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A TORRE DA MÁ HORA

Era um casal, que o marido era pescador. E então ia todos os dias ao mar
e não apanhava nada… de peixe. E a mulher chorava:
5 - Oh homem! Vais ao mar e não apanhas peixe e não temos um filho
para nos alegrar e não temos nada, pois vivemos sozinhos os dois.
E porque era assim …lá reclamava. E então o homem continuava, até
que um dia o homem se pôs a dizer:
- Ondas do mar, ondas do mar, minha Isabel está a chorar. Oh lindo
10 peixe pode-nos valer, à Isabel para não sofrer.
E então o homem joga a rede para apanhar, e quando vem um grande
peixe. Vem um grande peixe e apanha o peixe e então disse-lhe o peixe, disse-
lhe, falou com ele e disse-lhe:
- Não me mates. Não me mates e pede o que tu quiseres.
15 E ele então disse que a mulher sofria, porque não tinha filhos e então ele
também. E então que desejava que a mulher tivesse filhos. E então o peixe foi-
se embora. E no outro dia disse para ele voltar. E ele voltou no outro dia,
aparece o peixe outra vez. Aparece o peixe outra vez e disse-lhe para ele:
- O matar, apanhar e o matar e fazer (três…nove postas de peixe…) doze
20 postas de peixe.
E então o homem apanhou o peixe, levou-o e assim fez. E então o peixe
foi cozido e, depois de cozido, a mulher comeu três postas. Tinham uma
canita(1), comeu outras três postas. Tinham uma égua, deu-lhe outras três
postas à égua. E as outras três postas enterrou na estrumeira onde tinha, onde
25 estava o estrume, o lixo.
E então a mulher apareceu grávida, teve três filhos. A cadelinha
engravidou, teve três canitos. E a égua teve três cavalinhos. E na estrumeira
onde ele começa a vêr a nascer, a nascer, a nascer, nasceram três espadas. Ora
que as espadas foram crescendo, até que cresceram à maneira… apanhou as
30 espadas, o homem apanhou as espadas, guardou, que era o que o peixe lhe
tinha dito, para logo fazer isso. Guardou e então os cavalinhos foram
crescendo, os potrozinhos iam crescendo e então cresceram e deram uns
cavalos. Isso foi com os anos. Os canitos da cadela cresceram, foram três
leões. E já vê: era três leões, era os três cavalinhos, era os três filhos e era as
35 três espadas. ( Eram as doze, três vezes quatro são doze.)
E então cresceram, cresceram, cresceram até que um dia já eram homens,
já aquilo tudo era, já com idades. E então um dos filhos disse assim ao pai, o
mais velho (sempre o que nasce primeiro é sempre o mais velho, eram três
gémeos mas sempre o que nasce primeiro é sempre mais velho). Então o mais
40 velho dise para o pai:
- Oh meu pai, eu quero ir correr o mundo. Quero ir correr o mundo, não
posso estar aqui, tenho que ir procurar a minha vida para vos ajudar.
E então pediu ao pai que lhe desse um cavalo, que lhe desse um leão, e
lhe desse uma espada para ele levar. E o pai assim fez. Assim fez ele e ele foi.
45 Levou aquilo e foi. Montou-se no cavalo e foi-se embora. Foi-se embora e foi
andando, andando, andando, andando pelos campos, pelas terras. E então

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meteu-se numa floresta, (numa coisa), num campo. E depois, então, quando
vai lá muito adiante já pelo campo, pela floresta a fora, quando ele avista uma
torre. Uma torre … E assim:
50 - Olá, mas que será aquilo?
Mas ao mesmo tempo que vê ao lado um pastor e então vai o pastor:
- Oh meu senhor. O senhor se faz favor não me diz que torre é aquela? O
que é aquilo, o que é que aquilo significa?
Diz-lhe o pastor assim:
55 - Oh meu menino, aquilo é a torre da má hora, quem lá vai não torna.
E então o rapaz foi e disse-lhe:
-Bom, vamos vêr.
E então abalou e foi. Foi, chegou lá, bateu as palmas, não havia
ninguém, bateu as palmas…E então quando lhe aparece uma velha com uns
60 grandes cabelos, toda muito velha, toda muito… bom velha, velha como
aquelas velhas feias e sujas e extravagantes. E então apareceu-lhe a velha e
disse-lhe:
- Olá meu menino, há quanto tempo não vinha por aqui ninguêm. O que
é que vossemecê deseja.
65 Diz ele assim:
- Desejava descansar um pouco.
- Ah sim, sim , sim entre, entre, entre. Também isto já é sol posto. E
então vossemecê não pode continuar, não pode seguir o seu caminho, se tiver
que andar mais para longe. E então, olhe, venha jantar comigo, venha jantar
70 comigo.
E então arranjou um grande jantar para os dois. No que estava comendo,
diz ela:
- Vossemecê não sabe uma coisa, que nós aqui costumamos, quando
chega aqui alguém, entretemos um pouco à noite como nós estamos aqui os
75 dois, a jogar um bocadinho à carta. Esse que vencer, tem que lutar um com o
outro para vêr qual é o que vence.
De maneira que a velha sabia aquele jogo todo e é que venceu, venceu e
depois foram lutar, cada um com a sua espada. Ora a velha tinha todas aquelas
artes, o príncipe era novo, ainda não tinha manejado a espada vez nenhuma.
80 Pois a velha venceu, venceu, apanhou-o e meteu-lhe dentro de um alçapão.
Meteu-lhe dentro de um alçapão, lá estava ele lá metido dentro do alçapão,
todo ferido.
De maneira que passados três dias, porque o irmão disse que ao fim dos
três dias voltava, passados três dias não voltou, diz o outro a seguir:
85 - Eu vou à procura do meu irmão. Meu pai tem que me dar também uma
espada.
O mesmo que tinha dado ao irmão: a espada, o cavalo e o leão.
E ela também tinha dito ao rapaz:
- Olhe, tome lá um cabelo. Prenda lá na cavalariça o seu cavalo. E com
90 este prenda o seu leão.
Ele fez isso. E então o rapaz quando ela estava a vence-lo, disse-lhe:
- Acode meu leão.

