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Takao nunca foi medroso. Era até injusto dizer isso e eu não poderia
pedir por um parceiro melhor. O problema é que naquele momento alguém
poderia nos ouvir. Eu tinha uma audição apurada, fazia parte do meu charme
especial, mas não sabia se existiam outros como eu no entorno. Era isso que
obsessão! — Ele segurou meu braço e sua boca formou uma linha fina. — A
mulher que você procura não existe mais, Izzy, ela morreu há quase trinta anos.
Saí do carro e bati a porta com raiva. Eu sabia que Luna não havia
morrido. A última vez em que a vi, eu tinha seis anos. Nunca a esqueci de
verdade, apenas fiz o que ela me ensinou: menti. Eu não tinha mais seis anos e
fingir que aquela mulher nunca existiu não era uma possibilidade. Eu sabia que a
conhecia e que ela era importante... Mas talvez Takao tivesse razão e tudo isso
fosse apenas uma louca obsessão.
A cidade em que nasci e vivi toda a minha vida não era grande o
suficiente para ser considerada uma metrópole, mas possuía uma área “ruim”. E
ali, aquele lugar, era uma das mais pesadas ruas da cidade. Tudo por causa do
clube que se agigantava à minha frente, o Reich, com sua entrada chamativa em
Andei a passos firmes até a entrada com meus saltos clicando no chão. O
parte do meu trabalho. Já vira muita coisa estranha e, mesmo assim, este código
me dava arrepios, como uma memória latente de um passado perdido.
não a minha entrada. Ele nunca tinha me visto antes, mas eu sabia a senha
algo errado, ele abriu passagem. Agradeci com meu melhor sorriso inocente.
Afinal, eu era uma doce garota que jamais poderia causar algum problema, até
armas a mostra no coldre de couro velho. Talvez até um ringue de luta sem
regras ou código de honra. No entanto, o que encontrei foi uma boate normal,
palco vazio.
As pessoas, entretanto, se destacavam: alguns se vestiam totalmente de
roupas, já que apenas uma parte ficava fosforescente sob a luz negra. Ainda bem
que meu vestido curto era escuro, possibilitando que eu me misturasse melhor
todos jovens. O mais velho parecia ter no máximo trinta anos. Vi um cara todo
de branco jogar o pescoço para trás enquanto uma loira beijava seu pescoço. Ele
abriu a boca em êxtase e eu quase podia ouvir o suspiro que escapava de seus
envolvida pelos braços do rapaz. Como ele podia sentir tamanho prazer em um
simples beijo?
não se encontrava entre os jovens. O problema era que eu não sabia como era a
influência atingia vários ramos do comércio e até da política, porém não havia
Depois de três anos procurando, a única ligação que descobri foi este
ele deveria se sentir o rei do maldito lugar. Após anos fazendo meu trabalho,
descobri que em noventa por cento dos casos os estereótipos estavam corretos.
Então procurei por um homem velho de terno que estivesse cercado por
seguranças.
precisava entrar lá, porém não poderia tentar assim a minha sorte. Preferi
música se tornou mais alta, e eu tentava abafar o som para me concentrar nas
uma prática que Luna me ensinara quando eu tinha cinco anos de idade, ela sabia
que eu era especial. Foi uma pena ela desaparecer antes que me explicasse o que
chamou a atenção: Heinz. Ele estava aqui! Estiquei-me em meu salto alto,
Todos jovens e bonitos, nenhum parecendo meu alvo, ou o que eu pensava que
ele fosse.
Enquanto escaneava as pessoas na área VIP, um par de olhos se
que me concentrei apenas nele e minha audição voltou ao normal. Nunca o vira
antes, seu semblante era sério, impassível, e só desviou o olhar quando sinalizou
algo em minha direção para o segurança. Merda! Teriam descoberto que eu era
ela está me esperando, sabe como é, né? Mães são tão chatas! Ela vai mandar a
Minha atuação foi quase digna de um Oscar, pena o cara não ter
acreditado. Tentei passar, mas a parede de músculos me impediu. Atrás de mim
Apesar de educado, seu tom de voz não deixou margem para dúvida: era
uma ordem. Segui o brutamontes até uma sala oculta atrás do bar, um tipo de
sofá marrom de couro e uma estante com diversas pastas. Nenhuma janela,
nenhuma rota de fuga além da porta que se fechou com um clique atrás de mim.
Pouco promissor. O homem parado com as mãos atrás das costas ao lado de uma
grande mesa retangular de mogno era alto, e sua presença preenchia o ambiente.
Era o mesmo cara que vi no bar e provavelmente o mesmo cara que mandou o
segurança me pegar! Por que não escutei o Takao? Decidi continuar a bancar a
idiota:
— Oi, gato, tem alguma coisa errada? Porque eu já estava indo para casa
quando me mandaram para cá...
Seu sorriso de deboche me disse que ele também não acreditou no meu
Como poderia saber que eu não pertencia ao lugar? Não era possível que
postura relaxada:
há anos.
Seus olhos se arregalaram com evidente surpresa, já que ele não esperava
que eu fosse amiga de seu chefe. Claro que nunca tive o desprazer de conhecer
Heinz, contudo minha esperança era desaparecer daqui antes que o alemão
chegasse.
Levantei meu queixo e mudei para uma postura mais ereta, determinada.
Com o salto, eu era somente um pouco mais baixa que o homem. Logo, seus
olhos alcançavam a altura de sua boca bem desenhada que combinava muito
bem com o nariz reto, o queixo quadrado e os olhos amendoados. Foco, Izzy!
Nada de pensar em como o cara perigoso era gostoso e possuía as costas largas
começaram a apitar. Cada vez mais, eu sentia que estava em uma armadilha.
Respondi em tom desafiante, que foi logo contraposto por sua voz
— Eu sei? Quer saber o que eu sei? Sei que você não conhece o Heinz,
que nunca esteve aqui antes e que não conhece as regras do clube. — Ele
analisou meu vestido curto. — Se conhecesse, não teria vindo de preto. E sabe o
momentos atrás — estavam bem próximos dos meus. Eu deveria resistir, mas
não quis. Não era apenas por sua beleza ou o apreço pelo perigo. Algo nele me
atraía. Meu coração estava tão acelerado que eu não precisava me concentrar
para ouvir suas batidas. Senti meu fôlego ser roubado quando ele encostou sua
boca na minha com mais delicadeza do que pensei ser possível para um homem
como ele.
venerando, mas isso não permaneceu por muito tempo. Ele colou seu corpo ao
meu, aprofundando o beijo, sua mão esquerda em meu pescoço, apoiando minha
cabeça inclinada. Senti que as minhas terminações nervosas tinham sido ligadas
ao entrar em contato com sua pele. Porém, inesperadamente ele interrompeu
nosso pequeno interlúdio, sua testa franzida e uma expressão culpada formava
— Me desculpe.
desculpas.
um movimento rápido, ele espetou uma seringa em meu pescoço. Como pude ser
— Por quê? — Foi tudo que ainda pude articular. Ele segurou minha
— Porque tem outra coisa que eu não sei. — O homem aproximou seu
esfregar os olhos para espantar o sono que deixava o meu corpo pesado e
dormente, quando percebi que não conseguia mover o pulso direito. Também
profundos, nosso encontro no escritório, os braços fortes, aquele beijo. Ah, sua
desacordada? Teria Takao me procurado? Nunca fui capturada antes, por isso me
pegaram de surpresa uma vez, mas não permitiria que o fizessem de novo.
Respirei fundo, para me acalmar, e tentei raciocinar. Será que aqui era algum
tipo de cela? Pelo menos não me deixaram em um chão frio, havia um colchão
Estiquei meu braço livre, tentando alcançar qualquer coisa que pudesse
indicar onde eu estava, mas o colchão era grande, de casal. Meus dedos
deslizaram pelo lençol macio até tocar em algo frio. Um corpo? Mesmo sem
saber quem era, agarrei o braço e sacudi, tentando acordá-lo. Nada. Finquei as
unhas na pele, mas não adiantou. Onde eu me meti? Quem era essa gente que
lugar. E que lugar! Não era uma cela, como eu imaginara, estava em um lindo
quarto moderno em tons terrosos com dourado, cortinas grossas e uma cama
gigantesca. Olhei com cautela para o corpo ao meu lado e quase gritei de susto.
A pessoa adormecida era o cara do clube! Por que ele estava deitado comigo, e
só de short? Eu queria tanto bater nele por ter me drogado, mas não podia
arriscar acordá-lo.
Não serviria muito como arma, além de ser minha única fonte de iluminação. A
menos que... Arranquei com facilidade uma de suas pequenas hastes metálicas.
Às vezes ser bizarra tinha suas vantagens. Minha força acima do normal era uma
delas. Com a arma improvisada em mãos, deixei minha audição fluir livre. Nada
de passos, conversas ou qualquer outro ruído por perto, além dos batimentos do
meu coração.
mas não os dele. O desespero tomou conta de mim. Se o homem estava morto,
então quem me colocou aqui? Sem paciência para sutilezas, usei toda minha
força para arrancar a algema da cabeceira. Tive que me esforçar em dobro, já que
era madeira maciça, e o barulho foi imenso quando ela se rompeu. Corri para o
lado da porta, com a haste em mãos, e aguardei alguns segundos, sem ouvir
nenhum passo. Quem deixaria prisioneiros sem vigia? Talvez pensassem que a
utilizar a agulha. Por que ele fez aquilo? Por que estava morto agora? Será que
tentava me proteger? Senti uma dor desconhecida em meu próprio peito quando
encostei meu ouvido no coração dele e não escutei som algum. Não sabia seu
pequena poça na madeira. Desconfiada, peguei o copo e cheirei, mas não tinha
nenhum odor estranho. Aquelas pessoas não pareciam o tipo que usavam meios
escusos, como batizar a água, para drogar alguém. Esfreguei o local no meu
pescoço; agulhas eram bem mais eficientes. Mesmo assim, não arrisquei beber
um gole, por mais que desejasse aliviar o gosto ruim na boca. Existem venenos
Para cumprir minha promessa de descobrir quem havia feito aquilo tudo,
entretanto, precisava sair dali. Vasculhei o quarto em busca de algo útil. Havia
apenas uma porta e estava bem trancada. Afastei a cortina e vi que o tecido
sofisticado na frente escondia uma outra cortina blackout por trás. Pelo janelão,
vi que estava aproximadamente três andares acima do solo. Podia ver um jardim
sempre era mais forte durante a noite e poderia usar a escuridão para me
esconder nas sombras e fugir. Comecei a arrombar a porta, com minha haste
— Mas o quê...?
Uma mão cobriu minha boca e um braço me puxou para trás,
Aquela voz sensual sussurrou em meu ouvido. Como era possível? Foi a
vez do meu coração parar, mas de susto. A mão do homem desceu para o meu
— Você estava morto! Se não tinha batimentos, como pode estar falando
agora?
Tentei me liberar do seu aperto, porém ele era mais forte do que eu, algo
que nunca tinha enfrentado antes. Nenhuma pessoa fora capaz de me manter
Por que não fiz exatamente isso? Ah, sim! Porque eu jamais adivinharia
— Ah, Izzy, que risco eu corri com você acordada aqui. — Ele me virou
acordada tão cedo, a dose que eu te dei era para durar por mais três horas.
responder, só sabia que minha tolerância ao álcool era grande. Esse homem já
sabia que eu não era normal, mas como eu não queria que descobrisse todas as
chama Isadora, tem trinta anos e seus pais são Alice e Fernando. É detetive
— Sei também que você é uma hacker chamada Izzy, treinou diversas
que seus pais pretendiam com isto, hein? Criar uma guerrilheira?
tinha sumido.
— Ok. — Ele continuou. — Sei também que aos seis anos foi
matriculada pela primeira vez em uma escola particular para crianças especiais, e
humano.
Desdenhei para esconder o pavor que tentava dominar todos os meus sentidos.
Ele descobriu algo que nem mesmo Takao, meu sócio na agência de detetives,
sabia.
brilhantes.
enjaulada, presa entre seus braços. Qualquer empatia que senti antes tinha
conhecia meus pontos fortes, também saberia minhas fraquezas. Não que eu
tivesse muitas...
abajur de ferro, era uma relíquia, sabia? Quase tão velho quanto este país. E, pela
está acima do humano mais forte que existe no planeta, caso contrário, eu não
teria que fazer esforço algum para manter seus braços presos.
nunca fiz exame de sangue. — O que eu não descobri é quem você é de verdade.
— Você é louco! Acabou de dizer toda a minha vida, e não sabe quem
sou?
— Não, porque a pequena Isadora parece existir apenas após os seis anos
soltou meus pulsos e começou a acariciar meus braços, passando para meus
Eu também não sabia, e esse era o grande problema. Tinha apenas flashes
para frente. Aquele homem que sabia tanto sobre mim também era capaz de
mexer com um lado primitivo meu. Como se uma parte de mim reconhecesse
algo nele. E eu ainda não sabia o seu nome! Contudo, seus olhos, que não
beijou com paixão. Tentei resistir, mas era inútil. Meu corpo o queria desde que
o vi pela primeira vez na boate, mesmo que minha mente não concordasse.
Capítulo 3 — Respostas
Seu beijo era intoxicante, uma conexão inexplicável unia meu corpo ao
dele. Passei meus braços por seus ombros nus. Era tão inusitado, como se minha
alma tivesse achado o pedaço que faltava. Eu tentei não me afetar, mas tê-lo em
cima de mim, com seu corpo contra o meu, era algo impossível de ignorar. Suas
mãos foram na direção das alças do meu vestido, mas eu as segurei, e ele se
— Você sabe tanto sobre mim. — A noção de que aquilo era errado em
muitos níveis pesou em minha consciência. — E eu não sei nada sobre você.
— É melhor assim, Izzy. Você conhece meu rosto, isto já é saber demais,
eu não quero colocar sua segurança em risco. — Henrique falou com seriedade,
preocupação.
parecia ter as mesmas peculiaridades que eu, e seu nível de conhecimento era
muito maior que o meu. Precisava recordar que ele trabalhava no Reich e era
desvantagem, algo estranho para mim, que sempre fui mais forte do que uma
pessoa normal e nunca adoecia. Afastei meu corpo do seu, não estava com a
atração que existia entre nós, não quando ele afirmava que possuía um calabouço
parede, fazendo com que um painel se abrisse. De lá, Henrique retirou água e
frutas. Era uma geladeira embutida na parede. Quando a porta deslizou de volta
— Você deve estar com sede e fome. — Ele falou como se uma conversa
prioridade.
Se eu estava com raiva, o que ele tinha em seu olhar era muito pior. Em
Seu corpo forte agora me prendia de uma forma diferente, sem um vestígio de
sensualidade. Meus pés não chegavam a tocar o chão. Seu rosto se transformou
em ira.
desceu, voltei a apoiar meu próprio peso. — Eu não quero te machucar, mas
você nunca estará totalmente segura comigo. Se é segurança que você procura,
Uma mulher pressionou minha mão contra o seu peito, e eu sorri para
ela:
“Isto, minha flor, batendo igual ao seu.” — Ela retribuiu meu sorriso, e
anos, ele se tornou minha primeira pista concreta. Eu não era louca, Luna era
real. Oh, Deus, o que aconteceu comigo quando criança? O que meus pais
coragem.
Henrique falou com sarcasmo. — Eu acho que sei o que você é, mas faz muito
tempo que encontrei uma do seu tipo. Você não sabe o que eu sou? Realmente?
Reafirmei minha postura ereta, não seria intimidada por aquele rapaz. Ele
exatamente eu sei.
logo por trás da orelha. O calor quente que escapava de sua boca me deixava
— Sim.
corroeria por dentro. Outra opção jamais poderia ser cientificamente possível.
— Ótimo!
conhecido. Mal tive tempo de lembrar onde já tinha visto aquilo pessoalmente
antes que ele afundasse seus dentes em meu pescoço. A picada de dor foi
classificaram minha imaginação como “ativa demais”. Eu tive que ir para uma
escola de crianças especiais, pois era antissocial e tinha uma inteligência acima
era que eu ficava rapidamente boa em tudo que praticasse, e, quando deixava de
ser novidade, perdia o interesse. Como não conseguiam definir o que eu era, os
eu nunca sangrei por muito tempo. Exceto pelos terrores noturnos, minha saúde
certeza.
— Certeza de quê?
meu ouvido:
alimentar, porém também posso sentir a vibração do seu poder. É algo único.
— Você não é humana. — Ele pressionou seu punho contra minha boca,
Tentei empurrar seu braço e lutar contra o líquido que escorria pela
minha garganta sem a minha autorização. No entanto, quanto mais bebia, menos
lutava. O sangue era espesso e morno, como um vinho quente de sabor único.
Era delicioso. Segurei seu braço com força, não para afastá-lo, ao contrário, eu
tentadora. Sentia como se tivesse vivido como cega por toda a minha vida e, pela
o gosto do sangue, e o sabor dele se tornou ainda mais intoxicante. Cada poro da
seus dedos contra o tecido fino do vestido era como música em meus ouvidos. E
o...
Explosão? Fazia sentido, o estrondo foi muito alto mesmo para ouvidos
— Concedida.
Ele não tirou a mão da minha boca, seus olhos pareciam me fuzilar.
Quando falou, entretanto, sua voz mal passava de um sussurro audível contra
minha orelha.
— Fique quieta! Eu preciso resolver isto, não saia daqui, nenhum lugar é
seguro para mestiços. Há uma razão para sua espécie ser rara, vocês são
livre. O que ele, de fato, permitiu: liberou a mão da minha boca e abriu outra
— Você é um mentiroso!
e o coração acelerado ajudaram na atuação. Heinz não pensou duas vezes antes
a mim. Se havia alguém no meu andar, sua presença estava abafada pelo caos
que se instalara na parte inferior. Porém eu não ficaria aqui nem mais um
cabeceira destruída da cama. Eram armas ridículas perto de uma casa repleta de
tarde, eu agradeceria aos céus por aquela explosão, ela salvaria minha vida.
Forcei a janela, e ela deslizou para o lado. Ainda bem que Henrique me deixou
parecia bastante nítida com minha visão aprimorada. Se eu caísse, seria uma
queda de três andares que poderia ser mortal. Contudo, me sentia invencível com
parapeito a outro da janela inferior, indo cada vez mais para baixo e segurando
desses.
grama fresca abafava e escondia as minhas pegadas. Corri, meio agachada, meio
velocista, até o muro externo. Agora sim, um muro de pedra para escalar! Uma
segunda explosão, no que eu supunha ser a ala leste, lançou fumaça e fogo
Como pude ser tão idiota? O homem misterioso que chamou minha
atenção no clube Reich era o vampiro Heinz, o nome que me assombrava desde
para trás, a fumaça subia a partir do telhado de sua casa, formando uma nuvem
espessa no céu.
Em que porra eu havia me metido? Que diabo de mundo era esse onde as
pessoas achavam que era aceitável beijar alguém e depois sequestrar? Ou se
pernas me levaram para longe daquela casa maldita em uma velocidade maior do
mata, meus sentidos foram assaltados por estímulos vindos de diversos lados: o
pio da coruja, o cantar dos grilos, o farfalhar das folhas e até mesmo as cobras
deslizando em busca de sua presa. Eu via e ouvia tudo. E o cheiro? Parecia que a
Ouvi passos rápidos ao meu lado e levei um susto tão grande, que
tropecei em um tronco de árvore, caindo de bunda no chão sujo de lama e folhas
limpei as mãos sujas na roupa. Eu deveria procurar meu antigo psicólogo, havia
quantos anos que eu não o visitava? Mais de uma década! Talvez fosse melhor
lógica para aquela noite. Uma que não precisasse envolver camisa-de-força. Saí
vento carregando um odor que era uma mistura de diversos aromas da cidade
A injeção! Era tão óbvio, como não pensei nisso antes? Quando estava no
Reich, Heinz injetou alguma droga alucinógena em mim, o que me fez acreditar
infância? Tudo de diferente que sempre fui capaz de fazer? Não, não, não... Nada
do que aconteceu poderia ser real. Porque se vampiros existiam em Monte Carlo
e eu, de alguma forma, fazia parte disso, tudo que eu acreditava sobre mim e a
não no deserto do Saara, mas o suor escorria pelo meu pescoço, deixando-o tão
grudento, que sentia meus cabelos se aderiram à minha pele. Por que o meu
quarto parecia uma fornalha? Estava tão quente, que eu não tinha forças para
redor. A varanda estava aberta com as cortinas amarelas balançando com o vento
quente que vinha da rua, a mesa de cabeceira continuava com o abajur em forma
de ninja que ganhei da minha prima Cecília no natal passado. Uma garrafa
plástica de água vazia estava jogada no chão de porcelanato marfim, que estava
coberto de pegadas com terra seca. Meu Deus! Os meus lençóis estavam
aqui?
Eu me joguei para trás, de volta para o travesseiro macio que, até ontem,
era branco. O que aconteceu na noite passada não poderia ser real, podia? Claro
que não, vampiros não existiam! Coloquei a mão em meu peito e senti a
pulsação firme. A luz do sol entrava pela varanda e tocava o início da minha
cama. Estiquei-me no colchão até que meus dedos sujos estivessem banhados
pela luz solar, não senti nada além do costumeiro calor. Tinha certeza que era
cem por cento Homo sapiens. Se eu fosse metade qualquer coisa, seria parte
humana e o resto de pura paranoia. Precisava analisar calmamente os fatos.
Hum... devi haver alguma explicação científica para isto. Talvez a Cecília
me ajudasse, ela era a cientista da família. Já sei! Ele poderia ter aquela doença
que a pessoa parece morta, como uma paralisia. Qual era o nome mesmo?
E o fato de nós dois sermos mais fortes e mais rápidos do que as outras
pessoas?
verso cinza, que deveria impedir toda a entrada do sol, mas estava aberta,
escondida pela cortina de voil amarelo com arabescos. A verdade era que o sol
sobre minha pele estava começando a arder e eu queria correr até ela e fechá-la,
mas era teimosa demais para admitir que o sol naquela manhã incomodava mais
que usei no Reich. Vestido este que ainda tinha o perfume de Heinz impregnado
nele. Era uma fragrância sutil, uma mistura de um perfume caro que eu não
Joguei a porcaria no lixo e entrei na água fria, sem nem me olhar no espelho,
pensamentos nos eixos. Eu me sentia imunda e confusa, a visita ao Reich não foi
como planejei. Era loucura pensar em vampiros, contudo, por mais que meu lado
racional quisesse, as memórias de ontem eram vívidas demais para negar. A água
lavava o meu corpo, banhando cada parte que fora tocada por Henrique. Seu
toque, seu beijo, sua voz sedutora, seu sangue aquecendo minhas veias e
beber aquele líquido carmim, espesso e morno foi a de saciedade depois de uma
vida inteira de sede. Eu gostaria de dizer que não desejava mais, porém seria
uma mentira. Saí do chuveiro antes que eu imaginasse outras mãos me limpando
em vez das minhas.
que envolvesse sangue, mas precisava também ligar para Takao, ele devia estar
preocupado com meu sumiço. Só esperava que não tivesse contado nada para a
transformando pontos de terra em lama, procurei meu celular. Esperava que ele
estivesse onde o escondi, dentro do bolso secreto da minha bota. Não sabia se
ficava irritada ou feliz por Henrique não ter se dado ao trabalho de me revistar.
Eu não deveria passar de um inseto para ele. Mas que droga! O solado estava
quase todo desgastado. A bota não serviria mais, ainda bem que eu tinha outro
par.
celular”, “Isadora, isso não se faz! Não pode ficar sem dar notícias, eu vou entrar
no Reich se você não der sinal de vida em cinco minutos”. E a última: “Estou
entrando.”
Merda! Merda! Merda! Vesti às pressas uma das roupas que tinha
calça jeans. Escondi uma Glock G25, calibre trezentos e oitenta na bota, e uma
faca retrátil em outra. Não me importei que ainda tivesse lama endurecida na
sola, desci as escadas do meu prédio correndo, era mais rápido do que esperar
pelo elevador. No subsolo, deparei-me com mais uma surpresa: meu carro não
estava lá. Ué, como cheguei aqui ontem? Aliás, por que tinha tanta terra e sujeira
em mim?
pé da casa de Henrique até aqui. Henrique não... Heinz. Precisava lembrar que
ele era o inimigo, não um cara legal. Mais tarde eu iria em busca do meu carro e
tentaria refazer o caminho até a mansão. Naquela hora, Takao era minha
prioridade.
Não sabia quanto tempo aquele poder extra ficaria em meu sistema e com
certeza não poderia correr como louca pela cidade em plena luz do dia. Ainda
bem que eu tinha outro veículo, a minha Kawasaki. Peguei a chave, escondida
preto. Subi na moto e dei a partida, sentindo o ronco do motor embaixo de mim.
ruas de Monte Carlo, como se eu fosse impulsionada pelo vento. Foi o mesmo
que senti ontem à noite, mas estava alterada a ponto de não notar que o que me
levava eram pés, e não pneus. Ziguezagueava entre os carros, desafiando a sorte.
Passava tão rápido por eles, que em minha mente um lampejo de uma memória
antiga se formou:
“— Isadora, corra! Venha para o meu colo, segure firme, tá? — Tia
Luna me pediu, e eu envolvi seu pescoço com meus braços, apertando-a o mais
forte que meus bracinhos conseguiam. Luna escondeu meu rosto em seu ombro e
começou a correr. Ela era rápida, eu sentia o vento contra a minha fantasia da
Minnie. Eu não deveria espiar, sempre ficava tonta quando olhava a gente
rosto. Por cima do ombro dela, olhei. Havia pessoas com olhos que brilhavam
como gato na escuridão da noite! Tão rápidas quanto nós e chegando cada vez
mais perto..."
— Olha por onde anda, maluca! — O grito e uma buzina me puxaram de
andavam pela rua, e eu não usava uma fantasia de criança. Não muito tempo
Agora tinha certeza que era uma memória. A menos, é claro, que tudo fosse um
surto e eu tivesse enlouquecido de vez. Não podia ser! Uma lágrima escorreu
apertou com a lembrança do medo que senti naquela noite. Olhos brilhantes que
Dei a partida de novo e fui até o apartamento que Takao dividia com Cecília.
Subi as escadas correndo, com as chaves deles na mão. Eu tinha a chave da casa
deles, e eles tinham a da minha, tudo por precaução e também porque éramos um
triângulo não-amoroso, como Ceci gostava de chamar. Abri a porta com cautela,
se jogou em mim. Segurei seu rosto e analisei a tez branca evidenciada pelas
orelha. A pupila estava levemente dilatada e o seu cabelo preto e liso estava
— O que aconteceu com você? Qual a última coisa que lembra? — Mil
possibilidades passavam por minha cabeça. Arrastei Takao até perto da janela e
abri a cortina, permitindo que a luz iluminasse seu rosto. Nenhuma reclamação
espontânea também. Fechei a cortina com pressa. Se ele tivesse virado cinzas,
Cecília me mataria! Eu o levei até a pia do banheiro para lavar o seu rosto com
um pano úmido.
— Uma mulher me beijou! Shiu! Não conta pra Ceci, senão ela acaba
silêncio. — E eu amo... Amo ela... Parece moela, né? — Ele riu da própria piada
e depois ficou sério. — Eu não queria beijar outra mulher, mas ela veio, me
pista de dança e como agora ficava óbvio que não era beijo algum que rolava
sido um sonho. Quando Heinz disse que decidiu não me colocar na masmorra,
ocupada com o meu melhor amigo. Esmurrei a parede, ouvindo um pequeno crec
— Você viu o que ou quem causou a explosão? — Será que foi a tia
Luna? Estaria ela viva? Prendi-me a este fio de esperança, talvez ela tivesse ido
— Quem te trouxe até aqui? O que a Cecília achou disso tudo? — Sacudi
meu parceiro pelos ombros.
— Não sei! Eu não a vi ainda, ela tinha saído para o trabalho! Qual o seu
problema, Izzy?
decente enquanto ligava para Ceci. O telefone tocou apenas uma vez antes que
— Isadora, é você? Onde você está? Me diga que o Takao está com você,
por favor!
— Calma, Ceci! Sou eu, sim. Estou na sua casa com ele, estamos bem.
acordei na mansão com o pôr do sol, depois estava na minha cama na manhã
seguinte. Não tinha parado para somar as horas passadas. Mais do que nunca, eu
telefone.
Takao apareceu com os cabelos úmidos e vestindo apenas com uma calça
preta. Seus olhos pareciam menos nublados depois do banho, mas ainda percebia
uma certa letargia nos movimentos para vestir a camisa polo azul. Sempre me
senti mal por esconder da pessoa que trabalhava comigo diariamente meu lado
estranho, meu segredo colocou a sua vida em perigo. Não mais! Ele merecia
saber a verdade. Encarei meu sócio e proferi as palavras que poderiam acabar
uma amizade de anos. — E se eu te disser que aquilo não foi um beijo, nada
segundo copo de café expresso, que comprei para ele na cafeteria da esquina.
Ainda não tinha contado tudo, apenas resumira o que havia acontecido no dia
anterior, enquanto íamos em seu carro até a casa dos meus pais. Explicar sobre
vampiros exigiria calma e parcimônia da minha parte, não queria assustá-lo com
Dobrei a esquina, avistando a casa dos meus pais ao longe. Éramos ricos
aprendesse a investir em ações, como meu pai sempre fazia. Eu aprendi, e minha
trabalhar como detetive e me sentia bem ao ajudar as pessoas, não queria ficar
parada e apreciar as rosas. Dinheiro eu já tinha, o que procurava era a ação.
sorriso estampado no rosto. Seria felicidade por nos ver vivos e inteiros?
altura, cujos olhos pareciam me encarar. Ele segurava um vaso em seu ombro, do
qual saía água e caía aos seus pés, agitando o pequeno lago com peixes
decorativos. Detestava aquela coisa, mas minha mãe amava, ela achava que nos
adornava o lago e enfeitava a entrada estava belo e com cores vivas como
ouvimos o grito de Cecília, que correu e pulou nos braços do seu amor. Encheu
Takao de beijos por todo o rosto durante uns dez segundos, até lembrar que ele
estava desaparecido e sem dar notícias por mais de vinte e quatro horas. Soltou o
enlouquecer? — Ela se virou para mim. — E você, Isadora? Sua mãe desmaiou
O quê? Não era à toa que ela não tinha vindo me receber. Minha mãe
sempre foi preocupada e atenciosa comigo, mas nunca de desmaiar por qualquer
bobagem. Passei pelos meus amigos e entrei correndo em casa. Subi as escadas
— Eu sei, meu amor. Estou com tanto receio quanto você. Reze bastante
para que ela nunca descubra, porque se Isadora souber, nunca descansará até
O coração que batia acelerado não tinha nada a ver com o sangue extra
ingerido, era raiva, frustração e receio. Tinha medo de descobrir que a minha
vida inteira não passava de uma mentira. Mesmo assim, abri a porta para encarar
paredes brancas e a decoração antiquada, com móveis que faziam com que eu
me sentisse em quarto de uma princesa quando criança. Meus pais estavam perto
dos sessenta, e a cada ano que passava, eles adquiriam uma aparência mais
de poderosos e intocáveis em uma cidade que não era tão grande. Meu pai se
levantou.
— Filha, você não entende, mas há certas coisas que devem permanecer
quietas.
diziam que ele era uma fera nos negócios, comandava sua empresa com pulso
firme, mas nunca presenciara este lado dele até aquele momento. De pai gentil
de novo e de novo. A diferença era que daquela vez eu tinha certeza que não
Escutar o meu pai falar aquilo foi como uma facada em meu peito. Sofri
por tanto tempo achando que era louca, por eles dizerem que meus sonhos eram
todos alucinação de uma mente fértil. Tomei psicotrópicos potentes que nunca
resolviam o problema por muito tempo, pois meu corpo parecia metabolizá-los
Não dei atenção ao grito de minha mãe, pedindo para eu esperar. Não
ouviria mais as mentiras dos dois, eles esconderam coisas de mim durante toda
no sofá. Irritada e decidida a tomar uma atitude, falei para meu parceiro:
carro.
— Você não faz ideia do bicho que me mordeu, prima. Vamos ou não?
me seguirem. Entramos no carro, pedi para que Takao dirigisse rápido e ele
acelerou na curva, saindo em alta velocidade da casa dos meus pais. O Reich
morta, o que era bem apropriada para um clube de vampiros. Como era
esperado, não havia ninguém na rua durante o dia, apenas bares fechados e casas
antigas. Meu carro estava parado uma esquina antes do clube, intacto.
preocupações. Um Ford Fusion preto não era exatamente discreto para uma
do banco passageiro, ao lado da arma reserva. Saí do carro e falei para os meus
amigos:
Precisamos conversar.
Takao estreitou os olhos para mim, porém nada disse, apenas deu a
partida e saiu sob os protestos de Cecília. Conseguir me livrar deles foi mais
fácil do que pensara. Peguei minha bolsa com kit emergencial do carro, passando
por cima do ombro, enquanto esperava o carro deles dobrar a esquina. Olhei para
todos os lados, ninguém na rua, hora de colocar meu plano em prática. Andei
ouvido, e o clube parecia tão morto quanto seu dono. Eu precisava ser rápida,
pois, assim como Heinz, o Reich estaria cheio de vida quando anoitecesse.
A porta dos fundos era prateada e estava bem lacrada com três cadeados
pesados, o que não era empecilho para mim. Eu tinha ferramentas especiais para
pressão com a haste de ferro, girei até que os pinos alinhassem a ponto de eu
porta.
A porta era o primeiro empecilho, porém tinha certeza que não seria o
parede oposta. Ainda bem que era um modelo que eu conhecia, assim apenas
retirei uma pequena chave de fenda do meu kit, abri o painel repleto de fios com
Pisquei meus olhos algumas vezes até que eles se acostumassem com a
precisava para enxergar no escuro. No meu caso atual, era a fresta de luz que
passava por baixo da porta. Relaxei os meus sentidos e apurei minha audição.
cozinha.
Saquei minha Glock escondida na bota e caminhei pelo lugar. Era tão
levaria para o breu infinito. Subi até a área VIP e vi sofás de veludo vermelho e
resto do Clube. Ali havia também uma versão menor do bar principal, todo de
vidro e garrafas multicoloridas. Na parede de fundo, se destacava o que parecia
ser uma adega climatizada. Uma vibração baixa emanava da adega. Curiosa,
resolvi descobrir quais tipos de vinho os vampiros bebiam, assim fui até ela e
peguei uma garrafa. Era verde, sem rótulo ou lacre. Apesar de cheia, estava
óbvio que a rolha fora removida pelo menos uma vez e apenas encaixada
bebida devagar de um lado para o outro, podia ver pelo vidro que o líquido era
muito mais espesso que um vinho comum. Se é que aquilo tinha qualquer gota
de vinho.
Retirei a rolha e inalei o doce aroma que invadiu a sala. Sangue. Minha
garganta ficou seca, clamando por um gole daquilo que ela mais desejava. Será
que frio e engarrafado teria o mesmo apelo do morno que tomei diretamente da
queria levar o gargalo à boca e virar todo o líquido, senti-lo escorrer por minha
garganta e me encher de energia, me sentir viva novamente, como nunca estive
do transe. Porra! Quase derrubei a garrafa com o susto que levei. Estava tão
distraída, que não ouvi sua aproximação, algo raro de acontecer. Raro e muito
escondi na bolsa. Ignorei o olhar torto dele para o meu pequeno roubo. — Não
estava aprontando, ela me deixou aqui e foi para casa no carro. Izzy, quer me
ele seria o alvo mais fácil. Mas também não poderia perder a oportunidade de ter
livre acesso ao Reich.
— Quero, mas não aqui. Vamos até o escritório procurar qualquer coisa
que possa ser relevante sobre o Heinz e dar o fora o mais rápido possível.
Ele me encarou por alguns segundos antes de aceitar, eu sabia que não
apoiaria. Tentei a porta do escritório onde tive o primeiro encontro com Heinz,
mas também estava fechada. O que, mais uma vez, não foi empecilho.
momento, então eu e Takao tiramos foto das páginas com nossos celulares.
Uma pasta chamou minha atenção: ex-parceiros. Seria tia Luna uma ex-
parceira também? Antes que eu pudesse abrir a pasta, um barulho baixo chamou
Puta merda, como eles descobriram? Eu desliguei o alar... Oh, droga! Por
trás da porta do escritório havia um segundo alarme que eu não vi, e a luz
vermelha piscava intermitente. Sussurrei para Takao, que não ouvira a equipe de
parceiros. Ah, foda-se. Heinz saberia que houve uma invasão, outro pequeno
furto não faria muita diferença. Escondi a pasta em minha bolsa, e saímos do
plano, só podíamos sair por onde entramos. Não daria tempo para eu arrombar a
Coloquei a mão na garrafa dentro da minha bolsa, era a única chance que
infância com Luna ou apenas mais um dos meus “delírios”, como o terapeuta
costumava chamar.
gente dessa, mas você precisa confiar em mim e tentar não gritar ou fazer
barulho, entendeu?
Ele parecia chocado demais para responder, então aceitei o seu silêncio
único gole. O gosto parecia velho, vencido, porém o poder... ah, esse eu sentia
claramente seus batimentos. Peguei Takao no colo, como se ele fosse uma
criança pequena e não um adulto mais pesado do que eu. Ele não teve nem
meu carro. Takao me olhava abismado, como se eu fosse algum tipo de monstro,
Ou terá um infarto.
estar correndo a pé do que dirigindo, seria mais rápido não ter que parar nos
de Monte Carlo.
você possa pensar. Ainda sou eu, Izzy, sua melhor amiga. Era isso que eu queria
máximo de mim que conseguia dentro do espaço limitado do carro. — Desse seu
outro lado?
do medo e nervosismo que emanavam de sua pele, Takao não fugiu. Talvez ele
minha vida.
andando de um lado para o outro. Seus longos cabelos estavam uma bagunça,
com todos os cachos desfeitos. Ela nunca abandonara a mania de puxar os fios
— O que aconteceu?
respiração ficou presa no peito. Cecília não percebeu nada, apenas respondeu:
— Claro, você sempre gritava chamando por uma tia Luna que nunca
existiu.
— Eu acho que não eram pesadelos, eram memórias, e tenho certeza que
a tia Luna é tão real quanto nós... — Utilizei a velocidade extra para ir até a
estava em minhas mãos um segundo antes, Cecília e Takao pensavam que quem
Eu não sabia que reação esperar dos meus melhores amigos em relação à
verdade sobre mim. Afinal, quantas pessoas podem dizer: “ei, sou parte
vampira, mas não precisa ter medo, não mordo”? Não imaginei que eles fossem
— Era por isso que eu perdia todas as vezes que a gente brincava de
cruciais que envolviam meu lado meio vampírico, foi na nossa brincadeira de
respostas sobre o que eu podia ou não fazer. Takao me questionou até o motivo
tampouco, tinha a capacidade de gravar áudio das coisas que ouvia com minha
— Filha da mãe!
perguntou.
Eca!
precisam me prometer que não vão contar para ninguém, eu não sei direito quem
jogara em cima da mesa. — Temos as fotos dos documentos e a pasta que você
internet o que faz parte do mito e o que é real. — Ele retirou a garrafa da bolsa.
— Você ficou mais forte quando bebeu isso, qualquer sangue te deixa assim?
vampírico. Takao entregou a garrafa verde para Ceci, que a recebeu como se
estivesse segurando um pote de ouro líquido, e estendeu o outro braço para mim.
— Descubra.
— Eu não vou beber de você! Além disso, não tenho presas! — Estiquei
própria mão. Mal percebi sua careta de dor, minha concentração estava no
líquido vermelho que brotava de sua pele. Uma gota pingou no chão.
Desperdício.
com um leve sabor metálico, era gostoso, mas nem tanto. Puxei sua mão até
Heinz, porém ainda era exótico. Por fora, Takao permanecia calmo, com sua
pose serena, porém ele não me enganava, seu coração acelerado fugiria do peito
ele sabia que eu jamais o machucaria. Separei meus lábios de sua pele. Logo
Takao já não sangrava tanto, sua coagulação natural começava a entrar em ação.
