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TESE DE DOUTORADO
CUIABÁ-MT
2017
LUCIENE APARECIDA CASTRAVECHI
Cuiabá-MT
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
RESUMO
Este trabalho analisa a luta pela terra em Porto Alegre do Norte, no nordeste do
estado de Mato Grosso, entre as décadas de 1970 e 1980. Tem como objeto de
estudo os conflitos e as violências decorrentes da expulsão de posseiros pelas
empresas agropecuárias FRENOVA e Piraguassu, estabelecidas naquele
município durante a década de 1970, através das políticas de ocupação da
Amazônia pelo Governo Ditatorial. Estes empreendimentos foram sobrepostos em
meio às terras de trabalhadores rurais que residiam na região desde a década de
1940, assim, ocorreram as disputas por terras entre estes indivíduos e os
empresários rurais provenientes do Centro-Sul do país. A Prelazia de São Félix do
Araguaia, juntamente com os agentes de pastorais, leigos, religiosos e o bispo
Dom Pedro Casaldáliga, agiu como mediadora no processo de luta pela terra,
recorrendo aos poderes públicos (Polícia Militar e Federal e ao INCRA), bem
como aos proprietários das fazendas e funcionários para que estes pudessem entrar
em acordo para demarcar as terras dos posseiros de Porto Alegre do Norte. Este
processo acarretou, num primeiro momento, uma negociação pacífica
intermediada por Dom Pedro Casaldáliga junto à FRENOVA, posteriormente as
resistências e os conflitos dos posseiros contra a expulsão das suas posses
colocaram a área da Prelazia de São Félix do Araguaia sob suspeita de manter
elementos subversivos na sua jurisdição e estar aliada à Guerrilha do Araguaia,
descoberta no ano de 1972 na região do Bico do Papagaio entre o sul do Pará e
norte de Goiás (atual Tocantins). Desse modo, no ano de 1973, religiosos, leigos e
agentes de pastorais foram sequestrados e presos no Quartel da 14ª Polícia do
Exército na cidade Campo Grande/MS, onde vivenciaram dias de horrores e
torturas. A luta pela terra também envolveu pistoleiros, Polícias Militar e Federal,
Exército e Igreja Católica, produzindo na questão agrária em Porto Alegre do
Norte uma espacialidade demarcada pela resistência e estratégias dos
trabalhadores rurais para a permanência nas suas posses.
This paper analyzes the struggle for land in Porto Alegre do Norte in northeastern
Mato Grosso, between the 1970s and 1980. Its object of study conflicts and
violence resulting from squatter eviction by agribusinesses - FRENOVA and
Piraguassu established in that city during the 1970s, through the Amazon
occupation policies by the Government Dictatorial. These projects were
overlapping among the lands of rural workers living in the area since the 1940s,
so there were disputes over land between these individuals and rural entrepreneurs
from the Central South. The Prelature of São Félix do Araguaia, together with
pastoral agents, lay, religious and Bishop Pedro Casaldáliga, acted as a mediator
in the process of struggle for land, using public powers (Military and Federal
Police and the INCRA) and as to the ranch owners and employees so that they
could enter into an agreement to demarcate the lands of squatter Porto Alegre do
Norte. This process resulted initially in a peaceful negotiation brokered by Dom
Pedro Casaldáliga next to FRENOVA, posteriorly the problems and conflicts of
squatters against the expulsion of his possessions put the area of the Prelature of
São Félix do Araguaia under suspicion this keep subversive elements in their
jurisdiction and be combined with the Araguaia guerrilla movement, discovered in
1972 in the region Parrot's beak between southern Pará and northern Goiás (now
Tocantins). Thus, in 1973, religious, laity and pastoral agents were kidnapped and
imprisoned in the barracks of the 14th Army Police in the city Campo Grande /
MS, where experienced days of horror and torture. The struggle for land also
involved gunmen, Police Military and Federal Army and the Catholic Church,
producing the agrarian issue in Porto Alegre do Norte one spatiality marked by
resistance and strategies of rural workers to stay in their possessions.
Keywords: Prelazia de São Félix do Araguaia. Porto Alegre do Norte. Violence
in the Countryside. Squatters.
DEDICATÓRIA
MO – Movimento Operário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 18
2.5 Porto Alegre do Norte sob suspeita de atos guerrilheiros ......................... 142
INTRODUÇÃO
1
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,
1987, p. 223.
2
Remetemos ao processo de (re)ocupação para demonstrarmos que a Amazônia já era ocupada por
etnias indígenas e povos da floresta, antes da entrada das empresas agropecuárias e projetos de
colonização implantados durante a ditadura civil militar no Brasil, a qual alegava que o interior do
país, ou seja, a Amazônia Legal era considerada como espaços vazios. A respeito, consultar:
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde: política de colonização no Brasil
contemporâneo. Cuiabá: UNICEN, 1986.
19
viajar para o norte de Mato Grosso, pude perceber que as configurações urbanas
daquelas cidades eram bem diferentes da capital do Estado. As ruas são largas e
planejadas, com praças e jardins nos centros das cidades, as pessoas em sua
maioria tinham origem dos Estados do Sul do Brasil. Com apenas dezessete anos,
aquelas particularidades me chamaram muito a atenção. Assim, ao entrar no curso
de História, conheci o Professor Vitale Joanoni Neto, que me convidou para fazer
parte de uma viagem a campo, financiada pela FAPEMAT, juntamente com o
professor João Carlos Barrozo e a equipe de pesquisadores da professora Júlia
Adão Bernardes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Passamos quinze dias
do mês de julho de 2007 conhecendo e pesquisando os municípios3 ao longo da
BR 158.
Em decorrência das inquietações e curiosidades que eu tinha desde
adolescente sobre o processo de (re)ocupação recente do estado de Mato Grosso, a
viagem realizada pela BR 158 direcionou o meu olhar primeiramente como
pesquisadora VIC para o Projeto de Colonização da cidade de Canarana na década
de 1970. Como bolsista PIBIC no ano de 2008, passei a pesquisar sobre a
violência no uso do trabalho análogo ao de escravo pelas empresas agropecuárias
estabelecidas no Araguaia mato-grossense a partir da década de 1970. A violência
contida nas relações trabalhistas no nordeste de Mato Grosso também foi
aprofundada na dissertação de Mestrado em História, intitulada: ―Correntes do
Araguaia: A exploração de trabalhadores migrantes no nordeste de Mato Grosso
durante a década de 1970‖4. Essa temática me chamou a atenção, pois na fazenda
3
A viagem a campo ocorreu nos seguintes municípios do nordeste de Mato Grosso: Água Boa,
Canarana, Confresa, Porto Alegre do Norte, Ribeirão Cascalheira, Santa Terezinha e Querência.
4
Após a defesa da dissertação no ano de 2012, ingressei como bolsista no Projeto Ação
Interinstitucional para a Qualificação e Reinserção Profissional dos Trabalhadores Resgatados do
Trabalho Escravo e/ou Situação de Vulnerabilidade, parceria entre Ministério do Trabalho e
Emprego de Mato Grosso (SRTE/MT), Ministério Público do Trabalho, através da Procuradoria
Regional do Trabalho 23ª Região (PRT/MT), e UFMT, representada pelo GPHTT, coordenado
pelo professor Vitale Joanoni Neto. Ao ingressar no Doutorado em História no ano de 2013,
participei do ―Projeto de Inclusão Produtiva para o uso de mão de obra de egressos do trabalho
análogo ao escravo em atividades de construção civil a partir da experiência da Arena Pantanal em
Cuiabá, MT‖, juntamente com os Professores Vitale Joanoni Neto, Beatriz dos Santos Oliveira
Feitosa e Adriano Knippelberg Moraes.
20
5
Conforme informações contidas da carta pastoral de Dom Pedro Casaldáliga, o decreto de criação
da Prelazia de São Félix do Araguaia, denominado de "Quo commodius", foi assinado por Paulo
VI, no dia 13 de março de 1970, estabelecendo os limites estritos da Prelazia de São Félix: "Ao
norte, os confins da Prelazia de Conceição do Araguaia, que atualmente delimitam os estados do
Pará e Mato Grosso; ao leste, os confins da Prelazia de Cristalândia, e ao oeste os da Prelazia de
Diamantino, ou seja, os rios Araguaia e Xingu; ao sul, a linha traçada em direção noroeste desde a
confluência dos rios Curuá e das Mortes; e daí em linha reta até a confluência dos rios Couto de
Magalhães e Xingu". A Prelazia de São Félix abrange 150.000 km² dentro da Amazônia Legal, no
nordeste de Mato Grosso, e com a Ilha do Bananal. CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da
Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social. São Félix do Araguaia, 1971, p.
4.
6
No ano de 2010, em que eu escrevia a minha dissertação de Mestrado, o estado de Mato Grosso
ocupava o sexto lugar do ranking na lista de empregadores que contratam trabalhadores em
situação análoga à de escravidão. A chamada ―lista suja‖ possui 12 casos registrados em
municípios mato-grossenses: em Várzea Grande, Poconé, Novo São Joaquim, Alto Garças, Santa
Terezinha, Paranatinga, Confresa, Porto dos Gaúchos, Nova Bandeirantes, Nova Ubiratã e Novo
Mundo. Disponível em: <http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=74636>. Acesso
em: 08 jan. 2016.
7
Ao longo da escrita desta tese iremos utilizar o termo trabalhador rural para designar de modo
geral, os homens e as mulheres que participaram na luta pela terra em Porto Alegre do Norte.
21
13
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa: DIFEL, 1989.
(Grifo do autor).
23
Mapa 1: Prelazia de São Félix do Araguaia em relação ao estado de Mato Grosso e ao Brasil.
24
18
RAMOS, Polyana Rafaela. Povo Tapirapé: práticas agrícolas e meio ambiente no cotidiano da
aldeia Tapi'itãwa. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Cáceres: Universidade
Estadual de Mato Grosso, 2014, p. 15.
19
Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tapirape/1008>. Acesso em 08 jan. 2016.
20
A irmãzinha Genoveva (morreu na Aldeia Tapirapé em 2013), uma das fundadoras que chegou
em 1952, Elizabeth e Odile vieram em 1956. Saíram com os índios da Barra do Tapirapé, onde
ficaram algumas famílias e começaram a viver numa nova aldeia, Tapi'itawa. Disponível em:<
http://www.hermanitasdejesus.org/brasil/tapirape2.htm>. Acesso em: 08 jan. 2016.
21
VIEIRA, Maria Antonieta da Costa. À procura das Bandeiras Verdes: Viagem, Missão e
Romaria. Movimento Sócio-religioso na Amazônia Oriental. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2001.
26
22
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico
da frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social, São Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.
23
Ibidem. p. 42.
27
24
Idem.
25
REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000, p. 34.
26
As articulações para a criação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais iniciaram em 1961, a
partir da posse de João Goulart; os empresários passaram a ver o governo com desconfiança e
associá-lo aos movimentos sindicais, comunistas e ao aumento da intervenção estatal,
intensificando assim, as suas ações para a criação de uma organização que apoiasse os seus
interesses. Em 2 de fevereiro de 1962, o IPES foi fundado no Rio de Janeiro, originado da
associação de empresários de São Paulo e Rio de Janeiro que passaram a contestar as ―reformas de
base‖, relacionando as propostas do governo ao comunismo. O IPES contribuiu para a derrubada
do governo Goulart, em 31 de março de 1964, pelos militares, por meio de um trabalho
propagandístico. PAULA, Christiane Jalles de. Na presidência da República: o Instituto de
Pesquisa e Estudos Sociais – IPES. Rio de Janeiro: CPDOC, 2004.
27
REIS, op. cit., loc. cit.
28
28
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1994, p. 202.
29
Idem.
29
30
Idem.
30
31
Esta política estava baseada na Doutrina de Segurança Nacional que consiste no enquadramento
da sociedade nas exigências de uma guerra interna, física e psicológica, de característica
antisubversiva contra o inimigo comum. Desse modo, a Doutrina converte o sistema social em
sistema de guerra. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares.
In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia, de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo da
ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012.
32
IANNI, Octávio. Ditadura e agricultura: desenvolvimento e capitalismo na Amazônia – 1964-
1978. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979 C, p. 12.
33
Sobre estes projetos ver: BARROZO, João Carlos. Políticas de Colonização: as políticas públicas
para a Amazônia e o Centro-Oeste. In: BARROZO, João Carlos (Org.). Mato Grosso: do sonho à
utopia da terra. Cuiabá: EDUFMT/Carlini&Caniato, 2008.
34
Sobre o Projeto Canarana, consultar: MORAES, Adriano Knippelberg. Projeto Canarana:
trajetórias de famílias em busca de terras no Mato Grosso (1971-1981). Dissertação (Mestrado em
História) Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2015.
35
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos.
Campinas: Papirus, 1987, p. 17.
31
36
A Lei nº 5.173 de 27 de outubro de 1966 extingue a Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia (SPVEA) e cria a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM), que, através do Plano de Valorização da Amazônia, estabelece que a Amazônia
brasileira passe a ser denominada ―Amazônia Legal‖, compreendida pelos estados do Acre, Pará e
Amazonas, pelos Territórios Federais do Amapá, Roraima e Rondônia, e ainda pelas áreas do
estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º, do estado de Goiás a norte do paralelo de 13º e
do estado do Maranhão a oeste do meridiano de 44º. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5173.htm>. Acesso em: 26 mar. 2015.
37
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos.
Campinas: Papirus, 1987, p. 17.
38
O Relatório da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) apontou que 1.196 camponeses foram
assassinados ou desapareceram em disputas no campo, entre setembro de 1961 a outubro de 1988.
Disponível em:< http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/durante-a-ditadura-1-196-pessoas-foram-
mortas-no-campo/>. Acesso em: 06 jan. 2016.
32
39
BARILARRO, Dominko. Conflito. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: UNB, 1998, p. 225.
40
Populações tradicionais que vivem nos cerrados do norte de Minas Gerais.
41
CANUTO, Antônio; LUZ, Cássia Regina da Silva; LAZZARIN, Flávio. Conflitos no Campo –
Brasil 2012. Goiânia: CPT Nacional, 2013, p. 10.
33
da expropriação dos latifundiários. A CPT passou a trabalhar com boias frias, sem
terras e pequenos proprietários, com o auxílio dos leigos na resolução dos
problemas agrários. Esta entidade tinha a finalidade de servir de apoio aos
movimentos populares, grupos e associações que lutavam direta ou indiretamente
em áreas de conflitos agrários através de um ―serviço educativo‖ pelo uso de
denúncias e no apoio político pedagógico aos grupos que se organizavam na luta
pela terra42.
O nordeste de Mato Grosso, a exemplo da cidade de Porto Alegre do
Norte, passou por um processo migratório de pessoas provenientes principalmente
do Maranhão, norte de Goiás e sul do Pará no início do século XX.
Transformando aquela espacialidade através do estabelecimento das famílias de
trabalhadores rurais que constituíram um novo ambiente assinalado por
experiências sociais, culturais e políticas diversificadas.
Diante do histórico do processo de migração para o nordeste de Mato
Grosso, destacamos como hipótese desta tese a constatação de que as famílias de
agricultores rurais estabelecidas em Porto Alegre do Norte possuíam laços
fortalecidos pelas relações de parentesco, compadrio e amizade. Sendo assim,
torna-se importante assinalar que esta sociabilidade criada na fronteira foi
fundamental na luta pela terra naquela espacialidade, pois as famílias passaram a
desenvolver um sentimento de pertencimento a Porto Alegre do Norte que se fez
significativo nos momentos de enfrentamentos contra as empresas agropecuárias
FRENOVA e Piraguassu durante a década de 1970. Os projetos de colonização e
agropecuário implantados durante o governo militar na Amazônia Legal deixaram
de lado a população que já habitava aquele espaço, dando abertura para o uso
ilegal da violência através de pistoleiros e jagunços guiados por uma política
patrimonial que culminou na definição dos litígios por terras no Araguaia.
A presença da Prelazia de São Félix do Araguaia, juntamente com
Dom Pedro Casaldáliga, padres, leigos e agentes de pastoral 43, foi importante na
42
VILLALOBOS, Jorge Ulisses Guerra; ROSSATO, Geovanio. A Comissão Pastoral da Terra
(CPT): Notas da sua atuação no estado do Paraná. Boletim de Geografia, Maringá, v. 14, n. 1, p.
19-32, 1996.
43
Para se tornar agente de pastoral na Prelazia de São Félix do Araguaia, o ingressante deveria
conviver nas casas comunitárias com pessoas de diversas origens sociais, faixa etária, estado civil
e religioso. Os agentes de pastoral viviam em casas semelhantes às dos moradores locais e tinham
34
suas carteiras de trabalho assinadas com o valor de um salário mínimo no desempenho das
atividades eclesiásticas.
35
44
Conforme o Estatuto da Terra de 30 de novembro de 1964, Art. 98, posseiro é todo aquele que,
não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar por dez anos ininterruptos, sem oposição nem
reconhecimento de domínio alheio, tornando-o produtivo por seu trabalho, e tendo nele sua
morada, trecho de terra com área caracterizada como suficiente para, por seu cultivo direto pelo
lavrador e sua família, garantir-lhes a subsistência, o progresso social e econômico, nas dimensões
fixadas por esta Lei, para o módulo de propriedade, adquirir-lhe-á o domínio, mediante sentença
declaratória devidamente transcrita. Disponível
em:<http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104451/estatuto-da-terra-lei-4504-64#art-97>.
Acesso em: 13 jan. 2016.
45
Ver: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação: os antagonismos sociais na
Amazônia segundo os movimentos camponeses, as instituições religiosas e os Estado. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) Rio de Janeiro: Museu Nacional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1993.
38
46
NOVAES, Regina Reys.‖A mediação no campo: entre a polissemia e a banalização‖. In:
MEDEIROS, Leonilde et al (Org). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1994, p.177-183.
47
MEDEIROS, Leonilde Servólo e ESTERCI, Neide.―Introdução‖. In: MEDEIROS, Leonilde
Servólo de et al (Org.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: EDUNESP,
1994, p. 19.
48
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação: os antagonismos sociais na
Amazônia segundo os movimentos camponeses, as instituições religiosas e os Estado. Tese
39
Os conflitos agrários que até então não eram reconhecidos pelo Estado
passaram a ser institucionalizados pela Igreja, a qual foi vista como um problema
e não uma interlocutora dos posseiros. O Estado não concordava com o trabalho
político e social da Igreja Católica no campo, pois esta era considerada subversiva
e incentivadora dos conflitos por terras. Entretanto, a presença da Prelazia de São
Félix do Araguaia como mediadora na luta pela terra em Porto Alegre do Norte
fortaleceu a resistência dos posseiros.
De acordo com Airton dos Reis Pereira50, o termo posseiro é um
conceito que foi e é forjado na luta e no conflito. O autor entende que o posseiro
do sul e sudeste do Pará não é somente aquele trabalhador rural ocupante de terras
devolutas de áreas denominadas antigas e é expropriado pelas grandes empresas
do Centro-Sul do Brasil, mas também um agente social que disputa uma mesma
área de terras com empresários/fazendeiros de outros Estados do país e a eles
resistem. Esta palavra que antes designava os ocupantes de terras devolutas na
Amazônia passou a ter novos significados e sentidos na luta pela terra naquele
momento (1970/2000). Do mesmo modo, em Porto Alegre do Norte, os
trabalhadores rurais, a partir do envolvimento com a Prelazia de São Félix do
Araguaia, passaram a se designar como posseiros, conferindo assim o direito de
contestarem a permanência nas suas posses.
51
GREENHALGL, Laura. As veredas de Pedro. Os arquivos de D. Pedro Casaldáliga. Estado de
São Paulo, 2006. Disponível em: <
http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=331>. Acesso em: 11 mai. 2011.
52
Idem.
41
53
BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 49.
54
Ibidem, p. 69.
42
56
O município fica 40 km de distância de Porto Alegre do Norte. No período do nosso recorte
temporal, era um núcleo de ocupação afastado do núcleo urbano (Porto Alegre do Norte), assim
este se referia a uma área considerada de sertão por estar distante do núcleo urbano.
45
emitiam os seus cantos, assim como cigarras e galinhas que tiveram os seus sons
propagados por toda a narrativa. O entrevistado descreveu a trajetória da sua
família de Barreira dos Campos/PA para o Araguaia mato-grossense, o
estabelecimento da sua família nas posses do núcleo de Cedrolândia, o cotidiano,
a cultura, a religião, as festas, os mutirões, a chegada das empresas agropecuárias,
as resistências e os conflitos vivenciados pelos posseiros, entre outros.
A entrevista de Ataíde da Silva ocorreu na residência do professor da
rede estadual de Porto Alegre do Norte – Justiniano Pereira Sales, pois ele me
ajudou a contatar todos os entrevistados pelo fato de ser antigo morador do
município e filho do posseiro José Pereira dos Santos. A narrativa foi realizada na
varanda, onde nos sentamos em volta de uma grande mesa acompanhados pelo
professor Justiniano, que interferiu em pequenos momentos para esclarecer
questões contextuais relatadas pelo seu pai. Ataíde da Silva expôs sobre a sua
trajetória de militância na cidade de São Paulo, a sua migração para Porto Alegre
do Norte e o seu trabalho como leigo e professor da Prelazia de São Félix do
Araguaia, descreveu os conflitos entre as empresas agropecuárias e os posseiros,
assim como os atos de resistência.