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E ela disse-lhe assim:
- Engrossa meu cabelão!
95 Então os cabelos da velha tornaram-se em correntes. Tanto o cavalo
como (o cão) o leão, não se pôde safar. Estavam presos, estavam seguros. E
então foi quando o irmão ao fim dos três dias foi procurá-lo. Foi procura-lo,
encontra o mesmo dito pastor, também lhe “procurou”(2) e ele disse-lhe:
- Oh meu menino…
100 - Que torre era aquela?
Ele disse que aquilo era a torre da má hora, quem lá vai não torna.
- Olhe, há bem três dias que passou por aqui um rapaz muito parecido co
o senhor e também fez a mesma “procura”, mas…nunca mais o vi voltar.
Diz ele assim:
105 - Sim! Deve ser o meu irmão, que eu venho procurar.
E então foi, chegou, aconteceu o mesmo, com a velha. A velha apareceu.
Também lhe fez o mesmo convite para jantar, fez o mesmo convite para, para
luta, ás cartas, jogarem ás cartas e lutarem e então…
De maneira que aconteceu o mesmo. Ela é que ganhou, ela é que
110 ganhou. Lá o pôs lá dentro. Ele quando viu o irmão lá dentro, disse:
- Cá está o meu irmão.
Ficaram os dois ali dentro do alçapão.
Foi o terceiro, foi o terceiro, também aconteceu o mesmo. Mas o pastor
quando o viu disse:
115 - Ai meu menino! Olhe vossemecê vem muito mal encaminhado, porque
além é a torre da má hora e quem lá vai não torna. Há seis dias, primeiramente
em três dias, passou aqui um rapaz e foi para lá e nunca mais voltou. E aos
seis dias passou outro rapaz e, também, que até se pareciam ser irmãos e então
também não voltou, e vossemecê tenha conta. Vossemecê não faça nada do
120 que lhe disserem para você fazer.
E então, a velha, ele chegou, chegou lá, a velha fez os mesmos
contratos(3), deu-lhe os cabelos também para, para prender. Deu-lhe um
cabelo:
- Tome lá, prenda o seu leão. E tome lá, prenda o seu cavalo.
125 Mas o rapaz não fez isso, porque a velha estava nesse dia cozendo pão e
estava o forno a arder e diz ele assim para ele:
- Oh, o que é que farei eu com dois cabelos, um para prender o leão e o
outro para prender o cavalo.
E jogou os cabelos para dentro do forno. Os cabelos arderam. Arderam e
130 então, foi então, e pôs lá na cavalariça e o leão e o cavalo, e veio a jantar com
a velha. Comeram, comeram muito bem. Sim senhor! E foram jogar à carta.
Acabaram de jogar à carta, pois foram à luta, à luta. Ele viu-se que estava
ferido e disse:
- Acode-me meu leão.
135 E ela disse:
- Engrossa meu cabelão.

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Mas ainda bem a palavra dela não estava dita, já o leão estava em cima
dela. E com ela “coiso”, lutou com ela, que matou a velha. Matou a velha,
matou…
140 Bom, matou a velha sim, que ela depois morreu. E então (…)foi então a
procurar onde estavam os irmãos. O alçapão, viu aquele alçapão e foi ver e
então encontrou os irmãos, encontrou os irmãos.
Ela tinha por lá muitas caixas, muitas coisas lá metidas nos buracos. Ele
em procura e viu até que era uma pomada que curava as feridas.
145 Depois os rapazes seguiram o seu caminho, os rapazes depois que
estavam, o irmão curou-os com uma pomada que encontrou, que a velha como
era mágica(4), era… E então tinha aquela pomada para curar as feridas das
pessoas que aparecessem lá. E então seguiram depois caminho. Os rapazes
cada um foi para seu lado e o mais novo foi direito áquela cidade onde
150 encontrou aquele palácio, aquela terra e aquele palácio onde na torre estava,
havia um rei que tinha uma filha presa lá, porque não podia encontrar-se com
rapazes. E então quando ele (…) quando andou a entrada da casa(5), do
palácio, estava um grande leão à entrada, que era para que ninguém entrasse lá
dentro. E então o rapaz esteve a olhar, esteve a olhar e lá na porta tinha uns
155 dizeres (que eu agora não me lembro quais eram os dizeres). E então o rapaz
disse, o rapaz leu:
- Se o leão estiver de olhos abertos, podes entrar, se estiver de olhos
fechados, não entres.
E então o rapaz viu que o leão estava de olhos abertos, e então, foi e
160 entrou. Entrou para dentro do palácio e depois quando ia para se tirar(6)… o
leão acordou, porque dormia de olhos abertos e quando fechava os olhos era
quando acordava. E viu o rapaz. E então jogou-se ao rapaz, mas o rapaz como
levava a espada lutou com ele e matou-o. Matou-o, entrou para dentro do
palácio e foi seguindo, seguindo. Lá uma outra entrada numa outra, numa sala,
165 encontrou outro leão. Encontrou outro leão e então aconteceu a mesma coisa.
Também lutaram, também… Foram três leões, matou três leões. E quando
chegou à noite, ele vai, entra numa sala, quando vê uma mesa posta com tudo
quanto era bom de comida. E uma voz que lhe disse:
- Come! Satisfaz a tua vontade e ao lado tens um quarto para dormir.
170 E então o rapaz comeu, satisfez a vontade e foi-se deitar no quarto.
Quando estava dormindo, foi então a princesa com uma vela acesa para ver a
cara do rapaz, e então descuidou-se e deixou cair uma pinga em cima da cara
dele. No que deixou cair dá um grito e diz assim:
- Ai! Já me dobraste(7) os meus anos de(…) encanto. Já me dobraste os
175 meus anos de encanto.
E então ela fugiu e desapareceu. Ele nunca mais a viu(…) Ah! Ela depois
no outro dia aparece então foi com as maçâs. Atravessando o corredor, dando-
lhe as três maçâs, mas ele não viu a cara dela. Ela dá-lhe as maçãs e disse:
Quando tiveres algum desejo parte uma das maçãs e come, mas não
180 deixes cair pecadinho(8) nenhum.
Mas depois ele foi-se embora e depois pelo caminho havia muito calor e
chegou à beira duma fonte onde havia uma árvore. E então sentou-se debaixo

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da árvore para descansar e lembrou-se da maçã e partiu a maça. Comeu, mas
descuidou-se logo, deixou logo cair um bocado. Mas depois apanhou, apanhou
185 e guardou. Guardou. Foi então quando descansou, foi-se embora para casa.
Foi-se embora para casa, chegou a casa dos pais e os irmãos muito aflitos à
espera dele. E então os irmãos perguntaram-lhe o que é que lhe tinha
acontecido e ele disse que lhe tinha acontecido várias coisas, mas que ainda
não tinha perdido as esperanças daquilo que ele tinha ido lá à procura.
190 E então, um dia, lembrou-se que tinha as maçãs, tinha guardado as
maçãs, mas depois lembrou-se que tinha as maçãs e disse aos irmãos que ia
buscar as maçãs para lhes dar a eles. E então foram, partiram cada um a sua
maça E ele comeu o bocadinho da outra, que tinha guardada. Nessa altura foi
então quando lhe apareceram as três raparigas ou três princesas, que cada uma
195 delas casou com um dos irmãos e viveram muito felizes

5
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(…) Esquecimento do narrador
(1) Canita - cadelinha
(2) “Procurou” - perguntou
(3) Contratos - propostas, sugestões
200 (4) Mágica - bruxa, feiticeira
(5) Andou a entrada da casa - entrou em casa
(6) Ia para se tirar - retirar-se, sair
(7) Dobraste - Aqui não se sabe se dobrou os anos de encanto ou se quebrou
os anos de encanto
205 (8) Pecadinho - bocadinho

210
[ Informante: Maria Luisa Faleiro, idade: 74 anos, nasceu em Conceição de
Tavira e reside actualmente em Pinheiros de Marim ].

