, Araújo de Castro, Humberto Delgado informou-o de que, «num jornal brasileiro,
profundamente ligado ao fascismo português», tinha sido lançado um «estranho aviso», segundo o
qual o general figuraria no rol dos que iriam ser assassinados pelos «centuriões». Noutra carta de
Delgado, de 29 de Abril de 1964, ao director do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, o general
afirmou que a PIDE tinha andado à sua «procura pela Europa a ver se» lhe metia «duas balas»
(Nota 5).

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, Benedito Pereira André, 4.° Juízo do TMT, proc. 393/74, vol. 2,
fl. 133, informação da DGS, assinada por Pereira André, da DSIC, de 29/8/72; ibidem, Joaquim dos
Santos Costa, 4.° Juízo do TMT, proc. 90/79, pasta 57, arquivo 578, fls. 110- -112; Arquivo
Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco proc. 66/77, 11 volumes,
EMGFA, 1.ª secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 6, fl. 200; ibidem, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino
da Silva Tinoco proc. 66/77, 11 volumes, EMGFA, l.a secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 4, fl. 54.
Nota 2 - El caso Humberto Delgado. Sumario del proceso penal espanol, ed. Juán Carlos Jiménez
Redondo, Junta de Extremadura, Mérida, 2001.
Nota 3 - O. Ignatiev, Conspiração contra Delgado..., p. 139.
Nota 4 - «O julgamento do caso Delgado», in Expresso, revista, 4/11/1978, pp. 4R e 5R.
Nota 5 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, pp. 152 e 153.

400
Segundo o libelo acusatório do julgamento do caso Delgado, de 1977, Silva Pais, Barbieri Cardoso
e Pereira de Carvalho «definiram, em data não averiguada — seguramente localizada no ano de
1962», o objectivo central de reduzir Humberto Delgado «à não actuação, quaisquer que fossem os
meios necessários para tanto» (Nota 1). O assassinato de Delgado tinha sido decidido nesse ano,
coincidindo «com uma viagem de trabalho ao Brasil de Rosa Casaco», mas o director dos Serviços
Centrais da PIDE, Manuel da Silva Clara, impedira então a materialização do crime, não só porque
«as pessoas bem formadas dentro da Polícia não tinham ódio a quem quer que fosse», como porque
«o senhor general» era «um homem nosso formado no 28 de Maio» (Nota 2).
Depois, porém, teria havido um «verdadeiro golpe de Estado dentro da PIDE» e, contra a sua
vontade, Silva Clara tinha sido retirado das suas funções e remetido para trabalho administrativo,
começando até a ser vigiado por essa polícia. A PIDE teria então aliciado para trabalhar
estreitamente com ela o português Mário de Carvalho e o italiano Ernesto Bisogno, ambos a residir
em Roma, que se haviam insinuado junto do general, para informarem aquela polícia dos seus
movimentos. Na sequência desta actividade, Mário de Carvalho fora contactado várias vezes em
1963 e 1964 por Pereira de Carvalho, Rosa Casaco e Ernesto Lopes Ramos, «que o dirigiram,
aconselharam e ordenaram actuação conducente aos propósitos definidos na política da direcção da
PIDE contra» Delgado (Nota 3).
Refira-se, a propósito, uma carta dirigida de Roma, datada de 14 de Maio de 1963, a Barbieri
Cardoso, assinada por «Oliveira» (nome de código de Mário de Carvalho), onde este assegurava
estar «em cima desta gente» e que agiria «d’acordo» com os desejos da PIDE (Nota 4). No
julgamento do caso Delgado, o antigo elemento da PIDE/DGS Alfredo Robalo confirmou que
Mário de Carvalho era o informador, com residência em Itália, que assinava «Oliveira» e recebera
dessa polícia pelos seus serviços um total de 1383 660$60 (Nota 5). O próprio Álvaro Pereira de
Carvalho admitiu, também no julgamento, que os cheques para «Oliveira» (Mário de Carvalho)
eram passados pela Casa Piano, uma instituição bancária de que nascera o Banco Viseense, de
Jorge Farinha Piano (Nota 6).

XIV.8.1. Os antecedentes do crime

Entre diversos estudos sobre o assassinato de Humberto Delgado e da sua secretária, Arajaryr
Campos, contam-se um livro espanhol onde se inclui documentação, outrora inacessível, do
processo de Espanha (Nota 7), comunicações apresentadas por Alfredo Caldeira e A. Santos
Carvalho, coligidas numa obra de 1995 (Nota 8), e uma importante análise, datada de 1977, da
autoria de Manuel Garcia e Lourdes Maurício, sobre a operação Outono.

Nota 1 - «Dossier Delgado», in O Jornal, 28/10/1977, pp. 14-17.


Nota 2 - Diário, 7/6/1979.
Nota 3 - «Dossier Delgado», in O Jornal, 28/10/1977, pp. 14-17.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 12641 Cl (2), fls. 534-535.
Nota 5 - O Diário, 1/10/1979.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 003, 1948.
Nota 7 - El caso Humberto Delgado. Sumario del proceso penal espanol, ed. Juán Carlos Jiménez
Redondo.
Nota 8 - A Tirania Portuguesa, com organização de Iva Delgado e Carlos Pacheco, Lisboa, Dom
Quixote, 1995.

401
Neste livro, os autores afirmaram que Delgado chegou a Argel em 27 de Junho de 1964, tendo lá
aparecido, para espiar o general à conta de Barbieri Cardoso, um «exportador de carneiros, que era,
na realidade, o comandante de batalhão da Brigada Naval da LP, Soares de Oliveira». Depois,
isolado e no desespero do exílio, Delgado aproximara-se de dois elementos suspeitos, Henrique
Cerqueira, em Tânger, e Mário de Carvalho, em Roma, que era um informador da PIDE (Nota 1).
Em final de Setembro, o general encontrou-se em Pompeia com o major Sá Borges de Carvalho e o
capitão Agostinho Mota, muito provavelmente elementos da PIDE, que lhe asseguraram que
poderia contar com 4600 elementos efectivos e 500 potencialmente recrutáveis para uma revolução
em Portugal. Em conversa com «Eduardo Castro e Sousa» (na realidade, Ernesto Lopes Ramos, da
PIDE), Humberto Delgado decidiu a constituição de uma junta que dirigiria politicamente a revolta.
Entretanto, Delgado foi operado, em Roma, por um médico arranjado por Ernesto Bisogno e, ao ter
alta, em 25 de Outubro, teria sido seguido por Roberto Barrai, que era nada mais nada menos que
António Rosa Casaco.
Este deslocou-se depois a Paris, de onde telefonou a Pereira de Carvalho, para Lisboa, a dar conta
de que a reunião com Delgado tinha corrido bem, mas o telefonema foi escutado pelos serviços
secretos franceses. Rosa Casaco estava-se a referir a uma reunião realizada em 27 de Dezembro de
1964, no Hotel Caumartin, em Paris, entre Delgado e o elemento da PIDE Ernesto Lopes Ramos,
em que havia sido combinado o encontro de Badajoz. Curiosamente, mais tarde, uma nota
confidencial da Dirección General de Seguridad espanhola deu conta à PIDE da realização, em 26
de Dezembro, desse encontro «no Hotel Conmartin [sic], em Paris», ao qual teria ainda assistido o
antifranquista espanhol Alvarez del Vayo, bem como representantes das oposições espanholas e
portuguesas, convocados por Emídio Guerreiro (Nota 2).
Segundo o auto das acusações do julgamento de Delgado, «sabedores da desunião política do
general com os correligionários no exílio, que terão fomentado pela acção dos informadores Mário
de Carvalho e Ernesto Bisogno — os arguidos Barbieri Cardoso, Pereira de Carvalho e Rosa
Casaco, com os [sic] conhecimento de Silva Pais, ordenaram a Ernesto Ramos» que se avistasse
«com o ofendido, com o falso nome de “Eduardo de Castro Sousa”». A sua missão era convencer
Delgado a dirigir-se a Badajoz, «com o objectivo de efectuar uma reunião política com elementos
adversos ao regime de Salazar, entre os quais estaria um oficial do Exército português (um falso
coronel)» (Nota 3). Entretanto, em Portugal terá havido uma reunião na PIDE, presidida por Silva
Pais, em que as opiniões se parecem ter dividido acerca do que fazer relativamente a Humberto
Delgado.
Na opinião de uns, entre os quais se contaram Barbieri Cardoso e Rosa Casaco, dever-se-ia levar
até às últimas consequências o aproveitamento do logro em que o general tinha caído,
aprisionando-o em Espanha e levando-o para Portugal, onde seria submetido a julgamento.

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit.> pp. 163, 172, 177 e 179.
Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 246 e 247.
Nota 3 - «Como a PIDE forjou a chamada Operação Outono» in Diário Popular, 21/7/1979.

402

Outra posição terá sido a de apenas continuar a manter o trabalho de intoxicação e controlo sobre
Delgado, aproveitando a situação junto dele, de Mário de Carvalho («Oliveira») e de Eduardo
Castro e Sousa (Ernesto Lopes Ramos). Esta posição teria sido defendida por este último e por
Álvaro Pereira de Carvalho, que discordavam da prisão do general, pois esta destruiria o trabalho
de manipulação da opinião pública com o objectivo de desacreditar Delgado (Nota 1).
A reunião terminou, porém, com a decisão de se efectuar a detenção de Delgado, que se deveria
realizar em território português, após o rapto do general em Espanha. Mais tarde, Silva Pais diria
que a inclusão de Ernesto Lopes Ramos na brigada tinha o objectivo de fazer vingar a ideia do
rapto e travar Rosa Casaco, do qual se suspeitava ter outras ideias (de morte do general). Os autores
do livro sobre a operação Outono referem que Góis Mota, amigo de Rosa Casaco, teria
influenciado este último e Casimiro Monteiro no sentido da necessidade da neutralização definitiva
de Delgado.
Segundo o auto de acusações do caso Delgado, Barbieri Cardoso determinou que Rosa Casaco
chefiaria a brigada, composta ainda por Casimiro Monteiro, Ernesto Ramos e Agostinho Tienza,
para o encontro aprazado em Badajoz para 13 de Fevereiro de 1965. Na PIDE forjaram-se,
entretanto, dois pares de chapas de matrícula para automóveis e falsificaram-se quatro passaportes:
para Rosa Casaco, com o nome de Roberto Baral, periodista da Guatemala; para Ernesto Ramos,
em nome de Eduardo de Castro Sousa, advogado de Lisboa; para Agostinho Tienza, com o nome de
Filipe Garcia Tavares, de Lisboa, e para Casimiro Monteiro, com o nome de Washdeo Kundaumal
Milpuri, industrial de Jersey. Os três primeiros passaportes eram inteiramente falsificados e o
último retocado para dissimular a identificação.
Em Paris, Emídio Guerreiro teria tentado demover Delgado da ida a Badajoz, cujo encontro foi
confirmado numa carta de Mário de Carvalho de 4 de Fevereiro. Em Argel, o general despediu-se
de Ayala, dizendo-lhe que ia a Espanha mas que «o homem de Roma» não se encontraria com ele.
Mário de Carvalho justificou-se, mais tarde, que tentara apanhar o avião para Espanha, mas disso
tinha sido impedido devido a fortes nevões que haviam levado ao fecho do aeroporto de Fiumicino,
de Roma.
No dia 9, Delgado chegou a Marrocos, para se avistar com Henrique Cerqueira. No dia seguinte,
este e Helena Cabral deslocaram-se a Tetuan, onde o general e Arajaryr tomaram o barco para
Algeciras. Delgado enviou daí um telegrama a Cerqueira, confirmando que chegara bem, e, depois,
ele e a secretária deslocaram-se para Sevilha, onde passaram a noite. No dia 11, os dois tomaram
um táxi para Badajoz, chegando ao Hotel Simancas (Nota 2).

XIV.8.2. O crime

Sexta-feira, dia 12, a brigada da PIDE deixou a sede rumo a Espanha, em duas viaturas. Na manhã
de 13 de Fevereiro de 1965, os elementos da PIDE atravessaram a fronteira, com destino a Badajoz,
acompanhados do chefe do posto dessa polícia, António Semedo.

Nota 1 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 98-100.
Nota 2 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 276, 278, 281-283, 295, 302, 331, 337,
338 e 341.

403

Convencido de que iria reunir com os seus correligionários políticos, Delgado encontrou-se, ao
meio-dia, na zona da Estação dos Caminhos-de-Ferro de Badajoz, com «Eduardo de Castro Sousa»,
que o levou e a Arajaryr Campos para um local onde a pretensa reunião estaria aprazada. Chegados
junto à ribeira de Olivença, em Los Almerines, cerca das 15 horas, Ernesto Ramos parou o seu
automóvel a cerca de 10 metros da outra viatura, onde estava Rosa Casaco, indicado como um
coronel, correligionário político de Delgado.
Na sequência desta falsa indicação, este saiu do veículo e, ao mesmo tempo que Rosa Casaco se
dirigia ao encontro do general, Casimiro Monteiro ganhou a dianteira. Delgado ter-se-á apercebido
de que se tratava de uma armadilha da PIDE. Monteiro empunhou a pistola, disparando várias
vezes contra ele e, ao assistir à cena, Arajaryr Campos acorreu em auxílio do general, «sendo então
atingida por agressões violentas que lhe causaram a morte por parte dos elementos da brigada».
Segundo o libelo acusatório, «Casimiro Monteiro agiu com intenção de matar o ofendido general
Humberto Delgado» e o mesmo, Tienza, Rosa Casaco e Ernesto Ramos «agiram com intenção de
matar Arajaryr de Campos».
Em seguida, Casaco, Ramos, Monteiro e Tienza colocaram os dois cadáveres na mala dos
automóveis e deixaram o local, dirigindo-se para Vila Nueva del Fresno (lugar de Los Maios
Pasos). Nos arredores dessa povoação, abandonaram os corpos, «regando-os com ácido sulfúrico e
cal viva, desfeitando-lhes a figura e depositando-os em cima da terra, sem formalidades, cobertos
de pedras e ramos de árvores». Depois, os elementos da PIDE dirigiram-se para Aracena, onde se
hospedaram, e, na manhã do dia imediato, entraram em Portugal pelo posto espanhol de El Rosal,
Huelva.
Na noite de domingo, dia 14, Rosa Casaco e Ernesto Ramos deram conhecimento dos
acontecimentos a Álvaro Pereira de Carvalho, e, no dia seguinte, este último e Rosa Casaco
relataram o sucedido ao inspector superior Barbieri Cardoso, que recomendou que «se pusesse uma
pedra sobre o caso» e se mantivesse a negação sobre o envolvimento da PIDE. A ocorrência foi
depois comunicada a Silva Pais, que, após 25 de Abril de 1974, diria ter ficado «varado,
perguntando se era deste modo que tinham tido cuidado, ao mesmo tempo que sentia toda a
extensão do problema» (Nota 1). Disse também Silva Pais que, ao informar Salazar da morte de
Delgado, o chefe do governo havia dito que lhe cheirava a armadilha em que a polícia teria caído, e
recomendara-lhe o silêncio sobre os factos, em ordem a «salvar o país de uma gravíssima situação»
(Nota 2). Isto mesmo foi repetido pelo advogado de Silva Pais, Manuel Anselmo, no julgamento do
caso Delgado, segundo o qual Salazar teria encoberto o assassinato do general e ordenado ao
director da PIDE: «sobre isso nem uma palavra» (Nota 3).

Nota 1 - «Dossier Delgado», in O Jornal, 28/10/1977, pp. 14-17.


Nota 2 - Manuel Beça Múrias, Obviamente, Demito-o, pp. 195 e 196.
Nota 3 - A Luta, 27/10/1978; Diário Popular, 5/1/1980, p. 3.

404

Silva Pais afirmou ainda ter ficado convencido de que tinha sido Casimiro Monteiro a matar e foi
isso que ele confidenciou ao seu médico cardiologista, Eduardo Macieira Coelho, acrescentando
que, ao ser informado do crime, Salazar lhe teria observado: «Neste momento nada de pior nos
podia acontecer.» Sobre Casimiro Monteiro, o ex-director da PIDE/DGS afirmou que «era um
homem seguríssimo», «muito inteligente» e «tinha uma ligação qualquer com a Argélia» (Nota 1).
O próprio Casimiro Monteiro teria relatado mais tarde a um agente da PIDE, em Tete, numa
ocasião em que se encontrava embriagado, a sua participação na operação contra Delgado, em
colaboração com Tienza e um espanhol (Nota 2)2.
Segundo o libelo acusatório, depois de meditar durante três dias no assunto, o director da PIDE
combinou com Barbieri Cardoso não dar conhecimento dos factos e «actuar de forma necessária e
suficiente para que se eliminassem quaisquer vestígios, dando aval a todas as iniciativas em tal
sentido». O certo é que ordenaram ao inspector Carlos Veloso e a Eduardo Miguel da Silva a
«eliminação» ou «ocultação de vestígios», tendo este último alugado, em nome suposto, uma casa
em Rio de Mouro onde destruiu as viaturas, com a ajuda de Ernesto Ramos, Tienza, João Nobre e
outro elemento (Nota 3).
Entretanto, o co-proprietário do Hotel Simancas, em Badajoz, afirmara em 28 de Fevereiro à
polícia espanhola ter visto pela última vez Delgado e Arajaryr Campos no dia 13. Do lado da
oposição portuguesa ao regime, em final de Fevereiro de 1965, Mário Soares, que seria constituído
advogado da família Delgado, recebeu um telefonema de Emídio Guerreiro, de Paris, a dizer-lhe
que se propunha mandar a Lisboa três juristas da Federação Internacional dos Direitos do Homem
para averiguarem o caso: o britânico Ian MacDonald, o italiano Luigi Cavalieri e o francês Henri
Leclerc (Nota 4). Ainda de Paris, Emídio Guerreiro escrevera entretanto, em 25 de Março, a Alcina
Bastos, afirmando que Delgado teria provavelmente sido assassinado pela PIDE (Nota 5).
Um facto ao qual não foi dado depois relevo foi, segundo o historiador Jimènez Redondo, o
surgimento na imprensa espanhola de 29 de Abril de uma notícia sobre o aparecimento, cerca de 25
dias antes (em 28 de Março), perto da fronteira portuguesa, de um terceiro cadáver nu, a boiar no
rio Guadiana, que não havia sido identificado. Emídio Guerreiro recebeu uma carta de Zurique,
assinada por um espanhol de nome Carlos, que lhe assegurou que esse cadáver era de Ernesto ou
Eduardo Castro e Sousa. Ter-se-á tratado de uma missiva manipulada, para corroborar a tese do
ajuste de contas entre membros da oposição, que o regime português, na sua campanha de
intoxicação, estava a espalhar (Nota 6).
Os cadáveres do general e da sua secretária teriam sido encontrados por um camponês espanhol, em
24 de Abril de 1965, data sobre a qual se voltará a falar, pois que os corpos terão sido de facto
detectados antes.

Nota 1 - José Pedro Castanheira, «Delgado foi morto por um dos nossos», in Actual do Expresso,
12/2/2005, pp. 14-15.
Nota 2 - Manuel Beça Múrias, Obviamente, Demito-o, pp. 195 e 196.
Nota 3 - Idem, ibidem.
Nota 4 - Maria João Avillez, Soares: Ditadura e Revolução, pp. 184 e 185.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 2515 Cl (2), fl. 232.
Nota 6 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 226-228.

405

Três dias depois, os juristas Leclerc, Cavalieri e MacDonald concluíram, em Paris, que, na
«hipótese muito pouco verosímil de a polícia espanhola ter descoberto os cadáveres ignorando
quem fossem os autores do crime», esta descoberta teria ocorrido em Fevereiro, e, por isso, os
juristas não viam «por que razão o governo espanhol a escondeu até à data» da investigação (Nota
1).

XIV.8.3. Relações entre a polícia espanhola e a PIDE

Em 6 de Maio de 1965, o MNE português enviou ao Ministério do Interior uma carta confidencial e
urgente em que se transcrevia a comunicação do Julgado de l.a Instância de Badajoz, segundo a qual
um dos dois corpos encontrados em Vila Nueva del Fresno era do general Humberto Delgado (Nota
2). No dia 20, o director da PIDE enviou aos seus postos fronteiriços uma ordem vinda da Interpol
para prender quatro nacionais, um dos quais o advogado «Eduardo Castro e Sousa», que, como se
sabe, era o falso nome de Ernesto Lopes Ramos, enquanto os outros três não eram mais que
António Rosa Casaco, Casimiro Monteiro e Agostinho Tienza (Nota 3).
Segundo o referido livro, onde foi publicada documentação da investigação realizada em Espanha,
a descoberta dos dois cadáveres levou à abertura de um processo de averiguações em Espanha, mas,
depois, numa espécie de manto cúmplice, as «ditaduras ibéricas» acabariam, através do
silenciamento e obstrução, por ocultar a verdadeira identidade dos assassinos (Nota 4). Como se
viu, as autoridades espanholas nunca haviam deixado de colaborar com as portuguesas. Um ano
antes, em 8 de Janeiro de 1964, um telegrama cifrado do adido naval da Embaixada de Portugal em
Madrid remetido à PIDE dava conta de que o Ministério da Marinha de Espanha tinha
«informações indicando que o ex-general Humberto Delgado» se prepararia no princípio do ano,
«para desencadear acção revolucionária Península» (Nota 5). Mais tarde, a Seguridad informara a
PIDE da reunião realizada em Paris, em Dezembro de 1964, entre Delgado e Castro e Sousa (Lopes
Ramos), e transmitira à polícia portuguesa que o general viajava com passaporte diplomático
argelino, com o nome de Lorenzo Ibanez, e outro passaporte belga, em nome de Jean Marie
Rollebeck (Nota 6). Em 16 de Fevereiro de 1965 — três dias depois do assassinato de Delgado e
Arajaryr Campos —, a mesma polícia espanhola dera conta aos seus postos da possível entrada em
Espanha do general e, cinco dias depois, da estadia deste em Badajoz (Nota 7).
Por seu turno, em 1 de Julho desse ano, o SC da PIDE informou o seu director da realização em
Lisboa, de uma reunião conjunta, em 7 de Maio anterior, entre esta polícia e o tenente-coronel
Eduardo Blanco Rodriguez, do Serviço de Informação da DGS espanhola, onde se concluíra quç «a
morte de Humberto Delgado — não identificado — seria devida a uma guerra de grupos políticos
adversários».

Nota 1 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, p. 269.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 325.
Nota 3 - PIDE/DGS, Posto do Aeroporto de Lisboa.
Nota 4 - El caso Humberto Delgado. Sumario del proceso penal espanol, ed. Juán Carlos Jiménez
Redondo.
Nota 5 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, p. 244.
Nota 6 - Idem, ibidem.

406

Acrescentava-se, na informação, que tinham sido firmadas, «ao nível policial, as linhas gerais de
orientação e assentes as bases de uma cooperação efectiva conducente à descoberta da verdade, em
que as autoridades policiais dos dois países se mostravam interessadas» (Nota 1).
No entanto, surgiu depois um percalço que levou à deterioração das relações entre as autoridades
portuguesas e espanholas. No mesmo dia 7 de Maio, o ministro dos Negócios Estrangeiros
português afirmou, em Londres, que as autoridades portuguesas eram completamente estranhas ao
desaparecimento do general. Em 13 de Maio, o embaixador de Espanha em Lisboa, Ibanez Martin,
encontrou-se com Salazar, transmitindo-lhe que Franco iria levar até às últimas consequências o
inquérito sobre o crime, pedindo-lhe a colaboração da polícia portuguesa e repetindo que o crime
tinha sido cometido pela PIDE, mas Salazar respondeu-lhe laconicamente que iria estudar o assunto
(Nota 2). Cinco dias depois, um inspector superior da PIDE (provavelmente Barbieri Cardoso)
deslocou-se a Madrid para conversações com a DGS espanhola, mas — terminava a nota do SC da
PIDE — havia «forte ressentimento por parte das autoridades espanholas», agravado «em virtude
das declarações públicas de S. Exa. o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal».
Posteriormente, houve ainda, em 17 de Agosto, uma reunião em Madrid entre Rosa Casaco e o
coronel Blanco (Nota 3).
Numa das sessões do julgamento do caso Delgado, o advogado da acusação, José Luís Nunes,
perguntou ao ex-director dos Serviços de Informação da DGS portuguesa, Álvaro Pereira de
Carvalho, se havia, na Embaixada da Espanha em Lisboa, um funcionário da DGS espanhola,
encarregado das relações com a PIDE/DGS. Pereira de Carvalho respondeu que, entre 1962 e 1974,
um indivíduo chamado Aedo, contactava regularmente com Rosa Casaco, o qual escondia a sua
fonte de informação ao nível dos inspectores.

XIV.8.4. Do encobrimento do crime ao julgamento do caso Delgado

Entretanto, a PIDE dava andamento à campanha de contra-informação e, em 10 de Setembro de


1965, Silva Pais, Barbieri Cardoso e Pereira de Carvalho «ordenaram, fraudulentamente, a
instrução do processo n.° 2638/65 de averiguações, por morte do general Humberto Delgado.
Fizeram «recair a suspeita de comparticipação, na forma de encobrimento, sobre o Dr. Jaime
Vilhena de Andrade, advogado do foro portuense, e ainda sobre o arquitecto Artur Andrade,
conhecido dirigente da Oposição ao regime político» (Nota 4).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 249-251.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 245 e 249-251.
Nota 3 - Idem, ibidem.
Nota 4 - «Dossier Delgado», in O Jornal, 28/10/1977, pp. 14-17.

Diga-se também que, à excepção de Rosa Casaco, enviado de castigo para a delegação do Porto,
por envolvimento no caso Matesa, todos os implicados no assassinato de Delgado e de Arajaryr
Campos foram recompensados. Monteiro foi enviado para Moçambique e promovido a
subinspector, em 1970, Tienza ascendeu a subinspector em 1967 (e a inspector em 1973) e Ernesto
Lopes Ramos, a inspector, tendo abandonado a polícia em 1969. Quanto a Álvaro Pereira de
Carvalho, ascendeu, a subdirector da polícia em 1969 (Nota 1).
Em Portugal, o advogado Joaquim Pires de Lima forçou a investigação judicial, participando o caso
à PJ, mas a abertura do processo, antes do 25 de Abril de 1974, foi sempre impedida, assim como
foram dificultadas as idas dos advogados da família Delgado a Espanha (Nota 2). Foi apenas após o
golpe militar que derrubou o regime ditatorial que o crime começou a ser investigado em Portugal,
no âmbito da Comissão de Extinção da PIDE-DGS, embora só em 1978 se tenha iniciado o
processo judicial e identificado mandantes e assassinos (Nota 3). O juiz Santos Carvalho ficou
encarregue da investigação, indagando várias pistas, entre as quais a versão do «homem chave para
deslindar o caso Delgado», António Gonçalves Semedo, o chefe de posto da PIDE de São
Leonardo, por onde haviam passado os elementos da brigada, que, ao ser detido em Angola,
identificou os seus ex-colegas. (Nota 4).
Mário Soares, que assistiu ao julgamento do caso Delgado, contou que, «um pouco acabrunhado»,
Álvaro Pereira de Carvalho alegara que o assassino teria sido «Casimiro Monteiro, que depois
fugiu para a África do Sul e lá terá desaparecido» (Nota 5). Embora negando a premeditação de
Silva Pais e de Salazar no caso, esse ex-chefe dos Serviços de Informação da PIDE/ /DGS
reconheceu que uma operação daquela envergadura teria certamente sido avalizada junto do
director da polícia, pelo próprio presidente do Conselho e pelo ministro do Interior (Nota 6).
Manuel José da Cunha, ex-director da PIDE do Porto, contou ter recolhido, em 1972, a confissão de
Rosa Casaco, quando este se preparava para um delicado tratamento médico, segundo a qual Tienza
teria sido o assassino involuntário de Arajaryr Campos. Ora esta confissão tinha sido a primeira a
levantar a questão da premeditação do crime, pois Rosa Casaco referira-se à existência de um
garrafão de ácido sulfúrico e de cal nos veículos da brigada que fora a Badajoz. Este testemunho de
Manuel José da Cunha coincidiu com o de Rosa Casaco, prestado a Santos Carvalho em Madrid,
em 1974 (Nota 7), onde aquele entrou em contradição com a confissão de Ernesto Lopes Ramos,
segundo o qual Arajaryr também teria sido morta, a sangue frio, por Monteiro (Nota 8).

Nota 1 - El Otro Caso Humberto Delgado. Archivos Policiales y de Información, ed. Juán Carlos Ji-
ménez Redondo, p. 276.
Nota 2 - Manuel Beça Múrias, Obviamente, Demito-o, pp. 195 e 196.
Nota 3 - El caso Humberto Delgado. Sumario del proceso penal espafiol, ed. Juán Carlos Jiménez
Redondo.
Nota 4 - «Processo Delgado em tribunal. Salazar deu luz verde à operação de Badajoz», in A
Capital, 10/10/1978, p. 2.
Nota 5 - Maria João Avillez, Soares: Ditadura e Revolução, p. 193.
Nota 6 - O Diário, 7/12/1978 e 14/12/1978.
Nota 7 - «“Brigada ia para matar” sustenta ex-director da PIDE do Porto», in Diário Popular,
10/1/1980.
Nota 8 - Manuel Beça Múrias, Obviamente, Demito-o, pp. 195 e 196.

408

Ao ser acareado em Caxias com Silva Pais, Agostinho Tienza (Nota 1) afirmou, por seu turno, que
Delgado havia sido abatido por Casimiro Monteiro, o qual também matara a secretária do general,
que gritava «desalmadamente». Silva Pais, por seu turno, afirmou que Monteiro tinha morto «o
general, disparando sem ordens», porque «tinha outras instruções que não as da Polícia» (Nota 2).
No meio desta confusão, o juiz de instrução referiu ainda o envolvimento, no caso, de um senhor X,
«estrangeiro e provavelmente de língua italiana» — um fantasmagórico barão Sandro Caravini di
Turno, apontado como relacionado com a CIA e como tendo prometido a Delgado financiar o seu
plano de revolta armada (Nota 3).
A sentença do caso Delgado foi lida em Agosto de 1981, sendo Casimiro Monteiro condenado à
revelia a 19 anos e oito meses de prisão, por ter sido considerado culpado do crime. O tribunal,
presidido pelo juiz presidente coronel Emanuel Coelho, coadjuvado pelo coronel Manuel António
Dantas e pelo juiz auditor Gonçalves Pereira, afirmou, porém, que não se tinha tratado de um crime
político, pois os réus tinham actuado no cumprimento das suas funções policiais. Considerou ainda
amnistiados e prescritos os crimes de encobrimento de cadáver, falsificação de documentos, abuso
de poder e destruição de provas (Nota 4).
Silva Pais tinha entretanto morrido, Barbieri Cardoso foi condenado à revelia, por quatro crimes de
falsificação, a quatro anos de prisão, e Pereira de Carvalho, absolvido de todos os crimes
relacionados com o «caso Delgado», sentenciado a 28 meses. Rosa Casaco também foi sentenciado,
à revelia, por seis crimes de falsificação e dois crimes de furto de documentos, em oito anos e nove
meses de prisão e Ernesto Lopes Ramos, bem como Tienza, por um crime de uso de identidade
falsa, sendo condenados, respectivamente, a 22 meses e a 14 meses de prisão (Nota 5).

XIV.8.5. Dúvidas, perplexidades e perguntas por responder

Para O. Ignatiev, jornalista da Pravda em Lisboa após o 25 de Abril, o general Humberto Delgado
estaria a ser vigiado pelos serviços secretos espanhóis, franceses e ingleses, bem como por
elementos da extrema-direita e foi morto numa operação conjunta da PIDE e da CIA (Nota 6).
Apesar de esta versão estar enquadrada no clima da Guerra Fria que então se vivia, é aqui referida
por conter algumas informações também tidas em conta noutros estudos sobre o crime de Badajoz.
Entre os elementos da Aginter Press implicados, Ignatiev nomeou Yves Guillou, ou Guérin-Sérac,
que teria estado em Roma quando Delgado foi operado.
Ao mesmo tempo, outros elementos da OAS, Jacques Soustelle, Susini e André Rosfelder, haviam
preparado a morte do general, através de um chamado plano Alfa.

Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 358, 262, 385, 387, 389, 411, 414, 415,
440, 441, 463, 465, 467, 471, 528, 581, 585, 587, 596 e 598.
Nota 2 - Diário Popular, 26/5/1979.
Nota 3 - Ibidem, 24/5/1979, p. 7.
Nota 4 - Jornal de Notícias, 28/7/1981.
Nota 5 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, p. 184.
Nota 6 - O. Ignatiev, Conspiração contra Delgado, pp. 292, 322, 324 e 325.

409

Este plano tinha, porém, falhado, pois a polícia italiana soubera dele, e a OAS teria depois
preparado um plano Beta, também anulado, conforme informação transmitida por Rosa Casaco a
Guérin-Sérac. Ainda segundo Ignatiev, a PIDE teria, depois, decidido concretizar o plano de
eliminação de Delgado com a ajuda da CIA. Ignatiev acrescentou que Vernon Walters — director-
geral desta agência nos anos 70 —, era, em 1964, adido militar dos EUA em Roma onde tinha
contactos com Ernesto Bisogno, um fascista que trabalhava tanto para a PIDE como para a agência
americana (Nota 1).
Alfredo Caldeira e o juiz instrutor do caso Delgado, A. Santos Carvalho, consideraram, por seu
turno, que a «operação de cerco e aniquilamento do general Humberto Delgado envolveu as mais
altas instâncias governamentais» portuguesas, os altos-comandos militares e a PIDE. Por outro
lado, o assassinato do general teria ainda contado «com a intervenção (e/ou colaboração) de
serviços estrangeiros congéneres». Referiram nomeadamente uma carta de Ernesto Bisogno, de 7
de Maio de 1964, em que este dá conta a Barbieri Cardoso da disponibilidade de «duas equipas que
estão prontas a entrar em acção prática imediatamente». Citaram ainda as declarações (transcritas
no processo espanhol) de um operacional da OAS, Lehman, segundo o qual ele próprio teria
preparado uma bomba destinada a matar Humberto Delgado, às ordens de Susini (Nota 2).
Na preparação do crime, teriam ainda estado exilados franceses à volta do programa A Voz do
Ocidente e do «núcleo da Aginter-Press/Lisboa, com ligações directas a Otto Skorzeny, em Madrid,
e à agência Oltremare, em 409 Itália, e ainda outras, todas elas estudadas hoje no âmbito do que se
convencionou chamar “Rede Gládio”». «Vista a esta luz, a “Operação Outono”» poderia, assim,
fazer parte de «uma manobra de âmbito mais vasto, em que a polícia política portuguesa teria
participado como mera executante, inscrita num mundo de motivações» (Nota 3).
Mais recentemente, também o advogado José António Barreiros juntou algumas reflexões sobre o
crime, concluindo que a Seguridad espanhola estava ao corrente da entrada dos elementos da PIDE
em Espanha e que a atribuição a Rosa Casaco «da responsabilidade da brigada» se deveria ao facto
de ele ser um dos elementos que melhor assegurava a «ligação aos serviços homólogos espanhóis».
Barreiros concluiu que poderia ter havido duas missões, uma das quais com o objectivo de matar o
general, que ficou a cargo de Casimiro Monteiro (Nota 4).
Num recente livro, onde incluiu documentação dos arquivos policiais, nomeadamente da DGS
espanhola, Juán Carlos Jiménez Redondo afirmou que, apesar de ter certamente havido, no caso
Delgado, uma trama complexa entre os serviços secretos portugueses e as organizações da extrema-
direita europeia o mais relevante foi a existência de uma trama de cumplicidade „ m enor do regime
salazarista.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 107, 195, 291-292, 301, 313 e 336.
Nota 2 - Síntese das intervenções de Alfredo Caldeira e A. A. Santos Carvalho em Humberto
Delgado, A Tirania Portuguesa, pp. 163-165.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 173-178 e 182-184.
Nota 4 - José António Barreiros, «Ainda as causas da morte do general H. D.: algumas
perplexidades de um criminalista», De Pinochet a Timor Lorosae: Impunidade e Direito à Memória,
pp. 57, 58, 64, 66 e 77; ibidem, «Tese polémica sobre o assassinato do general sem medo: General
Humberto Delgado: A aventura para a morte», in Público, 13/2/2005, pp. 20-21.

410

Este autor lembrou que a polícia espanhola adiou e preparou a cena do descobrimento dos restos
mortais de Delgado e Arajaryr Campos para dia 24 de Abril, relevando ainda o facto de as duas
crianças que supostamente encontraram os cadáveres terem depois desaparecido.
Por outro lado, o facto de ter sido encontrado na mão de Delgado um anel com as iniciais H. D.,
que depois se veio a saber ser uma falsificação do verdadeiro anel em ouro do general, juntamente
com o facto de os cadáveres surgirem semi-enterrados, pareceriam revelar que se esperava que
fossem facilmente encontrados e identificados. Considera o autor que quem terá colocado o anel no
cadáver foi alguém da polícia espanhola, a qual ocultou, durante 20 dias, a descoberta dos
cadáveres, montando depois a cena em apenas em três dias (Nota 1).

XIV.9. A MORTE DE DANIEL TEIXEIRA

Em Janeiro de 1968, morreu no Hospital de São José, onde tinha sido internado, o preso político
António Firmino e, em Outubro, faleceu o jovem estudante Daniel Sousa Teixeira, preso pela PIDE
em 20 de Agosto desse ano, acusado de ser um dos militantes da LUAR, envolvidos na tentativa de
tomada da Covilhã. Marcelo Caetano relatou, nas suas memórias, esta morte de um filho de um
antigo aluno seu, ocorrida pouco depois da sua entrada para o governo, afirmando ter ordenado
prontamente a realização de um inquérito. Este era revelador de que a polícia não tinha culpa na
morte, quer directa quer indirectamente. (Nota 2)
A seguir à morte a PIDE emitiu uma nota, publicada na imprensa portuguesa de 35 de Outubro de
1968, a noticiar o falecimento, «na manhã de dia 24, no hospital de S. José, vitimado por um forte
ataque de asma brônquica», de Daniel Joaquim de Campos de Sousa Teixeira, que se encontrava
preso na cadeia de Caxias. Depois, o Ministério do Interior emitiu uma nota oficiosa, segundo a
qual «no dia 24, cerca das 7,30 h», o detido tora «acometido de um novo e forte ataque que o
obrigou a chamar o enfermeiro de serviço», que lhe prestara assistência. A nota terminava dizendo
que não tendo sido possível debelar a crise, fora decidida a transferência imediata do doente para o
Hospital de São José, que «veio a falecer, no hospital, cerca das 10.30 horas» (Nota 3).
Uma dúvida fica, porém: onde morreu Daniel Teixeira? Na cadeia de Caxias ou no Hospital de São
José? Segundo a versão da ex-presa política Maria Lourenço Cabecinha, que ouviu gritos de aflição
e os «últimos suspiros» de Teixeira. Diversas presas chamaram o guarda de serviço, mas este disse
que «tinha sido um simples ataque de asma, que já tinha passado» (Nota 4).

Nota 1 - El Otro Caso Humberto Delgado. Archivos Policiales y de Información, ed. Juán Carlos
Jimenez Redondo, pp. 217-225, 245 e 260.
Nota 2 - Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro/São Paulo, Distribuidora Record, 1974, pp.
71-73.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 345, pasta «nota oficiosas», 1968.
Nota 4 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit, pp. 243-244, testemunho de Maria Lourença
Cabecinha.

411

Também após 1974, um jornal relatou que, na noite em que morreu, em Daniel Teixeira «reclamou
várias vezes por socorro sem ser atendido» e ao ser finalmente «socorrido com médico e uma
garrafa de oxigénio era demasiado tarde ou estava mesmo já realmente morto». (Nota 1)

XVI. 10. O ASSASSINATO DE JOSÉ ANTÓNIO RIBEIRO DOS SANTOS

Embora não se refiram aqui os assassinatos perpetrados pela PIDE/DGS - colónias africanas,
mencione-se porém que, em 3 de Fevereiro de 1969, foi assassinado em Dar-es-Salam, por um
livro-bomba enviado pelo correio, Eduardo Chivambo Mondlane, fundador e primeiro presidente
da Frelimo, havendo uma versão segundo a qual a bomba teria sido enviada por Casimiro
Monteiro, o assassino de Humberto Delgado (Nota 2). Quatro anos mais tarde, foi a vez de Amílcar
Cabral, dirigente do PAIGC, ser assassinado. (Nota 3)
Mas em Portugal, houve ainda um assassinato que marcou toda uma geração de jovens: o do
estudante José António Ribeiro dos Santos, no ISCEF, assassinado pela DGS. Na imprensa de 14 de
Outubro de 1972, foi publicada uma nota oficiosa do Ministério do Interior a dar conta da
conclusão do «inquérito», onde se dizia que, cerca das 17 horas de quinta-feira, dia 12, o secretário
desse instituto pedira telefonicamente a DGS «para mandar identificar um indivíduo que se
encontrava ali retido pelos estudantes e dizia ser agente» daquela polícia. Embora a DGS tivesse
assegurado que tal indivíduo não estava ao seu serviço, enviara prontamente dois agentes ao
ISCEF, que foram à sala onde os estudantes tinham sequestrado o referido indivíduo.
Os agentes afirmaram então que não se tratava de nenhum funcionário da DGS e ouviram «insultos
e ameaças, ao mesmo tempo que um grupo passou deliberadamente à agressão, tentando dominá-
los, envolvendo-os, manietando-os e agredindo-os a pontapé e a soco e com objectos
contundentes». Um dos «agentes foi completamente dominado, e o outro, embora agarrado pelas
costas, conseguiu retirar a pistola da cintura e fazer três tiros com o propósito de intimidar os seus
agressores e em condições não poder alvejar qualquer deles».
A confusão criada produzira a debandada geral, permitindo a libertação dos agentes e a fuga do
indivíduo suspeito, que ficou por identificar. Por seu lado, os agentes, que tinham sofrido «algumas
contusões devidas ao espancamento», dirigiram-se ao Hospital de São José para serem examinados
e, cerca das 21 horas, «soube-se através da Polícia de Segurança Publica, que haviam sido
conduzidos ao Hospital de Santa Maria dois feridos e, mais tarde, que um deles havia falecido».
Dava ainda conta a nota de que os dois «feridos estavam matriculados na Faculdade de Direito,
sendo, portanto, estranhos ao Instituto onde se produziu o incidente» (Nota 4).

Nota 1 - A Capital, 25/2/1975, pp- 12-13.


Nota 2 - El Otro Caso Humberto Delgado. Archivos Policialesy de Informactón, ed. Juán Carlos
Jiménez Redondo, p. 276.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 802/47 SR, Octávio Pato.
Nota 4 - A República. 14/10/1972.

412

No seu relatório, a DGS deu, mais tarde, conta de que tinha sido o inspector Álvaro Dias de Melo a
receber o telefonema do secretário do ISCEF, Calçada Estrela, e a enviar a esse instituto dois
agentes, com a incumbência de não executarem a diligência sem se avistarem previamente com este
último. Por seu turno, Calçada Estrela contou que os dois agentes da DGS haviam chegado por
volta das 18.30 horas, dizendo ter instruções para levar o referido indivíduo, fosse ele, ou não,
agente da DGS, pelo que solicitaram que fosse levado à sua presença. Os estudantes preferiram,
porém, que o encontro se realizasse no anfiteatro, para onde os agentes se encaminharam, sendo
inicialmente recebidos de forma «ruidosa», embora os ânimos se tivessem depois acalmado. O
funcionário do ISCEF referiu depois que, pouco depois de ter abandonado o anfiteatro, e já à
entrada do edifício principal, ouvira três ou quatro detonações.
Lembre-se que o secretário de Estado da Instrução e Cultura, João Luís da Costa André também
nomeou uma comissão de inquérito, a cargo do procurador da República, Dionísio Teixeira Moreira
de Pinho. Ao saber pela imprensa que também a DGS havia ordenado uma investigação, este
último mostrou-se, aliás, preocupado, pois, segundo ele, deveria haver «um só processo de
inquérito, para não se correr o risco de diversidade de conclusões e julgamentos» (Nota 1).
Por seu turno, no seu inquérito, a DGS apurou, pelo seu informador do ISCEF, com o nome de
«Glória e Vera Cruz», que o «bufo» ali detectado em 12 de Outubro acabara por dar a identidade de
Fernando Lopes Manuel. Os dois agentes presentes no ISCEF, António Gomes da Rocha (Nota 2) e
Cabral da Costa, também foram ouvidos no inquérito da DGS. Este último afirmou que, como visse
esse indivíduo refugiar-se na esquadra da PSP, apurara tratar-se de um guarda dessa polícia, Victor
Lopes Manuel, a prestar serviço na respectiva «secção de informações». A DGS concluiu que os
autos deviam ser arquivados, dado que o «resultado final» dos acontecimento havia sido
«meramente casual» e que o agente Gomes da Rocha disparara «sem intenção criminosa e culpa,
agindo em legítima defesa própria e alheia» (Nota 3).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 0430, 1972, gabinete do ministro do Interior, pasta «Inquérito»
Nota 2 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, 4.° Juízo, Adelino da Silva Tinoco proc.
66/77, 11 volumes, EMGFA, 1ª secção, proc. 928, 20/3/75, vol. 2, fl. 87. Após o 25 de Abril de
1974, este foi acusado pelo ex-agente Garcia Estêvão de ter sido o assassino de Ribeiro dos Santos.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 3529/62 SR, pasta 127. ISCEF flc io - '»'>

QUINTA PARTE - DA PRISÃO AO JULGAMENTO

414

XV. AS PRISÕES POLÍTICAS

Como já se viu, a PIDE/DGS utilizou dois tipos de encarceramento, prisão preventiva, antes do
julgamento e durante a chamada instrução do processo, e a prisão posterior ao julgamento, para
cumprimento da nem e prisão, sentenciada pelos tribunais plenários, à qual acrescia a medida de
segurança, para os casos de prisão maior. Veja-se, em primeiro lugar, quais são os objectivos gerais
do encarceramento, para, em segundo lugar, analisar estatisticamente quantos presos políticos
houve em Portugal , no período entre 1945 e 1974, bem como quais eram as prisões onde
cumpriam as penas.

XV. 1. PARA QUE SERVE A PRISÃO? HISTÓRIA DA PRISÃO

Com a Revolução Francesa, foi introduzida, em 1791, a reclusão carcerária, entendida não só como
um castigo que sancionava um crime, mas orientada para o futuro do preso e da sociedade, com o
objectivo de o transformar, moldando-o através de regras de boa conduta que possibilitassem a sua
reinserção social (Nota 1). Em França, esse princípio de reclusão carcerária foi depois estendido
pelo Código de Napoleão (1808-1810) que moldou também o sistema penal português. Esta
inovação foi influenciada pelos projectos reformadores e filantrópicos que estiveram na origem do
debate sobre a humanização dos castigos, entre os quais se contaram a obra Dei delitti e dele pene
(1764), de Cesare Beccaria, e o Panopticon (1790), concebido por Jeremy Bentham.
O dispositivo panóptico, idealizado por Bentham, é composto por uma torre central, cercada em
circunferência por um edifício munido de celas, cada uma com o seu detido, que é visto de frente
pelo vigilante mas que não o vê. O recluso é, assim, objecto de uma informação e nunca sujeito de
uma comunicação, uma vez que os muros laterais o impedem de entrar em contacto com os
companheiros. A disposição da torre central faculta ao vigilante, sem que seja visto, uma
visibilidade axial, mas as divisões do anel periférico - as celas bem separadas - implicam uma
invisibilidade lateral ao recluso, permanentemente vigiado. Esse sistema possibilita a redução dos
que exercem o poder, multiplicando ao mesmo tempo aqueles sobre os quais este se impõe.

Nota 1 - Michel Foucault, Surveiller et Punir, Naissance de la Prison, Gallimard, 1975, pp. 16, 21,
29 e 30.

415

Assegura a economia e a eficácia do aparelho de vigilância, através do seu carácter preventivo.


Torna também inútil o recurso a meios de força pois aquele que está submetido a um campo de
visibilidade faz incidir os constrangimentos do poder sobre ele próprio, tornando-se no instrumento
da sua própria submissão.
Embora Bentham tenha dito que o Panopticon deveria ser sempre submetido a inspecções
regulares, para impedir que o risco do acréscimo de poder por ele possibilitado degenerasse em
tirania, o certo é que esse tipo de vigilância permanente e omnipresente, capaz de tornar tudo
visível, na condição de ele próprio se tornar invisível, é exercido em todas as ditaduras, tanto nas
autoritárias como nas totalitárias. Refira-se ainda que essa vigilância omnipresente se compara à
que é feita pelos inúmeros informadores formais e informais da polícia, que não são vistos, mas que
tudo podem ver, impedindo a acção dos indivíduos pela autocensura que estes exercem sobre eles
próprios (Nota 1).
Michel Foucault observou que o encarceramento só se impôs como a pena por excelência a partir
do período entre 1780 e 1820, quando a prisão se tornou um local de correcção, onde se combinava
a moral e o trabalho. Depois entre 1830 e 1848, ter-se-ia entrado «na idade da sobriedade punitiva».
À civilização do espectáculo substituiu-se, assim, no século XIX, a sociedade da vigilância, da
disciplina e da normalização, obedecendo à lógica do Panopticon, que recorria a total
«visibilidade», sob o olhar do vigilante (Nota 2).
A controvérsia sobre a prisão manteve-se sempre ao longo do século XIX e com o início do século
XX, difundiram-se as doutrinas de defesa social segundo as quais o Estado apenas se deveria
preocupar em neutralizar os infractores, através do encarceramento de duração indeterminada, do
qual só saíam se deixassem de ser considerados perigosos. ((Nota 3) Nas ditaduras, entre as quais
se contou o Estado Novo português, as medidas de segurança obedeciam precisamente a esse
lógica: após o cumprimento da pena, sentenciada pelo tribunal, a polícia «verificava» se o estado de
perigosidade do detido se mantinha e, no caso afirmativo, a medida de segurança detentiva era
prolongada.

XV. 1.1. Três paradigmas e lógicas de punição-prisão

No pensamento ocidental, a punição judiciária teve, ao longo dos séculos, vários sentidos e
justificações: um discurso sagrado (medieval), em que punir era lembrar a lei; um discurso político
e económico (liberal), em que punir era defender a sociedade e um discurso psicopedagógico, em
que punir era educar um indivíduo (Bentham e os reformadores do século XIX .

Nota 1 - Ibidem, ibidem, fls. 233-236, 238, 239, 241, 243, 244, 249, 251-254, 260, 264 e 349.
Nota 2 - Michel Foucault, Résumé des cours, 1970-82, conférences et leçons au College
France, Paris, Julliard, 1989, pp-16, 21, 29, 30, 40, 44 e 50-52.
Nota 3 - Philippe Combessie, Sociologie de la Prison, La Découverte (col. «Repères»), 2001, pp.
71-72 e 79.

416

O encarceramento obedece, por seu lado, a três tipos de lógicas, que tal como os anteriores
paradigmas, podem coexistir, conforme o tipo de crimes cometidos: a lógica de autoridade e da
afirmação desta, por parte A um poder que mostra quem manda; a de neutralização, com o objectivo
de separar da sociedade os considerados perigosos para esta e, em terceiro lugar, lógica de
diferenciação social, visando dar aos reclusos uma formação e reeducação (Nota 1).
Por razões óbvias, optou-se aqui por deixar de lado tanto a modalidade de punição do sistema
democrático como as formas de castigo que vigoraram até à Revolução Francesa. Com base nessas
três lógicas de encarceramento e punição, pode-se dizer que a prisão, inserida no sistema de justiça
política existente em Portugal durante a ditadura, era uma combinação de todas elas, consoante se
tratava de lidar com a população, com simpatizantes, militantes de base, compagnons de route do
PCP e opositores não comunistas ou com os dirigentes e funcionários do PCP/grupos e movimento
de extrema-esquerda e de luta armada.
Assim, o primeiro paradigma, de autoridade, em que a sanção tinha carácter dissuasivo, preventivo
e de intimidação, era utilizado para a população em geral. A «prevenção» passava por instilar o
medo, através da difusão de uma imagem de omnipresença e omnipotência da PIDE/DGS no seio
da população. Nesse sentido, essa polícia sempre se apresentou como preventiva. Daí também a
importância da prisão preventiva no sistema de polícia/justiça política em Portugal.
Além da detenção preventiva, a PIDE/DGS utilizava a prisão enquanto meio de regeneração e
correcção, para os que tinham sido «momentaneamente transviados» e que, através do «susto» da
detenção, ficariam vacinados para nunca mais terem a ousadia de actuar contra o regime e de vir a
cair, mais tarde, no terceiro grupo, referido em seguida. Ainda contra estes opositores políticos não
comunistas, simpatizantes, compagnons de route e militantes menores do PCP — era também
utilizada uma lógica de prevenção, mas acompanhada de vigilância e controlo específicos, através
de um encarceramento correctivo, ou seja, da pena de prisão correccional.
O próprio inspector superior da PIDE/DGS Fernando Gouveia deu conta, após o 25 de Abril de
1974, que «havia o cuidado e a preocupação de só efectuar capturas de elementos com
responsabilidades nos sectores e nas células a que respeitassem, de forma a cortar a ligação com
todos os elementos sob o seu controle, que assim eram forçados a ficar desligados, dado o
desmantelamento» da organização sectorial. Por isso, «raramente era efectuada uma prisão de
membro de base, desde que este não exercesse qualquer actividade de responsabilidade». Esta
actuação tinha por fim - dizia Gouveia - reduzir o número de detenções e, ao mesmo tempo,
provocar o afastamento desses indivíduos do PCP, por saberem que corriam o risco de serem presos
no caso de voltarem à actividade (Nota 2).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 7 e 15.


Nota 2 - Arquivo Histórico Militar. Fernando Gouveia, proc. 21/80, pasta 67, arquivo 625, vol. 1,
fls. 1, 23 e 30-32.

417

Finalmente, para os elementos que, segundo o regime, o ameaçavam, a política servia uma terceira
lógica: a de neutralização, utilizada para retirar do espaço público e «livre» os dirigentes e
funcionários dos partidos subversivos, nomeadamente os comunistas. Estes eram, de certa maneira,
considerados como estando «à parte» do resto da sociedade, em estado permanente de
«perigosidade» e deles não se esperava nem a correcção nem a regeneração. Eram-lhes, por isso,
aplicadas penas de prisão maior, que acarretavam automaticamente a «medida de segurança»,
sucessivamente prorrogável. Isto porque em Portugal não existia a prisão perpétua.

XV.2. Os PRESOS DA PIDE/DGS

Pelas contas de Fernando Rosas, foram presas, por motivos políticos, entre 1933 e 1939, pelo
menos 9950 pessoas: ou seja, houve uma media de 1420 presos por ano (Nota 1). Por seu lado, a
Comissão do Livro Negro do Regime Fascista (CLNRF) contabilizou quase 17 000 presos às mãos
da PVDE, entre os anos de 1933 e 1945, o que dá, nesses 12 anos, uma media de cerca de 1300
detidos por ano. Diga-se, porém, que, só em 1936 e 1937, houve 5883 pessoas detidas por razões
políticas. A mesma CLNRF, que não incluiu os presos por emigração clandestina e engajamento,
consideradas detenções «não políticas», contabilizou, nos 15 anos entre 1945 e 1960, 6097 presos
políticos, o que dá uma média de 381 por ano , isto é, um número muito inferior ao dos anos 30
(Nota 3).
Através de um estudo do cadastro de presos da PIDE/DGS entre 1945 e 1974 chegou-se, porém, a
resultados diversos, embora se deva ter em conta que se analisaram as detenções feitas pela polícia
política, a partir do momento em que se transformou em PIDE, ou seja, a partir dos últimos três
meses de 1945. Por outro lado, estão incluídos, nos números que a seguir se apresentarão, todas as
detenções realizadas por essa polícia, e não só as de carácter político. Isso deve-se a três razões: em
primeiro lugar, porque todas essas prisões foram realizadas pela PIDE; em segundo lugar, porque é
por vezes difícil destrinçar as razões ou justificações dessas prisões, dadas por essa polícia (por
exemplo: muitos dos presos foram-no para «averiguações») e, finalmente, em último mas mais
importante lugar, porque a emigração nem sempre tinha causas económicas, pois também
apresentava, por vezes, carácter político.
Segundo o cálculo feito para este trabalho, houve, nos 16 anos entre a criação da PIDE, em final de
1945, e 1960, cerca de 12 000 presos, o que dá uma média anual de 704 presos. Anote-se ainda que
os números aqui apresentados contêm uma margem de erro que, porém, não altera
significativamente as conclusões a que se pode chegar, nem as respectivas percentagens.

Nota 1 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 208-210.


Mota 2 - MAI-GM, caixas 0038, 0058, 0115 e 0411.
Nota 3 - AEPPA, Elementos para a História da PIDE, «Para que o tribunal julgue a PIDE , nº 1,
1976, p. 19.

418

Quadro 32: Presos pela PVDE (1933-1945) CLNRF

Fonte: Presos Políticos no Regime Fascista, vols. 4, 5 e 6, Presidência do Conselho de Ministros,


Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, 1981, 1982 e 1984.
Quadro 33
Presos políticos por ano (1945-1960) CLNRF
Anos Total presos analisados Políticos Averiguações
1945 659 528 131
1946 286 163 123
1947 630 309 321
1948 474 330 144
1949 734 511 223
1950 463 293 170
1951 387 299 88
1952 375 231 144
1953 286 140 146
1954 349 249 100
1955 165 111 54
1956 138 70 68
1957 138 86 52
1958 559 473 86
1959 277 229 48
1960 315 230 85
1945-1960 6097 4532 1993

Fonte: Presos Políticos no Regime Fascista, vols. 4, 5 e 6, Presidência do Conselho de Ministros,

Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, 1985, 1987 e 1988.


Quadro 34
Comparação entre os números da CLNRF e os contabilizados neste estudo através do cadastro dos
presos da PIDE/DGS (1945-1960)

Anos Presos analisados Presos analisados


CLNRF por nós
1945 659 218 |
1946 286 641
1947 630 1 187
1948 474 1 000
1949 734 1221
1950 463 754
1951 387 794
1952 375 822
1953 286 749
1954 349 714
1955 165 423
1956 138 371
1957 138 288
1958 559 957
1959 277 570
1960 315 566
1945-1960 6097 11275

Fonte: Presos Políticos no Regime Fascista, vols. 4, 5 e 6, Presidência do Conselho de Ministros,


Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, 1985, 1987 e 1988; cadastro de presos da
PIDE/DGS.
Nota: como se viu acima, a discrepância entre os valores de 1945 deve-se ao facto de apenas termos
tido em conta as prisões a partir de Outubro.

Através do gráfico no quadro n.° 35 (omitido), verifica-se que a repressão da PIDE/DGS foi, de
certa forma, selectiva. Nos cerca de trinta anos, entre 1945 e 1974, aqui analisados, a média de
prisões realizadas foi de cerca de 627 por ano. No entanto, estiveram acima dessa média os anos de
1946 a 1954 e, bastante acima, o ano das eleições presidenciais de 1958 e os anos do início da
Guerra Colonial, da crise estudantil de 1962, bem como os de 1963 e 1964.
Observe-se que as prisões realizadas pela PIDE foram tanto mais numerosas quanto se trataram de
anos de crise do Estado Novo. No primeiro período de crise, entre 1945 e 1949, houve 4267
prisões, ou seja, cerca de 853 detenções, por ano, enquanto no segundo período de crise, entre 1958
e 1962, a PIDE realizou 4894 prisões, ou seja, cerca de 979 por ano. Destaque-se, porém, que
mesmo nessas fases de crise, o número médio anual de prisões foi inferior ao do período da guerra
civil espanhola, nomeadamente dos anos de 1936 e 1937, verdadeiramente o auge da repressão.

419

Quadro 35 - Prisões pela PIDE/DGS (1945-1974) <omitido>

Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.


Nota: no ano de 1945, só estão incluídas as prisões a partir de Outubro, data em que foi criada a
PIDE; por outro lado, estão aqui todas as prisões realizadas pela PIDE/DGS, seja por razões
políticas, seja por outras razões, do seu pelouro: por exemplo, emigrantes clandestinos, engajadores
ou estrangeiros.

419

Finalmente, nos anos do «marcelismo» e da DGS, entre 1968 e 1974, houve um nítido
abrandamento da repressão policial, com 1891 prisões, ou seja, uma média anual de 270 detenções.
Note-se que, a partir de 1967, e sobretudo de 1969, a emigração clandestina deixou de ser
penalizada com prisão, pelo que a PIDE/DGS deixou de prender emigrantes. Observe-se também
que no ano de 1973 houve 561 prisões, ou seja, quase o dobro da média anual do período
marcelista.
Tem de se ter aqui em conta que se trata de prisões por ano e não de presos por ano, pois muitos
destes foram presos mais que uma vez. Ora, para se ter em conta o número aproximado de prisões
durante todo este período, deve-se somar todos os que foram presos uma e mais vezes, como se
pode ver pelo quadro abaixo, o que dá a quantidade de 12 385 presos, os quais sofreram um total de
19 708 prisões. Veja-se em seguida o número de detenções sofridas pelos 12 385 presos analisados,
bem como o seu sexo, estado civil e idade. Note-se que, relativamente ao estado civil, o total de 13
317 deve-se ao facto de alguns presos terem sido detidos várias vezes, uma primeira vez enquanto
eram solteiros e outras vezes quando já estavam casados, viúvos ou divorciados.
Não é de espantar que num país como Portugal, em que a maioria das mulheres era considerada
«doméstica» e era remetida para as tarefas do lar, apenas poucas tivessem tido uma actuação
política contra o regime e, por que, até aos anos 60, estão incluídas, entre as mulheres presas, as
que o foram por emigração clandestina.

420

Quadro 36 Presos uma e mais vezes (1945-1974)


Números de prisões sofridas Presos
1 prisão 9380 (75,7%)
2 prisões 2 096 (16,9 %)
3 prisões 613 (4,9%)
4 prisões 215 (1,7%)
5 prisões 102 (0,8%)
6 e mais prisões 6 (0,05%)
Total de presos 12 385
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS

Quadro 38
Presos por estado civil (1945-1973)
Casados 6 844 51,43%
Solteiros 6 313 47,4%
Divorciados e separados 124 0,93%
Viúvos 36 0,27%
Total 13 317 100%
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.

Quadro 39
Presos por idade quando detidos (1945-19731
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.

A maioria dos presos eram jovens, de idade maior, embora a PIDE/DGS tenha chegado a deter
crianças no início da adolescência. Assim, 8,1 % dos presos tinha menos de 20 anos, 47,8 % (quase
metade) tinha entre 20 e 35 anos e 60 % do total tinha entre 20 e 40 anos. Dos detidos, 20,1 %
tinham idades entre mais de 40 anos e 60 anos e um pouco menos de 2 % de todos eles tinha mais
de 60 anos. A juventude dos presos explica que tivesse havido quase tantos solteiros como casados,
embora o número destes tenha sido ligeiramente superior.
As causas das prisões realizadas pela PIDE/DGS ao longo dos anos dividem-se, grosso modo, por
um lado, em «políticas», entre as quais estão aquelas ocasionadas para «averiguações», e, por outro
lado, de «emigração». Como este estudo se ocupa apenas das prisões por motivos directamente
políticos, apenas se observa aqui que 95 % das outras mais de cerca de 4300 prisões realizadas pela
PIDE tiveram por motivo emigração clandestina (87 %), engajamento (8,1 %) e outros motivos,
entre os quais se contaram imigração clandestina (0,85 %), açambarcamento, falsa moeda,
vadiagem, roubo, rapto, burla ou contrabando (4 %). Alguns foram presos por se intitularem
falsamente elementos dessa polícia (0,7 %).

XV.2.1. Distribuição geográfica das prisões

Por isso mesmo as prisões se distribuíam geograficamente de modo diverso, consoante as detenções
fossem consequência de infracção política ou de emigração.

421

Essa razão, porém, não é a única para explicar a diversificação geográfica das prisões, que agora se
irá ter em conta, acompanhando o mapa em extratextos (mapa 4). A principal razão é que, embora a
sociedade tivesse sido, em Portugal, «homogénea e classista», também foi «dual», como definiu
Hermínio Martins, ao proceder a uma análise «ecológica» da estratificação social realizada em
1971 (Nota 1).
Em Portugal, havia, na época, «dois sistemas de estratificação com base territorial» que eram em
parte «o inverso um do outro: norte e sul». Por outro lado, a «parte mais importante do Portugal
moderno, do centro e do norte, está contida na faixa litoral ocidental, onde reside o grosso da
população urbana, com grau secundário e universitário, grupos de profissões liberais e
trabalhadores especializados». Devido a esta dualidade, Hermínio Martins sustentou que, no tipo de
sociedade como a portuguesa, «a territorialidade ou antes a localização no centro ou na periferia,
em sociedades bipolarizadas em termos de espaço, é o critério das classes ou a base da formação
das classes».
Partindo da tese da existência de um sistema de estratificação com base territorial e ao considerar
uma «mistura» de critérios — o ocupacional da força de trabalho e a estrutura de oportunidades de
acesso à educação como apontando o fluxo prospectivo de mobilidade social ascensional —,
Martins concluiu que os quatro tipos de distritos correspondiam aos «vários países» que Portugal
«era» em 1969:
— 1) distritos «democráticos», com acesso ao ensino secundário e superior elevado: Lisboa,
Porto (representavam 46 % dos estudantes universitários em 1963/1964) e Coimbra;
— 2) distrito «populista», com acesso elevado ao secundário terminal técnico, onde existia
concentração de indústrias modernas, mas baixo no acesso ao ensino superior: Setúbal;
— 3) distrito «elitista», com baixo aceso ao ensino secundário e elevado ao superior: Guarda;
— 4) distritos «atrasados», com baixo acesso ao secundário e universitário: a maioria dos
distritos (Nota 2).
Esta situação sugeria, em relação à «ecologia social das classes em Portugal», uma escassez da
classe média — os estratos médios e superiores foram estimados, pelo autor, como constituindo
cerca de um quarto da população —, situada no Portugal periférico, onde, até 1960, vivia pelo
menos 70 % da população. Quanto à classe alta, Martins concluiu que, em 1962, ela correspondia a
apenas 0,5 % do número de famílias no conjunto da população (Nota 3).
Relativamente às classes baixas, o autor distinguiu o nível nacional, marcado por uma comunicação
limitada e descontínua e uma baixa mobilização social, o nível interestratos, com três estratos,
ecológica e culturalmente distintos — os pequenos proprietários rurais, os assalariados rurais e os
operários —, e o nível intra-estratos.

Nota 1 - Hermínio Martins, «Classe, status e poder», in Classe, Status e Poder, pp. 113-116.
Nota 2 - Ide, ibidem.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 117-120.

