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COMENTARIO DO WILIAM HENDRIKSEN

17.24–27 O pagamento do tributo do templo


24 E quando chegaram a Cafarnaum, os coletores do imposto das duas dracmas vieram
a Pedro e disseram: “O mestre de vocês não paga as duas dracmas”? 25 Ele disse: “Sim,
paga”. E quando ele [Pedro] entrou na casa, Jesus foi o primeiro a falar, dizendo: “O que tu
achas, Simão? De quem os reis da terra cobram tributos e impostos: de seus filhos, ou dos
estranhos”? 26 Ao responder: “Dos estranhos”, Jesus lhe disse: “Então os filhos estão
isentos”. 27 Mas, para não escandalizá-los, vai ao mar e joga um anzol; então tira o primeiro
peixe que pegar, abre-lhe a boca e encontrarás um estater. Pega-o e o dá a eles, por mim
e por ti”.

24. E quando chegaram a Cafarnaum, os coletores do imposto das duas


dracmas vieram a Pedro e disseram: Teu mestre não paga as duas dracmas?
Jesus e os Doze tinham estado ausentes de Cafarnaum por um longo tempo,
viajando de um lugar a outro, afastados das grandes multidões judaicas, como já foi
mostrado. Haviam visitado a vizinhança de Tiro e Sidom, bem como o distrito de
Cesareia de Filipe. Três dos discípulos subiram com Jesus o monte da
transfiguração. E mesmo depois de descerem dessa elevação, o grupo não entrou
novamente e de imediato em Cafarnaum. Agora, porém, estavam de volta ao lugar
onde Jesus tinha seu centro de operações e onde Pedro também vivia. Então
chegam os cobradores de impostos!
Entretanto, a história contada por Mateus – e somente por ele – não tem nada a
ver com impostos estabelecidos por Roma. Tinha a ver com o dinheiro de redenção,
o preço do resgate – “resgate por sua alma” – que todo israelita, de vinte anos para
cima, tinha de pagar por ordem do Senhor, e que era usado para a manutenção do
santuário (Êx 30.12–14; 38.26; 2Cr 24.6,9; cf. Josejo, Antiguidades XVIII.312;
Guerra dos Judeus VII. 213). Equivalia a meio siclo, igual em valor à dracma ou
dracma dupla. A dracma, moeda de prata grega, era de igual valor ao denário
romano. Era o salário médio diário de um operário. Consequentemente, a dracma
dupla era a soma que geralmente um homem ganhava pelo trabalho de dois dias.
Já que esse imposto do templo era pago em moeda judaica, os cambistas
ganhavam cobrando uma pequena soma por trocar dinheiro estrangeiro por judaico.
Ora, era essa dracma ou meio siclo que nem Jesus nem Pedro haviam pago
ainda, talvez devido à sua ausência de Cafarnaum. Por isso os cobradores se
aproximaram de Pedro. Por que não foram diretamente a Jesus? É possível que
não quisessem constranger o Mestre. É provável que hajam se aproximado de
Pedro, e não dos outros discípulos, pelo simples fato de considerá-lo o líder dos
Doze, ou simplesmente porque sabiam que ele pelo menos podia responder à sua
pergunta. Falando a Pedro, chamam Jesus “seu mestre”, o mestre reconhecido
como tal pelos Doze e por muitos outros além deles. Não havia nada de estranho
no uso desse título com respeito a Jesus (ver também 8.19; 9.11). O Senhor
certamente o merecia em todos os sentidos.
“Seu mestre não paga a dracma dupla”? Não temos o direito de presumir que
havia uma intenção de crítica mordaz. É provável que esses coletores soubessem
que Jesus e os fariseus discordavam em muitas questões, tais como o jejum, a
observância do sábado, manipular o alimento com mãos que não haviam sido
cerimonialmente lavadas, etc. Portanto os coletores não distinguiam com clareza
como Jesus entre as coisas ordenadas na lei e as regras humanas impostas à lei.
