Você está na página 1de 7

Sem título ainda

Capítulo 1: Piloto Rio de Janeiro, 14 de Maio de 2014


A mulher vestida com o uniforme do Mc Donald’s andava pela rua mal iluminada na periferia do Rio de
Janeiro. Ela odiava o trabalho, mas tinha que pagar o aluguel e comer. Odiava o lugar onde morava e odiava a vida
que tinha. Sendo uma atriz frustrada, aquele era o único emprego que conseguira – além de telemarketing, é claro, mas
isso seria muito pior na opinião dela. Entretanto, o barulho vindo de trás delas há alguns metros de distância indicou
que ela não teria outro dia de trabalho.
Uma série de desaparecimentos estava ocorrendo em todo país. Todas as mulheres com o mesmo perfil: altas e
de cabelo castanho muito claro, não exatamente loiro, mas bem claro, como era funcionária do Mc Donald’s. Contudo
ela não teve medo ou tentou fugir, muito menos pensou em gritar. Queria que ele a pegasse... Que a matasse... Não se
importava mais.
De repente a luz do único poste aceso apagou, como se alguém a engolisse. Passos pesados foram ouvidos,
como se fosse um homem de trezentos quilos feito de pedra. A mulher parou e disse, sem se virar:
- Seja lá o que você faz com as mulheres, faça. Não me importo mais.
- Isso é apenas divertido se vocês correm. - Sua voz era rouca e muito grave, fora do comum.
- Eu não vou. - Ela estava depressiva, conformada com o que lhe aconteceria em seguida. - Só me mate de
uma vez. Acabe com isso.
De repente a luz do poste reacendeu, iluminando o rosto do homem. Ao ver a cicatriz que ia do lado esquerdo
da testa até o lado direito do queixo, passando pelo nariz grande e anguloso, ela se assustou. Ele tinha a tez branco-
avermelhada, estava sujo e com um sorriso animalesco. Seus olhos eram de um castanho muito escuro e, se os olhos
realmente são a janela da alma, os dele eram para o nada. Os cabelos eram ainda mais escuros que os olhos, estavam
cumpridos até abaixo das orelhas, sujos, oleosos e sem corte. Ele usava uma blusa de moletom surrada, com rasgos e
remendos, e calças jeans numa situação pior que o moletom. Seu coturno estava sujo de terra e, achava ela, sangue.
- Que tipo de monstro é você? - A mulher perguntou começando a sentir medo.
Sua resposta foi apenas um sorriso. Ela recuou um passo.
Sendo encarada daquela forma, como um pedaço de carne a ser devorada, ela percebeu que não queria morrer
assim. Percebeu que ainda tinha sonhos. Percebeu um pequeno fio de esperança em sua vida. Podia recomeçar, fazer
uma faculdade, estudar e arrumar outra carreira. Apenas ali, diante da morte, foi que ela percebeu o apego que tinha a
vida. Então, praticamente sem pensar, ela deu as costas para o monstro e correu.
- Assim que é bom! - O homem afirmou para si mesmo antes de ir atrás da mulher.
_____________________________
Taylor Y. Reese observava a movimentação policial com cautela. Tentava identificar o corpo da vez, mas não
conseguia vê-lo, o que dificultava a vida de seu fotógrafo/estagiário/escravo, Fabián Delacour. O assassinato havia
ocorrido de forma brutal na noite anterior - pelo menos fora o que a polícia dissera. Não identificaram a vítima, mas,
pelo que ela ouvira falar por fora ela era uma mulher exatamente como as descritas nos misteriosos desaparecimentos
que começaram há cinco anos. Porém era ela a primeira vítima cujo corpo havia sido encontrado. Taylor ficou
imaginando o que poderia ter acontecido para que o assassino deixasse o cadáver para trás. Algo havia acontecido?
Alguém o havia impedido? Um herói? Uma testemunha? Uma pessoa comum? Ou outra coisa? Centenas de perguntas
surgiram em sua mente, o que era perfeitamente plausível, considerando que era uma jornalista renomada, mesmo
tendo apenas vinte e um anos.