422

No nível interestrato, Martins considerou não só o grau de comunicação mas também a


característica da propriedade e a geografia religiosa: por exemplo, enquanto o grosso dos
trabalhadores rurais do Norte, pequenos proprietários, era dominado pelo clero, os assalariados
rurais dos latifúndios e os operários eram desvinculados até do catolicismo mínimo. Dentro de cada
estrato, o autor notou que os sectores mais nucleados, concentrados e organizados
profissionalmente apresentavam maior e mais consequente militância.
Martins distinguiu, por um lado, os camponeses do centro e Norte, com mecanismos
compensatórios para as dificuldades vitais, entre os quais o mais importante foi a emigração, e, por
outro lado, os trabalhadores rurais dos latifúndios do Sul e os operários da indústria pesada nas
grandes concentrações industriais e nos densos agregados ecológicos a sul de Lisboa.
Particularmente visados pela repressão da PIDE/DGS, estes dois últimos grupos foram, segundo
Martins, triplamente destituídos dos seus direitos cívicos: devido ao sufrágio limitado (requisitos
impostos pela alfabetização); pela fidelidade ao PCP, um partido ilegal; pelo facto de a ditadura
manipular o processo eleitoral e viciar os resultados eleitorais.
Foi com base neste tipo de análise que se optou por observar, como se verá através do gráfico 6 e
do mapa 5, apresentados em extratextos, não só os presos por profissão, o que dá a ideia da classe
social a que pertenciam, como também a sua naturalidade e residência geográfica. Quanto à
naturalidade dos presos, destaque-se o grande número de detidos originários do Alentejo, de Lisboa
e arredores e da margem sul do Tejo, cuja percentagem 422 totaliza quase 39 % do total. Se se tiver
em conta o Sul do país, ou seja, essas regiões e o distrito de Faro, então a percentagem sobe até aos
45,8 %, ou seja, representa quase metade de todas as prisões.
Registe-se, ainda em termos de naturalidade dos presos, a quantidade fora da média na zona
alentejana, de grande implantação do PCP, das vilas e cidades de concelhos do distrito de Beja,
Aldeia Nova de São Bento, Aljustrel, Beja, Mértola-minas de São Domingos, Moura, Pias, Serpa e
Balei- zao, e do distrito de Évora, de Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo e Mora. Só esses
concelhos alentejanos totalizam cerca de 1074 presos, ou seja 10 % do total.
Ao acrescentar-se a estes os presos naturais dos concelhos algarvios de Albufeira, Faro, Loulé,
Olhão, Portimão, Vila Real de Santo António e, sobretudo, Silves, outra zona de assalariados
agrícolas de grande implantação do PCP, os naturais dos concelhos de Lisboa, Oeiras-Cascais,
Torres Vedras, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures e Mafra, os naturais de Setúbal, Almada,
Montijo, Moita, Barreiro, Palmela, Seixal, Alcácer, Santiago do Cacém e Grândola e os 575
naturais dos concelhos de Alpiarça, Coruche-Couço, Abrantes, Santarém, Tomar e Torres Novas,
fica-se com uma imagem de onde era natural o grosso dos presos pela PIDE/DGS. Ou seja, 5252
presos eram naturais dessas zonas do Sul de Portugal, constituindo 42,4 % do total de presos.
Os presos naturais do centro do país — distritos de Leiria, Guarda, Castelo Branco, Viseu e
Coimbra — representavam 17,2 % do total, sendo de realçar, nessa região, o maior número de
detidos originários dos concelhos de Caídas da Rainha, Leiria, Marinha Grande, Castelo Branco,
por um lado, pois se trata de presos «políticos», e o dos concelhos de Almeida, Sabugal e Guarda,
onde nasceram muitos dos presos por emigração.

423

Veja-se ainda o escasso número de presos naturais do distrito de Viseu, onde a maior parte é,
porém, natural dos concelhos de Lamego, Tondela, Viseu e São Pedro do Sul.
A zona norte e litoral, industrializada e com grande população, com os distritos de Aveiro, Braga,
Porto e Viana do Castelo, é a região de naturalidade de 22,6 % de presos aí nascidos. Destacam-se
entre os concelhos com maior número de presos políticos, Estarreja, Ovar, Aveiro, Espinho, Vila da
Feira, Barcelos, Braga, Celorico de Basto, Guimarães e Vila Nova de Famalicão, Vila Verde, Porto,
Gondomar, Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Vila do Conde e Santo Tirso. Na antiga província de
Trás-os-Montes, com os distritos de Bragança e Vila Real, apenas nasceram 4 % dos presos, entre
os quais havia muitos devido a emigração clandestina.
A comparação, no quadro, da naturalidade e da residência dos presos, pode revelar quais os distritos
e freguesias de imigração interna e os de desertificação, por um lado, e o grau de socialização e
urbanização dos presos, por outro. Por exemplo, o facto de em Lisboa residir mais do dobro do
número de presos que daí é natural indica que houve muita imigração para esse distrito urbanizado,
onde diversos indivíduos se socializaram e politizaram, tornando-se alvos da repressão da
PIDE/DGS.
Pode-se, assim, dividir os distritos em três grandes grupos: por um lado, aqueles — de imigração
interna, urbanização, socialização política e, 423 por consequência, maior repressão — onde os
presos residentes estão em maior número do que os presos daí naturais e, por outro lado, os dois
outros grupos — de emigração interna e desertificação —, onde há mais presos que aí nasceram do
que presos aí a residir.
Incluem-se, no primeiro grupo, os distritos de Porto, Setúbal e Lisboa, com percentagens
respectivas de residentes, relativamente a naturais, de 51,26 %, 53,4 % e 64,8 %. No distrito do
Porto, os concelhos com mais presos residentes do que presos naturais são a cidade do Porto e a sua
periferia industrial, com Matosinhos e Gaia. Já no distrito de Lisboa, destacam-se tanto a capital
como os seus arredores (cidades-dormitório) — Sintra, nomeadamente Queluz e Amadora; Cascais,
Oeiras; Loures; Alhandra, e, sobretudo, Odivelas, onde nenhum dos presos que aí residia tinha aí
nascido. No distrito de Setúbal, os concelhos de clara imigração e socialização política são Almada
(com Cacilhas e Caparica), Barreiro, Montijo, Palmela e Seixal. Curiosamente, a cidade de Setúbal
não pertence a esse número e Santiago do Cacém constitui a excepção nesse distrito.
Os casos da Ericeira e do Luso, que surgem apenas como locais de residência de presos, têm outra
explicação: trata-se de presos estrangeiros, refugiados durante e logo após a Segunda Guerra
Mundial, que aí residiram em regime de residência fixa. No distrito de Coimbra, apenas a cidade
com o mesmo nome, com a sua população estudantil, tem mais presos aí residentes do que daí
naturais. Veja-se ainda, neste primeiro grupo, o caso da pequena aldeia de Baleizão, de onde eram
naturais muitos presos, mas que era também local de residência de um ainda maior número de
detidos. Évora e Viana do Castelo aproximam-se do primeiro grupo.

424

No segundo grupo, incluem-se os distritos com acentuada emigração e desertificação, de onde são
naturais alguns presos, que, no entanto, parecem tê-lo sido por emigrarem clandestinamente. Entre
estes, contam-se, sobretudo, o de Viseu, onde o número de presos residentes representa apenas 16
% dos que daí eram naturais e, em parte, os de Castelo Branco (27,9 %) e Portalegre (31,8 %).
Pode-se ainda considerar um terceiro grupo intermédio, que inclui distritos com percentagens entre
os 35 % e os 45 % de residentes relativamente a naturais. No entanto, embora se incluam neste
grupo a maioria dos distritos, as razões das detenções não são as mesmas. Assim, há um primeiro
subgrupo, nesse grupo intermédio, com os distritos de Leiria (35,5 %), Vila Real (35,7 %), Açores
(36,4 %) Bragança (39, 75 %) e Guarda (38,5 %), onde a percentagem de residentes relativamente à
de naturais se deve à custa de presos por emigração clandestina e engajamento. O segundo
subgrupo, com percentagens idênticas, inclui os distritos de Faro (38,3 %), Beja (40 %), Braga (40
%), Viana do Castelo (43,3 %), Santarém (44,9 %) e Coimbra (46,95%). Estes últimos três distritos
aproximam-se dos incluídos no primeiro grupo.
Embora os locais, referidos no mapa 4 (extratextos), em que foram realizadas as prisões se possam,
em parte, confundir com os de residência dos presos, não deixam, porém, de dar mais algumas
explicações de pormenor ou corroborar alguns dos comentários sugeridos pelo quadro
«naturalidade/residência». Assim, locais pequenos onde houve muitas prisões relativamente à
população continuam a ser as grandes zonas de implantação do PCR No Alentejo, foram os casos
de Pias, Torrão, Avis, Serpa, Baleizão, Alcácer, Redondo, Beja, Mora, Montemor-o-Novo, Aljustrel,
Mértola/minas de São Domingos, Évora, Crato e Grândola, onde se verifica a existência de 607
presos, ou seja, 11 % do total.
No Ribatejo, aconteceu isso em Alpiarça, Coruche-Couço, Alhandra, Alenquer e Vila Franca de
Xira, com um total de 133 presos, ou seja, 2,4 % do total. O mesmo ocorreu na margem sul do Tejo,
designadamente em Alcochete, Setúbal, Montijo, Alhos Vedros, Almada, Barreiro e Palmela, com
341 prisões, ou seja, 6,25 % do total. Quanto ao Algarve, com os distritos de Olhão, Faro,
Portimão, Tavira e, sobretudo, Silves — um bastião do PCP e de lutas de trabalhadores rurais —,
foi uma região onde houve 240 prisões, ou seja 4,4 % do total.
Por outro lado, verifica-se que houve mais detenções nas cidades capital de distrito, nomeadamente
Lisboa, Porto e Coimbra. A zona da Grande Lisboa contabiliza — a capital, Oeiras, Estoril,
Cascais, Parede, Sintra, Ericeira, Sobral do Monte Agraço, Loures e Amadora — um total de 1086
prisões, ou seja, 20 % do total. Ao somar-se as prisões realizadas no Sul do país, incluindo a
Grande Lisboa e os microcosmos de Alpiarça e Couço, chega-se a um total 3143, que representam
57,6 % do total. No centro do país, de relevar as numerosas prisões feitas em Santarém, Caídas da
Rainha, Tomar, Torres Novas e Entroncamento, por um lado — 304, ou seja, 5,6 % do total —, e,
por outro lado, na zona de Leiria, Vieira de Leiria e Marinha Grande — 90, ou seja, 1,6 %.

425

Os locais fronteiriços revelam prisões por emigração, engajamento e apoio à emigração


clandestina: casos de Vilar Formoso, Vila Verde, Vila Real de Santo António, Valença, Monção,
Eivas, Beirã e Barca d Alva. De novo, as zonas onde houve menos presos situam-se no Norte e
interior do país, nas Beiras, no Minho e em Trás-os-Montes, nomeadamente em Mirandela, Aveiro,
Barcelos, Covilhã, Viseu, Famalicão, Viana do Castelo, Santo Tirso, Chaves, Guarda e Santa
Comba Dão. De realçar, porém, a norte, duas excepções: Guimarães e, sobretudo, Fafe, com 78
prisões.
Ao retomar a expressão de Hermínio Martins, verifica-se também «a dualidade» de Portugal, ao
comparar-se a naturalidade dos presos pela PIDE/DGS à dos elementos dessa polícia. Deve-se,
porém, mais uma vez ter em conta que se trata de detidos tanto por razões políticas como por
razões de emigração, e que dentro de cada distrito há situações diversas. De qualquer forma, pode-
se dizer que, no continente, os locais de naturalidade do grosso dos presos políticos fica a sul, no
litoral e nas zonas mais populosas — Lisboa, Setúbal, Beja, Évora, Faro, Porto, Braga e Santarém
— enquanto o centro e Norte interior são as regiões privilegiadas de nascimento dos elementos da
PIDE/DGS — Coimbra, Castelo, Branco, Guarda, Viana do Castelo, Portalegre, Viseu, Bragança e
Vila Real. Apenas o distrito de Aveiro tem aproximadamente a mesma percentagem de presos e de
elementos da polícia daí naturais.
Os distritos de Setúbal, tal como Beja e outros microcosmos, parecem ter sido distritos onde ir para
a PIDE/DGS era malvisto pelas populações, no seio das quais houve mais detidos por razões
políticas. No distrito de ^5 Beja, os microcosmos onde houve muitas detenções foram precisamente
aqueles onde não nasceram elementos da polícia: é o caso de Baleizão, Pias e Aljustrel (apenas com
um funcionário policial ali nascido). O facto de as regiões com muita militância política
oposicionista, nomeadamente do PCP, serem também aquelas de onde menos provêm elementos da
polícia também é comprovado em Gaia e Matosinhos (Porto), Fafe (Braga), Covilhã (Castelo
Branco), Marinha Grande (Leiria), Alhandra (Lisboa), Alpiarça, Alverca e Couço (Santarém), assim
como em Alcochete, Seixal, Alhos Vedros e Sines (Setúbal).
Algo de diferente acontece nas zonas interiores fronteiriças do país, com muitas detenções por
emigração e engajamento, mas de onde provém um número considerável de elementos da
PIDE/DGS, provavelmente a trabalhar em postos de fronteira. Há muitos locais onde nasceram
mais elementos da PIDE do que presos: são os casos de Terras do Bouro, Carrazeda de Ansiães,
Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo e Vila Flor (Bragança), todo o distrito de Castelo
Branco e sobretudo Idanha-a-Nova, Penamacor, Oleiros, Proença-a-Nova, Vila do Rei, Sertã e Vila
Velha de Ródão. No distrito de Coimbra, Cantanhede, Oliveira do Hospital, Soure e Tábua são
locais de naturalidade de quase tantos elementos da polícia como de presos, chegando Penela e,
sobretudo, Pampilhosa da Serra a apresentar mais funcionários da PIDE/DGS do que presos
políticos.
Refira-se ainda que, em Lisboa e no Porto, tal como noutros grandes aglomerados, houve
proporcionalmente um grande número de naturais que ingressaram na polícia política.

426

Em conclusão, pode dizer-se que a maioria dos elementos da polícia política são originários do
campo, do Norte e centro interior do país, ou seja, de terras de pequena propriedade, mas também
das grandes cidades, onde o anonimato é grande, enquanto, como se viu, os presos políticos provêm
dos latifúndios do Sul e das zonas industriais e citadinas do Centro-Sul litoral.

XV.2.2 Origem social e profissional dos presos

Mas se a geografia é importante para analisar os «vários países» que Portugal era, também o factor
socioprofissional permite caracterizar sobre quem se exercia a repressão política da PIDE/DGS.
Diga-se, em primeiro lugar, que a rubrica «trabalhadores», «profissão» que surge recorrentemente
no cadastro de presos da PIDE/DGS, não especifica se se trata de trabalhadores do campo ou da
cidade, embora se tenha optado aqui por incluí-los no grupo dos «trabalhadores rurais». De
qualquer forma, se uma parte desses trabalhadores são efectivamente do campo, outra parte poderá
ser da cidade e, neste último caso, se deverá juntar parte do seu número ao do grupo dos operários
não qualificados ou outros trabalhadores «menores».
Assim, como se pode ver através do Gráfico 6 (em extratextos), os trabalhadores especificamente
rurais representam, 37,36 % do total de presos. Diga-se porém que, entre estes, uma parte foi presa
devido a questões de emigração e outra parte devido a questões políticas, greves ou a actividades
contra a segurança do Estado. No entanto, ao somar-se a essa percentagem as referentes a operários
(18,7 %), marítimos e pescadores (1,76 %), aprendizes e ajudantes (1,35 %), trabalhadores das
obras públicas, dos transportes públicos e das comunicações (3 %) e outros assalariados (0,15 %),
constata-se que 62,3 % de todos os presos, ou seja, mais de metade destes, eram trabalhadores
manuais indiferenciados das cidades e do campo.
Ao sector do comércio e dos serviços pertenciam 19,1 % dos presos. Os elementos das Forças
Armadas e dos organismos policiais são irrelevantes no número de presos totais, mas o mesmo não
se pode dizer dos membros das profissões liberais e intelectuais, dos estudantes e dos profissionais
de alto estatuto social, que representam 11,15 % do total de presos: incluiu-se nessa percentagem as
referentes aos grupos de artistas (0,26 %), intelectuais e licenciados profissionais liberais (2,66 %),
trabalhadores da imprensa, rádio, televisão e cinema (0,4 %) e os estudantes (6,37 %) e
administradores, gerentes e proprietários (1,46 %).
Comparando as profissões dos presos com as dos elementos da PIDE/ /DGS antes de terem
ingressado nessa polícia, conclui-se que 30 % dos admitidos tinham sido camponeses ou
assalariados agrícolas, operários, pessoal menor ou com outras profissões manuais, enquanto os
presos com essas profissões (incluindo os mineiros, ajudantes e aprendizes vários, corticeiros,
trabalhadores dos transportes, comunicações e da construção) representavam 62,3 por cento. Por
outro lado, enquanto 35 % dos elementos da PIDE/DGS provinha do comércio, dos serviços ou
tinha tido profissões técnicas médias, a percentagem de presos com essa profissão relativamente ao
total foi de 19,1 por cento.

427

Quanto aos estudantes presos, a sua percentagem relativamente ao total dos presos parece ter
representado metade, ou seja, pouco mais de 6 %, enquanto 12 % dos elementos da PIDE
estudavam antes de ingressarem nessa corporação policial. Mas, como já se disse, no caso dos
elementos da PIDE, não se trata de estudantes universitários, mas de elementos que estavam em
qualquer grau de ensino, ou seja, jovens que ainda não tinham tido outra profissão anterior. Já entre
os presos, muitos eram de facto estudantes universitários. Finalmente, enquanto apenas 1,25 % dos
elementos da PIDE/DGS eram licenciados ou tinham uma profissão liberal, a percentagem de
presos nessas condições representava 4,78 % do total.
A discrepância entre o nível social e o grau educacional de alguns presos e de alguns
«investigadores» da polícia política não deixou de ter a sua relevância numa sociedade classista
como era a portuguesa, durante o Estado Novo. Por último, pode-se verificar, por razões óbvias,
que as percentagens referentes a elementos da PIDE/DGS e a presos parecem estar invertidas no
caso dos elementos das Forças Armadas e, sobretudo, evidentemente, no das forças policiais.

XV.2.3. Duração do tempo de prisão

Veja-se agora o tempo de duração das sentenças habitualmente aplicadas, da duração do tempo de
prisão preventiva até ao julgamento e do tempo total de prisão dos presos da PIDE/DGS.
Diga-se que, no período entre 1945 e 1974, apenas 15 % dos detidos pela PIDE/DGS foram a
julgamento. Num universo de cerca de 4000 presos julgados, cerca de 18 % foram condenados a
penas até um ano de prisão e mais de metade (53,9 %), sentenciados entre mais de um ano e três
anos de cadeia. Apenas 3,6 % foram sentenciados a penas entre os três anos e meio e os seis anos e
meio, mas, curiosamente, 5,34 % foram condenados a mais de sete anos. Contribui para esta
percentagem alta o facto de haver muitos condenados a mais de 10 anos que ainda se encontravam
presos após 1945, e por esse motivo foram aqui contabilizados, embora tenham sido julgados antes
dessa data. Finalmente, cerca de 23 % dos indivíduos julgados foram absolvidos, amnistiados ou
soltos por diversas razões ou apenas condenados a multas, estando neste caso muitos dos presos por
emigração clandestina e, nos últimos anos do regime, os estudantes detidos na rua em
manifestações contra o governo.
Embora não esteja expresso neste quadro (n.° 40), observe-se que cerca de 5,5 % dos presos foram
condenados a penas de dois anos de prisão, sentença a partir da qual os presos eram condenados a
prisão maior. Ao acrescentar-se a esta percentagem a dos presos condenados a mais de dois anos
(18,23 %), verifica-se que um pouco menos de um quarto dos detidos (23,73 %) que chegaram a
tribunal foram, em média, condenados a penas de prisão maior. E, para estes, apenas era
contabilizada metade da prisão preventiva sofrida, além de que às suas penas era habitualmente
acrescido o tempo das medidas de segurança. Mas, o mais interessante, além do facto de os presos
serem habitualmente condenados a penas pequenas — se não se tiver em conta as medidas de
segurança — é o de a maioria dos presos não chegar a tribunal e de, entre estes, muitos saírem em
liberdade.

428

Quadro 40 - Duração das sentenças (total de presos analisados)

Duração Número de presos


Menos de 1 mês 77(1,9%)
1 a 3 meses 157(4%)
Mais de 3 meses a 6 meses (neste último caso, já cumprida a prisão
com a preventiva) 160(4%)
Mais de 6 meses a 1 ano 315(8%)
Mais de 1 ano a 1 ano e meio 562 (14,2%)
Mais de 1 ano e meio a 2 anos 380(9,6%)
Mais de 2 anos a 2 anos e meio 243 (6,1 %)
Mais de 2 anos e meio a 3 anos 956 (24 %)
Mais de 3 anos a 3 anos e meio 32 (0,8 %)
Mais de 3 anos e meio a 4 anos 36 (0,9 %)
Mais de 4 anos a 4 anos e meio 17 (0,4 %)
Mais de 4 anos e meio a 5 anos 24(0,6%)
Mais de 5 anos a 6 anos e meio 35 (0,9 %)
7 anos a 7 anos e meio 7(0,17%)
8 anos a 8 anos e meio 13 (0,3 %)
9 anos a 9 anos e meio 5(0,12%)
10 anos a 10 anos e meio 23 (0,58%)
12 anos e mais 16(0,4%)
12 anos 3
14 anos 3
16 anos 1
18 anos 3
19 anos 2
20 anos 2
23 anos 1
24 anos 1

Absolvidos, despronunciados e processo arquivado, improcedente ou extinto 754 (19%)


Amnistiados 27(0,68%)
Soltos a aguardar melhor prova 10 (0,25 %)
Multa 108(2,7%)
Total 3957

Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.


Nota: a maioria das penas pesadas são de 1945 ou anteriores, casos da FAP e Luar: Filipe Aleixo,
Rui d’Espiney e Francisco Martins Rodrigues.

Num universo estudado de cerca de 1800 presos, apenas cerca de 15 % destes foram julgados após
os seis meses de prisão preventiva (máximo legal). Cerca de metade dos presos já estavam detidos
durante um período entre mais de seis meses a um ano, um quarto deles entre um a dois anos, e
mais de 10 % já havia esperado mais de um ano antes de chegar a tribunal, havendo até alguns que
ficaram mais de quatro anos detidos antes de ir a julgamento. Ora, como apenas metade da prisão
preventiva era contabilizada, nos casos dos condenados a prisão maior, e a maioria destes ainda
sofria medidas de segurança, as penas a que eram condenados eram claramente excedidas. Assim se
vê como o regime mantinha atrás das grades alguns dos presos durante um longo período de tempo,
para além das penas a que foram condenados e isso sem contar com as medidas de segurança.

429

Quadro 41
Tempo de prisão sofrida até ao julgamento (1794 presos analisados)

Duração de prisão sofrida Número de presos


Menos de uma semana 31 (1,72%)
De 1 semana a 1 mês 12(0,66%)
Mais de 1 mês a 2 meses 15(0,83%)
Mais de 2 meses a 3 meses 32 (1,78%)
Mais de 3 meses a 6 meses 181 (10%)
Mais de 6 meses a 1 ano 907 (50,5 %)
Mais de 1 ano a 2 anos 430 (24 %)
Mais de 2 anos a 3 anos 164 (9,14%)
Mais de 3 anos a 4 anos 16 (0,9 %)
Mais de 4 anos a 3 anos 6(033%)
Total 1794
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.

Num universo de cerca de 7000 presos estudados, verifica-se que a larga maioria (95,7 %) destes
apenas permaneceu detida durante os seis meses da prisão preventiva. Por outro lado, foram poucos
os que ficaram atrás das grades mais de um ano e ainda menos os que ficaram detidos mais de
quatro anos, como se pode ver no quadro abaixo.

Quadro 42 - Total do tempo de prisão sofrida (7159 presos analisados)

Duração de prisão sofrida Número de presos


Menos de 1 semana 1781 (24,8%)
Mais de uma semana e 1 mês2015 (28,14%)
Mais de 1 mês a 6 meses 3963 (42,8 %)
Mais de 6 meses a 1 ano 221 (3,1 %)
Mais de 1 ano a 2 anos 34 (0,47%)
Mais de 2 anos a 3 anos 11
Mais de 3 anos a 4 anos 10
Mais de 4 anos a 5 anos 6
6 anos 1
7 anos 4
8 anos e mais 3
9 anos e mais 1
10 anos e mais 4
11 anos e mais 1
12 anos e mais 2
Mais de 13 anos 2
Total 7159

Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.

XV.3. As PRISÕES POLÍTICAS EM PORTUGAL

Após 1945, no período de prisão preventiva, os homens podiam ficar nas prisões das delegações da
PIDE no Porto e em Coimbra, mas o mais habitual é que fossem transferidos para Lisboa, onde
ficavam no Aljube ou no reduto norte de Caxias, onde também ficavam as mulheres. Todos eles, até
aos anos 70, eram chamados a interrogatórios à sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria
Cardoso, embora também tivesse havido interrogatórios no próprio Aljube, até esta cadeia ser
encerrada. No final do regime, a maior parte dos Serviços de Investigação foram transferidos para o
reduto sul de Caxias, para onde homens e mulheres presos eram levados a interrogatórios, a partir
do reduto norte, onde estavam detidos durante o período de instrução dos processos pela DGS.
Depois de condenados, os presos (homens) eram remetidos para Peniche, cadeia gerida pelos
Serviços Prisionais/Ministério da Justiça, onde cumpriam normalmente a pena de prisão maior a
que tinham sido condenados. Quando os presos (homens) terminavam a pena a que tinham sido
condenados pelo tribunal e passavam a cumprir medidas de segurança, saíam da tutela do
Ministério da Justiça e passavam para a do Ministério do Interior, ou seja, ficavam às ordens da
PIDE/DGS. Teoricamente, deveriam passar para uma prisão privativa desta polícia, mas na maior
parte dos casos, por questões logísticas, permaneciam em Peniche a cumprir as ditas medidas. As
presas ficavam sempre em Caxias, cárcere privativo da PIDE, quer durante a prisão preventiva,
quer para cumprir as penas a que eram condenadas, bem como as medidas de segurança.

430

Como se sabe, eram prisões privativas da PIDE/DGS o Aljube, o forte de Caxias e as cadeias das
delegações do Porto e de Coimbra. O forte de Peniche e a «colónia penal» do Tarrafal ficaram, a
partir de 1945, sob a tutela da DGSP do Ministério da Justiça. Não se analisará em pormenor este
campo, dado que ele quase deixou de funcionar — embora tenha havido excepções — para presos
políticos na metrópole no período abordado por este estudo. No entanto, a lógica diversa da prisão a
que obedecia esse campo de concentração — ou colónia penal, segundo a adjectivação do regime
— justifica algumas observações.

XV.3.1. Os campos de concentração: o caso do Tarrafal

Segundo uma tipologia definida num estudo, os campos — de internamento, concentração ou


extermínio — têm cinco tipos de funções. Em primeiro lugar, isolar preventivamente do corpo
social os indivíduos suspeitos e prejudiciais; em segundo lugar, punir e corrigir, através de medidas
de educação positiva ou negativa, e, em terceiro lugar, aterrorizar a população civil e intimidar a
sociedade para a controlar socialmente. A estas funções juntam-se mais duas: aproveitar os
internados para mão-de-obra e, finalmente, refundar a sociedade através do saneamento racial ou
social, prefigurando o imaginário social totalitário e eliminar lenta ou rapidamente os elementos
julgados prejudiciais do ponto de vista social ou racial.
Recorrendo à tipologia dos campos de Hannah Arendt, dois autores utilizaram as três concepções
fundamentais da vida depois da morte — o «Hades», o «Purgatório» e o «Inferno». Os campos dos
regimes não totalitários representariam o «Hades», com o objectivo de pôr de parte os elementos
indesejáveis (refugiados, colonizados, associais, desempregados). Por seu turno, os campos
soviéticos e asiáticos, bem como os de concentração do período nazi, entre 1933 e 1940,
constituiriam o «Purgatório», onde o isolamento se combinava com o trabalho forçado e veleidades
de reeducação. O Purgatório, como se sabe, leva directamente ao Inferno e, nos campos-«Inferno»,
tudo era sistematicamente organizado para o rebaixamento moral e físico do ser humano, bem
como para a eliminação pura e simples.
Para esses autores, o campo do Tarrafal, criado em 1936 e definitivamente fechado em 1954 para os
presos da metrópole, mas reaberto em 1961 para os presos coloniais, não tinha, evidentemente,
qualquer comparação com Auschwitz, onde se realizou o extermínio industrial e planificado de
seres humanos. Embora os autores não o digam, consideram que esse campo português se incluía
nos qualificados de «Hades», embora com aspectos de «Purgatório». Efectivamente, ao
descreverem o Tarrafal, não deixam de mencionar que alguns dos internados, lá mantidos para além
do cumprimento das suas penas ou mesmo sem terem sido julgados, aí trabalhavam duramente e aí
morreram, preenchendo um objectivo totalmente punitivo, sem qualquer veleidade de lucro
económico (Nota 1).

Nota 1 - Joel Kotek e Pierr Rigoulot, Le siécle des camps, J. C. Lattès, 2000, pp. 15, 25, 33, 34, 39,
45, 247 e 463.

431

Por seu turno, o historiador Georges Mosse distinguiu os campos nos regimes totalitários, cuja
lógica se resume a que «quem não está conforme ao sentido da história e da natureza deve ser
reeducado e mesmo eliminado», dos campos nos regimes autoritários, como foi o caso de Portugal,
cuja lógica obedece ao princípio de que «quem não está comigo está contra mim». No caso do
salazarismo, o campo foi chamado a preencher duas funções precisas: aterrorizar a população civil,
por um lado, e isolar e neutralizar os principais opositores do regime, por outro lado.
Lembre-se que, criado pelo Diploma n.° 26 539, de 23 de Abril de 1936, o campo do Tarrafal
começou a funcionar em Outubro desse ano, recebendo camponeses da revolta dos lacticínios na
Madeira, operários da Marinha Grande participantes na greve geral de 18 de Janeiro de 1934,
marinheiros da ORA (Organização Revolucionária da Armada), que se haviam revoltado em
Setembro de 1936, socialistas, anarcossindicalistas, além de boa parte de membros da direcção do
PCP.
Por esse campo de concentração, que começou por ser um rectângulo de arame farpado com tendas
e acabou com grossas paredes construídas pelos próprios prisioneiros, passaram, no primeiro
período, mais de 250 pessoas, em 18 levas de prisioneiros, morrendo 32 deles. Além dos trabalhos
forçados, os presos eram submetidos a castigos tremendos, como a célebre «frigideira» de cimento
— um «forno» durante o dia e um «frigorífico» durante a noite — e a célebre «brigada brava», de
trabalhos duríssimos, criada por Henrique de Sá e Seixas, da PVDE, que funcionou, no período ^
«mais duro» do campo, quando este era dirigido pelo capitão João da Silva (Nota 1). Mas a enorme
mortalidade do Tarrafal deveu-se sobretudo à falta de assistência médica para as doenças
provocadas pelo terrível clima que aí vigorava (Nota 2).
A maior parte dos detidos metropolitanos do campo do Tarrafal regressaram a Portugal em
Fevereiro de 1946, devido à amnistia de 1945, mas, a partir de 1947, voltaram a ser lá encarcerados
alguns presos políticos, entre os quais se contaram Guilherme da Costa Carvalho, António Guerra e
Francisco Miguel Duarte, o último a sair de lá, em Janeiro de 1954. A partir de 1961, o campo
voltou a ser utilizado para encarcerar presos dos movimentos de libertação das colónias africanas.

XV.3.2. O Aljube

No final dos anos 40, Lino Lima chegou ao Aljube, ficando numa «sala de pouca luz, com uma só
janela, gradeada e coberta por uma rede fina», onde os «bailiques estavam presos à parede por
dobradiças colocadas nas cabeceiras que, quando à noite se desciam e assentavam no chão,
deixavam ver uma enxerga e duas mantas».

Nota 1 - «Lida a sentença do julgamento de António Domingues. Apenas mais dez meses de prisão
para o “pide” que matou Dias Coelho», in Diário de Notícias, 6/1/1977, p. 7.
Nota 2 - Maria Guiomar Lima, «Sobreviver ao Tarrafal», in Indy, do jornal O Independente,
17/7/1998, p. 20. Veja-se, a propósito, um relatório de Maio de 1944 do médico do campo, Manuel
Baptista dos Reis, segundo o qual, no ano anterior, se tinham registado, em seis meses, 498 casos
de paludismo e 1743 dias de febre, embora o campo só fornecesse 0,5 gramas de quinino diário.
Esse médico deu ainda conta de que havia então 56 doentes hepáticos, 78 sifilíticos, 35 com
doenças pulmonares, seis com úlceras gástricas e 67 com as chamadas «biliosas».

432

Essa sala A2 era, porém, bem melhor do que a cela disciplinar n.° 14, onde o preso estava
permanentemente às escuras, sem enxerga e, às vezes, a pão e a água (Nota 1), e do que os
«célebres “curros” ou “gavetas” do Aljube». Estas eram pequenas celas, «com cerca de um metro
de largura, com catres basculantes, que, quando estavam baixados, girando numas dobradiças, não
possibilitava ao preso passear». «Feitos à medida de um homem estendido ao comprido, os
«curros» parece(ia)m sarcófagos», em cuja porta havia um pequeno postigo, que, logo de manhã, o
guarda abria e por onde espreitava (Nota 2).
Carlos Brito descreveu esse conjunto de 14 «famosas gavetas ou «catacumbas»» —, algumas das
quais com «o comprimento de uma tarimba» e cuja «largura era mais ou menos igual e não superior
a uma cama de um corpo (da tarimba que era muito estreita sobravam uns 15 centímetros)». A
«catacumba» «era fechada por duas portas, uma gradeada e outra de madeira», que estava
normalmente encerrada, apenas com um pequeno postigo para o guarda espreitar, de «forma que as
celas estavam quase todo o dia mergulhadas numa semiobscuridade». Eram essas as instalações que
a PIDE usava para manter os presos incomunicáveis durante todo o período mais intenso dos
interrogatórios, onde não tinham absolutamente nada em que se ocupar, além de pensar «nas
ameaças que os torcionários» faziam «de novas torturas, da eternização da prisão, de perseguições
futuras, de represálias sobre a família» (Nota 3).
No seu relato em tribunal, o padre angolano Joaquim Pinto de Andrade descreveu as condições do
Aljube, onde esteve preso pela terceira vez: foi então «lançado numa enxovia estreitíssima, de um
metro de largura por dois de comprimento, onde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20
cm, filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». A «tarimba
que lhe servia de cama era apenas provida de um enxergão, duro como pedra e cheio de nós que lhe
faziam doer o corpo», tão «sebento que para evitar o seu contacto nojento, ele tinha de dormir
agachado sobre uma toalha de rosto», pois era proibido usar lençóis. «Sentado na tarimba, os
joelhos roçavam a parede», sem haver o mais pequeno espaço para se mover, numa penumbra que
lhe arruinou os olhos. Quanto às necessidades fisiológicas, todas se passavam com a porta da
retrete escancarada, sob o olhar vigilante do carcereiro (Nota 4).
Em Junho de 1964, José Barreto Sacchetti, da PIDE, escreveu ao ministro do Interior a informar
sobre a necessidade do fecho do Aljube, esclarecendo que esta prisão tinha deficientes condições de
segurança, salubridade e higiene. No entanto, como argumentos principais para o fecho não
apresentou as péssimas condições mas o facto de o Aljube possuir um número limitado de celas
para isolamento e de a oposição fazer um aproveitamento dos chamados «curros» para denegrir o
país.

Nota 1 - Idem, ibidem.


Nota 2 - Testemunho de Francisco Horta Catarino, recolhi no Diário de Lisboa, 24/9/1976,
p. 17.
Nota 3 - Carlos Brito, Tempo de Subversão: Páginas Vividas na Resistência, Lisboa, pp. 37-39.
Nota 4 - PIDE: A História da Repressão, pp. 35-37.

433

Num relatório, a Amnistia Internacional (AI) referiu que o Aljube (usado como cadeia de prisão
preventiva em fase preparatória dos processos e de espera de julgamento) só foi fechada em Agosto
de 1965. Segundo descreveu então a AI, havia nessa prisão 13 celas de «solitária», no segundo
andar, quase todas na escuridão total, durante 24 horas por dia. Citando vários testemunhos de
presos, referiu ainda a cela n.° 14, sob as escadas, e que, após a fase de interrogatório, os presos
eram habitualmente removidos para celas de quatro camas, sem aquecimento nem assistência
médica e com péssima alimentação (Nota 1).

XV.3.3. Cadeia da delegação do Porto

A delegação da PIDE/DGS no Porto estava situada na esquina da Rua do Heroísmo com o Largo
Soares dos Reis (Nota 2). Como se viu, a morte nesta delegação de dois presos entre 1957 e 1959,
originou, por parte do próprio governo, um inquérito sobre as condições da mesma (Nota 3). Neste
ano, Rui Luís Gomes testemunhou que existia, no primeiro andar dessa delegação, um «quarto
especial», pegado à instalação sanitária, que tinha no seu interior uma outra instalação sanitária, no
qual tinham estado várias presas políticas. O advogado Luís Pedro Veiga testemunhou que a detida
Manuela Macário tinha estado encerrada nesse «quarto especial» com dimensões de 2,5 m por 1,90
m (Nota 4).
Houve também queixas por parte de presos de que alguns tinham sido encarcerados em celas
impróprias, que ficavam por baixo do vão da escada, relativamente às quais a PIDE afirmou que já
não eram utilizadas, a não ser «em casos absolutamente excepcionais ou por imposição de sanções
disciplinares». Ou seja, a sua utilização não foi totalmente desmentida (Nota 5). Diga-se que, por
ordem do juiz Tomé, de 28 de Janeiro de 1958, foi realizado um exame directo a «determinados
compartimentos prisionais da Subdirectoria do Porto», pelos inspectores dos Serviços Prisionais
Joaquim de Seabra Lopes e Nelson Albuquerque Reis. Estes concluíram que «os alojamentos
debaixo das escadas» eram «demasiado escuros e acanhados, mesmo para celas disciplinares»
(Nota 6).
Mais tarde, em 1961, Carlos Aboim Inglês referiu-se à prisão da subdirectoria da PIDE do Porto em
diversos cartas enviadas a familiares, contando que as celas eram húmidas e frias no Inverno, sem
condições higiénicas mínimas, com péssimo arejamento, invadidas pelo fumo do fogão para
aquecimento dos guardas.

Nota 1 - Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».


Nota 2 - O Último Dia da PIDE: 26 de Abril no Porto, prefácio de Raul de Castro, edição do
Movimento Democrático do Porto, Outubro de 1974, pp. 11-13.
Nota 3 - Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705, vol.
5, fls. 851-852.
Nota 4 - Ibidem, vol. 2, fls. 278-279.
Nota 5 - Ibidem, vol. 1, fls. 90, 91 e 95, vol. 2, fl. 210; ibidem, vol. 7, fls. 1236, 1239, 1264, 1284,
1289 e 1326; vol. 9, fl. 1630.
Nota 6 - Ibidem, vol. 10, fls. 1901-1926; José Augusto Seabra, De Exílio em Exílio, Porto, Folio
Edições. 2004, pp. 54-55.

434

Por outro lado, a latrina era interna, sem sifão e estava ligada à fossa, o que originava um tremendo
fedor, agravado pelos constantes cortes de água. Numa carta à sua mulher, com a data do mesmo
dia, Aboim Inglês referiu que em dias de chuva, chovia tanto dentro, do edifício da prisão, como
fora (Nota 1).

XV.3.4. O forte de Caxias

Em 3 de Março de 1933, Francisco Miguel escreveu uma carta ao director de Caxias onde se
queixava das condições prisionais em vigor nessa cadeia, contra o que estipulava a «Organização
Prisional» de 1936. Os presos tomavam as refeições nas salas, e, mesmo no Verão, o recreio apenas
era permitido de sete em sete dias e a maior parte das vezes não durava mais que 20 ou 30 minutos.
Por outro lado, Francisco Miguel denunciou as «casamatas», utilizadas como celas, as agressões
com cassetete aos presos e os castigos ilegais em «segredo» (Nota 2).
No ano seguinte, foi apreendido em Caxias um documento intitulado «A verdade sobre a situação
nas prisões», da autoria de Jaime Serra, evadido em Março desse ano. Dizia-se aí que tinha sido
posto em vigor, a partir de 1954 (regulamento das prisões privativas da PIDE, de 10 de Julho,
assinado por Agostinho Lourenço) «um Regulamento prisional privativo que ignorava e
espezinhava a própria legislação fascista estabelecida pela Reforma Prisional» de 1936 (Nota 3).
Em Janeiro de 1961, outro documento prisional apreendido em Caxias assinalou o agravamento da
situação prisional no reduto norte dessa cadeia, onde vários presos vindos do tribunal tinham sido
espancados por agentes da PIDE. Dizia-se ainda que o tratamento médico tinha piorado e que a
PIDE recusava sistematicamente a hospitalização dos doentes, que permaneciam em salas
sobrelotadas com presos saudáveis (Nota 4). Nesse ano, outro documento interno do PCP deu conta
de que cerca de 150 camponeses alentejanos tinham sido encerrados nas casamatas inabitáveis de
Caxias, onde chovia e faltavam ar, luz e condições higiénicas (Nota 5).
Depois, durante cerca de três anos, foram realizadas obras no forte que levaram ao esvaziamento do
reduto norte e à colocação, em cada sala do reduto sul, de 18 detidos, em salas onde só cabiam 10.
Foi isso que denunciou, em 1964, um documento da AI, mencionando ainda as celas solitárias
subterrâneas, onde vários detidos tinham sido encerrados. Por exemplo, o detido João dos Santos
Baleizão ficou durante 12 dias e 12 noites numa cela de cimento subterrânea, escura e húmida, com
três pés de profundidade, quatro de comprimento e cinco de altura, sem qualquer mobília, luz ou
janela, com os alimentos dados através da porta .
Nos anos 60, as novas celas de Caxias, quadrados com quatro metros e meio de lado, tinham, além
de uma casa de banho, lavatório e dois beliches com quatro camas, uma mesa, quatro cadeiras e um
armário.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. cr. 2641/65, 1.» divisão, fl. 234; pr. 18.894 SR, fls. 47, 48 e 53.
Nota 2 - Ibidem, pr. 757/42, Francisco Miguel, vol. 3, fls. 123-157.
Nota 3 - Ibidem, Serviços de Extinção da PIDE/DGS, Processo de Inquérito a Serviços da PIDE,
vol. 3, NT 701, fl. 467; vol. 6, NT 704, fls. 1013-1015.
Nota 4 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 16827/62.
Nota 5 - Ibidem, 3.° Juízo Criminal de Lisboa, instrução preparatória, João Honrado, Augusto
Lindolfo e Evelina Ferreira, caixa 701, vol. 4, fl. 350.
Nota 6 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».

435

O recreio, para 10 a 12 presos, ocorria numa sala sem tecto e com chão de mosaico, de cerca de oito
metros por sete, havendo, no cimo, ao longo de uma das paredes, uma espécie de corredor onde
passeava um guarda da GNR com metralhadora. Era proibido falar, rir, assobiar alto, cantar, deitar-
se ou sentar-se na cama fora de horas de repouso (Nota 1).
Em Outubro de 1968, familiares de presos políticos aproveitaram a ocasião de Salazar ter sido
substituído, na Presidência do Conselho por Marcelo Caetano para escrever a este último acerca das
condições de Caxias. Este enviou, aliás, ao ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, a exposição,
acompanhada de uma nota a pedir para «rever a regulamentação de Caxias e providenciar de modo
que, sem prejuízo da segurança e disciplina», se humanizasse o tratamento dos presos. Os
signatários referiam que o corpo médico, «dada a sua dependência da PIDE», parecia tomar as
decisões que sabia serem aceites por esta e não aquelas que a estrita ciência lhes ditaria. Quanto às
visitas em comum com as famílias, eram espaçadas de 10 meses a um ano — antes, eram de três
em três meses —, sendo proibidas aquelas com sobrinhos e tios. Todas as conversas entre o preso e
familiares eram escutadas e as visitas dos advogados realizavam-se num parlatório vulgar, separado
por um vidro, o que inibia a consulta do processo.
Relativamente ao trabalho e ao estudo, eram proibidos os livros de história, filosofia, economia,
sociologia, os atlas e enciclopédias. Em Caxias, só se podia ler o Diário da Manhã e não se podia
realizar exames, contrariamente ao que acontecia anteriormente. Quanto à correspondência, só se
podia escrever duas folhas por carta e, no caso de um casal preso, a mulher só podia escrever ao
marido duas folhas, uma vez por semana, em Caxias. O recreio decorria num pequeno terraço
murado, numa sala sem tecto, onde os presos iam diariamente, quando não chovia. Os gira-discos,
proibidos nas celas masculinas, também o tinham sido para as mulheres, na Páscoa de 1967, como
castigo (Nota 2).
A cadeia de Caxias era particularmente penosa para as presas, que aí passavam todo o período de
detenção, anos a fio, com as mesmas — poucas — companheiras de cela, o que contribuía para
inúmeros problemas, resultantes da falta de privacidade. Isso mesmo foi denunciado, no início dos
anos 70, pela CNSPP, ao descrever que as presas estavam divididas em grupos pequenos (nessa
época, duas a duas), em salas com casa de banho.
Assim viviam em convivência forçada e restrita por meses e meses, anos e anos, saindo apenas da
cela para o recreio diário de duas horas, mas mesmo então, com a mesma e única companheira e,
em consequência, surgia um «crescente número de doenças nervosas». As refeições também eram
tomadas na cela, sendo o único contacto das presas com o exterior as visitas da família, num
parlatório com um vidro de permeio onde elas não tinham possibilidades de abraçar ou beijar os
filhos. Visitas em comum só existiam pelos aniversários e festas (Natal e Páscoa) (Nota 3).

Nota 1 - Joaquim Pires Jorge, Com Uma Imensa Alegria... fl. 86.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 454, pasta «saneamento da DGS», petição de familiares dos ex-presos
políticos.
Nota 3 - «Documentos para a história da resistência: II», in Século Ilustrado, 24/8/1974, pp. 28, 29
e 31.
436

XV.3.4.1. Caxias no final do regime e a transferência dos Serviços de Investigação

Situado a escassas dezenas de metros do depósito de presos políticos do reduto norte, o reduto sul
tinha sido utilizado como hospital-prisão do Ministério da Justiça até final de 1962, ano em que foi
inaugurado o Hospital de São João de Deus. Dois anos depois, o ministro do Interior considerou
necessária a remoção dos Serviços de Investigação da PIDE da Rua António Maria Cardoso para o
reduto sul de Caxias, não só por motivos de segurança como devido à má impressão que causava o
«vai-vém» do transporte dos presos nas ruas centrais de Lisboa.
No entanto, a transferência dos Serviços de Investigação da PIDE/ /DGS, para esse reduto sul só se
concluiu no Verão de 1971, em coincidência com uma vaga de prisões. Os presos passaram assim a
regressar dos interrogatórios rápida e discretamente, facto que levou a CNSPP a considerar que
essas novas instalações vinham responder «ao aumento da actividade repressiva verificado nos
últimos anos» e corresponder à necessidade de isolar ainda mais os presos, escondendo dos olhos
do público os processos repressivos da DGS (Nota 1).
Nesse período, continuavam, por outro lado, as prepotências e mais diversas violências contra os
direitos dos presos e das presas (Nota 2). A detida Fernanda de Figueiredo relatou a vida em
Caxias, no início dos anos 70, num depoimento revelador de diferenças relativamente à situação
prisional anterior. Por um lado, «os guardas prisionais e a organização era mais elaborada e
técnica»: por exemplo, os «serviços de verificação» da correspondência de Caxias detectaram,
numa carta para Fernanda Figueiredo vinda do Canadá, uma mensagem em «tinta simpática», com
auxílio da luz de Wood.
Por outro lado, Fernanda Figueiredo assinalou que se notava, na prisão, algum efeito da chamada
«“liberalização” marcelista, ou seja, do que restava dela, em 1973». Refira-se que, enquanto os
interrogatórios eram mais brutais no final do regime, a DGS e as autoridades prisionais já não
insistiam, por outro lado, em proibir o que não consideravam realmente importante. Por exemplo, o
livro Lettres sur quelques problèmes actuels du socialisme, de Sweezy e Bettelheim, foi
inicialmente apreendido a essa reclusa, mas posteriormente devolvido, dado que o mesmo fora
autorizado a circular no país (Nota 3).

XV.3.5. O forte de Peniche

Como se viu, o forte de Peniche, dependente da DGSP do Ministério da Justiça a partir de 1945, era
o local onde os presos políticos iam cumprir as penas de prisão maior. Jaime Serra contou que, até
ao final da década de 40, se vivia em Peniche uma paz podre entre presos e carcereiros, entre os
quais grassava a indisciplina.

Nota 1 - «Situação prisional», in «Documentos para a história da resistência: II», in Século


Ilustrado, 24181 [974, pp. 28, 29 e 31.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 617/72, Maria Manuela Soares Gil.
Nota 3 - Ibidem, pr. 338/73 DSIC, Maria Fernanda Dâmaso de Almeida Marques Figueiredo e
Fernando de Sousa Nunes, pasta 2, fls. 67, 71, 78, 119, 120, 123, 150-152, 164-176, 177 e 180.

437

No entanto, essa situação «mudou quando se alterou a composição social da população prisional,
com a chegada à Fortaleza de dezenas de trabalhadores rurais membros do Partido Comunista,
vítimas de uma grande vaga repressiva no Alentejo nos anos de 1948-1949» (Nota 1).
No decorrer de 1950, «depois de lutas e reclamações persistentes, que meteu levantamentos de
rancho e greves de fome colectivas», os presos conquistaram melhor comida e condições prisionais,
entre as quais se contaram livre utilização e administração da biblioteca da fortaleza. Esta biblioteca
acabaria por ser encerrada, depois, quando os carcereiros perceberam quem era Soeiro Pereira
Gomes, nome de um dirigente do PCP com que os presos a tinham baptizado.
Alcino Ferreira, enviado para Peniche em 1951, relatou a melhoria das condições prisionais,
nomeadamente o fim das formaturas dos presos e dos castigos, o facto de os guardas se mostrarem
«menos insolentes e provocadores» e a substituição do chefe dos guardas António Bastos pelo
chefe Gonçalves, que raramente aparecia (Nota 2). No entanto, além da ligeira melhoria das
condições de vida, outra das consequências das lutas de 1950 foi o redobrar da vigilância dos
carcereiros, particularmente após a fuga de Jaime Serra e Francisco Miguel, o qual foi
imediatamente recapturado (Nota 3).

XV.3.5.1. Panopticon

Em 1952, a situação prisional, tanto em Caxias como em Peniche, agravou-se e eclodiu, neste
último forte, uma greve de fome que durou vários dias. Por esse motivo, vários advogados de
presos ali internados requereram ao director-geral dos Serviços Prisionais que se tomassem «as
medidas adequadas para normalizar a situação existente, procedendo-se a um amplo e rigoroso
inquérito» (Nota 4). Em parte também em consequência das lutas de 1950 e de 1952, iniciaram-se
no ano seguinte obras de construção em Peniche, «que mais tarde vieram a constituir pavilhões de
alta segurança, com celas quer individuais quer colectivas» (Nota 5).
O primeiro dos três novos pavilhões de alta segurança, o bloco C, construído sobre os escombros da
caserna 1, o qual tinha dois pisos de salas colectivas e um terceiro, com celas individuais, foi
inaugurado em 1956. Era para o pavilhão C que eram transferidos os presos castigados que não iam
para o «segredo», cujo antigo chão de madeira tinha entretanto sido substituído por um de cimento
(Nota 6).

Nota 1 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber... pp. 71 e 72.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 6 GT, Alcino Sousa Ferreira, fl. 134.
Nota 3 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência..., pp. 59, 60, 63, 64, 66, 69 e
71.
Nota 4 - José Ricardo, Romanceiro do Povo Miúdo, pp. 166 e 173-174.
Nota 5 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência..., pp. 59, 60, 63, 64, 66, 69 e
71; PIDE/DGS, pr. 409/47 SR. Acontecimento em Peniche, informação sobre a situação dos presos
em Peniche, 1965.
Nota 6 - Ibidem.

438

Quanto ao pavilhão A, tinha dois pisos de salas colectivas, enquanto o B, o último a ser posto em
funcionamento, já em finais de 1961, tinha três pisos de quatro celas individuais cada um. Nos
pavilhões B e C havia lugar para 54 presos isolados ao mesmo tempo, estando cada pavilhão
completamente isolado dos outros dois, tal como os pisos dos pavilhões entre si.
As salas comuns foram construídas segundo o modelo das prisões americanas de máxima
segurança, em que a parede da frente era substituída por barras de ferro, de modo a que os presos
pudessem ficar durante 24 horas sob o olhar do carcereiro. Segundo constava numa ordem de
serviço de Peniche, os presos deviam «ter a impressão de estarem sempre sob o olhar vigilante do
guarda». Por outro lado, os guardas também estavam sempre presentes nos «compartimentos do
novo e mais sofisticado parlatório que separava ostensivamente, e à distância, os visitantes dos
visitados, através de uma placa de vidro espesso encimado por uma rede» de malha fina. De um
modo geral, os detidos ficavam fechados nas celas durante 20 horas e só se juntavam no refeitório,
onde os guardas chegaram ao ponto de os proibir de sorrir (Nota 1).
Ao voltar, em 1960, ao forte, Jaime Serra viu que as instalações prisionais de Peniche estavam
muito transformadas relativamente à situação que havia conhecido dez anos antes. Os presos
considerados «mais perigosos» estavam concentrados, no terceiro piso, em celas individuais de alta
segurança. Eram os casos de Álvaro Cunhal e dos três novos «hóspedes», acabados de chegar,
Joaquim Gomes, Pedro Soares e o próprio Serra. Apenas após o chamado «período de observação»
estes passaram a ter recreio e refeições em colectivo, mas no refeitório era proibido conversar,
durante as refeições (Nota 2). Continuava ainda como chefe dos guardas Vítor Ramos, que instruía
os seus subordinados a nunca cederem aos pedidos dos presos, que, para cada movimento ou oferta
de algo a um companheiro, tinham de pedir autorização (Nota 3).
Carlos Brito, que chegou a Peniche após a fuga de 1960, contou que, além de haver uma total
repressão à vida colectiva entre os presos, existia então uma extrema repressão cultural: os
«romances praticamente não entravam, a não ser que a pessoa justificasse que estava a fazer um
estudo sobre o romance em Portugal». Brito contou que reinava então a lei de «que tudo o que não
estava expressamente autorizado, era proibido», nessa cadeia então comandada pelo secretário,
«quadro dos serviços prisionais versado em reeducação dos presos comuns que, com alguma
ingenuidade e muita maldade», julgava poder reeducar os presos políticos. Entre as alterações
detectadas por Brito, contavam-se a substituição por «grossos gradões de ferro com pesadas
fechaduras» das portas de madeira envidraçadas antes existentes nos corredores e no refeitório
(Nota 4).

Nota 1 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência..., pp. 93-95, fls. 100-101.
Nota 2 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 75 e 76.
Nota 3 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber... pp. 117 e 118.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. II, Carlos Brito, pp. 19; Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e
Crimes de Uma Polícia, pp. 75 e 76.

439

Os detidos estavam fechados, em grupos de sete ou oito, em celas individuais, de cimento armado,
com uma janela gradeada numa extremidade e uma porta chapeada na outra, onde vigiavam dois
guardas prisionais (Nota 1). Era proibido estar deitado entre «os quatro silvos de apito» da
alvorada, às 7 da manhã, e os três silvos de recolher, às 9 da noite, e, por isso, o preso lia, a
caminhar ou à mesa. Nesse novo sistema, havia pouco contacto entre os presos e, por exemplo,
embora se pudesse jogar xadrez, desde que superiormente autorizado, não era permitido falar, salvo
o estritamente necessário: por exemplo, «dar xeque-mate». Esse «convívio» do absurdo e de mudos
era, segundo Brito, «uma espécie de suplício de Tântalo e fonte de provocações dos guardas» (Nota
2).
Também Octávio Pato relatou a vida em Peniche na década de 60, onde esteve cerca de sete dos
seus nove anos de prisão, sempre numa cela individual, da qual apenas saía para almoçar e para
uma hora de convívio, no próprio pavilhão, onde os presos ficavam em grupos de quatro ou cinco,
sentados em mesas separadas, sem poder falar (Nota 3). Os presos eram ainda «vexados com
“sentidos”» na presença de superiores, como se consideravam a si próprios os guardas.
Quanto à imprensa, a partir de 1960, ficou interdita a entrada do República, Século Ilustrado, O
Debate e a Seara Nova, enquanto os outros jornais eram censurados na própria cadeia, sendo, por
exemplo, cortados os relatos de julgamentos políticos. Até 1962, não entrou na cadeia, por
exemplo, a encíclica De rerum novarum e A República de Platão. Por outro lado, tinha havido
também uma «ofensiva contra a vida colectiva», sendo proibido aos reclusos o estudo em comum.
Por exemplo, Carlos Costa pôde receber as obras de Shakespeare, mas na condição de não as
emprestar a companheiros. Quanto aos castigos, podiam ir até 30 dias de segredo, numa furna
húmida, fria e às escuras, que apenas tinha uma tarimba de cimento e para a qual às vezes os
guardas nem davam uma enxerga à noite (Nota 4).
No entanto, a situação melhorou, em meados da década de 60, com o aumento da população
prisional e as grandes lutas dos presos nos anos de 1963 e 1964. Reabriu a biblioteca prisional e foi
permitida a entrada de uma pequena biblioteca itinerante da Gulbenkian, bem como de O Século e
do Diário de Notícias (Nota 5), embora os jornais tivessem continuado a ser submetidos à dupla
censura — a que vigorava em todo o país e a da própria cadeia —, surgindo, por isso, com grandes
buracos ou «falsas janelas» (Nota 6). As refeições passaram a ser compostas de peixe e carne fresca
e a dádiva de fruta aos companheiros passou a ser permitida. Os prisioneiros começaram a poder
conversar em grupo e praticar jogos variados, incluindo o voleibol com bola de borracha. Tempos
depois, foi autorizada a entrada de um aparelho de rádio (Nota 7).

Nota 1 - Carlos Brito, Tempo de Subversão..., pp. 69-86.


Nota 2 - Idem, ibidem.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, testemunho de Octávio Pato, pp. 195-197-
Nota 4 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».
Nota 5 - Joaquim Pires Jorge, Com Uma Imensa Alegria.
Nota 6 - Francisco Miguel, Das Prisões à Liberdade, pp. 77-78.
Nota 7 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, pp. 134-136.

440

Em 1966, correu pelo país, entre os meios da oposição, um abaixo-assinado para ser entregue ao
ministro da Justiça a pedir um inquérito imparcial e rigoroso sobre as condições de vida em
Peniche, a «única prisão do país onde os advogados» não se podiam encontrar com os clientes sem
a presença do guarda. Referia ainda o documento que existia um «sistema duro de penas aplicadas
arbitrariamente sem critério», restrições inexplicáveis no recreio e um ambiente de tensão e
agressividade criado pelo chefe dos guardas, Vítor Ramos, e o director, capitão Falcão (Nota 1).
No final da década, a situação melhorou substancialmente, nomeadamente devido à luta dos presos
de extrema-esquerda, sobretudo da FAP/CMLP e anticoloniais, centrada no segundo piso do
pavilhão B, com greves da fome, violentamente reprimidas, com entubamentos e espancamentos
dos grevistas (Nota 2). Os presos começaram a emitir circulares que chegavam clandestinamente a
todas as celas. Os guardas não sabiam como tudo se passava — embora, sem o descobrirem,
fossem eles próprios, algumas vezes, o veículo do correio — mas davam-se perfeitamente conta de
que todos os presos conheciam certas coisas, comentando eles então: «— Já funcionaram as
antenas da TSF!» (Nota 3)
Um ex-preso político não deixou de dizer que à melhoria do regime prisional não era alheia, além
das lutas prisionais, «a nomeação em 1973 para director da cadeia do Forte de Peniche de um
homem ainda jovem, licenciado em Direito e de ideias consideradas, nas circunstâncias, bastante
abertas». Lembre-se que, nesse período, havia uma maior autonomização de Peniche relativamente
à DGS. Foi então colocado, na sala do convívio, um televisor e, a partir de 1973, havia postos de
rádio, ligados à Rádio Renascença, embora o noticiário fosse censurado. O regime era de cela
aberta, das 7 horas da manhã às 9 da noite, a alimentação melhorou e as visitas começaram a serem
em comum, fora do parlatório (Nota 4).
No entanto, apesar dos melhoramentos, ao analisar o novo regulamento interno da Cadeia do Forte
de Peniche, no início dos anos 70, a CNSPP considerou-o «um retrocesso em relação à Reforma
Prisional de 1936». Assinalou, em particular, um artigo segundo o qual se estabelecia a
possibilidade do emprego da força, como uma «justificação antecipada para quaisquer actos de
violência por parte dos funcionários da respectiva cadeia» (Nota 5).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 3671SR /59, fl. 56. «Liberdade», órgão do FPLN, n.° 3 e 4, Abril/ /Maio
1966.
Nota 2 - Testemunho dado por Fernando Rosas em 12 de Março de 2003.
Nota 3 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência..., pp. 134-136.
Nota 4 - Idem, ibidem, pp. 139 e 141-142.
Nota 5 - «Documentos para a história da resistência: II», in Século Ilustrado, 24/8/1974, pp. 28, 29
e 31.

441

XVI. A VIDA QUOTIDIANA NOS CÁRCERES E O COMPORTAMENTO PRISIONAL

Veja-se agora como decorria a vida prisional propriamente dita, com a abordagem de temas como a
disciplina, a saúde e as regras a que estavam submetidos os presos. Lembre-se, por outro lado,
como assinalou Pacheco Pereira, que a prisão política em Portugal tinha «muitas características
comuns com a vida clandestina: espaço controlado, ausência de privacidade, direcção
administrativa da organização da vida», reproduzindo «muito do que era característico da
clandestinidade, mas também porque os presos se organizavam entre si clandestinamente», numa
organização prisional (Nota 1). Por isso, se analisará, em segundo lugar, a cultura prisional dos
presos do PCP, e, mais tarde, dos das organizações de extrema-esquerda, que viviam, aliás, em
mundos à parte, em Peniche.

XVI.1. REPRESSÃO, DEVASSA DA CORRESPONDÊNCIA, VISITAS E RECREIO

Em Março de 1956, Cecília Ramos de Almeida, Ângela Vidal, Isaura Silva e Georgette Ferreira
foram punidas com dois meses de prisão em cela disciplinar, a primeira por se recusar a ser
revistada pela enfermeira depois de uma visita, e as outras três por terem ido em seu auxílio (Nota
2). Por serem «reincidentes», Georgette e Cecília foram novamente castigadas com 90 dias de
prisão nas suas celas por protestarem contra o isolamento e a falta de recreio. Às duas, juntaram-se
então no castigo as detidas Natália David e Isaura Silva (Nota 3), sofrendo todas elas 30 dias de
cela disciplinar, por «terem praticado actos de indisciplina» e acusado «falsamente o director da
prisão» (Nota 4). Georgette Ferreira, Adélia Terruta e Maria Júlia Rocha foram, por seu turno,
punidas, em 28 de Fevereiro de 1957, por protestarem contra o novo parlatório em Caxias, que
obstava «à comunicação das visitas de um recluso com os outros presos», como reconheceu o
próprio director da cadeia (Nota 5).

Nota 1 - José Pacheco Pereira, A Sombra: Estudo sobre a Clandestinidade Comunista, p. 194.
Nota 2 - Ibidem, pr. 167/54. Serv. Inv.
Nota 3 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 14499/49, 3.a Juízo, caixas 234-236, fl.
677. Georgette Ferreira, «reincidente», por já ter sido anteriormente punida com cinco dias de cela
disciplinar a pão e água e com trinta dias de proibição de visitas.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. cr. 1144/49 e pr. 167/54, Serv. Inv.
Nota 5 - Ibidem, pr. querela 140/55, Georgette Ferreira e Jaime Serra, ofício n.° 186/57 de 28/2/57,
do inspector-adiunto.

442
Ângela Vidal Campos foi castigada 12 vezes, entre 1953 e 1962, pelas mais variadas razões: «por
cantar, porque se respondeu “assim” ou “assado”, porque se escreveu uma carta a protestar e por aí
fora» (Nota 1).
Segundo a ex-detida política Sofia Ferreira, os «castigos por tudo e por nada obedeciam a uma
orientação da PIDE», com o objectivo, por um lado, «de refrear o espírito combativo dos presos
acerca dos problemas prisionais, de quebrar a unidade e a organização dos patriotas presos e de
suas famílias». Por outro lado, a acumulação de castigos influía na libertação condicional dos
presos e na prorrogação das medidas de segurança, pois estas eram concedidas na base do «bom»
ou do «mau» comportamento prisional (Nota 2).
Em 1960, Carlos Aboim Inglês foi encerrado, por castigo, durante cinco dias, num «dos piores
“segredos” que havia em Caxias»: a casamata subterrânea. Aboim Inglês contou que se tratava de
um quarto cavado na terra, húmido, com água a escorrer pelas paredes e o chão alagado, sem uma
única janela nem uma única luz (só acesa ao almoço e jantar), apenas com uma tarimba, onde o
preso permanecia quase durante 24 horas na escuridão e no silêncio total.
Os detidos e as detidas eram sempre punidos quando protestavam contra torturas de que os seus
companheiros eram alvo. Em Janeiro de 1962, Cândida Ventura foi punida com 30 dias de privação
de visitas por ter dito no parlatório à sua tia que Eugénia Varela Gomes tinha ido para Lisboa (em
interrogatórios à sede da PIDE) e ainda não tinha voltado (Nota 3). Em Julho de 1966, Adélia
Terruta tocou à campainha dizendo que a sua companheira de prisão, Maria José Lopes da Silva,
estava aos gritos, após ter sofrido torturas. Mais tarde, as detidas de outro quarto «reclamaram
[sublinhado três vezes pela PIDE] o regresso da presa Lucília Nunes», que tinha sido levada para
interrogatórios.
O director de Caxias, inspector da PIDE Gomes da Silva, explicou à sua direcção que as crises de
Maria José Lopes da Silva haviam aumentado devido à ausência da sua companheira de cela,
Lucília, que ela julgava estar a ser torturada. Por ser considerada a maior responsável da chamada
«manifestação colectiva», Maria José foi punida com dois meses de privação de visitas, enquanto
Maria Emília Lindim Serra e Maria Alice Capela foram castigadas, respectivamente, com dois e
três meses de proibição de visitas (Nota 4).
Em Peniche, os presos eram também constantemente castigados. Domingos Abrantes foi punido,
em 1960, com um mês de proibição de visitas, por ter apelado à realização de uma visita em
comum pela Páscoa, proibida devido à fuga dos presos (Nota 5). Diga-se, aliás, que até os
familiares dos presos não ficavam livres de serem punidos. Numa ocasião, Arminda Soares, mulher
de um preso em Peniche, foi condenada a 15 dias de prisão por protestar contra as violências a que
tinha sido sujeito o marido (Nota 6).

