Você está na página 1de 121

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRUSQUE – UNIFEBE

ÁLISSON SOUSA CASTRO

POLÍTICA PÚBLICA DE PATRIMÔNIO CULTURAL NO MUNICÍPIO DE


BRUSQUE: ASPESCTOS DESTACADOS

BRUSQUE
2021
1

ÁLISSON SOUSA CASTRO

POLÍTICA PÚBLICA DE PATRIMÔNIO CULTURAL NO MUNICÍPIO DE


BRUSQUE: ASPESCTOS DESTACADOS

TCC submetido ao Centro Universitário de


Brusque – Unifebe, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Prof. Me. Daíra Andreia de Jesus

BRUSQUE
2021
ATA DE APRESENTAÇÃO PÚBLICA
DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Em 08 de dezembro de 2021, às 17 horas, reuniram-se no Centro Universitário


de Brusque - UNIFEBE - os professores Danielle Mariel Heil e Ronaldo Uller como
membros examinadores da banca de apresentação pública da Monografia -
intitulado(a) "MALDIÇÃO OU BENÇÃO: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA A POLÍTICA
PÚBLICA DE PATRIMÔNIO CULTURAL NO MUNICÍPIO DE BRUSQUE", elaborado
pelo(os) acadêmico(os) ALISSON SOUSA CASTRO, concluinte(s) do Curso de
Direito, sob a presidência da professora orientadora Daíra Andréa de Jesus.

Após a apresentação pública e satisfeitas as arguições dos Srs. membros da


banca, o trabalho foi aprovado, tendo recebido a nota 9.90. As seguintes
considerações foram apresentadas pelos Srs. membros da banca:

Realizar as modificações sugeridas pela banca examinadora.

Nada mais havendo a tratar, foi lavrada a presente ata digital, que foi assinada
pelos Srs. membros da banca examinadora e aluno através do sistema institucional de
gestão de bancas on-line.

Brusque, 08 de dezembro de 2021.

Cópia digital disponível em bancas.unifebe.edu.br/ata/102243-941526


Centro Universitário de Brusque - UNIFEBE

Pró-Reitoria de Graduação
Coordenação de Cursos

REGISTRO DE ATA

Registro CCAB n. 185/2021

Brusque (SC), 08 de dezembro de 2021.

Evilize Cristhina Tensini


Secretária da Pró-Reitoria de Graduação

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


2

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................3
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................5
1. NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL........................................................................7
1.1.SURGIMENTO DA NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL........................................7
1.2.CARTAS PATRIMONIAIS...............................................................................................17
1.3. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL......................................................................30
2. DA FORMULAÇÃO DA CATEGORIA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL À FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM BRUSQUE...........46
2.1. CONTEXTO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE BRUSQUE.........................................46
2.2. POLÍTICAS PÚBLICAS E TENTATIVAS FRUSTRADAS DE PRESERVAÇÃO......55
2.3. O PATRIMÔNIO ENQUANTO CATEGORIA JURÍDICA EM BRUSQUE.................75
3. SITUAÇÃO ATUAL DA POLÍTICA PATRIMONIAL EM BRUSQUE.....................78
3.1. BENS TOMBADOS, INVENTARIADOS, CATALOGADOS E NÃO-TOMBADOS. .78
3.2. ATUAÇÃO DO CONSELHO DO PATRIMÔNIO EM BRUSQUE...............................85
3.3. DILEMAS CONTEMPORÂNEOS ENVOLVENDO A NOÇÃO DE PATRIMÔNIO
CULTURAL...........................................................................................................................102
CONCLUSÃO.......................................................................................................................112
REFERÊNCIAS....................................................................................................................114
3

LISTA DE SIGLAS

ASSEVIM – Associação Educacional do Vale do Itajaí-Mirim (atual Uniasselvi)


UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
CEAB – Clube de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Brusque
CEDOM – Centro de Documentação e Memória Oral, Unifebe
CIAM – Conselho Internacional dos Arquitetos Modernistas
CNRC - Centro Nacional Referências Culturais
COMUPA - Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Natural e Artístico Cultural
COMUTUR – Comissão Municipal de Turismo
FAMOSC – Feira de Amostra de Santa Catarina
FENARRECO – Festa Nacional do Marreco
FIDEB – Feira Industrial de Brusque
FnpM – Fundação Nacional Pró-Memória
OEA – Organização dos Estados Americanos
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
IBPLAN – Instituto Brusquense de Planejamento
IBPLAM – Instituto Brusquense de Planejamento e Mobilidade
ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
OAB – Ordem dos Advogados de Brusque
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PROEB - Fundação Promotora de Exposições de Blumenau
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileira
PDS – Partido Democrata Social
PT – Partido dos Trabalhadores
SAB – Sociedade Amigos de Brusque (responsável pelo Museu e Arquivo Histórico
do Vale do Itajaí Mirim – Casa de Brusque)
SACAR - Sociedade dos Amigos das Ruas das Carreiras
4

SAMAE – Serviço Municipal de Água e Esgoto de Brusque


SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
5

INTRODUÇÃO

As política públicas relacionadas à preservação do patrimônio histórico e artístico


brasileiro implementadas após a década de 1930 pelo governo Getúlio Vargas chegaram a um
esgotamento na década de 1980 quando o IPHAN, órgão responsável pela implementação de
políticas públicas no governo federal, devido à saturação e demanda criada após mais de 40
anos de tombamentos, fez um chamado para que os municípios também implementassem
políticas públicas de patrimônio cultural no âmbito municipal e criassem, além da legislação,
também órgãos de controle e conselhos municipais. Ocorre que nestes 40 anos de atuação do
órgão federal de preservação resultaram um número muito grande de tombamentos sendo que
o seu acompanhamento e até mesmo a capacidade que os escritórios do órgão federal de
preservação tem de acompanhar as edificações e conjuntos tombados está aquém dos seus
recursos. Desse déficit de recursos resultou a percepção de que quando o bem é tombado, ele
está praticamente condenado às ruínas.
Do chamado do governo federal, Brusque assim como diversos municípios
implementou legislação visando o tombamento de edificações. Depois de um lapso temporal
de três décadas (1980-2010), foi implementada a “Lei do Programa Preservar” que prevê
incentivos fiscais e construtivos para quem desejar preservar a sua edificação. Ocorre que
desde 2009, após ser criado o Departamento de Patrimônio Histórico na Fundação Cultural de
Brusque, foi elaborado um documento denominado “Inventário do Patrimônio Histórico de
Brusque” e que, não obstante ser um documento elaborado pelo Diretor de Patrimônio
Histórico de Brusque na época, Prof. Me. Marlus Niebuhr, e ser um mero documento interno
do departamento, foi acolhido como se fosse um verdadeiro Inventário do Patrimônio,
instituído por lei e tendo em sua constituição um rigoroso controle social, além de conter tão
somente edificações tomadas, o que não é o caso do documento citado. Ocorre que se instituiu
todo um mecanismo de controle dentro da Prefeitura de modo a que as edificações que
estivessem listadas nesse documento elaborado pelo Departamento de Patrimônio histórico
não recebessem alvará de demolição sem que essa deliberação de permitir a demolição fosse
debatida e acatada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico - COMUPA. Em termos
práticos, as edificações listadas pelo Diretor de Patrimônio Histórico em um documento
interno (Inventário e Catálogo, este último referendado pelo COMUPA), na época, servem de
6

base para que o COMUPA, atualmente, negue a emissão de alvará de demolição sendo que há
casos de mais de 3 anos de espera por parte dos proprietários para que o imóvel possa ser
demolido. Diante desse contexto ficam as dúvidas: Como surgiu a noção de patrimônio
cultural e como ela se desenvolveu no Brasil? Como Brusque implementou uma política de
patrimônio cultural? Em que situação se encontra atualmente a política pública de patrimônio
cultural no município de Brusque?
Como objetivo geral esse trabalho de propõe a compreender o processo de construção
das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural no município de Brusque.
No primeiro capítulo a noção de patrimônio cultural é explorada do seu surgimento, às
normas positivadas nas cartas e documentos internacional até a recepção desse termo no
Brasil.
No segundo capítulo Brusque é observada como espaço privilegiado após a chamada
aos Prefeitos, analisando a implantação dessa política pública no município.
Por último, no terceiro capítulo, a situação atual da política pública de patrimônio no
município é avaliada listando os documentos normativos do Inventário, Catálogo e sua
atualização no mês de outubro de 2021. Por fim, são apontadas discussões contemporâneas
acerca dos conceitos e panorama atual deste debate.
7

1. NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL

Neste primeiro item se faz necessária um aprofundamento acerca do surgimento da


noção de patrimônio cultural pois ela é datada e metamorfoseada historicamente. Essa
compreensão acerca do entendimento da historicidade do conceito de patrimônio é
fundamental pois permitirá perceber na análise das atas do COMUPA e na própria atuação
das políticas públicas de patrimônio como que se apresentam, também, o texto normativo das
cartas patrimoniais. Ademais, a recepção da noção de patrimônio cultural no Brasil é
explorada evidenciando-se que ela se fez juntamente com a instituição do saber disciplinar do
arquiteto urbanista e com a própria constituição do campo de arquitetura e urbanismo no
Brasil o que faz com que os arquitetos e urbanistas sintam-se autorizados, quase que de
maneira isolada e deliberar sobre patrimônio.

1.1.SURGIMENTO DA NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL

A historiadora francesa das teorias e formas urbanas e arquitetônicas Françoise


Choay, referência na área do patrimônio cultural, em seu livro “Alegoria do patrimônio” 1,
comenta que a noção de patrimônio relaciona-se ao conceito romano relativo aos bens e
estruturas familiares. O Dicionário Oxford de Latim define patrimōnium como:
[PATER+-MONIVM] A propriedade do paterfamilias, posses privada ou pessoal,
estado, fortuna. b o baú privado dos Imperadores Romanos. c (transf. e fig.).2.

Essa noção do conceito de patrimônio advinda do contexto romano acabou sendo


requalificada por conta das inúmeras adjetivações - genético, natural, histórico, etc – que
fizeram com que se ele constituísse em um conceito nômade e polissêmico 3. A adjetivação de
“histórico” ao patrimônio é bem datada e remete a um bem destinado ao usufruto comunitário
relacionado a um passado em comum, constituindo-se por quem partilha do bem como um
fundamento identitário. Ressalto que isso é construído a partir de generalizações, abstrações, a
mobilização de conhecimentos próprios de saberes disciplinares e também a partir de

1CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. 4ª ed. São Paulo:
Estação Liberdade: UNESP, 2006.
2Tradução do autor da definição retirada de PATRIMŌNIUM. In: Oxford Latin Dictionary. Oxford: Oxford
University Press, 1968. p. 1310.
3CHOAY, 2006, p. 11.
8

violência simbólica, como foi o caso da Campanha de Nacionalização que criou a noção de
brasilidade e do nacionalismo brasileiro na década de 1930.
Choay4 enfatiza que entre a constituição da primeira Comissão dos Monumentos
Históricos na França em 1837 até o ano de 1945, os monumentos basicamente se restringiram
a três agrupamentos: 1) os remanescentes das antiguidades; 2) os edifícios religiosos e; 3) os
relacionados à Idade Média, em especial os castelos. Além disso, até a década de 1960, em
específico no contexto francês, não era considerado patrimônio o que ultrapassava o século
XIX enquanto no Brasil, já nos primeiros anos do Serviço do Patrimônio nacional,
construções há pouco inauguradas foram tombadas, como o caso do edifício da Igreja de São
Francisco de Assis na Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, inaugurada em 1928 e
tombada em 19475. Choay aponta que uma “tripla extensão” de ordem tipológica, cronológica
e geográfica dos bens é acompanhada por um crescimento vertiginoso do público tendo o
turismo e a inflação memorial como mola propulsora de um movimento frenético que mantém
o patrimônio como refém de uma discussão contemporânea. O patrimônio, portanto, se torna
um conceito global e, na medida em que extravasa as fronteiras europeias, também abarca
novas formas em novas tipologias, usos e necessidades.
Com relação a outro termo chave abordado por Choay, o monumentum, ele é
definido pelo Dicionário Oxford de Latim como:
[MONEO+-MENTVM] […] 1 Uma estátua, troféu, edifício ou sim., erguido para
celebrar uma pessoa ou evento, um monumento. […] 2 a Um monumento sepulcral,
tomb. b um prédio público comemorativo, templo ou sim.; esp. usado como
biblioteca; (também, w. uiae, de uma via pública). […] 3 Qualquer coisa que sirva
de comemoração, de memorial. b um token, lembrete; um exemplo. […] 4 Um
memorial escrito, documento, registro; também ~um litterarum ou scriptorum. b
annalium ~a, anais, livros de história. c (pl.) tradição gravada. […] 5 Uma obra
literária, livro; (esp. pl.) escritos, literatura. b um relato histórico, história.6

Portanto, o monumento se refere a algo criado de forma deliberada com a finalidade


de fixação na memória social, sendo lembrado e comemorado. Choay alerta que a noção de
monumento acabou perdendo o seu sentido original por um duplo movimento: 1) a
importância crescente ao conceito de arte e; 2) o aperfeiçoamento e difusão de memórias
artificiais7.

4CHOAY, 2006, p. 12-14.


5FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação
no Brasil. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p. 115.
6Tradução do autor da definição retirada de MONUMENTUM. In: Oxford Latin Dictionary. Oxford: Oxford
University Press, 1968. p. 1132.
7CHOAY, 2006, pp. 17-20.
9

De um modo geral, enquanto o patrimônio se relaciona a uma noção de herança


coletiva – como um bem herdado; o monumento inicial se relacionou a algo destinado a ser
lembrado pela coletividade – como um bem instituído para ser lembrado. Embora os termos
sejam por vezes tomados por sinônimo, Choay alerta que em muitos aspectos os termos
podem ser até mesmo oponíveis pois 1) o monumento histórico é uma invenção datada do
século XIX no Ocidente; 2) enquanto o monumento é uma criação deliberada cuja destinação
foi pensada a priori, o monumento histórico não é desde o princípio desejado e criado como
tal pois ele é concebido a posteriori pelos olhares de técnicos e especialistas investido de
saberes disciplinados como a história, arte, arquitetura e urbanismo, etc, que os selecionam
entre os edifícios existentes e lhes investem do significado de patrimônio, portanto, de
herança cultural8.
Embora Choay atribua o emprego da forma adjetivada “monumento histórico” pela
primeira vez às manifestações de L. A. Millin no momento em que, em plena Revolução
Francesa, “elaboram-se o conceito de monumento histórico e os instrumentos de preservação
(museus, inventários, tombamento, reutilização) a ele associados” 9, Choay situa o seu
nascimento alguns séculos antes no ano de 1420 quando Martinho V, após o exílio do papado
em Avignon (1305-1377) e após o Grande Cisma da Igreja Católica (1379-1417), restabelece
a sede do papado na cidade de Roma.
Ocorre que “em uma Europa coberta de monumentos e edifícios públicos pela
colonização romana, esses séculos [do V ao XV] causaram uma terrível destruição”10. Com a
queda do Império Romano, a invasão das tribos bárbaras e depois a cristianização, opera-se
uma mudança cultural profunda de mentalidade e por consequência, em relação aos bens da
Roma Antiga há o predomínio de uma certa “indiferença em relação aos monumentos que
haviam perdido seu sentido e seu uso, a insegurança e a miséria: os grandes edifícios da
Antiguidade são transformados em pedreiras, ou então recuperados e desvirtuados”11.
Por razões de economia os bens tanto serviam a uma ocupação que não guardava
qualquer relação com a finalidade para a qual foram projetados quanto serviam como fonte de
matéria-prima para novas construções, sendo derrubados. Isso foi possível pois o mundo
antigo, em Roma, era ao mesmo tempo próximo e impenetrável. Próximo porque estava ao

8CHOAY, 2006, p. 25.


9CHOAY, 2006, pp. 27-31.
10CHOAY, 2006, p. 35.
11CHOAY, 2006, p. 35.
10

alcance da vista e das mãos de seus habitantes e impenetrável porque suas expressões haviam
tornado-se indecifráveis aos seus habitantes por conta da perda de suas referências culturais
da época da Roma Antiga, reduzindo-se naquele momento a formas vazias e desvinculadas do
contexto de criação dos monumentos, sem que se vislumbrasse o sentido de sua confecção 12.
É, portanto, em Roma, que pela primeira vez se consegue tomar distância em relação ao
passado pois com a reutilização dos edifícios ou com o que restou deles dois tipos de memória
urbana conviveram simultaneamente: 1) uma relacionada à instauração religiosa que estrutura
a vida cotidiana e define seu horizonte com o reaproveitamento e/ou readequação dos
edifícios seculares para fins religiosos e; 2) outra relativa à permanência de edificações que
remetem a um passado temporal e glorioso de quando Roma foi hegemônica frente aos
bizantinos, bárbaros e alemães – a quem o papado desejava superar em termos culturais13.
Essa abstração de distanciamento – ver as ruínas presentes como relacionadas à
noção de “antiguidade”, investidas de uma herança de glórias de um passado grandioso - foi
que permitiu propriamente o surgimento da categoria e noção de monumento histórico. A
partir de então o Papa Pio II Piccolomini editou a bula Cum almam nostram urbem em abril
de 1462 proibindo a todos de demolir, quebrar, danificar ou transformar em cal qualquer
edifício público da antiguidade em Roma ou em seus arredores. Para além da proibição, os
papas também começam a restaurar as antiguidades. - não obstante continuarem a servir-se de
construções antigas para retirar material de construção14.
Os bens enxergados sob o rótulo de “antiguidades” passam a ser sistematicamente
conceituados e inventariados entre a segunda metade do século XVI e a segunda metade do
século XIX. Ao pretender pesquisar as suas próprias origens, os antiquários, através de
pesquisas conduzidas de forma meticulosa e paciente, acabaram por promover uma alteração
na noção de antiguidade também adjetivando-a enquanto “antiguidade nacional” na medida da
própria constituição do Estado-nação. Esse movimento contou com importantes avanços
sobretudo quando foram descobertos os sítios de Herculano (1713), Pompéia (1748) e Pesto
(1746) – as ditas “antiguidades clássicas”15.
Dentre os fatores que implicaram no interesse dos antiquários pelas antiguidades
nacionais, destaca-se 1) o papel e o efeito estimulante das pesquisas que empregaram em

12CHOAY, 2006, pp. 38-39.


13CHOAY, 2006, pp. 42-43.
14CHOAY, 2006, pp. 54-59.
15CHOAY, 2006, pp. 61-67.
11

busca de remanescentes greco-romanos; 2) a vontade de conferir à tradição cristã uma


consistência de obras e edifícios de que dispõe a tradição antiga e; 3) o desejo de afirmar a
originalidade e a excelência da civilização ocidental16.
É a partir dessa busca pela sistematização, compilação e definição destas
antiguidades nacionais que se fará o desenvolvimento da noção de “gótico”, categoria que
reunirá toda a produção estética elaborada sobretudo pela arquitetura religiosa cristã entre os
séculos VI e XV. Inclusive, na Inglaterra, o gótico é tido por estilo nacional inglês.
Contribuíram para isso tanto o impacto da Reforma Protestante quanto a penetração tardia do
“estilo italiano” na arquitetura17.
De uma certa forma “há um triunfo geral da observação concreta sobre a tradição
oral e escrita” ainda que “os desenhos dos arquitetos são, em geral, tão inexatos quanto os dos
pintores”18. A partir do século XIX a representação de caráter subjetivo vai sendo substituída
por uma representação científica com mais exatidão. Além disso, “os danos causados aos
monumentos religiosos legados pela Idade Média são sentidos como um atentado contra as
obras vivas da nação”, razão pela qual as associações de antiquários iniciam um movimento a
fim de assumirem para si o papel de guardiãs dessa herança cultural criando uma estrutura de
proteção privada característica sobretudo na Grã-Bretanha até o início do século XX19.
Françoise Choay aponta que embora durante o processo revolucionário francês
(1789–1799) os ícones do Velho Regime tenham sofrido constantes ataques com igrejas
incendiadas, estátuas derrubadas, decapitadas assim como o saque de castelos, a Revolução
Francesa teve também, por outro lado, como legado, o início da discussão e efetivação de uma
política de proteção patrimonial por parte do Estado francês. Esse movimento foi duplo:
transferência dos bens do clero, da Coroa e dos emigrados para a nação e a destruição de
alguns dos bens dessas categorias a partir de 179220.
Um dos primeiros atos jurídicos da Constituinte, no dia 2 de outubro de 1789, foi
colocar os bens do clero à disposição da nação. Seguiram-se os bens dos emigrados e os da
Coroa. Choay comenta que “essa fabulosa transferência de propriedade e essa perda brutal de
destinação eram sem precedentes e trouxeram problemas também sem precedentes”21 Estes

16CHOAY, 2006, pp. 67-68.


17CHOAY, 2006, pp. 71-75.
18CHOAY, 2006, p. 81.
19CHOAY, 2006, p. 92.
20CHOAY, 2006, pp. 95-97.
21CHOAY, 2006, p. 98.
12

bens foram postos fora de circulação em caráter provisório e selos foram afixados nos
edifícios. Porém, logo cedo, verificou-se que o Estado francês não dispunha de recursos
técnicos e financeiros para a sua manutenção22. Inicialmente, não se dispunha de recurso nem
para a confecção de bens de artilharia durante o processo Revolucionário, e nesse sentido
alguns bens não foram poupados. A assembléia, em uma situação de desespero, decretou a
fundição de pratarias e dos relicários bem como as armações de telhado de chumbo ou de
bronze das catedrais para que se transformassem em peças de artilharia 23. Em agosto de 1792
foi decretada a eliminação dos monumentos e resíduos do feudalismo, sobretudo os
monumentos de bronze de Paris. Em setembro foi decretado que os sinais da monarquia e do
feudalismo deveriam ser destruídos nos jardins, parques, recintos e edifícios. Em novembro,
que todos os monumentos do feudalismo fossem convertidos em peças de artilharia ou
destruídos. Na justificativa, consta que os bens derrubados com o consentimento dos comitês
revolucionários simbolizavam poderes e valores execrados relativos ao clero, monarquia e
senhores feudais – classes que representavam a ordem deposta e que não deveriam ter seus
bens e simbologia representada dentre os bens que representariam o patrimônio nacional 24. A
destruição foi ideologicamente de ordem iconoclasta.
De todo modo, foram processadas as transferências de propriedade desses bens da
velha ordem - do clero, monarquia e senhores feudais - que se restringiam inicialmente ao
valor econômico, porém, as obras arquitetônicas também foram investidas, mais tarde, de
significado histórico passando a compor as antiguidades nacionais (destituídas do significado
da velha ordem). Em seguida instituiu-se uma comissão dos monumentos a fim de que fosse
organizado um inventário da herança recebida e das regras de sua gestão. Estes bens foram
tombados e inventariados, estabelecendo portanto um relatório do estado em que se
encontrava cada um dos bens que compunham o inventário.
Ao fazer dos monumentos históricos sua propriedade, o Estado francês acabou
designando-os como herança de todo o povo, tendo, portanto, um valor nacional. Os bens da
velha ordem – clero, monarquia e feudalismo – foram salvos porque poderiam servir,
enquanto bens ressemantizados de nacionais, para fins educativos, científicos e práticos. Se na
Grã-Bretanha foram as associações eruditas dos antiquários que tomaram para si o papel de
realizar pesquisas e inventários, na França o patrimônio virou assunto de Estado:

22CHOAY, 2006, pp. 98-105.


23CHOAY, 2006, pp. 106-107.
24CHOAY, 2006, pp. 107-113.
13

Assim, na arrancada de 1789, todos os elementos necessários a uma autêntica


política de conservação do patrimônio monumental da França pareciam reunidos:
criação do termo ‘monumento histórico’, cujo conceito é mais amplo, comparado ao
de ‘antiguidades’; levantamento do corpus em andamento; administração
encarregada da conservação, dispondo de instrumentos jurídicos (inclusive
disposições penais) e de técnicas então exclusivas.25

Com o fim da Revolução encerraram-se os trabalhos das comissões responsáveis por


debater a implementação de políticas de salvaguarda patrimonial na França. Na sequência, o
Imperador Napoleão I acabou dando ênfase aos museus.
Foi sobretudo entre as décadas de 1820-1860 que houve a consagração do
monumento histórico na Europa. Essa consagração ocorreu sobretudo por conta do contexto
advindo com a Revolução Industrial que ocorria nos países europeus, o que contribuiu por um
lado para privilegiar os valores estéticos e por outro, para acelerar a difusão e estabelecimento
de legislação de proteção aos monumentos históricos. Nesse período ocorreu o rompimento
tanto com a mentalidade dos antiquários quanto com a política implementada no processo da
Revolução Francesa. Nesse contexto destacam-se dois documentos: 1) o relatório apresentado
por François Pierre Guillaume Guizot, Ministro do Interior francês em 21 de outubro de 1830,
sugerindo a criação do cargo de Inspetor Geral dos Monumentos Históricos da França e; 2)
um panfleto publicado pelo crítico da arte britânico John Ruskin em 1854. Percebe-se nesse
movimento a formação de um saber disciplinar constituído enquanto história da arte que vai
pouco a pouco tomando o lugar dos antiquários26.
Esse saber disciplinar da história da arte aplicada ao monumento histórico acabou
por criar correntes antagônicas. No caso do romantismo, uma resposta à crescente
industrialização, há uma ênfase no pitoresco onde os monumentos históricos são investidos de
uma percepção que leva em conta o próprio destino humano, adquirindo por conta disso um
valor moral. Nesse sentido as ruínas passam a ser compreendidas como símbolo de beleza e
passam a lembrar “que a destruição e a morte são o término desses maravilhosos inícios”.
Frente ao mecânico da industrialização, o romantismo vai propor o orgânico e
monumentalizá-lo, assumindo e contemplando a morte dos edifícios. Também há um
movimento de busca pela singularização sob os auspícios do nacionalismo, buscando cada
nação as suas origens estéticas num movimento de evidenciá-las frente a uma possível
homogeneização advinda com a industrialização27.

25CHOAY, 2006, p. 120.


26CHOAY, 2006, pp. 126-130.
27CHOAY, 2006, pp. 133-138.
14

Para o crítico de arte britânico John Ruskin a arquitetura é essencial para que se
possa ter nossas lembranças. A ideia de que a arquitetura que vemos diariamente é definida
pelas gerações passadas implica em pensar que herdamos uma estética e os bens dessa estética
de nossos antepassados. Nesse sentido, a arquitetura que vemos diariamente se assemelha ao
monumento original: ele foi construído para que as gerações futuras lembrem e celebrem sua
memória. Isso possibilitará tanto que a arquitetura doméstica quando os conjuntos urbanos
sejam incluídos na idéia de monumento histórico, o que possibilitará também a ampliação e
aplicação dessa categoria para contextos fora da Europa28.
Havia, portanto, dois tipos de vandalismos: destruidor e restaurador. A prática
patrimonial impunha um modelo dicotômico onde ou se deixava os bens em ruínas ou se
descaracterizava com uma intervenção. Entre 1830 - quando foi criado o cargo de Inspetor
dos Monumentos Históricos na França - até 1887 - quando ocorreu a promulgação da primeira
lei sobre os monumentos históricos - houve um intenso trabalho de experimentação e
reflexão. Se em 1840 havia 934 bens tombados, em 1849 esse número saltou para 3.000 e esse
número não cessou de crescer29. Em 2015 já somavam 43.600 edifícios e 300.000 objetos
tombados na França30. Para efeitos de comparação, no Brasil, em 2019, eram apenas 1.218
bens tombados31.
Promulgada em 1887, a legislação francesa teve sua regulamentação em 1889 e sua
forma definitiva fixada em 1913, sendo o texto legislativo de referência até hoje. Porém,
tombar os monumentos é uma coisa, saber conservá-los fisicamente e restaurá-los é outra
completamente diferente e requer profissionais especializados. Na França a criação de um
corpo de profissionais especializados na restauração e conservação de monumentos é obra do
século XIX e encontrou três empecilhos: 1) em sua maioria os arquitetos franceses não tinham
domínio sobre as construções medievais; 2) havia um claro contraste entre Paris e o interior
da França e; 2) o trabalho de consolidação e restauração não renderia prestígio aos arquitetos
que não poderiam mostrar o seu gênio criador32.

28CHOAY, 2006, pp. 139-142.


29CHOAY, 2006, pp. 144-148.
30Tradução livre. FRANÇA. Ministère de La Culture. Ministère de La Culture. Monuments historiques. sd.
Disponível em: <https://www.culture.gouv.fr/Sites-thematiques/Monuments-Sites/Monuments-historiques-sites-
patrimoniaux/Les-monuments-historiques>. Acesso em: 24 maio 2021.
31IPHAN. Lista dos Bens Tombados e Processos em Andamento (atualizado em 13/05/2021). 2021.
Planilha. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126>. Acesso em: 24 maio 2021.
32CHOAY, op. cit. pp. 149-152.
15

A restauração como disciplina se desdobrará inicialmente em duas doutrinas


antagônicas entre si: 1) do lado britânico John Ruskin defenderá o anti-intervencionismo uma
vez que acreditava que a restauração seria impossível de se atingir e que esta pretensão seria
tal qual a de ressuscitar um morto; 2) do continental europeu, os partidários do francês
Viollet-le-Duc defendiam a intervenção, sendo que Viollet-le-Duc pregava que restaurar um
edifício implica em “restituí-lo” a um estado completo que pode nunca ter existido quando da
própria confecção do edifício (por motivo de não se dispor de recursos técnicos ou financeiros
para a sua execução, por exemplo). De um modo geral, ao se compreender o caráter único e
insubstituível de todo acontecimento humano, as duas doutrinas radicalizaram na forma de
intervenção: ou se permite a intervenção ou se proíbe totalmente33.
O engenheiro, arquiteto e historiador da arte italiano Camillo Boito acabou operando
uma síntese entre estas duas correntes antagônicas por ocasião de três congressos de
engenharia ocorridos na Itália entre 1879 e 1886. Sua sistematização acabou dando origem à
lei italiana de preservação e conservação de monumentos de 1909. Do lado britânico Boito
reforçou a noção de autenticidade, sobretudo com relação a considerar os sucessivos
acréscimos ao longo do tempo. Do lado francês, Boito valoriza a postura de prioridade do
presente em relação ao passado. De todo modo, ele defende que a restauração só deva ser
praticada em casos extremados quando todos os meios restantes de salvaguarda –
manutenção, consolidação, consertos imperceptíveis, etc - restaram fracassados. Boito postula
que jamais uma restauração deve se passar por original, mas deve marcar e dispor a utilização
de materiais diferentes por meio de cor diferente da original para que fique evidente que toda
intervenção no monumento seja datada e marcada por um estilo específico de sua época, sua
técnicas e savoir-faire34.
Nomeado presidente da Comissão Austríaca dos Monumentos Históricos em 1902 e
encarregado de esboçar uma nova legislação para a conservação dos monumentos, o
historiador da arte e conservador de museus Alois Riegl propôs uma análise estruturada na
oposição entre rememoração e contemporaneidade, acrescentando o valor de “ancianidade”,
que seria aquele percebido imediatamente por todos – ao contrário do valor histórico, que
requer a ciência acerca da historicidade relacionada ao bem em questão. De um modo geral,
tanto as abordagens de Boito quanto de Riegl evidenciam que na virada do século XIX para o
XX há a consolidação de um saber disciplinar relacionado à conservação dos monumentos
33CHOAY, 2006, pp. 153-158.
34CHOAY, 2006, pp. 164-166.
16

históricos. Do ponto de vista prático, até a década de 1960 a restauração continuou fiel aos
princípios esboçados por Viollet-le-Duc35.
Haussmann, que foi prefeito do antigo departamento do Sena - que incluía Paris -
entre 1853 e 1870, foi responsável pela marcante reforma urbana que se empreendeu em Paris
e depois foi replicada em outras cidades, como no Rio de Janeiro, no Brasil. Ele fora acusado
de vandalismo pelos nostálgicos amantes da velha Paris que foi modificada para que se
removesse os obstáculos à salubridade, ao trânsito e até mesmo a contemplação dos
monumentos do passado. É nesse contexto, em pleno triunfo da industrialização que a noção
de patrimônio urbano será forjada em uma dialética que leva em conta três questões: 1) a
figura memorial relativa à percepção de que cidade em si desempenha o papel memorial dos
monumentos; 2) a figura histórica relacionada tanto a uma forma esteticamente desagradável
na padronização da cidade industrial em processo de implementação que se contrapunha à
singularidade estética das diferentes configurações que irradiaram a beleza dos lugares e seu
passado consumado quanto a constatação de que a cidade antiga estaria sendo ameaçada de
desaparecimento e pela ameaça de perda que acaba por se constituir em objeto raro, frágil e
precioso, tendo que ser apartada para fora do circuito da vida como uma figura museal e, por
último; 3) a figura historial, que é a síntese e superação das duas primeiras.36
A figura historial foi formulada pelo arquiteto, urbanista e engenheiro italiano
Gustavo Giovannoni que atribuiu um valor de uso e museal aos conjuntos urbanos antigos
relacionando-os a uma concepção geral da organização territorial dando origem à noção de
“patrimônio urbano”. Para ele, a cidade histórica constitui em si um monumento que também
é um tecido vivo. Sua doutrina pode ser resumida em três grandes princípios: 1) todo
fragmento urbano antigo deve ser integrado num plano diretor relacionado-o com a vida
presente; 2) o monumento histórico não se refere a um edifício isolado descontextualizado na
cidade – por conta disso, isolar um monumento ou destacá-lo é o mesmo que cortar ele de seu
contexto; 3) esses conjuntos urbanos antigos requerem procedimentos de preservação e
restauração análogos aos definidos por Boito, mas agora aplicados ao contexto urbano37.

35CHOAY, 2006, pp. 167-173.


36CHOAY, 2006, pp. 175-194.
37CHOAY, 2006, pp. 194-203.
17

1.2.CARTAS PATRIMONIAIS

Neste item serão brevemente analisadas 46 cartas e documentos norteadores de


políticas públicas da área do patrimônio cultural listadas no sítio eletrônico do IPHAN 38.
Outros documentos podem ser encontrados no sítio eletrônico da Direção-Geral Do
Património Cultural do governo de Portugal39 ou da UNESCO40. O conhecimento tanto da
teoria patrimonial quanto dos documentos internacionais - com os quais as doutrinas
influenciam e são influenciadas, em sua defesa ou contraposição - são essenciais pois estes
discursos permeiam a formação dos profissionais arquitetos e urbanistas, levando-os, muitas
vezes, a adotar determinados posicionamentos que tem sua fonte baseada nestes documentos.
Do ponto de vista prático, muitos dos posicionamentos defendidos nestes documentos terão
reverberação nas políticas públicas de patrimônio cultural, seja na própria legislação, planos
governamentais de ação quanto no âmbito da própria discussão, debate e defesa do que deve
ou não ser preservado. Muitos destes documentos trazem, em suas recomendações, que os
Estados-membros promovam ações e produzam legislações específicas, de acordo com a
temática das cartas.

