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Num.

149 • Mar — Abr 2019

O lema Uma só alma e um só coração dirigido a Deus em torno de um coração, próprio


da tradição agostiniana, inspira a vida e as atividades da Família Agostiniano-Recoleta em 2019.
Famílias, comunidades educativas, voluntários, simpatizantes e consagrados, com nossas

Comunhão
diferenças, queremos ser “unidade” por meio do nosso amor a Deus e pelo serviço à sociedade.

na diversidade
S
anto Agostinho, bispo de Hipona, tinha uma A Família Agostiniana Recoleta, presente nos cinco
grande sensibilidade tanto para apreciar as re- continentes -ou nos seis, se levarmos em conta o con-
lações harmoniosas entre amigos como para tinente digital- tem uma grande missão a cumprir nos
sofrer com qualquer conflito envolvendo discórdia e diferentes países e ministérios em que está presente,
divisão. Como bispo, ele teve que enfrentar o cisma seja como religiosos ou religiosas de vida ativa, seja
donatista, uma divisão dentro da Igreja no Norte da como monjas contemplativas, seja como leigos no
África, cujos erros ele teve que desvendar e até se campo em que atuam. Esta missão se resume antes
libertar de suas agressões físicas. de tudo em testemunhar e proclamar a beleza da
Não é surpreendente, portanto, que algumas pas- comunhão, que é um mistério, um dom de Deus, mas
sagens dos Atos dos Apóstolos, que destacam que os também um desafio que deve ser assumido, um ideal
cristãos da Igreja primitiva de Jerusalém tin- a aspirar dentro da diversidade.
ham apenas um coração e uma alma e vi- O lema adquire expressão plástica no
viam todos juntos e tinham tudo em co- logotipo formado, entre outros ele-
mum, foram a fonte de inspiração e mentos, por um coração flamejan-
que na Regra escrita por ele para te que, para santo Agostinho, é
os monges podemos ler: Em pri- o centro, sede e base de união
meiro lugar - já com este fim vo- de todas as capacidades hu-
cês se congregaram em comuni- manas: cognitiva, afetiva e
dade - vivam unânimes em casa espiritual, símbolo do amor.
e tenham uma só alma e um só Esse coração parece parti-
coração orientados para Deus. do, sinal da diversidade de
O desejo de comunhão, em vocações dentro da Família
última instância motivado pela Agostiniana Recoleta, mas
busca de Deus, é a marca regis- que se encaminham à união no
trada daqueles que assumem o amor. No coração há uma cruz,
ideal de vida da marca agostiniana, cujo significado é claro para um
mesmo que no fundo seja um ideal de cristão: o amor de Deus manifestado
vida que São Lucas propõe nos Atos dos em Cristo que morreu na cruz.
Apóstolos, para todos aqueles que “creem”, ou seja, O amor é a linguagem que é entendida em todas as
para toda a Igreja. culturas e povos. Por esta razão, esta logomarca pre-
A Família Agostiniana Recoleta fez uma escolha tende expressar que os membros da Família Agosti-
clara para marcar sua vida de seguir a Jesus na Igreja niana Recoleta devem se lançar a comunicar o amor
com este lema: Uma só alma e um só coração dirigido a Cristo e aos irmãos onde quer que haja pessoas se-
a Deus. É uma opção que responde aos desejos pro- dentas de Deus, de amor e por verdade.
fundos do coração humano: busca de Deus, que é be- O amor de Deus não tem horizontes, de modo que os
leza infinita, plena felicidade; e desejo de profunda portadores deste amor devem saber romper limites,
união com o semelhante: viver em concórdia e ami- como Jesus Cristo e como a Igreja, e estar presentes
zade, desejar a paz, desfrutar o encontro, desfrutar nos ambientes mais necessitados dele e de sua sal-
no serviço e fazer o bem. vação.
Uma só alma e um só coração
2

Recorremos ao agostiniano recoleto Enrique Gómez para saber melhor o que Agostinho de Hipo-
na quis dizer quando falou em ser uma só alma e um só coração. Veremos as influências bíblicas
de autores clássicos; a interpretação de autores modernos; e, acima de tudo, compreenderemos
que o testemunho de unidade só é válido e real quando envolve corpo e espírito, bens e atitudes,
ideias e ações.

