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Sumário do capítulo 17
“Eu solenemente lhes declaro que alguns que aqui se encontram de maneira
alguma provarão a morte até que vejam o Filho do homem vindo em sua dignidade
real” (16.28). Há intérpretes que creem que, por meio da transfiguração registrada
no capítulo 17, as palavras que surgem no final do capítulo 16 começam a cumprir-
se. Seja como for, segundo 17.1–13, seis dias depois da gloriosa profissão de fé
em Jesus pronunciada por Pedro, na qual reconhecia Jesus como o Messias, este
toma a Pedro, Tiago e João e os leva a um monte alto, para que depois da
ressurreição de Cristo (ver 17.9) os três pudessem testificar das coisas que então
estavam para ver e ouvir. Enquanto está no monte, Jesus se transfigura diante dos
olhos deles, de tal sorte que seu rosto resplandece como o sol e suas vestes se
tornam em extremo radiantes com uma luz ofuscante. Repentinamente, também
aparecem Moisés e Elias rodeados de esplendor celestial – provavelmente o
primeiro como representante da lei e o segundo, dos profetas. Passam a falar com
Jesus acerca da partida que, em cumprimento da lei e da profecia, ele consumará
em Jerusalém (Lc 9.31). O impulsivo Pedro, não sabendo o que dizia, sugere que
ele lhe permita fazer três abrigos: um para Jesus, um para Moisés e um para Elias.
Subitamente uma nuvem de luz difusa cobre Jesus, Moisés e Elias. Como se deu
anteriormente no batismo, assim também agora ouvem uma voz que diz: “Este é
meu Filho, o Amado, em quem tenho prazer; ouvi-o”. Os discípulos amedrontados
caem sobre seu rosto, mas, pelo toque de Cristo, são libertados de seu medo e à
sua ordem eles se levantam. Ao erguerem seus olhos, a ninguém mais veem senão
unicamente Jesus. Durante a descida do monte Jesus esclarece o mistério sobre
João Batista ser Elias, cuja vinda, em cumprimento da profecia, precedeu ao próprio
Cristo.
Que contraste (v. 14–20) entre a glória no cume do monte e a miséria, vergonha
e confusão embaixo! Uma vez chegados ao vale, Jesus e os três são abordados
por um pai frenético cujo filho único, endemoninhado e epilético, os nove discípulos,
em razão de sua falta de fé e oração perseverantes, não puderam curar.
Provavelmente se deliciando com malícia desse fracasso, os escribas se põem a
discutir com os nove (Mc 9.14). Uma multidão de curiosos está observando. “Ó
geração incrédula e perversa, por quanto tempo os suportarei”?, exclama Jesus.
Ele acrescenta: “Tragam-no aqui a mim”, e no mesmo instante cura o jovem. O
Mestre, então, explica a seus discípulos a razão por que fracassaram,
acrescentando que se sua fé fosse como uma semente de mostarda, seriam
capazes de realizar qualquer tarefa que lhes fosse designada.
Os versículos 22 e 23 contêm a segunda e clara predição concernente à paixão
e ressurreição que eram iminentes, pondo ênfase na certeza e no caráter
humilhante dos padecimentos que o aguardavam.
Jesus e seus discípulos estiveram afastados de Cafarnaum – um centro de
recolhimento de impostos – por muito tempo. Por isso o imposto do templo não
havia ainda sido pago. “Seu mestre não paga as duas dracmas”? Foi a pergunta
formulada a Pedro pelo coletor desse impostos. Pedro responde: “Sim, paga”.
Quando Pedro está para falar com Jesus sobre o que aconteceu, este fala primeiro
e mostra que já sabia. Ele também mostra onde poderia ser obtido o dinheiro do
imposto, por ele e por Pedro, isto é, na boca do primeiro peixe que Pedro, mandado
a ir até o mar, apanhasse. Para a luz que os versículos 24–27 lançam sobre Jesus,
ver acima, Mt. 17.26,27.1
COMENTARIO DO MACDONALD
1
William Hendriksen, Mateus, trans. Valter Graciano Martins, 2a edição em português., vol. 2,
Comentário do Novo Testamento (Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010), 214–218.
Se qualquer princípio divino fosse envolvido, Jesus não teria feito o pagamento.