Consequentemente, poderiam defender a opinião de que, por uma razão ou outra,
Jesus não pagava a dracma dupla, o meio siclo.
25. Ele disse: Sim, paga. Pedro não hesita um instante sequer. Talvez tenha
lembrado do que Jesus dizia acerca da lei de Deus (5.17, 18). Além disso, ele talvez
estivesse presente em outras ocasiões em que o Senhor pagou o imposto.
A conversa entre Pedro e os coletores parece ter-se dado na rua. Pedro agora
segue seu caminho, com a intenção de relatar sua experiência a Jesus, e portanto
vai à casa onde este estava hospedado nesse momento (para essa casa, ver sobre
9.28). Não estava preparado para a surpresa que recebeu quando Jesus mesmo
inicia a conversa e mostra que já sabia tudo o que Pedro tinha dito sobre ele. E
quando ele [Pedro] entrou na casa, Jesus foi o primeiro a falar, dizendo: O que
tu achas, Simão? De quem os reis da terra cobram tributos e impostos: de
seus filhos, ou dos estranhos? Jesus “antecipou” a Pedro, tomandolhe a
dianteira. Esse apóstolo recebeu o mesmo tipo de surpresa que Cléopas e seu
companheiro iriam receber na manhã do domingo da ressurreição (Lc 24.33,34).
Nesse caso, “os onze […]” foram os que falaram primeiro. Quanto ao penetrante
conhecimento de Cristo, ver João 1.47,48; 2.25; 21.17. Cf. Salmo 139; Hebreus
4.13.
Ao perguntar a Simão: “De quem eles [os reis da terra] cobram contribuições
[sobre os bens] ou impostos [sobre suas pessoas], de seus filhos ou de estranhos”?,
o Senhor deseja deixar bem claro que, estritamente falando, ele não está sob
qualquer obrigação de pagar tal imposto. Os membros da família real não são
obrigados a pagar tributo, mas são mantidos pelos tributos pagos por outros.
Frequentemente os reis nem impunham tributos a seus próprios cidadãos, mas
cobravam tributo das nações conquistadas. 26. Ao responder: “Dos estranhos”,
Jesus lhe disse: Então os filhos estão isentos. Não era Jesus o Filho de Deus
por natureza? Não era o templo a “casa de meu Pai” (Lc 2.49; Jo 2.16)? Não era
ele na verdade “maior do que o tempo” (Mt 12.6)? E quanto a Pedro? Não era ele
um filho por adoção? Continua: 27. Mas, para não escandalizá-los, vá ao mar e
joga o anzol; então tira o primeiro peixe que pegar, abre-lhe a boca e
encontrarás um estater. Pega-o e o dá a eles, por mim e por ti. Jesus quer dizer:
“Não devemos levar outros a se enredarem em pecado”. Acima de tudo, o
pagamento desse imposto não era uma norma meramente humana, e, sim, uma
exigência divinamente instituída. Além disso, não tivesse ele nem Pedro pago esse
imposto, isso teria sido interpretado como falta de interesse no templo e falta de
amor por ele; talvez até mesmo uma irreverência. Tal coisa não devia ocorrer. E
assim, dos imensuráveis tesouros do Pai Jesus irá tomar o que necessita para pagar
o imposto do templo, para si e para Pedro.
Simão tinha de ir ao mar. Não terá de lançar nenhuma rede; bastará um simples
anzol. O primeiro peixe que vier terá em sua boca um estater, isto é, uma moeda de
quatro dracmas. Essa moeda, equivalente a um siclo, será precisamente suficiente
para Jesus e Pedro. Eles ficarão livres da dívida – isto é, aquilo que o público em
geral poderia considerar uma dívida – por esse estater.
Não é necessário dizer que isso é exatamente o que ocorreu. Alguém fica
estarrecido diante desse milagre. Uma leitura cuidadosa de todo o relato indica o
seguinte acerca de Jesus Cristo: seu penetrante conhecimento (v. 25a), a
consciência de sua filiação [divina] (v. 25b), sua consideração pelos demais (v. 27a),
sua autoridade mesmo sobre o mar e seus habitantes (v. 27b) e sua generosidade
(v. 27c).

