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Sumário
Aspectos Históricos, Culturais e Conceituais da Dependência Química..........................4
Neurobiologia...........................................................................................................................................6
Neuropsicologia e Dependência Química....................................................................................16
Etiologia, critérios diagnósticos e classificação.........................................................................21
Critérios Diagnósticos e Classificação............................................................................................25
Comorbidades...........................................................................................................................................30
Principais Comorbidades......................................................................................................................32
Poliusuários.................................................................................................................................................39
Drogas lícitas: Álcool................................................................................................................................43
Drogas lícitas: Nicotina............................................................................................................................50
Drogas lícitas: Opioides............................................................................................................................57
Drogas lícitas: Anfetaminas...................................................................................................................64
Drogas lícitas: Benzodiazepínicos, Ansiolíticos e Hipnóticos..................................................69
Drogas lícitas: Anabolizantes................................................................................................................74
Drogas ilícitas: Maconha, Haxixe e Skunk.........................................................................................80
Drogas ilícitas: Cocaína.............................................................................................................................85
Drogas ilícitas: Crack e Similares.........................................................................................................91
Drogas ilícitas: Alucinógenos.................................................................................................................95
Drogas ilícitas: Inalantes e outras drogas de abuso.....................................................................98
Construtos Cognitivos...........................................................................................................................101
Comprometimento da Atenção e Funções Executivas.............................................................106
Comprometimento da Memória........................................................................................................109
Comprometimento da praxia e visuoconstrução.......................................................................112
Reabilitação Neuropsicológica e Dependência Química.........................................................113
Populações Especiais: Crianças e Adolescentes..........................................................................116
Populações Especiais: Mulher, Gestante e Perinatal.................................................................125
Populações Especiais: Idosos..............................................................................................................132
Populações Especiais: LGBTQIA+ e Consequências do Abuso..............................................137
Populações Especiais: Minorias.........................................................................................................140
Intervenção Breve....................................................................................................................................145
Terapia de Grupo no Tratamento da Dependência Química................................................151
Prevenção a Recaída...............................................................................................................................156
Terapia Familiar e Dependência Química.....................................................................................161
Grupo de Apoio (Paciente e Família)...............................................................................................166
Redução de Danos..................................................................................................................................168
Papel das Equipes Multidisciplinares no Tratamento da Dependência
Química......................................................................................................................................................172
Políticas Públicas para a Dependência Química e Lei Orgânica..........................................175
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Organização do Serviço no Tratamento da Dependência Química.....................................178
Dispositivos de Atenção Psicossocial...............................................................................................183
Comunidades Terapêuticas e Residências Assistidas..............................................................188
Suicídio e Dependência Química........................................................................................................190
Fatores de Proteção e Risco na Dependência Química.............................................................195
Dicas de Filmes..........................................................................................................................................198
Referências Bibliográficas....................................................................................................................199
Anexos..........................................................................................................................................................202

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Aspectos Históricos, Culturais e Conceituais da
Dependência Química

“Toda forma de vício é ruim, não importa o que seja, droga, álcool ou idealismo.”
Carl Jung

Pontos Importantes:

 A história do uso das substâncias psicoativas se confunde com a


história da própria humanidade.
 Compreensão da dependência química como doença.

Vivemos em um mundo permeado de mudanças, com constantes avanços
nas ciências humanas. A busca da compreensão por certos fenômenos datam
idades remotas, no qual o olhar investigativo torna-se evidente frente aos fatos
que o homem não compreende. É interessante destacar que, na busca do plano
da compreensão acerca do ser humano e suas facetas, o contexto histórico-
cultural do objeto que se pretende estudar ocupa lugar de destaque.
A partir das referências históricas, o fenômeno “uso de substâncias
psicoativas” marcam seu espaço na história da humanidade, configurando sua
presença nas relações humanas desde os tempos pré-históricos.
De acordo com uma revisão histórica publicada de décadas de pesquisas
arqueológicas, o seres humanos em todo o mundo fizeram uso de substâncias
psicoativas como o ópio, álcool e cogumelos alucinógenos desde o período pré-
histórico, datando há cerca de 10 mil anos atrás, e há evidência histórica de uso
cultural há cerca de 5 mil anos atrás.
Observe que a relação homem-droga é bastante antiga e persistente. O
álcool, segundo evidências arqueológicas, data sua existência entre 7000 a.C e
6600 a.C, a partir de resíduos de bebida (misto de arroz, mel, frutas
fermentadas) encontrados em fragmentos de cerâmica de um vilarejo chinês.
Quanto aos alucinógenos, os resquícios de fósseis de cacto alucinógeno de
São Pedro foram encontrados em uma caverna do Peru, entre o ano 8600 a.C e
5600 a.C, sementes da leguminosa dermatophylum, foram encontradas na região
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do sul do Texas no período de 1000 d.C e pequenas esculturas de pedra
chamada “pedra de cogumelo” foram encontradas na cidade Guatemala no
México, com possível uso dos cogumelos alucinógenos em cerimônias religiosas.
Já o ópio, os vestígios de fôsseis desta planta foram encontradas em um
sítio arqueológico na Itália, por meados do sexto milênio a.C., e resquícios de
cápsulas de semente de papoula e de Opiáceos foram localizados em ossos de
esqueleto humano no quarto milênio a.C., com indícios de utilização em
cerimônias religiosas.
Quanto ao tabaco, nota-se que os vestígios de sua existência foi
evidenciada em cachimbos encontrados na Argentina, por cerca de 2000 a.C.,
pelos povos que ali habitavam neste período. Já a nicotina está presente na
história da humanidade desde o período de 300 a.C.
As evidências do uso das folhas de coca datam aproximadamente 8000
atrás, na região da América do Sul. Seus resquícios foram encontrados em
restos dentários de humanos e em cabelo de múmias, o que indica que os
povos que faziam uso desta planta, usavam através do processo de mascá-la.

 Se liga:

 Nota-se que o uso das substâncias psicoativas não é um evento novo


no repertório humano, ele vem se entrelaçando ao longo da história da
humanidade, permeadas pela cultura, religião, hábitos e costumes dos
povos com finalidades específicas.

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 Mas por que este fenômeno é tão milenar? Podemos inferir que o homem
sempre buscou através dos tempos, o aumento de seu prazer e
diminuição do sofrimento.

 O uso das drogas sempre esteve relacionado às questões que fazem


parte
da condição humana, prazer/dor, vida/morte, sofrimento/alívio trazen
do à tona a fragilidadehumana. Observa-se que através da evolução
histórica do homem, é possível verificar que em cada época este ser
apresenta uma maneira particular em lidar com esses elementos,
bem como a forma de consumo das drogas.

 Mas enfim, o que vem a ser dependência química?


É o impulso que leva a pessoa a usar droga de forma contínua ou
periódica, no qual o controle do consumo é precário, fazendo com que o
dependente aja de forma impulsiva e repetitiva com evidentes prejuízos
cognitivos, emocionais, sociais e familiares. A dependência é entendida
como uma DOENÇA que envolve uma gama de fatores biopsicossociais.

 Se liga:

Neurobiologia
“O vício não é uma escolha...”
Dr. Gabor Maté

Pontos Importantes:
 A compreensão da neurociência auxilia no entendimento da
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neurobiologia da dependência química.
 O sistema de recompensa tem sido um dos fatores para
entendimento do abuso das substâncias psicoativas.
 De acordo com pesquisas recentes, as regiões pré-frontais são
mais afetadas com o uso de substâncias psicoativas,
apresentando íntima ligação com o processo de dependência
química.

Compreender a dependência química é entender que essa doença não


está ligada apenas aos fatores comportamentais e psicossociais, mas
também a uma configuração perpassada por fatores genéticos e
epigenéticos. Atualmente, os avanços científicos na área da dependência
química permitem dizer que, assim como a ação do uso prolongado de
substâncias com potencial de abuso no cérebro, aspectos sociais, culturais,
educacionais e comportamentais tem papel central no desenvolvimento da
síndrome de dependência.

As bases neurobiológicas da dependência química tem recebido


crescente atenção em inúmeras pesquisas, uma vez que um melhor
entendimento dos mecanismos cerebrais ligados ao comportamento de
dependência tem permitido a busca de tratamentos medicamentosos mais
eficazes para o comportamento repetitivo de busca pela substância, assim
como para a síndrome de abstinência. Porém, a pouca compreensão das
alterações bioquímicas que as substâncias de abuso promovem no cérebro
humano, assim como da relação entre essas alterações cerebrais e
comportamentais presentes na síndrome de dependência tem sido segundo
a comunidade científica, alguns dos motivos que tem impedido o
desenvolvimento de tratamentos farmacológicos mais efetivos para os
quadros de dependência química. Observa-se dentro desse contexto, que o
sistema dopaminérgico, sobretudo, as vias dopaminérgicas envolvidas nos
circuitos motores, límbicos e cognitivos dos núcleos da base, tem-se
apresentado como potencialmente envolvido em mecanismos que
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desempenhariam um papel central nas síndromes de dependência e
abstinência (Almeida, Bressan & Lacerda, 2011).

Mas de fato, qual é o objetivo do estudo da neurobiologia dos


transtornosrelacionados ao uso de substâncias?

Segundo a literatura científica atual, a neurobiologia busca


compreender os mecanismos genéticos e epigenéticos, além dos
mecanismos celulares e moleculares envolvidos na dependência de
substâncias. Esses mecanismos podem mediar à transição entre o
padrão de uso chamado “recreacional” e um padrão caracterizado por
perda do controle, bem como o comportamento de busca apesar de
evidentes prejuízos em diferentes esferas, “fissura” e recaídas
frequentes, tipicamente descritos nos quadros de dependência.

 Se liga:

 Observa-se que na compreensão da neurobiologia da


dependência química, o sistema cerebral de recompensa (SCR) tem
ocupado papel central na tentativa de entendimento desse fenômeno
multifacetado. Entende-se que o uso de substâncias psicoativas

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apresenta um mecanismo particular de ação no cérebro, pois cada
droga tem seu mecanismo próprio de ação, e essa ação particular atua
de forma direta ou indireta no sistema de recompensa cerebral.

 Mas para que entendamos o sistema cerebral de recompensa, é de


suma importância tecer uma linha de raciocínio e entendimento acerca
dos mecanismos de ação das substâncias psicoativas.
 Então, o que são mecanismos de ação?
 Qual a importância desse entendimento para compreensão da
dependência química?
Os mecanismos de ação são expressões utilizadas pela
farmacologia, com intuito de delinear a interação bioquímica específica
que determinada droga em uso produz como efeito farmacológico. Em
suma, o mecanismo de ação é o alvo molecular específico, uma enzima,
um receptor em que a droga se conecta. Por exemplo, vejamos o
mecanismo de ação do álcool na figura abaixo:

Neurotransmissão glutamatérgica e GABAérgica


Fonte: csmmse.wixsite.com/etanol/dependencia-tolerancia-e-abstinenci

Como observado na figura, o mecanismo de ação do etanol ocorre


nos neurotransmissores GABA (ácido gama-aminobutírico) com efeitos
inibitórios e no Glutamato – com efeitos excitatórios, promovendo
alterações simultâneas de inúmeras vias neuronais, deprimindo o
sistema nervoso central, com profundo impacto neurológico e com

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repercussões no comportamento e cognição do dependente.

A partir do entendimento do mecanismo de ação, nota-se que a


compreensão das bases biológicas no uso das substâncias psicoativas, a
partir dos avanços científicos, tem evidenciado perspectivas
promissoras para o entendimento das alterações neurobiológicas e seu
desencadeamento nos aspectos fisiológicos, comportamentais e estados
emocionais da condição que torna a dependência química tão complexa.
 O DSM-5 pondera a premissa neurobiológica dos transtornos
relacionados ao uso de substâncias – os critérios
diagnósticos são embasados predominantemente em
aspectos clínicos comportamentais.

Como dito anteriormente, o sistema cerebral de recompensa,


denominado por James Olds (1950, apud Ornell, Diemen & Kessler)
como sistema mesolímbico-mesocortical, se projeta anatomicamente na
área tegmental ventral (ATV) para o córtex frontal e estriado ventral
(núcleo accumbens). É percebido que este sistema tem participação na
busca de estímulos causadores de prazer. Por meio de reforço positivo,
há o impulso de manter o prazer repetido vezes, criando-se uma
memória específica.

No abuso de substâncias psicoativas, os processos fisiológicos de


recompensa sealteram, dando lugar para a instalação do ciclo de reforço
negativo nas vias de gratificação cerebral. Embora cada substância
tenha um mecanismo de ação particular no cérebro e diversos outros
núcleos cerebrais, esses podem ser afetados com o uso de substâncias,
pois estas acarretam alterações no sistema de recompensa no cérebro.
Portanto, a ativação dessa área está relacionada aos sentimentos de
prazer reforçados por situações de potencial reforçador, e é
intensificada com o abuso de substâncias que poderão gerar o ciclo de

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repetição crônica da substância.

Sistema de Recompensa Cerebral


Fonte: http://aumagic.blogspot.com/2019/04/neurobiologia-mecanismos-de-reforco-e.html?m=1

Segundo Quevedo e Izquierdo (2020) tal processo relatado acima,


resulta no aumento direto ou indireto das concentrações de dopamina
extracelular no sistema de recompensa, sobretudo no nucleus
accumbens, estendendo-se para a amígdala e induzindo os estados
excitatórios. A dopamina nesse contexto desempenha papel chave nos
processos de aprendizagem e está associada a recompensas e a
definição de eventos de potencial gratificante, onde os estímulos
desencadeadores de prazer e sistema de recompensa ocorrem pela
expressão de dopamina. O aumento de sua concentração sináptica em
regiões específicas do cérebro estão associadas às sensações de prazer e
bem estar manifestadas frente a certos comportamentos.

No uso das substâncias, observamos uma liberação elevada da


dopamina, com intensidade e duração excedente aquelas
desencadeadas por reforçadores naturais, ocasionando um
desequilíbrio entre os circuitos dopaminérgicos relacionados à

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recompensa. De acordo com certos estudos científicos, essa possível
repetição crônica da atividade da dopamina no sistema de recompensa,
pode então, promover um desequilíbrio neuroquímico, conduzindo a
uma homeostase alterada ao gerar neuroadaptações estruturais e
funcionais permanentes a neuroplasticidade cerebral.

 Os autores Volkow e colaboradores, sugerem a presença de


diferenças marcantes em circuitos cerebrais nos pacientes com
dependência química. O modelo proposto por eles é de que além
dos circuitos de recompensa, os de memória, condicionamento,
controle executivo e motivação, estão envolvidos na
dependênciade substâncias.
 Vimos que a dependência química é caracterizada por sintomas
fisiológicos, comportamentais e cognitivos.
 Mas quais seriam as principais fases do transtorno
relacionado à substância e suas alterações neurobiológicas?
Observa-se, que o uso da substância psicoativa pode gerar um
padrão patológico e mal adaptativo de uso, propiciando a continuidade do
consumo mesmo na existência de sintomas negativos.
Do ponto de vista clínico, percebe-se que os elementos de
impulsividade e compulsividade produzem ciclos que podem envolver a
compulsão em conseguir usar a substância.
Nota-se, que a perda de controle sobre o uso com evidente
surgimento de sintomas negativos, quando o consumo não ocorre. Tais
sintomas seriam: disforia, irritabilidade e ansiedade. Como consequência
do uso agudo e impulsivo, o ato pode se tornar compulsivo e, assim,
desenvolver o uso crônico, a fissura, a tolerância e a recaída.

 Este processo pode ser resumido na figura abaixo:

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Neurocircuito e Neurotransmissores
Fonte: Livro Neurobiologia dos Transtornos Psiquiátricos

 Observa-se na figura acima que o uso agudo e impulsivo


passa por três fases, são elas:
 Compulsão para busca e obtenção da substância, intoxicação e
perda do controle sobre o consumo, no qual envolve
principalmente a rede ventromedial e o sistema de recompensa;
 Alteração clínica e estados emocionais negativos, quando limitado
o acesso a substância. Envolve a rede da amígdala estendida e o
sistema cerebral de estresse;
 Preocupação e antecipação. Envolve rede de saliência e o sistema
cognitivo.
Na etapa de compulsão e intoxicação, o sistema de recompensa
corresponde à rede mesocorticolímbica, sendo dividida em dois
subsistemas: mesolímbico e mesocortical. O sistema mesolímbico
ativa o estriado envolvendo o septo, a amígdala e o hipocampo, estando
associados aos sistemas de gratificação, processos de antecipação e
aprendizado de recompensas. Já o subsistema mesocortical, inclui
além do estriado, o córtex, pré-frontal medial, giro do cigulo, córtex
orbitofrontral e córtex perirrinal. Embora essas áreas estejam
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associadas às funções executivas, elas possuem papel importante no
processamento da recompensa quanto no planejamento do
comportamento aprendido e direcionado a metas.
Nota-se, que a exposição do indivíduo repetidamente, pode gerar
a construção do reforço positivo. No abuso das substâncias, o cérebro
identifica as pistas ambientais associados ao uso da substância, e as
transforma em sinais preditivos de recompensa, causando sensação de
gratificação mesmo antes de recebê-la (antecipação da recompensa).
Com o pareamento dos sinais de recompensa, resultando em “gatilhos”,
quando ativados estimulam os neurônios dopaminérgicos, emitindo
assim, uma resposta frente ao estímulo exposto, mesmo antes da
recompensa ser suscitada. Dessa forma, essas respostas ficam gravadas
no cérebro modificando o comportamento do indivíduo, mesmo após a
interrupção do efeito da substância. O armazenamento destas respostas
ocorrem devido a duas classes de mecanismos moleculares, adaptações
homeostáticas (papel na tolerância, dependência e na abstinência da
substância) e aprendizado associativo (papel relacionado na recaídas).
Na etapa de abstinência e disforia, podemos entender que a
supressão dopaminérgica e exposição crônica a picos elevados de
dopamina reduzem a ativação da serotonina, aumentando assim, o
sistema nervoso cerebral de estresse por meio dos hormônios. Com a
progressão da abstinência, outros hormônios relacionados ao estresse
são recrutados ocasionando sintomas como angústia, disforia,
insatisfação e anedonia. Nota-se, que quando o indivíduo torna-se
abstinente por um período, a disforia induz o comportamento de busca
da recompensa, a fim de amenizar os efeitos causados pela privação da
substância. Assim, um indivíduo que fazia uso da substância na busca da
euforia, nessa etapa buscará o alívio da disforia, reforçando a
dependência do uso.
Na terceira etapa preocupação, antecipação e fissura, observa-
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se que o comportamento aprendido, tanto pela sensação agradável
como pela sensação desagradável, é totalmente esperado no transtorno
de substâncias. Nessa etapa, a saliência ao estímulo pareado no uso da
substância se intensifica, exigindo assim, recursos de controle no
processo de tomada de decisão, no qual o mecanismo neurobiológico
gera um sistema de “vá/não vá”, em busca de recompensa. Veja que esse
sistema de influência, pode estar intimamente ligado as funções
cognitivas, como um direcionamento de metas e flexibilidade cognitiva.
A partir do exposto, nota-se que as alterações cerebrais, ocasionadas
pelo uso de substâncias resultam não apenas na intensificação do desejo
de usar (fissura), mas também na capacidade do indivíduo resistir à
tentação, gerando um novo episódio de compulsão e intoxicação,
iniciando assim o ciclo do transtorno relacionado ao uso de substâncias.

Vimos neste tópico de estudo, a introdução da neurobiologia dos


transtornos de uso de sustâncias psicoativas, a fim de elucidar pontos
importantes para a compreensão deste fenômeno complexo e
multifacetado. Tais informações sobre os efeitos neurobiológicos e
potenciais mecanismos fisiopatológicos da dependência química, nos
trazem reflexões importantes acerca das esferas enigmáticas dos
sistemas cerebrais que ocorrem na dependência química, e sua
repercussão na vida e funcionalidade do sujeito. É importante destacar,
que o período pré-mórbido presente nos usuários crônicos de
substâncias, pode ser considerado uma predisposição do sujeito para o
uso. Tentar compreender a dependência química, é manter o olhar no
indivíduo em sua forma biopsicossocial, respeitando as dinâmicas
envolvidas na inter-relação desses aspectos.

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Neuropsicologia e Dependência Química

“Um homem pinta com seu cérebro, não com suas mãos”
Michelangelo Buonarroti

Pontos Importantes:
 Compreensão da importância da avaliação neuropsicológica na
dependência química.
 O uso de substâncias psicoativas altera o funcionamento cognitivo.
 Os comprometimentos cognitivos parecem interferir na adesão ao
tratamento.

Como dito anteriormente, o transtorno por uso substâncias é
entendido como uma doença crônica, que afeta as funções cognitivas
com repercussões na funcionalidade e adesão ao tratamento.
Compreender os aspectos de comprometimento neuropsicológico
pode auxiliar na construção de recursos para um tratamento mais
eficaz e individualizado, contemplando as limitações e
potencialidades cognitivas apresentadas pelo dependente químico.
Nesta perspectiva, a neuropsicologia surge com objetivo de
estabelecer relações entre o cérebro e comportamento humano, por
meio de processos cerebrais que podem se observados direta ou
indiretamente.
Pode-se observar, ao longo da história da humanidade, que o
homem vem tecendo estudos na tentativa de explicar os processos
cerebrais. Na antiguidade clássica, Hipócrates (séc. V a.C.), referia-se
ao cérebro como o órgão do intelecto. No século II a.C., Galeno
enfatizou que o encéfalo era formado por duas partes: o cerebrum,
relacionado as sensações, e o cerebellum, ligado ao controle dos
músculos, sendo que os nervos eram vias que levavam os líquidos
vitais ou humores, permitindo assim, que as sensações fossem
registradas e os movimentos iniciados.
Descartes, referia-se à glândula pineal como centro da alma. Gall,
ao final do século XVIII, discorreu que as faculdades humanas

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estariam localizadas em diferentes órgãos e centros cerebrais e que
as atividades intelectuais estariam situadas nos dois hemisférios
cerebrais. Com isso, surgiu a base da frenologia e da corrente
localizacionista.

Broca (1861), em seus estudos observou que um paciente com


hemiplegia à direita era capaz de compreender a linguagem falada,
porém, produzia apenas uma única palavra desprovida de
significado. As publicações de Wernicke, em 1874, mostraram que
lesões nas porções posteriores da região temporal superior
provocavam alterações de linguagem, sendo um tipo de afasia na
qual a compreensão estava prejudicada.

No século XX, Luria desempenhou importante papel para o


desenvolvimento da neuropsicologia, no estudo das funções
cognitivas, além do trabalho em conjunto com Vygotsky, em relação
aos mecanismos cerebrais envolvidos e desenvolvidos com a
educação formal, assunto que é estudado na atualidade.

 O que é a Neuropsicologia?

Atualmente, a neuropsicologia é um campo intermediário entre as


neurociências e as ciências do comportamento, desenvolvida a partir
da neurologia e da psicologia. Nota-se, que com o constante avanço
tecnológico dos exames de neuroimagem, foi permitida que a
investigação neuropsicológica contribuísse para o entendimento das
relações de complexibilidade entre as estruturas cerebrais e o
comportamento.

Com a expansão do conhecimento, e o avanço nas pesquisas


científicas, a neuropsicologia nas últimas décadas vem sendo mais
conhecida no cenário da sociedade. Por ser uma interface dentro
neurociência e psicologia, pode-se observar os seguintes campos de
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atuação do profissional: clínica, hospitais, pesquisa e docência, centro
de reabilitações, juizados, e áreas onde há a busca do entendimento
entre o cérebro e o comportamento e suas repercussões na vida das
pessoas.

Observa-se, que o neuropsicólogo busca o entendimento das


relações dos processos cerebrais e de comportamentos, por meio de
um método de avaliação, investigação de hipóteses, para assim
desenvolver um plano de tratamento para o paciente.

 Mas qual seu objeto de estudo?


 Quais os domínios cognitivos avaliados pelo
Neuropsicólogo?

O neuropsicólogo tem seus estudos voltados para a compreensão


da cognição humana. A cognição é a expressão de um conjunto de
processos cerebrais complexos, responsáveis pela elaboração do
conhecimento que o ser humano adquire e necessita ao longo de seu
desenvolvimento. Dessa forma, estamos falando sobre funções
cerebrais, das quais podemos destacar a atenção, a memória, a
linguagem, as funções executivas, as funções visuoespaciais ,praxias
e a percepção.

As funções cognitivas, são configuradas como as habilidades


desempenhadas em várias áreas cerebrais, que trabalham de forma
cooperativa por meio de vias de conexão neuronal. Algumas funções
destacadas a seguir:

 A atenção, é a capacidade pela qual o organismo torna-se


receptivo aos estímulos internos e externos. Essa função
cognitiva, proporciona habilidades que orientam o organismo
a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-lo, inibindo
estímulos internos. Este constructo tem um papel fundamental
na realização das nossas atividades diárias, tendo a
dependência do interesse e a necessidade da realização de
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determinada tarefa, caracterizada como primordial.

 A memória, consiste na capacidade de adquirir (aquisição),


armazenar (consolidação) e recuperar (evocação) informações.
A memória não é um sistema único e se divide em dois tipos:
memória de curto prazo (ou operacional) e memória de longo
prazo.

As funções executivas, permitem ao homem desempenhar, de


forma independente e autônoma, atividades dirigidas a um objetivo
específico de estreita relação com o comportamento humano. Essas
funções, englobam ações complexas que dependem da integridade
de vários processos cognitivos, emocionais, motivacionais e
volitivos, os quais estão intimamente associados ao funcionamento
dos lobos frontais. Desse modo, as funções executivas abarcam
processos como planejamento, controle inibitório, tomada de
decisões, flexibilidade cognitiva, memória operacional, que
categorização, fluência e criatividade.

 A praxia, é a habilidade de idealizar e executar um ato motor


normalmente gestual, tratando-se do componente cognitivo do
comportamento motor.

 A percepção, é a capacidade de reconhecer, organizar e dar


significado a um estímulo vindo do ambiente através dos
órgãos sensoriais.

 A linguagem, é definida através dos processos biológicos e


sociais, que exprimem seu caráter essencial de favorecer a
adaptação do individuo ao meio.

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 A partir do entendimento dos constructos cognitivos, iremos
entender o conceito da avaliação neuropsicológica, que segue
logo abaixo:

Portanto, a avaliação neuropsicológica no contexto da depedência


química, busca identificar possíveis déficits cognitivos, extensão e
gravidade, bem como as funções que encontram-se preservadas. O
conhecimento das alterações cognitivas decorrentes do uso de
substâncias, é fundamental para o entendimento do processo de
dependência desses indivíduos. Visto que, as substâncias psicotrópicas
são aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando, de alguma forma o
psiquismo. Com isso, pode-se observar que em usuários de substâncias, o
surgimento de comportamentos inadequados ou ineficientes com a
manifestação de prejuízos no funcionamento.

Nota-se, que o estudo nessa área é um desafio, visto que existem


diversas dificuldades metodológicas para a realização de pesquisas
nessa área, como as variáveis do tipo de testes neuropsicológicos
utilizados, intervalo entre a última vez que a substância psicoativa foi
consumida e o momento da avaliação, os efeitos do uso de outras

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substâncias, presença de comorbidades psiquiátricas, tempo e
intensidade do uso da substância.
Pesquisas científicas relatam, que o uso das drogas podem alterar
o funcionamento cognitivo, com repercussão na eficácia da proposta
de tratamento, visto que as funções mais comprometidas no uso
referem-se as funções executivas. As alterações nesse domínio
cognitivo, denotam incapacidade para utilizar conhecimentos
específicos em uma ação apropriada, dificuldade de mudar de um
conceito para o outro e alterar um comportamento depois de iniciado,
dificuldade em integrar detalhes isolados e de manipular informações
simultâneas.
Sendo assim, a identificação precoce das alterações cognitivas,
irá possibilitar o aumento das chances de adequar uma intervenção ao
dependente químico. Além disso, auxilia no complemento do
diagnóstico, esclarecendo possíveis dificuldades que o indivíduo possa
enfrentar para se manter abstinente ou evitar uma recaída.

Etiologia, Critérios Diagnósticos e


Classificação
“O diagnóstico não é o fim, mas o começo da prática”
Martim H. Fischer

Pontos Importantes:

 Os modelos etiológicos existentes, são teorias com


embasamento científico, que objetivam a busca da
compreensão dos motivos e da manutenção do uso das
substâncias psicoativa;
 Devido à complexibilidade da dependência química, não
existe um modelo etiológico que consiga por si só abarcar a
dinamicidade dos aspectos que compõem a dependência de
sustâncias psicoativas;
 A característica essencial do transtorno por uso de substância,
consiste na presença de um agrupamento de sintomas
cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicando o uso
contínuo pelo indivíduo, mesmo mediante ao
comprometimento significativo relacionado a uso da
substância;
21
 A triagem, ou rastreamento sobre o consumo de drogas deve
incluir uma investigação sobre o padrão consumo, assim como
uma avaliação de sua gravidade.

Os modelos etiológicos, são teorias com fundamento


científico, construídas com propósito de explicar e orientar as
observações dos autores sobre o fenômeno da dependência química,
com certa predição deste fenômeno para assim fundamentar as
intervenções, na tentativa de explicar os motivos do primeiro
episódio de consumo, da permanência do uso ocasional, da
manutenção de uso, do surgimento de padrão de uso nocivo, e por
fim, a compreensão do surgimento da dependência.

Dentre os modelos etiológicos, podemos destacar: modelo


moral, modelo de temperança, modelo de degenerescência
neurológica, modelo de aconselhamento confrontativo, modelos
naturais, modelos biológicos, modelos psicológicos, modelos
espirituais, modelo de saúde pública e ecletismo informado.

Um dos primeiros modelos etiológicos, foi o modelo moral,


construído na tentativa da sociedade contemporânea entender e
controlar o uso de substâncias psicoativas, enfatizando a escolha
pessoal como fator de causa primordial. Nota-se, que esse modelo é
uma reedição do pensamento acerca do uso excessivo do álcool desde
a antiguidade clássica.

No modelo de temperança, a embriaguez era considerada uma


doença, na qual gerava perda de controle e comprometimento do
equilíbrio corporal. Nesse modelo, a intensidade do consumo variava
ao longo de um continuum de gravidade, na qual os problemas
ocorriam ao longo do tempo.

O modelo de degenerescência neurológica, apresentou


pensamentos revolucionários para época. O termo “alcoolismo” foi

22
utilizado pela primeira vez na sociedade, e sendo compreendido como
uma doença de fato. Neste modelo, havia pouca atenção para os
aspectos comportamentais, o foco de tratamento era voltado para as
internações prolongadas e tratamentos físicos, como tônicos, banhos a
vapor e estimulação farádica, e até o uso de sanguessugas.

O modelo de aconselhamento confrontativo, defendia a ideia


de que o dependente era um indivíduo que recebera na vida muitas
provisões, sem aprender a compartilhar quando adulto. Desta forma, o
método enfatizava a convivência comunitária hierarquizada entre os
dependentes, utilizando a terapia denominada “choque”, ou seja, uma
confrontação agressiva como cerne da intervenção.

Os modelos naturais, enfatizavam que o homem possui uma


tendência inata e universal ao consumo de drogas, tendo como
percepção do dependente, um sujeito fraco diante da sua incapacidade
de se controlar, responsabilizando-o por suas escolhas e por seus
excessos, com evidentes vieses sociais e culturais neste modelo.

O olhar para o aspecto orgânico, com enfoque nas alterações


físicas e psíquicas da dependência química, surgem os modelos
biológicos, como fonte de estudo e compreensão da predisposição
biológica para o desenvolvimento do uso indevido de substâncias
psicoativas, considerando os estágios da dependência química. O
modelo biológico abarca o modelo constitucional, e as explicações
neurobiológicas e genéticas que trouxeram avanços incontestáveis
para o entendimento atual da dependência química.

Nos modelos psicológicos, as teorias psicológicas estão focadas


no indivíduo, bem como nos processos que os conduziram ao consumo
desregrado das substâncias psicoativas. Nesse modelo, a psicoterapia
é uma das técnicas utilizadas com intuito de compreender a natureza e
qualidade da experiência individual, que aumentam a probabilidade e

23
o risco do desenvolvimento da doença. Dentre as teorias psicológicas,
abarcadas dentro desse modelo se destacam: o modelo
caracteriológico e determinista, as explicações psicanalíticas, a teoria
sistêmica, teorias comportamentais e a teoria cognitivo-
comportamental.

Os modelos sociais, são embasados pelo referencial teórico da


terapia cognitivo-comportamental, bem como no treino das
habilidades sociais. Dentro desse modelo temos a teoria de controle
social como outra vertente existente.

No modelo espiritual, a espiritualidade é uma característica


única e responsável pela ligação do indivíduo com o universo e com os
outros, estando para além da religião e religiosidade. Este modelo
propõe que há uma possível influência positiva da espiritualidade na
recuperação dos dependentes químicos. Principais exemplos são os
Alcoólicos Anônimos (AA) e congêneros.

O modelo de saúde pública, correlaciona a interação entre


sujeito, ambiente e substância psicoativa, visando à explicação do
fenômeno da dependência química. Observa-se, a construção de uma
inter-relação dos aspectos de aprendizado social, controle social,
psicológicos, estados biológicos e espirituais do indivíduo com intuito
de entender a suscetibilidade ao uso e ao processo de evolução do
consumo.

E por fim, o modelo ecletismo informado, assim como o


modelo de saúde pública, reúne os fatores biológicos, psicológicos,
sociais e da própria substância envolvidos na gênese do uso indevido
das drogas. Esse modelo entende que cada indivíduo requer uma
abordagem especialmente desenhada e que leve em consideração seu
estágio de tratamento e suas idiossincrasias.

24
Critérios Diagnósticos e Classificação

Segundo Marque (2017):

“Qualquer avaliação inicial em saúde tem como objetivo coletar dados do


indivíduo para identificá-lo social, demográfica e economicamente,
pesquisar sobre seu estado de saúde e suas possíveis alterações,
investigar a suahistória clínica, seus antecedentes familiares e, então,
desenvolver a hipótese diagnóstica e planejar seu cuidado”. (pg. 83)

Para se realizar uma avaliação com triagem específica no uso, abuso


e dependência de substâncias psicoativas, existem algumas
considerações a serem adotadas pelos profissionais de saúde na
execução do processo de triagem, são elas:

 Não há uso seguro de drogas psicoativas;

 O uso nocivo, a dependência de álcool e outras drogas, possuem


um nível baixo de diagnóstico;

 As complicações clínicas ocorrem com maior frequência;

 A demora do diagnóstico impacta negativamente no prognóstico;

 Evidente deficiência na formação e conhecimento dos profissionais


que atuam na área.

Nota-se, que a entrevista inicial deve ser conduzida de forma


clara, simples, breve, flexível e ampla, e apenas ao final, focar os hábitos
do indivíduo em relação ao seu uso ou abuso de substâncias
psicoativas. Na entrevista inicial, os instrumentos como escalas e
questionários podem ser utilizados a fim de contribuírem para a
construção do diagnóstico clínico, e corroborarem na consistência da
intervenção implementada com possíveis melhoras a adesão no
tratamento.

Nos serviços especializados, assim como o diagnóstico das


complicações e comorbidades psiquiátricas, a avaliação terá um enfoque
mais aprofundado, pois a complexibilidade do diagnóstico propõe maior
elucidação dos aspectos clínicos, de modo a estabelecer a construção de
25
um tratamento adequado e eficaz.

Observa-se, que de acordo com a literatura científica atual, existe uma


frequência de sintomas, que são considerados sinalizadores do uso
problemático de drogas psicoativas, percebidos ao longo da história do
problema atual e durante o exame psíquico (história do problema até
queixa atual – anamnese completa), logo após o exame físico, realizado
por um médico especialista. É de suma importância dar enfoque na
pesquisa sobre o início do uso e outros eventos correlacionados, a saber, o
último uso, quantidade, vias de administração da substância psicoativa,
ambiente, etc.

 Alguns sintomas sinalizadores:


 Distúrbio do sono;
 Depressão;
 Ansiedade;
 Humor instável;
 Irritabilidade exagerada;
 Disfunção sexual;
 Problemas gastrintestinais;
 Alterações da pressão arterial;
 História de traumas e acidentes frequentes;
 Alterações da memória e da percepção da realidade.

Nota-se, que além dos sintomas relatados acima, há também os


sintomas físicos, observados durante o exame físico realizado pelo médico
especialista em álcool e outras drogas, são eles:

 Tremor leve – sugestivo de uso de diferentes substâncias;

 Pressão arterial lábil – sugestiva de síndrome de abstinência de álcool,


nicotina, cocaína;

 Taquicardia e/ou arritmia cardíaca – uso de estimulantes ou síndrome


de abstinência;

 Aumento do fígado;

 Irritação das conjuntivas – sugestiva de uso de maconha, crack, álcool,


nicotina;

 Irritação nasal;
26
 Odor de álcool;

 Odor de maconha ou nicotina nas roupas;

 “Síndrome da higiene bucal”, disfarce do odor de álcool ou tabaco.

 Uso frequente de colírio ocular.

 Há algumas etapas a serem seguidas na apresentação do


diagnóstico para o paciente:
1. Clareza dos critérios positivos e /ou negativos;
2. Explicação do método adotado;
3. Enfatizar que o problema não é culpa do individuo;
4. Definir com o indivíduo a responsabilidade das etapas seguintes.

Dentro dessa perspectiva, se o indivíduo se mantiver colaborativo,


com a percepção de que um novo processo inicia-se, o diagnóstico
relacionado ao uso de drogas psicoativas poderá ser realizado de forma
mais eficaz.

Outro fator importante, para manter durante a entrevista é o


estabelecimento de um vínculo com o indivíduo, a fim de facilitar a
colaboração do mesmo, com a adesão e efetividade ao tratamento.
Lembre-se que para cada indivíduo, haverá a construção de um plano
terapêutico único e individualizado, conhecido como Plano Terapêutico
Singular, compatível com o grau de sua problemática.

Segundo a OMS, o abuso ou a dependência de substancias é entendida


como um uso nocivo, ou seja, “um padrão de uso de substâncias
psicoativas e psicotrópicas que esteja causando dano à saúde” (Marques,
2017).

 Segundo o CID-10, os critérios para o uso nocivo das


substâncias psicoativas são:

 O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado à saúde


física e mental do usuário;

 Presença de intoxicação aguda ou a “ressaca”, não são evidências


suficientes para o dano a saúde requerida para codificar uso nocivo;
27
 Padrões nocivos de uso são com frequência criticados por outras
pessoas, e estão associados às consequências sociais diversas, não
são suficientes para evidenciar o uso nocivo;

 O uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de


dependência, um transtorno psicótico ou outra forma específica de
transtorno relacionado ao uso de drogas ou álcool estiverem
presentes.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais


(DSM-5), o diagnóstico de um transtorno por uso de substância baseia-se em
um padrão patológico de comportamento relacionado ao uso, levando a
comprometimentos ou sofrimentos clinicamente significativos, manifestados
por pelo menos dois critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses.
Podem apresentar uma gama de gravidade, desde leve a grave. Uma
gravidade leve sugere a presença de dois a três sintomas; moderado, por
quatro ou cinco sintomas; e grave por seis ou mais sintomas. A síndrome de
abstinência (critério 11), ocorre quando as concentrações de uma substância
no sangue ou tecidos diminuem em um indivíduo que manteve uso intenso
prolongado, no qual o sujeito busca consumir a substância para aliviar os
sintomas da abstinência.

28
 A fim de melhor organizar os critérios diagnósticos propostos
pelo DSM-5, segue a tabela abaixo:

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DOS TRANSTORNOS


RELACIONADOS A USO DE SUBSTÂNCIA – DSM-5
Critério A: Baixo controle, deterioração social, uso arriscado e
critérios farmacológicos.

Critério 1: Substância consumida em quantidades maiores, ou por


um tempo mais longo do que pretendido.
Critério 2: Desejo persistente de reduzir ou regular o uso da
substância com esforços mal sucedidos.

Critério 3: Muito tempo gasto para obter a substância ou na


recuperação de seus efeitos.

Critério 4: Fissura ou forte desejo em usar a substância.

