Você está na página 1de 4

A bela e a cobra

de José Leite de Vasconcelos, em Contos Populares e


Lendas

Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo
tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela.

O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou completamente
pobre. Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às filhas o que queriam que
ele lhes trouxesse.

– Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de seda.

– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de cetim.

– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova.

– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela.

– Pois sim, disse ele.

E partiu.

Passado algum tempo trouxe as prendas de suas filhas, disse à mais nova:

– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!

Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que lhe tinha dito aquilo. Ele,
a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas instâncias fez, que ele lhe respondeu que
no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para
quem ela era; que ele lhe respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse
que lha havia de levar, se não que era morto. Depois disse ela:

– Meu pai, não tenha pena, que eu vou. Assim foi.


Logo que ela entrou naquele palácio, ficou admirada de ver tudo tão asseado, mas ia
com muito medo. O pai esteve lá um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela,
quando ficou só, foi a uma sala e viu a cobra. Ia-se a deitar quando começaram a
ajudarem-na a despir.

Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz:

– Não tenhas medo.

Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra. Ela, a princípio, assustou-se,
mas depois começou a afagá-la.

Ao outro dia de manhã apareceu-lhe a mesa posta com o almoço.

Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a
mesma cobra.

Assim viveu durante muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair
ouviu uma voz que lhe disse:

– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.

Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz lhe tinha dito. Chegou a casa
do pai. Iam a passar três dias quando se lembrou que tinha de tornar; despediu-se de
toda a sua família e partiu a galope; chegou lá à noite, foi-se deitar, como tinha de
costume, mas já não sentiu o tal bichinho.

Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo no jardim e qual
não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço!

Ela começou a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito
da cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao
mesmo tempo lhe disse:

– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns poucos de anos e,se tu não
chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais.

O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram durante muitos anos.

José Leite de Vasconcelos Contos Populares e Lendas


Comendo e Andando
Era uma vez um lavrador rico mas avarento, que tinha um caseiro humilde e muito honesto. De
tempos a tempos, o caseiro ia a casa do patrão prestar contas, e este, para lhe mostrar a sua satisfação,
convidava-o sempre para comer. No entanto, punha-lhe sempre na mesa um queijo por encetar. E assim
o caseiro, como não se atrevia a encetá-lo, acabava por ir embora em branco.
Era o que o patrão queria. E assim o queijo ia durando meses e meses, pois era sempre o
mesmo queijo que o patrão lhe oferecia.
Mas um dia, o caseiro, que já tinha um filho graúdo e muito desenrascado, resolveu mandá-lo a
ele a casa do patrão a prestar contas. E antes de sair recomendou-lhe:
- Olha rapaz, desta vez vais tu fazer contas com o patrão. E como lhe levas o dinheiro, ele é
capaz de te pôr a comer. Mas se te puser um queijo inteiro na mesa, não o “ incertes” que parece mal.
Fazes um pouco de sacrifício, e vens comer a casa.
O rapaz lá foi. E quando o patrão o convidou, lá estava então o queijo inteiro na mesa. No
entanto, a fome era tanta que o rapaz resolveu não seguir as recomendações do pai. Por isso, mal o
patrão lhe disse «come!», o rapaz puxou de uma navalha, e cortou o queijo em quatro partes iguais.
O patrão, muito admirado, disse-lhe:
- Olha que isso é queijo!
- Bem o “beijo”! - respondeu o moço.
E comeu o primeiro bocado. A seguir pegou na segunda parte; e o patrão, mais espantado
ainda, foi-lhe dizendo:
- Olha que este é caro!
- Mas vale-o bem!
E lá despachou mais este naco. Quando se estava a aprontar para pegar na terceira parte, diz-
lhe o patrão:
- Olha que só tenho este!
- Não faz mal! p'ra agora chega! - responde o moço.
Por fim, ao ver que o moço estava disposto a comer o queijo todo, o patrão foi ao curral onde
ele tinha deixado o cavalo, e soltou-o. A seguir veio a correr junto dele, no exacto momento em que ia já
para a quarta parte do queijo, e disse-lhe:
- Olha que o teu cavalo soltou-se; se fores depressa, ainda o apanhas!
- Bem, nesse caso, vou comendo e andando!
E lá foi. O patrão, ao ver ir o queijo todo, um no saco e outro no papo, aprendeu a lição. Daí em
diante, sempre que os caseiros o visitavam, passou a pôr-lhes de comer como devia ser. E nunca mais
um queijo inteiro.

(Rec.: Oleirinhos, Bragança, em 1999. fui: Emília Rosa Morais, Bragança, 41 anos)
ALEXANDRE PARAFITA, Antologia de Contos Populares, vol. II - Plátano Editora

Você também pode gostar