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O movimento da obra de Josué de Castro: uma releitura a partir da geografia e


da fome.

Research · January 2004


DOI: 10.13140/RG.2.2.36063.30889

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Jose Raimundo Sousa Ribeiro Junior


Universidade Federal do ABC (UFABC)
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Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Geografia

O MOVIMENTO DA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO:


UMA RELEITURA CRÍTICA A PARTIR
DA GEOGRAFIA E DA FOME

Trabalho de Graduação Individual


realizado sob orientação da Profa.
Dra. Amélia Luisa Damiani.

JOSÉ RAIMUNDO SOUSA RIBEIRO JUNIOR

-1-
SUMÁRIO

Apresentação _________________________________________________________ 3
1. Introdução _______________________________________________________ 5
2. O autor no contexto ________________________________________________ 8
2.1 A formação (médico, nutrólogo e geógrafo) _______________________ 10
2.2 Josué de Castro como parte integrante da inteluctualidade brasileira no
início e meados do século XX_________________________________________ 11
2.3 A institucionalização da Geografia no Brasil – o caso do Rio de Janeiro e
a influência da Geografia francesa ____________________________________ 12
2.4 O contexto político ___________________________________________ 14
3. O movimento da obra de Josué de Castro______________________________ 16
3.1 Uma leitura geográfica da realidade_____________________________ 17
3.2 Da fase explicativa à fase crítica ________________________________ 28
3.3 Geografia da Fome e o início da fase crítica ______________________ 32
3.4 A fase desenvolvimentista _____________________________________ 35
3.5 A linguagem literária na obra de Josué de Castro ___________________ 40
3.6 Quadro síntese sobre a vida e obra de Josué de Castro _____________ 54
4. O fenômeno da fome no movimento da obra de Josué de Castro ___________ 57
4.1 O conceito de fome por Josué de Castro__________________________ 59
4.2 A fome no Brasil e no Mundo __________________________________ 61
4.2.1 A fome no Brasil__________________________________________ 62
a) Área Amazônica ____________________________________________ 63
b) Área da Mata do Nordeste / Área do Nordeste Açucareiro ___________ 64
c) Área do Sertão do Nordeste ___________________________________ 65
4.2.2 A fome no mundo _________________________________________ 67
4.3 Fome e subdesenvolvimento ___________________________________ 68
4.4 Josué de Castro e o pensamento malthusiano _____________________ 75
5. As releituras da obra de Josué de Castro ______________________________ 80
5.1 O Movimento Manguebeat como uma releitura da obra de Josué de
Castro 84
6. Considerações Finais______________________________________________ 90
7. Bibliografia _____________________________________________________ 93

-2-
APRESENTAÇÃO

Uma maneira possível de apresentar este trabalho é mostrar quais foram os


diversos caminhos que me levaram a pesquisar a obra de Josué de Castro. Está claro que
o interesse aqui não é determinar qual destes caminhos foi o mais importante, mas sim
indicar quais foram os passos dados antes mesmo de a pesquisa começar de fato.
Não fui apresentado à obra de Josué de Castro por algum professor da faculdade,
mas através de uma pessoa que nunca conheci pessoalmente. Foram através das letras
de Chico Science1 que tomei meu primeiro contato com as idéias de Josué.
A relação cada vez mais estreita com as bandas do Movimento Manguebeat
levou-me inevitavelmente a me perguntar quem era esse tal de Josué de Castro, que
falava da população dos mangues recifenses e inspirava esta gente a tentar transformar
de algum modo o país.
Sempre acompanhado por este desejo, até então não muito claro, de tentar
transformar a realidade em que vivemos, ingressei no curso de Geografia da USP. Foi aí
que descobri a importância da teoria para podermos entender e modificar (entender
modificando, modificar entendendo) a realidade.
No primeiro ano, aulas como “História do Pensamento Geográfico”,
ministrada pelo professor Scarlato, e “Teoria e Método I”, ministrada por minha futura
orientadora Amélia, abriram meus horizontes e me fizeram sentir pequeno diante de
todo o movimento do conhecimento acumulado pela filosofia, pelas ciências e em
especial pela Geografia. Entender que a realidade é muito mais complexa do que eu
imaginava foi certamente um grande aprendizado.
No ano seguinte, em um bate-papo organizado pelo CEGE (nosso querido
centro acadêmico dos estudantes de Geografia) com o professor Ariovaldo, a idéia de
estudar a obra de Josué de Castro tomou mais força. Nesta ocasião o professor citou
Josué de Castro, como uma espécie de pioneiro da “Geografia Ativa” (que naquele
momento eu mal fazia idéia do que era, mas me era simpática por remeter à idéia de
uma Geografia comprometida em transformar a realidade) e que, no entanto, era
pouquíssimo estudado pelos geógrafos.

1
Vocalista e compositor da banda Chico Science e Nação Zumbi foi um dos mais ativos membros do
Movimento Manguebeat. Chico Science morreu em 1997 em um acidente de carro.

-3-
O interesse pela obra de Josué de Castro só crescia e, como naquele mesmo
semestre deveria fazer um projeto de pesquisa para a disciplina “Iniciação a Pesquisa
I”, resolvi começar a estudar, sem muito compromisso, a obra de Josué de Castro.
Com a possibilidade de realizar uma iniciação científica (CNPq – PIBIC) com a
orientação da professora Amélia, apresentei este mesmo projeto de pesquisa que foi
prontamente aceito. Assim, entre agosto de 2002 e julho de 2004 pude dedicar-me
“exclusivamente”2 à pesquisa.
Estes foram os caminhos que me levaram até a pesquisa da obra de Josué de
Castro. Podem existir outros, mas estes são seguramente os mais importantes.

2
Sem contar as disciplinas da graduação, os grupos de estudo e aquilo que mais toma tempo dos
estudantes preocupados com a universidade pública: o movimento estudantil.