Critério 5: Uso recorrente da substância pode resultar no fracasso


em cumprir obrigações no trabalho, escola ou no lar.

Critério 6: Mesmo mediante os prejuízos sociais e interpessoais


persistentes, a continuidade do uso da substância é mantida.

Critério 7: Abandono ou redução de atividades profissionais,


sociais ou recreativas por conta do uso da substância.

Critério 8: Uso recorrente da substância em situações que


apresentam perigo para integridade física do indivíduo.

Critério 9: Uso mantido apesar da consciência de ter um problema


físico ou psicológico persistente ou recorrente, que tende a ser
causado pelo uso da substância.

Critério 10: Tolerância definida pelos seguintes aspectos:

 Necessidade de quantidades progressivamente maiores para


alcançar o efeito desejado;
 Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da
mesma quantidade da substância.

Critério 11: Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes


aspectos:

 Síndrome de abstinência característica do uso da substância de


acordo com os critérios propostos pelo DSM V para a
síndrome de abstinência de cada substancia usada;
 Substância utilizada para aliviar ou evitar os sintomas de
abstinência.

29
É importante ressaltar, que a dependência de substâncias é um
fenômeno que se caracteriza por padrões diferenciados de consumo. Os
pacientes dependentes químicos podem apresentar diversos graus de
consumo, desde um consumo que no momento não gere prejuízos evidentes,
passando por níveis que afetam determinados contextos da vida do
indivíduo, até chegar a padrões que prejudicam intensamente sua vida, o que
podemos considerar um nível grave de dependência. Mesmo o paciente
tratado e em determinado momento “abstinente” do uso de determinada
substância, ainda é dependente químico, embora não esteja dependente de
uma substância específica naquele exato momento.

A equipe que acompanha o dependente químico, deve estar atenta a


esse padrão de consumo, a partir dessa observação elaborar um plano de
tratamento que atenda às necessidades específicas daquele paciente, e não
utilizar um modelo que chamamos de tamanho único. Devem-se evitar
posições radicais, não diagnosticando o paciente à luz dos critérios
diagnósticos puramente, mas compreendendo os sistemas diagnósticos à luz
do paciente que temos à nossa frente e de sua história, pois a partir desse
olhar, o planejamento do tratamento será orientado de forma singular a
partir das hipóteses levantadas.

Comorbidades Psiquiátricas
“Pedras no caminho? Guardo todas. Um dia vou fazer um castelo…”
Fernando Pessoa

Pontos Importantes:

 Comorbidade compreendida como a incidência de duas patologias


durante o mesmo curso do adoecimento;

 Teorias desenvolvidas objetivando com intuito de explicar a co-


ocorrência dos transtornos relacionados ao uso de substâncias e
dos transtornos mentais;

 Complexidade na construção do diagnóstico entre duas patologias,


devido à inespecificidade dos sintomas ou o fato de sercomum
tanto para o quadro produzido pela substância (ou pela falta dela)
30
quanto para um quadro primário.

A comorbidade é compreendida como a ocorrência de uma patologia


qualquer, em um indivíduo já portador de outra doença, com
potencialização recíproca entre elas, apresentando capacidade em alterar
a sintomatologia, interferindo no diagnóstico, tratamento e prognóstico
da primeira doença.

No que se refere aos transtornos mentais, o consumo de substâncias


psicoativas aumentam a chance do surgimento de outros transtornos,
podendo mimetizar, atenuar ou piorar os sintomas físicos, cognitivos,
emocionais ou comportamentais de outros transtornos psiquiátricos,
tecendo assim, certa complexibilidade na construção do diagnóstico.

Vista a complexidade na compreensão do surgimento da doença


secundária (comorbidade), e associações entre duas doenças, os
principais transtornos associados ao consumo de substância e o impacto
dos quadros de comorbidade, foram desenvolvidas várias teorias
objetivando os principais motivos pelos quais o uso de drogas e dos
transtornos mentais geralmente acontecem novamente.

 Dentre as teorias criadas, temos as seguintes:

 Na Hipótese da Etiologia Comum, o transtorno primário e o


comórbido seriam apresentações da mesma doença, em formas e
estágios diferentes, resultantes de fatores extrínsecos e intrínsecos
associados a uma predisposição genética.

 Na Hipótese Bidirecional, a presença de um determinado


transtorno resultaria no surgimento de outro, ambos se
influenciando durante seus cursos. O surgimento do primeiro
transtorno causaria fragilidades (vulnerabilidades), facilitando o
surgimento do segundo.

31
 Na Hipótese do Uso de Substâncias Secundário ao transtorno
psiquiátrico, a condição psiquiátrica causaria sofrimentos que
seriam atenuados pelo uso de substâncias, na tentativa de produzir
melhoras nos sintomas apresentado pelo transtorno psiquiátrico.

 Observa-se, que na Hipótese do Transtorno Psiquiátrico


Secundário ao do uso de substâncias, é relatado que o consumo da
substância antecede o surgimento da doença psiquiátrica.

Principais Comorbidades Associadas

Esquizofrenia

Segundo a Classificação internacional de doenças – 10º edição


(CID-10), esse transtorno é caracterizado por distorções do pensamento e da
percepção, sem mudanças do nível de consciência, e pela presença de afeto
embotado ou inadequado. Inicialmente, não ocorrem alterações intelectuais,
mas estas podem surgir no decorrer da evolução da doença.

A esquizofrenia é uma patologia complexa, crônica e com dificuldades


de tratamento próprias, que são exacerbadas quando associadas a quadros
de consumo abusivo/dependência de substâncias, ocasionando piora na
evolução em comparação com pacientes que não apresentam tal
comorbidade.

Nota-se, que o uso de substâncias associadas à esquizofrenia, podem


estar atreladas, na tentativa de minimizar os sintomas da doença e os efeitos
colaterais dos remédios utilizados. Em pacientes suscetíveis, o consumo
abusivo de substâncias propiciaria o surgimento da patologia ainda não
desperta, ou, por fim, não existiria relação causal entre estas, mas uma
coincidência no surgimento dos dois transtornos por apresentarem
semelhanças quanto à idade de instalação e à prevalência.

32
Depressão

Segundo a CID-10 são caracterizados por humor deprimido: a perda


do interesse, do prazer e energia reduzida, que resulta em diminuição de
atividade, em virtude de maior fatigabilidade. Outros sintomas importantes
são:

1. Redução da concentração e da atenção;


2. Redução da autoconfiança e da autoestima;
3. Ideias de inutilidade e culpa pessimismo acerca do futuro;
4. Ideias que podem levar a atos autolesivos ou ao suicídio;
5. Alteração de sono;
6. Apetite diminuído.

O diagnóstico é feito com a sintomatologia apresentada, envolvendo dois


dos sintomas principais e pelo menos dois dos seis itens anteriores por um
período mínimo de duas semanas.

Observa-se, que a droga mais frequentemente associada ao quadro


depressivo é o álcool. Em geral, a depressão antecede o surgimento da
dependência do álcool, principalmente, em mulheres, porém, na maioria das
vezes, é muito difícil determinar o transtorno primário e o secundário, visto
que há interferência entre os transtornos depois de instalada a comorbidade.

A importância do diagnóstico está em determinar, se os sintomas


apresentados pelo paciente fazem parte da depressão ou se estão
relacionados com o consumo de álcool. É necessária a abstinência de pelo
menos duas semanas, para que seja realizado o diagnóstico, quando, então,
os sintomas podem persistir ou haver remissão total do quadro depressivo,
mesmo sem a utilização de antidepressivos.

33
Transtorno Bipolar

O transtorno afetivo bipolar é caracterizado por repetidos episódios de


perturbação do humor e dos níveis de atividade, que ocasionalmente estarão
relacionados com o aumento da atividade e da energia e com a elevação do
humor e, outras vezes, apresentarão redução de energia e atividade com
humor rebaixado. A recuperação entre os episódios é completa e tem
incidência igual para ambos os sexos, podendo ocorrer em qualquer idade,
de crianças até idosos. Os episódios depressivos tendem a durar por volta de
seis meses e os quadros de mania duas semanas a quatro meses.

O transtorno bipolar do humor costuma estar associado ao consumo


de drogas/álcool com piora no prognóstico, com maior número de episódios
e internações, sendo estas mais prolongadas, além de levar à maior risco de
suicídio.

No consumo de cocaína, há produção de sintomas semelhantes aos dos


quadros de hipomania/mania, como agitação, disforia, aumento de energia,
pensamento acelerado e grandiosidade, que, contudo, ficam limitados à ação
da droga e surgem após consumo recente. Nota-se, que as substâncias que
estimulam o sistema nervoso central, possuem tendência em produzir,
mimetizar e perpetuar um quadro maníaco.

Já nos episódios depressivos, observa-se que o consumo de álcool pode


aumentar em 15%. Nos quadros de mania, esse aumento pode ser ainda
mais significativo, de cerca de 25%, tornando o diagnóstico das doenças
afetivas ainda mais difícil por apresentarem vários sintomas em comum com
os quadros relacionados com a substância.

Transtornos de Ansiedade

Alguns estudos indicam que um terço dos alcoolistas apresenta um


quadro significativo de ansiedade, com evidências de que 50 a 67% dos
alcoolistas, e 80% dos dependentes de outras drogas têm sintomas que se
34
assemelham aos do transtorno de pânico, dos transtornos fóbicos ou do
transtorno de ansiedade generalizada.

Os quadros ansiosos são comumente associados aos transtornos por


consumo de drogas. Essa estreita relação pode ser explicada pelo fato de as
drogas psicoativas, de modo geral, causarem sintomas de ansiedade por
intoxicação com drogas estimulantes do sistema nervoso central ou por um
quadro de abstinência aos depressores deste sistema. Outras drogas
perturbadoras do funcionamento do sistema nervoso central, como a
maconha, também podem produzir efeitos como ansiedade, com quadros de
pânico transitório.

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

Esse grupo de transtornos caracteriza-se por início precoce, podendo


surgir na idade adulta, comportamento hiperativo, com desatenção marcante
(julgadas com referência as normas apropriadas do desenvolvimento) e falta
de envolvimento persistente nas tarefas, além de conduta invasiva nas
situações e persistência na duração dessas características de
comportamento.

Pesquisas associando a esse transtorno e o uso de substâncias tem


revelado alto grau de sobreposição e de comorbidade. Estudos prospectivos
de crianças, cujos sintomas persistiram na adolescência e na idade adulta,
têm demonstrado que estas estão em risco aumentado de consumo abusivo
de substâncias, o qual se torna ainda maior se associado à comorbidades
com outras entidades psiquiátricas, como transtorno de personalidade
antissocial.

Ratto e Cordeiro (2018), relatam que cerca de 33% dos adultos com
TDAH têm problemas relacionados com consumo abusivo/dependência de
álcool e drogas, entre as quais a maconha é a mais comumente utilizada,
seguida de estimulantes e cocaína. O consumo de álcool nessa população,

35
segundo estudo recente, tem representativa prevalência, onde cerca de 38%
dessas pessoas apresentaram TDAH na infância.

Transtornos de Personalidade

Segundo o CID-10, são perturbações graves da constituição


caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, ou padrões
de comportamentos mal adaptativos e desvios significativos da norma
cultural do modo de pensar, sentir, perceber e, particularmente, de se
relacionar com os outros. Esses transtornos tendem a surgir no final da
infância ou adolescência, mas o diagnóstico antes dos 16 ou 17 anos de idade
talvez seja inapropriado. Dentre os transtornos de personalidade, com maior
prevalência durante o uso de substâncias, destacam-se o transtorno de
personalidade antissocial e transtorno de personalidade borderline.

Nota-se, que muitos estudos têm documentado a prevalência de


transtornos de personalidade e uso de substâncias. A presença de um
transtorno de personalidade pode modificar os sintomas apresentados, a
resposta terapêutica e o curso da dependência.

Transtornos Alimentares

Anorexia Nervosa

É um transtorno caracterizado por determinada redução de peso,


induzida e/ou mantida pelo paciente, mais comum em adolescentes e
mulheres jovens. Sendo necessários os seguintes critérios para o diagnóstico
desse transtorno:

 O peso corporal é mantido 15% abaixo do ideal;


 Autoimagem distorcida;
 Ocorre um transtorno endocrinológico generalizado, com várias
alterações manifestadas em mulheres, como amenorréia, e em
homens, como diminuição de interesse e potência sexuais.

36
Bulimia Nervosa

É um quadro caracterizado por repetidos ataques de ingestão de


grandes quantidades de alimentos com preocupação excessiva relacionado
ao peso corporal. Pode ser sequela da anorexia nervosa (mas o inverso
também pode ocorrer) e sua incidência tende a ser semelhante quanto à
idade e ao sexo, porém, é um pouco mais tardia.

Os critérios diagnósticos para a bulimia nervosa são:

 Preocupação persistente com o comer e desejo irresistível de comida;


 Para tentar neutralizar os efeitos de engorda dos alimentos, o paciente
autoinduz vômitos, abusa de purgante, tem períodos de inanição e
utiliza drogas anorexígenas. No caso de pacientes diabéticos, observa-
se a negligência no tratamento com a insulina;
 Existe um medo acentuado em engordar, gerando um limiar de peso,
estabelecido pelo próprio paciente, bem abaixo do que se consideraria
saudável na opinião de um médico.

Diagnóstico

Segundo Ratto e Cordeiro (2018), as dificuldades encontradas na


realização do diagnóstico estão circunscritas a inespecificidade dos
sintomas, ou o fato de serem comuns tanto para o quadro produzido pela
substância (ou pela falta dela), quanto para um quadro primário. Porém, um
tratamento adequado só será possível após um diagnóstico mínimo. Para
tanto, podem ser utilizados: anamnese e exames clínicos adequados,
questionários padronizados, dados do prontuário e entrevistas aos
profissionais que atendem ou atenderam o paciente, entrevistas familiares,
análise de amostras de urina e cabelo.

Por se tratar de uma população com diferente apresentação de


sintomas e evolução, muitos dos tratamentos propostos para pacientes sem
comorbidade se mostram impróprios para os que recebem esse diagnóstico.
37
Muitos programas têm sido propostos para auxiliar na conscientização da
necessidade de abstinência, adesão ao tratamento e reorganização de redes
sociais. Existe uma gama de programas propostos para esses pacientes.
Alguns serviços seguem o modelo dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos
(AA) e outros oferecem lares abrigados, entre outras opções, porém, nenhum
destes se mostrou superior.

Nota-se, que devido à complexidade do tema, alguns tópicos


importantes devem ser observados durante a implementação da estratégia
mais eficaz durante o tratamento:

 A abordagem deve ser integrada e com o uso de estratégias de manejo


biopsicossocial;
 Deve haver sinergismo, melhorando o quadro psíquico comum ao
quadro de consumo abusivo de substâncias, e redução do risco de
recaídas, melhorando a qualidade de vida.

Segundo a Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas


(ABEAD), a melhor abordagem no tratamento de pacientes com
comorbidades deve contemplar a integralidade, visando o tratamento em
conjunto de ambas as patologias com abordagens que possam aumentar a
adesão e programas psicoeducacionais para atendimento familiar. Deve-se
levar em conta a interação do estágio de motivação para o tratamento do
transtorno relacionado a uso de substâncias psicoativas e para outra
patologia comórbida. Nota-se, a importância da utilização de tratamento
medicamentoso na fase de desintoxicação e fase inicial do tratamento, o uso
de técnicas psicossociais e atendimento familiar e bem como o
acompanhamento psiquiátrico.

38
Poliusuários
“A arte de ser sábio é a arte de saber o que ignorar”.
Anônimo

Pontos Importantes:

 O uso de mais de uma substância é REGRA para o conceito de


policonsumo.
 A associação de várias substâncias, seja simultânea ou sequencial,
pode produzir sinergia de seus efeitos e apresentações clínicas
atípicas.
 A compreensão do policonsumo auxilia no estabelecimento de
intervenções terapêuticas adequadas.

O policonsumo de substâncias psicoativas pode ser definido como o


consumo concomitante, ou consecutivo de diferentes drogas lícitas e/ou
ilícitas. O uso de múltiplas substâncias é um padrão que atualmente se
constitui mais em regra do que em exceção. A abrangência do termo
permite, porém, que diferentes tipos de uso possam ser considerados
nessa categoria. Dessa maneira, o poliuso de substâncias pode ser
definido sob alguns parâmetros, vistos a seguir. O padrão de poliuso
simultâneo é o uso de duas ou mais substâncias, em um intervalo de
tempo curto o suficiente para que haja interação entre os diversos efeitos
psicoativos. Nessa situação, os efeitos de uma substância podem atenuar
os efeitos desagradáveis de outra, ou ainda prolongar o efeito de outra
substância.

Nota-se, que o uso das substâncias, normalmente, inicia-se na


adolescência, na qual o uso dessas substâncias costumam ser lícitas, a
saber, álcool e tabaco. A evolução para o poliuso, na adolescência está
associada, entre outros fatores, as dificuldades sociais e pouca
continência familiar, podendo ser um fator indicativo de maior gravidade
e maior chance de desenvolvimento de dependência. Nessa fase, ocorre o
desenvolvimento neuronal do sistema límbico do córtex pré-frontal, com
aprimoramento das funções executivas. O controle da impulsividade

39
nessa fase é precário devido a um de desequilíbrio natural entre o
desenvolvimento de vias inibitórias e estimulatórias.

Um dos princípios mecanismos neurobiológicos da dependência,


envolve o lobo frontal e o sistema límbico, que tem seus circuitos
neuronais alterados com a mediação, principalmente, dos
neurotransmissores, tais como: dopamina, serotonina e norepinefrina.
Sendo assim, as substâncias podem ser classificadas em três classes em
relação a sua ação principal no sistema nervoso central: depressoras
(álcool, sedativos, hipnóticos, solventes, opioides), estimulantes (nicotina,
cocaína/crack, anfetaminas, anfetaminícos) e perturbadoras (maconha e
outros canabinoides, anticolinérgicos, alucinógenos naturais e sintéticos).

Nessa compreensão, podemos discorrer que a associação de


substâncias da mesma classe produz sinergismo de seus efeitos, tanto na
intoxicação quanto na exacerbação dos quadros de abstinência. Já a
associação de classes diferentes, pode produzir metabólicos ativos e
tóxicos, além de apresentações clínicas atípicas.

Uma pesquisa nacional, realizada em 2015 com estudantes entre 13 e


15 anos, abordaram componentes de riscos entre jovens. Os resultados
mostraram que o percentual de jovens que já experimentaram bebidas
alcoólicas subiu de 50,3% em 2012, para 55,5%, em 2015; já a taxa dos
que usaram drogas ilícitas aumenta de 7,3 para 9% no mesmo período.

A associação Cocaína/Crack e Álcool são bastante prevalentes. Na


combinação da cocaína com o álcool, os níveis plasmáticos de cocaína e
norcocaína reduzem as concentrações de benzoilecgonina e induz a
síntese de cocaetileno, que tem alta taxa de distribuição no
cérebro/sangue, com meia vida plasmática 3 a 5 vezes maior do que a da
cocaína. O cocaetileno possibilita o aumento da duração dos efeitos de
euforia, com maior dano renal, cardíaco e no sistema nervoso central.

40
Além disso, os efeitos desagradáveis da abstinência recente de cocaína e
crack, denominada crash, são atenuados pelos efeitos do álcool.

A ação do cocaetileno sobre a inibição da recaptação de dopamina é


mais intensa do que a de cocaína, assim como as ações serotonérgicas.
Isso resulta na intensificação dos efeitos psicoativos quando cocaína e
álcool são utilizados juntos. As ações do álcool envolvendo as vias
dopaminérgicas, a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA
principal neurotransmissor inibitório), o aumento da concentração de
dopamina e endorfina no núcleo accumbens, ativando as vias
mesolímbicas, somadas à inibição da função do receptor de glutamato,
produz uma euforia inicial que é identificada como um dos mais
importantes facilitadores (“gatilhos”) para o uso da cocaína, havendo
altos índices de comorbidade para abuso das duas drogas. O álcool
também atenua a hiperatividade causada pela intoxicação por cocaína,
levando muitos dos usuários ao uso seqüencial.

No consumo sequencial ou combinado de Cocaína/Crack e Cannabis,


nota-se que essa mescla empregada pelos usuários tem a finalidade de
diminuir a fissura e os efeitos ansiogênicos causados pelo crack. Uma vez
atenuada à fissura, o comportamento compulsivo de busca pela droga,
torna-se mais controlável, permitindo ao indivíduo uma possibilidade de
descontinuar seu uso e tentar retornar as suas atividades diárias.

Na Cocaína e nos Opioides, cerca de 90% dos dependentes de heroína


fazem uso regular de cocaína, sendo essa combinação ainda pouco
frequente no Brasil. Um dos mecanismos de ação dos opioides, consiste
na ativação dopaminérgica do sistema mesolímbico. Tanto a heroína,
quanto a cocaína, exerce efeitos sobre os neurônios dopaminérgicos do
núcleo accumbens, no qual ocorrem o reforço positivo e o
comportamento de busca pela substância, facilitando o uso associado. A
cocaína ameniza os efeitos da abstinência de heroína, o que contribui
para aumentar a prevalência de uso concomitante. Uma das
41
consequências e um dos indicadores da gravidade da dependência é o
comportamento de busca pela droga: os dependentes de heroína que
usam cocaína apresentam maior exposição a riscos, tanto por
envolvimento com a criminalidade.

Nas MDMA e outras substâncias psicoativas, o MDMA, conhecido


também como ecstasy, substância que exerce efeitos perturbadores e
estimulantes no sistema nervoso central, apresenta efeitos serotonérgicos
potentes, e o seu uso concomitantemente com outras substâncias (álcool,
maconha e cocaína) pode potencializar riscos de intoxicações.

O uso simultâneo de MDMA e etanol mostraram prejuízos nas funções


executivas, como atenção e memória. A percepção subjetiva desse
prejuízo, porém, foi bem menor em indivíduos que usaram MDMA e
álcool, se comparados aos que usaram apenas álcool.

Os usuários de MDMA costumam fazer uso de diversas substâncias de


forma concomitantes, sendo a principal associação ao álcool com
benzodiazepínicos, com uso da maconha comum também nesse grupo,
que intensifica os sintomas (efeitos) e aumenta o tempo de intoxicação do
MDMA. A associação da maconha e MDMA podem causar falhas na
memória e aumentar a chance de desenvolvimento de transtornos
neuropsiquiátricos.

O uso concomitante de MDMA e outros estimulantes, também ocorrem


com relativa frequência, embora menor se comparado ao uso
concomitante de álcool e maconha. Tanto o MDMA, quanto a cocaína e as
anfetaminas, exercem efeitos estimulantes sobre o sistema nervoso
central, por isso o uso concomitante em princípio acentua os efeitos
estimulantes de ambas as substâncias. Também eleva o risco de
desenvolvimento de dependência. Nota-se, que o aumento da
sociabilidade, um efeito típico do MDMA, é atenuado pelo uso simultâneo
de cocaína. Há, ainda, um aumento do risco de desenvolvimento de
42
sintomas paranoides e alterações de humor, principalmente mania e
hipomania, durante a intoxicação.

Nota-se, que o poliuso de substâncias expõe o usuário a riscos


consideráveis. O sujeito tende a apresentar maior comprometimento no
funcionamento laboral, social e afetivo, além de maiores taxas de
abandono do tratamento. Para que a evolução no tratamento aumente, a
abordagem terapêutica deve ser realizada sob perspectiva
multidisciplinar, atentando para as particularidades do sujeito, e um
olhar investigativo no padrão de consumo de substâncias nos diferentes
contextos de atendimento, tendo também, associado à avaliação de
fatores favorecedores do poliuso e mapeamento das consequências
físicas, psíquicas e sociais decorrentes do uso. Portanto, o profissional da
saúde que se depara com um usuário de múltiplas substâncias deve estar
atento aos diversos graus de gravidade e atipicidade na apresentação
clínica dos quadros.

Em suma, o poliuso de substâncias psicoativas é um fenômeno


frequente entre os usuários, em especial, entre os que apresentam
transtornos relacionados ao uso de drogas, uso nocivo ou dependência. O
padrão é variável, assim como, as razões que levam o indivíduo a usar
múltiplas substâncias, tendo destaque ação neurobiológica da associação
das substâncias, aspectos psíquicos e contexto em que está inserido o
usuário.

Álcool

Pontos Importantes:
 Fatores para compreensão da dependência do álcool;
 Morbidades causadas pelo álcool;
 Transtornos psiquiátricos decorrentes do consumo do álcool.

O álcool é um, depressor do sistema nervoso central que, dependendo


da quantidade ingerida, causa leve euforia e progressiva sedação,
43
propriedades afrodisíacas. Seu mecanismo de ação atua nos
neurotransmissores GABA e no Glutamato, também, segundo estudos
científicos recentes, monoamina e do transportador de monoaminas pré-
sinápticos.
O uso do álcool vem permeando a história da humanidade. Observam-
se evidências de consumo desde os tempos pré-bíblicos, enviesados pela
cultura e costumes da época. O conceito de beber, como algo nocivo,
começou a ser vinculado a uma condição médica, somente após a revolução
industrial, meados do século 19, onde as bebidas até então consumidas eram
predominantes (vinho e alguns tipos de cerveja) fermentadas. Nota-se, que a
partir da revolução industrial, as produções de bebidas fermentadas
começaram a ser produzidas em larga escala, diminuindo seu custo de
acesso, e com consequente aumento no consumo. Além do aumento da
produção, a destilação dos fermentados começou a ser implementada com
técnica para aumentar a concentração alcoólica das bebidas. Somando todos
esses fatores, juntamente com o fator histórico da urbanização, os perfis das
relações sociais começaram a se modificar, aumentando o número de
pessoas que passaram a consumir o álcool.
O ato de beber é estimulado na maioria dos países do mundo. No
Brasil, não há políticas públicas reguladoras do consumo, o que torna o
acesso fácil e de baixo custo. Estudos epidemiológicos enfatizam que o
consumo de bebidas alcoólicas no Brasil entre os jovens é um importante
problema de saúde de pública. O beber em Binge, quando o indivíduo ingere
grandes quantidades de álcool em curto espaço de tempo (homens 5 doses,
mulheres 4 doses, em ocasião única, em um período de 2 horas), tem
mostrado um aumento significativo de 31,1% entre os anos de 2006 a 2012.

O consumo de álcool é medido por um conceito denominado unidades


de álcool. Cada unidade da substância equivale a 10 gramas de álcool puro.
Para obter as unidades equivalentes, é necessário multiplicar a quantidade
de bebida por sua concentração alcoólica. Na prática, há dificuldades de
obter esses valores com precisão, uma vez que existem variedades de
44
bebidas com diferentes apresentações alcoólicas, as quais nem sempre são
condizentes ou reveladas no rótulo.

 Como entender quando o uso do álcool apresenta baixo risco para


a pessoa que consome?

Para compreender este aspecto, é necessário o entendimento das


unidades de álcool. Esse aspecto é calculado através de uma fórmula,
como por exemplo, de uma pessoa que bebe três doses de uísque por dia,
é preciso considerar os seguintes aspectos: cada dose de uísque tem em
média 50 mL, logo, essa pessoa estaria ingerindo 150 mL de uma bebida
alcoólica destilada cuja concentração é aproximadamente 40%. Observe a
fórmula do cálculo:

Imagem: Livro - Dependência Química, Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas.

Se uma unidade de álcool equivale a 10 gramas de álcool puro, isso


significa que a pessoa do exemplo ingeriu 60 gramas de álcool. Ao longo
da semana, essa pessoa ingeriria 42 unidades de álcool, ultrapassando,
em grande escala, a faixa do beber de baixo risco.

Imagem: Livro - Dependência Química, Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas.

É um consenso entre especialistas que não existe consumo de álcool


isento de riscos. Portanto, o uso do álcool está associado a diversos
45
problemas, mas qual seria a quantidade de consumo necessária para que
isso ocorra? Apesar de ser uma questão bastante polêmica entre os
estudiosos do assunto, essa questão não é claramente respondida.
Observa-se, na literatura que existe um nível de consumo associado a
baixo risco de desenvolver problemas. Esse consumo é diferente para o
gênero masculino, 21 unidades de álcool no período de uma semana, e
para o feminino, 14 unidades de álcool também no período de uma
semana.

A dependência do álcool deve ser entendida como uma doença de


caráter biopsicossocial, que se instala por meio de um processo que
decorre ao longo de um continuum de uso de bebia alcoólica. Esse
consumo pode passar por um padrão de uso de baixo risco, uso nocivo,
dependência leve, dependência moderada e dependência grave, sendo
complexa a definição da passagem de um estágio para o outro. De acordo
com pesquisas realizadas por Edwards Griffith, existem fatores que estão
presentes na síndrome de dependência, os quais são: estreitamentos do
repertório, síndrome de abstinência, alívio dos sintomas da síndrome de
abstinência pelo uso, fissura ou craving, evidências de tolerância,
saliência do comportamento de busca e reinstalação da síndrome de
dependência depois de recaída.

Com o consumo crônico do álcool, pode-se evidenciar distúrbios


físicos por meio de efeitos diretos e indiretos, com significativa
morbidade nesta população. A identificação dos problemas físicos é
fundamental para avaliar a gravidade da situação a fim de promover
estímulos que possam influenciar no comportamento de beber. O
consumo é muito perigoso, com repercussões na saúde física do
dependente. Dentre as possíveis morbidades podemos elencar as
seguintes:

 Distúrbios gastroenterológicos;

46
 Distúrbios musculoesqueléticos;
 Distúrbios endócrinos;
 Câncer;
 Doenças cardiovasculares;
 Doenças respiratórias;
 Distúrbios metabólicos;
 Distúrbios hematológicos;
 Distúrbios no sistema nervoso central e periférico;
 Síndrome fetal alcoólica;
 Doenças dermatológicas;
 Supressão do sistema imunológico;
 Alterações no funcionamento sexual.

Além das morbidades físicas aqui apresentadas, alguns transtornos


psiquiátricos podem decorrer do uso do álcool, tais como: intoxicação
alcoólica aguda, síndrome de abstinência do álcool, convulsões, delirium
tremens, alucinose alcoólica, transtorno psicótico delirante induzido pelo
álcool, intoxicação patológica, depressão, suicídio, hipomania, ansiedade,
danos ao tecido cerebral e ciúme patológico.

 Para elucidar uma maior compreensão das complicações


psiquiátricas, descreveremos as características principais
desses transtornos:

A intoxicação alcoólica aguda é uma condição clínica passageira,


oriunda da ingestão aguda de bebidas alcoólicas, com produção de
alterações como: embriaguez leve a anestesia e coma, inconsciência em
alguns casos, depressão respiratória e, mais raramente a morte. É
importante salientar que é pouco provável que uma dose excessiva
coloque em risco a vida do dependente em virtude da tolerância
desenvolvida ao álcool. A manifestação sintomatológica da intoxicação
aguda pelo álcool inclui comportamento sexual inadequado,

47
agressividade, labilidade do humor, diminuição do julgamento crítico e
funcionamento social e ocupacional prejudicados.

A síndrome de abstinência do álcool é um conjunto de sintomas,


que se manifestam quando as pessoas que bebem excessivamente
diminuem ou param. Partindo da gravidade do diagnóstico, é possível
classificar o comprometimento em leve/moderado e grave. Considera-se
também na avaliação do diagnóstico, os aspectos biológicos, psicológicos
e sociais na definição dos níveis de comprometimento do paciente e o
correspondente tratamento a que este deverá ser submetido. O
tratamento farmacológico pode incluir: flumazenil e naloxona, sendo de
inteira responsabilidade do médico a avaliação clínica e a subsequente
terapia medicamentosa de acordo com a necessidade do caso.

 Vejamos os sinais e sintomas da síndrome de abstinência do


álcool (SAA) e encaminhamento terapêutico:

Imagem: Livro Aconselhamento em Dependência Química (2018).

Nas convulsões, a maioria das crises é do tipo tônico-clônica


generalizada. É uma manifestação precoce da SAA, ocorrendo até 48 h
após a interrupção do uso de álcool, sendo associadas à evolução para
formas graves de abstinência.
48
No delirium tremens, a forma mais grave de abstinência, seu
início é geralmente entre 1 a 4 dias após da interrupção do uso de álcool,
com duração de até 3 a 4 dias. Sua manifestação sintomatológica inclui:
rebaixamento do nível de consciência com desorientação, alterações
sensoperceptivas, tremores e sintomas autônomos como: taquicardia
elevação da pressão arterial e temperatura corporal. O tratamento
farmacológico pode conter: diazepam ou lorazepam nos casos de
hepatopatia grave, haloperidol, sendo da responsabilidade do médico
prescrever a melhor medicação de acordo com as particularidades do
caso.

Na alucinose alcoólica, a alucinação auditiva é típica após o


consumo excessivo do álcool, sendo uma complicação da abstinência
alcoólica. As alucinações são vividas, de início agudo e costumam ocorrer
e cenário de clara consciência, que ocorrem de forma geral, após 48
horas após a interrupção do consumo, com remissão dos sintomas após
algumas semanas. Sua manifestação clínica é: ansiedade e agitação. Não
deve ser confundida com o delirium tremens, deve ser excluído antes de
se fazer esse diagnóstico.

No transtorno psicótico delirante induzido pelo álcool, o paciente


desenvolve delírios paranoides ou grandiosos no contexto de uso pesado,
sem manifestações de confusão ou obnubilação da consciência. Segundo
a literatura, parece não haver qualquer associação com a esquizofrenia.

Na intoxicação patológica, o comportamento agressivo,


frequentemente violento é de início súbito e não típico do indivíduo
quando sóbrio, podendo se manifestar logo após a ingestão de pequenas
quantidades de álcool, promovendo classicamente uma amnésia para o
evento.

No transtorno depressivo, hipomaníaco e de ansiedade, é


necessária uma avaliação clínica apurada, buscando na história da
49
doença atual e do indivíduo, a coexistência desses transtornos, que estão
consideravelmente associados ao consumo do álcool, para assim poder
estabelecer as estratégias terapêuticas mais assertivas para o paciente.

Por fim, além dessas complicações já descritas, os


comprometimentos sociais são perceptíveis em dependentes de álcool.
Identificar os problemas sociais irá auxiliar no planejamento de
estratégias e intervenções, a fim de promover um bom prognóstico.

Nicotina
“Um café, um cigarro, um trago. Um dia vamos pagar por isso”.
Cleber Guilherme

Pontos Importantes:
 Entendimento que o tabagismo é uma doença crônica, porém
passível de tratamento.
 Uma avaliação inicial deverá abordar aspectos da história do
tabagismo, comorbidades psiquiátricas e clínicas, bem como a
utilização de questionários e inventários.
 O tratamento é singular e individualizado contemplando as
especificidades de cada paciente.

O tabagismo é configurado como uma pandemia, com as principais


causas de mortes mais evitáveis no mundo. De acordo com a organização
mundial de saúde (OMS), estima-se que um terço da população mundial
adulta, seja fumante. No Brasil, as taxas prevalentes são inferiores aos
países vizinhos quanto ao uso de tabaco durante a vida, o que não
descarta um estado de alerta para as complicações causadas pelo
consumo do tabaco na população brasileira.

O termo “tabagismo” pode ser utilizado para denominar o consumo de


qualquer produto derivado do tabaco. O cigarro industrializado é a forma
de consumo de tabaco mais prevalente na sociedade brasileira. Porém,
vale ressaltar que o tabaco pode ser usado de diversas maneiras de
acordo com sua forma de apresentação: inalada (cigarro, charuto, cigarro
de palha, narguilé), aspirada (rapé), mascada (fumo-de-rolo). Há uma

50
falsa crença entre os usuários que outros produtos derivados da folha do
tabaco que não cigarros industrializados oferecem menos risco à saúde.

O tabaco usado para produzir cigarros é ácido, e, por isso, o fumante


precisa tragar para que a nicotina seja absorvida nos pulmões; já o tipo de
tabaco usado para cachimbo e charuto é alcalino, permitindo que a
nicotina seja absorvida pela mucosa oral. Isso explica por que os
fumantes destes dois últimos não têm tanta necessidade de tragar o fumo
para se satisfazer. No entanto, em todos os casos, há absorção de
substâncias, como alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, entre outras,
aumentando as taxas de mortalidades entre os usuários.

Pensando em termos neurobiológicos, o mecanismo de ação da


nicotina age diretamente nos receptores colinérgicos nicotínicos na ATV,
aumentando o ritmo cardíaco, que pode causar hipertensão arterial,
agregando plaquetas e aumentando o depósito de colesterol. O tabagismo
é um fator de risco com mais de 50 doenças relacionados ao uso do
tabaco, no qual podemos citar: doenças cardiovasculares, acidente
vascular cerebral, cânceres, doença pulmonar obstrutiva crônica,
aterosclerose, hipertensão arterial, leucemia, úlcera hepática entre
outras.

O consumo do tabaco, tem se tornado cada vez maior, com seu início
em idades mais precoces. A indústria do cigarro, conhecedora do
potencial de mercado, direciona seu marketing principalmente aos
jovens, bem como para mulheres, o que destaca sérias complicações a
saúdes dessas populações bem como uma incidência maior de possíveis
óbitos.

 Como realizar o diagnóstico do consumo de tabaco sendo que há


uma relutância por parte do fumante, e serviços de saúde que não
possuem uma equipe técnica treinada para detectar o paciente de
risco quando este busca tratamento?
51
Todos os usuários de tabaco, que buscam os serviços de saúde
deveriam ser orientados a interromper o uso devido aos riscos e
complicações que esta substância pode causar na saúde física do
indivíduo. Para orientar essa investigação, podemos incorporar nos
atendimentos duas perguntas de suma relevância:

 Qual o seu consumo diário de tabaco?


 Você acredita ter problemas associados a esse consumo?

A avaliação é parte fundamental da abordagem ao fumante. A partir


dela podemos definir qual tratamento é mais adequado para o momento
em que se encontra o paciente. Pensando nesta avaliação inicial
devemos investigar alguns tópicos que são de suma importância para o
delineamento do tratamento: buscar compreender a história do
tabagismo, tentativas anteriores de tratamento, complicações clínicas,
comorbidades psiquiátricas, grau de motivação, qual o tipo de apoio
familiar existente no ciclo familiar do paciente (sabotadores e/ou
pessoas que possam o ajudar). Após esta avaliação inicial é fundamental
dar feedback para o paciente, a respeito de sua avaliação e sobre as
possibilidades disponíveis para ajudá-lo. Para a avaliação tornar-se mais
completa, podemos incluir questionários, escalas, inventários
desenvolvidos para avaliar e diagnosticar a gravidade do consumo do
tabaco. Na prática clínica, o questionário de Fagerström é
consideravelmente utilizado a fim de mensurar o grau de dependência de
nicotina.

Outro critério, que poderá auxiliar a avaliação da gravidade de


consumo, é o tempo decorrido entre o despertar e o uso do primeiro
cigarro do dia. A maioria dos usuários acende o cigarro na primeira hora
de vigília, denotando uma dependência maior. As diretrizes diagnósticas
do CID-10 e do DSM-5 podem ser utilizadas para fazer o diagnóstico da
dependência.

52
 Mas como compreender que o uso de nicotina tornou-se um sinal
de alerta para um possível diagnóstico de dependência?
 Segundo a OMS (1997), três ou mais características descritas
abaixo, por um período de um ano que configura a dependência:

 Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;


 Dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância
em termos de seu início, término ou níveis de consumo;
 Estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou
foi reduzido, como evidenciado por síndrome de abstinência
característica para a substância ou uso da mesma substância (ou de
uma substância intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou
evitar sintomas de abstinência;
 Tolerância, ou seja, o aumento das doses da substância é requerido
para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas;
 Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor
de uso de substância, aumento da quantidade de tempo necessário
para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos;
 Persistência do uso da substância.

O consumo do tabaco em seu uso crônico pode trazer inúmeras


complicações físicas para os usuários, como descreve Figlie, Bordine
Laranjeira (2018):

 Doenças cardiovasculares;
 Câncer;
 Doenças respiratórias;
 Doenças pulmonares;
 Efeitos sobre o feto durante uma gestação.