Taylor Yakov Reese chegou a São Paulo em janeiro de 2012, logo após o desaparecimento de seu melhor
amigo - e as vezes amante - Leonard. Precisando de um emprego, ela começou a escrever para jornais e revistas. Um
editor de um jornal de bairro chamado Derian Rosa gostou da maneira com que ela descreveu uma competição de
xadrez local. Ela começou a escrever uma coluna sem muita repercussão, a princípio, mas em questão de meses
Afterlife, como chamava a coluna ficcional, fez muito sucesso. Logo um contrato foi assinado com um jornal de
grande circulação, que gostara da ideia de publicar algo assim. Em questão de um ano, ela não apenas escrevia sua
coluna, como também matérias informativas, principalmente policiais e políticas. No começo de 2014 ela recebera a
proposta de um jornal de circulação nacional, além de que, semana passada, resolvera escrever uma matéria em inglês
sobre a Copa do Mundo para o New York Times, mas que até o presente momento não havia recebido a resposta.
O que a levou ao Rio de Janeiro naquela manhã de segunda-feira foi o desaparecimento de Bárbara de Farias.
Ela era vizinha de Taylor, morava no apartamento em frente, e, depois de Thais, era sua amiga mais chegada. Um mês
antes elas tinham combinado de jantar na casa de Taylor, mas Bárbara não apareceu. De fato, nunca mais foi vista.
Como as características físicas dela eram iguais a outras que desaparecem em todo o país - e também no Paraguai - ela
foi considerada uma das vítimas de um sequestrador, batizado pela mídia de Monstro.
O Monstro ainda tinha sua identidade desconhecida. As digitas encontrada nas cenas dos crimes levaram a
polícia apenas a homens mortos - pelo menos três digitais de pessoas diferentes foram identificadas. Agora, um mês
depois, uma mulher exatamente como as outras foi brutalmente assassinada. Mas dessa vez havia um corpo. Alguma
coisa espantara o Monstro. Por que mais ele deixá-la-ia ali?
- Fabián. - Ela disse. - Temos que chegar mais perto.
- Seduza um dos policiais, oras. - Ele retrucou; para alguém de dezoito anos que acabou de começar a
faculdade de fotografia, Fabián era bem petulante.
- Olha como você fala comigo, moleque. - Ela deu um tapa na cabeça dele. - Eu sou sua chefa! E além do
mais, não sei seduzir ninguém.
- Você me seduziu. - Outro tapa.
- Não de propósito. Não fiz nada pra isso. Muito menos quero algo com isso. Arrume outra ideia, escravo. -
Ela brincou, mas ainda assim meio grossa.
Olhou para ela com o canto do olho, como se estivesse com raiva, mas Taylor sabia que ele estava fingindo.
Um policial se aproximou da linha de contensão.
- Com licença, senhor policial. - Ela tentou ser a mais charmosa possível, em vão. - Eu trabalho para a Folha
de São Paulo. Será que eu conseguiria uma...
- Não, senhora. Não passara dessa linha. - Ele foi muito mais grosso do que Taylor estava acostumada a ser,
deu meia volta e juntou-se aos outros.
Observando a cena, ela tirou o Motorola G do bolso. Eles estavam distraídos, conversando. Se ela corresse,
passasse por entre duas viaturas, poderia tentar uma foto do cadáver. Olhou para os lados, todas as pessoas estavam
olhando para outra direção, conversavam um com os outros sobre a brutalidade daquela morte. Ela provavelmente
teria uns dez segundos antes que qualquer um pudesse denunciá-la.
- Estou indo conseguir umas fotos. - Disse ao estagiário.
- Certo. - Ele conhecia a fama dela, sabia que ela falava sério e provavelmente conseguiria as fotos.
- Pegue seu celular. - Ela olhou-o com um sorriso malicioso no rosto. - Vou te mandar as fotos.