Corri até o banheiro e voltei com o kit de primeiros socorros para fazer um
— Para mim, beber sangue humano é como tomar cerveja sem álcool. O
gosto é bem parecido, ainda é bom, mas não tem a mesma graça.
Ou seja, eu não tinha força própria de vampira, não era qualquer sangue
Cecília deduziu certo, já que consegui o poder ao tomar aquele líquido. Se fosse
possível, ela seguraria a garrafa com ainda mais reverência. — Perfeito, posso
aflorara novamente. Ela estava tão animada com aquela meia garrafa de sangue,
que parecia ter a cura para o câncer em suas mãos. Aliás, seria o sangue de
vampiro capaz de curar o câncer? A cada segundo que passava, eu tinha mais
vampiro para ficar... — Pensei em uma palavra que se adequasse, e apenas uma
precisava ser gasta. Meus músculos pediam para eu me movimentar, mas fiquei
chamou minha atenção. Eu já tinha contado sobre a conversa que ouvi entre os
— Sei que perguntar minha origem a eles seria o caminho mais fácil,
porém eu não acreditaria em nada do que dissessem. Eles sabiam o que eu era e
mesmo assim me obrigaram a passar por terapias, tomar remédios e... Porra, a
— E me desculpe por nunca ter levado a sério o lance da tal tia Luna,
mas agora levarei. Vou baixar as fotos que tiramos dos documentos e começar a
todos, menos para eles. Aqueles dois tinham a capacidade de fazer com que eu
me sentisse amada. — Vocês são a parte humana em mim. Eu não sei o que
acontecerá a partir de hoje, mas sei que precisarei dos dois para me lembrarem
Cecília colocou uma mecha errante do meu cabelo preto atrás de minha
orelha.
— Você sempre será a nossa Izzy, não importa se for uma mistura de
Tentei não rir, porém era impossível. Apenas Cecília para dizer a coisa
mais absurda possível e me fazer rir. O celular dela apitou com o som do
despertador.
— Ei... — Apontei para o frasco que ela carregava. — Não vai querer o
meu sangue também?
Fui até a cozinha e peguei outro pote transparente com tampa. Quando
voltei, cortei minha mão com o canivete e deixei o sangue escorrer dentro do
vidro. Tive que me cortar três vezes, pois a pele voltava a cicatrizar com uma
rapidez incrível. Não sabia que a cura era um dos poderes que eu pegara
emprestado dos vampiros. Cecília guardou o pote com minha amostra de sangue.
incrível.
Depois que Ceci saiu, Takao segurou minha mão e analisou de perto,
— Você sabe o que isso significa, não sabe? — Ele não tentou disfarçar a
Voltei para casa ao anoitecer. Depois que Cecília saiu para o trabalho, eu
e Takao passamos a tarde pesquisando os nomes presentes nas fotos dos arquivos
que conseguimos no clube. Eram tantas pessoas e empresas! Seriam todos eles
vampiros, ou será que não sabiam que trabalhavam com chupadores de sangue?
Acelerei meu carro enquanto pensava: quem era eu para falar em chupadores de
sangue? Droga, como minha vida mudou com uma simples visita a um clube!
Talvez eu fosse mais feliz sem saber que era metade Nosferatu; às vezes, a
Heinz pela primeira vez, corri por quilômetros para chegar no meu apartamento.
Estava tão cansada e dolorida, que adormeci toda suja de poeira e terra de onde
noites dos últimos três anos, eu malhava na Academia de Artes Especiais. Ela
ficava na esquina da minha casa, e lá encontrei o dono, Isaac, que, por acaso, foi
um dos poucos treinadores que conseguiram manter minha atenção por tanto
tempo.
Quem seria páreo para uma meia vampira? O problema era que, assim que
encontrar algo que me instigasse, até achar o AAE, como costumava chamar a
que esperar quando ia lá. Com o tempo, Isaac se tornou um informante e amigo,
ele conhecia os podres da cidade tão bem quanto entendia sobre lutas.
— Você sabe que não, e hoje ele não vem. — Ouvi a risada safada do
Isaac nunca ia trabalhar cedo, eu dizia que ele era preguiçoso, ele falava
que tinha outros compromissos. Era segurança de alguns ricaços durante o dia e
dava aula de caratê em duas ou três escolas. Luís sempre estava por lá, porém ele
era jovem demais para o meu gosto. Não nego que considerei suas provocações
algumas vezes, seu corpo musculoso era atraente e compensava o rosto comum.
— Ah, você sabe que não conseguiria lidar comigo, Luís. — Falei antes
que meus pensamentos tomassem rumos impróprios. Com minha força extra,
provavelmente quebraria algo importante nele. — Avisa que não vou hoje, mas
estarei lá no horário de sempre, ok?
— Você parte meu coração! Primeiro me dispensa, e depois diz que não
te verei de novo?
mais drama à sua fala, por isso sorri e desliguei o telefone, antes que ele
havia deixado a moto na casa dos meus pais. Eu precisava parar de perder meus
veículos. Considerei correr para recuperá-la, porém desisti, não queria ver meus
pais ainda.
Subi para meu apartamento pensando nas cantadas fracas de Luís. Ele era
um bom garoto, mas não passava de um garoto para mim. Eu preferia caras mais
velhos, com jeito de homem, como o... Desviei meus pensamentos e apertei a
pasta que roubei do Reich contra o meu peito. Não podia pensar em Heinz como
um homem ou como o sedutor Henrique, ele era o inimigo, ponto final. Também
não queria ficar imaginando quantos anos ele tinha.
outro banho depois do dia que tive. Coloquei a pasta em cima da escrivaninha do
meu quarto e joguei meu casaco e todo o resto em cima dela. Pensei em minha
gelada lavando o suor acumulado no dia. Eu não tinha certeza se o verão estava
reflexo no espelho. Parecia normal, como eu sempre fui. O rosto oval, delicado,
os olhos verdes como os de Cecília e da minha mãe, os curtos e lisos cabelos
negros. Aproximei meu rosto do espelho, não sabia se era efeito da luz, mas a
minha pele branca parecia mais iluminada, sem as pequenas e raras sardas que
ponteavam as minhas bochechas perto do nariz. O verde dos meus olhos também
estava mais brilhante. Parecia que eu tinha ido a um spa e feito o melhor
minhas feições, contudo apenas enxergava uma versão mais bonita de mim. Ser
banho, mas também pelo ar noturno. A brisa que entrava pela varanda parecia
acariciar minha pele e aliviar ainda mais o calor que sentira outrora. Fechei os
aroma da minha pele. — Eu aposto que sentiu. Deveria ter ficado mais no
segundo, eu estava imprensada contra a parede. De novo. — Você foi até o meu
clube com seu amiguinho humano para roubar de mim? Que feio.
Negar seria tolice, ele sabia até que Takao esteve lá também. O corpo de
Heinz se colou ao meu, e eu estava sem roupas, apenas com o roupão cobrindo
minha nudez. Eu podia sentir onde cada músculo de seu corpo muito bem
provocavam a minha pele toda vez que ele se inclinava sobre mim. Heinz
— Não pode culpar uma garota por tentar, não é? — Disse e o encarei de
gato. Meu corpo se arrepiou quando suas presas surgiram, e eu não tinha certeza
pescoço. Era ao mesmo tempo erótico e assustador. Pensamentos sobre sua boca
tornou-se perceptível até para mim. Droga de corpo traidor que não sabe se
Heinz.
roubou meu fôlego e logo sumiu, substituída por um calor líquido que percorria
minhas veias. Minha boca se abriu em um ofego, e ele soltou minhas mãos para
me segurar pela cintura e cabelos. Heinz mantinha minha cabeça inclinada
de afastá-lo, arranhei seus braços. Minhas unhas afundaram em sua pele como
suas presas penetravam na minha. Minha cabeça estava leve pelo prazer que sua
seios. Ele soltou o pescoço para beijar meus lábios, suas grandes e ásperas mãos
subiram da cintura para agarrarem o seio. Um, depois o outro. Ofegante, afastei
deu de ombros, com seus olhos voltando ao marrom normal. — Achei justo tirar
sangue seu em troca, além disso, estaria punindo a mim se não te beijasse.
Ainda bem que ele não percebeu a pasta desaparecida! Não duvidava que
quem roubasse Heinz não sairia impune. Olhei para o casaco em cima da mesa,
que escondia de maneira displicente o meu verdadeiro furto. Merda! Ele seguiu
coração, mas eu não podia arriscar testar a teoria sem ter certeza que funcionaria.
disto...
se voltou para o canivete e a Glock G25, minhas armas favoritas. — Talvez não
ele ter bebido o restante do sangue que roubei. Desgraçado. Apostaria minha
vida que ele fez de propósito para que eu não pudesse me fortalecer novamente.
atenção estava voltada para mim, meu corpo tremeu com as promessas ocultas
em seu olhar predatório. Uma grande parte de mim se sentia mal por utilizar
aquela tática de distração, outra parte, um pequeno e pervertido lado meu que
clamava por um certo vampiro, estava animado com a ideia de descobrir o que o
vampiro, mas tinha certeza que existia uma grande: resistência física. Os poucos
relaxar para recuperar o fôlego. Heinz não apresentava esse problema, ele não
tinha fôlego a ser recuperado, respirava mais por hábito do que necessidade.
E eu também.
Quando ele me fez gozar a primeira vez, mordi seu ombro com tanta
força que a pele se rompeu, me permitindo beber seu sangue e sentir o poder
puro fluir para mim. Éramos uma mistura de pernas, braços, sangue e suor. Meus
sentidos se encontravam sobrepujados pelo prazer que eu experimentava. Eu
estava ciente do toque de veludo de sua pele, do calor e do cheiro que dela
emanava, do seu corpo firme contra o meu. Do seu toque em minha pele quente,
sua língua áspera contra meu seio sensível e de suas presas encontrando as
minhas veias. E de sua força... Ah, sua força! A única que conseguia ser maior
do que a minha.
pernas. Uma olhada rápida no relógio, que repousava meio de lado na mesinha
próximo à minha cama, me disse que já passava das três horas da manhã. O
situação. Tirei suas mãos da minha cintura e as levei até a cabeceira da cama.
— Segure. — Ordenei. Ele fez o que pedi, agarrou as barras de ferro que
enfeitavam minha cama. — Eu sei que nenhuma amarra te manteria preso, por
isto você terá que usar sua própria força de vontade. Vai ficar quietinho e não vai
Ótimo. Fui até a mesa e peguei o meu canivete da sorte. Quando cortei
meu braço no dia anterior, me curei depressa, então tinha curiosidade para saber
quão rápido um vampiro puro se curaria. Voltei a sentar em seu quadril, uma
perna de cada lado, e senti sua dureza penetrar em mim. Respirei fundo,
movendo-me para cima e para baixo. Eu tinha outros propósitos além do prazer,
metal frio arrepiasse sua pele quente. O que era um tanto surpreendente, eu não
esperava reações tão humanas em Heinz. Sua boca se abriu em um gemido baixo
quando coloquei a ponta ativa da faca contra seu peito e desci até a cintura. Na
pele pálida se formou uma linha sangrenta efêmera. Droga! Ela desapareceu em
segundos, deixando apenas um rastro de sangue para trás, que eu logo lambi.
algo na brisa que entrava pela janela. — Confie em mim, deixa eu te mostrar o
garganta de Heinz e bebi seu sangue. Quando eu usava minha boca, o corte não
curava, continuava a fluir. Outro mistério a ser desvendado. A fome era como
mais eu queria. Mordi com mais força o seu pescoço, o prazer me enlouquecia.
encontrava no telhado do meu prédio, nua sob o luar encoberto parcialmente por
nuvens, a cerca de dez andares acima. Heinz estava sentado no deque de madeira
ao lado da piscina comigo em seu colo, sua mão cobrindo a minha boca. Merda!
Ele era muito rápido, mais até do que os meus sentidos aguçados conseguiam
— Não grite, apenas ouça. Sei que prometi ficar parado, mas você estava
Fiz o que ele pediu, elevei meu rosto e apoiei minha cabeça em seu
ombro. Deixei os sentidos fluírem e senti o que ele queria: o aroma da chuva um
pouco antes que os primeiros pingos atingissem meu rosto. As gotas geladas
caíram em meu corpo, cada toque despertava uma sensação diferente em minha
mesmo tempo.
perfurar minha pele. A mão que estava em minha boca desceu para os meus
seios, apertando-os. Sua outra mão foi parar no meio das minhas pernas,
Isadora.
Uma pequena parte racional de mim se lembrava que ele era Heinz, O
mais perto ainda”. Se eu queria descobrir o que aconteceu com tia Luna,
no deque.
— Então me mostre.
Suas presas brilharam, expostas por um sorriso que beirava o limite entre
segurou meus cabelos enquanto nos beijávamos com voracidade, como se aquela
fosse a nossa primeira vez, e não a... Bem, eu perdi a conta de quantas vezes
minha bunda. Eu segurava a tampa de mármore com tanta força, que provoquei
uma rachadura na pedra. Meu grito se perdeu na noite quando ele sustentou
ouvido.
Eu sentia como se tivesse vendido minha alma ao diabo. Não que eu
estivesse me importando muito com isso, pelo menos não naquele momento...
★ ☽ ☯ ☾ ★
amanhecer. Heinz sorriu e beijou meus lábios, explicando que eu não estava
dia anterior me faria apagar como a um vampiro novo, antes mesmo que os
andar se tivesse feito um terço do sexo que fiz ontem. Sorte minha não ser um
pelo casaco, chamou minha atenção. A garrafa de vidro que trouxera do Reich,
cheia de sangue fresco. Embaixo dela, encontrei um bilhete com uma letra
“Isadora,
vampiro como eu é mais poderoso do que você pensa. Guarde para emergências,
Com carinho,
Heinz.”
Que havia muitos inimigos, eu não tinha dúvidas, quanto ao resto, apenas o
tempo diria.
Capítulo 10 — Erros
“Isadora, o que você fez, filha?”, minha mãe perguntou com assombro.
Ela passou a mão nos cabelos loiros, jogando-os para trás, o sol refletia no
diamante de seu anel e incomodava meus olhos. Baixei a cabeça, e ela suspirou,
queixo, obrigando-me a encarar seus olhos avermelhados. Por que ela chorou
“Não fiz nada, mãe... Becca não deixava Camila em paz, aí eu tentei
ajudar, só isso.”
Balancei a cabeça, negando que tinha feito algo errado. Rebecca era
melhor, da lembrança da minha infância. Eu tinha dez anos quando quebrei duas
dizendo que eu era esquisita. Aguentei calada por mais de ano, até que ela
desistiu de mim e passou a fazer bullying com uma garota tímida da terceira
ser uma garota como outra qualquer. Era muito mais desgastante tentar se
encaixar do que ser um pária. A única pessoa que me fazia ficar à vontade era
Cecília, minha prima não era uma garota de meias verdades e geralmente dizia o
que pensava. E Takao foi o nosso par perfeito. Dela no amor, e meu nos
negócios.
amigos de escola que me esforcei tanto para ter, e que agora se tornaram
roncando de tanta fome, que se eu fosse uma das crianças Baudelaire, seria a
pequena que saía mordendo tudo. Eu, com certeza, estava em uma desventura
corpo quente. A memória das mãos de Heinz passeando pela minha pele me
Como o canto de uma sereia, ela pedia para eu me aproximar e tomar apenas um
gole. Só um gole não faria mal, não é? Droga, aquilo era o que todos os bêbados
refrigerador com um baque, não ficaria viciada nessa porcaria. Não mais do que
já estava.
escrivaninha e joguei o casaco em cima da cama. A pasta estava lá, sobre a mesa,
reluzente em seu lacre pardo. Ela parecia zombar de mim, lembrando-me que
mal passou de uma desculpa fraca para a noite que tive com Heinz. Encostei a
Talvez aquele fosse o real significado de ser uma mestiça, estar dividida entre
dois mundos. Eu era como um ímã, um lado se sentia atraído para o Heinz, o
outro repelia tudo que seu mundo representava. Nunca me senti muito à vontade
no mundo humano, porém era tudo o que eu conhecia. Não queria conhecer um
classificados por datas, e alguns tinham muito mais que cem anos, todos
quase cento e cinquenta anos. Minha nossa! Eu sempre gostei de homens mais
velhos, porém tudo tinha um limite, não é? Se bem que a resistência que ele
havia demonstrado no dia anterior não se comparava nem com a dos garotos de
vinte anos. Desviei meus pensamentos, antes que perdesse o foco, e passei as
Se ela era minha tia, eles deveriam ter se conhecido havia pouco tempo.
Verifiquei linha por linhas, nome por nome, mas o de Luna não surgiu nas
tinham uma segunda data e uma cruz desenhada ao lado. Morte. Aquilo me
cheirava à morte. Heinz me dissera que ninguém roubava dele e ficava impune,
será que o mesmo valia para ex-parceiros? Havia algum momento em que a
fome se tornava grande demais e ele passava a jantar os sócios em vez de comer
nascimento. Que bobagem! Eu deveria ter começado por ali! Folheei as páginas
sem nem pensar em parar para comer. Estava prestes a desistir, quando um nome
sinais vermelhos sem nem ao menos olhar para os lados e dirigi focada em uma
cabelos presos no alto da cabeça e óculos de leitura. O janelão atrás dela trazia a
luz natural do dia e o frescor do jardim para o cômodo. Era uma cena bucólica
demais para alguém que já frequentou uma boate vampírica com regularidade
assinatura.
— Onde conseguiu isso, Isadora? — Sua voz saiu mais firme do que eu
— Não! Não tenho noção alguma, não sei de nada! — Gritei de volta. —
A senhora escolheu me deixar no escuro, esqueceu? Eu passei anos achando que
era uma aberração, que via e ouvia coisas! Fiz terapia para esquecer os sonhos
que tinha, nunca me encaixei com as outras crianças! Você me deixou pensar que
— Para te proteger! O maior erro da minha vida foi entrar no Reich, tudo
que fiz desde então foi para te manter segura! — Mamãe andou até um grande
atrás. Ela pegou uma pequena chave dourada, que usava no pescoço, e abriu a
fechadura.
Nossa! Ela nunca tirava aquele colar do pescoço, sempre achei que era
um berloque sobre o amor dela com meu pai, já que fazia par com outro pingente
que também adornava o seu pescoço: um coração de rubi com uma fechadura
dourada. Pelo visto, me enganei. O colar era apenas uma forma de minha mãe
Não sabia o que tinha escondido naquele cofre, mas tinha certeza de que
era algo muito importante. O objeto que ela retirou de lá não era o que eu
— Isso era para ser seu quando completasse dezoito anos. — Ela segurou
meus ombros quando tirei o pequeno objeto de suas mãos. Mamãe acariciou meu
rosto e colocou uma mecha atrás da minha orelha. — No início, você era a
maneira que eu encontrei de me redimir dos meus erros, Izzy. Lembre-se, não
Você é o meu bem mais precioso, por isso não posso mais arriscar sua
vida. Por mais que eu queria tê-la ao meu lado, Monte Carlo não é um lugar
seguro. Ficarás aos cuidados de Alice e Fernando, eles te manterão segura até o
meu retorno. Deixo o meu diário para que saibas quem eu sou e quem você é. Se
encontrar. É perigoso demais. Viva sua vida, domine seus poderes e se esconda
Com amor,
Tia Luna.”
Uma lágrima caiu na página e borrou a tinta. Tia Luna existiu e não me
Talvez ela fizesse parte do Reich antes de sumir. Heinz não parecia ser o
inimigo, mas havia algum por aí, um que nem mesmo o poderoso chefe
— Você ia me mostrar isso algum dia? — Virei para a minha mãe, que
Isadora.
Com um peso nos ombros, afundei na poltrona antes ocupada por minha
mãe. Ignorância não era uma benção no meu caso. No de ninguém, para ser
sincera. Uma vida de mentiras doía mais do que a mais bela das verdades. Minha
mão deslizou pelo couro desgastado do diário de Luna. Por mais ansiosa que
estivesse para descobrir tudo de uma vez por todas, estaria preparada para saber
o que houve para que eu nascesse assim? Era o que estava prestes a descobrir...
Capítulo 11 — Diário de Luna (Parte I)
Um calafrio subiu pela minha coluna quando percebi que o diário da tia
Luna começava no dia seguinte ao meu nascimento. Isso não poderia ser um
bom presságio.
Eu nunca fui uma mulher de escrever diários, nunca quis deixar os meus
noite que tive ontem, mudei de ideia. O que aconteceu foi tão surreal, que eu
precisava deixar registrado, para os dias em que eu não acreditasse mais no que
aconteceu.
Ontem o tempo estava frio, quem em sã consciência sairia de casa para
trair o marido em uma noite chuvosa de quarta-feira? Segui a mulher rica, que
usava um longo casaco preto para esconder a pouca roupa que, eu já sabia,
Martins, loira, olhos azuis, um metro e sessenta e cinco de altura, vinte e oito
anos, casada e sem filhos. Seu marido contratou os meus serviços de detetive
Ela se envolveu em algo muito pior do que um simples amante: uma seita de
meu trabalho! Tenho quarenta e três anos e passei metade deste tempo sendo
detetive particular. Não é uma profissão comum para uma mulher e, exatamente
por isso, os suspeitos nunca desconfiam de mim. Afinal, nem mesmo o mais
paranoico dos homens acharia que uma garota indefesa poderia incriminá-lo.
Quase ninguém.
naquela noite.
meu corpo, de tão colado que era. Escondia minha nudez parcial embaixo do
minha vez! Eu não sou tão novinha como a garota, mas me cuido bem para uma
— Código?
entrei. O interior do clube era todo escuro, com paredes em vermelho bordô, e
branco.
Que estranho!
coisa parada ali. Tinha um gravador escondido na minha bolsa de mão e uma
multidão que dançava muito colada, o que só dificultava o meu trabalho. Além
disso, como tiraria uma foto decente com tão pouca iluminação?
Avistei Alice. Ela estava sentada no colo de um garoto lindo e loiro com
traços europeus. Aquele rapaz tinha idade suficiente para estar ali? E ele ainda
parecia ter um lugar de destaque — sua mesa acima das demais, em uma área
som techno que tocava no ambiente, segurei a câmera na mão direita e balancei
ao ritmo da música, com os braços levantados no ar. As fotos não teriam muita
luminescente, como as de um felino. Ele então abriu sua boca, mostrando duas
que suspirou em êxtase. Que diabos era aquilo? Algum tipo de clube de fetiche?
elevada. Corri para lá, meu cliente era um idiota apaixonado e não ficaria
satisfeito se a mulher dele morresse. Logo a alcancei e a agarrei pelo braço.
— Quem é você?
— Fernando?
menor. A frente do clube estava tomada por uma massa de corpos tentando fugir.
direção:
lado do salão. Aquela noite ficava pior a cada segundo! Vários corpos caídos
lotavam o chão, a maioria usava roupas brancas. Os de preto lutavam para sair
com as próprias mãos — pelo menos não havia um tiroteio. Ser ferida à bala
puxar e caí no chão. Ela estava sendo erguida pela cintura por um cara enorme
Sua voz era tão asquerosa quanto a aparência. O que ele pretendia fazer
com ela? Eu não tinha minha arma, mas o meu fiel canivete sempre ficava preso
por uma bainha de couro presa em minha perna, então o peguei e atingi a mão
Não consegui reagir à sua ameaça. Seu ataque foi tão rápido, que, em
um piscar de olhos, senti uma dor indescritível em minha garganta. Parecia que
minha força vital estava sendo drenada para fora de mim, meu cérebro parecia
Reaja, reaja!
Reaja!!!!
presas.
Presas... Este era o nome correto. Não eram caninos ou dentes normais.
Ele foi para meu pescoço novamente, e Alice tentou afastá-lo, puxando-o
pelas costas. Eu gostaria de avisar que não adiantaria, ela era fraca demais
contra ele, mas, de repente, o semblante do meu agressor foi substituído por um
minha frente! Um outro homem, de cabelos negros e olhos amarelos e com uma
faca enorme, do tamanho de uma pequena espada, nas mãos, segurou Alice pelo
braço e exclamou:
— O que você está fazendo aqui ainda? — Ele apontou para a porta
homem partiu para a luta, ela se voltou para mim com o rosto manchado de
lágrimas. — Me desculpe, eu não sabia que seria assim, não queria que
— Abra a boca, moça, eu prometo que você vai ficar bem! Eu não quero
que você morra por minha causa… — A voz da Morte me convidava a cair no
transformará em pó!
para reagir ou fazer qualquer coisa. Senti algo macio sendo pressionado contra
meus lábios, seguido por um líquido morno e salgado escorrendo pela minha
garganta.
Uma dor diferente me invadiu, parecia que meu coração estava sendo
desespero total. No entanto, a dor foi fugaz: assim como veio, sumiu. Os sons
recomeçaram a fazer sentido, senti meus músculos fortalecidos em meio a dor.
Abri meus olhos e descobri que o objeto macio pressionado contra minha boca
Empurrei Alice, e ela escorregou para longe. Olhei com espanto para
minhas mãos e me perguntei quanta força usei para conseguir aquilo. Cuspi o
resto de sangue que ainda estava em minha boca. Tudo era confuso, as luzes, os
busca de ajuda, uma explicação, qualquer coisa que provasse que isso era
apenas o pior e mais real pesadelo da minha vida. Só queria sair daquele lugar.
entendi como cheguei ali tão rápido. O barulho e o caos do Reich enchiam a
noite de ruídos tão altos, que latejavam em minha cabeça. “Alice que se foda”,
pensei, “vou embora”. Eu precisava ir para casa e esquecer esta loucura.
Minhas pernas decidiram por mim que era hora de correr. Estava indo
tão rápido, que, mesmo em meu salto alto, a cidade se tornava um borrão. Será
ar, não sabia ao certo. Nada disso poderia ser real. Cheguei à casa que eu
dividia com Isabela, minha irmã mais nova, e ela me olhou, assombrada.
era meu. Em seguida, ainda assustada, passou a mão em meu rosto, analisando
Sua mão em meu rosto. O pulso tão perto do meu nariz. O cheiro era
por dentro... Seca. A dor voltou a me invadir, e uma sede consumiu minhas
entranhas.
Minha irmã berrava, me perguntando de quem era o sangue que
parcialmente me cobria.
Sangue... Sangue... Seu pulso perto dos meus lábios... Minha visão se
meu ser.
Delicioso.
Outra pulsação. Ótimo! Mais sangue para mim. Larguei aquela que já estava
fraca demais e peguei o novato. Vi a pele negra, tão bela, que eu tanto amei.
Mordi seu pescoço com a maior fome que já senti em minha vida, pensando que
seu sangue estaria dentro de mim para sempre. O dele tinha um gosto um pouco
diferente, mais forte, porém tão delicioso quanto o anterior. Eu me senti inteira.
Tum... Tum...
A batida acelerou, como um carro velho dando seu último suspiro antes
saborear”. Virei-me para a mulher caída no chão, quase morta. O som vinha
dela? Eu podia beber todo o seu sangue e acabar com seu tormento.
Alguma coisa estava errada, não era da mulher esse som. O dela era
muito mais fraco... Olhei para sua barriga inchada. Oh, era dali que vinha o
barulho!
Uma mão lânguida segurou meu braço.
Luna? Quem era Luna? Salvar quem? Olhei para aquele rosto sem
Meu marido estava quase morto, minha irmã, grávida de oito meses, morrendo,
e minha sobrinha... Não! Rasguei meu pulso com as presas e dei para Isabela
nublavam minha visão. Ela estava fraca demais até para ingerir, porém fiz com
Sua voz era um sussurro tão baixo, que apenas minha nova audição
poderia escutar. Eu precisava fazer algo! Corri até a cozinha e peguei uma faca
“Me perdoe, irmã!”, pedi, beijei a testa suada e abri sua barriga logo
abaixo do umbigo, Isabela emitiu um último grito antes de seu coração parar de
inferior. A garotinha chorosa era tão linda e indefesa! Seu coração batendo
conseguiria... resistir.
Capítulo 12 — Branco, Preto e Vermelho
mais nada em minha frente. Não com as lágrimas que insistiam em cair. Minhas
biblioteca, chorei como nunca havia feito antes. Meus pais, as pessoas que eu
mais amava, não eram meus pais biológicos. No fundo, eu desconfiava daquilo,
mas nunca quis acreditar de verdade. Não nasci do ventre de Alice, Fernando
Martins não era o meu pai. Minha nossa! Eu não era uma Martins de verdade,
era a tia amorosa que cuidou de mim. Não, ela era uma vampira sanguinária que
matou minha mãe e roubou minha infância. Eu não deveria ter crescido achando
que era louca, uma estranha entre meus colegas de escola. Não entendia
exatamente como, porém sabia que ela tinha feito isso comigo, me transformado
secarem e não restar nada de mim, mas nem isso a droga da maldição vampírica
me deixava fazer, eu continuava com a beleza intacta por fora, mesmo que
Da minha bota, retirei o meu canivete favorito. Ele era preto e tinha um
desenho vermelho intricado de arabescos. Eu nunca saía de casa sem ele, sempre
esteve comigo, não me recordo desde quando. Seria este o mesmo canivete?
Teria ele ficado para trás, abandonado, assim como eu? Eu segui os passos de
Luna, tinha a mesma profissão. Agora entendia por que minha mãe ficou tão
revoltada quando disse que eu seria detetive. Meu inconsciente lembrava mais de
da minha mão para observar o filete de sangue que surgiu. As gotas rubras
passaram, até que o corte se fechou sem deixar nenhum rastro de sua existência.
efeito.
a ler mais. Descobri mais sobre minha tia em poucas páginas de seu diário, do
que em toda a minha vida de investigação. Mesmo minha busca na deep web, a
internet obscura por trás da internet comum, não surtira resultados, o que era
mas não a encontrei em nenhum lugar. Ela saiu para não precisar me enfrentar.
Covarde. Se não podia confrontá-la naquela hora, só havia outra pessoa que
poderia me dar respostas. Subi até o meu antigo quarto e encarei as roupas que
mente:
Os de preto lutavam para sair com as próprias mãos — pelo menos não havia
um tiroteio.”
no Reich, Heinz disse que eu não sabia as regras do clube, ou jamais teria ido
ataque porque eram humanos, e os de preto não precisavam de armas porque eles
eram as armas.
sem alça, curto e justo. Salto alto, batom vermelho e o canivete da sorte
escondido entre os seios. Peguei uma bolsa vermelha de couro da minha mãe,
grande o suficiente para esconder a pasta com documentos que roubei do Reich.
na pele de humana.
★ ☽ ☯ ☾ ★
Escondida na penumbra do carro, atrás do volante, observei a
momento, dez homens e oito mulheres, além dos que já estavam lá dentro antes
fluir: “casa da noite”, ela disse ao porteiro. Nossa! Alguém tinha que avisar ao
Heinz que aquelas senhas eram ridículas. “Vou drenar todo o seu sangue e
informação importante.
— O que você pensa que está fazendo, Isadora? — A voz grave de Isaac,
o meu instrutor da academia, parecia gritar em meu ouvido.
brigou comigo. — Eu não quero que volte a ser aquela Isa de três anos atrás.
Suspirei. A Isadora de três anos atrás era uma mulher imatura e irritada,
com raiva do mundo. Uma Isa que quase matou um cara durante uma estúpida
briga em um bar. Isaac me parou antes de dar o golpe final. Desde então, eu
tenho ido todos os dias treinar com ele para descarregar minha energia
acumulada.
— Respondi com sinceridade. Eu não queria voltar a ser uma pessoa sem
controle.
— Você já fez isso ontem. — Ele suspirou, pude ouvir sua respiração
mensagem avisando que precisava de um tempo. Não podia envolver ainda mais
— Hoje não.
— Você sabe que pode contar comigo, não sabe? Não importa o
A voz de Isaac era solene. Eu tinha certeza que ele, Takao, Ceci e até o
independentemente do perigo, mas aquele era o exato motivo para eu estar aqui
— Eu sei, obrigada.
Isaac desligou depois do “cuide-se”, sua despedida habitual. Respirei
bem que era um diferente do homem que havia barrado minha fuga na outra
noite. Repeti a senha que ouvi a ruiva falar e entrei. Tive uma sensação de mau
Era tão estranho que eu tivesse seguido os mesmos passos da minha tia...
Eu era muito nova quando ela foi embora, e sobraram apenas flashes de memória
enquanto caminhava até o bar da forma mais casual possível. Ficar parada no
gostaria de chamar.
— Qual a sua melhor bebida? — Flertei com o barman, que, assim como
Agora que eu sabia de seus reflexos vampíricos, o truque não parecia tão incrível
quanto antes. Claro que não verbalizei isso, apenas pisquei meus cílios como
uma boa garota e elogiei suas grandes e fortes mãos. Sempre conseguia
uma única gota vermelha. — Mas pode beber esta, por conta da casa.
— Obrigada.
— É a sua primeira vez aqui, não é? Pode beber, só vai te dar um barato
legal.
dizendo que é seguro. Só um trouxa cairia naquela! Ele riu ainda mais.
de vocês contra a sua vontade. Temos força o suficiente para fazer isso sem que
você perceba o que aconteceu, mas não é o nosso costume. Não porque você
deixou de tomar uma bebida em nosso bar, mas porque alguns de nós se
lembram de como era ser um humano, então não concordamos em matar por
prazer.
encontrá-los.
Hesitante, tomei um gole. Era bem mais doce do que eu esperava, com
do sangue.
lábios e com sutileza toquei em sua mão que repousava em cima do balcão.
para os negócios.
barman.
— Guto, é um prazer conhecer tão bela dama. — Ele aceitou minha mão
e beijou o dorso com reverência. Um gesto tão antiquado, que me fez questionar
— Você faz muitas perguntas para uma novata, geralmente elas ficam
mas aqui sei que estou segura. — O que era uma mentira: pelo relato de tia
entender mais, onde não posso ir. Qualquer coisa que faça eu me sentir segura
fora daqui.
Terminei minha fala com uma voz chorosa, até consegui uma lágrima
errante que deslizou pela minha bochecha. O olhar de Guto suavizou, ele parecia
compadecido. Sorte minha que eu era uma boa mentirosa. Qualquer ansiedade
pouco quando fiquei em pé. Eu não tinha comido nada desde o café da manhã, e
beber de barriga vazia nunca era uma boa ideia. Não era à toa que dois copos
deixaram a sensação que eu tinha bebido vinte. Agradeci mais uma vez ao Guto,
encontrei. Logo naquela noite ele decidiu não aparecer! Fazer mais perguntas só
chamaria atenção desnecessária, mas pelo menos eu tinha uma pista sobre os
informações.
Olhei para trás e vi que Guto continuava me seguindo com o olhar. Pelo
repente, alguém segurou minha cintura. Olhei para ver quem era e me deparei
com um vampiro loiro de olhos claros.
— O que uma beleza como você está fazendo sozinha aqui? — Sua voz
era meio musical, com um sotaque forte que eu não conseguia identificar. A
olhos. Lembrei mais uma vez do diário de Luna: Alice, a mulher que Luna
estava vigiando na noite em que nasci, minha mãe adotiva, estava sentada no
Eu não sabia se era a bebida ou se era porque nunca tinha dançado com
música mudava para uma mais lenta e sensual. Seu corpo se juntou ao meu, e eu
encostei a cabeça na curvatura do seu pescoço. Nem mesmo a bolsa pendurada
pele. O homem falava, falava e falava, mas eu não prestava atenção. Não sabia
nem o seu nome. A fome me dominava, meu estômago doía tanto! Parecia que
fundo, poderia sentir o gosto do sangue da garota vertendo para dentro dele.
arranhou meu pescoço com suas presas. Nada de sangue, apenas uma
Meus dedos encontraram o seu destino: meu decote. Ele podia achar que eu o
Haveria sangue no final daquela dança, porém não seria o meu. Matar a
gostaria de uma dança com a jovem. — O intruso falou em um tom que deixava
bem claro que aquilo não era um pedido e também que ele não sentia muito pela
intromissão.
próprio peito e me prendeu junto ao seu corpo com seus braços. Tentei soltar,
mas seu abraço era forte demais. Como teve coragem de ficar entre mim e meu
dançando...
carmim brotou de sua boca, e o aroma delicioso me atingiu. A fome que sentia
triplicou, porém Heinz não parecia se importar quando começou a mover nossos
língua com a ponta de sua presa, antes que ela se retraísse. Estava muito ocupada
sugando o seu lábio. Literalmente.
sexo, se tornou mais nítido. E ainda não era o suficiente, eu queria mais, muito
mais. Seu lábio não mais vertia sangue, a pele tinha se curado e as poucas gotas
dançando e, com o canivete ainda em mãos, puxei seus ombros para mais perto.
— Você está pior do que eu pensava! — Ele segurou minha mão e saiu
me puxando pelo Reich até o escritório. Deixei que fizesse isso, poderia drená-lo
mais facilmente sem todas essas pessoas para me atrapalhar. Heinz trancou a
porta e me colocou contra a parede, de costas para ele. Sua mão em meu pescoço
— Não antes de fazer você sangrar. — Com meu salto agulha de quinze
centímetros, dei um chute para trás, atingindo sua perna. O aperto em meu
pescoço afrouxou, e eu utilizei o canivete para cortar o braço que me prendia.
Empurrei Heinz, que caiu no chão, assim como minha bolsa vermelha.
Montei em seu colo antes que ele pudesse se levantar. Com o meu canivete em
sua jugular, perfurei sua pele. Isso! Um fluxo contínuo de sangue escorrendo
livremente era o que eu queria. Retirei a lâmina do seu pescoço e mordi a veia
Pensei que ele iria me parar quando suas mãos seguraram meus cabelos,
mas não foi o que aconteceu. Seus dedos provocavam minha pele e alcançaram o
zíper nas costas. Como não tinha alças, o tecido deslizou para baixo, caindo no
peito de Heinz, que não perdeu tempo. Meu sutiã foi puxado para baixo e suas
Desci mais o meu corpo, até que nossos quadris estivessem alinhados.
Não larguei seu pescoço mesmo quando comecei a ondular contra sua dureza,
para frente e para trás, sentindo a aspereza do seu jeans contra o fino tecido da
minha calcinha. A cada gole que eu tomava, meus sentidos ficavam mais
— Você pretende me secar? — Sua voz saiu meio rouca, talvez porque
conseguia. Heinz fez um impulso com os ombros para lateral e para cima,
invertendo nossa posição. Quase rasguei sua garganta no processo. Ele prendeu
meu corpo com suas pernas e segurou minhas mãos acima da minha cabeça.
novo. Ele estava fraco, e eu quase conseguia escapar de seu aperto firme. Quase.
Teria conseguido, se não fosse a vez dele se alimentar. Seus dentes afundaram
em minha pele, mas não na minha garganta. Heinz mordeu o meu seio, e eu senti
aquela droga maravilhosa que ele carregava nas presas invadindo minhas
artérias, substituindo a sede de sangue por prazer. Ele liberou meus pulsos, e foi
Eu até conseguia pensar com mais clareza, contudo não queria. Não
conversa que teríamos, aquela poderia ser a última vez que eu beijaria Heinz.
Segurei seus cabelos e o empurrei para baixo, em direção ao meio das minhas
pernas:
— Faça eu me esquecer.
— Será um prazer.
★ ☽ ☯ ☾ ★
coberta pelo jeans. Ele me ofereceu uma dose de absinto, porém recusei.
Segundo ele, era uma das poucas bebidas que conseguiam afetar os vampiros. A
versão original da “fada verde”, como era conhecida, tinha quase noventa por
cento de álcool e um tipo de alucinógeno. Não era à toa que fora proibida em
Encarei o sangue seco que marcava uma trilha do pescoço ao seu peito
exposto sem camisa, com o abdômen definido à mostra. Exibido. Parecia tão
natural estar com Heinz. Ao lado dele, eu não precisava fingir ou segurar meu
lado selvagem. Era libertador não precisar ser ninguém aquém de mim. No
entanto, o sangue seco que eu estava olhando me mostrava como cheguei perto
diário. Eu tinha feito um estrago no pescoço de Heinz. Por que ele permitiu?
eu quase bebi todo seu sangue. Por que você não cicatrizava quando eu estava
com a boca no seu pescoço? Eu não conseguia pensar e... — Dei de ombros. —
Na verdade, eu não consigo nem pensar agora. Dá para colocar uma camisa?
do linho no balde de gelo com a garrafa de absinto e usou para limpar o pescoço.
embutido por trás da mesa. Esse cara tinha fixação por móveis embutidos.