No tocante da absorção da nicotina, os pulmões, a mucosa nasal e


bucal, a pele e o trato gastrintestinal assumem o papel de absorver essa
substância no organismo. A metabolização da nicotina é feita pelo fígado,
53
no qual é transformada em dois metabólicos inativos, sendo a cotinina o
principal deles. As diferenças genéticas entre os indivíduos parecem
exercer diferenças na forma da metabolização da nicotina. A sua excreção,
normalmente é realizada pelos rins, a quantidade vai depender do pH da
urina e alcança de 2 a 35% da eliminação total.

O consumo da nicotina provoca um rápido e pequeno estado de alerta,


melhorando a atenção, concentração e memória, provocando um estado
estimulante rápido, semelhante aos efeitos descritos pelos usuários de
cocaína/crack.

Com o quadro de dependência instaurado, a interrupção do consumo


pode provocar a síndrome de abstinência. A síndrome de abstinência da
nicotina, cujos sinais e sintomas estão descritos na figura baixo pode se
instalar se o consumo for reduzido a 50%. Parece que quanto maior o
consumo, maior a gravidade da síndrome, que pode persistir por meses,
sendo iniciada 8h após o último cigarro, alcançando o auge no terceiro
dia.

Fonte: West e Shiffman (2004)

Além da dependência física, mensurada pelo Teste de Fagerström,


devemos avaliar os aspectos psicológicos e comportamentais do consumo de
tabaco.

54
De acordo com a literatura científica, na dependência comportamental,
o fumante estabelece uma rotina, criando hábitos que se tornam gatilhos do
desejo de fumar. Nesses momentos, em geral que o fumante consome o
tabaco, a vontade de fumar costuma acontecer automaticamente pela
lembrança do consumo naquela situação. A repetição da associação do
hábito de fumar com algum comportamento gera o condicionamento. Além
de prazeroso, fumar muitas vezes torna-se um amortecedor de emoções, no
qual a associação de sentimentos com o cigarro gera uma dependência
emocional.

Vejamos os principais hábitos associados e os aspectos psicológicos do


ato de fumar:

Nota-se, que as pessoas fumam por motivos distintos, assim como


consomem quantidades diferentes de nicotina, experimentam sintomas
variados de abstinência e não são semelhantes em outros aspectos, como
idade, presença de comorbidades clínicas ou psiquiátricas, grau de educação,
nível socioeconômico, etc. Daí a importância de tratamentos
individualizados. É fundamental para o sucesso do tratamento que o
paciente tenha expectativas adequadas, bem como não recorra a
tratamentos que já fracassaram em tentativas anteriores.

55
Dentre as propostas farmacológicas não nicotínicas, temos o uso de
antidepressivos como a Bupropiona, Nortriptilina e Vereniclina, que são
utilizados durante a síndrome de abstinência, atuando, na maior parte das
vezes, sob vias neurotransmissoras que participam dos mesmos mecanismos
da dependência da nicotina.

Já no tratamento farmacológico com nicotina, entende-se que hábito de


fumar está na relação que a nicotina tem no organismo, sendo o principal
reforçador desse hábito e que a utilização de fármacos com reposição de
nicotina seria administrada na tentativa de diminuir os sinais e sintomas da
síndrome de abstinência de nicotina. Portanto, a partir desse princípio a
utilização de adesivos e goma de nicotina seria uma das estratégias
terapêuticas do tratamento da dependência da nicotina aliada a outras
intervenções.

Dentre os tratamentos não farmacológicos, as terapias psicossociais


vêm sendo avaliadas no decorrer dos anos, visando auxiliar o paciente na
interrupção do uso do tabaco em conjunto com as terapias farmacológicas.
Dentre as terapias psicossociais, podemos citar: aconselhamento telefônico,
materiais de autoajuda, aconselhamento médico, terapia de grupo e terapia
complementar (acupuntura, hipnoterapia, exercícios físicos).

Enfim, é preciso entender que a dependência de nicotina é uma doença


crônica e que a recaída faz parte do processo. A relação entre os
profissionais da saúde e os fumantes em tratamento deve ser sempre de
muito respeito, com certa empatia para a motivação e evitando qualquer tipo
de julgamento. O local de tratamento deve ser um ambiente livre de tabaco.
Devemos entender que o tabagismo é passível de prevenção, no qual o
esforço para evitar a iniciação ao vício e o controle social do tabaco devem
ser incentivados. Porém, há muitos desafios a se enfrentar no âmbito
farmacológico e das intervenções na dependência de nicotina que visem à
efetivação e manutenção da abstinência.

56
Opioides
“As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade”.
Cleber Guilherme

Pontos Importantes:
 Os opioides são drogas depressoras do Sistema Nervoso Central;
 O curso é crônico, embora períodos breves de abstinência possam
ocorrer.
 A recaída é um evento bastante comum;
 As intervenções farmacológicas prescritas no tratamento de
dependência de opioides são: naloxona, naltrexona, metadona e
buprenorfina.

O termo opioide é qualquer droga que tenha propriedades semelhantes


ao ópio, ou, ao seu princípio ativo, a morfina. Já o termo opiáceo, é
frequentemente, utilizado para se referir aos opioides naturais e
semissintéticos. Existem também opiáceos endógenos, de ocorrência natural
no corpo humano, que são as endorfinas e as encefalinas – substâncias com
papel de mediação do reforço positivo e do prazer nos circuitos de
recompensa cerebral (Figlie, Bordin & Laranjeira, 2018).

O uso de opioides pela humanidade se confunde com sua própria origem.


A papoula era cultivada nas casas na antiguidade e consumida sem restrições
pelas famílias. Entre os egípcios, os opioides eram utilizados, inclusive, na
primeira infância, com a finalidade de amenizar o choro e a agitação. Apesar
do uso difundido (profano ou sagrado), não há relatos médicos de
dependência ou abstinência dessas substâncias entre as diversas culturas do
mundo antigo. No entanto, no século 19, milhões de chineses se tornaram
dependentes com a entrada dessas drogas em seu país.

Do ponto de vista clínico, os opioides são drogas depressoras do SNC que


também atuam em órgãos periféricos (p. ex., intestinos), devido aos seus
efeitos analgésicos potentes, antitussígenos e antidiarreicos. Podem ser
classificados em três tipos: opioides naturais, semissintéticos e sintéticos.

 Vejamos na tabela abaixo os opioides mais conhecidos:

57
Opioides Naturais ópio, morfina, codeína e tebaína:
são preparados a partir do ópio (em
grego, “suco”), uma seiva de aspecto
leitoso obtida por meio de cortes na
papoula.
Opioides Semissintéticos heroína, oxicodona, hidrocodona,
oximorfona e hidromorfona: são
obtidos por meio de alterações das
moléculas dos opioides naturais.
Opioides Sintéticos meperidina, fentanil, LAAM (L-α
acetilmetadol ou levometadilacetato),
propoxifeno e metadona: são obtidos
totalmente em laboratório.

Os opioides podem ser administrados por vias oral (VO), nasal ou


parenteral. Quando ingeridos VO, como o ópio, que pode ser comido ou
bebido, e a morfina, que pode ser veiculada em comprimidos, estas drogas
têm menor potencial de efeito e de adição, pois têm lenta absorção e passam
pelo metabolismo hepático antes de atingir o cérebro. Assim, essa forma de
administração, segundo a literatura científica, é a mais vantajosa
clinicamente, pois permite controlar com maior facilidade os níveis
desejados da substância no sangue. Quando utilizados como droga de abuso,
os opioides são geralmente injetados, aspirados ou fumados, pois assim são
alcançados níveis séricos mais altos, e com maior velocidade. O uso
intravenoso produz os efeitos mais rápidos e mais intensos, as injeções
intramusculares produzem efeitos intermediários em velocidade e
intensidade, e quando inalado ou fumado, apresenta efeitos mais lentos e
menos intensos, causando dependência independente da sua forma de
administração.

Na perspectiva neurobiológica, todos os opiáceos atuam nos mesmos


receptores cerebrais. Há pelo menos cinco tipos de receptores específicos
para opioides, localizados principalmente nas áreas corticais sensoriais, nas
áreas corticais límbicas (amígdala), no hipotálamo e na substância cinzenta
58
periaquedutal (receptores Mu (µ), receptores Kappa (κ), receptores Delta (δ),
receptores Épsilon (ε) ereceptores Rô (ρ)). Isto vale para os opiáceos
endógenos e para osexógenos, sejam sob a forma de medicamentos ou como
drogas causadoras de consumo abusivo. Uma vez absorvida no sangue, a
maior parte da droga se concentra nos pulmões, no fígado e no baço, e uma
grande parte se liga às proteínas do sangue. Na gravidez, essas drogas
atravessam rapidamente a placenta e alcançam o feto.

Com o uso dos opioides, inicialmente o efeito é analgésico, associado a


pico de euforia intensa, porém muito breve, que é o denominado rush. Este é
um estado muito agradável, com forte sensação de contentamento, bem-
estar e ausência de preocupações. Após isto, observa-se uma tranquilidade
profunda, mantendo-se por algumas horas. Então, iniciam-se sonolência,
oscilações de humor, embotamento mental, apatia e alentecimento motor.
Em doses excessivas, pode ocorrer intoxicação, na qual o efeito é
exclusivamente depressor da respiração, podendo induzir ao coma.

No estado de intoxicação por uso recente de opioides, os usuários


podem apresentar alterações mal-adaptativas de comportamento, com início
entre 2 a 5 minutos após o consumo da substância, incluindo com certa
frequência uma euforia inicial, que pode persistir por 10 a 30 minutos,
apresentando os seguintes sintomas: apatia, letargia, sonolência, disforia,
retardo psicomotor, prejuízo do julgamento e disfunção do funcionamento
social e ocupacional, que podem durar de 2 a 6 horas. Sinais neurológicos
específicos costumam estar associados, tais como: miose, fala ininteligível e
prejuízo da atenção e da memória.

59
 De acordo com o DSM-5 e CID 10, seguem os critérios para o
diagnóstico de intoxicação aguda:

Fonte: Adaptado de American PsychiatricAssociation (2013) e World Health Organization (1993)

De acordo com estudos científicos, a associação entre a dependência


de heroína e atividades ilícitas fora construída. O respaldo dessa associação
está na vertente de que a heroína provoca a diminuição da inibição podendo
conduzir seus usuários a se envolver em atividades nas quais normalmente
não se evolveriam. O alto custo da substância e os sintomas de abstinência
seriam válvulas propulsoras para a incidência do comportamento criminoso
como forma de manter o uso da droga.

Nos estados de abstinência, a Síndrome de Abstinência Aguda inicia-


se após 6 horas nos usuários de opioides de ação curta (p. ex., heroína). Já
entre aqueles que usam os de ação longa (p. ex., metadona), o início é mais
longo, em torno de 1 a 2 dias. A princípio, o usuário evolui com sudorese,
lacrimejamento, rinorreia, bocejos, ansiedade e fissura. Os usuários
dependentes de opioides queixam-se de insônia, bocejos, mialgias, artralgias,
anorexia, diarréia, náuseas e/ou vômitos, cãibras e cólicas intestinais. Já a
Síndrome de Abstinência Crônica é mais longa, podendo durar até seis

60
meses. O quadro clínico é mais sutil, e essa síndrome está associada a
possibilidades de recaídas.

Fonte: Adaptado de American PsychiatricAssociation (2013) e World Health Organization (1993)

Nos casos de overdose, os usuários cursam com a tríade caracterizada


por depressão respiratória, coma e miose. As características clínicas que
predizem evolução para overdose são os usuários de heroína que fazem o
uso concomitante de outras drogas depressoras do SNC (p. ex., o álcool).

 Quais são os sintomas apresentados no exame físico e psíquico


que podem me direcionar a uma possível hipótese de intoxicação
e/ou abstinência por opioides?

No exame psíquico, o nível de consciência encontra-se rebaixado


(sonolência ou coma) nos estados de intoxicação, e o humor, disfórico ou
eufórico. No estado de abstinência, a irritabilidade prevalece, e o humor fica
deprimido ou ansioso. O usuário fica hipervígil e agitado, relata uma avidez
pelos efeitos psicoativos da droga (fissura).

61
Já no exame físico, o usuário em estado de intoxicação pode apresentar
rubor facial, miose com ou sem prejuízo da acuidade visual, taquicardia,
hipotensão arterial, arreflexia e prurido. No estado de abstinência, fica
evidenciada presença de coriza, hiperalgesia, midríase, fotofobia, sudorese,
tremor, febre, lacrimejamento e piloereção. O uso crônico de opioides
injetáveis está associado à presença de veias esclerosadas com marcas de
picadas nas extremidades dos membros superiores. Os usuários que inalam
heroína e outros opioides podem apresentar irritação da mucosa nasal.

O tratamento da intoxicação aguda é uma emergência psiquiátrica e


deve receber intervenção imediata e manejo clínico adequado, garantindo ao
paciente um prognóstico satisfatório. Já o paciente em coma, deve ser
atendido conforme protocolo clínico habitual para tal situação: avaliação do
indivíduo pela escala de coma, avaliação dos aparelhos respiratórios e
cardiocirculatórios, busca por sinais de traumatismo, realização de exames
laboratoriais e, se possível, identificação do tipo e da quantidade de opioide
utilizado. Em usuários crônicos, uma investigação mais detalhada de
problemas clínicos deverá ser realizada.

Nos casos de intoxicações leves, requerem apenas medidas de suporte


até que o paciente recupere o estado de vigília. Já nos casos graves de super
dosagem, devem ser utilizados antagonistas opiáceos sintéticos,
medicamentos que competem com os receptores opiáceos, possibilitando a
reversão das ações agudas dessas drogas.

A síndrome de abstinência de opioides tem baixa letalidade, na


ausência de problemas clínicos associados, embora traga muito desconforto
físico e psíquico. As medidas medicamentosas e de suporte são instituídas
com o objetivo de proporcionar bem estar ao paciente e prevenir
complicações clínicas. O tratamento deve ocorrer em ambiente tranquilo e
iluminado, abrangendo comorbidade detectadas e provendo aporte
nutricional ao paciente, bem como tratamento farmacológico, que vise
reduzir os sinais de hiperatividade autonômica durante a abstinência,
62
auxiliando a desintoxicação, e medicamentos que ajudem a amenizaras
dores musculares, a insônia e a inquietação, de acordo com a avaliação do
médico.

A meta do tratamento farmacológico, da dependência de opioides


consiste em possibilitar ao indivíduo a interrupção do uso da droga, de
maneira gradual ou abrupta, o que deve ser definido após avaliação
individualizada.

Fonte: Livro Transtornos relacionados a substâncias e do controle de impulsos (2016).

Como parte do tratamento, as intervenções psicossociais têm como


objetivos incluir uma abordagem da motivação do usuário para o
tratamento, prevenção de recaída e treinamento de habilidades sociais. A
terapia de grupo, terapia familiar, aconselhamento profissional, atendimento
médico e psiquiátrico são outras formas interventivas aliadas no tratamento
da dependência por opioides.

Por fim, na dependência por opioides o curso é crônico, embora


períodos breves de abstinência possam ocorrer. A recaída é um evento
bastante comum. A dependência de opioides pode ter início em qualquer

63
idade, mas dois picos de incidência sobressaem: o fim da adolescência e após
os 20 anos de idade (APA, 1995).

Diversas complicações clínicas podem cursar com o uso de opioides.


Entre as complicações clínicas mais comuns, destacam-se endocardite,
embolia pulmonar, hepatites virais e a própria HIV. As principais causas de
óbitos associados aos opioides são overdose (parada respiratória), suicídio e
infecções. As sequelas neurológicas associadas à anoxia cerebral podem
ocorrer se a overdose não for rapidamente revertida.

Observa-se, que os usuários de heroína como droga de escolha ou


primária, mas que também usam outras drogas, como o crack, está mais
predisposto a apresentar prejuízos em funções cerebrais executivas,
sobretudo na memória, bem como na fluência e no planejamento de tarefas
(Fernández-Serrano et al., 2010).

Estes tratamentos substitutivos são mais adequados quando


realizados no contexto de um programa multiprofissional, que vise a uma
abordagem ampla do paciente, com foco na abstinência e em sua
manutenção.

Anfetaminas

“As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade”.

Cleber Guilherme

Pontos Importantes:

 A definição de anfetamina refere-se a potentes estimulantes do


sistema nervoso central.
 Atua nos sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos do sistema
nervoso central.
 O tratamento é focado em programas de redução de danos associados
à entrevista motivacional, reconhecimento de possíveis “gatilhos”
associados às recaídas.

64
As anfetaminas são potentes estimulantes do sistema nervoso central,
capazes de criar dependência em razão de seus efeitos euforizantes e de sua
habilidade de reduzir a fadiga e aumentar o estado de alerta. Apesar de seus
efeitos capazes de causar dependência química, as anfetaminas podiam ser
prescritas para fins clínicos. Atualmente, com sua venda proibida, o abuso
dessas substâncias é cometido por pessoas que as conseguem de forma
ilegal. São substâncias sintéticas, que além da própria anfetamina, vários
outros derivados, como femproporex, metilfenidato, pemolina, mazindol,
dietilpropiona e metanfetaminas fazem parte desse grupo.

Os primeiros estimulantes, tipo anfetaminas (ETAs) foram sintetizados


no fim do século XIX, e início do século XX com finalidades terapêuticas de
elevar a pressão arterial, como descongestionantes nasais e como
antiasmáticos. Posteriormente, foram caracterizados como inibidores do
apetite (anorexígenos). Em pouco tempo, seus efeitos estimulantes sobre o
sistema nervoso central (SNC), aumento do estado de alerta, sensação de
mais energia e redução da fadiga, associados à inibição do apetite, tornaram-
se motivadores de uso intenso pelos indivíduos (Rasmussen, 2008).

Segundo a perspectiva da neurobiologia, as anfetaminas são aminas


simpatomiméticas de ação indireta, potentes estimulantes do SNC,
quimicamente relacionadas a dois compostos naturais, a efedrina e a
epinefrina (hormônio humano). Elas atuam estimulando a liberação de
monoaminas, mais intensamente de dopamina e norepinefrina, nas sinapses
neuronais e, em concentrações elevadas, podem inibir a enzima
monoaminoxidase (MAO). Tais ações potencializam a neurotransmissão
dopaminérgica, noradrenérgica e também serotonérgica, sendo responsáveis
pelos efeitos estimulantes do SNC: euforia e excitação, aumento da
resistência, insônia, estimulação psicomotora, anorexia e efeitos psíquicos,
como a ansiedade, depressão e sintomas psicóticos (Rang et al., 2016).

Entre os precursores dessas drogas, estão à efedrina, a


pseudoefedrina, descongestionantes e broncodilatadores. Essas drogas são
65
produtos lícitos, que podem ser usados para a produção de metanfetamina,
substância ilícita. No entanto, devido a controles cada vez mais rigorosos em
muitos países, os traficantes de drogas diversificam sua abordagem e fazem
preparações farmacêuticas desviadas, contendo efedrina ou pseudoefedrina.

As anfetaminas podem ser administradas de várias formas. A


intensidade e a duração dos efeitos variam conforme a via utilizada. Seguem
os tipos de administração e o tipo da substância:

 A via oral: anfetaminas medicamentosas (comprimidos), speed e


ecstasy (tabletes e cápsulas);
 Via intravenosa (IV): crack, ice e cristal (cristais de
metanfetamina);
 Via nasal: ice e cristal;
 Via pulmonar (“fumada”): ice e cristal.

A metabolização das anfetaminas é predominantemente hepática, sua


eliminação é renal, sendo excretados na urina na sua forma inalterada. Os
efeitos são imediatos se a droga for injetada ou fumada, durando cerca de 4
horas. Se aspirada, os efeitos começam em 3 a 5 minutos, e, se administrada
por via oral, iniciam-se em 15 a 20 minutos dependendo de fatores como a
existência ou não de alimentos no estômago, podendo durar até 12 horas
(daí o maior risco de neurotoxicidade e as complicações no organismo). A
meia-vida varia de 8 a 18 horas. Quanto maior a meia-vida, maior o risco de
neurotoxicidade. Seus efeitos tóxicos afetam diretamente os sistemas
dopaminérgicos, noradrenérgicos e serotonérgicos.

Nota-se, que a droga é mais potente quando administrada por meio de


injeção ou inalação. Quando ingeridas oralmente, as anfetaminas tendem a
ser ionizadas no sistema digestivo, o que torna sua absorção mais lenta.
Neste caso, a perda da potência do efeito pode ser compensada com o
aumento da dose e tem a vantagem de poder manter os níveis sanguíneos
razoavelmente constantes, sem muita variação ao longo do tempo.
66
Quanto ao quadro clínico, atuam também sobre os sistemas
dopaminérgicos e serotonérgicos. O aumento da liberação de dopamina (DA)
no sistema límbico e neo-estriados é responsável por efeitos
comportamentais e motores, sendo que as alterações das percepções e
manifestações psicóticas estão também relacionadas com um aumento na
liberação de serotonina.

São efeitos simpáticos das substâncias anfetamínicas: aumento da


pressão arterial e bradicardia reflexa; arritmias; dificuldade para urinar;
constipação ou diarréia, dependendo da atividade entérica; contração
uterina, o que pode provocar cólicas e aborto. Estimula o centro respiratório
na medula, diminuindo o efeito depressor de outras drogas. Também inibe o
sono, aumenta o estado de alerta (ativação da formação reticular), diminui a
sensação de fadiga, inibe o apetite, estimula o humor, aumenta a iniciativa, a
autoconfiança e a concentração, provoca sensação de poder, melhora a
clareza e organização da mente, provoca euforia e agitação psicomotora com
taquilalia. Embora pareça que o desempenho para tarefas simples fique
aumentado, quanto mais atividades envolvidas, maior a possibilidade de
erros, denotando comprometimento na habilidade motora fina. Estes efeitos
são seguidos, horas depois, de um sentimento de depressão.

Quanto aos usuários crônicos de altas doses, sofrem efeitos diferentes,


alguns estudos sistemáticos demonstraram que o uso de anfetaminas causa
insônia, onde os comportamentos estereotipados incluem atos ininterruptos,
despropositados e repetitivos; explosões súbitas de agressividade e
violência; delírios paranoides; e anorexia grave. Um estado psicótico pode
desenvolver-se e ser indistinguível de um ataque agudo de esquizofrenia. As
anfetaminas parecem produzir mais quadros psicóticos que a cocaína. Tal
evento parece estar relacionado com o fato dos usuários de anfetaminas
utilizarem mais continuamente que os usuários de cocaína.

Tem-se o conhecimento que as anfetaminas induzem tolerância, mas não


está claro se há uma verdadeira síndrome de abstinência e, por anos, pairou
67
o questionamento acerca do potencial de dependência dessas drogas. Os
sintomas mais pronunciados de abstinência foram observados em fumantes
de metanfetaminas (ice e cristal), tais como dores abdominais,
gastroenterites, letargia, dispnéia, aumento do apetite, depressão profunda
e, ocasionalmente, suicídio. Obviamente, a maneira mais rápida de acabar
com esse estado é ingerir a substância novamente. Para muitos, esse quadro
se configura uma definição de síndrome de abstinência.

Quanto ao tratamento, certos programas estão tentando encontrar


soluções para esse problema e fazem combinações entre programa de
redução de danos associados à entrevista motivacional, reconhecimento de
possíveis“gatilhos” associados às recaídas, modos de evitá­los ou mesmo
maneiras de interromper possíveis lapsos ou recaídas.

Uma revisão conduzida por Cao e colaboradores (2016), aponta recentes


avanços nos medicamentos que estão sendo desenvolvidos para tratar os
transtornos por uso de ETAs. Embora, nenhuma evidência substancial de
medicamentos eficazes tenha surgido, alguns desses agentes, incluindo
bupropiona, naltrexona e mirtazapina, mostraram-se promissores em
estudos clínicos.

Quanto o manejo clínico, durante os episódios de intoxicação aguda de


ETAs que cursaram com uma agitação psicomotora pode ser feito a partir
dos seguintes elementos:

 Antipsicótico;
 Benzodiazepínicos;
 Observação: ambiente seguro e calmo;
 Tratamento de possíveis desidratação e hipertermia.

 Já o manejo da síndrome de abstinência pode envolver:

 Descanso;
 Alimentação saudável;
68
 Insônia e ansiedade: BZD de curta ação (p. ex.: alprazolam,
bromazepam, lorazepam);
 Craving e humor depressivo: o manejo deve ser abstinência da
droga e abordagens psicossociais.

As abordagens psicossociais do tratamento destacam-se a terapia


cognitivo-comportamental e a terapia comportamental, o manejo de
contingências, e os grupos de mútua ajuda do tipo 12 passos. São
recomendadas também a entrevista motivacional e a terapia interpessoal.

Benzodiazepínicos, Hipnóticos e Ansiolíticos


“As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade”.
Cleber Guilherme
Pontos Importantes:
 Os benzodiazepínicos são agentes sedativos hipnóticos, com
habilidade de produzir depressão no sistema nervoso central.
 Atuam no sistema gabaérgico do sistema nervoso central.
 Há o uso indiscriminado desse fármaco na população de idosos.

De acordo com Mandrioli, Mercolini e Raggi (2008), os


benzodiazepínicos (BZDs) estão entre as drogas mais usadas
frequentemente, para diversas patologias psiquiátricas, como ansiedade
generalizada, fobia social, transtorno de pânico, transtornos do sono, e como
coadjuvantes no tratamento de transtornos do humor e transtornos
psicóticos, possuindo propriedades sedativo-hipnóticas, atuando na redução
da latência para o sono, no aumento do tempo total de sono e na redução dos
69
despertares. Eles foram primeiramente desenvolvidos na década de 1960,
pela necessidade de se obter medicações ansiolíticas mais seguras dos que
os barbitúricos.

Os BZDs também são usados no tratamento de algumas fases


relacionadas aos transtornos por uso de substâncias, especialmente para
desintoxicação alcoólica. Eles têm a função de minimizar os sintomas de
abstinência alcoólica, como ansiedade, agitação, sudorese, taquicardia e
aumento da pressão arterial, dando-se preferência aos benzodiazepínicos de
longa ação. Apesar de seus benefícios, são capazes de induzir tolerância e
sintomas de abstinência e com certo potencial de letalidade.

Conforme a literatura científica, o diazepam tornou-se muito popular e


transformou-se na droga mais prescrita nos Estados Unidos da América
(EUA) entre as décadas de 1960 e 1990. Em seguida, sua popularidade
passou a ser dividida com outros ansiolíticos, todos fazendo parte da lista
das cem medicações mais prescritas. Atualmente, há cerca de 20 tipos
diferentes de BZDs aprovados para uso médico. Atualmente o Brasil
apresenta um aumento nas taxas referente ao uso abusivo e indiscriminado
desta substância.

Nota-se, que o uso em longo prazo não é sinônimo de dependência. O


risco de dependência de BZDs está associado, significativamente, com a
presença de história de comorbidade com outra doença mental, dependência
de múltiplas substâncias e com uso muito maior do que as doses
terapêuticas. Já os benzodiazepínicos de ação mais curta, como lorazepam e
oxazepam, são indicados para a população mais idosa e para hepatopatas.

Do ponto de vista neurobiológico, os BZDs agem pela ligação nos


receptores GABA o que provoca efeitos sedativos, hipnóticos e ansiolíticos,
sendo sua metabolização hepática. Sua via de administração depende do
propósito do uso por parte do dependente químico.

70
Como agentes sedativos hipnóticos, os BZDs têm a habilidade de
produzir depressão no sistema nervoso central, por meio da ativação do
sistema gabaérgico. Em doses menores, pode diminuir o nível de atividade
do indivíduo, moderando a excitação e com efeitos calmantes e ansiolíticos.
Em doses maiores, observa-se sonolência com repercussão na indução e a
manutenção do sono. Pode haver casos de desinibição do comportamento,
com agressividade e hostilidade, principalmente se for combinado ao álcool.

De acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2018), estudos demonstram


que usuários crônicos de benzodiazepínicos apresentam desempenho
comprometido em várias medidas psicomotoras e de memória, incluindo
aumento do tempo de reação, dificuldades na coordenação motora, confusão
mental, amnésia, tonturas e moleza. Esses prejuízos podem dificultar e
comprometer o funcionamento social do indivíduo (sua habilidade ao
volante e seus resultados acadêmicos, profissionais e nos relacionamentos
sociais e familiares). A maioria dos especialistas recomenda que o uso desses
medicamentos seja limitado, a curtos períodos de tempo para o tratamento
da insônia. Mas, na prática, o que ocorre é o contrário: são prescritos por
longos períodos, o que aumenta a probabilidade de desenvolvimento de
dependência.

Quando é feita a retirada de forma abrupta dos BZDs pode gerar


quadros graves como o delirium. A síndrome de abstinência para os
sedativos hipnóticos pode começar 12 a 72 h após a última dose,
dependendo da meia vida da droga utilizada. Os sintomas são similares aos
da abstinência alcoólica e podem ser mais ou menos graves.

71
 Alguns sintomas de abstinência são:

SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA POR BZDS

Psicológicos Somáticos Síndrome Cerebral


Aguda
 Rebote dos sintomas  Sudorese  Confusão,
iniciais com maior  Tremores desorientação e
intensidade: insônia,  Dores Delirium
ansiedade e pânico musculares/cãibras/contrações (quadro
 Irritabilidade,  Tontura intermitente,
inquietação e agitação  Parestesia mais frequente
 Diminuição da memória  Palpitação em idosos)
e da concentração  Visão  Delírios e
 Distorções de borrada/fotofobia/diplopia paranóia
percepção:  Tinnitus/zumbido  Alucinações
hipersensibilidade a  Dor de cabeça visuais e
luz, som, tato e paladar  Sintomas gastrintestinais: auditivas
 Gosto metálico náusea, diarréia, perda de peso  Convulsões tipo
 Distorção da imagem  Perda de grande mal:
corporal equilíbrio/quedas/desmaios ocorrem entre 1-
 Despersonalização e  Menorragia 12 dias após a
desrealização interrupção do
 Depressão/disforia uso

Como relatado anteriormente, embora os benzodiazepínicos sejam


importantes estratégias terapêuticas no tratamento de diversos quadros
clínicos, ele pode dificultar o diagnóstico de uso nocivo e dependência, uma
vez que seu uso pode ter sido prorrogado indevidamente. Além disso,
pacientes com predisposição ao uso de múltiplas drogas podem usar os
benzodiazepínicos para potencializar os efeitos euforizantes de outras
substâncias ou para automedicar sintomas intensos de ansiedade.

 Como identificar se o paciente pode estar fazendo uso abusivo e


indiscriminado de benzodiazepínicos?

Alguns estudos relatam que consumidores de BZDs, com sintomas de


ansiedade, abuso de álcool ou drogas e transtornos do sono estão mais
predispostos a desenvolver dependência (Licata e Rowlett, 2008). Uma
72
avaliação completa do uso da medicação é fundamental para determinar a
abordagem com o paciente. Vejamos na figura abaixo algumas sugestões
de perguntas que podem guiar essa avaliação:

AVALIAÇÃO DO USO DE BENZODIAZEPÍNICOS: O QUE DEVE SER INVESTIGADO?


Aspectos Perguntas

Motivação do uso  Para que foi prescrito? Qual a indicação terapêutica?


Essa indicação ainda persiste? Já fez uso com outra
finalidade além da terapêutica (recreativa)?
 Você imagina estar correndo algum risco ao usar
essa substância?
 Você já teve o desejo de parar de usar ou reduzir o
uso do BZD?

Intensidade de consumo  Há quanto tempo você utiliza essa medicação?


 Qual a dose utilizada inicialmente?
 Continua usando a mesma dose ou precisou
aumentar depois de algum tempo? Se aumentou,
qual foi o máximo que usou em um dia?
 Já fez uso da medicação em horários fora do
prescrito?
 Já usou outros tipos de BZDs além do atual?
 Já utilizou diferentes tipos de BZDs ao mesmo
tempo?

Padrão divergente, uso  Já solicitou a receita a diferentes médicos em um


crônico e fora da curto espaço de tempo? Por quê?
prescrição médica  Já solicitou a medicação a familiares ou amigos?

História de uso de  Já usou alguma outra substância psicoativa? Qual?


substâncias  Quando e por quanto tempo manteve esse uso?
 Quais as doses regulares e máximas dessa(s)
substância(s) foram utilizadas?
 Qual o tempo de abstinência máximo para cada
substância?

Fonte: Adaptado de Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Brasileira de Neurologia (2013); Lingford-
Hughes e colaboradores (2012).

73
Nota-se, que a avaliação é parte fundamental dentro do tratamento
com o dependente químico. A avaliação das comorbidades clínicas, a
solicitação de exames laboratoriais, como provas de função hepática e renal,
bem como a avaliação do suporte social e de atividades laborativas do
paciente, também são fundamentais para orientar as condutas terapêuticas.
Com todas as informações necessárias, podem-se dividir os pacientes de
acordo com sua gravidade e risco.

O tratamento por intoxicação por benzodiazepínicos também pode


ocorrer em ambiente hospitalar, quando os pacientes apresentarem idade
avançada, complicações clínicas e comorbidades psiquiátricas importantes,
com pouco ou nenhum suporte externo para desintoxicação ambulatorial,
bem como àqueles pacientes pouco motivados que estão usando altas doses
de BZDs, isolados ou em conjunto com outras drogas. Já para os pacientes
dependentes de benzodiazepínicos que não têm história de abstinência
severa ou convulsões, não apresentam dependência de álcool ou outras
substâncias e não apresentam comorbidades clínicas ou psiquiátricas
significativas, pode-se optar pela desintoxicação ambulatorial eletiva.

O uso agudo e prolongado de BZDs pode acarretar uma série de danos,


que devem sempre ser levados em consideração ao se prescrever essa classe
de fármacos. Dentre os possíveis danos, podemos citar: depressão
respiratória, suicídio, prejuízo da memória (amnésia anterógrada),
pseudodemência, desinibição/efeito paradoxal, síndrome de abstinência
protraída, depressão, sintomas psicóticos e delirium e transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT).

Anabolizantes

Pontos Importantes:
 Os anabolizantes são divididos em anabolizantes esteróides e
andrógenos.
 Substância utilizada não apenas para desempenho, mas para o
ganho de massa muscular.
74
 Pouquíssimos estudos relacionados com o tratamento de esteróides
anabolizantes, os que existem foram conduzidos a partir da
experiência clínica.

Os esteróides são hormônios naturais, existem vários tipos de hormônios


esteróides, produzidos em diferentes locais do corpo e com efeitos distintos
e necessários para o funcionamento normal do organismo. Eles podem ter
dois efeitos diferentes no metabolismo do organismo: catabolizante e
anabolizante. O efeito catabolizante está relacionado à quebra tanto de
proteína, quanto de armazenamentos de energia celular. O efeito
anabolizante refere- se à produção e ao acúmulo de proteína, e este é o efeito
buscado por aquelas pessoas que utilizam os esteróides de maneira errônea.

Os esteróides anabolizantes androgênicos (EAAs) são drogas sintéticas,


derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, tendo dois efeitos
primários no corpo: efeitos androgênicos e efeitos anabolizantes
propriamente ditos. Os efeitos androgênicos contribuem para o
desenvolvimento das características sexuais masculinas, como crescimento
do pênis e dos pêlos, engrossamento da voz, aumento da libido e da potência
sexual etc. Os efeitos anabolizantes incluem aumento da massa muscular e
do tamanho de vários órgãos internos e controle da gordura corporal.

O ápice da atenção popular para a utilização dessa substância na


sociedade ocorreu na década de 60, quando o sucesso dos atletas soviéticos
foi atribuído, em parte, ao uso dessas substâncias. Porém, houve
controvérsias nesse período, relacionado à utilização dos esteróides
anabolizantes por homens e mulheres a fim de promover melhoras no
desempenho atlético e melhorar a aparência física.

Apesar das controvérsias a respeito do potencial de dependência dos


anabolizantes, surgiram muitos materiais resultados de pesquisas que
apareceram para documentar que os esteróides anabolizantes podem criar
dependência. Porém, os mecanismos que a criam e sustentam estão longe de
ser conhecidos. A forma como essas substâncias são utilizadas e o propósito
75
do uso torna difícil aos pesquisadores chegar a conclusões a respeito da
frequência, da duração do uso e das dosagens necessárias para gerar
dependência.

Normalmente, essa substância é consumida em períodos


intermitentes, uma prática chamada de cycling (“cíclico”), sendo que o
período de uso pode variar, porém marcado com interrupções ao fim de cada
ciclo. Já a prática de stacking (“empilhamento”), envolve o uso de vários
esteróides diferentes, para a melhora do desempenho. Efeitos como aumento
da intensidade do treinamento, da agressividade e outras alterações de
humor podem ser considerados secundários e, para alguns, talvez
indesejáveis. Os usuários relatam sintomas indesejável tais como: mudanças
afetivas, dificuldade ou falta de vontade para reduzir o uso e outros aspectos
compatíveis com aqueles referidos por dependentes de outras drogas. Além
disso, a tolerância e sintomas de abstinência já foram relatados.

 Entre os esteróides anabolizantes mais consumidos, consta:

 Por via oral: a oxandrolona (Anavar), o estanozolol (Winstrol), a


metandrostenolona (Dianabol) e a oximetolona (Anadrol).
 Por via intramuscular, podem-se listar: o decanoato de nandrolona
(Deca-durabolin), o fempropionato de nandrolona (Durabolin), o
cipionato de testosterona (Depo-testosterona) e o undecilenato de
boldenona (Equipoise).

As vias de administração podem ser feitas de duas maneiras: por via oral
e com injeções intramusculares. Alguns têm efeitos quando ingeridos
oralmente; outros, só quando injetados. De acordo com Figlie, Bordin e
Laranjeira (2018), a absorção dos esteróides anabolizantes ocorre da
seguinte maneira:

76
“Uma vez na corrente sanguínea, a testosterona ou qualquer esteróide anabolizante
exógeno atravessa as paredes das células-alvo e se liga a seus receptores no citoplasma.
Essas células-alvo se encontram em vários tecidos do corpo humano, incluindo
esqueleto, músculo cardíaco, sistema nervoso central, pele e próstata. Esses complexos
receptores de hormônios alcançam, então, o núcleo da célula e seu material genético
ácido desoxirribonucléico (DNA). Isso dá início a um processo cujo resultado final será
a produção de proteínas específicas, que vão deixar a célula e mediar às funções
biológicas do hormônio. O aumento dos níveis de testosterona (ou drogas similares)
produz um efeito de feedback negativo no hipotálamo, inibindo o lançamento de mais
testosterona (o mesmo processo que ocorre com os contraceptivos orais à base de
estrogênio e progesterona)”, pg. 132.

A literatura científica ressalta que existe certa dificuldade em obter


uma identificação precisa do mecanismo de ação dos esteróides
anabolizantes, por vários motivos: pela ampla variedade dos tecidos
atingidos; pela variedade das drogas desse tipo; pela complexidade dos
processos de regulação hormonal. Quanto a sua metabolização é feita pelo
fígado e excreta pela urina.

 Quanto aos efeitos do uso crônico, podemos destacar:

EFEITOS POSITIVOS
Aumento transitório do tamanho dos músculos e da força muscular.
Tratamento de traumas e cirurgias.

EFEITOS NEGATIVOS
Cardiovasculares: Aumento de fatores de risco cardíacos, como
hipertensão e taxas de colesterol (lipoproteína de baixa densidade [LDL] e
lipoproteína de alta densidade [HDL];

Infarto do miocárdio;

Trombose.
Hepáticos (associados ao consumo oral): Aumento do número de
enzimas;

Tumores do fígado: benignos e malignos (uso superior a 24 meses).


Sistema reprodutor: Diminuição da produção de testosterona;
77
Espermatogênese anormal;

Infertilidade transitória;

Atrofia dos testículos;

Impotência;

Alterações da menstruação.
Sistema endócrino: Diminuição do funcionamento da tireóide
Efeitos imunológicos: Diminuição das imunoglobulinas
Efeitos musculoesqueléticos: Fechamento prematuro dos centros de
crescimento dos ossos;

Degeneração dos tendões.


