Você está na página 1de 321

Fonte da ilustração: ANTT, TSO, CG, LV.

470
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA

João Antônio Fonseca Lacerda Lima

“DESEJA SERVIR A DEUS E A ESTE SANTO TRIBUNAL”:

Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e


Maranhão (c. 1731-1805)

Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da Amazônia da Universidade
Federal do Pará, como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em História Social da Amazônia.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior.

Belém - Pará
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Sistema de
Bibliotecas da Universidade Federal do Pará

Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

L732d Lima, João Antônio Fonseca Lacerda.


"Deseja servir a Deus e a este Santo Tribunal" : comissários, notários e
familiares do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e Maranhão (c. 1731-
1805) / João Antônio Fonseca Lacerda Lima. — 2020.
321 f. : il. color.

Orientador(a): Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira Júnior


Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em
História, Belém, 2020.

1. Inquisição. 2. Agentes. 3. Trajetórias. 4. Grão-Pará e


Maranhão. I. Título.

CDD 209
João Antônio Fonseca Lacerda Lima

“DESEJA SERVIR A DEUS E A ESTE SANTO TRIBUNAL”:

Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e


Maranhão (c. 1731-1805)

Data de Aprovação: 23/06/2020

Banca Examinadora:

___________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior
Doutor em História Social
Orientador – Professor Titular da Universidade Federal do Pará

___________________________________________________
Prof. Dr. João dos Santos Ramalho Cosme
Doutor em História Moderna
Examinador Externo – Professor Auxiliar com agregação FLUL Universidade de Lisboa

___________________________________________________
Prof. Dr. Yllan de Mattos Oliveira
Doutor em História Moderna
Examinador Externo – Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

___________________________________________________
Profa. Dra. Marília Cunha Imbiriba dos Santos
Doutora em História dos Descobrimentos e da Expansão
Examinadora Externa – Professora do Centro de Ensino Empreendedor do Pará

___________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Arthur de Freitas Neves
Doutor em História Social
Examinador Interno – Professor Associado da Universidade Federal do Pará

___________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Ivan Chambouleyron
Doutor em História
Suplente – Professor Associado da Universidade Federal do Pará
À tantos, por tanto...
AGRADECIMENTOS
Por tudo, dou graças! 1Ts 5, 18.
A Universidade Federal do Pará, minha Alma Mater desde sempre, nela ingressei no
jardim de Infância e sairei doutor. Onde aprendi o zelo pelo dinheiro público e a capacidade
transformadora da educação, o que me responsabiliza ainda mais pela defesa de um ensino público
laico, plural, transformador e de qualidade.
A Universidade de Lisboa, em especial ao Centro de História, o contato com os professores
e demais colegas, especialmente na sala Virginia Rau, ajudou sobremaneira na reelaboração da
presente tese.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que
financiou o presente trabalho.
Ao meu orientador Prof. Otaviano, que sabe dividir bem a amizade da vida profissional,
sendo o mais agradável dos amigos, mas igualmente o mais exigente dos orientadores. Seus
incentivos tornaram esse trabalho possível.
Ao Prof. João Cosme, que com a generosidade que lhe é peculiar, me acolheu mais de uma
vez em Lisboa, me orientando ao longo de agradáveis cafés e almoços.
Aos meus pais, Antônio, Iza e Josette, que sempre me apoiaram, entenderam minhas
ausências e curaram minhas dores.
A minha companheira Juliana, que se esforçou para entender minhas ausências e foi
parceira na escrita final da tese, me “vigiando” nas noites em claro e eu o sono dela. Minha sempre
amiga, companheira e tudo...
Aos meus irmãos Larissa, Sávio e Laíra; meus cunhado/as e sobrinhos (Raíssa, Nina e
Felipe) que me tratam como se eu fosse um “google ambulante”, fazendo todas as perguntas
possíveis e imagináveis. Nosso amor e nossa afinidade são motivos que tornam a vida mais leve.
Ao tio Isaías, pelo incentivo e pelo cuidado com que sempre me tratou.
Ao meu segundo pai, Côn. Ronaldo Menezes, com quem sempre troco as impressões sobre
a vida na Igreja, como estudioso e católico.
Ao Prof. Carlos Maneschy, Profa. Tutuca e Marialva, pela acolhida e incentivo de sempre
na reitoria da UFPA.
As muito queridas Clarissa, Letícia, Bianca, Rayssa e Maria Clara, que mesmo sem talvez
entender, demostravam atenção ao me ouvir falar sobre o tema desta tese.
Aos amigos Márcio, Pe. Plínio, Mario e Rudá, que ao longo dessa trajetória, entenderam
as vezes que não pude encontrá-los e por outras me resgataram da vida solitária da escrita.
Ao amigo Lucas, que desde sempre esteve comigo e através do qual eu pude aprender o
que é uma amizade que permanece.
Aos eternos moradores da Rua Cândido de Figueiredo (Marília, Neto, Laís, Lucas e Victor
Hugo), a amizade de vocês, que começou “cá”, foi pra “lá” e “cá” já está, tornou possível grande
parte do que aqui está escrito.
A tia Ida, pela constante ajuda e longas conversas sobre nossas pesquisas.
Aos professores do UFPA, em especial aqueles que me marcaram na trajetória de
formação (Décio Guzman, Edilza Fontes, Karl Arenz, Naná Sarges, Serge Gruzinski, Oscar de La
Torre, Fernando Arthur) e os que estavam em minha qualificação (Rafael Chambouleyron e Daniel
Barroso), cada um, com suas generosas contribuições, moldou este trabalho e o pesquisador que
sou.
A Profa. Cristina Cancela, quem a conhece, sabe que o quanto ela é amável, obrigado pelo
incentivo e amizade.
Ao Prof. Rafael Chambouleyron, que muito generosamente, em várias ocasiões, seja em
aulas ou encontros de corredor, me fazia indicações de fontes e bibliografia.
Ao “Histamigos”, que mesmo em meio a distância que a correria da vida nos impõe, sabem
que permanece os laços que nos unem.
A Lílian e Cíntia, que fazem do PPHIST um lugar melhor e onde se pode conversar para
além de temas historiográficos.
Aos amigos do período do sanduíche em Lisboa, em especial Tati, Flávia e Luciano.
Saibam, das conversas acadêmicas nos corredores da Universidade, àquelas pelas ruas do Bairro
alto, nos almoços e jantares, marcaram profundamente minha vida, como igualmente cada um, está
marcado em meu coração.
Aos melhores moradores da Rua dos Arroios n. 19 (Carol, Dani e Paulo), que tornaram a
vida em Lisboa menos solitária e muito mais feliz.
Aos amigos do Grupo de Pesquisa População, Família e Migração na Amazônia, que posso
chamar de minha “família acadêmica”. Como em qualquer família, a alegria é redobrada pelos
membros que “crescem” e pelos novos que se agregam.
Aos colegas do Simpósio de Inquisição, na pessoa do Ângelo e do Yllan, nossos encontros
quase anuais, foram especiais momentos de interlocução e crescimento acadêmico.
Aos funcionários da Torre do Tombo, em especial a Dulce Lopes e Cátia Alves, que
tornaram possível essa pesquisa pelos documentos que me traziam.
Ao povo brasileiro, que financiou esta pesquisa.
“Se eu fosse um antiquário, só teria
olhos para as coisas velhas. Mas sou um
historiador. É por isso que amo a vida”.

Henri Pirenne (1862-1935)


RESUMO

Este trabalho discute como o Santo Ofício se fez presente na Amazônia colonial, através de
seus agentes habilitados. Partindo das trajetórias, evidenciaremos a edificação da máquina
burocrática e o modo de atuação desta Instituição. Sem, com isso, perder de vista as trajetórias
individuais dos agentes, descortinando aspectos de suas vidas e como eles se articularam com
o contexto. Sendo assim, apresentaremos o descompasso que se tinha entre o perfil e a atuação
esperada dos agentes inquisitoriais, expressa pelos Regimentos do Santo Ofício, e a atuação
efetiva, acessível através da documentação levantada.

Palavras-chave: Inquisição, Agentes, Trajetórias, Grão-Pará e Maranhão.


ABSTRACT

This thesis discusses how the Holy Office was present in the colonial Amazon, through its
qualified agents. Starting from the trajectories, we will highlight the building of the bureaucratic
machine and the way in which this institution operates. Without, therefore, losing sight of the
agents' individual trajectories, unveiling aspects of their lives and how they articulated
themselves with the context. Therefore, we will present the mismatch between the profile and
the expected performance of the inquisitorial agents, expressed by the Regiments of the Holy
Office, and the effective performance, accessible through the documentation raised.

Keywords: Inquisition, Agents, Trajectories, Grão-Pará e Maranhão.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Parte do formulário de Interrogatório de Antônio Coutinho de Almeida...............65


Imagem 2: Primeira página do Livro I do Regimento do Santo Ofício (1640)........................74
Imagem 3: Os Rios onde há maior número de Sesmarias – Pará...........................................210
Imagem 4: Carimbo do Pe. Caetano Eleutério de Bastos.......................................................225
Imagem 5: Livro dos Evangelhos que serve na Mesa do Conselho Geral do Santo Ofício...237
Imagem 6: Capa da Sentença de Limpeza de Sangue...............................................................243

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Mapa da jurisdição dos tribunais em Portugal............................................................45


Mapa 2: Circunscrições Eclesiásticas na América Portuguesa.................................................48
Mapa 3: Mapa das províncias-regiões de Portugal.................................................................107
Mapa 4: Mapa das localidades de nascimento dos habilitandos.............................................112

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Modo de organização das informações coletadas....................................................28


Quadro 2: Expansão dos quadros burocráticos Inquisitoriais...................................................62
Quadro 3: Comissários do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão...........................................75
Quadro 4: Comissários do Santo Ofício – Tempo e Parentes habilitados................................80
Quadro 5: Notários do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão.................................................85
Quadro 6: Familiares do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão..............................................90
Quadro 7: Familiares do Santo Ofício – Período......................................................................92
Quadro 8: Familiares do Santo Ofício - Tempo das Habilitações............................................93
Quadro 9: Habilitações – Pré, durante e pós-Visitação............................................................95
Quadro 10: Naturalidade dos habilitados pelo Santo Ofício no Grão-Pará e Maranhão........108
Quadro 11: Naturalidade dos Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício...............109
Quadro 12: Naturalidade dos Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício – Por Região....110
Quadro 13: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Entre Douro e Minho........114
Quadro 14: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Estremadura.......................118
Quadro 15: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Beira..................................120
Quadro 16: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Trás-os-Montes.................123
Quadro 17: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Capitania – Grão-Pará e Maranhão.....125
Quadro 18: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Freguesia – Galiza...............................128
Quadro 19: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Capitania – Brasil................................129
Quadro 20: Naturalidade dos Habilitandos – Açores..............................................................131
Quadro 21: Idade dos Agentes do Santo Ofício no momento da Habilitação........................139
Quadro 22: Idade dos Comissários do Santo Ofício no momento da Habilitação .................140
Quadro 23: Idade dos Familiares do Santo Ofício no momento da Habilitação.....................141
Quadro 24: Idade dos Familiares do Santo Ofício no momento da Habilitação.....................141
Quadro 25: Estado Conjugal dos Familiares do Santo Ofício................................................145
Quadro 26: Naturalidade das Esposas.....................................................................................146
Quadro 27: Funções exercidas pelos habilitados Clérigos......................................................160
Quadro 28: Repertório das Testemunhas da Habilitação de Fernando da Costa de Ataide Teive – Lisboa........187

Quadro 29: Locais de Origem e Morada dos Habilitandos.....................................................189


Quadro 30: Terras que possuem os Habilitandos....................................................................208
Quadro 31: Habilitandos no Mapa de Famílias de 1785.........................................................214

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Ocupação dos Familiares do Santo Ofício.............................................................174


LISTA DE SIGLAS

ACL Administração Central

ACMB Arquivo da Cúria Metropolitana de Belém

AHU Arquivo Histórico Ultramarino

ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo

APEM Arquivo Público do Estado do Maranhão

BNP Biblioteca Nacional de Portugal

CG Conselho Geral

CGSO Conselho Geral do Santo Ofício

CU Conselho Ultramarino

HSO Habilitação do Santo Ofício

IL Inquisição de Lisboa

RGM Registro Geral de Mercês

TSO Tribunal do Santo Ofício

LISTA DE ABREVIATURAS

D. Dom

Emmo. Eminentíssimo

Exmo. Excelentíssimo

Fr. Frei ou Frade

Illmo. Ilustríssimo

Ills. Ilustres

Magest. Majestade

Ofc. Ofício

Rvmo. Reverendíssimo

Sto. Santo

V. Vossa
SUMÁRIO

Resumo

Abstract

Lista de Imagens

Lista de Gráficos

Lista de Quadros

Lista de Siglas

Lista de Abreviaturas

Introdução................................................................................................................................16

Primeiro Capítulo: Os Agentes do Santo Ofício e sua seleção..............................................37

1.1 O Santo Ofício e seus modos de atuação................................................................42


1.2 O Processo de seleção dos Agentes........................................................................58
1.3 Os agentes e suas atribuições.................................................................................72
Comissários do Santo Ofício.............................................................................74
Notários do Santo Ofício...................................................................................84
Familiares do Santo Ofício................................................................................88
A Visitação e os agentes do Santo Ofício...........................................................94

Segundo Capítulo: O perfil dos Agentes do Santo Ofício....................................................101

2.1 Origem.................................................................................................................103
Entre Douro e Minho.......................................................................................112
Estremadura....................................................................................................116
Beira................................................................................................................119
Trás-os-Montes...............................................................................................122
Grão-Pará e Maranhão.....................................................................................124
Galiza..............................................................................................................127
Brasil...............................................................................................................129
Açores.............................................................................................................131
2.2 Idade....................................................................................................................133
2.3 Estado Conjugal..................................................................................................144

Terceiro Capítulo: Trajetória dos Agentes do Santo Ofício..............................................155

3.1 Ocupação.............................................................................................................159
Eclesiásticos....................................................................................................159
Leigos..............................................................................................................173
3.2 Migração.............................................................................................................188
3.3 Posse de Terras....................................................................................................203

Quarto Capítulo: Atuação dos Agentes do Santo Ofício....................................................217

4.1 Seleção de novos agentes.....................................................................................219


Habilitações para Familiares do Santo Ofício..................................................219
Habilitações para Comissários e Notários do Santo Ofício..............................234
Testemunhas nas Habilitações.........................................................................246
4.2 Denúncias e Processos.........................................................................................251

Considerações finais..............................................................................................................263

Fontes.....................................................................................................................................269

Referências bibliográficas.....................................................................................................294

Anexos....................................................................................................................................315
16

INTRODUÇÃO

Deseja servir a Deus e a este Santo Tribunal...

O trecho acima, aparece de modo muito recorrente nas petições iniciais com que os as
pessoas solicitam servir a Inquisição. Vemos que pela expressão, o serviço ao “Santo Tribunal”,
se constituí antes de tudo em um serviço “a Deus”. Além disso, nas mesmas petições,
eventualmente também aparece a expressão para o “serviço de V. Majestade”. No presente
trabalho, essas três atribuições que aqui aparecem servirão de baliza para nosso objeto de
pesquisa, em suma, aqui estudaremos um grupo de 47 indivíduos, súditos de “Deus e do Rei”,
que tem em comum solicitem o serviço ao Santo Ofício no território que compreende o Estado
do Grão-Pará e Maranhão1.
Dito isso, não podemos perder de vista que esta é uma sociedade onde religião, vida
política e social se misturam, amálgama ainda mais presente nos territórios coloniais, como
modo de controle social e disciplinamento dos costumes2. No intento de integrar a mescla de
pessoas que viviam nos domínios “recém-descobertos”, o papel da religião era fundamental,
por isso, longe de interesses de “salvação das almas”, o estabelecimento de uma estrutura
religiosa significava fornecer um denominador comum naquela sociedade tão diversa. Para
tanto, os preceitos religiosos ditavam a vida dos batizados, de modo que a educação, a moral, a
arte, a sexualidade, as práticas alimentícias e as relações de aliança eram determinadas pela
Igreja. Por estas razões, cristianizar foi um processo essencial para a ocidentalização da
América3.
Pela bula Dudum pro parte, de 31 de março de 1516, o papa Leão X concede o direito
universal do padroado a todas as terras sujeitas ao domínio da Coroa portuguesa. A
compreensão do padroado régio é fundamental para entender a projeção que a Igreja e o Santo
Ofício terão no contexto apresentado, pois a série de concessões dada pelo Papado, comporta

1
O Território do Estado do Grão-Pará e Maranhão é uma unidade distinta do Estado do Brasil desde 1621,
compreendendo inicialmente as capitanias do Pará, Maranhão e Piauí. Será Estado do Maranhão e Grão-Pará até
1751, e Estado do Grão-Pará e Maranhão a partir deste ano. Conforme: SAMPAIO, Patrícia Melo. Administração
colonial e legislação indigenista na Amazônia portuguesa. IN: DEL PRIORE, Mary & GOMES, Flávio dos Santos
(orgs.). História e margens: imagens coloniais e pós-coloniais. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
2
BETHENCOURT, Francisco. Inquisição e controle social. História Crítica, n. 14, 1987, p. 5-18. SOUZA, Laura
de Mello. Inferno Atlântico: demonologia e colonização nos séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010. SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia
das Letras, 2014.
3
GRUZINSKI, Serge. El pensamiento mestizo: cultura ameríndia y civilizacíon del renacimiento. Barcelona:
Bolsillo Paídos, 2007.
17

também obrigações do Estado português para com estas instituições. Para tanto, precisamos
retroceder no tempo e encontrarmos a raiz dessas concessões. Em 1319 é erigida a Ordem de
Cristo, com sede em Tomar e sucessora em Portugal dos extintos Templários, a dita Ordem,
herdando o que antes pertencera aos Templários, logo se projeta recebendo de Roma muitas
concessões. Fundada pelo rei D. Dinis, desde o tempo do infante D. Henrique a chefia da ordem
era passada a um membro da família real4. D. Henrique, que possuía o título de “regedor e
conservador” da Ordem, obtém em 1433, por intermédio de seu irmão, D. Duarte, a doação das
ilhas da Madeira, Porto Santo e Deserta; conseguindo no ano seguinte da parte do papa, a
transferência do governo espiritual das ditas ilhas para a Ordem de Cristo. Note-se aqui que a
Ordem, fundada em 1319, além de aquinhoar territórios, recebe do papado o poder espiritual
sobre os mesmos, este precedente marcará a relação entre Igreja e Estado durante a monarquia
portuguesa, bem como o período imperial Brasileiro.
Eugénio IV, pela bula Etsi suscepti, de janeiro de 1442, confia ao grão-mestre da
Ordem de Cristo a tarefa de escolher o bispo que deveria reger as ditas ilhas, além de poder
reter, administrar e legar as terras. Treze anos depois, em 1455, Nicolau V, pela bula Romanus
Pontifex, ressalta a importância de alargar o domínio da fé católica nos territórios africanos,
dando ao rei o direito de erigir igrejas, oratórios, conventos e o poder de enviar missionários.
Pela bula Inter coetera, de 1493, Calisto III define os termos que nortearão as concessões feitas
à Coroa portuguesa, diz a bula: “Decretamos, estatuímos e ordenamos que para sempre a
espiritualidade e toda jurisdição ordinária, domínio e poder, nas coisas espirituais... pertença a
esta milícia e ordem, de futuro e para sempre5”. Aqui, portanto, tem o gérmen do que ficou
conhecido como padroado régio, caracterizado pela concessão à Coroa de Portugal
prerrogativas espirituais que em tese competiriam apenas a Sé Apostólica em Roma.
Em 1522, Adriano IV, conferiu ao rei D. João III a dignidade de grão-mestre da Ordem
de Cristo, que se transmitiu em seguida a todos os reis de Portugal, seus sucessores. É no reinado
deste rei, conforme veremos mais à frente, que a Inquisição é erigida em Portugal. Em 1551 foi
concedido também ao rei o grão-mestrado das outras duas ordens militares, a de São Tiago da
Espada e de São Bento. Segundo Daniel-Rops, D. João III tinha especial predileção pelos
termos do padroado régio, controlando “pessoalmente o envio de missionários às novas terras,

4
Diz Charles Boxer sobre o fato: “Estava formalmente incorporada na Coroa, juntamente com o cargo de grão-
mestre das duas outras ordens militares portuguesas, Santiado e Avis, pela bula papal Praeclara charissimi, de
dezembro de 1551”. BOXER, Charles. O Império marítimo português 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 2014, p.
228.
5
HOLANDA, Sérgio Buarque de. A Igreja no Brasil Colonial. In: História Geral da Civilização Brasileira – A
Época Colonial: Administração, economia, sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 64.
18

cuidando, não sem zelo, de que seu privilégio fosse bem preservado”6. Por ser chefe supremo
destas ordens, os reis portugueses passaram a exercer ao mesmo tempo o poder civil e religioso,
sobretudo nos domínios ultramarinos. Portanto, por concessão papal, o título de grão-mestre
conferia aos reis de Portugal também uma jurisdição espiritual7.
Nesse sentido, o padroado régio pode ser definido como uma combinação de direitos,
privilégios e deveres concedidos pelo papado à Ordem de Cristo, e por consequência, à Coroa
portuguesa, que adquiria a função de dispensadora das missões e instituições eclesiásticas. Pelo
padroado, o rei detinha autoridade para aceitar ou rejeitar bulas papais, o que ficou conhecido
como “beneplácito régio”; escolher, com a aprovação da Santa Sé, aprovação esta que era pro
forma, os bispos para os territórios coloniais; erigir e autorizar a construção de capelas, igrejas,
conventos, mosteiros, catedrais, cemitérios ou qualquer outro lugar de culto ou uso eclesiástico,
entre outras atribuições. Em troca, todo o custo para a edificação da máquina eclesiástica no
ultramar português ficaria a cargo da Coroa8. Neste sentido, o rei se constituía numa espécie de
legado pontifício, pois residiam em sua pessoa o poder temporal e espiritual, de modo que a
atuação da Igreja, era, em grande medida, regida pelas necessidades da Coroa9.
Portanto, sob a égide da propagação da fé10, a Igreja e depois o Santo Ofício
desempenharam papel central no disciplinamento da vida social e das mentes dos súditos do rei

6
DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da renascença e da reforma – II: A reforma Católica. São Paulo: Quadrante,
2014, p. 285.
7
AZZI, Riolando. A Instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: HOURNET, Eduardo; AZZI,
Riolando; GRIJP, Klaus van der; BROD, Benno. História da Igreja no Brasil: Primeira Época – Período Colonial.
Petrópolis: Editora Vozes, 2008, p. 155-234.
8
BOXER, Charles. A Igreja militante e a expansão Ibérica (1440-1770). São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
9
“No ser da Igreja concorrem, portanto, dois tipos de relação institucional. Um advém da sua origem divina e é
sumamente espiritual; o outro funda-se na ordem natural e constitutiva da sociedade civil e tem conotações
terrenas. Enquanto corpo místico, a Igreja é independente, mas outrotanto não acontece enquanto corpo político.
Se, em matéria privativamente doutrinal, a Igreja é livre e independente, no exercício ministerial desta doutrina já
o é menos. Importa, então, saber como se exerce a autoridade do principado sobre o múnus da Igreja. Pois bem,
em primeiro lugar, não há leis (válidas) de foro canônico sem o plácito régio, encontra-se nesse caso tudo o que
está compreendido sob a forma de Rescritos, Mandados, Decretos, Constituições, Bulas, Breves, e, por último, as
determinações conciliares”. PEREIRA, José Esteves. O Pensamento político em Portugal no século XVIII. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1983, p. 163.
10
A este contexto se acrescente a criação da Sagrada Congregação da Propaganda Fide, cuja tarefa era fomentar
as missões de modo a propagar a fé católica pelo mundo, dando as diretrizes e promovendo a formação de
missionários. A criação deste dicastério da Cúria Romana é parte de um contexto maior influenciado pela Contra-
Reforma, onde a Igreja assume uma postura de ataque frente à cisão do catolicismo romano com a Reforma
Protestante, incentivando a expansão da fé católica em todos os países em que era ignorada ou atacada. SÁ, Isabel
dos Guimarães. Estruturas eclesiásticas e acção religiosa. In: BETHENCOURT, Francisco & CURTO, Diogo
Ramada (dir.). A Expansão marítima portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 265-292. DANIEL-
ROPS, Henri. A Igreja dos tempos clássicos. São Paulo: Quadrante, 2001, p.88. Ainda sobre o tema, diz Daniel-
Rops: “Desde as suas origens, a Congregação para a Propagação da Fé se propôs simultaneamente dois fins: a
evangelização dos pagãos e a reconquista dos cristãos passados para o cisma e para a heresia. O esforço por levar
a verdade podia variar nas suas aplicações: substancialmente, era o mesmo; obedecia ao mesmo princípio, ao
mesmo espírito de fidelidade à doutrina evangélica” DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da Renascença e da
Reforma. São Paulo: Quadrante, 1999, p. 269.
19

de Portugal, da metrópole11 ao ultramar12. Na tese que se segue, veremos como no Grão-Pará e


Maranhão, se formou uma rede de agentes cuja principal função era o zelo pela “Santa Fé
Católica ”, e como, por suas trajetórias, permitem entender como o Santo Ofício se fez presente
nesse território.

Historiografia – Agentes do Santo Ofício Português

A Inquisição é, decerto, daqueles temas que mais chama atenção aos estudantes de
História na educação básica. Geralmente não há a quem se pergunte, que não sabia responder
um pouco de como se configurou e atuou esta Instituição. Por ser uma instituição tão
controversa quanto fascinante, tem sido abordada com recorrência na literatura e no cinema13.
Porém, a abordagem ao “grande público” é marcada pela lógica da espetacularização, o que
desemboca em visões acaloradas, que nublam a compreensão da instituição Tribunal do Santo
Ofício na sua longa duração.
Possivelmente por esse grande fascínio que o público geral tem pela temática, que em
meio aos historiadores também seja muito recorrente. Tratada, como é natural, através de
variados enquadramentos teóricos, metodológicos e temporalidades. Também no meio
acadêmico, a Inquisição se tornou campo de batalha para posicionamentos políticos e
ideológicos, que gravitam entre a demonização e santificação. Conforme defende Doris
Martínez, os trabalhos sobre a temática da Inquisição, ao longo dos séculos XIX e XX, têm
sido, em boa parte, “um exercício de definição ideológica, a exibição de progressismo ou
conservadorismo que cobre qualquer empenho de objetividade”14. Segundo a mesma autora,
felizmente, as últimas gerações de historiadores da Inquisição têm se esforçado para desnudar
o mito e recuperar a memória histórica.
Nessa perspectiva de renovação se insere os estudos do funcionamento da burocracia
Inquisitorial, que levava a efeito toda a máquina persecutória. Como a extensa bibliografia
levantada sobre a temática aparecerá ao longo do texto, aqui faremos uma citação mais sumária
dos trabalhos com abordagens aproximadas às nossas. Em se tratando da atuação dos agentes
do Santo Ofício na américa portuguesa, uma das primeiras citações está no trabalho de Sonia
Siqueira, intitulado A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial, originalmente publicado

11
PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas” 1600-1774. Lisboa: Notícias
Editorial, 1997.
12
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 342-342.
13
Para citar um exemplo, o afamado romance histórico Il nome della Rosa, do escritor italiano Umberto Eco,
lançado em 1980 e pouco tempo depois adaptado para o cinema, em 1986.
14
MARTÍNEZ, Doris Moreno. La invención de la Inquisición. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 27.
20

em 1978 e que tem um item referente aos “Agentes no Brasil”15. Anita Novinsky, em período
aproximado, ao trabalhar sobre a Inquisição na Bahia, cita a atuação dos familiares do Santo
Ofício16. Ao escrever sobre a presença da Inquisição no Sergipe, Luiz Mott, fala de três
familiares que lá atuaram17. Em 1992, é publicado o primeiro trabalho tendo como temática
“exclusiva” os oficiais do Santo Ofício, trata-se da dissertação de mestrado de Daniela
Calainho, intitulada Em nome do Santo Ofício: Familiares da Inquisição portuguesa no Brasil
colonial, lançada em livro no ano de 2006. Calainho demonstra a relevância dos estudos sobre
o tema, e realiza os primeiros levantamentos estatísticos sobre a rede destes agentes no Brasil18.
Se ressalte que esse é de fato o trabalho fundante e que dá mais clareza de como atuavam e qual
a projeção que esses agentes da Inquisição tinham nos territórios coloniais.
Em 2006 é publicada a tese Agents of Orthodoxy, de autoria de James Wadsworth, que
teve como objeto a rede de familiares do Santo Ofício edificada na capitania de Pernambuco,
entre os anos 1613 até 182019. Ainda sobre Pernambuco, Bruno Feitler publicou em 2007 Nas
Malhas da Consciência, onde analisa a confluência da atuação da Igreja e da Inquisição neste
bispado20. Destaque se dê à dissertação e a tese publicadas por Aldair Rodrigues, onde analisa
a atuação dos familiares e comissário em Minas Gerais, bem como a relação entre Inquisição e
a sociedade Mineira21. É também sobre Minas Gerais, mais precisamente a Freguesia de
Guarapiranga, a dissertação de Luiz Fernando Lopes, que analisa o uso da familiatura por elites
locais22. Em 2009 foi publicada a tese Para Remédio das Almas: Comissários, Qualificadores
e Notários do Santo Ofício da Inquisição Portuguesa na Bahia (1692-1804), de autoria de

15
SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ed. Ática, 1978
16
NOVINSKY, Anita. Cristãos-novos na Bahia: 1624-1654. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
17
MOTT, Luiz. A Inquisição em Sergipe. Aracaju: Score Artes Gráficas, 1987.
18
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial. Bauru:
EDUSC, 2006.
19
WADSWORTH, James E. Agents of orthodoxy: inquisitional power and prestige in colonial Pernambuco,
Brazil. Tese de doutoramento apresentada à University of Arizona, 2002. A tese foi depois publicada em livro:
WADSWORTH, James E. Agents of orthodoxy: honor, status, and the Inquisition in colonial Pernambuco, Brazil.
Maryland: Rowman & Littlefield, 2017.
20
FEITLER, Bruno. Nas malhas da consciência: Igreja e Inquisição no Brasil. São Paulo: Editora Alameda, 2007.
21
Ambos foram publicados em livro: RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de Sangue: Familiares do Santo Ofício,
Inquisição e Sociedade em Minas Colonial. São Paulo: Alameda, 2011. RODRIGUES, Aldair Carlos. Igreja e
Inquisição no Brasil: agentes, carreiras e mecanismos de promoção social – século XVIII. São Paulo: Alameda,
2014.
22
A dissertação foi publicada em livro: LOPES, Luiz Fernando Rodrigues Lopes. Vigilância, distinção e honra:
Inquisição e dinâmica dos poderes locais nos sertões das Minas Setecentistas. Editora Prismas: Curitiba, 2014. Em
2018 o mesmo autor defendou sua tese de doutoramento, intitulada Indignos de servir: os candidatos rejeitados
pelo Santo Ofício português (1680-1780), onde reflete sobre o perfil dos indeferidos aos cargos do Santo Ofício,
analisando o que foi a política de rejeição da Inquisição portuguesa.
21

Grayce Mayre Bonfim Souza, que se detêm no perfil e nos meios de atuação dos clérigos que
serviram o Santo Ofício na Bahia23.
Em 2011, foi publicada a dissertação A Inquisição não está aqui? A presença do Santo
Ofício no extremo sul da América Portuguesa (1680-1821), de autoria do Lucas Maximiliano
Monteiro. Conforme o próprio título apresenta, o autor se debruça sobre a atuação da Inquisição
nas regiões de Rio Grande de São Pedro e Colônia do Sacramento, mapeando a rede de agentes
e sua relação com a localidade24.
Note-se, portanto, que os estudos sobre a atuação de agentes habilitados se centram
em áreas que compreendiam o Estado do Brasil, notadamente Pernambuco, Bahia e Minas
Gerais. Em se tratando da atuação do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e Maranhão,
podemos dizer que a historiografia privilegia dois temas: A Visitação e os delitos 25. É
compreensível que a primeira tenha sido objeto de muitos historiadores em razão da
acessibilidade das informações através da descoberta, transcrição e publicação em 1978, do
Livro da Visitação do Santo ofício ao Estado do Grão-Pará, trabalho primoroso de José Amaral
Lapa, que permitiu acesso a dados inicialmente desconhecidos e que estavam perdidos no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Sem negar a importância da Visitação, centraremos
nossa análise na atuação dos agentes habilitados, de modo a demonstrar que o Santo Ofício já

23
A tese foi publicada em livro: SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Para remédio das almas: Comissários,
qualificadores e notário da Inquisição portuguesa na Bahia colonial. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2014.
24
A dissertação foi publicada em livro: MONTEIRO, Lucas Maximiliano. A Inquisição não está aqui? A presença
do Santo Ofício no extremo sul da América Portuguesa (1680-1821). Jundiaí: Paco Editorial, 2015.
25
LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da Visitação do Santo ofício ao Estado do Grão-Pará (1763-1769). São
Paulo: Editora Vozes, 1978; DOMINGUES, Evandro. A pedagogia da desconfiança. O estigma da heresia
lançado sobre as práticas de feitiçaria colonial durante a Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará
(1763-1772). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Campinas, 2001. CAMPOS, Pedro
Marcelo Pasche de. Inquisição, magia e sociedade: Belém do Pará, 1763-1769. Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Federal Fluminense, 1995. MATTOS, Yllan de. A última Visitação: os meios de ação
e funcionamento da Inquisição no Grão-Pará pombalino (1763-1769). Dissertação de Mestrado apresentada à
Universidade Federal Fluminense, 2009. OLIVEIRA, Maria Olindina Andrade de. Olhares inquisitoriais na
Amazônia portuguesa: o Tribunal do Santo Ofício e o disciplinamento dos costumes (XVII-XIX). Dissertação de
mestrado apresentada à Universidade Federal do Amazonas, 2010. ARAÚJO, Sarah dos Santos. À espreita do
sentimento: Rastros do medo e cotidiano no contexto da ação Inquisitorial no Grão-Pará (1760-1773). Dissertação
de mestrado apresentada à Universidade Federal do Amazonas, 2015. No âmbito da Universidade Federal do Pará
também alguns trabalhos sobre esta temática: DIAS, Juan Jambert. A Inquisição no Pará: um estudo sobre o
imaginário religioso. Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará, 1997; SILVA,
Ezilene. Cultivando o pecado e dando escândalos: devassas civis e religiosas no Grão-Pará do século XVIII.
Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará. Belém, 2011. CUNHA, Juliana da Mata.
Vicissitudes de um servidor do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará (1763-1772). Monografia de graduação
apresentada à Universidade Federal do Pará, 2001; MARQUES, Arison. Purgatório amazônico: Sexualidade e
inquisição no Grão-Pará (1763-1769). Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará,
2002. BATISTA, Augusto Cesar de Souza. Por baixo da mesa da visitação do Santo Oficio em Belém: os
delatantes (1763-1769). Monografia apresentada à Universidade Federal do Pará, 2012. MERCÊS. Filipe Santos
das. Inquisição, Bigamia e Sodomia no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1757-1780). Dissertação de Mestrado
apresentada à Universidade Federal do Pará, 2018. CARVALHO, Leila Alves de. Os Cadernos do Promotor: as
ações do Tribunal do Santo Ofício no Maranhão e Grão-Pará (1640-1750). Dissertação de Mestrado apresentada
à Universidade Federal do Pará, 2018.
22

atuava muito antes da chegada o visitador Giraldo José de Abranches, permanecendo em


“funcionamento” após a saída dele.
Márcia Mello é a primeira a apontar a necessidade de estudos mais sistemáticos da
rede burocrática edificada pelo Santo Ofício nas Capitanias do Pará e Maranhão. A autora faz
uma larga exposição sobre os números de denúncias e o perfil dos crimes relatados, enaltecendo
os períodos para além do tradicional recorte da Visitação26. Esteados nessa necessidade, no
mestrado desenvolvemos pesquisa que se centrou na atuação dos Comissários do Santo Ofício,
o que também nos permitiu descortinar, em parte, a atuação do clero secular em um contexto
onde se privilegia a atuação das ordens religiosas27.
Recentemente defendida, a tese de doutoramento de Marília Cunha Imbiriba dos
Santos, intitulada Família, trajetórias e Inquisição: Mobilidade Social na Amazónia Colonial
(c. 1672 – c. 1805), toma como ponto de partida para sua análise os homens habilitados como
Familiares do Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e Maranhão28. Por suas trajetórias, a autora
revela a formação e a configuração da elite local, que profundamente atreladada ao comércio,
viu a Familitura do Santo Ofício como modo de ascensão social de “nobilitação pelo serviço”.
Para ela, a habilitação se constituía como parte de uma estratégia de mobilidade social, portanto,
não como um fim, mas um meio para legitimação desses indivíduos perante os poderes locais,
os quais, também formavam. Além disso, destaque se dê ao relevo dado às esposas dos
habilitandos, que também habilitadas, têm papel preponderante no processo de inserção social
de seus maridos. Esse trabalho é particularmente interessante se lido em conjunto com o nosso,
pois se a autora utiliza o Santo Ofício como “ponto de partida” para analisar a mobilidade social
no âmbito da Amazônia colonial; o nosso, utiliza o Santo Ofício e a trajetórias dos indivíduos
como modo de entender a atuação desta instituição no mesmo espaço.

26
MELLO, Marcia Eliane Souza e. Inquisição na Amazônia colonial: reflexões metodológicas. História Unisinos.
Maio/Agosto 2014.
27
LIMA, João Antonio Fonseca Lacerda. “Pessoas de vida e costumes comprovados”: Clero secular e Inquisição
na Amazônia setecentista. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Federal do Pará, 2016.
28
SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos. Família, trajetórias e Inquisição: Mobilidade Social na Amazónia
Colonial (c. 1672 – c. 1805). Tese de Doutoramento em História apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2019. Da autora, também se destaque: SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos. Inquisição
e Família: Possibilidades a partir da habilitação de Familiar do Santo Ofício. Revista de Estudos Amazônicos, v.
IX, p. 101-130, 2013. SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos; VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Mobilidade
Social no Grão- Pará e Maranhão: na trajetória de vida e no uso serial das habilitações do Santo Ofício. In: Ana
Silvia Volpi Scott; Cacilda Machado; Eliane Cristina Deckmann Fleck; Gabriel Santos Berute.. (Org.). Mobilidade
Social e formação de hierarquias: subsídios para a história da população. São Leopoldo: Editora Oikos, 2014, v.
3, p. 307-336. SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos; VIEIRA JÙNIOR, Antonio Otavino. Inquisição e imigração:
A trajetória de familiares do Santo Ofício no Grão - Pará e Maranhão e na Capitania do Ceará (Século XVIII). In:
José Jobson de Andrade Arruda; Vera Lúcia Amaral Ferlini; Maria Izilda Santos de Matos; Fernando de Sousa.
(Org.). De Colonos a Imigrantes: I(E)migração portuguesa para o Brasil. 1ed.São Paulo: Alameda, 2013, v. 1, p.
397-408.
23

Caracterização do grupo estudado

Há várias maneiras de fazer uma tipologia dos diversos agentes que serviam ao Santo
Ofício, uma tipologia os divide entre agentes eclesiásticos e laicos; outra ainda entre agentes
internos e externos ao Tribunal29. Nós, porém, os dividiremos entre agentes centrais e locais.
Os centrais serviam ao Conselho Geral, órgão máximo da Inquisição sediado em Lisboa a quem
os tribunais de Lisboa, Coimbra, Évora e Goa tinham que constantemente se reportar 30. No
cume da pirâmide do Conselho Geral estava o Inquisidor Geral; seguido pelos deputados,
inquisidores e promotores. A nível local, o que nos interessa, estavam os familiares e
comissários, tidos como os Pontas de Lança da Inquisição na América Portuguesa, na medida
em que estavam mais próximos da população em geral, sendo como que o elo entre estes e o
tribunal central. Era por meio destes últimos que a Inquisição poderia estender sua raia de
atuação, realizando o controle da fé nas áreas mais distantes31.

A montagem do quadro de agentes era composta via candidatura, ou seja, ao invés de


recrutar, preenchiam-se os cargos apenas com aqueles que o pleiteavam. O primeiro grau desta
hierarquia local era ocupado pelos Familiares, indivíduos leigos que tinham como principal
atribuição manter os Comissários locais cientes dos casos que competiam ao do Santo Ofício.
Também lhes competia fazer as diligências e, quando a prisão de um acusado era acompanhada
de apreensão de bens, deveriam mandar chamar o juiz para o inventário. A admissão de um
Familiar era similar a de um Comissário, iniciava-se com pedido do habilitando, geralmente
acompanhado de uma justificação do interessado. Começavam as investigações na terra natal
do habilitando e na de seu domicílio, na de seus pais avós e bisavós, convocavam-se

29
FEITLER, Bruno. Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade do tribunal de
Lisboa. In: Raízes do Privilégio: Mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
30
Em Portugal, quatro foram os Tribunais da Inquisição, cada um com sua respectiva jurisdição. O primeiro foi o
de Lisboa, estabelecido em 1539. Em 1541 foram instituídos dois tribunais, o de Évora e o de Coimbra. Fora de
Portugal continental havia apenas um tribunal, que ficava localizado em Goa, na Índia, criado em 1560. Existiram
também os tribunais de Lamego, Tomar e Porto, mas foram logo extintos, devido a abusos e má administração.
Hierarquicamente, o Tribunal de Lisboa ocupava posição privilegiada em relação aos outros. O fato de dividir sua
sede com o Conselho Geral, o que fazia com que os casos mais espinhosos fossem a ele remetidos; estar mais perto
da corte; estar na maior cidade do reino e ter sob sua tutela os domínios ultramarinos na América demonstram esta
importância. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália séculos XV-XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição
Portuguesa 1536-1821. Lisboa: A esfera dos Livros, 2013. Na mesma perspectiva, segundo Daniel Giebels, o
Tribunal de Lisboa tinha desde o início, precedência em relação aos demais, pois além de ser o mais antigo, nele
serviu como inquisidor D. João de Melo. GIEBELS, Daniel Norte. A Inquisição de Lisboa (1537-1579). Lisboa:
Gradiva, 2018, p. 91.
31
NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1994.
24

testemunhas para saber dos procedimentos do habilitando e seus parentes, de modo que em
posse destas informações, o Conselho Geral deferia, ou não, o pedido do habilitando.

Segundo o Regimento32, para ser habilitado o pleiteante deveria ter sua vida devassada
pelos agentes inquisitoriais, “tirando-se de cada um deles primeiro bastante informação de sua
genealogia, de modo que conste que não tem raça de mouro, judeu, nem de gente novamente
convertida à fé (...) o que se fará na forma do S. Ofício com grande rigor e resguardo” 33. Essa
orientação foi mantida nos Regimentos posteriores, abolindo apenas a questão da raça, das
denominações “cristão-velho” e “cristão-novo”, no último regimento (1774) instituído no
reinado de D. José I34. Este último conservou a preocupação com as qualidades dos ministros e
oficiais da Inquisição, quando destaca que estes deveriam ser indivíduos de “boa vida e
costumes capazes para se lhes cometerem negócios de importância; sem infâmia alguma de
fato, ou de Direito nas suas próprias pessoas, ou para eles derivada de seus pais ou avós, nos
casos expressos nas Ordenações e mais leis deste Reino”35. Os regimentos são muito
importantes para percebermos mais claramente a maneira como deveria proceder o agente da
instituição, mas também nos ajuda a ver como aconteciam exceções ao que era determinado.
Os Comissários do Santo Ofício, por sua vez, deveriam ser pessoas eclesiásticas,
dotadas de “prudência” e “virtude” reconhecida pela comunidade da qual faziam parte36. A eles
cabia o papel de assistentes da alta hierarquia inquisitorial nas localidades para as quais estavam
habilitados, ocupando os lugares mais importantes da Inquisição na sua área jurisdicional. Os
principais deveres dos comissários eram ouvir as testemunhas nos processos inquisitoriais,
realizar diligências e coletar depoimentos para as habilitações de outros agentes, fazer as
prisões e conduzir os presos, além de fazer a vigilância daqueles penitenciados com o
degredo para a localidade de sua atuação. Era necessário que mantivessem em seu poder o

32
Os regimentos achavam-se divididos em três livros. O primeiro dos livros tratava dos ministros e oficiais do
Santo Ofício, contendo 22 títulos; o segundo elencava a ordem judicial do Santo Ofício que se determinava por 23
títulos; e o terceiro elencava as penas a serem imputadas aos culpados, contando com 27 títulos. MENDONÇA,
José Lourenço & MOREIRA, Antonio Joaquim. História dos principais actos e procedimentos da Inquisição em
Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1979.
33
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1613), Título I.
34
A questão da limpeza de sangue apesar de só ser abolida no regimento 1774, na prática já estava em desuso
desde meados do mesmo século. Isto é evidenciado em muitos dos guias para os testemunhos colhidos acerca dos
habilitandos e seus familares, quando o item que tratava da “qualidade de sangue” aparece riscado. O fato é que
por detrás de uma capa de aparente intransigência e rigor os tribunais que apuravam a honra sucumbiram a pressões
diversas e a jogos de influência. De modo que quando os estatutos de limpeza de sangue foram oficialmente
abolidos, em 1773, já pouco de rigor permanecia em meio a muitas exceções. Sobre isso ver: OLIVAL, Fernanda.
Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal, Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 4, 2004,
151-182
35
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1774). Livro I, Titulo I.
36
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. XI.
25

regimento próprio e demais ordens enviadas pelos deputados do Conselho Geral do Santo Ofício,
pois:

Se nas terras em que viverem acontecer alguma coisa que encontre a pureza de
nossa Santa Fé, ou por alguma outra via pertença o Santo Ofício, autorizarão
por carta sua os Inquisidores para que mandem prover na matéria com o
remédio que convém ao serviço de Deus37.

No regimento de 1640, o décimo primeiro título trata dos comissários e escrivães. A


respeito dos primeiros, consta que eles devem fazer as diligências que forem ordenadas
pessoalmente, não delegando a outra pessoa. Os comissários deveriam fazer as perguntas
necessárias para as diligências em sua casa; contudo, quando fossem perguntar a mulheres que
não tivessem qualidade, o regimento ordenava que se fizesse em uma igreja. Somente era
autorizado que se coletasse informações na casa de uma testemunha em caso de doença desta, o
que deveria se declarado em termo. No item “Nas informações de limpeza de sangue darão seu
parecer” há a seguinte ordem:

Nas diligências que lhes forem cometidas sobre a limpeza de sangue de


alguma pessoa, depois de perguntadas as testemunhas, darão seu parecer,
declarando mui em particular a notícia que tiverem da qualidade das pessoas de
que se trata e a fé e crédito que se pode dar testemunhas, escrevendo à tudo
por sua mão, sem o comunicar ao escrivão.

Ou seja, após efetuada a diligência de investigação genere o comissário deveria, sem efetuar
comunicação ao escrivão, dar seu parecer em relação às informações recebidas e dar a sua fé a
tudo o que foi recolhido por meio das testemunhas. Essa é uma importante atribuição dada ao
comissário, por quem poderia passar a aceitação ou não, da petição enviada por um habilitando
ao Conselho Geral para qualquer cargo de agente inquisitorial.
Após 134 anos é publicado um novo Regimento, datado de 1774. Nele há a repetição
dos mesmos termos dispostos no anterior, exceto - conforme já foi dito, da exigência de pureza
de sangue, reflexo das reformas empreendidas na Inquisição pelo Marquês do Pombal.
Portanto, os comissários do Santo Ofício eram a autoridade máxima da Inquisição nos
territórios que não contavam com tribunais inquisitoriais. Estavam subordinados diretamente
aos inquisidores e tinham nos familiares do Santo Ofício os mais estreitos colaboradores. É
precisamente esse grupo que faz a “ponte” entre o poder central e a presença local do Santo
Ofício que será nosso objeto de pesquisa, através deles, objetivamos perceber como se formava

37
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1774), Lv. I, Tít. XI, n. 6.
26

a burocracia Inquisitorial no Estado do Grão-Pará e Maranhão.

Métodos

A discussão que aqui travamos, se aproxima, em sua perspectiva teórico-metodológica,


da prosopografia, ou seja, da tentativa de estudar um grupo social a partir de características
comuns que marcam as trajetórias individuais de seus membros38, neste caso, nosso grupo é
formado por 46 indivíduos que buscaram servir ao Santo Ofício no contexto da Amazônia
colonial. Esse método tem como característica fundamental analisar um grupo esmiuçando as
informações sobre seus membros, o que o aproxima de uma biografia, contudo, não se detêm
apenas nas trajetórias individuais, mas nas experiências que são comuns a todos39. A
reconstituição desta “biografia coletiva” só nos foi possível por meio de uma intensa pesquisa
documental, acurada sistematização de dados quantitativos e qualitativos e rigorosa análise dos
mesmos.
Este método nos possibilitou uma visão bastante definida dos personagens envolvidos,
as suas características, eventualmente os seus interesses e ambições, que entrevemos pelas
informações colhidas nas fontes. É de se ressaltar que a prosopografia pressupõe que os estudos
nunca podem ser considerados concluídos, na medida em que sempre é possível e desejável a
existência de novas perspectivas de análises, que emergem no encontro de novas fontes sobre
o tema. Como a prosopografia tem como escopo as nuances que a documentação vai
apresentando acerca do grupo estudado, ao longo do presente trabalho, conforme poderá ser
visto, a documentação será nosso guia para abordagem dos temas, que cruzam as trajetórias
individuais dos agentes com aspectos mais amplos do contexto estudado.
O permanente aparecimento de novas fontes e a necessidade da sistematização dos
dados obtidos, implicou a realização de formulários próprios de modo a não perder os
importantes detalhes acessíveis pela documentação. Pelos resultados obtidos, penso que
conseguimos alcançar aspectos mais profundos de um determinado grupo, obtendo deste modo,
os elementos que no seu conjunto irão definir um determinado perfil, permitindo clarificar o
grupo social, o seu meio envolvente e as relações sociais estabelecidas. Para nós, o trunfo deste

38
BULST, Neithard. Sobre o objeto e o método da prosopografia. Politeia: Hist. e Soc., v. 5, n. 1, p. 47-67, 2005.
CHARLE, Christophe. A prosopografia ou biografia coletiva: balanço e perspectivas. In: HEINZ, F. (Org.). Por
Outra História das Elites. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 2006. VERBOVEN, Koenraad; CARLIER, Myriam;
DUMOLYN, Jan. A short manual to the art of prosopography. In: KEATS-ROHAN, K.S.B. (org.). Prosopography
Approaches and Applications: A Handbook. Oxford: Unit for Prosopographical Research (Linacre College), 2007,
p. 35-69. STONE, Lawrence. Prosopografia. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 19(3), jun/2011, p. 115-
137.
39
DOSSE, Francois. O desafio biográfico: Escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009, p. 223.
27

método de análise é ao mesmo tempo a obtenção de uma clara visão de conjunto, sem deixar
de levar em consideração a individualidade dos sujeitos, de cuja individualidade parte a ideia
de conjunto, no nosso caso, o desejo de “servir a Deus e a esse Santo Tribunal”.
As habilitações do Santo Ofício nos ajudaram nesse intento, na medida em que
aglutinam informações acerca de um indivíduo e sua família ao redor de um mesmo corpo
documental, como que uma “descrição densa”40 de suas vidas que podemos perscrutar por
detrás do fora registrado pelos agentes inquisitoriais41. Por outro lado, o Santo Ofício só elenca
aquilo que lhe convém, qual seja, informações que deem conta de ver a conduta e a qualidade
de sangue dos pleiteantes. Esta especificidade é limite do trabalho com esta fonte, ainda que a
habilitação nos dê importantes informações acerca da vida desses indivíduos, alguns aspectos
essenciais são deixados de lado. Foi a partir destes limites que sentimos a necessidade de
incorporar outros documentos que evidenciassem outras facetas da trajetória dos indivíduos
pesquisados.
Carlo Ginzburg chama atenção como o próprio acesso aos indivíduos é feito de modo
fragmentado, pois “os registros civis apresentam-nos os indivíduos enquanto nascidos e mortos,
pais e filhos; e os registros cadastrais, enquanto proprietários ou usufrutuários; os autos,
enquanto criminosos, enquanto autores ou testemunhas”42. O mesmo autor concluí ao afirmar
que “as séries documentais podem sobrepor-se no tempo e no espaço de modo a permitir-nos
encontrar o mesmo indivíduo ou grupos de indivíduos em contexto sociais diversos”43. O fio de
Ariana nesse processo é aquilo que distingue um indivíduo do outro em todas as sociedades
conhecidas: o nome. Nesse método onomástico, perseguindo o nome, o investigador tem a
possibilidade de agregar diversos outros documentos dos quais pode extrair informações sobre
o grupo estudado. Nesse sentido, além das habilitações do Santo Ofício, tendo o nome como
fio condutor, nos foi possível agregar informações encontradas em outras fontes. Tal
procedimento, nos permitiu reconstituir redes, famílias, estratégias e atores sociais,
descrevendo os sistemas de grandes dimensões sem perder de vista a situação concreta da gente
real; ou entender as ações de uma pessoa em suas concepções limitadas sem perder de vista as
realidades globais que pesam em torno dela44. No presente trabalho, tentamos conectar os

40
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. Carlo Ginzburg faz a comparação
entre os documentos produzidos pela inquisição e as práticas dos antropólogos, sugerindo que pela potencialidade
dessa documentação, seria como o “caderno de notas” de um antropólogo. GINZBURG, Carlo. O Inquisidor como
Antropólogo. In: GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 281.
41
LADURIE, Emmanuel Le Roy. Da Inquisição à Etnografia. In: LADURIE, Emmanuel Le Roy. Montauillou:
cátaros e católicos numa aldeia occitana 1294-1324. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 17-26.
42
GINZBURG, Carlo. O nome e o como. In: A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, p. 173.
43
Ibidem, p. 174.
44
LEVI, Giovanni. Un problema de escala. Relaciones: Revista de El Colegio de Michoacán, v.24, nº 95, 2003.
28

diferentes níveis de análise de modo a combinar as características dos atores, as relações que
estabelecem entre si e as com a sociedade em geral. Com isto, tornou-se possível um diálogo
entre a conduta dos atores no nível micro (o agente, os agentes) e o que José Maria Imízcoz
chama de “estruturas organizativas” no nível macro (Inquisição, Sociedade, etc)45.
De modo a dar conta da complexidade das informações encontradas, parte dos dados
foram organizados no Sistema de Gerenciamento de Indivíduos46. Através do nome do
indivíduo, conseguimos organizar os vários momentos de sua vida, independente de como e
onde eles apareçam. Para melhor exemplificar, exponho abaixo um quadro em que é possível
ver este cruzamento informações, cito o comissário Caetano Eleutério de Bastos:

Quadro 1: Modo de organização das informações coletadas


Data Resumo Arquivo
30/05/1694 Batizado na freguesia do Sacramento, Lisboa. ANTT
21/03/1722 Ordenado diácono APEM
04/05/1722 Ordenado presbítero APEM
04/02/1735 Sesmaria no Rio Guamá onde planta café AHU
20/03/1735 Sesmaria no Rio Guamá ANTT
23/07/1737 Sesmaria no Rio Arari para criação de gado bovino AHU
29/11/1744 Cura da Sé de Belém AHU
14/03/1745 Entra com o pedido para servir como Comissário do Santo Ofício ANTT
Na sua habilitação, a testemunha Manoel Gomes diz que Caetano
23/04/1745 ANTT
Eleutério vive no Pará “mais de vinte anos”.
14/05/1745 Recebe carta de Comissário do Santo Ofício ANTT
Vive de “tratar suas lavouras” e de “beneficiar as fazendas que
09/11/1751 AHU
possui”.
Conflito com o sargento mor João Furtado de Vasconcelos, e o pai
21/01/1752 AHU
deste, Antonio Furtado de Vasconcelos.
Sesmaria no Rio Arari para criação de gado bovino (aumento das
08/07/1754 AHU
terras que a possui)
13/02/1755 Engenho de cacau no Rio Guamá AHU
Dá comissão ao vigário da vara de Cametá, Padre Manoel Eugênio da
15/08/1757 ANTT
Cruz, para realizar diligência de um processo de bigamia.
Conflito com o sargento-mor Antonio Rodrigues Martins, possuidor
29/08/1759 AHU
de terras vizinhas as do padre no Rio Guamá.
Sua escrava Ana Marinha, solicita liberdade para a Mesa da
29/08/1759 AHU
Consciência e Ordens
Remete para os Inquisidores denúncia contra a índia Sabiana acusada
02/06/1762 de pacto diabólico ANTT

45
IMÍZCOZ, José Maria. Actores, redes, processos: reflexiones para uma historia más global. Revista da
Faculdade de Letras. Porto, III série. Vol. 5. 2004, p. 115-140
46
Desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa População, Família e Migração na Amazônia (RUMA/CNPq), em
plataforma livre (JAVA), com banco de dados também livre (MySQl). Foi pensado para receber qualquer tipo de
documento, desde uma lista nominativa até um processo inquisitorial. Neste Sistema de Gerenciamento de
Indivíduos (SGI) o nome é o primeiro dado a ser inserido e todos os outros dados são meta-informações agregadas
ao nome – Parte do registro da documentação está disponível em:
http://cpro23349.publiccloud.com.br:8080/SGiWeb/.
29

Dá parecer favorável à habilitação de Felipe Joaquim Rodrigues no


18/10/1763 ANTT
cargo de comissário do Santo Ofício.
Citado no processo que envolve o bispo do Pará Dom João de São
30/10/1763 ANTT
José e Queirós
30/11/1765 Sequestro de Bens totalizando 10:400$000 AHU
Padre Leandro Caetano Ribeiro solicita ao secretário de estado da
Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, receber
26/06/1767 os bens que lhe foram deixados em testamento pelo padre Caetano AHU
Eleutério de Bastos.

Fonte: AHU, ANTT, APEM.

O quadro acima expõe o modo com que organizamos a trajetória individual dos
agentes, o nome é o marcador, e a ele se interligam os demais dados acerca do indivíduo a partir
de fontes diversas. Foi através dessa sistematização, que conseguimos dar conta do enorme
volume de informações encontradas, bem como demarcar o ponto de encontro da vida de cada
agente e sua conjunção com o coletivo. Os dados expostos acima visam apenas apresentar como
conseguimos sistematizá-los, as análises serão feitas ao longo do presente trabalho.

Fontes – As habilitações

Conforme poderá ser visto, para seguirmos a trajetória desse grupo de agentes
habilitados pela Inquisição no território que compreende o Estado do Grão-Pará e Maranhão,
lançamos mão de um extenso repertório de fontes, de modo a descortinar as várias facetas de
suas vidas. Nosso “ponto de partida” foi justamente a extensa documentação referente a esta
instituição, que está sob a guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo47. Nesse sentido,
achamos por bem apresentar esta fonte onde se assenta o nosso trabalho – as Habilitações do

47
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, sediado em Lisboa, guarda a grande maioria da documentação referente
à Inquisição portuguesa. Registre-se que atualmente, o fundo “Tribunal do Santo Ofício” é um dos mais
digitalizados, dada a grande procura pela documentação. Isso podemos afirmar pois sentimos ao longo do tempo
esta diferença, quando de nossa primeira estada em Lisboa, ainda no mestrado, entre os meses de setembro-
novembro de 2015, fizemos um levantamento prévio das habilitações, que estavam em grande parte disponíveis
apenas para pesquisa in loco. Por ocasião do estágio sanduíche, realizado entre novembro/2018 – junho/2019,
detectamos que as habilitações já estavam, em sua grande maioria, digitalizadas e disponíveis online. Conforme
já apresentamos na parte “Historiografia” desta introdução, os estudos sobre os Agentes do Santo Ofício têm sido
mais presentes a partir da década de 90, o que atribuímos ao extenso inventário feito por Maria do Carmo Jasmins
Dias Farinha, em 1990. Sobre o citado inventário, ver: FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias. Os Arquivos da
Inquisição. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Serviço de Publicações e Divulgação, 1990. No que
diz respeito ao inventário de fontes sobre Inquisição no Brasil, há um guia organizado por Célia Tavares, Daniela
Calainho e Pedro de Campos, que elenca documentos e bibliografia sobre a temática nos arquivos do Rio de
Janeiro. TAVARES, Célia Cristina da Silva; CALAINHO, Daniela Buono; CAMPOS, Pedro Marcelo Pasche de.
Guia de fontes e bibliografia sobre a Inquisição: a Inquisição nos principais arquivos e bibliotecas do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: FAPERJ / EdUERJ, 2005.
30

Santo Ofício. Os processos de habilitação dos Comissários, Notários e Familiares são fontes
riquíssimas, na medida em que aglutinam muitas informações acerca do habilitando,
informações estas distantes cronológica e geograficamente, o que nos faz perceber a presença
e atuação destes agentes, sobretudo se analisarmos aspectos relativos às suas origens,
privilégios auferidos pelo exercício de tal função, desempenho de suas atividades e o tipo de
relação estabelecida com a comunidade a qual estavam incumbidos de vigiar. Para além disso,
é uma rica fonte para composição de um cenário populacional, de modo a evidenciar o
comportamento da estrutura familiar de determinados grupos sociais. Por meio desses
documentos, pudemos vê-los atuando e qual o investimento feito, pois, em geral, um processo
de habilitação delongava tempo significativo e o custo estava diretamente relacionado a este
tempo, exceto em casos específicos como falaremos mais à frente.
A primeira etapa da habilitação é a petição feita pelo habilitando, que era uma
autodeclaração, onde informava em que cargo do Santo Ofício pretendia servir, seu nome,
morada e genealogia. A partir da petição, o Conselho Geral preparava uma lista contendo os
nomes do habilitando, de seus pais e avós (maternos e paternos) e em caso de cargos ocupados
por leigos e, sendo casado, eram também buscadas as informações referentes a sua esposa e
seus ascendentes. Em posse destas informações, preparava-se um a lista a ser remetida aos
quatro tribunais da Inquisição Portuguesa, em vista de se consultar em seus índices de culpados,
se algum dos nomes citados fora condenado. Dos tribunais retornavam as informações ao
Conselho Geral, numa espécie de Nada Consta acerca do habilitando e seus parentes.
Não havendo impedimento, dava-se início a segunda etapa do processo, onde era
enviado um pedido de informações extrajudiciais a um oficial do Santo Ofício para localidades
de morada do habilitando, de seus pais e avós maternos e paternos, objetivando investigar a
vida e comportamento, bem como condições e capacidade para exercer funções para qual se
candidatava. Nesta etapa eram recolhidos os assentos paroquiais, e feitos os interrogatórios nas
várias localidades em que o habilitante e seus parentes tivessem ligação. Cada um dos
inquiridos deveria responder um questionário com perguntas acerca do candidato e seus
parentes. As perguntas eram feitas tendo por base os critérios prescritos nos regimentos
inquisitoriais, só sofrendo alteração com a expedição do regimento de 1774, em que se suprimiu
as diligências acerca da “limpeza de sangue”.

Após o Regimento de 1774, que aboliu as exigências quanto a “limpeza de sangue”,


passou-se a perguntar a respeito da incidência do candidato e seus ascendentes em crime de
lesa-majestade. No rol das perguntas aparece: “se o habilitando é ou sempre foi apostata da
31

nossa santa fé católica”, e se “é filho e neto de pais e avós paternos que cometessem crime de
lesa majestade divina ou humana, e por ele fossem sentenciados, e condenados nas penas
estabelecidas pelas leis do reino”. Ditas quais eram as perguntas requeridas pelo regimento,
cada depoente deveria fornecer ao agente incumbido de realizar as diligências, seus nomes,
sobrenomes, ofícios, naturalidade, morada, qualidade de sangue e idade. Os dados fornecidos
pelos depoentes nos ajudam a entrever a relação que estes estabeleciam com aquele sobre cuja
vida estavam depondo.

Nas testemunhas da habilitação para comissários, das cento e oitenta e sete arroladas,
quarenta e cinco são sacerdotes. Este dado nos leva a comparar a incidência no número de
sacerdotes depoentes, na medida em que nas habilitações para familiares os clérigos não eram
tão inquiridos. Dos vinte nove indivíduos habilitandos para familiar, há um total de mil duzentas
e quarenta e uma testemunhas, sendo noventa e sete clérigos. Assim, enquanto, nos depoentes
das habilitações para Comissário a cada quatro testemunhas, uma era clérigo; para os familiares
a cada treze testemunhas, uma era clérigo. Portanto, o perfil das testemunhas nos ajuda a
entender o lugar do habilitando no corpus social. Outro aspecto a se ressaltar é quanto ao
montante de testemunhas, enquanto para os comissários temos uma média de dez testemunhas
por pleiteante; para os que querem servir como familiares esta média sobe para trinta e cinco.
Maior número de testemunhas significa maior rigor nas averiguações, logo, servir como
familiar demandava uma maior devassa acerca da vida destes indivíduos. Isto pode ser
justificado pelo fato de os clérigos já passarem no itinerário rumo a ordenação sacerdotal, por
um processo similar de habilitação de genere, porém com menos rigor, nos Auditórios
Eclesiásticos dos Bispados, lembrando que o cargo de Comissário só podia ser ocupado por
pessoas ligadas ao sacerdócio.

Após as diligências, e sendo comprovados os requisitos, o oficial encarregado das


diligências emitia seu parecer. No processo de habilitação do Pe. Caetano Eleutério de Bastos, o
mesmo que citamos no item “Métodos”, encontra-se o seguinte parecer:
Tomamos informação com o notário Phelipe Ferreira da Cruz a respeito da
qualidade de sangue e mais requisitos do Padre Caetano Eleutério de Bastos,
presbítero do hábito de São Pedro, notário apostólico de Sua Santidade e
morador da cidade de Belém, que pretende ser comissário do Santo Ofício,
conteúdo e confrontado na petição inclusa, que V.Sª nos manda informar; e
nos diz o notário, que o habilitando é irmão inteiro do Doutor Antonio do
Espírito Santo Freire, procurador dos cárceres desta inquisição, que o
habilitando por si e seus pais e avós paternos e maternos é inteiro e legítimo
cristão velho, sem raça alguma infecta, e que é pessoa de bons
procedimentos, vida e costumes; tem capacidade para o emprego que
pretende, trata-se com limpeza; sabe ler e escrever, não foi casado antes de ser
32

ordenado, e não consta que ele ou algum dos seus ascendentes fosse preso ou
penitenciado pelo Santo Ofício ou incorresse em alguma infâmia pública, ou
pena vil de feito ou de Direito. Pelo que nos parece em termos de V. Sª deve
deferir atendendo também a falta de comissários que há naquela cidade48.

Do fragmento acima podemos destacar alguns aspectos importantíssimos que nos


ajudam a entender o modo de organização do processo de habilitação. O primeiro ponto é a
citação logo de início que o habilitando já tem um parente habilitado, no caso seu irmão
Antonio do Espírito Santo Freire, que exerce a função de procurador dos cárceres da
Inquisição49. Tal citação é importante, pois diz ao Santo Ofício que já foram feitas diligências
acerca da família daquele habilitando, comprovando-se assim o que o suplicante é “e legítimo
cristão velho, sem raça alguma infecta, e que é pessoa de bons procedimentos (...) e não consta
que ele ou algum dos seus ascendentes fosse preso ou penitenciado pelo Santo Ofício ou
incorresse em alguma infâmia pública, ou pena vil de feito ou de Direito”50.
Em segundo lugar que o candidato tinha todos os requisitos para levar a efeito sua
função, na medida em “que é pessoa de bons procedimentos, vida e costumes; tem capacidade
para o emprego que pretende”, ter capacidade significa ter cabedal suficiente para viver
condignamente, pois o emprego como comissário não possuía salário fixo, logo, o pleiteante
deveria provar que tinha esteio econômico para a realização de suas funções, quando muito,
recebia do Santo Ofício seis tostões por dia de trabalho 51. Por fim, e não menos importante, a
justificativa para conceder o cargo de comissário ao suplicante se deu também na tentativa de
atender a falta destes agentes naquela localidade 52. Neste sentido, ainda que o indivíduo fosse
apto para o exercício de tal função, também era importante a necessidade de tais agentes

48
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 04, doc. 46).
49
Os procuradores eram os responsáveis pela defesa dos acusados. No regimento de 1522 não fica claro se o
procurador deveria ou não ser do Santo Ofício, questão esclarecida no Regimento de 1640 onde este deve ser do
próprio tribunal, este cargo é suprimido no Regimento de 1774. Neste sentido, o procurador era uma espécie de
“defensor público” que estava à disposição dos réus para efetuem suas defesas, logo, a Inquisição processava o
réu, mas nomeava para ele um defensor. Regimento de 1640, Livro II, Da Ordem judicial do Santo Ofício, título
VIII. Sobre isso ver: FERNANDES, Alécio Nunes. Dos Manuais e Regimentos: a longa duração de uma justiça
que criminaliza o pecado (séc. XVI-XVIII). Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília.
Brasília, 2011.
50
Pergunta presente no guia para testemunhos.
51
Conseguimos rastrear alguns comissários recebendo por realizarem os interrogatórios, Caetano Eleutério de
Bastos recebe 2$400 para recolher os testemunhos acerca da família de Felipe Joaquim Rodrigues. João Pedro
Gomes recebe uma soma ainda mais vultosa para realizar as diligências acerca da família de Felipe Camello de
Brito, 6$744.
52
A justificativa de solicitar habilitação pela “falta” de agentes habilitados na localidade não é uma especificidade
do contexto que apresentados, João Cosme chama atenção como na Vila de Moura em Portugal, no século XVII,
esta retórica também foi utilizada. COSME, João dos Santos Ramalho. La Inquisición en el bajo Guadiana
POrtugués (Moura, Mourão, Olivenza y Serpa) desde 1640 hasta 1715. In: COSME, João; VIEIRA, Rui Rosado.
La Inquisición en el Guadiana Fronterizo. Olivenza: EXMo. Ayuntamiento / Indugrafic, 2006, p. 83.
33

naquela localidade. E ainda que tivesse impedimentos, era possível que fossem deixados de
lado em vista da necessidade.
Quando o pleiteante possuía algum parente já habilitado, os trâmites eram bem mais
simplificados, considerando que procedimentos da habilitação de genere já haviam sido feitos.
No geral, os indivíduos que não possuíam parentes habilitados, demoravam mais que o dobro
de tempo quando o pleiteante possuía um parente habilitado. Do que foi dito, nos foi possível
vislumbrar uma parte importante da vida destes indivíduos, pois na intenção de servirem ao
Santo Ofício, e pela documentação a nós legada, podemos não só acessar suas vidas, mas
também os modos de atuação desta instituição. É neste jogo de escalas que desenvolvemos a
presente tese, no devassar de suas vidas vemos a atuação do Santo Ofício, e nas devassas
empreendidas por esta instituição vemos emergir a vida destes indivíduos. Porém, falar da
presença da Inquisição na Amazônia não pode levar em consideração apenas os modos de
seleção de agentes, mas também seus modos de atuação após serem habilitados.
É recorrente que os nomes que nos familiarizaremos nas páginas que se seguem, se
cruzem, como acontece com o comissário Felipe Jaime Antonio ao testemunhar na habilitação
do negociante Mateus Gonçalves da Torre. Nas inquirições tiradas pelo notário João Pedro
Borges de Góes, Felipe Jaime diz ter 55 anos e conhece o habilitando Mateus Gonçalves da
Torre há pelo menos dez anos, por este ser seu vizinho. Por fim declara ser o habilitando de “de
boa vida procedimentos e costumes e capaz de ser encarregado de negócios de importância e
de segredo e de servir ao Santo Ofício no cargo de familiar”53. João Pedro Borges de Góes, por
sua vez, servira anteriormente como testemunha na habilitação do negociante Feliciano José
Gonçalves. O habilitando era natural de Lisboa e morador do Pará há pelo menos vinte anos,
recebendo carta de familiar em 26 de março de 1790. Em sua habilitação, os testemunhos dos
moradores no bispado do Pará são colhidos pelo comissário Felipe Jaime Antonio. Porém, nos
chama atenção o depoimento de João Pedro Borges de Góes, que naquele momento ainda não
era notário do Santo Ofício, tomado na Freguesia de Nossa Senhora da Pena em Lisboa. No
depoimento, João Pedro Borges de Góes com idade de 40 anos, diz conhecer o habilitando e
sua esposa, dando fé de seus bons costumes e considerando-o digno e apto a servir ao Santo
Ofício como familiar54. Deste fato é interessante notar a mobilidade destes indivíduos, o então
apenas clérigo João Pedro sendo natural do Pará fora para o reino para viver junto ao seu irmão
João Borges de Góes, médico do Convento de Santo Antônio e dos cárceres da Inquisição em

53
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 5, doc.77)
54
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 02, doc27)
34

Lisboa55. João Borges de Góes é habilitado como familiar em 10 de dezembro de 179256,


enquanto seu irmão é habilitado como notário em 29 de abril de 179357. Nesse sentido, é
possível notar, como as histórias se cruzam pela “via” do Santo Ofício.
Além de testemunhar e realizar as diligências para novos agentes, também cabia aos
agentes inquisitoriais a denunciação e averiguação dos crimes de alçada do Santo Ofício. Para
citarmos um exemplo, Felipe Camello de Brito, natural do Maranhão e habilitado como
comissário em 15 de abril de 1768, exerceu importantes funções no auditório eclesiástico do
bispado do Maranhão, além das dignidades de Provisor e Juiz das Habilitações de Genere.
Após ser habilitado, enviou ao menos quatro denúncias ao Santo Ofício58. Esse caso é de
particular importância, pois a despeito dos muitos impedimentos do pleiteante, fora habilitado
para o cargo do Santo Ofício. A razão para tal, conforme veremos, só nos foi possível descobrir
quando analisamos a documentação para além daquelas que tramitaram no âmbito do Santo
Ofício. De início, podemos dizer, o caso de Felipe e sua família, demonstram muito bem como
a Inquisição se fazia presente na “prática”, e como esta “prática” estava em grande parte distante
dos ditames tão bem descritos nas normas regimentais.
As fontes serão sempre o guia do presente trabalho. Se a razão de ser delas, sobretudo
das habilitações, era revelar ao Santo Ofício a “qualidade e requisitos” daqueles que queriam
servi-lo, a nós revelaram como na “prática” da tramitação dos processos, a atuação e os
procedimentos se davam. Para além disso, apontaram, pelas demais fontes que agregamos, os
perfis desses indivíduos que tornaram presente a Inquisição na Amazônia colonial.

Organização da Tese

Conforme já dissemos, o objetivo geral do presente trabalho é entender como se


formou a estrutura da burocracia local da Inquisição Portuguesa na Amazônia colonial. Essa
burocracia local, conforme veremos, era auxiliada por instituições já presentes, notadamente a
Igreja Católica e seus membros. Dito isso, o descortinamento de quem eram, qual era a atuação
esperada, e qual a atuação efetiva desses agentes locais, serviu de guia para a organização da
tese.

55
Os médicos eram responsáveis pela saúde dos réus e por atestados deliberativos de comutação das penas, isto é,
pela substituição de uma sanção por outra menos grave.
56
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 167, doc. 1439)
57
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 168, doc. 1451)
58
Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Teresa Maria de Jesus Bezerra (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição
de Lisboa, proc. 16346). Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Ana Paim e Arcangela Mendonça (Tribunal
do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 16347). Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Bartolomeu de
Figueiredo Barbalho (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 16348).
35

O primeiro capítulo, denominado Os Agentes do Santo Ofício e sua seleção, tem por
intenção, primeiramente, apresentar como se formou a Inquisição em Portugal e os seus modos
de atuação, em um primeiro momento, notadamente através da relação com as estruturas
eclesiásticas – Ordens Religiosas e Bispados. Depois, apresentaremos os caminhos processuais
a que se submetiam aqueles que visavam servir o Santo Ofício, as chamadas Habilitações. Em
posse disso, veremos como após habilitados, os agentes tinham uma série de atribuições, um
script a ser seguido, de modo a levar a efeito a razão de serem habilitados. Essa parte é de
particular importância, pois assim poderemos ver o contraste entre a atuação esperada e o que
acontecia na prática. A dividimos de acordo com os três cargos com que trabalhamos
(Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício), evidenciando os nomes dos agentes e
aspectos gerais a eles relacionados. Por fim, discorreremos sobre a relação desses indivíduos,
com aquele que é um dos temas mais recorrentes na historiografia sobre a Inquisição na
Amazônia, a Visitação empreendida ao Estado do Grão-Pará e Maranhão por Giraldo José de
Abranches.

O segundo capítulo, denominado O perfil dos Agentes do Santo Ofício, tem por
intenção, conforme o próprio título permite entrever, estabelecer aspectos comuns da vida
desses indivíduos – origem, idade e estado conjugal. Inicialmente trataremos da origem dos
habilitandos, dividindo-os de acordo com seu lugar de nascimento dentro do império português
(Portugal continental, Grão-Pará e Maranhão, Brasil e Açores) e fora dele (Galiza). Depois,
situaremos a idade com que pedem a habilitação, de modo a demarcar qual o momento de sua
vida e as possíveis razões de fazerem tal pedido. Por fim, o estado conjugal quando do pedido
de habilitação, aspecto desenvolvido em relação aos familiares do Santo Ofício, que sendo
leigos, poderiam casar-se. Esse item também nos permitiu pensar acerca do papel das esposas
nesse processo, pois em muitos casos, os pleiteantes já estavam casados quando fizeram sua
petição inicial. Para além disso, aqueles que se casaram depois, tinham as habilitações de suas
esposas agregadas às suas, de modo que nos foi possível pensar como a habilitação pode ter
sido um diferenciador ao entrar no mercado matrimonial.

O terceiro capítulo, denominado A trajetória dos Agentes do Santo Ofício, tem por
intenção principal demonstrar aspectos da vida desses indivíduos, que vão para além de sua
relação com o Santo Ofício – Ocupação, Migração e Posse de Terras. O primeiro aspecto que
desenvolveremos, diz respeito às variadas ocupações que tiveram ao longa da vida, não se
restringindo àquelas que declaravam quando de sua habilitação, o que nos permitirá ver
processos de mobilidade social e até que ponto, o tornar-se agente do Santo Ofício se constituía
36

de fato como um “marco” em suas vidas. Nesse item, dada as especificidades dos indivíduos
com que temos trabalhado, achamos por bem dividi-lo entre eclesiásticos e leigos. No item
referente a migração, veremos o trânsito que têm dentro do Império português, aqui,
especialmente, as trajetórias “individuais” se cruzarão com os demais indivíduos habilitados e
suas famílias, pois esses deslocamentos, são fruto da conjunção de interesses pessoais,
familiares e institucionais. Aqui, a cidade de Lisboa, sede do Tribunal que temos estudado, será
o grande “entreposto” na vida desses indivíduos, sobretudo dos reinóis, na medida em que se
cruzará por diversas vezes com suas trajetórias, sendo o elo entre a Metrópole e o ultramar. Por
fim, suas atuações como proprietários de terras, ressaltando suas localizações, cultura
empregada e possíveis conflitos advindos dessa posse.

O quarto e último capítulo, é denominado A Atuação dos Agentes do Santo Ofício e


está profundamente relacionado com o primeiro, na medida em que analisamos como se dá na
prática, a atuação dos agentes habilitados. Para tanto, os dividimos em dois itens, que dizem
respeito as duas atribuições principais dos agentes locais, sobretudo eclesiásticos, as
averiguações nas habilitações de novos agentes e o recolhimento de denúncias de matéria do
Santo Ofício. Aqui, em especial, mas também nos demais capítulos, a própria documentação
serve de guia para entendermos como se dava essa atuação, de modo a entender como o Santo
Ofício se fez presente e atuante na Amazônia colonial, através de seus agentes habilitados.
37

PRIMEIRO CAPÍTULO:
OS AGENTES DO SANTO OFÍCIO E SUA SELEÇÃO

Diz Domingos Carvalho Lima, solteiro, mercador e morador no Pará, estado


do Maranhão, natural da Vila de Viana, batizado em Santa Maria Maior, que
ele deseja servir a esta Santa Casa, no cargo de familiar, e porque não tem raça
alguma de mulato, mouro e nem Judeu. Pede a V. Illma. Que concorrendo nele
suplicante as partes que se requerem para bem e serviço do dito cargo, lhe faça
mercê aceita-lo por familiar desta Santa Casa.

Da petição inicial da Habilitação de Domingos Carvalho Lima, HSO, mç. 8,


doc. 204
38

Ao declarar as informações sobre si, Domingos se punha nas mãos do Tribunal do


Santo Ofício, dando-lhe a autorização de devassar sua vida, pais, avós e o que mais fosse
possível rastrear. Ainda que declarasse “não ter raça alguma de mulato, mouro e nem Judeu”,
essa importante informação só seria provada, ou não, via um longo processo de investigação
genealógica, levado a efeito pela Inquisição. Nesse sentido, para ser membro dessa distinta
instituição, primeiro, deveria ser investigado por ela.
Os ditames da investigação eram regidos pelo Regimento do Santo Ofício59, que no
Livro I, Título 1° já elenca o que espera de seus agentes. Segundo o regimento, “Os ministros e
oficiais do Santo Ofício serão naturais do reino”, o trecho em questão se refere aqueles que, via
habilitação, possuiriam o poder de fazer a vezes do Santo Ofício para o lugar em que estavam
habilitados. Como veremos mais à frente, ao lado desses agentes habilitados, haviam outros que
por força da necessidade poderiam ser arregimentados em caráter excepcional. A primeira das
exigências está relacionada a naturalidade, devendo ser “naturais do Reino”, logo, em tese,
estrangeiros não poderiam servir à Inquisição portuguesa, de acesso restrito aos nascidos em
Portugal e seu ultramar.
Seguem as exigências, “cristãos-velhos de limpo sangue, sem raça de mouro, judeu, ou
gente novamente convertida a nossa Santa Fé, e nem fama em contrário”. Para entendermos a
razão de tais exigências, devemos retroceder um pouco no tempo. Depois do estabelecimento
da Inquisição na Espanha e a expulsão dos judeus no mesmo contexto, pós-1492, grande parte
deles se refugiaram em Portugal. Sua inserção na sociedade foi tal, sobretudo em atividades
ligadas ao comércio, o que impôs certo relevo frente aos comerciantes cristãos. Em meio ao
problema colocado, após um período inicial de aceitação, o rei D. Manuel I assina uma ordem
em 5 de dezembro de 1496 determinando que todos os judeus e mouros saíssem de Portugal

59
Os Regimentos do Santo Ofício, além de digitalizados e disponíveis no site do Arquivo Nacional da Torre do
Tombo (ANTT), foram transcritos e publicados na seguinte obra: FRANCO, José Eduardo & ASSUNÇÃO, Paulo
de. As Metamorfoses de um polvo: Religião e Política nos Regimentos da Inquisição (Séc. XVI – XIX). Lisboa:
Prefácio, 2004. Quando de sua criação, a Inquisição Portuguesa foi regida nos primeiros anos pelos procedimentos
da Inquisição Espanhola, o 1° Regimento data de 1552, formulado pelo 2° inquisidor-mor, cardeal D. Henrique.
Tendo por base o modelo espanhol, elaborado em 1484 por Fr. Tomás de Torquemada, o regimento português de
1552 tem como princípio estabelecer as diretrizes para o funcionamento do Santo Ofício em Portugal. Em 1559
D. Henrique estabelece o Conselho Geral, objetivando o controle dos funcionários. Com a criação do Conselho
Geral, publica-se em 1570 um regimento, bem como se iniciam visitas aos tribunais distritais; até esse ano não
havia ocorrido nenhuma forma sistematizada de averiguação dos procedimentos dos agentes inquisitoriais,
principalmente no que diz respeito ao cumprimento regimental. O regimento de 1613, por sua vez, aperfeiçoa o
procedimento do aparelho Inquisitorial português, abandonando a influência do modelo espanhol. O regimento de
1640, que mais usaremos no presente trabalho, é organizado em três livros: O primeiro “dos ministros e oficiais
do Santo Ofício e das coisas que nele aí houver”; o segundo “da ordem judicial do Santo Ofício”; o terceiro sobre
“as pessoas que hão-de haver os culpados nos crimes de que se conhece no Santo Ofício”. O último regimento,
publicado em 1774, abole as exigências quanto a “limpeza de sangue” dos agentes e torna mais “ilustrada” a
compreensão dos delitos de alçada do Santo Ofício.
39

até 31 de outubro de 149760. Contudo, aqueles que aceitassem se converter, poderiam ficar em
Portugal como cristãos, que passaram a ser designados como “cristãos-novos”61.
Na prática, de nada adiantara a conversão, pois o neófito continuava a ser visto com
suas características judaicas62. Nesta perspectiva, começa a se constituir uma segmentação que
vai permear a maioria das instituições portuguesas, de modo que a questão da limpeza de
sangue passa a ser pré-requisito para acesso na maioria delas (Inquisição, ministérios e cargos
eclesiásticos, nas forças armadas, na administração municipal, nas corporações de artífices e
nas ordens militares)63. No intento de descobrir algum “mouro, judeu, ou gente novamente
convertida a nossa Santa Fé”, as instituições lavraram longas investigações genealógicas,

60
Francisco Bethencourt, no capítulo 9 de sua obra “Racismos: das cruzadas ao século XX”, faz uma interessante
análise da constituição da discriminação por raça/sangue no contexto da Europa moderna, notadamente em relação
aos “mouriscos” e “cristãos-novos”. BETHENCOURT, Francisco. Racismos: das cruzadas ao século XX. Lisboa:
Temas e Debates – Círculo dos Livros, 2015, p. 187-216.
61
SARAIVA, António José. Inquisição e Cristãos-Novos. Porto: Editorial Inova, 1969. WILKE, Carsten Lorenz.
História dos judeus em Portugal. Lisboa: Edições 70, 2009. SOYER, François. A perseguição aos judeus e
muçulmanos de Portugal: D. Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496-1497). Lisboa: Edições 70, 2013.
Também se ressalte na história “povo Hebreu”, a diáspora ser uma constante, desde as narrativas bíblicas às atuais
questões envolvendo o Estado de Israel. BARON, Solo W. História e historiografia do povo judeu. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1974. Em Portugal, a prática do degredo em relação aos “cristãos-novos” foi muito presente,
sendo muito recorrente o envio de judaizantes para o Brasil, conforme os trabalhos de Geraldo Peroni. PERONI,
Geraldo. Os excluídos do reino: a Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil Colônia. Brasília / São Paulo:
Editora Universidade de Brasília / Imprensa Oficial do Estado, 2000. PERONI, Geraldo. Banidos: A Inquisição e
a lista dos Cristãos-novos condenados a viver no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. A exemplo do que
acontecia em Portugal continental, os cristãos-novos também foram o grupo mais perseguido pela Inquisição em
terras brasileiras, segundo Angelo Adriano Faria de Assis: “Dos 1076 prisioneiros do Brasil, pelo menos 604 são
cristãos-novos, o que representam um grupo de 51%. Esta proporção, porém, aumenta, se levarmos em conta
apenas os indivíduos que tiveram suas origens identificadas. Desta forma, um total de 863 indivíduos, sendo 604
neoconversos, ou 69,98% de todos os réus do Brasil”. ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Um oceano de culpas
(?)... Réus e perseguidos do Brasil no Inquisição portuguesa. MATTOS, Yllan; MUNIZ, Pollyanna G. Mendonça.
Inquisição e justiça eclesiástica. Jundiaí: Paco Editorial, 2013, p. 70. Do mesmo autor, são significativos os
trabalhos de resistência da religião judaica, sobretudo no papel das mulheres na manutenção quer da condição de
judia, herdadas no ventre materno, quer das práticas religiosas: ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Inquisição,
religiosidade e transformações culturais: a sinagoga das mulheres e a sobrevivência do judaísmo feminino no
Brasil colonial - Nordeste, séculos XVI-XVII. Rev. bras. Hist. 2002, vol.22, n.43, p.47-66. ASSIS, Ângelo Adriano
Faria de. As ‘mulheres-rabi’ e a Inquisição na Colônia: narrativa de resistência judaica e criptojudaísmo feminino
– os Antunes, macabeus da Bahia (séculos XVI-XVII). In: VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno e LAGE Lana
(orgs.). A Inquisição em Xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006. ASSIS,
Ângelo Adriano Farias de. Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia. São Paulo: Alameda, 2012.
ASSIS, Ângelo Adriano Farias de. Israel no Trópico? Mulheres criptojudias e identidades religiosas no Brasil
colonial. Cadernos De Língua E Literatura Hebraica, (10), 2012, 195-208.
62
Atrelava-se o “defeito de sangue” a características como a tendência a enganar os outros, maldade, ódio aos
cristãos. Visões como essa inundaram o Santo Ofício com denúncias, sobretudo de desafetos que acusavam seus
inimigos de serem cristãos-novos. Nesse sentido, muitas denúncias tinham como raiz inveja ou extremado zelo
religioso. HERSON, Bella. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira (1500/1850). São Paulo:
Edusp, 2003, p. 46.
63
Sobre isso, ver: NOVINSKI, Anita. Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição. 2. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2013,
p. 30-35. REGO, João Manuel Vaz Monteiro de Figueiroa. “A honra alheia por um fio”: Os estatutos de limpeza
de sangue no espaço de expressão ibérica (sécs. XVI-XVIII). Tese de doutoramento apresentada à Universidade
do Minho, 2009. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. Bens de Hereges: Inquisição e Cultura Material
Portugal e Brasil (séculos XVII e XVIII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012. OLIVAL,
Fernanda. Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal, Cadernos de Estudos Sefarditas, nº
4, 2004, 151-182.
40

buscando, se necessário, nas várias áreas do Império Português, informações sobre o indivíduo
e a família investigada.
O trecho do Regimento do Santo Ofício que citamos no parágrafo acima, conclui com
a expressão “e nem fama em contrário”. Esta exigência é das mais importantes, pois não bastava
provar a “limpeza de sangue”, mas era preciso que isso fosse “público e notório”. Em uma
sociedade do Antigo Regime64, onde a exterioridade é fundamental, “possuir fama”, era mesmo
que o ser.
O Regimento segue determinando “que não tenham incorrido em alguma infâmia
pública de feito ou de direito”, a “infâmia”, como o próprio nome diz, se caracteriza na ausência
da “boa fama”, cuja consequência é a privação de “estimação e das honras sociais”. É dividida
em de “feito” ou de “direito”, a primeira procede de fatos costumes ou vícios que a opinião
pública reprova, a citar: vício ou promoção de jogos, falência de má fé, consumo exagerado de
bebida alcoólica, etc. A “infâmia” de direito é aquela imputada pela lei, mediante ou não
sentença condenatória65. Aqui, como dito no parágrafo anterior, fica nítida a preocupação com
a publicidade dos fatos, se alguém, incorre em alguns dos desvios e delitos citados, e estes são
públicos, o impedimento está posto. Além disso “nem fossem presos ou penitenciados pela
Inquisição”, o meticuloso proceder do Santo Ofício, tem por base o registro de tudo que era da
sua alçada, neste sentido, seria, em tese, facilmente rastreável se o habilitando fora preso ou
penitenciado.

64
A sociedade do Antigo Regime tinha como escopo valores e práticas que derivam de uma visão orgânica da
sociedade, onde o rei seria a cabeça do corpo social e político. O rei, como cabeça, manteria o equilíbrio e
harmonia, zelando pela ordem, garantindo a justiça que deveria corresponder ao princípio de dar a cada um o que
lhe cabe, respeitando direitos, desigualdades e privilégios. Esta premissa também era visível na hierarquia das
instituições, onde raramente instituições distintas tinham poderes equiparados. Sobre isso ver: XAVIER &
HESPANHA. A representação da sociedade e do poder. In: MATOSO, José (org.). História de Portugal. O Antigo
Regime (1620-1807), vol. 4 Lisboa. Ed. Estampa, 1993; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Trajetórias sociais e
governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores do Brasil e da Índia nos séculos
XVII e XVIII. In: FRAGOSO, BICALHO & GOUVÊA (org.), O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica
Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 249-283.
65
Sem sentença: I. Os alcoviteiros por dinheiro ou que dão casa de alcouce. II. As mulheres que se prostituem por
dinheiro. III. Os apanhados em adultério. VI. Os que contraem dois casamentos simultaneamente, e o pai de
famílias que o autorizou. V. Os que praticam usuras ímprobas. VI. Os que fazem injúria a Professor ou Estudante
de direito. VII. Os que violam uma transação, sendo maiores de 25 anos. VIII. Os Advogados que fazem pacto de
quota litis. IX. Os tutores que antes de dar contas procuram o casamento da órfã para si ou para seu filho. Por
sentença: I. Por lesa-majestade divina ou humana de primeira cabeça: infâmia que nos casos mais graves se estende
aos filhos e netos varões do réu condenado – se é mulher, a infâmia não passa dos filhos. II. Por Furto ou roubo.
III. Por bulrice. IV. Por falsidade. V. Por calúnia ou prevaricação em juízo público. VI. Por difamação feita por
escrito. VII. Por dolo cometido na tutela, depósito, sociedade, mandato: por serem contratos que costumam ter
lugar entre amigos – como, se o que recebeu o depósito, recusa restituí-lo com dolo manifesto, e é condenado por
esse dolo – ou se o tutor é removido ou condenado por dolo expressamente. VIII. Os banidos. IX. Os que
abandonam o seu emprego civil ou militar, entregando a Carta ou Patente, sem obter legalmente a sua demissão.
X. Os militares que tem baixa ignominiosa ou que desertam para fora do reino. CARNEIRO, Manuel Borges.
Direito civil de Portugal contendo três livros: I das pessoas, II das cousas, III das obrigações e ações. Livro III.
Lisboa: Typ. Maria da Madre de Deus, 1858, p. 237-240.
41

Concluindo, pede-se que sejam “de boa vida e costumes, capazes para se lhe encarregar
qualquer negócio de importância e segredo”. A “boa vida” aqui referida, diz respeito sobretudo
se o habilitando vive de acordo com seu “estado” possuindo bens e rendimento necessário para
“viver bem”, na medida que o serviço ao Santo Ofício não possuía salário fixo. Além disso, o
seu proceder nos “costumes” também deveria ser irrepreensível, dado o papel que
desempenharia nos negócios “de importância e segredo” de que seria investido. Todas as
exigências que citamos acima, também se estendiam a família do habilitando, de modo que não
fossem “descendentes de pessoas que tenham alguns dos defeitos sobreditos”.
Dito de modo sumário os requisitos, isto é, o esperado pelo Santo Ofício; retornemos
ao habilitando Domingos Carvalho Lima, com que iniciamos esta introdução. Como visto,
Domingos era natural de Viana, região norte de Portugal. Seus pais e avós nasceram na mesma
região, o que ajuda no trâmite do processo de habilitação, pois as inquirições são feitas em uma
mesma Freguesia, ou nas circunvizinhas, caso necessário. Seu pedido se dá em 28 de janeiro de
1676, sendo ele o primeiro habilitando a familiar do Santo Ofício que rastreamos66.
Dos testemunhos colhidos em Portugal, chama atenção o fato de muitas testemunhas
não terem conhecimento do habilitando, o que pode ser compreendido por, segundo o
testemunho Belchior de Barros, ouvido aos seis dias do mês de novembro de 1677 na Freguesia
de São Pedro da vila de Viana do Minho; o habilitando “foi sendo moço para as partes
Ultramarinas”. Outras testemunhas informam que estas “partes ultramarinas”, são, como já
sabemos o “estado do Maranhão”. Se por um lado as informações sobre o habilitando são
esparsas, por outro as testemunhas dão fé acerca da limpeza de sangue da família investigada.
Fato também corroborado pelos testemunhos colhidos em Belém.
Se pois não pairava sobre Domingos e seus ascendentes nenhuma “pecha” de sangue,
conforme ele mesmo dissera ao pedir para ser habilitado como familiar do Santo Ofício, “por
que não tem raça alguma de mulato, mouro e nem Judeu”; por outro as testemunhas citam que
o indivíduo em questão tinha um ponto fraco - o vinho. O impedimento foi tal, que em parecer
final à sua habilitação67, assinado pelo conselheiro Manuel Pimentel de Sousa, em 8 de abril de
1684, se dá relevo ao fato de que “quase todas as testemunhas que o conhecem”, dão notícia

66
Pouco mais de trinta anos antes, em 21 de maio de 1647, os inquisidores de Lisboa recebem uma correspondência
de São Luís do Maranhão alertando acerca do fato de que “tem sucedido muitos casos dignos de grande castigo”,
e que assim acontecia por “não haver ministro da Santa Inquisição neste estado”. CARVALHO JR, Almir Diniz
de. Índios Cristãos: Poder, Magia e Religião na Amazônia Colonial. Curitiba: CRV, 2017, p. 262-263. Nesse
sentido, a rede de agentes só começou a ser montada no final de século XVII, de nosso levantamento, Domingos
é o primeiro a fazer pedido para Familiar do Santo Ofício, contudo o primeiro a ser habilitado é João do Couto da
Fonseca, em 1732.
67
Para ver como as informações se dispõe em um despacho final, ver Anexo 5, p. 320.
42

dele “tomar vinho com excesso”, razão pela qual fora expulso da Irmandade Terceira de São
Francisco. Se deixando em suspenso seu pedido, até que “se espere a emenda deste excesso”. O
fato é que em um processo que se desenrola ao longo de oito anos, Domingos Carvalho Lima
não é habilitado, pois, como visto, lhe faltava alguns dos requisitos.
O processo de Domingos Carvalho de Lima nos ajudou a começar a entender os
caminhos singrados por aqueles que buscavam servir ao Santo Ofício. No trâmite processual,
emergem o passado e o presente de sua vida, condicionando o que espera no “futuro”, na
esperança que “lhe faça mercê aceita-lo por familiar desta Santa Casa”. No presente trabalho,
veremos quarenta e seis indivíduos que também buscaram servir ao Santo Ofício, e para si,
felizmente, tiveram mais sorte que Domingos, pois a despeito de seus impedimentos, acabaram
por ser habilitados.

1.1 - O Santo Ofício e seus modos de atuação

Com a expansão ultramarina, foi prenhe na mentalidade Ibérica a noção de


“universalidade” do território, sendo fundamental, na medida do possível, conectar o reino aos
novos domínios além-mar. Nessa perspectiva, podemos dizer que a expansão da Espanha e
Portugal para além de suas fronteiras geográficas, exigiu sob o aspecto administrativo e
institucional, que o “Ultramar” prolongasse o solo Ibérico.
Segundo Sonia Siqueira, o estabelecimento da Inquisição Espanhola em finais do
século XV e a Portuguesa no começo do século XVI tem papel importante nesse processo, na
medida em que “vigiar os hereges do Ultramar era uma imposição da Coroa, pois era garantir
a nacionalidade, e a unidade da Colônia. Era, também, prover, cautelosamente, sobre sua
rentabilidade”68. Nesse sentido, podemos dizer que o estabelecimento da Inquisição em terras
da América portuguesa pode ser entendido como parte do processo de ocidentalização do “novo
mundo”. Esse processo é caracterizado pela transferência das estruturas da metrópole para a
colônia, a construção do território e da sociedade colonial se realizaria via duplicação,
estabelecendo uma infraestrutura semelhante à do Reino, edificando cidades, portos, fortalezas
e arsenais; criando-se instituições de ensino; e cobrindo os territórios coloniais de igrejas e
capelas.
Neste mesmo contexto está inserida a criação da Inquisição em Portugal, criada através
da bula Cum ad nihil magis, de Paulo III, em 23 de maio de 1536, sob influência da Inquisição

68
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição... p. 113.
43

Espanhola, onde o poder inquisitorial operava desde 147869. Na bula também era nomeado o
1° Inquisidor-Geral, D. Diogo da Silva. Na Europa desta época, a unidade religiosa era condição
essencial para unidade política70. Nesse sentido, segundo Francisco Bethencout, a figura do Rei
tem papel chave para o entendimento deste estabelecimento, pois a presença do monarca nos
ritos de fundação era reflexo da centralização política do Reino, cabendo-lhe a responsabilidade
da implantação e da organização de seu funcionamento71. Três anos após, D. Diogo da Silva
renuncia ao cargo e D. João III nomeia seu irmão, o infante D. Henrique, como novo Inquisidor.
Estava definitivamente edificada a Inquisição em Portugal nos moldes ambicionados pelo
rei. Aqui, portanto, vemos que recaía sob o monarca, como um rei “espiritual”, também a
autoridade Inquisitorial.
Tribunal simultaneamente régio e eclesiástico, inseria-se, como dito, na política de
centralização do poder. A sua criação e os seus membros estão ligados à Igreja, mas todo o
funcionamento era controlado pelo rei, desde a nomeação dos inquisidores-gerais, que
despachavam diretamente com o monarca, até à execução das penas de morte, para o que os
condenados eram “relaxados” ao braço secular. Em 1683, no reinado de D. Pedro II, foi
concedido ao tribunal jurisdição plena em matéria espiritual, nesse sentido, ainda que formado
em grande parte por eclesiásticos, a Inquisição tinha autonomia e sua jurisdição suplantava o
poder da Igreja72. D. João V, cujo reinado engloba parte do período que estudamos, era assíduo
frequentador dos “Autos-de-Fé”, usando em diversas ocasiões o Santo Ofício no jogo político73.
Dito isso, ressalte-se que a Coroa detinha o domínio de duas instâncias em que atuavam os
indivíduos objeto de nosso estudo; submetidos à Coroa o eram pela sua condição de padres –
comissário e notários, submetidos o eram pela sua condição de servidores do Santo Ofício –
comissário, notários e familiares.

69
“Fernando e Isabel pediram ao Papa Xisto IV a licença de erigir, na Espanha, o tribunal da Inquisição... Xisto a
concedera em 1478... O primeiro edito do novo tribunal, datado de Sevilha, é do ano 1481. A Inquisição na Espanha
era independente dos bispos e colocada sob autoridade do rei”. GOUD, Anthelmo. História eclesiástica. Rio de
Janeiro: Typografia Franco-Americana, 1873, p. 338.
70
COSME, João dos Santos Ramalho. A actuação Inquisitorial na Margem Esquerda do Guadiana (1640-1715),
Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 4, 2004, p. 41.
71
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições..., 2000. BAIÃO, António. A Inquisição em Portugal e
no Brasil – Subsídios para a sua história. Lisboa: Edição do Arquivo Histórico Português, 1921. HERCULANO,
Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Lisboa: Bertrand, 1975. MARCOCCI,
Giuseppe. A fundação da Inquisição em Portugal: um novo olhar. Lusitania Sacra, Lisboa, 2ª série, n. 23, p. 1-40.
Em Castella, igualmente a Coroa tem um papel central no estabelecimento da Inquisição, conforme diz Mareille
Baumgartner: “Em 1478, os ‘reis católicos’ pedem ao Papa para reorganizar a Inquisição. Ela fará parte do aparelho
do Estado”. BAUMGARTNER, Mareille. A Igreja no ocidente: das origens às reformas do século XVI. Lisboa:
Edições 70, 2015, p. 232.
72
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal (1640-1750) - Vol. V. Lisboa: Editorial Verbo, 1982, p.
366.
73
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Reis de Portugal - D. João V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 2006, p. 183.
44

A inquisição portuguesa possuiu quatro tribunais74, cada um com sua respectiva


jurisdição. O de Lisboa, com uma abrangência referente às dioceses de “Leiria, a prelazia de
Tomar, Guarda... o arcebispado de Lisboa e todos os territórios do império, salvo os vinculados
a Goa”. O de Évora, onde o Santo Ofício começou a funcionar em 1536, abrangendo as dioceses
de “Portalegre, Elvas, Algarve e arcebispado do Évora”. E o de Coimbra, que abrangia as
dioceses de “Coimbra, Viseu, Lamego, Porto, Braga e Miranda”75. Fora do continente europeu
havia apenas um tribunal, localizado em Goa na Índia76, criado em 1560, com jurisdição sobre
“todo o Império português da África oriental e da Ásia”. Existiram também os tribunais de
Lamego, Tomar e Porto, mas foram logo extintos77. Hierarquicamente, o Tribunal de Lisboa
ocupava posição privilegiada em relação aos outros. O fato de dividir sua sede com o Conselho
Geral78, fazia com que os casos mais importantes fossem a ele remetidos, além de estar mais
perto da corte, na maior cidade do reino e ter sob sua tutela os domínios ultramarinos na
América demonstram esta importância79. Como consequência da sua projeção, os membros do

74
Quanto à divisão hierárquica dentro dos tribunais, assim eram organizados os cargos: “Em casa uma destas
inquisições havia três inquisidores, da 1a, 2a e 3a cadeira, a que subiam por antiguidade, sendo o da 1 a cadeira o
presidente do tribunal respectivo. Havia mais quatro deputados ordinários com ordenado e extraordinários sem
ele, e além disto ainda mais um promotor, quatro notários ou secretários, com seus ajudantes, dois procuradores
dos presos, um meirinho, um alcaide e quatro guardas dos cárceres secretos, um porteiro, três solicitadores, um
despenseiro, um cozinheiro e três homens do meirinho, dois médicos, um cirurgião e um barbeiro, um capelão, um
alcaide e um guarda nos cárceres de penitência, juiz do Fisco, que era ministro togado, escrivão do meirinho e
provedor”. MENDONÇA, José Lourenço & MOREIRA, Antonio Joaquim. História dos principais actos e
procedimentos da Inquisição em Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1979, p. 123.
75
PAIVA, José Pedro; MARCOCCI, Giuseppe. História da Inquisição Portuguesa..., 2013, p. 45.
76
Sobre o funcionamento do Tribunal de Goa e suas especificidades em relações aos tribunais de Portugal
continental, ver. TAVARES, Célia Cristina da Silva. Santo Ofício de Goa: estrutura e funcionamento. In:
VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno e LAGE Lana (orgs.). A Inquisição em Xeque: temas, controvérsias,
estudos de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006.
77
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições…, 2000, p. 281
78
“O Conselho Geral reunia Inquisidores gerais e deputados, tidos como ‘pessoas eclesiásticas de letras, virtude e
prudência’ que deveriam controlar e administrar os diversos tribunais e inquisidores do reino. A partir da divisão
de funções, o Regimento (1570) regulava as atuações de inquisidores na coleta de denúncias e na condução de
processos, principalmente daqueles referentes ao crime de heresia e apostasia. Ficava ao encargo do Conselho
Geral da Inquisição: guardar o Regimento geral das Inquisições; investir os inquisidores; realizar visitações aos
Tribunais da Inquisição a cada três anos; determinar e controlar as visitas às livrarias do reino, públicas e
particulares, bem como o controlo de livros; tomar resolução sobre as Bulas e Breves dos Sumos Pontífices, após
notificação e aprovação do rei; ordenar as visitas dos inquisidores às comarcas e mandar provisões reais; conhecer
as apelações de direito que chegassem aos inquisidores; deliberar sobre todas as denúncias que houvesse entre os
inquisidores sobre a jurisdição da Inquisição, inclusive sobre o próprio Regimento Geral; ordenar os despachos
finais dos processos; ordenar os autos-de-fé; definir a prisão de pessoas religiosas ou de títulos; dispensar, comutar
ou perdoar as penas e penitências postas aos inquisidores; gerir a administração do funcionamento e pagamento
daqueles que estivessem actuando para a instituição, além de outras funções”. FRANCO, José Eduardo &
ASSUNÇÃO, Paulo. As metamorfoses de um polvo: religião e política nos Regimentos da Inquisição Portuguesa
(Séc. XVI-XIX). Lisboa: Prefácio, 2004, p. 47-48.
79
FEITLER, Bruno. Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade do tribunal de
Lisboa. In: Raízes do Privilégio: Mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
45

Tribunal de Lisboa em geral nele ingressavam após já terem atuado nos outros tribunais
distritais80.
Mapa 1: Mapa da jurisdição dos tribunais em Portugal

Fonte: MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa 1536-1821. Lisboa: A
esfera dos Livros, 2013, p. 44.