Como era o nome do barman? Lembrei! — Será que Guto tentou me drogar?
— Guto? Não, ele provavelmente achou que você era humana e deu
essa mistura multiplicaria o prazer de ser mordida. Com você, potencializou sua
fome.
Pensei no diário da tia Luna, na loucura da fatídica noite que tirou a vida
da minha mãe biológica. Heinz era a chave de tudo! Uma lágrima escorreu pela
minha face, e eu não tentei disfarçá-la, e ele também não tentou secá-la ou fingir
que não a viu. Chorar não era um sinal de fraqueza, era apenas o meu corpo
intrincados desenhos.
— Era uma vez uma jovem mulher rica cansada da vida. Ela queria
repetiu com muitos homens e mulheres ao longo dos anos, tantos, que é
acontecer. Teve uma noite, entretanto, que uma dessas mulheres acabou
encontrando mais do que procurava. Ela estava no lugar errado, na hora errada, e
tinha sido seguida. Uma detetive entrou despreparada em um mundo que não
tempo todo? Não sei o que tinha o deixado tão falante, mas com certeza eu não o
Eu tenho inimigos, muitos. Aquela noite não foi um ataque aleatório, eles
buscavam algo, e Luna foi pega no fogo cruzado quando entrou de penetra no
Reich. Eu não sabia quem ela era e muito menos que tinha sido transformada,
nem que você existia. — Heinz devolveu a arma que tinha em mãos. — Não foi
a primeira vez que esse canivete se cravou em minha pele. Você era muito nova
para se lembrar de mim, mas eu tentei ajudar quando ainda era uma menina. Sua
tia não acreditou em minhas boas intenções e fugiu. Depois não as vi mais, achei
que estavam mortas. Não sabia nem que o nome dela era Luna. E depois não
voltei a pensar nela até te ver no Reich. Você parece com Luna, um rosto
delicado que esconde uma mulher forte. Porém, com olhos verdes em vez de
pretos.
— Eu desconfiava.
Foi tudo o que ele disse em resposta. Escondi o canivete entre o sutiã e
resgatei a minha bolsa, que tinha ido parar do outro lado da sala. Dela, retirei a
pasta roubada. Minha tia deveria ter uma razão para não confiar em Heinz,
madeira maciça. Quando abri a porta para ir embora, Heinz se aproximou em sua
velocidade vampírica. Ele estava o mais perto de mim que conseguia ficar sem
me tocar.
checaria cada pessoa nela para tentar provar que eu sou um monstro. — Seus
olhos faiscavam para mim. — Os humanos que frequentam o Reich vem por
vontade própria. Eu não os obrigo a nada e não tive culpa do que aconteceu,
lembre-se disso.
Dito isso, Heinz sumiu pelo clube como um vulto, fazendo com que eu
me sentisse sozinha mais uma vez, ainda que quem dissera adeus tenha sido eu.
Capítulo 14 — Normal
toque para Takao. Era de uma banda japonesa só de meninas, e eu não conseguia
entender uma palavra do que era cantado, porém adorava o ritmo. Alcancei o
— Vai se lascar, Takao! — Gritei e ouvi sua risada com eco, como se ele
Era só o que me faltava, virar a Rainha das Trevas. Fui abrir a porta,
reclamando por ter sido acordada tão cedo, e encontrei Takao com um sorriso
imenso no rosto e uma pasta em mãos. Como alguém ficava animado em uma
Minha cabeça latejava sem parar, e a garganta estava seca. Eu estava com
cozinha. Não queria perder o controle como fiz ontem. Agora que tinha bebido
arriscaria ter sede, não quando convivia com tantos humanos por perto.
Enchi metade da caneca com o líquido espesso. Esperava que fosse o suficiente
Limpei com a língua meu lábio superior, e meu amigo fez uma cara de
nojo. Revirei os olhos, afinal todos teriam que se acostumar com minha nova
dieta.
xícara para Takao, mas ele resmungou que nunca mais beberia café na vida.
ao dos humanos sob um microscópio óptico comum. Ela viajou para pedir
horas de viagem seriam em vão. Se falasse a verdade, era mais provável que a
imensa. Não tinha ideia de quantos humanos em Monte Carlo e nos arredores
em minha torrada.
Lembrei da primeira vez que me deparei com aquele caso. Parecia bem
simples no início, uma garota tola de vinte e dois anos desaparecida. Ela fugiu de
casa cerca de um mês antes, quando decidiu seguir uma nova banda que se
apresentava pela cidade. Parecia mais um caso de alguém que queria curtir a
Geórgia. Suas feições eram bem comuns: cabelos castanhos abaixo do ombro e
Geórgia não era alguém que pudesse chamar atenção por conta própria. Aceitei o
caso esperando encontrar a menina em um dos shows pela cidade. Tinha certeza
que seria grana fácil. Que engano! Procurei em todas as raves, boates, bares e
bom tempo.
trabalhar em várias academias e ensinar artes marciais, ele tinha contato com
perguntava:
— Nada, você sabe que ele só fala para você e pessoalmente. — Takao
centro da cidade. Eu não podia viver em função do Reich e dos vampiros. Tinha
em frente a mim. Não deixei de pensar naquela mulher como mãe depois do que
descobri. Mesmo que não compartilhássemos o mesmo DNA, ela me criou desde
— Mas não saí, né? Você leu o diário, sabe como eu nasci. Sabe que
uma lágrima furtiva que escapava por sua bochecha. Encarei os quadros
abstratos contra a parede branca por trás dela. Não podia perder a mente.
— A sua mãe morreu porque se deparou com uma vampira durante a
olhou pela janela para o céu azul sem nuvens do lado de fora e voltou a me
encarar. — Eu não queria que você trabalhasse como detetive, você reclamou,
brigou e saiu de casa para seguir sua profissão. Todas as vezes que sai para
investigar um caso, está se arriscando pelo seu trabalho. A sua tia também, ela
Como ela podia ficar tão calma diante de todo o horror escrito naquele
diário?
— Você está me dizendo que não tem culpa de nada? — Bati na mesa
com força, incapaz de segurar minha raiva, e uma rachadura surgiu na madeira.
— Sim, eu assumo os riscos do meu trabalho. Sim, minha tia fazia o mesmo. A
falta de intenção não exime sua culpa! E quanto aos incontáveis psicólogos que
me taxavam com os mais variados rótulos? Disseram que eu era Aspenger,
adiantaram. E para quê? Para que ninguém descobrisse que você era piranha de
vampiro!
Alice ficou em pé de supetão, e achei que tentaria me bater, mas sua mão
mim:
Eu era uma esposa troféu de útero vazio, sabe o que é isso? Seu marido esperar
um herdeiro que você não podia dar? Achei que no Reich encontraria a cura da
minha infertilidade, mas esse era um problema que o sangue de vampiro não
conseguia ficar longe do Reich. Depois daquela noite, procurei uma clínica de
reabilitação. Sofri por meses antes de me recuperar. Eu não te queria neste meio,
minha filha. Quando Luna surgiu em minha porta e pediu que cuidasse de você,
tentei te devolver a chance de ter uma vida normal, uma vida humana.
— Eu nunca fui normal, mãe. — Falei o nome “mãe” como trégua. Não
concordava com seus métodos, porém consegui entender sua motivação. Guto, o
barman do Reich, me deu uma bebida grátis porque era minha “primeira vez” no
clube. Filho da mãe! Ele só queria garantir que eu provasse de sua mistura
especial viciante.
minha cabeça, mas não retribui seu gesto. — Se cuide, filha. Você pode ser
traidor. Era envolta por tanta traição em todos os aspectos da minha vida, que
comecei a desacreditar na instituição do casamento. Takao tentou me animar,
invadindo meu escritório com bolo e sorvete. Até que foi divertido passar o resto
para treinamento, e o terceiro, restrito para funcionários. Isaac dava aulas para
turmas, mas as minhas sempre eram particulares. Eu pagava uma taxa a mais
subi direto para o segundo andar. Quando cheguei lá, Luís se alongava nos
recebeu com um sorriso no rosto e andou até mim com os braços estendidos:
— Pensei que tinha me abandonado! — Disse, e eu o abracei. Apesar de
paquerador, Luís era bem inofensivo. — Achei que tinha sido sequestrada no
“Reixe”. Isaac ficou doido quando Takao comentou que vocês iam lá.
— “Raife”? Quem manda usar nome inglês? Aí a pessoa vai para a boate
e erra o nome... Se bem que eu nunca consegui entrar lá. O Isaac me coloca tanto
— Ah, uns dias atrás você disse que não vinha para cá porque precisava
ir a um clube. Logo em seguida, eu ouvi Isaac ligar para Takao e perguntar para
onde iam. Ele ficou meio louco quando soube, mas já era hora de a academia
para a esquerda. Uma brilhante arma prateada cravou no chão exatamente onde
eu estava antes. Levantei com um impulso dos meus pés e fiquei frente a frente
com meu agressor. Ele tinha outra arma idêntica na mão direita. Sem desviar de
seu olhar, me abaixei e peguei o que parecia uma pequena faca de três pontas do
chão.
— Nasci pronta.
E então o ataquei.
Capítulo 15 — Sai
A cabeça do homem virou de leve para o lado, atordoando-o. Ainda bem que
tinha lutado com elas antes, mas foi um bom tempo antes. Não eram adagas
comuns. Sua origem era oriental, havia uma lâmina central e duas projeções
sai eram usadas em par e tinham a extremidade bem fina e feita em aço. Aquela,
entretanto, parecia diferente, modificada, um pouco mais achatada e larga, com a
— Vocês são dois malucos. Como vou fazer agachamento com meu
empurrãozinho! Era melhor aquilo do que ser espetado pelo sai. De repente,
impacto nas costas. Desequilibrei para frente, mas, em vez de cair com a cara no
— Nunca dê as costas para uma pessoa armada. Por mais que você confie
nela, ainda é uma ameaça em potencial. — Isaac me deu uma bronca e continuou
o treino. — O sai é uma adaga que tem duas funções principais: desarmar o
fiz com você um segundo atrás. — Ele sorriu, vitorioso. Isaac adorava vencer
qualquer luta que travasse. — E também serve para ser arremessada, desde que a
— Me desarme, se puder.
Isaac não brincava durante os treinos, eu sabia que aquela espada estava afiada,
do mesmo modo que os sai em minhas mãos. No início, quando eu pensava que
ele era como os outros, que apenas simulavam combates, me machuquei durante
uma das lutas. Lembrei do corte profundo em meu braço, que estava curado
menos de vinte e quatro horas depois. Eu deveria ter percebido que não era
normal...
flexionados. Aquela era sua regra número um, manter uma posição firme e
seria a forma mais fácil de conseguir meu objetivo, porém não teria como
explicá-la depois. Odiava ter que me policiar o tempo todo, nunca me permitir
esquerda, mas Isaac desviou com a espada, jogando a adaga no chão. Aproveitei
para avançar mais rápido e aprisionei a sua lâmina como ele demonstrou, usando
atingiram o tatame. Merda! Perdi a minha arma também, mas venci o desafio.
— Consegui! — Gritei triunfante.
pescoço e me trouxe para mais perto. Com a mão esquerda, sacou a uma arma
oculta em suas costas. Senti o metal frio contra a minha garganta e uma pitada de
um bar de vampiros.
escondido, para o caso de desarmarem o que leva em mãos. — Isaac meu soltou
e entregou o terceiro sai, um pouco menor e mais fino que os outros dois.
— Sabe que isso não vale, né? Você roubou. — Andei até a minha bolsa,
largada no canto do tatame, e peguei uma toalha para limpar o meu pescoço.
Apenas algumas gotas de sangue. Achei que tinha me arranhado mais por causa
da dor que senti. Oh, Deus! Será que eu me curei instantaneamente na frente de
Isaac? Tomei sangue apenas no café da manhã, esperava que o poder de cura já
tivesse diminuído. Isaac não esboçou nenhuma reação... Será que ele...? Não,
arranhão.
diferente de coldre preso ao seu peitoral... E que peitoral! O esporte e a luta eram
sua profissão, sua vida. Com quase dois metros de altura, zero por cento de
gordura e puro músculo revestido em pele negra sem falhas, Isaac chamava
— Se você tivesse vindo nos dois últimos treinos, saberia que eram três
em vez de duas. — Ele passou a mão na cabeça raspada antes de soltar o coldre e
me entregar também. — Você ficará com isto e com os sai, eu quero que treine
sua empunhadura em casa e os traga todos os dias. Não sei quando, mas em
Fazer ataques surpresa era uma das táticas de Isaac para manter seus
alunos sempre em alerta. Ele nunca tinha me dado armas antes, entretanto.
Aquele era um dos motivos de eu ter permanecido em sua academia por tanto
Provoquei e o atingi no ponto fraco. Eu sempre brincava dizendo que ele era
velho porque estava careca e nunca admitia que o cavanhaque emoldurava bem o
seu rosto. Não sabia sua idade exata, porém apostaria em uns quarenta anos.
Comentei.
pegava um pedaço de pano que usou para polir a espada antes descartada no
chão. — Não faça essa cara. Eu sei que você pode se cuidar sozinha, mas não
adianta ir agora. Meus informantes disseram que ela estaria lá pela manhã.
Logo nas docas? Guto tinha avisado que um dos “lugares ruins” da cidade que
deveriam ser evitados era exatamente as docas. Peguei minha bolsa e corri para a
porta de saída.
Isaac gritou:
antes do amanhecer, correria grande perigo. Eu sabia que Geórgia não era uma
santa, mas não desejava sua morte. Segundo as informações que coletamos, a
Ela era uma imitadora, uma golpista que lucrava se passando por boa moça e
fazendo amizades para vender seus produtos. Eu ainda não tinha certeza quais
produtos seriam esses ou qual a qualidade deles, mas Takao encontrou diversos
melhor, até que tudo deu errado. O problema era que eu não fazia ideia de qual
foi o problema, e as docas eram a única pista de seu paradeiro atual. Isaac
poderia me perdoar depois, mas não ir lá naquela noite era uma promessa que eu
No carro, vesti uma camiseta larga para esconder os sai. Calcei minhas
botas e ocultei o canivete nelas, verifiquei a Glock e a coloquei no outro coldre,
na lateral do meu peito. Chequei tudo: arma, sai, canivete, força e velocidade
vampírica. Era um exército de uma mulher só, e eu torcia para que fosse
suficiente.
com seu olfato tão apurado — conseguiam viver ali? Talvez fosse uma vantagem
Deixei meu carro afastado e fui me esgueirando pelas sombras até o píer,
procurando por pistas, qualquer coisa que revelasse atividade humana recente —
incomodando. Entretanto, não detectei nada. Deveria ter ido em casa para uma
humano normal seria capaz. Um lamento baixo chamou a minha atenção, parecia
levemente com um sinistro rangido metálico. O que Geórgia estaria fazendo por
ali?
grande contêiner laranja do outro lado das docas, longe da área de aportamento
das embarcações. Encostei meu ouvido na porta de metal. “Tem alguém aí?”,
gritei.
pedido de socorro. Geórgia ou outra pessoa, alguém estava preso naquela caixa,
tivesse ouvido.
metálica. Por um segundo, achei que não havia ninguém lá, até que vi um corpo
excremento. Prendi um suspiro de puro choque, nunca tinha visto nada igual.
contrastavam com o branco de sua pele. A garota virou seu rosto, e percebi que
não havia mais nada de comum nele. Estava inchado, com um olho roxo e os
lábios cortados.
esperava encontrar nada tão atroz. Tirei a jaqueta e enrolei o dorso da menina,
Eu não sabia o que fazer, além de manter a cabeça da garota de lado. Não
aquela situação. O queixo de Geórgia agora batia tanto, que chegava a ecoar
pretendia fazer. Quem tivesse feito aquilo, humano ou vampiro, pagaria. Seja
O “não” da menina foi seguido por outro acesso de tosse. Eu podia ouvir
o som estridente das sirenes ao longe, eles estavam tão perto! Ela tinha que
sobreviver. Cortei meu pulso com o sai e pressionei contra seus lábios frios. Não
sabia se adiantaria, mas era a única coisa que podia tentar. Geórgia se engasgou
com o sangue, e seu grito de dor encheu a noite. Com esforço, a jovem colocou a
mão no peito. Ela apertava a roupa, como se aquilo fosse, de algum modo,
Ele...
sentidos.
Heinz.
Um único nome.
Eu fui paga para encontrar Geórgia e devolvê-la à mãe. Com vida! Não
daquele jeito, não em minhas mãos. Tentei massagem cardíaca, podia ouvir seu
coração batendo cada vez mais devagar. Merda, merda, merda! As lágrimas
vertiam do meu rosto. Eu não podia acreditar que estava de paquera com o Heinz
como um objeto descartável. Meu ódio era tão grande, que mal podia raciocinar.
Eu queria arrancar cabeças com minhas próprias mãos e rasgar gargantas com os
situação.
Queria levá-la para longe dali, porém tinha medo de movê-la. E se algum
osso estivesse quebrado? As sirenes estavam mais perto. Cinco, seis minutos e
com o top, o coldre nas costas e as armas à mostra. Com a Glock em uma mão e
o sai na outra, abri a porta do galpão para me deparar com uma cena inusitada:
uma luta entre vampiros. Eles eram rápidos, praticamente vultos para olhos
humanos. Sorte minha que eu nunca fui humana. Quatro ou cinco vampiros, não
tinha certeza, lutando contra somente um, vestido todo de preto, usando um
encapuzado, só porque estava em desvantagem, era meu amigo. Não que fizesse
muita diferença para mim. Eu queria vingança. Pela menina que perdia a vida no
galpão imundo e por todas as outras que já passaram ou passariam por aquela
pesada deles. Cinco pares de olhos iridescentes se viraram para mim, eles
pareciam surpresos com a garota humana vestida de preto com a arma apontada
para eles. Não sabia a reação do homem de máscara, apenas via o brilho de seu
olhar. Os outros cinco vampiros — magros, com jeans baixos que mostravam a
sorriram de uma forma sinistra, mostrando as presas. Eles achavam que eu seria
movimento fluido de sua espada curta. Antes que o cara virasse pó, ele já estava
no chão. Ele não esperava minha velocidade. O segundo, vendo do que eu era
capaz, tentou atingir minha cabeça com um chute giratório. Protegi meu rosto
com o sai e cortei sua perna. Sangue espirrou em cima de nós dois.
Sangue.
— O que você é?
Na noite anterior, no Reich, eu fiquei um pouco fora de controle, mas
sangue. Eu não permiti que ele se afastasse: apunhalei seu coração, perfurando-o
com o sai de baixo para cima, por trás da última costela. Minha boca ainda
desenhos dourados. Suas mãos se levantaram, mostrando que ele não era uma
ameaça. Eu segurava os sai com força mesmo assim. Ameaça ou não, ainda era
um vampiro forte que poderia estar apenas eliminando a concorrência para se
nunca mais.
para as minhas mãos, e eu segui com o olhar o seu dedo. Sangue. Eu estava
coberta por sangue de vampiro. Trinta segundos para o socorro chegar. Merda!
na escuridão da noite.
ao verem o estado da garota. Uma enfermeira disse que apenas um monstro seria
capaz de fazer uma coisa daquelas. Ela jamais saberia o quanto estava certa em
sua afirmação e que a única lembrança que alguém teria desses monstros era o
pó que ela pisava naquele momento.
Voltei para o carro com as armas em mãos, caso algum vampiro errante
— Mãos para o alto, ou juro por Deus que vou te encher de bala!
entre os seios. Abri a mala para pegar uma toalha da bolsa de ginástica, pois o
sangue do vampiro ainda vibrava nas minhas veias, e a visão dele em minhas
mãos estava mexendo com o pouco autocontrole que tinha. Limpei o sangue
Geórgia nas docas pela manhã. Ele disse que você estava com uma expressão
Não me irritei com a proteção dos dois, era normal vigiar a retaguarda do
— Já percebeu que você tem uma fixação por comparações? Sou apenas
Não sei quem era ele, mas sei quem não era.
Tinha certeza que não se tratava do Heinz. O tipo físico era diferente,
assim como a cor no brilho dos olhos. Mais um mistério que cercava minha vida.
— Pode ser um dos guardas do Heinz. Não o reconheceu pelo cheiro ou
algum poder mutante vampírico que tenha? — Takao perguntou. Apesar do leve
você pode ir ao hospital ver como Geórgia está? — Apontei para minhas roupas
— Ei! — Chamei quando percebi algo. — Viu toda a luta, e não pensou
em ajudar?
— E você acha que sou doido? — Ele riu, colocando o capacete antes de
ele seria o elo fraco. Não seria seguro para ele tentar proteger a minha
retaguarda.
Capítulo 17 — Diário de Luna (Parte II)
Segurei o volante com força, olhando os nós dos meus dedos ainda
em minha pele chamariam atenção indesejada. Nunca havia sido uma pessoa
imprudente, mas estava agindo por impulso demais nos últimos dias. Precisava
esfriar a cabeça e pensar, porém não poderia ignorar o que descobri hoje.
mansão de Heinz. Quantas outras garotas eram tratadas como gado em Monte
Carlo? Sequei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Ainda não tinha
Reich ou na mansão um lugar onde pudesse ser eu. Conviver com pessoas que
não achariam estranha. Me encaixar. Mas eu não poderia me unir a quem tratava
uma esponja tantas vezes, que fiquei toda vermelha. Só assim para substituir o
odor da noite agitada pelo cheiro de amêndoas. Saí de chuveiro ainda com um
peso no peito, porém um pouco melhor. Renovada. O resto do cansaço físico foi
resolvido por uma vitamina de banana com... Hum, melhor fingir que o líquido
anêmica. Fariam mais exames para analisar o real quadro de saúde dela, porém o
Uma assassina.
Matei duas das pessoas que mais amava no mundo. Minha adorada e
inocente irmã, Isabela. A delicada. A menina. A bela moça de finas feições. Seus
olhos eram de um tom verde, escuro como uma esmeralda bruta, que
contrastava com a pele alva e cabelos castanhos, quase loiros. Ela era como
uma filha, mais de duas décadas mais nova, praticamente ajudei a criá-la. Aos
dezenove anos, ela foi expulsa de casa por ter engravidado do namorado da
faculdade antes de casar. Nossos pais não aceitaram, queriam que Isabela
entregasse o bebê para adoção, mas ela se recusou. Isa sonhava em ser mãe e
comprei o enxoval de sua filha e disse que a ajudaria até que se formasse na
faculdade de enfermagem, para que pudesse trabalhar e cuidar de sua família.
O namorado dela ajudava como podia, mas ele era estudante, e a condição
minha irmã em casa, mesmo sabendo que estávamos em na fase de curtir a vida
no nosso casamento. Nossa filha fazia universidade fora, e era a primeira vez
em muitos anos que tínhamos a casa só para nós. Ele aceitou porque, assim
como eu, gostava da Isa. Ela cresceu praticamente junto com nossa pequena
Mariana.
Tudo estava perfeito até eu entrar como um monstro em nosso lar. Matei
minha doce e jovem irmã e arranquei sua filha diretamente do útero. E não foi
só ela, suguei a vida do meu marido e quase matei a minha sobrinha. Eu tentei
desfazer o que tinha feito. Abri o meu pulso e alimentei os dois, mas nenhum
deles respondeu. Chorei sobre seus corpos como nunca chorara antes.
Minha sobrinha, a única sobrevivente, me observava calada. Seus
que eu tinha feito. Ela estava deitada no sofá, na mesma posição que eu a tinha
era o nome escolhido por seus pais, levou a mãozinha à boca e sugou os dedos
“Não, Isa! A tia Luna vai te dar um banho, eu prometo que vou cuidar de
você, tá?”, disse para a recém-nascida, mesmo que ela não entendesse o que eu
uma fonte de comida em mim. Mais lágrimas verteram dos meus olhos quando
pensei que aqui não havia o calor e o carinho do seio de uma mãe ou um leite
quebradas, sofá manchado e piso cobertos pelo que sobrou da minha família.
pequena Isa para ser encontrada e criada por Mariana ou por meus pais. Talvez
até pelo pai dela. Depois que ela estivesse segura, eu me mataria. Cortaria meus
pulsos, arrancaria minha cabeça, caminharia até o sol... Faria o que fosse
chegada, e fui preparar uma mamadeira de leite. Ainda bem que Isabela havia
Abri a geladeira e aqueci um pouco do leite que lá encontrei, não era o ideal,
mas teria que servir. Eu a alimentaria e cuidaria dela antes de chamar a polícia.
Com a mamadeira preparada, voltei para o quarto. Meu Deus! Se um
vampiro pudesse morrer de susto, eu teria morrido. A pequena Isa, a que nasceu
menos de uma hora atrás, estava destruindo um ursinho de pelúcia. Com fome,
Mesmo sem dentes, sua força fora suficiente para rasgar a costura.
Faminta, Isa sugou o leite com avidez. O que eu fiz? Aquilo não era normal! Ao
alimentar minha irmã grávida à beira da morte com sangue de vampiro, não
Condenei uma inocente criança a uma vida infernal. Chamar a polícia não era
mais uma opção, ela seria uma aberração no mundo humano. Recém-nascidos
não eram fortes como aquela bebê. Talvez fosse melhor se nós duas
morrêssemos também.
Isa largou a mamadeira, cujo bico de silicone estava amassado, e sorriu
para mim antes de arrotar. Eu não teria coragem de tirar outra vida, precisava
de um plano B. Limpei a mim e a Isadora e troquei nossa roupa por uma mais
aquecida. Em seguida, peguei a mala que já estava pronta para ser levada à
minha irmã. Seu corpo mutilado jazia inerte no chão frio, assim como o de meu
amado marido. Seu semblante estático partia meu coração, e eu percebi que
nunca mais o ajudaria a fazer o cavanhaque antes que saísse para trabalhar.
Heitor costumava dizer que só ficava perfeito se eu desse o toque final. Só que
naquele dia estava meio torto, um centímetro quase imperceptível a mais para o
janelas para que o gás se acumulasse e deixei a fogão aceso. Não demorou
muito para que as chamas iluminassem a noite enquanto eu fugia para longe, à
Ontem à noite, estava tão absorta na história contada por tia Luna, que não
sensação que tinha era de que cada linha nele fora escrita com sangue. Escondi o
diário embaixo do travesseiro e olhei para cima, encarando o nada. Seria minha
vida tão rachada quanto a pintura gasta do teto? Segundo Luna, eu era uma
aberração desde o momento em que nasci, mas não era para ser assim. Uma
família inteira destruída em uma fatídica noite. Eu deveria ter familiares, tio, tia,
prima, avós... Prendi minha respiração quando algo me veio à mente: eu deveria
ter ou tinha?
para esperar o sistema iniciar. Já estava roendo as unhas quando loguei no site
que me permitia buscar jornais antigos. Procurei por incêndios na data marcada
do diário. Trinta anos de diferença não facilitavam minha busca, não havia
internet aqui no final dos anos oitenta. Fiz todas as buscas possíveis, na
esperança de que algum jornal tivesse digitalizado uma notícia sobre o ocorrido,
Já tinha perdido a esperança, até que achei uma edição especial sobre
Chernobyl, o acidente nuclear que ocorrera em abril daquele ano. Era uma nota
palavra de cinco letras. Meu sobrenome deveria ser Neves, Isadora Neves. A
casa onde nasci ficava na rua Dom Bosco, e eu precisava descobrir o motivo do
Pesquisei na internet, na deep web, e não encontrei nada além da nota sobre o
restringiam apenas a luta, meu cérebro era minha melhor arma. Uma das
foi procurar saber como hackear sistemas protegidos. Os professores não faziam
ideia de que eu matava aulas para buscar, junto aos estudantes mais experientes
Descobri que Humberto Pereira Fontes se aposentou aos quarenta e três anos,
com avidez, procurando o que Luna fizera com o pobre homem, mas não
encontrei nada. Os dias que se passaram do meu nascimento até a aposentadoria
do delegado apenas contavam como ela nos escondera em uma casa abandonada
na casa, quando o dia estava amanhecendo, Luna não esperava que o sol a
fizesse entrar em sono profundo. Sorte que desmaiara na cama ao meu lado e em
Quando ela acordou de noite, eu estava com a fralda muito suja e dormia
tranquilamente com o dedo da minha tia na boca. Pelos meus lábios e língua
manchados de carmim, ela deduziu que eu chorara até encontrar algo que
pudesse aplacar minha fome: o sangue de Luna extraído do próprio dedo dela.
casa abandonada. Tia Luna me deixava dormindo e saía para se alimentar dos
vizinhos. Até que ela se aventurou para mais longe e encontrou a casa de campo.
e que sofria de uma doença que a fazia dormir durante o dia. O bondoso casal
acreditou e ajudou a cuidar de mim durante o dia, o que funcionou bem durante
Com o passar do tempo, eles passaram a achar que eu era uma bebê
para eles, tia Luna não poderia deixar testemunhas. Mais vítimas fatais e,
daquela vez, ela não podia culpar a loucura de sangue. Sua consciência pesou, e
proteger a mim ou a alguém que amava? Eu lia cada palavra dita por Luna, cada
sentimento derramado em prosa, e não sabia se seria capaz de fazer o que ela
fez. De matar como matou. E isto era algo que eu não pretendia descobrir. Luna
não queria ser uma assassina, as circunstâncias a tornaram assim. Ainda assim,
eu não sabia se havia uma desculpa para matar outras pessoas, Luna não era
casa dos pais dela. Seus depoimentos eram emocionantes quando a filha estava
na cidade. Luna amava a garota, e doía muito que a jovem não soubesse o que
apenas uma tinha idade compatível. Uma dentista de cinquenta anos. Hum...
Será que híbridas de vampira com humana precisavam aplicar flúor? Liguei para
não poderia ficar outra refeição sem me alimentar. Não arriscaria! Pedi uma
um depoimento seu.
prender os acusados. Viramos amigos desde então. Ele me ajudava sempre que
podia, seja indicando clientes ou vazando informações que eu não deveria saber.
— Obrigada por cuidar de tudo do caso, eu não sei o que faria sem você.
— Agradeci a Takao.
preocupados com o estado da filha, mas agradecidos por ela ter sido encontrada
ainda com vida. O pai dela quer justiça, Izzy. Ele exige saber quem fez isso.
Takao:
— Avise que nosso contrato foi encerrado, fomos pagos para localizar e
resgatar a filha deles. Nossa parte do acordo foi cumprida. Não importa o valor
que ele ofereça, não aceite um novo contrato para encontrar os culpados. Até
porque parte deles já viraram pó ontem, e a outra parte eu pretendo que vire em
desligar. Abri a porta para me deparar com um entregador, mas não de comida.
O homem deixou uma caixa pequena, do tamanho de uma joia. Assinei o papel
tic-tac de um relógio, não é? Pelo menos nos filmes era assim. Ah, dane-se.
O cordão era de prata trançado, longo o suficiente para que seu pingente
ficasse entre os meus seios. E que pingente! Também de prata, oval, com
mão: sangue, vermelho, espesso e fresco. Lambi minha palma e voltei a fechar o
Isadora,
Mandei fazer este colar para que você sempre tivesse um pouco do meu
cabelos e beijar sua garganta antes de colocá-lo em seu pescoço, mas não
posso. Você não voltou noite passada e, em meus muitos anos de vida, aprendi a
não manter a esperança por muito tempo. Espero que nunca precise usar o
líquido deste colar, que nunca necessite de força ou velocidade extra. Desejo
que tenha uma vida boa, porém desejo ainda mais que venha me ver.
Com carinho,
Heinz.
Capítulo 19 — Depoimento
não tive certeza de quem era aquele ser tão estranho que me observava de volta.
Uma pele branca sem falhas, sem cicatrizes ou marcas de traquinagens. Não que
diversas vezes, mas ela sempre voltava a se regenerar com uma velocidade
por cabelos negros e curtos que mal tocavam o pescoço. A beleza da mulher
refletida no espelho era exótica, surreal. E demorava a acreditar que era minha.
com as roupas pretas. Ele afirmou em sua carta que aprendera, em seus muitos
anos de vida, a não manter a esperança por muito tempo. Eu, em meus trinta
anos de vida, aprendi a não confiar cegamente em ninguém. Principalmente em
primeira noite, ou na seguinte, ou na outra. Ele também nunca teria me dado seu
sangue, seria mais fácil me manter em desvantagem. Por que ajudaria a uma
estranha? Eu queria confiar nele, contar com sua proteção contra os perigos e
com o calor gostoso de seu corpo. Alguma coisa dentro de mim, entretanto,
emitia sinais de alerta. Ainda faltava uma peça importante no grande quebra-
cabeça que era Heinz. Estava me esforçando ao máximo para não fazer
saltitar até a minha vaga na garagem. Minha moto estava de volta! A coitada
ficara largada na casa dos meus pais desde a manhã seguinte à minha primeira
visita ao Reich. Subi na bela Kawasaki verde e fiz seus duzentos e dez cavalos
de motor rugirem.
Contente, mandei uma mensagem para minha mãe, agradecendo por ela
ter pedido para um dos seus seguranças a devolver para mim. Aproveitei
também para reler a mensagem que Takao enviara, contando a versão que ele
Antônio pelo rádio. Não demorou muito para que meu velho amigo aparecesse
você.
tinha e o abracei:
tratamento de beleza que faz maravilhas para a pele. Você que está arrasando
com esses óculos novos! — Apontei para sua armação quadrada de acetato
preto.
empurrou a armação com indicador contra sua testa. — Ora, pois me diga que
tratamento é esse, minha mulher gasta horrores com cremes, e não fica com a
— Que pena! Depois me arruma um desses, tá? Vamos, vou fingir que
revistei essa bolsa enorme, e você continua fingindo que não está armada dentro
Expliquei que, assim que a achei, chamei a ambulância, porém, enquanto fazia
— Alguém te nocauteou?
— Sim.
— E você não viu quem foi e também não reagiu?
e o encarei nos olhos sem desviar, focada na tranquilidade de contar uma mentira
minha Glock e abri a porta do galpão, mas não havia ninguém. Quando saí para
olhar ao redor, alguém acertou minha cabeça por trás, e eu desmaiei. Despertei
continuava desconfiado.
— Do mesmo jeito que eu soube, pelo informante. Deveríamos ter ido
encarou por alguns segundos, perdido em pensamentos. Tom não era apenas
— Eu sei que você está me escondendo alguma coisa, Isadora. Desde que
Teria medo? Acharia que eu era uma aberração, como tia Luna afirmou no
passados, talvez pudesse fazer algo por mim no atual. Respirei fundo antes de
Antônio, já que seu semblante parecia pacífico como sempre. Sorte que comum
não fazia parte do meu vocabulário. Assim que eu falei o nome Humberto
Fontes, o coração de Tom acelerou de tal modo que parecia um tambor em meus
ouvidos.
— Sim, ele era uma lenda aqui. Um ótimo policial que enlouqueceu e
teve sua aposentadoria forçada depois que começou a falar sobre homens com
despreocupação que não condizia com seu ritmo cardíaco. — Nós vemos muitas
atrocidades por aqui, Izzy. Nem todos têm estômago para o trabalho policial.
depois de se deparar com vampiros. Olhei para Tom, sabia que ele escondia algo,
precisava descobrir “o quê” e “por que”, porém achei melhor não insistir no
assunto, poderia levantar suspeitas. Despedi-me do sargento e voltei para a
garupa da minha moto. Era a primeira vez em que eu mentia para Tom, e sabia
que ele mentira para mim também. Me senti mal por aquilo, afinal o sargento era
de madeira. Liguei para Takao e pedi que ele investigasse o prontuário médico
pescoço para trás, permitindo que o sol beijasse minha pele sensível. Os pássaros
nada, não com o meu rosto ardendo como brasa. Até mesmo o colar parecia mais
me isolando ainda mais. Será que se eu ficasse aqui tempo suficiente, entraria
em combustão espontânea como nos filmes? Levantei-me de supetão, pensando
que sentir pena não resolveria os meus problemas. Além disso, outras pessoas
dependiam de mim.
tinha uma consulta imperdível, não era todo dia que uma meia-vampira ia à
dentista.
Capítulo 20 — Dentista
parecia colado ao assento. Olhei para o alto do prédio de trinta andares e suas
minha estava trabalhando. Uma humana inocente, que nada sabia sobre
não tinha ideia do que sua mãe fora capaz de fazer. A filha de tia Luna. Prima de
pediu que eu aguardasse um pouco pela minha vez. Enquanto preenchia a ficha,
filme bobo de amor à primeira vista. Sem perceber, levei a mão ao colar que
uma conexão quando seus olhos encontraram o meu. Teria eu sentido aquilo por
encarar um vampiro pela primeira vez depois de muitos anos? Talvez alguma
parte inconsciente de mim tenha recordado dele, afinal ele mesmo confirmou
que não era a primeira vez que nos víamos. Ou seria algo mais?
madeira escura.
minha presença enquanto saía reclamando e dizendo que a menina não ganharia
o sorvete prometido. Ri de sua tática, não fazia muito sentido oferecer doce em
com uma diferença: sentada à grande mesa de vidro, uma mulher de cabelos
ver os detalhes de suas feições, por isto me concentrei em sua pele, que tinha um
ficha. — Ela pediu em sua voz marcada pelo sotaque local. — Sente-se, por
favor.
castanhos e rosto delicado que povoa meus sonhos. Tia Luna, exatamente como
eu me lembrava.
negros voavam com o vento, cobrindo parte de sua face. Não dava para
distinguir a cor dos olhos naquela foto velha, mas eu tinha certeza que seriam
Segurei a minha respiração, era a primeira vez que via o seu rosto. O
momento de emoção foi substituído por assombro na terceira foto. Uma jovem
tia Luna vestida de noiva, sorrindo ao lado de um belo rapaz de terno. Puta
merda! A juventude de suas feições não escondia quem ele era. Como não
percebi antes?
um mantra. Seu coração bombeava tão rápido, que eu praticamente podia ouvir o
foto das garotas de biquíni. — Veja, essa era minha tia, ela faleceu uma semana
depois de tirarmos esta foto. — Ela pegou a dos seus pais no dia do casamento.
— Você se parece mais com minha mãe do que eu e... — Ela pegou a minha
ficha e começou a chorar quando leu algo nela. — Meu Deus! O ano do seu
Dei um passo para trás quando a dentista se levantou e andou até mim.
prima, morta no mesmo incêndio que matou quase toda sua família. Não foi uma
difícil para você perder sua tia, mas... — Não conseguia completar a minha
mentira. Fui até ali para conhecer minha prima e entendia a dor de perder uma
tia querida. Não fui a única a ter a família usurpada naquela noite. Encarei os
olhos negros chorosos. Minha vida era uma mentira dantesca, algumas verdades
casa dos meus pais quando era bebê. Eu não tenho muitas pistas, mas cheguei até
você.
Ok, talvez eu pudesse dizer uma mentira. Contudo, pressentia que minha
prima não suportaria toda a verdade sobre os vampiros. Mariana largou a ficha, e
— Te desejei como se você fosse minha própria filha. Eu deveria ser sua
polícia disse que todos morreram, os meus pais e a sua mãe, mas se você está
viva... Meu Deus! O incêndio não foi acidental. — Ela se levantou e começou a
— Calma, vim aqui em um golpe de sorte, não sei se sou a sua prima
Sua prima foi a única que surgiu aqui na cidade. Mas eu vi os relatórios sobre o
Meus avós ainda não tinham informações sobre o ocorrido. Isso aconteceu trinta
anos atrás, não tínhamos acesso a informações como temos hoje, nem a
liberdade era a mesma. A polícia não nos contou os detalhes até a tarde seguinte.
— Vocês ficaram mais de vinte e quatro horas sem saber o que tinha
em que aconteceu.
— Sim, o delegado disse que era melhor a gente não ver os corpos.