Estéticos: Ginecomastia em homens;

Atrofia dos testículos;

Acne e seborréia;

Estrias;

Calvície;

Aumento do clitóris;

Crescimento dos pelos do corpo e do rosto (principalmente em mulheres);

Engrossamento da pele;

Engrossamento da voz (em mulheres).


Psicológico: Risco de desenvolvimento de dependência;

Alterações graves do humor;

Tendência à agressividade;

Episódios psicóticos;

Depressão;

Distimia;

78
Ansiedade generalizada;

Transtorno de pânico;

Suicídio.

Relacionado à síndrome de abstinência interrupção do uso de altas


doses de esteróides anabolizantes pode vir acompanhada de depressão
psicológica, fadiga, inquietude, insônia, perda de apetite e diminuição da
libido. Outros sintomas incluem craving, dores de cabeça, insatisfação com a
imagem corporal e, raramente, ideação suicida. Apesar disso, nenhuma
síndrome de abstinência foi psiquiatricamente descrita.

Pouquíssimos estudos relacionados ao tratamento de esteróides


anabolizantes foram conduzidos, e o conhecimento atual se baseia na
experiência clínica. Como no uso de outras drogas, o tratamento requer a
interrupção do uso. Os sintomas de abstinência são o alvo do tratamento,
conjuntamente com a terapia de suporte com avaliação de possíveis
pensamentos suicidas. O uso de antidepressivos pode ser indicado caso haja
quadros depressivos, bem como o tratamento endocrinológico em casos de
alterações hormonais. Os quadros graves podem exigir hospitalização.
Passada essa fase dos cuidados com a abstinência, a terapia deve se centrar
na manutenção da abstinência e na prevenção da recaída.

“A literatura neuropsicológica, em evolução, tem mostrado que


indivíduos com muitas outras formas de dependência química têm um
cluster de atributos cognitivos que podem ser sumarizados como
déficits de tomada de decisão e julgamento, bem como impulsividade
aumentada e dificuldade em aguardar recompensas não imediatas.
Esses déficits são também associados a traços antissociais ou
psicopáticos, incluindo o transtorno da conduta. Essas características
podem, em conjunto, marcar um endofenótipo com possível papel
causal no desenvolvimento da dependência química”.

79
Maconha, Haxixe e Skunk

Pontos Importantes:

 O THC e outros canabinoides agem por meio de receptores


específicos nos sistema nervoso central e periférico.
 Exame de neuroimagem evidencia alterações significativas no
hipocampo em usuários de maconha.

A cannabis sativa está entre as plantas mais antigas cultivadas pelo


homem, com indicações arqueológicas e históricas do cultivo para obtenção
de fibras, desde 6 mil anos atrás, na China, sendo utilizada durante milhares
de anos medicinalmente. Porém, no início do século 20 a cannabis
praticamente desapareceu do mundo ocidental para fins medicinais, em
virtude da descoberta de drogas sintéticas e do aumento das restrições
legais ao seu uso.

Na atualidade, podemos perceber que o uso terapêutico da maconha


voltou ser discutido na comunidade científica, gerando considerável
controvérsia a respeito. Por um lado, estudos já demonstraram que o
princípio ativo puro da maconha (THC, Δ­9­tetra­hidrocanabinol) é útil no
alívio de náuseas e vômitos e na estimulação do apetite. Os efeitos
analgésicos, antiespasmódicos, anticonvulsivantes, de bronco-dilatação em
casos de asma e de alívio da pressão intraocular. Mas, por outro lado,
existem medicamentos sintetizados para essas finalidades, mais seguros e
eficazes, não justificando a utilização de uma droga que pode gerar
dependência e cujos efeitos nocivos ainda não são completamente
conhecidos.

A maconha é a forma mais utilizada no Brasil, e também é conhecida


pelos nomes marijuana, erva, fumo, beck etc. É uma mistura das folhas,
sementes, caules e flores secas da planta. Existem evidências de que nos
últimos anos a concentração de THC na maconha vem aumentando: nos anos
1960, ficava em torno de 1%, atualmente, chega a 4%, podendo, em algumas
situações, pode atingir 20%. Os produtores de alguns países criaram uma
80
nova cepa de maconha, com concentrações mais elevadas de THC. Uma das
mais conhecidas é o skunk, uma forma artificial de produzir maconha,
gerada por meio do cultivo de dois tipos diferentes da cannabis (sativa e
indica) e que incorpora geralmente hidropônico. Os efeitos da droga são os
mesmos da maconha, porém mais intensificados, já que, neste caso, a
concentração de THC varia, em geral, de 6% a 15%.

O haxixe, preparação mais potente, é uma resina extraída da planta seca e


das flores, sendo de 5 a 10 vezes mais potente que a maconha comum. O óleo
de hash é uma substância viscosa ainda mais potente, cujo THC é extraído do
haxixe ou da maconha com o uso de um solvente orgânico. Esse “extrato” é
filtrado e, muitas vezes, purificado. A concentração de THC no óleo de hash
fica entre15% e 50%.

Por volta da primeira metade dos anos 60, um grupo de pesquisa Israelita
do professor Rafael Mechoulam, determinou a estrutura dos principais
canabinoides (canabidiol), incluindo o ∆9-tetra-hidrocanabinol (∆9-THC),
responsável pelos efeitos psicoativos da planta. Hoje são conhecidos cerca de
100 canabinoides, com pouca ou nenhuma psicoatividade, porém com outros
efeitos, muitos deles com potencial terapêutico.

A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo, com proibitiva de


consumo no Brasil, com incidência maior entre populações de jovens.
Normalmente, a maconha é fumada na forma de cigarro, popularmente
conhecido como “baseado”, mas também pode ser fumado no cachimbo ou
no bong, instrumento que contém água e aumenta a concentração da fumaça,
bem como na vaporização por baixa temperatura apresentando mais
segurança em relação à droga queimada de forma convencional.

O metabolismo do THC começa imediatamente nos pulmões (se tiver sido


inalado) ou no intestino (se ingerido via oral), mas a maior parte da
substância é absorvida pela circulação sanguínea e levada ao fígado, no qual
é convertida em metabólitos, penetrando no cérebro rapidamente e
81
contribuindo para a maioria dos efeitos psicoativos da droga.

O haxixe pode ser utilizado em uma mistura com tabaco e fumado


como cigarro, porém é mais comumente fumado em um cachimbo, com ou
sem tabaco. Já o óleo de hash é utilizado apenas algumas gotas, devido sua
alta potência, que podem ser colocadas no cigarro ou cachimbo, ou vapor
inalado através do aquecido do óleo. Qualquer que seja o método utilizado,
os fumantes inalam a fumaça profundamente e a prendem por alguns
segundos nos pulmões, a fim de aumentar a absorção do THC.

O THC e outros canabinoides agem por meio de receptores específicos


nos sistema nervoso central e periférico, embora nem todos os efeitos sejam
mediados por esses receptores. Primeiramente, afetam o funcionamento do
sistema cardiovascular e nervoso central causando aumento da pulsação, os
vasos sanguíneos da córnea se dilatam, resultando em olhos avermelhado,
sem evidências de depressão respiratória. Os usuários costumam referir
aumento do apetite, boca seca, vertigens ocasionais e leves náuseas. Podem
ocasionar também alterações cognitivas (afrouxamento das associações,
fragmentação do pensamento, confusão, alterações na memória de fixação),
prejuízo da atenção, alterações de humor e dificuldades de coordenação
motora em vários graus. Pode induzir quadros de ansiedade, disforia, pânico
e paranóia, sintomas psicóticos, como delírios e alucinações.

Concernente a intoxicação provocada pelo uso da maconha, estudos


demonstram que o THC compromete a capacidade de dirigir automóveis e de
realizar outras atividades que requeiram maior atenção e coordenação
motora, bem como habilidades de falar coerentemente, formar conceitos,
concentrar e transferir material da memória imediata para a de longo prazo
ficam comprometidas, além de alterações na percepção de tempo e espaço.

 Se o uso da maconha provoca tantas alterações indesejáveis,


porque o uso se mantém vigoroso em determinadas populações?

82
A razão para um uso tão indiscriminado desta substância reside na
sensação de “barato” que os usuários experimentam. Essas sensações
referem-se a um estado alterado de consciência, caracterizado por mudanças
emocionais, como euforia moderada e relaxamento; alterações perceptuais,
como distorção do tempo; e intensificação das experiências sensoriais
simples, como comer, assistir a filmes, ouvir músicas e ter relações sexuais.
Quando a maconha é utilizada em um contexto social, essas experiências são
acompanhadas de risadas, fala excessiva e aumento da sociabilidade.

 Vejamos os principais efeitos do uso agudo da maconha:

 Relaxamento
 Euforia
 Pupilas dilatadas
 Conjuntivas avermelhadas
 Boca seca
 Aumento do apetite
 Rinite
 Faringite
 Comprometimento da capacidade mental
 Alteração da percepção
 Alteração da coordenação motora
 Maior risco de acidentes
 Voz pastosa (mole)
 Aumento dos batimentos cardíacos
 Aumento da pressão arterial
 Despersonalização
 Ansiedade/confusão
 Alucinações
 Perda da capacidade de insights
 Aumento do risco de sintomas psicóticos entre aqueles com história
pessoal ou familiar anterior.

De acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2018), evidências


científicas têm mostrado que o uso prolongado da maconha pode acarretar
em alterações cognitivas sutis nas “funções cognitivas superiores” da
memória, tais como: atenção, organização e integração de informações
83
complexas. Os problemas no funcionamento neuropsicológico,
particularmente, em regiões pré-frontais do cérebro e nas funções
executivas, podem influenciar negativamente a motivação para tratamento, a
adesão ao programa de recuperação e aumentar as chances de recaída, o que
torna a avaliação neuropsicológica um recurso importante para a detecção
de prejuízos associados ao uso dessa substância. Recentemente, um estudo
relatou o efeito do uso de maconha na diminuição do quociente de
inteligência (QI), sendo maiores os prejuízos em pessoas que iniciaram o
consumo na adolescência, não retornando após a cessação do uso. É
importante ressaltar que esses dados têm sido contestados.

Quanto à síndrome de abstinência, sua existência até recentemente,


era objeto de controvérsias devido ao lento desaparecimento do ∆9-THC do
organismo, que após a interrupção do uso, pode atenuar os sintomas de
abstinência, contribuindo para dificultar sua identificação. Porém, estudos
recentes demonstram que sujeitos que haviam cessado abruptamente o uso
de grandes doses diárias de cannabis relataram certo “desassossego
interno”, irritabilidade, calores repentinos, insônia, suores, inquietude,
coriza, soluços, diminuição do apetite, náuseas, dores musculares, ansiedade,
sensação de frio, diarréia, sensibilidade aumentada à luz, vontade intensa de
usar a droga, depressão, perda de peso e tremores discretos. Observa-se
também, ansiedade, mudanças rápidas de humor/irritabilidade, ataques de
pânico, tentativas de suicídio, mudanças de personalidade, isolamento social
e afastamento do lazer e de outras atividades sociais.

O tratamento de forma geral, e o estudo das intervenções


farmacológicas nos efeitos fisiológicos da cannabis, dividem-se em relatos de
caso e ensaios clínicos – os primeiros, com descrição de condutas adotadas
com sucesso em situações adversas, e os últimos, com drogas utilizadas
antes de o indivíduo fazer uso da cannabis. O tratamento farmacológico irá
se constituir a partir dos efeitos agudos fisiológicos e efeitos agudos
psiquiátricos na fase intoxicação. Na fase de dependência e abstinência, as
84
intervenções não farmacológicas para o tratamento da dependência de
maconha demonstraram ser efetivas, tendo paralelo com as que são eficazes
no tratamento de outros transtornos por uso de substâncias. Dentre as
estratégias não medicamentosas, destacam-se: terapia cognitivo-
comportamental (TCC) e manejo de contingências (MC), pois se mostraram
eficazes para promover a redução e a abstinência do uso de cannabis.

Cocaína

Pontos Importantes:

 A administração da cocaína pode ser pela via oral, intravenosa e


pela aspiração.
 A cocaína pode produzir alterações importantes no sistema
cardiovascular, aumentando os níveis de epinefrina e provocando
vasoconstrição.

A cocaína é uma droga com fortes propriedades estimulantes. É extraída


da planta erythroxylon coca, nativa da América Andina. Refere-se a uma
droga ilícita que motiva o usuário a buscar tratamento, ainda que não seja a
mais consumida revela o impacto pessoal e familiar dessa dependência.

O uso da cocaína começou nos países andinos, sendo o isolamento


químico feito por um alemão, chamado Albert Niemann, cujo trabalho foi
publicado em 1860. A partir de então, passou a ser usada prescrita e vários
de seus efeitos foram relatados como benéficos por diversos autores, como
anestésicas no uso em cirurgias oftalmológicas. Na década de 1980, o
consumo da cocaína aumentou muito e várias razões contribuíram para isso:
aumento da oferta, redução do custo e diversificação nas vias de
administração (além de aspirada, a cocaína passou a ser injetada e fumada).

A produção da cocaína começou com as folhas de coca, e passou por


vários estágios até chegar à forma de cloridrato de cocaína, que é a droga na
forma de sal, vendida como pó. Durante a produção, existe uma forma
intermediária da droga, especialmente perigosa devido à sua impureza,
conhecida como pasta de coca que é fumada em alguns países. Nota-se, que a
85
cocaína em sua forma de administração não pode ser fumada, pois ela é
volátil, ou seja, grande parte de sua forma ativa é destruída a altas
temperaturas.

A cocaína pode ser usada por diferentes vias de administração: oral,


intranasal, injetável ou pulmonar. No Brasil, a forma mais comum de uso da
cocaína era a via nasal. Cada uma dessas vias de administração apresenta
diferenças, vistas a seguir, tanto na quantidade e qualidade dos efeitos
esperados, quanto nos riscos de complicações associadas. Quanto mais
rápido e maior o início e a duração dos efeitos, maior é a probabilidade de
dependência.

Na administração de via oral, a cocaína é absorvida de forma lenta e


incompleta, onde é absorvida e metabolizada primeiramente no fígado,
somente 25% da droga ingerida alcança o cérebro e isso requer um longo
período de tempo. Por isso, não existe, nessa forma de administração, o
sentimento de rush comum a outras formas.

Na via de aspiração, a cocaína é pobremente absorvida por dois motivos:


somente uma pequena quantidade atravessa a mucosa nasal; e a
vasoconstrição, gerada pela própria cocaína, acaba limitando sua absorção.
De 20% a 30% da droga é absorvida e o pico de concentração nos níveis
sanguíneos acontece entre 30 e 60 min.

Na administração intravenosa (injetável), a cocaína cruza todas as


barreiras de absorção e alcança a corrente sanguínea imediatamente. O
tempo que leva para atingir o cérebro e instalar seus efeitos é entre 30 e 60
segundos. Dessa forma, produz um rápido, poderoso e breve efeito. Por essa
razão, foi uma das formas de uso preferidas entre os usuários compulsivos.
Depois que a cocaína penetra no cérebro, é rapidamente redistribuída para
outros tecidos e se concentra no baço, nos rins e no cérebro.

86
Existem determinados populações de pacientes, com mecanismos de
metabolização deficientes, que são mais vulneráveis a toxidade da cocaína:
idosos, pacientes com doenças no fígado, mulheres grávidas e crianças. Em
combinação com o álcool, outro metabólito ativo é formado, o cocaetileno,
cujos efeitos sobre o cérebro são mais duradouros, e é ainda mais tóxico que
as drogas sozinhas. Logo, o uso combinado de cocaína e álcool aumenta o
risco de toxicidade da cocaína.

Na farmacologia a cocaína possui algumas ações farmacológicas, tais


como: anestésico local, vasoconstritor; e um poderoso psicoestimulante.

Na ação anestésica, a cocaína é preferida para determinadas cirurgias de


garganta, devido às suas propriedades anestésicas e vasoconstritoras (que
reduzem o sangramento). Porém, em pacientes sensíveis, pode produzir
certa toxidade causando estimulação do sistema nervoso central, psicose
tóxica e, em raríssimas ocasiões, morte.

A cocaína pode produzir alterações importantes no sistema


cardiovascular, aumentando os níveis de epinefrina e provocando
vasoconstrição, com efeitos iniciais de taquicardia e aumento da pressão
arterial. Pode provocar arritmias ou ataque cardíaco, além da vasoconstrição
que pode causar danos a outros órgãos: aos pulmões de indivíduos que
fumam a cocaína; destruição da cartilagem nasal daqueles que a aspiram; e
danos ao trato gastrintestinal.

No sistema nervoso central, a cocaína age de duas formas: causando


impacto no sistema neurotransmissor e nos mecanismos de tolerância e
dependência. Produz uma ativação nos sistemas de dopamina, norepinefrina
e serotonina. Em usuários crônicos, observa-se o esvaziamento dos
neurotransmissores. As sinapses operam usando um sistema de feedback
negativo. Logo, mudanças compensatórias ocorrem para permitir que os
neurônios se adaptem às alterações causadas. As consequências desses

87
efeitos serão vistas ao se abordarem os efeitos cardiovasculares e
psicoativos.

Segundo a literatura científica, o uso de estimulantes, parece aumentar as


habilidades físicas e mentais dos usuários. Nota-se, a presença de euforia,
exaltação da energia e da libido, diminuição do apetite, exacerbação do
estado de alerta e aumento da autoconfiança. Em altas doses, a cocaína
intensifica a euforia, a agilidade, a verbosidade e os comportamentos
estereotipados, além de alterar o comportamento sexual. Esses efeitos
positivos encorajam o uso contínuo e a dependência dessa droga.

Esses sentimentos de alegria e confiança causados pela cocaína podem


transformar-se facilmente em irritabilidade, inquietude e confusão. O uso da
cocaína aumenta o risco de suicídio, traumas maiores e crimes violentos. No
uso crônico, o sistema nervoso central promove algumas modificações para
adaptar-se à nova situação. Três fenômenos podem ser observados: a
tolerância, a sensibilização e o kindling.

 Vejamos alguns sintomas o uso crônico da cocaína:

 Euforia
 Sensação de bem-estar
 Estimulações mentais e motoras
 Aumento da autoestima
 Agressividade
 Irritabilidade
 Inquietação
 Sensação de anestesia
 Tiques
 Coordenação motora diminuída
 Acidente vascular cerebral
 Convulsão
 Dor de cabeça
 Desmaio
 Tontura
 Tremores

88
 Tinido no ouvido
 Visão embaçada
 Desconfiança e sentimento de perseguição (“nóia”)
 Depressão (efeito rebote da intensa excitação)
 Isolamento
 Falar muito
 Desinibição
 Aumento dos batimentos cardíacos
 Batimento cardíaco irregular
 Aumento da pressão arterial
 Ataque cardíaco
 Parada respiratória
 Tosse

A tolerância é a necessidade de doses cada vez maiores para se obter o


efeito esperado. No caso da cocaína, a tolerância aparece para os efeitos
euforizantes e cardiovasculares. A sensação de euforia desaparece
completamente com o uso de doses regulares. Já na sensibilização, há a
exacerbação da atividade motora e dos comportamentos estereotipados
após a exposição a doses repetidas de cocaína. Nota-se, que o processo de
sensibilização também pode levar ao aparecimento de convulsões, em
grande parte como resultado de um fenômeno chamado kindling. Com o uso
crônico, a resposta neuronal é intensa, mesmo perante as baixas doses da
substância. O sistema límbico tem seu funcionamento elétrico alterado e essa
disfunção pode se espalhar, causando convulsões generalizadas.

A síndrome de abstinência da cocaína, segundo Gawin e Kleber (1986), foi


dividiram a síndrome em três fases – crash, abstinência e extinção –, a
primeira começando imediatamente após o último uso e podendo durar
muitos meses. No crash, ocorre uma drástica redução do humor e da energia,
na forma de alentecimento e fadiga, de 15 a 30 minutos após o último uso. É
causada pela rápida depleção da dopamina em nível sináptico. Os usuários
experimentam craving (fissura), depressão, ansiedade e paranóia.

89
Já a abstinência começa de 12 a 96 h após o crash e pode durar de 2 até
12 semanas. A anedonia é importante nesse período e contrasta com as
memórias eufóricas do uso. A presença de fatores e situações
desencadeadores de craving normalmente suplanta o desejo de se manter
em abstinência e as recaídas são comuns nessa fase. Ansiedade,
hiper/hipossonia, hiperfagia e alterações psicomotoras (tremores, dores
musculares, movimentos involuntários) são outros sintomas típicos dessa
fase.

O tratamento com a farmacoterapia, não é para todos os usuários de


cocaína e deve ser reservada àqueles cujos sintomas responderiam às
medicações. Várias medicações foram propostas, mas as evidências
científicas dos benefícios ainda são discutíveis. Ao decidir pelo tratamento
farmacológico, deve-se levar em conta o eventual diagnóstico psiquiátrico
concomitante, ou seja, quadros psiquiátricos comórbidos e a presença de
sintomas de abstinência de cocaína. A literatura expõe que medicamentos
adjuntos, normalmente, utilizados na dependência da cocaína são: agentes
dopaminérgicos, agentes antidepressivos, agentes antipsicóticos e agentes
antiepilépticos, apesar de nenhuma eficácia ter sido comprovada.

Assim, como qualquer outro tipo de droga, o tratamento para a


dependência de cocaína envolve a desintoxicação e reabilitação do

90
dependente. Há uma diversidade de tratamentos que são funcionais, como
abordagens terapêuticas, internações em casos específicos, desintoxicações e
grupos terapêuticos.

Crack e Similares
Pontos Importantes:
 É uma nova forma de apresentação e administração da cocaína.
 O crack é uma das substâncias que apresenta o maior risco da
instalação de um quadro de dependência logo no primeiro ano de
consumo.

O crack é um termo popular utilizado para descrever a cocaína no seu


estado cristalizado, que formam aglomerados semelhantes a pedras brancas
que, quando queimados, fazem pequenos estalos - "crack". É basicamente
uma nova forma de apresentação e administração da cocaína, uma vez que a
forma básica, obtida por adição de uma base, como sulfato de amônio ou
bicarbonato de sódio, à pasta – baseou à cocaína na forma de cloridrato (pó
em seu estado final de refinamento), sendo administrado por via fumada.

A pasta básica de coca (sulfato de cocaína) pode ser obtida por meio da
maceração ou pulverização das folhas de coca com solvente (álcool, benzina,
parafina ou querosene), ácido sulfúrico e carbonato de sódio. Desde os
primeiros relatos, chamavam atenção dos pesquisadores a intensidade e a
curta duração dos sintomas de euforia, seu preço muito inferior ao da
cocaína refinada, as impurezas do amálgama e o “microtráfico” feito pelo
usuário para a manutenção do próprio consumo. A pasta básica era chamada
nos países andinos de “basuco”, evocando a natureza da mistura (alcalina) e
a potência de seus efeitos psicotrópicos (bazuca).

O crack surgiu nos EUA, no meio dos anos 1980. No Brasil, os


primeiros relatos aconteceram no início dos anos 1990, com rápido
crescimento do seu consumo, provavelmente relacionado com os preços
mais baixos que os da cocaína refinada; a facilidade de acesso; pelos efeitos

91
mais intensos do que a cocaína; e por apresentar menores riscos de
contaminação que aqueles existentes no consumo de cocaína injetável.

Quando o crack surgiu no cenário mundial, construiu-se o pensamento


de que os índices de óbitos seriam alarmantes por ser uma droga altamente
prejudicial ao organismo. Porém, hoje em dia, as mortes associadas ao crack
são em maioria associadas às causas violentas relacionadas com o tráfico e
confrontos com a polícia. Usuários em crise de abstinência costumam
apresentar elevados padrões de comportamento agressivo, existindo forte
relação entre mortalidade e agressividade. Outro fator associado à
mortalidade são as complicações do vírus da imunodeficiência humana (HIV)
relacionadas com comportamento sexual de maior risco.

Quanto ao quadro clínico dos usuários de crack, a ocorrência de


problemas com outras drogas é uma realidade bem palpável. A maior parte
dos usuários costuma utilizar algumas vezes outras drogas no intuito de
minimizar a abstinência ou atenuar efeitos indesejáveis do consumo (tais
como álcool, benzodiazepínicos e maconha). O poliuso pode trazer
problemas agudos para o usuário, como maior risco de overdose
(especialmente no consumo de álcool, uma vez que há a produção de um
metabólito também ativo, o cocaetileno, com meia-vida bastante superior à
da cocaína). A literatura médica aponta que os dependentes de crack em
geral são também dependentes de maconha e tabaco e apresentam uso
problemático ou dependência de álcool, trazendo, assim, complicação no
quadro clinica com o poliuso de outras substâncias psicoativas.

Os efeitos agudos do crack são iguais aos vistos na cocaína, com a


diferença de ser mais rapidamente atingidos, isto ocorre porque os pulmões
apresentam grande área (facilitando a absorção rápida) e ótima
vascularização (a função destes é fazer a troca de gases do organismo,
conduzindo oxigênio para os tecidos, em especial, o cérebro). Os efeitos
surgem em poucos segundos e dura pouco tempo, cerca de 4 min, causando

92
disseminação maciça no cérebro. Após atingir o cérebro, a droga se
concentra em outros órgãos, como os rins e o baço.

De acordo com a literatura, quanto mais jovem o indivíduo começa a


usar uma droga e esse consumo for pesado, maiores serão as chances do
surgimento da dependência química. Para o crack, o maior risco da
instalação de um quadro de dependência ocorre no primeiro ano de
consumo. O uso do crack, com o decorrer do tempo, aumenta a
metabolização da dopamina, alterando os circuitos dopaminérgicos, o que
poderá causar a diminuição deste neurotransmissor na sinapse. O efeito
disto é o surgimento de sintomas depressivos, como sensação de desânimo,
diminuição da sensação de energia, irritabilidade, além de fissura.
Juntamente com estes, ocorre uma maior chance do surgimento de
convulsões e sintomas psicóticos, geralmente, persecutórios.

Semelhantemente a cocaína, Figlie, Bordin e Laranjeira (2018),


relatam que a síndrome de abstinência do crack também é dividida em três
fases. A primeira ocorre na primeira hora sem a droga até 3 ou 4 dias, sendo
constituída de um quadro de arrependimento por ter usado, ocasionando
irritabilidade, cansaço e sonolência. Em seguida, há o desejo de retornar ao
consumo, que pode ocorrer ainda na primeira fase. A segunda fase é
constituída de piora importante do humor, com irritabilidade mais intensa,
maior desejo pela droga, apatia e dificuldade em sentir prazer. Esta fase dura
em torno de 2 semanas a 4 meses e, por conta destas características, é um
período de risco importante para recaídas. No terceiro estágio de síndrome
de abstinência, algumas características da segunda fase são mantidas, como
a dificuldade de planejamento e de atitudes que sejam assertivas, pouco
prazer em atividades diárias. Nesta fase, ocorre diminuição da fissura, mas
esta ainda poderá retornar em situações que desencadeiem sentimentos de
excitação/euforia, frustração, estresse e locais, pessoas e eventos que
possam estar relacionados com a época de consumo. Esta fase pode perdurar
por meses até mesmo anos.
93
Muitas complicações apresentadas pelo consumo de crack mostram-se
semelhantes às vistas no consumo de cocaína, porém, algumas
características próprias da droga fumada causam outros problemas que
antes não eram vistos com o consumo da cocaína (ou se eram não se
apresentavam tão intensos). O padrão de consumo intenso produz grande
vulnerabilidade a doenças físicas ou transtornos psiquiátricos. Não é raro
relato de indivíduo que passa dias seguidos utilizando a droga sem dormir
ou pouco se alimentando.

Quanto ao tratamento do crack, podemos enfatizar que transtorno por


uso de substâncias não é fruto de apenas um fator. O tratamento em
dependência química traz a premissa de abordagens que possam atuar de
forma biopsicossocial. Visto que, não existe um tratamento único e ideal para
a dependência química, cada paciente deve receber tratamento
personalizado para suas necessidades, levando em consideração a
complexidade de problemas reunidos.

Algumas mudanças de funcionamento cerebral do usuário de crack


podem tornar os casos desses pacientes ainda mais graves. O uso
compromete as áreas do córtex pré-frontal, manifestando sintomas como:
impulsividade e a compulsão pela droga podem alterar o funcionamento
cognitivo, e esses efeitos podem contribuir para os prejuízos evidenciados
no componente decisório, ou seja, pacientes poderiam ter maior dificuldade
para perceber malefícios do consumo da droga e, não se sentindo doentes,
tardariam a procurar auxílio. Os usuários de crack são os dependentes
químicos que menos procuram ajuda e, quando isso ocorre, geralmente, é
devido a uma situação de emergência, dando preferência a internações.

94
Alucinógenos

Pontos Importantes:

 Os alucinógenos possuem duas categorias: natural e sintético.


 Há catalogado mais de 100 diferentes tipos de alucinógenos.
 Normalmente, o quadro de intoxicação é bastante sintomático.

Os alucinógenos fazem parte da história da humanidade, marcando


relatos desde o Egito antigo, passando pela Ásia ou na Europa, na Idade
Média, sobre a utilização de substâncias capazes de produzir estados
alterados de consciência com alucinações visuais e outras manifestações dos
sentidos.

De acordo com Cordeiro (2018), os alucinógenos incluem drogas capazes


de induzir ilusões, alucinações, delírios, ideações paranoide e outras
alterações do humor e do pensamento. Apesar do nome, a característica que
distingue os alucinógenos de outras classes de drogas é a sua capacidade de
induzir não somente os estados de percepção, mas também de pensamento e
de sentimento alterados.

Segundo a literatura científica, há mais de 100 tipos de alucinógenos com


estruturas moleculares diferentes, agrupados segundo sua similaridade com
algum neurotransmissor:

 LSD, psilocibina e dimetiltriptamina (DMT) são semelhantes à


serotonina;
 A mescalina e vários derivados de anfetaminas, como
2,5-dimetoxi-4-metilanfetamina (DOM),
metilenodioxifenilisopropilamina (MDA) e
metilenodioximetanfetamina (MDMA), são semelhantes às
catecolaminas, norepinefrina e dopamina;
 Outro grupo, menos utilizado, bloqueia os receptores de acetilcolina
e, por isso, é chamado de anticolinérgico; inclui beladona,

95
mandrágora, henbane, datura e muitas outras drogas sintéticas
usadas no tratamento dos sintomas parkinsonianos;
 Outro grupo, sem similaridade com qualquer neurotransmissor
conhecido e chamado de “miscelânea”, incluifenciclidina, cetamina e
amanita muscaria.

É visto que, os alucinógenos possuem duas categorias, natural e


sintético, porém, em ambas há manifestação de quadros de intoxicação, em
especial, os naturais que apesar de terem menos propriedades, quando
ingeridos, apresentam duração mais prolongada, desempenhando um
importante papel nessa fase de intoxicação. Alguns sintomas podem estar
presentes em ambas as categorias, porém não são patognomônico, e com
uma anamnese mais detalhada será de grande utilidade para melhor
elucidação diagnóstica.

 Então como deveremos fazer para elucidar um possível


diagnóstico de transtorno por uso de alucinógeno?

Na investigação de intoxicação por alucinógenos, algumas dicas podem


ser úteis durante a investigação, são elas:

 Em pacientes com febre, deve-se considerar a necessidade de


consultas de sangue e de urina;
 A dosagem de eletrólitos pode ser útil para investigar outros possíveis
agentes causadores do quadro de intoxicação;
 É necessário considerar um teste de gravidez para todas as pacientes
em idade fértil;
 O eletrocardiograma (ECG) é importante nos quadros de suspeita de
intoxicação exógena;
 O exame de líquido cerebrospinal deve ser feito em pacientes com
febre e com estados cognitivos alterados;
 Os quadros de alteração do funcionamento mental habitual podem ser
investigados com exames de imagem, sobretudo, em pacientes cuja
história apresente pouca informação, quando o quadro apresentado
for pouco explicado pela intoxicação ou quando a terapêutica utilizada
não tiver a resposta esperada.
96
Normalmente o tratamento da intoxicação por alucinógenos, na
maioria das vezes, é sintomático, precisamos nos ater as seguintes
recomendações:

TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO POR ALUCINÓGENOS


Quadros Ansiosos  Orientação voltada para a realidade.
 Se os pacientes apresentarem piora ou sintomas de pânico,
 A administração de BZDs VO deve ser realizada. Os pacientes
devem ser mantidos em locais calmos, longe de barulhos e
multidões e, se possível, com música ambiente para distrair.
 Os exercícios simples, como os de respiração profunda, podem
ser úteis também como formas de distração dos sintomas de
ansiedade.
 Os quadros de agitação psicomotora ou os psicóticos devem
receber administração de BZD (no Brasil, apenas o midazolam)
e/ou antipsicóticos IM. Por exemplo, 15mg de midazolam IM e
5mg de haloperidol IM.
 Se esse quadro trouxer importantes riscos de auto ou
heteroagressão, deve ser realizada contenção física.

Hipertermia  Devem ser tomadas medidas agressivas de resfriamento nos


casos em que a temperatura alta do paciente o coloque em
situações de risco.
 Podem ser utilizados banhos e cobertores hipotérmicos.
 É aconselhada administração de dantroleno (3 mg/kg em 1hora)
com rápida reidratarão.

Hipertensão  Devem ser administrados β-bloqueadores, como atenolol ou


arterial pindolol.
 Nos quadros associados a PCP, a hipertensão deve ser tratada de
forma ainda mais vigorosa, visto que, nesses casos, há risco
maior para encefalopatia hipertensiva e hemorragias
intracranianas.

Quadros de  Devem ser administrados α-bloqueadores, como doxazosina e


taquicardia prazosina.

Intoxicação por  Envolve menos sessão e, freqüentemente, menos tempo global do


ingestão de que muitos outros tipos de terapia. A duração do tratamento
alcalóides varia conforme a complexidade e a severidade do problema que
está sendo tratado.

Intoxicações por  O tratamento mais eficaz é feito por aumento da acidez da urina e
PCP da excreção urinária.
 A acidificação apenas deverá ser realizada após eliminar a
hipótese de mioglobinuria (que sinalizaria rabdomiólise) e pode
ser feita com ácido ascórbico ou cloreto de amônio.
 O pH deve ser mantido em torno de 5,5 e constantemente
monitorado.

Fonte: Cordeiro (2018)

97
Inalantes e outras drogas de abuso

Pontos Importantes:

 Os inalantes ainda são pouco reconhecidos como droga de abuso em


muitos lugares do mundo.
 O uso normalmente é feito pela inalação.
 A síndrome de abstinência dos solventes não foi bem documentada e
parece não ser clinicamente significativa.

Os solventes também são chamados de inalantes ou substâncias voláteis,


representam um grupo de substâncias psicoativas quimicamente bastante
diversificado e envolvem uma grande variedade de produtos: gasolina, cola,
solventes, tintas, vernizes, esmaltes, aerossóis, removedores, fluido de
isqueiro, gás de botijão, benzina, inseticidas, extintores de incêndio, laquês,
acetonas, lança-perfume, cheirinho da loló etc. Frequentemente, são
divididos em quatro classes: voláteis ou solventes orgânicos, aerossóis,
anestésicos e nitratos voláteis. Podem ser inalados involuntariamente por
trabalhadores da indústria ou utilizados como drogas de abuso.

O uso por inalação é o preferido para a intoxicação voluntária. No


entanto, existem relatos de ingestão oral para esconder a prova, em caso de
aproximação policial. Em geral, um chumaço de algodão ou trapo embebido
com a substância é encostado no nariz e na boca e seus vapores são
inspirados. Alguns usuários aquecem esses compostos para acelerar a
vaporização. As substâncias a serem inaladas também podem ser colocadas
em um saco plástico ou de papel, para aumentar a concentração dos vapores.
Podem, ainda, ser inalados de suas embalagens e os aerossóis podem ser
levados diretamente à boca ou ao nariz.

Sob o ponto de vista de saúde pública, o uso de inalantes é uma forma


importante e ainda pouco reconhecida de uso de substâncias em muitos
lugares do mundo. No entanto, seu uso atravessa todas as fronteiras
demográficas, étnicas e socioeconômicas, causando morbidade e

98
mortalidade significativas, principalmente, em crianças em idade escolar e
em adolescentes.

 Quais as razões para o uso de inalante entre as populações de


jovens?

 Ter curiosidade sobre o efeito;


 Sentir-se aborrecido;
 Ter facilidade de acesso em comparação com outras drogas;
 Fazer uso associado à diversão ou à busca de relaxamento;
 Ter opinião de que essa droga não é perigosa;
 Esquecer-se dos problemas;
 Sentir-se triste ou ansioso;
 Pressão dos seus pares;
 Impressionar terceiros;
 Estar com raiva de alguém;
 Estar com problemas familiares;
 Ter raiva de si mesmo;
 Gostar dessa droga mais do que de outras.

Quanto aos efeitos agudos de inalantes e solventes, podemos verificar


os seguintes sintomas:

EFEITOS AGUDOS DE SOLVENTES E DE INALANTES


1ª fase Fase de excitação, em que o indivíduo sente euforia, excitação,
tonturas, perturbações auditivas e visuais. Pode gerar efeitos como
náuseas, espirros, tosse, salivação e faces avermelhadas.
2ª fase Ocorre a depressão do sistema nervoso central, com efeitos de
confusão, desorientação, voz pastosa, visão embaçada, perda do
autocontrole, dor de cabeça, palidez e alucinações visuais e
auditivas.
3ª fase Há redução acentuada do estado de alerta, incoordenação ocular,
incoordenação motora, fala enrolada, reflexos deprimidos e
alucinações.
4ª fase Caracterizada por estados depressivos tardios. Podem ocorrer
queda da pressão, sonhos estranhos, inconsciência e episódios de
convulsões.

Fonte: Diehl e Figlie (2015)

99
A síndrome de abstinência dos solventes não foi bem documentada e
parece não ser clinicamente significativa, também não está clara qual é a
intensidade da exposição (duração e dosagem) necessária para resultar em
sintomas de abstinência. Normalmente, inicia-se 24h a 48h após a cessação
do uso, pode durar de 2 a 5 dias e inclui perturbações do sono, tremores,
irritabilidade, respiração acelerada, náuseas e desconforto no abdômen e no
tórax.

A morbidade psiquiátrica é alta entre os usuários de inalantes, mas há


poucas evidências para considerá-la um resultado direto do uso dessas
substâncias. Há relato de caso de indução de sintomas de mania. O uso de
inalantes também tem sido associado à consequências clínicas, como
alterações cardíacas (por exemplo, prolongamento do espaço QT e morte
súbita por parada cardíaca) e neurológicas relativas ao prejuízo de funções
cognitivas, à redução do volume talâmico e a prejuízo nas esferas.

Enfim, a cada descoberta de uma nova substância, é preciso lidar com


um novo evento relativamente excepcional, porque nem sempre há uma
resposta regulatória envolvida na avaliação dos riscos à saúde pública e à
inclusão da nova substância na lista de substâncias controladas em muitos
países. Isso é válido, em especial, para o grupo de alucinógenos e inalantes,
porque muitos deles são plantas, cogumelos e fungos que já existem na
natureza ou que são usados em rituais e em contextos culturais religiosos
e/ou espiritualistas. Ou, no caso dos inalantes, são substâncias
comercializadas com certa facilidade no mercado legalizado (Cordeiro,
2018).

100
Construtos Cognitivos

“O que se vê depende do que acontece no cérebro.”


Bertrand Russell

Pontos Importantes:
 Entendimento da neuropsicologia e suas interfaces.
 Compreensão dos domínios cognitivos.
 Impacto dos comprometimentos nas esferas cognitiva,
comportamental e emocional do dependente químico.

Ao abordar a neuropsicologia, devemos nos remeter ao seu fundador,


Luria foi da neuropsicologia contemporânea, mas também teve papel
proeminente no desenvolvimento da psicologia histórico-cultural. Uma das
idéias essenciais da abordagem de Luria é a noção de que vínculos funcionais
entre regiões cerebrais são construídos historicamente.