No início do século XVII, se ventilou o estabelecimento de um Tribunal distrital na


América Portuguesa, tanto que em 22 de julho de 1621, Felipe IV consultou o inquisidor-geral

80
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição..., 1979, p. 118.
46

sobre a viabilidade deste, de modo que, nas palavras do rei: “importaria no serviço de Deus e
meu haver nele alguns oficiais da Inquisição residentes, e porque desejo... se trate com o devido
cuidado, da pureza e conservação da nossa Sé Católica”, justificando que era obrigação sua
“castigar prontamente os que contra ela deliquirem”. O Inquisidor não foi favorável a criação
de um novo tribunal, o que não demoveu o rei da ideia que tentou levar a efeito em 9 de fevereiro
de 1622, ordenando o estabelecimento de um Tribunal no Brasil 81. Fato é que o intento ficou
só no papel, de modo que em 10 de setembro de 1622 o Conselho Geral emitiu nota acerca da
das dificuldades para este estabelecimento82.
Neste sentido, segundo Sonia Siqueira, a não existência de um tribunal do Santo Ofício
na América Portuguesa seria justificada, dentre outras razões, pelo fato de no momento em que
os tribunais foram criados apenas as colônias asiáticas oferecerem núcleos de colonização
considerável, e uma cultura nativa suficientemente definida e afirmada para constituir ameaça
às ideias dos portugueses, pois “África, Ilhas, Brasil, abrigavam apenas um punhado de brancos
que ali teimavam em sobreviver”83.
Logo, o controle da fé nos domínios do ultramar português era assegurado para as
colônias orientais pelo tribunal de Goa e na América pelo tribunal de Lisboa. Não possuir um
tribunal “físico” não significava estar por completo fora do vigilante olhar Inquisitorial, no
Brasil e no Estado do Grão-Pará e Maranhão, a presença do Santo Ofício ocorreu por meio das
visitações84 e de maneira mais duradoura e constante, através da formação e atuação de uma
forte rede de oficiais, principalmente Comissários e Familiares, incumbidos de garantir o
controle na Colônia em questões relacionadas à integridade da fé. A criação dos tribunais não
significa a existência simultânea da grande rede burocrática inquisitorial, sobretudo em se
tratando dos territórios ultramarinos, na falta de agentes habilitados, a hierarquia eclesiástica
local que era investida de funções inquisitoriais.
Até 1551, a cura espiritual dos territórios da América portuguesa cabia ao Bispado de
Funchal, na ilha da Madeira, de onde foi desmembrada a diocese de São Salvador da Bahia,

81
SILVA, José Justino de Andrade. Coleção cronológica da legislação portuguesa (1620-1633). Lisboa: 1855, p.
50.
82
Registre-se que em se tratando da América Espanhola, a Inquisição atuava com tribunais instituídos na Cidade
do México, Lima e Cartagena das Índias. Os dois primeiros foram erigidos em 1579, o último em 1610.
MARTÍNEZ, Doris Moreno. La Inquisición: Descubrimiento o nueva creación?. In: PENÃ, Antonio Luis Cortés
(coord). Historia del Cristianismo – III. El Mundo Moderno. Madrid: Editorial Trotta – Universidad de Granada,
2006. KAMEN, Henry. La Inquisición Española. Barcelona: Editorial Planeta, 2013.
83
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição..., 1978, p. 120.
84
Quatro foram as visitações empreendidas pelo Santo Ofício para o Brasil. A primeira aconteceu na Bahia entre
os anos de 1591 a 1595, sendo visitador Heitor Furtado de Mendonça. A segunda também na Bahia de 1618 até
1621. A terceira na década de 1620 no Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. E a última no Grão-Pará e
Maranhão de 1763 a 1769.
47

que se constituiu no bispado primaz do Brasil. Vale ressaltar, que a esta altura, a América
espanhola já contava com muitas dioceses, tendo circunscrições eclesiásticas nas Antilhas
desde 1515 e uma Sé metropolitana no México desde 154885. O bispado do Brasil era
sufragâneo do arcebispado de Lisboa, cabendo ao prelado o que “é próprio ao seu ministério:
incrementar o culto, pregar a palavra, converter o gentio, confirmar na fé os católicos, repartir
em comunidades paroquiais o povo cristão e dar-lhes párocos e auxiliares”. Embora não fosse
pertencente ao quadro de agentes da Inquisição, o prelado Baiano, na falta de agentes
habilitados, poderia “ouvir denúncias, abrir devassas, mandar prender os faltosos, ou receber
os que lhe fossem encaminhados pelos vigários, e remeter, a seguir, para Lisboa, a quantos
julgasse incursos em penas que fugissem à sua alçada”86. Até o estabelecimento da rede de
oficiais na Colônia, era o bispo diocesano o agente indireto da Inquisição. Neste sentido, o
prelado passava a acumular funções na administração civil87, eclesiástica e inquisitorial.

Em 1676, o então bispado da Bahia foi elevado à dignidade de Sede Arquiepiscopal,


na mesma ocasião, foram criados os bispados de São Sebastião do Rio de Janeiro e de Olinda,
ficando sufragâneos do agora Arcebispado da Bahia. Um ano após, em 30 de agosto de 1677,
pela bula Super Universas do Papa Inocêncio XI, foi criado o bispado do Maranhão e em 4 de
março de 1719, pela bula Copiosus in Misericordia, foi criado o bispado do Pará, ambos
sufragâneos de Lisboa e desmembrados da diocese de Pernambuco88. Por fim, em 1745, foram
criados os bispados de São Paulo e Mariana; e as prelazias de Goiás e Mato Grosso, todos
sufragâneos da Bahia. Esta foi a estrutura de dioceses que perdurou durante todo o período
colonial. Note-se, que até o final do século XIX, a América portuguesa contou com: Um
arcebispado (Bahia), seis bispados (Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Pará, Mariana, São
Paulo) e duas prelazias (Goiás e Mato Grosso). A nós, interessa especialmente os dois bispados
sufragâneos de Lisboa89, Maranhão e Pará, pois são as raias de atuação dos indivíduos que
temos pesquisado. Aqui é importante ressaltar, que para o Santo Ofício, se usa a jurisdição

85
BOXER, Charles. O Império..., 2014.
86
SILVA apud SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Poder episcopal e oficiais da Inquisição portuguesa na Bahia
Colonial. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História, Natal, 2013, p. 2.
87
O bispo possuía jurisdição sobre determinadas matérias jurídicas, independente o estado (eclesiásticos ou leigos)
dos sujeitos envolvidos nos crimes. Eram os chamados casos de foro misto, que abrangiam os crimes descritos no
Livro 5 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
88
A diocese de Pernambuco fora desmembrada da diocese de Salvador em 15 de julho de 1614, pela Bula Fasti
novi orbis, de Paulo V, sendo elevada à dignidade de bispado em 16 de novembro de 1676, pela Bula Ad sacram
Beati Petri, de Inocêncio XI. VIEIRA, Dilermando Ramos. História do Catolicismo no Brasil – Vol. 1 (1500-
1889). Aparecida: Editora Santuários, 2016, p. 53.
89
Registre-se que assim como no campo “temporal” o Estado do Grão-Pará e Maranhão era submetido diretamente
à Lisboa, no campo “espiritual” segue-se a mesma lógica.
48

eclesiástica, o que fica expresso na própria documentação, que refere os lugares pelo nome das
circunscrições: Patriarcado, Arcebispado, Bispado.

Mapa 2: Circunscrições Eclesiásticas na América Portuguesa

Fonte: GALLUZZO, Henrique Antonio. Mappa geral do bispado do Pará: repartido nas suas freguezias que nele
fundou, e erigio o Exmo. e Revmo. Snr. D. Fr. Miguel de Bulhões III Bispo do Para, 1759. OLIVEIRA, Anderson
José Machado de. Trajetórias de clérigos de cor na América Portuguesa: catolicismo, hierarquias e mobilidade
social. Andes [online]. 2014, vol.25, n.1.

O principal modo de o bispo diocesano devassar a vida de suas ovelhas, e por


consequência fornecer réus a Inquisição, são as visitas pastorais. As visitas pastorais eram o
principal instrumento de “Controle da Fé” empreendido pelos prelados em seus bispados,
tinham um duplo objetivo: em primeiro lugar a inspeção das Igrejas de modo a conferir o zelo
pela burocracia e pelo culto, verificando os assentos paroquiais, os estatutos das Irmandades,
os paramentos e os altares; em segundo lugar a moralização do comportamento do povo e do
49

clero90. Os bispos auxiliavam o Santo Ofício com a função de recolher denúncias e fazer
algumas investigações no intuito de remeter os possíveis desviantes, realizando-se a partir disso
o restante do processo inquisitorial91. Esse era o momento em que o prelado realizava
investigação em busca de desvios religiosos, com a finalidade de assegurar a ortodoxia da fé
das “ovelhas do rebanho”92. Em 1788, iniciando sua quarta visita Pastoral, D. Fr. Caetano
Brandão, 6° bispo do Pará, assim descreve o sentido do que acabara de iniciar:

Estando persuadido que de todas as obrigações do episcopado nenhuma talvez


he mais necessária que a de visitar a respectiva diocese; tanto por ser este o
único meio seguro, por onde o pastor pode conhecer a face das suas ovelhas,
tomar-lhes o pulso, examinar as suas chagas, e aplicar-lhes o remédio
conveniente; como porque, sendo o bispo na frase dos santos padres sol do
seu bispado, a todos deve esclarecer, e beneficiar, sem que algum, por mais
bárbaro, e desprezível que seja, deixe de ter direito da minha administração
fazer todos os esforços por cumprir este dever tão recompensável, apesar de
quaisquer obstáculos, que se me pusessem diante93.

Caetano Brandão, ao citar os “santos padres”94, diz que o bispo deve ser o “o sol do
seu bispado”, aqui quer referenciar que se o pecado é, pois, a “treva”, cabe a ele ser o sol a
iluminá-la, isto é, cabe a ele remediar os males de que padece seu rebanho95. Segundo ele, a
maior e mais necessária de suas de suas obrigações é justamente “a de visitar a respectiva
diocese”, por ser o modo seguro “por onde o pastor pode conhecer a face das suas ovelhas”, e
conhecendo-as “tomar-lhes o pulso, examinar as suas chagas, e aplicar-lhes o remédio
conveniente”. Logo, o proceder nas visitações tem, em primeiro lugar a necessidade do prelado
em conhecer as virtudes e sobretudo os desvios de seu rebanho, para conhecendo-o, aplicar-lhe
o remédio. Aqui, em casos de alçada do Santo Ofício, significa remeter a este o que lhe cabe.
Nesse sentido, as visitas pastorais têm suma importância na manutenção da vigilância das

90
CARVALHO, Joaquim Ramos de. Jurisdição episcopal sobre leigos em matéria de pecados públicos: as visitas
pastorais e o comportamento moral das populações portuguesas de Antigo Regime. Revista Portuguesa de
História, 1988, 24, p. 121-163.
91
José Pedro Paiva demonstra como desde o início da Inquisição portuguesa, havia uma relação estreita entre esta
e o episcopado. PAIVA, José Pedro. Os Bispos e a Inquisição portuguesa (1535-1613), Lusitania Sacra, Lisboa,
2ª Série, n. 15, 2003, p. 43-76.
92
FEITLER, Bruno. Nas malhas..., 2007.
93
RAMOS, Luís de Oliveira. Diários das visitas pastorais no Pará de D. Fr. Caetano Brandão. Braga: Tipografia
Barbosa & Xavier, 1991, p.109
94
Se refere à doutrina elaborada pelos “Pais da Igreja”, nos primeiros séculos do Cristianismo. Dentre os mais
conhecidos, estão Agostinho de Hipona, Inácio de Antioquia, Ambrósio de Milão, Tertuliano de Cartago,
Clemente de Roma, Gregório Magno, entre outros. DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis:
Editora Vozes, 2003.
95
O tema do pastoreio e da necessidade de o pastor corrigir seu rebanho é muito recorrente nos textos dos “Santos
Padres”, conforme diz Gregório Magno em seus escritos sobre a regra pastoral: “O pastor deve manifestar com a
palavra da pregação a glória da pátria celeste, dizer com clareza quantas são as insídias do antigo adversários no
caminho desta vida, e corrigir com grande zelo e com força as faltas de seus fiéis que não devem ser toleradas com
brandura. Se não arde de zelo contra estas faltas, ele será considerado responsável por todas”. MAGNO, Gregório.
Regra Pastoral – Patrística. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
50

pessoas, se constituindo em um bom modo de prover a Inquisição com denúncias, uma vez
que elas funcionavam como tribunais itinerantes nas regiões mais distantes da sede do bispado,
tornando mais capilar o disciplinamento dos fiéis.
Comuns no período medieval, as visitas pastorais foram retomadas pelo Concílio de
Trento96 que viu nesse tipo de ação repressiva uma ferramenta de controle97. As visitas
deveriam ocorrer a cada ano, sendo realizadas pelo próprio bispo ou, em razão de impedimento,
pelo vigário geral98 ou visitador nomeado pelo prelado. Era necessário visitar a diocese por
completo ou a sua maior parte, sendo completados os trabalhos no ano seguinte caso necessário.
Na prática, em se tratando dos bispados do Maranhão99 e Pará100, nunca era possível visitar todo o
bispado, dada a imensidão de seus territórios101. Por não haver interrogatórios aos denunciantes e
confidentes, o processo da visita eclesiástica era mais rápido e sumário que os das visitações
inquisitoriais, evitando as diligências necessárias para se verificar a veracidade dos crimes
relatados.
Neste sentido, a visita pastoral mais intimidava que punia, de modo que mantinha acesa
a possibilidade de punir102. Outro aspecto acerca das visitas pastorais é a correção dos padres103,

96
Paolo Prodi chama atenção para como as normativas do Concílio de Trento tiveram como ponto central o
controle das consciências. Se por um lado, a reforma protestante e sua Teologia davam ao crente certa autonomia,
por outro, a Igreja Católica se debruçou na criação de mecanismos que lhe dessem maior controle de seus adeptos.
PRODI, Paolo. Uma História da Justiça: do pluralismo dos tribunais ao moderno dualismo entre a consciência e
o direito. Lisboa: Editorial Estampa, 2002, p. 271-277.
97
CARVALHO, Joaquim; PAIVA, José Pedro. A evolução das visitas pastorais da Diocese de Coimbra. Ler
História, n. 15, 1989, p. 29-41. PAIVA, José Pedro. Uma instrução aos visitadores do bispado de Coimbra (século
XVIII) e os textos regulamentadores das visitas pastorais em Portugal. Coimbra: Instituto de História e Teoria das
Ideias - Revista de História das Idéias. Vol. 15, 1993. Para Minas Gerais, Neusa Fernandes chama atenção que
houve ocasiões em que as Visitas Pastorais foram acompanhadas por membros da burocracia Inquisitorial. Não
podemos precisar se isso aconteceu na realidade que temos estudado, contudo, como os eclesiásticos habilitados
também tinham, em sua maioria, funções no Juízo Eclesiástico, é possível que fizessem o acompanhamento ao
bispo. FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: Mauad, 2014, p.
145.
98
O Vigário Geral era o juiz do foro contencioso, a quem cabia administrar a justiça, julgando os delitos e aplicando
as penas. Atuava como um ouvidor eclesiástico, lhe cabia receber denúncias e querelas, inquirir delitos, pronunciar
os culpados e mandar prende-los se fosse o caso. Se tratando de julgamento de leigos, ele observava as restrições
impostas pelas Ordenações e Concordatas como o reino. Por sua importância, não podia se ausentar da cidade
episcopal por mais de um dia sem a autorização do bispo. Regimento do Auditório Eclesiástico do Arcebispado
da Bahia, Tít. II, n. 52.
99
Erigido em 1677, através da bula Super Universas Orbis Ecclesias de Inocêncio XI, cujo território foi
desmembrado do Bispado de Pernambuco.
100
Erigido em 1719, através da bula Copiosus in Misericordia de Clemente XI, desmembrando-se do Bispado do
Maranhão. Os bispados do Maranhão e Pará eram sufragâneos do Patriarcado de Lisboa, diferentemente das
demais dioceses do Estado do Brasil que eram submetidas a Arquidiocese de São Salvador da Bahia.
101
Vide Mapa 1.
102
BOSCHI, Caio. As visitas diocesanas e a Inquisição na Colônia. In: Atas do I Congresso Luso- Brasileiro sobre
Inquisição. vol 2. Lisboa: Universitária Editora, 1989.
103
Para ver mais sobre a tentativa de controle moral dos clérigos no espaço português, ver: GOUVEIA, Jaime. A
quarta porta do inferno: A vigilância e disciplinamento da luxúria clerical no espaço Luso-Americano (1640-
1750). Lisboa: Chiado Editora, 2015.
51

para que se desse de modo eficiente a aplicação dos preceitos reformadores do Concílio de
Trento104. Com esse objetivo, após o Concílio, foi empreendida uma reorganização dos
bispados visando uma melhor formação moral e intelectual do clero, que o tornasse capaz para
o exercício da nova pastoral tridentina105. Vigiar o procedimento, inibir e punir atitudes
desviantes, disciplinar a vida dos clérigos eram questões centrais para a reforma tridentina, de
modo a vencer o despreparo moral e intelectual de muitos destes padres.
Um exemplo de como as visitas pastorais poderiam fornecer possíveis réus “em
matéria do Santo Ofício” encontramos no caso de Manoel Duro da Rocha, natural da Freguesia
de São Mateus de Jaguaribe, bispado de Pernambuco e morador da Freguesia de Nossa Senhora
da Conceição, bispado do Maranhão. Acusado de bigamia, foi denunciado ao Santo Oficio pelo
vigário José Ribeiro Soares, em 10 de fevereiro de 1775. Segundo os autos, a denúncia tem a
raiz mais atrás, quando o bispo D. Fr. Antonio de São José106, em visita Pastoral no ano de
1760, ouviu que o denunciado vivia em segundas núpcias sendo que sua primeira mulher ainda
estava viva107. Neste exemplo, vemos que a visita pastoral é o primeiro contato do desviante
com a possibilidade de ser punido, porém, bigamia não era da alçada do juízo eclesiástico, mas
da Inquisição. Sendo assim, feitas as primeiras diligências no âmbito do bispado, o caso foi
enviado a quem lhe competia.

No seu Nas Malhas da Consciência, Bruno Feitler destaca as relações entre episcopado

104
Estas reformas estavam dividas em dois grandes eixos: “La reafirmación de la ortodoxia y de las estructuras
eclesiásticas (Reformatio in capita et in membris) y la renovación de las estratégias pastorales para la cura de almas
y de misión (Salus animarum suprema Lex est) fueron los ejes por los que el concilio buscó reafirmar La iglesia
católica frente al enemigo protestante”. CÁRCEL, Ricardo García & ORTA, Josep Palau I. Reforma y
Contrareforma católicas. In: PENÃ, Antonio Luis Cortés (coord). Historia del Cristianismo – III. El Mundo
Moderno. Madrid: Editorial Trotta – Universidad de Granada, 2006, p. 201. Sobre o mesmo tema, ainda: “A
reforma moral e intelectual do clero constituiu uma das preocupações que mobilizaram os sacerdotes reunidos no
Concílio de Trento (1545-1563). Nesse campo, a resposta à doutrina do sacerdócio universal, defendida pelos
seguidores de Lutero, foi a revalorização da figura do padre e a reiteração do celibato clerical. Procurava-se, assim,
promover a formação de um clero mais austero em seus costumes, mais bem preparado intelectualmente mais
coeso enquanto corpo social hierarquizado e mais obediente a Roma. Para realizar essa tarefa foram mobilizados
os bispos, que tiveram poder reforçado, e acionadas as justiças eclesiástica e inquisitorial, para punir as condutas
consideradas desviantes”. LAGE, Lana. As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina no Clero no Brasil. In:
FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: Normas e práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011, p. 147.
105
SILVA, Joelma Santos da. Visitas pastorais por um catolicismo renovado: O bispado de Dom Marcos Antonio
de Sousa no Maranhão (1827- 1842). Anais do XII Simpósio Nacional da ABHR, UFJF, 2011
106
Sobre a trajetória do bispo João de São José Queirós, ver: MOURA, Blenda Cunha. Intrigas coloniais: A
trajetória do bispo João de São José Queirós (1711-1763). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade
Federal do Amazonas: Manaus, 2009. Sobre citada visita pastoral: QUEIRÓS, João de São José. Memórias de Fr.
João de S. Joseph Queiroz Bispo do Grão Pará. Porto: Typographia da Livraria Nacional, 1868. SARANHOLI,
Hugo Fernando Costa. Homem de Deus ao serviço da Coroa: as dimensões Espiritual e Temporal das visitas
pastorais de D. Frei João de São José Queirós no bispado do Grão-Pará (1759-1763). Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Estadual Paulista, 2018.
107
Denúncia de Jose Ribeiro Soares contra Manoel Duro da Rocha (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de
Lisboa, proc. 04401)
52

e Santo Ofício em Pernambuco. O autor elenca uma série de casos em que membros do
auditório eclesiástico fizeram diligências especiais para averiguar casos que poderiam ser do
interesse do Santo Ofício, destacando ainda que nem sempre era possível que os inquisidores
contatassem os seus principais agentes inquisitoriais no local, o que provaria que eles não eram
indispensáveis à instituição que sempre poderia recorrer a outros eclesiásticos108.
Ao lado do bispo, a burocracia eclesiástica fornecia indivíduos que em caso de
necessidade, poderiam ajudar no funcionamento da máquina local do Santo Ofício. Espalhados
pelos mais recônditos lugares dos bispados, sacerdotes seculares e regulares por vezes realizavam
as primeiras etapas dos processos inquisitoriais, tais como, denúncia, inquirição, tomada de
depoimentos e captura. Temos um exemplo disso quando em 17 de agosto de 1766, é expedido um
mandado de prisão contra João Lourenço de Araujo, crioulo forro, denunciado ao Santo Oficio
por Maria Ramos sob a acusação de bigamia. Tendo seu mandado de prisão expedido, os autos
foram entregues ao auditório eclesiástico de São Luis do Maranhão109, confluindo aqui as duas
instituições – Inquisição e Juízo Episcopal.
Três anos antes, no Pará, o alfaiate Antonio da Silva de Carvalho, natural de Lisboa,
foi denunciado ao Santo Oficio por Antonio de Sousa Madeira, sob a acusação de bigamia. As
diligências foram feitas no auditório eclesiástico do Pará110. Na mesma situação está o processo
do índio Tomé Joaquim, acusado de bigamia por Manuel de Sousa em 10 de janeiro de 1764.
Neste caso, os autos foram entregues em 24 de julho de 1762 ao auditório eclesiástico do
Bispado do Pará, provenientes do juízo eclesiástico da vila da Ega111. No dia 17 do outubro de
1763, os mesmos foram remetidos pelo beneficiado Manuel Rodrigues, escrivão do auditório
eclesiástico, para o Tribunal do Santo Ofício112.

Nos casos relatados acima, vemos duas possibilidades de atuação Inquisitorial na


ausência de agentes habilitados. Na primeira as denúncias levadas ao Santo Ofício são entregues
ao auditório eclesiástico dos bispados, para ali encontrarem seu desenrolar. No processo do

108
FEITLER, Bruno. Nas malhas..., 2007.
109
Auto Sumário de Crime Contra João Lourenço de Araújo (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc.
13204)
110
Denúncia de Antonio de Souza Madeira contra Antonio da Silva Carvalho (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição
de Lisboa, proc. 13209)
111
Algumas vilas possuíam juízos eclesiásticos que eram submetidos à sede do bispado. Este juízo das vilas,
também chamado de “vigaria da Vara”, funcionava como um tribunal de primeira instância. Dentre suas funções,
estava a de receber denúncias, tirar devassas, fazer sumários de testemunhas, sevícias, nulidade de matrimônio,
colher depoimentos e conduzir processos de casamentos, dar licenças para enterrar em igrejas pessoas sobre as
quais pudesse haver dúvidas; e dar sentença em causas sumárias. Regimento do Auditório Eclesiástico do
Arcebispado da Bahia, tít. 9, n. 399.
112
Auto Sumário de Crime Contra o índio Tomé Joaquim (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa,
proc.13210)
53

índio Tomé, vemos que o trâmite se dá em várias instâncias do auditório eclesiástico, saindo da
vigaria da vara da vila de Ega113 para a sede do Bispado114, até chegar à Inquisição. Logo, ainda
que as diligências fossem feitas por clérigos não habilitados pelo Santo Ofício, a este tribunal
cabia sempre o julgamento e aplicação da sentença. Se compararmos quanto a “forma” os
processos lavrados no âmbito do auditório eclesiástico e os inquisitoriais, há uma certa
semelhança no desenrolar processual; na falta de alguma informação, os inquisidores poderiam
pedir aos comissários que recolhessem mais informações sobre o fato, de todo modo, o primeiro
canal por onde o delito passa até chegar a Inquisição é o juízo eclesiástico, evidenciando a
colaboração entres estas duas instâncias. O desenrolar processual eclesiástico e inquisitorial
não é semelhante apenas no julgamento de desvios, também há semelhanças no modo de
investigação dos processos de habilitação que visam as ordens sacras e àqueles que visam o
serviço ao Santo Ofício.

Há também situações em que as denúncias não chegam até o Santo Ofício, ficando
apenas na esfera do juízo eclesiástico, como é o caso desta movida por Lourenço Alvarez Roxo,
que depois viria a ser comissário. Em 18 de setembro de 1731, Lourenço Roxo, como vigário-
geral do bispado do Pará, denuncia o mau comportamento do Pe. Julião dos Santos, segundo os
autos, o denunciado “esquecido por total de seu estado sacerdotal, deu ocasião a alguns
moradores”. Pelos seus procedimentos, o padre denunciado foi condenado ao degredo. Porém,
Lourenço, na qualidade de primeira pessoa do Juízo Eclesiástico não conseguiu levar a efeito a
pena, pois o réu refugiou-se na casa de seu tio Baltazar Alves Pestana, colocando-se em
resistência armada. Por isso, Lourenço solicitava “auxílio do braço civil, requerendo também
militares” em vista que cumprir a pena imposta ao padre desviante115. A denúncia, não chegou
ao Santo Ofício por, possivelmente, ainda não haverem agentes habilitados.

Segundo nosso rastreio, o primeiro familiar habilitado é João do Couto da Fonseca,


habilitado em janeiro de 1732. Baltazar Alves Pestana, por sua vez, é pai de Inácio José Pestana,
que virá a ser notário da Visitação do Santo Ofício e comissário do Santo Ofício. Aqui é
interessante notar que este caso envolvendo o primo de Inácio José Pestana, é por si só um
grave impedimento para sua posterior habilitação, na medida em que um parente seu já fora

113
A vila de Ega deu lugar a atual cidade de Tefé, no estado do Amazonas. A dita vila, a esta altura, pertencia à
capitania do Rio Negro, que abrigava uma vigaria geral desde 1755, erigida por Dom Frei Miguel de Bulhões.
LUSTOSA, Antonio de Almeida. Dom Macêdo Costa: Bispo do Pará. Belém: Secult, 1992, p.13.
114
Todos os autos e apelações de casos julgados pela vigaria das varas, deveriam ser encaminhados ao Vigário-
Geral na sede dos bispados.
115
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1199)
54

processado por maus procedimentos, o que vai de encontro ao que prescreve o Regimento,
conforme já vimos. Porém, na habilitação de Inácio não há qualquer menção a este fato, o que
nos leva a crer que o Comissário que deu o parecer para sua habilitação relaxou estes e outros
impedimentos, ou ainda, as testemunhas não tivessem conhecimento do fato, já que quarenta e
oito anos o separam da habilitação de Inácio116.

O uso da estrutura diocesana para as averiguações se deve, em grande medida, a


ausência de agentes habilitados, e mesmo na presença destes, é constante que recorressem à
estrutura diocesana, ou, em certas ocasiões, a membros das ordens regulares, instruindo e
investindo diligências a clérigos não habilitados. A historiografia nos apresenta casos similares,
os reitores do Colégio dos Jesuítas em São Paulo também se faziam comissários da
Inquisição117. Iguais exemplos encontramos no Nordeste, entre 1702 e 1729, onde os jesuítas
foram os correspondentes dos inquisidores nas regiões de Pernambuco e Paraíba, apesar de o
Tribunal já contar com a participação de agentes próprios na ação inquisitorial que ali se
desenrolava118. Essa precedência pela escolha de padres da Companhia de Jesus, pode se dever,
entre outras razões, por serem estes os únicos com formação mais sólida, já que no contexto
colonial, em geral, os padres seculares tinham pouca ou nenhuma formação119.
Maria Olindina de Oliveira cita como primeiro agente do Santo Ofício a atuar no
Estado do Grão-Pará e Maranhão o frade Cristovão de Lisboa, que chegou em 1624, fixando-
se em São Luís120. No final do século XVII também passou pela região o frade Bernardino de
Entradas, que entre os anos de 1692 e 1693 enviou denúncias ao Tribunal de Lisboa 121. Há,
portanto, também a colaboração de regulares mendicantes. Na África do século XVII se
encontra franciscanos nas regiões de Cabo Verde e da Guiné e, capuchinhos italianos e
agostinianos descalços em São Tomé e Príncipe122. Tanto na África Ocidental como na América
portuguesa mesmo que não fosse uma obrigação jurídica, é comum haver uma relação entre os
regulares, a estrutura eclesiástica e o Santo Ofício.

116
Inácio José Pestana possuía filhos, todos tidos antes de sua ordenação. Conforme Habilitação para Comissário
(ANTT, TSO, CG, mc, 9, doc. 154)
117
RODRIGUES, Aldair Carlos. Formação e atuação da rede de comissários do Santo Ofício em Minas colonial.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, n. 57, p. 145-164, 2009.
118
FEITLER, Bruno. Nas malhas..., 2007.
119
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisicão..., 1979, p. 122.
120
OLIVEIRA, Maria Olindina de. Olhares inquisitoriais na Amazônia portuguesa: o Tribunal do Santo Ofício e
o disciplinamento dos costumes (XVII-XIX). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do
Amazonas, 2010, p. 36.
121
MELLO, Márcia Eliane Souza. Inquisição na Amazônia colonial: reflexões metodológicas. História Unisinos.
Maio/Agosto 2014, p. 226-227.
122
SILVA, Felipa Ribeiro da. A Inquisição na Guiné, nas Ilhas do Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Revista
Lusófona de Ciências das Religiões. Lisboa, n. 5, vol. 6, 2004.
55

Dito isto, é interessante notar a presença de clérigos regulares, sobretudo da


Companhia de Jesus123, fazendo as vezes de agente inquisitorial. A mando do jesuíta Pe. João
Teixeira, o também Pe. Alexandre Marques lavra em 22 de setembro de 1733 uma denúncia
contra Tereza Furtada e algumas pessoas pelos crimes de blasfêmia e de feitiçaria. 124 Além de
todo o desenrolar do processo ser feito por padres da Companhia de Jesus, Custódio Alvarez
Roxo é quem faz a denúncia, a esta altura padre recém-ordenado, evidenciando em primeiro
lugar a cooperação de um clérigo secular em levar a denúncia até o Santo Ofício; em segundo
lugar dos jesuítas em lavrar a denúncia e encaminhá-la ao tribunal. Custódio será habilitado
como comissário do Santo Ofício em 10 de janeiro de 1764, contudo já servira a Inquisição em
caráter excepcional, conforme vemos acima.

É interessante a atuação do também jesuíta Pe. Bernardo Rodrigues, que residindo na


vila de Itapecuru, fez várias diligências em nome do Santo Ofício. Na primeira, é ré Margarida
Borges, residente na vila do Rio Itapucuru e denunciada ao Santo Oficio por Maria Teixeira,
em 22 de janeiro de 1754, sob a acusação de feitiçaria125. No segundo caso, é ré Claudiana, filha
de Inácio da Costa, denunciada por Jerônima de Sousa no mesmo dia, sob a acusação de que
teria dito que uma imagem sacra tinha “cara de cabra”, caracterizando o crime de blasfêmia126.
No terceiro caso, Francisco de Sousa, também residente na vila do Rio Itapucuru, é denunciado
por sua irmã Jerônima de Sousa porque teria dito que “não temia a Deus”, caracterizando o
crime de heresia127. Em todos os processos, além de fazer as vezes de agente inquisitorial,
Bernardo Rodrigues associa a si outro sacerdote, o padre secular Antonio Moniz de Oliveira,
vigário da Igreja Matriz de Itapecuru. Nota-se, que sendo investido da função de emissário do

123
Desde 1688, em virtude da carência de agentes habilitados no Estado do Maranhão e Grão-Pará, os padres
reitores dos colégios jesuítas de São Luís e Belém foram autorizados a atuarem como comissários, sem a
necessidade do processo de habilitação. FEITLER, Bruno. Nas malhas..., 2007, p. 258-259. Desde a fundação do
Santo Ofício os padres da Companhia de Jesus têm tido importante desempenho como agentes inquisitoriais.
COSME, João dos Santos Ramalho. A actuação..., 2004, p. 42. Já desde meados do século XVII se discutia a
criação de um noviciado no Maranhão, voltado para a formação das vocações jesuíticas. Isso demonstra a
preocupação permanente da ordem com a formação intelectual de seu clero. CHAMBOULEYRON, Rafael. Os
jesuítas e o ensino na Amazônia Colonial. Revista Aberto, Brasília, v. 21, n. 78, p. 77-91, dez. 2007. A expulsão
dos jesuítas em 1759 se constitui em uma viragem no processo de habilitação de comissários e notários, no primeiro
caso, nove são habilitados, no segundo caso, três. Se no específico do Santo Ofício há essa viragem, no mais
amplo, no que diz respeito a presença da Igreja no ultramar, com a saída dos padres da Companhia de Jesus, há
uma maior projeção do clero secular, na medida de a cura espiritual dos antigos aldeamentos, elevados ao status
de vilas, ficaram sob a tutela de padres diocesanos. SOUZA, Evergton Sales. Igreja e Estado no período pombalino.
In: FALCON. Francisco; RODRIGUES, Claudia. A “Época Pombalina”: no mundo Luso-Brasileiro. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2015, p. 277-306.
124
Denúncia (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 00010).
125
Denúncia de Maria Teixeira contra Margarida Borges (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc.
01565)
126
Denúncia de Jeronima de Souza contra Claudiana (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 1566)
127
Denúncia de Jeronima de Souza contra Francisco de Souza (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa,
proc.1567)
56

Santo Ofício, o agente não habilitado, caso necessitasse, poderia associar a si outro sacerdote
igualmente não habilitado. Portanto, ainda que o Regimento do Santo Ofício determinasse que
cabia a agentes habilitados o desenrolar dos processos, na prática havia uma estreita
colaboração tanto de clérigos regulares quanto de clérigos seculares nestas ocasiões128.

Tomando emprestada a estrutura já existente nos bispados, o Santo Ofício assim se fazia
sentir nas terras coloniais, sendo bem eficaz na busca pelos crimes contra a “Santa Fé”. Apesar de
os crimes da alçada da Inquisição não competirem às averiguações episcopais, o bispo, por vezes,
também poderia ser o intermediário das denúncias, como é o caso de Pedro de Braga, natural de
Belém do Grão-Pará. O réu, com idade de 47 anos, casado, exercia as atividades de capitão de
descimentos de gentios do mato, sendo denunciado sob a acusação de poligamia. O primeiro
desenlace do processo se dá quando padres carmelitas da aldeia do Baraoá, reclamam ao bispo
D. Fr. Miguel de Bulhões que Pedro vivia pedindo “filhas ou parentas aos principais para servi-
lhe como suas mulheres (...) conservando-as na sua companhia como tais”. O caso foi remetido
ao Santo Ofício e entre idas e vindas o réu foi preso em 01 de fevereiro de 1757129. Aqui é
interessante como a denúncia vai seguindo por diversas instâncias do clero, os padres
carmelitas a passam ao bispo que por sua vez a remete ao Santo Ofício. Outro caso similar é
do réu Adrião Pereira de Faria, natural da Vila da Vigia de Nossa Senhora de Nazaré e residente
no Engenho do Sítio de Tapariuaussu na mesma vila. Casado, exercia as funções de sargento
dos auxiliares e administrador de engenho. Acusado de feitiçaria e superstições por Manoel
Pacheco, foi preso em 01 de fevereiro de 1757 pelo vigário local, ficando sob a jurisdição do
bispo Miguel de Bulhões.
Nos casos acima podemos ver como as estruturas das ordens religiosas e da diocese
foram fundamentais para o desenrolar do processo. Os crimes citados, poligamia e feitiçaria,
são da alçada tanto do juízo eclesiástico, quanto da Inquisição, e dependendo da gradação do
delito, deveriam passar do primeiro para o segundo. O crime de Pedro de Braga, grosso modo,
poderia ser caracterizado como adultério, porém há o agravante de ter desposado várias
mulheres, deixando de ser só um delito da jurisdição episcopal, passando a ser da jurisdição
inquisitorial. O de Adrião Pereira, revela a atuação do vigário que o prende e do bispo, sob cuja
jurisdição fica submetido, nesse sentido, dois eclesiásticos não habilitados agem “em matéria
do Santo Ofício”. Registre-se que a época já havia agentes habilitados para o Pará, o que nos

128
Otaviano Vieira aponta situação semelhante para Capitania do Ceará, onde o clero local fazia as vezes de
agentes do Santo Ofício na falta de habilitados. VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. A Inquisição e o sertão:
ensaios sobre ações do Tribunal do Santo Ofício no Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2008.
129
Denúncia contra Pedro de Braga (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 5169)
57

permite afirmar que a presença deles, não significava a não atuação de agentes não habilitados,
em face da necessidade.

No Juízo Eclesiástico, o bispo exercia sua jurisdição tanto na esfera temporal quanto
espiritual, ou seja, ali se julgavam pecados e crimes tanto civis quanto espirituais130. Neste
sentido, os prelados poderiam legislar acerca dos pecados da carne, a simonia, o sacrilégio, a
usura, o adultério, o incesto, o estupro, o rapto, o concubinato, o alcouce, o homicídio, o furto,
dentre outros131. Mas, havia crimes ainda que descobertos em alçada episcopal, que deveriam
ser remetidos à Inquisição, são eles: heresia, a blasfêmia e a feitiçaria, o pacto com o demônio,
a sodomia, o sigilismo e o crime de solicitação132. Logo, os dois crimes relatados no parágrafo
anterior, mesmo tendo sua origem na estrutura diocesana, seguiram o que define as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia: “Que se denunciem ao Tribunal do Santo
Ofício os hereges...”133 ou ainda “feitiçarias, sortilégios e superstições que envolverem
manifesta heresia ou apostasia na fé”134. Deste modo, este mecanismo de colaboração muito
utilizado, em tese, não misturava as competências, ao contrário, ficava bem delimitado o que
cabia a cada uma das partes135. Portanto, o relacionamento da estrutura diocesana com a
Inquisição, ainda que delimitadas as instâncias, se caracterizou por uma convergência de
interesses e ativa cooperação, sobretudo da primeira para com a segunda.

Como vimos, a dimensão territorial do Império Português ultrapassava as áreas em


que havia tribunal estabelecido. Portanto, ainda que existisse estreita colaboração entre bispado,
clérigos (regulares e seculares) e Santo Ofício, os tribunais tinham, necessariamente, que
montar quadros para atuarem nos espaços de suas jurisdições. Desses oficiais, o destaque é dado
aos Comissários, Notários e Familiares, por serem o elo mais direto entre esta instituição
metropolitana e as pessoas a que estavam incumbidos de investigar136.

130
No decorrer do século XVIII, os delitos de leigos e sacerdotes, e as causas matrimoniais eram julgadas pelo
Foro Contencioso do Juízo Eclesiástico. Esse Foro foi abolido em 1830, quando foi revogado o poder da Justiça
eclesiástica de julgar os crimes que eram comuns à alçada da Justiça civil. Sobre isso ver: SILVA, Marilda Santana
da. Normas e padrões do Tribunal Eclesiástico mineiro (1750-1830) e o modo de inserção das mulheres neste
universo jurídico. Revista História Social, Campinas – SP, n. 7, p. 99-118, 2000.
131
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. V.
132
Conforme as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, nas seguintes referências: Lv 1, Tít. 69, n. 297;
Lv. 5, tít. 5, n. 903; Livro 5, Tít. 2; Lv. 2, tít. 10.
133
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. V, Tít. I.
134
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. V, Tít. V, n. 903.
135
PAIVA, José Pedro. Inquisição e Visitas Pastorais: dois mecanismos complementares de controle social? In:
Revista de História das Idéias, nº 11, Coimbra, 1989, p. 85-102.
136
Luiz Mott os refere como “pontas de lança”, para sublinhar que os agentes locais eram como que a “ponte”
entre o tribunal e as pessoas. MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição e Sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 45.
MOTT, Luiz. Pontas de Lança do Monstrum Horrendum: comissários, qualificadores e notários do Santo Ofício
58

1.2 – O processo de seleção

Dentre as formas que a historiografia tem qualificado a busca pelo serviço ao Santo
Ofício, a maioria dos trabalhos tem singrado pela perspectiva da promoção social que os
indivíduos habilitados passavam a ter após terem suas vidas escrutinadas pela inquisição. Vista
como um elemento de distinção social137, marca do Antigo Regime, a carta de servidor do Santo
Ofício dava aquele que a possuísse a prova que “o dito habilitando, seus pais, avós paternos e
maternos apontados, são e foram cristãs-velhas, limpas de sangue e geração”. No contexto
apresentado, a questão da “limpeza de sangue” era de fundamental importância. De início,
podemos afirmar que a patente Inquisitorial, salvo suas especificidades em relação a outros
títulos, fez parte do sistema geral de economia de mercês português 138. Pelo honor que estes
cargos auferiam, pelo restrito139 e estrito crivo pelo qual passavam, ser membro do corpo
inquisitorial trazia ao que possuísse a prova inconteste de sua “filiação e capacidade”, o
prestígio social de se dizer “cristão-velho”. Como bem lembrou D. Luís da Cunha, o Santo
Ofício convencera a nobreza “que só ele tinha faculdade de canonizar a limpeza de sangue de
sua ascendência”140. Para levar a efeito este intento, indivíduos tinham suas origens devassadas,
da mesma forma que passavam pelo escrutínio daqueles que o conheciam de “ver e ouvir falar”,
dando fé de seu bom nascimento e procedimento.

Era sobretudo por meio de seus agentes que a Inquisição poderia estender sua raia de
atuação, realizando o controle da fé nas áreas de sua jurisdição. Porém a montagem de um quadro
de agentes era composta via candidatura, ou seja, ao invés de recrutar, preenchiam-se os cargos
apenas com aqueles que o pleiteavam. O primeiro habilitado que rastreamos, trata-se de João
do Couto da Fonseca, seu processo será nosso guia para entender os trâmites do processo de
habilitação141. João faz seu pedido em 12 de janeiro de 1730. Conforme o documento:

na Bahia (1692-1804). In: FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: Normas e práticas
durante a Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.
137
KÜHN, Fábio. As redes de distinção: familiares da Inquisição na América Portuguesa do século XVIII. Varia
Historia, Belo Horizonte, vol. 26, nº 43, jan/jun 2010, p.177-195.
138
OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-
1789). Lisboa: Estar, 2001.
139
Robert Rowland chamam atenção a este aspecto, ao afirmar que “as vantagens dos cargos do Santo Ofício não
derivavam apenas dos privilégios que conferiam, e que eram significativos, mas sobretudo do facto de não todos
a eles poderem ter acesso”. ROWLAND, Robert. Inquisição, intolerância e exclusão. Ler História, Lisboa, n. 22,
1997, p. 19.
140
CHAVES, Castelo Branco; MERVEILLEUX, Charles Frédéric; SAUSSURE, César de. O Portugal de D. João
V visto por Três forasteiros. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989, p. 178.
141
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 63, doc. 1189)
59

Tomamos informações com o Pe. José de Souza sobre a limpeza de sangue, e mais
requisitos de João do Couto da Fonseca, que pretende ser familiar do Santo Ofício,
conteúdo na petição inclusa, que V. Ema. nos mande informar”.

O “tomamos” aqui se refere ao clérigo que deu parecer favorável à habilitação, e


para tal, o habilitando deveria “pretender” o cargo, no caso o de “familiar” que, como dito, era
preenchido via candidatura142. Retomemos ao trecho com que iniciamos a introdução desta
tese, a petição inicial143 sempre começa com “Diz (nome do habilitando)”. Ao declarar quem
era, o indivíduo em questão se punha nas mãos do Santo Ofício de modo que este investigasse
se o que fora declarado, de fato coincidia com a realidade. Aqui se constituía o primeiro elo de
comunicação entre o indivíduo e a instituição, pleiteante e burocracia inquisitorial, cujas
informações apresentadas, daria início e continuidade aos seguintes fluxos de informação144.
João do Couto da Fonseca, nosso primeiro familiar habilitado, “diz” ser solteiro,
nascido e morador no Pará; sendo seus pais José do Couto e Izabel da Fonseca, ele natural do
Couto do Boim da Nóbrega, Arcebispado de Braga e ela natural de Figueiró dos Vinhos,
Bispado de Coimbra. Seus avós paternos Sebastião do Couto e Mariana Antunes Serqueira,
naturais do mesmo lugar que o pai do habilitando. Seus avós maternos Antonio de Madureira
e Izabel Luís, ele natural de Lisboa e ela de Figueiró dos Vinhos, como a mãe do Habilitando.
Ao declarar os nomes e a naturalidade de seus pais e avós, o habilitando fornece ao Santo Ofício
informações que serão o guia no processo de investigação da genealogia, pois em posse dos
nomes, será possível nas localidades de nascimento, assistência ou morada das pessoas
elencadas, fazer as averiguações necessárias em vista da habilitação. João declara outra
informação importante, que seu pai José já servira o Santo Ofício no cargo que ele agora
pleiteava. Como veremos mais a frente, esta citação é das mais importantes, pois influencia
sobremaneira no andamento do processo.
Ao declarar quem era, fornecendo dados seus e de sua família, o habilitando punha-
se na mão do Santo Ofício, que buscaria via uma longa investigação, cujo procedimento
veremos nas páginas que se seguem, a veracidade das informações ditas. Contudo, o que fazia
um indivíduo a assim se submeter? Se pois não era rentável o serviço à Inquisição, já que não
recebiam salário fixo, quais eram os ganhos?

142
Sendo assim, não era o Santo Ofício que arregimentava diretamente aqueles que serviriam em seus cargos, mas
selecionava àqueles que se candidatavam. Maximiliano Gozalo e José Enrique Lázaro apontam igual caraterística
em Castella. GOZALO, Maximiliano Barrio. Burocracia inquisitorial y mobilidad social. El Santo Ofício plantel
de obispos (1556-1820). In: MOURA, Angel de Prado (coord.). Inquisición y Sociedad. Valladolid, 1999, p. 115.
LÁZARO, José Enrique Pasamar. Los familiares del Santo Ofício em el distrito inquisitorial de Aragón,
Instituición ‘Fernando el Católico’, 1999, p. 28.
143
Para ver como as informações se dispõe no documento, ver Anexo 1, p. 316.
144
Para ver como se dava o fluxo da informação, ver o Anexo 6, p. 321.
60

Uma possível resposta encontramos na série de isenções que o Santo Ofício vai
recebendo, pouco a pouco, da Coroa portuguesa. Em se tratando das concessões para todos os
ministros e oficiais do Santo Ofício, tanto eclesiásticos quanto leigos, D. Sebastião no século
XVI os isenta de pagarem:
Fintas, talhas, pedidos, empréstimos, nem em outros lugares encarregados,
que pelos conselhos ou lugares onde forem lançados por qualquer modo, e
maneira que sejam, nem sejam constrangidos a que vão, com presos, nem com
dinheiro, sem sejam tutores, nem curadores de pessoa alguma, salvo se as
tutorias forem lidimas; nem hajam ofícios do Conselho contra as vontades,
nem lhes tome de aposentadoria suas casas de morada, adegas, nem
cavalheriças, nem quaisquer outras casas em que eles pousarem, posto que
suas não sejam, antes lhas deem, e façam dar de aluguel por seu dinheiro, se
as eles não tiverem e houverem mister; nem lhes tomem pão, vinho, roupa,
palha, cevada, lenha, galinha, ovos, bestas de cela, nem albarda, salvo se
trouxerem as ditas bestas ao ganho, porque em tal caso não serão escusos; nem
assim mesmo lhe tomem coisa alguma do seu contra sua vontade. Outrossim
me apraz que não sejam constrangidos nem obrigados a irem servir por mar,
nem por terra a nenhuma parte145.

Além disso, em 1580, no reinado de D. Henrique, adquiriram foro privilegiado, de modo que
nos crimes em que fossem réus, seriam os inquisidores seus juízes, com algumas exceções 146.
Os últimos privilégios datam de 1686, quando tiveram o direito de se aposentar no momento
em que pedissem147.
Ao lado dos privilégios de temporais, estavam também os espirituais concedidos pelo
papado. Ainda que fosse no âmbito de uma proteção simbólica, nem por isso deixavam de ter
peso como atrativo aos pretensos agentes. Desde a convocação das cruzadas, aqueles que
prometessem “defender a nossa Santa Fé Católica e Apostólica” possuíam indulgências. Essas
indulgências foram confirmadas pelo papa Paulo V através de um breve, expedido em 1611148.
Adriano Prosperi, ao comentar os privilégios concedidos aos membros da Inquisição Italiana,
demonstra como os agentes por vezes se excediam, na medida em que não estariam sujeitos
“nem aos bispos, nem aos governadores, mas ao inquisidor”, livres para fazer o que queriam
sem temer qualquer autoridade senão aquela que lhe tinha outorgado tanto poder149. Em meio
a tantos privilégios, não é de se estranhar que muitas pessoas não só quisessem servir o Santo
Ofício, mas se servissem dele, se passando por agentes.

145
BNP, Translado autentico de todos os privilégios concedidos pelos Reis destes reinos e senhorios de Portugal
aos oficiais e familiares do Santo Ofício da Inquisição. Lisboa: Officina de Miguel Manescal, 1641.
146
“ (...) crimes de lesa-majestade, do nefando contra-natura, de motins e revoltas, de violação a correspondência
real, de desobediência às ordens dos monarcas, de roubos, de arrombamentos de casas, igrejas e mosteiros e de
incêndios dolosos”.
147
Translado autêntico...
148
BETHENCOURT, Francisco. A História…, 2000, p. 138.
149
PROSPERI, Adriano. Tribunais da Consciência: Inquisidores, Confessores, Missionários. São Paulo: EDUSP,
2013, p. 215.
61

O mundo colonial é povoado de casos assim. Sonia Siqueira cita o caso de Belchior
Mendes de Azevedo, que em Pernambuco, dizendo-se oficial da Inquisição, extorquiu Cibaldo
Lins e Tomás Lopes, do primeiro “uma caixa de açucares” e do segundo “vinho e dinheiro”,
inclusive com ameaça de prendê-lo150. Também em Pernambuco, similar denúncia recai sobre
falso frade Januário de São Pedro, que além de se passar por clérigo, dizia ser comissário do
Santo Ofício; mais que isso, agia como tal, recebendo denúncias e confissões de culpa. O abuso
de Januário era tanto, que recebia juramento dos denunciantes, escrevia depoimentos e ouvia
testemunhas de modo a formar “verdadeiros” processos inquisitoriais, depois ainda se fez
passar por familiar do Santo Ofício. Em 1744 ao ser pego, em sua defesa diz que tinha exata
noção do alto prestígio e temor que representava a figura de habilitado pela Inquisição, por isso
fazia uso deste título151.
Mais próximo de nós, no Maranhão, em 01 de agosto de 1746 é preso o frade capucho
Antônio da Madre de Deus, que se fazia passar por comissário do Santo Ofício. Com idade de
32 anos, exercia a atividade de sacerdote da Província de Conceição da Beira. Denunciado sob
a acusação de fazer-se passar por comissário do Santo Oficio, fazia diligências e mandava
notificar testemunhas sem para isto ser habilitado pela Inquisição, bem como havia convidado
outro eclesiástico para ser escrivão de suas diligências. Foi degredado para o Convento de Torre
de Moncorvo por cinco anos, sendo também inabilitado de servir o Santo Ofício152. Outro frade,
de nome Cosme Damião Medeiros, morador de Oeiras do Piauí, bispado do Maranhão, também
se “auto-investe” agente inquisitorial. Com 36 anos de idade, exercendo a vigaria da dita vida,
é acusado por Luiza Ignacia Pereira de impedir o reto ministério do Santo Oficio, sendo preso
em 23 de março de 1791153. Nas quatro situações que vimos, se ressalte o “eco” do status de se
dizer membro do Santo Ofício, de modo que mesmo com a possibilidade de serem pegos,
indivíduos não habilitados diziam ser o que não eram.
No caso dos comissários os privilégios eram mais extensos, segundo José Pedro Paiva,
dentre as concessões publicadas em um alvará datado de 20 de janeiro de 1580 pelo cardeal
Dom Henrique, estava a isenção da jurisdição episcopal sobre os clérigos servidores do Santo

150
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição..., 1978, p. 127.
151
CALAINHO, Daniela. Pelo reto ministério do Santo Ofício: falsos agentes inquisitoriais no Brasil colonial. In:
VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno; LAGE, Lana, (Orgs). Inquisição em Xeque: temas, controvérsias, estudos
de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006. PAIVA, José Pedro; MARCOCCI, Giuseppe. História da Inquisição...,
2013, p. 244.
152
Processo do Pe. Antonio da Madre de Deus (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 06595)
153
Denuncia de Luiza Ignacia Pereira contra Cosme Damião da Costa Medeiros (Tribunal do Santo Ofício,
Inquisição de Lisboa, proc. 08125)
62

Ofício154. Para, além disso, por um breve do papa Paulo V, os ministros do Santo Ofício
membros de cabidos diocesanos estariam livres da obrigatoriedade de assistência na catedral,
podendo receber seus emolumentos por inteiro155. Elencando esta série de privilégios, não é de
se estranhar a busca tanto por clérigos, quanto por leigos, de auferir os cargos da Inquisição. O
“foro privilegiado”, isentava e projetava esses indivíduos nos meios em que transitavam (Igreja
e sociedade local).
Uma das marcas do Antigo Regime, como já dissemos, é a preocupação com a
“limpeza de sangue”. José Veiga Torres156, tomando como ponto de partida este fato, propõe
uma tese que é amplamente utilizada nos estudos sobre agentes do Santo Ofício157. Valendo-se
dos números de Familiares de Portugal nos séculos XVI a XIX, Veiga Torres percebe como o
cargo se tornou um trampolim para os que ansiavam ascender socialmente, pois era um
diferenciador social na lógica da “pureza de sangue” do Antigo Regime. Desde final do século
XVII, a expedição de familiaturas passou a ocorrer num ritmo destoante em relação à repressão
inquisitorial. O número de Familiares aumentava na medida em que a atividade repressiva
(número de sentenciados) decrescia. Logo, aqueles que pleiteavam servir ao Santo Ofício, na
prática, não estavam fazendo seu trabalho, pois o aumento dos quadros não era proporcional ao
número de sentenciados. No quadro 2 é possível notar que a habilitação de agentes tem seu
ponto alto no século XVIII, sobretudo no período que compreende 1721-1770. Dos quarenta e
seis indivíduos pesquisados, vinte nove fizeram seus pedidos nesse período.
Quadro 2: Expansão dos quadros burocráticos Inquisitoriais
PERÍODO COMISSÁRIOS FAMILIARES
1580-1620 132 684
1621-1670 297 2285
1671-1720 637 5488
1721-1770 1011 8680
1771-1820 484 2746

Fonte: TORRES, José Veiga. Da repressão à promoção social: a Inquisição como instância legitimadora da
burguesia mercantil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 40, 1994.

154
PAIVA, José Pedro. Baluartes da fé e da disciplina: O enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal (1536-
1750). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011, p. 68.
155
SILVA, Hugo Ribeiro da. O Cabido da Sé de Coimbra: Os homens e a Instituição (1620-1760). Lisboa: ICS –
Imprensa de Ciências Sociais, 2010.
156
TORRES, José Veiga. Da repressão..., 1994.
157
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes..., 2006. RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de Sangue..., 2011.
WADSWORTH, James E. Agents of Orthodoxy..., 2017. MONTEIRO, Lucas Maximiliano. A Inquisição não está
aqui? ..., 2015.
63

Presente até o período pombalino, o ideal de “pureza de sangue” permeou do século


XVI ao final do XVIII toda a sociedade portuguesa, e por consequência suas instituições. Se
dizer, mais que isso, provar que se era “cristão-velho” abria a possibilidade de maior inserção
e projeção social, portanto, não por acaso, o serviço ao Santo Ofício se constituía em uma
distinção muito procurada158. O capital de honra obtido159, dourava o estatuto das famílias; foro
privilegiado, isenções fiscais, projeção social pode ter sido a razão de nosso já conhecido João
do Couto da Fonseca ter procurado tornar-se familiar. Retornemos ao andamento de seu
processo.
Após a petição inicial, onde o habilitando declara informações suas, de seus pais e
avós; os nomes são enviados para os três tribunais distritais do Santo Ofício no Reino, a citar,
Lisboa, Évora e Coimbra. Isso tem por finalidade consultar nos repositórios se as pessoas
elencadas não possuem algum impedimento. Após a consulta, é emitido uma espécie de “nada
consta” por cada um dos tribunais160, conforme abaixo:
Lisboa:

Manoel de Figueiredo notário do Santo Ofício dessa Inquisição de Lisboa.


Certifico dizer-me o provisor da mesma que provendo os repositórios e nestas
não se achara culpa alguma a João do Couto da Fonseca, nem mais pessoas
confrontadas na petição. Lisboa no Santo Ofício, 14 de julho de 1731”

Évora:

Francisco Lopes notário do Santo Ofício da Inquisição de Évora faço fé de


dizer-me e provisor da mesma que havendo os repósitos dela não achara culpa
alguma a João do Couto da Fonseca nesta lista confrontado. Évora no Santo
Ofício, 16 de abril de 1730.

Coimbra:

Inácio Fernandes notário da Inquisição de Coimbra dou fé dizer-me, provendo


os repositórios dela não se achara culpa alguma a João do Couto da Fonseca e
nem mais pessoas na lista. No Santo Ofício, seis dias do mês de maio de 1730.

Após o nihil obstat dos Tribunais, se dá início a investigação nas localidades


elencadas pelo requerente. Ressalte-se aqui a importância dessa consulta inicial nos
repositórios dos tribunais distritais. Como já dissemos, dentre as exigências, os Regimentos do

158
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime.
Análise Social, vol. XXXII (141), 1997. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites e poder: entre o Antigo Regime e o
Liberalismo. Lisboa: ICS Imprensa de Ciências Sociais, 2012.
159
Sobre isso, diz Nobert Elias: “Nesse contexto, deve ser suficiente indicar mais uma vez o símbolo da ‘honra’
como motivação das atitudes. A coerção que deriva dele é uma coerção que visa salvaguardar a existência de seu
detentor como uma existência socialmente distinta”. ELIAS, Nobert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Zahar,
2001, p. 119.
160
Para ver como as informações se dispõe no documento, ver Anexo 2, p. 317.
64

Santo Ofício pedem que os agentes habilitados “nem fossem presos ou penitenciados pela
Inquisição, nem sejam descendentes de pessoas que tenham alguns dos defeitos sobreditos”,
logo, se o impedimento já fosse rastreado nos registros do Tribunal, não seria necessário o
dispêndio com as demais etapas do processo, pois já haveria razão para indeferimento do
pedido.
Tudo certo nas consultas, iniciava a segunda etapa do processo, onde era enviado um
pedido de informações extrajudiciais a um oficial do Santo Ofício para localidades de morada
do habilitando, de seus pais e avós maternos e paternos, objetivando investigar a vida e
comportamento, bem como condições e capacidade para exercer as funções para qual se
candidatava. Eram feitos os interrogatórios nas várias localidades em que o habilitante e seus
parentes tivessem ligação. Cada um dos inquiridos deveria responder um questionário com
perguntas acerca do candidato e seus parentes, as perguntas eram feitas tendo por base os
critérios prescritos nos regimentos, só sofrendo alteração com a expedição do regimento de
1774, em que findou as diligências acerca da limpeza de sangue. Até antes deste último
regimento, no geral os interrogatórios tinham o seguinte teor:

I. Se sabe de alguém que se suspeite do habilitando;


II. Se conhece o habilitando;
III. Sobre os pais do habilitando;
IV. Sobre seus avós paternos;
V. Sobre seus avós maternos e bisavôs;
VI. Se o habilitando é filho legítimo;
VII. Se o habilitando tem ódio ou inimizades com as pessoas de seu parentesco;
VIII. Sobre terem sido sempre cristãos-velhos e afins;
IX. Se o habilitando foi alguma vez preso ou penitenciado pelo Santo Ofício;
X. Se o habilitando é pessoa de bons procedimentos, vida de costumes;
XI. Se o habilitando já contraiu matrimônio em algum momento de sua vida;
XII. Se tudo o que testemunhou é público e notório161.

Após o Regimento de 1774, passou-se a perguntar a respeito da incidência do


candidato e seus ascendentes em crime de lesa-majestade. No rol das perguntas aparece: “se o
habilitando é ou sempre foi apostata da nossa santa fé católica”, e se “é filho e neto de pais e
avós paternos que cometessem crime de lesa majestade divina ou humana, e por ele fossem
sentenciados, e condenados nas penas estabelecidas pelas leis do reino”. Dos quarenta e seis
indivíduos aqui elencados dezesseis tem sua habilitação posterior ao regimento de 1774. Como
familiar, o primeiro é Antônio Coutinho de Almeida, que faz pedido em 1773, mas recebe

161
No formulário o enunciado das perguntas é mais extenso, colocamos acima apenas o teor de cada uma.
65

deferimento em 1774. De sua habilitação, é interessante notar o item VIII do interrogatório,


onde se perguntava acerca da “qualidade de sangue do habilitando”, que aparece riscado e
substituído pela sumária pergunta “VIII. Se é ou foi herege, apóstata de nossa Santa Fé”:

Imagem 1: Parte do formulário de Interrogatório de Antônio Coutinho de Almeida

Fonte: Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 186, doc. 2755)

O formulário162 da imagem 1 é datado “aos nove dias de novembro de mil setecentos


setenta e três anos”, logo, período anterior a abolição da distinção dos estatutos de limpeza de
sangue nos Regimentos, o que viria a acontecer no ano seguinte. O fato é que tal distinção já
fora abolida pelo Estado português em 1773, logo, apesar da não mudança imediata nos
regimentos, em tese já deixara de ser uma exigência.

O primeiro comissário habilitado pós novo regimento é Inácio José Pestana, que tem
sua carta lavrada em 20 de janeiro de 1779163. De sua habilitação, também o item VIII do
interrogatório aparece riscado. Porém, talvez por descuido do escrivão, aparece “que pretende
saber com toda a individuação a limpeza de sangue e geração do Pe. Inácio José Pestana”. O
fato é que mesmo cinco anos após ter sido excluída do regimento esta exigência, ainda é
possível ver este grande parâmetro do Antigo Regime ecoando na cabeça das autoridades
inquisitoriais. Se foi por descuido não podemos afirmar com exatidão, porém a simples menção
às antigas exigências regimentais aponta que as velhas normas ainda não haviam sido de todo
abandonadas; evidenciando o descompasso que existe entre a promulgação da norma
regimental e a prática. Pelos dois exemplos acima, vemos o contraponto entre a norma e sua

162
Para ver primeira página do documento, ver Anexo 3, p. 318 (Inquisição Portuguesa) e Anexo 4, p. 319
(Inquisição Espanhola).
163
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 09, doc. 154).
66

aplicação, na habilitação de Antônio Coutinho, as exigências quanto a limpeza de sangue já


aparecem riscadas, mesmo antes do regimento de 1774; enquanto na de Inácio Pestana, mesmo
também riscadas, dão sinais de permanência.

Há outro aspecto a se ressaltar do formulário acima, nele são elencadas doze perguntas.
Por outro lado, João do Couto da Fonseca, que tem sido nosso guia para demonstrar o
andamento do processo inquisitorial, declara que seu pai fora familiar do Santo Ofício. Quando
o pleiteante possuía algum parente já habilitado, os trâmites eram bem mais simplificados,
considerando que procedimentos da habilitação de genere já haviam sido feitos. Nestes casos,
os avós não eram investigados, fato que significava menos testemunhos, assentos, e
consequentemente, menos custos. Neste sentido, os depoentes só respondiam oito perguntas,
que eram as seguintes:
I. Se sabe de alguém que se suspeite do habilitando;
II. Se conhece o habilitando;
III. Sobre os pais do habilitando;
IV. Se o habilitando é filho legítimo;
V. Se o habilitando foi alguma vez preso ou penitenciado pelo Santo Ofício;
VI. Se o habilitando é pessoa de bons procedimentos, vida de costumes;
VII. Se o habilitando já contraiu matrimônio em algum momento de sua vida;
VIII. Se tudo o que testemunhou é público e notório164.

Fixemos, portanto, que em caso de o habilitando não possuir parentes habilitados, as


testemunhas eram inquiridas com doze perguntas; possuindo parente já habilitado, as
testemunhas respondiam oito perguntas. Retornemos ao andamento do processo de habilitação.
Ditas quais eram as perguntas requeridas pelo regimento, cada depoente deveria fornecer ao
agente incumbido de realizar as diligências, seus nomes, sobrenomes, ofícios, naturalidade,
morada, qualidade de sangue (até 1773) e idade. Os dados fornecidos pelos depoentes nos
ajudam a entrever a relação que estes possuíam com aquele sobre cuja vida estavam depondo.
Como dito, estas averiguações objetivavam saber da origem e filiação, bem como condições e
capacidade que o habilitando tinha para exercer funções de tamanha “de importância e segredo”
que são as do Santo Ofício. O pedido se dá nos seguintes termos: “Convém saber-se na Mesa
do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa por informação extrajudicial, que se procura tirar com
segredo de pessoas cristãs-velhas e fidedignas”.

As perguntas feitas às testemunhas visam saber:

164
No formulário o enunciado das perguntas é mais extenso, colocamos acima apenas o teor de cada uma.
67

Se o dito habilitando é pessoa de bons procedimentos, vida e costumes capaz


de ser encarregado de negócios de importância e segredo, servir limpa e
abastadamente, que ofício tem e de que vive e que cabedal terá, se sabe ler e
escrever e que idade apresenta ter, se é solteiro, casado ou viúvo de cujo
matrimonio lhe ficou filhos ou se tem algum ilegítimo, e tendo-o, como se
chama. E sua mãe e avós maternos, donde naturais e moradores e se limpos
de infecta nação e se o habilitando ou alguns de seus ascendentes foi preso ou
penitenciado pelo Santo Ofício ou incorreu em alguma infâmia publica de
pena vil de feto ou de direito165.

Na habilitação de João do Couto da Fonseca166, após ouvir cinco testemunhas, aos três
dias de outubro de 1729, o Pe. José de Souza, reitor do Colégio de Companhia de Jesus no Pará,
emite seu parecer ressaltando que as testemunhas dão fé acerca da origem e filiação do
habilitando, na medida em que “é natural e morador desta cidade do Pará, filho legítimo de José
do Couto, familiar que foi do Santo Ofício, natural do Couto do Boym, Arcebispado de Braga,
e de sua mulher Izabel da Fonseca, natural de Figueiró dos Vinhos, bispado de Coimbra”. Segue
dizendo “que o dito sabe ler e escrever, que é de bons procedimentos e capaz de qualquer
negócio de segredo e importância”. O “saber ler e escrever” é requisito essencial para o serviço
ao Santo Ofício, pois além de constantemente receberem orientações emanadas do Tribunal de
Lisboa, periodicamente no caso dos Comissários e Notários, e eventualmente no caso dos
familiares, teriam que lavrar denúncias e averiguações dos processos de habilitação. Além de
sempre deverem andar com o Regimento, de modo a consultá-lo para saber como proceder em
“matéria do Santo Ofício”.

O parecer segue elencando que o habilitando “é solteiro, sem filhos ilegítimos, que
tem sua legitima suficiente para se sustentar limpa e abastadamente”. No caso de já ser casado,
além da habilitação do pretenso agente, também sua esposa deveria passar pelo mesmo
processo, bem como se um agente habilitado solteiro vier a contrair matrimônio, só o poderá se
sua esposa for também habilitada. O possuir filhos fora do casamento também se constituía
num empecilho para habilitação. Por fim, se diz que o que possui é suficiente para “se sustentar
limpa e abastadamente”, na medida em que os agentes locais do Santo Ofício não possuíam
salário periódico, de modo que deveriam viver de outra coisa que não o serviço à Inquisição.
Pe. José de Souza conclui dizendo que “finalmente que sabem que o dito habilitando e nem
algum de seus ascendentes foi preso ou sentenciado pelo Santo Ofício, nem incorreu em infâmia
pública ou pena vil de feito ou de direito”. Logo, o suplicante e sua linhagem passam em um
segundo crivo.

165
Trecho extraído de um dos formulários presentes nas Habilitações para Familiar do Santo Ofício.
166
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 63, doc. 1189).
68

Como João do Couto informara que seu pai José do Couto fora familiar do Santo
Ofício, se procede a procura nos repositórios do Santo Ofício em Lisboa, da provisão de criação
de José como familiar. Em 13 de março de 1731 a dita provisão é encontrada, sendo certificada
por um notário do Santo Ofício nos seguintes termos:

Certifico que para efeito de passar a presente no livro 8° da criação dos


Ministros e oficiais desta Inquisição nele a página 67 se acha a cópia de uma
provisão dos senhores do Conselho Geral; passada em 16 de janeiro de 1706,
da qual consta haverem criado familiar desta Inquisição de Lisboa a José do
Couto, natural do Couto do Boim da Nóbrega, Arcebispado de Braga, e
morador na cidade de Belém do Grão-Pará, Estado do Maranhão, onde é
casado com Izabel da Fonseca167.

Aqui, mais uma vez a informação declarada pelo pleiteante é verificada e ratificada
pelo processo de investigação. Além disso, registre-se que João do Couto fora habilitado já
estando morando no Pará, logo, seu filho não foi o primeiro habilitado como familiar do Santo
Ofício para esta localidade. Aqui se faz necessária uma justificativa, na habilitação dos 47
agentes por nós estudados, extraímos outros nomes como por exemplo o de José do Couto (pai
de João), contudo, em nossa pesquisa, não foram encontradas as habilitações dos indivíduos em
questão. Nesse sentido, apesar do número de agentes ser maior dos que são por nós estudados,
achamos por bem centrar nossa análise naqueles que possuímos o processo de habilitação.
Em 1730 se procedem outras averiguações na cidade de Belém acerca do habilitando
e seus pais, o já citado Pe. José de Sousa que é investido dos poderes para levar a efeito as
investigações, de modo que os “Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia
nesta cidade de Lisboa”, fazem “saber ao Pe. José de Sousa... ou quem seu cargo servir, que
nesta Mesa se trata averiguamente saber a limpeza de sangue e geração de João do Couto da
Fonseca, natural de morador da cidade do Pará”. Do trecho acima fica latente que o Santo Ofício
sabe a quem incumbir para a recolha dos testemunhos, o padre reitor do Colégio dos Jesuítas
no Pará, contudo, também cita que poderá fazê-lo “quem seu cargo servir”. Logo, se evidencia
o que já dissemos em outra ocasião, o Santo Ofício, para atuar, se adapta ao contexto específico,
pois os testemunhos não deixariam de ser feitos em caso de ausência do reitor, pois poderiam
recolhê-los aquele que o estivesse substituindo.
Aos 3 de agosto de 1730, no Colégio de Santo Alexandre da Companhia de Jesus em
Belém do Pará, o Pe. José de Sousa se põe a recolher o testemunho de mais cinco pessoas, cada
uma delas fazem “juramento dos Santos Evangelhos... e em tudo guardar segredo”. Os
testemunhos são meticulosamente anotados pelo Pe. Luis Álvares, que serve como escrivão.

167
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 63, doc. 1189)
69

Aqui vemos que Pe. José de Sousa associa a si um confrade jesuíta, ambos à exemplo das
testemunhas, também juram aos “Santos Evangelhos” de que levarão a efeito os testemunhos
com toda isenção e “gravidade”.
A primeira testemunha ouvida é o Pe. Luís Alvares, cônego da Sé do Pará e natural da
Ilha de Faial, nos Açores. A testemunha conhece o habilitando e seus pais, dizendo que de fato
era filho dos pais declarados sendo sempre “havido e reputado” como tal. A segunda
testemunha é o Pe. Antonio Maciel Parente, vigário de Nossa Sra. do Rosário, Freguesia da
Campina e natural de São Luís do Maranhão. Diz que conhece o habilitando por assistir em
Belém há trinta e seis anos, conheceu os pais do habilitando e a exemplo da testemunha anterior,
reforça que o pleiteante era filho legítimo, bem como seu pai fora familiar do Santo Ofício.
Aqui vemos que a segunda testemunha confirma uma informação já fornecida pelo habilitando,
que seu pai fora familiar do Santo Ofício. Pe. Antonio Maciel Parente cita ainda que João “não
tem ofício ou ocupação alguma, mas que vive em companhia de sua mãe, irmão e irmãs e
cabedal bastante para limpa e abastadamente viver”. O que seria um possível impedimento, o
fato de não possuir “ofício ou ocupação alguma”, foi justificado por o habilitando, sua mãe e
irmãs possuírem “cabedal bastante para limpa e abastadamente viver”. Logo, o patrimônio
familiar daria conta de suprir João para que bem desempenhasse suas funções como familiar do
Santo Ofício.
A terceira testemunha é também um clérigo, Pe. Manuel de Miranda, padre do hábito
de São Pedro e natural de Belém do Pará. Diz que conhece o habilitando por ambos serem
naturais da mesma cidade e sempre nela assistir. A exemplo do Pe. Antonio Parente, se refere
ao fato do habilitando não possuir oficio ou ocupação, contudo que vive com sua mãe e irmãos
e o que tem é necessário para viver condignamente. A quarta testemunha é o capitão Diogo
Pinto de Gaia, natural e morador de Belém do Pará. Diz que conhece o habilitando por assistir
na mesma cidade desde que nasceu. Conheceu os pais, dando fé da naturalidade deles. Bem
como que o habilitando era filho legítimo dos mesmos, não impondo impedimento ao
habilitando. A quinta e última testemunha é o capitão Marcos de Bitencourt, também natural e
morador de Belém do Pará. Diz que conhece o habilitando desde criança, conheceu os pais,
contudo sem precisar de onde eram naturais. Deu fé acerca de ser filho legítimo e não imputou
ao habilitando nenhum impedimento.
Como visto, as testemunhas são unânimes acerca de o pleiteante possuir os requisitos
necessários para o serviço ao Santo Ofício, tanto que em parecer datado de 28 de agosto de
1730, o Pe. José de Sousa diz:
70

Por conhecer e ser conhecimento há 25 anos do Habilitando João do Couto da


Fonseca, me parece ser pessoa muito capaz de ser encarregada de negócio de
importância e segredo. E também me parece que todas as testemunhas acima
nomeadas e assinadas, pelas conhecer do mesmo tempo, são verdadeiras,
dignas de todo veredito e que tudo o que agora afirmam e juram do dito
habilitando é certo, é verdade e é notório168.

Nota-se em primeiro lugar o fato de o agente incubido das diligências dar seu
“testemunho” acerca do habilitando, “por conhecer e ser conhecimento há mais de 25 anos”,
dando informação pessoal, que corrobora com as ditas pelas testemunhas, que em João do Couto
da Fonseca concorrem os requisitos necessários para desempenhar a função de familiar do
Santo Ofício. Sem impedimentos e com parecer favorável, falta apenas um documento para ter
deferido seu pedido, os assentos paroquiais.

Em 12 de abril de 1731, “os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e


apostasia nesta cidade de Lisboa e seus distritos”, fazem saber ao “Pe. José de Sousa Reitor do
Colégio da Companhia de Jesus do Pará, ou a quem seu cargo servir, que nessa mesa é
necessária certidão de batismo de João do Couto da Fonseca filho”. José de Sousa segue até à
Catedral do Bispado, defronte ao colégio do qual é reitor, recolhe o assento que atesta que o
inocente João fora batizado “ao 1° dia de julho de 1705 nesta Paróquia de Nossa Sra. de Belém”,
pelo Pe. Fr. Tomás OM, sendo seus padrinhos Domingos Rodrigues Moura e Ana Madureira.
Em posse dos documentos necessários e dos testemunhos colhidos, os deputados do Conselho
Geral emitem o seguinte parecer:
Vi estas diligências de João do Couto da Fonseca, solteiro, que pretende ser
familiar do Santo Ofício e delas consta ser filho legítimo de José do Couto,
familiar do Santo Ofício, pela certidão, ser o habilitando natural e morador na
cidade do Pará, sem filhos e com capacidade para esta ocupação, a qual
habilito. Lisboa, 20 de janeiro de 1731.

Como visto no trecho acima, que conclui a habilitação, são confrontadas as


informações declaradas pelo pleiteante no ato do pedido e as encontradas pela investigação, de
modo que em João do Couto e seus parentes não foi encontrado nenhum impedimento, vindo
este a ser habilitado como familiar do Santo Ofício em 11 de janeiro de 1732. O desenrolar dos
demais processos que analisaremos possuem em suma a mesma estrutura, diferindo na
quantidade de assentos paroquias colhidos (batismo e casamentos) e nos testemunhos (em uma
ou mais de uma localidade, mais ou menos testemunhas).

168
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 63, doc. 1189)
71

Uma vez deferido o pedido de habilitação, o agente deveria ser “investido” do cargo.
Para tanto, era necessário que em primeiro lugar acertasse as “custas” do processo, que em geral
excediam o valor depositado de início; quitando o excedente, a carta seria registrada no
Conselho Geral e o habilitando proferia juramento169. Cumprida essas etapas, o neo agente
poderia usar medalha e vara, banhadas a ouro, com as armas inquisitoriais, sinais distintivo de
sua função170. A “investidura” era fundamental nesse processo, pois externava o poder delegado
pela instituição171. Conforme António Manuel Hespanha, “os trajos, o cerimonial, as
precedências, a publicidade das cerimônias, são outros tantos modos de celebrar com o maior
impacto esta dramaturgia do poder”172. O agente passaria agora a não mais agir em seu nome,
mas seria, sobretudo no caso dos comissários, um alter ego dos inquisidores nas localidades
para a qual estavam habilitados173. Nesse sentido, o pertencimento ao Santo Ofício, como a
órgãos do Estado português, permitia obter um estatuto de nobreza baseado no serviço, o que
por si só era muito atrativo. A provisão, lavrada no Conselho Geral em Lisboa, era assinada
pelo inquisidor-geral, nos seguintes termos:

Nuno da Cunha presbítero Cardeal da Santa Igreja de Roma do título de Santa


Anastácia, Inquisidor Geral nestes reinos e senhorios de Portugal do Conselho
de Estado de El Rei meu senhor. Fazemos saber aos que esta nossa provisão
virem, que pela boa informação que temos de geração vida e costumes e mais
partes de Lourenço Alvarez Roxo de Potfliz, presbítero chantre da Sé da
Cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará e provisor do bispado,
confiando dele que fará com todo segredo, verdade... Havemos por bem de
criar, instituir e fazer como pela presente autoridade apostólica, criamos,
instituímos e fazemos comissário do Santo Ofício da Inquisição geral desta
cidade para que sirva o tal cargo em tudo o que pelos inquisidores lhe for
comendado: e o servirá enquanto nós houvermos por bem, e não mandarmos
o contrário, guardando em tudo seu regimento e as instruções de santo ofício...
Dada em Lisboa sob sinal e selo do Santo ofício aos seis de dezembro de
1746174.

169
Dado o custo de ir até Lisboa para proferir o juramento, a maioria dos habilitados no Brasil o fez por procuração.
SOUZA, Grayce Bonfim. Para remédio das almas..., 2014, p. 159.
170
Ainda que cerimoniosa, a investidura dos cargos inquisitoriais em Portugal era mais simples que as faustosas
da Inquisição Romana e Espanhola, sobre isso: “Na Espanha o rito compreendia, por volta de 1640, orações e
bênçãos complexas realizadas durante a cerimônia de investidura do hábito e da cruz, cerimônia dirigida pelos
inquisidores locais (as fórmulas mantêm-se durante um período longo, estando documentadas para 1680 em Madri
e para 1724 em Palermo)... Na Itália os ritos de investidura dos familiares são bastantes complexos, com o
juramento dos privilegiados perante os inquisidores, contendo o título da nomeação referência explicita ao
sacrifício da própria vida, se necessário, e uma cerimônia de entrega da cruz, que deveria ser levada sobre o
coração”. BETHENCOURT, Francisco. História..., 2000, p. 147.
171
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 142.
172
HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: Instituições e poder político Portugal – séc. XVII.
Coimbra: Almedina, 1994, p. 319
173
MARTÍNEZ, Doris. La Inquisicion..., 2006, p. 239.
174
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 4, doc. 51)
72

O documento acima é um traslado na habilitação de Custódio Álvares Roxo de Potfliz,


da carta de criação de seu irmão Lourenço como comissário do Santo Ofício175. Se notarmos, o
poder delegado vem diretamente da parte do Inquisidor-Geral, a esta altura o cardeal EMmo.176
Cardeal D. Nuno da Cunha177. D. Nuno da Cunha, em nome do rei português, delega poder ao
agora comissário Lourenço Alvares Roxo de Potfliz, aqui se evidenciando o poder concedido
da Coroa a seus vassalos, algo próprio dessa sociedade de Antigo Regime. A “boa informação
que temos de geração vida e costumes” foi confirmada via o processo de habilitação que já
explicamos, de modo que “havemos por bem de criar, instituir e fazer como pela presente
autoridade apostólica, criamos, instituímos e fazemos comissário”; aqui o inquisidor-geral
invoca o poder “Apostólico” que emana da Sé de Pedro, delegado ao rei, que por sua vez o
delega ao inquisidor, que o delega ao habilitado. Por fim, o exercício desse poder deve ser
sempre orientado pela autoridade que o delegou, de modo que o novo agente esteja sempre
“guardando em tudo seu regimento e as instruções de Santo Ofício”. Isso, claro, era a atuação
esperada, veremos em outro momento, o descompasso entre o esperado e a prática efetivada/ou
não efetivada na atuação.

1.3 – Os Agentes e suas atribuições

Conforme vimos no item anterior, os processos de habilitação do Santo Ofício são


fontes muito ricas, pois englobam informações acerca dos habilitandos e suas famílias que
inicialmente estavam distantes cronológica e geograficamente. Tais informações são subsídios
importantes para rastrearmos a atuação desses indivíduos no exercício de suas funções como
agentes inquisitoriais e em outras raias, tema que abordaremos mais a frente. Por meio desses
documentos, podemos vê-los atuando e qual o investimento feito, pois, em geral, um processo
de habilitação delongava tempo e o custo estava diretamente relacionado a este tempo, exceto
em casos específicos como falaremos adiante. Muitas das vezes a demora se justificava pela
necessidade de se ter de inquirir numerosas testemunhas na terra natal dos pais e avós do
habilitando.

175
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 07, doc. 111)
176
Os pronomes de tratamento são dimensões muito importantes da liturgia dos cargos para o período, tanto que
em 1739, D. João V, por lei, as obriga a todos os níveis da burocracia portuguesa. CINTRA, Luís Lindley. Sobre
as formas de tratamento da Língua Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1986, p. 112.
177
A distinção com o cardinalato aos inquisidores-gerais era muito presente, desde o 2° inquisidor-geral, D.
Henrique I, muitos foram os que receberam o barrete cardinalício
73

Agora, veremos cada um dos grupos de indivíduos que temos estudado, separando-os
de acordo com o cargo que exercerem. O Santo Ofício tinha sua sede em Lisboa, no Palácio
das Estaus, onde se localizava o Conselho Geral, ao qual estavam submetidos os quatro
tribunais distritais - povoados de inquisidores, deputados, notários, qualificadores e demais
servidores auxiliares. Nas localidades da América Portuguesa também se constituiu um séquito
Inquisitorial que com poder delegado por Lisboa, exercia as vezes do “Santo Tribunal” no além-
mar americano. São eles - comissários, notários e familiares do Santo Ofício.
Veremos as exigências para cada um dos cargos, valendo-nos dos regimentos do Santo
Ofício. Vale lembrar, que todos aqueles que serviam ao Santo Ofício deveriam ser pessoas de
“boa vida e costumes capazes para se lhes cometerem negócios de importância; sem infâmia
alguma de fato, ou de Direito nas suas próprias pessoas, ou para eles derivada de seus pais ou
avós, nos casos expressos nas Ordenações e mais leis deste Reino”178. Os regimentos são muito
importantes para percebermos mais claramente a maneira como deveria proceder o agente da
instituição, por outro lado, perceber as exceções, isto é, o que se esperava e o que acontecia na
prática. Na imagem 2, aparece parte do título I do primeiro livro do Regimento de 1640, relativo
às “qualidades e obrigações dos ministros e oficiais da Inquisição”, onde se vê os requisitos
comuns a todos os ministros e oficiais, requisitos esses que já explicamos.

178
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1774). Livro I, Titulo I.
74

Imagem 2: Primeira página do Livro I do Regimento do Santo Ofício (1640)

Fonte: Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. I.

Comissários do Santo Ofício

Além das exigências comuns a todos os cargos do Santo Ofício, a que já nos referimos,
os Comissários do Santo Ofício deveriam “ser pessoas eclesiásticas, de prudência e virtude
reconhecida”179. Por cumprirem o importante papel de serem assistentes da alta hierarquia
inquisitorial nas localidades para as quais estavam habilitados, ocupando os lugares mais
importantes da Inquisição na sua área jurisdicional, se constituíam no elo mais direto entre o
poder central (Tribunal de Lisboa) e a sociedade local180. Por tal proeminência, suas vidas eram
investigadas de modo acurado, dada a projeção de sua função. Dos agentes que pesquisamos,
quatorze foram os que a exerceram no âmbito do Grão-Pará e Maranhão.

179
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. XI.
180
MATÍNEZ, Doris Moreno. La Inquisicion..., 2006, p. 239.
75

Quadro 3: Comissários do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão


DATA DA
NOME NATURALIDADE MORADA
PROVISÃO
Diogo da Trindade Freg. da Sé, Lamego. São Luís, Maranhão. 01/05/1731
V. Benevente, Convento de sua
João da Trindade 20/05/1743
Santarém. ordem, Lisboa
Freg. Sacramento,
Caetano Eleutério de Bastos Belém, Pará. 14/05/1745
Lisboa.
Lourenço Alvares Roxo Belém, Pará. Belém, Pará. 06/12/1746
João Rodrigues Pereira Salvador, Bahia. Belém, Pará. 30/10/1755
Antonio Rodrigues Pereira Salvador, Bahia. Belém, Pará. 18/01/1763
Felipe Joaquim Rodrigues Lumiar, Lisboa. Belém, Pará. 18/10/1763
João Pedro Gomes São Nicolau, Lisboa. São Luís, Maranhão. 11/02/1763
Custódio Alvares Roxo Belém, Pará. Belém, Pará. 10/01/1764
Felipe Camello de Brito São Luís, Maranhão. São Luís, Maranhão. 15/04/1768
Inácio José Pestana Belém, Pará. Belém, Pará. 20/01/1779
João Maria da Luz e Costa São Luís, Maranhão. São Luís, Maranhão. 27/08/1782
Joaquim José de Faria Belém, Pará. Belém, Pará. 30/03/1787
Freg. de São Miguel Freg. de São Miguel
Caetano Lopes da Cunha 10/11/1789
da Cachoeira, Belém. da Cachoeira, Belém.

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários do Santo Ofício.

Do quadro acima, há alguns aspectos a serem ressaltados. O primeiro diz respeito a


filiação religiosa dos clérigos. O clero católico tem em suma, duas grandes divisões: Os
seculares (hábito de São Pedro, diocesanos) e os regulares. Os seculares, vivem junto aos leigos
no cotidiano paroquial. Quando de sua ordenação, fazem o compromisso de viverem seu estado
na castidade e obediência, ficando isentos do voto de pobreza, o que lhes permite possuir bens
materiais em seu próprio nome. O clero regular, por sua vez, é caracterizado por seguir um
“carisma”, ou regra própria, os Inacianos (Jesuítas), por exemplo, seguem a Regra de Santo
Inácio de Loyola, fundados da dita ordem. Este clero organiza-se em comunidades localizadas
em mosteiros e conventos, tendo como superior imediato, um membro de sua própria ordem
religiosa. Dos quatorze comissários, doze são seculares e dois regulares.
Nos primeiros anos da Inquisição, a comissaria em geral era ocupada por clérigos
regulares, dentre outras razões, a historiografia atribui ao fato de serem os regulares na maioria
das vezes melhor preparados e presentes de modo mais capilar que os seculares, sobretudo em
se tratando dos territórios coloniais181. Contudo, no século XVIII esta lógica inverte, com mais
padres do “hábito de São Pedro” como comissários. Nesse sentido, o que observamos segue

181
RODRIGUES, Aldair. Igreja e Inquisição no Brasil..., 2014.
76

uma constante também presente para outras áreas do Império Português. Isso se deve,
sobretudo, pelo poder simbólico do cargo. O clero local, ávido por este importante distintivo,
passou a procurá-lo, conforme veremos, a maioria de nossos comissários exerceram
importantes funções no âmbito dos bispados (Cabidos, Cúria da Diocese), se constituindo no
que poderíamos chamar de uma “elite eclesiástica local”182. Além da projeção dentro da
burocracia diocesana, tinham projeção econômica183, o que nos leva a crer que para esses
indivíduos, a patente do Santo Ofício era uma medalha a mais a dourar seus brasões, um poder
suplementar.
Esta “virada” em favor do clero secular pode ser também explicada por outro fator, os
regulares viviam em constante trânsito, não se fixando por um longo tempo a um determinado
local. Ao passo que os seculares, quando ordenados para uma Diocese, permaneciam unidos a
ela, na maioria das vezes, durante toda a vida. Logo, para “povoar” o Império Português de
Comissários, certamente um clero mais arraigado é de melhor interesse. Quanto a origem, cinco
são reinóis e 9 naturais da “terra”. Aldair Rodrigues ao analisar os comissários de Minas Gerais
também observa similar fenômeno184.
Por serem o elo entre a estrutura local da Inquisição (notários, familiares, agentes não
habilitados) e a estrutura central, deviam em tudo seguir as ordens emanadas do Conselho Geral
e do Tribunal de Lisboa. Neste sentido, em regiões onde não havia tribunal estabelecido, como
era o caso da América portuguesa, se constituíam na autoridade maior do Santo Ofício,
respondendo à Lisboa e tento sob sua jurisdição os agentes locais. Eram em geral clérigos com
projeção dentro dos bispados onde atuavam, exercendo funções de relevo nos juízos, câmaras
eclesiásticas e no cabido das catedrais.
Por só poderem agir nas localidades quando recebessem mandato, os comissários se
comunicavam constantemente com os inquisidores de Lisboa, deixando-os a par do que era
matéria do Santo Ofício. Seus deveres eram ouvir as testemunhas nos processos inquisitoriais;
realizar diligências e coletar depoimentos para as habilitações de outros agentes; fazer as
prisões e conduzir os presos; além de vigiar os penitenciados com o degredo para a localidade
de sua atuação. Era necessário que mantivessem em seu poder o regimento próprio e demais
ordens enviadas pelos inquisidores, pois:

182
Essa elite eclesiástica era caracterizada por um clero bem formado, oriundo por vezes de famílias de projeção
e membros das altas hierarquias das dioceses. Em um período posterior ao nosso, Sérgio Miceli usa a mesma
expressão para referenciar o clero atuante nas altas esferas da burocracia das dioceses. MICELI, Sérgio. A Elite
Eclesiástica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
183
LIMA, João Antônio Fonseca Lacerda. “Vivem rica e abastadamente”: Clérigos e suas posses nos bispados do
Maranhão e Pará setecentista. Revista Fronteiras & Debates Macapá, v. 3, n. 1, jan./jun. 2016.
184
RODRIGUES, Aldair. Op cit... p. 146
77

Se nas terras em que viverem acontecer alguma coisa que encontre a pureza de
nossa Santa Fé, ou por alguma outra via pertença o Santo Ofício, autorizarão
por carta sua os Inquisidores para que mandem prover na matéria com o
remédio que convém ao serviço de Deus185.

Pelo trecho acima podemos notar que a atuação dos comissários sempre estava
condicionada aos ditames do poder central. Nesse sentido, apesar de ser a maior autoridade
inquisitorial local, os comissários não poderiam fazer as vezes de “inquisidores”, julgando
por si os possíveis desvios que observasse. O “remédio” sempre vinha de “cima”, cabendo
ao comissário reportá-lo, investigá-lo e executar o que fora decidido pelos inquisidores de
Lisboa.
No regimento de 1640, promulgado pelo inquisidor-geral D. Francisco de Castro, o
XI título trata dos “comissários e escrivães”. A respeito dos primeiros, consta que eles devem
fazer as diligências que forem ordenadas pessoalmente, não delegando a outra pessoa, o que
muitas vezes não acontecia, como já citamos. Os comissários deveriam fazer as perguntas
necessárias para as diligências em sua casa; contudo, quando fosse perguntar a mulheres que
não tivessem qualidade, o regimento ordena que se faça em uma igreja. Somente era autorizado
que se coletasse informações na casa de uma testemunha em caso de doença desta, o que deveria
se declarado em termo. No item “Nas informações de limpeza de sangue darão seu parecer” há a
seguinte ordem:

Nas diligências que lhes forem cometidas sobre a limpeza de sangue de


alguma pessoa, depois de perguntadas as testemunhas, darão seu parecer,
declarando mui em particular a notícia que tiverem da qualidade das pessoas de
que se trata e a fé e crédito que se pode dar testemunhas, escrevendo à tudo
por sua mão, sem o comunicar ao escrivão186.

Logo, após efetuada a diligência de investigação de genere, que fora anotada pelo
escrivão que o comissário associou a si, deveria dar seu parecer em relação às informações
recebidas, dando sua fé ou desacreditando o que foi recolhido por meio das testemunhas. Essa
é uma importante atribuição dada ao comissário, por quem poderia passar a aceitação ou não, da
petição enviada por um habilitando ao Conselho Geral, logo, este agente não só era uma ponte
entre os delitos e o tribunal, mas também entre os candidatos e a Inquisição. O modo de
executar as diligências deveria ser isento, bem como o parecer dado ao final delas. Para isso,

185
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1774), Lv. I, Tít. VIII, n. 6.
186
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. XI,. 4.
78

prescreve o regimento:
Das diligências que lhes forem cometidas pelos inquisidores, não procurarão
das partes satisfação do seu trabalho nem delas aceitarão coisa alguma, ainda
que voluntariamente lha ofereçam, porque do Santo Ofício hão de haver
satisfação de seu trabalho187.

Como vimos, a primeira das perguntas feitas às testemunhas arrolados era se “sabia
para que fora chamada”, em geral a anotação feita pelo escrivão nesses casos é a mesma: “ao
1° nada disse”, contudo, esta importante pergunta visa não só rastrear um possível eco do
rompimento do “segredo” próprio do Santo Ofício, como também, em caso da testemunha
possuir alguma culpa, poder confessá-la no ato da pergunta. Nesse sentido, ao arregimentarem
as testemunhas e marchar-lhes o dia para o escrutínio, não deveriam dizer razão para que as
convocara.
Se cabia ao comissário acolher denúncias, fazer averiguações e remetê-las para
Lisboa, também era de sua alçada executar as sentenças emanadas do poder central. Quando
recebessem ordem para efetuar prisões, deveriam fazê-la “com cautela e segredo, seguindo em
tudo a ordem que lhes derem”. O “segredo” é aspecto fundamental da dinâmica do Santo
Ofício, e vinculante de muitas de suas ações, quer elas burocráticas ou repressivas. Em geral,
o denunciado não sabia do que fora denunciado; bem como em caso de réu sentenciado,
também não tinha clareza da razão pela qual estava sendo preso. A orientação para que a prisão
não se desse com “estardalhaço” é justamente em vista que guardar os termos da acusação, na
esperança que o réu confessasse suas culpas, por vezes maiores do que fora denunciado. Feita
a prisão, o regimento prescreve que o comissário entregará “os mandatos às pessoas que
houverem de trazer os presos para os darem à Mesa”, aqui, portanto, se evidencia mais uma
vez o caráter de “elo” que o comissário tem entre as duas instâncias do poder inquisitorial188.
João da Trindade, frade mercedário, é o primeiro comissário que rastreamos. Em sua
petição inicial, além de declarar sua origem e ocupação, elenca um longo currículo, como
“religioso da Ordem de Nossa Senhora das Mercês”, “confessor e pregador em seu Convento”,
além de “há quatorze anos serviu o prelado local duas vezes, e por ser muito perito na língua
dos gentios daquele Estado o elegeram missionário no grande Rio das Amazonas e donde
esteve”. É um caso interessante pois foge do script normal da petição inicial que costuma ser
bem genérica. Além disso o habilitando louva seus feitos, sobretudo juntos aos indígenas que
batizou e educou na “Santa fé Católica e Apostólica”. E ao dizer que fizera tanto em defesa da

187
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1774), Lv. I, Tít. VIII, n. 7.
188
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. XI,. 8.
79

fé, pede para servir o Santo Ofício como Comissário.


Há outras duas citações que fogem à regra, o habilitando alega ter servido o “prelado
por duas vezes”, o bispo citado é D. Fr. José Delgarte, que governou o bispado do Maranhão
entre os anos 1716-1724. Ao citar que servira o bispo, podemos entrever a fiel colaboração
entre estrutura eclesiástica e Inquisição, pois, como já vimos, na falta de agentes habilitados,
recaía no bispo o poder inquisitorial. Além disso, Diogo da Trindade cita que possui um irmão
clérigo, Pe. José Viegas de Brito, “cujas inquirições se acham no cartório eclesiástico da
Câmara Episcopal”. É comum os habilitandos citarem parentes já habilitados, só que pelo Santo
Ofício, no caso em questão, Diogo cita seu irmão, que fora habilitado de genere, mas no âmbito
do juízo eclesiástica, cujas habilitações eram mais simples que as da Inquisição. Ainda que não
siga a forma habitual, Fr. Diogo da Trindade é habilitado em 1 de maio de 1731. Seu processo
dura pouco mais de um ano, andamento célere em comparação a outros. Esse fato lança luz
sobre uma questão interessante, o fato de ter vários membros de uma mesma família servindo
ao Santo Ofício. No primeiro Regimento da Inquisição, de 1552, o cardeal D. Henrique
determina que não houvesse parentesco entre os Inquisidores e oficiais, ao afirmar que “em
nenhuma Inquisição se porá o inquisidor ou oficial que seja parente de outro oficial ou criado
de inquisidor ou de outro oficial da mesma Inquisição”. O Regimento de 1640 é mais claro
acerca da questão, dedicando um item ao acerca do “grau de parentesco que se proíbe entre os
ministros e oficiais”, expresso no Livro I, título 3:
E porque convém que entre os ministros e os oficias do Santo Ofício não haja
parentesco, ordenamos que um inquisidor com outro ou inquisidor com
deputado e promotor, e os deputados entre si ou com o mesmo promotor
houverem de servir uma mesma Inquisição não sejam parantes dentro do
segundo grau de consaguinidade e os mais ministros e oficiais até ao quarto.
E estes graus serão conforme a direito canónico189.

Pelo que determina o Regimento, havia a proibição do serviço em concomitante de


parentes, tanto nas altas esferas da burocracia inquisitorial – Inquisidores, promotores,
deputados; quanto nas esferas locais – demais ministros e oficiais. Tal fato implica dizer, que
pelas normativas do Santo Ofício, irmãos, filhos e netos não poderiam ser habilitados para um
mesmo cargo, o que na prática, conforme podemos ver, não se aplica. Ana Isabel López-Salazar
Codes chama a atenção como nas altas esferas do Conselho Geral, havia de modo recorrente,
parentes servindo juntos, o que fazia do Conselho Geral “un espacio para las familias”190. Se,

Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos reinos de Portugal – 1640, Lv. I, tít. 3.
189
190
CODES, Ana Isabel López-Salazar. Familia y parentesco em la Inquisición portuguesa: el caso del Consejo
General (1569-1821). In: CODES, Ana Isabel López-Salazar; OLIVAL, Fernanda; RÊGO, João Figuerôa (coords.)
Honra e Sociedade no mundo ibérico e ultramarino – Inquisição e Ordens Militares: séculos XVI-XIX. Lisboa:
Caleidoscópio, 2013, p. 129-154.
80

pois, na alta burocracia havia essas exceções, a nível local o parentesco estava de fato longe de
ser um impeditivo para a habilitação, pois ao contrário, era motivo que ajudava e tornava mais
célere o processo.

Quadro 4: Comissários do Santo Ofício – Tempo e Parentes habilitados


NOME TEMPO PARENTE HABILITADO
Diogo da Trindade 1 ano, 1 mês e 3 dias Irmão
João da Trindade 3 meses e oito dias -
Caetano Eleutério de Bastos 1 mês e 24 dias Irmão
Lourenço Alvares Roxo 5 anos, 9 meses e 25 dias -
João Rodrigues Pereira 8 anos, 3 meses e 9 dias -
Antonio Rodrigues Pereira 2 anos, 2 meses e 25 dias Irmão
Felipe Joaquim Rodrigues 2 anos e 12 dias Irmã
João Pedro Gomes 1 ano e seis dias Pai e irmão
Custódio Alvares Roxo 1 ano, 8 meses e 19 dias Irmão
Felipe Camello de Brito 4 anos, 1 mês e 20 dias -
Inácio José Pestana 5 anos, 8 meses e 9 dias -
João Maria da Luz e Costa 2 anos, 3 meses e 4 dias -
Joaquim José de Faria 2 anos, 2 meses e 19 dias -
Caetano Lopes da Cunha 1 ano, 2 meses e 27 dias Irmã

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários do Santo Ofício.

