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DESTE LIVRO:
EL-MASRI:
Isso nem faz sentido. Não é para a Estrela da
Manhã Eriana aterrissar mais. Era para os contêineres
estarem vindo no piloto automático. Fazem essas
coisas justamente para tirar os humanos da equação.
GANAS: Sabemos disso, Chen. Estávamos lá quando as
contêineres.
GANAS: Parece provável.
EL-MASRI: Não dá pra ter sido uma viagem divertida.
voltando.
SPURLEA: Estou aqui. Vou aplicar outra injeção, Malik, mas
você vai ter de esperar uns minutos. Preciso que
esteja lúcido para nossa conversa com o líder da nossa
colônia.
DAMANIS: É você?
nave?
DAMANIS: Tenho dezenove anos-padrão, senhor. Não, eu
estive numa outra nave antes, a Estrela Radiante. Faço
isso desde que completei meus vinte anos, em anos
erianos, que dá dezesseis anos-padrão. É a minha
primeira viagem na Estrela da Manhã, no entanto. Ou
era.
EL-MASRI: Era, você diz?
DAMANIS: Sim, senhor. Ela não está mais aqui, senhor.
armas de fogo?
DAMANIS: É uma espaçonave. Armas com balas não são
DAMANIS: Obrigado.
GANAS: Deixa eu pegar um pouco d’água para você.
DAMANIS: Tarde demais. Já engoli. Quanto tempo demora
até fazerem efeito?
GANAS: Esses eram os extrafortes, então não deve
demorar muito.
DAMANIS: Que bom. Minha perna dói muito. Acho que está
piorando.
SPURLEA: Deixe-me dar uma olhada.
DAMANIS: Ahhhhh...
Coloniais de Defesa?
DAMANIS: Acho que não. Não usavam uniformes das FCD.
DAMANIS: Obrigado.
SPURLEA: Qual era a sua condição física a essa altura,
Malik?
DAMANIS: Eu estava bem machucado. Tenho quase certeza
perguntas.
DAMANIS: Minha perna está doendo muito, senhor.
naquela direção?
SPURLEA: Magda?
GANAS: Enviamos cinco equipes e todas partiram em
disser.
SPURLEA: Certo.
SPURLEA: Claro.
DAMANIS: Quando terminamos, o grupo dos ilesos se reuniu
para discutir o que fazer. Alguns queriam encontrar a
colônia de vocês. Sabíamos que estava por aqui,
porque esse era o motivo de estarmos no seu planeta,
para começo de conversa, e que vocês não estariam
muito longe de onde aterrissamos. Mas nenhum dos
nossos tablets sobreviveu à queda e não
conseguíamos enviar mensagens, nem usá-los para
manter contato com quem começasse a vagar. A
maioria de nós queria construir um acampamento
melhor, nos instalar direito, encontrar água e alimento
antes de qualquer outra coisa. Eu disse que
deveríamos tirar os mortos do contêiner e trazer de
volta os vivos, porque assim pelo menos teríamos
abrigo. Teve um sujeito, Nadeem Davi, que começou a
discursar sobre considerarmos a possibilidade de usar
os mortos como alimento. Discutimos sobre isso por
tanto tempo que nem reparamos no que aconteceu
com a floresta.
EL-MASRI: O que aconteceu?
Magda”.
GANAS: A equipe do leste encontrou os contêineres com a
EL-MASRI: Veja por este lado: vai ser difícil piorar muito
além disso.
GANAS: Não comece a agourar.
GANAS: Certo.
SPURLEA: E desliga essa coisa. Seja lá o que eu for fazer,
não quero um registro disso em lugar algum além da
minha consciência.
[Fim da transcrição]
Hart Schmidt foi até o escritório temporário da
embaixadora Abumwe na Estação Fênix quando recebeu
um sinal, mas ela não estava lá. Schmidt sabia que a
embaixadora não estar na sala não seria uma desculpa
boa o suficiente para ele não se apresentar ao receber a
ordem, por isso pegou seu PDA e fez uma busca rápida
atrás da chefe. Três minutos depois, ele a encontrou e
abordou no observatório.
– Embaixadora – cumprimentou ele.
– Senhor Schmidt – respondeu a embaixadora, sem se
virar. Schmidt acompanhou o olhar dela até a janela que
ocupava toda a parede do observatório, de onde se via
uma nave avariada, pairando a uma pequena distância
da própria estação.
– A Clarke – disse Schmidt.
– Muito bem, Schmidt – respondeu Abumwe, num tom
de voz que o informava que, assim como muitas das
coisas que ele lhe dizia em seu papel enquanto
funcionário da equipe diplomática, não estava lhe
comunicando nada que ela já não soubesse.