Era um assunto de indiferença moral para ele, e ele estava pronto a pagar antes de
ofender. Nós, como cristãos, somos livres da lei. Todavia, em assuntos que não se
referem à moral, deveríamos respeitar a consciência dos outros, e não fazer coisa
alguma que pudesse causar ofensa.2
COMENTÁRIO DO FRITZ
3
Fritz Rienecker, Comentário Esperança, Evangelho de Mateus (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 1998), 309–310.
apenas por Mateus, um cobrador de impostos. Jesus deixa claro que os reis
humanos não cobram impostos de seus filhos e ele, sendo o filho de Deus, estaria
isento desse imposto, pois o templo era a casa de seu Pai; contudo, para não
produzir escândalo, ele paga o imposto. 2) É o único milagre que Jesus realizou
para suprir suas próprias necessidades. Jesus fez de um peixe o seu tesoureiro. O
milagre foi realizado para evitar o escândalo. Jesus não queria que as pessoas se
ofendessem vendo um judeu deixando de contribuir para o templo. John Charles
Ryle diz que se oculta uma profunda sabedoria nas palavras … para que não os
escandalizemos (17.27). Elas nos ensinam, com toda a clareza, que existem
questões acerca das quais o povo de Cristo deveria abafar as suas próprias
opiniões. Dos direitos de Deus, jamais deveríamos desistir; mas dos nossos
próprios direitos, ocasionalmente, podemos desistir, com real proveito. 3) É o único
milagre envolvendo dinheiro. O imposto em questão havia sido instituído no tempo
de Moisés (Êx 30.11ss). 4) É o único milagre em que Jesus usou apenas um peixe.
Pedro já havia feito uma pesca milagrosa (Lc 5.1–11) e faria outra (Jo 21.6). Nesse
caso, porém, apenas um peixe foi usado. Jesus conhece e controla os detalhes. 5)
É um milagre realizado em favor de Pedro. Jesus já havia curado a sogra de Pedro,
ajudou-o numa pescaria milagrosa, permitiu que ele andasse sobre as águas, curou
a orelha de Malco e livrou Pedro da prisão. Não é de admirar que Pedro tenha
escrito: Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós
(1Pe 5.7). 6) É o único milagre cujo resultado não se encontra registrado. O que
depreendemos é que Pedro foi, pescou o peixe, encontrou a moeda e pagou o
imposto.
William Hendriksen está correto quando diz que esse relato indica o penetrante
conhecimento de Cristo (17.25a), a consciência de sua filiação divina (17.25b), sua
consideração pelos demais (17.27a), sua autoridade mesmo sobre o mar e seus
habitantes (17.27b) e sua generosidade (17.27c).
Em quinto lugar, a espiritualidade de Jesus é marcada por poder para desbaratar
as obras do diabo (17.17,18; Mc 9.25–27). O ministério de Jesus foi comprometido
com a libertação dos cativos (Lc 4.18; At 10.38). Ao mesmo tempo que ele é o
libertador dos homens, é o flagelador dos demônios. Jesus expulsou a casta de
demônios do menino endemoninhado, dizendo: Sai […] e nunca mais tornes a ele
(Mc 9.25). O poder de Jesus é absoluto e irresistível. Os demônios bateram em
retirada, o menino foi liberto, devolvido ao seu pai, e todos ficaram maravilhados
ante a majestade de Deus (Lc 9.43). Charles Spurgeon diz, com razão, que basta
uma palavra de Cristo, e Satanás foge. Marcos, o evangelista, chama esse espírito
maligno de “mudo e surdo”, mas ele ouviu a Jesus e respondeu à sua voz com um
grande grito; agitando-o com violência, saiu para nunca mais voltar.
Para Jesus, não há causa perdida nem vida irrecuperável. Ele veio libertar os
4
cativos!
4
Hernandes Dias Lopes, Mateus: Jesus, o Rei dos Reis, 1a edição., Comentários Expositivos Hagnos
(São Paulo: Hagnos, 2019), 542–547.
COMENTARIO ITAMIR NEVES
COMENTARIO DO J. C. RAYLE
5
Itamir Neves e John Vernon McGee, Comentário Bíblico de Mateus: Através da Bíblia, ed.
Walkyria Freitas, Segunda edição., Série Através da Bíblia (São Paulo, SP: Rádio Trans Mundial,
2012), 147–148.
