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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE


CURSO DE PSICOLOGIA

UGO BRUZADIN NUNES

A Queda do Patriarcado: A Crise da Masculinidade Contemporânea

SÃO PAULO
2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA

UGO BRUZADIN NUNES

A Queda do Patriarcado: A Crise da Masculinidade Contemporânea

Trabalho de Conclusão de Curso como


exigência parcial para a graduação no curso
de Psicologia, sob orientação da Prof./Drᵃ.
Noely Montes Moraes

SÃO PAULO
2012
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Agradecimentos

Agradeço às minhas mestras da Psicologia Analítica; À Marisa Penna, quem fez


meus olhos brilharem sobre a obra junguiana; À Luísa de Oliveira, que deu o
empurrão que eu precisava para mergulhar nos estudos junguianos e que me deu
abertura para discutir um assunto deveras polêmico; À Noely M. Moraes, que me
guiou pelos caminhos sombrios da masculinidade com fluidez.

À minha terapeuta Adriana Ranzatti, que me ajudou a atravessar minha jornada pela
minha própria masculinidade, dando voz aos meus complexos masculinos que
deram luz a esse trabalho e que me fizeram crescer como homem.

À minha família: meu pai Zeus e meu irmão Apolo, sem os quais não pude me
diferenciar como Hermes, minha mãe e minha irmã, pelo amor e cuidado durante
toda minha vida.

À minha segunda família, meus amigos, sem os quais não teria sobrevivido ao
mundo selvagem da barbárie.

Aos meus amigos e colegas da PUC, que tiveram que me suportar durante esses
cinco anos.

Um agradecimento especial à Diogo, Bruno e Alan, que sempre estavam lá quando


eu precisava, fosse de um debate profundo, fosse um abraço apertado. À Marina,
Camila e Lívia, que três vezes me tiraram do fundo do poço e me deram carinho e
luz quando eu mais precisei.

Aos deuses gregos, pela tamanha energia que despenderam para essa mera
produção acadêmica.

Por fim, agradeço à Carl Gustav Jung, mestre de inestimável obra, que iluminou o
mundo e permanecerá iluminando enquanto eu estiver vivo e puder dar continuidade
aos seus estudos sobre as profundezas da psiquê.
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Ugo Bruzadin Nunes


A Queda do Patriarcado: A Crise da Masculinidade Contemporânea
Orientador(a): Prof/Dra. Noely Montes Moraes
2012

RESUMO

Esse trabalho tem como objetivo o estudo da crise da masculinidade do homem nos
tempos atuais. Através de diversos autores, todos fundamentados na Psicologia
Analítica, buscamos a compreensão da queda do patriarcado, da estrutura psíquica
do homem e de como o homem atual está vivenciando esse momento histórico.
Através dos estudos de Carl Gustav Jung e de diversos outros autores da psicologia
analítica, pudemos conhecer os diferentes arquétipos ligados à masculinidade. Com
os arquétipos de oito deuses gregos, apresentado por Jean Shinoda Bolen,
aprendemos que o homem não é apenas um, e que não podemos fazer
generalizações. São várias as maneiras de vivência da queda do patriarcado, e a
masculinidade que estimula a repressão do feminino não é a única. O homem é
muito mais do que o patriarcado arcaico pregou durante os últimos dois milênios.

ABSTRACT

This work’s main focus is the study of men’s nowadays masculinity


crisis. Throuhout several authors, all embased in the Analytical Psychology, we
attempted to comprehend the fall of the patriarchate, men's psychological structure
and how men’s living this moment. Through the study's of Carl Gustav Jung and from
the several authors of the Analitical Psichology we could acknowlodge the different
archetypes connected to masculinity. With the eight greek god's archetypes,
presented by Jean Shinoda Bolen, we learnt that men isn't only one, and that we
can't generalize. There are many ways to live the fall of the patriarch and the
masculinity that stimulates the repression of the feminine isn't the only one. Men’s
much more than what the patriarchate has taught during the last two milleniums.
5

SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................. 1

Objetivos Específicos: .......................................................................................... 3

Método .................................................................................................................... 3

Cap. 1. A Compreensão Junguiana da Masculinidade ...................................... 5

Cap. 2. O Homem e a Psicologia Analítica .......................................................... 8

2.1 A Estrutura Psíquica .................................................................................... 8

2.2 O Homem e seus arquétipos ....................................................................... 9

2.2.2 O Filho .................................................................................................. 11

2.2.3 O Herói .................................................................................................. 11

2.2.4 O Sábio ................................................................................................. 12

2.2.5 As Quatro Polaridades ........................................................................ 12

Cap. 3. O Homem e os Deuses ........................................................................... 14

3.1. O Leito do Procrusto.................................................................................. 14

3.2. A Família Grega.......................................................................................... 15

3.3. Os Deuses Pais: Zeus, Poseidon e Hades. .............................................. 16

3.4. Os Deuses Filhos: Apolo, Hermes, Ares, Hefesto e Poseidon. .............. 17

3.5. Tabela 1: Os Arquétipos e Suas Características Principais. .................. 17

3.6. Tabela 2: Os Arquétipos e a Masculinidade ............................................ 20

Cap. 4. Discussão .............................................................................................. 24

Considerações Finais ............................................................................................. 27

Bibliografia............................................................................................................... 30
1

Introdução

Nos últimos 100 anos houve mudanças estruturais na maneira de pensar o


lugar dos homens e das mulheres na sociedade. A mulher ganhou um grande
espaço, no que se refere à política, academia e ao trabalho. Essas transformações
graduais foram alterando os modos de vida tanto do homem como o da mulher, e
questionando a estrutura social Patriarcal.
Nesse meio tempo, tem-se dado uma atenção especial às mulheres, que no
século passado, procuraram e venceram muitas barreiras sociais, e que até hoje
lutam contra um sistema patriarcal, que as coloca em posição inferior aos homens.
Porém, nesse último século, pouca atenção tem se dado aos homens, que nessa
transformação social, perderam considerável quantidade de poder. Podemos usar
como exemplo a atual Eleição Presidencial, que elegeu a presidente Dilma Roussef.
Sua eleição, apesar de não propor uma mudança estrutural quanto à sociedade
Patriarcal, demonstra que um espaço que antes era apenas dos homens, agora
também é das mulheres.

Podemos comparar o último século como o nascimento de um novo bebê em


uma família. Enquanto dá-se muita atenção àquele que estava nas sombras, que
seriam as mulheres, pouca atenção se dá ao irmão mais velho, que perde espaço,
atenção e poder, que seriam os homens.
Os homens, que passaram séculos no poder como patriarcas, hoje participam
de uma transformação social, onde lhes é questionado a definição, que é
arcaicamente conhecida, do homem como dono do poder. A sociedade, que se
estruturou de forma patriarcal, aos pouco se transforma. Como, então, os homens
estão vivenciando essa transformação?
Como Connell (1995) relata em seu livro Masculinities (Masculinidades), a
sociedade patriarcal não só visa o masculino sobre o feminino, o pai sobre a mãe,
como ela é estruturada sobre esses preceitos. Assim, questionar a estrutura social,
que é patriarcal, coloca em cheque também a patriarcalidade e a masculinidade, que
antes tinham fixas e razoavelmente confortáveis definições, e vice-versa. Questionar
a masculinidade do homem põe em cheque uma estrutura rígida, na qual todos
vivemos.
2

David J. Tacey, em seu livro, Remaking Men (Refazendo o Homem - 1997),


diz que o homem deve livrar-se de seu pai, mas não brutalmente. O homem bruto
que mata é um homem ainda ligado a uma estrutura paternal, assim, o homem que
derruba seu pai brutalmente não só dá continuidade à estrutura anterior como
arrisca ganhar uma neurose ou até uma psicose.