Do quadro acima, podemos dividir três durações dos processos: curta, dos processos
que vão até pouco mais de um ano (5 processos); média, daqueles que duram de um ano e meio
a três (5 processos); longa, aqueles que excedem três anos (4 processos). Se observarmos, os
processos de duração curta e média tem algo em comum, a maioria dos habilitandos possuem
parentes já habilitados; ainda que haja exceções, na maioria das vezes possuir um parente
habilitado era certeza de um processo mais célere, pois parte das averiguações já teriam sido
feitas. Pela sua rapidez, chama atenção o processo do frade capucho João da Trindade,
habilitado em 20 de maio de 1743 sem possuir nenhum parente habilitado. Acontece que Fr.
João solicita ser habilitado ainda estando em Lisboa, em sua petição, faz uma citação
interessante. Diz que fora nomeado para Provincial do Grão-Pará, para onde partiria em breve
e conclui pedindo que “V. Ema. se digne honra-lo e a sua religião com ele, como se costuma
fazer e tem feito a vários religiosos no Estado do Brasil”. Lembremos que ainda nessa primeira
metade do XVIII é comum a nomeação de regulares para o comissariato, para além disso, já
havia a concessão para os padres da companhia de Jesus exercerem a comissaria ex officio,
possivelmente esteado nisso, João da Trindade pede ser habilitado, já que “se costuma fazer e
tem feito a vários religiosos no Estado do Brasil”.
81

A mais célere das habilitações é a do comissário Caetano Eleutério de Bastos, que


dura pouco mais de um mês. Caetano já possuía um parente habilitado, seu irmão Antônio do
Espírito Santo Freire, Protonotário Apostólico de sua Santidade, prior da paroquial igreja de
Santo Estevão e procurador dos cárceres da Inquisição em Lisboa, para o último sendo nomeado
pelo Inquisidor Geral, Cardeal da Cunha em 16 de abril de 1744 191. Como seu irmão já fora
habilitado, só se recolhe os assentos batismais do habilitando192. Dos habilitandos que
pesquisamos, o Caetano tem, por assim dizer, o parente direto com maior projeção dentro do
Santo Ofício, pois ao contrário dos demais, onde os parentes habilitados são familiares,
esposas de familiares ou comissários, no caso de Caetano seu irmão exerce função na sede do
Tribunal em Lisboa, portanto mais próximo do espaço onde o processo é julgado. Nesse
sentido, podemos inferir que essa seja a principal razão para o rápido deferimento.
Há outra questão também a ser observada, a justificativa para conceder o cargo de
comissário ao suplicante se dá também na tentativa de atender a falta destes agentes naquela
localidade193. Este não é um caso único, João Pedro Gomes, habilitado em 1763 para São Luís
do Maranhão recebe do agente que realiza suas diligências o seguinte parecer: “concorre na
pessoa do suplicante os requisitos e condições necessárias e além disto não haver de presente
na dita cidade comissário algum”194. Neste sentido, outro fator importante para rapidez no
trâmite dos processos poderia ser a necessidade dos agentes.

Em 09 de novembro de 1762, exercendo a função de mestre escola do cabido da Sé de


Belém do Pará, Felipe Joaquim Rodrigues solicita ser habilitado, tendo por irmã Joanna
Thereza, habilitada pelo Santo Ofício junto com seu esposo João Rodrigues Ribeiro em 31 de
março de 1742, que serviu como familiar do Santo Ofício. Felipe obtém provisão em 18 de
outubro de 1763, tendo o acima citado, comissário Caetano Eleutério de Bastos, dado parecer
favorável à habilitação195.
João Pedro Gomes solicita ser habilitado em 14 de janeiro de 1763, obtendo provisão
em menos de um mês de seu pedido, no dia 11 de fevereiro de 1763. Neste caso fica evidente a
rapidez na tramitação do processo, influenciada pelo fato de o habilitando ter seu pai José
Gomes, e seu irmão Manoel Gomes da Costa como familiares. Outro fato interessante

191
Documento anexo a habilitação.
192
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 4, doc. 46).
193
Nelson Vaquinhas chama atenção para a recorrência dessas justificativas no pedido de serviço aos cargos do
Santo Ofício no Algarve. VAQUINHAS, Nelson. Da comunicação ao sistema de informação: O Santo Ofício e o
Algarve (1700-1750). Lisboa: Edições Colibri/CIDEHUS, 2010, p. 18.
194
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 121, doc. 1926)
195
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 5, doc. 78)
82

relacionado a este habilitando é a idade com a qual é habilitado, possuindo apenas 29 anos,
sendo que a média observada nos outros habilitandos é de 45 anos196.
Um dos casos de maior demora se deu na habilitação de Felipe Camello de Brito, que
em 05 de julho de 1765 solicita ser habilitado, obtendo provisão em 15 de abril de 1768. A
razão para o delongado tempo é “má fama de sangue” que recaía sobre os “Camello de Brito”.
Segundo várias testemunhas, o troco familiar de sua mãe era de linhagem cristã-nova, inclusive,
dois tios seus que eram padres, tiveram problemas para ordenar-se; as testemunhas vão além,
ao dizer que esses tios do habilitando só foram ordenados em razão de o bispo diocesano ter
dívida com a família197. A unanimidade das testemunhas por sua vez é descreditada por pelo
comissário João Pedro Gomes, que atribuiu o dito “mais a exasperações que realidade”. A bem
da verdade, João Pedro Gomes e Felipe eram muito próximos, atuando os dois na burocracia
da Diocese do Maranhão, tal proximidade não nos leva a estranhar a razão de o comissário ter
descreditado as testemunhas. Como a situação é deveras interessante, falaremos mais dela em
outro capítulo.

Retornando a questão do tempo de tramitação do processo, o caso dos irmãos “Roxo


de Potfliz” exemplificam o quanto ter um parente habilitado ajudava no processo. Lourenço
Alvarez Roxo de Potfliz é o primeiro a solicitar habilitação, fazendo-o em 19 de dezembro de
1743, recebendo provisão quase três anos depois, em 06 de dezembro de 1746 em um processo
de quase 150 fólios com o custo de 49$831198. Seu irmão Custódio Alvarez Roxo de Potfeliz,
em 08 de fevereiro de 1763 faz a solicitação, obtendo deferimento em 10 de janeiro de 1764
em um processo de quase 50 fólios com o custo de 2$463199. Aqui, portanto, se acrescente, que
ter um parente habilitado não só reduzia o tempo de tramitação do processo no Conselho Geral,
como também os custos no final do processo, pois grande parte da investigação acerca da
família do habilitando já havia sido feita.

Situação similar se dá com os irmãos “Rodrigues Pereira”, João Rodrigues Pereira


inicia o processo em 21 de julho de 1747, recebendo o deferimento mais de oito anos depois,
no dia 30 de outubro de 1755; seu irmão Antonio Rodrigues Pereira tem mais sorte, pois solicita
em 21 de outubro de 1760 e recebe em 18 de janeiro de 1763. Desse último caso, um fato
interessante, Antonio recebe de uma das testemunhas as mais ferrenhas críticas, pois em

196
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 121, doc. 1926)
197
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 6, doc. 84)
198
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 7, doc. 111).
199
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 4, doc. 51).
83

depoimento colhido em 9 de novembro de 1762, o Côn. Caetano José Gonçalves “informa que
o habilitando é vingativo, sujeito à paixão do ódio”, cuja acusação é diluída pelo comissário
que conduz a investigação. Aqui, a exemplo do que que acontecera no caso de Felipe Camello
de Brito, o comissário que conduz as investigações tem papel decisivo no teor e na projeção
que os possíveis impedimentos terão perante os deputados do Conselho Geral, pois ainda que
faça referência ao dito da testemunha, lhe tira o crédito.

No exemplo dos irmãos “Roxo de Potfliz” e “Rodrigues Pereira” observamos que ter
parentes habilitados significava maior rapidez e menor custo nos processos de habilitação,
porém havia outro aspecto que influenciava enormemente no valor final, as distâncias entre os
locais de inquirição de testemunhas acerca do habilitando. O processo de habilitação de João
Trindade que totaliza a cifra de 110$122 possui apenas 71 fólios, enquanto o de Lourenço
Alvares Roxo de Potfliz possui 143 fólios em um processo com custo de 49$831200. Se
usássemos a lógica, quanto maior o número de fólios, maior o número de inquirições, e
consequente maior o custo; neste caso específico esta lógica não caberia. Porém, acontece que
Lourenço Alvarez Roxo assim como seus pais era nascido em Belém do Pará; já João da
Trindade era natural de Portugal assim como seus pais, com as inquirições sendo feitas em
vários Bispados, logo, as inquirições foram feitas em mais de um lugar, o que aumentava
sobremaneira o custo final do processo.
Outro aspecto é quanto ao número de testemunhas, sobre Lourenço testemunham treze
pessoas; enquanto sobre João testemunham trinta e duas pessoas. Apesar de ter testemunhas em
menor quantidade, qualitativamente as que depõe acerca de Lourenço tem conhecimento sobre
grande parte de seus ascendentes, não sendo necessárias outras inquirições. Neste sentido, o
custo do processo não se dava apenas pela maior ou menor quantidade de inquirições, mas pela
distância que o Santo Ofício teria que percorrer para obter tais testemunhos, além da
“qualidade” das informações obtidas. Portanto, o fato de um habilitando já ter um parente
habilitado, em geral diminuía as custas do processo, já que os custos com a maioria das
inquirições haviam sido pagos na habilitação do parente habilitado.
Um caso que ilustra isso muito bem, é o dos irmãos Lourenço e Custódio Alvarez
Roxo. Na habilitação do primeiro, o custo das inquirições no Pará, que se constituíam na
maioria dos testemunhos do processo, o custo total foi de 6$971, enquanto as inquirições em
Lisboa totalizaram um montante de 10$651. Já na habilitação de Custódio Roxo, são feitas
inquirições apenas em Lisboa, com o custo de 2$185, evidenciando os dois aspectos elencados

200
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 7, doc. 111).
84

no parágrafo anterior, primeiro que maior distância significava maior custo das inquirições,
segundo que possuir um parente habilitado diminuía as custas do processo de habilitação.
Caso interessante é o do habilitando Inácio José Pestana, que ao solicitar ser
habilitado em 04 de julho de 1776, cita dentre outras coisas, ter servido como notário da visita
que o inquisidor Geraldo José de Abranches fez ao estado do Grão-Pará201. Porém, mesmo já
tendo servido ao Santo Ofício, seu deferimento demora dois anos, seis meses e onze dias;
ressalte-se que nos seis anos da visitação, Inácio lavrou ao menos 45 audiências, passando por
sua mão direta e indiretamente um número aproximado de mil indivíduos; entre confitentes,
denunciados, denunciantes e testemunhas202.
Nessa parte, nos foi possível ver alguns pormenores do trâmite dos processos de
habilitação para Comissário do Santo Ofício. Guardemos, dentre outras coisas a projeção que
os padres seculares têm no exercício dessa função. Além disso, no jogo em busca do
deferimento, estava a citação de parentes já habilitados, bem como uma possível ajuda do
comissário incumbido de realizar as diligências. Daqui nos é possível observar que os agentes
arrebanhados não cabiam de todo nas exigências pedidas pelo Santo Ofício, em meio a precisas
instruções regimentais, podemos dizer que haviam muitas exceções.

Notários do Santo Ofício

O ofício notarial é certamente o dos mais presentes nas instituições, pois, para que haja
burocracia, é fundamental que igualmente haja quem faça os registros. Em Portugal, este ofício
fora instituído desde o século XII com o direito Justinianeu, postos pelo rei para a redação dos
acontecimentos públicos203. Também no ambiente eclesiástico existiam os notários apostólicos,
que davam fé pública e registravam o que era de matéria eclesiástica nos bispados; um de nossos
comissários, Caetano Eleutério de Bastos204, exerceu essa função. Na Inquisição, os notários
deveriam:
Ser clérigos de boa consciência e bons costumes, porque assim requer a
qualidade de seu ofício e dos negócios que tratam, e pousarão sempre junto
com inquisidores, por serem oficiais de que ordinariamente têm
necessidade205.

201
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 9, doc. 154)
202
LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da Visitação do Santo ofício ao Estado do Grão-Pará (1763-1769). São
Paulo: Editora Vozes, 1978.
203
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição..., 1978, p. 143.
204
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 7, doc. 111).
205
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1613), Lv. I, Tít. VIII, n. 1.
85

A exemplo dos comissários, os notários deveriam ser clérigos, “de boa consciência e
costumes”. Por terem conhecimento quase integral do que em matéria do Santo Ofício
tramitasse na região em que estavam habilitados, exigia-se deles uma moral irrepreensível. Pelo
trecho acima nos é permitido entrever que os notários eram mais presentes nas sedes dos
tribunais, na medida em que “pousarão sempre junto com inquisidores”, contudo, na prática,
também estavam espalhados pelos vários territórios coloniais, em geral sempre em menor
número que os comissários e familiares.
Outrossim, “escreverão em todas as causas em que os inquisidores são juízes, assim
por breves apostólicos como por privilégio real”206. Neste sentido, a fidelidade na redação dos
depoimentos era algo essencial, porque eram baseados nesses registros que os Inquisidores em
Lisboa dariam suas sentenças, logo, uma distorção, por menor que fosse, não faria valer o lema
que regia a Inquisição, Misericordia et Justitia, sem isenção a justiça não poderia ser levada
contento.
Eram encarregados de lavrar o termo de recebimento dos presos, inventariando os bens
entregues aos carcereiros. Também lhes cabia os traslados de autos e demais documentos
necessários para as averiguações, desde que pedidos pelo Conselho Geral. No Grão-Pará e
Maranhão, rastreamos quatro notários.

Quadro 5: Notários do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão


DATA DA
NOME NATURALIDADE MORADA
PROVISÃO
João da Rocha e Freg. do Salvador de
São Luís, Maranhão. 24/05/1757
Araújo Pereira, Barcelos.
Felipe Jaime Antonio Belém, Pará. São José de Macapá, Pará. 30/03/1787
Romualdo Lopes da Freg. de São Miguel Freguesia de Nossa Sra.
10/11/1789
Cunha da Cachoeira, Belém. da Piedade do Rio Irituia
João Pedro Borges de
Belém, Pará. Belém, Pará. 26/04/1793
Góes

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Notários do Santo Ofício.

O primeiro dos habilitados para notário é João da Rocha e Araújo, cujo processo
tramita por quase três anos, tanto que quando faz o pedido ainda mora em São Luís, “junto ao
Convento de Carmo”, e quando recebe o deferimento já exerce a função de vigário da Freguesia
do Itapecuru207. Em seu processo são feitas averiguações em cinco freguesias, três no reino e
duas no Maranhão; outro fator que pode ter influenciado na grande quantidade de testemunhos

206
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640). Liv. I, Tit. VII,. 5.
207
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 109, doc. 1781).
86

colhidos, foi em razão das primeiras diligências não seguirem a “forma” habitual do Santo
Ofício. Nesse caso, os comissários apenas fizeram um listado das testemunhas, colocando seus
ofícios e idade, concluindo com um resumo do que o conjunto das testemunhas falou. São pelo
menos três interrogatórios feitos desse modo, o que motiva o retorno a mesma freguesia para
tomar os depoimentos da forma correta, onde o escrivão anota as repostas correspondentes a
cada item do interrogatório. As testemunhas não citam nenhum impedimento, finalizando o
processo no Conselho Geral, o inquisidor Simão José Lobo, em 9 de maio de 1757, assina “que
o habilito e aprovo para notário do Santo Ofício por ter os requisitos necessários”.
Caso interessante é o de Felipe Jaime Antônio, que faz sua petição inicial aos 11 de
janeiro de 1785 nos seguintes termos:
Diz o Pe. Felipe Jaime Antônio natural da cidade do Pará e morador da Vila
do Macapá, Capelão do Regimento do mesmo Macapá, que ele suplicante
pretende que V. Mage. O admita ao número dos comissários do Santo Ofício
desta Inquisição de Lisboa mando fazer as diligências do estilo... irmão
germano e inteiro legítimo de Feliciana Maria Corrêa, casada com Paulo
Rodrigues, familiar do Santo Ofício desta Inquisição de Lisboa208.

Como já dissemos, o preenchimento dos cargos do Santo Ofício se dava via


candidatura, portanto era o indivíduo que escolhia qual pleitear. Se notarmos, Felipe pede para
ser habilitado “ao número dos Comissários”, contudo, é habilitado para Notário. A razão para
essa “mudança de planos” não sabemos precisar, contudo, no formulário de interrogatório
datado de 09 de maio de 1786, o comissário Joaquim José de Faria diz que o habilitando
pretende o cargo de Notário. O mesmo comissário em parecer final datado de 10 de dezembro
de 1786 diz que Felipe “certamente é digno não só de ser Notário, senão de maiores empregos”,
enaltecendo o habilitando pelo “o asseio com que se trata” e a “notável caridade”. A razão para
tanta “rasgação de seda”, o que não é habitual nesses processos, o próprio comissário nos
permite entrever, ao citar que o habilitando fora desde o ano de 1760 seu contemporâneo no
seminário. Outro aspecto interessante da habilitação de Felipe é o tempo de seu trâmite, pois
apesar de possuir uma irmã habilitada, o processo dura um período similar ao de João da Rocha
Araújo, mais precisamente 2 anos, 2 meses e 9 dias.
Se compararmos os quadros 3 e 5, dois fatos serão notáveis, a coincidência de
provisões diferentes expedidas no mesmo dia. As provisões em questão são dos dois irmãos
Caetano Lopes da Cunha209 e Romualdo Lopes da Cunha210, habilitados em 10 de novembro de
1789. As coincidências vão além, ambos também fazem sua petição no mesmo dia, 12 de agosto

208
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 6, doc. 84).
209
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 9, doc. 122)
210
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 1, doc. 3)
87

de 1788. Os irmãos solicitam ser notário e comissário, respectivamente. Ao contrário do que


acontece com Felipe Jaime Antônio, aqui os irmãos se submetem a seleção para os cargos
específicos. Os números dos processos batem também no número de fólios, bem como as
averiguações são feitas pelo mesmo comissário, Joaquim José de Faria. Em meio a tantas
coincidências, cremos que na realidade os irmãos traçaram muito bem uma estratégia que os
permitisse ser habilitados em conjunto. O comissário em 5 de agosto de 1789 cita que Caetano
“estudou gramática latina no Seminário desta cidade sendo eu o mestre”; quatro dias depois em
parecer sobre Romualdo, Joaquim José de Faria diz que fora seu “contemporâneo nos estudos
no Seminário”, concluindo que “tanto o habilitando, como seu irmão o Pe. Caetano Lopes da
Cunha são dignos de ser comissários do Santo Ofício”. Logo, podemos crer o papel importante
desempenhado pelo comissário nessas habilitações, talvez instruindo os pleiteantes a pedirem
cargos diferentes, aumentando a chance de serem habilitados em conjunto.

O último de nossos notários é João Pedro Borges de Góes, por ter informações muito
interessantes, transcreverei sua petição inicial datada de 14 de outubro de 1788:

Diz o Pe. João Pedro Borges de Góes, presbítero secular natural da cidade do
Grão-Pará, freguesia da Sra. Sta. Ana da Campina e morador na dita freguesia,
e presentemente se acha nesta cidade de Lisboa com ânimo de se retirar para
sua pátria brevemente, pretende ele suplicante que V. Mage. Lhe faça a graça
de o criar comissário ou notário do Santo Ofício desta Inquisição de Lisboa211.

É interessante que o habilitando assistindo em Lisboa, faz menção que está “com
ânimo de se retirar para sua pátria”, esta informação é deveras importante pois, na hora de
julgar, se levava em consideração a área que o pretenso agente iria atuar. Querendo habilitar-se
para Lisboa, provavelmente João Pedro teria chances menores, dada a quantidade de agentes
naquela cidade, logo, enaltece o fato que está por voltar para sua cidade natal. Outro aspecto a
se ressaltar é o pedido para ser criado “comissário ou notário”. De todas as habilitações que
analisei, este é um caso único, talvez por saber que o Santo Ofício por vezes nomeava para um
cargo diferente do solicitado, como no caso de Felipe Jaime Antônio, João Pedro põe de início
as duas opções.

O processo de habilitação de João Pedro Borges de Góes demora mais de quatro anos
para ser concluído, tempo extenso para quem tinha um pai familiar do Santo Ofício. A razão do
atraso não conseguimos precisar, por outro lado, quando do início do processo em 1788, logo
são emitidos os “nada consta” dos tribunais distritais, porém só quatro anos depois começam a

211
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 168, doc. 1451).
88

ser tomados os depoimentos, em outubro de 1792 em Belém e em fevereiro de 1793 em Lisboa.


No Pará, o comissário que conduz as diligências é o já bem conhecido Joaquim José de Faria,
que como em outras ocasiões diz conhecer o habilitando do Seminário fazendo “os estudos ao
mesmo tempo com ele”; em seu parecer diz que João Pedro é “muito digno de ser não só notário,
senão comissário do Santo Ofício”. Em 26 de abril de 1793 é lavrada sua carta de Notário, pelo
parecer do comissário fica evidente que quem escolheu qual dos cargos conferir foi o Conselho
Geral, que apesar do tendencioso “não só notário, senão comissário” usado por Joaquim, achou
por bem nomear João Pedro para Notário do Santo Ofício.

Familiares do Santo Ofício

O ofício de “familiar” era presente nas instituições portuguesas antes mesmo da


criação do Santo Ofício, aparecem nas Ordenações Afonsinas criadas em 1446 pelo rei D.
Afonso V, para designar o oficial que fazia as vezes de meirinho. No ambiente eclesiástico,
designa o comensal que frequenta a casa religiosa, sem, contudo, fazer parte da comunidade
(convento, mosteiro). Em 1282 são inseridos na Inquisição Papal, por Inocêncio IV212. Quando
da criação do Tribunal em terras lusitanas, o inquisidor-geral D. Henrique, sentindo a
necessidade de tornar a Inquisição mais eficiente, ordena que os tribunais distritais procurassem
pessoas para ocupar os cargos, é então nesta época que o recrutamento de pessoas ganha
força213. Nos regimentos de 1552 e 1570 não se encontra referência acerca dos procedimentos
do familiar, suas funções só ficarão mais claras com o regimento de 1613, onde se prescreve
“que cada um dos ditos oficiais para poder servir ao seu ofício, terá provisão, em forma do
Inquisidor Geral, e guardará Regimento que lhe for ordenado”214.
Na Inquisição Ibérica, os familiares eram peças essenciais na burocracia do Santo
Ofício e exercer tal função era sinal de prestígio215. Sendo, na estrutura local da Inquisição o
único cargo acessível a leigos, asseguravam uma participação do laicato no disciplinamento da
vida social e religiosa das localidades, mais que isso, eram a ponte mais visível entre o Santo
Ofício e povo216. Deveriam ser “pessoas de capacidade conhecida, terão fazenda de que possam

212
SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição..., 1978, p. 149-151.
213
FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias. A Madeira nos Arquivos da Inquisição. In: Colóquio Internacional
de História da Madeira, 1986, vol. 1, Funchal, Governo Regional da Madeira, 1989, p. 689-739.
214
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1613), Lv. I.
215
BENNASSAR, Bartolomé. El poder inquisitorial. In: BENNASSAR, Bartolomé (Org.). Inquisición española:
poder político y control social. Barcelona: Grijalbo, 1984.
216
CONTRERAS, Jaime. La infreestrutura social de la Inquisición: comissários y familiares. In: ALCALÁ, Angel
(org.). Inquisición española y mentalidade inquisitorial. Barcelona: Ariel, 1983.
89

viver abastadamente e as qualidades”217. Por serem pessoas de vida “abastada”, não


abandonavam suas ocupações costumeiras, sendo como que funcionário “civis” do Santo
Ofício, sem receber remuneração. Deveriam exercer sua função em “segredo”, contudo, na
prática faziam questão, pelo capital simbólico que já nos referimos, ostentar a patente que
possuíam.
Nas cidades onde haviam tribunais distritais, tinham papel central no preparo dos
Autos-da-Fé, convidando as autoridades e distribuindo os éditos da cerimônia aos vigários, para
que estes convidassem seus fregueses. Na celebração do Auto-da-Fé, envergando o hábito com
a medalha distintiva, tinham lugar no cortejo como “soldados da fé”218, levando a arca com os
processos para o cadafalso. Bem como acompanhavam os réus e os organizavam em procissão
para ouvirem suas sentenças219. Também “acudirão à mesa do Santo Ofício, com pontualidade,
todas as vezes que os inquisidores os chamarem a ela e com a mesma farão tudo que lhe
ordenarem”. Este último trecho diz respeito aos familiares habilitados em locais onde havia
tribunal distrital, contudo, o enunciado deixa claro o papel de constante vigilância que o familiar
deveria desempenhar, de modo que fizessem tudo “que lhe ordenarem”. Diz ainda o regimento:
De que avisarão a Mesa ou aos comissários: Se nos lugares em que viverem
acontecer algum caso que pareça que pertence à nossa santa fé ou se os
penitenciados não cumprirem suas penitências com toda a brevidade e
segredo, darão pessoalmente conta na Mesa do Santo Ofício, sendo na terra
em que assiste o Tribunal, e, fora dela, avisarão ao comissário. E quando não
haja, avisarão por carta aos inquisidores e nunca por si sós obrarão noutra
forma ou matéria que tocar a Inquisição, pelos inconvenientes que podem
suceder, se fizerem o contrário220.

Do dito acima, fica bem claro a quem os familiares deveriam responder, se habilitados
para sedes dos tribunais, diretamente aos Inquisidores; nas demais localidades, aos comissários.
Nas localidades, sua principal atribuição era manter os Comissários cientes dos casos que
competiam ao Santo Ofício, de modo que deveriam reportar todo que parecesse ofensivo “à
nossa Santa Fé”, bem como vigiar se os “penitenciados” comprimam fielmente suas penas. Por
fim, como um poder delegado que é o da Inquisição, o exercício desse poder deverei ser sempre
mediante mandado, de modo que jamais poderiam agir em matéria do Santo Ofício “por si sós”.
Também lhes competia fazer as diligências na falta do comissário, e quando a prisão de um
acusado era acompanhada de apreensão de bens, deveriam mandar chamar o juiz para o

217
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1774), Título IX, n. 1.
218
SABATINI, Rafael. Torquemada e L’Inquisizione Spagnola. Milano: Edizioni Res Gestae, 2012, p. 221.
219
Sobre os autos-da-fé, ver: NAZARIO, Luiz. Autos-de-Fé como espetáculo de massa. São Paulo: Editorial
Humanitas – Fapesp, 2005. SCHIAPPA, Bruno. A dimensão teatral do Auto da Fé. Lisboa: Edições Colibri, 2018.
220
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640), Título XXI.
90

inventário221. A expedição da carta de familiar exigia uma série de procedimentos que aqui
elencamos, mas também acompanhavam o gozo de muitos privilégios 222. Rastreamos vinte
nove indivíduos habilitados.
Quadro 6: Familiares do Santo Ofício – Grão-Pará e Maranhão
DATA DA
NOME NATURALIDADE MORADA
PROVISÃO
João do Couto da
Belém, Pará. Belém, Pará. 11/01/1732
Fonseca
Freg. de São Tiago,
João Rodrigues Leite Belém, Pará. 30/04/1736
Arcebispado de Braga.
José Salvado Sanches Alcongosta, Covilhã. Belém, Pará. 02/04/1737
Elias Caetano de
Freg. de São Nicolau, Lisboa. Belém, Pará. 16/05/1738
Matos
V. da Ponte de Lima,
João Alvares da Costa Belém, Pará. 03/02/1740
Arcebispado de Braga.
Joaquim Rodrigues Freg. de São Pedro de
Belém, Pará. 20/02/1743
Leitão Barcarena, Lisboa.
Antonio Gonçalves Freg. de São
Freg. de São Payo, Galiza. 24/03/ 1746
Prego Nicolau, Lisboa
José Paulino da Cunha Belém, Pará. Belém, Pará. 20/03/1747
Couto do Mosteiro, Bispado de
Antonio Gomes Pires São Luís, Maranhão. 26/05/1756
Coimbra,
V. Ponte de Lima,
José Rodrigues Belém, Pará. 11/08/1758
Arcebispado de Braga.
João Henriques Freg. de Santa Maria, Galiza. Belém, Pará. 10/11/1761
Gaspar Alvares
Belém, Pará. Belém, Pará. 25/01/1763
Bandeira
Leandro Caetano
Freg. de São Payo, Guimarães. Belém, Pará. 14/02/1764
Ribeiro
Bento Pires Machado Lisboa Belém, Pará. 04/09/1764
Manoel Alvares Freg. de Santa Maria de
Belém, Pará. 08/05/1764
Chaves Calvão, V. de Chaves.
Felipe dos Santos Ourense, Galiza. Belém, Pará. 04/11/1766
Fernando da Costa de Freg. de N. Sra. do Socorro,
Belém, Pará. 25/04/1769
Ataíde Souza Teive Lisboa.
José Joaquim Freg. de N. Sra. da
Belém, Pará. 10/09/1770
Henriques de Lima Encarnação, Lisboa.
Carlos Gemaque de
Belém, Pará. Belém, Pará. 28/05/1773
Albuquerque
Joaquim José de Faria Belém, Pará. Belém, Pará. 05/11/1773

221
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal (1640), Título XXI.
222
Isenção de “Fintas, talhas, pedidos, empréstimos, nem em outros lugares encarregados, que pelos conselhos ou
lugares onde forem lançados por qualquer modo, e maneira que sejam, nem sejam constrangidos a que vão, com
presos, nem com dinheiro, sem sejam tutores, nem curadores de pessoa alguma, salvo se as tutorias forem lidimas;
nem hajam ofícios do Conselho contra as vontades, nem lhes tome de aposentadoria suas casas de morada, adegas,
nem cavalheriças, nem quaisquer outras casas em que eles pousarem, posto que suas não sejam, antes lhas deem,
e façam dar de aluguel por seu dinheiro, se as eles não tiverem e houverem mister; nem lhes tomem pão, vinho,
roupa, palha, cevada, lenha, galinha, ovos, bestas de cela, nem albarda, salvo se trouxerem as ditas bestas ao ganho,
porque em tal caso não serão escusos; nem assim mesmo lhe tomem coisa alguma do seu contra sua vontade.
Outrossim me apraz que não sejam constrangidos nem obrigados a irem servir por mar, nem por terra a nenhuma
parte”. Translado..., 1641.
91

Antonio Coutinho de V. de Viana, Arcebispado de


Belém, Pará. 22/03/1774
Almeida Braga.
Freg. de São Adrião de Padim,
Jacob Lopes Graça São Luís, Maranhão. 24/01/1775
Arcebispado de Braga.
Freg. de São Salvador,
João Ferreira Freg. do Espírito Sto
Barcelos, Arcebispado de 30/03/1787
Touquinho do Rio Mojú, Pará.
Braga.
Feliciano José
Freg. de Santa Izabel, Lisboa. Belém, Pará. 26/03/1790
Gonçalves
Calçada de Santana,
João Borges de Góes Belém, Pará. 19/12/1792
Lisboa
V. de Sto. Antônio
Alexandre José Freg. de N. Sra. das Neves,
de Alcântara, 27/05/1794
Viveiros Ilha de São Miguel, Açores.
Maranhão.
Amandio José de
Belém, Pará. Belém, Pará. 21/08/1799
Oliveira Pantoja
Mateus Gonçalves da V. de Barcelos, Arcebispado
Belém, Pará. 25/05/1802
Torre de Braga.
Manoel Joaquim Rio Capim, Freg. da
Freg. de Sta. Izabel, Lisboa. 03/08/1805
Gomes Campina, Belém.

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Luiz Mott fez um levantamento daqueles que foram habilitados familiares do Santo
Ofício no Estado do Brasil, totalizando 1546 indivíduos. Desses, 78% estavam localizados na
Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro223. Em primeiro lugar, a concentração destes agentes no
Nordeste se deveu a projeção econômica das duas capitanias referidas, principais zonas da
produção açucareira e de maior concentração demográfica. Além disso, Salvador foi sede do
Governo Geral de 1549 até 1763, bem como Sé Primacial desde 1551, a quem os demais
bispados do Estado do Brasil tinham subordinação. Nesse sentido, podemos dizer que o
predomínio da Bahia na expedição de familiaturas se deve também a sua projeção político-
administrativa e religiosa no contexto apresentado. Rio de Janeiro, por sua vez, já deste o século
XVII se projeta economicamente com a produção de açúcar no Recôncavo da Guanabara, vindo
depois a ser sede do Governo Geral. Essas e outras razões explicam a maior concentração de
indivíduos habilitados nessas regiões224.

No levantamento feito por Aldair Rodrigues, é possível observar a projeção das


mesmas capitanias. Segundo ele, ao longo do século XVIII, as familiaturas se concentram na
Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais, em números absolutos, o Rio de Janeiro
contou com 529 agentes, seguido pela Bahia com 460 agentes, Minas Gerais com 447 e por fim

223
MOTT, Luiz. A Inquisição ..., 1987, p. 60.
224
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes..., 2006, p. 82-83.
92

Pernambuco com 318 familiares225. No mesmo levantamento o autor encontrou 37 agentes


habilitados para o Pará e 6 para o Maranhão, logo, 43 para o Estado do Grão-Pará e Maranhão.
Tal número excede os 29 familiares com que temos trabalhado. Contudo, o autor fez seu
levantamento utilizando os “Livros de registro de provisão”, onde eram registrados os nomes
daqueles cujo processo de habilitação fora deferido. Como já dissemos, tem sido objeto de nossa
análise apenas os habilitandos que possuímos a habilitação, as dos demais podem ter se perdido
no tempo ou não constar no levantamento da Torre do Tombo.

Como é possível observar, nosso número de 29 agentes é bem modesto comparado ao


volumoso quantitativo de familiares para outras regiões. Do quadro 6, o primeiro aspecto que
gostaria de ressaltar é quanto a origem dos habilitados. A grande maioria são reinós, 18 dos
habilitandos; além de 7 nascidos no Pará, 3 na Galiza e um nos Açores. Daniela Calainho faz
igual observação, dizendo que dos familiares habilitados para o Brasil, 68,7% eram naturais do
reino, em nosso caso, 78,4%. Explicaremos este fato mais a frente, ao analisarmos a ocupação
dos habilitandos.

Quadro 7: Familiares do Santo Ofício – Período

PERÍODO QUANTIDADE
1732 – 1759 10
1760 – 1789 13
1790 – 1805 6

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Dos períodos elencados, o com maior quantidade de habilitações é o que compreende


os anos de 1760 até 1789, período em que se insere a Visitação do Santo Ofício ao Estado do
Grão-Pará e Maranhão, trataremos da relação dos agentes do Santo Ofício com a Visitação em
um item específico. Se dividirmos por década, se destacam a de 60, com sete habilitações e a
de 70, com 5 habilitações. Nesses períodos há dois fatos importantes a serem observados. O
primeiro é a já citada visitação, que ocorreu entre os anos de 1763-1769226, período em que são
expedidas seis familiaturas. O outro aspecto é quanto aos habilitados na década de 70, dos quais

225
RODRIGUES, Aldair. Limpos de sangue..., 2011, p. 137.
226
De uma maneira geral, os estudos sobre a Visitação a define entre os anos de 1763 a 1769. Contudo, Isabel
Braga e Maria Olindina, defendem um período mais amplo de atuação do visitador Giraldo José de Abranches.
Como a visitação em si não é nosso objeto de pesquisa, manteremos a definição “tradicional”. BRAGA, Isabel A.
R. Mendes Drumond. Entre Portugal e o Brasil ao serviço da Inquisição: o percurso de Geraldo José de Abranches
(1771-1782). In: Retrato do Império – Trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói:
EdUFF, 2006. OLIVEIRA, Maria Olindina Andrade de. Op cit...
93

dois são pós 1774, quando é publicado o regimento que abole os estatutos de limpeza de sangue
no Santo Ofício.

A rigor a habilitação de Antonio Coutinho de Almeida227, que recebe sua carta em 22


de março de 1774, teve entrada em março de 1773, logo, na prática apenas a habilitação de
Jacob Lopes Graça é pós publicação do novo regimento. Ressaltamos isso em razão de novo
regimento abolir as exigências quanto a “limpeza de sangue”, o que se constituía, como já
dissemos, em um grande chamariz para os possíveis pleiteantes. Nesse sentido, das 29
habilitações que temos analisado, apenas oito foram os indivíduos que entraram com processo
pós-1774, o que corrobora o argumento muito utilizado que a “prova inconteste” de não possuir
parentes “nem judeu, mouro ou de gente novamente convertida a nossa Santa Fé” era uma das
principais razões na busca pela familiatura. Aldair Rodrigues alega que a procura pelo cargo de
familiar cai vertiginosamente em todas as regiões de domínio português pós abolição dos
estatutos de limpeza de sangue228.

Quanto a duração da habilitação, dividiremos os processos em três grupos: curta, de


até dois anos; média, de dois até 5 anos; longa, de cinco anos em diante.

Quadro 8: Familiares do Santo Ofício - Tempo das Habilitações

DURAÇÃO – ANOS QUANTIDADE


0 – 2,5 20
2,5 – 5 6
5 – 10 3

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

A habilitação mais célere é a de João Borges de Góes 229, que solicita em 11 de


setembro de 1792 e recebe deferimento 3 meses e oito dias depois, 19 de dezembro de 1792.
João cita que seu pai, Lázaro Fernandes Borges, fora familiar do Santo Ofício, o que também
habilita sua mãe Antônia de Góes. João também vem a ser irmão de um futuro Notário, o Pe.
João Pedro Borges de Góes que solicita em 14 de outubro de 1788, sendo habilitado em 26 de
abril de 1793230. Se notarmos, enquanto a habilitação do primeiro é muito rápida, a do segundo
é demorada. Aqui temos uma situação interessante, pois não é o fato de ter um parente

227
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 186, doc. 2755).
228
RODRIGUES, Aldair. Limpos..., 2011.
229
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 167, doc. 1439).
230
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc.168, doc. 1451)
94

habilitado a razão para a celeridade do processo, se assim o fosse, os dois irmãos não teriam
problemas em se habilitar, acontece, que quando João faz seu pedido, está melhor municiado
de documentos, levando as certidões de batismo de seus avós maternos, naturais de Gênova. Já
na habilitação para notário do Pe. João Pedro, faltam esses documentos, o que demanda mais
interrogatórios. Portanto, ainda que ter parentes habilitados na maioria dos casos significasse
maior rapidez, poderiam haver outros fatores que condicionavam este tempo.

Há outra razão para rapidez no trâmite, João Borges de Góes, ainda que natural do
Pará, já morava em Lisboa fazia alguns anos, sendo que os interrogatórios só são feitos nessa
cidade, um na Freguesia da Pena e outro na Freguesia de Nossa Sra. da Encarnação. Ao todo
são ouvidas sete testemunhas, seis frades do Convento onde João Borges trabalhava como
médico e um cirurgião, de nome Salvador de Moraes. É interessante como o quantitativo das
testemunhas revelam os espaços por onde esses indivíduos transitam, se notarmos, depõe acerca
de João um cirurgião, profissional de proximidade ao médico e seis frades, que são do Convento
onde João clinica. No exemplo dos irmãos “Borges de Góes” relativizamos o fato de possuir
um parente habilitado como razão determinante para rapidez nos tramites, se essa regra valeu
para os comissários, no caso dos familiares foi diferente. Dos 29 habilitados, apenas 5 possuíam
parentes habilitados e desses cinco, os temos nas três faixas estipuladas de duração (curta, média
e grande).

A Visitação e os agentes do Santo Ofício

A Visitação do Santo Ofício empreendida no Estado do Grão-Pará e Maranhão foi a


última em todo o território português na América231, se dando numa época em que já se iniciara
diminuição da máquina repressora da Inquisição em Portugal. Segundo José Veiga Torres, há
nesse período uma diminuição na atitude repressiva da Inquisição, onde o número de denúncias
e penitenciados não seguia o aumento gradativo dos quadros de oficiais, o que leva a crer que

231
Quatro foram as visitações empreendidas pelo Santo Ofício para o Brasil. A primeira aconteceu na Bahia entre
os anos de 1591 a 1595, sendo visitador Heitor Furtado de Mendonça ver: VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos
índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MOTT, Luiz. Primeira
Visitação do Santo Ofício à Bahia (1591). In: Bahia: Inquisição & Sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 19-
30. A segunda também na Bahia entre 1618-1621. Ver: LAPA, José Roberto do Amaral. A visitação do Santo
Ofício à Bahia em 1618. São Paulo: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros; n. 3 (1968). A terceira na década
de 1620, que percorreu o Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Sobre isso ver: GORENSTEIN, Lina. A
terceita visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (século XVII). In: FEITLER, Bruno; LIMA, Lana Lage &
VAINFAS, Ronaldo. A Inquisição em xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006.
A última aconteceu no Grão-Pará e Maranhão de 1763 a 1769. Sobre isso Ver: LAPA, José Roberto do Amaral.
Livro da Visitação do Santo ofício ao Estado do Grão-Pará (1763-1769). São Paulo: Editora Vozes, 1978;
MATTOS, Yllan de Matos. A última Inquisição: os meios de ação e funcionamento da Inquisição no Grão-Pará
pombalino (1750-1774). Jundiaí: Paco Editorial, 2012.
95

havia, portanto, um relaxamento da atitude repressiva232. Declínio este percebido no


relaxamento especialmente no trato com os judeus e os ditos “cristão-novos”233. As penas de
morte não mais existem234, geralmente as penas são de penitência e quando em casos mais
extremos o degredo e o açoite. Se na maioria dos casos era possível apenas uma sanção
religiosa, o mais dispendioso era a possível confiscação de bens dos réus235.

A jurisdição da visita compreende o Norte e a maior parte do Nordeste da colônia,


abrangendo os estados do Grão-Pará, Maranhão, Rio Negro, Piauí e terras adjacentes. O cargo
de visitador estava entre os mais altos da hierarquia do Santo Ofício, pois o visitador fazia como
que as vezes do Inquisidor-Geral naquela localidade onde estava jurisdicionado. Tendo em vista
a jurisdição e as atribuições do visitador do Santo Ofício, convém tecer alguns comentários
acerca da relação dele com os agentes do Santo Ofício. Para tanto iniciaremos elencando como
se dispõe as habilitações para agentes no período pré, durante e após a Visitação.

Quadro 9: Habilitações – Pré, durante e pós-Visitação

PERÍODO COMISSÁRIO NOTÁRIO FAMILIARES


Pré (1732-1763) 7 1 12
Durante (20/09/1763 – 1769) 3 0 5
Pós (1770-1805) 4 3 12
TOTAL 14 4 29

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Podemos notar no quadro, que no período anterior a Visitação236, foram habilitados


sete Comissários, sendo que dois deles, Antonio Rodrigues Pereira237 e João Pedro Gomes238,
no mesmo ano em que se instalou a visitação. Outros cinco, Diogo da Trindade239, João da

232
TORRES, José Veiga. Da repressão... 1994.
233
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição... 1979.
234
A pena de morte foi oficialmente abolida no Regimento de 1774, porém já caíra em desuso antes disso. Diz o
Regimento de 1774, Lv. II, tít, IV.
235
LAPA, José do Amaral. Op. cit.
236
De uma maneira geral, a maioria dos estudos sobre a Visitação a define entre os anos de 1763 a 1769. Contudo,
Isabel Braga e Maria Olindina, defendem um período mais amplo de atuação do visitador Giraldo José de
Abranches. Como a visitação em si não é nosso objeto de pesquisa, manteremos a definição “tradicional”.
BRAGA, Isabel A. R. Mendes Drummond. Entre Portugal e o Brasil ao serviço da Inquisição: o percurso de
Geraldo José de Abranches (1771-1782). In: Retrato do Império – Trajetórias individuais no mundo português nos
séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006. OLIVEIRA, Maria Olindina Andrade de. Op. cit.
237
Habilitado em 18 de janeiro de 1763.
238
Habilitado em 11 de fevereiro de 1763.
239
Habilitado em 01 de maio de 1731.
96

Trindade240, Lourenço Alvarez Roxo241, João Rodrigues Pereira242 e Caetano Eleutério de


Bastos243 o foram entre dez e vinte anos antes. Lourenço faleceu em 1756244, João Rodrigues
Pereira em 1761245, seguido por Caetano em 1763246. Logo, podemos afirmar que no início da
Visitação havia ao menos dois comissários na ativa247. A este dois248, se juntou mais três, Felipe
Joaquim Rodrigues249, Custódio Alvarez Roxo250 e Felipe Camello de Brito251. Portanto,
durante todo o período da Visitação havia ao menos cinco comissários na ativa.

Quanto aos familiares, temos cinco habilitados no período da Visitação, Leandro


Caetano252, Bento Pires253, Manoel Alvares254, Felipe dos Santos255 e Fernando Teive256; se a
eles acrescermos os do início da década de 70, chegamos a dez habilitações num período de
nove anos. Para além disso, temos onze anteriores a visitação, o que nos dá certeza que quando
da chegada do visitador e no tempo que aqui ficou, o Grão-Pará e Maranhão era provido de
pelo menos uma dezena de agentes do Santo Ofício. O visitador chega ao Pará na mesma nau
que traz o novo governador Fernando da Costa de Ataíde Teive, que depois virá a ser familiar
do Santo Ofício257, na comitiva de recepção, está presente D. Fr. João de São José Queirós, o
bispo que em conflito com a Inquisição, tem como pena a destituição de seu bispado e o retorno
para o reino258. Foi concedido ao visitador a edificação de uma rede burocrática para o
estabelecimento da visitação, assim, Giraldo deveria nomear um religioso que atendesse a
todos os requisitos necessários ao cargo de Notário da Visitação, tendo de nomear também
um solicitador, um meirinho e dois homens da Vara para atender todas as incumbências da
visita.

240
Habilitado 01 de março de 1743.
241
Habilitado em 06 de dezembro de 1746.
242
Habilitado em 30 de novembro de 1755.
243
Habilitado em 14 de maio de 1745.
244
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Gráfica Falângola, 1985, p. 32.
245
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
246
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 57, D. 5137)
247
Antonio Rodrigues Pereira e João Pedro Gomes.
248
Antonio Rodrigues Pereira, João Pedro Gomes e Felipe Joaquim Rodrigues.
249
Habilitado em 18 de outubro de 1763.
250
Habilitado em 10 de janeiro de 1764.
251
Habilitado em 15 de abril de 1768.
252
Habilitado em 4 de setembro de 1763.
253
Habilitado em 14 de fevereiro de 1764.
254
Habilitado em 8 de maio de 1764.
255
Habilitado em 4 de novembro de 1766.
256
Habilitado em 25 de abril de 1766.
257
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 120.
258
Denuncia de Pedro Barbosa de Canais contra o bispo do Pará, Dom Frei João de São José e Queirós (Tribunal
do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 13201)
97

Para notário foi nomeado o Inácio José Pestana 259, presbítero do hábito de São Pedro
e residente em Belém. Relembro que em 1757, em São Luís, João da Rocha e Araújo fora
nomeado Notário do Santo Ofício, contudo é preterido. Como meirinho foi indicado Sebastião
Vieira dos Santos, português de origem e residente no Pará. Depois de provisionados os
cargos da Visitação, conforme determinado o regimento 260, o visitador teve de apresentar-se
ao Bispo diocesano e ao Senado da Câmara de Belém, o que se deu no dia 20 de setembro de
1763.

Passada esta primeira fase de estabelecimento da Visitação, em 25 de setembro são


publicados os Editos de Fé e da Graça com que se concedia aqueles que confessassem sua
culpa no prazo de 30 dias, o perdão da confiscação de bens. Neste dia fez-se a solene
procissão que saiu da Igreja dos Mercedários, enfileirando-se os graus da hierarquia
eclesiástica local, o Cabido, o Vigário-Geral, os Párocos, os Coadjutores, o clero em geral.
Atrelado a este séquito religioso se incorporava o Governador, o Ouvidor Juiz de Fora, além
de um regimento e um terço de militares. Por fim, debaixo do pálio, ia o inquisidor 261.
Destaca-se o fato que nesta procissão faustosa estavam presentes as duas esferas da
sociedade, e em ambas a Inquisição tinha plena jurisdição para atuar. Chegando à Catedral,
deu-se a Missa Solene; após esta, foi lido em voz alta o Edito de Fé, bem como o Edito de
Graça e Perdão, pelo qual dentro do prazo de 30 dias (tempo de Graça) aquele que
apresentasse suas culpas, com sinais de visível arrependimento, seriam perdoados 262. Aqui,
até onde podemos ver, uma falta é sentida, não se faz menção alguma aos agentes habilitados
que teriam, decerto, um lugar de destaque no que agora se ininiava.
Aos 25 de novembro de 1763, o bispo D. João de São José parte para Lisboa por
ordem Régia, ficando vacante o bispado do Pará. Em carta ao Deão do Cabido da Santa Sé do
Pará, o rei comunica a ida do bispo Queirós ao reino e que “será muito do meu real agrado que
na sua ausência nomeies (....) Abranches para reger esta diocese como vigário capitular”263. Sendo
assim, sob ordens expressas, o Cabido elegeu Giraldo vigário capitular do bispado. Portanto, durante

259
Inácio José Pestana foi habilitado como comissário em 20 de janeiro de 1779, onde cita ter servido como notário
da Visitação.
260
“Antes de dar princípio à visita, ir e visitar o bispo a sua casa”. Regimento do Santo Ofício da Inquisição do
Reino de Portugal (1640), Lv. I, Tít. IV, n. 4.
261
Diz o regimento sobre a organização da procissão: “No dia assinalado para a publicação da visita, se fará a
procissão com as maiores demonstrações de respeito e autoridade que for possível. Irá o visitador detrás das
relíquias, acompanhado de todas as justiças da terra e oficiais da Câmara, e, entrando na Sé, junto à porta principal
o virá esperar o cabido e acompanhará até à capela-mor, onde terá cadeira de espaldas sobre uma alcatifa e aos pés
uma almofada de veludo, em que se sentará”. Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal
(1640), Lv. I, Tít. IV, n. 8.
262
LAPA, José Roberto do Amaral. Op. cit.
263
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 54, D. 4938).
98

boa parte do tempo que durou a visitação, o inquisidor acumulou a jurisdição da Inquisição e da
Igreja, fato que sem dúvida facilitou seu desempenho como delegado do Santo Ofício; pois dava-lhe
instrumentos auxiliares e informações úteis, sobretudo do Juízo Eclesiástico.
Yllan de Mattos atesta que Giraldo Abranches valorizou sua função na administração
diocesana em detrimento ao seu cargo de visitador264, para nós, as preferências do visitador em
si não é o central, nos interessa perceber que a acumulação de funções em torno dele é o exemplo
máximo da confluência entre administração eclesiástica e Inquisição, ao exercer concomitantemente
os ofícios de vigário capitular e visitador do Santo Ofício. Portanto, na qualidade de representante
máximo do poder eclesiástico e Inquisitorial na jurisdição da Visitação, Abranches poderia
facilmente prescindir do uso de agentes habilitados, pois tinha todos os meios e respaldos para
averiguar os crimes contra a fé. Para além disso, se a intenção era de fato, no contexto pombalino de
centralização de poder, tomar para a Coroa as rédeas da administração diocesana, é fácil igualmente
inferir que os agentes habilitados, profundamente arraigados as práticas locais, fossem dispensados
para que atuassem agentes “externos”265.

Esta afirmação não significa que a Visitação gerou um déficit no papel dos agentes
habilitados. Pelos dados elencados no quadro 9, observa-se um aumento no número de agentes
habilitados durante e após o período da visitação, no caso dos familiares este aspecto que fica
mais evidente, de modo que no período anterior ao início da visitação houve um total de onze
habilitações; já no período durante e pós-visitação encontramos dezoito. Portanto, é a partir da
visitação que o número de familiares cresce; o que nos leva a crer que a presença do inquisidor
e seu aparato tenha incentivado a procura de cargos na Inquisição. Por fim, ressalte-se que ao
afirmar que estes agentes tiveram papel secundário no período da Visitação, não significa que
no geral de suas vidas não tenham em algum momento servido ao Santo Ofício.

*
* *

264
MATTOS, Yllan de. A última…, 2012, p. 184.
265
As reformas empreendidas por Sebastião de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, modificaram a dinâmica
da sociedade no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Junto ao seu irmão, nomeado como governador, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, sob a justificativa de que Portugal se encontrava “atrasada” em relação às demais
monarquias europeias, sobretudo a Inglesa, que era modelo de exploração de seus domínios no ultramar, se
ambicionou modificar a relação metrópole-colônia, através de uma presença e exploração mais eficazes, no
domínio das fronteiras e na criação de uma companhia de comércio para incremento da economia. SOUZA
JÚNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará do setecentos.
Belém: Ed. UFPA, 2012, p. 87-96.
99

O presente capítulo, que tratou sobre Os Agentes do Santo Ofício e sua seleção, foi
organizado em três itens. No primeiro, intitulado o Santo Ofício e seus modos de atuação,
tratamos acerca do processo de estabelecimento da Inquisição em Portugal. Para
desenvolvermos a temática, discorremos sobre como na sociedade do período, pelo padroado
régio, Estado e religião estavam unidos, sendo a ereção do Santo Ofício, parte do processo de
tutela e controle das consciências e corpos pela Coroa portuguesa. Se, pois, Estado e religião
estavam interligados, a atuação de eclesiásticos é marcante desde o primeiro momento de
criação do Santo Ofício em Portugal, na medida em que é um tribunal que julga matérias da Fé.
Essa relação é expressa sobretudo no caráter complementar que a estrutura eclesiástica, ainda
que submetida ao Santo Ofício, tem na efetivação da atuação desta instituição. Para tanto,
demonstramos como os bispos, através do mecanismo das visitas pastorais, tornavam o controle
da ortodoxia da Fé mais capilar, sobretudo em se tratando de um território tão extenso, como
era o do estado do Grão-Pará e Maranhão. Ao lado da atuação episcopal, havia também uma
rede de outras instituições eclesiásticas, notadamente o Juízo Eclesiástico e as Ordens
Regulares, que serviam de auxílio e exerciam, em caráter extraordinário, as vezes de agentes
do Santo Ofício. Esse auxílio prestado, não excluía, contudo, a edificação de uma rede de
agentes habilitados, representados pelos Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício, a
quem cabia, pela força de sua investidura, serem de fato a presença institucional da Inquisição
nos lugares para que estavam habilitados.
No segundo item, intitulado O Processo de seleção, vimos como o Santo Ofício
procedia na seleção daqueles que visavam servi-lo. De tudo o que dissemos, lembremos que o
preenchimento dos cargos era via candidatura, logo, era fundamentalmente pelo “desejo” do
candidato. Ao pedir, o pleiteante se submetia a um longo processo de investigação, onde sua
vida era devassada, de modo a encontrar algum possível impedimento. Desse trâmite, o mais
interessante é a recolha de informações sobre o indivíduo e suas famílias nos mais variados
lugares, guiado pelos locais de nascimento e morada das pessoas implicadas. Logo, devassando
suas vidas, o Santo Ofício também fornece a nós, pesquisador, importantes subsídios para
pensar nas motivações por detrás dos pedidos para habilitar-se. Se ressalte, que até 1773, um
dos grandes trunfos da habilitação do Santo Ofício era, decerto, a prova da “limpeza de sangue”,
o que dourava e agregava capital simbólico a quem o possuísse e às suas famílias.
No terceiro item, intitulado Os Agentes e suas atribuições, vimos como se constituía a
hierarquia inquisitorial local. Que no caso do Grão-Pará e Maranhão, foi formada por quarenta
e seis indivíduos. Esses agentes, se dividiam em três cargos – Comissários, Notários e
Familiares do Santo Ofícios. Quantitativamente, eram quatorze para o primeiro, quatro para o
100

segundo e vinte e nove para o terceiro. Os dois primeiros eram acessíveis a clérigos, sendo que
os comissários eram de maior importância, a quem estavam submetidos os notários e familiares.
Por fim, vimos como essa rede formada, se relacionou com a Visitação empreendida pelo Santo
Ofício ao Grão-Pará e Maranhão na década de 60 do século XVIII, sendo aparentemente
preterida pelo visitador Giraldo José de Abranches.
O presente capítulo teve por intenção principal apresentar a rede de agentes habilitados
pelo Santo Ofício no Grão-Pará e Maranhão. Convém ressaltar que esta instituição, ao lado de
seus agentes habilitados, igualmente atuava como uma rede de agentes “não habilitados”, assim
os denominamos, pois de fato agem “em nome do Sant Ofício”. Essa rede auxiliar era formada
por instâncias da burocracia eclesiástica, no bispado e nas Ordens Religiosas. Nesse sentido,
podemos dizer, que presença da Inquisição no Estado do Grão-Pará e Maranhão, a exemplo do
que acontecia em outros lugares, se dava pela conjunção entre esses dois modos de serviço ao
“Santo Tribunal”.
101

SEGUNDO CAPÍTULO:

O PERFIL DOS AGENTES DO SANTO OFÍCIO

Disse que muito bem conhece ao habilitando Manoel Joaquim Gomes, natural
que julga ser desta Freguesia de Santa Izabel desta cidade, e de presente
morador no Rio Capim, Bispado do Pará, onde foi casado, e a razão de seu
conhecimento, é desde que ele habilitando era pequeno por estar na companhia
de seu pai na mesma casa dela testemunha.

Habilitação de Manoel Joaquim Gomes, HSO, mç. 260, doc. 1755.


102

O trecho da página anterior, diz respeito ao testemunho dado por Anna Joaquina Rosa,
aos quatorze de julho de 1804. Anna, se refere, conforme podemos ver, a Manoel Joaquim
Gomes, que vem a ser o último de nossos habilitandos para Familiar do Santo Ofício. Conforme
já vimos anteriormente, de acordo com o modus operandi do processo de habilitação266, a 2ª
pergunta, quando do interrogatório, é em vista de averiguar se informações dadas pelo
habilitando, acerca de sua origem, no ato de sua petição inicial, são verdadeiras. A ordem para
a recolha dos testemunhos partira poucos dias antes da Mesa do Tribunal de Lisboa, em 3 de
julho de 1804. O que separa em apenas dez dias entre a ordem e o início das investigações,
sendo o trâmite inicial bem célere.

É fato que o rigor, ou aparente rigor, conforme temos visto, a esta altura já encontrava
muitas exceções, sendo que em pouco mais de 15 anos, o Santo Ofício seria extinto em Portugal.
Da informação de Anna, vemos emergir aquilo que será o fio condutor do presente capítulo, a
articulação entre as informações quanto a origem do habilitando, sua esposa e seus demais
parentes. O depoimento tem lugar na Igreja Paroquial de Santa Izabel, na cidade de Lisboa, de
onde Manoel dissera ser natural. Informação essa corroborada pela testemunha, que acrescenta:
“de presente morador no Rio Capim”, informando ainda “onde foi casado”. De fato, já cruzara
o Atlântico a informação de que Manoel, enviuvara, ou melhor, de que este se casara e após um
casamento que lhe gerou dois filhos, enviuvara. Sua esposa, Catharina Antonia de Oliveira, era
natural de Belém do Pará.

Para dar maior veracidade as informações ditas, como era de costume, a testemunha
justifica “a razão de seu conhecimento”, informando ser desde que o habilitando era “pequeno”,
pelo trato que sua família tinha com a da testemunha. O “pai”, se chamava Domingos Gomes
de Abreu, que por sua vez era casado com Joanna Antonia de Jesus, ambos nascidos em Lisboa,
mas em freguesias diferentes, ele na de São Nicolau e ela na de Santa Izabel, onde Manoel veio
a nascer.

Das informações prestadas, vemos a articulação de toda a estrutura familiar do


habilitando, cujas informações passam pelo conhecimento daqueles que lhe tem contato. Nas
páginas que se seguem, veremos aspectos relacionados a vida dos habilitandos e seus parentes,
tendo como marcador o pedido para ingressar no Tribunal do Santo Ofício.

266
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 260, doc. 1755).
103

2.1 – Origem

Quando do pedido de habilitação, a primeira informação prestada pelo suplicante, diz


respeito ao seu local de nascimento, começando sempre com um “Diz (nome do habilitando),
natural de (lugar de nascimento do habilitando)”. O modo de checar a referida informação, se
dá por duas vias: 1°. Recolha dos assentos de batismo; 2°. Pelo testemunho de pessoas que o
conheceram. Se por um lado, as testemunham são unânimes em reconhecer a origem, por outro,
um problema se impõe na recolha dos assentos. O Terremoto de 01 de novembro de 1755, que
varreu Lisboa e por consequência, grande parte da documentação que as instituições
guardavam. É comum, na parte da habilitação que habitualmente estão os traslados dos
assentos, constar que foram “queimados pelo incêndio do Terramoto”.

Sendo assim, usaremos como fonte de informação acerca da origem dos habilitandos,
sobretudo sua “auto declaração” e o que declaravam as testemunham no decorrer do processo.
Antes de irmos aos números, convém uma rápida caracterização deste que é a grande raia de
atuação dos indivíduos que temos estudado, o Império Português. Esta grande possessão de
terra, que varre o orbe do Ocidente ao Oriente, não pode, conforme nos diz Francisco
Bethencourt, ser pensada sem levar em consideração que “constrói-se sobre a conquista, a
negociação e o compromisso com diferentes culturas organizacionais e povos”267. Nesse
sentido, esse Império ainda que “descontínuo”, dada a multiplicidade e distância de seus
domínios, se articula, dentre outras formas, pela presença do fator de coesão fundamental de
uma sociedade do Antigo Regime, o Rei.

Nesse “Império”, guiado pelo monarca, há, antes de qualquer coisa, a visão do
“mundo” em uma perspectiva alargada, o mundo já não é mais aquele “imediato”, próximo,
com quem há séculos Portugal já tecia relações268. A perspectiva de um “novo mundo”, em

267
BETHENCOURT, Francisco. Configurações políticas e poderes locais. In: BETHENCOURT, Francisco &
CURTO, Diogo Ramada (dir.). A Expansão marítima portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 208.
268
Segundo José Veiga Torres, esse “alargamento” também se dá no campo econômico: “O papel de Portugal foi
então de primordial importância: na extensão geográfica da economia europeia, na descoberta do acesso directo a
produtos de procura fundamental noutros continentes, na criação de novos processos de relação com a produção e
na organização do Estado que se adaptasse às novas necessidades”. TORRES, José Veiga. Introdução à História
Económica e Social da Europa. Coimbra: Almedina, 2003, p. 83. Ainda sobre isso, segundo Vitorino Magalhães
Godinho: “Assentava a economia de subsistência dos portugueses na trilogia pão, vinho e azeite, que a carne e o
peixe completavam, exercendo como atividades de base a agricultura, o pastoreio e a pesca. As espalharem-se pelo
globo levam esses hábitos alimentares e o modo de vida, mas têm de os adaptar às condições regionais e por seu
turno transformam, em certa medida, os hábitos e modos de vida das populações com quem entram em contacto”
GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial – Vol. IV. Lisboa: Editorial Presença,
1993, p. 46.
104

contraste com o “velho mundo”, abre a capacidade de pensar outros modos de vida e outros
lugares para se aventurar. Sendo assim, a própria visão do que é o “mundo”, se alarga. Segundo
Vitorino Magalhães Godinho, este alargamento de fronteiras se dá em dois momentos: “do
século XIII, construindo a ecúmena em volta do eixo mediterrâneo e da teia caravaneira euro-
asiática, e a de 1420-1450 a 1550, a qual traça a carta universal do Globo, graças aos novos
eixos científicos em latitude”269. Esse alargamento de eixos, muda sobremaneira a forma de ver
o mundo e as coisas, a “terra plana”, circunscrita a um território “conhecido”, dá lugar ao orbe,
com distâncias inimagináveis, criando assim “dinâmicas locais, regionais e mundiais, sua
articulação por centros, periferias e semiperiferias”270. A diversidade dos lugares encontrados,
muda sobremaneira o modo de se organizar da sociedade europeia. Novos povos, novas
culturas, circulação de pessoas e mercadorias, significam novos súditos do Rei e de Deus271.
Nesse sentido, pensaremos aqui em um Portugal “alargado”, tendo como ponto de partida o
“Portugal continental”, para depois, chegarmos aos demais domínios desse império
ultramarino. Aqui, como ao longo do presente trabalho, os indivíduos pesquisados serão nossos
guias, cada lugar se apresentará, na medida em que se articula com a trajetória de cada um deles.
Iniciaremos, portanto, por Portugal continental.

Segundo Hermann Lautensach272, só a partir da organização de Portugal enquanto


estado independente, pós-reconquista, que se formou uma unidade antropogeográfica, a ponto
de chamarmos essa faixa de terra, que se projeta no Atlântico, como um Reino. Ao contrário
das contendas fronteiriças no restante da península, a unidade geográfica permitiu a criação de
um campo de circulação de pessoas, que passou a se dá, sobretudo, por dois pontos principais:
Lisboa e Porto. Esses dois centros, ligados a dois grandes rios, Tejo e Douro, respectivamente,
não só conectou esse território a uma realidade imediata, mas também fomentou ligações via
Atlântico ao Ultramar.

Aqui se apresenta uma característica fundamental de Portugal continental, o fato de se


projetar no Atlântico. Essa projeção lhe dá características muito particulares em relação ao
restante do bloco continental europeu, pelo seu clima, há uma pequena variação anual de
temperaturas e chuvas por todas as estações. Se por um lado o clima é relativamente estável,

269
GODINHO, Vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar, séculos XIII-XVIII. Lisboa:
Difel, 1990.
270
WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema Mundial Moderno. Porto: Edições Afrontamento, 1990.
271
RUSSEL-WOOD, Anthony John R. O Império português: 1415-1808 o mundo em movimento. Lisboa: Clube
do Autor, 2016.
272
LAUTENSACH, Hermann. Portugal no Contexto Ibérico. In: RIBEIRO, Orlando. Geografia de Portugal. I.A
Posição Geográfica do Território. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1991, p.21.
105

por outro o relevo é diverso de norte a sul do território. Essas condicionantes criaram, conforme
veremos, um mosaico de modos de vida, produto das diversidades da natureza e das
experiências das pessoas ao longo do tempo.

No que diz respeito a sua geografia, Portugal continental, conforme nos diz Suzane
Daveuau, é, em simultâneo, mediterrânea, atlântica, europeia, ponto de partida e ponto de
chegada, um “espaço cheio de contrastes”273. Dois elementos geográficos marcam a paisagem,
o mar e as montanhas, criando assim uma divisão: o norte Atlântico, onde se encontram as
maiores altitudes; e o Sul mediterrânico, de baixa altitude. Por sua vez, no eixo leste – oeste,
litoral úmido e interior seco274. Assim, frei Nicolau de Oliveira, fala acerca da divisão desse
território, com as seguintes palavras no capítulo II de sua obra Livro das grandezas de Lisboa,
publicado em 1620:

Divide-se este Reino em seis províncias. A primeira he, a que em respeito da


cidade de Lixboa, chamamos Alentejo, que se estende de Cines, Villa do
Campo de Ourique, té a cidade de Elvas, ocupando tudo o que há entre Tejo e
Guadiana, e todas as mais villas, e lugares que estão além de Guadiana, de
Moreanez, lugar fronteiro a São Lucar de Alcoitim, té Olivença e Alconchel:
entre os quais ficao as famosas Villas de Cerpa e Moura. E tem de comprido
trinta e seis legoas, e de largo trinta e quatro.
A segunda se chama Estremadura, e toma de Cascaes (que he a ultima Villa
do Mundo da parte Occidental) té o Mondego, e huma linha imaginaria, que
corta de Abrantes té a ponte de Coimbra, e tem de comprimento trinta e sinco
legoas, e de largo dezoito.
A terceira, seguindo esta ordem, se chama beira, e se estende de Coimbra, ou
Aveiro té a Guarda, e de toda aquella terra, a que chamao Ribeira de Coa; e
tem de comprido, começando de Abrantes té o Minho, trinta e queatro legoas,
e de largo, contando de Aveiro té Touroes, trinta e três legoas.
A quarta província se chama, entre Douro e Minho, Rios muy grandes, e
conhecidos, e se estende da Cidade do Portoté Valença do Minho, e sei
destricto, e ocupa dezoito legoas de comprido, e doze de largo. E porque se
me não há de oferecer occaziao de tratar em outra parte desta Provinvia, que
sendo tam pequena, se pode comparar com hum bom reino, porey aqui huma
breve relação do que nella há. A região de entre Douro e Minha se encerra,
como dito, em termo, e limite de dezoito legoas de comprido, e doze de largo
no mais largo, que em outras partes não tem mais de oito legoas. E sendo tam
pequena, há nella mais de cento e trinta Mosterios de muy grandes rendas, e
mil quatrocentas e sessenta Igrejas parrochiaes, com suas pias de baptizar,
além da Igreja Braccharense, cujo Arcebispo he Primaz das Hespanhas, e a
See, e Bispado da cidade do Porto, e outras sinco Igrejas colegiadas. E não há
que espantar, de nesta tam pequena região aver tantos Mosteiros, e Igrejas
Parrochiaes, e Collegiadas, além do Arcebispado de Braga e Bispado do Porto,
como fica dito, porque sua frescura, e amenidade está prometendo poder
sustentar muita gente, e assi he, que há aqui muitas, e muy ricas Commendas

273
DAVEAU, Suzanne. Portugal Geográfico. Lisboa: Edição de João Sá da Costa, 1995, p. 17.
274
RIBEIRO, Orlando Ribeiro. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Sá da Costa, 1987.
106

de Christo, Sanctiago, Aviz, ou Calatrava, e de Sam Joao, e se achao neste


pequeno destricto mais de sinco mil fontes perenes, e duzentas pontes de
fortes, e grandes pedras, e seis portos de mar. E quem por curiosidade quiser
ver mais em particular e fertilidade de mantimentos, carnes, peixe, e fruitas,
assim desta província, como das mais de Portugal, lea o Doctor Duarte Nunes
de Leao em o capitulo trinta e quatro da sua descrição de Portugal, em que
trata de fertilidade dele.
A quinta região se chama Tralomontes, e se estende do Rio Tamaga, que he
em Sam Gonçalo de Amarante, té todo o Bispado de Miranda, e tem de
comprido trinta legoas, e de largo vinte.
A sexta região he o Reino do Algarve, que se estende de Ceixe té Castromarin,
Villa fronteira a Ayamonte, e tem de comprido vinte e sete legoas, e de largo
oito, tomando sempre ao mais comprido, e ao mais largo, como se toma na
medicao das outras regiões, ou províncias.
Te todo o Reino duzentas e oitenta e sinco legoas de circulo, a saber, cento e
trinta e sinco de costa de mar, e cento e sincoenta pella parte d eterra. Tem de
comprido noventa legoas, e de largo sincoenta, por ser sua figura comprida e
estreita. Contem em sy dezoito Cidades, muytas e muy grandes Villas, que são
em número quatrocentas, e quatorze, as quais com duzentos e tantos
conselhos, e coutos e iulgados, que são também Villas sugeitas as sobreditas,
fazem numero de seiscentas e trinta e tantas, não falando em mitos lugares, a
que chamao Aldeas, que são quase sem número, porque só a Villa de Covilhaã
tem em seu termo trezentas e sessenta e tantas aldeas, e algumas mayores que
a mesm villa, tendo ella em sy treze freguesias, e avendo na principal, que está
dentro de seus muros, seiscentos vizinhos. Destas Cidades Lisvboa, Évora e
Braga são de dignidade Archiepiscopal; e da ultima, não só he o Arcebispo
Senhor no siritual, mas também no temporal, e Primaz das Hespanhas, como
fica dito. Das outras nove são cabeças de Bispados, a saber, Miranda, Porto,
Coimbra, cujo Bispo he também Conde, Lamego, Viseu, Guarda, Portalegre,
Elvas, e Leiria, e outras sinco cidades, que são Bragança, Beja, Tavira, Lagos,
Faro, e Sylues, não são Bispados, salvo as quatro ultimas, que estão no Reino
do Algarve, do qual toma o nome o Bispo de todas ellas 275.

Após esse extenso relato das “grandezas” do Reino, é impossível não pensar na
empresa em vista de tomar pé de tal território, segundo Joaquim Romero de Magalhães, na
tentativa de torná-lo governável, a Coroa fomentou uma série de iniciativas baseadas na
concepção de que “governar é dispor de instrumentos de conhecimento do espaço e dos que o
ocupam” 276. Portugal continental começou a delimitar-se após a reconquista do Algarve, em
meados do século XIII, mesmo contexto em que se definiu a fronteira com Castela277. No século
seguinte, o reino se encontrava subdividido em circunscrições administrativas, denominadas de
“Comarcas”, são elas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura (Lisboa),
Alentejo (também chamado Entre Tejo e Guadiana) e Algarve. Essa divisão perdura até 1532,

275
OLIVEIRA, Frei Nicolau de. Livro das Grandezas de Lisboa. Lisboa: Na Impressão régia, 1804, p. 3-6.
276
MAGALHÃES, Joaquim Romero de. O enquadramento do espaço nacional. In: MATOSO, José (org.). História
de Portugal. No alvorecer da modernidade (1480-1620), vol. 3 Lisboa. Ed. Estampa, 1997, p. 20.
277
SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da. Território e Poder: Nas origens do Estado Contemporâneo em Portugal.
Cascais: Patrimônia, 1997, p. 17.
107

quando as comarcas perdem a função administrativa e passam a chamar-se província-região.


Conforme vimos no relato do frade Nicolau de Oliveira, há em relação ao nome, uma
correspondência entre as antigas “comarcas” e as novas províncias. Nessas províncias-regiões,
estavam organizadas 27 comarcas (não confundir com as seis “antigas comarcas”, depois
denominadas de províncias). O número de comarcas cresce no decorrer do tempo, segundo Luís
Nuno da Silveira, em 1640 o número passa para 32 comarcas, 1801 eram 44 e em 1826 já
existiam 45278. Dentro das comarcas, tinham os concelhos, unidades aproximadas dos atuais
municípios, divididos entre “rurais” e “urbanos”, cuja origem remonta ao período medieval 279.
No presente trabalho, usaremos como modo de divisão do território, as províncias-regiões e
comarcas.
Mapa 3: Mapa das províncias-regiões de Portugal

Fonte: MAGALHÃES, Joaquim Romero de. O enquadramento do espaço nacional. In: MATOSO, José (org.).
História de Portugal. No alvorecer da modernidade (1480-1620), vol. 3 Lisboa. Ed. Estampa, 1997, p. 19-59.

278
SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da Silveira. Os recenseamentos da População Portuguesa de 1801 e 1849.
Edição crítica, volume 1, Instituto Nacional de Estatística de Portugal, Lisboa, 2001.
279
REIS, António Matos. História dos municípios (1050-1383). Lisboa: Livros Horizonte, 2007.
108

Como já foi possível ver em outras partes de nosso trabalho, os indivíduos


pesquisados, não são naturais apenas de “Portugal continental”, mas também do ultramar. Nesse
sentido, no presente estudo, a nível de regiões utilizaremos: “Entre Douro e Minho”, “Trás-os-
Montes”, “Beira”, “Estremadura”, “Alentejo”, “Algarve”; “Grão-Pará e Maranhão”; “Ilhas”;
“Brasil” e “Galiza”. A divisão territorial escolhida segue a lógica encontrada na documentação:
1°. As províncias em Portugal continental; 2°. O Estado do Grão-Pará e Maranhão, onde
assistem a maioria do tempo os habilitandos; 3°. Galiza (ainda que esteja fora do Império
português, possui com este estreitas relações); 4°. Estado do Brasil e 5°. Portugal insular, mais
precisamente o Arquipélago dos Açores.

Quadro 10: Naturalidade dos habilitados pelo Santo Ofício no Grão-Pará e Maranhão

NATURALIDADE NÚMERO
Portugal continental 24
Grão-Pará e Maranhão 17
Galiza 3
Brasil 2
Açores 1
TOTAL 47

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Dos dados acima, notamos o predomínio de habilitandos reinóis. Do total de 47


habilitações, 24 dos indivíduos eram naturais de Portugal continental, um pouco abaixo, os
naturais de onde eram assistentes, nascidos no Grão-Pará e Maranhão, o que corresponde a 17
indivíduos; se a estes 17 acrescermos os naturais do Estado do Brasil (dois indivíduos), teremos
pouco mais de 40% dos indivíduos nascidos na América portuguesa, o que é interessante dado
tendo em vista outros trabalhos, onde a diferença entre reinóis e nascidos nos territórios
coloniais é substancialmente maior.

No quadro acima, verificados todos os habilitandos quanto a naturalidade, o que inclui


todos os cargos do Santo Ofício com que temos trabalhado, qual seja, comissários, notários e
familiares. Se, por outro lado, analisarmos estas informações tomando como recorte os
diferentes cargos, as informações obtidas são distintas.
109

Quadro 11: Naturalidade dos Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício

CARGO NATURALIDADE QUANTIDADE TOTAL


Portugal continental 5
Comissários do Santo
Grão-Pará e Maranhão 7 14
Ofício
Brasil 2
Notários do Santo Portugal continental 1
4
Ofício Grão-Pará e Maranhão 3
Reino 18
Familiares do Santo Grão-Pará e Maranhão 7
29
Ofício Galiza 3
Açores 1

Fonte: ANTT, TSO, GC, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício

É notável, que nos dois cargos restritos a clérigos, o número de “naturais da terra” seja
superior aos reinóis. Para o cargo mais importante nos territórios coloniais, o de Comissário do
Santo Ofício, 50% dos habilitados são naturais do Grão-Pará e Maranhão, se a isso acrescermos
os naturais do Brasil, esse valor sobe para 65%, ficando apenas 35% de naturais do reino. Ou
ainda, se pensarmos nos cargos de eclesiásticos como um todo, de um total de 18 indivíduos,
12 são naturais da América portuguesa, o que sobe a porcentagem de locais para pouco mais de
67%. Por outro lado, se analisarmos os dados relacionados aos familiares do Santo Ofício, os
reinóis correspondem a 62% do total. Pelos dados acima, podemos dizer que há certo equilíbrio,
inverso, quanto a naturalidade dos habilitados. Para os clérigos, maioria de “naturais da terra”;
para os leigos, maioria de “reinóis”. Para pensarmos esses dados, discorramos sobre algumas
questões.
Em primeiro lugar sobre a alta incidência de clérigos “locais” nas fileiras do Santo
Ofício. A estrutura eclesiástica na colônia vinha se constituindo ao longo do processo de
ocupação do território. Até 1551, a América Portuguesa não possuía uma circunscrição
eclesiástica, cabendo a cura desses territórios ao Bispado de Funchal, de onde foi desmembrada
a diocese de São Salvador da Bahia. Em 1676, cento e vinte e seis anos após a criação da diocese
de Salvador, foram criados os bispados de São Sebastião do Rio de Janeiro e de Olinda, ficando
sufragâneos do agora Arcebispado de Salvador, elevado a esta dignidade na mesma ocasião.
Um ano após, em 30 de agosto de 1677, pela bula Super Universas do Papa Inocêncio XI, foi
criado o bispado do Maranhão e em 4 de março de 1719, pela bula Copiosus in Misericordia,
de Clemente XI, foi criado o bispado do Pará, ambos sufragâneos de Lisboa e desmembrados
110

da diocese de Pernambuco280. Nesse sentido, quando da habilitação dos agentes, a estrutura


diocesana já estava em pleno funcionamento no Estado do Grão-Pará e Maranhão, com muitos
clérigos locais já ordenados, o que permitiria prover, sem muita dificuldade, a burocracia
inquisitorial nascente.
Por outro lado, em se tratando para o cargo de familiar, restrito a leigos, havia dois
focos centrais no processo de averiguação: a limpeza de sangue e o “provimento”. Tendo em
vista o intenso processo de miscigenação na colônia, eram privilegiados os reinóis, onde seria
mais difícil de incorrer em alguma mácula de sangue com “naturais da terra”; bem como eram
esses os que, por exercerem sobretudo atividades ligadas ao comércio, tendo os pés em “cada
lado do Atlântico”, poderem melhor se prover para o exercício de “tão elevado cargo”. Até
aqui, fizemos uma análise dos dados gerais acerca da origem dos habilitandos. Para uma melhor
visualização das características dos processos que envolvem a vida desses indivíduos, convém
pensarmos essa categoria de modo mais específico, a partir das províncias.
Quadro 12: Naturalidade dos Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício – Por
Região

CARGO NATURALIDADE QUANTIDADE TOTAL


Estremadura 4
Comissários do Santo Trás-os-Montes 1
14
Ofício Grão-Pará e Maranhão 7
Brasil 2
Notários do Santo Entre Douro e Minho 1
4
Ofício Grão-Pará e Maranhão 3
Entre Douro e Minho 8
Estremadura 7
Beira 2
Familiares do Santo
Trás-os-Montes 1 29
Ofício
Grão-Pará e Maranhão 7
Galiza 3
Açores 1
Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício

280
A diocese de Pernambuco fora desmembrada da diocese de Salvador em 15 de julho de 1614 então como
prelazia, sendo elevada a dignidade de bispado em 1676.
111

No primeiro cargo, Comissário do Santo Ofício, é notável, como já dissemos, a maior


quantidade de indivíduos naturais da América, 65% do total, ou em números, 9 de 14. Este
número segue uma lógica parecida com a apresentada por Aldair Rodrigues para os Comissários
do Santo Ofício em Minas Gerais, onde os nascidos na América correspondem a 70,2% do total
(139 de 198 indivíduos). Quantos aos nascidos no Reino, os dados por nós observados são
distintos, enquanto a maioria nasceu na província da Estremadura, em Minas Gerais a maioria
provém de Entre Douro e Minho, região, por sinal, de origem da maioria dos imigrantes
portugueses para o Brasil281.

O estudo de Grayce Bonfim, sobre os agentes eclesiásticos na Bahia, nos ajuda a lançar
luz sobre os números que encontramos referentes aos Comissário e Notários do Santo Ofício.
No caso dos Comissários do Santo Ofício, há observações também aproximadas, a maioria é
natural da América, sendo apenas um total de 6, ou ainda 10% de um total de 59, originários
do Reino. No caso dos Notários do Santo Ofício, em nossa pesquisa três são nascidos no Grão-
Pará e Maranhão, sendo apenas um nascido no Reino. Na Bahia, dois são nascidos no reino, de
um total de 16 agentes.

No caso dos familiares, como vimos, 62% do total são naturais do reino, valor bem
aproximado ao que Daniela Calainho encontra para o Estado do Brasil, onde 68,7% (1174 de
um total de 1708 indivíduos) dos habilitados são reinóis282. Dos nossos 62% (18 de um total
de 29 indivíduos), há uma ligeira predominância dos naturais do Norte, especificidade que
encontramos no trabalho de Aldair Rodrigues. No referido trabalho, mais 90% dos familiares
habilitados para Minas Gerais são reinóis, sendo que 63,43% desses indivíduos eram naturais
do Entre Douro e Minho283. Em nosso caso, Entre Douro e Minho rivaliza com Estremadura, a
primeira região totaliza 27.58% (8 de um total 29 indivíduos) e a segunda região 24.13% (7 de
um total 29 indivíduos). Se juntas, correspondem a pouco mais de 50% dos indivíduos com que
temos trabalhado, não significa que não devamos tentar dar conta das demais regiões de onde
“nossos” indivíduos são provenientes, tendo em vista essa intenção, caracterizaremos nos
próximos sub-itens cada uma das regiões, tendo como fio condutor a comarca – região de
naturalidade dos indivíduos.

281
RODRIGUES, Aldair Carlos. Igreja e Inquisição no Brasil..., 2014, p. 146-147.
282
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé..., 2006, p. 182.
283
RODRIGUES, Aldair Carlos. Igreja ..., 2014, p. 166-167.
112

Nesse sentido, no quadro geral, temos habilitados provenientes de quatro lugares do


império português, quais sejam, Portugal continental, Estado do Grão-Pará e Maranhão, Estado
do Brasil e Açores; se acrescentando o reino da Galiza (conforme se pode ver no mapa 4).

Mapa 4: Mapa das localidades de nascimento dos habilitandos

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Entre Douro e Minho

Entre Douro e Minho, conforme o próprio nome nos permite entrever, é balizada por
esses dois rios, sendo, desde aproximadamente o ano 1000, uma região administrativa284. No
que se refere a jurisdição eclesiástica, o território estava repartido entre a Arquidiocese de
Braga, e o bispado do Porto. A primeira que se estende do Atlântico até à fronteira com Castela,
o que a tornava fator de união entre o litoral e o interior; a segunda que compreendia e o rio

284
Inicialmente integrado ao território de Portucale, foi um ducado na época de Afonso III de Leão e Castela, no
século IX. Pós ano 1000, Entre Douro e Minho vai transformar-se num espaço favorável à reprodução e expansão
do regime senhorial, incialmente sob domínio leonês e depois de Portugal ter alcançado a independência.
MATTOSO, José. Identificação de um País. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001, p. 75-82.
113

Douro e o rio Ave, prolongando-se depois a Santo Tirso até à embocadura do rio Corgo; e
finalmente, a administração eclesiástica de Valença, que resultara do desmembramento da
diocese de Tuy285.

Como vimos, no início do século XVII, o frade Nicolau de Oliveira, compara a região
a “um grande Reino”. No trecho que transcrevemos, há um aspecto a se destacar, a influência
senhorial e eclesiástica no território. Conforme Mafalda Soares da Cunha, os domínios
divididos entre a casa senhorial de Bragança, Coroa e Igreja (notadamente o Primaz de Braga,
o bispo do Porto e o cabido da Colegiada de Guimarães), organizavam uma complexa geografia
senhorial, que eventualmente gerava contendas, ainda que as relações com o poder real, eram,
na maioria das vezes, amistosas, ao contrário da tendência que se verificava em outros reinos
europeus286.

No que diz respeito a concentração demográfica, já em meados do século XVI, Entre


Douro e Minho se constituía em um território densamente povoado, com cerca de 55.099 fogos,
que correspondia a segunda maior densidade populacional de Portugal continental, possuindo
um quinto da população portuguesa. No início do século XIX, continua igualmente como a
segunda região mais populosa, com 190.541 fogos (737.706 habitantes), perdendo apenas para
a Beira, que totalizava 228.048 fogos (892.762 habitantes)287.

Quanto ao relevo, a região se destaca pelos vales de seus principais rios, caracterizando
uma profusão de água potável e chuvas abundantes, tornando muito propícia a agricultura e
pecuária288. Manuel Gonçalves Cerejeira, ao citar o humanista Clenardo, que em 1537 dissera
que “toda esta região desde Braga até ao rio Minho os montes e os campos são de uma admirável
beleza deleitosa, e que a água jorra por toda a parte de fontes, que só por si eram bastantes para
encantar”289. Por entre esse relevo, se encontravam povoados e campos férteis, com grande
variedade de culturas. O espaço entre o rio Douro e Minho tinha, assim, as condições boas para
a fixação de uma densa população. Fertilidade no solo, humidade, índice pluviométrico
necessário ao cultivo e de irrigação de pastos, que serviriam de pastagem para o gado, além de

285
VASCONCELOS. José Leite de. Etnografia Portuguesa. Lisboa: INCM, 1980, p. 15.
286
CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa:
Editorial Estampa, 2000.
287
PIMENTEL, Dulce; BRITO, Rita. As gentes e a sua distribuição. IN: BRITO, Raquel Soeiro de (Org.).
Portugal: Perfil Geográfico. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 87-88.
288
FERRO, Maria Manuela Lopes da Veiga. A Agricultura do Noroeste de Portugal. Revista de Cultura Histórica,
Literária, Artística, Etnográfica e Numismática, Caminha, Ano IX, Dezembro 1987, n.º 14, p. 157-191.
289
CEREJEIRA, Manuel Gonçalves. O Renascimento em Portugal. Clenardo e a Sociedade Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, 1974, p. 307.
114

portos para escoamento e atividade pesqueira. É nessa região, que caracterizamos muito
brevemente, que nove de nossos indivíduos nascem, conforme podemos ver abaixo:

Quadro 13: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Entre Douro e Minho
CARGO HABILITANDO COMARCA
Notário do Santo Ofício João da Rocha e Araújo Braga
Leandro Caetano Ribeiro Braga
Jacob Lopes Graça Braga
João Ferreira Touquinho Braga
Mateus Gonçalves da Torre Braga
Familiar do Santo Ofício
João Rodrigues Leite Viana do Castelo
João Alvares da Costa Viana do Castelo
José Rodrigues Viana do Castelo
Antonio Coutinho de Almeida Viana do Castelo

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

No quadro acima, vemos os nove indivíduos originários da região do Entre e Douro e


Minho, tendo como ponto de partida suas respectivas comarcas: Braga (5), Viana do Castelo
(4).

Essas duas comarcas, por razões diferentes, se constituíam em polos importantes da


região. No século XVI, Braga viu a sua população crescer a uma média de 2,24%, enquanto
Viana do Castelo, certamente por pressão do seu porto, crescia a um ritmo de 3,63%290. Além
da agricultura, a que já nos referimos, Entre Douro e Minho era um polo de atração para o
comércio, as feiras de Braga, Guimarães e Lamego eram repletas de mercadores estrangeiros,
sobretudo de Castela, em busca de tecidos, sobretudo o linho, e outros produtos291. Também de
lá, saíam mercadores portugueses para comercializar linho em Castella, Flandres e Ilhas. A
posição geográfica, fazia dessas cidades, importantes rotas comerciais de Portugal com outros
reinos. A essa vocação da região para o comércio, retomaremos mais a frente, ao analisarmos
a trajetória dos indivíduos e suas ocupações.

290
PEREIRA, António dos Santos. Portugal – O Império Urgente (1475-1525). Os Espaços, os Homens e os
Produtos. Lisboa: INCM, 2003, p.28.
291
GARCIA, João Carlos. Os Têxteis em Portugal dos séculos XV e XVI. Finisterra: Revista Portuguesa de
Geografia. Lisboa, 21 (42), 1986, p. 327-344.
115

Fr. Nicolau de Oliveira, ao referir-se a Braga no século XVII, diz que a cidade era de
“dignidade Archiepiscopal; e de vítima, não só he o Arcebispo Senhor no spiritual, mas também
no temporal, e Primaz das Espanhas”292. Braga, chamada de Bracara Augusta no período
romano, que se tornara capital do Reino Suevo, tem, no período pós-reconquista, seu território
doado aos arcebispos. Em 1112, o couto de Braga e do seu termo, passam para domínio do
chefe eclesiástico local. Esta doação, realizada pelos primeiros soberanos do condado
Portucalense, insere-se na política de reorganização e consolidação do território português no
âmbito da denominada “Reconquista Cristã”, quando o referido condado é doado por Afonso
VI, de Leão, à sua filha bastarda D. Teresa e ao franco D. Henrique de Borgonha, que, por sua
vez, concedem o senhorio de Braga aos arcebispos293. O poder deste eclesiástico era tanto, que,
conforme nos diz António Manuel Hespanha, continha direitos e prerrogativas de caráter régio,
podendo ter “tribunal curial (“senado” e “relação”) e julgar por acórdão as apelações que a ela
viessem das suas terras, sem dar recurso para o tribunal régio”294. Nesse sentido, a cidade, tem
grande projeção política e religiosa, sendo, seu governante espiritual e temporal, o arcebispo
Primaz.
Com menor projeção, junto ao Atlântico e a foz do rio de Lima, a povoação de Viana
recebera em 1258, carta de Foral de Afonso III de Portugal, passando a se chamar Viana da Foz
do Lima (depois Viana do Castelo). Inicialmente povoada sobretudo por “homens do mar”, que
protagonizavam uma intensa atividade mercantil, por via terrestre e fluvial. Por terra e rio era
possível chegar às feiras, como as de Ponte de Lima, Lindoso, Barcelos e Braga, onde se
mercavam os produtos agrícolas e têxteis provenientes do interior e expedidos por este pequeno
entreposto marítimo. Produtos que eram também escoados para a Galiza, território fronteiriço
de contato permanente e regular, cujo ir e vir ia até Trás-os-Montes e a Castela295.
Aqui caracterizamos muito rapidamente a região e os lugares de onde nossos
habilitandos são provenientes, de modo a apresentar, mesmo que de modo muito en passant, os
ambientes em que nasceram.

292
OLIVEIRA, Frei Nicolau de. Livro das Grandezas de Lisboa. Lisboa: Na Impressão régia, 1804, p. 7.
293
COSTA, Avelino de Jesus. O bispo D. Pedro e a organização da arquidiocese de Braga. Braga: Irmandade de
S. Bento da Porta Aberta, 1997.
294
HESPANHA, António Manuel. História das Instituições: Épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina,
1982, p. 296.
295
CARDONA, Paula Cristina Machado. Viana do Castelo. Uma cidade, um rio e o mar, interpretação das
dinâmicas urbanísticas. Actas do Seminário Centros Históricos: Passado e Presente, p. 151-164.
116

Estremadura
Estremadura, recebe esse nome após a Reconquista Cristã. A stremadura era o nome
que se dava a área fronteiriça de combates entre mouros e cristãos, ou ainda, derivaria da
expressão latina Extrema Durii, que traduzida seria como que “os extremos do Douro”. De
ocupação bem antiga, que remonta a Olisipo dos fenícios, depois romana e visigótica, no
período de dominação islâmica, possuía um núcleo cristão importante, tendo-se mantido como
sede episcopal. Gozava do que era considerado um dos melhores climas de Portugal, pois
ventava muito o que a ajudava em períodos de pestes. No processo de ocupação da região, teve
papel importante a abadia cisterciense de Alcobaça, fundada em 1153. Os monges aplicaram
na região métodos agrícolas, desenvolvendo a cultura da oliveira e outras árvores frutíferas296.
Quando do período da reconquista, em meados do século XII, Lisboa e a região
circundante repartiam-se por quatro grandes unidades administrativas: a cidade e o seu
“termo”297, tendo como limites, Oeiras a oeste e Montagraço a Norte; Sintra e “termo”,
delimitados a Norte por Mafra; Almada e “termo”, até Sesimbra a Sul e de Coina a leste; e
Palmela e “termo”, até ao Sado a Sul e a ribeira de Almansor a leste. Mais ao norte, ficavam
Torres Vedras e Alenquer298. Com o passar do tempo, essas quatro unidades iniciais foram
sendo divididas, a Lisboa, cidade de maior expansão, foram incorporados no século XIV, os
“termos” de Sintra, Torres Vedras, Alenquer, Vila Verde dos Francos, Colares, Ericeira e
Mafra299. No que diz respeito a população, Lisboa, no século XII teria aproximadamente 5000
habitantes, subindo muito rapidamente nos séculos seguintes: 14.000 no final do século XIII,
35.000 no final do XIV, 65.000 no início do século XVI, duplicando esse número no final do
mesmo século e chegando 165.000 habitantes em meados do XVII, marca que manteve por
pouco mais de um século, chegando a cerca de 200.000 habitantes em 1820300.
Cidades mais importantes ao longo do período medieval, Coimbra, Braga, Évora e
Silves, cederem lugar à Lisboa no final do Medievo, que se converte no século XIV na mais

296
RIBEIRO, Orlando. A formação de Portugal. Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1987, p. 53.
297
“Termo”, com origem nas unidades administrativas romanas, designou da Idade Média até as reformas
administrativas do século XIX, o território que rodeava um concelho, do qual dependia jurídica e
administrativamente. Nesse sentido, os “termos” formavam, com os povoados, uma unidade indivisível, não
podendo viver uns sem os outros. MARQUES, António Henrique de Oliveira. Novos Ensaios de História Medieval
Portuguesa. Lisboa: Editorial Presença, 1988.
298
AZEVEDO, Rui de. Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua consolidação pelo
povoamento. As terras doadas. Agentes colonizadores. In: BAIÃO, António Baião (Org.). História da Expansão
Portuguesa no Mundo. Lisboa: Ática, 1937.
299
MARQUES, António Henrique de Oliveira. Portugal na Crise dos séculos XIV e XV - vol. IV. Lisboa: Editorial
Presença, 1987, p. 190-191.
300
MARQUES, António Henrique de Oliveira. História de Portugal - vol. I. Lisboa: Editorial Presença,
1997, p. 270; vol. II, idem, 1998, p. 100 e 283-284 e vol. III, idem, 1998, p. 127 e 306.
117

populosa do reino. Lisboa assim, tornou-se centro da vida política, social, econômica e cultural
de Portugal. Além disso, outros fatores projetavam a cidade. Lisboa achava-se geograficamente
bem colocada, localizada a beira do Atlântico, na foz do rio Tejo, possuindo um porto excelente,
com um interior fértil e de fácil acesso a água, além de acesso a recursos alimentares, incluindo
sal e peixe, na mineração, rica em pedreiras e minas, ficando quase que ao meio de todo o
Portugal continental.
Embora muitos monarcas transitassem pelo país e não fizessem de Lisboa sua
residência efetiva, a mudança da capital do reino para Lisboa, em meados do século XIII,
realçou a preeminência da cidade no quadro português. O boom demográfico da cidade, em
finais do século XV, acrescido ao seu papel no processo de expansão marítima e a União
Ibérica, fez da cidade um centro de dois impérios globais, aumentando ainda mais a projeção
da cidade. O Numeramento de 1528, conforme já vimos, contabilizada em Lisboa 13010 fogos
(aproximadamente 65000 habitantes), a título de comparação, outras cidades como Porto,
segunda mais populosa, não ultrapassava os 3000 habitantes, seguida por Évora com 2800
habitantes, Santarém com 2000 habitantes e Elvas com 1900 habitantes. Nesse sentido,
substancialmente a mais populosa do reino de Portugal, também se convertia em uma das
maiores do mundo. Pouco mais de cem anos depois, era a mais populosa da península ibérica,
com habitantes comparáveis a Veneza e Amsterdã, perdendo no contexto europeu para Londres,
Paris e Nápoles301.
No contexto em que nossos indivíduos nascem (séculos XVII e XVIII), a população
encontrou certa estagnação. Lisboa, se comparada a outras cidades europeias do período, não
seguiu o mesmo ritmo. Esses números ilustram também a perde de projeção de Portugal ante
as demais nações, enquanto em 1620 Lisboa era a maior cidade da Península Ibérica, durante o
século XVIII e começos do XIX Madri foi se equiparando. No início do século XIX, era
superada por pelo menos sete cidades (Londres, Paris, Nápoles, Moscou, Viena, São
Petersburgo e Amsterdã). É nesse contexto de “estagnação” da população da cidade que nascem
nossos indivíduos, conforme podemos ver abaixo:

301
Idem, vol. I: p. 270; idem, vol. II: p. 100.
118

Quadro 14: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Estremadura


CARGO HABILITANDO COMARCA
Caetano Eleutério de Bastos Lisboa
Felipe Joaquim Rodrigues Lisboa
Comissário do Santo Ofício
João Pedro Gomes Lisboa
João da Trindade Santarém
Elias Caetano de Matos Lisboa
Joaquim Rodrigues Leitão Lisboa
Bento Pires Machado Lisboa
Familiar do Santo Ofício José Joaquim Henriques de Lima Lisboa
Fernando da Costa de Ataíde Souza Teive Lisboa
Feliciano José Gonçalves Lisboa
Manoel Joaquim Gomes Lisboa

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários e Familiares do Santo Ofício.

Dos 11 indivíduos que encontramos naturais da Estremadura, 10 são nascidos na


Comarca de Lisboa, ainda que em freguesias diferentes. Desses 10, três são clérigos e sete são
leigos, sem adiantarmos discussões que faremos mais a frente, acerca dos lugares ocupados
quando da saída de Lisboa para o Grão-Pará e Maranhão, bem como suas ocupações declaradas
quando do pedido de habilitação, convém pensarmos, desde já, alguns aspectos sobre estes
dados.
Primeiro, há de se pensar que três dos nossos seis clérigos nascidos no Reino (ao todo,
temos trabalhado com cinco clérigos habilitados como Comissários do Santo Ofício e um
habilitado como Notário do Santo Ofício), são naturais de Lisboa. Uma possível via para pensar
essa “predileção” de clérigos dessa região se deve, por na cidade, se encontrar o centro do poder
eclesiástico no Império Português, o Patriarcado de Lisboa. A circunscrição eclesiástica fora
recriada em 1147, no período pós-reconquista, em 1394, pela bula In eminentissimae dignitatis,
de Bonifácio IX, foi elevada a Arquidiocese, ficando-lhe sufragâneas as dioceses de Évora
(depois Arquidiocese), Guarda, Lamego e Silves, já daqui, a cidade que ganhara projeção
política e econômica no contexto do reino, igualmente se projetava no campo eclesiástico. No
século XVI, pós-concílio de Trento, o então arcebispo de Lisboa, cardeal-infante D. Henrique,
aplicou os decretos do concílio, dentre eles a fundação de um seminário estável, o que o fez em
1566, ao criar o Seminário Diocesano de Santa Catarina.
119

Em 1716, o território da arquidiocese foi dividido em duas partes: o Patriarcado de


Lisboa Ocidental com sede na capela régia, com o título de “Patriarcal”, e o arcebispado de
Lisboa Oriental, com sede na antiga Sé. Dois anos depois, em 1718, pela bula Gregis Dominici
Cura, Clemente XII, estabeleceu como dioceses sufragâneas: Lamego, Leiria, Funchal e Angra,
para o Patriarcado de Lisboa Ocidental; Guarda, Portalegre, Cabo Verde, São Tomé e Congo,
para o Arcebispado de Lisboa Oriental. Em 1740, Bento XIV, pela bula Salvatoris nostri Mater
determinou a reunião das duas circunscrições eclesiásticas e a antiga Sé foi suprimida, passando
a ser a “Patriarcal de Lisboa” a sede do Patriarcado302.
É nesse contexto de muita relevância da Sé de Lisboa que nossos indivíduos nascem e
migram, cada caso veremos amiúde mais a frente, mas é de se pensar que em uma circunscrição
eclesiástica já bem estabelecida, os clérigos buscassem além-mar, nas dioceses recém-criadas,
como é o caso da do Pará, criada em 1719, a possibilidade de conseguirem melhores empregos
para “viverem de suas ordens”. De igual modo, esses também eram motivos para leigos se
aventurarem a partir de Lisboa, a cidade síntese do intercontinental império português, ao
buscar na América a possibilidade terem melhores condições de vida.

Beira

O vale do rio Douro, serve de passagem para a Beira, conforme diz Orlando Ribeiro,
“Leite de Vasconcelos pensou que seria beira do Douro, mas aceita, com Joaquim da Silveira e
Ruy de Azevedo, que se trata de beira da Serra da Estrela” 303. Inicialmente, compreendia essa
área próxima da Serra da Estrela, limitada a norte do rio Douro e a sul pelo rio Tejo, depois,
passou a incluir uma faixa litoral, entre o rio Douro e o rio Mondego, se convertendo assim, na
maior das seis províncias do reino. Por tal importância, foi transformada em um principado
honorifico, criado em 1645, pelo rei D. João IV, o título de “princesa da Beira” designava a
filha mais velha do monarca, independentemente de ser ou não, herdeira presuntiva da
Coroa. A partir de 1734, passou a ser o título conferido ao primogénito do herdeiro presuntivo
da Coroa de Portugal. Até ao século XVII, a Beira constituía uma correição, chefiada por
um corregedor que representava o Rei e exercia as funções de magistrado administrativo e
judicial. A partir daí, foi ela própria subdividida em várias correições ou comarcas, cada uma
com o seu corregedor.

302
FONTES, João Luís Inglês (Direcção). Bispos e Arcebispo de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 2018.
303
RIBEIRO, Orlando. A formação..., 1987, p. 103.
120

Quanto a geografia, é uma região diversa, com diferentes características geológicas,


climáticas, hidrográficas e de relevo. Marcada pelas encostas montanhosas do principal
conjunto montanhoso da Península Ibérica, o “Maciço Antigo”, é delimitada a norte pelo rio
Douro e a sul pelo Tejo304. O “Maciço” o centro-oeste português, as serras da Estrela, do Açor
e da Lousã. A Serra da Estrela, é a mais elevada de Portugal continental, possuindo 1993 metros,
sendo, como já dissemos, uma das razões para região chamar-se “Beira”.