Sumário do capítulo 17
“Eu solenemente lhes declaro que alguns que aqui se encontram de maneira
alguma provarão a morte até que vejam o Filho do homem vindo em sua dignidade
real” (16.28). Há intérpretes que creem que, por meio da transfiguração registrada
no capítulo 17, as palavras que surgem no final do capítulo 16 começam a cumprir-
se. Seja como for, segundo 17.1–13, seis dias depois da gloriosa profissão de fé
em Jesus pronunciada por Pedro, na qual reconhecia Jesus como o Messias, este
toma a Pedro, Tiago e João e os leva a um monte alto, para que depois da
ressurreição de Cristo (ver 17.9) os três pudessem testificar das coisas que então
estavam para ver e ouvir. Enquanto está no monte, Jesus se transfigura diante dos
olhos deles, de tal sorte que seu rosto resplandece como o sol e suas vestes se
tornam em extremo radiantes com uma luz ofuscante. Repentinamente, também
aparecem Moisés e Elias rodeados de esplendor celestial – provavelmente o
primeiro como representante da lei e o segundo, dos profetas. Passam a falar com
Jesus acerca da partida que, em cumprimento da lei e da profecia, ele consumará
em Jerusalém (Lc 9.31). O impulsivo Pedro, não sabendo o que dizia, sugere que
ele lhe permita fazer três abrigos: um para Jesus, um para Moisés e um para Elias.
Subitamente uma nuvem de luz difusa cobre Jesus, Moisés e Elias. Como se deu
anteriormente no batismo, assim também agora ouvem uma voz que diz: “Este é
meu Filho, o Amado, em quem tenho prazer; ouvi-o”. Os discípulos amedrontados
caem sobre seu rosto, mas, pelo toque de Cristo, são libertados de seu medo e à
sua ordem eles se levantam. Ao erguerem seus olhos, a ninguém mais veem senão
unicamente Jesus. Durante a descida do monte Jesus esclarece o mistério sobre
João Batista ser Elias, cuja vinda, em cumprimento da profecia, precedeu ao próprio
Cristo.
Que contraste (v. 14–20) entre a glória no cume do monte e a miséria, vergonha
e confusão embaixo! Uma vez chegados ao vale, Jesus e os três são abordados
por um pai frenético cujo filho único, endemoninhado e epilético, os nove discípulos,
em razão de sua falta de fé e oração perseverantes, não puderam curar.
Provavelmente se deliciando com malícia desse fracasso, os escribas se põem a
discutir com os nove (Mc 9.14). Uma multidão de curiosos está observando. “Ó
geração incrédula e perversa, por quanto tempo os suportarei”?, exclama Jesus.
Ele acrescenta: “Tragam-no aqui a mim”, e no mesmo instante cura o jovem. O
Mestre, então, explica a seus discípulos a razão por que fracassaram,
acrescentando que se sua fé fosse como uma semente de mostarda, seriam
capazes de realizar qualquer tarefa que lhes fosse designada.
Os versículos 22 e 23 contêm a segunda e clara predição concernente à paixão
e ressurreição que eram iminentes, pondo ênfase na certeza e no caráter
humilhante dos padecimentos que o aguardavam.
Jesus e seus discípulos estiveram afastados de Cafarnaum – um centro de
recolhimento de impostos – por muito tempo. Por isso o imposto do templo não
havia ainda sido pago. “Seu mestre não paga as duas dracmas”? Foi a pergunta
formulada a Pedro pelo coletor desse impostos. Pedro responde: “Sim, paga”.
Quando Pedro está para falar com Jesus sobre o que aconteceu, este fala primeiro
e mostra que já sabia. Ele também mostra onde poderia ser obtido o dinheiro do
imposto, por ele e por Pedro, isto é, na boca do primeiro peixe que Pedro, mandado
a ir até o mar, apanhasse. Para a luz que os versículos 24–27 lançam sobre Jesus,
ver acima, Mt. 17.26,27.1

COMENTARIO DO MACDONALD

Pedro e o Mestre pagam imposto (17:24–27)


