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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL - UFFS

CURSO DE LICENCIATURA GEOGRAFIA

CCR - HISTÓRIA DA FRONTEIRA SUL

Prof. Fernando Vojniak

RESENHA II

Nicoly Glembotzky

WERLANG, Alceu. O oeste catarinense - uma longa disputa. In: WERLANG (Org).
Disputas e ocupação do espaço no oeste catarinense: A atuação da companhia Territorial
Sul Brasil. I edição. Chapecó: Argos, 2006. 17-29 p.

O livro "Disputas e Ocupação do Espaço no Oeste Catarinense", elaborado por Alceu


Antonio Werlang, oferece uma valiosa contribuição para compreender o processo de
colonização nesta região. Mesmo passando quase três décadas desde sua realização, esta
pesquisa mantém sua significância e relevância atual, sendo acessível tanto a profissionais do
campo quanto ao público em geral. Embora o tema tenha sido explorado por diversos
pesquisadores, Werlang é reconhecido como um dos pioneiros no estudo da colonização
regional, trazendo um olhar original e aprofundado sobre esse aspecto da história.
A obra está estruturada em cinco capítulos, nos quais se destacam informações
provenientes da análise minuciosa da documentação da extinta Companhia Territorial Sul
Brasil. Essa rica fonte de dados foi localizada no Museu Pe. Fernando Negal, em
Maravilha-SC, assim como na antiga sede da Cia. Sul Brasil, situada em Porto Alegre-RG.
Além da valiosa documentação mencionada, o autor também coletou dados complementares
no Arquivo Público de Florianópolis e nas prefeituras municipais de São Carlos, Palmitos,
Maravilha e Caibi. Essa abordagem meticulosa enriquece a pesquisa, fornecendo uma base
sólida e diversificada para a compreensão dos temas explorados nos diversos capítulos da
obra.

De maneira geral, o livro compõe-se de cinco capítulos que são: “O oeste Catarinense
Uma Longa Disputa”, “ O estado de santa catarina e as terras devolutas”, “Atuação da
Companhia Territorial Sul Brasil”, “A colonização Ítalo-brasileira, teuto-brasileira e
teuto-russa no oeste catarinense” e “A colonização e formação dos núcleos urbanos”.

Nesta resenha, será abordado o primeiro capítulo do livro "O Oeste Catarinense -
Uma Longa Disputa" que retrata sobre as contendas territoriais na região desde 1494. O autor
explora a complexidade dessas disputas, inicialmente entre Portugal e Espanha.
Posteriormente, são abordados conflitos territoriais envolvendo o Brasil e a Argentina, bem
como disputas entre os estados de Paraná e Santa Catarina. Além das contendas entre nações
e estados, o capítulo também aborda os confrontos entre diferentes grupos sociais, incluindo
indígenas, luso-brasileiros e colonos. Essas disputas, permeadas por questões territoriais,
revelam a complexidade histórica da região, marcada por uma série de conflitos que
moldaram a ocupação e a relação das comunidades com a terra ao longo do tempo.

Conforme observado por Werlang, Portugal recusou-se a aceitar as Bulas papais de


Alexandre VI, que favoreciam a Espanha nas chamadas "descobertas" realizadas por ambos
os países. Em resposta a essa disputa, foi estabelecido o Tratado de Tordesilhas, assinado em
7 de julho de 1494. Esse tratado delineava a divisão das terras descobertas por uma linha
provisória, situada a 370 léguas a oeste do Arquipélago de Cabo Verde, estabelecendo assim
os limites territoriais entre as duas potências colonizadoras, no qual as terras a oeste
pertenciam à Espanha e a leste a Portugal.

Eesse tratado assinado pelos dois países, não incluía a Ilha que iniciava a medição e
nem a medida exata da légua a ser usada, o que gerou inúmeras discussões, fazendo com que
nenhum dos dois países respeitasse o tratado. Para a Espanha, a Ilha de Santa Catarina lhe
pertencia, assim como toda a região continental. Porém, para o rei de Portugal, a
interpretação era diferente.