Após a reconquista, a região, a exemplo do restante do território português, viveu entre


os séculos XI-XIII, o dinamismo das cidades de origem romana e antigas sedes episcopais como
Coimbra, Viseu, Lamego e Guarda, atrelado a isso, desenvolverem-se outras localidades como
por exemplo Celorico da Beira, Trancoso, Pinhel, Castelo Branco, Gouveia e Seia305. A região,
no contexto português, passou a ser estratégica ao longo do medievo. Definindo-se como uma
via de acesso privilegiada a todo território, marcada pela circulação dos exércitos, da corte
régia, do comércio, de peregrinações, sendo assim um espaço de passagem e comércio. A
atividade comercial, era fomentada, sobretudo, pelas instituições eclesiásticas, nomeadamente
as monásticas.

Ao longo do medievo, o povoamento da região foi desigual, variando entre zonas bem
povoadas como Viseu, Coimbra e o Vale do Vouga, e zonas de povoamento médio como o vale
do Mondego e zonas quase desertas como da Serra Estrela. Além da serra, junto a fronteira, a
população agrupava-se em pequenos povoados, dando origem a aldeias compactas e isoladas306.
Desses povoados, destaquemos inicialmente a cidade episcopal de Guarda, de onde era
proveniente José Salvado Sanches, conforme podemos ver no quadro.

Quadro 15: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Beira


CARGO HABILITANDO COMARCA
José Salvado Sanches Guarda
Familiar do Santo Ofício
Antonio Gomes Pires Viseu

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

304
RIBEIRO, Orlando. Portugal Central. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982, p. 12.
305
DIAS, João Alves. A Beira Interior em 1496. Sociedade, Administração e Demografia. Ponta Delgada:
Universidade dos Açores, 1982, p.141.
306
SOUSA, Armindo. 1325-1480: Condicionalismos Básicos. In: MATTOSO, José (Org.) História de Portugal –
Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992, p. 348-349.
121

Guarda, conhecida pela alcunha de “fiel”, deve esse nome a Álvaro Gil Cabral, que
recusou a entregar as chaves da cidade durante os confrontos de D. Fernando com Castela,
assumindo um papel de cidade de fronteira. Teria sido fundada em 1199, através de foral de D.
Sancho I, se convertendo em um centro político, administrativo e sobretudo de defesa da
fronteira da Beira contra os reinos de Leão e Castela, daí a possível origem de seu nome, já que
servia de “guarda” para o reino português307. No início do século XIII é criado o bispado de
Guarda, que se projetará ao longo dos séculos, recebendo no século XV, da parte do rei Afonso
V, a concessão de explorar minas de ouro e outros metais.

Viseu, por sua vez, onde nasceu Antonio Gomes Pires, remonta ao período de
dominação romana no atual território português, o que fazia dessa cidade, centro vital dinâmica
econômico-administrativa da região e ponto de cruzamento de várias pessoas. Dela saiam, no
período romano, cerca de doze vias308. A origem do nome, conforme nos diz Maximiano Pereira
da Fonseca e Aragão, vem, possivelmente de ficar próximo ao rio Vacca (Vouga). A cidade
passou a ser sede episcopal no período visigótico, no século VI. Ocupada pelos mouros, no
século VIII, foi alvo de contendas entre mulçumanos e cristãos. No século IX, o conde de
Coimbra, Hermenegildo de Guterres, a teria repovoado. A cidade foi definitivamente
reconquista por Fernando, rei de Leão, em 1037. Foi construída como senhorio no século XIV,
quando Afonso IV, doou a D. Constança, o território. Em 1385, a cidade foi saqueada pelas
tropas de Castela, sendo depois a cidade fortificada por mando de D. João I e D. Afonso V. No
século XVI a cidade expande, quando D. Manuel I, renova o foral de Viseu309.

Em termos populacionais, no século XVI, a cidade possui aproximadamente 2.200


habilitantes, passando para 6.640, ao se fazer o recenseamento em 1864, o que totaliza um
crescimento anual de 0,33% ao longo de três séculos310. É durante o século XVIII, centúria em
que nasce Antonio Gomes Pires, que o cabido da Sé empreende uma completa remodelação da
cidade, sendo um contexto pós-Trento, essa remodelação se dá sobretudo por influência
barroca311. Como podemos ver, do ponto de vista demográfico, a cidade não possuía grande
aglomerado de pessoas, por outro lado, por ser uma antiga sede Episcopal, com um clero de

307
GOMES, Rita Costa. A corte dos reis de Portugal no final da Idade Média. Lisboa: Difel, 1995.
308
ALARCÃO, Jorge Alarcão. O Domínio Romano em Portugal. Mem Martins: Europa América, 1995.
309
ARAGÃO, Maximiano Pereira da Fonseca e. Viseu (Apontamentos Historicos). Tomo I, Tomo II, Vizeu, 1894.
310
CRUZ, António João. A teia de um crescimento. Viseu do séc. XVI ao séc. XX. In: Programa da Feira Franca
de S. Mateus, Viseu, 1986.
311
CRUZ, António João. Viseu. A cidade do Barroco. História, 77, 1985, p. 56-61; CASTILHO, Liliana. A cidade
de Viseu nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, 2012.
122

muitas posses, tinha relevância no contexto nacional, para melhor ilustrar essa relevância, em
1632, as rendas do bispado de Viseu orçavam 78.400 cruzados, o que corresponderia a 4% das
receitas do estado Português (excluídas as do Ultramar)312.

Trás-os-Montes

A província de “Trás-os-Montes”, segundo frei Nicolau de Oliveira, conforme já


vimos, “se estende do Rio Tamaga, que he em Sam Gonçalo de Amarante, té todo o Bispado
de Miranda, e tem de comprido trinta legoas, e de largo vinte”313. Embora tenha mudado ao
longo do tempo, tradicionalmente o território da região é limitado ao norte pela Galiza, a sul
pelo Rio Douro, a leste por Castela e Leão e a oeste pelo rio Tâmega. O nome, tem origem no
significa, “além dos montes”. Quanto a geografia, a região tem características que a distingue
de qualquer outra região de Portugal continental. Por seu relevo montanhoso, é uma região fria
e úmida.

No período pós-reconquista, o processo de ocupação do território começou com D.


Afonso Henriques, com a concessão de forais e a instituição de concelhos. D. Afonso II
estabelece concelhos em volta de Vila Real, área que viria a ser a mais populosa da região
transmontana. D. Afonso III intensifica a outorga de forais, como modo de construir polos de
defesa do território português314. D. Afonso III, é o rei que confirma o foral de Bragança,
comarca onde nasce Manoel Alvares Chaves, nosso único habilitando nascido em Trás-os-
Montes. Além do domínio militar da província, outro fator essencial foi a constituição da
hierarquia eclesiástica, caracterizada pelos bispos, clero secular, clero regular, ordens militares
e os mosteiros. Em 1545, é criada a Diocese de Miranda, erigida em um contexto de
reorganização da malha episcopal em todo Portugal, com a criação dos bispados de Funchal
(1514), Angra (1534), Leiria (1545), Portalegre (1549) e Elvas (1571). A criação da nova
diocese, desmembrada da Sé Primaz de Braga, faz parte de processo de reformas eclesiásticas
em vista da manutenção da unidade religiosa e política da Monarquia Portuguesa315. Sendo
assim, essa comarca não é apenas um território “transmontano”, onde se manifestam as
características a que já nos referimos, mas também terra de “fronteira”. A “fronteira” se dá em

312
CRUZ, António João. Sobre os rendimentos do bispado no séc. XVII. A Voz das Beiras, 399, 1982, p. 2, 10
313
OLIVEIRA, Nicolau de. Op cit, p. 5.
314
SANTANA, Maria Olinda Rodrigues. Os forais de Mirandela. Uma abordagem comparativa. Estudos
Transmontanos e Durienses, Arquivo Distrital de Vila Real, 2000, p. 71-95.
315
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal – Vol. III. Lisboa: Editorial Verbo, 1981.
123

duas frentes, uma na fronteira “natural” com o restante de Portugal “além dos montes”; uma
outra política, com León.

Quadro 16: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Comarca – Trás-os-Montes


CARGO HABILITANDO COMARCA
Comissário do Santo Ofício Diogo da Trindade Lamego
Familiar do Santo Ofício Manoel Alvares Chaves Bragança

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Em uma memória paroquial do século XVIII, se diz que Bragança “hé murada, tem a
villa sobre hum monte com três ordens de muros o primeiro da estacada está todo razo e cahido;
o segundo também vai cahindo umas partes”316. Pelo que diz o padre memorialista, parece que
o outrora forte de Bragança, já tivera dias melhores, de modo que quando do nascimento de
Manoel Alvares Chaves, este o vira caído. Quanto a economia, a comarca de Bragança, durante
o medievo, se projetou no contexto português pela produção de linho, de modo que a mais
antiga referência à criação do bicho da seda remonta ao século XIII, e as primeiras indicações
quanto a produção da seda, que datam do século XV, mantendo, ao longo dos séculos seguintes,
uma intensa atividade nesse ramo317. O comércio se estabelecia também com outros gêneros,
pelo rio Douro eram escoados vinhos, frutas, azeite e outros, grande parte desses gêneros ficava
no Porto, outra parte era exportada, sobretudo vinho. Pelo Minho se comercializava gado,
sobretudo da região do Barroso, além de um comércio de troca, com base no centeio e no sal.
Por ser, das regiões de Portugal, a de maior fronteira terrestre, Trás-os-Montes estabelecia um
intenso comércio com Castela, em Freixo de Espada; com a Galiza, em Vila Seco de Lomba318.

Por fim, Lamego, onde nasceu nosso primeiro comissário habilitado, o frade Diogo da
Trindade, é uma localidade de ocupação muito antiga, já sendo ocupada desde o período do
domínio romano319. Durante o período suevo, torna-se sede episcopal, sob a égide de São
Martinho de Dume, que a partir do mosteiro, próximo de Braga, organizará a atividade

316
Memória de São João Baptista. In: CAPELA, José Viriato; BORRALHEIRO, Rogério; MATOS, Henrique;
OLIVEIRA, Carlos Prada de. As freguesias do Distrito de Bragança nas memórias paroquiais de 1758: memórias,
história e património. Braga: J.V.C, 2007, p. 69.
317
SOUSA, Fernando de. A Inquisição e a Indústria das sedas em Trás-os-Montes (séculos XV-XVIII). Separata
de Estudos Transmontanos - 12, 2005.
318
MENDES, José Amado. Trás-os-Montes nos finais do séc. XVIII (alguns aspectos económico-sociais). Revista
Estudos Contemporâneos, n°.1, Porto, 1980.
319
VAZ, João Inês. Lamego na época romana, capital dos Coilarnos. Lamego: AVDPVD, 2007.
124

missionária na região320. Em 1057, se dá a reconquista da cidade pelos cristãos, através das


campanhas de Fernando I levadas a cabo entre 1055 e 1064. A cidade se projetou sob a sombra
do bispado, que se constituía em intermediário aos demais em Portugal, estando abaixo das
Arquidioceses de Braga, Lisboa e Évora; e em patamar de igualdade um pouco abaixo do
bispado de Coimbra321.

Grão-Pará e Maranhão

Sérgio Buarque de Holanda, define a cidade de Belém do Pará como “núcleo de


expansão” do que, pouco depois, viria a se chamar o Estado do Grão-Pará e Maranhão322. Os
portugueses chegaram a Belém em 1616, tendo antes, tomado São Luís da mão dos franceses.
Conforme nos diz Rafael Chambouleyron, São Luís, Belém e a fortaleza de Santo Antônio de
Gurupá constituíam os três centros de ocupação do norte da América portuguesa, região que
em 1620, se transformaria em uma região administrativa independente do Estado do Brasil, o
Estado do Maranhão, com sede em São Luís323. Posteriormente, o território mudaria de nome,
passando a chamar-se Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1654 e posteriormente Estado do
Grão-Pará e Maranhão, a partir de 1751. Anos antes, em 1737, a capital do estado passara de
São Luís para Belém do Pará, dentre as razões da mudança, estaria a projeção que a cidade
passara a ter no decorrer dos anos e a excelente posição geográfica, bem centralizada ao extenso
território do Estado324.

320
SOALHEIRO, João. Lamego, diocese de. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Org). Dicionário de História
Religiosa de Portugal. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2001, p. 419-421
321
SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa. Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs. XII a XX. Lisboa:
Centro de Estudos de História Religiosa, 2013.
322
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Os franceses no Maranhão. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de
(org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Civilização Brasileira, 1963, p. 233.
323
CHAMBOULEYRON, Rafael. Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação da Amazônia
seiscentista. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, n. 6, 2006.
324
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Belém do Pará, capital do estado do Maranhão. In: ______. História geral da
civilização brasileira. São Paulo: Civilização Brasileira, 1963, vol. I/1 p. 397-398.
125

Quadro 17: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Capitania – Grão-Pará e


Maranhão
CARGO HABILITANDO CAPITANIA
Lourenço Alvares Roxo Pará
Custódio Alvares Roxo Pará
Felipe Camello de Brito Maranhão
Comissário do Santo Ofício Inácio José Pestana Pará
João Maria da Luz e Costa Maranhão
Joaquim José de Faria Pará
Caetano Lopes da Cunha Pará
Felipe Jaime Antonio Pará
Notário do Santo Ofício Romualdo Lopes da Cunha Pará
João Pedro Borges de Goes Pará
João do Couto da Fonseca Pará
José Paulino da Cunha Pará
Gaspar Alvares Bandeira Pará
Familiar do Santo Ofício Carlos Gemaque de Albuquerque Pará
Joaquim José de Faria Pará
João Borges de Góes Pará
Amandio José de Oliveira Pantoja Pará

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Do quadro acima, uma localidade decerto salta aos olhos, o Pará, ou para ser mais
preciso, a “cidade do Pará”, Belém do Pará. Para além da afirmação de Sergio Buarque de
Holanda, acerca da projeção da cidade no contexto de ocupação da Amazônia, a grande
quantidade de indivíduos aí nascidos, também se explica pela própria dimensão do território do
que era Belém do Pará. Belém, localizada na foz do Rio Amazonas, está muito bem posicionada
pelos principais caminhos da Amazônia colonial, os rios. É, portando, uma cidade que tem seu
núcleo, mas também vetores de expansão, que segue a margem dos rios.
O padre jesuíta João Daniel, “pinta” o traçado dos rios e tudo o mais do tesouro
descoberto no máximo rio Amazonas. Delineando o ambiente onde esses nossos indivíduos
nasceram:
126

Já mais caudaloso este braço austral do Amazonas, com águas de tantos rios,
especialmente do Tocantins, continua o seu curso depois da baía Marapatá; e
quase brincando com vários rodeios, em que vai repartindo o terreno em várias
ilhas, e formando as baías de Atuá, vai sair à grande baía chamada Marajó,
onde muito se espraia e estende; e ainda muito mais na baía do Arari, onde
cada vez mais se alarga até fazer perder terra de vista, depois da qual, deixando
ao sul a baía de Carnapijó, fazendo um como ângulo para nascente, sai muito
ufano por entre várias ilhas a avistar à parte esquerda, ou norte, a barra, e a
direita, ou sul a cidade do Pará.325

A narrativa acima parece nos conduzir para o que era o ponto de confluência desse
extenso território – a cidade de Belém do Pará. Belém, por sua vez, banhada pelo Rio Guamá,
que conforme o já citado padre João Daniel:
É célebre ... por ser estrada geral dos que vão e vêm do Maranhão para o Pará,
e desta cidade para aquele Estado pelo caminho de terra; junto a sua cachoeira
pouco mais de quatro dias tem uma casa forte com presídio de soldados.
Deságua no rio Guamá o rio Capim, caudaloso com 20 dias de navegação,
com curso de sul a norte.326

De Belém do Pará, onde nascem 15 dos nossos indivíduos, somos conduzidos ao


Maranhão, onde nascem os outros dois indivíduos que temos pesquisado. No Maranhão, o
centro político se situa na São Luís, sobre ela, diz Simão Estácio da Silveira:

De São Luís (onde agora estão os portugueses) tem vinte e duas léguas de
comprido e sete de largo, e sai desta baía com língua, como a ponta de
Arassiagi ao Norte; ao longo desta há outras ilhas de cinco, seis, sete e mais,
e menos léguas, como são a das Guaiavas, a do Maçame, a de Santa Ana, a de
la Tuche (que é península de Gaspar de Sousa, que foi governador daquele
estado, que terá seis léguas), uma que se deu a um cirurgião, que terá quatro
léguas, e outra chamada pacas, de que Sua Majestade me fez mercê, que será,
de até duas léguas.327

É neste cenário que nascem 17 dos indivíduos que temos pesquisado, há de se notar,
que no que se refere a leigos, a maioria é natural de Portugal continental, quanto aos
eclesiásticos, a maioria é natural do Estado do Grão-Pará e Maranhão, ao todo, 10 clérigos, sete
comissários do Santo Ofício e três notários do Santo Ofício. Outro dado interessante é o fato de
a maioria deles, 15 dos 17 habilitandos (aproximadamente 89% dos habilitandos naturais do
Estado do Grão-Pará e Maranhão), ser natural da capitania do Pará, que nos setecentos já se
constitui como o centro do controle político e militar da região.

325
DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas – Volume 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004,,
p. 65.
326
Idem, p. 67.
327
SILVEIRA, Simão Estácio da. Relação sumária das cousas do Maranhão. São Luís: Edições AML, 2013, p.
64.
127

Galiza

“Os galegos não são estrangeiros em Portugal”328, com essa expressão, A. L. de


Carvalho, em sua extensa obra Os mesteres de Guimarães, alude a estreita relação que a região
tem com Portugal. O fato que é que a assinatura do Tratado de Alcañices, entre os reis de
Portugal e Castella - Leão, concretizado em 1297, apesar de demarcar as fronteiras da região,
não conseguiu separar séculos de trocas no território, que formaram na região uma mesma
Geografia física e cultural que, em vez de separar, contribuía para estreitar laços entre os povos
dos dois lados da fronteira. Sendo assim, se impôs na região, a despeito da definição da fronteira
militar “intransponível”, uma outra que alargava os limites para o outro lado do Minho e de lá
para baixo, isto é, que tornava o território como um só329.

A Galiza, inicialmente, quando de domínio romano, se chamava Gallaecia, depois


vindo a ser incorporada pelo Reino Suevo, também denominado de Galliciense Regnum. No
século XII, o território começou a fragmentar-se, sobretudo após a edificação do rei de Portugal,
de modo que em finais do mesmo século, Galiza, Leão, Castela e Portugal eram reinos
diferentes. Sobre este longo processo, o mais importante é termos em mente que ainda que
fossem territórios distintos, na prática, havia na região uma significativa identidade comum,
expressa, dentre outros modos, pelo idioma, o galego. O que formava, entre Galiza e Entre
Douro e Minho, ao norte de Portugal, uma identidade geo-cultural, ainda marcante até os dias
de hoje330.

Dentre as intensas trocas na região, está, desde a Idade Média, o trânsito de artistas e
artífices para exercerem seu labor, sobretudo ao norte de Portugal. Manoel Joaquim Moreira da
Rocha, chama a atenção para o fato de no século XIV, João Garcia, galego, ter sido nomeado
“vedor das obras do rei”. Além disso, era notável a presença de galegos na agricultura, que
buscavam nas terras férteis do Norte português o que lhes faltava na Galiza331. No geral, o trato
comercial entre o Norte de Portugal, em especial o Porto, e a Galiza, apresenta marcas de
complementaridade, não sendo uma região dependente da outra, o que é próprio de duas regiões

328
CARVALHO, A. L. Os Mesteres de Guimarães – Vol III. Barcelos: Tipografia Oficina São José, 1951, p. 58.
329
MOREIRA, Luís Miguel. Desenhar a linha: a fronteira luso-galega do Alto Minho na cartografia militar
portuguesa dos séculos XVII-XIX. Revista de Historiografía 23, 2015, p. 47-65.
330
SILVA, Emily Lange da. A cooperação transfronteireiça como oportunidade de desenvolvimento das regiões
de fronteira: da Raia Ibérica à Euroregião Galiza-Norte de Portugal. Tese de Doutoramento em Geografia Humana
apresentada à Universidade do Minho, 2015.
331
ROCHA, Manoel Joaquim Moreira da. Pedreiros galegos no noroeste português no século XVIII. Actas del
XVII Simposio Hispano-Portugués de Historia Del Arte, Cáceres, 1993.
128

separadas332. A intensa permeabilidade das fronteiras, não significava a ausência de conflitos,


os limites da região vieram à baila quando da Guerra da Restauração (1640-1668), que passou
a ter importância geoestratégica, pois a Coroa portuguesa viu-se na contingência de consolidar
as fronteiras nacionais face à ameaça de invasão pelos exércitos hispânicos. Por isso, Entre
Douro e Minho se constituiu em importante centro de operações ao longo do conflito pela
independência de Portugal. Como parte da estratégia, foram feitos levantamentos corográficos,
topográficos e cartográficos de caráter militar, que ajudaram não só nas estratégias de guerra
(construção de fortes, formação das tropas, etc), mas em um melhor conhecimento da região e
de suas fronteiras.

Outro conflito na região que para nós é de particular interesse foi a Guerra da Sucessão
de Espanha (1702-1714), onde toda a fronteira norte de Portugal foi reforçada, em vista de
assegurar o controle da região em meio às contendas vizinhas. É nesse ambiente que nasce três
de nossos habilitandos, os únicos “estrangeiros” dos 46 habilitandos para o Santo Ofício com
quem temos trabalhado. Para nós é um dado significativo, pois, nos trabalhos que conhecemos,
ainda não vimos habilitados galegos pelo Santo Ofício português.

Quadro 18: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Freguesia – Galiza


CARGO HABILITANDO FREGUESIA
Antonio Gonçalves Prego São Payo
Familiar do Santo Ofício João Henriques Santa Maria
Felipe dos Santos Ourense

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

No quadro acima, vemos os três indivíduos nascidos na Galiza, são eles: Antonio
Gonçalves Prego, João Henriques e Felipe dos Santos. Dois nascidos em uma mesma região,
Antonio Prego e Felipe dos Santos, naturais de Ourense e João Henriques, natural de
Pontevedra. De todo o quadro que vimos sobre a região, é importante pensarmos que a despeito
dos limites fronteiriços, que determinavam que Portugal e Galiza eram territórios distintos,
havia uma “comunidade de interesses” que tornava os habilitantes da região muito próximos333.

332
SILVA, Francisco R. da; CARDOSO, António M. de Barros. Intercâmbios comerciais entre o norte de Portugal
e a Galiza na viragem do século XVII para o Século XVIII. Douro – Estudos & Documentos, vol. II (4), 1997, p.
173-213.
333
Ana Cristina da Silva também chama atenção para a existência ao longo do Portugal do Antigo Regime, de uma
“geografia dos interesses”, que marcou a disposição territorial do território português. SILVA, Ana Cristina
129

Neste sentido, os três indivíduos aqui evidenciados, que ainda que fossem “estrangeiros”,
poderiam e foram, ao menos pelo Santo Ofício, tratados como portugueses, com seus nomes,
inclusive, “aportuguesados”, conforme veremos mais à frente.

Brasil

Com a chegada dos portugueses à América, tentou-se, de início, implementar no novo


território o sistema de Capitanias, já usados na Madeira e Cabo Verde334. O primeiro paço para
a implementação foi a doação, por carta Régia de D. Manuel I, da ilha atlântica de São João, a
Fernão de Noronha (que posteriormente viria a nomear a Ilha), em 1504. Contudo, a
estabelecimento efetivo só de seu a partir de 1534. Como o sistema de capitanias não foi eficaz,
em 17 de dezembro de 1548, D. João III estabelece o Estado do Brasil, revogando os poderes
dados aos diversos capitães donatários e dando-os a Tomé de Sousa e nomeando-o primeiro
governador do Brasil. Tomé de Sousa saiu de Lisboa em 1° de fevereiro de 1549, chegando a
Bahia em 29 de março, se dedicando a edificação da cidade de São Salvador da Bahia, que viria
a ser sede do governo geral do Brasil335.

Na prática, segundo diz Mafalda Soares da Cunha, a progressiva ocupação do Estado


do Brasil, resultou muito mais pelas decisões individuais de gentes oriundas de Portugal e de
outras partes do Ultramar português, já que a Coroa não era capaz de fomentar em efetivo esse
processo de ocupação336. Como essas questões não são matéria de nosso trabalho, partamos
para o que aqui nos interessa, a cidade de São Salvador da Bahia, de onde nossos dois
habilitandos são naturais.

Quadro 19: Naturalidade dos Habilitandos quanto à Capitania – Brasil


CARGO NOME CAPITANIA
João Rodrigues Pereira Bahia
Comissário do Santo Ofício
Antonio Rodrigues Pereira Bahia
Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários do Santo Ofício.

Nogueira. O modelo especial do Estado Moderno: Reorganização Territorial em Portugal nos finais do Antigo
Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 61.
334
RUSSEL-WOOD, Anthony John R. Padrões de Colonização do Império Português, 1400-1800. In:
BETHENCOURT, Francisco & CURTO, Diogo Ramada (dir.). A Expansão marítima portuguesa, 1400-1800.
Lisboa: Edições 70, 2010, p. 171-206. RUSSEL-WOOD, Anthony John R. Histórias do Atlântico português. São
Paulo: Editora Unesp, 2013.
335
ALMEIDA, Eduardo Fortunato de. História de Portugal – Segundo Volume. Lisboa: Bertrand Editora, 2004,
p. 208.
336
CUNHA, Mafalda Soares da. A Europa que atravessa do Atlântico (1500-1625). In: FRAGOSO, João;
GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil colonial – Vol I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 289.
130

No quadro acima vemos João Rodrigues Pereira e Antonio Rodrigues Pereira, como
nos é perceptível pelo nome, os dois são irmãos, nascidos na mesma cidade, São Salvador da
Bahia. A cidade foi projetada para ser o centro do governo da região sul da América Portuguesa,
de modo que no início dos setecentos, era a cidade mais importante do Ultramar Português,
sendo a sede do governo geral até 1763. Além disso, Salvador foi sede do único vice-reinado
no mundo atlântico português e também sede do único Tribunal da Relação no Brasil até 1751,
quando foi criado o do Rio de Janeiro, desempenhando papel central na administração secular
e eclesiástica do Brasil337.
Já que nossos dois soteropolitanos são clérigos, no que diz respeito a administração
eclesiástica, Salvador inicialmente ficou sob tutela do bispado de Funchal, se convertendo
depois na sede da Diocese de São Salvador da Bahia, criada em 25 de fevereiro de 1551, pelo
papa Julio II, através da bula Super Specula Militantis Ecclesiae. Em 1676, o papa Inocêncio
XI, a elevou a dignidade de arcebispado e Sé Metropolitana Primacial do Brasil, o que colocava
sob sua égide as recém-criadas dioceses de São Sebastião do Rio de Janeiro e Olinda, no Brasil,
e outras na colônia portuguesa na África (São Tomé, Angola, Congo). Em 1745, foram criados
os bispados de São Paulo, Mariana; e as prelazias de Goiás e Mato Grosso, todos sufragâneos
da Bahia. Esta foi a estrutura de dioceses que perdurou durante todo o período colonial para o
Estado do Brasil338.

Quanto a população, no século XVII, Salvador, tinha pouco mais de 8.000 homens
brancos, além de “milhares de índios e prêtos na cidade; o têrmo contava cerca de 12 mil
brancos, 8 mil índios mansos e uns 4 mil negros”339. No século XXIII, essa soma teria subido
para aproximadamente 40.000 habitantes. Toda essa projeção tornava Salvador um ponto de
convergência de todo o sul da América portuguesa, ao ponto de se ventilar, conforme nos diz
Sonia Siqueira, que:

Já circulavam por essas plagas, notícias das intenções do Rei: ‘Dizia-se então
que el-rei de Espanha queria estabelecer ali uma casa da Inquisição, de que
todos esses judeus estavam mui amedrontados’ testemunhava Pyrard de Laval
depois de haver estado dois meses na Bahia, em 1610340.

Os rumores de fato eram verdadeiros, de modo que em 22 de julho de 1621, Filipe IV,
em Madri, remeteu ao Inquisidor-Geral em Lisboa, uma consulta acerca do intento. Em 4 de

337
RUSSELL-WOOD, A. J. R. A projeção da Bahia no Império Ultramarino Português. In: Anais do IV Congresso
de História da Bahia: Salvador 450 anos. Salvador: IGHB; Fundação Gregório de Matos, 2001, p. 85-89.
338
FEITLER, Bruno. Nas malhas..., 2007.
339
AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade do Salvador. Salvador: Editora Itapuã, 1969, p. 160.
340
SIQUEIRA, Sonia. A Inquisição..., 1979, p. 120.
131

dezembro de 1621 o inquisidor respondeu com uma negativa, o rei, por sua vez, sem dar
ouvidos, ordenou em 09 de fevereiro de 1622 o estabelecimento de um Tribunal do Santo Ofício
no Brasil. Este intento não se efetivou, de modo que toda a América portuguesa, conforme já
dissemos, nunca possuiu um Tribunal do Santo Ofício. Se por um lado o Santo Ofício nunca
deu à Bahia um tribunal, por outro, podemos dizer, que a Bahia deu ao Tribunal de Lisboa, dois
comissários do Santo Ofício que atuaram não ao sul, mas ao norte da América portuguesa, os
nossos já conhecidos irmãos João e Antonio Rodrigues Pereira.

Açores

Em 1415, após a tomada de Ceuta, no estreito de Gibraltar, pelas tropas sob o comando
de D. João I, o Atlântico se torna o vetor de expansão português. Em 1418, chegam a uma ilha
que denominam “Porto Santo”, no ano seguinte, chegam a uma outra que chamam de
“Madeira”, ambas de origem vulcânica e inabitadas. Em 1427 chegam a uma outra, que
chamam de Açores. Segundo Joaquim Romero de Magalhães, essa projeção para o Atlântico
inaugura, ainda que de modo tímido, uma nova concepção do espaço político, militar e
econômico do mundo, sobre o qual pode se estender a soberania portuguesa341. A legitimação
dessa soberania, viria pela mão do papa, que daria ao rei português a prerrogativa de sob a égide
da “evangelização”, dominar os territórios “recém-descobertos”342. Pelo tratado de Tordesilhas,
todas as ilhas atlânticas seriam portuguesas, exceto as Canárias e Fernando Pó343. Temos um
habilitando natural de Portugal insular, Alexandre José Viveiros.

Quadro 20: Naturalidade dos Habilitandos – Açores


CARGO NOME ILHA
Familiar do Santo Ofício Alexandre José Viveiros Ilha de São Miguel, Açores

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiar do Santo Ofício, mç. 10, d. 115.

341
MAGALHÃES, Joaquim Romero de. O açúcar nas ilhas portuguesas do Atlântico séculos XV e XVI. Varia
Historia, vol. 25, núm. 41, enero-junio, 2009, p. 151-175
342
A Santa Sé concedera a Ordem de Cristo em Tomar a jurisdição eclesiástica sobre as “terras conquistadas”
pelos portugueses e que não pertenciam a nenhuma diocese. Em 1522 o papa Adriano VI conferiu a Dom João III
a dignidade de grão-mestre da Ordem de Cristo, que se transmitiu em seguida a todos os reis de Portugal, seus
sucessores. Em 1551 foi concedido também ao rei o grão-mestrado das outras duas ordens a de São Tiago da
Espada e de São Bento. Por ser chefe supremo destas ordens, os reis portugueses passaram a exercer ao mesmo
tempo o poder civil e religioso, sobretudo nos domínios ultramarinos. Portanto, por concessão da Sé Apostólica,
o título de grão-mestre conferia aos reis de Portugal também uma jurisdição espiritual. AZZI, Riolando. A
Instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: HOURNET, Eduardo; AZZI, Riolando; GRIJP,
Klaus van der; BROD, Benno. História da Igreja no Brasil: Primeira Época – Período Colonial. Petrópolis: Editora
Vozes, 2008, p. 155-234
343
MAURO, Frédéric. Portugal, o Brasil e o Atlântico 1570-1670. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.
132

Conforme podemos ver acima, Alexandre José Viveiros, é natural da Ilha de São
Miguel, no Arquipélago dos Açores. A dita ilha, vem a ser a maior de todo o Portugal insular,
possuindo uma superfície de 748,82 km2. Sob o impulso do infante D. Henrique, no primeiro
quartel do século XV começaram, por parte dos portugueses, a ser colonizadas as ilhas do
Atlântico. Como uma das primeiras medidas para estabelecer a organização administrativa
daquelas terras, a Coroa as dividiu em capitanias, dando-as a capitães donatários, sob a condição
desses fomentarem a atração de colonos e exploração agrícola do território. Bartolomeu de
Perestrelo recebeu a Ilha de Porto Santo, constituída como uma capitania; a ilha da Madeira foi
dividida em duas, Funchal e Machico, a primeira concedida a João Gonçalves Zarco e a segunda
a Tristão Vaz Teixeira. Em 1439, D. Afonso V, por carta de 2 de julho do mesmo ano, mandou
povoar as nove ilhas do Arquipélago dos Açores (São Miguel, Santa Maria, Terceira, Faial,
Pico, São Jorge, Graciosa, Flores e Corvo). Segundo Fortunato de Almeida, a colonização dos
Açores foi mais morosa que a da Ilha da Madeira, aponta para isso duas razões: 1° a quantidade
de ilhas ser maior; 2° já terem nelas fixados estrangeiros344.

No que diz respeito a Jurisdição espiritual, em 12 de junho de 1514, o papa Leão X,


erige através da bula Pro excellenti praeminetia, a diocese da Madeira, com sede em Funchal.
Nos Açores, a diocese é criada em 5 de novembro de 1534, pelo papa Paulo III, através da bula
Aequum reputamus. Para criação da diocese, o rei D. João III alega ao papa que as ilhas eram
povoadas de “muitos fidalgos, cavaleiros e escudeiros de muito grandes fazendas e mercadores
de grande riqueza”345. A sede da nova diocese se estabelece em Angra do Heroísmo, na ilha
Terceira.

Por sua localização geográfica privilegiada, ao Açores era ponto de cruzamento das
rotas atlânticas, inicialmente quando do período de colonização de Santa Maria e São Miguel,
estava ligado às rotas da Mauritânia e da Guiné, após, com as rotas da Mina e do Congo. No
início do século XVI, quando se povoavam ilhas de Flores e do Corvo, os Açores começaram
a fazer parte das rotas da Índia e do Brasil. Desde o final do século XV, a Carreira da Índia
entre Lisboa e Goa, usava os Açores como ponto de escala. Tudo isso tornava a região um lugar
privilegiado para aqueles que cruzavam o atlântico.

ALMEIDA, Eduardo Fortunato de. História de Portugal – Vol. II. Lisboa: Bertrand Editora, 2004, p. 206-207.
344
345
ALMEIDA, Eduardo Fortunato de. História da Igreja em Portugal – Vol. III. Porto: Portugalence Editora,
1917.
133

2.2 – Idade

No auto de instauração do processo de habilitação, o comissário responsável na


localidade para onde o habilitando pretende se habilitar, em nosso caso, nas capitanias do Pará
e Maranhão, prepara um documento informando o Conselho Geral do Santo Ofício, em Lisboa,
que se procederá o início das averiguações. Com algumas diferenças, grosso modo, o referido
documento se faz nos seguintes termos:

Convém saber-se na Mesa do Santo Ofício desta Inquisição de Lisboa, por


informação extrajudicial, que tirará em segredo de pessoas fidedignas, legais
e noticiosas, se [nome do habilitando] (...) Virá nesta, por certidões as cópias
dos assentos de baptismo do habilitando, e recebimento dos pais, como
também, a cópia do assento do batismo [nome do possível parente já
habilitado]346.

No excerto acima, que se dirige à “Mesa do Santo Ofício”, informando ao poder central
do início do processo, se cumpre uma prescrição regimental, onde tudo que é matéria
importante, deve ser a ela informada. Em segundo lugar, se faz prescrições acerca da
“qualidade” das testemunhas, devendo ser “fidedignas, leais e noticiosas”, questões a que já
nos referimos. E por fim, determinando que ao processo, sejam trasladados os assentos
paroquiais referentes ao habilitando e seus pais; e quando este possuir um parente já habilitado,
também desse deverá ser trasladado o assento, para assim comprovar o vínculo entre habilitando
– parente habilitado.

O traslado dos assentos é aspecto muito interessante, pois nos permite ver marcadores
importantes da vida dos indivíduos pesquisados, suas datas de “nascimento” e casamento.
Porém, antes de tratarmos acerca da idade dos habilitandos para o Santo Ofício no Grão-Pará e
Maranhão, convém uma caracterização do modo com que fizemos o levantamento dessas
idades. No período, a grande dificuldade para se estabelecer as idades reside justamente no fato
de não haver uma “certidão de nascimento”, que comprove, em efetivo, quando o indivíduo
nasceu. Felizmente, como já dissemos aqui, a Inquisição, na busca por conhecer mais
profundamente aqueles que pretendem servi-la, determina nos autos de investigação, que se
faça a procura e o traslado dos assentos paroquiais de batismo e casamento, o que nos permite,
com alguma fidedignidade, estimar as idades. Há casos ainda, onde eventualmente as
testemunhas fazem menção às idades dos habilitandos, com um habitual “pouco mais ou

346
Texto que habitualmente está no início das investigações extrajudiciais, no início dos processos de habilitação.
134

menos”, como a própria expressão permite entrever, não é muito precisa, mas uma estimativa
de idade. Além disso, quando são feitas essas citações “genéricas” às idades, na maioria dos
casos são números “cheios”, isto é, múltiplos de 10, o que de fato caracteriza mais uma
estimativa, que a idade certa. Como por exemplo acontece com Gaspar Alvares Bandeira347,
habilitado como familiar do Santo Ofício, em 25 de janeiro de 1763. Várias são as testemunhas
que dizem que o dito teria “vinte anos”, ao confrontar este dado com o que encontramos no
traslado do assento de batismo, vimos que Gaspar fora batizado na freguesia da Sé de Belém
do Pará “aos vinte e três de setembro de mil setecentos e trinta e nove”, o que lhe daria 24 anos
quando de sua habilitação. Tento em vista essas condicionantes, vamos aos casos.

Conforme vimos ainda pouco, cabia ao comissário do Santo Ofício da localidade ir


atrás dos livros de registro paroquiais para recolher os assentos, contudo, nem sempre as
informações eram encontradas. Esse é o caso Brás da Fonseca, comissário do Santo Ofício e
abade da paroquial Igreja de São Julião da Vila de Ponte de Lima, que relata que ao procurar
os assentos referentes a José Rodrigues, natural da dita vila, ao encontrar os livros “em que se
escreve e faz os assentos dos batizados e recebimentos, nas duas buscas que fiz, nada achei”.
Felizmente para o comissário, para José Rodrigues e para nós, os assentos foram posteriormente
enviados por outro comissário, João Palha Pereira e Souza, atestando que José Rodrigues fora
batizado “aos 29 dias do mês de agosto de 1719”, o que nos permite dizer que ao ser habilitado,
em 11 de agosto de 1758, possuía 38 anos, ou em vias de completar 39348.

É interessante os meios para se obter a suposta data de batismo de Carlos Gemaque de


Albuquerque, habilitado como familiar do Santo Ofício em 28 de maio de 1773349. Os
comissários, ao procurarem os assentos na Sé do Pará, onde Carlos fora batizado, não
encontram o assento do pleiteante e o de sua avó materna. Com uma nova tentativa, procedem
a procura na Câmara Eclesiástica do Bispado, pois se tinha notícia que lá estava uma
justificação de batismo que Carlos Gemaque recebera para que pudesse contrair o matrimônio,
poucos anos antes. Ao procurarem, de fato acham uma justificação que diz:

Aos vinte e três dias do mês de julho de mil setecentos e sessenta e três anos
me foi apresentada por Carlos Gemaque de Albuquerque, tenente de infantaria
desta praça, sentença de justificação de Batismo que tirou pela Câmara
Eclesiástica desta cidade, na qual mostra ter idade de trinta e três anos e sete
meses, digo, trinta e dois anos e sete meses, por nascer no dia nove de

347
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
348
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237).
349
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 60).
135

dezembro de mil setecentos e trinta e ser baptizado nessa freguesia da Santa


Sé pelo cura que então era o Reverendo Padre Simão Leal350.

Se observarmos, a dita “justificação de Batismo”, não menciona quando de fato Carlos


Gemaque fora batizado, só dando de modo um pouco incerto, a idade do referido e o suposto
dia de seu nascimento. Enfim, no caso em questão não fica claro se Carlos fora de fato batizado,
e muito menos quando fora batizado, ainda mais estranho é quem assina a dita “sentença”, o
“coadjutor Angelo Gemaque de Albuquerque”, que como nos é permitido entrever, é
aparentado, para ser mais exato, tio de Carlos Gemaque de Albuquerque.

A busca pelas informações não encontrava limites, mesmo que fronteiriços. Conforme
já vimos, três de nossos habilitandos são naturais do Reino da Galiza, um deles, João Henriques,
habilitado como familiar do Santo Ofício 10 de novembro de 1761, deu certo trabalho aos
comissários incumbidos de fazerem a recolha de seu assento de batismo. Da Inquisição de
Lisboa, mandou-se um oficio para o Tribunal de Santiago, pertencente a Inquisição
Espanhola351. Na Galiza, foi incumbido de ir atrás dos assentos o comissário D. Antonio
Fernandez, coadjuvado pelo licenciado D. Joseph Melchor. Em posse da carta que o mandara
realizar a procura, Fernandez vai até a Freguesia de Santa Maria, onde acha o registro de
Batismo de João, ou melhor, de “Juan”, ao que toma nota e reporta ao Conselho Geral de Lisboa,
nos seguintes termos:

Señor, en atencion dela comision, que antecede, conque V. S. I. sesime


faborezerme, he practicado las diligenzias correspondientes y pude averiguar,
lo seguiente: Juan Enriquez, pretendiente, es natural dela fleguesia de Santa
Maria de Couso, em cuya Parroquia fue bauptizado, segun consta dela partida,
a dos dias del mês de abril del año de mil setecentos, veinte y cinco, es hijo
legitimo de Matrimonio de Ambrosio Enriquez y de Angela Gardon352.

Aqui vemos, em primeiro lugar, um fato digno de nota, a colaboração entre tribunais.
Ainda que tivessem jurisdições diferentes, os tribunais de Lisboa e Santiago, ambos
pertencentes a Inquisições distintas, trocam informações e acionam seus agentes353. Isso não é
fato novo, segundo Ana Isabel López-Salazar Codes, há vários casos em que os tribunais de
Espanha, sob pedido do Conselho Geral em Lisboa, realizam diligências para habilitação de

350
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 60).
351
Sobre o Terminal de Santiago, ver: CONTRERAS, Jaime. El Santo Oficio de la Inquisición de Galicia: poder,
sociedade y cultura. Madrid: Akal Editora, 1989.
352
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 119, doc. 1890).
353
Sobre a colaboração entre os Tribunais ibéricos, ver: MONTEIRO, Lucas Maximiliano. Comunicação e
cooperação: a Inquisição Ibérica no espaço Ibero-Americano (séculos XVI-XVIII). Tese de Doutoramento em
História apresentada à Universidade de Évora, 2019.
136

agentes354. Além disso, ao fornecer a data de recepção do sacramento por parte de “Juan
Enriquez”, sabemos que o nosso “João Henriques”, ao ser habilitado como familiar do Santo
Ofício, tinha 35 anos.

Cito agora o caso de Antonio Gomes Pires, natural do Couto do Mosteiro, Bispado de
Coimbra, e habilitado como familiar do Santo Ofício em 26 de maio de 1756355. Nas primeiras
inquirições acerca da “vida e procedimentos de Antônio”, o escrivão Antonio Dias do Couto,
ao elencar as testemunhas, diz que as mesmas disseram, acerca da idade do habilitando, que “os
anos que mostrar ter são trinta e seis, pouco mais ou menos”. No decorrer do documento, talvez
por descuido dos comissários encarregados, não são trasladados os assentos de habilitando,
ainda que o façam com os assentos de seus pais e avós, ficando nossa informação acerca da
idade, restrita aquela informada, de modo bem impreciso, pelas testemunhas.

Sob outra perspectiva, mas igualmente imprecisa, é a datação do batismo de um outro


habilitando, Felipe Jaime Antonio, habilitado como Notário do Santo Ofício em 30 de março
de 1787. Felipe, natural do Pará, tem seu batismo registrado nos seguintes termos:

Hei por justificado que o justificante Felipe Jaime Antonio, filho legitimo de
Gregório Esteves de Melo e de Catarina Correia do Amaral, fregueses da
Santa Sé desta cidade, nascido no dia trinta de abril de mil setecentos e
quarenta e seis, foi depois deste dia, noutro que não se sabe, digo declara pelas
testemunhas baptizado na Capela de Santa Tereza da Engenhoca dos
Religiosos de Nossa Senhora do Monte do Carmo, pelo Cônego Antonio
Ferreira Pinto, visto o depoimento do sito seu pai Gregorio Esteves de Melo
que com juramento afirmou haver nascido no dito dia, fundando em uma
lembrança que fez, e com o mesmo fundamentou a mãe do justificante, e a
terceiro testemunha que conduziu a Igreja ou Capela em que recebeu o Santo
Baptismo terem sido seus padrinhos Manoel Esteves da Costa e sua mulher
Thomasia de Amaral, visto que assim depuseram todas as ditas
testemunhas356.

Conforme podemos ver, não se trata do traslado do assento de batismo, mas de uma
justificação, alegando que Felipe Jaime Antonio fora batizado. Contudo, se notarmos, não é
precisado o dia em que o sacramento ocorrera, e igualmente impreciso o local que ocorrera,
inicialmente se afirma como a “capela de Santa Tereza da Engenhoca dos Religiosos de Nossa
Senhora do Monte do Carmo”, depois não se sabe ao certo se fora uma “igreja ou capela”.
Felizmente, para nós, se elenca o possível dia de nascimento, que como vimos, seria o dia “trinta

354
CODES, Ana Isabel López-Salazar. La cuestión de la naturaleza de los ministros del Santo Oficio portugués.
De las disposiciones legislativas a la práctica cotidiana. Madrid: Revista Española de Historia, vol.71, no. 239
,2011, p. 691–714.
355
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 129, doc. 2176).
356
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84).
137

de abril e mil setecentos e quarenta e seis”. Em posse dessa possível data, podemos estimar que
Felipe Jaime Antonio possuiria 40 anos de idade, quando de sua habilitação como Notário do
Santo Ofício. A situação acima, decerto, reforça mais uma vez a imprecisão das marcações de
idade, ficando tudo muito no campo da aproximação.
Igualmente interessante é o caso de José Joaquim Henriques de Lima, habilitado como
familiar do Santo Ofício em 10 de setembro de 1770. José Joaquim, nascido na Freguesia de
Nossa Senhora da Encarnação, em Lisboa, fora batizado em um lugar não muito habitual,
conforme diz o assento de seu batismo:
Aos treze dias do mês de Agosto de mil setecentos e quarenta e quatro, pus os
Santos Óleos em José que por petição devida, foi baptizado em casa pelo
Reverendo Pe. Manoel de Oliveira da Graça, aos vinte e hum dias do mês de
julho próximo, filho de Manoel José Henriques de Lima357.

Acima, como podemos ver, são elencadas duas datas, a primeira, “treze dias do mês
de Agosto de mil setecentos e quarenta e quatro”, relacionada a unção com “os Santos Óleos”;
a segunda, “vinte e hum dias do mês de julho”, relacionada ao “baptizado em casa”. Aqui,
vemos que o catecúmeno José, recebera dois ritos do sacramento do batismo em separado. A
unção com “os Santos Óleos”, correspondia a ungir a fronte e o peito da criança com os óleos
dos catecúmenos e crisma, sinais de que agora era um “consagrado” para Cristo (no grego,
ungido); o segundo correspondia a “imersão”, onde o catecúmeno era imergido na água da pia
batismal três vezes, seguindo a formula: “eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo”, significando que como Cristo entrara morto e saira ressuscitado do sepulcro, o neófito,
pelo Batismo, renascia para uma vida nova358. José Joaquim recebe os ritos em separado, muito
provavelmente In Periculo Mortis, pois nesses casos, a legislação eclesiástica permitia que os
batizados fossem conferidos “em casa”, desde que após um tempo, os demais ritos
“complementares”, como é o caso da unção com os “Santos Óleos”, fossem feitos, o que
aconteceu359. Sendo assim, quando de sua habilitação como familiar, José Joaquim possuía 26
anos.
Por fim, o último caso que gostaria de citar é o de Manoel Alvares Chaves, habilitado
como Familiar do Santo Ofício em 05 de maio de 1764. Quando do recolhimento dos assentos

357
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 123, doc. 2644).
358
ALMEIDA, Francisca Pires. O ritual do batismo em Portugal na Baixa Idade Média e nos inícios do século
XVI, Medievalista [Online], 16, 2014.
359
“Ainda que tenhamos mandado que o batismo se administre pelo próprio pároco na igreja paroquial, e por
imersão, nem por isso deixa de se poder administrar licitamente fora da Igreja, em qualquer lugar, e por efusão ou
aspersão, e por qualquer pessoa nos casos de necessidade, e todas as vezes que houver justa e racionável causa que
obrigue a que assim se faça, como são, se alguma criança, ou adulto, estiver em perigo” Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia, Lv. I, Tít. XIII, n. 43
138

na Freguesia de Santa Maria de Calvão, na vila de Chaves, de onde era natural, o criterioso
comissário ao procurar nos registros da paróquia, encontrou “em hum livro que principitou em
novembro de mil setecentos e seis”, os seguintes termos:
Manoel, filho legítimo de José Alvares e sua mulher Maria Alvares deste lugar
e freguesia de Santa Maria de Calvão, nasceu aos seis dias do mês de junho
de mil setecentos e vinte e seis e eu Padre Caetano Gonçalves por estar
encomendado nesta freguesia o batizei solenemente e pus os Santo Óleos na
pia Baptismal desta igreja aos nove dias do mesmo mês e ano360.

Conforme podemos ver acima, os termos que estavam na “folha sessenta e seis” do
dito livro, precisam não apenas a data do batismo, mas também do nascimento do neófito. Sendo
assim, pelos dados apresentados, podemos afirmar que Manoel Alvares Chaves, ao ser
habilitado pelo Santo Ofício, possuía 37 anos, faltando pouco mais de um mês para completar
38 anos. Além disso, podemos precisar que fora batizado com apenas três dias de vida, já que
nascera “aos seis dias do mês de junho de mil setecentos e vinte e seis” e fora batizado aos
“nove dias do mesmo mês e ano”.
O período acima, de três dias, gira em torno do que é habitual, pois desde o século XIII
já se tornara prática o batismo de recém-nascidos, isso se deve, em primeiro lugar por influência
do Concílio de Florença (1439-1445), bem como as constituições sinodais portuguesas361 da
segunda metade do século XV, determinaram a administração do sacramento entre o
nascimento e oitavo dia de vida, pois segundo a tradição, Cristo havia sido circuncidado com
oito dias, questão que foi reforçada, a nível “universal”, no Concílio de Trento (1545-1563)362.
Em se tratando de América portuguesa, a exemplo do dito acima, as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia exigiam que as crianças fossem batizadas até o oitavo dia, estipulando
penas pecuniárias para quem não cumprisse as determinações363, o que a rigor não se efetivava.
Segundo Paula Roberta Chagas e Sergio Odilon Nadalin, em Curitiba no século XVIII, apenas
em 45,4% dos batismos esse período era observado, logo, na maioria dos batismos, o intervalo
entre o nascimento e a recepção do sacramento era maior ao que a autoridade eclesiástica

360
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 195, doc. 1072).
361
“As Constituições Sinodais dos Bispados (...) é nelas que se encontram estipuladas as directrizes por que se
regiam os tribunais dos Bispos”. PAIVA, José Pedro. Práticas e crenças mágicas: O medo e a necessidade dos
mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740). Coimbra: Livraria Minerva, 1992, p. 45.
362
ALMEIDA, Francisca Maria Vieira Pinto Pires de. O Baptismo em Portugal entre a Idade Média e o século
XVIII. Dissertação de mestrado em História apresentada à Universidade do Minho, 2012.
363
“Como seja muito perigoso dilatar o Baptismo das crianças com o qual passam do estado da culpa ao da graça,
e morrendo sem ele perdem a salvação, mandamos conformando nos com o costume universal do nosso Reino,
que sejam batizadas até os oito dias depois de nascidas; e que seu pai, ou mãe, ou quem delas tiver cuidado, as
façam batizar nas pias baptismais das Paróquias, d’onde forem fregueses: e não cumprindo assim pagarão dez
tostões para a fábrica da nossa Sé, a igreja Paroquial. E se em outros oito dias seguintes as não fizerem batizar,
pagarão a mesma pena em dobro” Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. I, Tít. XIV, n. 20.
139

determinava364. Para exemplificar isso, em um caso próximo a nós, cito João Pedro Gomes,
habilitado como comissário do Santo Ofício em 11 de fevereiro de 1763. Em seu assento de
batismo, recolhido no processo de habilitação, se diz que João “nasceu aos trinta dias do mês
de agosto”, sendo batizado na Freguesia de São Nicolau em Lisboa aos “trinta dias do mês de
setembro de mil setecentos e trinta e quatro”, o que põe um intervalo de um mês entre o
nascimento e a recepção do sacramento.
Pelas situações que apresentamos, é notável as nuances e imprecisões das contagens
de idade no que diz respeito a esses indivíduos, de todo modo, podemos dizer que as idades
atribuídas ficam mais no campo da aproximação, do que da certeza. Tendo em vista essas
condicionantes, vamos aos dados gerais.

Quadro 21: Idade dos Agentes do Santo Ofício no momento da Habilitação


IDADE (ANOS) QUANTIDADE
Menor de 21 1
21-25 4
26-30 4
31-35 8
36-40 8
41-45 11
46-50 4
51-55 2
56-60 2
61-65 3
TOTAL 47

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Os dados acima, correspondem a todos os agentes habilitados pelo Santo Ofício para
o Estado do Grão-Pará e Maranhão, o que inclui: Comissários, Notários e Familiares. Conforme
podemos ver, a maior quantidade dos habilitandos corresponde até a faixa de 45 anos, o que
totaliza 76.59% dos habilitandos365. Pela diferença nas atribuições, só poderemos ter mais
clareza quando analisamos essas idades em face dos cargos específicos, um modo de

364
CHAGAS, Paula Roberta; NADALIN, Sérgio Odilon. Para o mundo e para a eternidade: idade do batismo nas
atas paroquiais (Curitiba, séculos XVIII-XIX). In: Anais do Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2008.
365
Se ressalte que os Regimentos do Santo Ofício não prescrevem idade mínima para os cargos que aqui temos
analisado (Comissário, Notário e Familiar do Santo Ofício), contudo, os Regimentos de 1640 e 1774 fazem
referência que dentre os requisitos obrigatórios para candidatar-se a Inquisidor é ter ao menos trinta anos de idade
e para deputado, ao menos 25. Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal – 1640. Livro I,
Títulos III e V; Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1774). Livro I, Títulos II e III.
140

percebermos isso é através da principal divisão existente entre os cargos: eclesiásticos e leigos.
Se levarmos em consideração que um clérigo só pode ordenar-se com o mínimo de 23 anos, o
que inclusive era exceção, o acesso a comissaria e notaria do Santo Ofício só se daria com mais
idade. Sendo assim, vejamos a idade para cada um dos cargos.

Quadro 22: Idade dos Comissários do Santo Ofício no momento da Habilitação


IDADE (ANOS) QUANTIDADE
Menor de 21 0
21-25 0
26-30 1
31-35 1
36-40 2
41-45 2
46-50 1
51-55 2
56-60 2
61-65 3
TOTAL 14

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários do Santo Ofício.

Conforme podemos ver acima, a maior parte dos comissários está acima dos 41 anos,
10 do total de 14, para além disso, a idade média dos habilitados gira em torno dos 50 anos
(49.14 anos), o que nos permite afirmar a predileção do Santo Ofício em habilitar clérigos mais
experientes. Um modo de entendermos isso é que a grande maioria dos clérigos selecionados,
tem projeção no âmbito dos bispados. Tendo em vista o fato do Comissário do Santo Ofício ser
a maior autoridade da Inquisição na colônia, não é de se estranhar que essa mesma instituição
privilegie os clérigos que se projetam nas localidades, sendo assim, para pertencimento das altas
hierarquias eclesiásticas locais, notadamente nos Cabidos Diocesanos, nas Câmaras e Juízos
eclesiásticos, o candidato já deveria ter idade e experiência de ministério. Por isso, encontramos
essa faixa etária. Grayce Bonfim, para a Bahia, encontra números diferentes, onde 33% dos
Comissários habilitados possui de 41 anos em diante366. Podemos entender essa diferença dada
a oferta de clérigos na Bahia que é bem distinta do Pará, já sendo a Bahia sede arquiepiscopal
desde o século XVII e por consequência com maior quantidade de clérigos e mais bem
formados, bem como com uma ascensão eclesiástica mais rápida. Aldair Rodrigues, por sua

366
SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Para remédio..., 2014, p. 140.
141

vez, ao analisar os Comissários do Santo Ofício em Minas Gerais, diz que a maioria
corresponde ao intervalo de idade 41-50 anos, bem aproximado ao nosso367.
Quadro 23: Idade dos Notários do Santo Ofício no momento da Habilitação
IDADE (ANOS) QUANTIDADE
Menor de 21 0
21-25 0
26-30 0
31-35 0
36-40 0
41-45 4
46-50 0
51-55 0
56-60 0
61-65 0
TOTAL 4

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Notários do Santo Ofício.

Com relação aos Notários do Santo Ofício, é notável que a média de idade é um pouco
inferior aos Comissários, porém, aqui há uma condicionante interessante. Se por um lado os
comissários são eclesiásticos de destaque, por outro, os candidatos a notário, ao pedirem sua
habilitação, estão em funções de menor destaque, sendo párocos ou capelães. Tal dado, nos leva
a crer, que esse era o cargo mais visado por aqueles que não conseguindo projeção nos bispados
e sabendo ser a Comissaria função de significativa importância, acorriam a notaria do Santo
Ofício.
Quadro 24: Idade dos Familiares do Santo Ofício no momento da Habilitação
IDADE (ANOS) QUANTIDADE
Menor de 21 1
21-25 4
26-30 3
31-35 7
36-40 6
41-45 5
46-50 3
51-55 0
56-60 0
61-65 0
TOTAL 29

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

367
RODRIGUES, Aldair Carlos. Igreja..., 2014, p. 142.
142

No que diz respeito aos Familiares do Santo Ofício, podemos ver que a maioria dos
habilitandos corresponde a faixa entre 31-45 anos e mais especialmente, entre os 31-40 anos, o
que corresponde a um total 13 de indivíduos. Ainda mais notável é se pegarmos o intervalo até
50 anos, o que corresponde a 21 habilitandos. Além desses dados, decerto que do quadro acima
salta aos olhos o único indivíduo menor que 21 anos. Trata-se de José Paulino da Cunha,
habilitado como em 20 de março de 1747. Como em seu caso concorrem muitas situações
interessantes, passemos a analisá-lo.
Assim diz a petição inicial de José Paulino da Cunha:

Diz José Paulino da Cunha, que em seu batismo é Paulino, por tomar o nome
de José na Crisma, natural e Bautizado na See Cathedral de N. Sra. de Belem
do Grão-Pará e nela morador, filho legítimo de José da Cunha de Thoar,
natural e Bautizado na Freguesia de S. Quiteria de Meca, Termo da Vila de
Alenquer e D. Anna Ferreira de Oliveira, natural e bautizada na dita Freguesia
da See do Grão-Para. Com que ele suplicante seu irmão Francisco da Cunha
de Thoar fez petição a este Santo Tribunal para ser familiar do Santo Ofício,
com que o suplicante chegou a fazer depósito e que não conseguiu por se casar
com pessoa que não se pode habilitar e se acha por esta causa em má fama
pelo grande prejuízo que lhe faz a sua geração que ele tem grande desejos de
servir a este Santo Tribunal do Santo Ofício. Não pode conseguir sem primeiro
mostrar a limpeza de seu sangue368.

A história de José Paulino da Cunha iniciara bem antes de ser habilitado, quando ainda
era criança. Acontece que seu irmão, Francisco da Cunha de Thoar, “fez petição a este Santo
Tribunal” para ser Familiar do Santo Ofício em 1733, quando José Paulino possuía cinco anos
de idade. Ao longo do processo, fica provado que Francisco não incorria em nenhum
impedimento, contudo, sua habilitação fora “suspensa, por constar que agora de presente se
casara com pessoa infamada e defeituosa”, o que leva seu pedido a ser indeferido, em razão de
“casar com pessoa que não se pode habilitar”. Aí que o jovem estudante de gramática, José
Paulino, entra na história. Como o impedimento da cunhada não habilitara seu irmão, começou
a correr o dito que sua família “incorria em algum impedimento”, o que forçara a José Paulino
submeter-se ao Santo Ofício, em vista da “má-fama” que pairava sobre si e os seus, causando-
lhe “grande prejuízo”. Como, conforme já dissemos, Francisco e por consequência José
Paulino, não incorriam em impedimento, o pleiteante é habilitado com uma interessante
condicionante. Em despacho no Conselho Geral em Lisboa, datado de 20 de junho de 1746, se
informa que José Paulino estava por completar seus “20 anos no mês de janeiro próximo futuro,

368
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 56, doc. 865).
143

pelo que aprovo e habilito, com condições, porém, que antes do dito mês se lhe não passe a
provisão de Familiar”.
Sobre essa história, há algumas questões que gostaríamos de esmiuçar ainda mais. A
primeira delas é decerto o significado da busca pela habilitação do Santo Ofício por parte de
José Paulino. Dizer que ele segue os passos do irmão é deveras limitante, talvez José Paulino
sequer tenha projetado servir ao Santo Ofício, o que possivelmente era um intento de seu irmão
Francisco, contudo o não deferimento do irmão, forçou-lhe a buscar a habilitação. Sendo assim,
o aparente intento de “servir a este Tribunal do Santo Ofício”, era, na verdade, o de em
“primeiro mostrar a limpeza de seu sangue”. Outro aspecto interessante é a quanto da
condicionante para o recebimento da carta de familiar, devendo ser só após José Paulino
completar 20 anos de idade. Acontece que José Paulino da Cunha, tem sua provisão lavrada em
20 de março de 1747, data com que supostamente já teria 20 anos, conforme o parecer de “20
de junho de 1746” assim o diz. Ao cruzarmos essa informação com o traslado do assento de
batismo de Paulino (lembro que assumira o nome de José quando da recepção do sacramento
da Crisma), se diz que fora batizado “aos 14 dias do mês de janeiro de 1728” na Sé do Pará,
logo, quando da recepção da familiatura, José Paulino na verdade possuía 19 anos.
Tal fato, atesta o que ao longo do presente tópico temos falado, a imprecisão das
marcações de idade para o período. A título de informação, se compararmos a idade de José
Paulino com o que determina as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia para se
contrair o sacramento do matrimônio, o que é um indício do que se considerava à época uma
“idade da razão”, vemos no título 62 do livro I que “o varão para poder contrair matrimônio,
deve ter quatorze anos completos, e a fêmea doze anos também completos”369. Logo, podemos
dizer que José Paulino teria idade para ser habilitado como Familiar do Santo Ofício. Sobre o
assunto, James Wadsworth, analisa na Capitania de Pernambuco que 33% das habilitações (225
de um total de 663) eram expedidas para menores de 25 anos, logo, o caso de José Paulino não
era exceção370. Se por José Paulino da Cunha temos o mais jovem habilitado, vamos, a título
de informação, ao mais velho, Felipe Camello de Brito, habilitado como Comissário do Santo
Ofício em 15 de abril de 1768, com 65 anos de idade371.
Felipe e José Paulino, o mais velho e o mais novo habilitado, respectivamente, tem,
apesar da enorme diferença de idade, aspectos em comum. Ambos, ao pedirem habilitação,

369
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. I, Tít. 62.
370
WADSWORTH, James E. Children of the Inquisition: minors as familiares of the Inquisition in Pernambuco,
Brazil 1613-1821. Luso-Brazilian Review, n. 42, 2005, p. 21-43.
371
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84).
144

aproveitam o processo de seus irmãos, e a motivação também é a mesma, a “limpeza de


sangue”. Felipe Camello de Brito já é nosso conhecido, analisaremos seu caso de modo mais
detalhado em outro capítulo, citemos de modo sumário as informações, a título de informação
e comparação com o caso de José Paulino.
Felipe entrara com o pedido em fevereiro de 1764, aproveitando a habilitação de seu
irmão, Inácio Camelo de Brito, “para a qual já tinha depositado”. Inácio, por sua vez, entrara
com o pedido em dezembro de 1760. No ato do processo de habilitação de Inácio, aparecem os
rumores de “sangue cristão-novo” em seu tronco materno, fato que as testemunham alegam por
unanimidade. O processo vai se desenrolado, vindo Inácio a falecer sem receber deferimento.
Acontece que nesse interim, um outro Comissário do Santo Ofício é habilitado para o
Maranhão, João Pedro Gomes, que recebe sua provisão em 11 de fevereiro de 1763, para nós,
esse fato é um divisor de águas. Felipe e João Pedro tinham muita proximidade no âmbito da
cúria episcopal do Maranhão, a proximidade entre os dois, pode ter “sepultado” impedimento
dos Camello de Brito. José Paulino e Felipe, de modo distintos, tentam, via habilitação, provar
a “limpeza de sangue” de suas famílias; as vias do deferimento seguem caminhos diferentes,
mas nos dois casos, podemos dizer, a finalidade é, decerto, a mesma.
Tendo em vista essas questões, podemos dividir a média das idades de acordo com o
estado de vida dos habilitandos, eclesiásticos e leigos. No que diz respeito aos clérigos, a grande
maioria está na faixa superior aos 36 anos, o que pode ser entendido pela predileção do Santo
Ofício em habilitar padres com projeção na hierarquia das dioceses, aspecto que abordaremos
mais à frente. Se, pois, os clérigos de maior destaque eram habilitados, é natural que sejam mais
“maduros” e com larga experiência, portanto, com mais idade. Quanto aos leigos, a grande
maioria está na faixa até os 40 anos. Esses dados, vistos em conjunto, ilustram, no primeiro
caso, o uso que os clérigos faziam da carta de membros do Santo Ofício, como modo de
reafirmar seus poderes e sua influência no âmbito das dioceses; no segundo caso, ao pedirem
habilitação ainda “jovens”, os habilitandos a familiar a viam como modo de distinção social e
afirmação de sua inserção na sociedade local. Além da idade, há uma outra condicionante
interessante para pensarmos em que “estágio de vida” esses indivíduos solicitam o serviço ao
Santo Ofício, o seu estado conjugal.

2.3 Estado Conjugal

Ao Santo Ofício, no ato de investigação da “vida e procedimentos” daqueles que


buscavam servi-lo, também estava o estado de vida da pessoa. No livro I, título III, do
145

Regimento do Santo Ofício de 1640, assim prescreve o item “como procederão com os oficiais
que quiserem casar”:
Quando algum oficial, ou familiar do Santo Ofício fizer em mesa saber aos
Inquisidores como trata de se casar, eles pedirão o nome da mulher e de seus
pais, e avós, e da terra donde são naturais, e moradores, e lhe dirão, que não
deve receber se até a mesa lhe ordenar o que convém fazer nesta matéria; e
logo lhe mandarão tirar informação da limpeza de sangue, na forma que no
título primeiro deste livro, §4° se dispõem; e, sendo aprovada no Conselho,
lhe dirão que pode casar com ela livremente, e não sendo, lhe dirão que se
casar não pode ser oficial do Santo Ofício. E casando alguns deles sem dar
conta primeiro na mesa, os Inquisidores o suspenderão de seu ofício, até se
fazer a sobredita informação; e sendo aprovada no Conselho, lhe será
levantada a suspensão; e sendo reprovada, será privado do ofício que tiver.

Conforme podemos ver acima, o regimento é categórico quanto a necessidade, por


parte do agente habilitado, de submeter sua possível esposa ao mesmo processo de habilitação
a que se submeteu, ou ainda, sendo casado, fornecer o nome de sua esposa e ascendentes para
averiguação. Em relação aos 47 agentes que temos estudado, naturalmente aqui se excetuam os
18 clérigos, que em razão da disciplina eclesiástica, que os obriga ao celibato, não podem
contrair o sacramento do matrimônio. Em relação aos 29 habilitandos para Familiares do Santo
Ofício, no que diz respeito ao estado civil, quando do pedido para habilitar-se ao Santo Ofício,
encontramos o seguinte:

Quadro 25: Estado Conjugal dos Familiares do Santo Ofício


ESTADO QUANTIDADE
Solteiro 19
Casado 9
Viúvo 1
Total 29

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Conforme podemos observar, os indivíduos habilitados como Familiares do Santo


Ofício para o Grão-Pará e Maranhão, eram em sua maioria, solteiros, totalizando 19 indivíduos.
Seguido por nove casados e um em estado de viuvez. Desses 19 solteiros, quatro contrairão o
sacramento do Matrimonio após serem habilitados. Nesse sentido, a cifra de casados seria, ao
todo, correspondente a 23 indivíduos. Ao analisar o estado civil dos Familiares do Santo Ofício
em Minas Gerais, Aldair Rodrigues encontra um movimento parecido, com a maioria dos
habilitandos sendo solteiros, ainda que a soma seja bem mais vultosa que a nossa, totalizando
92% dos indivíduos. James Wadsworth, para Pernambuco, demonstra que quando do pedido de
146

habilitação, 59% dos indivíduos eram solteiros (383 indivíduos), 32% eram casados (206
indivíduos) e 9% de viúvos (11 indivíduos), porcentagens próximas as que encontramos para
o Grão-Pará e Maranhão372. Outro aspecto interessante é quanto a naturalidade das esposas,
conforme podemos ver o quadro.
Quadro 26: Naturalidade das Esposas
NATURALIDADE NÙMERO
Portugal Continental 4
Grão-Pará e Maranhão 5
Total 9

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Se compararmos esses dados ao que encontramos em relação a naturalidade dos


familiares habilitados, vemos uma diferença significativa, enquanto no primeiro caso os reinós
correspondem a 62% do total, aqui, a maioria das esposas são nascidas no Grão-Pará e
Maranhão, o que significa que migrando para a América, aqui contraiam matrimônio, o que se
constituía em um dos modos de fixação ao território. Três são os casos em que reinóis casam
com naturais do Pará. O primeiro deles é o de Bento Pires Machado, natural de Lisboa e
habilitado como familiar do Santo Ofício em 04 de setembro de 1764, que contraiu matrimônio
pouco menos de 10 anos antes, com D. Catharina Maria de Góes, natural de Belém do Pará373.
O segundo, João Ferreira Touquinho, natural e Braga e habilitado em 30 de março de 1787,
casou-se em 09 de maio de 1775, com D. Catharina da Silva, natural de Belém do Pará 374. Por
fim, o terceiro trata-se de Feliciano José Gonçalves, natural de Lisboa e habilitado em 26 de
março de 1790, casou-se com Maria Rosa, natural também de Belém do Pará375. Das nove
esposas que vimos acima, essas dizem respeito aqueles habilitandos que se declararam casados
quando do pedido de habilitação, se a essas nove acrescentarmos outras quatro, que contraíram
matrimonio após a habilitação de seus maridos, os casamentos de reinóis com “naturais da
terra” sobe.
Dos três casos acima, pensemos algumas questões a partir de dois, os que envolvem
João Ferreira Touquinho e Feliciano José Gonçalves. Conforme já vimos, João Ferreira
Touquinho casara-se com D. Catharina da Silva no dia 09 de maio de 1775, na “Santa Sé do
Pará”. Ele era natural da freguesia de São Salvador de Toquinho, termo de Barcelos,

372
WADSWORTH, James E. Agents..., 20217, p. 130.
373
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
374
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 164, doc. 1390).
375
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 27).
147

Arcebispado do Braga e sua esposa natural da “cidade do Pará”, o que a princípio, nos colocaria
diante de um casamento exógamo, pois seriam de grupos distintos, ele um reinol e ela nascida
no Pará, porém, toda a ascendência de Catharina era originária do reino, o que nos permite dizer
que na prática, não seria uma união exógama. Nessa mesma perspectiva está a união de
Feliciano José Gonçalves com Maria Rosa, que contraíram matrimônio em 15 de agosto de
1784. Ele reinol, ela nascida do Pará, constituiriam em tese um casamento exogâmico; acontece
que ao analisarmos a ascendência de Maria, vemos que seu pai e sua mãe, Caetano José Gomes
e Anna Joaquina, eram naturais de Lisboa, mesma cidade de Feliciano. Esses casos nos
permitem afirmar, que acontecia na realidade uma endogamia oculta376. Neste sentido, ainda
que a maioria das esposas sejam nascidas no “Grão-Pará e Maranhão”, suas ascendências
imediatas são de reinóis.
Em relação ao trâmite processual, esses são os casos “ideais”, isto é, onde esposa e
marido passam juntos, pelo processo de averiguação. Conforme já dissemos, o regimento é
claro ao dizer que em caso de casamento posterior, antes de “contrair núpcias”, o agente deve
informar ao Santo Ofício acerca de seu intento, só podendo estabelecer o consorcio após
expressa autorização do tribunal. Felizmente, para nós, o Santo Ofício junta ao processo de
habilitação do marido, o da futura/atual esposa, o que nos permite ver as exceções à regra. Esse
é o caso de Elias Caetano de Matos, que pouco depois de completar 10 anos como familiar do
Santo Ofício, casa-se com Quiteria da Conceição. Assim encontramos no documento:

Diz Elias Caetano de Matos natural da cidade de Lisboa e Familiar do Santo


Ofício, que ele passou a residir na cidade e capitania do Pará, aonde se tem
estabelecido com casa, roças e escravos, e desejando para bem da sua alma e
da sua pessoa tomar estado, se ajustou para casar com hua filha de Manoel da
Costa Couto em o princípio do ano de 1748 com tenção de haver primeiro as
licenças que na sua carta de Familiar da Santa Casa se lhe recomendam. Mas
como se retardou por muitos meses a monção dos navios e neste tempo lhe
sobreveio uma enfermidade em que padeceu muitas faltas de assistência,
atendendo a isto e aos desgovernos que então conheceu da sua casa em mãos
de índios, e não menos aos perigos em que estava de incontinência entre
índios, tudo gente rústica e de poucas obrigações. Como também a ter a
mulher, com que se tinha contratado, dois irmãos sacerdotes, e ser a sua
família geralmente bem opinada na sanguinidade honra e costumes, sem nem
rumor de infâmia, se resolveu a recebe-la, como com efeito a recebeu em facie
Ecclesia no dia 18 de maio deste presente ano de mil setecentos e quarenta e
nove, com a licença presumpta do Santo Tribunal, que em tais circunstâncias
não deixaria de concede-la, deixando devolutas as suas diligências para depois

376
A endogamia oculta se caracteriza como “um padrão nupcial ainda endogâmico do ponto de vista étnico-
cultural, mas não endogâmico de um ponto de vista formal”. TRUZZI, Oswaldo Mario Serra. Padrões de
nupcialidade na economia cafeeira de São Paulo (1860-1930). R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p.
169-189, jan./jun. 2012, p. 176.
148

da celebração do matrimonio: do que tudo o suplicante da parte, e pede a


Vossa Eminencia pelo amor de Deus, se sirva de admitir a habilitar-se pelo
Santo Tribunal a dita sua mulher, mandando fazer todas as diligências
necessárias para esse fim. Declara o suplicante que a sua mulher é natural da
Cidade do Pará, filha de Manoel da Costa Couto, natural da Freguesia de São
Matias da Vila de Tapuytapera de Santo Antônio de Alcântara e de sua mulher
Dorotéa de Souza, natural da Freguesia de Nossa Sra. da Graça da Cidade do
Pará377.

Do trecho acima, há alguns aspectos a serem ressaltados, o primeiro deles é a palavra


“diz”, referente a Elias, que enquanto membro da Inquisição, comunica à “Mesa”, conforme o
Regimento, que contraíra matrimônio. Ao fazer menção a isso, emenda com uma justificativa
de “fé”, casando-se mesmo sem autorização do Santo Ofício, pois assim o via necessário “para
o bem de sua alma e da sua pessoa”. Essa justificativa não se dá por acaso, era muito comum
que o casamento In facie Ecclesia378 se desse após algum período de convivência marital, logo,
possivelmente, Elias Caetano casara-se também para não estar em situação “irregular” perante
a igreja379. Além disso, justifica pela distância e demora de “muitos meses a monção dos
navios” e por ter sido pego por uma “enfermidade em que padeceu ”. Justificada a demora em
avisar, Elias para reforçar o seu “desvio” de casar-se sem autorização, usa o fato da família de
sua esposa ter reputação “bem opinada”, além de ter como cunhados dois clérigos. Por fim,
com um não habitual “pelo amor de Deus”, pede para que sua esposa seja habilitada. O exagero
nos rogos, se deve, podemos dizer, pelo fato de Elias ter ciência das penas que poderiam lhes
ser infligidas caso sua esposa não fosse habilitada, podendo, inclusive, perder sua patente de
familiar do Santo Ofício.
Fazendo uma retrospectiva, Elias Caetano de Matos casara com Quiteria da Conceição
em 18 de maio de 1749, o pedido para habilitação de sua esposa é recebido em 30 de setembro
de 1749, tempo a partir do qual sua carta de familiar, fica, em tese, suspensa. Em 23 de
dezembro de 1750, o comissário Lourenço Alvares Roxo, em Belém do Pará, após ouvir
testemunhas, levanta possíveis impedimentos, pois a avó de Quitéria, “tinha alguma coisa de

377
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 03).
378
Essa expressão latina designa que perante a Igreja, os contraentes estabeleceram seu consórcio. Nos Traslados
dos registros de casamento que encontramos nas habilitações, é recorrente o uso da expressão ainda acompanhada
de “Na forma do Sagrado Concílio de Trento”. Não podemos perder de vista, que o casamento e sua celebração,
para além do cerimonial que o acompanha, é um dos mais importantes ritos de passagem e marcam a vida dos
indivíduos. LEBRUN, François. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa: Edições Rolim, 1983, p. 44. Ainda
sobre o tema, convém lembrar que na Europa, a partir do século XII, o controle normativo das famílias passa da
legislação "civil" para a Igreja, aspecto fundamental que vai condicionar a visão da sacramentalidade e
indissolubilidade do matrimônio, questão definida depois, com o Concílio de Trento. SARACENO, Chiara;
NALDINI, Manuela. Sociologia da família. Lisboa: Editorial Estampa, 2006, p. 129.
379
Maria Beatriz Nizza da Silva chama atenção que já nos esponsais, era comum o início da convivência marital,
o que ainda que condenado pela Igreja, era prática recorrente. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de
Csamento no Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP, 1984, p. 84-89.
149

sangue Tapuia, a que chamam sangue da terra, isto é, já era filha de mameluca”, informando
ainda que os irmãos de Quitéria, eram clérigos “ambos beneficiados da Sé Catedral desta cidade
e a todos conheço por serem dela naturais e meus vizinhos”. Pelo que podemos ver, o comissário
levanta um impedimento de sangue, que na realidade, não se efetiva enquanto tal, pois o próprio
Lourenço, tendo sangue “da terra”, fora habilitado como Comissário do Santo Ofício
(obtivemos essa informação em sua habilitação), além disso, cita conhecer os irmãos de
Quitéria, que enquanto clérigos, teriam passado por processo de averiguação genealógica. O
parecer de Lourenço encerra as averiguações “locais”, que foram após isso remetidas à Lisboa,
se o processo de habilitação iniciara em setembro de 1749 e fora concluído a “nível local” em
dezembro de 1750, o que explicaria a demora em vir do Conselho Geral uma decisão? Temos
uma possível resposta, no parecer final do Conselho Geral datado de 29 de abril de 1753:

Vistas as diligências de Quitéria da Conceição natural de Pará, casada com o


familiar Elias Caetano de Matos e dela consta a identidade da sobredita, é filha
e neta dos pais e avós confrontados na petição e que é de limpo e puro sangue
sem fama nem rumor em contrário e sem infâmia alguma como depõe as
testemunhas. Nas origens consta nas certidões tem ela possa obstar o ter
sangue de gentio ou da terra por via materna, não foi mais vezes casada, nem
teve filhos, pelo a julgo cristã velha e se faça aviso ao sobredito familiar que
alega causa justa para contrair o matrimônio sem proceder licença.

No parecer, assinado pelo conselheiro Bento do Amaral e mais outros seis deputados,
segue as palavras de praxe, informando, porém, o que seria o impedimento de ter “sangue de
gentio ou da terra por via materna”. O fato de terem usado a expressão “possa obstar”, nos
permite entrever que o que em tese seria um impedimento, na prática, ficava mais no campo da
possibilidade, logo, não era um impedimento em efetivo. Além disso, esse caso demonstra mais
exceções às regras, pois ao dizer que se “faça aviso ao sobredito familiar”, o Conselho Geral
pede que se informe a Elias que agira bem ao casar-se “sem proceder licença”, pois assim o
fizera em “causa justa”. Nesse sentido, podemos dizer que a habilitação de Elias “puxa” a de
sua esposa, Quitéria. Por fim, em 12 de maio de 1753 Quitéria da Conceição é habilitada; e
Elias Caetano de Matos, que rogara ao Conselho Geral da Inquisição que a habilitasse “pelo
amor de Deus”, tem seu pedido deferido, podendo agora voltar estampar sua medalha de
familiar do Santo Ofício.
Nessa mesma perspectiva está José Rodrigues, habilitado em 11 de agosto de 1758380.
Sendo habilitado solteiro, seu processo é bem célere, tendo iniciado pouco mais de um ano

380
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237).
150

antes de ter seu pedido deferido. Em 1762, ao fazer a petição para habilitar sua esposa, Maria
Josefa Ribeira
Diz José Rodrigues Lima, morador na cidade de Belém do Grão-Pará, que
pretendendo ser familiar do Santo Ofício desta Inquisição de Lisboa, foi com
efeito admitido ao tal emprego, e se lhe remeteu sua carta para tomar
juramento, mas a tempo que já se achava contratado para casar com Maria
Josefa Ribeira, natural da Vila de Nossa Sra. de Nazaré da Vila da Vigia, com
a qual se celebrou o sacramento do matrimônio, por lhe ser assim útil,
conveniente e porque necessita habilitar a dita mulher.

Pelo dito acima, é notável que José “escondeu” do Santo Ofício, por pelo menos quatro
anos, que estava casado, podemos afirmar isso pois quando de receber o deferimento de sua
habilitação, já estava acertado seu consórcio com Maria Josefa. Na retórica usada na petição,
chama atenção a justificativa para casar-se, mesmo sem a anuência do Inquisição, dizendo que
assim o fizera, “porque necessita habilitar a dita mulher”. Nesse sentido, o casar-se foi um modo
de “forçar” a habilitação da esposa, que por sinal delonga um bom tempo, só recebendo o
deferimento, após muitas averiguações e “idas e vindas” do processo à Mesa do Conselho Geral,
em 23 de janeiro de 1766.
Se o fato de seus maridos Elias Caetano de Matos e José Rodrigues Lima já terem sido
habilitados, podem vir a ter sido a razão dos “impedimentos” de Quitéria da Conceição e Maria
Josefa serem desconsiderados, há um outro onde a esposa pode ter “puxado”, ao menos de
início, a habilitação do marido como familiar. Trata-se de Amandio José de Oliveira Pantoja,
habilitado como familiar do Santo Ofício em 21 de agosto de 1799, após um longo processo.
Amandio, casara-se com Francisca Xavier de Sequeira e Queirós, que anteriormente fora casada
com Gonçalo Pereira Viana. O primeiro marido de Francisca tinha sido familiar do Santo
Ofício, o que a tornava também habilitada pela Inquisição. O fato de ter sua esposa habilitada,
pode ter impulsionado Amandio a submeter-se ao escrutínio do Santo Ofício, porém, essa
possível “ajuda” da esposa no processo, não se efetivou na duração.
A habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja, demora exatos 9 anos, 11 meses e
20 dias381 até o deferimento. Seu exemplo nos ajudará a entender outras condicionantes para o
tempo de andamento do processo, bem como relativizar que o fato de que possuir um parente
habilitado, tornava o tramite processual mais rápido. Amândio solicita ser habilitado em 1 de
setembro de 1789, citando que era “casado com D. Francisca Xavier de Siqueira e Queirós...foi
casada com o Capitão Gonçalo Pereira Viana, familiar do Santo Ofício, que há anos faleceu”.
Se o problema não era na linhagem da esposa, recai sobre a família de Amândio um possível

381
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 10).
151

impedimento que possa ter atrasado sua habilitação. O primeiro dos impedimentos que nos vem
à mente é quanto a “limpeza de sangue” de Amândio, seria ele descendente de “judeu, mouro,
mourisco ou gente novamente convertida a nossa Santa Fé”?

Já dissemos, mas é bom reforçar como a questão de sangue era importante no contexto
apresentado, o que torna o processo de habilitação e a obtenção da patente do Santo Ofício um
fim muito visado. Se ser familiar era a prova “inconteste” da limpeza de sangue, a demora em
habilitar-se era razão de acaloramento de suspeitas. Contudo, esse não era o caso de Amândio
José de Oliveira Pantoja, pois como já dissemos, essas exigências foram abolidas em 1773.
Seriam então seus procedimentos que o desabonavam? Das 33 testemunhas que depõe sobre
ele, a maioria dá bom testemunho. Contudo, o carpinteiro João Guedes, que conhecera Amândio
no tempo de soldado diz que “tivera uma vida estragada”, Francisco de Almeida cita que o
habilitando era chegado ao “vício de cartas”. Essas citações levam o notário Felipe Jaime
Antônio, responsável pela recolha dos testemunhos a dizer que “os procedimentos do
habilitando são maus” pelo que o “julga indigno do que pretende; será grande escândalo se ele
obtiver a graça que pretende”382. O caldo é engrossado por um impedimento ainda mais grave,
o pai de Amândio, Manuel de Oliveira Pantoja, fora processado pelo Santo Ofício.

De tão pitoresco o caso, convém descrevê-lo sucintamente. Instalada a Visitação do


Santo Ofício em 25 de setembro de 1763, já no dia seguinte o primeiro a bater à porta do
Hospício de São Boaventura é o citado Manuel de Oliveira Pantoja. Para confessar que “haverá
dezesseis anos pouco mais ou menos”, que se “vestira de clérigo” para caçoar de uma “velha”
que possuía muito “desejo de casar”. O fato se deu na Capela de Santo Antônio, que ficava no
engenho do mestre de Campo Antonio Ferreira Ribeiro, às margens do Rio Acará. Manuel se
paramenta “vestindo ele confitente a dita loba impondo-se o barrete”, chamando a dita velha
para “confissão”. Durante a simulação do sacramento, diz que um de seus amigos, de nome
Alonso, queria se casar com ela, mas que havia um porém, pois Alonso “tinha o membro viril
de desmarcada grandeza apontando a grandeza com o braço”, ao que a velha respondeu: “não
importava porque também ela paria uma criança com grande cabeça”. O fato foi observado por
pelo menos sete testemunhas, dentre elas o capelão da dita capela. A rapidez com que Manuel
vai confessar não é por acaso, em meio a tantas testemunhas era fato que em algum momento
o acontecido chegasse a mesa do visitador. A história ecoa que passados mais de trinta anos as
testemunhas a citam. É interessante a justificativa de Manuel para o que fizera, dizendo-se

382
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 10).
152

arrependido pois sua intenção era apenas “caçoar da dita velha” e não cometer sacrilégio 383. Por
tudo que dissemos, é compreensível a demora do processo, mais que isso, seria natural que o
pedido de habilitação fosse indeferido, contudo, em 21 de agosto de 1799, Amândio José de
Oliveira Pantoja é criado familiar do Santo Ofício.

A nosso ver há duas respostas possíveis para que Amândio passasse no “crivo”. Uma
que diz respeito a sua projeção social de sua família, atestada pelas testemunhas que a definem
“dos melhores da terra”, “gente nobre”, “família das principais”. Ser representado por pessoas
de projeção era de fundamental importância para o Santo Ofício, mesmo se eventualmente
tivessem alguns impedimentos. Contudo, a maior razão se deve a diminuição na atitude
repressiva que o Santo Ofício experimentara desde a abolição dos estatutos de limpeza de
sangue em 1773, onde, segundo José Pedro Paiva, a instituição passou a ser uma “Inquisição
sem inimigo”384. Se notarmos, a habilitação se dá 22 anos antes da extinção, onde o fluxo de
pedidos para patente caíra drasticamente, é possível que isso tenha relaxado as exigências e
permitido tornar Amândio familiar, com uma esposa já habilitada.

Temos um único caso de habilitando já viúvo, trata-se de Manoel Joaquim Gomes, o


último de nossos habilitados como familiar do Santo Ofício385. Ao fazer sua petição inicial, em
julho de 1804, época em estava com 33 anos, Manoel Joaquim diz que fora casado com
Catharina Antonia de Oliveira, que lhe deixara dois filhos: Domingos Germano Gomes e
Antonio Belarmino Gomes. Manoel era natural da Freguesia de Santa Izabel, em Lisboa;
Catharina, natural de Belém do Pará, porém, seus pais, eram nascidos no reino, o que caracteriza
mais um caso de endogamia oculta, a que já nos referimos. Nos testemunhos recolhidos em
Lisboa, nas Freguesias de Santa Izabel, de onde Manoel era natural; e na de São Nicolau, de
onde o pai de Manuel era natural; as testemunhas não fornecem muitas informações acerca do
estado de vida de Manuel, quando muito, afirmam que “era viúvo e que lhe restaram dois
filhos”, nos permitindo perceber que no lado de lá do Atlântico, chegara a informação do
Matrimônio de Manoel Joaquim com Catharina, porém sem fornecer maiores detalhes como e
desde quando o habilitando estivera viúvo

Das cinco primeiras testemunhas ouvidas no Pará, mais precisamente na Freguesia de


Santana do Rio Capim, quatro mostram como um “crescendo” de informações acerca do
casamento de Manoel Joaquim. A primeira, João de Araújo Rozo, “capitão de humas das

383
LAPA, José Roberto do Amaral. Op cit...
384
PAIVA, José Pedro; MARCOCCI, Giuseppe. História..., 2013, p. 359.
385
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 260, doc. 1755).
153

companhias de ligeiros”, faz menção a “ser constante nesta cidade que o habitando é viúvo,
mas não sabe se tem filhos legítimos ou ilegítimos”. Por sua vez, o negociante Antonio José
Pereira, vai além, ao informar que o habilitando “é viúvo e que lhe conhece de vista dois filhos
legítimos que teve de seu matrimonio”. Outro negociante, Antonio José Alves, nos fornece
dados ainda mais precisos, ao afirmar que “sabe por ver e assistir ao seu casamento celebrado
na Freguesia da Sé desta cidade que ele recebeu com Catharina Antonia de Oliveira já defunta
de cujo matrimonio teve filhos”. Por fim, Caetano José Pinto, faz menção a viuvez de Manoel
Joaquim e acrescenta que conhece a um filho “que anda na escola”. Essas testemunhas, são
todas ouvidas no mesmo dia. Se notarmos, as informações vão se complementando: a primeira
fala da viuvez, mas desconhece a existência dos filhos; a segunda, acrescenta os filhos; a
terceira, diz ter estado quando da celebração do matrimônio; e a quarta, cita que um dos filhos
estava estudando. Como os depoimentos são colhidos um após o outro, podemos pensar que as
testemunhas poderiam ir complementando as informações sobre o habilitando e seu casamento,
ainda que, em tese, não deveriam falar da “razão para que foram chamadas”, mantendo tudo
“em segredo e não dissessem a ninguém”.

As demais testemunhas, ouvidas nas averiguações seguintes, acabam por repetir essas
informações, de modo que não nos fornecem quando se dera o falecimento de Catharina
Antonia. Por outro lado, pelos assentos paroquiais, conseguimos colher alguns dados
interessantes. O primeiro deles é a data que acontecera o enlace, fato narrado pela testemunha
Antonio José Alves, no assento, passado na Sé do Pará, consta que acontecera “aos nove dias
do mês de julho de mil setecentos e oitenta e nove”, época em que Manoel Joaquim contava
com 18 anos. Também houve a recolha dos assentos batismais dos filhos, onde podemos ver
que Domingos fora batizado em 13 de março de 1795 e Antonio em 07 de julho de 1797. Vemos
assim que há um espaço de quase seis anos entre a recepção do Sacramento e nascimento do
primeiro filho, além disso, por essas informações, podemos dizer que quando do pedido para
habilitar-se, Manoel Joaquim com seus 33 anos, possuía dois filhos, um com idade de quase
nove anos e outro com sete. Por fim, sem grandes impedimentos, o parecer final da habilitação
datado de 29 de março de 1805 é favorável a habilitação, fazendo menção à esposa, com as
seguintes palavras:

Catharina Antonia de Oliveira natural da Freguesia de Rio Capim, também


filha e nata dos pais e avos que declara, todas naturais das origens que se
expressam e sem defeito que obste a sua habilitação. Portanto, ei os
habilitandos por habilitados, para o fim de se poder passar carta de familiar na
forma do estilo ao dito Manoel Joaquim.
154

Notemos que aqui, o Conselho Geral denomina Manoel Joaquim e Catharina de


“habilitandos”, sendo assim, a esposa de um candidato, mesmo que falecida, deveria passar
pelo processo de investigação para ser igualmente “habilitada”. Porém, com uma diferença no
trâmite, enquanto no caso das “esposas vivas” se lavra um processo em separado, que depois é
a anexado ao do marido; aqui a investigação se dá em concomitante, com as inquirições sendo
feitas no próprio formulário do marido viúvo.

*
* *

O presente capítulo, que tratou sobre O perfil dos Agentes do Santo Ofício, foi
organizado em três itens. No primeiro, tratamos da origem dos habilitandos, dividindo-os de
acordo com o que chamamos de regiões: Portugal continental (Entre Douro e Minho,
Estremadura, Trás-os-Montes), Grão-Pará e Maranhão, Brasil e Açores; aqui se acrescentando
o Reino da Galiza, que conforme visto, tinha estreitas relações com Portugal. Fizemos uma
rápida caracterização desses territórios, de modo a apresentar superficialmente o ambiente em
que nasceram. Quando a distribuição espacial da origem, vimos que para os cargos restritos a
clérigos, comissários e notários, há uma maior incidência de naturais da “terra”, enquanto para
os familiares, a maioria são reinóis.
No segundo item, tratados sobre a idade com que os agentes se habilitam, o que, no
quadro geral, comparado a outras regiões, segue a mesma lógica, com os habilitandos a clérigos
possuindo uma idade média pouco acima dos 40 anos e os familiares, em sua maioria, com
idades entre 30 e 40 anos.
Por fim, discorremos sobre o estado conjugal dos indivíduos, o que naturalmente diz
respeito apenas aos familiares. A maior parte, quando o pedido de habilitação, já estava casado,
passando a esposa pelo mesmo escrutínio que o marido. A estes, após a habilitação, se juntam
mais quatro, que se casam já como familiares do Santo Ofício. Essas informações nos
permitiram ver como as esposas ajudam ou atrapalham no processo de habilitação de seus
maridos, bem como as condicionantes no tramite processual nessas ocasiões.
O presente capítulo teve por intenção começar a estabelecer o perfil dos agentes
habilitados ao Santo Ofício no Estado do Grão-Pará e Maranhão, no que diz respeito às
primeiras informações por eles fornecidas quando de seu pedido para o serviço à Inquisição.
155

TERCEIRO CAPÍTULO:

A TRAJETÓRIA DOS AGENTES DO SANTO OFÍCIO

Diz o Pe. Caetano Eleutério de Bastos, presbítero do hábito de São Pedro,


Comissário do Santo Ofício, natural desta cidade de Lisboa e assistente na de
Belém do Grão-Pará, a cujo estado passou por secretário do Exmo. Bispo D.
Frei José Delgarte, que indo ele suplicante em companhia do Exmo. Bispo D.
Frei Miguel de Bulhões para o Rio Guamá a visitar as Capelas daquele distrito,
achando-se no sítio de S. Brás conversando com o Pe. Frei Theotonio Ignacio
de Azevedo secretario do mesmo Exmo. Bispo, aí chegou o sargento mor João
Furtado de Vasconcelos, e sem atender nem ao caráter do suplicante, nem aos
seus empregos, na presença do mesmo secretário e na casa de onde o Exmo.
Bispo estava aposentado, levantou a mão e com ela aberta deu no suplicante
uma grandíssima bofetada, não havendo para este excesso a mais mínima
causa, porque nunca se pode haver para se dar bofetada em um sacerdote e
fazendo-se este caso público e escandaloso a todos os da família, muito mais
foi vendo o capitão mor Antônio Furtado de Vasconcelos, pai do suplicado,
em auxílio de seu filho, veio com um pau cometendo contra o suplicante,
motivo porque tanto no eclesiástico, como no secular se procede a devassa,
porém o suplicante preocupado de justo receio, de que os suplicados rompam
em desatino maior e de irreparável dano, por serem pessoas poderosas e
destemidas.

Suplicação de Caetano Eleutério de Bastos contra o sargento mor João


Furtado de Vasconcelos – Carta AHU, ACL, CU, 013, Cx. 33, D. 3090
156

No trecho da página anterior, vemos o nosso já conhecido Caetano Eleutério de Bastos,


“presbítero do hábito de São Pedro, comissário do Santo Ofício”. Para o primeiro, fora ordenado
no dia 4 de abril do 1722386. Para o segundo, fora habilitado pelo Conselho Geral em 14 de
maio de 1745. Em uma rápida leitura, podemos entrever um Caetano Eleutério de Bastos acuado
com o que lhe acabara de acontecer, como é possível que um homem com tantas “insígnias”,
dentre elas, a de Comissário do “temido”387 Santo Ofício poderia ser assim atentado? Para
respondermos tal questionamento, olhemos mais amiúde o fato.

Caetano Eleutério de Bastos narra o que lhe ocorrera em 27 de novembro de 1749,


quando se envolveu em um conflito com o sargento mor João Furtado de Vasconcelos, e o pai
deste, Antônio Furtado de Vasconcelos. O fato se deu na ocasião de uma visita pastoral que o
3° bispo do Pará, D. Fr. Miguel de Bulhões, fez as capelas do rio Guamá. Acompanhavam o
bispo o Pe. Caetano Eleutério e o secretário do prelado, Fr. Teotônio Inácio de Azevedo. De
acordo com o relato, após saírem da visita à capela de São Brás, se dirigiram, junto a muitas
pessoas, ao sítio pertencente a Brás Pires, onde estavam hospedados388.
Os padres que acompanhavam o bispo, conversando na varanda da casa grande, foram
surpreendidos com a intromissão de João Furtado de Vasconcelos na conversa. João Furtado
dirigindo-se a Caetano disse que sabia que o dito padre havia pedido intercessão do governador
do Estado, a fim de moer suas canas no engenho dos Furtado, ao que o padre retrucou ser
mentira; segundo outra testemunha do fato, Caetano por sua vez indagou João Furtado sobre
estar vendendo aguardente aos negros de seu engenho, a cuja acusação João Furtado negou.
Estava aqui feita a confusão e “entre palavras e palavras”, conforme disse Manoel Machado,
procurador geral dos índios, João Furtado deu uma bofetada em Caetano e o pai do agressor,
Antônio Furtado, tentou “ferir-lhe com um pau”.
No final do documento o desembargador e ouvidor do Maranhão, Manuel Sacramento,
pede que se proceda a devassa do acontecido, como modo de frear os excessos de desordens
comumente praticados “pelos Furtado e Pantoja”389. Nos chama atenção, em primeiro lugar,
que João Furtado atenta contra Caetano “sem atender nem ao caráter do suplicante, nem aos

386
APEM, Livro de Registros de Ordenações 1718-1789, n. 175.
387
Este caso revela que esse poder “inquestionável”, na prática, poderia ser colocado à prova. Numa perspectiva
mais abrangente, o trabalho de Yllan de Mattos, “A Inquisição contestada”, lança luz sobre as críticas sofridas pelo
Santo Ofício no século XVII. No capítulo dois de sua obra, o autor chama atenção para a atuação política da
instituição, atuação esta que era constantemente criticada, sobretudo no que dizia respeito às práticas sobre as
“coisas humanas” de seus membros. MATTOS, Yllan de. A Inquisição contestada: críticos e críticas ao Santo
Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Mauad / Faperj, 2014.
388
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 33, D. 3090)
389
Sobre a família Oliveira Pantoja, ver: SANTOS, Marília Cunha dos. Família, trajetória e poder no Grão-Pará
setecentista: Os Oliveira Pantoja. Dissertação apresentada à Universidade Federal do Pará. Belém: UFPA, 2015.
157

seus empregos”. Tal fato, nos faz pensar que também um servidor do Santo Ofício tinha seu
status colocado à prova, pois apesar de suas insígnias e da condição de sacerdote, o conflito ali
se dava no “campo temporal”, pois em suma, era um proprietário de terras contra outro. Além
disso, se Caetano, na ocasião, como parte do séquito de D. Fr. Miguel, estava, como clérigo,
exercendo ali uma atividade “espiritual”, os agressores não tiveram medo de atentar ao padre,
mesmo este tendo junto de si o bispo diocesano. Não podemos afirmar com exatidão a raiz das
desavenças entre os dois, mas é fato notável, percebido pelo depoimento de sete pessoas, que o
acontecimento que aqui narramos foi apenas a faísca que acendeu o pavio.
Na sua suplicação, conforme vimos, Caetano recomendou que “preocupado de justo
receio, de que os suplicados tentem desatino maior, e de irresponsável dano por serem pessoas
poderosas e estimadas naquele estado”, tudo seja feito em segredo, de modo a não causar danos
maiores. Vemos aqui, um indivíduo que com todas as prerrogativas de clérigo e servidor do
Santo Ofício, se curva ao “poder local”, pois quem já teve a coragem de cometer “tão sacrílega”
ação, certamente poderia ir além, atentando, de fato, contra a vida o padre. Sendo assim, o “justo
receio” de Caetano, se deve ao fato de os acusados, serem “pessoas poderosas e estimadas
naquele estado”, o “poder” de fazer parte de duas instituições, Igreja e Santo Ofício, não é,
portanto, superado pelo poder exercido por esses locais. Isso nos leva, decerto, a relativizar que
os agentes do Santo Ofício eram pessoas “temidas” nas localidades para qual estavam
habilitados390. Tal acontecimento ecoa de tal modo, que passará a ser travado em outro ringue,
o campo político.
Quatorze dias após o fato acontecido às margens do rio Guamá, em 11 de dezembro
de 1749, os camaristas de Belém enviam ao rei uma carta descrevendo Caetano Eleutério de
Bastos como “revestido de um ânimo sumamente revoltoso e inquieto” sendo um perturbador
da “paz com que vossa majestade quer que se conservem seus vassalos”, além de
constantemente injuriar “as pessoas da melhor qualidade desta terra”, pedindo que o dito padre
seja “exterminado desta capitania”391. Porém, segundo o parecer do governador Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, Caetano é citado como não sendo “revoltoso, nem de ânimo
inquieto, porque desde o tempo que tenho neste governo o conheço só tratando das suas
lavouras e em beneficiar as fazendas que tem nesta capitania”. As palavras do governador, além
de “isentarem” Caetano, revelam que a sua atuação, se dava eminentemente na condição de

390
Anita Novinsky comparou os Familiares do Santo Ofício à Gestapo da Alemanha nazista, ao ressaltar seu papel
de informantes, investigadores e policiais. NOVINSKY, Anita. Viver nos tempos da Inquisição. São Paulo:
Perspectiva, 2018, p. 341, 349.
391
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3060)
158

proprietário de terras, não havendo qualquer citação, ao exercício de “suas ordens”. Isso nos
permite reforçar o que expomos no parágrafo anterior, se o governador via um clérigo que só
tratava “das suas lavouras e em beneficiar suas fazendas”, não é de se estranhar, que os Furtado
de Vasconcelos assim também vissem Caetano. Por tal parecer, vem de Lisboa a seguinte
ordem:

Dom José por graça de Deus Rei de Portugal (...) Faço saber a vós governador
e capitão geral do Estado do Maranhão que eu sou servido orderna-vos mandei
prender na cadeia publica dessa cidade do Pará a Marcelo de Alfaya, e a Luiz
de Oliveira Pantoja, que estavam servindo de juízes ordinários na Câmara da
dita cidade (...) e no fim de um mês os mandareis ir a vossa presença, e na
vossa sala diante dos vossos oficiais, e algumas pessoas da governança que
vos parecer dareis aos ditos Marcelo de Alfaya e Luis de Oliveira Pantoja sua
severa repreensão por terem escrito no dito tempo uma carta, da qual comenta
ferozmente contra o procedimento do Pe. Caetano Eleutério de Bastos,
secular, que nela faltaram a verdade.