Schmidt reagiu com um pigarro nervoso e involuntário.
– Eu encontrei com Neva Balla mais cedo hoje – disse
ele, mencionando a oficial executiva da Clarke. – Ela me
disse que as coisas estão feias para a nave. O dano
sofrido em nossa última missão foi bastante debilitante.
Seria quase tão caro de reparar quanto construir uma
nave nova. Ela acredita que vão simplesmente mandá-la
para o desmanche.
– E fazer o que com a tripulação? – perguntou
Abumwe.
– Não especificou – disse Schmidt. – Falou que a
tripulação vai continuar unida, pelo menos por ora. Há
uma chance de que a União Colonial apenas pegue uma
nova nave e designe a tripulação da Clarke para ela. É
capaz até mesmo de a rebatizarem como Clarke, se
forem desmanchar essa aqui. – Ele gesticulou na direção
da nave.
– Hmmmm – respondeu Abumwe, voltando ao seu
silêncio, enquanto encarava a Clarke.
Passaram-se mais alguns minutos desconfortáveis até
Schmidt pigarrear de novo.
– A senhora me chamou, embaixadora? – disse ele,
lembrando-a de sua presença.
– Você disse que a tripulação da Clarke não foi
designada para uma outra nave – disse Abumwe, como
se a conversa anterior não tivesse tido uma longa pausa.
– Ainda não – confirmou Schmidt.
– E, no entanto, a minha equipe foi – complementou
Abumwe, finalmente voltando o olhar para Schmidt. – A
maior parte dela, pelo menos. O Departamento de
Estado me garantiu que essas novas designações são
apenas temporárias, que precisam do meu pessoal para
tapar buracos em outras missões, porém, enquanto isso,
restaram duas pessoas. Eles me deixaram Hillary Drolet e
você. Eu sei o porquê de Hillary. Ela é minha assistente.
Não sei o porquê de terem optado por levar todos os
outros membros da minha equipe, designando alguma
tarefa presumivelmente importante, e deixarem você
sem nada.
– Não tenho uma boa resposta para isso, senhora – foi
a única coisa que Schmidt conseguiu dizer que não
pudesse colocar em risco toda sua carreira diplomática.
– Hmmmm – disse Abumwe de novo, voltando-se mais
uma vez para a Clarke.
Schmidt presumiu que essa fosse a deixa para sair e
começou a sair do observatório, e talvez pudesse se
servir um drinque bem forte no refeitório mais próximo,
quando Abumwe se pronunciou mais uma vez.
– Você está com o seu PDA? – perguntou.
– Sim, senhora – disse Schmidt.
– Dê uma olhada nele agora – disse Abumwe. – Temos
novas ordens.
Schmidt sacou o tablet do bolso do casaco e o abriu
arrastando o dedo na tela, onde leu as novas ordens que
piscavam em sua caixa de entrada.
– Estamos sendo enviados para negociar com os Bulas
– disse ele, enquanto lia.
– É o que parece – respondeu Abumwe. – A
embaixadora-adjunta Zala teve uma apendicite com
ruptura e precisou tirar uma licença. Em geral, o
protocolo determinaria que os seus assistentes
entrassem em cena para continuar as negociações, mas
a parte de Zala ainda não começou formalmente, e por
motivos de protocolo é importante que a União Colonial
tenha alguém com uma posição alta o bastante na
hierarquia para encabeçar essa parte do processo. Então,
cá estamos nós.
– Qual parte das negociações vamos assumir? –
perguntou Schmidt.
– Há um motivo para eu estar fazendo você ler as
ordens, Schmidt – disse Abumwe. Aquele tom de voz de
novo. Ela se virou para encará-lo mais uma vez.
– Perdão, senhora – falou Schmidt, apressadamente, e
gesticulou na direção do PDA. – Ainda não cheguei nessa
parte.
Abumwe fez uma careta, mas manteve para si
qualquer comentário que estivesse passando pela sua
cabeça.
– Acesso de comércio e turismo aos planetas dos Bulas
– disse ela, em vez disso. – Quantas naves, qual o
tamanho delas, quantos humanos na equipe de solo em
Bulati e seus planetas colonizados, e assim por diante.
– Já fizemos isso antes – disse Schmidt. – Não deve ser
um problema.
– Tem um porém que não consta nas suas ordens –
disse Abumwe. Schmidt tirou os olhos do PDA. – Existe um
planeta colonizado pelos Bulas chamado Wantji. Foi um
dos últimos tomados por eles antes de o Conclave avisar
que raças não afiliadas não poderiam colonizar mais
lugar nenhum. Eles não chegaram a colocar ninguém do
seu povo nesse planeta ainda porque não sabem como o
Conclave reagiria.