-4-
1. INTRODUÇÃO

Como já foi dito na apresentação este trabalho tem como principal objeto de
pesquisa a obra de Josué de Castro. Trata-se de um trabalho amplo que tenta entender e
interpretar o movimento da obra do autor, levando em consideração o contexto onde
esta foi escrita.
Como em muitos processos de pesquisa, durante diversos momentos tomaram-se
rumos que não faziam parte da idéia inicial do trabalho, mas que contudo eram
necessários para sua realização. Do mesmo modo, alguns objetivos iniciais se
mostraram pouco produtivos e foram deixados de lado neste movimento de pesquisa.
A proposta do trabalho, desde o início, era apresentar a vida e obra de Josué de
Castro tanto para os leitores que já o conhecem, como para aqueles que nunca tiveram
qualquer contato com o autor. Esta intenção se justifica no desconhecimento, até mesmo
por parte dos geógrafos, da importância da obra do autor tanto para a História do
Pensamento Geográfico como para pensar a realidade brasileira e mundial. Nesse
sentido em alguns momentos do texto a obra do autor é apresentada, enquanto em
outros momentos ela é debatida com maior profundidade.
Deste modo o trabalho pode ser considerado, tanto uma introdução à obra de
Josué de Castro, para aqueles que ainda não tiveram contato com ela, como uma
contribuição para o debate já existente acerca desta obra.
É muito importante salientar também que o principal objetivo do trabalho
(definido após uma aproximação com o pensamento do autor) foi o de entender o
“movimento da obra de Josué de Castro”. Sendo assim, não foi realizado qualquer
recorte em sua obra para que este movimento pudesse ser apreendido em sua totalidade.
Obviamente que esta escolha, leva a perdas e ganhos, onde certamente não se pode
observar um livro ou uma fase pensamento do autor com mais cuidado.
Se por um lado pode parecer que o trabalho fica superficial em alguns
momentos, pois alguns temas poderiam ser tratados com maior profundidade, por outro
lado é a única maneira de se compreender as continuidades e descontinuidades da obra
de Josué de Castro. Aponta-se assim para a importância do entendimento da totalidade
da obra para que não sejam realizadas quaisquer mistificações com relação ao
pensamento do autor.
Neste período foi possível perceber a dificuldade em se lidar com a obra de um
autor que viveu e escreveu em outra época. Esta dificuldade foi superada, de certo

-5-
modo, através da tentativa de uma contextualização. Devido aos objetivos do trabalho,
esta contextualização foi breve e serviu muitas vezes apenas como uma introdução aos
acontecimentos e pensamentos de início e meados do século XX.
A importância do contexto esta fundada na relação intrínseca que há entre o
movimento do pensamento e o movimento histórico. É o que Lefebvre chama em
“Lógica Formal, Lógica Dialética”3 de pensamento do e no movimento.
Neste sentido o trabalho foi pensado e escrito em quatro partes principais. A
primeira trata brevemente do contexto em que o autor viveu. Levando em consideração
o pensamento brasileiro que se constitui no início do século XX e a institucionalização
da Geografia no Brasil na década de 30, tenta-se indicar as principais influências no
processo de formação do pensamento de Josué de Castro. Ao mesmo tempo é
importante notar qual era o contexto político, econômico e social que também tem um
forte papel na obra do autor.
Na segunda parte é feita uma tentativa de interpretar e explicar o movimento da
obra de Josué de Castro. Primeiramente é feito um esforço para demonstrar de que
modo Josué de Castro realiza uma leitura geográfica da realidade. Posteriormente o
movimento da obra, que dura mais de 40 anos, é periodizado em três fases (explicativa,
crítica e desenvolvimentista),para facilitar seu entendimento4. Simultaneamente é
necessário entender a importância da linguagem literária e dos romances que Josué
escreveu em diferentes momentos de sua vida5.
Na terceira parte destaca-se o fenômeno da fome, como temática principal da
obra. Josué de Castro trabalha de maneira muito singular com o conceito de fome e é
necessário atentar para de que modo este conceito é utilizado nas diferentes fases de sua
obra. Vale ressaltar que é principalmente o tratamento do fenômeno da fome que dará
um caráter inovador ao pensamento de Josué de Castro.
Na quarta e última parte são interpretadas as releituras da obra de Josué de
Castro como parte constitutiva de um mesmo movimento do pensamento. Dentro das

3
“Veremos mais longe, e cada vez melhor, que não apenas todo pensamento ‘é’ um movimento de
pensamento, mas também que todo o pensamento verdadeiro é pensamento (conhecimento) de um
movimento, de um devir.” in Lefebvre, Henri. Lógica Formal, Lógica Dialética, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1995. Página 90.
4
É importante ressaltar desde já que a periodização da obra em fases não pode levar a uma leitura
estanque da obra de Josué de Castro. Este é um esforço analítico e didático que leva em consideração as
continuidades e descontinuidades da obra.
5
Josué de Castro esteve sempre muito ligado ao ambiente artístico o que lhe rendeu diversas amizades.
Uma destas amizades foi com o pintor Portinari, cuja tela “Retirantes” ilustra a capa deste trabalho.

-6-
releituras é dada atenção especial ao Movimento Manguebeat que exerce um papel
importante de divulgação da obra do autor.
É importante notar que a importância do contexto em que o autor viveu não está
restrita à primeira parte do trabalho, sendo recorrente sua utilização nas três partes
seguintes. Essa insistência se justifica, pois somente a partir dela é que se pode entender
onde o autor superou (ou não) os limites de sua época.
Por fim, cabe aqui ressaltar, que este trabalho tenta, de certo modo também,
superar a obra de Josué de Castro, ao demonstrar sua atualidade e seus limites. Abre-se
aqui um caminho, que deve ser percorrido coletivamente, na perspectiva de avançar
para além da obra do autor.

-7-
2. O AUTOR NO CONTEXTO

O entendimento de uma obra está necessariamente ligado ao entendimento do


contexto em que foi escrita. Um autor não pode jamais ser interpretado dissociado do
contexto, isto é, do lugar e tempo, em que viveu. Espaço e tempo imprimirão certamente
uma marca na obra do autor merecendo assim a devida atenção de quem o revisita.
Entretanto, a importância do contexto não pode ser absolutizada. Tal
absolutização leva à uma interpretação onde o indivíduo não subsiste ao contexto, sendo
“refém” deste. Porém, ao entender que há uma relação mútua entre o autor e o contexto
em que este viveu pode-se realizar uma interpretação mais rica.
Essa concepção leva em conta o movimento do pensamento (que está
diretamente ligado ao movimento histórico), onde o pensamento, que se encontra em
eterno movimento, nunca pode ser visto como completo e acabado. Neste sentido, além
da importância dada ao contexto é indispensável analisar quais foram as fontes
utilizadas pelo autor (tendo ele concordado ou não com estas fontes) além de analisar
também quais foram os pensamentos com os quais o mesmo dialogou durante sua obra.
Isso não significa negar a originalidade de uma obra, mas ao contrário, permite que se
possa entender onde é que se “avançou”.
Sendo assim, esse trabalho, que pretende entender alguns aspectos da vasta obra
de Josué de Castro, não poderia começar de outro modo. Neste primeiro momento
volta-se a atenção para o contexto no qual Josué escreveu sua obra, com o intuito de que
sirva como base para as interpretações que seguirão mais adiante6.
Manuel Correia de Andrade em “Josué de Castro: o homem, o cientista e seu
tempo” confirma esta posição ao afirmar: “Analisando-se Josué de Castro, é necessário
que se faça uma conexão de sua passagem pela vida, ligando-o ao tempo e ao espaço.
Onde ele nasceu, como formou seu caráter e sua personalidade, o que o levou a refletir
sobre o seu povo e o seu tempo, como procurou as ligações, em escalas geográficas,
entre o local, o nacional e o internacional e como projetou o seu pensamento tanto nos
meios acadêmicos como na sociedade, procurando influenciar lideres e liderados a
refletirem sobre a realidade dos meados do século XX.“7

6
A discussão sobre o contexto não se encerra porém neste primeiro capítulo. Em outros momentos será
necessário voltar ao contexto para explicitar as interpretações realizadas.
7
ANDRADE, Manuel Correia de. Josué de Castro: o homem, o cientista e seu tempo. In: CASTRO,
Anna Maria de. Fome um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. 3 ed. Recife: CEPE, 1996.
Página 286.