Pelo trecho acima, vemos que os camaristas que redigiram a carta receberam de Lisboa
a pena pelo crime de “faltarem com a verdade”, porém, o que conecta este fato ao acontecido
quatorze dias antes? Encontramos no documento uma possível resposta:

Consta-me que os oficiais da câmara desta cidade e que pretendem fazer


culpável o procedimento deste padre na real presença de vossa majestade, sem
terem para esta malevolência mais fundamentos, que serem dois deles
parentes muito próximos de João Furtado, e por esta causa inflamaram os mais
camaristas aquela mal-intencionada diligência.

Os “dois deles”, a que se refere o documento, são exatamente Luiz de Oliveira Pantoja
e Marcelo de Alfaya. Logo, o conflito que começa às margens do rio Guamá, chega até ao Paço
da Ribeira, às margens do rio Tejo. Sem entrar no mérito de qual das partes era de fato
“revoltosa e de ânimo inquieto”, não podemos deixar de pensar que Caetano no final das contas
teve a ofensa que lhe fora feita, recebido a devida punição. De tudo isso há de se notar que os
pares proprietários de terra de Caetano, não tiveram nenhum receio de pôr à prova seu poder de
padre do “hábito de São Pedro e comissário do Santo Ofício”. Mais que isso, sabendo que
Caetano estava mais preocupado em tratar “suas lavouras e em beneficiar as fazendas”,
poderiam facilmente esquecer que o dito pela “dignidade do sacerdócio” era “mestre espiritual
dos leigos”392.
Aspectos da trajetória do comissário Caetano Eleutério de Bastos nos ajudaram,
conforme pudemos ver acima, a pensar sua vida para além de sua atuação no âmbito do Santo
Ofício. Vimos que era natural de Lisboa, fora ordenado sacerdote no Maranhão e assistia no

392
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. 4, Tít. 1, n. 639.
159

Pará, lugar onde fez a vida e aquinhoou patrimônio para si. São, portanto, aspectos de sua
trajetória que se descortinam para além da habilitação do Santo Ofício, revelando outras facetas
de sua vida e atuação. No presente capítulo faremos precisamente isso, pensar a trajetória desses
indivíduos que serviram a Inquisição na Amazônia colonial para além de suas atuações
enquanto agentes dessa instituição.

3. 1 – Ocupação

Conforme já vimos, os cargos de serviço ao Santo Ofício se dividiam em duas grandes


ramificações: Primeiramente aqueles acessíveis apenas a clérigos; e posteriormente um corpo
de ofícios auxiliares, acessíveis a leigos. Daqui, portanto, parte a nossa primeira e importante
divisão, a que seguiremos – eclesiásticos e leigos.

Eclesiásticos

Nas habilitações para eclesiásticos, 16 dos 18 pleiteantes são clérigos do “hábito de


São Pedro”, sendo apenas dois clérigos regulares. Daí vemos um importante aspecto para
esclarecer, a divisão dos clérigos entre seculares e regulares. Os primeiros, tem a característica
de viverem junto aos leigos no cotidiano paroquial, daí serem chamados de “seculares”. Os
regulares, por sua vez, seguem a Regra de sua ordem. Para a Bahia, Grayce Bonfim encontra
um total bem próximo ao nosso, onde 86.44% dos clérigos habilitados são seculares393.
Contudo, essa divisão entre clero secular e regular não é suficiente para pensarmos as
nuances dos lugares ocupados por esses clérigos dentro do corpo eclesiástico, olharmos apenas
as suas definições do ponto da disciplina eclesiástica, nos faz perder de vista a própria
diferenciação dos clérigos dentro dessas duas grandes subdivisões. Para aqueles que serviram
ao Santo Ofício no contexto da Amazônia colonial, encontramos o seguinte:

393
SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Para remédio..., 2014, p. 194.
160

Quadro 27: Funções exercidas pelos habilitados Clérigos

CARGO NOME ASSISTE FUNÇÕES EXERCIDAS

Diogo da Visitador e Comissário Provincial das Missões de


Pará
Trindade Nossa Sra. das Mercês
Confessor, Pregador e Comissário Provincial dos
João da Trindade Pará
Capuchos
Caetano Eleutério
Pará Cura da Sé do Pará, Notário Apostólico
de Bastos
Cônego presbítero, Chantre do Cabido do Pará,
Lourenço
Pará Vigário Geral do Bispado do Pará, Provisor do
Alvarez Roxo
Bispado do Pará, Juiz das habilitações de Genere
João Rodrigues Cônego presbítero da Sé do Pará, Arcediago do
Pará
Pereira Cabido do Pará
Antonio Cônego presbítero da Sé, Arcipreste do Cabido do
Pará
Rodrigues Pereira Pará
Cônego secretário, prioste das benesses, contador,
João Pedro secretário do bispo, escrivão do auditório
Maranhão
Gomes eclesiástico, Vigário Capitular do Bispado do
Comissário Maranhão
do Santo Felipe Joaquim
Pará Mestre-escola do Cabido do Pará
Ofício Rodrigues
Cônego presbítero, Delegado do Bispo na Junta das
Custódio Alvarez
Pará Missões, Vigário Geral do Bispado do Pará, Juiz de
Roxo
resíduos, Vigário Capitular do Bispado do Pará
Mestre-escola do Cabido do Maranhão, Juiz das
Felipe Camello
Maranhão habilitações de Genere, Vigário Geral do Bispado
de Brito
do Maranhão
Inácio José Reitor do Seminário do Pará, capelão do Regimento
Pará
Pestana de Macapá
Cônego da Sé do Maranhão. Provisor do Bispado
João Maria da
Maranhão do Maranhão, Vigário Geral do Bispado do
Luz e Costa
Maranhão
Cônego da Sé, Arcediago do Cabido Diocesano,
Joaquim José de
Pará Mestre de Moral, Juiz de Resíduos, Vigário Geral
Faria
do Bispado do Pará
Caetano Lopes da
Pará Presbítero secular
Cunha
João da Rocha e
Maranhão Presbítero secular
Araújo
Presbítero secular, Pároco da Freguesia de
Felipe Jaime
Notário do Pará Barcarena, vigário da Freguesia de São Domingos
Antonio
Santo da Boa Vista, Capelão do Regimento de Macapá
Ofício Romualdo Lopes
Pará Presbítero secular
da Cunha
João Pedro
Pará Presbítero secular
Borges de Góes

Fonte: ANTT, AHU, APEM, ACMB.


161

Conforme podemos ver acima, há uma profusão de funções exercidas por esses
clérigos e algumas delas, se repetem de modo recorrente. De início, vemos que os dois primeiros
são clérigos regulares, os frades Diogo da Trindade394 e João da Trindade395, mercedário e
capucho da Província de Santo Antônio, respectivamente. Se notarmos, os dois, em suas ordens,
tem um lugar parecido, exercendo a função de “comissário Provincial”. Este cargo, nas
localidades, era o mais elevado, sendo o responsável pelo demais membros da ordem, por sua
proeminência, o “comissário provincial” também era chamado de “padre superior”, o que
sublinha a gestão que esse exerce em relação aos seus demais confrades. Isso já nos faz notar,
de início, uma constante do Santo Ofício na arregimentação de seus agentes eclesiásticos, a de
habilitar clérigos com maior projeção. Como superiores locais de suas ordens, esses indivíduos
poderiam, fazendo uso das estruturas que comandam, efetivar melhor a atuação e presença do
Santo Ofício na localidade. Ainda nesse contexto, onde as dioceses, em especial a do Pará,
estavam formando um clero secular próprio, são as ordens religiosas que efetivam a presença
da Igreja nos lugares mais distantes do Estado do Grão-Pará e Maranhão, justamente por isso,
que os reitores do colégios da Companhia de Jesus, no Maranhão e no Pará, exerciam ex officio,
desde 1688, a comissaria do Santo Ofício396. Nesse sentido, há uma correspondência entre a
projeção que os reitores têm dentro dos jesuítas, com a que os “provinciais” têm nas ordens dos
mercedários e capuchos.

Agora lancemos luz àqueles que são em maior número, os clérigos seculares.
Conforme já dissemos, grosso modo, os clérigos seculares estão vinculados às circunscrições

394
Habilitado em 1° de maio de 1731.
395
Habilitado em 20 de maio de 1743.
396
“Copia da provisão de Comiss° do Sto Off° aos Rres do Maram e Parâ e dos poderes que se lhe comunicão – Os
Inquizidores Apostolicos contra a Heretica pravide e Apostazia nesta cidade de Lisboa e seu distrito &ta Fazemos
saber ao Reverendo Padre Sebastião Pires Reytor do Collegio de N Sra. da Luz dos Padres da Companhia de JESU
da Cidade de S. Luis do Maranhão, e a que dito cargo servir, que por haver noticia nesta Meza, que nesse Estado
do Maranhão se vão intro duzindo alguns erros, cujo conhecimento pertence ao S. Off° e tratando nós de acudir
com o remédio oportuno ao bem espiritual dos fieis, e zelar com todo o cuidado a honra de Deus, e extirpar os
erros que ouver contra nossa Santa Fe Chatolica pera que se guarde inteiramente pureza dela. Pella prezente
Authoridade Apostolica damos poder a V.P. pera tomar todas as denunciações que se oferecerem dos cazos
pertencentes ao Santo Off°, perguntar as testas referidas, e ouvir contra as pessoas, que se forem aprezentar diante
de V.P. tudo na forma de Instrusaõ, que com esta será; elegendo p a Escrivão sacerdote cristão velho, de boa vida
e custumes, a quem dará juramento dos Santos Evangelhos, e V.P. o tomará também da mão do mesmo, sob cargo
do qual prometerão fazer verdade e guardar segredo, de que se fará termo a principio por ambos assinado. E
concluída que for qualquer das ditas diligências, nos será remetida, a original por primeira via, e o treslado por
segunda, não ficando la outro copia ou treslado algum; nem prosseguindo V. P. mais na matéria the resolução e
avizo nosso. Salvo a pessoa se aprezentar for de crime oculto, e em que não haja complice; porque em tal cazo a
poderá V. P. logo absolver, e depoes remetermos os papeis, que a tal pessoa tocarem na forma assima declarada.
Dada em Lisboa no Santo Ofício sob nossos sinais, e sellos do mesmo em os quatro dias do mez de Mayo”.
“Instrução para os Comissários do Santo Ofício do que deve fazer na apresentação de qualquer pessoa”, enviada
pelos Inquisidores ao reitor do Colégio Jesuíta do Maranhão – 1688. Biblioteca Pública de Évora, cod. CXVI/2-2.
FEITLER, Bruno. Nas Malhas... p. 258-259.
162

eclesiásticas, em nosso caso, os Bispados do Maranhão e Pará, daí o fato de também serem
chamados de padres “diocesanos” ou do “hábito de São Pedro”. Para enxergarmos de melhor
modo os lugares ocupados, convém a caracterização desse ambiente eclesiástico que é uma
Diocese e como, dentro delas, esses indivíduos se distribuem.

Dentro das circunscrições eclesiásticas, em nosso caso, uma diocese, o superior


máximo é o bispo diocesano, a quem compete o governo do seu presbitério e os fiéis leigos397.
Atreladas ao bispo, chefe do poder eclesiástico local, temos duas instituições, que juntas,
formariam o que poderíamos chamar de “alto clero” nas localidades: o Cabido Diocesano e a
Cúria Diocesana – Juízo e Auditório Eclesiástico398. Essas instâncias, assim o eram, pela sua
ligação muito próxima ao governo da diocese, sendo a primeira de função consultiva ao prelado
e a segunda de gestão pro spiritualibus e pro temporalibus da Diocese. Os demais clérigos
seculares, formariam o que chamaremos de “baixo clero” diocesano, caracterizado pelos padres
que exerciam a vigaria de paróquias e das demais capelanias, não fazendo parte, portanto, das
instituições eclesiásticas anteriormente citadas.

Comecemos pelo primeiro, o Cabido Diocesano. Os cabidos, espécie de conselho


formado por padres mais projetados no âmbito das dioceses, que ao fazerem parte desse
colegiado passavam a chamar-se “cônegos”, ficavam atrelados às Sé dos Bispados, por isso a
designação “cônego da Sé”. Para além de terem a seu cargo todas as atividades relacionadas
com o primeiro templo da diocese, lhes cabia, em período de sede vacante ou de ausência do
prelado, o governo das dioceses. Durante a Idade Média, o corpo capitular vivia em comunidade
com o bispo, mas aos poucos houve a separação entre estas duas instâncias de modo que já no
século XIII não mais existia a vida comum entre o bispo e seu cabido. Dessa vida comum dos
cônegos nas Sés, herdou-se o costume do comparecimento dos capitulares para rezarem juntos
as horas canônicas399, isto era de tal importância, que havia um capitular específico para

397
“Primordialmente os bispos que são os sucessores dos Apóstolos, pertencem à ordem hierárquica, e que eles
foram — como diz o Apóstolo S. Paulo, — estabelecidos pelo Espirito Santo para governar a Igreja de Deus (At
20, 28) e que eles são superiores aos presbíteros, conferem o sacramento da Confirmação e ordenam os ministros
da Igreja, podendo exercer muitas outras funções que os de ordem inferior não podem exercer”. Concílio de Trento,
sessão XXI, cap. 3, n. 932.
398
TERRICABRAS, Ignasi Fernández. Entre ideal y realidad: las elites eclesiásticas y la reforma católica em la
Espanã Del siglo XVI. In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro & CUNHA, Mafalda Soares da. Optima
pars: Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005, p. 12-46.
399
As laudes, feitas de manhã; e as vésperas, no começo da noite, são as horas canônicas mais importantes; a elas
se juntam a prima, terça, sexta, nona, completas e matinas. A oração nestes horários tem raízes judaicas, sendo
depois incorporadas às práticas dos cristãos MARTÍN, Julián López. História e Teologia do Ofício Divino. In: A
Liturgia da Igreja: teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006.
163

fiscalizar seus pares na assiduidade nas orações400. Assim se expressa as Constituições do


Arcebispado da Bahia, acerca do papel dos cabidos:

Para conservação e aumento da eclesiástica disciplina e divino culto, e para


ajudarem aos bispos nos ministérios de seu ofício, advertimos que os que neles
forem providos devem ser tais que bem possam satisfazer as obrigações de
seu cargo; e, por isso, dispôs o sagrado Concílio Tridentino (...) ordenamos e
mandamos que, nos dias em que dissermos missa, dermos ordens ou fizermos
qualquer outro pontifical em nossa Sé, se achem presentes todas as dignidades,
cônegos prebendados e meio prebendados e capelães que na cidade
estiverem401.

Podemos ver que a razão de ser desse órgão da hierarquia das dioceses está relacionada
ao “aumento da eclesiástica disciplina e divino culto”. Em suma, o cabido era essencial para o
governo das dioceses, tanto por seu caráter consultivo ao bispo diocesano, quanto pela
administração da circunscrição eclesiástica na falta deste último. Além disso, tinham uma
função ritual de extrema importância, pois conforme determina as Constituições, “nos dias em
que dissermos missa, dermos ordens ou fizermos qualquer outro pontifical em nossa Sé, se
achem presentes todas as dignidades, cônegos prebendados e meio prebendados”. Sendo assim,
ao redor do bispo, o cabido de constituía em um grande séquito, de modo a demonstrar o lugar
social de destaque ocupado pela Igreja no corpus social. A grande maioria dos clérigos
seculares habilitados como Comissários do Santo Ofício, o que corresponde a 10 de 14
indivíduos, são membros dos cabidos do Pará e Maranhão, o que nos permite afirmar que há
uma predileção desses clérigos projetados nos âmbitos dos bispados, na busca também pelo
cargo de maior importância do Santo Ofício nos territórios coloniais. Vejamos agora mais
detidamente cada uma dessas funções.

Em relação aos números, para o Bispado do Pará haviam quatro cônegos com
dignidades, vinte cônegos prebendados e dezesseis cônegos beneficiados; atrelados a doze
capelães do coro, um organista, nove capelães músicos, oito moços do coro, dois mestres de
cerimônias, dois sacristães, dois ajudantes dos sacristães, um porteiro, três varredores e um
sineiro. Se contarmos as três hierarquias, temos quarenta cônegos e mais o séquito de quarenta
e um ofícios, totalizando oitenta e um membros do corpo capitular da Sé do Pará402. Esta grande
quantidade de indivíduos servindo em uma mesma igreja, deve ser entendida à luz das funções

400
SILVA, Hugo Ribeiro da. O Cabido da Sé de Coimbra: Os homens e a Instituição (1620-1760). Lisboa: ICS –
Imprensa de Ciências Sociais, 2010.
401
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. 3, Tít. 36, n. 605-607
402
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 122, D. 9396).
164

que a Catedral desempenha em um bispado403. A Catedral, que possui este nome em razão de
em seu interior se localizar a “cátedra”, trono de onde o bispo diocesano governa sua diocese;
é a igreja principal de uma circunscrição eclesiástica, daí a razão de em geral ser uma igreja
bem ornada e possuir um séquito de vários ministros.

O Concílio de Trento, para fazer frente aos ataques protestantes, insistia na importância
da exterioridade e visibilidade das celebrações litúrgicas. Neste sentido, o cerimonial além de
agradar a Deus, deveria encher os olhos da população em geral404. O bispo, chefe do poder
eclesiástico local, do alto de sua formação intelectual, sentado na sua cátedra405. A Sé do Pará,
com suas missas406, a grandeza do templo e o esplendor das celebrações litúrgicas, deveria ser
sinal da presença divina nesta localidade, logo a igreja Catedral com todo seu corpo capitular407,
era lugar central para aqueles que acorriam ao encontro de Deus408. Se ressalte também a
localização das Sés, do Maranhão e Pará, dentro do ambiente das cidades, se situam próximas
dos Palácios dos Governadores e dos Fortes, caracterizando os três estados sociais409.

Para se alcançar postos canonicais, era necessário possuir alguns requisitos básicos
estabelecidos pelo Concílio de Trento e pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia410. Em primeiro lugar, só eram acessíveis a eclesiásticos, portanto detentores de ordens

403
O cabido da Sé de Lisboa, de onde o Maranhão e o Pará eram sufragâneos, se constituía numa pequena corte
análoga a do Papa em Roma. Em meados do XVIII, após a união da Lisboa ocidental com a Oriental, o corpo
capitular do Patriarcado assim se constituía: “24 principais com hábito cardinalício (...) 72 prelados ou ministros
de hábito prelatício, divididos em várias jerarquias: prelados presbíteros com insígnias episcopais e exercício de
pontifical, protonotários, subdiáconos e acólitos (...) 20 meritíssimos cônegos, divididos em presbíteros, diáconos
e subdiáconos (...) 12 reverendos beneficiados (...) 32 reverendos beneficiados (...) 32 clérigos beneficiados (...)
Temos até aqui 192 figuras; mas o quadro completo do pessoal abrangia cerca de 400, pois havia mais 83 clérigos
e 76 músicos, número que depois foram aumentados, e mais 39 oficiais seculares”. OLIVEIRA, Miguel de.
Privilégios do Cabido da Sé Patriarcal de Lisboa. Lisboa: União Gráfica, 1950, p. 16-17.
404
Sobre isso, no âmbito do bispado do Pará, ver: LIMA, João Antônio Fonseca Lacerda. A criação do bispado do
Pará nos setecentos: A pompa e circunstância como modo de demarcar o lugar social da Igreja em uma sociedade
do Antigo Regime. Faces de Clio, v. 5, p. 4-29, 2019.
405
PAIVA, José Pedro. Definir uma elite de poder: os bispos em Portugal (1495-1777). Optima pars: Elites Ibero-
americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005, p. 48-63.
406
Sobre o modo de assistência às missas, no contexto, ver: CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do
Senhor: As missas e a vivência leiga do Catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São
Paulo: EDUSP, 2008.
407
O bispo, atrelado a estrutura da diocese, se constituía em uma verdadeira “corte episcopal”. VILAR, Hermínia
Vasconcelos. As dimensões de um Poder: A Diocese de Évora na Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1999,
p. 191.
408
Sobre isso: “La liturgia de la misa seguia a los ojos de los fieles algo inaccesible de un orden superior, tan
inmutable como misterioso, en cuyo centro resplandecía siempre el Santíssimo Sacramento. En algunos tratados
de la época se defiende el principio de que la misa debía conservar para los fieles la venerabilidad de su carácter
sagrado, precisamente a través del velo de misterio que le cubría”. BASURKO, Xabier. Historia de la Liturgia.
Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2006, p. 338.
409
“O casco desta divisão da sociedade em ordens ou estados era constituído por uma distinção antiquíssima de
três estados sociais, correspondentes a três funções sociais fundamentais – a guerra, o culto religioso e o sustento
material (bellatores, oratores, laboratores)”. HESPANHA, Antonio Manuel. As vésperas..., 1994, p. 308-309.
410
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. 3, Tít. 36, n. 605.
165

sacras, mais precisamente do subdiaconato, diaconato e presbiterado. Dentro do corpo capitular


havia uma hierarquia dividida em três níveis: O primeiro, que compreendia as dignidades
(arcediago, arcipreste, chantre e mestre-escola); o segundo nível, representado pelos cônegos
prebendados e o terceiro nível formado pelos beneficiados. Atrelada a esta hierarquia, estavam
ofícios auxiliares.

A primeira das dignidades era o arcediago, a quem cabia assistir ao bispo nas
celebrações pontificais, bem como atestar a idoneidade dos candidatos ao ministério sacerdotal,
nessa função serviram dois de nossos indivíduos, primeiramente João Rodrigues Pereira, que
fora arcediago do Cabido do Pará e Joaquim José de Faria, que o sucedeu em um período
posterior. O arcipreste era o decano do cabido, cabendo-lhe zelar pela correta execução dos
deveres eclesiásticos e pelo estilo de vida daqueles que estão sob sua autoridade, função
exercida por Antônio Rodrigues Pereira no bispado do Pará. O chantre era presidente do coro
da catedral, por isso, era o responsável por todos os assuntos ligados aos aspectos espirituais do
cabido, sobretudo na preparação das orações comuns, sendo seu dever fiscalizar seus pares
quanto ao cumprimento da assistência ao coro da catedral nas horas canônicas, nessa função
serviu Lourenço Alvares Roxo, no bispado do Pará. Por fim, o mestre-escola era responsável
pela disciplina formativa dos capitulares e dos demais oficiais auxiliares do cabido (capelães,
moços do coro e criados), nessa função serviram Felipe Joaquim Rodrigues no bispado do Pará
e Felipe Camello de Brito no bispado do Maranhão.
No âmbito da Cúria Diocesana, ocorria a gestão burocrática das dioceses, funcionando
através de dois órgãos que atuavam de modo complementar – a Câmara Eclesiástica e o Juízo
Eclesiástico. Ao primeiro, cabia a gestão pro spiritualibus da diocese, emitindo as cartas para
cura das paróquias; despachando os assuntos e pedidos que se dirigiam aos bispos; lavrar as
licenças para recepção dos sacramentos, como dos candidatos às ordens sacra; validar os
estatutos das confrarias; preparar o registro geral dos confessados tendo como base os róis
enviados pelos párocos, enfim, todos os assuntos de natureza espiritual no âmbito da diocese411.
Em relação aos agentes da Câmara Eclesiástica, uma função é central, a de provisor. Para exercer
tal serviço, o clérigo deveria ser graduado em direito canônico, cabendo-lhe: presidir a reunião
da “mesa episcopal”412. Quando da ausência do bispo, deveria informar ao prelado tudo o que

411
PAIVA, José Pedro. A administração diocesana e a presença da Igreja: O caso da diocese de Coimbra nos
séculos XVII e XVIII. Lusitania Sacra, 2º série, 3, Lisboa, 1991, p. 71-110.
412
Modo de designar as reuniões deliberativas da Câmara Eclesiástica.
166

“convém ao bom governo” do bispado413. Dois são os comissários que exercem essa função,
Loureço Alvarez Roxo e Felipe Camello de Brito, o primeiro no bispado do Pará, o segundo no
bispado do Maranhão. Dentro dos cabidos que se elegia aquele que, quando do período de
vacância das dioceses414, deveria governá-la até a nomeação de um novo prelado – o “Vigário
Capitular”. Nessa função serve João Pedro Gomes no Maranhão e Custodio Alvarez Roxo no
Pará.
O outro órgão da Cúria Diocesana era o Juízo Eclesiástico, também chamado de
Auditório Eclesiástico, este por sua vez, legislava sobre os crimes e a querelas que envolviam o
foro eclesiástico, tratando por assim dizer da vida “temporal” do bispado. O Juízo Episcopal
tinha um corpo numeroso de funcionários, cujo chefe era o vigário-geral. A este, cabia “toda a
administração da justiça”, devendo ser “formado doutor ou bacharel na faculdade dos sagrados
cânones”, em suma, o vigário-geral fazia às vezes de juiz; outra função a destacar é a do
escrivão, a quem cabia “registrar tudo que se passasse no exercício dos processos do
auditório”415. Nessa função, servem cinco de nossos indivíduos. No Pará: os irmãos Lourenço
e Custódio Alvarez Roxo e Joaquim José de Faria; no Maranhão: Felipe Camello de Brito e
João Maria da Luz e Costa. Além destes, serviam no Juízo Eclesiástico o meirinho, que prendia
os culpados e zelava pela ordem nas audiências; visitadores, que eram emissários do Bispo em
localidades distantes; examinadores, que examinavam os que se apresentavam para receber
ordens ou ouvir confissões e os vigários de Vara, delegados do bispo em certos distritos de
modo a criar maior coesão na diocese416.
Vimos, até agora, o que denominamos de “alto clero local”, em linhas gerais, para
ocuparem esses postos, os eclesiásticos deveriam cumprir certos requisitos relativos à conduta,
idade, limpeza de sangue e formação; bem como seguir o script processual prescrito pelas

413
O que no campo espiritual significava dar penitência aqueles que não cumprirem com a obrigação da confissão
na Quaresma, responder aos pedidos dos vigários, organizar a matrícula dos candidatos às ordens sacras, assinar as
cartas de curas e de excomunhões. Regimento do Auditório Eclesiástico da Bahia, Tít. 1, n. 1-36.
414
As vacâncias variam em suas razões, algumas por razões políticas que retardavam a nomeação do sucessor,
outras por diversos bispos que tomavam posse por procuração, vindo às dioceses bem mais tarde ou mesmo
renunciando antes de fazerem sua entrada no governo. Na diocese do Maranhão, dos quatro bispos eleitos no
século XVII, apenas dois tomaram posse. Durante o século XVIII, o bispado do Maranhão caracterizou-se por
longas vacâncias, de modo que apenas seis bispos governaram efetivamente a diocese neste período, três na
primeira metade e três na segunda. Após a saída de D. Timóteo em 1700, decorrem dezesseis anos para chegada
de seu sucessor D. Frei José Delgarte; ficando a diocese vacante por quatorze anos após a morte deste último.
Portanto, na primeira metade do século o bispado do Maranhão ficou sem bispo trinta anos. No bispado do Pará
as vacâncias foram menos prolongadas, de modo que quando da renúncia ou morte de um bispo, já se tinha a
nomeação do sucessor, ao longo do século XVIII o bispado do Pará ficou vacante por 13 anos.
415
Na hora das audiências, o escrivão deveria acompanhar o vigário-geral, inclusive no retorno deste a sua casa,
além de registrar em livros numerados e rubricados pelo vigário geral as audiências e das diligências empreendidas
pelo juízo. Regimento do Auditório Eclesiástico da Bahia, Tít. 17, n. 524-589.
416
Regimento do Auditório Eclesiástico da Bahia, títs. 2, 5, 13, 14, n. 52,359, 492.
167

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia e do Regimento da Câmara e Auditório


Eclesiástico. Os cargos mais proeminentes eram geralmente preenchidos por indivíduos da
confiança dos bispos, ou dos cabidos, em tempo de Sé vacante. Portanto, podemos ver que a
grande maioria daqueles que exerceram a comissaria do Santo Ofício, no âmbito dos Estado do
Grão-Pará e Maranhão, tinham destaque nas suas ocupações eclesiásticas, sendo aquilo que a
historiografia chama de “padres burocratas”417.
No campo “intermediário”, podemos colocar três comissários que serviram no Pará,
Caetano Eleutério de Bastos, Inácio José Pestana e Caetano Lopes da Cunha. O primeiro,
encontramos como notário apostólico418, que era uma espécie de tabelião a quem cabia “dar fé
pública” e traduzir documentos eclesiásticos. Caetano Eleutério não chega muito longe no
âmbito da hierarquia eclesiástica, pois função de cura da Sé, que também exercera, ainda que
de maior de destaque que a vigaria de paróquias, está abaixo dos clérigos capitulares. É
precisamente a “vigaria de paróquias” que une Inácio José Pestana e Caetano Lopes da Cunha
aos outros quatro clérigos, que serviram como comissários e são citados apenas como
“presbítero secular” ou do “hábito de São Pedro”.
Esse trabalho de cura das paróquias e capelas, se construía, por assim dizer, no “baixo
clero local”. Este clero era caracterizado pelos padres que serviram na “cura das almas”, assim
descreve as Constituições do Arcebispado da Bahia as funções destes padres:
Como os párocos não só são pastores de seus fregueses, mas também pais e
mestres espirituais, e não possam bem cumprir com esta função senão
admoestando e repreendendo suavemente como pais, enquanto as
admoestações e repreensões bastarem; e, não sendo bastantes, castigando
como mestres e superiores, usando de todos os meios para lucrar as almas para
Deus e guiá-las419.
Em suma, esta dimensão do exercício do sacerdócio era a mais próxima das pessoas,
pois além da obrigação quanto à dispensa dos sacramentos, o padre deveria pela retidão de vida
ser exemplo para a comunidade que estava sob sua responsabilidade. Naturalmente essas
prerrogativas estavam apenas na ideia, pois na prática, a vigaria das paróquias e capelanias era
o lugar mais insalubre para o exercício do sacerdócio, quer pela enorme dimensão das
freguesias, quer pela demora nos pagamentos das côngruas. No exercício dessa função vemos

417
SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Poder e palavra: discursos, contendas e direito de padroado em Mariana (1748-
1764). São Paulo: Hucitec – Fapesp, 2011, p. 81. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato
político brasileiro. São Paulo: Ed. Globo, 1975, p. 198. KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas colonial: a entrada
triunfal do primeiro bispo na Sé de Mariana. Dissertação de mestrado – Universidade de São Paulo, 1996, p. 38-
39.
418
Sobre o que cabe aos notários apostólicos: Regimento do Auditório Eclesiástico da Bahia, tít. 16, n. 511-523.
419
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Lv. 2, Tít. 34, n. 596.
168

com destaque Inácio José Pestana, que fora Capelão do Regimento de Macapá; e Felipe Jaime
Antonio, vigário da Freguesia de São Domingos da Boa Vista.
Se olharmos no quadro geral, podemos ver que o cargo de Comissário do Santo Ofício
é exercido por clérigos mais destacados no âmbito das dioceses, havendo, portanto, uma
correspondência entre as altas esferas eclesiásticas e inquisitoriais locais. Reforça ainda mais
esse nosso argumento o fato de para o Cargo de Notário do Santo Ofício, serem clérigos com
menos projeção. Qual razão dessa predileção do Santo Ofício em habilitar eclesiásticos de
destaque? Não podemos afirmar com fechamento de questão, contudo, é possível que clérigos
mais projetados na burocracia curial das dioceses, pudessem pelo acesso a informações a
máquina diocesana, trabalhar melhor enquanto agentes do Santo Ofício, havendo uma
confluência de interesses.
Tendo falando de aspectos mais gerais da colocação desses eclesiásticos no âmbito das
dioceses, vamos acompanhar agora a trajetória de alguns deles. No primeiro grupo, do “alto
clero”, para os bispados do Pará e Maranhão dois nomes se destacam: Lourenço Alvarez Roxo
e João Pedro Gomes, que exerceram funções tanto nos cabidos quanto nas cúrias de suas
respectivas dioceses.
Nascido em Belém do Pará, o clérigo Lourenço Alvares Roxo de Potfliz, foi batizado
na Igreja Paroquial de Santa Maria de Belém, em 18 de maio de 1699, mesma igreja que depois
viria a ser membro, como capitular. Em 27 de janeiro de 1730, solicita provisão de mantimentos
na conezia da ordem presbiteral e magistral da Sé420, atestanto o seu já pertencimento ao cabido
diocesano. Em 17 de setembro do mesmo ano, envia carta ao rei João V, sobre sua satisfação
e agradecendo por ter recebido sua côngrua421. Pouco mais de um ano depois, em 18 de
setembro de 1731, o encontramos como Vigário Geral do bispado do Grão-Pará, ao fazer uma
denúncia sobre o mau comportamento do Pe. Julião dos Santos, afirmando que tomou todas as
medidas para que aquele padre fosse preso e, como não o conseguiu, solicita seu degredo422.
Conforme já dissemos, cabia ao vigário geral a cura das dioceses no campo “temporal”, daí a
atitude de Lourenço em relação ao clérigo desviante.
Lourenço também era um clérigo muito preocupado com a formação no âmbito da
diocese, tanto que em 06 de maio de 1735, abre o primeiro estabelecimento musical do Pará, a
Schola Cantorum na Catedral do Bispado423. O dito estabelecimento tinha por finalidade a

420
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1084)
421
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1139)
422
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1199)
423
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia..., 1989, p.26
169

formação de cantores para atuarem nas celebrações litúrgicas. A música sacra, como parte
essencial da Liturgia solene, deveria concorrer para aumentar o decoro e esplendor das sagradas
cerimônias424, portanto, este estabelecimento era essencial para a exterioridade dos ritos,
aspecto já por nós apresentado. Em uma carta datada de 07 de novembro de 1737, onde é citado
como provedor dos Defuntos e Ausentes do Pará, recebe parecer favorável do ouvidor geral da
capitania do Pará, Salvador de Sousa Rebelo, de um acordo que estabeleceu com os irmãos da
Santa Casa de Misericórdia da cidade de Belém do Pará, para que as esmolas deixadas pelos
irmãos da Santa Casa sirvam de recursos para a manutenção do hospital da sacristia e para o
Acolhimento dos pobres425. Esta última é uma concessão importante, porque o dinheiro
recolhido ao invés de seguir para Fazenda Real, ficava para que fosse usado na manutenção da
Santa Casa. Nesse sentido, podemos ver a projeção de Lourenço no âmbito da diocese, cuidando
e fomentando diversas instituições ligadas à igreja local.
O preparo intelectual e a projeção de Lourenço também podem ser atestados pelo
conhecido explorador francês, Charles Maria de La Condamine426, que durante sua estada no
Pará, em 1743, escreveu:
Estabeleci fortes laços com um eclesiástico, homem de letras e filho de um
francês estabelecido nessa cidade. Este era Dom Lourenço Álvares Roxo de
Potflis, chantre maior da igreja catedral e vigário maior do coro. Ele tinha
muito gosto pela História Natural e pela Mecânica. Muitos espécimens
curiosos que ele me deu – e outros que depois me enviou – fazem parte
daqueles depositados no gabinete do Jardim do Rei.

Nesse sentido, concomitante a essa atuação no âmbito do Bispado, Lourenço tinha


muito gosto pela História Natural e pela Mecânica, ao ponto de chamar a atenção de Charles
Marie de La Condamine, que o fez sócio correspondente, em 8 de janeiro de 1748, da Académie
des Sciences de Paris. Seu manuscrito sobre “Os pássaros do Pará”, endereçado à La
Condamine, em 1752, se constitui na descrição de 16 aves de rapina, uma lista de 82 nomes
populares e 65 desenhos representando aves da Amazônia. O eco da erudição de Lourenço é
tanto, que em 1760, após sua morte, o bispo 6° bispo do Pará, D. Fr. João de São José Queirós,
o refere como “erudito chantre, de quem faz honrosa memória mr. De Condamine”427.

424
Sobre a importância da música na Liturgia: “La liturgia se vio inundada, sino hasta oprimida por el dominio
omnipotente del arte, hasta convertirse em mero pretexto para ‘conciertos sacros’, em marco formal para que los
coros polifônicos y el órgano exhibieran sus virtualidades artísticas. El culto es ahora un espetáculo que se plantea
y se escucha”. BASURKO, Xabier. Historia..., 2006, p. 327.
425
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 20, D. 1914)
426
TEIXEIRA, Dante Martins; PAPAVERO, Nelson; KURY, Lorelai Brilhante. As Aves do Pará segundo das
“memórias” de Dom Lourenço Álvares Roxo de Potflis (1752). Revista Arquivos de Zoologia, Museu de Zoologia
da Universidade de São Paulo, São Paulo, Volume 41(2):97‑131, 2010, p. 97-131.
427
QUEIROZ, João de São José. Visitas pastorais, memórias. Rio de Janeiro, 1961.
170

Retornemos a trajetória de Lourenço. Em 22 de outubro de 1748, como chantre da Sé


e provisor do bispado do Pará, lança pedra fundamental da capela da ordem terceira de São
Francisco428. Na altura do fato, o bispado do Pará estava vacante, já que o segundo bispo do
Pará, D. Fr. Guilherme de São José, apresentara sua renúncia em 15 de novembro de 1747429.
Na vacância, Lourenço fora eleito para governar o bispado, daí a razão dele lançar a pedra
fundamental, o que caberia ao bispo. Pouco mais de seis anos depois, em 01 de dezembro de
1754, é inaugurada a citada capela da ordem terceira de São Francisco da Penitência, em ato
solene presidido pelo terceiro bispo do Pará, D. Fr. Miguel de Bulhões e missa solene oficiada
pelo chantre Lourenço430. Em 09 de abril de 1756, após intensa atividade como clérigo,
conforme ficou evidenciado, falece Lourenço Alvarez Roxo431. Vimos, portanto, que Lourenço
tem uma profunda atuação no contexto do bispado, alçando os mais altos postos da hierarquia
eclesiástica local e transitando nos mais destacados postos das duas mais importantes instâncias
do bispado – Cabido e Cúria Diocesana.
No Bispado do Maranhão, temos um clérigo igualmente projetado, trata-se de João
Pedro Gomes. Nascido em Lisboa, foi batizado na Freguesia de São Nicolau em 30 de setembro
de 1734. Após a formação sacerdotal, recebeu as ordens de subdiácono em 07 de março de
1761, as de diácono em 09 de março e as de presbítero em 28 de junho, todas no mesmo ano e
conferidas pelo bispo D. Frei Antônio de São José, 7° bispo do Maranhão432. Aqui há um dado
interessante, pois, a despeito de a legislação eclesiástica indicar que se observe um interstício
entre as ordens, em face da necessidade de prover o bispado de sacerdotes, as ordenações se
davam em geral num curto espaço de tempo, conforme aconteceu com João Pedro433.
Na sua petição inicial para servir ao Santo Ofício, cita ser como cônego da Sé do
Maranhão e secretário do bispo434. Com estas informações, atesta em primeiro lugar, seu já
pertencimento ao cabido diocesano, e, mais que isso, estar servindo como secretário pessoal do
bispo que o ordenara, D. Fr. Antônio de São José. Em fevereiro de 1767 o bispo é chamado a

428
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia..., 1989, p. 29.
429
Ididem
430
Idem, p. 31.
431
Idem, p. 32.
432
Livro de Registros de Ordenações 1718-1789. (APEM, 175)
433
“No bispado do Maranhão foi comum que os habilitandos recebessem todos os quatro graus menores, incluindo
também a primeira tonsura, no mesmo dia, o que não difere muito do que ocorria em outros lugares. Se analisadas
apenas as ordens maiores, impressiona a falta de rigor com que eram conferidas. Dos 197 indivíduos que
chegaram ao grau de presbítero no bispado do Maranhão, 108 receberam os graus de subdiácono e diácono no mesmo
ano. A maioria, inclusive, no mesmo dia. Esse número se apura ainda mais quando se tem que destes 108
ordenados, 83 receberam as três ordens maiores também no mesmo ano, ou seja, receberam os graus de
subdiácono, diácono e presbítero em simultâneo”. MENDONÇA, Pollyana Gouveia. Parochos imperfeitos... Op.
cit.
434
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 7, doc. 101)
171

Lisboa, em razão de não ter acatado algumas diretrizes relacionadas com a expulsão dos
Jesuítas, além dos conflitos que manteve com o governador Joaquim de Mello e Póvoas,
sobrinho de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, recebendo como pena
reclusão no convento de Leiria da sua ordem agostiniana435. Porém, antes de sua saída, o bispo
Antônio de São José tratou de deixar seu parente João Pedro Gomes com um cargo para se
prover, nomeando-o escrivão do auditório eclesiástico436. Nesse sentido, o bispo que trouxera
seu aparentado João Pedro quando veio ao bispado do Maranhão, não o deixa a mercê, dando-
lhe um cargo onde estaria bem a par da administração do bispado.
No exercício desse seu cargo, João Pedro Gomes se envolverá em um imbróglio com
o vigário capitular Pedro Barbosa Canais, que ficara na gestão do bispado após a saída do bispo
D. Antônio de São José. Conforme já dissemos, João Pedro Gomes recebera a provisão de
escrivão do Auditório Eclesiástico, mas arrendava o ofício a outros padres. Porém, com a posse
do vigário-capitular Pedro Canais, João foi demitido437. Após sua demissão, interpôs no Juízo
da Coroa um agravo de modo a retomar sua função. Ao retomá-la, indicou outro padre para
substituí-lo, Pedro Canais, por sua vez, exigiu que se cumprisse o que estabelecia o Regimento
do Auditório Eclesiástico da Bahia, quanto ao horário que o escrivão deveria dar expediente no
Juízo438. João Pedro Gomes novamente interpôs, alegando que o Auditório Eclesiástico da
Bahia, por ser maior, tornava necessário o escrivão em expediente todos os dias, já a cúria do
Maranhão, menor, não careceria de tanto. A contenda se alonga e só é terminada quando o
vigário capitular, Pedro Barbosa Canais, é chamado de volta ao reino. Em 09 de outubro de
1801, por ocasião da morte do bispo do Maranhão D. Joaquim Ferreira de Carvalho, 11° bispo
do Maranhão, João Pedro Gomes é eleito vigário capitular439. João Pedro Gomes chega assim
ao posto mais alto de sua carreira, pois na qualidade de vigário-capitular do bispado, governa a
diocese na falta do bispo diocesano.
No âmbito do “baixo clero”, destaquemos dois que serviram no Pará e tiveram, ao
menos ao fim da vida, uma ligação. Trata-se de Inácio José Pestana e Felipe Jaime Antonio, o
primeiro que serviu como comissário e o segundo como Notário do Santo Ofício.
Nascido em Belém, Inácio José Pestana, foi batizado na Freguesia de Santana da
Campina, em 26 de agosto de 1717. Não nos é possível precisar quando fora ordenado padre,

435
PAIVA, José Pedro. Os Bispos de Portugal e do Império 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2006, p. 528-529.
436
Ofício (AHU_ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4247)
437
Oficio (AHU_ACL_CU_009, D. 4247, 1769.)
438
Seis foram os agravos entre João Pedro Gomes e Pedro Barbosa Canais (AHU_ACL_CU_009, D. 4246, 4247,
4248, 4249, 4250 e 6389).
439
Ofício (AHU _ACL_CU_009, Cx. 118, D. 9105)
172

contudo, em 30 de novembro de 1765, por indicação do vigário-capitular Geraldo José de


Abranches440, é empossado como reitor do seminário Nossa Senhora das Missões. Segundo o
mapa geral de população, das freguesias e das capitanias do estado do Grão-Pará, relativo ao
ano de 1776, que contém relação dos eclesiásticos seculares e regulares nelas existentes, Inácio
aparece como capelão de Regimento de São José de Macapá, mesma ocupação que declara
quando de seu pedido para habilitar-se no Santo Ofício. Não conseguimos vê-lo atuando em
outros âmbitos da hierarquia eclesiástica, o que nos leva a crer que morrera exercendo a
capelania do Regimento de Macapá, inferência também confirmada por um requerimento
datado de 8 de janeiro de 1784, onde se cita a vacância da capelania por morte de Inácio José
Pestana441.
O citado requerimento é de autoria de Felipe Jaime Antonio, que solicita assumir o
posto após a morte de Inácio, aqui, portanto as vidas dos dois se cruzam. Nascido em Belém do
Pará, Felipe Jaime Antonio foi batizado em 30 de maio de 1746, na capela de Santa Tereza dos
religiosos carmelitas. Antes de seguir a carreira sacerdotal, serviu durante dois anos e cinco
meses como soldado no regimento de infantaria da cidade de Belém do Pará, comandado pelo
capitão Teodósio Constantino de Chermont, entre 20 de janeiro de 1767 e 26 de junho de
1769442. Em 17 de janeiro de 1770, é citado em um ofício que fora para o Reino, a bordo dos
navios da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, receber as ordens menores.
Aqui há dois aspectos interessantes a serem ressaltados, primeiro, o fato de logo após
deixar a vida de soldado, Felipe Jaime ingressar na carreira eclesiástica, já recebendo no ano
seguinte as primeiras ordens sacras, estas, por sua vez, são conferidas no reino. Em tese, oficiar
as ordens competia ao bispo diocesano, acontece que neste período houve a mais longa vacância
do bispado do Pará no século XVIII, que começou com a saída do 4° bispo, D. Fr. João de São
José Queirós, em 25 de novembro de 1763. A vacância durou quase oito anos, terminando com
a nomeação de D. Fr. João Evangelista Pereira da Silva, em 17 de junho de 1771. Após receber
as ordens de presbítero, exerceu a função de pároco da Freguesia de Barcarena, de 10 de junho
de 1771 até 23 de fevereiro de 1773443, sendo transferido para a função de vigário da Freguesia
de São Domingos da Boa Vista do Guajará444, exercendo esta função de 08 de março de 1773
até 22 de fevereiro de 1784445. Em 08 de janeiro de 1784, solicita carta patente de presbítero

440
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia..., p. 33.
441
Carta (AHU_CU_013, Cx. 102, D. 8088)
442
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 95, D. 7535)
443
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 65, D. 5586)
444
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 79, D. 6535)
445
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 95, D. 7535)
173

secular na Capelania do Regimento da praça de São José do Macapá 446, função da qual em 21
de abril de 1787, solicita baixa do serviço com a justificativa de querer juntar-se a sua família447.
Em 04 de abril de 1804, solicita a mercê de sua aposentadoria no posto de capitão do Regimento
de Linha da Praça de São José do Macapá.
A trajetória de Felipe Jaime Antonio lança luz sobre uma questão interessante, a
formação dos clérigos no âmbito dos bispados do Pará e Maranhão. Os períodos de vacância e
a instabilidade nos centros de formação, acabavam por fazer ordenar, em vista da necessidade,
indivíduos com pouca ou nenhuma formação teológica, o que é notável no caso de Felipe Jaime,
que apenas após dois anos que deixara seu posto de “soldado no regimento de infantaria da
cidade de Belém do Pará”, já estava exercendo a função de pároco da Freguesia de Barcarena.
Talvez pela parca formação, Felipe Jaime não alçou postos mais altos no âmbito da hierarquia
diocesana, bem como da hierarquia inquisitorial local.
Nesse sentido, podemos dizer que os eclesiásticos que servirem ao Santo Ofício no
Estado do Grão-Pará e Maranhão, provém dos “três níveis” da hierarquia das dioceses, com
destaque aqueles que faziam parte do “alto clero” diocesano, que se constituíam na grande
maioria dos agentes habilitados. Sendo os de menor projeção, igualmente habilitados para a
Notaria do Santo Ofício, submetidos aos Comissários.

Leigos

Segundo José Veiga Torres, tanto no reino como no Brasil, a maior parte dos
indivíduos que buscam o serviço ao Santo Ofício são os “homens de negócios”, isso aconteceria
pela patente do Santo Ofício se constituir em uma espécie de nobilitação, que legitimava, via
limpeza de sangue, uma posição social de destaque448. Igualmente, João Cosme em seu estudo
sobre a imigração para o Brasil, utilizando como aporte documental as habilitações do Santo
Ofício, diz que a maior parte dos habilitandos se dedica à “mercancia”449. O Grão-Pará e
Maranhão não se foge à regra.

446
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 102, D. 8088)
447
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 96, D. 7641)
448
TORRES, José Veiga. Repressão..., 1994, p. 131. Vale lembrar, conforme defende António José Saraiva, que
havia em Portugal, a quase imediata identificação dos “homens de negócio” como sendo cristãos-novos, logo, para
além dos outros aspectos que levantaremos, essa pode ser mais uma possível razão deste segmento buscar com
frequência a habilitação ao Santo Ofício. Diz o citado autor: “Em vários documentos oficiais e particulares, assim
como obras literárias do século XVII, as expressões ‘gente de nação’ (=Cristãos-novos) aparece como sinónima
de ‘homens de negócio’”. SARAIVA, António José. Inquisição..., 1969, p. 197.
449
COSME, João. A emigração para o Brasil através das habilitações do Santo Ofício (1640-1706). In: A União
Ibérica e o Mundo Atlântico. Lisboa: Colibri, 1997, p. 195-216, p. 209.
174

Gráfico 1: Ocupação dos Familiares do Santo Ofício

20

15

10

0
Ocupação

Homem de negócios Estudante


Capitão de infantaria Comissário de Carreira do Maranhão
Sargento-mor Mestre espingardeiro
Governador do Pará Administrador geral da Companhia
Médico Contratador de madeira
Cirurgião Herança

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiares do Santo Ofício.

Do gráfico acima, 45% do total são divididos em sete ocupações, ao passo que a
acentuada maioria dos habilitandos eram “homens de negócios”, 55% do total. James
Wadsworth para Pernambuco encontra porcentagem idêntica a nossa, ao comentar que dos 537
familiares habilitados naquela capitania, 55% exerciam atividades ligadas ao comércio450.
Daniela Calainho ao tratar de números para o Brasil observa que no século XVIII cerca de 50%
exerciam atividade comercial. Aldair Rodrigues encontra para Minas Gerais uma porcentagem
ainda maior, com 76% do total dos habilitandos451. Desses “homens de negócios”, 87,5% (14)
são reinóis. Esse é um dado interessante, em todo o território colonial eram sobretudo os
naturais do reino que exerciam este tipo de atividade452. Há um dado a mais para pensarmos,
dessa maioria de habilitandos que se dedicam a “mercancia”, uma geração anterior é
fundamentalmente de lavradores. Logo, vemos, no espaço de uma geração, a mudança de
ocupação. Segundo João Cosme, o crescimento populacional no século XVII, gerou, ao norte
de Portugal, região, como vimos, de onde são naturais a maioria de nossos habilitandos,
desequilíbrios que forçaram a procura de novos espaços de atuação, notadamente na busca por

450
WADSWORTH, James E. Agents…, 2014, p. 127.
451
RODRIGUES, Aldair. Limpos...
452
FAORO, Raymundo. Os donos ..., 1975, p. 208.
175

formação em vista de profissões liberais, ofícios mecânicos e o comércio. Essa nova ocupação,
se dava em vista de que “não perdessem o status e pudessem vir a cair no limiar da pobreza”453.
Com a saturação das possibilidades em Portugal continental, o Grão-Pará e Maranhão se
constituiria em um lugar possível para a manutenção do “status” da família, fora a possibilidade
de rentabilização que ecoavam além-mar.

Qual a razão dessa predileção dos “homens de negócios” pela familiatura? Temos
algumas possíveis respostas. A primeira delas se deve a projeção econômica destes no ambiente
colonial. Para o Brasil, a atividade açucareira e para o Grão-Pará, as drogas do sertão, aqueciam
a economia, sendo atrativo para muitos cruzarem o Atlântico, mais que isso, razão para ficarem
indo e vindo. É o caso de João Rodrigues Leite454, habilitado em abril de 1736. Segundo o
depoimento do capitão da casa forte do Guamá, Luís Moura, ouvido em 1° de dezembro de
1734, João “vive de mercancia associado com um seu irmão Dr. Rodrigues Leite”, que mora
em Lisboa. Outras testemunhas mencionam que “o habilitando se ausentara para ir a “corte”.
Tendo poder econômico, lhes faltava a projeção social, se, pois, não lhes era permitido a
“nobreza de sangue”, a familiatura era uma boa perspectiva de nobilitação pelo “serviço”. Além
disso, as famílias constituíam em cada margem do Atlântico bases para o negócio de
“mercadejar”, os irmãos Leite são um exemplo disso.

Nesse sentido, podemos afirmar, estes indivíduos, na pirâmide social, estavam no


“Estado do Meio”. Na distinção muito frequente no Antigo Regime entre Estado Alto e Estado
Baixo, o primeiro, aplicado aos patamares ligados à nobreza e aos privilégios, o segundo, às
classes não nobres, populares, emerge ao longo da Época Moderna a categoria de Estado do
Meio. Como o próprio nome permite entrever, se constituí naquele grupo da população em
mobilidade entre as classes populares e nobres, cujas características fundamentais são o
afastamento do exercício das atividades mecânicas e a aproximação a um estatuto e modo de
vida próximo ao da nobreza, no acesso aos privilégios e a nobilitação. São, sobretudo, os grupos
de indivíduos enriquecidos pelo comércio, letrados, em grande parte formados pelas
Universidades e outras atividades liberais455.

453
COSME, João dos Santos Ramalho. A emigração..., 1997, p. 209.
454
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 69, doc. 1287).
455
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O crepúsculo dos grandes: a casa e o patromónio da aristocracia em
Portugal (1750-1832). Lisboa: INCM, 2003. HESPANHA, António Manuel. As vésperas..., 1994. HESPANHA,
António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime. Tempo, vol.11, no.21, Niterói,
Junho, 2006. RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico setecentista. Revista de História
176

Em se tratando de um ambiente colonial como o Estado do Grão-Pará e Maranhão, o


lugar social desses indivíduos em mobilidade também revelam facetas da formação da elite
local. Nesse sentido, podemos dizer que em grande parte faziam parte de uma elite caracterizada
por atividades ligadas ao comércio e pela projeção econômica que tinham, se lhes abria a
possibilidade de ascensão social pela mobilidade nas ocupações, alianças matrimoniais e
atuação na política local456.

Há ainda outra possível razão desses “homens de negócio” buscarem o Santo Ofício.
Como dito, sua atividade pressupunha o trânsito por muitos lugares e contato com diferentes
pessoas; o privilégio de porte de arma então tinha particular relevo para esses homens, o que
poderia ser usado em sua defesa. Podemos pensar que havia também um interesse do Santo
Ofício em habilitá-los, por seu “ir e vir” pelo Atlântico e pelos rios da Amazônia, era muito
provável que esses homens “itinerantes” cruzassem muitas vezes com situações de “matéria do
Santo Ofício”, podendo ser os olhos do “Santo Tribunal” nos mais recônditos lugares,
permeando pelos rios da Amazônia, a presença desta instituição.

Aldair Rodrigues, para Minas Gerais, chama atenção para outro aspecto interessante
relacionado às ocupações, ao atentar que muitos habilitandos, ao chegarem no ultramar,
abandonavam os ofícios aprendidos no Reino. Essa mudança se dava, fundamentalmente de
ofício mecânico para setor mercantil457. Para pensarmos essa mobilidade, usaremos como fio
condutor a trajetória de dois habilitandos que se estreleçam.

O primeiro é João Henriques, ou “Juan Henriquez”, seu nome de batismo na Galiza,


de onde era natural, conforme já vimos. João foi habilitado como familiar do Santo Ofício em
10 de novembro de 1761, tendo o processo iniciado em 1760. Segundo os testemunhos colhidos
no Reino, João migrara para Lisboa na companhia de seu irmão, Rosendo Henriques, exercendo
nesta cidade a ocupação de “caixeiros”, servindo a negociantes que tinham sócios no Pará, razão
que trouxe os irmãos. As cinco testemunhas ouvidas no Pará são unânimes ao afirmar os bons
rendimentos da ocupação de João como negociante, ao ponto de o comissário João Rodrigues

São Paulo, n. 169, julho/dezembro 2013, p. 83-110. RAMINELLI, Ronald. Nobrezas no novo mundo: Brasil e
ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.
456
Maria Fernanda Bicalho, Maria de Fátima Gouvêa e João Fragoso, em grande parte esteados nas ideias de
António Manuel Hespanha, demonstram como nos ambientes coloniais, a ideia de uma sociedade cuja cabeça do
corpo social é o Rei, vai se configurar nesses ambientes longe da Metrópole, onde legitimados pelos privilégios
que passavam a ter acesso, os poderes locais formavam um “Antigo Regime nos trópicos”. FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica
Imperial Portuguesa (século XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
457
RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos..., 2011, p. 185.
177

Pereira atestar que o “ele vive na cidade do Pará com trato dos lucros de seu negócio” 458. A
prosperidade dos irmãos “Henriques” ecoa na Galiza, fato atestado pelas testemunhas que
sabem de sua partida para o ultramar e depois, pela vinda de um seu sobrinho, chamado
Ambrósio Henriques. Ambrósio segue na esteira dos tios, vindo a ser sócio de um outro familiar
do Santo Ofício, Feliciano José Gonçalves.

Habilitado em 26 de março de 1790, Feliciano José Gonçalves, ao pedir a habilitação,


em 1789, declara ser negociante, contudo, nos testemunhos colhidos em Lisboa, se cita que
exercera na referida cidade o ofício de “correeiro”459. Acontece que tal ofício-profissão não é
de modo recorrente passado de geração em geração460. Dentre várias testemunhas, diz Mathias
dos Santos, em testemunho colhido em 22 de dezembro de 1789, na Freguesia de Santa Izabel
em Lisboa:

Que conhece a Bernardo Gonçalves Reynau e a sua mulher Dona Anna


Joaquina, naturais ele da Freguesia, digo, que são naturais desta cidade de
Lisboa do Bairro da Alfama, mas ignora as freguesias, e que foram moradores
a Boamorte, no Sítio da Fonte Santa, então Freguesia de Santa Izabel, e que
vivia do seu negócio e foi capitão de Navios e a razão de seu conhecimento é
por amizade e conhecer a ele ainda morando à Bica do Artibello na companhia
de seu pai, na Freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai.

Ao analisarmos a ascendência de Feliciano, vimos que tinham outra ocupação, logo,


Feliciano tornara-se “correeiro” por iniciativa própria ou influenciado por algum fato que não
podemos precisar. Seu pai, Bernardo Gonçalves Reynau, e seu avô, Manoel Gonçalves Reynau,
tinham exercido a capitania de navios, e pelo seu trânsito entre Brasil e África, exerciam
concomitantemente e após atividade mercantil. Pais e avós nascidos em Lisboa, atestavam o
enraizamento da família à cidade, entreposto fundamental para esses que exerciam a ocupação
de marinheiros-negociantes. Não podemos precisar a razão de Feliciano José Gonçalves ter
aprendido e exercido esse ofício, mas é certo, pelos testemunhos, que quando chegou ao Pará,
ainda o exercia, fato atestado em Lisboa pelo Notário do Santo Ofício Miguel Martins de
Azevedo. Na habilitação de Feliciano, o notário Felipe Jaime Antonio nos permite entrever
quando se dá a “viragem” na ocupação:

458
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 119, doc. 1890)
459
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 27).
460
MARTINS, João Henrique Costa Furtado. Artífices do Couro e da Madeira na Época Moderna: Trabalho,
Sociabilidades e Cultura Material. Tese de Doutoramento em História apresentada à Universidade de Lisboa, 2019,
p. 98.
178

Há de haver vinte e tantos anos que Feliciano José Gonçalves veio para esta
cidade do Pará da de Lisboa, com o ofício de correeiro, pelo qual trabalhou
publicamente muitos anos nesta cidade, se juntando logo a praça de soldado
na partida da cavalaria para trabalhar nos arreios da mesma. Se casou com
Anna Joaquina, viúva do soldado Gregório, dando logo depois desse
casamento baixa, largou o ofício de correeiro e entrou a tratar e granjear
amizades com os negociantes, lavradores e grandes desta cidade.

Conforme podemos ver, Feliciano vem para o Pará e exerce de imediato o ofício que
aprendera em Lisboa, se juntando ao cuidado com os materiais de couro necessários para o
regimento da cavalaria, porém, ao casar, deixa tal ofício. Felipe Jaime Antonio traça a razão de
Feliciano não dar “baixa” apenas das funções militares, mas também no seu ofício de
“correeiro”. Pelas suas palavras, podemos entrever que o matrimônio introduzira Feliciano em
uma nova rede de contatos, de modo que começou a “tratar e granjear” com os grandes da
cidade. Felipe completa que Feliciano “em breves tempos comprou umas casas altas, que as
edificou preciosamente, na rua dos Mercadores”. Se Felipe “pinta” com demasiado exagero a
trajetória meteórica de “enriquecimento” de Feliciano, não podemos afirmar, contudo, de fato,
este último se converte em um negociante de grosso trato, exercendo atividades mercantis que
já estavam em sua “veia”461. Seu sucesso é atestando em sua habilitação, ao referir ter “por cima
de oitenta escravos, tem muitos gêneros de negócios, vive abastado com inteira possibilidade,
seu trato é precioso, anda em sege, tem cavalos na estrebaria e criados, visitado pelas pessoas
mais principais deste estado”.
Aqui nos interessa perceber a mobilidade que Feliciano José Gonçalves demonstra,
retratada pela sua sociabilidade perceptível nos testemunhos colhidos em sua habilitação. Nas
testemunhas no Reino, vemos de modo recorrente, mestres, oficiais mecânicos e lavradores; no
Pará, emergem os “homens de negócios”, “negociantes”. Aparentemente, Feliciano cruzara de
oficial mecânico para as atividades mercantis, porém, não podemos esquecer que a “mercancia”
já era uma prática em seus ascendentes, nesse sentido, em face do novo lugar ocupado, via
casamento, Feliciano acessa, possivelmente, um outro trato que aprendera ainda em Lisboa, o
que talvez possa justificar a sua rápida ascensão.
Por esses dois exemplos que se cruzam, João Henriques e Feliciano José Goncalves,
vemos dois movimentos interessantes de mobilidade profissional. O primeiro, o trato ainda em
Lisboa, na categoria de “caixeiro”, inseriu João no ambiente da mercancia, laços que foram

461
Sobre as atividades de Feliciano José Gonçalves e outros negociantes do Pará, ver: LOPES, Siméia de Nazaré.
A praça de Belém e as relações com os negociantes das vilas do interior (1790-1810). Fronteiras & Debates,
Macapá, v. 1, n. 1, 2014.
179

solidificados na sua ida para o Pará; Feliciano, por sua vez, é inserido nessas redes por via do
casamento, abandonando seu ofício de “correeiro” e em certa medida retomando, uma prática
já presente na vida de seu pai e avô. Esse não é o único caso onde o habilitando ao chegar no
ultramar, abandonara seu ofício. Segundo o capitão Miguel Lopes Ferreira, em depoimento
colhido em Belém do Pará, diz que:
Conhecia o dito habilitando José Salvado Sanches, com que o afirmou debaixo
do juramento dos Santos Evangelhos, sabia que o dito habilitando é pessoa de
boa vida e costumes, bom procedimento (...) Vive limpa e abastadamente de
suas mercadorias de que usa, suposto disse ele testemunha que o dito
habilitando há se exercitado o ofício de chocolateiro na cidade de Lisboa, mas
nesta o não havia exercitado e só tratava de vender suas fazendas.

José Salvado Sanches, habilitado em 02 de abril de 1737, era natural da Covilhã,


aprendera o ofício de chocolateiro em Lisboa, mas ao chegar ao Pará, mudara de ramo,
dedicando-se a “só” tratar de vender suas fazendas462.
Voltemos a ligação entre habilitandos João Henriques e Feliciano José Gonçalves. O
trato entre eles se dá pelo sobrinho do primeiro, Ambrósio Henriques, ser sócio do segundo.
Ambrósio depois se destacará como comerciante de “grosso trato”463, auferirá enorme riqueza
esteado nas posses de seus tios, João e Rosendo, lançando luz para um outro aspecto que
condiciona a ocupação desses indivíduos, a herança. Na habilitação de José Rodrigues 464, seu
primo, Antonio Gonçalves Lima, dá o seguinte testemunho:
Disse que conhece a José Roiz que declarou ser seu primo, natural da freguesia
de Salvador de Esturões termo da Ponte do Lima Arcebispado de Braga filho
de Ângela Gonçalves e de Domingos Roiz e que o dito José Roiz morador
nesta cidade do Pará, de bom procedimento vida e costumes, capaz de todo o
segredo que vive limpamente do seu negócio e que até agora andara nas
Canoas dos Padres da Companhia por Cabo, e que terá mais de dois mil
cruzados em bom dinheiro e em dinheiro da terra mais de trezentos mil réis,
além da herança que tem de seu pai e mãe.

No depoimento, o depoente inicia com a habitual ratificação dos dados quanto a


naturalidade informada pelo habilitando, acrescentando que José vivia “limpamente de seu
negócio” e que “andara nas canoas dos Padres da Companhia”. Esse fato é atestado por uma
outra testemunha, que sendo “cabo de canos dos Padres da Companhia”, informa que José

462
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 41, doc. 662).
463
Daniel Barroso e Mábia Sales vão além, ao apontarem que após a morte de Feliciano José Gonçalves, Ambrósio
Henriques se associa a Joaquim Antônio da Silva, um dos maiores negociantes do Grão-Pará do século XIX.
BARROSO, Daniel Souza; SALES, Mábia Aline Freitas. Migração portuguesa, atividades mercantis e escravidão:
a trajetória de um negociante de grosso trato no Grão-Pará oitocentista. In: SARGES, Maria de Nazaré;
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; AMORIM, Maria Adelina. (Org.). O Imenso Portugal: estudos luso-
amazônicos. 1ed.Belém/PA: Cátedra João Lúcio de Azevedo, 2019, v. 1, p. 99-118.
464
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237).
180

também já exercera essa ocupação. A testemunha vai além, ao fazer menção à “herança que
tem de seu pai e sua mãe”, qualificando as somas que José Rodrigues possuía em “bom dinheiro
e em dinheiro da terra”. Esse último fato citado é aspecto interessante, pois ilustra no contexto,
a coabitação de unidades monetárias. A partir de 1750 é introduzido no Grão-Pará e Maranhão
a moeda metálica, mas durante certo tempo houve coabitação entre o “bom dinheiro” (moeda
metálica) e o “dinheiro da terra” (“moeda natural” - caracterizada, sobretudo, pelo Cacau no
Pará e pano de Algodão no Maranhão)465, daí a razão de José possuir dinheiros nas duas
“espécies”.
Se na habilitação de José Rodrigues emerge a herança que ficara de seus pais, João do
Couto da Fonseca, que é nosso primeiro habilitando, ao fazer sua petição inicial em 1729, não
cita sua ocupação, ficando claro pelos testemunhos colhidos no decorrer do processo, que os
“abundantes bens” que dispunha, eram na verdade, fruto do que o pai lhe deixara466. No dia três
de agosto de 1730, no Colégio de Santo Alexandre da Companhia de Jesus, em Belém do Pará,
é colhido, pelo comissário José de Souza, o depoimento do Pe. Antonio Maciel Parente, vigário
de Nossa Sra. do Rosário da Campina. De seu depoimento emergem aspectos interessantes,
conforme podemos ver ao dizer:
Que o habilitando é de bom procedimento, vida e costumes, capaz de ser
encarregado dos negócios de importância e segredo, que vive limpa e
abastadamente, que não tem ofício ou ocupação alguma, mas que vive em
companhia de sua mãe, irmão e irmãs, é cabedal bastante para limpa e
abastadamente viver.

A razão de o Santo Ofício pedir para que o habilitando declarar seu ofício – ocupação,
era em vista do atestar se de fato, aquele candidato, teria condições de viver “limpa e
abastadamente”. O Pe. Antonio Maciel Parente, ao atestar que João vivia “condignamente”,
informa, por outro lado, que o habilitando não possuía “ofício ou ocupação”, justificando, de
emenda, que o mesmo “vive em companhia de sua mãe, irmão e irmãs”. Como alguém “sem
ocupação” poderia assumir a familiatura? Para responder essa pergunta, temos que lançar luz a
um aspecto inicialmente levantado pelas testemunhas. Quando da morte de José do Couto, pai
de João do Couto da Fonseca, este último assume a chefia da família, fato atestado em diversas
fontes467. Ao assumir a chefia da família e por consequência dos negócios, João segue o
caminho do pai também ao buscar a familiatura do Santo Ofício, pois seu pai também o fora,

465
LIMA, Alam José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e moeda metálica na
Amazônia colonial (1706-1750). In: FIGUEIREDO, Aldrin de Moura & ALVES, Moema de Bacelar (Orgs).
Tesouros da Memória: História e Patrimônio no Grão-Pará. Belém, Ministério da Fazenda, 2009, p. 29-44.
466
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 63, doc. 1189).
467
Carta (AHU_CU_013, Cx. 15, D. 1416), Requerimento (AHU_CU_013, Cx. 19, D. 1800.)
181

sendo habilitado em 16 de janeiro de 1706, pouco mais de 26 anos antes do filho. No parecer
final da habilitação de João do Couto, assinada no Conselho Geral em Lisboa por dois
deputados, estão as seguintes palavras:
Vistas as diligencias de João do Couto da Fonseca, solteiro, que pretende ser
familiar do Santo Ofício, e delas consta ser filho legítimo de José do Couto,
familiar do Santo Ofício, pela certidão, e ser o habilitando natural e morador
na cidade do Pará, sem filhos e com capacidade, falta ocupação, pela qual o
habilito. Lisboa 20 de dezembro de 1731.

Por esse exemplo, fica evidente que a “ocupação”, ainda que fato exigido de ser
averiguado, conforme determina o Regimento do Santo Ofício, na prática poderia ser de menor
importância, se ficasse provado por outros meios, como por exemplo por herança, que o
candidato possuía cabedal suficiente para ser “encarregado dos negócios de importância e
segredo do Santo Ofício”. Logo, esse “vive limpa e abastadamente” não seria corroborado
apenas em casos onde o habilitando possuísse ofício ou ocupação, mas por ter “cabedal
bastante”, mesmo que sendo auferido por patrimônio familiar. Nessa mesma perspectiva está
Gaspar Alvares Bandeira, habilitado em 25 de janeiro de 1763468. Na sua petição inicial, não há
menção a sua ocupação; na capa de seu processo, é citado como “estudante”; nos testemunhos,
muitas pessoas desconhecem do que vive, com algumas fazendo menção de que “vive em
estado eclesiástico”. As informações dadas pelo comissário João Rodrigues Pereira são
felizmente mais precisas, ao dizer que Gaspar “vive com bom trato na ocupação de capelão
desta Sé com côngrua de sessenta mil réis e tem de bens de seus pais”. Tendo por base essas
informações, podemos dizer que Gaspar estudava para ser padre, já sendo clérigo in minoribus,
participando do coro da Sé, de onde auferia sua “côngrua” e dispunha dos “bens de seus pais”.
De fato, anos antes, Gaspar Alvares Bandeira solicitara administrar a herança deixada por seu
pai, Estevão Álvares Bandeira469. Paula Roberta Chagas e Milton Stanczyk Filho chamam a
atenção que dentre as “estratégias de bem viver” das elites do Brasil dos setecentos, estava se
assentar nas heranças legadas pelos ascendentes470, como parece ser o caso aqui, pois Gaspar
anos depois vem a casar com Mariana Úrsula Inácia de Moura, deixando, por consequência o
“estado eclesiástico”.

468
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
469
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4427),
470
CHAGAS, Paula Roberta; FILHO, Paulo STANCZYK. Um método em questão: as ‘estratégias do bem viver’
das elites em regiões periféricas do Brasil setecentista. In: GUIRARDI, Mónica; JIMÉNEZ, Francisco Chacón
(Ed.). Dinámicas familiares em el contexto de los Bicentenarios Latinoamericanos. CIECS (CONICET – UNC),
2010, p. 209-242.
182

Como último exemplo daqueles que tinham ocupação ligadas ao comércio, podemos
citar Manoel Alvares Chaves, habilitado em 08 de maio de 1764471. Na sua petição inicial para
habilitar-se, declara genericamente ser “homem de negócio”. Os testemunhos vão nuançar essa
citação. Segundo depoimento de Manoel Travassos, capitão do Navio São Luís da Companhia
do Grão-Pará e Maranhão, Manoel é morador na “cidade de Belém do Pará, onde tem loge de
fazendas”. Segundo outro capitão de Navio, Luís Ferreira Braga, conhecera Manoel “antes dele
ter loge de fazendas, sendo caixeiro”. Nesse sentido, vemos que ao chegar ao Pará, Manoel
Alvares Chaves exercera a ocupação de caixeiro, pela qual, após, estabeleceu sua própria “loge
de fazendas”. Nesses estabelecimentos, vendia-se uma infinidade de gêneros, sobretudo
tecidos. A ele se agregavam os auxiliares da “loge”, os chamados cacheiros. Logo, vemos aqui,
que chegando enquanto “caxeiro”, Manoel após “ascendera” possuindo sua própria “loge de
fazendas”, possivelmente cooptando cacheiros para si. Aqui um dado interessante, ele vem a
ser o nosso único habilitando originário de Trás-os-Montes. Essa região, no século XVIII, vai
se caracterizar uma intensa produção de lanifícios, que em grande parte eram em vista do
mercado externo472. Portanto, podemos dizer que ao estabelecer-se no Pará, sua opção em
comerciar “fazendas”473, pode ter sido condicionada por enquanto um transmontano, já ter tido
contato com sua terra natal com essa produção.
Na categoria dos “profissionais liberais”, isto é, daqueles que possuíam formação
acadêmica, destacamos o habilitando João Borges de Góes, habilitado como familiar do Santo
Ofício em 19 de dezembro de 1792474. Em depoimento colhido em 26 de outubro de 1792, no
Convento de Santo Antônio de Portugal, Freguesia da Pena em Lisboa, o Fr. Manoel da Estrela,
guardião do referido convento, depõe que morara no Pará, informando ainda que conhecera
João por ter “sido seu contemporâneo na Universidade de Coimbra”, porém, mais a frente
informa que “ignora o cabedal que terá de seu, como também a renda”. No caso de João Borges
de Góes se evidencia o inverso do de João do Couto da Fonseca, pois ainda que tivesse
ocupação, uma com certo destaque, pois a formação acadêmica de médico o colocava em um

471
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 195, doc. 1072).
472
MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e privilégios: A indústria portuguesa entre 1750 e 1843. Lisboa: Editorial
Estampa, 1997, p. 368-374.
473
O termo “fazendas” pode designar uma infinidade de gêneros, dentre eles, “fazendas secas” ou “fardos de
fazendas secas”, que podem ser panos de lã. CARDOSO, António Barros. Os mercadores ingleses no Porto e os
mercados atlântico e mediterrânico (séc. XVIII). In: Actas dos VIII Congresso da Associación Española de
Historia Económica, Santiago de Compostela, 2005, p. 3. Ainda sobre a temática, conforme diz Raimundo José
Matos para Minas Gerais: “Cumpre notar que por fazenda seca se entende nos registros de Minas toda a qualidade
de gênero que se serve para o vestuário; e por fazenda molhada, a qualidade de comestíveis, metais, pólvoras e
geralmente aquilo que se não veste”. MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia Histórica da Província de
Minas Gerais. Belo Horizonte / São Paulo: Itatiaia / EDUSP, 1981, p. 282.
474
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 167, doc. 1439).
183

outro patamar na hierarquia social, superior aos oficiais mecânicos, o “cabedal” que daria
suporte ao seu viver “limpa e abastadamente” é ignorado.
A real condição de João Borges de Góes nos é possível perceber em um requerimento
por ele assinado, dirigido à Inquisição de Lisboa em 1813, onde “Diz o Doutor João Borges de
Góes, Médico dos Cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, que pela Certidão junta
mostra que esteve gravemente doente, e como V. A. R. costuma em semelhantes casos mandar
dar uma ajuda de custo”. Segundo o atestado pelo médico José Antonio da Cunha Salgado, João
“no mês de novembro próximo passado foi atacado de uma febre linfática” sendo medicado por
todos “os remédios indicados, com os quais terminou a dita febre”. O requerimento de João é
indeferido pela Inquisição de Lisboa, pois segundo parecer do tesoureiro Cipriano José de
Amorim, não há nos regimentos ou em casos semelhantes, precedente em que o Tribunal
assumisse o ônus do custo do tratamento das moléstias que seus membros fossem acometidos.
O fato de João Borges de Góes fazer tal pedido suis generis ilustra que sua “capacidade” não
era tão “abastada”, ao ponto de pedir ajuda a instituição de que fazia parte, sendo que uma das
condições para a habilitação era justamente a de que o agente habilitado não desse ônus ao
Santo Ofício.
A trajetória de João Borges de Góes lança luz sobre uma outra questão, a mobilidade
de ocupação entre gerações. Seu pai, Lázaro Fernandes Borges, fora cirurgião e familiar do
Santo Ofício. Logo, seu filho, em certa medida, segue os passos do pai, com uma diferença, a
ocupação. Temos diante dos olhos um pai-cirurgião e um filho-médico. Na “arte de curar” no
contexto, podemos definir como principais ocupações os médicos, cirurgiões, boticários, físicos
e barbeiros sangradores. Sendo os responsáveis, cada um com sua especificidade, pelo
tratamento das enfermidades, seja de forma mais direta, no contato com os doentes, seja com a
fiscalização e a elaboração de receitas para a cura das moléstias 475. Esses profissionais não
desempenhavam, em tese, as mesmas funções, o que os colocava em um lugar distinto no
corpus social476. Tendo em vista essas questões, nos centremos nos ofícios evidenciados na
trajetória de Lázaro e João Borges.
No contexto, essa é uma diferenciação interessante, pois onde o conhecimento de
anatomia era bastante precário, “acreditava-se que o sangue era um humor vermelho que

475
O que não excetua a prática de curandeirismo, que ainda que perseguida pelo Santo Ofício, era muito presente
e solicitada.
476
RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciência dos trópicos: A arte Médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Editora
Hucitec, 1997; JESUS, Nauk Maria de. Saúde e Doença: Práticas de cura no centro da América do Sul (1727-
1808). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História - UFMT, Cuiabá, 2001.
WALKER, Timothy D. Médicos, medicina popular e Inquisição: A repressão das curas mágicas em Portugal
durante o Iluminismo. Rio de Janeiro/Lisboa: Editora FIOCRUZ/Imprensa de Ciências Sociais, 2013.
184

circulava pelas artérias e veias, a cirurgia era relegada ao plano secundário e abominada pelos
princípios religiosos”477, de modo que na hierarquia dos ofícios, o “cirurgião” era legado a um
patamar inferior, por se tratar de um ofício manual e considerado servil. Cirurgiões trabalhavam
fundamentalmente com as mãos, exigindo o uso de materiais como ferros, lancetas, tesouras,
cautérios e agulhas, o trabalho manual era associado à escravidão e aspecto diferenciador entre
os ofícios mecânicos e liberais. O médico, por sua vez, pela formação acadêmica, notadamente
na Universidade de Coimbra478, como é o caso de João, era visto como um homem douto, que
assentava a seu conhecimento nos livros e na observação dos enfermos, tendo com a “moléstia”
um trato “intelectual”, tornando essa ocupação de maior status, que a de cirurgião479. Nesse
sentido, grosso modo, aos cirurgiões caberia o tratamento de “enfermidades externas” e aos
médicos “enfermidades internas”. Dito isso, podemos dizer que de Lázaro para João, há um
processo de ascensão “ocupacional”, que que se converte, naturalmente, também em uma
ascensão de status social, pois deixara o ofício mecânico do pai.
Pegando como gancho o cirurgião e familiar do Santo Ofício Lázaro Fernandes
Borges, passemos para um colega seu de profissão, Joaquim Rodrigues Leitão, habilitado em
20 de fevereiro de 1743. Em sua habilitação, uma testemunha, no quarto item do interrogatório,
diz que Joaquim “vive limpa e abastadamente com seus escravos, com exercício de sua arte de
cirurgia e suas negociações com bom trato”, outra testemunha usa termos parecidos ao referir
que “vive limpa e abastadamente com bom trato com seus escravos, com ocupação de cirurgião
e seus negócios”. Aqui vemos, que em concomitante a ocupação de “cirurgião”, o viver de
“negócios” também está presente. Tal fato nos apresenta uma questão importante, a ocupação
em várias vertentes desses indivíduos. Se pensarmos, Joaquim como alguém que também
exercia “mercancia”, podemos mais uma vez reforçar que esse era o segmento privilegiado que
buscava a patente de servidor do Santo Ofício, para além disso, esse caso ilustra a opção pelos
“negócios” como uma possibilidade sempre presente no contexto do Grão-Pará e Maranhão,
sendo possível exercê-la em concomitância com outra ocupação.

477
HERSON, Bella. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira (1500-1850). São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2003, p. 351.
478
Até o início do século XIX, era a Universidade de Coimbra o principal centro de formação médica para os
naturais do ultramar. A América portuguesa só veio a contar com um centro de formação médica, após a chegada
da família real e transferência da corte para o Rio de Janeiro. Em 1812, por ordem de D. João, príncipe regente,
foi impresso um Plano de organização de uma escola Médico-cirúrgica, elaborado pelo médico Vicente Navarro
de Andrade. Em abril de 1813, foi criado o Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro, que se converteu no
primeiro centro de formação médica no Brasil. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Cultura Luso-Brasileira: Da
reforma da Universidade à independência do Brasil. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.
479
EDLER, Flavio Coelho. Saber médico e poder profissional: do contexto luso brasileiro ao Brasil imperial. In:
PONTES, Carlos Fidélis; FALLEIROS, Ialê (org.). Na corda bamba da sombrinha: a saúde no fio da história. Rio
de Janeiro: Fiocruz, 2010
185

Há um outro interessante exemplo de mudança de ocupação, evidenciada na trajetória


de Joaquim José de Faria, que é habilitado como familiar do Santo Ofício em cinco de novembro
de 1773480. Em parecer sobre sua habilitação, o comissário que lavra as averiguações, diz que
Joaquim tem “tratamento decente, vive de lavouras de cacau com seus pais e avós”. Pelo parecer
da habilitação, já notamos de início uma tônica presente de modo recorrente, o atrelamento do
“tratamento decente” aos bens da família. Joaquim não encontra óbices para sua habilitação, de
modo que em 29 de outubro de 1773 recebe do Conselho Geral, parecer final favorável à sua
habilitação. Acontece que mais a frente, o vemos novamente submeter-se ao Santo Ofício, agora
para habilitar-se como Comissário do Santo Ofício. Ao fazer sua petição inicial, em 1786,
declara:
Diz o Pe. Joaquim José de Faria, presbítero e Mestre de Moral e Juiz de
Resíduos na cidade do Pará e presentemente morador, que requerendo a vossa
Majestade o emprego de Comissário do Santo ofício da Inquisição desta Corte
(...) Acha-se já habilitado e criado familiar do Santo ofício, por carta passada
em 29 de outubro de 1773481.

De início, fica evidente que Joaquim José ao solicitar ser habilitado como Comissário
do Santo Ofício, mudara seu estado de vida, sendo agora um eclesiástico. Qual seria a razão de
Joaquim José não se dar por satisfeito com o fato de “viver de lavouras” e ser familiar do Santo
Ofício? O testemunho do comissário Felipe Camello de Brito nos permite entrever uma possível
razão, ao afirmar que tinha “bastante conhecimento com o dito pai do habilitando, Custódio
Vicente Anastácio, por este ter sido seu condiscípulo, e que conheceu também a dois irmãos
seus, o Pe. José Geraldes e outro secular, chamado Raymundo Coelho”. Outra testemunha, o
capitão Diogo Bernardes de Sá, no item III do interrogatório afirma que o habilitando teria um
tio padre, que seria “Pe. Fr. Manoel Antonino de Faria”, testemunho reforçado por Domingos
Luiz da Costa, colhido na Freguesia de São Mamede de Escariz, ao informar que o habilitando
era sobrinho de um “chamado Fr. Antonino Carmelita calçado”. Nesse sentido, fica evidente
que na família a presença de clérigos era marcante, sendo esse, muito provavelmente, o fator
de atração para José Joaquim.
Pelos casos que evidenciamos até aqui, vimos situações em que não há “ocupação e
nem ofício”, porém, sendo sustentados por herança. Vimos em outras onde a ocupação é
evidenciada, ignorando-se, porém, quanto seriam os “rendimentos” da dita ocupação, veremos
agora um único caso onde o habilitando cita ser “estudante”. Trata-se de José Paulino da Cunha,

480
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 17, doc. 192).
481
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 19, doc. 243).
186

habilitado em 20 de março de 1747482. Seu caso já foi por nós abordado em outra ocasião, aqui
destacaremos a ocupação que declara quando de seu pedido para habilitar-se. Em sua petição
inicial, no ano de 1743, não faz menção a sua ocupação, dado que se evidencia na capa de seu
processo, ao referi-lo como “estudante de gramática”. O comissário Manoel de Almeida, em 10
de outubro de 1743, dá maiores detalhes, ao dizer que José Paulino da Cunha:

Vive limpa e abastadamente, ocupando-se em estudar gramática no Colégio


dos Padres da Companhia de Jesus desta cidade, e vive do que lhe dão seus
pais, e que como está debaixo do domínio pátrio poder, não se sabe o cabedal
que terá de seu, porém, que os ditos seus pais são remediados e tem
abundancia de bens tanto móveis, escravos.

Aqui vemos que o “vive limpa e abastadamente” se assenta no patrimônio dos pais do
habilitando, sendo que a ocupação do dito era apenas a de “estudar gramática”. Relembrando o
que já dissemos, fica evidente ao longo do processo de habilitação, que José Paulino queria, via
habilitação, extirpar a dúvida que ficara acerca da qualidade do sangue de sua família, após a
não habilitação de seu irmão, Francisco da Cunha de Thoar. Pela habilitação, vimos que o
“defeito” residia na esposa de Francisco, o que não macularia a família do habilitando, porém,
impediria Francisco de habilitar-se. José Paulino, ao buscar a habilitação, visa, por ela, sepultar
as dúvidas que surgiram, porém, dada a sua idade muito jovem, a justificativa que poderia ser
habilitado, mesmo não se sabendo o “cabedal que terá seu”, passou no crivo. Aqui vemos um
aspecto muito interessante, a rigor, pelo regimento, o candidato a familiar deveria ter
estabilidade de vida, estabilidade que em José Paulino, sozinho, não existe, porém, atrelado aos
pais, poderia ser “encarregado dos negócios do Santo Ofício”. Aqui, portanto, se identifica
como o habilitar-se ao Santo Ofício também tinha como escopo uma estratégia familiar, que
assenta e dá suporte ao intendo de “servir” ao Santo Tribunal. Em uma sociedade do Antigo do
Regime ninguém age “sozinho”, se assenta em sua parentela e grupo social, contudo, aqui fica
bem evidenciado como a habilitação de José Paulino está, de fato, condicionando toda sua
família, que caíra em “desgraça” após o indeferimento do irmão.
Daqueles que exerceram ocupações administrativas, o caso de Fernando da Costa de
Ataide Teive, é, decerto, o mais significativo. Fernando Teive, foi, durante os anos de 1763 e
1772, governador do Grão-Pará, se constituindo na autoridade régia máxima nesta região. O
prestígio seu e de sua família é notável pelo repertório das testemunhas que depõe ao seu favor,
onde os qualificativos “excelentíssimo”, “ilustríssimo”, “reverendíssimo” antecedem os nomes

482
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 56, doc. 865).
187

de todos483. Para melhor visualização, organizamos as testemunhas e suas atribuições no quadro


abaixo:

Quadro 28: Repertório das Testemunhas da Habilitação de Fernando da Costa de


Ataide Teive – Lisboa
N. TESTEMUNHA ATRIBUIÇÕES
José de Vasconcelos Marquês de Castelo Melhor, Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo,
1.
e Sousa Reposteiro-mor de sua Majestade, Familiar do número do Santo Ofício
José de Menezes da Gentilhomem da Câmara de sua Majestade, Cavaleiro e Comendador
2.
Silveira Castro Professo da Ordem de Cristo
Carlos Carneiro de Conde de Lumiares, Professo na Ordem de Cristo, Gentilhomem da
3.
Souza Câmara do Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro
Dom José de
4. Professo na Ordem de Cristo, Familiar do Santo Ofício
Aleneastre
5. Gonçalo Xavier -
Dom Luís da Prelado da Santa Igreja Patriarcal, Professo da Ordem de Cristo,
6.
Câmara Coutinho Familiar do Santo Ofício
Dom José da Silva
7. Professo da Ordem de Cristo, Do Conselho de sua Majestade
Passanha
Dom José Lobo da
8. Marquês de Alvitto
Silveira Quaresma
Dom Antonio
9. Conde da Cunha, Presidente do Conselho Ultramarino
Alvares da Cunha
Manoel de Saldanha
10. Conde de Ega, Professo da Ordem de Cristo
de Albuquerque
António José de Conde de Rezende, Almirante-mor, Professo e Comendador da Ordem
11.
Castro de Cristo, Capitão da Guarda Real
Dom Tomás de
12. Principal primário da Santa Igreja Patriarcal da cidade de Lisboa
Almeida

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiar do Santo Ofício, mç. 02, d. 120.

Os doze depoimentos foram colhidos na Freguesia de São José na cidade de Lisboa,


em sete de setembro de 1769, pelo notário João de Almeida Costa, coadjuvado pelo escrivão
Rodrigo José Ferreira Nobre. Pelo quadro, é notável a “qualidade” das testemunhas no processo
de Fernando de Ataíde Souza Teive, que são qualificadas, na palavra do notário, como
“nobilíssimas testemunhas dessa inquirição, sendo todas cavaleiros ilustres”. O “prestígio”, a
“qualidade”, a “vida abastada”, o “cabedal” do habilitando é tanto, que prescinde da recolha de
testemunhos acerca de sua “vida e costumes” no Pará, possivelmente em razão de no Pará, não
haver testemunha “qualificada” para depor sobre ele.

483
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 2, doc. 120).
188

Conforme podemos ver, todas as testemunhas têm projeção nobiliárquica e


administrativa no reino, destaque se dê a quatro delas, que a exemplo de Fernando Teive, tem
experiência ou conexões com os domínios ultramarinos. A primeira delas é José de Vasconcelos
e Sousa, que fora 14° capitão donatário da ilha de Santa Maria, nos Açores; seguido de Carlos
Carneiro de Sousa, que fora donatário da Capitania de São Vicente, no Brasil, por herança de
seu pai, que era descendente de Martim Afonso de Sousa. Destaque-se ainda as trajetórias de
Antônio Alvares da Cunha e Manuel de Saldanha de Albuquerque. O primeiro, tem um extenso
currículo de serviço no ultramar, sendo governador e capitão Geral em Mazagão no Marrocos,
entre os anos de 1745-1752; governador de Angola, entre os anos de 1753-1758 e vice-rei do
Brasil, entre os anos de 1763-1767, período em que se transfere o governo de São Salvador para
o Rio de Janeiro. O segundo, exercera o cargo de governador e capitão geral da ilha da Madeira,
sendo nomeado 47° Vice-rei da Índia e 74° Governador da Índia. Aqui, mais uma vez, as
testemunhas mais que revelarem o círculo de contato do habilitando, demonstram seu lugar na
hierarquia social. Suas trajetórias se confundem, pois era comum o estágio em vários cargos da
administração no Ultramar e depois o retorno para o reino, como acontece com Fernando Teive
que após sua experiência no Pará, passara para governador das Armas do Alentejo.

3. 2 – Migração

Conforme já dissemos aqui de modo exaustivo, um dos aspectos levantados acerca dos
candidatos a agentes do Santo Ofício é sua naturalidade, que ao ser declarada pelo pleiteante,
era averiguada via o processo de habilitação. Ao solicitar ser habilitado, o habilitando também
deveria informar onde “tem morada”, aqui emergindo, ao menos, duas localidades: a de origem
e a em que reside. Por via dos testemunhos, conseguimos colher ainda mais informações,
evidenciando o trânsito desses indivíduos para outros lugares além do local de seu nascimento
e de morada. Nesse sentido, a posse das duas informações iniciais, qual seja, nascimento e
morada, já se configuraria, nos casos dos reinóis, galegos e ílhavos, o indício de processo
migratório. Contudo, conforme veremos, não necessariamente esse movimento se dava
diretamente entre esses dois espaços, havendo dentro de Portugal continental, espaços
“intermediários” entre o local de nascimento e o “destino final”, que em nosso caso, é o Grão-
Pará e Maranhão. É precisamente este tema que desenvolveremos a partir daqui.
189

Quadro 29: Locais de Origem e Morada dos habilitandos

NASCEU MORADA MORADA MORADA


CARGO HABILITANDO
Província Comarca 1 2 3
Diogo da Entre Douro
Lamego Maranhão - -
Trindade e Minho
João da Trindade Estremadura Santarém Pará Lisboa -
Caetano
Eleutério de Estremadura Lisboa Maranhão Pará -
Bastos
Comissário João Rodrigues
Brasil - Lisboa Pará -
do Santo Pereira
Ofício Antonio
Rodrigues Brasil - Lisboa Pará -
Pereira
Felipe Joaquim
Estremadura Lisboa Pará - -
Rodrigues
João Pedro
Estremadura Lisboa Maranhão - -
Gomes
Notário do
João da Rocha Entre Douro
Santo Braga Maranhão - -
Araújo e Minho
Ofício
João Rodrigues Entre Douro Viana do
Lisboa Pará -
Leite e Minho Castelo
José Salvado
Beira Guarda Pará - -
Sanches
Elias Caetano de
Estremadura Lisboa Pará - -
Matos
João Alvares da Entre Douro Viana do
Lisboa Pará -
Costa e Minho Castelo
Joaquim
Estremadura Lisboa Pará - -
Rodrigues Leitão
Antonio
Galiza - Lisboa Maranhão -
Gonçalves Prego
Antonio Gomes
Beira Viseu Coimbra Lisboa Maranhão
Pires
Familiar
Entre Douro Viana do
do Santo José Rodrigues Pará - -
e Minho Castelo
Ofício
João Henriques Galiza - Lisboa Pará -
Leandro Caetano Entre Douro
Braga Lisboa Pará -
Ribeiro e Minho
Bento Pires
Estremadura Lisboa Pará - -
Machado
Manoel Alvares Trás-os-
Bragança Lisboa Pará -
Chaves Montes
Felipe dos Santos Galiza - Lisboa Pará -
Fernando da
Costa de Ataíde Estremadura Lisboa Pará - -
Souza Teive
José Joaquim
Henriques de Estremadura Lisboa Pará - -
Lima
190

Antonio
Entre Douro Viana do
Coutinho de Pará - -
e Minho Castelo
Almeida
Jacob Lopes Entre Douro
Braga Lisboa Maranhão -
Graça e Minho
João Ferreira Entre Douro
Braga Pará - -
Touquinho e Minho
Feliciano José
Estremadura Lisboa Pará - -
Gonçalves
Alexandre José
Açores - Maranhão - -
de Viveiros
Manoel
Entre Douro
Gonçalves da Braga Pará - -
e Minho
Torre
Manoel Joaquim
Estremadura Lisboa Pará - -
Gomes

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Comissários, Notários e Familiares do Santo Ofício.

Dos 47 habilitandos do Santo Ofício que temos estudado, 30 não são nascidos no Grão-
Pará e Maranhão, logo, para nós, são migrantes. Tal número corresponde a um total de 63.82%
dos habilitandos, que estão distribuídos em: 51.06% naturais de Portugal continental (24
indivíduos); 6.30% naturais do reino da Galiza (três indivíduos); 4.24% naturais do estado do
Brasil (dois indivíduos) e 2.12% natural dos Açores (um indivíduo). Nesse sentido, de início,
podemos afirmar que a maioria dos habilitandos para o Santo Ofício no Grão-Pará e Maranhão
são migrantes, notadamente de migrantes de Portugal continental para o Ultramar. Se
analisarmos essa categorização pelos cargos, esse movimento fica um pouco nuançado,
sobretudo no que diz respeito aos cargos exercidos por eclesiásticos.
Para a comissaria, há uma equiparação entre os naturais e “migrantes”, pois 50% são
nascidos Grão-Pará e Maranhão (sete indivíduos) e 50% fora deste território (cinco indivíduos
reinós e dois indivíduos nascidos no estado do Brasil). Para os notários, temos apenas um
“migrante”, de um total de quatro indivíduos. O que significa, que no âmbito dos cargos restritos
à eclesiásticos, a maioria corresponde de naturais da América. Nos familiares temos o maior
grau de incidência de migrantes, totalizando 75.86% dos indivíduos habilitados para esse cargo
(22 indivíduos de um total de 29), que se distribuem do seguinte modo: reinóis – 18 indivíduos;
galegos – 3 indivíduos; açoriano – um indivíduo.
Conforme podemos ver no quadro acima, a maior parte do “migrantes” são reinóis,
naturais, sobretudo de duas províncias, Entre Douro e Minho e Estremadura. Para Vitorino
Magalhães Godinho, a emigração dos portugueses seria uma “constante estrutural”, apontando
191

que a maior parte dos emigrantes eram originários do norte do Reino484. No capítulo 2
caracterizamos a divisão territorial de Portugal continental, partindo dessas informações,
pensemo-nas para além de aspectos geográficos, pois cada uma se caracteriza por diferentes
tipos de distribuição de terra e povoamento do território.
No Minho, a propriedade das terras estava dividida em pequenas parcelas, e os
latifúndios, em geral, nas mãos da Igreja, pelos bispados e ordens monásticas. Ainda que se
praticasse a policultura, o milho era o principal cereal cultivado, que após ser introduzido no
século XVI, permitiu, sobremaneira, o aumento populacional da região, o que decorreu em uma
pressão demográfica485. Segundo Margarida Durães, o predomínio do “minifúndio”, atrelado a
uma densidade demográfica que era das maiores do país, impôs um problema quanto a
manutenção da posse do patrimônio fundiário. Segundo das Ordenações Filipinas, os princípios
gerais que legislam sobre a repartição das heranças eram os seguintes:
1. Todos os herdeiros legítimos têm direito à sua porção do património;
2. Dois terços da herança, deduzidas as dívidas, formam a porção que ser
partilhada;
3. O terço restante, constitui a parte livre destinada a permitir os legados
ou disposições, a título gratuito, do testador. Mas se este não disposer
abertamente deste terço, na sua totalidade ou em parte, deve ser integrado no
monte para a sua partilha. Se pelo contrário é atribuído a um dos herdeiros
legítimos, este deverá recebê-lo além da sua legítima.
4. A legítima de cada um dos herdeiros é de tal modo garantida e sagrada
que não deve ser onerada com encargos nem de modo nenhum substituída por
dinheiro quando a herança se compõe de bens fundiários486.

Nesse sentido, as leis vigentes garantiam a igualdade na distribuição de terras a todos


os herdeiros, o que desembocaria numa divisão excessiva que dilapidava o patrimônio da
família. Para evitar esse risco sempre presente, havia algumas estratégias. Pelo sistema de
heranças, o testador poderia legar um terço de seus bens a quem bem entendesse (terça), ficando
os dois terços restantes, distribuídos de forma igualitária aos herdeiros (o que incluía o que
recebera a “terça”). Geralmente, a “terça” era legada ao cônjuge ou a um dos filhos, o que
colocava esse herdeiro em situação privilegiada em relação aos demais. Para além disso, havia
a “enfiteuta”, que ao “aforar” as propriedades, determinava-se que a posse fosse passada a um
único herdeiro, que geralmente era o filho/a primogênito/a. Assim o era, pois, em tese, o

484
GODINHO, Vitorino Magalhães. L’Emigration portugaise (XVè-XXè siècles). Une constante structurale et les
responses aux changements du monde. Revista de História Económica e Social, Lisboa, n. 1, 1978, p. 5-32.
485
FERREIRA, Pedro Almeida. Emigração portuguesa no século XVIII: De Entre-Douro-e-Minho para o Brasil.
A Expansão Ultramarina Portuguesa. Revista de Divulgação Histórica da Associação de Professores de História
– AmPHora. Lisboa, 2015.
486
DURÃES, Margarida. No fim, não somos iguais: estratégias familiares na transmissão da propriedade e estatuto
social. Boletín de la Asociación de Demografia Histórica, X, 3, 1992, p. 129-130.
192

primeiro/a filho/a adquiriria logo “estado”, de cujo consórcio poderia ajudar no estabelecimento
dos outros descendentes487. Porém, na prática, esse privilégio para com um herdeiro,
praticamente inviabilizaria o casamento para os demais, fazendo com que os filhos restantes
acabassem por ficar na dependência dos pais ou do herdeiro privilegiado, ou, em última
instância, indigentes.
Nesse sentido, a emigração foi assumida como possibilidade de manutenção da
propriedade da família e estratégia de estabelecimento dos demais herdeiros488. Os destinos
poderiam ser uma das freguesias, vilas e cidades na própria região e outras de Portugal
continental, até a emigração para o ultramar, como para o Grão-Pará e Maranhão. Joel Serrão,
ao caracterizar esse processo diz:
No seio de uma família rural minhota ou beirã, proprietária ou arrendatária de
uma pequena parcela de terra, parte dos filhos machos não cabe nos acanhados
limites da exploração familiar. Deitando contas à vida, os pais vendem ou
hipotecam alguns de seus bens para pagar as viagens e mandam para o Brasil
filhos que assim – e só assim – têm possibilidade de tentar uma vida nova.
Eles partem antes dos catorze anos para eximirem-se às leis do recrutamento
militar, ou entre os vinte e trinta anos. Esta emigração masculina e jovem vai
recomendada a parentes e desembarca no Recife, na Bahia, sobretudo no Rio
de Janeiro, por onde fica, dedicando-se, predominantemente, ao “negócio”, ou
seja, à rede de distribuição comercial de retalho: caixeiros, pequenos
comerciantes, associando-se, por vezes a patrões abastados, até mediante o
casamento com as respectivas filhas489.

Se não fosse por algumas diferenças, Joel Serrão parece referir-se a Antonio Gomes
Pires, que foi habilitado em 26 de maio de 1756490. Nascido em uma família inteiramente
“Beirã”; ele, seus pais, avós e parte dos bisavós são naturais da mesma comarca. Vive, conforme
as palavras do comissário Antonio Dias, “limpamente e com trato bom, que é caixeiro de logea
de fazendas do reino”. Essas palavras foram escritas na cidade de São Luís do Maranhão, em
22 de junho de 1755, portanto, pouco menos de um ano antes de receber o deferimento de seu
pedido para habilitar-se como familiar do Santo Ofício. Que caminhos levaram Antonio Gomes
Pires até o Maranhão?