Nota 1 - António Melo e Isabel do Carmo, Conversas de Inverno, pp. 72-73; PIDE/DGS, pr. 89/53,
Rolando Verdial, Carlos Costa e Maria Ângela Vidal e Campos, vol. 2.
Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 50-55 e 56, testemunho de Sofia Ferreira.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 827/60, Orlando Lindim Ramos e Cândida Ventura.
Nota 4 - Ibidem, pr. 437/64, Maria Emília Lindim Serra.
Nota 5 - Ibidem, pr. 556/59 Div. Inv., Domingos Abrantes, fl. 176; ibidem, pr. 62/53, Domingos
Abrantes, fl. 176.
Nota 6 - Ibidem, pr. 62/53, Rogério de Carvalho.

443

Não foi, aliás, caso único, pois em 1 de Novembro de 1967, quando visitava o seu marido, Manuela
Bernardino foi «sequestrada» pela PIDE e presa durante uma semana (Nota 1).
Segundo a Reforma Prisional de 1936, os presos políticos podiam corresponder-se livremente, mas
a PIDE só lhes permitia a correspondência com familiares próximos até ao terceiro grau,
sujeitando-a ainda à mais draconiana censura (Nota 2). Em 1955, o advogado de defesa Manuel
João da Palma Carlos queixou-se de que a lei estabelecia que deveria ser o director da cadeia ou um
funcionário designado para o efeito a fazer a censura prévia das cartas dos reclusos, quando era a
PIDE que as interceptava (Nota 3). Quatro anos depois, o detido Diogo Velez escreveu à mãe,
admirado por ela não lhe responder a cartas anteriores e foi então que esta percebeu que o filho lhe
tinha enviado correspondência que nunca havia recebido (Nota 4).
Quanto às visitas, a lei prisional privativa da PIDE — como se viu, existia, paralelamente à lei
prisional geral, um regulamento dessa polícia desde 1954 —, estabelecia que os presos políticos só
podiam receber a visita dos pais, mães, irmãos, filhos, avós e tios de 1º grau, mas apenas no caso de
qualquer um destes não ter estado também detido por razões políticas, estando ainda excluídos os
companheiros e companheiras não casados.
Em 1953, o director de Caxias, João da Silva, informou que não autorizava que Ângela Vidal fosse
visitada pela sua prima, Natália David, por esta não ser afecta à situação (Nota 5). Anos mais tarde,
em Abril de 1961, Mercedes de Oliveira Ferreira Lopes escreveu ao director da PIDE a pedir
autorização para ela e o marido, Eusébio Bastos Lopes, poderem visitar a irmã daquela, Sofia
Ferreira, presa em Caxias, mas o pedido foi indeferido devido ao facto de os dois terem estado
anteriormente detidos (Nota 6).
Por outro lado, ainda em Caxias, em meados dos anos 50, as visitas ocorriam em horas diferentes,
para os detidos não se encontrarem no parlatório. Depois, ainda com carácter mais refinado, tinham
sido construídas dez cabines individuais, onde os presos, já isolados entre si, ficavam ainda
separados das suas famílias, através de uma placa de vidro. Além disso, as famílias dos presos, que
antes entravam pelo portão principal do forte, tinham passado a ser conduzidas por escuros
corredores, só para os presos não as verem passar através das grades (Nota 7).

Nota 1 - Ibidem, pr. 30535 SR, fl. 6.


Ñota 2 - Ibidem, pr. 18.894 SR, Joaquim Gomes dos Santos, João Ivo Ferreira, Pedro Soares e
Carlos Aboim Inglês; ibidem, pr. 20 GT, Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês,
fl. 49.
Nota 3 - Ibidem, pr. 757/47, vol. 3, carta de Francisco Miguel a Manuel João da Palma Carlos, fls.
123-128.
Nota 4 - Ibidem, pr. dir. 681/59 Div. Inv., carta da mãe de Diogo Velez, de Benavila, 30/12/59, fls.
69, 76, e 107.
Nota 5 - Ibidem, pr. 89/53, vol. 1, Rolando Verdial, Carlos Costa e Maria Ângela Vidal e Campos,
fls. 115, 124, 126, 131 e 140.
Nota 6 - Ibidem, pr. dir. 551/59 Div. Inv. António Santo e Sofia Oliveira Ferreira, 29/5/59.
Nota 7 - António Melo e Isabel do Carmo, Conversas de Inverno, pp. 72-73; São José Almeida,
«Cartas-manifesto de mulheres na prisão de Caxias», in Público. 20/11/2004. pp. 12-13.

445

Num documento interno do PCP de Junho de 1960 dava-se conta de que em Peniche as visitas
tinham passado a realizar-se por turnos de duas horas cada, mas que em casos de maior afluência
estes podiam ser encurtados até uma hora. Relativamente às visitas de familiares, Monteiro Mathias
afirmou que o preso esperava-as contando os dias, pois eram um ponto de referência para cortar o
tempo e a rotina do isolamento, auxiliando-o a suportar psicologicamente a prisão, a solidão e o
tédio. No entanto, a visita também tinha um efeito nefasto, pois lembrava ao detido o cheiro da
liberdade e o universo da gente livre, com todas as suas seduções. Por isso, ao regressar da visita, a
prisão tornava-se ainda mais insuportável (Nota 1).
Quanto ao recreio, embora a Reforma Prisional de 1936 estabelecesse como obrigatório o passeio
ao ar livre, pelo menos de uma hora diária, vinte anos depois a PIDE concedia-o apenas durante
meia hora, de quatro em quatro dias (Nota 2). O recreio «foi, aliás, uma reivindicação que levou
muito tempo» a tornar-se extensiva às mulheres. Segundo relatou por experiência própria Ângela
Vidal, «uma grande defesa do preso, dentro de uma sala, se tiver espaço, se não for um buraco, se
não for um calabouço, é andar», «para trás e para a frente, andar, andar». Outro local usado
clandestinamente pelas reclusas para trocarem mensagens era a casa de banho comum, mas até esta
possibilidade desapareceu «com as «belíssimas obras higiénicas» que passaram a colocar as casas
de banho dentro das celas», em 1956 (Nota 3).

XVI.2. Os MÉDICOS DA PIDE/DGS E A SAÚDE DOS PRESOS

Em Agosto de 1974, o jornal de Londres Medical News denunciou como colaboradores das torturas
da PIDE/DGS sete médicos e mais 15 que estavam então em investigação, três dos quais tinham
sido entretanto presos e outros expulsos da Ordem dos Médicos (Nota 4). Ao longo dos anos, a
PIDE contratou os médicos Henrique Soeiro Martins Ruas, José Luís Maciel Chaves, Augusto
Carlos Mira, Carlos Xavier da Silva Lopes Veloso, que foi inspector e director da ETP, Manuel
João Rodrigues Veloso (Nota 5), Carlos António Magalhães (Nota 6), José Godinho Gama Barata,
Ulisses Ferreira Santos, que prestou serviço na delegação dessa polícia do Porto, a partir de 1964
(Nota 7), e José Alberto Alves do Rio, admitido em 21 de Setembro de 1968 (Nota 8). Segundo
uma opinião, os últimos quatro «desempenharam função de assessores de torcionários» (Nota 9).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1397/67, vol. 2, fls. 11, 14, 37, 43, 58, 88, 95, 117, 119, 124, 249, 251, 261,
282, 328, 342, 393-403 e 423-434.
Nota 2 - MAI-GM, caixa 119, pasta «Lisboa».
Nota 3 - António Melo e Isabel do Carmo, Conversas de Inverno, pp. 72-73; São José Almeida,
«Cartas-manifesto de mulheres na prisão de Caxias», in Público, 20/11/2004, pp. 12-13.
Nota 4 - Idem, ibidem, pp. 19 e 20.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 211.
Nota 6 - «Revelados professores da PIDE», in A Capital, 114/1915, p. 10; Dossier P.I.D.E: Os
Horrores e Crimes de Uma Polícia.
Nota 7 - PIDE/DGS, OS 118, de 28/4/1946; OS 117, de 27/4 1946. Documentação diversa, normas
e legislações, NP 8854.
Nota 8 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia.
Nota 9 - História da Repressão, de acordo com o Expresso, de 18 de Maio de 1974; António Melo,
«A medicina traída», in Público, 12/4/2004, p. 17.

445

Em Peniche, a «saúde» dos presos esteve a cargo, no início de 60, do célebre Dr. Bonifácio (José
Bonifácio da Silva), um médico de 80 anos de idade, surdo, que afirmava não acreditar na
eficiência de «modernices» como radiografias ou electrocardiogramas.
Também o psiquiatra Leão de Miranda era chamado pela PIDE/DGS para observar determinados
detidos, mas, sobre este último, muitos ex-presos políticos realçaram que teve um verdadeiro
comportamento de médico e se esforçou inúmeras vezes por afastá-los das «garras» dessa polícia,
ao exigir a sua transferência para hospitais. No caso de Lima Azevedo, detida em 1964, aos 20
anos, Leão de Miranda pressionou no sentido de que ela fosse internada no Hospital de Miguel
Bombarda e recusou que houvesse vigilância policial no interior do hospital. Urbano Tavares
Rodrigues também enalteceu o tratamento humano que esse psiquiatra lhe proporcionou em Caxias,
quando esteve preso em 1968, ao declarar que foi graças a esse médico que os seus interrogatórios
não prosseguiram (Nota 1).
XVI.2.1. O caso das presas políticas em Caxias

Em muitos casos, a detenção prolongada «levou a vários estados de neuroses e psicoses» entre os
presos, muitos dos quais foram internados em hospitais psiquiátricos «com desarranjos mentais
incuráveis». Além de as torturas, do sono, estátua e os espancamentos deixarem traços na saúde dos
presos, as condições prisionais, nomeadamente as alimentares, levaram também a muitas doenças
do foro intestinal, do fígado e do estômago, bem como às então chamadas doenças
neurovegetativas. Por outro lado, um dos aspectos terríveis nas cadeias políticas foi a deficiente e
demorada assistência médica, utilizada, segundo uma opinião, «como arma de deterioração, até
destruição, e mesmo de chantagem sobre os presos políticos» (Nota 2).
José Dias Coelho afirmou que, entre as principais vítimas da «atitude desumana e criminosa» dos
médicos da PIDE, se contaram as presas políticas, entre as quais mencionou Georgette Ferreira,
«que, se fosse tratada a tempo, não precisaria de fazer a operação que a privou, aos 32 anos, da
faculdade de ser mãe» (Nota 3). Apropria detida contou, em 1930, ter começado «a ter crises
agudas que deram depois origem a hemorragias» e que o médico de Caxias, «o patife do Ruas»,
«mandou criminosamente» que lhe dessem um saco de água quente. Como tivesse protestado e
recebido a solidariedade de outros presos, acabou por ser internada de urgência no Hospital de São
José, em 13 de Agosto de 1930, mas regressou a Caxias no mesmo dia (Nota 4).
Após muitos protestos dos seus companheiros de prisão e da família, deu entrada, em 4 de Outubro,
no Hospital de Santo António dos Capuchos.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 14 e 15.


Nota 2 - António de Figueiredo, Portugal: Cinquenta Anos de Ditadura, p. 168.
Nota 3 - José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, p. 98.
Nota 4 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 67-69, testemunho de Georgette Ferreira.

446

Em 1954, Georgette Ferreira dirigiu-se novamente ao médico de Caxias, Henrique Martins Ruas,
para ser medicada em ginecologia, mas aquele quis saber que clínico tinha feito esse diagnóstico e,
segundo uma nota da PIDE, a presa recusara dar o nome. Isso aconteceu porque Georgette queria
ser tratada por «Cesina Bermudes [sublinhado a vermelho pela polícia]», mas a PIDE não o
permitiu, devido a esta médica ter estado anteriormente presa. Foi finalmente operada no Hospital
de Santa Maria, mas continuou gravemente doente. A PIDE só acedeu a conceder-lhe a liberdade
condicional em 28 de Janeiro de 1959 (Nota 1).
Outras detidas políticas também sofreram uma acentuada deterioração da sua saúde devido à longa
prisão sofrida. Foram, entre outros, os casos das presas Ângela Vidal Campos (Nota 2), Maria da
Piedade Gomes dos Santos (Nota 3) e Cândida Ventura, que já só pesava 42 quilos quando a PIDE
permitiu a sua libertação, em 1 de Julho de 1963 (Nota 4). Quanto à operária Olívia Sobral, presa,
com o marido e uma filha de 20 meses, em 7 de Maio de 1963, reclamou três semanas depois, ao
médico da prisão, melhor alimentação para o bebé, mas o director de Caxias «afirmou que não
autorizava regime especial». O estado da criança piorou, chorando dia e noite, pois não podia
«suportar o contacto dos cobertores extremamente ásperos contra o seu corpinho» e, terrivelmente
angustiada, Olívia, que estava grávida de três meses, abortou (Nota 5).
Numerosos cidadãos assinaram, em Novembro de 1966, uma petição a solicitar a libertação de
Albina Pato, depois de ela já ter cumprido a pena de três anos a que tinha sido condenada e quando
se debatia «com difíceis problemas de saúde, nomeadamente de natureza nervosa, que muito se
agravaram com o regime prisional» (Nota 6). Sofia Ferreira considerou que o falecimento de
Albina Pato, em Outubro de 1970, esteve «ligado ao estado em que saíra da cadeia» e acusou por
mais este crime o ex-médico da PIDE Gama Barata, «que não lhe prestou nenhuma assistência,
apesar de ter sido testemunha visual de inúmeras crises nervosas e psíquicas que ela teve na prisão»
(Nota 7).
São inúmeros os casos que indicam falta de assistência médica nas prisões da PIDE/DGS. Só para
dar mais um exemplo, refira-se o de Guilherme da Costa Carvalho, que, após lhe terem sido
negados vários pedidos de liberdade condicional, apenas foi solto em 15 de Fevereiro de 1972,
muito doente, depois de ter sido operado no hospital-prisão de Caxias em 20 de Janeiro anterior.
Faleceu em Março de 1973, ano em que o PCP deu conta, num panfleto, que, ao surgirem-lhe, em
Junho de 1961, os primeiros sinais de cancro, não tinha sido submetido a tratamento adequado na
cadeia, devido a falso diagnóstico do médico prisional (Nota 8).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 146/53, 0. 410; pr. cr. 1144/49, pr. 167/54 Serv. de Inv.
Nota 2 - Ibidem, fl. 78.
Nota 3 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., pp. 160-162.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 827/60 Dir. Div. Inv.
Nota 5 - Ibidem.
Nota 6 - MAI-GM, caixa 325.
Nota 7 - Rose Nery Nobre de Almeida, op. cit., pp. 50-56, testemunho de Sofia Ferreira.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 47/59, delegação do Porto, Guilherme da Costa Carvalho, pr. 4834 SR,
delegação do Porto, fls. 1, 3 e 11.

447

XVI.3. O COMPORTAMENTO NA PRISÃO: CULTURA PRISIONAL E LUTAS PRISIONAIS

Francisco Horta Catarino, ex-preso político das hostes «reviralhistas», disse, numa ocasião, que
«muita gente se fez comunista nas prisões» políticas, as quais, em Portugal, foram «a grande escola
do partido». De facto, segundo Catarino, «os que não eram do partido, mas que sofriam e eram
torturados, tinham tendência para alinhar e entrar para o partido», pois os «comunistas estavam ali
ao lado deles», e muitas «vezes passavam o dia a ler e a distribuir coisas para os outros se
catequizarem» (Nota 1). Efectivamente, no interior das cadeias políticas, existia uma organização
prisional do PCP. Os presos organizavam-se em «comunas» prisionais, através das quais juntavam
as encomendas, enviadas a alguns dos detidos por familiares mais abonados, distribuindo-as depois
por todos, como reforço da alimentação da cadeia (Nota 2).
Um documento escondido no fundo falso de uma mala, apreendido pela PIDE à detida Georgette
Ferreira, em 1955, relatava uma reunião realizada em Agosto desse ano, em Caxias, onde se
discutia a luta prisional e a «comuna». Um dos pontos da discussão prendia-se com o facto de
alguns presos revelarem «incompreensões», ao defenderem «comunas integrais», com funções
políticas, confundindo, assim, a comuna (legal) com o movimento de solidariedade prisional (de
carácter ilegal). Após se fazer a história da «comuna integral», considerava-se que esta não era
politicamente justa, porque os comunistas deviam em primeiro lugar a sua obediência ao partido e
não a uma simples organização de unidade.
Noutro documento da direcção do PCP, também apreendido a Georgette Ferreira, eram
apresentadas as «raízes e deficiências das lutas prisionais», e, criticados alguns camaradas por
desbaratarem as suas forças de «maneira perdulária» com actuações em que não tinham em conta as
condições concretas de luta nacional anti-salazarista. Outro erro apontado era o facto de não se
isolar os «carcereiros brutais», desligando-os «dos neutros na repressão», devido à «atitude
esquerdista de alguns camaradas».
O hino de Caxias era uma prova desse «sectarismo e desacerto político», dado que a estrofe «Treme
carrasco que a morte te espera» era pura «fanfarronada» e um desafio «a carcereiros, cuja
responsabilidade nos crimes cometidos pelo fascismo nas prisões» só ao povo português caberia
«um dia definir e castigar» (Nota 3). Quanto às greves da fome, sempre motivo de divisão e de
diversidade de opiniões no seio do PCP, num documento interno desse partido, provavelmente de
1954, Alcino Ferreira concluía que não se devia abusar dessa forma de luta, pois exigia um espírito
combativo que muitos ainda não possuíam, isolava os mais conscientes e aumentava, com as
defecções, as «hostes dos elementos oportunistas» (Nota 4).

Nota 1 - Rui Cartaxana, «Testemunho de Francisco Horta Catarino», in Diário de Lisboa,


24/9/1976, p. 17.
Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, José Vitoriano, pp. 129, 131, 132 e 135.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. GT, Georgette Ferreira, fls. 321 e 362; pr. cr. 1144/49; pr. 167/54, Serv. Inv.
Nota 4 - Ibidem, pr. 6 GT, Alcino Sousa Ferreira, fl. 134. Artur Ferreira Coimbra, Desafectos ao
Estado Novo, fls. 12-28.

448

Ainda em 1954, vários detidos em Caxias foram alvo, na própria prisão, de um processo-crime, sob
a acusação de fazerem parte da organização prisional do PCP. Além de Carlos Costa, foram então
acusados Maria Ângela Vidal e Campos, Rolando Verdial, Humberto Lopes, Pedro Soares, António
Vasco Cabral, Joaquim Gomes dos Santos, Francisco Miguel e José Vitoriano (Nota 1).

XVI.3.1. A luta dos presos e dos seus familiares em Caxias e Peniche

Os familiares dos presos participaram também em lutas de solidariedade com eles, nomeadamente
pela reivindicação de visitas em comum no Natal e na Páscoa. Isso aconteceu, por exemplo, no
Natal de 1960, quando mais de 500 pessoas se juntaram, no reduto norte de Caxias, para visitarem
os seus familiares presos, mas tiveram a decepção de saber que não lhes seria concedida visita em
comum. Em bloco, negaram-se a aceitar a visita no «parlatório», protestando energicamente junto
da entrada, sendo empurrados e agredidos por guardas da GNR, de armas apontadas.
Entretanto os presos gritavam às janelas, cantavam em coro o hino nacional e, depois, recusaram
em peso o jantar especial do Natal, pelo que foram quase todos castigados. Por seu lado, as
«centenas de famílias que de Lisboa, do Algarve, Couço, Alpiarça, Póvoa de Santa Iria e mais terras
do sul e centro do País juntaram com sacrifício o dinheiro para a viagem, dirigiram-se ao palácio da
Presidência da República, em frente da [sic] qual desfilaram».
Este não foi um caso isolado e aconteceu numerosas vezes em Peniche, onde, como se viu, as lutas
dos presos contribuíram para melhorar a vida prisional. Uma das primeiras lutas colectivas
prisionais ocorreu em 1950, com o objectivo de reivindicar, ao director do presídio, tenente Afonso
Neves, melhores condições de alojamentos e alimentação. Numa manhã de Setembro desse ano, os
guardas irromperam na caserna 5 para passarem «uma busca brutal», contra a qual os presos
protestaram. No dia seguinte, foram todos castigados com 30 dias de «prisão na sala». Contra o
castigo ergueram-se todas as salas, onde os presos entraram em greve da fome. Ao sétimo dia de
greve, apareceu Orbílio Barbas, da DGSP, que, após ouvir a exposição dos presos, deu-lhes razão e
propôs-lhes a feitura de um relatório para ser entregue ao ministro da Justiça, Cavaleiro de Ferreira
(Nota 2).
Em Dezembro de 1963, num período em que o número de presos tinha triplicado — eram então
100 —, desencadeou-se novamente uma luta reivindicando a construção de um novo parlatório e a
realização de um inquérito à cadeia realizado por um funcionário superior. Os presos foram
reprimidos e responderam com as célebres «gritarias» de Caxias, em que, de três em três horas, se
deslocavam à janela, gritando: «Comer, visitas e delegado do Ministério da Justiça.»
Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 100/54, Serv. Inv., relatório do
julgamento, fl. 60 e segs.; Miguel Medina, Esboços, vol. 1, testemunho de José Vitoriano, pp. 132 e
135.
Nota 2 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, pp. 52-57.

449

Por solidariedade, em 7 de Junho de 1964, dezenas de familiares presos manifestaram-se junto às


muralhas do forte, tendo sido reprimidos e presas seis mulheres de detidos (Nota 1).

XVI.3.2. A organização prisional dos presos de extrema-esquerda

Pires Jorge afirmou que 90 % dos presos de Peniche eram então comunistas, ou seja, pertenciam ao
PCP, mas Octávio Pato assinalou que, a partir de final de 60, «também apareceram nas cadeias,
julgados e condenados, os antifascistas provindos de outras organizações, designadamente de FAP
ou do MRPP» ou das colónias. A organização dos presos «marxistas-leninistas» de Peniche emitiu,
em 1966, um documento de balanço das actividades desses presos, onde se defendia uma
aproximação aos trabalhadores de base do PCP, mas um afastamento relativamente aos detidos
democratas liberais (Nota 2).
Em 14 de Julho de 1970, os presos «marxistas-leninistas» enviaram para o exterior de Peniche uma
informação sobre uma greve da fome realizada no início do mês por 20 presos, com os quais se
tinham solidarizado presos do MPLA, da FRELIMO, da LUAR, da FAP/CMLP e da 4.a
Internacional, bem como alguns dos elementos do PCP, apesar da sabotagem dos «revisionistas».
Alguns foram sujeitos a entubamentos à força e Pulido Valente, Rui d’Espiney e Vítor Soares foram
transferidos para Caxias em estado grave (Nota 3).
Essa greve e outras posteriores, levadas a cabo pelos detidos dessa corrente, acabaram por ser
triunfantes, pois a partir de então o ambiente da cadeia tornou-se muito mais distendido, sobretudo
no 2.° piso do pavilhão B (Nota 4). Como se viu, em Peniche os presos do PCP e os «outros»
(coloniais, marxistas-leninistas e elementos da LUAR) estavam alojados em pisos diferentes. Mas o
mesmo não acontecia em Caxias, onde os presos não se distinguiam «pela pertença a uma ou outra
organização» e todos «eram tratados por igual», conforme contou José Lamego, detido sob a
acusação de pertencer ao MRPP (Nota 5).

XVI.3.3. As fugas das prisões

Uma forma superior de luta prisional era, sem dúvida, a fuga de uma cadeia, e o certo é que evasões
de presos políticos, houve-as desde sempre, pelo menos até 1961, quando, na sequência das
ousadas fugas colectivas de Peniche e de Caxias, a PIDE e os Serviços Prisionais colocaram
«trancas à porta».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 409/47 SR. Acontecimentos de Peniche; Fernando Mestrinho, «Peniche era
uma máquina de torturar», in Diário de Lisboa, 27/5/1974, p. 13; Fernando Miguel Bernardes, op.
cit., pp. 116 e 117; O Diário, 5/6/1976.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1397/67.
Nota 3 - Ibidem, pr. 5329/63 SR, Estudantes, pasta 1, Instituto Superior Técnico, fl. 4.
Nota 4 - Ibidem, pr. 2988 Cl (2), Francisco Martins Rodrigues, RPL, 18/4/1971, fls. 39 e 43- -48;
ibidem, pr. 3529/62, pasta 194, Faculdade de Direito, 1970/71, fl. 112.
Nota 5 - Miguel Medina, Esboços, vol. 2, testemunho de José Lamego, pp. 132 e 135.

450
XVI.3.3.1. As fugas das prisões entre 1945 e 1954

Ao contrário do que se passou anteriormente, após 1945 as fugas individuais foram esporádicas.
Um dos casos foi o de Hermínio da Palma Inácio, preso em 6 de Setembro de 1947, que fugiu do
Aljube em 1949 (Nota 1). Nessa prisão, todas as janelas eram então «gradeadas, menos uma,
pequenina, numa arrecadação à altura de um 5.° andar, a caminho do gabinete de inspecção
médica». Palma Inácio enrolou lençóis nas pernas, debaixo das calças, e meteu-se na fila para aí ser
atendido, às 8 horas da manhã. Aproveitando um momento de ausência do guarda, utilizou os panos
como corda e escapou-se para o pátio, 15 metros abaixo (Nota 2).
Na noite de 2 para 3 de Novembro de 1950, foi a vez de Jaime Serra e Francisco Miguel Duarte se
evadirem da sala 5 de Peniche, embora o segundo tenha sido recapturado no dia seguinte (Nota 3).
Segundo o relato de Serra, depois da fuga, já no exterior, à entrada de São Bernardino, os dois
fugitivos foram detectados pelos guardas Esteves e Afonso José, que imobilizaram Francisco
Miguel e acabaram por capturá-lo, com a ajuda de uns camponeses da região (Nota 4).
Em 1954, o chefe de brigada Leitão Bernardino deslocou-se a Peniche para investigar uma tentativa
de evasão descoberta dias antes, em 20 de Janeiro, quando o chefe dos guardas Ramos detectara
duas tábuas do soalho levantadas numa caserna onde estavam alojados 19 detidos. O chefe Ramos
deu conta de que vários guardas prisionais não mereciam confiança, entre os quais se contava o
guarda Afonso José. Ora este último era o mesmo que tinha recapturado Francisco Miguel em 1950
(Nota 5), e ao qual, de forma contraditória, Joaquim Campino tentara «dar a volta», pois havia
estabelecido com ele, em Caxias, uma «estranha cumplicidade» em 1945 (Nota 6).
Na madrugada de 18 para 19 de Dezembro de 1954, foi a vez de António Dias Lourenço se evadir
do forte de Peniche, ficando então um chefe de brigada da PIDE incumbido de realizar um
inquérito sobre a fuga, que foi talvez a mais audaciosa das evasões individuais de presos políticos.
Entre as certezas formuladas no relatório da PIDE, contava-se o facto de ter havido, no mínimo,
negligência da parte dos guardas, além de se colocar a questão de saber como teria o preso recebido
o material necessário para os preparativos da fuga, concluindo-se que um guarda teria sido
subornado. A suspeita do investigador recaiu sobre o já referido guarda Afonso José, de Estremoz,
até por ser pobre, com muitos filhos, «primário» e amante da «pinga» (Nota 7).

Nota 1 - MAI-GM, caixa 011, pasta «ministério das Comunicações».


Nota 2 - «O aventureiro da liberdade perdida», in Visão, 16/6/1994, pp. 40 e 42.
Nota 3 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, pp. 113 e 114, testemunho de Jaime Serra.
Nota 4 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber..., pp. 76 e 77.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 119, pasta «Lisboa». Os outros guardas nomeados eram António Cruz,
Júlio Catarino, Samuel de Almeida e Manuel Braz.
Nota 6 - Joaquim Campino, Histórias Clandestinas, pp. 159, 162 e 163.
Nota 7 - PIDE/DGS, pr. cr. 1144/49.

451

XVI.3.3.2. O papel de alguns guardas prisionais

Abra-se um parêntese para observar que, enquanto alguns guardas prisionais tratavam mal os
presos, outros contribuíram para lhes minorar a vida dura das prisões, chegando a ser punidos por
auxiliarem detidos políticos. Mateus da Silva Gregório, preso em 1945 por pertencer ao MUD,
testemunhou que, nesse período em que tinha perdido vários quilos, foi ajudado pelo guarda
Matoso, de Silves, que o conhecia e lhe levava às escondidas sanduíches de fiambre, queijo e
presunto (Nota 1). No ano seguinte, um guarda prisional foi castigado, em Caxias por «se ter
prestado a conduzir a correspondência de um recluso para o exterior, sem ser vista pela censura»
(Nota 2). Em finais de 1950, um guarda prisional de Peniche foi acusado pelo chefe dos guardas de
prestar auxílio aos presos e foi punido com transferência para outra prisão, enquanto, no mesmo
período, outros colegas seus sofreram perseguições por «fazerem vista grossa» aos «contactos
organizativos» dos presos (Nota 3).
É possível que um desses casos tenha ocorrido com o guarda prisional Álvaro dos Santos Martins,
que, após 1974, contou a forma como foi vítima da PIDE. Segundo relatou, mal chegou a Peniche,
no início dos anos 50, o chefe dos guardas Ramos começou a persegui-lo. Um dia, o inspector dos
Serviços Prisionais, Orbílio Barbas, avisou-o de que tinha sido alvo de uma denúncia, pelo que o ia
transferir para Caxias, para evitar «o pior». O pior aconteceu em 9 de Janeiro de 1954, quando
cerca de seis elementos da PIDE o foram buscar ao reduto sul de Caxias, onde trabalhava, e,
acusando-o de pertencer ao PCP, o levaram para o terceiro andar da sede da polícia, onde foi
pontapeado.
Ao ser interrogado por uma equipa dirigida pelo inspector Porto Duarte, o então subinspector
Gouveia disse àquele: «este homem não tem nada, o mais que pode ser, é um descontente». Isso
não obstou porém a que o próprio Gouveia colocasse Álvaro Martins no «sono» e na «estátua»,
antes de Chico Fernandes lhe dar uma «chapada e um pontapé». O guarda prisional foi ainda
sujeito a diversos castigos, um dos quais consistiu no seu envio para as casamatas de Caxias, onde
ficou, com oito companheiros, durante 20 dias, a dormir no chão, na escuridão, sem roupa para se
tapar. Sujeito a dois processos, um comum, nas Caídas da Rainha, onde foi absolvido, foi
condenado, no processo político, a dois anos e meio de pena maior e medidas de segurança de seis
meses, que cumpriu (Nota 4).
Mais tarde, como se verá, o servente prisional do Aljube, José Martins, foi alvo de um processo
pela PIDE. Retratando-o como «um homem humilde e bom — o mais longe possível dos interesses
da política», Mário Soares referiu que José Martins «acabara por ganhar à polícia uma raiva
profunda» e não perdia «oportunidade de se mostrar solidário com os presos e de lhes prestar,
sempre que podia, pequenos serviços, quase só de pura humanidade».

Nota 1 - António Ventura, Memórias da Resistência, pp. 269 e 270.


Nota 2 - PIDE/DGS, OS 126, de 6/5/1946, OS 135, de 15/5/1946.
Nota 3 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, p. 63.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar. Fernando Gouveia, 4.° Juízo do TMT, proc. 21/80, pasta 67,
arquivo 625, auto 44, que começou em 23/10/74. vol. 1. fls 389-392.

452

Soares acrescentou que terá sido Rolando Verdial — elemento do PCP que passou a colaborar com
a polícia — a denunciar José Martins à PIDE (Nota 1). O certo é que a vingança desta polícia foi
feroz. Não só foi espancado durante dias, como a PIDE o atirou pelas escadas abaixo, no Aljube,
gritando-lhe que era «traidor» (Nota 2).
Diga-se, aliás, que não foram apenas alguns guardas prisionais que prestaram apoio a presos
políticos, pois tal também sucedeu, embora excepcionalmente, com elementos da GNR, como foi o
caso daquele que colaborou na fuga colectiva de 10 dirigentes comunistas de Peniche. Refira-se
ainda que também alguns presos comuns foram aliciados a auxiliarem presos políticos, por
exemplo, em troca de tabaco: aconteceu em 1966 com um detido comum, que foi apanhado com
um documento para ser entregue a outros presos políticos. O próprio guarda que apreendeu os
papéis acabou por ser transferido para a prisão de Pinheiro da Cruz, por os ter «inexplicavelmente»
retido durante cinco dias, enquanto o preso comum foi removido para a cadeia comarcã de Lisboa
(Nota 3).
XVI.3.3.3. As fugas na segunda metade dos anos 50

Voltando às fugas das prisões políticas, em 27 de Abril de 1955 o «recordista» de fugas das prisões
políticas Jaime Serra tentou de novo evadir-se do Aljube, serrando tábuas do soalho e abrindo um
buraco por onde desceu, através de uma improvisada escada, feita de tiras de lençol. A tentativa
gorou-se em virtude de um dos guardas em serviço na cadeia, Manuel Fernandes, ter decidido
inspeccionar a sala vazia, deparando-se com a escada suspensa e o pedaço de parede da janela já
esburacada.
Transferido para Caxias, Jaime Serra tentou novamente fugir, começando por obter, com um
pedaço de sabão, o molde da fechadura do portão de serviço da fortaleza, do lado norte. Depois, foi
executada, no exterior, uma chave. Houve então um percalço, pois Serra foi castigado e enviado
para o Aljube, mas levou a chave. Ao regressar a Caxias, retomou o projecto de fuga, e evadiu-se
em 3 de Março de 1956. Além de um funcionário de Caxias, foi detido um guarda, depois suspenso
do serviço (Nota 4).
Em 25 de Maio de 1957, fugiram do Aljube Rolando Verdial, Américo Gonçalves de Sousa e
Carlos Brito. Após tomarem conhecimento de que estava devoluto o último andar de um prédio
vizinho contíguo à cadeia, os dirigentes comunistas presos elaboraram, em colaboração com a
estrutura do PCP, o plano da fuga. Fingindo alugar esse andar, a militante do PCP Deolinda Franco
visitara-o na véspera de fuga e deixara uma janela aberta. Os fugitivos passaram, através de uma
grade (previamente serrada), para o algeroz, desceram por uma corda os seis metros entre este e o
telhado do primeiro prédio, atravessaram o telhado deste e passaram para o segundo prédio,
introduzindo-se no andar devoluto, através de uma varanda para a qual saltaram.

Nota 1 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 304-306.


Nota 2 - Testemunho dado à autora por Fernando Rosas, em 12 de Março de 2003.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 514/64, Maria Lourenço Cabecinha.
Nota 4 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber, pp. 88, 90, 91 e 94-96.

453

Já no exterior, surgiu então o primeiro percalço da fuga, com a ausência do automóvel de apoio, o
que obrigou os evadidos a correr até ao Largo da Graça, onde apanharam um táxi (Nota 1).

XVI. 3.3.4. Fugas de hospitais

Presa em 17 de Dezembro de 1949, Georgette de Oliveira Ferreira foi internada no Hospital de


Santo António dos Capuchos, de onde fugiu em 4 de Outubro de 1950. No dia combinado,
«ajudada por alguém do hospital», dirigiu-se a um laboratório de análises clínicas, cuja sala dava
para a rua. Sempre «muito ajudada», entrou para uma casa do banho contígua ao laboratório onde
deixou o roupão, mudou de penteado e saiu para a rua onde a esperavam num carro (Nota 2).
Segundo contou Georgette recentemente, foi o médico Arménio Ferreira que a ajudou a fugir (Nota
3).
Também do hospital, mas do de São José, em Lisboa, fugiu, em 22 de Fevereiro de 1958, Fernando
Blanqui Teixeira, enquanto esperava a consulta (Nota 4). No ano seguinte, numa carta ao Ministério
da Saúde e Assistência, a PIDE lembrou que, «em condições ainda inexplicáveis», vários tinham
sido «os indivíduos que, por dificuldades impostas à necessária manutenção de vigilância que sobre
eles deveria exercer-se, conseguiram evadir-se quando, para receber tratamento ou já internados, se
encontravam nos Hospitais civis» (Nota 5).
Um desses detidos, que fugiu na madrugada de 16 de Janeiro de 1959, foi o capitão Henrique
Galvão. No processo levado a cabo contra os agentes Manuel Rendeiro, Lázaro Gomes, Luís Vale
de Matos, José Alves da Silva e José Saraiva, que vigiavam Galvão, a PIDE apurou, através de
enfermeiras, que, para satisfazer as suas necessidades, o detido se servia habitualmente, do quarto
de desinfecções. Ora, sempre que se dirigia para este quarto, Galvão colava-se à parede, concluindo
Casaca Velez que ele tomava essa atitude para criar um hábito e mais facilmente efectuar a evasão.
Tudo levava, assim, a crer, segundo a PIDE, que ele tivesse fugido através do quarto de
desinfecção, de cuja janela passara para as instalações sanitárias, e destas para a casa de banho das
enfermeiras (Nota 7).
Depois de Georgette Ferreira, Adélia Terruta foi a segunda mulher a fugir de um hospital, neste
caso do de Santa Maria, quando aí se deslocou para uma consulta de ginecologia (Nota 8). No
processo movido ao agente Orlando Mendes, que acompanhara Adélia Terruta, este contou que a
detida tinha pedido para ir à casa de banho, de onde aproveitara para transpor uma parede que
separava essa divisão de um gabinete contíguo. Orlando Mendes foi punido com 15 dias de
suspensão de vencimento (Nota 9).

Nota 1 - Carlos Brito, Tempo de Subversão, pp. 50-51 e 54.


Nota 2 - Rose Nery Nobre de Melo, op. cit., p. 68, depoimento de Georgette Ferreira; PIDE/ /DGS,
pr. cr. 1144/49.
Nota 3 - João Céu e Silva, Álvaro Cunhal e as Mulheres Que Tomaram o Partido, Lisboa, Edições
Asa, 2006, pp. 115 e 116.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. n, pp. 88 e 91, testemunho de Blanqui Teixeira.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 503/59 SC, Div. Inv.
Nota 6 - Ibidem, pr. dir. 42/952, S. Inv.
Nota 7 - Ibidem.
Nota 8 - Ibidem, pr. 1 GT; pr. 1207/58 e pr. 9/59 SR.
Nota 9 - Ibidem, pr. 27/59.

454

Preso em 13 de Março de 1959 devido ao envolvimento no chamado «golpe da Sé», Manuel Serra
conseguiu evadir-se do Hospital do Rego em 10 de Fevereiro do ano seguinte (Nota 1). Serra ficou,
primeiro, asilado na Embaixada de Cuba, na Rua Pascoal de Melo, onde deixou crescer as barbas,
para voltar a cortá-las ao evadir-se daí para a Embaixada do Brasil. Mário Soares contou que um
dos agentes que vigiava Serra lhe contou ter tido «não poucos dissabores na corporação por causa
da fuga» (Nota 2). Tratou-se de Augusto Santos Correia, que, com o outro agente de vigilância,
João Luís da Silva Forte, foram suspensos de exercício de funções e vencimento por,
respectivamente, 90 e 120 dias (Nota 3).
A última fuga de um hospital, desta vez do primeiro andar do Hospital da Ordem Terceira, em
Lisboa, foi a de Isidro da Conceição Paula, em 18 de Julho de 1963. Segundo o inquérito da PIDE,
quando o agente de vigilância entrara de turno, substituindo o seu colega Santos Costa, pelas 9
horas da manhã, Isidro Paula pedira-lhe para sair do quarto, pois precisava de dormir. O agente
saíra, sem se lembrar de que a chave ficara por dentro, e, momentos depois, ouvira um estrondo,
tentando, sem o conseguir, abrir a porta. Após ter fechado por dentro o seu quarto, Isidro Paula
levantara a bandeira superior da janela, que dava para as traseiras do hospital, evadindo-se através
dessa abertura. Devido à fuga de Isidro Paula, foram punidos os agentes José Caldeira Fernandes,
com 60 dias, e Eduardo Sousa Lopes, com 10 dias (Nota 4).

XVI.3.3.5. As Jugos colectivas de Peniche e de Caxias


O período de 1959/1960 foi marcado por «dois factos sensacionais», como observou Mário Soares:
as fugas do capitão Henrique Galvão do Hospital de Santa Maria e dos 10 dirigentes do PCP do
forte de Peniche. «Com estes dois golpes, o prestígio da PIDE ficou singularmente abalado», tendo
sido «indescritível a alegria que qualquer deles provocou no comum da população, mesmo entre a
gente não politizada». Depois, «duas outras fugas haviam de comprovar este acerto»: a «proeza
invulgar de um grupo de dirigentes do partido comunista, que conseguiu fugir do Forte de Caxias e,
em 1969, a fuga da prisão da PIDE, do Porto, do dirigente revolucionário do LUAR, Hermínio da
Palma Inácio» (Nota 5).
Lembre-se que as fugas colectivas de presos do PCP eram objecto de preparação prévia e discussão
no seio da organização comunista prisional, que escolhia os quadros que deveriam participar nas
evasões. Nunca nenhuma mulher foi, aliás, alvo de escolha, e as únicas duas presas políticas do
PCP que lograram fugir — Georgette Ferreira e Adélia Terruta —, fizeram-no aproveitando o facto
de estarem internadas num hospital (Nota 6).

Nota 1 - Ibidem, pr. 730 GT, fl. 3.


Nota 2 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 321.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 021, pasta 20, 1960, pr. 13/60.
Nota 4 - Ibidem, Proc. Disciplinar 22/63, agentes auxiliares José Caldeira Fernandes e Eduardo
Rosa Sousa Lopes e agente de 2ª classe Jorge Henrique dos Santos Costa, fl. 2.
Nota 5 - Mário Soares, Portugal Amordaçado, pp. 260-262.

455

A fuga colectiva de Peniche foi provavelmente a mais importante e bem-sucedida evasão colectiva
de presos políticos, ficando na memória e na história do PCP como uma estrondosa vitória deste
partido (Nota 1).
Em 3 de Janeiro de 1960, escaparam dessa fortaleza Jaime dos Santos Serra, Pedro dos Santos
Soares, Rogério Rodrigues de Carvalho, Álvaro Barreirinhas Cunhal, Guilherme da Costa
Carvalho, Joaquim Gomes dos Santos, Carlos Campos Rodrigues da Costa, Francisco Miguel
Duarte, José Carlos (Miguel da Costa Rito), Francisco Martins Rodrigues e José Augusto Jorge
Alves, o soldado da GNR que facilitou a fuga (Nota 2). Jaime Serra, que participou na evasão de
Peniche, contou que, a «dada altura, por meados de 1959, o dirigente do PCP Joaquim Gomes dos
Santos conseguiu meter conversa, através das grades da janela da sua cela», com o guarda da GNR
que viria a ser a «chave mestra da fuga, o soldado Jorge Alves» (Nota 3).
Carlos Costa, outro dos participantes na fuga, contou que lhe coube a tarefa de «entreter» e atrair
outro guarda (prisional) «ao local onde devia ser dominado», através de anestesia, «com todos os
cuidados, para que não sofresse danos desnecessários» (Nota 4). Ocorreu depois a segunda fase da
operação, no exterior do bloco prisional. Serra e Álvaro Cunhal constituíram o primeiro grupo,
percorrendo, sob a capa do guarda Jorge Alves, a distância que os separava de uma horta existente
num terreno subjacente à muralha da fortaleza. Alcançado o torreão, os fugitivos amarraram a uma
fresta uma ponta da «corda» de tiras de lençol, por onde desceram, saltando depois o muro exterior
do fosso e atravessando o «largo do jogo da bola» misturados com populares que vinham de assistir
ao jogo de futebol (Nota 5).
Após a evasão de Peniche, na qual participaram quase todos os detidos do terceiro piso do pavilhão
C, os quatro presos que não se juntaram à fuga sentiram na pele a repressão. Foram transferidos
para o Aljube e sujeitos a um processo por «tentativa de assassínio» na pessoa do guarda Serrado, o
qual tinha sido adormecido pelos fugitivos. Embora este processo não tenha ido por diante, dois dos
presos sofreram a «estátua» na sede da PIDE para que contassem o que sabiam da fuga (Nota 6).
Em Caxias, para travar a organização das lutas prisionais e as fugas, a direcção da prisão impedia
habitualmente a permanência dos dirigentes comunistas na mesma sala, dispersando-os pelas várias
celas comuns e transferindo-os regularmente. Essa situação acabou por ser benéfica para os detidos,
pois possibilitou-lhes o contacto directo com outros presos e a preparação de uma fuga colectiva
desse forte.
Segundo contou Rolando Verdial ao inspector Cunha Passo em 1963, as ligações para o exterior, na
preparação da evasão de Caxias, teriam sido feitas através de José Magro, que comprara duas malas
de mão iguais, sendo as mensagens do interior da cadeia levadas numa e as do exterior introduzidas
noutra, pela sua mãe, Flora Magro.

Nota 1 - MAI-GM, caixa 174, pasta «eleições presidenciais», inf. n.° 28/58, SR 15/4/58.
Nota 2 - José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, pp. 106 e 107; PIDE/DGS, pr. 58 GT, Pires
Jorge.
Nota 3 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber, pp. 117-120, 124 e 125; Avante!, ano 44, Série
VII, n.° 35, 3/1/1975, suplemento sobre «A fuga de Peniche», pp. 1-3; Jaime Serra, Eles Têm o
Direito de Saber, pp. 117-120, 124 e 125.
Nota 4 - Miguel Medina, Esboços, vol. II, pp. 29-31.
Nota 5 - Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber, pp. 117-120, 124 e 125.
Nota 6 – Idem, Ibidem, pp. 110-111.

456

No interior de Caxias, as ligações eram feitas através de Tereso, motorista da Carris, e de um outro
detido, enquanto no apoio à fuga no exterior estava, entre outros, o engenheiro Abreu e Franco de
Sousa (Nota 1). Além do motorista da Carris, foram escolhidos para participar na fuga os três
membros do CC, Francisco Miguel Duarte, Guilherme da Costa Carvalho e José Magro, bem como
Domingos Abrantes Ferreira, Ilídio Dias Esteves, António Gervásio e Rolando Verdial. Como este
viria a colaborar depois com a PIDE, a sua participação na fuga é pura e simplesmente omitida
(Nota 2) ou referida com desprezo (Nota 3).
Os fugitivos, através de José Magro, começaram por convencer o preso António Alexandre Tereso a
simular ser um «rachado» — preso que colaborava com os carcereiros para obter benefícios — e
ganhar a confiança dos guardas para, desse modo, trabalhar na garagem da cadeia. Tereso relatou,
mais tarde, que entretanto, o director da prisão morrera, sendo substituído pelo subinspector da
PIDE Gomes da Silva, junto do qual o detido ganhara confiança, conseguindo ser colocado a tratar
do Chrysler de Salazar, que aí se encontrava (Nota 4). Numa ocasião, Gomes da Silva sugerira-lhe
que os dois fossem dar um passeio nessa viatura, na segunda-feira seguinte, precisamente no dia
para o qual a fuga foi marcada.
Durante o fim-de-semana, Tereso foi despejando no Chrysler gasolina retirada dos depósitos dos
outros automóveis, e, na manhã de segunda-feira, meteu-se na viatura blindada. No dia 4 de
Dezembro de 1961, estavam os presos no recreio quando António Tereso foi buscar o automóvel
blindado à garagem, conduzindo-o de marcha-atrás pela rampa do túnel. Ao faltarem cinco minutos
para as 10 horas, Tereso arrancou e então tudo se passou em menos de um minuto, após Magro
gritar a senha «golo!». Os fugitivos entraram a correr na viatura, que prontamente atravessou o
túnel em direcção ao portão da entrada. José Magro mencionou, depois, que já estavam então sob o
fogo de um soldado da GNR, que dera o sinal de alarme, embora, na versão de Francisco Miguel,
os guardas que se encontravam no exterior de nada se tivessem apercebido. Ao sair do túnel, o
automóvel desembocou na parada, embatendo violentamente contra o portão da saída, e percorreu,
após uma curva apertada, o caminho de acesso à auto-estrada, debaixo de fogo dos elementos da
GNR. A viatura atingiu depois, em alta velocidade, o Viaduto Duarte Pacheco, e dirigiu-se, pela
Rua do Alvito, até Alcântara, onde Guilherme da Costa Carvalho e Francisco Miguel foram os
primeiros a apear-se.
Nota 1 - PIDE/DGS, Mário Soares, pr. 2069/67, vol. 2, fl. 61.
Nota 2 - Francisco Miguel, Das Prisões à Liberdade, Avante!, 1986, p. 102.
Nota 3 - Cartas da Prisão, 1975 (2,a ed.), p. 79. José Magro não deixa de mencionar a presença
do «miserável Verdial» na evasão, embora só contabilize «sete» fugitivos, quando foram oito no
total. Este dirigente acrescentou ainda, no seu relato, que a participação na fuga de outros três
presos, José Pacheco, João Camilo e Júlio Fogaça, foi vetada pelo PCP, «por falta de lugar e por
necessidade de apoio local».
Nota 4 – A Capital, 9/1/1975.

457

Seguiu depois até à Rua do Arco de Carvalhão, onde os últimos dois presos, que ainda aí se
encontravam, abandonaram o carro (Nota 1).

XVI.3.3.6. Uma fuga da prisão da delegação da PIDE do Porto (1962)

No ano seguinte, dois militantes do PCP, Joaquim Araújo e José Augusto Silva Marques,
conseguiram evadir-se da delegação da PIDE do Porto. A cela de Silva Marques era a primeira de
uma série de outras, ao longo do corredor, tendo à sua esquerda uma escada para o primeiro andar,
onde se situava um quarto de banho. Quando os presos para lá se deslocavam, ao dobrarem a
esquina da escada com o corredor e a cela de Silva Marques, havia um momento em que ficavam
fora da vista do guarda. Esta descoberta levou os dois detidos, que estavam em celas contíguas, a
encontrar a «chave» para saírem da cela.
Ao fim da tarde de 6 de Agosto de 1962, J. Araújo pediu para ir à casa de banho e, no regresso, ao
dobrar a esquina da escada com a cela de Silva Marques, desengatou o ferrolho da porta sem que o
guarda visse e penetrou na sua própria cela. A um sinal previamente combinado, um outro preso —
que ignorava o plano — chamou o guarda para se deslocar à casa de banho, e Silva Marques abriu a
sua cela e puxou o ferrolho da porta de J. Araújo. Depois de terem corrido os ferrolhos por fora,
dirigiram-se ao pátio, que atravessaram rastejando ao longo das paredes, alcançaram o fundo no
ângulo do edifício da PIDE com o muro do cemitério, que estava então com andaimes, conforme os
detidos se haviam certificado anteriormente. Treparam-nos, descendo depois «à bombeiro» por um
poste, e, «cozidos ao muro», atravessaram o cemitério e escalaram as grades pontiagudas do portão
fechado, perante o olhar atónito de pessoas que lá se encontravam (Nota 2).

XVI.3.3.7. A última fuga de um preso político (1969)

Depois desta fuga, apenas houve mais uma de um preso político, aliás também da cadeia da
delegação do Porto da então DGS: a de Hermínio da Palma Inácio, em 8 de Maio de 1969. Este
havia sido novamente detido, como se viu, em 20 de Agosto de 1968, no falhado golpe de tomada
da Covilhã, ficando em Caxias antes de ser transferido para o Porto, para ser julgado.

Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 16827/62, fl. 396; AOS/CO/PC-77, pasta
78, «Fuga de presos do reduto norte de Caxias». Diga-se que o carro blindado utilizado para a fuga,
apresentado como sendo de Salazar e a este oferecido por Hitler, tinha a matrícula HE-10-32 e foi,
mais tarde, depois da fuga, encontrado na Rua do Arco do Carvalhão.
Nota 2 – J. A. Silva Marques, Relatos da Clandestinidade, pp. 118, 119 e 122-1235

458
No princípio de 1969, um inspector superior da DGS dera conhecimento a José Barreto Sacchetti,
director dos Serviços de Investigação, da tentativa de introdução, pela irmã de Palma Inácio, em
Caxias, de umas serras dissimuladas nas capas de uma agenda. No entanto, dias depois da data
prevista para a visita, o responsável pelo forte de Caxias, Gomes da Silva assegurou que nada tinha
sido entregue a esse recluso, embora Sacchetti fosse posteriormente informado por Barbieri
Cardoso e Pereira de Carvalho de que a agenda já se encontrava em poder de Palma Inácio (Nota
1).
Veja-se como tudo se passou. Para protegerem o informador no seio da LUAR, Ernesto Castelo
Branco («Canário»), os elementos da PIDE/DGS Pereira de Carvalho e Barbieri Cardoso
arranjaram as serras, entregues por aquele à irmã de Palma Inácio. Esta entregara depois ao irmão
um embrulho contendo uma agenda com as tais serras escondidas e partira para Londres, apurando
que a encomenda só chegara às mãos de Palma Inácio quatro semanas depois. Mal sabia a irmã de
Palma Inácio que «a sua artimanha era do conhecimento da PIDE», mas que esta «foi impotente
para desfazer o engenho do processo utilizado» (Nota 2), pois nada foi encontrado na revista.
Fernando Pereira Marques, outro membro da LUAR que esteve detido com Palma Inácio na cela da
delegação do Porto, também narrou, mais tarde, a «fuga que deixou a PIDE verdadeiramente
desesperada pela sua ineficácia». Lembrou que, ao ser transferido de Caxias para a delegação do
Porto, onde seria julgado, Palma Inácio levou as serras, com as quais serrou as grades durante as
noites de chuva, disfarçando cada corte com uma massa de pão e cinza. À beira de ser transferido,
Palma Inácio iniciou a fuga, ajudado por Pereira Marques. Tiraram os parafusos da bandeira da
janela, que este voltou a colocar depois da fuga, e após o fugitivo atravessar o patamar, deslizou
sobre um telhado de zinco, visível da janela do piquete da PIDE/DGS, o que demorou quase uma
hora. Palma Inácio saltou, em seguida, para a rua, caindo por trás da guarita do guarda, que, devido
à chuva, estava dentro do seu abrigo, e passou, assim, diante deste, com um lenço à cabeça (Nota
3).
O inspector Abílio Pires atribuiu a fuga colectiva de Peniche... à própria PIDE/DGS (!), o que
parece, no mínimo, duvidoso. Já na fuga de Palma Inácio, houve de facto a mão involuntária desta
polícia. O mesmo Abílio Pires garantiu ter sido ele próprio a comprar as serras, para proteger um
infiltrado no seio da LUAR, afirmando que a fuga de Palma Inácio valia bem a protecção de um
informador (Nota 4). Refira-se ainda que, na sequência de um inquérito conduzido por Fernando
Gouveia relativo à fuga de Palma Inácio, foram suspensos o chefe de brigada António de Matos
Pais, o agente de 2.a Rogério Guimarães Lages e o guarda dos serviços prisionais Fernando Martins
de Lemos, da delegação do Porto (Nota 5).

Nota 1 - Dossier P.I.D.E.: Os Horrores e Crimes de Uma Polícia, pp. 25-28.


Nota 2 - Diário de Lisboa, 3/5/1974.
Nota 3 - A Capital, 251211975, pp. 12-13; «O aventureiro da liberdade perdida», in Visão,
16/6/1994, pp. 40 e 42; PIDE/DGS, pr. 457 GT, Hermínio da Palma Inácio, fls. 45, 50 e segs. e 54.
Nota 4 - Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 121.
Nota 5 – MAI-GM, caixa 359, pasta «pessoal».

459

XVII. AS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Chegados a este ponto, convém recapitular de que forma funcionava o processo de repressão
política da PIDE/DGS. Lembre-se que qualquer opositor ao regime podia permanecer preso durante
três meses por simples decisão da polícia e bastava um pedido da PIDE ao Ministério do Interior
para que esse período fosse prorrogado por mais duas etapas de 45 dias cada. Como a prorrogação
nunca era recusada, o detido ficava detido durante seis meses sem culpa formada, fora de controlo e
de intervenção do poder judiciário. Não era assistido por advogado e nem ele nem os seus
familiares tinham o direito de saber as acusações que pesavam sobre ele.
Depois de seis meses, a instrução secreta terminada, o réu tinha a faculdade de pedir uma instrução
contraditória ou fazer ouvir testemunhos, mas, nesse estádio, a PIDE podia pedir ao plenário a
aplicação imediata e anterior a toda a condenação de uma medida de segurança, que a própria
polícia tinha a possibilidade de aplicar durante seis meses. Além desse tempo de prisão sem culpa
formada e da possibilidade de uma medida de segurança preventiva, um dos instrumentos mais
terríveis na mão da PIDE/ /DGS foi a medida de segurança, cumprida depois da pena de prisão, que
prolongava o tempo de reclusão.

XVII.1. A INTRODUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA EM PORTUGAL

O Direito português já conhecia as medidas de segurança, desde o final do século XIX, através de
uma lei de 21 de Abril de 1892, segundo a qual os réus condenados como reincidentes ou vadios
ficavam à disposição do governo para serem transportados paras as colónias, após o cumprimento
das respectivas penas. Depois, a Constituição portuguesa de 1933 declarara que, para prevenir os
delitos, seriam instituídas penas e medidas de segurança «com o objectivo de defender a sociedade
e a readaptação social do delinquente». O Decreto-Lei n.° 23 203, de 6 de Novembro de 1933
consagrara, por seu turno, para os condenados pela prática de crimes de terrorismo e de imprensa
clandestina, uma medida de segurança ordenada pelo tribunal (Nota 1). Tratava-se da colocação do
condenado, depois do cumprimento da pena, à disposição do governo, no local e pelo período que
este — ou seja, o Ministério do Interior e a PVDE — bem entendesse.

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa, p.


525.
460

Antes de 1945, na prática, a prisão posterior ao cumprimento da pena aplicada aos autores de
crimes políticos era prolongada indefinidamente com base numa ordem de prisão preventiva,
decidida pelo director da PVDE ou do ministro do Interior. Para só dar alguns exemplos de presos
políticos quase «perpétuos» em Portugal, refira-se os casos (Nota 1) do artilheiro Jaime Francisco e
do marinheiro Oliver Branco Bártolo, ambos condenados a penas de 23 meses de prisão
correccional, que cumpriram em Março e Abril de 1937, mas permaneceram em prisão
«preventiva» e só regressaram do Tarrafal em Fevereiro de 1946 (Nota 2).
Apenas em 1945 foi posto fim a essa prática detentiva arbitrária, quando a concessão da liberdade
condicional aos arguidos condenados por crimes políticos passou a ser fiscalizada por via
administrativa, pelo próprio ministro da Justiça, então Cavaleiro Ferreira (Nota 3). Nesse ano, o
Decreto-Lei n.° 34 674, de 18 de Junho, estabeleceu a divisão dos estabelecimentos prisionais,
separando os destinados ao cumprimento de penas dos reservados à execução de medidas de
segurança. Depois, o Decreto-Lei n.° 35 007, de 13 de Outubro, estipulou que as medidas de
segurança, com o objectivo de «evitar grave perigo de repetição de factos criminosos», só podiam
ser aplicadas pelo juiz, a requerimento do ministério.
Essas medidas, porém, apenas abarcavam, nesse período, o internamento em manicómio ou anexo
psiquiátrico, interdição do exercício de profissões ou de certos direitos, liberdade vigiada, proibição
de residência no local da falta ou fixação de residência. Devido ao art.° 8 do Decreto-Lei n.° 35 042
de 1945, podiam ainda ser aplicadas, antes do julgamento, medidas provisórias de segurança pelo
subdirector e pelo director da PIDE, durante a instrução do processo.
Quanto à prisão sem culpa formada, os funcionários superiores da PIDE — director, subdirector e
inspectores superiores —, tal como na PJ, podiam ordená-la nos termos do Código Penal e do
diploma n.° 35 042. Essa competência também foi estendida, mais tarde, através do Decreto-Lei,
n.° 39 749, de 9 de Agosto de 1954, aos subinspectores e chefes de brigada, os quais não podiam
ser considerados abrangidos «pelo conceito de autoridade», conforme observou a jurista Maria
Leonor Palma Carlos, segundo a qual também se excluía a validação judicial na instrução
preparatória do processo, pois esta se processava administrativamente. Esta atribuição de poderes
discricionários a grande número de entidades, inclusivamente funcionários subalternos da PIDE,
era tanto mais grave — acrescentou Leonor Palma Carlos — quanto se referia «a processos de
natureza política ou social», em que a perigosidade dos indivíduos era «susceptível de apreciação
pouco objectiva» (Nota 4).

Nota 1 - Arquivo do Ministério do Interior no IAN/TT, gabinete do ministro, maço 535, caixa 93.
Nota 2 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pp. 525 e 526.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 527 e 529.
Nota 4 - Maria Leonor da Palma Carlos, «Entidades competentes para ordenar prisão preventiva
sem culpa formada e medidas provisórias de segurança», palestra realizada na conferência
preparatória dos estagiários de Lisboa, na Ordem dos Advogados, em 16/4/1964, Lisboa, OAP,
1965, pp. 8, 13-14 e 21.

461

XVII. 1.1. Fixação de residência, expulsão e interdição de saída do país

Por seu turno, o advogado Vasconcelos Abreu anotou o endurecimento legislativo, no instituto da
prisão preventiva, dando como exemplos as alterações ao Código Penal, através do Decreto-Lei n.°
36 387, de 1 de Julho de 1947 (Nota 1). Efectivamente, este diploma possibilitou à PIDE aplicar
«medidas de segurança, previstas na Constituição para a defesa da sociedade e reabilitação dos
delinquentes», aos condenados por crimes contra a segurança do Estado. O governo também
passava a poder administrativamente fixar residência ou expulsar do país — ou seja, sem processo
judicial nem julgamento — «indivíduos cuja actividade» fizesse «recear a perpetração de crimes
contra a segurança do Estado».
Lembre-se que a fixação de residência, nomeadamente em África ou nas ilhas, tinha sido utilizado,
sobretudo contra «reviralhistas» e militares participantes em tentativas de golpe, nos anos 30 e 40.
No entanto, a partir de 1947 — lembrem-se as duas tentativas de golpe militar ocorridas nesse ano
e no ano anterior — o «reviralhismo» entrou em estertor e, por isso, essa «medida cautelar»
raramente foi utilizada para os presos políticos da metrópole.
No caso da metrópole, o governo recorreu a ela uma vez em 1968, quando deportou Mário Soares
para São Tomé e Príncipe, onde ficou em regime de residência fixa. Tudo começou em 4 de Março
desse ano, quando Fernando Silva Pais emitiu um despacho segundo o qual «a recente campanha de
difamação de certa imprensa, em todo o mundo (relativa aos Ballets Roses), contra o nosso país»,
impunha a fixação de residência, na ilha de São Tomé, a Mário Soares. O Conselho de Ministros
aprovou a medida e Mário Soares foi enviado para essa colónia na noite de 20 para 21 de Março,
acompanhado do inspector Abílio Pires (Nota 2).
Refira-se que, quando Soares foi conduzido da sede da PIDE para o avião, o seu amigo Francisco
Salgado Zenha telefonou imediatamente a Maria Barroso, mulher daquele, recomendando-lhe para
não dizer à opinião pública nacional e internacional que tinha sido «fixada residência» mas, pelo
contrário, que o marido tinha sido «deportado». É que, na legislação portuguesa, não existia a
deportação, mas, na linguagem eufemística do Decreto-Lei n.° 36 387, de 1 de Julho de 1947, o
Conselho de Ministros tinha de facto poder para «proibir a residência no país ou fixar a residência
em qualquer parte do território nacional» (Nota 3).
Quanto à expulsão do país, Salazar recorreu frequentemente, nos anos 30, a essa medida,
nomeadamente no caso do seu adversário político Francisco Cunhal Leal, mas após os anos 40
deixou de ser utilizada.

Nota 1 - José Vasconcelos Abreu, «Para o enquadramento do instituto da prisão preventiva»,


palestra realizada como candidato à advocacia, na conferência preparatória dos estagiários de
Lisboa, na Ordem dos Advogados, em 11/6/1964, Lisboa, OAP, 1966, pp. 11, 12 e 16.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 237 GT, Mário Soares, vol. 1, fls. 102, 103 e 105.
Nota 3 - «Bicho raro em S. Tomé», in Visão, 19/3/1998, caixa, p. 49.

462

Já a interdição de saída do país foi um dos meios repressivos utilizados pela PIDE//DGS, que
chegou a utilizar essa medida sem a fiscalização do aparelho judicial. Em Julho de 1969, o
advogado Joaquim Pires de Lima foi impedido de partir do país para convencer o governo espanhol
a não extraditar para Portugal Palma Inácio, em virtude de o delito por ele cometido não ser
«comum».
Pires de Lima interpôs recurso para o Ministério do Interior, que pediu uma explicação ao director
da PIDE/DGS. Este confirmou não caber a essa polícia pronunciar-se «sobre a legitimidade dos
pedidos de interdição de saída [destacado no original] recebidos dos tribunais e das entidades
referidas», embora por vezes as pusesse em dúvida e gostasse de ser esclarecida sobre ela. Ao
defender que devia ser interdita a Pires de Lima a saída do país, «para evitar a prejudicial
actividade daquele advogado contra a segurança do Estado», o director da PIDE/DGS concluía,
assim, que essa medida de interdição não deveria «ser julgada nula» nem revogada (Nota 1).

XVII.2. A LEGISLAÇÃO SOBRE MEDIDAS DE SEGURANÇA

Com a publicação dos diplomas de 1945 e 1947, foram, como se viu, criadas «medidas de
segurança restritivas da liberdade», embora não «detentivas», para os condenados por crimes contra
a segurança do Estado (Nota 2). Ou seja, as «medidas de segurança preventivas previstas na
Constituição visando apenas a “defesa da sociedade e tanto quanto possível a readaptação social do
delinquente” tinham também passado a ser aplicadas à defesa política do Estado» (Nota 3).
As medidas de segurança para os presos políticos passaram, porém, a ser «detentivas» em 1949.
Paulo Pinto de Albuquerque situa essa transformação no contexto do chamado «julgamento dos
108» elementos acusados de pertencer ao PCP e ao MUNAF e do julgamento de Álvaro Cunhal. O
Conselho de Ministros alertara então o ministro da Justiça relativamente à possível benevolência do
tribunal, que poderia por em xeque o «benéfico trabalho da polícia», incumbindo o ministro
Cavaleiro Ferreira de «obter, se possível, ao caso em curso, legislação mais apropriada», lançando
mão de «medidas de segurança».
No entanto, o referido diploma não foi publicado antes do final do «julgamento dos 108» e os
arguidos foram condenados pela lei então vigente, alguns com pena suspensa. Interpuseram
recurso, que subiu ao Supremo Tribunal, em Novembro de 1948, mas o esperado diploma fora
entretanto publicado, em Junho de 1949 e, como o recurso foi julgado em 19 de Outubro, esta
instância superior decidiu, por maioria, que o novo diploma era imediatamente aplicável. Os
arguidos ficaram, assim, sujeitos a medida de segurança.
O Decreto-Lei n.° 37 447, de 13 de Junho de 1949 possibilitou a imposição aos condenados por
actividades subversivas e crimes contra a segurança interior e exterior do Estado de uma medida de
segurança de «internamento» de um a três anos, aplicada por tribunal plenário ou pelos juízos
criminais de Lisboa e Porto.
Nota 1 - MAI-GM, caixa 400, pasta «Lisboa», Janeiro a Junho, 1971, Serviço de contencioso da
PIDE, em 30/7/1969.
Nota 2 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 585.
Nota 3 - Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, cf. nota 47 e pp. 90-96.

