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2022

Apostila de estudos

PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO
para Profissionais, Coordenadores e Monitores
de Comunidades Terapêuticas

www.febract.org.br MODULO 2
Apostila de estudos Equipe FEBRACT
para o Programa de Capacitação
para Profissionais, Coordenadores e Presidente
Monitores de Comunidades Luis Roberto Chaim Sdoia
Terapêuticas
Vice-Presidente
Elaboração, distribuição e informações: Roseli Ap. Consolaro Nabozny

FEBRACT Presidente Executivo


Federação Brasileira de Ricardo Valente de Souza
Comunidades Terapêuticas
Coordenador Operacional
Centro de Formação e Treinamento Lucas Roncati
Secretaria Administrativa
Coordenação Geral do Projeto
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VENDA PROIBIDA: Todos os direitos


desta edição estão reservados à Federação
Brasileira de Comunidades Terapêuticas
(FEBRACT). Nenhuma parte desse mate-
rial poderá ser reproduzida, transmitida e
gravada por qualquer meio eletrônico, por
fotocópia e outros.
INDICE DE AULAS

PROJETO DE INTERVENÇÃO .................................................................................. 6


A TRIAGEM NA COMUNIDADE TERAPÊUTICA .............................................. 12
ACONSELHAMENTO FAMILIAR .......................................................................... 21
CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO .................................................. 28
MANEJO DE CASOS ................................................................................................ 38
REINSERÇÃO SOCIAL ............................................................................................. 46
O ABANDONO DO TRATAMENTO NA COMUNIDADE TERAPÊUTICA ..... 50
PROBLEMAS RELACIONADOS AO ÁLCOOL .................................................... 68
PREVENÇÃO À RECAIDA ....................................................................................... 87
TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
........................................................................................................................................ 93
PROTOCOLOS E PADRONIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA CT ........................... 106
ENTREVISTA MOTIVACIONAL .......................................................................... 110
SUMÁRIO GERAL
PROJETO DE INTERVENÇÃO .................................................................................. 6
1. O que é um Projeto de Intervenção?......................................................................... 7
2. Definindo o tema ......................................................................................................... 7
3. Caracterização do público alvo ................................................................................. 8
4. Justificativa ................................................................................................................. 8
5. Objetivos ...................................................................................................................... 8
6. Referencial teórico ...................................................................................................... 9
7. Método ......................................................................................................................... 9
8. Recursos ....................................................................................................................... 9
9. Limitações e dificuldades ........................................................................................... 9
10. Cronograma de execução ....................................................................................... 10

A TRIAGEM NA COMUNIDADE TERAPÊUTICA .............................................. 12

ACONSELHAMENTO FAMILIAR .......................................................................... 21


1. Objetivos .................................................................................................................... 22
2. Etapas do uso ............................................................................................................ 22
3. Impacto de drogas específicas ................................................................................. 23
4. Dinâmica familiar ..................................................................................................... 23

CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO................................................... 28


Introdução ..................................................................................................................... 29
1. Bases conceituais da Reforma Psiquiátrica ............................................................ 29
1.1 Singularização vs. Tratamento Moral .............................................................................................. 29
2. Bases legais da Singularização................................................................................. 32
3. Plano de Atendimento Singular – PAS ................................................................... 32
3.1 Elementos do Projeto Terapêutico Institucional ............................................................................... 33
3.2 Elementos do Plano de Atendimento Singular ................................................................................. 33
Referências .................................................................................................................... 36

MANEJO DE CASOS ................................................................................................ 38


Introdução ..................................................................................................................... 39
1. Alguns personagens característicos da CT e se manejo ........................................ 39

REINSERÇÃO SOCIAL ............................................................................................. 46

O ABANDONO DO TRATAMENTO NA COMUNIDADE TERAPÊUTICA ..... 50


Introdução ..................................................................................................................... 51
1. O abandono do tratamento ...................................................................................... 51
1.1 O abandono do tratamento e a recidiva ............................................................................................ 54
1.2 A motivação para permanecer em tratamento .................................................................................. 54
1.3 Recuperação em 90 dias ................................................................................................................... 55
1.4 Recuperação natural ......................................................................................................................... 55
2. Avaliação das razões para o abandono do tratamento ......................................... 57
Conclusões ..................................................................................................................... 62
Referências .................................................................................................................... 64

PROBLEMAS RELACIONADOS AO ÁLCOOL .................................................... 68


1. História ...................................................................................................................... 69
2. Álcool no mundo ....................................................................................................... 69
3. O álcool no Brasil...................................................................................................... 71
4. Os prejuízos do álcool............................................................................................... 75
4.1 Álcool, trabalho e economia ............................................................................................................ 75
4.2 Álcool e família ................................................................................................................................ 76
4.3 Álcool e violência ............................................................................................................................ 79
4.4 Álcool e direção ............................................................................................................................... 81
4.5 Álcool, depressão e suicídio ............................................................................................................. 82
5. Conclusões ................................................................................................................. 84
Referências .................................................................................................................... 84

PREVENÇÃO À RECAIDA ....................................................................................... 87

TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA


........................................................................................................................................ 93
Objetivos ........................................................................................................................ 94
1. Introdução às habilidades sociais ............................................................................ 94
1.1 O desenvolvimento das habilidades sociais: herdada ou aprendida ................................................. 95
2. Base teórica das habilidades sociais ........................................................................ 95
2.1 Dimensões Pessoal, Social e Cultural .............................................................................................. 96
3. Relevância das habilidades sociais na dependência química ................................ 97
3.1 Principais déficits em habilidades sociais na população de dependentes químicos ......................... 98
4. Treinamento de habilidades sociais ........................................................................ 99
4.1 Habilidades intrapessoais e intrapessoais ......................................................................................... 99
4.2 Situações de alto risco e habilidades sociais de enfrentamento ...................................................... 100
Considerações finais ................................................................................................... 103
Referências .................................................................................................................. 104

PROTOCOLOS E PADRONIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA CT ........................... 106

ENTREVISTA MOTIVACIONAL .......................................................................... 110


Introdução ................................................................................................................... 111
Conceitos principais ................................................................................................... 112
Aprendizagem na Entrevista Motivacional .............................................................. 114
Especificando as ações ................................................................................................ 115
1. Parceria ............................................................................................................................................ 115

2. Aceitação .......................................................................................................................................... 115


3. Evocação .......................................................................................................................................... 115
4. Compaixão ....................................................................................................................................... 116
Os Processos da Entrevista Motivacional ............................................................. 116
1. Engajamento .................................................................................................................................... 116
2. Foco ................................................................................................................................................. 116
3. Evocação .......................................................................................................................................... 116
4. Planejamento .................................................................................................................................... 116
Metodologia da Entrevista Motivacional: PARR .................................................... 117
1. Fazer Perguntas Abertas ................................................................................................................... 117
2. Refletir ............................................................................................................................................. 117
3. Afirmar – Reforço Positivo .............................................................................................................. 118
4. Resumo ............................................................................................................................................ 118
Algumas armadilhas ................................................................................................... 118
1. Armadilha da Avaliação ................................................................................................................... 118
2. Armadilha do Especialista................................................................................................................ 119
3. Armadilha da Rotulação ................................................................................................................... 119
4. Armadilha do Bate Papo .................................................................................................................. 119
5. Equanimidade................................................................................................................................... 119
6. Engajamento .................................................................................................................................... 119
Plano de ação............................................................................................................... 120
Conclusões ................................................................................................................... 120
Referências .................................................................................................................. 121
PROJETO DE

INTERVENÇÃO
PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PARA PROFISSIONAIS, COORDENADORES E
MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 7

MANUAL DO PROJETO DE INTERVENÇÃO

1. O que é um Projeto de Intervenção?

Um projeto de intervenção é uma proposta de ação construída a partir da identi-


ficação de problemas, necessidades e fatores determinantes num território específico.
O termo projeto refere-se a um plano para realização de uma ação coordenada no
futuro; ou seja, algo que se lança à frente, sustentado em objetivos a serem alcançados. Já
a palavra intervenção implica uma ação objetiva, um fazer concreto numa dada reali-
dade.
Nesse sentido, um projeto de intervenção deve definir e orientar as ações plane-
jadas para resolução de problemas e/ou necessidades identificadas, preocupando-se em
gerar mudança e desenvolvimento.

Um bom projeto de intervenção deve ser:

1. realista e possível, contando com um planejamento estruturado a partir


dos recursos disponíveis e da análise da realidade local, com base no con-
texto social, político, econômico do território alvo;
2. claramente dirigido a objetivos e bem delineado nos comportamentos e
situações que pretende atingir ou alterar;
3. direcionado a um tipo de população específica, por isso é importante ter
clareza de quem deve ser abordado e atingido pela ação preventiva;
4. planejado como processo, ou seja, com etapas bem estabelecidas, que
contemplem começo, meio e fim;
5. sustentado em planificação e acompanhamento permanente das ações e
metas;
6. avaliado em seu processo e resultados.

2. Definindo o tema

É importante que o tema escolhido para intervenção seja:

 relevante: um problema que o público-alvo da intervenção considere im-


portante de ser resolvido;
 tangível: possível de ser abordado/resolvido no tempo previsto;
 compatível com a qualificação da equipe: que os proponentes tenham
afinidade com o tema e condição técnica de organizar/ intervir na execução
das ações.

A delimitação do tema é sempre um desafio, uma vez que é preciso identificar


um tema ou problemática importante dentre tantas questões encontradas no local de tra-
balho.
Para isto, deve-se planejar uma intervenção focada, definindo prioridades, pois
não se resolverá, certamente, tudo que é problemático ou desafiador no território, mas
com o foco ampliam-se as possibilidades de resolver o que se propôs.
Módulo 2: Projeto de Intervenção
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Através da definição do tema será construído o título do projeto, que deve ser
objetivo e explicativo ao mesmo tempo. Sugere-se que o título não tenha menos que 70
nem mais que 150 caracteres (sem espaço).

3. Caracterização do público-alvo

Neste tópico deve ser descrito a quem é dirigida a intervenção, tentando descrever
algumas das características principais deste grupo.
Dados sociodemográficos, como faixa etária, sexo, escolaridade, situação socioe-
conômica, informações acerca da gravidade da dependência e outros dados pertinentes
devem ser utilizados se disponíveis.
Pode também haver um público-alvo primário, que seria o alvo específico da
intervenção, e um secundário, que seria a população adjacente beneficiada indiretamente
pela intervenção.

4. Justificativa

Para que o projeto de intervenção possa ser executado deve existir uma justifi-
cativa válida que explique a importância que o mesmo terá para o público-alvo, do con-
trário será uma ação desprovida de sentido.
Em diversas outras, como na captação de recursos, por exemplo, a justificativa
pode ser o que defina o financiamento ou não do projeto, por isso deve ser explicado de
forma clara e consistente.
A justificativa é necessária para que a própria equipe se aproprie da importância
do projeto e, assim, tenha argumentos e clareza no discurso de apresentação do mesmo.

5. Objetivos

Os objetivos se referem ao que se quer alcançar com o projeto de intervenção e


estes se dividem em Objetivo Geral e Objetivos Específicos:

 Objetivo Geral: refere-se à mudança que se pretende alcançar com o pro-


jeto; e é uma afirmação sobre os resultados esperados da intervenção.
 Objetivos Específicos: são a realização do objetivo geral. Estes norteiam
os passos, os processos para que possa ser alcançado o Objetivo Geral.
Referem-se a cada uma das fases, das estratégias e medidas necessárias
para atingir os resultados, por isso seguem uma sequência coordenada de
ações.

Módulo 2: Projeto de Intervenção


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6. Referencial teórico

É importante que o projeto de intervenção tenha um embasamento teórico con-


sistente e claro. Para isto pode ser utilizado o material disponibilizado pelo curso, assim
como outras literaturas complementares que o grupo considere necessário.

7. Método

O método indica o que fazer e como fazer, explicando detalhadamente as técnicas


e instrumentos que serão utilizados.

O método pode se referir a:

 pesquisa (quantitativa ou qualitativa);


 ação no grupo (cursos, palestras, etc.);
 elaboração de material (didático, institucional – gráfico, audiovisual,
etc.);
 outros.

8. Recursos

O que é necessário para que o projeto de intervenção aconteça, podendo ser:

 recursos materiais
o de consumo (papelaria, escritório, etc.)
o permanentes (mobiliário, equipamentos, telefone, veículo, etc.)
 recursos humanos
o profissionais
o técnicos
o auxiliares
o outros

Também podem ser citados neste tópico os parceiros que possam estar engajados
no projeto, podendo ser instituições, autarquias, empresas e outros órgãos públicos.

9. Limitações e dificuldades

Conseguir avaliar previamente quais seriam as limitações do projeto de inter-


venção, o que poderia dar errado, o que poderia ser inviável em determinadas circunstân-
cias, assim como as possíveis dificuldades que possam ser previstas durante o percurso
da execução, pode contribuir para definir ações preventivas para as mesmas.
Neste tópico pode constar, por exemplo: a possível não adesão do público alvo; a
dificuldade de conseguir financiamento para o projeto; a dificuldade de encontrar profis-
sionais capacitados; e tantas outras variáveis que podem comprometer o resultado final.

Módulo 2: Projeto de Intervenção


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10. Cronograma de execução

Definição do tempo de prazo para execução do projeto de intervenção, descre-


vendo as atividades que serão executadas por período definido, podendo ser em dias, se-
manas, meses, anos ou qualquer outro período que se considere necessário.
Isto é importante para poder programar as ações de forma mais objetiva e efetiva,
assim como para administrar eficazmente os recursos (materiais e humanos) envolvidos.

Tabela 1 - Modelo de Projeto de Intervenção

Tema do Projeto

Título do Projeto
Público-alvo
Justificativa
Geral

Objetivos
Específicos

Referencial Teórico

Técnicas
Método
Instrumentos
Produto Quantidade Valor
Materiais
Recursos
Função Quantidade Valor
Humanos

Limitações e
dificuldades

Cronograma de Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 4 Mês 5


execução

Módulo 2: Projeto de Intervenção


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: Projeto de Intervenção


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A TRIAGEM NA
COMUNIDADE
TERAPÊUTICA
PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PARA PROFISSIONAIS, COORDENADORES E
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TREINAMENTO - ENTREVISTA

1. Dados pessoais
 Nome  Telefone  Entrevistador
 Sexo  Estado Civil  Data da Entre-
 Endereço  Naturalidade vista
 Data de Nasci-  Religião  Encaminhado
mento  Escolaridade por quem?
 Idade  Profissão

2. Razão para o encaminhamento

Escrever por que o cliente foi encaminhado e o que ele pensa em terem sido as
razões (use as palavras do próprio residente).

3. História Familiar

 Pais, irmãos, outros paren-


tes: alguém que já morreu?
 Por qual motivo?
 Alguém tem ou teve proble-
mas com uso/abuso de subs-
tâncias?
 Quais as atitudes dos famili-
ares diante dessas questões?
 Como é o ambiente fami-
liar?

4. Genograma

É uma representação gráfica


que registra informações sobre os
membros da família por três gera-
ções, proporcionando uma visão rá-
pida de padrões complexos de inte-
ração familiar, permitindo mapear a
estrutura da família.

Módulo 2: A Triagem na Comunidade Terapêutica


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PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PARA PROFISSIONAIS, – Genograma 1
Figura 1COORDENADORES E

Módulo 2: A Triagem na Comunidade Terapêutica


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Figura 2 - Genograma 2

5. História Pessoal

 Nascimento (complicações)
 Infância: doenças, ambiente familiar, separação dos pais, pobreza, traumas, lem-
branças
 Educação (problemas na escola com colegas e disciplinares)

6. História marital/sexual

 Tem parceiro?  O parceiro faz uso de SPA?


 É casado?  Como é a qualidade do relaciona-
 Já se separou, qual o motivo? mento?

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7. Filhos

 Quantos?
 Quais as idades e estados civis?
 Algum deles tem problema com o uso de SPA?
 Qual a atitude deles diante do problema? Como é o relacionamento?

8. História Ocupacional

Ocupações, todos os empregos que já teve, demissões, relações com colegas de


trabalho, advertências, faltas, período de trabalho, formal ou informal, influência do
abuso de SPA rotina de trabalho.

9. História Social

 Moradia  Amigos não usuários


 Situação social  Contato com outros usuários de
 Passatempos drogas
 Lazer

10. História Médica e Psiquiátrica

 Doenças  Tratamentos ambulatoriais


 Internações médicas / psiquiátri-  Medicações
cas

11. História de atendimento para problemas com SPA

 Atendimento ambulatorial  Ficou abstêmio após o trata-


 Enfermaria mento?
 Pronto socorro  Por quanto tempo?
 Clínicos gerais  Que fatores relacionaram a reca-
 Grupos de auto ajuda ída?
 ONGs.

12. História Forense

 Delitos
 Já foi detido ou preso?
 Por qual motivo?

13. Linha evolutiva do consumo de SPA

A linha evolutiva é construída com o cliente de modo a facilitar a visualização do


padrão de consumo e problemas associados à SPA.
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Figura 3 - Linha evolutiva do consumo de SPAs

14. História do beber

 Início
o primeira vez que bebeu álcool
o primeira vez que comprou para si uma bebida alcoólica
o idade / circunstância
 Evolução
o Quando começou a beber na maioria dos finais de semana?
o Quando começou a tomar bebidas destiladas?
o Quando começou a beber quase todos os dias?
o Quando começou a beber no padrão atual?
o Quando começou a perceber que seu hábito de beber estava causando pro-
blemas?
o Quando foi a primeira vez que teve sintomas de abstinência (tremores,
náuseas, ânsias de vômitos, sudorese)?
o Em que período parou de beber, completamente, por alguns dias, semanas,
meses?
o O que motivou a abstinência?
o Qual foi a última vez que bebeu?

15. Padrão de consumo durante um dia típico

Quantidade ingerida calculada em unidades.

Quantidade e Onde e com Número de Total consu-


tipo de bebida quem bebeu unidades mido
2ª feira
3ª feira
4ª feira
5ª feira
6ª feira
Sábado
Domingo

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Onde Quantidade Unidades


Quando acorda
Antes ou com o
café da manhã
Durante a manhã
Na hora do almoço
À tarde
Após o trabalho
Com o jantar
À noite
Antes de dormir
Durante a noite

16. Problemas relacionados ao álcool

 Físicos  Psicológicos
o Embriaguez o Depressão
o Amnésia o Ideias ou tentativas de
o Colapso suicídio
o Vômitos o Agressão
o Gastrite o Ansiedade
o Úlcera o Mentiras
o Hepatite
o Cirrose
o Convulsões
o Delirum tremens
o Acidentes
o Feridas

17. História do uso de drogas

Idade na primeira vez


Droga Última vez que usou
que usou
Tabaco
Álcool
Maconha
Solventes
Alucinógenos
Anfetaminas
Tranquilizantes
Cocaína
Crack
Heroína

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18. Padrão de consumo de cada droga no decorrer dos anos

 Evolução do problema
 Envolvimento da pessoa com drogas
 Padrão de uso da droga preferida num dia típico
 Problemas relacionados às drogas

19. História de risco de contaminação por DST e ou HIV

 Já injetou drogas, compartilhou seringas, trocou sexo por droga, ou dinheiro?


 Já se prostituiu?
 Já pagou para fazer sexo?
 Faz ou fez sexo sem preservativos com parceiros fixos ou casuais?
 Já fez tatuagem?
 Usou drogas na prisão?
 Fez sexo na prisão?
 Recebeu transfusão de sangue?

20. Situação de vida atual

Apoio familiar e social (amigos que não bebem ou usam drogas, atividades de lazer) as-
pectos financeiros.

21. Plano de tratamento

 Hipótese diagnóstica
 Fatores de risco
 Fatores mantenedores da dependência
 Fatores de proteção e prognósticos da dependência
 Plano de Trabalho / Tratamento

22. Cálculo de doses

Álcool

Apresentamos a fórmula a seguir que determina o número de unidades alcoólicas


dos diferentes tipos de bebida.

Fórmula

teor alcoólico X volume


= g de álcool
100
10 g de álcool = 1 unidade alcoólica (padrão)

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Exemplificando

Conteúdo médio de álcool nas principais bebidas consumidas

1 lata de cerveja: 350 ml 5%=17 g de álcool


1,5 unidades
1 copo de chope: 300 ml 5%=15 g de álcool
1 taça de vinho: 90 ml 12%=10 g de álcool 1 unidade
1 garrafa de vinho: 750ml 12%=80 g de álcool 8 unidades
1 dose de destilado 40-50% = 20-25g de
2-2,5 unidades
(whisky, pinga, vodka, etc.): 50 ml álcool
40-50%=300-370 g
1 garrafa de destilado: 750 ml 30-37 unidades
de álcool

Sabendo agora como as unidades alcoólicas são calculadas, confira abaixo a ta-
bela do consumo de álcool e riscos à saúde de acordo com as unidades consumidas:

Mulheres Homens Risco


< 14 unidades/semana < 21 unidades/semana Baixo
15-35 unidades/semana 22-50 unidades/semana Médio
Acima de 36 unidades/semana Acima de 51 unidades/semana Alto

Referência em “drinques” ou “doses”

1 latinha de cerveja de 350ml


1 "Drinque" ou 1 taça pequena de vinho de 140ml
"dose" = 1 dose de Martini ou Vermute de 50ml
(12g de Etanol) 1 dose de Pinga, ou Vodca ou Uísque
de 37ml

Uso de risco

> 14 drinques por semana


Homens
> 4 drinques por ocasião
> 7 drinques por semana
Mulheres
> 3 drinques por ocasião

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ANOTAÇÕES

Módulo 2: A Triagem na Comunidade Terapêutica


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ACONSELHAMENTO

FAMILIAR
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ACONSELHAMENTO FAMILIAR

1. Objetivos

1. Compreender as características e dinâmicas da família, casais e parentes afetados


pelo uso de drogas.
2. Conhecer e utilizar de maneira apropriada os modelos de diagnóstico e interven-
ção para a família, casais e parentes, incluindo as estruturas familiares ampliadas
ou comunitárias.
3. Facilitar o envolvimento de certos membros da família, casal ou parentes no plano
de tratamento e no processo de recuperação.
4. Ajudar a família, casal e parentes a compreender a relação entre o sistema de tra-
tamento e as condutas de uma pessoa com dependência de drogas.
5. Ajudar a família, casal e parentes a adotar estratégias e condutas que apoiem a
recuperação e mantenham relações sãs.

Fatores que afetam o impacto do uso de drogas

 Droga de uso / via de administração


 Duração de uso / frequência
 Relação entre os membros da família
 Condições socioeconômicas

2. Etapas do uso

No princípio
 A família tenta negar o problema, ainda que comecem a perceber que há algo
de errado.
 A pessoa adicta racionaliza, o casal tem vergonha por exagerar na reação.
 Começam os conflitos e a necessidade de “controlar”.
 Ansiedade e insônia.

O uso avança
 A família começa a isolar-se por medo e vergonha.
 A família luta para manter o equilíbrio, buscando que o adicto se recupere e
retome seu papel.
 A família tenta esconder o problema.
 São feitas promessas, e o amor-próprio diminui.
 Aumentam o medo, a ansiedade e a insegurança.
 Ameaças e fugas.

Etapas avançadas
 sistema se desorganiza mais, e a família desiste de tentar controlar o uso.
 A família se concentra em aliviar a tensão, aceitando a culpa pelo uso de dro-
gas.

Módulo 2: Aconselhamento familiar


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 A comunicação entre os membros se fecha.