Os homens ainda têm que se libertar das prisões escravizantes dos arquétipos
primais, mas matar ou brutalizar não é mais o jeito apropriado. Nós temos que
aprender uma língua diferente, uma nova iconografia, e diferentes metáforas de
liberização. (...)
Como liberar sem destruir, como libertar sem criar horror e devastação? Esse é o
grande problema interno e externo da nossa cultura, e enquanto não arranjarmos
respostas não podemos alegar estarmos num mundo pós-patriarcal. (tradução nossa)
(TACEY, p. 197, 1997)

Assim, enquanto vemos um grande crescimento social no apoio às mulheres


e uma aceitação ao feminino, vemos também o questionamento ao patriarcado e a
queda do poder do masculino. O masculino que antes dominava o poder na
sociedade, hoje, cada vez mais, divide esse poder com o feminino. Eis então que
surge o papel da psicologia, no entendimento dessa questão: Como o homem
contemporâneo vive essa problemática?
A problemática não visa esquecer que o mundo ainda é estruturalmente
patriarcal e que o lado feminino do mundo ainda está, pouco a pouco, saindo das
trevas. Esse questionamento visa, à priori, ajudar esse “irmão mais velho” a aceitar e
compreender as novas mudanças e abraçar suas demandas. Dessa maneira,
compreender os homens e suas novas questões advindas das mudanças do mundo
é também dar força e voz ao feminino reprimido.
Essa problemática pode ter muitas repostas plausíveis, e deve ser estudada
pelas ciências humanas. Elegi a ciência da psicologia, que visa compreender
homem a partir de suas vivências. Mais especificamente, utilizei o método da
Psicologia Analítica, que estuda o ser humano e sua natureza simbólica. Através dos
escritos de Jung e outros autores da psicologia analítica, estudei e me aprofundei
em sua teoria, que se utiliza dos símbolos e das peculiaridades dos homens para
compreender como estes estão vivenciando estas mudanças culturais.

Através dessa pesquisa bibliográfica estudamos e apreendemos quais são as


concepções da psicologia analítica sobre a masculinidade e quais são as novas
3

possibilidades que se abrem, com o advindo do questionamento do patriarcado, para


os homens.

Objetivos Específicos:

1. Estudar e compreender as concepções dos diversos autores da psicologia


analítica sobre masculinidade, homem e a história do patriarcado.

2. Analisar e entender quais são as questões colocadas diante dos homens na


modernidade relativo à masculinidade.

3. Buscar o entendimento das novas possibilidades para os homens referentes


ao questionamento do patriarcado e aos novos caminhos da masculinidade.

Método

Essa é uma pesquisa de caráter qualitativo, que visou compreender, a partir


da Psicologia Analítica, os conteúdos encontrados na pesquisa bibliográfica. Para
isso, buscamos a bibliografia relacionada aos assuntos de homem, patriarcado e
masculinidade, dentre os autores da Psicologia Analítica.
A Psicologia Analítica propõe um paradigma científico, baseado no mundo
simbólico que Jung explorou através dos seus estudos. Jung não era só um
terapeuta, era também um pensador (Penna, 2005, p. 2) e produziu uma
epistemologia suficiente para a produção acadêmica de pesquisa.
A psicologia de Jung foca no estudo dos símbolos, que é a forma pela qual os
seres humanos se expressam. Através dos símbolos, o ser humano exprime aquilo
que não é palpável fisicamente. O uso dos símbolos é uma forma de trazer para o
mundo vivências e experiências incapazes de serem expressas de outras maneiras.
Os símbolos são ricos em conteúdos desconhecidos, pois aquele que expressa o
símbolo não tem consciência da totalidade de possibilidades e de informações que o
símbolo carrega consigo. Dessa forma, a análise e expansão simbólica se fazem
necessária na pesquisa bibliográfica.
Os símbolos expressam realidades individuais e arquetípicas. Um Arquétipo
só é passível de estudo através de suas expressões arquetípicas, ou imagens
arquetípicas, que se encontram no âmago dos símbolos. As imagens arquetípicas
4

são compostas de conteúdos da natureza psíquica humana, que fundamentam o


psiquismo.

O símbolo, portanto, é o fenômeno psíquico que permite acesso ao inconsciente,


tornando possível o conhecimento. O símbolo, como manifestação do arquétipo,
situa-se no limiar da possibilidade de conhecimento, pois o arquétipo, em si, está fora
dos limites do conhecimento. (PENNA, 2005, p. 9)

Os conteúdos expressos em símbolos são conteúdos que tangem a natureza


humana e, apesar da influência cultural ser de todo modo presente nas relações
expressas, a sua essência também transcendem a cultura e carregam conteúdos
arquetípicos.
Na busca de conteúdos simbólicos, o pesquisador se apropria das imagens
encontradas e utiliza da amplificação simbólica como meio de explorar os conteúdos
trazidos na pesquisa, com o fim de abrir novos olhares sobre as respostas possíveis
e para a pergunta inicial.
Tomando os deuses gregos como símbolos de aspectos da masculinidade,
procuramos entender a dinâmica psíquica do homem contemporâneo. Esta
aproximação permitiu responder os objetivos da pesquisa.
5

Cap. 1. A Compreensão Junguiana da Masculinidade

Cabe aqui fazer um breve resumo daquilo que se entende da psicologia


Junguiana. Não pretendo substituir a leitura do trabalho de Jung, mas dar um
suporte básico, necessário para o entendimento da pesquisa.
A concepção junguiana que diferencia homens de mulheres pode ser definida
por John Stanford em seu livro Parceiros Invisíveis:

Um corpo de homem é masculino, formado pelo hormônio masculino e designado por


certas funções; um corpo de mulher é feminino, e é destinado a desempenhar certas
funções mais especificamente femininas [...]. (STANFORD, 1980, p. 21)

Porém, essa não é uma definição estruturante. Para Jung, “Não há homem
algum tão exclusivamente masculino que não possua algo em si feminino” (em O Eu
e o Inconsciente, 2008, p. 65, pp. 297). Dessa forma, Jung acredita que todo homem
tem potências femininas dentro de si, bem como a mulher tem potenciais masculinos
dentro de si.
Na teoria do inconsciente de Jung, ele utiliza o arquétipo de Anima para
referir-se às potencialidades contrassexuais do homem. Assim, no homem, Jung
define: “[Assim] Como anima corresponde ao Eros materno, o animus corresponde
ao Logos paterno” (em Aion, p.12, pp. 29, 2008). Aqui, Eros e Logos representariam
as imagens arquetípicas de características unicamente maternas e paternas,
respectivamente.

Longe de mim querer dar uma definição por demais específica desses conceitos
intuitivos. Uso os termos “Eros” e “Logos” como meios nocionais que auxiliam a
descrever o fato de que o consciente da mulher é caracterizado mais pela vinculação
ao Eros do que pelo caráter diferenciador e cognitivo do Logos. No homem, o Eros
que é a função de relacionamento, via de regra aparece menos desenvolvido do que
Logos. Na mulher, pelo contrário, o Eros é expressão de sua natureza real, enquanto
que o Logos muitas vezes constitui um incidente deplorável. (JUNG em Aion, 2008,
p.12, pp. 29).