A entrevista de Ana Felicia Araújo foi dada em frente à sua casa com
vista para o rio Tapirapé. Ela estava se sentindo um pouco doente, mas concordou
prontamente em ceder o relato em que descreveu a trajetória de migração da sua
família do Piauí ao Mato Grosso, o período em que morou em Luciara e se casou
com Alexandre Quirino (ex-delegado de Porto Alegre do Norte), a mudança para
ocupar as terras de Porto Alegre do Norte, a chegada das empresas agropecuárias
e os conflitos. A sua narrativa foi marcada por muitas lembranças dolorosas que a
fizeram chorar, principalmente quando perguntei sobre Dom Pedro Casaldáliga.
Ao iniciar a entrevista, eu falei: ―vamos falar do passado, lembrar-se de algumas
alegrias, e quem sabe algumas tristezas‖ e Ana Felícia sorriu e respondeu: ―sim,
mais tristezas, pois quem relembra o passado sofre duas vezes, né?‖. Essa frase
que marcou o início do seu testemunho e que emitiu muitos significados foi
utilizada na epígrafe desta tese para expressar a importância da luta pela terra em
Porto Alegre do Norte.
46
57
JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos.
In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e Abusos da História Oral.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
47
O uso dos relatos orais nesta tese tem relação com as concepções
elaboradas por Regina Beatriz Guimarães Neto, que os aponta como ―fontes
privilegiadas da arte de investigação do presente e do discurso sobre o passado; as
fontes orais oferecem rastros, vestígios, discursos reveladores da diversidade de
formas de inserção social e da produção das identidades sociais‖ 62. As entrevistas
orais viabilizam a identificação das construções que os entrevistados possuem de
si e do seu ambiente social. Compreendidos como narrativas, os testemunhos orais
permitem a construção de um relato histórico acerca do passado vivido, revelados
a partir das memórias de experiências e percepção da realidade pelos diferentes
grupos sociais contemplados no presente trabalho, quais sejam: os posseiros,
58
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 31-32.
59
As entrevistas foram ajustadas às normas gramaticais, pois de acordo com Alberti, os ―erros‖
cometidos na linguagem falada não possuem peso equivalente na linguagem escrita. Assim,
mantê-los na entrevista transcrita iria imprimir uma ênfase que não se adquire na conversa.
Ibidem, p. 216.
60
Michel de Certeau, no seu texto ―A operação Historiográfica‖, demonstra que o historiador
através do campo teórico e metodológico produz e atribui significado a determinado
acontecimento histórico. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010.
61
ALBERTI, op. cit., p. 18.
62
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Relatos Orais e Pesquisas Históricas. In: Anais do VII
Encontro Nacional de História Oral: História e Tradição Oral. Goiânia: ABHO/ UFG/UCG/UEG,
2004, p. 3.
48
63
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. História, trabalho e memória política. Trabalhadores
rurais, conflito social e medo na Amazônia (1970-1980). Revista Mundos do Trabalho, vol. 6, n.
11, p. 129-146, jan/jun. 2014, p. 146.
64
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,
1987. p. 224.
65
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 67.
66
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 44.
67
BENJAMIN, op. cit., p. 225.
49
Sul) no ano de 1973 remete ao ato de lutar contra a repetição do horror e quebrar o
silêncio imposto pelos vencedores. Remete-se, assim, à temporalidade da história
do tempo presente, em que uma das principais peculiaridades é ―a pressão dos
contemporâneos ou a coação pela verdade, isto é, a possibilidade desse
conhecimento histórico ser confrontado pelo testemunho dos que viveram os
fenômenos que busca narrar e/ou explicar‖68. Esta história se estrutura no que
Walter Benjamin chamou de ―documentos da barbárie‖, propagada em um novo
tempo, um ―tempo dos agoras‖, pois ―a história é objeto de uma construção cujo
lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‗agoras‘‖69.
A constituição da trama histórica que tem como ator político o
trabalhador rural na luta pela terra em Porto Alegre do Norte parte de um estudo
que privilegia as práticas deste grupo social, em detrimento dos discursos oficiais
que não levam em consideração as suas estratégias de lutas e resistências, como
fatos cuja exposição nos registros oficiais é válida. Estes indivíduos não possuem
papel central na História, pois suas vidas são marcadas por características
relegadas pela sociedade, como a marginalidade e a exclusão destes ao acesso à
terra. Desse modo, segundo Gagnebin, cabe ao narrador (historiador) que:
[...] não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve muito
mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo que
não tem significação, algo que parece não ter nem importância
nem sentido, algo com que a história oficial não sabe o que
fazer. [...] aqueles que não têm nome, o anônimo, aquilo que
não deixa nenhum rastro, aquilo que foi tão bem apagado que
mesmo a memória de sua existência não subsiste — aqueles que
desapareceram tão por completo que ninguém lembra de seus
nomes.70
68
FICO, Carlos. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis: o caso
brasileiro. Varia Historia, vol. 28, nº 47, p.43-59, jan/jun 2012C, p. 44.
69
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,
1987. p. 229.
70
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 54.
50
71
Ibidem, p. 118.
72
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo XXI de España Editores, S.A.,
2002, p. 16.
73
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto/Ed. PUC - Rio, 2006, p. 308.
74
Ibidem, p. 309-310.
51
que essas experiências passadas são incorporadas, pois é impossível localizar uma
memória, um ponto de vista e uma interpretação singular do passado. A luta
política ocorre sobre o significado do passado e, muitas vezes, esta se posiciona
contra o esquecimento: ―lembrar para não repetir‖75.
A presente tese está divida em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado ―Migrações e ocupações no Araguaia mato-grossense‖, procuro
contextualizar de um modo geral como ocorreu o histórico de ocupação não
indígena do nordeste de Mato Grosso durante a primeira metade do século XX.
Pelas narrativas dos antigos moradores de Porto Alegre do Norte, em especial do
senhor João Souza Lima (João da Angélica), pude descrever o processo de
migração para aquela localidade no final da década de 1940, conhecida como
Cedrolândia, e, concomitantemente, a chegada de Domingos Medeiros da Silva,
chamado pelos vizinhos de ―Domingão‖, e de sua família, que se instalaram na
beira do rio Tapirapé, formando o patrimônio de Porto Alegre do Norte.
A narrativa de João da Angélica traça o percurso da sua família do
Pará ao Mato Grosso, com a intenção de procurar terras livres e praticar a
agricultura familiar de subsistência, bem como a criação de gado. Apresentei a
vida dessas famílias em comunidade antes da entrada das empresas agropecuárias
na década de 1970. Estes indivíduos viviam em uma relação de parentesco
marcada pela sociabilidade de compadres e vizinhos. O cultivo das suas roças e a
construção de casas, currais, celeiros, etc. se davam por meio da prática do
mutirão, que consistia na ajuda mútua entre os membros de Porto Alegre do
Norte.
A composição do núcleo urbano do povoado de Porto Alegre do Norte
foi traçada pelos trabalhadores rurais e no centro deste havia o bebedouro público
do gado. As pessoas dos núcleos de ocupações próximos ao patrimônio de Porto
Alegre do Norte se reuniam em comemorações, como festas de santos, batizados e
casamentos durante o período das desobrigas76. A inexistência de postos de saúde
75
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo XXI de España Editores, S.A.,
2002, p. 6.
76
Visitas que os missionários faziam, em princípio a cada ano, aos locais remotos. Levando os
sacramentos às populações que não dispunham de assistência religiosa regular, devido ao próprio
isolamento em que viviam ou ausência de padres na região. O nome desobrigas refere-se ao antigo
preceito da Igreja de que o católico é obrigado ao menos uma vez por ano a confessar-se e
52
comungar. Nas desobrigas, além dos padres celebrarem as missas, também realizam batizados,
confissões e casamentos em grande quantidade. VALÉRIO, Escorsi Mairon. Entre a cruz e a
foice: D. Pedro Casaldáliga e a significação religiosa do Araguaia. Dissertação (Mestrado na área
de concentração de História Cultural). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007, p. 34.
53
e vir limitado por uma cerca que cortou o povoado ao meio e dificultou o acesso
ao bebedouro público do gado, mas estes resistiram e cortaram a cerca, dando
início a uma série de disputas pelo direito à terra em Porto Alegre do Norte.
Diante desses conflitos, vivenciados entre os anos de 1970 e 1972, o
Exército empreendeu diversas operações militares na região, com destaque para as
missões comandadas pelo Capitão Ailson Munhoz da Rocha Loper, que se
infiltrou na Prelazia como um padre e passou a investigar os trabalhos dos
religiosos, principalmente sobre a vida de Dom Pedro Casaldáliga e do padre
Francisco Jentel. Após ser questionado sobre a sua presença na Prelazia de São
Félix, o Capitão Ailson afirmou que as autoridades estavam convencidas de que a
região era um foco de subversão e guerrilha. Alegou ainda ter reconhecido em
Porto Alegre do Norte um guerrilheiro do Vale do Ribeira que em 1970 tinha lhe
arrancado as unhas numa ação e que estava na região acobertado pelo professor
que a Prelazia lá mantinha. Revelou que se as coisas continuassem como estavam,
os padres e leigos seriam expulsos, e ao Pe. Jentel, presente à conversa, que o
decreto de sua expulsão estava para ser publicado. Apresentou ainda detalhes da
correspondência familiar do bispo. Todos estes acontecimentos não impediram
Casaldáliga de mediar a situação dos posseiros e enviar diversas cartas para várias
autoridades, questionando o não cumprimento do Decreto 70.430 de 1972 que
estabelecia a assistência às pessoas domiciliadas na área dos planos de
desenvolvimento agropecuários financiados por incentivos fiscais e, em áreas
pioneiras, por estabelecimentos oficiais de crédito.
No capítulo três, intitulado: ―A repressão militar como resposta aos
conflitos de terra‖, dedico-me a analisar os acontecimentos repressivos que
ocorreram na Prelazia de São Félix do Araguaia após a região ser enquadrada na
Lei de Segurança Nacional, tendo como justificativa, principalmente, os conflitos
por terras em Porto Alegre do Norte e Santa Terezinha que culminaram na prisão
e expulsão do padre Francisco Jentel do Brasil. O Vale do Araguaia passou a ser
considerado um foco de subversão, pois o regime militar desconfiava que os
agentes de pastorais, padres e leigos tinham relação com a Guerrilha do Araguaia,
devido à proximidade geográfica com esta última. No ano de 1973, a área da
Prelazia de São Félix do Araguaia vivenciou uma forte e violenta intervenção
54
77
Cf. A vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz
(Org.). História da vida privada no Brasil: contraste da intimidade contemporânea. Vol. 4, 4ª
reimp., São Paulo: Cia. das Letras, 2006, p.659-726; Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre
as contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975; Expropriação e
Violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1984; Fronteira: A degradação do
outro nos confins do humano. São Paulo: Contexto, 2009; Os camponeses e a política no Brasil:
as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
78
Cf. A luta pela terra: história social pela terra e da luta pela terra numa área da Amazônia.
Petrópolis: Vozes, 1979; Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis: Vozes,
1979; Ditadura e agricultura: o desenvolvimento do capitalismo na Amazônia: 1964-1978. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979; Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
79
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação: os antagonismos sociais na
Amazônia segundo os movimentos camponeses, as instituições religiosas e os Estado. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) Rio de Janeiro: Museu Nacional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1993.
80
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia: peões e posseiros contra a grande empresa. Rio de
Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
57
81
MARTINS. José de Souza. Fronteira: A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo:
Contexto, 2009.
82
IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social pela terra e da luta pela terra numa área da
Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979A.
58
terra entre o proprietário legal versus ocupação de diversos grupos ao longo dos
anos.
Para Ianni83, os conflitos e a violência no campo foram provocados
pelo discurso de desenvolvimento econômico da Amazônia, o qual acarretou os
embates entre posseiros x proprietários rurais e grileiros84. As ações de grileiros,
em conjunto com fazendeiros, aceleraram a privatização da terra e transformaram-
na em mercadoria, destituindo, assim, os seus antigos ocupantes que foram
expulsos por meio de ameaças e violência ou pela venda das suas propriedades
por preços abaixo do mercado.
Situação que assume proximidade com a realidade exposta acima diz
respeito às pesquisas desenvolvidas por Neide Esterci em Conflito no Araguaia85,
antropóloga que se debruça em suas análises sobre a luta pela terra no nordeste de
Mato Grosso, especificamente no povoado de Santa Terezinha. A partir de 1966, a
área foi vendida pelo governo do estado para a CODEARA que adquiriu as terras
da região, ciente de que nelas haviam ocupantes com direito a posse. Entretanto, a
agropecuária os ignorou, gerando assim o conflito pela posse da terra entre
posseiros e a empresa.
A empresa tinha um prazo a cumprir para receber os incentivos
facultados pela lei. Então, o ritmo para a implantação do seu projeto foi acelerado,
o que gerou um atrito com os antigos moradores. A companhia propôs aos
ocupantes, ou seja, os posseiros, que fossem remanejados para locais mais
distantes, removendo-os das suas antigas terras de trabalho. Esse fato deu início,
em 1967, à disputa entre posseiros e a agropecuária que durou até 1972. A partir
da intervenção do padre Francisco Jentel como mediador dos interesses do grupo
de posseiros no conflito de Santa Terezinha, o Estado teve que tomar medidas
decisivas para amenizar o conflito entre a CODEARA e os antigos ocupantes do
83
Idem.
84
Falsificador de documentos para tomar posse de terras devolutas ou de terceiros. De acordo com
Miranda, o grileiro é o maior inimigo do posseiro. É aquele que tem apenas a terra como
mercadoria, para vender, e não para trabalhar. No âmbito agrário existem duas formas dessa
figura: o grileiro de propriedade e o grileiro de posse. O primeiro falsifica títulos, prepara
documentos, sem existir a terra, enquanto que o segundo é a pessoa alheia na esfera agrária que
busca a terra, através do apossamento, para depois vendê-la. MIRANDA, Alcir Gursen de. Direito
Agrário e o Posseiro...
85
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia: peões e posseiros contra a grande empresa. Rio de
Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
59
86
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação...
87
Sobre a ―colonização espontânea‖ ver também: IANNI, Octavio. A luta pela terra...
60
88
ALMEIDA, op. cit., p. 290.
89
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil... p. 104.
90
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia... p. 6.
61
dos fatores cruciais para entender a questão agrária brasileira pautada em conflitos
e violência nos espaços de ocupação recente na Amazônia.
É importante levarmos em consideração que a denominação
―posseiro‖ era um termo utilizado pelos trabalhadores rurais para se referirem a si
mesmos, como também pela mídia, pelos empresários rurais, órgãos
governamentais e, principalmente, pela Igreja Católica, a partir da atuação da
CPT, dos agentes de pastorais e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais que
igualmente utilizavam essa designação. Ser posseiro no Araguaia mato-grossense
implicava o fato de ter direitos legítimos sobre as terras que ocupavam muito
antes da entrada das empresas agropecuárias, conforme o relato abaixo de João
Souza Lima91:
Naquela época, a gente não falava que era posseiro. Depois que
a fazenda chegou, a gente começou a falar em posseiro. Nós
falávamos que éramos moradores ou compadres. Lavrador já
tinha. O compadre já tinha o nome do lugar, por exemplo, Santo
Antônio, Bela Vista do Sebastião Pereira, era assim que era. O
posseiro começou quando a fazenda chegou. A fazenda falava
―posseiro‖. ―Nós viemos aqui para tirar esses posseiros.‖ Aí nós
tomamos conhecimento e passamos a nos chamar de posseiros.
E somos posseiros. Resistíamos no nosso lugar, na nossa posse,
na sua terra se dá o nome de posseiro, porque ele é resistente
ali. [...] a Igreja falava isso para a gente. Naquele tempo o padre
estava desobrigado daquelas questões, porque não tinha nada.
Depois que começou a FRENOVA, os padres investiram e
falavam: ―não sai, porque o direito de vocês é aqui!‖ Aí
ficamos92.
91
João Souza Lima, conhecido como João da Angélica, veio com a sua família para Porto Alegre
do Norte na década de 1950. Seu pai saiu de Barreira do Campo/PA à procura de terras para a
criação de gado e encontrou no nordeste de Mato Grosso uma localidade próxima ao rio Tapirapé,
onde atualmente é Porto Alegre do Norte. A maior parte da trajetória da família foi realizada de
canoa pelo rio Araguaia e depois adentraram o rio Tapirapé para se estabelecerem no povoado de
Cedrolândia. O entrevistado chegou com a sua família no Araguaia mato-grossense em 6 de
janeiro de 1950, tendo, na época 10 anos de idade.
92
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à autora,
em 3 de dezembro de 2015, no município de Porto Alegre do Norte.
62
93
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado... p. 101.
94
O posseiro é uma designação utilizada para os trabalhadores rurais presentes na Amazônia Legal.
José de Souza Martins demostra que em outras partes do Brasil os trabalhadores do campo
possuem diversas nomenclaturas, tais como: caipira (SP, MG, GO, PR e MS), caiçara (no litoral
paulista), tabaréu (Nordeste) e em outras localidades de caboclo. MARTINS, José de Souza. Os
camponeses e a política no Brasil...
95
Idem.
63
96
Ibidem, p. 116.
97
Dentre as disputas por terras podemos destacar: A Fazenda Tamakavy do Grupo Sílvio Santos
contra a fazenda Brasil Novo (1975); CODEARA X Fazenda Santa Lúcia (1976); Fazenda Santa
Cruz de propriedade de Antônio José Matoso teve a sua área contestada pelo senhor Amaury
acompanhado por 13 jagunços para expulsá-lo da área (1975).
64
98
BARROZO, João Carlos. Os assentados e os assentamentos rurais do Araguaia. In: HARRES,
Marluza Marques; JOANONI NETO, Vitale (Org..). História, Terra e Trabalho em Mato Grosso:
Ensaios Teóricos e Resultados de Pesquisas. São Leopoldo: Oikos; Unisinos; Cuiabá: EDUFMT,
2009.
65
99
A Ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo, situa-se no estado do Tocantins,
na divisa com Mato Grosso. Formada pelo rio Araguaia, estende-se por 320 km com uma largura
máxima de 55 km. Um terço da área corresponde ao Parque Nacional do Araguaia, fundado em
1959, e o restante cabe à reserva indígena, onde vivem os índios Javaé e Karajá. Disponível em:
<http://www.emdiv.com.br/pt/brasil/obrasil/1824-ilha-do-bananal-a-maior-ilha-fluvial-do-
mundo.html>. Acesso em: 24 mai. 2011.
100
SOARES, Luiz Antonio Barbosa. Trilhas e Caminhos... p. 255.
101
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Cidades da Mineração: memória e práticas culturais –
Mato Grosso na primeira metade do século XX. Cuiabá: Carlini & Caniato/EDUFMT, 2006, p. 90.
102
SOARES, Luiz Antonio Barbosa. Trilhas e Caminhos...
66
103
Ibidem, p. 257.
104
Considerado o fundador da cidade de Luciara, cujo nome é atribuído em sua homenagem e ao
rio Araguaia.
105
GONÇALVES, Judite; NICOLA, Rafaela. Araguaia – do tranquilo balanço das águas à
turbulência anunciada: lutar é preciso. Campo Grande: ECOA, 2002, p. 20.
67
Araguaia: Furo de Pedra (1909), Lago Grande, Crisóstomo, Mato Verde (1934),
São Félix do Araguaia (1942) e Porto Alegre do Norte (1949), estando esse último
localizado às margens do rio Tapirapé. Estes povoados se constituíram ao longo
do rio Araguaia e ocasionaram ―um complexo contato interétnico entre os
sertanejos/posseiros e as sociedades indígenas Kayapó, Xavante, Karajá e
Tapirapé‖106.
Em meados da década de 1960, tem-se o segundo fluxo migratório
com a entrada das empresas agropecuárias no Araguaia, gerando conflitos ainda
hoje não resolvidos pela posse da terra, com posseiros e índios que estavam
fixados na área muito antes da chegada das primeiras migrações nordestinas
datadas do início do século XX. Exemplo disso é o povoado de Furo de Pedras, no
atual município de Santa Terezinha, cuja fundação no ano de 1910 contou com a
presença das Irmãzinhas de Jesus, escola e Igreja Católica. Antes da abertura dos
empreendimentos agropecuários, também se tem na região o estabelecimento de
outros dois povoados, hoje municípios, quais sejam Luciara e São Félix do
Araguaia.
No final dos anos de 1970, tinham sido aprovados para os principais
municípios da região Araguaia – Barra do Garças e Luciara – sessenta e seis
projetos do Governo Federal e, posteriormente, outros foram criados, como o da
Bordon S/A (Frigorífico Bordon); Nacional S/A (Banco Nacional de Minas
Gerais), cujo presidente era o então ministro das Relações Exteriores, Magalhães
Pinto; o da Uirapuru S/A (do jornalista-latifundiário, David Nasser), entre
outros107.