1.2.1.Carta de Atenas - Sociedade das Nações - Outubro de 1931: apresentou


conclusões gerais e deliberações formuladas pelo Escritório Internacional dos Museus da
Sociedade das Nações - entidade precursora da Organização das Nações Unidas. Como
princípio geral, adotou-se a tendência de manutenção regular e permanente no lugar das
reconstituições integrais, que deveriam ser desestimuladas. Durante a conferência procedeu-se
à exposição de legislações e, de forma unânime, consagrou-se um certo direito da coletividade
em relação à propriedade privada, sendo que os sacrifícios implicados aos proprietários
deveriam ser os menores possíveis e sempre em benefício do interesse geral. Além do
monumento, recomendou-se também respeitar o caráter e fisionomia das cidades, preservando

38 BRASIL. Iphan. Iphan (comp.). Cartas Patrimoniais. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226. Acesso em: 10 set. 2021.
39 PORTUGAL. Direção-Geral do Património Cultural. Cartas e Convenções Internacionais sobre
Património. Disponível em: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/cartas-e-convencoes-
internacionais-sobre-patrimonio/. Acesso em: 10 set. 2021.
40 FRANÇA. Unesco. Unesco. Legal Instruments. Disponível em:
http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13649&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=-471.html.
Acesso em: 10 set. 2021.
18

o entorno dos monumentos antigos, especialmente no caso das perspectivas pitorescas - o que
poderia nos remeter à noção atual de chancela da paisagem cultural. Com relação ao restauro,
recomenda-se o emprego de materiais modernos (cimento armado) na consolidação dos
edifícios antigos de forma dissimulada a fim de não alterar o aspecto e o caráter do edifício.
Com relação às ruínas, recomendou-se o emprego da anastilose (recolocação dos elementos
originais encontrados em suas imediações).
1.2.2.Carta de Atenas - CIAM - Novembro de 1933: aponta generalidades,
diagnósticos e conclusões sobre os problemas urbanísticos das principais e grandes cidades do
mundo. Com relação ao tópico reservado ao patrimônio histórico das cidades, é defendido que
são as obras, traçados e construções que conferem às cidades uma personalidade própria.
Nesta perspectiva, o valor histórico ou sentimental é a expressão dos testemunhos preciosos
do passado e, por serem parte do patrimônio humano, aqueles que seriam encarregados de sua
proteção teriam a responsabilidade e a obrigação de fazer tudo o que é lícito para transmitir
intacta, para os séculos futuros, essa nobre herança - embora assinale que nem tudo que é
passado tem necessariamente direito à perenidade sob pena de que um “culto estrito do
passado” sobreponha-se sobre a justiça social. O emprego de estilos do passado é rechaçado
como tendo consequências nefastas, não sendo tolerado de maneira alguma pois seria o
mesmo que erigir o “falso” como princípio.
1.2.3.Recomendação de Nova Delhi - Novembro de 1956: propôs princípios
internacionais a serem aplicados em matéria de pesquisas arqueológicas (investigações que
impliquem escavação do solo ou numa exploração sistemática de sua superfície ou sejam
realizadas sobre o leito ou no subsolo das águas interiores ou territoriais).
1.2.4.Recomendação Paris - Dezembro de 1962: defende a salvaguarda da beleza e
do caráter das paisagens e sítios e, quando possível, a restituição do aspecto das paisagens e
sítios, rurais ou urbanos, devidos à natureza ou obra do homem, que apresentam um interesse
cultural ou estético, ou que constituem meios naturais característicos.
1.2.5.Carta de Veneza - Maio de 1964: reexamina a Carta de Atenas de 1931. Parte
do princípio de que a humanidade considera as obras monumentais de cada povo que
perduram no presente como testemunho de suas tradições como portadoras de mensagem
espiritual do passado, um patrimônio comum e que se reconhece responsável por preservá-las
perante as gerações futuras, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua
autenticidade. Define como monumento histórico a criação arquitetônica isolada, bem como o
19

sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução
significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas
também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. A
restauração aparece como uma operação de caráter excepcional, sendo que todo trabalho
complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas deve ser
destacado da composição arquitetônica, devendo ostentar a marca do nosso tempo (quando a
técnica tradicional for inadequada a consolidação pode ser assegurada com técnicas atuais).
Todas as “contribuições válidas” devem ser mantidas pois não há necessidade de alcançar a
unidade de estilo enquanto finalidade.
1.2.6.Recomendação Paris - Novembro de 1964: recomendou que cada Estado
Membro adote medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a
transferência de propriedade ilícitas de bens culturais. Define bens culturais os bens móveis e
imóveis de grande importância para o patrimônio cultural de cada país. Dentre as medidas
propôs a identificação e inventário dos bens culturais; a instituição de proteção de bens
culturais por órgãos oficiais; a pactuação de acordos bilaterais e multilaterais; a colaboração
internacional para a detecção de operações ilícitas; a restituição ou repatriação de bens
culturais exportados ilicitamente; a publicidade em caso de desaparecimento de um bem
cultural; a garantia dos direitos dos adquirentes de boa fé e ações educativas de modo a
despertar o interesse dos cidadãos pelo patrimônio cultural de todas as nações.
1.2.7.Normas de Quito - Novembro e Dezembro de 1967: postula que os bens do
patrimônio cultural representam um valor econômico e que são suscetíveis de constituir-se em
instrumentos do progresso. Defende que a tutela estatal pode e deve se estender ao contexto
urbano no qual está inserido um monumento, ao ambiente natural que o emoldura e aos bens
culturais que encerra. Constata que “qualquer que seja o valor intrínseco de um bem ou as
circunstâncias que concorram para constituir a sua importância e significação histórica ou
artística, ele não se constituirá em um monumento a não ser que haja uma expressa declaração
do Estado nesse sentido”. Ademais, defende que todo monumento nacional está
implicitamente destinado a cumprir uma função social. O documento constata que a América
encontra-se num processo acelerado de desenvolvimento que põe em risco um rico patrimônio
relacionado aos grandiosos testemunhos das culturas pré-colombianas. Busca uma solução
conciliatória do progresso urbano com a salvaguarda dos valores ambientais pela valorização
econômica dos monumentos. Sugere que a valorização do patrimônio cultural equivale à
20

habilitação do bem com condições objetivas e ambientais que, sem desvirtuar sua natureza,
ressaltem suas características e permitam seu ótimo aproveitamento com a vizinhança
imediata ao monumento que permita a valorização do bem. Postula vantagens sociais e
econômicas do turismo. Constata que o estímulo a agrupamentos cívicos de defesa do
patrimônio deu bons resultados quando o interesse público se sobressai. Sugere que os países
americanos adotem os preceitos da Carta de Veneza como norma mundial em matéria de
preservação de sítios e monumentos históricos e artísticos. Recomenda que seja redigido um
novo documento que substitua o Tratado Interamericano sobre a Proteção de Móveis de Valor
Histórico (1935). Por fim, apresenta a recomendação de que as legislações sejam atualizadas e
que sejam revisadas regulamentações que se aplicam à matéria de publicidade de modo a
controlar toda forma publicitária que tenda a alterar as características das zonas urbanas de
interesse histórico.
1.2.8.Recomendação Paris - Novembro de 1968: defende que as medidas de
preservação dos bens culturais deveriam se estender à totalidade do território do Estado e não
se limitar a determinados monumentos e sítios. Também é recomendada a preservação ou
salvamento dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas com incentivo e
sanções definidos por lei, reparação, recomendas, assessoramento, programas educativos,
financiamento e medidas administrativas por meio de órgãos de proteção e salvaguarda.
1.2.9.Compromisso Brasília - Abril de 1970: também conhecido como sendo o I
Encontro de Governadores, reconheceu a necessidade de ação supletiva dos Estados e dos
Municípios à atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional,
recomendando a criação de órgãos locais. Alude a um “culto ao passado” enquanto elemento
básico da formação da “consciência nacional” que deve ser estimulado por meio de inclusão
nos currículos escolares, através da disciplina de Educação Moral e Cívica a noção de
preservação do patrimônio nacional. Dentre várias recomendações, consta a da “utilização
preferencial para casas de cultura ou repartições de atividades culturais, dos imóveis de valor
histórico e artístico cuja proteção incumbe ao poder público”. Documento assinado por Lucio
Costa.
1.2.10.Anais do II Encontro de Governadores - Outubro de 1971: Extenso
documento fruto do II Encontro de Governadores onde se faz um balanço do Compromisso de
Brasília de 3 de abril de 1970. Apresenta um panorama das ações de cada Estado brasileiro e
21

apresenta uma série de casos de preservação patrimonial. O encontro gera o Compromisso de


Salvador.
1.2.11.Compromisso de Salvador - Outubro de 1971: Síntese do II Encontro de
Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico e Natural
do Brasil onde é ratificado o Compromisso de Brasília, recomenda-se a criação do Ministério
da Cultura e de Secretarias ou Fundações de Cultura no âmbito estadual; a criação de
legislação complementar no sentido de proteção mais eficiente dos conjuntos paisagísticos,
arquitetônicos e urbanos de valor cultural e de suas ambiências; instituição de fundos para fins
de proteção dos bens naturais e culturais; dentre outras recomendações.
1.2.12.Carta do Restauro - Abril de 1972: Carta do Restauro, do Ministério da
Instrução Pública do Governo da Itália. Define salvaguarda como “qualquer medida de
conservação que não implique a intervenção direta sobre a obra” e “restauração” como
“qualquer intervenção destinada a manter em funcionamento, a facilitar a leitura e a transmitir
integralmente ao futuro as obras e os objetos”. Propõe uma série de proibições e
recomendações no trabalho do restauro. Em seus anexos, propõe instruções acerca da
salvaguarda e a restauração dos objetos arqueológicos; dos critérios das restaurações
arquitetônicas; da execução de restaurações pictóricas e escultóricas; da execução de
restaurações em pinturas murais e; para da tutela dos centros históricos.
1.2.13.Declaração de Estocolmo - Junho de 1972: documento que estabelece uma
visão global e princípios comuns que sirvam de inspiração e orientação à humanidade para a
preservação e melhoria do ambiente humano através de vinte e três enunciados.
1.2.14.Recomendação Paris - Novembro de 1972: apresenta como diagnóstico a
ameaça de destruição aos patrimônios. Define como patrimônio cultural os monumentos, os
conjuntos e os lugares notáveis. Com relação ao patrimônio natural, considera os monumentos
naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações que
tenham excepcional ponto de vista estético ou científico; formações geológicas e fisiográficas
e; lugares notáveis naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas. Dispõe ainda sobre a
obrigação de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o
patrimônio cultural e natural mencionado. apresenta como diagnóstico a ameaça de destruição
aos patrimônios. Define como patrimônio cultural os monumentos, os conjuntos e os lugares
notáveis. Com relação ao patrimônio natural, considera os monumentos naturais constituídos
por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações que tenham excepcional
22

ponto de vista estético ou científico; formações geológicas e fisiográficas e; lugares notáveis


naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas. Dispõe ainda sobre a obrigação de
identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural
e natural mencionado.
1.2.15.Resolução de São Domingos - Dezembro de 1974: I Seminário
Interamericano sobre Experiências na Conservação e Restauração do Patrimônio Monumental
dos Períodos Colonial e Republicano, pela OEA, com base na Carta de Veneza e Normas de
Quito, propõe roteiro com aspectos operativos a fim de materializar e possibilitar a defesa dos
bens culturais, reiterando outros documentos: educação escolar, criação de fundos, etc.
1.2.16.Declaração de Amsterdã - Outubro de 1975: Congresso do Patrimônio
Arquitetônico Europeu teve como propósito assegurar a coerência da política de seus Estados
Membros com relação às políticas públicas de patrimônio cultural. Em seu diagnóstico é
afirmada que as cidades históricas, bairros urbanos antigos e aldeias tradicionais (incluídos
jardins históricos) é que precisam de proteção. Faz alusão ao planejamento urbano e à
organização de inventário das construções dentre vários outros assuntos de forma minuciosa.
1.2.17.Manifesto Amsterdã - Outubro de 1975: Carta Europeia do Patrimônio
Arquitetônico - Ano do Patrimônio Europeu. Considera que a conservação do patrimônio
arquitetônico depende de sua integração no quadro da vida dos cidadãos e de sua valorização
nos planejamentos físico-territoriais e nos planos urbanos. Como diagnóstico o patrimônio
estaria em perigo, a conservação integrada seria o modelo para afastar as ameaças. A
conservação integrada deve utilizar todas as leis e regulamentos existentes. Faz-se o apelo
para a aplicação de recursos financeiro e técnicos.
1.2.18.Carta do Turismo Cultural - Novembro de 1976: Seminário Internacional
de Turismo, alude ao turismo cultural, que tem por objetivo o conhecimento de monumentos e
sítios histórico-artísticos.
1.2.19.Recomendações de Nairóbi - Novembro de 1976: define conjunto histórico
ou tradicional todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios
arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio
urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico,
arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sócio-cultural. Define a ambiência como o
quadro natural construído que influi na percepção estática ou dinâmica dos conjuntos. Define
salvaguarda a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a
23

manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos. Como princípio geral deve-se


considerar que os conjuntos históricos e sua ambiência constituem um patrimônio universal
insubstituível. Recomenda que em cada Estado Membro se formule uma política nacional,
regional e local. Apresenta medidas jurídicas, técnicas, econômicas, sociais e administrativas.
Também versa sobre pesquisa, ensino e informação. Por fim, sobre a cooperação
internacional.
1.2.20.Carta de Machu Picchu - Dezembro de 1977: Encontro Internacional de
Arquitetos, faz um balanço e pretende constituir um ponto de partida para a atualização da
Carta de Atenas de 1933. Parte do diagnóstico de que desde o primeiro documento a
população mundial duplicou dando origem a uma crise ecológica, energética e alimentar.
1.2.21.Carta de Burra - 1979 e 2013: adotada inicialmente em 1979 com revisões
em 1981, 1988, 1999 e 2013. A carta é aplicável a todos os lugares de significação cultural
incluindo os naturais, indígenas e lugares históricos com valores culturais. Apresenta a
definição de 17 termos dentre eles adaptação, reconstrução, preservação, restauro,
manutenção, conservação, uso, lugar, significado cultural, etc. Além disso, também expõe
princípios, processos e práticas de conservação.
1.2.22.Carta de Florença - Maio de 1981: dispõe sobre a proteção dos jardins
históricos, compreendido como uma composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de
vista da história ou da arte, apresenta um interesse público, sendo considerado um
monumento. É uma composição de arquitetura cujo material é principalmente vegetal,
portanto, vivo e, como tal, perceptível e renovável. Define as regras específicas de sua
salvaguarda.
1.2.23.Declaração de Nairóbi - Maio de 1982: promoveu um balanço no décimo
aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ocorrida em
Estocolmo. A preocupação geral é com o Meio Ambiente visando assegurar que o nosso
planeta seja transmitido às futuras transmissões em condições que garantam a vida e a
dignidade humana para todos.
1.2.24.Declaração Tlaxcala - Outubro de 1982: volta suas atenções para as
“pequenas aglomerações”, que estariam ameaçadas pela introdução de esquemas consumistas
e de modo de vida estranho às suas tradições, advindo de meios de comunicação, favorecendo
a destruição do patrimônio cultural por facilitarem o desprezo aos seus valores próprios.
24

Reiteram as recomendações das reuniões de Quito, Chapultepec e Morélia referentes à


conservação de pequenos lugares de habitat.
1.2.25.Declaração do México - 1985: Conferência Mundial sobre as Políticas
Culturais. Define cultura como “o conjunto de traços distintivos espirituais, materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social”. Além das artes e e
letras, ela englobaria também direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças. A conferência defende como princípios que devem reger as políticas
culturais: 1) Identidade Cultural é reafirmada como forma de liberação dos povos face a uma
dominação que nega ou deteriora a sua identidade; 2) a cultura é uma dimensão cultural do
processo de desenvolvimento econômico; 3) a cultura procede da comunidade inteira e a ela
devendo retornar, sendo necessário descentralizar-lá a fim de garantir um viés democrático
em suas manifestações e fruições; 4) o Patrimônio Cultural é entendido como as obras
materiais e imateriais que expressam a criatividade do povo; 5) garantir a criação artística e
intelectual e educação artística sem qualquer tipo de censura; 6) estabelecer relações entre
cultura, educação, ciência e comunicação; 7) promover a cooperação cultural internacional.
1.2.26.Carta de Washington - 1986: sugere medidas complementares à Carta de
Veneza de 1964 visando a salvaguarda de cidades grandes e pequenas e aos centros ou bairros
históricos com seu entorno natural ou construído.
1.2.27.Carta Petrópolis - 1987: define sítio histórico urbano como o espaço que
concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações, também
como parte de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída. Defende
que toda cidade é uma expressão cultural e que só se justifica sua substituição após
demonstrado o esgotamento de seu potencial sócio-cultural. A proteção do Sítio Histórico
Urbano será feita através de tombamento, inventário, normas urbanísticas, isenções e
incentivos, declaração de interesse cultural e desapropriação.
1.2.28.Carta de Washington - 1987: Complemento da Carta de Veneza de 1964
com relação às cidades históricas. Reitera a Carta de Varsóvia - Nairobi de 1976 com relação
à salvaguarda das cidades históricas.
1.2.29.Carta de Cabo Frio - Outubro de 1989: faz menção às comemorações dos
500 anos da vinda de Colombo à América levando em conta que a ocupação do continente
precede em muito a fixação do europeu. Considera que a identidade cultural é a razão maior e
a base da existência das nações. Em seguida, postula contraditoriamente que é fundamental
25

um esforço conjunto visando a salvaguarda do patrimônio, evitando um isolamento cultural


(que é o que supostamente caracterizaria a identidade cultural).
1.2.30.Declaração de São Paulo - 1989: da Jornada Comemorativa do 25º
aniversário da Carta de Veneza fez-se um documento com vistas à IX Assembléia Geral do
ICOMOS em Lausanne onde constata insuficiências decorrentes do avanço científico em
relação ao campo de trabalho em preservação e restauro, sendo necessária a revisão de
conceitos pelos profissionais das áreas envolvidas. Ressalta, por fim, que a Carta de Veneza
deva permanecer como modelo e fonte de consulta.
1.2.31.Recomendação Paris - Novembro de 1989: Recomendação sobre a
Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular. Define cultural tradicional e popular como “o
conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição,
expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas
da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores
se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem,
entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os
costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.” Essa cultura tradicional e popular deveria
ser pesquisada em nível nacional, regional e internacional, conservada, salvaguardada e
difundida.
1.2.32.Carta de Lausanne - 1990: propõe diretrizes para a gestão e proteção de
Patrimônio Arqueológico como complemento à Carta de Veneza. Define patrimônio
arqueológico como a porção do patrimônio material para a qual os métodos da arqueologia
fornecem os conhecimentos primários, englobando os vestígios da existência humana. A
preocupação com projetos desenvolvimentistas se faz presente na parte introdutória, passando
na sequência a prever uma série de ações a serem seguidas pelos Estados.
1.2.33.Carta do Rio - Junho de 1992: reafirma os princípios da Declaração de
Estocolmo de 1972 visando estabelecer uma aliança mundial nova e eqüitativa mediante a
criação de novos níveis de cooperação entre os Estados através de 28 princípios.
1.2.34.Conferência de Nara - Novembro de 1994: Conferência sobre a
autenticidade em relação à Convenção do Patrimônio Mundial com referência na Carta de
Veneza de 1964. Sublinha que a UNESCO tem como princípio fundamental considerar que o
patrimônio cultural de cada um é o patrimônio cultural de todos e que o seu gerenciamento é
de responsabilidade primeiro de quem o gerou. Propõe que “todos os julgamentos sobre
26

atribuição de valores conferidos às características culturais de um bem, assim como a


credibilidade das pesquisas realizadas, podem diferir de cultura para cultura, e mesmo dentro
de uma mesma cultura, não sendo, portanto, possível basear os julgamentos de valor e
autenticidade em critérios fixos”.
1.2.35.Carta Brasília - 1995: ressalta de início que os signatários sentem a
necessidade de colocar a questão da autenticidade a partir da visão regional do Cone Sul pois
esta difere da dos países europeus e asiáticos de longa tradição como nações, pois a “nossa
identidade foi submetida a mudanças, imposições, transformações que geram dois processos
complementares: a configuração de uma cultura sincretista e a de uma cultura de resistência”.
A carta faz menção a heranças dos países do Cone Sul: das civilizações pré-colombianas, do
legado europeu, crioula e mestiça à qual se soma a contribuição africana e por último o legado
das diferentes imigrações a partir do fim do século XIX. Compreende a identidade como uma
forma de pertencer e participar. Ressaltam que “em um mesmo país não há uma única
identidade e podem existir identidades conflitantes. As identidades nacionais continuam em
processo de formação, o que dificulta ainda mais o estabelecimento de critérios únicos e
invariáveis para o ‘autêntico’”, tema da Carta. De maneira contraditória defende que “a
mensagem original do bem deve ser conservada [...] assim como a interação entre o bem e
suas novas e diferentes circunstâncias culturais que deram lugar a outras mensagens
diferentes”. Fala ainda de autenticidade e contexto, materialidade, graduação de autenticidade
e por fim a conservação dessa suposta autenticidade.
1.2.36.Recomendação Europa - Setembro de 1995: Recomendação Europa sobre a
conservação integrada das áreas de paisagens culturais com as políticas paisagísticas, adotada
pelo Comitê de Ministros por ocasião do 543º encontro de vice-ministros. Faz referência a
vários documentos emitidos entre a Convenção de Paris de 1972 até a Regulamentação nº
2078 das Comunidades Europeias que trata dos métodos de produção agrícola compatíveis
com as exigências de proteção do meio ambiente e de manutenção das zonas rurais. Define
paisagem como a “expressão formal dos numerosos relacionados existentes em determinado
período entre o indivíduo ou uma sociedade e um território topograficamente definido, cuja
aparência é resultado de ação ou cuidados especiais, de fatores naturais e humanos e de uma
combinação de ambos”. Define ainda a poluição visual como uma “degradação ofensiva à
visualidade resultante ou de acúmulo de instalações ou equipamento técnico (torres, cartazes
27

de propaganda, anúncios ou qualquer outro material publicitário) ou da presença de plantação


de árvores, zona florestal ou projetos construtivos inadequados ou mal localizados”.
1.2.37.Declaração de Sofia - Outubro de 1996: faz menção ao fato de que o próprio
conceito do que se considera por patrimônio cultural está em constante evolução e que a
própria atividade turística supervalorizada por ameaçar a integridade da substância do
patrimônio cultural.
1.2.38.Declaração de São Paulo II - Julho de 1996: recomendações para a XI
Assembleia Geral do ICOMOS, em Sófia, na Bulgária. Dentre as recomendações, destacam-
se a de que o ICOMOS tenha uma atitude combativa e que seja veiculador de denúncias. Que
seja feita a difusão para a formação de agentes de preservação e que seja incorporado nos
currículos escolares cursos de identificação e de reconhecimento e registro do Patrimônio
Cultural, fundamento da preservação da identidade nacional.
1.2.39.Carta de Fortaleza - Novembro de 1997: seminário de 60 anos de criação
do IPHAN recolhendo subsídios para a elaboração de diretrizes e a criação de instrumentos
legais e administrativos visando fomentar os processos e bens portadores de referência à
identidade brasileira. Constata que havia uma crescente demanda pelo reconhecimento e
preservação do amplo e diversificado patrimônio cultural brasileiro e que os institutos de
proteção legal em vigor no âmbito federal não se têm mostrado adequados à proteção do
patrimônio cultural de natureza imaterial. Propõe que o IPHAN promova a reflexão sobre o
conceito de bem cultural de natureza imaterial.
1.2.40.Carta de Mar del Plata - Junho de 1997: apresenta preocupações com o
processo de globalização frente às identidades e por consequência aos patrimônios culturais
imateriais. Apresenta princípios e recomendações. Dentre os princípios, o de que a integração
cultural deve ser uma prioridade para o Mercosul.
1.2.41.Cartagena de Índias, Colômbia - Maio de 1999: trata da proteção,
recuperação de bens culturais do patrimônio arqueológico, histórico, etnológico,
paleontológico e artístico da Comunidade Andina.
1.2.42.Recomendação Paris - Outubro de 2003: convenção para Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial. Define patrimônio cultural imaterial como “as práticas,
representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns
casos os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”.
28

1.2.43.Carta de Nova Olinda - Dezembro de 2009: Documento final do I


Seminário de Avaliação e Planejamento das Casas do Patrimônio.
1.2.44.I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural de 2009: Síntese preliminar das
discussões feitas durante o I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, e documento Subsídio
para a II Conferência Nacional de Cultura do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural. O
objetivo do Fórum foi a discussão, reflexão, construção e avaliação conjunta da Política
Nacional de Patrimônio Cultural (PNPC).
1.2.45.Carta de Brasília - Julho de 2010: Resultados e conclusões apresentadas
pelo grupo de 46 jovens reunidos no Fórum Juvenil de Patrimônio Mundial acerca da
proteção e promoção do Patrimônio Mundial. Apresenta 9 proposições, dentre elas a
incorporação da participação ativa dos jovens no Comitê do Patrimônio Mundial da
UNESCO, a inserção da educação patrimonial no currículo escolar desde o ensino básico, a
promoção e garantia de identificação e registro de memórias, manifestações, costumes,
línguas, conhecimentos tradicionais e científicos dos diferentes segmentos sociais, etc.
1.2.46.Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, dita Carta de Juiz de Fora -
Outubro de 2010: Retoma a Carta de Florença de 1981. Estabelece definições, diretrizes e
critérios para a defesa e salvaguarda dos jardins históricos brasileiros, igualando “os parques,
jardins e passeios das cidades históricas e também das grandes metrópoles, entre outros locais
que se constituem muitas vezes em refúgio apaziguador, em contraste com o tempo ditado
pelos automóveis e pelo relógio” enquanto equivalentes aos jardins históricos em importância
simbólica e afetiva. A carta traz, portanto, um alargamento da noção de jardim histórico, sua
importância, as noções de autenticidade e integridade, a problemática e fatores de degradação,
a identificação como ação inicial para a sua proteção, a sua preservação e define termos
relativos à sua conservação e manutenção. Sugere ainda aspectos gerais de gestão e
instrumentos de financiamento e fomento.
1.2.47 Um balanço necessário
Os diagnósticos são apresentados em estreita relação com o contexto internacional.
Se em um primeiro momento, na década de 1930, o futurismo de Marinetti ganha impulso e o
entusiasmo com a velocidade da máquina e a maleabilidade do concreto armado passam a
anunciar novos tempos com a crescente urbanização ameaçando os patrimônios, no pós-
Segunda Guerra Mundial a hegemonia cultural estadunidense e o consumismo ameaçam os
modos de vida locais, muito embora o processo de urbanização ainda figure como forte fator
29

de ameaça. Por fim, são os ritmos acelerados do carro e o ininterrupto relógio que ameaçam
os jardins históricos, alargados em sua definição, equiparados a monumentos.
Temas como a educação patrimonial são recorrentes, o que evidencia a falta de
sentido e desconexão da proposta com o objeto ao qual querem relacionar a educação. Um
patrimônio, a priori, deveria ser algo com o qual as pessoas se identifiquem e da qual
reconheçam uma partilha sem uma ação governamental deliberada, resultando disto não ter
sentido falar em educação patrimonial quanto insistir em pleitear ações nesse sentido.
30

1.3. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL

O foco de investigação da socióloga brasileira Maria Cecília Londres da Fonseca em


sua obra O Patrimônio em Processo – referência no campo da historiografia do campo
patrimonial brasileiro - são os mecanismos e as práticas de construção dos patrimônios -
conduzidos por atores definidos e em circunstâncias específicas - que atribuem a
determinados bens o rótulo de patrimônio, justificando a sua preservação pelo Estado de
acordo com seu suposto “valor nacional”. Estes rótulos tendem a ser naturalizados, sendo
considerados inerentes aos bens, como propriedade intrínseca, acessível apenas a um olhar
qualificado de um especialista41.
Enquanto categoria jurídica, a noção de patrimônio teria surgido no texto da
Constituição Federal de 1934 enquanto monumento, e somente com o Decreto-lei nº 25 de
1937 é que aparecerá o termo patrimônio no qual é relacionado o direito à cultura dos
cidadãos àqueles valores que indicam a identidade da nação 42. Ao operar uma distinção entre
os valores das coisas em si (do suporte material) e os valores culturais nela identificados (da
referência cultural), Fonseca expõe a problemática da produção de atribuição de valores que
limitaria um tipo de propriedade ao exercício do outro, qual seja, o resultado material da
imaterialidade relativa à confecção dos bens43. Resultaria disto que a proteção do bem em si,
do suporte material, não acarretaria na preservação deste bem patrimonial, uma vez que o
patrimônio enquanto forma de comunicação social pressupõe “as condições de acesso a
significações e valores que justifiquem sua preservação”44. Não se conserva, portanto, aquilo
que deu origem ao resultado, mas o resultado em si.
Como já abordado na primeira parte deste capítulo, a legitimação do patrimônio pelo
valor de nacionalidade teria surgido na França a partir de uma retórica de perda que visava
frear os atos de vandalismo durante o processo revolucionário. Estes, por sua vez, eram
dirigidos a bens que poderiam reforçar a noção de cidadania; contribuir para objetivar a

41FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação
no Brasil. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. pp. 35-36.
42FONSECA, 2009, p. 37-39.
43FONSECA, 2009, p. 39-41.
44FONSECA, 2009, p. 43.
31

identidade nacional e servir como provas materiais das versões oficiais da história. Deste
modo, a preservação só foi possível devido ao interesse político justificado ideologicamente45.
Para Fonseca, a relevância da temática patrimonial passa a ser politicamente
relevante no Brasil somente a partir da década de 1920. Neste contexto, ela destaca dois
fatores que marcaram a vida cultural e política do Brasil na primeira metade do século XX: os
movimentos modernistas e o Estado Novo46. O tema da identidade – operado pelos dois
fatores destacados - fazia-se presente em termos de uma crítica à europeização do Brasil como
também pela valorização dos traços primitivos de nossa cultura47.
Para Márcia Chuva é insuficiente nomear os intelectuais engajados no campo
patrimonial simplesmente como modernistas, pois houveram diferenças cruciais entre as
várias correntes que se ampliaram após o debate acerca do papel do regionalismo enquanto
constituidor da identidade nacional. Resultou deste embate a posição irreconciliável de que
“para alguns modernistas, as características regionais eram sinal de atraso e obstáculo à
atualização da cultura brasileira e, para outros, ao contrário, eram depositárias da verdadeira
identidade”48.
Reafirmando uma presença lusa em detrimento da indígena, Rodrigo Mello Franco
de Andrade “daria propriamente uma forma ao pensamento que se consolidou no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, ao buscar, sem regionalismos, constituir
a fisionomia do Brasil que seria apresentada [...] para garantir um pertencimento ao mundo
das nações modernas”49. Esta fisionomia seria fruto da “preocupação central [que] estava
voltada para a valorização do passado colonial, representando as origens da nação,
conferindo-lhe uma ancestralidade que deveria referenciar-se numa matriz portuguesa, mas
que, a partir dela, configuraria um universo tipicamente brasileiro” 50. Como exemplo desta
perspectiva, o jurista, político, historiador e ensaísta Afonso Arinos de Melo Franco realizou,
a pedido de Rodrigo Mello Franco de Andrade – primeiro dirigente do órgão federal de
preservação -, cinco conferências entre os meses de outubro e novembro de 1941 no Sphan.
Estas conferências “constituíram um pequeno curso destinado privativamente ao pessoal

45FONSECA, 2009, pp. 59-60.


46FONSECA, 2009, pp. 81-82.
47FONSECA, 2009, p. 84.
48CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. In: Topoi,
v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 313-333. p. 314.
49CHUVA, 2003, p. 316.
50CHUVA, 2003, p. 324.
32

técnico da repartição, que tinha sentido necessidade, para a orientação dos estudos e trabalhos
a seu cargo, de um conhecimento maior do aspecto material do processo histórico do
desenvolvimento”. A constatação de Rodrigo Mello Franco de Andrade era de que havia uma
“precedência conferidas pelos historiadores aos fenômenos políticos e sociais”, ficando as
questões de ordem material ignoradas51.
Para Franco, os portugueses conquistaram o mundo quando passavam por uma
transformação interna - de agricultores para navegadores – o que teria contribuído para a
“absorção dos elementos culturais dos povos menos evoluídos”. Além disso, o “problema da
influência portuguesa” estava posto quando se buscava precisar “um conteúdo exato ao
vocábulo 'português'”. Esta imprecisão se daria devido ao antagonismo observado na
formação lusa: assim como inexistia diferenças substanciais entre as formas de vida nas
diferentes localidades de Portugal; também haveria contribuições não-portuguesas –
mourisca, negra, amarela e judia. Portanto, o português já estava mestiçado no século XV,
absorvendo por onde expandia seu império os elementos culturais de povos menos
evoluídos52. Essa imprecisão de Franco nos ajuda a perceber que o próprio português já
continha em sua homogeneidade uma heterogeneidade a partir de influências diversas. Desta
forma, tornaria-se, para ele, mais difícil precisar quais foram os elementos negros e índios
incluídos diretamente na nossa civilização material – por mais que, para ele, fosse fácil
perceber a influência destas culturas na psicologia social – a ponto de postular que seriam
estes os elementos “enriquecedores e diferenciadores” que contribuiam para nos percebermos
“diferentes dos portugueses”53. Esta contribuição fazia-se pouco importante “não somente por
ter sido absorvida no choque com um meio muito mais evoluído mas também porque as
condições de sujeição em que viviam as raças negra e vermelha não permitiam a expansão
plena das suas respectivas formas de cultura”54.
Embora Lúcio Costa não tenha participado e muito menos se envolvido com
qualquer corrente de pensamento modernista na década de 1920 no Brasil, ele acabou
assumindo um papel central dentro do SPHAN, acumulando
os papéis de principal mentor do modernismo em arquitetura no Brasil, de
formalizador das bases conceituais que caracterizariam a profissão do arquiteto, e de

51ANDRADE, Rodrigo M. F. Prefácio à 1a. Edição. In: FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento
da civilização material no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. p.19.
52FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da civilização material no Brasil. 3 ed. Rio de
Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 23-27.
53FRANCO, 2005, pp. 30-32.
54FRANCO, 2005, p. 37.
33

formulador das posturas e concepções do SPHAN, inclusive com relação à


restauração do patrimônio arquitetônico, como profissional de carreira desde 1938.
Desse modo, em momentos cruciais dentro do Serviço, foi delineando um mapa de
possibilidades do que viria a se tornar patrimônio histórico e artístico brasileiro 55.

Costa teria se tornado o elo entre o moderno e o tradicional, difundindo suas ideias
principalmente através da Revista do SPHAN, que por sua vez “foi muito bem-sucedida no
sentido de construir uma identidade nacional que, associadamente, revelasse uma nação
moderna e pertencente ao mundo civilizado”56.
É, portanto, somente através do sentimento de pertencimento a um novo tempo
(moderno – século XX) que se torna possível demarcar dois momentos precisos – o
originário, que constitui a ancestralidade da nação, e o momento presente, de
refundação, que é capaz de reconquistar o elo perdido constituinte do ser nacional,
qual seja, o 'espírito de invenção', a 'seive criadora', o 'sentido plástico real' e a
'espontaneidade' – e reconhecer nesse gesto a ruptura.57

Este elo perdido poderia ser pensado como retórica da perda, o que por sua vez pode
ser pensado como “uma estética modernista que configurou o patrimônio histórico e artístico
nacional”58. Com o Estado Novo, o Estado passa a encarnar o interesse legítimo da nação,
sendo o patrimônio um instrumento para seus fins. Sobre a especificidade do modernismo
brasileiro, Fonseca esclarece que:
o interesse dos modernistas pela questão da brasilidade decorreu de uma elaboração
no próprio campo da criação artística, que teria ocorrido por volta de 1924, e que
implicou a introdução do conceito de tradição como elemento estruturante de uma
produção artística que se queria ao mesmo tempo universal e particular – no caso,
nacional. Ou seja, que se queria singular, artística no sentido moderno 59.