Assim, temos dado que o inconsciente de homens e mulheres se diferencia


tanto geneticamente quanto arquetipicamente. Porém, essa afirmação não é valida
para definir a identidade do homem. Tomando homossexuais como exemplo,
Connell diz:
6

A cultura Patriarcal tem uma simples interpretação do homem gay: falta-lhes


masculinidade. [...] A interpretação está obviamente ligada na concepção que nossa
cultura geralmente faz sobre os mistérios da sexualidade, que opostos se atraem. Se
alguém é atraído pelo masculino, então essa pessoa deve ser feminina – se não no
corpo, então de alguma forma na mente. (tradução nossa) (CONNEL, 1995, p. 238)

Connell, nesse trecho, aponta a incoerência criada pela nossa sociedade


patriarcal, que separa homens não-masculinos de homens masculinos. Além, não é
só por que um homem é homossexual que ele tenha uma consciência feminina;
Esse é o erro que Connell aponta na sociedade patriarcal. Jung fala que um homem
com a consciência mais feminina é um homem cuja consciência se identificou com
sua Anima:

Por certo é possível que haja também muitos homens que argumentem de maneira
bem feminina, naqueles casos, por exemplo, em que são predominantemente
possuídos pela anima, razão pela qual se transmudam no animus da sua anima.
(JUNG em Aion, 2008, p. 13, pp. 29)

Como Jung e Connell afirmam, homens podem ter a consciência mais


feminina, dependendo da sua identificação com a Anima, e não da sua orientação
sexual. Decerto, esse paradoxo criado pela nossa sociedade patriarcal induz ao erro
comum de igualar a masculinidade do homem com sua heterossexualidade; gênero
com sexualidade. Esse erro é facilmente consertável, se tomarmos as mulheres
como exemplo.
As mulheres ganharam muito espaço na nossa sociedade patriarcal, tomando
a si atitudes e características que eram consideradas masculinas, como estudar,
trabalhar, usar calça, ter planos de vida além do núcleo familiar, etc. Essas
características não foram desvinculadas do masculino, mas houve uma estimulação,
tanto arquetípica quanto social, para que a mulher aceitasse o seu lado masculino.
Assim, as mulheres estão adquirindo características consideradas masculinas sem
haver qualquer relação com sua orientação sexual.
Assim como um dia já foi uma conquista para as mulheres, hoje o homem
passa pelo dilema psíquico de aceitar características femininas em sua consciência
predominantemente masculina e desvincular a predominância da masculinidade da
sua estrutura psíquica. Porém, diferente de como foi com as mulheres, os homens
hoje estão conquistando um espaço não desejado, que é considerado inferior.
Como o próprio Connell disse no trecho citado acima (p.5 e 6), a sociedade
patriarcal cria o homem fixado em características masculinas. Porém, vemos
7

aflorando socialmente, através do Movimento LGBTS e da crescente aceitação da


homossexualidade e da feminilidade, novas possibilidades de expressão e vivências
da masculinidade.
8

Cap. 2. O Homem e a Psicologia Analítica

2.1 A Estrutura Psíquica

“Uma das formas mais básicas nas quais vivenciamos o conflito universal dos
opostos em nós mesmos e no nosso encontro com os outros é a polaridade
masculino-feminino. Ela se coloca, portanto em primeiro lugar entre nossos
problemas psicológicos. Pode haver um sentido vago e subjacente de unidade, do
que falam os místicos, mas, no que diz respeito à nossa realidade diária, nós
vivenciamos em termos de dualidade e conflito: consciente-inconsciente, luz-sombra,
espírito-natureza, positivo-negativo e, neste caso, masculino-feminino.” (WHITMONT,
2002, p. 153)

Como Edward Whitmont bem reproduz no trecho acima, para a psicologia


analítica, os seres humanos são dotados de diferenciação sexual e de gênero. Essa
diferenciação não afeta apenas nosso corpo biológico, mas nossa estrutura
psíquica.
Ainda há aqueles que acreditam que homens e mulheres deveriam ser
respectivamente masculinos e femininos, mas isso só se acontece devido ao fato de
que os homens consideram, em nossa cultura patriarcal, virtude reprimir seus
valores femininos. Analogamente, até pouco tempo atrás, as mulheres também
consideravam virtude reprimir seus valores masculinos (JUNG, 2008). Por mais que
haja uma valorização, tanto para homens quanto para mulheres, por suas
respectivas forças masculinas e femininas, não podemos excluir essas
características um do outro.

“(Assim) a masculinidade e a feminilidade não são determinadas por uma


predominância absoluta, mas relativa de um conjunto de características sobre o outro;
o conjunto recessivo – feminilidade no homem e masculinidade na mulher – opera
meramente fora do campo de visão, numa posição de relativo segundo plano.”
(WHITMONT, 2002, p.157)

Ambos homens e mulheres possuem em si potenciais masculinos e


femininos. No homem, seus potenciais femininos residem na Anima, estrutura
arquetípica inconsciente, que preserva em si a natureza feminina. Nas mulheres, os
potenciais masculinos residem no Animus, que igualmente preserva em si a
natureza masculina.
Na teoria analítica, a estrutura psíquica é comandada pelo eixo Ego-Self: O
Ego é centro do consciente, e o Self centro da totalidade psíquica. No Ego se
constelam esses valores referentes à sexualidade do indivíduo (além de outras
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questões), e no inconsciente residiriam os valores contra-sexuais. O Self é a


representação da integralidade e do Todo psíquico; o Ego é o lúmen e guia da
consciência.
Podemos dizer, por fim, que na teoria dos opostos de Jung ambos homens e
mulheres tem em sua constituição psíquica os arquétipos contra-sexuais, além dos
arquétipos da sua própria sexualidade. Aquele que “comanda” o inconsciente do
homem é a Anima feminina e, analogamente, o mesmo acontece com as mulheres.

2.2 O Homem e seus arquétipos

Para compreender melhor o homem moderno, se faz necessário caminhar no


campo arquetípico. Whitmont (2002, p. 153) busca nos conceitos de Yin-Yang para
ampliar os símbolos de Logos-Eros, de masculino-feminino. Nesse sentido, Yin e
Yang são mais completos e amplos.

O Yang e o Yin incluem ‘masculinidade’ e ‘feminilidade’ como princípios gerais ou


imagens simbólicas, mas esse uso dos símbolos não deve ser confundido com
masculinidade e feminilidade enquanto características diretas dos homens ou das
mulheres. (WHITMONT, 2002, p. 153)

Whitmont descreve Yin e Yang, e a partir das suas descrições podemos


avançar na compreensão dos arquétipos do homem, e daquilo que forma o
inconsciente do homem.

Na filosofia chinesa, o princípio Yang é representado como arquétipo que encerra o


elemento criativo ou gerador, ou a energia iniciadora; ele simboliza a experiência da
energia em seus aspectos impulsivos de força, impulsividade, agressividade e
rebelião. Apresenta as características de calor, estímulo, luz (sol, raio); é divisor e
fálico como a espada, a lança ou o poder de penetração, e até mesmo despedaçador;
Ele se move do centro para fora; é representado como paraíso ou espírito; Manifesta-
se em disciplina e separação, e, portanto, em individualização. Desperta, luta, cria e
destrói, é positivo e entusiasmado, mas também restritivo e ascético (outra tendência
separadora). (WHITMONT, 2002, p. 153)

O Yang é a energia que avança. Ela é positiva, no sentido de que modifica o


mundo e entra em contato com ele. Esse avanço pode caminhar para o lado da
construção ou da destruição; Ordem ou Caos.
Em oposição, o Yin é uma energia que conserva. Ela é negativa, no sentido
que ao invés de avançar, pacifica. Essa passividade pode caminhar para o lado do
acolhimento e cuidado, ou para o lado da paralisação.
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(...) o princípio Yin é representado como receptivo, dócil, retraído, úmido, escuro,
concreto, envolvente, continente (caverna e cavidade), doador de forma e gerador,
centrípeto, iniciador; Não é o espírito, mas natureza, o mundo da formação, o ventre
escuro da natureza que dá à luz no simbolismo da Terra e da Lua, da escuridão e do
espaço; é negativo, indiferenciado e coletivo. (WHITMONT, 2002, pg 154)