– E o que tem ele? – perguntou Schmidt.
– Três dias atrás, as FCD receberam um drone de salto
de Wantji com uma mensagem de emergência, um
pedido de socorro – respondeu Abumwe.
Por que é que os Bulas, em um planeta oficialmente
desabitado, mandariam um pedido de socorro às Forças
Coloniais de Defesa?, foi o que Schmidt quase perguntou,
mas se segurou. Percebeu que era o exato tipo de
pergunta que faria a embaixadora pensar que ele era
ainda mais idiota do que ela já acreditava que ele fosse.
Em vez disso, tentou matar a charada por conta própria.
Alguns segundos depois, a resposta lhe veio.
– Uma colônia clandestina – disse enfim.
– Sim – respondeu Abumwe. – Uma colônia clandestina
da qual os Bulas parecem não saber nada a respeito até
o momento.
– Não vamos contar para eles que a colônia está lá? –
perguntou Schmidt.
– Ainda não – respondeu Abumwe. – As FCD vão
mandar uma nave antes.
– Vamos mandar uma nave de guerra em território
bula para conferir uma colônia que nem sequer deveria
estar lá? – perguntou Schmidt, levemente incrédulo. –
Embaixadora, essa é uma péssima ideia...
– Claro que é uma péssima ideia – replicou Abumwe,
estourando em cima dele. – Pare de me informar o óbvio,
Schmidt.
– Perdão – disse Schmidt.
– Temos uma dupla função nessas negociações – disse
Abumwe. – Vamos negociar os direitos de comércio e
turismo e vamos conduzir as negociações bem devagar
para que a Tubingen consiga chegar a Wantji e retirar a
colônia, ou o que sobrou dela, do planeta.
– Sem contar aos Bulas – complementou Schmidt,
mantendo o tom de incredulidade na voz o mais
educadamente possível.
– A lógica é que, se os Bulas não estão cientes do fato
até agora, não há por que avisá-los – disse Abumwe. – E
se ficarem cientes, então os clandestinos precisarão ser
removidos antes que representem um problema
diplomático genuíno.
– Bem, enquanto eles ignorarem uma nave das FCD
fazendo hora em cima do planeta deles... – comentou
Schmidt.
– A ideia aqui é que a Tubingen já tenha ido embora
muito antes de perceberem que ela está lá – disse
Abumwe.
Schmidt se segurou para não dizer Ainda assim é uma
má ideia e optou por outra coisa em vez disso.
– Você disse que é a Tubingen que vai descer nesse
planeta colônia – falou.
– Sim – respondeu Abumwe. – O que tem ela?
Schmidt acessou seu tablet e fez uma busca na caixa
de entrada.
– Harry Wilson foi despachado para a Tubingen faz
alguns dias – disse ele, virando o tablet para a
embaixadora, a fim de lhe mostrar a mensagem que
Wilson havia lhe mandado. – O pelotão das FCD perdeu o
sujeito que cuida dos sistemas em Brindle. Harry entrou
no lugar dele para a missão atual. Que me parece ser
esta, não é?
– Mais um membro da minha equipe que me garfaram
– comentou Abumwe. – Aonde você quer chegar?
– O que eu quero dizer é que seria útil termos alguém
na equipe de solo – esclareceu Schmidt. – Você já sabe
que ferraram a gente, senhora. No mínimo do mínimo,
Harry pode nos dizer o quanto a gente se ferrou.
– Pedir para o seu amigo das FCD repassar informações
sobre uma missão militar em andamento é um belo jeito
de acabar fuzilado, Schmidt – disse Abumwe.
– Imagino que sim – respondeu Schmidt.
Sua resposta fez Abumwe ficar em silêncio por um
momento.
– Não acho que você deva correr o risco de ser
flagrado fazendo uma coisa dessas – disse ela, depois de
um tempo.
– Eu compreendo perfeitamente, senhora – disse
Schmidt, voltando-se para ir embora.
– Schmidt – chamou Abumwe.
– Sim, senhora – respondeu Schmidt.
– Você compreende que, em nossa conversa anterior,
eu deixei implícita a ideia de que o mantiveram comigo
porque você é, na maioria das vezes, inútil – comentou
Abumwe.
– Eu entendi isso, sim – disse Schmidt, um segundo
depois.
– Tenho certeza de que entendeu – disse Abumwe. –
Agora, prove que estou errada. – E então ela voltou seu
olhar para a Clarke.