 Podem ocorrer vinganças: aventuras amorosas, gastos inesperados, distancia-
mento da família.
 Depressão, desgaste.

No final
 O caos se torna insuportável.
 O adicto é privado de seu papel como membro da família.
 A comunicação entre os membros se fecha.
 Pode ocorrer uma tentativa de escapar da situação: uma separação, um divór-
cio. Se o adicto consegue se recuperar, a família pode se reorganizar para
aceita-lo de novo no sistema.

3. Impacto de drogas específicas

Cocaína
 Mais impulsividade ¾ pode provocar um aumento de violência ou em abuso
sexual na família.
 Níveis altos de mania ou depressão.
 Negligência com os filhos.
 Atividade criminosa.

Álcool
 Descuido dos pais, alternado com períodos de cuidado adequado.
 Segredos.
 Não se expressam sentimentos no interior da família.

Heroína
 Atividade criminosa.
 Pais envolvidos, não letárgicos.
 Inconstância.
 Segredos dentro da família.

4. Dinâmica familiar

 Coesão: são os laços formados pelos membros de um sistema.


Os dois exemplos mais extremos são as famílias enredadas e as que estão des-
conectadas.

 Adaptabilidade: o modo pelo qual a família se relaciona com o ambiente ex-


terno.
Os dois exemplos mais extremos são as famílias rígidas em sua dinâmica e as
caóticas.

Módulo 2: Aconselhamento familiar


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 As famílias sãs:
o Estão abertas a mudanças: novas amizades, matrimônios etc.
o Se têm em alta conta.
o Têm defesas funcionais.
o Têm regras claras, como os horários, respeito à propriedade, o uso do
telefone, a atribuição de deveres na casa.
o Têm um ambiente no qual os membros podem se aventurar a expressar
seus sentimentos, ideias e crenças.
o Podem lidar com o estresse, perceber as dores dos demais e cuidar uns
dos outros.
o Aceitam as etapas da vida, celebrando-as, como o crescimento, a
o sexualidade etc.
o Têm uma estrutura clara, ou são igualitárias, com uma relação forte entre
os pais, têm menos necessidade de controle e podem negociar.
o Estão abertas aos sentimentos e sua expressão direta. Aceitam qualquer
sentimento, e o enfado faz parte do contexto de reconhecer ao outro.

 As famílias com problemas:


o Vêm um problema como se nada se pudesse fazer para resolvê-lo, então,
“para quê?”.
o Têm a si próprios em baixa conta, escondem os sentimentos, usam um
autocontrole excessivo.
o Usam defesas para esconder a dor, negando com elas seus
o verdadeiros sentimentos.
o Têm regras que não são claras, ou são inconstantes, dependendo de quem
responde, que dia, que filho etc.
o Não há clima para dar opiniões ou expressar sentimentos.
o Evitam a dor, não a percebendo nos demais.
o Os pais competem com os filhos, não aceitam o crescimento, não falam
da sexualidade.
o Têm relações clandestinas, que se estendem por gerações, a
o relação entre os pais é frágil, rígida ou vacilante.
o Têm negativismo, sentimentos baixos, discussões, pouco controle dos
humores.

 As famílias com dependência de drogas


o São rígidas, aferradas a conceitos sobre o que é certo e o
o que é errado.
o Dão respostas evasivas, têm baixa autoestima, pouca responsabilidade,
se culpam entre seus membros.
o Não há alternativas — reagem compulsivamente e rigidamente com o
medo como defesa.
o As regras são completamente rígidas, ou então não
o existem. O caos impera — não há observância das regras.
o Negação do estresse, não conseguem lidar com mais nada.
o Negação de problemas; ignoram-nos. Regras estranhas impedem até que
se fale mesmo dos problemas mais sérios, sobretudo do uso de drogas.
o Ignora-se que se está passando o tempo, temem as mudanças, tratam
o os adultos como crianças e as crianças como adultos.

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o Tudo está invertido, as crianças mandam, família caótica, sem regras ex-
pressas ou com apenas um pai encarregado de tudo.
o Atitudes de duvidar de tudo, hostilidade aberta, sadismo, intenções de
manipular e lamentar-se junto aos demais.

4.1 Limites dentro da família

 Definem o que podem ou não podem fazer as crianças.


 Permitem que esses limites confrontem o sistema familiar, porque tais en-
frentamentos são considerados parte do processo de amadurecer.
 À medida que os filhos crescem se afrouxam os limites até que eles os pos-
sam administrar.
 Os indivíduos estão por demais envolvidos entre si mesmos.
 Uma crise para um de seus membros é uma crise para todos.
 Os indivíduos estão muito desconectados ou isolados
 A família recolheu-se a um estado de não comunicação, enquanto o caos
reina a seu redor. Nem sequer uma crise é real.

 Os limites são demasiado rígidos


o Ninguém pode entrar ou sair da família e seus membros não podem
manter relações com quem não seja da família.
 As fronteiras são demasiado difusas
o Movimentação excessiva para dentro e para fora da família; na casa
entram e saem muitas pessoas e ninguém sabe ao certo quem está com
a família e quem não está.

4.2 Papeis familiares

 Equilíbrio de papéis
o Um estado de harmonia ou equilíbrio entre membros de uma família.
 Papéis contínuos
o Um estado deve ser contínuo e persistente, sem interrupção.
 Papéis complementares
o Um sistema que é mutuamente dependente, dando e recebendo.
 Capacidade de papéis
o A qualidade ou estado de ser adequado funcionalmente por ter conhe-
cimento suficiente, juízo ou capacidades.

 Se deve ver a família em um contínuo – do funcional ao disfuncional.


 Os papéis surgem da cultura da família.
 Os papéis em uma família com dependência de drogas se baseiam na sobrevi-
vência.
 Os papéis determinam como os indivíduos aprendem quem são dentro de um
sistema familiar.

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 Regras familiares
o Um sistema governado por regras é um sistema em que todos os seus
membros se comportam com padrões de inter-relação organizados e
repetidos.
o Nas famílias sãs se estabelecem regras para se obter estabilidade e con-
tinuidade por um longo tempo.
o Também fornecem uma proteção sadia para os membros da família.
o As regras determinam os padrões de conduta dos membros da
o família.
4.3 Infância

 Tarefa: Confiança vs. desconfiança


o Desenvolver a confiança em si próprio e nos demais laços de afeto.
o Desenvolver um sentido de separação
o Capacidade de postergar a gratificação
o Sentir-se amado/alegre
 Dentre os problemas que podem se desenvolver durante a infância, figuram:
o Desconfiança / frustração dos laços de afeto
o Dificuldade em estabelecer relações de proximidade
o Capacidade de postergar a gratificação
o Dificuldade em encontrar a paz sozinho
o Medo do abandono
o Compulsões com a comida, a bebida etc.

4.4 Primeira Infância

 Tarefa básica: Iniciativa vs. culpabilidade


o Curiosidade de brincar
o Identificar-se com o pai do sexo oposto / estabelecer identidade se-
xual
o Desejo de se separar
o Conseguir o autocontrole
 Problemas que podem ter início durante a primeira infância:
o Baixa autoestima / sentimentos de vergonha (sentir-se deslocado)
o Dúvidas em relação a si mesmo (sobre os limites excessivos)
o Reprime a curiosidade de brincar, talvez por sentir-se culpado
o Tensão crônica sobre o que seja aceitável
o Ansiedade de separação
o Menor inclinação a buscar a realização de suas necessidades
o Medo de situações novas

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ANOTAÇÕES

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CONSTRUÇÃO

DO PROJETO

TERAPÊUTICO
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CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO

Introdução

Para iniciar a discussão conceitual sobre a construção do Projeto Terapêutico, as-


sim como do Plano de Atendimento singular, vamos retomar alguns conceitos mais am-
plamente abordados no Módulo 1, na aula O conceito de Comunidade Terapêutica1.

1. Bases conceituais da Reforma Psiquiátrica

 Desospitalização
 Desinstitucionalização
 Modelo Psicossocial
 Singularização
 Ressocialização

1.1 Singularização vs. Tratamento Moral

De todas as Bases conceituais da Reforma Psiquiátrica, a que mais precisa estar


presente na construção do Projeto Terapêutico é a Singularização, que pode ser definida
como “uma forma de tratar o paciente de acordo com as suas características e necessi-
dades pessoais, fugindo da lógica asilar capitalista de massificação”.
O foco do processo como um todo deve ser a reapropriação da identidade do
sujeito, e não o conceito minimizador da abstinência como solução do problema, já que
está claro que a dependência química é uma doença multifacetada, e que o consumo de
SPAs em si mesmo é muito mais um sintoma do que a doença por si mesma.
Para que isto seja possível é preciso evitar resquícios do modelo de tratamento
moral de Pinel e Esquirol que, mesmo tendo sido revolucionário em sua época (Século
XVIII-XIX) compreendia os transtornos de comportamento – vícios, compulsões, desvios
– como causados por deficiências morais do sujeito.
Esquirol (França 1772-1840), considerando o precursor da psiquiatria moderna,
foi discípulo de Philippe Pinel (1745-1826), considerado o Pai da psiquiatria. Esquirol
foi chefe do Hospital Salpêtrière, em Paris (1811), o mesmo em que Charcot e Freud
realizaram as suas experiências com hipnose, no surgimento da Psicanálise.
Atribui-se a eles o primeiro pensamento médico-científico sistematizado sobre
a doença mental, que foi chamado, em seu momento,
De acordo com o DSM-V, os Trans-
de Tratamento moral, e considerava os aspectos psi- tornos de Controle do Impulso são
cológicos como fundamentais na determinação da problemas que se manifestam em com-
doença. portamentos que violam os direitos
Esquirol criou o termo Monomania, para definir dos outros (p. ex., agressão, destruição
as perturbações mentais que trazem prejuízos psíquicos de propriedade) e/ou colocam o indiví-
duo em conflito significativo com nor-
apenas parciais, conservando perfeitas outras funções mas sociais ou figuras de autoridade.
intelectuais, justamente como as diferentes compulsões,
e assim definiu o primeiro conceito dos Transtornos de Controle do Impulso.

1
Remeta-se o leitor a este material do Módulo 1 para aprofundar-se no assunto.
Módulo 2: Construção do Projeto Terapêutico
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Continuando, o conceito de Tratamento Moral lançou um olhar revolucionário


sobre a concepção dos transtornos mentais. Esquirol afirmava que “as paixões exacerba-
das poderiam desencadear as grandes perturbações mentais”, mas, ao mesmo tempo en-
tendia que “se o adoecer é parte da experiência sensorial
A terapia cognitiva baseia-se no mo- do sujeito, a loucura pode ser um estado reversível”, algo
delo cognitivo, que levanta a hipótese que nunca tinha sido cogitado até o momento.
de que as emoções e comportamentos Esta possibilidade de reversão do estado de adoe-
das pessoas são influenciados por sua
percepção dos eventos. Não é uma si- cimento acontecia, em seu entendimento, porque “os pro-
tuação por si só que determina o que as cedimentos terapêuticos capazes de apaziguar estas pai-
pessoas sentem, mas, antes, o modo xões seriam um meio de reconduzir o doente a encontrar
como elas interpretam uma situação. a coerência entre a realidade percebida pelos sentidos e
as funções mentais, pelas suas ideias, raciocínios, julga-
mentos”. Este conceito é, claramente, a base do conceito de Ressignificação, amplamente
utilizado na atualidade pela Terapia Cognitivo Comportamental.
O Tratamento Moral tinha, portanto, um sentido educativo que envolvia aspec-
tos ambientais e sociais.
No entanto, a ideia de que através dos métodos psicológicos seria possível corri-
gir erros na lógica de pensamento e raciocínio daqueles que se afastavam da norma
admitida como correta, implica uma questão ética que pode facilmente justificar con-
dutas arbitrárias ou coercitivas.
Seria esta, justamente, a armadilha do Tratamento Moral, que, mesmo sem a in-
tenção inicial, acabou propiciando alienação e condicionamento dos “loucos” por parte
dos considerados “normais”.
É também, na atualidade, a armadilha dos modelos puramente religiosos de trata-
mento, que se aproximam muito deste modelo moral de concepção da doença, assim como
do modelo impositivo de mudança de comportamento para ajustar-se à norma.
Outro conceito ultrapassado que precisa ser abolido é o conceito de “defeito de
caráter”, sem dúvida ainda um resquício do Tratamento Moral.
Quando se compreende na CT que o indivíduo se comporta de uma determinada
maneira “errada” por causa dos seus “defeitos de caráter”, está
Contingências são condições do
se retomando o conceito de que existe uma falha moral, de ca- ambiente – externo e interno –,
ráter, que impele o sujeito a se comportar dessa forma, e não como, por exemplo:
que existem uma infinidade de contingências que contri- Externas: culturais, geográficas,
buem e determinam esse comportamento, muito além de sociais, familiares, econômicas, po-
sua vontade ou da sua capacidade de escolha. líticas.
Internas: histórico pessoal, tole-
É difícil de compreender em muitas ocasiões, mas rara- rância à frustração, estrutura emo-
mente o indivíduo realmente escolhe o seu comportamento de cional, estrutura cognitiva, grau de
forma voluntária, principalmente considerando que cada indi- escolaridade.
víduo escolhe os seus comportamentos dentre aqueles que com-
põem o seu repertório comportamental.
Ou seja, pessoas com repertório comportamental muito reduzido somente poderão
escolher suas respostas dentre aqueles que possuam.
Por exemplo:
 Um indivíduo com muita dificuldade de expressar emoções e pensamentos
dificilmente poderá ser claro na hora de falar diretamente para o outro o
que pensa ao seu respeito.

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 Um indivíduo cuja família sempre “resolveu” os problemas com gritos e


violência, dificilmente saberá negociar de forma tranquila os seus confli-
tos.
 Um indivíduo que cresceu num ambiente em que drogas, álcool, violência,
roubos, foram moeda corrente, terá muita dificuldade em sentir que estes
comportamentos são errados ou nocivos.

Enfim, podemos concluir que para que a Singularização seja uma prática real den-
tro da CT, a equipe precisa desprender-se dos enraizados conceitos baseados no Trata-
mento Moral, que ainda permeiam boa parte das práticas cotidianas.
Desta forma o dependente químico não somente teria sua saúde física restaurada
ou melhorada, mas poderia ter acesso a práticas que o levassem de volta a si mesmo, de
encontro com a sua história, com a sua singularidade.

Igualdade não significa tratar todos da mesma forma, mas justamente o contrário.
Igualdade é tratar a cada um de forma diferente, e acordo com as suas condições
pessoais e as suas necessidades.
Justiça, no sentido terapêutico, não significa avaliar a todos pelos mesmos parâmetros,
mas justamente o contrário.
Justiça é avaliar cada um de acordo com as suas condições e limitações pessoais.

Porém, “para ser almejada e alcançada, a singularização dependerá de que a


forma das relações sociais e humanas na instituição parta da horizontalização como
meta e, em alguma medida, seja vivida como exercício”, ou seja, precisamos sair do
campo da retórica para elevar estes conceitos até o patamar da nossa prática diária.
A equipe não conseguirá tratar de forma singularizada enquanto esteja impregnada
de jargões ainda comuns em muitas as CTs, como, por exemplo:

 Dependente químico é tudo igual, só muda o endereço.


 Usa droga/recai porque quer.
 É falta de vergonha na cara.
 Está nervoso porque tem vontade de usar droga.
 Se realmente tivesse vontade, conseguia.
 Precisa ser contrariado para aprender a dar valor.
 Se amasse de verdade não usava droga.

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2. Bases legais da Singularização

 Lei 10.216/2001 – Lei Paulo Delgado, que definiu a Reforma Psiquiátrica no Bra-
sil.
o Art. 2º – Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental:
II – Ser tratado com humanidade e respeito e no interesse exclu-
sivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recupe-
ração pela inserção na família, no trabalho e na comuni-
dade.

 RDC 29/2011 – Legislação Sanitária vigente (ANVISA) para as Comunidades


Terapêuticas.
o Art. 7º – Cada residente das instituições abrangidas por esta Resolução
deverá possuir ficha individual em que se registre periodicamente o aten-
dimento dispensado, bem como as eventuais intercorrências clínicas ob-
servadas.

 Portaria 3088/2011, do Ministério da Saúde, que inclui as Comunidades Tera-


pêuticas na RAPS – Rede de Atenção Psicossocial.
o Art. 2º – Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de Aten-
ção Psicossocial:
XII – desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com
transtornos mentais e com necessidades decorrentes do
uso de crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo cen-
tral a construção do projeto terapêutico singular.

 Portaria nº 131/2012, do Ministério da Saúde, que define a forma de financia-


mento público de vagas em Comunidades Terapêuticas.
o Art. 15º – O Projeto Terapêutico Singular deverá ser desenvolvido na
entidade prestadora do serviço de atenção em regime residencial, com o
acompanhamento do CAPS de referência, da Equipe de Atenção Básica e
de outros serviços sócio assistenciais, conforme as peculiaridades de cada
caso.

3. Plano de Atendimento Singular – PAS

Toda Comunidade Terapêutica deve possuir duas estratégias de atendimento fun-


damentais, devendo estar documentadas e embasadas cientificamente:
 Projeto Terapêutico  estratégia institucional
 Plano de Atendimento Singular  estratégia individual

Precisa estar claro para a equipe da CT que estas duas estratégias são diferentes,
embora uma (PAS) esteja contida na outra (PT).

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3.1 Elementos do Projeto Terapêutico Institucional

 Objetivos gerais e específicos


 Critérios de admissão e readmissão
 Critérios de desligamento (Alta administrativa)
 Protocolo de abandono (Alta solicitada)
 Critérios de Alta Terapêutica
o Tempo máximo de permanência
 Fases que compõem o Projeto Terapêutico
 Atividades desenvolvidas
 Recursos materiais utilizados
 Recursos humanos envolvidos – Equipe Multidisciplinar

3.2 Elementos do Plano de Atendimento Singular

O PAS precisa estar dividido em Fases, considerando objetivos específicos para


cada uma delas, assim como acontece em qualquer projeto, que podem estar descritas de
forma geral no Projeto Terapêutico, mas que precisam ser aplicadas de forma individua-
lizada em cada pessoa.
Estas fases devem iniciar com elementos de baixa comple-
xidade e exigência, e ir aumentando progressivamente de acordo O TEMPO NUNCA
com o desenvolvimento do indivíduo. DEVE SER O
O tempo nunca deve ser o critério de passagem de FASE!! CRITÉRIO DE
Cada equipe pode dividir estas Fases da forma que compre- PASSAGEM DE
ender mais eficaz, porém apresentamos aqui as bases e critérios mí- FASE!!!
nimos para cada momento:

1. Ingresso
2. Fase inicial
3. Fase intermediária
4. Fase final

3.2.1 Ingresso

 Triagem e avaliação inicial


o Avaliação gravidade da dependência química
o 1º contato com família/responsável

 Coleta de dados pessoais


o Sociodemográficos
o Saúde
o Dependência química

 Avaliação de demandas emergenciais


o encaminhamento para a rede de saúde
o encaminhamento para a RAPS

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o emissão de documentos
o roupas e objetos de higiene pessoal
o busca ativa familiar

3.2.2 Fase Inicial

 Apresentação da CT
o Projeto Terapêutico
o Atividades
o Regulamentos
o Estrutura física
o Grupo e Equipe

 Avaliação individual
o Recursos internos e externos
o Comorbidades
o Tratamentos anteriores
o Gravidade da dependência
o Fatores de risco e proteção

 Adaptação com a CT
o Atividades de baixa complexidade
o Maior tolerância da equipe
o Poucas sanções
o Necessidade de “tutor”
o Foco na permanência

3.2.3 Fase Intermediária

 Desenvolvimento individual
o Habilidades sociais
o Estratégias de enfrentamento
o Capacidade de resolução de conflitos
o Tolerância à frustração
o Comunicação
o Atividades externas

 Papeis na CT
o Aumento da responsabilidade
o Papeis de compromisso
o Direção de atividades
o Participação ativa em Assembleias
o Compromisso com o programa

 Contato familiar
o Avaliação estrutura e dinâmica
o Avaliação do nível de codependência
o Maiores informações pessoais
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o Participação ativa na construção do PAS


o Construção das primeiras saídas

3.2.4 Fase Final

 Reinserção social
o Condições de autossustento
o Vínculos familiares reconstituídos
o Retomada de estudos
o Maior equilíbrio emocional
o Maior autocontrole

 Atividades externas
o Trabalho remunerado
o RAPS
O TEMPO NUNCA
o Grupos de apoio
DEVE SER O
o Grupos religiosos
CRITÉRIO DE
o Lazer saudável
ALTA
o Novas amizades
TERAPÊUTICA!!
o Evitar situações de risco

Estes critérios da Fase Final podem ser considerados também como critérios de
Alta Terapêutica.
Cabe lembrar que O TEMPO NUNCA DEVE SER O CRITÉRIO DE ALTA
TERAPÊUTICA, já que isto significaria simplificar e padronizar o processo, em de-
trimento de critérios mais específicos como as melhoras acima descritas.

3.2.5 Critérios de Alta Administrativa

 Indisciplina
o Violência
o Sexo
o Roubos
o Uso de SPAs

 Encaminhamento
o Tratamento de saúde
o Comorbidades
o Outra CT ou semelhante

 Outros
o Ordem judicial
o Óbito

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3.2.6 Alta Solicitada (Abandono)

 Livre escolha do(a) acolhido(a)


 Usufruir do direito da voluntariedade
 Deve acontecer em ambiente calmo
 Sem hostilidade e agressões da equipe e grupo
 Protocolo mínimo de abandono após intervenções:
o Avisar a família (última tentativa de reversão)
o Revistar pertences
o Verificar documentação pessoal
o Saída da CT (família busca, CT leva, sai sozinho)
o Registro e avaliação do abandono
o Critérios de readmissão

3.2.7 Registro de Prontuários

 Dados pessoais (Ficha de cadastro)


 Avaliação médica prévia
SE NÃO
 Termo de adesão voluntária (CT)
REGISTROU,
 Relatório de atividades desenvolvidas
NÃO
 Registro de saídas e encaminhamentos ACONTECEU!!
 Registro de medicação
 Registro de intercorrências
 Registro de visitas familiares e ligações telefônicas
 Avaliação multidisciplinar e multiprofissional periódica
o Mínimo mensalmente
 Registro dos critérios de Alta (Terapêutica ou Administrativa)
 Registro de Alta solicitada ou Evasão

Referências

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tico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

COSTA-ROSA, A; LUIZIO, C. A.; YASUI, S. As Conferências Nacionais de Saúde


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DE LEON, George. A Comunidade Terapêutica: teoria, modelo e método. 2. ed. São


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HODGINS, D. C.; PEDEN, N. Tratamento cognitivo-comportamental para transtornos


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Módulo 2: Construção do Projeto Terapêutico


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KURLANDER, Pablo Andrés. A comunidade terapêutica para recuperação da depen-


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LÜCHMANN, L. H. H.; RODRIGUES, J. O movimento antimanicomial no Brasil. Ci-


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TENORIO, Fernando. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atu-
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ANOTAÇÕES

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MANEJO

DE

CASOS
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MANEJO DE CASOS

Introdução

No cotidiano do trabalho na CT a equipe se depara com uma grande diversidade


de casos, com características diferentes e complexidades muitas vezes distantes das pos-
sibilidades de atuação.
Alguns destes casos se apresentam como grandes desafios para a estrutura técnica
e emocional da equipe e do grupo. A equipe precisa estar coesa e tecnicamente preparada
para dar conta desta diversidade de forma eficiente e terapêutica.
Em muitos casos, quando a equipe não se encontra preparada, os casos difíceis a
desestruturam, e ao grupo, consequentemente, fazendo com que os déficits apareçam,
sendo esta uma grande oportunidade de crescimento, desde que bem aproveitada.
Quando a equipe não consegue dar conta destes casos, também pode utilizar-se do
poder para punir ou desligar (excluir) o residente da CT, não como intervenção técnica,
mas sim como forma de se livrar do problema.
Também estão, como veremos, os casos problemáticos que não causam distúrbios
na vida da CT e que, quando a equipe não está preparada para identificar as problemáticas
específicas, podem passar despercebidos para a mesma e, assim, não receber a ajuda ne-
cessária.