463

A partir de então, a política criminal do Estado Novo passou a assentar em dois pilares: na prisão
preventiva e nas medidas de segurança. Além da medida de segurança de internamento, após o
cumprimento da pena a que os tribunais condenavam os detidos acusados de «crimes» políticos, o
director da PIDE tinha ainda competência para aplicar «provisoriamente» uma medida de
segurança, não passível de impugnação, durante o período de instrução do processo, antes de o
preso ser julgado.
Conjugada a prisão preventiva (até seis meses) e esta medida de segurança provisória (até um ano)
nos processos em que os arguidos fossem incriminados por crimes contra a segurança de Estado,
passava a verificar-se a possibilidade teórica de manutenção da prisão pela PIDE, sem controlo
judicial, por um período de um ano e seis meses. A medida de segurança imposta pelo tribunal
deveria ser cumprida em estabelecimentos dependentes do Ministério do Interior — ou seja, da
PIDE, no caso de «crimes contra a segurança interna e externa do Estado».
Diga-se, porém, que a PIDE habitualmente não aplicava a medida de segurança «provisória» — ou
seja, preventiva — de prisão, preferindo, depois da detenção sem culpa formada de seis meses,
voltar a prender o indivíduo, por novo período inferior a seis meses, e assim sucessivamente (Nota
1). Foi o que aconteceu ao padre angolano Joaquim Pinto de Andrade, que, ao completar, em 5 de
Janeiro de 1963, 177 dias de prisão sem culpa formada, foi posto «em liberdade». No entanto, foi
«preso imediatamente a seguir à porta da cadeia do Aljube e transferido para Caxias». No dia 8, foi
informado pela PIDE «de que fora posto em liberdade três dias antes e preso de novo à porta da
cadeia... porque novas actividades subversivas haviam sido desenvolvidas dentro da cadeia ou à
porta da cadeia». Essa quarta detenção prolongou-se por mais de sete meses e apenas em 14 de
Agosto — isto é, ao fim de 221 dias de prisão ininterrupta sem culpa formada — foi posto em
liberdade (Nota 2).
Segundo o diploma de 1949, cabia à PIDE a elaboração das propostas para a aplicação ou
prorrogação de medidas de segurança, aos que fundassem ou aderissem a associações ou
agrupamentos de carácter comunista que tivessem por fim a prática de crimes contra a segurança
exterior do Estado, bem como aos que facilitassem essas actividades fornecendo local para
reuniões, subsídios ou permitindo a sua propaganda. Se os arguidos fossem incriminados também
por crimes contra a segurança do Estado, a medida de segurança seria aplicada, em processo penal,
pelo tribunal competente de Lisboa ou do Porto, podendo tanto a acusação como a defesa reclamar
para o tribunal plenário, que resolveria definitivamente em acórdão.

XVII.2.1. Divergências entre os ministros do Interior e da Justiça

Diga-se, aliás, que a aprovação do diploma de 1949 não foi feito sem discussão no seio do próprio
governo e que houve relativamente a ele divergências entre o ministro do Interior e o da Justiça.

464

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pp. 575 e 576.


Nota 2 – PIDE: A História da Repressão, pp. 35-37.
Em 9 de Junho de 1949, o ministro do Interior, Augusto Cancela de Abreu, enviou ao presidente do
Conselho o projecto do decreto sobre as medidas de segurança, tal como resultava, segundo ele, da
conversa tida entre ele e Cavaleiro Ferreira, que tentou então impedir o aumento de poderes do
Ministério do Interior. Ao resumir as suas pretensas razões e as razões contrárias, Cancela de Abreu
lembrou que Cavaleiro Ferreira estava em desacordo com a dependência relativamente ao
Ministério do Interior de um estabelecimento prisional especial onde fossem cumpridas as medidas
de segurança.
Por um lado, porque isso dava um «mau efeito político», por outro lado, devido à «falta de aptidão
técnica para o efeito dos elementos do Ministério do Interior». Em terceiro lugar, porque era
atribuição do Ministério da Justiça a superintendência dos estabelecimentos prisionais em que eram
executadas as medidas de segurança. Finalmente, o ministro da Justiça recordou que a colónia
penal de Cabo Verde e o forte de Peniche tinham sido transferidos para a sua tutela em 1945, pelo
que a decisão pertencia sempre a esse ministério (Nota 1).
Além de ter fracassado no seu propósito de limitação dos poderes jurisdicionais da PIDE, Cavaleiro
Ferreira também falhou, mais tarde, em abolir a medida de segurança. Numa informação de 19 de
Julho de 1952, o então ministro da Justiça considerou que os objectivos do Decreto-Lei n.° 37 447,
então em discussão, se encontravam falseados, pois «sem a aquisição ou construção dum
estabelecimento prisional adequado, sem organização dum sistema prisional reeducativo, a medida
de segurança» tinha nivelado «pelo pior» todos os indivíduos a ela sujeitos (Nota 2). O confronto
de opiniões então gerado com o ministro do Interior levou mesmo à exoneração, a seu pedido, em 7
de Agosto de 1954, do ministro da Justiça (Nota 3).
Francisco Salgado Zenha e Duarte Vidal, no livro Justiça e Polícia, publicado em 1969, observaram
que o ministro da Justiça, «principal responsável pelas inconstitucionais reformas de 1945», saiu do
governo por se recusar a assinar o decreto-lei de 9 de Agosto de 1954, através do qual a PIDE
passou a gozar «do poder arbitrário, e por isso mesmo não controlado judicialmente, de prender
quem lhe aprouvesse por 360 dias!». Os dois advogados notaram, porém, que a diferença entre um
arbítrio por 180 dias ou por 360 dias era um pormenor meramente quantitativo, dado que, quando a
PIDE precisava de prender alguém por mais de 180 dias nem necessitava «tão pouco de recorrer ao
“bónus” de 1954»: soltava ao fim de 180 dias e acto contínuo tornava a prender por mais 180 dias
(Nota 4).
A Manuel Gonçalves Cavaleiro Ferreira sucedeu João de Matos Antunes Varela, mas foi o próprio
Salazar que, assumindo interinamente a pasta da Justiça, assinou o Decreto-Lei n.° 39 749, de 9 de
Agosto de 1954, segundo o qual a PIDE ficava com a atribuição de propor a aplicação de medidas
de segurança e de vigiar os indivíduos a ela sujeitos.

Nota 1 - AOS/CP-2, 1-1-3/10, correspondência de Augusto Cancela de Abreu, fls. 118-119.


Nota 2 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 629.
Nota 3 - Conversa com Paulo Pinto de Albuquerque, em 7 de Abril de 2004.
Nota 4 – Idem, Ibidem, pp. 38-40.

465

Cabia ao ministro da Justiça, a superintendência da execução das penas e das medidas de segurança
privativas da liberdade, aplicadas nos processos instaurados pela polícia política (Nota 1).

XVII.2.2. O diploma de 1956

Em 12 de Março de 1956, o governo aprovou, por seu turno, o Decreto-Lei n.° 40 550, que agravou
o regime da medida de segurança aplicável aos suspeitos de práticas subversivas. Segundo dizia o
governo, a fixação de um limite temporal era uma garantia injustificada relativamente aos
«elementos socialmente perigosos», constituindo «uma ameaça para os cidadãos honestos que
devem ser eficazmente defendidos contra anti-sociais e associais». Manuel Braga da Cruz assinalou
que o diploma tornava ainda aplicáveis essas medidas de segurança mesmo nos casos de detidos
absolvidos (Nota 2).
Evelyne Monteiro, que, como já se referiu, considerou que o Direito penal salazarista era de tipo
autoritário mas sofreu de deriva totalitária, deu precisamente como exemplo a faculdade de os
plenários aplicarem sistematicamente, a partir de 1956, «a medida de segurança», quer aos arguidos
durante o processo, quer aos indivíduos condenados. Segundo considerou, esse facto podia ser um
exemplo de raciocínio por «analogia» em matéria de penalidade, que foi uma característica do
Direito penal nazi (Nota 3). Por seu turno, Paulo Pinto de Albuquerque assinalou a existência de
algumas semelhanças entre o regime português de medida de segurança e o regime nazi alemão de
Schutzhaft, embora este último fosse de «sindicância estritamente administrativa», enquanto o
português era subordinado à fiscalização judicial (Nota 4).
O diploma de 1956 foi criticado por muitos juristas, entre os quais se contou Adelino da Palma
Carlos, que denunciou o «agravamento da desjurisdicionalização» das medidas de segurança e a
possibilidade da sua eternização, bem como a sua aplicação mesmo quando não fosse provada a
culpa. A quem lhe observou que era reduzidíssimo o número de casos em que as medidas tinham
sido aplicadas perpetuamente, Adelino da Palma Carlos assinalou que o problema era que se sabia
que podiam «sê-lo» (Nota 5).
Segundo o Decreto-Lei n.° 40 550, de 12 de Março de 1956, as medidas de segurança podiam
prolongar-se «por período indeterminado de seis meses a três anos, prorrogável por períodos
sucessivos de três anos, desde que continuem (os “internados”) a revelar-se perigosos». A partir de
então, as medidas de segurança eram aplicáveis mesmo contra réus absolvidos em tribunal ou
contra os que, depois do cumprimento das respectivas penas, continuassem a revelar-se «perigosos»
segundo o critério da polícia política (Nota 6).

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit, p. 628, nota 1385.


Nota 2 - Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, pp. 90-96, cf. nota 64.
Nota 3 - Evelyne Monteiro, «La politique criminelle sous Salazar: approche comparative du modèle
d’État autoritaire», p. 15.
Nota 4 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pp. 630, 633 e 635, notas 1392 e 1393.
Nota 5 - PIDE/DGS, pr. 674/59, Alda Nogueira.
Nota 6 – José António Barreiros, «Criminalização política e defesa do Estado».

466

XVII.3. As MEDIDAS DE SEGURANÇA APLICADAS AO LONGO DOS ANOS

Detido desde o ano anterior em Caxias, Guilherme da Costa Carvalho foi enviado, em Agosto de
1949, para Peniche, a fim de cumprir a pena a que havia sido condenado pelo tribunal. A PIDE
enviou então ao director deste forte uma informação a sugerir que o detido deveria ser «sujeito a
tratamento especial visto que se tornava junto dos outros reclusos perigosos agitador, formando
conferências e comentários acerca de doutrinas comunistas». Observe-se que Guilherme da Costa
Carvalho havia estado em isolamento durante mais de cinco meses no Aljube e, depois, em Caxias,
mais quatro meses e meio, pelo que não podia ter dado «conferências», como queria dar a entender
a PIDE. Após a transferência para Peniche, permaneceu aí apenas três semanas, dado que foi
enviado, por despacho ministerial, para o Tarrafal, de onde regressou, em 2 de Setembro de 1951,
para cumprir a medida de segurança (Nota 1).
No final desse ano, o director de Peniche, tenente Afonso Neves, elaborou um parecer, decalcado
do relatório da PIDE, onde se dizia que Costa Carvalho era um perigoso agitador. Foi-lhe então
instaurado novo processo pelo tribunal de execução de penas de Lisboa, com o objectivo de o
considerar «delinquente de difícil correcção apesar de nunca ter tido qualquer castigo, o que
resultaria novamente no seu envio para uma colónia penal nas colónias» (Nota 2). Após ter
cumprido dois períodos de um ano cada de medidas de segurança, o director de Peniche emitiu um
parecer segundo o qual deveria ser concedida a liberdade condicional ao recluso. Este não foi,
porém, aceite pela PIDE, pelo que Guilherme da Costa Carvalho cumpriu um terceiro ano de
medida de segurança. Em 2 de Julho de 1954, o mesmo director de Peniche voltou a propor a sua
liberdade condicional e só então foi libertado condicionalmente (Nota 3).
Detido em 1951 e condenado a três anos de prisão maior e medidas de segurança, José Magro
terminou o cumprimento da sua pena em Fevereiro de 1954. No final de 1956, quando já estava
prestes a terminar outros três anos de medida de segurança, surgiu-lhe Fernando Gouveia,
acompanhado de Adelino Tinoco, que acusaram o PCP de algo, exigindo que ele confirmasse as
acusações por escrito. Magro denunciou «a armadilha, destinada à prorrogação das medidas»,
propondo um texto que tornava as acusações inofensivas e Gouveia deu um parecer favorável sobre
a sua libertação condicional. O juiz reconheceu que não existia matéria para prorrogação da medida
de segurança.
Mas, antes de ser libertado, José Magro foi surpreendido, no dia seguinte, com uma chamada à
PIDE, onde Porto Duarte o questionou afirmativamente: «— Então você enganou o juiz?! [...]
queria ser posto em liberdade contra o parecer da Polícia, não é assim? Pois engana-se! Mudámos
de opinião a seu respeito. Será libertado, sim, mas sob proposta favorável nossa!» No entanto, nem
tudo estava terminado.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 5306 SR, Manuel João da Palma Carlos, fl. 162.
Nota 2 - Ibidem, pr. 4834 proc. individual, delegação do Porto, fl. 236.
Nota 3 - Ibidem, pr. 1002/48, 1954.

467
Por se recusar a pagar as multas, a data da sua libertação foi adiada e, com o começo das obras em
Caxias, Magro foi transferido uma vez mais para o Aljube. Chegado o dia de tomar conhecimento
dos termos condicionais da libertação, ouviu então da PIDE que iria ficar preso. Passou o dia todo
na sede da PIDE, que acabou por ceder e, pela primeira vez, Magro desceu sozinho, em 4 de
Fevereiro de 1957, «aqueles seis lances de escada, que tantas vezes subira em grave risco» (Nota
1).
Terrível foi o caso de Francisco Miguel, ao qual o tribunal ratificou, em 2 de Dezembro de 1955, o
pedido de prorrogação da medida de segurança proposto pela PIDE. Esta considerara que, ao ser
removido para Caxias, em 1954, Francisco Miguel havia sido sujeito a vários castigos e mesmo a
um processo-crime, por participação na organização comunista dessa cadeia. Em 23 de Fevereiro
de 1957, a PIDE propôs nova prorrogação da medida de segurança, com o argumento, entre outros,
de que Francisco Miguel estava «longe de oferecer garantias de jamais voltar a exercer as
actividades criminosas» (Nota 2).
Condenado, por acórdão de 9 de Março de 1950, alterado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6
de Dezembro, a uma pena de dois anos de prisão maior ou oito de degredo, Álvaro Cunhal foi de
facto condenado a prisão perpétua e nunca teria saído (ou tão depressa) da prisão se não tivesse
fugido em 1960. Depois de várias prorrogações, o Juízo Criminal decidiu, em 16 de Janeiro de
1957, prolongar a medida de segurança «a título provisório por mais 6 meses», mas, em 17 de
Julho, propôs a sua liberdade condicional, com caução.
No entanto, o Ministério Público interpôs recurso dessa decisão e, a 27, o Tribunal Plenário
prorrogou por mais três anos a medida de segurança, revogando a libertação condicional (Nota 3).
Dado que, em 24 de Janeiro de 1960, Cunhal completaria esse novo período de três anos, a PIDE
analisou a sua situação, concluindo que ele não deixaria de retomar o seu posto no Secretariado do
CC e propôs a prorrogação da medida de segurança em mais três anos, que, como se sabe, Cunhal
não cumpriu, pois fugiu antes do seu início, em 3 de Janeiro de 1960 (Nota 4).
Condenado, em Abril de 1951, a quatro anos de prisão maior, Manuel Rodrigues da Silva viu,
depois, a sua pena alterada para dois anos, seguidos de oito anos de degredo e um ano de medida de
segurança, agravada, em 1954, em mais seis meses.

Nota 1 - António Ventura, Memórias da Resistência, testemunho de José Magro, pp. 202-204.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 757/42, vol. 3, fls. 34-55, 100 e 187-188.
Nota 3 - Ibidem, pr. 19 GT, fl. 36. Entre estes contavam-se Sofia de Oliveira Ferreira, libertada em
1952 e novamente detida quando já era membro substituto do CC, em 1959; Guilherme da Costa
Carvalho, libertado em 1954, ausentando-se e de novo preso em 1959, então membro efectivo do
CC; Agostinho Saboga, solto em 1954, ausentou-se e preso de novo em 1958 como funcionário;
Severiano Falcão, solto em 1956 ausentou-se e preso de novo em 1959 como funcionário; José
Magro, solto em 1957, ausentou-se e de novo detido em 1959; Rogério de Carvalho, solto em 1957,
de novo preso em 1958, era então membro do CC; Aurélio Monteiro dos Santos, solto em 1955,
ausentou-se em 1957 e andava ainda a monte; Georgette Ferreira, libertada em 1959 ausentou-se
em Julho e Blanqui Teixeira, na ilegalidade entre 1947 e 1948, preso em 1957 evadiu-se em 1958, e
foi cooptado para o CC.
Nota 4 - Ibidem, pr. 746/49, Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, fls. 647-652, 752 e
segs.

468

Para tentar mantê-lo indefinidamente na cadeia, a PIDE chegou a alegar, em final de 1958, junto do
tribunal, que, não «tendo família, nem profissão certa», Manuel Rodrigues da Silva não dava
«garantias de, sendo libertado, fazer uma vida honesta». Em 5 de Março de 1959 o 2.° Juízo
Criminal de Lisboa resolveu manter o «internamento» de Manuel Rodrigues da Silva por mais um
ano e, depois, sucessivamente (Nota 1).
O facto de o Avante! de Novembro de 1960 ter exigido a sua libertação levou o GT da PIDE a
considerar que estava aí uma prova de que o PCP o queria de volta às suas fileiras. Não obstante a
«perigosidade do réu» e a proposta da PIDE, o tribunal teve, porém, em conta a informação
favorável do Conselho Técnico de Peniche e, socorrendo-se do facto de a lei permitir fazer a
experiência para ver se ele se havia redimido, considerou que devia ser libertado.
No entanto, o director da PIDE enviou ao juiz, em 2 de Março de 1961, uma carta a pedir a
prorrogação da medida de segurança e os juízes João António Caldeira, António de Almeida Moura
e Francisco Borges da Gama decidiram dar provimento à reclamação da PIDE. Em 4 de Janeiro de
1964, quando estava a acabar o período de prorrogação da medida de segurança, a PIDE voltou a
pedir um estudo da «personalidade» de Manuel Rodrigues da Silva, mas não conseguiu argumentos
para nova prorrogação. Diga-se, aliás, que a LP criticou a própria PIDE, por ter libertado esse
dirigente (Nota 2).
Ângela Campos Vidal, que tinha sido presa, no Algarve, em 1953, apenas foi julgada em 1957,
sendo condenada a três anos e meio de prisão maior e medidas de segurança. Iniciou o
cumprimento destas em 19 de Abril de 1959, que interrompeu entretanto, por ter sido condenada a
um mês de prisão sob a acusação de pertencer à organização prisional do PCP. Em 19 de Maio de
1960, reiniciou o cumprimento da medida de segurança e, depois, tanto ela e a família como
diversos advogados fizeram vários pedidos de libertação condicional, que nunca foram atendidos
pela PIDE, com o argumento de que tinha «mau comportamento» na prisão.
Depois, devido à fuga de Carlos Costa, com o qual se tinha entretanto casado na cadeia, a situação
de Ângela Vidal piorou, pois a PIDE passou a alegar que, caso fosse solta, juntar-se-lhe-ia,
ingressando novamente na vida clandestina. Carlos Costa foi recapturado, mas, face a novo pedido
de liberdade condicional, em 12 de Fevereiro de 1962, a PIDE continuou a considerá-la uma
reclusa indomável. Apenas foi solta, quando estava muito doente, em Março desse ano, nove anos
após a sua detenção, quando tinha sido condenada a três anos e meio de prisão (Nota 3).

XVII.3.1. O caso António Brotas, o primeiro após a legislação de 1956

Em 11 de Maio de 1956, a PIDE prendeu o engenheiro António Brotas, que, ao ser julgado, em 18
de Dezembro, foi absolvido, embora tivesse sido condenado, «por convicção» do juiz de que era
«perigoso», a uma «medida de segurança».

Nota 1 - José Ricardo, Romanceiro do Povo Miúdo, testemunho de Manuel Rodrigues da Silva, pp.
177-179.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 230 GT, Manuel Rodrigues da Silva Júnior, fl. 1; ibidem, pr. dir. 180/50
SCI, 1959-1965, Manuel Rodrigues da Silva e outros, fls. 294, 305, 324, 347, 349, 354, 376, 383,
394, 404, 405, 407, 409-411, 433, 447, 455, 464, 469 e 527.
Nota 3 - Ibidem, pr. 232 GT, Ângela Vidal e Campos, fls. 451, 465, 475, 621 e 672.

469

Diga-se que essa «convicção» do tribunal não era mais do que a aceitação da opinião do director da
PIDE, António Neves Graça, segundo o qual o «mal», ou a «perigosidade», de António Brotas já
vinha desde os seus 8 anos de idade (Nota 1). Brotas recorreu da sentença e aguardou em liberdade
o resultado desse recurso, ao mesmo tempo que enviava, à Assembleia Nacional e à Presidência da
República, um texto crítico contra as medidas de segurança, legisladas pelo diploma n.° 40 550,
desse ano de 1956.
Em 4 de Janeiro de 1957, a imprensa noticiou a realização de um encontro entre o capitão Neves
Graça e o Presidente da República, onde teria sido abordado «o caso de Brotas», por intercessão do
general Craveiro Lopes. Este último teria negociado com a PIDE, que se comprometeu a não
recorrer da sentença, embora protestasse contra a mesma. A sentença subiu à Relação e António
Brotas ficou em liberdade, enquanto ela não transitasse em julgado. Passaram-se meses e, nas
eleições para a Assembleia Nacional, de Novembro de 1957, António Brotas teve um desaguisado
na mesa de voto. Temendo que a PIDE pedisse a revisão do seu processo e o enviasse para o
Tribunal Plenário, que certamente o condenaria, como o fez, impondo o cumprimento da medida de
segurança, António Brotas resolveu tomar o caminho do exílio (Nota 2).

XVII.3.2. Dois recursos de Zenha: os casos Humberto Lopes e José Martins

O advogado de Santarém Humberto Pereira Dinis Lopes foi detido em 3 de Novembro de 1953 e
condenado a dois anos e meio de prisão maior. Em 1954, «quando se achava recolhido na Cadeia
de Caxias, aguardando julgamento por aquele delito de que veio a ser absolvido», cometeu,
segundo a PIDE, «no próprio estabelecimento prisional novos factos puníveis». Humberto Lopes
pediu recurso da sentença, mantendo-se em liberdade, sob caução, até 23 de Julho de 1957, data em
que recolheu à cadeia, após ser condenado devido ao crime «por que estava pronunciado» (Nota 3).
Quando a PIDE o interrogou, para efeitos de liberdade condicional, considerou que, através das
declarações prestadas pelo recluso, ficara «bem patente» que se conservava «pertinazmente
vinculado» ao PCP. Por isso, o director da PIDE considerou que «a terapêutica mais adequada à sua
personalidade para se lhe destruir ou neutralizar os germes e propensão para prosseguir a vida
criminosa» seria «mantê-lo segregado do convívio social» (Nota 4).
Nota 1 - Publicado em folheto publicitado no jornal República de 13 de Maio de 1957; PIDE/
/DGS, pr. 77/56, António Morais Sarmento de Santos Lucas da Costa Brotas, fls. 51, 87, 92 e 107.
Nota 2 - Testemunho dado pelo engenheiro António Brotas, em 12 de Abril de 2006.
Nota 3 - Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705,
Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, 10 volumes, 1957-
1958, vol. 3, fl. 484.
Nota 4 - Francisco Salgado Zenha, Quatro Causas, pp. 72 e 73.

470

Na exposição a recorrer desta decisão da PIDE, o advogado de defesa Francisco Salgado Zenha
respondeu, em 1963, ao argumento da PIDE segundo o qual a sua libertação interessaria ao PCP,
como revelavam os apelos à sua soltura na imprensa partidária, observando: «Coitado do Dr.
Humberto Lopes! Encarcerado em Peniche há mais de seis anos e ainda por cima o querem
incriminar pelo que os outros dizem de si e que ele próprio ignora.» Relativamente às punições que
o recluso havia sofrido em Peniche, Zenha lembrou que, ao considerar-se «tais castigos como razão
idónea para prorrogar a medida de segurança», se estava a fazer do controle judicial uma «mera
falácia». Segundo acrescentou Zenha, «castiguem-se os reclusos “administrativamente” tempos
antes do termo da medida de segurança e depois exibam-se tais castigos em pretório,
condimentados com afirmações apropriadas a demonstrarem a temível “periculosidade” do
arguido!» (Nota 1).
Nesse mesmo ano de 1963, Francisco Salgado Zenha interveio em defesa de José Martins, um
servente da cadeia do Aljube acusado, como se viu, de ter desempenhado «tarefas de “ligação” e
troca de “mensagens” entre os “funcionários” do referido partido presos na Cadeia do Aljube e os
“dirigentes” que se encontravam em liberdade». Zenha observou que o caso de José Martins era
«um dos raríssimos» em que os Tribunais Plenários Portugueses «deram efectiva aplicação ao
disposto no art.° 8 do DL 40 550», o qual permitia que a «um arguido por delito político,
reconhecidamente inocente do crime por que vinha acusado, e portanto, absolvido, fosse «aplicada
a medida de segurança política de internamento» (Nota 2).
Num capítulo do seu livro Quatro Causas, precisamente intitulado «Uma medida de segurança
política de internamento sem crime», Zenha reproduziu a sua contestação. Zenha lembrou que o
Tribunal Plenário considerara não ter ficado provado que Martins fosse membro do PCP mas que
apenas tinha praticado «factos de “estafeta” entre os membros do partido supra referidos, quer dos
presos entre si, quer destes para o exterior, a troco de algumas remunerações pecuniárias». O
tribunal reconhecera, assim, «que o recorrente não praticara qualquer facto criminalmente punível».
No entanto, porque dera «como provado que era de recear que o recorrente repetisse ou continuasse
as actividades por que o absolvera, aplicou-lhe a medida de segurança política de internamento!»
Ora — observou Zenha —, não «ficara provada a perigosidade normativa, criminal, única que a lei
consente, logo também não era lícito aplicar a medida de segurança» (destacado pelo autor), pelo
que não era justo «que sobre este “paquete”» fosse «desferido um castigo de tão drásticas
proporções». Dado que o recorrente não havia cometido qualquer crime, deveria «ser integralmente
absolvido, nomeadamente da medida de segurança de internamento que lhe foi aplicada». No
entanto, o acórdão final do Supremo Tribunal de Justiça, assinado pelo relator Fragoso de Almeida,
Barbosa Viana e Cura Mariano, negou, em 4 de Março de 1964, provimento ao recurso e acordou
«na inteira confirmação do julgado recorrido» (Nota 3).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 77, 115-118, 120 e 121.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 132 e 133.
Nota 3 - Francisco Salgado Zenha, «Um caso de medida sem crime...», in Quatro Causas, pp. 14-
157 e 182.
471

XVII.3.3. O PCP face às medidas de segurança

A posição do PCP face às medidas de segurança e à liberdade condicional foi variando ao longo do
tempo. Lembre-se que, no Militante de Maio de 1955, um artigo sobre «Os comunistas perante o
tribunal de execução de penas», da autoria de «Ferreira», condenou os que assinavam documentos
para obterem a liberdade condicional, pois considerava que os tribunais eram instrumentos da PIDE
e do fascismo (Nota 1).
Em Agosto de 1962, a direcção do PCP enviou aos seus militantes um documento de resposta a
algumas dúvidas, onde, sem definir a orientação precisa para o comportamento a ter, considerava
que o preso poderia escrever à PIDE para expor o seu direito à liberdade, após ter cumprido a pena.
O preso deveria, porém, «repelir toda a referência ao seu passado e a ideias», como era desejo da
PIDE, de modo a «destruir política e moralmente os presos», bem como recusar a assinatura de
documentos com referência «a «associações secretas», «subversivas» e a «ramificações» em que se
confundisse patriotas com pessoas de mau porte» (Nota 2).
Dois anos depois, o director do forte de Peniche, capitão Manuel da Encarnação Falcão, enviou ao
director da PIDE um documento apreendido ao detido Joaquim Jorge Alves de Araújo, onde se
discutia um projecto de resolução do PCP relativo às medidas de segurança. «O essencial» — dizia
o documento — era que o preso tivesse o objectivo de reconquistar a liberdade para prosseguir a
luta antifascista, embora também fosse «essencial» que nenhum preso tomasse qualquer atitude
desonrosa. Depois de criticar as atitudes rígidas de alguns dos presos, o documento — que, diga-se,
foi de interessantíssima leitura para a PIDE — afirmava que a melhor maneira de actuar passava
por harmonizar «os interesses gerais da luta com os interesses pessoais» dos detidos (Nota 3).

XVII.3.4. O caso de Manuel Guedes, preso entre 1952 e 1965

Manuel Guedes, que sofreu várias prisões, foi detido uma última vez em 19 de Maio de 1952 e
condenado a quatro anos de pena maior e medidas de segurança, que o tribunal prorrogou em 22 de
Dezembro de 1958. Em 17 de Fevereiro do ano seguinte, quando estava a terminar o terceiro ano
de medida de segurança, o Conselho Técnico de Peniche pronunciou-se a favor da sua libertação
condicional. A PIDE não teve, porém, a mesma opinião, utilizando os já referidos argumentos de
sempre, além de afirmar que ele não tinha trabalho assegurado, caso fosse solto. Em Novembro de
1961 e, de novo, em Fevereiro de 1963, a PIDE pronunciou-se novamente contra a sua libertação e
o tribunal acatou sempre a decisão dessa polícia.
Em 29 de Dezembro de 1964, Manuel Guedes foi internado no anexo psiquiátrico da Penitenciária
de Lisboa e a PIDE tentou fazer passar a ideia de que ele era doente mental, mas o Instituto de
Criminologia considerou-o «inteiramente normal sob o ponto de vista psíquico» e os médicos que o
examinaram recusaram a manobra policial para o internar num manicómio.

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 73/56, vol. 2.


Nota 2 - Ibidem, pr. 79 GT, Manuel Guedes («Santos»), fl. 131.
Nota 3 - Ibidem, pr. 570 GT, Joaquim Jorge Alves de Araújo, fl. 180.

472

Lembre-se que as medidas de segurança não podiam ser prolongadas por mais de três períodos de
três anos cada, salvo em caso de insanidade mental que justificasse a perigosidade do recluso para a
vida pública. Foi esse argumento que a PIDE quis alegar para não libertar Guedes, numa proposta
de 20 de Fevereiro de 1965. O advogado de Guedes pediu então o habeas corpus (Nota 1) e, em 16
de Março, o tribunal emitiu finalmente o mandato de soltura, após 13 anos de prisão ininterrupta,
quando havia sido condenado a quatro anos (Nota 2).
Em Julho desse ano de 1966, o GT deu uma informação sobre José Vitoriano, segundo a qual tinha
sido alvo de novo processo-crime na própria cadeia, devido à acusação de fazer parte da
organização prisional do PCP de Caxias, e havia, por isso, sido condenado a cinco anos de prisão
maior, depois agravada para seis anos e meio, pelo Supremo Tribunal. O GT da PIDE avisou que a
sua libertação seria considerada mais um «êxito» que o «PCP» iria «apregoar aos quatro ventos».
José Vitoriano foi, porém libertado condicionalmente, em Agosto de 1966, regressando à
clandestinidade e tornando-se, em 1970, membro do Secretariado do CC do PCP (Nota 3), sendo
certo que, conforme temera o GT, a sua soltura foi considerada pelo PCP uma conquista «por
pressão» (Nota 4).
Em 24 de Julho de 1968, a PIDE argumentou que José de Oliveira Bernardino não tinha revelado
«ainda quaisquer indícios de regeneração», para recusar a proposta de liberdade condicional. O pai
de Bernardino escrevera, por duas vezes nesse ano, ao presidente do Conselho, ou seja, primeiro a
Salazar e depois a Marcelo Caetano. A este manifestou estranheza por Salazar ter enviado a sua
carta à «Polícia Internacional», e manifestou a esperança de poder, em breve, ouvir dos seus
familiares: «O Zé vai ser posto em liberdade!» Caetano também remeteu a carta para a PIDE e o
pai de José Bernardino apenas ouviu a frase desejada em 10 de Março de 1969 (Nota 5).

XVII.3.5. O caso de Fernanda Paiva Tomás

Quanto a Maria Fernanda Paiva Tomás, a mulher que mais tempo esteve presa na cadeia de Caxias,
lembre-se que devia terminar em 10 de Janeiro de 1969 a pena principal, começando a partir daí a
cumprir medidas de segurança.

Nota 1 - Ibidem, pr. 1062, Manuel Guedes, fls. 3, 4, 71, 82, 137, 195-201, 213, 331, 340, 342 e 362;
processo complementar de Manuel Guedes, de 23 de Dezembro de 1957, sob prorrogação de
medidas de segurança, fls. 517 e 540.
Nota 2 - AOS/CO/IN-14, pasta 1, pasta 37.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 161 GT, José Rodrigues Vitoriano.
Nota 4 - Ibidem, pr. dir. 551/59 Div. Inv. Sofia Ferreira e António Santo.
Nota 5 - Ibidem, pr. cr. 1293/62, l.a divisão, José Manuel Mendonça de Oliveira Bernardino, fls.
178-179, 338 e 339.

473

Ao ser interrogada, em 5 de Setembro desse ano, para efeitos de concessão da liberdade


condicional, Maria Fernanda Tomás afirmou manter as suas ideias políticas e tencionar exercer
actividade oposicionista legal. Tanto bastou para a DGS a manter presa. Em Outubro de 1970, o seu
advogado, Macaísta Malheiros, esclareceu os termos em que Fernanda Tomás tinha respondido à
DGS, cuja pergunta era «impertinente e despropositada», pois tinha sido feita para obter da reclusa
precisamente aquela resposta, que serviria depois como pretexto para a recusa da libertação
condicional.
O próprio filho de Maria Fernanda Tomás escreveu a Marcelo Caetano, que lhe respondeu ter-se
informado acerca do que se poderia fazer para restituir a reclusa à família, sabendo que bastava que
ela respondesse a uma pergunta da DGS no sentido de se comprometer a «não voltar a praticar
acções proibidas por lei». Ora — continuava Caetano —, meses antes ela tinha respondido «não» a
essa pergunta. No mês seguinte, após ter já cumprido 21 meses de medida de segurança, Fernanda
Paiva Tomás voltou a ser interrogada pela DGS, assinando então um documento segundo o qual se
absteria «de factos cuja realização possa interessar», quer ao PCP, quer a outras organizações
políticas não consentidas pela lei. Saiu em liberdade condicional no dia 19, após mais de nove anos
depois de ter sido presa pela segunda vez (Nota 1).

XVII.3.6. Os últimos casos antes do «fim» das medidas de segurança

Recapturado em Maio de 1962 e julgado de novo em Novembro de 1964, José Magro foi
condenado, em cúmulo jurídico, a 16 anos de prisão. Em Junho de 1970, José Magro, então com 50
anos, já tinha estado um total de 17 anos preso, quando os médicos avisaram de que os seus
sofrimentos físicos e psíquicos não se atenuariam caso permanecesse recluso.
Em carta confidencial, de 30 de Novembro, o ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, escreveu à
DGS a perguntar as razões pelas quais a proposta de liberdade condicional ainda não tinha sido
entregue ao tribunal (Nota 2).
A DGS respondeu que, após ter procedido «ao estudo da personalidade do delinquente»,
considerara não ter chegado o momento de o libertar, «por causa do seu mau comportamento
prisional e manifestações» que revelariam a sua incapacidade em afastar-se futuramente do PCP.
Em 14 de Abril de 1972, Barbieri Cardoso reafirmou ao ministro do Interior que a libertação de
Magro só poderia ser concedida a título excepcional. O ministro consultou o auditor jurídico do
ministério, segundo o qual a concessão da liberdade «graciosa» seria a melhor solução para a «re-
socialização» do recluso. José Magro só foi, porém, libertado de Peniche no dia 27 de Abril de
1974, na sequência do golpe militar de 25 de Abril (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, pr. 18 429 Cl (2) SC, processo referente a 186/48 SR, pr. 25 GT, pr. cr. 281/50,
192/51 e pr. dir. 386/61, Fernanda Paiva Tomás.
Nota 2 - Ibidem, pr. 1067/62 1.a divisão, José Magro, fl. 222.
Nota 3 - MAT-GM. losé Marro e Domingos Arouca.

474

Muito doente, tal como José Magro, também estava, em 1972, o engenheiro Fernando Blanqui
Teixeira, condenado em 1965 a 10 anos de prisão maior. Em Março de 1972, o chefe de gabinete do
Ministério do Interior escreveu ao director da DGS, sugerindo que se considerasse a concessão de
«liberdade em termos tais que permitisse apreciar as suas actividades durante esse período» (Nota
1). A DGS acedeu, devendo-se essa benevolência ao facto de ter então havido uma intensa
campanha a favor da libertação de Blanqui Teixeira, nomeadamente da Ordem dos Engenheiros,
que, pelos vistos, surtiu efeito (Nota 2).

XVII.4. O «FIM» DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NA METRÓPOLE

Lembre-se que, nesse período, a DGS não tinha mãos a medir e que as cadeias se encontravam
cheias de detidos por motivos políticos. Tinha também havido entretanto, em 14 de Novembro, uma
novidade: a Lei n.° 450/72 declarou «abolidas as medidas de segurança de internamento previstas
no art.° 7 do DL 40 550, de 12/3/56», com excepção do internamento em manicómio criminal. A
prorrogação ilimitada da pena de prisão foi abolida, tal como o foram as medidas aplicáveis a
políticos, desaparecendo assim a «categoria de presos indisciplinados e a possibilidade de aplicação
de uma pena indeterminada a qualquer condenado em pena de prisão» (Nota 3).
Em 8 de Dezembro de 1972, o deputado da «ala liberal» da Assembleia Nacional, Francisco
Manuel Lumbrales de Sá Carneiro defendeu a urgência de estender para o ultramar quer a abolição
das medidas de segurança, quer «a também justa e tardia providência legislativa que mandou contar
por inteiro o tempo de prisão preventiva». Esse deputado também considerou que era indispensável
que as medidas de segurança não fossem substituídas por prorrogação da pena, uma medida
introduzida na redacção do art.° 67.° do Código Penal (Nota 4). Efectivamente, a CNSPP assinalou
que os tribunais plenários haviam passado a aplicar penas prorrogáveis, por dois períodos
sucessivos de três anos, enquanto se mantivesse «o estado de perigosidade».

Quadro 43 - Medidas de segurança (513 presos com medidas de segurança analisados)

Duração das medidas Presos com medidas de segurança


1-11 meses 34 (6,6 %)
1 anos 203 (40%)
2 anos 111 (21,6%)
3 anos 153 (30%)
4 anos 4
3 anos 1
6 anos 2
9 anos 1
11 anos 2
Total de presos com medidas 513
Fonte: cadastro de presos da PIDE/DGS.

Nota 1 - Ibidem.
Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 1659/63 e pr. 27 GT, Fernando Augusto da Silva Blanqui Teixeira, fls. 13 e
14. Em Abril de 1972, Blanqui Teixeira ausentou-se para parte incerta.
Nota 3 - MAI-GM, caixa 405, 1972, decretos-lei de 1972.
Nota 4 - PIDE/DGS, Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro, pr. 5368 CI (1), fl. 136.

475

O de Lisboa já tinha mesmo aplicado essa «nova» medida em quatro casos, nomeadamente a
elementos da organização O Comunista, acusados de deserção com armas (Nota 1).
Veja-se finalmente que num universo de 12 385 presos, apenas pouco mais de 4 % desses detidos
foram condenados a medidas de segurança. Entre estes, porém, mais de 90 % foram condenados a
medidas entre um ano e três anos ficando assim, atrás das grades muito mais tempo do que aquele a
que haviam sido condenados em tribunal.

Nota 1 - «Presos políticos. Documentos 1972-74» e Circular n.° 9 de 9 de Maio de 1973, CNSPP.
Isso aconteceu, em Novembro de 1972, a José Eurico Bernardo Fernandes, condenado a oito anos,
prorrogáveis por dois períodos de três anos, ou seja, 14 anos; em 1 de Fevereiro de 1973, a Carlos
António Cardoso Gonçalves, condenado a seis anos, mais dois períodos de três anos, ou seja, a 12
anos, pena a que também foram condenados, no mesmo m« I irínir» Pereira da Silva e losé Vicente
de Sousa da Silva Dias.

476

XVIII. OS JULGAMENTOS, OS TRIBUNAIS E A DEFESA DOS PRESOS POLÍTICOS

Como se viu, foram criados, para julgar «os crimes políticos», a partir de 1945, os tribunais
plenários, em substituição dos tribunais militares especiais, erguidos no tempo da Ditadura Militar.
Serão aqui abordados os julgamentos nesses tribunais, bem como o papel dos respectivos juízes,
delegados do Ministério Público e dos advogados de defesa dos presos políticos. Sempre com a
noção de que é a PIDE/DGS, e não o aparelho judicial, o objecto deste estudo, tentar-se-á analisar
as relações entre os juízes e a polícia política e a evolução do papel dos advogados de defesa dos
presos políticos, bem como os comportamentos destes em tribunal.

XVIII. 1. Dos TRIBUNAIS MILITARES ESPECIAIS AOS TRIBUNAIS CIVIS PLENÁRIOS

Após o golpe de 28 de Maio de 1926, um decreto de 30 de Julho da Ditadura Militar atribuiu aos
tribunais militares territoriais (TMT) os julgamentos em circunstâncias extraordinárias das
infracções contra a segurança do Estado (Nota 1). Depois, na sequência da revolta de Fevereiro de
1927, foi criado um novo tribunal militar extraordinário, com o objectivo de julgar os «crimes de
rebelião» cometidos por militares ou por civis (Nota 2). Por seu turno foi criado em 1930, o
Tribunal Militar Especial (TME), com competência para proceder ao julgamento de acções de
carácter revolucionário (Nota 3). Influenciada pelo modelo italiano de instituição de um tribunal
militar extraordinário permanente, o diploma de criação do TME equiparava várias condutas, «em
razão do aspecto anti-social que revestem», ao crime de homicídio e punia-as com a pena de 10 a
20 anos de degredo para as colónias, com prisão no local.
Esse tribunal foi o antecedente histórico directo do tribunal permanente da Ditadura Militar, criado
pelo Decreto nº 21 942 de 5 de Dezembro de 1932, que passou a julgar sumariamente, até 1945, os
detidos indiciados como réus em processos de «crimes contra a segurança do Estado» (Nota 4).

Nota 1 - Decreto n.° 12 315, de 15 de Setembro de 1926; Decreto n.° 11 759, de 16 de Setembro de
1926.
Nota 2 - Decreto n.° 17 955, de 12 de Fevereiro de 1930.
Nota 3 - Decreto n.° 19 143, de 19 de Dezembro de 1930.
Nota 4 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, p. 277.

477

Efectivamente, nesse ano da chegada de Salazar à presidência do Conselho de Ministros, o TME foi
extinto e substituído por dois tribunais militares, respectivamente com sede em Lisboa e no Porto,
compostos, cada um, por dois oficiais do Exército ou da Armada (Nota 1).
Em 1933, os dois tribunais militares de Lisboa e do Porto ficaram reduzidos a um TME, com sede
em Lisboa, que viu as suas competências alargadas aos casos de greves, lock-out e, em 1936, aos
«implicados em motins ou tumultos populares, de carácter sedicioso» (Nota 2). A reforma penal de
1936 reforçou ainda mais a preponderância do poder executivo sobre o poder judicial (Nota 3). No
entanto os advogados António Macedo e José Oliveira Neves, defensores de presos políticos,
narraram vários episódios ocorridos no Quartel das Taipas, no Porto, onde funcionou o TME,
reveladores de que este tribunal era «totalmente leigo em matéria política, conspirativa ou
revolucionária» (Nota 4).
Com o Decreto-Lei n.° 35 044, de 20 de Outubro de 1945, os julgamentos de casos políticos
passaram para um órgão específico do corpo da magistratura criminal — o Tribunal Plenário
Criminal (TPC), que julgava os crimes contra a segurança exterior e interior, de imprensa,
açambarcamento, especulação e contra a economia nacional (Nota 5). Observe-se que o TPC
passou a ser composto por magistrados civis, nomeados pelo ministro da justiça e dependendo
deste para efeitos de promoção e colocação, o que fazia dele um verdadeiro «delegado do poder
executivo» (Nota 6).
As deliberações dos tribunais plenários, os únicos que julgavam questões de «facto», apenas eram
recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, que «só conhecia, aliás, questões de Direito, pelo
que o recurso perdia, por essa razão, parte do seu alcance» (Nota 7). Diga-se que, ao longo dos
anos, os presos políticos foram aconselhados a não recorrer para o Supremo Tribunal de justiça,
pois, na maior parte das vezes, este agravou as penas (Nota 8). É certo que, em 10 de Outubro de
1945, também foi institucionalizado, pelo Decreto-Lei n.° 35 043, o pedido excepcional de habeas
corpus contra o abuso do poder, mas a polícia política desrespeitava frequentemente a própria
decisão do Supremo Tribunal de Justiça (Nota 9). Referindo essa petição de habeas corpus, o
advogado Francisco Salgado Zenha assinalou que a sua concessão não deixou, contudo, de ter uma
«prática muito restritiva», até porque esse tribunal aceitava, quase sem discussão, a imputação
criminal feita pela autoridade responsável pela detenção (Nota 10).
Para muitos autores e para a oposição coeva, a criação dos tribunais plenários «civis», em
substituição dos antigos tribunais militares de excepção, prendeu-se com uma tentativa por parte do
Estado Novo de mascarar uma situação que, a nível externo, não era bem vista após a vitória das
democracias na Segunda Guerra Mundial.

Nota 1 - Decreto n.° 21 943, de 5 de Dezembro de 1932.


Nota 2 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa, pp.
525-526.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 503-531.
Nota 4 - António Ventura, Memórias da Resistência, testemunho de António Macedo, p. 66.
Nota 5 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa, p.
552, nota 1279.
Nota 6 - Idem, ibidem, op. cit., pp. 554 e 577.
Nota 7 - José António Barreiro, «Criminalização política e defesa do Estado», pp. 825-828.
Nota 8 - PIDE/DGS, pr. 196 GT, fls. 5 e 6, documento apreendido em arquivo de Joaquim Pires
Jorge («Gomes»), em 26/7/60, de Afonso Esteves de Medeiros.
Nota 9 - Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, p. 93.
Nota 10 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pp. 580-581, nota 1302, e p. 584.

478

No entanto, os «plenários» não deixaram de ser «tribunais especiais», além de que as penas
aplicáveis aos crimes ditos contra a segurança interna do Estado se agravaram substancialmente
(Nota 1).
José António Barreiros considerou que, através da criação dos tribunais plenários, foi alcançada
«uma integral co-responsabilização da magistratura judicial comum na aplicação da justiça
política» (Nota 2). Evelyne Monteiro lembrou que essa co-responsabilização da magistratura
judiciária na aplicação da justiça política se desenvolveu através de um processo em que os juízes
eram nomeados pelo ministro da Justiça e que a tutela do governo se desdobrava sobre a autoridade
judicial numa tutela de facto exercida pela PIDE. Teceu-se, assim, segundo essa autora, uma rede
penal de excepção da delinquência política a partir de uma polícia política todo-poderosa e de uma
magistratura enfraquecida, numa lógica de normalização da população, com meios de acção de
intimidação (Nota 3).

XVIII.2. JUSTIÇA SALAZARISTA E JUSTIÇA NACIONAL-SOCIALISTA

O facto de o ministro da Justiça, Manuel Cavaleiro Ferreira, responsável pela criação dos «tribunais
plenários», ter frequentado, nos anos 30, o Instituto Jurídico de Munique e centros de Direito Penal
na Itália e na Áustria, justifica que se interrogue até que ponto ele foi ou não influenciado pela
justiça desses países e da Alemanha. Lembre-se que, no pensamento jurídico do nazismo, os dois
princípios mais importantes foram a incerteza do Direito e a utilização da analogia juris, ou seja, o
«raciocínio analógico», segundo o qual qualquer um poderia ser punido por um facto não
expressamente previsto como delito pela lei.
No regime nacional-socialista, o juiz já não se limitava, como no Estado liberal, a aplicar a lei, mas
passou a vigiar a salvaguarda do «bem» e da «saúde» da Volksgemeinschaft (comunidade do povo),
ou «raça ariana» alemã, elevada como valor supremo. O delito deixou de ser encarado como uma
violação do Direito e passou ser considerado um atentado à integridade comunitária, através do
decreto sobre o «sentimento são do povo» (gesundes Volksempfindem). A defesa da «sanidade» do
povo passou, assim, a ser o critério de julgamento, ao qual o juiz recorria para condenar acções não
previstas pelo Código Penal. Ou seja, ao não exigir definições precisas dos actos criminosos e ao
não censurar a aplicação retroactiva da lei, a legislação nazi criava o medo e a insegurança
permanentes — o terror, segundo a terminologia de Hannah Arendt (Nota 4).

Nota 1 - José Ricardo (Lino Lima), Romanceiro do Povo Miúdo, p. 174; Fernando Rosas, «O
Estado Novo», História de Portugal, p. 277.
Nota 2 - José António Barreiro, «Criminalização política e defesa do Estado», pp. 825-828.
Nota 3 - Evelyne Monteiro, «La politique criminelle sous Salazar...», p. 15 (numeração nossa).
Nota 4 - Mario Turchetti, Tyrannie et tyrannicide de l’Antiquité à nos jours, Paris, PUF, 2001, pp.
869, 877-879 e 883.

479

Em 1933, foram criados na Alemanha «tribunais especiais», de cuja decisão não se podia recorrer,
e, em 24 de Abril, abriu em Berlim, o Volksgerichtshof (VGH — Supremo Tribunal do Povo),
presidido por Otto Thierack, que reforçou os poderes do procurador e amputou os direitos da defesa
(Nota 1). Paralelamente, como se viu, a Gestapo foi habilitada a realizar «obra profiláctica», ou
seja, a decidir o internamento num campo de concentração de qualquer pessoa que considerasse
susceptível de pôr em perigo a segurança da comunidade racial do povo e do Estado. Em 1939,
aumentaram os casos de indivíduos absolvidos pelo VGH, que foram posteriormente presos pela
Gestapo (Nota 2). Em 26 de Julho desse ano, Hitler ordenou, por seu turno, que todas as pessoas
em «custódia protectora» judicial fossem logo entregues à Gestapo (Nota 3).
Paulo Pinto de Albuquerque, que procedeu a uma comparação entre a reforma do Direito Penal
português e a reforma do Processo Penal nazi, considerou que houve diferenças significativas entre
a Alemanha e Portugal, cujo Direito reconhecia as mesmas limitações de natureza política, mas não
as de natureza racial. Além disso, segundo esse autor, o tribunal plenário português não podia ser
equiparado aos dois tribunais nazis, o VGH e o Sondergericht (tribunal especial). No essencial, o
novo modelo judiciário português distinguiu-se do consagrado no Direito alemão, dado que, em
Portugal, Cavaleiro Ferreira rejeitou «a policização integral da administração da Justiça Penal».
Assim, enquanto na Alemanha nazi o discurso do Direito se transformou num meio cujo fim era a
propagação da ideologia da raça e a criação e a defesa da Volksgemeinschaft, no Portugal de
Salazar o aparelho policial e judicial foi utilizado para assegurar a continuação do regime e para
calar e destruir os opositores políticos (Nota 4).

XVIII.3. A PIDE E O APARELHO JUDICIAL: OS JULGAMENTOS E A DEFESA DOS PRESOS


POLÍTICOS

Entre os mais conhecidos juízes dos tribunais plenários, ao longo dos anos, contaram-se o
desembargador João António da Silva Caldeira, que presidiu a inúmeros julgamentos em Lisboa, tal
como os juízes Cardoso de Meneses, António de Almeida Moura, Correia Barreto, Areio Manso,
Morgado Florindo, Mesquita Abreu, Borges da Gama, Albuquerque Bettencourt e Furtado dos
Santos (Nota 5). No tribunal plenário do Porto, presidiram Antero Cardoso, Jesus Coelho, António
Laranjo, Azevedo Soares, Pinto de Freitas, João Vieira de Castro e Morais Campilho.
Nota 1 - In the Name of the Volk. Political Justice in Hitler's Germany, dir. H. W. Koch, Londres,
Tauris, 1989, pp. 6 e 11.
Nota 2 - Encyclopedia of the Third Reich..., p. 188.
Nota 3 - In the Name of the Volk. Political Justice in Hitler's Germany, pp. 57, 87-90 e 132.
Nota 4 - Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal..., pp. 559, 589,
599-600, 614, 616 e 625. Conversa com Paulo Pinto de Albuquerque, em 7 de Abril de 2004.
Nota 5 - «O que era a justiça antes do 25 de Abril», in Jornal de Notícias, 19/11/1974; Ana Paula
Azevedo, «O braço judicial da PIDE», in Expresso, 2/4/1994, p. 12.

480

Entre os juízes assessores e representantes do Ministério Público em Lisboa destacam-se Fernando


Lopes de Melo, Ilídio Bordalo Soares, Simões de Carvalho, Carlos Alberto Soares, Augusto
Saudade e Silva, Bernardino de Sousa, Costa Saraiva, Serafim das Neves, João de Sá Alves Cortês,
Guilherme Lourenço Pinheiro, Jorge Remísio Pereira Lopes. No Porto contaram-se, entre outros,
Cura Mariano, Emídio Beirão Pires da Cruz, Américo Góis Pinheiro, Fernando Pinto Gomes, João
Figueiredo de Sousa, António Simões Ventura, Joaquim Rodrigues Gonçalves, Abel de Campos,
Manuel Meneses Falcão e Gil Moreira dos Santos (Nota 1).
Após 25 de Abril de 1974, porém, a associação sindical dos magistrados judiciais portugueses
aprovou uma moção lembrando que poucos tinham sido os juízes que haviam colaborado nos
tribunais plenários e que alguns tinham mesmo julgado em consciência e aguardado as
consequências dessas suas atitudes. A mesma associação sindical recordou que o Estado Novo
«impôs aos magistrados» o Conselho Superior Judiciário, nomeado pelo poder executivo, e um
sistema de nomeação de juízes que possibilitou «a subida vertiginosa na escala de antiguidades,
com atropelo dos autênticos juízes, a subsecretários de Estado, a directores gerais, a chefes de
gabinete, a ajudantes do Procurador-geral da República» (Nota 2).
No entanto, em 5 de Fevereiro de 1975, os advogados José Magalhães Godinho e Manuel João da
Palma Carlos requereram um inquérito oficial aos «tribunais fascistas» e pediram a suspensão
preventiva dos juízes que haviam actuado nos «plenários». Iniciado pelo Conselho Superior
Judiciário, sendo inquiridores os conselheiros Almeida Borges, para o plenário de Lisboa, e Daniel
Ferreira, para o do Porto, o inquérito acabou, porém, por não ter continuação.

XVIII.3.1. O tribunal plenário do Porto nos anos 40

Parece ter havido diferenças entre o funcionamento dos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. O
advogado portuense Alexandre Babo afirmou que, enquanto o tribunal plenário da capital «atingiu
um grau de corrupção e de falta de vergonha, com actuações claramente pidescas», o do Porto
«nunca se aproximou nem de longe nem de perto» do de Lisboa (Nota 3). O tribunal plenário do
Porto funcionou, pela primeira vez, para julgar os elementos da Comissão Distrital do Porto do
MUD — Rui Luís Gomes, Carlos Cal Brandão, Olívio França, António Machado, António Ricca
Gonçalves e José Borrego —, acusados de terem recusado entregar as listas com os seus aderentes,
ao contrário do que tinha feito a Comissão Distrital de Lisboa.
Embora anotando que alguns juízes, entre os quais se contavam Mário Leal e Azevedo Soares,
«estavam ali contrariados, por inerência de cargo» e «tentavam colaborar o menos possível» com a
polícia, Alexandre Babo não deixou de observar que alguns eram «autênticos sabujos do poder e da
PIDE». Narrou o julgamento da Comissão de Trabalhadores do MUD, presidido pelo juiz Antero
Cardoso.,

Nota 1 - António Valdemar, «A repressão dos tribunais plenários», Diário de Notícias, 25/4/1999.
Nota 2 - Jornal de Noticias, 19/11/1974.
Nota 3 - Alexandre Babo. Recordações de Um Caminheiro, p. 191.

481

A dado momento, o advogado de defesa, José Neves, começou a ditar um requerimento para a acta,
quando o presidente do tribunal, «insolentemente o interrompeu e disse: “Isso não é assim”, e
emendou o que o advogado tinha ditado». José Neves olhou para ele, com desprezo e sorriu,
levando o presidente do tribunal a dar «ordem ao escrivão para que levantasse um auto ao
advogado que se tinha rido dele» (Nota 1).
Depois, o profundo silêncio foi cortado por «uma gargalhada que não era de riso, mas de raiva» do
advogado Artur Santos Silva, e o juiz presidente levantou-se aos gritos, clamando: «Às armas!
Soldados! Prendam aquele homem!» O tenente que comandava a força da GNR levantou-se, sem
saber realmente o que fazer, mas disposto a prender ou espancar, quando um velho advogado de
Aveiro se ergueu calmamente, a pedir serenidade, e, «sem deixar de criticar o tribunal, rogou que a
justiça não caísse numa vergonha». Suspensa a audiência, o tribunal recolheu para deliberar e
decidiu evacuar a sala. Apesar de tudo, Babo afirmou que, «durante um mês aquele tribunal foi a
única tribuna livre do país e os réus não foram condenados» (Nota 2).
Num relatório enviado ao PCP, o comunista Agostinho Saboga («Ruas») afirmou que, no início dos
anos 50, o tribunal plenário do Porto não estava a dificultar a defesa, como o de Lisboa (Nota 3),
embora aí existisse o tal juiz-presidente, Antero Cardoso, que avisou logo que não admitia
«discursos». Campino mal teve tempo para dizer o que queria, quando o juiz ordenou, aos gritos,
«fora de si», que se sentasse, condenando-o «a dezoito anos de prisão maior seguidos de três anos
fixos de segurança», uma pena que constituiu a «maior condenação dos tribunais portugueses
contra um membro do Partido» (Nota 4).
Entre os advogados de defesa do Porto, contaram-se António Macedo, Eduardo Ralha, José Neves,
António Ramos de Almeida, Artur Santos Silva, Bento de Melo, João Menéres de Campos, Lino
Lima, Luís Veiga, Armando Bacelar, Olívio França, Armando de Castro e os irmãos Mário e Carlos
Cal Brandão. Ao prestar homenagem a esse grupo de advogados, «que durante mais de catorze anos
defendeu corajosamente, com grave prejuízo da sua vida particular, sem receber por esse trabalho
um tostão, todos os que a PIDE mandava para aquele departamento da justiça salazarista», Babo
esclareceu que muitos, «não sendo comunistas», tiveram «a coragem e a dignidade de os defender
no Plenário de acordo» com a orientação do PCP.

XVIII3.2. A defesa política dos comunistas na década de 50

Até aos anos 60, havia os advogados comunistas, que eram comunistas antes de serem advogados,
mas a sua actuação não se distinguia qualitativamente da de outros advogados da oposição. Por
outro lado, o PCP obteve de muitos advogados o acesso aos processos, que lhe permitiram saber
que comportamento os seus militantes tinham tido face à PIDE.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 197-200.


Nota 2 - Idem, ibidem, pp. 191-196.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 3 GT, s. d., Agostinho da Conceição Saboga, fl. 34.
Nota 4 - Joaquim Campino, Histórias Clandestinas, pp. 146 e 147.

482
Relativamente «aos dirigentes comunistas ou funcionários», a indicação que os advogados tinham
«era de reconhecer a sua militância no Partido, a sua posição assumida de comunistas, sem aceitar
nenhum facto mais da acusação, e defender o Partido politicamente, atacando o regime» (Nota 1).
A partir de 1950, com a defesa de Álvaro Cunhal, foi dado o mote do que deveria ser o
comportamento em tribunal dos dirigentes e funcionários comunistas. Na sua primeira intervenção,
de 2 de Maio desse ano, Cunhal começou por referir que, desde a sua prisão, se encontrava
ilegalmente em rigoroso isolamento e, depois de contar as torturas físicas a que tinha sido sujeito na
sua primeira prisão, nos anos 30, disse estar em condições de «dizer que um ano de isolamento» era
«uma nova forma de tortura». Após denunciar a forma como a preparação da sua defesa tinha sido
prejudicada, as notas oficiosas sobre a sua prisão, onde abundavam «inexactidões propositadas e as
mais grosseiras mentiras e calúnias», Cunhal fez a sua defesa política, bem como a do PCP (Nota
2).
O exemplo de Álvaro Cunhal serviu de modelo, num artigo do Avante!, de Maio de 1950, acerca da
«posição perante o tribunal» dos comunistas. Se não se provasse a pertença ao partido, estes
deveriam manter a posição de negar, embora sem sujeição a vexames e insultos do tribunal. Pelo
contrário, se isso ficasse provado, deveriam defender o PCP, mostrando as razões da sua luta e
negando as acusações de que os comunistas fossem desordeiros e inimigos da pátria e da família.
Ou seja, se, na polícia, o problema fundamental era não abrir a boca, no tribunal essa «tribuna»
devia ser utilizada para difundir a linha do PCP e «desmascarar a camarilha salazarista» (Nota 3).

XVIIL3.2.1. O «fracasso» de Manuel Guedes

Por não ter aproveitado a sua presença em tribunal, em Março de 1953, para fazer uma defesa
política, o dirigente do PCP Manuel Guedes («Santos») foi criticado pelo Secretariado deste
partido. Segundo a descrição de um agente da PIDE, Guedes começara por declarar ser membro do
CC do PCP, anunciando que iria explicar as razões por que se recusara responder às perguntas da
polícia. No entanto, depois, Guedes apenas dissera que estava nervoso e, noutra audiência,
explicara que, devido às circunstâncias da sua prisão, se encontrava «muito arrasado» (Nota 4).
Após a direcção do PC ter considerado insuficiente um primeiro relatório de Guedes, este enviou,
em Junho, um segundo documento, onde esclarecia que, «porque estivesse nervoso», não fora
«capaz de apanhar o fio do assunto» e depois o lapso de memória, a responsabilidade e o ambiente
no tribunal haviam agravado o seu estado de nervos e havia ficado impossibilitado de prosseguir
com a intervenção.

Nota 1 - Alexandre Babo, Recordações de Um Caminheiro, pp. 201 e 202.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. 15786 SR, Álvaro Cunhal, no tribunal fascista.
Nota 3 - Ibidem, pr. 58 GT, Pires Jorge, fls. 7-24.
Nota 4 - Ibidem, pr. 106/52, fls. 195-200. Relatório de 5/3/53.

483

O período de cinco dias que mediara entre a primeira e a segunda audiências ainda piorara as coisas
e, ao ser-lhe concedida a palavra pelo juiz, explicara que, devido ao seu estado de saúde, resultante
das condições em que se encontrava preso, estava impossibilitado de falar, como era seu desejo1.

XVIII.3.3. O julgamento de Henrique Galvão

Mas nem todos os julgamentos políticos tiveram «réus» do PCP. Veja-se, por exemplo, como o
advogado Almeida Braga, defensor do capitão Henrique Galvão, actuou na décima primeira
audiência do seu julgamento, em 26 de Março de 1953. Começando por citar extractos do livro do
próprio ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, onde este dizia que, na raiz do pensamento que
chamava «crimes políticos àqueles que ofendem a organização política do Estado», estava o Direito
Penal da Rússia soviética, Almeida Braga recapitulou, depois, as acusações dirigidas a Galvão.
Como uma delas era o facto de Galvão querer pretensamente «destituir o Governo legalmente
constituído», o advogado lembrou que o simples pensamento criminoso não era punível e que, para
isso, era necessário que ele se materializasse em factos, o que não era o caso.
Francisco da Cunha Leal, que interveio como testemunha de defesa de Galvão, deu o exemplo do
próprio Cipriano Lacerda, juiz auditor no julgamento, o qual havia revelado, por palavras, a Agatão
Lança que se prontificava a aderir à tentativa de golpe da Mealhada de 1946. Cunha Leal esclareceu
que não lhe parecia haver diferença fundamental entre as duas intenções revolucionárias, a do juiz e
a de Henrique Galvão. Acrescentou não pretender, de modo nenhum, concluir que o juiz-auditor
tivesse sido um revolucionário, mas de que fora simpatizante de um movimento, pedindo que, «em
reacção aos réus», este tivesse «o mesmo espírito de benevolência que teve para consigo próprio».
O presidente do tribunal considerou, porém, que as declarações de Cunha Leal constituíam crime e
ordenou a prisão do depoente e o seu envio imediato ao tribunal correccional de Lisboa (Nota 2).
A propósito de julgamentos em tribunal militar, Mário Soares deixou uma marca de respeito
relativamente ao presidente do mesmo, que julgara o caso da revolta da Sé em 1959, coronel Rui da
Cunha, qualificando-o como um oficial à moda antiga, conservador e monárquico, mas «com um
sentido raríssimo da dignidade». Ao seu «constituinte Fernando Oneto», envolvido no «golpe da
Sé», de 1959, que havia feito uma exposição «acerca do “tratamento” a que fora submetido pela
PIDE», o coronel Cunha disse que, depois de o ouvir, só pedia a Deus que nunca lhe acontecesse
«cair nas mãos da PIDE como preso político!» (Nota 3).

XVIII.3.4. Condenada «por convicção» do juiz

Em Junho de 1954, o advogado Fernando Lopes Correia, defensor de Isaura Silva, acusada de
pertencer ao MUD J e, por consequência, ao PCP, foi visitar a sua constituinte a Caxias, recebendo
dela o manuscrito da sua defesa.

Nota 1 - Ibidem, pr. 79 GT, Manuel Guedes («Santos»), fls. 2, 51 e 54.


Nota 2 - Ibidem, pr. dir. 42/52 — S. Inv., fls. 250, 291, 597, 627, 736 e 833.
Nota 3 - Ibidem, pr. 368/59, vol. 4, fl. 656; Mário Soares, Portugal Amordaçado, p. 267.