Ih, rapaz, Harry, pensou Schmidt enquanto ia embora.
Espero que as coisas estejam sendo mais fáceis para
você do que para mim.
A nave de transporte da Tubingen atingiu a atmosfera
do planeta como uma rocha perfurando uma represa de
barro, dispersando calor e sacodindo o pelotão de
soldados das Forças de Defesa Coloniais lá dentro como
se fossem bolas de plástico em um chocalho de criança.
– Que bacana – comentou o tenente Harry Wilson, para
ninguém em particular, voltando depois sua atenção à
colega de patente, Heather Lee, comandante do pelotão.
– Engraçado como uma coisa como o ar pode ser tão
acidentado.
Lee deu de ombros.
– Temos cintos de segurança – disse ela. – E isso aqui
não é um evento social.
– Eu sei – disse Wilson, enquanto a nave de transporte
sacodia de novo. – Mas esta sempre foi a minha parte
menos favorita de qualquer missão. Além de... você
sabe. Aquilo tudo de atirar e matar e tomar tiro e talvez
ser devorado por alienígenas.
Lee não parecia nada impressionada com ele.
– Faz um tempo desde a última vez que você desceu,
tenente?
Wilson assentiu.
– Cumpri meu tempo de combate e depois fui
transferido para pesquisa e consultoria técnica para as
forças diplomáticas. Eles não mandam a gente descer
muito para isso. E as vezes que desci foram suaves e
tranquilas.
– Então considere que isso é um treinamento de
reciclagem – disse Lee. A nave estremeceu de novo.
Alguma coisa fez um rangido preocupante.
– Ah, o espaço – disse Wilson, afundando-se de novo
no assento. – Que fantástico.
– É sim fantástico, senhor – disse o soldado ao lado de
Lee. Wilson automaticamente mandou seu BrainPal
descobrir a identidade daquele homem e num instante
surgiu uma caixa de texto flutuando sobre a cabeça do
soldado para informar que estava conversando com o
cabo Albert Jefferson. Wilson olhou de volta para Lee, a
líder do pelotão, que flagrou seu olhar e mais uma vez
deu de ombros, num gesto infinitesimal, como quem diz
“Ele é novo aqui”.
– Foi uma tentativa de sarcasmo, soldado – disse
Wilson.
– Sei disso, senhor – respondeu Jefferson. – Mas eu falo
sério. O espaço é fantástico. Tudo isso. É maravilhoso.
– Bem, exceto pelo frio e pelo vácuo e a parte toda da
morte insuportável e em silêncio – disse Wilson.
– Morte? – disse Jefferson, sorrindo. – Com todo
respeito ao senhor, tenente, mas a morte mesmo está lá
em casa, na Terra. O senhor sabe o que eu fazia até três
meses atrás, senhor?
– Vivia uma vida de idoso, imagino – disse Wilson.
– Eu estava plugado a uma máquina de hemodiálise,
rezando para conseguir chegar ao meu 75º aniversário –
respondeu Jefferson. – Já havia conseguido um
transplante, mas não quiseram me dar outro porque
sabiam que eu ia embora mesmo. Era mais barato me
botar na hemodiálise. Quase não sobrevivi. Mas cheguei
aos meus 75, me alistei e, uma semana depois, BUM.
Corpo novo, vida nova, carreira nova. O espaço é
maravilhoso.
A nave de transporte atingiu algum tipo de bolsão de
ar, tombando antes que o piloto conseguisse alinhá-la de
novo.
– Tem o pequeno problema de talvez ter que matar
alguém – disse Wilson a Jefferson –, ou ser morto. Ou cair
do céu. Você é um soldado agora. Esses são perigos
ocupacionais.
– É uma troca justa – respondeu Jefferson.
– Será? – disse Wilson. – Primeira missão?
– Sim, senhor – respondeu Jefferson.
– Fico interessado em saber qual vai ser sua resposta
daqui a um ano – disse Wilson.
Jefferson abriu um sorriso.
– O senhor me parece ser do tipo “copo meio vazio”,
senhor – disse ele.
– Sou do tipo “copo meio vazio e cheio de veneno”, na
verdade – corrigiu Wilson.
– Sim, senhor – respondeu Jefferson.
Lee fez um aceno com a cabeça de repente,
direcionado não a Wilson, nem a Jefferson, mas a uma
mensagem que ela recebeu no BrainPal.
– Descendo em dois – disse ela. – Esquadras. – Os
soldados formaram grupos de quatro enquanto isso. –
Wilson. Você vem comigo.
Wilson assentiu.