-8-
Deste modo está posta a tarefa de apontar para os traços de genialidade de Josué
de Castro, com os quais ele pôde transcender sua própria época e colocar questões que
ainda não tinham sido respondidas ou até mesmo sequer postas, assim como apontar
para seus limites e os limites de sua época.

-9-
2.1 A FORMAÇÃO (MÉDICO, NUTRÓLOGO E GEÓGRAFO)8

Josué Apolônio de Castro nasceu em 5 de setembro de 1908 na cidade do


Recife. Segundo Manoel Correia de Andrade “estudou em colégios como o Instituto
Carneiro Leão, dirigido então pelo famoso educador, Pedro Augusto Carneiro Leão,
conhecido como grande disciplinador e, depois, no Ginásio Pernambucano, o segundo
mais antigo colégio secundário oficial do país por onde passaram escritores e políticos
famosos como Epitácio Pessoa, Agamenon Magalhães, Luís Freire, Olívio Montenegro,
Manuel Borba e muitos outros”.9
Em uma época onde nas mais renomadas faculdades do país formavam-se os
futuros brasileiros que iriam comandar o Brasil, Josué concluiu aos 21 anos (1929) o
curso superior de Medicina pela Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. Logo após a
conclusão volta para sua cidade natal onde atuará profissionalmente se especializando
na área da fisiologia.
Neste mesmo período ingressa como professor na Faculdade de Medicina do
Recife, onde em 1932, com a tese “O problema fisiológico na alimentação”, defende
concurso para livre docente. Esta tese deixa clara a ligação do autor com o campo da
nutrição, o que caracterizará a maior parte de sua obra.
Em 1932 publica “As condições de vida das classes operárias no Recife (estudo
econômico de sua alimentação)” onde o autor transcende uma visão apenas biológica do
fenômeno da fome trazendo também uma visão econômica e social para este problema.
A meu ver esta aqui posta a abertura de seu pensamento em direção à ciência
geográfica.
Após cinco anos passados no Recife, volta ao Rio de Janeiro, para assumir na
então Universidade do Distrito Federal a Cátedra de Antropologia Física. Quando
Vargas dissolve a Universidade do Distrito Federal e cria a Universidade do Brasil (hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro), Josué de Castro passa a ocupar interinamente
a Cátedra de Geografia Humana (efetivado em 1948 com a defesa da tese “Fatores de
localização da cidade do Recife”).
8
Neste momento serão utilizadas duas principais referências bibliográficas. Elas são: ANDRADE,
Manuel Correia de. Josué de Castro: o homem, o cientista e seu tempo. In: CASTRO, Anna Maria de.
Fome um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. 3 ed. Recife: CEPE, 1996 e CARVALHO,
Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro na perspectiva da geografia brasileira: 1934/1956 – Uma
contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional, dissertação de mestrado, UFPE , 2001.
9
ANDRADE, Manuel Correia de. Josué de Castro: o homem, o cientista e seu tempo. In: CASTRO,
Anna Maria de. Fome um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. 3 ed. Recife: CEPE, 1996.
Página 288.

- 10 -
2.2 JOSUÉ DE CASTRO COMO PARTE INTEGRANTE DA INTELUCTUALIDADE

BRASILEIRA NO INÍCIO E MEADOS DO SÉCULO XX

O início do século XX é um período muito conturbado e de grandes


modificações do pensamento brasileiro. Forte característica deste momento, quando se
trata do pensamento brasileiro, é o fato de que autores aqui nascidos passam a se dedicar
aos estudos do próprio Brasil na tentativa de desmistificar (ou desmascarar) algumas
explicações existentes sobre a situação brasileira.
Antônio Cândido no prefácio de “Raízes do Brasil” aponta para três grandes
obras/autores que se incluem nesta tentativa de entender o país. O primeiro livro é
“Casa Grande e Senzala” (1933) de Gilberto Freyre, o segundo é o próprio “Raízes do
Brasil” (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e o terceiro “Formação do Brasil
Contemporâneo” (1942) de Caio Prado Júnior. Segundo o próprio Antônio Cândido:
“São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a
mentalidade ligada ao sopro de radicalidade intelectual e análise social que eclodiu
depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo."10
O importante aqui não é discutir quais seriam as obras mais interessantes ou
mais importantes deste período, mas tentar entender como Josué de Castro esteve muito
ligado também à este contexto “efervescente” não somente sendo influenciado por este,
mas também contribuindo com suas idéias.
Como se verá a seguir é na década de 30 que são implantadas as primeiras
Universidades no país11 que darão um grande impulso à produção intelectual brasileira.
O aparecimento de grandes autores, até então muito mais ligados ao autodidatismo,
estará deste momento em diante relacionado como o pensamento produzido nas
Universidades que terão como seus primeiros mestres, além de alguns professores
estrangeiros (no caso específico da Geografia em sua maioria franceses), mestres
brasileiros, dentre eles os aqui já citados Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda,
Caio Prado Júnior e também Josué de Castro.

10
CÂNDIDO, Antônio. O significado de “Raízes do Brasil” in HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do
Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
11
Em 1934 é fundada a Universidade de São Paulo e em 1935 a Universidade do Distrito Federal no Rio
de Janeiro.

- 11 -
2.3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA NO BRASIL – O CASO DO RIO DE
JANEIRO E A INFLUÊNCIA DA GEOGRAFIA FRANCESA