215

220

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230

235

240

6
INTRODUÇÃO

245
Este conto "A Torre Da Má Hora", o qual me propus a analisar, é
segundo o catálogo internacional de Aarne-Thompson, um conto maravilhoso
com adversários sobrenaturais (tipo 303). É um conto de estrutura muito
complexa que comporta elementos sobrenaturais (nascimentos mágicos,
250 objectos mágicos, encantamentos e desencantamentos). O conto maravilhoso
não se aproxima do real, pelo contrário afasta-se e tenta destruir "a ilusão
realista".
Através de vários catálogos de classificação de contos, pude observar
que existe outras versões com variantes do tipo 303, desde versões
255 espanholas: "El Castillo De Irás y no Volverás" e "El Castillo Encantado"; a
versões americanas: "The Golden Children" e "The Two Brothers" até à
versão francesa: "Les Trois Fils Du Meunier".
Era interessante fazer um estema com todas as versões existentes, para
saber qual a que se aproxima do arquétipo. Contudo, esse trabalho não cabe a
260 mim realizá-lo, mas aos folcloristas da escola finlandesa que postulam para
cada conto-tipo, a existência de um arquétipo - forma original do conto, do
qual derivaram todas as versões comprovadas e outras perdidas na tradição.
O melhor estudo que, até agora, foi feito sobre o conto de " Os Dois
Irmãos", é o de Kurt Ranke: "Die Zwei Bruder". Segundo Ranke, o arquétipo
265 primitivo desse conto tinha certos elementos que aparecem em algumas
versões modernas, mas estas são muito poucas e quase todas do Oeste da
Europa.

270

275

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285

7
15
ANÁLISE MORFOLÓGICA
290

Foi com o folclorista russo, Vladimir Propp, que verdadeiramente estreia


a análise morfológica do conto em 1928, com o seu livro "Morfologia do
Conto". O resultado desse trabalho foi a descrição dos contos, segundo as
295 partes que os constituem e as relações dessas partes entre si. Nos contos, ele
vê elementos variáveis e invariáveis, mas o mais importante é aquilo que não
varia: as acções ou funções das personagens.

300
O MODELO DE PROPP.

I. Um casal, o marido era pescador e a mulher chorava. (Situação inicial


- a). O homem não apanhava peixe e não havia um filho para lhes fazer
305 felizes. Viviam sozinhos ( Falta - a ). A mulher pede peixe e um filho
( Pedido -B 2 ). Um dia, o homem vai à pesca e faz um apelo às ondas do mar
para lhe trazer peixe (- C ). Joga a rede, quando surge um peixe, que lhe
implora que não o mate em troca de um desejo. O pescador diz: que desejava
que a mulher tivesse filhos, o peixe pede para ele voltar noutro dia ( Entrada
310 em cena do doador que submete o pescador a uma prova de humildade e
generosidade -D 5). O pescador cumpre a promessa ( Reacção do pescador -E
1¯ ). O peixe diz ao pescador para o matar e dividi-lo em doze postas (O
doador auto sacrifica-se. Ele é o objecto mágico -F 7 ).Assim fez o homem e
reparte o peixe em três postas para a mulher, mais três para a cadela, outras
315 três para a égua e as últimas três são enterradas na estrumeira. Depois a
mulher aparece grávida, teve três filhos, a cadela teve três cães, a égua teve
três cavalinhos e na estrumeira nasceram três espadas. Com o passar dos anos
os filhos e os animais cresceram ( Reparação da falta por meio do consumo
do peixe mágico -K 5 ).
320 II. O filho mais velho diz ao pai que quer "ir correr o mundo" (Falta -a
6). Recebe do pai um cavalo, um leão e uma espada. Parte de casa montado
no cavalo ( Transmissão de três auxiliares. Partida e início da busca -F 1 ).
Percorre terras, mete-se numa floresta e vê muito adiante uma torre, e ao lado
vê um pastor ( Deslocação da personagem no espaço e entrada em cena de um
325 mandatário ). O pastor fala sobre a "Torre da Má Hora, quem lá vai não
torna". O rapaz parte e chega às proximidades da torre. Ao chegar bate
palmas, mas não vê ninguém ( Diálogo e aproximação do objecto da demanda
-G 2 ). Surge uma velha que o convida para descansar, jantar, jogar às cartas e
pede-lhe que prenda o cavalo e o leão com um dos seus cabelos. Há a
330 proposta de uma luta ( Entrada em cena do agressor que tenta enganar a sua
vitima por meio da persuasão e da magia -h1, 2 ). Dá-se o combate , o rapaz
pede ajuda ao seu leão que está preso. A velha engana-o, pois os seus cabelos
transformam-se e "engrossam" como correntes de ferro ( -H 2 e derrota ).

8
III. .Depois, a velha meteu o primeiro irmão dentro de um alçapão,
335 ferido ( Marca no corpo -I 1, e malfeitoria -A 15 ). O segundo estranha o
atraso de três dias do irmão mais velho e presente o perigo. Decide partir (-B
3 -C).Pede também ao pai um cavalo, um leão e uma espada ( -F 1 ). Encontra
o mesmo pastor que lhe fala do mistério e do perigo da torre, e sobre um
rapaz que ali passou muito parecido com ele. O rapaz parte, chega às
340 proximidades da torre ( -G 2 ). Tentativa da velha em enganar a sua vitima da
mesma forma que enganou o irmão (h 1, 2 ). Dá-se o combate e a derrota ( H
2 ).
IV. .A velha mete o segundo irmão dentro do alçapão, lá dentro encontra
o irmão mais velho ( Malfeitoria -A 15). "Foi o terceiro […] também
345 aconteceu o mesmo" ( linha 112, a informante omite a reprodução dos
elementos -B 3 -C -F 1 -G 2 da III sequência, e faz uma síntese ). A velha fez
as mesmas propostas ao irmão mais novo. Este não se deixa enganar e deita
fora os cabelos. Dá-se o combate (-H 2). Durante a luta, o rapaz pede ajuda ao
seu leão, e este como não tinha sido preso, mata a velha ( Vitória do herói -J
350 1).Os irmãos mais velhos são libertados e curados com uma pomada
(Reparação da malfeitoria -K 10). Depois "os rapazes seguiram o seus
caminho. Os rapazes cada um foi para seu lado …"( linha 145-146 - Volta
para casa ¯). Chegada do herói a uma cidade onde havia um palácio com uma
torre (-O ).
355 V. Na torre estava presa a filha de um rei, porque não podia tomar
contacto com rapazes ( Falta - a ). À entrada do palácio estava de guarda um
leão, e na porta havia uns dizeres: se o leão estiver de olhos abertos, podes
entrar, se estiver de olhos fechados, não entres. ( Entrada em cena do
agressor). O animal estava de olhos abertos, o herói decide entrar no palácio,
360 mas ele é visto . Dá-se o confronto. O herói vence (-H 2 ). O elemento H 2
repete-se mais duas vezes ( Triplicação). Depois, o rapaz entra numa sala
onde está uma mesa posta com comida. Uma voz diz-lhe para ele comer e
dormir ( Recompensa ). A princesa espia o rapaz quando este dorme, deixa
cair uma pinga de cera da vela na sua cara ( "Já me dobraste os meus anos de
365 encanto" linha 173-174). Desaparecimento da princesa. No outro dia, a
princesa aparece misteriosamente, dá três maças ao herói, mas não mostra o
rosto. E diz-lhe para quando tiver algum desejo, que partisse uma das três
maças. Partida do rapaz ( Recepção de um auxiliar mágico -F 7 ). Pelo
caminho, decide descansar à beira de uma fonte onde havia uma árvore,
370 antecipa-se em comer uma das maças. Deixa cair um bocadinho, mas
guardou-o logo. Partida ( ). Chegada do irmão mais novo a casa dos pais.
Conta o que aconteceu e mostra as maças ( Volta do herói a casa ¯). Dá as
duas maças aos seus irmãos e ele come o bocadinho que tinha guardado. Ao
comerem as maças aparece três princesas, cada uma casou com um dos
375 irmãos e viveram muito felizes ( Fim da busca, desejo realizado através do
consumo da maça mágica -W ).