487
DURÃES, Margarida. Herdeiros e não herdeiros: nupcialidade e celibato no contexto da propriedade enfiteuta.
Separata da Revista de História Econômica e Social, 1988.
488
Rafaella Sarti, chama a atenção como no contexto da Europa Moderna, a precariedade habitacional
condicionava a precariedade na formação dos núcleos familiares, sendo a migração uma opção sempre presente.
SARTI, Rafaella. Casa e Família: habitar, comer e vestir na Europa Moderna. Lisboa: Editorial Estampa, 2001,
p. 35-38. Se no quadro geral migrar era uma opção em vista da manutenção do patrimônio, há também casos, pela
pauperização das famílias, onde todos os membros se deslocam em conjunto, conforme aponta Antonio Otaviano
ao analisar a trajetória dos quatro irmãos “Pinto Martins”. VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. De Família,
Charque e Inquisição se fez a trajetória dos Pinto Martins (1749-1824). Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 30, dez.
2009, p.187-214.
489
SERRÃO, Joel. A emigração portuguesa: sondagem histórica. Lisboa: Livros Horizonte, 1977, p. 81.
490
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 129, doc. 2176).
193

O depoimento das testemunhas de sua Freguesia de origem, colhidos em 27 de abril


de 1756, nos ajudam a estabelecer esse possível itinerário. Manoel João, declara que “conheceu
a Antonio Gomes Pires, sendo menino antes de ir para fora”. A primeira testemunha ouvida no
reino é mais precisa nas informações, ao dizer que “ele se ausentara sendo menino para a cidade
de Coimbra e tem notícia que de Lisboa embarcara para fora”. Outra, Antonia Cordeira, diz que
“que (Antonio Gomes Pires) ausentou-se sendo menino para a cidade de Coimbra e lá com um
tio seu foi para a de Lisboa onde embarcou-se para os Brasis sendo caixeiro”. Por fim, o Pe.
João Marques da Silva diz que “sabe que embarcou para o Maranhão e que sabe pelo ver e ter
notícia”. Aqui vemos a força das informações levantadas nos testemunhos, onde cada
testemunha, vai acrescentando informações. No presente caso, saímos de um deveras impreciso
“ir para fora”, para o estabelecimento do itinerário entre o lugar de nascimento e o “atual” de
morada do habilitando. Nesse sentido, vemos que Antonio seguira o seguinte trajeto: local de
nascimento – Coimbra – Lisboa – Maranhão.
Que motivos levaram Antonio a sair de seu lugar de origem? Para responder tal
pergunta, a testemunha Felipa Martins, em depoimento referente aos pais de Antonio, Manoel
Pires e Joana Gomes, diz que “conhece um filho dos sobreditos que está casado em Santa
Comba Dão”. Santa Comba Dão vem a ser a freguesia de nascimento de Antonio, se, pois, ao
menos um de seus irmãos se manteve na freguesia de nascimento, possivelmente foi aquele que
estando casado, herdara em maior número as posses da família, ficando para Antonio, como
possibilidade, a emigração. Nesse processo, conforme nos é informado pelo testemunho de
Antonia Cordeira, o ajuda “um tio seu”, que provavelmente o introduziu na cidade e na
ocupação que passou a desenvolver. Nos testemunhos colhidos em Lisboa, a maioria das
testemunhas fazem menção ao fato de “ir a sua casa algumas vezes no Maranhão” e de Antonio
“vir algumas vezes” para Lisboa. Se Antonio Gomes Pires comerciava “fazendas do reino”,
esse “ir e vir” o colocava, ainda que no Maranhão, em constante contato com o Reino e para
além disso, com o seu lugar de nascimento, que a despeito do fato de ter se ausentado dele
quando “menino”, são muitas as testemunhas que tem notícia de que partira para o Ultramar e
de que aí bem se estabelecera.
Essa conexão com o lugar de origem, mesmo após emigrar, é notável em João Alvares
da Costa, que foi habilitado em 03 de fevereiro de 1740491. Segundo as palavras do Pe. Jerônimo
Afonso da Costa, colhidas na Freguesia de Santa Maria da Cabração, João se “ausentou para as
partes dos Brasis, e há dois anos que veio esta dita freguesia”. O mesmo padre, ao referir-se aos

491
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 74, doc. 1363).
194

pais de João, João Alvares da Costa e Maria Gonçalves, diz que “eram lavradores limpos que
viviam de suas lavouras e trabalho”. Nos testemunhos colhidos no Pará, os inquiridos dão
notícia que João “vive de seu negócio de mercadorias”, ao concluir seu testemunho, o “homem
de negócio” João Afonso, diz “ter conhecimento do habilitando nesta cidade, como na de
Lisboa”. Dito isso, há alguns aspectos a serem ressaltarmos. Primeiramente quanto ao fato de
mesmo após “ausentar-se”, por um curto período, retornar ao seu lugar de nascimento. Em
segundo lugar, serem os pais do habilitando lavradores, com ocupação ligada à terra, e o
habilitando, por sua vez, homem de negócios.
Nesse sentido, as trajetórias “migratórias” do “beirão” Antonio Gomes Pires e do
“minhoto” João Alvares da Costa, suas ocupações com a “mercancia”, atreladas ao seu pedido
de habilitar-se como Familiar do Santo Ofício, cai como luva no que diz João Cosme, ao definir
que a:
A emigração possibilitava que os agregados familiares “canalizassem” parte
dos seus filhos para novas actividades sócio-profissionais, facilitando-lhes,
por isso, que os seus agregados populacionais não perdessem o seu “status” e
pudessem vir a cair no limiar da pobreza. Esta emigração aparece
“publicitada” com uma elevada “rentabilização social”, já que, no espaço
brasileiro, estes migrantes conseguiam conciliar as componentes económica e
social. Para o efeito, bastava conseguir a outorga da carta de familiar do Santo
Ofício e/ou de um hábito de uma Ordem492.

As trajetórias de Antonio Gomes Pires e João Alvares da Costa, nos relevam outro
aspecto interessante. Se notarmos, Lisboa está como o último lugar de morada em Portugal
continental, antes de se mudarem para o ultramar; para além disso, Lisboa é também o elo entre
suas vidas no Grão-Pará e Maranhão e no Reino. Ao analisarmos o quadro 29, vemos que
Lisboa é a mais recorrente das “moradas”, seja daqueles que sendo naturais desta cidade, lá
moraram, seja daqueles que naturais de outras regiões, aí viveram por um período de tempo.
No mesmo trabalho há pouco citado, João Cosme diz que Lisboa, Porto e Viana do Castelo são
espaços escolhidos de modo recorrente como entreposto antes da partida para o Ultramar493.
Nesses espaços urbanos, profundamente conectados com os domínios coloniais, os emigrantes
poderiam integra-se a redes de sociabilidade, bem como aprender ofícios que os ajudariam na
vida além-mar.
Na trajetória de nosso único habilitando transmontano, região mais “isolada” de
Portugal continental, Lisboa se constitui como destino “intermediário” entre a Freguesia de
Santa Maria de Calvão e Belém do Pará. Trata-se de Manoel Alvares Chaves, habilitado em 08

492
COSME, João dos Santos. A emigração..., 1997, p. 209.
493
Idem, p. 206.
195

de maio de 1764494. Mateus de Moura, em oito de março de 1764, diz que Manoel era “natural
da freguesia de Santa Maria de Calvão, donde se ausentou a mais de quinze anos ou dezesseis
anos para a cidade de Lisboa e dela para o Brasil aonde lhe consta reside e que lá é homem de
negócios”. Nos depoimentos colhidos em Lisboa, chama atenção o não conhecimento por parte
de muitos dos depoentes acerca da origem de Manoel, o que é incomum, posto que nos demais
habilitandos, ainda que de outras regiões, as testemunhas lisboetas têm notícia de onde nascera
os habilitandos. Exceção se dê ao que diz João da Silva Ledo, galego e “homem de negócios”,
ao declarar que:
Conhece o habilitando Manoel Alvares Chaves, sabe que ele é natural de
Chaves, Arcebispado do Braga, o qual é morador na cidade de Belém do Grão-
Pará, onde é homem de negócio, e o conheceu há mais de dez anos, por vir em
sua companhia no seu navio para o Pará, juntando-se por ter sido caixeiro na
mesma cidade do Grão-Pará de João Henriques.

Aqui os depoimentos revelam a idade aproximada com que Manoel saíra de um lugar
para outro. Sabemos que fora batizado em 09 de junho de 1726, na já citada Freguesia de Santa
Maria de Calvão. Segundo o testemunho de Mateus de Moura, saíra de sua freguesia de origem
para Lisboa, há “mais de quinze anos ou dezesseis anos”, o que nos leva a crer que tal fato tenha
ocorrido por volta 1748-1749, período no qual Manoel estava com 22 para 23 anos. Se João da
Silva Ledo afirma que conhecera o habilitando “há mais de dez anos, por vir em sua companhia
para o Pará”, podemos dizer que passara em Lisboa entre quatro e cinco anos, indo para o Pará
onde morava por pelo menos dez anos. É justamente quando dessa sua estada em Lisboa, por
volta dos seus 28 anos, que lhe surge a oportunidade de migrar para o Ultramar, talvez a própria
testemunha, ainda que não o afirme, tenha ajudado Manoel a “juntar-se” a ele no navio,
introduzindo-o a João Henriques.
Este último citado, é também um de nossos habilitandos, já falamos de sua trajetória
no item 3.1, convém lembrar que sendo galego, João Henriques migrara para Lisboa e de lá,
como caixeiro, para o Pará, o acompanhara o irmão Rosendo e depois viera seu sobrinho,
Ambrósio Henriques. As trajetórias de Manoel Alvares Chaves e João Henriques são
aproximadas, a Freguesia de Calvão fica próxima da fronteira com a Galiza, os dois, saem de
seus lugares de origem, vão para Lisboa e embarcam para o Pará como “caixeiros”. Nesse
sentido, podemos afirmar que esses que faziam pela “primeira vez” o caminho para o Grão-
Pará e Maranhão, ao lá prosperarem, eram canal de atração não só para outros seus parentes,
mas para todos os que, dispostos, poderiam cruzar o Atlântico em vista de tentar a vida; sendo,

494
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 195, doc. 1072).
196

a cidade de Lisboa, entreposto privilegiado que os “oferecia” oportunidades de migrar para o


Ultramar.
Na trajetória dos habilitandos galegos (Antonio Gonçalves Prego, João Henriques e
Felipe dos Santos), Lisboa se apresenta como cidade “intermédia” antes da partida para o Grão-
Pará e Maranhão. Antonio Gonçalves Prego fora habilitado em 24 de março de 1746, pouco
menos de um ano antes, em depoimento recolhido em 12 de julho de 1745, na sua Freguesia de
nascimento, São Payo, do Bispado de Orense, diz a testemunha Antonio Perez:
Conoce de entero conocimiento, a Antonio Gonzales Priego prentende, el qual
nacio e fue bautizado e se criô nesta dita fleguesia en el lugar del Reguendo
donde viviam sus padres, y com motivo de muerto um tio mercador, que tenia
em Lisbôa, y avendo instituído por herdeiro, passo ali en donde se estabelecio
el mismo comercio, de desta para fora, q actualmente se halla comerciando el
Maranôn495.

O trajeto seguido por Antonio Gonçalves é claro, da Galiza migrara para Lisboa e de
Lisboa para o Maranhão. Segundo o depoimento de Hilário Duarte, colhido em Lisboa em 1°
de março de 1746, Antonio mudara “para esta corte havera quinze anos, e nela tendo sido
morador, e agora se acha no Maranhão”. Se fora batizado em 1710 e morara em Lisboa desde
quinze anos antes do depoimento, podemos dizer que fora para Lisboa por volta dos 21 anos,
bem como para o Maranhão com pouco mais de trinta. Sua trajetória revela uma outra
possibilidade, a de migrar pela herança deixada por outro parente, no caso um tio. Inferindo que
o tio migrara para Lisboa em busca de melhores condições de estabelecer-se, tal fato foi fator
de atração para o sobrinho. Nesse sentido, ao contrário da limitação que a partilha de terra
causava, fato a que já nos referimos, a atividade de mercancia se constituía em fator de atração
para outros membros da família migrarem. Há mais, sabemos que para o Pará viera um irmão
de Antonio Gonçalves Prego, João Rodrigues Galego, que quando de sua morte, lega em
testamento bens ao filho de Antonio, Joaquim Antonio Gonçalves Prego496. Nesse sentido, de
Lisboa, Antonio vem para o Pará e junta a si o irmão que antes estivera na Galiza. Vemos,
portanto, os fatores de atração no âmbito das famílias, a herança do tio que atraíra Antonio para
Lisboa. A vida de “comércio” em Lisboa, que o ligara ao “Maranôn”, o que por sua vez, atraíra
seu irmão, João Rodrigues Galego.
Como já nos referimos a trajetória de João Henriques, partamos para Felipe dos Santos,
nosso terceiro galego habilitado pelo Santo Ofício497. Segundo o testemunho de Juan Antonio,

495
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 100, doc. 1801).
496
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 83, D. 6808).
497
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 5, doc. 82).
197

colhido na Freguesia de Santa Maria, de onde Felipe era natural, o habilitando se “ausentô al
Reyno de Portogal, a onde se dize que casô, y tine su habitación, trato y comercio”. Juan Ribau,
por sua vez, diz “q lo conocio muy bien y de enterro conozimiento cuando habitaba en este
lugar y fleguesia y depues le tratô diferentes vezes en la Ciudad de Lisboa, Reyno de Portogal,
y que habrâ como unos treynta o mas anos que se ausento para o dicho reyno”. Esses
depoimentos foram todos colhidos no mês de abril de 1766. Chama atenção que nem todas as
testemunhas tinham plena noção do “trânsito” desses indivíduos, na cabeça de Juan Antonio,
Felipe ainda morava e estava estabelecido no “Reyno de Portogal”, o outro “Juan”, o “Ribau”
é mais preciso, ao afirmar que que fazia “unos treynta o mas anos” que o habilitando saíra de
seu lugar de origem para Lisboa. Não era em todos os casos que havia, nos lugares de origem,
o conhecimento da vida procedente dos naturais após terem saído. Das informações prestadas,
se ressalte que Felipe dos Santos fizera a vida em Lisboa, lá estabelecendo comércio e se
casando. O que revela uma possibilidade interessante, se na trajetória de Manoel Alvares
Chaves a estada na cidade é rápida, sendo de fato “intermediária” na vida desse habilitando, no
caso de Felipe dos Santos, ao nela casar e estabelecer comércio, é um período que influencia
sobremaneira em sua trajetória.
Pelos exemplos acima, é notável o segmento de que se ocupam esses “emigrantes”, o
comércio. Essa atividade, portanto, se constituía, tanto no caso português, como galego, em
uma opção de estabelecer-se e, mais que isso, de constante trânsito, como pressupõe aqueles
que exercem tal atividade. Aqui, inclusive, os fatores de “expulsão” são similares, pois a Galiza
se encontrava, desde finais do século XVII, em com contexto de evolução demográfica, o que
impunha um problema de acesso à terra498. Como possibilidades de destino, Castela, Andaluzia
e Portugal, este último se converteu, no século XVIII, como principal destino dos galegos 499.
E, podemos dizer, de Portugal para o Ultramar.
A predominância de indivíduos que exercem a “mercancia” não significa que não
havia outras motivações para a migração, esse é o caso de José Joaquim Henriques de Lima,
habilitado em 10 de setembro de 1770500. Segundo o depoimento de José de Sousa, dado na
Freguesia de Santos-o-Velho, em Lisboa, o depoente diz que conheceu José Joaquim antes deste

498
SAAVEDRA FERNÁNDEZ, Pergerto. Un aspecto de las crisis de subsistencia en la Galicia del Antiguo
Régimen: las ventas de tierra. In: EIRAS ROEL, Antonio. (Ed.): La historia social de Galicia. Santiago de
Compostela, 1981.
499
LOPO, Domingo González. La emigración a Portugal desde el Suroeste de Galicia en los siglos XVIII al XIX,
Emigração-Imigração em Portugal. Actas do colóquio, Lisboa, Fragmentos, 1993, p. 373-391. CASTELAO, Ofelia
Rey. Crisis familiares y migraciones em la Galicia del siglo XVIII desde uma perspectiva de género. Studia
Historica – Historia Moderna, Ediciones Universidad de Salamanca, vol. 38, n. 2, 2016, p. 201-236.
500
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 123, doc. 2644).
198

“se ausentar na Companhia de seus pais, desta cidade de Lisboa, para a de Belém do Pará”. Já
aqui vemos um dado importante, não eram só homens “sozinhos” que migravam, havia também
a possibilidade de famílias inteiras o fazerem, como é o caso. O depoente Bartolomeu de Souza
Mexia nos fornece mais informações, ao referir-se os pais de José Joaquim diz:
Que conheceu a Manoel José Henriques de Lima, sendo tenente do Regimento
da Armada, de que era coronel Pedro de Souza Castelo Branco, e a sua mulher
Dona Maria Inácia da Costa, pais do habilitando, mas não sabe donde ele era
natural, e ela o era da Freguesia de N. Sra. do Monte Sion do lugar de Ancora,
e que foram moradores na rua dos Mouros, freguesia da Encarnação desta
cidade de Lisboa.

Outra testemunha, Luiza Antonia Tereza, cita informações similares a essas,


acrescentando que “foram moradores na rua dos Mouros, freguesia da Encarnação desta cidade
de Lisboa, donde se ausentaram para a de Belém do Pará”. O impreciso “donde se ausentaram
para o Pará”, não nos permite entrever a razão desse trânsito, que felizmente é esclarecido nos
depoimentos colhidos no lugar para onde “se ausentaram”. Como vimos, o pai de José Joaquim,
Manoel José, era militar, migrando para o Ultramar, conforme os testemunhos colhidos em
Belém, pelo comissário João Rodrigues Pereira, para juntar-se como “capitão de granadeiras”
a uma das companhias da cidade, chegando a “sargento-mor de um dos regimentos de
infantaria”. José Joaquim segue os passos do pai, sendo, quando do pedido para habilitar-se ao
Santo Ofício, “capitão de infantaria dos auxiliares”. Nesse sentido, vemos um exemplo de um
habilitando migra em família, na companhia dos pais, e se estabelece fora da habitual categoria
do “comércio”.
Outro habilitando da Estremadura, tem uma trajetória igualmente interessante, trata-se
do clérigo Caetano Eleutério de Bastos, habilitado como Comissário do Santo Ofício em 15 de
maio de 1745501. Na petição inicial de sua habilitação, datada de março de 1745, diz que é
“natural desta cidade de Lisboa e batizado na Paroquial Igreja do Sacramento, e morador há
mais de vinte anos na cidade do Grão-Pará”. Em sua habilitação, as testemunhas não fornecem
muitas informações, se retendo a atestar sua origem e há quanto tempo que morava no Pará.
Contudo, soubemos por outros meios, que fora ordenado diácono no dia 21 de março de 1722
pelo bispo D. Fr. José Delgarte, no oratório do Palácio Episcopal da Cidade de São Luís do
Maranhão, recebendo as ordens de presbítero no dia quatro 4 de abril do mesmo ano. Nesse
sentido, podemos estabelecer o seguinte itinerário: Lisboa – São Luís do Maranhão – Belém do
Pará. Como não encontramos menção ao fato dos pais de Caetano terem migrado e ao que tudo

501
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 4, doc. 46).
199

indica, sempre se mantiveram em Lisboa, podemos inferir que ele o fez por si, sendo ordenado
padre em São Luís, bispado do Maranhão. Por outro lado, três anos antes, em 1719, conforme
já dissemos, fora criado o Bispado do Pará, razão pela qual, possivelmente, Caetano saíra de
São Luís para Belém, na busca de colar-se502 a uma freguesia ou possível benefício do Bispado
nascente. Esse intento, podemos afirmar, em certa medida se efetiva, pois Caetano ganha
alguma projeção no âmbito eclesiástico e sobretudo, enquanto proprietário de terras, conforme
veremos no próximo tópico do presente capítulo.
Outro que cruzara o Atlântico e fora ordenado padre no Pará é o habilitando Felipe
Joaquim Rodrigues, conforme podemos ver nas informações fornecidas pelo vigário geral
Pedro Barbosa Canaes, ao afirmar que Felipe Joaquim “se transmigrou para este bispado e
cidade acompanhando como familiar ao Exmo. e Revm. Sr. D. Fr. Guilherme de São José, bispo
que foi desta cidade haverá 24 anos”503. Aqui não confundamos o termo “familiar” como a
referir-se aos familiares do Santo Ofício, ou ainda, como sendo parente do prelado; este termo
designa o séquito que acompanhava e vivia com o bispo no Palácio episcopal, que também era
designado como “família episcopal”. Sendo assim, Felipe Joaquim, natural de Lisboa, veio
junto ao bispo para o Pará, aqui se ordenando e conseguindo a dignidade de Mestre Escola da
Sé do Pará.
Agora vejamos a trajetória dos dois habilitandos nascidos no Brasil, os irmãos
Rodrigues Pereira. O primeiro, habilitado como comissário do Santo Ofício em 30 de outubro
de 1755; e o segundo, pouco mais de sete anos depois, em 18 de janeiro de 1763. São eles, João
e Antonio Rodrigues Pereira, nascidos e batizados na “Sé da cidade de Bahia de Todos os
Santos”504. Segundo o arcediago da Sé Primacial da Bahia, Antonio Gonçalves Pereira, em
depoimento colhido pelo comissário Bernardo Germano de Almeida, em 03 de agosto de 1754,
informa que conheceu:
Sendo estudante, nos Pátios da Companhia, a João Rodrigues Pereira,
Arcediago que é hoje da Sé do Grão-Pará, onde é hoje assistente, sabe pelo
ver que é natural da Freguesia da Sé desta cidade da Bahia, e que é certo
natural e morador de onde se diz. E que a razão de o saber é pelo conhecer
desde menino, e que daqui se ausentou para Lisboa.

502
Expressão que significa a ligação de um padre a uma paróquia, o que se constituía em um dos modos de
“estabilização” da carreira eclesiástica, pois os padres-colados, ainda que com rendimentos menores aos dos
membros da Cúria e Cabido das Dioceses, conforme já dissemos, recebiam da Coroa regularmente (ao menos em
tese) sua côngruas. Os padres que “viviam de suas ordens”, em geral, recebiam apenas de acordo com os
sacramentos que celebravam, o que tornava suas vidas bastante instável. SOUZA, Ney de. A situação do clero
brasileiro durante o século XVIII. Revista de Cultura Teológica, ano VI, n° 23, São Paulo: Pontifícia Faculdade
de Teologia Nossa Senhora da Assunção, abr-jun, 1998.
503
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 78, doc. 0059).
504
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 108, doc. 1768). Habilitação para
Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 146, doc. 2365).
200

O sargento mor José da Motta Silva, no mesmo dia, nos fornece mais informações, ao
afirmar que:
Conhece muito bem a João Rodrigues Pereira, sendo menino, estudante nos
Pátios da Companhia, e sabe pelo ver que é natural da Freguesia da Sé desta
cidade, donde foi estudante, indo para Portugal e de lá passou ao Maranhão,
onde é morador e Arcediago da Sé da cidade de Belém do Pará. E a razão de
conhecimento é do tempo e pelo conhecer desde que nasceu, e a seus pais, por
serem moradores da sua circunvizinhança.

Pelas que informações elencadas pelos depoentes, vemos que João Rodrigues Pereira,
tendo nascido em Salvador, lá fez parte de sua formação inicial nos “Pátios da Companhia”,
indo depois estudar em Lisboa, de onde “passou para o Maranhão”. João faz, em certa medida,
ao ir para Lisboa, o caminho de volta de seu pai, Manoel Rodrigues Pereira. Segundo o
testemunho do Pe. Diogo de Brito, colhido na Freguesia de Santa Marinha, os avós paternos do
habilitando, João Gonçalves e Maria Francisco, “tiveram filhos, conforme ouviu dizer ele
testemunha, dois deles, um chamado Manoel e outro Amaro, que foram para o Brasil”. No já
citado testemunho de Antonio Gonçalves Pereira, o depoente completa ao dizer que os pais de
João, “vivem de seu negócio de mercadorias”. Nesse sentido, Manoel Rodrigues Pereira, viera
para a Bahia e casara com Maria do Espírito Santo, de cujo consórcio nascera João e Antonio
Rodrigues Pereira. Maria era natural da Bahia, porém com os pais reinóis, naturais da mesma
freguesia de nascimento de Manoel Rodrigues Pereira, o que configuraria endogamia oculta505.
Para além disso, quanto a ocupação, os avós do habilitando são citados como “lavradores”, que
vivem de suas “roças”. Vemos que Manoel tinha ocupação no comércio e destinara seus filhos
para o sacerdócio, tendo sido formados em Lisboa e depois indo para Belém do Pará506.
O cônego da Sé do Pará, João da Costa Sousa, em depoimento colhido pelo comissário
Lourenço Alvarez Roxo, no dia 15 de dezembro de 1753, diz que João Rodrigues Pereira viera
para o Pará “haverá dezesseis para dezessete anos”, reforçando que o que sabe por ter para com
o habilitando o “trato de companheiro”. Aqui, aliás, há um dado interessante, João da Costa

505
Já nos referimos ao conceito de endogamia oculta no item 2.3.
506
Conforme José Pedro Paiva, em Portugal, a destinação dos filhos para o sacerdócio se constituía, muita das
vezes, em estratégias familiares, como mecanismo de promoção social em setores intermediários e como
confirmação de poder em setores mais abastados. No caso que apresentamos, é notável que se enquadra na primeira
opção. PAIVA, José Pedro. Os mentores. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Coord.). História Religiosa de Portugal
– Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, p. 212. Para o Maranhão, Pollyanna Muniz chama atenção como havia
na estrutura do bispado a recorrente prática de nepotismo, assentada em famílias que se constituíam em
“verdadeiros clãs de sacerdotes”. MUNIZ, Pollyanna Gouveia Mendonça. A carreira eclesiástica no bispado do
Maranhão. In: AYROLO, Valentina; OLIVEIRA, Anderson José Machado de (Coord). Historia de clérigos y
religiosas em las Américas: conexiones entre Argentina y Brasil (siglos XVIII y XIX). Buenos Aires: Teseo, 2016,
p. 69.
201

Sousa não é o único membro do Cabido do Pará a ser ouvido, outros eclesiásticos dão notícia
do mesmo período em que o habilitando chegara ao Pará, reforçando o trato que tinham para
com ele no ambiente da Catedral, fazendo ainda menção ao trato que tem com um irmão do
habilitando, Antonio Rodrigues Pereira.
Antonio Rodrigues Pereira vem ser a o irmão mais velho de João, eles tinham uma
diferença de cinco anos, Antonio nascera em 1707 e João em 1712. Antonio veio a ser habilitado
como comissário do Santo Ofício em 18 de janeiro de 1753. Em sua petição inicial, reforça os
vínculos com o irmão, ao dizer que sendo:
Cônego presbítero da Catedral de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, que
ele deseja muito lograr a honra de Comissário deste distinto Tribunal do Santo
Ofício a que se acha já promovido seu irmão o bacharel João Rodrigues
Pereira, arcediago e primeira dignidade da mesma catedral de Santa Maria de
Belém do Grão-Pará. E porque o suplicante é irmão inteiro do dito arcediago
João Rodrigues Pereira, por serem ambos igualmente filhos legítimos do
capitão Manoel Rodrigues Pereira, e de sua mulher Maria do Espírito Santo,
batizados igualmente ambos na Sé da Bahia e tem nesta corte muitas pessoas
distintas com que provar, não só a fraternidade, mas também os seus costumes.

Do dito acima, além da habitual narrativa de justificativa do pedido de habilitação, é


notável a citação por parte de Antonio, do fato de ter “nesta corte muitas pessoas distintas com
que provar”, atestando que no tempo que ficara em Lisboa, construíra laços. Nas averiguações
nesta cidade, em vista de comprovar a fraternidade com João, se destaque o da religiosa
Bernarda Maria da Sé, professa no Convento de Santa Clara em Lisboa. A depoente diz que
Antonio era “natural da Freguesia da Sé da Cidade da Bahia e há muitos anos morador na cidade
do Grão-Pará”, reforçando que o sabe por “conhecer desde que se entende por ser seu irmão
inteiro e com ele veio para Lisboa”. Vemos aqui que os três irmãos (Antonio, João e Bernarda)
foram para Lisboa sem a companhia dos pais, pois segundo ela, seus pais “sempre foram
moradores da cidade da Bahia”. Outra religiosa do mesmo convento, Barbara Dorotéia de Brito,
diz que Antonio passara de Lisboa para o Pará para ser cônego da Sé. Nesse sentido, podemos
estabelecer as possíveis razões para esse trânsito, os irmãos saíram da Bahia para Lisboa para
o ingresso na carreira eclesiástica, e de Lisboa para o Pará, no caso dos varões, para assumir
cargos no Cabido Diocesano.
Para concluir este item, analisaremos a trajetória de Alexandre José de Viveiros, nosso
único habilitando ílhavo, nascido na Ilha de São Miguel, no Arquipélago dos Açores e morador
na vila de Santo Antônio de Alcântara, no Maranhão507. No início de seu processo de
habilitação, cita ser casado com Francisca Xavier de Jesus, natural da citada vila de Santo

507
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 10, doc. 115).
202

Antônio de Alcântara. A primeira testemunha a depor diante do comissário Francisco Caetano


Correa da Costa, na Freguesia de Nossa Senhora das Neves, de onde Alexandre José era natural,
foi Josefa Maria do Espírito Santo, que em 20 de outubro de 1796, informou que:
Conhecera muito bem ao habilitando Alexandre José de Viveiros, que sabia
era natural desta Freguesia de Nossa Senhora das Neves, aonde sempre morara
na companhia de seus pais, sem ofício, até que se ausentara para a América,
onde ela testemunha ouve dizer geralmente que ele existe, suprindo-se de seu
negócio, cujo conhecimento tem pelo ver e tratar neste mesmo lugar por todo
o tempo em que nele existiu.

Na mesma assentada, Manoel Martins Furtado é mais específico ao falar para qual
lugar da “América” fora Alexandre José, ao dizer que “ainda de poucos anos se ausentara para
o Maranhão”. Aqui é interessante o fato das testemunhas não fazerem qualquer menção ao fato
de Alexandre José ter se casado, dando apenas notícia que se mudara para a “América” e lá
vivia de “seus negócios” e de “vender fazendas”. Esse é um aspecto bem interessante, pois, nos
demais habilitandos casados, a notícia de que contraíra estado, sempre já havia chegado aos
lugares de origem, aqui, possivelmente, o “ir e vir” das informações não era tão intenso como
o que acontecia com os reinóis.
A esposa de Alexandre, Francisca Xavier de Jesus, é nascida em Santo Antônio de
Alcântara, assim como seus pais e avós, tendo seu pai, João Alexandre de Souza, servido “no
senado da Câmara desta vila em cargos da governança da República”. Em depoimento na vila
de Alcântara, o frade carmelita calçado José dos Inocentes é bem preciso ao dizer que o
habilitando e sua esposa:
Vivem com bom procedimento, vida e costumes, e julga ser capaz de ser
encarregado de negócios de importância e segredo, e de servir ao Santo Ofício
no cargo de Familiar e que vivia limpa e abastadamente com bom tratamento
de seu negócio de loge aberta, e demais mercancias, e tem caixeiros.

Pelos dados levantados pelas testemunhas nos Açores e no Maranhão, podemos ver
que Alexandre José de Viveiros, quando morava em seu local de nascimento, vivia à custa de
seus pais, e por “não ter ocupação”, migrara para a “América”. Ao chegar ao Maranhão, se
casara com uma família de projeção na “governança da Terra”. Se pelo depoimento do frade
José, podemos entrever o eco da boa viva que Alexandre e sua esposa tinham, e nós, sabendo
que Alexandre viera para o Maranhão sem ter ocupação, podemos afirmar que constituiu tal
patrimônio no Maranhão, patrimônio esse que decerto lhe abriu as portas para o casamento com
alguém de projeção no lugar. A razão da saída de Alexandre José dos Açores para o Maranhão
não podemos afirmar em efetivo, mas decerto, conforme Maria Olímpia da Rocha Gil, “por
processos diversos e em circunstâncias que variam necessariamente, os habitantes das ilhas
203

procuravam rasgar o cerco do mar”508. Nesse sentido, a experiência com a migração era uma
constante nessa região do Império português, intensificada sobretudo no século XVII, quando
o Estado, com intuitos de povoamento e contributo militar, organizou grupos com destino à
América. Nessa rota de migração fomentada pelo Estado, estava o Maranhão, onde foram
inseridos duzentos casais açorianos em 11 de abril de 1619 e mais outros ao longo do mesmo
século509. Pelo que vimos acima e conforme observa Antônio Otaviano Vieira Júnior, pelas
estratégias de povoamento e necessidade de mão de obra, essas levas de açorianos com destino
à “América” eram caracterizadas sobretudo por casais e/ou famílias510. Nesse sentido, a
migração “sozinha” de Alexandre José foge à regra da migração para “ocupação” do território.
Pelas atividades que começa a constituir no Ultramar, podemos dizer que ele acaba por seguir
a mesma tônica presente nos muitos dos indivíduos que vimos aqui, ao dedicar-se às atividades
“mercantis”.
No presente item, vimos o intenso trânsito que estes indivíduos e suas famílias têm
dentro do Império português, trânsito esse que revela as motivações para os deslocamentos e
sobretudo mudanças de estatuto social.

3. 3 – Posse de Terras

No processo de averiguação da “qualidade” dos agentes, um dos aspectos levantados


pelo Santo Ofício é quanto a “capacidade” do candidato, sendo esse, inclusive, um ponto
questionado nas averiguações feitas, em especial, no lugar de morada dos habilitandos. A
“capacidade” vem a ser os modos e os meios que a pessoa usa para manter-se, para dar
justificativa a boa “capacidade” dos pleiteantes, as testemunhas no decorrer do processo de
habilitação citam que os mesmos “vivem de suas lavouras”, “tem engenho”, “possuem terras”,
“tem cavalos na estrebaria”, “cabeças de gado”, “criados” e “escravos que lhe servem”. Porém,
essas citações, apesar de serem reveladoras, são imprecisas, pois não localizam as ditas terras,
nem a quantidade de escravos, estimando, quando muito, os rendimentos auferidos desse
patrimônio.

508
GIL, Maria Olímpia da Rocha. O Arquipélago dos Açores no século XVII: Aspectos sócio-económicos (1575-
1675). Castelo Branco: Edição da Autora, 1979, p. 24.
509
CORDEIRO, Carlos; MADEIRA, Artur Boavida. A emigração açoriana para o Brasil (1541-1820): uma leitura
em torno de interesses e vontades. Arquipélago – História, Revista da Universidade dos Açores, 2ª série, vol. 7,
2003.
510
VIEIRA JÚNIOR. Antonio Otaviano. Dona Gil e família: possibilidades e imigração entre Açores e o Grão-
Pará do século XVIII. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 87-104, jan./jun. 2017.
VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Migração Açoriana na Amazônia: conexões entre a Ilha Graciosa, Lisboa e
Grão-Pará (1751-1754). Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 10, n. 2, ago.-dez., 2017.
204

Para ter acesso mais amiúde aos detalhes dessas posses, tivemos que lançar mão das
concessões de sesmaria para o Grão-Pará e Maranhão, rastreando nossos indivíduos pedindo e
recebendo-as. Antes de nos determos a elas, convém caracterizar esse modo de distribuição de
terras. Segundo Rafael Chambouleyron511, no primeiro século de ocupação da Amazônia, o
processo de dominação se esteava no tripé militar, religioso e econômico. Esta última, em
grande medida mais privilegiada pela historiografia, caracterizada pela empresa de exploração
das drogas do sertão e mão-de-obra indígena. Enquanto na outra parte da América portuguesa,
o Estado do Brasil, a produção se centrava no sistema de plantation, pecuária e mineração; no
Grão-Pará e Maranhão a atividade comercial, eminentemente agrícola, se caracterizava no
extrativismo e mercantilismo das drogas do sertão, nome dado pelas autoridades
metropolitanas, comerciantes e colonos para os gêneros locais (cacau, canela, salsa, cravo, anil,
baunilha, copaíba, breu e andiroba)512.

A exemplo do que fora feito em outras regiões do Ultramar513, um importante meio de


ocupação da região se deu pelas capitanias privadas, instituídas pela Coroa na região durante o
século XVII, a citar: “Tapuitapera e Cametá (pertencentes à família Albuquerque Coelho de
Carvalho), Caeté (Álvaro de Sousa), Cabo do Norte (Bento Maciel Parente) e Ilha grande de
Joanes (Antônio de Sousa de Macêdo)”514. Grosso modo, uma capitania particular tinha por
centro uma vila erigida cuja base era a agricultura. O ato de doação implicava, em primeiro
lugar, a necessidade de povoamento da terra concedida, tendo por base a conversão dos índios
e ao beneficiamento das terras no cultivo agrícola. A concessão acompanhava uma serie de
mercês e poderes dados pela Coroa:
poderes jurisdicionais (em relação a determinados crimes e graus de apelação), ficais
(direitos sobre alguns tributos, como a meia dízima de pescado), econômicos
(propriedade de engenhos), de ocupação territorial (possibilidade de dar terras em
sesmaria) e sucessórios. Distinguia-se também por várias obrigações, como o
pagamento de dízimos à Ordem de Cristo, a conservação do pau-brasil, a
determinação de o donatário (capitão e governador da ilha) e o ouvidor se valerem
dos respectivos regimentos do Estado do Maranhão e Pará, a licença do rei para fazer
correição quando for necessário515.

Neste sentido, é de se destacar que nos territórios doados aos donatários, estes teriam
um poder de certo modo independente do governador do estado, tendo, em tese, jurisdição

511
CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, Ocupação e Agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706).
Belém: Editora Açaí, 2010.
512
ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. O sistema agrário do Vale do Tocantins colonial: Agricultura para
consumo e para exportação. Proj. História, São Paulo, (18), 1999.
513
RODRIGUES, Miguel Jasmins. Sesmarias no Império atlântico português. Actas do Congresso Internacional
Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Instituto Camões, 2008.
514
ANGELO-MENEZES. Op cit, p. 82-83.
515
CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento..., 2010, p. 87.
205

independente naquela porção de terra que lhe era confiada. O estabelecimento de capitanias
privadas se dava pela necessidade de ocupar as terras doadas, colocando os gentios sujeitos à
fé católica e a vida civil; sob pena ao donatário, caso não o fizesse, de perder tal concessão. Em
agosto de 1675, o conselho ultramarino adverte o governador do estado do Maranhão e Grão-
Pará, que lhe caberia verificar se o donatário cumpria com suas obrigações, principalmente
como a da formação de uma vila516.

A capitania da Ilha grande de Joanes sofreu inúmeras dificuldades, segundo Rafael


Chambouleyron, Antonio de Sousa de Macêdo escreveu ao rei, relatando em primeiro lugar os
problemas que teve para estabelecer na dita ilha uma casa dos padres na Companhia de Jesus,
por não possuir meios suficientes para custeio dos referidos padres, reforçando que tal
estabelecimento era necessário, dada a ilha ser “povoada de gentios”517. Aqui é interessante
notar que custeio do estabelecimento de uma estrutura na capitania particular cabia aos
donatários, porém, Sousa de Macêdo se queixa da falta meios para isso, portanto, ainda que lhe
coubesse dividendos do que era produzido em seus domínios, os primeiros momentos de
ocupação se caracterizam mais em custos que em ganhos, tanto para o donatário quanto para
Coroa. É nesta ilha que Caetano Eleutério de Bastos, indivíduo com que iniciamos o presente
capítulo, terá terras com criação de gado vacum. Sobre a grandeza desse lugar, diz João Daniel:

Entre todas merece o primeiro lugar, por ser a maior de todas, a ilha do Marajó. É a
ilha do Marajó, que outros chamam de Joanes, e outros a apelidam a ilha Grande, todo
o continente, que forma o rio Amazonas entre duas grandes bocas; uma que busca o
norte, e é a principal; e outra que deságua pela banda do sul; entre as referidas bocas
está este grande torrão de terra, que bem lhe quadra o nome de ilha grande, pois lhe
dão de comprimento para cima de 60 léguas... Ela mesma em sai é repartida de muitas
ilhas, e penínsulas, com rios que juntamente a banham, e fertilizam. O primeiro rio
que sai do Marajó é o Guarapé Grande, que deságua para sul; é de alguns dias de
viagem. O segundo é o Arari, que nasce em um grande lago. 518

A ilha, como é notável pela fala acima, tem um papel estratégico, pois se constitui na
foz do Rio Amazonas. Dentre os rios citados, está o Arari, que para nós é particularmente
importante, por se localizar em um afluente seu, o rio Guapi, as terras de Caetano Eleutério da
Bastos. Para elas, fez o pedido de sua confirmação de sesmaria em 23 de fevereiro de 1737,
tendo sido doadas pelo governador geral capitão-mor José da Serra, com a extensão de duas
léguas de frente e duas léguas de fundo onde pretende criar de gado bovino519. Em 08 de julho

516
Idem.
517
Idem, p. 83.
518
DANIEL, João. Op cit... p. 94.
519
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 19, D. 1820)
206

de 1754, pede a confirmação do aumento das ditas terras, agora doadas pelo governador geral
João de Abreu Castelo Branco520. Neste pedido de aumento, é interessante sublinhar uma
questão – a imprecisão dos limites. De acordo com a primeira carta dada pelo governador João
da Serra, as terras de Caetano faziam “marco com as de Francisco Rodrigues Pereira”, de modo
que em tese as terras vizinhas já tinham dono, neste sentido, as terras de Caetano ou foram
expandidas para terras de outrem, ou então realmente a aparente ocupação das terras vizinhas
não era efetiva como prescreve a lei das sesmarias521.
Segundo o já citado Pe. João Daniel, o Marajó era constituído de “muitas ilhas, e
penínsulas, com rios que juntamente a banham, e fertilizam”, tornando-o área muito favorável
para a agricultura e para pecuária, bem como o fácil acesso aos rios, ajudavam no escoamento
do que era produzido. Nos rios Marajó e Arari se concentraram as primeiras doações de
sesmarias e o gado se constituiu na principal ocupação das fazendas, de modo que em 1756, o
rebanho vacum alcançava quatro mil cabeças de gado522. João Daniel também faz menção ao
fato, ao dizer “Tanto gado vacum, que há dono que chega a marcar por ano para cima de 20 mil
cabeças de gado(...); é pois inumerável o gado vacum destas campinas, onde nem os mesmos
moradores, e donos sabem quanto têm senão a vulto”523. Sem entrar no mérito da efetiva
quantidade de cabeças de gado e se de fato, a abundância era tanta ao ponto de os donos sequer
saberem quantas tinham, há de se destacar que Caetano recebe uma sesmaria na primeira área
de ocupação por colonos no Marajó, em segundo lugar o uso que fará da terra segue uma lógica
já presente para a região, a pecuária. Como vimos, o processo de doação de terras cabia em
alguns casos ao donatário, porém, em Joanes, como esse sistema não se efetivou, as terras eram
doadas diretamente pelo governador e confirmadas pela Coroa.
Esse processo de doação de terras tem origem em Portugal, no contexto da
reconquista524, a Lei das Sesmarias que foi promulgada em 1375 pelo rei D. Fernando I e
estabelece, em linhas gerais, que um proprietário de terras teria direito a uma parcela de terra
devendo torná-la produtiva no prazo de cinco anos, caso isso não ocorresse, essa parcela de
poderia ser tomada e entregue a outra pessoa. Nesse sentido, essa concessão tinha por base duas
necessidades fundamentais: o beneficiamento das terras e a ocupação do território. Atribuiu-se

520
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3425)
521
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Poder e domínio: a concessão de sesmarias em fins dos Setecentos. In:
VAINFAS, Ronaldo & MONTEIRO, Rodrigo Bentes (orgs.). Império de várias faces: Relações de poder no
mundo ibérico da Época Moderna. São Paulo: Alameda, 2009, p. 351-368
522
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Agricultura no delta do rio Amazonas: colos produtores de alimentos em
Macapá no período colonial. Novos cadernos NAEA, v. 8, n. 1 – p. 073-144, 2005, p. 77.
523
DANIEL, João. Op cit... p. 552.
524
NOZOE, Nelson. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil Colônia, Anais do XXXIII Encontro Nacional
de Economia, Natal, 2005.
207

o nome de “sesmaria” devido ao costume de dividir as terras em seis partes, ou ainda, “sesma
quer dizer a sexta parte de qualquer coisa, neste caso a pensão de sexto”525. Ao ser transposta
para realidade do Ultramar, ao contrário da situação do reino, no Estado do Grão-Pará e
Maranhão, havia grande quantidade de terras e poucas pessoas para cultiva-la, fazendo com que
a ocupação do território fosse necessária tanto do ponto de vista militar quanto econômico, de
modo a dar dividendos à Coroa526.

Para fazer o pedido da sesmaria, o pleiteante deveria fornecer informações sobre a


extensão e os limites da terra que pretendia, o seu lugar de residência, as razões pelas quais
necessitava das terras e, principalmente, os meios que dispunha para cultivá-la. Neste sentido,
ao lado da necessidade de povoamento, aspecto já por nós abordado, o beneficiamento da terra
se constituía em uma importante preocupação da Coroa. Logo, a distribuição de terras era uma
das formas de aumentar a produção agrícola do estado, aqui se caracteriza de modo bem
evidente a dinâmica desta sociedade do Antigo Regime; a Coroa concede a mercê (terras),
cabendo ao agraciado dar o devido retorno. Portanto, esses incentivos se constituem, conforme
diz Carl Hanson, na estratégia metropolitana de “revitalização da atividade econômica da
periferia”527.
Segundo dados apontados por Rafael Chambouleyron, entre os anos de 1665 e 1705,
foram distribuídas quase noventa sesmarias no território do estado do Maranhão e Grão-Pará,
tendo no século XVIII o ponto alto desta distribuição. Este grande número de concessões revela
a tentativa da implementação de uma lógica de ocupação do território centrada na agricultura,
localizada no território formado pelos rios Acará, Moju, Capim e Guamá, na capitania do Pará;
e na Ilha de São Luís, na capitania do Maranhão528.

525
SUEYOSHI, Tabir Dal Poggetto Oliveira. As sesmarias nas Ordenações do Reino. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, v. 102, jan./dez. 2007, p. 695-711.
526
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012.
527
HANSON, Carl. Economia e sociedade no Portugal barroco. Lisboa: D. Quixote, 1986.
528
CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento..., p. 105.
208

Quadro 30: Terras que possuem os Habilitandos


CARGO NOME LOCALIZAÇÃO PRODUÇÃO
Café; Cana de Açúcar,
Caetano Eleutério de Rio Guamá (Pará); Rio Guapi
Cacau; Gado Cavalar;
Bastos (Ilha Grande de Joanes – Pará)
Gado-Vacum
Rio Curaci Mirim (Pará); Rio
Custódio Alvarez
Comissário Capim (Pará); Rio Arari (Ilha Cacau; Cana; Gado-Vacum
Roxo
do Santo grande de Joanes – Pará)
Ofício Felipe Camello de
Ilha de São Luís (Maranhão) Lavouras
Brito
João Pedro Gomes Ilha de São Luís (Maranhão) Lavouras
João Maria da Luz e
Rio Itapecuru (Maranhão) Lavouras
Costa
Alexandre José Rio Pericumã (Maranhão); Lavouras; Cana de Açúcar;
Viveiros Bacuriajuba (Maranhão) Mandioca
Rio Acará (Pará);
Carlos Gemaque de Lavouras; Gado cavalar;
Familiar do Rio Arari (Ilha grande de
Albuquerque Gado-Vacum
Santo Joanes – Pará)
Ofício Feliciano José Rio Arari (Ilha grande de Cana de Açúcar; Arroz;
Gonçalves Joanes – Pará) Gado cavalar; Gado-vacum
Amandio José de Engenho de produção de
Rio Acará (Pará);
Oliveira Pantoja açúcar e aguardente

Fonte: ANTT, AHU.

Conforme podemos ver acima, as sesmarias concedidas aos nossos indivíduos, seguem
a lógica já presente na distribuição de terras para região, com relativa proximidade ao centro
das capitanias, qual seja, Belém para o Pará e São Luís para o Maranhão529. Ainda que, em tese,
o pleiteante ao justificar seu pedido, deveria definir qual terra queria, justificando de que modo
faria para beneficia-la. Para, depois desse processo, receber a carta de sesmaria, o que do ponto
de vista legal, legitimaria sua posse; na prática, em muitos casos, a exploração prévia acaba
sendo um fator preponderante para a concessão dos pedidos. Assim o era, pois a demora na
recepção das confirmações e o fato das terras estarem “ociosas”, justificava-se que já se estava
sendo cumprido um dos fatores essenciais para a concessão, isto é, o beneficiamento das
terras530.
É interessante notar que muitos dos ocupantes não se preocupavam em solicitar a
confirmação das terras, fazendo-o anos após a sua ocupação, como é o caso de Custódio Alvarez
Roxo, que diz cultivar nas margens do Rio Curaci-Mirim, há pelo menos vinte cinco anos.
Conforme podemos ver na carta de doação:

529
CHAMBOULEYRON, Rafael. Portuguese colonization of the Amazon region, 1640-1706. Tese de
Doutoramento - University of Cambridge, 2005, p. 52-54.
530
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Poder..., 2009.
209

Alexandre de Souza Freire do Conselho de Sua majestade, governador, capitão geral


do estado do Maranhão enviou a dizer por súplica do Pe. Custodio Alvares Roxo,
cidadão e morador na cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, que ele
suplicante fabricado seu sitio pelo rio Curaci-mirim no qual tem suas lavouras de
cacau e mantimentos e nele há vinte cinco anos, e porque (...)se acha sem legitima
impetra o suplicante digne conceder em nome de sua majestade, duas legoas de
comprido junto do rio acima e duas de largo na forma da ordem de vossa (...) contendo
as razões que alegava cimo também ao que (...) o provisor da fazenda real o cultivar
suas terras naquele estado. E houve por bem conceder ao suplicante em nome de sua
majestade as ditas duas léguas de terras de comprido e duas de largo naquele que pede
com mais confrontações nesta declarados e condições531.

Nesse sentido, vemos que Custódio não viu necessidade de “confirmar” a posse das
ditas terras, beneficiando-as já há muito tempo, demonstrando que a ocupação efetiva,
prescindia, na prática, da confirmação da posse. Segundo Márcia Motta, muitos dos sesmeiros
só validavam suas terras em razão da necessidade de transmissão de patrimônio532. Muitos dos
pedidos, ao menos dos que levantamos, não receberam a devida confirmação por parte da
Coroa. Da carta, acima, há mais um aspecto a ser ressaltado. Note-se que Custódio Alvares
Roxo se define como morador de Belém, sendo, conforme já vimos, um eclesiástico de muita
projeção no âmbito do bispado do Pará, pois era membro da cúria e do cabido diocesano. Em
sua habilitação para Comissário do Santo Ofício, há referência de possuir um engenho de açúcar
e “três currais de gado vacum na Ilha Grande de Joanes, povoadas de inumeráveis cabeças”,
essa citação genérica na habilitação, é melhor evidenciada pelas informações que levantamos
acima, dando lugar mais preciso as ditas terras. Outras testemunhas dão conta que Custódio
possui “umas casas” nas proximidades da Sé do Pará, “com uma grande copa de prata”,
revelando que ser o sacerdote não excluía a faceta de proprietário de terras, não eram mundos
distantes, mas que se cruzavam. Nesse sentido, podemos dizer que esses “centros das
capitanias”, no caso aqui, Belém do Pará, são alargados rios adentro, há um Custódio que
precisa ter casa junto a Sé, para poder cumprir suas funções eclesiásticas, como também há um
Custódio proprietário de terras. O engenho citado na habilitação está por nós destacado na
imagem que se segue, o autor apenas o cita como “sítio de pe Vigário Geral”, que a esta altura
era Custódio Alvarez Roxo.

531
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 24, f.151
532
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Poder..., 2009.
210

Imagem 3: Os Rios onde há maior número de Sesmarias - Pará

Fonte: Mapa de autoria de João André Schwebel, 1756. Adaptações nossas: Em azul o rio Moju, em
vermelho o rio Acará e em amarelo o rio Guamá.

Nesse sentido, as sesmarias dadas aos indivíduos que pesquisamos, se localizam nas
áreas onde há maior incidência na distribuição de terras, a citar: Ilha de Joanes (Caetano
Eleutério de Bastos, Custódio Alvarez Roxo, Carlos Gemaque de Albuquerque, Feliciano José
Gonçalves); Rio Guamá (Caetano Eleutério de Bastos); Rio Capim (Custódio Alvarez Roxo);
Rio Acará (Carlos Gemaque de Albuquerque, Amandio José de Oliveira Pantoja) e na ilha de
São Luís (Felipe Camello de Brito, João Pedro Gomes) e Rio Itapecuru (João Maria da Luz e
Costa). Conforme é possível ver pela imagem, os rios citados, na maioria, fazem parte do
mesmo sistema hidrográfico e são como que a “estrada” por onde essa cidade de Belém, se
alarga para os “sertões”, o primeiro desses é, decerto, o Rio Guamá, que banha a frente da
referida cidade:

É célebre este Guamá por ser estrada geral dos que vão e vêm do Maranhão
para o Pará, e desta cidade para aquele Estado pelo caminho de terra; junto a
sua cachoeira pouco mais de quatro dias tem uma casa forte com presídio de
211

soldados. Deságua no rio Guamá o rio Capim, caudaloso com 20 dias de


navegação, com curso de sul a norte.533

O trecho acima revela que o Rio Guamá une não só Belém aos “sertões”, mas também
as duas capitanias - Pará e Maranhão. É nestas margens que em 4 de fevereiro de 1735, Caetano
Eleutério de Bastos solicita confirmação de sesmaria relativa a um terreno que possui um quarto
de légua de comprimento e uma légua de fundo que foi dado pelo governador geral e capitão-
mor, José da Serra. No requerimento, Caetano justifica:

Que ele não tinha terras suficientes para cultivar suas lavouras, plantar cacau
e café, no Rio Guamá indo, pegando do marco do sítio das pedras de
Agostinho Domingues, entre marcos de Manoel Barbosa Muniz, que será hum
quarto de légoa pouco mais ou menos, com uma légoa de centro com todas as
pratas obras, pedindo lhe fizesse mercê em nome de sua majestade conceder
as ditas terras mencionadas. E ser em vitalidade daquela fazenda, cultivar em
suas terras naquele estado. Houve por bem conceder em nome de sua
majestade ao suplicante as sobras de terras na forma. E possua como coisa sua
própria este, e todos os seus ascendentes e descendentes, sem pensão nem
tributo algum, mais que o dizimo de “nossos” frutos nela tiver, a qual
concessão lhe faz não prejudicando a terça reservando as partes reais, nelas
houver embarcações, mandará confirmar esta carta dentro de três anos534.

Segundo o pedido, Caetano solicitou mais terras em virtude de o terreno que já possui,
ser insuficiente para suas lavouras onde planta cacau e café535, recebendo confirmação em 2 de
maio de 1735. As referidas “sobras” demonstram a imprecisão nos limites das ditas terras, com
limites tão imprecisos, não é de se estranhar que em algum momento conflitos pela posse
acabassem por acontecer. Este engenho às margens do rio Guamá prospera de tal modo que em
13 de fevereiro de 1755, é citado em requerimento que nele possui lavouras de cacau, cana e
café, de onde Caetano Eleutério tira seu sustento536. Pouco mais de quatro anos após, em 10 de
agosto de 1759, Caetano se envolve em um conflito, com o sargento-mor Antonio Rodrigues
Martins, possuidor de terras vizinhas as do padre. Pelas “sete para oito horas da noite”, adentrou
no engenho pertencente ao padre Caetano o “preto Antonio, escravo do sargento-mor Antonio
Rodrigues Martins, e mais oito pessoas armadas com armas de fogo”, que queimaram a casa de
fornos e as lavouras, roubando ainda seus servos. Tal fato revela, que na “cura das terras”, estes
homens, mesmo que eclesiásticos, não deixavam de se imiscuir nos conflitos advindos dessa

533
DANIEL, João. Op. cit, p. 67.
534
Registro Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 28. F. 360.
535
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D. 1606)
536
Requerimento (AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3485)
212

posse. Lembremos que Caetano não é um clérigo de grande projeção no bispado, exercendo
funções intermediárias nesse âmbito, por outro lado, tem uma intensa atividade como
proprietário de terras. Mais que um padre de “cura das almas”, Caetano era, decerto, um “cura
de terras”.
E, por sinal, muito bom na “cura de terras”, pois, por ocasião de sua morte, o montante
de que dispunha, foi razão de briga em variadas esferas da capitania. Em 18 de junho de 1764,
o juiz de fora e provedor da Fazenda Real, José Feijó de Melo e Albuquerque, escreveu um
ofício para o secretário da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
reclamando dos procedimentos do vigário capitular, Giraldo José de Abranches, quando do
sequestro de bens do padre falecido, pois, segundo José Feijó, o vigário capitular queria tirar
logo a parte que cabia ao bispado e conduzir o testamento537. Em 30 de novembro de 1765,
Giraldo José de Abranches escreve para o mesmo secretário justificando-se e reclamando do
“estranho modo, com que nelle se fala (Juízo da Provedoria dos Defuntos e Ausentes), e se
julga, contra a reputação, que por mercê de Deus tenho até agora conservado e contra o respeito
deste juízo eclesiástico”538. No decorrer do documento, fica evidente um conflito de jurisdições,
pois cada uma das partes, advoga para si a precedência na condução do testamento. A confusão
é tanta, que até 1767, um dos herdeiros, Pe. Leandro Caetano Ribeiro, ainda não recebera a
parte que lhe cabia539. A razão do imbróglio é, decerto, a vultosa soma de 10:400$000 deixados
por Caetano Eleutério de Bastos. Dessa soma, um aspecto interessante a se pensar, lembremos
que Caetano fora “cura da Sé”, na qual recebia de côngrua 80$000 540. Fazendo uma conta
rápida, nem em cem anos de curato, Caetano conseguiria aquinhoar o montante deixado por seu
falecimento, neste sentido, fica evidente que sua fortuna, razão de muita contenda após sua
morte, fora construída esteada na sua atividade enquanto proprietário de terras.
Continuemos nosso caminho pelos rios. Como continuação do Rio Guamá, há o Rio
Capim, de onde nosso já conhecido Custódio Alvares Roxo, em 25 de outubro de 1743, recebe
carta de sesmaria na dimensão de duas léguas de frente e meia de fundo, para o cultivo de
lavouras, dadas pelo governador geral João de Abreu de Castelo Branco541. Em 1760, se faz
menção a um engenho de açúcar que Carlos Gemaque de Albuquerque possui no Rio Acará, o
documento levanta importantes questões ao afirmar:
Que possui um engenho real no Rio Acará, com todos os seus pertences
necessários, para poder fabricar açúcar, fundado em boas terras para a

537
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 57, D. 5137)
538
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5243)
539
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 60, D. 5356)
540
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 116, D. 8936).
541
Carta (AHU_ACL_CU_013, Cx. 26, D. 2438)
213

produção das canas, porém, está tão impossibilitado para poder fazer esta
lavoura pela grande falta que tem de operários, pois não pode, nem ainda em
maior necessidade, por no serviço do campo doze pessoas, reservando
parcamente algumas pessoas para o ordinário serviço de sua numerosa família,
entrando em o número dito cinco índios já velhos, que lhe concedeu por
portaria o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General, como também pela
mesma falta, que acusa não pode acudir ao serviço e benefício de duas
fazendas de gado vacum e cavalar, que também possui no Rio Arari da Ilha
grande de Joanes, de cuja produção para todos os triênios quinhentas e tantas
cabeças aos dizimeiros542.

O primeiro aspecto levantado é o fato de Carlos Gemaque possuir um engenho “com


todos os pertences necessários”, isto é, com todo o maquinário necessário para produção do
açúcar, bem como com “boas terras para produção das canas”. Tendo tal suporte, faltava-lhe
algo essencial, a mão de obra para levar a efeito seu intento. Ao solicitar mão de obra, reclame
muito constante dos colonos nessas plagas, justifica que que faltam “servos” não apenas para
este seu engenho, mas também para o serviço de sua “numerosa família” e as “duas fazendas”
que possui no Marajó. Sendo assim, vemos que em muitos casos, esses proprietários possuíam
terras em lugares distintos, com certa distância entre si, Joanes fica a noroeste de Belém e o rio
Acará ao sul da cidade. Por fim, a justificativa para o pedido se dá afirmando os dividendos que
suas terras dariam a Coroa. Portanto, vemos que ao lado do pedido para a posse de terras, está
o de mão-de-obra, isso é notável em um ofício enviado em 20 de novembro de 1780, por
Feliciano José Gonçalves, endereçado aos oficiais do Senado da Câmara de Belém.
No referido ofício, Feliciano se refere ao pedido de escravos apresentado por Gonçalo
José da Costa, para a produção de açúcar nas suas fazendas e plantações do Marajó, onde até
então só tinha produzido arroz e criado gado vacum e cavalar. Para o pedido, justifica que “se
concorrerem a este Estado escravos, sendo este lavrador atendido com o número de cem, não
só daria o açúcar para o gasto de toda terra, mas os pagaria em dois ou três anos” 543. Pelos
exemplos acima, fica evidente que há uma distância entre a pretensa ocupação e beneficiamento
das terras, e a efetivação desse intento. Em um outro ofício, datado do mesmo dia de 20 de
novembro de 1780, o mesmo Feliciano José Gonçalves, na qualidade de procurador, reporta
aos oficiais do Senado da Câmara de Belém do Pará, as dificuldades enfrentadas para colocar
em funcionamento a citada fábrica de açúcar, devido a falta de canaviais plantados, visto que
as terras tinham sido utilizadas no cultivo de arroz544. Nesse sentido, se elenca como empecilho,
além da falta de mão-de-obra, a falta de “canaviais com que possa assegurar a mais diminuta

542
Declaração (AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4400)
543
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 87, D. 7078)
544
Ofício (AHU_ACL_CU_013, Cx. 87, D. 7079)
214

porção de açúcar”. Entre esses problemas elencados e a habilitação de Feliciano José Gonçalves
como familiar do Santo Ofício, se passam dez anos, se o intento seu e de seus sócios de instalar
uma “fábrica de açúcar” se efetivou, não podemos afirmar, contudo, em sua habilitação, o
comissário o refere como “senhor de uma grande fábrica de arroz, com muitos escravos próprios
e com tratamento nobre”545. Essa distância dos “momentos” da vida desses indivíduos, nos leva
a pensar na progressiva projeção econômica que vão tendo. Portanto, ao analisar suas “posses”,
é preciso também entender qual era, no momento, o lugar ocupado. Feliciano José Gonçalves é
um dos que aparece no Mapa de Famílias de 1785, ao ser citado como “aplicado ao seu ofício,
engenho e a lavrar arroz”.
Quadro 31: Habilitandos no Mapa de Famílias de 1785
NOME ASSISTE ESCRAVOS POSSIBILIDADE E APLICAÇÃO
Feliciano José Possibilidade mediana, aplicado a seu oficio,
Cidade 5
Gonçalves engenho e a lavrar arroz
Elias Caetano de
Cidade 18 Remediado e aplicado
Matos
João Henriques Cidade 79 Rico e aplicado
Joaquim José de
Cidade 2 Pobre
Faria
Romualdo Lopes
Cidade 2 Pobre
da Cunha
Antonio Coutinho Possibilidade mediana e aplicado na
Cidade 6
de Almeida administração da Companhia Geral do Comercio
Amandio José de
Cidade 2 Vive do seu soldo
Oliveira Pantoja
Carlos Gemaque
Acará 0 Possibilidade mediana, lavra cana, fabrica açúcar
de Albuquerque
José Joaquim
Henriques de Acará 2 Possibilidade mediana, lavra farinhas e algodoes
Lima

Fonte: Ofício (AHU, ACL, CU, 013, Cx. 94, D. 7509)

Ao todo, encontramos nove de nossos indivíduos no referido mapa, a título de


comparação, citamos Feliciano José Gonçalves e João Henriques. O primeiro, a esta altura,
tinha cerca de trinta anos e é citado como “possibilidade mediana”, o segundo, João Henriques,
com pouco mais de cinquenta anos, é “rico e aplicado”, figurando com um significativo plantel
de escravos, que supera todos os seus pares somados. Conforme já vimos, anos depois Feliciano
será citado como alguém de “tratamento nobre” e de uma fortuna “preciosa”. Decerto, essa
projeção de Feliciano se dá, sobretudo, após estabelecer com um herdeiro de João Henriques,

545
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 2, doc. 27).
215

uma sociedade, fato que já nos referimos. Se pois, João Henriques, ao menos no que
conseguimos rastrear, não possuía ou beneficiava terras, seu ofício de “negociante”, lhe deu
dividendos ao ponto de ser o mais economicamente projetado dos habilitandos, fortuna essa
que cresceu ainda mais nas mãos de seu sobrinho Ambrósio Henriques, que vem a ser sócio de
Feliciano José Gonçalves.
De tudo o que dissemos, se ressalte dois aspectos fundamentais, o primeiro deles é
quanto, naqueles que buscavam intensificar sua atividade como proprietários de terras,
investirem na aquisição destas em lugares distintos e com o emprego de culturas diversas; em
segundo lugar, que essa atividade anda em conjunto com as comerciais, a associação entre os
Henriques e Gonçalves é, decerto, um exemplo disso. Por fim, ao atuarem nessas raias, ao
menos aparentemente, a patente de membro do Santo Ofício não influenciava tanto no trato
com outros pares seus, o que é manifesto no caso em que se envolveu o comissário Caetano
Eleutério de Bastos.

*
* *

O presente capítulo, que tratou sobre A trajetória dos Agentes do Santo Ofício, foi
organizado em três itens. No primeiro, discorremos sobre as ocupações que os indivíduos que
pesquisamos exercerem nos vários momentos de suas vidas, o que nos permitiu ver, em alguns
casos, processos de mobilidade social. Para melhor dar conta das nuances desses processos,
achamos por bem dividi-los entre eclesiásticos e leigos, pois dada as especificidades dessas
carreiras, sobretudo dos clérigos, foi melhor trata-las em separado. Desse item, um aspecto é
notável, a convergência por parte dos indivíduos no exercício da “mercancia”, que quando não
se constitui na única ocupação, sempre passa ao lado de outras atividades. Tal aspecto,
conforme demonstramos, segue uma tônica presente nos quadros de agentes do Santo Ofício
para outros lugares do império português.
O segundo item, intitulado Migração, tem estreita relação com o primeiro, pois os
trânsitos que evidenciamos, estão diretamente relacionados pelas ocupações que os habilitandos
e seus parentes exerceram. Nesse contexto, a cidade de Lisboa, sede do reino português e do
Santo Ofício, emerge como o lugar “intermediário” que conecta todos os habilitandos, seja aos
seus lugares de origem, seja ao seu lugar de morada, no Grão-Pará e Maranhão.
216

Por fim, evidenciamos como esses indivíduos tem acesso a uma dimensão muito
importante nos territórios coloniais, o acesso e o beneficiamento de terras. Esse item, em
especial, nos permitiu relativizar o efeito que os agentes do “temido” Santo Ofício têm nas
pessoas da localidade, pois a despeito de sua posição, outros proprietários de terras não tinham
nenhum puder em trata-los como “iguais”, o que gerou conflitos que demonstram que na
prática, o “temível” Santo Ofício, não era, ao menos nesses casos, assimilado aos seus agentes.
217

QUARTO CAPÍTULO:

A ATUAÇÃO DOS AGENTES DO SANTO OFÍCIO

Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade, e apostasia nesta


cidade de Lisboa, e seu distrito, & c. Fazemos saber a Caetano Eleutério de
Bastos, Comissário do Santo Ofício na cidade de Belém do Pará, ausente ao
Vigário Geral do dito bispado que nesta Mesa se pretende saber com toda a
individuação a limpeza de sangue e geração de Gaspar Alvares Bandeira, por
si, sua mãe, avó materna e capacidade e mais requisitos pessoais. O qual diz
ser natural e morador da Freguesia da Sé desta cidade de Belém; filho legítimo
de Estevão Alvares Bandeira e de Mariana de Souza de Faria naturais ele da
Villa de Viana, Arcebispado do Braga e ela da dita Freguesia da Sé, aonde são
moradores. Neto paterno de Pascoal Alvares Lourenço e de Mariana de Souza
naturais ele da Freguesia de Santa Cristina de Miadela e ela da Vila de Viana,
aonde foram moradores; neto materno de Domingos de Faria Esteves e de
Josefa de Souza Macêdo, naturais ele do Arcebispado de Braga e ela da
Freguesia da Sé da dita cidade de Belém, aonde foram moradores. Pelo que
Autoridade Apostólica cometemos a vim esta diligência para que o faça nessa
cidade na forma que nesta comissão vai declarada para escrivão da qual
elegerá a hum sacerdote Cristão velho, de boa vida e costumes, a quem dará o
juramento dos Santos Evangelhos, não sendo notário do Santo Ofício por
carta, sob cargo do qual prometerá escrever com verdade e ter segredo de que
se fará termo ao princípio por ambos assinado e logo na dita Freguesia da Sé
e cidade de Belém do Grão Pará.

Habilitação de Gaspar Alvares Bandeira, HSO, mç. 10, doc. 208.


218

O trecho com que iniciamos o presente capítulo, dado “em Lisboa no Santo Ofício sob
os sinais e selo do mesmo aos três dias do mês de abril de mil setecentos e sessenta e dois anos”,
introduz o mandado que a mesa do Tribunal de Lisboa, faz a seu comissário no Pará, Caetano
Eleutério de Bastos, de proceder as diligências de um novo agente que pretende se habilitar,
Gaspar Alvares Bandeira546. Na referida data, Caetano já estava em vias de completar dezessete
anos como Comissário do Santo Ofício, que conforme já sabemos, tinha como uma das
atribuições, averiguar a “qualidade” dos pleiteantes para cargos no Santo Tribunal.

Como o trecho remete a aspectos muito interessantes, vamos analisá-lo passo a passo.
Inicialmente vemos que o “poder inquisitorial” emana dos “Inquisidores Apostólicos”, que por
sua “missão” de estarem sempre vigilantes “contra a herética pravidade e apotasia”, ordenam a
Caetano proceder as diligências sobre Gaspar. Se notarmos, o “fazer saber”, expressa que a
instituição aciona seu agente habilitado para que proceda no que lhe compete, contudo, os
Inquisidores, em texto manuscrito547, informam ainda que na ausência do agente, caberia ao
“Vigário Geral do dito bispado”, proceder com a ordem emanada de Lisboa.

Conforme já vimos, dentro da estrutura diocesana, o cargo de Vigário Geral era de


muita importância, pois na qualidade de “juiz episcopal”, lhe caberia o trato com os crimes pro
temporalibus na jurisdição do bispado, isto é, no próprio exercício de seu cargo, os vigários
gerais faziam, por vezes, procedimentos semelhantes aos dos comissários. Por esse exemplo,
fica logo evidente que, mesmo possuindo agentes habilitados, o Santo Ofício, tento em mente
que os agentes locais poderiam estar ausentes, investem agentes não habilitados para exercerem
funções que em tese, caberiam apenas a agentes habilitados. Nas páginas que se seguem,
evidenciaremos sobretudo a atuação dos agentes habilitados, grupo central do trabalho que
temos desenvolvido, contudo, não percamos de vista que em muitos casos, ou, para ser exato,
na maioria deles, eram outros indivíduos que exerciam funções que em tese competiriam apenas
a agentes “com carta”.

Ademais, se informa “que nesta mesa se pretende saber com toda a individuação a
limpeza de sangue e geração de Gaspar...”. A “Mesa”, aqui referida, diz respeito aquela por
onde passava e de onde, em tese, emanava todos os despachos da Inquisição em Lisboa. Aqui,
portando, se manifesta a própria instituição, que procurada por um indivíduo que pretende se

546
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 10, doc. 208).
547
Os formulários de interrogatórios, são, em geral, impressos, obedecendo um mesmo texto para a maioria das
diligências, porém, há espaços para comentários manuscritos, que dão, além das habituais ordens contidas, outras
mais específicas, condicionadas, dentre outras razões, por especificidades da atuação do Santo Ofício na região.
219

habilitar, no caso, Gaspar Álvares Bandeira, manda que se proceda a investigação das
informações fornecidas pelo pleiteante, no ato de sua petição inicial, datada de 11 de novembro
de 1760. Nesse sentido, vemos que há um espaço de pouco mais de um ano e meio, entre o
pedido para habilitar-se e a ordem para que se proceda as investigações judiciais em Belém do
Pará.

Ao final do formulário, se dá uma importante instrução que ilustra como, no exercício


dessa que era uma de suas atribuições, os comissários poderiam “direcionar” o processo de
habilitação dos pleiteantes.

E ultimamente dará a sua informação, declarando nela tudo o que souber, e


alcançar, assim a respeito do que se pretende saber, como da Fé e crédito que
as testemunhas se deve dar, escrevendo-a pela sua mão, sem a comunicar ao
Escrivão, pelo qual mandará fazer declaração dos dias que gastarem na
diligência com distinção, se foram dentro ou fora de suas residências. E feita
na sobredita forma a diligência e com a possível brevidade, com a mesma nos
fará a própria com esta remetida a esta mesa sem que lá fique cópia ou traslado
algum.

Nesse sentido, além de escolher as testemunhas, cabia ao Comissário, ao final dos


interrogatórios, dar seu parecer acerca do que ouvira. Esse é um importante dispositivo para
projetarmos o papel desses agentes no exercício de suas funções, pois ainda que em tese, o
“julgamento” da habilitação coubesse a “mesa” em Lisboa, na prática, os comissários poderiam
ajudar, ou atrapalhar, pois lhes cabia a escolha das testemunhas e depois dar crédito ou
descrédito a elas. Por fim, se pede que tudo se faça com “a possível brevidade”. Conforme se
prescrevia, para escrivão, Caetano associou a si o Pe. Boaventura da Costa Couto. Ao todo, os
dois ouviram onze testemunhas. Vemos aqui o engendramento da instituição, o pleiteante
apresenta seu nome à “Mesa”, que determina ao seu agente o início das diligências.

4.1 – Seleção de novos agentes

Habilitações para Familiares do Santo Ofício

Continuemos no processo de habilitação de Gaspar Álvares Bandeira, com que


iniciamos o presente capítulo. Conforme já dissemos, pouco mais de um ano e meio separam a
petição inicial de Gaspar e o início das averiguações “judiciais” na cidade de Belém do Pará.
Contudo, isso não significa que a “mesa” não havia mandando antes, pedidos “extrajudiciais”
em vista de colher informações sobre o pleiteante. Em seis de dezembro de 1760, portanto
220

menos de um mês após o pedido para habilitar-se, a “Mesa do Santo Ofício” diz que “convém
saber-se (...) por informação extrajudicial” se o habilitando e seus ascendentes teriam os
requisitos necessários para a habilitação. A resposta a esse pedido vem em três de julho de 1761,
nos seguintes termos:

M. Illes. Snres. Fiz a diligência, que vossas Snras. Me ordenaram e


informando-me com pessoas fidedignas e de credito, achei que Gaspar
Álvares Bandeira é natural desta cidade e morador da mesma, filho legítimo
de Estevão Alvarez Bandeira natural da Villa Vianna, e de Mariana de Souza
Faria natural desta cidade e moradora na mesma. Neto pela parte materna de
Domingos de Faria Esteves natural do Arcebispado de Braga morador que foi
desta cidade e de Josefa de Souza de Macêdo natural desta cidade e morador
na mesma. Achei outrossim, que por via da dita sua mãe e avó materna é
legítimo cristão velho sem raça alguma de nação infecta. Achei outrossim, que
a bisavó materna foi filha de uma índia e de um homem branco, que
vulgarmente se chama de mameluca. Domingos de Faria Esteves a ocupação
que teve nesta cidade foi de tratar de lavouras; Estevão Alvares Bandeira,
tratou de negócio e de suas lavouras. O habilitando é de bom procedimento,
vida e costumes, capaz de ser encarregado de negócios de importância e de
servir ao Santo Ofício nos cargos de familiar, vive com bom trato na ocupação
de capelão desta Sé com côngrua de sessenta mil reis, e tem bens de seus pais.
Sabe ler e escrever bem, representa ter idade para cima de vinte anos; é solteiro
e sem filhos, e não consta que ele nem algum dos seus ascendentes fosse preso
ou penitenciado pelo Santo Ofício, nem que incorresse em pena vil de facto
ou de direito e não se me oferece outra coisa.

As palavras acima foram escritas pelo comissário João Rodrigues Pereira, a quem
coube, conforme podemos ver, a recolha dos depoimentos “extrajudiciais” sobre Gaspar. João
ouvira cinco testemunhas, a citar: Romão Lourenço de Oliveira, Lourenço das Neves, José
Rodrigues, José de Amaral e Antonio da Cunha. O comissário detecta um possível
impedimento, ao afirmar que “a bisavó materna foi filha de uma índia”. Ainda que na prática,
ao menos nos casos que temos analisado, possuir sangue “mameluco” não seja impeditivo, essa
citação, ao longo do processo só se dá aqui e é enaltecida por João Rodrigues Pereira.
Possivelmente, por trazer à tona esse “impedimento”, o comissário não recebe o pedido para
proceder o recolhimento das informações “judiciais”, que couberam, conforme já vimos, a
Caetano Eleutério de Bastos, que junto com João, eram, há época, os comissários atuantes na
capitania do Pará. Entre dos depoimentos colhidos por João Rodrigues Pereira e Caetano
Eleutério de Bastos, Gaspar é habilitado como familiar do Santo Ofício em 25 de janeiro de
1763.
221

Se é coincidência, não podemos afirmar com exatidão, mas a habilitação de Gaspar


Alvares Bandeira se dá pouco mais de seis meses depois de passar pela mão de Caetano
Eleutério de Bastos, que nas suas averiguações, não informa qualquer presença de sangue
“mameluco” na linha do pleiteante. Nesse sentido, podemos, por esse caso, perceber o papel
central dos comissários no direcionamento dos processos de habilitação, podendo enaltecer
“impedimentos” ou sepultá-los. Das cincos testemunhas ouvidas por João Rodrigues Pereira
nas “extrajudiciais” de Gaspar, está José Rodrigues, que pouco menos de três anos antes de ser
ouvido, fora habilitado como familiar do Santo Ofício. José Rodrigues vem a ser natural do
mesmo lugar onde nascera o pai de Gaspar, ainda que não possamos afirmar se tiveram trato
um com o outro, é de se pensar que na seleção das testemunhas, os comissários escolhessem
aqueles que tivessem contato não apenas com o pleiteante, mas também com seus ascendentes.
Na habilitação de José Rodrigues, as extrajudiciais são colhidas pelo comissário Lourenço
Alvares Roxo, que de modo muito acurado recolhe onze testemunhos548. Esse é um importante
dado, pois ao contrário das “judiciais”, que deveriam ter pelo menos onze testemunhos, as
“extrajudiciais” não tinham número mínimo de testemunhas, sendo na maioria dos casos, pelo
menos quatro e não mais que dez. Sendo assim, Lourenço, ao recolher onze testemunhos ilustra,
mesmo que não sendo necessário, o cuidado de já nas primeiras averiguações, fazê-las com
aparente zelo.

Para além disso, a habilitação de José Rodrigues nos evidencia mais um fato
interessante, relacionado ao processo de habilitação de sua esposa, Maria Josefa Ribeira, que
era natural da Vila de Nossa Senhora de Nazaré na Vigia. Viera de Lisboa a ordem para que
“Caetano Eleutério de Bastos, comissário do Santo Ofício na cidade de Belém do Grão-Pará,
ausente ao Doutor Vigário Geral da mesma cidade e Bispado” procedessem as averiguações
“judiciais”. A ordem era datada de 24 de abril de 1762, porém, ao se iniciarem os depoimentos
em 22 de julho do mesmo ano, na vila de Nossa Senhora da Vigia, notamos que se deram “nas
casas de morada do Reverendo Vigário da Vara e Paroquial João de Barros Leal (...) por
comissão do Reverendo Padre Caetano Eleutério de Bastos comissário do Santo Ofício”. Para
escrivão, nas referidas diligências, serviu o clérigo João Francisco da Rocha, escrivão da mesma
vigaria da Vara. Do fato acima, vemos alguns aspectos a serem ressaltados. O primeiro deles,
é a ocasião de o agente “comissionado”, comissionar outro para fazer o que em tese lhe caberia,
aqui vemos Caetano Eleutério dando “comissão” ao vigário da vara. Se nos remetermos a ordem
saída de Lisboa, vemos que já se abrira uma exceção, admitindo que o vigário geral fizesse, na

548
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237).
222

ausência do Comissário, as diligências. Caetano, que estava “presente”, investe outro para fazer
o que lhe cabia. Qual seria a razão de fazê-lo e qual respaldo teria para tal? Daqui emerge o
segundo aspecto interessante, a escolha do vigário da vara, pois, podemos dizer que,
possivelmente, Caetano usou a própria lógica expressa no mandado do Tribunal, se na sua
ausência poderia atuar o Vigário Geral, igualmente poderia atuar aqueles que, nos lugares
recônditos do bispado, faziam o papel semelhante deste, os vigários da vara, delegados do bispo
em certos distritos de modo a criar maior coesão na diocese549.

A força da “investidura” feita por Caetano Eleutério de Bastos é tanta, que no termo
de encerramento dos depoimentos, o escrivão ao referir-se a João de Barros Leal, o cita como
“vigário da vara e Comissário do Santo Ofício por comissão do Reverendo Padre Caetano
Eleutério de Bastos”. Por esse fato, vemos que se atribui a Caetano um poder que ele não tinha,
de tornar alguém, de fato, Comissário do Santo Ofício. Por outro lado, tal situação no permite
ver a força, ao menos na cabeça daqueles que recebiam a “investidura ocasional”, de mesmo
sem possuir “carta”, se arvorarem de serem assim chamados. O “comissário” João de Barros
Leal leva tão a sério sua “comissão”, que em 9 de agosto de 1762, dá seu parecer sobre os
depoimentos por ele colhidos, fazendo, em tudo, o que caberia a um agente habilitado.

Talvez temendo sofrer algum tipo de repreensão por atribuir ao outrem o que lhe cabia,
Caetano Eleutério de Bastos remete, junto aos depoimentos colhidos, uma justificativa para a
razão de comissionar o vigário da vara. Ao justificar-se, diz que:

Como a Vila de Nazaré da Vigia, se comunica só por navegação em distância


de dois dias de Viagem e não haver embarcações de fretar, e só sua
comunicação é nas embarcações de seus habitantes, e por conhecer a
capacidade do Rdo. Vigário João de Barros Leal, e também o é da Vara, lhe
cometi da parte de V. Snrs. Tirasse exatamente pelos capítulos da Ordem de
V. Snrs. A justificação de Genere de Maria Josefa Ribeira, e por seus pais e
avós maternos, cuja diligência se fez, como V. Snrs. verão.

A primeira das justificativas se dá pela distância, de “dois dias de viagem”, o que, no


contexto apresentado, não é muito longe, pois a Vila da Vigia, das de grande importância da
capitania do Pará, era uma das mais próximas e de grande comunicação com Belém. Nesse

549
“Para que os bispos possam executar com maior diligência aquelas coisas que devem para com seus súditos, e
mais vigilantemente satisfazer às obrigações de seu pastoral ofício, é necessário que deputem e constituam vigários
da vara em alguns lugares de sua diocese. Sendo possível, serão letrados, ou pelo menos pessoas de bom
entendimento, prudência, virtude e bom exemplo, como é bem que tenham para o tal cargo, os quais, em sendo
providos por nós e tendo provisão ou carta passada pela chancelaria, jurarão perante nós ou nosso chanceler na
forma costumada, e sem isso não poderão servir, e somente servirão enquanto for nossa vontade” Regimento do
Auditório Eclesiástico da Bahia, tít. 9, n. 399.
223

sentido, a justificativa da distância não se sustenta. Para além disso, vemos que Caetano atribuí
a si o juízo de dar a João a comissão, pois em seu entendimento, este possuía “capacidade” para
tal função, pois sendo “reverendo vigário (...) também o era da Vara”, o que o “habilitaria” a
substituí-lo. O comissário ao repassar a outrem o que lhe fora ordenado, ilustra como na prática,
o Santo Ofício se ajusta as dinâmicas locais para atuar. De fato, não parece ter sido impeditivo
que as diligências tenham sido colhidas por um agente não habilitado, de modo que em parecer
datado de 17 de fevereiro de 1765, Maria Josefa é habilitada.

Caetano Eleutério da Bastos atua em outro processo de habilitação, conforme podemos


ver em um parecer datado de 20 de setembro de 1763, informando à “Mesa”:

Tomamos informação com os comissários Antônio Alvares Monteiro e


Caetano Eleutério de Bastos, e com o notário Florêncio da Costa Pereira a
respeito da qualidade de sangue e mais requisitos de Bento Pires Machado que
pretende ser familiar do Santo Ofício, casado com Catarina Maria de Góes,
conteúdos e confrontados na petição inclusa que vsa. nos manda informar.

Caetano atua na habilitação de Bento Pires Machado e Catarina Maria de Góes, sua
esposa550. O trecho inicia citando os responsáveis pelas diligências onde elas foram colhidas,
Antônio Alvares Monteiro (no lugar de nascimento dos pais do habilitando, Freguesia de Santa
Maria e São Miguel, no termo de Monte Alegre), Caetano Eleutério de Bastos (no lugar de
nascimento da habilitanda e morada dos habilitandos, Pará) e Florêncio da Costa Pereira (no
lugar de nascimento do habilitando, Freguesia da Conceição em Lisboa). Acontece que, na
verdade, de início, essas diligências não cabiam a Caetano, conforme nos é possível ver em
despacho por ele enviado à Lisboa, datado de 23 de outubro de 1761, ao informar que:

Por falecimento do arcediago comissário João Rodrigues Pereira, recebi por


aviso a presente carta e ordem do Santo Ofício a fim de confirmar informação
da pessoa de Bento Pires Machado e sua mulher D. Catarina Maria de Góes
(...) E para contudo satisfazer o que me ordenaram, me informei do familiar
Joaquim Rodrigues Leitão e Felipe dos Santos, Agostinho Domingues de
Siqueira e com sua mulher D. Antonia de Oliveira Bitancourt, e com Dionísio
da Fonseca Freitas e Antonio de Lira Barros, pessoas de boa vida e costumes,
tementes a Deus.

Vemos que inicialmente a recolha dos testemunhos cabia a João Rodrigues Pereira,
comissário que atuou junto com Caetano e Lourenço Alvares Roxo ao longo da década de 1750,
sendo eles, ao menos pelo nosso levantamento, os únicos comissários habilitados no período

550
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
224

para o Pará. Sabemos que Lourenço já estava morto em 1760 551, o que coloca, Caetano e João
Rodrigues Pereira, como os únicos atuantes no início da década de 1760. Se pois, em 23 de
outubro de 1761 Caetano faz menção a morte de João, podemos dizer que no referido período,
ele era o único comissário habilitado atuante. Talvez por essa falta de agentes habilitados, que
entre 1763-1764 tenhamos a habilitação de três novos comissários para o Pará, sendo dois
desses, irmãos de comissários falecidos, qual seja, Antonio Rodrigues Pereira (irmão de João
Rodrigues Pereira), habilitado em 18 de janeiro de 1763 e Custódio Alvares Roxo (irmão de
Lourenço Alvares Roxo), habilitado em 10 de janeiro de 1764. Voltando para a trecho que
temos analisado, Caetano faz menção a “carta e ordem do Santo Ofício” que lhe fora entregue
depois do falecimento de João, se notarmos, a ordem se endereçava a João, que tendo falecido,
fora entregue ao outro comissário. Em face disso, podemos ir além, ao pensar que na ausência
de Caetano, a dita ordem poderia ser entregue a outrem, provavelmente alguém de provável
projeção no bispado, de modo que a “ordem do Santo Ofício” se fizesse valer, mesmo na falta
de agentes habilitados.

Aqui é interessante pensar como a estrutura da burocracia eclesiástica local serve de


suporte para as atividades de “alçada do Santo Ofício”, sendo, muitas das vezes, confundida.
Conforme já vimos, nas localidades, os comissários, além de recolher os testemunhos, deveriam
trasladar os assentos paroquiais relacionados ao habilitando e seus parentes. Nas habilitações
que vemos Caetano atuar, ao fazer isso, não o faz apenas citando ser comissário do Santo Ofício,
mas igualmente ostenta seus outros títulos, conforme nos é possível ver no traslado do
casamento de Bento Pires Machado e sua esposa D. Catarina Maria de Góes, o cabeçalho inicia
com:

Caetano Eleutério de Bastos, Presbítero do Hábito de São Pedro, Comissário


do Santo Ofício, Juiz Adjunto do Tribunal da Coroa, Notário Apostólico de
Sua Santidade e da autoridade Ordinária neste Bispado de Santa Maria de
Belém do Grão Pará na forma do Sagrado Concílio Tridentino.

Nesse sentido, fica bem evidenciado ao fazer menção às suas outras atribuições,
notadamente as no campo eclesiástico, que sua atuação não se dava apenas na qualidade de

551
Assim podemos afirmar, pois Dom Frei João de São José e Queiroz (4° Bispo do Pará 1759-1763), em visita
Pastoral no ano de 1760, diz que “Por este rio [Capim] até á nova colonia tivemos o praser de observar lindissimas
flores e tambem fructas silvestres, peixes deliciosos, barreiras de que se tira excellente tinta amarella, e uma
qualidade de gesso a que chamam tavatinga alvissimo e melhor do que a cal. Dormimos uma noite em casa de José
Alvares Roxo de Potfliz honrado homem do Pará, filho de um francez, e irmão do erudito chantre, de quem faz
honrosa memoria mr. de Condamine”. Conforme podemos observar, pela linguagem empregada, é notável que
Lourenço Alvares Roxo já era falecido quando das memórias do bispo.
225

“Comissário do Santo Ofício”, mas na esteira de todos os seus demais títulos que possuía. Ao
final do traslado, tudo é arrematado com um solene carimbo, conforme podemos ver abaixo:

Imagem 4: Carimbo do Pe. Caetano Eleutério de Bastos

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitações para Familiar do Santo Ofício, mç. 14, d. 202.

No carimbo, vemos por entre o nome do padre, dois símbolos muito importantes para
a Igreja Católica, que remetem a autoridade papal, as chaves cruzadas e a tiara. Caetano faz
esse uso na qualidade de “Notário Apostólico de sua Santidade”, clérigo a quem cabia dar fé
pública aos documentos eclesiásticos, conforme nos é possível ver pelo termo veritatis ao lado
do carimbo. Fazemos menção a este aspecto em razão de serem apenas nos processos em que
Caetano atua, o enaltecimento de outras atribuições, para além da comissaria do Santo Ofício.
Em uma segunda diligência no Pará, em maio de 1764, assumirá o posto Antônio Rodrigues
Pereira, irmão do comissário a quem inicialmente coubera conduzir os tramites da habilitação
de Bento Pires Machado, que por fim é habilitado em 04 de setembro de 1764, após seu nome
passar na mão de pelo menos três comissários do Santo Ofício no Pará.

Retornando ao trecho que transcrevemos do documento datado de 23 de outubro de


1761, vemos que o comissário selecionara algumas testemunhas, destaquemos o familiar
Joaquim Rodrigues Leitão e Felipe dos Santos. O primeiro, fora habilitado em 20 de fevereiro
de 1743; o segundo virá a ser habilitado três anos após depor sobre Bento Pires Machado, em
226

quatro de novembro de 1766. Na habilitação de Felipe dos Santos552, o comissário encarregado


é Felipe Joaquim Rodrigues, que por sua vez fora habilitado no mesmo dia de Antonio
Rodrigues Pereira. A ordem para as diligências judiciais no Pará fora assinada em Lisboa no
dia nove de setembro de 1765. Tendo iniciado no dia dois de fevereiro de 1766, o escrivão, ao
fazer menção ao fato, diz que:

Pelo Rv. Pe. Felipe Joaquim Rodrigues Comissário do Santo Ofício me foi
mostrada uma comissão dos M. Illes. Snrs. Inquisidores Apostólicos da
Inquisição de Lisboa, e para satisfazer a diligência nela conteúda elegeu para
escrivão a mim, Pe. José de Melo de Sequeira Beneficiado da mesma catedral
e me deu juramento dos Santos Evangelhos encarregando-me escrevesse
verdade e guardasse segredo, que prometi fazer de que mandou fazer este auto,
que ambos assinamos.

Notamos aqui o modus operandi para se proceder o início das investigações, pois após
receber a comissão, o comissário elegia um outro clérigo que serviria de escrivão, no caso, o
Pe. José de Melo de Sequeira. Pedia-se que o clérigo escolhido tivesse boa formação, além de
reputação ilibada. O escolhido deveria jurar, pondo a mão sobre os evangelhos, escrever apenas
a verdade do que ouvira e guardar tudo em segredo. As primeiras testemunhas são ouvidas em
22 de fevereiro de 1766, num total de três; três dias após, em 25 de fevereiro, são ouvidas mais
duas. Há uma interrupção no andamento das diligências, de modo que novos testemunhos só
serão ouvidos pouco mais de dois meses depois. A razão é explicada pelo novo escrivão
chamado para auxiliar o comissário Felipe, ao dizer que

Aos cinco dias do mês de maio de mil setecentos e sessenta e seis nesta cidade
de Belém do Pará em casas de residência do Reverendo Felipe Joaquim
Rodrigues Mestre escola da Sé da dita cidade onde eu João Esteves de
Carvalho Presbítero do Hábito de São Pedro e cônego da mesma Sé, fui vendo
e sendo aí por ele e como comissário do Santo Ofício me foi diferido
juramento dos Santos Evangelhos para continuar a finalizar esta diligência por
ter falecido da vida presente o Reverendo Beneficiado José de Melo de
Siqueira, que a principiou, com verdade de segredo, o que assim o prometi
fazer.

Aqui há alguns aspectos interessantes que mais uma vez evidenciam as adaptações de
trâmite ao longo do processo. Com a morte do primeiro escrivão, o comissário elege um outro,
tirando-o do seu círculo de contato mais estreito no âmbito eclesiástico, o cabido diocesano.
Como já vimos, Felipe era mestre escola da Sé do Pará, uma das dignidades e primeiros postos
da burocracia diocesana local. Nesta posição, escolhe um outro seu confrade para coadjuvá-lo,

552
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 5, doc. 82).
227

evidenciando mais uma vez a colaboração entre os agentes Inquisitoriais e Eclesiásticos553. O


novo escrivão é chamado em vista de “finalizar esta diligência”, o que de fato o fez, pois não
se ouviu mais nenhum testemunho e apenas se lavrou o termo de encerramento. Esta atuação
de outras pessoas, para além das habilitadas, também nos leva a pensar até que ponto o
“segredo”, condição sine qua non nos trâmites inquisitoriais, não era colocado a prova, ao
menos nos círculos mais imediatos a esses clérigos. Nesse sentido, podemos dizer, que tal
“segredo” não era tão fiável, em pensar que parte do Cabido do Pará, ao menos nesse caso,
tinha acesso a essas informações.

Na habilitação de Manoel Alvares Chaves, temos, diríamos, uma atuação um pouco


inusitada por parte do comissário Antonio Rodrigues Pereira554. O referido comissário faz
apenas a recolha dos depoimentos extrajudiciais, não precisando, inclusive, o que cada
testemunha havia deposto, informando apenas seus respectivos nomes, sendo elas Antonio
Rodrigues Guedes, Manoel dos Santos Camello, Pedro Ramos de Carvalho, Vicente Xavier de
Castro, Mateus Alves e José Peres da Silva. Ao citar suas falas, faz apenas um resumo pro
forma dos testemunhos, ao citar que “Manoel Alvares Chaves é natural de Chaves, morador
nesta cidade do Pará, que vive de sua loge e negociação de fazendas com os quais lucros se
trata limpamente e com asseio e com capacidade de poder servir no cargo de Familiar”. Estas
suas palavras são datadas de 12 de novembro de 1763 e são as únicas informações ao longo de
todo o processo colhidas em Belém. Dizemos ser inusitada, pois as diligências extrajudiciais,
ainda que pudessem sem impeditivas para o seguimento do processo, não substituíam as
diligências judiciais, que pelo jeito, não foram encomendadas por Lisboa ou executadas pelo
comissário Antonio. O fato é, que aparentemente, o Conselho Geral toma as extrajudiciais como
judiciais, de modo que em parecer final, assinado em Lisboa em 26 de janeiro de 1764, se diz
que foram tomadas “informação com os comissários Luiz Antonio Pereira e Antonio Rodrigues
Pereira a respeito da qualidade de sangue e mais requisitos de Manoel Alvares Chaves (...) e
nos parece que se acha em termos de Vs. Lhe deferir”. Nesse sentido, os deputados do Santo
Ofício em Lisboa, ao deferirem o pedido de habilitação de Manoel, e lavrarem a carta de
familiar do Santo Ofício em oito de maio de 1764, confiam exclusivamente no que lhe fora
repassado por Antonio, em um resumo de pouco mais de meio fólio.

553
Essa prática de escolher testemunhas de círculo próximo aos comissários não era prática apenas dos clérigos
seculares, o comissário Diogo da Trindade, um de nossos dois comissários membros do clero secular, ao arrolar
as testemunhas na habilitação para familiar de João Rodrigues Pereira, convoca membros de sua ordem.
554
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 195, doc. 1072).
228

Partamos agora para os três últimos indivíduos de nosso grupo habilitados como
Familiares do Santo Ofício. Amandio José de Oliveira Pantoja, habilitado em 21 de agosto de
1799555; Mateus Gonçalves da Torre, habilitado em 25 de maio de 1802 556 e Manoel Joaquim
Rodrigues, habilitado em 03 de agosto de 1805557. Iniciemos pelo último, Manoel Joaquim
Rodrigues. Em sua habilitação, é interessante a designação do agente da Inquisição que atua no
Pará, o chamamos pelo nome genérico de “agente”, pois o processo o designa com ofícios
distintos. Trata-se de João Pedro Borges de Góes, que conforme já vimos, fora habilitado em
26 de abril de 1793 como notário do Santo Ofício. Acontece que segundo o termo de abertura
das diligências no Pará, lavrado pelo escrivão Pe. Fernando Felix da Conceição em 20 de
setembro de 1804, ao referenciar seu juramento para o serviço como escrivão, diz que “veio o
Reverendo Cônego João Pedro Borges de Góes, Comissário do Santo Ofício e por ele me foi
deferido o juramento dos Santos Evangelhos sob cargo do qual me encarregou”. Vemos,
portanto, que o escrivão recém-investido designa João Pedro como “Comissário do Santo
Ofício”, porém, o início das diligências se dera em resposta a uma comissão vinda de Lisboa
que informava que

Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade, e postasia nesta


cidade de Lisboa e seu distrito, & c. Fazemos saber a João Pedro Borges,
notário do Santo Ofício que nesta Mesa se pretende saber a capacidade, vida
e costumes de Manoel Joaquim Gomes, negociante, morador no Rio Capim,
Estado do Pará, natural da Freguesia de Santa Izabel, desta cidade de Lisboa.

Nesse sentido, temos aqui um conflito de informações. Poderíamos inicialmente


pensar que João Pedro ascendera ao cargo de Comissário, o que não se sustenta, pois a ordem
vinda de Lisboa o designa com o cargo para que fora habilitado em 1793. Logo, é possível que
a “culpa” da designação errada recaia no escrivão. Ou ainda, que João Pedro, por fazer as vezes
de comissário, não teve a dificuldade de assim se denominar ante seus pares, mesmo sem sê-lo.
Se foi erro do escrivão ou autodesignação do notário, não nos é possível precisar, contudo tal
fato ilustra o próprio trânsito dos agentes habilitados entre os cargos do Santo Ofício, onde o
fato de fazer as vezes do cargo, parece ser uma justificava para se usar o título ou ser assim
designado pelos outros. Para além disso, João Pedro Borges de Góes e o escrivão Fernando
Felix da Conceição recolhem muitos testemunhos acerca do habilitando e sua esposa já falecida,
Catarina Antonia de Oliveira. Na conta final do processo, é interessante o montante que cada

555
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 10).
556
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 77).
557
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 260, doc. 1755).
229

um dos dois recebera por parte do “secretario tesoureiro desta Inquisição”. O comissário
recebera 5$140 e o escrivão 5$215. Tais valores ilustram, sobretudo, a preponderância do papel
do escrivão, que recebe valor comparável ao de seu “superior”.

Na habilitação de Mateus Gonçalves da Torre, igualmente deixada aos cuidados do


notário João Pedro Borges de Góes, a primeira comissão vinda de Lisboa sofreu um entrevero
no caminho

Por haver notícia que o navio em que foi huma comissão tocante ao
habilitando Mateus Gonçalves da Torre, remetida a VM. para a executar foi
tomado pelos franceses, agora lhe enviamos segunda para que no caso de a
outra com efeito não tenha chegado a sua mão VM. Logo e sem demora faça
a diligencia que da mesma consta e com a mesma nos remeterá.

A comissão datada de 12 de setembro de 1802, faz inicialmente menção a longa


contenda entre Inglaterra e França, que colocava Portugal em meio a dois bloqueios do trânsito
no oceano Atlântico558, o que em certa medida também influenciou no atraso da habilitação
deste nosso habilitando. Para levar a efeito essa comissão, João Pedro chamara nosso já
conhecido Pe. Fernando Felix da Conceição, mostrando que a “dobradinha” entre eles
antecedera a habilitação de Manoel Joaquim Gomes. Em relação a atuação de Fernando Felix,
é notável que designa João Pedro como “Comissário do Santo Ofício” e “Juiz Comissário”,
contudo, o mais interessante, é que a recolha dos testemunhos, que em tese deveriam ser em
casa do agente habilitado, o são na casa do escrivão, conforme nos é possível perceber por suas
palavras ao afirmar que “nas casas de minha morada aonde veio o reverendo Cônego João Pedro
Borges de Góes”. Aqui é marcante a projeção do escrivão em detrimento ao agente habilitado,
que aparentemente, só estava presente para validar o que ali acontecia, porém, o protagonismo
na atuação era do agente não habilitado.

Se notarmos, mais uma vez João Pedro Borges de Góes, que fora habilitado como
Notário do Santo Ofício, é citado como “Comissário do Santo Ofício”. Ao que tudo indica, essa
confusão na designação não era o ocasional e tampouco mérito do escrivão Fernando Félix da
Conceição em vista de “promover” aquele a quem era “subordinado”. Na habilitação de
Feliciano José Gonçalves, fora comissionada a recolha dos testemunhos no Pará ao notário
Felipe Jaime Antônio, acontece que o escrivão que lavra os interrogatórios, Pe. Francisco

558
TENGARRINHA, José Manuel. Napoleão, o Atlântico e a contra-revolução em Portugal. Historiæ, Rio Grande,
1 (2): 9-32, 2010.
230

Gonçalves Campos, refere Felipe Jaime como “comissário do Santo Ofício”559. Nesse sentido,
podemos dizer, que ainda que não habilitado como tal, pela força do exercício da função, um
“notário do Santo Ofício” poderia ser “promovido” a Comissário. Para reforçar essa nossa
visão, na comissão saída de Lisboa ordenando o início das investigações sobre Maria Rosa,
esposa de Feliciano José Gonçalves, são provisionados “Felipe Jaime Antonio Notário do Santo
Ofício ausente a Joaquim José de Faria Comissário do Santo Ofício”. Logo, ainda que
regimentalmente a notaria fosse submetida a comissaria, vemos que ao menos aqui, a provisão
prioriza o notário, como de fato acontece, pois Felipe Jaime Antonio é quem conduz os
interrogatórios. Portanto, há uma certa equiparação, ao menos nesses casos, entre ser notário e
comissário do Santo Ofício.

Pegando como gancho esse caso envolvendo Felipe Jaime Antonio, vejamos agora
como se deu a habilitação de Amandio José de Oliveira Pantoja, que pelo tempo delongado de
habilitação, quase dez anos, são muitos os clérigos que atuam. A petição inicial dá-se em
setembro de 1789, mesmo mês em que saíra de Lisboa o pedido para iniciar as “judiciais” no
Pará, acerca da vida e procedimentos do habilitando e sua esposa, Francisca Xavier de Siqueira
e Queirós. A resposta ao pedido só se dá seis anos depois, no mês de dezembro de 1795, pelo
notário Felipe Jaime Antônio. A demora na resposta se justifica, pois, o notário só iniciara as
averiguações quase cinco anos depois da ordem ser expedida, conforme nos é possível ver no
termo de juramento que inicia os interrogatórios.

Aos quatorze dias do mês de agosto de mil setecentos e noventa e quatro anos
nesta cidade de Belém do Grão Pará, nas casas de morada do Reverendo Felipe
Jaime Antonio, Comissário do Santo Ofício, onde eu o minorista Antonio Dias
da Cunha, escrivão eleito vim, e sendo ali me deu o juramento dos Santos
Evangelhos o dito reverendo comissário debaixo do qual prometi escrever
fielmente e com segredo na presente inquirição.

Vemos, incialmente, que Felipe Jaime Antônio é citado pelo escrivão como
“Comissário do Santo Ofício”, demonstrando quão recorrente era chamar um “notário” de
“comissário”. Além dessa citada exceção, que ao que tudo indica era regra, se ressalte ser um
“minorista” chamado para escrivão. Pelo regimento, os escrivães deveriam ser clérigos de
“ordens maiores”560, sendo os “minoristas”, conforme o próprio nome diz, clérigos que estão

559
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 27).
560
Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Lv. 1, tit. 51, N. 215), as ordens maiores eram
o Subdiaconato, Diaconato e Presbiterado. Para alcançar as ordens maiores havia mais exigências que para as
ordens menores; e a cada avanço na carreira era necessário apresentar certidão que provasse que o candidato tinha
já a ordem anterior.
231

em preparação para o sacerdócio, tendo recebido apenas as “ordens menores” 561. O notário
Felipe Jaime justifica a escolha, pois segundo ele, “a falta de sacerdotes me obrigou a eleger
hum minorista, que estava por receber as ordens maiores, e quando se acabou a inquirição já
era presbítero”. Tendo isso em vista, se evidencia mais uma vez, o relaxe das disposições
regimentais em vista de tornar efetiva a ordem do Santo Ofício. Porém, é possível que a razão
seja outra. As testemunhas escolhidas por Felipe Jaime Antônio parecem ter sido a dedo, pois
a grande maioria não são elogiosas a Amândio e seus familiares. Dentre elas, está Agostinho
José Marques Pereira, que além de levantar os impedimentos relacionados ao pai do
habilitando, que teria sido penitenciado pelo Santo Ofício, diz no item 11 do interrogatório, que
“ouviu dizer algumas coisas alheias do bom procedimento, vida e costumes e lhe parece não
ser capaz de ser encarregado de negócios de suposição e segredo”. Na mesma perspectiva, vai
Antonio de Souza Moreira, ao afirmar “que o habilitando, segundo lhe parecia, não tem
suficiência para ocupar o emprego que pretende, pela conduta que teve tanto em soldado, como
fora da milícia”. Das habilitações que temos analisado, esses são uns dos poucos casos onde
uma testemunha diz de modo contundente que não julga o habilitando “digno” do cargo que
pretende.