1. Alguns personagens característicos da CT e se manejo

Nos casos a seguir serão descritos 6 tópicos sobre a avaliação técnica de cada um
deles, tópicos estes que toda equipe precisa avaliar com cuidado antes de definir qualquer
manejo a ser tomado, para evitar intervenções iatrogênicas ou pouco eficazes.
Os itens a avaliar são os seguintes:

1. O que parece
Normalmente o que primeiro se evidencia no comportamento do residente
são as suas defesas e comportamentos aprendidos, reforçados pelo ambi-
ente de origem.
A equipe precisa ter claro que esta primeira visão não é a definitiva, e que
o que aparece neste primeiro momento não é a realidade definitiva.
Por isso a necessidade de uma avaliação minuciosa, feita em equipe, e com
tempo suficiente como para perceber todas as nuances possíveis.

2. Como é mesmo
Depois de uma avaliação minuciosa a equipe poderá compreender mais
profundamente quais são os padrões de comportamento aprendidos ao
longo da história de vida, quais as defesas decorrentes dos sofrimentos
passados, quais os déficits comportamentais, quais as habilidades e forta-
lezas.

Módulo 2: Manejo de casos


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3. O que provoca na equipe


É evidente que a equipe, por mais que tente manter uma postura profissi-
onal, está sujeita às variações emocionais próprias de qualquer relação hu-
mana, inclusive a relação terapêutica.
Por isto é importante tanto uma avaliação técnica crítica e minuciosa do
caso, como descrito acima, quanto uma avaliação pessoal das emoções que
o residente está mobilizando em cada membro da equipe.
Isto pode contribuir com a compreensão do caso (o que a equipe sente pode
ser o mesmo que o grupo ou a família sente), assim como com a escolha
da intervenção a ser realizada e também – e principalmente – qual será o
membro da equipe a realizar a intervenção.
É importante que os membros da equipe que estejam mais mobilizados
emocionalmente com o caso (raiva, repulsa, pena, culpa, etc.) não sejam
os que realizem a intervenção, para garantir maior neutralidade na mesma.

4. O que provoca no grupo


O grupo também se vê afetado pelo comportamento do residente, e reage
ao mesmo de forma praticamente imediata.
É importante neste momento lembrar que a CT funciona terapeuticamente
com base no modelo psicossocial, ou seja, as relações precisam ser tera-
pêuticas.
Por isto, a reação do grupo frente aos comportamentos do indivíduo pre-
cisa ser tomada em conta, tanto para avaliar o caso, quanto para dar noção
de realidade ao residente, confrontando-o com esta reação, e avaliando
quantas vezes em sua história as suas relações anteriores (família, relacio-
namentos amorosos, amizades, companheiros de trabalho e de outros gru-
pos) tiveram estas mesmas reações, assim como as consequências sociais
das mesmas.
O grupo é o termômetro, a bússola e o principal terapeuta dentro da CT.

5. O que precisa
Quando a equipe se faça esta pergunta sempre tem que pensar no que o
residente precisa da CT para poder superar os seus problemas e comporta-
mentos disfuncionais.
Equipes despreparadas tendem a pensar que o residente precisa mais de
recursos internos (paciência, tolerância, aceitação, etc.) do que de recursos
da CT e da equipe, culpabilizando-o assim pelos problemas apresentados.
É importante lembrar sempre que se o residente possuísse estes recursos
internos não precisaria estar na CT, já que teria dado conta dos seus pro-
blemas e dificuldades sem nem mesmo utilizar-se da droga como recurso.

6. Manejo
Depois de ter avaliado tudo o que foi visto nos tópicos anteriores, a equipe
estará mais próxima de definir uma intervenção neutra e eficaz para o caso.
Intervenções eficazes exigem tempo de avaliação, técnica específica de
interpretação dos comportamentos apresentados pelo residente e, sem dú-
vidas, a intervenção precisa ter sido definida em equipe, nunca por um

Módulo 2: Manejo de casos


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único indivíduo, já que a chance de não enxergar todas as variáveis e nu-


ances é muito grande, assim como a de ficar preso a uma emoção pessoal
específica, que comprometa a avaliação como um todo.

Depois de termos compreendido o que deve ser avaliado, vamos então tentar com-
preender alguns dos casos mais frequentes no dia-a-dia da CT.

O DESAFIADOR
 Não quer ajuda / Não gosta da equipe
O que parece
 Sabe tudo
 Inseguro / Busca aprovação
Como é mesmo
 Medo da rejeição
 Rejeição / Esquiva
O que provoca na equipe
 Enfrentamento
 Modelo negativo
O que provoca no grupo
 Desautoriza a equipe
 Limites / Muita paciência
O que precisa
 Vínculo
 Intervenções individuais
Manejo
 Pequenos grupos

O AGRESSIVO
 Não quer ajuda
O que parece
 Não gosta da equipe e do grupo
 Inseguro / histórico de agressões
Como é mesmo
 Medo do contato e da rejeição
 Rejeição / Esquiva
O que provoca na equipe
 Punições e enfrentamento
 Valida comportamentos negativos (Mo-
O que provoca no grupo delo)
 Insegurança / medo
 Limites / Muita paciência
O que precisa
 Vínculo / Continência
 Intervenções individuais
Manejo
 Pequenos grupos

Módulo 2: Manejo de casos


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O MIMADO
 Quer tudo de seu jeito
O que parece
 Birras e manipulações
 Inseguro / dependente
Como é mesmo
 Intolerante à frustração
 Rejeição / impaciência
O que provoca na equipe
 Invalidação das demandas reais
 Impaciência / rejeição
O que provoca no grupo
 Ciúmes, caso atendido
 Limites claros
O que precisa
 Equipe coesa (sem facilitadores)
 Intervenções familiares
Manejo
 Pressão do grupo

O COITADO
 Queixas permanentes
O que parece
 Chantagens e manipulações
 Inseguro / dependente
Como é mesmo
 Busca atenção permanente
 Impaciência / pena
O que provoca na equipe
 Invalidação das demandas reais
 Impaciência / rejeição
O que provoca no grupo
 Contratos negativos
 Atenção focal
O que precisa
 Equipe coesa (sem facilitadores)
 Reforço diferencial
Manejo
 Papeis de relevância (empoderamento)

O DESINTERESSADO
 Não quer ajuda
O que parece
 Não liga para nada
 Inseguro / medo de desafios
Como é mesmo
 Sente que não consegue mudar
 Irritação / descaso
O que provoca na equipe
 Falta de investimento
 Irritação / rejeição
O que provoca no grupo
 Isolamento / influência negativa
 Estímulos eficazes
O que precisa
 Vínculo forte
 Atividades de seu interesse
Manejo
 Acolhimento do grupo

Módulo 2: Manejo de casos


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O CHEFE DA GANGUE
 Não quer ajuda
O que parece
 Quer prejudicar o grupo
 Pode ter perfil psicopático...
Como é mesmo
 ou busca por reforço social
 Raiva / revolta
O que provoca na equipe
 Disputa (igualar-se)
 Medo / rejeição
O que provoca no grupo
 Contratos negativos
 Grupo maduro e operante
O que precisa
 Equipe coesa / postura profissional
 Não supervalorizar influência
Manejo
 Não disputar autoridade (extinção)

O SUPER ADAPTADO
 Está muito bem
O que parece
 Pratica todo o programa
 Busca aprovação
Como é mesmo
 Não internaliza
 Confiança / segurança
O que provoca na equipe
 Falta de investimento
 Ciúmes / desconfiança
O que provoca no grupo
 Modelo positivo inatingível
 Segurança e vínculo para se expor
O que precisa
 Avaliação minuciosa
 Não supervalorizar comportamentos +
Manejo  Promover vínculos mais profundos
(grupo)

O ESCONDIDO
 Está tranquilo
O que parece
 Adere ao programa
 Inseguro / medo de desafios
Como é mesmo
 Prefere não se expor
 Invisibilidade
O que provoca na equipe
 Falta de investimento
 Isolamento / falta de vínculos
O que provoca no grupo
 Não se expõe a conflitos
 Ambiente terapêutico (segurança)
O que precisa
 Vínculos significativos
 Protocolo de atividades
Manejo
 Atribuição de funções em pares/grupo

Módulo 2: Manejo de casos


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O FAZ TUDO
 Está muito bem
O que parece
 Gosta de ajudar
 Busca aprovação
Como é mesmo
 Não internaliza
 Confiança / segurança
O que provoca na equipe
 Excesso de atribuições
 Ciúmes / concorrência
O que provoca no grupo
 Modelo positivo inatingível
 Segurança e vínculo para se expor
O que precisa
 Avaliação minuciosa
 Não supervalorizar comportamentos +
Manejo
 Diminuir responsabilidades operacionais

O VIDA BOA
 Não quer ajuda
O que parece
 Só quer saber de lazer
 Imaturo / falta de noção de realidade
Como é mesmo
 Déficit de execução de tarefas
 Irritação / rejeição
O que provoca na equipe
 Punições e enfrentamento
 Irritação / rejeição
O que provoca no grupo
 Contratos negativos
 Estímulos eficazes
O que precisa
 Limites bem definidos
 Atividades de seu interesse
Manejo
 Pressão grupal

Módulo 2: Manejo de casos


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ANOTAÇÕES

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REINSERÇÃO

SOCIAL
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REINSERÇÃO SOCIAL

Introdução

É importante compreender os aspectos que envolvem o processo de Reinserção


Social, são eles, psicológicos, sociais e muitas vezes de natureza desordenada que exigem
uma organização por parte do indivíduo e da equipe de tratamento.
Um programa de Reinserção Social deve estar estruturado de uma forma que ofe-
reça possibilidades aos residentes de vivenciarem esse momento transitório de maneira
segura e confiável, onde os vínculos e o diálogo com a equipe de tratamento devem estar
melhores estabelecidos do que no início da jornada.

Aspectos sociais

 Avaliação da capacidade profissional


 Capacitação profissional
 Fortalecimento dos vínculos familiares
 Famílias substitutivas
 Manutenção do tratamento
 Manutenção da recuperação

Aspectos psicológicos

 Ansiedade da separação
 Ansiedade generalizada
 Neurose de êxito
 Estados depressivos
 Disfunções familiares (brigas, pactos perversos)
 Vulnerabilidade emocional
 Resiliência
 Autoeficácia
 Autoafirmação
 Níveis de motivação
 Estratégias cognitivas e de ação
 Planejamento
 Estratégias de enfrentamento

Habilidades sociais

 Iniciar conversações
 Cooperação
 Resolução de problemas
 Resolução de conflitos
 Comportamento social hábil
 Relacionamentos interpessoais

Módulo 2: Reinserção Social


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Novas possibilidades

 Oficinas para geração de renda


 Ampliação da rede de atendimento
 Inserção nos grupos de mutua ajuda
 Inserção no mercado de trabalho
 Acompanhamento psicossocial
 Avaliação de recursos
 Manutenção da abstinência
 Possibilidade de experiências em outro local de residência
 Moradia assistida
 Comunidades de recuperação
 Republicas assistidas
 Albergues e tratamento ambulatorial
 Retorno ao convívio familiar

Para o indivíduo que se encontra no processo de recuperação é de extrema impor-


tância perceber- se como autor de sua jornada, aprendendo com suas experiências e com
aquilo que recebe de outras pessoas, mesmo que isso cause algum tipo de desconforto ou
insatisfação.
Transformar as experiências da vida em aprendizado não se trata de um dom e sim
de uma habilidade que pode ser aprendida e reaprendida em cada dia de nossas vidas.
A comunidade terapêutica apresenta-se como um modelo de tratamento eficaz no
que diz respeito a aprendizagem social, possibilitando ao indivíduo experiências que o
levam para a revisão de pensamentos e atitudes em relação ao seu modo de encarar o
mundo e os eventos da vida.
Apresentar um programa construído a partir de evidências cientificas é um dos
grandes desafios para os profissionais que se prestam a essa modalidade de atendimento
ao dependente químico.

Módulo 2: Reinserção Social


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: Reinserção Social


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O ABANDONO DO
TRATAMENTO NA
COMUNIDADE
TERAPÊUTICA
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O ABANDONO DO TRATAMENTO NA COMUNIDADE


TERAPÊUTICA

Introdução

Segundo a literatura nacional e internacional uma das principais dificuldades en-


contradas pelas equipes das CTs é o abandono do tratamento, principalmente porque este
costuma ser seguido de recidiva, ou seja, da volta ao uso de substâncias psicoativas
(SPAs), com todas as consequências danosas que isto representa.
Considerando que o abandono do tratamento na CT somente representa um pro-
blema se for efetivamente seguido de recidiva, este trabalho tem como objetivo buscar as
diversas associações entre abandono e recidiva encontradas pelos estudos realizados por
pesquisadores e trabalhadores das CTs do Brasil e do mundo.

1. O abandono do tratamento

Segundo a National Treatment Agency for Substance Misuse da Inglaterra, a in-


ternação em CT é indicada principalmente nos seguintes casos:

a) fracasso em atingir e manter um padrão estável de abstinência ambulatorial-


mente;
b) desejo expresso e voluntário de chegar à abstinência a partir de programas de
reabilitação;
c) dependência grave, de difícil manejo ambulatorial e incompatível com a abs-
tinência;
d) necessidade de programas de apoio e reabilitação social que requerem progra-
mas residenciais;
e) vida em ambientes desfavoráveis, como privação social, moradias instáveis e
caóticas, que representam uma constante ameaça à motivação para a mudança
ou para a manutenção da abstinência;
f) envolvimento com ambientes e pessoas que representam uma ameaça cons-
tante de recidiva.

Considerando que este tipo de tratamento é voluntário, o indivíduo pode aban-


doná-lo quando desejar, compreendendo o abandono como a interrupção do tratamento
fora do prazo previamente estipulado e sem o consentimento da equipe técnica que su-
pervisiona o caso.
Sendo assim, este trabalho abordará a análise de dois dos aspectos mais relevantes
e de difícil prevenção e abordagem dentro da CT: o abandono do tratamento e o baixo
tempo de permanência.
O abandono precoce, aquele que acontece antes dos 90 dias de tratamento, é, para
muitos autores uma indiscutível e inevitável realidade no que diz respeito ao tratamento
para a dependência química, afirmando que normalmente apenas 20% a 40% dos depen-
dentes de álcool e drogas concluem os tratamentos iniciados.

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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Este problema, juntamente com o tempo de permanência no tratamento inferior a


90 dias, representaria forte fator prognóstico para a recidiva, o que se evidencia desde os
primeiros estudos realizados em CTs pelo National Institute on Drug Abuse (NIDA).
Para Ribeiro; Yamaguchi e Duailbi, os principais fatores de risco para o abandono
precoce seriam:

a) sexo masculino;
b) baixa escolaridade;
c) jovem/adulto jovem;
d) comorbidade grave;
e) baixa motivação;
f) existência de problemas legais;
g) baixo nível de habilidades sociais;
h) polidependência;
i) transtorno mental na família.

Numa revisão sistemática de estudos em 61 CTs europeias, incluindo 3.271 parti-


cipantes, foi observado que a não conclusão do tratamento variou entre 91,0% e 44,0%,
dependendo da CT, e que em média o residente permanecia em tratamento 1/3 do tempo
previsto. Embora não esteja definido qual seria o tempo de duração do tratamento nas
CTs estudadas, o abandono foi definido como a não permanência no programa de trata-
mento pelo tempo mínimo indicado pelos profissionais responsáveis.
Segundo uma revisão sistemática de estudos em CTs, os maiores índices de aban-
dono foram observados nos programas mais longos, principalmente nas fases iniciais do
tratamento. À mesma conclusão chegou-se numa metanálise em ensaios clínicos rando-
mizados comparando CTs com outras modalidades de tratamento.
Os dois primeiros estudos acima citados chegaram à evidência de que a conclusão
do tratamento é o principal fator preditor da manutenção da abstinência, porém ambos
também afirmaram que a maior parte da evidência provém de estudos mal controlados.
Para diversos autores da área as internações de longa duração também teriam mai-
ores índices de abandono, comparadas às de curta duração. Por outro lado, o índice de
recidiva seria maior para aqueles que receberam tratamentos breves, com duração de até
12 semanas, segundo a National Treatment Agency for Substance Misuse, da Inglaterra.
O abandono, por si mesmo, já se configura como um assunto relegado da obser-
vação empírica, considerando que pode haver resistências em observar e, principalmente,
avaliar o possível fracasso do trabalho. Talvez por este motivo boa parte dos autores tenha
tentando focar, de forma inevitavelmente enviesada, apenas os sucessos atingidos nas
suas práticas terapêuticas, em detrimento da riquíssima experiência que pode ser extraída
dos fracassos e insucessos. Isto explicaria por que a literatura disponível a este respeito –
tanto nacional quanto internacional – é notoriamente escassa, resumindo-se a alguns pou-
cos autores que tentam, exaustivamente, compreender este fenômeno tão complexo e sin-
gular.
Estatisticamente falando foi comentado que o problema do abandono nas psicote-
rapias em geral – não necessariamente para os casos de dependência química – tem uma
magnitude inquietante, chegando a atingir de 30% a 65% dos casos, com uma ampla gama
de variáveis intervenientes.
Uma revisão de estudos espanhóis e norte-europeus mostrou que apenas entre 20%
e 40% dos dependentes de álcool e drogas completam o tratamento.

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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Já Goñi, no seu estudo na CT “Proyecto Hombre”, de Navarra, Espanha, afirmou


que o índice de abandono oscilou entre 60% a 80% dos pacientes atendidos, considerando
que os pacientes jovens, do sexo masculino, tiveram maior probabilidade de abandonar o
tratamento. Também constatou que este abandono teve maior probabilidade de acontecer
nos três primeiros meses do tratamento, e que 32,8% dos desistentes voltou a procurar o
programa de tratamento e reingressou na CT.
Em seu estudo em um Centro público de Atención a Drogodependencias (CAD
4) em Madrid, Espanha, dispositivo semelhante aos Centros de Atenção Psicossocial es-
pecializados em álcool e drogas (CAPS ad) do Brasil, observou-se que mais de 41% dos
pacientes abandonaram o tratamento antes de completar o terceiro mês.
Um estudo espanhol realizado com dependentes de álcool, também apontou que a
maior parte dos abandonos ocorreu até o terceiro mês de tratamento, assim como outro
estudo realizado em uma amostra de dependentes de cocaína.
Em relação às motivações dos abandonos da primeira amostra, quase um terço
abandonou o tratamento por ter alcançado, ao seu próprio ver, resultados positivos sufi-
cientes, sendo que estes resultados não foram ratificados pelos profissionais da sua
equipe. Isto foi denominado por eles como “melhora autodecidida”, sendo que isto acon-
teceria com uma incidência de mais de 40% entre o segundo e terceiro mês de tratamento.
Goñi, na pesquisa acima citada, chegou a resultados semelhantes. Segundo ele,
quase 50% dos residentes que abandonaram o tratamento relatou considerar que já tinha
atingido os seus objetivos terapêuticos, e que o álcool e a droga já não seriam um pro-
blema em sua vida.
Outros autores indicaram que as principais razões apontadas para a não-adesão ao
tratamento foram motivos práticos, excesso de otimismo em si mesmo e atitude negativa
em relação ao tratamento.
Fiorini discorreu sobre a importância de considerar aquilo que ele chamou de
“efeito placebo do contato inicial”, destacando como este fenômeno contribui com o com-
portamento de abandono do tratamento, e propôs uma “ação docente” a fim de que o
paciente tome conhecimento antecipado da possibilidade deste desdobramento do foco
inicial, que é a recuperação integral.
Em um estudo qualitativo realizado em nove CTs de Portugal chegou-se à conclu-
são de que o desenvolvimento da confiança em dois níveis (na relação dos residentes com
os técnicos e com as instituições) seria um fator que colaboraria com a adesão ao trata-
mento.
Já no que diz respeito às comorbidades, para vários autores a ansiedade e a de-
pressão são as duas principais comorbidades encontradas no dependente químico, po-
dendo afetar a adesão ao tratamento e aumentar a probabilidade de recidiva. Por este mo-
tivo uma avaliação inicial e sequencial dos sintomas destas se faz necessária, como uma
forma de avaliar tanto o desenvolvimento do paciente em tratamento quanto os riscos de
abandono.
Tudo isto faz com que as dificuldades do dependente de álcool e drogas em per-
manecer e completar o tratamento constituam uma problemática específica, diferenciada
e contida na questão maior, que é a recuperação da dependência química. Por este motivo
faz-se necessário identificar os principais fatores que podem se associar ao abandono do
tratamento, a fim de poder oferecer alternativas suficientemente capazes de diminuir os
índices de abandono, e abandono precoce do tratamento, principalmente no âmbito das
CTs, objeto deste estudo.

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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1.1 O abandono do tratamento e a recidiva

Em relação ao aproveitamento final do tratamento nos casos de abandono, ou seja,


a manutenção da abstinência de SPAs após o mesmo, pode-se afirmar, embora não de
forma definitiva, que quem conclui o tratamento possui mais chances de se manter em
abstinência do que aqueles que o abandonaram.
Muitos autores afirmam que a não conclusão do período total de tratamento é um
dos fatores predisponentes para uma possível recidiva pós abandono, o que significaria a
recidiva de muitos dos sintomas prevalentes no começo do tratamento.
No estudo realizado por Goñi são descritos estes indicadores. Segundo ele, mais
de 75% daqueles que concluíram o tratamento apresentaram uma evolução positiva pós
alta, enquanto que apenas 27% daqueles que abandonaram apresentaram o mesmo resul-
tado. Neste estudo, evolução positiva não significa necessariamente abstinência absoluta
de SPAs, mas também redução do uso (uso controlado), diminuição dos problemas com
justiça (prisões, detenções, etc.), melhora da vinculação com a família, reintegração ao
mercado de trabalho, e outros indicadores de qualidade de vida.
O mesmo também observou que a valorização global do programa de tratamento
é significativamente superior entre aqueles que concluem o tratamento, do que entre aque-
les que o abandonam, o que sugeriria que os primeiros teriam maiores condições internas
de levar adiante os avanços obtidos ao longo do mesmo, como mostram os dados recém
citados.
O levantamento realizado pelo NIDA conclui também que aqueles que completa-
ram exitosamente o tratamento dentro de uma CT tinham níveis mais baixos de consumo
de SPA, assim como de comportamento criminal, desemprego e indicadores de depressão.
Este estudo do NIDA se refere muito mais ao que é chamado comumente de re-
dução de danos do que à recuperação propriamente dita, mas o dado relevante é que,
independentemente do foco específico, a conclusão do tratamento é fator determinante
para o sucesso do indivíduo em todas as áreas.
Isto também deve ser considerado neste estudo já que, a diferença de outros, o
NIDA considera, assim como Goñi fatores referentes à qualidade de vida do sujeito (com-
portamento criminal, desemprego e depressão) para caracterizar o estado pós-tratamento
do paciente, e não somente a abstinência das SPAs.