Uma imagem vale mais


do que mil palavras

E
m certa ocasião, com a gra-
ciosidade que caracteriza
seus desenhos, a irmã Rosa
plasmava o ideal agostiniano de
vida com um casal de grandes ca-
beças. Eles olham um para o outro
nos olhos, unidos pelas duas mãos
e com os pés apoiados nos pés do
outro. Com tal atitude, ambos de-
lineiam a silhueta de um coração e
sobem para o céu, inseridos em um
balão da mesma maneira. A pinto-
ra combinou assim a unanimidade
e a concórdia dirigida a Deus com
a qual a Regra começa (cf. 1, 2) e
o conhecido aforismo que quase Mas esta referência explícita é envolve a fusão de corpos como
conclui as Confissões (cf. 13, 10). enriquecida com outras implícitas um sinal de comunhão, de acolhi-
que resultam na proposta cristã de mento e de dom total de si mesmo
Em princípio, pensa-se que esta existir em, desde e para o outro,
conexão é redundante, já que ape- (Rocchetta).
sendo ambos uma unidade sem
nas a frase da Regra já fornece as detrimento da própria identidade. Outra ideia seria a intuição amis-
ideias necessárias para represen- tosa, explorada tanto na antigui-
tar a imagem. No entanto, con- Essa ideia pode ser formulada de
dade clássica quanto na cristã, de
sidero a sinapse enriquecedora, várias maneiras. Uma das formas
é o enunciado matrimonial do Li- ser duas almas em um corpo ou
porque a biografia espiritual do
vro do Gênesis, “se faz uma só car- de ser a metade de minha alma ou
bispo de Hipona nos ajuda a com-
preender o alcance deste que deve ne” (2,24b), que revela como este meu alter ego, que é pela qual opta
ser o nosso lema existencial. Não sacramento humano implica uma Agostinho de Hipona em seus es-
é de surpreender que os estudio- união tão profunda e completa que critos e em sua vida.
sos inclinam-se a colocar as duas
frases entre 397 e 401. Portanto,
são contemporâneas.
C ara é a amizade dos homens pela união que faz de muitas
almas com o doce nó do amor (Confissões 2,10);
Inundados pelo Espírito
Sem dúvida, a fonte direta do pro-
pósito agostiniano é a comunida-
B em disse um amigo dele que ‘era metade de sua alma’.
Porque senti que ‘a minha alma e a sua não eram
mais do que uma em dois corpos’ (Confissões 4,11).
de cristã primitiva, uma vez que
Jesus ressuscitou e que o Espírito,
unificador na caridade, derramou-
se sobre essa comunidade. No li-
vro dos Atos dos Apóstolos ecoa que
Q uem nos conhece a mim e a Alípio, diria que so-
mos dois, apenas pelo corpo e não pela alma,
tais são: nossa concordância e intimidade leal (Carta
a multidão dos crentes tinha um só 28,1, cf. Confissões 2,10; 4,13).
coração e uma só alma (4,32a), uma
expressão que Agostinho escolhe
como uma espécie de lente para
ler toda a boa nova do Evangelho.
3