– Sabe, eu fui um dos últimos que conseguiu sair,
senhor – disse Jefferson para Wilson, um minuto depois,
enquanto o transporte identificava o ponto de
aterrissagem.
– Sair de onde? – disse Wilson. Estava distraído,
repassando as especificações da missão no BrainPal.
– Sair da Terra – esclareceu Jefferson. – No dia que subi
o Pé-de-feijão em Nairóbi, aquele sujeito trouxe a frota
alienígena até a órbita terrestre. Deu um susto do
caramba em todo mundo. Achávamos que estávamos
sob ataque. Aí a frota começou a transmitir todo tipo de
coisa sobre a União Colonial.
– Você quer dizer, tipo, o fato de que ela manipula a
Terra socialmente há séculos para que continue sendo
uma fazenda de colonos e soldados? – disse Wilson.
Jefferson soltou um risinho baixo.
– Isso soa um pouco paranoico, não acha, senhor?
Acho que esse sujeito...
– John Perry – complementou Wilson.
– ... tem muito o que explicar quanto a como
conseguiu liderar toda uma frota alienígena, para
começo de conversa. Em todo caso, o meu transporte foi
um dos últimos a sair das docas da Terra. Houve mais um
ou dois, mas depois disso me disseram que a Terra parou
de mandar soldados e colonos. Querem renegociar a
relação com a União Colonial, pelo que ouvi.
– Não parece nada absurdo, quando se pensa bem –
disse Wilson.
A nave de transporte pousou com um baque surdo e
se acomodou no solo.
– Só o que sei, senhor, é que fico contente que esse tal
de Perry tenha esperado até eu ir embora – disse
Jefferson. – Do contrário, ainda estaria velho, sem meus
rins e provavelmente à beira da morte. O que quer que
esteja por aí afora é melhor do que o que eu tinha lá.
A porta do transporte se abriu e o ar do lado de fora
entrou de uma vez, quente e grudento, saturado do
cheiro da morte e da decomposição. Saíram alguns
resmungos do meio do pelotão e o som de pelo menos
um soldado quase vomitando. Então o desembarque das
esquadras começou.
Wilson deu uma olhada em Jefferson, cujo rosto
registrava o efeito pleno do cheiro que emanava do
planeta.
– Espero que você tenha razão – comentou Wilson. –
Mas, a julgar pelo odor, provavelmente estamos à beira
da morte aqui também.
Eles desceram da nave de transporte naquele novo
mundo.
vida.
Hart se inclinou e deu um beijo na bochecha da mãe.
– Eu vou subir e desfazer a mala, depois vou ver como
está o papai – disse ele, então engoliu o resto da bebida
e entrou na casa.
– A sutileza ainda tem seu valor, mãe – Hart escutou
Catherine dizer enquanto ele entrava. Se sua mãe
respondeu, porém, ele não conseguiu ouvir.
Hafte Sorvalh era alta, até mesmo para uma Lalan, por
isso teria dificuldade em navegar os corredores curtos e
estreitos da Clarke. Como cortesia, as negociações de
rendição da Nurimal foram conduzidas no ancoradouro.
Sorvalh estava acompanhada por Puslan Fotew, capitã da
Nurimal, que não parecia nem um pouco contente em
estar a bordo da Clarke, e Muhtal Worl, assistente de
Sorvalh. Do lado humano, estavam Coloma, Abumwe,
Wilson e Hart Schmidt, por solicitação de Wilson e com a
concordância de Abumwe. Estavam dispostos em torno
de uma mesa trazida às pressas da cozinha dos oficiais.
Foram fornecidas cadeiras para todos, mas Wilson
imaginou que não seriam de muita utilidade para os
Lalans, por conta da fisiologia deles.
– Temos uma situação interessante diante de nós –
disse Hafte Sorvalh, cujas palavras iam sendo traduzidas
por uma pequena máquina usada como um broche. –
Dentre vocês, há uma pessoa que é a capitã da nave.
Outra é a chefe da missão diplomática. E outra – ela
apontou com a cabeça para Wilson – é um militar da
União Colonial. A quem minha capitã deve se render?
Coloma e Abumwe olharam para Wilson, que assentiu.
– Sou o tenente Wilson, das Forças Coloniais de Defesa
– disse ele. – A capitã Coloma e a embaixadora Abumwe
são membros do governo civil da União Colonial, assim
como o sr. Schmidt. – Então apontou com a cabeça para
o amigo. – A Nurimal é uma nave militar do Conclave, por
isso decidimos que, por questão de protocolo, o
adequado seria que a rendição fosse feita para mim.