Ela baixou a cabeça e secou a lágrima que escorreu por sua bochecha. — Era
pior do que eu esperava, tenho pesadelos até hoje com aquela imagem. Vomitei
tudo que tinha comido e até mais. Passei tão mal, que me tiraram do necrotério.
provocou o fogo.
Aquilo significava que ela nunca vira o corpo de Luna, quem ou o que
fora enterrado no lugar da minha tia? No diário não havia nada sobre corpos e
caixões. Alguém mais encobriu os rastros dela. Encarei a bela e chorosa mulher
— Além de que ele mentiu para mim? Nada. Você vai comigo até a
— Por favor, não. — Segurei seu braço antes que ela tentasse alguma
— E a felicidade?
lista de preocupações.
fazer a consulta?
não queria descobrir que tinha presas escondidas em algum lugar da minha boca
ou qualquer coisa do tipo. Minha pele se arrepiou toda, eu não queria ser mais
— Não. — Respondi. — Diga a Isaac que hoje quem o aguarda sou eu.
— Que casa?
seriam desvendados.
Capítulo 21 — Lar, doce lar
conversando na calçada.
o ronco da minha moto e a visão dos escombros do que fora o lar da tia Luna. A
casa de primeiro andar parecia uma mancha podre na bela rua de cores vivas.
jardim era coberto por gramíneas que cresceram altas e selvagens e invadiram
também a entrada principal. Abri a grade enferrujada sem problemas, não havia
cadeado.
— Se eu fosse você, não entraria aí. — Uma voz vinda por trás me
assustou. Virei-me para encontrar uma garotinha loira de vestido florido e
tranças. Ela segurava uma boneca de pano na mão e apontou para a casa. — A
ela.
até a casa do outro lado da rua. Mesmo depois de ela entrar, eu podia vê-la me
invadiam a lateral do que parecia ser a cozinha, onde o gás havia estourado logo
que a natureza pretendia engolir a casa. As portas dos armários estavam caídas
cheguei na sala. Foi ali onde tudo havia acontecido. Meus olhos marejaram
acesso ao segundo piso, as cadeiras caídas, o sofá puído de traças onde fui
deixada enquanto Tia Luna tentava reviver minha mãe. Um candelabro quebrado
toquei com reverência na mancha que marcava o local onde ficara o corpo da
minha mãe. Será que existia vida após a morte? Estaria minha mãe no céu? Se
minha bolsa. Não estava mais sozinha na casa. Fiquei em pé e me virei para
recepcionar o recém-chegado.
Caminhei até ele e encostei a ponta do sai em seu cavanhaque. — Tia Luna tinha
de Heitor?
barulho estranho vindo da sala. Achei que era um ladrão, mas era Luna sugando
a vida de sua mãe. Não entendi o que estava acontecendo, só compreendi quando
ela me atacou e eu senti suas presas afundarem em meu pescoço. Achei que
dor... Tinha certeza que estava no inferno, porém era a casa em chamas. Tentei
uma viga da casa. — Sei o que é a loucura de sangue, senti na pele. A minha
sorte é que estava fraco demais por causa das queimaduras para fazer o estrago
ruas daqui. Eu o sequei até que não sobrasse mais uma gota de sangue nele. —
Isaac apoiou a cabeça na parede e suspirou alto, sua voz embargada de emoção.
— É libertador poder finalmente admitir isso em voz alta depois de trinta anos.
Jamais esquecerei da face dele, de como ele sabia que morreria. Assim que a
— Aceitarei isso como uma confissão. — Outro tiro ecoou, daquela vez
apontada para nós. Como Isaac conhecia Tom? Era informante da polícia
também? As mãos do sargento tremiam enquanto falava:
— Você deveria ter mais de setenta anos, Heitor. Como não envelheceu?
Como ainda está de pé depois de dois tiros? Alguém me explica que porra está
fica entediado ao seu lado, hein? — Com facilidade, ele tirou a arma do aperto
firme de Tom e deu uma coronhada na cabeça do sargento, que logo desmaiou.
— Posso saber por que tenho um policial, um vampiro não registrado e uma
conhecia.
força e imponência:
— Olha aqui, rapaz, você não está em posição de exigir resp... — Ele não
aproximar.
do chão.
— Eu não sou rapaz há muito tempo. Antes mesmo deste país ser nação,
eu já não era rapaz. Quer saber? Vamos todos fazer um passeio até que eu
sentidos, Heinz o colocou por cima do ombro e carregou para fora da casa. —
Você pode carregar o humano? Esse cara aqui é meio grande.
sobre o ombro também. Segui o alemão, pois queria descobrir tanto quanto ele a
com tranquilidade seu grande Jaguar SUV F-Pace, ou pelo menos foi isso o que
ele dissera quando perguntei que carro era aquele. Passei a mão no banco,
feições suavizaram com o humor, deixando-o mais jovem. Heinz disse que era
mais velho que o Brasil, como esse homem poderia ter mais de quinhentos anos?
“Porque ele é um vampiro, Izzy, fique longe dele”, lembrei a mim mesma.
na minha garganta. — É um belo colar esse que tem no pescoço, a pessoa que te
Ele parou o carro no encostamento, onde não havia nada além de uma
estrada de terra e mato ao nosso redor, e se virou para mim. Seus olhos
de quem nunca mais voltaria no Reich. Aquela foi uma visão que me angustiou.
Fiquei com medo por você, pensei que nunca mais te veria ou que, se precisasse
— Eu sei me cuidar, vivi muito bem por trinta anos sem o seu sangue e...
Heinz me interrompeu:
— Sei disso. Não te mandei o colar porque achei que era indefesa, enviei
por causa de mim, para que tivesse um pouco de paz, e adivinhe só! Quando
acordei hoje, fiquei sabendo dos rumores sobre La Muerte. — Ele fez sinal de
aspas com as mãos. — Uma ninja assassina de vampiros que atacou um grupo de
beberrões nas docas... Todos estão assustados, achando que você é uma lenda.
Eu sabia que era você, só podia ser. Nenhum humano teria a capacidade de matar
renegado. Ele eu sei que é imune à bala, você, já não tenho tanta certeza e...
beberrões, como você me rastreou e por que acha que Isaac é um renegado?
como o grandão aí — ele apontou para Isaac —, que não possuem filiação e
Daquela vez, Heinz não desviou o olhar quando entrou em uma estrada
pelos faróis.
determinada concentração...
colar? — A raiva estava evidente em minha fala. No final das contas, o colar era
um rastreador.
também. Foi assim que encontrei seu apartamento com tanta facilidade. É por
isto também que há garrafas com meu sangue no Reich, os aliados precisam
perigo e também controlar, caso algum pense em se tornar desgarrado. Não sou
um perseguidor, mas mantenho controle sobre a cidade.
— Se você sabe onde os perigosos estão, por que não os mata logo?
encarou de novo antes de acionar grandes portões de ferro à nossa frente. Eles se
momento você tentou negar ser La Muerte. — Eu apenas dei de ombros, de que
vampiro, entendeu? Me prometa que será apenas minha convidada humana, por
favor.
— E se eu recusar?
— É apenas uma festa, Izzy. Uma oportunidade para você ver um pouco
das nossas tradições. Se você não quiser participar, te deixo em casa, mas eles
Ele apenas ergueu os ombros. Como eu não seria tola de colocar a minha
vida e as dos dois homens inconscientes atrás de nós em risco por um capricho,
respondi:
sol. No dia em que fugi dali, todas as pesadas cortinas estavam fechadas, mas
chegavam até os meus ouvidos, e vi vários carros — dos mais populares aos
— Senhor?
— Petrus, leve esses dois para o calabouço e deixo-os seguros até o fim
reprovação pela mudança na conduta padrão. Também não questionei, sabia que
segurança extra.
— Que festival? Pensei que fosse uma festa simples ou algo assim. —
celebrar.
— É o fim do verão, fim dos dias mais longos. Os vampiros fazem festa
quando o sol dá uma trégua, é como se fosse o nosso Ano Novo. Alguns
vampiros são mais antigos do que as religiões modernas, temos nossas próprias
celebrações. Achei que gostaria de conhecer mais a nossa cultura, afinal, você é
— Não se preocupe com isto. — Heinz dirigiu até a ala oeste e parou o
carro ao lado de uma pequena porta lateral. Descemos por uma escada oculta na
penumbra, e o segui por corredores estreitos, ali o barulho da festa era ainda
mais alto. Subimos por uma outra escada circular com apoios de ferro, afastada
do salão principal. Finalmente, chegamos em um corredor largo e decorado com
a porta, e eu entrei no local onde fui mantida presa contra minha vontade.
Parecia que um século tinha se passado, mas foram poucos dias. A barra da cama
ainda estava quebrada, mas o abajur fora substituído. Heinz me abraçou por trás,
naquela noite era te debruçar nesta cama e beijar cada centímetro do seu corpo.
— Não temos tempo agora, precisamos descer antes das nove horas. —
abriu outra porta oculta. — Se quiser tomar um banho, fique à vontade, tem uma
prisioneiros. — Heinz beijou minha boca com delicadeza. — Não temos cárie ou
qualquer outra doença, mas escovar os dentes é uma questão de higiene. Você,
um por um. Heinz sentou-se na cama e ficou observando. Tirei as botas, a blusa
foi parar no chão, assim como as calças. Virei de costas e levantei os meus
até a base da minha coluna. Ele se inclinou e mordeu o meu ombro, mas sem
romper a minha pele. Seus dedos hábeis provocaram meus seios, meu ventre...
— Por mais que eu queira, não posso. Eu disse que o colar era uma
forma de te manter mais segura, e não apenas por causa da carga de sangue de
peito, ofegando por causa de suas provocações. Ele não precisava ter feito aquilo
e muito menos ter me dito qual era o ponto fraco dos vampiros.
Faltavam quinze minutos para as nove horas quando descemos até o local
da festa. Nós dois usávamos sobretudos de veludo na cor vinho, que iam até
quase o chão, e estávamos sem nenhum outro acessório além do vestido de seda
curto e de alças finas para mim e uma bata de manga três quartos para ele. Eu
não usava brinco, colar, sapato, maquiagem, prendedor de cabelo e nem roupas
minha cabeça enquanto pensava no tipo de festa que proibia o uso de calcinha e
cueca.
madeira. Duzentos passos do quarto ao topo das escadas, mais oitenta degraus
largos. Uns setenta passos até um terço do caminho que dava na porta da frente,
“acompanhante humana” hoje... — Enfatizei meu status, já que ele deixou bem
O quê?
— Isso significa que seu último encontro foi cem anos atrás? — Fiz
— Mas...
Heinz subiu ao palco e não precisou dizer ou fazer nada para que os
silêncio, tudo o que eu podia ouvir eram os seus batimentos cardíacos ritmados.
mais variados tecidos: camurça, couro, cetim, veludo e seda. Sempre de cores
etéreas, sobrenaturais, e uma taça igual à que eu tinha em mãos. Podia identificar
facilmente os poucos humanos presentes, cerca de uma dúzia. A excitação e
passagem, mais um ano que se finda com o verão. — Heinz levantou a taça e
evolução, mas isso não quer dizer que somos superiores. Os humanos são nossos
irmãos, e devemos tratá-los com respeito, não como alimento. Sei que alguns de
vocês não gostam de viver nas sombras, ocultos pela noite. Porém, devemos
lembrar do Olimpo. O orgulho foi a queda deles. Nós somos como as flores
país onde eu pudesse prosperar e viver. Aqui encontrei muito mais, achei uma
família. Construí um lugar que fosse um refúgio para vampiros e humanos, onde
significa ao mesmo tempo reinado e imperador em meu país. Reich não é apenas
Aquela era uma definição bem diferente para “que seja infinito enquanto
dure”. Pelo menos eu estava certa quando entrei a primeira vez no clube, Heinz
cumprimento, percebi que talvez ele realmente fosse. Voltei minha atenção para
o discurso.
— E, por isto, quem beber da taça com o meu sangue estará reafirmando
Todos sabem que quem ferir um dos meus será caçado e exterminado, sem
piedade. Os que não quiserem, saiam agora e poderão partir sem nenhuma
punição.
e entregaram suas taças aos garçons na saída. Sete vampiros que não estavam
para trás. Eu teria que ficar de olhos neles. Em seguida, Heinz bebeu um gole do
em mim. Aquele sangue era mais sobre simbolismo do que poder. Se eu bebesse,
Esse povo era doido? Estávamos descalços! Bom, eu não seria a única do contra,
portas de fundo que davam para o quintal se abriram. Heinz apontou para o lado
externo.
— Provavelmente. Venha.
plantas que eu não conhecia. Grandes flores coloridas em rosa, amarelo, laranja
e branco.
verdadeira.
vez ao ano, geralmente às nove horas da noite, se abrem ao máximo por volta da
seguinte. Raramente dão frutos, mas quando dão, dizem que quem os come terá
que a luz da lua cheia brilhasse com plenitude sobre o quintal. Incontáveis
Nunca tinha visto um botão de rosa tão grande. Aberto, teria mais de vinte
centímetros de diâmetro. Segui seu comprido talo até encontrar o caule verde e
achatado que se apoiava em outra árvore. Ai! Furei meu dedo em um pequeno
espinho. Heinz segurou minha mão e sugou a gotícula de sangue que brotou.
olhos e inspirei fundo em apreciação. Calor e excitação subiram pelo meu corpo
e pescoço, e eu senti vontade de tirar o sobretudo e dançar nua sob a luz do luar,
junto com as flores. Abri os olhos e descobri que era exatamente aquilo que
alguns vampiros faziam. O que estava acontecendo? Heinz riu do meu choque.
orelha. — Não há julgamentos aqui, Izzy. Você pode dançar ao luar, se entregar
resistir.
vampiros estavam como nós, apenas observando. A maioria não usava mais a
Uma loira de cabelos longos e cacheados dançava feliz entre dois homens. Seu
corpo esguio se movia de forma sedutora. Ela levantou o curto vestido com as
mãos e jogou a cabeça para trás, apoiando-se no ombro do homem mais alto, de
frente à mulher, suas mãos alisando a perna dela, subindo pela parte interna da
afundarem no pescoço da garota. Ela puxou o cabelo do outro rapaz até ele se
joguei para longe. Senti as mãos de Heinz deslizarem pelo meu vestido até o
meio das minhas pernas. Fechei os olhos quando ele tocou no meu ponto que
latejava. Ouvi o seu gemido baixo ao notar o quanto estava molhada. — Você
gosta de assistir...
Não é que eu gostasse, era apenas impossível não ser afetada pelo que
acontecia ao meu redor. Heinz continuou com seus dedos mágicos enquanto eu
se beijavam com fulgor, uma puxava o cabelo da outra, seus dedos perdidos nas
Literalmente.
Tentei respirar fundo, acalmar meus nervos, porém a cada minuto que
passava, mais a dama-da-noite desabrochava e mais do seu perfume inebriante
era lançado no ar. Sentei no colo de Heinz, sentindo sua dureza escondida apenas
Ele segurou um punhado do meu cabelo e puxou minha cabeça para trás.
pescoço. Prazer puro permeava por minhas artérias com aquela droga
maravilhosa que apenas a mordida dos vampiros fornecia. Eu queria que ele
sangue de suas veias. Arranhei suas coxas e comecei a rebolar contra o seu
quadril. Qualquer coisa que desviasse minha atenção e nublasse minha mente.
testemunhas.
montada em cima dele. Não conseguia ver suas feições, pois havia outro homem
a penetrando também, por trás. E este também era penetrado por um terceiro
segurei sua dureza, montando nela, sentindo-a preencher cada centímetro meu.
ele, ainda observando a orgia que se desenrolava naquele quintal. Todos sabiam
o que eu estava fazendo, mas, apesar do meu vestido ser um parco escudo de
Ele tinha mordido a própria língua e, assim, pude beber seu sangue sem que
beijei, dominada pela luxúria e pela sede de sangue. Suguei sua língua como se
minha vida dependesse daquilo. Heinz me deitou no sofá e ficou por cima de
Em vez disso, o senti me invadir de novo em uma única estocada. Ele achava
que se me deixasse cansada, eu não o atacaria. Que tolo! Quanto mais tempo eu
passava sem sangue, mais desesperada ficava e mais fome eu tinha. Porém, eu
clímax, meu corpo pedia mais. Eu era uma escrava da luxúria, uma amante do
Alcançamos uma parte mais alta do quintal. Ele parou na beira de uma macieira
e deu um impulso com as pernas, subindo com um salto até um galho alto, uns
seis metros acima do chão. Eu não sabia que ele podia fazer isso. Sentada em
seu colo, com minhas costas contra o peito dele, Heinz cortou o próprio pulso e
pressionou contra a minha boca. — Aqui estamos seguros, abra os olhos e veja.
Segurei seu pulso com força, mantendo-o no lugar, e fiz o que ele pediu:
noite atingiam o clímax de sua floração. Imensas flores brancas exóticas abertas
no auge de seu esplendor. Sob olhos de vampiro, elas adquiriam um brilho etéreo
sob o luar. Na copa da árvore, estávamos em uma redoma de verde frondoso,
melodiosa e aos gemidos das pessoas atingindo o ápice do prazer. Era uma festa
ombro.
madrugada e em cima de uma árvore me deixou com frio. Apontei para a orgia
que acontecia cerca de dez metros de distância. Uma mulher com uma tatuagem
de cobra que cobria todo o seu ventre se movia para frente e para trás com as
gemer.
— Não... — Por mais que eu estivesse tentada, já era difícil confiar meu
Você quer?
raivoso, pelo jeito que rosnava. Ouvi o rosnado de novo e... Ué! Abri os olhos
para descobrir que não havia cachorro nenhum, era apenas o meu estômago
faminto. Tive uma sensação de déjà-vu, mesmo quarto na escuridão total, mesma
cama e o mesmo corpo inerte ao meu lado. Daquela vez, no entanto, eu não era
prisioneira. Levantei-me e contei os passos: um, dois, três, quatro, cinco, seis.
seus cabelos para trás com os dedos. Tão pacífico e belo quanto mortal. Encostei
a orelha em seu peito. Nada, nenhum batimento. Eles ficavam como mortos
estava armada.
Andei até a minha bolsa e peguei meu sai. Seria tão fácil matar ele e
todos os vampiros naquela casa... Encostei a ponta no seu peito nu, e a pele
queimou, ficando com uma marca vermelha. Prata. Desencostei a arma do peito
de Heinz. Isaac me dera um sai de prata! Adagas não eram feitas de prata, elas
eram de aço resistente. A menos que você mande fazer para matar vampiros,
especificamente. Não era à toa que Isaac foi o único capaz de manter minha
atenção no treino: ele não era apenas um humano forte, era um vampiro que
Minha barriga roncou de novo. Fui ao banheiro com pressa, vesti minha
roupa e desci as escadas com a bolsa a tiracolo. Antes de sair, no entanto, dei um
beijo nos lábios adormecidos de Heinz. Se ele confiou em mim, era justo baixar
um pouco a guarda e confiar nele também. Seria uma mudança positiva do meu
lema: “todos são culpados até que se prove o contrário”.
passos e desci a escada lateral. Andei pela ala oeste, observando a decoração
ali, na casa.
A cozinha era um pouco maior do que a sala do meu apartamento, toda equipada
decepcionada, a da mansão em que cresci era maior. Pensando bem, não era de
utilizavam.
Abri a geladeira, rezando para encontrar algo comestível que não tivesse
hemácias. Ok, talvez eu não achasse tão ruim se tivesse um pouco de sangue
também, apesar de ter ingerido muito mais do que minha cota diária na noite
passada. E que noite! Pena que o festival só acontecia uma vez por ano. Eles
vermelhas, e trouxe até perto do meu nariz — sim, eram frutas vermelhas.
Queijo, pão, ovos e laranja. Parti um pedaço do bolo e comi com a mão enquanto
vasculhava o lugar. Não era todo dia que tinha acesso livre à dispensa de um
vampiro. Pena que não avistei nada extraordinário, como cabeças decepadas ou
corações pulsantes. Hum... Por outro lado, ainda bem que não encontrei nada
daquilo.
um café da manhã completo para dois. Não era a única faminta da casa. Andei
mais ainda para o leste e não precisei me aproximar muito para ouvir as batidas
na porta e os gritos desesperados. Respirei fundo, tentando apaziguar meu
— Tom! — Gritei para ele. — Sou eu, Izzy. Eu tenho seu café da manhã
e vou abrir a porta. Você promete que não tentará fugir? Nós precisamos
conversar.
que a lei vampírica número um era esconder o segredo do mundo humano. Esta
lei deveria ser cumprida não importava as consequências. Por isso que os
tinham acesso.
— Você está envolvida nisto, Isadora? Foi você quem me colocou aqui?
— Sua voz soou magoada.
A resposta para aquele tipo de pergunta não era tão simples. Era culpa
minha que ele estava ali, mas mantê-lo preso não tinha sido minha decisão.
desconfiado.
ficou mais pesada. Merda, ele estava se preparando para correr. Coloquei a
porta, já preparada para o impacto. Como esperado, seu corpo se chocou contra o
meu. O sargento tentou me imobilizar, mas a única dificuldade que eu tinha era a
de não imprimir força de mais e quebrar os seus ossos. Não demorou muito para
eu tê-lo preso em um mata-leão.
quarto, estava todo revirado, e a maioria das portas ocultas, abertas. Não podia
Logo o soltei, e Antônio se virou para mim com raiva. Nunca tinha visto tanto
— Eu não sou seu amigo! Não sei que tipo de brincadeira macabra é essa
que vocês fazem aqui! Quem eu sou para vocês? Qual o propósito de tamanha
— Olha, sei que foi errado te prender assim, mas veja, você não está em
Não se faça de idiota, sua falsária! Quando te conheci, achei que estava vendo
um anjo, um milagre. Achei que Deus tinha ouvido as minhas preces e me dado
a oportunidade de saber como seria a minha filhinha se ela tivesse sobrevivido.
— Sua voz falhou, lágrimas sem controle deslizavam pelo rosto. Tom olhou para
o teto e tentou se recompor, mas sua voz ainda era chorosa. — Eu investiguei
você, a filha de um casal rico. Parto normal em casa, foi para a escola aos cinco
anos. Desejei muito que fosse, mas não poderia ser minha filha.
Oh. Meu. Deus. Eu não estava respirando. Tom era... ele era... Meu
Deus! Minha visão embaçou, agora eu sabia como Tom conhecia Isaac. Não era
— Eu...
dor pela perda que tive e a alegria de estar com uma jovem tão destemida como a
minha filha poderia ter sido. Desconfiei que havia algo errado quando você me
perguntou pelo Humberto Fontes. Entrei para polícia por causa dele, sempre
estranhei o modo como o caso do incêndio foi tratado, ainda mais depois que
cabeça!
fazer o oposto da famosa frase do Darth Vader? Não tinha percebido que estava
chorando até que tentei falar e não consegui. Com tantas coisas acontecendo ao
mesmo tempo, não pensei em como seria conhecê-lo e o que falaria quando
finalmente o encontrasse. E agora não sabia o que dizer. Ao beber daquela taça
na noite passada, fiz uma promessa ao Heinz, não revelaria o segredo dos
— Seria mais fácil dizer que você enlouqueceu. Droga, seria mais
simples achar que eu tinha perdido minha cabeça. O problema é que a vida
nunca é fácil e a verdade jamais será simples...
O meu amigo — nossa, não sabia se ainda podia chamá-lo por aquele
silêncio pareceu durar uma eternidade e foi quebrado pelo ronco de sua barriga.
Implorei:
aparador. Os ovos já estavam frios, mas, pela expressão triste que Tom fazia a
cada vez que olhava para mim, aquela era a menor de suas preocupações.
Tranquei a porta por dentro e puxei uma cadeira para sentar enquanto o sargento
calouro tímido. Estava muito feliz por ter passado para direito, queria ser
advogado e trazer justiça para o mundo. Porém, não me encaixava naquele lugar.
Por mais que fosse uma faculdade pública, todos os meus colegas eram filhos de
homens ricos e influentes. Menos eu... Vinha de uma família rica em amor, mas
continuar a falar:
durante quatro anos. Já estava decidido, quando fui devolver meus livros
emprestados na biblioteca, e uma moça esbarrou em mim. Ela era tão linda
quanto uma boneca! Seu sorriso parecia iluminar o ambiente, e seus olhos... —
desculpas e insistiu em pagar um café. Não aceitei, é claro. Era um absurdo uma
dama pagar qualquer coisa quando saía com um homem naquela época. Mas o
vento bagunçou seus cabelos, e ela os colocou atrás da orelha. Seu nome era
Isabela, sua voz doce e seu ar maroto me conquistaram. Terminei aceitando sua
— Vocês namoraram?
— Sim, por quase um ano. Então ela engravidou. Foi o dia mais feliz das
nossas vidas, nós teríamos um bebê. O fruto do nosso amor. Daí a realidade nos
deu um tapa na cara: éramos estudantes sem dinheiro, os pais dela foram contra,
e os meus não podiam fazer muito para ajudar. Tudo parecia perdido até um anjo
surgir: Luna, irmã de Isabela, que a acolheu em casa e nos apoiou. Ela e o
marido Heitor nos ajudariam a ter nossa própria casa. Isa seria enfermeira, e eu,
bandeja. Eu também chorava. Bastou uma visita ao Reich para destruir todo o
me ligar depois de ver o corpo de Isabela. Eu... Eu... — Seus lábios tremeram, e
a voz saiu embargada de emoção. — Eu não pude me despedir dela. Não era da
viva e feliz.
Antônio balançou a cabeça concordando.
gás explodiu e incendiou a casa. Acreditei nele, por que desconfiaria? Até que,
por um acaso, eu descobri que ele se aposentou logo depois. Surtou. Foi
internado por causa de delírios sobre fogo, presas e olhos brilhantes. Disse que
estudar, não tinha propósito, e em todos os lugares em que ia, lembrava dela.
Após dez anos de busca, nunca descobri nada, então tentei seguir a vida e casei
com outra mulher. Estava tudo bem, até tinha me acostumado com você, em
como seus olhos e seu jeito doce, porém decidido, lembravam Isabela.”
— Eu tenho jeito doce? Não sabia! — Fiz uma piada para aliviar o clima,
segui, e para onde você foi? Para o prédio onde fica o consultório de Mariana e
depois para a casa. Pensei que minha cabeça ia explodir. Quando vi Heitor te
seguir, meu mundo desmoronou. Tudo que eu pensava ser verdade era mentira.
trinta anos atrás. Estava tão desnorteado, que não conseguia me mover, fiquei
do incêndio, e agora estou um velho cheio de rugas... E ele parecia ainda melhor
do que antes! Quando finalmente entrei na casa, o ouvi falar sobre matar e secar
sobreviveu? Como não envelheceu? Como levou dois tiros e permaneceu em pé?
quem é você?
demais. Por mais peculiar que fosse a verdade, eu precisaria contar tudo. E foi o
que fiz. Podia perceber que cada palavra saída de minha boca era uma facada em
seu peito. Dor, revolta, desespero, choque, angústia, medo. Era incrível como eu
conseguia identificar esses sentimentos, pareciam emanar dele. Não apenas pelas
meu pai biológico. Porém, fui rechaçada. Ele agarrou a faquinha de passar
manteiga no pão e andou para trás até encostar na parede. Tom, cheio de cólera,
junto com a mãe, você não passa de um monstro que usurpou a pele do meu
bebê.
Suas palavras doeram mais do que se ele tivesse enfiado a arma
improvisada em mim. Eu sabia que aquela poderia ser a reação natural quando
soubesse a verdade, mas, mesmo assim, não estava preparada. Juntei todas as
forças que tinha para não desmoronar, peguei a bandeja de cima da cama e a
Heinz. Não demorei muito a encontrá-la. Ainda bem que estava abastecida. —
Tem comida e água. Não posso te libertar, prometi ao Heinz que protegeria o
segredo dos vampiros. Eu... Eles... Alguns não são maus. Volto ao anoitecer. Não
defender, dizer que não era um monstro, mas eu era. Tia Luna estava certa ao me
esconder do mundo humano, eu sempre seria uma aberração para eles. Tranquei
a porta atrás de mim e corri para o quintal cuja grama estava coberta com roupas
Enviei a localização para Takao e pedi que viesse me buscar. Sentei-me perto de
portão para que eu saísse. Humanos fracos, porém com armas grandes, fuzis
para longe, não estava com vontade de testar se eu era ou não imune a balas.
apartamento dele. Takao respeitou o meu silêncio. Cecília, por outro lado, vendo
— O que aconteceu?
Nos braços da minha prima de criação, que não tinha o meu sangue, mas
mais, e ela alisou os meus cabelos. — Humana ou não, você é a mulher mais
fantástica que já conheci. Não dê ouvidos a esse tipo de bobagem, Izzy. O pior
— O tio Fernando disse isso? — Cecília levantou tão rápido, que minha
cabeça bateu no estofado. Ela nem percebeu. — Ah, vou lá agora mesmo falar
Segurei o seu braço antes que ela pegasse a chave do carro e fosse tomar
Aquilo fez com que ela e Takao, que estava sentado na mesinha de
pizza para o almoço, e contei tudo o que aconteceu. Entre lágrimas e gritos de
— Uau! Com todo respeito à tia Luna, ela fodeu todo mundo, hein? O
Até entendo o Tom, não deve ser fácil ouvir tudo isso e não se afetar. Se eu, que
já sabia a verdade sobre você e não amava sua mãe, estou devastado, imagina
ele?
tivesse você, né? Quem precisa de um sanguessuga gostosão quando tem o japa
Assim que seu namorado virou as costas, Cecília perguntou para mim:
grande...
volta. Afundei no sofá e relaxei. Aquilo era tudo que eu precisava naquele
momento...
★ ☽ ☯ ☾ ★
Aquilo me fez despertar. Levantei tão rápido, que bati minha cabeça na
— Me diz, por que eu te contei sobre o festival? — Ela iria fazer piada
— Porque ninguém vê ou faz aquilo tudo e não conta para pelo menos
número está oculto, mas aposto que é o seu schatzi. Você ao menos pesquisou o
Eu poderia definir Heinz com diversos adjetivos, mas fofo não seria um
deles. Segurei o colar de prata cheio de sangue. Schatzi. Bem, ele era tão fofo
Chamei Takao para ir comigo, e Cecília insistiu em ir junto. Ela disse que
argumentar, ela tinha razão. Heinz não ficou muito feliz ao descobrir que tantas
por Cecília e Takao e vi que meu pai e Isaac estavam lá também, porém em celas
separadas. Isaac, preso pela garganta por uma gargantilha de prata, tentou sorrir
minha mão e beijou o dorso. Ele se voltou para Ceci e beijou sua mão também.
Ah, pelo amor de Deus! Ele tirou essa apresentação de qual filme B?
— Não exatamente.
você já sabe disso, não é? Foi aqui que fiquei preso naquela noite. Você me
manteve naquela cela. — Ele apontou para a que meu pai estava.
Todas as atenções se voltaram para ele, que, com dificuldade, contou sua
história. Boa parte eu já sabia por causa do diário de Luna. Minha tia achou que
saúde da pessoa. Heinz explicou que na presença de alguma doença grave, como
Seguiu o delegado e o ouviu comentar com outro policial: com os donos da casa
desaparecidos, eles se tornaram os principais suspeitos. Heitor sabia que
precisava remediar aquela situação, afinal e se ele fosse preso e matasse todos na
delegacia? Voltar ao mundo humano não era uma opção, e tampouco confiaria
destruídas e este foi declarado como acidental. Foi preciso só uma noite para
Luna e Heitor. Com o delegado fora do caminho e o caso resolvido, Heitor viveu
Mariana. Os anos começaram a passar, e ele não tinha rastro de Luna. Como não
a encontrou, resolveu procurar emprego, não podia mais dar aulas de educação
Odeio aquele lugar. Se Luna nunca tivesse pisado lá, eu estaria hoje ao seu lado,
— Se não fosse pelo Reich, você já estaria morto por causa do câncer
que nem sabia que tinha ou seria escravo dos vampiros beberrões.
uma mulher parecida com ela. Fiquei tão abismado ao encontrá-la depois de
tantos anos, que não me movi, nem mesmo quando Luna entrou em uma briga
com uns idiotas. Rápida, forte e sabia lutar. Durante trinta anos, me perguntei
como seria ficar cara a cara com ela, se teria raiva pelo que fez. E quando a vi
ali, respirando e lutando, sabia que já a havia perdoado. Em três décadas, tive
poucas alegrias, e todas elas foram misturadas com tristezas. Observei minha
filha se formar, e não pude lhe dar os parabéns. Vi seu casamento, porém, não a
levei até o altar. Ouvi o choro dos meus netos, no entanto nunca pude acalentá-
los.
— Ai, gente, solta esse troço da garganta dele! Não vê que o coitado já
Exalei o ar, abalada pelo relato do meu tio. Tom o encarava com os olhos
porém não tinha sinal de sangue ou sujeira. Não parecia ter sido machucado.
Isaac, por outro lado, tinha sangue manchando sua camisa. Não sabia se Heinz
havia batido nele ou se era do tiro que Tom havia desferido na noite anterior.
tão descontrolada quanto na última vez que a vi. Luna não parava de brigar, e eu
intervir, e o que descobri? Não era Luna, se tratava de uma jovem muito parecida
com minha esposa, mas com os olhos de Isabela. Não acreditei quando descobri
que seu nome era Isadora. Passei horas pensando em como aquilo seria possível,
blusa levantada, do corpo mutilado. Com a casa em chamas, não pensei muito
sobre aquilo. Quando entendi quem você era, jurei te proteger da melhor forma
que podia. E não havia forma melhor do que te treinar para que aprendesse a se
defender sozinha.
Perguntei.
— Quase surtei quando Takao comentou que você iria ao Reich, então os
segui e descobri que foram trazidos para esta casa. Trouxe meu plano de
emergência e ataquei. Achei que ambos estariam aqui, mas encontrei apenas
Takao muito drogado. Eu o deixei em casa e só tive sossego quando soube que
você estava bem, Izzy. Eu te daria os sai de prata, os fiz sob encomenda para te
Heinz estava irado, eu podia sentir a raiva emanar dele como uma onda.
da cintura e apontou para nós. — Vocês estão aqui porque sabem demais ou
fazem parte do segredo. Eu sei das diferenças que cada um tem, porém acredito
que nossas semelhanças são capazes de nos unir. Creio que encontrar Luna é
prioridade número um. Juntos podemos fazer isso e ainda ajudar a população
humana de Monte Carlo, mas, para isto — ele cortou a própria mão e ofereceu
corte em sua palma já tinha curado, e ninguém se movera ainda. Ele cravou a
cinco anos atrás. Ela tinha poucos anos como vampira, mas antes disso, nunca
foi uma humana tola. Tentei ajudar, porém ela preferiu fugir, e olhem no que
deu! Desaparecida por décadas. Quem pegou Luna é mais forte do que vocês
podem lidar. Separados serão alvo fácil. Não posso proteger ninguém nem deixar
uma vampira? E se eu beber, você será capaz de nos rastrear, não é? Como
funciona isso? Qual a origem dos vampiros? De onde vem o seu poder? Você
tem mais poder do que os outros? Quanto poder Izzy tem? O que ela pode fazer
que você não pode? Você vira pó se entrar em contato com o sol? Por que dorme
verão?
Meu Deus, ela entrou no modo cientista curiosa! Era pior do que uma
criança de sete anos na fase do “por quê?”. Heinz não precisava respirar para
Antes que pudesse dizer que eles já sabiam a maior parte antes de eu
— Ah, ela não falou tudo! Eu ainda não sei o tamanho do seu... da sua...
presa.
— Certo. Vocês precisarão tomar sangue uma vez por semana para que
transformá-los, porém irá curar algumas doenças que possam ter. — Ele
perguntas. — Doenças mais graves como o câncer e a AIDS só são curadas com
— Takao perguntou.
Tom, que estava em silêncio até então, levantou a cabeça, apontou para
— Você disse que era triste ver sua filha crescer e não poder participar.
Pelo menos, sabia que ela estava viva e bem. Imagine como foi para mim! Eu
pensei que minha filha tivesse virado cinzas, queimada antes mesmo de ter a
chance de tomar o primeiro sopro de vida. Eu perdi os meus dois grandes amores
em um único golpe. Depois descobri que minha filha estava viva, mas não
— Nunca mais repita isso! Isadora está mais viva do que você, o único
monstro que vejo aqui é o seu preconceito. Poucas pessoas têm uma segunda
chance. Você não viu sua filha se formar na faculdade, mas pode abraçá-la agora
e estar ao lado dela como um bom pai faria.
luz e pega as pessoas pelo pescoço, não vai ajudar a provar que os vampiros são
caras legais... — Ceci murmurou, e Heinz ouviu e soltou Tom. Seus braços
como uma sentença. Achei melhor não intervir. Sem proteção e sabendo da
vampiros.
Não passei trinta anos escondido para participar do seu clubinho de vampiros.
que nós três — eu, Cecília e Takao — o seguíssemos. Enquanto meus dois
amigos tomavam um cálice de sangue, ele explicou que lealdade era algo a ser
pedido, e não obrigado. Deveria ser voluntário, ou não teria sentido. Falou
também que, em respeito a mim, permitiria que Tom andasse pela propriedade
durante a noite. Talvez aquilo fizesse com que o meu pai se acostumasse com a
ideia dos vampiros. O mesmo não poderia ser oferecido a Isaac. Antônio não era
de prata de Isaac, mas Heinz foi incisivo: a prata era necessária para enfraquecê-
lo.
desacordada. Fomos com Heinz até o hospital. Enquanto Takao distraía o guarda
quadro. Heinz se aproximou, mordeu o próprio pulso. Forçou a boca dela aberta
e deixou que o líquido carmim escorresse por sua garganta. Os aparelhos que
tentasse focar na gente. A garota pareceu assustada quando nos viu e tentou
verbalizar algo, apesar do aparente choque, quando ouvi passos nos corredores.
Mulher da cela?
Oh, Deus!
Será quê...?
Capítulo 28 — Mulher da cela
retiraram o cateter de oxigênio das suas narinas. Heinz deu outra dose de sangue,
visão dela.
Os olhos da garota se estreitaram e analisaram o imponente homem
“Você fez isso com ela?”, murmurei com raiva e em tom baixo, para que
— Tem razão, não deveria. Você deu as costas para mim, roubou as
garrafas de sangue e fugiu. E tudo isso por quê? Por dinheiro. Sei o que fez,
misturou o meu sangue com drogas e revendeu em festas. Lucrou com o que eu
te dava livremente. — A voz dele tinha um tom plano, ameaçador. Aquele era
tinha na cabeça? Traficar drogas já era ruim o suficiente, misturar com sangue de
com os vampiros das docas por mais. Achei que seriam como no Reich, mas não
foi. Eles me mantiveram em uma cela e eles... eles... — Ela começou a chorar, e
eu me compadeci. Não importava o que tinha feito. Ladra ou não, o abuso nunca
era justificável.
— Sugiro que você e seus pais saiam da cidade. Não posso dar proteção
a uma pessoa que roubou de mim, e aqui você ainda é alvo fácil.
— Não, o destino que você teve foi pior do que qualquer punição que eu
poderia dar. — Cada palavra de Heinz parecia uma sentença. Ele não me
Quero que você me diga o que lembra do local em que ficou presa.
Outras vezes, me deixavam em uma cela subterrânea. Quer dizer, eu acho que
Meu Deus! Não podia ficar parada e ouvir aquilo. Quantas garotas
— Você falou sobre uma mulher da cela. Quem mais estava lá? — Dei
inferno. Apenas uma delas permanecia separada, mas eu não acho que era
humana.
metal, e eles a açoitavam diariamente, a cortavam com facas e exigiam que ela
O que roubou? Talvez não fosse tia Luna. Que eu saiba, ela nunca
roubou nada de ninguém. Ao menos não havia menção a isso em seu diário.
avisando que os pais dela chegaram ao hospital e que tinha um policial parado
no corredor.
apenas deu de ombros, sem se importar. Ele apontou para Geórgia e avisou:
— Vá embora da cidade.
no parapeito da janela do lado de fora. O vento frio fez meus cabelos voarem e o
sobretudo balançar. Se meu sai caísse lá embaixo, eu mataria Heinz. Antes que
não estava fazendo muita força, para ser sincera, era mais o susto de saber que se
conversa que ouvi, percebi que eles não sabiam sobre a atividade ilegal da filha.