Em 1934 é implantada em São Paulo a Universidade de São Paulo (estadual)


sendo esta um dos claros frutos da Revolução de 30 e fazendo parte de um projeto
liberal da elite local. Um ano depois, em 1935, é implantada no Rio de Janeiro, então
capital da República, a Universidade do Distrito Federal. Esta implantação decorre da
política nacionalista de Vargas (1930-1945).
Através do tese de doutorado de Mônica Sampaio Machado intitulada “A
Geografia Universitária Carioca e o Campo Científico-Disciplinar da Geografia
Brasileira” é possível visualizar o contexto em que se deu a institucionalização da
Geografia no Rio de Janeiro na Universidade do Distrito Federal (que se torna
posteriormente Universidade do Brasil).Segundo Mônica Machado Sampaio: “A
institucionalização da geografia universitária brasileira ocorre a partir destes dois
novos pólos de produção científica nacional. O polo universitário “paulista” e o polo
universitário “carioca”. Tanto a Universidade de São Paulo quanto a Universidade do
Distrito Federal possibilitaram a implantação da geografia moderna no Brasil e
impulsionaram a formação de duas escolas representativas da geografia nacional: a
escola paulista e a escola carioca de geografia.”12
O período era conturbado e de grandes disputas entre liberais e conservadores
(ligados à Igreja) pelo controle dos caminhos a serem seguidos pelo ensino nacional.
Mônica Sampaio Machado aponta em sua tese para o fato de pouco a pouco a
Universidade do Distrito Federal ficar cada vez mais submetida às condutas políticas
dadas pelo Governo Federal e aos católicos, diferentemente do que aconteceu na
Universidade de São Paulo com maior independência em relação às estruturas federais,
mas muito ligada à elite do Estado de São Paulo.
Apesar das diferenças entre ambas, a Geografia tanto na Universidade de São
Paulo como na Universidade do Distrito Federal tiveram grande influência dos
pensadores franceses. Pierre Deffontaines (1936-1939) oriundo de uma das missões
francesas, além de ter participado de atividades em São Paulo, assumiu um forte
compromisso na Universidade do Distrito Federal. Pierre Deffontaines tinha grande

12
MACHADO, Mônica Sampaio. A implantação da geografia universitária no Rio de Janeiro in Scripta
Nova – Revista eletrónica de Geografía y Ciencias Sociales N.º 69(5), Universidade de Barcelona, 2000.

- 12 -
afinidade com “Jean Brunhes, geógrafo católico, do College de France.”13 Sua ligação
com o catolicismo certamente favoreceu em sua transferência para a Universidade do
Distrito Federal em 1936, onde assume a cátedra de Geografia Humana.
A passagem de Deffontaines pelo Brasil é de extrema importância para a
tentativa de se estabelecer de um método para a geografia nacional como podemos notar
na seguinte passagem: “Empregando uma moderna concepção geográfica em defesa da
Geografia Humana, Deffontaines procura mostrar as características da natureza
brasileira e as conseqüentes atitudes do homem sobre sua paisagem. Seus artigos não
apenas davam um tom novo aos estudos geográficos brasileiros, mas também
apresentavam e descreviam a realidade territorial nacional, informação de
fundamental relevância para o Governo Federal naquele momento, empenhado na
centralização do poder, na modernização do território e na eliminação das barreiras
político-territoriais dos então arquipélagos econômicos que configuravam o território
nacional.”14
Esta concepção de Geografia está presente também em Josué de Castro que,
desde 1937, através da publicação do livro “Alimentação Brasileira à Luz da Geografia
Humana” onde se posiciona claramente a favor da influência francesa ao optar pelo que
ele chama de “método geográfico”.
Em resumo, é imprescindível apontar para o fato de Josué de Castro ter tido um
contato direto com autores da escola francesa durante a institucionalização da Geografia
no Brasil. Mais adiante tentaremos demonstrar esta influência através não só de um
entendimento do conjunto da obra, como também através de passagens em seus livros.

13
MACHADO, Mônica Sampaio. A Geografia Universitária Carioca e o Campo Científico-Disciplinar da
Geografia Brasileira, São Paulo, USP, 2002. Página 58.
14
MACHADO, Mônica Sampaio. A Geografia Universitária Carioca e o Campo Científico-Disciplinar da
Geografia Brasileira, São Paulo, USP, 2002. Página 64

- 13 -
2.4 O CONTEXTO POLÍTICO

Continuando esta breve tentativa de contextualizar a vida e a obra de Josué de


Castro é necessária também uma ilustração do cenário político em que ele viveu, o que
propositalmente será feito de forma breve em face aos objetivos do trabalho.
Tendo como referência o cenário nacional Josué de Castro vive 3 diferentes
fases da história brasileira. Primeiro em outubro de 1930 vê Getúlio Vargas subir ao
poder onde ficaria até 1945. Neste período Josué convive diretamente com o presidente
e algumas de suas idéias, como por exemplo a tentativa de estabelecer qual seria o valor
de um salário mínimo.
Entre 1945 e 1964 Josué de Castro vive “a experiência democrática”15. Este
período será com certeza o de maior atuação política do autor. Entre 1954 e 1962 é
Deputado Federal (pelo antigo PTB) eleito pelo Estado de Pernambuco. Assume
também cargos em órgãos internacionais sendo Presidente do Conselho da Organização
para a Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas entre 1952 e 1956.
Esta experiência é contudo interrompida com a subida do Regime Militar ao
poder. Em 1964, quando era embaixador do Brasil junto aos Órgãos da Nações Unidas,
Josué de Castro teve seus direitos políticos cassados através do Ato institucional N.º 1
de 9 de abril do mesmo ano. Josué de Castro permanecerá no exílio até sua morte em 24
de setembro de 1973, período em que se manteve em constante atividade intelectual e
política.
Tal contexto político apresenta também conexos com o cenário internacional,
que tem suas correspondências com o cenário brasileiro, mas apresenta também
algumas especificidades. Tendo em vista a escala internacional, vê-se nitidamente em
Josué um espírito otimista principalmente até a década de 60, o que é compartilhado por
grande parte dos pensadores da época. Este otimismo é característico do período
posterior as Guerras Mundiais e Josué de Castro chega a crer que o homem deixará sua
era “econômica” para entrar na era “social”. Em “Geografia da Fome” destaca: “O que
caracteriza fundamentalmente esta nova era, é uma focalização muito mais intensiva do
homem biológico como entidade concreta e a prioridade concedida aos problemas
humanos sobre os problemas de categoria estritamente econômica.”16

15
Definição de Boris Fausto em História Concisa do Brasil, São Paulo, Edusp, 2001.
16
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 22.

- 14 -
É neste contexto de otimismo que devemos também avaliar a posição que
Josué de Castro tinha frente aos organismos internacionais, a exemplo da ONU. Ele
participa ativamente destes organismos (é presidente do conselho da FAO entre 1952 e
1955) e chega a exaltá-los, mas também é clara sua decepção com estes (mais
especificamente com a FAO) após alguns anos de trabalho que não resultam no êxito
almejado.
Não deve ser negligenciado o intenso embate entre os regimes capitalistas e
comunistas durante a Guerra Fria. Este embate teve seus reflexos na discussão sobre a
fome e conseqüentemente na obra de Josué de Castro. Seu livro “Geopolítica da Fome”
foi editado primeiramente nos EUA pela editora Little Brown & Co. de Boston. Afirma
Josué no prefácio deste que: “Primeiro, desejamos acentuar que o livro foi escrito para
o público norte-americano, procurando o autor atender, da melhor maneira, às
exigências do leitor médio dos Estados Unidos.”17 Essa informação solta não diz muita
coisa, mas quando temos consciência de que o governo dos EUA tinham interesse em
divulgar o fenômeno da fome em seu país, é possível que vislumbremos os diversos
usos que sua obra pôde adquirir. Não obstante Josué de Castro era também reconhecido
como grande pensador sendo respeitado também na URSS.