- Por que?
- Por que provavelmente serei presa, oras. - E passou pela fita de contenção.
Andou rápido, mas não correu, tentando chamar menos atenção. Atingiu as duas viaturas e passou entre a
frente de uma e a traseira de outra. Então viu o corpo. Antes que pudesse perceber qualquer detalhe, ela bateu quantas
fotos conseguiu, tentou usar o zoom, mas antes que pudesse tirar uma mais de perto, um policial agarrou seu pulso
com força.
- Ai! - Reclamou.
- O que pensa que está fazendo?
- Conseguindo umas fotos. O que mais? - Seu tom foi o mais irritado que conseguiu.
- Me dê esse celular! - Ele pegou o telefone, enfiou no bolso.
Em seguira, puxou-a até uma viatura que não estava preservando o corpo. Enquanto andava arrastada e
lutando contra a força do policial brutamonte, ela olhou para Fabián, que confirmou uma vez com a cabeça. Ele
recebera as fotos.

Algumas horas depois, Taylor encontrou Fabián encostado no táxi à saída da delegacia. Ele usava aquele
estilo que tanto a irritava. Ele era um tanto mais baixo que ela e meio magricelo, contudo assemelhava-se a Andrew
Garfield, a estrela da franquia de O Espetacular Homem-Aranha, que acabara de estrear o seu segundo filme. O
cabelo, sempre com penteado curto, e os olhos eram castanhos. Ele usava um óculos de aviador, um tanto grande para
seu rosto. Trajava sempre uma camiseta três-quartos no calor - aquelas compradas na Galeria do Rock em São Paulo -
e, no frio, infinitas blusas de moletom. Todas suas calças eram jeans não-tão-largas, mas também não eram skinny, e
tênis estilo Vans. Entretanto, o que mais a irritava era um maldito chapéu que ele sempre estava usando! Não, ele não
tinha vários iguais, era o mesmo. Com raiva, como sempre estava, ela perguntou:
- Está com as fotos?
- Mas é claro! Já até mandei para meu próprio e-mail, como medida de segurança.
- Até que você não é tão burro.
- Rá. Esgraçadona você, né? - Ele zombou. - Como eles te liberaram tão rápido? - Perguntou quando estavam
dentro do táxi.
- Aparentemente o delegado é fã do Afterlife, então tive apenas que apagar as fotos, aí me liberaram.
- Você é desgraçadamente sortuda. - Ironizou.
- Obrigada. - Ela sorriu sarcasticamente. - Você olhou as fotos?
- Sim. - Ele respondeu. - Como o corpo não estava coberto, eu consegui identificar a vítima.
- Como assim? - Ela perguntou. - Você conhece a vítima?
- Não, exatamente. Enquanto você estava sendo presa, eu fui comer naquele Mc Donald’s perto do nosso
hotel. Coincidência, ou não, a vítima havia sido escolhida como funcionaria do mês. A foto dela estava perto do caixa.
O nome da garota é Cristina Novaes.
- O que sabemos dela?
- Que trabalha no Mc Donald’s.
- E só?
- Sim.
- Namorado? Família? - Ela estava irritada.
- Não sei.
- Você não perguntou? - Ela poderia dar um soco nele.
- Não! - Ele retrucou. - Não sou jornalista. Sou fotografo.
Ela bufou e se segurou para não acertar o rosto do garoto. Disse ao taxista o novo endereço para onde iriam, o
Mc Donald’s referido. Assim que chegaram lá, por volta das três da tarde, o fast-food estava vazio, com exceção dos
funcionários. Ela se aproximou do balcão, onde um rapaz magrelo, alto, de pele morena e chapéu com um “M”
amarelo.
- Posso ajudar? - Ele perguntou com um sorriso falso quando ela se aproximou.
- Sim, estou procurando pelo gerente.
- Ele, infelizmente, não se encontra. Mas posso tentar ajudá-la. - Ele demonstrou falsa modéstia, Taylor
reparou, estava fazendo aquilo por ser sua obrigação.