20 9
380 Nota: A informante teve um lapso de memória ao narrar o conto.
Esqueceu-se do motivo dos cabelos da velha que engrossam. Daí que faz uma
analepse no discurso. Na análise morfológica, eu não analiso esse motivo na
III sequência do conto, momento real do discurso onde a elipse ocorre, mas
descrevo esse motivo no momento apropriado do discurso ( na II sequência).
385 Essa reconstituição foi possível através da leitura de outros contos com
motivos semelhantes.
Na última sequência, nota-se a ausência de algumas funções
fundamentais, que seriam importantes para a compreensão dessa parte do
conto. O que se verificou foi que a informante reproduziu certas fórmulas de
390 outros contos, dai a percepção de que existe duas histórias dentro da "Torre da
Má Hora". Segundo Propp, as partes constituintes de um conto podem ser
transportadas para outro. Esse improviso deve-se ao facto da informante, que
foi uma especialista em contar histórias, já não praticar a arte de contar.
Assim deu largas à sua imaginação, às suas lembranças, à sua memória e à
395 sua criatividade, dando uma nova forma ao conto, Foi possível detectar a
origem desses acrescentos pelas semelhanças dos motivos. As maças mágicas
e o leão que dorme de olhos abertos pertencem ao conto das "Três Cidras do
Amor" (A.T. 408): " De guarda à casa está um leão que, se estiver com os
olhos fechados está acordado, se estiver com eles abertos está dormindo. Se
400 estiver com os olhos abertos tire-lhe as chaves (três) e abra os três armários e
encontrará em cada um deles uma cidra e dentro de cada cidra está uma
menina encantada".(1)
Em relação à parte : "… entra numa sala, quando vê uma mesa posta
com tudo quanto era bom de comida. E uma voz que lhe disse: - Come!
405 Satisfaz a tua vontade e ao lado tens um quarto para dormir […] foi então a
princesa com uma vela acesa para ver a cara do rapaz, e então descuidou-se e
deixou cair uma pinga em cima da cara dele [ ] diz assim: -[ ] já me
dobraste os meus anos de encanto" ( linha 166-174). Esta parte apresenta
semelhanças com a história " A Bela e a Cobra" ( A.T. 425 C). Não existe
410 uma grande fixidez dos temas e motivos nos contos. Há sempre repetições e
influências inter-textuais
. Segundo Michèle Simonsen, " A arte de contar situa-se entre a criação
e a sua reprodução. O conto, como todo o género transmitido oralmente,
compreende elementos rígidos, estáveis e elementos fluidos, mais móveis.
415 Estes últimos podem variar de uma narração para outra, no mesmo contador
que improvisa cada vez um pouco, a partir de diversos procedimentos
mnemotécnicos"(2).

420

(1) Ataíde Oliveira, "Contos Tradicionais do Algarve", vol. 1.


(2) Michèle Simonsen, " O conto Popular", Pág. 29-30.
425

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25
O MODELO DE ALAN DUNDES .

430 I. Sequência do conto com quatro motifemas

Falta + Interdição + Transgressão + Supressão da falta


Peixe Não matar O peixe é Consumo do peixe
Filhos o peixe morto Mulher grávida
435

II. Sequência ( e III, IV) com quatro motifemas

440 Falta + Manobra de enganar + Vítimas enganadas +


Aventuras Velha Irmãos mais velhos
(Noivas)

+ Supressão da falta
445 Torre
( Maças)

450 Na primeira sequência, a intriga desenvolve-se no momento em que há


uma falta de peixe e filhos. O peixe impõe uma interdição, pede ao pescador
que não o mate. Dá-se a transgressão ao matar o peixe. Ao comê-lo a mulher
fica grávida. A falta é suprimida.
Na segunda sequência do conto, há uma falta pressentida de aventuras
455 e talvez de noivas. Necessidade essa, que fará os três irmãos partirem de casa.
Entra em cena o agressor, a velha, que tenta enganar por meio da magia e da
persuasão as suas vítimas. Os dois irmãos mais velhos deixam-se enganar. A
falta é suprimida quando se encontra a torre, nesse espaço surgem uma série
de aventuras. O irmão mais novo salva os seus irmãos, recebe três maças e
460 dentro delas saem três princesas encantadas.

465

470

11
O MODELO ACTANCIAL DE GREIMAS.

475
I. Sequência:

Remetente = A mulher do pescador.


Objecto = O peixe.
480 Sujeito = O pescador.
Opositor = Não existe.
Destinatário = O pescador.
Ajudantes = O peixe.

485
Remetente----------------Objecto--------------®Destinatário
Mulher Peixe Pescador

Ajudantes--------------® Sujeito ¬-------------Opositor


490 Peixe Pescador Não existe

II. Sequência ( aplicável à III: e IV):

495 Remetente = O pai e o pastor.


Objecto = A torre e as Maças.
Sujeito = Os três irmãos.
Opositor = A velha.
Destinatário = Os três irmãos.
500 Ajudantes = O cavalo, a espada, o leão, e a princesa.

Remetente-------------------Objecto-------------® Destinatário
Pai e o pastor Torre, Maças Três irmãos
505
Ajudantes----------------® Sujeito ¬--------------Opositor
Cavalo, Espada, Três irmãos Velha
Leão, e a Princesa

510
Estes dois esquemas têm seis actantes que mantêm entre si relações
fundamentais para o desenrolar da intriga, cujo o motivo principal é o da
busca ou procura.
Na primeira sequência, a mulher destina o objecto ao pescador, o
515 destinatário. Esse sujeito deseja o peixe. O desejo é concretizado através da
ajuda do próprio peixe que se auto sacrifica. Dá-se o nascimento mágico.

