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Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais

GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS INDUSTRIAIS


Pós-Graduação em Engenharia de Controle Ambiental – Prof. Vitor A. Torres

COPROCESSAMENTO – ESTUDO DIRIGIDO 2

Participantes:
Bárbara Fernandes Cavalcante
Luiza Crispim de Souza Gonçalves
Vanessa Silva Miranda Paixão

Introdução

Em meados do século XIX, o desenvolvimento industrial evoluiu de forma acelerada,


favorecendo a produção de bens materiais e de consumo. Como resultado, foi detectado um
considerável aumento da poluição ambiental resultante das atividades produtivas. Com isso, a
crescente demanda por produtos industriais e o aumento na geração de resíduos impulsionou
a busca por soluções eficazes na gestão desses materiais. Dentre as diversas alternativas de
tratamentos térmicos, como incineração, pirólise e gaseificação, o coprocessamento é uma
alternativa sustentável e apresenta uma integração como matéria-prima para certos produtos,
como a fabricação de cimento (ROCHA et al. 2011).
O termo de coprocessamento está relacionado quando o resíduo é utilizado como fonte
de calor ou de matéria-prima, com a finalidade de incorporação ao clínquer ou melhorar a
qualidade do produto, sendo uma alternativa de destruição de parte dos resíduos sólidos
industriais (ROCHA et al. 2011). Esta tecnologia tem sido aplicada com êxito na Europa,
Estados Unidos e Japão. No Brasil, esta pratica teve início em 1990 na indústria
cimenteira, uma vez que nas décadas anteriores, o setor dependia significativamente do
petróleo bruto.
Além disso, é essencial implementar medidas de vigilância rigorosas para o uso desses
resíduos nos fornos de clínquer. Isso se deve ao fato de que, durante a queima dos
resíduos, podem ser emitidos compostos voláteis e metais pesados que representam
possíveis riscos para a saúde ocupacional e o meio ambiente. No Brasil, os órgãos
ambientais estatuais em conjunto com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais – IBAMA são responsáveis pelo controle, fiscalização, monitoramento
e licenciamento de atividades potencialmente poluidoras. E de acordo com a Resolução
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CONAMA n° 499, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de 06 de outubro de 2020,


estabelece diretrizes para a concessão de licenças para a atividade de coprocessamento
de resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer. Conforme essa resolução,
resíduos sólidos urbanos, provenientes de estabelecimentos comerciais, prestadores de
serviços e serviços públicos de saneamento básico podem ser destinados ao
coprocessamento, desde que sejam submetidos a seleção, classificação ou tratamento
prévio.
Portanto, a autoridade ambiental tem a prerrogativa de aprovar o
coprocessamento de resíduos que contenham concentrações de poluentes orgânicos
persistentes acima dos limites estabelecidos pela legislação, desde que haja evidências
de benefícios ambientais.
Alguns materiais estão isentos dos critérios de licenciamento, como carvão
mineral, gás natural, óleos combustíveis, briquetes de carvão, coque de petróleo e
coque residual de gaseificação de carvão, metanol, etanol, carvão vegetal, serragem de
madeira não tratada, resíduos vegetais provenientes de atividades agrícolas (como
bagaço de cana-de-açúcar e trigo), resíduos vegetais provenientes da indústria de
processamento de produtos alimentícios (como cascas e bagaços cítricos), resíduos
vegetais fibrosos provenientes da produção de pasta virgem e papel, sucatas de metais
ferrosos e não-ferrosos (classificadas como resíduos não perigosos pela ABNT NBR
10.004), resíduos de matérias têxteis (classificados como resíduos não perigosos pela
ABNT NBR 10.004), resíduos de construção civil e demolição, resíduos refratários, vidros
(incluindo mangas filtrantes, EPIs, borracha, cabos elétricos e papelão) e resíduos
resultantes do processo de triagem realizado por cooperativas e associações de
catadores de materiais recicláveis.

Revisão bibliográfica

O coprocessamento tem se estabelecido como uma colaboração vantajosa para


as empresas que produzem resíduos, uma vez que possibilita a reintegração desses
resíduos na indústria de cimento (Figura 1). Dessa forma, a indústria cimenteira
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consegue preservar recursos naturais e reduzir a emissão de gases do efeito estufa.


Nesse processo, são empregados combustíveis fósseis e matérias-primas, sendo
notáveis entre eles os pneus, a mistura de resíduos (blend), serragem impregnada com
óleo, solos contaminados, solventes e óleos usados.

Figura 1 – Reutilização de resíduos na indústria cimenicia.

Fonte: AGUIAR et. al, 2021.