1.2 A motivação para permanecer em tratamento

Para De Leon a questão da motivação interna e da capacidade de manter o com-


promisso é fator determinante do sucesso na recuperação. A maior parte dos dependentes
químicos buscam um tratamento por um conjunto de pressões externas e internas que
servem como motivadores apenas no início do processo. O que motivaria o dependente
químico a continuar em tratamento por tempo mais prolongado seria justamente a sua
capacidade de compromisso pessoal com a sua própria recuperação, assim como com o
programa oferecido pela CT.
Segundo ele, o dependente químico em CT estaria preparado realmente para as-
sumir a sua recuperação quando “desiste de, ou rejeita, todas as outras opções de mudança
que não a residência de longo prazo no programa”.
É claro que esta afirmação se mostra um tanto enviesada a manter o paciente em
tratamento por mais tempo, mas isto parte do conhecimento de que o dependente químico

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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tem como característica a tendência a não concluir nada que inicia, nunca mantém o seu
compromisso até o final e, por isso, justamente, a desistência do tratamento seria um fator
extremamente negativo no desfecho da sua recuperação. “A própria conclusão do pro-
grama representa um passo fundamental na aprendizagem do respeito aos compromis-
sos”.
Por outro lado, ele também afirma que, mesmo nos que continuam em tratamento,
podem ser encontrados vários graus de compromisso. Enquanto alguns permanecerão no
programa de tratamento apenas para não desistir dele, sem apresentar um grau elevado de
adesão para com o mesmo, suas regras e limites, outros apresentarão um compromisso
real em relação à CT, procurando aderir ao programa de recuperação de forma integral.
“A capacidade de assumir e cumprir compromissos é uma meta vital do processo
de mudança”. Por este motivo, mais uma vez pode-se perceber como o abandono do tra-
tamento é o primeiro passo do retrocesso no processo de recuperação iniciado no mo-
mento da internação.

1.3 Recuperação em 90 dias

Mesmo tendo considerado a importância da conclusão do período do tratamento,


como forma de garantir minimamente uma qualidade de vida satisfatória, assim como a
abstinência ou o uso controlado de SPAs, a afirmação não é absolutamente exclusiva para
o caso das desistências.
Como afirma NIDA “o fato de ter completado o tratamento esteve fortemente vin-
culado à melhores resultados”, mas isto não significa que estes melhores resultados ocor-
ram unicamente neste caso, o que não descarta definitivamente a possibilidade de melho-
rar a qualidade de vida mesmo havendo desistido do programa de tratamento.
Para todos os efeitos, diversos autores descrevem a experiência de terem obtido
resultados favoráveis em tratamentos de pelo menos 90 dias, o que descarta a hipótese de
que apenas tratamentos de longa duração possam trazer resultados positivos duradouros.

1.4 Recuperação natural

Este controverso fenômeno do universo da recuperação da dependência química


foi estudado amplamente por vários autores, já que deixa em evidência as inconsistências
de algumas das principais crenças dos modelos biomédicos tradicionais de tratamento.
Para Fernández-Hermida55, a diferenciação entre o modelo biomédico e o biopsi-
cossocial poderia ser representada pelo Quadro 1 a seguir:

Quadro 1 - Principais diferenças entre o Modelo Biomédico e o Modelo Biopsicossocial da depen-


dência química

Modelo Biomédico Modelo Biopsicossocial


Não há recuperação sem tratamento. Pode haver recuperação sem tratamento.
A recidiva é resultado da interação de di-
Não existe cura, a doença é incurável, e
versos fatores, mas não significam, ne-
por isso a recidiva são normais, e sinais
cessariamente, vulnerabilidade biológica
da evolução crônica do transtorno.
subjacente.
Não existe possibilidade de uso contro- O objetivo do tratamento pode ser o uso
lado. controlado.

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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A través destes dados pode-se observar uma visão diametralmente oposta entre
estes dois modelos, sendo que o primeiro colocaria as SPAs como centro do problema, e
o segundo o indivíduo como agente principal do processo.
Assim, através deste segundo modelo, surge o conceito de “recuperação natural”,
estudado por diversos autores, que representaria a possibilidade do dependente químico
recuperar-se sem necessidade de tratamento. Mas este conceito precisa ser compreendido
adequadamente, a fim de não desqualificar as mais variadas modalidades de tratamentos
existentes.
Num primeiro momento, “a recuperação natural é a via preferente de saída das
adicções entre os que abandonam ou reduzem o consumo do álcool e outras substâncias”,
e significaria a melhoria do quadro de dependência química sem necessidade de nenhuma
forma de tratamento.
Os autores acima referidos definem três conceitos básicos para considerar a me-
lhora do dependente químico como “recuperação natural”: o transtorno adictivo, o trata-
mento e a recuperação.

1.4.1 Transtorno adictivo

A caracterização da dependência química como transtorno é extremamente im-


portante para poder definir o perfil de quem consegue a recuperação natural, já que esta
acontece mais provavelmente em sujeitos com adicções menos graves.
Esta característica fez com que muitos afirmassem que aqueles que conseguem a
recuperação natural não seriam dependentes químicos de fato, ou seja, não teriam desen-
volvido a dependência química com toda a sua sintomatologia.
Segundo vários autores, aqueles que recorreriam a tratamentos para diminuir ou
parar com o consumo de SPAs apresentariam, além de maior grau de adicção, uma maior
incidência de comorbidades, assim como um maior número de consequências negativas
decorrentes da doença, a nível familiar, social, laboral, legal, etc.
Na pesquisa de Carballo57 foram comparadas duas populações: uma de indivíduos
em recuperação natural e outra de dependentes químicos em tratamento. Uma das formas
de avaliação foi a média de critérios de dependência do DSM-IV em que estes se encai-
xavam. A diferença foi notável, sendo que para aqueles em recuperação natural a média
foi de apenas 2 critérios, enquanto que para os dependentes químicos em tratamento foi
de 5, ou seja, 150% maior.
A porcentagem de comorbidades seria também um fator diferenciador do público
alvo, já que nesta pesquisa apenas 6% dos primeiros tiveram anteriores tratamentos por
problemas psiquiátricos, enquanto que nos segundos o índice foi de 37,5%.
Outro critério foi a porcentagem de participantes que declararam ter sofrido pres-
são externa para a mudança, sendo de 43% para os primeiros, e 81% para os segundos. É
evidente que o grau de pressão externa sofrida pelo dependente químico é proporcional
aos danos causados pela sua dependência, o que significa que aqueles que apresentaram
menor índice de pressão apresentaram, consequentemente, menos consequências signifi-
cativas em suas vidas.
Por outro lado, Carballo56 afirma que 75% dos estudos realizados neste tema se
referem apenas a alcoólicos, sendo os dependentes de outras SPAs (legais ou ilegais) re-
presentados apenas por 25% das pesquisas.

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Analisando estes dados, seria razoável inferir que a população das CTs não se
encaixa em grande parte destes critérios, o que significaria, portanto, que muito prova-
velmente um indivíduo com características apropriadas para a recuperação natural difi-
cilmente procuraria tratamento em uma CT.

1.4.2 Tratamento

Os autores definem que, para que a recuperação seja considerada natural, não deve
existir nenhuma modalidade de tratamento ou recurso terapêutico intermediando a mu-
dança do comportamento adictivo.
O tratamento compreende distintos tipos de recursos ou serviços terapêuticos
dirigidos à mudança das condutas adictivas, tais como AA ou outros grupos de
autoajuda; tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, recursos relacionados
com serviços sociais; hospital psiquiátrico; conselho do médico ou enfermeira;
hospital ou urgências e centros de desintoxicação.

Desta forma, o público que poderia ser incluído nestas condições fica ainda mais
reduzido, o que diminui a possibilidade de caracterizar a população da CT como passível
de recuperação natural, principalmente se forem considerados dados como os do NIDA e
Kurlander segundo os quais respectivamente 60% e 53% da população da CT já teria
passado por outros tratamentos anteriores.

1.4.3 Recuperação

Este é, talvez, o mais controverso critério relacionado à recuperação natural, já


que, como visto anteriormente, os modelos biomédicos tradicionais consideram como re-
cuperação apenas a abstinência absoluta, enquanto que, estes estudos consideram o con-
sumo sem risco também como critério de recuperação.
Mesmo assim, o mesmo autor afirma que este critério seria aplicável apenas aos
alcoólicos, já que para o tabaco e as drogas ilegais não haveria uma quantidade de con-
sumo considerado como não perigoso ou de baixo risco.
Na pesquisa de Carballo a diferença da abstinência total e o consumo de baixo
risco entre a população da recuperação natural e a do tratamento é extremamente signifi-
cativa, sendo que os resultados de abstinência absoluta foram quase 100% maiores no
tratamento.
É claro que a proposta inicial da CT é a abstinência absoluta, mas considerando
as informações acima, se existir algum indivíduo que se enquadre nos critérios mínimos
da recuperação natural, talvez seja possível, sim, que o mesmo possa fazer um uso con-
trolado, de baixo risco, após o tratamento, sem que isto configure, contudo, uma recidiva,
passível de ser contabilizada dentro dos insucessos da proposta terapêutica.

2. Avaliação das razões para o abandono do tratamento

O Questionário de avaliação das razões para o abandono (QARA) mostrou-se um


instrumento valioso para avaliar tanto o grau de dificuldade de adaptação ao tratamento
quanto a estruturação das crenças disfuncionais que podem colaborar com o abandono do
tratamento.

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Desenvolvido pelo autor desta pesquisa para uso de rotina na CTNJ, é fruto da
observação de inúmeros casos de abandono em mais de 20 anos de trabalho. Durante este
tempo foram observadas algumas razões muito recorrentes no discurso dos acolhidos que
abandonavam o tratamento, e que conferem com as citadas por diversos autores já citados.
Considerando estes discursos foi elaborado este questionário, tentando reproduzir
em linguagem simples o que a maioria dos acolhidos verbalizava ao abandonar o trata-
mento. Este tem se mostrado útil na prática diária da CTNJ, ajudando a perceber mais
claramente o que colabora com o abandono do tratamento, assim como na elaboração de
estratégias de prevenção ao abandono.
É um questionário autoaplicável que visa detectar os principais motivos auto re-
feridos que levam o acolhido a abandonar o tratamento e consiste em 12 afirmações com
possibilidade de resposta “sim/não”, sendo que todas as afirmações devem ser respondi-
das.
A aplicação é acompanhada tanto pela equipe técnica quanto pela equipe interna,
ambas devidamente treinadas e supervisionadas, considerando que o abandono não é uma
situação programada e, portanto, a aplicação deverá ser realizada por quem estiver pre-
sente no momento.
A elaboração das afirmações parte da hipótese já citada anteriormente de que
aqueles acolhidos que se consideram excessivamente otimistas em relação a si mesmos,
e aqueles que adotam uma postura negativa perante o tratamento estão mais predispostos
ao abandono.
As afirmações são as seguintes:

1. Sinto muita vontade de usar álcool e/ou drogas.


2. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar às regras.
3. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar à equipe de trabalho.
4. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar aos companheiros de trata-
mento.
5. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar às atividades propostas.
6. Acredito que não necessito mais permanecer em tratamento para poder
manter a abstinência de álcool e/ou drogas.
7. Acredito que já aprendi o suficiente para poder manter a abstinência de
álcool e/ou drogas.
8. Percebo que melhorou a relação com a minha família e por isso já posso
voltar para casa.
9. Acredito que estou muito bem espiritualmente, e por isso vou conseguir
ficar em abstinência de álcool/drogas fora do tratamento.
10. Acredito que estou pronto para atingir meus objetivos fora do tratamento.
11. Acredito que vou conseguir ficar em abstinência de álcool e/ou drogas,
mesmo sabendo que muitos recaem depois de abandonar o tratamento.
12. Sinto muita necessidade de começar a trabalhar e ganhar dinheiro.

As cinco primeiras questões relacionam dificuldades de adaptação do residente ao


tratamento, e pôde-se perceber uma baixa frequência de resposta afirmativa, exceto na
questão 2, o que poderia ter colaborado com a estruturação do pensamento mágico ou
crença disfuncional e, consequentemente, com o abandono do tratamento.

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Para Serra (2013, p. 112)


As crenças associadas a esquemas disfuncionais são irracionais e violam a ló-
gica. São supergeneralizadas, aplicando-se indiscriminadamente a diferentes
situações. [...] Crenças disfuncionais são absolutas, extremas e resistentes à
desconfirmação; ademais, muitas são culturalmente reforçadas.

No Gráfico abaixo podem ser avaliados os resultados da aplicação deste questio-


nário em aproximadamente 200 sujeitos (150 homens e 50 mulheres), no qual pode-se
perceber o padrão de resposta condizente com a hipótese da melhoria autodecidida, que
contribuiria com a estruturação de crenças disfuncionais.

Gráfico 1 - Respostas do QARA na CT Nova Jornada, 2016-2017

1. Sinto muita vontade de usar álcool e/ou drogas.

2. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar…

3. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar…

4. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar…

5. Estou tendo muita dificuldade para me adaptar…

6. Acredito que não necessito mais permanecer em…

7. Acredito que já aprendi o suficiente para poder…

8. Percebo que melhorou a relação com a minha…

9. Acredito que estou muito bem espiritualmente,…

10. Acredito que estou pronto para atingir meus…

11. Acredito que vou conseguir ficar em abstinência…

12. Sinto muita necessidade de começar a trabalhar…

Masculino Feminino

Confirmando isto, a crença estruturada pelo residente de que é muito pouco pro-
vável sofrer uma recaída após o abandono (encontrada nas questões 6 a 14) viola a lógica,
já que toda a literatura nacional e internacional refere o contrário, e o mesmo é orientado
neste respeito durante o tratamento, e no ato do abandono.
A crença também é supergeneralizada, já que em muitos casos o residente que
abandona o tratamento toma como regra alguma exceção que tenha conseguido permane-

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cer em abstinência após o abandono, ou até mesmo alguém que tenha conseguido inter-
romper o uso sem necessidade de uma internação, não discriminando se o padrão de con-
sumo2 e a história natural da doença3 se assemelham.
Considerando o trabalho como um dos principais fatores que colaboram com o
abandono do tratamento, vale a pena avaliar a representação social do mesmo, a fim de
considerar quanto é culturalmente reforçada a volta para o mercado de trabalho.
Para Ferreira et al. (2005, p. 3) as representações sociais “funcionam como um
sistema de interpretação da realidade que regula as relações dos indivíduos com seu meio
ambiente físico e social, orientando os comportamentos e as práticas desses indivíduos”.
Em diversos estudos sobre a representação social do trabalho no Brasil foi obser-
vado que o compromisso, a responsabilidade e o desenvolvimento pessoal foram as prin-
cipais características relacionadas ao mesmo, depois da remuneração e do sustento. Isto
pode colaborar com a crença de que quem não trabalhe, independentemente do motivo,
não seja uma pessoa comprometida, responsável e em desenvolvimento pessoal. Isto pode
funcionar como uma fonte de pressão interna e social para que o dependente em trata-
mento deseje retornar o mais brevemente possível para o mercado de trabalho, a fim de
não se sentir um indivíduo irresponsável, descomprometido e com baixo nível de desen-
volvimento pessoal.
Para Serra (2013), a vulnerabilidade cognitiva – tendência a aplicar um viés nega-
tivo no processamento de informação – contribuiria tanto para a instalação e manutenção
de transtornos afetivos quanto para aumentar a chance de o indivíduo cometer erros de
processamento da realidade, como os que muitas vezes podem contribuir para o abandono
do tratamento. Os principais erros seriam:

a. aplicar um viés negativo sistemático no processamento de eventos internos e


externos;
b. depois de feita uma interpretação, resistir ao reconhecimento de interpretações
diferentes;
c. processar seletivamente informações do ambiente que correspondem ao con-
teúdo de seus esquemas e crenças, descartando informações discordantes.

A ausência de vontade de usar álcool/drogas (98,2%), a ausência de dificuldades


de adaptação com a equipe (92,6%), com o grupo (90,7%) e com as atividades da CT
(85,2%), pode ser interpretada pelo residente como sensação de “cura da doença”, favo-
recendo o aparecimento de excesso de otimismo em relação a si mesmo e, portanto, da
crença disfuncional de que pode abandonar o tratamento sem prejuízo para sua recupera-
ção. Como visto, esta crença é resistente à desconfirmação, motivo pelo qual é tão difícil
dissuadir um residente que está prestes a abandonar o tratamento por este motivo. Estas
afirmações validam a Hipótese “h” deste estudo.

2
O padrão de consumo é a forma ou maneira como uma pessoa faz uso de uma determinada droga, a partir
da primeira experimentação, que pode ser baseado no tipo de droga, na quantidade, na frequência e na
forma do consumo. Esta caracterização se faz necessária para definir claramente os conceitos de abuso
e dependência.
3
A história natural da doença neste caso refere-se à passagem do uso experimental e ocasional para o
uso arriscado, depois para o uso nocivo ou abuso, no momento em que começam a aparecer os primei-
ros problemas de qualquer espécie na vida do indivíduo, e depois para a dependência, com todos os
possíveis transtornos e morbidades que possam surgir ao longo da mesma.

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Neste sentido, o viés negativo referente à vulnerabilidade cognitiva presente nesta


dinâmica de abandono estaria relacionado ao negativismo em relação a permanecer em
tratamento, e não necessariamente a uma visão negativa de sua própria vida.
Para Oliveira e Ribeiro (2012, p. 397) os dependentes químicos “quando confron-
tados com alguma escolha na qual uma recompensa imediata se faz presente, optam por
esta sem considerar as consequências, colocando em risco a reputação, emprego, casa e
família”. Estudos internacionais evidenciaram que o comprometimento na tomada de de-
cisão pode ser uma das bases do problema da dependência química.
No caso da questão 2, referente às regras da CT, era previsível que a frequência
de resposta se apresentasse maior do que as outras quatro (31,5%), já que a dificuldade
de lidar com os limites e de controlar os impulsos é característica do DQ, como afirmam
Oliveira e Ribeiro (2012), mas mesmo assim não representa um valor significativo.
Nas questões 6 em diante há referência justamente à construção da crença disfun-
cional de estar “curado” ou pronto para enfrentar a realidade, de não precisar mais do
tratamento, constituindo o que foi chamado de “melhoria autodecidida” por autores como
Dominguez-Martín (2008), e de “excesso de otimismo em si mesmo” por Surjan; Pillon
e Laranjeira (2012), como já visto.
Diferentemente das cinco primeiras questões, nas quais o risco residiria na res-
posta negativa, nestas nove questões a resposta afirmativa representa o risco de constru-
ção da crença disfuncional. Para isto foram consideradas como mais significativas aquelas
que tiveram frequência de resposta afirmativa maior a 70,0%.
As questões 6 e 9 praticamente atingiram esta frequência (64,8%), e as questões
7, 8 e 14 apresentaram frequência abaixo deste valor (48,1%; 29,6% e 40,7% respectiva-
mente).
No caso da questão 8, que tem como finalidade afirmar ou negar a negação da
questão nº 1, a maior parte dos residentes encontrou dificuldade em compreendê-la e in-
terpretá-la, provavelmente devido à prevalência da baixa escolaridade (72,5%), portanto
será revista em versões futuras deste questionário de avaliação.
As questões 11 e 12 apresentaram frequência de resposta afirmativa maiores a
70% (75,9% e 74,1% respectivamente), e são exemplos claros de crenças disfuncionais
que podem ser nocivas para o dependente químico em tratamento.
A questão 11 ilustrou claramente o pensamento mágico infantil que Dalgalarrondo
(2008) chamou também de pensamento dereísitco, que significa: pensamento dominado
por uma imaginação fantasiosa. Para ele, este tipo de pensamento tem a característica de
distorcer a realidade para que esta se adapte aos anseios do indivíduo. Embora seja mais
característico em crianças, indivíduos com personalidades regredidas, como o dependente
químico, podem também apresentá-lo.
A questão 12 se refere à aceitação e admissão da dependência química como do-
ença, considerando que o residente se considera diferente de outros dependentes quími-
cos. A falta de aceitação do problema, assim como a falta de honestidade em relação à
própria dependência, é uma das principais características de muitos dependentes quími-
cos.
No clássico “Livro Azul” dos Alcoólicos Anônimos (AA) – escrito principalmente
por Bill W. em 1939 – encontra-se uma audaciosa explicação de como funciona o pro-
grama de recuperação dos 12 Passos, aparentemente fundamentado em conceitos de sim-
ples apreensão, mas de uma profundidade ímpar, e que considera a honestidade como
principal fator propiciador da recuperação efetiva:

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Raramente temos visto fracassar uma pessoa que cuidadosamente seguiu nosso
caminho. Os que não se recuperam é porque não podem ou não querem se
entregar completamente a este programa simples. Geralmente, homens e mu-
lheres que, pelas suas constituições, são incapazes de ser honestos consigo
mesmos. [...] São, por natureza, incapazes de desenvolver um modo de vida
que requeira rigorosa honestidade. Suas “chances” são menores que o comum.
Existem, também, aqueles que sofrem de graves desequilíbrios emocionais e
mentais, embora muitos se recuperem por terem a capacidade de ser hones-
tos. (AA, 1955, p. 73, grifo nosso).

O que mais surpreende nos resultados apresentados por este questionário de ava-
liação são as duas questões com mais respostas afirmativas: 10 (83,3%) e 13 (96,3%),
sendo esta última praticamente unânime.
Estas duas questões se referem a dois dos principais fatores de proteção para a
recaída: a espiritualidade/religiosidade e o trabalho. Por este motivo surpreende, já que
evidencia que estes fatores de proteção para a recaída podem ser fatores de risco para o
abandono do tratamento, que por sua vez é um grande fator de risco para a recaída.
Para Sanchez, Ribeiro e Nappo (2012), a espiritualidade e a religiosidade são im-
portantes fatores de prevenção à recaída, por causa da sensação de bem-estar interior que
provocam, pela adesão e pertença a grupos sociais específicos, pelos limites que impõem
ao comportamento dos fiéis, e pela diminuição da exposição a outros fatores de risco.
Mas estes mesmos fatores de proteção associados ao pensamento mágico e às
crenças disfuncionais podem se tornar um risco para o dependente químico em trata-
mento.
Por último, a frequência de resposta da questão 13 revelou que o desejo de voltar
a trabalhar e se tornar novamente economicamente ativo é o principal motivo autorrefe-
rido para o abandono do tratamento, o que complementa os dados obtidos a través da
análise multivariada deste estudo, que aponta o trabalho como o único fator preditor do
abandono estatisticamente significativo, e afirma que aqueles residentes que trabalhavam
antes de ingressar na CT possuem 10 vezes mais chance de abandonar o tratamento do
que aqueles que se encontravam desempregados no ato da internação.
Como visto acima, as crenças disfuncionais são extremamente difíceis de serem
descontruídas e não passíveis à desconfirmação, mais ainda quando se trata de crenças
reforçadas socialmente, como é o caso destas duas últimas questões.
A espiritualidade/religiosidade e o trabalho representam valores altamente refor-
çados socialmente, que dificilmente são contestados e, portanto, acabam sendo altamente
passíveis de generalização e interpretação alternativa, fato que pode ocorrer com o de-
pendente químico que abandona a CT afirmando estas duas últimas questões.
Considerando as questões acima, este instrumento (QARA) se mostrou eficaz em
detectar como possível fator prognóstico do abandono do tratamento a mesma variável
que a análise multivariada apresentou após a avaliação estatística. Por este motivo, este
instrumento poderá ser submetido a processo de validação em futuros trabalhos.