A Ilha de Santa Catarina e o litoral eram cenários disputados, pois representavam


pontos estratégicos para a conquista do Rio da Prata. Durante o período de 1580 a 1640,
conhecido como a União Ibérica, sob Felipe II, o litoral foi incorporado à Portugal. Nesse
contexto, Portugal buscava a expansão para o Rio da Prata, despertando preocupações entre
os espanhóis, que perceberam a ameaça à segurança de suas minas de prata. Em resposta a
essa situação, os espanhóis tomaram medidas para resistir a possíveis incursões portuguesas e
proteger seus interesses na região.

Com a conquista do litoral catarinense, os portugueses encontraram maior facilidade


para expandir suas fronteiras, desrespeitando as linhas do Tratado de Tordesilhas em busca de
riquezas ou para a captura de indígenas. Em 1681, a assinatura do Tratado de Lisboa permitiu
que Portugal se utilizasse do princípio do direito internacional de uti-possidetis.
Posteriormente, em 1750, foi assinado o Tratado de Madri. Neste acordo, os portugueses
reivindicam terras a oeste da linha de Tordesilhas, fundamentando-se no princípio do
uti-possidetis. Esse princípio baseia-se na ideia de que quem ocupa efetivamente a terra deve
mantê-la, consolidando as possessões territoriais de Portugal na região.

Com a assinatura do Tratado de Madri, os portugueses e espanhóis estabeleceram os


rios Peperiguaçu e Santo Antônio como novos limites entre suas terras. Essa demarcação foi
posteriormente ratificada em 1777 pelo Tratado de Santo Idelfonso. No entanto, em 1788,
durante uma segunda exploração, os espanhóis estiveram na região e renomearam os rios
Chapecó e Chopim para Peperiguaçu e Santo Antônio, respectivamente. Essa ação visava
ampliar o território espanhol na área, como destacado por Folador (1988).

Entretanto, as disputas de terra não param por aí, entre Brasil e Argentina o Brasil se
preocupava somente com a expansão, deixando de lado o desenvolvimento econômico do
oeste catarinense.

Até o final do século XIX, a região sul do Brasil, com exceção dos Campos de Palmas
e da erva-mate, não haviam riquezas atrativas para os colonos nessa época. No entanto, no
final desse século, o interesse econômico cresceu devido à exploração de madeira e terras,
levando à efetiva ocupação por colonos europeus. Em 1876, as pretensões territoriais da
Argentina, baseadas em interpretações da expedição de 1788, intensificaram as preocupações
com a posse do território por parte do Brasil.

O governo imperial, em resposta às reivindicações argentinas, implementou as


colônias militares de Chapecó e Chopim por meio do decreto nº 2.502 de 16 de novembro de
1859. A Colônia Militar de Chapecó foi estabelecida em 14 de março de 1882, em Xanxerê,
com o propósito de defender a fronteira e proteger os habitantes dos campos de Palmas, Erê,
Xagu e Guarapuava. Apesar dos esforços, a colônia ficou isolada devido à falta de
infraestrutura e comércio, resultando em ocupação limitada da região, apesar da distribuição
de títulos de terras. O isolamento persistiu devido à ausência de estradas, impedindo a
ocupação efetiva até pelo menos 1910. A regularização dos lotes distribuídos foi
posteriormente abordada pela lei nº 1.511 de 26 de outubro de 1925. (Werlang, 2006 p 20)

Apesar de não ter alcançado o objetivo de povoamento, a Colônia Militar contribuiu


para a pacificação e catequização dos índios, com destaque para a participação de Vitorino
Condá. A resolução das questões de fronteira foi realizada por meio da diplomacia brasileira.
De acordo com Werlang, para Wachowicz (1987) o objetivo geopolítico da Argentina era
buscar a ofensiva na questão de Palmas para evitar que o Brasil reivindicava a província de
Misiones, colocando o Brasil na defensiva em relação à região de Palmas.