12
30
Tudo se realiza nesse mundo de fantasia. O querer e o desejar é mais
forte do que a vida, o destino. A presença de acções como querer, desejar,
poder ( verbos volitivos que expressam um desejo, uma ordem, uma vontade)
520 são bastante significativas na análise do conto.
Na segunda sequência, o pai e o pastor são , de um certo modo, os
remetentes, que enviam os três irmãos em busca da torre e das maças. Os
destinatários contrariados pelo opositor são ajudados pelo cavalo, a espada, o
leão, e por último a princesa, para alcançar esses objectos.
525
Nota: No conto em análise pode-se falar de uma intriga constituída por
cinco sequências. A primeira introduz novas personagens e novas funções,
assim como a segunda. Existe uma dependência lógica entre essas duas
partes, pois a primeira dá origem à segunda. Segue-se uma dupla repetição da
530 segunda sequência e um acrescento de uma outra, que resulta de um
improviso da informante. Essa sequência está muito incompleta, por isso não
foi possível aplicar o modelo de Alan Dundes e o de Greimas. Apesar disso,
alguns dos seus elementos como as maças e a princesa, que se encontram
entre parênteses, foram aplicáveis, pois dão um certo sentido ao conto.
535

540 PERSONAGENS.

I. Sequência:

545 Herói - Pescador.


Objecto de busca - Peixe, Filhos.
Agressor - Não existe.
Mandante - Mulher do pescador.
Doador - Peixe.
550 Auxiliar - Peixe.

II. Sequência:

555 Herói - Irmão mais novo.


Objecto de Busca - Torre ( e Maças ).
Agressor - Velha.
Mandante - Pai, Pastor.
Doador - Pai.
560 Auxiliar - Cavalo, Leão, Espada.
Falso Herói - Dois irmãos mais velhos, e a Velha.

13
ANÁLISE SEMÂNTICA.

565
No conto a fantasia está presente através da concretização de desejos, de
encantamentos, e de combates sobrenaturais. O atributo da personagem, o
pescador , é o de herói, já que ele foi submetido a uma prova de simplicidade,
generosidade, confiança e passa nessa prova. Todo o conto resulta do doador
570 inicial, o peixe, que se oferece como auxiliar. O maravilhoso surge, o
sobrenatural acontece.
A um nível mais profundo do conto, o nível semântico, que organiza os
conteúdos e constitui a axiologia ( teoria dos valores, por exemplo do bem e
do mal . Esse sistema de valores é organizado em categorias semânticas
575 opostas: as isotopias. Assim todo o nível semântico do conto pode ser
definido por contradições, ambiguidades e conjuntos opostos.

580 LOCALIZAÇÃO DE ISOTOPIAS:

Esterilidade vs. Fertilidade……Pescador vs. Peixe


Infância vs. Maturidade………Irmãos antes da partida vs. Irmãos dp. da luta
Fraqueza vs. Força ...…………Irmãos vs. Velha, Leão, Espada
585 Ingenuidade vs. Astúcia………Irmãos maiores vs. Irmão menor, Velha
Medo vs. Coragem……………Irmãos maiores vs. Irmão menor, Leão
Bem vs. Mal…………………..Irmãos vs. Velha

590 A oposição Esterilidade vs. Fertilidade aplica-se às personagens peixe e


pescador. A intriga começa quando há falta de peixe e de filhos, falta essa
bem explícita. O pescador é marcado pela esterilidade. A mulher queixa-se
que " não tem um filho para lhes alegrar, não tem nada" ( linha 5-6). A
fertilidade resulta do peixe. A sua carne animal é fértil, daí que depois de
595 consumido, a mulher aparece grávida, como também os animais que comeram
essa carne. Nos contos é comum o peixe estar relacionado com a fecundidade
a vida, devido à sua faculdade de reprodução (1).
A oposição Infância vs. Maturidade ocorre precisamente quando os três
irmãos partem de casa em busca de aventuras, nesse momento quebram os
600 seus laços familiares. As provas e obstáculos pelos quais passam, permitem
atingir um maior grau de maturidade. Assim o nível da infância, da criancice
e da ingenuidade afasta-se cada vez mais.

605

(1)Ver a simbologia do peixe.

35 14
AS TRANSFORMAÇÕES:
610

-Situação Inicial: no começo não há peixe nem filhos para alegrar

615 Esterilidade + Fome + Infelicidade = Disforia


Fertilidade Fartura Felicidade

Com a entrada em cena da personagem sobrenatural, o peixe, a situação


inicial muda. A resolução desta parte do conto acontece neste momento: com
620 o consumo do peixe e o nascimento dos irmãos ( personagens da segunda
sequência), Assim a situação caracteriza-se através das seguintes oposições.

-Situação Mediana:
625

Fertilidade + Fartura + Felicidade = Euforia


Esterilidade Fome Infelicidade

630 Infância = Ingenuidade + Medo + Fraqueza + Bem


Maturidade Astúcia Coragem Força Mal

O irmão mais novo, o herói do conto, e os seus auxiliares é que vão


635 permitir que a situação se inverta. Graças à sua astúcia, à coragem, e à força
do leão, o herói consegue reparar a malfeitoria, encarando o adversário
sobrenatural no seu domínio próprio, a torre.

640 -Situação Final: é o auge da intriga onde ocorre as seguintes oposições

Astúcia + Coragem + Força + Bem = Maturidade = Euforia


Ingenuidade Medo Fraqueza Mal Infância

645
Nos contos maravilhosos o processo de arriscar-se na vida, o contacto
com o perigo e as provas difíceis é fundamental para o herói. Para isso, ele
deve libertar-se das figuras do pai e da mãe, vencer o agressor ou os
agressores ( Feiticeiras, ogros, dragões). Assim o leitor ou ouvinte poderá
650 reconhece-lo como o verdadeiro herói e adulto. A torre funciona como um
meio para obter a finalidade: a maturidade, condição indispensável para o
casamento.
Os dois primeiros irmãos podem ser considerados os falsos heróis.
Apesar do mais novo ter o mesmo procedimento, os seus irmãos mais velhos

15

40
655 não foram inteligentes, nem corajosos, mas sim ingénuos, fracos, deixaram-se
enganar, e perderam a luta. O adversário sobrenatural tem poderes mágicos,
maléficos. Neste caso, a velha não transforma os irmãos em animais, mas os
encanta ou os petrifica (2). O herói não é sobrenatural, mas sim os seus
auxiliares: o cavalo, o leão, e a espada que o ajudam. Segundo Michèle
660 Simonsen, " Ele tem necessidade de auxiliares, e são eles na maioria das
vezes que são dotados de poderes sobrenaturais " (3).

665

670

675

680

685

690

695

(2) Ver simbologia da Bruxa.