Em primeiro lugar, observemos que nosso Senhor tinha perfeito conhecimento
de tudo que é dito e feito neste mundo. Lemos ali que aqueles que “cobravam o
imposto das duas dracmas” dirigiram-se a Pedro e lhe perguntaram: “Não paga o
vosso Mestre as duas dracmas?”. E a resposta dada por Pedro foi a afirmativa:
“Sim”. É evidente que nosso Senhor não estava presente quando essa pergunta foi
formulada e essa resposta foi dada. No entanto, nem bem Pedro chegou àquela
casa, e o Senhor lhe foi logo perguntando: “Simão, que te parece? De quem cobram
os reis da terra imposto ou tributo; dos seus filhos, ou dos estranhos?”. Dessa
maneira, pois, Jesus mostrou a Pedro que sabia da conversa que esse apóstolo
tivera com aqueles homens, como se ele estivesse nas imediações, escutando tudo.
Existe algo de indescritível solenidade na ideia de que o Senhor Jesus sabe de
todas as coisas. Há um par de olhos que acompanha toda a nossa conduta diária.
Há alguém que escuta todas as palavras que dizemos a cada dia. Todas as coisas
estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem teremos de prestar contas.
É simplesmente impossível nos ocultarmos dele. A hipocrisia é perfeitamente inútil.
Podemos enganar os pregadores. Podemos fingir diante de nossos parentes e
vizinhos. O Senhor, no entanto, vê todas as coisas com clareza. Não podemos
enganar a Cristo. Deveríamos fazer um esforço para usar essa verdade de modo
prático.
Deveríamos esforçar-nos para viver como que diante dos olhos do Senhor,
conforme recomendado a Abraão: “anda na minha presença” (Gn 17.1). Que nosso
alvo diário seja nada dizer que não gostaríamos que Cristo ouvisse, e nada fazer
que não gostaríamos que Cristo visse! De igual modo, deveríamos medir cada
questão difícil, sobre o que é certo ou errado, mediante um teste simples: Como eu
me comportaria se Jesus estivesse de pé, ao meu lado? Um padrão assim não é
extravagante nem absurdo. Também não é uma norma capaz de interferir em
qualquer dever ou relacionamento em nossa vida. Interfere exclusivamente com o
pecado. Feliz é aquele que procura sentir a presença de seu Senhor, fazendo e
dizendo todas as coisas como se estivesse na presença dele.
Observemos ainda que nosso Senhor exerce seu infinito poder sobre toda a
Criação. Jesus fez de um peixe seu tesoureiro. Fez uma criatura muda trazer o
dinheiro do imposto, para satisfazer às exigências do coletor. Com toda a razão,
pois, Jerônimo comentou: “Não sei o que mais admirar aqui, se a presciência de
nosso Senhor ou se a sua grandeza”.
Deparamos aqui com o cumprimento literal das palavras do salmista: “Deste-lhe
domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste […] as aves
do céu e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares” (Sl 8.6–8).
Temos aqui uma prova, dentre muitas outras, da majestade e da grandeza de
nosso Senhor Jesus Cristo. Somente ele, que foi o Criador de todas as coisas,
poderia exigir a obediência de todas as suas criaturas. “Tudo foi criado por meio
dele e para ele […] nele tudo subsiste” (Cl 1.16–17). O crente que parte para realizar
a obra de Cristo entre os incrédulos pode entregar-se, com toda a confiança, aos
cuidados de seu Senhor. Porquanto estará servindo àquele que detém toda a
autoridade, até mesmo sobre as feras da terra. Quão maravilhoso é o pensamento
que esse Senhor Todo-Poderoso tenha condescendido em ser crucificado, a fim de
salvar-nos! Quão consolador é o pensamento que, quando ele vier ao mundo, pela
segunda vez, haverá de manifestar gloriosamente seu poder sobre todas as coisas
criadas, no mundo inteiro! “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá
palha como o boi; pó será a comida da serpente” (Is 65.25).