17:24–25 Em Cafarnaum, os cobradores do imposto do templo perguntaram a
Pedro se o Mestre pagava as duas dracmas usadas para a manutenção valiosa do
templo. Pedro respondeu “Sim”. Talvez o discípulo desorientado quisesse salvar
Cristo de uma situação embaraçosa.
A onisciência do Senhor é vista no que se seguiu. Quando Pedro voltou para
casa, Jesus falou com ele primeiro — antes de Pedro ter uma oportunidade de
contar o que aconteceu. Simão, que te parece? De quem cobram os reis da terra
impostos ou tributo; dos seus filhos, ou dos estranhos? A pergunta deve ser
entendida à luz daqueles dias. Um governante cobrava impostos dos seus súditos
para a manutenção do seu reino e da sua família, mas ele não cobrava impostos da
própria família. Geralmente, debaixo dos sistemas de governo das democracias
ocidentais, todo mundo paga impostos, incluindo o governante e sua casa.
17:26 Pedro respondeu corretamente que os governantes cobravam tributos
dos estranhos. Assim, Jesus disse que os filhos são livres. A questão era que o
templo era a casa de Deus. Para Jesus, o Filho de Deus, pagar tributo para a
manutenção desse templo seria equivalente a pagar tributo a si mesmo.
17:27 Porém, antes de causar ofensa desnecessária, o Senhor concordou em
pagar o tributo. Mas o que ele poderia usar como dinheiro? Nunca é registrado que
Jesus pessoalmente carregava dinheiro. Ele enviou Pedro ao mar da Galileia e
instruiu-o a tirar o primeiro peixe que fisgasse. Na boca daquele peixe se achou um
dinheiro, ou estáter, que Pedro usou para pagar o tributo — metade para ele e a
outra para o Senhor.
Esse milagre admirável, narrado de forma bem metódica, demonstra claramente
a onisciência de Cristo. Ele sabia qual de todos os peixes no mar da Galileia tinha
um estáter na boca. Ele sabia a localização daquele peixe. E ele sabia que seria o
primeiro peixe que Pedro fisgaria.

1
William Hendriksen, Mateus, trans. Valter Graciano Martins, 2a edição em português., vol. 2,
Comentário do Novo Testamento (Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010), 214–218.
Se qualquer princípio divino fosse envolvido, Jesus não teria feito o pagamento.
Era um assunto de indiferença moral para ele, e ele estava pronto a pagar antes de
ofender. Nós, como cristãos, somos livres da lei. Todavia, em assuntos que não se
referem à moral, deveríamos respeitar a consciência dos outros, e não fazer coisa
alguma que pudesse causar ofensa.2

COMENTÁRIO DO FRITZ

5. O imposto do templo, 17:24–27


Tendo eles chegado a Cafarnaum, dirigiram-se a Pedro os que
cobravam o imposto das duas dracmas e perguntaram: Não paga o
vosso Mestre as duas dracmas?
25 Sim, respondeu ele. Ao entrar Pedro em casa, Jesus se lhe
antecipou, dizendo: Simão, que te parece? De quem cobram os reis
da terra impostos ou tributo: dos seus filhos ou dos estranhos?
26 Respondendo Pedro: Dos estranhos. Jesus lhe disse: Logo, estão
isentos os filhos.
Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o
primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um
estáter. Toma-o e entrega-lhes por mim e por ti.