(3) Michèle Simonsen, "O Conto Popular", pág., 43.
700

16
ANÁLISE COMPARADA.
ENTRE O CONTO DA " TORRE DA MÁ HORA" E OUTRAS VERSÕES.

705 1ª.versão: " A Torre da Má Hora" in Consiglieri Pedroso, pág. 103-107.

Pontos comuns:
· ·Aventura de três irmãos. Existe uma torre e uma velha feiticeira.
710 · ·O irmão mais novo é sempre reconhecido como o herói.

Pontos divergentes
· ·A versão de C.P. tem um começo diferente: "Era uma vez uma mulher,
que tinha três filhos". Ausência do pai e das espadas. Novo objecto mágico
715 - Um taleigo de dinheiro. Morte dos dois primeiros irmãos, e ressuscitação
destes.

2ª. Versão: " As postas de peixe" in C.P., pág. 165-169.


720
Pontos comuns:
· ·Situação inicial semelhante. Consumo do peixe e nascimento mágico.
· ·Nesta versão também existe três princesas encantadas na torre, tal como as
três princesas das maças.
725
Pontos divergentes:
· ·Partida simultânea dos irmãos, e não consecutiva.
· ·Tempo da viagem - Três anos, e não seis dias.
· ·Nova variante - Chegada a uma terra onde os três irmãos casam com a
730 mesma mulher consecutivamente, ao dormirem com ela colocam uma
espada entre um e outro.
· ·Morte dos irmãos através da decapitação e ressuscitação dos mesmos com
uma "gordura" mágica.

735
3ª versão: "A torre da Babilónia, quem lá vai nunca mais torna" in J.Leite
Vasconcelos, pág. 490-492.

Pontos comuns:
740
· ·Situação inicial semelhante. O pai como doador dos objectos mágicos. Tal
como no conto em análise, existe o motivo do encantamento.

745
Pontos divergentes:
17
45
· Divisão do peixe em cinco postas, e não doze.
· ·Concepção mágica de dois rapazes, em vez de três. Partida simultânea.
750 · ·Nova variante - Chegada a um "monte" onde se encontra uma donzela
prestes a ser devorada por uma bicha de sete cabeças. Casamento
consecutivo dos dois irmãos com a donzela. Depois de saber que a mulher
o enganou, o irmão mais velho mata o mais novo, seu salvador.

755
4ª versão: " O rei dos peixes" in Alda da Silva Soromenho e Paulo Garatão
Soromenho, pág. 381-386.

Pontos comuns:
760
· ·Situação inicial idêntica ao conto tipo A.T. 303.
· ·Existe o episódio da torre e o combate com a velha.

765 Pontos divergentes:

· ·Em vez de três irmãos, existem dois. Morte dos pais: " Lá fora crescendo,
até que chegaro à conclusão que faleceu o pai e a mão". Não existe
mandatário, iniciativa própria de partir simultaneamente
770 · ·Deixam uma sinal de vida - copo de água. Se a água ficar turva indica
perigo de morte.
· ·Chegada a uma cidade , combate com uma bicha de sete cabeças. Surge
um impostor que se identifica como o herói. Dá-se o reconhecimento do
herói através das sete línguas da bicha e dos sete retalhos do vestido da
775 princesa. Casamento com a filha do rei. Dá-se o mesmo procedimento
com o segundo irmão, encontro e dormida.
· ·O irmão mata o seu salvador, depois há o arrependimento e ressuscitação.

780 5ª versão: " O rapaz e o gigante" in A.S. e P.S., pág. 392-393.

Pontos comuns:

· ·Começo idêntico - peixe e concepção mágica. Encontro com uma velha


785 feiticeira, aprisionamento num alçapão.

790
Pontos divergentes:

18
· ·Não existem as espadas maravilhosas. Existe um sinal de vida - " a garrafa
de água turva" indica perigo e morte.
795 · ·Metamorfose da velha em gigante.

Nota: Esta versão é muito sintética Há omissão de certas variantes que


existem nos outros contos. Por exemplo não existe o motivo da princesa que
vai ser devorada pela bicha, nem existe o motivo da torre
800

6ª versão: " A torre da Babilónia" in A.S. e P.S., pág. 393-397.

Pontos comuns:
805
· ·Princípio idêntico com o peixe, com o motivo da torre, cujo procedimento
tem sido semelhante ao longo das várias versões. O herói é sempre o irmão
mais novo.

810 Pontos divergentes:

· ·Nesta versão existe uma profecia do nascimento por parte do peixe - "
Então que me levas […], que há-de ter dois filhos iguais um ao outro,
dás duas à tua leoa, que há-de ter dois leões iguais um ao outro, dás duas
815 à tua égua , que há-de ter dois cavalos iguais um ao outro, e enterras
duas no teu jardim, qu’hão de nascer duas favas iguais uma à outra!".
(pág. 228).
· ·Partida simultânea de casa. Não se menciona os animais mágicos. Deixam
um sinal de vida - uma cruz que ao deitar sangue indica morte.
820 · ·Episódio da bicha de sete cabeças, morta com ajuda do cavalo, do leão e
da espada. Surge um impostor, depois dá-se o reconhecimento, segue-se
o casamento com a princesa. Em vez do aprisionamento dá-se a morte
do irmão mais velho através da decapitação.
·
825 · ·Final cómico: Ao colocar a cabeça no pescoço do primeiro irmão, para
este ressuscitar, troca-se a sua posição, ficando a cara para o lado das
costas. Mas a história acaba com a cabeça na posição certa.

830 7º versão: " A Torre da Má Hora" in Ataíde Oliveira, pág. 112-115.

Pontos comuns:

· ·Situação inicial com as mesmas funções do conto dos irmãos, por


835 exemplo: existe a torre, o combate com a velha, os animais mágicos.

Pontos divergentes:

50 19
· ·Presença dos elementos do conto tipo A.T. 300.
840 · ·Ao invés de casar com uma princesa, o irmão mais velho casa com a filha
de um comerciante. Repete-se o equivoco da mulher, e esclarecimento
do verdadeiro marido que provoca espanto na mulher, quando se
encontra na presença dos três irmãos.
· ·Nova variante: Fica o primeiro irmão casado e os outros são
845 recompensados com riquezas