Em 2012, Huang fez um alerta sobre a emissão excessiva de metais pesados na


China devido ao uso do coprocessamento em fornos industriais. No Japão, houve
melhorias significativas nesse problema com a implementação de um sistema de
classificação de resíduos. No Brasil, o coprocessamento está ganhando destaque como
uma prática em crescimento, embora seu desenvolvimento esteja sendo planejado,
levando em consideração os potenciais impactos negativos na saúde humana e no meio
ambiente. Para reutilizar os resíduos de forma responsável, é fundamental estudar um
processo que não cause impactos ambientais adversos.
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No Japão, antes de passarem pelo coprocessamento, os resíduos são submetidos


a um rigoroso processo de classificação, o que reduz os riscos associados ao manuseio
desses materiais. No Brasil, a ABNT NBR ISSO 10.004 estabelece a classificação dos
resíduos em duas principais categorias:
 Classe I: Resíduos Perigosos.
 Classe II: Resíduos Não Perigosos.
Classe II A: Resíduos Não Inertes – Apresentam propriedades como
biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água.
Classe II B: Resíduos Inertes – Mantêm suas características quando em contato com a
água.
A geração de resíduos no Brasil é substancial. Em 2018, por exemplo, foram
geradas 1.376.199.686 toneladas de resíduos sólidos, 490.650 m³ de resíduos líquidos e
3.141.512 unidades de resíduos. Para aproveitar esses resíduos como fonte de energia
ou matérias-primas na indústria de cimento, eles precisam ser preparados em sistemas
de mistura e homogeneização, como blendeiras. Nessas unidades, são produzidos
blends de resíduos com alto poder calorífico, que posteriormente serão submetidos ao
coprocessamento.
Uma avaliação das condições de trabalho e saúde dos trabalhadores envolvidos
no coprocessamento de resíduos tóxicos em fornos de cimenteiras de Cantagalo
identificou deficiências no processo de trabalho, resultando em problemas de saúde
entre os funcionários.
Apesar da ampla adoção do coprocessamento em todo o mundo, há escassez de
estudos que aprofundem o conhecimento detalhado dos resíduos envolvidos. Portanto,
é essencial promover novas investigações para desenvolver melhorias nos processos de
controle ambiental e fiscalização.
Com base nas pesquisas conduzidas por Aguiar, Mattos e Esteves (2021), que
abrangeram todas as regiões do Brasil, observou-se que a Classe I é predominante no
país (Figura 2). Os resíduos de Classe I são predominantemente caracterizados pela
toxicidade, devido aos processos de trituração, picagem e tratamento físico-químico,
que envolvem a mistura de resíduos com serragem e cal para reduzir a umidade,
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tornando-os mais adequados para a queima. Os resíduos líquidos, também da Classe I,


apresentam maior inflamabilidade em comparação com os sólidos, mas a toxicidade
continua sendo a característica predominante.

Figura 2 – Classificação dos resíduos sólidos e líquidos.

Fonte: AGUIAR, MATTOS e ESTEVES, 2021.

Ao concluir a pesquisa, foi evidenciado que a produção anual de resíduos média


atingiu 79.015,82 toneladas, enquanto a produção anual de blends totalizou 30.650
toneladas, representando aproximadamente 62% do total encaminhado para destinos
diferentes. Isso indica que o coprocessamento não representa uma solução definitiva
para a eliminação de resíduos, uma vez que a maioria dos resíduos recebidos não foi
aproveitada pela blendeira, resultando na geração de resíduos e rejeitos adicionais que
precisaram ser direcionados para outros destinos.
É relevante ressaltar que muitos pesquisadores consideram o coprocessamento
como uma abordagem de duplo ganho, pois permite tanto a destinação adequada dos
resíduos quanto seu aproveitamento como fonte de energia em algumas indústrias. No
entanto, tais casos requerem uma análise cautelosa. No Brasil, atualmente, cerca de
vinte blendeiras e trinta e oito fornos de cimento estão licenciados para a prática de
coprocessamento, tornando-o o segundo principal destino de resíduos industriais. De
acordo com a pesquisa de Aguiar, Mattos e Esteves (2021), foram identificados os
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principais impactos ambientais ao longo da cadeia de processamento de resíduos