Conclusões

As CTs, quando bem organizadas e administradas dentro de um projeto terapêu-


tico coerente e condizente com as diretrizes nacionais e internacionais, se configuram
como dispositivos de alta complexidade para o tratamento da dependência química em
regime residencial.

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Sendo originárias diretamente do movimento da Reforma Psiquiátrica, que busca


desde suas origens uma nova forma – mais humanizada e individualizada – de abordar o
paciente com transtornos mentais ou, neste caso, com transtornos decorrentes do uso e
abuso de SPAs, as CTs focam o seu trabalho na volta do indivíduo à sociedade, a fim de
que o dependente químico recupere plenamente a sua cidadania e a sua individualidade,
com todas as prerrogativas que estas supõem.
Na atualidade as CTs dão conta de praticamente 85% das internações de depen-
dentes químicos no Brasil, podendo ser consideradas, por este motivo, como o principal
recurso existente no momento para este público específico.
Dentre as diversas dificuldades encontradas pelos profissionais destes serviços, o
abandono do tratamento, principalmente o abandono precoce (anterior a 90 dias), se apre-
senta como o de maior impacto para a recidiva, sendo de muito difícil prevenção e erra-
dicação, chegando a atingir entre 60% a 80% dos casos.
Um dos principais problemas relacionados ao abandono do tratamento, principal-
mente o abandono precoce, é a forte associação encontrada entre este e a recidiva, já que
diversos estudos nacionais e internacionais afirmam que os pacientes que abandonam o
tratamento estão muito mais propensos a apresentar recidiva do que aqueles que concluem
o tratamento, ou permanecem por períodos maiores. E ainda aqueles que abandonam pre-
cocemente o tratamento tem maior probabilidade de apresentar recidiva do que aqueles
que abandonam após pelo menos 90 dias de tratamento.
Por outro lado, não somente observaram-se diferenças significativas em relação à
recidiva, entre aqueles que abandonaram o tratamento e os que o concluíram, ou perma-
neceram períodos superiores a 90 dias, mas também em relação à outras variáveis signi-
ficativas, como: redução do uso (uso controlado), diminuição dos problemas com justiça
(prisões, detenções, etc.), melhora da vinculação com a família, reintegração ao mercado
de trabalho, e outros indicadores de qualidade de vida.
Diminuir os índices de abandono configura um desafio em todos os modelos de
tratamento para a dependência química, mas considerando que a CT é um modelo de
tratamento de longa duração, a incidência de abandono tende a ser maior que em inter-
venções mais curtas ou ambulatoriais.
Este abandono pode estar motivado por diversos fatores, dentre eles a não moti-
vação para o tratamento e, principalmente, a sensação de “estar pronto”, que derivaria na
crença de não necessitar mais de tratamento, também denominada por alguns autores
como “melhoria autodecidida” ou “efeito placebo inicial”, e o período de maior risco para
isto seriam os primeiros 90 dias de tratamento.
Por outro lado, existem estudos com indivíduos que conseguem suspender o uso
de SPAs sem nenhuma forma de intervenção terapêutica, o que é denominado de “recu-
peração natural”. Porém todos os estudos a este respeito considerados nesta pesquisa se
referiram a amostras de indivíduos que não se enquadraram nos critérios de dependência
grave ou moderada, enquanto que ficou evidenciado que o público das CTs tem como
característica um alto grau de dependência.
Por estes motivos concluiu-se que a implantação de rotinas e procedimentos que
visem a motivação precoce para a permanência no tratamento e, consequentemente, a
redução dos índices de abandono, se tornam indispensáveis dentro da programação tera-
pêutica das CTs, paralelamente com as propostas terapêuticas a médio e longo prazo, já
que mesmo que a CT apresente um robusto programa terapêutico, este se torna obsoleto
se não for garantida primeiro a adesão ao tratamento.

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Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: O abandono do tratamento na Comunidade Terapêutica


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PROBLEMAS

RELACIONADOS

AO ÁLCOOL
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PROBLEMAS RELACIONADOS AO ÁLCOOL

1. História

Acredita-se que a bebida alcoólica teve origem na Pré-História, mais precisamente


durante o período Neolítico quando houve a aparição da agricultura e a invenção da ce-
râmica.
Na literatura médica, por volta do século 385 AC, Hipócrates descreveu o uso do
álcool como um fator predisponente a várias doenças e relatou a respeito do delirium
tremens em seu livro sobre as epidemias (Fortes, 1975 apud Marques, 2001).
Com o aumento da disponibilidade, após o advento da destilação, o consumo de
álcool passou a ser mais frequente e abusivo, em contraste à períodos anteriores. Em fun-
ção das consequências deste uso abusivo e dos problemas decorrentes a ele, a opinião
pública pressionou os cientistas da época a desenvolverem pesquisas (MARQUES, 2001).
Embora exista uma tendência geral a demonizar drogas de abuso, como o crack e
cocaína, por exemplo, atribuindo a estas os principais danos sociais, familiares, laborais
e individuais em relação às substâncias psicoativas (SPAs), existe uma delas que é indi-
cada por todas as pesquisas epidemiológicas como a que mais danos provoca à sociedade
e mais custo representa para a saúde pública: o álcool.
Sim, o álcool é o principal vilão quando se trata das SPAs no mundo, sendo o
principal responsável por muitas das mortes, aci-
dentes e violência, principalmente entre a população O CEBRID é o Centro Brasileiro de In-
formações sobre Drogas Psicotrópicas,
jovem. que funciona no Departamento de Medicina
Os estudos epidemiológicos mais abrangen- Preventiva da UNIFESP (Universidade Fe-
tes no Brasil sobre o uso de álcool na população ge- deral de São Paulo).
ral foram os realizados pelo CEBRID, e também É uma entidade sem fins lucrativos e existe
pela UNIAD (Unidade de Pesquisas em Álcool e exclusivamente para ser útil à população.
Para cumprir esta função, o CEBRID orga-
Drogas - UNIFESP), sendo o último destes o II niza pesquisas e reuniões científicas sobre o
LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Dro- assunto drogas, publica livros e levantamen-
gas, realizado em 2012. tos sobre o consumo de drogas entre estu-
Em relação às pesquisas mundiais a Organi- dantes, meninos de rua, etc., mantém um
zação Mundial de Saúde (OMS) e o Escritório das banco de trabalhos científicos brasileiros so-
bre o abuso de drogas e publica boletins tri-
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) re- mestralmente.
presentam as principais fontes de conhecimento so-
bre o assunto.

2. Álcool no mundo

Segundo a OMS e a UNODC, o álcool provoca quase 10% das mortes de jovens
no mundo, e mata mais que a Aids ou a tuberculose.
O problema é gritante, principalmente na população masculina: 6,2% das mortes
de homens são relacionadas ao álcool, enquanto para as mulheres o índice é de 1,1%. Para
homens de 15 a 59 anos, a bebida está envolvida nas principais causas de morte.
Além de prejudicar o próprio usuário, o consumo de álcool atrapalha o bem-estar
e a saúde das pessoas que estão em volta. Uma pessoa bêbada pode machucar outras ou

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colocá-las em risco de acidentes de carro ou de comportamentos agressivos. Pode ainda


afetar negativamente colegas de trabalho, parentes, amigos ou estranhos.
A OMS divulgou em 2014 o Relatório Global sobre Álcool e Saúde, que traz
informações sobre o consumo de álcool no mundo e avalia os avanços realizados nas
políticas do álcool desde a publicação das Estratégias Globais para Redução do Uso
Nocivo do Álcool, em 2010.
De acordo com este estudo, o consumo mundial médio do produto era de 6,2 litros
de álcool puro por ano. No Brasil, o índice é 40% maior: 8,7 litros por pessoa.
Estima-se que homens consumam 13,6 litros por ano, e as mulheres, 4,2 litros por
ano. Quando são considerados apenas os indivíduos que consomem álcool, esta média
sobe para 15,1 litros de álcool puro por pessoa (sendo mulheres: 8,9 litros e homens: 19,6
litros).
Segundo este estudo, a distribuição mundial do uso de álcool per capita é a apre-
sentada na Figura 1:

Figura 1 - Estimativa do consumo per capita de álcool de acordo com país

CISA, 2014

Segundo levantamento feito na base de dados do Datasus, entre 2006 e 2010 a


bebida tirou a vida de 34.573 pessoas – 84,9% dos casos informados por médicos em
formulários que avisam o Governo Federal sobre a causa da morte nesse grupo da popu-
lação.
Em segundo lugar aparece o fumo, com 4.625 mortos (11,3%). A cocaína, em
comparação, matou pelo menos 354 pessoas no período, cerca de 1% das mortes relacio-
nadas ao uso de álcool.
As duas principais drogas legalizadas no país, álcool e fumo, juntas, segundo o
estudo, mataram 39.198 pessoas em cinco anos – ou 96,2% do total. Os técnicos do Ob-
servatório do crack – da Confederação Nacional de Municípios (CNM) – alertam, no en-
tanto, que os dados de 2010 ainda são preliminares.

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Em um levantamento feito pela Organização Pan-Ameri-


cana de Saúde (OPAS) em 16 países mostrou que 12 a cada 100.000 A taxa de mortalidade
por álcool no Brasil é
óbitos registrados ao ano no Brasil não ocorreriam na ausência de
uma das maiores do
bebida alcoólica, o que coloca o Brasil na frente da maioria dos pa- continente.
íses do continente em taxa de mortalidade por álcool. Vale ressaltar
que destas mortes, 84% ocorreram com indivíduos do sexo masculino.

3. O álcool no Brasil

Já segundo os dados levantados pelo II LENAD4, os valores foram os apresenta-


dos no Quadro 1:

Quadro 1 - Dados do II LENAD para o consumo de álcool no Brasil


A incidência de dependência de álcool na popu- 10,5% entre homens
lação é de 6,8%. 3,6% entre mulheres
50% da população adulta relata consumo habi-
67,2 milhões de pessoas
tual de álcool.
17% destes se tornam dependentes. 11,7 milhões de pessoas
O Brasil é o 3º país em consumo de álcool por A grande maioria destes começa
adolescentes no mundo. em casa com familiares.
70% população consumiu álcool nos últimos 30 dias.
Em 20% dos casos de violência infantil, o abusador havia bebido.
Em 50% dos casos de violência doméstica, o abusador havia bebido;
10% relatou que alguém já se machucou devido
6,6 milhões de pessoas
ao seu uso de álcool.
8% admitem que o uso de álcool já teve efeito
7,4 milhões de pessoas
prejudicial em seu trabalho.
4,9% dos bebedores já perdeu o emprego por
4,6 milhões de pessoas
causa do consumo de álcool.
9% admitem que o uso de álcool já afetou sua fa-
12,4 milhões de pessoas
mília ou relacionamento.

Comparando os dados do I e do II LENAD (realizados em 2006 e 2012 respecti-


vamente) pode-se observar uma pequena diminuição na quantidade de bebedores no país,
mas os números ainda são assustadores.
Entre os homens a prevalência de abstinência observada em 2006 era de 35% e
chegou a 38% em 2012, tendo um aumento de 8,6%, entre as mulheres as mesmas preva-
lências observadas foram de, respectivamente, 59% e 62%, com um aumento de 5,1%,
como mostra o Gráfico 1.

4
Porcentagens referentes ao II LENAD para população adulta.
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Gráfico 2 - Proporção de abstinentes e bebedores por sexo, comparando o I e o II LENAD

I LENAD - 2006 - II LENAD - 2012

41% 38%
65% 62%

59% 62%
35% 38%

Homens Mulheres Homens Mulheres

Abstinentes Bebedores

Em relação à população geral, independentemente do sexo, 50% se definiram


como abstêmios, 32% consideraram que bebiam de forma moderada, e 18% assumiram
beber de forma nociva, ou seja, bebendo 6 ou mais doses por ocasião, como mostra o
Gráfico 2.

Gráfico 3 - Padrão de consumo de álcool na população geral

Beber
nocivo;
18%

Abstêmio;
50%
Beber
moderado;
32%

II LENAD

Já quando se trata da avaliação do beber em


Binge drinking é a denominação que se
binge a situação é diferente, havendo para este tipo de dá em inglês ao beber problemático ou
beber um aumento médio de 31,1%, sendo este 29,4% nocivo.
para homens e 36% para mulheres, como mostra o Dentro da classificação por padrão de
Gráfico 3. consumo, representa o abuso.
Um dos critérios que se utiliza para defi-
nir este padrão de binge é o indivíduo
beber de 4 a 5 doses em até 2 horas.

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Gráfico 4 - Proporção de bebedores em binge por sexo, comparando o I e o II LENAD

Em relação à dependência do álcool os números são gritantes, havendo quase 12


milhões de dependentes do álcool no Brasil, segundo o II LENAD, como mostra o Grá-
fico 4.

Gráfico 5 - Porcentagem de bebedores e de dependentes do álcool no Brasil

II LENAD

Este valor representa 17% dos bebedores, ou 6,8% da população geral, sendo que
entre os homens esta taxa é de 10,5% e entre as mulheres de 3,6%, o que evidencia que
os homens apresentam três vezes mais casos de dependência do álcool do que as mulhe-
res.

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A mesma distribuição Gráfico 6 - Distribuição de uso abusivo e a dependência por sexo, com-
comparando o uso abusivo e a parando o I LENAD (2006) e o II LENAD (2012)
dependência nos estudos do I
LENAD (2006) e do II
LENAD (2012), mostra que
enquanto houve significativa
diminuição dos casos de uso
abusivo e dependência entre os
homens, as mulheres apresen-
taram aumento nos casos de
dependência, como mostra o
Gráfico 5.

Estes dados podem su-


gerir que nos últimos anos te-
nha se modificado o padrão de
consumo de álcool de forma
contrária entre homens e mu-
lheres, modificando desta forma a crença estabelecida de que invariavelmente os homens
consomem mais álcool que as mulheres.
Confirmando esta hipótese, no estudo realizado por Andrade et al. (2014) foram
analisados dados de entrevistas com 5.037 homens e mulheres maiores de 18 anos que
vivem nos 39 municípios da Grande São Paulo, feitas para o São Paulo Megacity Mental
Health Survey, levantamento realizado com o apoio da FAPESP para integrar a Pesquisa
Mundial sobre Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Considerando que no caso das mulheres os riscos do be-
ber abusivo são maiores que para os homens, os pesquisadores “a grande surpresa
afirmaram que “a grande surpresa foi constatar que as mulheres foi constatar que as
bebem pesado tanto quanto os homens”. mulheres bebem
Segundo os dados deste estudo, entre aqueles que consu- pesado tanto
miram álcool regularmente, a porcentagem de homens e mulhe- quanto os homens”
res que bebem pesado e de forma episódica foi a mesma: 9%.
“A diferença entre os gêneros aparece entre os que bebem pesado com frequência,
mas, ainda assim, muito pequena: 22% dos homens e 16% das mulheres. Ambos bebem,
igualmente, numa frequência de duas vezes por semana, em média, e de seis a sete doses
por ocasião” (Andrade et al., 2014).
Para a pesquisadora, os dados revelam uma mudança na relação da mulher com a
bebida. “Trata-se de uma realidade mais recente, decorrente da maior aceitação do con-
sumo de álcool entre as mulheres. O aumento da renda da mulher e a redefinição dos seus
papéis na sociedade também diminuíram o preconceito, num fenômeno de convergência
do beber entre os gêneros.”
A pesquisa identificou também que o beber pesado episódico está mais associado
a mulheres desempregadas ou trabalhando e menos a donas de casa ou aposentadas. As
chances de uma mulher desempregada beber pesado são duas vezes maiores.

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4. Os prejuízos do álcool

Inúmeros são os prejuízos que o padrão abusivo ou dependente de consumo de


álcool produz tanto no indivíduo que consome quanto naqueles que o cercam.
Desemprego, doenças, violência, acidentes diversos, desagregação familiar, trans-
tornos mentais e suicídios podem se associar diretamente ao consumo abusivo de álcool.

4.1 Álcool, trabalho e economia

Dados da OMS indicam que 70% dos indivíduos que têm problemas de abuso de
álcool estão empregados.
Outros estudos nacionais (SILVA; DUARTE, 2008) mostram que o alcoolismo é
a terceira causa de absenteísmo no trabalho, e que o uso de drogas no local de trabalho é
um problema mundial de Saúde Pública.
Dados levantados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que
20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas intoxicadas que ma-
chucam a si mesmas e a outros.
No âmbito das relações de emprego, a intoxicação habitual faz com que o traba-
lhador se mantenha em atividade, enquanto pode, por mera obrigação.
O uso periódico e prolongado reduz a capacidade para o trabalho na medida em
que afeta o raciocínio, a concentração, alterando o comportamento do trabalhador relati-
vamente à sua responsabilidade, postura, valores morais, e tudo mais que possa excluí-lo
do convívio social.
Além dos problemas de ordem física, mental e moral que as drogas em geral cau-
sam a um trabalhador, existe a repercussão deste conjunto de acontecimentos na vida da
empresa, através de:

 absenteísmo;
 impontualidade, faltas constantes e injustificadas no trabalho;
 afastamento e acidentes de trabalho;
 desperdício de material devido à má qualidade da produção, que é, por sua
vez, resultado da perda da concentração, clareza visual e habilidades do
funcionário dependente;
 diminuição da produtividade e qualidade dos produtos;
 ocorrências disciplinares;
 licenças-saúde longas e frequentes;
 aposentadorias precoces.

Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo


(FIESP), mostrou que o alcoolismo, se comparado a outros problemas de saúde, é res-
ponsável por gerar três vezes mais licenças médicas; aumentar em cinco vezes as chances
de acidentes de trabalho; aumentar em oito vezes a utilização de diárias hospitalares e
levar as famílias a recorrerem três vezes mais às assistências médica e social (Brasil,
2004).

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Dados especulativos estimam que o Brasil gaste, anualmente, 7,3% do Produto


Interno Bruto (PIB) com consequências de problemas relacionados ao álcool – desde o
tratamento das condições médicas até a perda da produtividade decorrentes do seu uso.
Considerando o PIB de R$ 5,1 trilhões, o custo do uso abusivo
Em 2014 o Brasil gas- de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372 bi-
tou R$ 372 bilhões lhões.
por causa do uso abu- O número de auxílios-doença por alcoolismo lidera o
sivo do álcool! ranking dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) atrelados ao uso de drogas. Representa quase um terço
do total de afastamentos do trabalho. De janeiro de 2009 a agosto de 2014, foram autori-
zados 75.139 auxílios para trabalhadores com dependência do álcool comprovada por
perícia médica. No período, os gastos com as concessões chegaram aos R$ 40 milhões.

4.2 Álcool e família

O uso de álcool pelos pais pode influenciar uma criança genética ou ambiental-
mente. A síndrome alcoólica fetal (SAF) é uma das consequências diretas do uso de álcool
materno. Aproximadamente 3 a 10 entre cada 10.000 bebês nascidos nos Estados Unidos
a cada ano nascem com a SAF.
Acredita-se que a SAF afete cerca de 40 mil crianças por ano em todo o globo,
mais do que a síndrome de Down, distrofia muscular e espinha bífida somadas, segundo
a organização não-governamental The National Organization on Fetal Alcohol Syndrome
(NOFAS).
“Há uma estimativa de que um em cada cinco casos (20%) de deficiência mental
no mundo seja causado pelo álcool” ingerido pela gestante, afirma Dartiu Xavier da Sil-
veira, co-fundador e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Depen-
dentes (PROAD) da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP).
A Síndrome Alcoó-
Também se afirma que a SAF é reconhecida como a
lica Fetal é reconhe-
maior causa de retardo mental no ocidente.
cida como a maior
Evidências científicas mostram que o alcoolismo tende
causa de retardo men-
a perpetuar na família. Segundo estudos os filhos de alcoolis-
tal no ocidente.
tas:

 apresentam um risco maior de se tornarem dependentes do álcool e são mais


propensos a abusar de outras drogas do que filhos de não alcoolistas;
 são mais propensos a desenvolver transtornos de ansiedade, transtornos ali-
mentares, depressão, problemas de aprendizagem e transtornos de conduta;
 apresentam um risco aumentado para problemas comportamentais, agressi-
vidade, e transtorno do impulso;
 apresentam mais dificuldades na escola. Em geral apresentam notas escola-
res menores do que a média, pobreza no discurso e dificuldades em realizar
tarefas;
 os gastos com a saúde em crianças filhas de alcoolistas é aproximadamente
32% maior do que os gastos com crianças filhas de pais não alcoolistas.

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Ainda segundo os mesmos estudos, os filhos de alcoolistas na vida adulta:

 37% se veem como alcoolistas;


 30% casam-se com alcoolistas;
 muitos têm dificuldades de expressar sentimentos, apresentam baixa autoe-
stima, timidez.

Quando se fala da violência familiar, o álcool aparece novamente como um dos


principais vilões, aumentando consideravelmente a incidência de casos de agressões e
abusos.
Segundo dados do II LENAD, em 20% dos casos de violência infantil dentro da
família, o agressor havia ingerido bebida alcoólica, como mostra o Gráfico 6.

Gráfico 7 - Álcool e violência na infância - II LENAD

Já nos casos de violência doméstica, ou seja, agressões entre cônjuges, o álcool


aparece como responsável em 50% dos casos, como mostra o Gráfico 7.

Gráfico 8 - Álcool e violência doméstica - II LENAD

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Sendo assim, pode-se afirmar que a combinação de álcool e convivência familiar


não está isenta de riscos. Muito pelo contrário, pode ser o prenúncio de um desfecho
trágico, mas evitável, desde que tratado com o devido cuidado.
No caso da dinâmica dos relacionamentos familiares, muitas situações podem
configurar-se:
 A esposa deseja que o marido seja alcoolista.
 Filhas de alcoolistas podem buscar formas de continuar encenando seus
problemas dinâmicos não resolvidos (disfunções de modo a perpetuar o
problema).
 A esposa dominadora vs. A esposa que assume o controle do lar frente ao
fracasso do marido em exercer seus papeis sociais.

Já a situação do casal pode passar por fases semelhantes às seguintes:

 Negação.
 Tentativas de controle ou evitação - isolamento social.
 Desesperança, medo e esgotamento.
 Contato sexual diminui/cessa, medo, raiva, culpa.
 Tentativas de convencimento, procura de ajuda.
 Término do relacionamento ou “Subterfúgios”.

Ou quando a família começa a se posicionar de forma específica:

 Subterfúgios  Afastamento;
 Ataque  controle, agressões, ameaças;
 Manipulação  exposição da própria angústia e a dos filhos, embriaguez
proposital;
 Mimos  cuidados e promessas;
 Manejo Construtivo  Assume o controle, cuida dos filhos;
 Busca de ajuda construtiva  Médico da família, AA, folhetos, informa-
ção, tratamento em CT.

E quando a esposa está lidando com problemas de ordem prática e emocional por
causa do alcoolismo do marido, diversos sentimentos e estados podem emergir recorren-
temente:

 Ansiedade, medo, infelicidade, baixa autoestima, culpa.


 Sentimentos conflituosos em relação ao homem com quem se casou.
 Problemas financeiros e de ordem prática – vizinhos, falta de higiene pes-
soal do esposo, manutenção da casa, etc.

E quando a esposa é alcoolista:

 O fracasso da esposa em cumprir seus papéis, não traz problemas nem


maiores nem menores, apenas diferentes do fracasso masculino.
 O marido, por medo ou vergonha pode tornar-se violento.
 Pode-se eleger uma filha mais velha para assumir o papel feminino no lar.