O imposto do templo significava para cada israelita um valor aproximado


de duas ovelhas. Eram obrigados a pagar esse imposto do templo todos os
judeus homens a partir dos 20 anos de idade, independente de residirem na
Palestina ou no exterior. Somente os sacerdotes reivindicavam estarem
isentos desse imposto. O recolhimento do imposto acontecia na Palestina
meio mês antes da festa da Páscoa.
As quantias de impostos recolhidos eram depositadas no tesouro do
templo. Em três datas específicas elas eram retiradas e utilizadas para fins
cultuais.
Os sacerdotes justificavam sua reivindicação de isenção com base em Lv
6:16. Jesus também reivindicava para si essa liberdade, mas a partir de um
ponto de vista bem diferente. Ele se sente como o Filho do Pai, ao qual
pertence o templo. Com isso Jesus atribui a si uma posição diante de Deus
que não cabe a nenhum outro israelita. Jesus afirma: Assim como o próprio
Filho é livre do imposto do templo, assim também os filhos. Assim como os
filhos dos reis estão livres dos impostos que seus pais exigem e recolhem
dos estranhos, i. é, dos súditos e dos povos que eles subordinaram – assim
estão livres do imposto do templo, não apenas Jesus como Filho, mas
também os filhos do rei dos céus, cuja cidade é Jerusalém. Jesus se une
2
William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. (São Paulo: Mundo
Cristão, 2011), 69–70.
com seus discípulos enquanto filhos, à semelhança de como a filiação dos
discípulos está ligada à condição de Filho de Jesus em Mt 5:9,16,45,48.
De acordo com essa afirmação, Jesus, o Filho de Deus, e Pedro, o “irmão
do Filho de Deus” (Mt 12:49s; 13:43), estão livres do imposto do templo. O
templo, por sua vez, é a casa do grande Rei, que é Deus, o Pai nos céus.
Numa concomitância direta com essa liberdade de Jesus, encontramos
sua submissão voluntária à lei e ao templo. Por isso Jesus paga também o
imposto do templo. Para duas pessoas ela perfaz quatro dracmas, i. é, um
estáter. É o imposto do templo para Jesus e Pedro (cf. Schniewind, NTD, p.
195).
Portanto, para evitar qualquer atrito, Jesus paga o imposto do templo.
“Deus, que enviou seu Filho e o submeteu à lei, em última análise paga
pessoalmente o preço exigido pela lei, realizando um milagre” (K. L.
Schmidt).
É dessa maneira que o Senhor liquida o assunto do imposto, antes de
dirigir-se pela última vez a Jerusalém. Lá purificará o templo e mostrará ao
Sinédrio quem é verdadeiramente o Filho do templo de Deus.
Mais do que isso. Jesus entregará o sagrado imposto por cabeça assim
como nenhum outro poderá entregá-lo no céu e na terra. Pagará literalmente
com sua cabeça, i. é, renderá sua vida como resgate de muitos, a fim de
realizar uma redenção eterna.
“Com que maestria Jesus elucida o nexo entre promessa e realização, ao
pagar justamente agora, antes da partida para Jerusalém, mais uma vez o
imposto do templo. Seguramente poderia ter-se dispensado dele com
maiores direitos que os sacerdotes, que diziam: Comemos dos pães da
proposição no templo, por isso não precisamos pagar uma contribuição ao
templo. Ele poderia ter dito: Eu sou o grande sacrifício de reconciliação, do
qual todos os demais sacrifícios no templo são apenas sombra. Que mais eu
deveria pagar por isso? Contudo, ele não fala assim. Deposita para si e Pedro
as quatro dracmas” (cf. Vischer, p. 53–55).3

COMENTARIO DO HERNANDES DIAS LOPES

Em quarto lugar, a espiritualidade de Jesus é marcada por profunda humildade


(17.24–27). Jesus e seus discípulos regressam agora aos domínios de Herodes
Antipas. Marcos diz que esse retorno é secreto (Mc 9.30), e eles visitam Cafarnaum
pela última vez. Logo que chegam, Pedro é inquirido por aqueles que cobravam o
imposto sobre se Jesus também pagava impostos.
Aqui está um grande paradoxo: o Rei dos reis, o criador do universo, era tão
pobre que não tinha duas dracmas para pagar o imposto anual do templo. O milagre
registrado aqui, segundo Warren Wiersbe, tem seis características: 1) É registrado