484

Intimado a entregar o documento, Lopes Correia recusou (Nota 1). Foi então que o funcionário da
PIDE Santos Costa se acercou dele, tirando-lhe e rasgando o documento, enquanto os guardas
prisionais Semedo e Carvalho se atiraram ao advogado agredindo-o e prendendo-o. Quanto à
detida, o director de Caxias ameaçou que a ia levar para o «segredo», agarrando-a de tal forma que
a deixou roxa (Nota 2).
No relato do julgamento de Isaura, feito por um chefe de brigada da PIDE, este disse que a ré
alegara ser do MUD J, mas negara pertencer ao PCP, acusando essa polícia de infligir torturas
morais e físicas aos presos. Contou ainda o chefe de brigada que, ao intervir a testemunha de
defesa, Maria Isabel Aboim Inglês, esta afirmara que os indivíduos que não prestavam declarações
à polícia eram dignos de admiração, mas como terminasse a discutir com o juiz presidente, este
mandara-a para a prisão por três dias, «por faltar ao respeito ao Tribunal». Diga-se que o
julgamento foi filmado por um elemento da PIDE, Pedro Duarte, para intimidar as testemunhas de
defesa (Nota 3) e que Isaura Silva foi condenada a prisão maior e medidas de segurança, por
«convicção» do juiz-presidente, Abreu Mesquita, que disse «estar convencido de que [a ré] era
comunista».
XVIII.3.5. Um magistrado incómodo

Por vezes, alguns juízes não deixavam de ser alvo das críticas dos relatores da PIDE que «cobriam»
os julgamentos. O elemento da PIDE que assistiu, em 1954, ao julgamento de Maria Luísa Costa
Dias, Pedro Soares e de Carlos Aboim Inglês, criticou o juiz ajudante do procurador da República
— que pela primeira vez actuava num julgamento político — por desconhecer os chamados
métodos conspirativos do PCP. Segundo o relator da PIDE, esse juiz parecia «desconhecer que
tanto os réus, como os advogados, como o público», eram «pelo menos simpatizantes da mesma
causa» e, de «forma inconveniente e descabida», havia questionado os agentes que figuravam como
testemunhas de acusação, acerca da maneira como esta polícia actuava contra o PCP».
Esta forma de inquirição desse juiz ajudante foi depois considerada, no seio da PIDE, como
podendo ser interpretada «como tendência favorável a acreditar nas alegações dos réus». Um dos
episódios relatados num documento dessa polícia era o facto de, ao inquirir o agente Mário da
Silva, o referido juiz ajudante querer, a todo o transe, que este lhe explicasse a razão por que
considerava a ré, Maria Luísa da Costa Dias, «funcionária» do citado «PCP» e «ilegal» a casa onde
ela tinha sido presa. Ora, segundo acrescentou o subinspector da PIDE, como aliás declarara o
próprio juiz-presidente Abreu Mesquita, «aquele venerando tribunal, por julgamentos anteriores»,
tinha «já um conhecimento perfeito da existência das casas “ilegais” do citado PCP» (Nota 4).

Nota 1 - José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, p. 71.


Nota 2 - PIDE/DGS, pr. cr. 141/53, Isaura Silva.
Nota 3 - Ibidem.
Nota 4 - Ibidem, pr. 146/53, fls. 377-378, 393 e segs.

485

Em 1957, António Furtado dos Santos — provavelmente o mesmo juiz, que foi anteriormente
criticado pela PIDE — motivou uma informação do Ministério da Justiça, por ter pedido a
absolvição, por ausência de provas, de 19 réus, acusados de haverem subscrito um telegrama de
protesto contra o regime prisional da cadeia de Peniche. Anteriormente, Furtado dos Santos havia
esclarecido a tutela de que o tribunal tinha decidido repudiar a acusação de «divulgação por escrito
ou em público de notícias falsas ou tendenciosas susceptíveis de causar alarme ou inquietação
pública» (destacado no documento), ao considerar que os telegramas, enviados ao ministro da
Justiça, pelos arguidos, eram de carácter confidencial.
Seja como for, o ministro da Justiça referiu-se então à atitude desse agente do Ministério Público,
ao lembrar que este «deveria, na pior das hipóteses, ter-se limitado a pedir justiça», como era «de
uso fazer-se», e nunca ter pedido a absolvição, pelo que tinha agido mal. Mas «não tão mal, no
entanto, como poderia depreender-se do relato do julgamento pelo jornal República», que tinha
posto na boca de António Furtado dos Santos a afirmação de que, ao expedirem os telegramas que
serviam de base ao processo, os advogados «teriam agido no cumprimento dos seus deveres
profissionais» (destacado no documento) (Nota 1).

XVIII.3.6. Os julgamentos em meados da década de 50

Entretanto, o julgamento de Jaime Serra e Georgette Ferreira, realizado em Outubro de 1955, no


tribunal da Boa Hora, também tinha sido recheado de incidentes, conforme relatou, no dia 18, o
elemento da PIDE presente no tribunal. Os réus haviam, segundo ele, injuriado os funcionários da
PIDE e acenado para a audiência. Como a mãe de Serra não lograsse arranjar lugar na sala, fora
convidada a sair, mas recusara-se, no meio de «algazarra provocada pela irmã daquele réu»,
segundo a qual a sala estava cheia de agentes da polícia, qualificados de «canalhas, bandidos».
Apelidando o tribunal de «fantoche» e «fascista», Jaime Serra dera eco à irmã, que afirmara então,
aos gritos, ter um agente ao seu colo. O réu instara-a a «dar uma bofetada naquele canalha»,
começando, de dedo estendido, a contar, um a um, todos os 50 agentes presentes. Depois, como
recusasse sentar-se, Jaime Serra fora enviado para o calabouço e a irmã recebera ordem de prisão.
O relator justificou a agressão do agente Francisco Fernandes ao réu afirmando que este o teria
agarrado «por um braço», ao perceber que ele tentava fugir.
Em 21 de Abril de 1956, o subdirector da PIDE do Porto escreveu ao seu director, informando que
se havia notado ultimamente «fugas para o exterior de notícias e pequenos factos que escapavam à
constante e apertada vigilância exercida», concluindo que os «veículos condutores» só podiam ser
os advogados dos reclusos.

Nota 1 - AOS/CO/PC-56, pasta 23, informação sobre o julgamento de 19 indivíduos que


subscreveram telegramas sobre o regime prisional da cadeia de Peniche, entre os quais se encontra
Virgínia de Moura. Trata-se do proc. 14487, l.° Juízo Criminal, com 19 réus e cinco advogados.

486

O subdirector da PIDE do Porto aconselhou, assim, que se viesse a legislar no sentido de «todos os
advogados que já tivessem sido arguidos por crimes contra a segurança» serem «privados de
intervirem na defesa de causas respeitantes a essa mesma segurança» (Nota 1).
Ao relatarem um julgamento, realizado em 1957, os agentes Acácio da Costa Matos e Francisco
Casas Fernandes deram conta de que a testemunha de defesa, Rui Luís Gomes, dissera que, em
Maio de 1940, o presidente do Conselho havia declarado que «o regime político português era anti-
democrático, anti-liberal, autoritário e intervencionista». Esta atitude valera-lhe a remoção à cadeia,
por três dias, sob a acusação de haver dirigido «ataques a pessoas do Governo». Em protesto com o
que acontecera a Rui Luís Gomes, todos os advogados de defesa, Manuel João da Palma Carlos,
Luís Saias, Avelino Fernandes e Avelino Cunhal, renunciaram ao seu mandato de defensores. No
relatório deste julgamento, os agentes da PIDE informaram ainda a presença de mais de 100
testemunhas de defesa — «conhecidos inimigos do Regime» —, que formavam «uma espécie de
«frente popular», em harmonia com as actuais directrizes comunistas». Ora, isso levava a supor que
se pretendia fazer uma reedição do julgamento realizado no ano anterior no Porto e transformar as
sessões «em comícios políticos de ataque às Instituições» (Nota 2).

XVIII.3.7. O julgamento dos elementos do MUD J

Esse julgamento, realizado no Plenário do Porto, mencionado pelos dois agentes relatores, teria
sido certamente o de 52 jovens acusados de serem membros do Movimento da Paz e do MUD J,
que decorreu entre 10 de Dezembro de 1956 e 12 de Junho de 1957, e devido ao grande número de
arguidos, se transformou numa acção de propaganda contra o regime. O julgamento, que congregou
30 advogados de defesa e mais de 300 testemunhas, foi marcado por uma série de acontecimentos e
teve repercussões no país e no estrangeiro, de onde vieram observadores, o advogado parisiense Dr.
Supervielle, da Associação Internacional de Juristas Democratas, bem como um advogado
americano (Nota 3).
Alexandre Babo relatou esse julgamento como um dos maiores realizados em Portugal durante o
Estado Novo, acrescentando que foi então publicado um jornal que circulava de mão em mão, onde
se relatava o que decorria nas respectivas audiências. De acordo com os réus e a maioria dos
advogados, foi decidido não só defendê-los da acusação de que o MUD J e o Movimento para a Paz
eram organizações controladas pelo Partido Comunista, «como aproveitar para sentar no banco dos
réus o próprio regime». O certo é que não ficou provado que o MUD J fosse uma ramificação do
PCP e «o regime saiu deste julgamento mais enfraquecido», tudo fazendo, a partir de então —
embora sem sucesso —, para que não se realizassem mais julgamentos colectivos com tantos réus
(Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 18 894 SR, Joaquim Gomes dos Santos, João Ivo Ferreira, Pedro Soares e
Carlos Aboim Inglês, fl. 199.
Nota 2 - Ibidem, 8,a C, pr. 106/55, fls. 237, 244-247 e 250.
Nota 3 - Fernando Miguel Bernardes, «O trigo podre», in António Ventura, Memórias da
Resistência, pp. 114 117.
Nota 4 - Alexandre Babo, Recordações de Um Caminheiro, pp. 203-227.

487

No final de 1962, houve uma nova «vitória da democracia», num julgamento realizado no tribunal
plenário do Porto, em que diversos réus eram acusados de pertencer às JAP do Norte. Embora o
tribunal, constituído pelo desembargador-presidente José Manuel da Cunha Ferreira, tivesse
reunido à porta fechada, as grandes agências noticiosas estavam atentas e os observadores
internacionais presentes, no dia da sentença, em 5 de Dezembro. Ao serem abertas as portas, o
presidente do tribunal começou por felicitar os advogados pela maneira como se tinham
comportado e absolveu quatro dos 12 arguidos — Virgínia Moura, Lobão Vital, Vítor Sá e João
Ferreira Júnior — condenando os restantes a penas de cinco a 18 meses, remíveis a multa, não
aplicando medidas de segurança a ninguém (Nota 1).

XVIII.3.8. Dois anos repletos de julgamentos (1959-1960)

O ano de 1959 tinha sido entretanto abundante em julgamentos políticos, muitos dos quais devido à
exposição excessiva de muitos elementos do PCP, no decorrer das eleições presidenciais do ano
anterior. Segundo um artigo de um jornal francês, provavelmente com dados fornecidos pelo
próprio PCP, retirados do anuário estatístico de 1959, foram presas nesse ano 3811 pessoas por
crime de opinião das quais 1586 prestaram contas à PIDE. Por outro lado, entre Outubro desse ano
e Agosto de 1960, foram julgados 256 réus, sendo absolvidos 53, condenados com pena suspensa
25, mas 97 deles haviam ainda sido condenados a medidas de segurança:
83 pelo Plenário de Lisboa e 8 pelo do Porto (Nota 2).
Em Lisboa, decorreu então o julgamento de António Santo e de Sofia Ferreira, que foram
defendidos, respectivamente, por Duarte Turras e Manuel João da Palma Carlos, num tribunal
presidido pelo juiz Silva Caldeira. Quando Palma Carlos pretendeu contestar a acusação e
perguntar à testemunha de acusação se podia «explicar ao tribunal quais os fins que o PCP» visava,
o juiz repetiu que não lhe era permitido fazer tal pergunta.
Palma Carlos disse então que não continuaria o interrogatório se não fosse dado esse
esclarecimento e o desembargador ordenou-lhe a saída da bancada da defesa, nomeando Duarte
Turras defensor oficioso da ré. Ao ser perguntado aos réus se queriam dizer algo, António Santo
afirmou que o julgamento «era uma farsa» e Sofia Ferreira disse que era «ilegal por não poder ser
defendida pelo seu advogado», pelo que o juiz interrompeu a sessão e mandou os dois para o
calabouço do tribunal. Reaberta a sessão, no dia seguinte, o juiz condenou os réus a cinco anos e
seis meses de prisão maior e medidas de segurança (Nota 3).
No seu julgamento, em Novembro de 1959, o ex-operário vidreiro Joaquim Augusto da Cruz
Carreira foi condenado a quatro anos de prisão maior e medida de segurança. O texto do acórdão
seguiu ipsis verbis o texto do processo instruído pela PIDE.
Nota 1 - Jornal de Notícias, 12/1/1975; PIDE/DGS, pr. 13013 SR, delegação do Porto, Orlando
Juncai da Silva, fl. 54.
Nota 2 - Ibidem, pr. 20 GT, Carlos Aboim Inglês; pr. 170 GT, Alexandre Castanheira, fl. 46, artigo
«A propósito do Santa Maria», Démocracie Nouvelle, Março de 1961, p. 8.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. dir. 551/59 Div. Inv.

488

Digno de registo, segundo escreveu o relator da PIDE, foi o facto de ter havido um protesto do
advogado de defesa, José Vareda, motivado pela recusa da testemunha de acusação, agente Pires,
em responder a perguntas, escudado no «segredo profissional». Em resposta, o desembargador
citou a legislação que proibia aos funcionários da PIDE a divulgação de qualquer facto relacionado
com a instrução preparatória dos processos.
Outro dos advogados de defesa, no mesmo julgamento, foi Manuel Sertório, segundo o qual os réus
eram meros leitores da imprensa do PCP, lembrando, perante risos da assistência, que, ao perguntar
à mulher de um dos acusados se este era do PCP, ela tinha respondido: «Não... é leitor.» Segundo o
relator do julgamento, Sertório declarara ainda que a própria PIDE não acreditava na
imparcialidade do tribunal, como era revelado por uma frase de um funcionário dessa polícia, dita a
um réu: «Não vá para o Tribunal dizer que lhe batemos nem que esteve de estátua. Não se queixe
nem faça acusações e deixe o resto por nossa conta.» O desembargador respondera-lhe que, apesar
do seu «brilhantismo», o advogado havia feito deduções falsas ou partido de premissas erradas e,
quanto à imparcialidade do tribunal, aconselhou-o a não se preocupar, pois os juízes só tinham um
juiz, que era a sua própria consciência (Nota 1).

XVIII.3.9. «Enviem-no para o calabouço!»

Carlos Costa relatou os inúmeros episódios que rechearam um dos julgamentos a que foi sujeito,
por injúrias à PIDE. A propósito da contestação do seu advogado, Avelino Cunhal, que alegara
como atenuante a «juventude honesta e sacrificada aos seus ideais» de Costa, o juiz Caldeira fizera
a seu respeito considerações insultuosas que provocaram o seu protesto imediato. Foi
imediatamente levado para um calabouço do tribunal, onde «assistiu» às restantes audiências,
«iludindo assim o preceito legal segundo o qual ele devia estar presente no julgamento». Depois, no
decurso da última sessão deste julgamento, foram presos o advogado Manuel João da Palma Carlos
e a mulher do seu co-réu, Humberto Lopes, Arminda Soares Lopes, por pretenso desrespeito ao
tribunal (Nota 2).
Segundo contou o próprio Joaquim Pires Jorge, também num relatório dirigido ao Secretariado do
PCP, foi julgado em Novembro de 1962, mas, «para dar menos nas vistas», «separadamente» de
Octávio Pato e de Carlos Costa, que também pertenciam ao CC. Relatou ter feito no julgamento
uma declaração política, que levara o juiz Caldeira a evacuar a sala e a ordenar a seis pides para
retirarem o preso para o calabouço, não sem que ele tivesse resistido e quebrado uma hérnia devido
à violência empregada pela polícia. Numa descrição do mesmo julgamento, também encontrada
pela PIDE no arquivo de Blanqui Teixeira («Carlos»), Pires Jorge contou que, no calabouço, fora
provocado e revistado pela polícia, após lhe terem tapado a boca para o impedir de continuar a
gritar (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, pr. cr. 1065/58, Joaquim Augusto da Cruz Carreira, fls. 285-289, 325 e 495.
Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. II, testemunho de Carlos Costa, pp. 29-31; PIDE/DGS, pr.
89/53, vol. 2.
Nota 3 - Joaquim Pires Jorge, Com Uma Imensa Alegria: Notas Autobiográficas, p. 34; PIDE/
/DGS, pr. 58 GT, Joaquim Pires Jorge.
489

No julgamento, em que Octávio Pato foi condenado a oito anos e meio de prisão maior e medida de
segurança, realizado em Novembro de 1962, este tratou o tribunal de «marioneta do fascismo».
Posteriormente, segundo o agente da PIDE relator do julgamento, ao ser expulso da sala de
audiências para o calabouço, Pato dissera, ao passar à frente de Martin Roland Weyl, delegado da
Associação Internacional dos Juristas Democratas: «Saiba que me enviam para o segredo. “Honra
aos franceses mortos pela liberdade”.» (Nota 1)
O próprio Pato narrou a sua expulsão da sala no julgamento presidido pelo «famigerado agente da
polícia, o juiz Caldeira», que, num dado momento, chamara os agentes da PIDE para o expulsarem
à força. Espancado a murro e a pontapé em pleno «tribunal», Octávio Pato contou ter sido
arrastado, quase pelo ar, para o calabouço do Tribunal da Boa Hora, onde lhe foram ler a sentença.
Relatou ainda que a presença do jurista francês na sala fez com que o julgamento tivesse tido
repercussão fora do país e que se devera a isso o facto de os agentes da PIDE terem hesitado em
actuar imediatamente às ordens do juiz Caldeira (Nota 2).
Veja-se agora como a imprensa «situacionista» noticiava os julgamentos políticos em Portugal e
reagia às notícias difundidas em jornais estrangeiros. Para provar a «democraticidade» de um
julgamento, o editorialista de A Voz recordava que o mesmo tinha sido «público» e havia contado
com a assistência de jornalistas estrangeiros e três advogados — Agostinho Battino, de Roma, o
americano Patrick Halliman e o inglês Ronald Waterhouse. Acrescentava o jornal que, na sessão de
leitura da sentença, «voltando-se para o público», o réu gritara «Abaixo o fascismo. Viva o Partido
Comunista». «Tendo em conta tal atitude, os guardas presentes na sala agarraram o réu por um
braço para o retirar da sala do Tribunal e o conduzir à prisão.» Este, porém, «com um gesto
espectacular, destinado a impressionar o público e os jornalistas estrangeiros, começou a resistir aos
guardas», que se viram «obrigados a usar da força, arrastando-o para fora da sala, como aconteceria
em qualquer tribunal do Mundo» (Nota 3).
Tratou-se quase de certeza do julgamento de José Manuel Mendonça Bernardino, realizado em
Maio de 1963, num tribunal presidido pelo desembargador Silva Caldeira. Segundo o relato de um
agente da PIDE que assistiu às audiências, José Bernardino afirmara ter sido submetido à tortura do
sono, além de ter sofrido espancamentos. O juiz havia-o repreendido várias vezes e, «como
teimasse em levar a sua avante», o réu fora mandado recolher ao calabouço. Ao ver os agentes
levarem o réu, uma senhora gritara da assistência: «Fascistas. Abaixo o fascismo. Viva o PCP.»
«Esta senhora de nome Marina Mendonça de Oliveira Dascalos foi detida por ordem do senhor
desembargador», enquanto de «entre o resto da assistência somente se ouvia a frase: “Isto não se
faz!”.»

Nota 1 - Ibidem, pr. 24 GT, Octávio Pato, fls. 195-202.


Nota 2 - Miguel Medina, Esboços, vol. 1, testemunho de Octávio Pato, pp. 190-193.
Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 324 CI (1). A Voz, 22/5/1963.

490

O que se passou em tribunal deu, aliás, origem a um «inquérito» no interior da PIDE, segundo o
qual o comportamento do réu fora planeado, «sabendo-se que nenhum Tribunal de qualquer país
pode admitir ser insultado e desrespeitado pelos réus sem que o Juiz faça retirar da sala de
audiências os indivíduos que assim se comportam» (Nota 1).
Num livro publicado em 1969 intitulado Quatro Causas, cuja circulação e venda foram proibidas, o
advogado Francisco Salgado Zenha narrou um episódio passado no julgamento de um dos seus
constituintes, Joaquim Alves Araújo, mandado recolher, por ordem do presidente do tribunal, «sob
custódia ao calabouço». Zenha informou depois o tribunal de que o fora visitar ao calabouço, onde
verificara «com infinita tristeza» que «o réu tinha sido barbaramente seviciado», referindo-lhe,
«visivelmente em estado de choque», que «tinha sido espancado a cavalo-marinho e casse-tête»
(Nota 2).
O advogado Saul Nunes, que também foi defendido por Francisco Salgado Zenha, num processo
em que era acusado de pertencer à FAP/CMLP, deixou um depoimento sobre a actuação
«inesquecível» desse advogado. Segundo relatou, o «julgamento transformou-se, por mérito de
Salgado Zenha — na denúncia da tortura, dos crimes da PIDE e da ilegalidade do regime». O
mesmo ex-preso político revelou os métodos da PIDE, ao relatar que, dias antes do início do seu
julgamento, fora levado, de noite, do forte de Caxias para a sede da PIDE, na Rua António Maria
Cardoso, para o exercício de uma rotina.
Tratou-se da «apresentação» do réu, na véspera do julgamento, aos agentes destacados como
testemunhas, para que estes não se «enganassem» na identificação dos presos, ao «testemunharem»
em tribunal que estes tinham sido «bem tratados na polícia» (Nota 3). Além desta rotina, existia
outra «que era a de a polícia dar (bons) conselhos aos presos na véspera dos julgamentos». No caso
de Saul Nunes, o então agente José Luís Inácio Afonso avisou-o de que se ele denunciasse «isso a
que vocês chamam torturas da PIDE» e «isso a que vocês chamam guerra colonial», «apanharia»
quatro anos de cadeia; se não referisse estes temas incómodos, «safar-se-ia» (sic) com dois anos.
Inácio Afonso lembrou-lhe ainda que os juízes do Plenário faziam aquilo que a PIDE mandava e
que era esta polícia, «ao fim de dois anos — ou mesmo antes —», que decidia se ele sairia da
cadeia ou não (Nota 4).

XVIII.3.10. Uma nova geração de advogados de defesa em Lisboa

No julgamento de indivíduos acusados de pertencer ao CL de Alpiarça do PCP, realizado em 1964,


no tribunal plenário de Lisboa, presidido pelo desembargador Areio Manso, os presos foram
defendidos por Jorge Fagundes, Joaquim Matias, José Sá Borges, Jorge Sampaio, Jorge Santos e
Correia da Mota. À excepção deste último, todos esses advogados compareciam, pela primeira vez,
no tribunal plenário.

Nota 1 - Ibidem, pr. cr. 1293/62 l.a divisão, fls. 178-179 e 193; ibidem, pr. 480 GT, José Ber-
nardino, fls. 193 e 279; ibidem, pr. 324 Cl (1) José Bernardino e Manuela Bernardino, fls. 294, 298
e 304.
Nota 2 - Francisco Salgado Zenha, Quatro Causas, pp. 222-223; Francisco Salgado Zenha: Liber
Amicorum, citado por António Eduardo Borges Coutinho, pp. 93 e 94.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 193-195.
Nota 4 - Idem, ibidem.

491

No relato do julgamento, o agente da PIDE referiu que, embora admoestados pelo juiz, os
advogados tinham passado a perguntar habitualmente às testemunhas de acusação como eram
elaborados os autos na polícia, quanto tempo demoravam os interrogatórios, quem assistia aos
mesmos e o que era um «membro» do «P.», um «simpatizante» e um «funcionário».
Um dos advogados, Jorge Fagundes, adjectivara de «pseudo confissões» «extorquidas» as
declarações constantes dos autos. Também o advogado Joaquim Matias considerara as «confissões»
sem valor e afirmara que as medidas de segurança eram inconstitucionais, terminando por exigir a
absolvição do seu constituinte, mas o juiz dissera-lhe que não podia «exigir», apenas «pedir».
O advogado Sá Borges perguntara, por seu turno, que força estranha fazia com que os réus
confessassem na polícia e não no tribunal. Quanto ao advogado Jorge Sampaio, questionara o facto
de os réus geralmente não confessarem no primeiro auto mas fazerem-no nos seguintes.
Respondendo à sua própria pergunta, Sampaio lembrara que o primeiro auto era «para legalizar a
captura» e depois já haveria «tempo para a polícia pôr em prática os seus métodos».
Outro importante advogado, que defendeu muitos presos políticos, a partir dos anos 60, foi
Macaísta Malheiros. Defensor de Maria Emília Lindim Serra («Silva», «João» e «Joaquina»), num
tribunal presidido pelo desembargador Areio Manso, em 1964, esse advogado criticou a polícia,
pelo modo como obtinha a confissão dos presos e pôs em dúvida os depoimentos das testemunhas
de acusação (Nota 1). No relatório da PIDE do julgamento de José Luís Saldanha Sanches,
realizado em 10 de Dezembro desse ano, num tribunal presidido pelo desembargador Almeida
Moura, dava-se conta de que o advogado Mário Soares atacara acerrimamente os «agentes da PSP
que barbaramente e selvaticamente, tinham agredido» o seu cliente e se haviam comportado como
«dois homicidas frustrados». Quando o juiz voltou a intervir, Soares explicara que estava a falar
«em sentido figurado» (Nota 2).
O julgamento do caso de Beja, em 1964, constituiu novamente um marco, pois muitos réus e
testemunhas denunciaram em tribunal os métodos da polícia e os «advogados conseguiram
interrogar directamente chefes de brigada da PIDE» (Nota 3). Outro dos grandes processos
colectivos em que os presos denunciaram a PIDE e o regime ditatorial, no tribunal da Boa Hora,
foi, entre Julho e Agosto do ano seguinte, o dos membros do sector estudantil do PCP. Nesse ano de
1965, as torturas da PIDE foram também denunciadas no julgamento de Joaquim Augusto dos
Santos, Amélia Estêvão e Maria Lourenço Cabecinha, defendidos, respectivamente, pelos
advogados Joaquim Monteiro Matias, Correia da Mota e Maria Lucília dos Santos (Nota 4).

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 437/64, Maria Emília Lindim Serra.


Nota 2 - Ibidem, pr. 508/64 SC, José Luís Saldanha Sanches, fls. 137 e segs.
Nota 3 - Ana Paula Azevedo, «O braço judicial da PIDE», in Expresso, 2/3/4/1994.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 720 GT. Amélia Maria Estêvão («Irene»), fl. 15.

492

Além dos advogados de defesa de presos políticos já referidos ao longo do capítulo, contaram-se
ainda, entre outros: Adelaide Paiva dos Santos, Amílcar Castilho, António Sousa Machado, Araújo
Barros, Artur da Cunha Leal, Carlos de Jesus Duarte Vidal, Coelho dos Santos, Cortes Simões,
Domingos da Costa Gomes, Eduardo de Figueiredo, Eduardo Fernandes, Ernesto de Moura
Coutinho, Fernando Calixto, Fernando Luso Soares, Francisco Sousa Tavares, Gustavo Soromenho,
Heliodoro Caldeira, João Brandão, João Camossa, João Paulo Monteiro, Jorge Santos, José
Augusto Rocha, José Domingos dos Santos, José Joaquim Catanho de Meneses, José Manuel
Galvão Teles, Lopes de Almeida, Luís Gorjão Henriques, Manuel Andrade, Manuel Francisco
Sargo Júnior, Mário Brochado Coelho, Mário Soares, Martins da Fonseca, Nunes da Ponte, Nuno
Gomes dos Santos, Orlando Figueiredo, Raul de Castro, Rui Cabeçadas, Saul Nunes, Teixeira da
Fonte, Varela Cid, Vasco da Gama Fernandes, Vilhena de Andrade e Vítor Wengorovious.

XVIII.3.11. Repressão a advogados

A propósito da detenção de Artur Gouveia de Oliveira, em 20 de Outubro de 1965, no Porto, a


PIDE dessa cidade informou a sua direcção de que alguns «advogados intervenientes nas recentes
audiências de julgamento» se esforçavam por criar «constantes incidentes de ordem jurídica sob o
mais insignificante ou inverosímil pretexto». Depois de novas reclamações, a mesma delegação
voltou a avisar o ministro do Interior de que continuavam a ser enviados àquela polícia
requerimentos a favor dos detidos, dessa feita da parte de familiares de Mário Pedro da Mota,
impelidos pelos advogados Sousa e Castro e Arnaldo Mesquita (Nota 1).
Diga-se que já em 1955 esses dois advogados do Porto, além de Alberto Vilaça, de Coimbra,
tinham sido detidos durante seis meses por defenderem um caso. Arnaldo Mesquita foi de novo
preso, quatro anos depois, durante 14 meses, e depois absolvido (Nota 2). O certo é que a prisão
deste advogado não foi única, como já se viu com o caso de Manuel João da Palma Carlos, que, em
23 de Abril de 1957, foi preso em pleno tribunal e condenado a sete meses de prisão, por ter
respondido ao juiz: «julgue como quiser, Sua Ex.a, com ou sem prova, mas o que não podem é
deixar de consignar na acta tudo quanto na audiência se passar» (Nota 3).
Outros advogados também conheceram a repressão da PIDE/DGS. Em Novembro de 1960, sete
advogados do Porto, Armando Bacelar, Mário e Carlos Cal Brandão, António Macedo, Taveira da
Costa, Araújo Correia e Sousa e Castro, requereram ao tribunal plenário a documentação necessária
para apresentar à ONU o caso de Maria Ângela Vidal, presa havia mais de sete anos, embora
tivesse sido condenada a três anos e meio de prisão. A resposta do plenário foi a prisão pela PIDE
dos sete juristas (Nota 4).

XVIII.3.12. Tanto o «instrutório» como o «acusatório» são «dignos de crítica»

Entre 23 de Abril e 2 de Maio de 1968, decorreu o julgamento de Graciete Nogueira Casanova e de


outros co-arguidos, no Tribunal Plenário de Lisboa. Segundo o relator do julgamento, agente
António Martins Fernando, o advogado de Graciete Casanova, Joaquim Mestre, afirmou que,
naquele julgamento, havia dois aspectos «dignos de especial atenção e da respectiva crítica: o
acusatório e o instrutório».

Nota 1 - Ibidem, pr. 2083/65, averiguações de crime contra a segurança do Estado, Artur Monteiro
Gouveia de Oliveira e outros, fls. 20, 25, 29, 70 e 111.
Nota 2 - «Prison conditions in Portugal. A Factual Report compiled by Amnesty International».
Nota 3 - João Ricardo (Lino Lima), Romanceiro do Povo Miúdo, p. 174.
Nota 4 - José Dias Coelho, A Resistência em Portugal: II: A Instrução dos Processos Políticos, P.
74.

493

Quanto ao acusatório, assinalou que «a Polícia, entidade instrutora destes processos, faz deliberada-
mente, sem qualquer fundamento legal, uma autêntica discriminação racial, em relação aos réus»,
pois determinada pessoa ligada à sua constituinte encontrava-se em liberdade, sem que a polícia a
perturbasse.
Relativamente ao instrutório, considerou-o confrangedor, dado que não importava a consciência do
réu, nem os males físicos que as torturas lhe provocavam, só importando que prestasse declarações,
custasse o que custasse. Joaquim Mestre disse acreditar que os juízes do tribunal pertenciam ao
número das pessoas que duvidavam das torturas que a polícia empregava, porque, se assim não
fosse, seriam comparsas de um crime grave. Afirmou ainda que todas as torturas referidas eram
feitas, fria e calmamente, por pessoas que todos os dias se cruzavam connosco na rua, tinham
mulher e filhos e possivelmente iam à igreja.
Nos mesmos julgamentos Jorge Sampaio afirmou não compartilhar da confiança de alguns dos seus
colegas quanto ao resultado da decisão final dos juízes, pois era a décima quarta vez que estava
nesse tribunal e a experiência dos casos anteriores já havia destruído em si a fé que em tempos o
animara. Segundo ele, os juízes estavam rodeados de circunstâncias que os impediam de esclarecer
a veracidade da matéria sobre a qual tinham de se pronunciar. Quanto às testemunhas da acusação,
era tempo de se prescindir delas, pois apenas defendiam a tese de que não havia coacção sobre os
réus.
Muito diferente foi a intervenção de Mário Reis, defensor de outro réu, ao afirmar que o seu caso
era muito simples, pois ele próprio se encarregara de fazer a sua defesa, admitindo as suas
actividades e confessando o seu arrependimento. Como o seu constituinte já estava «recuperado»,
pedia aos juízes para não prolongarem o tempo da sua prisão (Nota 1). Refira-se que muitos
advogados oficiosos actuaram contra os seus constituintes, ao contrário dos da oposição, que
defendiam gratuitamente os presos políticos, discutindo com estes os moldes da defesa. O mesmo
Mário Reis, que foi o advogado oficioso de elementos acusados de pertencerem ao CL do Couço,
utilizou a argumentação de que «todos eles, como trabalhadores rurais, e dada a sua pouca cultura,
por ser gente trabalhadora e amiga da família, não podiam representar perigo para a sociedade,
porquanto apenas se interessavam por um melhor nível de vida». Pediu assim para eles a
benevolência do tribunal, deixando isso ao critério dos «competentes» julgadores (Nota 2).

XVIII.3.13. Três livros importantes

Francisco Salgado Zenha escreveu, em 1968, vários livros a denunciar a PIDE/DGS e os seus
poderes. Num deles, intitulado Notas sobre a Instrução Criminal, enumerou «os passos sucessivos
do regime de excepção» erguido a partir de 1945 «em prejuízo manifesto do direito de defesa do
arguido».

Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1643/67, vol. 2, fls. 303-313, relatório do julgamento.


Nota 2 - Ibidem, pr. 861/60, processo do Comité Local do Couço, fls. 118 e 266.

494

Defendeu a «judicialização de todo o processo penal», pois que «com a policialização ou


administrativação [sic] da instrução» era a própria liberdade pessoal, no seu mais amplo sentido,
que ficava «desprovida de qualquer garantia jurídica».
Esse livro foi apreendido pela polícia, reclamando Zenha, através do seu advogado, José Magalhães
Godinho, da apreensão para o ministro do Interior. Num ofício de resposta, Gonçalves Rapazote
esclareceu que a PIDE havia procedido «no exercício da sua competência judiciária não estando
portanto aquela apreensão sujeita à censura», razão pela qual a situação criada teria «de ser objecto
de decisão no respectivo processo, por parte da autoridade judiciária competente» (Nota 1).
No ano seguinte, de 1969, o mesmo Francisco Salgado Zenha editou, em conjunto com Duarte
Vidal, o livro Justiça e Polícia, onde os dois advogados repetiram a ideia de que, «subordinadas
hierarquicamente ao Governo — e na sua dependência directa», a PJ e a PIDE tinham a
«característica especial de serem órgãos da Justiça». Os dois advogados concluíam, assim, pela
urgência em restabelecer imediatamente a judicialidade de todo o processo criminal» e em
assegurar aos arguidos o direito de serem assistidos por advogado durante os interrogatórios (Nota
2). Esse livro de Salgado Zenha e Duarte Vidal foi também apreendido e os dois autores recorreram
da decisão, mas o Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.
Francisco Salgado Zenha e Abranches Ferrão recorreram também da apreensão pela DGS, na
livraria Nova Oeiras, de outro livro, da autoria de ambos, intitulado O Direito de Defesa e a Defesa
do Direito (Nota 3). Os dois autores consideraram não haver fundamento para a apreensão, pois
constituía uma separata da publicação da OA, distribuída em vários locais, sendo estranho que só
naquela livraria tivesse sido apreendido. A DGS informou efectivamente o ministro do Interior, em
Agosto de 1971, de que a apreensão se devia ao lapso de um agente, que, além daquele, tinha ainda
apreendido um romance de Tchekov (!). Viviam-se os tempos da «Primavera marcelista» e o certo é
que os volumes foram devolvidos à livraria. O ministro do Interior lamentou o incómodo causado,
embora considerando justificado o erro, em vista das razões evocadas pela DGS, segundo a qual o
SNI lhe teria pedido uma acção mais enérgica contra muitas livrarias que, com a venda ilícita de
publicações, contribuíam para a subversão (Nota 4).

XVIII.3.14. A «Primavera marcelista»

A «rejudicialização» integral da instrução criminal foi também defendida pelos advogados Adelino
Palma Carlos, Francisco Sá Carneiro e Abranches Ferrão, entre outros.

Nota 1 - Francisco Salgado Zenha: Liber Amicorum, pp. 102, 105, 307 e 703. Texto de Jorge
Figueiredo Dias.
Nota 2 - Duarte Vidal e Francisco Salgado Zenha, Justiça e Polícia, Lisboa, ed. autores, 1969, pp. 5,
6, 35 e 36.
Nota 3 - Fernando Abranches-Ferrão e Francisco Salgado Zenha, O Direito de Defesa e a Defesa do
Direito, Lisboa, 1971, pp. 5, 6, 9, 11, 13, 32-35, 37, 38, 43, 46-49 e 58.
Nota 4 - MAI-GM, caixa 410, pasta «Lisboa», de Janeiro a Junho e de Julho a Dezembro.

495

No entanto, no anteprojecto do Código de Processo Penal, de 1973, apenas ficasse consagrada uma
proposta de rejudicialização da instrução, com limitações, da autoria de Adriano Vera Jardim e
Manuel Maia Gonçalves (Nota 1). Entretanto, a nível do aparelho judicial, havia sido discutida a
alteração do modelo existente, nomeadamente por parte dos deputados da «ala liberal», que, no
debate sobre o Projecto de Lei n.° 22, de 10 de Maio de 1972, chegaram a propor a abolição dos
tribunais plenários. No entanto, a Câmara Corporativa entendeu que não era necessária medida tão
drástica, considerando que caberia à Assembleia Nacional permitir, para aqueles tribunais, um
regime tão aproximado quanto possível dos tribunais comuns (Nota 2).
Quanto à liberdade condicional, manteve-se, no final do regime, a situação de controlo político
sobre a fase da execução da pena (Nota 3). Relativamente à prisão preventiva, o prazo para ultimar
a instrução preparatória, com o arguido preso, nos processos da competência da DGS, passou para
três em vez de seis meses (Nota 4). O arguido da DGS passou a ter acesso aos autos da instrução
preparatória, mas, de novo, apenas quando não houvesse «nisso inconveniente». E, no caso da
DGS, tal como a assistência do advogado aos interrogatórios, nunca era conveniente. Quer na DGS,
quer no tribunal plenário, o «marcelismo» não representou, assim, uma grande diferença
relativamente ao período salazarista.
Os elementos dos agrupamentos marxistas-leninistas e maoístas presos adoptaram em tribunal a
mesma estratégia de fazer a apologia política das suas ideias e das organizações a que pertenciam,
tal como o faziam os membros do PCR No relato do julgamento, no tribunal plenário, dos três
dirigentes da FAP/CMLP Francisco Martins Rodrigues, João Pulido Valente e Rui d’Espiney, o
chefe de brigada Silvestre Delgado Luís informou que os três réus se voltaram para o público e
«gesticularam com punhos erguidos», gritando palavras de ordem. Por isso, o magistrado do
Ministério Público tinha dado a indicação de que, na sessão seguinte, os réus deveriam aguardar a
sentença no calabouço (Nota 5). Em 1973 decorreram, por seu turno, dois julgamentos que
envolveram elementos do MRPP. Num deles, segundo o agente da DGS aí enviado para fazer o
relato, os réus José Iglésias e Sebastião Lima Rego fizeram «larga apologia da sua linha
ideológica» e expressaram «o propósito de prosseguir nas suas actividades ao serviço dos
movimentos marxista-leninista e maoístas» (Nota 6).

Nota 1 - Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pp. 668 e 671.


Nota 2 - Idem, ibidem, p. 647, nota 1423.
Nota 3 - Idem, ibidem, pp. 584-585; Armando Bacelar é citado pelo autor, p. 585, nota 1307, cf.
ainda, p. 659, nota 1441.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 663.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 373, pasta «Lisboa»; PIDE/DGS, pr. 212 Cl (1), Diário de Lisboa, fl. 22.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 46/73 DS1C, vol. 1, Sebastião Lima Rego, pasta 2, fls. 13, 21, 48, 59, 139,
143, 151, 155, 156, 158-160, 178, 189, 215, 231, 236, 239, 256, 257, 287, 319, 331, 361, 372, 387,
401, 526, 578, 608 e 671; ibidem, pr. 338/73 DSIC, Maria Fernanda Dâmaso de Almeida Marques
Figueiredo e Fernando de Sousa Nunes, pasta 2, fls. 67, 71, 78, 119, 120, 123, 150-152, 164-176,
177 e 180.

495

O último julgamento realizado pelo tribunal plenário de Lisboa foi o que envolveu diversos
elementos da ARA, iniciado em 8 de Janeiro de 1974 e que teve uma última sessão em 21 de Março
(Nota 1). Estava-se à beira de os tribunais plenários serem extintos, o que aconteceu em 25 de
Abril, dia em que se deveria realizar outra audiência desse julgamento, que, como é evidente, não
ocorreu (Nota 2). Diga-se que, na manhã desse dia, o desembargador Fernando Morgado Florindo,
que devia presidir ao julgamento, exarou, ainda antes da rendição oficial da DGS e da transmissão
de poderes de Marcelo Caetano, um despacho a adiar sine die o julgamento. Como justificação,
apresentou a de a DGS ter «comunicado telefonicamente a impossibilidade de assegurar a
condução dos réus a este tribunal, devido ao Movimento das Forças Armadas». Não foi marcada
nova sessão do plenário (Nota 3).

Nota 1 - Ibidem, pr. 16 042 CI (2) SC, fls. 729 e 735.


Nota 2 - Ana Paula Azevedo, «O braço judicial da PIDE, in Expresso, 2/4/1994; «O que era a
justiça antes do 25 de Abril», in Jornal de Notícias, 19/11/1974.
Nota 3 - Fernando Luso Soares, PIDE/DGS: Um Estado dentro do Estado, p. 9; António Valdemar
«Bem informados do 25 de Abril... pela PIDE» e «A repressão dos tribunais plenários», in Diário
de Notícias, 25/4/1999.

496

EPÍLOGO

498

XIX. A PIDE/DGS, AS FORÇAS ARMADAS E O MFA

No processo de passagem da Ditadura Militar para o Estado Novo, Salazar foi colocando em cena
«os seus próprios mecanismos de dominação, dirigidos tanto contra os seus adversários políticos,
como contra as Forças Armadas», utilizando nomeadamente como «instrumentos de subordinação»
a UN, a LP e a PVDE. Não por acaso, como que para apaziguar as chefias militares, Salazar teve o
cuidado de colocar oficiais das Forças Armadas na chefia da Censura, da LP e da polícia política.
Depois, com as reformas militares de 1937 e 1938, o Estado Novo continuou a sanear, renovar e
domesticar a hierarquia militar. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, a decisão de manter
a neutralidade durante esse conflito mundial fomentou o «enlace subordinado» ao Estado Novo da
instituição militar, cuja «cumplicidade» e «entendimento» com Salazar foram então reforçados
(Nota 1).

XIX. 1. A DOMESTICAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS


A acreditar-se na opinião expressa por Fernando Queiroga, um dos militares que participou no
«golpe da Mealhada», em 1946, o Exército já não tinha então «personalidade» e havia-se
«transformado num «exército oficial», com todos «os anteriores laços de solidariedade entre os
oficiais quebrados» (1 2. Entre 1946 e 1949, houve, como se viu, algumas movimentações para
derrubar militarmente Salazar, centradas, pelo menos nas de Outubro de 1946 e de Abril de 1947,
na possibilidade de Carmona afastar o presidente do Conselho.
A posição anticomunista deste foi, porém, favorecida internacionalmente com os prenúncios da
Guerra-Fria, em 1949. Em 4 de Abril deste ano, Portugal assinou o Pacto do Atlântico, que iria ter,
na década de 50, grandes consequências na reforma da instituição militar. Foi então que os
ministérios do Interior e da Guerra estabeleceram as normas a que deveria obedecer a colheita de
informações respeitantes a ideias políticas contrárias à ordem social e política professadas por
alguns dos 250 indivíduos destinados à frequência do curso de oficiais milicianos.

Nota 1 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., Lisboa, Editorial
Estampa, 1996, p. 334.
Nota 2 - António de Figueiredo, op. cit., p. 154.

499

O Estado-Maior do Exército (EME) ficou, assim, de enviar os boletins militares desses indivíduos à
PIDE, que as remeteria, posteriormente, à apreciação do ministro da Guerra. Finalmente, este
decidiria sobre os que deveriam ser excluídos da frequência dos referidos cursos de milicianos, para
posterior incorporação na companhia disciplinar de Penamacor (Nota 1).
Com a morte do presidente da República, Óscar Carmona, em 1951, delinearam-se, no seio do
regime, diversas soluções, para a sua sucessão na Presidência da República (Nota 2), mas Salazar
acabou por optar por um militar, recaindo a escolha no general Francisco Craveiro Lopes,
comandante da LP (Nota 3). Nas eleições presidenciais, a oposição concorreu separadamente contra
o elemento proposto pelo regime, com dois candidatos, Rui Luís Gomes, apoiado pelo Movimento
Nacional Democrático (MND) e o PCP, e o almirante Quintão Meireles, com o apoio da oposição
moderada e liberal, nomeadamente de alguns militares, entre os quais se contou Henrique Galvão
(Nota 4).
No ano seguinte, este foi preso, com outros, pela PIDE, por envolvimento numa pretensa
conspiração da Organização Cívica Nacional (OCN), causando aliás essas detenções alguns
engulhos entre a hierarquia militar e a PIDE, que considerou caber-lhe a ela a instrução dos
respectivos processos-crime, tanto dos civis como dos militares envolvidos. Alguns dos militares
presos por alegadamente pertencerem à OCN continuaram, depois, a queixar-se do tratamento
humilhante que a PIDE lhes estava a infligir (Nota 5).
A propósito da forma como as Forças Armadas encaravam a polícia política, Iva Delgado assinalou
que o «vexame máximo para um militar era ser perseguido pela PIDE», pois eles olhavam para essa
polícia «como escória das forças de segurança» (Nota 6). Da mesma forma, se assim se pode dizer,
um militar não se relacionava habitualmente, de forma privada, com elementos da PIDE nem
ficaria muito agradado se uma filha, por exemplo, casasse, com alguém dessa polícia. Essa relação
mudaria, porém, com a Guerra Colonial, quando as Forças Armadas precisaram da estrutura
informativa da PIDE/DGS.
Em 1956, assistiu-se, no seio do regime, a um confronto entre os defensores civis ultramontanos do
salazarismo e a clique militar em torno de Santos Costa, por um lado, e as figuras «reformistas»,
por outro lado. Entre estes, Marcelo Caetano foi uma figura de peso, com ligações ao presidente da
República, Craveiro Lopes, e a sectores das altas esferas militares (Nota 7). O presidente da
República chegou a manter então contactos indirectos com o capitão Almeida Santos e o general
Botelho Moniz, então CEMFA (Nota 8), detectados pela PIDE.

Nota 1 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 235; MAI-DDA,
gabinete do ministro, caixa 0018, 12/4/49.
Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 507 e 510.
Nota 3 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 241.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. dir. 42/952 S. Inv.
Nota 5 - MAI-GM, caixa 080; PIDE/DGS, NT 9123, maço 32, caixa 29.
Nota 6 - Iva Delgado, «O império da vigilância», Humberto Delgado: As Eleições de 58, p. 223.
Nota 7 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 511 e 513.
Nota 8 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 243.

500

Esta polícia interceptou uma carta, de 23 de Junho desse ano, enviada pelo general Humberto
Buceta Martins, a responsabilizar o governo pelo «incitamento à divisão das Forças Armadas e de
insultos ao próprio Presidente da República» (Nota 1).
Dois anos depois, realizaram-se novamente eleições presidenciais, mas Salazar decidiu apoiar
Américo Tomás, preterindo Craveiro Lopes, que, embora pressionado pelos adversários de Santos
Costa, se sentiu impedido de participar em qualquer manobra conspiratória (Nota 2). Marcelo
Caetano relatou uma reunião com Craveiro Lopes, ocorrida em 31 de Maio de 1958, onde se falou
do descontentamento nas Forças Armadas, devido à acção de Santos Costa, e da possibilidade de
adiar as eleições presidenciais, pedindo a Salazar que realizasse reformas. O presidente da
República disse porém que apenas aceitava se tudo isso fosse feito às claras, pelo que o movimento
morrera «à nascença» (Nota 3).

XIX.1.1. As Forças Armadas durante a campanha presidencial de 1958

Durante a campanha eleitoral de 1958, a hierarquia militar obediente a Santos Costa aceitou
«participar na repressão às manifestações de rua» desencadeadas pela candidatura de Humberto
Delgado. Nomeadamente, após tumultos à saída de um comício deste candidato no Liceu Camões
em Lisboa, em 20 de Maio de 1958, o governo colocou as Forças Armadas em estado de alerta e os
blindados ocuparam a capital. O «apoio efectivo dos chefes militares ao regime» consolidou-se,
numa reunião em 21 de Maio, na Presidência do Conselho, com a presença do ministro do Exército,
das chefias militares e dos chefes da PSP e da PIDE, que se comprometeram a garantir a ordem
pública e a manutenção de Salazar no poder (Nota 4).
O general Humberto Delgado acusou, aliás, os generais de terem deixado um «colega enxovalhado
pelo governo e pela PIDE» e o «povo roubado nos votos», acrescentando que essas altas patentes se
tinham deixado conduzir, como pequenos cachorros, «pela corda do famigerado Santos Costa, o ex-
ministro da Defesa que se promoveu de capitão a coronel sem um dia de quartel». Na carta que
então escreveu aos seus compatriotas, Delgado apelou ao desprezo por esses «generais que,
comprados para lugares civis, ou estupidificados pela falta de leitura, ou amedrontados pelo papão
do comunismo, traem a Pátria», bem como à revolta «dos escalões intermédios da oficialidade mais
jovem» (Nota 5).
Ao remodelar o governo, após o «furacão delgadista», em Agosto de 1958, Salazar tentou
«despolitizar de novo as FA, entregando-as aos seus chefes institucionais».

Nota 1 - Telmo Faria, op. cit., pp. 274 e 279.


Nota 2 - Fernando Rosas, «O Estado Novo», História de Portugal, pp. 518 e 524.
Nota 3 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 246.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 245.
Nota 5 - Humberto Delgado, A Tirania Portuguesa, pp. 130-131.
Nota 6 - José Medeiros Ferreira, «As Forças Armadas no contexto das eleições de 1958»,
Humberto Delgado: As Eleições de 58, pp. 229-230; José Medeiros Ferreira, O Comportamento
Político dos Militares..., p. 247.

501

Nomeou, para a pasta da Defesa Nacional, Júlio Botelho Moniz (Nota 6), que prosseguiu com as
reformas introduzidas por Santos Costa, embora já sem «continuar a manter Portugal sob o pesado
tecto de uma prevenção militar gerada pela ameaça» do general Humberto Delgado (Nota 1). Em
Outubro de 1959, o Decreto-Lei n.° 42 564 reorganizou o Exército, transformando-o num órgão
com jurisdição em todo o território metropolitano e ultramarino e dotando-o de Serviços de
Informações Militares do Exército (SIME) (Nota 2).

XIX. 1.2. A «Abrilada» de 1961 e o início da Guerra Colonial

O mal-estar entre os oficiais das Forças Armadas, devido ao comprometimento da instituição


militar ao lado do regime durante a campanha presidencial, agravou-se, depois, com a supressão da
eleição directa para a Presidência da República e devido às hesitações quanto à doutrina militar a
seguir para a defesa da metrópole e das colónias. Mal-estar que se manifestou, primeiro, através da
falhada «revolta da Sé», de 1959, e, depois, da tentativa de golpe palaciano, em Abril de 1961,
protagonizado pelo próprio novo ministro da Defesa Nacional (Nota 3).
Para Medeiros Ferreira, «a insubordinação de Botelho Moniz teve a característica única de ter sido
accionada através do funcionamento das instituições de Defesa Nacional, consagradas pela Lei n.°
2084, de 16 de Agosto de 1956 — “Organização Geral da Nação para o Tempo de Guerra”» (Nota
4).
Antes da chamada «Abrilada» de 1961, a PIDE vigiou os passos de Júlio Botelho Moniz, tendo
nomeadamente os serviços dessa polícia sabido da realização de um almoço, em Fevereiro de 1961,
entre o ministro da Defesa e o embaixador dos EUA, Charles Elbrick, onde se falou da necessidade
de uma evolução no ultramar e da progressiva autonomia das colónias (Nota 5).
A PIDE também acedeu a uma cópia da importante carta que Botelho Moniz enviou, em Março, a
Salazar, provavelmente obtida através do próprio presidente do Conselho (Nota 6). Nessa missiva,
o ministro da Defesa Nacional fez uma «crítica cerrada a aspectos do regime» e sugeriu a
necessidade do reforço da «unidade nacional, alargando o âmbito da cooperação ao maior número
de portugueses» (Nota 7). As iniciativas de Botelho Moniz e de outros militares foram, depois, no
sentido de fazer com que Américo Tomás, usando da sua faculdade constitucional, demitisse
Salazar, mas este foi avisado da insubordinação pelo próprio presidente da República. Acabou,
assim, por ter sucesso «a estratégia salazarista nas suas relações com as FA», que «residia no
preenchimento do cargo do Presidente da República por um militar que obrigasse os seus
antagonistas a colocarem-se fora da lei» (Nota 8).

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 229-230.


Nota 2 - Pedro Cardoso, As Informações em Portugal, pp. 116 e 117.
Nota 3 - José Medeiros Ferreira, «As Forças Armadas no contexto das eleições de 1958», op. cit., p.
250.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 267.
Nota 5 - Idem, ibidem, pp. 265-266.
Nota 6 - PIDE/DGS, pr. 112 GT. Diga-se que a própria oposição reproduziu e distribuiu a carta em
que Botelho Moniz expunha as suas preocupações acerca da necessidade de unidade nacional,
advogava a renovação da equipa dirigente e um trabalho ministerial de equipa e alertava para o
descalabro das Forças Armadas, que tinha estado patente na reunião do Conselho Superior Militar.
Nota 7 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., p. 269.
Nota 8 – Ide, Ibidem, p. 270.

502

Após a derrota de Botelho Moniz, as Forças Armadas, entregues aos defensores da guerra de
África, subordinaram-se, de novo, ao poder político, até à morte de Salazar. Guerra essa que, entre
1962 e 1968, funcionou, aliás, «como factor de reforço mútuo entre o regime e a instituição
militar» (Nota 1) e entre esta e a PIDE. Em Julho de 1961, a polícia política denunciou actos de
indisciplina de recrutas no regimento de Infantaria 3 de Beja, atribuindo-os ao facto de a instrução
militar estar a ser dada por oficiais milicianos, incapazes de impor a disciplina militar «com a
rigidez necessária» (Nota 2).
Como se sabe, as tropas indianas invadiram, no final desse ano, o chamado Estado Português da
Índia (os enclaves portugueses de Goa, Damão e Diu), não sem que antes Salazar tenha dado ordem
aos poucos militares portugueses que lá estavam de lutar até ao último homem. Essa atitude foi
recusada pelo general Manuel António Vassalo e Silva, que teve de se confrontar com a fúria do
ditador, sendo demitido, tal como outros oficiais do Exército (Nota 3).
Segundo um relatório da delegação da PIDE do Porto, assinado por Raul Rosa Porto Duarte, essas
punições impostas aos elementos das Forças Armadas da Índia tiveram grande repercussão nessa
cidade, onde eles eram considerados traidores pelos situacionistas e heróis pelos oposicionistas. O
certo é que a PIDE apreendeu toda a correspondência enviada de e para o ex-general Vassalo e
Silva, ao mesmo tempo que vigiava todos os contactos que mantinha com outros militares. Por
exemplo, o informador «Amado», infiltrado no seio dos militares que tinham sido punidos, deu
conta à PIDE, em Abril de 1963, de que, segundo constava, o major de cavalaria João Carlos
Craveiro Lopes, filho do marechal, se tinha avistado com Vassalo e Silva em Torres Novas (Nota
4).

XIX.1.3. A PIDE vigia Francisco Craveiro Lopes e outros oficiais militares

Além de continuar a vigiar Júlio Botelho Moniz, a PIDE tinha, aliás, «fontes de informação»
próximas do ex-presidente da República. Uma destas era um informador, cuja relação privilegiada
com o general Francisco Craveiro Lopes se devia ao facto de o pai ter servido este último, como
chefe de gabinete na Índia. Em Janeiro de 1963, após contar que, numa conversa com o ex-
presidente da República, este lhe dissera estar a ser vigiado pela PIDE, o informador perguntou a
esta polícia se a sua acção (de delator) estava «superiormente autorizada», pois se encontrava em
situação de poder saber o que se passava entre Craveiro Lopes e Sarmento Rodrigues. O
informador junto de Craveiro Lopes relatou ainda outra conversa, em que este lhe teria dito que «a
única solução para os problemas» do ultramar passava por congregar todos os portugueses num
único partido para enfrentar os inimigos externos.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 250, 279 e pp. 329-331.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 208, 31/7/61.
Nota 3 - Diário da Manhã, 23/3/1963.
Nota 4 - PIDE/DGS, pr. 260 Cl (1) General Manuel António Vassalo e Silva, fls. 6, 41, 103 e 167.

503
Ao saber de um pretenso envolvimento do ex-presidente da República numa conspiração contra o
governo, no Outono de 1963, Barbieri Cardoso incumbiu a Brigada Especial de Vigilância (BEV),
chefiada por Tienza, de investigar os telefonemas que Craveiro Lopes fazia para casa de um
armador em São João do Estoril (Nota 1). Em posse de fotografias comprometedoras e de
gravações de conversas entre Craveiro Lopes e uma determinada senhora, Barbieri Cardoso teria
ordenado o envio dessas provas ao marido. Este reagiu violentamente junto de Craveiro Lopes, que
teve, por isso, um ataque cardíaco (Nota 2).
Outros oficiais militares foram também vigiados pela PIDE. Suspeito de ligação com os norte-
americanos foi Jaime Silvério Marques, devido a um jantar, realizado em 1963, que juntou à mesma
mesa um major da Força Aérea e um elemento da PIDE. Este redigiu, no dia seguinte, um relatório
a dar conta de que o referido major lhe expusera as suas suspeitas sobre Silvério Marques, ao
relatar que este queria saber tudo o que se passava, sobre a futura base de Beja e a Comissão
NATO. Alertou a PIDE de que «era preciso começar a fazer alguma coisa». Aliciado pelo elemento
da PIDE para o informar, o major «pôs-se ao [seu] inteiro dispor». O certo é que esta polícia
organizou depois uma lista, intitulada «Grupo Suspeito (Oficiais ligados ao Tenente Coronel Jaime
Silvério Marques)», onde se sugeria que este estaria «a soldo dos americanos» (Nota 3).
Nesse ano de 1963, a PIDE foi informada de que, com o pretenso apoio dos EUA, alguns militares
pretendiam «substituir o actual governo da Nação por outro de feição democrática» e negociar
«com o “MPLA” para terminar a luta em Angola». O então coronel Galvão de Melo, comandante
da Base Aérea n.° 9, participou o caso ao seu superior hierárquico, contando ter sido contactado, na
Figueira da Foz, por um dos implicados, Mesquita Brehm, que o quisera propor «para cbefe do
movimento, dado o seu prestígio». O superior hierárquico informou o governador-geral de Angola,
general Venâncio Deslandes, que, por seu turno, relatou o ocorrido à PIDE. Esta prendeu «os
conjurados» e ouviu Galvão de Melo, que assegurou que «se ouvisse qualquer coisa no género»
diria para esses «tipos» terem «juízo» (Nota 4).
A PIDE tinha outros informadores no meio militar, como revela uma carta, enviada por um deles,
em 19 de Fevereiro de 1965, acerca da realização de uma reunião, ocorrida dias antes, entre altos
comandos, presidida pelo ministro Joaquim Luz Cunha (Nota 5). Também os chefes dos estados-
maiores da Marinha e do Exército, contra-almirante Sarmento Rodrigues e general Luís da Câmara
Pina, foram vigiados pela PIDE.

Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, TMT, 4.° Juízo, Silvestre dos Reis Soares, proc. 117/76, pasta
33, arquivo 340, fls. 25-27; Manuel Garcia e Lourdes Maurício, O Caso Delgado..., pp. 194, 203,
205, 247 e segs.
Nota 2 - «Julgamento do caso Delgado: A responsabilidade da PIDE na morte de Craveiro Lopes»,
in Diário Popular, 5/7/1979.
Nota 3 - José Pedro Castanheira e José Vegar, «Os generais e a PIDE», in Expresso, revista,
25/4/1997, fls. 60-61.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 62.
Nota 5 – PIDE/DGS, pr. 659 CI (1), pasta 43, fl. 34.

504

Acerca do CEM da Marinha, um informador transmitiu à PIDE, em Outubro de 1960, que, em


conversa com o capitão Augusto Casimiro, Sarmento Rodrigues havia concordado que Portugal
estava em risco de perder as colónias, pois que, durante séculos, pouco tinha feito, além de
maltratar e roubar os indígenas (Nota 1). Em 1965, o mesmo ou outro «colaborador» da PIDE
acusou Sarmento Rodrigues de ser chefe da Maçonaria e um intermediário entre o embaixador dos
EUA e a oposição (Nota 2).
Em 1966, a PIDE interceptou uma carta dirigida ao general Luís de Câmara Pina pelo tenente-
coronel Nuno Melo Egídio, então governador do distrito de Vila Cabral, a dar conta da péssima
situação militar que aí se vivia. Dois anos depois, o director da PIDE recebeu, do chefe da
subdelegação da Praia, inspector Vasco Meireles, uma informação sobre «boatos» que aí
circulavam de que o chefe do EME, Câmara Pina, iria desempenhar o cargo de embaixador em
Madrid. Câmara Pina cessou, de facto, funções de chefe do EME em Junho de 1969, tornando-se
director do Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional (Nota 3).

XIX. 1.4. A DGS e as Forças Armadas no final do regime

Tal como a colaboração da DGS com as Forças Armadas foi preciosa nas colónias africanas (Nota
4), da mesma forma aquela polícia colaborou com a hierarquia militar na retaguarda metropolitana,
onde, no início da década de 70, grande parte da população revelava um cansaço e mesmo uma
oposição crescente face ao esforço de guerra.
Em Abril de 1970, o ministro do Exército deu conta à DGS dos seus receios relativamente à
incorporação, na companhia disciplinar de Penamacor, de um grupo de 31 estudantes e licenciados,
considerados «activistas». A preocupação desse ministro devia-se ao facto de jovens da «elite»
estarem a ser enviados para essa companhia, onde se misturavam com outros, de classes sociais
mais baixas, punidos por crimes comuns. O certo é que o próprio director da DGS entendeu que
daria nas vistas «a incorporação de tantos indivíduos, ou já licenciados ou com habilitações
universitárias (médicos, advogados, etc...)», e aconselhou o ministro do Exército a substituir o teor
da informação prestada («activista») a seu respeito pela de «elemento suspeito». O facto de terem
sido considerados «suspeitos» e não «activistas» evitou a estes jovens, filhos de famílias mais ou
menos abastadas, a ida para Penamacor.
Lembre-se que o EME emitira, em 15 de Novembro de 1965, instruções secretas de contra-
subversão, segundo as quais os militares passavam a ser classificados de «insuspeitos», «suspeitos»
(ou «politicamente suspeitos» — PS) e de «activistas» (ou «politicamente activos» — PA) (Nota 5).

Nota 1 - Ibidem, pr. 5671 SR, almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues, fls. 17, 30, 130, 132 e
135.
Nota 2 - Ibidem, fls. 1, 70, 74, 78 e 79.
Nota 3 - O Século, 19/6/1969; PIDE/DGS, pr. 1500 Cl (1), general Luís Maria da Câmara Pina,
general, fls. 2, 22 e 26.
Nota 4 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano..., pp. 203 e 204.
Nota 5 - José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares..., pp. 304 e 305.

No entanto, em Julho de 1971, o EME considerou «incompleta» e «genérica» a prévia classificação


entre «insuspeitos», «suspeitos» e «activistas», procedendo a algumas modificações. Passaram,
assim, a ser considerados «activistas», não só os membros do PCP ou de outros grupos subversivos,
como os que tivessem sido reconhecidos «como cabeças de motins ou greves» ou como tendo
«feito afirmações verbais ou escritas de carácter subversivo». Na categoria de «suspeitos», cabiam
os que tivessem participado em actos subversivos, em reuniões e em actividades estudantis, ou
houvessem acompanhado «reconhecidos activistas» (Nota 1).
A colaboração entre a DGS, por um lado, e o Ministério do Exército e os comandos militares na
metrópole, por outro, prendeu-se sobretudo com a troca de informações acerca de incorporados,
refractários e desertores. Em Julho de 1970, haviam-se iniciado conversações entre a DGS e o
Ministério do Exército para se proceder a um controlo mais rigoroso dos compelidos e refractários,
desde a ampliação do conceito de compelido, pela nova Lei n.° 2135 do serviço militar. O
Ministério do Exército comprometeu-se facultar à DGS os elementos necessários para facilitar a
organização dos ficheiros nos postos fronteiriços, enquanto a polícia procederia à captura e entrega
dos indivíduos detectados em contravenção da legislação militar. Por sugestão da DGS, o ministro
do Interior concordou em colaborar com o seu colega do Exército (Nota 2).
O número de faltosos ao cumprimento do serviço militar obrigatório nunca cessou porém de
aumentar e, em Maio de 1971, o próprio EMFA afirmou que eles constituíam 25 % do total de
jovens recenseados (Nota 3). Por seu turno, a delegação de Coimbra da DGS deu conta, nesse ano,
de que muitos «mancebos» de todas as classes sociais não tinham levantado as guias de marcha
para se apresentarem nas unidades de incorporação (Nota 4). Em Julho de 1973, a direcção da DGS
enviou a todos os postos do continente vários radiogramas com pedidos de captura e interdição de
saída do país de indivíduos em idade militar (Nota 5). Segundo números oficiais, divulgados em
Maio de 1974, teria havido, durante os 13 anos de guerra, entre cerca de 110 a 170 000 jovens
refractários e desertores (Nota 6).

XIX. 1.5. Algumas conclusões

Embora não seja propósito central deste capítulo indagar exaustivamente o relacionamento entre as
Forças Armadas e a PIDE/DGS na metrópole, pode-se concluir que a polícia política foi um
instrumento de Salazar para subordinar e domesticar a instituição militar, mas que houve sempre a
preocupação de que esta não se sentisse humilhada e agredida na sua autonomia.

Nota 1 - Idem, ibidem, pp. 304 e 305.