O terceiro fluxo se deu por meio da instauração dos projetos de
colonização e assentamento, estimulando a migração de pessoas da região
Nordeste e Sul do Brasil. Tais projetos se estabeleceram nos atuais municípios de
Confresa108 (empresa de colonização particular de mesmo nome), Água Boa,
Canarana e Querência (COOPERCANA), Santa Cruz do Xingu (COREBRASA) e
Vila Rica (SERVAP). Nos projetos de colonização localizados no extremo
106
SOARES, Luiz Antonio Barbosa. Trilhas e Caminhos... p. 270.
107
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia... p. 9.
108
A empresa colonizadora era formada por três grandes agropecuárias: CODEARA, FREVOVA e
SAPEVA. Criou o projeto Tapiraguaia, junção dos nomes dos povos indígenas Tapirapé e rio
Araguaia, com o objetivo de acolher os colonos do Sul.
68
109
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. BR-163 Cuiabá – Santarém: Geopolítica, grilagem,
violência, mundialização. In: TORRES, Maurício (Org.). Amazônia Revelada: Os descaminhos ao
longo da BR-163. Brasília: CNPQ, 2005, p. 91.
69
110
Ibidem, p. 92.
111
BARROZO, João Carlos. Os assentados e os assentamentos rurais do Araguaia... p. 93.
112
Disponibilizamos uma relação dos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM no Araguaia
mato-grossense. Ver Anexos: Tabela 2.
70
113
A Prelazia de São Félix do Araguaia foi criada no dia 13 de maio de 1970 pela Bula ―Ut
comodius‖ pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Prelazia de Registro do Araguaia (a atual
Diocese de Guiratinga) Mato Grosso, Prelazia do Santíssimo Conceição do Araguaia, Pará e da
Prelazia de Cristalândia, Tocantins. Até 2005 esteve ligada à Diocese de Goiânia, Regional
Centro-Oeste da CNBB. Com a posse de Dom Leonardo Ulrich Steiner, passou a integrar a
Diocese de Cuiabá, Regional Oeste 2.
114
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A 17.4.11, 1980, p. 01.
115
Porto Alegre do Norte é considerado o núcleo urbano, enquanto os núcleos de ocupação como:
Azulona, Canabrava do Norte, Rio Sabino, Ponte, Mutum, Passagem da Vaca, Landi, Gameleira,
Xavantino, Grota Bonita, Cedrolândia, Barra do Tapirapé, Capão Redondo, Brejo Empastado, Boa
Vista, Bom Jardim, Varjão e Salvador, são considerados áreas de sertão, ou seja, ocupações
distantes do núcleo urbano.
116
A historiadora Lylia da Silva Guedes Galetti demonstra que o conceito de sertão era e
continuaria por muito tempo, em múltiplos sentidos, a negação do espaço já conquistado pela
Metrópole. Espaço em estado bruto, primitivo, deserto, inculto, lugar que está fora da ordem
(colonial), o que acolhe o desertor, o que não se deixa conhecer, bem como é caracterizado pelo
―outro geográfico‖ do espaço já conquistado, e o lugar do Outro – o selvagem, o bárbaro.
71
GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Sertão, Fronteira, Brasil: Imagens de Mato Grosso no mapa da
civilização. Cuiabá: Entrelinhas/EDUFMT, 2012, p. 58.
117
A DURA, conquista da terra: Porto Alegre do Norte – uma conquista dramática, Alvorada, São
Félix do Araguaia, jan/fev-2000, nº 214.
118
Pai do trabalhador rural e entrevistado, João Souza Lima (João da Angélica).
119
De acordo com as informações fornecidas por Justiniano Pereira Sales (Professor da rede
pública de Porto Alegre do Norte), o seu pai, José Pereira dos Santos, conhecido como Zé
Dimiciano (pelo fato da sua mãe se chamar Maria Domiciana), chegou a Cedrolândia no ano de
1950. A sua família naquele momento estava em formação, juntamente com a sua esposa Maria
Luiza Pereira Sales e seus filhos ainda com pouca idade, João Manoel Pereira Sales, Emilio
Pereira Sales e Marcelino Pereira Sales.
120
João Souza Lima (João da Angélica). Entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
121
A DURA, conquista da terra...
72
Mapa 3: Rota Fluvial a Porto Alegre do Norte/MT. Em destaque o percurso percorrido pelos posseiros que migraram de
Barreira do Campo/PA ao povoado de Porto Alegre do Norte/MT.
74
122
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil... p. 17.
123
KELLER, Francisca Isabel Vieira. O homem da frente de expansão: permanência, mudança e
conflito. Revista de História, v. 51, 102, p. 665-709, abr/jun. 1975, p. 699.
75
124
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia... p. 80.
125
WANDERLEY, Maria Nazareth Baudel. Raízes históricas do campesinato brasileiro. XX
Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, outubro. 1996, p. 8.
126
VIEIRA, Maria Antonieta da Costa. À procura das Bandeiras Verdes: Viagem, Missão e
Romaria. Movimento Sócio-religioso na Amazônia Oriental. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2001, p. 115-116.
76
Martins, ―A noção de posse é uma noção que privilegia não a terra mas o trabalho:
a terra entra como o instrumento do trabalho, como mediador do trabalho‖127.
É importante destacar que outro fator que impulsionou a vinda destes
trabalhadores rurais para Porto Alegre do Norte está relacionado com a questão da
religiosidade popular propagada pelo mito das ―Bandeiras Verdes‖ criado
supostamente pelo Padre Cícero. Desse modo, os nordestinos deveriam migrar
para a Amazônia, considerada uma grande área desabitada, um lugar mítico
depois da travessia do grande rio128. Já na concepção de Vieira129, as ―Bandeiras
Verdes‖ expressam de um ponto de vista místico a trajetória do campesinato
nordestino em direção à Amazônia, em busca do seu lugar social na fronteira. O
relato abaixo de Erotildes Millhomem130 nos ilustra este fato:
127
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil... p. 131.
128
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira... p. 53.
129
VIEIRA, Maria Antonieta da Costa. À procura das Bandeiras Verdes... p. 152.
130
A família da entrevistada é oriunda do Maranhão e chegou a Luciara em 1939. Nascida em
Luciara/MT no dia 03/03/1939, filha de João Irineu da Silva e Enedina de Almeida. No final da
década de 1960 começou atuar como professora no GEA a pedido de Dom Pedro Casaldáliga. Ex
vice Prefeita de São Félix do Araguaia, no período de 1982/1989. Faz parte da Academia de
Letras, Cultura e Artes do Centro Oeste, Cadeira 21. Co-fundadora do Museu Histórico e Cultural
Municipal de São Félix do Araguaia.
77
131
Erotildes da Silva Milhomem, entrevista de cinquenta e quatro minutos concedida à autora, em
06/12/2014 na cidade de São Félix do Araguaia.
132
Dionel Martins de Almeida.
133
José Pereira dos Santos.
78
134
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
79
135
Idem.
136
Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=5&uf=00>.
Acesso em: 04 jan. 2016.
80
subsistência familiar, acarreta a perda dos laços de pertença com o antigo lar, bem
como na destituição da sua história com o espaço que lhe conferia identidade.
O estabelecimento desses migrantes se deu principalmente às margens
do rio Araguaia, na divisa dos estados do Tocantins, Goiás, Pará e Mato Grosso.
As famílias que migraram para Porto Alegre do Norte passaram um período de
estadia na Ilha do Bananal. Portanto, do outro lado do rio Araguaia, formaram
vilas, patrimônios e sertões; plantavam roças e criavam gado em posses de 50 a
100 hectares, dando origem, principalmente aos municípios de Porto Alegre do
Norte, Luciara, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, entre outros.
Ao se instalar em Porto Alegre do Norte e se apropriar de um pedaço
de terra, a família passava a trabalhar na área, conforme as suas necessidades,
cabendo a ela escolher como, quando e o que cultivar de acordo com os limites
impostos pela natureza, bem como pelo acesso aos instrumentos de trabalho
necessários à plantação e o elemento característico da subsistência familiar – a
força de trabalho de seus membros.
Entretanto, temos que levar em consideração que o processo de
estabelecimento nas novas áreas não era tão simples como parece ser, pois estas
famílias tinham que começar os trabalhos de desmatamento, construções e plantio
das roças tudo novamente, com o agravante de que elas não conheciam a nova
espacialidade, a fauna, a flora, o calendário climático para a cultura da lavoura e
das criações. Neste sentido, torna-se importante destacar que segundo Maria
Cantuario, o cultivo da mandioca e a técnica de plantar a raiz que era a base da
alimentação dos lavradores, decorreu da produção em área de capão 137 a partir da
observação dos conhecimentos dos povos indígenas que habitavam a região138.
Então, a concretização para a instalação em Porto Alegre do Norte implicava o
conhecimento das características da região, o que demandava tempo até que os
137
Extensão do cerrado, constituído de faixas de mata que não alagam no tempo das chuvas, então
chamadas de terras altas e usadas para plantar todas as culturas locais. CANTUARIO, Maria
Raimunda dos Santos. “Oh de casa! Oh de fora! Vamos chegando e vamos entrando”: lavradores
às margens do Araguaia Mato-grossense (1950 – 1990). Dissertação (Mestrado em História)
Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2012, p. 36.
138
Ibidem, p. 114.
81
139
No final da década de 1950, Ana Felicia, conhecida como dona Nininha, migrou com a sua
família do Piauí para Cristalândia em Goiás (atual Tocantins), pois tinha um irmão que já morava
na localidade. A trajetória para Cristalândia foi realizada a pé. Depois de cinco anos ela se mudou
com uma irmã casada para Luciara/MT, onde posteriormente Ana Felicia se casou com Alexandre
Quirino de Sousa. Em 1962 se mudaram para Porto Alegre do Norte, porque ficaram sabendo que
havia terras para se ocupar e assim o seu esposo foi trabalhar nas fazendas da região. Sobre a
constituição da sua família, ela diz que: ―Meus filhos nasceram em Porto Alegre. Todos filhos de
Porto Alegre. Todos alegres [Risos]. Com todas as tristezas, mas é alegre‖.
140
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
82
éramos sustentados por aquilo que dava na roça. Porque não tinha outro lugar para
buscar nada. Então, tínhamos que comer o que a roça dava‖141.
As terras apropriadas pelos posseiros de Porto Alegre do Norte
deveriam ser exploradas logo que possível, pois não era permitido manter a área
sem produção à espera da regularização das posses. O posseiro conferia valor a
terra no momento em que esta passava a ser trabalhada, visto que não era a posse
que tinha maior importância, mas sim os frutos do trabalho que ela rendia,
conforme podemos verificar no relato a seguir:
141
Ibidem.
142
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte, grifo nosso.
83
143
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a
transformação dos seus meios de vida. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010, p. 81-82.
144
Ibidem, p. 81, grifo do autor.
145
Ibidem, p. 76.
84
vizinhos que era tão importante quanto a exercida com os familiares, pois entre
estes indivíduos predominava uma relação amistosa, assinalada pelo autor como
―o universo imediato da vida caipira, e em função da qual se configuram as suas
relações sociais básicas‖146. A sociabilidade entre os vizinhos era regida pelo
―sentimento de localidade‖ que não dependia apenas da sua posição geográfica,
como também do intercâmbio entre as famílias e as pessoas, delineado pela
proximidade física e pela necessidade de cooperação. Sob essa ótica, o relato de
Ana Felicia Araújo pode ser esclarecedor:
146
Ibidem, p. 72.
147
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
148
SÁ, Laís Mourão. Prática missionária e resistência cultural. In: ESTERCI, Neide (Org.).
Cooperativismo e coletivização no campo: questões sobre a prática da Igreja Popular no Brasil.
Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008, p. 15.
85
destacarmos que a prática dos mutirões em Porto Alegre do Norte, não ocorria
exclusivamente pelo ―sentimento de localidade‖, e que os laços de parentesco,
compadrio e vizinhança na ajuda mútua não era algo de todo objetivo, mas sim
fruto de uma atividade laboral desprovida de sofisticadas ferramentas de trabalho
e tecnologia, ou seja, de uma agricultura traçada pela precariedade.
No início da década de 1950, as famílias de migrantes oriundas
principalmente dos estados do Maranhão, sul do Pará e norte de Goiás começaram
a empreender a ocupação de Porto Alegre do Norte pela abertura das posses para a
sobrevivência e manutenção dos familiares. Durante os anos que se seguiram até a
década de 1970, a forma de propriedade na região era a posse, intensificada pela
propagação dos núcleos de ocupações através da chegada dos parentes, amigos e
conhecidos dos primeiros habitantes do local.
A base territorial de Porto Alegre do Norte é configurada pela
instalação das famílias próximas aos rios, córregos e riachos, sendo que o núcleo
urbano se formou às margens do rio Tapirapé, acarretando a formação de um novo
mapa das posses pelas referências das suas comunidades de origem, como as
posses de João da Angélica, dos Glórias - do senhor José Bento do povoado de
Canabrava do Norte, dos Guimarães e dos Fernandes149. A chegada desses grupos
familiares contribuiu para a constituição de novos grupos de indivíduos na
fronteira que passaram a desenvolver o ―sentimento de localidade‖, tendo como
referência os nomes dos patriarcas das famílias. A disposição das posses seguia
uma lógica instituída pelos antigos moradores, em que o ―chegante‖ tinha que se
dirigir aos antigos moradores e perguntar onde ele poderia demarcar a sua
gleba150.
O ―sentimento de localidade‖ e os laços de sociabilidade emitidos pela
relação entre a vizinhança impulsionavam as atividades do mutirão. Entretanto,
devemos considerar que a ajuda mútua disponibilizada de modo esporádico nos
149
Ataíde da Silva (Altair) entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida à autora,
em 02 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
150
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia...
86
construídas umas próximas as outras por medo do ataque dos povos indígenas
presentes naquele espaço:
154
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 03 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
155
A palavra Rua significa que foram morar no núcleo urbano. Erotildes da Silva Milhomem,
entrevista de cinquenta e quatro minutos concedida à autora, em 06/12/2014 na cidade de São
Félix do Araguaia.
89
157
IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis: Vozes,
1979B, p. 13.
91
Brasília (BR 010). Este trajeto possibilitou também a (re)ocupação do sul do Pará
e norte de Goiás, atual Tocantins, bem como a instauração da rodovia TO 336 que
liga a cidade de Guaraí a Couto Magalhães às margens do rio Araguaia, da mesma
maneira que as rodovias inauguradas a partir da década de 1970, como a Cuiabá-
Santarém, a BR 158 que atravessa o país de Norte a Sul e a Transamazônica, que
passa por sete estados brasileiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins,
Pará e Amazônia, permitindo, assim, um maior fluxo migratório de pessoas
provenientes de diversos estados do Brasil para o nordeste de Mato Grosso.
Os migrantes procuravam áreas de mata fechada providas de água por
meio de rios, fontes e córregos. Desse modo, as primeiras famílias de Porto
Alegre do Norte se organizaram próximas ao rio Tapirapé, um dos principais
afluentes do rio Araguaia, em uma distância média de 100 a 150 km nos varjões
adentro. Estes também partiam em busca de terras férteis, tendo em vista que não
possuíam meios financeiros para recuperação do solo através de fertilizantes ou
adubos sintéticos.
A (re)ocupação da região não teve um projeto programado. Foi feita a
partir do que Ianni158 chama de ―colonização espontânea‖, pois não houve um
planejamento elaborado por órgãos públicos ou privados. Os posseiros se
estabeleciam nas áreas, construíam suas moradias e benfeitorias, formavam vilas e
delimitavam os espaços de acordo com a chegada de novas famílias.
A formação do povoado de Porto Alegre do Norte foi constituída
através da (re)ocupação daquele espaço pelas primeiras famílias que, com o
tempo, foram avisando parentes, amigos e conhecidos sobre a existência de terras
devolutas. Dessa forma, com o aumento da população se formou um conjunto
rural e urbano denominado por seus habitantes de patrimônio.
A lógica dos deslocamentos e ocupação dos espaços para a
constituição das moradas em Porto Alegre do Norte possui relação com a
instauração dos novos povoados estudados por Francisca Isabel Vieira Keller na
formação do campesinato maranhense. Em Porto Alegre do Norte a área ocupada
158
Idem.
92
As festas eram boas! Esse povo inventava santo não sei de onde
vinha. Todo dia tinha uma festa de um santo diferente. O santo
fulano de tal, o santo do Bom Jesus da Lapa, São Sebastião, São
Pedro, então tinha aquela festa, dois, três dias de festas. Aí os
padres vinham para a desobriga. Eles ficavam na Idalina. Eles
vinham de canoa ou barco e parava lá. Mandavam avisar que
tinham chegado. Nós saíamos de Cedrolândia para batizar os
meninos, celebrar os casamentos. Aquele tempo era tão bom!
Não é que nem hoje não161.
159
KELLER, Francisca Isabel Vieira. O homem da frente de expansão... p. 674.
160
Essas cerimônias eram realizadas através das visitas das desobrigas dos missionários no
princípio de cada ano, aos locais remotos. Levando os sacramentos às populações que não
dispunham de assistência religiosa regular, devido ao próprio isolamento em que viviam ou
ausência de padres na região. O nome desobrigas refere-se ao antigo preceito da Igreja de que o
católico é obrigado ao menos uma vez por ano a confessar-se e comungar. Foi muito comum no
Brasil desde o período colonial em razão das grandes distâncias e do pequeno número de padres
para atender, principalmente, as comunidades mais distantes do interior.
161
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
93
162
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia... p. 31.
94
163
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
164
Idem.
165
MARTINS, José de Souza. A vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da vida privada no Brasil. V.4, São Paulo: Cia. das Letras,
1998, p. 710.
95
áreas comuns, ou seja, espaços de uso comunitário. Estas áreas conhecidas como
―reserva de mata‖ eram os locais em que se buscavam a matéria-prima para a
construção das benfeitorias, como a madeira, a palha, o barro para os tijolos
(―olaria‖), bem como o seu uso para pastos, caça, pesca, etc.:
166
O entrevistado explicou que naquela época não se desmatava sem necessidade.
167
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida a
autora, em 03 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
168
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia... p. 16.
169
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida a
autora, em 03 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
96
170
CANTUARIO, Maria Raimunda dos Santos. “Oh de casa! Oh de fora!... p. 48.
171
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia... p. 15.
172
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida a
autora, em 03 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
97
173
Chegou a Porto Alegre do Norte em 1972 para compor a equipe de leigos da Prelazia de São
Félix do Araguaia e atuar como professor da escola do povoado.
174
Ataíde da Silva (Altair) entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida à autora,
em 2 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
175
SÁ, Laís Mourão. Prática missionária e resistência cultural... p. 16.
176
Ibidem, p. 17.
98
decide o que plantar, quanto, e o que vender, como também atribui os serviços da
roça; e a mãe é quem divide os afazeres domésticos177.
A disposição geográfica do patrimônio de Porto Alegre do Norte era
composta da seguinte forma: o núcleo urbano localizado próximo ao rio Tapirapé,
formado pelas casas dos habitantes compostas por quintais providos de criações
domésticas e árvores frutíferas; os comércios, a escola, a Igreja Católica e o
bebedouro público do gado; as áreas de uso comum: aguada, cerrado, mata, e por
fim, o sertão.
Os núcleos de ocupação direcionavam-se dos sertões para a vila, ou
seja, do patrimônio ou núcleo urbano, através de estradas ou caminhos que iam
sendo construídos ao longo das idas e vindas dos seus habitantes. As famílias
viviam basicamente do que produziam, muitos produtos e principalmente
medicamentos eram trazidos geralmente da cidade de Belém por meio de
embarcações através dos rios Tocantins e Araguaia:
177
ESTERCI, Neide. Roças comunitárias: projetos de transformação e formas de luta. In:
ESTERCI, Neide (Org.). Cooperativismo e coletivização no campo: questões sobre a prática da
Igreja Popular no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008B, p. 25.
178
DUTERTRE, Alain; CASALDÁLIGA, Pedro e BALDUÍNO, Tomás. Francisco Jentel:
defensor do povo do Araguaia. 2. ed. Belo Horizonte: O Lutador, 2004, p. 13.
179
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a
partir da fronteira em movimento. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009, p.
186.
99
Não se vendia nada. O arroz era para o uso nosso, assim como o
milho, a mandioca, tudo, tudo, tudo. A agricultura era de
subsistência. E criava um gadinho, cavalo, porco, jumento e
galinha. Era a maior riqueza aquele tempo. Tudo era para comer
e nada vendia. Até porque naquele tempo não tinha para quem
vender, tudo era uma coisa só, né? Aí quando vendia, vendia
um gado, um boi grande para uns homens que hoje a gente
chama de atravessador que vinha aí e comprava. Aí nossos pais
compravam o sal, compravam a roupa.180
180
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
100
181
INCRA, 1973 apud IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma... p. 61.
182
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A 17.3.16, 1978, p. 3.
101
183
IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma... p. 14, grifos nossos.