O Yin é complementar e oposto ao Yang. Enquanto o Yang é a energia


Criativa, o Yin é a Energia Receptiva. Yin dá a forma e o conteúdo e o Yang dá ação
e continuidade. Na computação, poderíamos dizer que Yin e Yang são
respectivamente o “0” e o “1”; Nas mitologias, Lua e Sol.
Saindo do mundo das potencialidades de Yang e aproximando-se do universo
de suas manifestações arquetípicas, Whitmont (2002, p. 157) anuncia quatro
descrições tipológicas, pelos quais trilham os homens durante sua individuação: O
Pai, o Filho ou puer aeternus, o Herói e o Sábio. Essas descrições são análogas às
descrições tipológicas das mulheres que Toni Wolff (apud WHITMONT, 2002, p.155)
fez. Essas descrições tipológicas são sínteses de expressões masculinas, em
relação com o mundo externo e com o mundo interno. São figuras vivenciais das
potencialidades de Yang.
As Imagens propostas por Whitmont, do Pai, do Filho, do Herói e do Sábio se
relacionam de uma forma semelhante à Figura 1, proposta por nós, baseado nas
descrições do próprio Whitmont (2002, p. 163):

Pai

Sábio Herói
o

Filho

(Figura 1: O Pai, O Filho, o Herói e o Sábio)

2.2.1 O Pai

O Pai é uma forma coletiva de funcionamento. Ele é o Logos coletivo. Ele é o


Protetor e também o Tirano; é o Rei, o Lorde. “Ele dirige e protege, mas só conhece
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crianças e vassalos” (Whitmont 2002, pg 163). Em oposição à Mãe, que não


distingue e abraça, ele ordena e separa, hierarquiza. Como o próprio nome sugere,
ele se expressa em figuras paternas, em momentos paternais, quando o líder é
aquele que toma a decisão por um grupo, que classifica e diferencia cada indivíduo
do grupo pelas suas capacidades, que centraliza o poder e representa o grupo. Ele
assume o comando pelo bem do grupo, para protegê-los e dar-lhes segurança. Ele
também abusa do poder, tornando todos do grupo inferiores e servidores de si.

2.2.2 O Filho

O Filho, o puer aeternus, é completamente diferente da orientação do Pai; ele


exprime uma orientação mais pessoal de funcionamento. Ele exprime o
companheirismo e a irmandade. Ele é uma forma individual e pessoal de
funcionamento, não levando em conta exigências coletivas. Não se importando com
exigências coletivas, ele busca sua própria individualidade. É o Cavaleiro Errante; “É
o eterno Amigo, mas também inimigo que desafia.” (WHITMONT, p. 163, 2002); A
figura do Peter Pan é uma das imagens dessa polaridade.
O Filho é aquele que desafia a autoridade do Pai. Ele não se importa com
limites estabelecidos e vai longe para alcançar o que quer. Ele é mimado e não
compreende limites, quer sempre mais. Ele se conecta com as pessoas para se
compreender melhor, e as larga quando se faz necessário para continuar seu
caminho.

2.2.3 O Herói

O Herói, assim como o Pai, é orientado por valores coletivos. Ele luta,
guerreia e briga, como os grandes heróis da Mitologia. Ele luta pelo avanço ou pela
defesa desses valores. Ele não sabe governar nem preservar aquilo que conquista;
ele protege e destrói. Ele conquista o mundo, mas não sabe o que fazer com ele. Ele
não necessariamente se apropria dos valores que defende, mas se esforça durante
a vida inteira para defendê-los. Ele se sacrifica pelos outros, mas também sacrifica
os outros pelo bem daquilo que defende. Ele abandona tudo para defender o que
quer que seja que ele esteja defendendo. É o guerreiro ou soldado. Aquiles,
Hércules e Siegfried podem ser figuras mitológicas que o representam.
12

2.2.4 O Sábio

O Sábio não briga, não comanda. Ele é o oráculo, aquele que centraliza
conhecimento e saber. Ele é mais orientado para uma idéia do que para uma pessoa
física, específica. Ele ouve, recebe, percebe; Ele lembra figuras como Moisés, o
próprio Oráculo (como idéia) ou o personagem Elrond, do livro O Senhor dos Anéis.
Elrond é Sábio. Apesar de a Terra Média estar em guerra, ele não se envolve
diretamente. Ajuda aqueles que pedem conselhos, e faz analises as situações com
clareza e sabedoria (Whitmont, p. 163, 2002).

2.2.5 As Quatro Polaridades

As quatro figuras assumem quatro polaridades do Yang. A energia masculina


se dispõe e assume formas arquetípicas variadas e, se a energia Yang fluir, o
homem trilhará pelos caminhos do Filho, do Herói, do Pai e do Sábio. Esse caminho
se constrói e foi se construindo durante toda a história da humanidade. Por isso,
para falar delas, usamos imagens mitológicas ou líricas. As personagens são
descrições que se aproximam das figuras arquetípicas e é através delas que
estudamos, na psicologia analítica, as características e vivências dos seres
humanos. É através da análise de símbolos que nos aproximamos daquilo que
chamamos de arquétipos.
Através dessas quatro imagens, encontramos os conflitos masculinos
Pai/Filho e Sábio/Herói. As relações paternais e filiais são constituintes da
personalidade masculina, assim como as relações dos heróis e dos sábios. Essas
relações se desdobram nas vivências conflituosas que o homem enfrenta durante a
Individuação.
Cada homem assume essas posições de acordo com suas experiências de
vida, suas influências paternais e arquetípicas. Ou seja, existem muitas maneiras
diferentes de ser Filho, ser Pai, ser Herói e ser Sábio. Cada indivíduo vai tomar um
posicionamento diante das possibilidades que tem de ser Filho e Herói, quando
jovem, Pai e Sábio quando mais velho. Também não são polaridades que se
restrigem à idade: Um Pai que tenta salvar uma mulher de uma enchente é também
Herói. Em um Filho, que encontra outra criança perdida num Shopping Center, pode
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se constelar a figura Pai, e dar-lhe apoio e ordens. Assim, as polaridades de Yang


se apresentam para os homens de acordo com suas vivências.
É possível que um homem passe sua vida inteira sem entrar em contato com
seu lado Sábio, ou seu lado Pai, ou seu lado Herói. Ou ainda, é possível que quando
pequeno, seja forçado a abandonar precocemente seu lado Filho, pois a ausência
das figuras paternas pode exigir dele uma Paternidade para sua sobrevivência.
Assim, as figuras, como potencialidades arquetípicas do homem, se expressarão
nele de acordo com suas possibilidades, construídas e constituídas durante sua
Individuação.
14

Cap. 3. O Homem e os Deuses

Aproximamo-nos muito daquilo que constitui o homem arquetipicamente.


Adentramos nas raízes arquetípicas masculinas e femininas, do Yin e do Yang.
Considerando que o Yang é a polaridade masculina, destrinchamos as suas
produções mais essenciais, no que tangem o homem e suas vivências básicas. As
quatro polaridades do Yang - do Pai, do Filho, do Herói e do Sábio - nos dão pistas
dos caminhos que os homens trilham durante sua Individuação.
Para aprofundar nas potencialidades masculinas, a autora Jean Shinoda
Bolen escreve o livro Os Deuses e o Homem. Neste livro ela explora a mitologia dos
deuses gregos e descreve cada deus como arquétipos masculinos: Zeus, Poseidon,
Hades são deuses ligados ao arquétipo do pai; Apolo, Hermes, Ares, Hefesto e
Dionísio são deuses ligados ao arquétipo do filho. Aproveitaremos o máximo daquilo
que ela descreve de cada arquétipo e da sua análise do Patriarcado, que ela faz
seguindo a estrutura da mitologia grega e de seus Deuses.
Assim, para compreender melhor como se estrutura a energia masculina nas
vivências do homem, entendemos que o homem não é apenas um, pelo qual
podemos fazer generalizações. Cada homem vive uma dominância arquetípica e
através dela se envolve no mundo. Assim como cada homem, cada Deus tem uma
vivência materna, paterna e filial, e tem de colocar o masculino e o feminino no
mundo. Seguindo essas ideias, Bolen conta um pouco sobre cada homem e sua
dominância arquetípica.
Os arquétipos que apresentaremos não atingem os homens exclusivamente,
pois “(...) em todo homem há, geralmente, mais que um deus em ação (...)” (BOLEN,
1989, p.90). Cada homem, ou mulher, identifica um arquétipo principal dominante,
mas também identifica etapas e momentos que um ou outro arquétipo são os
arquétipos regentes. Os Deuses não definem o comportamento dos homens, mas
lhes dão caminhos arquetípicos pelos quais podem trilhar, cada qual a sua maneira.