- Muito bem. Preciso fazer umas perguntas sobra sua funcionária do mês?
- Ah sim. A única coisa que eu posso lhe dizer é que ela não apareceu para trabalhar hoje. - Ele ficou grosso
de repente, com se ela tivesse pisado em seu calo. - Mais alguma coisa?
Assim que terminou de falar, ela notou que um rapaz, que devia ter dezoito anos ou menos e que estava
fritando batatas olhou para ela com curiosidade e um tanto de desconfiança, como se pensasse “o que essa mulher quer
com a Cristina? ”. Taylor percebeu que ele sabia mais sobre a vítima.
- Sim. Que horas chega o gerente?
- Apenas amanhã.
- Sei. - Retrucou com uma descrença óbvia na voz. - Tudo bem.
Enquanto estavam saindo, Fabián perguntou: - Está desistindo? Você nunca desiste.
- Não, não estou. - Ela retrucou com um sorriso zombeteiro. - Sabe o cara fritando batata? - Ela não esperou
resposta. - Ele virá atrás de nós. Ele sabe de algo.
_____________________________
O bêbado tomou o último gole quando percebeu quem havia entrado. Fazia muitos anos que não pensava com
clareza. Cinco, para ser exato. Em nenhum desses mil seiscentos e quarenta e seis dias desde o dia que ele resolveu
brincar de Deus. Há muitos anos ele fora um médico formado pela USP com todas as notas máximas. Mas, após o
acidente de seu irmão mais velho, ele tomou a decisão que mudaria sua vida para sempre.
Essa decisão acabara de entrar pela porta.
- Eu consegui mais uma parte. - Ele ouviu-o dizer. - Está na perua.
- Tudo bem. - Colocou o copo de vazio de chope no balcão. - Vamos voltar pra São Paulo.
_____________________________
Dali, entraram num táxi de volta ao hotel onde estavam hospedados. Taylor, devido a libido incontrolada de
seu fotografo recém-saído da adolescência, decidiu veementemente que eles ficariam em quartos separados e em
andares diferentes - se pudesse, ela pensou, até em hotéis diferentes, mas isso é opção do jornal. De qualquer forma,
eles foram para o quarto dela a fim de examinar as fotos do cadáver.
Sentaram diante do notebook e conectaram o celular. Assim que localizaram as fotos na pasta, Taylor sentiu
enjoo tamanho a brutalidade do assassinato. Cristina, ou que sobrara dela, estava estraçalhada no chão. Seu tórax
estava aberto e, se Taylor estava vendo direito, o coração não estava mais ali. Notou também que uma das coxas - sim,
apenas uma - estava faltando. De resto, ela parecia intocada - a não ser suja de sangue e as roupas rasgadas.
- Hey, olhe isso. - Fabián disse, mostrando o celular. - Encontrei o facebook dela.
Na foto de perfil ela estava sozinha, usando uma jaqueta de couro vermelha. Contudo, a primeira foto de sua
linha do tempo era uma de biquíni. Ela estava na praia abraçada com um rapaz - o das batatas fritas. Taylor notou que
ela tinha um corpo muito bonito, mas, na coxa direita - que era a que estava faltando - ela tinha uma tatuagem que
dizia: “Maldito seja o dia em que recebi a vida! Criador maldito!, F.”
- Por que alguém iria querer um coração e uma coxa? - Taylor perguntou para si mesma. - Que tipo de
monstro faria algo assim?
- Eu não faço a mínima ideia. - Fabián respondeu mesmo assim. - Mas a mídia acertou quando chamou esse
assassino de “monstro”. - Ele fez aspas com os dedos.