184
MARTINS, José de Souza. Fronteira...
185
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A cidadania dilacerada. Revista Crítica de Ciências
Sociais, Coimbra, n. 37, jun. 1993A.
103
186
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Matuchos exclusão e luta: do Sul para a Amazônia.
Petrópolis: Vozes, 1993B, p. 258.
104
187
VARGAS, Getúlio. Discurso: Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1937. In: D‘ARAÚJO, Maria
Celina (Org.). Getúlio Vargas. Brasília: Centro de Informação e Documentação/Edições Câmara,
2011, p. 370.
188
Desde as viagens dos naturalistas, estes já predisseram que a Amazônia seria o celeiro do
mundo. Durante o governo de Getúlio Vargas, a ideia da Amazônia como Vale da Promissão foi
muito disseminada, como uma forma de representá-la como paraíso, contrapondo-se a imagem
desta como um lugar inóspito, ou uma representação infernal. Para exemplificar, ver: GUILLEN,
Isabel C. Martins. Errantes da Selva: História da Migração Nordestina para a Amazônia. Recife:
EdUFPE, 2006, p. 30-59.
105
189
A região Norte está inserida na Amazônia que compreende os estados do Acre, Amapá,
Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins. A Amazônia Legal é acrescida pelo estado de
Mato Grosso e parte do Maranhão.
190
COUTO e SILVA. Golbery. Conjuntura polícia nacional: o poder executivo & geopolítica do
Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 13.
106
191
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59428.htm>. Acesso
em: 31 jan. 2016.
192
JOANONI NETO, Vitale. Amazônia na década de 1970. A fronteira sob o olhar do migrante.
Revista Eletrônica da ANPHLAC, São Paulo, n. 19, p. 186-206, jan./jul. 2014, p. 190.
193
A SUDAM foi criada no governo de Castelo Branco no ano de 1966, sendo um importante
órgão de fomento para projetos agropecuários implantados no Centro-Oeste e em toda a região
107
amazônica em meados da década de 60. Substituiu outra autarquia, a SPVEA, criada por Getúlio
Vargas, em 1953, com objetivos semelhantes aos da SUDAM.
194
POLOCENTRO foi criado no governo do general Geisel através do Decreto nº. 75.320, de
29/01/1975 para transformar os cerrados em área de expansão de frentes comerciais a partir do
Centro-Oeste e do Oeste de Minas Gerais. Como meta deveria incorporar cerca de 3,7 milhões de
hectares ao setor produtivo nas áreas de agricultura, pecuária e florestas. Suas ações preconizavam
apoio à infraestrutura (armazenamento, estradas rurais, eletrificação e assistência técnica,
pesquisas de sementes de soja apropriadas para o cerrado).
195
IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma... p. 60.
108
196
MARTINS, José de Souza. Fronteira... p. 75.
109
197
Ibidem, p. 77.
198
MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1985, p. 68.
199
BECKER, Bertha; MIRANDA, Mariana; MACHADO, Lia. Fronteira amazônica. Questões
sobre a gestão de território. Brasília/Rio de Janeiro: Ed. UNB/ Ed. UFRJ, 1990, p. 35.
200
Idem.
110
bem como a rede hidroelétrica, que foi gerada para fornecer energia, o insumo
básico à nova fase industrial do país.
Os projetos de colonização se distribuíram ao longo dos principais
eixos de circulação rodoviária e fluvial. Em sua maioria, estão localizados na
Amazônia Oriental, situada nas proximidades da rodovia Belém-Brasília,
distribuindo-se mais esparsamente pela rodovia Cuiabá-Porto Velho (BR 364)
entre Vilhena e Ji-Paraná, Vale do rio Amazonas e na Transamazônica entre
Itaituba, Santarém e Altamira no Pará. Na BR 153 entre Nova Mutum e Guarantã
do Norte.
A política de colonização para a Amazônia adotou uma extensão que
se relacionava às questões de segurança e de posse e uso da terra numa escala sem
precedentes, tendo em vista que com os fluxos migratórios para a Amazônia
ansiava-se reduzir ou ao menos controlar os problemas sociais ligados à terra em
outras áreas do país. Os projetos de colonização oficial e particular foram muito
questionados e assinalados como executados por motivos de segurança interna,
que tinham como pretensão aliviar tensões e conflitos em outras partes do Brasil,
principalmente nos estados do Nordeste, os quais possuíam estruturas agrárias
favoráveis para a expansão capitalista.
Becker201 demonstra que a inserção do Brasil no capitalismo global
estimulou a capitalização da agricultura cuja articulação com a indústria foi
viabilizada pelo Estado de duas formas: pela integração vertical, com subsídios à
produtividade, e pela integração horizontal, com subsídios à ocupação da
fronteira.
No governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) foi criado o
PIN com o objetivo de integrar a região amazônica ao restante do país. O PIN foi
instituído em 16 de junho de 1970, com recursos previstos de incentivos fiscais,
doações, e contribuições de empresas privadas ou públicas, cujo imposto de renda
seria deduzido em 30% e destinados somente para o projeto.
201
Idem.
111
203
CASTRO, Sueli Pereira de. et. al. A colonização oficial em Mato Grosso: ―a nata e a borra da
sociedade‖. Cuiabá: EDUFMT, 1994.
113
204
Entre os conflitos de expropriação de posseiros e indígenas podemos citar: Santa Terezinha
(CODEARA x posseiros); Suiá-Missu (Xavantes); Tapiraguaia x Tapirapés.
205
MARTINS, José de Souza. Fronteira...
114
206
MARTINS, José de Souza. Fronteira... p. 80.
115
207
Diversas negociações foram realizadas desde o ano de 1992 para que os posseiros e fazendeiros
fossem retirados das terras indígenas Marãiwatsédé. Em setembro de 2012 foi iniciada a
desocupação da área Xavante que terminou no dia 27 de janeiro de 2013. Entretanto, algumas
pessoas voltaram a ocupar a área no dia 26 de janeiro de 2014, após a saída das Polícias Federal e
Rodoviária Federal do local. Um grupo de cerca de 50 posseiros fechou a rodovia no Posto da
Mata e invadiu a localidade, expulsando servidores da FUNAI que ali trabalhavam. O cacique
Damião Paridzané foi perseguido quando tentava se aproximar do local. Disponível em:
<http://maraiwatsede.org.br/>. Acesso em: 18 jan. 2016. A respeito consultar: ROSA, Juliana
Cristina da. A Luta pela Terra Marãiwatsédé: Povo Xavante, Agropecuária Suiá Missú, Posseiros
e Grileiros do Posto da Mata em disputa. (1960-2012). Dissertação (Mestrado em História).
Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2015.
116
208
É importante lembrarmos que a decisão de dividir o estado de Mato Grosso em dois foi tomada
no ano de 1977 e efetivada em 1979 com a criação de Mato Grosso do Sul.
209
Devemos destacar que neste ano foi constituído o Território Federal do Guaporé, com capital
em Porto Velho, mediante o desmembramento de áreas de Mato Grosso e do Amazonas. No
extremo Sul de Mato Grosso, o governo Vargas criou o Território de Ponta Porã, ocupando a área
explorada pela Cia Mate Laranjeira. Ver: LENHARO, Alcir. A terra para quem nela não trabalha
(A especulação com a terra no Oeste brasileiro nos anos 50). Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 6, n. 12, p. 47-64, mar/ago. 1986.
117
215
MORENO, Gislaene. O processo histórico... p. 80.
216
Ibidem, p. 81.
120
Chegar a São Félix não foi fácil. Foram sete dias de viagem
num caminhão, a maior parte deles no meio da mata. Sete dias e
sete noites, de Rio Claro, passando por Goiânia e Barra do
Garças, até chegar em São Félix do Araguaia. Os últimos
quilômetros foram os mais duros, porque a estrada, que ainda
estava sendo feita, era praticamente inexistente em muitos
trechos. Casaldáliga viajava acompanhado por Manoel Luzón,
outro missionário Claretiano. Ambos iam compartilhar a
aventura de fundar a missão de São Félix e, na medida em que
se aproximavam de seu destino, aumentavam a sensação de
chegar a um mundo de onde o retorno era impossível217.
217
ESCRIBANO, Francesc. Descalço sobre a terra vermelha. São Paulo: Ed. Unicamp, 2000, p.
14.
218
Ibidem, p. 46.
219
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia em conflito... p. 4.
121
220
Ibidem, p. 35.
221
ESCRIBANO, Francesc. Descalço sobre a terra vermelha... p. 15.
222
CASALDÁLIGA apud VARGAS, Rodrigo. Atuação social ganhou simpatia dos fracos e a ira
de poderosos. 2003. Disponível em:< http://diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=131553>.
Acesso em: 22 jun. 2011.
122
223
ESCRIBANO, Francesc. Descalço sobre a terra vermelha... p. 16, grifos do autor.
224
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia... p. 39.
123
225
CASALDÁLIGA apud VARGAS, Rodrigo. Atuação social ganhou simpatia dos fracos e a ira
de poderosos. 2003. Disponível em:< http://diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=131553>.
Acesso em: 22 jun. 2011.
226
CASALDÁLIGA, 1970 apud CANTUÁRIO, Maria Raimunda dos Santos. Descalço sobre a
terra vermelha – D. Pedro Casaldáliga. In: Igreja Católica e os cem anos da Arquidiocese de
Cuiabá (1910 – 2010). PERARO, Maria Adenir (Org.). Cuiabá: EDUFMT, 2008, p. 193.
124
230
Ibidem, p. 28.
231
ESCRIBANO, Francesc. Descalço sobre a terra vermelha... p. 85.
232
A Teologia da Libertação é uma corrente teológica de interpretação do cristianismo que enfatiza
a atuação político-social do cristão em prol da transformação das estruturas de exploração da
sociedade capitalista (causadora de injustiça, pobreza, violência, sofrimento e etc.) como em
decorrência do amor ao próximo. Desenvolvida após o Concilio do Vaticano II (1962-1965) e a
Conferência Episcopal de Medellín (1968), principalmente por teólogos latino-americanos, a
Teologia da Libertação ganhou nome e corpo com a publicação da obra Teologia da Libertação, do
peruano Gustavo Gutiérrez, em 1971, na qual se formalizou e se estruturou essa leitura mais social
da fé cristã. Os teólogos (Gustavo Gutiérrez, Leonardo e Clodóvis Boff, Jon Sabrino, Enrique
Dussel, entre outros) afirmavam fazer teologia a partir da realidade (de subdesenvolvimento,
dependência, violência e etc.) vivida no Terceiro Mundo e defendia o engajamento social e político
dos cristãos com base em conceitos como o da caridade política. A Teologia da Libertação não se
restringiu às especulações teológicas, mas difundiu-se no plano pastoral (ao qual se alinharam
diversos bispos e padres, entre eles: D. Paulo Evaristo Arns, D. Pedro Casaldáliga, D. Helder
126
235
Para visualizar os Murais da Libertação, consulte: BARREDO, Cerezo; CASALDÁLIGA,
Pedro. Murais da Libertação na Prelazia de São Félix do Araguaia, Mato Grosso, Brasil.
Fotografias: José María Concepción. São Paulo: Edições Loyola, 2005; ALVES, Leonice
Aparecida de Fátima; GOMES, Maria Henriqueta dos Santos. Murais do Araguaia: Uma primeira
aproximação. In: História, Terra e Trabalho em Mato Grosso: Ensaios Teóricos e Resultados de
Pesquisas. HARRES, Marluza Marques; JOANONI NETO, Vitale (orgs). São Leopoldo: Oikos;
Unisinos; Cuiabá: EDUFMT, 2009 ou acesse:
http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/MURAIS_DA_LIBERTA%C3%87%C3%83O/
236
JOANONI NETO, Vitale. Fronteiras da crença: ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970.
Cuiabá: Ed. UFMT/Carlini Caniato, 2007, p. 108.
128
237
Piraguassu Agropecuária S/A. Projeto de concessão de terras aprovado pela SUDAM em:
18/10/1971 no valor de Incentivo Recebido de Cr$7.006.405,00. Tamanho da Propriedade:
42.673,75ha. Composição Acionária: Délio Rodrigues Cardial (21,46%), Geraldo Antônio de
Medeiros Neto (21,44%), José Augusto Leite de Medeiros (21,16%), João Carlos de Souza
Meirelles (11,13%), João Galdino da Silva Neves (11,1%), Abílio Antônio Motta Filho (8,02%),
Jorge Alberto Veiga de Medeiros (2,3%), Milton Leopoldo Endres (1,52%), Renato de Souza
Meirelles (1%), Yara Hungria de Souza Meirelles (0,87%). Dados retirados do Projeto: expansão
da fronteira agrícopecuária e desenvolvimento da Amazônia brasileira 1850-2010, coordenado
pelo Prof. Doutor Fábio Carlos da Silva.
238
Tapiraguaia – Agrícola e Pecuária. Projeto de concessão de terras aprovado pela SUDAM em:
05/07/1967 no valor de Incentivo Recebido de NCr$2.566.140,00. Tamanho da Propriedade:
21.923ha. Composição Acionária: José Augusto Leite (50%), José Carlos Pires Carneiro (25%) e
Antônio Peres Carneiro (25%). Dados retirados do Projeto: expansão da fronteira agrícopecuária e
desenvolvimento da Amazônia brasileira 1850-2010, coordenado pelo Prof. Doutor Fábio Carlos
da Silva.
239
Sociedade Agropecuária Vale do AraguaiaS/A. Projeto de concessão de terras aprovado pela
SUDAM em: 11/07/1969 no valor de Incentivo Recebido de NCr$6.208.686,00. Tamanho da
Propriedade: 72.587,92ha. Composição Acionária: Clóvis Galante (34,12%), José Augusto Leite
Medeiros (17,29%), Antônio Carlos Peres de Oliveira (8,23%), Jean Jacques Faure (6,71%),
Frederic Paul Grover (6,71%), Emile Besson (6,71%), Auguste Le Diagon (6,71%), Rodolfo
Autonelli (5,38%), Herbert Gauss (3,19%), Azael Magalhães Rodrigues (2,26%), Radamés
Sangiorgi (2,26%), Moacyr Carneiro (0,46%). Dados retirados do Projeto: expansão da fronteira
agrícopecuária e desenvolvimento da Amazônia brasileira 1850-2010, coordenado pelo Prof.
Doutor Fábio Carlos da Silva.
240
Agropastoril Campo Verde Ltda. Projeto de concessão de terras aprovado pela SUDAM em:
12/11/1970 no valor de Incentivo Recebido de NCr$6.565.129,00. Tamanho da Propriedade:
15.000ha. Composição Acionária: Antônio Carlos Peres de Oliveira (58,53%), Firmino Rocha
Freitas (20%), Joaquim Antônio Bittencourt Couto (20%), Tereza Moraes Bittencourt (1,2%),
Moema Ribeiro de Lima Freitas (0,15%), José Mauro de Freitas (0,07%), Kalil Rocha Abdala
(0,05%). Dados retirados do Projeto: expansão da fronteira agrícopecuária e desenvolvimento da
Amazônia brasileira 1850-2010, coordenado pelo Prof. Doutor Fábio Carlos da Silva.
129
245
IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma... p. 51.
246
Ibidem, p. 77.
132
247
SOUZA, Edison Antônio de. Mato Grosso: a (re)ocupação da terra na fronteira amazônica.
Estado e políticas públicas. Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 16, n. 2, p. 137-144,
set. 2012, p. 137.
248
Protocolos sem valor legal, procurações falsas. FERREIRA, Eudson de. Posse e propriedade: a
luta pela terra em Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Campinas: Universidade
Estadual de Campinas, 1984, p. 64.
249
Ibidem, p. 49.
133
espontânea que já vinha sendo realizada para o Vale do Araguaia desde o início
do século XX. Entretanto, essas famílias de migrantes não foram beneficiadas
pelos recursos financeiros e técnicos disponibilizados pelo governo, os quais
foram direcionados para a implantação de projetos agropecuários em detrimento
da política de colonização oficial para o assentamento de trabalhadores rurais na
Amazônia.
Dom Pedro Casaldáliga, em depoimento à CPI da Terra, relata que:
Prezado Senhor,
Na qualidade de proprietário da fazenda ―Lado de Pedra‖,
cadastrada no ex IBRA, agora INCRA [...], com impostos
quitados, localizada no município de Barra do Garças, Estado
250
SEDOC, 1977 apud FERREIRA, Eudson de. Posse e propriedade... p. 65.
251
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A 17.2.25, 1972, p. 1.
134
Tinha um gerente por nome Plínio Ferraz, ele chegava aqui, faz
de conta que você morava aqui, aí ele chegava aqui e dizia: o
que você está fazendo aqui? Eu estou aqui há oito, dez anos.
Pois é: você sabia que essa terra que você está usando é da
fazenda FRENOVA? Não. Chegamos aqui e não tinha
ninguém. Meus pais que cortaram esses paus aqui, não tinha
ninguém, não existia fazenda. É, mas a gente já tem um
documento velho de muitos anos e agora que viemos usar a
fazenda. Aí dizia: eu vou lhe dar dez cruzeiros para você
desocupar isso aqui. Então eu dizia: mas nós não podemos,
porque tem a minhas coisas, a minha roça. Não, se você birrar,
você vai pagar o estrago que você fez. Derrubou a roça e tudo
que não era para derrubar, porque é nosso. Aí tinha que assinar
um caderno e me dizia: se você não sair eu coloco a polícia e os
homens daqui vão tirar vocês e queimar tudinho, e vocês não
252
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.1.02, 1971, p. 1.
253
José de Souza Martins afirma que uma vaca amazônica expulsa uma família inteira de posseiros,
pois ela ocupa a mesma área que o posseiro precisaria em um ano para sustentar a família e
produzir excedentes para o mercado. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no
Brasil... p. 122.
135
recebem nada. [...] Você tinha que pegar aqueles dez cruzeiros,
pois ele vinha com o caminhão e tirava a sua mudança e
colocava fogo na casa, porque era tudo de palha, então acaba e
tinha que ir para outro lugar. Era assim.254
254
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
255
Esses dados podem ser encontrados na Carta Pastoral de Dom Pedro Casaldáliga.
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja na Amazônia... p. 87-90.
136
256
Ibidem, p. 90-91.
257
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A 17.2.25, 1972, p. 2.
258
Ibidem, p. 1.
259
Estes eram posseiros de Porto Alegre do Norte, falaremos deste caso com maior detalhe no
quarto capítulo desta tese.
137
260
MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro:
FASE, 1989, p. 87.
261
Estes dados podem ser verificados nos Cadernos da CPT sobre os conflitos no campo.
138
Piraguassu, que será discutida no quarto capítulo desta pesquisa. Sob esta
perspectiva Bernardo Sorj, demonstra que a política de colonização da Amazônia
estava centrada no desenvolvimento do complexo agroindustrial conduzido por
grandes empresas internacionais e nacionais que buscavam o aumento dos seus
lucros tanto em áreas diferentes de atuação, como pela internacionalização do
mercado interno262.
Entre os anos de 1970 a 1972, a FRENOVA tentou implantar sua sede
no centro do povoado de Porto Alegre do Norte, pois o espaço era bem localizado
em frente ao rio Tapirapé a única via de transporte na época das chuvas. Neste
período foram realizadas muitas negociações entre os posseiros e a empresa com a
intervenção do INCRA e da Prelazia de São Félix do Araguaia. O representante da
agropecuária entrou em contato com Dom Pedro Casaldáliga e o padre Francisco
Jentel para que os mesmos se reunissem para definir as demarcações das áreas e
os posseiros que tinham direitos a posses. Assim, em abril de 1972, o diretor João
Carlos de Souza Meirelles foi até ao povoado com um topógrafo para demarcar as
terras, entretanto, houve resistências dos posseiros que se negaram a receber os
funcionários da fazenda, dado que só fariam a medição da área com a presença do
bispo Casaldáliga. De acordo com os relatos dos posseiros, o senhor Meirelles
achou ruim aquele fato e assim disse:
262
SORJ, Bernardo. Estado e Classes Sociais na Agricultura Brasileira. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986, p. 69.
263
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.57, 1972, p. 2.
139
de todos os seus direitos, bem como a demarcação exata das suas posses sem que
estes fossem lesados pela empresa.
Em maio de 1972, um mês após da visita do senhor Meirelles em
Porto Alegre do Norte, a FRENOVA passou ameaçar os posseiros e forçá-los
abandonar as suas posses, cercando todo o povoado. Diante destes fatos, os
posseiros enviaram um abaixo-assinado ao Presidente do INCRA, Dr. José de
Moura e Cavalcanti, para que o órgão pudesse intervir nos acontecimentos, pois a
empresa estava impedindo a sobrevivência da população local 264; assim, as
medidas deveriam ser tomadas a partir do Decreto 70.430 de 17 de abril de
1972265.