3
Fritz Rienecker, Comentário Esperança, Evangelho de Mateus (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 1998), 309–310.
apenas por Mateus, um cobrador de impostos. Jesus deixa claro que os reis
humanos não cobram impostos de seus filhos e ele, sendo o filho de Deus, estaria
isento desse imposto, pois o templo era a casa de seu Pai; contudo, para não
produzir escândalo, ele paga o imposto. 2) É o único milagre que Jesus realizou
para suprir suas próprias necessidades. Jesus fez de um peixe o seu tesoureiro. O
milagre foi realizado para evitar o escândalo. Jesus não queria que as pessoas se
ofendessem vendo um judeu deixando de contribuir para o templo. John Charles
Ryle diz que se oculta uma profunda sabedoria nas palavras … para que não os
escandalizemos (17.27). Elas nos ensinam, com toda a clareza, que existem
questões acerca das quais o povo de Cristo deveria abafar as suas próprias
opiniões. Dos direitos de Deus, jamais deveríamos desistir; mas dos nossos
próprios direitos, ocasionalmente, podemos desistir, com real proveito. 3) É o único
milagre envolvendo dinheiro. O imposto em questão havia sido instituído no tempo
de Moisés (Êx 30.11ss). 4) É o único milagre em que Jesus usou apenas um peixe.
Pedro já havia feito uma pesca milagrosa (Lc 5.1–11) e faria outra (Jo 21.6). Nesse
caso, porém, apenas um peixe foi usado. Jesus conhece e controla os detalhes. 5)
É um milagre realizado em favor de Pedro. Jesus já havia curado a sogra de Pedro,
ajudou-o numa pescaria milagrosa, permitiu que ele andasse sobre as águas, curou
a orelha de Malco e livrou Pedro da prisão. Não é de admirar que Pedro tenha
escrito: Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós
(1Pe 5.7). 6) É o único milagre cujo resultado não se encontra registrado. O que
depreendemos é que Pedro foi, pescou o peixe, encontrou a moeda e pagou o
imposto.
William Hendriksen está correto quando diz que esse relato indica o penetrante
conhecimento de Cristo (17.25a), a consciência de sua filiação divina (17.25b), sua
consideração pelos demais (17.27a), sua autoridade mesmo sobre o mar e seus
habitantes (17.27b) e sua generosidade (17.27c).
Em quinto lugar, a espiritualidade de Jesus é marcada por poder para desbaratar
as obras do diabo (17.17,18; Mc 9.25–27). O ministério de Jesus foi comprometido
com a libertação dos cativos (Lc 4.18; At 10.38). Ao mesmo tempo que ele é o
libertador dos homens, é o flagelador dos demônios. Jesus expulsou a casta de
demônios do menino endemoninhado, dizendo: Sai […] e nunca mais tornes a ele
(Mc 9.25). O poder de Jesus é absoluto e irresistível. Os demônios bateram em
retirada, o menino foi liberto, devolvido ao seu pai, e todos ficaram maravilhados
ante a majestade de Deus (Lc 9.43). Charles Spurgeon diz, com razão, que basta
uma palavra de Cristo, e Satanás foge. Marcos, o evangelista, chama esse espírito
maligno de “mudo e surdo”, mas ele ouviu a Jesus e respondeu à sua voz com um
grande grito; agitando-o com violência, saiu para nunca mais voltar.
Para Jesus, não há causa perdida nem vida irrecuperável. Ele veio libertar os
4
cativos!

4
Hernandes Dias Lopes, Mateus: Jesus, o Rei dos Reis, 1a edição., Comentários Expositivos Hagnos
(São Paulo: Hagnos, 2019), 542–547.
COMENTARIO ITAMIR NEVES

A glória de Jesus revelada na sua submissão à Lei (v. 24–27)


Nos versos 24 a 27, finalizando o capítulo, encontramos um episódio bem
interessante que demonstrou mais uma vez que a glória terrena de Jesus foi a
humilhação. Os que cobravam impostos para o templo (Êx 30.13), ao chegarem a
Cafarnaum, foram até Pedro perguntando se ele e Jesus não pagariam os impostos
devidos. Pedro, querendo defender Jesus, respondeu afirmativamente. Mas depois,
ao entrar em casa, Jesus propôs-lhe uma reflexão. Jesus mostrou que sendo Ele o
Cristo, o Filho de Deus, e sendo Pedro um dos seus discípulos, eles desfrutavam
de um relacionamento especial com Deus e, portanto, estavam liberados das
obrigações impostas pela lei (26). Eles não eram estranhos ao rei!
Mas Jesus mostrou também que estava disposto a cumprir as exigências da lei
para não dar mau testemunho e causar polêmicas (v. 27). Demonstrando que a
liberdade que tinha não o impedia de agir em favor dos outros, demonstrou-se
voluntariamente submisso à Lei. E para demonstrar mais uma vez o seu poder
realizando um milagre, pediu que Pedro pescasse um peixe e dali tirasse o dinheiro
devido e assim pagasse o imposto. Simbolicamente, encaminhando-se para a cruz,
Jesus pagou o que a Lei exigia.
Você percebe que o bom testemunho sempre é o melhor caminho para
anunciarmos o evangelho? Conte sempre com Cristo, pois Ele nos orienta sobre a
melhor forma de sermos instrumentos úteis em Suas próprias mãos.5

COMENTARIO DO J. C. RAYLE

O peixe e a moeda do tributo


Leia Mateus 17.22–27

Nesses versículos, transparece certa circunstância, dentro da vida de nosso


Senhor, que não foi narrada por qualquer dos demais evangelistas, além de Mateus.
Um milagre notável foi efetuado, a fim de providenciar o necessário para o
pagamento do dinheiro do tributo, requerido para a manutenção do templo de
Jerusalém. Nessa narrativa, existem três pontos que se destacam e, portanto,
merecem nossa atenta observação.