Não ouvimos nada de relevante.
parapeito do próximo andar. Heinz fez isso mais duas vezes e chegou na calçada.
Ele estava louco se achava que eu faria aquilo. Minhas mãos começavam a suar.
Engoli em seco, tentando não entrar em pânico. Nunca tive medo de altura, mas
também nunca fiquei pendurada mais de dez metros acima do solo sem nenhuma
proteção.
Ouvi a risada de Heinz. “Sua bunda fica linda deste ângulo”, ele falou
Ok! Respirei fundo e soltei minha mão. Gostaria de dizer que foi
libertadora a sensação de cair no nada, porém eu estava com medo demais para
aproveitar qualquer coisa. Agarrei o parapeito do andar inferior. Eu não morri?
Não morri! Uhul! É isso aí! Soltei de novo, desta vez com mais confiança. Fui
fazendo bufar.
— Se era para me salvar como a uma donzela indefesa, que tivesse feito
logo, né? Seria até romântico eu caindo do prédio, e você me pegando no colo.
de pedra.
somada ao seu peso fariam com que seu corpo se quebrasse com o impacto dos
melhor que você aprenda a se virar sozinha. — Ele explicou e beijou a minha
boca.
Correspondi o seu beijo. Era difícil resistir ao Heinz, não porque era um
vampiro gostoso, mas por causa de pequenas atitudes como aquela. Ele não
tentava me subjugar com o seu poder e fazia questão de me lembrar que era tão
Geórgia, passei a admirá-lo. Era um homem que poderia usar o poder para
Google para que eu decorasse e dissesse a Heinz. Ela falou que ele iria adorar.
Avisei a Takao por mensagem que já havíamos saído do quarto e fui para
casa. Heinz aceitou o meu convite de entrar, mas não tentou me beijar. Ele sabia
— Acha que aquela noite no Reich foi o primeiro ataque, ou que sua
família foi a única vítima? Não foi, Isadora! Pessoas que foram amigos meus por
vampiros novos indiscriminadamente, mas eles sim. Na noite que sua tia estava
nós. Luna e Alice tiveram sorte de saírem com vida. Fiz um acordo porque era a
única saída.
Isadora, nenhuma decisão é fácil. Eu gostaria de salvar todos, mas não posso. —
Depois que ele foi embora, desabotoei o colar de prata do meu pescoço e
larguei minha bolsa em cima da mesa de vidro. Abri a varanda, permitindo que o
televisão. Nada poderia distrair minha mente. Se tia Luna era a tal mulher, o que
minha moto. Só esperava que a menina assustadora não tivesse furado os pneus
Cinco quadras depois, escutei um grito de socorro. Aquilo era algo que
eu não poderia ignorar, nem naquela e nem em qualquer outra noite. Aproximei-
me com cautela e vi dois ladrões tentando roubar uma mulher. Droga! Não
estava com minhas armas, tinha só o meu canivete na bota e a chave da moto. E
agora? Dei de ombros, aqueles eram humanos fracos, não seriam páreo para
mim.
— Dois contra um? Isso não é muito justo. — Entrei no beco escuro,
assustando-os. Meus passos eram cautelosos à medida que chegava mais perto
da mulher.
— Fico lisonjeada. Qual tal uma troca? Eu por ela. — Avancei, agarrei o
pulso dele e o torci. O som metálico da faca caindo no chão ecoou pelo beco.
rosto dele. Sorri diabolicamente ao som de crack que os seus ossos fizeram.
Naquele momento, não era movida pela sede de sangue, ali era apenas o ódio por
dobrou de dor.
Virei-me para o segundo atacante, que estava atônito com a cena que
zumbido alto e a risada maligna. Era por isso que minhas armas tinham
puxou a gola da minha blusa para baixo com a arma. Ele encostou o cano quente
contra a minha pele, logo acima do meu coração. Sua voz era grossa e asquerosa,
— É isso o que acontece com justiceiras, deveria ter fingido que não
escutou nada e fugido. É o que as pessoas fazem, sabe? Passam direto como se
Não... Nem todo mundo fechava os olhos, e eu, com certeza, não era
qualquer pessoa. Agarrei a sua mão e finquei minhas unhas em sua pele. Ele
Uma vez.
Duas vezes.
Direto em meu coração.
meu redor...
Frio... Eu sentia frio... Frio e calor. Meu peito em chamas. Frio, calor e
“Ela mereceu, essa vadia quebrou o teu nariz! A gente precisa se livrar
dela.”
era difícil.
Puxaram meus cabelos com força. A cabeça pesava, alguém a puxou para
trás. Uma língua áspera e úmida lambeu a lateral do meu rosto. Sua boca dura
contra a minha inerte. “Força, Izzy! Se mexe, força, força!”, pensei, reuni
energia e o mordi com a pouca força que tinha, o suficiente para cortar a língua
que tentava me invadir. Sangue jorrou para minha boca. Fraco, diluído...
metade de sua garganta fora. Caí de volta contra o concreto, e o corpo dele caiu
ladrão ecoou pelas ruas vazias. Levei a mão ao meu pescoço, procurando o colar,
— Vai pagar pelo que fez, aberração! — O cara esbravejou. Mais tiros.
Um. Dois. Três. Engasguei em meu próprio sangue, o corpo levado para além do
limite da cura. O homem mirou entre meus olhos. — Quero ver se recuperar de
um tiro na cabeça.
Vi a bala sair do cano e ouvi o estampido do tiro, mas não senti a dor. Fui
sua voz era tão grande! Parecia que era ele quem estava morrendo. — Vamos,
beba!
Eu mal sentia quando ele pressionou seu pulso contra os meus lábios ou
quando colocou minha cabeça em seu colo. Nem mesmo o chão duro fazia
diferença. Queria dizer que não adiantaria, eram tiros de mais para serem
era o meu liebling, tanto quanto eu era sua schatzi. Não consegui.
com sangue também! — Minha blusa foi rasgada, deixando-me apenas de sutiã e
calça. — Rápido! Se as balas não saírem, ela não vai curar direito. Tirem cada
dor de levar um tiro não se comparava ao que senti no momento em que eles
Tortura pura. Era o mesmo que fazer cinco cirurgias ao mesmo tempo e sem
anestesia.
Está satisfeito, Antônio? Era assim que você preferia ver sua filha? Sangrando e
você?
queria.
Heinz retirou o próprio braço da minha boca, e eu senti outro pulso encostar em
meus lábios. O gosto era diferente, humano, sem poder aparente. Porém, a dor
★ ☽ ☯ ☾ ★
O barulho de um tiro me acordou. Tentei me mover, mas não conseguia
levantar. Meu corpo pesava o que parecia uma tonelada, e era impossível
respirar. Será que estava paralisada para sempre? Abri os olhos lentamente,
Heinz.
Olhei para meu corpo com medo, esperando me deparar com o caos. Em
vez disso, encontrei um vampiro alemão enroscado em mim como uma cobra.
Não era à toa que eu não conseguia me mexer! Passei a mão em seus cabelos,
sentindo a suavidade deles. Heinz me salvou. Tentei elevar sua cabeça, mas senti
diretamente para a minha veia. Arranquei a agulha do meu braço e suguei o resto
mais romântico que fosse acordar com ele abraçado a mim, senti que minha
bexiga ia estourar. Depois de aliviada, afastei a cortina da janela e vi que o
geladeira do quarto. Que fome! Peguei duas garrafas, uma de vinho e outra de
sangue, uma taça de cristal, queijo, torrada e um doce. Talvez fosse suficiente
para aplacar minha fome. Misturei as duas bebidas na taça e retirei a camisola
preta de seda, que nunca tinha visto antes. Olhei meu reflexo no espelho, que ia
de ponta a ponta da parede do banheiro, e notei manchas roxas que cobriam todo
o meu torso. Peito, ombro e barriga. Tomei um gole da bebida, e elas clarearam
um pouco. Tomei a taça inteira, e elas não mudaram novamente. Bebi uma só de
desde ontem, e ainda não tinha me curado totalmente. Quase morri, foi muito
cada vez que fechava os olhos, via uma arma disparando contra mim. Flutuei na
água e fechei os olhos, tentando em vão não pensar em becos escuros e na dor de
ser baleada. Tudo o que eu precisava era esvaziar a mente e não pensar em nada.
do banho. — Você está bem? Por que levantou? — Ele analisou cada detalhe da
minha pele. Seu abraço apertado era quente e convidativo. — Precisa de alguma
coisa?
— Desculpe, você não tem ideia de como estou feliz em te ver acordada.
Heinz beijou minha boca com delicadeza. Sua mão explorando, tocando
cada marca lilás quase desvanecida. Enrolei meus braços ao redor do seu
pescoço e o puxei para mais perto, sem me importar se molhava sua roupa.
Achei que morreria, e estar nos braços dele parecia mais especial depois disso,
como se o toque e o aroma de sua pele fossem mais intensos. Queria beijá-lo e
Não era apenas eu que o olhava diferente, Heinz também tinha uma
expressão desconhecida no rosto até então, como se não pudesse acreditar que eu
estava viva e respirando. Ri quando o puxei com tanta vontade, que ele caiu na
água comigo. Nenhum dos dois ligou para a água que escorreu pelo chão, o que
assustou.
descendo pela mandíbula, garganta e ombro. Não queria pensar em morte ou dor.
— Me faça esquecer.
Não precisei dizer nada mais. Heinz se levantou comigo no colo e deitou
deslizando pelo meu corpo com facilidade por causa dos resquícios de espuma
em minha pele. Suspirei quando Heinz encontrou o ponto entre minhas pernas. O
beijo doce mudou, tornou-se mais exigente. A língua explorava minha boca no
Sua boca traçou em mim o mesmo caminho que segui nele: desceu pela
minha mandíbula, mordiscou minha orelha e beijou o meu pescoço sem romper
a pele. Arranhei suas costas, querendo mais ação e menos doçura. Seus dedos me
com pressa e montei em seu colo, sentindo-o preencher cada parte de mim.
banquete. Aquele homem era um banquete todo meu. Cavalguei para cima e para
baixo, perto do limite do prazer. Eu estava com tanta sede! Talvez apenas um
gole para acelerar minha cura. Abocanhei a garganta, minhas presas perfurando
sua pele, presenteando-me com o doce néctar que corria em suas veias.
HEINZ
seus cabelos e trouxe até mim o odor do medo que emanava de seus poros. Cada
mofado. De tantas situações que podiam assustar Isadora, a altura foi o que a
Isadora não poderia ficar pendurada ali por muito tempo, alguém poderia
olhar para cima e vê-la. Ela se balançou um pouco, testando o próprio peso.
quase destemida. Analisando seu corpo escultural, sorri. Sabia como provocá-la:
“sua bunda fica linda deste ângulo”, murmurei e cumprimentei uma velhinha
que me encarou como se fosse um lunático que falava sozinho. Ouvi uma
os desafios. Conheci muitos vampiros poderosos que não tinham um terço da sua
coragem.
— Se era para me salvar como a uma donzela indefesa, que tivesse feito
logo, né? Seria até romântico eu caindo do prédio, e você me pegando no colo.
somada ao seu peso fariam com que seu corpo se quebrasse com o impacto dos
melhor que você aprenda a se virar sozinha. — Disse e beijei sua boca.
haveria ninguém para defendê-la além dela própria. Mestiços não eram bem-
primeira noite em que a vi. O jeito, a postura e a força. Tudo nela deixava meu
corpo clamando por mais. Mais do seu olhar, do toque e da atenção, do seu modo
de se entregar, mesmo quando desconfiada. Tive certeza que ela era minha
schatzi quando vi Antônio apontar uma arma em sua direção naquela casa em
ruínas. O medo que aquilo causou me fez perceber que estava muito além de
apenas fascinado.
— Obrigada, liebling.
delicada. Pelo sorriso maroto e olhos verdes brilhantes, ela sabia o significado da
palavra. Favorito.
Izzy falou enquanto mandava uma mensagem de texto. Tinha sorte de não ser
coragem. Subi até o seu apartamento, mesmo sabendo que não deveria.
cela fosse Luna e se o item que roubado era o que eu pensava, o problema seria
muito pior do que um simples resgate. Achava que a schatzi não aguentaria toda
a verdade, sua vida mudou muito nos últimos dias. Precisava ter certeza que a
lenda era real antes de envolvê-la. Na época em que a grande guerra entre os
Descartáveis? A vida não era descartável para mim. Isadora não entendia,
ela não sabia sobre o meu passado e tampouco era a única sobrevivente de um
continuavam a morrer.
— Acha que aquela noite no Reich foi o primeiro ataque, ou que sua
família foi a única vítima? Não foi, Isadora! Pessoas que foram amigos meus por
vampiros novos indiscriminadamente, mas eles sim. Na noite que sua tia estava
nós. Luna e Alice tiveram sorte de saírem com vida. Fiz um acordo porque era a
única saída.
esquecia como sua juventude ainda não tinha destruído a necessidade que sentia
maioria não era pelas mãos dos vampiros. E quando eram, geralmente
terminavam tão brutais quanto no caso de Geórgia. Muitas vezes, até mais.
Isadora, nenhuma decisão é fácil. Eu gostaria de salvar todos, mas não posso.
Preciso ir ao Reich.
Beijei seu rosto com pesar e parti. A cada quilômetro que me afastava,
escritório e ofereceu uma bebida. Aceitei uma dose tripla de sangue com um
na schatzi e no objeto roubado. Não podia ser. Ele não existia mais, fora
grupos, alguns eram mais perigosos que outros. Não conseguia pensar em outro
motivo para qualquer um desses grupos estar buscando um objeto, tinha que ser
adulta. Porra! Pelo bem da humanidade, um dos dois precisaria ser destruído
chamando por sangue. Minha mente se expandiu e aqueles que beberam do meu
como luzes de natal, a casa estava lotada hoje. Procurei mais longe, passando
pelas ruas de Monte Carlo, em direção ao prédio de Izzy, e encontrei um lá. Ela
apartamento. Estranho! Aquela era uma área muito residencial, os vampiros não
iriam para ali, a menos que fosse algum dos nossos humanos. Não poderia ser a
velocidade máxima.
e analisei seu quarto através da janela. Vazio. A varanda da sala estava aberta, as
da mesa. O colar. Porra! Percorri as ruas tão rápido, que mais um pouco, estaria
Não!
a arma para uma Izzy inconsciente e jogada no chão. Fúria preencheu meu ser.
Não a minha schatzi! Arremessei meu corpo na direção do disparo e por pouco
fui mais rápido que a bala. O tiro atingiu no tórax, e eu não me importei. Rugi ao
dor foi o meu prazer. Com a mão trêmula, ele disparou em minha direção e,
minha unha na pele, e sangue brotou. Puxei seus cabelos com a outra mão, e a
Respirei fundo para aplacar minha ira. Não poderia ajudar Izzy se ainda
danos. Não, por favor, não! Demorei séculos para te encontrar, não me deixe
— Schatzi... Minha schatzi. O que fizeram com você? — Abri meu pulso
Sem reação. Apoiei sua cabeça em meu colo e tentei estancar o fluxo
contínuo de sangue que escapava pelos buracos de bala em seu peito. Aquilo não
precisariam ser destruídos. Isadora era muito nova e tinha uma vida inteira pela
de resposta eram um tormento. Se ela fosse humana, seria tarde demais. Um caso
perdido. Porém, Izzy não era, nunca fora. Avancei pelos portões em disparada e
só parei na sala.
agora! Preciso de garrafas com sangue também! — Rasguei sua blusa, precisava
de uma visão nítida das feridas. Dois tiros no abdômen, dois no peito e três no
coração. Aquilo era demais até para ela. Passei a mão em suas costas, não havia
saírem, não vai curar direito. Tirem cada uma do corpo dela e depois joguem
trouxeram os prisioneiros.
primeiro tiro à quantidade de sangue que ingeriu como minha consorte, não pela
sua natureza mestiça. Nenhum deles, entretanto, ficou tão chocado com o horror
que viu quanto o sargento. Minha intenção não era apenas dar um choque de
realidade e mostrar que assim como havia vampiros ruins, também havia
humanos maus.
do parente humano era poderoso. Estava disposto a tentar tudo que estivesse ao
meu alcance.
o apoio dela.! Se não fossem tão teimosos, isso nunca teria acontecido! Está
satisfeito, Antônio? Era assim que você preferia ver sua filha? Sangrando e
você?
— Não... Não era isso o que eu queria... — ele respondeu.
Não sabia se ele aceitaria meu comando, talvez preferisse que a filha
pestanejar e alimentou a filha. Isaac encarou a sobrinha com pesar. Não tive
tempo de me compadecer por nenhum dos dois, a schatzi era quem precisava de
atenção.
Operamos Izzy ali em cima da mesa. Cursei medicina mais de um século atrás,
Duas horas depois, Isadora estava limpa e com as feridas cobertas por
bandagens. Elas não se fecharam, mas a hemorragia foi controlada. Bom sinal.
Colocamos um cateter em seu braço para injetar meu sangue diretamente em sua
veia. Ainda bem que sempre deixei um estoque de sangue na adega e que o de
vampiro é uma bebida não perecível. Sempre detestei ficar sentado por horas,
enchendo essas garrafas com um cateter, mas era um mal necessário. O único
meio de localização que não poderia ser forjado. Salvou a vida de muitos, não
apenas de Isadora.
Depois que ela estava estável, avisei o ocorrido para Takao e Cecília,
precisava de alguém que cuidasse dela durante o dia. Eles vieram prontamente.
Tom pediu desculpas, disse que jamais desejou ver a filha daquele jeito. Isaac
perguntou qual era o meu plano e, depois que expliquei, jurou lealdade. O pai
deu uma fruta especial para comer. Para dar sorte, ela disse.
Sorte... Eu precisava de muita, ou perderia minha schatzi para sempre.
★ ☽ ☯ ☾ ★
havia ninguém na cama além de mim. Tinha medo que um dos meus pesadelos
Você está bem? Por que levantou? — Olhei para o seu peito nu, vendo que as
alguma coisa?
— Respirar...
— Desculpe, você não tem ideia de como estou feliz em te ver acordada.
Eu a beijei com carinho, minha intenção era apenas tocá-la e ter certeza
que estava bem. Viva. Porém, ela me puxou para perto e pediu que a fizesse
esquecer, e eu obedeci, pois faria de tudo para substituir a dor e o medo por
prazer e alegria.
gemido mudo. Eu estava quase lá, e ela também. Isadora se inclinou e mordeu a
minha garganta, suas presas perfurando minha pele e jogando uma descarga
Presas?
Como assim, presas?
Capítulo 31 — Presas
Eu tenho presas.
Eu tenho presas.
Eu tenho presas!
tamanho dos meus caninos. Tentei falar, mas, pela milésima vez, mordi o meu
próprio lábio o tempo todo. A diferença era que, no meu caso, as presas
Dezenas de séculos vividos, e Heinz ainda não sabia que ele não deveria
mandar uma mulher se acalmar quando estava nervosa? Eu tinha presas! Não
queria ser vampira por completo, gostava da minha humanidade. Não queria ser
encostei a cabeça em seu peito. Ele respirou fundo e me explicou que era raro os
que tinha ocorrido comigo por causa da extensão dos meus danos e pela
certeza, no entanto.
Não poderia ser tanto sangue assim! Custava a acreditar que escapei da
pequeno gancho para joias. — Cecília trouxe algumas roupas suas, ela queria
que você ficasse mais à vontade. Venha, tente usar o seu colar.
como outro qualquer. Que alívio! Não queria perder o colar ou os sai. Virei-me
sorrindo para Heinz, mas a minha alegria morreu com a expressão de dor em sua
face. Ele fechou os olhos, como se o fato de a prata não ser venenosa para mim
porta. — Não quero entrar e te pegar trocando de roupa... De novo. — Ela não
esperou pela resposta antes de abrir a porta. Quando me viu, gritou de alegria e
pulou em cima de mim. — Sua maluca! Se me der um susto desse outra vez, te
mato.
que eu não conhecia, Takao, além de... Ué, Isaac e Tom? Os que não conhecia,
e segurou minhas mãos entre as suas. — Sei que nada do que aconteceu foi culpa
sua, sei também que você já tem um pai de criação. Mas se puder me perdoar e
com seu novo título. Era uma parte da minha infância perdida que voltava para
mim.
Isaac piscou um olho e sorriu com carinho. Teria que conversar com ele
nós o seguimos até uma sala de reuniões no final do corredor cujas paredes
Isadora. Prometem que protegerão a ela e aos seus interesses como prometeram
a mim?
Fiquei meio abismada com o ato solene que parecia meio desnecessário.
completo, com exceção de meus pais adotivos. Todas as outras pessoas não
passavam de conhecidos.
— Ótimo. O que direi agora será mantido como segredo, ninguém jamais
deve saber o que Isadora é de verdade. Para todos os outros, ela será uma
vampira comum.
amigos quase pularam em suas cadeiras, e Ceci gritou um sonoro: “puta merda!
Seu olho está brilhando como um semáforo”. Eu nem percebi que havia algo
diferente com minha íris também. Voltei ao normal, estava interessada no que o
velocidade dos vampiros, mas sem suas fraquezas, como o sol e a prata,
podendo, assim, atacar quando estamos vulneráveis. Sua tia Luna descobriu isso
duas. Talvez não lembre disso, Isadora, você era muito pequena. Muitos de nós
Bálcãs chamam de damphir os mestiços como a Izzy. Séculos atrás, quase todos
poderoso de mestiço...
Tom o interrompeu:
ouvidos aprimorados.
vampira. Uma arma letal e temida. O último do seu tipo era cultuado como um
Nossa! Não me sentia tão poderosa assim! S se eu era aquilo tudo, por
eles.
apenas isto. Nós não seríamos páreos contra um ataque em massa, seria como...
— Exato, foi mais ou menos isso que levou à queda o último evoluído.
— Heinz andou até uma estante de livros que cobria toda a parede oeste e pegou
uma enorme enciclopédia com capa de couro. Ele folheou o livro e o colocou em
Zeus. — Heinz falou sem nenhum traço de humor, mas eu esperava que aquilo
— A Izzy será uma deusa? O Reich vai virar o Olimpo? Todos nós
seremos deuses? Ela vai soltar raios pelas mãos? Eu posso ser a Athena? Adoro
ela desde o desenho Cav... — Ceci se empolgou tanto, que quase não parava de
falar.
capacidade de fazer mil perguntas em um único fôlego. Ele levantou a mão para
interrompê-la e disse:
— Ela é muito poderosa, porém estamos aqui para impedir que o poder a
Tentei lembrar das aulas de história e afirmei que sim. Os titãs Urano e
Gaia se casaram, eles representavam o céu e a terra. Juntos, tiveram vários
filhos, dentre eles, Cronos, capaz de controlar o tempo. Urano era um poderoso
titã que mantinha os filhos presos dentro da terra. Gaia, revoltada ao ter os filhos
presos dentro dela, os ajudou a se revoltarem contra o pai. Cronos derrotou o pai
e tomou o seu reinado. Ele, entretanto, passou a devorar os seus filhos, pois o
Oráculo profetizou que um de seus herdeiros tiraria o seu trono, assim como ele
devorados, enganou o poderoso titã e deixou o filho mais novo, Zeus, para ser
pai e o fez vomitar os filhos. Aquele foi o fim do reinado dos titãs e, aliado aos
eram diferentes. Cronos se chamava Saturno e Zeus, Júpiter. Heinz falou em voz
imponente:
Cronos era considerado o titã do tempo porque ele não envelhecia. Era o
vampiro.
angústia em sua voz. — Mesmo transformada, a Izzy ainda é minha filha, né?
— Sim, ela é sua filha, tornou-se mestiça porque a mãe dela bebeu o
sangue de Luna durante o parto. Os vampiros não podem gerar vida, mas
consideram os transformados por eles como filhos. De certa forma, pelas leis dos
informação. Tinha três mães, uma vampira que estava desaparecida, uma
biológica que morreu e uma adotiva que mentiu durante toda minha vida.
Maravilha. Não sabia se deveria rir ou chorar. Voltei a prestar atenção à história
eternidade como recém-nascidos, e não era isto que Reia queria. Foi uma época
até a fase adulta, como Isadora fez. Era preciso uma grávida ser mordida, estar
Todo damphir nascido era produto do sacrifício de sua mãe. Não sei se tinha
esforço:
relativa paz. O problema é que aquela era uma época de misticismo, não existia
Um Oráculo profetizou que um dos “filhos” de Cronos tomaria o seu lugar. Foi
quando ele passou a devorar as crianças damphir. Ele as prendeu em uma cela
Reia não ficou satisfeita com isso, amava seus filhos. Por isto, escondeu Zeus.
Diz a lenda que Reia o salvou mais uma vez, alimentando-o com o próprio
sangue. Ele se transformou, aliou-se com vampiros que não gostavam de Cronos
de ferro ao lado dos irmãos. Cultos e sacrifícios eram realizados em seu nome. A
história se espalhou e a cada vez que era contada, se misturava mais com as
perdeu. Veja bem, esta é a versão grega. Várias religiões têm sua própria versão
dos fatos, porém com algumas variações. Não sabemos ao certo onde aconteceu
de verdade ou em que ano foi, apenas que foi muito antes de Cristo e em algum
Não era à toa que na mitologia dizia-se que Zeus concedia a imortalidade para
sua beleza máscula gravada por artistas gregos em uma estátua de pedra. Errei
convivíamos em relativa paz com eles. Era o meio do século IV depois de Cristo,
cristianismo já existia, e o chefe do nosso clã decidiu que teríamos mais chances
de sobreviver se nos convertêssemos. As antigas religiões foram consideradas
— Meu Deus, como você é velho! — Ceci deu voz aos meus
Cristo.
Tive de rir, mas era um exagero. Ele nasceu séculos depois de Jesus. No
como Ares, o que chamavam de deus da guerra. Sozinho, ele dizimou diversos
filho mais novo não morresse. O vampiro riu com desprezo e disse que
concederia seu desejo, como o último pedido de um homem morto. Ordenou que
jovem tentou lutar e espernear, preferia tirar a própria vida do que dar aquela
Meu coração se partiu um pouco ao ouvir a dor em sua voz. Pensei que a
minha história fosse ruim, mas era apenas uma gota em um oceano de sangue e
dor.
Os clãs vampirescos fizeram um acordo, o mundo cristão não tinha espaço para
deuses, então decidimos que ficaríamos ocultos e não participaríamos mais das
damphir foram proibidos, não era certo uma só pessoa ter tanto poder. Mesmo
que nenhum outro mestiço tenha conseguido o nível de poder de Zeus, não
isolei no Norte da atual Alemanha. Hibernei por anos e anos, até que despertei
em um mundo diferente, mudado. Vivi lá por um longo tempo antes de decidir
liebling por tudo que ele sofreu e ainda permanecer são. Se eu estava estressada
com os últimos dias de descoberta, como seria conviver com aquilo durante uma
eternidade?
—Sabe, eu entendo a necessidade materna de Reia, mas por que eles não
Cronos que um dos filhos o tiraria do poder, por que não parou de fazer novos
mestiços?
— Porque ele se alimentava dos filhos para ficar mais forte. Cronos
forte do que seus contemporâneos. Esse foi mais um dos motivos da proibição
dos damphir. Além de serem instáveis, não apenas pelos poderes que eles teriam
ou o perigo que seriam para os vampiros: também poderiam ser um meio para
que um outro chefe vampírico tivesse poder acima dos outros. Houve um tempo
Suas palavras penetraram o meu ser. Ouvi no momento que Ceci prendeu
a respiração, entendendo o mesmo que eu. Era por isto que ele preferia me
manter em segredo? Antes que pudesse pensar mais, minha mão estava ao redor
— Era isso que você queria de mim o tempo todo? Um meio para ser
cedeu sob o peso dele. — Me usar para ficar mais forte sem que ninguém saiba
— Schatzi, eu...
Schatzi o caralho! Dei um murro em seu nariz, sangue escorreu pelo seu
brilho verde dos meus olhos iluminando suas faces assustadas. Um vampiro e
três humanos. Pareciam presas fáceis, no entanto, uma parte de mim lembrava
que eram amigos. Parei de socar o vampiro caído, não tinha graça nenhuma, ele
não tentou revidar nenhuma vez. Abri a porta e corri para fora da casa. Ganhei as
ruas com velocidade, procurando uma briga que fosse páreo para a sede de
cabelos de um vampiro que fedia a peixe e cigarros, como todo o resto daquele
lugar fétido, e o puxei até o beco entre dois galpões, arrastando o corpo pelo
se pode uma coisa dessa? — Puxei o homem por mais alguns metros. — Ai, isso
doeu! — Reclamei quando ele cravou as unhas em meu pulso, em uma fraca
um vão estreito, ali parecia escuro o suficiente para eu interrogá-lo sem que
ninguém visse. Precisava encontrar onde mantinham mulheres presas nas docas.
com mais força, minha intenção era mostrá-lo que eu era vampira completa,
porém terminei separando a cabeça do pescoço. O corpo dele virou cinza diante
Depois que fugi daquela mansão horrorosa, corri pela estrada de terra
direito para as docas. Pretendia encontrar alguma pista que me levasse ao lugar
amarelos e o subjuguei sem muita luta. Ele era tão patético, que não teve graça.
Ouvi risadas distantes e respirei fundo, sentindo o aroma carregado pelo vento.
mar estava agitado, e a quebra das ondas contra as pedras abafava qualquer
prevalecer sobre os punhos. Joguei-me nas ondas salgadas e gritei por socorro.
luar, apostaria que esperava encontrar uma jovem indefesa. Assim que me
agarrou pelo pescoço, a prata do colar queimou sua mão. Ele mal teve tempo de
Seu corpo se desfez em pó quando atravessei a caixa torácica com meu punho.
Com rapidez, me escondi entre as pedras e esperei que mais alguém caísse na
isca.
pelo tom de deboche, havia mais de um sentido no verbo “comer”. Gemi baixo,
como se sentisse alguma dor. Não demorou muito para que o segundo
garganta como fiz com o humano que atirou em mim dias antes. O corpo dele
desvaneceu nas ondas sem que soubesse o que o atingiu. Ok, sobraram dois
contra um, parecia uma luta justa. Voltei para as pedras e tomei um impulso,
quando fiz o primeiro ataque às docas. — Preciso de informações sobre uma cela
subterrânea. Soube que vocês gostam de manter seus lanchinhos noturnos presos
e maltratados.
— Você acha que eu sou de contar fofocas, garota? Acha que tenho medo
de lendas falsas?
— Vai lá, Alfonso! — A ruiva incentivou. — Mostra pra ela quem é que
manda.
temos um pugilista. Cortei meu lábio mais uma vez em minha presa, limpei o
sangue com o dorso da minha mão e sorri. O brilho do meu olhar iluminou a sua
— Minha vez.
baixo para cima. Sua cabeça pendeu para trás, e ele caiu atordoado. Montei em
cima e segurei sua camisa. Soco. Soco. Soco. A mulher se agarrou em minhas
costas, suas presas fincando no meu ombro. Bati a cabeça de Alfonso contra o
concreto, ela fez um barulho de crac, como um ovo sendo aberto em uma
arremessei longe, jogando-a contra a parede. Senti minha pele formigar com o
poder da cura.
aproximei devagar. — Vou perguntar mais uma vez, onde fica essa cela?
serpentes.
—, até entendo. Mas você? Uma mulher concordar com o que fazem com
Ah, ela tirou as palavras da minha boca. Avancei e mordi o seu pescoço.
Quanto mais ela se debatia, mais do seu sangue eu ingeria. Até que um zunido
passou rente à minha cabeça, e a mulher parou por completo, ficando com o
seu ombro. Que diabos era aquilo? Senti uma dor pungente em minhas costas,
seguida de outra e mais uma. Larguei a mulher, que caiu desacordada no chão.
só! Eu levantava o pé, e o chão subia, eu abaixava, e ele descia. Ou era eu que
respondeu:
Uma agulha penetrou o meu pescoço. Ué, eles estavam mais perto do que
Ouvi uma voz com sotaque estrangeiro acentuado ao meu redor. Senti
meu corpo, tão apertada que era impossível me movimentar. Eu não conseguia
nem respirar direito. Ah, não, espera! Não precisava mais respirar, a menos que
— Não, Cecília! Ela está bem, e não vai acordar tão cedo. — O traidor
queremos que Isadora corra nenhum perigo, e nem você. Não sabemos se estará
tocando minha face. Eu queria arrancar esse dedo fora! — Ela está segura,
— Você vai fingir que não acordou até quando? — O vampiro disse com
deboche.
ao meu lado. Suas pernas esticadas e apoiadas nas correntes que me mantinham
presas, correntes estas que cobriam a totalidade do meu corpo, mantendo apenas
a minha cabeça livre. E o que mais me irritava era o meio sorriso sarcástico. Eu
era cativa de Heinz de novo, mas, daquela vez, estava no calabouço ao invés de
sua cama.
— Não sabia que aço era o novo lençol de seda... — Usei o sarcasmo
para esconder a dor que senti ao perceber como fui tola. Como pude cair em sua
— Você tem amigos muito fiéis, Isadora. Foi difícil me livrar de todos
com agulhas.
Ele alisou minha garganta. Tentei me afastar do seu toque, mas eu não
— Desculpe-me pelo incômodo, não era minha intenção que doesse. Não
tranquilizantes. Se um não parasse seu lado vampiro, o outro poderia fazer efeito
uma pessoa deveria ver. Depois virei um vampiro, e tive mais poder do que
por meses, para depois me tornar um. Aquele que matou o próprio pai. Voltei
para o meu lar e me escondi. Entrei nos confins da terra e dormi por longos
ali não era mais o meu lar, e tampouco tive vontade de ver outra guerra. Parti
para conhecer um continente novo. Ganhar novos ares. Encontrei uma cidade
nova e tranquila, como a Germânia em que nasci. Fiz amigos, construí um clube.
Não vou mentir, tive mulheres, muitas mulheres... Mas você já se sentiu sozinho
Fiquei calada e esperei que ele chegasse a um ponto. Como não falei
dezenas de pessoas ao meu redor. Uma noite, no entanto, vi uma mulher de olhos
verdes astutos e uma coragem que beirava a imprudência. Seu sangue era
especial, e isso me deu medo. Achei que era algum castigo, me apaixonar por
uma igual ao que eu ajudei a exterminar, vê-la ser perseguida como um dia eu
persegui Zeus e os outros damphir. Tentei protegê-la, e ela me odiou por isto. —
Não preciso do seu sangue para ter mais poder. Os vampiros são como vinhos:
quanto mais velhos, melhores. E eu sou um dos mais antigos ainda vivos no
mundo. Não ache que preciso do seu poder, mas tenha certeza que necessito do
seu amor. Eu te quero ao meu lado porque você é minha schatzi, minha amada
liebling.
não partiria para uma batalha sangrenta entre dois ex-amantes sobrenaturais onde
— Eu abro meu coração, e você não diz nada? — Heinz perguntou com
Para ser bem sincera, eu ainda estava decidindo se deveria ou não abrir o
que ele falou sobre se sentir sozinho no meio de uma multidão. Eu tinha minha
família adotiva, meus amigos, meus namoradinhos, e, mesmo assim, ainda era
anseios. Por trinta anos vivi assim, e era uma existência solitária. A eternidade
— Porque, meu amor, você tem uma péssima mania de fugir antes que eu
contra o piso. Heinz abriu a porta da cela. — Venha, preciso te mostrar uma
coisa.
— O que é isso?
fomos te buscar. Pedi para que ela deixasse pronta, caso você quisesse partir.
Entendo que para eu ter o seu amor, primeiro preciso conquistar sua confiança.
noite nem sempre dava fruto, mas quando dava, ele trazia boa sorte para quem o
frutos este ano. Eu comi um quando você estava desacordada, precisava de toda
boa sorte que pudesse ter. O outro, eu guardei para te dar. Não separei outra
garrafa de sangue porque você não precisa mais dele para ser forte. Tempo é algo
que temos de sobra, schatzi. Eu espero você. Recuperamos sua moto, as chaves
estão na bolsa.
procurava minha tia, passei tanto tempo visualizando Heinz como o vilão que
havia tirado Luna de mim, que a minha mente sempre esperava o pior. Heinz
sempre provou seu bom caráter e que se importa comigo. Era injusto que eu não
tornaremos invencíveis. Eu vou para casa organizar minhas coisas, não posso
Beijei o seu rosto e me despedi dele. Não era um adeus, era um até logo.
Capítulo 35 — Diário de Luna (Parte III)
alienígena. Todos os meus objetos estavam ali, mas pareciam estranhos. A cor, o
cheiro, a textura, tudo era diferente. Não... Os objetos eram os mesmos. Eu que
havia mudado.
suas páginas amarelas. Depois que saí da casa de Heinz, não consegui dormir.
dividida entre o que o meu coração desejava e o que minha mente achava certo:
final de tarde. Com o fim do verão, o calor amenizara, e eu já não sentia tanto o
efeito dos raios solares em minha pele. Observei o céu, que parecia mais uma
pintura da natureza em branco, azul, laranja e rosa. Ficar ali e ser capaz de ver o
pôr do sol era o que me mantinha perto dos humanos, pensei enquanto suspirava.
Entretanto, eu era uma vampira acordada durante o dia. Mesmo entre os seres
minha vida. Não foi fácil para Luna me criar. Ela me mantinha trancada na casa
durante o dia, porém, quanto mais os anos passavam, mais ousada eu ficava. A
céu. Isadora pediu que a jogasse para o alto de novo. Ela queria alcançar as
luzes brilhantes. Com minha força de vampira, a arremessei longe, mais alto
que o telhado da casa. Ela caía sorrindo, o vestido branco flutuando ao seu
“Não chora, tia Luna”, ela pediu e secou uma lágrima furtiva que
está chorando porque é boba. Venha, vamos entrar. Precisamos comer para
céu estrelado uma última vez. Tudo o que desejo é um ano-novo com uma mesa
cheia de comida. Ceia farta. Meus amigos e familiares. Heitor, Mariana,
abandonado que não era meu, uma árvore de natal velha que encontrei no lixo e
honesto durante a noite, onde deixaria minha sobrinha? Ela já passa boa parte
balançavam sem alcançar o chão. Ela não se importava se não tinha sapatos ou
se a árvore cinza era retorcida e com apenas cinco bolas vermelhas já quase
desbotadas. Isadora não conhecia outra vida, sempre esteve na miséria. E esta
primeiro”.
Segurei o seu delicado braço. Sair todas as noites para caçar era
com frequência, e ela bebe de mim também. O sangue dela me mantém mais em
alerta do que os de humanos. Ela nunca chorou ou fez drama por causa disso,
dizia que fazia cócegas. Ainda assim, a cada vez que eu perfurava sua fina pele,
importar com uma vampira drenando seu sangue. Retraí minhas presas, e ela
“Eu prometo, Isadora. Este ano eu vou mudar nossa vida, e no próximo
réveillon, você terá uma mesa farta de comida”.
★ ☽ ☯ ☾ ★
continuava a encarar aquele diário repleto de memórias que não eram minhas,
mas que faziam parte de mim. Ali, eu tinha quatro anos, aquele foi o último fim
de ano juntas. Tia Luna cumpriu sua promessa: no ano seguinte, tive uma mesa
farta na casa dos meus pais adotivos, os Martins. Qual teria sido o ano-novo da
minha tia?
— Por que sua voz está diferente, o que aconteceu? É por causa daquele
Heinz? Olha, ele parece até ter boa intenção, mas como dizia minha mãe: de boa
Tive que rir. Era bom me sentir à vontade de novo com o Tom. Achei que
— Não é ele... É tudo. — Não quis contar sobre o diário de Luna. Saber
o seu sussurro:
Fonseca com a Rua José Luís. Alguns trabalhadores do porto ouviram gritos,
precisava me armar.
louca. E você...
procurando a caixa grande de presente que Cecília havia me dado. Ela mandara
uma mensagem mais cedo avisando que havia comprado um presente para mim
aquele embrulho.
consigo ouvir que algo grave aconteceu a você. — Havia um tom de reprimenda
em sua voz.
