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tudo mistérios da eternidade, serão suas mãos e pés mui furados,


que Deus me dirá e eu escreverei e todos seus ossos lhe serão contados,
à sua vontade. e deitarão sortes sobre seu vestido.
E ele estará em pessoa comigo TEMPO – Tendes já dito;
aos cinco livros, quando os escrever; leixai tudo isso posto por escrito,
porque as cerimónias que mandar fazer, e despejai logo, pagai a pousada
outras maiores trazerá consigo. cumpri com a terra, que quer ser pagada,
Tu, homem, penetra, e ós elementos dai o spírito:
e dos sacrifícios não tomes a letra: não faleis mais nada.
que outro sacrifício figuram em si,
que matar bezerros, nem aves ali: MUNDO – Morte, despeja-os, não fique ninguém,
outra mais alta oferta soletra, ISAÍAS – Oh quem me tivera mais vida alongada
e outro Genesi. pera profetar da Virgem sagrada
cem mil maravilhas que sei muito bem!
DAVID – O sacrifício a Deus mais aceito MORTE – Profetas, nó mais;
é o spírito mui atribulado, manda o Tempo que logo partais,
e o coração contrito humilhado; parti-vos comigo, e não mais demoras.
esta é a oferta e serviço direito; ABRAÃO – ó Morte, quão cruas são tuas esporas!
e assi Isaías. Quão lastimeiras!
ISAÍAS – O sacrifício é o Messias, MORTE – Não vos detenhais;
que será nascido em Belém de Judá, andai, que são horas.
porque do tribo de Judá será
da parte da virgem; e eis virão dias MOISÉS – Senhor Rei David, não tendes na corte
em que parirá. cirurgiães e físicos mores,
astrólogos grandes e muitos doutores,
MOISÉS – Virgem prenhada! que vos dêem saúde e livrem da morte?
ISAÍAS – E Virgem parida. MORTE – Olhai, não vai nisso;
Bem viste a sarça que não se queimava, o mal que se cura não é mal de siso.
pois este mistério nos prefigurava Andam deitando remendos à vida;
a Madre de Deus, do Mundo e da Vida, mas quanto ao despejo, pois não tens guarida,
e amado cordeiro lembra-te, homem, com muito aviso
que tira os pecados. que és terra podrida.
DAVID – Eu no meu salteiro BELIAL – Ó Morte, ó Morte, sejas bem casada,
digo por este mui alto primor: que tão limpa gente nos, dás em poder.
cantai cantar novo a nosso Senhor, Chegai-vos aqui, Senhor Lucifer,
que fez maravilhas, o Deus verdadeiro, pois que rei vem à vossa pousada;
o Duque maior. que não é rezão,
pois que é rei, que eu lhe ponha a mão,
ABRAÃO – Ó Isaías, que novas tão belas, senão Vossa Alteza, e ponha-o aqui.
de tanta alegria, que trazes contigo! LUCAS – Perdoai-me vós, Senhor Rei David.
ISAÍAS – Outras tão tristes trago eu comigo, DAVID – De Profundis clamavi, Senhor, redenção!
que já Jeremias fez pranto com elas. BELIAL – Bem estais assi.
Oh triste mazela!
Que o fruto do ventre daquela donzela, MUNDO – De lei de Escritura e lei natural
em pagamento do fruto vedado, já temos passados os mais principais;
à justiça divina será ofertado, venha a lei de graça, porque os mortais
coberto de sangue, com muita querela, alcancem a glória de sempre eternal.
e crucificado! Venha o primeiro
glorioso Joanes, santo pregoeiro,
DAVID – Eu também o sei, mui certo sabido; santo sem mágoa de Deus enviado,
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santo nacido e santificado, Nem sam santo nem profeta,


mostrando às gentes alto cordeiro, nem menos anjo encoberto;
com muito cuidado. vox clamantis in deserto
esta é a minha vida certa;
S. JOÃO – Ó bravas serpentes que em serras andais, pois queres saber o certo.
ó dragos ferozes que estais nos desertos, Nem Messias não sam eu,
ouvi os secretos que estão encobertos; nem pera lhe desatar
e vós, dromedários, também não durmais; a correia que levar
e tu, mui serena no santo sapato seu.
fermosa ave Fénix, que tanto sem pena
a ti mesma matas por tua vontade, Antre os judeus acharás
vai ver o Fénix da Santa Trindade, o bem qu'eles não conhecem,
filho da, Fénix gratia plena, nem tu o conhecerás;
que está na cidade. porque eles não no merecem,
E tu, mui soberbo lobo poderoso, nem tu o merecerás.
que trazes as unhas cruéis, e tingidas
no sangue d'ovelhas de pouco paridas, Aparta-se Satanás, e diz S. João:
aprende de Cristo, cordeiro amoroso:
e vós, pomba brava, S. JOÃO – Ó mortais de terra, em terra tornados,
que voais isenta, soberba, alterada, pois são vossas almas de tão fina lei,
em essas montanhas viveis branda vida, abri vossos olhos, que ecce agnus Dei,
tomai por espelho a pomba escolhida; que veio ao mundo tirar os pecados.
a pomba mui mansa, a pomba calçada, Ele é por certo;
de sol é vestida. crede esta voz clamante em deserto,
E tu vil raposa, que vives d'engano, e levantai-vos do pó desta vida,
e matas quem amas, sem nenhum temor, pegai-vos com Cristo,
aprende de Cristo que só por amor que é certa guarida,
oferece à morte seu corpo humano que de sua mão está o Céu aberto,
Tu, águia real, e a glória vencida.
que vences os raios do Sol natural
com tua vista per graça divina, TEMPO – Este relógio é muito forte,
guarda não te cegue o sol da rapina, vós perdoai-me, Senhor San João,
pois te alumia a luz divinal que vossas horas compridas estão,
com sua doutrina. segundo buscastes tão cedo a morte,
SATANÁS – Eu fui ontem à cidade, e por vossa vontade.
e estavam os Fariseus Vós não quereis senão pregar verdade,
falando nos feitos teus e ela vos leva da vida presente.
e na tua santidade, S. JOÃO – Que sam muito ledo e muito contente,
de que pasmam os judeus. porque a verdade é a mesma Trindade
Dizem que tu és Elias, verdadeiramente.
ou profeta enviado, E pois eu sam voz de nosso Senhor,
ou anjo dissimulado, se eu a calar, quem na há-de dizer?
mas eu digo que és Messias, As ofensas de Deus quem as há-de sofrer?
e assi o tenho apostado. Mas clame em deserto qualquer pregador,
e seu tema seja
S. JOÃO – Eu te conheço mui bem, verdade, verdade. Mas o que deseja
e quem és, há muitos dias. ser bispo, e portanto prega mui modesto,
Satã, eu não sam Elias, calando e cobrindo o mal manifesto,
nem desejo de ninguém não é pregador da santa Igreja,
nenhüas lisonjarias. mas ladrão honesto.

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