industriais na produção de clínquer, com foco nas unidades de transporte e
clinquerização durante todo o ciclo de vida dessa cadeia.
Na fase de transporte, foram avaliadas as distâncias entre os geradores de
resíduos e as unidades de blendagem, bem como o transporte dos blends preparados
nas blendeiras até as cimenteiras para o coprocessamento. A análise englobou todas as
entradas de matérias-primas e insumos, bem como as saídas de emissões atmosféricas,
líquidas e geração de resíduos. Os impactos foram avaliados em várias categorias,
incluindo toxicidade humana, ecotoxicidade marinha, mudanças climáticas, depleção de
recursos fósseis, depleção de metais, uso da terra agrícola, radiação ionizante, depleção
de água, ecotoxicidade da água, uso da terra urbana, acidificação terrestre, formação
de ozônio fotoquímico, ecotoxicidade terrestre, formação de material particulado,
eutrofização marinha, transformação da terra natural e eutrofização da água. Esses
parâmetros foram agrupados em três categorias principais: saúde humana, recursos e
ecossistema.
Os resultados indicaram que a fase de clinquerização é a mais impactante na
cadeia de coprocessamento de resíduos, em comparação com a fase de transporte.
Além disso, a toxicidade humana foi identificada como o impacto mais significativo a
curto prazo. A pesquisa também mostrou que, a longo prazo, ambas as fases contribuem
para impactos na saúde humana devido à proximidade dos trabalhadores com os
resíduos e à exposição direta a substâncias potencialmente perigosas, bem como à
inalação dessas substâncias.
Outros impactos críticos que necessitam de monitoramento direto incluem a
qualidade dos recursos hídricos, como a toxicidade e a eutrofização da água. As águas
nas proximidades das fornalhas e cimenteiras podem receber substâncias tóxicas ou
contribuir para a eutrofização, afetando a qualidade da água e a biodiversidade
aquática, além de impactar negativamente todo o ecossistema aquático.
Por fim, os autores recomendam estudos para otimizar os procedimentos
operacionais no coprocessamento e intensificar programas de prevenção à poluição,
visando a redução das emissões. Além disso, sugerem um controle ambiental mais
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rigoroso por parte das autoridades, abrangendo a monitorização de metais no solo e na


água, bem como a avaliação de gases e partículas na atmosfera nas áreas influenciadas
pelas blendeiras e fornos de coprocessamento.
A pesquisa realizada por Aguiar, Aluizo e Paulo (2021) teve como objetivo
investigar os principais impactos ambientais resultantes da promulgação da nova
Resolução CONAMA nº 499/2020, que autorizou o coprocessamento de embalagens e
sobras pós-consumo de agrotóxicos, previamente proibido. O estudo comparou o
Sistema de Campo Limpo, amplamente reconhecido como referência global em logística
reversa, com o Coprocessamento de embalagens de agrotóxicos.
O Sistema de Campo Limpo (CL) compreende a coleta e o reprocessamento,
resultando na produção de novas embalagens a partir da resina pós consumo. Já a
técnica de coprocessamento (CP) possui como uma das principais finalidades a redução
do consumo de combustíveis fósseis e matérias-primas na fabricação de cimento (Figura
3).

Figura 3 – Sistema CL e CP das embalagens de agrotóxicos.

Fonte: AGUIAR, ALUIZIO e PAULO, 2021.


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Embora o Sistema CL seja amplamente adotado, abrangendo até 94% da


reciclagem de embalagens de agrotóxicos, a nova Resolução CONAMA nº 499, de 6 de
outubro de 2020, estabelece o licenciamento da atividade de coprocessamento (CP)
dessas embalagens em fornos rotativos de produção de clínquer. De acordo com os
autores, essa medida representa um retrocesso ambiental, uma vez que os agrotóxicos
contêm Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) caracterizados por toxicidade,
volatilidade e bioacumulação. Quando manuseados pelos trabalhadores das
cimenteiras, esses produtos apresentam riscos para a saúde humana e contribuem para
o agravamento das mudanças climáticas devido à geração de CO2.
Nesse contexto, Aguiar, Aluizo e Paulo (2021) conduziram uma Avaliação do Ciclo
de Vida (ACV) dos dois sistemas mencionados. Os resultados revelaram que o Sistema
CL apresenta impactos ambientais menores em várias categorias, incluindo uma
redução de 7% na ecotoxicidade marinha, 12% na categoria de mudanças climáticas, 2%
na ecotoxicidade da água e 1% nas categorias de formação de material particulado,
formação de oxidantes fotoquímicos e toxicidade humana. Portanto, os autores
recomendam a priorização e a continuação do Sistema CL como a opção preferencial
para a destinação de resíduos de agrotóxicos com elevado risco ambiental.

Referências acadêmicas
AGUIAR, D.B., ALUIZIO, U., PAULO, V. Impactos ambientais regionais decorrentes da mudança
da legislação ambiental para coprocessamento de agrotóxicos. Revista S&G 16, 3, 2021
Disponível em: <https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1743>. Acessado em:
setembro 2023.

AGUIAR, D.B.; MATTOS, U. A. O.; ESTEVES, V. P. P. Perfil dos resíduos industriais enviados às
blendeiras fluminenses para tratamento destinado ao coprocessamento. Revista Ibero-
Americana de Ciências Ambientais, v.12, n.7, p.236-243, 2021.

CONAMA. Resolução CONAMA/MMA n°499, de 06 de outubro de 2020.

DE AGUIAR, D. B., DE OLIVEIRA MATTOS, U. A., ESTEVES, V. P. P. Avaliação do ciclo de vida da


cadeia no coprocessamento de resíduos industriais. Revista IberoAmericana de Ciências
Ambientais, v. 12, n. 6, p. 377-386, 2021.

ROCHA, S.D.F.; LINS, V.F.C. e SANTO, B.C.E. Aspectos do coprocessamento de resíduos em


fornos de clínquer. Engenharia Sanitária Ambiental, v.16, n.1, jan.-mar./2011.

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