3.1. O Leito do Procrusto

A conformidade exigida dos homens pela cultura patriarcal é como o leito do


Procrusto, da mitologia grega. Os viajantes que iam de Mégara a Atenas eram
forçados a se deitar nessa cama de ferro. Se fossem menores, o bandido esticava
15

suas pernas, com um sistema ao das rodas medievais de tortura; se fossem maiores,
eram simplesmente esquartejados para se ajustar a tamanho. (BOLEN, 1989, p. 20)

A metáfora de O Leito do Procrusto ainda vive e impera na vida do homem


moderno. A exigência de adequação mutila o homem e as suas peculiaridades e o
molda aos padrões patriarcais vigentes. Aqueles que nasceram adequados
sobrevivem fortes, quase sem feridas. Os outros, mutilados e desarticulados à sua
forma original, capengam pelo patriarcado, buscando forças para se manter em pé.
Muitos conseguem forças para dar luz às suas verdadeiras imagens, mas também
muitos enlouquecem presos a um molde desconfortável, que não lhes pertence.
O leito do Procrusto é a metáfora do desenvolvimento da estruturação
patriarcal na sociedade. Através do molde básico, dá-se segurança, ainda que de
forma instável e frágil, ao Pai que rege de dentro e de fora de todos nós. Aderimos
ao patriarcado, pois compreendemos que de certa forma ele funciona, apesar de nos
agredir e nos mutilar o tempo todo. Esse Pai é Zeus e ele submete a todos nós a
seguirmos suas ordens e a sermos quem devemos ser para a nossa família e
sociedade.

3.2. A Família Grega

A mitologia grega apresenta o universo através de uma relação familiar. Gaia,


a grande mãe, mulher de Urano, dá a luz a seus doze filhos, os Titãs. Urano,
ressentido com a capacidade procriativa de Gaia, trancafia os doze titãs dentro de
seu corpo, a Terra. Sob dor da violência de Urano, Gaia reclama aos seus filhos o
direito de se vingar de seu pai agressivo. Todos se calam, tomados pelo medo,
menos Cronos. A Cronos, Gaia dá uma foice e um plano escuso. Quando Urano
vem copular com Gaia, Cronos castra seu pai e torna-se a figura masculina mais
poderosa. (BOLEN, 1989, p. 43)
Tomado pelo medo do destino de ser destronado por um de seus filhos,
Cronos, casado com Reia, tenta eliminá-los, ao invés de apenas prendê-los à
maneira de seu pai. Engole todos, antes mesmo de checar sua sexualidade, por
exemplo. Reia, grávida do seu sexto filho, pede ajuda aos seus pais e recebe o
conselho de trocar o bebê por uma pedra envolvida num pano. Assim, Cronos, na
pressa, engole a pedra e não seu filho. Por acaso, seu filho era Zeus. Este é levado
16

para ser criado em segredo por Métis, Titã e Deusa da Sabedoria. Zeus, com a
ajuda de Métis, derrota os titãs, destrona Cronos e o faz cuspir seus filhos. Assim
seus irmãos Hades, Poseidon, Hera, Héstia e Deméter “nascem”. Zeus “tira na sorte”
as partes do mundo com seus dois irmãos (visto que, segundo as leis gregas, as
mulheres não têm direito a posses – o que nos remete novamente às novidades da
queda desse poder de Zeus trouxeram para o mundo). Hades fica com o submundo,
Poseidon com o mar e a Zeus coube o céu; A terra seria a princípio compartilhada,
mas a ela Zeus expande seus domínios.
“Violência gera violência já pela terceira vez consecutiva” (BOLEN, 1989, p.
43). Também, pela terceira vez consecutiva, o feminino é reprimido e tem seus
desejos não ouvidos. Essa estrutura familiar se reflete muito na nossa estrutura
patriarcal. Uma disputa de poder entre filhos e pais e uma repressão do feminino. A
obrigação do filho de dar seqüência à profecia e tomar o poder em mãos, ou mesmo
se submeter a uma figura de poder, seja ela o pai ou o irmão.
Porém, não é só Zeus que sobrevive; Zeus salva seus dois irmãos, que
representaram figuras arquetípicas importantes na vinculação emocional dos
homens. Formam-se os três pilares do arquétipo do Pai, introduzido no capítulo
anterior.
Podemos entender o símbolo da família grega como uma metáfora à família
em construção. O Pai mutila e mata seus filhos, os filhos mutilam e matam seus
pais, todos reprimem e abusam do feminino, e, por fim, Zeus enquadra cada um em
seu devido papel social, obrigando a todos a seguir os desejos do Pater.

3.3. Os Deuses Pais: Zeus, Poseidon e Hades.

Os três arquétipos apresentados dos deuses pais falam de facetas dos


homens em três diferentes níveis arquetípicos: Zeus, que é o Pater dominante,
aquele que é mais forte, que consegue suceder na nossa sociedade. Zeus é o Deus
da lógica, do pensamento, da ordem. Poseidon, que é o Pater que busca
semelhantes conquistas de Zeus, mas encontra um obstáculo à objetividade de
Zeus: sua subjetividade e suas emoções tempestuosas. Oscilando entre as
calmarias e as tempestades, Poseidon se apropria de suas emoções para exercer
seu poder, seja de dominância, seja de vingança. Hades, que, longe de buscar o
sucesso e poder desejado por Zeus e Poseidon, encontra em si mesmo e na sua
17

própria profundeza psíquica o seu reino. Exilado do mundo externo, nas profundezas
psíquicas, Hades reina no seu próprio mundo e, apesar de ser visto como um
estranho, é rico como uma cornucópia, que é um dos seus principais símbolos.

3.4. Os Deuses Filhos: Apolo, Hermes, Ares, Hefesto e Poseidon.

Tal como os três arquétipos pais, os cinco arquétipos do filho tem suas
características e personalidades descritas por Bolen de maneira a conseguirmos
visualizar cada um dos Deuses no homem moderno. Hermes, o mensageiro, que é
extrovertido e serelepe, conquista a todos com sua lábia e prega troças e trapaças
aos desavisados. Apolo, o filho prodígio, é aquele que prometeu espalhar a voz de
Zeus (seu pai) por todo o mundo. Certeiro com seu arco, organizado e pensador
como um bom filho do patriarcado. Ares, o guerreiro robusto, brigão, emotivo,
estratego, é a sombra do patriarcado: a guerra que é tão odiada mas ao mesmo
tempo tão presente na história da sociedade. Hefesto, artesão criativo, também
rejeitado, introvertido e introspectivo, mas, ao invés de brigar, usa suas emoções na
sua criatividade. E por fim Dionísio, cuidado por Zeus e criado por entre mulheres e
ninfas, um homem mais feminino, festejador, amado e adorado, é a criança especial,
emotiva e sensível.