É papel do INCRA fiscalizar o cumprimento do Decreto 70.430 de 17
de abril de 1972 cujo artigo número 1 informa que ―Na execução dos planos de
desenvolvimento agropecuários financiados por incentivos fiscais e, em áreas
pioneiras, por estabelecimentos oficiais de crédito‖. E o artigo dois expõe que ―As
pessoas domiciliadas na área dos empreendimentos a que se refere o artigo
anterior, formem elas ou não, coletividades urbanas, não poderão ser deslocadas
de suas moradias ou da posse de terras por elas cultivadas sem audiência prévia do
Ministério da Agricultura‖.
No povoado de Porto Alegre do Norte os direitos garantidos pelo
Decreto citado não foram direcionados à população local, visto que após o envio
do abaixo-assinado ao INCRA o mesmo não interviu nos problemas dos
posseiros, haja vista que nos deparamos na documentação do acervo com cartas
para diferentes órgãos/pessoas, tais como: Capitão Moacir Couto - delegado
regional da polícia militar de Barra do Garças, Manuel Fernandes – Encarregado
de Assuntos Sociais do SNI, Dom Fernando Gomes – Arcebispo de Goiânia, ao
Secretário de Segurança do Estado de Mato Grosso, José de Moura e Cavalcanti –
264
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.56, 1972, p. 1.
265
Estabelece a assistência às pessoas domiciliadas na área dos planos de desenvolvimento
agropecuários financiados por incentivos fiscais e, em áreas pioneiras, por estabelecimentos
oficiais de crédito. Publicado no D.O de 18 de abril de 1972. Disponível
em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-70430-17-abril-1972-418749-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 26 dez. 2014.
140
266
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.36, 1972, p. 1.
141
Prezado senhor;
Depois de uma longa série de tensões entre a Companhia
―Frenova‖ e o Patrimônio de Porto Alegre; depois de promessas
e intentos de conciliação, mais ou menos ambíguos, feitos a
mim e ao povo do Patrimônio, por parte do Sr. J. Carlos
Meirelles, em nome da empresa, nesses últimos meses a
―Frenova‖ vem cercando materialmente o povoado e o seu
futuro.
Como a realidade do dia a dia a cerca tão próxima ao povoado,
as indenizações injustas ou ―estratégicas‖, etc. – expressam
tristemente o contrário das manifestações de convivência e de
paz feitas pela Fazenda e pelo senhor, pessoalmente, nem eu
nem o povo de Porto Alegre podemos aceitar a sinceridade de
tais manifestações.
[...] Quero lembrar ao senhor, como gerente, e aos donos da
―Frenova‖ os termos e a validade do Decreto presidencial
70.430 de 17 Abr 72. Somente o INCRA pode resolver,
segundo lei, um problema de posseiros. E o INCRA já se
manifestou oficialmente designando para cada posseiro, nesta
área, o direito de um módulo de 100 ha (20 alqueirões) de terra
de lavoura.
Recorreremos ao INCRA quantas vezes for preciso.
Por consciência de homem e de cristão a par do dever pastoral
do bispo desta região, eu acompanharei o direito do povo de
142
267
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.50, 1972, p. 1, grifos
nossos.
143
Garças em Mato Grosso até o a divisa com o estado do Pará, abrangendo toda a
extensão da Prelazia de São Félix do Araguaia se tornou uma zona de segurança
nacional, e, toda equipe pastoral, incluindo o Bispo, foi enquadrada na Lei de
Segurança Nacional e acusada de subversão.
As denúncias de Dom Pedro Casaldáliga e a visibilidade que os seus
escritos ganharam dentro do Brasil e no exterior fizeram com que entre os meses
de setembro e outubro de 1972 o Exército realizasse em São Félix do Araguaia
uma Ação Cívico-Social – uma espécie de treinamento antiguerrilha com
assistência social para a população daquele espaço. Os militares associaram a
resistência armada dos posseiros de Santa Terezinha268 e os conflitos dos
posseiros de Porto Alegre do Norte contra a FRENOVA às ações organizadas pelo
PC do B no Bico do Papagaio.
Diante deste contexto, no dia 28 de outubro de 1972, apareceu em São
Félix do Araguaia um homem de 30 anos de idade, suposto professor assistente da
Universidade Federal do Paraná. Este senhor, com nome de Ailson Loper, trouxe
uma carta de apresentação do padre claretiano Vicente Fernandez, da cidade de
Curitiba/PR.
O suposto missionário logo começou a se relacionar com a sociedade
de São Félix (comerciantes, fazendeiros e políticos locais). Participou de uma
reunião na casa do Dr. Jamil Thomé com a presença do Sr. Carlos Alves Seixas,
proprietário, diretor técnico da CODEARA e presidente da AEA, o José Bens,
militar aposentado por corrupção e empreiteiro geral da FRENOVA, e o Dr.
Antônio que havia chegado há poucos dias a São Félix do Araguaia. Nesta reunião
os presentes fizeram questão de informar ao Ailson Loper que sabiam que ele era
da Polícia Federal e ofereceram os serviços, pessoal e conduções das respectivas
268
Em 1967, a CODEARA adquiriu as terras do povoado de Santa Terezinha ciente da existência
de posseiros com direito à posse. A empresa não deixou que estes trabalhadores rurais
permanecessem em suas terras praticando a agricultura de subsistência. Iniciou-se a luta pela terra
entre posseiros e a empresa até o ano de 1972, quando o INCRA demarcou as propriedades dos
trabalhadores rurais.
144
fazendas. O Dr. Antônio, por sua vez, se declarou como agente do DOPS de Mato
Grosso.
Ailson Loper conviveu cerca de 20 dias com a equipe da Prelazia, mas
se relacionava com pessoas contrárias às ações da Igreja Católica local. No dia 13
de novembro, foi realizada uma reunião na biblioteca da Prelazia de São Félix do
Araguaia, na qual estiveram presentes Dom Pedro Casaldáliga, padre Francisco
Jentel, padre Pedro Mary Sola e os professores da equipe da Prelazia, pois haviam
recebido a notícia de que Ailson Loper esteve em Porto Alegre do Norte e
empreendeu ações violentas. Nesta reunião, Loper foi pressionado a revelar a sua
verdadeira identidade. Ele informou que era o Capitão Ailson Munhoz da Rocha
Loper, membro do Comando de Repressão da Amazônia. O militar informou que
as autoridades – o Exército e o Governo Federal – estavam convictos de que a
casa pastoral de São Félix era um foco de subversão de guerrilha269.
Diante do clima de terror instalado na Prelazia, o militar disse aos
religiosos que eles que criavam tal situação. Negou energicamente que existisse
tortura no Brasil e que houvesse inocente nas cadeias do país. Assim, com a
chegada do Capitão Ailson Loper, instalou-se um forte sistema de pressão e terror,
por parte da FRENOVA, sobre os trabalhadores rurais de Porto Alegre do Norte.
O padre Eugênio Consoli, os posseiros João de Souza Lima, José de Souza Costa
e Alexandre Quirino de Souza foram levados e detidos na sede da FRENOVA e
ali submetidos a interrogatórios, humilhações e vexames durante mais de duas
horas, sob a vigilância armada do empreiteiro José Bens e dos seus capangas
―Raimundo Motorista‖, ―Cícero Custeleta‖, ―Jurandi‖ e ―Farmacêutico‖. Os
religiosos da Prelazia foram impedidos de deixar São Félix enquanto o Capitão
ainda estivesse presente no povoado. O padre Francisco Jentel foi proibido de
celebrar missas e Dom Pedro Casaldáliga foi impedido de relatar na missa sobre
os incidentes recentes. Os pilotos dos táxis aéreos foram proibidos de
transportarem as pessoas ligadas à Prelazia, enquanto o militar Ailson Loper
269
BRASIL. Comissão Camponesa da Verdade. Relatório Final Violações de Direitos no Campo –
1946 a 1988. Brasília: CNV, 2014A, p. 125.
145
270
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.24, 1972, p. 1-3.
271
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.60, 1972, p. 1.
146
Estado brasileiro na resolução dos conflitos por terra na Amazônia advém de uma
política pautada no estabelecimento de empreendimentos rurais de capital
nacional e internacional, em contraposição às antigas formas de manejo da terra
praticada por trabalhadores rurais pobres através da agricultura de subsistência. O
capitão Ailson Loper disse à população local que a sua atuação não tinha relação
com os conflitos de terras e que este trabalho competia ao INCRA. Sua missão era
acabar com os focos de guerrilha e subversão no Araguaia. Porém, este discurso
entra em contradição, quando se considera o sequestro dos posseiros João de
Souza Lima, José de Souza Costa e Alexandre Quirino de Souza e o padre
Eugênio Consoli para serem interrogados e humilhados na sede da FRENOVA.
Em contrapartida, a agropecuária tomou para si o uso da violência com apoio de
uma parcela da polícia militar para garantir a sua supremacia sobre as terras dos
posseiros, controlando sistematicamente a contestação da legitimidade dos
direitos dos trabalhadores rurais na luta pela terra.
Os trabalhadores rurais empreenderam a luta pela terra por
necessidade em tê-la como um instrumento de trabalho, assim, ao resistirem às
desapropriações e expulsões, estes buscavam o reconhecimento dos seus direitos e
amparo social que o Estado lhes deve. Entretanto, o governo militar tentou de
todos os modos abafar esses conflitos a partir da desmobilização de grupos
sociais, como a Prelazia de São Félix do Araguaia, impondo a estes uma série de
perseguições e torturas, bem como a sua desmoralização (acusavam os padres e
agentes de pastoral de práticas subversivas, de serem comunistas, inimigos da
pátria) e o enquadramento destes na Lei de Segurança Nacional.
A estratégia dos militares se embasava em desviar um problema de
cunho político e social para um foco simplesmente econômico, o qual seria
resolvido a partir das desapropriações das terras quando estas fossem de interesse
de ambas as partes, ou melhor, no momento em que não lesasse os interesses dos
latifundiários. Conforme Martins272, a intervenção do exército nos conflitos por
272
MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1985.
147
Caríssimo Pedro,
―Ele está no meio de nós‖
Domingo, dia 12-11-72, esteve aqui o capitão Ailson.
Conversou uns cinco minutos comigo e quis falar ao povo. A
reunião foi feita na escola. Ele se apresentou como seu amigo e
todos nós, dizendo até que estava hospedado na casa dos padres
em S. Félix. Pedro, o assunto da reunião foi, entre outros, que o
INCRA viria aqui. Que tudo seria resolvido. Disse que o povo
não precisava de temê-lo, assim como ele também não temia o
273
Dentre outras ações, podemos citar o MOBRAL, criado em 1971, cujo objetivo era a
erradicação do analfabetismo no Brasil, sendo extinto em 1985. Projeto Rondon, elaborado em
1967, tinha como propósito levar estudantes universitários, especialmente da área da saúde, para
prestar assistência à população de áreas carentes do interior do Brasil. GETAT, idealizado em
1980, tinha como finalidade coordenar, promover e executar as medidas necessárias à
regularização fundiária no sudeste do Pará, norte de Goiás e oeste do Maranhão. Martins aponta
que o GETAT não foi instituído no norte de Mato Grosso, pois os empresários viam a situação da
região estável, sendo esta considerada pós-pioneira, mas não para os trabalhadores rurais pobres
cercados pelos latifundiários. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil...
148
274
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.59, 1972, p. 1.
275
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A arma e a flor: formação da organização policial,
consenso e violencia. Tempo Social, São Paulo, v. 09, n. 1, p. 155-167, maio de 1997.
276
Ibidem, p. 164.
149
277
SORJ, Bernardo. Estado e Classes Sociais... p. 109.
150
278
O Estado de S. Paulo, de 26 jan. 1974, apud IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma
agrária na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979B, p. 225.
279
HESPANHOL, Antônio Nivaldo; TEIXEIRA, Jodenir Calixto. A Região Centro-Oeste no
contexto das mudanças agrícolas ocorridas no período pós-1960. Revista Eletrônica da Associação
dos Géografos Brasileiros, Três Lagoas/MS, v.1, nº3, p. 52-65, mai. 2006, p. 58.
151
282
MARTINS, José de Souza. A militarização... p. 59.
283
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Conflitos agrários e violência no Brasil: agentes
sociais, lutas pela terra e reforma agrária. Pontificia Universidad Javeriana. Seminario
Internacional, Bogotá, Colômbia. Ago. 2000, p. 1.
284
Ibidem, p. 2.
285
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação...
153
286
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Novos processos sociais globais e violência.
Perspectiva, São Paulo, v. 13, nº. 3, p. 18-23, jul./set. 1999.
287
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A cidadania dilacerada... p. 136.
288
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.07, 1972, p. 1.
154
290
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.28, 1972, p. 1.
291
A alcunha advém do fato deste posseiro morar próximo a uma ponte. João da Ponte é o segundo
apelido de João Sousa Lima também conhecido como João da Angélica. O documento da Prelazia
de São Félix do Araguaia trouxe o nome João da Ponte, então resolvemos mantê-lo conforme a
descrição do mesmo.
156
e sobre uma possível participação do padre Consoli nesses atos. Este último já
havia se pronunciado sobre essa acusação e afirmado que ninguém persuadia a
população local a se rebelar, esta apenas queria se libertar da opressão da
FRENOVA. O posseiro João da Ponte foi humilhado ao máximo para confessar
em que lugar estava a trincheira e os insufladores dos lavradores, caso não
revelasse o padre Eugênio seria levado preso. O capitão Loper convidou o
trabalhador rural para um duelo oferecendo-lhe um revólver calibre 38 carregado
o qual foi negado. O militar jogou a arma no chão e pediu que o empreiteiro José
Bens a quebrasse junto com as armas apreendidas dos posseiros. Ainda sobre este
episódio, Consoli descreve que ―O capitão, a cada momento, me olhava e dizia:
Eugênio, você está vendo, não está tendo coação moral com vocês e vocês desde
que chegaram aqui estão sendo tratados muito bem‖292.
De acordo com Yves Michaud293, a prática da tortura não se destina
apenas a colher informações, ela também deve humilhar, fazer mal e quebrar as
vítimas. A violência empregada contra o padre Eugênio decorre de uma
administração do terror alicerçada não apenas em uma carnificina, pois o capitão
Loper o induz a uma chantagem psicológica afirmando que o mesmo foi muito
bem tratado e não sofreu nenhum tipo de coação moral. Como Eugênio Consoli
poderia contrariar tal fala? Após presenciar toda uma farsa acerca da existência de
guerrilheiros em Porto Alegre do Norte, assim como testemunhar a tortura e as
humilhações que passou o posseiro João da Ponte. Contradizer as afirmações do
militar seria provavelmente assinar a sua sentença de morte, pois ainda, conforme
Michaud294, o terrorismo de Estado pratica em escala mundial a despolitização da
vida. Neste sentido, o relato de João Souza Lima pode ser esclarecedor:
292
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.28, 1972, p. 2.
293
MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989, p. 57.
294
Ibidem, p. 58.
157
295
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
296
BARREIRA, César. Massacres: monopólios difusos da violência. Revista Crítica de Ciências
Sociais, Coimbra, n. 57/58, p. 169-186, jun/nov. 2000.
158
dos problemas agrários. Sob essa lógica as atitudes violentas ou ameaças poderão
ser cumpridas, caso os trabalhadores rurais não acatem os comandos desses
agentes.
Além destes atos de violência serem justificados em prol dos
empreendimentos rurais, estas atitudes decorrem de pessoas que estão apenas
cumprindo ordens, conforme o documento a seguir:
299
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.21, 1972, p. 2.
300
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia da Letras, 1999.
160
301
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Hipóteses Sobre a Nova Exclusão: dos excluídos
necessários aos excluídos desnecessários. Cad. CRH. Salvador, nº 21, p. 29-47, jul./dez. 1994, p.
32.
161
302
Ibidem, p.36.
303
MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza
e classes sociais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 120.
304
Ibidem, p. 148.
162
305
Para aprofundamento na questão, ver: CASTRAVECHI, Luciene A. Correntes do Araguaia: A
exploração de trabalhadores migrantes no Nordeste de Mato Grosso durante a década de 1970.
Dissertação (Mestrado em História) Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2012.
306
Brotação das árvores e arbustos cortados. Em geral há predominância de uma espécie –
Palmeiras, Babaçu ou Embaúba.
307
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Hipóteses Sobre a Nova Exclusão: dos excluídos
necessários aos excluídos desnecessários. Cad. CRH. Salvador, nº 21, p. 29-47, jul./dez. 1994, p.
44.
163
308
SANTOS FILHO, José dos Reis. Violência e projetos de vida em conflitos pela posse da terra.
Estudos de Sociologia, Araraquara, v.6, n. 11, p. 145-159, jul./dez. 2001, p. 147.
309
Idem.
164
em vista que estão arraigadas na sociedade brasileira. Marilena Chauí 310 afirma
que esta estrutura não é percebida como violenta relegando frequentemente como
um fato momentâneo. Com isso, os procedimentos ideológicos fazem com que a
violência que estrutura e organiza as relações sociais brasileiras não possa ser
percebida, e, por não ser percebida, é naturalizada e essa naturalização conserva o
mito da não-violência na sociedade brasileira.
A violência está atrelada ao cotidiano do trabalhador rural assinalado
pelo sentimento de medo e insegurança constante, pois afinal, a força é utilizada
para manter uma dita ordem social que afeta a sobrevivência deste indivíduo no
campo. É diante desse cenário que temos uma efetiva demonstração do não
reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do campo, os quais estão sujeitos a
diferentes formas de subordinação que têm a repressão como uma variável mais
aparente, como podemos observar no relato abaixo de Dom Pedro Casaldáliga:
313
STÉDILE, João Pedro. A luta pela terra no Brasil. Ervália: Ed. Página Aberta LTDA, 1996, p.
71-77.
314
Ibidem, p. 80.
166
315
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.21, 1972, p. 4-5.
316
BARREIRA, César. Massacres... p. 169.
167
violência por parte dos grandes proprietários de terras não é consequência apenas
de um Estado inoperante, mas também em decorrência da imposição de um poder
paralelo que existe de forma simultânea no presente com vistas de atitudes do
passado, em meio ao desenvolvimento e ao atraso de práticas retrógradas para
instituir o exercício da dominação.
É importante observamos na narrativa acima que espaços privados,
como a agropecuária FRENOVA, passavam a ser locais de função pública à
medida que os interrogatórios do padre Eugênio Consoli e do posseiro Alexandre
Quirino iriam ocorrer na sua propriedade, configurando, desse modo, a
interpenetração entre o público e o privado nas áreas de fronteira na Amazônia.
Também é significativo percebermos que uma ação oficial, a qual deveria ocorrer
em uma delegacia (espaço público) foi direcionada para uma propriedade privada
que está em litígio com os moradores locais. Digamos que este fato já demonstra a
imposição de poder por parte da FRENOVA, que além de deter um grande
prestígio econômico, igualmente possuía importância política, evidenciando o seu
poder intimidatório ao ter a polícia estadual e federal à sua disposição na
resolução dos problemas de terras. Por que estes indivíduos não puderam ser
interrogados nos seus espaços de sociabilidade que lhes conferiam identidade e
pertencimento, tais quais: a Igreja, o centro comunitário ou a escola? O fato de
serem intimados a comparecerem na FRENOVA para possíveis esclarecimentos
impõe intimidação e coerção, isto é, se deslocar até o território dos seus opositores
e encontrar naquele ambiente grupos armados tanto da polícia quanto dos
seguranças particulares da fazenda, impõe a estes agentes o medo e a recusa em
cumprir com a intimação.
Desde a instalação da FRENOVA em 1970 até o ano de 1972,
constatamos neste capítulo algumas formas de violência contra a população do
povoado de Porto Alegre:
A tentativa de negação dos direitos sobre suas posses ocupadas há
cerca de 30 anos, sendo estas terras trabalhadas por meio da agricultura
168
317
Como, por exemplo, a ação de grileiros, principalmente do senhor Lucio da Luz, ―fundador de
Luciara‖ e grande criador de gado da região.
170
318
CANUTO, Antônio. Perseguições e ameaças a posseiros pela Codeara. In: BRASIL. Comissão
Camponesa da Verdade. Relatório Final Violações de Direitos no Campo – 1946 a 1988. Brasília:
CNV, 2014, p. 120.
319
Já trabalhamos com este episódio na dissertação de Mestrado, mas para que esta memória de
tortura e repressão não seja esquecida, falaremos brevemente deste fato afim de contribuir para o
não silenciamento destas vítimas da ditadura civil-militar no Brasil. Além disso, iremos trazer
novas análises aos relatos de tortura e acrescentar outros documentos.
171
321
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia... p. 3.
322
Sobre o trabalho das Irmãzinhas de Jesus junto ao povo Tapirapé, ver: Diário das Irmãzinhas de
Jesus de Charles de Foucauld, 2002.
173
323
WAGLEY, 1998 apud SOARES, Luiz Antonio Barbosa. Trilhas e Caminhos... p. 272.
174
[...] tanto o padre Jentel como o bispo de São Félix, dom Pedro
Casaldáliga, estavam incitando os posseiros daquela região
contra as companhias agropecuárias que estavam se instalando
na área do Araguaia. De acordo com as investigações feitas
depois do incidente de Santa Terezinha, quando oito
funcionários da CODEARA foram feridos à bala, chegou à
conclusão de que o mentor intelectual da revolta tinha sido o
padre Jentel, que, no momento, se encontra foragido (...) Esses
324
GUERRILHA, Empresários Acusam Padre, 11/03/1972. Documento do Acervo da Prelazia de
São Félix do Araguaia – R06. 2.37, p. 2.