Por último, observemos, nesses versículos, a disposição de nosso Senhor em
fazer concessões, por não querer escandalizar ninguém. Com toda a razão, Jesus
poderia ter reivindicado isenção do pagamento do dinheiro do tributo. Aquele que é
o próprio Filho de Deus com toda a justiça poderia ser dispensado de pagar pela
manutenção da casa de seu Pai. Aquele que se mostrou “maior que o templo”
poderia ser reconhecido como quem não precisava contribuir para o sustento do
templo. Nosso Senhor, entretanto, não fez nada disso. Não reivindicou isenção.
Pelo contrário, demonstrou que desejava que Pedro pagasse o dinheiro que fora
cobrado. Ao mesmo tempo, porém, Jesus declarou seus motivos. Isso deveria ser
feito “para que não os escandalizemos”. A esse respeito, o bispo Hall comentou:
“Foi efetuado um milagre, a fim de que nem mesmo um coletor de impostos ficasse
escandalizado”.
Nesse incidente, o exemplo dado por nosso Senhor merece toda a atenção da
parte daqueles que se professam e se chamam cristãos. Oculta-se uma profunda
sabedoria naquelas cinco palavras: “para que não os escandalizemos”. Elas nos
ensinam, com toda a clareza, que existem questões acerca das quais o povo de
Cristo deveria abafar as próprias opiniões, submetendo-se a requisitos que talvez
não aprovem plenamente, somente por não quererem escandalizar a ninguém, nem
“pôr tropeço diante do evangelho de Cristo”. Dos direitos de Deus, é indubitável,
jamais deveríamos desistir; mas, de nossos próprios direitos, ocasionalmente
podemos desistir deles, com real proveito. Talvez soe correto e pareça heroico
estarmos continuamente a defender, com tenacidade, nossos direitos. Porém,
diante de uma passagem bíblica como a que temos diante de nós, bem poderíamos
duvidar se tal tenacidade sempre é sábia e se reflete a mente de Cristo. Há ocasiões
em que o crente demonstra maior graça submetendo-se do que oferecendo
resistência.
Lembremo-nos dessa passagem na qualidade de cidadãos e patriotas. Talvez
não aprovemos todas as medidas políticas adotadas por nossos governantes.
Talvez discordemos de alguns dos impostos que eles determinam. Mas, após tudo
isso, a grande indagação é: “Redundará em qualquer benefício para a causa da
religião cristã se eu resistir às autoridades constituídas? As medidas decretadas por
elas realmente estão prejudicando o bem-estar da minha alma?”. Em caso negativo,
fiquemos tranquilos, “para que não os escandalizemos”.
Também devemos recordar esse trecho bíblico na qualidade de membros da
Igreja de Cristo. Talvez não gostemos de tudo que ocorre nas cerimônias e nos ritos
do grupo evangélico a que pertencemos. Talvez pensemos que aqueles que nos
governam quanto às questões espirituais nem sempre se mostram sábios. Mas, em
última análise, os pontos sobre os quais nos sentimos insatisfeitos são, realmente,
de importância vital? Alguma das grandes verdades do evangelho está sendo
ameaçada? Em caso contrário, fiquemos quietos, “para que não os
escandalizemos”.
Lembremo-nos também dessa passagem na qualidade de membros que fazem
parte de uma sociedade. Dentro do círculo social ao qual pertencemos, talvez
existam regras e normas que nós, como crentes que somos, entendemos como
cansativas, inúteis e sem proveito. Contudo, essas questões são fundamentais?
Elas prejudicam nossas almas? A causa da religião cristã seria beneficiada de
alguma maneira se nos recusássemos a anuir diante de tais imposições? Em caso
contrário, sujeitemo-nos pacientemente a tais coisas, “para que não os
escandalizemos”.
Teria sido muito bom, para a igreja e para o mundo, se essas cinco palavras
proferidas por nosso Senhor fossem estudadas com mais afinco, ponderadas e
postas em prática! Quem é capaz de calcular o dano que tem sido feito contra a
causa do evangelho por aqueles escrúpulos mórbidos e por aquilo que muitos
chamam de consciência? Faríamos muito bem em relembrar o exemplo que o
grande apóstolo dos gentios nos deixou: “antes, suportamos tudo, para não
criarmos qualquer obstáculo ao evangelho de Cristo” (1Co 9.12).6
6
J. C. Ryle, Meditações no Evangelho de Mateus, ed. Tiago J. Santos Filho, 2a Edição. (São José dos
Campos, SP: Editora FIEL, 2018), 203–206.