3.5. Tabela 1: Os Arquétipos e Suas Características Principais.

A fim de entendermos melhor o que os deuses podem nos dizer sobre o


homem moderno, preparamos uma tabela semelhante à tabela que Bolen coloca no
final de seu livro. Nessa tabela, colocamos as informações mais importantes sobre
os arquétipos escolhidos pela própria Bolen e destacamos, além do que ela coloca,
aquilo que nos interessa sobre as relações da masculinidade e queda do patriarcado
sobre cada Arquétipo, baseando no que ela dispõe no seu livro.
Na primeira, terceira e quarta coluna, copiamos da tabela do livro, das
páginas 441 e 442.
Na segunda coluna “Categoria” colocamos uma análise nossa
correlacionando cada Arquétipo com a leitura de Whitmont com a de Bolen. Bolen
não comenta sobre os Arquétipos de Herói e Sábio, mas encontramos as
simbologias de cada deus relacionadas aos arquétipos de Herói e Sábio também.
18

Todos os homens podem ser sábios e heróis em algum momento da vida.


Mas é certo que, para se tornar Sábio, é preciso entrar em contato com seu lado
Hades. Da mesma forma, para se tornar Herói é preciso entrar em contato com seu
lado Apolo ou Ares.
Na coluna 3, Papéis Arquetípicos, Bolen coloca características principais de
cada Deus que ajudam na identificação do comportamento que cada arquétipo
costuma encaminhar. Nesse sentido, as descrições não direcionam cada homem,
elas falam sobre quais são suas tendências de comportamento e quais são suas
questões mais importantes. Exemplo: Um homem Zeus pode ter dificuldades de
relacionamento, mas essas dificuldades não fazem dele um Apolo, pois para ser
Apolo se faria necessário tanger outros comportamentos mais relacionados ao Puer
Aeternos e do Herói.
Na coluna 4, Bolen relaciona tipos psicológicos, como apresentamos no
capítulo 1, com cada arquétipo. Isso nos diz sobre cada homem e ajuda a
compreender melhor sobre os arquétipos e diferenciá-los. Por exemplo, podemos
olhar na tabela e achar semelhanças entre Poseidon e Hefesto, mas há diferenças
em outros aspectos importantes, como a constelação categórica; Um é Pai, outro é
Filho.
19

Tabela 1: Os Arquétipos Masculinos e suas Características Principais

Deus Categoria Papéis Arquetípicos Tipo Psicológico Junguiano/


Noção de tempo
Zeus Pai Rei, Pai Céu, executivo, forjador de Geralmente extrovertido,
alianças, namorador. Definitivamente pensamento
Tanto intuição quanto sensação.
Presente e Futuro
Poseidon Pai Rei, Pai terra, homem instintivo, Extrovertido ou introvertido
emotivo, inimigo implacável. Definitivamente sentimento
Passado e Presente
Hades Pai/Sábio Rei Definitivamente Introvertido
Recluso Definitivamente sensação
Atemporal
Apolo Filho/Herói Estipulador de metas, Geralmente extrovertido
Bem sucedido, Irmão Geralmente pensamento
Geralmente Intuição
Futuro
Hermes Filho Comunicador, guia, Traquinas Geralmente extrovertido
Definitivamente intuitivo
Geralmente pensamento
Passado, Presente e Futuro
Ares Filho/Herói Guerreiro dançarino, amante, Definitivamente extrovertido
Homem incorporado Definitivamente Sentimento
Definitivamente Sensação
Presente Imediato
Hefesto Filho Artesão, homem criativo Definitivamente introvertido
Definitivamente sentimento
Definitivamente sensação
Presente
Dionísio Filho Místico, nômade, Amante extático Extrovertido ou introvertido
Definitivamente sensação
Presente imediato ou
atemporalidade
20

3.6. Tabela 2: Arquétipo e a Masculinidade

Na Tabela 2, inserimos a discussão da masculinidade envolta no texto de


Bolen, contextualizando com o tema da queda do patriarcado e da masculinidade de
cada arquétipo.
Na discussão de cada quadro da tabela, atrelamos os conceitos dados por
Bolen à queda do patriarcado e fizemos uma projeção de como cada arquétipo se
estrutura e se estruturará com a queda do patriarcado de Zeus, entendendo, através
das descrições de Bolen de cada arquétipo, aquilo que dele tem a ver com a
masculinidade e a queda do patriarcado.
21

Tabela 2: Os Arquétipos e a Masculinidade

Deus Masculinidade e a Queda do Patriarcado.


Zeus A masculinidade de Zeus é a mais conservadora de todos os arquétipos. Ela
se prende nos aspectos mais arcaicos da estruturação social e é a que mais
se identifica com o patriarcado. O questionamento do patriarcado coloca em
cheque todas as suas concepções de masculinidade. Para ele, masculino é o
homem que tem uma família, com uma mulher e alguns filhos,
preferencialmente homens. O questionamento e a queda do patriarcado irão
bater de frente com seus paradigmas: Ele vai negar a qualquer custo, a fim de
manter sua masculinidade intacta, que o patriarcado está falindo: lutará com
todas as suas forças contra os movimentos de liberdade de direitos dos
outros, em busca do direito de continuar reinando. A queda do patriarcado é
uma ameaça à sua existência. Ele pode ignorar que o patriarcado está em
decadência e ir, aos poucos, caindo em si de que o mundo não é mais o
mesmo. A Zeus cabe desvincular sua masculinidade desses valores, pois se
os mantiver, irá passar sua vida lutando contra o mundo, se sentindo
ameaçado e perseguido pelo feminino em ascensão. Por ser esse o arquétipo
regente da nossa sociedade, é possível que esse seja o comportamento mais
encontrado nas mídias e no senso comum.
Poseidon A masculinidade de Poseidon também está ligada à estrutura patriarcal de
família e tradição. Porém, Poseidon terá ganhos: não haverá ele de lutar tanto
contra suas emoções masculinas, pois o feminino que ascende aceita essas
emoções e o ajuda a crescer. O masculino de Poseidon está ligado à
vingança, mas com a Queda do Patriarcado de Zeus, não mais sofrerá com a
competição tão acirrada que é estimulada pelo patriarcado. Os homens
Poseidon, assim como os homens Zeus, caso estiverem mergulhados nessa
competição e hierarquização patriarcal, terão dificuldades também em aceitar
essa ascensão do feminino e aceitação de novos masculinos. Porém, no
fundo Poseidon saberá que o patriarcado e essa competição lhe fazem mais
mal do que bem: estimulam uma competição mental e racional com a qual ele
não consegue obter sucesso, pois seu masculino é sentimental. Ele deve
deixar sua masculinidade emotiva fluir, sem mais sofrer repressão.
Hades Hades também é um arquétipo Pai, mas a ele não afetará diretamente a
queda do patriarcado. Hades, por ser introvertido e sombrio, tem seu
masculino ligado às suas próprias concepções de masculinidade. Se elas são
semelhantes ou diferentes ao patriarcado não fará diferença no que irá
acontecer. Enquanto o patriarcado cai, Hades será apenas um observador, e
dará continuidade ao seu modo de ser natural, que é desvinculado ao social.
Como foi exigido de Hades que se vincule ao social, é possível que ele tenha
deixado esse arquétipo de lado para tentar se enturmar. Ao homem Hades
22