Após a proclamação da República, o Marechal Deodoro da Fonseca concorda,


inicialmente, em dividir o território de Palmas com a Argentina para evitar conflitos
internacionais. O acordo, assinado por Quintino Bocaiúva em 25 de janeiro de 1890, foi
rejeitado pelo Congresso Nacional em 1891. A mediação dos Estados Unidos, liderada pelo
Presidente Grover Cleveland em 6 de fevereiro de 1895, deu ganho de causa ao Brasil. O
Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores, destacou argumentos que
comprovam a ocupação inicial por brasileiros, consolidando os limites e incorporando a
região ao território brasileiro. A definição dos limites entre Brasil e Argentina intensificou a
disputa entre os estados do Paraná e Santa Catarina pelas terras. (Werlang, 2006, p. 21-22)

Após a resolução da Questão de Palmas em 6 de fevereiro de 1895, Paraná e Santa


Catarina intensificam a disputa interna por seus limites. A área em questão, cerca de 48 mil
km², estendia-se a leste do rio Chapecó e Jangada, além dos limites anteriormente contestados
com a Argentina. Os rios Uruguai ao sul e Iguaçu ao norte delimitavam a região. A ocupação
histórica do litoral catarinense por açorianos, alemães e italianos contrasta com a ocupação do
oeste catarinense, realizada principalmente por paulistas, paranaenses e gaúchos, devido às
dificuldades geográficas da serra.

A ocupação do centro-oeste até a fronteira com a Argentina foi conduzida pelas


províncias do Rio Grande do Sul e São Paulo, posteriormente assumidas pelo Paraná após seu
desmembramento de São Paulo em 1853. O caminho de tropas, estabelecido desde 1728 por
Francisco de Souza Faria, conectava os campos de Lages e os paulistas o utilizavam para
conduzir gado “xucro” contribuindo para o surgimento de povoados ao longo do trajeto,
como a cidade de Lages. Outra rota vital, aberta a partir de 1845 de Palmas a Cruz Alta,
enfrentou desafios com a hostilidade indígena, sendo facilitada pela colaboração do índio
Condá. Esta estrada encurtava a distância e reduzia os custos do transporte de gado para
Sorocaba, resultando na formação de pequenos povoados nos locais de parada das tropas.

Os campos de Palmas foram ocupados nas expedições de 1836 e 1838, resultando na


instalação de 37 fazendas de criação na região, posteriormente expandidas para os campos do
Ere. A criação de bovinos, considerada lucrativa e de fácil ocupação, foi impulsionada pela
demanda da oligarquia campeira em abastecer o centro do país com gado bovino e muares. A
atividade principal tornou-se o tropeirismo, conectada à mineração e à cultura cafeeira,
destacando-se pela produção de mulas e couro de gado vacum.

A partir de 1850, a extração de erva-mate também se tornou rentável, atraindo a


atenção de paranaenses e argentinos. A região oeste catarinense, inicialmente considerada
"terra de ninguém", foi ocupada por brasileiros e argentinos visando a explorar a erva-mate,
muita dela comercializada na Argentina. Com a definição dos limites entre Paraná e Santa
Catarina em 1916, o governo catarinense começou a arrendar os ervais, sendo um contrato
notável assinado em 1919 com José Rupp, comprometendo-se a exportar no mínimo 50 mil
arrobas/ano. Essa atividade se concentrava entre os rios Peperiguaçu e Capetinga.

A exploração da região da mata teve início em 1917 com a chegada de empresas


colonizadoras, que cortavam árvores para transporte fluvial até a Argentina em balsas durante
as cheias do rio Uruguai. Inicialmente uma atividade de sobrevivência, tornou-se rentável
para grandes madeireiros e colonizadores. Após a extração, as terras eram revendidas para
colonos. O centro administrativo estava em Palmas, no Paraná, gerando disputas com Santa
Catarina.
A Questão de Palmas foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal em favor de Santa
Catarina em 1904 e novamente em 1909. Entretanto, o Paraná ignorou a decisão, levando a
conflitos e a instabilidade administrativa. A construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande em 1908 aumentou as tensões. A Brazil Railway, ao desalojar moradores para
explorar madeiras e vender terras, enfrentou resistência, resultando na Revolta do Contestado
(1912-1916), reprimida pelo exército após 13 expedições.

A Guerra do Contestado terminou em 1915, mas a disputa territorial persistiu. O


presidente Wenceslau Braz intermediou um acordo em 1916, dividindo o Contestado entre
Paraná e Santa Catarina. A divisão foi formalizada em 1917, encerrando o conflito. A criação
de municípios e a concessão de terras a empresas particulares não consideraram a população
local, levando a conflitos com os indígenas e luso-brasileiros.

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