Luria promove uma desconstrução da idéia de função ao sugerir que, em


suas formas complexas, esta não pode ser atribuída a um único órgão ou
tecido, questionando até então as teorias localizacionista da época. As
modalidades complexas de cognição seria, segundo ele, um exemplo
privilegiado de funcionamento sistêmico, com diferentes áreas cerebrais
trabalhando em concerto para sua consecução. Luria identifica três sistemas
com base em contribuições funcionais específicas: uma unidade de sono-
vigília, uma de processamento sensorial e armazenamento de informação e
uma de regulação e monitoramento de atividades.

 Se Luria é o “pai” da Neuropsicologia moderna, então qual o


conceito dessa ciência?

A neuropsicologia pode ser definida como uma sub-área das


neurociências, tendo uma interface com a psicologia, que visa a aplicação dos
princípios de avaliação e intervenção baseados no estudo científico do
comportamento humano ao longo do ciclo vital relacionado ao
funcionamento normal e alterado do sistema nervoso central, em outras

101
palavras, a neuropsicologia atua mais frequentemente no estudo das funções
mentais superiores.

A neurociência tem sido vista como um ramo da biologia, entretanto,


atualmente, é uma ciência interdisciplinar que colabora com outros campos
como a educação, química, ciência da computação, engenharia, antropologia,
linguística, matemática, medicina e disciplinas afins, filosofia, física,
comunicação, anatomia e psicologia. O termo neurobiologia é usado
alternadamente com o termo neurociência, embora o primeiro se refira
especificamente à biologia do sistema nervoso, enquanto o último se refere à
inteira ciência do sistema nervoso.

O estudo do funcionamento do sistema nervoso central, e dos temas da


neurociência, em especial, as capacidades de aprendizagem, a organização
de informações, a memória, a manutenção e alteração de comportamentos e
o controle e manifestação das emoções, pode ocorrer por diversos caminhos:
desde sua estrutura básica (o cérebro e suas funções), a partir da medicina
(em especial, a neurologia e a psiquiatria), passando pelo funcionamento
e/ou disfunções eletro bioquímicas do cérebro, recuperação de funções
perdidas por traumas físicos ou ocasionadas por doenças, identificação de
regiões no córtex cerebral responsáveis por determinadas funções (como a
fala, a memória, a discriminação de informações, etc.), a relação entre os
estímulos ambientais e o desenvolvimento da inteligência, o papel das
emoções nas relações humanas.

A cognição é a expressão de um conjunto de processos cerebrais


complexos, responsáveis pela elaboração do conhecimento que o ser
humano adquire e necessita ao longo de seu desenvolvimento. Dessa forma,
quando nos referimos aos processos cognitivos, estamos falando sobre
funções cerebrais, das quais podemos destacar a atenção, a memória, a
linguagem, as funções executivas, as funções visuoespaciais e praxias e a
percepção. As funções cognitivas são habilidades desempenhadas em várias
áreas cerebrais, que trabalham de forma cooperativa por meio de vias de
102
conexão neuronal.

De acordo com Santos, Andrade e Bueno (2018):

“O cérebro é a parte mais volumosa do encéfalo composta por um conjunto de


estruturas (telencefálicas e diencefálicas), bilateral e simetricamente dispostas.
As estruturas cerebrais estão distribuídas a partir da superfície dos
hemisférios, que são recobertos por uma fina camada celular (córtex cerebral),
enquanto a região mais interna é composta pela substância branca, pelo
hipocampo, pela amígdala e pelos núcleos da base. Em termos evolutivos, o
córtex cerebral é a porção mais recente do SN, sendo responsável por funções
como percepção, controle dos movimentos e das ações, comportamentos e
funções cognitivas (aprendizagem, memória, linguagem, inteligência)”.

 Podemos ver na imagem abaixo o encéfalo e seus lobos corticais:

Fonte: Livro Neuropsicologia Hoje (2015)

Vimos na figura acima que cérebro é organizado em regiões funcionais,


que são chamados de lóbulos corticais, no qual podemos citar: lobo frontal,
lobo temporal, lobo parietal, lobo occipital e lobo da ínsula.

103
 Áreas corticais com suas respectivas funções:

Funções
Parietal Processamento de informações táteis e integração sensorial multimodal.
Temporal Processamento de informações auditivas, gustativas e olfatórias, além de
integração multimodal e de linguagem (percepção lingüística).
Occipital Processamento de informações visuais e integração sensorial
multimodal
Frontal Planejamento e processamento motor voluntário, integração de funções
superiores, como expressão dalinguagem, consciência, raciocínio e
tomada de decisão.
Ínsula Processamento emocional para coordenação de comportamentos e
estados emocionais.

O córtex cerebral é formado por uma camada de substância cinzenta


pregueada, compondo giros que se dobram em reentrâncias (sulcos), as
quais delimitam as circunvoluções que revestem externamente os
hemisférios cerebrais. Ele apresenta uma organização funcional em áreas, as
quais são divididas em primárias e associativas unimodais (secundárias) e
multimodais, dedicadas à integração de informações sensoriais, motoras e da
linguagem, assim como a outras funções executivas (atenção, motivação,
percepção, memória, raciocínio, cognição, planejamento, lógica, consciência,
pensamento).
As funções executivas estão relacionadas à nossa capacidade de
direcionar o comportamento a objetivos, sendo à base da nossa
intencionalidade e capacidade de autogestão. É um conjunto de processos
mentais que de forma integrada permite o indivíduo direcione seu
comportamento a metas, avalie a eficiência e a adequação desses
comportamentos abandonando estratégias ineficazes a fim de resolver
determinado problema.
O construto memória, “faz de nós aquilo que somos e podemos vir a ser,
pois cada lembrança recordada ou esquecida faz com que sejamos sujeitos
únicos, uma vez que, para duas pessoas, vivenciando a mesma situação, a
forma como esse momento será armazenado será distinta, levando a pontos
de vista diferentes que, por sua vez, trarão recordações diferentes. O

104
conjunto de memórias de cada pessoa influencia a sua personalidade. Devido
a essa característica, nenhuma pessoa é capaz de ser igual à outra, mesmo
gêmeos monozigóticos originarão seres humanos totalmente diferentes, de
acordo com as experiências de memória que tiverem” (Izquierdo, 2011).
A atenção refere-se à capacidade ou processo pelos quais o organismo se
torna receptivo aos estímulos internos e externos, proporciona habilidades
que orientam o organismo a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-
lo, inibindo estímulos internos (pensamentos e memórias) e externos
(sensações), sendo subdividida em diferentes tipos: atenção seletiva, atenção
sustentada, atenção dividida, atenção alternada e amplitude atencional.
A praxia e visuconstrução caracterizam-se como funções
neuropsicológicas complexas que correspondem a sistemas de movimentos
coordenados em função de um resultado ou intenção. Denomina-se apraxia a
dificuldade/impossibilidade de realizar corretamente movimentos gestuais
como consequência de um acometimento neurológico que afete o
planejamento motor, estando ausentes alterações sensoriais, perceptivas,
motoras (anteriores à lesão) e de compreensão. Esses comportamentos são
inúmeros e muito variáveis, envolvendo diversas habilidades
neuropsicológicas.
No contexto prático, a avaliação neuropsicológica é indicada quando as
queixas extrapolam o uso das substâncias e refletem transtornos cognitivos–
comportamentais que afetam o rendimento do trabalho, a aprendizagem e as
relações interpessoais. Essas alterações ficam mais claras quando o
indivíduo tenta manter suas atividades, mas demonstra dificuldades ou
diferenças em seu desempenho.
Nota-se, que a utilização da substância psicoativa causa impacto no
sistema nervoso, sendo extremamente nocivo ao equilíbrio físico, cognitivo,
comportamental e emocional do indivíduo. Com isso, a avaliação
neuropsicológica pode contribuir para o levantamento de possíveis prejuízos
cognitivos, possibilitando a identificação de comportamentos alterados e o
desenvolvimento de estratégias para minimizar esses déficits.

105
Portanto, o uso de substâncias e a presença de prejuízos cognitivos
podem, de forma potencial, produzir alterações comportamentais,
emocionais e de personalidade nesses indivíduos, aspectos que devem ser
considerados em um processo de tratamento e reabilitação
neuropsicológica.

Comprometimentos da Atenção e Funções Executivas


Pontos Importantes:
 As funções executivas são habilidades cognitivas que permite o sujeito
orientar o comportamento a metas.
 A atenção é o construto cognitivo pelos quais o organismo se torna
receptivo aos estímulos internos e externos.
 A identificação precoce das alterações cognitivas possibilita o aumento
das chances de adequar uma intervenção ao dependente químico.

Para Malloy-Diniz e colaboradores (2014), as funções executivas


correspondem a um conjunto de habilidades que, de forma integrada,
permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a
eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonarem estratégias
ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver
problemas imediatos, de médio e de longo prazo. Essas funções são
requisitadas sempre que se formulam planos de ação e que uma seqüência
apropriada de respostas deve ser selecionada e esquematizada.

Os complexos circuitos relacionados às funções executivas envolvem


diferentes sistemas de neurotransmissão, de modo que alterações nesses
sistemas também estão relacionadas ao desempenho das funções executivas.
Por exemplo, as vias dopaminérgicas estão relacionadas a
memóriaoperacional, atenção, controle inibitório,planejamento, flexibilidade
cognitiva e tomada de decisão, as vias serotonérgicas são particularmente
importantes para processos como o controle inibitório e a tomada de decisão
afetiva.
A região pré-frontal dorsolateral é uma área que está relacionada a

106
processos cognitivos de estabelecimento de metas, planejamento, solução de
problemas, fluência, categorização, memória operacional, monitoração da
aprendizagem e da atenção, flexibilidade cognitiva, capacidade de abstração,
auto-regulação, julgamento, tomada de decisão, foco e sustentação da
atenção.
O córtex orbitofrontal pré-frontal é fortemente interconectado com
áreas de processamento cognitivo e emocional. Esta área tem sido associado
a aspectos do comportamento social, como empatia, cumprimento de regras
sociais, controle inibitório e auto-monitoração. Seu comprometimento está
geralmente associado a comportamentos de risco e alterações da
personalidade caracterizadas por redução da sensibilidade às normas
sociais, infantilização e dependência de reforço evidente e baixa tolerância à
frustração. Há também prejuízo no julgamento social, no aprendizado
baseado em emoções.

O circuito do giro do cíngulo anterior é importante para a motivação, a


monitoração de comportamentos, o controle executivo da atenção, a seleção
e o controle de respostas. Os comprometimentos nesse circuito podem levar
a dificuldades na realização de atividades que requerem manutenção de
respostas e controle da atenção. Como consequência do comprometimento, o
paciente pode apresentar apatia, dificuldades em controlar a atenção,
dificuldade em identificar e corrigir erros produzidos a partir de tendências
automatizadas, desinibição de respostas instintivas.

107
Em relação à atenção, é importante compreender que ela se configura
como uma capacidade ou processo pelos quais o organismo se torna
receptivo aos estímulos internos e externos, proporciona habilidades que
orientam o organismo a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-lo,
inibindo estímulos internos (pensamentos e memórias) e externos
(sensações).
A atenção pode ser classificada em:

 Amplitude atencional – quantidade de informação que pode ser


processada ao mesmo tempo;

 Atenção seletiva – capacidade de selecionar uma ou mais


informações em um determinado momento;

 Atenção sustentada – capacidade para manter uma atividade


atencional por um período determinado de tempo;

 Atenção dividida – capacidade de executar duas ou mais tarefas


simultaneamente, no contexto de uma tarefa complexa;

 Atenção alternada – implica disposição para mudar de foco e de


tarefa.

A identificação precoce das alterações cognitivas possibilita o aumento


das chances de adequar uma intervenção ao dependente químico. Além
disso, auxilia no complemento do diagnóstico, esclarecendo possíveis
dificuldades que o indivíduo possa enfrentar para se manter abstinente ou
evitar uma recaída.

Na dependência do álcool, a literatura nos informa que o papel das


estruturas do córtex pré-frontal na dependência é ativado em sujeitos
durante a intoxicação, craving, bienging, sendo desativado com a retirada da
substância. Estas regiões estão envolvidas, também, nos níveis superiores de
ordem cognitiva e motivacional, tais como a capacidade de acompanhar,

108
atualizar e modular a evidência de um reforço da capacidade de controle
prepotente de inibir as respostas. É visto também desmotivação para
mudança de comportamento. As alterações constatadas nas capacidades de
planejamento e flexibilidade mental estão diretamente relacionadas com a
dificuldade de fazer escolhas assertivas com relação à manutenção da
abstinência e afetando a aderência ao tratamento.

Já nas substâncias estimulantes do sistema nervoso central, estas


tendem a apresentar maiores prejuízos de controle inibitório, através de
prejuízos no processamento cognitivo e no monitoramento de respostas,
além de níveis elevados de impulsividade, comprometimento da atenção
sustentada e retenção verbal em tarefas que exigem maior tempo de
elaboração, problemas na fluência verbal que podem determinar
dificuldades de aprendizagem. Já em usuários de crack é percebido índice
mais elevado de raiva e agressividade.

Em usuários de maconha, percebem-se déficits no controle inibitório e


no planejamento, parecendo haver uma relação entre a dose ingerida e o
aumento de comportamentos impulsivos em sujeitos que fazem uso leve da
maconha. Em estudos de efeito do uso crônico da maconha, os déficits
encontrados dizem respeito à capacidade de abstração, formação de
conceitos e flexibilidade mental, apesar de controvérsias, déficits
persistentes no funcionamento executivo.

Compromentimentos da Memória

Pontos Importantes:

 A memória é a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar diferentes


tipos de informações.
 A memória é subdividida em diversos tipos.
 O comprometimento da memória impacta no tratamento do dependente
químico.

109
Segundo Santos, Andrade e Bueno (2015), a memória caracteriza-se
pela capacidade de adquirir, armazenar e recuperar diferentes tipos de
informações, sendo fundamental para a sobrevivência e a formação da
identidade. O ser humano se constitui a partir de momentos e experiências
vivenciados ao longo da vida. Aprender a locomover-se e a comunicar-se o
torna apto para o convívio social. A personalidade caracteriza-se por seus
gostos, opiniões e posicionamentos, baseados também nas experiências de
vida.
As ciências cognitivas que vêm sendo desenvolvidas há vários anos
consideram que a memória não é uma entidade única, mas subdividida em
vários tipos e subtipos: memórias de longo prazo (MLP), que, por sua vez,
podem ser divididas em memória declarativa (ouexplícita) e memória não
declarativa (ou implícita).
A memória declarativa consiste na lembrança consciente de eventos
pessoais e de fatos culturais aprendidos ao longo da vida, se subdividindo
em memória episódica e memória semântica.
A memória implícita é aprendida aos poucos, com repetições que
seguem as mesmas regras. Elas compreendem diversos tipos, como a
memória de procedimento, o condicionamento clássico (pareamento entre
estímulos), o condicionamento operante (relação de contingência entre uma
resposta e um estímulo reforçador), a habituação, a sensibilização.
Outra distinção antiga entre os sistemas de memória, é aquela entre
memória de curto prazo e de longo prazo, conforme o tempo e a capacidade
de armazenamento. A memória de curto prazo armazena conteúdo limitado
(cerca de quatro itens ao mesmo tempo) e apenas por alguns segundos,
enquanto a memória de longo prazo é capaz de armazenar quantidade
ilimitada de informações por minutos ou anos.
Sendo assim, podemos compreender que a memória de curto prazo foi
conceitualmente englobada por outro sistema: o de memória operacional. A
memória operacional (working memory) é entendida como a capacidade de
manter e, ao mesmo tempo, manipular informações por um período breve de

110
tempo.
No uso abusivo e crônico de álcool, estudos relatam através de
neuroimagem que os danos estruturais e funcionais afetam o hipocampo e os
lobos frontais, e até mesmo no córtex cerebelar. Em quadros de intoxicação
aguda por álcool, há sérias consequências como a síndrome de Korsakoff e
demência alcoólica, causando perda de memória recente, prejuízo para
novos aprendizados, perturbação em relação ao tempo, produção de falsas
memórias.
Com o uso da maconha, percebemos que há um aumento no risco de
derrame e a diminuição de certas regiões do cérebro como a amígdala e o
hipocampo, que são ricas em receptores para o tetrahidrocanabinol (THC).
Isso pode afetar diretamente a capacidade de memorização e a regulação de
emoções como medo e agressividade. Nota-se também, alterações
anatômicas do hipocampo (área de formação de novas memórias) e
estruturas do sistema límbico (amígdala), podendo agravar as funções
referentes à memória e atenção.
A cocaína apresenta um enorme potencial para a dependência, sendo
capaz de estimular o funcionamento cerebral, causando déficit na
concentração, memória visual e verbal, no aprendizado. De acordo com
estudos, o uso crônico da cocaína causa alterações neuronais e sinápticas em
diferentes regiões cerebrais incluindo o hipocampo.
Vemos então, a importância da memória em nossas vidas. A memória
refere-se à retenção dos conhecimentos adquiridos sobre o mundo, ela
transforma o passado em presente, nos possibilita a aquisição de novos
conteúdos promovendo assim os aprendizados durante a vida. Nota-se, que
o uso da substância, seja ele crônico ou agudo, provoca alterações
significativas nesse construto neuropsicológico. As alterações evidenciadas
na memória podem comprometer o tratamento na dependência química,
fazendo com que o sujeito não aprenda de forma eficiente o programa
proposto acarretando em dificuldades na mudança comportamental.

111
Comprometimentos da Praxia e Visuoconstrução

Pontos Importantes:
 Praxia e visuoconstrução construtos complexos do funcionamento
do individuo.
 Na visuoconstrução os comprometimentos estão relacionados na
capacidade de realizar o escaneamento espacial, na construção e na
utilização e manipulação da informação a partir de imagens visuais.

Os termos praxia e visuoconstrução designam uma esfera complexa do


funcionamento humano, a da capacidadede realizar atos voluntários no
plano prático. Uma gama grande de atividades irá depender dessas
capacidades, desde o ato de se vestir, escovar os dentes, até a realização de
tarefas mais complicadas como construir um modelo ou maquete
tridimensional. Em outras palavras, praxia e visuoconstrução referem-se às
habilidades que permitem executar ações voltadas a um fim no plano
concreto, através da atividade motora.

Os comportamentos ditos práxicos ou visuoconstrutivos são muitos e


variáveis, portanto, envolvem diferentes processos neuropsicológicos. A
capacidade para desempenhar essas atividades requer algumas condições:
percepção visual, raciocínio-espacial, habilidade para formular planos ou
metas, comportamento motor e capacidade de monitorar o próprio
desempenho. Assim, um prejuízo em algum desses componentes pode
ocasionar um distúrbio práxico/visuoconstrutivo.

Apraxia é uma desordem neurológica que caracteriza-se por provocar


perda da capacidade em executar movimentos e gestos precisos que
conduziriam a um dado objetivo, apesar do paciente ter a vontade e a
habilidade física para os executar. Resulta de disfunções nos hemisférios
cerebrais, no lobo frontal, mais especificamente no córtex motor e na sua
área motora secundária. Caracteriza-se, mais especificamente, na diminuição
da capacidade para executar atividades motoras, apesar destas, a função
sensorial e a compreensão da tarefa requerida, estarem intactas.

112
 Assim temos as seguintes apraxias:

 Apraxia Ideativa;
 Apraxia Ideatoria;
 Apraxia Visioconstrutiva;
 Apraxia Conceitual.

Em relação à dependência química e a visuoconstrução, podemos


verificar comprometimentos na capacidade de realizar o escaneamento
espacial, na construção e na utilização e manipulação da informação a partir
de imagens visuais. É possível observar os prejuízos nas medidas de
orientação alocêntrica, na análise de característica, configuração e em três
tarefas de memória espacial anterógrada. Os aspectos fundamentais do
processamento de informações espaciais, dificuldades em processar a
informação espacial e, desta forma, o desempenho em tarefas de navegação
espacial estarão comprometidas significativamente.

Reabilitação Neuropsicológica e Dependência


Química

“O que se vê depende do que acontece no cérebro.”


Bertrand Russell
Pontos Importantes:
 A neuropsicologia é uma interface entre a psicologia e as
neurociências, que visa o estudo da relação entre o cérebro e o
comportamento humano.
 A reabilitação neuropsicológica na dependência química auxilia na
melhor adesão ao tratamento.
 A reabilitação neuropsicológica melhora os processos cognitivos
que podem auxiliar na mudança comportamental.

A palavra reabilitação provém de rehabilitario, em latim, que significa


restauração, recuperação. É um termo formado pela junção de duas palavras
re (de novo) e habilitare (adequar), esta, derivada de habilis, significa fácil
adaptação. Já o termo neuropsicologia, propõe o conhecimento do cérebro e
comportamento, dando ênfase na cognição.
113
Dentro da neurociência, a possibilidade do cérebro reorganizar seus
múltiplos padrões de respostas e conexões mediante a experiência, mesmo
após diversos tipos de danos cerebrais, é um dos aspectos mais fascinantes
das fronteiras das neurociências com a reabilitação. Através dos mecanismos
da plasticidade neural, a própria lesão representa um impulso mobilizador
para que o cérebro reprograme seus padrões originais de funcionamento e
especialização hemisférica.
Nesse sentido, conhecer de que maneira os mecanismos de
compensação, adaptação e modelagem neural são passíveis de serem
acionados pelos diferentes tipos de experiências e estratégias de reabilitação
é um desafio constante para os profissionais que atuam com reabilitação de
doenças neurológicas (Gomez, 2012).
Nesse panorama, a reabilitação neuropsicológica, segundo Miotto
(2015), é entendida um conjunto de procedimentos e técnicas que visam
promover o restabelecimento do mais alto nível de adaptação física,
psicológica e social do indivíduo incapacitado.
Sendo assim, a reabilitação neuropsicológica é um processo que busca
capacitar pacientes com prejuízos cognitivos, oferecendo-lhes um maior
ajustamento biopsicossocial, proporcionando, ao maior nível possível, sua
capacidade de autonomia e independência dos demais. Esse processo
também implica em orientar os familiares e/ou cuidador para que esses
tenham maior habilidade em lidar com as consequências físicas e
psicológicas, causados por lesão, doença, ou pelas consequências
decorrentes do abuso de drogas.
Dentre os programas de reabilitação neuropsicológica existentes, eles
podem apresentar as seguintes abordagens e objetivos:
 Recuperar ou restaurar a função cognitiva comprometida;
 Potencializar a plasticidade cerebral ou a reorganização funcional por
meio das áreas cerebrais preservadas;
 Compensar as dificuldades cognitivas com meios alternativos ou
auxílios externos que possibilitem a melhor adaptação funcional;

114
 Modificar o ambiente com tecnologia assistida ou outros meios de
adaptação às dificuldades individuais de cada paciente.

“É importante que a intervenção seja interdisciplinar, uma vez que o


indivíduo apresenta diferentes funções cognitivas e participa de
diferentes domínios”.

O consumo substâncias psicoativas atuam sobre o cérebro, alterando


de alguma maneira o psiquismo. Com isso, pode-se observar em usuários de
substâncias o aparecimento de comportamentos inadequados ou
ineficientes, ou seja, habilidades que antes eram executadas de forma
satisfatória podem expressar falhas com o uso prolongado da droga,
manifestando prejuízos no funcionamento. Esses vários comprometimentos
cognitivos afetam na funcionalidade do usuário, bem como na adesão de seu
tratamento.

 Mas porque é importante ter a reabilitação neuropsicológica


como uma estratégia dentro do tratamento em dependência
química?

Mediante ao uso de sustâncias, várias funções cognitivas ficam


comprometidas. A reabilitação das funções prejudicadas, à medida que são
estimuladas, intervêm positivamente na adesão ao tratamento da
dependência química, além de que com a intensificação do tratamento
maiores habilidades serão exigidas, como: controle da impulsividade,
compreensão dos conceitos abstratos, reconhecimento de suas restrições,
planejamento da rotina, habilidades de comunicação, no qual interferirão
nas mudanças de comportamento auxiliando o usuário na sustentação e
manutenção da abstinência e na sua re-socialização.

Portanto, a intervenção realizada sob a ótica da neuropsicologia no


tratamento da dependência química, objetiva auxiliar o tratamento do
paciente e a orientação familiar, melhorando os processos cognitivos que
implicam, diretamente, em melhoras na mudança de comportamento. Vemos
115
também que com a reorganização das capacidades cognitivas há
possibilidade na ampliação das estratégias de reconstrução da autonomia,
dos processos decisórios e, mais do que isso, no resgate do sentimento de
competência, ora perdido durante o uso abusivo da substância.

Nesse cenário, surge um grande desafio para o futuro, que é a


ampliação da capacidade de tratamento para o dependente químico, aliando
as várias frentes de intervenção reunidas em uma equipe interdisciplinar
que inclua o enfoque neuropsicológico.

Crianças e Adolescentes
“O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade”.
Karl Mannheim

Pontos Importantes:
 A principal tarefa na adolescência é a construção da identidade
própria, de sua imagem e papel social.
 O uso de drogas na infância e adolescência é um dos principais
problemas das sociedades atuais.
 Não há critérios diagnósticos específicos para essa fase no DSM-5,
se utiliza os critérios gerais.

Os primeiros contatos com o álcool e outras drogas geralmente


ocorrem na adolescência. Nos anos de 1950 a 1960, isso acontecia por volta
dos 18 anos, quando os jovens ingressavam na faculdade. Nas últimas
décadas, porém, a experimentação tem sido cada vez mais precoce, com
quadros de uso e dependência incidindo em idades menores, apesar de os
esforços preventivos estarem aumentando.

A principal tarefa na adolescência é a construção da identidade


própria, de sua imagem e papel social. É um momento no qual ocorre o
desenvolvimento de várias habilidades, sendo necessário que o indivíduo
tenha a oportunidade de ser estimulado. Assim, os jovens experimentam
novos contatos sociais, novas atividades de lazer e começam a treinar papéis
visando a sua escolha vocacional. Por isso, é natural que enfrentem novas
situações, sintam insegurança e se deparem com a necessidade de fazer

116
escolhas, o que pode acontecer com a experimentação do uso de substâncias
psicoativas nessa fase.

De acordo com a literatura, felizmente, a maioria dos adolescentes


interromperá o uso de drogas conforme for assumindo outros papéis na vida
adulta, porém, o consumo de tabaco constitui exceção, tendendo a
permanecer na idade adulta. Há, ainda, indivíduos que progredirão do
consumo em geral experimental dessa fase para padrões mais graves de uso
e dependência, que na adolescência costuma envolver múltiplas drogas.

Alguns autores relatam que o uso experimental de certas substâncias,


entre elas álcool, tabaco e também algumas ilícitas, é considerado como um
comportamento dentro do padrão normal de desenvolvimento na
adolescência. Ainda que o consumo de álcool e tabaco seja legalmente
proibido para menores de 18 anos, o seu uso não deveria ser visto
automaticamente como patológico. O uso da droga pelo adolescente
geralmente se faz por curiosidade. Ele busca uma sensação diferente, algo
que pode ser incentivado e valorizado pelo grupo. O problema é que o
consumo precoce pode afastar o adolescente de seu desenvolvimento
normal, impedindo-o de experimentar outras atividades importantes nessa
fase da vida.

A experimentação de uma substância expõe o adolescente a outros


fatores de risco, que podem contribuir para a evolução do uso regular para a
dependência. Não se sabe, porque ainda não há relatos científicos
consistentes de que os adolescentes têm maior predisposição para passar do
uso experimental para a dependência, mas o fato é que o consumo será um
fator de risco para o desenvolvimento normal e saudável nessa fase.

De acordo com Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019), dos estudantes do


último ano das escolas secundárias dos Estados Unidos, 61,2% já
experimentaram álcool, sendo que 33,2% fizeram uso no último mês e 1,3%
destes bebem diariamente. No Brasil, em levantamento realizado em 2010
117
entre estudantes de ensino fundamental e médio da rede de escolas públicas,
60,5% referiram já ter consumido álcool em algum momento, sendo que
21,2% o haviam feito no último mês, 2,7% apresentaram uso frequente (seis
ou mais vezes no último mês) e 1,6% apresentaram uso pesado (20 ou mais
vezes no último mês). O uso de álcool pelos estudantes no Brasil foi menor
do que na Argentina (73,2%), no Uruguai (75,1%) e no Chile (78,4%), mas
próximo do verificado no Paraguai (62,9%) e na Costa Rica (60,4%), além de
maior do que na Bolívia (46,5%) e na Venezuela (47,2%).

O uso de álcool e outras drogas estão relacionados com 50% dos


suicídios em jovens, sendo que o consumo específico de álcool está ligado
com 80 a 90% dos acidentes automobilísticos na faixa dos 16 aos 20 anos.
Observa-se, que um início mais precoce do uso está associado a pior
prognóstico na vida adulta, com maior chance de uso pesado, dependência e
evidências de quadros comorbidos.

Nesse panorama, o uso do tabaco também está entre as substâncias


mais consumidas pelos jovens. No Brasil, no levantamento de 2010, os
números entre os estudantes de ensino fundamental e médio mostram que
16,9% já tinham feito uso na vida, 9,6% no último ano, e 5,5% no último mês.

 Em relação o uso de outras substâncias, podemos conferir na


tabela a prevalências e incidência dentro dessa população:
PREVALÊNCIA DE USO DE DROGAS NA VIDA*
ENTRE ESTUDANTES
COMPARAÇÃO ENTRE VÁRIOS PAÍSES (DADOS PERCENTUAIS)
Drogas Brasil Chile Venezuela Franca Itália Grécia EUA

Álcool 60,5 78,9 47,2 84,0 84,0 94,0 41,9

Cigarro 16,9 57,2 - 55,0 58,0 39,0 18,2

Maconha 5,7 26,5 1,7 31,0 27,0 9,0 28,6

118
Solvente 8,7 7,0 0,7 6,0 6,0 13,0 6,5

Cocaína 2,5 5,9 0,6 4,0 3,0 1,0 2,3

Ansiolític 5,3 15,6 15,8 10,0 5,0 4,0 5,5

os

Anfetami 5,3 2,6 6,4 2,0 3,0 2,0 8,1

nas

*Uso na vida: quando a pessoa fez uso de qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez na vida*
Fonte Adaptada: Carlini e colaboradores (2010); Comisión Interamericana para elControldel
Abuso de Drogas (2015); Kraus e colaboradores (2016); Ministério del Interior y Seguridad
Pública (2011); Monitoringthe Future Study (2016).

Outra questão, que não deve cair no esquecimento, é o problema do


uso de esteróides anabolizantes nessa fase, Bahrke e colaboradores (1998),
em uma breve revisão da literatura por ocasião do relato de um grupo de
casos, observam que a prevalência do uso dessas substâncias alcança 6,6%
dos adolescentes do sexo masculino de uma escola de ensino médio e que o
risco de uso chega a ser 2 a 3 vezes superior nos jovens desse sexo quando
comparado com o sexo feminino. A literatura discursa que o consumo de
anabolizantes é mais provável em grupos de adolescentes que estão
envolvidos em musculação e levantamento de peso, em uma tentativa de
melhorar a aparência como consequência de insatisfação com a própria
imagem corporal. Outro fato importante apontado é a associação do uso de
anabolizantes com o de outras drogas ilícitas. No Brasil, a prevalência de uso
na vida de anabolizantes entre estudantes foi de 1,4%.

Outra classe de substâncias, que tem sido estudada é a dos energéticos


— substâncias muito associadas ao álcool para aumentar o efeito excitatório.
Entre os estudantes brasileiros, a prevalência de uso na vida de energéticos
(associados ao álcool) é de 15,4%. A estimativa da prevalência do consumo
de drogas se depara com a dificuldade de mensurar a ocorrência de um
comportamento ilegal, sendo, dessa forma, subestimada em relação aos
números reais.
119
O consumo de drogas existentes na população de crianças e
adolescentes, é um dos principais problemas das sociedades atuais. As
pesquisas trouxeram avanços no entendimento de que o consumo de
substâncias pode resultar, para significativo número de pessoas, na adição.
No entanto, o diagnóstico de transtorno por uso de substâncias (TUS) ou de
dependência, entre crianças e adolescentes, ainda é um tema controverso,
não diferenciando-se da apresentação clínica entre adultos e adolescentes, e
sem validação para adaptação testada nessa comunidade. Além disso, a
adolescência é uma fase de desenvolvimento com amplas modificações
corporais, emocionais, culturais e sociais, portanto, o diagnóstico por TUS
torna-se complexo de ser realizado.
Com isso, o diagnóstico por uso de substâncias em jovens depende
mais da sensibilidade do clínico do que de critérios. Para isso, é necessário
um entendimento intuitivo desse transtorno, um estilo flexível de
abordagem do paciente e uma grande dose de ceticismo. Partindo do
pressuposto de que adolescentes usuários de substâncias tendem a mentir, o
profissional deve desenvolver a capacidade cognitiva de alternadamente
acreditar e duvidar do relato do jovem - o pensamento duplo. Dessa forma, o
profissional que está avaliando, deverá considerar se as queixas e os
comportamentos relatados podem ser explicados por TUS. Devido às
grandes mudanças que ocorrem na adolescência, a família e a escola podem
interpretar determinados comportamentos problemáticos como uma fase
que logo passará, levando, às vezes, a uma tolerância exagerada às atitudes
inadequadas e desvalorizando sinais que podem indicar o uso de
substâncias.
Para auxiliar no diagnóstico, podemos nos ater alguns sinais que
podem elucidar na construção do diagnóstico:

 Faltas às aulas;
 Queda do rendimento escolar;
 Mudanças radicais no vocabulário;

120
 Amizades;
 Estilo de se vestir;
 Interesses culturais, religiosos ou hábitos de lazer;
 Isolamento social;
 Irritabilidade e agressividade;
 Alterações em hábitos (como horário de dormir e de se alimentar,
perda de objetos ou roupas, gastos exagerados, etc.);
 Mentiras frequentes;
 Problemas disciplinares graves no colégio;
 Envolvimento com brigas ou problemas legais.

Em razão das características peculiares da adolescência, a imprecisão


dos critérios diagnósticos pode ser substituída por uma graduação de
gravidade do uso. Alguns autores propõe a avaliação em níveis de uso ao
longo de um espectro que vai da experimentação à dependência (Nowinski,
1990). Essa escala aumentaria a sensibilidade do clínico, evitando que o
diagnóstico só se realizasse nos estágios mais graves do problema.

 No sentido de melhorar essa percepção do clínico, Nowinski


(1990) apresenta um esquema de evolução do uso entre
adolescentes, com cinco estágios:
1. Experimental (uso motivado pela curiosidade e/ou correr risco);
2. Social (uso relacionado a eventos);
3. Instrumental (busca de substância química para manipular emoções e
comportamentos com fins hedonísticos ou compensatórios para
enfrentar o estresse ou disforia);
4. Hábito (acomodação – área cinzenta que leva à dependência –, na qual
o uso de drogas torna-se um estilo de vida para enfrentamento e
recreação, e o interesse anterior é abandonado);
5. Compulsivo (acomodação completa, preocupação e deterioração do
funcionamento global).

 Volkow e colaboradores (2016) dividem a adição em três estados


121
recorrentes, com fundamentações nas neurociências:
1. Uso pesado (binge) e intoxicação;
2. Abstinência e afeto negativo;
3. Preocupação e antecipação (craving).

Cada estado está associado à ativação de circuitos neurológicos


específicos e às consequentes características clínicas e comportamentais.

 Já Blum (1987) propôs um instrumento de avaliação centrado


em quatro áreas:
1. Gravidade do problema;
2. Fatores precipitantes (sinais, sintomas, consequências e padrões de
uso de substâncias);
3. Fatores de risco predisponentes e perpetuadores (genéticos,
sociodemográficos, intrapessoais, interpessoais e ambientais);
4. Critérios diagnósticos.

Em resumo, o profissional clínico, além dos padrões de critérios


diagnósticos, deve ficar atento às mudanças de comportamento que podem
indicar o uso de drogas e às consequências que esse uso pode trazer às
diversas áreas da vida da criança e do adolescente, para estabelecer medidas
e intervenções que sejam preventivas, no sentido de minimizar o contato do
paciente com as drogas e, no caso de uso, prevenir a evolução do consumo
para padrões mais graves de adição.
Percebem-se na infância e adolescência, certas vulnerabilidades que
podem corroborar no início do uso de drogas, na qual podemos citar:
 Transformações corporais e as dificuldades para estabelecer novas
relações e interações sociais (influências ambientais)
 Curiosidade natural dos adolescentes;
 Opinião dos amigos e facilidade de obtenção;
 O fácil acesso às drogas e a oportunidade de uso são fatores
importantes no início do consumo;
 Influência dos modismos;
122
 A autoestima;
 O tipo de papel familiar na formação do adolescente;
 Os pares de iguais.

Analisando-se os fatores internos do adolescente, que podem facilitar


o uso de álcool e drogas, merece destaque a insatisfação e a não realização
em suas atividades, a insegurança e os sintomas depressivos. Os jovens
precisam sentir que são bons em alguma atividade, e isso representará sua
identidade e sua função no grupo. O adolescente que não consegue se
destacar nos esportes, estudos, relacionamentos sociais, entre outras
atividades, pode buscar nas drogas a sua identificação. A insegurança,
quanto ao desempenho, exerce o mesmo papel, no sentido de empurrá-lo
para experimentar atividades nas quais se sinta mais seguro. Em relação ao
uso de esteróides anabolizantes, a insatisfação com a própria imagem
corporal e a deposição de muita importância aos atributos físicos, que
acabam tendo papel na manutenção da autoestima dos jovens, são fatores de
risco para seu uso. Essa função que a droga passa a assumir na vida desses
jovens deverá ser obrigatoriamente revista durante o tratamento.
A frustração também configura um fator de risco na adolescência.
Quanto mais impulsivo e menos tolerante à frustração for o adolescente,
maior será o risco. A vivência de eventos adversos (como negligência, abuso
físico e sexual, e violência doméstica) também parece aumentar o risco de
uso de substâncias, em especial as ilícitas.
De forma geral, fatores externos e internos interagem, não sendo
possível isolar a ação de cada um. Os citados com maior frequência são:

 Uso de drogas pelos pais e amigos;


 Desempenho escolar insatisfatório;
 Relacionamento deficitário com os pais;
 Baixa autoestima;
 Sintomas depressivos;
 Ausência de normas e regras claras associada à baixa tolerância
123
 Do meio às infrações;
 Necessidade de novas experiências e emoções;
 Baixo senso de responsabilidade;
 Pouca religiosidade;
 Antecedente de eventos estressantes;
 Uso precoce de álcool.

Para se estabelecer o diagnóstico de TUS, é conveniente usar os


seguintes elementos, a história clínica e o exame do estado mental:
 Exame físico;
 Autorrelato;
 Relato de colaterais (família, amigos, professores e colegas);
 Entrevistas estruturadas;
 Exames laboratoriais;
 Exames de rastreamento de drogas (urina e cabelo).

Os principais meios de diagnóstico para o TUS, são a entrevista e a


avaliação clínica do paciente, o exame do estado mental para o
reconhecimento de sinais e sintomas, a determinação do grau e da extensão
do uso e o diagnóstico de qualquer problema médico e psicológico
relacionado ou preexistente ao uso. Alguns instrumentos estruturados
podem ser usados, como a aplicação dos questionários Cutdown, Annoyed,
Guilty, Eye-Opener Questionnaire (CAGE), Alcohol Use Disorders
Identification Test (AUDIT) (Harris et al, 2014) e Drug Use Screening
Inventory (DUSI) (Fidalgo e Formigoni, 2016) são úteis para auxiliar na
construção do diagnóstico.
No que tange as comorbidades, presentes em crianças e adolescentes
que apresentam TUS, são na sua maioria, os principais diagnósticos
diferenciais. Além disso, a correlação entre eles é bastante próxima, gerando
confusão diagnóstica, sobretudo em quadros de início muito precoce, como,
por exemplo, o transtorno de oposição desafiante (TOD) e quadros ansiosos.
Não é incomum que um ataque de pânico ecloda a partir do uso de
124
substâncias, principalmente, estimulantes ou álcool. Os diagnósticos clínicos
como o TDAH, o transtorno da conduta (TC) e o TOD, apresentam sintomas
como hiperatividade, impulsividade, inquietação psicomotora e postura
opositora, agressiva e hostil, podem se confundir com o uso ativo de
substâncias. Outras condições, que em geral se iniciam na vida adulta, como
o transtorno bipolar (TB) e a esquizofrenia, podem ter o curso clínico
modificado, iniciando-se mais precocemente a partir do uso de substâncias.
O transtorno mental comórbido poderá também aprofundar o uso de drogas,
e este, por sua vez, tornar a evolução do transtorno mental associado mais
grave e de prognóstico menos favorável.
Quanto ao diagnóstico de uma comorbidade psiquiátrica, esta somente
poderá ser considerada a partir do momento em que a criança ou
adolescente esteja em abstinência total do uso de quaisquer substâncias por
determinado período, pois, do contrário, esse quadro deverá ser considerado
parte da sintomatologia produzida pela própria droga.
Embora haja uma variedade de abordagens, com um bom resultado
inicial, os índices de recaída em TUS na adolescência são elevados, muitos
jovens não sustentando a abstinência após um ano de tratamento o que
impele a elaboração de um plano de cuidados mais prolongado. Algumas
estratégias básicas incluem sessões de terapia, treino de habilidades de
assertividade, a reestruturação cognitiva a partir de experiências passadas e
o tratamento das comorbidades, as quais estão associadas a um pior
prognóstico.