Presença íntima dos aliança que faz de vários um só, de nos Recoletos devamos interpre-
modo que não se fala mais da pró- tar nossa vida fraterna como uma
amigos pria pessoa, mas da única pessoa tentativa de cristalizar na história
de Cristo. essa ontologia pessoal de amizade
De acordo com Lain Entralgo,
Em suas Confissões, explica com um da qual falou Laín Entralgo e que,
Aristóteles se refere à amizade
vocabulário pelo menos semelhan- em um ambiente mais pastoral,
como dois marchando juntos, por-
te ao usado na Regra, que denota o Agostinho apresenta como a ple-
que os amigos têm apenas uma
fundamento amigável sobre a qual nitude da empatia: habitar uns nos
alma em dois corpos; e a descreve
ele constrói sua proposta religiosa. outros como máximo testemunho
como virtude caracterizada pela
de amor mútuo, sendo capaz de
benevolência recíproca, a igualda- Além disso, disse na nota final da
compartilhar e participar do mais
de e a comunidade de sentimentos descrição de uma certa experiên-
íntimo de cada pessoa, da mesma
e de vida, onde a unanimidade ou cia comunitária sendo maniqueo:
forma como expressa o vocabulá-
concórdia tem um papel funda- Estes signos e outros se- rio intimista escolhido -alma, co-
mental, já que nos com- melhantes, que se ori- ração- (Cipriani).
portamos com o amigo ginam do coração de
como se fosse conmigo Portanto, não é por acaso que os
amantes e amados, e que
mesmo, ao ver no outro laços estabelecidos entre os Agos-
se manifestam com a
a mim mesmo. tinianos Recoletos se apresentam
boca, a língua, os olhos
nas Constituições com expressões
Isso também é expres- e mil outros movimentos
como a fraternidade amistosa (cf.
so nas Escrituras quan- agradáveis, eram o com-
18; 43) ou a amizade fraterna (cf.
do diz que Jônatas bustível da chama que
196; 44; 176).
amava Davi como a si unia as nossas almas e de
mesmo (1Sm 20,17); e Agostin- muitas se tornava uma só.
ho capta a ideia descrevendo em Comunhão de bens
É digno de destacar desta última
suas cartas o amigo como outro eu
(ver ep. 38.1) ou como a outra alma
citação, que a unanimidade e a para verificar
concórdia possibilitada pela ami-
minha (ep. 110.4).
zade implica uma fusão existen- A partir da unidade na diversida-
Cícero, mais próximo de Agostin- cial referencial encorajada pelo de que a amizade proporciona se
ho e bem estudado por ele, repete fogo do amor benevolente ou, o compreende o resto da Regra, que
essa máxima aristotélica e refere- que dá no mesmo, amar recíproco para alguns enfatiza valores, ao in-
se à amizade como um acordo que e desinteressado, odiando o que é vés de detalhes (T. F. Martin), em-
transforma o amigo em um dublê prejudicial: bora estes sejam indispensáveis
do amigo, ou que mistura as al-
Não há amizade verdadeira, ex- para que aqueles virem realidade.
mas umas com as outras até qua-
se fazer das duas uma só. Assim, ceto entre aqueles com os quais Somente os gestos tornam visíveis
acentua sua dimensão “política” e você consegue unir através da ca- a sensibilidade e a benevolência
a conformidade de sentimentos, ridade. recíproca daqueles que unem o
pensamentos e desejos. Não surpreende que alguns au- Espírito. Em vista disso, para al-
Nessa perspectiva, Agostinho o tores resumam o carisma agosti- cançar a unanimidade e a concór-
concebe como um modo peculiar niano como amizade (van Bavel, dia, devemos em primeiro lugar
de virtude que liga amigos a uma Tack, Viñas) e que os Agostinia- passar pela plena e completa co-
munhão dos bens materiais.
É a fonte e a manifestação do amor
aos irmãos, já que é difícil viver no
outro, raramente podemos com-
partilhar o mais profundo de nós
mesmos com os irmãos, se antes
não somos capazes de compartil-
har nossa exterioridade.
Unindo ambas as dimensões, ex-
terna e interna, podemos fazer
com que todas as nossas comu-
nidades sejam união “de monjas”,
quer dizer, luminárias, um enér-
gico e radical testemunho (T. F.
Martin) para a Igreja e para o mun-
do que nos amamos de tal maneira
que não há multidão na comunida-
de, mas sim unidade.
Formar-se para viver em comunidade
4

A vida comunitária tem algo inato porque as pessoas são sempre seres sociais.
Mas também precisa de aprendizado e prática. Sobre isso falamos com Kenneth
Joseph Onda (Brooke’s Point, Palawan, Filipinas, 1982), formador de religiosos no
Recoletos Formation Center nas Filipinas.