Isto ocorreu porque os modernistas brasileiros perceberam que “o rompimento


radical com o passado [proposto por Marinetti na Itália] só tinha sentido em países onde havia
uma tradição nacional internalizada”, como nos países europeus; logo, era preciso criar uma
“tradição brasileira autêntica”60. Podemos entender, portanto, que a invenção de uma tradição
brasileira não se constitui em uma contradição em seu princípio pois na medida em que se
constrói uma tradição paralelamente à sua superação por meio do modernismo, o movimento
modernista acaba por singularizar sua produção – o que não ocorreria caso tivesse importado
o movimento tal qual na Europa, desconsiderando o contexto específico que diferia as duas

55CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. In: Topoi,
v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, p. 321.
56CHUVA, 2003, p. 321.
57CHUVA, 2003, pp. 327-328.
58CHUVA, 2003, p. 329.
59FONSECA, 2009, p. 90.
60FONSECA, 2009, pp. 90-91.
34

realidades, além do que, no caso brasileiro o movimento tinha como retórica a crítica à
importação acrítica de valores europeus – o que tornaria contraditório o próprio movimento de
importação de valores de contextos exógenos sem quaisquer critérios.
Na introdução de Arquitetura contemporânea no Brasil o historiador francês Yves
Bruand expõe a importância do meio geográfico e das condições históricas no
desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil. Para ele, o território brasileiro, com um
vasto meio físico determinado por planalto ou uma região litorânea cheia de relevos, bem
como a condição climática marcada por calor, excesso de luminosidade e violentas chuvas,
marcaram significativamente esta produção que teve uma “solução perfeita” com o térreo
livre e o prédio sobre pilotis61. Com relação às condições históricas, o fenômeno da
urbanização e da industrialização deram impulso decisivo à atividade imobiliária, restrita até
então pela aristocracia rural - que perdera seu monopólio com a crise de 1929. A opinião
pública sobre o novo estilo moderno só se convertera após a conclusão do prédio do
Ministério da Educação e Saúde em 1943, o qual fora absorvido pelo nacionalismo brasileiro,
que desde a Proclamação da República voltara-se para o passado. Desta forma, “encontram-se
aí as duas tendências, ambas nacionais, entre as quais oscila o Brasil do século XX: a vontade
de progredir, de romper com o passado, e um apego ao mesmo tempo sentimental e racional a
esse passado, especialmente o da época colonial, origem da personalidade do país” 62. Este
olhar duplo dirigido ao passado e ao futuro tinha por objetivo distinguir-se do estilo
internacional. Para tanto, o poder público desempenhou papel decisivo ao demandar prédios
novos. Bruand chama a atenção para o caráter pessoal que as obras públicas assumem e que o
fato de os políticos tentarem aumentar seu prestígio junto ao público teria aspecto positivo ao
desenvolvimento da arquitetura63. Ainda sobre a prática do serviço público, o autor pontua
que “a maior parte das obras da nova arquitetura brasileira são edifícios públicos cujo
arquiteto foi escolhido diretamente, em detrimento das disposições legais, ao mesmo tempo
em que os júris dos concursos realizados não raro premiaram soluções medíocres” 64, como
ocorrera no caso do concurso do prédio do Ministério da Educação e Saúde65. Para Bruand,

61BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberg. São Paulo:
Perspectiva, 2012. pp. 11-14.
62BRUAND, 2012, p. 25.
63BRUAND, 2012, p. 27.
64BRUAND, 2012, p. 28.
65A decisão do Ministro da Educação Gustavo Capanema em 1936 foi por recusar o projeto premiado no
concurso vencido por Archimedes Memória e Francisque Cuchet (marcado pela ornamentação marajoara),
chamando Lúcio Costa para executá-lo, chamando outros arquitetos para colaborarem com o projeto (Bruand,
35

passamos de um ecletismo sem originalidade à afirmação internacional da nova arquitetura


brasileira em um período muito curto de tempo. O panorama da arquitetura brasileira no início
do século XX resumia-se a uma mistura de imitações negativas de estilos europeus de forma
descontextualizada66. Estas imitações se deram por meio de estilos históricos de ecletismo
como os classicizantes e medieval, ou pela busca de ruptura, como o art nouveau e o
neocolonial.
Bruand identifica no estilo neocolonial “a primeira manifestação de uma tomada de
consciência, por parte dos brasileiros, das possibilidades do seu país e da sua originalidade”. É
na Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922 que o estilo afirma-se
tendo o jovem Lúcio Costa se apercebido de que “era preciso não se ater à interpretação
literal, mas procurar também encontrar o espírito que presidira ao nascimento dessa
arquitetura colonial”67. Porém, “não tinha sentido querer manter e adaptar as formas do
passado a programas novos, possibilitados pelo emprego de novas técnicas e materiais”, ao
que só se percebeu com certo atraso em relação à Europa “que o ferro e, principalmente, o
concreto armado podiam ser utilizados de modo ao mesmo tempo racional e estético, de
maneira a gerar um novo estilo, que rompesse com o que se tinha feito até então”68.
As premissas da renovação difundiu-se no Brasil a partir dos “princípios futuristas”
do Manifeste du Futurisme de Filippo Tommaso Marinetti. Para ele o esplendor do mundo se
enriqueceu de uma nova beleza da velocidade que seria provada pelo homem que “segura o
volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua
própria órbita”. Assim questiona Marinetti: “Por que haveremos de olhar para trás, se
queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram
ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade omnipresente.” Sua ideia é
libertar a Itália “de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários”
pois são eles que cultuam o passado que “é talvez um bálsamo para tantos os seus males, já
que para eles o futuro está barrado... Mas nós não queremos saber dele, do passado, nós,
jovens e fortes futuristas!”. E conclui: “Nossa bela e hipócrita inteligência nos afirma que
somos o resultado e o prolongamento dos nossos ancestrais. - Talvez!... Seja!… Mas que

2012, p. 28-29). Para informação complementar, ver: Itaú Cultural. Ministério da Educação e Saúde – MES.
Disponível em <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3762/ministerio-da-educacao-e-saude-mes>.
Acesso em 5 de junho de 2021.
66BRUAND, 2012, p. 33.
67BRUAND, 2012, pp. 52;55;58.
68BRUAND, 2012, p. 59.
36

importa? Não queremos entender!... Ai de quem nos repetir essas palavras infames!...” 69. No
caso brasileiro operou-se uma mudança na apropriação feita a partir deste manifesto:
A princípio o movimento foi sendo designado por 'Futurismo' e futuristas os seus
autores, circulando a palavra no Brasil desde 1915, e, em 1921, Oswald de Andrade,
em artigo retumbante, ainda chamava Mário de Andrade de 'O meu poeta futurista'.
Todavia, a palavra, usada no começo, como se pode ver nos artigos de 1920 e 1921
de Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, passou a despertar a oposição dos
corifeus do movimento, que não aceitavam a confusão com o de Marinetti, e
reagiam contra o epíteto, empregado a seguir, sobretudo pelos adversários, com
intuito de ridículo. [...] Mas a irritação, sobretudo de Mário de Andrade, atingiu o
auge em 1925 por ocasião da colaboração modernista ao jornal A Noite, do Rio de
Janeiro. Primeiro o título da seção seria 'O mês Futurista', contra o que protestou
Mário de Andrade, levando o jornal a mudá-lo para 'O mês Modernista que ia ser
Futurista'. Novo protesto de Mário, e então adotou-se o cabeçalho 'O Mês
Modernista', e aí colaboraram os grandes do movimento.70

O estopim que desencadeou uma ação mais engajada de intelectuais sob o rótulo de
modernistas deu-se na defesa da artista Anita Malfati, chamada de “ser bizarro” por Monteiro
Lobato. Os participantes do movimento não tinham um programa coerente, sendo seu
elemento aglutinador a natureza negativista e demolidora que visava uma ruptura com o
passado e, no caso brasileiro, independência cultural da Europa71. Curiosamente, a introdução
deste pensamento na arquitetura se dará através de Gregori Warchavchik, imigrante russo
formado na Itália, que propôs uma arquitetura ditada pela praticidade e pela economia de
acordo com os preceitos do suíço Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido sob o
pseudônimo Le Corbusier. A reputação de Warchavchik fez com que Lúcio Costa o
convidasse para lecionar arquitetura moderna na Escola de Belas-Artes, quando este assumira
o posto entre 1930-193172. Apesar de efêmera, a cadeira obteve grande aceitação dos
estudantes, e recusa dos mestres do estilo neocolonial. Em Pernambuco, Luís Nunes, também
inspirado em Le Corbusier, porém, com maior influência da Bauhaus do alemão Walther

69Publicado em 20 de fevereiro de 1909 no jornal francês Le Figaro. Disponível em


<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k2883730.langFR>, acesso em 5 de junho de 2021.
70ENCICLOPÉDIA de literatura brasileira / direção Afrânio Coutinho, J. Galante de Sousa. Verbete
modernismo. - 2. ed. red. amplo., atual. E il. sob a coordenação de Graça Coutinho e Rita Moutinho. - São Paulo:
Global Editora; Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca Nacional/DNL: Academia Brasileira de Letras, 2001. p.
1083.
71BRUAND, 2012, p. 62 ; ENCICLOPÉDIA..., 2001, p. 1086; MARINETTI, Filippo Tommaso. Manifeste du
Futurisme. Le Figaro, Paris, p. 1 , 20 fev. 1909. Disponível em:
<http://2.bp.blogspot.com/-NXBlKNnbp3w/UXjnNBBg7rI/AAAAAAAABvc/ P3_yotNANsg/s1600/-001.jpg>.
Acesso em: 21 mai. 2014.
72Lúcio Costa assumiu o cargo e logo implementou a introdução da arquitetura moderna na instituição,
recebendo forte oposição de antigos mestres do neocolonial como José Mariano Filho, que pediram sua demissão
automática devido a questões jurídicas que envolviam a integração da Escola de Belas-Artes à Universidade
(Bruand, 2012, p. 73).
37

Gropius, também desempenhou grande papel na divulgação do estilo – apesar de ter falecido
ainda jovem73.
Retornando à questão patrimonial, um dos primeiros projetos elaborados com a
finalidade de considerar objetos a lugares enquanto “propriedade da nação” foi redigido pelo
arqueólogo brasileiro Alberto Childe a pedido da Sociedade Brasileira de Belas Artes.
Fonseca comenta que o grande empecilho ao projeto de Childe deu-se com relação à
inviabilidade de desapropriar os bens para protegê-los74, ao qual as propostas encaminhadas
ao Congresso esbarravam no direito de propriedade, que com o advento do Estado Novo foi
amenizado por conta da ideia de por limites à função social da propriedade em 193475. Pouco
tempo depois foi solicitado a Mário de Andrade que elaborasse um projeto de órgão de
preservação. A contribuição de Mário de Andrade suscita uma divisão na historiografia do
campo patrimonial brasileiro e é objeto de embates antagônicos.
Propondo-se a pensar novos paradigmas para a preservação do patrimônio cultural, a
historiadora brasileira Márcia Chuva, em artigo publicado na Revista do Iphan 76, busca
compreender os motivos e sentidos dessa divisão do campo patrimonial no Brasil
manifestados na dicotomia material e imaterial, que por sua vez refletiriam as “singularidades
da trajetória de formação do campo” 77. Na versão oficial da trajetória patrimonial no Brasil
produzida na década de 1980 é apontada uma divisão em duas fases (heroica e moderna) e
para a ideia de que o anteprojeto de Mário de Andrade teria sido fundamental para a
consolidação do texto do Decreto-lei nº 25 de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Esta
recorrência à Mário de Andrade é percebida por Chuva como obscurecedora da complexidade
e do antagonismo presente na tensão política em que acontece a definição patrimonial78.
Se houvera monopólio da versão dos fatos modernistas, a distinção entre material e
imaterial seguiu rumos institucionais separados, respectivamente no campo do patrimônio e
do folclore, mesmo que tenham sido “originados da mesma matriz andradiana e no mesmo
contexto político-cultural brasileiro – de um nacionalismo não meramente retórico, mas

73BRUAND, 2012, pp. 78-79.


74BRUAND, 2012, p. 95.
75BRUAND, 2012, p. 104.
76Órgão de preservação patrimonial, atualmente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN.
77CHUVA, Marcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Brasília: IPHAN, n. 34, p.147-165, 2012. p. 147.
78CHUVA, 2012, pp. 148-150.
38

constituído em política de Estado pelo governo Vargas”79. O fato de Mário de Andrade ter
trabalhado no Sphan seria um indicador de que ele não via contradição entre seu anteprojeto e
o trabalho desenvolvido pela instituição, sendo a oposição entre o anteprojeto e o Decreto-lei
nº 25 “um falso problema, se considerado do ponto de vista dos objetivos mais imediatos do
Sphan, quando de sua criação, e do quadro político e ideológico naquele momento” 80. Para
Fonseca, o espírito do anteprojeto não fora esquecido, apesar da prioridade ter sido dedicada
“aos remanescentes da arte colonial brasileira, justificada pelos agentes institucionais como
decorrência do processo de urbanização”81. Fato curioso, na medida em que a compatibilidade
do movimento modernista com o Estado Novo deu-se pela superação das velhas elites
agrárias por um movimento urbano de massa. De todo modo, os critérios adotados para o
tombamento centravam-se na autoridade dos agentes e da instituição na medida em que “cabia
ao Estado, naquele momento, o papel de intérprete e guardião dos valores culturais da nação”.
Mário de Andrade, vinte anos depois, traçaria o que lhe pareceram os rumos iniciais
do movimento: 1) Ruptura das subordinações acadêmicas; 2) Destruição do espírito
conservador e conformista; 3) Demolição de tabus e preconceitos; 4) Perseguição permanente
de três princípios fundamentais: a) direito à pesquisa estética; b) atualização da inteligência
artística; c) estabilização de uma consciência criadora nacional 82. Desta forma, Bruand
observa uma dualidade do modernismo brasileiro com a “tentativa de sintetizar preocupações
ao mesmo tempo revolucionárias e nacionalistas”83.
Fonseca conclui que foi a noção de civilização material e a interpretação que os
arquitetos modernistas fizeram da arquitetura brasileira é que justificaram os tombamentos da
primeira fase sob o comando da Rodrigo Mello Franco de Andrade, interpretação fundada,
por sua vez, nas noções de valor nacional e de valor excepcional84. Em resumo, a nomeada
por Fonseca de “fase heroica” resume-se em 4 pontos: 1) a legitimação das escolhas se dava
pela autoridade dos técnicos; 2) prevaleceu uma apreciação de caráter estético; 3) o valor
histórico não era o foco principal; 4) a prioridade era assegurar a proteção legal através de sua
inscrição nos Livros do Tombo85. Para Fonseca houve ainda uma fraca autonomia em relação

79CHUVA, 2012, p. 151.


80FONSECA, 2009, pp. 104-105.
81FONSECA, 2009, p. 107.
82ENCICLOPÉDIA..., 2001, p. 1084.
83BRUAND, 2012, p. 61.
84FONSECA, 2009, pp. 110-113.
85FONSECA, 2009, p. 116.
39

ao Estado Novo, especulando que o interesse para o governo getulista na arregimentação dos
intelectuais no aparelho estatal era evitar que estes elaborassem críticas ao regime. Para além
disso, os intelectuais engajados, na visão de Fonseca, “fizeram do Sphan [...] uma instituição
eminentemente técnica, que desenvolvia um trabalho altamente especializado e de grande
responsabilidade científica e social, na medida em que era juridicamente responsável pela
instituição do patrimônio histórico e artístico nacional”86.
Fonseca assinala que após 1945 houve um engajamento político de alguns
intelectuais, radicalizando-se a politização da atividade cultural em meados da década de
1960. Durante o Governo Geisel o Estado portava-se não apenas como repressor, mas também
como organizador da cultura. Neste período o modernismo passou a ser objeto de contestação
e de crítica. Se nos anos iniciais os adversários enfrentados pelo Sphan resumiam-se aos
“vigários obtusos ou prefeitos modernosos”, a partir da década de 1960 o grande vilão era a
“poderosa especulação imobiliária”87. Importante assinalar que
o entendimento de patrimônio cultural de Mário de Andrade era bastante diferente, e
até mesmo antagônico, do entendimento do grupo de intelectuais [...] que se tornou
hegemônico no Sphan. Para Mário de Andrade, a cultura brasileira deveria ser
apreendida como uma totalidade coesa, ainda que constituída pela mais ampla
diversidade de práticas possível [...] a identidade nacional seria uma síntese de
diferentes costumes e formas de expressão, resultado de suas preocupações acerca
do folclore.88

Este distanciamento tornou-se evidente com a criação da Comissão Nacional do


Folclore em 1947 e sua posterior transformação em Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, com seu auge até 196489. Nas décadas seguintes “o advento da tecnologia
promoveu um severo enfraquecimento dos Estados e a expansão fantástica do poder
transnacional do capital a ignorar as fronteiras nacionais”, esmaecendo a ideia de nação. Para
Chuva, “é nessa conjuntura que ocorre a ampliação da noção de patrimônio cultural, em que
novos objetos, bens e práticas passam a ser incluídos ou a concorrer para se tornarem
patrimônio cultural”. Contribui para esse alargamento a “guinada antropológica” das ciências
sociais, quando “a cultura passou a ser observada como processo, e as relações cotidianas
tornaram-se objeto de investigação”90.

86FONSECA, 2009, pp. 124-125.


87FONSECA, 2009, pp. 132-140.
88CHUVA, Marcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Brasília: IPHAN, n. 34, p.147-165, 2012. p. 154.
89CHUVA, 2012, p. 155.
90CHUVA, 2012, p. 157.
40

Se no âmbito institucional haviam duas frentes, uma dita executiva e outra


patrimonial – relacionadas ao folclore e ao patrimônio, respectivamente; é uma terceira frente
que tratará desse alargamento da noção de patrimônio, operando com novos conceitos como
cultura popular e bem cultural, no lugar daqueles utilizados pelas duas primeiras frentes 91.
Contudo, a experiência do Centro Nacional Referências Culturais (CNRC) trouxe os
produtores para o processo de reconhecimento e valorização da prática cultural, propondo
uma associação entre cultura e desenvolvimento 92. Chuva observa que, curiosamente, as ações
empreendidas pelo CNRC aproximavam-se mais do folclore do que propriamente do
patrimônio material – o que evidencia tensões quanto ao espólio de Mário de Andrade. Esta
divisão enganosa implica, até hoje, uma distribuição desigual de recursos. Para ela,
atualmente, o conceito de paisagem cultural parece caminhar na superação dessa falsa
dicotomia93.
Fonseca assinala que a saída do jurista brasileiro Rodrigo Melo Franco de Andrade –
que comandava o órgão de preservação desde a sua fundação - demonstrou que a instituição
só tinha coesão com um líder carismático, função que só foi preenchida novamente pelo
designer brasileiro Aloísio Magalhães, o qual “atrelou o nacionalismo aos valores da
modernização”, demonstrando, desta forma, “a relação entre o valor cultural e o valor
econômico”94. Para Aloísio Magalhães, no contexto da década de 1970 o processo de
globalização seria “determinado pelo avanço tecnológico, que se propaga através de duas
vertentes principais: a tecnologia do produto industrial e a tecnologia da comunicação
audiovisual”95. Assim revelava-se em sua narrativa a crise do modelo moderno que, em favor
do crescimento dos benefícios materiais, transformaria o Brasil num país rico, porém sem
caráter próprio, sem identidade cultural, pois essa “igualdade é [...] que na verdade só faz
diminuir a capacidade criativa”96 pois “uma das consequências mais flagrantes do
achatamento do mundo é a perda ou diminuição de caracteres próprios das culturas” 97 na
medida em que “o grande problema com que se defrontam os países em desenvolvimento é o

91CHUVA, 2012, p. 158.


92CHUVA, 2012, p. 159.
93CHUVA, 2012, pp. 161-164.
94CHUVA, 2012, pp. 141-142.
95MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira; Fundação Roberto Marinho, 1997. p. 54.
96MAGALHÃES, 1997, p. 90.
97MAGALHÃES, 1997, p. 115.
41

problema de absorverem tecnologia de cuja evolução não participaram” 98. Deste modo, ele
propunha uma “vacina da adequação dessas alterações à verdade e autenticidade do perfil
cultural da nação”99. Que vacina seria essa?
Em sua concepção, essa vacina deveria levar a um “desenvolvimento harmonioso” 100
que deveria considerar as políticas de metadesenvolvimento (ao nível macro) e de
paradesenvolvimento (ao nível micro). Se o primeiro cuidaria dos grandes complexos
industriais, o segundo seria “indispensável para que o metadesenvolvimento não se desvincule
da realidade nacional, acarretando a perda de identidade cultural e eventualmente afetando
mesmo a soberania nacional”. Percebe-se que Magalhães mantinha termos próprios de seu
contexto: desenvolvimento e soberania nacional. Desta modo, Magalhães questionava-se:
“quais são os valores permanentes de uma nação?”101.
Para ele, o conceito de bem cultural, no Brasil, continuava restrito aos bens móveis e
imóveis102. Assim, “permeando essas duas categorias, existe vasta gama de bens [...] que por
estarem inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são considerados como bens culturais
nem utilizados na formulação das políticas econômica e tecnológica.” Magalhães entendia
que a possibilidade de ampliar e revitalizar o IPHAN de modo a cobrir maior espectro de bens
culturais era viável e lógica103, para tanto, “era necessária uma conceituação nova e
abrangente de bens culturais”104.
Assim, a definição de bem cultural “depende de algumas constantes que possam ser
identificadas, algo que tenha sido reiterado na trajetória do país. Não tem que ser
necessariamente original ou autóctone. O que caracteriza a autenticidade são alguns valores
atribuídos àquele fenômeno, àquele objeto, àquele ato”.105.
Magalhães reconhecia que em países pobres “a preservação passa a ser um luxo” 106,
daí não podermos assumir uma estrutura policialesca voltada à proibição, mas que devemos
“encontrar os mecanismos que permitam essa adequação entre a postura de preservar e a
postura de mudar, de crescer”. Nós, do “Terceiro Mundo”, poderíamos inserir no conceito de

98MAGALHÃES, 1997, p. 226.


99MAGALHÃES, 1997, p. 80.
100MAGALHÃES, 1997, p. 56.
101MAGALHÃES, 1997,. p. 47.
102MAGALHÃES, 1997, p. 60.
103MAGALHÃES, 1997, p. 62.
104MAGALHÃES, 1997, p. 63.
105MAGALHÃES, 1997, p. 71.
106MAGALHÃES, 1997, p. 92.
42

bem cultural toda uma gama de percepção de uma realidade que na verdade não está
cristalizada, da qual sequer há ainda uma representação clara, mas que justamente pela sua
fragilidade, pela sua vitalidade, pela sua importância como indicadores de formulação de
identidade cultural, são bens que precisam ser preservados107.
Essa ideia de preservação surgira a partir do questionamento de Severo Gomes,
Ministro da Indústria e Comércio do Brasil entre 1974 e 1977, do porquê de o produto
brasileiro não ser reconhecido. Para Magalhães a “resposta mais imediata foi que, para se
criar uma fisionomia própria de uma cultura é preciso antes de conhecer a realidade desta
cultura em seus diversos momentos”108. Logo, o objetivo do Centro Nacional de Referências
Culturais seria estudar as formas de vida e atividades pré-industriais que estavam
desaparecendo de modo a “tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se” 109. Ele via o
Programa Cidades Históricas e o CNRC como aliados do IPHAN para atender à nova
complexidade da situação na qual se inseria a problemática relacionada com a preservação
dos bens culturais110.
Para Magalhães, não seria possível atuar de cima para baixo de acordo com a prática
do IPHAN pois “uma gama de atividades do povo [...] deve ser tomada como bens culturais”,
mais especificamente os “bens culturais vivos”111.
A grande inquietação de Magalhães era como atuar sobre a realidade e devolver à
população os benefícios gerados pelo desenvolvimento das políticas públicas, na medida em
que uma atividade popular não teria consciência de seu valor. Neste sentido, já
institucionalizado sob a forma de Fundação Nacional Pró-Memória, buscou-se “traçar um
sistema referencial básico para a descrição e análise da dinâmica cultural brasileira, tal como é
caracterizada na prática das diversas artes, ciências e tecnologias”112.
Muito hábil politicamente, Aloísio Magalhães amenizava a crítica a Rodrigo Mello
Franco de Andrade, afirmando que este “foi obrigado a se dedicar quase exclusivamente aos
bens em perigo de extinção”113 e que as pessoas não haviam compreendido o verdadeiro
patrimônio concebido por ele e por Mário de Andrade 114. De modo a legitimar sua ação afirma
107MAGALHÃES, 1997, pp. 93-94.
108MAGALHÃES, 1997, p. 116.
109MAGALHÃES, 1997, p. 117.
110MAGALHÃES, 1997, p. 139.
111MAGALHÃES, 1997, p. 120.
112MAGALHÃES, 1997, p. 139.
113MAGALHÃES, 1997, p. 120.
114MAGALHÃES, 1997, p. 222.
43

que a consciência “existe porque está implícita no documento original de Mário de Andrade.
Ou seja, curiosamente, tudo isso que a gente traz agora não é novidade. É apenas, vamos
dizer, a retomada no momento histórico certo de segmentos que já estavam previstos na
antecipação de Mário de Andrade”115. De uma só vez, Magalhães ameniza as limitações do
contexto de ação de Rodrigo Mello Franco de Andrade e reivindica e resgata a tradição de
Mário de Andrade.
Infelizmente a obra de Magalhães à frente da política pública relacionada aos bens
culturais foi interrompida quando ele tomava posse como presidente da Reunião de Ministros
da Cultura dos Países Latinos em Pádua, Itália em 1982. Após sua morte foi editado o livro E
triunfo?, registrando seu pensamento e sua ação à frente dos organismos federais de cultura,
reunindo discursos, ensaios e conferências de Aloísio Magalhães sobre política cultural.
Se o problema identificado relaciona-se com o dos modernistas da década de 1920 –
qual seja a tradição – a diferença é que buscava-se esta singularidade não mais cristalizada,
objetificada em bens “mortos” mas, com um desenvolvimento endógeno, a partir da busca de
soluções autóctones “do zero”, uma tradição viva, que fosse apreendida em sua dinâmica e em
sua pluralidade. Também pretendia-se começar do zero, sem importação de modelos do
exterior; e com uma visão crítica à visão romântica que predominava entre os folcloristas 116.
Fonseca assinala que, em relação ao anteprojeto de 1936,
O novo na proposta do CNRC era a perspectiva a partir da qual se valorizavam essas
manifestações, que não eram apreciadas via folclore ou etnografia. Tratava-se de
revelar um interesse até então não percebido: sua capacidade de gerar valor
econômico e de aprender alternativas apropriadas ao desenvolvimento brasileiro 117.

Desta feita, Fonseca assinala que a noção de cultura popular fora ampliada de forma
a comportar seu imbricamento com o mundo industrial e urbano a ponto de produzir uma
“vacina contra as poderosas influências externas que descaracterizavam a nação”. Deste
modo, a proposta do CNRC era “reelaborar essa dicotomia (erudito/popular)” 118. Ela observa
que
A prática dos agentes do CNRC e, posteriormente, da FnpM, como, certamente,
também a prática dos agentes da Sphan junto às comunidades vinha demonstrando
que os valores culturais atribuídos pelas elites cultas [...] aos bens que integravam o
patrimônio eram freqüentemente estranhos, ou mesmo indiferentes, para as
populações que conviviam com esses bens [...] seja porque essas populações lhes

115MAGALHÃES, 1997, p. 223.


116FONSECA, 2009, pp. 150-162.
117FONSECA, 2009, p. 151.
118FONSECA, 2009, pp. 152-156.
44

atribuíam valores de outra ordem, seja porque consideravam que havia necessidades
mais prementes a serem atendidas pelo poder público119.

Porém, “em meados dos anos 80 [...] a questão central não era mais a da relação
entre cultura e desenvolvimento, e sim a relação entre cultura e cidadania” 120. Para Fonseca, o
uso recorrente do instrumento do tombamento faz confundir-se este com a ideia de
preservação121. Como consequência desta prática, para grupos menos favorecidos o
tombamento pode ser visto como algo positivo, para as classes média e alta como indesejável;
para os bens imóveis implica em desvalorização, para os móveis em valorização. Deste modo,
resulta que “os processos de tombamento constituem espaços de expressão desses
confrontos”122. Com relação aos pedidos de tombamento, Fonseca assinala uma grande
dificuldade em dar prosseguimento aos projetos que aguardam deliberação há mais de uma
década. Na década de 1970 há um aumento significativo de pedidos externos, embora “os
mecanismos de decisão continuaram restritos aos órgãos técnicos da administração central” e
“Portanto, um dos cuidados da instituição [...] é de, ao mesmo tempo, apresentar as
justificativas técnicas que levam (ou não) a cada tombamento, interpretando as disposições
genéricas do texto legal, e defender a autoridade de sua decisão quanto á avaliação de bens
para tombamento”123.
A ideologia do nacionalismo “vem sendo substituída pela noção de direitos culturais
como nova forma de legitimar essas políticas” 124. Estes direitos culturais teriam aparecido
inicialmente na constituição soviética de 1918 imbricada à noção de Bildung 125, sendo
somente no pós-guerra que esta noção foi relacionada aos direitos humanos. Porém, Fonseca
alerta que a luta pelos direitos humanos na América Latina na década de 1970 encontrava-se
mergulhada no contexto das ditaduras militares, e não no esgotamento do socialismo soviético
ou do estado de bem-estar social como na Europa 126. Para Fonseca os direitos culturais
inscritos na Constituição Federal de 1988 não passaram, num primeiro momento, de “meras
declarações de boas intenções”127. Na análise da autora, isto teria ocorrido devido ao
119FONSECA, 2009, p. 116.
120FONSECA, 2009, p. 172.
121FONSECA, 2009, p. 180.
122FONSECA, 2009, p. 181.
123FONSECA, 2009, pp. 185;201.
124FONSECA, 2009, p. 71.
125A noção de Bildung pressupunha a educação do cidadão de forma a cultuar o Estado e o sistema político
vigente.
126FONSECA, 2009, pp. 72-74.
127FONSECA, 2009, p. 74.
45

argumento de que haveria necessidades mais urgentes a serem atendidas, ao que ela traduz por
“não dá voto”. A autora conclui que se a emergência do patrimônio histórico e artístico se deu
nos contextos da ideologia do nacionalismo, o patrimônio cultural teria surgido a partir de sua
inserção em um contexto mais amplo que vai dos mecanismos internacionais às comunidades
locais, envolvendo não apenas burocratas mas as comunidades locais128.

128FONSECA, 2009, p. 75.


46

2. DA FORMULAÇÃO DA CATEGORIA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO


CULTURAL À FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM BRUSQUE

O primeiro item deste segundo capítulo é, em grande parte, o texto abordado no livro
Regimes de Cidade, lançado pelo autor no início de 2021, com alguns acréscimos e
modificações pertinentes a atender o escopo e foco deste trabalho. No segundo item
discorreremos sobre as políticas públicas e tentativas frustradas de preservação para na
sequencia fechar o capítulo falando sobre o patrimônio enquanto categoria jurídica no
município.

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE BRUSQUE

Brusque está inserida na microrregião do Vale do Itajaí-Mirim. Esta, por sua vez, é
composta ainda pelos municípios de Guabiruba e Botuverá. Esta microrregião compõe a
região do Vale do Itajaí, no estado de Santa Catarina, na região Sul do Brasil. Sua ocupação
inicial de maneira sistemática ocorreu pelos europeus com a fundação da Colônia Itajahy-
Brusque em 4 de agosto de 1860 e depois com a Colônia Príncipe Dom Pedro em 15 de
fevereiro de 1867, colônia que mais tarde foi incorporada à primeira, dando origem ao
município de São Luiz Gonzaga em 1881, renomeado de Brusque e depois desmembrado em
1962 dando origem aos municípios de Botuverá e Guabiruba.
Majoritariamente a população se caracterizou nos anos iniciais por ter emigrado a
partir de estados que mais tarde compuseram a Alemanha, sendo, portanto, a narrativa de
fundação da colônia associada aos pioneiros “alemães”. Estas colônias também contaram com
a presença de imigrantes de origem polonesa e americana/inglesa/irlandesa, os quais se
transferiram respectivamente para o Paraná e para diversos outros lugares, não se fixando em
grande quantidade no município de Brusque. Os elementos de origem italiana (e outras
nacionalidades) imigraram quando a colônia já contava no mínimo quinze anos, o que
resultou na concentração das melhores terras nas mãos dos teuto-brasileiros, ficando os
italianos, portanto, com os lotes mais distantes do Stadtplatz (núcleo colonial). Esta dinâmica
inicial de migração, juntamente a uma série de fatores, colaborou para que alguns imigrantes
alemães acumulassem capital (a partir das vendas e venda fiado aos estabelecidos mais tarde)
e, com isto, iniciassem um processo de industrialização. Com isto, o imigrante alemão
47

exerceu influencia sobre os demais grupos étnicos por meio de seu poder econômico. É da
cidade resultante deste contexto que parece falar uma tríade que produziu obras que
inauguraram de forma consistente a historiografia brusquense: Oswaldo Rodrigues Cabral,
Giralda Seyferth e Maria Luiza Renaux [Hering 129]. Porém, antes de abordar estas obras, é
preciso assinalar a obra do antropólogo e sociólogo alemão radicado no Brasil que produziu
uma importante estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil e
também a obra de um “trapeiro” (juntador de trapos, de fontes, como ele se denominava) que
empreendeu grande mobilização para a reunião de documentos que pudessem retratar o
primeiro centenário do município. Sem este panorama historiográfico, impossível falarmos de
uma história e patrimônio em Brusque.
Nascido em Colônia (Alemanha), no ano de 1905, o antropólogo e sociólogo alemão
Emilio Willems emigrou em 1931 para Brusque. Sua emigração ocorreu logo após ele obter o
título de doutor em Filosofia pela Universidade de Berlim, quando contava com 26 anos de
idade. Willems lecionou grego, latim e francês no Seminário de Azambuja, em Brusque130.
Em seu estudo antropológico publicado originalmente em 1941 A aculturação dos alemães
no Brasil, Willems investiga os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil citando por
diversas vezes cidades catarinenses como Blumenau, Brusque e Guabiruba. Desse estudo,
Willems conclui que a cultura dos alemães sofreu mudanças mais ou menos profundas no
Brasil sobretudo por conta das mudanças do meio geográfico que impactaram nos elementos
de cultura material e tecnológica. O isolamento geográfico fez com que a pequena
propriedade, a família e a vizinhança ganhassem papel de destaque. Enquanto comunidades
puramente agrícolas, os colonos permaneceram nos primeiros anos sem influência da cultura
brasileira embora a tenham influenciado elaborando uma cultura híbrida que ele denominou
“teuto-brasileira”, principalmente com o processo de urbanização131.
Idealizada pelo relojoeiro Ayres Gevaerd, a Sociedade Amigos de Brusque (SAB) foi
criada formalmente em 4 de agosto de 1953 por meio do esforço de várias personalidades
brusquenses. A inauguração do prédio que abriga o Museu Histórico do Vale do Itajaí-Mirim
e o acervo da SAB ocorreu anos mais tarde, em 20 de janeiro de 1973. Gevaerd, memorialista

129Em algumas publicações o sobrenome de quando ela esteve casada aparece nas referências, optei por
referenciá-la como RENAUX.
130BOAS, Glaucia Villas. De Berlim a Brusque, de São Paulo a Nashville: a sociologia de Emílio Willems
entre fronteiras. Tempo soc., São Paulo , v. 12, n. 2, p. 171-188, Nov. 2000 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702000000200012&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 16 jan. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702000000200012.
131Páginas 574 a 578 do referido estudo.
48

brusquense, foi o responsável pela reunião dos documentos de que dispomos para pesquisar
os primórdios da colonização e desenvolvimento do município. Além do esforço empreendido
na reunião dos documentos que constituem o Arquivo Histórico da SAB, Gevaerd também
esteve envolvido nas comemorações do Centenário de Brusque. Provavelmente inspirada
pelas comemorações e atividades desenvolvidas por conta do centenário de fundação de
Blumenau (1950) e Joinville (1951), dentro deste contexto foi encomendada ao pesquisador
Oswaldo Rodrigues Cabral uma obra que versasse sobre os primórdios de Brusque. Além
dessa obra foi compilado o Álbum do Centenário de Brusque (com diversas contribuições em
temas os mais diversos) e o livro “Folclore de Brusque”, de autoria de Walter Fernando
Piazza.
A obra “Brusque: Subsídios para a história de uma colônia nos tempos do Império”,
publicada em 1958, foi organizada em seis capítulos. Enquanto o primeiro deles aborda o
movimento colonizador e a fundação da Colônia Itajahy (Brusque); os cinco demais exploram
as gestões dos administradores das colônias com base nas correspondências escritas pelos
próprios administradores endereçadas aos presidentes da província (equivalentes a
governadores, na época). No primeiro capítulo, Cabral aponta que o movimento colonizador
em Santa Catarina principiou na zona litorânea ainda no século XVIII; tendo somente em
1829 sido fundada a colônia alemã de São Pedro de Alcântara; em 1836 os primeiros
elementos italianos em Tijuca Grande; franceses em Babitonga e Saí em 1842 e a dos belgas
em Ilhota em 1844. Por último a dos ingleses/americanos em Príncipe Dom Pedro, mais tarde
incorporada à Colônia Itajahy (Brusque), fundada em 1860. Nos cinco capítulos seguintes é
sobre os aspectos narrados nas cartas dos administradores destas duas colônias Itajahy
(Brusque) e Príncipe Dom Pedro, que Cabral desenvolve seu estudo que cobre o período entre
1860 e 1880, um ano antes de a Colônia Itajahy (com os territórios da Colônia Príncipe Dom
Pedro já incorporados) ser elevada à categoria de município, sob a denominação de São Luiz
Gonzaga (1881), tendo seu nome sido alterado para Brusque em homenagem ao Presidente da
Província de Santa Catarina Francisco Carlos de Araújo Brusque quando da Fundação da
Colônia em 1860.
Seyferth e Renaux (Hering132) também abordam em seus escritos o processo de
colonização alemã e industrialização no Vale do Itajaí-Mirim. Muito embora o lucro dos
vendeiros já tivesse sido citado na obra “Brusque” de Oswaldo Rodrigues Cabral, na obra de

132Sobrenome adotado enquanto Maria Luiza Renaux esteve casada.