5
Itamir Neves e John Vernon McGee, Comentário Bíblico de Mateus: Através da Bíblia, ed.
Walkyria Freitas, Segunda edição., Série Através da Bíblia (São Paulo, SP: Rádio Trans Mundial,
2012), 147–148.
Em primeiro lugar, observemos que nosso Senhor tinha perfeito conhecimento
de tudo que é dito e feito neste mundo. Lemos ali que aqueles que “cobravam o
imposto das duas dracmas” dirigiram-se a Pedro e lhe perguntaram: “Não paga o
vosso Mestre as duas dracmas?”. E a resposta dada por Pedro foi a afirmativa:
“Sim”. É evidente que nosso Senhor não estava presente quando essa pergunta foi
formulada e essa resposta foi dada. No entanto, nem bem Pedro chegou àquela
casa, e o Senhor lhe foi logo perguntando: “Simão, que te parece? De quem cobram
os reis da terra imposto ou tributo; dos seus filhos, ou dos estranhos?”. Dessa
maneira, pois, Jesus mostrou a Pedro que sabia da conversa que esse apóstolo
tivera com aqueles homens, como se ele estivesse nas imediações, escutando tudo.
Existe algo de indescritível solenidade na ideia de que o Senhor Jesus sabe de
todas as coisas. Há um par de olhos que acompanha toda a nossa conduta diária.
Há alguém que escuta todas as palavras que dizemos a cada dia. Todas as coisas
estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem teremos de prestar contas.
É simplesmente impossível nos ocultarmos dele. A hipocrisia é perfeitamente inútil.
Podemos enganar os pregadores. Podemos fingir diante de nossos parentes e
vizinhos. O Senhor, no entanto, vê todas as coisas com clareza. Não podemos
enganar a Cristo. Deveríamos fazer um esforço para usar essa verdade de modo
prático.
Deveríamos esforçar-nos para viver como que diante dos olhos do Senhor,
conforme recomendado a Abraão: “anda na minha presença” (Gn 17.1). Que nosso
alvo diário seja nada dizer que não gostaríamos que Cristo ouvisse, e nada fazer
que não gostaríamos que Cristo visse! De igual modo, deveríamos medir cada
questão difícil, sobre o que é certo ou errado, mediante um teste simples: Como eu
me comportaria se Jesus estivesse de pé, ao meu lado? Um padrão assim não é
extravagante nem absurdo. Também não é uma norma capaz de interferir em
qualquer dever ou relacionamento em nossa vida. Interfere exclusivamente com o
pecado. Feliz é aquele que procura sentir a presença de seu Senhor, fazendo e
dizendo todas as coisas como se estivesse na presença dele.
Observemos ainda que nosso Senhor exerce seu infinito poder sobre toda a
Criação. Jesus fez de um peixe seu tesoureiro. Fez uma criatura muda trazer o
dinheiro do imposto, para satisfazer às exigências do coletor. Com toda a razão,
pois, Jerônimo comentou: “Não sei o que mais admirar aqui, se a presciência de
nosso Senhor ou se a sua grandeza”.
Deparamos aqui com o cumprimento literal das palavras do salmista: “Deste-lhe
domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste […] as aves
do céu e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares” (Sl 8.6–8).
Temos aqui uma prova, dentre muitas outras, da majestade e da grandeza de
nosso Senhor Jesus Cristo. Somente ele, que foi o Criador de todas as coisas,
poderia exigir a obediência de todas as suas criaturas. “Tudo foi criado por meio
dele e para ele […] nele tudo subsiste” (Cl 1.16–17). O crente que parte para realizar
a obra de Cristo entre os incrédulos pode entregar-se, com toda a confiança, aos
cuidados de seu Senhor. Porquanto estará servindo àquele que detém toda a
autoridade, até mesmo sobre as feras da terra. Quão maravilhoso é o pensamento
que esse Senhor Todo-Poderoso tenha condescendido em ser crucificado, a fim de
salvar-nos! Quão consolador é o pensamento que, quando ele vier ao mundo, pela
segunda vez, haverá de manifestar gloriosamente seu poder sobre todas as coisas
criadas, no mundo inteiro! “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá
palha como o boi; pó será a comida da serpente” (Is 65.25).
Por último, observemos, nesses versículos, a disposição de nosso Senhor em
fazer concessões, por não querer escandalizar ninguém. Com toda a razão, Jesus