850

855

860

865

870

875

880

ANÁLISE SIMBÓLICA E PSICOLÓGICA

O Peixe.
20

55
885
O motivo do peixe e da concepção mágica é muito comum em certos
contos maravilhosos, por isso existem contos que parecem aparentar-se com o
conto " A Torre da Má Hora". Temos por exemplo, um conto tão difundido na
França " O Rei dos Peixes" ( A.T. 303+300). Este conto, para além da
890 presença de outras variantes, tem os elementos do peixe, dos três irmãos e da
torre. É curioso, o facto de haver no Egipto uma história semelhante, a de "
Dois Irmãos", chamados Anub e Bata, conto esse do séc. XIII a.C.
No Egipto antigo o peixe possui uma grande simbologia. Era
considerado um animal sagrado e o seu consumo era proibido a todo o ser
895 sacralizado, rei ou sacerdote, porque acreditava-se que provocava
metamorfoses. Era considerado um símbolo da vida e da fecundidade, em
virtude da sua faculdade de reprodução e do número infinito dos seus ovos.
Havia assim a representação de dois peixes sagrados no antigo Egipto: O "
Dagon" fenício e o " Oannes" mesopotâmico. Os dois tinham simbologias
900 idênticas, "Oannes" foi considerado uma representação de Cristo. Dai que
essa simbologia se estendeu ao cristianismo com uma outra interpretação
própria A palavra grega " Ichtus" (= peixe) foi tomada pelos cristãos como
um ideograma ( sinal que exprime, não letras nem sons, mas uma ideia) em
que cada uma das cinco letras gregas era vista como a inicial de outras
905 palavras, tais como: Iesus Christós, Theou Uios Soter ( processo feito por
anagrama, i.é., palavras formadas pela inversão das letras da palavra grega).
Dai que Cristo seja representado muitas vezes por um peixe nos antigos
monumentos cristãos, em especial nas catacumbas ( monumentos funerários).
No Islão também se associa igualmente o peixe à ideia de fertilidade. O
910 peixe está ligado também à prosperidade. Sonhar que se está a comer um
peixe é de bom agoiro.

915 O Número Doze.

No conto em análise, o número doze é importante, na medida em que há


uma correferência entre o seu simbolismo e o do peixe. Noutras versões, em
vez de doze postas, o peixe é repartido em cinco(1). No simbolismo cristão, o
920 número doze é muito rico. A combinação do quatro relacionado com a criação
e do três relacionado com a trindade, a recriação, dá o número doze que é o
do mundo acabado. Dá-se a realização de um ser terrestre por absorção de um
ser divino. É por isso que há correferência entre o peixe o número doze, já
que ambos estão relacionados com a criação. Assim o doze é sempre um
925 número de acção que resulta do casamento entre o três e o quatro. É um
número que implica uma realização de um ciclo que se fecha.

O Número Três.

21
930 Nos contos mágicos este número está relacionado com a repetição
sucessiva de três actos que asseguram o êxito da procura ou busca e que
constituem um todo indissolúvel. Neste caso à terceira tentativa é que um dos
irmãos, o mais novo, consegue derrotar a velha feiticeira. Os objectos
mágicos estão também agrupados a três: "E então a mulher apareceu grávida,
935 teve três filhos. A cadelinha engravidou, teve três canitos. E a égua teve três
cavalinhos. E na estrumeira […] nasceram três espadas" (linha 26.-28).
Na tradição de alguns povos o três é o número simbólico do princípio
masculino (têm um glifo, cavidade cilíndrica ou triangular aberta em ornatos
arquitectónicos, que representa o pénis e os dois testículos).É assim o símbolo
940 da masculinidade e também do movimento, por oposição ao quatro, símbolo
da feminilidade.
Os psicanalistas vêem neste número um símbolo sexual.

945
O Fenómeno dos Gémeos.

Os gémeos quando são absolutamente idênticos, cópias um do outro,


não exprimem a dualidade, mas simbolizam a harmonia interior.
950 Em algumas sociedades primitivas o fenómeno dos gémeos inspira
medo e terror. Acreditam na crença de que os gémeos atraem a violência, a
morte, epidemias, discórdias, e até doenças como a esterilidade na mulher e
nos animais. São considerados impuros como um casal incestuoso ou uma
mulher menstruada, daí que os pais dessas crianças sejam isolados para
955 serem submetidos a rituais de purificação. Assim a reacção normal dessas
culturas para evitar o "contágio" é abandonar os gémeos ou matá-los.
Segundos certos etnologistas esse pensamento primitivo é bastante
complexo. A ingenuidade do homem e a ignorância dos seus sistemas
culturais colaboram para esse problema. Mas para André Gerard " in the
960 primitive societies where twins are not killed, they often enjoy a priveleged
position […]. The apparition of twins, then, if properly handled, may in
certain societies be seen to presage good events, not bad ones"(2).
Também existe a crença, segundo a qual o nascimento dos gémeos
pressupõe a união de um mortal e de um deus.
965

A Viagem.

970 No mundo dos contos e das lendas a viagem sob a terra significa a
penetração no domínio dos sonhos. Segundo Jung indica uma insatisfação,
que leva à procura e à descoberta de novos horizontes. Esta aspiração à
viagem será a busca da Mãe perdida, como pensa Jung ? (3).

22
60
No conto em análise os três irmãos partem para conhecer o mundo, um
975 espaço infinito,mais aberto do que o mundo fechado que apenas conhecem: a
casa dos pais. Sonham com o lado do desconhecido .

980 O Cavalo, a Espada, e o Leão.

Estes são os objectos mágicos que os três irmãos recebem directamente


do pai. De uma certa forma, estes três elementos estão relacionados com o
campo semântico da viagem pelo desconhecido. Em todos os povos o cavalo
985 originariamente associado às trevas do mundo etoniano, é considerado o filho
da noite e do mistério, portador da morte ou da vida, ligado ao fogo. O cavalo
pode-se tornar vidente e guia. É ele que orienta o seu cavaleiro na aventura
pelo desconhecido.
Nas tradições cristãs a espada é uma arma nobre que pertence aos
990 cavaleiros e heróis cristãos. É o símbolo do estado militar, da virtude, da
bravura e do poder. Relaciona-se de uma forma especial com a justiça: separa
o bem e o mal e golpeia os adversários.
O leão é a própria encarnação do poder, da sabedoria e da justiça. Por
isso serve de protector e também de montada ou de trono a numerosas
995 divindades (trono de Salomão, trono dos reis de França ou dos bispos
medievais, trono de Buda). No extremo Oriente, este animal tem profundas
afinidades com o dragão, com o qual chega a identificar-se. Desempenha
assim um papel de protecção contra as influências maléficas. Existe no Japão
as danças do leão onde um homem usa uma máscara com a forma de leão e
1000 mais dois ou três homens representam o corpo sob um pano. Julga-se que este
leão tem o poder de afastar os demónios e dar saúde e prosperidade às
famílias
Do ponto de vista da psicanálise, o leão é o símbolo duma pulsão social
pervertida: a tendência para dominar despoticamente, para impor brutalmente
1005 a autoridade e a força.

Ao analisar a simbologia destes três auxiliares, a sua existência nos


contos é justificável. Os irmãos na sua busca pelo mundo, só podiam levar
estes três símbolos fálicos que os guiam e os protegem contras as forças do
1010 mal. No conto parece haver uma oposição implícita entre um mundo
masculino representado pelo peixe, pelo pai, pelos filhos, pelos auxiliares e
um mundo feminino representado pela velha feiticeira. Existe uma intenção
em impor a autoridade, a virilidade, a força do homem sobre a mulher.