49

Seyferth eles aparecem na perspectiva de serem, juntamente com os industriais, condenáveis


exploradores dos colonos e operários ao passo que na obra de Renaux estes mesmos vendeiros
e industriais aparecerão como sendo louváveis empreendedores que justamente pela
acumulação de capital é que possibilitaram o processo de industrialização e desenvolvimento
do município.
O caráter acidentado e a dificuldade de aproveitamento agrícola das terras, além do
financiamento dos lotes que demoravam a ser demarcados e disponibilizados, marcam a
tônica dos escritos de Giralda Seyferth em “A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-Mirim:
Um estudo de Desenvolvimento Econômico” (1974), obra fruto de sua dissertação de
mestrado. Além disso, com relação aos vendeiros, a autora destaca que eles acumulavam as
funções de local de troca, de estocagem de produtos agrícolas, bem como um sistema de
crédito e financiamento. A situação dos colonos era difícil uma vez que ao chegarem, logo
eram alojados em ranchos, permanecendo por meses sem trabalho enquanto aguardavam
pelos lotes prometidos. Mesmo após se instalarem em seu lote, necessitavam de utensílios e
só começariam a produzir alimentos em excedente à sua própria sobrevivência meses depois.
Nesta situação, acabavam por se endividar com os vendeiros, empenhando suas futuras
produções agrícolas.
Maria Luiza Renaux [Hering] preferiu focar na política eugenista brasileira, fazendo
menção em sua tese de doutoramento, “Colonização e indústria no Vale do Itajaí: o modelo
catarinense de desenvolvimento” (1987), a uma certa finalidade a ser cumprida pelos
imigrantes alemães de criar uma camada mediana frente à ameaça da segurança interna por
conta do enorme contingente de população negra submetida à escravidão pela população
branca.
Santa Catarina, longe dos centros econômicos vitais, ocupa posição estratégica por
ser via de passagem ao extremo sul. Não obstante esta posição Renaux cita a independência
das empresas catarinenses que fizeram investimentos com recursos próprios sem lançar mão
de subsídios governamentais. Para evidenciar o isolamento da região com relação ao restante
do país, comenta que a fábrica de tecidos Renaux foi fundada em 1892, ano de forte crise no
Brasil. Para ela o crescimento gradativo da indústria, a partir de recursos autogerados e de
mercado interno, teve por base o isolamento regional. Neste ambiente isolado, o verdadeiro
seria o motor da economia, uma espécie de mola propulsora do processo econômico. Por fim,
chamou a atenção na abordagem de Renaux que, com relação à “origem lusa” dos
50

trabalhadores na Fábrica Renaux situados em Tijucas e Gaspar, ela comenta que era a
população germânica quem ditava os padrões de conduta e os valores sociais 133, o que parece
nos levar a imaginar uma conduta passiva e submissa dos demais habitantes.
Além desta tríade, que de certa forma marcou uma historiografia épico/fabril,
tivemos também uma historiografia épico/febril em que se destacam os trabalhos de Aloisius
Carlos Lauth, sobre a imigração inglesa/americana (1987), Roselys Izabel Corrêa dos Santos,
sobre a imigração italiana (1981) e, Maria do Carmo Ramos Krieger Goulart, sobre a
imigração polonesa (1984, 1988, 1989). Tanto Lauth quanto Goulart foram incentivados por
Ayres Gevaerd a investigar os temas. A obra de Santos é fruto de sua dissertação de mestrado.
Por outro lado, despontando em novos temas como a greve de 1952, Afonso Imhof 134 e depois
Marlus Niebuhr, em sua dissertação de mestrado135, exploram o movimento que envolveu
mais de 4.000 trabalhadores entre 19 de dezembro de 1952 e 26 de janeiro de 1953. Para além
da greve, tema de sua pesquisa de mestrado, Niebuhr coordenou os cursos de História na
Univali e Unifebe, onde dirigiu o Centro de Documentação e Memória Oral (CEDOM) no
Centro Universitário de Brusque - Unifebe. Além disso, Niebuhr atuou como Diretor no
Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de Brusque entre 2009 e 2013,
tendo organizado o livro “Brusque 150 anos: Tecendo uma história de coragem” (2013),
escrevendo sobre temas diversos como cotidiano, trabalho, medicina popular e, mais tarde, o
livro “Memória Urbana” (2015), no qual aborda a atuação do Clube de Engenharia e
Arquitetura de Brusque no desenvolvimento urbano de Brusque. Neste último trabalho
Niebuhr chega a abordar os aspectos de evolução urbana de Brusque, porém cessa sua análise
no ano de 1977, ano de fundação do CEAB.
Novos trabalhos com temas diversos tem surgido em forma de monografias
acadêmicas fruto de dissertações e teses. Destaco as obras sobre temas os mais variados e que
escapam à área de história como o trabalho sobre o processo educacional envolvido na
trajetória de Fanny por Aquiles Duarte de Souza 136, educação no seminário de Azambuja de

133Consultar o escrito de Hering, p. 226.


134IMHOF, Afonso. Conflito industrial e populismo em Brusque: A greve operária de 1952. In: BLUMENAU
EM CADERNOS. Blumenau: Fundação Casa Dr. Blumenau, tomo XXI, março de 1980, n. 3. pp. 72-79.
Disponível em:<hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/blumenau%20em%20cadernos/1980/BLU1980003.pdf>. Acesso
em: 10 nov. 2019.
135NIEBUHR, M.; PEDRO, J. M. Memoria e cotidiano do operario textil na cidade de Brusque-SC: a
greve de 195. [S. l.: s. n.]. Disponível em: <http://tede.ufsc.br/teses/PHST0104-D.pdf>. Acesso em: 16 nov.
2019.
136SOUZA, Aquiles Duarte de. Identidades veladas: Fanny – a formação e a educação na cidade de Brusque
na déca de 1960. Itajaí, 2005. 119 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Vale do Itajaí. Programa de Pós-
51

Altamiro Antônio Kretzer137, implicações socio-espaciais da indústria têxtil na rua Azambuja


de Marcela Krüger Corrêa138, sobre canção e luta popular em Brusque de Valmir Coelho
Ludvig139, reestruturação do setor têxtil nos anos 1990 de Ricardo Henschel 140, os processos
de criação da artista Silvia Teske de Luciana Machado Schmidt 141, sobre preconceito com
relação aos migrantes nordestinos de Tafarel Cassaniga142, construção de subjetividades
através de aparências no Vale do Itajaí-Mirim de Renato Riffel 143, experiência de
trabalhadoras da indústria têxtil na justiça do trabalho de Jade Liz Almeida dos Reis 144 e,
sobre a presença afrodescendente no Vale do Itajaí-Mirim de Celso Deucher. A reitora da
Unifebe, pesquisadora Rosemari Glatz, também tem se destacado ao investigar temas diversos
em sua publicações na imprensa e em livros145, como o da presença polonesa na região146.
Graduação em Educação. Disponível em: < siaibib01.univali.br/pdf/AQUILES%20SOUZA.pdf>
137KRETZER, Altamiro Antônio. Domus dei et porta coeli: educação, controle, construção do corpo e da
alma... O seminário de Azambuja entre as décadas de 1960 e 1980. Florianópolis, 2005. 206 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de
Pós-Graduação em História Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PHST0249.pdf>
138CORRÊA, Marcela Krüger. A indústria de confecção e as implicações sócio-espaciais recentes no
município de Brusque. Florianópolis, 2006. 151 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PGCN0278.pdf>
139LUDVIG, Valmir Coelho. Pão e poesia: a canção na luta popular em Brusque dos anos 80 a 95.
Florianópolis, 2001. 222 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PEED0404.pdf>
140HENSCHEL, Ricardo. A reestruturação do setor têxtil-vestuarista de Brusque diante das mudanças
econômicas dos anos 1990: uma abordagem à luz da noção de eficiência coletiva. Florianópolis, 2002. ii, 116 f.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio-Econômico. Programa de Pós-
Graduação em Economia. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PCNM0079.pdf>
141SCHMIDT, Luciana Machado. Os signos satíricos do feminino no espaço do 'não-caber': os processos de
criação de Sílvia Teske. Florianópolis, 2008. xiii, 168 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PPSI0341-T.pdf>
142CASSANIGA, Tafarel. Nordestinos em Brusque/SC: estigma e preconceito em relação aos novos
imigrantes do século XXI. 123 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de
Ciências Humanas e da Educação, Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental,
Florianópolis, 2018.
143RIFFEL, Renato. Retratos de masculinidades: construção de subjetividades através das aparências (Vale
do Itajaí-Mirim, 1941-1950). 2011 227 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina,
Centro de Ciências Humanas e da Educação, Mestrado em História, Florianópolis, 2011 Disponível em:
&lt;http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006d/00006d32.pdf&gt;. Acesso em: 25 nov. 2011.
144REIS, Jade Liz Almeida dos. Tecendo direitos: experiências de trabalhadoras da indústria têxtil na Justiça
do Trabalho (Brusque/SC, década de 1970). 2019 134 f. Dissertação (Mestrado)-Universidade do Estado de
Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Mestrado em História, Florianópolis, 2019.
145GLATZ, Rosemari. Brusque – os 60 e o 160: elementos da nossa história. Brusque: Ed. UNIFEBE, 2018.
Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/wp-content/uploads/e-book-brusque-os-60-e-os-160-
elementos-da-nossa-historia-rosimari-glatz-e-book-brusque-os-60-e-os-160-elementos-da-nossa-historia-
rosimari-glatz.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2021.
146GLATZ, Rosemari. O Voo da Águia: 150 anos de imigração polonesa no Brasil. Brusque: Ed. UNIFEBE,
2021. Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/wp-content/uploads/o-voo-da-aguia-rosemari-glatz.pdf>.
52

Para além destes trabalhos de rigor acadêmico, a historiografia brusquense também


conta com diversos escritos de padres147 (sobre seminário de Azambuja e sobre os
dehonianos), memorialistas148, jornalistas149 que escrevem biografias e memórias sob
demanda, pela internet ou imprensa escrita. Além disso, após 2010, surgiram também
trabalhos audiovisuais abordando memórias da cena de rock autoral, de edificações, memória
fotográfica e até mesmo sobre (i)migrantes.
De um modo geral, a historiografia que abordou desde antes da fundação da Colônia
Itajahy até o Centenário de sua fundação parece estar satisfatoriamente escrita, muito embora
novos olhares possam acrescentar novos problemas, etc. Se até a década de 1960 a população
de Brusque era de aproximadamente 17 mil pessoas, em 2020 a população saltou para
137.689 habitantes – mais de 8 vezes – e isso se reflete no aspecto urbano e por consequência
na renovação das edificações e das disputas que visam afirmar uma identidade, memória,
história e patrimônio uma vez que boa parte desse novo contingente populacional é
(i)migrante.
Recentemente, o fechamento das três principais indústrias têxteis nos últimos anos
parece ter colocado um fim à alcunha de “Berço da Fiação Catarinense”, muito embora o
slogan de “Capital da Pronta Entrega” ainda se relacione à indústria têxtil. Além da
multiplicação de milionários que não se limitam mais aos três sobrenomes que emprestam o
nome às indústrias centenárias (Renaux, Buettner e Schloesser), Brusque também viu
despontar a figura de um lojista bilionário com um império de mais de 100 megalojas de
departamento. Se o slogan da década de 1960 caiu em desuso, o Hino de Brusque, elaborado
no mesmo contexto das comemorações do centenário de fundação da então Colônia Itajahy,
suscita questões que precisam ser estudadas:
Foi aqui, neste vale tranquilo
Entre os montes e o rio escondido
Que há cem anos atrás, um pugilo
De imigrantes surgiu destemido

Dos heróis palmilhando o roteiro


Sobre o solo, que audaz desbravou
Esse grupo invulgar, pioneiro
A semente de Brusque plantou

Acesso em: 10 jun. 2021.


147Destacamos os padres José Artulino Besen, Raulino Reitz, Eloy Dorvalino Koch e Éder Claudio Celva.
148Destacamos três escritores que recorrentemente publicam textos sobre história e memória local: a reitora da
UNIFEBE Rosemari Glatz; o assistente em administração da Prefeitura de Brusque Paulo Vendelino Kons e; o
ex-Promotor de Justiça e Professor aposentado Livre-Docente João José Leal.
149O jornalista Saulo Adami publicou diversas obras sobre vários temas relativos a Brusque.
53

Salve Brusque imortal!


No recesso dos teus vales
Ressoa nos ares
O cantar triunfal do progresso
Pela voz singular dos teares
Salve Brusque imortal

Na primeira linha da letra escrita por Eduardo Mário Tavares 150, o que era para narrar
a chegada a um paraíso, parece também denunciar que neste Vale não havia perturbações de
ordem psicológica ou emocional como aquelas que ocorreram nos primórdios da colonização
quando, além de enfrentar a selva e os animais, também foram contratados os bugreiros,
assassinos dos nativos americanos. Na última estrofe reproduzida é a voz singular dos teares
que anuncia o canto triunfal de um pretenso movimento para frente, de um avanço.
Porém, a singularização de Brusque no concerto geral das cidades parece vir de uma
generalização: o enxaimel. Nesse contexto, o enxaimel parece ser uma resposta contraditória a
uma fobia da cidade genérica – o medo da descaracterização já apontada por Rodrigo Mello
Franco de Andrade ou Aloísio Magalhães, neste caso, um medo de que Brusque tivesse "sua
própria configuração como uma estética sem critérios, totalmente liberada da busca de
singularidade"151. Contraditória, pois ao adotar esta estética ela acaba se generalizando junto
às demais cidades que também adotaram essa ideia de singularização (são vários os
municípios no Brasil que ostentam em seu meio urbano o enxaimel): um anseio de
singularização pela generalização, ou generalização por anseio de singularização. Nesse
sentido voltamos à obra A crítica da estética urbana152, do filósofo e sociólogo francês Henri-
Pierre Jeudy. O diagnóstico de Jeudy é de que "uma certa nostalgia parece nos fazer acreditar
que a cidade não corresponde mais ao signo porque se teria tornado excessivamente percebida
graças aos símbolos de sua monumentalidade exibida" 153 - uma espécie de cegueira por
excesso. Para Jeudy, construímos de forma imaginária uma outra cidade dentro da própria
cidade, o que seria um problema, pois, da constelação de imagens que se tornou a cidade,

150O diácono Eduardo Mário Tavares foi o vencedor de um concurso realizado para a letra do Hino do
Centenário de Brusque, cuja música foi elaborada pelo Maestro Aldo Krieger. O Hino do Centenário acabou por
ser declarado o Hino oficial do Município de Brusque pela Lei nº 1.769 de 26 de abril de 1993 (BRUSQUE,
1993).
151JEUDY, 2005, p. 98.
152Ao lado de A maquinaria patrimonial, este texto compõe o livro Espelho das cidades. (JEUDY, 2005).
153JEUDY, 2005, p. 81.
54

adotar um ponto de vista seria sempre uma maneira de constituir um ponto cego da percepção
sobre a cidade154. Ainda, segundo ele,
Quando tentamos voltar a ver os lugares onde vivemos, ficamos desde logo
fascinados pela relação estranha imposta pela cidade, entre o que desapareceu e o
que foi recentemente construído, e somos cativados por esse movimento de
substituição reversível que estimula a memória antes que nasça a desolação. Se nos
lembrarmos do que foi, de qual era a configuração do local ao qual estamos
voltando, constataremos curiosamente que sua transformação presente permite à
memória se deleitar com as imagens de restituição, e sobretudo com sua espantosa
liberdade. A ausência do que foi possibilita qualquer intervenção presente da
memória. Assim, a sensação de desaparecimento não provoca nostalgia, mas, ao
contrário, provoca efeitos de atualização do local cuja atração visual está relacionada
à exibição presente de sua metamorfose.155

Ocorre que estes efeitos de atualização tornaram-se quase que incessantes. A ideia de
adotar o enxaimeloide como algo sintomático para refletir sobre o patrimônio cultural em
Brusque foi que me levaram a partir do mural pintado na parede do Terminal Urbano pela
artista Zane Marcos a buscar compreender seus elementos e as transformações urbanas
ocorridas em Brusque após a década de 1960 no livro Regimes de Cidade 156 - obra que
pretende preencher a lacuna historiográfica brusquense a partir da década de 1960 até a
década de 2020. Nesta obra aponta que as obras públicas que modificaram a paisagem urbana
do município estão relacionadas ao ímpeto realizador de Ciro Roza – tanto como empresário
quanto como político. Foi Ciro Roza quem deu início à adoção da estética enxaimeloide nos
prédios públicos de Brusque em seus três mandatos como Prefeito entre 1989-1992, 2001-
2004 e 2005-2008. Seria o enxaimel, fenômeno singular-genérico proposto para se fazer uma
singularização, um patrimônio de Brusque? Como se deu esse processo de criação da
legislação patrimonial em Brusque? Qual o estado atual dessa legislação?

154JEUDY, 2005, p. 86.


155JEUDY, 2006, pp. 88-89.
156CASTRO, Álisson. Regime de cidade: turismo e crescimento urbano no Vale do Itajaí. Brusque: Ed.
UNIFEBE, 2021.
55

2.2. POLÍTICAS PÚBLICAS E TENTATIVAS FRUSTRADAS DE PRESERVAÇÃO

Em 1972, Blumenau foi o primeiro município catarinense a editar legislação


incentivando a adoção do estilo germânico no ambiente urbano por meio de renúncia fiscal.
Sob o comando do Prefeito Evelásio Vieira, foi promulgada uma lei em que ficava autorizado
o executivo municipal “a dispensar do pagamento de emolumentos de obras todos os que,
dentro do perímetro urbano de Blumenau, vierem a edificar casas típicas Blumenauenses, para
residências”157. O benefício somente poderia ser concedido com “parecer prévio da Comissão
Municipal de Turismo que examinará os projetos a fim de averiguar se os mesmos possuem as
condições e normas em que a referida Comissão baseia a definição do que considera ‘Casas
típicas – Blumenauenses’.”. Esta lei era muito imprecisa e não estipulava o que seria
considerado uma “casa típica blumenauense”, delegando a uma comissão que, conforme a
possibilidade de alteração de sua composição, também poderia alterar o entendimento sobre a
definição. Evelásio Vieira governou Blumenau entre 1970 e 1973, ano em que Rolf Kaestner,
aos 19 anos, veio para Brusque para assumir a editoria do jornal A Nação. Assumindo o cargo
efetivo na Prefeitura de Brusque logo em 1975 e assessorando o Prefeito de Brusque. Sobre o
Prefeito de Blumenau na época, Rolf Kaestner lembra que
Esse homem, que não tinha laços nenhum com a cultura alemã, porque o sobrenome
dele já mostra, apesar de morar em Blumenau há muito tempo, mas ele não tinha
esses laços, ele nem alemão não sabia falar, que era uma coisa que em Blumenau,
naquela época de 1960… 1970 era quase que uma obrigatoriedade das pessoas mais
influentes, das pessoas mais respeitadas, saberem o alemão. E o Lazinho, como ele
era chamado, nem isso não sabia falar. Mas isso não tirou dele a grande virtude de
olhar para a cidade. Ele começou a modificar Blumenau. Ele começou a implantar
na cidade os estilos, ou manter os estilos que os antepassados trouxeram para a
cidade. É preciso dizer também que existe uma diferença de cultura entre Blumenau
e Brusque, porque Blumenau foi uma cidade cultivada essencialmente por alemães
de um cidadão que veio para o Brasil e ele requereu junto ao império um local para
instalar uma colônia alemã, diferente de Brusque que foi imposta por decreto e para
cá foram trazidos os imigrantes que inscreviam-se da Alemanha, na Itália, na
Polônia, na Inglaterra, enfim na Europa naquela época com grandes conflitos, não de
guerra, mas conflitos de familiares, porque as pessoas não dispunham mais de terras
para serem divididas, o primogênito levava tudo. Então, esses vieram para cá. Então
Blumenau preservou predominantemente o alemão. Depois também foram os
italianos pra lá. Mas nós tivemos uma miscigenação de cara. Alemão que não sabia
falar italiano, italiano que não sabia falar polonês e polonês que não sabia falar
alemão, se misturaram aqui. Então essa foi uma diferença entre Blumenau e
Brusque. Então Blumenau sempre foi muito mais alemã do que Brusque, sempre foi
nesse aspecto. Já existiam mais construções típicas na cidade. Mas esse Prefeito, o
Lazinho, ele começou a incentivar isso e a cidade começou a ter uma repercussão no
Brasil. Uma cidade alemã, uma cidade alemã. A cidade mais alemã no Brasil era em

157Consultar legislação de Blumenau no site leismunicipais.com.br


56

Blumenau. [...] Esse Prefeito começou a incentivar que as construções fossem


imitações de enxaimel. Isso foi uma discussão na época muito grande. Isso não
pode, isso é um falso enxaimel e tudo mais. Enfim, a cidade começou a ter uma
repercussão, começou a ter movimento.

Houve uma preocupação do governo imperial de assentar colonos brasileiros desde


os primórdios da colonização em Brusque, tanto é que em 1873 dos 2.505 colonos instalados
nas colônias Itajahy e Príncipe D. Pedro, havia aproximadamente “200 brazileiros e alguns
portuguezes, francezes, inglezes e suissos”158. Porém, elementos de outras etnias só vieram a
quebrar a hegemonia alemã anos mais tarde, notadamente os italianos após 1875 – que
também foram para Blumenau, 15 anos após a fundação da colônia Brusque e 25 após a
fundação da colônia Blumenau, mesmo assim, no caso de Brusque, foram assentados em
locais distantes da região central (rua das Carreiras e Av. Cônsul Carlos Renaux) como em
locais onde hoje estão situados os municípios de Nova Trento e Botuverá.
Com relação à diferença cultural, é importante ressaltar que enquanto a igreja
luterana de Blumenau estava filiada ao Conselho Superior da Igreja Prussiana, que vinculava
o luteranismo com o germanismo, a igreja luterana de Joinville estava associada à Igreja da
Baviera, mais liberal159. Embora a Igreja Luterana de Brusque também fosse filiada ao
Conselho Superior da Igreja Prussiana a partir de junho de 1905 160, foi por Brusque que se
começou o abrasileiramento dos cultos luteranos após a Segunda Guerra Mundial, enquanto
em “muitas comunidades, a situação logo o pós-guerra retornou ao quadro existente antes do
período de nacionalização”161. Sobre a rivalidade entre Brusque administrada por Schnéeburg
e Blumenau administrada por Hermann Blumenau,
Queremos crer que Schnéeburg, com o seu natural orgulho, sentisse em seu espírito
o espinho da emulação, frente ao que o dr. Hermann Blumenau realizava na Colônia
vizinha. O velho militar queria mostrar que não lhe era inferior, que teria capacidade
para fazer da sua colônia o mesmo que o vizinho havia conseguido realizar na sua. E
não queria jamais parecer que lhe fôsse subsidiário. Nos seus ofícios raramente a
êle, Blumenau, e seu núcleo. Queria Brusque independente.162

Se nos primeiros anos após a fundação da colônia em agosto de 1860 os luteranos


brusquenses deslocavam-se até Blumenau para visitar o Pastor Oswaldo Hasse, a partir de
abril de 1863 o pastor começou a visitar Brusque trimestralmente, onde tinha fundado a
158Relatório de Luis Betim Paes Leme de 1875.
159Ver Falcão, 2000, p. 108.
160PORTAL LUTERANOS (Santa Catarina). Sínodo Vale do Itajaí. História da Comunidade Evangélica em
Brusque/SC. S/D. Disponível em: <http://luteranos.com.br/conteudo_organizacao/brusque-bom-pastor/historia-
da-comunidade-evangelica-em-brusque-sc>. Acesso em: 22 mar. 2019.
161Ver Behs, 2001, p. 106.
162Ver Cabral, 1958, p. 109.
57

Comunidade Evangélica de Brusque. As visitas prosseguiram até fevereiro de 1865, quando o


pastor Johann Anton Sandreczki chegou a Brusque, onde permaneceu residindo até 1880,
quando se mudou para Blumenau, tendo visitado Brusque até 1889, quando transferiu-se para
os Estados Unidos. A Comunidade de Itajaí foi fundada em 1870 e servida por Brusque por
100 anos, até 1970163. Além de servir Itajaí, talvez a preferência na ligação ao litoral via Itajaí
para escoamento da produção e a sua equidistância em relação a Blumenau - o que a tornaria
subordinada a esse núcleo além de dobrar a distância para o escoamento ao Porto de Itajaí -,
pode ter resultado em uma maior abertura com a relação à cultura brasileira.
Retomando a questão do enxaimel, em 1975 o município de Joinville editou lei
concedendo benefícios fiscais às casas de enxaimel164. Blumenau revogou a lei de 1972 e edita
nova lei em 1977, autorizando “a conceder favores fiscais às edificações que […]
apresentarem os estilos arquitetônicos típicos conhecidos como ‘Enxaimel’ e ‘Casa dos
Alpes’” – delimitando o que não havia ficado claro na legislação anterior. Outro município
que editou legislação prevendo “imunidades e isenções” tributárias foi São Bento do Sul em
1989. Citado como “estilo alpino”, em 1994 houve a edição de uma lei estabelecendo
“critérios construtivos que conferem às construções as características de estilo ALPINO”. Ao
contrário do que ocorrera nos municípios catarinenses de Blumenau, Joinville e São Bento do
Sul, em Brusque não foi editada lei de incentivo fiscal para edificações em estilo germânico.
Então, o que teria ocorrido para que tais edificações fossem construídas/adaptadas e estejam
presentes na paisagem do município atualmente?
Tendo chegado a Brusque para assumir a editoria da sucursal brusquense do jornal A
Nação em 1973, logo em seguida, em 1975, Kaestner fora lotado no gabinete do Prefeito após
aprovação em concurso público, sendo responsável pela parte de comunicação da Prefeitura,
uma espécie de “assessor de imprensa na época”. Segundo ele, “como nós estávamos
próximos no gabinete, a gente começou a receber mais informações do que estava
acontecendo na Prefeitura, das reformas que precisavam ser feitas […] e na época muito mais
era quase que uma decisão exclusiva do Prefeito do que fazer e do que não fazer”.
Aí nós estávamos em Brusque, e a cidade, a antiga Brusque, a Cônsul Carlos
Renaux, os antigos prédios, estavam necessitando de algumas reformas. E aí
vinham, chegavam na Prefeitura os pedidos de licenças e a gente começou a dizer
assim “poxa, por que que a gente não copia o que Blumenau tá fazendo”… […] Mas
os arquitetos da época eram resistentes aqui em Brusque. “Não, tu não pode fazer.
Isso é falso, isso é tudo falso, isso não é arquitetura, isso aí não se pode admitir uma

163Ibidem.
164Ver legislação relativa à cada município nas referências.
58

coisa dessas”. “Mas ninguém vai construir o autêntico, isso não existe mais.
Ninguém mais vai fazer uma construção num estilo autêntico enxaimel. Isso é um
estilo de 100 ou 300 anos atrás, hoje é uma coisa nova. Mas se a gente não fizer
nada…” “ah não, nós não concordamos, nós não concordamos, um sujeito...”

A contrariedade do Clube de Engenharia e Arquitetura de Brusque, segundo


Kaestner, foi unânime, o que representou uma grande barreira. Apesar disso, os entusiastas do
enxaimeloso venceram uma batalha. Kaestner relata que
onde é a Lojas Colombo165, hoje, foi o primeiro e eu acho que o único prédio do
centro da cidade que eles fizeram em estilo enxaimel. Ah, aquilo foi um horror para
os arquitetos e para nós foi um baita de um sucesso. Eles diziam “olha aí”, mas
como a arquitetura começava a aparecer para as pessoas também, porque antes disso
ninguém contratava um arquiteto aqui para projetar uma casa, uma decoração, isso
era um luxo muito grande para determinadas faixas da cidade, o resto cada um
desenhava a sua própria casa, contratava o seu construtor e fazia a sua casa. Então o
arquiteto era visto como um cidadão de elite e a opinião dele, claro, era respeitada,
porque era uma classe nova que estava surgindo na construção, e com isso Brusque
deixou, perdeu a vazada de também, pelos menos preservar o que tinha. Nunca a
prefeitura deu incentivos para esse tipo de construção nem incentivou ninguém a
fazer.

Em 1979, além de Brusque, as Casas Pernambucanas também inauguraram um


prédio enxaimeloso em Joinville, que poderia na opinião de Veiga 166 ser equiparado ao
“Castelinho de Joinville”, em referência ao Castelinho da Moelmann, atualmente o Castelinho
da Havan, em Blumenau. Com a mudança de Prefeito em 1983, os planos de enxaimelização
poderiam ser rediscutidos, porém, a enchente de 1984 interditou qualquer iniciativa nesse
sentido. Sobre a preservação patrimonial das edificações, após o esforço empreendido pela
comissão organizadora do Centenário de Brusque na formação do Museu Arquidiocesano
Dom Joaquim (de Azambuja) e da formação da Sociedade Amigos de Brusque (Museu e
Arquivo Histórico do Vale do Itajaí-Mirim), em abril de 1968 apareceu estampado na capa do
jornal O Município a fotografia de uma casa,
Brusque, como dissemos anteriormente, é a cidade das belas residências.

Dia a dia, novas construções, algumas de estilo bizarro, como essa que aparece na
foto, são acrescida ao panorama arquitetônico da cidade.

À sua frente, o seu proprietário construiu um bonito jardim, que deu maior ênfase ao
estilo da casa, que parece suspensa no ar, apenas sustentada por leves e graciosas
colunas.

Brusque pode orgulhar-se de possuir as mais belas residências do Estado.

165Em 1979 foi anunciada a pretensão das Casas Pernambucana construir prédio típico em enxaimel. Ver:
Casas Pernambucanas querem construir prédio de estilo germânico em Brusque. O Município, Brusque. 9 nov.
1979. p. 8.
166Ver Veiga, 2013, p. 143.
59

Se o leitor que não a conhecer duvidar, que venha ver que, com bom gôsto, lh’as
mostraremos.167

Se hoje o termo “bizarro” daria uma conotação negativa, neste contexto deve ter
significado como sendo algo ousado ou inédito. Na edição seguinte do jornal, nova edificação
estampou a capa, a Villa Quisisana, residência de Oskar Gothard Pastor (genro de Edgar von
Buettner).
Sobre esta edificação, o jornal emitiu a seguinte opinião:
A pessoa que vir esta foto ha de pensar que está admirando um castelo medieval da
Europa. Na Alemanha, às margens do Reno, existem várias construções dêsse tipo,
só em maiores proporções, que exercem grande atração turística. A desta foto,
porém, é uma bela residência de Brusque que o turista, para ve-la e admira-la, não
precisa fazer muito esforço nem despender grandes somas em dinheiro. O
movimento turístico nacional, segundo se depreende da notícia dos órgãos
especializados, está aumentando constantemente, com forte tendência a intensificar-
se no Vale do Itajaí, que é uma das mais belas regiões do Sul do Brasil. Brusque
pelas suas características de cidade moderna e bem dotada de aspectos turísticos,
possuindo as mais belas residências de Santa Catarina, não pode ficar à margem
dêsse movimento.168

Segundo Jaime Mendes, antes de conhecer Brusque, por volta de 1950, fora alertado
pela imprensa de Florianópolis “sobre a beleza e originalidade” da arquitetura de Brusque.
Por este motivo é que ele decidiu mostrar aos leitores “as mais belas residências de
Brusque”169 o que na realidade aconteceu em apenas duas oportunidades. Coincidentemente,
poucos meses depois, em setembro de 1968, Blumenau ganhou destaque na revista Seleções
Reader’s Digest.
Embora em um primeiro plano aparecesse uma construção em enxaimel, as demais
construções também se diferenciam da arquitetura vernacular brasileira comumente
encontrada nas demais regiões do país. Um mapa destacado indica as rodovias pavimentas em
asfalto e as que ainda eram de terra. O apelo é nítido: Blumenau é “um outro país”. A ideia de
constituição da FIDEB e posterior construção do Pavilhão da FIDEB foi análogo ao ocorrido
em Blumenau com a constituição da COEB e criação do Pavilhão da FAMOSC, mais tarde a
COEB deu lugar à Fundação Promotora de Exposições de Blumenau – PROEB
(BLUMENAU, 1969), que também emprestou o nome ao Pavilhão “da PROEB”, até ser
rebatizado de Parque Vila Germânica em 2005170.
167As mais belas residências de Brusque. O Município, Brusque. 19 abr. 1968. Capa.
168As mais belas residências de Brusque. O Município, Brusque. 26 abr. 1968. Capa.
169Antes de conhecermos... (legenda de foto no centro da página). O Município, Brusque. 29 mar. 1968. p. 8.
170“Em outubro de 2005, os pavilhões antigos foram demolidos, e em dezembro do mesmo ano, iniciou-se a
construção de um novo centro de eventos, com três pavilhões concentrados, modernos e climatizados. Assim, em
05 de maio de 2006, foi inaugurado o Centro de Exposições Parque Vila Germânica.”. Ver: PARQUE VILA
60

Em Brusque, no ano de 1972, o memorialista Ayres Gevaerd escreveu um artigo


sobre as suas recordações acerca da “Rua das Carreiras”. Segundo ele,
a rua mais tradicional, a que mais lembra a vida brusquense sob o aspecto social e
recreativo, desde os primeiros dias da nossa Comunidade, é a rua das Carreiras.
Naquela rua foram construídos os primeiros ranchos de recepção e hospedagem dos
colonos que iniciaram a colonização do Vale do Itajaí-Mirim em 1960. […] A
origem do nome, é evidente: servia de pista de corridas de cavalos, crioulos,
matungos e outros ditos. […] As pessoas de minha geração devem lembrar-se desse
edifício, um casarão, construção de enxaimel, com uma varanda que circundava todo
prédio no 1º andar. Primitivamente se chamava ‘Casa da imigração’ depois foi
transformada em cadeia pública, residência do carcereiro e do destacamento policial.
Um pouco além daquele prédio existia uma ala de coqueiros em terreno do Schützen
Verein, hoje Clube de Caça e Tiro Araujo Brusque. […] O aspecto da rua das
Carreiras hoje e o de 50 anos atrás pouco mudou, exceção feita à própria rua.