O
Centro de Formação Recole- Não estamos satis-
tos, localizado na cidade de feitos só com propor
Quezon, na Grande Mani- ideais e valores, e adi-
la, foi fundado há mais de 20 anos. cionamos aquilo mais
Mais de cem filipinos recoletos prático: a comunhão
formaram-se aqui. Em 2019 há 21 de todos os bens ma-
religiosos de profissão simples e 7 teriais e espirituais;
diáconos, acompanhados por 10 e entender a necessi-
formadores. dade indesculpável de
participar de toda a
O programa de formação busca que
vida comum.
os religiosos assumam seu próprio
carisma, vivendo e promovendo Para viver juntos
o espírito de comunidade. Mais como irmãos, a li-
concretamente, o religioso con- bertação interior é
Oito meios de ensinar
centra-se nos valores das Consti- necessária. Através do acompa-
a viver em comunidade
tuições da Ordem, da Forma de Viver nhamento pessoal, os formandos
de Frei Luís de Leão adaptados ao aceitam, compreendem e acolhem 1. Oração em comum
nosso tempo e outros documentos gradualmente os demais. Este pro- 2. Lazer em comum
formativos da Igreja e da Ordem. cesso garante a própria aceitação, 3. Acompanhamento pessoal
o respeito mútuo e a capacidade
Os seguintes seriam os valores 4. Reuniões regulares
de ouvir e dialogar.
básicos: ter Deus como centro; 5. Estudos teológicos
amor à verdade; ter assiduidade O conhecimento mútuo é facili-
e humildade na oração; praticar a tado, e grande esforço é feito para 6. Formação em valores
autodisciplina e frugalidade; cons- promover a comunicação em to- 7. Colaboração entre
truir fraternidade; ser um discípu- dos os níveis, porque a falta de formadores e formandos
lo missionário; ser um testemunho comunicação cria problemas reais 8. Responsabilidades
profético da comunhão; ser um de isolamento e reclusão. A vida e deveres domésticos.
homem para a comunidade e não comunitária é impossível sem co-
para si mesmo. municação.

Vamos agora
Um ministério de presença, com
C
para um subúr- armencita Librinca Indo- panhia e o apoio emocional; as
bio de Sydney los (Toledo, Cebú, Filipinas, principais ações: a escuta atenta,
1963) é formada em Co- aconselhamento, oração, carinho
para descobrir
mércio, em Cuidados Geriátricos e ou, simplesmente, estar com eles.
como as dife-
de Saúde em centros de formação É assim que Carmencita descreve:
rentes vocações
nas Filipinas, Espanha e Austrália, “Meu trabalho diário é escutar
da Família Agos-
onde mora desde 2009. As Augus- suas histórias de vida, o que me
tiniana Recoleta vivem essa tinian Recollect Sisters estão lá há
unidade na diversidade. Uma permite realmente amá-los mais;
31 anos. Primeiro trabalharam em suas tristezas, mesmo aquelas que
comunidade de Augustinian uma escola e um centro para imi- não se lembram, os enchem de tris-
Recollect Sisters, Congre- grantes filipinos, mas desde 1996 tezas. Através dessa companhia
gação feminina missionária cuidam dos idosos filipinos após tento entender seus sentimentos.
filipina, atende emigrantes uma vida de trabalho na Austrália.
idosos. Uma residência de Acredito que os verdadeiros he-
A Residência Santo Ezequiel Mo- róis silenciosos são os cuidadores,
idosos na Oceania pode ser
reno fica em Doonside (Nova Ga- que conseguem dos residentes seu
um lugar de união e comun-
les do Sul), a 40 km a oeste de Syd- sorriso, sua gratidão. Em muitos
hão? ney. O principal ministério dessas casos, apenas com essa presença,
missionárias é a presença, a com- eles conseguem que os idosos
Leigos que crescem e se fortalecem
5

Aos membros da Fraternidade Secular Agostiniana Recoleta de Querétaro, no


México, pedimos que nos contassem como é vivido o carisma da comunidade na
perspectiva da vida leiga: todos têm suas famílias, empregos e amigos, mas ainda
assim se consideram unidade em comunidade. Como conseguem?