Pela primeira vez eu o chamei de pai e pareceu natural. Como se fosse a coisa
certa a se fazer.
Sorri involuntariamente para o celular. Era legal ter um pai envolvido nas
atividades que eu gostava de fazer. O Fernando, o meu adotivo, sempre foi mais
lembrou que havia mais alguém muito interessado em transformar o meu bem-
estar em algo muito melhor do que apenas “bem”. Ignorei esse lado e fui para o
que me interessava: a caixa retangular branca mais comprida do que o meu
braço.
preto, seguido por calças e botas de couro. De qual sex shop ela tirou tanto
vermelho bordô para vestir por baixo do corpete. Suas mangas compridas
ajudariam a proteger meus braços e esconder os sai. Levava dois ocultos nos
curta, também vermelha, e a vesti por cima da calça. Seu tecido fluido não
quando me derrubou nas docas com Isaac, trouxeram também a vampira ruiva
com quem eu estava lutando. Ela, no entanto, ainda não tinha despertado desde
que recebeu o dardo com sangue de morto, que Heinz comprava de forma ilegal
no necrotério da cidade. Este sangue era ótimo para derrubar vampiros: uma
seringa era capaz de fazer um deles dormir por vinte e quatro horas. No meu
férias” — ou melhor, o álibi que Heinz conseguiu para ele por ter ficado
ao meu lado. Cecília não ficou feliz por não ter um papel na luta, então ela
decidiu ser a estilista. Aquele era o motivo de eu estar indo em direção às docas
vestida como uma heroína de filme de ação. Era meio brega, mas fazia com que
aquilo!
vestia a mesma roupa do ninja que usou quando me ajudou durante o resgate de
— Faz tempo que eu luto fora da Academia, sensei. Cuidado para não
— Cuidado você, novata. Sempre segurei minha força para que você não
percebesse nada.
mexicano, acompanhado de mais seis vampiros, gritou. — Não sabem que esta
das maiores facções que se escondiam nas docas. Precisávamos criar o caos e
desestabilizar as facções. Uma guerra interna entre eles ajudaria nossa causa.
— Nasci pronta.
Capítulo 36 — La Muerte
utilizando minha força máxima, mataria muito rápido e acabaria com toda a
diversão.
Faltava apenas um vampiro, o que falou primeiro com a gente. Ele nos
— Alfonso disse que La Muerte era real, mas ele não falou nada sobre
um ajudante ninja.
fugido antes que Heinz chegasse, e nem tentou ajudar a amiga. Covarde e
fofoqueiro. Odiava pessoas assim...
— Não se preocupe, você também não terá tempo para falar. — Avancei,
mas um dardo passou voando por cima da minha cabeça e o acertou no meio da
— Vocês viram que tiro certeiro? Headshot, bitch! Sabia que todos os
Comecei a rir, não era a única louca que estava se divertindo. — Tem mais
vampiros indo na direção de vocês, vindos do leste, acho que eles ouviram a
briga.
Não era um pedido, era uma ordem. Isaac obedeceu e carregou o vampiro
mexicano para longe enquanto eu me escondia nas sombras do topo de um
dar boa sorte. Saquei a minha Glock G25 escondida embaixo da minha saia. Três
alvos, três tiros certeiros entre os olhos deles. As balas não eram de prata, mas
dariam um trabalho dos infernos para curar. Pulei entre os vampiros restantes,
— Sentiu minha falta? — Apontei a arma para ele. — Soube que virou
meu fã.
sua coxa.
Glock e peguei os sai. Arremessei um na mulher que correu para cima de mim
primeiro. Ela gritou e se debateu, tentando retirar a prata cravada em seu peito. A
Alfonso se levantou, já recuperado dos tiros. Três contra uma, e eu ainda estava
— Ouvi dizer que vocês escondem garotas em uma cela escura. Quem
irmã complementou:
para casa.
Adorável. Estão juntas há tanto tempo, que até terminam as frases uma
assassinos das docas. Segurei o outro sai pela ponta e o arremessei com força
Minha vontade era dizer “não sou sua querida”, porém não tive tempo.
chute em meu rosto foi tão certeiro e inesperado, que eu caí de costas no chão.
Elas tentaram me atingir novamente, mas eu rolei e puxei a perna de uma, que
caiu em cima de mim. Não me preocupei com a força do seu impacto, segurei
elevando-a do chão.
arma.
— Sua vadia! Como pode? Você matou minha irmã! — Ela berrava e
Responda! Quantos?
Ela gritou:
Sorte minha que estou do teu lado. Ainda bem que não precisávamos de outro
vampiro para interrogar, não é? — Ele matou com o sai os três vampiros que se
— Não é todo dia que a gente vê uma deusa em ação. Vamos, levarei o
deveria estar no Reich até meia-noite para ser apresentada como vampira.
acompanhou Heinz no festival de Ano Novo para depois ser quase morta por
assaltantes. Eles sabiam que eu passei dez dias em coma antes de despertar como
Voltei correndo para casa, tirei o colar e tomei um banho, não seria nada
pescoço. Naquela noite, eu mudaria meu status e iria toda de preto, com um
vestido curto de renda que parava no meio das minhas coxas, mangas três
quartos e gola canoa de corte baixo que deixava meu pescoço e colo à mostra.
Sapatos scarpin rubis de salto alto e uma maquiagem leve nos olhos com um
Passei a mão nos meus cabelos soltos, nervosa com essa apresentação.
Eu me sentia mais confortável matando do que festejando com vampiros. Se
bem que a última festa deles foi bem interessante... Mas Heinz me avisara que
Fui de carro até o Reich, não arriscaria destruir meu sapato vermelho
favorito correndo pelas ruas. Petrus, o vampiro de longos cabelos loiros, olhos
— Ele disse com voz solene. — Promete proteger com a própria vida os
felicidade com minha presença ali. A música recomeçou, e ele me levou até a
pista de dança. Um toque sensual de violão saiu dos alto falantes, seguido pela
Na luz do luar,
Joguei minha cabeça para trás e ri. Heinz envolveu minha cintura com
seu braço e puxou para perto. Encarei a profundeza marrom de seus olhos, seu
seu pescoço, e ele passou o nariz na minha garganta, sentindo meu perfume.
— Você acha que ela se inspirou em quem para fazer essa música?
Parei de dançar. Era sério aquilo? Ele teve um caso com a Rita Lee? Eu
não dançaria sob a música da ex dele. Ora, sabia que um vampiro da idade de
porém, riu tanto, que alguns pararam de dançar para ver o que estava
acontecendo.
Ele me puxou para perto de novo e cochichou em meu ouvido. — Mas adorei
entregando ao prazer da carne, mas nenhum deles eram casais verdadeiros. Não
os que estavam com mais de um. Vampiros são possessivos e territorialistas, nós
não dividimos aqueles que realmente amamos. — Ele piscou um olho para mim.
Franzi a testa.
conceito interessante?
contra os meus, sua língua invadindo a minha boca. Heinz interrompeu o nosso
pequeno interlúdio e disse em alto e bom som, para que todos pudessem ouvir:
— Não, estou afirmando que não quero te dividir com ninguém porque
eu amo você.
Capítulo 37 — ich liebe dich
atenção nas luzes que piscavam intermitentes na boate. Toda a minha atenção
Sua mão, que estava em minha cintura, me segurou com mais força.
e encantou desde o momento em que o vi. Não podia mais negar o que o meu
coração guardava. Ah, foda-se, pensei e o beijei. Minha boca colidiu com a sua
com voracidade. Joguei meus braços ao redor do seu pescoço e o puxei para
mais perto. Senti seu corpo contra o meu, o calor dos braços, as batidas do
poderia confiar nele, parte esta que entrava em conflito com meu lado
desconfiado. Todos são culpados até que se prove o contrário. Era nisso que
costumava acreditar.
correndo, eu sabia. Por mais curiosa que eu estivesse para saber para onde ele
Superfície metálica fria que, pela aspereza, tinha a tinta levemente desgastada.
Estávamos próximo ao mar, mas não tão perto quanto as docas. Uma brisa me
atingiu do outro lado, carregada com uma mistura de aromas: pipoca, açúcar
pulo quando ouvi um movimento por perto. Segurei-me nas bordas do banco
metálico.
encarei a profundeza de seus olhos marrons, depois, por trás dele, vi o brilho de
parque de diversões.
diversões? — Sorri.
— Eu adorei, obrigada.
Nós dois nos beijamos sob a luz do luar enquanto a roda girava.
Desabotoei sua camisa, beijando seu peito a cada botão que soltava. Mordisquei
o ombro e barriga. Ele retirou meu vestido por cima da minha cabeça. Minha
pele se arrepiou mais com o toque de suas mãos do que com o vento frio. Não
demorou muito para que estivesse nua e sob o domínio de suas ágeis mãos. A
importaria nem se fosse dia. Não quando sua língua provocava o meu mamilo ou
Joguei minha cabeça para trás e gritei em êxtase, a mão de Heinz cada
vez ia com mais pressa e mais força. Quanto mais o prazer se construía, mais a
sangue fluindo para mim. Heinz gritou de prazer, e atingi o clímax. Meu corpo
convulsionou de prazer.
balançávamos com suas investidas. Prendendo meu cabelo, ele puxou minha
cabeça para trás e mordeu o pescoço. Urrei de novo e de novo. A adrenalina da
meus sentidos aguçados — ampliando o meu prazer. Apertei a grade com força
Fazer sexo com um vampiro era sempre uma experiência única, mas transar
sendo um vampiro não tinha comparações. Tudo era mais sensível, intenso e
vivo.
soubesse de algum segredo cósmico, e eles não. Ouvi uma vez o psicólogo da
escola dizer para a minha professora que eu era inteligente demais para o meu
próprio bem. Mamãe afirmava que eu era especial. Sempre que eu tinha
meus. Cansada de ser alvo de piada, construí um “muro” ao meu redor. — Fiz
significante. Mantive meu coração isolado até sua chegada. Você me mostrou um
novo mundo, Heinz. Descobri quem sou e o que sou capaz de fazer. Posso ajudar
pessoas e fazer a diferença. Você... — Respirei fundo antes de continuar a falar.
Heinz voltou a me beijar, daquela vez com uma doçura incrível. Seu
— Ich liebe dich, schatzi. — Ele encostou sua testa na minha. — Você
não precisa de um muro, Izzy. Eu não sou a única pessoa que te ama e que
arriscaria a vida por você. Cecília, Takao, Tom, Isaac, Luna... Todos eles te
— Ah, é? E o que acontece depois? Eles têm uma penca de filhos e vão
morar numa casa com jardim? — Desdenhei. Não queria que ele descobrisse
— Claro que não! Eles estavam na melhor noite de suas vidas, até
transaram no chão do trem fantasma. É claro que isso terminou sendo um ritual
filme.
— Espera, você tirou sua ideia romântica de um filme de terror? — Ri
Larguei a barra e aproveitei sua boca. Passei a mão em seu peito nu, e o
seu rosto se iluminou com o brilho verde dos meus olhos. Minhas presas se
alongaram. Apesar de todas as guloseimas vendidas no parque ou disponíveis na
cesta de chocolates aos meus pés, Heinz ainda era a melhor comida do local.
Adormeci nos braços de Heinz. Quando acordei, ele estava em seu sono
profundo. Alisei os cabelos do alemão, era tão estranho vê-lo imóvel. Repousei
minha mão sobre seu peito. Nada. Nenhum batimento. Durante a noite, ele era
um homem forte e caloroso, com o coração batendo como o meu, mas quando o
sol nascia... Vulnerável. Estático. Quase morto. Eu era a única que não ficava
“Isa... Isa... Vamos! Corra!” tia Luna disse, e eu corri. Eu era uma boa
nada, minha cabeça tinha um dodói, e tudo ficou escuro. Abri os olhos. Estava
com fome e com medo. Ali era escuro, frio, e eu queria minha caminha. Balancei
a barra que me prendia. Não era bicho para ficar em uma jaula!
Tia Luna dormia seu soninho do dia no chão ao meu lado. Ela dizia que
não podia andar no sol como eu. Bebi dela para encher minha barriguinha,
lugares escuros. Era molhado e tinha ratos correndo, mas eu continuei. Queria
sair dali. Podia ouvir o barulho do mar. Segui o som. Queria ir para casa.
Parecia que estava em um cano gigante com outra grade. Coloquei minha mão
no ferro e empurrei de novo. Bem forte! A grade caiu longe e fez barulho
quando atingiu a água. Pulei de alegria e deitei junto de tia Luna. Assim que o
sol for dormir, ela vai acordar, e a gente poderá sair daqui...
nada. Merda! Fazia tempo que não sonhava com minha infância, e nunca tinha
feições. Sua pele alva brilhava sob a luz da lua, e os lábios eram vermelhos
como rubis. Eu só não sabia se era do batom ou por estarem sujos de sangue.
praia, quando ela tropeçou em um tronco e caiu, o que era muito raro. Isa não
caía. Mais raro ainda era ouvir um grito seu, principalmente de medo. Corri e vi
que não era um tronco de árvore que ela havia tropeçado, mas sim em uma
pessoa. Coloquei-a no colo e escondi seu rosto em meu ombro, em uma tentativa
de acalmá-la.
em perigo. De novo. Gritei que não tinha filiação alguma com o Reich.
Não gostei do rumo daquela conversa. Havia algo sinistro em seu porte
em seus olhos não era suavizado pela delicadeza do rosto. Isadora tremia junto
— Não quero confusão, vamos só fingir que nunca estive aqui e nunca vi
nada.
aproximou.
Não adiantou, ela não conseguiu ser veloz, a mulher a pegou pela roupa
para que a pequena desmaiasse. Chutaram minhas costas, caí de cara na areia.
sua líder.
trouxe um lanche” ela disse e apontou para Isadora desacordada na areia “eu
inocência pura deixa o sabor mais doce no sangue. Pena que teremos que
mantê-la viva por meses... O corpo é tão pequeno, que precisaremos drená-la
aos poucos todos os dias até ter o suficiente para saciar todo mundo.”
Chutei, lutei, matei um, mas não consegui nos salvar. Fui dominada e levada por
uma passagem intricada de esgotos que passavam por debaixo das docas e
chegavam até o mar. Colocaram-me em uma cela ao lado de Isa. Era escuro,
subterrâneo, e o odor persistente de lixo podia ser sentido. Não era um cheiro
passassem por ali de alguma forma. Talvez fosse o antigo sistema de vazão da
água do porto para o mar. A iluminação era parca e tinha um cheiro pungente
de umidade.
estava entalhado naquele curioso objeto. Não era português, inglês, italiano,
Tentei escapar, mas a prata na grade queimou minha mão. Entendi por
que a mulher de cabelos cacheados usava luvas. Tudo ali era recoberto por
prata. Trouxeram uma maca e tiraram uma garota pálida e magra de uma das
garota e a morderam até o ponto em que ouvi seu coração quase parar de bater.
Depois a jogaram de volta na cela, como um trapo velho. Meu Deus! Olhei para
vampiros, que mais pareciam seus servos, sentaram aos seus pés.
bando de ninguéns. Temos o poder herdado dos deuses, e agimos como a escória
sobras. Isso porque ele pensa que os humanos merecem alguma consideração!
Mas está enganado, e eu vou provar.” A mulher apontou para estranho círculo
atrás dela. “No dia que a arma for minha, eu irei dominar.”
Nada daquilo fazia sentido! Eu não sabia quem era “ele” ou o que
“Eu não sei quem você é ou do que está falando. Por favor, deixem-me ir.
Esta criança é a última pessoa da família que me resta. Por favor.” Implorei,
mas percebi que foi um erro. Seu rosto ficou duro como pedra quando disse que
“Se esta menina é a última família humana que lhe resta, você vai ficar
trancada aí com ela até que a sede de sangue a domine e você a estraçalhe
como a um inseto” ela disse, se levantou do trono e andou até perto de mim “É
isso o que todos os humanos são, não passam de insetos. Você acha que não vi a
piedade em seu olhar enquanto a gente bebia? Eu vou destruir sua humanidade
“Quem é você?”
Ela tinha se afastado, mas voltou com ódio no olhar quando ouviu minha
pergunta.
viva dos contos de terror. Não sinto amor ou compaixão. Sou aquela que devem
temer. Sou o início do fim. A escuridão personificada. Você está à minha mercê,
e ninguém jamais poderá te salvar. Torne-se escuridão como eu, ou pereça na
escuro. Peguei Isadora no colo e a abracei. Alisei seus cabelos e a ninei como a
nascer do sol se aproximava, não tinha como escapar agora. Eles ainda não
perceberam que Isadora era uma criança diferente. Precisava continuar daquele
jeito.
fome, e ali fedia, e eu tive medo daquelas pessoas de ontem. Aí eu tirei a gente
de lá...”
Franzi minha testa e perguntei como ela havia nos tirado de lá.
“Ué, abri a grade e puxei você pra fora. Fiquei no cano bem grandão,
tomei banho de mar, catei conchinhas” disse e mostrou as que tinha em mãos
nos interceptou e ordenou que eu largasse a criança. Gritei que jamais largaria,
e ele respondeu:
direção, retirando Isadora dos meus braços contra a minha vontade. “Pegar
Isadora o olhou com raiva, gritou que ele a soltasse e mordeu seu braço
com tanta voracidade, que seu vestidinho ficou todo sujo de sangue. Ele a
largou e a encarou com pavor. Como se ela fosse algum tipo de assombração.
Quando ele tentou agarrar Isadora de novo, tirei o meu canivete favorito da
minha bota e corri em sua direção. Abri ainda mais o seu braço com minha
lâmina, mas ele estava tão concentrado na menina, que mal percebeu.
Um arrepio percorreu minha coluna. Não sabia quem era aquele homem,
mas ele pareceu bem assustado com Isadora. Lembrei daquela mulher de luvas e
vestido rubro. Se ela queria me usar, uma vampira comum, para sua causa
nefasta, o que ela faria se soubesse o que a Isa é capaz de fazer? Senti medo por
Por mais que doesse eu me separar dela, era óbvio que minha sobrinha
jamais teria uma infância normal ao meu lado. Mas quem poderia cuidar dela?
Pensei em Alice, ela me devia um favor grande. Foi por causa dela que entrei
Talvez eu pudesse procurar o tal de Heinz. Por mais que eu odiasse o Reich, a
mulher nas docas pareceu odiá-lo ainda mais. Precisava, no entanto, descobrir
o que aquele objeto circular atrás do trono significava. Tinha certeza que era
algo importante.
Luna. Não poderia ser só aquilo! Virei as páginas, procurando algo a mais,
porém o resto se encontrava em branco. Espera! Uma folha fora arrancada, mas
escreveram com tanta força, que deixaram a página seguinte marcada. Peguei
palavras surgissem:
13 de junho de 1990
Deixarei o mapa com Isadora, ambos estarão seguros na casa de Alice. Não sei
quanto tempo levará para derrotar os vampiros das docas, por isto este diário
deverá ficar com ela. Assim, Isadora saberá sua origem e os perigos que corre.
Nada mais era legível! Andei de um lado para o outro, sentindo o medo
se apoderando do meu coração. Tia Luna não parecia ser o tipo de pessoa que me
abandonaria por vinte e cinco anos sem ter um bom motivo. Ou talvez o motivo
chamada Scar cujo esconderijo secreto ficava no antigo sistema de esgotos que
escoavam no mar. Essa era a melhor pista que eu tinha até aquele momento.
Minha tia roubou um artefato, o que era isso? Talvez o círculo prateado
atrás do trono? E ela não conseguiu matar uma tal de Shuerma? Não fazia ideia
de quem poderia ser essa. E de que mapa minha tia falou? Eu não tinha mapa
algum. Havia, no entanto, duas pessoas que reconheci do relato de minha tia e
Parei a moto nos jardins da casa de meus pais adotivos. Alice estava ao
botas, larguei no chão e me espreguicei sob o sol de fim de tarde. Pelo menos
— Ora, lembrou que tem mãe? — Ela fechou o livro e falou em tom de
reprimenda. — Se eu não ligasse para o Heinz, nem saberia que você virou...
Você sabe o quê! Aliás, o que está fazendo no sol? Não deveria estar fazendo
que ela pudesse ter ligado para o Heinz! Não passou pela minha cabeça que
descobrir. Já era difícil aceitar a idade de Heinz, mas imaginar ele com minha
— Você está?
um caso com Petrus. Não comente isso com seu pai, por favor. Fernando
perdoou minha traição, mas ela sempre será uma mancha em nosso casamento.
Ao mesmo tempo em que respirei aliviada, fiquei triste pelo meu pai
adotivo, me criar deve ter sido difícil para ele. Eu provavelmente era uma
— Onde está o mapa, mãe? O que Tia Luna deixou além do diário e da
carta?
Mamãe colocou o livro na mesa de apoio entre nós duas e se sentou mais
— Nada, filha. Apenas uns vestidinhos velhos que não existem mais.
com a própria vida por seu erro e ainda ficou com o fardo de criar uma garota
mestiça que não era sua filha. Minha infância não foi fácil, mas teria sido muito
— Obrigada por tudo. Por ter me criado, pelo carinho e pelo amor.
Depois de ter lido o diário da tia Luna, entendi por que a senhora quis me
proteger da verdade.
Uma menininha guerreira que lutou tanto e se tornou essa mulher incrível. —
sobre seu pai biológico. Quando vi Tom na sua festa de aniversário do ano
— Você sabia que o sargento era meu pai? Por que nunca me disse? —
— Claro que sabia! Foi fácil descobrir quem eram seus familiares depois
que Luna te deixou aqui. Você mesma disse que entendia por que não te
entreguei o diário de sua tia antes, é o mesmo motivo. Não havia como contar
meias verdades, ou você sabia de tudo, ou ficava para sempre no escuro. Seu pai,
Fernando, ficou muito preocupado. Achou que seria substituído. Quando Luna
veio a primeira vez conversar comigo, ele não gostou. Detestou, na verdade.
Então ela levou a gente até o casebre onde vocês viviam. Você estava no chão
frio, brincando com uma boneca velha. Ali não era um lugar adequado para uma
criança, mas você não parecia se importar. Fernando é um cara fechado, porém
ele sempre desejou ter um filho também. E você o conquistou na hora que sentou
no colo dele para mostrar a bonequinha que tinha em mãos.
substituiria um pai pelo outro. O que mudava era que eu passei a ter dois pais,
matado Heinz.
demais, corre o risco de se transformar também. Ser vampiro não significa que
antes de continuar:
— Sei de uma vampira corajosa que irritou as pessoas erradas. Seu ponto
fraco era uma linda garotinha de quase cinco anos de idade. Não que a menina
fosse fraca, pelo contrário. Ela era tão forte, que poderia se tornar um alvo. A
constatando um fato.
— Sofri também, porém você seria perseguida por vampiros e humanos.
— Ela segurou meu rosto entre as mãos e beijou minha testa. — O que eu mais
tenho certeza, no entanto, é que mesmo que você não tenha saído do meu ventre,
sempre será minha filha, e eu te amo. Tudo que eu fiz foi na intenção de te
proteger.
Assenti e a abracei com força. Ela era a mãe que eu conhecia, aquela que
ombro.
— Sei que você vai procurar sua tia. Tenha cuidado, por favor. E não tem
minhas botas. — Calce seu sapato, e vamos comer alguma coisa. Você está
muito pálida!
Rindo, fiz o que minha mãe pediu. Ela se abaixou e alcançou algo
— Ah, olha o que caiu no chão, guarde isso direito. Você sabe que eu
mesmo do colar que Heinz mandara fazer para mim. Prendi o canivete no clipe
oculto da minha bota, de onde nunca saía quando eu usava aquele calçado, e
mandei uma mensagem para Takao, pedindo que ele providenciasse um mapa da
cidade.
Fui para a cozinha, a comida da minha mãe não era algo a ser recusado, e
que Heinz me deu e provei um gole do sangue. Hum... Bolo com café especial
seria muito bom.
— Mãe, faz um expresso pra mim! — Pressentia que a noite seria bem
longa — Faz um duplo, mas não enche a xícara toda, tem um ingrediente que
preciso acrescentar...
Capítulo 40 — Interrogatório
mas os arquivos da prefeitura não foram muito específicos sobre isso. — Ele
qualquer um.
achei que com as pistas no diário de Luna, eu encontraria o túnel certo com
facilidade.
reforços despertarem.
terminaria desaparecida como ela. Subi até o quarto do liebling e beijei seus
lábios frios. Enquanto esperava que ele acordasse, tomei um banho e vesti a
com correntes de prata. Havia muito mais delas do que as que foram usadas em
Isaac. Além da coleira, pulsos, pernas e tronco também estavam presos. Era tanta
prata, que deveria ser uma angústia imensa. Ótimo. Puxei uma cadeira de ferro e
sentei junto a ele, polindo o meu sai com um pano de forma ameaçadora. Se é
suficiente. Eu entendia por que Zeus se intitulou um deus: o poder era inebriante.
seu tronco tentou se elevar, mas foi impedido pelas grossas correntes. Seus
criança encontraram um corpo na praia, perto das docas. Vampiros liderados por
Se não era — afundei mais a lâmina, e ele mostrou suas presas em uma careta de
— Eu não quebrei acordo nenhum. Veja bem, estou tão à mercê desta
mulher quanto você. Sou um mero prisioneiro de seus encantos. Ela manda, e eu
saber disso.
existir trinta anos atrás. Além do mais, ela não tinha um coração a ser partido.
O homem sorriu com malícia. Alguma coisa parecia fora de tom naquela
conversa. A senhora do mexicano só poderia ser a tal Scar, mas eu a vi com vida
algum, obviamente. Era apenas ódio puro de quem quer estraçalhar o pescoço de
uma vampira de cabelos cacheados que ousou tocar na minha tia e no Heinz e...
Ok, respirei fundo. Foco! Eu precisava de foco. Bebi todo o sangue e larguei a
taça na cadeira.
do seu olho.
— Ou você fala tudo que sabe agora, ou isso vai ser muito doloroso...
aconteceria trinta anos atrás. Nós planejamos um ataque surpresa ao Reich para
roubarmos o artefato. Ela sabia que teria que fugir para mantê-lo seguro, por isso
paz.
— Por acaso esta Shuerma tem mania de grandeza, rosto delicado, olhos
prata?
meus próprios olhos. Dizem que a justiça é cega. — Deixei o sai quase encostar
que Heinz viu se desfazer em cinzas foi uma das trigêmeas. Ontem você
anos, ela tenta desvendar o segredo do artefato. Quando a arma for dela, nem
mesmo Heinz poderá impedi-la de assumir o seu papel de direito como deusa. E
— Você pode me matar, eu não trairei minha senhora mais do que já fiz.
A raiva em Heinz era tamanha, que eu achei que ele poderia de fato
matar nossa única testemunha. Segurei seu pulso no mesmo momento em que
desta casa a saber a localização do túnel onde ela foi vista pela última vez. Mas
Assenti, puxei Heinz para fora do calabouço e o levei até o quarto. Sentei
precisaria me preocupar.
Será que aquela mulher era tão poderosa assim? Quão pior nossa situação
poderia ficar?
— O que essa Shuerma fez de tão mau?
explodido junto com o barco. — Heinz segurou minha mão. — O Orakel tem o
Ah, merda!
Capítulo 41 — Orakel
que é isso?
muito longo para se estar vivo, principalmente quando todas as pessoas que
conhece terminam morrendo. Quanto mais velho, mais poderoso e mais cansado
da vida. Com o passar dos anos, a maioria procura a doce libertação da morte...
Isadora?
comer e nem se mover. Podemos ficar parados por séculos, praticamente nos
abadia na Germânia e fiquei lá por mais de mil anos. Até que uma mulher verteu
sangue em minha boca e me despertou. Ela era uma vampira libanesa que passou
séculos estudando a nossa origem. Shuerma acreditava que o mundo era melhor
Peste Negra. Guerras por política, por poder e até por religião. Ela tinha um bom
argumento, e eu aceitei.
único descendente direto que restou. Lembra o oráculo? O mesmo que avisou a
concordando, e ele continuou. — Ela encontrou a última profecia, uma que ficou
oculta pelo tempo, gravada em um artefato de prata feita pelas mãos de Hefesto.
Hefesto? Lembrava desse nome... Era o deus responsável pela fabricação
das armas divinas. Filho de Zeus e marido de Afrodite, a deusa do amor. Nossa!
Pensar que todos esses grandes nomes existiram de verdade me deixava tonta.
oculto na parede.
— Não era sobre mim, exatamente, mas sim sobre uma arma divina que
Brasil, era aqui onde a suposta arma seria encontrada. Muito antes das grandes
muitas décadas.
Ele tirou uma pequena caixa do cofre e voltou a sentar perto de mim.
lábios. — Não fique com ciúmes, você é a única schatzi. Minha escolhida,
minha liebling. Shuerma tinha uma mania de grandeza. Ela não era apenas
fascinada pelos deuses, queria ser um. Nos separamos quando percebi que as
isolou nas docas junto com os vampiros que compartilhavam de sua filosofia.
de fato, se parecia com um círculo de prata repleta por símbolos que eu não
conhecia.
Em um novo monte.
De um novo mundo.
Li três vezes seguidas para que penetrassem em minha mente. Heinz virou a foto
localização de uma cidade brasileira chamada Monte Carlo, viemos para cá.
Minha nossa! Eles pensavam que Monte Carlo seria o novo Monte
que ela foi criada, o Brasil seria mesmo um novo mundo. As outras duas
Quanto mais em silêncio ele ficava, mais eu repassava em minha mente cada
linhagem, como uma família. Shuerma sabia disso, por isso que estava tão
determinada a me achar. Por ter sido transformado por Ares, eu não sou apenas o
último descendente dos deuses, sou o filho do deus da guerra. Assim como todos
lembrar de como minha tia e meu pai descreveram minha mãe. Nascida do
sangue e da dor da mais bela. Merda! — O que acham que essa tal filha da
guerra fará?
maioria dos que estão nas docas não são considerados “filhos da guerra”, ao
encarar. — Acreditávamos que o Orakel era a porta e que a filha da guerra seria
os meus.
— Durante décadas achei que sim, até que em uma noite eu vi uma
vampira correndo com uma garota no colo. Ela fedia a peixe como os beberrões
quando descobri que a menina não precisava ser salva. A pequena atrevida
viva. Na noite seguinte, eu a segui. A menina tinha bebido sangue suficiente para
que eu pudesse rastreá-la. Já não acreditava mais que a profecia deveria ser
velha de um casebre. Puxei minha adaga para matá-la, mas não consegui. Não
poderia tirar a vida de uma criança. Fui embora, porém não parava de pensar
nelas. Voltei para ajudar, mas não encontrei ninguém. As duas sumiram, e o meu
sangue já tinha saído do sistema da menina, ela não era mais rastreável.
Até ele me encher de seu sangue desde a noite que entrei pela primeira
vez no Reich. Porra! Tentei lembrar como tia Luna fora transformada. Minha
O poder era inebriante, mas em excesso poderia ser aterrador. Se Scar era
tão ruim quanto tia Luna descrevera, ela não pretendia restaurar a antiga glória
da arte e cultura. Seu objetivo era muito mais nefasto. E eu não queria ser a
abraçando por trás, e eu apoiei minha cabeça em seu peito. Seu abraço foi
cabelos curtos com um elástico e encarei Isaac, que andava taciturno ao meu
lado. Ele estava calado desde que saíra do calabouço. Eu não sabia o que fizera
Heitor?
— Não, Heitor morreu trinta anos atrás. — Ele respondeu sem olhar para
minha “equipe tática”. Ficou decidido que Tom emitiria um alerta para retirar os
Eles apostavam que uma abordagem sutil à noite seria melhor do que
uma invasão direta durante o dia. Não sabíamos onde exatamente todos se
escondiam e que armadilha poderiam ter feito. Talvez até tivessem aliados
apurada, o volume era tão baixo que seria inaudível para uma pessoa normal
— Ei, você sabia que Afrodite, a deusa casada com Hefesto, tinha um
caso com Ares? — Uma voz feminina soou pelo ponto em minha orelha. Eu não
— Cecília, por que você não está em casa? — Ralhei. Já era perigoso
envolver Takao, mesmo que ele tivesse conhecimento tático e fosse um detetive
experiente.
namorado.
modo revoltada: — Não vou ficar em casa e perder toda a diversão. Não é todo
dia que sua prima vira uma vampira fodona e descobre que seu nascimento foi
profetizado mais de mil anos antes. Você é louca se acha que eu ficaria de fora
dessa. Saiba que estou aqui com meu livro sobre mitologia, tentando te ajudar.
Por exemplo, Hefesto não gostava de Ares. Não acha estranho que logo ele tenha
feito o Orakel que fala sobre uma filha da guerra? Pode ser uma armadilha! Se
bem que se foi uma ordem direta de Zeus, ele não seria louco de ir contra...
Sabia também que Pandora, a primeira mulher humana, foi criada por Hefesto?
Diz a lenda que ela abriu uma caixa e de lá saíram todos os males do mundo,
livros sobre mitologia. Continue a procurar pistas sobre a profecia e não distraia
olhos, expandindo mais a minha audição. Nada. Eu não ouvia nada além do
vento e do barulho das ondas se quebrando no mar. Andamos mais uns cem
desembocava perto do mar. Estava levemente úmido, não parecia ser usado
com a visão que nós tínhamos. Isaac foi na frente, seguindo a trajetória que o
mexicano falou sob tortura. Era uma intricada rede de esgotos. Contei os passos
mentalmente, como fiz na casa de Heinz, assim conseguiria voltar pelo caminho
certo. Direita, esquerda, direita de novo, seguindo em frente. O silêncio naquele
trancaram aqui tantos anos atrás, talvez fosse a sensação de não estarmos
sozinhos.
Bati na parede e ouvi o eco do outro lado. Ela era oca, não tinha nada
maciço por trás. Talvez aquele fosse o caminho, mas fora fechado depois da
grades antigas e uma cadeira vermelha puída. Parecia uma versão decadente do
local relatado no diário de Luna. — Não tem ninguém aqui há muito tempo. —
Passei o dedo na cadeira, e ele voltou coberto de poeira. — Concorda?
que fez meu coração perder uma batida foi a voz austera que respondeu no lugar
de Isaac:
ombro só. Seus cabelos cacheados estavam presos por uma tiara dourada, e o
braço, adornado por um bracelete de ouro. As mãos cobertas por longas luvas de
veludo e seus traços libaneses conferiam a ela uma beleza exótica. A diaba era
mãos estivessem coçando para alcançar o sai e matar todo mundo, eu não
— Eu vim em paz.
Você me lembra alguém, e seus olhos... — Ela se abaixou e pegou Isaac pelo
pescoço. Seu rosto se iluminou quando olhou novamente para mim e pareceu
lembrar de onde tinha me visto antes. — Ora, que interessante! Quer dizer que a
Estava claro que aquilo não era um pedido e, mesmo que fosse, eu
pretendia seguir de qualquer jeito. Estava mais do que interessada em reunir
LUNA
eternidade. No meu caso, aquilo provavelmente seria verdade. Era justo. Matei
minha irmã, meu marido, incendiei minha casa, abandonei minha filha e
condenei minha sobrinha à mesma maldição que corria em minhas veias. Era
viver na pobreza e isolada não fosse ruim o suficiente, para que ela não passasse
resultou em minha captura. Não sei quantos anos se passaram, não sei se ela
estava viva ou se a falta de sangue em sua alimentação a fez enfraquecer e
de partir, fiz com que a pequena Isa me prometesse nunca usar suas habilidades
na frente das pessoas. Ela deveria fingir sempre ser apenas uma garotinha. Mas
ela era muito pequena, não sabia se manteria a promessa e nem se ao menos
lembraria dela. Minha intenção era exterminar os vampiros que conheci nas
docas e voltar para buscá-la. Não podia seguir em frente sabendo que pessoas
eram mantidas reféns nos esgotos da cidade. Apesar dos anos de experiência
Dias se passaram depois que fiquei sem minha sobrinha. Foi quando
percebi que só era forte antes porque bebia do sangue dela. Como fui arrogante!
mofados até encontrar um antigo dicionário grego. A tradução que fiz era tosca e
amadora, porém foi o suficiente para me fazer entrar em pânico. Eu não sabia o
que exatamente a Grécia tinha em comum com os vampiros, mas coisa boa não
poderia ser. O que mais me deixou em alerta foram os seis últimos números
enquanto Scar e seus comparsas saíam para sequestrar mais pessoas inocentes, o
escondi e entalhei o mapa. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Aquela noite
princesa, estava melhor naquela casa do que comigo. Beijei sua bochecha
minha princesa. A tia Luna te ama”, sussurrei. Eu ia contar para Isadora. Até
peguei o meu diário na cabeceira de sua nova mãe, mas terminei desistindo e
me perder no passado. Apesar de todo pesadelo que vivi naquela época, era
eu roubara. Não importava o que ela fizesse, eu nunca falava nada. A tirana
também não fazia ideia que Isa tinha qualquer poder de vampiro. A última vez
que emiti uma palavra foi para convencê-la que Isadora estava morta.
arrancava uma palavra de mim, Scar nunca calava a boca. Ela era uma
histórias sobre a glória antiga. Sobre como os vampiros eram cultuados como
deuses e decidiam quem teria o direito de viver ou morrer. Como eles viviam na
riqueza, com artistas falando e pintando sobre suas conquistas. Sua obsessão
posso, vivendo como párea, isolada por causa das estúpidas leis do Heinz. — A
voz de Scar encheu o esconderijo. Aquele era um de muitos. Ela tinha vários
pontos nos esgotos e até casas nos arredores onde mantinha seus reféns em celas.
Heinz era o amor e o ódio dela. Como humano, lutou por seus ideais, e
como vampiro, manteve a crença de que os humanos deveriam ser livres. Havia
momentos que ela falava em colocar uma bomba no Reich e explodir todos ali
presentes, em outros, ela dizia que reconquistaria sua confiança. Afinal, segundo
a genealogia vampírica, como filho de Ares, ele seria também neto de Zeus. Scar
não se conformava que Heinz não utilizasse todo o seu poder. Ela o conhecia tão
artefato, fingiu a própria morte e a destruição do mesmo. Tudo para que ela
malignos durante décadas. O destino poderia ser uma merda de vez em quando...
aquela mulher daquele jeito. Minha curiosidade estava a mil. Eu não conseguia
estalarem, e as cortinas foram abertas. Scar estava sentada em seu trono como a
deusa que ela achava que era. Como odiava aquela mulher, principalmente
quando me chamava de bichinho de estimação.
Tentei enxergar com quem ela conversava e arregalei meus olhos com
acorrentadas em frente ao seu corpo, uma versão nova e de olhos verdes de mim
me encarava com um olhar fixo. Não... Ela não era uma versão mais nova de
mim, era a versão mais velha da minha princesinha. Tentei me mexer, mas as
brilharam como faróis verdes e os caninos se alongaram em presas. Oh, não! Ela
felicidade que senti ao saber que Isadora estava viva foi substituída por pavor.
na cela mudou, podia sentir o ódio pungente emanado pelo corpo da minha
pescoço. Pela ameaça, supus que a pessoa no colo de Scar era importante para
Isadora.
Shuerma, como era seu nome de batismo, se achava uma deusa, mas era
não era tão boa quanto antes. E, mesmo assim, eu pude ver Isa inspirar com
força. Ela parecia um touro enjaulado pronto para atacar, e eu... Eu não deveria
ser uma visão muito bonita. Desde que fui capturada, raramente me davam
sangue, e quando davam, era uma quantidade mínima. O suficiente para que eu
encararia a morte sem objeção. Eu não me importava, não merecia ser salva.
tentou relaxar.