Após um hiato de oito anos, em 1980, foi aprovada uma lei que dispõe sobre a
proteção do patrimônio natural, histórico e artístico cultural do município de Brusque,
disciplinando o tombamento e os seus efeitos 171. O pesquisador Aloisius Carlos Lauth, em
artigo publicado no periódico Notícias de Vicente-Só, editado pela Sociedade Amigos de
Brusque, ao comentar a
política municipal de conservação dos valores históricos” conclui que “Brusque
subjuga sua tradição: por temer a concorrência de outras cidades ou por má
aquilatação de suas potencialidades sócio-culturais, cidade que foi colonizada por
duas levas de imigrantes estrangeiros – alemães e italianos. […] Não é saudosismo,
então, perguntarmos: que restam das Exposições Agrícolas dos tempos coloniais,
quando fomos até Paris? Qual o fruto de tantos esforços particulares na
alfabetização? Que ganhamos a mais por iniciarmos a saúde pública na área da
psiquiatria? Que são feitos dos Jogos Abertos, de seu berço? Qual é a tradição de
nosso futebol profissional? A Festa de Reis do Tiro da Sociedade Caça e Tiro,
pioneira no Brasil? Que significam nossos teares na vida de nossa gente? Que são
feitas, enfim, das nossas Casas de Enxaimel, símbolo da colonização alemã? 172

Lauth questiona o resultado do pioneirismo de Brusque e, dentre vários aspectos, destaca


o enxaimel como sendo o símbolo da colonização alemã. Mas por que o enxaimel, se ele é
encontrado em outros municípios, como símbolo da colonização alemã? Por que não o caça e tiro,
o primeiro do Brasil? Segundo o historiador brusquense Aloisius Carlos Lauth, “a raridade destas
casas, é mais um traço que faz de Brusque uma cidade atípica, onde a urbanização desmistifica a
estética e a tradição da terra” 173. A atipicidade de Brusque, em sua opinião, seria constituída pela

GERMÂNICA. O Parque. S/D. Disponível em: <http://www.parquevilagermanica.com.br/o-parque/>. Acesso


em: 21 mar. 2019.
171Brusque com sérios problemas: Esgoto sanitário e Beira-Rio. O Município, Brusque, 13 jun. 1980, p. 3.
172Ver Lauth, 1980
173Ver Lauth, 1980, p. 60.
61

presença de casas típicas de colonização alemã. Em outro artigo escrito em 1980, porém
publicado em 1982 na Revista Notícias de Vicente-Só, Lauth 174 comenta que
queiramos ou não, é questão de dias a consolidação de BLUMENAU transformar-se
num burgo alemão para centralizar o comércio, influenciando assim as cidades
vizinhas com características que, por semelhantes que sejam, não são próprias do
nosso município: pontos de ônibus, fachas de lojas, placas de sinalizações,
acabamentos residenciais, sociedades esportivas...

Lauth comenta ter realizado uma pesquisa durante dois meses e ter localizado 46
casas em enxaimel e que de modo geral as suas características seriam:
1. o enxaimel foi construído por alemães badenses; 2. cujos tijolos cozidos tinham
facetas laterais lisas; 3. eram fugados, ou pintados de cal; 4. a armação era de
madeira de lei, banhada a óleo cru; 5. assoalho tosco de tábuas largas e espessas; 6.
janelas de madeira, estreitas e altas; 7. forro alto, sobre barrotes grossos e também
toscos; 8. telhado quase vertical, com telhas lisas; 9. pilares de pedra granito, as mais
novas tinham tijolos rebocados; 10. varandas com frontais trabalhados; 11. as
paredes da sala-de-visitas e quarto-de-casal eram decorados em cores frias, com
motivos de flores miúdas, em linhas geométricas; 12. as instalações sanitárias
estavam desligadas da casa; 13. as repartições dos cômodos ficava a gosto do
proprietário; 14. o morador contratava os trabalhos do carpinteiro e pedreiro e sua
família o auxiliava e; 15. o estilo enxaimel está em completo abandono.175

Destas quarenta e seis casas na década de 1980, restaram apenas duas em Brusque.
Lauth aponta como causa do abandono da técnica construtiva três fatores: o alto custo da
mão-de-obra, a dificuldade de conseguir madeira já entalhada e a facilidade de aquisição de
tábuas e pregos para uma construção mais rápida. Segundo o testemunho que ele coletou em
seu trabalho de campo, as casas em enxaimel teriam sido construídas entre 1880 e 1940. Em
30 de setembro de 1982 foi apresentado um projeto de preservação da Rua das Carreiras,
elaborado pelas arquitetas Denise Adélia Back Comandolli e Siomara Cherem Schwarz. O
trabalho foi fruto de uma pesquisa de graduação das arquitetas na UFSC e teria sido inspirado
a partir do artigo escrito por Ayres Gevaerd dez anos antes 176. Em 16 de novembro de 1982
foi promulgada pelo Prefeito Alexandre Merico uma lei concedendo isenção fiscal de taxas e
IPTU de “todas as residências construídas até a presente data, nas ruas Hercílio Luz [das
Carreiras], Manoel Tavares, Marechal Deodoro e Humaitá” e seria “a título de incentivo à
implantação do Projeto de Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano”.
No ano seguinte, em abril de 1983, três advogados impetraram ação popular “contra
a PREFEITURA MUNICIPAL e CAMARA DE VEREADORES DESTA CIDADE, bem

174Ver Lauth, 1982


175Ibidem.
176LAUTH, Aloisius Carlos. Projeto de preservação da Rua das Carreiras. O Município, Brusque. 26 out.
1982. p. 6.
62

como contra todos os titulares das 185 propriedades” situadas na lei 1.074/82 177. Segundo
argumentaram os advogados, a medida constituiria “ato atentatória ao patrimônio (sic) do
Município, onerando-o com pesado encargo, equivalente a 2,2% da Receita do I.P.T.U.” 178 e
que “longe de atender os interesses da comunidade, porque utópico o Projeto de Preservação
do Patrimônio Ambiental Urbano, visa tão somente aos interesses particulares das 185
residências atingidas pela benesse”, sendo que um dos subscritos teria residência na rua
Hercílio Luz179.
Ainda em abril, nas dependências do Clube de Caça e Tiro Araújo Brusque, foi
fundada a “Sociedade dos Amigos das Ruas das Carreiras - SACAR” com o objetivo de
efetivar o projeto apresentado no ano anterior 180. A mobilização não surtiu o efeito desejado,
pois em 18 de maio de 1983 o Prefeito José Celso Bonatelli revogou a lei que concedeu
isenção fiscal às casas do entorno da Rua das Carreiras.
Em 1987 novo apelo foi feito para que a Prefeitura conservasse a Rua das Carreiras:
Em nome do progresso casas que representavam verdadeiros monumentos foram
dizimadas em nosso município não havendo preocupação alguma para sua
conservação. Ainda nos resta a Rua das Carreiras: até quando não se sabe, porém, é
preciso lembrar, que foi ali o primeiro caminho da Colônia, partindo do ancoradouro
e subindo em direção ás nascentes do rio, onde se instalaram a Casa da Imigração e
a Sociedade dos Atiradores”181

O texto de 1987 repete boa parte do já explorado por Ayres Gevaerd em 1972 e
relata que entre 1982 e 1983 foram colhidos novos depoimentos de moradores. No ano
seguinte, em 1988, Aloisius Carlos Lauth explica novamente as propostas do projeto
apresentado pelas arquitetas em 1982, apelando para que a Câmara de Vereadores reconsidere
o projeto. Contudo, o assunto da Rua das Carreiras não voltou a ser debatido.
Iniciado o governo de Ciro Roza, em 1º de agosto de 1990 é publicado o Decreto de
Tombamento “como Patrimônio Histórico e Artístico do Município, o prédio situado à Praça
Barão de Schneeburg, nº 10”, o Casarão Schaefer.
Questionado acerca do processo de tombamento da referida edificação, Ciro Roza,
Prefeito na época, comentou:
se tu analisares, aqui em Brusque, a única coisa que devia se preservar, mas a
Prefeitura devia comprar e transformar aquilo num espaço público, numa biblioteca,

177KRIEGER, Nilo Sérgio; COLOMBI, João Alexandre; DADAM, Eloi Luiz. Ação popular contra a Prefeitura
e a Câmara Municipal. O Município, Brusque. 15 abr. 1983. p.2
178Ibidem.
179Ibidem.
180Fundada a Sociedade dos Amigos da Rua das Carreiras. O Município, Brusque. 6 mai. 1983. p. 5.
181Rua das Carreiras: um projeto ignorado. O Município, Brusque. 23 ago. 1987. p. 10.
63

em alguma coisa, que é a [Villa Quisisana,] casa do Herbert Pastor, porque ela é
diferenciada naquela época, mas não dar prejuízo à família. O Paulo Eccel criou
uma lei e foi tombando. Qualquer casa que tem 50 anos tombou. Tem pessoas que
eu conheço aqui na [rua] Felipe Schmidt que eles só não passam fome porque tem
gente que ajuda, e tem uma casa que se eles venderam da pra comprar um
apartamento pros filhos, pra ela e sobra um dinheiro. Isso é a coisa mais injusta do
mundo. Que espécie de sociedade, que nós estamos vivendo, que de repente entra
um louco e diz que tua casa é patrimônio, te tira um bem. Isso não existe. [...] Sim, a
casa [dos Schaefer] que era a mais antiga da cidade de Brusque e era uma
construção diferente. E hoje o que eu vejo, só tinha aquela construção, e aquilo a
Prefeitura ia pagar. Transformar numa biblioteca. Era bem no centro da cidade.
Porque sabia que eles queriam desmanchar pra fazer um prédio. Então pra não dar
prejuízo você ia comprar. Foi feito pela lei do tombamento pra poder fazer o acerto e
poder pagar. Era aquela casa e essa [Villa Quisisana] do Herbert Pastor. Existe
alguma outra que vale a pena ser tombado? Que obra da rua das Carreiras que tu
achas de arquitetura? Brusque tem 100 e poucos anos. Tem alguma arquitetura que
chama a atenção ali? Uma coisa simples ali. Só porque é velha? Não faz sentido.

Na fala de Ciro Roza três questões chamam a atenção: 1) a ideia de associação entre
o tombamento de uma edificação ou o fato de ela ser antiga com a instalação de uma
biblioteca; 2) a oportunidade de atacar o seu rival Paulo Eccel por conta da criação, em seu
governo, do Departamento e Conselho de Patrimônio Histórico e da elaboração, por parte
deste, do Catálogo e do Inventário do Patrimônio Histórico – que, apesar de não serem fruto
da compilação de edificações tombadas, acabam implicando no impedimento ou dificuldade
na demolição das edificações que neles estão inseridas. Vale ressaltar que o próprio Ciro Roza
foi o primeiro a tombar uma edificação. A segunda edificação que foi tombada no município,
e primeira a ser inscrita no livro Tombo, foi o Tiro de Guerra, em 12 de dezembro de 2012; 3)
a ideia de que o município teria de desapropriar a edificação tombada, o que se choca com a
ideia de tombamento - instituto jurídico criado justamente para evitar que o Poder Público
tivesse que desembolsar recursos com a aquisição de propriedades alvo de salvaguarda
patrimonial.
Em 6 de setembro de 1990 o tombamento foi destaque na capa de O Município 182. Os
vereadores Arno Michei (PFL) e Ivo Mário Melato (PMDB) apresentaram o projeto de lei
20/90 “o qual revoga a Lei 900/80, retroagindo seus efeitos à data da promulgação da Lei
Orgânica de Brusque, ou seja, 3 de abril de 1990”183. O jornal O Município informou ainda
que o Prefeito Ciro Roza vetaria a nova lei e que “Coincidência ou não, o casarão objeto do
tombamento estava em vias de ser comprado pelo Vereador Antônio Maluche Neto/PDS, que

182Casarão dos Schaeffer é tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal. O Município, Brusque. 6 set. 1990.
Capa.
183Tombamento: Câmara aprova lei e prefeito veta. O Município, Brusque. 6 set. 1990. p. 3.
64

revelou sua intenção de construir um prédio no local.”, reproduzindo a fala do vereador que
afirmou que ainda não teria concretizado o negócio.
Após a negativa do Prefeito, na sessão de 11 de outubro de 1990, a Câmara de
vereadores rejeitou o seu veto por oito votos a sete, em votação secreta. O líder da bancada do
PDT, vereador Serafim Venzon, pleiteou a anulação da rejeição do veto do Prefeito:
baseada nos artigos 20, 90 e 146 do Regimento interno da Câmara, ‘pois de acordo
com estes artigos, o Vereador Antônio Maluche Neto não poderia ter votado esta
matéria, por ser parente afim de 1º grau dos descendentes de Arnoldo Bauer
Schaeffer’, completa Venzon. Ele lembra que Maluche é casado com uma neta de
Arnoldo.184

Na manhã do feriado de 2 de novembro iniciaram os trabalhos de demolição do


referido casarão, fato que foi destaque de capa de O Município em 9 de novembro de 1990 185.
O tumultuado processo de tombamento e disputa teria envolvido até a polícia pois
Na sexta -feira, Dia de Finados, mais dois órgãos [além da Câmara e Prefeitura]
entraram em ação: o Fórum e a Polícia Militar. Esta segunda fase começou na
manhã chuvosa do feriado, por volta das 7 horas, quando um trator demoliu a
fachada e os fundos do antigo prédio, construído no início do século. No dia
seguinte a Prefeitura entrou na Justiça com uma ‘Ação Cautelar para Suspensão de
Ato Legislativo’, uma vez que a demolição teria como embasamento a Lei nº
1.606/90, que revoga a de nº 900/80 – a qual ‘protegia’ o patrimônio natural,
histórico e artístico-cultural de Brusque. Pois bem, a partir da Ação Cautelar, o Juiz
da 2ª Vara, Carlos Prudêncio, deferiu uma liminar ‘com base nos relevantes
argumentos expendidos’ no documento da Prefeitura. A Polícia Militar foi acionada
para garantir o cumprimento da liminar, ou seja, a demolição foi suspensa no dia
seguinte à primeira investida do trator. […] Para a Prefeitura, este foi ‘um ato de
vandalismo’, e vai entrar com uma representação criminal contra os responsáveis. 186

Em setembro de 1991 o prédio continuava ainda em escombros, causando a


preocupação de pais que temiam que os seus filhos, que brincavam entre os escombros,
fossem feridos. O prédio foi adquirido pelo vereador Antônio Maluche Neto para a
“Construtora Maluche, [e] foi vendido para a Imobiliária AGV, de Agustinho Vieira” 187. Após
um ano, “o Tribunal de Justiça em Florianópolis julgou o pedido de inconstitucionalidade
impetrado pela Prefeitura […] foi indeferido por 15 votos a zero”188.
Destes dois episódios envolvendo a tentativa de preservação patrimonial de
edificações que teriam ajudado a formar um visual urbanístico que rendeu destaque para

184Lei do tombamento: Câmara rejeita veto do Prefeito. O Município, Brusque. 19 out. 1990. p. 3.
185Patrimônio Histórico: Começa a demolição do Casarão dos Schaeffer. O Município, Brusque. 9 nov. 1990.
Capa.
186Iniciada a demolição do “Casarão dos Schaeffer”. O Município, Brusque. 9 nov. 1990. p. 3.
187Casarão dos Schaeffer: crianças correm perigo de vida. O Município, Brusque. 27 set. 1991. p. 3.
188CAMPOS, Vânia. Casarão dos Schaeffer será demolido. O Município, Brusque. 20 dez. 1991. Capa;
contracapa.
65

Brusque na década de 1950, conforme citado por Jaime Mendes com referência a uma matéria
veiculada em Florianópolis sobre as casas de Brusque, e reforçado por ele em duas ocasiões
em 1968, apreende-se um conflito entre o interesse dos proprietários por uma vantagem
pessoal e a tentativa de técnicos ou políticos de implementar uma ação coordenada visando
um ganho coletivo. Esse destaque do ambiente urbano também foi explorado por Blumenau,
ganhando destaque por meio da revista Seleções, de circulação nacional. Perdendo a
ambiência singular por um processo de renovação urbana que descartava a preservação de
edificações que foram construídas espontaneamente de acordo com um processo histórico
baseado na imigração, iniciou em Blumenau um processo deliberado de adaptação de
edificações para se criar uma ambiência daquilo que se estava descartando, as construções em
“estilo germânico”.
Sobre o falso enxaimel em Blumenau, Francisco de Assis Zimmermann comentou
que “Quando Burle Marx andou aí por Blumenau, andou dizendo umas coisas sobre a
arquitetura alemã do passado que a Prefeitura Municipal daquela cidade e, talvez uma boa
parte da ‘inteligentzia’ de lá, não gostaram. […] Morreu, caputz!, como dizia minha avó” 189.
Segundo Aloisius Carlos Lauth, em conversa realizada em 21 de março de 2019, entre
1986/1987 a Casa Caça e Pesca, na rua XV de Novembro, em Blumenau, pegou fogo. O
proprietário teria tentado reconstruir a edificação em enxaimel, porém não encontrou quem
pudesse reconstruí-la. Essa dificuldade evidenciou a falta de mão-de-obra que pudesse
construir em enxaimel, demanda que só foi suprimida depois de alguns anos por uma empresa
em Pomerode que se especializou na técnica construtiva após anos de estudo. Na Casa Caça e
Pesca foi feita um enxaimeloso de metal.
Em 1987 foi noticiado que o arquiteto alemão Udo Baumam, consultor técnico do
Ministério da Cultura para Preservação da Arquitetura de Imigração Alemã e Italiana no
Brasil, poderia visitar Brusque no ano seguinte e que ele teria passado 10 meses em Santa
Catarina. Baumam havia estado há pouco em Blumenau, onde palestrou sobre o Plano Diretor
do Município, tendo sido convidado a vir a Brusque pelo presidente do COMUTUR, Valdir
Rubens Walendowsky. Segundo o engenheiro Alexandre Gevaerd190, a palestra foi proveitosa
“pela orientação que [Baumann] forneceu à municipalidade blumenauense, considerando que
sua palestra, focalizou, entre outros assuntos, ‘a possibilidade de conciliar a preservação de
189ZIMMERMANN, Francisco de Assis. Enxaimel no seculo XX. O Município, Brusque. 11 dez. 1981. p. 8.
190Alexandre Gevaerd é filho do ex-Prefeito Cyro Gevaerd. Ele atuou e foi responsável pela área de
Planejamento Urbano e de Trânsito nos últimos 20 anos em municípios como Blumenau, Itajaí, Brusque e
Gaspar.
66

edificações históricas com a necessidade de crescimento que a cidade tem’ 191. Baumam teria
declarado que teria levado “na bagagem” idéias para um trabalho futuro sobre a origem da
arquitetura no sul do Brasil.
Alguns anos antes, Baumam já havia estado em Santa Catarina por meio de um
intercâmbio cultural entre Brasil e Alemanha no qual ele foi responsável por “informar e
orientar na preservação do patrimônio histórico nacional […] orientando as comunidades na
execução de suas obrigações, concernentes à preservação no Estado de Santa Catarina 192. Em
novembro de 1981 ocorreu o Seminário sobre Desenvolvimento Urbano e Preservação do
Patrimônio Histórico, em Florianópolis, no qual participaram Prefeitos de diversos municípios
teria, segundo Baumam, despertado “nos participantes uma maior consciência para os
problemas da conservação de monumentos e prédios históricos”. Segundo ele, sua tarefa
consistia em desenvolver e aprofundar os resultados do seminário, em particular
- Assessoramento a cidades e municípios da região abrangida pela tarefa, na
conservação e recuperação do Patrimônio Histórico; - Assessoramento ao SPHAN
em Brasília na inventariação do Patrimônio Histórico; - Desenvolvimento de
metodologia para a inventariação de prédios históricos; - Aprofundar o trabalho
junto á opinião pública anteriormente iniciado.

Baumam foi designado a atuar em três municípios catarinenses: Blumenau, Joinville


e São Bento do Sul – coincidentemente os três municípios onde foi criada legislação de
incentivo ao enxaimeloso, respectivamente em 1972/1977, 1975 e 1989. Após duas semanas
em Joinville apresentou suas primeiras impressões em 6 de agosto de 1982:
1. Existe em Joinville um grande número de construções arquitetônicas de grande
valor, da época de sua fundação até o período da 2ª Guerra Mundial. 2. Arquitetura
histórica em Joinville não significa somente Arquitetura – Enxaimel, mas também a
arquitetura da época de sua fundação, que é de suma importância para o
desenvolvimento e muito típico. 4.Uma concentração do setor terciário, digo
comércio, bancos e departamentos administrativos, que se localizam na Rua do
Príncipe. Isto irá levar a um deserto da referida rua. Surgirá novos edifícios que por
sua vez irão destruir os prédios de grande valor e dar uma aparência pueril a cidade.
Infelizmente isto tudo não irá ficar só na tese: como eu ouvi no lugar do Palácio
Niemeyer será edificado um prédio de 14 andares assim sendo, o Banco do Brasil irá
no futuro decidir a aparência da cidade. […] Aqui eu não argumento contra a
edificação do novo prédio do Banco do Brasil em Joinville, mas contra a construção
neste marcante lugar histórico. […] 5. A cidade tem como suas construções uma
interessante e valiosa substância 110 arquitetônica em parte, que por sua vez valeria
a pena ser conservada e incentivada. Uma arquitetura deturpada e falsa, sendo
vendido por uma arquitetura original e de valor histórico. É UMA MENTIRA, não
que não deve ser levada em consideração e tão pouco receber concessões. Esta
imitação contribui infelizmente/para o não surgimento da nova e moderna
arquitetura. 6.A arquitetura histórica original deveria ser conservada e incentivada e

191Consagrado arquiteto alemão vem a Brusque, em 1988. O Município, Brusque. 2 out. 1987. p. 10.
192Consultar Baumam, nas referências.
67

ser ao mesmo tempo integrada na concepção turística da cidade. O moinho como um


espetáculo da disneilândia é para mim suportável no lugar onde se encontra.

Também em São Bento do Sul, Blumenau e Brusque havia construções de grande


valor anteriores à Segunda Guerra Mundial. Se a concentração do setor terciário preocupara
que o arquiteto Udo Baumam em Joinville em 1982 por conta de desertificação fora do
horário comercial, quatro anos antes, em 1978, Blumenau editou legislação visando coibir “a
instalação de estabelecimentos de crédito (Bancos) e empresas de investimento ou similares,
isolada ou conjuntamente, em toda a extensão da Rua XV de Novembro e Avenida Castelo
Branco”. Em 1984 um parágrafo flexibilizou a vedação permitindo que fossem instalados
“estabelecimentos […] a partir do segundo andar (terceiro pavimento a partir do térreo) dos
prédios localizados em toda a extensão da Rua 15 de Novembro e Avenida Castelo Branco””.
Em 1991 nova lei revogou a lei de 1978 e ampliou a restrição da instalação desse tipo de
estabelecimento para diversas outras ruas do centro da cidade. Contudo, é o setor de comércio
que aderiu ao enxaimeloso, sendo que em Brusque – cidade que não teve legislação de
incentivo fiscal como ocorrera em Blumenau, Joinville e São Bento do Sul - uma única
edificação na Av. Cônsul Carlos Renaux (na época Casas Pernambucanas, atual Lojas
Colombo) aderiu à proposta da COMUTUR de Brusque.
No relatório de março de 1983, Baumam incrementou o relatório de Joinville com
fotografias e descrições pormenorizadas das edificações que visitara. Após Joinville, Baumam
seguiu para São Bento do Sul, onde o que mais o “impressionou foi a existência de estruturas
rurais originais do tempo da colonização” e o fato de que “felizmente, não ocorre[sse até
então] em São Bento do Sul o problema da imitação da arquitetura enxaimel”. Com relação ao
município de Blumenau, o terceiro visitado, Baumam comenta que o Centro Histórico “já teve
a sua paisagem urbana grandemente alterada” por conta de duas questões: “1) Da
desorganizada construção em sentido vertical; 2) De novas imitações de fachadas em
enxaimel”. Inclusive, em 1982 o novo edifício da Prefeitura de Blumenau havia sido
inaugurado em enxaimeloso. Na opinião de Baumam,
A atual política de construção urbana [de Blumenau] aparentemente atribuiu grande
valor à preservação do padrão de 3 ou 4 andares no centro da cidade. Em princípio
esta é uma decisão correta. Todavia, eu aconselharia a elaboração de uma análise
urbanística do centro da cidade para, a partir de uma maquete, desenvolver uma
concepção técnica para o ulterior desenvolvimento de obras no centro da cidade. A
atual concepção apresenta uma orientação sobretudo nostálgica; no entanto, além da
arquitetura de imitação, dever-se- ia tornar possível o desenvolvimento de uma
arquitetura moderna, por exemplo, até mesmo uma arquitetura de enxaimel que, no
entanto, não se utilizasse de uma linguagem formal ‘historicizante’!
68

Essa crítica a uma “arquitetura moderna não-historicizante” talvez tenha inspirado a


construção do prédio da Prefeitura de Joinville, inaugurado em 1996, com grades metálicas
azuis enxaimelizantes. O problema é que, como assinalou Aloisius Carlos Lauth com relação
ao episódio do incêndio da Casa Caça e Pesca, não se tinha mais disponível mão de obra
qualificada para a construção em enxaimel. Com relação à legislação de incentivo fiscal,
Baumam comenta que “seria recomendável uma clara definição do que é ‘típico’, de modo a
não se promover mais uma arquitetura folclórica arcaica”. Para ele “as vantagens fiscais
deveriam ser destinadas sobretudo aos casos de renovação e restauração de prédios históricos
segundo padrões adequados”.
Retornando a Brusque, em outubro de 1987 houve a liberação da verba do Ministério
da Educação (MEC) destinada a “reformar e [realizar] melhoramentos da sede social da
sociedade [amigos de Brusque] e início da construção de uma casa de enxaimel” 193. Um ano
depois, em outubro de 1988, o pesquisador Aloisius Carlos Lauth lançou questionamento
sobre a realização da “Vila de Enxaimel”. Para ele, dependeria de quem ganhasse as eleições
e que a questão seria importante pois “o estilo das construções de Ouro Preto atrai muita
gente: até a nós brusquenses. Lá, é o barroco; aqui, o enxaimel.” 194. Ele narra que participara
da reunião de apresentação do projeto das Rua das Carreiras em 1982 e que naquela
oportunidade
citou-se também os esquecidos enxaiméis. A repreensão, pasmem, veio do ex-
prefeito [Alexandre Merico]. Usando argumento de ser um ‘aborto da natureza’, o
próprio desfez quaisquer planos. Por outro lado, seu bom gosto manifestou-se na
capela do Parque da Saudade. É pequena, feia, de altura desproporcional, quente no
verão, de mau gosto no interior e prescinde de uma capela mortuária. O paisagista
Burle Max, infelizmente andou por aqui na época e fez a cabeça de muita gente
contra o enxaimel. É claro que há horrores por aí, mas negar uma raiz como esta, só
louco. O homem não viveu aqui e nem teve tempo para ler nossa história. E depois,
foi Burle quem montou o plano, tão criticado, dos coqueiros no aterro de
Florianópolis. E não admira que tenha inspirado os jardineiros de Brusque a plantar
na Av. Getúlio Vargas os coqueiros nordestinos.195

A falta de mão de obra qualificada ficou evidente na oportunidade em que a casa


enxaimel da Sociedade Amigos de Brusque foi instalada. Esta edificação é um falso enxaimel
por conta da ausência de elementos que seriam indispensáveis à sua caracterização (encaixa
em madeira) e que, por conta de sua ausência, requerem a utilização de outros elementos para
a sua sustentação (utilização de pregos e cabos de aço para a sustentação). Diante da
193S.A.B. reelege Gevaerd e enaltece apoio do MEC: Conselho discutiu importantes temas. O Município,
Brusque. 16 out. 1987. p. 3.
194LAUTH, Aloisius Carlos. A vila enxaimel sai? O Município, Brusque. 7 out. 1988. p. 9.
195Ibidem.
69

inviabilidade técnica e da condição extemporânea de se construir edificações enxaimel, após a


onda de fachadismo verificada em Blumenau a partir de 1972, começaram a surgir novas
edificações em estilo germânico na paisagem do município de Brusque a partir de 1987. Além
disso, o escrito de Lauth sobre a recusa do ex-Prefeito Alexandre Merico pode ser verificado
no depoimento, já reproduzido, de Rolf Kaestner (2019) quando ele afirmou que os arquitetos
eram ouvidos pelos prefeitos Alexandre Merico e Celso Bonatelli. Merico havia solicitado no
começo de 1981 “um projeto para construção de um pórtico, a exemplo dos existentes nas
cidades de Joinville e Gramado, sem entretanto imitar a forma dos dois” 196. O pórtico de
Gramado (entrada via Petrópolis) foi inaugurado em 6 de janeiro de 1973 197 enquanto o de
Joinville teria sido inaugurado em 14 de novembro de 1979 198, sendo que o moinho às
margens da BR-101 foi construído somente em 1982 – portanto, após Merico ter sugerido a
construção de um pórtico em Brusque, portanto, sem o moinho ou qualquer outro adereço. O
pórtico não chegou a ser feito em Brusque, tendo sido reproduzido naqueles moldes pelo
município vizinho de Guabiruba. No caso de Brusque, outro projeto foi iniciado no fim do
terceiro mandato de Ciro Roza, tendo sido alterado durante a gestão do Prefeito Paulo Eccel.
Lauth (1988) argumenta que “o enxaimel tem duas correntes atuais: os saudosistas
(aqueles que pensam que tudo tem que ser feito como antigamente) e os modernistas (os que
imitam a estrutura somente nas fachadas)” e apela para um meio termo, citando o caso das
Casas Pernambucanas (atual Lojas Colombo) e o prédio falso-enxaimel da SAB. Seu apelo
seria uma carona e que a luta pelo enxaimel seria de Valdir Walendowsky e Rolf Kaestner199.
Após Ciro Roza ganhar as eleições e inaugurar a Beira Rio e a Rodoviária em estilo
germânico, surgiram novos projetos, desta vez em enxaimeloso. Sobre os projetos, o jornalista
Wilson Silva escreveu:
Brusque terá uma nova prefeitura, um novo fórum, um novíssimo teatro e uma nova
câmara dos vereadores. Vi os projetos feitos por Rubens Aviz. São lindos realmente
e Brusque merece tudo isso. Só não acho legal que todas essas constatações sejam
em estilo enchaimel (sic). Não há necessidade disso, mesmo. Mas, pensando no lado
dos turistas, que adoram essas bobagens exóticas… Brusque não consegue se
desgrudar da cola de Blumenau, há repararam? Estamos sempre copiando alguma
coisa de lá. E quem chega sempre no topo é a loira Blu… Pensando bem, pra quê

196Brusque quer maior turismo. O Município, Brusque. 16 jan. 1981. p. 8.


197PREFEITURA MUNICIPAL DE GRAMADO. Pórticos. S/D. Disponível
em: <http://www.gramado.rs.gov.br/turismo_opcoes/24/porticos>. Acesso em: 25 mar. 2019.
198Pórtico de Joinville. 2013. Disponível em:
<https://www.guiadasemana.com.br/joinville/turismo/estabelecimento/portico-de-joinville>. Acesso em: 25 mar.
2019.
199LAUTH, Aloisius Carlos. Rua das Carreiras: Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano. O Município,
Brusque. 22 abr. 1988. p. 6.
70

um teatro, se temos o anfiteatro da Febe e nunca se apresentou uma peça que valesse
a pena nele ainda? É de se pensar, não é mesmo? Será que algum dia vou ver uma
Marília Pêra, uma Túnia, uma Renata Sorrah por aqui? Sonhos…200

Silva demonstrou-se incrédulo de que Brusque receberia eventos que justificariam a


grandiosidade do projeto do teatro. Além disso, a cópia das “bobagens exóticas” de Blumenau
o incomodara, principalmente o fato de Brusque sempre estar atrás de Blumenau. Em março
de 1989 ocorreu um encontro entre representantes da Prefeitura de Brusque e o CEAB. Ciro
Roza “fez uma explanação geral de todos os projetos previstos […] Na sequência, o
Secretário e arquiteto Rubens Aviz apresentou as propostas arquitetônicas do Pavilhão de
Eventos e Promoções, Centro Administrativo, Prefeitura, Fórum, Câmara de Vereadores e
Teatro Municipal (Casa da Cultura)”201. Com relação ao “estilo germânico”, Aviz justificou
que “o modelo germânico definido tem sua razão por ser um estilo típico da colonização de
nossa região (haveria também a alternativa italiana) e por ser indubitavelmente muito bonito e
atraente turisticamente e, por não implicar em custos muito maiores do que construções
rudimentares” e que, sendo uma proposta preliminar, estaria aberto ao diálogo202.
O projeto elaborado pelo arquiteto Rubens Aviz foi concebido como Centro
Administrativo Municipal “que, além de concentrar os prédios da Prefeitura, Fórum e Câmara
de Vereadores, será complementado pelo Teatro, Casa da Cultura e Parque Zoobotânico. […]
mostrando a preocupação do prefeito em tornar o município um exemplo a nível de Brasil” 203.
Com exceção do teatro, todos os projetos foram executados.
Destas edificações, o arquiteto Rubens Aviz projetou o Hotel Monthez (já em
execução desde 1988, antes de Ciro Roza assumir a Prefeitura), a Rodoviária, o Fórum, a
Prefeitura e o Pavilhão da Fenarreco. Já o arquiteto Jorge Bonamente projetou o Pórtico do
Zoobotânico, o edifício da Delegacia de Polícia e as construções da Praça Barão de
Schneeburg, uma banca que foi demolida e um ponto de táxi.
Destas 25 edificações em estilo germânico, 12 edificações são do poder público,
sendo 10 do poder público municipal (rodoviária; câmara de vereadores e prefeitura; pavilhão
da Fenarreco; Zoobotânico; Arena Multiuso; Parque da Caixa D’Água; passarela; antiga
câmara de vereadores e atual prédio da Defesa Civil e Secretaria de Trânsito; Terminal

200SILVA, Wilson. Batalha semanal. O Município, Brusque. 31 mar. 1989. p.13.