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 Economicamente, usualmente é mais fácil para o homem abandonar o ca-


samento.

4.3 Álcool e violência

Outra associação inevitável quando se trata do consumo abusivo do álcool e o


aumento da violência de forma geral.
O uso de álcool por adolescentes está fortemente associado à morte violenta, assim
como a queda no desempenho escolar, dificuldades de aprendizado, prejuízo no desen-
volvimento e estruturação das habilidades cognitivo-comportamentais e emocionais do
jovem. O consumo de álcool causa modificações neuroquímicas, com prejuízos na me-
mória, aprendizado e controle dos impulsos.
Em relação à violência urbana, situações como andar armado e envolvimento em
brigas com agressão física aumentam consideravelmente quando o consumo de álcool
está associado.
Por exemplo, segundo os dados do II LENAD (2012), os homens bebedores pro-
blemáticos apresentam quase o dobro de chance de andar armados do que os homens em
geral, destacando-se entre estes os menores de 30 anos, como mostra o Gráfico 8.

Gráfico 9 - Proporção da população que anda armada segundo o II LENAD

Face a isto, o envolvimento em brigas com agressão física também aumenta con-
sideravelmente quando se associa o abuso de álcool.
Segundo dados do II LENAD (2012), 2,6% da população geral, ou 3% dos ho-
mens, se envolveu em brigas no ano do estudo.
Se avaliados os homens com menos de 30 anos este número dobra, sendo 6% a
taxa para esta faixa etária.
Já para os homens bebedores problemáticos com menos de 30 anos a taxa foi de
27%, ou seja, 900% a mais do que a dos homens em geral, e 450% a mais do que a taxa
dos homens com menos de 30 anos em geral, como mostra o Gráfico 9.
Em um estudo realizado no interior do Estado de São Paulo (Ribeirão Preto) foram
analisadas 263 amostras de causa de morte violenta. Em 52% destas amostras a alcoole-
mia foi positiva (< 0,6 e = 0,6 g/l).
As análises estatísticas indicaram uma tendência de maior número de indivíduos
com idade entre 18 e 24 anos sem diferença entre homens ou mulheres, porém, no sexo
masculino houve predomínio de jovens na faixa etária entre 20 e 29 anos, enquanto nas
mulheres, a faixa etária mais encontrada foi entre 30 e 39 anos.

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Gráfico 10 - Envolvimento em brigas com agressão física e abuso de álcool - II LENAD

Considerando as análises realizadas em amostras de sangue de vítimas de homicídios,


54% apresentavam alcoolemia positiva, sendo que 85% eram do sexo masculino.
Isto evidencia que o uso abusivo de álcool se apresenta como um fator extrema-
mente associado às mortes violentas e por causas externas, como mostra o Gráfico 10.

Gráfico 11 - Distribuição da alcoolemia segundo a causa jurídica da morte - Ribeirão Preto, 2008.

Neste gráfico pode-se ver que a alcoolemia positiva está presente em mais de 50%
dos casos tanto de mortes acidentais, homicídios, suicídios e outras formas de morta por
causas externas.
Segundo dados do Senado Federal, a maioria das fatalidades relacionadas ao con-
sumo de álcool ocorre entre 21 e 45 anos. O uso de álcool está relacionado com 23% das

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fatalidades com menores de 16 anos, 37% das fatalidades com indivíduos entre 16 e 20
anos, 57% das fatalidades com indivíduos entre 21 e 29 anos, 53% das fatalidades com
indivíduos entre 30 e 45 anos e 38% das fatalidades com indivíduos entre 46 e 64 anos.
A alta prevalência de utilização do álcool entre as vítimas de morte violenta sugere
que outros estudos devem ser realizados para avaliar de forma mais definida o papel do
álcool na potencialização das causas de mortes externas.

4.4 Álcool e direção

O uso de álcool é responsável por graves acidentes de trânsito, envolvendo muitas


vezes a morte da pessoa embriagada e a morte de terceiros.
Um estudo norte-americano publicado na revista científica Addiction, fez um le-
vantamento de todos os acidentes automobilísticos fatais ocorridos entre 1994 e 2008 -
totalizando 1.495.667 casos - com o objetivo de analisar a relação entre consumo de ál-
cool e acidentes de trânsito.
Segundo a pesquisa, comparado aos motoristas sóbrios, aqueles que beberam es-
tavam mais propensos a dirigir em alta velocidade, não usar cinto de segurança e conduzir
o veículo causador da colisão. Além disso, quanto maior a concentração de álcool no
sangue (CAS), maior a velocidade média e a gravidade dos ferimentos causados pelo
acidente. Os fatos foram observados até mesmo quando a CAS era considerada baixa; por
exemplo, uma CAS de 0,01% esteve associada a um risco significativamente maior de
acidentes do que a CAS de 0%.
Um estudo realizado em 2012 pelo Ministério da Saúde em hospitais públicos
revela que o consumo do álcool tem forte impacto nos atendimentos de urgência e emer-
gência do Sistema Único de Saúde (SUS).
O levantamento aponta que uma em cada cinco vítimas de trânsito atendidas nos
prontos-socorros brasileiros ingeriram bebida alcoólica.
Uma em cada cinco víti-
O levantamento realizado revela que entre as pessoas
mas de trânsito atendidas envolvidas em acidentes de trânsito, 22,3% dos condutores,
nos prontos-socorros brasi- 21,4% dos pedestres e 17,7% dos passageiros apresentaram
leiros ingeriram bebida sinais de embriaguez ou confirmaram consumo de álcool. En-
alcoólica. tre os atendimentos por acidentes, a faixa etária mais preva-
lente foi a de 20 a 39 anos (39,3%).
Na cidade de Curitiba, PR, foi realizado, em 2012, um levantamento pelo Comitê
de Análise dos Acidentes de Trânsito, que demonstrou que o abuso de álcool e o excesso
de velocidade (ambos fatores de risco associados) foram responsável por 65% dos aci-
dentes fatais.
Segundo dados do Senado Federal, os acidentes de trânsito que resultam em morte
ocorrem com maior frequência à noite ou nos finais de semana. 77% dos acidentes fatais
ocorreram entre as 18hs e 6hs.
Já o uso de álcool por menores de idade está mais associado à morte do que todas
as substâncias psicoativas ilícitas em conjunto. Sabe-se, por exemplo, que os acidentes
automobilísticos são a principal causa de morte entre jovens dos 16 aos 20 anos.
Estima-se que 18% dos adolescentes norte-americanos com idade entre 16 e 20
anos dirijam alcoolizados, dado de extrema importância ao confirmar que os comporta-
mentos de risco, como os que resultam em acidentes automobilísticos, respondem por
29% das mortes de adolescentes.

Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool


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Este comportamento é mais caracte-


rístico de adolescentes do que adultos, pois Em dezembro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.760,
a prevalência de acidentes automobilísticos que reforça a popularmente conhecida “Lei Seca” (nº
fatais associados com álcool, entre jovens 11.705/2008). Trata-se de uma alteração no Código de
Trânsito Brasileiro que, além de aumentar o valor da
de 16 a 20 anos, é mais do que o dobro da multa administrativa (de R$ 957,69 para R$ 1.915,38,
prevalência encontrada nos maiores de 21 podendo dobrar em caso de reincidência no período de
anos. 12 meses), amplia as possibilidades de provas da infra-
Por todos estes motivos, as campa- ção de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer
nhas atuais de tolerância zero ao álcool no substância psicoativa, as quais foram disciplinadas pelo
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) na Resolu-
trânsito, conhecida como Lei Seca, se fa- ção nº 432 de 23 de janeiro de 2013.
zem extremamente necessárias e justificá- Já em 19 de dezembro de 2017 foi sancionada a Lei
veis, esperando-se que através delas a ocor- 13.546, chamada também de “Lei Seca”, que altera a Lei
rência de acidentes fatais possa diminuir 9.503/1997, a través da qual passa a vigorar a penas de
consideravelmente no Brasil. “reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibi-
ção do direito de se obter a permissão ou a habilita-
Afortunadamente, os índices do II ção para dirigir veículo automotor”, para quem “con-
LENAD referentes ao consumo de álcool e duzir veículo automotor sob a influência de álcool ou de
direção no Brasil mostram uma significa- qualquer outra substância psicoativa que determine de-
tiva diminuição, principalmente entre os ho- pendência”.
mens, como mostra o Gráfico 11.

Gráfico 12 - Relação entre beber e dirigir, por sexo, segundo dados do I e II LENAD

4.5 Álcool, depressão e suicídio

Os transtornos relacionados ao consumo de álcool frequentemente coexistem com


outras doenças psiquiátricas e sua incidência parece estar aumentando nas últimas déca-
das.
Como visto na Aula 4 (Comorbidades e diagnóstico diferencial), o consumo de
álcool – ou outra SPA – pode provocar, aumentar ou agravar os quadros de comorbidades
psiquiátricas.

Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool


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Dentre as muitas comorbidades que podem ser associadas ao alcoolismo, a de-


pressão se destaca, principalmente considerando que o álcool é uma SPA depressora,
como visto na Aula 1 (As drogas e seus efeitos no SNC).
Segundo os dados do II LENAD, enquanto a prevalência de depressão na popula-
ção geral chega a 25%, no caso dos bebedores problemáticos este número pode se elevar
para 41%, como mostra o Gráfico 12.

Gráfico 13 - Prevalência de depressão na população geral e nos bebedores problemáticos segundo


dados do II LENAD

Face a isto não é de se estranhar que os mais altos índices de suicídio estejam
associados ao alcoolismo, como mostra a Figura 2.

Figura 2 - Relação entre suicídio e alcoolismo segundo dados do II LENAD

Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool


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5. Conclusões

Considerando tudo o descrito até o momento, podem ser extraídas as conclusões


relacionadas no Quadro 2, em relação à epidemiologia do álcool no Brasil:

Quadro 2 - Conclusões sobre a epidemiologia do uso de álcool no Brasil

Embora não tenha aumentado o número de pessoas que bebem álcool no Brasil, aqueles
que já bebiam bebem mais e mais frequentemente.
As mulheres, especialmente as mais jovens, são a população com maior risco, apresen-
tando maiores índices de aumento no padrão de consumo do álcool.
Houve uma diminuição generalizada no comportamento de beber e dirigir comparando
os dados de 2006 e 2012.
Quase um a cada 10 brasileiros possui uma arma de fogo, 5% dos homens andam ar-
mados, e este índice dobra (10%) entre homens jovens que bebem de forma abusiva.
Quase dois terços dos homens jovens que bebem de forma abusiva se envolveram em
alguma briga com agressão física no último ano.
Mais de 2 de cada 10 brasileiros referiram ter sido vítimas de violência física na infân-
cia. Em 2 de cada 10 casos os abusadores haviam bebido.
6% dos brasileiros relataram ter sido vítimas de violência doméstica no último ano. Em
metade dos casos o parceiro(a) que agrediu havia bebido.
Existe uma forte associação entre depressão, suicídio e abuso de álcool. Mais de 2 a
cada 10 tentativas de suicídio estão relacionadas ao consumo de álcool.

Referências

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Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool
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Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool


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UNIDADE DE PESQUISAS EM ÁLCOOL E DROGAS (UNIAD). II LENAD –


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: Problemas relacionados ao álcool


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PREVENÇÃO À

RECAIDA
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PREVENÇÃO DA RECAÍDA

 Conjunto de técnicas cognitivas ou comportamentais.


 De uma maneira mais simples, podemos dizer que cognição é a forma como o
cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação captada através
dos cinco sentidos.
 Baseadas no modelo de recaída proposto por Marlatt.
 Visa modificar um hábito e manter a mudança.
 Intervenções específicas / Intervenções globais.

Intervenções específicas

 Identificação das situações de risco.


 Desenvolvimento de estratégias.
 Mudanças nas reações cognitivas e emocionais.
 Participação ativa do indivíduo.
 Evitação dos riscos, atividades substitutivas, lidar de forma positiva com riscos
inevitáveis, etc.

Intervenções globais

 Aquisição de hábitos saudáveis em substituição aos hábitos destrutivos.


 A importância do estilo de vida.
 O planejamento da recaída através de decisões aparentemente irrelevantes.
 Objetivo amplo.
 Comportamento de uso apenas como ponto de partida para a mudança.

Teoria da Aprendizagem Social de Bandura

 Base do modelo de Marlatt.


 O comportamento de uso é aprendido por meio de reforço e modelagem.
 Agrava-se proporcionalmente aos benefícios obtidos.
 Considera fatores biológicos, genéticos e psicossociais.
 4 princípios:
o modelagem
o reforçadores
o estímulos ambientais
o auto eficácia

Modelagem

 Comportamento adquirido a partir de modelos de consumo e expectativa do uso.


 A influências de fatores sociais: família, amigos, cultura local, etc.
 O papel da mídia.

Módulo 2: Prevenção à recaída


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Reforçadores
 Aquilo que aumenta a probabilidade da repetição do comportamento.
 Positivos = euforia, socialização, atenção das pessoas, sensação de calor, etc.
 Negativos = evitação de sofrimento, dor, tensão, inibição, etc.
 Expectativa de ação – resultado.

Estímulo ambiental

 Condicionamento clássico (Plavloviano).


o Ex.: Sirene da fábrica.
 Condicionamento operante:
o Ex.: Visão de bebida = fissura (aversivo)
o + beber
o = alívio (reforço -)

Auto eficácia

 Sentimento de que se é capaz de gerenciar determinada situação.


 Diretamente relacionada e proporcional aos processos de recaída ou manutenção
da abstinência.

Modelo cognitivo comportamental do processo de recaída

Módulo 2: Prevenção à recaída


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Exercícios
Extraído do livro: “Prevenção da recaída: Um manual para pessoas com problemas pelo uso do álcool e
de drogas”, de Paulo Knapp e José Manuel Bertolote

Sinalizadores

Fissura ou compulsão é um desejo intenso de beber ou usar droga. NÃO é sinal


de fracasso do tratamento. É um evento NORMAL no processo de recuperação. Fissuras
e compulsões podem ser diferentes em intensidade e frequência de pessoa para pessoa.
Alguns até relatam não sentir nenhuma fissura, após entrarem em tratamento. Outros se
sentem um pouco confusos e não conseguem saber direito se aquilo que estão sentindo é
fissura mesmo ou é “nervosismo”. Fissuras podem ocorrer mesmo que você esteja envol-
vido ativamente em seu Plano de Recuperação.
Muitas coisas no seu ambiente cotidiano podem servir com acionadores de uma
fissura. Determinadas pessoas, lugares, cheiros, gostos, podem servir como pistas, indi-
cadores, sinais, senhas para a fissura, São os chamados SINALIZADORES. Alguém que
está se recuperando de seu envolvimento alcoólico, ao ver uma garrafa de sua bebida
preferida, pode sentir um desejo intenso, uma compulsão de beber. A garrafa de bebida,
neste caso, é um sinalizador.

Ex.: Para João por exemplo, um dos sinalizadores mais importantes era seu
amigo José, que sempre passava pela sua repartição para irem juntos a bar encontrar-
se com os amigos e beber.

Tente identificar e faça uma lista a seguir dos possíveis sinalizadores com os quais
poderá se deparar:

Sinalizadores

Módulo 2: Prevenção à recaída


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Estratégias para lidar com os sinalizadores

Qual o seu plano para lidar com sinalizadores, que você certamente irá encontrar
em sua vida?

Ex.: João, por exemplo, resolveu falar com seu amigo José e explicar toda a situ-
ação. Pediu a ele que o ajudasse no seu Plano de Recuperação e que a primeira ajuda
que José poderia lhe dar era não mais irem ao bar, como de costume, mas saírem para
dar uma boa caminhada

Descreva abaixo todas as possíveis estratégias que você poderá usar para cada um
dos seus sinalizadores.

Referências

KNAPP, P.; BERTOLOTE, J. M. Prevenção da recaída: Um manual para pessoas com


problemas pelo uso do álcool e de drogas. Artmed, 1994.

MARLATT, G. A.; DONOVAN, M.D. Prevenção de Recaída. São Paulo: Artmed,


2009.

Módulo 2: Prevenção à recaída


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: Prevenção à recaída


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TREINAMENTO
DE HABILIDADES
SOCIAIS NA
DEPENDÊNCIA
QUÍMICA
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TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Objetivos

 Fundamentar os princípios básicos das habilidades sociais para viabilizar a com-


preensão de aspectos como: o que são e de onde insurge os comportamentos ditos
socialmente habilidosos.
 O caráter relativo que as Habilidades Sociais possuem, conforme os diferentes
tipos de contexto.
 O entendimento sobre o transtorno por abuso de substâncias psicoativas, de
acordo com a concepção teórica que sustenta as habilidades sociais (Terapia Cog-
nitivo Comportamental).
 A relevância das habilidades sociais no campo da dependência química em dife-
rentes níveis como a prevenção, recuperação e manutenção do transtorno.
 O conhecimento, teórico e prático, acerca dos procedimentos utilizados no treina-
mento de habilidades sociais voltado ao tratamento da dependência química.

1. Introdução às habilidades sociais

Em razão de passarmos a maior parte do nosso tempo em alguma forma de inte-


ração social, a comunicação interpessoal é parte essencial da atividade humana. Os as-
pectos sociais determinam em larga escala a vida de cada indivíduo e, como consequên-
cia, muitos problemas podem ser definidos em termos de déficits nas habilidades sociais.
Na verdade, existirão poucos transtornos, incluindo a dependência química, nos
quais não esteja implicado, em maior ou menor grau, o ambiente social que permeia a
vida do indivíduo.
Tendo em conta a importância que se dá, desde muito tempo, a díade pessoa/situ-
ação, torna-se evidente a relevância de considerar-se a relação entre o indivíduo e o seu
ambiente social, bem como a ampla influência cultural de um dado local, para a obtenção,
de modo mais abrangente, dos motivos pelos quais determinados comportamentos são
realizados em detrimento de outros. Discorrer sobre as habilidades sociais mostra-se
como um método eficaz para a compreensão acerca das relações humanas, visto que elas
formam um elo entre o indivíduo e seu meio ambiente.

Módulo 2: Treinamento de habilidades sociais na dependência química


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1.1 O desenvolvimento das habilidades sociais: herdada ou aprendida

A princípio as habilidades sociais foram compreendidas a partir de dois modos


distintos. Alguns pesquisadores consideravam-na como um traço ou característica da per-
sonalidade que o indivíduo carregava por meio de processos inatos, ou seja, considera-
vam-na como um atributo hereditário que, através de processos genéticos, determinava o
modo pelo qual as pessoas reagiriam numa situação em específico.
Com o progresso dos estudos, uma nova linha de pensamento surgiu sobre as ha-
bilidades sociais, sendo esta segunda concepção, que sustenta a maior parte das evidên-
cias relacionadas às habilidades sociais.
De acordo com este novo pensamento, ao invés de ser considerada como herdada,
as habilidades sociais passaram a ser compreendidas como produto de um processo de
aprendizado que os indivíduos adquirem, ou não, ao longo de suas vidas. Em outras pa-
lavras, as habilidades sociais são resultado da relação entre o indivíduo e seu meio ambi-
ente, sendo, portanto, um aprendizado que se origina das experiências situacionais.
Além disso, cabe ressaltar que diversos pesquisadores acreditam que este apren-
dizado ocorre de maneira vicária, ou seja, as crianças observam o comportamento social
de seus pais e, após, passam a reproduzi-los.
Comparando a evolução dos estudos na área das habilidades sociais, com os estu-
dos no campo da dependência química, pode-se verificar que a utilização, em diferentes
níveis, de substâncias psicoativas tem sua gênese em comportamentos que o indivíduo
adquire e, principalmente, mantém por meio de aprendizados que ocorrem a partir dos
seus relacionamentos interpessoais e contexto social.

2. Base teórica das habilidades sociais

Ao longo deste estudo será dada maior ênfase ao desenvolvimento das habilidades
sociais através dos pressupostos teóricos da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC).
Esta abordagem parte da concepção de que a dependência química é estabelecida, sobre-
tudo, por um padrão de comportamentos que emergem do aprendizado social.
Deste modo, o consumo de substâncias psicoativas é, a princípio, um comporta-
mento que o indivíduo aprendeu por meio das observações realizadas sobre eventos; tais
como: a ampla exibição do uso de drogas em meios de comunicação, a utilização de dro-
gas na família, no grupo de amigos e na sociedade como um todo.
Dentro desta estrutura conceitual, a utilização de substâncias psicoativas se mantém,
em parte, pelos efeitos farmacológicos da droga (ou seja, o efeito reforçador produzido pela
droga quando em interação com o organismo), bem como pelos efeitos oriundos dos reforça-
dores sociais (ou seja, do tipo não farmacológico, que são derivados do estilo de vida do
usuário).
Obviamente a dependência química envolve uma série de fatores, como por exem-
plo: biológico, psicológico, social e espiritual.
No entanto, de acordo com a TCC, o comportamento de consumir drogas se man-
tém, principalmente, pelo estilo de vida do dependente químico e pelo ambiente social
em que está inserido.
É importante notar que, de modo intrínseco ao contexto e ambiente, os comportamen-
tos relacionados às SPAS são determinados, em larga escala, pelas crenças e expectativas

Módulo 2: Treinamento de habilidades sociais na dependência química


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distorcidas que os indivíduos desenvolvem acerca dos efeitos do uso. Ressalta-se que as emo-
ções e os pensamentos também são considerados como processos cognitivos que podem tanto
aumentar as chances de ocorrência, como manter tais padrões de comportamentos.
A TCC traz uma perspectiva mais otimista para o tratamento da dependência quí-
mica, pois não se atem apenas às causas fisiológicas e relativamente fixas para explicar
os comportamentos relacionados à utilização de substâncias psicoativas. De modo com-
plementar a tal suposição, a TCC enfatiza que processos cognitivos e comportamentais
são mais relevantes para o desenvolvimento e manutenção destes comportamentos. Além
disso, aponta para o fato de que tais processos são aprendidos e, de igual modo, são pas-
síveis de mudança caso o indivíduo passe por processos de obtenção de novos aprendiza-
dos. Para este processo de novos aprendizados, o treinamento de habilidades sociais é
utilizado como um método altamente eficiente.

2.1 Dimensões Pessoal, Social e Cultural

Devido à relevância que as habilidades sociais representam no campo da depen-


dência química e da saúde mental, muitos autores buscaram discorrer sobre este tema.
Constata-se que, até o momento, diversas definições foram empregadas com o intuito de
elucidá-las. Entretanto, por mais que existam diversas definições relacionadas às habili-
dades sociais, não há como delineá-las de forma precisa, pois somente quando for anali-
sado, de modo contíguo, o ambiente e o contexto social no qual o indivíduo e seu com-
portamento estão inseridos, chegar-se-á numa compreensão mais abrangente sobre do que
se tratam as habilidades sociais.
Ou seja, as habilidades sociais possuem caráter relativo e, como consequência, é
somente possível avaliar a funcionalidade de um comportamento socialmente hábil
quando, ao mesmo tempo, se analisam também as dimensões pessoais, situacionais e cul-
turais.

A dimensão pessoal diz respeito aos aspectos comportamentais e cognitivos do


indivíduo, ou seja, se refere ao repertório de comportamentos aprendidos, ao aparelho
cognitivo que sustenta o modo como ocorrem as interpretações dos eventos e estímulos
externos, bem como aos pensamentos e sentimentos que daí insurge; estes aspectos fun-
cionam como um sistema interligado e, juntos, exercem controle sobre as respostas que
um indivíduo executará numa dada situação.