17
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 26.

- 15 -
3. O MOVIMENTO DA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

O pensamento e a obra de um autor não podem ser interpretados como algo


estático, mas como um movimento. Este movimento do pensamento do autor deve ser
entendido através de uma relação de interação mútua com o movimento histórico.
Também é importante salientar que a concepção de movimento não consiste em
interpretar os momentos como separados uns dos outros. O objetivo, pelo contrário, é
entender as continuidades e descontinuidades dentro da unidade do movimento.
A importância de entender o movimento da obra de Josué de Castro (assim
como de muitos outros autores) repousa no fato de que este escreveu uma vasta obra,
onde cada publicação (livro, ensaio, artigo etc.) tem um sentido próprio dentro de um
todo. Este sentido próprio de cada publicação pode passar desapercebido para um leitor
desavisado, mas não pode deixar de ser alvo da interpretação de um estudo de história
do pensamento geográfico.

- 16 -
3.1 UMA LEITURA GEOGRÁFICA DA REALIDADE

Antes de tratar propriamente do movimento da obra de Josué de Castro, que é o


objetivo deste capítulo, é necessário, que se aponte para a maneira como ele interpretou
a realidade de sua época.
Neste sentindo, em um trabalho de “história do pensamento geográfico” é
imprescindível que sejam apresentados o método e os principais conceitos que dão base
à obra de Josué e porque ela pode ser colocada como uma “obra geográfica”.
Assim, se faz necessário o uso constante de citações que permitem que o leitor
visualize nitidamente as posições tomadas pelo autor. Ao mesmo tempo, a maioria das
citações levarão grifos18 realizados no intuito de deixar mais claro o conteúdo
trabalhado.
Conforme já fora mostrado, Josué de Castro teve uma ampla formação,
passando por diversas áreas do conhecimento. Formou-se em Medicina (especializando-
se nos campos da Fisiologia, Endocrinologia e Nutrição), e ministrou cursos de
Filosofia, Antropologia Física, Nutrição e Geografia.
Seus primeiros estudos publicados (“O Problema Fisiológico da Alimentação no
Brasil” de 1932, “O Problema da Alimentação no Brasil” de 1932, “Condições de Vida
das Classes Operárias do Recife” de 1932, e “Alimentação e Raça” de 1935”)
apresentam uma inclinação maior para as áreas da Nutrição e das Ciências Sociais19, o
que muda a partir de 1937 com a publicação de “A Alimentação Brasileira à Luz da
Geografia Humana”. O próprio Josué de Castro reconhece esta mudança metodológica
quando afirma: “Prosseguindo no estudo do problema [da alimentação], e cada vez
mais, convencidos de sua vultuosa importância, chegamos a evidência de quanto seria
interessante tratá-lo não mais em seus aspectos parciais, mas em seu conjunto, o que
só poderia conseguir com um estudo baseado nos métodos e princípios da geografia
humana, capaz de permitir uma visão total do assunto, com as várias perspectivas que
ele encerra. Fomos, desse modo, levados a escrever mais um livro sobre a alimentação.
Assim se explica a insistência.”20

18
Todos os grifos contidos nas citações são de autoria própria e não constam na obra do autor.
19
É importante ressaltar aqui a importância da antropologia no início do século XX em Recife. Grandes
exemplos disso são as obras de Gilberto Freyre e Luís da Câmara Cascudo.
20
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 13.

- 17 -
De imediato, faz-se importante ressaltar, como se pode ver na citação acima, que
Josué de Castro parte de uma problemática (a problemática da alimentação) e a partir
desta chega até o que ele denominou “método geográfico”. Como para a interpretação
da realidade não lhe bastaram os conhecimentos oferecidos pela Medicina e
Antropologia, partiu para novos campos do conhecimento, chegando até a Geografia.
Na sua perspectiva, a complexidade da problemática da alimentação é ampla,
sendo necessário abordar diversos aspectos da realidade. “Para ser estabelecida uma
alimentação racional fundada sobre princípios rigorosamente científicos, (...) são
precisos de um lado estudos aprofundados de fisiologia da nutrição, dos caracteres
físicos e morais do povo dessa região, de sua evolução demográfica, de sua capacidade
e resistência orgânicas e de outro lado, estudo das condições físicas do meio, das suas
condições econômicas, da organização social e dos gêneros de vida dos seus
habitantes. Abarca, assim, o estudo da alimentação, capítulos da biologia, de
antropologia, física e cultural, de etnografia, de patologia, de sociologia, de economia
política e mesmo de história.”21
Ainda segundo o Josué, o único modo de conseguir toda esta gama de
conhecimentos seria adotando o que ele denominou de “método geográfico”. “Com este
objetivo, julgamos que o único método eficaz de análise da questão, é o método
geográfico. Não o método puramente descritivo da antiga geografia, velha como o
mundo, mas o método da ciência geográfica que é nova, que é quase dos nossos dias.
Que se corporificou dentro dos princípios científicos formulados pelas experiências de
geógrafos como Karl Ritter, Humboldt, Ratzel, e Vidal de La Blache.”22
Estas afirmações contidas em seu primeiro livro, onde faz opção clara pela
ciência geográfica voltam à ser externadas em outros livros como “Geografia da Fome”,
“Geopolítica da Fome” e “Ensaios de Geografia Humana”.
Em “Geografia da Fome”, publicado pela primeira vez em 1946, ressalta: “Foi
diante desta situação que resolvemos encarar o problema de uma nova perspectiva, de
um plano mais distante, donde se possa obter uma visão panorâmica de conjunto, visão
onde alguns pequenos detalhes certamente se apagarão, mas na qual se destacarão de
maneira compreensiva, as ligações, as influências e as conexões dos múltiplos fatores
que interferem nas manifestações do fenômeno. Para tal fim pretendemos lançar mão

21
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 22.
22
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 24.