S
empre que nos reunimos na dade de compartilhar, participar, O caminho fica mais leve quando
Fraternidade, na formação, dizer o que sentimos e pensamos, se acompanha o irmão. Por isso,
celebrações, retiros, orações e de escutar... Descobrimos um além de nossos encontros e cele-
ou confraternizações, sentimos pouco mais o coração de cada um brações, mantemos ações de so-
que nossas almas se unem. e somos capazes de construir laços lidariedade (na foto, o chamado
de compreensão, identificação, Unidos por um pão) para colocar,
A oração em comunidade é para
compaixão e confiança. de forma prática, um grãozinho de
nós, muito importante, já que nos
preenche e nos nutre; pedimos Há também intercâmbio nos pon- areia por um mundo fraterno.
ao Espírito Santo que fortaleça tos de vista, inevitavelmente dife- Ser Fraternidade implica olhar-nos
os dons e carismas de cada um. rentes, que nos lembram da impor- com amor, numa perspectiva de
Assim, somos mais fortes e pode- tância de permitir que governe o generosidade; e entender que fo-
mos oferecer um serviço melhor amor e a humildade. mos chamados a seguir o caminho
a Deus e aos irmãos. Ter um só juntos, apoiados uns nos outros; e
Propomos o mesmo objetivo: con-
coração para amar e perdoar nos nos tornamos um só coração e ser
hecer a Verdade e alcançar a felici-
ajuda a crescer juntos como pere- um mesmo espírito.
dade. Juntos é melhor: modelamos
grinos à Cidade de Deus.
nossa vida segundo o
Os tempos de formação nos aju- carisma agostiniano
dam a teorizar e interiorizar, mas recoleto; e nossas di-
também a compartilhar a mensa- ferenças formativas e
gem e as experiências que a Pala- de perfil nos possibi-
vra nos inspira. E temos a certeza lita diferentes pontos
de que, diante de uma necessidade de vista, uma grande
ou problema, a Fraternidade se riqueza.
une e se torna um baluarte, fazen-
O extraordinário é
do-nos sentir uma parte importan-
quando percebemos
te de uma família.
como estamos cres-
O material de formação nos dá cendo cada um e per-
conhecimento e facilita as re- dendo o medo de ser-
flexões, mas também a oportuni- mos julgados.

mpanhia e apoio dos idosos na Austrália


mantenham essa fé, essa espe- Como religiosas estamos muito dotal; incluso todas as paróquias
rança, esse desejo de continuar longe, isoladas das outras comu- têm frequentes vigílias de oração
adiante. nidades. Para nos sentirmos mais pelas vocações.
unidas, muitas vezes temos reu-
Nosso trabalho como comunidade O lema Uma só alma e um só coração
niões comunitárias, diálogo contí- não está longe do estilo de vida
aqui exige, por causa dos grandes nuo. Somos a única comunidade da australiano. Sua primeira santa,
desafios, as virtudes da humilda- Família Agostiniana Recoleta na Maria Mackillop da Cruz, viveu
de, paciência, compreensão e res- Austrália, quase não há vocações em comunidade; entendem nossos
iliência. locais para a vida religiosa e sacer- momentos próprios de vida e res-
peitam essa intimidade; gostam de
participar de nossas celebrações,
disfrutam por exemplo da alegria e
a comida filipina.
A comunidade católica filipina re-
presenta uma contribuição im-
portante para a Igreja Católica
Australiana, como o próprio Nún-
cio indicou em várias ocasiões”.
400 anos de comunidade em Roma
6

A experiência da comunidade da família Agostiniana Recoleta leva-nos agora a


Roma, onde a comunidade da Via Sistina celebra o seu quarto centenário. Das
mãos de um dos membros desta comunidade, Gustavo Camarena (Arandas, Jalis-
co, México, 1986), abordamos este exemplo de unidade na diversidade.