poderia ter reivindicado isenção do pagamento do dinheiro do tributo. Aquele que é
o próprio Filho de Deus com toda a justiça poderia ser dispensado de pagar pela
manutenção da casa de seu Pai. Aquele que se mostrou “maior que o templo”
poderia ser reconhecido como quem não precisava contribuir para o sustento do
templo. Nosso Senhor, entretanto, não fez nada disso. Não reivindicou isenção.
Pelo contrário, demonstrou que desejava que Pedro pagasse o dinheiro que fora
cobrado. Ao mesmo tempo, porém, Jesus declarou seus motivos. Isso deveria ser
feito “para que não os escandalizemos”. A esse respeito, o bispo Hall comentou:
“Foi efetuado um milagre, a fim de que nem mesmo um coletor de impostos ficasse
escandalizado”.
Nesse incidente, o exemplo dado por nosso Senhor merece toda a atenção da
parte daqueles que se professam e se chamam cristãos. Oculta-se uma profunda
sabedoria naquelas cinco palavras: “para que não os escandalizemos”. Elas nos
ensinam, com toda a clareza, que existem questões acerca das quais o povo de
Cristo deveria abafar as próprias opiniões, submetendo-se a requisitos que talvez
não aprovem plenamente, somente por não quererem escandalizar a ninguém, nem
“pôr tropeço diante do evangelho de Cristo”. Dos direitos de Deus, é indubitável,
jamais deveríamos desistir; mas, de nossos próprios direitos, ocasionalmente
podemos desistir deles, com real proveito. Talvez soe correto e pareça heroico
estarmos continuamente a defender, com tenacidade, nossos direitos. Porém,
diante de uma passagem bíblica como a que temos diante de nós, bem poderíamos
duvidar se tal tenacidade sempre é sábia e se reflete a mente de Cristo. Há ocasiões
em que o crente demonstra maior graça submetendo-se do que oferecendo
resistência.
Lembremo-nos dessa passagem na qualidade de cidadãos e patriotas. Talvez
não aprovemos todas as medidas políticas adotadas por nossos governantes.
Talvez discordemos de alguns dos impostos que eles determinam. Mas, após tudo
isso, a grande indagação é: “Redundará em qualquer benefício para a causa da
religião cristã se eu resistir às autoridades constituídas? As medidas decretadas por
elas realmente estão prejudicando o bem-estar da minha alma?”. Em caso negativo,
fiquemos tranquilos, “para que não os escandalizemos”.
Também devemos recordar esse trecho bíblico na qualidade de membros da
Igreja de Cristo. Talvez não gostemos de tudo que ocorre nas cerimônias e nos ritos
do grupo evangélico a que pertencemos. Talvez pensemos que aqueles que nos
governam quanto às questões espirituais nem sempre se mostram sábios. Mas, em
última análise, os pontos sobre os quais nos sentimos insatisfeitos são, realmente,
de importância vital? Alguma das grandes verdades do evangelho está sendo
ameaçada? Em caso contrário, fiquemos quietos, “para que não os
escandalizemos”.
Lembremo-nos também dessa passagem na qualidade de membros que fazem
parte de uma sociedade. Dentro do círculo social ao qual pertencemos, talvez
existam regras e normas que nós, como crentes que somos, entendemos como
cansativas, inúteis e sem proveito. Contudo, essas questões são fundamentais?
Elas prejudicam nossas almas? A causa da religião cristã seria beneficiada de
alguma maneira se nos recusássemos a anuir diante de tais imposições? Em caso
contrário, sujeitemo-nos pacientemente a tais coisas, “para que não os
escandalizemos”.
Teria sido muito bom, para a igreja e para o mundo, se essas cinco palavras
proferidas por nosso Senhor fossem estudadas com mais afinco, ponderadas e
postas em prática! Quem é capaz de calcular o dano que tem sido feito contra a
causa do evangelho por aqueles escrúpulos mórbidos e por aquilo que muitos
chamam de consciência? Faríamos muito bem em relembrar o exemplo que o
grande apóstolo dos gentios nos deixou: “antes, suportamos tudo, para não
criarmos qualquer obstáculo ao evangelho de Cristo” (1Co 9.12).6

6
J. C. Ryle, Meditações no Evangelho de Mateus, ed. Tiago J. Santos Filho, 2a Edição. (São José dos
Campos, SP: Editora FIEL, 2018), 203–206.

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