Mulher, Gestante e Perinatal

“Aquele que é feliz, espalha felicidade. Aquele que teima na infelicidade, que perde o equilíbrio e a
confiança, perde-se na vida”.
Anne Frank

Pontos Importantes:

 As taxas de consumo de álcool entre homens e mulheres têm


diminuído.
 População com demandas específicas
125
 Não há critérios diagnósticos específicos para essa população no
DSM-5, normalmente utilizam-se os critérios gerais aliados com as
especificidades dessa população.

O uso de álcool, fármacos prescritos e de substâncias ilícitas é um


problema crescente de saúde pública entre a população das mulheres. O
consumo de substâncias entre mulheres na idade fértil representa um
peso crescente para a sociedade e para os provedores de saúde em vários
locais do mundo.
A disparidade das taxas de consumo de álcool entre homens e
mulheres tem diminuído, em especial, nas últimas duas décadas. O uso
dessa substância na forma de binge diminui a qualidade de vida, e
quaisquer efeitos positivos potenciais da sua ingestão moderada são
minúsculos em comparação com os efeitos adversos causados pelo seu
abuso.
Estima-se que 20 a 30% das mulheres grávidas usem tabaco, 15%
usem álcool, 3 a 10% usem maconha e 0,5 a 3% usem cocaína. É
importante destacar, no entanto, que a estimativa do consumo de tabaco
durante a gravidez é mais conhecida quando comparada com a
prevalência de uso de álcool e outras substâncias nesse período, que
permanece subestimada ou desconhecida — o que preocupa,
considerando que o uso de crack na gravidez, por exemplo, leva a
repercussões relacionadas à saúde do recém-nascido e à reestruturação
familiar.
O uso da maconha é relativamente comum, entre as usuárias dessa
droga, mesmo no período de pré-natal e pós-parto. A vigilância do seu
consumo, entre mulheres grávidas e puérperas, é fundamental para
entender melhor a relação do uso dessa substância com os desfechos do
parto e as experiências pós-parto.
Com o envelhecimento, as mulheres passam pela menopausa,
experimentando mudanças na composição corporal e na vida, como a
aposentadoria ou a perda de um ente querido. O estresse e a depressão
relacionados à menopausa podem desencadear o aparecimento de
126
consumo de álcool em binge ou piorar um padrão de consumo
preexistente.
Quanto ao tratamento, observa-se que a mulher apresenta mais
dificuldade em ter acesso ao tratamento e a se recuperarem da
dependência do álcool em relação aos homens, por sofrer os estigmas
sociais relacionados ao seu gênero e papel na sociedade.
Na população das mulheres, várias vulnerabilidades são visualizadas
que podem contribuir para o consumo de substâncias psicoativas.
Vejamos algumas:
Físicas, biológicas e genéticas:

 As diferenças entre os gêneros, como o menor volume de água


corporal, o aumento da razão corporal entre gordura/água, a menor
quantidade da enzima álcool-desidrogenase, responsável pelo
metabolismo do álcool no estômago, e a interface do álcool com os
hormônios femininos (estrógenos e progesteronas), que aumentam o
dano hepático;
 Os estudos genéticos sobre alcoolismo envolvendo gêmeos
monozigóticos mostraram maior influência genética nos homens;
 As usuárias de substâncias ilícitas são mais prováveis de apresentarem
famílias mais (dis)funcionais e falta de modelos parentais de
identificação que seus companheiros homens em tratamento.

Psicológicas e psiquiátricas:

 O início do uso entre mulheres tem sido associado a um mecanismo


de enfrentamento da timidez, da ansiedade e da baixa autoestima;
 As mulheres mostram, a partir de alguns discursos comuns, que
começaram a fazer uso de substâncias por intermédio e/ou na
companhia de suas parcerias afetivas/sexuais/amorosas;
 As meninas adolescentes estão sob a influência da mídia em relação
ao álcool, ao tabaco e aos anorexígenos, que associam o consumo à
beleza, à riqueza e ao sucesso profissional;
127
 Os transtornos psiquiátricos tendem a ser a morbidade primária, já
a dependência é a morbidade secundária, ao contrário dos homens;
 O consumo de álcool e substâncias também se encontra mais
associado a comorbidades psiquiátricas, como os transtornos do
humor (mania e depressão), de ansiedade (pânico, fobias e
transtorno do estresse pós-traumático [TEPT]) e de personalidade
borderline , um preditor de pior desfecho nos tratamentos.

Sociais e culturais:

 As mulheres ainda sofrem com a desvantagem social por causa de


uma cultura que segue muito preconceituosa, de relação de poder e
de controle sobre seus corpos, muito desigual e discriminatória em
diversas sociedades ao redor do mundo;
 A prevalência, nesse contexto, de discursos como “a mulher não
pode se embriagar”, por exemplo, ainda permeiam as narrativas da
sociedade patriarcal;
 A falta de apoio do cônjuge para o início de um tratamento, além de
o sistema de saúde necessitarem de serviços especializados e os
estudos científicos serem raros. Assim, as mulheres buscam menos
o tratamento, fazem segredo sobre e têm o medo frequente em
relação à perda de seu papel de mãe e esposa;
 A relação de gênero, violência doméstica (VD) e álcool e substâncias
é bem estreita.

Durante a gestação:

 O consumo de substância durante a gestação, qualquer que seja, e


principalmente, no primeiro trimestre, pode causar alguma
alteração na formação do feto, provocando diferentes graus de
lesões, abortos espontâneos ou mortalidade perinatal, pois tais
substâncias atravessam todas as barreiras biológicas, até mesmo a
placenta (vulnerabilidade fetal).
128
Aspectos relacionados à sexualidade:

 A sexualidade da mulher usuária de álcool e outras substâncias traz


ainda dois outros aspectos importantes: o aumento no número de
companheiros sexuais sem proteção e, consequentemente, de
infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV); gestação
não desejada, principalmente, entre adolescentes, trazendo um
imenso ônus psicossocial tanto para meninos como para meninas.

A detecção precoce do uso de substâncias, é crucial na prevenção de


diversos problemas de saúde, além de melhorar o prognóstico do
tratamento. Assim, a investigação do uso de álcool e outras drogas deveria
ser parte integral da avaliação em serviços de saúde em nível primário. Um
teste simples que pode auxiliar a identificação de mulheres com potencial
problema pelo consumo de álcool é o TWEAK. Este é composto de cinco
questões, sendo uma quantitativa e quatro com respostas do tipo sim/não e
seu nome caracteriza o acrônimo que envolve os aspectos avaliados por
essas questões:

1. Tolerance (tolerância): quantas doses de bebida alcoólica você toma


até começar a sentir os primeiros efeitos do álcool?
2. Worry (preocupação): parentes e amigos têm se preocupado ou
reclamado da sua forma de beber?
3. Eye-opener (alerta): você bebe logo pela manhã às vezes?
4. Amnésia (esquecimento): às vezes, após beber, você sente
dificuldade para lembrar o que falou ou fez?
5. K/cut-down (redução): você, às vezes, sente que precisa reduzir ou
controlar seu consumo de álcool?

A primeira questão recebe dois pontos quando a resposta indica que


três ou mais doses seriam necessárias até que os primeiros efeitos do álcool
pudessem começar a serem sentidos. A segunda questão recebe dois pontos

129
e as demais recebem um ponto quando a resposta é positiva. As demais
questões são pontuados com 2 pontos, caso a reposta seja afirmativa. Ao
final, somam-se todos os pontos das 5 questões. No escore obtido, a presença
de pelo menos dois pontos indica que um problema com o álcool possa estar
presente e que a mulher deveria ser encaminhada para uma avaliação
especializada para que o diagnóstico possa ser corretamente elaborado e o
tratamento adequado instituído.
Entre as principais recomendações do tratamento de mulheres com
transtornos por uso de substâncias (TUS), podemos citar:

 Realizar a detecção precoce, que é um dos principais pontos do


tratamento de mulheres com TUS, pois, quanto antes o tratamento
for iniciado, maiores as chances de melhores desfechos;
 Lembrar que os programas exclusivamente de mulheres, tanto em
regime de internação como ambulatorial, tendem a ter melhores
desfechos, isto é, os grupos compostos apenas por mulheres podem
ser mais atrativos, principalmente no caso de vítimas de violência;
 Considerar que, quanto mais específico é o desenho do programa
para o público feminino, melhores são os resultados;
 Ter, de preferência, um projeto terapêutico personalizado, o qual
pode incluir expressão corporal e trabalhar intensivamente
sentimentos e demandas específicas dessa população, como
temáticas de filhos, culpa, exigências estéticas, gestação, VD, abuso
sexual, prostituição feminina, estigmas, passividade, autoestima,
além de oficinas de autocuidado com cabeleireiro, de culinária e de
dança. Incluir cuidados pré-natais, cuidados ginecológicos e
prevenção a HIV/infecção sexualmente transmissível (IST);
 Atentar que as mulheres grávidas devem ter prioridade no
atendimento, de preferência, vinculando o tratamento ao
acompanhamento obstétrico e nutricional;

130
 Incluir a participação dos filhos durante o tratamento, a qual pode
ser desde uma visita, com atividades desenvolvidas para a interação
de mãe e filhos, a regimes intensivos, que não afastam os filhos de
mães e permitem que sejam cuidados de forma concomitante;
 Lembrar que os programas devem considerar as diferenças
culturais do local onde está inserido;
 Observar que é importante existir uma competência cultural para
compreender as particularidades e heterogeneidades dentro de
cada uma das comunidades envolvidas com uso, abuso e
dependência de substâncias, assim como, reconhecer seus ícones e
suas festividades;
 Envolver líderes comunitários e pares ou semelhantes, em especial,
para populações de difícil acesso. Os resultados apontam que a
aproximação dos pares na abordagem tende a motivar a busca de
tratamento. Incluir suporte social e jurídico, como atenção a
creches e transporte;
 Ter programas abrangentes, sendo que o tratamento deve incluir
aconselhamento, educação e orientação, além de intervenções
psicossociais e farmacológicas.

No tratamento de mulheres usuárias de substâncias psicoativas,


devemos incluir a perspectiva social da construção do “ser mulher” ou do
“fazer o gênero” na sociedade. Além disso, é preciso tentar integrar não
somente multidisciplinaridade para poder perceber que, dentro do universo
de mulheres, existem diversas diferenças, materializadas em necessidades e
vulnerabilidades distintas, que podem ser compreendidas não somente
pelos pesquisadores da área, mas também pelos terapeutas que oferecem
cuidados em saúde na área.

131
Idosos

“No final, não são os anos da sua vida que contam, e sim a vida ao longo desses anos”.
Abraham Lincoln
Pontos Importantes:
 População com característica específica para dependência química.
 Dentre as drogas ilícitas utilizadas por essa população, se destacam
a maconha, cocaína e heroína. E as drogas lícitas, há o álcool e os
benzodiazepínicos.
 Não há critérios diagnósticos específicos no DSM-5, utilizam-se os
critérios gerais, porém, aliados com as especificidades dessa
população.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), classifica sob perspectiva


cronológica, como sendo idosas as pessoas com mais de 65 anos que vivem
em países desenvolvidos e com mais de 60 anos quando vivem em países em
desenvolvimento. Contudo, o termo idoso inclui adultos com idade maior ou
igual a 60 anos, uma vez que foram identificados alguns artigos que
consideraram essa idade como limite inferior para esse período da vida.
De acordo com pesquisas recentes, o índicie de idosos apresenta
quadros de TUS vem crescendo nos últimos tempos. Estudos recentes
indicam que esse comportamento é maior do que nas gerações anteriores, e
que o impacto dessa alteração já é detectado nos atuais atendimentos dos
idosos. Dentre as substâncias lícitas usadas por essa população, destacam-se
o álcool e medicamentos prescritos (benzodiazepínicos e analgésicos). O uso
de substâncias ilícitas ainda é pequeno comparado ao de lícitas e de
medicamentos prescritos.
Em decorrência das alterações biológicas e sociais, determinadas pelo
envelhecimento, devem ser consideradas estratégias específicas de
prevenção e intervenção precoce ao uso de substâncias no atendimento aos
idosos.
Na literatura existente, evidencia-se que os critérios diagnósticos para
essa população são pouco confiáveis quando empregados a idosos e tendem
a minimizar os quadros mais graves. Isso ocorre porque os principais
critérios diagnósticos para identificação do uso de substâncias (problemas
132
relacionados com o trabalho, interferências nas interações sociais e aumento
da tolerância com a cronicidade do uso) nem sempre se aplicam aos idosos.
No entanto, essa população procura atendimento médico com mais
frequência que adultos, aumentando a chance do reconhecimento do uso de
substâncias mesmo na presença de um padrão de sintomas de menor
intensidade.
Em geral, idosos apresentam maior taxa de uso de medicamentos
quando comparados com adultos mais jovens. Entretanto, poucos são os
estudos que investigaram a prevalência do uso de medicamentos psicoativos
nessa faixa etária. Aqueles que o fizeram demonstraram que o consumo
dessas substâncias é baixo, mas que apresenta impacto significativo.
Dentre os opioides, usados para o tratamento da dor, os BZDs,
indicados para ansiedade/insônia, são as duas classes de medicamentos que
causam as maiores complicações para idosos. Comumente, os idosos que
apresentam risco mais elevado de uso de substâncias são mulheres, com
isolamento social e história pregressa de uso de substâncias ou transtornos
mentais, sendo os benzodiazepínicos a classe que estão mais associados ao
aumento do comprometimento cognitivo.
Os idosos dependentes de benzodiazepínicos, apresentam algumas
características que podem sinalizar um quadro de dependência, como:
resistência em diminuir a dose do medicamento, descumprimento da
orientação de diminuição da dose e solicitação de receitas adicionais fora do
dia da consulta, muitas vezes com histórias de que “precisou” tomar a
medicação a mais para dormir, de que a medicação não faz mais efeito, ou
qualquer outra desculpa que possibilite ter acesso facilitado à substância.
Em relação ao álcool, há uma associação destes com os medicamentos
prescritos, o que piora a sintomatologia clínica desses quadros e determina
um crescimento exponencial na hospitalização de idosos.
Com o processo de envelhecimento, os idosos passam por mudanças
biológicas decorrentes da própria senescência, onde há a redução corporal
dos níveis de água, diminuição das enzimas hepáticas, maior vulnerabilidade

133
cerebral, apresentando risco aumentado de interações medicamentosas, o
que determina uma maior suscetibilidade aos efeitos decorrentes do uso de
álcool.
O consumo leve do álcool nos idosos, segundo evidências científicas,
não apresentam efeitos significativos na proteção contra doenças
coronarianas como é apresentado em adultos de meia-idade. Já o consumo
de grandes quantidades de álcool está associado ao desenvolvimento de
volume cerebral menor nos idosos, que com frequência está relacionado ao
declínio cognitivo acelerado quadros demenciais.
A identificação dos problemas decorrentes do consumo de álcool nos
idosos, é um desafio, pois isso ocorre porque os sintomas de uso podem se
assemelhar a sintomas de doenças clínicas e psiquiátricas frequentes nessa
faixa etária. As definições habituais usadas para uso e dependência de álcool
são difíceis de empregar em idosos, uma vez que a maioria deles já se
aposentou ou apresenta grande redução dos contatos sociais.
Na tabela podemos verificar algumas condições clínicas que dificultam
no diagnóstico de consumo de álcool e outras drogas.
CONDIÇÕES CLÍNICAS, NEUROPSIQUIÁTRICAS E FUNCIONAIS QUE
DIFICULTAM O DIAGNÓSTICO DE USO DE ÁLCOOL E DE OUTRAS
SUBSTÂNCIAS NOS IDOSOS
Neuropsiquiátrica  Quadros psiquiátrico (depressão, ansiedade,
alterações do humor, esquizofrenia e outros
transtornos psicóticos);
 Comprometimento cognitivo (doença de
Alzheimer e outras demências);
 Delirium;
 Transtornos da personalidade;
 Convulsões;
 Tremores;
 Alterações do sono (insônia, hipersonia e
sonolência excessiva diurna).
134
Clínicas  Dores crônicas;
 Distúrbios gastrintestinais;
 Distúrbios hepáticos e renais

Funcionais  Quedas, fraturas e outros traumas;


 Declínio funcional;
 Deterioração da higiene;
 Acidentes automobilísticos.

Historicamente, o uso de drogas ilícitas é um problema de adultos mais


jovens. No entanto, nas últimas décadas, a mudança do perfil de consumo
determinou o interesse da investigação de seu uso também nos idosos.
Como o uso de álcool, dois padrões bem definidos de uso de drogas
ilícitas foram demonstrados: usuários de início precoce e usuários de início
tardio. O primeiro grupo inclui indivíduos com uma longa história de uso que
continua mesmo com o envelhecimento, ao passo que o segundo
desenvolveu o uso depois dos 65 anos.
Com relação aos fatores associados, observa-se que o padrão de início
precoce está associado ao sexo masculino, a fatores socioeconômicos, à raça
e às comorbidades com transtornos psiquiátricos. Já o padrão de início
tardio é menos frequente. Vários fatores estão relacionados ao início tardio
do uso de drogas ilícitas. Entre eles, destacam-se o desenvolvimento de
condições clínicas dolorosas, o desenvolvimento de transtornos
psiquiátricos, incluindo depressão geriátrica, demência e outras causas de
comprometimento cognitivo, bem como o aparecimento recente de situações
estressantes na vida, como luto, isolamento social, dificuldades financeiras e
suporte social deficiente.
Dentre as drogas ilícitas utilizadas por essa população, se destacam a
maconha, cocaína e heroína. Sendo o diagnóstico de uso de drogas nos

135
idosos, um desafio único para a equipe que o acompanha. Em muitos casos,
o paciente idoso apresenta várias queixas e questões médicas. Muitos sinais
e sintomas comportamentais que, em um adulto, podem sugerir a
intoxicação ou abstinência de drogas, podem ser facilmente confundidos
com doenças clínicas ou transtornos psiquiátricos e, portanto, tratados
inadequadamente.
Para se realizar um diagnóstico de drogas ilícitas nos idosos devemos
investigar os fatores de risco para o uso dessas substâncias, que poderão
elucidar o reconhecimento o uso nessa população. Vejamos alguns fatores de
risco:

 Ser idoso mais jovem, do sexo masculino e não casado;


 Possuir baixo nível social;
 Ter feito uso prévio de substância ilícita;
 Estar em tratamento atual de manutenção com metadona;
 Fazer uso de medicamentos ou álcool;
 Apresentar comorbidade com transtornos psiquiátricos (sobretudo
depressão/ansiedade);
 Conviver entre familiares mais próximos que façam uso de
substância;
 Ter envolvimento em crimes (sobretudo crimes por drogas);
 Viver em isolamento social/baixo nível de suporte social;
 Ser um prisioneiro idoso.

O uso de substâncias lícitas e ilícitas é bastante frequente nos idosos.


Seu reconhecimento é difícil, principalmente, devido às alterações biológicas
e sociais decorrentes do envelhecimento e à ausência de critérios
diagnósticos específicos para essa faixa etária.
A equipe multidisciplinar que atende o idoso deve estar sempre
preparado para considerar o diagnóstico de dependência química, com o
intuito de beneficiá-los com intervenções mais precoces para esse problema.

136
LGBTQIA+ e Consequências do Abuso

Pontos Importantes:
 A população LGBTQIA+ apresenta as taxas mais elevadas de
transtornos por uso de substâncias.
 Apresentam vulnerabilidades que podem contribuir para o
consumo das substâncias psicoativas.
 O tratamento dessa população precisa ter um olhar voltado à
própria história, costumes, valores e as normas comportamentais e
sociais.

De acordo com Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019), a compreensão das


variações da orientação sexual humana e das vulnerabilidades individuais e
coletivas que a orientação homoafetiva tem na sociedade em geral é tão
importante quanto compreender a influência e a relevância da cultura, da
etnia, da idade, da genética, do nível socioeconômico e do meio em que as
pessoas vivem no desenvolvimento de ajustamentos individuais a
diferenças, que nem sempre são bem toleradas pela maioria das pessoas.

Além disso, as vulnerabilidades variadas, estigmas, preconceitos,


comprometimentos físicos, psíquicos, cognitivos e emocionais, dificuldades
sociais, culturais, educacionais, jurídicas e familiares fazem parte da
complexidade vivenciada por usuários de álcool e drogas tanto da
comunidade LGBTQIA+ como de qualquer outro segmento da sociedade que
procura por serviços de saúde. Por isso, a vergonha e o medo do preconceito
afastam as pessoas que buscam por tratamento.

Sabe-se, que a população LGBTQIA+ apresenta taxas mais elevadas de


transtornos por uso de substâncias, quando comparados com os
heterossexuais. No entanto, pouco têm sido explorado os possíveis desafios
que essas pessoas podem enfrentar ao apresentar-se para o tratamento. O
estudo de Cochran et al. (2007) citado por Diehl, Cordeiro e Laranjeira
(2019), com uma amostra de 46 conselheiros que realizam tratamento para
álcool e outras drogas em serviços públicos nos EUA, revelou que os
preconceitos negativos de conselheiros dirigidos a indivíduos LGBTQIA+
137
eram mais fortes por parte dos conselheiros heterossexuais e para aqueles
que tinham poucos amigos LGBTQIA+. Os resultados foram relacionados
também, com uma medida recentemente desenvolvida, chamada de
competência cultural, para trabalhar com usuários de substâncias da
população LGBTQIA+, revelando que, quanto menor a competência cultural,
menor é adequação da prestação dos cuidados.

Foi conduzida uma revisão de literatura, onde o objetivo era a busca de


artigos que se baseavam na seleção de estudos de abuso e/ou dependência
de álcool e/ou drogas ilícitas na população em geral ou em amostras
representativas selecionadas, na qual a orientação sexual foi relatada. Dos
nove estudos incluídos na revisão, pelo menos seis mostraram claramente
um risco ou prevalência de maiores taxas de abuso de substâncias
psicoativas, sobretudo, o álcool, entre lésbicas e mulheres bissexuais.

Outra revisão sistemática avaliou que os estudos sobre o uso de


substâncias psicoativas em jovens LGB (lésbicas, gays e bissexuais),
mostraram que essa população tem taxas mais altas de uso de álcool e
drogas que os jovens heterossexuais (RC = 2,89, Cohen’s d = 0,59). Em outras
palavras, as taxas são 190% maiores em jovens LGB, quando comparados a
jovens heterossexuais, e substancialmente, mais altas em determinados
subgrupos de jovens LGB, como 340% mais altas em jovens bissexuais e
400% mais altas em lésbicas.
Os estudos sobre essa temática apresentam limitações metodológicas,
diversos são os fatores que corroboram para essa limitação, um deles é o
fato de a sexualidade não ser algo estático, mas sim, fluido, em processo de
desenvolvimento e evolução. Diante disso, investigadores muitas vezes não
concordam quanto aos critérios de definições de orientação sexual,
identidade sexual ou atração sexual. E, consequentemente, em algumas
pesquisas não há uniformidade de definição de critérios e termos
relacionados a questões ligadas ao grupo LGBTQIA+.

138
 Essa população apresenta algumas vulnerabilidades que podem
contribuir para o consumo das substâncias psicoativas. Vejamos
abaixo algumas:
 Preconceito no tratamento e na avaliação, seja focando a orientação
sexual como inapropriada, seja ignorando importantes fatos ligados à
sexualidade;
 Ignorância sobre questões LGBTQIA+ e desconforto em abordar
assuntos sobre sexualidade;
 Ignorância sobre as inter-relações entre sexualidade e abuso de álcool
e drogas;
 Há dificuldade em revelar a orientação sexual devido ao medo de ser
maltratado por funcionários ou pacientes. Alguns são forçados a
revelar sua orientação homoafetiva;
 Há os que recebem alta dos locais de tratamento logo que sua
sexualidade fica conhecida;
 Alguns temem que se sua orientação sexual for conhecida, isso acabe
recebendo mais ênfase do que seus problemas com o uso de
substâncias psicoativas;
 Alguns serviços não gostam de ter as parcerias afetivas de seus
pacientes participando de programas de família ou grupos de ajuda
mútua;
 A maioria dos programas de desintoxicação e programas de
reabilitação não é sensível a questões de orientação sexual e gênero, e,
portanto, não encorajam que isso seja discutido ou revelado;
 Não conseguir admitir a orientação sexual pode facilitar recaídas;
 Redes tradicionais de apoio à recuperação (família, igreja, escola,
trabalho) em geral são fechadas para o público LGBTQIA+;
 O homossexual não “assumido” que frequenta grupos de ajuda mútua,
como alcoólicos anônimos (AA) e narcóticos anônimos (NA), pode se
sentir constrangido e não retornar às reuniões por acreditar estar

139
quebrando a chave da filosofia da sobriedade dessas irmandades, que
é “ser honesto e aberto em suas relações com seus pares.

 A comunidade LGBTQIA+ necessita de serviços específicos para o


tratamento de abuso e dependência de substâncias psicoativas?

Nem sempre, e não, necessariamente. Mas, existindo preocupação com


problemas relacionados ao uso abusivo de substâncias psicoativas, quanto
mais ampliarmos o “menu” de opções de acesso a cuidados, prevenção e
tratamento do problema, melhores chances teremos de lidar de forma
efetiva com a situação. Isso pode significar a identificação de possíveis
vulnerabilidades específicas de estilo de vida, padrões de uso de drogas,
estigmas, preconceitos, barreiras, dificuldades.

Como qualquer outra, a comunidade LGBTQIA+ é formada por sua


própria história, seus costumes, seus valores e suas normas
comportamentais e sociais. Portanto, uma intervenção efetiva na prevenção
do abuso de substâncias psicoativas, no tratamento e na recuperação desse
grupo deve mobilizar e refletir sua cultura. A prevenção e o tratamento que
não sejam afirmativos e positivos em relação às pessoas LGBTs não só são
improdutivos como podem aumentar os problemas. É fundamental a
formulação de ações a partir do entendimento real do público alvo e qual irá
ajudar a promover mudanças qualitativas em suas vidas.

Minorias
Pontos Importantes:
 Na dependência química das minorias, é importante evidenciar o
conceito de vulnerabilidade.
 O tratamento precisa ser voltado para a realidade e as necessidades
dessa população.

O termo minorias diz respeito a determinado grupo social e humano


que esteja em inferioridade do ponto de vista quantitativo em relação a um
grupo dominante. As minorias podem ser étnicas, religiosas, culturais ou
140
linguísticas. Não necessariamente indica que minorias sejam perseguidas ou
exterminadas pelo grupo dominante, embora existam, na história,
numerosos casos de perseguições a minorias. A noção contemporânea de
minoria, refere-se, portanto, à possibilidade de terem voz ativa ou
intervirem nos interesses decisórios do poder aqueles setores sociais
comprometidos com as várias modalidades de reivindicações assumidas pela
questão social.

Para falar do tema da dependência química entre minorias, é


necessário abordar o conceito de vulnerabilidade, proposto por Ayres, que
leva em conta três grandes eixos, representados por três planos
interdependentes de determinação e consequentemente de apreensão da
maior ou da menor vulnerabilidade do indivíduo e da coletividade:
1. Vulnerabilidades Individuais: Aspectos relacionados a
comportamentos e trajetórias pessoais;
2. Vulnerabilidades Sociais: Aspectos relacionados a condições sociais
e de vida (classe social, escolaridade, condições de moradia, acesso a
bens de consumo, lazer e alimentação, estigmas e preconceitos
sociais);
3. Vulnerabilidades Programáticas: Aspectos que dizem respeito a
políticas públicas, serviços e/ou programas públicos destinados aos
indivíduos.
 Algumas populações que podem ser configuradas como
vulneráveis:

População em Situação de Rua

A população em situação de rua está inscrita em um processo social


complexo. Nas últimas décadas, vem chamando atenção pela crescente
visibilidade em espaços públicos, adquirindo identidade social, modos
particulares de sobrevivência e subsistência, tornando-se, por conseguinte,
uma preocupação e ganhando importância para o poder público.

141
A situação de rua deve ser compreendida como parte de um processo
de marginalização e desfiliação dos indivíduos, os quais podem utilizar as
ruas de maneiras diversas. Em geral, três subgrupos podem ser identificados
de acordo com tempo de permanência e grau de vínculos familiares:
 Ficar na rua – circunstancialmente;
 Estar na rua – recentemente;
 Ser da rua – permanentemente.

As pessoas em situação de rua, configuram-se como uma população


bastante heterogênea, mas apresentam algumas características em comum
no que concerne às semelhanças de vivência na extrema pobreza, como os
vínculos familiares rompidos ou prejudicados, a inexistência de moradia
formal, o elevado uso de substâncias como álcool, tabaco e crack, presença
de doenças mentais e clínicas associadas (tuberculose, HIV, sífilis), maior
número de visitas a pronto-socorros, práticas sexuais sem proteção. Além
disso, os baixos mecanismos de prestação de serviços em saúde fornecidos
para essa população revelam que o acesso a eles ainda é deficitário e que há
baixa adesão ao tratamento e pouco efeito dos tratamentos oferecidos nas
doenças comórbidas.
Por ser uma população estigmatizada pela sociedade, a realização de
abordagem terapêutica deve ter um olhar específico para suas
vulnerabilidades sociais e individuais. Assim, podemos ver no quadro abaixo
as principais barreiras que podem dificultar o acesso ao tratamento de
pessoas em situação de rua:

PRINCIPAIS BARREIRAS ENFRENTADAS POR PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA


PARA ACESSO A TRATAMENTO

 Dificuldade de locomoção por limitação física;


 Impossibilidade de pagar pelo transporte;
 Dificuldade de encontrar vagas em albergues;
 Necessidade de adaptar-se aos horários das refeições dos albergues ou de
restaurantes que oferecem comida a preço popular;

142
 Necessidade de fazer “bicos” ou mesmo pedir dinheiro nas ruas.

Assim, como as pessoas em situação de rua têm de reinventar seu


cotidiano para lidar com a violência, as vulnerabilidades e os recursos
existentes nas ruas e criar estratégias de sobrevivência, a rede assistencial
deve caminhar no mesmo sentido, procurando articular, comunicar e se
solidarizar, para, juntas, construírem respostas mais efetivas e assertivas
para os problemas dessa população.
Deve-se possibilitar aos indivíduos em situação de rua, a chance de
terem instrumentos para modificar suas condições de vida, exercendo sua
condição de ser humano e, com ela, seu direito de escolha, já que viver na rua
só pode ser considerado uma escolha quando houver outras condições para
que se possa, de fato, optar por outras.
É importante destacarmos que os setores que oferecem tratamento
para a dependência química, intensifiquem os esforços para assegurar que
tanto a equipe, como a competência organizacional dos serviços, estejam
preparadas para garantir o atendimento das múltiplas necessidades dos
diversos tipos de pessoas com transtorno por uso de substâncias, em
especial as pessoas em situação de rua.

Populações Indígenas
Os processos de colonização no mundo tiveram semelhanças
importantes, sendo que os atuais problemas de saúde (incluindo transtornos
psiquiátricos relacionados ao uso de substâncias) são resultados de políticas
governamentais inadequadas, criação de reservas indígenas, adoção de
estilos de vida sedentários, marginalização, racismo e, por fim, criação de
uma autoimagem indígena negativa.

 Os comportamentos relacionados ao consumo de substâncias nas


populações indígenas parecem estar associados com três fatores
distintos:
1. Fuga do estresse crônico;
143
2. Forma de automedicação;
3. Relação inversa com o nível socioeconômico, em outras palavras,
quem mais consome álcool ou drogas entre os povos indígenas são os
economicamente mais desfavorecidos.

O alcoolismo tem sido considerado um dos principais fatores


relacionados ao aumento dessa mortalidade, com o surgimento ou a piora de
doenças, como cirrose, depressão e doenças cardíacas, e com mortes
relacionadas a fatores externos, como acidentes e brigas. Outras
complicações, que são encontradas nessa população devido ao consumo de
álcool, é o aumento de casos de suicídios, homicídios e estupros. Na
população indígena infantil, o resultado do consumo de álcool pelos pais tem
aumentado a ocorrência de síndrome alcoólica fetal (SAF) e desnutrição.
Essa última ocorre devido aos pais estarem com frequência intoxicada e
deixarem os menores desassistidos.
Quanto ao tratamento, assim como ocorre nas populações não
indígenas, o tratamento das diferentes dependências químicas está
relacionado a uma mudança do padrão de comportamento e hábitos de vida.
Com isso, um dos problemas associados ao tratamento da dependência
química das populações indígenas, é a não valorização de seus
conhecimentos relacionados ao modo de vida, saúde e bem-estar, o que
resulta em baixa adesão. Há uma importante associação entre os níveis mais
elevados de saúde e bem-estar nos povos que valorizam suas culturas e
transmitem língua e conhecimento para as gerações mais jovens.

População Carcerária
O uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas em populações
carcerárias, são considerados extremamente altos, trazendo grande impacto
na vida de seus usuários, assim como, os custos elevados para a saúde
pública. Associados ao uso de substâncias, estão também os
comportamentos sexuais de risco, que aumentam chances para infecções
sexualmente transmissíveis.
144
Há uma variedade de estudos internacionais que abordam essa
questão, propondo estratégias medicamentosas centradas, sobretudo, no
tratamento de heroína e em medidas de penas alternativas para essa
população, o que de certa forma, é ainda distante da realidade nacional,
porque a heroína não é a principal droga de abuso no nosso país.
Infelizmente, no Brasil não existem estudos acerca dessa população,
principalmente, estudos representativos, da extensão da dependência
química no sistema prisional brasileiro. Porém, não é difícil supor os
possíveis entraves para a condução de estudos dessa magnitude, que
poderiam revelar contextos de violação de legislação e corrupção.

Intervenção Breve
“Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros”
Carl Jung
Pontos Importantes:
 A intervenção breve é eficaz em reduzir o consumo e os problemas
ligados ao consumo de álcool.
 Ela se baseia no modelo cognitivo de dependência.
 Desenvolvida para atender os estágios iniciais dos transtornos por uso
de substâncias.

A intervenção breve (IB) faz parte de um seleto grupo de intervenções


psicossociais para o tratamento de transtornos por uso de substância (TUSs)
que apresentam eficácia baseada em evidência. Hoje, existe evidência de que
a IB é eficaz em reduzir o consumo e os problemas ligados ao consumo de
álcool. Além disso, aparece como a intervenção mais eficiente em reduzir os
riscos ligados ao álcool em serviços de rede de atenção básica/primária de
saúde.

A intervenção breve é desenvolvida em um curto espaço de tempo em


sessões que variam de 5 a 45 minutos, raramente ultrapassando cinco
encontros. Embora possa ser aplicada em vários contextos, é mais utilizada
na atenção primária de saúde. É destinada a indivíduos que apresentam
problemas ou potencial para desenvolver problemas ligados ao seu padrão
145
de consumo de álcool, mas que não preenchem o critério diagnóstico de
dependência. A IB pode ser dividida em dois passos: triagem e intervenção.

Em um primeiro momento, o atendimento é focado na triagem, na qual


são avaliados os possíveis riscos ligados ao álcool a partir do padrão
(frequência, intensidade, contexto) de consumo de determinado indivíduo.
Após essa triagem, inicia-se a fase de intervenção, que tem o enfoque de
terapia de tempo limitado e é centrada no paciente. Ela é composta de
técnicas usadas na entrevista motivacional (EM) e na terapia cognitivo-
comportamental (TCC) (Silva, 2005). O objetivo desta aula é apresentar a IB
de forma didática, considerando suas principais características, seu método
de aplicação e as evidências científicas de sua eficácia.

A Intervenção Breve baseia-se no modelo cognitivo de dependência,


em que fatores etiológicos (chamados de fatores predisponentes) atuam e
interagem, aumentando a probabilidade de se desenvolver uma
dependência. Esses fatores podem ser divididos em:

1. Fatores genéticos;
2. Fatores ambientais;
3. Fatores culturais;
4. Fatores psicológicos.

Silva e Serra (2004) relatam que ao entrar em contato com


determinada substância com potencial aditivo, o indivíduo que consome a
substância poderá ou não tornar-se dependente, de acordo com o número e
a intensidade desses fatores predisponentes, estando congruente com os
conceitos do modelo de aprendizagem social do autor Bandura.

Dessa maneira, para mudar certos comportamentos, a teoria cognitiva


foca em alterar fatores individuais e ambientais. Nessa perspectiva, a
autoeficácia, a confiança e a capacidade que um indivíduo tem de mudar seus

146
comportamentos, e a motivação para fazê-lo, são componentes fundamentais
para alterar comportamentos tidos como nocivos.

No processo de triagem, realizado na intervenção breve, é importante


realizar um rastreamento (screening) dos padrões de consumo do indivíduo.
É nessa fase que avaliam os possíveis riscos e problemas decorrentes do
padrão de consumo de álcool. Na realização dessa etapa, é possível usar o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) ou a
Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
(CID-10). Mas como é de comum conhecimento, os serviços de atenção
primária à saúde são, muitas vezes, sobrecarregados, e, por isso, seus
atendimentos devem ocorrer de forma breve e eficaz, o que por esta razão a
utilização de rastreamento, como o AUDIT, torna-se uma escolha rápida e
assertiva dentro desse contexto.

Esses instrumentos são importantes na atenção primária à saúde, pois


permitem que qualquer profissional do serviço faça um rastreamento rápido
de pessoas que podem se beneficiar desta técnica, além de apontar aquelas
com quadros mais severos, que devem ser avaliadas por processos
diagnósticos mais demorados.

O AUDIT consiste em 10 perguntas que analisam a quantidade e a


frequência de consumo de álcool, possíveis sintomas de abstinência e
possíveis problemas ligados ao consumo de álcool. Cada resposta tem uma
pontuação, sendo que o escore varia de 0 a 40. Nos casos em que a
pontuação supera 8 pontos, existe o risco de problemas ligados ao consumo
excessivo de álcool, e uma avaliação mais detalhada é indicada.

Já o questionário CAGE é composto por quatro perguntas (todas com


respostas “sim” ou “não”). Por isso, sua aplicação e sua avaliação são mais
rápidas em comparação ao AUDIT. Nos casos em que duas ou mais respostas
“sim” são obtidas, é indicada uma avaliação mais detalhada. Embora este
instrumento seja sensível em detectar problemas ligados ao álcool,

147
apresenta dificuldade em detectar riscos para consumidores menos graves,
mulheres e adolescentes.

É de suma importância ressaltar que embora esses instrumentos


auxiliem na prática clínica, eles não fazem o diagnóstico de abuso ou
dependência de álcool, pois são instrumentos de rastreio, mas podem
apontar prováveis casos que merecem ser avaliados com mais cuidado.

Mediante a esse fator, uma avaliação mais detalhada é indicada. Essa


avaliação deve investigar o nível de comprometimento do paciente no
momento da intervenção, o grau de problemas relacionados ao consumo de
álcool e possíveis complicações e/ou comorbidades associadas.