- 18 -
do método geográfico, no estudo do fenômeno da fome. Único método que, ao nosso
ver, permite estudar o problema em sua realidade total, sem arrebatar-lhe as raízes
que o ligam subterraneamente a inúmeras outras manifestações econômicas e sociais
da vida dos povos.”23 E completa de maneira muito parecida às indicações feitas em “A
Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”: “Não o método descritivo da
antiga geografia, mas o método interpretativo da moderna ciência geográfica, que se
corporificou dentro dos pensamentos fecundos de Ritter, Humboldt, Jean Brunhes,
Vidal de La Blache, Griffith Taylor e tantos outros.”24
No prefácio da edição francesa de “Geopolítica da Fome”, Max Sorre destaca:
“Em suma, o quadro da fome no mundo tem suas modalidades geográficas. As
diferenças locais prendem-se ao conjunto dos traços de complexo geográfico, traços
naturais e traços humanos. Elas constituem uma descrição do gênero de vida. É por aí
que reconhecemos a fome. Mas, há mais. O tratamento geográfico, como com bastante
exatidão o mostra Josué de Castro, é o que fornece os esclarecimentos mais
complexos sobre este fenômeno. Ele lhes dá o sentido pleno, o que não fazem nem a
sociologia, nem a economia, nem a história, porque encara o fenômeno no conjunto
das condições do meio.”25
Portanto, o que se vê é uma continuidade na obra do autor que adota em seus
mais conhecidos livros o que ele próprio designou “método geográfico”. Este “método
geográfico” acompanhará a sua obra durante anos, seja em seus livros científicos, seja
em seus romances. Vejamos agora, mais atentamente o que Josué aponta como “método
geográfico”.
Conforme fora visto anteriormente, a Geografia aparece na obra de Josué, como
uma ciência que englobaria diversos conhecimentos, aparecendo em “Ensaios de
Geografia Humana” como uma ciência enciclopédica: “Simples catálogo enumerativo
dos lugares, na antigüidade; traçado de itinerários das terras conquistadas, no tempo
dos romanos; espelho mágico do mundo na era das grandes descobertas, a geografia
tornou-se hoje uma ciência complexa, a mais enciclopédica e universalista das
ciências.”26 Neste mesmo livro Josué de Castro chega até mesmo a classificar “a
geografia como ‘ciência mater’ sobre as disciplinas filhas”27 quando trata da

23
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 18.
24
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 18.
25
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 22.
26
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 11.
27
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 13.

- 19 -
importância dos “princípios geográficos” para a Zoologia, a Botânica, a Antropologia e
a Sociologia.
E são exatamente estes “princípios geográficos”, definidos por ele próprio, que
caracterizam seu “método geográfico”. Estes princípios que são citados claramente em
“A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”, “Geografia da Fome” e
“Ensaios de Geografia Humana”, podem ser percebidos também em “Geopolítica da
Fome”.
Em 1937 Josué de Castro apresenta os quatro princípios da seguinte maneira. O
primeiro princípio seria o da localização, extensão e delimitação que determina que o
geógrafo deve sempre localizar e delimitar a ocorrência dos fenômenos que ocorrem
sobre a superfície da Terra.
O segundo princípio seria o da coordenação ou correlação onde o entendimento
de cada fenômeno nunca se dá de modo isolado, mas sempre levando em consideração
outros fenômenos ocorridos em outras partes do globo terrestre.
O terceiro princípio seria o da conexidade que aponta para a conexão dada pelo
meio aos fenômenos impondo uma unidade terrestre.
E o quarto e último princípio geográfico seria o da causalidade que estabelece
que os geógrafos, ao examinar qualquer fenômeno, devem atentar para suas causas e
efeitos.
A propósito, em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana” ele
comenta tais princípios do seguinte modo: “Só a geografia, que considera a terra como
um todo, e que ensina a saber ver os fenômenos que se passam em sua superfície, a
observá-los, agrupá-los e classificá-los, tendo em vista sua localização, extensão,
coordenação e causalidade – pode orientar o espírito humano na análise do vasto
problema da alimentação, como um fenômeno ligado, através de influências
recíprocas, à ação do homem, do solo, do clima, da vegetação e do horizonte de
trabalho.”28 Mais adiante ele trata de cada um dos princípios separadamente:
• “... princípio geográfico da extensão, enunciado por Frederich Ratzel – de que se
deve sempre determinar a extensão dos fenômenos na superfície da terra.”29

28
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 25.
29
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 26.

- 20 -
• “... princípio da coordenação geográfica [estudo comparativo], expresso por Karl
Ritter e recentemente apreendido por Vidal de La Blache, quando afirmou ‘que
nenhuma parte da terra leva em si sua explicação’.”30
• “... princípio da causalidade, que busca, num exame de um fenômeno, lançar as
causas que determinam sua extensão e intensidade. Foi Humboldt que pois em relevo
este princípio, o qual transformou a geografia de descritiva em explicativa.”31
• “... princípio da conexidade de Vidal de La Blache, estudaremos a alimentação,
como um fator de evolução social, ao lado de outros fatores aos quais ela esta ligada,
por conexão do meio, por influências mútuas.”32
Em “Geografia da Fome”, mantendo-se fiel à proposta de “A Alimentação
Brasileira à Luz da Geografia Humana”, mas tratando diretamente do fenômeno da
fome, escreve: “Não queremos com isto dizer que nosso trabalho seja estritamente uma
monografia geográfica da fome, em seu sentido mais restrito, deixando à margem os
aspectos biológicos, médicos e higiênicos do problema; mas, que, encarando esses
diferentes aspectos, o faremos sempre, orientados pelos princípios fundamentais da
ciência geográfica, cujo objetivo básico é localizar com precisão, delimitar e
correlacionar os fenômenos naturais e culturais que se passam à superfície da terra. É
dentro desses princípios geográficos, da localização, da extensão, da causalidade, da
correlação e da unidade terrestre, que pretendemos encarar o fenômeno da fome.”33
Vê-se que alguns conceitos levam outras denominações, contudo a concepção do que
seriam os princípios geográficos permanece a mesma.
E por último no ano de 1957 em “Ensaios de Geografia Humana” Josué de
Castro menciona mais uma vez a importância dos princípios geográficos: “O grande
poder da ciência geográfica contemporânea não está apenas em enxergar mais longe,
conhecer terras e mais terras por todos os horizontes; mas principalmente em localizar
com precisão, delimitar e correlacionar os fenômenos naturais e culturais que se
passam na superfície da terra, com uma natureza minuciosa. (...) só o espírito
disciplinado dos princípios geográficos da correlação, da localização e da unidade

30
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 26.
31
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 26.
32
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 27.
33
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 18.

- 21 -
cósmica é capaz de ver integralmente o encadeamento dos fenômenos de vida global
do nosso planeta.”34
Pode-se afirmar então, que a obra de Josué é marcada por uma concepção de
ciência e uma concepção da própria Geografia, que pouco muda com o decorrer dos
anos. Em 1937 Josué de Castro já define a Geografia do seguinte modo: “Definindo a
geografia moderna com Martone – como a ciência dos fenômenos físicos, biológicos e
sociais, encarados em sua distribuição na superfície do globo, suas causas e relações
recíprocas – estudaremos geograficamente o problema da alimentação.”35
É importante também observar, como já fora dito aqui, a importância do
contexto em que Josué de Castro viveu e escreveu seus livros para o entendimento
crítico de sua obra. Percebe-se claramente na maneira como o autor define a Geografia,
o “método geográfico” e também os “princípios geográficos” uma grande influência da
escola francesa (apoiada nos ensinamentos de Vidal de La Blache) que teve grande
papel na institucionalização da Geografia no Brasil. Nota-se também que Josué de
Castro faz questão de fundamentar sua posição com a citação dos clássicos autores da
Geografia – Humboldt, Ritter, Ratzel, La Blache, Brunhes, Martone – demonstrando
ainda uma preocupação do autor com a “história do pensamento geográfico”.
Desse modo, ao interpretar sua obra fica clara a influência que escola francesa
exerceu em seu pensamento. Sua veemente negação do determinismo na Geografia e
suas posições explícitas em favor do possibilismo reafirmam esta idéia.36 Seu contato
com o possibilismo é evidente e está presente até o fim de sua obra. Em “O Livro Negro
da Fome” publicado pela primeira vez em 1957 Josué de Castro afirma: “A verdade é
que em Medicina, ou no campo das ciências sociais ou geográficas cada vez mais
devemos ser prudentes ao falarmos em determinismo, desde que mais consentâneo se
apresenta o conceito de possibilismo, ou seja, da ação de fatores que possibilitam o
aparecimento de fenômenos, quer biológicos quer sociais.”37
Josué de Castro buscará uma explicação histórica para o fenômeno da fome,
principalmente quando trata do Brasil. Em “Geografia da Fome” afirma que: “A fome
no Brasil é conseqüência, antes de tudo, de seu passado histórico, com seus grupos