_____________________________
Petropavlovsk-Kamchatsky, Rússia, 25 de Dezembro de 2011
O casal almoçava tranquilamente naquele dia de inverno. Devido à grande quantidade de neve eles não
tiveram que trabalhar e, como cristãos, resolveram comemorar o Natal com o pouco que tinham. Assaram um peixe
que conseguiram comprar de um mercador japonês bem barato. Temperam com temperos locais. Trocaram uma Coca-
Cola com um mochileiro brasileiro por um chapéu que eles mesmos produziam artesanalmente - eles nunca tinham
tido um refrigerante em sua mesa. Essa era a ceia.
Entretanto, com tantas coisas foram do comum, uma de suas filhas, Olga, que era um tanto supersticiosa, sabia
que algo extraordinário que poderia não ser tão bom assim também iria acontecer. Então ela não ficou surpresa
quando a menina bateu a porta da casa. Quando abriu, Olga, num segundo, colocou-a para dentro. A garota estava
usando apenas um short jeans e uma camiseta regata. Sua pele estava azulada - mais ou pouco congelaria - e sem
dúvida tinha hipotermia. Os pais, ao verem, levantaram num instante, enrolaram a menina na maior quantidade de
cobertas que haviam na casa e a colocaram diante da lareira, que arderia durante todo o inverno. Assim que a
deitaram, a garota desmaiou.
Olga tirou a sujeira e o cabelo do rosto dela e, pela primeira vez, viu seu rosto. Ela era bonita, tinha o nariz
pequeno e arrebitado, os cabelos eram castanhos muito escuro, quase pretos. Ela era jovem, mais velha que Olga, que
tinha doze anos, mas mais nova que a irmã mais velha de Olga. (Nota do Autor p/ Ricardo: ela é a Taylor, então não
mostrar imediatamente o rosto dela; fazer mistério até a Olga mostrar o rosto).
_____________________________
Rio de Janeiro, 15 de Maio de 2014, 22:00hrs
Taylor expulsou Fabián de seu quarto praticamente a pontapés. Mas uma vez o garoto tentou dormir com ela,
em vão. Desde que ele começara seu estágio ele tentava, mas ele não conseguiria. Nunca conseguiria. Nenhum
homem, além de Leonard havia tocado em seu corpo, e assim permaneceria. Contudo, mesmo ela sendo praticamente
assediada por ela, ela não queria demiti-lo. E sabia exatamente o motivo.
Fabián lembrava muito Leonard. No jeito de falar. Nas piadas sem graça. Um pouco o rosto, mas o cabelo, ela
lembrava, de Leonard era mais claro e mais cumprido, meio desgrenhado. Adorava aquele sorriso em sua boca fina, e
o nariz um tanto grande. Mas, acima de tudo, admirava sua coragem. Em tudo que passaram durante os meses de uma
inacreditável aventura, ele, mesmo diante dos desafios mais difíceis, não recuou. Mesmo diante de adversários mais
forte, não hesitou. Ele fora um herói.
Mas ele se fora. Não ia voltar. Nunca.
Ela precisou conter uma lágrima ao ver a foto dele que sempre estava com ela. Uma em que ele sorria como se
não houvesse problema algum do mundo. Mesmo a foto sendo de uma época em que não sabia quem ele era, ele não
estava diferente do dia que o conheceu. Na foto, ele estava sozinho com um livro na mão, esperando em uma fila para
pegar um autógrafo. Provavelmente quem tirara a foto havia sido sua mão, ou namorada, era impossível saber.
Colocou o porta-retratos sobre o armário, ao lado da televisão - um daquelas ainda de tubo - e ia tirar a roupa
para tomar banho antes de dormir, entretanto alguém batera na porta de seu quarto. Antes de abrir, gritou:
- Quem é?
- Senhorita Reese? - Era um rapaz. - Meu nome é Wellington Lima. Sou funcionário do Mc Donald’s. - Era o
cara das batatas fritas; ela abriu a porta de supetão.
- Entre. - Convidou com um sorriso.
- Obrigado. Você esteve hoje procurando por Cristina no serviço, não?
- Sim. Você ouviu? - Fingiu que não sabia.
- Sim. Você tem notícias dela? - Ele estava visivelmente preocupado; Taylor soube imediatamente que ele
estava apaixonado pela vítima.