Após a avaliação clínica, na qual se constatou que o paciente pode


beneficiar-se da intervenção breve, é importante avaliar a motivação para
reduzir o consumo de álcool que cada paciente apresenta. A motivação é um
processo dinâmico, que pode ser influenciado por vários fatores. Sabe-se
que, para aumentá-lo, o profissional deve ser empático, ter paciência e ser
ativo e firme nesse momento da intervenção. Um modelo interessante para
entender o estado de motivação foi desenvolvido por Di Clemente e
colaboradores (1999), os estágios de modificação comportamental segundo
esse modelo são:

 Pré-contemplação: Na pré-contemplação, os pacientes


apresentam pouca ou nenhuma preocupação com os problemas
associados ao uso de álcool. A maioria deles não deseja modificar os
próprios comportamentos, pois acha que não tem nenhum tipo de
problema relacionado ao consumo excessivo de álcool. Muitas
vezes, são pressionados pelos familiares a procurar tratamento.
Nesse momento, é importante auxiliá-los na avaliação dos
problemas.

 Contemplação: Na contemplação, os pacientes já se preocupam


com os problemas associados ao uso de álcool, porém, não

148
apresentam um plano para modificar seu comportamento. Estão
começando a ter consciência ou a se preocupar com as
consequências adversas do consumo excessivo de álcool.

 Preparação: Na preparação, os pacientes se preocupam com os


problemas associados ao uso de álcool, inclusive com a busca de um
plano para se tratar. Nesse estágio, a decisão de modificar seu
comportamento é assumida, porém, ainda não foi acionado o plano
de tratamento.

 Determinação: Na determinação, os pacientes colocam em prática


o plano para modificar o comportamento-problema, engajando-se
ativamente em um programa de tratamento.

 Ação: Na ação, os pacientes iniciam o tratamento e interrompem o


uso, tomando ações eficazes para atingir a meta estabelecida.

 Manutenção: Na manutenção, os pacientes rediscutem seus


objetivos e a mudança de comportamento, fazendo uma avaliação
dos resultados.

A identificação em que estágio de motivação o paciente se encontra é


fundamental para o tratamento, pois o paciente precisa estar convencido e
relacionando seus problemas ao uso do álcool, pois, só a partir desse
momento conseguirá tomar atitudes e ações que o previnam do uso. São
estabelecidas metas para cada paciente, individualmente, a partir da clara
identificação de seu padrão atual de consumo e dos riscos associados.
Há seis elementos que parecem contribuir substancialmente para a
eficácia da intervenção breve. Eles podem ser identificados por meio do
acrônimo FRAMES, originado pela composição da primeira letra das
palavras inglesas Feedback, Responsibility, Advice, Menu, Empathy e Self
Efficacy.
 O feedback é empregado para definir a retroalimentação do
paciente por meio da comunicação dos resultados de sua
149
avaliação, mais comumente feita pela devolutiva dos resultados
obtidos na aplicação de um instrumento de rastreamento.
 A responsibility refere-se à ênfase na autonomia do paciente e
sua responsabilidade nas decisões, o que implica o
posicionamento necessário de autoproteção e cuidado e
compromisso com mudança.
 O advice corresponde às orientações e recomendações que o
profissional deve oferecer ao paciente, fundamentadas no
conhecimento empírico atual, sendo essas claras, diretas e
desvinculadas de juízo de valor moral ou social, devendo
preservar a autonomia de decisão do paciente.
 O menu é o fornecimento ao paciente de um catálogo de
alternativas de ações – voltadas a sua autoajuda ou a opções de
tratamento disponíveis – que podem ser implementadas por ele.
 A empathy refere-se ao modo empático, solidário e
compreensivo, postura que deve ser adotada pelo profissional
diante do paciente.
 A self efficacy é o termo empregado para o foco que o
profissional deve ter no sentido de promover e facilitar a
confiança do paciente em seus recursos e em seu sucesso,
correspondendo a um reforço do otimismo e da autoconfiança
do paciente.
Tendo em mente esses elementos, são realizadas as consultas na qual
existem cinco passos a serem seguidos na aplicação de uma IB. Segue os
passos na tabela abaixo:

PASSOS DA INTERVENÇÃO BREVE E RESPECTIVAS INTERVENÇÕES


Avaliação e  Aplicar CAGE ou AUDIT para Screening;
feedback  Ter em mente o diagnóstico de transtornos pelo uso de
álcool;
 Dar retorno ao paciente sobre o resultado da avaliação
efetuada, tanto sobre o uso de álcool como sobre outros
diagnósticos (hipertensão, gastrites, neuropatias, etc.);

150
 Se o paciente estiver com sintomas de abstinência, deve-se
iniciar a desintoxicação seguindo o consenso sobre
síndrome de abstinência de álcool (SAA);
Negociação da  Estabelecer uma meta de tratamento em acordo com o
meta de paciente;
tratamento  Se o paciente estiver fazendo uso de alto risco, o médico
pode sugerir como meta o beber controlado;
 Se o paciente tiver uma dependência já instalada, a melhor
meta é a abstinência;
Técnicas de  Diagnosticar o estado de motivação do paciente;
modificação de  Realizar balanço entre os prós e contras do uso de álcool;
comportamento  Realizar avaliação laboratorial e investigar áreas de vida
com problemas relacionados ao consumo;
Material de  Fornecer ao paciente material didático informativo sobre
autoajuda uso de álcool;
Seguimento  Realizar visita mensal ao consultório ou visita domiciliar
mensal ou dar um telefonema.

Segundo Miller (2009), hoje existe, grande evidência para a eficácia da


IB no tratamento e na prevenção secundária de problemas ligados ao
consumo de álcool e/ou outras substâncias, desenvolvida para atender os
estágios iniciais dos transtornos por uso de substâncias, a intervenção breve,
aparece como importante estratégia para prevenir o agravamento desses
transtornos e dos problemas ligados a eles.

Terapia de Grupo no Tratamento da Dependência


Química
Pontos Importantes:
 Busca resgatar a sensação de pertencimento do usuário e a
identidade.
 Poucos estudos no cenário científico, com limitações metodológicas
que confirmem a efetividade da psicoterapia grupal.
 Intervenção de baixo custo.

A psicoterapia de grupo tem se mostrado, ao longo do tempo, um recurso


com vantagens consideráveis no tratamento da dependência química, tendo
sido amplamente empregada a ponto de, às vezes, ser prioritária como
tratamento de escolha. Apesar do uso bastante comum, existem poucos
151
estudos controlados ou com limitações metodológicas que confirmem a
efetividade da psicoterapia grupal.
No que se refere a utilização da psicoterapia de grupo, é importante
compreender que requer um conhecimento de técnicas e aprimoramento
constante, que possibilita ao especialista ser atuante no processo de
mudança, dirigindo o grupo de forma a permitir que essas pessoas possam
emergir na direção construtiva de suas vidas.
Segundo Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019) a dependência se configura
em uma condição física, psicológica e social, muitas vezes, fruto da tentativa
do indivíduo de lidar com seus conflitos. Muitos fatores podem representar
riscos, para que a pessoa trilhe o caminho da dependência, como a sua
constituição psíquica, somada às circunstâncias do ambiente e à sua história
de vida. A dependência provoca muitas consequências e sua causa está
associada a fatores de ordem maior na estruturação do sujeito.
Visto a complexidade inerente na própria dependência química, esta não
nos permite padronização quanto a personalidade do usuário e do plano de
recuperação específica para diferentes drogas, entre outros, dificultando
assim, as respostas genéricas. Há diversos fatores que tornam a escolha da
psicoterapia de grupo viável, ou como forma principal de tratamento ou
como forte coadjuvante em casos de maior gravidade, quando associada a
recursos, como acompanhamento médico e psiquiátrico, treinamentos de
inclusão social, grupos de autoajuda e a própria psicoterapia individual. A
primeira e mais simples questão que viabiliza a psicoterapia de grupo é a
praticidade, em atender um número maior de pessoas, o que é de grande
valia, considerando a demanda e, ao mesmo tempo, as dificuldades do
atendimento público.
É perceptível que o usuário de drogas sofre uma estigmatização da
sociedade, colocando em evidência sua exclusão em diversos contextos,
acarretando sofrimento e isolamento. A escolha da terapia de grupo pode
oferecer ao dependente químico, meios para que esse indivíduo se perceba
como parte integrante do grupo, com o qual se identifica, vendo pelo

152
sofrimento, pela experiência e pelos anseios da outra parte de sua própria
história. A sensação de pertencimento e de experiência compartilhada com
pessoas “iguais” a ele o auxilia a criar saídas para o isolamento e a solidão
tão presente no usuário de drogas.
O grupo tem a força de criar uma identidade, que servirá posteriormente
como apoio para a construção de uma identidade própria, mais fortalecida e
autêntica. A psicoterapia de grupo, com objetivos focados, bem definidos e
coerentes com a realidade, tem sido uma grande contribuição para que o
indivíduo atualize seus conflitos e sofrimentos em um ambiente protegido,
que o auxilie a reformular sua forma de agir e reagir frente aos eventos de
sua vida.
No contexto grupal, o indivíduo pode encontrar maior possibilidade de
perceber a si mesmo e ao outro, por meio do que podemos chamar “reação
espelho” (enxergar-se a partir do outro), além de poder se familiarizar com
novas maneiras de sofrimento e de soluções, representadas por pessoas
reais colocadas durante a terapia de grupo.
A psicoterapia de grupo pode ser utilizada para diversas finalidades,
desde a busca do autoconhecimento e mudanças nas relações interpessoais
até grupos que se propõem a trabalhar sintomas específicos, como é o caso
da dependência de álcool e outras substâncias. Além das muitas
aplicabilidades, vários referenciais teóricos podem ser utilizados,
dependendo da formação do especialista, do perfil do grupo, dos objetivos
terapêuticos, entre outros critérios básicos.
No caso da dependência química, é importante que a abordagem teórica
leve em conta a amplitude da problemática e as consequências negativas
nela inseridas, principalmente, quanto ao potencial destrutivo (físico, mental
e social). Geralmente, o indivíduo apresenta um quadro de perdas e
limitações, o que dificulta, em primeira instância, o aprofundamento para
questões mais amplas, inconscientes e angustiantes de sua vida. Mesmo o
especialista, tendo plena consciência do caráter sintomatológico da questão,
acreditamos existir aqui a necessidade de abordar o comportamento de

153
maneira menos angustiante. Os grupos de orientação, aconselhamento ou
apoio centralizam a busca de soluções mais práticas, objetivando a mudança
de padrões de comportamentos destrutivos por novas atitudes para lidar
com as mesmas questões conflitantes.
Na dependência química, a terapia cognitivo comportamental vem
demonstrando maior eficácia em termos de custo-benefício quando aplicada
em grupo, em vez de individualmente. A terapia cognitiva atua basicamente
no fortalecimento das atitudes e do pensamento, focando, de maneira mais
diretiva, o comportamento em questão. Aborda os determinantes do hábito
aditivo, incluindo antecedentes situacionais e ambientais, crenças e
expectativas, história familiar individual e experiências anteriores com a
substância psicoativa, atividades que envolvem o consumo e as
consequências do hábito. Segundo a teoria, sendo o comportamento
resultado do aprendizado, o ser humano pode, conscientemente, aprender e
adquirir atitudes mais adaptadas.
A prevenção à recaída, derivada do enfoque cognitivo-comportamental,
pode ser incorporada a terapia de grupo, com o objetivo auxiliar o indivíduo
a aprender outras respostas para as mesmas situações, por meio da
percepção de crenças errôneas ligadas ao uso, treinamento de habilidades
comportamentais e modificações no estilo de vida. O psicodrama, a gestalt e
outras terapias de ação, podem ser úteis também, como abordagens
principais ou inseridas na terapia convencional, principalmente, em casos
em que o grupo apresenta maiores resistências.
Independentemente da linha teórica, vários autores destacam vantagens
do trabalho envolvendo interações grupais. Tão importante quanto o
referencial teórico do psicoterapeuta é seu preparo técnico e pessoal, bem
como sua disponibilidade para flexibilizar alternativas para as diversas
demandas. É preciso man ter a atenção, observando quais são as situações
de risco para recaída e buscar desenvolver estratégias para evitá-las. É
notório que na primeira fase do tratamento, predominam sentimentos
ambivalentes e poucas condições para lidar com a angústia e a frustração, o

154
que aumenta o risco de retorno ao uso, portanto, na fase de tratamento, o
preparo do terapeuta para utilização de técnicas de prevenção de recaída é
bastante útil.
Para manter a estrutura organizativa do grupo, é necessário estabelecer o
cumprimento das regras, pois serão os norteadores do trabalho grupal. Ter
regras coerentes e claras, objetivamente expostas a todos os participantes,
permite o acompanhamento de seu cumprimento e um referencial seguro
para todos. Se o contrato é dúbio ou implícito, a pessoa se sente em
condições de mudar as regras de acordo com visão e desejos particulares,
reproduzindo sua função desadaptativa no grupo.
Para questões que apareçam no decorrer do tratamento e que não
estavam previstas no contrato, é sugerido pela literatura, que
primeiramente, sejam pensadas pela coordenação do grupo, objetivando
coerência com os objetivos do tratamento, e colocadas para o grupo, ou para
serem discutidas e chegar a um consenso entre os participantes ou apenas
para colocar as regras já decididas pela coordenação, nunca esquecendo de
quem dirige o grupo são os profissionais/coordenadores, portanto, estes
precisam ter a visão do todo para lidar com as decisões.
Para se formular um bom contrato terapêutico é necessário abordar os
seguintes aspectos:
 Objetivo (abstinência e melhoria da qualidade de vida);
 Prazo mínimo de compromisso e alta;
 Tentativa de abstinência no dia da sessão;
 Evitar segredo entre os membros do grupo;
 Necessidade de sigilo no tocante ao conteúdo das sessões, bem como
aos participantes;
 Horários e local das sessões;
 Aviso de faltas previstas;
 Honorários, dia de pagamento, reajustes e férias do terapeuta.

Segundo a literatura científica existente acerca desse tema, a interação


grupal possibilita a aprendizagem social, principalmente, quando:
155
 A vivência se dá em grupo, uma vez que surge o suporte positivo dos
pares, a sensação de isolamento e discriminação diminui;

 São compartilhados exemplos realistas de mudanças;

 Torna-se um cenário de posturas assertivas de prevenção de recaídas;

 Oferece um ambiente familiar a partir de um senso de acolhimento e


pertencimento construído entre os participantes;

 Propicia a oportunidade de treinamento de habilidades sociais;

 Estimula a autoeficácia, pelo fato de ser uma intervenção que oferece


suporte e ajuda para vários participantes, simultaneamente, com a
partilha constante de informações entre os membros e os
coordenadores de grupo;

 É mediante um cenário estruturado e organizado, pautado em regras,


normas e horários, que irá manter uma atmosfera de esperança,
suporte e encorajamento necessários para a modificação do
comportamento de consumo abusivo ou dependência de substâncias.

Prevenção a Recaída
Pontos Importantes:
 Variedade de técnicas, quase todas cognitivas ou comportamentais,
que objetivam a mudança do hábito autodestrutivo.
 Baseada na aprendizagem social de Bandura.
 Nessa abordagem, podemos compreender a recaída, não como uma
catástrofe inexplicável, mas como um evento que acontece por meio
de uma série de processos cognitivos, comportamentais e afetivos.

O termo “prevenção de recaída”, refere-se a uma ampla variedade de


técnicas, quase todas cognitivas ou comportamentais, que essencialmente,
busca modificar um hábito autodestrutivo e manter essa mudança,
consistindo na identificação de situações de alto risco para um determinado
indivíduo, no desenvolvimento de estratégias para lidar efetivamente com

156
essas situações e em mudanças nas reações cognitivas e emocionais
associadas. No entanto, convém ressaltar, que a grande maioria dos
programas de prevenção de recaída, embasa-se no modelo teórico do
processo de recaída, proposto por Marlatt, em 1985, para o quais vários
outros autores contribuíram após sua formulação pioneira.
As intervenções nessa abordagem de tratamento, focam no
desenvolvimento de comportamentos positivos e saudáveis para substituir
aqueles associados ao consumo abusivo de substâncias e reforçam o não uso.
Portanto, o objetivo da prevenção da à recaída é bem mais amplo do que
apenas ajudar o paciente a desenvolver habilidade para aprender a viver
sem ter no álcool ou na droga uma prioridade. Seu comportamento de uso é
apenas o ponto de partida para a modificação de todo um estilo de vida, de
um jeito de ser no mundo.
Esta intervenção embasa-se no modelo de aprendizagem social de
Bandura proposto por Marlatt. Segundo essa teoria, o comportamento de
uso ou consumo abusivo de substâncias é aprendido e sua frequência,
duração e intensidade aumentamem função dos benefícios psicológicos
alcançados. Na aprendizagem social, a interação dos fatores biológicos,
genéticos e psicossociais é percebida como importante, ou seja, é possível
que uma vulnerabilidade genética interaja com fatores psicossociais,
resultando em habilidades deficientes que solicitem treinamento e
remediação. Nessa perspectiva, o uso de substâncias é um mecanismo
aprendido, por meio de reforço e de modelagem, que tem como finalidade
reduzir o estresse. Conforme o uso da substância contínua, o indivíduo
poderá utilizá-la com mais frequência e em doses maiores, para evitar os
sintomas de abstinência.
Quanto ao processo de recaída, presume-se que o indivíduo
experiencie um senso de controle, enquanto mantém a abstinência. Quanto
maior o tempo de abstinência, maior será sua percepção de controle. Esse
senso de controlecontinuará até que a pessoa encontre uma situação de alto
risco. Uma situação de alto risco é definida, de maneira ampla, como

157
qualquer situação que represente uma ameaça ao senso de controle e
aumente o potencial risco de recaída. Na iminência da situação de risco, o
usuário pode apresenta ou não uma resposta de enfrentamento eficaz.
Quando não há uma resposta de enfrentamento, o indivíduo tende a
experimentar uma diminuição da autoeficácia (impotência e tendência a
render-e passivamente).
A situação de risco, de acordo com Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019),
significa qualquer determinante interno (psicológico) ou externo
(ambiental) que ameace a percepção de controle (autoeficácia) do indivíduo.
Vejamos algumas situações de riscos iminentes para o dependente químico:

 Estados emocionais negativos como: frustração, raiva, ansiedade,


depressão ou tédio, antes ou no momento da ocorrência do
primeiro lapso;
 Conflitos interpessoais, tal como: problemas no casamento,
amizade, membros familiares ou relações de trabalho;
 Discussões e confrontações;
 Pressões sociais ocorrida de forma direta (contato interpessoal
direto com persuasão verbal) ou indireta (estar na presença de
outros que se engajam no mesmo comportamento-alvo, ainda que
sem qualquer pressão direta).

Com a situação de risco instaurada, exigirá do usuário a emissão de


uma resposta de enfrentamento cognitiva ou comportamental eficaz diante
da situação. Caso não ocorra a reposta eficaz, a probabilidade de recaída
aumenta significativamente, à medida que a autoeficácia diminui diante da
situação de alto risco precipitadora, as expectativas do indivíduo para lidar
eficientemente com situações problemáticas também começam a cair.
A combinação da incapacidade para lidar de forma eficaz com uma
situação de alto risco, aliado com expectativas de resultado positivo para os
efeitos da antiga e habitual forma de enfrentamento, aumenta imensamente
a probabilidade de ocorrência de um lapso inicial. Nesse ponto, a menos que

158
ocorra uma resposta de enfrentamento ou uma súbita mudança na
circunstância no último minuto, o indivíduo pode atravessar a fronteira da
abstinência (ou uso controlado) para a recaída (uso descontrolado), por
meio de um uso inicial ou lapso.
Nessa perspectiva, podemos compreender a recaída, não como uma
catástrofe inexplicável pelo modelo de prevenção de recaída, mas como um
evento que acontece por meio de uma série de processos cognitivos,
comportamentais e afetivos. Já um lapso se refere a um escorregão, descuido
ou falha, uma retomada do antigo padrão de consumo alcoólico, um retorno
ao beber nos mesmos níveis anteriores à intervenção terapêutica ou à
abstinência.
Observa-se, que no tratamento em dependência química, os lapsos ou
escorregões durante a abstinência são inevitáveis e vistos como um ponto
crítico, a partir do qual o indivíduo pode retornar à abstinência ou
desenvolver um completo padrão de recaída como resposta ao efeito da
violação da abstinência proposta pelo próprio indivíduo.

 Já que a primeira etapa de prevenção a recaída é ensinar o


paciente a reconhecer as situações de alto risco, que podem
precipitar ou desencadear uma recaída, então quais os métodos
que poderiam auxiliar os pacientes a identificar as situações de
alto risco?
Segundo os autores Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019), há três
métodos que se destacam como recurso para auxílio na identificação de uma
possível recaída:

 Automonitoramento: o paciente é encorajado a manter um


registro contínuo da ocorrência do comportamento de uso da
substância e das circunstâncias em que se manifestou, a fim de
conscientizar o paciente cada vez mais acerca do seu
comportamento de uso.

159
 Avaliações de autoeficácia: este procedimento envolve a
apresentação de uma lista de várias situações de alto risco e a
solicitação ao cliente para avaliar o grau de tentação que tende a
experienciar e o grau de segurança que sente sobre sua capacidade
de lidar efetivamente (evitar um lapso) em cada uma dessas
situações.
 Descrições de episódios passados ou fantasias de recaída: as
recaídas pelas quais o paciente já passou, ou teme passar, podem
ser utilizadas como fontes de informação e aprendizado. Quais
foram às circunstâncias que culminaram ou culminariam com o uso
inicial? Que habilidade(s) seria(m) necessária(s) para enfrentar
essas situações? De que maneira o uso inicial evolui para uma
recaída? O que o paciente pensa/sente a respeito do uso inicial? A
que atribui à causa?

Além das intervenções específicas, que consistem na identificação de


situações de alto risco, há várias estratégias específicas de intervenção na
prevenção a recaída, tais como: intervenções em respostas de
enfrentamento, intervenções em expectativas de resultado positivo do uso
da substância, intervenções para frear o uso inicial, intervenções sobre o
efeito da violação da abstinência, processo da recaída/estilo de vida
desequilibrado, intervenções globais, intervenções no estilo de vida,
intervenções no desejo de indulgência, intervenções sobre as compulsões e
fissuras e mindfulness ou atenção plena.
Em suma, a prevenção da Recaída, desenvolvida por G. Alan Marlatt,
utiliza princípios da terapia cognitivo-comportamental, e visa auxiliar o
usuário de substâncias psicoativas a identificar e a lidar com situações de
risco e de alto risco, que poderão levá-lo a consumir novamente sua droga de
preferência ou outra qualquer, dependendo da situação. A importância em
praticar o inventário, proposto para lidar com situações de risco, o
conhecimento teórico e básico da prevenção a recaída, auxiliam o paciente a
identificar (reconhecer), evitar e a lidar na manutenção da abstinência frente
160
aos obstáculos encontrados.

Terapia de Família e Dependência Química

Pontos Importantes:
 A família é um importante sistema dentro da sociedade.
 A família pode ser entendida como um cenário de risco e/ou de
proteção frente às complexidades do abuso de substâncias.
 A terapia familiar (TF) é uma modalidade que traz benefícios e
contribui de maneira positiva para a mudança no padrão de abuso
ou dependência química.

A família é considerada um importante elo entre o indivíduo e a


sociedade, fonte de aprendizagem e de interação social fundamental. É
fundamental compreender os elementos que compõem a correlação desse
sistema para o campo de tratamento e da prevenção é, consequentemente,
uma via imperativa. Identificar sistemicamente as características do membro
da família e da comunidade que apresenta algum comportamento
sintomático é requisito essencial para as intervenções voltadas às famílias.
Não existe um único modelo de família. Elas são definidas muito mais
pelos laços afetivos do que por consangüinidade, e as mudanças sociais
trouxeram várias formas de convivência e configurações. Estas
configurações, refletem em uma arena de negociações de papéis, de
intercâmbios de gerações, de gênero e culturas, em que, muitas vezes, a não
adaptação esperada para uma convivência harmoniosa, ou na promoção de
relações interdependentes entre os membros, torna possível a presença do
problema do uso de substâncias dentro do sistema familiar.
Hoje, a família pode ser entendida como um cenário de risco e/ou de
proteção frente às complexidades do abuso de substâncias. O pressuposto
básico desse entendimento, explica que as pessoas que usam drogas estão
inseridas em um contexto no qual seus valores, crenças, emoções e
comportamentos influenciam os comportamentos dos membros da família,
também sendo por eles influenciados.

161
Em 2007 o IBGE realizou uma pesquisa nacional com as famílias
brasileiras, que revelaram as seguintes configurações familiares:
 Famílias com filhos predominam (67,6%).
 Crescimento da proporção de pessoas que vivem sozinhas, dos
casais sem filhos, das mulheres sem cônjuge — mas com filhos
— na chefia das famílias, além de uma redução da proporção dos
casais com filhos.
 Aumento considerável, entre 1996 e 2006, do número de
mulheres indicadas como provedoras, com uma variação de
79%, enquanto, no mesmo período, o número de homens
“chefes” de família aumentou 25%.
 A família monoparental feminina tem expressão significativa nas
áreas urbanas, sobretudo, no contexto metropolitano.
 Tendência de redução do tamanho da família, que passou de 3,6
pessoas, em 1996, para 3,2, em 2006.
 Arranjos unipessoais representaram 10,7% do total no país.
 40% das famílias tinham um membro com mais de 60 anos.

Evidências apontam, que filhos de pais dependentes tendam a ter mais


chances de desenvolver problemas de uso ou dependência, é importante
constatar que problemas dessa ordem podem ocorrer com qualquer família.
As vertentes socioculturais, interferência da vulnerabilidade social presente
nos lares, tanto para um indivíduo, como para todo o núcleo família são
fatores que impactam no contexto familiar altamente frágil e desprotegido.
Os fatores de risco e de proteção familiares, comportamentos
presentes entre os membros, que vão além da perspectiva da codependência
e que ilustram novas formas de compreensão quanto às condições de
enfrentamento familiar, características e aspectos predominantes na
dinâmica familiar ou no perfil das famílias que apresentam o desafio da
dependência.
A terapia familiar (TF) é uma modalidade de reconhecer que traz
benefícios e contribui de maneira positiva para a mudança no padrão de
162
abuso ou dependência de substâncias e para a qualidade de vida da família,
com achados científicos propostos por vários autores.
Portanto, as intervenções familiares precisam oferecer acolhimento e
orientação, procurando conhecer a cultura da família e sua linguagem,
crenças e normas, elaborando um diagnóstico diferencial para propor um
plano de tratamento à família, estabelecendo, em conjunto com ela, um plano
de tratamento, após o diagnóstico diferencial, detectando e orientando a
família, em relação às suas próprias competências, detectando e valorizando
as áreas “preservadas” dos vínculos familiares, orientando e motivando a
família a participar do processo de tratamento e evitando julgamentos e
preconceitos. Também é esperado que o profissional identifique o padrão
familiar.
Quanto às modalidades de intervenções, os principais modelos de
atendimento para as famílias inseridas nesse contexto, pode se
verificar os seguintes modelos:
 Intervenção: a ação prevê a união de familiares e pessoas importantes
para o usuário com o objetivo de dar a este um ultimato quanto ao uso
de drogas.
 Abordagem de reforço da comunidade: todo o contexto em volta do
usuário se organiza para que, por meio de uma política de reforços
positivos, seja possível o alcance e a manutenção da abstinência;
familiares, grupo social, recreacional e ocupacional estão envolvidos
na ação.
 Treinamento de reforço da comunidade: o profissional envolvido
está à disposição em tempo integral para assistência à família, de
modo a atendê-la durante os períodos mais críticos.
 Treinamento de família e reforço dacomunidade: tem como
objetivo, motivar o paciente a aderir ao tratamento por meio do
atendimento aos familiares.

163
 Identificação do membro mais motivado da família: objetiva
facilitar a entrada do paciente no tratamento e ajudar o familiar
envolvido.
 Terapia de família unilateral: terapia feita com o cônjuge, no sentido
de facilitar a entrada do paciente no tratamento.
 Aconselhamento cooperativo: treinamento oferecido a familiares
que necessitam de ajuda em função de estarem envolvidos com
dependentes químicos, recrutados pela mídia.
 Método de engajamento sistêmico estrutural-estratégico:
tratamento focado na mudança dos padrões de interação familiar, já
que enfatizam a importância desses padrões, alguns relacionados ao
uso de drogas.
 Sequência de intervenção relacional para o engajamento: forma
de intervenção mais flexível que permite à família, em conjunto com
seu familiar dependente, tomar decisões relacionadas ao familiar em
função de seu uso de drogas.
 Terapia de rede: foca a família como um grupo que atua como
substrato para a mudança, ampliando o apoio para o contexto social
dos pacientes (rede).

No que tange a estrutura e forma de atendimento com que cada


abordagem pode ser empregada, temos as opções a seguir:
 Psicoterapia familiar: reúnem-se a família e o dependente químico.
 Grupos de pares: membros da família são distribuídos em diferentes
grupos de pares (dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges,
etc.). A interação entre pares é facilitadora de mudanças, uma vez que
escutar “não” de um par é o mesmo que o escutar de um terapeuta.
 Grupo unofamiliar: conhecido como grupo de acolhimento ou de
orientação. Grupo com diversas famílias. Conta-se com um membro
familiar, representante de cada família, em sessões semanais, ou
conforme periodicidade de cada serviço.

164
 Grupos de multifamiliares: por meio de um encontro de famílias que
compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço
terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade
e da ajuda mútua, em que as famílias se convocam para ajudar a
solucionar o problema de todas, gerando um efeito em rede. Todas as
famílias são participantes e destinatárias de ajuda.
 Psicoterapia de casal: casais podem ser atendidos individualmente
ou em grupos, caso o terapeuta tenha habilidade para conduzir as
sessões sem expor particularidades de cada casal que não sejam
adequadas ao tema focado.
 Grupo de educadores, grupo de outros familiares e variações: o
atendimento familiar é múltiplo, e o trabalho interventivo pode ser
definido pelos núcleos, como pelo gênero, ou por questões específicas
a serem discutidas.

 Dentro das abordagens terapêuticas podemos citar algumas:


 Terapia familiar cognitivo-comportamental;
 Terapia de casal comportamental;
 Modelo sistêmico e seu entendimento sobre abuso e dependência
de substâncias;
 Terapia estratégica breve para adolescentes;
 Terapia motivacional sistêmica.

A diversidade do atendimento familiar também se refere ao processo,


havendo diferenças entre as famílias que recebem psicoterapia familiar e
aquelas que são esporadicamente atendidas dentro do tratamento do
dependente químico. Conforme a modalidade adotada, é possível conciliar
sessões abertas com sessões dirigidas, tanto em grupos como em
atendimentos familiares individualizados, com ou sem a presença do
dependente, desde que acordado previamente entre as partes.
A terapia familiar é fundamental no tratamento da dependência
química, trazendo benefícios significativos tanto no padrão de consumo do
paciente, quanto na melhora das relações familiares e sociais. Os ganhos de
qualquer intervenção familiar devem ser vistos no contexto de vida do

165
paciente e de sua família, sendo analisadas dentro de um processo, o que
significa que mudanças não serão imediatas, e sim construídas conforme a
realidade de cada sistema familiar.

Grupo de Apoio – Paciente e Família


Pontos Importantes:
 As irmandades são conceituadas como grupos de autoajuda mútua.
 São conhecidas: alcoólicos anônimos (AA), narcóticos anônimos
(NA) e amor exigente.

As irmandades anônimas, como são conhecidos os grupos de


autoajuda ou ajuda mútua são mundiais. O grupo mais conhecido e popular
do mundo são os alcoólicos anônimos (AA). Os AA são definidos, de acordo
com sua literatura oficial, como “uma irmandade de homens e mulheres que
se ajudam mutuamente a resolver seu problema comum, isto é, o alcoolismo,
e o abuso de outras drogas são conhecidos como narcóticos anônimos (NA).
A filosofia dos Alcoólicos Anônimos, é baseada em 12 passos que são
sugeridos para a recuperação. O primeiro deles, considerado o mais difícil, é
admitir a impotência perante o álcool, e a perda do domínio sobre a vida. “É
o caminho para a liberdade”, relata o homem que coordena os AA em todo o
Estado, e que é um alcoólico em recuperação.
Os outros passos tratam de temas como a importância da crença em
um poder superior, a confissão de falhas cometidas, entre outros. “O AA é um
programa para quem quer ter uma vida feliz, útil e significativa”, destaca um
dos membros.

166
A literatura do AA, lista também as 12 tradições que devem ser
respeitadas. Trata-se da Constituição Mundial da irmandade. Manter a
unidade – ou seja, o bem-estar comum – é uma tradição dos Alcoólicos
Anônimos, bem como divulgar a mensagem do AA, por meio de palestras em
hospitais e empresas, e manter-se auto-suficiente, rejeitando qualquer tipo
de doação.
Os Alcoólicos Anônimos (AA), destaca-se como uma organização de
autodenominados alcoólicos que se reúnem frequentemente e
voluntariamente, para reforçar sua prática de abstinência de ingestão de
bebidas alcoólicas. Os Narcóticos Anônimos (NA), destaca-se como uma
organização de autodenominados narcóticos que se reúnem frequentemente
e voluntariamente para reforçar sua prática de abstinência de ingestão de
outras drogas.
Já os grupos de apoio para as familiares, destacam-se o Amor Exigente,
que é um grupo cujo programa terapêutico focadona prevenção, mas
também na recuperação. Ajuda não só jovens quimicamente dependentes,
mas também, qualquer jovem ou casal de pais com problemas, na tentativa
de mudar seus comportamentos e, consequentemente, os comportamentos
dos seus.
Portanto, vimos a importâncias dos grupos de ajuda no tratamento da
dependência química, embora, a rigor, como assinala alguns autores, o
modelo de autoajuda não se configure como um “ambiente de tratamento”,
167
de qualquer maneira, é uma fonte importantíssima de ajuda a muitas
pessoas com problemas com álcool e outras drogas. Os grupos de autoajuda
não se autodenominam como fonte de solução para o problema da
dependência química ou outro distúrbio relacionado com as compulsões.
Seus membros reconhecem que tiveram sucesso ao tratar de seus próprios
problemas, entretanto, sob quaisquer circunstâncias não compartilham da
opinião de que sua visão terapêutica deva ser adotada universalmente.

Redução de Danos
Pontos Importantes:
 A redução de danos é uma estratégia que visa minimizar as
consequências adversas do uso de substâncias psicoativas.
 Considerada um meio, não uma finalidade no tratamento.

A redução de danos (RD) é um conjunto de medidas de saúde pública


voltadas a minimizar as consequências adversas do uso de drogas, sejam
lícitas ou ilícitas, sendo compreendida como uma das possíveis estratégias
de abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. É
reconhecido pelo International Narcotics Control Board (INCB), órgão
responsável por verificar se a comunidade mundial obedece aos ditames das
convenções, como uma estratégia de prevenção indicada (prevenção
terciária) que tem suas ações voltadas a interromper ou diminuir as
consequências do uso contínuo de substâncias psicoativas, destinados a
atingir usuários que não poderiam ser alcançados por outros meios.
Essa técnica parte das seguintes premissas:
 O uso de substâncias produz consequências negativas nas pessoas que
as consomem;
 As consequências do uso de substâncias podem ser minimizadas ou
evitadas com abordagens dirigidas;
 As abordagens de redução de danos são alternativas aos tratamentos
usuais, as quais podem ser empregadas a qualquer momento do
tratamento, sobretudo, quando a pessoa com problema pelo uso de
168
substâncias não está motivada de forma suficiente para interromper o
consumo.

 De acordo com Federal HAPCO, (2010), a prática de redução de


danos abrange:
 A abstinência ou a redução do consumo de substâncias;
 A prevenção da transmissão do vírus da imunodeficiência humana
(HIV) e de outras doenças infectocontagiosas entre usuários de
substâncias injetáveis por meio do uso de material descartável para
consumo e do provimento de locais seguros e limpos para uso dessa
substância;
 A prevenção de consequências da overdose da substância, como uso
em locais com assistência médica, treinamento e distribuição de uso de
medicamentos para paradas cardiorrespiratórias, entre outras ações;
 A substituição de substâncias mais danosas por outras menos
prejudiciais.

A prática de redução de danos, é uma estratégia para estabelecer


vínculo e trazer a pessoa com transtorno por uso de substâncias (TUS) para
perto das equipes de saúde. Dessa forma, não se deve considerá-la uma
estratégia finalística para o tratamento da pessoa com TUS, mas, sim, como
parte de um tratamento integral, compreendendo as abordagens médica,
psicológica, de assistência social e reinserção social, que consideram as
necessidades particulares de cada indivíduo com usuário de substâncias
psicoativas.
Atualmente, as práticas de redução de danos são feitas em 91 países.
Nos países pioneiros, como Suíça, Holanda, Canadá, Austrália, Reino Unido,
Espanha, Alemanha, Suécia e Nova Zelândia, tais práticas se associam a
outras técnicas de tratamento e prevenção:
 Intervenções socioeducativas;
 Intervenções breves;
 Programas de trocas de seringas;

169
 Programas de substituição de substâncias;
 Salas limpas para uso de substâncias;
 Programas de prevenção de overdose;
 Distribuição de naloxona;
 Treinamento de pares em ressuscitação cardiopulmonar;
 Mudanças legislativas e regulatórias.

No Brasil, as medidas de redução de danos foram introduzidas em São


Paulo, no ano de 1989, para a prevenção da transmissão do vírus HIV. Nessa
época, a prevalência de infecção por HIV em usuários de substâncias
injetáveis era próxima de 60%, sendo que 25% dos indivíduos com o vírus
faziam uso de substâncias injetáveis. Na segunda metade dos anos de 1990,
houve o surgimento de programas e associações de redução de danos em
diversos estados, porém, somente em 2002, a estratégia de redução de danos
foi incluída na Política Nacional Antissubstâncias. Mas ainda é incipiente nos
países da América Latina.
Ao longo dos anos, um corpo teórico foi construído e partilhado entre
os grupos que realizam a prática de redução de danos. Destes, alguns
princípios e valores foram considerados parte importante dessa abordagem.
A redução de danos entende o fato concreto de que muitas pessoas
usam substâncias e não se tornam dependentes e de que visões idealistas de
uma sociedade livre dessas substâncias não têm chances de se tornar
realidade. Reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita e
propõe alternativas para reduzir os danos produzidos pelo consumo de
substâncias. Ela oferece a possibilidade de diminuir as consequências
negativas de comportamentos de risco aos indivíduos que não têm como
objetivo inicial a abstinência completa ou não são capazes de atingi-la.
A redução de danos tem como princípios básicos os seguintes
aspectos:
 A RD é uma alternativa de saúde pública para os modelos moral,
criminal e de doença;

170
 A RD reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita
alternativas que reduzam os danos;
 A RD surgiu principalmente como uma abordagem “de baixo para
cima”, com base na defesa do dependente, em vez de uma política “de
cima para baixo”, promovida pelos formuladores de políticas de
drogas;
 Acesso a serviços de baixa exigência como uma alternativa para
abordagens tradicionais de alta exigência;
 A RD se baseia nos princípios do pragmatismo empático versus
idealismo moralista.

Quanto ao custo-benefício da redução de danos, nota-se, que a maior


efetividade é demonstrada na prevenção de doenças infectocontagiosas,
principalmente, o HIV e as hepatites virais, nos usuários de substâncias
injetáveis. A estratégia de alcance tem se mostrado efetiva para a redução de
danos nos usuários de substâncias ilícitas, bem como a estratégia de alcance
que pode ser realizada pelos pares, substituição da heroína pela metadona,
terapia de substituição da nicotina e campanhas educativas e as leis. Estudos
internacionais revelam que para a redução de danos tenha um tratamento
efetivo, não deve ser utilizada uma estratégia única para todos.
As evidências mostram uma maior efetividade, quando se
individualizam as abordagens, respeitando cada sujeito. Os usuários de
substâncias variam amplamente em relação às metas pessoais associadas ao
uso da substância, motivação e estágios de prontidão para a mudança, estado
emocional e psiquiátrico, traços de personalidade, vulnerabilidades e
variáveis socioeconômicas.
Por fim, para que seja maximizada a efetividade da redução de danos,
ela não pode ser considerada a única prática possível para a abordagem dos
usuários de substâncias. Ela deve ser considerada um meio, não uma
finalidade no tratamento desses indivíduos, sobretudo, quando é necessária
a criação de vínculo entre o usuário e o sistema de saúde e quando o usuário
não tem como objetivo inicial a abstinência completa.
171
Papel das Equipes Multidisciplinares no Tratamento da
Dependência Química
Pontos Importantes:
 A de organização do trabalho tem sido apontado como elemento
dificultador da produção de um cuidado integral em saúde.
 A interdisciplinaridade tem sido considerada componente essencial
da organização do trabalho.
 A assistência em saúde envolve um do tipo profissional e
especializado, que tenham qualificação técnica em graus
diversificados.