O
Colégio de Santo Ilde- colombiano, um costarriquenho e
fonso e Santo Tomás de um espanhol.
Vilanova e seu templo em
Dois estudam para o doutorado
Roma, é uma das mais antigas ca-
em Ciências Patrísticas (Augusti-
sas dos Agostinianos Recoletos.
nianum) e em História Eclesiástica
Foi fundada em 1619 com a apro-
(Universidade Gregoriana); três de-
vação do papa Paulo V como re-
sidência do procurador geral e de les estão cursando licenciatura em
outros frades que vieram a Roma. Ciências Patrísticas (Augustinia-
num), Direito Canônico e Teologia
Em quatro séculos foram só 12 Espiritual com especialização em
anos sem comunidade ou com a Formação Vocacional (Gregoriana);
casa quase vazia: entre 1809 e e outro estuda Sagrada Escritura
1814, na ocupação napoleônica; e (Pontifício Instituto Bíblico). A imen-
entre 1942 e 1949, por causa da sa oferta acadêmica e cultural
Segunda Guerra Mundial. complementa com cursos, seminá- casa; a atenção aos pobres, aos
Em 1929 as Constituições e o Plano rios e conferências nas universida- fiéis que se aproximam do templo;
de Estudos da Ordem são renovados des e nos dicastérios vaticanos. no serviço às capelanias...
e foi fixada na casa a sede dos es- O ritmo de vida da comunidade Pessoalmente, tenho consciência
tudantes da Ordem. Pio XI, em au- é marcado pelo horário escolar e de que fui enviado a Roma com
diência privada ao prior geral Ge- pelo Projeto de Vida e Missão, que uma missão específica: preparar-
rardo Larrondo e outros membros me para prestar serviço à minha
reúne essa diversidade de culturas
de seu governo, disse: Província, à Ordem e à Igreja. Com
e corações em um só e com um úni-
Sim, sim, venham para a casa pa- co propósito: a busca de Deus em o estudo e vida comunitária, pro-
terna, que é o centro onde conver- comunidade. curo dar testemunho público da
gem todas as atividades da Igre- minha consagração religiosa.
Essa aspiração se torna realidade
ja. Mas não venham sozinhos.
em pequenos detalhes: ser aten- Além disso, acredito que o estu-
Tragam jovens, muitos jovens,
ciosos, levar em conta as preocu- do e a formação intelectual fazem
para que se formem perto da Cá-
pações e conquistas de todos; parte da minha conversão diária
tedra de São Pedro.
incentivar o diálogo e a oração; o ao amor através da verdade, não
Em 1930, foi designada como a serviço para o funcionamento da apenas neste momento, mas ao
Cúria Geral da Ordem, até que longo de toda a minha vida.
em 1959 mudou-se para uma nova
sede no bairro romano do EUR, e
Sistina 11 fica apenas como resi-
dência para estudantes.
Entre seus habitantes, destacamos
Andrés de San Nicolás (de 1654
até 1659), o primeiro cronista da
Recoleção; Enrique Pérez (1887-
1908), o primeiro prior geral; e o
servo de Deus Jenaro Fernández
(1931-1959), estudante de Direito
Canônico e depois pesquisador.
Nessa casa vivemos atualmente
dez religiosos: o prior e o ecônomo
da comunidade, que também são
conselheiros gerais; e oito estu-
dantes. A comunidade transpare-
ce, como sempre fez, uma plurali-
dade de culturas: quatro filipinos,
dois mexicanos, um argentino, um
“Atravessando o rio na multidão,
7

o crocodilo não morde ninguém”


Nossa jornada pelo tema Uma só alma e um só coração nos leva também a um mosteiro con-
templativo de Agostinianas Recoletas. Pedimos a Peninah Kavisa Ndeti (Tala, Machakos,
Quênia, 1988) que nos comentasse como vivem em sua cultura africana o valor da unidade
na diversidade; bem como dentro de seu mosteiro em Salamanca.