— Muito bem, La Muerte, vejo que você é mais esperta do que o meu
bichinho.
colocou seu bastão de prata contra o meu peito. Já estava acostumada com aquilo
e apenas fiz uma careta de dor. Não satisfeita, a vampira desferiu um golpe em
meu rosto. Suas unhas rasgaram minha pele a ponto de extrair sangue. Ela
— Está vendo? Ela não emite som algum! Eu tenho que praticamente
matá-la para conseguir um gritinho. Sabia que não tem graça torturar uma pessoa
na pele. A nova dor ajudou a me controlar. Um dia, eu gostaria de ver essa vadia
— Olha, Luna, ela está perguntando o motivo! Que fofa, né? — A voz
condescendente de Scar ao falar com Isa me deu nos nervos. — A sua... Luna é o
que sua? Mãe, tia, avó? Não interessa. Primeiro, ela escapou daqui com você,
ainda não sei como. A danadinha nunca me disse como fez aquilo. Depois, ela
teve audácia de roubar meu bem mais precioso e esconder, acredita? E ainda
mentiu para mim! Disse que você estava morta. — Scar estalou os lábios e me
O jeito que ela falava com minha sobrinha me irritava, mas o modo como
Isadora respondeu...
ao mantê-la aqui presa. Eu vim propor uma parceria. Entregue-me esta mulher
Suas palavras machucaram mais do que toda a tortura que passei nas
últimas décadas. Meu coração sangrou ao ouvir de sua boca a dura verdade. Eu
amava Isadora, minha pequena nunca fora um estorvo. Ela sempre foi o que me
manteve lúcida naqueles primeiros anos, mas a mulher parada diante de mim me
odiava, e com razão. Eu tirara sua chance de ter uma vida normal e ser feliz.
desmaiado, que agora era mantido preso por Claudio, o mal-encarado, segundo
— Eu tenho uma proposta melhor. Você faz ela falar, ou eu o mato aqui e
agora. — Ela colocou o bastão de prata contra o peito do homem. Então ele era
um vampiro! Seria o namorado de Isa?
queria dizer, até que Claudio virou o homem desacordado e eu finalmente pude
ver o seu rosto. Não sabia que minha garganta ainda funcionava, jamais imaginei
que ainda tivesse voz. Contudo, descobri que tinha. Gritei de choque. A confusão
de emoções que senti ao ver o meu marido foi tamanha, que eu precisei externar
a minha voz. Vivo! Heitor estava vivo. Ou quase. Pela sua aparência, era um
vampiro.
anos.
— Ora, ora, ora! O que temos aqui? — Scar me encarava com satisfação.
Porra! Minha reação chamou atenção indevida. Ela pegou Heitor pelo pescoço e
se aproximou. — Já que você recuperou sua voz, que tal dizer onde está o
pareceu se abalar:
drenar todo mundo. Um homem asiático que seria considerado bonito, se não
fosse a quantidade de hematomas em seu rosto, foi arrastado até os pés de Scar.
espontânea com a raiva que ficou. Vi em seu olhar que cometeria uma loucura.
As correntes em suas mãos tremeram, Isa se segurava para não decepar a cabeça
do refém.
vida de Isa ou de Heitor. — Entalhei o mapa no meu canivete favorito e dei para
minha sobrinha!
os cabelos do jovem asiático com força e o puxou de lado, expondo seu pescoço.
canivete escondido na bota e o jogou na direção de Scar, que soltou o rapaz para
utilizou a corrente de novo para matar Claudio. Com seu captor transformado em
cinzas, Heitor caiu no chão com um baque. Ela matou mais outro, porém nunca
conseguiu se aproximar de Scar. Dois tiros atingiram suas costas, e Isadora caiu
para frente, seus olhos nublaram e, antes que desmaiasse, viu Shuerma
“Não!” foi tudo que minha sobrinha falou antes de desmaiar. Scar, com
os lábios rubis de sangue, sorriu ao ver todos os inimigos caídos no chão. Ela
— Vamos dar um passeio, Luna. Você vai decifrar este mapa para mim.
E vocês, limpem esta bagunça e convoquem todos os nossos aliados. Hoje será o
Contra a minha vontade, mais uma vez deixei a família para trás. Meus
pés ficaram manchados com o sangue do jovem oriental, e Scar me levou para o
Shuerma disse. Com o coração acelerado, a obedeci. Não por medo, mas
por sua ameaça, que me soou mais como uma promessa. Se ela pretendia fazer
uma reunião de família, era porque alguém mais da minha família estava ali. Isso
colocaram algemas de prata com uma corrente longa em meus pulsos. Fiz uma
careta, fingindo sentir dor. Era melhor que eles pensassem que estavam em
vantagem. Andei cercada por dez vampiros, todos com armas apontadas para
capuz para esconder o meu rosto. O que não faria diferença, já que eu sempre
contava os passos. Mil e doze. Mil e treze. Direita. Mil e quatorze. Mil e quinze.
Como eles conseguiam viver daquele jeito? Era úmido, escuro e fedorento. E os
humanos... Meu Deus! Scar deveria mantê-los vivos com doses pequenas de
sangue de vampiro.
com classe no trono e jogou Isaac aos seus pés, mantendo a cabeça dele presa
entre suas mãos. — Peço desculpas por minhas acomodações, sei que não são
boas o suficiente. Faço o melhor que posso, vivendo como párea, isolada por
causa das estúpidas leis do Heinz.
e as cortinas foram abertas. Tia Luna! Ou o que restou dela: sua pele estava seca
e rachada, parecia quase uma múmia. Amarrada contra a parede, onde a prata
tocava em seu corpo, cresceram escoriações escuras como escaras. Ela não foi
— Liberte-a. — Exigi.
mim. Teria prazer em degolar cada um dos vampiros daquele lugar. A corrente
de prata que fingia prender minha mão apenas facilitaria o meu trabalho, eu
outro vampiro colocou uma espada contra o pescoço da minha tia. A diaba foi
trágico fim. Um dos meus muitos psicólogos uma vez me disse que não existia o
“agir por impulso”. Afinal, o que nos separava dos animais era a nossa
que pessoa. Sentia que meu poder estava prestes a explodir, e quando trouxeram
Takao todo ferido, não pude ficar parada. Tive de agir. Ainda incrédula por ter o
mapa em minhas mãos aquele tempo todo, joguei o canivete para Scar. Matei o
vampiro que mantinha Isaac sob custódia e avancei para salvar meu amigo.
Não tive tempo, entretanto, atingiram minhas costas duas vezes. “Não!”,
gritei quando vi que as presas de Scar rasgaram o pescoço de Takao. Meu melhor
amigo me encarou com serenidade enquanto sua garganta era destroçada. Fiquei
★ ☽ ☯ ☾ ★
vampiro segurando minha perna, arrastando meu corpo até uma cela. Soltei o pé
de seu aperto e o chutei no rosto, ele gritou quando as costas atingiram a grade
acenderam, e eu alcancei o terceiro sai preso ao coldre nas minhas costas. Ainda
bem que eles eram orgulhosos o suficiente para não me revistarem, acharam que
eu não deveria ser capaz de me livrar da prata. Afinal, eu deveria ser apenas uma
vampira novata.
O terceiro vampiro tentou correr, porém fui mais rápida e o agarrei pela
nuca. Arrastei seu rosto contra a prata na porta da jaula onde pretendiam me
prender.
— Foram atrás do oráculo que aquela vadia roubou! A minha senhora vai
Corri até o corpo inerte de Takao e ajoelhei-me ao lado dele. Oh, não!
Tentei estancar a hemorragia em seu pescoço, mas não consegui. Abracei Takao,
minhas lágrimas molhando seu peito ferido. Encostei o rosto em seu peito para
dar o meu último abraço. Espera! Concentrei-me nos seus batimentos cardíacos.
Eram ínfimos, quase inaudíveis até para mim. Vivo, mas não por muito tempo.
Abri sua boca, rasguei o meu pulso e deixei que sangue fluísse para dentro de
sua garganta.
deixando uma fina camada de terra em nós. Elevei o tronco de Takao e o abracei,
cortava o meu pulso para alimentá-lo, em uma fraca tentativa de lhe trazer de
volta à vida. Não... Não o meu amigo, o meu companheiro de todas as horas,
Berrei de volta:
— Aqui!
não! Seu vestido lilás estava com a frente toda suja de sangue, e seus cabelos
claros estavam bagunçados. Ela encarou a mim, a Takao e avançou em uma
velocidade que seria impossível horas atrás. Puta merda, quem transformou Ceci
— Você deixou que eles o matassem, ele morreu por sua causa! — Ceci
— Eu quero.
Capítulo 45 — O exército do Reich
HEINZ
com todo poder que ela tinha, ainda era uma só pessoa contra todos os vampiros
apenas porque era habilidoso com armas e lutas. De outro modo, não passaria de
pura distração.
Pedi para que eles aguardassem. Juntar os aliados do Reich que moravam
Guardei minhas espadas longas com punhos de aço no coldre preto que levava
na cintura.
em minha sala, pude ouvir as conversas que rolavam no clube. Eles imaginavam
que Isadora fosse especial para mim, mas não sabiam a importância que ela tinha
real e que era uma vampira novata. O assombro geral, no entanto, veio quando
sem precisar chamar a atenção, pois todos se calaram. — Iremos nos vingar das
perdas que tivemos trinta anos atrás e livrar os humanos do mal que perambula
por nossa cidade. Não toleraremos mais a covardia. Nós somos o Reich e juntos
Eles começaram a dar murros para cima, no ar, e gritar: “Reich, Reich,
lâminas de prata com cabos de aço e bombas. Explodir era um ótimo jeito de
Mais minutos preciosos foram perdidos na divisão das tarefas e equipes. Fechei
rastro de Izzy, seu cheiro impregnado nas paredes, e alcancei a sala onde os
Shuerma. Porra! Ela esteve aqui e acompanhada por mais de cinco vampiros.
Nada bom.
curvas nos túneis confundiu meus sentidos. Aquilo era um labirinto, e o tempo
era precioso demais para se perder com charadas. Voltei correndo para a entrada
e encontrei Petrus lutando contra três vampiros. Saquei minha espada curta e
terceiro.
Isadora.
o sangue. Merda! Era quase impossível uma leitura consistente com a quantidade
de aliados ao meu redor. Com o Reich inteiro nas docas, éramos uma grande
massa de pessoas.
Isadora precisava de mim, não vivi por séculos para encontrá-la e depois
deixá-la nas mãos de Scar. Fechei os olhos e foquei minha atenção em mim, no
meu sangue, depois expandi meus sentidos, atentando-me no fundo da terra. Foi
— Ali. — Apontei para o ponto uns cem metros à frente — Derrube esse
corpo, que se desfez em cinzas. Aquela noite não haveria misericórdia, não
apenas por Izzy, mas também pelo meu povo e pela cidade de Monte Carlo.
conheci. Minha melhor amiga e companheira, com quem brinquei, briguei, sorri
e chorei. Ela era como uma irmã. O Yin do meu Yang. Agora era uma vampira
vampiro era fácil, imobilizar uma sem machucá-la era muito mais difícil. Segurei
seus cabelos e puxei para trás, mantendo as presas afastadas da minha pele. O
que tia Luna fez para sair da loucura de sangue? Merda... Não conseguia me
lembrar. Vamos para a força bruta, então. Dei uma cabeçada na testa dela, forte
chão e, antes que se levantasse, passei meus braços embaixo dos seus e os puxei
arranhar, puxar cabelo e morder como luta... Eu a arrastei até Takao, que
salvo!
para mim, então peguei meu segundo sai e apontei para ela.
Ela engoliu em seco, ponderando o que fazer. Não abaixaria minha arma
até que seus olhos estivessem com o tom de azul normal e as presas retraíssem.
Um barulho de engasgo foi o único alerta que tivemos antes que Takao se
teto caiu. Alguém tentava derrubar as docas, e eu não tinha tempo para lidar com
raiva emitida por seus corpos pareceu diminuir. Os olhos apagaram, mas as
presas não retraíram. Ceci olhou para Takao, e uma lágrima desceu pelo seu
rosto. O japonês a observava com a testa franzida, deveria estar, como eu, se
se levantar.
instruindo-os a fugir o mais rápido possível. Não sabia o que estava acontecendo
lá fora, mas se o teto continuasse a cair daquele jeito, eles poderiam ser
esmagados. Os humanos, no entanto, estavam com tanto medo de mim, que não
ousavam chegar perto. Resolvi deixá-los em paz e catei minhas armas no chão,
buraco se abriu no teto, permitindo que eu visse o céu estrelado acima da nossas
juntar à festa?
achar.
fuligem. Os vampiros do Reich lutavam com lâminas de prata, mas a bainha era
armas feita apenas com o metal letal. Facas de prata e balas estavam sendo
Ele deu de ombros e piscou um olho. Uma vampira magra e alta tirou
Isaac dos meus ombros. Ela passou a mão em seu cabelo preto e tirou uma
pequena adaga escondida atrás da orelha. Com a arma entre os dedos, fez uma
Nem precisava perguntar como eles sabiam qual era o problema de Isaac,
apenas aquele sangue podre era capaz de nocautear um vampiro. Ainda assim,
castanhos. Nós nos espalhamos para lutar contra os vampiros das docas. Na
inimigo. Uma vampira negra de cabelos curtos na altura das orelhas e lábios
carnudos se aproximou de mim. Apontei o sai para ela, mas a garota levantou os
Não sabia de quem ela estava falando, mas a segui. Ia avisar para os
meus amigos, porém eles estavam ocupados demais lutando. Dobrei a esquina
do galpão e vi uma mulher loira caída no chão. Corri para ela e ajoelhei ao seu
lado. O rosto delicado estava coberto de sangue. Bati de leve em sua face,
— Você é La Muerte?
— Ótimo, isso é por Alfonso. — Ela sorriu e mostrou uma adaga de prata
antes de cravar em meu peito, errando meu coração por milímetros. Empurrei-a,
me levantei e puxei a adaga com ódio. As duas mulheres me cercaram. Que tola
acreditar que era uma menina inocente. Poderia apostar que servia de isca para
joguei a faca de prata aos pés delas. Desconfiada, Andrea pegou a arma. Pela sua
expressão, não entendia porque eu as estava armando. Não tinha medo delas. —
ameaçou.
minha pele. Coloquei a mão para trás e agarrei um punhado de cabelos, puxei e
A novata sorriu com deboche e cuspiu sangue no chão. Ah, será que ela
malvado e lambeu a faca dela suja com meu sangue. Seus olhos se acenderam
imediatamente.
minha jugular. Dei um salto mortal para trás, aproveitando para chutar Elidiane
enquanto fazia isso. A brincadeira com elas estava indo mais longe do que eu
esperava.
iluminado apenas pela fraca luz do poste. Com o braço levantado, saltei na loira
e cravei minha adaga em sua testa, bem no meio da franja que ela ostentava com
sai em seu peito, toda sua frente estava coberta de sangue, a pele necrosada ao
redor da ferida feita pela adaga de prata. Joguei minha arma no chão e corri para
as duas com as mãos estendidas em garras. O impacto contra elas foi tão grande,
que meus braços atravessaram seus corpos e eu fiquei com o coração de cada
uma entre os dedos. Literalmente.
O vento frio da noite carregou suas cinzas para longe. Três vampiras
assassinas a menos. Peguei meus sai, voltei pela passagem entre os dois galpões
e encontrei o caos. Heinz brandia uma espada longa de prata e cabo negro de
aço. Ele decepava cabeças com uma desenvoltura estonteante. Parecia uma
dança mortal. Mesmo com a camisa social preta, eu podia ver seus músculos
eles eram uma dupla formidável. Takao imobilizava, Ceci estraçalhava. Sinistro.
lado. Merda! Não era momento para distrações. Sem me virar, dei um chute para
trás, acertando sua perna. Ele se desequilibrou, mas não caiu. Gancho de direita,
sua garganta e bebi o seu líquido vital até que restasse apenas poeira.
livrar dela, ou ver quem era o meu assaltante, eu o puxei pela cabeça como fiz
chão e mordi sua garganta. Senti-me cheia de poder, energizada mais uma vez.
Precisei drenar dois vampiros para ter a mesma sensação de beber algumas gotas
Ares era uma guerra perdida. Outros não eram tão espertos. Eu estava cercada
por quatro homens, quando Heinz gritou do outro lado das docas:
— Schatzi!
Virei bem a tempo de ver que ele corria em minha direção com outras
duas vampiras aliadas. Revirei os olhos para o desespero que Heinz aparentou e
sorri para os homens em frente a mim. Sem paciência para brincar com minhas
presas, segurei os dois sai pelo cabo e corri em velocidade vampírica. Cortei os
ele se engasgou.
manga da camisa. — Desse jeito, você não facilita para mim! Como serei o
sabedoria e portava uma pequena espada. Ela piscou um olho para mim — Eu
sou Rosa.
Notei que ela levava uma cruz envolta do pescoço. Era a primeira vez
que eu via uma vampira com um artigo religioso. A mulher notou o meu olhar e
— “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”. — Ela citou o
antigo provérbio espanhol: eu não acredito em bruxas, mas que elas existem,
aos monstros que viviam nas docas, a perversidade não era exclusiva dos
tia Luna.
Como assim? Depois da experiência que tive com Takao e Ceci, descobri
— Ligue para ele agora, mande-o voltar! Deve haver um jeito de contatar
— Luna? Onde está a minha mulher? — Isaac apareceu assim que ouviu
o nome da esposa.
Berrei em frustação:
canivete e... — Oh. Meu. Deus! Como pude esquecer? Olhei para Heinz. —
Beijei Heinz nos lábios. De novo, mais uma vez. Não poderia ter
círculos concêntricos.
jovem de belos olhos cor de mel emoldurados por longos cílios castanhos, da
mesma cor de seus cabelos. Ela me cumprimentou com a cabeça, seus grossos
levantou uma sobrancelha quando percebeu que era feito de prata, e eu estava
minha voz.
dois símbolos que pareciam a letra H, só que com uma curva para dentro de cada
lado. O que estava ao lado dos círculos concêntricos tinha um ponto no meio, e o
outro, ao lado, possuía um traço mais comprido. — Um significa um
desfiladeiro é uma autoestrada. O “x” deve ser o local, mas não entendo esses
— Deixe-me ver. Você tem razão, Isabel, estão em grego. Significam três
e cinco.
— O “x” não é o local, é uma cruz de lado. Eu sei onde ela escondeu.
Existe uma igrejinha em frente ao mar na praia do Mirante. Ela é pequena, mas
fica no alto de uma planície, entre o Monte Pino e o desfiladeiro Magnólia. Tão
tranquila, que a sensação é estar mais perto de Deus. Nós nos casamos lá, foi lá
também que batizamos nossa filha... e foi lá, por trás da igrejinha, que Mariana
enterrou nossos caixões cheios de pedra. O corpo da sua mãe está lá também,
Isadora.
Precisávamos resgatar Luna antes que ela revelasse onde estava o artefato. Gritei
por Cecília e Takao, eles mataram o vampiro com quem estavam lutando e se
muito mais rápido do que uma Ferrari. Passamos pela autoestrada e pelo
— A gente tá indo buscar a sua tia Luna. Você pode encontrar toda sua
família biológica até a quinta geração, mas nunca pode me abandonar, tá? Eu
sempre serei sua prima. E se você esquecer disso, vou te sequestrar e te prender
no meu porão.
— Você mora em apartamento, não tem porão. — Respondi e a puxei
— Eu arrumo um.
por trás dela, havia um cemitério. Podia ouvir o barulho de pá batendo contra o
mantinha uma faca contra o pescoço da minha tia, que estava ajoelhada ao lado
Ana, a vampira que eu havia matado mais cedo. A outra, mais alta e parecida
em bom som. — Ruth e Yka estão quase lá, mais um metro, e chegaremos aos
uma luz amarela e as presas alongaram. Minha tia estava sob a mira de Scar,
de Luna.
— Eu já sou uma deusa, e quanto antes perceber isso, melhor será. Não
vou ficar esperando por você para sempre. — Ela disse com superioridade.
Ceci sussurrou: “cadela”, sabendo que todos ouviriam, o que aumentou a
raiva emanada pelo corpo da vadia. Eu ia dar uma resposta, mas o barulho da pá
batendo contra metal chamou nossa atenção. As vampiras, usando luvas, tiraram
o Orakel da cova. O círculo de prata era maior do que eu pensara. Elas subiram
exposição.
movimento sincronizado, as duas jogaram o oráculo nas mãos da minha tia. Seu
grito de dor ao ser obrigada a segurar a prata se espalhou pela noite. Nós
avançamos para atacar, porém a mais baixa retirou uma seringa do bolso e
arremessou em Heinz. Ele caiu ajoelhado no chão enquanto a mais alta pulou em
sangue.
Scar sorriu, sabendo que tinha a vantagem. Merda! Heinz era resistente
ao sangue de morto, mas não tanto quanto eu. Uma dose não o nocauteava, mas
não sou tão má quanto você pensa. — Ela alisou os cabelos de Luna, que gemia
poderia esticar o braço e quebrar o seu pescoço. No entanto, as duas aliadas dela
matariam Heinz antes que alguém pudesse salvá-lo.
— Não faça isso, schatzi. Salve sua tia, ela não tem coragem de me
matar. — A voz de Heinz era fraca, quase inaudível. Ele estava se sacrificando
logo com aquela angústia. Não ficaria a minha vida inteira com medo de uma
esperando que algo acontecesse. Nada. Absolutamente nada. Bem, aquilo era
anticlimático, mas poderia usar como vantagem. Gritei, fingindo sentir alguma
coisa. Não era boa atriz, mas serviu para que as beberronas se distraíssem e
baixassem as armas.
Virei para Ceci e joguei o artefato para ela proteger. Encarei Scar e, com
muito prazer, dei um murro em seu rosto, forte o suficiente para quebrar o nariz
e fazer jorrar sangue. Ela soltou Luna, e Isaac avançou para pegar a mulher no
Uma bala zuniu distante, acertando Ruth na testa, entre os olhos. Tom se
duas caíram para frente, ainda vivas, mas não por muito tempo. Takao pegou a
pá e separou a cabeça de Yka do seu corpo. Heinz agarrou Ruth pelo pescoço e
drenou todo o seu sangue para se recuperar. Peguei o sai e apontei para Scar.
— Acabou.
— Eu acho que não. — Ela sorriu e indicou com a cabeça algo atrás de
mim. Como se eu fosse cair naquela! Era o maior blefe de todos os tempos e...
CECÍLIA
chão do topo do prédio, cercada por todos os meus talheres de prata. Prendi as
facas, eu levava presas ao coque do meu cabelo e nos bolsos. Meu namorado
sério de novo — A Izzy também tem razão, sabe? Você não deveria ter vindo.
Dei de ombros. Não poderia mais ficar em casa e não fazer nada. Minhas
ajudando Heinz a cuidar de Izzy, durante o coma dela após o ferimento à bala,
cientista a tentar estudar o sangue de vampiro. Pelos artigos que li, o vampirismo
era uma variação da espécie humana. Como um vírus passado pela saliva no
dessa ponta é perdido, e com o passar dos anos, a pessoa envelhece. Por isto que
a famosa Dolly, a primeira ovelha clonada, morreu de velhice quando ainda era
transformados. O que explicava o fato de Heinz ser mais velho que a poeira, mas
aparentar ter um pouco mais de trinta anos. Já a Izzy tem o DNA compatível
frente a mim.
Sempre fui alucinada por aquele homem. Muitas mulheres falavam como
italianos, americanos e franceses eram sexy. Eu era uma delas, até me deparar
com o asiático mais lindo, corajoso e carinhoso que existia no mundo. Takao
roubou meu coração com a mesma habilidade que lutava no caratê. Rápido e
Beijei seus lábios com carinho e tirei um papel amassado do bolso com a
De um novo mundo
bochecha.
— Eu quero pedir isso há um tempo, mas não sabia como. Desde que
Isadora quase morreu por causa de dois assaltantes, fiquei pensando nisso. Eu vi
como Heinz ficou e me coloquei no lugar dele. Imaginei como seria se fosse
contigo. E isso me fez questionar o porquê de não estarmos casados ainda. Todas
pensei e pensei. Daí notei que elas eram isso, apenas desculpas. Nós sabemos
que pertencemos um ao outro, quero que o mundo saiba também. Cecília, quer
casar comigo?
Minha boca abriu e fechou, contudo nenhum som saiu. Era raro alguém
me deixar sem palavras. De todos os lugares para Takao fazer aquilo, ele
aroma de peixe carregado pelo vento frio das docas. A lua iluminou seu rosto de
canto de sua boca. Percebi que não importava o lugar ou como, o importante era
minha nuca e me puxou para perto. Passei os braços em seus ombros e o abracei
apertado, o que resultou nos garfos presos a minha roupa espetando-o. “Ai”, ele
virou, um homem vestido de preto o acertou com um murro no rosto. Meu amor
caiu desacordado, sua cabeça bateu no chão com um baque. Não!
Takao fizera momentos antes. — Sabe, docinho, minha chefe pediu apenas o
sniper, o que significa que ela não sabe sobre você. Quer dizer que a gente pode
sua mão. O homem chiou e bateu em meu rosto quando sentiu a prata queimar.
Ele olhou para cada talher de prata que revestia o meu corpo e sorriu
como um predador. Nunca tive medo das presas de vampiros até aquele
momento.
minha vida. Eu não poderia permitir aquilo. Ele levaria Takao para a chefe, e eu
roupas. O monstro não tirava as presas da minha pele, era sangue demais.
entre os dedos. Eu não era forte ou veloz. Não tinha destreza com armas. Não
sabia lutar. Mas, mesmo assim, não era indefesa. Tudo que precisava alcançar
dele era a parte interna do seu braço, e foi o que eu fiz: cortei pele e tecidos
acertei sua artéria braquial, aquela usada para medir a pressão sanguínea, que, se
O homem se desfez em cinzas diante dos meus olhos. Takao estava logo
afastou os cabelos que grudaram no meu pescoço. Ele não precisou falar nada,
pelo seu suspiro, sabia que estava feio. Eu sentei, a tontura me dominando. O
blusa e pressionou a ferida — Temos que chamar Heinz, não está estancando.
Você precisa de mais sangue de vampiro, ele disse que podia curar humanos,
lembra?
não disse nada. Mal reconheci minha voz quando tentei falar:
— Eu tenho... no carro... na minha bolsa. O resto das amostras do sangue
de Izzy e de Heinz.
mas eu não conseguia ouvir direito. Mesmo em seu colo, sua voz era distante,
meus lábios. Já estávamos no carro? Ingeri o sangue com avidez enquanto ele
alisava meus cabelos — Isso, beba. Heinz está vindo e tudo vai ficar bem.
de alívio.
— Eu não contaria com isto. — A ameaça velada foi seguida por uma
faca contra o pescoço do meu noivo. Ele levantou as mãos em rendição, e o
vampiro piscou um olho para mim. — Vocês fizeram uma bagunça lá em cima,
hein? Ainda bem que seu sangue delicioso é tão fácil de ser rastreado.
trás do carro. A lua refletiu nos cabelos ondulados da que me segurava pela
roupa, evidenciando o brilho negro em seus fios. A outra, uma morena de olhos
escuros, apertou a minha ferida com o polegar, fazendo com que o sangue
vampiro até que soltasse a arma. Os dois começaram a lutar. Por mais que Takao
fosse faixa preta de caratê, ele não era páreo para a força sobrenatural do seu
oponente. Logo foi imobilizado, e a garota esmurrou seu rosto. Tentei ajudá-lo,
mas Cristina me mordeu na garganta, roubando a pouca força que eu tinha
recuperado. O estrondo de uma bomba soou distante, lá no meio das docas. Eles
se assustaram e rosnaram.
para longe, onde eu não poderia alcançá-lo. Usei o resto de minhas forças para
perguntar:
virou as costas para a nossa deusa, Scar. Vocês que são tolos, acham mesmo que
não teríamos um plano caso algum de nós fosse capturado?
em mim para morder de novo. Outra lágrima escorreu pela minha face. Aquela
objeto de metal. As armas de Takao? Ele devia ter jogado no chão do carro
quando foi me dar sangue. Vasculhei com minhas mãos e encontrei um dardo
com sangue de morto. Espetei no braço dela, e Cristina desmaiou ainda com as
com seu peso. Encontrei uma faca, a prata atravessou o pescoço dela como se
Tonta, me levantei e olhei para a fumaça que se elevava nas docas. Meus
de ensaio com o nome de Izzy e bebi. O sangue que tinha era o suficiente para
evitar que eu morresse, mas não me deixaria mais forte. Eu precisava mais do
que coragem para vencer aquela guerra. Passei para o banco da frente e segurei o
volante com força até que os nós dos meus dedos ficaram brancos. Estava
prestes a tomar uma decisão que não teria volta. Abri o cofre do carro e
encontrei as chaves extras que precisava. Dei partida e o motor rugiu. Izzy tinha
noite clareou. Todos ficaram extasiados ao verem a luz branca que emanava do
Orakel. Cecília parecia uma estátua segurando o artefato. Olhos fixos, nenhum
músculo do seu corpo se movia. Eu me aproximei e ouvi uma voz gutural que
Olhei para cima, para o Monte Pino que se agigantava ao nosso lado. Oh,
merda.
guerra.
Encarei o meu sangue no Orakel, o único ponto do artefato que não
brilhava. Cortei a minha mão com o sai quando estava com raiva de Scar, logo
— Com ela, surgirá uma esperança. A arma divina buscada enfim será
Ok, isso não é tão ruim. Aproximei-me mais. Os dedos de Ceci estavam
enegrecidos onde tocavam a prata. Droga, precisava tirar isso dela! Não tinha
certeza se ela era a filha da guerra, mas sabia que aquilo estava a machucando.
Coloquei minhas mãos sobre as dela e finalmente seus olhos entraram em foco,
luz intensa. Oh, merda ao cubo. Fodeu. Fechei os olhos com força, encadeada
por toda aquela luminosidade. Até que não ouvi mais nada.
Com cautela, ousei abrir os olhos, mas tudo tinha sumido. O cemitério, a
praia, o Monte Pino. Scar, Heinz e meus amigos. No lugar deles havia uma linda
mulher, alta e de cabelos pretos, entre lisos e ondulados. Vestida com uma túnica
branca simples e com os pés descalços, ela parecia iluminada por uma luz
por uma luz fosca, como se o sol tivesse esmaecido um pouco naquele lugar. A
mulher de olhos castanhos sorriu com candura e uma sensação de paz se apossou
de mim.
mas não parecia sair dela. Seus lábios se moviam dessincronizados com a voz,
Olhei ao redor. Tudo era limpo e em cores suaves. Eu, em minhas roupas
vinda. Eu vim te receber porque entendo o que é não desejar algo com tanta
vontade, que você prefere sacrificar seu eu verdadeiro a ter o que não quer.
entre as suas, e eu senti um formigamento subir pelo meu braço. Toda a sujeira
em meu corpo sumiu. — As ninfas da terra te abençoam. A natureza jamais te
castigará, não sentirás frio ou calor. O sol não mais incomodará sua pele, a terra
te dará forças, o gelo não te congelará e o fogo não te queimará. Siga teu
caminho em paz.
Só podia. Andei receosa pelo caminho indicado pela ninfa. Virei meu corpo para
trás, e, no lugar dela, havia uma grande árvore de ramos verdes. Um loureiro.
“Respira fundo, Izzy, não surta ainda”, tentei me convencer. Assim que
robusto, vestido em uma túnica branca que mal cobria seu peitoral definido, me
observava em um porte austero. Seus olhos azuis me fitavam sem desviar o foco.
como a de Daphne:
doutrina que siga. Seja bem ou mal, anjos ou demônios, deuses ou monstros, Yin
e Yang, céu e inferno, tártaro e campos elísios. Não importa a crença, o divino é
religião. Tantas pessoas tentando impor suas crenças sobre os outros, quando
deveriam se concentrar na mensagem de união, compaixão e sabedoria por trás
da doutrina. Alguma coisa, no entanto, parecia errada. E toda aquela história que
— Apresento-me como Zeus porque era essa a forma que você esperava
encontrar. — Ele se levantou e caminhou até mim. — Não sou seu inimigo,
alguém tão jovem como você entender. Nem mesmo os grandes sábios são
capazes de lidar com a verdade. Eu compreendo que você tenha muitas dúvidas.
divinas. Na Grécia, o poder foi demais para eles, que tentaram tomar o nosso
lugar. Você conhece alguém assim, não é? Que se intitula um deus, mesmo que
não seja.
Sim, Scar era uma falsa profeta. Se dizia poderosa, mas não passava de
Heinz lutou contra falsos deuses. Vampiros e mestiços poderosos, fortes, mas
não deuses. Ou seja, ele não foi transformado pelo verdadeiro Ares, apenas por
meu peito:
enquanto guerras são travadas em seus nomes. Se Heinz não matou Ares,
— Você está certa ao dizer que vivemos aqui isolados. Nós somos alma,
e não substância, a Terra não é nosso lugar. — Ele falava com serenidade. — É
— Não deu muito certo com o mestiço que se intitulou um deus, né? —
Debochei. Logo em seguida, fiquei séria, lembrando com quem estava falando.
Engoli em seco, mas felizmente ele não demonstrou ter se afetado por minhas
palavras.
estática. Não doía, era apenas estranho. Zeus continuou a falar. — A guerra
sempre produz filhos. Órfãos que sofrem pela perda de seus pais e procuram
justiça quando crescem. Você é uma filha da guerra, nascida da dor e do horror.
Nós te trouxemos aqui para que se tornasse a nossa arma divina contra um dos
males do mundo.
Quando Cecília segurou o artefato, achei que ela era o alvo da profecia.
Porém, quando eu tentei ajudar e vim parar aqui, percebi que não era ela. Um
mas não quis aparentar medo. Eles eram divindades. Não me fariam mal,
Ora, esse livre arbítrio parecia muito arbitrário! Não tinha muita escolha,
não cheguei até ali para dizer: “passo, procurem outra garota”. Eles sabiam tão
bem quanto eu que aceitaria o meu destino. Afinal, ele fora traçado séculos atrás.
— Aceito.
obedeci, apesar da dor. Seus olhos vermelhos pareciam enxergar minha alma. —
Ele tirou a mão da minha garganta e voltou para a posição que estava
antes. Ai, merda. Pensei em avisar que eu já andava sob a luz do sol, não
precisava sentir aquela dor insuportável para isto. Talvez eles não fossem tão
segurando uma lança estendeu a mão para mim. Eu aceitei e fiquei em pé. Ela
almas.
tive um aneurisma cerebral, mas a sensação deveria ser bem parecida com
mesmo tempo. Meus olhos viraram dentro da órbita, e uma espuma se formou
suportar o meu peso. Limpei um filete de sangue e a espuma que escaparam pelo
aproximou. Das dobras do manto, ele tirou uma pequena faca prateada. Do
tamanho da palma da minha mão, ela era toda desenhada com símbolos
morta.
— Eu sou Hades, deus do reino dos mortos. — Ele estendeu a adaga para
inimigos.
Uau! Guardei o presente com cautela, não era algo que eu quisesse me
alguma coisa.
Ele levantou uma sobrancelha, e eu fechei minha boca. Era melhor não
distorcida
situações perigosas. Apesar disso, sobrevivi a cada uma delas, além dos anos
dele me deu a coragem que eu precisava para verbalizar o meu desejo mais
— Me acompanhe.
forma despreocupada. Uma luz suave iluminava seus cabelos negros, e ela
sorriu, apreciando uma brisa fresca que balançou seu fino vestido. Tentei
— Se ela souber quem você é, vai quebrar a paz em que sua mãe se
encontra.
amarelas que abriam e fechavam em cima das flores vermelhas. — Ontem eram
Concordei, porém permaneci calada. Ansiava por estar nos braços dela
ao menos uma vez. Minha mãe — que teve sua vida ceifada antes dos vinte anos
A borboleta voou até nós e pousou na mão de minha mãe, suas pequenas
asas como veludo fechadas em repouso. Isabela olhou para mim pela primeira
vez, e sua testa se franziu, como se ela tentasse lembrar de onde conhecia. Eu me
perdi nos seus olhos verdes, um reflexo dos meus e fiquei encantada com a
lágrimas quem caíam, insistentes. — Sei que os vampiros gregos que Heinz
conheceu eram farsantes, mas vocês me trouxeram aqui. O que eu sou? Uma
falsária?
escuridão eterna”.
Ele voltou a andar, e eu o segui até um rio de águas tranquilas. — Sua estadia
água, esqueceria de tudo. Ele percebeu minha hesitação e sorriu. Zeus segurou
minha mão, e eu senti um calor se espalhar pela minha pele. Quando ele afastou
os dedos, pude ver que surgiu uma tatuagem realista de uma borboleta,
— Você não pode lembrar de todos os detalhes que viu aqui, Isadora, mas
Protegi a tatuagem com minha outra mão, não queria esquecer o encontro
com Isabela.
— Eu não sei o que devo fazer quando voltar. Qual o meu papel?
fim da escuridão. Você é nossa arma para equilibrar a balança contra o mal e, por
Concordei, sabendo que aquela era a única saída. Não havia muita
barganha a ser feita. Olhei mais uma vez para a divindade e saltei na água, sem
Meus olhos estavam fechados com força, lábios selados, e eu não ousava
órbita. Ceci largou o Orakel e caiu no chão, batendo a cabeça em uma lápide
pônei desejado. Takao pegou minha prima no colo e abriu o pulso para alimentá-
mecha solta atrás da minha orelha. — Você está bem? O que houve?
estranhou, mas minha cabeça estava confusa, parecia que alguém colocara meu
falavam ao meu redor, contudo não eram suas vozes que eu ouvia. Escutava
Voltei a fechar os olhos. A brisa que vinha do mar tocava a minha pele,
mas não era fria. “Confie em seus instintos”, a voz no vento dizia. Cerrei meus
punhos, forçando-me a lembrar. Entretanto, tudo que vinha em minha mente era
a luz. Um lugar feito de luz e paz. Entre os meus dedos havia um objeto de
tentação em meu ombro. — Abandone sua humanidade, seja nossa líder. Nós
duas juntas podemos tirar os vampiros dessa maldita escuridão eterna. Seremos
deusas entre os homens.
tentar.
voltou a sussurrar. Minha visão clareou, e enxerguei mais do que já vira em toda
minha vida. Ao redor de cada vampiro, e até do meu pai humano, havia um fino
halo dourado, como uma aura, uma luz interior. Virei-me para enfrentar Scar. Ao
redor dela, o halo não era dourado, tinha um tom arroxeado com uma fumaça
cinza ao redor, podre.
Não sabia de onde tinha surgido o metal em minhas mãos, mas tinha
certeza que ele era importante de algum modo. Segurei a lâmina entre os dedos,
ela pareceu se encaixar com perfeição, como se tivesse sido feita especialmente
para mim.
alcançando seu coração. Estava tão próxima, que quase a abraçava quando
sussurrei em seu ouvido. — Mas você nunca foi e jamais será uma divindade.
cemitério, suas unhas arranharam meus braços nus. De onde a lâmina penetrava
em seu peito saía uma luz branca. Esperei que ela se transformasse em cinzas,
diaba não podia mais ser morta? Teria se transformado em deusa? Retirei a
lâmina do seu peito, e a ferida curou de imediato. A risada maligna de Scar
Parabéns! Você conseguiu me tornar mais imortal do que antes. Sou invencível
agora.
Meus aliados nos cercaram: Isaac, Tom, Takao e Luna, ainda não
recuperada dos anos de tortura, porém com uma sede de vingança que
e meu coração se apertou por ela. Troquei a lâmina pequena por meus sai,
A insana correu para nos atacar, porém seus passos eram lentos, mas tão
lentos, que baixei minha adaga, sem entender sua estratégia. Scar também não
— Eu tenho uma ideia. — Tom sacou sua arma e atirou na perna dela. A
contínuo. Os lábios de Scar tremiam, e ela tentava estancar a ferida que não se
curava. “Não, não, não”, repetia sem parar. Meu pai guardou o revólver no
coldre e pegou um par de algemas que estavam em seu bolso. — Shuerma, você
Era?
poderosa!
Guardei meu sai e me agachei ao seu lado. Scar tentou se afastar, mas
dedo na ferida da bala, e ela deu um silvo de dor. — Você é humana, livre para
Tia Luna desceu até a posição que eu estava, passou o dedo no líquido
humana. Mortal. Como você os chamava? Gado, não era? — Ela deu de ombros.
levantar.
— Ninguém aqui vai te matar, morrer seria fácil demais... Mas não se
preocupe, o que são cinquenta, sessenta anos perto dos seiscentos que já viveu?