– Só um tenente? – disse Sorvalh. Wilson, que não era
nenhum especialista em fisiologia lalan, mesmo assim
desconfiava que ela estivesse com uma expressão
divertida no rosto. – Receio que seria um tanto
constrangedor para a minha capitã se render a alguém
dessa patente.
– Eu compreendo – disse Wilson e depois começou a
sair do roteiro. – E se puder acrescentar, embaixadora
Sorvalh...
– Conselheira Sorvalh seria mais preciso, tenente –
falou Sorvalh.
– Se eu puder acrescentar, conselheira Sorvalh –
corrigiu-se Wilson. – Eu perguntaria por que é que a sua
capitã está querendo se render. A Nurimal claramente
supera a Clarke em termos militares. Se quisessem,
poderiam ter explodido a gente.
– E é precisamente por isso que dei ordens à capitã
Fotew para que entregasse a nave a vocês – disse
Sorvalh. – Para lhes garantir que não representamos a
menor ameaça.
Wilson olhou de soslaio para a capitã Fotew, toda
rígida e formal. O fato de ela ter recebido ordens para se
render explicava muita coisa, tanto a respeito da atitude
de Fotew no momento como da relação entre Fotew e
Sorvalh. Wilson nem conseguia imaginar a capitã Coloma
aceitando uma ordem da embaixadora Abumwe para
entregar a nave. Capaz de ter sangue no convés depois
de uma coisa dessas.
– Vocês poderiam ter deixado isso mais claro se não
tivessem enviado sua missão diplomática até nós numa
nave de guerra – apontou Wilson.
– Ah, mas se fosse o caso, vocês estariam mortos –
disse Sorvalh.
Bom ponto, pensou Wilson. Então disse:
– A Urse Damay é uma nave do Conclave.
– Era – respondeu Sorvalh. – Tecnicamente, imagino
que ainda possa ser. Em todo caso, quando ela atacou a
nave de vocês, e também a Nurimal, foi sob comando de
alguém que não pertence nem ao Conclave nem às suas
forças militares, tampouco concidadãos entre seus
tripulantes.
– Que garantia vocês nos oferecem para essa
afirmação? – perguntou Wilson.
– Nenhuma, no momento – disse Sorvalh. – Pois não
tenho nenhuma a oferecer. Pode ser que surja no futuro,
conforme as discussões forem progredindo. Nesse meio-
tempo, você tem a minha palavra, seja lá o que ela valha
neste momento.
Wilson olhou de relance para Abumwe, que fez um
pequeno aceno com a cabeça. Então ele se voltou à
capitã Fotew.
– Com todo o respeito, capitã, não posso aceitar sua
rendição – disse ele. – A União Colonial e o Conclave não
estão em guerra e suas ações militares, até onde consigo
ver, em momento algum visaram a Clarke em específico
ou a União Colonial de modo geral. De fato, suas ações e
as ações de sua tripulação salvaram a Clarke e as vidas
tanto de sua tripulação como dos passageiros. Então,
embora eu rejeite sua rendição, ofereço os meus
agradecimentos.
Fotew ficou parada ali por um momento, piscando.
– Obrigada, tenente – disse ela, enfim. – Aceito os seus
agradecimentos e os compartilho com minha tripulação.
– Muito bem – disse Sorvalh a Wilson, voltando-se
depois para Abumwe. – Para um oficial militar, ele não é
um mau diplomata.
– Ele tem seus momentos, conselheira – respondeu
Abumwe.
– Se eu puder perguntar, o que faremos quanto à Urse
Damay? – perguntou Coloma. – Está avariada, mas não
inteiramente abatida. Ainda representa uma ameaça às
nossas naves.
Sorvalh gesticulou com a cabeça para Fotew, que se
dirigiu a Coloma.
– A Urse Damay possuía lançadores de mísseis presos
ao casco, contendo nove projéteis – disse Fotew. – Três
foram disparados contra vocês. Três foram disparados
contra nós. Os três que sobraram estão na mira das
nossas armas. Se fossem disparados, seriam destruídos
antes do lançamento. Isto é, se a Urse Damay ainda tiver
energia o suficiente para nos atacar ou disparar qualquer
míssil.
– Vocês já fizeram contato com a nave? – perguntou
Coloma.
– Demos ordens para que se rendessem e nos
oferecemos para resgatar a tripulação – respondeu
Fotew. – Ainda não tivemos notícias desde a batalha. Não
fizemos mais nada pois estávamos esperando resolver a
questão da rendição a vocês.
– Se o tenente Wilson tivesse aceitado a rendição,
então teriam de coordenar o resgate – disse Sorvalh.