finalmente será dada a possibilidade de expressar seu masculino da forma


que lhe convém.
Apolo Apolo, assim como Zeus, será combatido de frente na queda do patriarcado e
lutará para que esse se mantenha de pé ou caia. O arquétipo de Apolo irá
levar os homens às ruas para defender os ideais em que foi criado, sejam eles
contrários ou em favor da queda do patriarcado. A ascensão do feminino
permitira Apolo entender seu lado sentimental e emocional, que ele tanto
deixa de lado. Ele verá que, embora essa não seja sua maneira de viver,
existem outras maneiras de expressão do masculino. A queda do patriarcado
enfraquecerá sua luta atual e o encaminhará para outras lutas.
Hermes Hermes dará boas-vindas ao feminino erguido pelo Patriarcado, e dirá a todos
que já sabia o que ia acontecer. Hermes será aquele que apoiará os homens
na caminhada do masculino para uma nova era. Seu masculino, desligado de
valores patriarcais, será legitimado socialmente e ele finalmente vai poder ter
a verdadeira liberdade de ir e vir e de passar suas mensagens. O deus
Hermes é pai de Hermafrodita, o deus da bissexualidade e da androginia. Isso
diz muito sobre sua concepção: O masculino de Hermes deve ser dos
primeiros a dizer que o patriarcado deve cair para que sua masculinidade que
caminha por entre os mundos seja legitimada e fortalecida. Hermes será o
primeiro a pregar troças nos outros masculinos, vestindo-os de feminino e
rindo de sua masculinidade em queda.
Ares Ares é talvez o arquétipo que menos receberá o feminino com bons olhos.
Apesar da sua briga com o patriarcado - sua emoção e espontaneidade contra
o pensamento frio e calculista - Ares teve boa aceitação nos aspectos
agressivos da sociedade. As guerras ainda se mantêm e Ares manterá sua
masculinidade em seu lugar, que é a guerra. Um caminho da masculinidade
de Ares sempre foi o esporte e as danças modernas. O homem que é
emocional e explosivo sempre encontrou aceitação da sua masculinidade
nessas áreas. Talvez agora, ela seja mais valorizada pelo pater na busca de
manter-se no poder. Talvez também nunca se valorizará tanto os esportes de
guerra quanto nesses últimos tempos, onde o arquétipo de Ares pode deixar
fluir sua natureza.
Hefesto Hefesto finalmente poderá se vingar de seu pai Zeus: a queda do patriarcado
lhe dará a chance de mostrar seus valores masculinos de criatividade e
emocional. O repensar o masculino lhe permitira criar nossas possibilidades
de se erguer e aceitar o Pater e sua masculinidade criativa. O medo de sua
exposição provavelmente manterá Hefesto entre aqueles que rirão por último.
Ficará quieto enquanto puder, mantendo seu medo da repressão do
patriarcado, e das risadas que teve quando buscou justiça (Hefesto, ao tentar
pegar em flagrante o adultério de sua esposa Afrodite com Ares, a fim de
23

buscar a justiça dos Deuses, é apenas ridicularizado).


Dionísio Dionísio, que sempre teve sua masculinidade mais deslocada que os outros
homens, se descobrirá cada vez mais aceito socialmente e será
provavelmente um dos arquétipos influentes na aceitação das novas
masculinidades, e do maior contato do homem com a feminilidade. Cada vez
menos será exigida de Dionísio a repressão de sua natureza masculina, que é
a de abraçar o feminino.
24

Cap. 4. Discussão

Como o homem vive a masculinidade nos dias de hoje?


Para responder essa pergunta precisamos entender o que os arquétipos dos
deuses nos apresentaram: os homens tomam diferentes posicionamentos diante da
queda do patriarcado, de acordo com os arquétipos dominantes.
É possível ver, a princípio, três posições principais: Primeiramente, existem
aqueles que se sentem ameaçados pela queda do patriarcado e vivem sob o
domínio do medo. Estes são a grande maioria. Não somente porque estes homens
estejam todos sob o domínio arquetípico de Zeus, mas porque a sociedade está.
Mesmo aqueles que tem fortes influências de outros arquétipos, foram mutilados no
Leito do Procrusto e agora são apenas parte de uma grande massa cuja
masculinidade é racional, objetivista e sexista.

O ponto de vista do feminino, extraído das pesquisas, qualifica o homem


contemporâneo genericamente como assustado frente à nova mulher e pouco
disposto a compromissos e definições de ordem emocional. (MORAES, p. 2, 1999)

Nesse trecho, a pós-doutorada professora Noely Montes Moraes explicita


como podemos entender como é a reação genérica do homem diante da queda do
patriarcado. Entendemos através desse trecho a “nova mulher” como representação
encarnada da queda do patriarcado. A mulher já superou muitos obstáculos e,
dentro da queda do patriarcado, diminuiu drasticamente a repressão do feminino. E,
como consequência desse crescimento feminino, o masculino de Zeus se reprime.

Ao contrário do apregoado pela ideologia patriarcal, os homens não seriam os


primeiros referenciais de humanidade e sim as mulheres. Em relação a elas e contra
elas, é que eles se definiriam. (MORAES, p. 6, 1999)

O masculino pregado por Zeus tem como uma das referências básicas a
supremacia do homem sobre a mulher. Assim, o crescimento do feminino ameaça
esse masculino, que viverá em militância contra esse gênero crescente e tentará
manter a ordem patriarcal do mundo, custe o que custar. Esse crescimento do
feminino é o que evidenciamos no primeiro capítulo como um dos indícios da queda
do patriarcado.
25

Dessa maneira, podemos entender que o homem que passou pelo Leito do
Procrusto e já teve suas diferentes possibilidades de masculinidade podadas e
reprimidas, incorpora as exigências masculinas de Zeus, sendo ele um homem Zeus
ou não. Ele fará um esforço sobrehumano para reprimir suas emoções, e fugirá de
qualquer contato com as mesmas, para que o Pater Zeus o aceite.
Por mais que esse homem Zeus queira defender o patriarcado com unhas e
dentes, vemos que ele não vive esse patriarcado de maneira saudável. Não só
apenas porque ele sofre as mesmas punições que os outros homens, ao tentar sair
das normas desse Pater, mas também porque ele passará a vida inteira buscando
tornar-se o Pater. Vemos sinais de sintomas que nos dão indícios de que o homem
Zeus está sofrendo há muito tempo; comparado com as mulheres, índices maiores
de alcoolismo e adição à drogas, violência, além de altos números em doenças
psicossomáticas (MORAES, 2009).
Porém, o estudo dos arquétipos dos deuses nos permite encontrar que há
outros tipos diferentes de masculinidade e que elas reagem diferentemente à queda
do patriarcado. Diferenciei em outras duas maneiras de reação: a reação opositora
ao patriarcado e a reação independente.
Ao contrário de todos os outros homens, o homem Hades (que conseguiu
atravessar o Leito do Procrusto sem muitos danos) não irá reagir à queda do
patriarcado. Sua masculinidade é introvertida e seu crescimento psíquico está muito
distante da sociedade. Sua relação com o masculino e o feminino se dá
independente do que acontece na sociedade. Assim, vemos homens que não se
afetam por essas questões sociais, e nunca se afetarão. O homem Hades que antes
se manteve distante, manter-se-á distante, a não ser que se faça necessário a
utilização de outros arquétipos durante a sua vida. Só então ele irá se defrontar com
o patriarcado em queda e com um mundo cada dia diferente.
Sendo assim, sobram os arquétipos que terão uma reação opositora ao
patriarcado. Esses outros arquétipos irão, de maneiras diferentes, apoiar a queda do
patriarcado, pois a decadência do patriarcado permitirá a todos novas liberdades.
Hermes tem tudo para ser líder, como pai de Hermafrodito, aquele que defenderá a
libertação do feminino e do masculino. Hermes tem sua masculinidade desvinculada
desse atrito entre o feminino e o masculino. É também guia dos mundos, guiará o
homem e a sua masculinidade para sua liberdade, tal como guiou Perséfone fora do
mundo de Hades.
26