Nota 2 - MAI-GM, caixa 396.
Nota 3 - A informação é de José Medeiros Ferreira, citado por Fernando Rosas, «O Estado Novo»,
História de Portugal, p. 563, nota 94.
Nota 4 - PIDE/DGS, NP 10643, pasta «faltosos ao serviço militar», fls. 1, 3, 9, 11 e 38.
Nota 5 - Ibidem, NP 10520, delegação de Coimbra, posto de rádio, diversos, fl. 15, 11/7/73.
Nota 6 - O primeiro número é referido em «Quem tem medo dos desertores?», in Vida Mundial,
6/2/1975, pp. 25-27, e o segundo número foi dado pela imprensa portuguesa de 29/6/1976.

506

Foi nesse sentido que a PIDE/DGS sempre teve militares como directores e principais dirigentes, os
quais davam de certa forma a garantia de não interferirem abertamente nas dissensões no seio das
Forças Armadas, desde que estas não atentassem contra a manutenção do regime salazarista.
No entanto, como se viu, no confronto entre «reformistas» e «costistas»-ultramontanos do regime, a
PIDE vigiou atentamente para que lado pendiam as forças e esteve claramente a favor dos segundos
e ao lado de Salazar. Deixou que esse confronto se resolvesse no seio da instituição militar e estatal,
velando para que a resolução fosse a contento do chefe do governo. Assim se verifica de novo que a
polícia política foi um instrumento obediente de Salazar sem qualquer veleidade de autonomia
relativamente ao presidente do Conselho ou de infracção à manutenção do Estado Novo.
Da mesma forma, quando houve tentativas de alguns elementos da instituição militar para golpear o
regime, a PIDE interveio claramente, infringindo por vezes os protocolos e honras militares, não se
coibindo de interferir na informação, prisão e interrogatórios dos oficiais envolvidos. Perante os
protestos de militares, humilhados por estarem a ser interrogados pela PIDE, os sucessivos
ministérios da Guerra, do Exército e da Defesa Nacional mantiveram a solidariedade institucional
com o Ministério do Interior, colocando-se ao lado da polícia política.
Ao mesmo tempo, houve o cuidado de que a polícia apenas instruísse os processos dos civis
envolvidos, deixando que oficialmente fosse a PJ militar, com a qual aliás a PIDE colaborou, a
investigar os militares. Estes foram, além disso, julgados em tribunal militar, que tratou com
relativa brandura os implicados da «Abrilada» de 1947 — relativamente aos quais Salazar interveio
directamente, expurgando do Estado os funcionários civis e militares —, na OCN, em 1952/1953, e
no «golpe da Sé», em 1959/1960, condenando-os a penas pequenas. As excepções foram o caso de
Henrique Galvão e o dos implicados militares do falhado assalto ao quartel de Beja, que ocorreu já
depois de a Guerra Colonial ter começado em Angola.
Durante a crise do «furacão Delgado», PIDE e Forças Armadas colaboraram na defesa do regime,
actuando estas contra um camarada de armas. A instituição militar teve, porém, o cuidado de
decidir por ela própria a sua intervenção de apoio ao governo, num contexto em que funcionou
como espinha dorsal da «manutenção da ordem». Quando se iniciou e desenvolveu a Guerra
Colonial, não deixou de haver rivalidades entre o Ministério do Interior e o da Defesa Nacional,
acerca de quem deteria o aparelho de Informações da «nação em guerra». Por seu lado, na
retaguarda metropolitana, o Ministério do Interior teve sempre a preocupação de que a informação
ficasse sob seu controlo e de que a Defesa Nacional não interferisse no seio das polícias e que estas
ficassem com a manutenção da «ordem pública».
Dessa forma, o regime nunca se «militarizou» nem entrou em período de excepção militar. Isso
aconteceu nas colónias, em guerra, onde, aliás, o aparelho da PIDE/DGS foi um precioso auxiliar
na informação das Forças Armadas e onde a colaboração mútua foi a regra.

507

Sem deixarem de surgir, por vezes, no entanto, rivalidades entre as Forças Armadas e a PIDE/DGS,
como afirmou o próprio Marcelo Caetano, ao relatar que a «eficiência, o entusiasmo e a
combatividade da Polícia trouxeram-lhe enorme prestígio no meio das populações do Ultramar»,
facto que «despertava algum ciúme nas tropas» (Nota 1).
A colaboração generalizada entre a PIDE/DGS e as Forças Armadas acabou, aliás, por constituir
uma das razões por que a DGS não elegeu os oficiais com os quais trabalhava nas colónias como
alvo prioritário da sua vigilância na metrópole. Em suma, o regime e o presidente do Conselho
sempre souberam, e os factos provaram-no, que necessitava tanto da polícia política como das
Forças Armadas para manter o seu regime. Estas foram de facto a verdadeira «espinha dorsal» de
defesa do regime e apenas quando parte delas agiu contra ele, em 1974, é que este caiu. É isso que
se verá de seguida.

XIX.2. NAS VÉSPERAS DO FIM: A DGS E O MFA

No «período marcelista», foi surpreendente a extensão e generalização do fervilhar político, social


e cultural contra o regime e a Guerra Colonial. Viu-se que essa actividade se estendeu às sociedades
recreativas, cooperativas, universidades, aos liceus, às empresas e aos sindicatos. Actuando das
mais variadas formas — clandestina, semilegal ou legalmente —, a oposição ao regime foi
engrossando as suas fileiras, quer em número, quer em diversificação geracional, profissional e
social. À extensão e variedade dessas actividades, a PIDE/DGS teve, no final do regime, grande
dificuldade em responder, revelando até uma impotência em estancá-las, mesmo recorrendo a um
aumento da repressão, a prisões em maior escala, bem como ao encerramento das cooperativas,
associações estudantis e sindicatos.
Segundo a CNSPP, a DGS prendeu, entre 7 de Abril e 7 de Maio de 1973, 91 pessoas e identificou,
em manifestações estudantis no dia 1 de Maio, 344 estudantes, muitos dos quais foram depois
multados. Muitos destes recusaram-se, porém, a pagar as multas e foram levados, no Porto, em
Coimbra e em Braga, a tribunal, que os absolveu (Nota 2). Toda esta situação foi reveladora de que
o regime tinha perdido a batalha pela hegemonia ideológica, iniciada nos anos 30 e prosseguida no
pós-Segunda Guerra Mundial, a favor das várias oposições ao regime. Todas elas estavam contra a
ditadura e uma Guerra Colonial interminável, cujo fim era desejado pelos próprios quadros
intermédios das Forças Armadas, crescentemente convencidos de que só terminaria através de uma
solução política.
Em 5 de Junho de 1973, uma informação enviada ao major Silva Pais pelo inspector-adjunto
Ferreira da Silva, da DGS de Coimbra, deu conta de um boato de que o general Spínola teria
afirmado, ao governo, que a única solução, «para a Província da Guiné, “seria as Forças Armadas
prepararem as malas para regressar à metrópole”».

Nota 1 - Marcelo Caetano, Depoimento, pp. 71-73.


Nota 2 - «Presos políticos: Documentos 1972-74», CNSPP.

508

A partir de Fevereiro de 1974, vários elementos da DGS relataram também a autêntica corrida à
compra do livro Portugal e o Futuro (Nota 1), do general Spínola e, cinco dias antes da sublevação
falhada do Regimento de Infantaria das Caídas da Rainha, um agente de Coimbra relatou à sua
direcção a situação de prevenção a que tinham sido sujeitas as unidades militares, na sequência da
publicação do livro (Nota 2).
Francisco Costa Gomes relatou ter sido ele próprio a entregar ao ministro da Defesa Nacional
fotocópias de Portugal e o Futuro, acrescentando que só quem não conhecesse «o método de
trabalho da PIDE poderia imaginar que o livro, uma vez impresso, não fosse do imediato
conhecimento de Silva Cunha» (Nota 3). Costa Gomes afirmou, aliás, que, contrariamente ao que
se pensa e diz, a PIDE/DGS vigiou os militares nas vésperas do 25 de Abril de 1974. A sua própria
residência, na Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa, foi alvo dessa vigilância
policial, a partir de Março, na sequência da sua recusa em participar na cerimónia de apoio dos
oficiais generais a Marcelo Caetano. Esta vigilância foi confirmada por um elemento do MFA que
residia na mesma rua que Costa Gomes, Fischer Lopes Pires, segundo o qual a viatura, com três
agentes da DGS, ali permaneceu até ao dia 30 de Abril (!) (Nota 4).
Há também indicações de que, no final do regime, a DGS manteve sob escuta, entre outros, os
telefones de António de Spínola, Vasco Lourenço, Pinto Soares, Kaúlza de Arriaga, como se verá,
por razões diferentes, e de Ernesto Melo Antunes (Nota 5). Este último assinalou, porém, que a
«cultura da PIDE era actuar contra os comunistas e elementos ligados a dirigentes ou responsáveis
dos movimento de libertação» e que descurou a sua acção contra os militares. Segundo ele, essa
polícia teve dificuldade em «compreender que oficiais do Exército, integrados numa determinada
ordem hierárquica, habituados a uma prática que era, ao fim e ao cabo, a de serem, por um lado, o
sustentáculo do regime e, por outro lado, os responsáveis pela condução de uma guerra em África,
desencadeassem uma acção suficientemente profunda para abalar por completo o regime» (Nota 6).

XIX.2.1. O que sabia a DGS do MFA?

Apesar de ser difícil determinar, com rigor, até que ponto as autoridades do regime estavam a par
do que se passava no lado dos conspiradores do MFA, veja-se, através de testemunhos, o que
poderá ter acontecido. A ideia de que, mesmo se vigiou o MFA, a DGS se terá recusado a actuar
contra oficiais das Forças Armadas (Nota 7) é compartilhada por muitos.

Nota 1 - José Pedro Castanheira e José Vegar, «Os generais...», pp. 56-58.
Nota 2 - Idem, ibidem, p. 58.
Nota 3 - Costa Gomes: O Ultimo Marechal, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, pp. 210-212.
Nota 4 - Idem, ibidem, p. 159.
Nota 5 - «Uma CIA de trazer por casa (1)», in A Luta, 30/1/1975, pp. 16-18; cf. Nuno Vasco e
Óscar Cardoso, A bem da Nação..., p. 136.
Nota 6 - Melo Antunes: O Sonhador Pragmático, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa,
Notícias Editora, 2004, p. 55.
Nota 7 - Diário de Notícias, 22/4/1999.

509

O general Hugo dos Santos relatou que Marcelo Caetano teria dado ordem para «não incomodar os
militares». Por seu lado, ao ser-lhe colocada a hipótese de a DGS actuar, o próprio ministro do
Exército, general Andrade e Silva, teria dito que não queria elementos dessa organização policial a
seguir militares.
Só após o 16 de Março de 1974 é que a DGS começou a deter militares, provavelmente por ordem
deste último ministro ou do seu colega da Defesa Nacional, Silva Cunha (Nota 1). Este contou que
«tudo indicava estar a preparar-se qualquer coisa» que a DGS não descortinava e que ele próprio,
ao questionar Silva Pais, recebera como resposta que competia aos «comandantes das Unidades»
velar pelo que lá se passava, dado que a polícia política não estava «montada para a máquina
militar, com quem sempre contou» (Nota 2).
O director dos Serviços de Informação da PIDE/DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, confirmou, que,
ao levantar-se «a questão de vigiar os militares», ele próprio, aliás com a anuência de Silva Pais, se
havia oposto com o argumento de que essa polícia «trabalhava fraternalmente, lado a lado», com os
militares, em África, e persegui-los «na retaguarda seria estragar essa colaboração leal». Pereira de
Carvalho afirmou que nunca esperou que houvesse, da parte do MFA, hostilidade relativamente à
DGS, onde todos se sentiram «traídos» no dia 25 de Abril (Nota 3).
Um dos elementos do MFA, Sanches Osório, confirmou que o director da DGS lhe contou «ter-se
recusado a fazer intervir a sua polícia quando o ministro do Exército lho pedira» e reafirmou que
essa polícia estava «por dentro» do golpe e tinha contactos no seio do MFA. Osório relatou,
nomeadamente, que o inspector «Silva Coelho mantinha uma ligação estreita com o gabinete do
marechal Costa Gomes». Tratou-se provavelmente do inspector superior Rogério Coelho Dias, que
chegou, aliás, a ser nomeado para substituir Silva Pais na direcção da PIDE/DGS, após o 25 de
Abril, pelo próprio Spínola, segundo o qual aquele era da sua «inteira confiança» (Nota 4).
A opinião de que uma determinada facção da DGS tinha boas relações com alguns dos
conspiradores e teria querido aproveitar o golpe militar para purificar o regime (Nota 5) é
corroborada por outros, segundo os quais alguns inspectores e agentes dessa polícia haviam
firmado relações muito estreitas com elementos do MFA nas três frentes da Guerra Colonial (Nota
6). O ex-inspector da PIDE/DGS Abílio Pires afirmou que havia spinolistas na polícia política,
referindo, além do já citado Rogério Coelho Dias, o inspector Fragoso Alias, «um antimarcelista
convicto», «chamado por Spínola, para Bissau», para participar nas tentativas de diálogo com o
PAIGC (Nota 7).

Nota 1 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., pp. 273-278, entrevista ao general
Hugo dos Santos, em 26/6/1992.
Nota 2 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 182 e 183.
Nota 3 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 306-307, 354 e 355.
Nota 4 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., pp. 244-245, entrevista dada ao
autor, em 7/7/1992, por Spínola.
Nota 5 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., p. 51, nota 1.
Nota 6 - António Valdemar, «Bem informados do 25 de Abril... pela PIDE», in Diário de Notícias,
251411999.
Nota 7 - Cit. por José Freire Antunes, Nixon e Caetano, pp. 354 e 355.

510
O general Hugo dos Santos confirmou que alguns elementos da DGS (em número de 11), aos quais
nada aconteceu após o 25 de Abril, informavam os militares envolvidos no golpe sobre quem tinha
os telefones sob escuta ou estava sujeito a vigilância (Nota 1). Pelo seu lado, Vasco Gonçalves
afirmou que boa parte dos elementos da PIDE/DGS, nomeadamente os que «tinham sido sobretudo
operacionais em África, confiavam nas Forças Armadas, nos generais da Junta de Salvação
Nacional, sob cujas ordens haviam servido», decorrendo disso a atitude dessa polícia, antes e no dia
25 de Abril (Nota 2).

XIX.2.2. O que pensavam alguns oficiais militares da acção informativa da DGS?

Muitos elementos das Forças Armadas dividem-se hoje quanto à forma como a PIDE/DGS actuava
nas frentes da Guerra Colonial. Por exemplo, o oficial do Exército especializado em Informações
Viana de Lemos considerou a PIDE «um grande bluff», composta por «polícias de café» com um
trabalho «artesanal, com equipamento ultrapassado, e o pessoal recrutado sobretudo na GNR e no
Exército» (Nota 3). A mesma opinião foi defendida pelo oficial Pedro Manuel Serradas Duarte,
segundo o qual o trabalho de informações dessa polícia era «francamente mau» e a sua acção
«muito deficiente na penetração» dos movimentos que combatiam Portugal. Observou que os
arquivos dessa polícia espelhavam precisamente esse «primarismo» e «falta de preparação cultural»
(Nota 4).
Também para o general Pedro Cardoso, o trabalho da PIDE/DGS, «no campo puro das informações
foi sempre muito deficiente e de pouca amplitude». Além de que «a situação de “privilégio”
anticonstitucional e de poderes legais, que só deveriam ser exercidos em regime de estado de sítio»,
fez da PIDE/DGS «uma estrutura odiada e sem qualquer atractivo, excepto no ultramar, onde
desenvolveu uma actividade em proveito da situação de guerra», a partir de 1961 (Nota 5).
Pelo contrário, para o tenente-coronel António Joaquim Ribeiro da Fonseca, os funcionários da
PIDE/DGS fizeram um trabalho brilhante no Ultramar», e «sem eles a tropa portuguesa não teria a
maior parte das informações que teve para actuar». Outro tenente-coronel, que trabalhou na
Comissão de Extinção da PIDE/DGS, João dos Santos Fernandes, afirmou que, ao nível dos
serviços de informações, poucas polícias no mundo se equipararam à PIDE/DGS na eficácia com
que informava ou «recolhia informação».
Ernesto Melo Antunes, um dos elementos do MFA, manifestou uma opinião mais matizada.

Nota 1 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., pp. 273-278, entrevista a Hugo dos
Santos, em 26/6/1992.
Nota 2 - Diário de Notícias, 22/4/1999.
Nota 3 - José Freire Antunes, Kennedy e Salazar, p. 108.
Nota 4 - Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial, 1961-1974, pp. 394-395.
Nota 5 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 97.

511

Discordou da afirmação segundo a qual a PIDE «tinha uma acção útil de apoio as operações
militares», ao considerar que a sua recolha de informações, numa luta de guerrilhas, era irrelevante,
embora tenha concluído que aquela polícia foi «evidentemente, um dos pilares da perpetuação do
sistema colonial, a sua garantia» (Nota 1). Terá essa colaboração entre a PIDE/DGS e as Forças
Armadas alguma relação com o facto de, no golpe de Estado militar do MFA, em 25 de Abril de
1974, essa polícia não parecer ter sido considerada como um dos primeiros alvos a abater? É isso
que se procurará abordar neste final do trabalho.
XIX.2.3. O falhado golpe de 16 de Março de 1974

Diversos elementos do MFA manifestaram a opinião de que a DGS sabia de alguma coisa desde
Janeiro de 1974. Efectivamente, as autoridades militares tiveram conhecimento da primeira reunião
do movimento, com a participação de 150 militares, realizada numa herdade em Alcáçovas,
próximo de Évora, em 9 de Setembro de 1973 (Nota 2). A DGS terá, por outro lado, interceptado,
no Porto, uma conversa telefónica com o então coronel Azeredo, onde se dava a entender que um
golpe iria eclodir.
O certo é que a DGS estava, pelo menos, atenta ao MFA, detectando os preparativos do 16 de
Março e avisando sobre eles, a tempo, a hierarquia militar. Casanova Ferreira, que participou no
«golpe das Caídas», afirmou que, embora tivesse havido «instruções para não interferirem com os
militares», os elementos da DGS acompanharam sempre de perto as movimentações, actuando na
noite de 15 para 16 de Março (Nota 3). Além disso, após o fracasso desse movimento, uma ordem
de serviço da DGS louvou todos os agentes do DSI (Nota 4). No entanto, o fracasso dessa primeira
tentativa de golpe militar ter-se-á devido mais às falhas de organização e comando revolucionários
do que às forças leais ao regime, que tardaram em reagir (Nota 5).
Francisco Costa Gomes explicou o fracasso de 16 de Março de 1974 pelo facto de ter sido um
golpe mal preparado e concebido. Acrescentou, porém, que a operação acabou por ter um lado
positivo, ao permitir aos capitães que prepararam o 25 de Abril a análise dos erros cometidos, para
que não acontecessem de novo (Nota 6). Fischer Lopes Pires observou, por seu turno, que a
operação de 16 de Março falhou, como todas as outras tentativas anteriores de golpe militar contra
o regime, por ter seguido o mesmo padrão: uma unidade revoltava-se, à espera que as outras
aderissem e acabava tudo em nada porque ninguém mais saía (Nota 7).
De qualquer forma é hoje pacífica a opinião de que o 16 de Março serviu de «contra-exemplo» para
o MFA, acabando por constituir uma excelente manobra de diversão, embora involuntária (Nota 8).

Nota 1 - Melo Antunes, O Sonhador Pragmático, pp. 74-76.


Nota 2 - Diário de Notícias, 22/4/1999.
Nota 3 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., p. 304, entrevista a Casanova
Ferreira, em 9/4/1992.
Nota 4 - Arquivo Histórico Militar. Joaquim Malta de O. Monteiro, 4.° Juízo do TMT, proc. 15/79,
pasta 50, arquivo 50, declarações de Miguel Cadenas Caimoto, fl. 72 e segs.
Nota 5 - «As últimas horas da PIDE: Se queimássemos a sede?», in Tal e Qual, 25/4/1985, pp. 8
e 9.
Nota 6 - Costa Gomes: O Ultimo Marechal, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, p. 212.
Nota 7 - A Fita do Tempo: A Noite Que Mudou Portugal, pp. 153 e 202.
Nota 8 – Ibidem, p. 158.

512

Segundo Garcia dos Santos, a partir do 16 de Março, o governo e os seus serviços de informação e
de polícia, nomeadamente a DGS, «deixaram-se embalar na convicção de que, dos militares, não
haveria perigo de maior», acontecendo o mesmo, aliás, com a CIA e a embaixada norte-americana
em Lisboa, que não informaram o State Department da movimentação dos capitães (Nota 1).
Ernesto Melo Antunes considerou também que, embora não tenha sido desencadeado como tal, o
«golpe das Caídas» acabou por ser um «ensaio geral», que serviu como um teste à capacidade de
reacção do regime (Nota 2). Por seu turno, Otelo Saraiva de Carvalho disse ter decidido que o
golpe deveria ocorrer no final de Abril, precisamente porque a polícia política estaria ocupada com
a investigação do 16 de Março e com a prisão preventiva de comunistas e elementos da extrema-
esquerda (Nota 3).
XIX.2.4. Um golpe de Kaúlza de Arriaga?

Mas se o MFA analisou o fracasso do 16 de Março, também o governo tirou lições dessa operação
fracassada, ordenando ao Estado-Maior a elaboração de um plano de defesa, onde se previa que os
membros do governo iriam para Monsanto. Como se sabe, isso não foi aplicado em 25 de Abril, e
Caetano acabou por ir para o quartel da GNR, no Largo do Carmo. Álvaro Pereira de Carvalho
confirmou que, após 16 de Março, foram tomadas ou postas em execução medidas para evitar que
uma unidade militar pudesse ser tomada por qualquer oficial, mas, na sua opinião, não houve, a
nível militar, «qualquer redobrar de atenção» (Nota 4).
Ainda segundo o ex-director dos Serviços de Informação da DGS, os membros do regime estavam,
no mínimo, pouco atentos e distraídos. Além disso, por causa do governo, entre 16 de Março e 25
de Abril, a atenção da DGS foi desviada para a detecção de um golpe militar da extrema-direita, da
parte de Kaúlza de Arriaga. Com efeito, Silva Pais recebeu, do ministro da Defesa, Silva Cunha, a
ordem de vigiar esses elementos de direita e, com o protesto de Pereira de Carvalho e de Barbieri
Cardoso, a DGS viu reduzida para um terço a sua capacidade organizacional e de vigilância em
torno do MFA (Nota 5).
Freire Antunes confirmou esta versão, citando as palavras de Keith Clark, supervisor da CIA,
segundo o qual, nesse período, o regime português «estava mais sob pressão e ameaças frequentes
dos conservadores, alarmados com as inclinações liberais, do que sob pressões e ameaças dos
militantes da esquerda». O próprio Kaúlza de Arriaga contou ter-se encontrado frequentemente com
o almirante Américo Tomás, que lhe terá reiterado a sua disposição de o pôr a chefiar o governo.
Também o ex-director de serviços da DGS, José Manuel da Cunha Passo, afirmou que essa polícia
conhecia as diligências de Kaúlza de Arriaga e de outros três generais de direita junto de Américo
Tomás, para provocar a destituição de Caetano.

Nota 1 - 30 Anos do 25 de Abril, coord. de Manuel Barão da Cunha. Casa das Letras, 2005, p. 114.
Nota 2 - Melo Antunes: O Sonhador Pragmático, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, p. 55.
Nota 3 - A Fita do Tempo: A Noite Que Mudou Portugal, p. 159.
Nota 4 - «As últimas horas da PIDE: Se queimássemos a sede?», in Tal e Qual, 25/4/1985, pp. 8 e
9.
Nota 5 - Ibidem.

513

O marechal Costa Gomes confirmou ter sido informado, através de Vasco Gonçalves e de Carlos
Fabião, em 1973, de que estava em preparação um golpe de Estado liderado por Kaúlza de Arriaga,
o qual teve então encontros com os generais Venâncio Deslandes, Resende, Henrique Troni e
Spínola. Este último desligou-se de Arriaga, alegando ter forças para ele próprio liderar um golpe.
O certo é que Costa Gomes afirmou ter então avisado o ministro da Defesa Nacional, que, no
entanto, lhe dissera para ficar descansado, pois que o caso não era tão grave como se dizia (Nota 1).
Álvaro Pereira de Carvalho relatou que, na tarde de 24 de Abril, a DGS alertou o subsecretário de
Estado do Exército, Viana de Lemos, de que estavam a ser desviados meios de comunicação de
rádio do quartel de Artilharia de Cascais e a decorrer movimentos anormais na Escola Prática de
Cavalaria de Santarém (Nota 2). O ex-director dos Serviços de Informação da DGS acrescentou
que ninguém podia dizer que a DGS tivesse sido colhida de surpresa com o golpe militar e que este
poderia ter sido impedido se os responsáveis políticos tivessem actuado a tempo (Nota 3). Pelo
contrário, o inspector Fernando Gouveia responsabilizou o Serviço de Informações da DGS por não
estar «à altura da sua responsabilidade», deixando o «25 de Abril» acontecer, com os «responsáveis
daquele serviço a dormir a sono solto» (Nota 4).
XIX.2.5. Porque não foi a PIDE/DGS um dos primeiros alvos no dia 25 de Abril?

De qualquer forma, na noite de 24 para 25 de Abril, encontrava-se 513 Marcelo Caetano na sua
residência, Spínola também em casa, protegido por tropas do MFA, e Costa Gomes no Hospital
Militar da Estrela, em companhia de sua mulher, quando Silva Cunha recebeu um telefonema do
director da PIDE/DGS dizendo-lhe que podia «dormir descansado» (Nota 5). Segundo a «fita do
tempo» das operações do MFA, às 3 horas e 31 minutos de dia 25, os militares sublevados
aperceberam-se, através da intercepção de um telefonema do ministro da Defesa ao ministro do
Exército, de que estes nada sabiam. Efectivamente Silva Cunha informou o seu colega da pasta do
Exército de que tudo estava calmo e que o presidente da República iria no dia seguinte a Tomar,
como sempre, sem segurança (Nota 6).
No entanto, já havia então objectivos tomados e, por exemplo, um minuto depois o Rádio Clube
Português foi ocupado. O «factor surpresa» apenas foi quebrado às 3 horas e 56 minutos, quando a
DGS soube que algo se passava, através de um telefonema do ministro do Exército, general
Andrade e Silva, a Silva Pais, a dar conta da chegada de forças com Blindados ao Terreiro do Paço,
e do cerco ao Ministério do Exército (Nota 7).

Nota 1 - Costa Gomes: O Último Marechal, pp. 184 e 185.


Nota 2 - «As últimas horas da PIDE: Se queimássemos a sede?», in Tal e Qual, 25/4/1985, pp. 8 e
9.
Nota 3 - Diário de Notícias, 22/4/1999.
Nota 4 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, cit. por José Freire Antunes,
Nixon e Caetano..., p. 307.
Nota 5 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano..., pp. 350 e 351.
Nota 6 - A Fita do Tempo: A Noite Que Mudou Portugal, p. 183.
Nota 7 - Ibidem, 159-161, 183 e 186.

514

Às 4 horas e 20 minutos da madrugada, «já com Lisboa pejada de tanques e as estações de rádio e a
televisão sob controlo, o MFA difundiu o seu primeiro comunicado».
Ora, apenas cerca de uma hora depois, por volta das 5 horas, é que o director da PIDE/DGS
acordou Caetano pelo telefone, a avisar que «a revolução» estava na rua e o caso era «muito
grave». Sugeriu-lhe que se refugiasse no Quartel do Carmo, dado que o comando da Força Aérea,
em Monsanto já poderia estar em poder dos insurrectos (Nota 1). Refira-se que, às 5 horas e 40
minutos, a agência France Presse emitiu um telex a informar que se assinalavam, de «boa fonte,
movimentos de tropas em Lisboa» e uma «certa actividade» no Ministério da Defesa, além de que,
segundo «uma informação que não pôde ser verificada, o emissor nacional de rádio estaria cercado
por tropas» (Nota 2).
O facto de a sede da DGS não ter sido um dos primeiros alvos fez correr muita tinta. Por exemplo,
numa investigação recente, António de Araújo afirmou que o edifício da Rua António Maria
Cardoso «nunca foi um objectivo principal da estratégia do MFA», embora também não tivesse
havido um «complot para proteger a DGS». Segundo ele, os capitães de Abril entenderam que não
era nuclear a tomada da António Maria Cardoso, baseando-se numa afirmação de Otelo Saraiva de
Carvalho segundo a qual, caso tivesse sido um objectivo imediato, os elementos da DGS teriam
respondido a tiro.
Otelo teria retirado essa lição do golpe falhado de 16 de Março, em que, na primeira linha de
barragem contra a coluna que vinha das Caídas da Rainha, estavam os elementos da DGS. Por isso,
teria pensado que, ao deixar-se correr a situação, esta cairia a favor do MFA e a DGS acabaria por
soçobrar por ela mesma e entregar-se. Além disso, Otelo Saraiva de Carvalho reconheceu que a
DGS não fora o alvo principal também devido ao facto de o MFA possuir poucas informações sobre
essa polícia, acrescentando ainda que, para participar no golpe, Jaime Neves havia exigido que as
operações junto à LP e à DGS não fossem incluídas na lista das prioridades, por considerá-las
perigosas (Nota 3).
O certo, porém, é que no «Anexo de transmissões ao plano geral das operações», a Rua António
Maria Cardoso e os fortes de Caxias e de Peniche surgem como alvos, aliás com um toque de
humor, dado que tiveram, respectivamente, os nomes de código «Moscovo», «Pequim» e
«Varsóvia» (Nota 4). O próprio Otelo Saraiva de Carvalho contou recentemente que o vieram
avisar, a dada altura, de que, à última da hora, o Regimento de Infantaria 1 não sairia, o que o
desarmou completamente pois era essa unidade que estava precisamente destinada a ocupar a sede
da DGS e Caxias (Nota 5).
Por isso, tiveram de se deslocar, mas mais tarde, para esses dois objectivos, os pára-quedistas e os
fuzileiros, que apareceram já na tarde do dia 25 de Abril, a exigir missões.

Nota 1 - José Freire Antunes, Nixon e Caetano..., pp. 350 e 351.


Nota 2 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., p. 215.
Nota 3 - António de Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente», pane 1, in
Atlântico, 28/7/2005, pp. 40-48.
Nota 4 - A Fita do Tempo: A Noite Que Mudou Portugal, p. 237, apêndice 3 (lista de códigos dos
objectivos e locais).
Nota 5 - Ibidem, p. 183; 30 Anos do 25 de Abril, coord. de Manuel Barão da Cunha, p. 131.

515

A sede da DGS foi sitiada por uma força de fuzileiros na manhã de 25, mas não se rendeu, porque
«o governo de Marcelo Caetano ainda estava no poder e a lealdade que a DGS tinha assegurado ao
governo não era — nem deve ser — uma palavra vã», segundo disse mais tarde Silva Pais (Nota 1).
Segundo outra versão, esse destacamento da Armada que se dirigiu à sede da DGS era comandado
por Eugénio Carvalheiro, que perguntou a Silva Pais se era ele que comandava «aquela merda».
O comandante dos fuzileiros teve, porém, de se confrontar com o seu «camarada de armas»,
Alpoim Calvão, que o desautorizou, ordenando-lhe que se retirasse antes que os «pides fizessem os
marinheiros em carne picada» (Nota 2).
Depois, na sede da PIDE/DGS, onde estavam encurralados cerca de 200 elementos dessa polícia, o
inspector Pereira de Carvalho esteve ocupado a tentar coordenar a resistência nas várias delegações
do país e a destruir ficheiros de «informadores» e outros documentos (Nota 3). Relatou ainda
Pereira de Carvalho que um velho elemento da DGS foi desenterrar um antigo plano de
emergência, com instruções para incendiar a sede se fosse «preciso», mas esclareceu que, embora
tenha encarado a destruição dos arquivos, o director da DGS nunca pensou em destruir as
instalações da António Maria Cardoso (Nota 4).

XIX.2.6. A rendição da DGS

Face às notícias sobre movimentações populares (Nota 5) em toda a cidade de Lisboa, os agentes
da DGS começaram a temer uma tomada de assalto às instalações da polícia. Mais tarde, o ex-
director Silva Pais contou que, caso a situação atingisse «tal acuidade», ele ordenara que se fizesse
«uns tiros para o ar a fim de dispersar tais indivíduos», dado que essa polícia não dispunha de
«outros meios (gases, etc.) para dispersar multidões» (Nota 6) . Interrogado, quando estava preso,
pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS, o ex-inspector Óscar Cardoso confirmou que Silva Pais,
acompanhado pelo inspector superior Coelho Dias, ordenou que «se desse rajadas para o ar» e que,
no dia 25 de Abril, houve tiros, por duas vezes, a partir da sede da DGS (Nota 7).
O capitão Salgueiro Maia, operacional das forças revoltosas do MFA, contou que houve tiros a
partir da sede da DGS por volta das 15 horas, ou seja, 10 minutos antes de ele exigir a rendição dos
sitiados do Carmo, provocando um morto e dois feridos, e, de novo, depois das 20 horas.

Nota 1 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 183, 186 e 187.
Nota 2 - Fernando Antunes, «Comandante Costa Correia: O homem do “day after”», in Visão,
5/5/1994, pp. 36-37; Tale Qual, 25/4/1985, pp. 8 e 9.
Nota 3 - «As últimas horas da PIDE: Se queimássemos a sede?», in Tal e Qual, 25/4/1985, pp. 8 e
9.
Nota 4 - Ibidem.
Nota 5 - António de Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente, parte 1», in
Atlântico, 28/7/2005.
Nota 6 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, Lisboa, pp. 183, 186 e 187.
Nota 7 - Arquivo Histórico Militar, Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso, 4.° Juízo do TMT,
proc. 118/76, fls. 40, 41 e 55.

516

Por outro lado, como se sabe, os tiros não foram «para o ar» e 45 pessoas foram atingidas, cerca das
20 horas e 10 minutos. Foram então mortos Francisco Carvalho Gesteiro, empregado de comércio
de 18 anos, José James Harteley Barneto, de 37 anos, José Guilherme Rego Arruda, estudante de 20
anos, e Fernando Luís Barreiros dos Reis, soldado de 24 anos. Outro dos elementos então mortos
foi o servente da DGS António 1 age, de 32 anos, que terá sido morto por tiros dos militares,
provavelmente porque entrou em pânico e fugiu (Nota 1).
No final do dia, quando Marcelo Caetano já se tinha rendido, no Quartel do Carmo (Nota 2), Silva
Pais terá dito aos seus colaboradores que «nada mais tinha a fazer do que estar às ordens do novo
Governo (Junta de Salvação Nacional)» (Nota 3). Vítor Crespo, representante da Armada no Posto
de Comando das Operações do MFA, assistiu, por seu lado, à conversa «muita séria» aí ocorrida
entre Spínola e César Moreira Baptista, ministro do Interior do regime deposto, ao qual o general
instou a telefonar à DGS ordenando a rendição imediata dessa polícia. Por «fita» ou «pânico»,
Moreira Baptista foi atrasando o telefonema, mas, quando Spínola soube, através de Otelo Saraiva
de Carvalho, que havia tiros na Rua António Maria Cardoso, terá mostrado grande agressividade,
gritando ao ex-ministro do Interior: «mas já» (Nota 4).
Vítor Crespo disse ter conseguido mobilizar um Corpo de Fuzileiros Navais, comandados por
Vargas Matos, que, em conjunto com outra força da Armada, chefiada por Costa Correia, foi a
responsável pela rendição da DGS. Há, no entanto, duas versões diferentes sobre esta rendição: a
do comandante capitão-tenente Costa Correia e a de Campos Andrada. O primeiro contou ter
recebido, de Almada Contreiras, coordenador do MFA na Marinha, uma mensagem por rádio
ordenando-lhe que se dirigisse à António Maria Cardoso. Pelas 23 horas de 25 de Abril, ele próprio,
juntamente com Campos Andrada, ao comando de uma companhia e de um destacamento de cerca
de 100 fuzileiros, cercara a sede da DGS, que se rendera entre as 9 e as 10 horas de dia 26 (Nota 5).
Antes de referir a versão de Campos Andrada, veja-se a descrição do jornal República do que se
passava entretanto na rua. Ao romper da manhã desse dia 26, grande multidão começou a juntar-se
no Largo de Camões, ao lado do qual unidades dos fuzileiros navais e do Regimento de Infantaria 1
(Amadora) tinham montado o dispositivo de ataque à sede da DGS. Às 9.30 horas, foi enviado, por
intermédio de dois agentes detidos, um ultimato à sede da DGS, segundo o qual ou «os
entrincheirados se rendiam, ou começaria o assalto à sede».
Nota 1 - António Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente, parte 1», in
Atlântico, 29/7/2005.
Nota 2 - «As últimas horas da PIDE: Se queimássemos a sede?», in Tal e Qual, 25/4/1985, pp. 8 e
9.
Nota 3 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 183, 186 e 187; entrevista a
Clóvis Ott, in Sempre Fixe, 19/10/1974, Diário Popular, 20/10/1979; Arquivo Histórico Militar,
Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso, 4.° Juízo do TMT, proc. 118/76, fls. 40, 41 e 55.
Nota 4 - Ana Sá Lopes, «Spínola riscou do programa do MFA as expressões “democracia” e
“fascismo”», in Público, 19/4/2004.
Nota 5 - Fernando Antunes, «Comandante Costa Correia: O homem do “day after”», in Visão,
5/5/1994, pp. 36-37.

517

A resposta veio de imediato: «rendição imediata e incondicional» e, exactamente «às 9.46 um


destacamento do R.I. 1 entrava no edifício para desarmar os elementos da PIDE-DGS, apreender
todo o material e começar as operações de transferência dos Polícias, sob prisão, para o Instituto
Hidrográfico da Marinha» (Nota 1).
Vinte anos depois do 25 de Abril de 1974, Campos Andrada afirmou ter sido ele o comandante
nomeado pelo general Spínola para chefiar as forças militares com o objectivo de ocupar a DGS.
Contou ter-se dirigido, com um jipe de Lanceiros 2 à António Maria Cardoso, onde encontrara um
capitão com uma companhia de infantaria da Amadora, um esquadrão de cavalaria de Estremoz e
forças de Santarém, comandadas pelo capitão Salgueiro Maia. Esclareceu que foi ele, «e mais
ninguém», que chefiou os militares do MFA para «receber a rendição e aprisionar» a DGS, e que,
ao chegar à porta da sede da DGS, então ainda fechada, apresentara-se-lhe então Costa Correia,
vindo do Largo de Camões, ao comando de uma companhia de fuzileiros. No momento da entrada
na sede da DGS, Costa Correia perguntara a Campos Andrada se o poderia acompanhar naquilo que
seria o facto histórico da rendição.
Depois, no interior do edifício da DGS, o inspector superior da DGS, Coelho Dias, havia
acompanhado Campos Andrada ao gabinete de Silva Pais, que lhe entregara as chaves dos arquivos
e perguntara se queria que fossem apeadas as fotografias de Salazar, Caetano e Américo Tomás.
Ofereceram-se, aliás, para o fazer, diversos inspectores dessa polícia e, posteriormente, «Carvalho»
— provavelmente Álvaro Pereira de Carvalho — acompanhara Andrada numa volta à sede da
DGS, onde haviam sido encontradas muitas armas (Nota 2).
Concluída a ocupação da sede da DGS, o tenente Melo Saião, dos fuzileiros navais, deslocou-se ao
Largo das Duas Igrejas, onde disse aos jornalistas: «pronto, renderam-se». Apesar de uma força de
fuzileiros já ter ocupado as instalações da DGS, Silva Pais manteve-se no seu gabinete no dia 26 de
Abril, até António de Spínola lhe ordenar, já de noite, para ir para sua casa, onde dormiu (Nota 3).
O certo é que, segundo as suas próprias palavras, Silva Pais optou «por não aproveitar a
oportunidade de fuga que lhe [foi] proporcionada pelo presidente da Junta» e acabou por ser preso
(Nota 4). Muitos outros elementos da DGS renderam-se, por razões de segurança e por medo de
retaliações da parte da população (Nota 5).

Nota 1 - «A PIDE-DGS rendeu-se aos Fuzileiros Navais e a Infantaria 1», in República, 26/4/1974.
Nota 2 - Ibidem.
Nota 3 - António Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente», parte 1, in
Atlântico, Agosto de 2005, pp. 40-48; idem, ibidem, parte 2, Setembro de 2005, p. 42.
Nota 4 - José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, A Filha Rebelde, pp. 183, 186 e 187.
Nota 5 - António Araújo, «O fim da PIDE/DGS: Narrativa de um passado recente», parte 2, in
Atlântico, Setembro de 2005, pp. 38-47. Foi com esse argumento, aliás, que, nos dias 27 e 28 de
Abril, a Junta de Salvação Nacional exortou os elementos dessa polícia que estavam a monte a
renderem-se. Esse ultimato seria, depois, repetido, em 14 de Maio, dando o prazo de rendição até
dia 18, e o certo é que, no dia seguinte, os jornais começam a publicar fotos de alguns elementos da
DGS.

518

À prisão de Caxias chegaram, por volta das 22 horas de dia 25, duas companhias de pára-quedistas,
sob o comando de José Brás e Mário Pinto, às quais se juntaram, horas depois, forças de fuzileiros
que montaram um cordão de segurança em torno do reduto norte, onde a multidão começou a
juntar-se, durante a noite, na esperança de assistir a libertação dos presos (Nota 1). O jornalista
Wilfred Burchett relatou que a libertação dos presos políticos foi retardada 24 horas, por
divergências dentro da Junta de Salvação Nacional (JSN) acerca dos que deviam ser soltos.
Recorde-se que uma facção chefiada por Spínola pretendeu, tanto em Caxias como em Peniche,
uma libertação selectiva que excluísse os acusados de crimes de violência (Nota 2). No entanto,
como os 85 presos declarassem que ou saíam todos ou nenhum, e devido à pressão popular, todos
os detidos foram libertados a partir da meia-noite de dia 26 (Nota 3).
Posteriormente, foram também libertados os presos nas delegações do Porto e Coimbra, bem como
os 43 detidos que se encontravam detidos em Peniche. Refira-se que relativamente a três presos
políticos, condenados também por «crime de sangue», Francisco Martins Rodrigues, Rui d’Espiney,
da FAP/CMLP, e Filipe Viegas Aleixo, da LUAR, a liberdade só chegou às 20 horas e 45 minutos
de dia 27. Efectivamente, apenas tinham sido soltos, na véspera, do forte de Peniche, mediante
compromisso escrito de permanecerem, até nova ordem, na residência de um advogado de Lisboa
(Nota 4).
Em 26 de Abril de 1974, as delegações da DGS de Santarém, Évora, Beja e Faro foram
desmanteladas. A delegação da DGS de Coimbra, dirigida por Ferreira da Silva, rendeu-se no dia
27 de Abril, sendo aí detidos 40 agentes, e a delegação do Porto foi o último bastião a depor as
armas, após ser cercada pela multidão. Detidos, os elementos da DGS em serviço no Porto foram
levados em viaturas militares para fora da cidade, e libertados na estrada entre Famalicão e Braga.
Entre os fugitivos, contaram-se Fragoso Alias, chefe da delegação da Guiné (Nota 5), que escapou
para a África do Sul, e António Rosa Casaco, que fugiu para Espanha, onde se encontraria com
Agostinho Barbieri Cardoso e José Manuel da Cunha Passo (Nota 6). Barbieri Cardoso soube do 25
de Abril, em Paris, no escritório do conde de Marenches, chefe do SDECE (Nota 7), enquanto
Cunha Passo contou ter sido informado do golpe de Estado por um elemento do FBI na capital
belga (Nota 8).

Nota 1 - O Pulsar da Revolução: Cronologia da Revolução de 25 de Abril (1973-1976), p. 84.


Nota 2 - Cit. por A. Barradas, «A libertação tardia dos presos políticos», in Diário Popular,
24/4/1978.
Nota 3 - Público, 24/4/2005.
Nota 4 - «Os três últimos presos políticos», in Diário de Lisboa, 28/4/1974, p. 10.
Nota 5 - «Uma CIA de trazer por casa... (3)», in O Jornal, 13/2/1976 pp. 16 e 17.
Nota 6 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., pp. 244-245; António Rosa Casaco,
Servi a Pátria e Acreditei no Regime, Lisboa, ed. do autor, 2003, pp. 84-89, 95 e 96.
Nota 7 - Bruno Oliveira e Santos, Histórias Secretas..., p. 143.
Nota 8 - Ana Almeida, «Pides lavam mais branco: 1974 foi há 20 anos», in Visão, 21 a 27/4/1994.
Nota 9 - «Render da guarda em ABRIL» parte 3, in A Luta, 5/6/1976; Diário de Noticias,
22/4/1999.
519

Em Portugal, depois de se ter tornado impossível a continuação da DGS (Nota 9), Spínola
incumbiu o capitão António Ramos de conduzir o inspector superior Rogério Coelho Dias à
fronteira espanhola, de onde este partiu para Moçambique, antes de rumar mais tarde para o Brasil
(Nota 1). O então general Costa Gomes fez o mesmo em relação a São José Lopes, ex-chefe da
DGS em Angola, dando indicações ao major Sanches Osório para o ir buscar à messe de Pedrouços,
onde estava escondido, e levá-lo ao Aeroporto da Portela (Nota 2).
Nos primeiros dias após o 25 de Abril, Costa Gomes teria sugerido aos «capitães» que, no ultramar,
a DGS fosse mantida enquanto «polícia de informações militares» e que o MFA anuíra (Nota 3). De
facto, houve intensas negociações, na madrugada de 25 para 26 de Abril, entre os membros da JSN,
no seio da qual Costa Gomes teve um papel preponderante, ao sugerir, no Programa do Movimento,
o acrescento da seguinte frase, que antes não se encontrava lá e que foi lida às 8 horas do dia 26:
«No Ultramar, a DGS será reestruturada e saneada, organizando-se como Polícia de Informação
Militar, enquanto as operações militares o exigirem.» (Nota 4)
Costa Gomes confirmou esse facto, argumentando que, para ele, a continuação da DGS no ultramar
era «indispensável», já que as informações das Forças Armadas eram aí fornecidas pela DGS (Nota
5). No entanto, a «sugestão» da continuação da DGS nas colónias em guerra terá sido anterior ao
golpe de 25 de Abril de 1974 e, segundo esclareceu Vasco Gonçalves, não foi apenas defendida por
Costa Gomes. Foi, na realidade, uma «atitude do Movimento», à qual o próprio Vasco Gonçalves
não se opusera, dado que, como não era «possível declarar logo o cessar-fogo, a tropa estava muito
dependente das informações da PIDE na Guiné, em Angola e em Moçambique» (Nota 6).
Ao concordar que houve uma contradição entre o facto de os elementos da DGS da metrópole
terem sido presos e os do ultramar não, Ernesto Melo Antunes distinguiu, porém, a atitude de Costa
Gomes da de Spínola, que resistiu à libertação dos presos políticos e protegeu o chefe e alguns
dirigentes da DGS, para tentar «segurar o mais possível os símbolos da autoridade do regime»
(Nota 7).
Seja como for, o Decreto-Lei n.° 171/74, de 25 de Abril extinguiu a DGS na metrópole. Em Julho
do ano seguinte, a Lei 8/75 aprovou o julgamento, em tribunal militar, dos elementos da PIDE/DGS
e previu as penas a que estariam sujeitos, sendo recusadas tanto a imprescritibilidade do
procedimento criminal como a suspensão das penas. Dos 4418 elementos da DGS, apenas foram
julgados 2323 e, devido à destruição de ficheiros de informadores, somente 344 destes foram a
tribunal, sendo condenados a penas inferiores a seis meses (Nota 8).

Nota 1 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., pp. 244-245.


Nota 2 - Diário de Notícias, 22/4/1999; A Fita do Tempo: A Noite Que Mudou Portugal, pp. 156-
157.
Nota 3 - Diário de Notícias, 22/4/1999.
Nota 4 - Manuel A. Bernardo, Marcello e Spínola: A Ruptura..., p. 216.
Nota 5 - Entrevista ao semanário Expresso, em 8/10/1988, in Manuel A. Bernardo, op. cit., p. 336;
Costa Gomes: O Ultimo Marechal, pp. 213-214.
Nota 6 - Diário de Notícias, 22/4/1999.
Nota 7 - Melo Antunes: O Sonhador Pragmático, pp. 73-74.
Nota 8 - O Diário, 19/8/1972.

520

CONCLUSÕES
Ao longo deste estudo, foram surgindo diversas questões sobre a natureza da PIDE/DGS enquanto
polícia política do regime salazarista e, por outro lado, acerca da sua importância no seio do regime
ditatorial português. Abordar a primeira questão passa pela comparação com polícias políticas de
outros regimes fascistas ou totalitários e implica analisar a legislação que determinou as funções da
polícia política portuguesa, bem como a sua prática, nas mãos de quem a compunha.
Tentar solucionar a segunda questão remete para o relacionamento da polícia política com o regime
ditatorial e as diversas instituições do Estado, bem como com a sociedade portuguesa e as várias
oposições ao regime. Subjacente a esta última, contam-se também a questão dos métodos e dos
poderes da polícia política, os seus principais alvos e adversários, bem como o problema da sua
eficácia. Deste último factor decorre a pergunta: foi a PIDE/DGS um dos factores ou o principal
destes que explica a durabilidade do regime ditatorial português?
Uma polícia criada à imagem da Gestapo e da OVRA?
O Estado Novo português não foi caso único, na sua época, e enquadrou-se num movimento
europeu mais lato do qual resultaram, no período entre guerras, diversos outros regimes de novo
tipo, autoritários, fascistas e totalitários. No caso da polícia política, a comparação entre o regime
salazarista e o nacional-socialismo alemão e o fascismo italiano só pode e deve ser feita nos anos
30, ou seja, no mesmo período cronológico em que, em Portugal, ela se chamava PVDE. Quanto a
uma comparação com o caso nazi, o caso português só pode, além disso, ser cotejado com o
período inicial do regime alemão, ou seja, entre 1933 e 1939, em que este começou por eliminar os
seus adversários políticos.
Diga-se, porém, que já existia na Alemanha, nesse período, a questão racial, mesmo se esta ainda
não tinha então a virulência atingida a partir de meados de 1941, com a guerra total e o extermínio
de judeus e de outras categorias de seres humanos, considerados «raça inferior». Apesar da
especificidade racial do regime nazi, a PVDE compartilhou, nesse período de 1933 a 1939, algumas
características com a Gestapo. Um primeiro aspecto foi o carácter «preventivo», no sentido em que
as duas polícias políticas prendiam e «internavam» administrativamente «ante delictum».

521

Em segundo lugar, tanto a PVDE como a Gestapo detinham a mesma competência em matéria de
instrução, assim como utilizavam uma vasta rede de informadores e milhares de cúmplices, entre as
respectivas populações. Sobre esta questão, pode-se dizer que, devido à longevidade da ditadura
portuguesa, a «cultura» de delação, presente na população portuguesa durante tantos anos, marcou
de forma mais duradoura o seu «código genético».
No entanto, a repressão salazarista e o terror nacional-socialista, até ao início da Segunda Guerra
Mundial, revelaram já então graus diferentes, tanto em qualidade como em quantidade. Em
Portugal, mesmo se atingiu por vezes muitos portugueses, a repressão foi de carácter selectivo,
dirigida contra os adversários políticos, e, entre estes, os reviralhistas, anarcossindicalistas e
comunistas. Na Alemanha, a detenção administrativa atingiu os adversários políticos e sociais do
regime, tal como em Portugal, mas a repressão criminalizou muitos outros aspectos, entre os quais
os «raciais» e «associais», bem como muitos comportamentos «morais» e de carácter privado.
Essa diferença de qualidade leva a concluir que, mesmo tendo preservado a larga maioria dos
alemães de «raça pura», a repressão na Alemanha atingiu mais categorias de pessoas do que na
Itália, até 1938, e em Portugal, nos anos 30. Enquanto Mussolini e Salazar utilizaram o aparelho
político para calar e deter os opositores políticos, mantendo o sistema policial e judicial, na
dependência da administração estatal, Hitler utilizou o aparelho policial e judicial para purificar a
Volksgemeinschaft e colocou integralmente o sistema de justiça política sob a tutela das SS.
Por outro lado, a Gestapo teve, na Alemanha, um poder muito maior, que lhe adveio de se
confundir com as SS, a ponto de se poder falar do nacional-socialismo como um «sistema SS» e,
dessa forma, «um Estado dentro do Estado». Por outro lado, a Gestapo entrou também desde logo
em rivalidade com os tribunais, acabando por suplantá-los. Em Portugal, os tribunais nunca foram
independentes nem puseram em causa a polícia e, pelo contrário, sentenciavam seguindo
acriticamente os processos instruídos por esta última, mas tratou-se menos de uma rivalidade entre
instituições — judicial e policial — e mais de uma colaboração entre elas, ao serviço do Estado
Novo.
Diga-se, porém, que, embora a polícia política portuguesa não corrigisse ostensivamente as
sentenças dadas pelos tribunais, a PIDE passou a ter legalmente um instrumento que lhe
possibilitou prolongar as penas de prisão e mesmo manter presos indivíduos absolvidos: as medidas
de segurança. Por outro lado, no sistema de justiça política, a Alemanha nazi adoptou a analogia
jure, que, teoricamente, não existia em Portugal, embora, na prática, a figura de «crime contra a
segurança do Estado» tornasse punível um vasto leque de dissidências.
Uma grande diferença entre o Portugal salazarista e a Alemanha nazi foi a preocupação com o
legalismo, que existiu no primeiro caso. Observe-se, porém, que, se o regime salazarista se apoiava
na «sua legalidade», também aproveitou os vazios da lei ou interpretou-os à sua maneira. Por
exemplo, o regime e a polícia sempre afirmaram que só eram detidos aqueles que atentavam contra
a segurança do Estado e que ninguém era preso devido às suas opiniões.

522

Isto revelaria, segundo o regime, que era cumprido o art.° 8.° da Constituição, segundo o qual
ficava assegurada a liberdade de pensamento. Ora, na realidade, bastava colocar, como fez o Estado
Novo, no grupo dos que atentavam contra a sua segurança todos os que discordavam dele.
De qualquer forma, a imagem da polícia política portuguesa criada à imagem da Gestapo não
correspondeu à verdade. A PVDE foi um produto nacional, sofrendo sobretudo a influência de
polícias anteriores, do período da Ditadura Militar. A polícia política portuguesa aproximou-se da
que existiu na Itália fascista, porque ambas permaneceram sob tutela do Ministério do Interior e
recrutaram, para seus dirigentes, elementos de polícias anteriores. Distinguiu-se, porém da italiana,
entre outros motivos, porque na Itália fascista houve uma única polícia centralizada, ao contrário de
Portugal, onde se mantiveram a PIC, a PSP, a GNR e a PVDE.
Um dos aspectos comuns entre o Estado Novo e o fascismo italiano foi o facto de esses regimes se
autoconsiderarem a expressão única e exclusiva da essência da nação, ou a forma institucionalizada
de ela se realizar e reencontrar. Ressalve-se novamente o caso do nazismo, que, nesse aspecto, não
se arvorou unicamente como a expressão única da nação, mas, mais do que isso, da «raça ariana»
alemã, fosse isso o que fosse. Em Portugal e na Itália, o regime considerava-se como a nação
institucionalizada e a oposição política era encarada como um comportamento desviante e
criminoso, punível por ser «antinacional».
Nesse aspecto, o comunismo, considerado como a quinta coluna da URSS em Portugal era, para o
Estado Novo salazarista, o paradigma do «crime antinacional». Nesse clima, depois reforçado pela
Guerra Fria, nos anos 50, a PIDE e o regime reforçaram a noção de que o PCP não era um partido
mas uma «associação» criminosa e subversiva, que cometia «crimes contra a segurança interna do
Estado» e, na medida em que estaria ao serviço do «estrangeiro» e de uma potência externa,
praticava também «crimes contra a segurança externa do Estado». Aliás, a PIDE distinguia entre os
adversários do regime de carácter nacional — por exemplo, liberais ou reviralhistas — e os
comunistas, considerados «perdidos» para qualquer espécie de regeneração e, na prática,
delinquentes, fautores de crimes comuns.
Dessa peculiar natureza de um regime como expressão única da nação decorria a função das
polícias políticas dessas ditaduras, fosse fascista ou autoritária. Eram, assim, polícias de defesa
político-ideológica, e até social, da ordem única, bem como de perseguição e repressão das
dissidências e resistências, e não só de defesa da «manutenção da ordem pública», como nos
regimes liberais. Eram ainda polícia com poderes tendencialmente discricionários, aptas a lidar
«eficazmente» contra a «antinação», com a lei adaptada a essa função ou mesmo sem lei, cuja
natureza consistia em serem um instrumento da eliminação da recusa do consenso imposto por
esses regimes, por intermédio de outros meios — censura, partido único, proibição de liberdade de
expressão e associação, organizações de enquadramento, entre outros.

523

PIDE/DGS: um «Estado dentro do Estado»?

Como se viu, o complexo SS/Gestapo foi um «Estado dento do Estado»; ora, em Portugal, a
PVDE/PIDE/DGS nunca deixou de responder perante a sua tutela e, sobretudo, perante Salazar. Tal
como o director da PVDE/PIDE Agostinho Lourenço, também o chefe da PIDE/DGS Fernando da
Silva Pais despachava com o ministro do Interior, mas também, e sobretudo, directamente com o
chefe do governo. Mais tarde, embora nem todos os seus elementos dirigentes apreciassem
especialmente Marcelo Caetano, a DGS não deixou de responder perante ele.
Desse facto, bem como do de a PIDE nunca ter tido grandes veleidades de autonomia, nem ter
participado em acções contra o regime, pode-se concluir que essa polícia não era um «Estado
dentro do Estado». Parece ser, assim, mais correcta a ideia de que foi um instrumento central de um
regime político oligárquico, longamente assente numa chefia ultracentralizada de um ditador. Ou
seja, foi uma polícia que sempre defendeu o regime, cujos directores funcionaram enquanto
correias de transmissão de Salazar, que, permanentemente informado pelos directores da PIDE,
conhecia a sua actuação e confiava nela.
É verdade que a PIDE foi tutelada pelo Ministério do Interior e nunca teve a veleidade de se
sobrepor a este, mas também se deve dizer que esse ministério sempre lhe deu grande latitude de
poderes e espaço de actuação, ao mesmo tempo que corroborou sempre as suas decisões e nunca
abriu mão da posse da polícia política. Diga-se, por outro lado, que o Ministério do Interior nunca
esteve nas mãos de elementos fortes e, por exemplo, tanto Trigo de Negreiros como Cancela de
Abreu se aproximaram mais da linha de Caetano do que da de Salazar.
O certo é que, em alguns conflitos e contradições que houve episodicamente entre o Ministério do
Interior e o Ministério da Justiça, nomeadamente quanto ao alargamento dos poderes da PIDE, a
pasta que tutelava esta polícia sempre zelou pela autonomia das suas polícias e certificou-se de que
elas só respondessem perante a tutela. Alguns problemas que existiram entre o Ministério do
Interior e as pastas da Justiça e da Defesa Nacional, que queria deter a exclusividade dos serviços
de informações, foram, porém, sempre rapidamente atalhados por quem de facto mandava no
regime — António de Oliveira Salazar.
Da parte do MNE, a PIDE/DGS só obteve colaboração. De facto, os informadores do aparelho
diplomático e consular constituíram uma extensão dos próprios «colaboradores» da PIDE no
estrangeiro. Colaboração obteve a PIDE/DGS, no geral, da parte de toda a administração pública.
Não deixou, aliás, de retribuir os serviços prestados, através do papel crucial que teve no
saneamento dessa mesma administração, dado que — lembre-se — dependia de uma boa
informação da PIDE o emprego de um professor, de um médico ou de qualquer outro funcionário
público.
Colaboração não isenta de conflitos esporádicos, que se estendeu às várias polícias do regime,
tuteladas pelo mesmo Ministério do Interior (exceptuando a PJ), embora nunca tivesse havido em
Portugal nem centralização das várias forcas nem um comando conjunto das mesmas.

524

Com os elementos mais extremistas do regime e da extrema-direita, a PIDE teve um duplo papel de
aproveitamento e de vigilância. Utilizava-os, mas vigiava-os para que não actuassem contra o
regime e, na rivalidade com a polícia, não tivessem um peso demasiado excessivo. Vigilância essa
que se espalhava aos próprios elementos do regime, de forma a detectar indícios de dissidência ou a
deter meios de chantagem.

A criação da PIDE: uma operação de cosmética?

Terminada a Segunda Guerra Mundial, entre as modificações que Salazar e o seu regime operaram
nas instituições do Estado Novo contou-se a criação da PIDE, considerada como «organismo
autónomo da PJ», lidando com os «crimes contra a segurança externa e interna do Estado». Para a
opinião generalizada da oposição coeva, a criação da PIDE foi apenas uma operação de cosmética,
através da qual Salazar se adaptou à nova situação do pós-guerra, após a derrota dos regimes
fascista e nazi.
Na substância, é verdade que permaneceram na PIDE, vindos da anterior PVDE, aspectos
essenciais, que passaram, porém, a ficar legislados e especificados na lei. Um deles foi a ideia de
que a polícia devia corrigir as sentenças dos tribunais e a noção de uma polícia «preventiva», no
sentido de prender os habituais «contraventores» antes que estes passassem ao acto. No entanto,
quanto à detenção preventiva, lembre-se que era ilimitada e sem prazo, até 1945, tornando-se até
quase perpétua, em vários casos. Ora, a lei que criou a PIDE «limitou» a prisão a três meses,
passíveis de prorrogação por dois períodos de 45 dias cada, sob proposta da própria polícia política
e confirmada pelo Ministério do Interior.
Pode-se dizer, em suma, que de uma PVDE enquanto polícia secreta com actividade instrutória e
poderes administrativos e penais quase sem regulação legal se passou, em 1945, a um órgão de
«polícia judiciária» com funções teoricamente equivalentes à PJ. Só que — decisivo pormenor —
aos chefes de brigada e inspectores da PIDE eram cometidas funções e poderes próprios dos
magistrados judiciais na PJ. O que a PVDE tinha em arbítrio, a PVDE reconverteu
«cientificamente» em lei.

Tribunais plenários independentes ou dóceis à PIDE?

Julgar os crimes contra a segurança interna e externa do Estado foi, até 1945, função dos tribunais
militares especiais, mas, assim como Salazar foi «civilizando» todas as estruturas do Estado Novo,
o ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, também teve o cuidado de corresponder ao novo período
do pós-guerra, ao criar tribunais plenários criminais civis. Embora passassem a ser compostos por
magistrados, os juízes nesses plenários eram nomeados pelo ministro da Justiça e dependiam deste
para efeitos de promoção e colocação. Nos julgamentos realizados nos tribunais plenários, entre
1945 e 1974, era a PIDE/DGS que determinava a acusação, dado que a maioria dos juízes
condenaram segundo os relatórios dos processos-crime instruídos por esta polícia. Na maior parte
das vezes, estes eram reflectidos ipsis verbis nos acórdãos do tribunal plenário.

525

Nesses julgamentos políticos, as testemunhas de acusação eram elementos da própria PIDE/DGS,


que «testemunhavam» que os autos de interrogatório tinham decorrido sem qualquer pressão ou
coacção. Nas salas de audiência, previamente ocupadas por agentes dessa polícia, advogados e
testemunhas de defesa, bem como os presos, eram avisados pelo juiz de que este não toleraria
denúncias de torturas nem acusações contra a polícia política. Advogados ou testemunhas de defesa
que, em alguns casos, foram presos em pleno tribunal, às ordens dos juízes. Quanto aos «réus»,
foram quase sempre silenciados pelos juízes e muitos deles ouviram as suas sentenças no calabouço
do tribunal da Boa Hora ou foram espancados em plena sessão.
Que poderes tinha a PIDE?

Ao longo dos anos, a PIDE foi reforçando os seus poderes legais, entre os quais se contaram o
recurso à prisão preventiva, bem como à medida de segurança de aplicação posterior ao
cumprimento da prisão, para neutralizar os presos políticos considerados mais perigosos e não
passíveis de regeneração.
Numa divisão cronológica em quatro períodos, a vida da PIDE/DGS foi marcada por uma primeira
fase, de criação e institucionalização, entre 1945 e 1953. Nos dois anos seguintes a 1945, a PIDE
adquiriu a possibilidade de aplicar «medidas de segurança, previstas na Constituição para a defesa
da sociedade e reabilitação dos delinquentes» aos condenados por crimes contra a segurança do
Estado. A medida de segurança não tinha ainda um carácter detentivo, mas passou a tê-lo em 1949,
com a criação do Conselho Superior de Polícia (CSP).
O ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, ergueu-se, aliás, nesse ano, contra o facto de essas
medidas de segurança serem cumpridas em prisões da PIDE e lembrou que, apesar de esta polícia
poder propor a prorrogação da pena, a decisão pertencia sempre aos tribunais. No entanto, se era
verdade que a PIDE apenas propunha a aplicação e prorrogação das medidas de segurança e que
estas deviam ser aprovadas pelos tribunais, estes raramente tomaram uma opção contrária ao da
polícia. Resultava assim que era esta que, na prática, «determinava» a sua aplicação.

Uma polícia profissionalizada de especialistas?

Como se sabe, ao formar o seu novo regime, em 1933, António de Oliveira Salazar aproveitou os
elementos das Forças Armadas que ocupavam as instituições do período da Ditadura Militar. Foi
essa a forma encontrada, num período em que o ditador institucionalizava o Estado Novo, para
apaziguar a estrutura militar e manter a sua coesão em torno do seu regime. O regime salazarista
aproveitou assim quadros das anteriores polícias, provenientes, em particular, do Exército, para
continuarem a dirigir a PIDE. De uma PVDE sofrendo de amadorismo e indisciplinada, onde
grassava a corrupção e a violência, o primeiro director da PIDE, Agostinho Lourenço, tentou fazer
uma polícia mais profissionalizada.