201Encontro do Prefeito com o CEAB: Engenheiros desejam contribuir com a administração municipal de
Brusque. O Município, Brusque. 31 mar. 1989. p. 18.
202Ibidem.
203Projetos visam atender aspirações comunitárias. O Município, Brusque. 26 mai. 1989. p. 14.
71

Urbano) e 2 do poder público estadual (Fórum e Delegacia de polícia). Das outras 13


edificações, 3 são comércio/centros comerciais e de serviços; 2 são residências; 2 integram
associações (uma cancha e bar; restaurante); 2 são hotéis; 2 são padaria; 1 é igreja; 1 é museu.
Desta descrição se colhe que os agentes públicos foram responsáveis pela metade das
edificações em estilo germânico em Brusque (ainda mais se considerarmos que Ciro Roza tem
participação no Geschäfthaus e o seu secretário da indústria no primeiro mandato, o industrial
e ex-prefeito Hylario Zen, construiu o Hotel Monthez.
Depois de quase 60 anos da campanha de nacionalização instituída pelo Presidente
Getúlio Vargas e após duas guerras mundiais, período em que os descendentes de alemães
foram hostilizados como “o perigo alemão”, e de tentativas frustradas de preservação das
edificações que foram fruto do processo imigratório e que estavam concentradas na Rua das
Carreiras, a germanidade foi objetificada no estilo germânico para fins turísticos, não obstante
a historicidade do processo imigratório na região, resultando na materialização de uma
espécie de transcriação nostálgica, pois se criou algo emulando um passado que nunca chegou
a ser concretizado em sua totalidade e densidade conforme o desejo contemporâneo
instrumentalizado tão somente para fins econômicos com foco no turismo.
As obras promovidas pelos agentes públicos em estilo germânico estão concentradas
entre o Parque da Caixa D’Água e Centro Cívico/Zoobotânico e o Hotel Monthez. Fora desse
eixo próximo ao centro podemos ver a Igreja Calvário, as residências na rua São Pedro, uma
panificadora no bairro Santa Terezinha, a Casa de Brusque e Confeitaria Bartz na Av. Otto
Renaux e a Sociedade Laranjeiras na rua do Centenário e o hotel Eudóxio na divisa com
Itajaí. Esse processo de enxaimelização (excetuando as duas residências da rua São Pedro), foi
cogitado em 1981 durante o governo de Alexandre Merico, que se referiu à ideia como
“aborto da natureza”, na reunião que discutiu o projeto da rua das Carreiras (Hercílio Luz),
porém só ressurgiu em 1987 com a ideia de transplantar uma casa enxaimel na frente do
Museu e Arquivo Histórico do Vale do Itajaí-Mirim (Casa de Brusque) e com o Hotel
Monthez sendo construído entre 1987-1992. Após o início do governo o início do governo
Ciro Roza temos a construção do Centro Comercial Geschäfthaus em 1990, da qual ele era
sócio, e a Rodoviária – semelhante a de Rio Negrinho. Ainda no seu primeiro mandato temos
a inauguração da Prefeitura e Fórum, do Parque Zoobotânico com teleférico ligando-o ao
Parque da Caixa D’Água (havia no Parque do Centenário em 1960 um teleférico) e do
Pavilhão da Fenarreco.
72

Muitos dos prédios públicos de Brusque foram projetados em “enxaimeloso”. A


referência ao enxaimeloide enquanto um “neoenxaimel” ou mesmo um estilo arquitetônico 204
não parece adequada; afinal as construções “enxaimel” já na Europa comportavam uma
variedade de técnicas e em Santa Catarina teriam sofrido “algumas inovações que são comuns
a todas elas e que romperam, em larga escala, com a cultura centro-europeia” no que se refere
ao arranjo e à disposição dos espaços205.
As inovações em Santa Catarina como se referem a rearranjos dos espaços, e já na
Europa havia uma variedade de técnicas, denominar algo de “neoenxaimel” é forçoso nesse
caso uma vez que o artifício do enxaimeloide comporta, ao menos, duas situações: 1)
utilização de moldura de madeira/ferro no exterior de edificações preexistentes (que
denomino enxaimelizado); 2) utilização de moldura de madeira/ferro no exterior de
edificações elaboradas e pensadas para receber essa moldura (que denomino enxaimeloso).
Porém, não foi empregado o fachadismo de madeira em todas as edificações de estilo
germânico. Portanto, para além do enxaimelizado e enxaimeloso, o “estilo germânico” abarca
elementos que remetem a aspectos peculiares da arquitetura de imigração alemã: utilização da
madeira aparente como elemento de destaque na fachada, seja como adorno, estrutural ou
falseando o estrutural do edifício; beiral alongado, presença de águas furtadas (mansardas)
com ou sem utilidade, quase sempre a torre escalonada em formato de torreão com a
cobertura com flecha de perfil escalonado. Enxaimel, falso enxaimel, enxaimeloide
(enxaimelizado e enxaimeloso), estilo alpino, enfim: estilo germânico.
Para além das questões que diferem especificidades, indaga-se como se procedeu a
definição do estilo germânico nos municípios catarinenses por meio de sua legislação? De
certa forma o estilo germânico constitui um artifício que objetifica e instaura a presença
hegemônica do germanismo na paisagem das cidades.
Quando me refiro a artifício é importante pensá-lo como uma espécie de “pós-
arquitetura” (termo que empresto da noção de pós-verdade). Se a pós-verdade seria uma
espécie de informação disseminada por “fake news” (notícia enganosa) pelo desejo de que ela
seja verdade para satisfazer uma emoção, não sendo analisada criteriosamente sob o critério
de autenticidade, logo, poderíamos dizer que neste caso a pós-arquitetura seria também uma
espécie arquitetura disseminada por fachadismo pelo desejo de que ela seja verdade para
satisfazer um apelo turístico, não sendo analisada criteriosamente sob o critério de
204Ver Veiga, 2013, p. 62.
205Ver Weimer, 1994, p. 65.
73

autenticidade. Isso explica porque, mesmo sendo falso, a sua disseminação pouco importa sob
os critérios de autenticidade/verdade, mas tão somente atender a um apelo, uma vez que não
obstante “falsear” uma aparência resultante de uma técnica construtiva e de possivelmente
não mais se dispor de mão de obra qualificada para a construção de uma edificação enxaimel,
ou até mesmo não ter mais sentido construir por ser anacrônico/extemporâneo edificar uma
edificação enxaimel com técnicas construtivas mais avançadas disponíveis, a replicação de
uma aparência semelhante à resultante de construções enxaimel em novas edificações, de
forma adaptada ou nova, é realizado como um desejo que é atendido por quem pretende
usufruir desse falseamento que atende à sua satisfação. O apelo de “estilo germânico”
desconsidera a presença desta técnica construtiva em outros países europeus e acaba por
reforçar a presença física de uma narrativa identitária por fins turísticos.
Diferentemente de Blumenau, Joinville e São Bento do Sul, onde ocorreram ondas
enxaimelizadoras incentivadas por conta de legislação de incentivo fiscal, a onda
enxaimelizadora de Brusque teve como principal promotor os agentes públicos, não atingindo
o curso da Avenida Cônsul Carlos Renaux, artéria principal do comércio mas ruas adjacentes.
No caso de Blumenau a rua XV de Novembro foi repaginada na onda enxaimelizadora 206, em
Joinville a Rua do Príncipe recebeu poucos exemplares207. Enquanto em Blumenau o
investimento na enxaimelização atravessou diversos governos, em Joinville o processo de
enxaimelização foi descontinuado, tendo sido interrompido em 1998 com a inauguração do
Fórum208. No caso de Brusque a onda começa em 1987/1988 com o Hotel Monthez e Casa de
Brusque, ganha força em 1989 com o Geschäfthaus e Rodoviária, e segue com a inauguração
dos prédios públicos até o segundo e terceiro mandato do Prefeito Ciro Roza entre 2001-2008.
Em Blumenau a construção da germanidade enquanto produto turístico teria sido
realizada com “três componentes fundamentais, o estímulo à construção ‘em estilo enxaimel’,
a preservação das construções consideradas típicas, e a Oktoberfest”209; contudo, em Brusque,
não ocorreu estímulo à construção, não obstante o desejo da COMUTUR, e não resultou em
lei de incentivo fiscal (talvez por conta da tentativa frustrada do projeto da rua das Carreiras
em 1982). Além disso, a ideia de preservação patrimonial, não obstante se ter consciência da
singularidade do conjunto de edificações, foi frustrada, além do projeto da rua das Carreiras,

206Ver Pereira, 2009, pp. 184-190.


207Ver Veiga, 2013, 143.
208Ver Veiga, 2013, 142.
209Ver Angeli, 2002.
74

também pela querela suscitada pelo tombamento do Casarão Schaeffer, tanto que atualmente,
atém do prédio do Tiro de Guerra, que foi tombado em 12 de dezembro de 2012, também o
prédio do Casarão Hort foi tombado, via determinação judicial, por Decreto editado em 31 de
maio de 2019. Quanto à festa, Kaestner comenta que “pegamos carona na festa de outubro,
desde o início, porém, no segundo e terceiro mandato de Ciro Roza a festa fracassou devido à
remodelação da festa com a contratação de shows nacionais”. Foi tentado, sem sucesso, uma
festa italiana denominada “Brusquitália” durante a gestão do Prefeito Hylario Zen, e depois
durante a gestão do Prefeito Paulo Eccel se realizou uma festa denominada “Felicittà – A festa
das etnias”.
Tendo visto como surgiu a onda enxaimeloide que se relaciona ao que ocorrera em
Blumenau, Rio Negrinho, Joinville e São Bento do Sul, a adaptação do projeto da Beira-Rio
como canal extravasor; as várias obras e ações que remontam a problemas das décadas de
1960-70-80, retomando à questão demográfica, é importante frisar que no Centenário de
Brusque, em 1960, havia pouco mais do que 20 mil habitantes, tendo dobrado para 40 mil em
1980, quando a cidade já contava com ligação asfaltada com o litoral e foi introduzida a
malharia e as Feiras Industriais começaram a surtir efeito. Depois, a cada década, Brusque
contou com novos 20 mil habitantes. Não obstante a iniciativa das Casas Pernambucanas em
1979, foi somente após o Hotel Monthez construir seu prédio entre 1987-1992 que o estilo
germânico foi incentivado, com o Centro Comercial Geschäfthaus, a Rodoviária,
Zoobotânico, Prefeitura e Fórum, quando Brusque atingiu 60 mil habitantes.
75

2.3. O PATRIMÔNIO ENQUANTO CATEGORIA JURÍDICA EM BRUSQUE

De maneira introdutória, importa informar que o Art. 24, VII da Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988 dispõe que compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural,
artístico, turístico e paisagístico. Com relação aos municípios, o art. 30 da CRFB/1988 dispõe
que deve promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e
a ação fiscalizadora federal e estadual.
Na seção II do capítulo que versa sobre educação, cultura e desporto da CRFB/1988,
destacam-se os artigos 215 e 216. Em especial este último, que dispõe que constituem
patrimônio cultural brasileiro bens de natureza material e imaterial portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
As políticas públicas de preservação do patrimônio cultural em Brusque tiveram
como marco inicial a promulgação da Lei nº 900/1980 que dispôs sobre a proteção do
patrimônio natural, histórico e artístico cultural do Município de Brusque. Nesse instrumento
o instituto jurídico do tombamento aparece como mecanismo destinada à tutela estatal
visando a conservação dos bens de natureza material.
A primeira iniciativa concreta no sentido de promover a preservação de edificações
ocorreu em novembro de 1982 com a promulgação da Lei nº 1074/1982 que concedeu isenção
fiscal (taxas e IPTU) para todas as residências construídas até aquela data em um polígono
que envolvia as edificações ao longo das ruas Hercílio Luz, Manoel Tavares, Marechal
Deodoro e Humaitá – imediações da “Rua das Carreiras”. Após o questionamento por via
judicial, o referido incentivo foi revogado pela Lei nº 1.088/1983.
Quase uma década depois, o Casarão Schaefer foi a primeira edificação a ser
tombada em Brusque, em agosto de 1990, quando foi publicado um Decreto pela Prefeitura de
Brusque declarando “como patrimônio Histórico e Artístico do Município, o prédio situado à
Praça Barão de Schneeburg, nº 10”. Da mesma forma como ocorreu no caso da rua das
Carreiras, a iniciativa resultou frustrada: seguinte ao Decreto de Tombamento, procedeu-se à
apresentação do PL nº 20/90 na Câmara de Vereadores visando a revogação da lei que previa
o tombamento. O referido dispositivo legal foi efetivamente revogado pela Lei nº 1.606 de 16
de outubro de 1990 – dez anos após a sua promulgação. Poucos dias depois, na manhã de 2 de
76

novembro de 1990, iniciaram os trabalhos de demolição do Casarão Schaefer, o que ensejou a


judicialização da questão. O mérito foi resolvido pelo judiciário no fim de 1991 e o casarão
foi demolido210.
Uma nova lei prevendo o instituto jurídico de tombamento foi promulgada em
dezembro de 1994 (Lei nº 1.971) dispondo sobre a Proteção do Patrimônio Natural, Histórico
e Artístico Cultural do Município de Brusque.
Um hiato de mais de uma década se sucedeu até que em 2009, com a nomeação do
Prof. Me. Marlus Niebuhr para o cargo de Diretor de Patrimônio Histórico, iniciou-se um
trabalho sistemático visando a preservação do patrimônio cultural em Brusque. Em dezembro
de 2009 foi lançado o “Inventário do patrimônio arquitetônico urbanístico de Brusque”. Em
abril de 2010 foi criado, pelo Decreto nº 6.232, o Conselho Municipal do Patrimônio Natural,
Histórico e Artístico Cultural. Em março de 2011 foi instituído o “Catálogo do Patrimônio
Arquitetônico Urbanístico de Brusque – Vol. 01”, referendado pelo Conselho do Patrimônio
em reunião de 28 de abril de 2011. Em maio de 2011 o então Departamento de Patrimônio
Histórico passou a contar com a assessoria de um Historiador efetivo em sua equipe que
previa ainda um Conservador-Restaurador e Museólogo.
Devido à fragilidade do instrumento jurídico utilizado para a criação do Conselho do
Patrimônio, em abril de 2013 ele foi novamente instituído através da Lei nº 3.593/2013 no
âmbito do Plano de Preservação do Patrimônio Cultural no Município de Brusque – Programa
Preservar. Além da recriação do conselho, agora por lei, o Programa Preservar também dispôs
sobre instrumentos de gestão e incentivos; criou o Fundo Municipal de Proteção ao
Patrimônio Cultural e definiu ações de formação sobre patrimônio cultural. Em setembro de
2013, a partir de consultoria realizada pela arquiteta Rosália Wal, foi apresentado o
documento “Patrimônio Arquitetônico e Natural de Brusque”, cujo levantamento foi
amplamente incorporado ao presente documento.
Para além das tentativas frustradas de preservação, Brusque conta com duas
edificações registradas no Livro Tombo: Tiro de Guerra e Casarão Hort. A primeira teve seu
tombamento realizado em dezembro de 2012; a segunda em maio de 2019, após decisão
judicial determinando o seu tombamento.
Com relação aos pedidos de tombamento devidamente protocolados no COMUPA,
além das duas edificações que constam com inscrição no livro tombo; há também dois

210CASTRO, Álisson. Regimes de Cidade: Turismo e Crescimento urbano no Vale do Itajaí. Brusque: Ed.
UNIFEBE, 2021. pp. 122-130.
77

pedidos protocolados, aprovados pelo COMUPA e que não resultaram em inscrição no livro
tombo: Bens da Massa Falida da Fábrica Renaux e Bens da Comunidade Luterana de
Brusque. Com relação ao primeiro grupo - que envolve as edificações da Associação Atlética,
Chaminé, Villa Ida, Villa Goucky, Loja de Fábrica e Galpão de Fábrica -, a notificação de
tombamento foi realizada em setembro de 2013 pelo não conhecimento da impugnação à
notificação de tombamento e desde então restou inconcluso o procedimento administrativo,
restando os bens tombados de forma provisória desde então. Com relação ao segundo grupo -
que envolve a Antiga Maternidade e a sede da Paróquia Bom Pastor -, foi aprovado o
tombamento pelo COMUPA em maio de 2015. Em fevereiro de 2017 o Ministério Público
arquivou o inquérito instaurado uma vez que “deu parecer favorável à ideia de que, para que
os imóveis mantenham-se preservados, o tombamento como patrimônio histórico não é
necessário”211. A Comunidade Luterana, detentora dos bens, não foi notificada e por conta
disso os bens sequer estão tombados provisoriamente.
Na esfera federal não há notícia sobre qualquer ação visando registro, chancela ou
tombamento de bem cultural no município de Brusque. Com relação à esfera estadual, além
do pedido de tombamento da Igreja Luterana e Comunidade Evangélica realizado por
iniciativa pessoal do Historiador Dr. Álisson Sousa Castro, o qual não teve qualquer retorno
por parte do Conselho Estadual de Cultura ou Fundação Catarinense de Cultura, também foi
solicitado pela Historiadora Dr. Maria Luiza Renaux o tombamento da Villa Goucky, onde ela
residia na época do pedido. Ambos os pedidos permanecem sem qualquer resposta.
A revisão do catálogo/inventário do patrimônio em 2021 visa atualizar e
complementar as informações acerca dos bens que foram efetivamente inventariados e
constam, portanto, inscritos no Livro Tombo. Além disso, essa revisão pretende deixar
incontroverso o entendimento de que a listagem dos demais bens de interesse patrimonial não
implica qualquer restrição relativa ao instituto jurídico do tombamento (disponível e
específico para essa finalidade) mas tão somente que as edificações listadas estão aptas a
usufruir os benefícios previstos na Lei do Programa Preservar.

211MP-SC avalia que imóveis da Comunidade Luterana não precisam ser tombados. O Município,
Brusque. Notícia de 09/02/2017. Disponível em: <https://omunicipio.com.br/mp-sc-avalia-que-imoveis-da-
comunidade-luterana-nao-precisam-ser-tombados/>. Acesso em: 25 ago. 2021.
78

3. SITUAÇÃO ATUAL DA POLÍTICA PATRIMONIAL EM BRUSQUE

Abordaremos em um primeiro momento a constituição e conteúdo dos instrumentos


disponíveis pelo Departamento de Patrimônio Histórico para na sequência analisarmos a
atuação do COMUPA e por fim discorrer acerca dos dilemas contemporâneos que afetam a
noção de patrimônio.

3.1. BENS TOMBADOS, INVENTARIADOS, CATALOGADOS E NÃO-TOMBADOS

O “Inventário do patrimônio arquitetônico urbanístico de Brusque”, denominado no


corpo desse documento como “Inventário”, foi um documento elaborado pelo Diretor de
Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de Brusque, Mestre em História Marlus Niebuhr,
no ano de 2009. O documento de 116 páginas apresenta propostas de ação quando ao
patrimônio material e imaterial e o Inventário com o cadastro de mais de 112 bens. Destes
bens, 55 são bens isolados e o restante estão agrupados em “lugares de memória”: Rua
Hercílio Luz ou Rua das Carreiras, Centro Histórico, Vale de Azambuja, Espaço Fabril na
Avenida Primeira de Maio e Rodovia Antônio Heil.
As fontes utilizadas para a composição deste inventário foram coletadas no Museu e
Arquivo Histórico do Vale do Itajaí-Mirim (Casa de Brusque), no Trabalho de Conclusão de
Curso de Luize Fernanda Foppa “Preservação do Patrimônio de Brusque”, do ano de 2006 no
curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina e
no arquivo particular do autor.
Além disso, consta como fontes na lista de abreviaturas utilizadas como referência da
fonte consultada o Projeto Casarões idealizado pela historiadora Jaqueline Kühn, no Colégio
Cônsul Carlos Renaux no ano de 2003, o Colégio São Luiz, o cadastro de imóveis da
Fundação Catarinense de Cultura datado de 1991, o cadastro da Prefeitura Municipal de
Brusque e do Centro de Documentação Oral e Memória - CEDOM, da Unifebe, instituído
pelo próprio Marlus Niebuhr quando foi coordenador do Curso de História da UNIFEBE.
No corpo do texto de apresentação colhe que “o presente inventário tem o objetivo
de mapear estes espaços de memória, no tecido urbano de Brusque. Nossa referência principal
79

foram os trabalhos acadêmicos produzidos por Luize Fernanda Foppa, Jaqueline Kühn, e o
Projeto Bairro e Memória - CEDOM, coordenado pelo autor deste inventário”.
Ademais são listadas as propostas de ação quanto ao patrimônio material e imaterial:
1) Apresentar o levantamento dos locais de preservação; 2) Desenvolvimento de projeto que
contemple 35 imóveis para criar um catálogo arquitetônico (volume 01); 3) Desenhar uma
proposta que será encaminhada aos proprietários destes 35 imóveis para um possível
tombamento, com as seguintes vantagens a) isenção de IPTU; b) ajuda para conservação do
imóvel para futuro restauro; c) preservação da memória da família em placa comemorativa; d)
placa de registro homenageando as autoridades municipais; 4) notificar os proprietários dos
imóveis não selecionados para que estejam desenvolvendo uma atividade pró-ativa de
preservação até o próximo catálogo arquitetônico; 5) implementar uma política de
preservação, turismo e lazer para os ‘Lugares de Memória’ Hercílio Luz, Centro Histórico,
Vale Azambuja e Espaço Fabril; 6) criar uma cartilha de preservação do patrimônio.
A ideia de “lugares de memória” será aprofundada no item 3.3 quando falaremos
sobre os dilemas contemporâneos envolvendo a noção de patrimônio cultural. Ela é
extremamente complicadora e aparece como um sintoma da inflação memorial. A aparição
deste termo é sintomática de uma inflação memorial.
80

Conforme a imagem acima, extraída da página 45 do referido documento, constata-


se, a título exemplificativo, a pouca fundamentação, seja arquitetônica ou histórica da
inclusão das edificações neste documento denominado Inventário que justifiquem a proibição
de demolição, ainda mais que tal proibição, conforme já visto, está relacionada ao instituto
jurídico do tombamento. Tendo legislação presente, estando disposto o instituto jurídico do
tombamento, e não estando tombada a edificação mas tão somente arrolada de forma precária
e superficial neste documento, passou-se a construir, conforme veremos a seguir, todo um
emaranhado de normas que implicaram na negação de alvará de demolição para os
proprietários destas edificações inseridas nestes documentos.
81

Este cadastro, colhido da página 54 do referido documento, aponta que a edificação


arrolada já fora demolida. Isto, por si, evidencia que o documento intitulado “Inventário” não
passa de um apanhado, um documento interno do Departamento de Patrimônio Histórico,
visando um estudo das edificações alvo de interesse patrimonial. Ademais, esse documento
foi um compilado elaborado por uma única pessoa sem qualquer discussão em audiência
pública.
Com relação ao patrimônio imaterial, a proposta é de que se faça 1) formação de uma
equipe de trabalho; 2) desenvolvimento de linhas de pesquisa; 3) tombamento e inscrições no
82

livro do tombo; 4) criação de um espaço de guarda e consulta do material coletado e 5)


disponibilizar estas informações para a população brusquense.
Estas informações coletadas de um documento de 2009 quando o conceito de
patrimônio imaterial já tinha sido positivado em legislação nacional apresentam
desconhecimento do assunto, sobretudo porque o instrumento de reconhecimento do
patrimônio imaterial não é o tombamento mas o registro, que deve ser atualizado a cada 10
anos.
Por sua vez, o “Catálogo do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico de Brusque - Vol.
01”, denominado de Catálogo, traz em sua capa que ele se constitui de uma “seleção retirada
do inventário do patrimônio arquitetônico urbanístico de Brusque” e aprovado pelo Conselho
Municipal do Patrimônio Natural, Histórico e Artístico Cultural na sessão de 23 de março de
2011.
Para além do recorte de 35 bens do Inventário, o Catálogo também apresentou, para
cada edificação, um nível de preservação.
Para efeito serão considerados os níveis de preservação NP1, NP2, NP3 e NP4
definidos a seguir:
Nível de Preservação 1 (NP1): Preservação integral do bem tombado. Quando se
tratar de imóvel, todas as características arquitetônicas da edificação, externas e
internas, deverão ser preservadas.
Nível de Preservação 2 (NP2): Preservação parcial do bem tombado. Quando se
tratar de imóvel todas as características arquitetônicas externas da edificação
deverão ser preservadas, existindo a possibilidade de preservação de algumas partes
internas,
Nível de Preservação 3 (NP3): Preservação parcial do bem tombado. Quando se
tratar de imóvel deverão ser mantidas as características externas e a ambiência, bem
como deverá estar prevista a possibilidade de recuperação das características
arquitetônicas originais.
Nível de Preservação 4 (NP4): Novas edificações em terrenos onde existam imóveis
NP1, NP2 e NP3 e imóveis próximos,em uma distância adequada a necessidade de
preservação do imóvel, ficando a reforma ou nova edificação sujeita a restrições
capazes de impedir que a nova construção descaracterize as relações espaciais e
visuais ali envolvidas, está condicionada a aprovação do Conselho Municipal do
Patrimônio Natural, Histórico e Artístico Cultural de Brusque.
83

Para além destes dois documentos, em setembro de 2013 foi entregue pela arquiteta
Rosália Wal o documento “Patrimônio Arquitetônico e Natural de Brusque”. Os imóveis
solicitados para descrição foram os seguintes:
1) Igreja Evangélica Luterana, inaugurada em 6 e janeiro de 1895; 2) Primeira
Maternidade de Brusque, inaugurada em 1938; 3) Igreja Matriz Católica, finalizada
em 1962; 4) Clube de Caça e Tiro “Araújo Brusque”, construído em 1866; 5) Museu
de Azambuja, de 1907; 6) Casa Cônsul Carlos Renaux, de 1935; 7) Edificação do
Tiro de Guerra de Brusque, construída em 1941; 8) Figueira plantada em 04 de
agosto de 1935, que será aqui avaliada como elemento de paisagem cultural no
contexto histórico da cidade.
Tal como o recorte do Inventário na constituição do Catálogo foi uma tentativa de
tombamento, este documento elaborado pela arquiteta Rosália Wal também foi encomendado
na expectativa de que estes 8 bens fossem tombados/chancelados.
Segundo a arquiteta, o documento “visa conhecer as características urbanas e
arquitetônicas que fazem destes imóveis e sítios históricos serem importantes elementos de
referencia no contexto histórico e cultural do município”.
Ao contrário dos documentos anteriores, o levantamento realizada pela arquiteta
Rosália Wal traz uma breve explanação sobre a metodologia utilizada, principalmente com
relação aos critérios de agrupamento das edificações em 3 grandes eixos: conjunto histórico
central, conjunto católico de peregrinação e centro de saúde e o conjunto industrial Carlos
Renaux, ficando o Tiro de Guerra e a Figueira isolados, sendo esta última classificada como
elemento do Patrimônio Natural da Cidade.
Curiosamente a Reserva Particular do Patrimônio Natural Chácara Edith, criada em
24 de janeiro de 2001, com uma área de 415,79 hectares, localizada praticamente na região
central do município, sequer foi citada nestes documentos.
Como critério de avaliação constam o valor paisagístico, urbanístico, arquitetônico,
histórico-cultural e econômico.
Por fim, um novo “Catálogo do patrimônio histórico, natural e artístico-cultural de
Brusque” foi elaborado em outubro de 2021 e aprovada na reunião do COMUPA na reunião
de 26/10/2021. O documento de 34 páginas é assinado pela arquiteta Ana Cláudia dos Santos,
pelo Historiador Álisson Sousa Castro, pela Diretora da Fundação Cultural de Brusque
Elisane Marcos e pelo Diretor de Relações Institucionais do Gabinete do Prefeito Rafael
Scheibel de Andrade, presidente da Comissão Especial criada pelo Decreto no 8.685/2020 e
84

designada pela Portaria no 13.419/2020 visando assessoramento para Elaboração de


Diagnóstico e a Execução de um Plano de Ação objetivando a Revisão do Inventário do
Patrimônio Arquitetônico de Brusque.
O documento apresenta uma breve histórico das políticas públicas de preservação do
patrimônio cultural no município de Brusque, texto assinado pelo Historiador Dr. Álisson
Sousa Castro. Apresenta as duas edificações inscritas no livro tombo: Tiro de Guerra e
Casarão Hort. Também apresenta a relação de 12 edificações de relevante interesse histórico
aptas a usufruir os benefícios previstos no Programa Preservar (Lei no 3.593/2013), deixando
incontroverso que sua inserção no documento tem essa finalidade.
O documento aproveitou o levantamento realizado pela arquiteta Rosália Wal
acrescendo as informações de outras edificações não contidas no documento elaborado pela
arquiteta.
85

3.2. ATUAÇÃO DO CONSELHO DO PATRIMÔNIO EM BRUSQUE

A análise da atuação do Conselho do Patrimônio – COMUPA ocorreu a partir da


leitura das atas que compreendem o período de maio de 2010 a junho de 2021. A distribuição
anual das atas analisadas segue tabela abaixo:

Ano Número de atas analisadas

2010 06

2011 01

2012 12

2013 12

2014 11

2015 9

2016 9

2017 14

2018 10

2019 11

2020 05

2021 05

Total 105

Estas atas foram recolhidas em três locais distintos: 1) um primeiro grupo estava em
posse da Fundação Cultural de Brusque e compreende 31 atas em folhas soltas entre maio de
2010 e dezembro de 2013; o segundo grupo estava no “arquivo morto” da Prefeitura e
compreende 15 atas entre fevereiro de 2014 e maio de 2015 que estão coladas em um livro de
atas; o terceiro grupo estava disponível no sítio eletrônico da Prefeitura de Brusque na seção
dos conselhos (COMUPA) e compreende 59 atas entre abril de 2015 a março de 2021.
86

Local onde estavam arquivadas Período das atas Quantidade


Fundação Cultural 05/2010 a 12/2013 31
Arquivo morto 02/2014 a 05/2015 15
Secretaria dos Conselhos/Site 06/2015 a 07/2021 59
TOTAL 105

O COMUPA já contou com 9 presidentes, sendo eles: 1) Historiador Me. Marlus


Niebuhr, Diretor de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de Brusque (entre
12/05/2010 e 05/12/2013212); 2) Arquiteto e Urbanista Ricardo Laube Moritz, arquiteto do
IBPLAN (entre 06/02/2014 e 13/10/2015); 3) Jean Carlos Fischer, Diretor da Fundação
Cultural de Brusque (entre 19/07/2016 e 06/12/2016); 4) Arquiteta e Urbanista
Alexssandra da Silva Fidélis, representante da UNIFEBE (interina como vice-presidente em
24/01/2017, como Presidente entre 14/03/2017 e 14/12/2017); 5) Arquiteta e Urbanista
Carolina M. D. Meireles, Diretora do IBPLAN (em 20/02/2018); 6) Advogado Eduardo
Tomazoni, representante da OAB (entre 16/04/2018 e 24/11/2020); 7) Arquiteta e
Urbanista Ana Claudia dos Santos, Diretora do IBPLAN (em 23/02/2021); 8) Servidor
Público Luciano Camargo, Diretor-Presidente do SAMAE de Brusque (entre 30/03/2021 e
08/06/2021) e; 9) Empresário e Diretor do Departamento de Turismo Ivan Jasper,
Diretor de Turismo da Prefeitura de Brusque (desde 20/07/2021 aos dias atuais).
Um total de 13 pessoas já atuaram como secretários, sendo responsáveis pela redação
das atas: 1) Alexssandra da Silva Fidelis, Arquiteta e Urbanista (1 ata); 2) Álisson Sousa
Castro, Historiador (3 atas); 3) Ana Claudia dos Santos, Arquiteta e Urbanista (1 ata); 4)
Camila Máyra Lyra Dalagnolli, Secretária dos Conselhos (4 atas); 5) Daíra Andréa de Jesus,
Advogada (27 atas); 6) Eduardo Tomazoni, Advogado (1 ata); 7) Jean Werner, Agente
Administrativo da Fundação Cultural de Brusque (4 atas); 8) Jenifer Cardozo Schweigert,
Secretária dos Conselhos (49 atas); 9) Larissa B. S. Bononomi, servidora do IBPLAN (1 ata);
10) Lidia Isabel Lira, Assessora da Fundação Cultural de Brusque (2 atas); 11) Lucas
Cordeiro, Assessor de Eventos da Fundação Cultural de Brusque (1 ata); 12) Nadia Regina
Fidélis Pedrini, Secretária dos Conselhos (1 ata); 13) Vanessa Zimmermann Toniêto,
Secretária dos Conselhos (4 atas) - ainda não se tem a indicação de quem tenha elaborado a
redação de um total 6 atas.
O COMUPA foi criado durante a administração do Prefeito Paulo Roberto Eccel
(01/01/2009-31/12/2012, reeleito com mandato entre 01/01/2013 e 31/03/2015, quando teve

212 As datas são referentes às datas das atas e não à posse e destituição de fato.
87

seu mandado cassado pelo TSE, tendo revertido a decisão após o término do mandato).
Roberto Pedro Prudêncio Neto, presidente da Câmara de Vereadores, substituiu o Prefeito e
teve mandato interino entre 31/03/2015 a 05/06/2016, tendo sido sucedido por José Luiz
Cunha que teve mandato tampão entre 05/06/2016 e 31/12/2016. O médico Jonas Oscar
Paegle cumpriu mandato entre 01/01/2017 até 31/12/2020, tendo sido sucedido pelo atual
Prefeito, José Ari Vequi, que assumiu a Prefeitura em 01/01/2021. Essas mudanças são
refletidas na composição do conselho, na redação da ata e nas próprias discussões e
deliberações.

2010
O Conselho Municipal do Patrimônio Natural, Histórico e Artístico Cultural
(COMUPA) foi criado no dia 1º de abril de 2010 por meio do Decreto nº 6.232 como um
conselho de caráter paritário, deliberativo e consultivo com o objetivo de proteger os bens
móveis e imóveis de valor reconhecido mediante a adoção das providências necessárias e
previstas em regulamento.
Por meio da Portaria nº 6.983 assinada em 05 de abril de 2010 213 foram nomeados os
8 membros titulares e demais suplentes, representantes das seguintes instituições/órgãos: 1)
Superintendência da Fundação Cultural; 2) Diretoria de Patrimônio Histórico da Fundação
Cultural de Brusque; 3) Instituto Brusquense de Planejamento e Mobilidade (IBPLAM); 4)
Procuradoria Geral do Município de Brusque; 5) Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção
de Brusque; 6) Instituto Nossa Cidade; 7) Clube de Engenharia e Arquitetura de Brusque
(CEAB) e; 8) Presidência do Museu Arquidiocesano Dom Joaquim (Museu de Azambuja).
Durante o primeiro ano de atuação ocorreu a instalação do Conselho e posse de seus
membros, sendo elaborado e aprovado o seu Regimento Interno. Foram também discutidos
vários temas: conscientização da população; o Decreto de criação do Conselho; o
levantamento de imóveis a compor a lista de bens a serem preservados e o emprego de
estagiários neste trabalho; o “resgate” da história de Brusque; o instituto do destombamento;
memorial da destruição do patrimônio; a falta de recursos do município para manter bens
tombados; patrimônio imaterial; Plano Diretor Urbanístico; sanções e multas para quem
destruir ou descaracterizar os bens. Na segunda reunião procedeu-se à eleição, sendo o
Historiador Me. Marlus Niebuhr, Diretor de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de

213Na parte superior consta a data de 15 abril de 2010, na parte inferior aparece duas vezes a data de
05 de abril de 2010. Documento original disponível na Fundação Cultural de Brusque.
88

Brusque, eleito por unanimidade o Presidente do COMUPA. Niebuhr, o grande responsável


pela implantação de políticas públicas de patrimônio entre 2009 e 2013, foi presidente do
COMUPA até dezembro de 2013 quando foi exonerado do cargo de Diretor do Patrimônio
Histórico da Fundação Cultural de Brusque.
Ainda em 2010 foi realizada uma visita técnica ao município de Pomerode para
conhecer a experiência da cidade na preservação do patrimônio edificado. Com relação aos
bens, foi debatida ou sugerida como proposta de preservação o tombamento do acervo
documental da Casa de Brusque, a preservação do edifício do Clube de Caça e Tiro Araújo
Brusque, da Figueira, da Igreja Evangélica Luterana, do Museu de Azambuja, de um imóvel
situado na rua Hercílio Luz, 282 e do Casarão Bauer (SOS Animais) – que havia sido objeto
de pedido de alvará de demolição.
2011
Neste ano temos apenas uma ata de março onde se discutiu a “Meta 25-2011:
Catálogo do Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico de Brusque, volume 01”. Segundo o
presidente do conselho Marlus Niebuhr
este projeto tem como fim desenvolver uma seleção mais apurada do Inventário do
Patrimônio Histórico de Brusque, tendo como referência uma decisão do conselho,
que diante da especulação imobiliária e das duas demolições ocorridas é imperativo
tomar uma ação efetiva de proteção de espaços e lugares de memória da cidade de
Brusque, para que a história da cidade venha a ser preservada para as futuras
gerações.

Os conselheiros tiveram por referência o modelo de níveis de preservação adotado


em Pomerode, concordando por unanimidade em finalizar o catálogo e que “fique registrado
que estes imóveis e estes locais deverão ser preservados no município de Brusque”. Em
seguida, deliberaram pelo
desenvolvimento de documentos para gerar o processo de tombamento do prédio
onde se localiza o Tiro de Guerra de Brusque, e do prédio principal do Clube de
Caça e Tiro ‘Araújo Brusque’ […] bem como iniciar a preparação documental,
visando estudos para gerar um processo de futuro tombamento da ‘Villa Quisisana’.