A dimensão situacional está relacionada com as diferentes situações que o indi-


víduo vivencia ao longo de sua vida. Não obstante a cada situação, existem comporta-
mentos e/ou habilidades sociais que se enquadram de modo mais adequado, produzindo
reforços mais consistentes de acordo com a demanda situacional vivenciada no momento.
As situações apresentam variáveis entre si, dentre as quais, podemos destacar:

1. Os objetivos ou propósitos almejados para uma situação em específico.


2. As normas explicitas (leis, regras e regimentos) e implícitas (hábitos ou cos-
tumes padrões de um grupo ou comunidade) que definem quais são os com-
portamentos adequados, permitidos ou proibidos.

Módulo 2: Treinamento de habilidades sociais na dependência química


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MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 97

3. Os papéis formais e informais associados a posição e status do indivíduo (um


chefe e um funcionário, dentro da mesma situação, necessitam de atitudes di-
ferentes para emitir um comportamento socialmente habilidoso).

Em vias práticas, tais informações podem ser sintetizadas do seguinte modo: ava-
liar o desempenho social, em tempo concomitante com as demandas situacionais, implica
no reconhecimento de que situações diferentes criam demandas diferentes, ou seja, é pos-
sível avaliar a legitimidade de um comportamento socialmente habilidoso, desde que se
analise também todo o contexto em que está inserido, ou seja: a situação que demandou
uma resposta, a resposta em si, bem como as consequências produzidas por esta respostas.

A dimensão cultural envolve uma série de fatores que determinam, em larga es-
cala, os costumes, hábitos e comportamentos coletivos de uma população em específico.
Por exemplo:

 A nível nacional, conforme o Estado, pode-se destacar a prevalência de


torcidas por determinados times de futebol, a diferenciação culinária e há-
bitos alimentares, os pronomes e dialetos utilizados, entre outros.
 A nível internacional, de modo sucinto, pode-se destacar a prática de di-
ferentes religiões, conforme o continente analisado; por conseguinte, na
Europa e nas Américas temos uma prevalência maior para o cristianismo,
na Ásia oriental há uma prevalência maior para o budismo, diferentemente
da parte ocidental, onde há um maior número de adeptos ao islamismo.

Conforme o exposto, não há como definir apenas em um conceito as habilidades


sociais, visto que existe uma quantidade expressiva de variáveis que interferem sobre tal
conceituação.
No entanto, para criar-se uma base para os próximos assuntos que serão aborda-
dos, torna-se apropriado partir da premissa de que: as habilidades sociais variam de
acordo com a cultura local e podem ser caracterizadas como: um conjunto de compor-
tamentos, emitidos por um indivíduo numa relação interpessoal, onde são expressos
sentimentos, atitudes, desejos, opiniões e direitos de maneira adequada à situação e,
ao mesmo tempo, respeita-se estes mesmos comportamentos nos demais.

3. Relevância das habilidades sociais na dependência química

Diversos estudos apontam para o fato de que a ausência de habilidades sociais


está relacionada com uma série de transtornos mentais, entre eles, a dependência química.
Além do mais, é de suma importância ressaltar que tais habilidades exercem função cen-
tral tanto na prevenção, como na recuperação e manutenção de diversos tipos de trata-
mento, incluindo os tratamentos voltados para dependentes químicos.
Os indivíduos que apresentam problemas pelo consumo indevido de substâncias
psicoativas, ao mesmo tempo, apresentam um baixo padrão de comportamentos social-
mente hábeis para lidar com seus problemas de um modo geral. Não obstante, a ausência
destes comportamentos pode ser considerada como um forte preditivo para o abuso e
dependência de substâncias psicoativas, visto que na insuficiência de uma resposta eficaz

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para lidar com um dado problema, o indivíduo recorre ao efeito da droga para obter certa
adaptabilidade perante uma situação.
Como consequência deste processo, o indivíduo passa a atribuir às substâncias psi-
coativas o poder sobre determinadas causas e efeitos que não dependeriam necessariamente
da sua utilização para ocorrer, como por exemplo: reduzir o estresse, perder a timidez, lidar
com os problemas, solucionar conflitos interpessoais e intrapessoais, aliviar os sentimentos
negativos e maximizar os sentimentos positivos.
A ausência das habilidades sociais é um preditivo para a utilização de substân-
cias psicoativas e, normalmente, as pessoas apresentam déficits de habilidades sociais
para lidar com as situações que lhes representam riscos para o consumo. Na verdade, não
é a situação em si que representa o risco, mas sim a falta de habilidades sociais para lidar
com a situação, de modo adequado e assertivo, que leva o indivíduo ao consumo de subs-
tâncias. Em outras palavras, seria pela falta de um repertório comportamental adequado
que muitas pessoas se tornam dependentes de drogas.

3.1 Principais déficits em habilidades sociais na população de dependentes químicos

De acordo com Silva e Serra (2004), dentre as principais dificuldades de habilida-


des sociais entre usuários de substâncias psicoativas, podemos destacar as seguintes:

 lidar com sentimentos negativos  frustrações


 assertividade  adiar prazeres
 fazer ou receber críticas  reconhecer e enfrentar situações de
 comunicação risco
 recusar drogas  lidar com a fissura
 dizer não  realizar um projeto de vida realista
 socialização

Por conseguinte, pode-se inferir que em todas as situações que o sujeito apresentar
pouca ou nenhuma habilidade social, baixa autoeficácia e alto conflito emocional, existe
uma grande chance de que este sujeito recorra ao consumo de substâncias psicoativas.
Para as situações em que uma pessoa apresenta pouca ou nenhuma habilidade so-
cial, utiliza-se a definição: situações de alto risco. Estas situações também podem ser
compreendidas como estímulos que, por repetidas vezes, foram acompanhados pela uti-
lização de substâncias psicoativas.
Neste contexto, as habilidades sociais são definidas como ferramentas, comporta-
mentais ou cognitivas, que podem ser usadas com o objetivo de restaurar o equilíbrio
frente às situações de risco que incluem adversidades e/ou autoeficácia reduzida.
Já o treinamento de habilidades sociais é o método utilizado para o desenvolvi-
mento das habilidades sociais que capacita os indivíduos, gradativamente, na obtenção de
respostas mais adaptativas perante as situações de alto risco.
Antes de adentrar sobre os métodos utilizados no treinamento de habilidades so-
ciais, em suma, enfatiza-se que: as habilidades sociais são as ferramentas que uma
pessoa dispõe para interagir de modo eficaz com seu meio ambiente, já o treina-
mento de habilidades sociais é um método de trabalho estruturado, onde por meio
da prática pode-se adquirir e/ou aperfeiçoar os comportamentos considerados como
socialmente habilidosos.
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4. Treinamento de habilidades sociais

O Treinamento de Habilidades Sociais (THS) foi desenvolvido com o intuito de


aumentar a assertividade, bem como uma série de outros comportamentos adaptativos de
indivíduos que apresentavam pouca ou nenhuma habilidade para lidar eficazmente com
as situações do seu cotidiano, principalmente sobre aquelas mais estressantes e propicia-
doras de recaídas.
O THS parte da premissa de que se houver perda ou prejuízo na aquisição de
habilidades sociais, tais déficits devem ser levantados e trabalhados de maneira ob-
jetiva. Esta concepção torna-se extremamente relevante quando se leva em conta que os
usuários de substâncias psicoativas, devido à saliência progressiva para o consumo, dei-
xaram de adquirir, ou mesmo perderam, habilidades sociais importantes para um funcio-
namento social assertivo e adaptativo à cultura local.
As técnicas do THS são diversificadas e podem ser trabalhas tanto no formato de
grupo, como no individual. Apesar dessas duas possibilidades, estudos apontam para o
fato de que a aquisição e desenvolvimento de habilidades sociais tornam-se mais eficazes
quando aplicados no formato de grupo.
Este fato é devido aos diversos modelos de comportamentos que um grupo dispo-
nibiliza, não limitando a relação terapêutica apenas em duas pessoas: terapeuta e cliente.
Dentro de um grupo ocorre o aprendizado mutuo que é facilitado pelo vínculo e
pressão entre os pares, sendo este, um procedimento comumente praticado dentro das
comunidades terapêuticas.

4.1 Habilidades intrapessoais e intrapessoais

Em relação à aplicabilidade do THS na dependência química, pode-se destacar um


programa realizado por Monti, Kadden, Rohsenow, et al. (2002). Nesta oportunidade,foi
apresentado um programa em que a ênfase era dada sobre o THS para o enfrentamentode
situações de risco para a recaída.
De acordo com os métodos oferecidos por este programa, as habilidades sociais
são dividas em intrapessoais e interpessoais. Para cada uma das habilidades existentes há
um amplo material didático, contudo, devido sua extensão, não será possível descrevê-lo
integralmente neste capítulo. Para maiores informações o aluno poderá consultar a refe-
rência bibliográfica deste programa. Para fins teóricos, tais habilidades serão apresentadas
a seguir.

As habilidades interpessoais estão relacionadas com as situações que envolvem


mais de uma pessoa, sendo elas:

 assertividade
 iniciar conversações
 falar e ouvir sobre sentimentos e opiniões
 fazer e receber elogios
 fazer críticas construtivas
 receber críticas a respeito de beber
 recusar bebidas ou drogas.

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As habilidades intrapessoais se referem ao modo em que o sujeito lida com o


estresse, raiva, fissura e pensamentos negativos, sendo elas:

 manejo da raiva
 manejo de pensamentos sobre álcool e drogas
 manejo de pensamentos disfuncionais
 habilidade de lidar com decisões aparentemente irrelevantes
 aumentar as atividades prazerosas
 habilidade de lidar com situações de emergência
 habilidade de resolução de problemas e problemas persistentes

4.2 Situações de alto risco e habilidades sociais de enfrentamento

As discussões que fomentam o THS podem ocorrer de forma teórica ou prática,


deste modo, os exercícios vão desde discussões a respeito das dificuldades e limitações
vivenciadas pelos indivíduos, bem como a elaborações de respostas por meio de textos,
até práticas de treinamento comportamental e role play que objetivam promover a intera-
ção entre os pares e a interpretação de papéis.
De modo geral, os participantes do grupo, ou o indivíduo, elegem um tema em
específico e, após, explana-se individualmente ou percorre-se por todo o grupo solici-
tando aos participantes que comentem a respeito do tema em pauta. É de suma importân-
cia que durante os encontros ao menos um profissional familiarizado com o tema, (sugere-
se dois no caso de grupos acima de dez pessoas) conduza os grupos de THS, bem como
acompanhe os desdobramentos e evolução dos participantes.
Ademais, sugere-se que o ambiente seja propício ao aprendizado mútuo, assim
favorecendo a identificação de situações de alto risco e, de igual modo, ao desenvolvi-
mento de habilidades de enfrentamento e de soluções de problemas, bem como à aquisi-
ção de novos hábitos e modificação do estilo de vida.
Conforme o trabalho realizado por Monti e O´Leary (1999), serão fornecidos al-
guns exemplos de situações de alto risco e de habilidades socais comumente utilizadas
pelos usuários de substâncias psicoativas, onde os participantes do THS são solicitados a
apresentar respostas mais eficazes, quando comparadas àquelas que estão habitualmente
acostumados a emitir.

O QUE FAZER PARA SAIR DE SITUAÇÕES COMO ESTAS?


Situações sociais positivas ou aumento de sensação de bem-estar:
“Tudo vai bem, estou bem comigo, a vida é ótima, quero me divertir”
Dinheiro como gatilho:
“Trabalhei, ganhei meu primeiro salário, paguei minhas contas e ainda sobrou.
Eu mereço ser feliz”
Necessidade de estimulação devido ao cansaço:
“Cansaço extremo, sono pesado, mas com vontade de ficar acordado”
O consumo de álcool como um gatilho:
“Tenho vontade de beber com meus amigos,
acho que não vai dar vontade de cheirar”

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Efeitos negativos decorrentes do estado emocional pessoal:


“Sinto-me atolado em problemas e obrigações. Chega, preciso sair disso”
Gatilhos explícitos para o uso de drogas – sem uma pressão direta para consumi-
la:
“Estou numa festa. Sei que há pessoas aqui que usam cocaína (ou qualquer SPA) e
sei também quem vende”
Necessidade de estimulação devido ao tédio:
“Sabadão no maior tédio. Sei que os amigos estão na balada. Só vou se me animar”
Gatilhos explícitos para o uso de drogas – decorrentes de pressão social:
“Meus amigos me trouxeram cocaína de presente. Gosto deles, são boas pessoas. Um
logo começa a preparar as carreiras e conta quantos estão na sala para esticar o nú-
mero exato delas. Enrolam uma nota de dinheiro e me entregam para eu cheirar”
Efeitos negativos decorrentes de relacionamento interpessoal:
“Meu pai acha que eu faço tudo errado, que sou um burro ignorante. Nada do que
digo tem valor. Agora estou sem usar, me regula dinheiro e me humilha, dizendo que
é para o meu bem. Hoje pedi cinco reais a mais para tomar um café com uma menina
que conheci na faculdade e ele prontamente se negou. O ofendi profundamente e saí
para a rua, batendo a porta de casa, pisando duro e me sentindo o pior dos imbecis.
Bateu aquela fissura”
Testar o controle por meio do uso limitado:
“Abstinente há quatro meses, começo a sacar que a cocaína não foi a razão dos
meus males – de fato, ela atrapalhou, mas culpá-la por meus descontroles pessoais e
pelo dos outros chega a ser uma covardia. Agora que já entendi como as coisas fun-
cionam, não que eu queria, mas se voltar a usar, creio que vai ser diferente”
Prontidão para o consumo ou para se sentir ligado, sem gatilhos explícitos:
“Bateu aquela vontade de ficar doidão! Como era bom. Não da para ficar muito
tempo sem”

O profissional que estiver à frente do THS deve ter em mente que, em muitos
casos, os indivíduos não vão apresentar imediatamente respostas assertivas perante situ-
ações nas quais, por repetidas vezes, recorreram ao consumo de substâncias psicoativas
para solucionar seus conflitos intrapessoais e interpessoais.
Em vista disso, é normal que as pessoas encontrem grandes dificuldades para apre-
sentar outros tipos de respostas daquelas que habitualmente estavam acostumados a emi-
tir.
Por conseguinte, o profissional que estiver conduzindo o grupo de THS deve estar
preparado para servir como referência aos demais indivíduos, além disso, deve ter acesso
a uma série de materiais, sendo eles, áudios e visuais para facilitar o aprendizado e de-
senvolvimento destas práticas nos demais.
De acordo com o trabalho realizado por Silva e Serra (2004), os profissionais que
conduzirem o THS podem fornecer aos participantes uma série de estratégias que viabi-
lizam o desenvolvimento das habilidades sociais perante uma série de situações de alto
risco.

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HABILIDADES SOCIAIS E DE ENFRENTAMENTO


Habilidades de  Ouviu e observou antes de falar?
comunicação  Fez questões abertas ou fechadas?
verbal  As colocações foram feitas de forma educada?
 Qual foi a sua postura?
Habilidade de  Houve contato visual?
comunicação  Qual a expressão facial?
não verbal  Qual o tom de voz utilizado?
 Como movimentou pés, mãos e cabeça?
 Pensou antes de falar?
 Foi objetivo e claro no que disse?
Assertividade  Assegurou-se de estar sendo ouvido
 Reafirmou a posição se percebeu que não estava sendo ou-
vido?
 Acalmou-se antes de falar?
 Colocou a crítica como uma opinião pessoal, não um fato
absoluto?
 Criticou o comportamento e não a pessoa?
Fazer Críticas
 O tom de voz esteve firme e não zangado?
 Mostrou-se disposto a ouvir o outro?
 Foi claro na questão que criticou, sem deixar dúvidas sobre
qual é a crítica?
 Conseguiu ouvir sem se colocar na defensiva?
 Conseguiu avaliar a crítica com clareza e selecionar os pon-
Receber críticas tos pertinentes?
 Conseguiu explorar a crítica com questões para se certificar
de que ficou clara qual é a crítica do outro?
 Conseguiu dizer não?
 Ao negar foi claro, firme, sem hesitação?
 Fez contato visual?
Recusar bebida
 Sugeriu alternativas à bebida?
 Disse a pessoa para não lhe oferecer bebida novamente?
 Evitou respostas vagas?
 Fez revisão do que é prioritário?
 Decidiu-se de fato a recusar?
 Deixou claro que entendeu o pedido, mas mesmo assim o
recusará?
Dizer não
 Foi firme, claro, breve e decidido?
 Como esteve a postura (comunicação não verbal)?
 A comunicação não verbal foi coerente com a comunicação
verbal?

Ao final do THS espera-se que o indivíduo tenha adquirido um novo conjunto de


comportamentos socialmente habilidosos, para lidar de modo mais eficaz com as situa-
ções que anteriormente levaram-lhe ao consumo de substâncias psicoativas.

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Vale ressaltar que, caso o indivíduo esteja passando por um tratamento dentro de
um ambiente protegido (Comunidade Terapêutica), é possível de avaliar o nível e grau de
habilidades sociais adquiridas, por meio de diversas situações e comportamentos como,
por exemplo:

 expor as opiniões de forma clara;


 defender os próprios direitos sem desrespeitar os direitos dos demais;
 expor os próprios sentimentos e falar a respeito do que o incomoda numa
determinada situação;
 saber recusar solicitações, solicitar assertivamente para que os outros
mudem de comportamento.

Por fim, salienta-se que a aquisição de novas habilidades sociais não ocorre como
num passe de mágica, envolve prática e persistência. Por conseguinte, alguns indivíduos
ao encontrarem dificuldades na aquisição de novas habilidades sociais, tendem a apresen-
tar baixa motivação e altos índices de desistência dos programas de THS.
Em vista disso, durante os procedimentos de THS é útil valer-se dos princípios da
entrevista motivacional para trabalhar aspectos relacionados com a falta de motivação
para a mudança, bem como a tendência de desistência ao tratamento.

Considerações finais

Partindo do princípio de que todo comportamento é aprendido e que o consumo


de substâncias psicoativas também é um comportamento que se instalou por meio de
aprendizados, pode-se afirmar que: do mesmo modo que tais comportamentos foram
aprendidos podem ser substituídos e extintos, desde que o indivíduo passe por um
processo de novos aprendizados.
No tratamento de transtornos mentais, incluindo a dependência química, utiliza-
se a definição “Treinamento de Habilidades Socais” para este processo que enfatiza, so-
bretudo, o aprendizado de comportamentos mais adaptativos e estratégias de enfrenta-
mento para lidar com situações que envolvem riscos para o consumo de drogas.
Para concluir, dada à importância que as habilidades sociais exercem no transcor-
rer da vida dos indivíduos, aprender sobre os próprios comportamentos, bem como sobre
os comportamentos de outros indivíduos pode ser uma estratégia útil para muitas pessoas,
incluindo os dependentes químicos.
O Treinamento de Habilidades Sociais é um meio adequado para o aprendizado
de comportamentos mais adaptativos e funcionais, em vista disso, atualmente é conside-
rado como uma estratégia altamente eficaz para o tratamento de diversos tipos de trans-
tornos, visto que proporciona ganhos duradouros para os indivíduos que participam de
seus procedimentos.

Módulo 2: Treinamento de Habilidades Sociais na dependência química


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MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 104

Referências

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Módulo 2: Treinamento de Habilidades Sociais na dependência química


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ANOTAÇÕES

Módulo 2: Treinamento de Habilidades Sociais na dependência química


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PROTOCOLOS E
PADRONIZAÇÃO
DE SERVIÇOS NA
CT
PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PARA PROFISSIONAIS, COORDENADORES E
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PROTOCOLOS E PADRONIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA CT

Conceituação

Monitorar a implantação, a qualidade dos procedimentos nas Comunidades Tera-


pêuticas de protocolos institucionais a partir de diretrizes para a prática baseadas em evi-
dências.

Relevância

O avanço tecnológico na área da saúde propiciou inúmeras opções diagnósticas e


terapêuticas para o cuidado à saúde. Entretanto, esta variabilidade não necessariamente
está relacionada às melhores práticas assistenciais e às melhores opções de tratamento.
A aplicação de protocolos terapêuticos, permite a implementação de recomenda-
ções válidas, preconizadas nas diretrizes clínicas, padronizando o fluxo e as principais
condutas terapêuticas para o agravo selecionado.
A aplicação das recomendações das diretrizes da terapêutica singular, por meio de
protocolos clínicos aumenta a efetividade na assistência assim como a segurança no aten-
dimento e no suporte ao paciente.

Indo mais a fundo

• Diretrizes terapêuticas: recomendações desenvolvidos de forma sistemática,


com o objetivo de auxiliar profissionais e pacientes, na tomada de decisão em
relação à alternativa mais adequada para o cuidado de sua saúde em circunstâncias
clínicas específicas (Field, Lohr e Institute of Medicine, 1990). São desenvolvidas
com o objetivo de sintetizar as evidências científicas em relação à prevenção, di-
agnóstico, tratamento e reabilitação, sistematizando o conhecimento científico em
relação a determinado agravo e propondo recomendações para o atendimento efe-
tivo e seguro dos pacientes nas condições clínicas explicitadas.

• Protocolos clínicos (definição 1): rotinas dos cuidados e das ações de gestão de
um determinado serviço, equipe ou departamento, elaboradas, a partir do conhe-
cimento científico atual, respaldado em evidências científicas, por profissionais
experientes e especialistas em uma dada área, e que servem para orientar fluxos,
condutas e procedimentos clínicos dos trabalhadores dos serviços de saúde (Wer-
neck et al., 2009, apud Araújo, 2011).

• Protocolos clínicos (definição 2): conjunto de diretrizes, de estratégias, de crité-


rios e de pautas, provenientes de uma revisão sistemática da evidência científica
disponível e de uma avaliação profissional, apresentado de maneira estruturada e
elaborada com o objetivo de ajudar os profissionais de saúde e os pacientes em
suas decisões.
Nota: nos protocolos clínicos, são estabelecidos claramente os critérios de diag-
nóstico de cada doença, o tratamento preconizado, com os medicamentos dispo-

Módulo 2: Protocolos e Padronização de Serviços na CT


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MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 108

níveis nas respectivas doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanha-


mento e a verificação de resultados e a racionalização da prescrição e do forneci-
mento dos medicamentos (Ministério da Saúde, 2005).

Exemplo de Protocolos

Evidências de elaboração, desenvolvimento e implementação de protocolos clíni-


cos para infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico isquêmico, insuficiên-
cia cardíaca congestiva, pneumonia comunitária e sepse, por exemplo.
Essas estratégias de disseminação dos protocolos na instituição criam segurança,
qualidade, padronizam atendimentos, imprimem segurança jurídica e criam um ambiente
seguro, para equipes e acolhidos no serviço.
Padronização e sistematização das condutas, melhorando as práticas dos profissi-
onais de saúde, minimizando a variabilidade dos processos assistenciais e a solicitação de
exames e procedimentos desnecessários.
Supervisão, monitoramento e acompanhamento da qualidade das ações e serviços
em saúde prestados pela instituição hospitalar, incentivando a excelência profissional, o
uso eficiente de recursos e o atendimento às necessidades dos pacientes.

Protocolos na Comunidade Terapêutica

 atividades diversas
 reuniões
 padrões de funcionamento da equipe
 manejo das rotinas
 condução e construção do cronograma
 técnicas de aconselhamento
 método de triagem e acolhimento
 avaliações do processo de progressão do acolhido no ambiente terapêutico
 atividades laborais
 espiritualidade
 Doze Passos
 mútua ajuda
 reinserção social
 triagem
 articulação com rede
 indicação e contra indicação

Módulo 2: Protocolos e Padronização de Serviços na CT


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Identidade Institucional

 confessional - laica
 pública - privada
 gestão
 estrutura logística
 localização

Diretrizes da CT

Diretriz: linha básica que determina o traçado de uma estrada

Vamos para onde?