1015

23
1020 A Velha feiticeira: "The Goddess of life and Death".

Na história o poder maléfico da velha é representado através dos seus


cabelos, que mesmo depois de separados do seu corpo, mantêm uma relação
intima com o ser sobrenatural, a quem pertencem. O poder e a força da velha
1025 está nos seus cabelos. Daí que o seu efeito não resultou com o irmão mais
novo, pois este teve a astúcia de não prender o seu cavalo e o seu leão.
Na mitologia hindu os cabelos compridos e soltos é uma característica
das divindades terríveis.
A feiticeira também simboliza a morte e a vida. Ela tem o poder de tirar
1030 e dar vida. Com a sua magia mata ou encanta os seus adversários e os
ressuscita.

(1)Ver Análise Comparada, 3ª versão in J. Leite Vasconcelos.


1035 (2) André Gerard, "Violence and The Sacred", pág. 58.
(3) Ver mais adiante : Os Contos Maravilhosos segundo Jung.

1040

1045

1050

1055

1060

1065

65 24
OS CONTOS MARAVILHOSOS SEGUNDO JUNG.

Para os jungianos, como também para para Marie-Louise Von Franz, ex-
colaborador de Jung, todos os contos maravilhosos têm relações com os
1070 sonhos e as fantasias, porque é neles que o inconsciente tem a sua acção. Para
Jung o inconsciente das personagens é estruturado por arquétipos que podem
ser implicitamente deduzidos a partir das funções, das manifestações dos
indivíduos. Por exemplo neste conto em análise, a velha é uma figura
arquétipo da Mãe-terra,i.é., a sua antítese. Segundo Jung, ela é a sombra, o
1075 duplicado negativo da Mãe- terra, da mãe maternal. Tal como a Mãe-terra
egípcia, Isis, chamada a grande feiticeira. A bruxa tem dois aspectos desse
arquétipo: tem o lado mau, negro, e o lado bom, maternal.
Os contos maravilhosos estão sob a influência da civilização cristã: a
Virgem Maria, por exemplo representa o lado bom, maternal, e não tem o
1080 lado negativo, a sombra. Mas para Jung quando essa figura da Virgem Maria
se tornou importante, foi também o momento em que se deu a perseguição à
bruxas. Assim a figura da Mãe dividiu-se no lado bom, maternal, e no lado da
bruxa destruidora.
Segundo as palavras de Marie-Louise "in fairy tales the devil therefore
1085 lives with the old woman, i.é., his own mother, the Great Mother Earth" (1)
Para Jung, a feiticeira é uma projecção do "Anima" masculino, ou seja, a
imagem do aspecto feminino que subsiste no inconsciente do homem, e que
resulta ao mesmo tempo da imagem feminina colectiva transmitida pela
comunidade. No conto essa projecção do "Anima" é visível nos três irmãos,
1090 particularmente no irmão mais novo que consegue vencer o seu adversário
feminino. Os jungianos afirmam que nos contos cada personagem acentua um
aspecto parcial de si mesmo, geralmente o que falta na comunidade no
momento da criação do conto. Então pode-se dizer que o irmão mais novo
possui inconscientemente um complexo maternal negativo que o faz vencer.
1095 Marie-Louise também afirma que :"a man with a negative mother complexe is
caught by a tremendous but half unconscious ambition and power drive which
apparently makes him very successful in life […]. The neglected archetype of
the mother in Christian civilization destroys the whole process of
individuation." (2)
1100 A individuação é o fenómeno de aquisição do si mesmo, i.é., a
consciência dos arquétipos inconscientes, em assumi-los e em integrá-los ao
ego consciente. Para os junguianos todos os contos pretendem descrever um
processo psíquico, a individuação. Assim os irmãos ao iniciarem a sua busca,
iniciam também o começo da consciencialização em direcção à individuação.
1105 Mas só o irmão mais novo é que atinge a individuação.
O arriscar-se na vida, o perigo é a condição essencial para tornar-se
consciente: " So just the one who takes the risk is the one petrified and at the
moment the one who stayed out of life and did not get involved physically or
spiritually in the life process is the great redeemer who can finish off the
1110 witch, who can see trough her and put an end to her destructiveness, to the
destructiveness in the anima."(3).

25

70
A feiticeira encarna os desejos, os medos e outras tendências da nossa
psique que são incompatíveis com o nosso "Eu", seja por serem demasiado
infantis, seja por qualquer outra razão. Jung observou que a alma é muitas
1115 vezes personificada por uma feiticeira, pois as mulheres têm mais ligações
com as forças obscuras e com os espíritos

1120

1125

1130

1135

1140

1145

1150

1155 (1) Marie-Louise Von Franz, "Shadow & Evil in Fairy Tales", pág. 105.
(2) Marie-Louise Von Franz, "Shadow & Evil in Fairy Tales", pág. 106-107.
(3) Marie-Louise Von Franz, "Shadow & Evil in Fairy Tales", pág. 107

26
CONCLUSÃO

1160

À medida que ia analisando o conto, apercebia-me da sua complexidade:


a dramatização de certos desejos que se transformam em imagens realizadas
no mundo do maravilhoso. Por exemplo a fantasia do nascimento dos três
1165 irmãos ou as três princesas que saíram de dentro das maças. Outro aspecto
complexo é a simbolização de certos elementos com significados implícitos e
de difícil apreensão.
Penso que uma criança não teria capacidade para compreender o
essencial da intriga, pois o seu nível de abstracção é fraco. Por detrás das
1170 imagens concretas, apreensíveis, existe uma lógica trabalhada que uma
criança não entenderia. Só foi possível entender essa lógica depois de uma
análise detalhada e profunda sobre os elementos do conto.
Nunca imaginei que pudesse ser assim: que em todas as histórias de
literatura oral pudesse existir uma razão para o porquê do maravilhoso, pois
1175 sempre as via com os olhos inexperientes de uma criança.

1180

1185

1190

1195

1200

27
75
BIBLIOGRAFIA
1205

Antti Aarne e Stith Thompson. " The types of the folktale: a classification and
bibliography" ( 1961), Helsínquia, Folklore Fellows Communications,
1210 1981.

Delarue, Paul. " Le conte populaire Français", Paris, Editions G.-P


Maisonneuve et Larose, 1985.

1215 Gerard, André. "Violence and the Sacred", Baltimore, John Hopkins Univ.
Press, 1977.

Espinosa, Aurelio M. "Cuentos populares Españoles", Tomo III - notas


comparativas, Madrid, 1947.
1220
Gheerbrant, Jean Chevalier e Alan. " Dicionário dos simbolos", Lisboa,
Editorial Teorema, 1982.

Propp, Vladimir. " Morfologia do conto", Lisboa, Vega, 1992.


1225
Simonsen, Michèle. " O conto popular", São Paulo, Martins Fontes, 1984.

Von-Franz, Marie-Louise. " Shadow & Evil in Fairytales", Dallas, Spring


Publication, 1974.

28

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