34
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 11.
35
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página
36
Esta dicotomia entre o possibilismo e o determinismo é uma posição tomada pelo próprio Josué. É
importante notar que este debate tem sido revisitado na História do Pensamento Geográfico.
37
CASTRO, Josué de. O Livro Negro da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1960. Página 18.

- 22 -
humanos sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais.”38 Essa
abordagem rompe completamente com os determinismos naturais, segundo os quais os
povos dos trópicos sofreriam uma influência negativa de seu clima o que explicaria
entre outros o problema da fome.
Mas Josué também ousou ao romper (parcialmente) com a tradição da escola
francesa, e colocou os problemas sociais a frente de seus estudos. Este engajamento, do
qual trataremos ao explicitar o início de uma fase crítica em sua obra, não era
característico da Geografia praticada pelos adeptos das teorias de La Blache. Com
efeito, Antônio Alfredo Teles de Carvalho destaca que: “Mas, a propósito da Geografia
a verve antecipatória de Josué de Castro mostrar-se-á na abordagem diferenciada que
vai desde a politização e o caráter social conferido a disciplina à inserção na disciplina
de diversos temas a priori e genericamente ‘não-geográficos’.”39 E complementa
afirmando que: “... na análise regional dentro do contexto geográfico, onde o autor
perpassa os limites impostos pelo asseptismo vidalino para estabelecer a articulação
natural com o social através de múltiplos aspectos característicos de disciplinas
distintas...”40 Segundo Carvalho, isso explicaria também, mesmo que parcialmente, a
divulgação um tanto quanto restrita da obra de Josué entre os demais geógrafos
contemporâneos e sucedâneos.
Voltando a apresentação dos principais conceitos utilizados por Josué de Castro
vemos que ele confere extrema importância à localização e extensão dos fenômenos
estudados. Esta espacialidade atravessará toda a obra do autor, principalmente durante
os estudos de caso, através de 3 conceitos principais: região, área e zona.
Uma interpretação comparativa da utilização dos três conceitos revela que todos
contêm o mesmo sentido na obra do autor, não havendo diferença significativa entre
eles.
Em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”, faz uma divisão do
país na tentativa de determinar um regime alimentar para a população brasileira. Nesta
divisão utilizará o conceito de zona, onde o Brasil se dividirá em: zona Norte, zona da
Mata do Nordeste, zona do Sertão do Nordeste, zona Centro e zona Sul. Em “Geografia

38
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 294.
39
CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro na perspectiva da Geografia Brasileira:
1934/1956 – Uma contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional, dissertação de
mestrado, UFPE, 2001. Página 69/70.
40
CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro na perspectiva da Geografia Brasileira:
1934/1956 – Uma contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional, dissertação de
mestrado, UFPE, 2001. Página 109.

- 23 -
da Fome” o autor troca o conceito, sem alterar a divisão e sua fundamentação, passando
a dividir o país em áreas alimentares que são: área da Amazônia, área da Mata do
Nordeste, área do Sertão do Nordeste, área do Centro-Oeste e área do Extremo Sul (há
uma mudança nos nomes das duas últimas áreas, porém não há qualquer mudança em
sua delimitação).
Através de citações não é difícil perceber a semelhança, senão equivalência, que
guarda o conteúdo dos conceitos. Na introdução de “Geografia da Fome” Josué de
Castro afirma: “Para que uma determinada região possa ser considerada uma área de
fome, dentro do nosso conceito geográfico...”41. Vê-se neste exemplo que não há
diferença entre a utilização dos conceitos de região e área. Pouco mais adiante escreve:
“...concentraremos todo nosso interesse na caracterização dessas zonas onde o
fenômeno da fome vem exercendo uma ação despótica...”42. Os três conceitos têm o
mesmo sentido e apontam para a incidência de um fenômeno em determinada parcela da
superfície terrestre.43 Estes três conceitos se repetem por diversos momentos da obra do
autor, porém seria muito dispendioso e pouco produtivo expor aqui cada um dos
significados que cada um recebe. Em um rápido levantamento podemos observar as
seguintes ocorrências: “áreas geográficas”, “áreas de fome”, “áreas do continente
americano”, “zonas geográficas do país”, “zonas de fome”, “regiões”, “região de
fome” e “grupos regionais”44.
Conclui-se portanto que todos os três conceitos (área, região e zona) aparecem
como sinônimos e seu significado se refere a espacialidade do fenômeno, no sentido de
apontarem para a sua localização e extensão.
Ainda com relação ao “princípio geográfico” da localização e extensão dos
fenômenos terrestres é imprescindível alertar para a importância que Josué de Castro
confere ao estabelecimento dos “limites geográficos”. Segundo o próprio autor em
“Geopolítica da Fome”: “Antes de tudo, devemos, em obediência ao método geográfico
que adotamos, fixar bem os limites da área a estudar.”45 E é desta maneira que Josué irá
se portar no início de cada área, região ou zona por ele estudada.

41
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 47.
42
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 48.
43
Entre as páginas 24 e 48 de “Geografia da Fome” Josué de Castro intercala os conceitos de “área de
fome”, “zona de fome” e “região de fome”. In CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro,
Cruzeiro, 1948.
44
Todas também entre as páginas 24 e 48 de “Geografia da Fome”. In CASTRO, Josué de. Geografia da
Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948.
45
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 340.