Na modernidade, o avanço do saber produziu o isolamento das


disciplinas e o surgimento de interesses corporativos que levaram a uma
fragmentação do conhecimento. Esse fenômeno resultou na racionalidade
técnico-científica que regula os processos de trabalho na área da saúde. Nas
últimas décadas, tem-se demonstrado a insuficiência dessa racionalidade, o
que coloca a interdisciplinaridade no centro das discussões acerca do
desenvolvimento do conhecimento científico e das práticas sanitárias.
O modo de organização do trabalho, tem sido apontado como elemento
dificultador da produção de um cuidado integral e de mais qualidade em
saúde, tanto na perspectiva daqueles que o realizam, como daqueles que dele
usufruem. A complexidade envolvida nesse campo, ultrapassa os saberes de
uma única profissão ou área do conhecimento. A busca de novas formas de
organização e gestão do trabalho em saúde, é uma decorrência da evolução
do conhecimento e uma necessidade própria da complexidade que os
problemas de saúde vão assumindo na contemporaneidade (Morin, 2000;
Pires, 1999).
Para dar conta dessa complexidade, que envolve um cenário no qual se
reconhece a insuficiência do olhar parcelado, que é proporcionado por
172
disciplinas estanques, o trabalho em saúde deve envolver práticas em
âmbito multi, pluri, inter e transdisciplinar.
A interdisciplinaridade, tem sido considerada componente essencial da
organização do trabalho, na contemporaneidade e importante facilitador na
obtenção de resultados positivos e na otimização da relação custo-
efetividade em vários contextos de saúde, e em todos os níveis de atenção à
saúde, buscando alcançar uma abordagem integral sobre os fenômenos que
interferem no processo saúde-doença da população. Remete às ações
conjuntas, integradas e inter-relacionadas, desenvolvidas por profissionais
de diferentes procedências quanto à área básica do conhecimento.
A multidisciplinaridade, refere-se ao trabalho e estudo de profissionais
de diversas áreas do conhecimento ou especialidades, sobre um
determinado tema ou área de atuação. Desse modo, não implica a integração
de ações desses diferentes profissionais, tendo em vista, o objetivo comum
de alcançar um entendimento mais amplo do fenômeno abordado.
Como ponto de partida, para compreensão do tratamento da
dependência química, este assunto deve ser entendido com um campo
complexo e multifatorial, que exige abordar, de forma integrada, as diversas
dimensões implicadas. Já é considerado consenso, pela literatura, que esse
tratamento seja organizado segundo um enfoque interdisciplinar, para além
de uma abordagem multidisciplinar.
Nesse contexto, a interdisciplinaridade exige que se pensem as
questões relativas à comunicação entre as diversas áreas de conhecimento, o
que exige superar os termos especializados e herméticos, criando-se uma
linguagem única e acessível a todos os envolvidos no processo de trabalho
para expressar os conceitos e as contribuições das várias disciplinas, o que
pode possibilitar a compreensão das diversas facetas do problema e o
intercâmbio de possíveis estratégias de solução.
Tendo em vista a gravidade dos problemas colocados pelo uso e
dependência de álcool e/ou outras drogas, o tratamento constitui um
processo dinâmico, caracterizado pelas interfaces das diversas áreas

173
implicadas. Nessa medida, o manejo dos problemas exige uma constante
negociação, capacidade de articulação e integração entre os profissionais da
equipe.
O paciente deve ser entendido e abordado sob a ótica da totalidade,
considerada na perspectiva da integralidade, que é a chave da intervenção
terapêutica, a fim de atenuar o sofrimento humano, onde o sujeito assume o
protagonismo de sua vida. Já as intervenções com as famílias objetivam
empoderar os familiares para que compreendam o problema em suas
diferentes facetas, incluindo sua repercussão no plano das interações do
sistema familiar, para que a família se conscientize da necessidade de se
reposicionar ante o familiar dependente.
A assistência em saúde envolve um do tipo profissional e
especializado, que tenham qualificação técnica em graus diversificados e
que, portanto, dominam saberes e técnicas específicas para auxiliar
indivíduos com problemas de saúde ou em situação de vulnerabilidade
psicossocial que implica riscos para adoecimento. De acordo com a
complexidade do serviço prestado, existe a necessidade de diversos
profissionais na prática clínica: médicos de diversas especialidades,
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos,
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, farmacêuticos,
assistentes sociais, entre outros.
A natureza das relações de trabalho nas equipes interdisciplinares
constitui uma das barreiras mais salientes para a implementação da
interdisciplinaridade. A organização taylorista-fordista, que ordena o campo
das relações de trabalho na saúde, impõe uma fragmentação e
hierarquização de tarefas.
O trabalho em equipe exige uma lógica cooperativa, diferente do
modelo fragmentado de organização do trabalho, em que cada profissional
realiza parcelas do trabalho sem uma integração com as demais áreas
envolvidas. A abordagem interdisciplinar pressupõe novas formas de
relacionamento, tanto no que diz respeito à hierarquia institucional, a

174
gestão, a divisão e a organização do trabalho, quanto no que se refere às
relações que os trabalhadores estabelecem entre si e com os usuários do
serviço. As barreiras que se interpõem a um trabalho efetivo da equipe
multidisciplinar compreendem: formação e capacitação profissional,
definição dos objetivos e papéis, manejo dos conflitos, padrões de
comunicação e fatores institucionais.

Políticas Públicas para a Dependência Química e Lei


Orgânica
Pontos Importantes:
 Conceito ampliado de saúde.
 Lei orgânica de saúde 8.080/90.
 Saúde como um direito constitucional.

Uma das principais questões que permeiam o campo da Saúde Mental,


gira em torno de como a loucura e todos os tipos de “transtornos” mentais
são vistos na sociedade. Desde muito tempo, essa é uma problemática
discutida e questionada, principalmente, em autores como Foucault (1972),
que analisou as formas de manifestação e controle da loucura ao longo do
tempo. Para o autor, no final do século XVIII a loucura foi alienada de si
mesma a partir de um estatuto de objeto.
Para compreender o conceito de saúde, na contemporaneidade, é
fundamental atentar-se à sua historicidade, bem como compreender o
processo que culminou no reconhecimento da saúde como um direito de
todo cidadão. Durante muito tempo, a saúde foi entendida como ausência de
doença a partir de uma perspectiva biológica, que considerava,
primordialmente, as características físicas dos indivíduos. Com o passar do
tempo, esse conceito foi ampliado e a saúde passou a ser sinônimo de um
“estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência
de afecções e enfermidades” (Organização Mundial da Saúde).
A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde passou a ser um
direito de todos e, em 1990, o Sistema Único de Saúde é regulamentado pela
175
Lei Orgânica de Saúde 8.080 de 1990. A partir dessa lei fica instituído: Art.
2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (Brasil, 1990).

Além disso, assegura-se no § 1º:


“O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de
outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação”.

Atualmente, há a compreensão de que o conceito de saúde não é


limitada a um conceito fixo, cristalizado, mas sim, está ligada a um conjunto
de fatores delimitados pelo tempo. Isso significa que a forma de
compreender a saúde, está relacionada diretamente às concepções acerca do
próprio homem e suas relações com a vida. A partir de tal pressuposto, é
preciso analisar a historicidade da saúde no Brasil, especificamente, com
relação ao acesso à Saúde Pública antes da criação do Sistema Único de
Saúde (SUS).

A ideia de bem-estar pode ser relacionada à satisfação das


necessidades (conscientes ou inconscientes), naturais ou psicossociais, ou
seja, a saúde como sinônimo de bem-estar, apresenta-se como um processo
biológico, físico, psicológico, mental e social (Miranda-Sá Jr., 2004). É a partir

176
de um olhar ampliado que a saúde é representada na contemporaneidade.

 O acesso igualitário e universal às ações de saúde é contemplado


pelos seguintes princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde:
 Universalização: Consiste no direito de cidadania de todas as pessoas
sem nenhum tipo de distinção social;
 Equidade: É a tentativa de diminuição das desigualdades e na
reparação de seus efeitos;
 Integralidade: Considera as pessoas como um todo, atendendo a
todas as suas necessidades, a partir da integração de ações, e da
articulação do campo da saúde com outras políticas públicas.

 Já os princípios Organizativos do SUS:


 Regionalização e Hierarquização: Relaciona-se à organização dos
níveis de complexidade, de acordo com a área geográfica e os critérios
epidemiológicos, para conhecimento da população a ser atendida.

Quanto a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde


(CNDSS), criada em 2006, define os Determinantes Sociais da Saúde (DSS)
como “os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e
comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e
seus fatores de risco na população” (Buss & Pellegrini Filho, 2007).
Há uma variedade de estudos que consideram os Determinantes
Sociais de Saúde, um ponto de partida para a compreensão dos indicadores
de saúde de determinada população, entre eles vale destacar: a relação entre
pobreza e saúde e a produção de iniquidades e os desdobramentos no
processo de saúde-doença. Este último enfoque é base para as discussões
contemporâneas, que objetivam compreender o ser humano a partir de sua
integralidade, pois considera toda a rede de relações produzidas no meio
social que o circunda.
O Ministério da Saúde, adotou a estratégia da organização do SUS a
partir da criação das Redes de Atenção à Saúde, com sub-redes temáticas,
com a finalidade de superar a fragmentação no contexto da atenção nas
177
Regiões de Saúde, bem como para assegurar ao usuário o conjunto de ações
e serviços para responder às suas necessidades de saúde. A Rede de Atenção
à Saúde, é definida na legislação vigente, como o conjunto de ações e serviços
de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade
de garantir a integralidade da assistência à saúde, sendo um conjunto de
ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente,
com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde. A partir
de 2011, com a regulamentação da portaria nº 3.088, surge um novo arranjo
organizativo de serviços e estratégias, que propõe a integralidade e
continuidade do cuidado.
No Brasil, o campo da saúde foi construído, ao longo do tempo, por
diferentes modelos que culminaram num processo de luta e conquista social
com base na promoção do bem-estar e no cuidado humanizado, amparado
na perspectiva crítica e ampliada. Nesse sentido, o processo saúde-doença é
compreendido de acordo com as multiplicidades que permeiam os sujeitos,
pelos aspectos psicossociais biológicos, culturais, econômicos que, de alguma
forma, interferem em seus modos de vida.
A partir da década de 1970 – 1980, as mobilizações no campo da saúde
ganham força e, em 1988, de acordo com a Constituição Federal, a saúde
passa a ser um direito de todos os cidadãos. Essas transformações sociais e
políticas contribuem, gradativamente, para a construção coletiva de um novo
paradigma em torno da saúde, que deixa de ser entendida como a ausência
da doença para ser considerada parte de um conjunto de fatores – biológicos,
psíquicos, sociais. Essa perspectiva biopsicossocial, tem como objetivo
desconstruir reducionismos e priorizar a atenção integral dos sujeitos
através de práticas cotidianas pautadas em saberes interdisciplinares que
contemplem a complexidades da vida humana e social.

Organização do Serviço no Tratamento da Dependência


Química

Pontos Importantes:
178
 Necessidade de uma organização de trabalho voltada para a
necessidade do usuário.
 Não há um modelo que seja melhor, o modelo é o que for mais
adequado para o sujeito.
 Há um grande número de papéis profissionais no tratamento da
dependência química.

A organização de serviços de tratamento para dependência química,


tem se tornado um paradigma atual para profissionais e gerenciadores de
saúde que atuam nessa área, uma vez que tal atividade se mostra uma tarefa
extremamente complexa e que envolve um grande número de variáveis.
Observa-se, que grande parte dos programas de tratamento para abuso e
dependência de substâncias psicoativas, tanto nacionais, quanto
internacionais, está organizada de forma empírica a partir do empenho e da
experiência pessoal de seus profissionais, havendo ainda uma grande lacuna
entre o que tem eficácia comprovada por pesquisa e o que se faz na prática
clínica.
Com o novo conceito de dependência, também passou a atribuir pesos
semelhantes aos critérios biológicos, psicológicos e sociais que compõem o
quadro diagnóstico da dependência química. A internação era o recurso
terapêutico mais utilizado, porque o objetivo primordial era a busca da
abstinência completa. A partir dessa nova concepção, no entanto, passou-se
a pensar para além dela: o tratamento da dependência química carecia de
abordagens capazes de motivar os indivíduos a ampliarem novamente seu
repertório social, a buscarem novas maneiras de relacionamento com seu
ambiente, novas habilidades sociais para lidar com o cotidiano, enfim, a
construção de um novo estilo de vida. Desse modo, novas dimensões de
tratamento foram desenvolvidas e indicadas de acordo com a gravidade dos
sintomas e do contexto social dos indivíduos.
Mediante a esse cenário, os serviços de atendimento foram sendo
criados ou adaptados para o tratamento da dependência química:
ambulatórios, centros de convivência, internações breves e longas, hospitais-
dia, moradias assistidas, acompanhamento terapêutico, agentes
multiplicadores, dentre outros. Para ampliar ainda mais os atendimento a
179
esses usuários, daí nasceu a necessidade de sensibilizar a rede primária de
atendimento, para fazer o diagnóstico precoce e motivar os usuáriosao
tratamento. Abordagens como a política de redução de danos surgiram com
a finalidade de prevenir consequências danosas à saúde do usuário, tais
como as doenças sexualmente transmissíveis (DST) e a síndrome da
imunodeficiência adquirida, sem necessariamente interferir na oferta ou na
demanda.
A partir disso, necessitou-se uma organização de um serviço, que é
uma tarefa complexa, envolta por inúmeras variáveis. Um serviço de
atendimento contemporâneo deve ser preferencialmente interdisciplinar,
construído com base nas necessidades do paciente, considerando parceiros
locais e envolvendo os familiares nos cuidados oferecidos.
Há uma possibilidade ilimitada de modelos de tratamento, cada um
deles tem vantagens e desvantagens na prestação de auxílio ao dependente
químico, não havendo um serviço melhor do que o outro, mas sim, pacientes
mais indicados para cada serviço.
Alguns ambientes de tratamento:
 Rede primária de atendimento à saúde;
 Unidades comunitárias de álcool e drogas;
 Unidade ambulatorial especializada;
 Comunidades terapêuticas;
 Grupos de autoajuda;
 Hospitais gerais;
 Hospital-dia;
 Moradia assistida;
 Hospitais Psiquiátricos;
 Sistema Judiciário;
 Empresas.

180
Todo o serviço deve procurar o seu lugar para apoiar com mais eficácia
o paciente que o procura, isso vai além da determinação do papel e do
posicionamento do serviço: é necessário também se conectar aos demais
serviços disponíveis, para formar redes de apoio mútuo. Isso reforça e
amplia as estratégias de tratamento do serviço e possibilita o
encaminhamento aqueles que já concluíram o tratamento proposto, mas
ainda necessitam de outras abordagens.
Dentre da organização de trabalho, há um grande número de
profissionais diretamente envolvidos no tratamento da dependência
química. Cada ambiente (e a complexidade de sua organização) requer um
tipo de equipe. Podemos citar alguns dos papéis profissionais:
 Médico generalista e médico especialista;
 Psicólogo;
 Assistente social;
 Enfermeiro;
 Terapeuta ocupacional;
181
 Acompanhante terapêutico;
 Agentes comunitários de saúde;
 Conselheiros ex-usuários.

Segundo o Instituto Nacional para a Saúde e Excelência Clínica, do


Reino Unido, todo indivíduo com problemas relacionados com o consumo de
substâncias psicoativas tem o direito de tomar decisões informadas sobre o
seu cuidado, em parceria com a equipe que lhe assiste. A Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS) e a Comissão Interamericana para o Controle do
Abuso de Drogas (CICAD), descrevem quatro aspectos fundamentais para
caracterizar um tipo de tratamento: caráter da intervenção, estratégia
terapêutica, metas terapêuticas e filosofia do tratamento.
Segundo o National Institute on Drug Abuse (NIDA), considera que
qualquer enquadramento terapêutico proposto deve contemplar ao menos
13 itens e propiciar ao paciente que o procura uma infraestrutura capaz de
atender às suas necessidades e remover barreiras que dificultem sua adesão
à proposta terapêutica:

 Individualização da abordagem;
 Disponibilidade de acesso;
 Multidisciplinaridade;
 Plano de tratamento maleável;
 Tempo de permanência mínimo;
 Psicoterapia individual e em grupo;
 Farmacoterapia;
 Tratamento integrado da comorbidade;
 Desintoxicação apenas como primeiro passo;
 Tratamento voluntário e involuntário;
 Monitoramento do consumo;
 Doenças sexualmente transmissíveis e síndrome da
imunodeficiência adquirida;
 Tratamento em longo prazo.

182
Quanto ao planejamento, este está destinado ao desenvolvimento do
conteúdo do serviço, do processo de implantação e gestão, bem como ao
estabelecimento das normas de interação entre os membros da equipe e
entre estes e o público-alvo. Tudo isso visa um só objetivo: produzir um
atendimento de qualidade para aqueles que buscam os serviços para
dependência química. A avaliação é a parte constituinte (e indissociável) do
planejamento, sendo responsável pelo dinamismo que toda proposta de
tratamento deve possuir.
Trabalhar com dependentes químicos, em geral, é uma atividade que
exige dos profissionais envolvidos capacidade de acolher, de receber, de
estar aberto para a vivência do outro. Além disso, somam-se muita
capacidade de tolerar frustrações, grau elevado de reafirmação interna e
externa de regras e de limites. O recurso humano para essa função é,
portanto, o grande diferencial de qualquer serviço de dependência química
que se deseje organizar. A combinação do conhecimento do profissional com
mais anos de experiência e das vicissitudes dos profissionais mais jovens são
ingredientes que podem ser facilitadores desse processo. É importante,
sobretudo que haja treinamento específico e educação continuada sobre a
área de atuação, por meio dos vários cursos de capacitação existentes, mas
principalmente daqueles ligados a especializações em comportamentos
aditivos.

Dispositivos de Atenção Psicossocial

Pontos Importantes:

 Níveis de atenção em saúde: primário, secundário e terceiro.


 A atenção primária é a porta de entrada do SUS.
 O CAPS tem como função acolher pessoas em sofrimento ou
transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes
do uso de álcool e outras droga.

A Atenção em Saúde, no Brasil, divide-se em três níveis de


complexidade: o primário, que engloba as práticas de promoção e prevenção

183
desenvolvidas pela atenção Básica (Unidades Básicas de Saúde; Programa
Saúde da Família) nos territórios; o secundário que está ligado ao
tratamento especializado e curativo, como por exemplo, psiquiatria,
ginecologia, neurologia, etc., e, por fim, o nível terciário marcado pela alta
complexidade, que consiste nos serviços que dispõem de tecnologias para
cirurgias e reabilitação, como no caso dos hospitais.
Entende-se por atenção primária, o nível básico da organização dos
serviços de saúde, de acordo com os princípios do SUS, que atua,
principalmente na promoção e proteção à saúde da população. Fazem parte
desta categoria as Unidades Básicas de Saúde (UBS), as iniciativas da
Estratégia de Saúde da Família (ESF), assim como os consultórios de ruas,
entre outros. A estratégia de Saúde da Família (ESF) busca promover a
qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que colocam
a saúde em risco. Sendo assim, destacam cinco princípios básicos da Atenção
Primária, tais como: acessibilidade, abrangência, coordenada, contínua e
responsabilidade. De acordo com portal PenseSus, podemos compreender
melhor o conceito de atenção básica:
“Atenção básica ou atenção primária em saúde é conhecida como a “porta de
entrada” dos usuários nos sistemas de saúde. Ou seja, é o atendimento inicial.
Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis
casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento
superiores em complexidade. A atenção básica funciona, portanto, como um
filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais
simples aos mais complexos”.

184
O Programa Saúde da Família tem como proposta a reestruturação do
sistema de saúde no âmbito da atenção primária. A Estratégia Saúde da
Família (ESF) busca promover a qualidade de vida da população brasileira e
intervir nos fatores que colocam a saúde em risco, como falta de atividade
física, má alimentação, uso de tabaco, dentre outros. Com atenção integral,
equânime e contínua, a ESF se fortalece como a porta de entrada do Sistema
Único de Saúde.
A Atenção Secundária à Saúde, está relacionada aos serviços de média
complexidade que englobam as especialidades de densidade tecnológica
intermediária, os tratamentos específicos de apoio diagnóstico e terapêutico,
assim como, os atendimentos em urgência e emergência. Este nível de
atenção é composto por assistências curativas, tratamento de doenças e
prevenção do agravamento, ou seja, na atenção secundária, já existe um
processo de adoecimento em curso que precisa ser tratado adequadamente.
De forma geral, o nível secundário de atenção à saúde é composto
pelos seguintes serviços: Unidade de Pronto Atendimento (UPA),
Policlínicas, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro Especializado de
Odontologia (CEO) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
Na atenção secundária, podemos destacar os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), que são unidades que prestam serviços de saúde de
caráter aberto e comunitário, constituído por uma equipe multiprofissional e
realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou
transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso
de álcool e outras drogas, sejam em situações de crise ou nos processos de
reabilitação psicossocial.
O CAPS tem como papel acolher as demandas em saúde mental em
substituição ao modelo psiquiátrico centrado no hospital e na forma de
encarar os mais variados tipos de sofrimento psíquico como um mal a ser
excluído. Para YASUÍ (2006, p.107), o CAPS é uma estratégia de
transformação que faz parte de uma ampla rede de cuidados e “não se limita
ou se esgota na implantação de um serviço. O CAPS é um meio, é um

185
caminho, não o fim”.

De acordo com a Portaria nº 336 (BRASIL, 2002), os CAPS são


divididos em modalidades, conforme Art.1º: CAPS I, CAPS II e CAPS III,
definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência
populacional. Ficando estabelecido da seguinte maneira:
 CAPS I - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população entre 20.000 e
70.000 habitantes;
 CAPS II - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população entre 70.000 e
200.000 habitantes;
 CAPS III - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população acima de 200.000
habitantes;
 CAPSi II - Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a
crianças e adolescentes, constituindo-se na referência para uma
186
população de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro
populacional a ser definido pelo gestor;
 CAPS ad II - Serviço de atenção psicossocial para atendimento de
pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de
substâncias psicoativas, com capacidade operacional para
atendimento em municípios com população superior a 70.000.

A partir da Portaria nº 130, de 26 de janeiro de 2012, há uma


redefinição do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24h
(CAPS AD III) e os respectivos incentivos financeiros.
No terceiro nível de atenção à saúde, este tem como base os hospitais e
ambulatórios de procedimentos especializados. A assistência hospitalar no
Sistema Único de Saúde (SUS) é organizada a partir das necessidades da
população, a fim de garantir o atendimento aos usuários, com apoio de uma
equipe multiprofissional, que atua no cuidado e na regulação do acesso, na
qualidade da assistência prestada e na segurança do paciente.
Dentro dos dispositivos de atenção psicossocial, há o programa De
Volta para Casa, que foi instituído pela Lei Federal 10.708 de 31 de julho de
2003 e dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a
pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas.
O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo
de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede
ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do
convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício
pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania.
Além disso, o De Volta para Casa atende ao disposto na Lei 10.216 (Lei
Paulo Delgado) que determina que os pacientes longamente internados ou
para os quais se caracteriza a situação de grave dependência institucional,
sejam objeto de política específica de alta planejada e reabilitação
psicossocial assistida.

187
Comunidades Terapêuticas e Residências
Assistidas

Pontos Importantes:
 As comunidades terapêuticas são dispositivos de internação
especializada.
 As comunidades terapêuticas trabalham com a proposta de
abstinência, baseadas nos 12 passos e espiritualidade.
 As residências terapêuticas, por sua vez, são locais para pacientes
com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas
destinadas e com transtornos mentais que permaneceram em
longas internações psiquiátricas.

As comunidades terapêuticas (CT), são ambientes de internação


especializados, presentes em mais de 60 países, que oferecem programas de
tratamento estruturados e intensivos, visando o alcance e manutenção da
abstinência, inicialmente em ambiente protegido, com encaminhamento
posterior para internação parcial e/ou seguimento ambulatorial, conforme
as necessidades do paciente.
Esta abordagem de autoajuda acontece por intermédio da convivência
entre os pares, provocando e promovendo mudanças e desenvolvimento de
hábitos e valores importantes para uma vida saudável, manteve sua
característica essencial e diversificou-se, englobando e combinando com
eficácia outros modelos psicossociais, tais como a prevenção da recaída e
técnicas motivacionais, além de inúmeros serviços adicionais relacionados
com a família, a educação, o trabalho e com a saúde física e mental. Visando
tratar o transtorno do indivíduo como um todo, objetivando para sua
recuperação, a médio e longo prazo, transformar positivamente seu estilo de
vida e a identidade pessoal. Para isso, uma série de programas e metas é
oferecida aos pacientes em recuperação
As mudanças multidimensionais que os dependentes químicos
necessitam para que o tratamento surta efeito e, assim, entrem em
recuperação, acontecem por meio de um processo que pode ser descrito
dinamicamente na rotina da comunidade terapêutica e nas intervenções
planejadas e não planejadas que o dia a dia proporciona. As mudanças,
188
inicialmente observadas nos comportamentos, percepções e experiências,
evoluem gradualmente para mudanças de estilo de vida. Vejamos alguns dos
objetivos:
1. Proporcionar a abstinência de álcool e drogas psicoativas na
comunidade terapêutica e na etapa da reinserção social;
2. Convivência e estabelecimento de relacionamentos saudáveis entre o
grupo e outros dependentes de álcool e drogas;
3. Fortalecer o senso de responsabilidade individual, entre os
companheiros e na equipe;
4. Aconselhamento utilizando técnicas motivacionais e prevenção de
recaída;
5. Acompanhamento individual, auxílio no processo de educação e
reeducação, treinamento profissional por meio de experiência e
cursos;
6. Atenção aos cuidados com sua estadia na comunidade e
desenvolvimento psicossocial do residente;
7. Acompanhamento pós-alta.

A comunidade terapêutica considera o uso de drogas um sintoma do


comprometimento daquele que faz uso nocivo ou é dependente, incapaz de
manter-se abstinente, sendo gravemente disfuncional do ponto de vista
social e interpessoal, tomando atitudes e condutas anti-sociais. As
comunidades terapêuticas funcionam como agente chave do processo de
mudança, sendo o seu método e diferencial maior em relação às demais
modalidades de tratamento.
Os Doze Passos e as Doze Tradições dos Alcoólicos Anônimos (AA)
e/ou Narcóticos Anônimos (NA) são a base dos programas de recuperação
oferecidos pelas comunidades terapêuticas em grande parte do mundo e na
maioria das comunidades no Brasil. Há programas com referencial na
espiritualidade e/ou na religião também que podem compor as abordagens
nesse ambiente de tratamento, em graus variados de combinação entre si e
com outros modelos.
189
No que concernem, os serviços de Residências Terapêuticas, também
conhecidos como Residências Terapêuticas, são casas, locais de moradia,
destinadas a pessoas com transtornos mentais que permaneceram em
longas internações psiquiátricas e impossibilitadas de retornar às suas
famílias de origem.
As Residências Terapêuticas foram instituídas pela Portaria/GM nº
106 de fevereiro de 2000 e são parte integrante da Política de Saúde Mental
do Ministério da Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema
Único de Saúde/SUS, são centrais no processo de desinstitucionalização e
reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos.
Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente
destinados aos leitos psiquiátricos. Assim, para cada morador de hospital
psiquiátrico transferido para a residência terapêutica, igual número de leitos
psiquiátricos deve ser descredenciado do SUS e os recursos financeiros que
os mantinham devem ser realocados para os fundos financeiros do estado ou
do município para fins de manutenção dos Serviços Residenciais
Terapêuticos.

Suicídio e Dependência Química


“Os suicidas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor.”
Augusto Cury

Pontos Importantes:
 Suicídio associado a vários transtornos psiquiátricos, no qual são
passíveis de tratamento.
 Mandamento da preservação a vida: proteja a vida, não minimize a
tentativa de suicídio, seja empático sempre e avalie os fatores de
risco e proteção.
 Desenvolvimento de programas mais efetivos na prevenção do
comportamento suicida.

O termo suicídio é derivado do latim a partir das palavras sui (si mesmo)
e caedes (ação de matar). É um fenômeno descrito como existente desde a
pré-história e que evoluiu com significados conceituais diferentes ao longo
da história humana. Em 400 a.C., por exemplo, Hipócrates atribuía o suicídio

190
à melancolia como uma consequência da depressão. Já Santo Agostinho
(354- -430) entendia o suicídio como algo relacionado ao pecado, baseado
no mandamento não matarás – Santo Agostinho interpretou “não matarás
nem a ti próprio” e daí a conotação de pecado. Em 967, na Inglaterra, o
suicídio torna-se, então, um crime. Somente em 1827, o fenômeno adquire a
conotação de um problema psiquiátrico, e apenas, recentemente, em 1976, o
suicídio passou a ser compreendido em uma abordagem mais biológica.
Compreende-se por comportamento suicida o ato pelo qual o indivíduo se
agride, independentemente, de quão letal seja esse ato ou mesmo sem
reconhecimento genuíno dessa atitude. Assim, o comportamento suicida é
compreendido fazendo parte de um continuum que engloba pensamentos,
gestos e atitudes autodestrutivos e o suicídio em si. Esse último corresponde
a um ato deliberado de autoagressão realizado na expectativa de ser fatal.
O suicídio tem sido associado de forma consistente a uma doença
psiquiátrica em evolução via de regra tratável. Entre os principais
diagnósticos envolvidos, estão os transtornos psicóticos primários, os
afetivos e os relacionados ao uso de substâncias psicoativas. É considerada
uma questão de saúde pública, sendo imperativo preveni-lo. Mas, para bem
prevenir, é necessário compreender.

Pesquisa realizada pela UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da UNIFESP (Universidade
Federal de São Paulo)

No entanto, parece discreta a compreensão cultural do suicídio como


uma manifestação de uma doença psiquiátrica, prevalece muitas vezes o
191
sentimento de desprezo e o conceito cultural de que o suicida se conduz
dessa forma “porque quer”. Além disso, percebe-se que as equipes de saúde
em geral encontram muitas dificuldades para enfrentar, interpretar, resolver
e acolher as tentativas de suicídio e o suicídio.
O impacto social e psicológico do suicídio em uma família e na
sociedade em geral é algo imensurável. Atualmente, esse fenômeno é
considerado um problemade saúde pública mundial.
Inúmeros fatores podem tornar-se fatores de risco para o suicídio,
podemos estabelecer alguns: depressão grave (sobretudo, no início do curso
da doença); história familiar ou pessoal prévia de depressão ou tentativas de
suicídio; psicose; agitação; homofobia internalizada; ansiedade grave; luto;
insônia; doença física ou dor crônica; traumas; abuso sexual; identidade
sexual masculina; idosos (de modo especial, em associação com doenças
clínicas); adolescência; falta ou perda de apoio social; encarceramento; crise
pessoal; falta de um tratamento psiquiátrico ativo e mantido; e abuso e
dependência de álcool ou outras drogas.
Existe uma carência de estudos nacionais, em especial em prontos-
socorros e salas de emergência, avaliando o uso agudo e a dependência de
álcool e outras drogas em tentativas de suicídio e suicídios. Por isso, é
importante o desenvolvimento de mais pesquisas nessa área e, sobretudo, de
outros desenhos de pesquisas a fim de melhor examinar o papel do álcool e
das drogas em suicídio e tentativas de suicídio. A maioria dos casos de
suicídio envolve um transtorno psiquiátrico em evolução passível de
tratamento adequado. Talvez, em metade desses casos, haja um transtorno
maior do humor (p. ex., depressão maior, transtorno bipolar) isolado ou
complicado por uma dependência química e comorbidade como o abuso do
álcool e/ou de outras substâncias psicoativas.
Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019), relatam que existe evidência
científica mostrando a importância da associação entre álcool e suicídio,
tanto no que diz respeito a seu consumo crônico (dependência), quanto ao
agudo (p. ex., intoxicação aguda). Foram encontrados estudos mostrando

192
que 2 a 3,4% dos dependentes de álcool se suicidam. Outros dados de
metanálise elevam esse risco a 7%. Porém, os estudos publicados até o
momento não distinguem com clareza se o risco é maior sob abuso ou sob
dependência de substâncias psicoativas.
As pesquisas com foco nos adolescentes e suicídios, recebem menos
atenção nos tipos de comportamento suicida, como ideação e tentativas, os
quais são mais comuns entre mulheres. Algumas pesquisas têm associado o
suicídio em mulheres, principalmente, a beber em binge, experiência de uma
infância adversa, problemas de relacionamento, depressão e comportamento
suicida precoce.
Com certa frequência, há características em comum entre indivíduos
com problemas relacionados a abuso ou dependência de álcool que podem
consumar suicídio, vejamos elas:
1. Iniciaram o uso de bebidas muito jovens;
2. Pertencem ao gênero masculino;
3. Tendem a ser brancos, de meia-idade, solteiros, sem amigos e
socialmente isolados;
4. Consumiram álcool compulsivamente durante vários anos de forma
pesada e têm histórico familiar de dependência de álcool;
5. Apresentam saúde física comprometida, sentimentos depressivos, vida
pessoal perturbada e caótica, sofreram uma grande perda interpessoal
recente, como luto ou separação conjugal, e têm baixo rendimento no
trabalho ou estão desempregados. É muito provável que as perdas
interpessoais e os outros eventos indesejáveis sejam consequência da
própria síndrome de dependência de álcool e que tenham contribuído
para o desenvolvimento de um transtorno do humor, que muitas vezes
está presente nas semanas que antecederam o suicídio.

 O suicídio entre dependentes de álcool pode ocorrer em três


situações principais:
1. Casos de suicídio ocorridos sob o efeito do álcool, ou seja, o indivíduo
se intoxica para realizá-lo;
193
2. Casos de suicídio que ocorrem durante o delirium tremens (DT) ou
quadros agudos semelhantes;
3. Casos de suicídio de dependentes de álcool crônicos.

 Quanto ao manejo clínico frente à ideação suicida, é


fundamental seguir os 4 mandamentos de proteção ao
paciente:

 1º mandamento: Proteja a vida;

 2º mandamento: Não minimize a tentativa de suicídio;

 3º mandamento: Demonstre empatia sempre;

 4º mandamento: Avalie fatores de risco e de proteção.

Observa-se, no cenário mundial que mesmo com o aumento na oferta


de tratamento não houve diminuição significativa em relação a pensamentos
suicidas, planos, atos ou tentativas. Algo semelhante também pode estar
ocorrendo no Brasil. São necessários esforços continuados para aumentar a
busca de indivíduos sem tratamento, com ideação suicida, antes da
ocorrência de tentativas, e melhorar a efetividade do tratamento para tais
casos. É também importante desenvolver esforços para determinar melhor
compreensão e atendimento das tentativas de suicídio, objetivando o
desenvolvimento de programas efetivos de prevenção do comportamento
suicida, bem como, o papel de meios altamente letais de suicídio, incluindo,
entre outros, álcool e drogas.

194
Fatores de Proteção e Risco na Dependência
Química

Pontos Importantes:

 Estratégias de prevenção visam evitar problemas de saúde.


 Fatores de risco são condições internas ou externas que podem
afetar recuperação do paciente.

 A participação nas estratégias de prevenção auxilia a melhora da


autopercepção e dos próprios conhecimentos a respeito de
substâncias.

Na área da saúde, é possível pensar as estratégias de prevenção como


sendo aquelas capazes de oferecer à comunidade a oportunidade de evitar o
surgimento de problemas de saúde. Procuram antecipar ações que venham a
fortalecer o indivíduo, de acordo com a necessidade de enfrentamento de
eventuais obstáculos que possam provocar danos a sua saúde. Em relação ao
álcool, tabaco e outras drogas (ATOD), de maneira geral, as estratégias de
prevenção têm como objetivos impedir ou retardar o início do uso e/ou
diminuir a gravidade e a intensidade das consequências decorrentes dele.
Os programas de prevenção ao uso nocivo de substâncias psicoativas
podem partir de perspectivas distintas. Alguns visam reforçar a
determinação do indivíduo para recusar o uso (enfoque da guerra às
drogas). Outros procuram contribuir para a inibição de comportamentos
autodestrutivos, diminuindo os riscos de exposição da pessoa a situações
que perpetuem o uso (enfoque da redução de riscos).
O fator de risco (FR) pode ser determinado pela combinação de
características ou atributos de uma pessoa, grupo ou comunidade à qual
pertence e da probabilidade da ocorrência do uso de substância em algum
momento da vida.
Os fatores de proteção (FP) visam reforçar a determinação das pessoas
para negar o uso ou evitar a progressão dos riscos causados por ele, inibindo
comportamentos autodestrutivos e minimizando a influência de possíveis
195
fatores de risco presentes.
Existem vários FRs para o uso de substâncias, cada um representa um
desafio ao desenvolvimento psicológico e social do indivíduo, causando
impactos diferentes em cada fase de seu desenvolvimento. É importante
notar que os FPs não são simplesmente o oposto dos FRs. Eles variam ao
longo do processo de desenvolvimento, podendo ser mais ou menos
relevantes, de acordo com um momento específico.
Basicamente, os modelos de prevenção focados no indivíduo visam
oferecer condições intrapessoais que reforcem a determinação da pessoa
para a recusa de ATOD ou para evitar a progressão dos riscos causados por
um consumo já existente, seja pela modificação de comportamentos tidos
como autodestrutivos, seja pelo enfraquecimento de possíveis fatores de
risco presentes.

A importância da participação dos pais em programas de prevenção se


evidencia na melhora da autopercepção destes sobre os próprios
conhecimentos a respeito de substâncias psicoativas, acarretando maior
confiança para dialogar com seus filhos. Além disso, outros dois pontos se
mostram bastante significativos: a melhora na comunicação entre pais e
filhos, tanto em assuntos diversos quanto acerca daqueles específicos sobre
drogas, e a capacidade de influência sobre seus filhos, possibilitada pela
melhoria dos conhecimentos e das habilidades de comunicação,

196
particularmente relevantes para essa mudança.

É possível considerar as intervenções preventivas economicamente


benéficas quando a condição a ser prevenida é a principal, quando a
condição ou doença tem um custo elevado, quando as intervenções
preventivas são consideradas efetivas e quando os custos das intervenções
são baixos. O que se percebe é que as intervenções preventivas relacionadas
ao uso de ATOD preenchem, para não dizer todas, várias dessas condições.
Além disso, os valores investidos na prevenção ao uso de substâncias
retornam à sociedade na forma de redução dos agravos de saúde e do custo
social relacionado.
Por muito tempo, a saúde mental vem sendo negligenciada. Várias
causas defendidas pelos profissionais da área recebem forte oposição de
setores do governo, da indústria, de grupos religiosos, comunitários e outros.
Essa oposição pode ocorrer devido a interesses implícitos ou simplesmente
por serem as causas consideradas irrelevantes.

197
Dica de Vídeo: “Medicalização da Saúde”, com Naomar Almeida Filho.
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=kF58rMxir2I

198
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http://inpad.uniad.org.br/wp-content/uploads/2013/03/SDS_Coca.pdf

201
Anexos

Cálculo do consumo de álcool:


https://aps.bvs.br/apps/calculadoras/?page=8

Questionário Cage: https://sites.usp.br/acolhe/avalie-seu-


consumo/questionario-cage/

202

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