2012
O presidente Marlus Niebuhr foi reeleito para a presidência do COMUPA neste ano.
Os conselheiros debateram sobre a proposta de lei do Programa Preservar, que tinha por
finalidade dentre os vários instrumentos de preservação, adequar juridicamente a criação do
COMUPA de Decreto para Lei. O Presidente Marlus Niebuhr comentou na oportunidade que
89

já existia lei de Tombamento, porém a Prefeitura não contava com corpo técnico para dar
suporte às etapas do processo de tombamento, tampouco teria recursos para restaurar os bens.
Ressaltaram os conselheiros a preocupação com relação à ausência de penalidades para
aqueles que descumprirem as leis de preservação.
Com relação ao Catálogo e Inventário, o Presidente Marlus Niebuhr comentou que
“seria importante uma revisão feita por uma comissão do Conselho, tanto do Inventário como
no Catálogo, e posterior apresentação aos conselheiros”.
Foram várias as ações e projetos que foram sugeridos ou implementados neste ano:
1) sugestão de implantação do Laboratório de mídia do Departamento de Patrimônio
Histórico; 2) Projeto de Lei que institui o Sistema de Arquivos de Brusque com uma
Comissão Central de Avaliação de Documentos; 3) lançamento do livro “Brusque 150 anos” e
início da tradução para o alemão (lançado em 2013); 4) implantação da Sala Brusque Virtual;
5) início do levantamento arquitetônico de edificações por Rosália Wal (concluído em
setembro de 2013); 6) aprovação do Plano Municipal de Cultura.
Com relação às propostas de preservação, foi cogitado o tombamento do Parque das
Esculturas. Também foram apresentadas propostas de aproveitamento da Villa Quisisana: 1)
memorial ou museu das famílias Buettner e Pastor mantido pela Prefeitura de Brusque; 2)
memorial da indústria têxtil, ampliando para as famílias Renaux e Schloesser; 3) galeria de
arte municipal.
Foi elaborado um projeto visando a preservação da Serralheria Mosimann com um
roteiro turístico e histórico, até que, em março, o conselho foi informado de que os
proprietários optaram pela demolição da referida edificação. Além desta, também ocorreu a
demolição de uma casa na esquina da rua Sete de Setembro e rua que dá acesso ao Colégio
Osvaldo Reis sem o alvará de demolição e comunicação ao conselho.
No fim do ano, ocorreu a conclusão da reforma e o tombamento da edificação que
abriga o Tiro de Guerra.
2013
Este ano marcou o ápice das políticas patrimoniais no município de Brusque:
reformulação e ampliação do COMUPA com a sua instituição por lei no lugar de Decreto;
aprovação do tombamento dos imóveis da massa falida das indústrias Renaux; levantamento
arquitetônico de edificações pela arquiteta Rosália Wal e mecanismo de controle dentro do
IBPLAN visando permitir o diálogo com os proprietários de imóveis alvo de interesse
90

patrimonial quando da chegada de solicitações de consulta prévia de viabilidade de


construção ou alvará de demolição.
Dentre os imóveis aprovados para tombamento da massa falidade da Indústria
Renaux encontram-se 6 edificações: Villa Ida, Villa Goucky, Associação Atlética, Chaminé,
Loja e Galpão de Fábrica. Até hoje, quase uma década depois, os referidos bens ainda não
foram inscritos em livro tombo municipal.
Com relação à sistemática de demolição de edificações, o presidente Marlus Niebuhr,
em reunião no mês de março de 2013, comentou que “a questão dos prazos vem sendo
complicadora, porque chegam diversos pedidos de demolição e a discussão do Conselho,
acaba girando em torno de tais pedidos”. Nesse sentido, os conselheiros pleitearam junto ao
IBPLAN “para deliberação sobre a possibilidade de readequação do prazo de resposta aos
pedidos de demolição, quando os imóveis constarem no Catálogo e no Inventário”. Em
reunião no mês de julho o Presidente do Conselho encaminhou ofício ao IBPLAN solicitando
para que novas regras fossem adotadas quando do protocolo de um pedido de demolição:
“Agora, se o imóvel envolvido no pedido administrativo constar no Catálogo ou mesmo no
Inventário do Patrimônio Histórico, Natural e Artístico Cultural de Brusque, os fiscais terão
que encaminhar o pedido diretamente a um dos arquitetos do IBPLAN, anexando uma foto
atualizada”.
Essa sistemática foi definida em reunião do COMUPA e desde então, a partir dessa
prática, todos os pedidos de demolição ou de consulta de viabilidade técnica de construção
(que na grande maioria dos casos pressupõe o alvará de demolição em seguida) de edificações
que constam tanto no Inventário quanto no Catálogo passaram a ser discutidos no COMUPA,
tornando cada vez mais o conselho uma instância onde se discute demolição de edificações,
desviando o foco do seu propósito, que deveria ser, dentre outros, debater, propor e
implementar políticas públicas na área de patrimônio cultural.
No ano de 2013 também foi finalizado o levantamento arquitetônico realizado pela
arquiteta Rosália Wal. Foi cogitada a atualização do catálogo do patrimônio pelo presidente
Marlus Niebuhr, “”considerando as demolições ocorridas e a análise dos critérios de seleção”.
Na ata da reunião de dezembro de 2013 restou claro o intuito do documento
intitulado Catálogo do Patrimônio:
o Presidente falou sobre o Parecer exarado na última consulta prévia de construção
trazida para a apreciação do Conselho. Tratava-se de uma casa situada na Rua
Hercílio Luz. Assegurou o Presidente, que o Parecer foi lavrado exatamente nos
91

termos do discutido na reunião anterior, ou seja, foi lavrado um parecer, opinando


pela irrelevância histórico/arquitetônica do imóvel. Detalhou o Presidente, que
apesar da irrelevância do imóvel, ficou esclarecido no documento, que a sua
inclusão no Catálogo do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico de Brusque, se deve
a preocupação que se tem com o entorno, isto é, com o complexo como um todo,
nos termos da linha de pesquisa traçada pela arquiteta Rosália Wal, a qual foi
utilizada. Preocupação esta, que no caso concreto apreciado, não tem o condão de
impedir eventual demolição do imóvel. […] o Presidente Marlus Niebuhr respondeu,
que sempre faz uma ‘varredura’ na cidade para encontrar alguma obra que tenha
passado despercebida, visando a atualização do Catálogo, que é a especificação do
Inventário.
Situação complicada uma vez que as edificações inseridas tanto no Inventário como
no Catálogo passaram a ter um crivo dentro do IBPLAN e os alvarás de demolição
começaram a ser barrados ou protelados para a sua emissão.
Em reunião de dezembro de 2013 o Presidente Marlus Niebuhr asseverou “que já
está há quatro anos à frente do Conselho, concomitantemente, com a Direção do
Departamento de Patrimônio Histórico, atividades que vem se confundindo no decorrer dos
últimos anos, especialmente, perante a comunidade, que não consegue distinguir as duas
figuras.” Para tanto, o arquiteto e urbanista Ricardo Laube Moritz se ofereceu para presidir o
conselho.
Com relação às demolições: 1) imóvel rua Max Koehler, foi “aprovado por
unanimidade, a ausência de necessidade de preservação do bem, que não consta no Catálogo
do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico de Brusque”. 2) imóvel situado na rua Getúlio
Vargas, nº 98 – Centro. Sugeriu-se que fosse ocupado com um memorial da família Hoffmann
ou que nele ocorressem coquetéis, aniversários, caminhadas ao redor, etc. Argumentou-se que
a casa não constava no catálogo mas tão somente no inventário do patrimônio e que, embora o
imóvel fosse “bonito”, não teria um estilo arquitetônico definido e um valor arquitetônico
considerável. Os representantes dos proprietários argumentaram que “a família investiu muito
na cidade, na Reserva Hoffmann […] terrenos que foram apropriados pela Prefeitura, como o
da Fenarreco”; 3) consulta prévia de viabilidade para terreno onde havia a residência na rua
Marechal Deodor, nº 275, após tratativas a família acabou decidindo por manter o imóvel;
imóvel na rua Felipe Schmidt, nº 48 (constava no inventário). Além disso, os conselheiros
também diligenciaram a respeito da preservação de um imóvel localizado na rua Barão do
Rio Branco, nº 217 (esquina com rua João Bauer), porém sem sucesso. O presidente do
92

COMUPA também iniciou diálogo visando o tombamento da Igreja e Maternidade Luterana,


Clube de Caça e Tiro Araújo Brusque, Villa Goucky, edifício da Matriz da Paróquia São Luiz
Gonzaga, e Figueira. Embora não tombados, estes últimos imóveis permanecem intactos.

2014
As atas deste ano tornaram-se extensas, a mudança na Presidência possibilitou que
vários assuntos pudessem ser tratados de maneira menos coordenada do que como vinha
sendo feito pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural. Se no ano
anterior as atas não passavam de duas a três páginas, agora elas frequentemente passavam de
cinco a seis páginas.
Em março foi realizada a substituição do conselheiro Marlus Niebuhr, exonerado do
cargo de Diretor de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de Brusque no fim de
fevereiro, pelo Historiador Álisson Sousa Castro, servidor de carreira da instituição. O cargo
de Diretor do Departamento de Patrimônio Histórico nunca mais foi ocupado desde então e a
Fundação Cultural de Brusque deixou de contar com alguém responsável pela área. Na
mesma reunião foi aprovado o novo Regimento Interno do COMUPA.
Com a sua ampliação, o COMUPA começou a sofrer com um problema de ausência
de representantes em suas reuniões, dentre eles os representantes da ASSEVIM e do SAMAE.
Deste último órgão, em abril ocorreu a substituição do titular, situação que deu ensejo à uma
verdadeira sabatina com relação às políticas de preservação do patrimônio natural em
Brusque.
Em sua primeira reunião no mês de março, o conselheiro Álisson Castro defendeu a
divulgação do Catálogo e do Inventário do patrimônio uma vez “que se as pessoas não
tiverem consciência de que determinado imóvel se constitui em patrimônio, então não é
patrimônio. Aduziu que é necessário dar visibilidade aos bens e produzir conhecimento”. Dois
meses depois, na reunião de maio, um proprietário que havia demolido sua residência
compareceu à reunião do COMUPA alegando que “não tinha consciência da relevância do
imóvel e que se tivesse, não o teria adquirido; que nunca foi notificado dessa relevância e que
nada constava na matrícula do mesmo; que já tem projeto pronto para construir; e que apesar
de não ter pedido autorização para demolir, jamais teve qualquer má-fé”. Ao fim, solicitou
que sua punição fosse igual aos demais proprietários que demoliram edificações sem alvará.
93

Foram debatidas algumas consultas de viabilidade para construção, dentre elas a de


uma casa localizada na rua Pedro Werner, 237 que não constava no Inventário e tampouco no
Catálogo. Também foi realizada a consulta prévia a uma edificação na rua Antônio Visconti,
nº 05. De uma maneira sistemática, os conselheiros passaram a ouvir relatos de proprietários
que demoliram edificações sem alvará e solicitavam os boletos bancários para pagar a multa
por demolição irregular,
motivado pela frustração do Conselho com relação aos imóveis inclusos no
Inventário e no Catálogo, demolidos sem autorização do Município, a deliberação
foi unânime, no sentido de que o IBPLAN, deve multar da forma mais onerosa que
puder, os proprietários pela falta de alvará. A multa além de ter caráter punitivo,
também terá um caráter pedagógico.
Debateu-se exaustivamente, por conta disso, sobre a regulamentação de medidas
punitivas.
Um outro divisor de águas da política patrimonial foi a demolição do Casarão
Strecker. No início de junho deste ano o sócio da empresa Dimensional, engenheiro Gilmar
César Appel, esteve presente na reunião defendendo a retirada do Casarão Strecker do
Catálogo e Inventário. Marcada uma nova reunião em meados de junho, um engenheiro da
mesma empresa também participou da reunião que ao final decidiu por “unanimidade, pela
elaboração de Parecer com a não concessão de alvará para a demolição”. Diante deste
panorama e visando dar segurança para que os proprietários das edificações tivessem ciência
do interesse patrimonial das edificações, ainda que não tombadas, foi oficiado aos
proprietários de alguns imóveis a respeito da relevância patrimonial e os benefícios da Lei do
Programa Preservar. Também dentro desse contexto, após divergência, formou-se uma
comissão para a divulgação, revisão e ampliação do Catálogo e do Inventário. Com relação à
prática recorrente de destruição patrimonial sem o devido alvará de demolição, alguns
membros do COMUPA, preocupados com a iminente demolição do Casarão Strecker,
procuraram o Ministério Público.
Por fim, o pedido de tombamento da Igreja Luterana e antiga Maternidade formulado
pelo historiador Álisson Sousa Castro fechou as discussões na última ata do ano.

2015
A demolição do Casarão Strecker sem o devido alvará da Prefeitura e consentimento
do COMUPA deu início à Ação Civil Pública nº 0900131-83.2014.8.24.0011 promovida pelo
94

Ministério Público do Estado de Santa Catarina, sendo réus Cornélia Strecker, Guilherme
Strecker, Inês Hildegard Strecker, Luciane Strecker, Luiz Strecker, Simone Regina Moser,
Valdir Furbringer e WK Administradora de Bens Ltda.
Em abril de 2015 houve mudança nos conselheiros governamentais devido a
mudança de gestão na Prefeitura de Brusque por conta da cassação do mandato do Prefeito
Paulo Roberto Eccel (revertida no TSE posteriormente). Em maio o COMUPA deliberou por
recomendar ao chefe do Poder Executivo o tombamento da Igreja Evangélica e do edifício da
antiga Maternidade.
Foi dada a entrada de consulta prévia de imóvel localizado na rua Felipe Schmidt, n.
170, edificação que ainda permanece em pé ao lado do Tiro de Guerra. Também foi solicitada
reunião da proprietária do imóvel localizado na rua Marcos Malossi, n. 71 com os
conselheiros do COMUPA. No mais discutiu-se a possibilidade de revisão do Inventário e do
Catálogo e assuntos diversos que não tiveram qualquer encaminhamento.
2016
A partir deste ano as atas passaram a ser redigidas pela responsável atual pela
redação das atas, Jenifer Cardozo Schweigert. Neste ano os relatos das discussões foram
abreviados e a grande maioria não passa de apenas uma página.
Este ano foi problemático, sobretudo pela deliberação de exclusão de algumas
edificações do Catálogo e Inventário do patrimônio (indiretamente, autorizando sua
demolição) bem como pelo acidente ocorrido no Casarão Schaefer. De início debateu-se o
estado da chaminé da Fábrica Renaux que estava prestes a ruir (possivelmente por conta da
inatividade a estrutura de tijolos maciços começou a trincar). Esse bem foi restaurado no ano
seguinte pelo empresário Luciano Hang que adquiriu os bens da massa falida de, contratando
um especialista em restauro de chaminés.
Também foi aprovado o tombamento do Casarão Hort no mês de setembro,
edificação que abrigava uma venda por onde chegou a e passou a ser difundida a mensagem
Adventista no Brasil. A inscrição no livro de tombo só ocorreu em maio de 2019 após
determinação judicial.
Um assunto bastante debatido neste ano e nos anos subsequentes foi a situação da
edificação situada na rua Felipe Schmidt, nº 413, residência da senhora Rosarita Münch, que
fica ao lado do Tiro de Guerra. Foi negado o alvará de demolição por conta de a edificação
estar situada no inventário do patrimônio e principalmente por estar na área de entorno do
95

Tiro de Guerra, edificação tombada. O Advogado Leonardo Maestri defendeu junto ao


COMUPA o direito da proprietária argumentando que “a proprietária já é idosa e visava a
possibilidade de venda do imóvel, pois ela não teria condições de efetuar a reforma. Leonardo
questionou caso o conselho aprovasse, a apresentação de um projeto de prédio arquitetônico”,
o que foi aprovado por seis votos a favor e com dois votos contrários. A empresa que estava
interessada em adquirir o imóvel visando a construção de um edifício residencial não aceitou
fazer modificações no projeto e a questão foi encerrada. Diante da negativa do IBPLAN e do
COMUPA, a proprietária ingressou com Mandado de Segurança (Processo nº 0303268-
54.2016.8.24.0011) em junho deste ano. Da decisão que denegou a liminar colhe-se que “O
risco de desabamento não é claro, enfim, não vejo o perigo na demora evidente.Ademais, há
risco inverso na ordem, em razão da imediata demolição da construção”. Por fim, o processo
foi extinto com base no art. 23 da Lei nº 12.016/09 (Disciplina o mandado de segurança
individual e coletivo, com relação à decadência do prazo de 120 dias) c/c art. 485, VI, CPC
(ausência de legitimidade ou interesse processual).
Além do caso da residência desta edificação, foram analisadas as solicitações de
exclusão de edificações do Inventário do patrimônio, sendo elas localizadas na av. Primeiro
de Maio (Ivone Malossi) e na rua Barão do Rio Branco (Ivete Raimundo da Silva). Diante
desse contexto,
em conversa com todos os conselheiros para deliberar sobre o que fazer em questão
a demolição dos patrimônios decidiu-se que o IBPLAN negará todos os pedidos de
demolição dos patrimônios contados no Catálogo e os patrimônios contados no
Inventário seriam apresentados ao Conselho para deliberação.

Diante deste entrave,


O Conselheiro Álisson sugeriu que o conselho fizesse um Termo para que só fosse
concedida a demolição dos patrimônios, após a apresentação de um levantamento
arquitetônico, histórico e um registro fotográfico de responsabilidade do
proprietário, ou seiras participantes da Comissão farão a análise de mais alguns
casos e trarão na próxima reunião. 2 – Criação de grupo de análise e revisão do
Catálogo e Inventário; Por conta de alguns seja, só liberando o patrimônio após a
apresentação deste laudo ao conselho, e se o conselho aprovar o laudo. […] Após
discussão decidiu-se unanimemente que os três casos não farão mais parte do
Catálogo e nem do Inventário, sendo assim, liberando o pedido de cada caso no
IBPLAN, seja, demolição, reforma, ou outro.

Essa proposta foi aprovada na reunião de outubro, sendo formulada a Resolução


01/2016.
Decidiu-se pela criação de grupo de análise e revisão do Catálogo e do Inventário.
96

Além dessa questão que normatizou a exclusão das edificações vinculando-as a um


registro arquitetônico, o COMUPA teve êxito na negociação do Casarão Schaefer. De comum
acordo com o proprietário, foi acordada a manutenção da fachada da edificação juntamente
com alguns benefícios construtivos ao proprietário. Após sugestão do conselho, a empresa
Dimensional – responsável pela execução da obra - encomendou um parecer para a arquiteta
Rosália Wal, especialista indicada pelo COMUPA. Do que consta em ata, colhe-se que a
especialista
propõe que o casarão pode ser reconstruído com materiais contemporâneos, com
estrutura auxiliar de concreto moldado in loco. […] Por fim, por decisão unânime, o
Conselho decide que, para reconstrução do casarão, deve seguir o parecer técnico da
Rosália, tudo o que não seguir o mesmo deve ser discutido em reunião para
aprovação. Além disso, foi dada a sugestão de acompanhamento da Rosalia na
execução da obra ou como assessoramento do projeto.

Em meados de setembro uma reunião extraordinária ocorreu por conta da situação


decorrente do desabamento parcial da fachada do Casarão Schaefer durante obras executadas
pela empresa Dimensional. Na ocasião, o operário Augusto José Nichelatti, de 57 anos, foi
atingido pela parede e faleceu às 15h devido aos ferimentos que sofreu.
A sugestão da revisão do Catálogo e do Inventário foi repisada neste ano.
2017
Na primeira reunião foi realizado relato de vistoria realizada em uma casa na rua
Barão do Rio Branco em frente a Millium (de propriedade de Ivete Raimundo da Silva), que
havia solicitado alvará de demolição.
Dando coro ao que o pesquisador brasileiro José Reginaldo Santos Gonçalves
chamou de “retórica da perda”, a presidente do COMUPA Alexssandra da Silva Fidélis
informou em reunião de março que este reunida com o representante do Ministério Público e
que ele
considerou relevante o abaixo [colhido pela Comunidade Luterana] assinado [contra
o tombamento] e levou em consideração também que a Igreja Luterana compartilha
do mesmo interesse em manter os prédios em seu estado de preservação. O
Ministério Público alegou que pelo simples fato dos imóveis estarem no Catálogo e
Inventário já é suficiente para considerá-lo como bem tombado. E somente caso haja
futuramente algum indicativo ou desconfiança, de que tais imóveis estejam em
qualquer situação de risco não haverá qualquer impedimento para se buscar o
tombamento, dai sim justificando-o.

Com relação ao acidente ocorrido durante a reforma do Casarão Schaefer, autorizada


pelo COMUPA mediante condicionantes:
O sócio diretor da empresa Dimensional Engenharia compareceu informando os
acontecidos em relação as Casarão. Gilmar informou que entraram com novo pedido
97

de demolição no começo do ano no IBPLAN. Gilmar, veio representando o


proprietario do Casarão, localizado na Rua Rui Barbosa e que constava no Catalogo.
Gilmar comentou que a casa já havia sofrido diversas alterações. O orçamento para
tal reforma e restauração se tornou inviavel, então o decidido foi a demolição. O
Procurador Ramon sugeriur a Dimensional trazer o assunto novamente ao Conselho.
O proprietario do Casarao informou, por meio do Gilmar, que caso ele possa
reconstruir o Casarão conforme era, porem retirando-o do Catalogo, ele o fara, caso
contrario, sera preferivel a demolição e após, se adequar aos termos do Plano
Diretor.

Em reunião extraordinário no mês de março votou-se pela recusa das duas


alternativas, sendo deliberado que restava ao proprietário executar o que havia sido aprovado
em reunião no COMUPA.
Em reunião extraordinária no mês de março a Presidente do COMUPA Alexssandra
da Silva Fidelis relatou sua visita ao órgão do Ministério Público
questionaram sobre a divulgação do Inventário e catálogo e o Ministério Público
pede a divulgação e notificação aos proprietários dos Imóveis. Também informaram
que será marcada nova reunião, com entidades e representantes da sociedade, a fim
de tratar do catálogo e inventário, objetivando-se a revisão. O Ministério Público
demonstrou sua preocupação quanto a não possuir um departamento com
profissionais técnicos em Patrimônio Histórico na Prefeitura de Brusque. A
presidente comentou que o Ministério Público afirmou que o Catálogo e o Inventário
tem validade legal, porém, precisa ser atualizado.

No mês seguinte novo relato de reunião com o Ministério Público, dessa vez o órgão
esclareceu que “O Ministério informou o arquivamente do pedido de Tombamento da Igreja
Luterana, ao qual um dos motivos foi que a comunidade não aceitou bem esse pedido de
tombamento”. Foi questionado a validade do Catálogo e Inventário ao qual o representante do
órgão teria respondido, no relato da presidente, que seria de “total validade”. Além disso
manifestaram preocupação com os tombamentos dos bens da massa falida da Indústria
Renaux e do Casarão Hort, ambos que, embora aprovados os tombamentos, não haviam sido
inscritos no livro tombo até aquela data.
Em maio o COMUPA recebeu um ofício da Câmara dos vereadores solicitando o
envio do Inventário.
O COMUPA apreciou predido de reforma e ampliação da Igreja da Limeira Alta,
enviando ofício ao arquiteto responsável com algumas considerações.
Em julho foi informado pelo conselheiro Álisson Sousa Castro que o Inventário e
Catálogo estariam disponíveis online no site da Fundação Cultural de Brusque e na Sala
Brusque Virtual.
98

Em outubro foi deliberada autorização para reforma da edificação modernista inscrita


no número 42 do inventário. Além disso, chegou ao COMUPA a solicitação de autorização de
demolição do prédio da antiga fábrica Schloesser, que abrigava o restaurante Italianinha
(Getúlio Vargas esquina com Av. Primeiro de Maio).
No fim do ano foi discutido a respeito da pretensão da empresa HAVAN em demolir
o prédio da Italianinha/Schloesser (Av. Primeiro de Maio esquina com Av. Getúlio Vargas).
Por fim, a presidente Alexssandra da Silva Fidélis pediu a renúncia do cargo de presidente do
conselho.
2018
No início de 2018 ocorreu nova eleição, sendo eleita a arquiteta e urbanista Carolina
M. D. Meireles como presidente e o advogado, representante da OAB, Eduardo Tomazoni
como vice-presidente. Considerando que a arquiteta passou em concurso público no
município de Blumenau, na reunião seguinte assumiu a presidência o advogado Eduardo
Tomazoni. Em julho foi realizada a alteração de membros do conselho, sendo eleito o
advogado Eduardo Tomazoni para Presidente e a arquiteta Ana Claudia dos Santos como
vice-presidente.
Logo na primeira reunião do ano foi aprovado por unanimidade o pedido de
demolição (sic) do prédio da Italianinha, condicionando-o à contrapartida de Reforma do Tiro
de Guerra, doação da área e execução das alterações viárias aprovadas pela Secretaria de
Trânsito, alteração da rede elétrica das imediações, restauro da Villa Ida, levantamento
arquitetônico do imóvel a ser demolido em cumprimento à resolução do COMUPA e
construção de um monumento/memorial em homenagem ao tecelão, sob orientação e
supervisão do COMUPA, por meio de concurso público.
Foi solicitada e deferida a exclusão da edificação da esquina da rua Barão do Rio
Branco com Otto Renaux. Ainda neste ano, em julho,
Os representantes do CEAB e IAB protocolaram um ofício informando seus
posicionamentos e após discussão em suas entidades, deliberaram por suspender as
análises de todos os processos e pedidos de demolição e solicitam que seja feita a
revisão e atualização do Catálogo e Inventário de Patrimônio Histórico,
Arquitetônico e Urbanístico de Brusque. Os conselheiros discutiram e deliberaram
para que todos os casos que quisessem solicitar a demolição terão que aguardar a
revisão do Catálogo e Inventário

Porém, em setembro foi deliberado com relação à edificação da rua Felipe Schmidt,
nº 413 (de Rosarita Münch) que
99

para novas edificações no terreno matrícula número 45971, deverá ser respeitado o
recuo frontal de 5 metros da linha de edificação do imóvel tombado Tiro de Guerra e
recuo lateral de 3 metros da linha de muro até o final da edificação do imóvel
tombado Tiro de Guerra; caso o recuo frontal for inferior a 10 metros terá de ser
respeitado o mínimo de 10 metros de recuo frontal. Os conselheiros também
informaram que para aprovação do projeto, deverá ser respeitado os recuos
deliberados, assim como as demais leis vigentes do município.

Além disso, em novembro, foi deliberada a exclusão do imóvel localizado na Av.


Barão do Rio Branco, nº 87 (esquina com Otto Renaux) a partir de um laudo emitido pelo
arquiteto Dalmo Vieira Filho. Em dezembro foi aprovado a retirada do imóvel localizado na
rua Marcos Malossi, 71 e abrigada a loja Estação 253, tendo sido residência do ex-Prefeito e
médico Carlos Moritz.
Novamente falou-se da necessidade de atualização do Catálogo e do Inventário,
inclusive, em julho foi recebido um ofício da Associação Empresarial de Brusque (ACIBr)
solicitando a “revisão e racionalização do Catálogo de Inventário do Patrimônio Histórico,
Arquitetônico e Urbanístico de Brusque”. Em dezembro oficiou-se ao IBPLAN para que este
disponibilizasse um arquiteto com especialização em patrimônio histórico para que fizesse a
revisão do Catálogo e Inventário.
Com relação às reformas e ampliações, em outubro o representante da empresa
Dimensional, Gilmar Appel, fez explanação sobre a ampliação do Colégio Cônsul Carlos
Renaux, o que foi aprovado por unanimidade na reunião de novembro.
2019
Neste ano o COMUPA girou em torno de autorizações de demolição, embora no ano
anterior tivessem deliberado por não mais liberar a exclusão de imóveis do Catálogo e
Inventário até que fosse feita a reformulação destes documentos. O arquiteto Dalmo Vieira
Filho se fez novamente presente na reunião do COMUPA oferecendo-se para auxiliar na
atualização do Catálogo. O levantamento do imóvel da rua Barão do Rio Branco, n. 87 e o
levantamento de um imóvel da Companhia Industrial Schloesser, que seria o número 53 no
Inventário e não 37, conforme informado nas atas. Foi aprovado a exclusão de dois imóveis
do Inventário: o primeiro localizado na rua Barão do Rio Branco, nº 34, o segundo na rua Rui
Barbosa, nº 19. Também foi aprovada a baixa do Inventário do imóvel “Casa Mafra”, situado
na rua Hercílio Luz, nº 349 e do imóvel situado na rua Barão do Rio Branco, nº 34. Ao
receber solicitação de baixa do imóvel localizado na rua Vereador Guilherme Niebuhr, nº 179,
foi informado que “atualmente os pedidos para baixa do imóvel do Catálogo e Inventário
estão parados”. Com relação ao pedido do proprietário do Casarão Schaefer, em julho o
100

conselho negou o pedido, votando para que o proprietário reconstruísse a fachada. O


COMUPA também se posicionou
a favor da demolição, contanto que, se preserve a fachada frontal do Hotel Schneider
e telhado até a cumeeira, e, todo o volume construido após a cumeeira, que for mais
alto que ela, deverá ter um recuo de dois metros da cumeeira e, após esses dois
metros deverá ser atendido o Plano Diretor vigente.

Em agosto a exclusão do imóvel da rua Guilherme Niebuhr, nº 139 teve seu pedido
negado por unanimidade por conta da deliberação de 2018 de não autorizar novas baixas. Foi
solicitada a exclusão do imóvel “Alfaiataria do Pedroca”, situado na rua Felipe Schmidt,
esquina com a rua Gustavo Krieger.
Em junho deste ano foi publicado o Decreto de tombamento do Casarão Hort, após
determinação judicial. O Casarão Hort foi o terceiro bem tombado no município.
A atualização e revisão do Catálogo e Inventário foram novamente solicitadas,
indicando os conselheiros Francisco e Edineia da UNIFEBE e o historiador Álisson Castro da
Fundação Cultural no mês de abril. Em agosto o representante da UNIFEBE, Francisco
comentou que a ideia é buscar assessoria do Senhor Dalmo ou da Senhora Rosalia,
ou até mesmo dos dois, para auxiliar a equipe que fará a formulação. O IAB e
CEAB entrarão em contato com o Senhor Dalmo e Senhora Rosalia para ajudar a
compor o orçamento prévio para apresentar à Prefeitura.

2020
No mês de fevereiro uma solicitação de tombamento de uma edificação na rua
Benjamin Constant, nº 256 foi refutada pelo diretor do Gabinete do Prefeito Rafael Scheibel
de Andrade uma vez que ela fica localizada próximo ao local onde foi ampliada a Avenida
Beira Rio margem esquerda. O tombamento da edificação de estilo simples, vernacular,
sequer foi apreciada.
Possivelmente por falta de quórum, algo que vinha ocorrendo nos anos anteriores, a
segunda reunião do ano só foi realizada em agosto. Nesta reunião foi informado acerca do
Decreto nº 8.685 que instituiu o Processo de Elaboração de Diagnóstico e a Execução de um
Plano de Ação objetivando a Revisão do Inventário dos Patrimônio Arquitetônico e
Urbanístico. O COMUPA oficiou ao diretor de Gabinete da Prefeitura “solicitando a inclusão
de um arquiteto com especialização em patrimônio histórico para composição da Comisssão
Especial e convidando-o a participar da próxima reunião ordinária”. Considerando o contexto
de instituição da noção de patrimônio concomitante à instituição da carreira de arquiteto no
101

Brasil, pensar em patrimônio ou elaborar uma revisão do Catálogo e Inventário sem um


arquiteto parece tirar a legitimidade do processo aos olhos dos arquitetos do COMUPA. Na
últim a reunião do ano o Diretor de Gabinete compareceu na reunião e foi sabatinado pelos
conselheiros que tiveram dúvidas acerca da condução do processo de revisão. O mandato do
presidente do COMUPA foi prorrogado por conta da Pandemia de Coronavírus até o fim do
ano. Por fim, assinalamos que a residência Villa Renaux (Goucky) recebeu isenção fiscal de
IPTU.
2021
Neste ano foi aprovada a baixa do imóvel localizado na rua Guilherme Niebuhr, nº
139 (Casarão Pazzini). Também foi solicitada e aceita a isenção de IPTU do imóvel
localizado na rua Augusto Bauer, nº 7.
Foi implementada uma nova resolução, a Resolução nº 01/2021, em que solicita que
o laudo histórico seja assinado por um profissional Historiador, além do laudo arquitetônico
assinado por um profissional arquiteto e urbanista.
No mês de março ocorreu a posse dos novos conselheiros, tendo sido eleito o
presidente do SAMAE, Luciano Camargo, para o cargo de Presidente e Ivan Jasper, Diretor
de Turismo, para a vice-presidência. Na reunião seguinte o Presidente renunciou ao cargo,
tendo assumido a presidência o vice-presidente Ivan Jasper.
Em junho foi aprovada a retirada do imóvel situado na Av. Augusto Bauer, nº 7 do
Catálogo e Inventário. Também foi deliberada a baixa do imóvel localizado na rua Santos
Dumont, nº 383.
Por fim, na reunião de outubro de 2021 foi aprovado o novo Catálogo do Patrimônio
que compreende a revisão do Inventário. Ponto polêmico, a revisão foi elaborada pela
Comissão instituída pelo Decreto Nº 8688/2020 e nomeada pela Portaria nº 13.419/2020 sem
as audiências públicas sob alegação de impossibilidade por conta da Pandemia de COVID.
102

3.3. DILEMAS CONTEMPORÂNEOS ENVOLVENDO A NOÇÃO DE PATRIMÔNIO


CULTURAL

O professor de literatura alemã e comparada, alemão Andreas Huyssen, em seu livro


Seduzidos pela memória, constata que a partir da década de 1980 observou-se um
deslocamento da cultura modernista de “futuros presentes” para os ditos “passados presentes”.
Fruto desta mutação, o autor explora o termo “holocausto” para explanar aquilo que ele
denomina paradoxo da globalização: o uso do termo que localizava histórico e
geograficamente um acontecimento passou a migrar para outros contextos não relacionados a
ele, permitindo entender situações locais específicas desconexas com o evento original,
expondo a incapacidade da civilização ocidental de praticar a anamnese214. Esse exemplo pode
ser visto na lista de genocídios apresentada no Museu do Holocausto em Curitiba, Paraná.
Ocorre que este novo enfoque nos “passados presentes” envolve a “perigosa tarefa de
assumir a responsabilidade pelo passado”215 que, cada vez mais, é apropriada pela mídia.
Porém, Huyssen questiona-se sobre a correspondência entre o explosivo aumento da memória
e o aumento de esquecimento, bem como qual seria o motivo do aumento desta obsessão
relacionada a estes temas. Se o passado está vendendo mais que o futuro e, se ele pode acabar,
questiona se não estamos apenas criando ilusões de passado. Seria, portanto, dentro do escopo
deste trabalho, o patrimônio a encarnação dessas ilusões do passado? Seria esta a forma atual
de justificarmos uma política patrimonial frente ao esgotamento da narrativa do
nacionalismo?
Assim como os produtos a venda tornam-se prontamente obsoletos, a nossa
percepção sobre a extensão do presente também encurtara. Huyssen levanta a hipótese de que
“precisa-se da memória e da musealização, juntas, para construir uma proteção contra a
obsolescência e o desaparecimento, para combater a nossa profunda ansiedade com a
velocidade de mudança e o contínuo encolhimento dos horizontes de tempo e de espaço” 216.
Serviria, então, o patrimônio como um “remédio” (como diria Aloísio Magalhães) para frear
esta mudança? Desta feita, os “lugares de memória” (feriados, datas comemorativas, etc)
postulados pelo historiador francês Pierra Nora compensariam a perda dos meios de memória
214HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política e amnésia. In: ______. Seduzidos pela memória:
arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. pp. 9-40. pp. 9-17.
215Op. cit. p. 18.
216Op. cit. p. 28.
103

tal qual a musealização proposta pelo filósofo alemão Hermann Lübbe compensaria a perda
de tradições vividas217. Huyssen conclui que as experiências de deslocamento e migrações que
parecem ser não mais a exceção, mas a regra no fluxo global de pessoas. Além disso, há um
mal-estar ocasionado pela ameaça do esquecimento que emerge da própria tecnologia atual.
Para o historiador francês François Hartog, a objetivação do passado fez do tempo
algo naturalizado, um impensado na história. Para ele, vivemos a imposição de um presente
onipresente, o que ele denomina por “presentismo”. A resposta da história profissional
francesa foi a denominada “história do tempo presente” após a década de 1980, modalidade
que é relacionada a demandas da atualidade judiciária (crimes contra a humanidade, com
característica de temporalidade imprescritível). Esta história do tempo presente lidaria com
processos inacabados, sujeitas ao interdito testemunhal. Para compreender esta inquietação,
Hartog usa a noção de “regime de historicidade”218.
Foi a partir do diálogo de Hartog com as obras do antropólogo estadunidense
Marshall Sahlins e do filósofo alemão Reinhart Koselleck que ele elaborou uma semântica
dos tempos históricos, levando em consideração as tensões entre “espaço de experiência” e
“horizonte de expectativas” propostos por Koselleck e estando atento aos modos de
articulação do presente, do passado e do futuro. “Regimes de historicidade” pode ser
compreendido tanto de forma restrita (como uma sociedade trata seu passado) ou ampla (para
designar uma modalidade de consciência de si de uma comunidade humana). Isto serviria para
iluminar modos de relação ao tempo; formas de experiência; maneiras de ser no tempo219. Na
perspectiva de Koselleck o “espaço de experiência” está relacionado à experiência do passado
governando a conduta no presente, da mesma forma, o “horizonte de expectativa” se refere à
expectativa futura governando as ações no presente. Hartog adicionou ao passadismo e ao
futurismo o presentismo onde se recusa o futuro e o passado é acessado apenas de forma
nostálgica. Nesse contexto, o alter ego da memória é o patrimônio.
Essa noção de presentismo acompanhou Hartog em 1994, quando os restos do Muro
não tinham ainda desaparecido em Berlim, quando se debatia a reconstrução ou não do
Castelo real, dentre outras questões. Em Berlim, o tempo era um problema, visível, tangível,
ineludível. Procurou-se apagar o passado de um lado e do outro de um muro que pouco a

217Op. cit. p. 29.


218HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia hist. [online]. 2006, vol.22, n.36, pp. 261-273. ISSN
0104-8775. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752006000200002. p. 262.
219Op. cit. p. 263.
104

pouco tornava-se um muro temporal. Lá, o historiador vagueia frente a fragmentos, restos,
marcas de ordem do tempo diferentes220.
Memória e patrimônio são tratados como indícios, sintomas de nossa relação com o
tempo. Por conta disso Hartog questiona se um novo regime de historicidade, centrado sobre
o presente, estaria se formulando? Para ele, o patrimônio se impôs como categoria dominante
da vida cultural e das políticas públicas221.
Ao discorrer sobre a política patrimonial na França, Hartog cita a noção crítica de
“lugares de memória” formulada pelo historiador francês Pierre Nora. Para ele, essa noção foi
formulada a partir de um diagnóstico de uma “patrimonialização” da história da França, senão
da França mesma, fazendo com que saíssemos da “história-memória” rumo à “história-
patrimônio”. Dentro dessa perspectiva, o patrimônio encontra-se ligado ao território e à
memória, categorias que operam como vetores de identidade. O patrimônio se apresenta como
um convite à anamnese coletiva. Ao “dever” da memória com o remorso, se teria
acrescentado uma “ardente obrigação” da memória e do patrimônio222.
Hartog comenta o caso do santuário de Ise – reconstruído a cada 20 anos -
ressaltando que no Japão o dilema ocidental “conservar ou restaurar” não existe. O “tesouro
nacional”, outra noção diferente da clássica concepção patrimonial, é conferido a um artista
ou artesão enquanto ele é detentor de um patrimônio intangível, podendo este título conferir
recompensas (indenizações), mas obrigando-o a transferir o saber223.
No decorrer dos últimos anos o patrimônio e a memória tomaram amplitude de tal
forma até tender ao limite que “tudo é patrimônio”. Tudo seria patrimônio ou suscetível de
tornar-se objeto de conservação patrimonial. O fato de a patrimonialização ou musealização
ter se aproximado do presente implicou em estipular que nenhuma obra de arquiteto vivo seria
considerada legalmente monumento histórico224, o que seria um indício deste presente que se
historiciza de imediato e logo em seguida passa a ser evocado – como foi o caso das obras dos
arquitetos modernistas tombadas no Brasil poucos anos depois de sua inauguração.
Hartog comenta que quanto mais a noção de patrimônio cresceu, mais se enfraqueceu
a noção de monumento. A lei francesa substituiu o “interesse nacional” pelo “interesse
público do ponto de vista da história e da arte”. Hoje o privilégio da definição da história-
220Op. cit. p. 264.
221Op. cit. p. 265.
222Op. cit. p. 266.
223Op. cit. p. 267.
224Op. cit. p. 268.
105

memória tem a concorrência ou contestação em nome das memória parciais, setoriais,


particulares, que querem se fazer reconhecer como legítimas225. O patrimônio, atualmente,
confere um reconhecimento de pertença e identidade.
O grande problema é que embora o Estado-nação não imponha mais os seus valores
na seleção patrimonial, ainda é preservado o que é tido como “patrimônio” fruto de sua
chancela e, além disso, para comportar aqueles grupos que foram excluídos, o que também se
considera patrimônio pelos diversos atores. Do recenseamento de 1980 a 2000 na França,
verificou-se que o valor dos objetos de associações que requerem o patrimônio reside,
parcialmente, no fato de que elas mesmas estarem na origem do seu reconhecimento – é o
patrimônio-ego. O século XX é o que mais invocou o futuro mas terminou seu último terço
entregue a um presentismo massivo, invasor, fabricando cotidianamente o passado e o futuro
do qual ele tem necessidade226.
Hartog comenta que, ao que parece, nós gostaríamos de preparar a partir de hoje o
museu do que há de ser o amanhã e reunir os arquivos de hoje como se fosse já fosse ontem,
tomados que estamos entre a amnésia e a vontade de nada esquecer. Hartog assinala que
ocorreu uma espécie de museificação e comercialização dos fragmentos do Muro de Berlim
como relíquia histórica antes dele ser totalmente demolido. O acontecimento, portanto, foi
significado como histórico antes dele se dar por finalizado227.
O que distingue o crescimento patrimonial contemporâneo dos demais é a rapidez de
sua extensão, a multiplicidade de suas manifestações e seu caráter fortemente presentista,
quando o presente tomou uma extensão inédita. Patrimônio é trabalho pela aceleração: é
preciso fazer rápido antes que seja muito tarde 228. O futuro não é mais o “princípio da
esperança”, mas da ameaça, uma ameaça da qual nós fomos os iniciadores e da qual nós
devemos nos reconhecer, hoje, na falta já de ontem, como os responsáveis. Por isso a
sensação de que tudo deve ser preservado229.
O antropólogo francês Joël Candau em seu livro Memória e Identidade, defende que
as noções de identidade (estado) e memória (faculdade) são ambíguas pois ambas estão
subsumidas no termo representações230.

225Op. cit. p. 269.


226Op. cit. p. 270.
227Op. cit. p. 271.
228Op. cit. p. 272.
229Op. cit. p. 273.
230CANDAU, Joël. Memória e identidade. Tradução Maria Leticia Ferreira. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
106

Ao explorar o termo “memória”, Candau propõe uma taxonomia para a memória


individual. Para ele, depende da faculdade da memória a protomemória e a memória em si.
Por “protomemória” ele compreende a memória de baixo nível que não pode ser destacada da
atividade em curso e de suas circunstâncias. Ela nos permite agir sem nos questionarmos
como se deve proceder, como no caso da troca de marcha ao dirigirmos um veículo
automotor231; (2012, p. 22). Já a “memória” é essencialmente o que se entende por memória
de recordação ou reconhecimento que pode ocorrer como evocação deliberada ou invocação
involuntária de lembranças autobiográficas ou pertencentes a uma memória enciclopédica.
Por sua vez, a memória também pode ser compreendida como uma representação relativa à
faculdade da memória. Esta é a “metamemória”, uma representação que cada indivíduo faz de
sua própria memória, uma memória reivindicada232.
Com relação à noção de identidade, Candau considera mais difícil a tentativa de
depuração conceitual. Quando ao indivíduo, a identidade pode se referir a um estado
(documento de identidade de uma instância administrativa), representação (a formulação da
resposta a quem eu sou) ou conceito (identidade individual). A complexidade aumenta quando
essa noção de identidade é aplicada a um grupo. Considerando que duas pessoas jamais serão
idênticas, “o termo identidade é então utilizado em um sentido menos restrito, próximo ao de
semelhança ou de similitude que satisfaz sempre uma inclinação natural do espírito”. Para
Candau, “se admitirmos esse uso pouco rigoroso, metafórico, a identidade (cultural ou
coletiva) é certamente uma representação”. Candau questiona se pode a identidade coletiva
ser um estado233.
A ideia de que existiria um substrato cultural comum permanece exposta à crítica por
pelo menos duas razões: é abusivo atribuir a um grupo inteiro uma condição de sua maioria; é
reducionista definir a identidade a partir unicamente da protomemória na medida em que as
identidades consistem em jogos muito mais sutis que o simples fato de expor passivamente
hábitos incorporados234. Nesse sentido, teses situacionistas postulam que as identidades são
produzidas e se modificam no quadro das relações, reações e interações sociossituacionistas
de onde emergem os sentimentos de pertença, de “visões de mundo” identitárias ou étnicas.

p. 21.
231Op. cit. p. 22.
232Op. cit. p. 23.
233Op. cit. pp. 25-26.
234Op. cit. pp. 26-27.
107

São essas variações de situações da identidade que impedem de reificá-la, de reduzi-la a uma
essência ou substância235.
Em seu livro A maquinaria patrimonial236, o filósofo e sociólogo francês Henri-
Pierre Jeudy reforça a noção de “lugares de memória” de Pierre Nora ao refletir que a
conservação patrimonial acaba por nos liberar do peso das responsabilidades da memória.
Essa inflação memorial parece ser uma garantia contra o esquecimento e essa garantia é
resultado de uma mentalidade culpabilizante, imposta pelo “dever de memória”, estimulada
por uma moral da rememoração onde esquecer parece ser um ato criminoso. Por conta disso
acabamos por censurar as gerações precedentes por terem tão facilmente esquecido ou não
terem preservado determinados bens que hoje consideraríamos patrimônio. Se o esquecimento
provoca a culpabilização, a conservação patrimonial nos compensa com nostalgia (passado
revisitado sem suas agruras). Porém, Jeudy alerta que “o gozo da nostalgia se transforma
depressa em morbidez”237. Ao que parece, a repulsa alertada por Jeudy, inspirada pelo excesso
de preservação, nos remete ao manifesto futurista de Marinetti.
A inflação memorial acaba por imobilizar a própria nostalgia e anular a transmissão
patrimonial por conta do princípio da retroação perpétua que lembra o eterno inconformismo
com o presente motivado pelo mergulho nostálgico dos personagens em Meia Noite em
Paris238.
A regra é clara: para que o passado não seja abolido é preciso que tudo o que se vive
seja atualizado. As diferenças temporais entre o passado, o presente e o futuro são
aniquiladas graças aos simulacros dessa atualização. O passado e o futuro parecem
se conjugar no presente, ao passo que o próprio presente se torna o tempo da
reprodução antecipada do passado.239

Neste movimento, podemos falar propriamente de uma “esquizofrenia patrimonial”


onde a lógica da conservação exclui a transmissão natural e até mesmo a morte patrimonial
por um processo forçado e artificial que não tolera o fim do patrimônio, a exemplo das
senhoras que fabricam as panelas de barro, ofício das paneleiras goiabeiras, que ao serem
interpeladas do porquê não cozinharem nas panelas das quais são representantes patrimoniais,
afirmaram ser mais prático cozinhar em panelas de alumínio. Dentro dessa perspectiva, nos
235Op. cit. p. 27.
236JEUDY, Henri-Pierre. A Maquinaria Patrimonial. In: ______. Espelho das cidades. Tradução Rejane
Janowitzer. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. pp. 15-76.
237Op. cit. p. 15.
238Allen, W. (2011). Meia-Noite em Paris. Direção: Woody Allen. Produção: Letty Aronson. Intérpretes:
Owen Wilson; Rachel McAdams; Marion Cotillard; Khaty Bates; Michael Sheen e outros. Roteiro: Woody
Allen. Espanha; Estados Unidos: Gravier Productions; MediaPro Pictures, 2011. 100 min.
239Jeudy, op. cit. p. 16.
108

processos de educação patrimonial, uma criança se torna o receptáculo desse fenômeno


automático de transmissão, sem que seja feito qualquer questionamento da necessidade e
sentido dessa transmissão. Jeudy defende que “O processo de reflexividade, que incita toda
estratégia patrimonial, consiste em promover a visibilidade pública dos objetos, dos locais,
dos relatos fundadores da estrutura simbólica de uma sociedade” 240, mas qual seria o sentido
de preservação dessa estrutura simbólica em uma cidade como Brusque em que mais da
metade da população residente é migrante, inclusive de outras regiões do país e do mundo?
Jeudy entende que a prospectiva patrimonial se vê confrontada com uma contradição:
1) os patrimônios não podem ser tratados como produtos de marketing; 2) não existe
desenvolvimento cultural sem comercialização. Jeudy analisa que na Europa o culto ao
passado implica na possibilidade de perder o sentido de sua própria continuidade, ou seja, a
aceleração da conservação tende a implicar que o próprio presente seja um patrimônio em
potencial, percebido na perspectiva de sua perda. Logo, é preciso registrar tudo no presente
sob a possibilidade de que ele se constitua enquanto patrimônio, algo que imobilizaria o viver
no presente241.
As memórias são colocadas em exposição na ânsia pelo reconhecimento de sua
singularidade. Nessa atmosfera de resistência ao esquecimento, a rememoração impõe-se
como um dever cívico e como uma fonte moderna de satisfação para as massas. Um exemplo
recente foram as manifestações de junho de 2013 (Movimento Passe Livre) no qual as pessoas
registravam a sua participação uma vez que tomavam essas manifestações como históricas.
Essas manifestações acabaram, ao longo do processo, por servirem a outros propósitos além
do pleito pelo Passe Livre e/ou diminuição da tarifa em São Paulo, mas acabaram por se
desdobrar em várias manifestações que provavelmente fizeram com que as pessoas que
fizeram os primeiros registros se envergonhassem de dar início a elas, ou ao que elas viraram.
Para Jeudy:
O amor coletivo ao patrimônio, nos anos 1980, foi despertado pelo desmoronamento
dos modos de produção industrial. Era preciso que os signos monumentais
representativos das memórias coletivas persistissem, assegurando a visão
comunitária de uma transfiguração possível para o futuro, sem produzir o mínimo
repúdio ao que havia sido. O que estava em jogo não era a transmissão patrimonial
tradicional, mas uma 'transmissão em ato', da qual o conjunto da comunidade
deveria participar. Ao invés de ser imposta como uma escritura da história da qual as
pessoas estavam excluídas, uma escrita feita sem elas, da qual contudo ainda eram
as testemunhas vivas, essa construção da transmissão tornara-se, na época, uma
questão de todos. Para os políticos, era óbvio que o ganho era considerável, uma vez

240Op. cit. pp. 19-20.


241Op. cit. pp. 21-22.
109

que podiam fazer vibrar as emoções coletivas e eles próprios parecerem


absolutamente sinceros. E foi a partir da constituição do patrimônio industrial que
uma propensão pela defesa dos 'novos' patrimônios propagou-se.242

Desta forma, o que está em vias de desaparecer deve ser celebrado com a finalidade
de se constituir enquanto “marcadores” de uma singularidade cultural mantida e exibida. O
valor patrimonial faz um papel de “marca” que é a garantia de autenticidade memorial. Uma
espécie de garantia que evitaria, no caso de Brusque, tomar a Fenarreco como algo
verdadeiramente típico de Brusque, e não um simulacro, como de fato é.
Jeudy comenta que “O 'é preciso não esquecer' pôde suportar o entusiasmo coletivo
porque se transformou em prazer de reconhecimento de si mesmo naquilo que estava em vias
de desaparecer”243, o que lembra o caso do Museu do Holocausto, que também abriu filiais
nos EUA e no Brasil.
Enquanto o patrimônio dizia respeito à história tradicional das igrejas e dos castelos,
ele deixava a memória totalmente livre de seus recortes e de seus retornos. A partir
do momento em que incluiu a vida social em seu conjunto, passou a impor um
arcabouço semântico prévio às manifestações da memória individual. E, sobretudo,
parece ter realmente liquidado a conivência implícita que animava e fundava a
memória coletiva. Esse arranjo era necessário? Dentro da perspectiva do dever de
não esquecer, uma tal necessidade obteve força de lei. É preciso de fato admitir que
a organização patrimonial coincide com 'uma regulação ética' do tratamento
reflexivo das memórias coletivas.244

Esse tratamento ético, conforme já abordamos, é o que impõe o dever de memória.


Ocorre que, ao comentar a exibição das riquezas simbólicas regionais francesas compiladas
pela etnografia, Jeudy fala que eles acreditaram em seu “poder mágico” de descrever o “não-
tóxico” (no sentido de distanciamento científico, sem contaminação) a partir de um olhar
habituado ao exótico. Desta forma eles teriam utilizado o seu própria saber como um
verdadeiro patrimônio, ou seja, a “estranheza não vem mais do objeto em si […] mas tão
somente do olhar capaz de produzir efeitos de estranheza” 245. Ao que parece, há um retorno ao
técnico-especialista que confere o carimbo patrimonial ao que só ele, autoridade, é capaz de
identificar.
Jeudy postula que a identidade étnica, tal qual um monumento histórico, tornou-se
também objeto patrimonial. A gestão dessa transmissão seria feita numa espécie de
museografia do vivo. As etnias, tal qual as espécies em extinção, devem ser protegidas, afim

242Op. cit. p. 26.


243Op. cit. p. 28.
244Op. cit. p. 31.
245Op. cit. p. 35.
110

de que a humanidade conserve o espelho de sua própria história. Jeudy se expressa nos
seguintes termos:
A demarcação da reserva e o museu respondem a essa mesma vontade de controlar,
em nome da preservação dos traços identitários, e graças à 'polícia patrimonial', o
que já é dado por morto mas que ameaça desaparecer. Nas antigas colônias, o
reconhecimento das identidades culturais passa cada vez mais pela criação de
museus que permitem expor e fazer viver uma cultura cada vez mais pela criação de
museus que permitem expor e fazer viver uma cultura já morta.246

Tal postulado pode ser encontrado em Brusque, que insiste em ignorar os migrantes e
celebrar uma germanidade histórica que seria “descaracteriza” pelos migrantes. O adjetivo
“germânico” deve ser empregado com todos os poréns que o termo comporta frente a
desconexão semântico-histórica que ele acarreta em Brusque (os badenses, grupo hegemônico
nos primeiros anos da colônia, seriam do tronco alemânico e não germânico, por exemplo).
De todo modo, Jeudy postula que qualquer diferença cultural se tornará aceitável na medida
em que for musealizada247. Desta forma, ao contrário do enfrentando e combatido por Aloísio
Magalhães, Jeudy compreende que o patrimônio representa duas perspectivas que não são
contraditórias: a globalização cultural e a heterogeneidade cultural, expressas justamente pelas
referências étnicas ou identitárias que Magalhães defendia frente a suposta homogeneização
cultural provocada pela globalização. O processo de museificação da diferença, a
patrimonialização das etnias é que é o processo homogeneizador e a experiência de Aloísio
Magalhães apenas adiantou e institucionalizou esse processo, ao invés de enfrentá-lo. Dentro
dessa perspectiva, “o mundo deve se tornar um grande museu para que a identidade, a
etnicidade, a alteridade não sejam mais do que rótulos, e que a invocação destas últimas sirva
sobretudo para o comércio turístico mundial.”248
De maneira lúcida e pontual, Jeudy analisa o cerne da questão patrimonial que
remonta às suas origens no conceito jurídico romano, analisando-o contingencialmente ao
contexto atual do presentismo e inflação memorial: “O que estaria impulsionando a
conservação para o futuro não é mais a angústia da perda dos vestígios, mas sim o medo de
não se ter nada para transmitir”249. A questão primordial não é mais saber “o que vale o
esforço de ser conservado para ser transmitido, mas imaginar o que nos conservará na
memória dos que ainda não nasceram”. Ou seja, imaginar o que nos conservará na memória

246Op. cit. p. 40.


247Op. cit. p. 41.
248Op. cit. pp. 42-43.
249Op. cit. p. 46.
111

dos que ainda não nasceram, como ocorre com o Pelznickel, em Guabiruba, para ter um
exemplo na região de Brusque.
De uma forma purista, Jeudy defende que o mais razoável seria remeter a uma
transmissão acidental e que só essa postura resguardaria a idéia de uma transmissão possível.
Não parece ser possível que uma dicotomia nestes moldes seja possível uma vez que toda
transmissão ritual ou patrimonial tem um interesse deliberado 250. A questão crucial não parece
ser isso que Jeudy aponta mas sobretudo se ainda há sentido na transmissão, sobretudo do
resultado daquilo que o antropólogo estadunidense Clifford Geertz compreende por cultura
que daria sentido a uma metafísica de significados dando origem a uma postura frente ao
mundo que resultaria em padrões de comportamento.
De forma irônica, Jeudy comenta que tudo aquilo que projetamos sobre os objetos
faz com que seja o objeto que nos pense pois “o objeto absorve todas as posições do sujeito,
para devolvê-las como espelho de suas intenções.” 251 Desta forma não poderíamos tornar
presente o que não é mais pois isto implica em subtrair a temporalidade atribuída ao passado
para tornar o objeto patrimonial atemporal por conta da atribuição de um poder de
contemporaneidade252.
Enquanto no Japão as ruínas são raras por não inspirarem nostalgia, os ocidentais
pretendem memórias coletivas em escala planetária. Se ocorre um terremoto em Kobe, os
ocidentais pretendem que os japoneses não esqueçam a catástrofe. A essa maneira de querer
se responsabilizar pela memória dos outros e como eles devem acioná-la, Jeudy chama de
totalitarismo patrimonial253. Por fim, encerro este primeiro capítulo com duas questões de
Jeudy: Como fazer da destruição um ato que não seja negativo, uma vez que a lógica
patrimonial já é em si um empreendimento de destruição? Conservar já não é uma maneira de
pôr fim a algo que ainda está vivo?254

250Op. cit. p. 46.


251Op. cit. p. 47.
252Op. cit. p. 51.
253Op. cit. pp. 61-62.
254Op. cit. p. 70.
112

CONCLUSÃO

Vimos no primeiro capítulo que a noção de patrimônio surgiu como uma categoria
jurídica relacionada ao legado dos bens dos pais de família na Roma Antiga. Desde a
antiguidade a noção de monumento como algo a ser rememorado foi sendo implementada em
diversas civilizações. No contexto do Renascimento os bens da Antiguidade foram
ressemantizados e no contexto da Revolução Francesa ocorreu uma ressemantização dos bens
da nobreza enquanto bens do legado civilizacional francês.
A partir desse contexto de ação efetiva do Estado-Nação na preservação patrimonial
ocorreu a importação da noção de patrimônio histórico, surgida na Europa, para o contexto
brasileiro de forma a auxiliar na narrativa de criação da ideia de nação brasileira. Além disso
o conceito de patrimônio foi sendo lapidado em documentos internacionais.
A prática do órgão federal de preservação patrimonial colapsou e saturou na década
de 1970, quando ocorreu a chamada aos governadores para que estes, juntamente com os
prefeitos, assumissem uma parte do encargo da preservação patrimonial. Esse chamado a
partir da saturação do órgão federal de preservação culminou na elaboração de legislações
municipais.
No caso de Brusque a legislação elaborada em 1980 instituindo o tombamento foi
revogada uma década depois quando o tombamento de fato foi utilizado. Revogada a lei, foi
instituída nova lei de tombamento em 1994 e que só foi utilizada em 2012 após a política
pública de patrimônio cultural desenvolvida a partir de 2009 pelo Departamento de
Patrimônio Histórico da Fundação Cultural de Brusque.
A atuação do Departamento de Patrimônio Histórico ocorreu inicialmente
confundindo-se com a do COMUPA e também com a figura do Diretor Marlus Niebuhr, algo
semelhante ao que ocorreu no plano federal com Rodrigo Mello Franco de Andrade, primeiro
responsável pelo órgão federal de preservação.
Dentro da atuação do COMUPA e da Diretoria do Patrimônio Histórico da Fundação
Cultural de Brusque, foram elaborados documentos que tiveram força normativa a ponto de
inviabilizar a emissão de alvarás de demolição como o Inventário e o Catálogo do Patrimônio.
Ademais, no ano de 2021 estes documentos foram reformulados, diminuindo o número de
113

bens de 112 para apenas 12 bens, dos quais dois deles encontram-se tombados com inscrição
no livro tombo.
Os dilemas contemporâneos bem como toda a fundamentação histórica e
arquitetônica explanada acabaram por respingar na fala e posicionamento dos conselheiros do
COMUPA e colocam luz às ações e posicionamentos dos membros no referido conselho.
Com relação às hipóteses, foi confirmado que de fato a noção de patrimônio foi
importada da Europa e serviu para moldar a ideia de Estado-nação no Brasil. É possível
dividir as ações do órgão municipal de preservação em dois períodos que compreendem 1980-
1994 e o de 2009-2021. Por fim, os instrumentos Inventário e Catálogo do Patrimônio foram
reformulados e aprovados em reunião do COMUPA em 26/10/2021.
114

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA DA ÁREA DO PATRIMÔNIO CULTURAL


ANDRADE, Rodrigo M. F. Prefácio à 1a. Edição. In: FRANCO, Afonso Arinos de Melo.
Desenvolvimento da civilização material no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.

BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberg. São


Paulo: Perspectiva, 2012.

CANDAU, Joël. Memória e identidade. Tradução Maria Leticia Ferreira. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2012.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. 4ª ed.


São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.

CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e


civilizado. In: Topoi, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 313-333.

CHUVA, Marcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. In: Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília: IPHAN, n. 34, p.147-165, 2012.

ENCICLOPÉDIA de literatura brasileira / direção Afrânio Coutinho, J. Galante de Sousa.


Verbete modernismo. - 2. ed. red. amplo., atual. E il. sob a coordenação de Graça Coutinho e
Rita Moutinho. - São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca
Nacional/DNL: Academia Brasileira de Letras, 2001.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal


de preservação no Brasil. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

Oxford Latin Dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1968.

FRANÇA. Ministère de La Culture. Ministère de La Culture. Monuments historiques. sd.


Disponível em:
<https://www.culture.gouv.fr/Sites-thematiques/Monuments-Sites/Monuments-historiques-
sites-patrimoniaux/Les-monuments-historiques>. Acesso em: 24 maio 2021.

FRANÇA. Unesco. Unesco. Legal Instruments. Disponível em:


http://portal.unesco.org/en/ev.php-
URL_ID=13649&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=-471.html. Acesso em: 10 set.
2021.

HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia hist. [online]. 2006, vol.22, n.36, pp. 261-
273. ISSN 0104-8775. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752006000200002. p. 262.

HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política e amnésia. In: ______. Seduzidos
115

pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. pp. 9-40.
pp. 9-17.

IPHAN. Lista dos Bens Tombados e Processos em Andamento (atualizado em


13/05/2021). 2021. Planilha. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126>.
Acesso em: 24 maio 2021.

IPHAN (comp.). Cartas Patrimoniais. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226. Acesso em: 10 set. 2021.

JEUDY, Henri-Pierre. A Maquinaria Patrimonial. In: ______. Espelho das cidades.


Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. 2 ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Roberto Marinho, 1997.

BIBLIOGRAFIA SOBRE BRUSQUE


BOAS, Glaucia Villas. De Berlim a Brusque, de São Paulo a Nashville: a sociologia de
Emílio Willems entre fronteiras. Tempo soc., São Paulo , v. 12, n. 2, p. 171-188, Nov. 2000 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20702000000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 jan. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702000000200012.

CASSANIGA, Tafarel. Nordestinos em Brusque/SC: estigma e preconceito em relação aos


novos imigrantes do século XXI. 123 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de
Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Mestrado em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, Florianópolis, 2018.

CASTRO, Álisson. Regime de cidade: turismo e crescimento urbano no Vale do Itajaí.


Brusque: Ed. UNIFEBE, 2021.

CORRÊA, Marcela Krüger. A indústria de confecção e as implicações sócio-espaciais


recentes no município de Brusque. Florianópolis, 2006. 151 f. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa
de Pós-Graduação em Geografia. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PGCN0278.pdf>

GLATZ, Rosemari. Brusque – os 60 e o 160: elementos da nossa história. Brusque: Ed.


UNIFEBE, 2018. Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/wp-content/uploads/e-
book-brusque-os-60-e-os-160-elementos-da-nossa-historia-rosimari-glatz-e-book-brusque-os-
60-e-os-160-elementos-da-nossa-historia-rosimari-glatz.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2021.

GLATZ, Rosemari. O Voo da Águia: 150 anos de imigração polonesa no Brasil. Brusque:
Ed. UNIFEBE, 2021. Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/wp-content/uploads/o-
voo-da-aguia-rosemari-glatz.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2021.
116

HENSCHEL, Ricardo. A reestruturação do setor têxtil-vestuarista de Brusque diante das


mudanças econômicas dos anos 1990: uma abordagem à luz da noção de eficiência coletiva.
Florianópolis, 2002. ii, 116 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro Sócio-Econômico. Programa de Pós-Graduação em Economia. Disponível
em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PCNM0079.pdf>

IMHOF, Afonso. Conflito industrial e populismo em Brusque: A greve operária de 1952. In:
BLUMENAU EM CADERNOS. Blumenau: Fundação Casa Dr. Blumenau, tomo XXI,
março de 1980, n. 3. pp. 72-79. Disponível em:<hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/blumenau%20em
%20cadernos/1980/BLU1980003.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2019.

KRETZER, Altamiro Antônio. Domus dei et porta coeli: educação, controle, construção do
corpo e da alma... O seminário de Azambuja entre as décadas de 1960 e 1980. Florianópolis,
2005. 206 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PHST0249.pdf>

KRIEGER, Nilo Sérgio; COLOMBI, João Alexandre; DADAM, Eloi Luiz. Ação popular
contra a Prefeitura e a Câmara Municipal. O Município, Brusque. 15 abr. 1983. p.2

LAUTH, Aloisius Carlos. Projeto de preservação da Rua das Carreiras. O Município,


Brusque. 26 out. 1982.

LAUTH, Aloisius Carlos. Rua das Carreiras: Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano.
O Município, Brusque. 22 abr. 1988. p. 6.

LUDVIG, Valmir Coelho. Pão e poesia: a canção na luta popular em Brusque dos
anos 80 a 95. Florianópolis, 2001. 222 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PEED0404.pdf>

NIEBUHR, M.; PEDRO, J. M. Memoria e cotidiano do operario textil na cidade de


Brusque-SC: a greve de 195. [S. l.: s. n.]. Disponível em:
<http://tede.ufsc.br/teses/PHST0104-D.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2019.

PORTAL LUTERANOS (Santa Catarina). Sínodo Vale do Itajaí. História da Comunidade


Evangélica em Brusque/SC. S/D. Disponível em:
<http://luteranos.com.br/conteudo_organizacao/brusque-bom-pastor/historia-da-comunidade-
evangelica-em-brusque-sc>. Acesso em: 22 mar. 2019.

REIS, Jade Liz Almeida dos. Tecendo direitos: experiências de trabalhadoras da indústria
têxtil na Justiça do Trabalho (Brusque/SC, década de 1970). 2019 134 f. Dissertação
(Mestrado)-Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação,
Mestrado em História, Florianópolis, 2019.

RIFFEL, Renato. Retratos de masculinidades: construção de subjetividades através das


aparências (Vale do Itajaí-Mirim, 1941-1950). 2011 227 p. Dissertação (Mestrado) -
Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação,
117

Mestrado em História, Florianópolis, 2011 Disponível em:


&lt;http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006d/00006d32.pdf&gt;. Acesso em:
25 nov. 2011.

SCHMIDT, Luciana Machado. Os signos satíricos do feminino no espaço do 'não-caber':


os processos de criação de Sílvia Teske. Florianópolis, 2008. xiii, 168 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa
de Pós-Graduação em Psicologia. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PPSI0341-
T.pdf>

SOUZA, Aquiles Duarte de. Identidades veladas: Fanny – a formação e a educação na


cidade de Brusque na déca de 1960. Itajaí, 2005. 119 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade
do Vale do Itajaí. Programa de Pós-Graduação em Educação. Disponível em: <
siaibib01.univali.br/pdf/AQUILES%20SOUZA.pdf>

DOCUMENTOS DE INVENTÁRIO E CATALOGAÇÃO


COMISSÃO Especial criada pelo Decreto no 8.685/2020 e designada pela Portaria no
13.419/2020 visando assessoramento para Elaboração de Diagnóstico e a Execução de um
Plano de Ação objetivando a Revisão do Inventário do Patrimônio Arquitetônico de Brusque.
Catálogo do patrimônio histórico, natural e artístico-cultural de Brusque. Documento
digital. 24p.

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO - DPH. Catálogo do Patrimônio


Arquitetônico Urbanístico de Brusque - Vol. 01. 2011. Documento digital e Encadernado.
71 p.

______. Inventário do patrimônio arquitetônico urbanístico de Brusque. 2009.


Documento digital e Encadernado. 116 p.

WAL, Rosália. Patrimônio arquitetônico e Natural de Brusque. 2013. Documento digital e


Encadernado. 69 p.

FILMOGRAFIA

Allen, W. (2011). Meia-Noite em Paris. Direção: Woody Allen. Produção: Letty Aronson.
Intérpretes: Owen Wilson; Rachel McAdams; Marion Cotillard; Khaty Bates; Michael Sheen
e outros. Roteiro: Woody Allen. Espanha; Estados Unidos: Gravier Productions; MediaPro
Pictures, 2011. 100 min.

LEGISLAÇÃO MUNICIPAL
BRUSQUE (Município). Decreto nº 6.232, de 01 de abril de 2010. CRIA O CONSELHO
MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO NATURAL, HISTÓRICO E ARTÍSTICO CULTURAL,
NOS TERMOS NO ART. 24 DA LEI MUNICIPAL Nº 1.971/94, E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS. Brusque, SC, 01 abr. 2010. Disponível em:
118

https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/brusque/decreto/2010/624/6232/decreto-n-6232-2010-
cria-o-conselho-municipal-do-patrimonio-natural-historico-e-artistico-cultural-nos-termos-no-
art-24-da-lei-municipal-n-1971-94-e-da-outras-providencias?q=conselho+patrim
%C3%B4nio. Acesso em: 31 out. 2021.

______. Decreto nº 8.685, de 29 de julho de 2020. Institui o Processo Participativo de


Elaboração de Diagnóstico e a Execução de um Plano de Ação objetivando a Revisão do
Inventário do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico de Brusque, bem como a conservação dos
imóveis protegidos por meio de tombamento, inventário, catálogo ou registro do Município de
Brusque. Brusque, SC, 29 jul. 2020. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/brusque/decreto/2020/869/8685/decreto-n-8685-2020-
institui-o-processo-participativo-de-elaboracao-de-diagnostico-e-a-execucao-de-um-plano-de-
acao-objetivando-a-revisao-do-inventario-do-patrimonio-arquitetonico-urbanistico-de-
brusque-bem-como-a-conservacao-dos-imoveis-protegidos-por-meio-de-tombamento-
inventario-catalogo-ou-registro-do-municipio-de-brusque?q=programa%20preservar. Acesso
em: 31 out. 2021.

______. Lei Ordinária nº 900, de 22 de agosto de 1980. DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO


DO PATRIMÔNIO NATURAL, HISTÓRICO E ARTÍSTICO CULTURAL DO
MUNICÍPIO DE BRUSQUE. Brusque, SC, 22 ago. 1980. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/brusque/lei-ordinaria/1980/90/900/lei-ordinaria-n-900-
1980-dispoe-sobre-a-protecao-do-patrimonio-natural-historico-e-artistico-cultural-do-
municipio-de-brusque?q=TOMBAMENTO. Acesso em: 31 out. 2021.

______. Lei Ordinária nº 1971, de 20 de dezembro de 1994. DISPÕE SOBRE A


PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL, HISTÓRICO E ARTÍSTICO CULTURAL
DO MUNICÍPIO DE BRUSQUE.. Brusque, SC, 20 dez. 1994. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/brusque/lei-ordinaria/1994/198/1971/lei-ordinaria-n-
1971-1994-dispoe-sobre-a-protecao-do-patrimonio-natural-historico-e-artistico-cultural-do-
municipio-de-brusque?q=TOMBAMENTO. Acesso em: 31 out. 2021.

______. Lei Ordinária nº 3.593, de 29 de abril de 2013. INSTITUI O PLANO DE


PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO MUNICÍPIO DE BRUSQUE -
PROGRAMA PRESERVAR, QUE DISPÕE ACERCA DOS INSTRUMENTOS DE
GESTÃO E INCENTIVOS A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL; CRIA O
CONSELHO MUNICIPAL DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, NATURAL E ARTÍSTICO
CULTURAL E O FUNDO MUNICIPAL DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO
CULTURAL; DEFINE AS AÇÕES DE FORMAÇÃO SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL
E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. Brusque, SC, 29 abr. 2013. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/brusque/lei-ordinaria/2013/360/3593/lei-ordinaria-n-
3593-2013-institui-o-plano-de-preservacao-do-patrimonio-cultural-no-municipio-de-brusque-
programa-preservar-que-dispoe-acerca-dos-instrumentos-de-gestao-e-incentivos-a-
preservacao-do-patrimonio-cultural-cria-o-conselho-municipal-de-patrimonio-historico-
natural-e-artistico-cultural-e-o-fundo-municipal-de-protecao-ao-patrimonio-cultural-define-
as-acoes-de-formacao-sobre-patrimonio-cultural-e-da-outras-providencias?q=programa
%20preservar. Acesso em: 31 out. 2021.

Você também pode gostar