S
enhor, vós sois a minha parte de Ao longo dos anos, descobri que
herança e meu cálice; vós ten- muitas coisas que vivi desde
des nas mãos o meu destino. O criança sem entendê-las torna-
cordel mediu para mim um lote apra- ram-se claros símbolos do que
zível, muito me agrada a minha he- seria minha vida, isto é, de fazer
rança” (Salmo 15). Minha herança parte de uma comunidade con-
é onde estou. África ou Europa é templativa agostiniano-recoleta.
minha alegria.
Eu diria que a comunidade na
Eu sou Peninah, e cheguei ao mos- África é vivida desde a infância,
teiro da Puríssima Conceição em quando se ensina a ver todos como
Salamanca (Espanha) desde a co- irmãos, a compartilhar até mesmo
munidade de Wote, no Quênia. as coisas mais simples como uma
Somos nove monjas, uma família boneca de pano ou um doce…
que tenta viver com uma única alma
E assim a vida se torna um evento
e um único coração dirigido para
Ter nascido e crescido na África e de paz e alegria: você pode estar
Deus, como santo Agostinho pede.
o acumulado de sua bela e rica cul- na pobreza e a privação, mas sem-
Deixei minha terra, minha família, tura me ajuda a fazer comunidade. pre feliz com o que tem, dando so-
minha África com suas riquezas e Ali a vida fora da comunidade não rrisos e bondade, preocupando-se
pobrezas, convencida de que meu é compreendida, a vida comunitá- pelo bem de todos. Detalhes que
destino está em suas mãos e com ele à ria é altamente valorizada, uma fazem os outros se sentirem valo-
minha direita não hesitarei. Sou feliz pérola preciosa que todos, peque- rizados e apreciados, porque o que
e me sinto em casa apesar de uma nos e grandes, têm a responsabili- conta é o que levamos no interior.
cultura tão diferente, de irmãs de dade de nutrir e cuidar.
Na África aprendemos que per-
várias gerações, mas verdadeiros tencemos um ao outro: eu sou o ou-
A mulher africana cresce sabendo
presentes de Deus para mim. tro e o outro sou eu. E com isso se al-
como cuidar detalhes como a falta
Um provérbio africano diz que leite de lenha ou de água em casa; e isso cança o bem-estar de todos. Outro
e mel têm cores e sabores diferentes, é feito em grupo, porque elas se provérbio: quando uma criança não
mas compartilham a mesma casa e sentem seguras e ajudam unas as se sente abraçada por sua aldeia, ela
vivem em paz. Para mim, não há ale- outras. Outro provérbio diz que, a queima para sentir seu calor. Cada
gria maior do que viver o que se cruzando o rio em multidão, o cro- membro da comunidade é respon-
ama e amar o que se vive para o codilo não morde ninguém; e isso é sável de cuidar que ninguém fique
bem de todos. vida em comum. de fora.
Para mim, viver em comuni-
dade é um presente de Deus.
Somos um presente para as
outras e cada uma, por sua vez,
doa sua alma ao longo de toda a
sua vida. Nós nos vemos como
seres inacabados que preci-
samos uns dos outros para ca-
minhar em direção a Cristo.
Para concluir, outro provérbio
africano: os irmãos se amam
quando são igualmente ricos. Ou
seja, na comunidade contribuí-
mos com nossa riqueza sem
exceção, porque a tarefa de
construir a comunidade per-
tence a todas.
Veracruz, meio milênio bem recoleto
Veracruz celebra 500 a tomar conta do templo de Nossa 2016, esta comunidade recoleta
anos de sua fundação por Senhora das Dores ou La Pastora, foi fechada.
Hernán Cortés na Sexta- no coração de Veracruz.
A família Agostiniano-Recoleta
feira Santa, 22 de abril de
Em 1951 o ministério foi ampliado retornou inesperadamente à cida-
1519, sob o nome de Villa Rica de la
e uma pequena capela foi abençoa- de. Em 12 de novembro de 2018, o
Vera Cruz.
da com a promessa e o compromis- Papa Francisco nomeou o agosti-
Em 1605, a primeira expedição so de construir um templo maior, niano recoleto Carlos Briseño, até
agostiniana recoleta, liderada por cuja primeira pedra foi colocada então bispo auxiliar da Cidade do
Frei Juan de San Jerónimo, pôs em 22 de maio de 1957. Foi de- México, quarto bispo da Diocese
os pés em Veracruz. Eles estavam dicada a Santa Rita de Cássia no de Veracruz. Ele tomou posse no
apenas de passo, já que seu desti- V Centenário de sua morte. Em dia 9 de janeiro de 2019.
no final era Manila. Por dois sécu-
los e meio, foi porto de descanso
para os missionários que deixaram
a Espanha rumo as Filipinas. Em
seguida eles cruzavam o México
até Acapulco, de onde duas vezes
por ano o Galeão de Manila partia.
Em 1943 a Recoleção Agostiniana
chegou para ficar. O bispo de Ja-
lapa, sem clero, convida à Ordem