526

Embora seja difícil de apurar, não parece ter sido a ideologia que determinou a entrada na PIDE,
nem houve recrutamento entre fascistas ou elementos envolvidos politicamente. Mas, se é certo que
ela não foi uma vanguarda miliciana à semelhança das SS na Alemanha, não deixou de ser uma
polícia com muita gente que só tinha conhecido o Estado Novo, cuja via de ascensão profissional se
fez graças a ele e perfeitamente adaptada ao aspecto ideológico central do regime — o
anticomunismo. De um modo geral, os inspectores da PIDE eram sobretudo anticomunistas, que
aprendiam sobretudo, na ETP, métodos de luta contra o PCP.
A comparação entre a naturalidade dos presos, da qual se falará adiante, e a dos elementos da PIDE
revela uma imagem invertida. Enquanto os presos nasceram mais no Sul, no litoral e nas grandes
cidades, os agentes da polícia eram também naturais destas, mas sobretudo no Norte e centro rural e
interior, bem como das zonas fronteiriças. Das zonas com muitos presos, nomeadamente dos
microcosmos com grande militância do PCP, provieram poucos elementos da PIDE/DGS,
revelando que, nesses locais, era malvisto ingressar nessa polícia.
A maioria dos elementos da PIDE/DGS tinha pouca instrução e proveio das classes sociais mais
baixas da sociedade: a nível profissional, cerca de 70 % tinha tido profissões subalternas (operários,
assalariados, mas sobretudo camponeses, 31,86 %) ou no comércio e nos serviços (33,5 %). Entre
os elementos da PIDE, pouco mais de 1 % tinha uma licenciatura, 526 frequência de um curso
superior civil ou militar, e estes eram os que estavam nos postos mais altos da corporação.
Os anos 30 foram os que deram os «melhores» elementos da PIDE, em termos de conhecimento do
PCP, como revelam os casos de Fernando Gouveia, José Gonçalves ou de Rosa Casaco, os quais
ingressaram na PVDE sem grandes habilitações e subiram a pulso até escalões mais altos. No ano
de criação da PIDE e nos anos imediatos, também ingressaram, como agentes auxiliares, elementos
que viriam depois a ascender nessa corporação policial: foram os casos de Adelino Tinoco, Porto
Duarte, Boim Falcão e Sílvio Mortágua. Conhecidos na PIDE também se tornaram outros, que não
entraram pela base da pirâmide, dado que já tinham mais habilitações e ingressaram como chefes
de brigada ou mesmo como inspectores, como foi o caso de Agostinho Barbieri Cardoso.
Posteriormente, ingressaram na PIDE homens com mais habilitações, vindos de outras polícias: foi
o caso de José Barreto Sacchetti, Cunha Passo, Pereira de Carvalho, Manuel da Silva Clara e
Ernesto Lopes Ramos, com provas dadas como polícias.

Quais foram os principais alvos da PIDE nos anos 40 e 50?

Os «desastres» de 1945 e o facto de muitos presos comunistas confirmarem habitualmente as suas


actividades políticas à PIDE foram encarados pela direcção comunista como uma consequência de
um desvio legalista do PCP. Depois, o «mau comportamento» na prisão de muitos militantes levou
Álvaro Cunhal a editar, em 1947, «Se fores preso, camarada...», um folheto onde era defendida a
posição do total silêncio face à PIDE.

527

Partido clandestino e alvo principal da repressão implacável da PIDE, o PCP condenou fortemente,
a partir de então, a «confirmação» à polícia, quase não a distinguindo, aliás, de «falar» na cadeia.
Para que não houvesse qualquer fissura que abrisse as portas à multiplicação das «confirmações»
ao nível do seu discurso, o PCP criou uma «moral» condenatória de quem «falava», mesmo que não
traísse. Embora soubesse, por experiência própria, quão eficaz eram os métodos de interrogatório
da PIDE — nomeadamente o «sono» e o «isolamento» —, o PCP fez frequentemente uma
amálgama directa e redutora entre um elemento que «falava» devido aos meios violentos de tortura
empregues contra ele e os casos de aberta traição.
O ano de 1947 foi, após o de 1945, de muita repressão em todo o país e de numerosas prisões de
elementos do PCP. O aparecimento de organizações de frente, como o MUD, o MUD J ou o MND,
levou a PIDE a tentar identificá-las como ramificações do PCP ou, pelo menos, a detectar quem
eram, no seu seio, os comunistas. Nesse período, a PIDE atingiu também outros alvos,
nomeadamente militares participantes das tentativas falhadas de sublevação militar da Mealhada de
1946 e da «Abrilada» de 1947.
Depois, o ano de 1949 foi novamente desastroso para o PCP, que viu serem presos muitos dos seus
quadros, além de que o próprio Secretariado foi atingido, com as detenções de Álvaro Cunhal e
Militão Ribeiro, para as quais contribuíram outras polícias e o aparelho distrital e local do regime.
Já no início da década de 50, a PIDE continuou a manter a sua habitual vigilância sobre
reviralhistas e outros não comunistas, e conseguiu desmembrar uma tentativa de conspiração
militar, graças a denúncias e à infiltração de um informador. Estes factos foram reveladores de que,
apesar de tudo, o PCP, através dos seus métodos clandestinos, era quem, mesmo assim, conseguia
ter alguma eficácia na luta contra a PIDE.
Numa segunda fase, entre 1954 e 1960, a história da PIDE, dirigida pelo capitão António Neves
Graça, que tinha entretanto substituído Agostinho Lourenço, foi marcada pelo endurecimento
repressivo, num período de Guerra Fria a nível internacional e de «anos de chumbo» para a
oposição ao regime, a nível interno. Nesses anos 50, em que a oposição ao regime esteve dividida e
o PCP isolado, a PIDE pôde virar-se quase exclusivamente contra este partido, através de uma
repressão endurecida e selectiva. Não por acaso, ocorreram nas prisões da PIDE, as mortes de
Militão Ribeiro e José Moreira (1950), de dois presos na prisão do Porto da PIDE (1957) e de Raul
Alves (1958), na Rua António Maria Cardoso. No seio do PCP, o princípio dessa década foi
também marcado por um reforço da disciplina interna, bem como por diversas sanções e expulsões,
devido a razões ideológicas.
Em 1954, foi criado um quadro da PIDE nas colónias e foram atribuídas funções de juiz a
elementos dessa polícia. Diga-se, aliás, que o então ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, se
ergueu contra a ampliação dos poderes da PIDE e o prolongamento da prisão preventiva, legislados
nesse ano de 1954. Lembre-se que a PIDE podia, em teoria, prender sem julgamento e controlo
judicial, até um ano e seis meses, embora, na prática, não precisasse de recorrer a esse «bónus»,
pois soltava o preso ao fim de 180 dias e, acto contínuo, tornava a prendê-lo por mais 180 dias.

528

Depois, em 1956, um diploma agravou o regime das medidas de segurança permitindo-as por
períodos indeterminados de seis meses a três anos, prorrogáveis por três períodos sucessivos de três
anos, mesmo nos casos de presos absolvidos.

Uma polícia internacional, nos anos de «todas as prisões»?

Em 1957, a PIDE «internacionalizou-se», através de contactos com os serviços secretos dos países
da NATO e com a CIA, na luta anticomunista. Em plena Guerra Fria, a principal preocupação no
mundo ocidental era a infiltração comunista, tendo sido a esse nível que a PIDE colaborou também
com os serviços secretos espanhóis e franceses, não só relativamente à emigração portuguesa como
aos exilados portugueses em França. O facto de gerir o gabinete nacional da Interpol permitiu-lhe
também ter contactos com diversas polícias, a pretexto da luta contra os crimes «comuns», até
porque, como se sabe, as ditaduras não distinguem entre estes e os «crimes» políticos.
Apesar de ter iniciado a «internacionalização da PIDE, o capitão António Neves Graça caiu, porém,
de certa forma, em desgraça, nomeadamente ao não conseguir evitar a extensa agitação social e
política em torno de Humberto Delgado, levando mesmo à necessidade da intervenção do Exército,
que prontamente acudiu ao regime. Os últimos anos de Neves Graça à frente da PIDE foram,
contraditoriamente ou não, de abundante repressão, que atingiu mesmo oposicionistas outrora
intocáveis, entre os quais se contaram António Sérgio, Vieira de Almeida, Jaime Cortesão e
Aquilino Ribeiro. Entretanto, surgiam, no final da década de 50, no terreno político, novos
opositores ao regime e alvos da PIDE até então silenciosos, entre os quais se contaram alguns
católicos «progressistas», bem como civis e militares, que participaram, em 1959, num novo golpe
militar, mais uma vez falhado devido a infiltração da PIDE.
Nos anos de 1958 e 1959, houve a convicção, no seio do PCP, de que o regime estava por um fio, o
que levou a uma quebra da acção conspirativa, que possibilitou numerosas prisões. Lembre-se
ainda que, nos anos subsequentes ao XX Congresso do PCUS, realizado em 1956, se verificara, no
seio do PCP, um «desvio à direita», depois considerado, por Álvaro Cunhal e outros dirigentes que
fugiram colectivamente de Peniche, em 1960, responsável pela existência de muitas traições na
polícia. Num balanço realizado neste ano, o dirigente comunista Octávio Pato mostrou que nunca a
percentagem de pessoas com mau comportamento nos interrogatórios havia sido tão grande.
Devido aos múltiplos «desastres», o PCP colocou «trancas à porta», tendendo a considerar que,
além das traições, as prisões dos seus funcionários se deviam à sua excessiva movimentação e
fechando-se sobre si próprio. A clandestinidade, que devia ser um meio para actuar em ditadura,
tornava-se um fim em si mesmo, além de ser também uma faca de dois gumes, na medida em que a
PIDE conhecia os métodos do PCP e conseguia aproveitá-los e explorá-los.

529
Ao chegar-se a 1960, a PIDE conseguira não só perceber o comportamento dos clandestinos, como
usar alguns efeitos contraditórios, conflituosos e perversos provocados pela clandestinidade: por
exemplo, a vida isolada das funcionárias clandestinas, bem como as relações conjugais e a
endogamia do corpo de funcionários.

Uma polícia de informações?

Quando Homero de Matos, vindo da GNR, assumiu a direcção da PIDE, em 1960, tentou
transformá-la numa organização de polícia secreta militarizada, subordinada ao Ministério da
Defesa Nacional, que centralizaria toda a informação interna e externa do país. Homero de Matos
quis ainda recolocar a PIDE sob controlo do director, retirando poder aos inspectores e afastando
Barbieri Cardoso. Todos esses factores atraíram sobre ele, tal como havia acontecido com Neves
Graça, a inimizade do corpo de inspectores, em rivalidade uns com os outros e com o director para
ganhar peso na corporação.
O ano de 1961 foi, depois, terrível para o PCP, devido às numerosas prisões de funcionários, em
resultado de infiltração de informadores, mas foi também um annus horribilis para o regime e para
a PIDE. Embora não tivesse conseguido evitar os assaltos ao Santa Maria e a um avião da TAP,
sofrendo ainda uma derrota estrondosa com a fuga colectiva de dirigentes comunistas de Caxias,
essa polícia adquiriu, porém, a partir de então, um quadro de funcionários mais amplo. Passou
também a ter novas tarefas de apoio informativo ao trabalho das Forças Armadas nas frentes da
Guerra Colonial.
Com a substituição de Homero de Matos pelo major Silva Pais na direcção da PIDE, em 1962, foi
reforçada a componente informativa desta polícia. Agostinho Barbieri Cardoso, que muitos
consideraram como o verdadeiro chefe da polícia política, regressou à PIDE, Álvaro Pereira de
Carvalho foi nomeado director dos Serviços de Informação, que foram então reorganizados, e José
Barreto Sacchetti ficou a dirigir os Serviços de Investigação. Foi, assim, de certa forma, Silva Pais
que acabou por cumprir os desideratos de Homero de Matos, reformando os Serviços Centrais de
Informação e tentando transformar a PIDE numa organização de intelligence, à maneira da CIA,
dos RG e do SDECE franceses.
No período entre 1962 e 1968, a legislação referente à PIDE esteve virada para a necessidade de
lidar com a Guerra Colonial e para o aumento dos seus funcionários. Os principais anos de
recrutamento de elementos foram, depois dos de 1947/1948, 1954, 1958/1959, por razões óbvias, a
partir de 1961 e sobretudo entre 1964 e 1967. Lembre-se que, entre 1954, quando tinha sido
formado um quadro do ultramar, e 1968, a PIDE passara de 755 para 3202 (1187 no continente)
funcionários. Na leva dos elementos recrutados para a PIDE nos anos 60, contaram-se muitos
elementos que ingressaram logo como inspectores, provenientes de outras polícias ou das Forças
Armadas, após cumprimento do serviço militar obrigatório.

530

Uma polícia eficaz? Informadores e tortura

À semelhança de todas as polícias políticas das ditaduras, a PIDE não necessitava de ser muito
aperfeiçoada nas tarefas de informação e de investigação. Tinha desde logo a sua vida amplamente
facilitada pela utilização de uma vasta rede de informadores, pagos ou não, controlados pelos
Serviços de Informação, montados e chefiados por Álvaro Pereira de Carvalho, entre 1962 e 1974.
Além disso, contava com a colaboração das outras polícias, das Forças Armadas, da LP e de todas
as estruturas do regime e do aparelho distrital e local. Como noutros regimes ditatoriais, a polícia
política portuguesa contou ainda com o apoio voluntário ou involuntário das populações, e isto num
país pequeno, onde um clandestino tinha grande dificuldade em passar despercebido.
O facto de muitos anónimos escreverem recorrentemente ao Ministério do Interior e à PIDE a
oferecerem os seus serviços é revelador de que existia, no seio da população portuguesa, uma
ampla e espalhada cultura de denúncia, e não só nas classes baixas. Esta não se devia
principalmente a razões ideológicas, mas resultava de interesses mesquinhos, como a inveja,
rivalidades ou vontade de exercer um pequeno poder no seio de um determinado microcosmo. A
ampla rede de informadores, cuja quantidade era aliás exagerada, de forma indirecta, pela própria
polícia, contribuiu para espalhar o medo nos Portugueses, convencendo-os de que os olhos
«panópticos» da PIDE os vigiavam por todo o lado e que meio país denunciava outro meio. Se,
evidentemente, isso não correspondeu à verdade, não deixou de multiplicar a eficácia do número
mais reduzido de denunciantes.
Além de utilizar os informadores, a PIDE/DGS também pôde recorrer a outros meios sem qualquer
fiscalização, como, por exemplo, a intercepção postal e a escuta telefónica, os quais foram, aliás,
também usados relativamente a elementos do próprio regime, para impedir dissensões ou como
instrumentos de chantagem. Estes dois instrumentos, cuja capacidade também foi muito exagerada,
tanto pela PIDE como pelos opositores do regime, tiveram, de qualquer forma, tal como a
existência de informadores, o mesmo efeito dissuasor, ao dar uma imagem de omnipotência e
omnisciência à polícia política.
Quanto aos métodos de «investigação» e instrução dos processos, a PIDE/DGS utilizou processos
violentos e os chamados interrogatórios «contínuos» — eufemismo para o «sono», a «estátua» e os
espancamentos —, na sede da PIDE, ou, mais tarde, no reduto sul de Caxias. Em Portugal, além
dos espancamentos, foi sobretudo utilizada a tortura «científica» da privação, em parte aprendida
com a CIA: a privação de movimento, ou «estátua», a privação de dormir, ou tortura do «sono», e a
privação de contactos com o exterior, ou isolamento. Estas «modalidades» de tortura, reveladoras
de que a polícia tinha todo o tempo do mundo, foram a negação do próprio argumento de que os
«safanões a tempo» eram dados para salvar inocentes de actos «terroristas», conforme tinha dito
Salazar em 1932.
Ao «fazer falar» o preso, a PIDE/DGS pretendia não só obter informações, destruir as suas
convicções, isolá-lo do seu grupo de pertença, mas também obrigá-lo a agir contra si próprio e
contra os seus valores.

531

Além de «fazer falar», a tortura pretende ainda levar o torturado a ouvir a voz do poder e perceber
que está nas suas mãos. Diga-se que, ao longo dos anos, a PIDE foi aperfeiçoando os seus métodos
de «interrogatório contínuo», que tiveram, aliás, grande eficácia.
Mas a tortura também serve para «fazer calar», ao constituir um aviso, para silenciar toda a
oposição, e uma ameaça para aterrorizar e desmobilizar a população, com o simples rumor da
existência da violência. No Estado Novo, a utilização da tortura foi negada, em nome de não ser
compatível, num país de brandos costumes, com a civilização cristã, que moldava a Constituição
portuguesa, através da moral e pela lei. Mas a ameaça da sua existência permaneceu sempre no ar,
falada à boca pequena, enquanto instrumento para aterrorizar e desmobilizar. Nesse sentido,
embora utilizando a técnica do eufemismo para se referir às torturas, a PIDE não deixou de fazer
constar, através do rumor, que elas existiam, para travar veleidades de prevaricação «subversiva».
Assim como a ditadura salazarista e caetanista não foi «branda», tal como pretendia fazer crer, a
PIDE/DGS também não o foi. Esta polícia foi, sim, dúplice e hipócrita: os seus dirigentes
cultivavam a família e os bons costumes, ao mesmo tempo que espancavam homens e mulheres,
que submetiam à «estátua» e ao «sono», despiam e humilhavam, dizendo depois que eram estes e
estas que não tinham «moral». Depois, negavam que torturavam, dizendo, como o fez o perfumado
Sacchetti, que tinham uma impecável formação católica. Há também que ter em conta que o
tratamento da PIDE foi diverso consoante a classe social a que pertencia o preso e a organização a
que pertencia. Amante das hierarquias e respeitador das elites, a PIDE enviava o intelectual para a
tortura do «sono», continuando, porém, a tratá-lo por «senhor doutor». Relativamente ao operário
ou ao assalariado rural, mais do que persegui-los pelas suas actividades políticas, a PIDE punia-os
brutalmente, por ousarem sequer pensar que lhes era permitido mudar de vida e desafiar a ordem
imutável e inquestionável.

Novo endurecimento nos anos 60?

Nos anos 60, de agitação estudantil e social, a repressão continuou a abater-se sobre o PCP, que
perdeu, neutralizados nas cadeias, muitos militantes, desde operários e assalariados rurais a
estudantes e intelectuais que haviam ingressado no activismo de oposição ao regime. Este ficou,
aliás, muito preocupado com o facto de tantos estudantes e intelectuais, que, em vez de virem a
constituir e representarem a elite do Estado Novo, actuarem directamente contra ele. Piores ainda,
em termos de repressão, foram, depois, os anos de 1963 e 1965, em que o sector estudantil e o
organismo intelectual do PCP de Lisboa foram desmantelados, nomeadamente devido às traições
dos funcionários comunistas.
O ano de 1965 foi muito duro, não só porque foi aquele em que ocorreu o assassinato de Humberto
Delgado e Arajaryr Campos, como porque se assistiu então a um aumento da violência nos
interrogatórios.

532

Os presos da FAP/CMLP foram todos sujeitos a violentas torturas e os do PCP, além de serem
impedidos de dormir por períodos cada vez maiores, foram alvo de novos tipos de violências. Por
exemplo, Álvaro Veiga de Oliveira esteve na tortura do sono durante duas semanas e Maria da
Conceição Matos foi espancada, despida e humilhada.
Relativamente ao PCP — adversário principal da PIDE até ao final de 60, mas também um partido
cujo alvo central foi essa polícia —, esta polícia conhecia bem o seu funcionamento e métodos.
Pode-se dizer que, muito eficaz em infiltrar, com informadores os meios oposicionistas liberais e os
meios militares e civis dissidentes não comunistas, a PIDE/DGS também conseguiu ciclicamente,
embora nunca definitivamente, destruir a organização do PCP. No entanto, é um facto que a
eficácia da PIDE/DGS resultou sobretudo da luta desigual, a seu favor, que travou contra os seus
alvos, possibilitada pelos seus poderes — de prisão preventiva e medida de segurança — e métodos
de informação e investigação.

«Primavera marcelista», na repressão?

No quarto período da vida da polícia política, correspondente àquele em que Marcelo Caetano foi
presidente do Conselho, a PIDE foi substituída, em 1969, pela DGS, e depois reorganizada em
1972. Continuou, 532 porém, com os mesmos poderes da sua antecessora, além de que foi então
finalmente consagrada a dispensa de publicação, no Diário do Governo e nos boletins oficiais, dos
despachos relativos à nomeação do seu pessoal. O prazo da prisão preventiva passou a ser mais
curto, ficando então com três meses para instruir os processos. Na metrópole, a prisão preventiva
começou a contar por inteiro nas penas de prisão e a grande novidade, nesse ano de 1972, foi a
abolição das medidas de segurança de internamento para os «delinquentes políticos».
Algo nunca conseguido, mesmo durante a chamada «Primavera Marcelista», foi a reivindicação,
amplamente apresentada por uma parte da opinião pública, de uma norma que, a ser aplicada, teria
modificado completamente os poderes da DGS: a assistência dos advogados aos interrogatórios,
que, no final do regime, passou a acontecer nos casos instruídos pela PJ. Como muito bem
percebeu a DGS, se isso acontecesse, ficava sem a sua principal arma — a utilização da tortura na
«investigação» —, pelo que pressionou com eficácia Marcelo Caetano no sentido de não atender a
esses apelos. Embora negando a utilização de torturas, os governantes sabiam que elas eram
infligidas aos presos e, como se viu, Marcelo Caetano chegou a fazer um despacho em que admitia
indirectamente a sua existência.
No «marcelismo», foi surpreendente a diversificação e aumento das actividades da oposição, às
quais a DGS teve dificuldade em responder. No final da sua vida tinha de vigiar as eleições para as
direcções dos sindicatos, bem como as associações, colectividades e cooperativas, que eram outros
tantos locais de luta contra a ditadura. Os estudantes e as suas associações foram também
gradualmente tidos em conta pela PIDE/DGS, sobretudo a partir de 1969, quando, mais politizados,
se foram erguendo crescentemente contra a ditadura e a Guerra Colonial.

533

Os operários das grandes empresas industriais dos maiores centros urbanos, onde a contiguidade
das empresas provocava efeitos de contágio nas lutas laborais, foram também alvos prioritários da
DGS, que tentou fazer um trabalho «científico» de prevenção das greves.

Detenções massivas ou selectivas?

Não deixa de ser curioso que a PIDE se tenha ocupado precisamente dos três núcleos sociais mais
baixos e nucleados da sociedade portuguesa, conforme a definição de Hermínio Martins: ou seja, o
grupo constituído pelos pequenos proprietários rurais do Norte e centro, que escapavam à miséria
através da emigração, e, por outro lado, os assalariados rurais do Sul e os operários das grandes
concentrações industriais, com maior militância política e que foram os principais alvos da
repressão.
Do ponto de vista da profissão e classe social, mais de 60 % de todos os presos pela PIDE/DGS
eram trabalhadores manuais indiferenciados das cidades e do campo, quase 20 % pertenciam aos
sectores do comércio e dos serviços e cerca de 11 % eram membros das profissões liberais,
estudantes ou profissionais de alto estatuto social, ou seja, da classe média e até alta. Por outro
lado, quase metade, mais precisamente 42,4 % dos presos políticos, eram naturais e/ou viviam no
Algarve, Alentejo, na margem sul do Tejo e em Lisboa e arredores. O centro do país «contribuiu»
com 17,2 % dos presos por motivos políticos ou emigração clandestina, nomeadamente nas regiões
fronteiriças, enquanto o litoral do centro e do Norte industrializados «deu» 22,6 % dos presos. De
Trás-os-Montes, apenas provieram 4 % dos presos, a maioria por emigração clandestina.
A repressão da PIDE/DGS foi selectiva, verificando-se que, entre 1945 e 1974, num universo de
cerca de 15 000 detidos políticos, houve cerca de 400 detenções anuais de carácter político. Houve,
no entanto, alguns períodos marcados por maiores «picos» de detenções, nomeadamente entre 1946
e 1954, nos anos de 1958 e 1959 e entre 1961 e 1964. Em 1973, quando já ia longe a crença na
liberalização marcelista, a DGS procedeu, na metrópole, a 561 detenções políticas.
Hermínio Martins considerou que, ao longo dos anos, o regime ditatorial português obteve um bom
resultado, com um número exíguo de assassínios políticos e prisões ao evidenciar e propagandear
ao máximo a realidade desta situação (Nota 1). Numa breve comparação com o que aconteceu
noutros países, com um regime ditatorial contemporâneo da ditadura portuguesa, pode-se dizer que
houve, em Portugal, menos presos políticos, embora, com a longevidade do regime, a repressão
tenha acabado por atingir muitas pessoas.

Nota 1 - Hermínio Martins, «O Estado Novo», in Classe, Status e Poder, ICS, 1998, p. 45.
534

No entanto, não aconteceu aqui nada de comparável com a Espanha, onde, nos trinta e sete anos
entre o final da guerra civil, em 1939, e o do regime franquista, em 1975, mais de 200 000
espanhóis foram mortos e um milhão se viu privado da liberdade por motivos políticos (Nota 1). Na
Grécia, país com uma população numericamente aproximada da portuguesa, onde vigorou um
regime ditatorial militar entre 1967 e 1974, houve cerca de 13 000 presos políticos, o que dá uma
média anual de 1625 detenções (Nota 2). Por seu turno, entre 1969 e 1974, o período mais
repressivo da ditadura militar brasileira, terá havido 263 mortos, 12 752 presos políticos e cerca de
10 000 exilados (Nota 3).

Para que serviam as prisões políticas?

A detenção política em Portugal combinou três lógicas: a primeira lógica, de afirmação da


autoridade, com carácter dissuasivo, preventivo e de intimidação, era utilizada para a população em
geral, sobre a qual pairava a ameaça do que lhe poderia acontecer caso se metesse em «política».
Por isso, as detenções e julgamentos eram noticiados oficiosamente na imprensa. A segunda lógica,
de carácter correctivo, era reservada aos que tinham sido «momentaneamente transviados» e,
através do «susto» da prisão preventiva e correccional, ficariam vacinados para nunca mais terem a
ousadia de actuar contra o regime. Finalmente, a terceira lógica, de neutralização, tinha como
objectivo retirar do espaço público os dirigentes e funcionários dos partidos subversivos,
nomeadamente os comunistas, de extrema-esquerda e de organizações de luta armada, através da
prisão maior e das medidas de segurança.
Cerca de 5,5 % dos presos foram condenados a penas de dois anos de prisão maior e, nesse caso,
apenas era contado metade do tempo de detenção preventiva cumprida, além de lhes ser
habitualmente acrescida uma medida de segurança. Num universo de 12 385 presos, pouco mais de
4 % dos detidos foram condenados a medidas de segurança, mas, entre estes, mais de 90 %
cumpriram entre um ano e três anos de cadeia a mais do que o tempo a que haviam sido
condenados por sentença judicial. A PIDE/DGS também usou e abusou da prisão preventiva,
excedendo o seu prazo legal de seis meses. O facto de em Portugal as penas não serem de longa
duração, como foi sempre apregoado pelo regime, não deve fazer esquecer que muitos detidos
políticos acabaram por ficar muito tempo atrás das grades, devido às medidas de segurança.

Nota 1 - Eduardo de Guzmán, «Después del 1 de Abril de 1939: Un millón de presos políticos y
doscientos mil muertos en España», in Tiempo de Historia, n.º 4l, Abril de 1978. Equipo Nizkor —
14 de Abril de 2004. Segundo o Anuário Estatístico, publicado pelo INE espanhol, em 1951.
Segundo números da organização SEBAC, actualizados em 2001, recolhidos no sítio electrónico da
Equipo Nizkor, houve, entre 1939 e 1950, as seguintes prisões anuais, por razões políticas: em
1939, 90 413; 1940, 213 640; 1941, 145 851; 1942, 112 735; 1943, 112 735; 1944, 44 812; 1945,
39 527; 1947, 34 141, e 1950, 27 285. Segundo outra fonte, os franquistas vitoriosos mataram, por
razões políticas, 164 642 pessoas, entre 1939 e 1945, e prenderam, pelos mesmos motivos, 250
000, entre 1939 e 1950.
Nota 2 - Dados fornecidos pelo historiador Antonis Liakos, em 22 de Abril de 2005.
Nota 3 - Elio Gaspari, A Ditadura Escancarada, vol. 1 de As Ilusões Armadas, São Paulo,
Companhia das Letras, 2002. Cf. também «Tortura no Brasil», projecto Brasil: Nunca Mais, com
sítio na Internet. Segundo cálculos de Elio Gaspari, houve nos três anos entre 1969 e 1971,
respectivamente 1027 e 1206 casos e 788 denúncias de torturas.

535
Terá o regime ditatorial perdurado graças à sua polícia política?

Sim e não. A PIDE/DGS ajudou o regime a manter-se, assim como outros dos seus grandes pilares
— a Igreja e sobretudo as Forças Armadas. Lembre-se que foram estas que asseguraram a
continuidade do regime, em 1958, durante o «terramoto delgadista» e, depois, em todo o período da
Guerra Colonial. Mas o regime ditatorial também perdurou porque conseguiu uma «organização do
consenso», através de aparelhos de desmobilização cívica e de inculcação ideológica, bem como
instrumentos como o aparelho corporativo e as organizações de enquadramento de estratos da
população.
Por outro lado, a ditadura portuguesa contou com outras polícias e com o aparelho administrativo
central e local, mas também com o eficaz aparelho de Censura, que recusava o conflito e a
pluralidade de opiniões, e com o sistemático «saneamento» de uma função pública que era o grande
fornecedor de empregos em Portugal, mas da qual estavam arredados todos os que entravam em
dissidência com o regime. Censura e sistema de «saneamento» político, com os quais a PIDE/DGS
sempre colaborou e dos quais foi, aliás, um importante instrumento.
A PIDE/DGS foi o último factor desses meios de intimidação, desmobilização e repressão.
Reprimia e neutralizava selectivamente os poucos que lutavam contra o Estado Novo e espalhava o
medo, com a ameaça do que podia acontecer aos que entravam em dissidência. Difundiu também,
com alguma eficácia, a ideia de que era omnipotente e omnipresente através de uma enorme rede de
informadores e uma cultura de denúncia.
Lembre-se que, se houve alguns espaços de dissidência e resistência, a população portuguesa, no
seu conjunto, permaneceu apática e passiva, a «viver naturalmente», como pretendia Salazar. E para
isso contribuiu a PIDE/DGS, ao manter uma sociedade dúplice, com horror ao confronto, marcada
pelo anónimo informador e ameaçada com o que poderia acontecer ao dissidente e resistente.
Em suma, pode-se dizer que a durabilidade do regime se deveu a uma combinação de dois factores
decisivos: por um lado, o sucesso da desmobilização/intimidação cívica/repressão, através de vários
instrumentos, entre os quais a importante PIDE/DGS e, por outro lado, o facto de o regime
ditatorial, nos momentos de crise — 1945 e 1958-1961 — ter conseguido manter a coesão das
Forças Armadas em seu redor.
O estertor do regime foi, como se viu, acompanhado por uma maior repressão e um aumento da
violência policial, que coincidiram com a multiplicação dos problemas enfrentados pelo regime.
Pode-se dizer que Portugal parecia então uma «panela de pressão» pronta a explodir, por si própria
ou com ajuda. Esta surgiu, mas de outro meio, do qual a DGS aparentemente não estava à espera,
ou não viu o real perigo. Do seio de uma parte das Forças Armadas, com as quais a DGS
colaborava nos teatros de guerra.
Com algum êxito, a PIDE/DGS conseguiu travar as oposições, que só por si se revelaram incapazes
de derrubar o regime ditatorial, mas nunca as neutralizou definitivamente. Estas oposições foram,
porém, indispensáveis para que as Forças Armadas derrubassem o regime com êxito, em 25 de
Abril de 1974.

536

Reticente em vigiá-los ou convencida de que iria sobreviver após o golpe de Estado, a DGS não
conseguiu impedir a saída de militares em tanques, no dia 25 de Abril de 1974.
E a política saiu à rua. Aquela mesma dimensão, sinónimo de «subversão», que tinha sido recusada
aos Portugueses por um Estado Novo para o qual tudo era «política» e nada era «política». Um
episódio no derrube do regime concentra essa ideia: o apoio imediato de uma parte da população
aos sublevados do MFA, que, não por acaso, tomou a iniciativa de, logo nesse dia, de se dirigir à
sede da DGS e exigir o seu desmantelamento.
O filósofo Paul Ricoeur diz que «a história sobrevém quando a partida está terminada», mas a
escrita dessa história deve guardar o gosto do inacabado e recusar o fecho (Nota 1). Este estudo
sobre a PIDE/DGS é um dos possíveis. Muitos outros surgirão.

Nota 1 - Arlette Farge, Le gôut de 1'archive, Paris, Seuil, 1989, p. 146.

APÊNDICES

538

OS PRINCIPAIS INSPECTORES E A SUA ASCENSÃO NA PIDE/DGS

Joaquim Malta de Oliveira Monteiro.


— 1927 — admitido como agente de l.a classe, na Polícia Especial de Informação
— 1928 — Polícia de Informação (PI)
— 1930 — Polícia Internacional Portuguesa (PIP)
— 1933 — Polícia de Defesa Política e Social (PDPS) e PVDE
— 1937 — demitido da PVDE
— 1941 — readmitido na PVDE
— 1951 — chefe da secção de Informação da delegação do Porto
— 1963 — transferido para Lisboa, para Divisão de Estrangeiros e Gabinete da direcção no
Serviço de Informação
— 1973 — chefe da Divisão de Pessoal
Henrique de Sá e Seixas
— 1932 — admitido na PIP
— 1933 — ingressa na PVDE, como agente de 2.a classe
— 1936 — participa na guerra civil de Espanha, ao lado dos franquistas
— 1938 — Delegação da PIDE do Porto
— anos 40 — transferido para o Tarrafal, inventou a «brigada brava», a «frigideira» e o «porta-
aviões»
— 1960 — Chefia do posto do aeroporto
— Anos setenta — Secção Central, promovido a inspector-adjunto, em 1973
Fernando Gouveia
— 1929-33 — Polícia de Informação do Ministério do Interior (PIMI); secção de Justiça da PSP de
Coimbra, secção de Defesa Política e Social da PIP e PDPS.
— 1944 — ingressa na PVDE como agente de l.a classe, no serviço de Investigação
— 1946 — promovido a chefe de brigada
— 1953 — comissão de serviço em S. Tomé e Príncipe
— 1958 — director do Gabinete Técnico (GT)
— 1962 — promovido a inspector
— 1971 — adoece
— 1973 — em convalescença, promovido a inspector adjunto e a técnico superior
José Gonçalves
— 1934 — ingressa na PVDE, com a categoria de agente de 3.a classe
— 1935-69 — cria, primeiro, e, chefia depois, a primeira e principal brigada de rua de Lisboa da
Informação
— anos 60 — promovido a sub-inspector
— 1964 — sofre grave acidente de viação em serviço, em Espanha
António Rosa Casaco
— 1937 — ingressa na PVDE, ficando na Informação onde virá a chefiar a intercepção postal e
será várias vezes punido

539

— 1961 — desloca-se ao Brasil, para vigiar Humberto Delgado


— 1962 — após o falhado golpe de Beja, atrai a Algeciras Germano Pedro, irmão de Edmundo
Pedro, que rapta e leva para Lisboa
— 1964 — tenta raptar (ou matar), em Espanha, Manuel Tito de Morais, atraído de Alger, a
Sevilha, mas não consegue e sofre grave acidente de viação que o atira para o hospital
— 1965 — chefia a «operação Outono», na qual são mortos Humberto Delgado e a sua secretária,
Arajaryr Campos, em Espanha
— 1971 — envolvido em vários casos obscuros, nomeadamente ao caso Matesa, é transferido, por
castigo, para a delegação do Porto
Adelino da Silva Tinoco
— 1945 — ingressa na PIDE como aspirante
— 1947-52 — Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; Gabinete Nacional da Interpol
— 1953-74 — Serviço de Investigação, onde se distingue por ser um dos principais torturadores e
«especialista» em virar funcionários do PCP, para os pôr ao serviço da PIDE
Raul Rosa Porto Duarte
— 1945 — ingressa na PIDE
— 1954 — promovido a inspector- -adjunto
— 1961 — promovido a subdirector, presta comissão de serviço no Ultramar, enquanto chefe da
delegação de Luanda
— 1973 — colocado como director dos serviços da DGS em Moçambique, Porto Duarte não se
apresenta e é aposentado compulsivamente
Aurélio Boim Falcão
— Tenente da GNR, passa para a PJ, como chefe de brigada, antes de ingressar na PIDE, onde
ficou no Serviço de Emigração
— a partir de 1958 — transferido para chefia da divisão de Investigação, onde é acusado por
presos políticos de ter ordenado torturas
Agostinho Giraldo Cillero Tienza
— 1946 — antigo oficial de relojoeiro, admitido na PIDE como agente auxiliar
— 1949 — Funchal
— 1954 — Angra do Heroísmo
— 1956 — Santa Maria
— 1961 — comissão de serviço para Angola.
— 1963 — Lisboa, colocado na Investigação e depois transferido para a Informação
— 1965 — participa na brigada que assassina Humberto Delgado e Arajaryr Campos
— 1973 — promovido a inspector. Ao regressar à metrópole, é, primeiro, colocado na divisão de
Investigação e, depois, na divisão de Informações onde fez a sua carreira
Sílvio da Costa Mortágua
— 1947 — ingressa na PIDE, como agente auxiliar.
— 1957 — diligência à Guiné e, no regresso, volta os Serviços Reservados de Informação
— 1973 — promovido a inspector- -adjunto
Rogério Morais Coelho Dias
— 1950 — promovido a inspector- -adjunto
— 1954 — subdirector
— 1958 — chefia a PIDE do Porto
— 1962 — transferido para Moçambique
— 1963 — regressa à metrópole, por doença
— 1965 — colocado na sede
— 1969 — inspector superior
— 1974 — o general Spínola nomeia-o como novo director da DGS, mas esta foi extinta, na
metrópole e Rogério Coelho dias é enviado, para Moçambique
Cândido Pires
— 1948 — ingressa na PIDE, como agente auxiliar
— 1949-50 — Vilar Formoso; Barca d’Alva; Porto e novamente na sede
— 1951 — Bragança, onde é acusado de ajudar outro agente a agredir um
inspector de trabalho. Absolvido, é transferido para Chaves.

540

— 1954-1966 — Alcântara; serviço de Fronteiras e Divisão de Investigação


— 1967 — colocado na l.a Divisão, de Investigação
— 1973 — promovido a inspector adjunto e à chefia dos Serviços Jurídicos da DGS
Manuel José da Cunha
— 1948 — ingressa na PIDE
— 1953 — promovido a chefe de brigada
— 1960 — promovido a inspector, transferido para as subdelegações de Timor e Moçambique.
— 1964 — colocado no Porto
— 1969 — colocado em Coimbra e promovido a inspector-adjunto
Agostinho Barbieri de Figueiredo Baptista Cardoso
— 1948 — ingressa na PIDE, como inspector
— 1950 — colocado no serviço de segurança pessoal de Salazar
— anos 50 — presta serviço no Gabinete de Estudos
— 1958 — nomeado subdirector
— 1960 — incompatibilizado com o novo director da PIDE, abandona esta polícia e presta serviço
como vice-presidente da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau
— 1962 — com a substituição de Elomero de Matos por Fernando da Silva Pais, na chefia da
PIDE, regressa à PIDE, com o cargo de inspector.
— 1972 — promovido a subdirector geral da DGS, é ainda representante de Portugal no comité
especial da NATO
José Barreto Sacchetti Malheiro
— 1950-62 — vindo da GNR, ingressa na PIDE e, depois de estagiar na sede de Lisboa, é
colocado na então Inspecção de Coimbra, que reorganiza.
— 1962-69 — com a entrada de Silva Pais e Barbieri Cardoso, respectivamente, como director e
inspector superior, é transferido para Lisboa, para chefiar os serviços de Investigação, com a
categoria de subdirector, até se reformar
Manuel da Silva Clara
— 1951 — vindo da GNR, da Intendência Geral de Abastecimentos e da Junta de Emigração,
ingressa na PIDE
— 1953-62 — promovido a inspector efectivo, fica colocado nos Serviços Reservados (SR) e de
Informação, até ser nomeado director dos mesmos, após a morte do subdirector Ferry Correia
Gomes
— 1962 — chefia, como subdirector, os serviços administrativos
— 1966 — faz parte de um grupo de trabalho da Comissão Interministe- rial de Planeamento e
Integração Económica
— 1968 — nomeado delegado da PIDE, na subcomissão jurídico- -política, criada pelo MNE para
o estudo da construção de uma ponte sobre o rio Guadiana
— 1969 — autor, com Coelho Dias e Ferreira da Costa, do decreto de mudança da PIDE para a
DGS
— 1971 — nomeado director dos serviços de Estrangeiros e Fronteiras
— 1973 — transferido para a subdirectoria do Porto
— 13 de Março de 1974, colocado na sede, em Lisboa
Abílio Augusto Pires
— 1950 — ex-seminarista, entra para a PIDE como agente auxiliar.
— 1957 — frequenta um curso de especialização, da CIA, nos EUA.
— 1958-73 — colocado na Investigação e, depois, na Informação, investiga os processos da FAP e
da LUAR, recuperando 28.000 contos roubados no Banco da Figueira da Foz
— 1973 — inspector adjunto, é o último responsável pelo Centro de Informação do Ultramar e
Estrangeiro, Cl (2)
— 1974 — detecta a falhada intentona militar de 16 de Março

541

Fernando José Waldeman do Canto e Silva


— 1951 — ingressa na PIDE, como agente auxiliar
— 1961-74 — promovido a inspector, chefia o posto de vigilância de Setúbal
José Manuel da Cunha Passo
— 1955 — é tenente da Força Aérea, até ingressar na PIDE, onde começa por ser guarda-costas de
Salazar
— 1963 — promovido a inspector adjunto
— 1966 — desloca-se a Roma provavelmente para contactar o informador Mário de Carvalho
(«Oliveira»), que havia atraído, no ano anterior, Humberto Delgado à armadilha montada pela
PIDE, em Espanha
— 1969-74 — dirige os Serviços de Investigação e Contencioso (DSIC) da DGS, onde substitui
José Sacchetti, quando este se aposenta
Ernesto Lopes Ramos
— anos 50 — ingressa na PIDE, onde conclui o curso superior de Direito e é considerado um
homem com grande capacidade para infiltrar a oposição
— 1957 — frequenta, com outros elementos da PIDE, o curso da CIA, nos EUA
— 1965 — exímio em representar papéis junto da oposição, atrai Humberto Delgado à armadilha
de Ba- dajoz e faz parte da brigada implicada no assassinato do general e de Arajaryr Campos
Augusto das Neves Pereira de Carvalho
— 1956 — capitão do Exército, cumpre três comissões de serviço em Timor, e Moçambique e
ingressa na GNR, até entrar na PIDE
— 1962-68 — promovido a inspector-adjunto, é colocado na chefia da Secção Central e reorganiza
os Serviços de Informação da PIDE
— 1969-74 — ascende a subdirector, por mérito extraordinário e, nos últimos anos de vida da
DGS, dirige a Direcção de Serviços de Informação (DSI). «PC», como era conhecido, terá
trabalhado para a CIA, segundo disseram alguns elementos da PIDE
Casimiro Américo Rosa Telles Jordão Monteiro
— 1920-36 — nasce em Pangim, Goa, onde frequenta o seminário e se alista no Exército
português, do qual deserta.
— 1937-39 — junta-se à Legião Estrangeira e combate, ao lado dos «franquistas», na guerra civil
de Espanha
— 1943 — está na Grã-Bretanha, quando, ao ser interrogado pela contra-espionagem inglesa, diz
ter estado na divisão azul espanhola, para combater na Finlândia e Rússia ao lado dos nazis. Ao
afirmar desejar combater contra a Alemanha, por esta querer invadir Portugal, é aceite como
voluntário, pelos ingleses, e enviado para um centro de comandos.
— 1950 — terá sido simultaneamente informador da Scotland Yard e colaborador de um gang de
roubo de ourivesarias, sendo acusado pelos seus cúmplices de informar a polícia e é forçado a
deixar a Grã-Bretanha.
— 1956 — após regressar a Portugal e, de novo, à índia, como elemento da Polícia Especial da
Índia (PEI), é louvado por ter desmembrado um grupo de «bandoleiros»
— 1958-63 — doente, embarca para a metrópole, ficando em Chaves, mas é detido, por denúncia
do seu passado de brutalidade e violência por um antigo colega da PEI. No presídio militar da
Trafaria, torna-se informador da PIDE, é transferido para o Porto e libertado, a aguardar
julgamento
— 1963 — julgado e absolvido, é recrutado por Hermes Oliveira, consultor militar do MNE, para
integrar a «operação Mamastés», na índia. Ordenada por Franco Nogueira, esta operação é uma
tentativa de organizar a «resistência» armada à União Indiana, para, assim, captar e prender
opositores de Portugal.

542

— 1964 — regressa a Portugal e é integrado no quadro da PIDE, como chefe de brigada, sendo
colocado na divisão de Informações, onde se ocupa da intercepção postal.
— 1965 — assassina Humberto Delgado, na «operação Outono», antes de ser transferido para a
delegação de Moçambique
Óscar Cardoso
— 1965 — vindo do Exército e da GNR e após exercer funções no Ministério do Ultramar,
ingressa na PIDE, começando por instruir o processo relativo à FAP
— 1966-68 — colocado em Angola, organiza os Flechas, uma força de nativos utilizada em frentes
de combate
— 1968 — transferido para Serpa Pinto, recebe, pela sua actuação, o prémio Governador-Geral
— 1972 — é enviado a Moçambique, para tentar criar um grupo de Flechas
— 1973-74 — promovido a inspector-adjunto, regressa à metrópole, sendo colocado na Direcção
de Serviços de Informação, com a responsabilidade directa de Angola, Moçambique e do
Oriente