- Acho melhor você se sentar. - Ela apontou para uma poltrona.
Ele sentou. Taylor sentou na cama, de frente a ele.
- Cristina, bem, ela foi encontrada morta hoje pela manhã. Ela foi uma vítima do Monstro. - Ele estava prestes
a chorar.
- Eu achava que as vítimas dele desapareciam. - Sua boca estava tremendo.
- Sim, elas desaparecem. Mas dessa vez, algo parou o assassino. Não sei o que, mas quero descobrir. Ele levou
uma amiga minha também, de São Paulo.
Ele afundou o rosto nas mãos. Taylor não sentiu vontade de abraçá-lo, mas o fez mesmo assim. Voltou a cama
quando achou que ele já se sentia melhor e disse: - Olha, Wellington, eu quero encontrar essa cara tanto quanto você.
Precisa me dizer tudo que sabe sobre Cristina. Ela tinha inimigos? Alguém que a odiasse? Qualquer coisa é válida.
- Achei que ela tinha sido vítima do Monstro. - Ele estranhou; seus olhos estavam marejados e vermelhos.
- E foi. Mas ninguém sabe quem ele é. Ou por que faz essas coisas. Talvez seja a mando de alguém, talvez
não. Como eu disse: tudo é válido. - Ela pegou o celular, que tinha uma ligação perdida, colocou-o no silencioso e
começou a gravar a conversa.
_____________________________
Petropavlovsk-Kamchatsky, Rússia, 26 de Dezembro de 2011
Olga observou a garota dormindo durante toda a noite. Seu corpo perdera a tonalidade azul e adquirira uma
cor pálida. Ela teve uns surtos de calafrios durante a noite, e Olga sentiu-se obrigada a aproximá-la do fogo. O médico,
chamado logo à noite, chegou pela manhã. Dada às circunstancias, eles sabiam que não poderiam pagar por um, mas
chamaram um amigo de infância do pai de Olga.
Ele receitou alguns antibióticos e vitaminas, mas, principalmente, que a mantivessem aquecida o tempo todo.
O pai perguntou se deveria acordá-la. O médico confirmou, e ainda mandou que a fizessem comer. Assim que saiu, os
pais discutiram como alimentariam mais uma boca. Era uma família de seis pessoas. Os dois rapazes mais velhos mal
ganhavam na fábrica que trabalhavam; o pai já estava velho, logo teria que parar; a filha mais velha nem dava sinal de
que ia casar; e a mais nova não tinha idade. Era o fim se escolhessem ajudar a garota em sua sala de estar. Talvez,
porém, se ela e a filha mais velha trabalhassem para fora, limpando casas ou passando roupa e qualquer coisa assim, o
pai só afirmava veementemente que não jogaria uma pessoa para congelar lá fora.
Olga decidiu não ouvir mais a discussão atrás da porta e voltou à sala. Sentou ao lado da enferma, colocou a
mãozinha na testa dela e disse em russo:
- Você está causando um pouquinho de problema por aqui, sabia?
- Eu. Sinto. Muito. - A moça disse.
- PAAAAIIII!!! - Olga gritou. - Ela acordou!
Assim que os pais chegaram, eles se aproximaram da moça e a mãe perguntou:
- Você está bem, querida? - Sua voz era materna.
- Claro que não mulher! - O pai reclamou. - Ela está quase congelando e...
- Pai! Mãe! - Olga chamou atenção. - Não briguem na frente da moça! Qual o seu nome?
- É... T... - Ela parou um pouco. - Taylor, meu nome é Taylor.
- Traga um chá quente, mulher. - O pai reclamou.
- Onde. Estou? - Taylor perguntou.
- Bem, achei que sabia, já que está falando russo. - Olga disse de forma simples. - Você está na Rússia.