– Se ainda houvesse alguém vivo na nave, teriam
mandado um sinal a essa altura – disse Fotew. – Para nós
ou para vocês. A Urse Damay morreu, capitã.
Coloma se aquietou, insatisfeita.
– Como vocês explicarão este incidente? – perguntou
Abumwe a Sorvalh.
– Em que sentido? – respondeu Sorvalh.
– No sentido de que ambos os nossos governos
concordaram que esta nossa discussão nunca aconteceu
– disse Abumwe. – Se nem a discussão ao menos
aconteceu, imagino que uma verdadeira batalha militar
será difícil de explicar.
– A batalha militar não será difícil de manejar,
politicamente – disse Sorvalh. – A rendição, no entanto,
teria sim sido difícil de explicar. Mais um motivo para
sermos gratas às decisões políticas do tenente Wilson
aqui.
– Se é assim, então talvez possam nos dar a resposta
que viemos buscar – disse Abumwe.
– Que resposta é essa? – perguntou Sorvalh.
– Por que o Conclave está visando e atacando naves
da União Colonial.
– Interessantíssimo – disse Sorvalh. – Porque temos a
mesmíssima pergunta para vocês sobre as nossas naves.
certo?
– Coloquei no meu sutiã, já que você insistiu para que
eu tirasse a roupa – respondeu Lowen.
– Bote o áudio dele com o volume no máximo. Assim
devo conseguir falar com você – disse Wilson.
De algum lugar acima, os dois ouviram gritos e berros
de pânico, junto do estrondo das pessoas correndo pelas
rampas até o ancoradouro.
– Ai, meu Deus, Harry – disse Lowen, apontando para a
correria. – Olha só para isso.
Harry se virou a tempo de ver um clarão e um buraco
no casco onde ficava a base da rampa, depois gente
sendo atirada ao ar e tragada pela abertura. Lowen
gritou e deu meia-volta, perdendo o equilíbrio e caindo
com força contra o assoalho, o que a deixou atordoada
por um momento. A sucção do buraco fez com que ela
fosse atirada ao espaço, rodopiando.
Freneticamente, Harry enviou um comando ao traje
para que cobrisse os olhos dela e saltou no espaço atrás
de Lowen.
A capitã Coloma estava acompanhando Schmidt e
Wilson, as ovelhas desgarradas da Clarke, graças aos
respectivos tablet e BrainPal deles. Wilson estava
perambulando pelo ancoradouro do portão 5, mas
parecia bem. Já Schmidt estava no portão 7, onde havia
acabado de perder o transporte e permaneceu imóvel
até que as cápsulas de fuga foram anunciadas. Depois as
naves que atacavam a Estação da Terra começaram a
disparar mísseis contra os portões dos ancoradouros,
mirando de propósito nos pontos onde as pessoas
estavam se aglomerando para entrar nas cápsulas.
– Bando de filhos da puta – xingou Coloma.
Ela estava sozinha na Clarke. As cápsulas de fuga
saídas da nave pareciam não ter chamado atenção. No
mínimo do mínimo, nenhum míssil foi disparado na
direção delas. Nem todo membro da tripulação ficou feliz
em ir embora: Neva Balla precisou ser ameaçada com
uma acusação de insubordinação para entrar numa das
cápsulas. Coloma abriu um sorriso sinistro ao se lembrar
disso. Balla daria uma excelente capitã.
As naves miraram e atingiram as seções onde
estavam Wilson e Schmidt. Coloma ampliou a imagem e
viu os destroços e os corpos sendo vomitados pelos
buracos no casco da Estação da Terra. Admiravelmente,
os dados de rastreamento lhe disseram que tanto Wilson
como Schmidt estavam vivos e em movimento.
– Vamos, rapazes – disse Coloma.
Os dados de Wilson indicavam que ele havia sido
tragado pelo portão 5, o que fez com que a capitã fizesse
uma careta, mas então ela observou melhor os dados do
BrainPal. Ele estava vivo e bem, apesar de
hiperventilando de leve. Coloma ficou se perguntando
como esse truque era possível, até se lembrar de que
Wilson tinha ficado de fazer um salto com um dos
soldados dos EUA mais tarde naquele dia. Parecia que
precisaria saltar antes do planejado. Ela observou os
dados durante alguns segundos para garantir que ele
estava bem, depois voltou sua atenção para Schmidt.