543

FONTES E BIBLIOGRAFIA

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

ABECASSIS, Miguel 269 ABRANCHES, Alberto Montinho 244 ABREU, Augusto Cancela de 73-76,
86, 251, 464, 523
ABREU, David de 232, 233 ABREU, Ferreira de 387 ABREU, Manuel da Silva 208 ABREU, Mesquita
ABREU, Pedro Ferraz de 335 ABREU JÚNIOR, Rodrigo Teixeira Mendes de 242, 243
ADÂNGIO, António 262, 398 AEDO ASENCIO, Miguel Martinez 110-112, 406
AFONSO, Cipriano da Cruz 324 AFONSO, José Luís Inácio 239, 346,
352-354, 356, 358, 369, 370, 381-384, 490
AFONSO, José 254, 255 AFONSO, Rogério 270 AGEE, Philip 122 AGOSTINHO, Santo 347 ÁGUAS,
João Peres 173 AGUIAR, António Joaquim 50, 170 AGUIAR, Joaquim Agostinho 353 AGUIAR, LUÍS
Meneses 68, 69 AIRES (agente da PIDE) 365 ALBINO, António 388 ALBERTINA (agente da PIDE), v.
COSTA, Albertina Gonçalves Dias Rodrigues da ALBUQUERQUE, Afonso de (psiquiatra) 303, 360,
361
ALBUQUERQUE, Carlos Alberto 330 ALBUQUERQUE, Isidoro de 145 ALBUQUERQUE, Noé de Freitas
35, 59 ALCARVA, Abílio Garção (tenente) 36, 50 ALEGRE, Manuel 117, 197, 198, 201, 236 ALEIXO,
Filipe Viegas 190, 192, 518 ALHO, António Santana 199 ALLAS, Fragoso 509, 518 ALLAVENA,
Giovanni (coronel) 118 ALMEIDA (PIDE) 353 ALMEIDA, António Antunes de 84 ALMEIDA,
António Lopes de 390 ALMEIDA, António Marques de (PIDE) 50, 178
ALMEIDA, António Ramos de 481 ALMEIDA, Artur Oliveira de 364 ALMEIDA, Carlos 212
ALMEIDA, Cecília Ferreira Alves Ramos de 157, 285, 364, 441 ALMEIDA, Costa e 269 ALMEIDA,
Fragoso de 470 ALMEIDA, Francisco Vieira de 241 ALMEIDA, José Hermínio Bidarra de 228
ALMEIDA, Júlio de (PIDE) 62, 123 ALMEIDA, Leopoldo Neves de 176 ALMEIDA, Lopes de 492
ALMEIDA, Nunes de 269, 272 ALMEIDA, Pedro Ramos de 157, 197, 364 ALMEIDA, Pedro Vieira de
182, 528 ALMEIDA, Pina e 269 ALMEIDA, Samuel de 450 ALMEIDA, Vilhena e (capitão) 163, 228
ALMEIDA JÚNIOR, João de 331 ALVARENGA, Clodomiro Viana d’ (major) 163,228
ÁLVARES (ou ALVES), Maria do Céu 324 ALVAREZ DEL VAYO 401 ALVES, António Diogo 35, 175,
274, 275, 304, 355
ALVES, Carlos 191
ALVES (ALMEIDA), Cecília Ferreira 157, 285, 364, 441
ALVES, Cordeiro 365 ALVES, Eugênio Ferreira 214 ALVES, Felicidade (padre) 246 ALVES, Fernanda
Ferreira 158, 183, 285,
301
ALVES, Joaquim Justino 140 ALVES, Fernando José (inspector e chefe de brigada da PIDE) 156,
356, 357 ALVES, José António 388 ALVES, José Augusto Jorge 455 ALVES, Júlio 187 ALVES, Lima
223 ALVES, Raul 99, 395, 527 AMADO, Ana 217 AMADO, Fernando 244, 319 AMADO, Jorge 252,
326 AMADOR, Manuel Amador («Borges») (PCP) 165
AMÁLIA, Salvador Pereira 138, 284, 292 AMARAL, Ferreira do (tenente-coronel) 27 AMARAL,
Freitas do 117 AMARAL, João Bosco Mota 95 AMARAL, Maria Helena 226 ANDRADA, Campos 516,
517 ANDRADE, Adelino Marques 388 ANDRADE, Artur 135, 159, 406 ANDRADE, Jaime Vilhena de
406, 492 ANDRADE, Joaquim Pinto de (padre) 205-207, 432, 463 ANDRADE, Manuel 492
ANDRADE, Mário Pinto de 207 ANDRADE, Walter 121 ANDRÉ, Benedito Pereira 50, 352, 356, 358
ANDRÉ, João Luís da Costa 412 ANDRINGA, Diana 207 ANSELMO, Manuel 403 ANTUNES, Carlos
196, 198, 199, 202 ANTUNES, Ernesto de Melo 254, 508, 510, 512, 519
ARANDES, José Henrique 176, 287, 321 ARAÚJO, Belarmino Alves de 354, 395 ARAÚJO, Joaquim
Jorge Alves 100, 171, 172, 365, 366, 457, 471, 490 ARAÚJO, José Noel 208 ARAÚJO, Manuel Noel
Costa 208 ARAÚJO, Maria da Purificação 176 ARAÚJO, Mário de 393, 394 ARIAS NAVARRO, Carlos
109, 110 ARIEIRA, José Gonçalves 317 AROUCA, Domingos António Mascarenhas 203-205
ARRIAGA, Kaúlza de 267, 508, 512, 513 ARRUDA, José Guilherme Rego 516 ARTUR, João Manuel
da Silva 265 ASCENSÃO, Moreira 323 ASENCIO, Diego 125
ASSUNÇÃO (agente da PIDE), v. NOGUEIRA, Maria da Assunção ASSUNÇÃO, Hélder 229 AYALA,
Adolfo 233, 235, 402 AZANCOT, Max 122
AZEVEDO, Bernardino da Cunha 50, 341 AZEREDO, Carlos (coronel) 511 AZEVEDO, Delfina
Teixeira 321 AZEVEDO, Gina 368 AZEVEDO, Lina 445 AZEVEDO, LUÍS 176
BABO, Alexandre 135, 141, 480, 481, 486 BACELAR, Armando 171, 481, 492 BAGORRA, Augusto
(coronel) 273 BALEIZÃO, João dos Santos 434 BALEIZÃO, Joaquim 50 BALTASAR, Maria Emília
Archer Eyroles 225 BANON, Isidore 116
BAPTISTA, António Alçada 47, 232, 320 BAPTISTA, César Henrique Moreira 76, 246, 516
BAPTISTA, Jorge 364
BAPTISTA, José João 59
BAPTISTA, José Lopes 287, 294
BAPTISTA, Manuel Bárcia Pereira 336
BAPTISTA, Monteiro 360
BAPTISTA, Pedro 214, 384, 385
BAPTISTA, Rogério de Jesus 260
BAPTISTA, Sérgio 126, 127
BARAHONA, José de 322
BARATA, José Godinho Gama 373, 444, 446
BARBAS, Orbílio 451
BARBOSA, Daniel 245
BARBOSA, Manuel José 388
BARBOSA, Tamagnini (brigadeiro) 221
BARCELOS, José 98, 128
BARCELOS, Pedro de (coronel) 81
BARNETO, José James Harteley 516
BARNETT, Fernando F. 138
BARRACOSA, António 187, 188, 190, 192
BARREIRO, Manuel 176
BARREIROS, José António 409
BARRETO, Álvaro Salvação 93
BARRETO, António 212
BARRETO, Correia 479
BARROS, Araújo 491
BARROS, Carmo 269
BARROSO, Maria de Jesus 253, 257, 343,
461
BÁRTOLO, Oliver Branco 460 BASÍLIO, Gualter 232, 233, 235 BASTO, Ludgero Pinto 93, 176
BASTOS, Alcina 404 BASTOS, Alfredo Pereira 50 BASTOS, António 437 BASTOS, Joaquim 323
BASTOS, Maria de Fátima da Fonseca Ribeiro Pereira 191, 202 BATTINO, Agostinho 489 BEÇA,
António Escaleira (agente da PIDE) 366
BECCARIA, Cesare 347, 414 BEIRA, bispo da 100 BEIRÃO, Alexandre 397 BEIRÃO, Augusto 397
BEIRÃO, Farinha (general) 397 BELDA RIBES, Bernardo 112 BELES, Daniel 213 BENAVENTE, Ana
212 BENENSON, Peter 303 BENTHAM, Jeremy 414, 415 BENTLEY, Robert B. 125 BENTO, Mário 51
BENTO, Matilde Cerejeira Nunes 100, 172 BENVINDO, Luís 187-190, 192 BERLINGA, Manuel Lopes
(agente da PIDE) 365
BERMUDES, Cesina 89, 446 BERNARDES, Fernando Miguel 184, 364 BERNARDINO, José Manuel de
Oliveira 171, 330, 338, 367, 472, 489 BERNARDINO, José Maria Leitão 50, 365,
450
BERNARDINO, Manuela 338, 443 BERNARDINO, Raul Rodrigues 111 BERNONVILLE, Jacques de 113
BESSONE, engenheiro 269 BETTENCOURT, Albuquerque 479 BIDAULT, Georges 114 BISOGNO,
Ernesto 327, 400, 401, 409 BLANCO RODRIGUEZ, Eduardo (tenente-coronel) 110-112, 405-406
BLAS PIRAR 112 BOCCHINI, Arturo 28 BOGARIM, Pedro 227 BOM, Jerónimo 377 BOQUINHAS, José
Miguel 145 BORGES, António (agente da PIDE) 365 BORGES, Almeida 480 BORGES, António Júlio
224, 225 BORGES, José Sá 490, 491 BORREGO, José 480
BOTELHO, Adriano da Silva (padre) 244 BOUCOISSAN, Henri 115 BRAGA, Almeida 223, 483
BRAGANÇA, Aquino de 199 BRANCO, Clementina 287 BRANCO, Fernando 192 BRANCO, João de
Freitas 252 BRANCO, José Mário 255 BRANCO, Maria 287, 291, 343 BRANCO, Rui 176
BRANDÃO, Carlos Cal 480, 481, 492 BRANDÃO, João 492
BRANDÃO, João de Faria Leite (general) 195 BRANDÃO, Mário Cal 393, 481, 492 BRANDÃO, Paiva
(general) 128 BRÁS, José 518 BRÁS, Manuel 450 BRÁS, Olímpia 375, 376 BRÁULIO, Aires 176
BRAZÃO, Eduardo 104 BREHM, Mesquita 503 BRITO, Carlos 155, 162, 165, 301, 302, 371, 432,
438, 439, 452 BRITO, Joaquim 364 BRITO, Fernando Martins de 214 BRONZE, Arménio Pedro 50,
354 BROTAS, António Morais Sarmento 322, 468, 469
BRUXELAS, Mário 176 BUAL (engenheiro) 270 BUENO FILHO, Alcides Cintra 128 BURCHETT,
Wilfred 518 CABEDAL, Francisco 331 CABEÇADAS, Mendes (vice-almirante) 221, 222
CABEÇADAS, Rui 492 CABECINHA, Maria Lourenço 177, 378, 410, 491
CABRAL, Alexandre 176, 253 CABRAL, Amílcar 116, 187, 217, 411 CABRAL, António Vasco 448
CABRAL, Fidelis 128 CABRAL, Helena 402
CABRAL, Maria Luísa Sarsfield Pereira 202
CABRITA, Daniel 195, 275-277
CABRITA, Oliveira 192
CAETANO, Ana Maria 48
CAETANO, Emília 176
CAETANO, Marcelo 11, 19, 31, 41, 42, 46-48, 75, 76, 90, 99,103, 111, 112, 184, 222, 238, 243, 246,
252, 264, 265, 275, 294, 304, 381, 386, 394, 410, 435, 472, 473, 496, 499, 500, 507, 508, 512-517,
523, 532 CAIMOTO, Miguel 340 CAIXINHAS, Raul 213 CALADO, José António Silva 199 CALAFATE,
LUÍS (major) 163, 228, 229 CALAPEZ, Lígia 378 CALDEIRA, Alfredo 52, 315 CALDEIRA, Heliodoro
492 CALDEIRA, João António da Silva 468, 479, 487-489
CALHAU, José Manuel 182 CALHEIROS, Alfredo 364 CALHEIROS, Gusmão 326 CALIXTO, Fernando
492 CALVÃO, Alpoim 116, 328, 515 CAMILO, João 456 CAMOSSA, João 244, 492 CAMPILHO,
Morais 479 CAMPINO, Joaquim António 138, 139, 284, 343, 344, 389, 450, 481 CAMPINO, Luzia
284 CAMPOS (agente da PIDE) 365 CAMPOS, Abel de 480 CAMPOS, Arajaryr 235, 399, 400, 402-
405, 407, 410, 531, 538-540 CAMPOS, João Menéres de 481 CAMPOS, José Moreira de
(comandante) 224 CAMPOS, Maria Ângela Vidal 79, 155, 156, 173, 372, 373, 441, 443, 444, 446,
448, 468, 492
CAMPOS, Natália David 168, 169, 441, 443 CANDEIAS, Manuel 276 CANENA, José Candeias
Lourenço 329 CANIJO, Manuel 364 CANOTILHO, Mário 145 CAPELA, António 50, 98, 174, 212,
352, 356, 376-377
CAPELA, Aurora da Piedade Diniz 285, 374 CAPELA, Maria Alice Parente 285, 374, 379, 442
CAPILÉ, Cândido Martins 167, 395 CARAÇA, Bento de Jesus 90, 141 CARAÇA, Cândida 90
CARDOSO, Abílio Tavares (padre) 246, 247
CARDOSO, Agostinho Barbieri 35, 36, 41-44, 46, 47, 50, 65, 108, 111-113, 115, 117-119, 121,
267, 272, 302, 309, 320, 327, 333, 392, 399-404, 406, 408, 409, 458, 473, 503, 512, 518, 526, 529,
539, 540
CARDOSO, Ângelo 83, 188, 192 CARDOSO, António Neves 214, 215 CARDOSO, Antero 479-481
CARDOSO, José Pires 75 CARDOSO, LUÍS 343 CARDOSO, Manuel Bruno dos Santos 113, 114, 226,
289, 325 CARDOSO, Miguel 321 CARDOSO, Óscar 50, 66, 84, 106, 116, 124, 216, 242, 289, 310,
317, 332, 342, 350, 354, 356,
358, 515, 541
CARDOSO, Pedro (general) 510 CARLOS, D. (rei de Portugal) 320 CARLOS, Adelino da Palma 223,
465, 494 CARLOS, José 160, 171, 172, 285, 345, 455 CARLOS, Manuel João da Palma 176, 291,
296, 443, 480, 486-488, 492 CARMO, Domingos do 171 CARMO, Miguel da Conceição Mota e
(coronel) 267-269
CARMONA, Óscar 223, 240, 498, 499 CARNEIRO, Francisco Sá 48, 96, 474, 494 CARREIRA, Joaquim
Augusto da Cruz 161, 282, 365, 487
CARVALHAIS, Tristão (general) 80 560 CARVALHEIRO, Eugénio 513
CARVALHO, Álvaro Augusto Pereira de 43, 44, 46, 49, 50, 98, 108, 110, 112, 114, 115, 122,
124-126, 166, 175, 216, 233, 238, 267, 268, 270-272, 274, 276, 309-311, 314, 316, 318, 327, 332-
334, 339, 341, 342, 355, 357, 399-403, 406-408, 458, 509, 512, 513, 515, 517, 526, 529, 530, 540
CARVALHO, Armando Marques de 128 CARVALHO, A. Santos 407, 409 CARVALHO, Barrigas de 253
CARVALHO, Carlos Loureiro de 173 CARVALHO, Francisco 484 CARVALHO, Guilherme da Costa
146, 158, 163, 166, 168, 172, 285, 287, 344, 374, 431, 446, 455, 456, 466, 467
CARVALHO, José Américo da Silva 50, 192, 212, 215, 353, 354, 356, 357, 375, 376 CARVALHO, José
Manuel Duarte de 215 CARVALHO, LUÍS Fonseca 364
CARVALHO, Mário de 46, 69, 181, 326, 327, 400-402, 540 CARVALHO, Martins de 234 CARVALHO,
Orlando de 170, 176, 237, 319 CARVALHO, Otelo Saraiva de 512, 514, 516 CARVALHO, Rogério
Rodrigues de 155, 161, 171, 182, 194, 299, 361, 365, 455, 467 CARVALHO, Sá Borges de (major)
401 CARVALHO, Simões de 480 CARVELA, Eugénio 156
CASACO, António Rosa 42, 44, 45, 50, 58, 68, 69, 84, 109-111, 114, 122, 127, 189, 190, 308, 327,
340, 352, 356-358, 365, 367, 374, 375, 384, 385, 400-403, 405-409, 518, 526, 538
CASANOVA, Graciete Nogueira 183, 184, 331, 345, 346, 493 CASANOVA, irmãos 285
CASCALHEIRA, Conceição 286 CASCALHEIRA, Felisberta da Conceição 286 CASIMIRO, Augusto
(capitão) 504 CASTANHEIRA, Maria Fernanda 176 CASTANHEIRA, Melich 176 CASTELHANO, Mário
134 CASTELHANO, Úrsula Machado 286, 330, 373, 376
CASTELO BRANCO, Ernesto 188, 189, 333, 334, 458
CASTILHO, Amílcar 491 CASTRIM, Mário 273, 396 CASTRO, António do Couto e 288 CASTRO,
Araújo de 399 CASTRO, Armando de 481 CASTRO, Cesaltino de 176 CASTRO, Ernesto Sousa e 181
CASTRO, Ferreira de 322 CASTRO, Fidel 105
CASTRO, Francisco Lyon de 252, 340, 343 CASTRO, João Vieira de 479 CASTRO, Joaquim Osório
de 202 CASTRO, Luís Fernando Alves de 354 CASTRO, Raul de 492 CASTRO, Sousa e 492
CATARINO, Domingos 377 CATARINO, Francisco Horta 235, 432, 447 CATARINO, Júlio 450 CATELA,
José Ernesto, v. TEIXEIRA, José Ernesto Catela do Vale CAVALIERI, Luigi 404, 405 CELORICO,
Aurélia de Assunção («Regina») 82, 289, 293 CENTEIO, José 395
CEREJEIRA, Gonçalves (cardeal-patriarca) 99, 100, 245-247, 395
CERQUEIRA, Henrique 326, 401, 402 CHABALIER, Roger 117 CHAGAS, Jaime dos Reis 269, 272
CHAMPALLIMAUD, António 267 CHAVES, Fernando Gualter Queiroga, v.
QUEIROGA, Fernando (capitão)
CHAVES, José Luís Maciel 444 CHIBANTE, Maria Custódia 375, 376 CHICÓ, Maria Alice Lamy 256
CID, Varela 492 CINTRA, Lindley 125, 243 CLARA, Manuel da Silva 44, 50, 51, 59,
113, 114, 123, 163, 224, 260, 309, 310, 321, 332, 384,
400, 526, 540 CLARK, Keith 512
CLARO, Manuel José 178
CLETO, José Ferreira 50, 169, 183
COELHO, Américo 270, 315
COELHO, Antero 80, 81
COELHO, António Borges 157
COELHO, António Coutinho 212
COELHO, António Pereira 50, 352, 354, 380
COELHO, Caldeira 128
COELHO, Eduardo 301
COELHO, Eduardo Macieira 404
COELHO, Emanuel 408
COELHO, Fernando 215
COELHO, Galhardo 269
COELHO, Gentil Garcia 254
COELHO, Jesus 479
COELHO, José de Sousa 122, 134, 153, 237 COELHO, José Dias 169, 176, 285, 395-398, 445
COELHO, José Manuel Baptista 358 COELHO, Júlio Viana Serzedelo (coronel) 75, 78
COELHO, Maria Antonieta 368 COELHO, Maria Clementina da Conceição 284
COELHO, Mário 356
COELHO, Mário Brochado 492
COELHO, Raul Zagalo Gomes 233
COELHO, Silva 509
COELHO, Sofia Dias 285
COENTRO, Manuel Pereira (capitão) 86, 256
COLAÇO, Manuel Joaquim 183
COIMBRA, José 389
COLBY, William 125
COLOMBATOVIC 121
COMIN COLOMER, Eduardo 110, 111, 356 CONCEIÇÃO, Odete Maria da 356, 374-376 CONCEIÇÃO,
José Inácio da 233, 353 CONDE, Jaime 227, 228, 231 CONTREIRAS, Almada 516 CORREIA, António
Epifânio Nogueira 66 CORREIA, Araújo 492 CORREIA, Augusto Santos 454 CORREIA, Carlos
Augusto Pinhão 259, 290 CORREIA, Costa (capitão-tenente) 516, 516 CORREIA, Fernando Lopes
483, 484 CORREIA, Joaquim 139, 353 CORREIA, Manuel 192 CORREU, Manuel dos Santos 204, 375
CORREU, Matos 273 CORTÊS, João de Sá Alves 480 CORTESÃO, Eduardo 140 CORTESÃO, Ermelinda
176 CORTESÃO, Jaime 152, 236, 322, 528 COSME, Joaquim da Encarnação 352 COSTA (agente da
PIDE) 369 COSTA, Albertina Gonçalves Dias Rodrigues da (agente da PIDE) 376 COSTA, Afonso
José da 229 COSTA, Alberto 336 COSTA, Amaro da (engenheiro) 269
COSTA, Ana Maria Carvalheiro e 314 COSTA, António Contreiras da 203 COSTA, António Lourenço
da 388 COSTA, Arlindo da (PIDE) 331, 356 COSTA, Cabral da (PIDE) 412 COSTA, Cantos 176
COSTA, Carlos Campos Rodrigues da 79, 155, 156, 169, 173, 330, 344, 439, 448, 455, 468,
488
COSTA, Carlos Soares da 330 COSTA, Ferreira da (PIDE) 50, 540 COSTA, Filipe José da 316 COSTA,
Francisco Inácio da 136-139 COSTA, Francisco Ramos da 144 COSTA, Franklin da (abade) 206
COSTA, Germano Ferreira da 170 COSTA, João Bénard da 252 COSTA, João d’Almeida 109 COSTA,
Joaquim dos Santos (PIDE) 50, 64, 352-354, 356, 381, 454, 484 COSTA, José Alberto Caeiro da
217, 368 COSTA, José Fonseca e 314 COSTA, José Inácio da 138 COSTA, José Mário Domingues 208
COSTA, José Vicente da Silva 388 COSTA, Maria da Conceição 65 COSTA, Oliveira e (PIDE) 65
COSTA, Ramiro Moreira da 173 COSTA, Santos 222, 223, 499, 500 COSTA, Silva 273 COSTA,
Taveira da 492 COSTA JÚNIOR, José Maria do Rosário 153 COUCEIRO, Maria da Encarnação 321
COUTINHO, Carlos 194-197, 382 COUTINHO, Ernesto de Moura 492 COUTINHO, Pereira 269, 272
CRESPO, Vítor (almirante) 516 CROUZER (inspector-chefe) 114 CRUZ, António 450 CRUZ, Emídio
Beirão Pires da 480 CRUZ, José Coelho da 207 CRUZ, Guilherme Braga da 245 CRUZ, Manuel 105
CRUZ, Mário Lopes da (tenente) 149 CRUZ, Rui Paulo da 213, 214 CRUZEIRO, Eduardo 191
CUMANO, Paulo (capitão) 27, 35, 59 CUNHA, Acácio Manuel Martins da 217 CUNHA, Adriano
Gonçalves da 90 CUNHA, Ana Maria 215 CUNHA, António José da 36 CUNHA, David 364 CUNHA,
Joaquim Luz da 503 CUNHA, Manuel dos Santos 323 CUNHA, Manuel José da 47, 50, 51, 258, 384,
407, 539
CUNHA, Maximino Vaz da 368 CUNHA, Rui da (coronel) 229, 483 CUNHA, Silva 508, 509, 512, 513
CUNHAL, Álvaro 76, 79, 82, 110, 134, 139, 141, 148-150, 152, 167, 180, 181, 279, 295-297, 360,
370, 374, 391, 438, 455, 462, 467, 482, 526-528
CUNHAL, Avelino 486, 488 CURADO, LUÍS Moreno 189 CUSTÓDIO, António 391 CUVELLIEZ, Marie
Thérèse 207 DADIX (conde) 122 D AMATO, Frederico 119 DANTAS, Manuel António (coronel) 408
DASCALOS, Marina Mendonça de Oliveira 489
DASSAC, Jacques Ploncard 113, 128 DAUPIÁS, Guilherme Frédéric 59 DE GAULLE, Charles 114
DELGADO, família 404, 407 DELGADO, Francisco 364 DELGADO, Humberto (general) 45, 69, 84,
86, 93, 110, 111, 114, 123-127, 159, 160, 167,
168, 180, 181, 193, 227, 230-236, 240-242, 244, 262, 267, 319, 322-327, 333, 399-411, 500, 501,
506, 528, 531, 538-541
DELGADO, Iva 241 DENNINSON (almirante) 230 C/CT DESLANDES, Venâncio (general) 77, 128,
_ 503, 513
D’ESPINEY, Rita Gandra Gonçalves 183 D’ESPINEY, Rui 94, 178, 183, 190, 300, 332, 449, 495, 518
D’ESPINEY, Sérgio 331 DIALLO (coronel) 116 DIAS (agente da PIDE em Tânger) 324 DIAS,
António José Marques 330 DIAS, Augusto Costa 285 DIAS, Aurélio 387 DIAS, Custódia Marques
177 DIAS, Joaquim José 160, 163, 174, 177 DIAS, José Lopes 356 DIAS, José Vicente da Silva 213,
214, 475 DIAS, Júlio 336
DIAS, Maria Luísa Costa 162, 285, 344, 484
DIAS, Mendes (coronel) 269, 274 DIAS, Rogério Morais Coelho (tenente) 35, 36, 50, 63, 304, 509,
515, 517, 518, 539, 540
DIAS JÚNIOR, José Pedro 366 DINIZ, Alfredo 135, 139, 389 DINIZ, António Moura 188, 189, 326,
332, 333
DINIZ, Aurora da Piedade, v. CAPELA,
Aurora da Piedade Diniz DINIZ, J. Seabra 176 DIOGO, Adelina Ferreira 285 DIOGO, Evelina
Ferreira 170, 171, 285 DIOGO, Maria Albertina Ferreira 285, 372, 374
DIONÍSIO, José Joaquim 63 DOMINGUES, Amílcar (capitão) 163, 227 DOMINGUES, António 395,
396, 398 DOMINGUES, Gaspar (padre) 206 DOMINGUES, Manuel 82, 83, 137, 139, 155, 288, 291-
293
DORES, Carlos Myre 178 DRAGO, José Guerreiro 178, 331 DUARTE (inspector da PIDE) 356
DUARTE (torturador da PIDE) 352 DUARTE, Afonso (PIDE) 192 DUARTE, António Calazans 203
DUARTE, Domingos (PIDE) 192, 353 DUARTE, Francisco Miguel 145, 146, 166, 168, 193, 194,
196, 297, 362, 431, 434, 437, 448, 450, 455, 456, 467 DUARTE, Joaquim Sousa 294, 331 DUARTE,
Manuel Oliveira 334 DUARTE, Pedro 484 DUARTE, Pedro Manuel Serradas 510 DUARTE, Raul Rosa
Porto 36, 50, 59, 97, 151, 153, 156, 224, 225, 258, 298, 357, 358, 364, 384, 451, 466, 502, 526, 539
DUQUE, António Augusto 388 DURÃO, Roberto (major) 269, 274 ECHEVARRIA, Fernando 187, 188
EGÍDIO, Nuno Melo (tenente-coronel) 504 ÉGUA, Manuel da 299 ELBRICK, Charles 501 EMÉRICO,
Nicolau 347 EMÍLIO, António 364 ESCALEIRA (agente da PIDE), v. BEÇA, António Éscaleira
ESPOSITO, Gianni 327 ESTANQUEIRO (militante do PCP), v.
NUNES, Manuel Estanqueiro 330 ESTÊVÃO, Amélia 177, 491 ESTÊVÃO, Garcia 352 ESTEVES,
António 450 ESTEVES, Ilídio Dias 168, 285, 456 ESTRELA, Calçada 412 EUFEMIA, Catarina 389
EUSÉBIO, António 194, 196, 197 EVANGELISTA, Júlio Alberto Costa 59 FABLÃO, Carlos 513
FAGUNDES, Jorge 490, 491
FALCÃO, José Aurélio Boim 35, 50, 65, 228, 234, 302, 357, 374, 395, 396, 526, 539 FALCÃO,
Manuel da Encarnação (capitão)440, 471
FALCÃO, Manuel Meneses 480 FALCÃO, Severiano 154, 467 FANHAIS, Francisco 191, 247, 254,
255 FARIA, Jorge Leite 50 FARINHEIRA (inspector da PJ) 327 FARRICA, António 299 FAUSTINO,
Horácio Crespo Pedrosa 218 FAUSTINO, Rego 356 FEIO, José 149
FEIO, Raul 207
FELICIANO, Cesaltina Maria 162, 375 FÉLIX, Rodrigo da Costa 244 FÉRIA, José Perez 329
FERNANDES, Almeida 228 FERNANDES, António Manuel 50, 365, 366 FERNANDES, António Matos
388 FERNANDES, Avelino 486 FERNANDES, Carlos Almeida 214 FERNANDES, Colélia Maria Alves
153, 283, 373
FERNANDES, Eduardo 492 FERNANDES, Felisberto 388
FERNANDES, Francisco Casas (PIDE) 50,352, 358, 451,485, 486 FERNANDES, José Coelho Moreira
50, 295, 366
FERNANDES, Jaime 269 FERNANDES, João dos Santos (tenente-coronel) 510 FERNANDES, Joaquim
Henrique 135, 388, 390
FERNANDES, José António 225 FERNANDES, José Caldeira 352, 454 FERNANDES, José Eurico
Bernardo 475 FERNANDES, LUÍS 97, 98 FERNANDES, Manuel 452 FERNANDES, Mário 387
FERNANDES, Pastor (major) 163, 227, 228 FERNANDES, Vasco da Gama 223, 492 FERNANDO,
António Martins 493 FERONHA, José Luís Machado 183 FERRÃO, Abranches 364, 370, 394, 395,
494, 495
FERRAZ, Álvaro Rodrigues 50 FERREIRA, Albertino 272 FERREIRA, Alberto 176 FERREIRA, Alcino
de Sousa 82, 154, 166, 290, 292, 293, 296, 298, 362, 365, 437, 447
FERREIRA, António Pedro 194 FERREIRA, António Pinto 177-178 FERREIRA, Arménio 176, 453
FERREIRA, Carlos Casimiro 217 FERREIRA, Casanova 511 FERREIRA, Celso 329 FERREIRA, Daniel
480 FERREIRA, Domingos Abrantes 165, 168, 182, 330, 357, 368, 442, 456 FERREIRA, Ennes 46
FERREIRA, Eurico 155 FERREIRA, Gaspar 290 FERREIRA, Georgette Oliveira 139, 151,
152, 170, 280, 284, 285, 372, 441, 445-447, 453, 454, 467, 485 FERREIRA, Inácio Ribeiro 50,
169, 329 FERREIRA, Jorge Marques (tenente) 35, 59 FERREIRA, José Manuel da Cunha 487
FERREIRA, José Medeiros 212
FERREIRA, Manuel Cavaleiro 37, 107, 245, 460, 462, 464, 478, 479, 483, 524, 525, 527
FERREIRA, Manuel Moreira 64 FERREIRA, Mário César 341 FERREIRA, Mário Duarte 269
FERREIRA, Martins 338 FERREIRA, Mercedes Oliveira 150, 151, 283, 285, 443
FERREIRA, Pedro 50, 171, 396, 398 FERREIRA, Pinto 366 FERREIRA, Raul Hestnes 91, 364
FERREIRA, Sofia Oliveira 79, 148, 149, 164, 165, 285, 297, 374, 442,443, 446, 467, 487
FERREIRA JÚNIOR, João 487 FERRO, António 25, 93 FIALHO, Joaquim Valente 354 FIDALGO, Luís
364 FIGUEIREDO, Eduardo de 491 FIGUEIREDO, Eurico de 212 FIGUEIREDO, João Natividade 183
FIGUEIREDO, José Valle de 128 FIGUEIREDO, Manuel Vilão de 44, 109, 121 FIGUEIREDO, Maria da
Conceição 375, 376 FIGUEIREDO, Maria Fernanda Dâmaso de Almeida Marques 218, 436
FIGUEIREDO, Mário de 90 FIGUEIREDO, Orlando (advogado) 492 FIGUEIREDO, Orlando de (agente
da PIDE) 399
FIGUEIREDO, Tomás Xavier de 162 FINEZA, Agostinho 398 FIRMINO, António 410 FIÚZA JÚNIOR,
Manuel da 394 FLORES, António 143 FLORES, Isaac 93
FLORINDO, Fernando Morgado 183, 479, 496
FOGAÇA, Júlio 134, 151, 152, 155, 158, 166, 287, 288, 297, 456 FONSECA, Alberto (tenente) 225
FONSECA (informador da PIDE em Bruxelas) 334
FONSECA, Álvaro Duque da 137 FONSECA, António Dias da 352 FONSECA, António Joaquim
Ribeiro da (tenente-coronel) 510 FONSECA, Carolina Loff da 62, 123, 137 FONSECA, Dalila Duque
da 134, 137, 138, 140
FONSECA, Francisco Saldanha e (major) 59 FONSECA, Jaime Filipe da (tenente-coronel) 233
FONSECA, José Soares da 274
FONSECA, Manuel Joaquim Ribeiro da 317
FONSECA, Martins da 492
FONSECA, Porfírio Hipólito da (capitão) 27
FONSECA, Tomás Melo da 199
FONTE, César Teixeira da (padre) 244
FONTE, José Martins 145
FONTE, Teixeira da (advogado) 492 FOREST, Eva 385 FORTE, João Luís da Silva 454 FRANÇA,
Olívio 480, 481 FRANCISCO, Ana Maria 214, 215 FRANCISCO, Fernando Castanheira 59
FRANCISCO, Jaime 460 FRANCISCO, Manuel Nobre 208 FRANCO, Carlos 356 FRANCO, Deolinda
452 FRANCO, Francisco (general) 42, 108, 112, 234, 236, 385, 406
FREDERICO II (imperador da Prússia) 347 FREIRE, António Augusto Teles 247 FREIRE, João Carlos
de Oliveira Moreira 199
FREIRE, Júlio Lopes 380 FREITAS, António da Silva 289 FREITAS, António de 176 FREITAS, António
Marques de 365 FREITAS, Pinto de 479 FREITAS, Rita 215
FÜRSTENBERG, Maximiliano (monsenhor) 100
FUZETA, José Joaquim 388 GABRIEL, Manuel Nunes (arcebispo de Luanda) 207 GAGO, Serras 336
564 GALANTE, José Pinto 50, 247 GALEGO, Rafael 191 GALHORDAS, António 176 GALO, Filomena
Pereira 391 GALVÃO, Henrique 76, 77, 124, 125, 127, 163, 167, 168, 224-227, 230, 231, 289, 325,
453, 454, 483, 499, 506 GALVEIAS, Maria Guilhermina 375, 377 GAMA, Francisco Borges da 468,
479 GAMA, Hilário Marques da 120 GAMA, Jaime 239 GAMBÔA, padre 245 GAMERO, LUÍS 388
GANDRA, Maria Julieta 203, 303 GARCIA (agente da PIDE em Tânger) 324 GARCIA, Basílio Afonso
270, 271, 274 GARCIA, Bernardino 142 GARCIA, José Francisco 388 GARCLA ALVAREZ, Demetrio
142 GARRETT, Arlindo Gomes 200 GASPAR, Alfredo Osório (abade) 206, 207 GASPAR, Carlos 155,
304 GASPARD, Jean 114, 115 GEHLEN, Reinhardt (general) 117 GERVÁSIO, António 168, 177, 286,
381, 396, 456
GESTEIRO, Francisco Carvalho 516 GIACOMETTI, Michel 254 GIL, António Marques (primeiro-
cabo) 228, 229
GILBERT, Jane 94
GILLIER, R. (capitão) 116, 117
GIRO, Estêvão 262, 398 GODINHO, José Magalhães 302, 480, 494 GODINHO, José Marques
(general) 221, 222 GODINHO, Manuel Camões 270 GOMES, Américo 387 GOMES, D. António
Ferreira (bispo do Porto) 99, 244, 246 GOMES, Domingos da Costa 491 GOMES, Felisbino Marques
121 GOMES, Fernando Pinto 480 GOMES, Ferry Correia (tenente) 35, 36, 38, 50, 119, 224, 309, 321,
328, 357, 540 GOMES, Francisco da Costa (marechal) 233, 508, 509, 511, 513, 519 GOMES, Gabriel
143, 223 GOMES, Heduíno 210 GOMES, Jaime Romariz (tenente) 80 GOMES, João Varela (capitão)
172, 227, 231-233, 339 GOMES, Joaquim João 228 GOMES, José da Conceição 162 GOMES, Lázaro
453 GOMES, Manuel Marques 218 GOMES, Manuel Martins 50 GOMES, Maria Eugénia Varela 233,
234, 339, 442
GOMES, Mário de Azevedo 152, 237, 322 GOMES, Rui Luís 147, 433, 480, 486, 499 GOMES, Soeiro
Pereira 152, 252, 437 GOMES BUENO, Luiz 142 GOMES JÚNIOR, Paulino 269 GÓMEZ, Rudolfo 122
GOMEZ VUENO, Manuel 142 GONÇALO, João Cesário Catarino 357 GONÇALVES, António 437
GONÇALVES, António Ricca 480 GONÇALVES, Bento 133, 134 GONÇALVES, Carlos António
Cardoso 475 GONÇALVES, Joaquim 172 GONÇALVES, Joaquim 314 GONÇALVES, Joaquim
Rodrigues 480 GONÇALVES, José 45, 50, 135, 138, 139,
144, 150, 152, 154, 155, 168, 169, 279, 298, 329,
330, 332, 333, 345, 369, 389, 390, 395, 396, 526, 538
GONÇALVES, José Carlos 143 GONÇALVES, José Manuel 229 GONÇALVES, Manuel dos Santos 371
GONÇALVES, Manuel Maia 495 GONÇALVES, Marcelino 393 GONÇALVES, Raul Pedroso 314
GONÇALVES, Rui 83
GONÇALVES, Vasco (general) 227, 510, 513, 519
GÕRING, Hermann 30
GOUVEIA, Acácio 323
GOUVEIA, Fernando de Araújo 42, 50, 58, 61, 63, 64, 82, 134, 136-141, 144-147, 149-154, 157,
161, 164-166, 168, 169, 176, 177, 187, 257, 260, 261, 276, 279, 281, 283, 285, 287-290, 292-
295, 298, 308, 311, 318, 345, 352, 356-358, 362, 365, 372, 373, 389, 391, 392, 395, 397, 416,
451, 458, 466, 513, 526, 538
GRAÇA, António da Silva 182 GRAÇA, António Neves (capitão) 28, 38, 50, 77, 100, 119-122, 141,
142, 225-226, 242, 329, 469, 527-529 GRAÇA, Fernando Lopes 254, 258 GRAÇA, Henrique
Ricardo da 184 GRAÇA, José da Silva 232 GRAEFE, João 347 GRANDE, Munoz (general) 106
GREGÓRIO, Afonso 286 GREGÓRIO, José 134, 139, 141, 151, 152, 155, 295, 297
GREGÓRIO, Mateus da Silva 362, 451 GRIMAUD, Maurice 114, 115 GUEDES, Manuel 134, 136, 139,
141, 151, 152, 155, 291-293, 471, 472, 482 GUEDES, Maria Helena Correia 256, 257 GUÉPRATTE,
Jean Paul 115 GUÉRIN-SÉRAC, Ralf 129, 408, 409 GUÉRIN-SÉRAC, Yves 84, v. também GUÉRIN-
SÉRAC, Ralf GUERRA, António 147, 387, 431 GUERRA, João Pedro Miller 96 GUERREIRO, António
208 GUERREIRO, Emídio 187, 188, 236, 322, 332, 333, 401, 402, 404 GUERREIRO, José da Silva
192 GUERREIRO, Manuel dos Santos 196, 197 GUERREIRO, Manuel Policarpo 196, 197 GUERREIRO,
Pires 225 GUIBAUD, Eugène (general) 115 GUILHERME, José (ou João) 233 GUIMARÃES, Lino
Alves (padre) 206, 207 GUIMARÃES, Maria Elina 257 HALLIMAN, Patrick 303, 489 HÉLDER,
Herberto 241 HELMS, Richard 125 HENRIQUES (torturador da PIDE) 353 HENRIQUES, José Maria
(padre) 246 HENRIQUES, Júlio 356 HENRIQUES, LUÍS Gorjão 492 HENRIQUES, Manuel Lousa 170
HENRIQUES, Maria Madalena 375 HEYDRICH, Reinhardt 30, 31 HIMMLER, Heinrich 29-31
HITLER, Adolf 11, 19, 29, 312, 457, 479, 521
HOCHDORN, Roger 118 HOFFMEISTER (administrador da Grundig) 268, 269
HONRADO, João António 170, 171, 286
HOOVER, Edgar 106
HORTA, José 260
HUBBARD, Fred 122
HUGHES, Leslie F. 126
HUGO, Victor 347 IBANF.Z MARTIN, Jose 111 IGLÉSLAS, José Manuel (cabo) 217, 495 IGNATIEV, O.
242 INÃCIO, António 335
INÁCIO, Hermínio da Palma 143, 168, 187, 188, 190-193, 223, 230, 236, 332, 333, 450, 457,
458, 462
INGLÊS, Carlos de Aboim 148, 157, 164, 165, 285, 345, 362, 390, 397, 433, 434, 442, 484
INGLÊS, Margarida Aboim 164 INGLÊS, Maria Adelaide Dias Coelho Aboim 164, 285, 397
INGLÊS, Maria Isabel Aboim 90, 484 JACINTO, Diniz 253 JACOB, Nicolas 367, 368 JANEIRO, Carlos
210 JANEIRO, Mariana Balbina 177, 376, 378 JANZ, Jorge 176 JARDIM, Adriano Vera 495 JARDIM,
Jorge 117 JESUS, Joaquim Oliveira 329 JESUS, José Maria de 330 JOAQUIM, Manuel 286 JORDÃO,
Arménio 157 JORDÃO, Joaquim Vieira 217 JORGE, António da Conceição 290 JORGE, Joaquim
Pires 134, 136-139, 141, 145, 152, 165, 166, 168, 169, 285, 291-293, 297, 298, 330, 449, 488 JOSÉ,
Afonso 450 JOSÉ, Francisco 254
JUAN CARLOS (príncipe de Espanha) 108, 109
JUDAS, Manuel Joaquim Miguel 358 JURADO, José 109 JUSTINO, Fernando 215 JUSTINO, Joffre 215
KENNEDY, John F. 124, 125, 230 KJERI, Jorge 122 KHAVESSLAN, Edouard 93 KNOPFLI, Rui 252
KOCH, Michel 116 KRIVINE, Alain 116 LACASE, Jean 116, 117 LACERDA, Cipriano 483 LACERDA,
Maria Armanda da Silva Martins Forjaz 138, 140, 142, 285 LACERDA, Miguel Forjaz de 138-140
LAFFITTE, Jean Marie 129 LAGE, António 516 LAGENESTE, Jacques de (coronel) 117 LAGES,
Rogério Guimarães 458 LAMAS, Maria 155, 253, 256 LAMEGO, José 216-218, 384, 449 LANÇA,
Agatão 483 LARA, António Sousa 109 LARANJEIRA, Leonel 389
LARANJO, António 479 LAROQUE, Fabrice 97 LAURINDA 346
LAVADO, Manuel 50, 112, 169, 329-331, 358, 395-398 LEAL, Américo 176 LEAL, Américo Lázaro
162 LEAL, Américo Saraga 103 LEAL, Araújo da Cunha 491 LEAL, Artur da Cunha 491 LEAL,
Francisco da Cunha 152, 159, 237, 322, 461, 483 LEAL, Mário 480 LEAL, Saul 144, 145 LECLERC,
Henri 404, 405 LEHMAN (operacional da OAS) 409 LEITE, Jorge 98 LEITE, José Pedro Pinto 96
LEITE, Teresa da Costa Ribeiro 378 LEMOS, Fernando Martins de 365, 458 LEMOS, Maria Branca
Ribeiro de 90 LEMOS, Viana de 510, 513 LENCASTRE, Júlio Garcez (coronel) 86 LEONTINA (agente
da PIDE) 346 LEROY, Robert 129 LETRIA, José Jorge 255 LIMA, Acácio Pinto Barata 183, 301
LIMA, Alfredo 389, 392 LIMA, António César de (major) 128 LIMA, António Pires de 328 LIMA,
Armando Cristofaneti da Costa 358, 364
LIMA, Bandeira 231
LIMA, Humberto Morais 364
LIMA, Joaquim Pires de 352, 407, 462
LIMA, Lino 148, 394, 431, 481
LIMA, Luís de 254
LIMA, Manuel Campos 146
LIMA, Negrão de 235
LIMA, Veiga 269
LINDOLFO, Augusto Ferreira 170, 171, 196, 276, 285, 294, 295, 331, 353 LINO, Carlos Alberto 226
LINS, Álvaro 99, 110, 126, 231, 326, 395 LINS, Heloísa 127 LISBOA, Irene 257, 258 LOBO,
Francisco 234 LOBO, Victor Alegria 364 LOPES, Aníbal de São José 203, 357, 358, 392, 519
LOPES, António 147, 357 LOPES, António Eusébio Bastos 150, 151, 283, 362, 443 LOPES, Arminda
Soares 488 LOPES, Eduardo Rosa Sousa 454 LOPES, Francisco Craveiro (general) 84,
159, 240, 469, 499, 500, 502 LOPES, Francisco José de Sá 170 LOPES, Hélio 335
LOPES, Humberto Pereira Dinis 285, 448, 469, 470, 488
LOPES João Carlos 364 LOPES, João Carlos Craveiro (major) 502 LOPES, João Landeiro 398 LOPES,
Joaquim de Seabra 433 LOPES, Jorge Remísio Pereira 480 LOPES, José Vieira 214 LOSA, Rui
Ramos 212, 213 LOUCEIRO, João Manuel 165 LOURENÇO, Agostinho (capitão) 27, 33-35, 38, 41,
50, 56, 58, 62, 67, 77, 107,
109, 120, 268, 434, 523, 525, 527 LOURENÇO, António Dias 139, 150, 151, 153, 158, 162, 171,
283, 287, 290, 292, 450
LOURENÇO, António do Carmo 146 LOURENÇO, Gui 139, 144, 293 LOURENÇO, Ivone Dias 158,
303 LOURENÇO, João 364 LOURENÇO, Joaquim Dias 232, 233 LOURENÇO, Lígia 321 LOURENÇO,
Vasco (coronel) 192, 508 LOURO, António 314 LOURO, Francisco 139 LOUSADA, Manuel dos
Santos 149 LOWELL, Frank W. 126 LUCAS, Joaquim Correia (tenente) 27 LUCENA, José. Orlando
Teixeira de 247 LUCENA, Manuel de 212 LUCIANO, Joaquim 331 Luís, Silvestre Delgado 50, 311,
495 LUPI, Luís 84 MACÁRIO, Manuela 433 MACDONALD, Ian 303, 367, 404, 405 MACEDO,
António 477, 481, 492 MACEDO, Pereira de (major) 224 MACHADO, António 480 MACHADO,
António Sousa 491 MACHADO, Fernando Falcão 59 MACHADO, Joaquim 367 MACHADO, LUÍS
Rodrigues 68, 69 MACHADO, Manuel Falcão 319 MACHADO, Maria dos Santos 140, 281,
288, 344
MACMILLAN (primeiro-ministro) 230 MADEIRA, Francisco 262, 398 MADEIRA, Germano 234
MAGALHÃES, Aníbal de 50 MAGALHÃES, Carlos António 378, 444 MAGALHÃES, Celso (coronel)
221, 222 MAGALHÃES, Joaquim Teixeira 388 MAGALHÃES, Miguel 215 MAGRO, Aida de Freitas
284, 285, 321,
356, 375
MAGRO, Flora 456
MAGRO, Helena 285, 321
MAGRO, João Tavares 328
MAGRO, José Tavares 82, 139, 140, 165,
168, 171, 172, 284, 285, 328, 330, 332, 396, 455,
456, 466, 467, 473, 474
MAIA, António (brigadeiro) 222, 224 MAIA, António Carlos da 321 MAIA, Manuel Gonçalo 173
MAIA, Salgueiro (capitão) 515, 517 MALHEIRO, José Barreto Saccheti 36, 42,
44, 47, 50, 56, 179, 253, 258, 340, 354-358, 361, 365, 368, 432, 457, 458, 526, 529, 531, 540
MALHEIROS, Macaísta 361, 473, 491 MALTA, António Pereira 63 MANSO, Areio 479, 490, 491
MANTA, João Abel 94 MANTERO (engenheiro) 270 MANUEL, Fernando Lopes 412 MANUEL, Victor
Lopes 412 MARENCHES, Alexandre de (conde) 113, 116, 117, 518 MAREUIL (coronel) 115 MARIA,
Constantina 163 MARIA JOSÉ (amante de Almeida Santos) 229
MARIANA (enfermeira) 232 MARLANO, Cura 470, 480 MARIETA (agente da PIDE) 377 MARINHO,
Dilermano 221 MARINHO, Joaquim 161, 162 MAROLLES, Alain de Gaigneron de 117 MARQUES,
Abílio Sousa 388 MARQUES, Dante Vieira 176 MARQUES, Fernando Pereira 192, 458 MARQUES,
Fernando Sousa 301 MARQUÊS, Francisco Ferreira 389
MARQUES, Jaime Silvério (tenente-coronel) 503
MARQUES, João 388
MARQUES, José Augusto da Silva 170, 171, 278, 279, 361, 366, 371, 457 MARQUES, José Rosado
215 MARQUES, Leontina Maria, v. LEONTINA (agente da PIDE)
MARQUES, LUÍS da Silva 217 MARQUES, Manuel Pedroso Alves 234, 235 MARQUES, Raul Miguel
227-229, 231, 232 MARRECOS, Jorge 176 MARREIROS, Fausto de Oliveira 314 MARREIROS,
Joaquim 147 MARTIN, Ibãnez 406
MARTINEZ, Carlos Rodriguez da Silva 83, 291, 293, 294 MARTINS, Alberto 263, 335 MARTINS,
Álvaro dos Santos 451 MARTINS, António Jorge (padre) 100, 244 MARTINS, Augusto Almeida 387,
388 MARTINS, Calapez (major) 232 MARTINS, Casimira da Conceição Silva 150, 151, 283, 288,
292, 343, 373 MARTINS, Corregedor (brigadeiro) 222 MARTINS, José Esteves 353, 356 MARTINS,
Fausto Correia 355 MARTINS, Flávio Soares 141, 142
MARTINS, Godinho (general) 387 MARTINS, Humberto Buceta (general) 500 MARTINS, Jaime Alves
271 MARTINS, João de Jesus 182, 183 MARTINS, José 172, 451, 452, 470 MARTINS, José Augusto
da Silva 82, 140, 150, 151, 283-285, 288, 292, 343 MARTINS, Júlio da Conceição da Silva 168, 169,
176, 285, 330, 358, 362, 363 MARTINS, Manuel Rodrigues 50, 352, 356, 358
MARUJO, António (padre) 245 MARVÃO, Hermínio 157 MATEUS, Francisco 228, 229 MATEUS,
Germano 192 MATEUS, Lopes (coronel) 27 MATEUS, Mário de Jesus da Silva 182, 294, 332
MATIAS, Joaquim Monteiro 183, 204, 369, 444, 490-492
MATIAS, Marcelo 35, 103, 104 MATOS (agente da PIDE) 365 MATOS, Acácio da Costa 50, 486
MATOS, Arnaldo 336 MATOS, Carlos Cabral de 184 MATOS, Homero de (capitão) 38-42, 45,
46, 50, 70, 109, 160, 317, 325, 529,
540
MATOS, LUÍS Vale de 453 MATOS, Maria da Conceição 182, 358, 377, 378, 385, 532
MATOS, Norton de (general) 89, 90, 147, 236, 237, 239, 240, 257, 262, 319, 332 MATOS, Rui
Cardoso de 208 MATOS, Vargas 516 MATOSO, António da Conceição 451 MEDEIROS, Afonso
Esteves 477 MEDEIROS, Luísa 217 MEDEIROS, Manuel Raposo de 59, 76 MEDINA, Fernando 176
MEGRE, Domingos 244 MEIRELES, José Vieira 203 MEIRELES, Quintão (almirante) 224, 225, 240,
499
MEIRELES, Vasco 83, 504 MELÍCIO, Rui Pessoa Amorim (major) 27, 35, 38, 57
MELO (agente da PIDE) 366 MELO, Álvaro dos Santos Dias de 50, 121, 264, 399, 412 MELO,
António Cândido 87 MELO, Bento de 481 MELO, Emanuel Dias de 399 MELO, Fernando Lopes de
479 MELO, Fontes de 261 MELO, Galvão de (coronel) 503 MELO, Manuel José Homem de 87, 95
MELO, Vasco de 269, 274 MELO, Zagalo e 269 MENDES, António Maia (capitão) 27
MENDES, Espregueira 273
MENDES, Filipe 226
MENDES, Fragoso 360
MENDES, Lucinda 144, 163
MENDES, Orlando 453
MENDES LEAL, família 87
MENDONÇA, Elvira 387
MENESES, Cardoso de 479
MENESES, José Joaquim Catanho de 492
MENESES, Orlando Couto 148, 340
MESQUITA, Abreu 484
MESQUITA, Arnaldo 492
MESQUITA, Mário 64, 154, 155
MESTRE, Joaquim 493
MICAEL, Joaquim da Costa 59
MIGUEL, José 82, 83, 177, 293, 294
MIRA, Augusto Carlos 444
MIRANDA, António Graça 232, 233
MIRANDA, Arlindo 50
MIRANDA, Carlos Palma 214
MIRANDA, Diniz 163, 364
MIRANDA, Leão de 445
MIRANDA, Sacuntala 228, 241
MOISÉS (agente da PIDE) 365
MOITA, Luís dos Santos 201, 202, 383
MOITA, Manuel dos Santos 202
MOITA, Maria da Conceição dos Santos 202
MOLLARD, Francis 117
MONDLANE, Eduardo 124, 411
MONIZ, Canto 272
MONIZ, Júlio Botelho (general) 38, 41, 73, 167, 499-502
MONJARDINO, João Pedro Pulido Valente 314
MONTEIRO, Adolfo Casais 252 MONTEIRO, Alberto Ribeiro 50 MONTEIRO, Artur 377 MONTEIRO,
Casimiro Américo Jordão 50, 355, 402-405, 407-409, 411, 541
MONTEIRO, João Paulo 492 MONTEIRO, Joaquim Malta de Oliveira 50, 356, 357, 538
MONTEIRO, José Charters 212, 217 MONTEIRO, Lígia 233-235, 241
MONTEIRO, LUÍS de Stau 77 MONTEIRO, Manuel da Costa (major) 89, 240
MONTEIRO, Riscado 191 MORAIS, António Manuel 50 MORAIS, Jaime 236 MORAIS, José 388
MORAIS, Manuel Tito de 111, 538 MORAN, Fernando 111 MORÃO, António (padre) 247 MOREIRA,
A. 353 MOREIRA, Adriano 111, 222 MOREIRA, Jaime 176 MOREIRA, José 390-392, 527 MORENO,
Júlio 269 MORGADINHO, Maria da Piedade 285
MORGADO, Alexandre Rodrigues 388 MORGAN, John Stinard 121, 126 MORTÁGUA, Camilo 168,
187, 188, 192, 230
MORTÁGUA, Sílvio da Costa 50, 56, 58, 64, 121, 128, 233, 239, 270-272, 274, 340, 346, 355-358,
367, 369, 370, 378, 395, 526, 539
MOTA, Agostinho (capitão) 401 MOTA, Carlos Góis 86, 98, 402 MOTA, Correia da 490, 491 MOTA,
Mário Pedro da 492 MOURA, António Almeida de 174, 468,
479, 491
MOURA, Francisco Pereira de 125, 243, 320 MOURA, Virgínia 147, 394, 485, 487 MOURÃO,
Agostinho Maria 139 MOUTINHO, Fernando Manuel 274 MÚRIAS, Manuel Beça 242 MURTEIRA
(engenheiro) 269 MUSSOLINI, Benito 28, 521 NAIA, Amândio Gomes 121, 253 NAMORA, Fernando
252 NAMORADO, Joaquim 170 NAMPULA, bispo de 100, 101 NAPOLEÃO 414
NARCISO, Raimundo 193, 194, 196, 197 NASCIMENTO, Alexandre do (abade) 206 NASCIMENTO,
Ulpiano 176 NEGREIROS, Joaquim Trigo de 74, 75, 100, 256, 320, 523
NESBITT, Henry Dumond (capitão) 59 NETO, Agostinho 110 NETO, António Ferreira 207 NETO,
António Garcia 207 NETO, Hélder Ferreira 203 NETO, João Gomes 388 NETO, José Pereira 202
NETO, Lino 232 NEUMANN, Heinzgeorg 118 NEVES, Abel das 226 NEVES, Afonso (tenente) 466
NEVES, Alberto Mendonça 182 NEVES, Fernando Baeta 179, 368 NEVES, Jaime 514 NEVES, José
Oliveira 477, 481 NEVES, Manuel Joaquim Mendes das (padre) 206
NEVES, Serafim das 480 NICOLAU I (papa) 347 NIETO (comissário) 111 NIXON, Richard 125
NOBRE, João (agente da PIDE) 50, 68, 69, 121, 340, 404
NOBRE, João (estudante) 208 NOGUEIRA, Alda 160, 374 NOGUEIRA, Franco 125, 127, 250, 251, 541
NOGUEIRA, José Antão (major) 35 NOGUEIRA, LUÍS 394 NOGUEIRA, Manuel loaauim 888
NOGUEIRA, Maria da Assunção (agente da PIDE) 376 NOGUEIRA, Pinto 176 Novo, Abílio Santana
63 NUNES, Fernando de Sousa 218 NUNES, Henrique Amaral 35, 36 NUNES, José Luís 406 NUNES,
Lucília 442
NUNES, Manuel Estanqueiro (militante do PCP) 330
NUNES, Manuel Geraldes 78, 395 NUNES, Saul 204, 490, 492 OLAIO, Antero 269 OLIVEIRA,
Adriano Correia de 254 OLIVEIRA, Alexandre Alhinho de 357 OLIVEIRA, Álvaro Veiga de 182, 301,
368, 532
OLIVEIRA, António Tomás de (padre) 246 OLIVEIRA, Artur Gouveia de 492 OLIVEIRA, Carlos de
252 OLIVEIRA, Correia de 97 OLIVEIRA, Eugênio Filipe de (capitão) 233 OLIVEIRA, Fernando de
(general) 270 OLIVEIRA, Gaspar de (capitão) 27 OLIVEIRA, Gilberto 154, 233 OLIVEIRA, Hermes
541 OLIVEIRA, Isaura 393 OLIVEIRA, Joaquim Lemos de 393 OLIVEIRA, Joaquim Maria de 50
OLIVEIRA, Jorge Delgado de 141 OLIVEIRA, Luísa 137
OLIVEIRA, Madalena das Dores 356, 358, 374-378
OLIVEIRA, Mário Pais de (padre) 247 OLIVEIRA, Pedro Aníbal de 50, 352, 357 OLIVEIRA, Rui de
364 OLIVEIRA, Soares de 401 OLIVEIRA, Vitorino António de 142 0’NEILL, Alexandre 253 ONETO,
Fernando 227, 228, 483 ONOFRE, Pedro 202 OSÓRIO, Sanches (major) 509, 519 OZORES ARAIZ,
Jorge 113 PACHECO, Dr. 270 PACHECO, Assis 273 PACHECO, José 456 PAIS, António de Matos 458
PAIS, Antonino Faria 36, 50, 357 PAIS, Fernando da Silva (major) 41, 42, 44, 45, 47, 50, 56, 58, 63,
70, 72, 96, 104, 106, 107, 110, 112, 114, 115, 118, 193, 245-247, 254, 267, 268, 270, 272, 274, 304,
309, 343, 399, 401-403, 406-408, 461, 507, 509, 512, 513, 516, 517, 523, 529, 540 PAIS, Sidónio
27 PAISANA, Carlos 217 PAIXÃO, Quintela 270 PALLA, Vítor 176 PALMA, Fernando 50
PAOUR, Júlio 154 PARDO, Gregório Ortega 245 PARENTE, Guilherme 330 PARSONS (secretário da
embaixada dos EUA em Estocolmo) 124
PASSO, José Baleizão do (capitão) 27, 42,
540
PASSO, José Manuel da Cunha 42, 44, 50, 107, 121, 128, 174, 355, 455, 512, 518, 526, 540
PATACHO, Luís 357
PATO, Albina Fernandes 169, 356, 373, 446 PATO, Carlos Rodrigues 390, 392, 393 PATO, Octávio
39, 152, 162, 168-170, 176, 297, 330, 367, 369, 373, 392, 439, 449, 488, 489, 528 PATRÍCIO, Rui
104
PATULELA, António José 144, 145, 387, 390 PAULA, Isidro da Conceição 173, 454 PAULINO, Jaime
329, 331 PAULO, Aida 161, 184, 285, 374 PAULO, Luísa 162, 285, 374 PAULO, Pedro 335 PAULO,
Rogério 254 PAULO VI (papa) 245, 247 PEDREIRA, Jorge Alcides (capitão) 27, 35, 50 PEDREIRA,
LUÍS Mouzinho de Albuquerque Viana 59
PEDRO, Edmundo 232, 233, 538 PEDRO, Francisco 317 PEDRO, Gabriel 195, 197 PEDRO, Germano
110, 233, 538 PEDRO, Manuel 184 PEDRO, Manuel Martins 314 PEIXOTO, Jorge 145 PEIXOTO, Rui
de Lemos 202 PENA, Armando 176 PERDIGÃO, Rui 285, 292 PEREIRA, Alberto Rui 208 PEREIRA,
Carlos Biló 192 PEREIRA, Clara Teotónio 246 PEREIRA, Corália Maria 172, 286 PEREIRA, Costa 393
PEREIRA, Dorília 286 PEREIRA, Gonçalves 408 PEREIRA, Joaquim 232 PEREIRA, José da Costa 64,
357, 392 PEREIRA, Marieta Silva (agente da PIDE), v. MARIETA PEREIRA, Mário 313
PEREIRA, Mário Aires Marques da Rocha 170
PEREIRA, Nuno Álvares 178, 179, 182, 213 PEREIRA, Nuno Teotónio 201, 202, 248, 320, 383
PEREIRA, Orlando 143 PEREIRA, Quintino da Costa Queiroz (tenente-coronel) 269 PEREIRA, Sérgio
Avelino 50, 335 PEREZ, António Metelo 215
PESSOA, Deolinda 336 PIANO, Jorge Farinha 68, 69, 400 PIEDADE, Amadeu Ferreira 388 PIEDADE,
José Alves (padre) 245 PIMENTA, Carlos 336 PINA, LUÍS da Câmara (general) 503, 504 PINA,
Tavares 269 PINELA, José Malaquias 161, 276 PINHEIRO, Alves 127 PINHEIRO, Américo Góis 480
PINHEIRO, Guilherme Lourenço 480 PINHEIRO, Januário dos Santos 59 PINHO, Dionísio Teixeira
Moreira 412 PINHO, Moisés Alves de (arcebispo de Luanda) 99
PINTO, Francisco Leite 111 PINTO, Henrique 274 PINTO, Joaquim da Silva 276, 277 PINTO, Júlio
(ou António) de Araújo 80 PINTO, Júlio Teixeira 326 PINTO, LUÍS Supico 97 PINTO, Manuel 83
PINTO, Manuel Domingos 231 PINTO, Maria Cecília Supico 95, 342 PINTO, Mário 518 PINTO,
Moura 236 PINTO, Oliveira 141 PINTO, Pestana 270 PINTO, Teixeira 111 PIO, José da Costa (padre)
233, 244 PIO, Oliveira (coronel) 236 PIRES (agente da PIDE) 488 PIRES, Abílio Augusto 50, 56, 63,
121, 170, 181, 188, 289, 310, 311, 332-334, 352, 356, 367, 378, 458, 461, 509, 540 PIRES, Cândido
50, 539 PIRES, Carlos Alberto da Glória 286 PIRES, José Cardoso 176 PIRES, David dos Santos 142
PIRES, Eduardo 284, 286 PIRES, Fischer Lopes 508, 511 PIRES, LUÍS Filipe 217 PIRES, Tito Levy
327 PITA, Pedro 302 PLATÃO 439
Poço, António Nunes 392 POMAR, Júlio 340 POMBEIRO, José António 145 POMPIDOU, Georges 334
PONTE, João Pedro Mendes da 214 PONTE, Nuno da 492 PONTES, Guerra 272 PORTUGAL, José
Mesquita 50, 82, 121 POTIER, António Baptista 365 PRETO, Rita Rolão 323
PRETO, Francisco Rolão 323 PRINSLOO (tenente-coronel) 119 PUGA, Otelo 365
PULQUÉRIO, José Lobato 286, 330 QUADROS, Jânio 230
QUARESMA, Bento 362 QUARTAU, Manuel de Oliveira 358 QUEHEN, Basil M. de 120 QUEIROGA,
Fernando (capitão) 105, 114, 123, 221-223, 242, 323-325, 498 QUINA, Miguel 274 QUINTELA,
Paulo 237, 252, 253 RADEMEYER (major-general) 120 RAFAEL, Catarina 281, 290 RAFAEL,
Joaquim Ferrão 281, 290 RAFAEL, Vicente José (padre) 206, 207
RAIMUNDO, Ramiro 191 RALHA, Eduardo 481
RAMALHO, Maria da Glória Magalhães 217, 265, 335
RAMALHO, Vítor 217
RAMIRES, Carlos Maria (general) 221, 222 RAMIREZ, Sebastião 95 RAMOS, Adolfo 328 RAMOS,
António (capitão) 518 RAMOS, António Ruela 94 RAMOS, Ernesto Lindim 171 RAMOS, Ernesto
Lopes 45, 50, 121, 124, 313, 400-405, 407, 408, 526, 540 RAMOS, Gilberto Lindim 361 RAMOS,
Joaquim da Silva 192 RAMOS, Lucrécia dos Santos 286 RAMOS, Orlando Lindim 166 RAMOS, Rui
207, 328 RAMOS, Vítor 438, 440, 450, 451 RAMOS, Vítor Manuel Dias 199 RAMOS, Wenceslau
Ferreira 36, 50, 390 RAPAZOTE, António Gonçalves 47, 75, 76, 81, 87, 265, 275, 309, 435, 473, 494
RAU, Hans 303
REBELO, António Catarino 388
REBELO, Dulce 176
REBELO, Júlio 364
REBELO, Sá Viana 77
REDOL, Alves 176, 251, 259
REGADAS, Júlio 83
RÚGIO, José 252
REGO, António da Silva 213
REGO, Armando 50, 64, 352, 357, 374, 375
REGO, José Pinharanda 208
REGO, Raul 239
REGO, Sebastião de Lima 217, 495 REGUENGO GONZALEZ, Vicente 109-111 REIS, Albino dos 25
REIS, David Almeida 398 REIS, Fernando Luís Barreiros dos 516 REIS, Júlio Henriques 50 REIS,
Manuel Baptista dos 431 REIS, Manuel Martins dos (tenente-coronel) 225
REIS, Mário 493 REIS, Nelson Albuquerque 433 REIS, Pedro 269 RENDEIRO, David 392 RENDEIRO,
Manuel 453
RIBAS, José João Frutuoso 85 RIBEIRO, Alberto António Silva 63 RIBEIRO, Almeida 302 RIBEIRO,
António da Silva 213 RIBEIRO, Aquilino 253, 528 RIBEIRO, Casal 96 RIBEIRO, Conde 269
RIBEIRO, Fernando de Almeida Nunes 90 RIBEIRO, Hélder Armando dos Santos 235 RIBEIRO, Luís
Gonçalves 63 RIBEIRO, Manuel Pinto 388 RIBEIRO, Militão Bessa 76, 79, 134, 137,
141, 148-150, 279, 295, 297, 374, 389-391, 527
RIBEIRO, Rui Jorge de Amorim Pessoa 59 Rio, José Alberto Alves do 444 ROBALO, Alfredo
Fernando 121, 353 ROBERTO, Holden 167 ROBIM, João (major) 233 ROCHA, António Gomes da
412 ROCHA, Fátima Neves 356 ROCHA, Francisco Canais 168, 169, 330,
345
ROCHA, José Augusto 492 ROCHA, José Miguel da 165 ROCHA, Maria Júlia 441 ROCHA, Mário 65
ROCHA, Moisés Gonçalves 394 ROCHA, Pedro da 326 ROCHET, Jean 108
RODRIGUES, Alberto Henriques de Matos 50, 116, 218
RODRIGUES, António Jorge Gonçalves 98 RODRIGUES, António José 50 RODRIGUES, Aurora 217
RODRIGUES, Castro 143 RODRIGUES, César de Sousa 392 RODRIGUES, Daniel Sarsfield (major) 224
RODRIGUES, Fernando de Oliveira 89, 176 RODRIGUES, Francisco Martins 94, 158,
180, 181, 183, 190, 194, 300, 369, 385, 455, 495, 518
RODRIGUES, Gonçalo dos Ramos 286 RODRIGUES, João 287 RODRIGUES, Joaquim Angelo 143
RODRIGUES, José Augusto 217 RODRIGUES, Júlio 112
RODRIGUES, Lucrécia dos Santos Ramos 286 RODRIGUES, Luís 178 RODRIGUES, Luísa 79, 140, 148
RODRIGUES, Manuel 172, 286 RODRIGUES, Manuel Afilhado 184 RODRIGUES, Manuel Ramos 286
RODRIGUES, N. 353 RODRIGUES, Rui 214 RODRIGUES, Sarmento (contra-almirante) 502-504
RODRIGUES, Tiago 269 RODRIGUES, Urbano Tavares 238, 243, 252, 445
RODRIGUES, Veríssima Ramos 286 RODRIGUES, Zarco Moniz Ferreira 97, 98,
128
ROGEIRO, Clemente 196 ROLIM, Joaquim 366 ROMÃO, Manuel Magro (tenente) 27 ROMBA,
Fernando da Costa (major) 163,
227, 228
ROQUE, José 321, 365 ROQUETE, António 321, 387, 389 ROSA, Irene do Carmo Aleixo 233, 234
ROSA, João Camilo 357 ROSA JÚNIOR, Manuel Luís da 284 ROSADO, José António 145 ROSÁRIO,
José Maria do 80 ROSÁRIO, Pompílio 50, 63, 353 ROSAS, Fernando 179, 217 ROSFELDER, André
408 RUAS, Alfredo 387
RUAS, Henrique Soeiro Martins 444-446
RUELA, Manuel 197
Ruivo, Mário 143
RUSSEL, Miguel Wager 122
Russo, Celso 50, 352, 354
SÁ, Joaquim Marques de 393
SÁ, José Luís Pinto de 214, 215
SÁ, Victor de 142, 487
SABOGA, Agostinho 144, 145, 153, 163, 356, 467, 481
SABOGA, António 152, 153 SABOGA, Tomás 144 SABROSA, Fernando 207 SACCHETI, José Barreto,
v. MALHEIRO, José Barreto Saccheti SACRAMENTO, António do 62 SAIÃO, Melo (tenente) 517
SAIAS, Luís 486
SALAZAR, António de Oliveira 11, 12, 19, 20, 25, 31, 33, 35, 38, 39, 41, 46, 47, 73, 74, 76, 77, 80,
88, 92, 93, 95, 99, 100, 106, 107, 111, 113, 114, 118, 124, 133, 135, 143, 146, 157, 159, 160, 167,
168, 172, 174, 179, 184, 186, 220-223, 228, 234, 238, 239, 242, 244-246, 250, 274, 300, 304, 309,
312, 313, 321, 323, 341, 348, 361, 401, 403, 404, 406, 407, 435, 456, 457, 461, 464, 472, 476, 479,
498-502, 505, 506, 517, 521, 523-525, 530, 535, 539, 540
SALGADO, Bruce Marques 314 SALGADO, Francisco Seruca 190, 192 SALGADO RIVERA, Juan 142
SALVAT, Ricardo 254 SAMBA, Martinho (padre) 206, 207 SAMPAIO (general) 222 SAMPAIO, Jorge
Branco 125, 490, 491, 493 SANCHES, Octávio da Fonseca 277 SANCHES, José Luís Saldanha 80,
178, 491 SANDER, Audrey 303 SANTA RITA, João 208
SANTA RJTA, José 176 SANTIAGO, João Paulo Simões 314 SANTO, António 164, 165, 196, 332, 487
SANTORO, Leone 29
SANTOS (agente da PIDE em Tânger) 324 SANTOS, Adelaide Paiva dos 491 SANTOS, Alfredo
Guaparão dos 232 SANTOS, Almeida (capitão) 499 SANTOS, Álvaro Sequeira 207 SANTOS, Antero
da Glória 44, 50, 82, 356 SANTOS, Armando Bento dos 228 SANTOS, Arquimedes da Silva 151
SANTOS, Artur Pereira dos 50, 217, 352, 353
SANTOS, Aurélio Monteiro dos 467 SANTOS, Carlos Gouveia dos 173 SANTOS, Coelho dos 491
SANTOS, Coelho dos (subchefe da PIDE) 384, 385
SANTOS, Esteia Piteira 233 SANTOS, Fernando Piteira 138, 139, 144, 146, 168, 197, 198, 201, 228,
232, 233, 235, 236, 323, 338, 340 SANTOS, António Furtado dos 479, 485 SANTOS, Garcia dos
(general) 511 SANTOS, Gil Moreira dos 480 SANTOS, Hélder Sousa dos 259 SANTOS, Hugo
(general) 508, 509 SANTOS, João (informador da PIDE) 334 SANTOS, João dos (médico) 89
SANTOS, João Lopes dos 136, 137 SANTOS, João Veiga dos 184 SANTOS, Joaquim Augusto dos 177,
491 SANTOS, Joaquim Gomes dos 162, 169,
171, 194, 196, 197, 294, 344, 345, 438, 448, 455
SANTOS, Jorge 490, 492 SANTOS, José Adelino dos 395 SANTOS, José António Ribeiro dos 186,
216, 265, 411
SANTOS, José de Almeida e (capitão) 228, 229
SANTOS, José Domingues dos 492 SANTOS, José Pinto dos 388 SANTOS, Júlio 83
SANTOS, Manuel dos 137, 138, 140, 148 SANTOS, Manuel Farinha dos 62, 64, 148, 318, 352
SANTOS, Maria da Piedade Gomes dos 162, 303, 344, 446
SANTOS, Maria Lucília dos 491 SANTOS, Nuno Gomes dos 492 SANTOS, Pedro Lourenço dos 173
SANTOS, Salvador José dos (PIDE e LP) 58 SANTOS, Sebastião Martins dos 183 SANTOS, Ulisses
Ferreira 444 SANTOS, Vasco da Costa (comandante) 227, 228
SANTOS JÚNIOR, Alfredo Rodrigues dos 75, 245, 248
SANTOS JÚNIOR, Manuel dos 203 SANVOISIN, Jean Bernard 183 SARAIVA (chefe de brigada da PJ)
83 SARAIVA, Costa 480 SARAIVA, José 453 SARAIVA, José Hermano 264 SARDINHA, Reis 356
SARGO JÚNIOR, Manuel Francisco 492 SCHULTZ, Arnaldo 75 SEABRA, José Augusto Baptista Lopes
157, 187, 188, 364
SEIXAS, Henrique de Sá e 44, 63, 355, 356, 431, 538
SELVAGEM, Carlos (coronel) 221, 222 SEMEDO, António Gonçalves 403, 407 SEMEDO, João
Rodrigues 484 SENA, Jorge de 251, 252 SEQUEIRA (militante do PCP) 155 SEREJO, Francisca 293
SÉRGIO, António 132, 152, 237, 241, 323, 528
SERRA, A. (comandante; MFA) 352 SERRA, Alberto 196
SERRA, Jaime dos Santos 150, 152, 162, 193-197, 280, 356, 362, 372, 434, 436-438, 450, 452, 455,
485 SERRA, Laura 372
SERRA, Manuel 100, 105, 163, 227-229, 231-234, 367, 454
SERRA, Maria Emília Lindim 442, 491
SERRA, Maximino 232
SERRADAS, Alberto 388
SERRADO (guarda da cadeia de Peniche) 455
SERRAS, José 377, 378
SERTÓRIO, Manuel 107, 197, 236, 242,
332, 488
SÈVES, Gastão de Lorena de 58, 291 SHAKESPEARE 439 SILVA, Abel Soares da 163 SILVA, Adalcina
Maria Casimiro da 170 SILVA, Adelino Pereira da 172, 286 SILVA, Albino da 364
SILVA, Amado de Jesus Ventura da 196, 197 SILVA, Amândio da Conceição 227-229,
231, 232
SILVA, Andrade e (general) 509, 513 SILVA, António João da 172 SILVA, António Mário Henrique
da 335 SILVA, António Marques da 213 SILVA, António José da 286 SILVA, António Ribeiro da 141
SILVA, António Vieira da 142 SILVA, António Vieira de Castro e (tenente) 27, 35, 107
SILVA, António Vilas Boas da 50 SILVA, Armindo Ferreira da 50, 51, 96, 324, 507, 518
SILVA, António Baptista da 50, 168, 169, 329, 332, 358 SILVA, Artur José da 233
SILVA, Artur Santos 481
SILVA, Augusto Gomes da 142
SILVA, Augusto Saudade e 480
SILVA, Baptista (capitão) 227
SILVA, Carlos Alberto da 388
SILVA, Castro e 50
SILVA, Coelho da 366
SILVA, Eduardo de Sousa Miguel da 121,
404
SILVA, Ermelindo 329
SILVA, Fernando José Waldeman do Canto e 80, 85, 95, 255, 260, 331, 540 SILVA, Fernando Santos
176 SILVA, Fernando Santos Gomes da 176 SILVA, Ferreira da 324 SILVA, Gui Dutra Pacheco da 314
SILVA, Hermenegildo Ferreira da 324 SILVA, Hernâni 157 SILVA, Hortênsia 157
SILVA, Isaura Pereira da 286, 372, 441, 483, 484
SILVA, Jaime Gomes da 50, 64, 121, 122, 147-149, 267, 356, 357, 365, 373, 442, 456, 458
SILVA, João da (capitão) 35, 431, 443 SILVA, João Luís Graça Sagalo Vieira da 90 SILVA, João
Patrício 215 SILVA, Joaquim do Rosário da 50, 272, 311, 327
SILVA, Joaquim José da 388 SILVA, Joaquim Palminha da 189 SILVA, José Alves da 453 SILVA, José
Bonifácio da 445 SILVA, José Ernesto Ferreira da 324 SILVA, José Lopes da 387 SILVA, José Matos
da 50 SILVA, Licínio Pereira da 213, 214, 475 SILVA, Magalhães 356 SILVA, Manuel António
Vassalo e (general) 502
SILVA, Manuel Rodrigues da 153, 181, 283, 467, 468
SILVA, Maria Helena Botelho da 397 SILVA, Maria José Lopes da 379, 442 SILVA, Maria Luísa 172
SILVA, Mário da 145, 484 SILVA, Marques da 236 SILVA, Miguel da 334 SILVA, Orlando Juncai da
138 SILVA, Rui Ricardo da 387, 388 SILVA, Serafim Ferreira da 324 SILVA, Teixeira da 50
SILVA, Vítor Manuel Pinto Catanho da 183 SILVA JÚNIOR, Manuel da 393 SILVEIRA, Joaquim
Duarte da (capitão) 28, 35, 50, 59
SILVEIRA, José Portugal da 244 SIMAS, Laurinda Rocha, v. LAURINDA SIMÕES, Albano 138 SIMÕES,
Augusto 176
SIMÕES, Artur Catarino 351, 352 SIMÕES, Carlos 64 SIMÕES, Cortes 491 SIMÕES, Filipe 214
SIMÕES, Glória 286 SIMÕES, João Gaspar 252 SIMÕES, Joaquim Alberto Lopes 191, 196, 202
SIMÕES, Rogério 269 SIRINELLI, Pierre 114 SKAPINAKIS, Nikias 171 SKORZENY, Otto 409 SOARES,
Adelino (tenente) 27 SOARES, Alberto J. 126 SOARES, António Ferreira 387, 389 SOARES, António
Pinto 163, 164, 357, 365 SOARES, Arminda dos Santos 285, 442 SOARES, Azevedo 479, 480
SOARES, Carlos Alberto 480 SOARES, Celestino 221 SOARES, Fernando Luso 95, 326-327, 398, 492
SOARES, Ilídio Bordalo 479 SOARES, João 221 SOARES, José Pedro 352, 379, 380
SOARES, Mário 110, 125, 143, 147, 148, 150, 152, 174, 184, 186, 225, 227, 229, 238, 243, 252,
320, 343, 404, 407, 451, 452, 454, 461, 483, 492
SOARES, Pedro dos Santos 134, 162, 197, 285, 299, 344, 345, 438, 448, 455, 484 SOARES, Pinto
508 SOARES, Silvestre dos Reis 328, 340 SOARES, Vítor 449 SOBRAL, Cláudio 208 SOBRAL, Olívia
160, 172, 373, 446 SOBRINHO, João 81 SOROMENHO, Gustavo 492 SOUSA, Abreu e Franco de 456
SOUSA, Américo Gonçalves de 134, 156, 162,168, 169, 452
SOUSA, Ângelo Rodrigues de 194-197, 335 SOUSA, Augusto Pereira de 150 SOUSA, Bernardino de
480 SOUSA, Carlos Arménio de 331 SOUSA, Eduardo Aires Trigo de (comandante) 36, 50, 321
SOUSA, Francisco 320 SOUSA, João Figueiredo de 480 SOUSA, José de v. COELHO, José de Sousa
SOUSA, José Ernesto Frade de 314 SOUSA, Marcelo Rebelo de 96 SOUSA, Maria da Glória de 363
SOUSA, Maria de Gertrudes de 214 SOUSA, Maria Emília Miranda de (PCP) 184
SOUSA, Mário Pais de 27 SOUSA, Passos e (major) 38 SOUSTELLE, Jacques 408
SPÍNOLA, António de (general) 38, 117, 507-509, 513, 516-519
SPITZ, Adolf 122 SPITZ, Katherine 122, 123 SPITZER, Philip 122 SUAREZ, Luís 111 SuHARTO 119
SUPERVIELL, Dr. (advogado) 486 SUSINI 408, 409
TADEU, LUÍS Gonzaga (coronel) 224 TAINHA, Manuel Mendes 91, 176 TAVARES, António Abrantes
76 TAVARES, António Assunção 139 TAVARES, Carlos Eugénio 388
TAVARES, Francisco Sousa 125, 238, 244, 259, 492
TEIVES, Duarte 214, 215 TEIVES, Rui 214 TEIXEIRA (coronel) 229 TEIXEIRA, Daniel Sousa 184,
410, 411 TEIXEIRA, José Ernesto Catela do Vale 27, 36, 50, 95, 137, 140, 151, 356 TEIXEIRA,
Fernando Augusto Blanqui 162, 172, 176, 301, 344, 345, 453, 467, 474, 488
TEIXEIRA, Filipe dos Reis 65, 289, 365 TEIXEIRA, Gaspar 176, 261 TEIXEIRA, João Pestana 244 574
TELES, Gonçalo Ribeiro 244
TELES, Inocêncio Galvão 88, 98 TELES, José Manuel Galvão 492 TENGARRINHA, Margarida 396,
397 TENREIRO, Henrique 95, 173, 275 TERESO, António Alexandre 456 TERRUTA, Adélia 162, 299,
441, 442, 453, 454
THEMIDO, Hall 128 THIERACK, Otto 479 THOMASIUS, C. 347 TIENZA, Agostinho 45, 50, 63, 395,
402-405, 408, 503, 539 TIMÓTEO, Cândida 226 TINOCO, Adelino da Silva 50, 56, 58, 174, 295, 352,
355-357, 368, 373, 374, 378, 466, 526, 539 TINOCO, Isabel 264
TOMÁS, Américo (almirante) 159, 167, 199, 200, 241, 500, 501, 512, 517 TOMÁS, Carlos 214
TOMÁS, Maria Fernanda Paiva 168, 282, 303, 374, 472, 473
TOMÉ, António Alexandre Soares 364, 393, 394, 433
TOMÉ, João Leonardo 184
TOMÉ, Manuel Grilo 184
TOMÉ, Manuel Vieira 387
TORGA, Miguel 252
TORRES, Fernando 176
TORRES, Flausino Esteves Correia 237
TORRES, Maria Amélia 176
TOURÉ, Sékou 116 TRAÇA, Humberto 208 TRINDADE (agente da PIDE) 365 TRONI, Henrique
(general) 513 TURRAS, Duarte 176, 487 ULRICH, José Frederico 267 UVA, Joaquim de Sousa 118
VAGARINHO, António 286 VAGARINHO, Arménio 286 VAGARINHO, Ilídio 286 VAGARINHO, Manuel
286 VAGARINHO, Mariana 286 VAGARINHO, Mariana (filha) 286 VAGARINHO, Teodósia 286
VAGARINHO, Urbino 286 VALADÃO, Ramiro 273 VALADARES, Manuel 237 VALE, LUÍS Moreira do
289 VALENTE, Fernando Pulido 143 VALENTE, Jean Jacques 227-229, 241
VALENTE, João Pulido 94, 176, 182, 183, 300, 332, 449, 495
VALENTE, Manuel 388 VANDERVOORT, Benjamin H. (coronel) 120, 122, 124
VARATOJO, Carlos Alberto António 353, 364
VAREDA, José 488 VARELA, Dr. 269
VARELA, João de Matos Antunes 464 VARELA, Victor 356 VARGAS, João (major) 121, 268, 311
VARZIM, Abel (padre) 244 VASCO, João 315
VASCO, Zulmira Martins de Sousa v. ZuLMIRA
VASCONCELOS, Fernando de 105, 230, 231 VASCONCELOS, João Amado (capitão) 27
VASCONCELOS, João Perestrelo de (padre) 100, 227, 228, 244
VASCONCELOS, Maria Helena Vidal 230, 231
VASQUEZ ALBELA, José 325 VASQUEZ ALBELA, Pedro 325 VAZ, Artur 232 VEGA, Lope de 254
VEIGA, Caetano Beirão da 38 VEIGA, João da 145, 356 VEIGA, LUÍS Pedro 433, 481 VEIGA,
Mertilina da Conceição (PCP) 145, 356
VELEZ, Carlos Fernandes Casaca 298, 453 VELEZ, Diogo 443
VELEZ, Francisco Sales 137, 140, 357 VELOSO, Ângelo Matos Mendes 157, 184 VELOSO, António
Matos 203 VELOSO, Carlos Xavier da Silva Lopes 50, 59, 304, 404, 444 VELOSO, Francisco 233-
235 VELOSO, Manuel João Rodrigues 444
VENTURA, António Simões 480 VENTURA, Clementina 146 VENTURA, Joaquim 155, 288
VENTURA, Maria Cândida 140, 166, 281, 287, 288, 442, 446 VERDIAL, Mem 174
VERDLAL, Rolando 155, 156, 158, 162, 168, 173-176, 178, 179, 448, 452, 455, 456 VIANA,
Barbosa 470 VIANA, Eduardo 170 VICENTE, Arlindo 159, 160, 240 VICENTE, Fernando 381, 382
VIDAL, Carlos Jesus Duarte 464, 491, 494 VIDIGAL, Germano 135, 387, 389 VIEGAS, Lázaro do
Carmo 168, 169, 330 VIEIRA, Armando Jorge da Silva Reis 50 VIEIRA, Joaquim 214 VIEIRA,
Luandino 97, 253 VILAÇA, Alberto 492 VILAN, Luís Miguel 212 VILAR, António 227, 232, 233
VIIAR, José Carvalho 183 VILAR, LUÍS 269
VILARIGUES, Sérgio 134, 139, 145, 152, 155, 162, 181, 292
VINTÉM, António Bento 210 VISEU, António 330-332 VISEU, Maria Rosa 374, 375 VITAL, Fezas
269 VITAL, Joaquina Freitas 289, 290 VITAL, Lobão 487
VITAL, Manuel Lopes 82,155, 289, 290, 293
VITORIANO, José Rodrigues 448, 472 VIVES, João 347 VOLTAI RE 347
XANTHAKY, Theodore Anthony 125 WALTERS, Vernon 409 WATERHOUSE, Ronald 489
WENGOROVLUS, Victor 125, 492 WESSEL (general) 118 WEYL, Martin Roland 489 WREM, Mário
196, 197 WYBOT, Roger 113
ZENHA, Francisco Salgado 125, 143, 145, 176, 204, 239, 262, 319, 461, 464, 469, 470, 477, 490,
494
ZIMMERMAN, Robert W. 125
ZOLA, Émile 250
ZULMIRA (agente da PIDE) 376

575

FIM

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