Avalição permanente e fiscalização da estrada e do caminho percorrido.

ANOTAÇÕES

Módulo 2: Protocolos e Padronização de Serviços na CT


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ENTREVISTA
MOTIVACIONAL
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ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Introdução

A Entrevista Motivacional, como técnica de atendimento, tem influencias teóricas


advindas das Técnicas de Aconselhamento da abordagem humanista, assim como da Te-
rapia Cognitivo Comportamental. Postula que a aderência do dependente ao tratamento
depende de sua motivação e que esta pode sofrer modificações ao longo do período de
intervenção.
Jungerman e Laranjeira (1999) afirmam que a motivação do ser humano pode ser
avaliada por uma série de comportamentos, como por exemplo:

1. concordância com o terapeuta;


2. aceitação do diagnóstico deste (isto é, admitir a dependência de uma droga);
3. expressão de vontade de mudar ou de ser ajudado;
4. exposição do incômodo com sua situação pessoal e seguir os conselhos do
terapeuta.

Entretanto, não há uma postulação absoluta, pois há pacientes que verbalizam algo
e não o colocam em prática, assim como o contrário também é verdadeiro. A preocupação
nesta abordagem é com o que o paciente faz. Na técnica da E.M. a motivação corresponde
às ações do cliente.
Com este olhar humanista, compreende-se a motivação como um grau de motiva-
ção ao tratamento, ou seja, ela pode ser encarada como a probabilidade de certos compor-
tamentos ocorrerem. É um caminho seguro para encarar a motivação de maneira práticae
até mesmo otimista, e não como um traço imutável de personalidade.
Nesta perspectiva, considerando a motivação como a probabilidade de que uma
pessoa adira a uma estratégia de mudança, declina-se da concepção adotada anterior-
mente, através do confronto, na qual defendia-se a ideia de que o dependente químico
teria um problema de caráter.
Abordagens moralistas ou até mesmo propostas a oferecer conselhos, desconside-
ram a ambivalência do paciente e assim, estimulam a resistência.
Nesta perspectiva, a motivação é considerada por esta abordagem de forma não
estática, e sim, dinâmica e influenciável por fatores externos, incluindo o próprio tera-
peuta.
Com esta referência teórica inicial, afirma-se que a Entrevista Motivacional é um
estilo de aconselhamento, que visa estimular a mudança de comportamento, sendo dire-
tivo e centrado no cliente, ajudando-o a explorar a sua ambivalência.
No que tange ao seu caráter diretivo, a definição está ligada ao fato de que o tera-
peuta manter o seu propósito e direção e escolher o momento certo de intervir, contribu-
indo ou facilitando com as metas.
Já em relação ao aspecto não diretivo, ao invés de propor soluções ou sugestões,
o profissional oferece condições de crítica que propiciem ao cliente uma mudança natural.
A postura do profissional está intrinsicamente ligada a uma prática humanista,
caracterizada por empatia, por uma escuta técnica e reflexiva, que não imponha as opini-
ões do profissional. Visa, na prática, a liberdade de escolha do cliente.

Módulo 2: Entrevista Motivacional


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MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 112

Conceitos principais

Ressalta-se que a entrevista motivacional baseia-se em 2 conceitos:

1. Ambivalência: neste contexto não significa apenas a relutância em fazer


algo, mas a experiência de um conflito psicológico para decidir entre dois ca-
minhos diferentes. Há uma motivação flutuante.

2. Prontidão para mudança, baseada no modelo de estágios de mudança, que


acredita que a mudança se faz através de um processo, e para tal, a pessoa
passa por diferentes estágios.

Diferentes autores defendem a ideia de que existem princípios gerais que nor-
teiam a Entrevista Motivacional, com características e funções específicas.
Para o presente estudo, compila-se uma parte desta teoria, como segue:

a. Expressar empatia é uma das essências da EM. Consiste em aceitar a pos-


tura do cliente, tentando entendê-lo, sem julgamento ou crítica.

b. Desenvolver discrepância entre o atual comportamento do cliente (depen-


dência de droga) e objetivos mais amplos (por exemplo, ter uma carreira
profissional). Isto é, evidenciar a distância entre onde a pessoa está e onde
ela gostaria de estar.

c. Evitar discussões, isto é, confrontações diretas, que são contraprodutivas.


Além disso, discussões estimulam defesas e resistências.

d. Fluir com a resistência, ao invés de enfrentá-la.

e. Estimular autoeficácia, que é a crença da própria pessoa na sua habilidade


de executar uma tarefa.

Dessa forma, o profissional, o cliente e a própria relação, devem manter-se aten-


tos para alguns fatores que motivam a mudança pessoal.

a. Aconselhar: um conselho claro, na hora e da forma certa, pode fazer a


diferença.

b. Remover Barreiras: o terapeuta bem preparado deve auxiliar o cliente a


identificar obstáculos ao tratamento e ultrapassá-los, auxiliando-o na
busca de soluções práticas para o problema.

c. Oferecer opções de escolha: é essencial que o terapeuta ajude o cliente a


sentir sua liberdade e responsabilidade de escolha.

Módulo 2: Entrevista Motivacional


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MONITORES DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 113

d. Diminuir a vontade: é função do terapeuta identificar os aspectos positi-


vos do comportamento de uso de uma substância que está estimulando a
manter-se nele e buscar formas de diminuir esses incentivos.
e. Praticar empatia: consiste na habilidade de entender o outro através da
chamada “escuta crítica‟.

f. Dar feedback: deixar o cliente sempre consciente de seu estado é um ele-


mento essencial para motivá-lo à mudança.

g. Clarificar objetivos: é importante auxiliar o cliente a estabelecer certos


objetivos e que estes sejam realistas e atingíveis.

h. Ajuda ativa: o terapeuta deve estar ativa e positivamente interessado no


processo de mudança do cliente e isto pode ser expresso pela solicitude e
cuidado.

Ao invés de encarar a ambivalência como um mau sinal e tentar persuadir o paci-


ente a mudar, o ideal é encará-la como normal, aceitável e compreensível. Para tal, é
preciso, antes de tudo, entender como a ambivalência atua particularmente em cada ser
humano e quais são as partes do conflito, sem as pressupor.
Vale também definir as motivações do cliente bem como suas expectativas quanto
à mudança, aspectos estes que podem ser relevantes. Pode-se dizer também, que a capa-
cidade da pessoa de entender sua ambivalência é o sinal para a passagem para o estágio
da contemplação, onde ela estará mais consciente do conflito e até com maior ambivalên-
cia. Uma vez que a ambivalência esteja entendida e ultrapassada, a pessoa chega perto da
fase de preparação e consegue tomar uma decisão de mudança de atitude.
Dois pontos são destacados:

1. Reconhecer a resistência: existem vários tipos de comportamento por


parte do cliente que assinalam resistência: discutir, interromper, negar e
ignorar, mas o que importa não é tanto identificar o tipo, mas sim o fato de
alguma resistência estar existindo.

2. Estratégias para lidar com a resistência:

a. Reflexão simples: constatar que o cliente discorda ou que ele sente


algo, permite explorar melhor a situação ao invés de aumentar as de-
fesas.

b. Reflexão amplificada: a ideia seria devolver ao cliente o que ele disse


de uma forma amplificada ou mesmo exagerada.

c. Reflexão de dois lados: uma abordagem baseada na escuta crítica é


constatar o que o cliente diz e acrescentar a isto o outro lado da ambi-
valência do cliente, utilizando material fornecido anteriormente em
outras sessões.

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d. Mudar o foco: aqui a ideia é mudar o foco de atenção do cliente de


algo que parece uma barreira para sua evolução.

e. Concordar, mas com alguma mudança – aqui o terapeuta concorda


com algo que o cliente diz mas muda sutilmente de direção.

f. Enfatizar escolha e controle pessoal – estar sempre assegurando à


pessoa que, no fim das contas, quem tem a última palavra é o cliente
ajuda a diminuir a relutância.

g. Reinterpretar: isto é, colocar os comentários do cliente num outro


contexto ou mesmo dar-lhe outra interpretação, alterando o sentido.

h. Paradoxo terapêutico: é como dizer ao cliente “OK talvez seja me-


lhor mesmo você continuar usando drogas...”, de uma forma calma,
de modo que o cliente, resistindo ao terapeuta, possa mover-se adi-
ante, assumindo que não quer mais usar drogas. Porém esta estratégia
requer muita experiência e deve ser usada com cuidado.

Em resumo, resistência pode transformar-se na chave para um tratamento de su-


cesso se o terapeuta souber reconhecê-la como uma oportunidade: em E.M., uma das pre-
missas da arte de ser terapeuta é saber identificar e ultrapassar a resistência.
No tratamento de dependentes químicos não existe tratamento melhor que outro.
Como em outros tratamentos das dependências, EM não é eficaz para todos os indivíduos.
Entretanto, a EM mostra-se como um recurso valioso para muitos clientes que necessitam
de ajuda especializada. A efetividade da EM parece estar relacionada a algumas caracte-
rísticas da população atendida, tais como gravidade da dependência, comorbidade, seve-
ridade do comprometimento e grau de ambivalência quanto à vontade de mudar. Uma
maior investigação sobre a população envolvida nos estudos e outras variáveis ajudará a
compreender porque a EM é mais ou menos eficaz nas diferentes circunstâncias.

Aprendizagem na Entrevista Motivacional

Assim, para que a aprendizagem da EM ocorra, é preciso que o profissional te-


nha como alvo passar por alguns estágios, entre eles:

1. Trabalhar em parceria com o cliente, baseando no reconhecimento de que é o


especialista em sua própria vida.
2. Habilidade em oferecer um aconselhamento centrado no cliente, incluindo
empatia precisa; reconhecer os aspectos chave das falas do cliente norteadoras
para a prática da EM.

3. Eliciar e fortalecer as falas de mudança do cliente.

4. Lidar com a resistência.

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5. Negociar um plano de ação.

6. Consolidar o compromisso do cliente com a mudança;

7. Ser flexível no uso da EM juntamente com outros estilos de intervenção.

Especificando as ações

1. Parceria

A EM é feita “com” e não “para” a pessoa. Trata-se de um elemento que reforça


a necessidade do terapeuta interagir e se interessar pela história e evolução do cliente e
não se ater a uma conduta prescritiva.
Postura equilibrada na tensão entre seguir o indivíduo e também, guiá-lo. O pro-
fissional e o cliente procuram saídas juntos.

2. Aceitação

Para a compreensão da EM a aceitação tem forte influência nas obras de Carl


Rogers e propõe que o profissional se interesse e valorize o potencial de cada indivíduo.
A aceitação consiste no reconhecimento absoluto, na empatia acurada, no suporte à auto-
nomia do cliente e no reforçamento positivo de falas, e posturas em prol da saúde e inte-
gridade de vida do cliente.
Contudo, para que o profissional consiga verdadeiramente ajudar seu cliente, ele
deve se envolver ativamente com a sua história - o que ele não deve é misturar sua própria
história com a história de quem pretende ajudar.
A proposta da EM é que, no final das contas, o cliente escute a si mesmo e se dê
conta de suas motivações e ambivalências, assumindo uma decisão perante seu compor-
tamento de risco.

3. Evocação

Evocar as forças que motivam a pessoa, ao invés de persuadir. Evocar quer dizer
lembrar, recordar. Motivação vem de motivo, que quer dizer aquilo que pode fazer mover,
motor que causa ou determina alguma coisa.
A motivação é um recurso interno. A evocação traz a proposta de ajudar o cliente
a se recordar de elementos próprios e únicos que podem se tornar motivos para que haja
uma mudança de comportamento.
Quem tem a verdade ou as respostas para os questionamentos é o próprio cliente;
cabe ao profissional evocar estas informações e empoderar o indivíduo quanto a este saber
de si mesmo.

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4. Compaixão

Promover ativamente o bem-estar do outro, priorizando suas necessidades. A


compaixão pode ser compreendida como um meio de tentar fazer o profissional se apro-
ximar mais verdadeiramente da pessoa e não do problema dela.
Os autores reforçam o convite para “colocar a mão na massa” JUNTO com a pes-
soa e não PELA pessoa.

Os Processos da Entrevista Motivacional

A EM atualmente é descrita na confluência de quatro processos que são apresen-


tados sequencialmente e devem ser visualizados sob a forma de degraus, a saber:

1. Engajamento

Consiste na construção de uma aliança terapêutica. Quando o profissional conse-


gue estabelecer uma boa aliança terapêutica com o cliente, há mais engajamento no tra-
tamento, possibilitando que haja uma maior adesão ao mesmo.
Aqui, o engajamento é definido como um processo de construção em uma relação
de ajuda, que busca uma solução para o problema apontado. Esta relação é pautada no
respeito e na confiança mútuos. O cliente engajado não é passivo ao seu próprio processo
de mudança.

2. Foco

A construção do foco está no desenvolvimento e manutenção da direção específica


da conversa para a mudança. O cliente durante o atendimento pode estar muitas vezes
envolto em uma série de acontecimentos e sua tendência pode ser a de se concentrar nos
sintomas ou nos fatos mais recentes que o levaram até ali, subvalorizando ou até mesmo
desconhecendo o fator “causa”.
Cabe ao profissional se preocupar em manter o foco durante o atendimento, para
que a conversa não se perca no meio do caminho. Manter o foco na conversa ajuda na
elaboração e no resgate do sentido, bem como possibilita a construção de uma direção
para a mudança.

3. Evocação

Evocar consiste no movimento do profissional de extrair da pessoa os próprios


sentimentos concernentes ao propósito de mudança. Esta é a essência da EM. Todas as
conclusões ou caminhos a serem percorridos, devem ser uma conclusão que o cliente
alcança sozinho, com o auxílio do profissional e não com a sua indução.
A resposta para as questões deve ao final, sair da boca do cliente, como se fosse
realmente uma grande descoberta!
4. Planejamento

O planejamento está na construção do movimento de “quando” e “como” mudar.


Tomando-se como base os estágios de prontidão para a mudança, há um momento em

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que o cliente diminui os seus questionamentos e começa a se preparar para uma tomada
de atitude.
Neste momento, o planejamento é fundamental, uma vez que desenvolve a formu-
lação de um plano de ação específico, podendo encorajar o cliente a aumentar seu com-
promisso com a mudança.
A construção do planejamento não deve ser prescrito e sim, evocado do cliente;
da mesma forma, não deve ser pontual e deve ser sempre revisto. Quando há ensaios rumo
ao movimento para a mudança, o planejamento torna o cliente mais seguro, uma vez que
promove sentimentos de autoeficácia pautados na sua autonomia e nas suas tomadas de
decisões.

Metodologia da Entrevista Motivacional: PARR

A metodologia consiste na utilização de reflexões, reforços positivos, resumos e


perguntas abertas em uma relação de no mínimo 2:1, ou seja, a utilização de cada duas
estratégias para cada pergunta, com preferência das reflexões.

1. Fazer Perguntas Abertas

Uma boa maneira de começar a terapia é fazer as perguntas de modo que encoraje
o cliente a falar o máximo possível. As perguntas abertas são aquelas que não podem ser
respondidas facilmente com uma palavra ou frase simples.
Fazer perguntas abertas é um convite ao cliente para que ele possa refletir e ela-
borar, uma vez que, para a EM, não é a resposta para aquilo que o profissional quer saber,
que é o mais importante.

2. Refletir

Trata-se da principal estratégia na EM e deve constituir uma proporção substancial


durante a fase inicial da EM, principalmente entre os pré-contempladores e os contem-
pladores. O elemento crucial na escuta reflexiva é como o profissional responde ao que o
cliente diz. Para que a escuta reflexiva ocorra, esse processo deve ser horizontal, objetivo
e direto.
Ao refletir, o profissional se coloca na relação, mas ao mesmo tempo, deve ser fiel
ao que o cliente disse. Por este motivo, a EM não trabalha com interpretação. As relações
com o cliente são autênticas e deve permitir que ele exprima abertamente seus sentimen-
tos e atitudes sobre o seu comportamento e o processo mudança. Oferecer uma escuta
reflexiva requer treinamento e prática para pensar reflexivamente.

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3. Afirmar – Reforço Positivo

O reforço positivo também tem seu lugar no tratamento, sendo isso uma das pe-
culiaridades na EM. Pode ser realizado através de apoio e oferecimento de apreciação e
compreensão por parte do profissional. É importante ter em mente a ideia de reconhecer
comportamentos, situações ou pensamentos que ocorram na relação terapêutica ou que o
profissional tenha evidências concretas de sua existência, pois, caso contrário, o reforço
positivo pode funcionar como uma barreira para escutar o cliente se não for verdadeiro.
Podemos utilizar uma metáfora, no qual o profissional pode enxergar o copo meio
vazio ou o copo meio cheio - no reforço positivo, há o reconhecimento do copo meio
cheio, valorizando o que já foi conquistado até o momento. O reforço não pode ser uma
forma de indução; desta forma, vale ressaltar que quem produz mudanças é o cliente e
não o profissional.
Esta perspectiva convida a uma mudança paradigmática comum a muitas práticas
clínicas, que utilizam a intervenção contra o fato negativo, com a crença de que, confron-
tando o que está “ruim”, “errado” ou “mal”, o cliente terá mais condições de se mover em
direção à mudança.
O reforço positivo é uma forma de apoio autêntico, de incentivo e de verdadeiro
reconhecimento daquilo que há de valor em cada ser humano - e não de oferecer um mero
elogio.

4. Resumo

Resumos podem ser utilizados para conectar os assuntos que foram discutidos,
demonstrando que você escutou o cliente, além de funcionarem como estratégia didática
para que o cliente possa organizar suas ideias. Em um atendimento onde há a construção
de uma aliança terapêutica e o cliente se sente seguro e à vontade para promover “uma
tempestade de ideias”, nem sempre ele consegue alcançar a dimensão de tudo aquilo que
ele próprio disse.
Estas conexões não precisam se dar exclusivamente com os assuntos do mesmo
atendimento; ao contrário, o profissional tem liberdade, quando ver esta necessidade, de
resumir um processo, não somente uma fala, permitindo ao cliente a oportunidade de
perceber que de fato há um interesse e um acompanhamento por parte do profissional. O
cliente pode ver que o profissional “não se esquece das coisas que ele disse”.

Algumas armadilhas

1. Armadilha da Avaliação

Deixa o cliente passivo e o profissional ativo, uma vez que ele passa a ser o de-
tentor do poder de direcionar as perguntas para aquilo que ele próprio quer ou precisa
saber.
Esta armadilha traz muitas desvantagens, uma vez que desempodera o cliente, fa-
zendo assim um movimento oposto ao espírito da EM.

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2. Armadilha do Especialista

O terapeuta entusiasmado e competente pode dar a impressão de que tem todas as


respostas, conduzindo o cliente a um papel passivo. A EM tem como objetivo dar ao
cliente a oportunidade de explorar e resolver sua ambivalência por si mesmo.

3. Armadilha da Rotulação

Profissional e cliente também podem ser facilmente seduzidos pela questão da


rotulação diagnóstica. O profissional é qualificado de modo a compreender que, para que
possa utilizar seu saber em prol do cliente, deve dar algum nome para a situação com a
qual se depara no momento.
Para alguns clientes, por outro lado, até mesmo pequenas frases aparentemente
inofensivas, como “seu problema com...”, podem gerar sentimentos de pressão e descon-
forto, evocando uma resistência prejudicial ao progresso.

4. Armadilha do Bate Papo

Após conhecer o espírito da EM ou mesmo animados com as perspectivas huma-


nistas, o profissional pode se entusiasmar no desejo intenso de construir uma aliança te-
rapêutica com o cliente e cair neste tipo de armadilha.

5. Equanimidade

Imagine uma situação onde o cliente esteja ambivalente quanto a divorciar-se ou


manter-se casado ou fazer uma eutanásia, por exemplo. São situações complexas e suas
decisões são difíceis de serem tomadas, porque suas consequências são em grande pro-
porção, independentemente da direção escolhida.
São decisões que envolvem valores individuais e nestes casos, o profissional pode
escolher e posicionar-se, de forma consciente, a não auxiliar no processo de tomada de
decisão, mas respeitando os princípios éticos da respectiva atuação profissional de modo
que o cliente possa tomar a decisão mais apropriada a sua situação (Miller, W.R., 2012).

6. Engajamento

Para a EM o engajamento consiste em uma confiante e respeitosa relação de ajuda


cujo processo terapêutico é construído mutuamente. Neste contexto, também se faz ne-
cessário compreender a ambivalência como a percepção do cliente sobre a importância
que ele atribui à mudança, bem como quão confiante se sente para realização dessa mu-
dança.

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Plano de ação

As respostas do cliente às perguntas abertas e a provisão de informações e orien-


tações podem começar a dar origem a um plano de mudança e o seu desenvolvimento:
envolve determinação de metas, análise das opções e montagem de um plano de ação.

Determinação de metas

O primeiro passo é determinar metas claras, com perguntas-chave:

 Como você gostaria que as coisas fossem diferentes?


 Se tivesse certeza de sucesso total, o que mudaria?

Mais uma vez: as metas devem ser do próprio cliente.

Análise das opções

Uma vez que as metas estejam claras e definidas, convém analisar os meios de alcançá-
las. Nesse ponto, devemos fazer uma revisão das modalidades de tratamento disponíveis.

Elaboração de um plano de mudança

Pode ser útil preencher com o cliente um formulário com o plano de mudança. O
resumo do plano nos conduz diretamente à questão do comprometimento e isso envolve
obter a aprovação e a concordância do cliente quanto ao plano e decidir sobre os próximos
passos a serem dados. Isso pode ser feito com uma simples pergunta: “é isso que você
quer?”.

Conclusões

A EM, também conhecida como motivational enhancement therapy (MET), foi


desenhada para ser uma intervenção breve em intensidade e duração. É mais vantajosa
quando aplicada em ambientes com grande demanda de atendimento e pouca disponibi-
lidade de tempo e profissionais.
EM breve é eficaz para vários problemas comportamentais relacionados ao uso de
substâncias como álcool, maconha e opiáceos; é eficaz quando usada na intensificação de
outros tratamentos de abuso de substância, funcionando melhor para o beber problemático
e tratamentos intensivos do consumo de substâncias, não tendo o efeito da EM diminuído
ao longo do tempo, e é mais eficaz do que o não tratamento e tão eficaz quanto qualquer
outro tratamento ativo, cientificamente reconhecido para o uso de álcool, outras drogas e
dieta/exercício.
A EM tem se mostrado uma intervenção efetiva para reduzir o consumo do álcool
e aumentar a motivação para a mudança do padrão de beber, bem como aumentar a pro-
cura e a adesão de usuários de álcool a um tratamento formal e especializado para a de-
pendência alcoólica.

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A EM é uma abordagem que possui uma base teórica e não é meramente um con-
junto de técnicas (Lundahl, B. & Burke, B.L., 2009). Desta forma, por tratar-se de uma
metodologia prática e objetiva, qualquer profissional pode aplicar a EM, desde que capa-
citado para tal, uma vez que é uma estratégia efetiva, inicial de baixa toxicidade.
Diante disto, por meio de testes e adaptações com rigor científico, a EM almeja,
além da mudança no comportamento, se concretizar no decorrer do tempo, estabilizando
assim a ambivalência e agregando uma visão humanista e construtivista nas modificações
de comportamentos de risco.

Referências

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