_____________________________
Rio de Janeiro, 15 de Maio de 2014
- Eu a conheci há cinco meses. - Wellington contou. - Foi quando eu comecei a trabalhar no Mc Donald’s. Ela
já estava lá havia algum tempo. Achei-a linda de cara, mas sabia que não tinha muitas chances, já que ela era mais
velha e tals. Então, quando fui falar com ela, ela foi super-gentil, então decidi chama-la pra sair. Ela topou. Eu nem
acreditei.
- Certo. E como ela era? - Taylor perguntou.
- Ela era uma pessoa muito alegre, extrovertida e de bem com a vida. Ela tinha terminado a faculdade de Artes
Cênicas e ia fazer um teste para uma novela dali a dois meses. Teve uma vez que fomos para a praia Angra dos Reis. -
Taylor soube que esse foi o momento da foto que vira no facebook. - Foi muito divertido. Foi aí que começamos a
namorar pra valer.
- Isso faz quanto tempo?
- Há um mês e meio, mais ou menos.
- Durante esse tempo, ela não demonstrou desgosto por ninguém?
- Sim. Mas a maioria eram ex-namorados ou piriguetes que davam cima de mim. Nenhum que faria isso com
ela. - Ele estava, mais uma vez, quase chorando. - Bem, aí ela não conseguiu o papel que queria. Depois disso ela
mudou totalmente. Ficou depressiva. Mal falava comigo. Então, ontem ela terminou comigo.
- Uou. Isso não é bom. Pode ser um motivo para você ter feito isso. - Ela disse, para fingir que não tinha
deduzido aquilo.
- Se tivesse feito, estaria aqui? Estaria chorando na frente de uma jornalista?
- Sim, tem razão. Acha que tem mais alguma coisa que possa me dizer?
- Apenas que, por favor, encontre quem fez isso com ela. - Ele começou a chorar. - Por favor.
- Não se preocupe. Eu vou.
O rapaz saiu, deixando nenhuma resposta para trás. Ele não acrescentou nada útil. Nenhuma informação que
pudesse ajudar. Não valeria nem a pena citá-lo em uma matéria de jornal. Lembrou-se do celular gravando a conversa.
Quando viu, ele estava com mais de quinze chamadas perdidas. E eram de sete pessoas diferentes. Dessas, seis ela
nunca imaginou que um dia entrariam em contato com ela novamente. O sétimo número, porém, era de sua colega de
quarto, Thais. Ligou de volta.
- Alô! - Taylor disse, não escondendo o mau humor resultante da frustração que fora conversa que acabara de
ter.
- Liga a televisão agora! - Thais disse de uma vez.
- Que canal?
- Qualquer um que esteja no noticiário.
Taylor o fez e sentou na cama de olhos arregalados quando viu a matéria:
Um casal é encontrado nas Rochas Clercke desmaiados, nus, desnutridos e desidratados. Nenhuma das
vítimas foi identificada até agora, porém sabemos que estão sendo transportados para a ilha Geórgia do Sul, onde
terão toda a assistência médica possível. Não se sabe o estado...
Foi nesse ponto que ela parou de ouvir, pois a foto do rosto de homem encontrado surgiu na tela. Mesmo meio
cadavérico com as bochechas magras, a pele marcando crânio e as olheiras profundas, ela reconheceu-o
imediatamente.
Aquele era Leonard Ross.
_____________________________
O bêbado abriu a porta da Kombi e viu os pedaços solicitados no gelo. Contudo, uma peça estava faltando.
- Você trouxe apenas uma coxa? - Ele reclamou com o Monstro, que estava atrás dele. - Já é difícil encontrar o
que te agrade, e você ainda me trás incompleto? Vai ser impossível encontrar outra com uma coxa assim e, pior, que
fique igual a essa.
- Eu não tive escolha. Não deu tempo de extrair a outra perna. Ela me impediu outra vez.
- E eu com isso?
- O que quer que eu faça? - A voz soou grave depois de alguns segundo de silêncio.
- Não é óbvio? Traga a outra coxa. Eu vou voltar pro meu bar. Leve a van para algum lugar seguro.

Você também pode gostar