Tom até o carro. E eu, sorrindo, dei um tchauzinho. Ela torturou minha tia por
mais de vinte anos, esperava que vivesse pelo menos o dobro se odiando. Para
uma pessoa como Scar, ser uma humana era pior do que a morte.
segurar o choro.
imaginei. Tudo que fiz foi por você, pelo seu bem. — Ela estendeu a mão para
presente maravilhoso. Tudo que esperei durante anos foi a morte, jamais
Levantei a vista e vi Heinz com um imenso sorriso no rosto. Deixei Luna com
Isaac e me joguei no meu alemão. Ele beijou cada centímetro da minha face.
— O que houve? — Franzi a testa, ainda sem lembrar tudo que tinha
acontecido.
— Você segurou no Orakel e foi envolvida por uma luz branca. Segundos
Feita em um metal que eu não conhecia, ela era preta e tinha vários símbolos e
desenhos de caveiras. A lâmina era muito pequena, fina e possuía duas meias-
sensação que algo está faltando... De onde essa arma veio? Eu acho que ela se
analisou a lâmina sem tocar nela. — Nunca vi algo parecido, nem mesmo
— Eu...
— Izzy! — Takao gritou. — Ceci não tá acordando!
Capítulo 51 — Hipótese
órbita, e uma espuma avermelhada escapava pelo canto de sua boca. Apertei a
vampiro, no entanto, era quase impossível. A força dos espasmos musculares era
impressionante, seu corpo saltava da grama fresca. Será que eu deveria fazer a
de levar uma mordida... Foda-se, ela não era humana, e eu regenerava fácil,
então furei meu pulso com o sai e pressionei contra os seus lábios.
Ai! Suas presas cravaram minha pele. Merda! Merda! Merda! A mordida
tentou me ajudar, mas eu levantei a outra mão, avisando para ele parar. O pulso
quebrado facilitaria para que mais sangue vertido fosse jogado em sua garganta.
dela diminuiu, e Ceci agarrou meu pulso com ambas as mãos, fazendo-me notar
que a pele de sua palma começou a regenerar. Seus olhos se abriram e focaram
em mim. Ela sugou até que suas presas se retraíram e as íris voltaram a um azul
um lado para o outro. — Nossa! O que tem nesse teu sangue, Izzy? Dá um
barato legal, parece que eu tomei o melhor estimulante do mundo. Posso colocar
Ceci arregalou os olhos quando viu o estrago que fez em mim. Dispensei
suas desculpas e sentei na lápide. Heinz segurou meu pulso com delicadeza e
minha cabeça em seu ombro, essa noite parecia não ter mais fim.
primeira vez em semanas. Resgatei minha tia, os vampiros das docas foram
revelada, todos os meus amigos estavam salvos, e Scar sofreria e se odiaria por
décadas antes de morrer como humana. A vida era perfeita. Bem, quase. Heinz
ainda não falou nada sobre querer ou não a cura para o vampirismo. Ele estava
desenho era tão realista, que esperei ver as asas se moverem e saírem voando.
Olhei para a tatuagem com reverência, como se ela fosse uma parte importante
de mim. Sentia paz, esperança, amor e os mais belos sentimentos ao tocar nas
asas amarelas.
do seu dedo e encarei o evento natural que poderia ser o fim da maioria dos seres
Isaac gritou:
— A igreja.
os primeiros raios solares surgiram no horizonte. Tia Luna, Heinz, Takao e Isaac
apagaram imediatamente. Ceci e eu os jogamos em cima de nossos ombros e os
minha voz.
desmaiar agora.
Cruzei meus braços e tentei não rir enquanto Cecília fechava os olhos e
todas as portas e janelas fechadas... — Ponderei, apesar de não sentir o calor que
ela mencionara ou o vento frio da madrugada alguns momentos antes. “As ninfas
da terra te abençoam. A natureza jamais te castigará, não sentirás frio ou calor.
tinham essa capacidade, e ela não era uma. A menos que segurar o artefato do
grito quando um raio de dor disparou por todo o meu braço, partindo do ponto
— Eu não conseguiria viver sem você, sua maluca. — Beijei seu rosto e
penteei os seus cabelos, que estavam emaranhados e sujos de terra e grama, com
do meu olho. — A gente precisa sair daqui antes que os párocos cheguem e
entediada, ao redor.
— Certo, vamos fechar a sepultura de Luna. Se descobrirem que há um
corpo faltando, isso levantaria perguntas que nem mesmo o seu pai seria capaz
de responder.
não embaixo do sol direto. Não queimou, sua pele continuou branca como
sempre. Ela saiu da igreja saltitando, rodando e cantando que estava livre.
Revirei os olhos, parecia que estava séculos sem ver o sol, quando fora
Tirei a bota dos pés e pegamos as pás que as aliadas de Scar usaram para
contava sobre os horrores que vivera na noite anterior. Choque não chegava nem
perto do que senti. Por um momento, me arrependi de não ter matado Scar, por
causa dela, quase perdi os dois. Cecília e Takao foram corajosos e fantásticos.
Olhei para a minha prima, seus cabelos loiros ao vento naquela manhã de
sol. Ela se transformou por conta própria, bebeu sangue de vampiro sem saber se
sobreviveria para ver o dia seguinte, enquanto outra pessoa poderia ter fugido
Voltei a trabalhar com a pá, antes que Ceci reclamasse que estava
fazendo todo o serviço sozinha. Ela estava louca para dormir, exausta pela longa
noite. Eu, entretanto, me encontrava bem, com as mãos sujas de terra e os pés
vizinho. O nome da minha mãe em letras garrafais ao lado de sua foto partiu um
pouco o meu coração. Nunca tinha visitado seu túmulo antes, desde que comecei
a ler o diário de Luna, jamais perguntei onde seu corpo descansava. Limpei a
buquê de rosas silvestres que ela correu para colher na base do Monte Pino. Sorri
aos enlutados fosse um fato verdadeiro. Ceci me abraçou. — Sei que é difícil,
é que ser vampiro não é feito apenas de vantagens. Desde que você falou sobre o
vampirismo, ficava imaginando o dia em que eu, Takao, tia Alice, tio Fernando e
um de nossos entes queridos morrer. E agora eu terei que assistir isso também...
Ela não voltou ou diminuiu, mas o vento carregou sua risada até mim.
Queria dormir, porém não fui. Dobrei os meus braços atrás da cabeça e sorri ao
havia mais de uma maneira de acabar com a escuridão. Meu sangue, de alguma
forma, foi alterado no momento que segurei o Orakel. Segundo Ceci, eu era
Via halos dourados, roxos, cinzas, vermelhos, envolvendo o corpo de cada um.
Cada emoção tinha uma cor flutuante. Também não mais sentia o frio ou o calor,
o clima era sempre ameno e agradável. Intocável pela natureza. Abençoada pelos
deuses. Ganhei a lâmina Zoe — não faço ideia de como ela veio parar em minha
mão — e, com ela, conseguia reverter o vampirismo. O último, mas não menos
Qualquer vampiro que beber de mim poderá andar em plena luz do dia
enquanto meu sangue estiver em seu sistema. O sol não seria mais um problema.
de cada um deles e derramamos meu sangue por sua garganta. Eles acordaram na
Tia Luna foi para casa do marido, os dois tinham muito o que conversar e
se atualizar. Ceci foi para seu apartamento com Takao, ela estava doida para
testar a resistência vampírica. Duvidava que a cama deles estivesse inteira antes
do entardecer.
transamos nos jardins, dormimos nos jardins. Enfim, não saímos dos jardins.
Felicidade irradiava dele, após séculos sem ver o sol. O corpo musculoso dele
era ainda mais lindo sob a luz direta do sol, quase podia imaginar como era ele
quando mais novo, como o antigo soldado bárbaro lutando no campo de batalha.
Saltei da árvore e pousei ao seu lado, fazendo sombra em seu rosto. Ele abriu os
costas na grama, e ele por cima de mim. — Obrigado por este presente, nunca
pensei que voltaria a ver a luz do dia. Já te amava antes, agora não sei nem
potencial.
bateram, e suas mãos hábeis passearam por todo o meu corpo. Os olhos do
E me mordeu.
★ ☽ ☯ ☾ ★
Além disso tudo, seria especial também por outro motivo: revelaríamos um dos
Guto não estava mais entre nós, então sua esposa ocupou o lugar dele.
Não havia uma guerra sem baixas de ambos os lados, óbvio, mas saber disso não
— Dói ainda mais. — Uma mulher que eu ainda não conhecia falou. Ela
cabelos com algumas mechas loiras, a garota parecia triste. Seus olhos escuros
imortais, mas não somos. Nossa vida não é como a dos humanos, limitada pela
quantidade de anos, porém isso não quer dizer que ela seja infinita. — Ela
estava falando. O poder que eu mostraria naquela noite era o da lâmina Zoe.
Heinz pediu por um voluntário que quisesse abdicar de seus dons como vampiro
na noite anterior, precisava ter certeza que compreendia o que aconteceria para
garota.
crescemos juntas e fomos atacadas por vampiros das docas quando voltávamos
de uma festa. Heinz nos salvou da morte e agora não nos conformamos que a
Geni vai nos deixar. Os pais e o irmão dela ainda estão vivos, somos vampiras
— Entendo que estejam tristes, mas ela não vai morrer hoje. — Amenizei
cinquenta. A partir do momento que ela virar humana, cada segundo será um
passo mais perto da morte. — Giulia largou o copo e foi embora. A sua irmã,
— Não muitos, a maioria tem mais medo do que raiva. — Ela apontou
para a porta, e eu vi Ceci entrar com Takao, tia Luna e Isaac. — Se você der um
cujos cabelos brilhavam como halos dourados sob a luz intermitente. — Ceci?
Ora! Cecília era um doce de pessoa, não faria mal algum. Por que os
— Com todo respeito, sei que ela é sua prima, mas está enlouquecendo
Hum... Concordei, sabendo que isso seria bem típico de Cecília. Prometi
que conversaria com minha prima, ela tinha uma eternidade para pesquisar sobre
guerra, feliz ao ver que todas sobreviveram. Podia ver em seus semblantes a
esperança de um futuro melhor, sem ameaças. Pelo menos tinha algumas aliadas,
A maioria dos vampiros não sabiam do que meu sangue era capaz. Além
do meu sangue era passageiro, tínhamos medo que novos ataques acontecessem,
tendo a mim como alvo. Eu não queria passar a vida inteira com medo da própria
isso, eles pensavam que a profecia se tratava apenas da lâmina e nada mais.
Entreguei uma garrafa do meu sangue misturado ao de Heinz para cada um. Fiz
o mesmo com tia Luna e Isaac, que voltaram a morar juntos, e meu pai arrumou
para isso e torcia para que este dia demorasse a chegar. Mariana, filha de Luna,
ainda não sabia a verdade, seus pais estavam criando coragem para contar cada
detalhe. Não seria fácil descobrir que não era órfã e que os pais se
transformaram em vampiros.
de Geórgia e dos outros humanos prisioneiros das docas, ela não escaparia da
penitenciária.
humana esquisita e que ele era algum chefão da máfia. Pensava que tia Luna era
uma alucinação infantil, como os psicólogos tentaram me fazer crer, e que não
robe negro que contrastava com sua pele alva. Os cabelos escuros, presos em
uma trança, caíam na lateral de seu ombro. Heinz surgiu ao meu lado e me deu
Acenei para ele e fui em direção a ela. Com a cabeça erguida, passei por
entre os integrantes do Reich para alcançar o palco. Subi os degraus. Um, dois,
— Você tem certeza que quer isso? — Peguei a lâmina Zoe entre os
dedos e mostrei. — Vou atravessar essa lâmina em seu coração. Só fiz isso antes
uma vez, você será a segunda. Não posso garantir nada. Tem certeza mesmo?
Odeio ser vampira, mas sou covarde demais para me matar. — Efigênia disse e
logo começou a chorar. — Fui tirada da minha família contra a minha vontade,
espectadores. Suas lágrimas molharam o meu ombro enquanto seu corpo tremia
atravessei seu coração. Uma luz dourada emanou de seu peito. De boca aberta,
Efigênia caiu de joelhos no chão. Puxei meu braço de volta, e o corte se fechou.
humana!!!
sou Isadora Martins. Tenho outras denominações, sou La Muerte, protetora dos
inocentes. Este meu lado só é conhecido por aqueles que fazem mal aos
humanos. Também sou a Filha da Guerra, minha vinda foi profetizada há mais
de mil anos, e sou capaz de trazer o fim da escuridão aos vampiros que, assim
como a Efigênia, desejarem ser novamente humanos. Sou também a futura dona
do Reich, uma vez que aceitei o pedido de casamento do líder de vocês, Heinz.
— Pisquei um olho para o alemão, lembrando do seu pedido nos jardins, sob o
um futuro melhor.
— Eu te amo, schatzi.
tocar.
sentidos e me permiti ver as auras dos membros: uma variação de dourado, verde
Encarei o marrom profundo dos olhos de Heinz e fiquei na ponta dos pés para
ponto. O ponto onde eu deveria estar. Nós, seres vivos, humanos ou vampiros,
colocar o destino em nosso caminho. E eu sentia que meu lugar era ali, no Reich,
mãos dadas com o Heinz, encarei os meus aliados do Reich. Eu era abençoada
pelos deuses não apenas pelos poderes que tinha, mas também pelos amigos que
conquistei. Unidos, éramos mais fortes. O Reich se tornou parte de mim, e juntos
poderíamos fazer a diferença para proteger a raça humana dos perigos da noite.
Capítulo 53 — Reencontro
LUNA
A minha pequena Isadora não era mais uma criança, ela cresceu e se
tornou fantástica. Não parecia a garotinha que se assustou quando percebeu pela
Izzy costumava ouvir música enquanto brincava com a boneca. Uma vez, ela
sempre rezei para que Isadora estivesse feliz, saudável e livre. Tinha tanto medo
que a profecia fosse sobre ela, e todas as evidências apontavam para o sim. As
delírio de Scar sobre o que aconteceria quando a arma divina estivesse em suas
mãos, meu coração se enchia de pavor. Isadora era uma criança de alma pura, e
certeza que os horrores em sua vida não haviam manchado sua alma. Ela era um
pouco mais violenta do que eu esperava, mas não se ganha uma guerra apenas
com pacifistas.
um dia de escuridão e dor, acreditando ainda estar presa em meu tormento diário
de tantos anos. Em vez disso, senti um sabor doce e forte em minha boca, um
sabor que não sentia há vinte e cinco anos. Abri os olhos e me deparei com
Isadora e seus grandes olhos verdes fixos em mim. Por trás dela, estranhei o que
parecia ser a abóbada de uma igreja. Olhei ao meu redor, vendo que eu estava
brilhar através dos vitrais da janela. Perguntei com assombro. — É dia ainda?
Como?
dos vitrais, deixando que a luz do sol tocasse a sua pele. A garota de cabelos
— Acho que é o sangue dela, tia. A nossa Izzy é cada vez mais poderosa.
Tia? A nossa Izzy? Franzi a testa, tentando lembrar quem era ela.
— Eu te conheço?
— Sou Cecília. — Ela segurou minha mão e apertou. — Prima da Izzy,
mas não prima como sua filha, Mariana. Sabia que ela é dentista? Eu não a
conheci, mas a Izzy, sim. Ela disse que é bonita. Eu acredito, porque você é
bonita, e Isaac é... Nossa! Não preciso dizer como Isaac é para você, né? Já foi
casada com ele. Ah, mas ele não é Isaac para você, é Heitor. Bem, eu sou
sobrinha de Alice, não tenho o sangue de Izzy. Não tinha antes. Porque agora eu
tenho o sangue dela em mim, literalmente. Então eu posso dizer que a gente é
— Ah... — Tentei processar tudo que ela falou, mas meu cérebro ainda
estava confuso pelos anos de privação e tortura. Achei melhor concordar. —Ah-
ham.
— Temos que ir, em breve a sacristia estará cheia. — Heinz me tirou dos
meus pensamentos. — Assim como as ruas. Vamos para a mansão, temos que
relacionamento.
Sem ter para onde ir, eu pretendia seguir o alemão, quando uma mão
que os anos tenham permitido que meu marido me perdoasse por tudo que fiz.
anoitecer. Cada casal correu para o seu destino, e eu segui Heitor para o meu.
Academia onde dava aula como Isaac, a nova identidade que assumiu. Era perto
ele tentou ajudar minha sobrinha, mesmo que não tivesse obrigação nenhuma.
Depois, percebi que não deveria estar surpresa, Heitor sempre foi um grande
homem.
não tomava um banho decente havia trinta anos, e ainda tinha sido jogada na
terra por Scar, lá no cemitério. Fiquei com pena de deixar pegadas de lama por
todo o piso, mas os pés de Heitor estavam igualmente sujos. Não havia muito o
que pudéssemos fazer sobre isto, além de limpar depois. Ele me entregou o que
Era tão estranho trocar palavras com alguém depois de tantos anos se
recusando a falar. Principalmente com ele, um homem que julguei ter matado
décadas atrás. Heitor estava vivo, de certa forma, mas seu amor por mim parecia
ter morrido. Exceto por alguns relances, meu marido, se é que ainda podia
chamá-lo assim, se mostrou distante. Talvez ele estivesse com outra pessoa,
mais trivial para uma vampira fazer: chorar em um banheiro como uma
sentimentos. Dor pelos anos em que fui torturada, felicidade por saber que minha
filha, Heitor e Isadora estavam vivos, alívio por estar livre. Por tanto tempo
desejei a morte! Agora não sabia o que fazer com a vida que tinha. Choramingar
no vaso sanitário não ajudaria. Fui para debaixo do chuveiro, ansiosa para lavar
os meus cabelos e... Ah... Heitor era careca, não havia xampu ali. O jeito foi
lavar toda a sujeira de trinta anos com sabonete. Quando terminei e tentei me
pentear, nem mesmo com a genética superior dos vampiros consegui domar a
juba que ficou. Parecia que eu tinha colocado o dedo na tomada. Pelo menos,
estavam limpos. A roupa de Heitor ficou enorme em mim, mas tive que jogar
fora a minha. Lavar não seria suficiente para aqueles trapos velhos.
Abri a porta na intenção de pedir uma caneta para prender meu cabelo,
quando me deparei com Heitor apenas com uma toalha ao redor da cintura.
algumas gotas de água sobre a pele negra. Minha garganta ficou totalmente seca.
Eu não fazia sexo havia três décadas. Desviei o olhar para não pensar naquilo.
— Você tem uma sacola de lixo? Joguei o vestido velho que usava no
chão, estava imprestável.
Ele ficou de frente para mim, me estudando, sem mover ou falar. Quando
dedo. Nem isso eu não tinha mais, tiraram tudo de mim. Deveria me controlar
melhor. Eu tinha mais de setenta anos, não deveria sentir mais nervosismo.
Idade, o estado do meu cabelo ou ele estar provavelmente nu por baixo daquela
toalha eram coisas irrelevantes perto do fato de que Heitor estava vivo, apesar de
— Por?
eu sentei na cama macia de lençóis brancos. Eu fui forte por tantos anos, como
humana e como vampira, e agora só queria sucumbir ao alívio de saber que era
um pouco menos assassina do que havia pensado. — Tudo aconteceu tão rápido,
e quando vi, tinha matado duas das pessoas que mais amava no mundo.
continuei a amar, mesmo após sua suposta morte, ajoelhou-se aos meus pés e
aquilo comigo e com a sua irmã. Nunca disse isso para ninguém, mas a última
coisa que me lembro antes de desmaiar e acordar como vampiro era de você
preste a morder uma recém-nascida. Uma bebê que arrancou do ventre de sua
irmã. Entendia a sede de sangue, porém acreditava que você era um monstro. Eu
não disse para Isadora, mas nos primeiros anos te cacei e tentei proteger
Mariana, achando que você poderia machucá-la também. Caçar algo odiado é
fácil, mas perseguir uma pessoa que ama, na intenção de matar, é uma verdadeira
tortura mental. Eu tinha esperança que você tivesse voltado a si, no entanto, a
cada ano que você nunca tentava contatar Mariana, eu ficava mais angustiado.
Sabia que teria procurado sua filha para saber se ela estava bem...
vez, senti uma alegria indescritível. Se aquela garota estava viva, você não era
alegria que senti logo se transformou em preocupação. Izzy não sabia de sua
origem e não fazia ideia de quem você era, ou eu achava que não sabia. Por isso
a ensinei a lutar e treinei sua força, queria que ela aprendesse a se defender. Não
Ele se levantou e sentou ao meu lado, e a cama afundou sob o seu peso.
perdoado. Quando te vi subjugada por aquela mulher, tudo que eu queria era te
— Nunca deixei de te amar, sofri todos esses anos por sua perda. —
Respondi e envolvi meus braços ao redor de seu corpo, trazendo-o mais para
— Eu também, amor.
conversando sobre os trinta anos perdidos. Não importava que ele estivesse só de
toalha, e eu, com sua camisa folgada demais para o meu corpo. Teríamos todos
não quis acreditar em Isadora, então tivemos que fazer um tratamento de choque.
Pensei que nossa filha teria um ataque cardíaco quando nos viu. E quase tive um
Não foi fácil convencer Mariana que não éramos perigosos para conhecer
minhas netinhas, mas quando ela nos permitiu... Segurar aquelas duas
Heinz, tive uma visão privilegiada do quintal. Estava todo florido e iluminado,
secou as lágrimas que insistiam em rolar por seu rosto. Ela olhou de mim para
Mariana e abraçou as duas. — Pelo menos uma das minhas meninas eu verei
subir ao altar.
Nós a abraçamos, éramos uma família de novo. Não foi fácil contar a
verdade a Mariana, primeiro eu fui sozinha e disse a história toda, e ela pareceu
bem compreensiva, até ofereceu um café. Esperei dentro do consultório
café, chegou com dois seguranças do prédio que me arrastaram para fora. Ela
pensou que eu era algum tipo de louca psicopata. Quem poderia culpá-la, não é?
Já que sutileza não adiantou, Luna e Isaac tentaram uma abordagem mais
direta. Mariana desmaiou ao ver os pais vivos e com a aparência mais jovem do
que a dela. Todos tivemos que conversar com Mariana, até Heinz e Tom, para
que entendesse o que acontecera. Meses se passaram antes que minha prima
deles com as netas foi mágico. As crianças não sabiam que eram os avós
a “adotou” como sobrinha. Não que tivesse muita escolha, ninguém resistia à
Cecília. Ela casou na igreja com Takao meses atrás. Ninguém desconfiava que
comuns, depois teriam que fingir um acidente ou algo do tipo e fazer uma nova
identidade.
no rosto. Eu a puxei para o abraço coletivo. Foi meio estranho nas primeiras
semanas após a profecia. Alice se culpava por Luna ter se tornado vampira, Luna
se culpava por ter matado minha mãe e me transformado na bizarrice que sou, e
eu me culpava pelo trabalho que dei às duas enquanto crescia. Depois que
uma coisa em comum: eu. Quando se juntavam para falar como eu era
maravilhosa e todas as coisas fantásticas que fazia, eu até saía de perto. Não
aguentava mais ouvir as mesmas histórias, cada uma mais enfeitada que a outra.
com promessas de sofrimento e dor, caso o alemão me fizesse sofrer, o que era
até bonitinho, afinal o que dois velhos poderiam fazer contra o dono do Reich?
alguma coisa. Não aguentava mais os meus dois pais disputando por minha
que não eram meus amigos, me temiam. O que era ótimo, já que se tornou cada
vez mais raro alguém tentar desviar da linha. O Reich passou a monitorar as
sempre. Literalmente. Uns minutos a mais, uns minutos a menos não farão
diferença.
mulheres que estavam dentro do quarto: por causa da audição vampírica, todos
na casa escutaram. Ele era tão romântico, que eu tinha dificuldade de retribuir à
Sentei na cadeira para ser maquiada. Com duas vampiras e duas humanas
me ajudando, fiquei arrumada em uma velocidade excepcional. Luna, Alice,
alguns e sorriu para todos, até parar embaixo do gazebo, onde um juiz — que
sabia a verdade sobre vampiros porque foi frequentador do Reich quando mais
lembrando o tempo em que o odiei. Achava que era o inimigo, que tinha
para chegar na posição de poder que estava e era um líder nato, não apenas por
sua força física, mas também pela força de seu coração, sempre preocupado com
— Obrigado.
— Por existir, por estar viva, por ser essa mulher incrível, por ser minha
filha... — Meu pai acariciou meu rosto. — Eu tenho tanto orgulho de você, de
sua força. Você é fantástica, Isadora. Em nome dos humanos de Monte Carlo e
de todo o Brasil, obrigado por existir. Também pela honra de te levar ao altar. Eu
te amo, filha.
de justiça for algo genético, eu herdei dele, e o calor de seu corpo me enchia de
Meu pai adotivo, Fernando, surgiu na porta. Seu semblante era quase
vampira por completo. Eu sabia que ele me amava, apenas era meio difícil, após
Soltei Tom e o abracei. Os dois tinham discutido muito sobre quem me levaria
ao altar e terminaram chegando ao acordo que deveria ser o sargento, já que ele
Ladeada pelos meus pais, desci as escadas com confiança, sem contar os
passos. Aquele seria o meu novo lar, não precisava mais memorizar as rotas de
fuga. Caminhei pelo tapete vermelho sob o olhar atento de dezenas de vampiros
e de alguns humanos. Não desviei a atenção para nenhum deles, meu foco estava
Heinz segurou minha mão, e a cerimônia foi iniciada. As frases ditas pelo
juiz eram parecidas com as de um casamento comum, exceto pela parte do “na
por nós. Heinz — tão lindo em seu fraque — me deu um beijo rápido antes de
dizer:
eu. Talvez os deuses soubessem o que o meu coração desejava, mesmo que eu
não fizesse ideia. Nunca pensei em dividir minha eternidade com ninguém.
Depois de muita morte, dor e sofrimento que vi e vivi, achei que fosse melhor
não me apegar a outra pessoa. Porém, você não me deu outra opção. Eu me vi
Ceci deu uma risadinha e sussurrou para Takao: “esse que é o verdadeiro
olhar quarenta e três”, o que me fez rir enquanto secava minhas lágrimas de
que tinha planejado para aquele momento. Olhei para ele e percebi que palavras
— Ensaiei tantas vezes o que te dizer hoje, queria falar algo especial e
profundo, mas não consegui sintetizar em poucas palavras tudo o que sinto por
você. Foi quando percebi que não importa se tenho ou não a frase perfeita neste
momento, pois terei a eternidade para demonstrar o quanto eu te amo. Ich liebe
dich, liebling.
marido e mulher.
reclamou que a gente estava com o quintal cheio de vampiros, mas que a festa
era parecida com a dos humanos, só que servindo sangue e vinho em vez de
satisfeita.
— Achei que você diria que eu sou o seu mundo. — Pisquei um olho
para provocá-lo.
— Mundo é pouco. — Minha pele se arrepiou quando ele raspou a presa
gravata até o andar superior. Deixamos a festa rolando e fomos para o nosso
inteiro. Talvez porque a gente tenha, de fato, viajado por todos os continentes,
conhecendo vampiros e deixando o planeta mais seguro para aqueles que não
podiam se defender.
O Reich sempre seria o nosso lar, mas Heinz não se sentia mais tão preso
Monte Carlo se tornou um lugar seguro para se viver. Até porque eu não fui
abençoada pelos deuses para ficar presa a apenas um lugar, precisava ajudar a
folga e viajamos pela segunda vez para a Alemanha. Ao contrário da lua mel,
quando ficamos em cidades mais turísticas, dessa vez fomos para um lugar mais
especial.
antigas fronteiras não existem mais, não sei exatamente onde minha tribo viveu.
Porém, diziam que o tataravô do antigo chefe da minha tribo estava vivo na
convidativas na calçada.
exército romano para correr, eles ficaram na fronteira depois do rio Reno, e nós
ficamos com este lado. Está vendo ali? — Ele apontou para uma igreja com
telhado marrom e várias torres. A torre mais alta, no entanto, tinha as telhas
negras. Uma plaquinha rústica dizia “Kirche St. Martin”. — Eu fiquei ali por
perceber que ela era uma louca que se achava uma deusa e desprezava a
humanidade?
Encarei o nome Martin na placa da igreja. Era meio estranho que a igreja
onde Heinz hibernou por séculos tivesse o nome do santo quase igual ao meu
Voltamos para a pousada, ela seguia o mesmo padrão das outras casas:
minha mão das labaredas, eu não sentia o calor da chama e tampouco o frio dos
graus negativos que fazia lá fora. Não estava reclamando, não sentia falta de ter
o cabelo grudando no pescoço por causa do suor, mas era estranho como a
aquecido para quando Heinz saísse do chuveiro. Ele não era susceptível ao frio
banheiro, eu pude ver o vapor quente pairando no ar. Heinz, em toda sua gloriosa
nudez, estava embaixo do jato de água. Fiquei parada, observando sua beleza
— Depende. — Retruquei.
— De quê?
faz isso.
do suposto frio.
— Eu acho que esse é o nosso primeiro encontro. — Disse enquanto
com alguém por perto. O bom de estarmos fora do Brasil é que podíamos
passado?
Comecei a enumerar com os dedos:
ninguém.
que ele dissera tantos anos atrás, no primeiro festival de fim de verão. — O que
Limbo
Este era o tempo de vida que restava na Terra após a explosão do sol.
nada.
E depois disto? Esta era a grande incógnita. Seria o mais cético entre nós
possibilidades a meu alcance. O meu futuro era como uma tela em branco,
pronto para que eu traçasse todas as linhas que dariam cor à minha vida.
Não muito diferente do que acontecia todos os dias, quando os jornais passavam
a mesma notícia de novo e de novo e nada era realmente novo, tudo parecia uma
imensa relatividade. O que era uma verdade absoluta hoje, poderia ser refutada
amanhã. Não existia certo ou errado, santo ou pecador, tudo dependia do ponto
de vista de cada um. O ser humano era como o Yan e o Yang, um equilíbrio
constante entre o bem e o mal. Eu apertava com tanta força o controle remoto em
uma mão e o celular na outra, que me assustei quando este vibrou com uma
mensagem:
“Espero que você consiga ler isto, tentamos ligar, mas a chamada não
completou. Estamos presos no trânsito, talvez a gente não consiga chegar. Saiba
que amamos demais você e sua irmã, são a nossa razão de viver. Não importa o
que aconteça, jamais esqueça disso. Fique com ela, não a deixe sozinha. Nunca
pensei que isso fosse possível, tudo que sempre desejamos foi ver vocês
contador congelado em oito minutos e vinte segundos. Nada mais era relativo, a
nada adiantavam. Ora, se nem mesmo a mais moderna tecnologia da NASA era
arranhado e o controle da velha tv? Nenhum deles seria capaz de trazer meus
pais para casa. Sequei as lágrimas que rolavam por minha face, eu jamais os
veria de novo.
da natureza humana, nem tudo no mundo era relativo. Havia algo que não foi
aqui divagando quando deveria permanecer junto da única pessoa que amava em
existiria mais.
agarraram meu pescoço, assustada, ela chorava contra o meu peito. Acariciei
Ela, no entanto, podia ouvir como o meu coração batia acelerado contra a
lateral do seu rosto. Pela janela, vi que o céu continuava em uma cor estranha,
Este foi o tempo que nos foi dado para que pudéssemos nos despedir de
cientistas se enganaram, ele não se tornará uma anã branca daqui a bilhões de
O tempo era curto demais, meus pais ficaram presos no trânsito, não
conseguiram chegar. Liguei para alguns amigos, mas a maioria não atendeu.
Verifiquei meu relógio: agora faltavam apenas três minutos de vida até a
Diana "The Red Rose" Clark sempre quis ser uma lutadora como o pai.
Porém, os troféus de boxe que ostenta em suas prateleiras não são suficientes.
Ela quer mais. Muito mais. Deseja estar ao lado de grandes competidores nas
lutas mistas e, para isto, precisará ir além dos socos e cruzados de esquerda.
carreira jogados na lama após ser pego no antidoping pelo uso de esteroides.
Como especialista em judô e jiu-jitsu, ele está fadado a treinar lutadores, não
mais em ser um. Tentar a sorte nos Estados Unidos se torna a única opção que
lhe resta.
Era uma noite fria de inverno em Nova Iorque. A fina nevasca nos pegara
rosas. Lindo. O couro macio estava úmido por fora, e meu dedo deslizava
meu irmão, mas o gelo derreteu por completo quando entramos naquele lugar
imenso. Perguntei o porquê para mamãe, e ela apontou para um objeto no canto
forma tão rápida e mal percebi que finalmente havíamos entrado na arena. Não
era como o pequeno ringue em Phoenix, onde meu pai costumava treinar. Eram
muitas pessoas ao meu redor! Sons, aromas e barulhos diferentes dos diversos
mesmo que no dia seguinte ela poderia estar derretida antes que eu tivesse a
assento havia uns vinte minutos. Primeira fila. Lugar de honra. Fiquei em pé,
para ter mais um relance da multidão, antes das luzes esmaecerem e os holofotes
daquele ambiente desafiasse o próprio clima. Não apenas por causa do velho
aquecedor, mas também pelas pessoas e pela vida que emanava delas.
Ok, talvez um pouco. O homem que nos deixou entrar e que mostrou o
local em que ficaríamos era muito alto e forte. Os braços estavam cheios de
tatuagens despontando por baixo da camisa escura, que mal conseguia esconder
estranho de adulto. Não entendo por que a maioria faz um cafuné na cabeça das
estava feliz por finalmente conhecer os pequenos Clark, por isso sorri de volta
para ele.
E aquele sorriso não morreu dentro de mim. Ficava cada vez maior, a
tomamos o nosso lugar, olhei para a frente, para o local mais importante daquela
imensidão. Meus pés não alcançavam o chão, e eu os balançava com ansiedade.
Não me deixaram com medo, como mamãe achou que fariam, eu queria
gritar e bater palmas com elas. O cheiro não era dos melhores, nisso eu
concordava. Vovó me colocou no colo, e assim pude enxergar melhor. Ela era a
maior fã do meu pai, mais do que eu e a mamãe juntas! Ouvia isso dela sempre,
mas não quando minha mãe estava por perto. Jamais perdia uma luta. Mesmo
Eu nunca tinha ido a uma luta do meu pai. Era muito nova, e ele precisou
cobrar milhares de favores para permitirem que seus filhos — eu e meu irmão,
Derek — pisassem na arena. Convencer mamãe a nos deixar ir foi ainda mais
complicado.
magro, com cabelos grisalhos e roupas pretas, subiu ao ringue com um grande
microfone na mão. Sua voz era profunda e ecoava por todo o estádio:
— Vocês estão prontos para a luta do ano? — Ele pausou para ouvir o
ritmo dos gritos, as vozes pareciam me preencher e dar forças. Papai se tornou o
Machine Gun por causa da metralhadora de socos que usava para nocautear os
direita, e papai surgiu em meio à comoção. Ele caminhou com passos decididos,
o rosto parcialmente coberto pelo capuz do roupão de seda preta, com seu nome
gravado nas costas. Eu costumava usá-lo, junto das luvas de boxe, brincando de
lutadora pela casa. Ali, entretanto, não era o meu papaizinho, era alguém maior e
mais forte vestindo sua pele. Era feito de aço e determinação. Sem desviar o foco
fundo e sentir vovó segurar minha mão com força. Meu pai era grande, mas
minhas veias de um medo quase irracional. Não queria ver o meu herói beijar a
lona. Não quando eu estava ali pela primeira vez. Uma testemunha aflita pelo
desenrolar da noite.
Obedeci. O foco do meu pai tinha sido desviado. Não era no oponente ou
no ringue, mas em nós, sua família, sua “fortaleza”, como costumava chamar.
Um pequeno sorriso despontou por baixo do capuz quando ele tirou o roupão e o
manto sagrado.
Não demorou muito para a luta ser iniciada. Socos rápidos, sem parar.
escorreu pelo seu rosto, sujando a luva vermelha do oponente. O Machine Gun
não parou, nem mesmo hesitou antes de retribuir com um cruzado acima da linha
Foi quando vovó sussurrou “fígado” para a mamãe, com certa satisfação
na voz. Não tinha certeza de onde ficava isso, mas pela careta do loiro, devia
Havia sangue no chão, no rosto e no canto da boca dos dois lutadores. O barulho
de um nariz quebrando sob a luva do meu pai foi abafado pelo urro da plateia.
Mamãe e Derek se abraçaram, olhos fechados, e uma prece escapou dos seus
lábios. Vovó me apertou, passando seus braços ao redor da minha cintura. Meu
foco estava apenas nos dois oponentes, no movimento dos seus corpos e nos
golpes aplicados.
porém a metralhadora de socos do meu pai não parava de agir. Um. Dois. Três.
Foi algo passageiro, apenas por um segundo, mas o suficiente para meu pai
nocaute.
ringue.
“Seis”
“Sete”
Levantei os olhos para encarar meu pai, seu olhar era cauteloso e
expectante. Mesmo com a vitória quase certa, ele não baixaria a guarda até o fim
da contagem.
“Oito”
“Nove”
“Dez”
O sino soou alto, anunciando o tão esperado fim. Papai me puxou para
demais. Havia um novo dono do cinturão. Meu pai sorria, os músculos suados e
castigados pela luta não diminuíram sua felicidade. O juiz levantou o braço
direito de papai. Era oficial, Daniel “Machine Gun” Clark tornou-se o novo
todo o meu corpo, ele sabia que eu, Diana Clark, um dia também subiria em um
ringue.
Série Jack Rock
Aos 14 anos, Elle tinha uma vida perfeita, com pais amorosos, lar feliz e
seu vizinho e melhor amigo, Chris, por perto. Porém, em uma noite fria, seu
amigo vai embora em busca de seu grande sonho: se tornar uma estrela do rock.
guitarrista da famosa banda Jack Rock, vai ao resgate de sua amiga de infância,
entre si e escrito por três autoras, podem ser lidos na ordem que as leitoras
desejarem!
garçonete parecia uma boa ideia, até ela descobrir que sua função principal seria
apagar.
Não era exatamente uma boa perspectiva de futuro para a criativa e
romântica jovem... O que ela não imaginava é que Lorenzo Santini, o garoto de
ouro e crush dos tempos da escola, cruzaria seu caminho justamente no primeiro
notaria?
tudo em suas mãos, inclusive os homens. Para ela, eles não passam de um
entretenimento descartável. Até surgir uma proposta que abalará sua vida,
entre seu empresário e a poderosa CEO. O que bad boy favorito do país não
imagina é que sua acompanhante de excelente reputação pode ser tão selvagem
quanto ele.
único objetivo.
Escrever Reich foi uma delícia suprema. Eu, como leitora, sempre
amor à primeira vista. Eles pediam um conto curto, então pensei em criar um
em homenagem a uma amiga minha que sempre conversava comigo sobre livros
nome verdadeiro dela, para mim, sempre será lembrada como Izzy Cullen.
mitologia.
Amazon, Reich me trouxe uma das maiores maravilhas que o escritor pode ter:
parte de verdade dela: Raiele Melo, Ana Luiza Marriel, Andrea Barione,
Elidiane, Maya Almeida, Rosa da Cruz, Isabel Cristina, Ruth Helena, Yka Nick,
Cristina de Souza, Janah Silva, Dafini Dresch, Raylane Fragoso, Giulia Giu,
obrigada!
Outra pessoa que fez parte de Reich, estrelando como a perversa Scar,
ao meu lado nesta jornada: Kalina Nascimento, Manu Sousa, Camila Alkimim,
Viviane Afonso, e tantos outros que ajudaram a espalhar Reich pelo Brasil.
seria. Meu marido, filho, mãe, padrasto, sogros, irmãs e sobrinhos. Vocês
sempre serão minha rocha e caminho. Sem o apoio de vocês, não conseguiria
fazer nada.
Aretha V. Guedes.
Sobre a autora
anos. Sempre amou livros, séries, filmes, músicas e jogos. Recebeu no Wattpad o
New Adult A Soma dos meus erros. A série Jack Rock conquistou milhões de
Romance e erótico não são suas únicas linhas de escrita, também escreve