325
Idem.
326
Idem.
175
327
Ibidem, p. 1.
328
SOUZA, Maria Aparecida Martins. A luta pela permanência na terra: a resistência dos posseiros
de Santa Terezinha. In: BARROZO, João Carlos (Org.). Mato Grosso: A (re)ocupação da terra na
fronteira amazônica (século XX). São Leopoldo: Oikos; Unisinos; Cuiabá: EDUFMT, 2010, p.
246.
176
329
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia - A08. 2.03, 1973, p. 1.
177
330
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da
repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano:
O tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012B, p. 177.
331
CIE (Centro de Informações do Exército), Cisa (Centro de Informações de Segurança da
Aeronáutica), e o Cenimar (Centro de Informações da Marinha). Entre 1967 e 1971 foram
reformulados com o intuito de combater a ―subversão‖. FICO, Carlos. Espionagem, polícia
política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O tempo da ditadura – regime
militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012 B,
p. 178.
178
332
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda... p. 180.
333
BARBOSA, Marco Antonio. Aspectos relativos aos Direitos Humanos e suas violações, da
década de 1950 à atual e o processo de redemocratização. In: BRASIL. Secretaria de Direitos
Humanos. Tortura/Coordenação Geral de Combate à Tortura (Org.). Brasília: Secretaria de
Direitos Humanos, 2010.
334
Ibidem, p. 23-24.
179
335
COMPARATO, Fábio Konder. A tortura no direito internacional. In: BRASIL. Secretaria de
Direitos Humanos. Tortura/Coordenação Geral de Combate à Tortura (Org.). Brasília: Secretaria
de Direitos Humanos, 2010, p. 81.
336
KOLKER, Tania. Tortura e Impunidade – danos psicológicos e efeitos de subjetivação. In:
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos. Tortura/Coordenação Geral de Combate à Tortura
(Org.). Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010, p. 174. 175.
180
tratamento médico em São Paulo e foi presa pelos militares. Apesar dos
guerrilheiros serem em número menor e com um armamento relativamente
inferior ao do exército, os militares precisaram efetuar três campanhas para enfim,
conter os conflitos na região do Araguaia em dezembro de 1973337.
A Guerrilha do Araguaia está dividida em três fases distintas. A
primeira campanha338 teve início em 12 de abril de 1972, em que utilizaram
grupos de seis a trinta homens, sendo estes contratados pelo Exército como
informantes e conhecidos como ―mateiros‖. O primeiro combate entre os
guerrilheiros e os militares ocorreu em fins de abril de 1972339.
A segunda campanha começou em setembro de 1972 com a
denominação de ―Operação Oxixá‖. Foram utilizados 12 aviões pela aeronáutica e
3.000 militares. A partir de outubro de 1972, as Forças Armadas se retiraram da
área de conflito. Assim, o período que compreende outubro de 1972 a setembro de
1973 é caracterizado como um momento de trégua. Em 07 de setembro de 1973
começou a terceira e última fase da Guerrilha do Araguaia. Esta campanha foi
comandada pelo General Hugo de Abreu e denominada de ―Operação Sucuri‖,
com a participação direta de 3.202 militares e o reforço de 250 paraquedistas do
Exército e da Aeronáutica. Entre as ações das Forças Armadas estava o uso de
bombas Nalpalm, as mesmas utilizadas pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã.
Em dezembro de 1973 o movimento guerrilheiro no Bico do Papagaio foi
desmantelado340.
A descoberta da Guerrilha do Araguaia fez com que toda área da
Prelazia de São Félix do Araguaia com divisa com os estados do Pará e Goiás
(atualmente Tocantins) passasse a ser um território de domínio da Segurança
Nacional, sob suspeita que os grupos daquela Igreja estavam ligados com os
337
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas – A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta
armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 208.
338
Grande contingente de soldados/tropa.
339
NASCIMENTO, Durbens Martins. A Guerrilha do Araguaia: paulistas e militares na
Amazônia. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento). Belém: Universidade
Federal do Pará, 2000, p. 130.
340
Ibidem, p. 145.
181
341
CASALDÁLIGA apud ANTERO, Luis Carlos. Araguaia: Presente! Centro de Documentação e
Memória, São Paulo, n. 64, fev/abr. 2002.
182
342
BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial Sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial Sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007, p. 247.
343
CANUTO, Antônio. Perseguições e ameaças... p. 122.
344
Este encontra-se na lista dos 377 apontados pela Comissão da Verdade como responsáveis por
crimes na ditadura militar. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/veja-
lista-dos-377-apontados-como-responsaveis-por-crimes-na-ditadura.html>. Acesso em 10 dez.
2014.
183
345
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia A08. 2.03, 1973, p. 2.
346
PRADO, Luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. O ―milagre‖ brasileiro: crescimento acelerado,
integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O tempo da ditadura – regime
militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
347
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda... p. 190.
184
348
CANUTO, Antônio. Perseguições e ameaças... p. 126.
185
349
Ataíde da Silva (Altair) entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida a autora,
em 892 de dezembro de 2015 na cidade de Porto Alegre do Norte.
350
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 2.
186
351
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia A08. 2.23, 1973, p.1.
352
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia A08. 2.11, 1973, p.1.
353
A Prelazia de São Félix possui o jornal Alvorada, criado desde o início da década de 1970 e está
disponível no site: http://www.prelaziasaofelixdoaraguaia.org.br/documentos/index.html#1. Ainda
sobre o histórico do Jornal Alvorada ver: SCALOPPE, Marluce de Oliveira Machado. Práticas
midiáticas e cidadania no Araguaia: o jornal Alvorada. Cuiabá: KCM Editora, 2012.
354
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 357.
187
355
COELHO, Myrna. Sofrimento e Tortura: Brasil (1964-1979) e Argentina (1976-1983). Tese
(Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina) São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2010, p. 112.
356
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 27.
188
357
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A08. 2.14, 1973, p. 1.
189
358
Relato de Prisão de Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.14, 1973, p.16-18, grifos nossos.
190
necessidade de relatar tais fatos. Desse modo, ―Narrar o trauma, portanto, tem em
primeiro lugar este sentido primário de desejo de renascer‖359.
Os agentes pastorais da Prelazia de São Félix do Araguaia foram
presos e conduzidos para Cuiabá onde prestaram seus primeiros depoimentos.
Todos eram questionados sobre o paradeiro de José Pontim, sendo este
considerado pelos militares como ―criminoso, jagunço do Padre Francisco‖360. A
busca por José Pontim tinha relação com a sua trajetória de trabalhos pelos
povoados da região, pois ele chegou com a sua esposa Selme Lima Pontim no
conturbado ano de 1972, em que os patrimônios de Santa Terezinha e Porto
Alegre do Norte enfrentavam conflitos com as empresas agropecuárias e a área
estava sob constante intervenção militar. Pontim veio incumbido pela missão de
assumir a direção do GEA, em São Félix do Araguaia, pois este possuía nível
superior.
José Pontim, por estar em Santa Terezinha no momento em que o
exército chegou para prender os posseiros envolvidos no conflito contra a
CODEARA, foi acusado juntamente com outros agentes de pastorais: Altair,
Terezinha, Tadeu e padre Francisco Jentel como mentores da luta dos
trabalhadores rurais. Já no final do ano de 1972, Pontim foi para Porto Alegre do
Norte ajudar o padre Eugênio Consoli na substituição do leigo Altair que estava
doente, impossibilitado de lecionar na escola do patrimônio. Em janeiro de 1973,
José Pontim e a sua esposa Selme Pontim mudaram-se para o povoado de
Pontinópolis, onde estabeleceram junto com a Equipe Prelazia a linha de atuação
da pastoral361. Portanto, o fato de José Pontim não ser oriundo da região, possuir
nível superior e estar presente nos principais povoados em que ocorriam os
conflitos pela posse da terra, foi considerado pelos militares como um suspeito de
atividades subversivas, tendo a sua prisão e tortura como atos justificáveis pelo
regime político ditatorial.
359
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma – A questão dos testemunhos de catástrofes
históricas. PSIC. CLIN., Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 65-82, 2008, p. 66.
360
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia - A08. 2.03, 1973, p. 5.
361
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 4.
191
362
Relatório de Prisão de Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia
– A08. 2.14, 1973, p.19.
192
363
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 01 de maio de 2007, p. 3.
364
CHAUÍ, Marilena. A tortura como impossibilidade da política. In: I Seminário do Grupo
Tortura Nunca Mais: Depoimentos e debates. ELOYSA, Branca (Org.). Petrópolis: Vozes, 1987,
p. 34.
193
365
Ibidem, p. 37.
366
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Direito pós-fáustico: por um novo tribunal como espaço de
rememoração e elaboração dos traumas sociais. In: ARAUJO, Maria Paula; FICO, Carlos; GRIN,
Monica (Orgs.). Violência na história: memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteio,
2012, p. 108.
367
Ibidem, p. 109.
368
RUIZ, Castor Bartolomé. A testemunha e a memória: O paradoxo do indizível da tortura e o
testemunho do desaparecido. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 48, n. 2, p. 70-83,
mai./ago. 2012, p. 72.
194
São marcas que certamente estas pessoas levarão pela vida toda, sem
contar que foram também destituídas dos seus familiares e da sua comunidade e
tiveram as suas vidas roubadas enquanto, vivenciavam dias de terror e de
violência. Seus direitos foram ceifados como se não fossem seres humanos e
cidadãos. Neste aspecto, de acordo com Myrna Coelho372, a funcionalidade da
370
COELHO, Myrna. Sofrimento e Tortura... p. 117.
371
Relatório de Prisão de Tadeu – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.15, 1973, p. 13.
372
COELHO, Myrna. Sofrimento e Tortura... p. 79.
196
373
MICHAUD, Yves. A violência... p. 28.
374
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 4.
197
dita ameaça que abalava a manutenção do poder naquele contexto, assim Norberto
Bobbio expõe que:
375
BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 82.
376
MICHAUD, Yves. A violência... p. 56.
198
377
Ibidem, p. 58.
378
Ibidem, p. 56.
379
Relatório de prisão de Pontim – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.17, 1973, p. 2.
199
380
Relato de Prisão de Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.14, 1973, p. 12-14, grifos nossos.
381
LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
201
382
Relato de Prisão de Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.14, 1973, p. 20-22.
383
CHAUÍ, Marilena. A tortura... p. 33.
202
384
VIÑAR, Marcelo; VIÑAR, Maren. Exílio e Tortura. São Paulo: Escuta, 1992, p. 45, grifo do
autor.
203
385
Relato de Prisão de Antônio Carlos Moura – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do
Araguaia – A08. 2.18, 1973, p. 4-6.
386
PELLEGRINO, Hélio. Um regime que destrói. In: I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais:
Depoimentos e debates. ELOYSA, Branca (Org.). Petrópolis: Vozes, 1987, p. 99.
204
modo como a agente de pastoral que assinala a importância da lembrança dos seus
amigos em orações para que a mesma pudesse resistir:
387
Relato de Prisão da Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A08. 2.14, 1973, p. 17, grifo da autora.
388
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma... p. 69.
206
389
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 3-4.
390
Ibidem, p. 5.
391
RUIZ, Castor Bartolomé. A testemunha e a memória... p. 71.
207
392
Ibidem, p. 78.
393
Relato de Prisão de Terezinha – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia -
A08.2.14, 1973, p. 10-15.
208
394
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria... p. 80.
395
LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes... p. 72-73.
396
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria... p. 82.
209
397
Ibidem, p. 29.
398
Relato de Prisão de Edgar Serra – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia -
A08.2.19, 1973, p. 5.
210
399
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria... p.31-32.
400
LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes... p. 20.
401
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria... p. 96.
211
402
Relato de Prisão de Edgar Serra – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia -
A08.2.19, 1973, p. 7, grifos nossos.
212
403
Relato de Prisão de Antônio Moura – Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do
Araguaia - A08.2.18, 1973, p. 9, grifo nosso.
404
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria... p. 96.
213
405
BISPO. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 03/08/1973, p. 12.
214
ditatorial brasileiro e ao seu aparato militar. Sendo que este apresenta a sua notícia
com um tom de alerta e contestação ao modo violento que a polícia opera sobre a
sua população, com a ideia de dar publicidade internacional aos fatos que
ocorriam no Araguaia, e com isso, passar a mensagem de que o mundo estava
vigilante sobre a detenção dos colaboradores de Dom Pedro Casaldáliga.
Não perpetuar a imagem de que a fronteira era o lugar comum de
práticas da violência, foi um mecanismo usado por Dom Pedro nas suas
cartas/denúncias ao demonstrar que a Igreja do Araguaia juntamente com os seus
adeptos estava sendo perseguida e que este fato não poderia permanecer
camuflado pela censura, assim, como aconteceu com a Guerrilha do Araguaia que
culminou na morte de 59 guerrilheiros406 devido o silenciamento e ocultamento
deste horror na Amazônia. Dom Pedro Casaldáliga, estando ciente do poder
repreensivo dos militares, não se calou em relação a prisão dos agentes de pastoral
e publicou o documento abaixo:
406
Dados disponíveis no site do PCdoB: <http://www.pcdob.org.br/duvidas_print.php?id_faq=5>.
Acesso em 22 dez. 2015.
407
CASALDÁLIGA, Pedro. Creio na justiça e na esperança... p. 84-85, grifos do autor.
215
408
A celebração também contou com a participação dos Bispos: Dom Candido Padim (Bauru/SP),
Dom Antônio Fragoso (Crateús/CE), Dom Hélio Campos (Viana/MA), Dom Gilberto Pereira
Lopes (Ipameri/GO), Dom Tomaz Balduíno (GO), Dom Luiz Perez (Jales/SP), Dom Aldo Gerna
(São Mateus/ ES), Dom Celso Pereira, bispo-auxiliar de Porto Nacional/GO e Dom Estevão
Cardoso Avelar (Marabá/PA). IGREJA desagrava seu bispo. São Paulo, O Estado de São Paulo.
23/08/1973, p. 11). Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19730825-30187-nac-
0011-999-14-cen/busca/Casald%C3%A1liga.>. Acesso em 22 dez. 2015.
409
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 5.
410
Antonio Canuto no seu texto para o Relatório Final da Comissão da Verdade, aponta que além
das pessoas que citamos na tese, também foram interrogados o posseiro de Serra Nova - Luiz
Barreira de Souza, conhecido como Lulu por 3 vezes e a leiga Adauta Batista Luz por 2 vezes.
CANUTO, Antônio. Perseguições e ameaças... p. 125.
216
afirmando que não haviam sido torturados. Entretanto, José Pontim afirma que
esta assinatura decorre de uma ―atitude burra dos militares pois nossas costas
eram testemunhos da tortura pela evidencia [sic] das queimaduras dos choques
elétricos. Os socos chamados telefones custou-me em um dos ouvidos deficiência
de + 25% da audição, hoje já alterado para mais de 35%‖411.
De acordo com Dom Pedro Casaldáliga, a Polícia Federal fotografou,
gravou e anotou tudo o que se passou durante a celebração litúrgica, como
também espalhou panfletos com os símbolos da foice e da cruz, supostamente
assinados pelo ―Partido Comunista‖ e pela ―Igreja Progressista‖412, bem como
difundiu boatos e ameaças contra os participantes do evento. Mas, estes fatos não
desanimaram ou amedrontaram a população local que participou numerosamente
da concelebração intereclesial413.
Um mês após a celebração intereclesial, os militares empreenderam
um novo trabalho da ACISO na região com a presença da Aeronáutica, Exército e
Polícia Militar. Estes juntamente com os universitários do Projeto Rondon,
―arrancaram dentes a granel e querem arrancar também admirações‖ 414. O coronel
José Meirelles e o general Tasso Villar de Aquino (Comandante da 9ª Região
Militar, com sede em Campo Grande) em companhia de outras autoridades
assistencialistas do Estado fizeram uma visita aos povoados do Araguaia, em que
se projetou para a população uma série de slides da estrada Cuiabá-Santarém da
qual o coronel Meirelles era o responsável pela obra, com o objetivo de mostrar a
outra face dos militares através dos serviços do Exército. A ideia era criar uma
espécie de ―Operação Araguaia‖ permanente, assistencialista e repressiva para
atuar contra a influência do Clero, mais especificamente para minimizar as ações
de Dom Pedro Casaldáliga, tal como demonstra o documento a seguir de uma
411
PONTIM, José. Depoimento escrito. São Félix do Araguaia, 1 de maio de 2007, p. 4.
412
A cópia deste panfleto encontra-se no Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia com a
identificação: A2.2.16 P1.1.
413
CASALDÁLIGA, Pedro. Creio na justiça e na esperança... p. 90.
414
Ibidem, p. 92.
217
415
Relatório da Entrevista com o general Tasso Villar de Aquino – Campo Grande MT.
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia - A08.2.21, 1973, p. 3.
218
416
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas... p. 115.
219
419
Ibidem, p. 209.
420
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer... p. 53.
221
aponta para o fato do sofrimento indizível que a Segunda Guerra provocou, bem
como para aqueles que não têm nome, o anônimo ou apagado pelo esquecimento
da memória oficial, elementos com os quais o narrador e o historiador teriam que
trabalhar para transmitir o que a tradição dominante estreitamente não se lembra.
Essa atividade está baseada na atitude de difusão do inenarrável, em um
compromisso com o passado e com as suas vítimas.
Partindo da premissa que o historiador deve se guiar por aquilo que a
história oficial não problematizou, torna-se importante para este estudo, assim
como para a sociedade brasileira, a apresentação dos relatos dos agentes de
pastorais da Prelazia de São Félix do Araguaia que foram torturados no ano de
1973 na cidade de Campo Grande. De acordo com Carlos Fico421, o nosso
enfrentamento com a nossa história de um passado traumático encontra-se retraído
pelo fato de os presidentes José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco terem
praticamente ignorado a ditadura militar. Quando o tema voltou na pauta de
discussões já haviam se passado dez anos do término do regime, sendo a questão
retomada no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a criação em 1995 da
Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos. Recentemente temos os trabalhos da
Comissão da Verdade cuja instauração foi negociada com os militares, não se
supondo o julgamento dos repressores assegurados pelo pacto da anistia de 1979.
De qualquer forma, esta não deve ser usada para se vingar dos atos de violência
cometidos durante a ditadura militar, e sim, estabelecer uma cultura da memória
como vemos nos outros países da América Latina.
Essas narrativas estão submergidas por uma política do esquecimento
que impedem o acesso irrestrito aos acervos da ditadura militar, como também
pelo negacionismo de que de ocorreram casos de tortura durante o período
ditatorial na América Latina. Assim, o negacionista elimina novamente as vítimas
e toca na ferida da memória do sobrevivente, a qual só será amenizada quando a
421
FICO, Carlos. Brasil: a transição inconclusa. In: ARAUJO, Maria Paula; FICO, Carlos; GRIN,
Monica (Org..). Violência na história: memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteio,
2012A, p. 33.
222
422
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Direito pós-fáustico... p. 113.
423
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado... p. 43.
424
SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local do testemunho. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.
2, n. 1, p. 3-20, jan./jun. 2010, p. 15.
425
Ibidem, p. 16.
223
426
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que a partir de uma iniciativa do
Executivo federal, assumiu a responsabilidade para reconhecer formalmente, caso a caso, a
responsabilidade do Estado pela morte de opositores ao regime militar em decorrência da ação de
seu aparelho repressivo, aprovar a reparação indenizatória e buscar a localização dos restos
mortais. Disponível em: <http://dh.sdh.gov.br/download/dmv/retrato_da_repressao.pdf>. Acesso
em: 11 fev. 2016.
427
O Relatório Figueiredo, apurou matanças de comunidades inteiras, torturas e toda sorte de
crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e
funcionários do extinto SPI. A investigação, feita em plena ditadura, a pedido do então ministro do
Interior, Albuquerque Lima, em 1967, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16
mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas.
Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os executores que ceifaram
diversas etnias e culturas milenares. Documento disponível em:
<http://midia.pgr.mpf.mp.br/6ccr/relatorio-figueiredo/relatorio-figueiredo.pdf>. Acesso em: 11
fev. 2016.
224
Por muito tempo a história não tratou as ações dos camponeses como
advindas de sujeitos históricos, estes eram tidos apenas como dados estatísticos
sobre densidade populacional, migrações de trabalhadores, informações a respeito
das propriedades de terras e produção rural. Neste sentido, esta tese busca dar
visibilidade para os conflitos e resistências dos posseiros de Porto Alegre do Norte
no reconhecimento das suas áreas de produção, e, consequentemente a obtenção
dos títulos das suas propriedades como uma atitude resultante destes indivíduos
como agentes históricos na luta pela terra no Araguaia mato-grossense.