Os dados acerca de Schmidt eram menos precisos,
porque o PDA não registrava suas estatísticas vitais,
diferentemente de um BrainPal. Coloma só conseguia
saber que ele estava se movimentando. Havia
conseguido descer a rampa do portão 7, danificado pela
piloto do transporte da Clarke, o que significava que
estava cheio de vácuo. Apesar disso, Schmidt tinha
conseguido se enfiar em uma cápsula de fuga. Coloma
ficou curiosa para saber como ele fez isso e se lamentou
pelo fato de que, a essa altura, era improvável que fosse
descobrir.
A cápsula de fuga foi lançada e mergulhou na
atmosfera.
A Estrela da Manhã Eriana lançou um míssil
diretamente em sua direção.
Coloma sorriu e foi até o monitor, rastreou o míssil e o
vaporizou com uma rajada final do raio antipartículas.
– Ninguém atira no meu pessoal, seu cuzão – disse ela.
E, enfim, Coloma e a Clarke chamaram a atenção das
naves invasoras. A Estrela da Manhã Eriana disparou dois
mísseis em sua direção. Coloma esperou até estarem
quase em cima dela antes de acionar as contramedidas.
Os mísseis detonaram lindamente e longe da Clarke, que
no momento ziguezagueava enquanto Coloma inseria
uma rota até a Estrela da Manhã Eriana.
A nave adversária respondeu com mais dois mísseis, e
Coloma mais uma vez esperou até o último minuto antes
das contramedidas. Desta vez, não deu tanta sorte, e o
míssil a estibordo rasgou a superfície da Clarke,
rompendo os compartimentos da proa. Se houvesse
alguém ali, teria morrido. Coloma abriu um sorriso feroz.
Ao longe, três naves dispararam contra a Clarke, dois
mísseis cada. Coloma olhou para o monitor a fim de
calcular quanto tempo teria até o impacto. Os números
lhe arrancaram uma careta e ela colocou os motores da
nave para funcionarem com força total.
A Estrela da Manhã Eriana estava agora claramente
ciente do que a Clarke aprontava e tentou fazer
manobras evasivas. Coloma compensou, recalculando a
rota, e ficou contente com os resultados. Não ia ter como
a nave adversária não levar um beijo da Clarke.
A primeira da nova leva de mísseis varou a Clarke, ao
que se seguiram a segunda e depois e a terceira e a
quarta leva, em rápida sucessão. A nave apagou. Não
importava, ela tinha a inércia a seu favor.
A Clarke se enterrou na Estrela da Manhã Eriana
quando a quinta e a sexta leva de mísseis atingiram o
alvo, arrebentando as duas naves.
Coloma sorriu. As ordens que lhe foram dadas pelas
Forças Coloniais de Defesa eram: caso se engajasse com
uma nave hostil que a atacasse ou atacasse a Estação da
Terra, devia incapacitar essa nave, destruindo-a apenas
se necessário. Queriam pegar quem quer que estivesse a
bordo, a fim de descobrir os responsáveis por tudo que a
União Colonial vinha enfrentando.
A nave está definitivamente incapacitada, pensou
Coloma. Destruída, será? Se sim, a culpa é deles. Foram
atrás do meu pessoal.
Sentada ali no escuro, Coloma esticou a mão e deu
uns tapinhas carinhosos na Clarke.
– Você é uma boa nave – disse ela. – Fico feliz por ter
sido minha.
Uma sétima leva arrebentou a ponte de comando.
– John Scalzi
27 de outubro de 2012
A humanidade dividida
TÍTULO ORIGINAL:
The Human Division
COPIDESQUE:
Cê Oliveira
REVISÃO:
Fernanda Grabauska
Bárbara Prince
COORDENAÇÃO:
Giovana Bomentre
CAPA:
Pedro Inoue
PROJETO GRÁFICO:
Desenho Editorial
ILUSTRAÇÃO:
Sparth
DIREÇÃO EXECUTIVA:
Betty Fromer
DIREÇÃO EDITORIAL:
Adriano Fromer Piazzi
PUBLISHER:
Luara França
EDITORIAL:
Andréa Bergamaschi
Bárbara Reis
Caíque Gomes
Débora Dutra Vieira
Juliana Brandt
Luiza Araujo
COMUNICAÇÃO:
Gabriella Carvalho
Giovanna de Lima Cunha
Júlia Forbes
Maria Clara Villas
COMERCIAL:
Giovani das Graças
Gustavo Mendonça
Lidiana Pessoa
Roberta Saraiva
FINANCEIRO:
Adriana Martins
Helena Telesca
Folha de rosto
Dedicatória
Parte 1
Parte 2
10
11
Episódio 9: Os observadores
Parte 1
Parte 2
9
10
Agradecimentos
Créditos
O fim de todas as coisas
Scalzi, John
9788576575887
352 páginas