400 anos em Roma Acima, freis recoletos durante a toma de posse de Carlos Briseño (3º direita), acompanhado, entre
outros, pelo prior geral (1º direita), o bispo dimissionário de Alajuela, Costa Rica (4º direita) y o prior
provincial da Província de São Nicolau de Tolentino (5º direita). Abaixo, farol do Porto de Veracruz.
O convento dos Santos Ildefonso
e Tomás de Vilanova, dos Agos- A presença dos Agostinianos Re-
tinianos Recoletos na Via Sistina, coletos em Roma tinha motivos
fica a poucos quarteirões da Praça religiosos e políticos. Por um lado, A igreja recoleta é inspirado na Ca-
da Espanha. Fundado em 1619 com os Recoletos, então Congregação na pela dos Reis Magos de Francesco
a aprovação do papa Paulo V de Ordem de Santo Agostinho, preci- Borromini, no palácio da Propa-
maneira bem modesta, somente savam de uma residência para seu ganda Fide. É uma homenagem à
em 1629 chegou a permissão para procurador geral, encarregado das Imaculada Conceição com ima-
guardar o Santíssimo; em 1656 relações com a Santa Sé. gens da ladainha lauretana e das
a permissão de edificação chega,
virgens de Copacabana e Gua-
mas só entre 1667 e Por outro lado, junto das embaixa-
dalupe. Codedicada a São Tomás
1672 é possível cons- das, havia uma zona de influência
truir, obra do arquite- de Vilanova, é um manifesto da
com status extraterritorial. A Coroa
to dominicano Giu- espanhola reforçou sua presença piedade hispânica em uma área de
seppe Paglia. em Roma com edifícios ao longo da Roma disputada naquele tempo
Via Sistina, eixo entre entre a França e a Espanha.
sua Embaixada e a Ba-
O conjunto arquitetônico possui
sílica de Santa Maria
uma galeria estreita, alta e com um
Maior, patrocínio es-
panhol, e perto da resi- grande fundo. A residência encap-
dência papal de Quiri- sula e circunda a igreja, deixando-
nale. Assim, estavam o a com pouca luz natural.
convento agostiniano
A casa tem sido a residência do
recoleto, o franciscano
procurador geral e depois do Go-
de Sant’Isidoro, o car-
melita dos Santos Joa- verno Geral. Sua função atual é ser
quin e Ana, o trinitário casa para os religiosos estudantes
de San Carlo alle Quat- da Ordem toda que querem obter
tro Fontane ou o de Mí- graus superiores nas universida-
nimos de San Francesco des pontifícias e outros centros
di Paola. especializados romanos.

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