Nos estudos de Edward P. Thompson428, sobre a Economia moral da
multidão inglesa no século XVIII, o autor tece uma crítica aos pesquisadores que
embasam as suas análises sobre os movimentos populares na Inglaterra do século
XVIII, relacionando-os ao fato de que a fome provocada pela escassez de
alimentos gerava naqueles sujeitos atitudes contestatórias. Para Thompson, esses
autores desprezam o fato de que aqueles agentes históricos estavam pautados na
lógica das relações morais e éticas que a multidão tinha como justas e legítimas ao
se revoltar ou realizar motins durante os períodos de baixa produção de alimentos.
Pensando nos estudos de Thompson, buscamos uma relação com as
resistências empregadas pelos posseiros de Porto Alegre do Norte, mas tomando
cuidado com os aspectos que diferenciam as pesquisas sobre a economia moral no
que diz respeito ao tempo e espaço, porém sendo importante destacar que os
trabalhadores rurais de Porto Alegre do Norte, vinculados por princípios morais,
sobretudo em relação ao significado da terra, sendo esta para a manutenção da
sobrevivência familiar, também desenvolveram estratégias de lutas em oposição à
428
THOMPSON, Eduard P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
225
429
SCOTT, James C. Los dominados y el arte de la resistencia: discursos ocultos. Mexico:
Ediciones Eras, 2000.
430
SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa. Raízes, Campina Grande, v.21,
n. 01, p. 10-31, jan./jun. 2002, p. 13.
226
431
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.08, 1972, p.9.
432
O primeiro escritório da YANMAR Diesel do Brasil Ltda. foi fundado em 1957, em São Paulo
(SP), na Avenida Rio Branco, onde teve início a comercialização de motores com a série NT65-K
importado da Matriz no Japão. Disponível em: < http://www.yanmarsp.com.br/empresa>. Acesso
em 30 mar. 2017.
433
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.4.11, 1980, p. 2.
434
Termo utilizado para a retirada de posseiros e populações tradicionais de áreas adquiridas pelos
empreendimentos agropecuários.
227
435
SOUZA, Edison Antônio de. O poder na fronteira: hegemonia, conflitos e cultura no norte de
Mato Grosso. Tese (Doutorado em História) Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008.
436
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A lenda do ouro verde: política de colonização no Brasil
contemporâneo. Cuiabá: UNICEN, 1986, p. 83.
437
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Boletim de Imprensa, 1973, p. 1. Documento do
Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia. Grifos do autor.
228
438
BRASIL. Levantamento Socioeconômico, Tabulação e Análise de Dados da Área de Porto
Alegre do Norte. [S.l.: s.n.], 1975. Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia –
A17.2.21, 1975, p. 6.
439
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.4.11, 1980, p. 2.
229
Querido amigo Pedro e Pedrito. [...] Olha aqui tudo bem só que
o Japonez [sic] é sempre envestino [sic] com um e com outro
para asinar [sic] ou direito de posse mais diz que o direito é só
50 ectare [sic]. Nós dizemos porque que em Santa Terezinha o
direito foi de 100 ectares [sic]. Ele Japonez [sic] respondeu que
lá em Santa Terezinha só tiveram aquele direito porque teve
aquele bangui bangui. Mais diz ele que o coronel disse que aqui
a lei é essa 50 ectare [sic]. E a raimunda [sic] disse que não
temos armas mais temos cacete.441
440
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.20, 1974, p. 2.
441
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.13, 1976, p. 1-2.
230
seja, pelo gerente Keizo Tukuriki, conhecido como Japonês e também pela
suposta autoridade citada como Coronel. Ao questionarem o porquê de os
posseiros de Santa Terezinha terem adquirido 100 hectares de terra, o gerente
esclareceu que aquele povoado se envolveu em conflitos, mas que em Porto
Alegre do Norte não teria contestações quanto o tamanho das áreas, tendo em
vista que o suposto ―Coronel‖ já havia mensurado a dimensão de 50 hectares.
As intimidações e pressões marcaram o cotidiano dos trabalhadores
rurais de Porto Alegre do Norte. O discurso dos empreendimentos rurais atrelados
à polícia local conferia àqueles indivíduos a negação da sua cidadania assinalada
pela falta de assistência técnica do INCRA e garantia dos seus direitos sob as
posses. Em contrapartida, havia a resistência daqueles que não se deixavam abalar
pelas ameaças e falsos dados em relação ao tamanho das suas áreas de cultivo,
como é o caso da posseira Raimunda que de certo modo alegou não ter armas de
fogos, mas que possuía outros instrumentos de enfrentamento para permanecer na
sua terra.
Podemos assinalar essa resistência ao fato de que esses sujeitos
históricos, provenientes em sua maioria dos estados do Nordeste do país, já
vivenciavam o modelo agrário concentrador nos seus lugares de origem, e a
migração foi um ato de resistência contra aqueles que os subordinavam. Assim, a
permanência na terra em Porto Alegre do Norte era um meio para se tornarem
trabalhadores libertos dos laços impostos pelos latifundiários, sendo que para
alcançar esse ideal, eles poderiam utilizar da resistência direta 442, ou seja, o
confronto direto para garantir o acesso à terra e ao trabalho familiar.
Se levarmos em consideração que o lugar é o fragmento de um espaço
em que os indivíduos estabelecem significados, características e heranças
culturais, bem como a constituição dos laços de pertencimento, identidade e
história. O patrimônio de Porto Alegre do Norte, ao longo dos trinta anos de
ocupação pelos posseiros passou a representar para estes uma espacialidade
assinalada pela caracterização de um lugar, ou seja, era onde ocorriam as relações
442
SCOTT, James C. Los dominados y el arte de la resistência...
231
443
PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA. Manual Prelazia de São Félix do Araguaia:
objetivos, atitudes normas. São Félix do Araguaia: [s.n.], 2002, p. 9.
444
CASALDÁLIGA, Pedro. Creio na justiça... p. 73-74.
232
sentido espiritual, mas também na resolução dos problemas sociais das suas
comunidades.
A dinâmica de discussão das problemáticas, tais como: saúde,
educação, política, economia e religiosidade dos povoados que compunham a
Prelazia de São Félix do Araguaia, era realizada num primeiro momento em uma
reunião dos agentes de pastoral intitulada de ―bolão‖445. Posteriormente ocorria a
Assembleia do Povo ou Assembleia Popular que ―tinha os seus problemas levados
para o Bolão. A reunião da equipe era para marcar os rumos das definições das
atuações446‖.
Ainda sobre o trabalho de esclarecimentos dos direitos dos
trabalhadores rurais, Dom Pedro Casaldáliga, em uma carta direcionada para os
leigos Altair, Teca e Hélio os orientou sobre a importância de lembrar aos
posseiros que estes tinham o direito de permanecer nas suas posses e que somente
o INCRA possuía autoridade para resolver os assuntos das áreas em conflitos. É
importante destacar que o Bispo também alertava que o ―módulo‖ oficial do
INCRA para Mato Grosso era de 20 alqueirões ou 100 hectares de terra. Desse
modo, Casaldáliga também estimulava as pessoas em não desistirem de ter as suas
terras regularizadas. Assim, ele diz que:
cotidiana449, mas a sua participação se deu por meio das suas instruções, às quais
Ana Felicia conferiu grande importância e tomou como sinônimo de coragem,
uma vez que esta atitude lhe rendeu muita perseguição e até mesmo atentados
contra a vida do religioso.
A partir das reuniões realizadas pelos membros da Prelazia com os
posseiros de Porto Alegre do Norte, estes tinham conhecimento dos seus direitos
em relação ao tamanho da indenização das suas posses e da permanência nas suas
áreas de cultivo e criação. Entretanto, para se respaldar frente às intimidações do
gerente da Piraguassu, o posseiro Pedro Azevedo Guimarães, solicitou o seguinte
documento:
449
SCOTT, James C. Los dominados y el arte de la resistencia...
450
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.13, 1976, p. 3.
235
451
Grupos de familiares em que se identificavam os membros pelos nomes dos pais.
452
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.13, 1976, p. 4.
236
453
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.17, 1976, p. 1.
454
A Prelazia de São Félix do Araguaia orientava os agentes de pastoral e leigos para que estes
observassem o modo de vida dos patrimônios afim de absorver alguns conhecimentos em relação
aos seus costumes, saberes e crenças. Neste sentido, conhecer o cotidiano da população local era
fundamental para o início das atividades, bem como trabalhar ao lado dos trabalhadores rurais,
morar em casas semelhantes as suas moradias, ou seja, compartilhar do universo cultural daquelas
pessoas para que a equipe da Prelazia ganhasse a confiança daqueles indivíduos no
desenvolvimento dos seus trabalhos junto às comunidades.
237
benfeitorias nas posses para assegurar a demarcação das suas áreas. Assim, quanto
maior o número de habitantes, maiores seriam as chances de permanência em
Porto Alegre do Norte, sobretudo nas situações de conflitos em que os homens
compareciam para o embate com as suas armas rústicas ou com o uso de
estratégias de sabotagens em algumas atividades, como, por exemplo, no
cercamento das propriedades.
Em relação à mobilização no âmbito externo, a Prelazia de São Félix
do Araguaia atuava por meio das denúncias455, principalmente no que diz respeito
à divulgação e assistência na luta pela terra. A Igreja estava assentada em uma
organização institucional, que através dos seus agentes de pastoral, se apresentava
frente aos posseiros como uma entidade que tinha condições concretas para tornar
pública a sua luta, reconhecendo o seu status de posseiro, ou seja, o modo de
relação que o trabalhador rural desenvolvia com a terra. Neste sentido, o fato de
esse sujeito ocupar-se com a posse e dela retirar o seu sustento familiar era o
argumento utilizado pela Igreja para legitimar a luta pela terra.
As lideranças e os agentes de pastoral procuravam impedir a venda
das terras ou o aceite de posses menores, realizando visitas e reuniões nas
comunidades, principalmente naquelas em que os posseiros estavam dispostos a
desistirem da luta perante as pressões do gerente da Piraguassu, conforme o
documento abaixo:
455
A carta pastoral de Dom Pedro Casaldáliga: ―Uma Igreja da Amazônia em conflito com o
latifúndio e a marginalização social‖ é o exemplo mais significativo dessas denúncias, tendo em
vista que o documento possui 123 páginas e foi lançado em 10 de outubro de 1971, após a
consagração de Casaldáliga como Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia.
238
com os grandes proprietários, e até mesmo por conta das ações diretas realizadas
pelo INCRA e polícia local, havia toda uma estrutura contra os trabalhadores
rurais.
Para Rossana Rocha Reis459, os movimentos sociais, tais como a CPT
e o CIMI contribuíram para a ideia da terra como um direito humano, pois esta é
pautada na concepção e relação que as comunidades estabeleciam com as posses.
A Igreja passou a realizar críticas às propriedades privadas e ao capitalismo em
negação ao ato da sua apropriação coletiva. Assim, os escritos de Dom Pedro
Casaldáliga, as denúncias dos agentes de pastorais e leigos tinham como
mecanismo dar publicidade e garantir os direitos da população do campo sobre as
terras.
As denúncias também eram realizadas pelos posseiros como uma
forma de resistência para a permanência nas suas terras. Desse modo, uma
comissão formada por trabalhadores rurais de Porto Alegre do Norte se reuniu
com o governador de Mato Grosso, José Garcia Neto, para solicitar a sua
mediação nos conflitos460. O governador se dispôs a encontrar uma solução justa,
conforme relatado no jornal Diário de Mato Grosso:
459
REIS, Rossana Rocha. O direito à terra como um direito humano: a luta pela reforma agrária e o
movimento de direitos humanos no Brasil. São Paulo, Lua Nova, v.86, p. 89-122, 2012, p. 108.
460
Em 20 de outubro de 1977, os posseiros Domingos Medeiros da Silva e Manuel José Rodrigues
já tinham enviado uma carta coletiva com a assinatura de 200 famílias ao governador José Garcia
Neto, na qual solicitavam que o governante interviesse nos conflitos com a Fazenda Piraguassu.
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 3.09, 1977, p. 1.
461
GOVERNO, manifesta-se interessado no problema dos posseiros. Cuiabá, Diário de Mato
Grosso, 1/11/1977. Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 3.11,
1977, p. 1.
240
462
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.3.23, 1978, p. 1.
463
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Conflitos agrários e violência no Brasil... p. 2.
241
464
Ibidem, p. 4.
465
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.3.23, 1978, p. 1.
242
466
BRUNO, Regina Angela Landim. Nova República: a violência patronal rural como prática de
classe. Sociologias, Porto Alegre, v.5, n. 10, jul/dez 2003, p. 285.
467
Mandado de Citação. Documento da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 3.17, 1978, p. 2.
244
468
WOORTMANN, Klaas. “Com parente não se neguceia”...
469
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.1.02, 1971, p. 1, já utilizado
nesta tese.
470
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.38, 1972, p. 1.
471
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.58, 1972, p. 1.
245
472
SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa... p. 14.
473
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.62, 1972, p. 1.
474
SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa...
246
475
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2009.
476
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.58, 1972, p. 2.
247
477
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.3, 1972, p. 3.
248
478
Professor da rede pública de ensino do município de Porto Alegre do Norte. De acordo com a
entrevista concedida por João Sousa Lima em Porto Alegre do Norte no dia 3/12/2015, relata que
José de Pereira dos Santos, pai de Justiniano Pereira Sales migrou para o Araguaia mato-grossense
no início da década de 1950.
479
O trecho exposto acima foi concedido na entrevista realizada com Ataíde da Silva, em Porto
Alegre do Norte no dia 2/12/2015. Tentamos formalizar uma entrevista exclusiva com o Justiniano
Sales, mas ele se recusou e disse que só acompanharia as entrevistas, nos ajudando a localizarmos
e contatarmos as testemunhas, e assim, nos fornecer informações e esclarecimentos sem o uso de
uma entrevista formal. Ele também nos relatou a fala descrita acima, de modo informal em meio a
uma conversa numa reunião festiva que ocorreu na sua residência no dia 5/12/2015.
249
O relato nos mostra que a resistência na luta pela terra adveio das
relações traçadas ao longo do tempo nos núcleos de ocupações em torno de Porto
Alegre do Norte pelos diversos grupos familiares. Visto dessa forma, podemos
imaginar que as reações dos posseiros a partir deste universo formado pela
concepção de vizinhança, compadrio ou irmandade, foi o que criou uma noção de
grupo e a compreensão sobre o direito à terra, e desse modo, fez com que essas
pessoas se colocassem como agentes políticos na intervenção da questão agrária
no Araguaia mato-grossense. Nos núcleos de ocupações é onde se delinearam os
atos de solidariedade, evidenciados por meio dos mutirões como um processo de
organização coletiva que estabeleceu as bases sobre as quais aqueles indivíduos
puderam vivenciar a luta e os processos de enfrentamento contra os
empreendimentos rurais instituídos nas suas posses.
Os núcleos familiares citados pelo entrevistado demonstram que a
espacialidade de Porto Alegre do Norte era o que conferia unidade e consciência
de agrupamento em vizinhança. As famílias organizadas territorialmente
formaram os espaços em que se articulavam para permanecerem na terra. O
sentimento de localidade adquirido ao longo das experiências em comum,
evidenciados nas ações de solidariedade e ajuda mútua através dos mutirões no
primeiro momento da ocupação das posses, foram responsáveis pela criação de
estratégias para resistirem ao processo de expropriação das suas terras.
Os posseiros que estavam estabelecidos na divisa com a agropecuária
eram os mais atingidos pelas ações violentas. Desse modo, para a defesa das suas
terras, surgiu a necessidade de resistências por parte dos trabalhadores rurais que
passaram a constituir lideranças480, as quais conduziam as lutas e agiam como
porta-vozes da comunidade. Estes traçaram duas estratégias de enfrentamento: a
primeira, contra a fazenda e sua pretensão de se apropriar dos limites das áreas
480
Na documentação da Prelazia de São Félix do Araguaia encontramos os seguintes nomes:
Alexandre Quirino de Sousa, Nilo Pereira da Silva, Célio Manuel Azevedo Guimarães e Josias
Nonato, envolvidos nos atos de resistências contra a FRENOVA. Já na mediação dos conflitos
entre posseiros e a empresa em Porto Alegre do Norte tinha a ajuda da Igreja através do padre
Eugênio Consoli e dos Agentes de Pastoral José Pontim e Altair.
250
481
Ataíde da Silva (Altair) entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida à autora,
em 2 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
251
arma. Assim, seus atributos elevavam a sua imagem, e ele não se deixava abalar
pelo fato de que exercia uma função pública e não sabia ler.
A memória de Altair talvez de forma inconsciente esboce um
protagonismo que introduz os atos de resistências no povoado de Porto Alegre do
Norte. Assim, nos questionamos por que esses sujeitos históricos que chegaram à
região por volta do início da década de 1970 se colocam como os iniciantes no
processo de enfrentamento na luta pela terra em Porto Alegre do Norte?
Lembrando que outras famílias se estabeleceram naquela espacialidade no final da
década de 1940, então, por que elas também não iniciaram essa ação? Algumas
considerações podem ser esclarecedoras para entendermos o ―enquadramento da
memória‖482 de Altair483 que pode ser vista como uma tentativa de definir e
reforçar o sentimento de pertencimento social. Primeiramente, a memória
individual do entrevistado ao ser acionada passou a estabelecer relações com a
memória coletiva, então, este quis demonstrar a sua importância no contexto
histórico de ocupação do município. Entretanto, por ele ter atuado como leigo da
Prelazia de São Félix do Araguaia notamos que nos documentos elaborados por
aquela instituição religiosa, Altair também aparece como peça fundamental nos
conflitos, pois o mesmo exercia a função de professor do povoado e ajudava os
posseiros avisando-lhes sobre a chegada da polícia e dos agentes das
agropecuárias que iam em busca daqueles indivíduos para prendê-los ou ameaçá-
los. Já Alexandre Quirino, também é citado no corpus documental da Prelazia e
nas narrativas da sua esposa, Ana Felicia de Araújo e sua filha Zenaide Araújo
482
POLLACK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2,
n. 3, 1989, p. 3-15.
483
Esta constatação advém do fato de que na entrevista cedida por Altair, o mesmo afirma que
nasceu em São Paulo, contexto social diferente da população local que era majoritariamente
proveniente dos estados do Nordeste do país. Relata que participou de movimentos sindicalistas
em São Paulo, atuou como militante da ALN na guerrilha urbana, colaborando com a ação do
sequestro do Cônsul japonês Nobuo Okuchi. Depois foi enviado para Rondônia e Bolívia para
conhecer umas áreas de treinamento e posteriormente migrou para o Araguaia mato-grossense.
Devido a sua militância, Ataíde da Silva assumiu o codinome Altair com o intuito de driblar a sua
procura pelos militares. Nos documentos da Prelazia encontramos os seguintes nomes: Altair,
Ataíde e Atayde, em referência ao leigo de Porto Alegre do Norte e professor da escola do
povoado.
252
como uma liderança que tinha o respeito dos moradores locais. Neste sentido, a
trama que eleva os atos de Altair e Alexandre é tecida por diversos discursos que
os indicam como personagens essenciais na execução da resistência e
permanência na terra.
De certo modo, o testemunho de Altair nos leva a imaginar que as
experiências possivelmente adquiridas nos movimentos sindicais e militância na
guerrilha urbana em São Paulo o fizeram possuir uma carga de conhecimento para
tecer as estratégias de enfrentamentos na luta pela terra em Porto Alegre do Norte.
O entrevistado alega ter participado do sequestro do Cônsul japonês Nobuo
Okuchi484, tendo a responsabilidade de esconder o suposto chefe de Estado das
autoridades brasileiras, assim: ―Nós não tínhamos onde pôr o japonês. [...] Onde
põe o japonês? Na favela? Onde põe? Nós não tínhamos. Então entrávamos no
cinema durante o dia, naquele cinema de dois reais e ficávamos o dia inteiro
lá‖485. Neste sentindo, a sua migração para o Araguaia foi resultante da provável
perseguição do aparato militar pelos seus atos como militante em São Paulo.
Antes de iniciarmos a entrevista, Ataíde da Silva nos relatou que
passou a usar o codinome Altair para despistar a sua procura pelo aparato militar.
Ele nos informou que o seu exercício como militante na guerrilha urbana em São
Paulo não foi revelada a equipe e a população da Prelazia de São Félix do
Araguaia para poder manter em sigilo o seu histórico de atuação na luta armada,
484
Em buscas realizadas em sites e acervos online, não encontramos os nomes dos sequestradores
do Cônsul, mas localizamos o nome de Ataíde Silva nos documentos do BNM digital como
integrante da VPR, grupo acusado de ter sequestrado Nobuo Okuchi. O auto de qualificação e
interrogatório da Delegacia Especializada de Ordem Social de São Paulo também relaciona Ataíde
Silva como membro do MO, tendo a sua descrição física semelhante a Ataíde da Silva, fato este
que só nos leva a ter alguma suposição do seu envolvimento com a luta armada urbana em São
Paulo, pois Ataíde Silva foi descrito como ―um rapaz de côr [sic] mulata, tendo um metro e
sessenta e cinco de altura, cabelos carapinhos, olhos escuros‖. Entretanto, essa descrição
assemelha-se a vários brasileiros e não nos dá base para confirmar a sua participação no sequestro
do Cônsul japonês, além disso, a grafia do nome do entrevistado é Ataíde da Silva e o nome que
aparece no BNM é Ataíde Silva; enfim, são constatações que nos levam a pressupor a sua atuação
como militante. BNM_042 (11). Disponível em:
<http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=BIB_01&pesq=Ataide+Silva+Tei
xeira>. Acesso em: 4 mai. 2017.