Com um tom mais leve, João Guedes diz “que o habilitando sendo soldado tivera huma
vida estragada porém que presentemente, segundo a fama, está mais corrigido e que por isso
será capaz de empregos e suposições, e dará conta de si”. Ao todo, são ouvidos doze
testemunhos, uns são mais brandos, outros mais espinhosos, porém, recorrentes as citações aos
“impedimentos” de Amandio. Ao dar seu parecer sobre tudo que ouvira, em 29 de dezembro
de 1795, Felipe Jaime Antonio conclui que “os procedimentos do habilitando são maus e muito
escandalosos, é sempre notado de ações vis e indignas de serem de homem de bem”. Pelo rigor
nas palavras, corroboradas por grande parte das testemunhas, o notário marca posição contra a
habilitação de Amandio, reforçando que o julga “indigno do que pretende, e será grande o
escândalo se ele obtiver a graça que pretende”. Nos lembremos que lavrara os testemunhos um
clérigo minorista, sob a justificativa de falta de sacerdotes, o que é difícil de acreditar, já que
foram colhidos em Belém. Os minoristas, em geral, ficavam sob a supervisão de um clérigo de
ordens maiores, inferindo que essa era a relação de Felipe Jaime com Antonio Dias da Cunha,
podemos pensar que o notário exerceu certa influência no modo de registrar os testemunhos, de

561
Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Lv. 1, tit. 50, N. 211), as ordens menores eram
ostiário, leitor, exorcista e acólito. Devendo os candidatos a elas saber ler e escrever, saber da doutrina cristã e ser
crismado.
232

modo a reforçar o parecer que dera sobre eles. O fato é, que após a isso, os documentos são
remetidos à “Mesa”, lá, não sabemos ao certo como foram recebidos, contudo, talvez por notar
a “parcialidade” do notário, aparentemente resolveram dar uma nova chance ao habilitado.

Em ordem saída do Santo Ofício em Lisboa, no dia 20 de agosto de 1796, vemos, após
o texto habitual, uma citação que nos chama atenção:

Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia nesta


Cidade de Lisboa e seu distrito, &c. Fazemos saber ao pároco da Freguesia da
Campina ausente a quem seu cargo servir de pároco, que nesta mesa se
pretende saber com toda individuação a geração, vida e costumes de Amandio
José de Oliveira Pantoja, natural da morador na cidade do Pará, Freguesia da
Campina.

“Os Inquidores apostólicos” dão, conforme podemos ver, comissão diretamente ao


“pároco da Freguesia da Campina”, para proceder os interrogatórios no respectivo lugar.
Acontece, por outro lado, que no período, havia pelo menos dois Comissários e três Notários
atuantes no Pará, Joaquim José de Faria e Caetano Lopes da Cunha; Felipe Jaime Antônio,
Romualdo Lopes da Cunha e João Pedro Borges de Góes, respectivamente. Se pois, havia
agentes habilitados, qual seria a razão de provisionar, diretamente, um não habilitado? Como
uma primeira possível via de resposta, recordemos rapidamente os depoimentos colhidos em
Vigia de Nazaré, pelo Pe. João de Barros Leal, em 22 de julho de 1762, na habilitação como
familiar do Santo Ofício de José Rodrigues562. Lembremos que a ordem viera de Lisboa
determinando que o comissário Caetano Eleutério de Bastos o fizesse, o que não ocorreu, pois
o comissário provisionara o dito João de Barros Leal, justificando para isso a distância ser de
“dois dias de navegação” entre Belém e a dita vila. Esse evento, atrelado a outros, onde na
prática não era o agente habilitado que atuava, pode ter criado na sede do Tribunal em Lisboa,
a prática, para maior efetividade das ordens, de se provisionar diretamente indivíduos não
habilitados, que nos lugares mais distantes, eram quem efetivava a “presença” do Santo Ofício.
Além disso, é notável que a provisão não é nominal, mas por via do cargo ocupado, o que era
presente em outros casos, ao provisionar o “reitor do Colégio da Companhia”, “o vigário geral”,
“o vigário da vara”. Tal ocorrência, traz mais uma vez à baila o caráter complementar que a
burocracia eclesiástica local tem em relação a ajudar na efetivação do Santo Ofício nesses
lugares.

562
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237)
233

Outra possível resposta se dá, pela tentativa por parte da “Mesa”, de tirar as
averiguações da raia dos agentes habilitados, talvez para se ter uma “segunda opinião” sobre o
pleiteante. E é interessante, pois essa “segunda opinião” é a antítese da primeira, já que as onze
testemunhas são unânimes ao afirmar que em Amandio de Oliveira Pantoja “concorrem todos
os requisitos” para ser investido do cargo de Familiar do Santo Ofício. Em posse dessas duas
versões bastante diferentes, os deputados do Santo Ofício Manuel Estanislau Fragoso, José da
Rocha, Alexandre Jansen Moller, João de Aguilar Menezes e Francisco Xavier de Vasconcelos
Coutinho, emitem o seguinte parecer final:

Vi estas diligências de Amandio José de Oliveira Pantoja, homem de negócio,


natural da Freguesia de Nossa Sra. do Rosário da Campina, termo da cidade
de Belém do Grão Pará em que é morador, e delas consta ser o habilitando
filho e neto dos pais e avós que declara todos naturais das origens que se
expressam, que na sua pessoa, nem pelas dos ditos seus pais a avô paterno tem
defeito algum que obste a sua habilitação, nem pode encontrar esta notaria
equivocação do nome do avô materno ser Sebastião e não Francisco de Souza,
como se declara inadvertidamente, de constar ser o primeiro e não o segundo,
não só pelo termo do recebimento, mas também por todas as testemunhas da
Inquirição com as quais é razão de conhecimento com que depõe certidões de
recebimento dos avós paternos e maternos juntas e certidões também do
batismo e recebimento do habilitando, se suporem as mais que faltam prova a
identidade de todos, se pela falta de livros mutilados em que se acham
existentes no cartório eclesiástico daquele bispado, como informa o seu
escrivão. É o habilitando de boa vida e costumes, abundantes bens, sabe ler e
escrever e muito capaz de guardar segredo e de lhe confiarem diligências de
importância. Não tem filhos ilegítimos, é casado com D. Francisca Xavier de
Siqueira Queiroz, já habilitada, pelo que me parece estar nos termos de se
passar a carta de Familiar do Santo Ofício que pretende na forma do
Regimento. Lisboa 10 de Agosto de 1799.

Dado os muitos aspectos interessantes no transcrito parecer, achamos por bem copiá-
lo na integra. Vemos que fora assinado em agosto de 1799, o que nos permite afirmar que as
duas versões ficaram sendo confrontadas por quase três anos no Conselho Geral. Pelas palavras
usadas, parece que os testemunhos colhidos pelo agente não habilitado, qual seja, o pároco da
Campina, Pe. Antonio Gonçalves Coelho, foram os que foram levados em consideração.
Primeiramente não se faz qualquer menção aos impedimentos do pai do habilitando, pelo
contrário, se afirma “nem pelas dos ditos seus pais a avô paterno têm defeito algum que obste
a sua habilitação”. Ao longo do texto só se remete a um único “equívoco”, relacionado ao nome
do avô materno de Amândio. Pela lógica narrativa, a impressão que nos passa é que os
deputados sequer leram as averiguações feitas por Felipe Jaime Antônio, ou ainda, se leram,
não as consideraram em nada. Tal movimento, nos permite ver, em primeiro lugar, como o
agente encarregado das investigações, seja ele habilitado ou não, pode condicionar as
234

informações encontradas. Em segundo lugar, como o Conselho Geral, em posse das


informações, pode dar mais crédito aquelas não colhidas por seus agentes habilitados. O mais
interessante disso tudo, é a disposição final do processo, pois os interrogatórios de Felipe Jaime
Antônio são como que uma espécie de anexo, ficando após o deferimento do Conselho Geral,
o que nos demais processo, vem a ser a última parte. O que em certa medida reforça que as
informações colhidas pelo agente não habilitado são privilegiadas em detrimento aquelas
colhidas pelo agente habilitado.

Conforme já mencionamos, há apenas um caso onde o agente efetivamente troca de


cargo, passando, desse modo, duas vezes pelo processo de Habilitação. Trata-se de Joaquim
José de Faria, habilitado inicialmente como familiar e depois como Comissário do Santo Ofício.
Até aqui temos nos detido a atuação de notários e comissários do Santo Ofício na habilitação
de seus “subordinados”. Vejamos agora como atuavam na averiguação daqueles que lhes seriam
iguais na Hierarquia Inquisitorial.

Habilitações para Comissários e Notários do Santo Ofício

A primeira habilitação de Joaquim José de Faria tem início em 26 de agosto de 1771,


dentre as informações que presta, diz ser natural de “São Luís do Maranhão”563. Porém, já de
início se constata pelo comissário que tal informação era equivocava, pois achou-se “não ser
natural desta cidade, mas sim ser natural da cidade de Belém do Grão Pará”. Temos aqui um
primeiro problema detectado, pois a informação quanto a naturalidade informada pelo
pleiteante não era verdadeira. Dentre as testemunhas ouvidas nas “extrajudiciais”, está o
comissário Felipe Camello de Brito, que informa

Ter bastante conhecimento com o dito pai do habilitando Custódio Vicente


Anastácio por este ter sido seu condiscípulo e que conheceu também a dois
irmãos seus. O Pe. José Geraldes e outro secular chamado Raymundo Coelho,
que os teve por legítimos Cristãos Velhos e de bons procedimentos. E sendo
o reverendo informante Juiz das justificações de Genere deste bispado nas
inquirições de Genere que tirou de um sobrinho do pai do habilitando Antonio
Felipe Ribeiro para efeito de se ordenar se lhe saiu com um impedimento. Um
inimigo seu dizendo que ainda tinha sua casta, digo de mulato, mas abreviado
o dito impedimento para se lhe conferir ordens, como com efeito lhe conferiu
o Exm. Bispo deste Bispado D. Dr. Manoel da Cruz.

Pelo depoimento, o informante levanta outro possível impedimento de sangue, que por
sua vez, após informar, trata-se de justificar que fora resolvido. É interessante essa citação por

563
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 17, doc. 192).
235

parte de Felipe Camello de Brito, pois ele mesmo, por problemas de sangue, tem dificuldades
para habilitar-se. É este mesmo Felipe que é encarregado das averiguações no Maranhão, com
ordem saída de Lisboa em 16 de junho de 1772. Dá-se início aos interrogatórios em dois de
janeiro do ano seguinte, concluindo em seis de maio. Em seu parecer sobre o que ouvira, não
faz qualquer menção ao mulatismo da Família de Joaquim José, mencionando, porém, que não
conseguira encontrar parte dos assentos dos ascendentes do pleiteante, justificando que havia
“grande omissão dos párocos antigos a este respeito”, ilustrando a pouca cura nos registros dos
sacramentos. Para o Pará, são provisionados “Felipe Joaquim Rodrigues mestre escola da Sé
do Pará ausente a Custódio Álvares Roxo de Potfliz e na de ambos a João Rodrigues Pereira
Comissários do Santo Ofício”. Se notarmos, o comissário mais antigo, João Rodrigues Pereira
habilitado entre oito-nove anos antes dos outros dois, é colocado com última opção, ilustrando
mais uma vez que não havia precedência de antiguidade quando o Tribunal de Lisboa mandava
ordem para o início das averiguações. Os depoimentos são colhidos por aquele que era de fato
a primeira opção, o comissário Felipe Joaquim Rodrigues. No termo de Assentada, se faz
menção a um fato notório, pois as testemunhas ao serem convocadas para deporem na casa do
comissário, são notificadas pelo familiar do Santo Ofício Pedro Ramos, ofício que de fato cabia
aos familiares, que pouco usualmente o fazem. Dentre as testemunhas ouvidas em dois de
outubro de 1772, está o Pe. Inácio José Pestana, reitor do Seminário do Bispado e que fora,
quando da Visitação, notário nomeado por Giraldo José de Abranches, sendo, posteriormente,
habilitado como Comissário do Santo Ofício. Em seu testemunho, mencionada que o
habilitando estava estudando “filosofia”, o que ilustra que quando do pedido para habilitar-se
como familiar, já estava estudando para ordenar-se padre. E após um tempo enquanto padre,
novamente entra com o pedido para habilitar-se, agora como Comissário do Santo Ofício, o que
o faz em quatro de abril de 1786564.

No início do processo, se faz o traslado da carta de familiar de Joaquim José de Faria,


que agora transcreveremos:

Dom João da Cunha Presbítero Cardeal da Santa Igreja de Roma Arcebispo


de Évora, regedor das Justiças do Conselho de Estado de El Rei meu senhor,
Inquisidor Geral nestes Reinos e senhorios de Portugal. Fazemos saber a
quantos a presente virem, que pela boa informação que temos de geração, vida
e costumes de Joaquim José de Faria, que vive de seu negócio, solteiro, filho
de Custódio Vicente Anastácio, natural e morador da cidade de Belém do Grão
Pará. E confiando de que passara contida a diligência, consideração verdade e
segredo todo o que por nós lhe for mandado e pelos Inquisidores cometida.

564
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 19, doc. 243).
236

Havemos por bem de o criar e fazer familiar do Santo Ofício da Inquisição


desta cidade de Lisboa para que daqui adiante sirva o tal cargo assim como
servem os mais familiares da dita Inquisição e com ele goze de todos os
privilégios, isenções e liberdade, que por direito, provisões e alvarás os
Senhores Reis destes reinos são concedidos aos familiares do Santo Ofício.
Notificando-lo assim aos Inquisidores para que o admitam ao dito cargo e lhe
deixem servir conforme seu regimento, dando-lhe primeiro juramento de que
se fora assento por ele assinado no livro de criação dos familiares da mesma
Inquisição. E mandamos a todas as justiças assim eclesiásticas como seculares
deste Reino e Senhorios, e mais pessoas a que o conhecimento disso pertencer,
e tenham ao dito Joaquim José de Faria por familiar do Santo Ofício e lhe
guardem, cumpram e façam guardar e cumprir inteiramente esta nossa carta e
todos os ditos privilégios como neles se contém sob as penas e censuras em
Direito e nos mesmos privilégios declarados e de se proceder contra os
culpados, como pessoas que ofendem aos Ministros do Santo Ofício da
Inquisição. Dada em Lisboa sob nosso sinal e selo do Conselho Geral do Santo
Ofício aos vinte e nove dias do mês de outubro de mil setecentos setenta e três
anos Manoel Ferreira de Mesquita secretário do mesmo Conselho Geral a ter
de escrever, o subscrevi. Cardeal Inquisidor Geral.

O traslado é feito em vista de comprovar que o pleiteante a Comissário, já o era


familiar, conforme tinha alegado em sua petição inicial. Além do traslado, se fornece
informações interessantes que nos permitem ver como a informação do deferimento, chegava
de fato aos pleiteantes. A carta de familiar de Joaquim José é registrada em Livro no dia cinco
de novembro de 1773 e seu juramento é tomado em treze de junho de 1774. O juramento
constava de com a mão por “sobre os santos evangelhos”, jurar proceder conforme os ditames
do Santo Ofício. O ato em questão é testemunhado por dois indivíduos que nos são conhecidos,
o primeiro é Felipe Jaime Antônio que serve como escrivão e que treze anos depois virá a ser
habilitado como Notário do Santo Ofício; o segundo é Leandro Caetano Ribeiro, familiar do
Santo Ofício habilitado dez anos antes.
237

Imagem 5: Livro dos Evangelhos que serve na Mesa do Conselho Geral do Santo Ofício

Fonte: Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 187.

É interessante que a “dobradinha” entre Joaquim José e Felipe Jaime permanecerá,


pois ambos pedirão para habilitar-se em períodos aproximados, para o cargo de Comissário do
Santo Ofício. Se por um lado na habitação para familiar de Joaquim José de Faria, as diligências
feitas no Maranhão e no Pará são lavradas por agentes habilitados, na sua para Comissário, é
provisionado um clérigo não habilitado. Trata-se do Pe. Inácio Gomes de Araújo, referenciado
como “pároco de uma das Freguesias da Cidade do Pará”. Primeiramente notamos que o
provisionamento é inicialmente nominal ao padre, sem se atentar para qual freguesia ele servia.
A exemplo do que acontecia em outras ocasiões, o escrivão das diligências referencia o agente
não habilitado de “Muito Reverendo Senhor Comissário Inácio Gomes de Araújo”. Qual a razão
de aqui os comissários habilitados não serem sequer citados? Acontece que o último comissário
habilitando para o Pará, antes disso, havia sido Inácio José Pestana, em 20 de janeiro de 1779.
Sabemos que a altura das averiguações para a comissaria de Joaquim José, Inácio já estava
falecido565, portanto, não havia comissário atuante, o que forçava o Tribunal de Lisboa a

565
Oficio (AHU_ACL_CU_009, D. 4247, 1769.)
238

provisionar um agente não habilitado. Aqui o interessante é o zelo quanto a “forma” nos textos
lavrados por Inácio Gomes de Araújo, pois mesmo sem ser de fato Comissário do Santo Ofício,
pelo modo com que conduz o que averigua, parece conhecer bem o regimento. De modo que
pouco tempo depois, em 30 de março de 1787, Joaquim José de Faria “ascende” de familiar
para Comissário do Santo Ofício.

A data acima, 30 de março de 1787, é a mesma em que Felipe Jaime Antônio é


habilitado, porém não para o que pretendia, mas como Notário do Santo Ofício566. Para sua
habilitação, nas averiguações no Pará, é provisionado Joaquim José de Faria, em nove de maio
de 1786, sendo citado como “Juiz de Resíduos e Mestre de Teologia” e em sua ausência, nosso
já conhecido Inácio Gomes de Araújo. Joaquim José é quem faz a recolha dos testemunhos, que
começam em sete de dezembro de 1786. Em seu parecer datado de 10 de dezembro de 1786,
exalta os atributos de Felipe Jaime, como sendo muito digno “dos maiores empregos”. Por tal
fato, podemos dizer, que ainda em processo de habilitação, Joaquim José já estava atuando
como comissário, sendo o averiguador de alguém a quem conhecera antes. Lembremos que os
dois fazem petição inicial em períodos aproximados e são habilitados no mesmo dia, qual então
seria a razão de terem recebido cargos distintos? Uma possível resposta se dá, em nosso
entendimento, pela diferente projeção que ambos tinham no bispado. José Joaquim era membro
do Cabido e da Cúria Diocesana, ao passo que Felipe Jaime exercia a capelania de São José de
Macapá, nesse sentido, possivelmente Joaquim José recebera o cargo mais “elevado” por ter
uma melhor colocação na hierarquia eclesiástica.

Joaquim José de Faria, agora como Comissário do Santo Ofício, ficará responsável
pelas averiguações do pleiteante seguinte, Caetano Lopes da Cunha567. Recebe ordem para
iniciar as diligências em 14 de agosto de 1788, chamando para ser seu escrivão o Pe. Ângelo
Gemaque de Albuquerque, o mesmo que o auxiliara na habilitação de Felipe Jaime Antonio, o
que ilustra um aspecto importante, os comissários, em geral, tinham um escrivão “fixo”.
Caetano é habilitado em 10 de novembro de 1789, mesma data que seu irmão, Romualdo Lopes
da Cunha, é igualmente habilitado como Notário do Santo Ofício568. Nesse sentido, podemos
dizer, temos dois movimentos parecidos, onde duplas (Felipe Jaime e Joaquim José, Caetano e
Romualdo), pedem para habilitar-se como Comissários, sendo habilitados um com o que pedira
e o outro para o cargo “inferior”.

566
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 07, doc. 101).
567
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 09, doc. 122).
568
Habilitação para Notário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 1, doc. 03).
239

Retornemos no tempo e partamos para a atuação do comissário Lourenço Alvares


Roxo, que inicialmente é muito diligente ao atuar no processo de habilitação de João Rodrigues
Pereira, ao já nas “extrajudiciais” arrola onze testemunhas, quando tal quantidade só era
necessária nas “judiciais”569. Além disso, faz um resumo de cada depoimento, o que contrasta
com o que encontramos na habilitação de José Joaquim Henriques de Lima, que protocola sua
petição inicial em 24 de julho de 1767570. Pouco mais de um ano depois, o comissário Antonio
Rodrigues Pereira, irmão de João Rodrigues Pereira, já colhera as “extrajudiciais” de José
Joaquim, arrolando sete testemunhas. Nesse primeiro momento, o comissário faz apenas a
citação aos nomes das testemunhas, seguido de um breve resumo das informações gerais que
encontrara. Fazendo uma comparação, o modus operandi do comissário Lourenço Roxo, ao
colher as “extrajudiciais” que estavam a seu encargo, é muito mais diligente, fazendo um
resumo por testemunha. Esses dois modos de proceder, nos permite pensar que na prática, essas
primeiras averiguações estavam em grande medida nas mãos dos comissários, onde cada um
procedia do modo que lhe convinha, sendo uns mais prolongados e outros mais sucintos.

Retornando ao processo de habilitação de João Rodrigues Pereira, a ordem para o


início das averiguações “judiciais” vem em nome de “Lourenço Alvares Roxo de Potfliz,
chantre da Sé da Cidade de Belém do Grão-Pará, ausente a Caetano Eleutério de Bastos, ambos
comissários do Santo Ofício”. Os dois eram, de fato, os únicos comissários atuantes à altura,
porém, nos chama atenção que Caetano figura como segunda opção, caso Lourenço estivesse
ausente, o que nos leva a crer que não havia uma precedência do comissário mais antigo, que
no caso era Caetano, que fora habilitado um ano antes de Lourenço. A julgar que em outras
ocasiões se é escolhido o comissário mais velho, podemos afirmar que na prática, a escolha era
aparentemente aleatória, não havendo precedência por idade e/ou tempo de serviço. Para ser
seu escrivão nas diligências de João, Lourenço chama o cônego José Brás Pinheiro de Araújo,
seu confrade no cabido do Pará, ilustrando, mais uma vez, a prática por parte de Lourenço de
chamar para ajudá-lo clérigos canonicais. Se por um lado ouve muitas testemunhas
extrajudicialmente, depois arrola apenas cinco, que não informam a ele qualquer óbice para a
habilitação do pleiteante. Lourenço diz em 18 de novembro de 1753, que João é “sacerdote sem
nota no seus procedimentos, vida e costumes, muito capaz de todo o segredo e negócios de
importância”, sendo por fim habilitado em 30 de dezembro de 1755.

569
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 108, doc. 1768).
570
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 123, doc. 2644).
240

Como exemplo mais significativo dos comissários habilitados para o Maranhão, está
decerto o de Felipe Camello de Brito571. Para cuja habilitação, fica encarregado o comissário
João Pedro Gomes. Como o processo é muito interessante, além de muito longo, nos
remeteremos a outros parentes do pleiteante, a título de entendimento de como se dá todo o
processo de habilitação e, em especial, do papel do comissário nesse processo. Nas
averiguações, logo de início, já fica evidenciado um impedimento de sangue. Pois segundo os
fatos narrados pelas testemunhas, os tios de Felipe, Inácio e José Távora, tiveram grande
dificuldade em ordenar-se. O testemunho de Manoel de Castelo Branco põe em relevo a dita
fama, pois “não há pessoa alguma por pequena que seja que não saiba”. O capelão do regimento
de Infantaria de São Luís, Pe. José Moraes Pimenta, acrescenta que José de Távora, sempre que
interpelado se era judeu, afirmava “sim”, “porém sou da tribo de Nossa Senhora”. Segundo
testemunho do Pe. Alexandre Pedro de Abreu, Inácio de Távora, ao ser nomeado pároco da
Freguesia da cidade do Maranhão, o senado da Câmara se interpôs, colocando como condição
para nomeação

Que não sagraria hóstia para se expor as adorações dos fiéis, nem
administraria sacramento algum, senão aquelas pessoas, que de sua livre e
espontânea vontade lho pedissem, e que com esta condição aceitara, para o
que assinou termo nos livros do mesmo senado da Câmara.

O dito depoente vai além, ao citar os embaraços por que passa Theodoro Camello de
Brito nos processos em vista de sua ordenação. Informa que os processos genealógicos de seus
parentes clérigos sumiram da câmara eclesiástica, não sabendo que fim levaram. Antonio
Gomes Pires também faz coro acerca do sumiço dos ditos papéis, segundo ele, ao servir como
vereador um certo Gregório de Andrade, primo e cunhado de Felipe Camello de Brito, “logo
teve consumo aquele termo”. Até aqui vemos dois aspectos interessantes, a “fama” que lhes
caía, os impossibilitava do pleno exercício do sacerdócio; no final das contas, de que vale um
padre que não pode “administrar sacramento algum”? Para além disso, a “fama” era tal, que os
documentos comprobatórios da genealogia “limpa” da família, tinham sumido, o que
certamente acalorava ainda mais as suspeitas e por consequência, reforçava a “fama”.

Os problemas seguem, segundo Pedro Pestana, sargento-mor de ordenanças, em uma


sexta-feira Santa, em cerimônia com assistência do bispo D. Fr. Manuel da Cruz, indo Inácio
de Távora até o altar buscar o Santíssimo Sacramento, foi interposto pelo juiz João Gomes
Pereira e demais membros da irmandade do Santíssimo Sacramento, impedindo-o de “buscar

571
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84).
241

em razão da fama pública que padece de cristãos-novos, e pediram ao dito Exmo. Sr. Bispo que
mandasse outro sacerdote”. Antonio Gomes Pires, almoxarife da fazenda real e familiar do
Santo Ofício, cita que um parente de Felipe Camello de Brito saiu fugido da corte, não sabendo
a razão da fuga. Segundo ele, na habilitação de vita et moribus para ordenação de Theodoro
Camello de Brito, quarenta e seis testemunhas foram unânimes em citar a “cristã-novice” da
família. Porém, diz que por se tratar de uma das famílias “mais opulentas da cidade”, dá a
entender que os possíveis impedimentos poderiam ser resolvidos em face da projeção da família
em questão.

Com o que foi dito, fica evidente as dificuldades de Inácio e José de Távora no
exercício de sua função de clérigos, contudo, se a “fama” era tal, como conseguiram passar no
crivo dos processos na câmara eclesiástica? Fr. João de Deus, religioso carmelita e membro do
Convento de Nossa Sra. do Carmo em São Luís, nos dá uma possível resposta. Segundo ele,
Duarte Rodrigues de Távora, avô materno de Felipe Camello de Brito, logo que chegou a
cidade, se publicou que tinha fama de cristão-novo, e que a fama era tal que “chegaram algumas
pessoas a chamarem-lhe judeu na sua mesma cara”. Duarte é pai, além da mãe de Felipe, dos
já citado Inácio e José de Távora. Fr. João diz que ambos foram ordenados, apesar da fama, em
razão de o bispo D. Fr. Thimóteo do Sacramento dever-lhes favores, de modo que “dizem
algumas pessoas que o tal prelado os ordenara em recompensa de alguns favores que então
recebera deles e de seu pai”. O dito bispo sofrera com muitos problemas dentro de seu bispado,
em especial com o governador Antônio de Albuquerque, que dentre outras coisas mandou soltar
da cadeia pública os presos do juízo eclesiástico, em especial aqueles que incorriam em
concubinato572. Daí, talvez, a assistência prestada por Duarte de Távora, em tempos penosos
por que passara o bispo. Ressalta-se que o bispo não só ordena os ditos padres, mas os coloca
em cargos de projeção dentro do bispado, Inácio Rodrigues Távora, fora nomeado como
governador do bispado na ausência do prelado.

A ordenação de José e Inácio de Távora abre uma brecha por onde seus sobrinhos,
João, Inácio e Felipe Camello de Brito passam. É interessante que não obstante o impedimento,
muitos membros da família irão ordenar-se. Outro embaraço acontece quando da ordenação de
Theodoro Camello de Brito, o último dos filhos de João Camello de Brito. Em razão do
impedimento, recorre-se a Cúria Patriarcal de Lisboa, de onde o Maranhão era sufragâneo, para

572
LONDOÑO, Fernando Torres. A outra família: Concubinato, Igreja e escândalo na Colônia. São Paulo: Edições
Loyola, 1999, p. 78.
242

provar a limpeza de sangue de Theodoro. Segundo a sentença573, Theodoro por seus “inimigos
foi falsamente infamado de ser de infecta nação”. Essa tese vai se sustentando via citação de
testemunhas, de modo a provar que a família materna do habilitando fora sempre cristã-velha,
citando inclusive os “papéis sumidos”, acerca das sentenças de genere quando foram ordenar-
se Inácio e José de Távora, confirmadas pelo bispo do Maranhão D. Fr. Thimóteo do
Sacramento.

Em meio a esta fama, Felipe busca aquilo que possivelmente daria a ele e sua família a
“prova inconteste” de serem “cristãos-velhos” - a habilitação como agente do Santo Ofício. Entra
com pedido para se tornar comissário em 1764, aproveitando a habilitação de seu irmão Inácio
Camello Britto que, anos antes, também entrara com pedido para a mesma função, mas morrera
antes de receber deferimento574. Durante o processo, o “fantasma” de cristão-novo volta à tona,
segundo o Pe. José Teles Vidigal, clérigo secular do bispado do Maranhão:

Pela parte dos avós maternos padeceu o habilitando infâmia de cristão-novo e


não obstante seja sacerdote e ter parentes de muitos anos também sacerdotes,
pretendendo se ordenar o Cônego Theodoro Camello seu irmão lhe saíram
com impedimento de cristão-novo de cujo impedimento se purgaram na
relação e cúria Patriarcal e alcançaram sentença ao seu favor.

A testemunha, além de citar que o habilitando possui parentes clérigos, diz que
Theodoro, irmão de Felipe, purgou seu impedimento “na relação e Cúria Patriarcal” de Lisboa.
Como já dissemos, o bispado do Maranhão era sufragâneo do Patriarcado de Lisboa, ainda que
tivesse certa ligação com a província eclesiástica do Brasil, os casos de dispensa para ordens
deveriam ser lá julgados.

573
Sentença da Limpeza de Sangue proferida por acordam na relação eclesiástica e Cúria Patriarcal da Cidade de
Lisboa a 18 de abril de 1744. (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 6, doc. 84).
574
Inácio Camello de Brito entrou com o pedido em 6 de maio de 1763.
243

Imagem 6: Capa da Sentença de Limpeza de Sangue

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Comissário do Santo Ofício, mç. 6, doc. 84.

Em outro depoimento, colhido em 14 de junho de 1766, Antonio Gomes Pires cita que
um ascendente da família de Felipe Camello, de nome Pedro de Távora, tinha feito uso do “sinal
com que se costumam assinalar os Judeus no auto de fé”, fugindo por Pernambuco até chegar
em São Luís. José Vivardo, clérigo de ordens menores, cita ainda um outro possível
impedimento sobre a família. Segundo ele, um Manuel de Andrade Afonseca, parente de
Brigida de Andrade, avó materna de Felipe Camello, fora preso na cidade de Belém do Pará,
onde “chegou a blasfemar contra Deus e seus santos por cujo motivo lhe puseram uma mordaça
na boca e assim mandaram correr as ruas daquela cidade”. Além de citar a recorrente “fama de
cristã-novice”, diz que muitos daqueles que espalhavam tal fama, dada a opulência da família,
eram castigados, como foi o caso do Pe. José Geraldes Meireles, preso na fortaleza da Barra e
depois fugido para Pernambuco. Logo, aqui se acrescente, além do impedimento de “sangue”,
244

o fato de Felipe Camello ter tido parentes penitenciados pelo Santo Ofício, o que o tornaria
duplamente impossibilitado.

Contudo, em um longo processo, o comissário João Pedro Gomes conclui com o


seguinte parecer:

É público e notório nesta mesma cidade, e seus distritos que ele pela parte de
sua mãe chamada Leonor de Távora, e avós maternos ... é tido por descendente
de hebreus e com tanto excesso afirmam os moradores destas partes, que mais
parecem exagerações que realidades, por ser certo que tudo o que sobre esta
matéria dizem é sem fundamento pois nunca dão a razão do seu dito e nem
dizem donde procedeu tal fama575.

O primeiro ponto a ser ressaltado é a citação por parte do comissário que o “sangue
hebreu” da família de Felipe é “público e notório”, pois com “excesso afirmam os moradores
destas partes”. Essa não é uma citação ao acaso, o Regimento do Santo Ofício prescrevia que
as testemunhas fossem “mais antigas e fidedignas, cristãs velhas de limpo sangue”. A
preferência por testemunhas de idade avançada pode ser entendida sob duas vias; a primeira
que pessoas mais velhas tinham maior probabilidade de terem conhecimento do habilitando e
seus ascendentes; além de sua idade ser fator de confiabilidade. Ao começar qualificando as
testemunhas, João Pedro Gomes dá a entender que estava conduzindo as averiguações de acordo
com os ditames do Santo Ofício, por outro lado, muda de rumo ao justificar que “mais parecem
exagerações que realidades por ser certo que tudo o que sobre esta matéria dizem é sem
fundamento pois nunca dão a razão de seu dito, e nem dizem donde procedeu tal fama”. Daqui
vemos o papel central do agente ao compilar as informações colhidas nos depoimentos, é de se
pensar que um possível impedimento poderia ser enaltecido, caso o habilitando fosse um
desafeto, ou abrandado caso o habilitando fosse um conhecido. Para entendermos a razão de
João Pedro Gomes abrandar a unanimidade das testemunhas, temos que refletir acerca da
relação travada entre os dois.
Contemporâneos no bispado do Maranhão, Felipe Camello de Brito e João Pedro
Gomes foram membros do cabido da Sé do Maranhão. O primeiro recebe o canonicato em 24
de maio de 1752, com a dignidade de mestre escola576; enquanto o segundo recebe a função de
secretário em 09 de junho de 1761. Enquanto Felipe Camello de Brito passa quase todo o
período de serviço ao cabido na mesma função; João Pedro Gomes exerce a primeira função

575
ANTT, TSO, CG, Habilitação para Comissário do Santo Ofício, mç. 6, doc. 84.
576
APEM, Arquivo da Arquidiocese do Maranhão, Autos da Câmara Eclesiástica. Livro de Registros das
provisões, alvarás e todos os demais documentos da cúria, Lv. 189.
245

para que fora nomeado até 11 de junho de 1767, quando é nomeado prioste das benesses577; em
08 de junho de 1768 retorna para função de secretário e em 30 de maio de 1774 é novamente
eleito para a função de prioste das benesses, função que exerce até ser eleito contador do cabido
em 06 de junho de 1777, ficando nesta função até 01 de junho de 1808, quando resigna mesmo
tendo sido reeleito. Estas várias atribuições que João Pedro Gomes exerce no âmbito do cabido
do Maranhão são eletivas, daí a razão de toda esta alternância, ao passo que a dignidade de
mestre escola é uma nomeação, não comportando alternância. Além do trato no cabido, ambos
exerceram funções no Juízo eclesiástico, Felipe Camelo de Brito como vigário-geral e João
Pedro Gomes como secretário578.
Neste sentido, Felipe e João eram contemporâneos no bispado do Maranhão, sendo
membros tanto do cabido diocesano quanto do juízo eclesiástico, logo, podemos dizer que a
proximidade entre eles justificaria o fato de João Pedro Gomes ter abrandado os impedimentos.
Essa “abrandamento” parece ter convencido os deputados em Lisboa, pois em despacho final,
datado de 11 de abril de 1768, se diz que a “fama” era obra dos “inimigos desta família, macula-
la sem que para isso tivessem fundamento”. Por fim, o Pe. Felipe Camello de Brito é habilitado
em 15 de abril de 1768579, recebendo o que “era uma espécie de seperatestado de limpeza de
sangue”580. A família que durante anos ficara a frente de cargos importantes do bispado
conseguira finalmente um atestado que declarava a pureza de seu sangue581, sendo o Santo
Ofício, a instituição usada para este fim582. O agora “não mais” cristão-novo passava a ser
membro do Santo Ofício, exercendo a função de Comissário, tendo sido muito ajudado para
isso por seu confrade, João Pedro Gomes. Até aqui temos visto como os agentes atuam,
investidos de suas funções, nos processos de averiguação da genealogia dos pretendentes ao
serviço ao Santo Ofício. Antes e/ou depois de serem habilitados, também, eventualmente,
aparecem como testemunhas, vejamos essas relações agora.

577
Cônego a quem cabia o zelo pelos objetos litúrgicos (cálices, âmbulas, ostensórios, pálios, umbelas) e
paramentos litúrgicos (alfaias, casulas, alvas, estolas) pertencentes ao cabido da diocese.
578
Carta (AHU, CU, CM, doc. 4247, 1769).
579
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 6, doc. 84).
580
SARAIVA, António José. Inquisição..., 1969, p. 201.
581
Registre-se que este não é um caso isolado, até nas altas esferas da Casa Real, conforme demonstra Maria Paula
Marçal Lourenço, suspeitos de “cristã-novice” eram habilitados para cargos do Santo Ofício. LOURENÇO, Maria
Paula Marçal. Nobilitados entre cristãos-novos e Familiares do Santo Ofício: o exemplo das casas da família real.
In: Rainhas no Portugal Moderno: casa, corte e património. Lisboa: Edições Colibri, 2012, p. 99-123.
582
Sobre a manipulação dos estatutos de limpeza de sangue de instituições do Antigo Regime português, ver:
MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco Colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
246

Testemunhas nas Habilitações


A primeira situação onde um agente habitado aparece testemunhando na de outro,
acontece com o primeiro comissário habilitado que temos analisado, o frade Diogo da Trindade.
Diogo é encarregado de realizar as diligências da habilitação de João Rodrigues Leite, que
fizera seu pedido em seis de abril de 1734583. Em 10 de dezembro do mesmo ano, em Belém, o
comissário diz ter ouvido nas “extrajudiciais” sete testemunhas, dentre elas, nos chama atenção
o seguinte depoimento:
Eu só há quatro anos para cá, conheço João Rodrigues Leite, a quem tenho
tratado muitas vezes e o observado as ações, movimentos e inclinações, acho
ser de bons costumes e verdadeiro, porque sendo (...) das minhas missões, e
vendo todas as contas que este homem tinha com os meus missionários, achei
a ele muito reto em contas, e muito capaz de dar conta de qualquer coisa que
se lhe encarregar.

Conforme o uso da primeira pessoa nos permite perceber, a testemunha que aparece
por entre as outras é na verdade o comissário Diogo da Trindade, que aqui toma o papel de
“inquiridor e inquirido”. Inicialmente pensamos se tratar do habitual parecer que se escreve
após a recolha dos testemunhos, contudo, nessas ocasiões o agente se restringe a confirmar as
informações fornecidas pelas testemunhas e qualificá-las. Aqui, por outro lado, Diogo forneceu
novas informações, dando sua visão “pessoal” sobre o pleiteante. A parte de seu testemunho
que transcrevemos, revela que o trato entre eles era presente, ou melhor, que o trato não se
restringia a pessoa do comissário, mas a outros membros de sua ordem. De fato, pelos outros
testemunhos elencados, muitos deles de “frades religiosos das Mercês”, se informa que o
habilitando mora “defronte” do Convento da Ordem, travando com a comunidade relações de
comércio. Logo, podemos perceber, que o comissário, pelo trato que tinha com o habilitando,
se sente no direito de dar também ele seu parecer “pessoal”, reforçando que era “muito capaz
de dar conta de qualquer coisa que se lhe encarregar”.
Na habilitação de Joaquim Rodrigues Leitão, o familiar José Salvado Sanches depõe
por duas vezes584. A primeira, por ocasião das averiguações “extrajudiciais”, onde o comissário
fez apenas a citação de tê-lo ouvido, sem precisar o que dissera acerca do pleiteante; na segunda,
é quinta testemunha a depor em Belém, no dia 22 de setembro de 1742. A altura, diz ter
“quarenta e quatro anos, pouco mais ou menos”, e dentre as informações que fornece, informa
que o habilitando chegara “nesta cidade há oito anos a esta parte e há dois anos ser seu vizinho

583
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 69, doc. 1287).
584
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 03, doc. 29).
247

de paredes meias”. Por essas palavras, além de evidenciar a relação de vizinhança, aspecto
muito presente nos testemunhos, remete ao período que o habilitando chegara ao Pará,
informando ainda o tempo que o tinha como “vizinho de paredes meias”. Dessa citação, dois
aspectos a serem ressaltados, o primeiro é que essa informação do tempo que chegara ao Pará
é um adicional, pois nos formulários não há indagação nesse sentido, ainda que com certa
frequência apareça nos testemunhos; o segundo diz respeito a própria citação a essas
informações, que ditas em bloco, razão do conhecimento e ter conhecimento do tempo que o
habilitando chegara, visam reforçar que o depoente fala por “ver e ouvir”. Esse último é um
aspecto interessante, pois na mesma habilitação, em parecer dado pelo comissário, este informa
que não conhece o pleiteante, sabendo dele apenas por “ouvir”. Logo, aqueles testemunhos
onde o inquirido mostrava maior conhecimento acerca da vida e procedimentos do habilitando,
eram melhor aproveitados pelo comissário encarregado das diligências e causavam maior
“efeito de verdade” ao chegaram à “Mesa” do Conselho Geral.
Esses agentes habilitados, sempre que depunham, vinha logo registrado, seguido aos
seus nomes, o qualificativo de serem “familiares do Santo Ofício”. A ausência disso nos
chamou atenção no depoimento que presta João Henriques na habilitação de José Joaquim
Henriques de Lima585. A ausência desse qualificativo sempre presente nos fez pensar que se
trava de um homônimo, contudo, aos confrontarmos as informações colhida em 22 de dezembro
de 1769, vimos que esse João era “natural do reino da Galiza, Bispado de Orense, Freguesia de
S. Maria”, o que bate perfeitamente com a informações que temos do familiar João Henriques,
logo, se trata da mesma pessoa. Nesse sentido, se o depoimento fora colhido em dezembro de
1769, altura em que o inquirido já tinha oito anos de habilitado, qual a razão de não aparecer o
qualificativo? Essa pergunta não conseguimos precisar a resposta, pensamos talvez existir entre
eles algum parentesco, o que João Henriques nega ao final de seu testemunho. Ao fim e ao
cabo, em seu testemunho não levanta nada que comprometa a habilitação de José Joaquim, que
vem a ser habilitado pouco menos de um ano depois.
Na habilitação de Bento Pires Machado, que inicialmente está sob os cuidados do
comissário João Rodrigues Pereira e depois passa para as mãos de Caetano Eleutério de Bastos,
nas “extrajudiciais” colhidas por este último, informa que para “satisfazer o que me ordenaram,
me informei do familiar Joaquim Rodrigues Leitão e Felipe dos Santos”586. Logo, das seis
pessoas que ouve inicialmente, duas são familiares do Santo Ofício. O primeiro comissário
ouvirá Felipe dos Santos, que em 21 de maio de 1764, diz que mais que conhecer ao habilitando,

585
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 123, doc. 2644).
586
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202).
248

conhecia o sogro deste, Manoel de Góes, que fora familiar do Santo Ofício. Ao fornecer essa
informação, reforça um aspecto importante no processo de habilitação, que é o de ter parentes
já habilitados, no caso, o pai de sua esposa, Catarina Maria de Góes, que passa pelo processo
de habilitação junto ao esposo. Aos 23 dias do mesmo mês e ano, por sua vez, ouve o
depoimento de Joaquim Rodrigues Leitão, de início, o comissário João Rodrigues Pereira
esquece de qualificá-lo como familiar do Santo Ofício, ao que depois, faz um conserto no texto.
O mesmo comissário João não cita Felipe dos Santos como familiar, lembremos da não citação
de João Henriques na habilitação de José Joaquim Henriques de Lima, a que nos referimos no
parágrafo anterior; tendo em vista esses fatos, podemos afirmar que na verdade, o comissário
João fazia pouco caso em fazer tais registros, ainda que fosse aspecto importantíssimo na
qualificação das testemunhas. Das cinco testemunhas ouvidas nas “judiciais”, únicas que se
repetem em relação às “extrajudiciais” são os citados familiares.
Joaquim Rodrigues Leitão também depõe na habilitação para comissário de Felipe
Joaquim Rodrigues, seu testemunho é proferido diante do “Reverendo Doutor Pedro Barbosa
Canaes, provisor e vigário geral deste bispado (Pará)”587. Ao referenciar a razão de conhecer o
habilitando, diz que “o tem visto celebrar e ministrar nas coisas tocantes a dita dignidade, outro
sim sabe que ele vive limpa e abastadamente, com tratamento decente ao seu estado”.
Lembremos que Felipe Joaquim Rodrigues era mestre escola do Cabido da Sé, sendo um dos
responsáveis pela assiduidade dos demais capitulares nas cerimônias do cabido, logo, a
testemunha ao afirmar que “o tem visto celebrar”, ilustrar que o habilitando, ao menos
aparentemente, estava cumprindo suas obrigações enquanto capitular.
Na cidade de São Luís, em 14 de junho de 1766, diante do comissário João Pedro
Gomes, o familiar Antonio Gomes Pires fornece um interessante depoimento acerca do
habilitando a comissário Felipe Camello de Brito588. No item 8° do interrogatório, afirma que:
Alcançando ser familiar do Santo Ofício, e desejando saber donde procedia
esta fama que o habilitando e seus ascendentes tinham, lhe mostraram huma
justificação de um impedimento com que saíram quando se quis ordenar hum
irmão do mesmo.

Em seu depoimento, a testemunha traz à tona o impedimento que pairava sobre a


família do habilitando, citado de modo unânime nos demais testemunhos e fato por nós já
explicitado. Segundo informa, sabia da dita fama há muito tempo, contudo, ao ser habilitado
como familiar do Santo Ofício em 26 de maio de 1756, quis saber maiores detalhes sobre o

587
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 78).
588
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84)
249

fato. De nosso repertório de familiares, Antonio vem a ser o primeiro habilitado para o
Maranhão, esta citação de que “alcançando ser familiar”, se debruçou sobre o “impedimento”
de Felipe, parece ser uma autopromoção, como que dando satisfação de que após ser habilitado,
estava atento aquilo que era matéria do Santo Ofício. Antonio é uma das testemunhas que julga
que o pleiteante “não é capaz de servir ao Santo Ofício no cargo de comissário, nem ser
encarregado de negócios de importância e segredo do mesmo Santo Tribunal”, sendo
solenemente ignorado pelo seu superior, comissário João Pedro Gomes, que ao final das
inquirições desqualifica os depoimentos e recomenda a habilitação de Felipe Camello de Brito,
o que de fato se efetiva.
Felipe Joaquim Rodrigues vem a ser o comissário responsável pela habilitação para
familiar de Joaquim José de Faria, que depois virá a ser também comissário. Diante dele, depõe,
em oito de outubro de 1772, o há mais de trinta e quatro anos familiar do Santo Ofício, Elias
Caetano de Matos. Logo de início, ao ser perguntado se conhecia o habilitando, informa que
“Joaquim José de Faria vive debaixo do pátrio poder, e que é natural desta cidade (Belém), e
morador na mesma, que agora tem versado seus estudos com grande fama de bom estudante”.
O depoente ressalta dois pontos importantes, o primeiro que Joaquim José era mantido com as
posses que possuía sua família; o segundo era estar estudando, como de fato também afirmam
outras testemunhas. Elias Caetano não entra nos detalhes do “estudo”, contudo, sabemos que já
a altura, o habilitando estava estudando no Seminário, para ingresso na carreira sacerdotal,
aspecto que o habilita para depois ascender na hierarquia inquisitorial.
Se por um lado no parágrafo anterior encontramos informações de um habilitando que
entrara na carreira eclesiástica, por outro, temos o exemplo de Gaspar Alvares Bandeira, que
ao depor na habilitação para Comissário de Custódio Alvares Roxo, é referenciado como
“clérigo de prima tonsura”589. Seu depoimento é colhido aos três de dezembro de 1763, na Igreja
de Nossa Sra. da Saúde em Lisboa, cidade onde estava morando na companhia de seu tio.
Contudo, depois vem a deixar o estado eclesiástico, vindo a casar com Mariana Úrsula Inácia
de Moura, em 31 de outubro de 1786.
Esse é o caso do notário Felipe Jaime Antonio, que já habilitado testemunhou na
habilitação do negociante Mateus Gonçalves da Torre. O depoimento fora tomado em 14 de
janeiro de 1802, pelo notário João Pedro Borges de Góes. Na ocasião, o depoente diz ter 55
anos e conhece o habilitando Mateus Gonçalves da Torre “há dez anos”, “por este ser seu
vizinho”. Por fim declara ser o habilitando “de boa vida procedimentos e costumes e capaz de

589
Habilitação para Comissário do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mç. 04, doc. 51)
250

ser encarregado de negócios de importância e de segredo e de servir ao Santo Ofício no cargo


de familiar”590.
Deste testemunho, há muitos aspectos para pensarmos. O primeiro deles diz respeito a
estratégia utilizada pelo Santo Ofício para ter acesso às informações necessárias para avaliar se
aquele candidato era apto ou não ao serviço ao Santo Ofício. A citação ao “ser vizinho”,
“conhece de vizinhança”, “terem trato desde a meninice”, é muito recorrente nos testemunhos
colhidos, evidenciando que os vínculos de vizinhança eram o principal escopo na procura dos
depoentes. Podemos entender o ser “vizinho”, primeiramente, como os vínculos estabelecidos
no trato diário. Lembremos que essa era uma sociedade predominantemente rural, onde os
espaços público e privado se confundiam, significando ser testemunha das práticas, dos hábitos
e do comportamento daquele sobre o qual se está depondo591. Mas também, é um estatuto social,
onde aquele que estabelece uma relação de “vizinhança”, é também um igual na hierarquia da
sociedade592. O outro aspecto relacionado ao testemunho do notário Felipe Jaime Antônio, é o
fato dele ter sido colhido por um seu igual na hierarquia do Santo Ofício. Registre-se que Felipe
Jaime era habilitado há mais tempo que João Pedro, para ser exato, seis anos antes, logo, mais
uma vez, vemos que não há precedência quanto à antiguidade, para se atribuir diligências a um
agente.
O citado João Pedro Borges de Góes, testemunha na habilitação do negociante
Feliciano José Gonçalves. O habilitando era natural de Lisboa e morador do Pará há pelo menos
vinte anos. Na habilitação, as averiguações no Pará são feitas pelo notário Felipe Jaime Antônio.
Por outro lado, nos chama atenção que o depoimento de João Pedro Borges de Góes, é colhido
no Paroquial Igreja de Santa Catariana do Monte Sinai em Lisboa, aos dois de janeiro de 1790.
Na ocasião, João Pedro Borges de Góes ainda não estava habilitado como notário, declarando
ter idade de 40 anos e ser “natural da freguesia de Santana da Campina da cidade do Pará e
morador na calçada de Santana, freguesia de Nossa Senhora da Pena”. Diz conhecer o
habilitando e sua esposa, Maria Rosa, dando fé de seus bons costumes e considerando-o digno
e apto a servir ao Santo Ofício como familiar593. Este fato, mais uma vez confirma a mobilidade
de João Pedro, pois este clérigo, sendo natural do Pará fora para o reino para viver junto ao seu

590
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, m. 5, doc. 77)
591
José Andrés – Gallego chama atenção para a relação entre “vizinhança e medo”, o morar perto, significava
também ter sempre um vigia à espreita, a julgar as ações feitas na “intimidade” e possivelmente torná-las públicas.
ANDRÉS – GALLEGO, José. História da gente pouco importante: América e Europa até 1789. Lisboa: Editorial
Estampa, 1993, p. 32-34.
592
SANTOS, Beatriz Catão Cruz & FERREIRA, Bernardo Ferreira. Cidadão – Vizinho , Ler História, 55, 2008,
p. 35-48.
593
Habilitação para Familiar do Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, HSO, mc. 02, doc. 27)
251

irmão João Borges de Góes, formado em medicina pela Universidade de Coimbra e médico594
do Convento de Santo Antônio e dos cárceres da Inquisição em Lisboa595.

4. 2 – Denúncias e Processos

Conforme já vimos, um dos aspectos fundamentais que dava razão à habilitação de


agentes, era o controle da ortodoxia da fé nos lugares para que se estava habilitado. Nesse
sentido, veremos agora como em colaboração com outros indivíduos, o Santo Ofício se fazia
sentir no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Convém lembrar que a máquina punitiva da
Inquisição não é especificamente nossa matéria de estudo, portanto, não analisaremos amiúde
o perfil das denúncias e processados, mas como na prática, se dava a atuação/não atuação dos
agentes habilitados. De tudo o que já dissemos, se ressalta a estreita colaboração entre a
burocracia inquisitorial e eclesiástica, união que por vezes confunde as duas instâncias. Esta
colaboração pode ter como principal incentivo o fato de as distâncias no Estado do Grão-Pará
e Maranhão serem enormes; e somente vencidas com dias de viagem, fazendo com que as redes
de agentes habilitados não dessem conta da enorme distância. A exemplo da atribuição a
indivíduos não habilitados quando das habilitações, os agentes inquisitoriais investiam outros
eclesiásticos a fim de tomarem os depoimentos das testemunhas, fazendo com que os braços da
instituição se fizessem presentes para além de seus agentes habilitados. A bem da verdade, a
delegação de poderes era um elemento comum do Santo Ofício e razão dele se espraiar para os
mais recônditos lugares, pois quando não era possível ter agentes habilitados, ou quando estes
não eram suficientes, se recorria a outros clérigos.

A atuação de Caetano Eleutério de Bastos, quando do processo contra Francisco


Pontes, acusado de bigamia, evidencia bem esses estreitos laços entre os seculares e regulares.
O réu fora acusado pelo Frei Miguel da Vitória em 15 de agosto de 1757596. As coisas teriam
se sucedido do seguinte modo:

Francisco de Pontes, sendo legitimamente casado na cidade de São Luís do


Maranhão com Florência da Silva Barbosa, filha de Francisco da Silva
Barbosa, e de Anna de Sampaio, se ausentou com a dita sua mulher para a
Vila de Cametá do Bispado do Pará, e a deixou ficar em casa de João Furtado
de Mendonça e se passou para Pernambuco. E porque convém ao serviço de

594
Os médicos eram responsáveis pela saúde dos réus e por atestados deliberativos de comutação das penas, isto
é, pela substituição de uma sanção por outra menos grave. Sobre as estratégias de médicos no serviço a Inquisição
Portuguesa, ver: SANTOS, Georgina Silva dos. Artes e manhas: estratégias de ascensão social de barbeiros,
cirurgiões e médicos da inquisição portuguesa (séculos XVI-XVIII) In: Raízes do privilégio: Mobilidade social no
mundo Ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 259-281.
595
Requerimento do Doutor João Borges de Góes (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 69, n.º 15)
596
Processo de Francisco de Pontes (ANTT, TSO, IL, proc. 08649).
252

Deus Nosso Senhor, e bem da justiça do Santo Ofício, constar se ainda é viva
a dita Florência da Silva Barbosa, ou se já é falecida, e em que dia, mês e ano
faleceu.

Notamos acima, que num primeiro momento não se levanta de fato a bigamia de
Francisco Pontes, pois não se faz menção ao seu segundo “casamento”. O trecho refere apenas
que o réu teria abandonado sua esposa, razão pela qual, o Tribunal de Lisboa solicita que na
vila de Cametá, se faça a devassa em vista de saber se a mesma ainda estava viva. Para fazê-lo,
é provisionado o comissário Caetano Eleutério de Bastos, que caso estivesse ausente, deveria
ser encarregado o comissário João Rodrigues Pereira. A exemplo do que acontecia nas
averiguações para habilitação, o comissário deveria associar a si um outro clérigo “cristão velho
de boa vida e costumes”, para ser o escrivão. Após a escolha do escrivão, cabia escolher as
testemunhas, “quatro ou cinco testemunhas, pessoas cristãs velhas, leais e fidedignas”, que
depois de escolhidas, eram convocadas para comparecerem perante os dois, respondendo
perguntas no seguinte teor:

1. Se sabe a razão para que fora chamado;


2. Se conhecera a esposa do réu;
3. Se o que testemunhara era verdade.

O pedido de início das averiguações na vila de Cametá no Pará saíra de Lisboa em três
de março de 1758. Em 15 de novembro do mesmo ano, se dá início as averiguações. A primeira
testemunha ouvida é João Furtado de Mendonça, dono da casa onde ficou Florência da Silva
Barbosa após seu marido passar para Pernambuco. O modo de registrar as respostas não segue
muito a “forma” do Santo Ofício, pois são muito curtas e o escrivão não se ateu a registrar
detalhes. Do que foi registrado, se destaque o trecho onde o escrivão registrar o 2° item do
interrogatório

E perguntado a ele testemunha se sabia que a dita Florência da Silva Barbosa


era casada com Francisco de Pontes, respondeu: que sim; e perguntado a razão
porque o sabia respondeu: por ter vivido com ela no seu engenho aonde a
deixou.

Por essas palavras, a testemunha reforça o que fora denunciado, isto é, que o marido
abandonara a esposa; contudo, não fica claro em seu interrogatório se Florência estava viva,
pois caso já fosse falecida, não configuraria o crime que se imputava a Francisco. O escrivão,
as registrar esse primeiro interrogatório, o faz no passado, usando o verbo “conhecera”, o que
nos permitiria entrever que talvez estivesse falecida. Nesse dia 15 de novembro, apenas João é
ouvido. Três dias depois, em 18 de dezembro, ao registrar o depoimento de Joaquim da Veiga
253

Tenório, genro de João, o escrivão usa o verbo no presente, atestando, em certa medida, que já
detectara que Florência estava viva. De fato, no depoimento seguinte, há a prova contundente
de que de fato estava viva, pois a própria Florência é arguida. Ao todo são ouvidas cinco
testemunhas, que de modo unânime constatam que a primeira esposa de Francisco de Pontes
estava viva e que fora deixada por ele na vila de Cametá.

Vimos há pouco, que o modo de registro dos testemunhos não seguia muito a “forma”
do Santo Ofício, acontece na verdade, que o comissário não fez o que lhe competia, atribuindo
a outros sua função. Em 11 de fevereiro de 1759, portanto quase um ano após o pedido, o
comissário Caetano Eleutério de Bastos manda junto aos depoimentos recolhidos, uma carta
justificando a razão de não ter sido ele mesmo a fazê-lo. Onde diz:

Ficando a dita vila (Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá) distante desta
cidade por mar, por se não comunicar por terra, e ser preciso embarcação de
remos com equipagem de servos, por não haver barqueiros, nem embarcações
de fretar, em viagem de oito ou mais dias, para dar expedição das ordens de
V. SSas. Rvms. e a brevidade que são servidos dei comissão ao Rdo. Vigário
da Vara e Igreja que o fizesse na forma de Ordens e Interrogatórios.

No texto acima, ressaltemos a justificativa usada pelo comissário, que segue, quase
ipsis litteris, a que usará na habilitação de José Rodrigues, ao dar comissão ao vigário da vara
de Vigia. Vemos aqui dois movimentos, que pela recorrência, parecem ser prática: 1. Justificar
em razão da distância o não cumprimento da ordem a ser executada, 2. Delegação de outros
clérigos não habilitados, notadamente aqueles com função judicial na burocracia dos bispados
(vigário geral, vigário da vara). Para tanto, Caetano Eleutério de Bastos deu comissão ao vigário
da vara de Cametá, Pe. Manoel Eugênio da Cruz, que associa a si, “pela falta de sacerdotes
clericais”, “os religiosos de Nossa Sra. das Mercês”. Em tudo o que dissemos, aqui se evidencia
mais uma vez a colaboração de clérigos regulares e seculares no exercício das atividades
inquisitoriais, sendo estes clérigos por vezes denunciantes (Fr. Miguel da Vitória); por vezes
canal entre os denunciantes e os agentes habilitados; e ainda sendo acionados para fazerem
alguma diligência específica (Pe. Manoel Eugênio da Cruz, Fr. José de Miranda, Fr. João
Marcelo da Silva). Para além disso, é interessante notar, que antes de cada interrogatório, os
“comissionados” fazem menção que aquilo que estavam fazendo, o faziam “por comissão do
R. Comissário Pe. Caetano Eleutério de Bastos”. Se pensarmos apenas pela lógica do
regimento, não era papel do comissário comissionar outras pessoas para fazerem o que lhe
competia, porém, na prática, era algo de grande recorrência. Os “comissionados”, ao fazerem
inúmeras vezes a menção de que agiam em nome do comissário, mostram como aos olhos mais
254

imediatos, era de fato a este que o poder inquisitorial recaia, sem, porém, caber exatamente a
ele a atuação efetiva. Podemos dizer assim, que o comissário, além de exercer a comissaria do
Santo Ofício, comissionava a outros, quando estava impossibilitado.

Continuando no processo movido contra Francisco de Pontes, as diligências no


Maranhão são atribuídas ao “vigário geral do Bispado do Maranhão, ausente a quem em cargo
servir”. Sabemos que a altura, final da década de 50 do século XVIII, não havia nenhum
comissário habilitado, posto que o primeiro, segundo nosso levantamento, é João Pedro Gomes,
habilitado em 11 de fevereiro de 1763. Logo, a ordem saída de Lisboa, já prove o vigário geral
como responsável pelas averiguações, ilustrando que essa era a primeira opção, na falta de
agentes habilitados. Se descreve a razão das averiguações, pois:

Nesta mesa chegara a informação que Francisco de Pontes, filho de João de


Pontes e de Domingas dos Santos, natural da Cidade de São Luís do
Maranhão, sendo ali seguramente casado, em face da Igreja, com Florência da
Silva Barbosa, filha de Francisco da Silva Barbosa, e de Ana de Sampaio, na
Freguesia da Sé da dita cidade aos 23 de agosto de 1728, ausentou-se para a
vila de Cametá do Bispado do Pará, ali deixou ficar a dita sua mulher, em casa
de João Furtado de Mendonça e se passou para Pernambuco, aonde sendo viva
ainda a dia sua primeira mulher, se casou segunda vez com Antonia Maria
Taveira, filha de Antonio Pinto e de Joana Taveira, natura da Freguesia de
Nossa Senhora do Ó, Bispado de Pernambuco no ano de 1750 e se diz que ele
de presente assiste na Capitania do Ceará.

Daqui, vemos uma informação a mais, além das que já tínhamos, pois se registra o
segundo casamento de Francisco, razão pela qual, estava sendo acusado. O rol das perguntas
feitas as testemunhas, segue o seguinte, quanto ao teor:

1. Se sabe a razão para que fora chamado;


2. Se conhece o acusado;
3. Se conhece a primeira esposa do acusado;
4. Se o acusado e sua primeira esposa foram de fato casados;
5. Se conhece a segunda esposa do acusado;
6. Se sabe que o acusado, sendo casado, casou-se uma segunda vez (estando sua
primeira esposa ainda viva);
7. Se o que testemunhara era verdade.

As diligências foram feitas por João Rodrigues Covette, que a época servia como
vigário geral do Bispado do Maranhão. Ao tomar nota, o escrivão encarregado, Côn. Francisco
255

Matabosque, registra Covette como “Juiz Comissário”, expressão que entendemos ser como
que um misto da dupla condição do arguidor, pois fora investido da comissão pelo Santo Ofício,
na qualidade de vigário geral, que como já dissemos, era o “juiz” do Tribunal Episcopal. Logo,
ao referi-lo como “juiz comissário”, talvez seja o modo de designá-lo como Juiz (do Juízo
Eclesiástico) e Comissário (comissionado pelo Santo Ofício), e também diferenciá-lo de um
agente formalmente habilitado. Para além disso, antes dos testemunhos, o escrivão registra João
Rodrigues Covette como “comissário desta diligência”, isto é, que exercia a função em caráter
específico, pois a ordem por parte da “Mesa” fora direcionada para a diligência específica. No
quadro geral, ao contrário dos interrogatórios colhidos no Pará, estes seguem em tudo a forma
do Santo Ofício, separando bem as respostas e registrando detalhes proferidos pelas
testemunhas. Não deixa de chamar atenção o contraste entre esses modos de registro, os do Pará
e do Maranhão, para entendermos a possível razão disso, convém pensar em quem faz a recolha
dos testemunhos e os registra. Lembremos que no Pará a responsabilidade recaí sobre o vigário
da Vara de Cametá, que é coadjuvado por frades mercedários; no Maranhão, ao vigário geral
que é ajudado por um membro do Cabido Diocesano. Logo, podemos dizer, pelas pessoas que
o fazem e pelo lugar em que são colhidos e registrados, era de fato mais costumeiro ao vigário
geral o trato com esse tipo de documento, o que se converte em uma melhor forma de registro.
As cinco testemunhas ouvidas afirmam o que já se sabia, que de fato o acusado era casado e
contraíra matrimônio uma segunda vez, estando sua primeira esposa ainda viva, o que
configurava o crime de bigamia. O processo segue, de modo que para as averiguações na
Freguesia de Nossa Senhora do Ó, Bispado de Olinda, é provisionado o comissário do Santo
Ofício Antonio Nunes Guerra. As perguntas seguem o mesmo formulário aplicado ao Maranhão
e a informações encontradas, no geral, são as mesmas, atestando o delito do acusado.

Pelo que vimos, a denúncia feita pelo Fr. Miguel da Vitória, ao chegar em Lisboa,
retorna com o pedido da “Mesa” para averiguá-la. Assim se faz nos três lugares implicados:
Bispado do Pará (lugar do primeiro casamento de Francisco de Pontes); Bispado do Maranhão
(lugar de nascimento dele e da primeira esposa) e Bispado de Pernambuco (lugar do segundo
casamento). As informações colhidas por diversos agentes eclesiásticos, atestam o que a
denúncia feita pelo frade permitia apenas entrever. Em 13 de agosto de 1760, Joaquim Jasen
Moller e Luís Barata de Lima, proferem a seguinte sentença:

Tendo vistos na Mesa do Santo Ofício desta Inquisição os Sumários que


se fizeram contra Francisco de Pontes, conteúdo e confrontado no
Requerimento do Promotor e o mesmo requerimento: E pareceu a todos
os votos que pelas certidões extraídas dos Livros de Casados e ditos das
256

testemunhas, se achava legalmente provado que o delatado sendo


legitimamente casado com Florência da Silva Barbosa com quem se
recebeu em 23 de agosto de 1725. Se casara segunda vez com Antonia
Pinto em 24 de junho de 1747, estando ainda viva a dita sua primeira
mulher como se mostra pelo sumário de sua supervivência feito em
novembro de 1758, no qual se acha perguntada e portanto são as culpas
e prova bastante para ser preso e que ele seja nos cárceres secretos desta
Inquisição sem sequestro de bens.

De todo o desenrolar do processo, convém lembrar que o todo transcorria em segredo,


de modo que o acusado não tinha acesso ao que era lhe imputada a culpa. Em outras instâncias,
após ser denunciado, o réu tinha acesso aos traslados dos autos onde constavam os nomes dos
depoentes e os delitos de que era acusado. Porém, no processo da Inquisição não acontecia
assim, ao ficar em “segredo” a acusação, o processo seria permanentemente alimentado com a
inclusão de novas acusações, permanecendo os autos em segredo até o final597. Obviamente
esse segredo ficava mais no campo do ideal, pois sendo o delito “público e notório”, é notável
que as testemunhas e o réu, tinham perfeita noção do que no processo se desenrolava. No caso
de Francisco de Pontes, sobretudo as testemunhas colhidas nos Bispados do Maranhão e
Pernambuco, atestam o “duplo casamento” do réu, atestando o delito. Como nosso fio condutor
tem sido a atuação dos agentes, aqui não é nossa intenção analisar o perfil dos delitos, mas
como na averiguação desses se davam os procedimentos.

Se no exemplo do processo de Francisco de Pontes temos uma grande confluência de


agentes eclesiásticos, habilitados ou não, esta cooperação não é uma máxima em todos os
momentos, por vezes clérigos não habilitados também se constituíam num empecilho para “o
reto ministério” do Santo Ofício598. O cura da freguesia de São Bento de Balsas, no Bispado do
Maranhão, Pe. José Ayres, natural do Recife, foi denunciado pelo Pe. Francisco Xavier da Rosa,
cura da Freguesia de Nossa Sra. do Livramento, sob a acusação de “ofender e perturbar o reto
ministério do Santo Ofício”. Segundo os autos, o denunciado prendeu o denunciante dizendo
que tinha provisão do Santo Ofício para tal, porém já se passava treze meses que estava preso
sem ser encaminhado ao Santo Ofício, de modo que sabia que o denunciado “não tinha

597
LIMA, Lana Lage da Gama. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é culpado. Rev. Sociol. Polít.,
Curitiba, 13, p. 17-21, nov. 1999
598
Para Portugal, João Furtado Martins apresenta vários casos onde agentes habilitados e não habilitados
perturbam o “reto ministério do Santo Ofício”. MARTINS, João Furtado. Corrupção e incúria no Santo Ofício:
ministros e oficiais sob suspeita e julgamento. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2015.
257

jurisdição para tal”. Com mandado da Inquisição, José Ayres foi preso em 14 de janeiro de
1745, sendo sentenciado auto da fé privado e degredo por três anos para o Algarve599.

Deste caso é interessante notarmos alguns aspectos. José Ayres chegara a região da
Freguesia do Livramento por nomeação do bispo do Maranhão D. Manoel da Cruz, como
visitador. Ao lá chegar, começam os reclames por abuso de poder, contudo, ao dizer que “tinha
provisão”, nos permite perceber a consciência de que se dizer agente do Santo Ofício lhe dava
poder para prender sem justificativa seus possíveis desafetos. Portanto, é possível que a estreita
colaboração existente entre clérigos não habilitados no exercício de funções inquisitoriais
fomentasse como que o “auto investimento” destas funções, evidenciando que era
conhecimento geral o prestígio e a distinção dos servidores do Santo Tribunal. Para além disso,
vemos que Francisco Xavier incialmente se submeteu ao alvitre de José Ayres, depois
afirmando que dada a demora de remetê-lo ao Santo Ofício, soube que o mesmo “não tinha
jurisdição para tal”, ilustrando que na realidade o denunciado apenas fazia uso do conhecido
prestígio que era se dizer agir em nome do Santo Ofício. Nesse sentido, a estreita relação entre
agentes habilitados e não habilitados, também poderia desembocar em abusos.

Vimos aqui exemplos onde são instaurados processos, havia também ocasiões em que
não se chagava a tanto, ficando apenas no âmbito das denúncias. O comissário Felipe Camello
de Brito, foi o canal de ao menos quatro denúncias ao Santo Ofício, quase sequenciais. A
primeira, datada de 7 de outubro de 1770, onde denuncia Bartholomeu de Figueiredo Barbalho
sob a acusação de blasfêmia. De acordo com os autos, o réu vendo um painel da imagem de
Jesus Cristo caído com o peso da cruz teria dito: “Este anda em quatro pés”600. Na denúncia é
interessante os passos de como ela se dá, Felipe denuncia o réu com base em informações dadas
pelo familiar do Santo Ofício Manoel de Souza Teixeira, este que por sua vez foi procurado
pelo alfaiate Xavier Francisco de Gueiros. Neste sentido, apesar de não ser via de regra, há de
se notar as várias etapas e funções dos agentes inquisitoriais, pois a testemunha do crime se
reportou ao familiar e este por fim se reportou ao comissário que lavrou a denúncia. Para além
disso, a denúncia é registrada como “carta de denúncia de Felipe Camello de Brito contra
Bartolomeu de Figueiredo Barbalho”, pelo que vimos, na prática, a denúncia não tinha sido do

599
Processo de Jose Ayres (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 08059). Para melhor
aprofundamento sobre o interessante caso, sugerimos: MENDONÇA, Polyanna Gouvea. O falso comissário do
Santo Ofício: padre José Aires nos sertões do Piauí colonial. In: CHAMBOULEYRON, Rafael; SOUZA JUNIOR,
José Alves. Novos olhares sobre a Amazônia colonial. Belém: Editora Pakatatu, 2016.
600
Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Bartolomeu de Figueiredo Barbalho (Tribunal do Santo Ofício,
Inquisição de Lisboa, proc. 16345)
258

comissário, mas chegado até ele, porém, ao se registrar que a denúncia seria dele, demonstra
que na qualidade de agente habilitado, seria ele o incumbido de a reportá-la ao Tribunal em
Lisboa.

A segunda denúncia, baseado em informações dadas por Joaquim Carneiro da Costa,


Antonio da Silva e José Luiz Ferreira, Felipe Camello denunciou Tereza de Jesus Bezerra por
proferir rezas e orações para o mal de outras pessoas601. Segundo as informações, a denunciada
teria diante da imagem de Nossa Senhora da Piedade proferido a seguinte oração: “Virgem da
piedade, mãe do piedoso Deus, havei de mim piedade, sei-a pelo amor de Deus”; fazendo-a
“junto a uma vela de cera branca acesa para se saber de tudo que pode lhe suceder de bem e
mal (...) e se ela (imagem) virar o corpo para parte direita é de bem, e se para esquerda é de
mal”. No caso acima se observa o catolicismo popular que existe à margem dos ditames da
Igreja, se observarmos a oração feita pela denunciada não há nada de errado, porém, o uso da
imagem coloca-a mais como um amuleto que como representação de Maria.
Em 15 de outubro de 1770, baseado nas palavras de Luiza Maria de Jesus, foram
denunciadas quatros pessoas. As duas primeiras, Ana Paim e Arcangela de Mendonça foram
igualmente acusadas de tirarem “quebranto”. Bárbara Gavioa foi acusada de que “curava com
bençãos” bendições e Xavier Arnaut foi acusado de “tirar o sol da Cabeça”602. Neste rol de
denúcias há de se ressaltar o fato do comissário Felipe Camello de Brito recolhê-las na casa da
denunciante, fato que como já dissemos, ia de encontro ao regimento, já que os depoimentos
deveriam ser recolhidos na casa do comissário ou em uma Igreja603. Para que isso se fizesse,
consta como justificativa o fato da delatante ser “mulher estuporada e por lhe ser muito penoso
ir a Igreja por razão de sua queixa, mandou me pedir me quisesse ir a sua casa que muito lhe
importava falar-me, e ai lhe aceitei sua denúncia por ser público e notório o impedimento”. Ao
delatar as quatro pessoas, Luiza Maria teria dito que o fizera “por assim o ouvir dizer e o faz
para o sossego de sua consciência”. Por essas palavras se revelam dois aspectos recorrentes
nessas delações, o primeiro que diz respeito a não ser um testemunho ocular, mas baseado no
“ouvir dizer”; o segundo, que fazia denúncia em vista de sua consciência. Sem julgar a
veracidade dessas palavras, elas de todo modo ilustram que o ambiente de vigilância, próprio
de onde a Inquisição atua, se fazia sentir nesses recônditos lugares, de modo que o agente

601
Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Teresa Maria de Jesus Bezerra (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição
de Lisboa, proc. 16346)
602
Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Ana Paim e Arcangela Mendonça (Tribunal do Santo Ofício,
Inquisição de Lisboa, proc. 16347)
603
Regimento do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal (1640), Lv. I, Tít. XI, n. 3.
259

habilitado fora chamado, mesmo em lugar impróprio, para ouvir aquilo que possivelmente era
“matéria do Santo Ofício”.
Em 26 de novembro de 1770, o comissário Felipe Camello de Brito registra as
seguintes palavras:
Denunciou perante mim o Rdo. João Duarte da Costa chantre da Catedral
desta cidade, que ouviu dizer s seu irmão José Correa, que um seu escravo
chamado Ambrósio, já defunto, se fora curar de feitiço sem consentimento seu
com o preto Gonçalo assistente na Mayoba em casa de um fulano Restelo,
distrito desta cidade, não sabe ele Rdo. Denunciante se a dita diligencia com
curas naturais ou com outros feitiços. E também ouviu dizer que outras
pessoas mais se curaram de feitiços com o mesmo preto e não lhe consta que
ficassem livres das enfermidades.

Conforme podemos ver, o comissário efetuou denúncia baseado nas palavras do Pe.
João Duarte da Costa, chantre da Catedral de São Luís do Maranhão; este que por sua vez
recebeu o relato de seu irmão, José Corrêa. Aqui é interessante notar os passos entre o delito
até que chegue ao conhecimento do comissário. Felipe a esta altura já era comissário há dois
anos, porém, José Corrêa, não leva a denúncia até o comissário, mas a intermedia pelo chantre
João Duarte; evidenciando que ainda que existisse agentes habilitados, não necessariamente os
denunciantes iam até eles fazer o delato, por outro lado, um clérigo que recebesse o delato,
deveria encaminhá-lo a quem cabia, logo, ao agente do Santo Ofício. No mesmo processo,
também foi denunciado João Sereio e sua mulher Albina Ferreira, acusados de “portar uma
bolsa com certos papéis, que lhe serviam para feitiços e superstições”, bolsa esta feita por um
mulato chamado Tomé604. No exemplo acima se evidencia o papel de clérigos não habilitados
pelo Santo Ofício no recolhimento das denúncias, na medida em que a testemunha se reportou
ao padre que por sua vez comunicou o fato ao comissário. Concomitante a sua atuação como
comissário, como já dissemos, Felipe Camello de Brito exerceu importantes cargos na
administração eclesiástica, sendo membro do cabido diocesano e do auditório eclesiástico. O
que nos leva a crer que as ocupações em tais instâncias muito ajudaram no seu desempenho
com comissário.
Por fim, cito o nosso já muito conhecido Caetano Eleutério de Bastos. Dentre os
processos em que atua, se destaque um que implica o 4° bispo do Pará, D. Fr. João de São José
e Queirós. Este último foi acusado de queimar os papéis do Santo Ofício que acusavam
Antônio Ferreira Ribeiro, mestre de campo, com o crime de heresia ao afirmar que não existia
nem céu nem inferno. A denúncia havia sido averiguada por Caetano Eleutério, que realizou

604
Denuncia de Felipe Camelo de Brito contra Bartolomeu de Figueiredo Barbalho (Tribunal do Santo Ofício,
Inquisição de Lisboa, proc. 16348)
260

as diligências necessárias para remeter o caso para Lisboa, tendo a denúncia sua raiz em uma
visita que o bispo diocesano fez à vila de Vigia de Nazaré. Segundo os autos, o bispo usa em
sua justificativa que queimara os papéis na presença e sob a anuência do comissário Caetano,
e que ao fazê-lo não sabia que incorria em crime, pois não dominava “coisa alguma do
formulário e método” do Santo Ofício.
O ocorrido causou grande alvoroço indo parar na mesa da visitação, na qual foram
ouvidas as partes para compor o processo. Foram ouvidas as testemunhas, os denunciantes e
o vigário-geral, este último, Pedro Barbosa Canais, ratificou o crime em que incorria o
prelado, a que lhe seguiu o testemunho de José Carneiro de Morais e Mário Carneiro 605. Como
pena, o bispo teve de voltar à corte, ficando em seu lugar, como já dissemos, o visitador
Giraldo José de Abranches.
O fato é que de um lado o bispo diz agir de acordo com o Santo Ofício; porém tendo
ciência que o delito de heresia compete a inquisição, fez ele mesmo o julgamento da denúncia
e considerou o denunciado inocente. De outro, as testemunhas colocam o bispo como
empecilho para o andamento das investigações, pois queimara os papéis que comprovariam
o delito do réu que ele mesmo havia considerado inocente. De tudo isso é interessante notar
a postura do bispo João de São José e Queirós, que justificava estar agindo de acordo com os
ditames da Inquisição, talvez esteado na legislação que lhe competia legislar em matéria do
Santo Ofício quando da falta de um agente habilitado. Em outra ocasião, a fim de “evitar
trabalho à Santa Inquisição”, Queirós conferiu ao vigário-geral José Monteiro de Noronha,
os poderes de “excomunhão maior” e prisão nos cárceres do Santo Ofício para o soldado
Marcelino Ferreira, acusado de bigamia. O processo foi iniciado pelo bispo em 1761 e durou
até a visitação, quando foi entregue pelo vigário-geral Pedro Canais ao visitador Giraldo
Abranches. Porém o processo não foi levado a frente, dentre as possíveis causas podemos
dizer o não seguimento a forma e estilo dos processos do Santo Ofício 606.
O mesmo visitador em primeiro de março de 1771, remete para Lisboa um Ofício,
como modo de dar prosseguimento a uma denúncia que recebera, na qualidade de vigário
capitular do bispado do Pará, apresentada pelo familiar do Manuel Álvares Chaves, contra
escravo Francisco da Costa Xavier, pertencente a Manuel Joaquim Pereira de Sousa Feio.
Segundo o familiar, o denunciado assistindo a uma missa na igreja do Convento dos

605
Traslado das denúncias contra o Bispo do Pará (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 13201)
606
Sumário contra Marcelino Ferreira (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc.12885). Ver também:
MATTOS, Yllan de. Os mil braços de um polvo: Justiça Eclesiástica e Inquisição no Grão-Pará, ação e
funcionamento na segunda metade do século XVIII. In: Inquisição e Justiça eclesiástica. Jundiaí: Paco Editorial,
2013, p. 294-295.
261

Mercedários, teria fingido a sua comunhão no momento em que o Fr. Manuel Inácio da Maia
administrava o sacramento. No Ofício, Giraldo José de Abranches remete a devassa que
mandou fazer acerca dos procedimentos do denunciado para a “Mesa” do Santo Ofício em
Lisboa607. Aqui é interessante a quem o familiar se reporta, sabemos que na época havia pelo
menos cinco comissários atuantes, porém, ele leva a denúncia ao vigário capitular, que na
qualidade de visitador, envia para Lisboa as investigações que fizera.

Por tudo que dissemos, podemos concluir que embora haja cooperação entre
estrutura dos bispados, clero (secular e regular) e Inquisição, é certo que esta união de
esforços dependia muito do caráter individual destas instituições e mais que isso, do caráter
individual de seus agentes. De um lado os agentes habilitados poderiam não solicitar ajuda
dos membros do bispado e das ordens regulares; de outro, estes agentes não habilitados
poderiam servir de empecilho para o bom andamento dos processos. Usando como fio
condutor a atuação desses indivíduos que serviram o Santo Ofício no Grão-Pará e Maranhão,
nos foi possível ver as nuances que a presença desta instiuição encontra ao entrar em terras
amazônicas.

*
* *

O presente capítulo, que tratou sobre A atuação dos Agentes do Santo Ofício, foi
organizado em dois itens. No primeiro, vimos como os agentes atuaram naquilo que tem sido
nosso guia ao longo do presente trabalho, as habilitações do Santo Ofício. No segundo, nos
debruçamos sobre a atuação no que diz respeito as denúncias e processo de “matéria do Santo
Ofício”. Nesse capítulo, em especial, achamos por bem fazermos uma análise qualitativa dessa
atuação, de modo a demonstrar como os procedimentos se deram na prática do andamento dos
processos, para confrontá-los, especialmente, com o que elencamos no primeiro capítulo, ao
escrever sobre a atuação “esperada” dos agentes, perceptível via os regimentos do Santo Ofício
e demais normativas.

Aqui ficou latente que os agentes habilitados, uns mais e outros menos, atuaram no
que lhes dizia respeito. Por outro lado, a efetivação da presença do Santo Ofício no Estado do
Grão-Pará e Maranhão não se dava apenas por eles, na falta de agentes habilitados, ou mesmo
na presença destes, outros agentes não habilitados eram investidos de poderes pela “Mesa” da

607
Ofício (AHU_ACL_CU_009, Cx. 66, D. 5724)
262

Inquisição de Lisboa. Dito isso, podemos afirmar com toda certeza, que a rede de Agentes
habilitados que a Inquisição formou na Amazônia, não dá conta de explicar seus meios de
atuação, pois conforme ficou demonstrado, havia fiel e constante colaboração de outras
instâncias, sobretudo eclesiásticas.
263

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vi estas diligências...

Com essas palavras, iniciam seus despachos, reunidos na “Mesa” do Conselho Geral
no Palácio dos Estaus de Lisboa, os deputados incumbidos de julgar se os pleiteantes são dignos
do serviço ao Santo Ofício. A decisão tomada neste instante, conclui aquilo que muitos
investiram esperanças, tempo e dinheiro, ao pretenderem habilitar-se como membros da
Inquisição portuguesa. Se ao iniciarem seus pedidos, ao menos pro forma, desejavam “servir a
Deus e a este Santo Tribunal”, suas qualidades só seriam provadas via investigação de suas
vidas e, mesmo após esta investigação, só se provariam realmente “bons” servidores se de fato
agissem no que era sua matéria.
Na presente Tese, parafraseando parte da citação que a intitula, “desejamos”
demonstrar como a Inquisição de Lisboa formou sua rede de agentes locais no Estado do Grão-
Pará e Maranhão, bem como o perfil dos selecionados, suas trajetórias e sua atuação após serem
habilitados. Depois de “vistas as diligências” expressas ao longo dessas muitas páginas, o que
podemos concluir desse nosso intento inicial?
Ao formar sua rede de agentes, podemos dizer, a Inquisição tinha muito claro os termos
para seleciona-los e como deveriam proceder após serem investidos de “tão grandes
responsabilidades, de importância e de segredo”. Essas atribuições, como vimos, são expressas
ao longo de cinco regimentos e mais uma infinita quantidade de instruções e adaptações
presentes nas ordens emanadas de Lisboa. Se por um lado, nos parece claro o que intentava a
Instituição, por outro, com toda certeza, apenas dizer que o pleiteante desejava “servir a Deus
e a este Santo Tribunal” é deveras limitante, pois aqui concorriam quereres pessoais, familiares
e uma conjunção de outros fatores que matizam a razão para a busca pelo serviço ao Santo
Ofício.
O primeiro aspecto, a nível macro, que gostaríamos de ressaltar, é que a formação de
uma rede de agentes locais, faz parte do intento da Coroa em ter maior controle dos seus súditos.
Se, pois, quando da criação da Inquisição em Portugal, essa foi uma das razões, visto a intensa
presença do Rei nestes atos; nos territórios coloniais, como o era o Grão-Pará e Maranhão,
igualmente se constituía na tentativa de controle dos vassalos, sobretudo no disciplinamento
dos costumes e controle de suas consciências. Dito isso, não se pode perder de vista o
264

embricamento entre Igreja e Inquisição, união que vai ser uma marca durante toda a existência
do Santo Ofício.
A nosso nível, um dos primeiros modos de expressar essa relação de
“complementariedade” tivemos na atuação dos bispos do Maranhão e Pará. As dioceses,
tinham, por natureza, a intenção de abarcarem a totalidade de seus fregueses, o que obviamente
não se dava na prática. Por outro lado, essa pretensão de totalidade se expressava nas tentativas
de tornar mais capilar a presença da Igreja, usando-se em especial os mecanismos das visitas
Pastorais. Convém lembra a atuação dos bispos Fr. Antônio de São José e João de São José, do
Maranhão e Pará respectivamente. O primeiro, por ocasião de uma visita pastoral, detectou a
bigamia de Manoel Duro da Rocha, em 1760. No mesmo ano, o segundo, D. Fr. João de São
José, também visita o seu bispado do Pará. José de São José é dos casos mais interessantes, pois
entra em confronto com o comissário Caetano Eleutério de Bastos, o que se converterá também
em um confronto com o Santo Ofício e a Coroa, de modo que é mandado de volta para o Reino.
Esses dois exemplos, se vistos em conjunto, ilustram primeiramente o uso de prerrogativas, por
partes dos bispos ordinários, em agirem nos seus territórios, nas matérias do Santo Ofício. Claro
que nem sempre tal atuação acabava bem, como aconteceu com João de São José, de todo modo,
aqui se evidencia que um bispo poderia atuar enquanto “agente” da Inquisição.
O segundo modo dessa relação de complementariedade se dá dentro das estruturas
organizativas dos bispados, notadamente nos juízos eclesiásticos. A este órgão, estreitamente
ligado ao bispo, cabia a gestão pro temporalibus das dioceses, o que abarcava a vigilância das
práticas de fé dos fregueses. Vimos que constantemente são investidos de poderes, agentes
dessa instância, sobretudo os vigários gerais e vigários da vara, que enquanto maiores
autoridades “jurídico-eclesiásticas” nas localidades em que estavam, exerciam, com algumas
diferenças, funções análogas as dos agentes da Inquisição. Seja nas habilitações, seja nas
denúncias, seja nas investigações, constantemente são provisionados pela “Mesa” para que
realizem em nome do Santo Ofício o que em tese caberia aos agentes habilitados.
O terceiro modo se dá no uso da estrutura eclesiástica mais próxima das pessoas, as
paróquias. Essas, eram de contato mais imediato aos fregueses e estavam espalhadas ao longo
de toda a jurisdição dos bispados. Seus chefes, os párocos, ou “os que em seu cargo servirem”,
também eram provisionados, sobretudo em lugares distantes das sedes das capitanias, para
agirem em nome do Santo Ofício. Aqui nos apresentou um dado interessante, ainda que
solicitados para diligências específicas, no quadro geral de agentes habilitados, este clero não
era muito solicitado. Como vimos, dos 14 comissários com que trabalhamos, apenas dois
exerceram atividade de “cura das almas”. Reforçando a ideia de que na habilitação, o Santo
265

Ofício levava em consideração a colocação desses eclesiásticos dentro da hierarquia local, o


que nos permite afirmar uma predileção de se fazer representar por clérigos bem posicionados,
o que em contrapartida, reforçava ainda mais suas influencias nas burocracias das dioceses.
Nesse sentido, podemos afirmar, a Inquisição se utilizava de todos os níveis da
hierarquia das dioceses para atuar. Isso acontecia não apenas quando da falta de agentes
habilitados, mesmo na presença destes, era comum serem provisionados agentes não
habilitados. Ou ainda, talvez tendo conhecimento dessa recorrente relação de
complementariedade, comissários do Santo Ofício, como o fez Caetano Eleutério de Bastos,
proviam outros eclesiásticos para fazerem o que em tese lhes cabia.
Essa relação não se restringe, ao nível dos bispados, igualmente as ordens religiosas
eram constantemente requeridas. No caso do Grão-Pará e Maranhão, particular relevo teve os
padres da Companhia de Jesus, que desde 1688, tinham seus reitores provisionados ex officio
como comissários da Inquisição portuguesa. Tal fato ilustra muito bem a estratégia desta
instituição de pretensamente se fazer presente, pois habilita alguém, no caso os reitores dos
Colégios jesuítas, de modo automático, sem atentar se neles decorria os requisitos necessários.
Aqui, talvez, esses requisitos fossem até menos importantes, pois o que de fato importava era
que os reitores tinham por sob sua tutela uma quantidade considerável de outros religiosos, que
espalhados ao longo do território, poderiam tornar mais capilar a presença da Inquisição. Fica
evidente, portanto, a capacidade adaptativa à dinâmicas locais, onde o poder central em Lisboa
se “curva”, abrindo inúmeras exceções às regras regimentais.
Disso que dissemos, decorre a primeira conclusão de nosso trabalho, a nosso ver, para
o entendimento de como o Santo Ofício atuou na Amazônia colonial, não se pode perder de
vista a relação que as estruturas eclesiásticas têm em tornar efetiva essa presença. O que aqui
fizemos apenas aponta perspectivas dessa relação, cabendo a trabalhos posteriores, entender
como isso se deu mais amiúde. Essa conclusão, porém, não tira o mérito do que intentamos ao
longo dessas páginas, pelo contrário, mostra a força de uma instituição que se adapta as
conjunturas locais para que atue e se torne presente.
Tendo delimitado esse que é o limite de nosso trabalho, mas também o horizonte que
ele aponta para análises posteriores, retornemos aquilo que é nosso objeto – os agentes
habilitados. Conforme mostramos, a historiografia sobre a temática tem apontado como ponto
fundamental na busca do serviço ao Santo Ofício a estratégia de promoção social. Lógica que
ainda que manifesta nos casos que encontramos, não dá conta de responder as motivações reais
que levaram esses indivíduos a laçarem seus nomes e de seus familiares para serem investigados
pela instituição da qual queriam ser parte. Para responder este questionamento, achamos por
266

bem mudar o foco, centrando nossa análise na vida dos indivíduos, de modo a entender o que
projetavam ao buscarem ser habilitados.
No que diz respeito a origem, encontramos dados diferentes para os dois universos de
agentes que pesquisamos, eclesiásticos e leigos. No primeiro caso, a grande maioria (12 de 18
indivíduos), eram naturais da América, dez nascidos no Estado Grão-Pará e Maranhão e dois
no Estado Brasil. O entendimento desses dados, só pode ser visto com maior clareza, quando
analisados no conjunto dos ascendentes, pois na maioria dos casos, eram a primeira geração
nascida no Ultramar, sendo seus demais familiares, naturais de Portugal continental, ou ainda,
o pai reinol e a mãe natural da “terra”. Tal dado pode ser entendido como estratégias familiares
de projeção social, onde era comum destinar os filhos para a carreira eclesiástica, o que também
se constituía em um bom modo de ganhar a vida, pois com bispados nascentes, como o era
especialmente o do Pará, se tornava mais fácil a colação a paróquias e o acesso a benefícios
eclesiásticos. Além disso, caso os intentos dessem certo, poderia se tornar um filão para que
demais parentes ingressassem na carreira, conforme nos foi possível ver com algumas famílias
(Alvares Roxo, Camello de Brito, Rodrigues Pereira e Lopes da Cunha).
No que diz respeito ao segundo grupo, formado pelos Familiares do Santo Ofício,
vimos que em sua maioria eram reinóis (18 de 29 indivíduos), sendo a maior parte natural das
regiões de Entre Douro e Minho (8 indivíduos) e da Estremadura (7 indivíduos). No primeiro
caso, seus ascendentes tinham ocupações ligadas a terra; no segundo, se evidenciam ofícios
mecânicos. Tais dados, em conjunto, demonstram um processo de mobilidade social
ascendente, reforçado pela maioria das ocupações declaradas pelos habilitandos, ligadas ao
comércio. Havia ainda uma mobilidade “ocupacional”, expressa, por exemplo, no caso dos
familiares Lázaro e João Borges, pai e filho, sendo o primeiro cirurgião e o segundo médico.
Ao largo das diversas ocupações que elencamos, há uma que sempre tangencia todas elas, a
atividade de “mercancia”. Esse, de fato, não é um dado novo, pois em muitos estudos sobre o
perfil dos agentes do Santo Ofício no ultramar, sobretudos dos familiares, os “homens de
negócio” aparecem constantemente solicitando esta mercê. A quase direta associação entre
“homens de negócio” e “gente de nação”, tornava a carta de familiar a prova “inconteste” da
limpeza de seus sangues; além de reforçar os seus processos de “nobilitação pelo serviço”.
Essas estratégias também podem ser entendidas por outro importante marcador, o estado de
vida desses indivíduos.
No que diz respeito ao estado conjugal, a grande maioria fizera o pedido para habilitar-
se estando solteiro (19 de 29 indivíduos), sendo que quatro desses contraíram matrimônio já
sendo familiares do Santo Ofício. Quando vamos olhar o perfil das esposas, são em sua maioria
267

nascidas no Grão-Pará e Maranhão, lembremos que grande parte dos pleiteantes eram reinóis.
As esposas, ainda que em alguns casos tivessem pais reinóis, vinham de famílias de grande
projeção nas localidades, o que ilustra uma estratégia, via casamento, de inserção desses reinóis
nas elites locais. Tal fato vemos, por exemplo, no casamento de Amândio José de Oliveira
Pantoja com Francisca Xavier de Sequeira e Queirós, que são referenciados pelas testemunhas
como de família de “gente nobre”, “da melhor nobreza desta terra”. Aqui também foi possível
descortinar o papel das esposas no processo de habilitação, pois muito provavelmente, o fato
de Francisca Xavier já ter sido habilitada, pois fora casada em primeiras núpcias com um
familiar do Santo Ofício, certamente ajudou na habilitação de Amândio. O que não significa
que por vezes a esposa não se constituísse em um óbice para a habilitação do marido, conforme
nos foi possível ver na de Francisco da Cunha de Thoar.
Com esse último caso citado, queremos começar a responder quais as razões que
levaram esses indivíduos a buscarem a habilitação como membros do Santo Ofício. Lembremos
que a família de Thoar caíra em desgraça após não receber o deferimento de seu pedido, ainda
que a “mácula” fosse de sua esposa. Tal fato, forçou a família a escolher outro membro, através
do qual pudesse atestar a “pureza” de seu sangue, o escolhido foi o irmão mais jovem, José
Paulino da Cunha. José Paulino, como vimos, é habilitado, porém, de sua habilitação, com
menos de 20 anos, viera a recomendação que não lhe passasse carta antes de completar 20 anos,
o que não se deu na prática, pois fora habilitado antes. A estratégia familiar de José Paulino
parece ser a mesma de Felipe Camello de Brito, que ao ser habilitado como comissário do Santo
Ofício no Maranhão, em 15 de abril de 1768, colocava termo em uma “pecha” que acompanhara
sua família a gerações. Nesses dois casos fica evidente que não só os indivíduos, mas suas
famílias, ao buscarem a habilitação do Santo Ofício, tem a clara intenção de mostrarem a
“pureza” de seus sangues, ainda que não o fossem, conforme vimos no caso de Felipe. Portanto,
podemos afirmar que usaram a instituição para uma demanda “pessoal”.
Felipe era muito próximo do comissário que fizera as averiguações de sua habilitação,
João Pedro Gomes, ambos eram projetados na burocracia da diocese, frequentando a um só
tempo o cabido e o juízo eclesiástico. Tal fato não era estranho, no conjunto dos comissários, a
maioria provinha dessas colocações, o que demonstra a preocupação do Santo Ofício de pôr em
seus postos eclesiásticos projetados. Esta projeção se traduz inclusive na distribuição dos
agentes nos dois cargos acessíveis a eclesiásticos, pois enquanto os notários, que eram
submetidos aos comissários, do quatro que encontramos, todos exerceram a “cura das almas”,
ao passo que dez dos quatorze comissários, estavam distribuídos nas altas esferas dos bispados.
Dessa relação de Felipe Camelo de Brito e João Pedro Gomes emerge um outro aspecto que
268

vimos ser recorrente, o condicionamento que os comissários fazem no exercício de suas


funções, onde os possíveis impedimentos levantados são abrandados para os “amigos” e
enaltecidos para os inimigos.
Vimos que no conjunto dos agentes habilitados há o exercício do que lhes compete,
sobretudo em se tratando dos comissários. Porém, esse exercício recaía sobre uma pequena
parcela, ficando muitos dessa extensa rede sem atuarem. Tal constatação nos revela que aqueles
que tinham o “desejo de servir a Deus e a este Santo Tribunal”, na prática mais se serviam dele.
As medalhas que recebiam como sinal de sua distinção, acabavam por serem usadas como modo
de ratificarem a pureza de suas linhagens e serem um capital a mais em estratégias de
mobilidade social. Talvez tendo a clareza que seus agentes habilitados mais queriam “servisse”
do que “servir”, a Inquisição de Lisboa provisionava constantemente outros para fazerem o que
em tese competia aos “seus”.
Aqui, portanto, vemos dois movimentos que sintetizam a conclusão deste nosso
trabalho. Podemos dizer, havia entre a Inquisição e seus agentes uma relação de mutualismo.
De um lado temos uma instituição que ao habilitar indivíduos tem muito claro o que espera
deles, do outro, indivíduos que também tem muito claro o que esperam dela. Isto é, ao buscarem
o serviço ao Santo Ofício, concorriam desejos pessoais e familiares, cuja estratégia comportava
a instrumentalização da instituição e o que ela lhes daria; sendo que esta mesma instituição,
para se fazer presente, adapta suas regras, relaxa exigências e aciona uma diversidade de
indivíduos. É neste jogo de intenções pessoais, familiares e institucionais que se formou a rede
de agentes do Santo Ofício na Amazônia colonial, entender tal processo, comporta não perder
de vista estas duas escalas de observação.
269

FONTES

Fontes Impressas

CARNEIRO, Manuel Borges. Direito civil de Portugal contendo três livros: I das pessoas, II
das cousas, III das obrigações e ações. Livro III. Lisboa: Typ. Maria da Madre de Deus, 1858.

CHAVES, Castelo Branco; MERVEILLEUX, Charles Frédéric; SAUSSURE, César de. O


Portugal de D. João V visto por Três forasteiros. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989.

DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas – Volume 1. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2004.

GALLUZZO, Henrique Antonio. Mappa geral do bispado do Pará: repartido nas suas
freguezias que nele fundou, e erigio o Exmo. e Revmo. Snr. D. Fr. Miguel de Bulhões, 1759

Memória de São João Baptista. In: CAPELA, José Viriato; BORRALHEIRO, Rogério;
MATOS, Henrique; OLIVEIRA, Carlos Prada de. As freguesias do Distrito de Bragança nas
memórias paroquiais de 1758: memórias, história e património. Braga: J.V.C, 2007.

OLIVEIRA, Frei Nicolau de. Livro das Grandezas de Lisboa. Lisboa: Na Impressão régia,
1804.

QUEIRÓS, João de São José. Memórias de Fr. João de S. Joseph Queiroz Bispo do Grão Pará.
Porto: Typographia da Livraria Nacional, 1868.

RAMOS, Luís de Oliveira. Diários das visitas pastorais no Pará de D. Fr. Caetano Brandão.
Braga: Tipografia Barbosa & Xavier, 1991.

Regimentos do Santo Ofício - FRANCO, José Eduardo & ASSUNÇÃO, Paulo de. As
Metamorfoses de um polvo: Religião e Política nos Regimentos da Inquisição (Séc. XVI –
XIX). Lisboa: Prefácio, 2004.

Translado autentico de todos os privilégios concedidos pelos Reis destes reinos e senhorios de
Portugal aos oficiais e familiares do Santo Ofício da Inquisição. Lisboa: Officina de Miguel
Manescal, 1641.

VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia – estudo


introdutório e edição de Bruno Feitler, Evergton Sales, Istvan Jancsó, Pedro Puntoni (orgs.).
São Paulo: Edusp, 2010.