Em conjunto, todos os arquétipos são importantes na queda do patriarcado,


pois eles são referências dos homens. Os diferentes tipos de homem devem lutar
pela liberdade da sua maneira de entender o mundo e contra o patriarcado que
mutila suas diferenças e suas peculiaridades. Cada qual, à sua maneira, buscará
derrubar a masculinidade de Zeus para que a sua possa ser aceita por um mundo
não mais patriarcal. São a estes arquétipos que o homem irá buscar apoio, pois a
masculinidade sem o contraponto da polaridade feminina não será capaz de fazer
frente às demandas da contemporaneidade.
27

Considerações Finais

Apresentamos nos capítulos anteriores um pequeno mapa da masculinidade,


tentando compreendê-la através de uma leitura analítica. O caminho do inconsciente
masculino que traçamos e que atravessa os arquétipos da Anima, Yin e Yang, do
Pater, do Herói, do Sábio e do Puer Aeternus e por fim, dos oito deuses gregos, é
tortuoso e de difícil compreensão se não olharmos para a história da humanidade
ocidental dos últimos 40 anos. É essa história que nos permite usar o termo “Queda
do patriarcado”. Porque o Patriarcado está caindo e quais serão suas
consequências?
Os sintomas da queda do patriarcado, bem como suas curas, começam a
aparecer na revolução feminista nos EUA, que se espalha pelo mundo ocidental, nas
décadas de 60 e 70. O mundo começa uma “terceira guerra mundial”, após dois
milênios de “guerra fria”; uma guerra fria que já se comenta desde 411 a.C, quando
Aristófanes, na Grécia Antiga, escreve Lisístrata (2005). E então, a guerra dos sexos
começa.
A história de Lisístrata não poderia ser mais contemporânea: As mulheres
lutaram para serem ouvidas e conseguiram. Os homens, que sofreram todo esse
tempo em suas guerras, pararam para ouvir, e para descansar. E agora, para onde
vamos? Os homens não sabem viver em paz, mas cansaram de viver em guerra.
Exaustos, mutilados, destruídos, buscam saída para esses novos tempos.
O masculino, que esteve tanto tempo no poder, começa a tomar realidade dos
fatos: sua masculinidade, tão fortemente atrelada à submissão das mulheres e do
feminino e na competição pelo poder foi aos poucos perdendo espaço. Esse
masculino acordou no século 21 cheio de incertezas e inseguranças. Quem é o
homem afinal? O que é ser homem? O que é ser masculino?
Noely Montes Moraes, em seu pós-doutorado “Sob o Domínio do Medo”, fala:

Se a masculinidade é algo frágil, conquistada a duras penas e facilmente


questionada, não admira que o homem viva sob o domínio do medo. É de se esperar
que os comportamentos masculinos se pautem fortemente na defesa contra esse
medo. (MORAES, N. M., 1999)

Essa frase fala em dois pontos importantes: a fragilidade masculina e a


vivência da masculinidade sob o domínio do medo. De onde vem essa fragilidade?
28

Existe uma expectativa social sobre a masculinidade; de que o homem deve


ser forte, deve conquistar aquilo que almeja, deve defender o que é seu e deixar
uma herança e marca no mundo. Será que o homem consegue ser esse homem
ideal?

Não. Esse homem ideal é fruto de uma masculinidade virtual, que foi
projetada e modelada desde a Grécia Antiga. Ela, porém, nunca foi conquistada pelo
homem. Essa masculinidade é incompleta e, a cada dia que passa, se demonstra
mais e mais frágil, pois se baseia em um mundo que nunca existiu. A masculinidade
foi colocada no trono e lá permaneceu tanto tempo e exigiu tanto esforço dos
homens (e mulheres) que só agora foi desvelada sua realidade: O homem é frágil, e
humano. Tão frágil quanto se pensava que eram as mulheres.
O Yang masculino nunca estará completo enquanto não aceitar o Yin. Há
muito a se descobrir sobre a masculinidade e a feminilidade nos homens e nas
mulheres, pois, durante esses últimos milênios, o homem tem se esforçado muito
para permanecer no poder em busca de manter essa masculinidade incompleta,
renegando suas fraquezas. Não só renega sua parte feminina, mas muito de sua
personalidade é reprimida por uma masculinidade idealizada em preceitos de Zeus
Patriarcal.
A revolução feminista deu um primeiro empurrão e o patriarcado começou a
cair, e o todo poderoso Zeus começou a perceber-se ameaçado. Como um rei com
muitos inimigos, os homens vivem uma vida de luta pela defesa de sua
masculinidade, pelo medo de ter seu poder colocado em cheque. O medo e o
cansaço de ter que defender sua masculinidade custe o que custar, seja brigando
num bar, seja elaborando um discurso político, seja ofendendo a masculinidade
alheia. Uns aos outros, os homens se derrubam do trono diariamente, com suas
brincadeirinhas homofóbicas e machismos ofensivos. O homem rasteja de cansaço,
e aos poucos percebe que seu inimigo é ele próprio. Já diria Thomas Hobbes: homo
hominis lúpus (o homem é o lobo do homem).

Na contra parte, a mulher, que viveu todos esses séculos oprimida, hoje se
aproveita da liberdade e da força conquistada. Os problemas das mulheres não
acabaram, mas a revolução pela sua liberdade já se deu há algum tempo, e hoje ela
lapida o machismo e o patriarcado. Elas pularam muitos obstáculos e começaram a
29

correr tão rápido quanto se acreditava que os homens corriam. Um último obstáculo,
porém, se demonstra impossível de pular sozinha: como as mulheres conseguiriam
pular um obstáculo pelos homens?

Esse último obstáculo não é da mulher. É aqui que o homem deve pegar o
bastão na mão e dar continuidade à corrida. A continuidade da revolução feminista
agora é masculina. A mulher já esgueirou sua feminilidade para dentro do
patriarcado e já ganhou muitas liberdades. E o homem? Ganhou liberdades?
É preciso que o homem busque suas liberdades. Os ventos nunca foram tão
favoráveis à queda do patriarcado. Os deuses não tem mais tanta força quanto
tinham antes, e surgem novos deuses para tomar o espaço. O homem moderno se
renova, e deve lutar pelos seus direitos de igualdade e de liberdade.

Qual será o novo arquétipo regente? Entendendo os conteúdos que Whitmont


elabora Yin e Yang, compreendemos que o arquétipo regente não será mais a
patriarcal ou masculina. As energias opostas tendem ao equilíbrio.

(Figura 2: Tao)

Essa imagem representa o começo do mundo, onde ainda nada teve princípio – é
também a condição a ser alcançada pela atitude da sabedoria superior. (Carl Gustav
Jung, XVIII, p. 111, pp. 262, 2008)
30

Bibliografia

ARISTOFANES Lisístrata ou A Greve do Sexo São Paulo: Editora 34, 2002

BOLEN, J. S. Os Deuses e o Homem Uma nova psicologia da vida e dos amores


masculinos. 1989 Trad. Maria Silvia Mourão Neto. São Paulo: PAULUS, 3ª edição,
2010

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JUNG, Carl. Gustav. Aion: Estudo Sobre o Simbolismo do Si-mesmo. Volume IX/1
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JUNG, Carl Gustav. Fundamentos da Psicologia Analítica. Volume XVIII/1 Rio de


Janeiro: Vozes, 2008

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Volume VII/2 Rio de Janeiro: Vozes,


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MORAES, N. M. Sob o Domínio do Medo. (Pós-Doutorado) São Paulo: Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, 1999

PENNA, Eloísa. O Paradigma Junguiano no Contexto da Metodologia


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TACEY, David J.. Remaking Men: Jung, Spitiruality and Social Change. London:
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TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis A Sociedade do Anel. São Paulo, Cultrix


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31

WHITMONT, Edward C. A Busca do Símbolo: Conceitos Básicos da Psicologia


Analítica. São Paulo: Cultrix, 2008

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