485
Ataíde da Silva (Altair), entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida à autora,
em 2 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
253
486
FIM, da Ditadura: 50 anos depois do golpe militar, ex-guerrilheiro mora em Porto Alegre do
Norte e relembra a repressão. Confresa, Agência da Notícia, 01/04/2014. Disponível em: <
http://www.agenciadanoticia.com.br/noticias/exibir.asp?id=596¬icia=Fim_da_Ditadura_50_an
os_depois_do_golpe_militar_ex-
guerrilheiro_mora_em_Porto_Alegre_do_Norte_e_relembra_a_repressao>. Acesso em: 4 mai.
2017.
487
Ataíde da Silva (Altair) entrevista de duas horas e cinquenta e um minutos concedida à autora,
em 2 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
254
488
Idem.
255
489
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17.2.03, 1972, p. 2.
490
SANTOS FILHO, José dos Reis. Condição e resistência camponesa: práticas de construção e
demolição da heteronomia da vontade do trabalhador rural. Perspectivas, São Paulo: 11, 65-81,
1988, p. 69.
256
vieram e mataram, então porque a gente não ia também. Aí fizemos isso e foi o
modo que nós vencemos491‖.
Novamente o protagonismo na luta pela terra é exposto nos relatos
orais, mas com a sua encenação voltada para uma espécie de ―malandragem‖
contra o gerente da FRENOVA. Na entrevista concedida por João da Angélica,
este nos narrou um fato em que ele e seu colega Sebastião Ferreira foram
contratados por Plínio Ferraz (gerente da FRENOVA) para assassinarem o padre
Henrique Jacquemart492, pois o religioso interferiu na venda de uma posse por um
preço que julgava ser irrisório, em que Plínio Ferraz já havia fechado o negócio
com o posseiro Sabino. O gerente deu ordens para que os posseiros João da
Angélica e Sebastião matassem o padre Henrique e os deixassem enterrado numa
localidade conhecida como Ribeirãozinho. Por este serviço, os trabalhadores
rurais, que também eram empregados da fazenda FRENOVA, iriam receber sete
mil cruzeiros.
491
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
492
No Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A 17.2.25, 1972, p. 1,
encontramos a denúncia de Dom Pedro Casaldáliga sobre o pagamento dos posseiros Sebastião
Ferreira e João Souza Lima para assassinarem o padre Henrique Jacquemart. Este fato também é
citado no capítulo II desta tese.
257
imagine que as mulheres não tiveram participação na luta pela terra em Porto
Alegre do Norte. Este fato pode ser justificado pelo número de mulheres494 que
conseguimos entrevistar, pois muitas já se mudaram do município, faleceram ou
por motivos variados não puderam nos dar o seu testemunho. Porém, na
introdução desta pesquisa alertamos que ao utilizarmos o termo trabalhador rural
estaríamos nos remetendo aos homens e mulheres que atuaram na resistência pela
terra. Não pretendemos realizar uma discussão sobre os estudos de gênero, pois
este não é o propósito da investigação, e além do mais não possuímos dados
significativos para demonstrar a atuação das mulheres nos conflitos. Portanto,
iremos nos reportar às narrativas de Ana Felicia Araújo com o intuito de
apresentar as suas ações como um sujeito histórico na conquista pela terra e que
provavelmente representam a história de outras mulheres de Porto Alegre do
Norte às quais não tivemos acesso.
Os trabalhadores rurais, ao falar dos conflitos, também expressam o
papel da sua família e isso inclui mulheres e crianças, assim, às vezes é possível
encontrar, nos relatos, de forma indireta, essa presença na luta pela terra. Nas
narrativas apresentadas por Neide Esterci495 sobre Santa Terezinha, os homens
ficaram escondidos e as mulheres fizeram toda a estratégia de logística, levando
comida, roupas, informações para eles na mata, e no vilarejo, mantendo as
aparências de normalidade na casa e nas rotinas diárias, mesmo sozinhas
enfrentando a presença dos jagunços que estavam à procura dos seus maridos.
Outro caso exemplar contra as mulheres ocorreu no povoado de Ribeirão Bonito
(atual Ribeirão Cascalheira) em 1976, a população revoltou-se contra a polícia
militar que acumulava um histórico de arbitrariedades e violências culminando
com a prisão arbitrária de duas mulheres (seus maridos haviam sido acusados de
494
Entrevistamos seis mulheres, dentre elas: Erotildes Milhomem (atuou como professora em São
Félix do Araguaia), Maria José Souza Moraes (advogada da Prelazia, mas chegou à região no
início da década de 1980), Odile Eglin (Irmazinha de Jesus que chegou a Confresa na década de
1980), Maria Luiza Silva (moradora de Porto Alegre do Norte, mas não obtivemos êxito na
entrevista devido o avanço da sua idade), Ana Felicia Araújo (moradora de Porto Alegre do Norte
desde 1962) e Maria Zenaide Araújo (filha de Ana Felícia Araújo).
495
ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia...
259
496
MOURA, Erik Marcelo de. A mulher e a luta pela terra no Brasil: uma abordagem sócio-
cultural da constituição simbólica no MST no que concerne o estudo de gênero. Anais do V
Encontro de Pesquisa em Educação de Alagoas: Pesquisa em Educação: Desenvolvimento, Ética e
Responsabilidade Social, Maceió, agosto 31 a 03 de setembro, 2010.
497
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
260
Ao nos relatar esse fato, Ana Felicia mudou a expressão facial e o tom
da sua voz, pois parecia estar vivenciando a presença do policial na porta da sua
casa, já que a nossa entrevista ocorreu em sua varanda em frente ao rio Tapirapé,
ou seja, no mesmo lugar que se constituía a sua posse, em frente à rua que era
usada como pista de pouso dos aviões e na divisa territorial com a agropecuária
FRENOVA, assim, era como se aquele espaço tivesse contribuído para ativar a
sua memória e trazer à tona os mais ricos detalhes daquele episódio.
498
Idem.
261
A narrativa tecida por Ana Felicia nos mostra como foi importante a
presença da mulher na luta e manutenção da terra na história de Porto Alegre do
Norte, pois evidenciamos na sua fala um enfrentamento diário, físico e
psicológico, momentos de adversidades junto com o seu cônjuge e demais
integrantes da comunidade. Observamos que a conjuntura marcada pela
desigualdade, expropriação e exploração que impossibilitou o trabalho e a
subsistência de base familiar, inibindo a sua identidade e dignidade, fez com que
Ana Felicia encontrasse força e coragem para assegurar os seus direitos sob o que
estavam lhe retirando: a terra.
Para garantir a sua sobrevivência e dos seus familiares, a entrevistada
passou a questionar as formas de ocupação e uso da terra pela FRENOVA, dado
que a conquista da terra era a garantia de um espaço de produção. Portanto, a
organização e resistência pela permanência na terra advêm de uma identidade
social criada ao longo do período que a entrevistada vivenciou em Porto Alegre
do Norte, tendo em vista que a sua trajetória marcada por diversas migrações a
impulsionou a não sair da sua posse mesmo com as constantes ameaças, uma vez
que a consciência dos seus direitos era repassada pelos religiosos, agentes de
pastorais e leigos da Prelazia de São Félix do Araguaia.
O testemunho de Ana Felicia é permeado por atos de coragem, a
mesma cita que em muitos momentos sentiu medo, mas o sentimento de proteger
o seu esposo lhe dava força para ser uma mulher combativa mesmo que isso
significasse apenas se posicionar verbalmente contra a desapropriação da sua
posse, questionar o porquê seu marido estava sendo intimidado sem ter cometido
algum tipo de delito, bem como demonstrar que a resistência dos posseiros não
era mais eficaz pelo fato dos mesmos não possuírem armas de fogo da mesma
qualidade que o governo fornecia ao aparato militar. O seu enfrentamento pode
ser caracterizado pelo fato de não se calar e contestar as ameaças sofridas, sendo
importante destacar que a sua luta era considerada legítima, e, essa legitimidade é
o que assegura o seu papel de agente naquele contexto. A sua coragem também se
manifestava ao ajudar os vizinhos que estavam vivenciando situações de
262
intimidação, como foi o relato de violência que Anália Souza Lima, esposa de
João da Angélica, passou para contar o paradeiro deste último, que estava
escondido da polícia.
499
Idem.
263
500
Esse acontecimento também foi relatado por João Souza Lima (João da Angélica) em entrevista
de uma hora e quatro minutos concedida à autora, em 3 de dezembro de 2015 no município de
Porto Alegre do Norte.
501
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
502
MENEZES, Marilda Aparecida de. O cotidiano camponês e a sua importância enquanto
resistência à dominação: a contribuição de James C. Scott. Raízes, v. 21, n. 01, p. 34-44, jan./jun.
2002, p. 42.
264
503
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
504
WOORTMANN, Klaas. “Com parente não se neguceia”...
505
THOMPSON, Eduard P. Costumes em comum...
506
Professora da Rede de Educação Básica do município de Porto Alegre do Norte. Filha dos
posseiros: Ana Felicia Araújo e Alexandre Quirino de Sousa. Nascida em Porto Alegre do Norte
em 14 de agosto de 1963.
265
507
Maria Zenaide de Araujo Silva entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
266
508
CASALDÁLIGA, Pedro. Uma Igreja da Amazônia... p. 90.
509
Porto Alegre do Norte se emancipou de Luciara em 13 de maio de 1986.
510
Não encontramos dados oficiais sobre o número de habitantes de Porto Alegre do Norte na
década de 1970, mas para termos uma ideia o Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do
Araguaia – A17. 3.5, 1977, p. 1, informa 1000 moradores na área urbana em 1977. Em 1988 a
estimativa era de 15 mil habitantes no município, com 6 mil na sede e 2000 no distrito de
Canabrava do Norte. o restante encontrava-se nas fazendas e núcleos rurais. CASCÃO, Rodolfo.
Democratização do poder local: uma experiência no Araguaia. Rio de Janeiro: FASE, 1992, p. 49-
50.
511
Conflito dos posseiros com a fazenda Suiá-Missú.
512
Conflito dos posseiros com a agropecuária BORDON S/A.
513
A DURA, conquista da terra...
267
514
Segundo os dados do IBGE (2015), a área da unidade territorial em km² de Porto Alegre do
Norte é de 3.972,247.
515
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 3.5, 1977, p. 1.
268
516
Cícero Rufino Guimarães Lima, José de Souza Lima, Rita Pereira Santiago, Raimundo Souza
Parente, Adauta Luz Batista, Raimundo Pereira Mendes, José Pereira Campos e Sebastião Ferreira
de Figueiredo. Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.15, 1976, p.
2.
517
Dionel Martins de Almeida, Alexandre Quirino de Souza e Clarindo Pereira Nonato.
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 2.15, 1976, p. 2.
518
Ofício INCRA /CR-13/T4/UF-1 nº 37/76 de, 22/12/1976. Documento do Acervo da Prelazia de
São Félix do Araguaia – A17. 2.15, 1976.
519
Tentamos entrar em contato para realizarmos uma entrevista, mas o mesmo não atendeu as
nossas ligações e mensagens por redes sociais.
520
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 4, 1980, p. 3 e A DURA,
conquista da terra...
521
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 4, 1980, p. 3.
269
522
Idem.
523
Ana Felicia Araújo (Nininha) entrevista de duas horas e dois minutos concedida à autora, em 6
de fevereiro de 2016 no município de Porto Alegre do Norte.
270
524
Disponível no Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – Documento A17. 3.25, 1978, p.1-
2.
525
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 4, 1980, p. 3.
271
527
Narrou a sua trajetória de vida por meio de diversas migrações entre os estados de Goiás e Mato
Grosso. Chegou a Porto Alegre do Norte no final de 1977, e entre 1978 a 1979 trabalhou como
empreiteiro da FRENOVA. Entre 1985 a 1986 trabalhou para a Piraguassu como empreiteiro geral
na limpeza da área e plantação de cana de açúcar para a implantação de uma Destilaria (Gameleira
que teve seu nome alterado em 2005 para Destilaria Araguaia devido os casos de exploração de
trabalho análogo ao de escravo). Seu apelido foi dado por Silvana Carraro Carneiro (proprietária
da FRENOVA), pois segundo Luiz Carlos Machado, na década de 1970 era comum as pessoas
portarem armas como um acessório e o fato do mesmo ser alto, magro, usar chapéu, cinto e bota
lembrava os personagens dos filmes de Bang-Bang. Em 1992 foi eleito prefeito de Porto Alegre do
Norte. Já foi considerado o 5º pistoleiro mais perigoso do país, por envolvimento na prática de
grilagem de terras da União, e por isso prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito
da Pistolagem entre 1991 e 1993 na Câmara Federal. O ex-prefeito, também foi envolvido com o
assassinato do ex-senador Olavo Pires (1990), morto num hotel de São Paulo, que era pré-
candidato a governador de Rondônia. Em 2006, Luiz Bang foi julgado e absolvido no caso em que
era acusado de mandar matar o ex-prefeito Rodolfo Alexandre Inácio, o Cascão, a esposa
Fernanda Macruz, e o amigo Avelino Pereira Coelho, em novembro de 1988. Em 2003 O ex-
prefeito também foi preso por exploração de trabalho escravo na Fazenda Cinco Estrelas, em Novo
Mundo (MT). Ele chegou a ser preso, mas solto logo em seguida. Foi preso em 2009 durante
Operação Pluma que combatia a prática de grilagem de terras no Vale do Araguaia. No mesmo
ano, voltou a ser preso sob suspeita de envolvimento em fraudes ao INSS. No dia 27/01/2017 foi
assassinado em sua chácara no município de Confresa/MT.
528
O fato narrado aconteceu em 1979.
529
O gerente era Keizo Tukuriki e o empreiteiro geral Samiyoshi Nito.
530
O caso narrado se refere ao posseiro Alberto Gomes de Abreu.
273
531
Luiz Carlos Machado (Luiz Bang) entrevista de uma hora e dezenove minutos concedida à
autora, em 9 de fevereiro de 2016 no município de Confresa.
274
537
LUTA, pela terra em Porto Alegre. Polícia já ouviu 14 indiciados mas não sabe quem matou
Capixaba. Equipe, Cuiabá, 10/01/1980, p. 3.
538
Luiz Carlos Machado (Luiz Bang) entrevista de uma hora e dezenove minutos concedida à
autora, em 9 de fevereiro de 2016 no município de Confresa.
277
539
Documento do Acervo da Prelazia de São Félix do Araguaia – A17. 4, 1980, p. 6.
540
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Dimensões políticas da violência no campo. Tempo, Rio de
Janeiro, v. 1, p. 126-141, 1996, p. 137.
278
São Félix. Agiram baseados única e exclusivamente nos dados fornecidos pela
fazenda com o apoio da Associação dos empresários da Amazônia, para tentar
amedrontar os posseiros na sua luta pela terra‖541. Concomitantemente, cerca de
cinquenta posseiros de Canabrava do Norte vieram prestar apoio aos trabalhadores
rurais de Porto Alegre do Norte, assim estes solicitaram uma reunião de
emergência com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e exaltados tentaram
derrubar a cadeia para retirar os companheiros presos. Então, propuseram uma
reunião com o delegado, mas ele recusou e mandou soltar dois presos, tomando o
depoimento do motorista da caminhonete como testemunha da morte do jagunço
Capixaba.
Diante da dessa situação, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais foi a Barra do Garças e em Cuiabá para denunciar os fatos aos jornais e
procurar apoio de deputados542 e da FETAGRI que se comprometeu a dar
assistência com um advogado. Conforme, Airton dos Reis Pereira543, por mais que
a luta fosse localizada, no entendimento da CPT e dos STRs, deveria exceder os
interesses locais e divulgar a resistência dos trabalhadores rurais pela terra não
apenas em âmbito local, mas também expressá-la em rede regional, estadual e até
nacional.
Dez dias após o assassinato de Capixaba, chegou a Porto Alegre do
Norte um corregedor ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado, um
tenente de Barra do Garças e quinze soldados. Eles vieram investigar o caso e
registrar o depoimento dos posseiros. Diante desse contexto, os trabalhadores
rurais resolveram permanecer foragidos na mata e a prestação dos depoimentos
ficou para o dia 5 de janeiro de 1980. Os depoimentos foram tomados sem
violência e até os soldados dispuseram das suas armas. Entretanto, cerca de cento
e cinquenta pessoas se colocaram vigilantes próximas à cadeia, dentre estas: os
541
TENSÃO, social se agrava em Porto Alegre do Norte. Cuiabá, Diário de Cuiabá, 10/01/1980, p.
10.
542
São citados nos documentos da Prelazia de São Félix do Araguaia, o deputado federal Carlos
Bezerra e o deputado estadual Dante de Oliveira.
543
PEREIRA, Airton dos Reis. A luta pela terra no sul e sudeste do Pará... p. 93.
279
544
Distrito de Nova Xavantina que fica distante 151 km de Barra do Garças.
545
Foi fundada pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns em 1972. Vinculada à Arquidiocese de
São Paulo, sua atuação visava dar proteção aos perseguidos e familiares por meio da esfera
jurídica, ou, quando não era possível, direcionar conforto e esperança as vítimas.
546
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Dimensões políticas da violência no campo... p. 133.
547
Idem.
280
548
João Souza Lima (João da Angélica) entrevista de uma hora e quatro minutos concedida à
autora, em 3 de dezembro de 2015 no município de Porto Alegre do Norte.
549
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Dimensões políticas da violência no campo... p. 5.
550
SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa... p. 30.
551
MONSMA, Karl. James C. Scott e Resistência Cotidiana no Campo: uma avaliação crítica. BIB,
Rio de Janeiro, n. 49, jan/jun, 2000.
281
CONSIDERAÇÕES FINAIS
552
A motosserra foi criada por Andreas Stihl, no ano de 1926 e pesava 56 quilos, sendo operada
por duas pessoas. Na década de 1930 passou a ser comercializada em toda a Europa. Em 1959 esta
foi aperfeiçoada e passou a pesar 12 quilos, nesse período também foi inventada a roçadeira. Na
década de 1950 esses produtos já eram vendidos no Brasil. Disponível em:
<http://www.revistarural.com.br/edicoes/item/6942-quarenta-anos-de-stihl-no-brasil>. Acesso em:
9 de abril de 2017.
285
553
Originalmente Vila Tapiraguaia. Confresa é referência à Colonizadora FRENOVA Sapeva. Esta
empresa era proprietária das Fazendas Reunidas Nova Amazônia, que abrangiam inúmeras
286
ligados à atuação das suas pastorais. As denúncias realizadas por Dom Pedro
Casaldáliga deram amplitude e divulgação extra local dos conflitos por terra no
Araguaia, assim os trabalhadores rurais imergiram na cena política como agentes
reivindicantes por acesso a terra.
As estratégias de resistências traçadas pelos trabalhadores rurais na
luta pela terra em Porto Alegre do Norte foram essenciais para a conquista da
posse, mesmo que esta muitas vezes não tenha contemplado a delimitação que o
INCRA lhe conferia como de direito, ou seja, o módulo mínimo de 100 hectares
para exploração agrícola. Muitos posseiros obtiveram a demarcação das suas
posses em 50 hectares devido as artimanhas empregadas pelos funcionários da
Piraguassu juntamente com a conivência do Estado (prefeitura, INCRA, oficiais
de justiça, polícia estadual e militar).
Identificamos ao longo dos relatos orais e da documentação da
Prelazia de São Félix do Araguaia que os atos dos mutirões guiados pelas
concepções de vizinhança e compadrio auxiliaram na disseminação de um
sentimento de grupo, bem como a compreensão de que estes possuíam direito
sobre as terras os colocaram como agentes políticos na luta pela terra em Porto
Alegre do Norte. Podemos observar que os núcleos de ocupações propiciaram as
ações de solidariedade, demonstrados pelos mutirões; assim, a manutenção desses
laços de sociabilidade foi essencial para a constituição dos enfrentamentos contra
as empresas agropecuárias que se estabeleceram na região a partir da década de
1970.
Após a abertura das rodovias federais, a exemplo da BR 158 em Porto
Alegre do Norte, o fluxo de migrantes à procura de terra e trabalho para a região
aumentou. Esses indivíduos caracterizados como novos posseiros assumiram a
luta pela terra junto com os antigos posseiros. Entretanto, conforme os
documentos da Prelazia de São Félix do Araguaia, somente os posseiros
estabelecidos no povoado antes da instalação da Piraguassu, em 1975, tiveram
direito à demarcação das suas posses.
291
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Entrevistas
LIMA, João Souza (João da Angélica). Entrevista de uma hora e quatro minutos
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Norte.
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Filmografia
ANEXOS
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Fonte:
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