Fontes Manuscritas

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Comissários do Santo Ofício

NOME REFERÊNCIA
Antonio Rodrigues Pereira TSO, CG, HSO, mç. 146, doc. 2365
270

Caetano Eleutério de Bastos TSO, CG, HSO, mç. 04, doc. 46


Caetano Lopes da Cunha TSO, CG, HSO, mç. 09, doc. 122
Custódio Alvarez Roxo TSO, CG, HSO, mç. 04, doc. 51
Diogo da Trindade TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 284
Felipe Camello de Brito TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84
Felipe Joaquim Rodrigues TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 78
Inácio José Pestana TSO, CG, HSO, mç. 09, doc. 154
João da Trindade TSO, CG, HSO, mç. 166, doc. 1437
João Maria da Luz e Costa TSO, CG, HSO, mç. 161, doc. 1332
João Pedro Gomes TSO, CG, HSO, mç. 121, doc. 1926
João Rodrigues Pereira TSO, CG, HSO, mç. 108, doc. 1768
Joaquim José de Faria TSO, CG, HSO, mç. 19, doc. 243
Lourenço Alvarez Roxo TSO, CG, HSO, mç. 07, doc. 111

Notários do Santo Ofício

NOME REFERÊNCIA
Felipe Jaime Antonio TSO, CG, HSO, mç. 06, doc. 84
João Pedro Borges de Goes TSO, CG, HSO, mç. 168, doc. 1451
Romualdo Lopes da Cunha TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 03
João da Rocha Araújo TSO, CG, HSO, mç. 109, doc. 1781

Familiares do Santo Ofício

NOME REFERÊNCIA
Alexandre José de Viveiros TSO, CG, HSO, mç. 10, doc. 115
Amandio José de Oliveira Pantoja TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 10
Antonio Coutinho de Almeida TSO, CG, HSO, mç. 186, doc. 2755
Antonio Gomes Pires TSO, CG, HSO, mç. 129, doc. 2176
Antonio Gonçalves Prego TSO, CG, HSO, mç. 100, doc. 1801
Bento Pires Machado TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202
Carlos Gemaque de Albuquerque TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 60
Elias Caetano de Matos TSO, CG, HSO, mç. 01, doc. 03
Feliciano José Gonçalves TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 27
Felipe dos Santos TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 82
Fernando da Costa de Ataide Sousa Teive TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 120
Gaspar Alvares Bandeira TSO, CG, HSO, mç. 14, doc. 202
Jacob Lopes Graça TSO, CG, HSO, mç , doc. 01
João Alvares da Costa TSO, CG, HSO, mç. 74, doc. 1363
João Borges de Góes TSO, CG, HSO, mç. 167, doc. 1439
João do Couto da Fonseca TSO, CG, HSO, mç. 63, doc. 1189
João Ferreira Touquinho TSO, CG, HSO, mç. 164, doc. 1390
João Henriques TSO, CG, HSO, mç. 119, doc. 1890
João Pedro Borges de Góes TSO, CG, HSO, mç. 168, doc. 1421
João Rodrigues Leite TSO, CG, HSO, mç. 69, doc. 1287
Joaquim Rodrigues Leitão TSO, CG, HSO, mç. 03, doc. 29
José Joaquim Henriques de Lima TSO, CG, HSO, mç. 123, doc. 2644
José Paulino da Cunha TSO, CG, HSO, mç. 56, doc. 865
José Rodrigues TSO, CG, HSO, mç. 84, doc. 1237
271

Joseph Salvado Sanches TSO, CG, HSO, mç. 41, doc. 662
Leandro Caetano Ribeiro TSO, CG, HSO, mç. 02, doc. 22
Manoel Alvares Chaves TSO, CG, HSO, mç. 195, doc. 1072
Manoel Joaquim Gomes TSO, CG, HSO, mç. 260, doc. 1755
Matheus Gonçalves da Torre TSO, CG, HSO, mç. 05, doc. 77

Processos

REFERÊNCIA NOME -
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 50 Antonio José de Morais
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 135 Salvador Rodrigues
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 848 Manoel da Silva Arraio
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1465 Manoel Gonçalves
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1552 Antonio da Fonseca
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1563 Domingos de Araújo
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1564 Maria Lopes
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1566 Claudiana
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1567 Francisco de Souza
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1717 Francisco Coelho
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1773 Diogo de Araújo
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 1894 Adrião Ferreira de Passos
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2147 Ângelo José (frei)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2168 Luis Ribeiro
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2703 Inácio Joaquim e Escolástica Benta
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2777 Diogo Gonçalves
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2814 Marçal Inácio Monteiro
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 2911 Felícia Ana
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 3444 Antonio Dias Mendes
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 3754 Dionísio da Silva
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 3759 João Caetano Evangelista
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 4334 Jacinto dos Santos
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 4401 Manoel Duro da Rocha
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 4786 Afonso Munhoz de Lima
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 4789 Antonio da Cunha
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5169 Pedro de Braga
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5180 Isabel Maria de Oliveira
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5193 João Francisco
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5638 João da Silva e João Rodrigues
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5667 Francisco de Santana (frei)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5671 Julio Cesar Perogali
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5672 José Maria Pola
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 5674 Francisco Ludovico Pereira
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6272 Antonio Pereira Leitão
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6595 Antonio da Madre de Deus (padre)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6694 Cafuz Florêncio
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6702 Lucas de Souza (frei)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6841 João Pereira da Rocha Paris
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 6861 Luís da Rocha e Melo
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 7338 Jorge Gonçalves (padre)
272

TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 7532 Manoel Rodrigues


TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 7375 Joaquim Antonio de Loné
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 7613 Manoel Dias
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 7930 Mateus Delgado
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 8059 José Ayres
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 8125 Cosme Damião da Costa (frei)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 8169 Feliciano Pinheiro (frei)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 8234 Antonio Marques
TSO, Inquisição de Lisboa, proc.08649 Francisco de Pontes
TSO, Inquisição de Lisboa, proc.8693 Valério Nunes
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 9692 Felipe Luis Pereira Baião
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 9802 Joana Maria
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 10130 Faustino Mendes de Araújo
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 10473 Felício Jorge
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 11178 Custódio da Silva
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 11724 Francisco da Conceição (frade)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 11725 Francisco Manoel da Cunha
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 11726 Francisco Correia de Brito
TSO, Inquisição de Lisboa, proc.12886 Raimundo Antonio
TSO, Inquisição de Lisboa, proc.12887 Timóteo Monteiro
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 13454 Manuel de Araújo Sousa (padre)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 14019 José de Távora e Andrade (padre)
TSO, Inquisição de Lisboa, proc. 16492 Gregório da Fonseca e outros

Outros

REFERÊNCIA TIPO
Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 22, f. 143 Carta Patente
Viscondes de Vila Nova de Cerveira, cx. 52, n.º 23 Certidão
FF, JIM, Justificações Ultramarinas, Ilhas, mç. 7, n.º 2 Autos de Petição
Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 10, n.º 2 Autos de Justificação
Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.26, f. 130 Carta
Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.23, f. 103 Alvará
Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.20, f. 324 Provisão
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 68, n.º 63 Provisão
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 35, f.49 Alvará
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç. 69, n.º 15 Atestado
Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 14, f. 390 Carta Patente
Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 1, n.º 23 Autos de Justificação
Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 23, n.º 11 Justificação de Nobreza
Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.26, f. 73 Carta Patente
Registo Geral de Mercês, Registo de Certidões, liv.1, fl.25 Certidão negativa
Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 1, n.º 23v Carta Sesmaria
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 24, f.151 Carta Sesmaria
273

Arquivo Histórico Ultramarino (nominal)

Alexandre José Viveiros:

1 - DOCUMENTO
Data: 10 de setembro de 1795
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 88, D. 7310.
Número de Páginas: 09
REQUERIMENTO do assistente Alexandre José de Viveiros à rainha D. Maria I,
pedindo confirmação de sesmaria na zona do Pericumã. Carta de sesmaria dada pelo capitão
geral do Maranhão Fernando Pereira Leite de Foios datada de primeiro de junho de 1791.

2 - DOCUMENTO
Data: 21 de janeiro de 1793
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 89, D. 7396.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO de Alexandre José de Viveiros à rainha D. Maria I, a solicitar
provisão para se efectuar o tombo e a demarcação das suas terras junto ao rio Pericumã.
Anexo: Certidão e público instrumento.

3 - DOCUMENTO
Data: 12 de agosto de 1802
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 124, D. 9362.
Número de Páginas: 19
REQUERIMENTO de Alexandre José de Viveiros ao príncipe regente D. João,
solicitando confirmação de carta de sesmaria de terras na paragem denominada Bacuriajuba.

4 - DOCUMENTO
Data: 20 de julho de 1804
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 136, D. 9955.
Número de Páginas: 78
CARTA do ouvidor José Patrício Dinis da Silva Seixas para o príncipe regente D.
João, sobre o requerimento de Alexandre José de Viveiros, da vila de Alcântara, relativo a
umas terras de que era possuidor. Refere que todo o processo está conforme e que o requerente
é merecedor da confirmação de sesmaria.

5 - DOCUMENTO
Data: 08 de maio de 1805
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 104, D. 10219.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO de Alexandre José de Viveiros ao príncipe regente D. João, a
solicitar provisão para que se efetue o tombo e demarcação das suas terras.

6 – DOCUMENTO
Data: 03 de junho de 1806
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 147, D. 10640
Número de Páginas: 30
REQUERIMENTO de Alexandre José de Viveiros ao príncipe regente D. João,
pedindo nova provisão para demarcação e tombamento das suas terras no sitio de Bacuriajuba.
274

7 – DOCUMENTO
Data: 30 de julho de 1823
Referência: AHU _ACL_CU_009
Número de Páginas: 108
REQUERIMENTO do soldado da Companhia de Cavalaria Franca da vila de
Alcântara, Jerónimo José de Viveiros, para o rei D. João VI, solicitando confirmação da carta
patente provendo-o no posto de alferes da companhia de Caçadores do Regimento de Infantaria
de Milícias da dita vila, na província do Maranhão.

Antonio Coutinho de Almeida:

1 - DOCUMENTO
Data: 03 de novembro de 1768
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 63, D. 5487.
Número de Páginas: 07
REQUERIMENTO de Antonio Coutinho de Almeida para o rei D. José I, solicitando
a confirmação da carta patente no posto de capitão de Infantaria Auxiliar do Terço da cidade de
Belém do Pará, de que é mestre de campo Marcos José Monteiro de Carvalho.
Anexo: Carta patente dada pelo governado geral Francisco da Costa de Ataíde Teive datada de
10 de abril de 1768.

2 - DOCUMENTO
Data: 17 de outubro de 1777
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 78, D. 6475.
Número de Páginas: 10
OFÍCIO do intendente geral do Comércio e juiz conservador da Companhia Geral de
Comércio do Grão Pará e Maranhão, João de Amorim Pereira, para o secretário de estado da
Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sobre o pedido de Tomás Correia Botelho,
referente à dívida que tinha para com o administrador daquela Companhia, António Coutinho
de Almeida e relatando a falta de dinheiro provincial e o estado de opressão que se vive na
capitania.
Anexo: Certidões.

3 - DOCUMENTO
Data: 30 de junho de 1779
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 83, D. 6801.
Número de Páginas: 05
CARTA (cópia) de Antonio Coutinho de Almeida e Manuel José da Cunha para os
deputados da Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão, sobre o envio da
segunda via de vários papéis referentes aos interesses da referida Companhia, pelo navio "Santo
António de Pádua" de que é capitão José Antonio dos Santos.

4 - DOCUMENTO
Data: 29 de abril de 1789
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 85, D. 6970.
Número de Páginas: 50
OFÍCIO do governador e capitão general nomeado para a capitania do Mato Grosso e
comissário interino das Demarcações de Limites no Rio Negro, João Pereira Caldas, para o
secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, Remetendo as relações
dos preparos, gêneros e mantimentos necessários para a Expedição das Demarcações
275

Territoriais; a remessa de dinheiro da Junta da Fazenda Real do Pará indispensável para suprir
as despesas da Expedição; e as nomeações do ex administrador da extinta Companhia Geral do
Comércio do Grão Pará e Maranhão, Antonio Coutinho de Almeida, para o cargo de provedor
da Expedição da Divisão da capitania do Rio Negro, o atual oficial da Secretaria do Governo
da mesma capitania, José António Carlos de Avelar, como secretário da Expedição, e como
tesoureiro o atual almoxarife da Provedoria da Fazenda Real da mesma capitania, Francisco
Xavier de Andrade, e o valor dos ordenados estabelecidos, faltando por indicar os capelães das
Divisões do Rio Negro e do Mato Grosso.
Anexo: Relações e lembrete.
Obs: Outra Referência - AHU Mato Grosso, cx. 19, doc. 46.

5 - DOCUMENTO
Data: 30 de outubro de 1789
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 99, D. 7853.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO de Manuel Pereira Lima para a rainha D. Maria I, solicitando a
confirmação da carta patente no posto de capitão de Infantaria Auxiliar da 3ª Companhia do 1º
Terço de guarnição da cidade de Belém do Pará, de que é mestre de campo Marcos José
Monteiro de Carvalho, que vagou por falecimento de Antonio Coutinho de Almeida.
Anexo: Carta patente dada pelo governador geral Martinho de Souza e Albuquerque datada de
03 de março de 1789.

Antonio Gomes Pires:

1 - DOCUMENTO
Data: 15 de setembro de 1767
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 42, D. 4183.
Número de Páginas: 02
CARTA do governador da capitania do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, para o
rei D. José I, em resposta a uma provisão na qual se pede parecer sobre o requerimento de
Antonio Gomes Pires, o qual solicita isenção de exercício de cargos da Fazenda e da Justiça na
referida capitania de São Luís do Maranhão.

2 - DOCUMENTO
Data: 16 de dezembro de 1771
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 45, D. 4440.
Número de Páginas: 12
REQUERIMENTO de Antonio Gomes Pires ao rei D. José I, a solicitar provisão ou
ordem para que a devassa e mais processos contra si levantados sejam remetidos para o Tribunal
Superior da Junta do Pará, a fim de ser julgado adequadamente.

3 - DOCUMENTO
Data: 12 de julho de 1773
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 47, D. 4560.
Número de Páginas: 39
REQUERIMENTO de António Gomes Pires ao rei D. José I, pedindo vista das
devassas que se referem a furto de gado.

4 - DOCUMENTO
Data: 10 de novembro de 1777
276

Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 52, D. 4988.


Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do almoxarife da Fazenda Real do Maranhão, António Gomes
Pires, à rainha D. Maria I, a solicitar que lhe tomem as contas referentes aos três anos em que
ocupa o ofício.

5 - DOCUMENTO
Data: 06 de dezembro de 1783
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 97, D. 7743.
Número de Páginas: 48
OFÍCIO do vereador do senado da câmara da cidade de São Luís do Maranhão,
Antonio Corrêa Furtado de Mendonça, para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar,
Martinho de Melo e Castro, em que o vereador afirma que o oficial da Fazenda e Feitos da
Alfândega, Antonio Rocha Araújo, seus colegas de senado, Antonio Gomes Pires e José
Salgado de Moscoso, assinaram os três uma representação em nome do senado da câmara
contra Vicente Ferreira Guedes, sem autorização dos outros membros do senado. Esta
representação foi entregue ao governador e capitão-general do Maranhão e Piauí, D. Antonio
de Sales e Noronha.

6 – DOCUMENTO
Data: 27 de maio de 1788
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 71, D. 6165
Número de Páginas: 09
REQUERIMENTO de Valério Xavier Campelo à rainha D. Maria I, em que solicita
apoio régio na contenda existente entre a sua pessoa e António Gomes Pires.

Antonio Gonçalves Prego:

1 - DOCUMENTO
Data: 18 de julho de 1779
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 83, D. 6808.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO de Joaquim Antonio Gonçalves Prego, filho legitimo de Anoónio
Gonçalves Prego, para a rainha D. Maria I, solicitando provisão da extinção do encargo que
possui por testamento de seu tio, João Rodrigues Galego.

Bento Pires Machado:

1 - DOCUMENTO
Data: 22 de outubro de 1762
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 53, D. 4862.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO de Bento Pires Machado para o rei D. José I, solicitando carta de
Confirmação de patente relativa ao exercício do posto de capitão de Infantaria de Auxiliares do
Terço da cidade de Belém do Pará.
Anexo:Carta patente dada pelo governado geral do Pará Manoel Bernardo de Melo e Castro
datada de 06 de junho de 1762.

2 - DOCUMENTO
Data: 21 de maio de 1765
277

Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5212.


Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO de Bartolomeu Ferreira para o rei D. José I, solicitando a
confirmação da carta patente do posto de capitão da Ordenança da vila da Vigia, que vagou por
promoção de Bento Pires Machado no posto de capitão de Infantaria Auxiliar da cidade de
Belém do Pará.
Anexo: Carta patente.

3 - DOCUMENTO
Data: 21 de outubro de 1768
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 61, D. 5473.
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO de Bento Pires Machado para o rei D. José I, solicitando a
confirmação de carta patente no posto de capitão de Infantaria Auxiliar do Terço criado na
cidade de Belém do Pará, de que é mestre de campo Marcos José Monteiro de Carvalho.
Anexo:Carta patente dada pelo governador geral Francisco da Costa de Ataide Teive datada de
16 de abril de 1768.

4 - DOCUMENTO
Data: 01 de março de 1771
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 66, D. 5725.
Número de Páginas: 09
OFÍCIOS (minutas) do governador e capitão general do Estado do Pará e Maranhão,
Fernando da Costa de Ataíde Teive de Sousa Coutinho, para o secretário de estado dos Negócios
do Reino e inspetor geral do Erário Régio, marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e
Melo, sobre as receitas e despesas da Provedoria da Fazenda Real da capitania do Pará,
apresentadas pelos almoxarifes Bento Pires Machado e Francisco Pereira de Abreu,
correspondendo aos rendimentos dos anos de 1766, 1768, 1769 e 1770.
Anexo: Relação.

Caetano Eleutério de Bastos:

1 - DOCUMENTO
Data: 04 de fevereiro de 1735
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D. 1606.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO do padre Caetano Eleutério de Bastos para o rei D. João V,
solicitando confirmação da carta de data e sesmaria relativa a um terreno situado junto ao rio
Guamá, que possui um quarto de legoa de comprimento e huma legoa de fundo e foi dado pelo
governador geral capitão-mor José da Serra. Segundo o requerimento, o suplicante pediu mais
terras em virtude de o terreno que já possui ser insuficiente para suas lavouras onde planta café.
Obs: Bilhete e carta de data e sesmaria e anexo, bilhete datado de 18 de março de 1735, sesmaria
datada de 1 de janeiro de 1734

2 - DOCUMENTO
Data: 23 de fevereiro de 1737
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 19, D. 1820
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO do presbítero do Hábito de São Pedro, padre Caetano Eleutério de
Bastos, morador na capitania do Pará, para o rei D. João V, solicitando confirmação de carta de
278

data e sesmaria de um terreno, com duas legoas de frente e duas legoas de fundo, situado nas
proximidades do rio Guapi, afluente do rio Arari, na ilha Grande de Joanes e dado pelo
governador geral capitão-mor José da Serra. O suplicante solicitou terras para a criação de gado
bovino.
Obs: Requerimento e carta de data e sesmaria em anexo, sesmaria datada de 17 de junho de
1735.

3 - DOCUMENTO
Data: 29 de novembro de 1744
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 27, D. 2561
Número de Páginas: 05
CERTIDÃO do cura apostólico da Santa Sé de Belém do Grão Pará, Caetano Eleutério
de Bastos confirmando o baptismo do clérigo Inácio Barbosa Martins.Anexo: bilhete e
requerimento.
Obs: Assentada do batismo transcrita, documento deteriorado.

4 - DOCUMENTO
Data: 21 de janeiro de 1752
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 33, D. 3090
Número de Páginas: 19
CARTA do desembargador e ouvidor do Maranhão, Manuel Sacramento, para o rei D.
José I, sobre os excessos cometidos contra o padre Caetano Eleutério de Bastos, pelo sargento
mor João Furtado de Vasconcelos, e seu pai, Antônio Furtado. O primeiro deu uma bofetada no
referido padre e o segundo atentou feri-lo com um pau.
Segundo o documento, o fato ocorrido deu-se na ocasião de uma visita pastoral que o
bispo D. Frei Miguel de Bulhões fez as capelas do rio guamá sendo acompanhado pelos padres
Caetano Eleutério e pelo Frei Teotônio Inácio de Azevedo. De acordo com o relato, estes
últimos conversavam na varanda da casa onde estavam hospedados, num sitio chamado São
Braz, quando foram surpreendidos pelos acusados.
No final do documento o desembargador e ouvidor do Maranhão, Manuel Sacramento,
pede que se proceda a devaça do acontecido, como modo de frear os excessos de desordens
comumente praticados pelos Furtado e Pantoja. No processo foram arroladas as seguintes
testemunhas: Manoel Machado, Bento Guedes, Bento de Figueiredo, Estevão da Silva Jaques,
capitão-mor Baltazar Barbosa, José Miguel Ayres, José de Amaral,
Obs: Requerimento, assento e cópia da provisão em anexo.

5 - DOCUMENTO
Data: 13 de maio de 1752
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 33, D. 3097
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do presbítero com o Hábito de São Pedro, padre Caetano Eleutério
de Bastos, morador na cidade de Belém do Pará, para o rei D. José I, solicitando que se junte o
presente requerimento aos demais papéis apresentados sobre o ataque que sofreu por parte do
sargento mor João Furtado de Vasconcelos, e de seu pai, Antônio Furtado.

6 – DOCUMENTO
Data: 24 de julho de 1753
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 35, D. 3237
Número de Páginas: 18
279

CONSULTA do Conselho Ultramarino para o rei D. José I, sobre o requerimento do


padre Caetano Eleutério de Brito, solicitando que se tire devassa dos procedimentos do sargento
mor João Furtado de Vasconcelos, e seu pai, o capitão mor Antônio Furtado de Vasconcelos.
A consulta sugere que os acusados devem cumprir pena na fortaleza de São José de Macapá até
segunda ordem.
Obs: Pareceres, cópia do requerimento, translado e certidões em anexo.

7 - DOCUMENTO
Data: 08 de julho de 1754
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3425
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do padre Caetano Eleutério de Bastos, morador na cidade do Pará,
para o rei D. José, solicitando confirmação de carta de data e sesmaria situada na Ilha Grande
de Joanes dadas pelo governador geral João de Abreu Castelo Branco, que constam de duas
legoas de campina para criação de gado bovino.

8 - DOCUMENTO
Data: 13 de fevereiro de 1755
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3485
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO do padre Caetano Eleutério de Bastos, natural do reino e morador
no Pará, para o rei D. José I, solicitando provisão para apelar na Relação da Corte contra uma
sentença Relativa ao seu engenho de cacau situado na região do rio Guamá.
Obs: Requerimento em anexo.

9 - DOCUMENTO
Data: 29 de agosto de 1759
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 45, D. 4132
Número de Páginas: 04
REQUERIMENTO do padre Caetano Eleutério de Bastos, habitante da cidade do Pará,
para o rei D. José I, solicitando medidas contra aqueles que lhe queimaram a casa de fornos e
suas lavouras, na Fazenda perto do rio Guamá e roubaram os seus servos. Segundo o relato, no
dia 7 de agosto de 1759 das sete para a oito da noite apareceu em sua propriedade hum preto de
nome Antonio, escravo do sargento-mor Antônio Roiz (Rodrigues) Martins, acompanhado de
muitas outras pessoas com armas de fogo e fizeram o que foi relatado acima.

10 - DOCUMENTO
Data: 29 de agosto de 1759
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 45, D. 4133
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do padre Caetano Eleutério de Bastos, morador na cidade do Pará,
para o rei D. José I, solicitando o envio dos autos de determinação da liberdade ou não da
escrava Ana Marinha, para a Mesa da Consciência e Ordens, onde devem ser apreciados e
sentenciados. Segundo o requerimento, o suplicante comprou a escrava no Maranhão e esta
após anos de serviço requeriu liberdade.

11 - DOCUMENTO
Data: 18 de junho de 1764
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 57, D. 5137
Número de Páginas: 14
280

OFÍCIO do juiz de fora e provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, José Feijó
de Melo e Albuquerque, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier
de Mendonça Furtado, sobre o sequestro dos bens do padre Caetano Eleutério de Bastos, e
queixando se dos procedimentos do vigário capitular do bispado do Pará, Giraldo José de
Abranches, que o acompanhou nesta diligência.
Obs: Vão estão todas as páginas do documento.

12 - DOCUMENTO
Data: 30 de novembro de 1765
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5243
Número de Páginas: 33
OFÍCIO do administrador do bispado do Pará, Giraldo José de Abranches, para o
secretário de estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre os
problemas ocorridos no Juízo da Provedoria dos Defuntos e Ausentes da capitania do Pará com
a realização do sequestro dos bens do padre Caetano Eleutério de Bastos, por ordem do tribunal
da Mesa de Consciência e Ordens, num total de 10:400$000 reis.
Obs: Certidão e auto em anexo.

13 - DOCUMENTO
Data: 21 de julho de 1766
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5277
Número de Páginas: 04
OFÍCIO do provedor da Fazenda Real, Defuntos e Ausentes da capitania do Pará, José
Feijó de Melo e Albuquerque, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, sobre a execução do sequestro dos bens do falecido, Padre
Caetano Eleutério de Bastos, tendo como testamenteiros Manuel Barbosa Martins e Padre
Leandro Caetano Ribeiro.
Obs: Cópia da carta em anexo.

14 - DOCUMENTO
Data: 26 de junho de 1767
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 60, D. 5356
Número de Páginas: 04
OFÍCIO do Padre Leandro Caetano Ribeiro para o secretário de estado da Marinha e
Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, solicitando o seu auxílio para receber os
bens que lhe foram deixados em testamento pelo padre Caetano Eleutério de Bastos.

Carlos Gemaque de Albuquerque:

1 - DOCUMENTO
Data: 13 de março de 1755
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 37, D. 3517.
Número de Páginas: 09
REQUERIMENTO do praça Carlos Gemaque de Albuquerque, natural e morador na
da capitania do Pará, para o rei D. José, solicitando dispensa do tempo que lhe falta para poder
ser promovido nos postos subalternos, tendo servido a Coroa a cerca de dois anos.
Anexo: bilhete e certidão.
Obs.: decreto inserido com rubrica do rei D. José.

2 - DOCUMENTO
281

Data: 11 de novembro de 1760


Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4375.
Número de Páginas: 03
OFÍCIO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o secretário de estado da Marinha
e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em que pede Aprovação para contrair
matrimonio com a filha do sargento mor Manuel José Henriques de Lima.

3 - DOCUMENTO
Data: 1760
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4400.
Número de Páginas: 02
DECLARAÇÃO do sargento mor Carlos Gemaque de Albuquerque, cavaleiro
professo na Ordem de Cristo, comprometendo se a produzir açúcar no engenho real que possuí
no rio Acará e a dar uma quantidade pré determinada à Fazenda Real da capitania do Pará, se
lhe forem concedidas pessoas para o trabalho nas suas lavouras.
Obs: No documento é citado a existência de duas fazendas de propriedade do sargento-mor
Carlos Gemaque de Albuquerque, onde se cria gado bovino (vacum) e cavalar, localizadas no
rio arari da Ilha Grande de Joanes. A cada triênio ele paga a Coroa uma quantidade de
aproximadamente quinhentas cabeças de gado.

4 - DOCUMENTO
Data: 04 de julho de 1771
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 50, D. 4553.
Número de Páginas: 03
OFÍCIO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o secretário de estado da Marinha
e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de agradecimentos pela atenção
demonstrada e pela recomendação que fez de si, ao governador e Capitão general do Estado do
Grão Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e Castro.

5 - DOCUMENTO
Data: 10 de outubro de 1767
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 80, D. 5378.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o rei D. José I,
solicitando a confirmação da carta patente no posto de sargento mor de um dos novos Terços
de Infantaria da Ordenança da cidade de Belém do Pará.
Anexo: Carta patente dada pelo governador geral Fernando da Costa de Ataide Teive em 04 de
junho de 1767.

6 – DOCUMENTO
Data: 23 de outubro de 1767
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 61, D. 5401
Número de Páginas: 02
OFÍCIO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o secretário de estado da Marinha
e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, solicitando a autorização régia para obter
o Hábito da Ordem de Cristo.

7 – DOCUMENTO
Data: 25 de outubro de 1768
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 61, D. 5478
282

Número de Páginas: 03
OFÍCIO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o secretário de estado da Marinha
e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, enviando lhe cumprimentos e felicitações.

8 – DOCUMENTO
Data: 11 de janeiro de 1770
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 65, D. 5582
Número de Páginas: 03
OFÍCIO de Carlos Gemaque de Albuquerque para o secretário de estado da Marinha
e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre a falta de algumas certidões
necessárias para a sua habilitação ao Hábito da Ordem de Cristo, nomeadamente a de batismo
do seu avô paterno, Carlos Gemaque.

9 – DOCUMENTO
Data: 06 de agosto de 1782
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 89, D. 7219
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO do sargento mor Carlos Gemaque de Albuquerque para a rainha
D. Maria I, solicitando a confirmação de carta de data e sesmaria de uma fazenda de gado vacum
localizada na paragem do Retiro de Santo Antônio e das Ilhas Panelas e Saperebá, ao Centro da
Ilha Grande de Joanes, no Estado do Pará.
Anexo: Carta de data e sesmaria dada pelo governador geral José Nápoles Telo de Menezes em
20 de março de 1781.

Custodio Alvarez Roxo:

1 - DOCUMENTO
Data: 11 de abril de 1726
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 09, D. 817.
Número de Páginas: 04
REQUERIMENTO do alferes da Companhia da Nobreza da capitania do Pará, Luís
de Oliveira Pantoja, para o rei [D. João V], solicitando a sua nomeação para o posto de capitão
da mesma Companhia.
Segundo o requerimento, o suplicante é bisneto do fidalgo Jerônimo Vila-Nova e
ocupa a patente de alferes a quatro anos tendo servido ao capitão-mor Custodio Alvarez Roxo
e ao governador do estado do Maranhão, João da Maia da Gama.

2 - DOCUMENTO
Data: 22 de outubro de 1740
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 23, D. 2211.
Número de Páginas: 12
CARTA do vigário geral do bispado do Pará e delegado do Reverendo Bispo na Junta
das Missões, Custódio Alvares Roxo, para o rei D. João V, sobre as dúvidas quanto ao decreto
do ano de 1734 ordenando que os ouvidores gerais conhecessem sumariamente as causas das
liberdades dos índios e das suas sentenças dessem apelação para a Junta das Missões, de onde
não haveria apelação nem agravo.
Obs: Requerimento e 2ª via em anexo.

3 - DOCUMENTO
Data: 22 de outubro de 1740
283

Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 23, D. 2211.


Número de Páginas: 03
CARTA do vigário geral do bispado do Pará e delegado do Reverendo Bispo na Junta
das Missões, Custódio Alvares Roxo, para o rei D. João V, sobre o pagamento da côngrua aos
vigários gerais do bispado do Pará, no valor de 80$000.

4 - DOCUMENTO
Data: 04 de março de 1742
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 24, D. 2286.
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO do vigário provincial da cidade do Pará, José Alves Roxo, para o
rei D. João V, solicitando confirmação de carta de data e sesmaria localizada junto ao rio Capim,
numa dimensão de duas legoas de terra de comprido e meia de largura dadas pelo governador
geral João de Abreu de Castelo Branco.

5 - DOCUMENTO
Data: 25 de outubro de 1743
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 26, D. 2438.
Número de Páginas: 04
CARTA de data de sesmaria do governador e capitão general do Estado do Maranhão
e Pará, João de Abreu de Castelo Branco, para Custódio Alves Roxo, em que concede a este
carta de data e sesmaria próxima ao rio Capim na dimensão de duas legoas de frente e huma de
centro dadas pelos governador geral João de Abreu de Castelo Branco.

6 - DOCUMENTO
Data: 22 de abril de 1744
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 27, D. 2514.
Número de Páginas: 09
REQUERIMENTO do vigário provincial da cidade de Belém do Pará, padre Custódio
Alves Roxo, presbítero do Hábito de São Pedro, para o rei D. João V, solicitando o aumento da
sua côngrua pelo exercício do cargo de vigário geral e juiz das Justificações, Casamentos
Capelas e Resíduos, bem como o cargo de governador geral do bispado
Os cargos de vigário provincial, vigário geral, juiz e governador do bispado foram confiados
aos suplicante, padre Custódio Alves Roxo, pelo bispo Dom Frei Guilherme de São José.
Obs: Auto em anexo.

7 - DOCUMENTO
Data: 24 de julho de 1769
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 64, D. 5556.
Número de Páginas: 12
REQUERIMENTO de Dionísia Gonçalves de Oliveira, moradora na cidade do Pará,
para rei D. José l, solicitando a confirmação da carta de doação de bens feita pelo padre doutor
Custódio Alves Roxo, tendo a suplicante sido criada pelo referido padre e a doação avaliada
em mais de duzentos cruzados.
Obs: Instrumento e requerimento em anexo, grande parte do documento ilegível.

8 - DOCUMENTO
Data: 24 de julho de 1769
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 64, D. 5556.
Número de Páginas: 12
284

9 - DOCUMENTO
Data: 29 de marco de 1803
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 124, D. 9576.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO do capitão Ambrósio Henriques, para o príncipe regente D. João,
solicitando provisão de prova da dívida contraída pelo padre Raimundo de Sousa, junto do
suplicante, a quando das obras da catedral da cidade de Belém do Pará, como testemunhou o
mestre escola o padre Custódio Álvares Roxo.

Feliciano José Gonçalves:

1 - DOCUMENTO
Data: 1777
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 78, D. 6512.
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO de Duarte da Costa de Melo e Sá, morador na cidade de Belém do
Pará e caixeiro do negociante Feliciano José Gonçalves Grosso, para a rainha D. Maria I,
solicitando a entrega de um escravo que fora preso, chamado Vitorino, nos termos dos autos do
processo que opõe o suplicante e a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos no Convento da
Graça.

2 - DOCUMENTO
Data: 20 de novembro de 1780
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 87, D. 7078.
Número de Páginas: 02
OFÍCIO de Feliciano José Gonçalves, procurador de Gonçalo José da Costa, para os
oficiais do Senado da Câmara da cidade de Belém do Pará, sobre o pedido de escravos
apresentado por Gonçalo José da Costa em troca da fábrica de açúcar nas suas duas fazendas e
plantações do Marajó, onde até então só tinha produzido arroz e criado gado bovino e cavalos.

3 - DOCUMENTO
Data: 20 de novembro de 1780
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 87, D. 7079.
Número de Páginas: 02
OFÍCIO de Feliciano José Gonçalves, como procurador de Domingos da Costa
Bacelar, para os oficiais do Senado da Câmara da cidade de Belém do Pará, sobre as
dificuldades enfrentadas por seu procurado em colocar em funcionamento uma fábrica de
açúcar, devido à falta de canaviais plantados, visto que as terras tinham sido utilizadas no
cultivo de arroz, bem como o plantel de escravos possuir muitos escravos velhos e menores.

4 - DOCUMENTO
Data: 26 de maio de 1783
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 90, D. 7301.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO de Ambrósio Henriques e Feliciano José Gonçalves, moradores
da cidade de Belém do Pará, para a rainha D. Maria I, solicitando provisão para mandar à
correção do crime da corte o atual juiz de fora da comarca do Pará, José Pedro Fialho de
Mendonça, autor de um libelo de injúrias proferidas contra os suplicantes.
Obs: Bilhete em anexo, bilhete datado de 26 de março de 1783.
285

5 - DOCUMENTO
Data: 02 de junho de 1788
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 97, D. 7743.
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO do alferes Feliciano José Gonçalves Alves para a rainha D. Maria
I, solicitando confirmação da carta patente do posto de capitão de Auxiliares da 8ª Companhia
do Terço da vila de Cametá, de que é mestre de campo João de Morais Bettencourt, vago por
falecimento de Manuel Antônio Xavier Botero. A carta patente foi dada pelo governador geral
Matinho de Souza e Albuquerque, datada de 21 de abril de 1787.
Obs: Carta patente em anexo.

6 – DOCUMENTO
Data: 05 de outubro de 1790
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 100, D. 7930
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO de Amândio José de Oliveira Pantoja para a rainha D. Maria I,
solicitando confirmação de carta patente dada pelo governador geral Dom Francisco de Souza
Coutinho, relativa ao posto de capitão da 5ª Companhia do Terço de Infantaria Auxiliar de
Cametá, por promoção de Feliciano José Gonçalves a capitão da 8ª Companhia do Terço de
Infantaria Auxiliar da Guarnição da cidade de Belém do Pará.
Na ocasião da carta patente, o suplicante era cadete do regimento de infantaria da
cidade de Belém, oficio ao qual serviu por sete anos. A solicitação é confirmada em 31 de
janeiro de 1791.
Obs.: Carta patente em anexo, carta datada de 02 de julho de 1790.

7 – DOCUMENTO
Data: 17 de agosto de 1796
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 107, D. 8474
Número de Páginas: 22
CONSULTA do Conselho Ultramarino para a rainha D. Maria I, sobre o requerimento de
Feliciano José Gonçalves, solicitando confirmação da carta de patente no posto de capitão
comandante da nova companhia de cavalaria da cidade de Belém do Pará, dada pelo governador
geral Dom Francisco de Souza Coutinho.
Obs: Lembrete, carta patente e requerimentos em anexo, carta patente datada de 1 de outubro
de 1794

8 – DOCUMENTO
Data: 01 de junho de 1801
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 119, D. 9198
Número de Páginas: 03
DECRETO do príncipe regente D. João, nomeando Feliciano José Gonçalves, para o
posto de capitão agregado do 1º Regimento de Milícias da cidade de Belém do Pará.

9 – DOCUMENTO
Data: 09 de setembro de 1801
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 120, D. 9228
Número de Páginas: 02
AVISO do secretário de estado da Marinha e Ultramar visconde de Anadia, D. João
Rodrigues de Sá e Melo, para o conselheiro do Conselho Ultramarino barão de Moçâmedes,
286

Manuel de Almeida Vasconcelos Soveral de Carvalho da Maia Soares de Albergaria, sobre a


reforma da consulta relativa ao requerimento do capitão de Cavalaria da cidade de Belém do
Pará, Feliciano José Gonçalves, ordenado pelo príncipe regente D. João.

Felipe Jaime Antônio:

1 - DOCUMENTO
Data: 17 de janeiro de 1770
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 65, D. 5586.
Número de Páginas: 03
OFÍCIO do vigário capitular do bispado do Pará, Giraldo José de Abranches, Para o
secretário de estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre o
transporte de alguns eclesiásticos, subdiácono José Ferreira Barreto, Filipe Jaime Antonio,
naturais e moradores na cidade de Belém do Pará, e Manuel Álvares Pereira, natural do bispado
da Guarda, a bordo dos navios da Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão,
com destino ao Reino. A razão da viagem é para que o primeiro receba as ordens do diaconato
e do presbiterado, e os demais as ordens menores.

2 - DOCUMENTO
Data: 20 de dezembro de 1785
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 95, D. 7535.
Número de Páginas: 21
REQUERIMENTO do presbítero secular e capelão do Regimento da praça de São José
do Macapá, Filipe Jaime António, para o governador e capitão general do Estado do Pará e Rio
Negro, Martinho de Sousa e Albuquerque, solicitando uma atestação da Fazenda Real
comprovativa do serviços que prestou como pároco das freguesias dos lugares de Barcarena e
São Domingos da Boavida, junto ao rio Guamá.
Anexo: Certidão e público instrumento.

3 - DOCUMENTO
Data: 21 de abril de 1787
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 96, D. 7641.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO do presbítero secular da cidade de Belém do Pará, Filipe Jaime
Antonio, para a rainha D. Maria I, solicitando a concessão de baixa do serviço de capelão do
Regimento daquela cidade para se poder juntar a sua família.

4 - DOCUMENTO
Data: 11 de outubro de 1792
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 102, D. 8088.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO do presbítero secular Felipe Jaime para a rainha D. Maria I,
solicitando carta patente de presbítero secular na Capelania do Regimento da praça de São José
do Macapá, por falecimento do padre Inácio José Pestana.
Anexo: Portaria datada de 08 de janeiro de 1784.

5 - DOCUMENTO
Data: 12 de junho de 1793
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 103, D. 8158.
Número de Páginas: 07
287

REQUERIMENTO do padre Filipe Jaime António para a rainha D. Maria I,


solicitando a carta de confirmação no cargo de capelão do Regimento da praça do Macapá.
Anexo: Certidão e carta patente datada de 6 de fevereiro de 1793

6 – DOCUMENTO
Data: 02 de agosto de 1798
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 113, D. 8767
Número de Páginas: 84
REQUERIMENTO do cabo de esquadra da Companhia de Granadeiros do 1º
Regimento de Milícias da cidade de Belém do Pará, João Lopes da Silva, e de sua mulher, Joana
Maurícia Leocádia, naturais da freguesia de São Cristóvão, termo de Barcelos do arcebispado
de Braga, para a rainha D. Maria I, solicitando o perdão de uma denúncia feita sobre a queima
de uma estátua na festa de São João, pelo padre capelão do Regimento de São José do Macapá,
Filipe Jaime Antonio.
Anexo: Auto, aviso e lembretes.

7 – DOCUMENTO
Data: 07 de janeiro de 1800
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 117, D. 8981
Número de Páginas: 156
PARECER do Conselho Ultramarino, sobre o requerimento de Joana Maurícia
Leocádia e seu marido, o cabo de esquadra João Lopes da Silva, solicitando justiça pela queima
de uma imagem de seu marido, numa festa de São João, sob o olhar cúmplice do capelão do
Regimento de São José do Macapá, Felipe Jaime António.
Anexo: ofícios, requerimentos e autos.

8 – DOCUMENTO
Data: 04 de abril de 1804
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 129, D. 9896
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO do padre Filipe Jaime Antonio, para o príncipe regente D. João,
solicitando a mercê de sua aposentadoria no posto de capitão do Regimento de Linha da Praça
de São José do Macapá no Estado do Pará.
Anexo: lembretes e requerimento.

9 – DOCUMENTO
Data: 06 de junho de 1807
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 141, D. 10663
Número de Páginas: 02
OFÍCIO do secretário do Conselho Ultramarino, Francisco de Borja Garção Stockler,
para o secretário do Estado da Marinha e Ultramar, visconde de Anadia, D. João Rodrigues de
Sá e Melo, sobre o requerimento do padre Filipe Jaime António, solicitando uma segunda via
da patente.

Felipe Joaquim Rodrigues:

1 - DOCUMENTO
Data: 24 de janeiro de 1750
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 31, D. 2949.
Número de Páginas: 02
288

REQUERIMENTO do presbítero do Hábito da Ordem de São Pedro e mestre de Escola do


Bispado do Grão Pará, padre Filipe Joaquim Rodrigues, para o rei D. João V, solicitando alvará
de mantimentos.

Gaspar Álvares Bandeira:

1 - DOCUMENTO
Data: 03 de abril de 1761
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4427.
Número de Páginas: 08
REQUERIMENTO de Gaspar Álvares Bandeira, morador na cidade de Belém do Pará,
para o rei D. José I, solicitando provisão para poder administrar a herança de seu falecido pai,
Estevão Álvares Bandeira. Na ocasião do pedido, o suplicante contava com vinte e dois anos.
Anexos: Bilhete e instrumento de justificação.
Obs: Documento em grande parte ilegível.

2 - DOCUMENTO
Data: 02 de junho de 1761
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 49, D. 4471.
Número de Páginas: 03
REQUERIMENTO de Mariana de Sousa e Faria, moradora na cidade de Belém do
Pará e viúva de Estevão Alvares Bandeira, para rei D. José I, solicitando Provisão para ser tutora
e administradora dos bens de seus filhos e uma filha que é menor de idade.

Inácio José pestana:

1 - DOCUMENTO
Data: 11 de outubro de 1792
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 102, D. 8088.
Número de Páginas: 05
REQUERIMENTO do presbítero secular Felipe Jaime para a rainha D. Maria I,
solicitando carta patente de presbítero secular na Capelania do Regimento da praça de São José
do Macapá, por falecimento do padre Inácio José Pestana.
Anexo: Portaria datada de 08 de janeiro de 1784.

João Pedro Gomes:

1 - DOCUMENTO
Data: 03 de outubro de 1739
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 25, D. 2600.
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do cônego da Sé do Maranhão, João Pedro Gomes, ao rei D. João
V, solicitando alvará de mantimentos.

2 - DOCUMENTO
Data: 07 de julho de 1759
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 39, D. 3821.
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do padre João Pedro Gomes ao rei D. José I, solicitando alvará de
mantimentos.
289

3 - DOCUMENTO
Data: 20 de março de 1769
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4247.
Número de Páginas: 24
OFÍCIO do governador da capitania do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, enviando
o primeiro agravo que entrepôs o cônego João Pedro Gomes ao vigário capitular, padre Pedro
Barbosa Canais, para o exercício do cargo de serviço do auditório eclesiástico.

4 - DOCUMENTO
Data: 20 de março de 1769
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4248.
Número de Páginas: 21
OFÍCIO do governador da capitania do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, remetendo
o segundo agravo que entrepôs o cônego João Pedro Gomes ao vigário capitular, padre Pedro
Barbosa Canais, para que este o deixe servir no cargo de escrivão do auditório eclesiástico.

5 - DOCUMENTO
Data: 20 de março de 1769
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4249.
Número de Páginas: 20
OFÍCIO do governador da capitania do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
remetendo em anexo cópia do quinto agravo que entrepôs o cônego João Pedro Gomes na
Coroa, para que o padre Pedro Barbosa Canais o deixe servir o ofício de escrivão.

6 – DOCUMENTO
Data: 20 de março de 1769
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4250
Número de Páginas: 11
OFÍCIO do governador da capitania do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
remetendo em anexo cópia do quinto agravo que entrepôs o cónego João Pedro Gomes na
Coroa, para que o padre Pedro Barbosa Canais o deixe servir o ofício de escrivão.

7 – DOCUMENTO
Data: 12 de setembro de 1769
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 43, D. 4274
Número de Páginas: 03
OFÍCIO do cônego João Pedro Gomes para o secretário de Estado da Marinha e
Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em que dá conta dos agravos que fez junto
ao juiz da Coroa em relação à postura do vigário capitular, padre Pedro Barbosa Canais.

8 – DOCUMENTO
Data: 17 de setembro de 1789
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 74, D. 6388
Número de Páginas: 17
290

OFÍCIO do cônego João Pedro Gomes para o secretário de Estado da Marinha e


Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sobre o procedimento do governador e capitão-general
do Maranhão e Piauí, Fernando Pereira Leite de Foios, que mandou fazer uma cessão nas terras
que lhe pertenciam em favor do índio Dionísio da Silva.

9 – DOCUMENTO
Data: 05 de maio de 1795
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 86, D. 7226
Número de Páginas: 03
OFÍCIO (cópia) de Bonifácio José Lamas e José Vieira da Silva para o cônego João
Pedro Gomes, sobre o envio da folha eclesiástica à Contadoria da Real Fazenda, solicitando o
pagamento de uma certa quantia.

10 – DOCUMENTO
Data: 09 de outubro de 1801
Referência: AHU _ACL_CU_009, Cx. 118, D. 9105
Número de Páginas: 07
OFÍCIO do vigário-geral e provisor do bispado do Maranhão, arcediago Antonio
Coelho Zuzarte, para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, visconde de Anadia, João
Rodrigues de Sá e Melo Souto Maior, a informar a morte do bispo do Maranhão D. Joaquim
Ferreira de Carvalho, e a eleição do novo vigário capitular, cônego João Pedro Gomes.

Lourenço Álvares Roxo:

1 - DOCUMENTO
Data: 27 de janeiro de 1730
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1084.
Número de Páginas: 02
REQUERIMENTO do padre Lourenço Álvares Roxo de Potflis para o rei D. João V,
solicitando provisão de mantimentos na conezia da ordem presbiteral e magistral da Sé da
cidade de Belém do Grão Pará.

2 - DOCUMENTO
Data: 17 de setembro de 1730
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 12, D. 1139.
Número de Páginas: 25
CARTA do cônego magistral do Bispado do Pará, Lourenço Álvares Roxo, e do
cônego de Nossa Senhora da Graça, António Rodrigues Pereira, para o rei D. João V, sobre sua
satisfação e agradecendo por terem recebido suas côngruas e queixando se do provedor da
Fazenda Real daquela capitania, Luís Barbosa de Lima, por ainda os não ter pago.
Anexo: parecer (minuta), provisão (cópia), aviso e auto.

3 - DOCUMENTO
Data: 18 de setembro de 1731
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1199.
Número de Páginas: 11
CARTA do vigário geral do bispado do Grão Pará, Lourenço Álvares Roxo, para o rei
D. João V, sobre o mau comportamento do padre Julião dos Santos, afirmando que tomou todas
as medidas para que aquele padre fosse preso e, como não o conseguiu, solicita seu degredo.
Anexo: ofícios e certidões.
291

4 - DOCUMENTO
Data: 18 de setembro de 1731
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1200.
Número de Páginas: 02
CARTA do vigário geral do bispado do Grão Pará, Lourenço Álvares Roxo, para o rei
D. João V, queixando se do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Luís Barbosa de
Lima, e dos contratadores, por não efetuarem o pagamento da côngrua que lhe é devida,
relatando as medidas que precisa de tomar para reaver seu dinheiro todos os anos.

5 - DOCUMENTO
Data: 21 de setembro de 1732
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 14, D. 1280.
Número de Páginas: 03
CARTA do governador e capitão general do Estado do Maranhão, José da Serra, Para
o rei D. João V, em resposta à provisão de 10 de Janeiro de 1732, acerca do mau comportamento
do padre Julião dos Santos, informando que o vigário geral do bispado do Pará, padre Lourenço
Álvares Roxo não o mandou prender porque não existe cadeia nem fortaleza fechada

.6 – DOCUMENTO
Data: 05 de fevereiro de 1733
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 15, D. 1358
Número de Páginas: 06
REQUERIMENTO de Custódio Álvares Roxo para o rei D. João V, solicitando
Confirmação de carta de data e sesmaria próxima ao rio Curaci Mirim.
Anexo: bilhete e carta de data e sesmaria.

7 – DOCUMENTO
Data: 25 de setembro de 1733
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx 14, D. 1438.
Número de Páginas: 03
CARTA dos membros do cabido de Nossa Senhora da Graça de Belém do Grão Pará,
arcipreste Luís Borges e do cônego magistral, Lourenço Álvares Roxo ao rei D. João V, sobre
o cumprimento das declarações feitas pelo falecido Bispo do Estado do Maranhão, D. fr.
Bartolomeu de Pilar acerca dos seus bens.

8 - DOCUMENTO
Data: 18 de fevereiro de 1737
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 19, D. 1817.
Número de Páginas: 10
REQUERIMENTO do procurador e irmãos da Santa Casa de Misericórdia da cidade
de Belém do Pará para o rei D. João V, solicitando provisão de Confirmação de um acórdão do
ex provedor da Fazenda Real, Lourenço Alvares Roxo, segundo o qual as taxas de entradas dos
irmãos e deixas de esmolas só deveriam ser aplicadas para a conservação do hospital, para o
fornecimento da sacristia e de esmolas aos pobres.
Anexo: bilhete e auto.

9 - DOCUMENTO
Data: 07 de novembro de 1737
Referencia: AHU_ACL_CU_013, Cx. 20, D. 1914.
292

Número de Páginas: 09
CARTA do ouvidor geral da capitania do Pará, Salvador de Sousa Rebelo, para o rei
D. João V, em resposta à provisão de 26 de Fevereiro de 1737, dando parecer favorável ao
acordo estabelecido entre o provedor dos Defuntos e Ausentes do Pará, Lourenço Alvares Roxo,
e os irmãos da Santa Casa de Misericórdia da cidade de Belém do Pará, para que as esmolas
deixadas pelos irmãos da Santa Casa sirvam de recursos para a manutenção do hospital da
sacristia e para o Acolhimento dos pobres.
Anexo: recibo e auto de justificação.

10 – DOCUMENTO
Data: 22 de outubro de 1740
Referência: AHU _ACL_CU_013, Cx. 23, D. 2211.
Número de Páginas: 12
CARTA do vigário geral do bispado do Pará e delegado do Reverendo Bispo na Junta
das Missões, Custódio Alvares Roxo, para o rei D. João V, sobre as dúvidas quanto ao decreto
do ano de 1734 ordenando que os ouvidores gerais conhecessem sumariamente as causas das
liberdades dos índios e das suas sentenças dessem apelação para a Junta das Missões, de onde
não haveria apelação nem agravo.
Anexo: Requerimento e 2ª via.
Obs.: Requerimento e ofícios em anexo.

Manoel Álvares Chaves:

1 - DOCUMENTO
Data: 23 de fevereiro de 1771
Referência: AHU_ACL_CU_013, Cx. 66, D. 5716.
Número de Páginas: 03
OFÍCIO do juiz de Fora e provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Francisco
Xavier Ribeiro de Sampaio, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de
Melo e Castro, sobre A prisão de um escravo preto chamado Francisco, vindo e natural da
Bahia, pertencente a Manuel Joaquim Pereira de Sousa Feio, que se refugiara no convento de
Nossa Senhora das Mercês da cidade de Belém do Pará e apreendido pelo mercador daquela
cidade, Manuel Álvares Chaves.

2 - DOCUMENTO
Data: 01 de março de 1771
Referência: AHU_ACL_CU_009, Cx. 66, D. 5724.
Número de Páginas: 15
OFÍCIO do vigário capitular do bispado do Pará e inquisidor, Giraldo José de
Abranches, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro,
sobre a denúncia apresentada pelo mercador da cidade de Belém do Pará e familiar do Santo
Ofício, Manuel Álvares Chaves, contra o preto crioulo, Francisco da Costa Xavier, filho dos
pretos Caetano da Costa Braga e Rosa Maria do Rosário, natural da freguesia da Sé da Bahia,
e escravo do ourives e tesoureiro dos bens dos Defuntos e Ausentes da Misericórdia da cidade
baiana, João da Costa Xavier, e vendido mais tarde ao sargento mor da cidade do Pará, Manuel
Joaquim de Sousa Feio, acusando o de ter fingido a sua comunhão, no momento em que o padre
sacristão frei Manuel Inácio da Maia administrava os sagrados sacramentos na igreja do
Convento de Nossa Senhora das Mercês na cidade do Pará; e a devassa que mandou tirar aos
procedimentos do dito crioulo Pelo sucedido e ainda pelo crime de apostasia; remetendo o caso
Para o Conselho Geral do Santo Ofício para ser sentenciado.
293

Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM)

REFERÊNCIA TIPO
APEM, 175. Livro de Registros de Ordenações 1718-1789
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE
Licença para vender terras
DO MARANHÃO, CX. 3, DOC. 37
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE
Habilitação de Genere
DO MARANHÃO CX. 45, DOC. 1619
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE
Habilitação Vita et Moribus
DO MARANHÃO CX. 64, DOC. 2128
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE
Autos da Câmara Eclesiástica – Registro de Provisões
DO MARANHÃO, LV. 81-83
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE Autos da Câmara Eclesiástica – Registros do Cabido
DO MARANHÃO LV. 183-184 da Catedral da Sé
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE Autos da Câmara Eclesiástica – Registro de provisões,
DO MARANHÃO LV. 189-190 alvarás e todos os documentos da cúria
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE Autos da Câmara Eclesiástica – Registro gerais da
DO MARANHÃO LV. 195-197 Câmara episcopal
Autos da Câmara Eclesiástica – Registro das
APEM, ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE
Freguesias do Maranhão e seus respectivos colados e
DO MARANHÃO LV. 336
coadjutores

Arquivo da Cúria Metropolitana de Belém do Pará

REFERÊNCIA TIPO
LV. 01 Registro de Provisões – 1722-1861
294

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Agricultura no delta do rio Amazonas: colos produtores
de alimentos em Macapá no período colonial. Novos cadernos NAEA, v. 8, n. 1 – p. 073-144,
2005.

ALARCÃO, Jorge Alarcão. O Domínio Romano em Portugal. Mem Martins: Europa América,
1995.

ALMEIDA, Eduardo Fortunato de. História de Portugal – Vol. I e II. Lisboa: Bertrand Editora,
2004.

ALMEIDA, Francisca Maria Vieira Pinto Pires de. O Baptismo em Portugal entre a Idade
Média e o século XVIII. Dissertação de mestrado em História apresentada à Universidade do
Minho, 2012.

ALMEIDA, Francisca Pires. O ritual do batismo em Portugal na Baixa Idade Média e nos
inícios do século XVI, Medievalista [Online], 16, 2014.

ANDRÉS – GALLEGO, José. História da gente pouco importante: América e Europa até 1789.
Lisboa: Editorial Estampa, 1993.

ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. O sistema agrário do Vale do Tocantins colonial:


Agricultura para consumo e para exportação. Proj. História, São Paulo, (18), 1999.

ARAGÃO, Maximiano Pereira da Fonseca e. Viseu (Apontamentos Historicos). Tomo I, Tomo


II, Vizeu, 1894.

ARAÚJO, Sarah dos Santos. À espreita do sentimento: Rastros do medo e cotidiano no contexto
da ação Inquisitorial no Grão-Pará (1760-1773). Dissertação de mestrado apresentada à
Universidade Federal do Amazonas, 2015.

ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Um oceano de culpas (?)... Réus e perseguidos do Brasil no
Inquisição portuguesa. MATTOS, Yllan; MUNIZ, Pollyanna G. Mendonça. Inquisição e
justiça eclesiástica. Jundiaí: Paco Editorial, 2013.

ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Inquisição, religiosidade e transformações culturais: a


sinagoga das mulheres e a sobrevivência do judaísmo feminino no Brasil colonial - Nordeste,
séculos XVI-XVII. Rev. bras. Hist. 2002, vol.22, n.43, p.47-66.

ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. As ‘mulheres-rabi’ e a Inquisição na Colônia: narrativa de


resistência judaica e criptojudaísmo feminino – os Antunes, macabeus da Bahia (séculos XVI-
XVII). In: VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno e LAGE Lana (orgs.). A Inquisição em
Xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006.

ASSIS, Ângelo Adriano Farias de. Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia.
São Paulo: Alameda, 2012.

ASSIS, Ângelo Adriano Farias de. Israel no Trópico? Mulheres criptojudias e identidades
religiosas no Brasil colonial. Cadernos De Língua E Literatura Hebraica, (10), 2012, 195-208.
295

AZEVEDO, Rui de. Período de formação territorial: expansão pela conquista e sua
consolidação pelo povoamento. As terras doadas. Agentes colonizadores. In: BAIÃO, António
Baião (Org.). História da Expansão Portuguesa no Mundo. Lisboa: Ática, 1937.

AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade do Salvador. Salvador: Editora Itapuã, 1969.

AZZI, Riolando. A Instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: HOURNET,
Eduardo; AZZI, Riolando; GRIJP, Klaus van der; BROD, Benno. História da Igreja no Brasil:
Primeira Época – Período Colonial. Petrópolis: Editora Vozes, 2008, p. 155-234.

BAIÃO, António. A Inquisição em Portugal e no Brasil – Subsídios para a sua história. Lisboa:
Edição do Arquivo Histórico Português, 1921.

BARON, Solo W. História e historiografia do povo judeu. São Paulo: Editora Perspectiva,
1974.

BARROSO, Daniel Souza; SALES, Mábia Aline Freitas. Migração portuguesa, atividades
mercantis e escravidão: a trajetória de um negociante de grosso trato no Grão-Pará oitocentista.
In: SARGES, Maria de Nazaré; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; AMORIM, Maria Adelina.
(Org.). O Imenso Portugal: estudos luso-amazônicos. 1ed.Belém/PA: Cátedra João Lúcio de
Azevedo, 2019, v. 1, p. 99-118.

BASURKO, Xabier. Historia de la Liturgia. Barcelona: Centre de Pastoral Litúrgica, 2006.

BATISTA, Augusto Cesar de Souza. Por baixo da mesa da visitação do Santo Oficio em Belém:
os delatantes (1763-1769). Monografia apresentada à Universidade Federal do Pará, 2012.

BAUMGARTNER, Mireille. A Igreja no ocidente: das origens às reformas do século XVI.


Lisboa: Edições 70, 2015.

BENNASSAR, Bartolomé. El poder inquisitorial. In: BENNASSAR, Bartolomé (Org.).


Inquisición española: poder político y control social. Barcelona: Grijalbo, 1984.

BETHENCOURT, Francisco. Configurações políticas e poderemos locais. In:


BETHENCOURT, Francisco & CURTO, Diogo Ramada (dir.). A Expansão marítima
portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010.

BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália séculos XV-
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BETHENCOURT, Francisco. Inquisição e controle social. História Crítica, 1987, p. 5-18.

BETHENCOURT, Francisco. Racismos: das cruzadas ao século XX. Lisboa: Temas e Debates
– Círculo dos Livros, 2015.

BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
296

BOSCHI, Caio. As visitas diocesanas e a Inquisição na Colônia. In: Atas do I Congresso Luso-
Brasileiro sobre Inquisição. vol 2. Lisboa: Universitária Editora, 1989.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

BOXER, Charles. A Igreja militante e a expansão Ibérica (1440-1770). São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.

BOXER, Charles. O Império marítimo português 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 2014.

BRAGA, Isabel A. R. Mendes Drumond. Entre Portugal e o Brasil ao serviço da Inquisição: o


percurso de Geraldo José de Abranches (1771-1782). In: Retrato do Império – Trajetórias
individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006.

BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. Bens de Hereges: Inquisição e Cultura Material


Portugal e Brasil (séculos XVII e XVIII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,
2012.

BULST, Neithard. Sobre o objeto e o método da prosopografia. Politeia: Hist. e Soc., v. 5, n.


1, p. 47-67, 2005.

CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil


Colonial. Bauru: EDUSC, 2006.

CALAINHO, Daniela. Pelo reto ministério do Santo Ofício: falsos agentes inquisitoriais no
Brasil colonial. In: VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno; LAGE, Lana, (Orgs). Inquisição
em Xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006.

CAMPOS, Pedro Marcelo Pasche de. Inquisição, magia e sociedade: Belém do Pará, 1763-
1769. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal Fluminense, 1995.

CÁRCEL, Ricardo García & ORTA, Josep Palau I. Reforma y Contrareforma católicas. In:
PENÃ, Antonio Luis Cortés (coord). Historia del Cristianismo – III. El Mundo Moderno.
Madrid: Editorial Trotta – Universidad de Granada, 2006.

CARDONA, Paula Cristina Machado. Viana do Castelo. Uma cidade, um rio e o mar,
interpretação das dinâmicas urbanísticas. Actas do Seminário Centros Históricos: Passado e
Presente, p. 151-164.

CARDOSO, António Barros. Os mercadores ingleses no Porto e os mercados atlântico e


mediterrânico (séc. XVIII). In: Actas dos VIII Congresso da Associación Española de
Historia Económica, Santiago de Compostela, 2005.

CARNEIRO, Manuel Borges. Direito civil de Portugal contendo três livros: I das pessoas, II
das cousas, III das obrigações e ações. Livro III. Lisboa: Typ. Maria da Madre de Deus, 1858.

CARVALHO JR, Almir Diniz de. Índios Cristãos: Poder, Magia e Religião na Amazônia
Colonial. Curitiba: CRV, 2017
297

CARVALHO, A. L. Os Mesteres de Guimarães – Vol III. Barcelos: Tipografia Oficina São


José, 1951.

CARVALHO, Joaquim Ramos de. Jurisdição episcopal sobre leigos em matéria de pecados
públicos: as visitas pastorais e o comportamento moral das populações portuguesas de Antigo
Regime. Revista Portuguesa de História, 1988, 24, p. 121-163.

CARVALHO, Joaquim; PAIVA, José Pedro. A evolução das visitas pastorais da Diocese de
Coimbra. Ler História, n. 15, 1989, p. 29-41.

CARVALHO, Leila Alves de. Os Cadernos do Promotor: as ações do Tribunal do Santo Ofício
no Maranhão e Grão-Pará (1640-1750). Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade
Federal do Pará, 2018.

CASTELAO, Ofelia Rey. Crisis familiares y migraciones em la Galicia del siglo XVIII desde
uma perspectiva de género. Studia Historica – Historia Moderna, Ediciones Universidad de
Salamanca, vol. 38, n. 2, 2016, p. 201-236.

CEREJEIRA, Manuel Gonçalves. O Renascimento em Portugal. Clenardo e a Sociedade


Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 1974.

CHAGAS, Paula Roberta; FILHO, Paulo STANCZYK. Um método em questão: as ‘estratégias


do bem viver’ das elites em regiões periféricas do Brasil setecentista. In: GUIRARDI, Mónica;
JIMÉNEZ, Francisco Chacón (Ed.). Dinámicas familiares em el contexto de los Bicentenarios
Latinoamericanos. CIECS (CONICET – UNC), 2010, p. 209-242.

CHAGAS, Paula Roberta; NADALIN, Sérgio Odilon. Para o mundo e para a eternidade: idade
do batismo nas atas paroquiais (Curitiba, séculos XVIII-XIX). In: Anais do Encontro Nacional
de Estudos Populacionais, 2008.

CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: As missas e a vivência leiga do


Catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: EDUSP, 2008.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Os jesuítas e o ensino na Amazônia Colonial. Revista Aberto,


Brasília, v. 21, n. 78, p. 77-91, dez. 2007.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação


da Amazônia seiscentista. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, n. 6, 2006.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, Ocupação e Agricultura na Amazônia Colonial


(1640-1706). Belém: Editora Açaí, 2010.

CHARLE, Christophe. A prosopografia ou biografia coletiva: balanço e perspectivas. In:


HEINZ, F. (Org.). Por Outra História das Elites. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 2006.

CHAVES, Castelo Branco; MERVEILLEUX, Charles Frédéric; SAUSSURE, César de. O


Portugal de D. João V visto por Três forasteiros. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989.

CINTRA, Luís Lindley. Sobre as formas de tratamento da Língua Portuguesa. Lisboa: Livros
Horizonte, 1986.
298

CODES, Ana Isabel López-Salazar. Familia y parentesco em la Inquisición portuguesa: el caso


del Consejo General (1569-1821). In: CODES, Ana Isabel López-Salazar; OLIVAL, Fernanda;
RÊGO, João Figuerôa (coords.) Honra e Sociedade no mundo ibérico e ultramarino –
Inquisição e Ordens Militares: séculos XVI-XIX. Lisboa: Caleidoscópio, 2013.

CODES, Ana Isabel López-Salazar. La cuestión de la naturaleza de los ministros del Santo
Oficio portugués. De las disposiciones legislativas a la práctica cotidiana. Madrid: Revista
Española de Historia, vol.71, no. 239 ,2011, p. 691–714.

CONTRERAS, Jaime. El Santo Oficio de la Inquisición de Galicia: poder, sociedade y cultura.


Madrid: Akal Editora, 1989.

CONTRERAS, Jaime. La infreestrutura social de la Inquisición: comissários y familiares. In:


ALCALÁ, Angel (org.). Inquisición española y mentalidade inquisitorial. Barcelona: Ariel,
1983.

CORDEIRO, Carlos; MADEIRA, Artur Boavida. A emigração açoriana para o Brasil (1541-
1820): uma leitura em torno de interesses e vontades. Arquipélago – História, Revista da
Universidade dos Açores, 2ª série, vol. 7, 2003.

COSME, João dos Santos Ramalho. A actuação Inquisitorial na Margem Esquerda do Guadiana
(1640-1715), Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 4, 2004.

COSME, João. A emigração para o Brasil através das habilitações do Santo Ofício (1640-1706).
In: A União Ibérica e o Mundo Atlântico. Lisboa: Colibri, 1997, p. 195-216.

COSME, João dos Santos Ramalho. La Inquisición en el bajo Guadiana Português (Moura,
Mourão, Olivenza y Serpa) desde 1640 hasta 1715. In: COSME, João; VIEIRA, Rui Rosado.
La Inquisición en el Guadiana Fronterizo. Olivenza: EXMo. Ayuntamiento / Indugrafic, 2006.

COSTA, Avelino de Jesus. O bispo D. Pedro e a organização da arquidiocese de Braga. Braga:


Irmandade de S. Bento da Porta Aberta, 1997.

CRUZ, António João. A teia de um crescimento. Viseu do séc. XVI ao séc. XX. In: Programa
da Feira Franca de S. Mateus, Viseu, 1986.

CRUZ, António João. Sobre os rendimentos do bispado no séc. XVII. A Voz das Beiras, 399,
1982.

CRUZ, António João. Viseu. A cidade do Barroco. História, 77, 1985, p. 56-61; CASTILHO,
Liliana. A cidade de Viseu nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutoramento em História da Arte
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

CUNHA, Juliana da Mata. Vicissitudes de um servidor do Santo Ofício no Estado do Grão-


Pará (1763-1772). Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará,
2001.

CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes
clientelares. Lisboa: Editorial Estampa, 2000.
299

CUNHA, Mafalda Soares da. A Europa que atravessa do Atlântico (1500-1625). In:
FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil colonial – Vol I. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2014.

DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas – Volume 1. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2004.

DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da Renascença e da Reforma. São Paulo: Quadrante, 1999.

DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos tempos clássicos. São Paulo: Quadrante, 2001.

DAVEAU, Suzanne. Portugal Geográfico. Lisboa: Edição de João Sá da Costa, 1995.

DIAS, João Alves. A Beira Interior em 1496. Sociedade, Administração e Demografia. Ponta
Delgada: Universidade dos Açores, 1982.

DIAS, Juan Jambert. A Inquisição no Pará: um estudo sobre o imaginário religioso. Monografia
de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará, 1997.

DOMINGUES, Evandro. A pedagogia da desconfiança. O estigma da heresia lançado sobre


as práticas de feitiçaria colonial durante a Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará
(1763-1772). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Campinas, 2001.

DOSSE, Francois. O desafio biográfico. Escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.

DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.

DURÃES, Margarida. Herdeiros e não herdeiros: nupcialidade e celibato no contexto da


propriedade enfiteuta. Separata da Revista de História Econômica e Social, 1988.

DURÃES, Margarida. No fim, não somos iguais: estratégias familiares na transmissão da


propriedade e estatuto social. Boletín de la Asociación de Demografia Histórica, X, 3, 1992, p.
129-130.

EDLER, Flavio Coelho. Saber médico e poder profissional: do contexto luso brasileiro ao Brasil
imperial. In: PONTES, Carlos Fidélis; FALLEIROS, Ialê (org.). Na corda bamba da
sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010

ELIAS, Nobert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo:
Ed. Globo, 1975.

FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias. A Madeira nos Arquivos da Inquisição. In:
Colóquio Internacional de História da Madeira, 1986, vol. 1, Funchal, Governo Regional da
Madeira, 1989, p. 689-739.

FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias. Os Arquivos da Inquisição. Lisboa: Arquivo


Nacional da Torre do Tombo – Serviço de Publicações e Divulgação, 1990.
300

FEITLER, Bruno. Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade


do tribunal de Lisboa. In: Raízes do Privilégio: Mobilidade social no mundo ibérico do Antigo
Regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

FEITLER, Bruno. Nas malhas da consciência: Igreja e Inquisição no Brasil. São Paulo: Editora
Alameda, 2007.

FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: Mauad,
2014.

FERNANDES, Alécio Nunes. Dos Manuais e Regimentos: a longa duração de uma justiça que
criminaliza o pecado (séc. XVI-XVIII). Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade
de Brasília. Brasília, 2011.

FERREIRA, Pedro Almeida. Emigração portuguesa no século XVIII: De Entre-Douro-e-Minho


para o Brasil. A Expansão Ultramarina Portuguesa. Revista de Divulgação Histórica da
Associação de Professores de História – AmPHora. Lisboa, 2015.

FERRO, Maria Manuela Lopes da Veiga. A Agricultura do Noroeste de Portugal. Revista de


Cultura Histórica, Literária, Artística, Etnográfica e Numismática, Caminha, Ano IX,
Dezembro 1987, n.º 14, p. 157-191.

FONTES, João Luís Inglês (Direcção). Bispos e Arcebispo de Lisboa. Lisboa: Livros
Horizonte, 2018.

FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo
Regime nos Trópicos: A dinâmica Imperial Portuguesa (século XVI-XVIII). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.

FRANCO, José Eduardo & ASSUNÇÃO, Paulo de. As Metamorfoses de um polvo: Religião e
Política nos Regimentos da Inquisição (Séc. XVI – XIX). Lisboa: Prefácio, 2004.

GARCIA, João Carlos. Os Têxteis em Portugal dos séculos XV e XVI. Finisterra: Revista
Portuguesa de Geografia. Lisboa, 21 (42), 1986, p. 327-344.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008

GIEBELS, Daniel Norte. A Inquisição de Lisboa (1537-1579). Lisboa: Gradiva, 2018.

GIL, Maria Olímpia da Rocha. O Arquipélago dos Açores no século XVII: Aspectos sócio-
económicos (1575-1675). Castelo Branco: Edição da Autora, 1979.

GINZBURG, Carlo. O nome e o como. In: A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel,
1991.

GINZBURG, Carlo. O Inquisidor como Antropólogo. In: GINZBURG, Carlo. O fio e os


rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 280-293.
301

GODINHO, Vitorino Magalhães. L’Emigration portugaise (XVè-XXè siècles). Une constante


structurale et les responses aux changements du monde. Revista de História Económica e
Social, Lisboa, n. 1, 1978, p. 5-32.

GODINHO, Vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar, séculos XIII-
XVIII. Lisboa: Difel, 1990.

GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial – Vol. IV. Lisboa:


Editorial Presença, 1993.

GOMES, Rita Costa. A corte dos reis de Portugal no final da Idade Média. Lisboa: Difel, 1995.

GORENSTEIN, Lina. A terceira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (século XVII).
In: FEITLER, Bruno; LIMA, Lana Lage & VAINFAS, Ronaldo. A Inquisição em xeque: temas,
controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006.

GOUD, Anthelmo. História eclesiástica. Rio de Janeiro: Typografia Franco-Americana, 1873.

GOUVEIA, Jaime. A quarta porta do inferno: A vigilância e disciplinamento da luxúria clerical


no espaço Luso-Americano (1640-1750). Lisboa: Chiado Editora, 2015.

GOZALO, Maximiliano Barrio. Burocracia inquisitorial y mobilidad social. El Santo Ofício


plantel de obispos (1556-1820). In: MOURA, Angel de Prado (coord.). Inquisición y Sociedad.
Valladolid: Ediciones Universidad de Valladolid, 1999.

GRUZINSKI, Serge. El pensamiento mestizo: cultura ameríndia y civilizacíon del


renacimiento. Barcelona: Bolsillo Paídos, 2007.

HANSON, Carl. Economia e sociedade no Portugal barroco. Lisboa: D. Quixote, 1986.

HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal.


Lisboa: Bertrand, 1975.

HERSON, Bella. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira (1500/1850). São


Paulo: Edusp, 2003.

HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: Instituições e poder político


Portugal – séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994.

HESPANHA, António Manuel. História das Instituições: Épocas medieval e moderna.


Coimbra: Almedina, 1982.

HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime.


Tempo, vol.11, no.21, Niterói, Junho, 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. A Igreja no Brasil Colonial. In: História Geral da Civilização
Brasileira – A Época Colonial: Administração, economia, sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2011.
302

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Os franceses no Maranhão. In: HOLANDA, Sérgio Buarque
de (org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Civilização Brasileira, 1963.

IMÍZCOZ, José Maria. Actores, redes, processos: reflexiones para uma historia más global.
Revista da Faculdade de Letras. Porto, III série. Vol. 5. 2004, pp. 115-140.

JESUS, Nauk Maria de. Saúde e Doença: Práticas de cura no centro da América do Sul (1727-
1808). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História -
UFMT, 2001.

WALKER, Timothy D. Médicos, medicina popular e Inquisição: A repressão das curas


mágicas em Portugal durante o Iluminismo. Rio de Janeiro/Lisboa: Editora
FIOCRUZ/Imprensa de Ciências Sociais, 2013.

KAMEN, Henry. La Inquisición Española. Barcelona: Editorial Planeta, 2013.

KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas colonial: a entrada triunfal do primeiro bispo na Sé de
Mariana. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade de São Paulo, 1996.

KÜHN, Fábio. As redes de distinção: familiares da Inquisição na América Portuguesa do século


XVIII. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 26, nº 43, jan/jun 2010, p.177-195.

LADURIE, Emmanuel Le Roy. Da Inquisição à Etnografia. In: LADURIE, Emmanuel Le Roy.


Montauillou: cátaros e católicos numa aldeia occitana 1294-1324. Lisboa: Edições 70, 2008, p.
17-26.

LAGE, Lana. As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina no Clero no Brasil. In:


FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: Normas e práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp,
2011.

LAPA, José Roberto do Amaral. A visitação do Santo Ofício à Bahia em 1618. Instituto de
Estudos Brasileiros; n. 3, 1968.

LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da Visitação do Santo ofício ao Estado do Grão-Pará
(1763-1769). São Paulo: Editora Vozes, 1978.

LAUTENSACH, Hermann. Portugal no Contexto Ibérico. In: RIBEIRO, Orlando. Geografia


de Portugal. I.A Posição Geográfica do Território. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1991.

LÁZARO, José Enrique Pasamar. Los familiares del Santo Ofício em el distrito inquisitorial de
Aragón, Instituición ‘Fernando el Católico’, 1999.

LEBRUN, François. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa: Edições Rolim, 1983.

LEVI, Giovanni. Un problema de escala. Relaciones: Revista de El Colegio de Michoacán,


v.24, nº 95, 2003.

LIMA, Alam José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e moeda
metálica na Amazônia colonial (1706-1750). In: FIGUEIREDO, Aldrin de Moura & ALVES,
303

Moema de Bacelar (Orgs). Tesouros da Memória: História e Patrimônio no Grão-Pará. Belém,


Ministério da Fazenda, 2009, p. 29-44.

LIMA, João Antonio Fonseca Lacerda. “Pessoas de vida e costumes comprovados”: Clero
secular e Inquisição na Amazônia setecentista. Dissertação de Mestrado apresentada à
Universidade Federal do Pará, 2016.

LIMA, João Antônio Fonseca Lacerda. “Vivem rica e abastadamente”: Clérigos e suas posses
nos bispados do Maranhão e Pará setecentista. Revista Fronteiras & Debates Macapá, v. 3, n.
1, jan./jun. 2016.

LIMA, João Antônio Fonseca Lacerda. A criação do bispado do Pará nos setecentos: A pompa
e circunstância como modo de demarcar o lugar social da Igreja em uma sociedade do Antigo
Regime. Faces de Clio, v. 5, p. 4-29, 2019.

LIMA, Lana Lage da Gama. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é culpado.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 13, p. 17-21, nov. 1999.

LONDOÑO, Fernando Torres. A outra família: Concubinato, Igreja e escândalo na Colônia.


São Paulo: Edições Loyola, 1999.

LOPES, Luiz Fernando Rodrigues Lopes. Vigilância, distinção e honra: Inquisição e dinâmica
dos poderes locais nos sertões das Minas Setecentistas. Editora Prismas: Curitiba, 2014.

LOPES, Luiz Fernando Rodrigues Lopes. Indignos de servir: os candidatos rejeitados pelo
Santo Ofício português (1680-1780). Tese de Doutoramento apresentada à Universidade
Federal de Ouro Preto, 2018.

LOPES, Siméia de Nazaré. A praça de Belém e as relações com os negociantes das vilas do
interior (1790-1810). Fronteiras & Debates, Macapá, v. 1, n. 1, 2014.

LOPO, Domingo González. La emigración a Portugal desde el Suroeste de Galicia en los siglos
XVIII al XIX, Emigração-Imigração em Portugal. Actas do colóquio, Lisboa, Fragmentos,
1993, p. 373-391.

LOURENÇO, Maria Paula Marçal. Nobilitados entre cristãos-novos e Familiares do Santo


Ofício: o exemplo das casas da família real. In: Rainhas no Portugal Moderno: casa, corte e
património. Lisboa: Edições Colibri, 2012, p. 99-123.

LUSTOSA, Antonio de Almeida. Dom Macêdo Costa: Bispo do Pará. Belém: Secult, 1992.

MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e privilégios: A indústria portuguesa entre 1750 e 1843.
Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 368-374.

MAGALHÃES, Joaquim Romero de. O açúcar nas ilhas portuguesas do Atlântico séculos XV
e XVI. Varia Historia, vol. 25, núm. 41, enero-junio, 2009, p. 151-175.

MAGALHÃES, Joaquim Romero de. O enquadramento do espaço nacional. In: MATOSO,


José (org.). História de Portugal. No alvorecer da modernidade (1480-1620), vol. 3 Lisboa. Ed.
Estampa, 1997.
304

MAGNO, Gregório. Regra Pastoral – Patrística. São Paulo: Editora Paulus, 2010.

MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa 1536-1821.
Lisboa: A esfera dos Livros, 2013.

MARCOCCI, Giuseppe. A fundação da Inquisição em Portugal: um novo olhar. Lusitania


Sacra, Lisboa, 2ª série, n. 23, p. 1-40.

MARQUES, António Henrique de Oliveira. História de Portugal - vol. I. Lisboa: Editorial


Presença.

MARQUES, António Henrique de Oliveira. Novos Ensaios de História Medieval Portuguesa.


Lisboa: Editorial Presença, 1988.

MARQUES, António Henrique de Oliveira. Portugal na Crise dos séculos XIV e XV - vol. IV.
Lisboa: Editorial Presença, 1987.

MARQUES, Arison. Purgatório amazônico: Sexualidade e inquisição no Grão-Pará (1763-


1769). Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará, 2002.

MARTÍN, Julián López. História e Teologia do Ofício Divino. In: A Liturgia da Igreja:
teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006.

MARTÍNEZ, Doris Moreno. La Inquisición: Descubrimiento o nueva creación?. In: PENÃ,


Antonio Luis Cortés (coord). Historia del Cristianismo – III. El Mundo Moderno. Madrid:
Editorial Trotta – Universidad de Granada, 2006.

MARTÍNEZ, Doris Moreno. La invención de la Inquisición. Madrid: Marcial Pons, 2004.

MARTINS, João Furtado. Corrupção e incúria no Santo Ofício: ministros e oficiais sob
suspeita e julgamento. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2015.

MARTINS, João Henrique Costa Furtado. Artífices do Couro e da Madeira na Época Moderna:
Trabalho, Sociabilidades e Cultura Material. Tese de Doutoramento em História apresentada à
Universidade de Lisboa, 2019.

MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia Histórica da Província de Minas Gerais. Belo
Horizonte / São Paulo: Itatiaia / EDUSP, 1981.

MATTOS, Yllan de Matos. A última Inquisição: os meios de ação e funcionamento da


Inquisição no Grão-Pará pombalino (1750-1774). Jundiaí: Paco Editorial, 2012.

MATTOS, Yllan de. A última Visitação: os meios de ação e funcionamento da Inquisição no


Grão-Pará pombalino (1763-1769). Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade
Federal Fluminense, 2009.

MATTOS, Yllan de. A Inquisição contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português
(1605-1681). Rio de Janeiro: Mauad / Faperj, 2014.
305

MATTOSO, José. Identificação de um País. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001.

MAURO, Frédéric. Portugal, o Brasil e o Atlântico 1570-1670. Lisboa: Editorial Estampa,


1997.

MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco
Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

MELLO, Marcia Eliane Souza e. Inquisição na Amazônia colonial: reflexões metodológicas.


História Unisinos. Maio/Agosto 2014.

Memória de São João Baptista. In: CAPELA, José Viriato; BORRALHEIRO, Rogério;
MATOS, Henrique; OLIVEIRA, Carlos Prada de. As freguesias do Distrito de Bragança nas
memórias paroquiais de 1758: memórias, história e património. Braga: J.V.C, 2007.

MENDES, José Amado. Trás-os-Montes nos finais do séc. XVIII (alguns aspectos económico-
sociais). Revista Estudos Contemporâneos, n°.1, Porto, 1980.

MENDONÇA, José Lourenço & MOREIRA, Antonio Joaquim. História dos principais actos
e procedimentos da Inquisição em Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1979.

MENDONÇA, José Lourenço & MOREIRA, Antonio Joaquim. História dos principais actos
e procedimentos da Inquisição em Portugal. Lisboa: INCM, 1980.

MENDONÇA, Polyanna Gouvea. O falso comissário do Santo Ofício: padre José Aires nos
sertões do Piauí colonial. In: CHAMBOULEYRON, Rafael; SOUZA JUNIOR, José Alves.
Novos olhares sobre a Amazônia colonial. Belém: Editora Pakatatu, 2016.

MERCÊS. Filipe Santos das. Inquisição, Bigamia e Sodomia no Estado do Grão-Pará e


Maranhão (1757-1780). Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Federal do Pará,
2018.

MICELI, Sérgio. A Elite Eclesiástica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MONTEIRO, Lucas Maximiliano. A Inquisição não está aqui? A presença do Santo Ofício no
extremo sul da América Portuguesa (1680-1821). Jundiaí: Paco Editorial, 2015.

MONTEIRO, Lucas Maximiliano. Comunicação e cooperação: a Inquisição Ibérica no espaço


Ibero-Americano (séculos XVI-XVIII). Tese de Doutoramento em História apresentada à
Universidade de Évora, 2019.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo
Regime. Análise Social, vol. XXXII (141), 1997.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares
sobre os vice-reis e governadores do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII. In: FRAGOSO,
BICALHO & GOUVÊA (org.), O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial
Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 249-283.
306

MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O crepúsculo dos grandes: a casa e o patromónio da


aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: INCM, 2003.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites e poder: entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa:
ICS Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

MOREIRA, Luís Miguel. Desenhar a linha: a fronteira luso-galega do Alto Minho na


cartografia militar portuguesa dos séculos XVII-XIX. Revista de Historiografía 23, 2015, p.
47-65.

MOTT, Luiz. A Inquisição em Sergipe. Aracaju: Score Artes Gráficas, 1987.

MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição e Sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010.

MOTT, Luiz. Pontas de Lança do Monstrum Horrendum: comissários, qualificadores e notários


do Santo Ofício na Bahia (1692-1804). In: FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales. A
Igreja no Brasil: Normas e práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.

MOTT, Luiz. Primeira Visitação do Santo Ofício à Bahia (1591). In: Bahia: Inquisição &
Sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 19-30.

MOTTA, Márcia Maria Menendes. Poder e domínio: a concessão de sesmarias em fins dos
Setecentos. In: VAINFAS, Ronaldo & MONTEIRO, Rodrigo Bentes (orgs.). Império de várias
faces: Relações de poder no mundo ibérico da Época Moderna. São Paulo: Alameda, 2009, p.
351-368.

MOURA, Blenda Cunha. Intrigas coloniais: A trajetória do bispo João de São José Queirós
(1711-1763). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do Amazonas, 2009.

MUNIZ, Pollyanna Gouveia Mendonça. A carreira eclesiástica no bispado do Maranhão. In:


AYROLO, Valentina; OLIVEIRA, Anderson José Machado de (Coord). Historia de clérigos y
religiosas em las Américas: conexiones entre Argentina y Brasil (siglos XVIII y XIX). Buenos
Aires: Teseo, 2016.

NAZARIO, Luiz. Autos-de-Fé como espetáculo de massa. São Paulo: Editorial Humanitas –
Fapesp, 2005. SCHIAPPA, Bruno. A dimensão teatral do Auto da Fé. Lisboa: Edições Colibri,
2018.

NOVINSKI, Anita. Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 2013.

NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1994.

NOVINSKY, Anita. Cristãos-novos na Bahia: 1624-1654. São Paulo: Perspectiva, 1977.

NOVINSKY, Anita. Viver nos tempos da Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 2018.

NOZOE, Nelson. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil Colônia, Anais do XXXIII


Encontro Nacional de Economia, Natal, 2005.
307

OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em


Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.

OLIVAL, Fernanda. Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal,


Cadernos de Estudos Sefarditas, nº 4, 2004, 151-182.

OLIVAL, Fernanda. Testemunhar e ser testemunha em processos de habilitação (Portugal,


século XVIII). In: Honra e Sociedade no mundo ibérico e ultramarino – Inquisição e Ordens
Militares: séculos XVI-XIX. Lisboa: Caleidoscópio, 2013. p. 315-352.

OLIVEIRA, Maria Olindina Andrade de. Olhares inquisitoriais na Amazônia portuguesa: o


Tribunal do Santo Ofício e o disciplinamento dos costumes (XVII-XIX). Dissertação de
mestrado apresentada à Universidade Federal do Amazonas, 2010.

OLIVEIRA, Miguel de Oliveira. Privilégios do Cabido da Sé Patriarcal de Lisboa. Lisboa:


União Gráfica, 1950.

OLIVEIRA, Nicolau de. Livro das Grandezas de Lisboa. Lisboa: Na Impressão régia, 1804.

PAIVA, José Pedro. A administração diocesana e a presença da Igreja: O caso da diocese de


Coimbra nos séculos XVII e XVIII. Lusitania Sacra, 2º série, 3, Lisboa, 1991, p. 71-110.

PAIVA, José Pedro. Baluartes da fé e da disciplina: O enlace entre a Inquisição e os bispos em


Portugal (1536-1750). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011.

PAIVA, José Pedro. Definir uma elite de poder: os bispos em Portugal (1495-1777). Optima
pars: Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005,
p. 48-63.

PAIVA, José Pedro. Inquisição e Visitas Pastorais: dois mecanismos complementares de


controle social? In: Revista de História das Idéias, nº 11, Coimbra, 1989, p. 85-102.

PAIVA, José Pedro. Os Bispos de Portugal e do Império 1495-1777. Coimbra: Imprensa da


Universidade de Coimbra, 2006.

PAIVA, José Pedro. Os Bispos e a Inquisição portuguesa (1535-1613), Lusitania Sacra, Lisboa,
2ª Série, n. 15, 2003, p. 43-76.

PAIVA, José Pedro. Os mentores. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Coord.). História Religiosa
de Portugal – Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000.

PAIVA, José Pedro. Práticas e crenças mágicas: O medo e a necessidade dos mágicos na
diocese de Coimbra (1650-1740). Coimbra: Livraria Minerva, 1992.

PAIVA, José Pedro. Uma instrução aos visitadores do bispado de Coimbra (século XVIII) e os
textos regulamentadores das visitas pastorais em Portugal. Coimbra: Instituto de História e
Teoria das Ideias - Revista de História das Idéias. Vol. 15, 1993.

PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas” 1600-1774.
Lisboa: Notícias Editorial, 1997.
308

PEREIRA, António dos Santos. Portugal – O Império Urgente (1475-1525). Os Espaços, os


Homens e os Produtos. Lisboa: INCM, 2003.

PEREIRA, José Esteves. O Pensamento político em Portugal no século XVIII. Lisboa:


Imprensa Nacional, 1983.

PERONI, Geraldo. Os excluídos do reino: a Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil


Colônia. Brasília / São Paulo: Editora Universidade de Brasília / Imprensa Oficial do Estado,
2000.

PERONI, Geraldo. Banidos: A Inquisição e a lista dos Cristãos-novos condenados a viver no


Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

PIMENTEL, Dulce; BRITO, Rita. As gentes e a sua distribuição. IN: BRITO, Raquel Soeiro
de (Org.). Portugal: Perfil Geográfico. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.

PRODI, Paolo. Uma História da Justiça: do pluralismo dos tribunais ao moderno dualismo
entre a consciência e o direito. Lisboa: Editorial Estampa, 2002.

PROSPERI, Adriano. Tribunais da Consciência: Inquisidores, Confessores, Missionários. São


Paulo: EDUSP, 2013.

RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico setecentista. Revista de


História São Paulo, n. 169, julho/dezembro 2013, p. 83-110.

RAMINELLI, Ronald. Nobrezas no novo mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e
XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.

RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Gráfica Falângola,


1985.

RAMOS, Luís de Oliveira. Diários das visitas pastorais no Pará de D. Fr. Caetano Brandão.
Braga: Tipografia Barbosa & Xavier, 1991.

REGO, João Manuel Vaz Monteiro de Fiqueira. “A honra alheia por um fio”: Os estatutos de
limpeza de sangue no espaço de expressão ibérica (sécs. XVI-XVIII). Tese de doutoramento
apresentada à Universidade do Minho, 2009.

REIS, António Matos. História dos municípios (1050-1383). Lisboa: Livros Horizonte, 2007.

RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciência dos trópicos: A arte Médica no Brasil do século XVIII.
São Paulo: Editora Hucitec, 1997.

RIBEIRO, Orlando Ribeiro. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Sá da Costa, 1987.

RIBEIRO, Orlando. A formação de Portugal. Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa,


1987.
309

RIBEIRO, Orlando. Portugal Central. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica,


1982.

ROCHA, Manoel Joaquim Moreira da. Pedreiros galegos no noroeste português no século
XVIII. Actas del XVII Simposio Hispano-Portugués de Historia Del Arte, Cáceres, 1993.

RODRIGUES, Aldair Carlos. Formação e atuação da rede de comissários do Santo Ofício em


Minas colonial. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, n. 57, 2009, p. 145-164.

RODRIGUES, Aldair Carlos. Igreja e Inquisição no Brasil: agentes, carreiras e mecanismos


de promoção social – século XVIII. São Paulo: Alameda, 2014.

RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de Sangue: Familiares do Santo Ofício, Inquisição e


Sociedade em Minas Colonial. São Paulo: Alameda, 2011.

RODRIGUES, Miguel Jasmins. Sesmarias no Império atlântico português. Actas do Congresso


Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Instituto Camões,
2008.

ROWLAND, Robert. Inquisição, intolerância e exclusão. Ler História, Lisboa, n. 22, 1997.

RUSSEL-WOOD, Anthony John R. A projeção da Bahia no Império Ultramarino Português.


In: Anais do IV Congresso de História da Bahia: Salvador 450 anos. Salvador: IGHB; Fundação
Gregório de Matos, 2001.

RUSSEL-WOOD, Anthony John R. Padrões de Colonização do Império Português, 1400-1800.


In: BETHENCOURT, Francisco & CURTO, Diogo Ramada (dir.). A Expansão marítima
portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 171-206.

RUSSEL-WOOD, Anthony John R. Histórias do Atlântico português. São Paulo: Editora


Unesp, 2013.

RUSSEL-WOOD, Anthony John R. O Império português: 1415-1808 o mundo em movimento.


Lisboa: Clube do Autor, 2016.

SÁ, Isabel dos Guimarães. Estruturas eclesiásticas e acção religiosa. In: BETHENCOURT,
Francisco & CURTO, Diogo Ramada (dir.). A Expansão marítima portuguesa, 1400-1800.
Lisboa: Edições 70, 2010, p. 265-292.

SAAVEDRA FERNÁNDEZ, Pergerto. Un aspecto de las crisis de subsistencia en la Galicia


del Antiguo Régimen: las ventas de tierra. In: EIRAS ROEL, Antonio. (Ed.): La historia social
de Galicia. Santiago de Compostela, 1981.

SABATINI, Rafael. Torquemada e L’Inquisizione Spagnola. Milano: Edizioni Res Gestae,


2012.

SAMPAIO, Patrícia Melo. Administração colonial e legislação indigenista na Amazônia


portuguesa. IN: DEL PRIORE, Mary & GOMES, Flávio dos Santos (orgs.) História e margens:
imagens coloniais e pós-coloniais. RJ: Campus, 2003.
310

SANTANA, Maria Olinda Rodrigues. Os forais de Mirandela. Uma abordagem comparativa.


Estudos Transmontanos e Durienses, Arquivo Distrital de Vila Real, 2000.

SANTOS, Beatriz Catão Cruz & FERREIRA, Bernardo Ferreira. Cidadão – Vizinho , Ler
História, 55, 2008, p. 35-48.

SANTOS, Georgina Silva dos. Artes e manhas: estratégias de ascensão social de barbeiros,
cirurgiões e médicos da inquisição portuguesa (séculos XVI-XVIII) In: Raízes do privilégio:
Mobilidade social no mundo Ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2014. p. 259-281.

SANTOS, Marília Cunha dos. Família, trajetória e poder no Grão-Pará setecentista: Os


Oliveira Pantoja. Dissertação apresentada à Universidade Federal do Pará. Belém: UFPA, 2015.

SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos. Família, trajetórias e Inquisição: Mobilidade Social
na Amazónia Colonial (c. 1672 – c. 1805). Tese de Doutoramento em História apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2019.

SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos. Inquisição e Família: Possibilidades a partir da


habilitação de Familiar do Santo Ofício. Revista de Estudos Amazônicos, v. IX, p. 101-130,
2013.

SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos; VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Mobilidade
Social no Grão- Pará e Maranhão: na trajetória de vida e no uso serial das habilitações do Santo
Ofício. In: Ana Silvia Volpi Scott; Cacilda Machado; Eliane Cristina Deckmann Fleck; Gabriel
Santos Berute.. (Org.). Mobilidade Social e formação de hierarquias: subsídios para a história
da população. São Leopoldo: Editora Oikos, 2014, v. 3, p. 307-336.

SANTOS, Marília Cunha Imbiriba dos; VIEIRA JÙNIOR, Antonio Otavino. A trajetória de
familiares do Santo Ofício no Grão - Pará e Maranhão e na Capitania do Ceará (Século XVIII).
In: José Jobson de Andrade Arruda; Vera Lúcia Amaral Ferlini; Maria Izilda Santos de Matos;
Fernando de Sousa. (Org.). De Colonos a Imigrantes: I(E)migração portuguesa para o Brasil.
São Paulo: Alameda, 2013, v. 1, p. 397-408.

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Poder e palavra: discursos, contendas e direito de padroado
em Mariana (1748-1764). São Paulo: Hucitec – Fapesp, 2011.

SARACENO, Chiara; NALDINI, Manuela. Sociologia da família. Lisboa: Editorial Estampa,


2006.

SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa. Espaço, Poder e Memória: A Catedral de Lamego, sécs.
XII a XX. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2013.

SARAIVA, António José. Inquisição e Cristãos-Novos. Porto: Editorial Inova, 1969.

SARANHOLI, Hugo Fernando Costa. Homem de Deus ao serviço da Coroa: as dimensões


Espiritual e Temporal das visitas pastorais de D. Frei João de São José Queirós no bispado do
Grão-Pará (1759-1763). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual Paulista,
2018.
311

SARTI, Rafaella. Casa e Família: habitar, comer e vestir na Europa Moderna. Lisboa: Editorial
Estampa, 2001.

SERRÃO, Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal (1640-1750) - Vol. V. Lisboa:


Editorial Verbo, 1982.

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal – Vol. III. Lisboa: Editorial Verbo, 1981.

SERRÃO, Joel. A emigração portuguesa: sondagem histórica. Lisboa: Livros Horizonte, 1977.

SILVA, Ana Cristina Nogueira. O modelo especial do Estado Moderno: Reorganização


Territorial em Portugal nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

SILVA, Emily Lange da. A cooperação transfronteireiça como oportunidade de


desenvolvimento das regiões de fronteira: da Raia Ibérica à Euroregião Galiza-Norte de
Portugal. Tese de Doutoramento em Geografia Humana apresentada à Universidade do Minho,
2015.

SILVA, Ezilene. Cultivando o pecado e dando escândalos: devassas civis e religiosas no Grão-
Pará do século XVIII. Monografia de graduação apresentada à Universidade Federal do Pará,
2011.

SILVA, Felipa Ribeiro da. A Inquisição na Guiné, nas Ilhas do Cabo Verde e São Tomé e
Príncipe. Revista Lusófona de Ciências das Religiões. Lisboa, n. 5, vol. 6, 2004.

SILVA, Francisco R. da; CARDOSO, António M. de Barros. Intercâmbios comerciais entre o


norte de Portugal e a Galiza na viragem do século XVII para o Século XVIII. Douro – Estudos
& Documentos, vol. II (4), 1997, p. 173-213.

SILVA, Hugo Ribeiro da. O Cabido da Sé de Coimbra: Os homens e a Instituição (1620-1760).


Lisboa: ICS – Imprensa de Ciências Sociais, 2010.

SILVA, Joelma Santos da. Visitas pastorais por um catolicismo renovado: O bispado de Dom
Marcos Antonio de Sousa no Maranhão (1827- 1842). Anais do XII Simpósio Nacional da
ABHR, UFJF, 2011

SILVA, José Justino de Andrade. Coleção cronológica da legislação portuguesa (1620-1633).


Lisboa: 1855.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Cultura Luso-Brasileira: Da reforma da Universidade à


independência do Brasil. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Reis de Portugal - D. João V. Lisboa: Círculo dos Leitores,
2006.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP,
1984.
312

SILVA, Marilda Santana da. Normas e padrões do Tribunal Eclesiástico mineiro (1750-1830)
e o modo de inserção das mulheres neste universo jurídico. Revista História Social, Campinas
– SP, n. 7, 2000, p. 99-118.

SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da Silveira. Os recenseamentos da População Portuguesa de


1801 e 1849. Edição crítica, volume 1, Instituto Nacional de Estatística de Portugal, Lisboa,
2001.

SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da. Território e Poder: Nas origens do Estado Contemporâneo
em Portugal. Cascais: Patrimônia, 1997.

SILVEIRA, Simão Estácio da. Relação sumária das cousas do Maranhão. São Luís: Edições
AML, 2013.

SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ed. Ática,
1978.

SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Fonte


Editorial, 2016.

SOALHEIRO, João. Lamego, diocese de. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Org). Dicionário de
História Religiosa de Portugal. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2001, p. 419-421.

SOUSA, Armindo. 1325-1480: Condicionalismos Básicos. In: MATTOSO, José (Org.)


História de Portugal – Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992.

SOUSA, Fernando de. A Inquisição e a Indústria das sedas em Trás-os-Montes (séculos XV-
XVIII). Separata de Estudos Transmontanos, 12, 2005.

SOUZA, Evergton Sales. Igreja e Estado no período pombalino. In: FALCON. Francisco;
RODRIGUES, Claudia. A “Época Pombalina”: no mundo Luso-Brasileiro. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2015, p. 277-306

SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Para remédio das almas: Comissários, qualificadores e
notário da Inquisição portuguesa na Bahia colonial. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2014.

SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Poder episcopal e oficiais da Inquisição portuguesa na Bahia
Colonial. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História, Natal, 2013.

SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico: demonologia e colonização nos séculos XVI-
XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras,
2014.

SOUZA, Ney de. A situação do clero brasileiro durante o século XVIII. Revista de Cultura
Teológica, ano VI, n° 23, São Paulo, Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, abr-jun, 1998.
313

SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerra e negócios no
Grão-Pará do setecentos. Belém: Ed. UFPA, 2012.

SOYER, François. A perseguição aos judeus e muçulmanos de Portugal: D. Manuel I e o fim


da tolerância religiosa (1496-1497). Lisboa: Edições 70, 2013.

STONE, Lawrence. Prosopografia. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 19(3),


jun/2011, pp. 115-137.

SUEYOSHI, Tabir Dal Poggetto Oliveira. As sesmarias nas Ordenações do Reino. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 102, jan./dez. 2007, p. 695-711.

TAVARES, Célia Cristina da Silva; CALAINHO, Daniela Buono; CAMPOS, Pedro Marcelo
Pasche de. Guia de fontes e bibliografia sobre a Inquisição: a Inquisição nos principais
arquivos e bibliotecas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FAPERJ / EdUERJ, 2005.

TAVARES, Célia Cristina da Silva. Santo Ofício de Goa: estrutura e funcionamento. In:
VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno e LAGE Lana (orgs.). A Inquisição em Xeque: temas,
controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006.

TEIXEIRA, Dante Martins; PAPAVERO, Nelson; KURY, Lorelai Brilhante. As Aves do Pará
segundo das “memórias” de Dom Lourenço Álvares Roxo de Potflis (1752). Revista Arquivos
de Zoologia, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, Volume
41(2):97‑131, 2010, p. 97-131.

TENGARRINHA, José Manuel. Napoleão, o Atlântico e a contra-revolução em Portugal.


Historiæ, Rio Grande, 1 (2): 9-32, 2010.

TERRICABRAS, Ignasi Fernández. Entre ideal y realidad: las elites eclesiásticas y la reforma
católica em la Espanã Del siglo XVI. In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro &
CUNHA, Mafalda Soares da. Optima pars: Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa:
Imprensa de Ciências Sociais, 2005.

TORRES, José Veiga. Da repressão à promoção social: a Inquisição como instância


legitimadora da burguesia mercantil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 40, 1994.

TORRES, José Veiga. Introdução à História Económica e Social da Europa. Coimbra:


Almedina, 2003.

TRUZZI, Oswaldo Mario Serra. Padrões de nupcialidade na economia cafeeira de São Paulo
(1860-1930). R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 169-189, jan./jun. 2012.

VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

VAQUINHAS, Nelson. Da comunicação ao sistema de informação: O Santo Ofício e o


Algarve (1700-1750). Lisboa: Edições Colibri/CIDEHUS.
314

VASCONCELOS. José Leite de. Etnografia Portuguesa. Lisboa: INCM, 1980.

VAZ, João Inês. Lamego na época romana, capital dos Coilarnos. Lamego: AVDPVD, 2007.

VERBOVEN, Koenraad; CARLIER, Myriam; DUMOLYN, Jan. A short manual to the art of
prosopography. In: KEATS-ROHAN, K.S.B. (org.). Prosopography Approaches and
Applications: A Handbook. Oxford: Unit for Prosopographical Research (Linacre College),
2007, p. 35-69.

VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. A Inquisição e o sertão: ensaios sobre ações do Tribunal
do Santo Ofício no Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2008.

VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. De Família, Charque e Inquisição se fez a trajetória dos
Pinto Martins (1749-1824). Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 30, dez. 2009, p.187-214.

VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Migração Açoriana na Amazônia: conexões entre a Ilha
Graciosa, Lisboa e Grão-Pará (1751-1754). Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 10,
2017.

VIEIRA JÚNIOR. Antonio Otaviano. Dona Gil e família: possibilidades e imigração entre
Açores e o Grão-Pará do século XVIII. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
v. 30, n. 1, p. 87-104, jan./jun. 2017.

VIEIRA, Dilermando Ramos. História do Catolicismo no Brasil – Vol. 1 (1500-1889).


Aparecida: Editora Santuários, 2016.

VILAR, Hermínia Vasconcelos. As dimensões de um Poder: A Diocese de Évora na Idade


Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.

WADSWORTH, James E. Agents of orthodoxy: honor, status, and the Inquisition in colonial
Pernambuco, Brazil. Maryland: Rowman & Littlefield, 2017.

WADSWORTH, James E. Agents of orthodoxy: inquisitional power and prestige in colonial


Pernambuco, Brazil. Tese de doutoramento apresentada à University of Arizona, 2002.

WADSWORTH, James E. Children of the Inquisition: minors as familiares of the Inquisition


in Pernambuco, Brazil 1613-1821. Luso-Brazilian Review, n. 42, 2005, p. 21-43.

WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema Mundial Moderno. Porto: Edições Afrontamento,


1990.

WILKE, Carsten Lorenz. História dos judeus em Portugal. Lisboa: Edições 70, 2009.

XAVIER & HESPANHA. A representação da sociedade e do poder. In: MATOSO, José (org.).
História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4 Lisboa. Ed. Estampa, 1993.
315

ANEXOS
316

Anexo 1 - Petição Inicial

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Comissário do Santo Ofício, mç. 121, doc. 1926
317

Anexo 2 - Nada Consta

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Familiar do Santo Ofício, mç. 129, doc. 2176
318

Anexo 3 - Formulário de Interrogatório

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Familiar do Santo Ofício, mç. 17, doc. 192
319

Anexo 4 - Formulário de Interrogatório – Inquisição Espanhola

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Familiar do Santo Ofício, mç. 05, doc. 82
320

Anexo 5 - Despacho Final

Fonte: ANTT, TSO, CG, Habilitação para Familiar do Santo Ofício, mç. 05, doc. 82
321

Você também pode gostar