- 24 -
Convém ainda ressaltar que estes “limites geográficos” se mostrarão sempre
como limites naturais. A titulo de exemplo, em “Geografia da Fome”, ao tratar da
Amazônia, escreve que: “Os limites geográficos desta área são bem nítidos: com as
suas terras atravessadas de lado a lado pela linha equatorial, ela se estende para o
norte até o sistema montanhoso das Guianas e para o sul até alcançar a região semi-
árida do nordeste brasileiro, onde seu revestimento florestal se transforma em
vegetação de campo. Os contrafortes orientais da cadeia dos Andes constituem o seu
46
limite a oeste.” Ao tratar do sertão do Nordeste afirma: “A chamada área do sertão
do Nordeste se estende desde as proximidades da margem direita do rio Parnaíba do
seu extremo norte, até o rio Itapicuru no seu extremo sul...”47
Portanto, para o autor os “limites geográficos” seriam limites de característica
naturais. Contudo, não é somente no que concerne aos limites que o termo “geográfico”
é caracterizado como algo natural. É possível ver como isso se revela através de
diversos conceitos que levam consigo a designação de “geográfico”.
Em “Geografia da Fome” Josué irá contrapor os “fatores geográficos” aos
“fatores socioculturais”: “Procurando investigar as causas fundamentais dessa
alimentação em regra tão defeituosa e que tem pesado tão duramente na evolução
econômico-social do nosso povo, chega-se à conclusão de que elas são mais produtos
de fatores socioculturais do que de fatores de natureza geográfica.”48 Neste sentido
entende-se o geográfico como algo natural, que se refere principalmente ao clima, à
vegetação, ao solo e ao relevo. No mesmo sentido, ao tratar da fome na Área do
Nordeste Açucareiro, assegura: “Quando se estuda as condições de alimentação dessa
área, o que logo surpreende o investigador é o contraste marcante entre as aparentes
possibilidades geográficas e a extrema exigüidade de recursos alimentares da região.
(...) Já no Nordeste o fenômeno é chocante e não se pode explicá-lo à base de razões
naturais. As condições tanto do solo quanto do clima regionais, sempre foram as mais
propícias ao cultivo certo e rendoso de uma infinidade de produtos alimentares.”49
Esta noção continua presente em “Geopolítica da Fome” como podemos ver em
sua caracterização do fenômeno da fome na Índia. “Para que se possa captar o
mecanismo através do qual se constituiu a estrutura econômico-social da Índia com
suas graves deficiências, é necessário que se tenha, antes de tudo, uma noção clara,

46
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 51.
47
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 180.
48
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 45.
49
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 112 e 113.

- 25 -
embora sintética, de seus fundamentos geográficos. (...) Com sua superfície de cerca
de um milhão e oitocentos mil milhas quadradas, abrange três regiões geográficas
nitidamente diferenciadas e de possibilidades econômicas bem diferentes: ao Norte, a
gigantesca cadeia do Himalaia; ao Sul, o planalto do Decan atravessado por cadeias
de montanhas pouco abruptas e, entre essas duas regiões, a grande planície do
Hindustão, sulcada pelos grandes rios que descem o Himalaia – o Ganges, o Indus e o
Bramaputra.”50
Em “Ensaios de Geografia Humana” ao tratar das grandes regiões naturais Josué
salienta: “Pela ação do clima e da natureza do solo, se constituem as diversas
roupagens de vegetação, que revestindo a paisagem, dão individualidade às chamadas
regiões naturais. Pode-se, portanto, definir uma região natural como uma área
geográfica, individualizada e caracterizada por um conjunto peculiar de condições
climáticas, estrutura geográfica, circulação de água e distribuição de seres vivos.”51
Porém devemos atentar para uma outra perspectiva presente na obra de Josué de
Castro que apresenta também a ação do homem como “fator geográfico”. Esta outra
perspectiva é apresentada em “Ensaios de Geografia Humana”: “Este trabalho se
concentra numa série de estudos de categoria geográfica – neste setor da Geografia
que, ao focalizar o homem como objetivo central de suas análises, se chamou
Geografia Humana.”52 Neste mesmo livro ele acena para a ação do homem como
“fator geográfico” quando escreve: “Neste volume estudaremos aspectos positivos da
ação do homem como fator geográfico, como modelador e transformados da
natureza.”53
Constata-se também esta noção da ação do homem como “fator geográfico”
durante os estudos de caso que o autor empreende. Um bom exemplo é o modo como o
autor trata do processo de “colonização” da Amazônia em “Geografia da Fome”.
“Núcleos que pudessem realmente atuar por sua força colonizadora, como verdadeiros
fatores geográficos, alterando a paisagem natural, modelando e polindo as suas mais
duras arestas, amaciando os seus rigores excessivos a serviço das necessidades
biológicas do elemento humano.”54

50
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 268 e 269.
51
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 16.
52
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 7.
53
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 7.
54
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 52.

- 26 -
É possível apontar para uma certa ambigüidade no que se refere ao termo
“geográfico” na obra de Josué de Castro. Por vezes geográfico se identifica somente
com fenômenos/fatores naturais. Porém em algumas passagens, aquilo que é geográfico
também se refere aos fenômenos humanos. Outra ambigüidade se revela quando o autor,
por vezes coloca, o homem como um “fator geográfico” e em outras ocasiões o coloca
como um “fator cultural”.
Definindo ou não o homem como fator geográfico Josué de Castro ao optar pela
temática da fome certamente coloca o Homem no centro de suas atenções e de sua obra.
E portanto de um modo geral pode-se dizer que permanece fiel a sua proposta de
“Geografia Humana” onde o Homem é o objetivo central de seus estudos.
Ainda em relação a esta distinção entre o humano e o natural (que remete à
divisão entre “Geografia Física” e “Geografia Humana”) é muito importante expor o
modo como Josué de Castro apresente o conceito de paisagem. Para ele: “O estudo da
paisagem – tanto da paisagem natural, produto exclusivo das forças físicas
trabalhando à superfície do planeta, como da paisagem cultural, resultado da
interferência do elemento humano, alterando a paisagem natural, criando fatos novos,
modelando uma paisagem humanizada – é, em última análise, o objeto essencial da
geografia, desta geografia moderna que acabou com as barreiras, com as fronteiras
artificiais que a dividem tolamente em geografia física e geografia humana, em
geografia geral e geografia regional.”55
Após esta breve introdução teórico-metodológica à obra de Josué de Castro
vejamos como se dá o movimento desta.

55
CASTRO, Josué de. Ensaios de Geografia Humana, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 12.

- 27 -
3.2 DA FASE EXPLICATIVA À FASE CRÍTICA

Em “Josué de Castro na perspectiva da Geografia Brasileira: 1934/1956 – Uma


contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional” Antônio Alfredo
Teles de Carvalho aponta para uma clara distinção no movimento da obra de Josué de
Castro. Segundo ele, haveria uma primeira fase mais descritiva que se estende até
meados da década de 40 e uma segunda fase crítica a partir de 1946, data da publicação
de “Geografia da Fome”. Carvalho escreve: “A apreensão articulada do universo
temático evocado o conduzira a trilhar essencialmente duas linhas em dois momentos
distintos de sua trajetória e nas quais fundamentaram-se as suas abordagens. A
primeira, descritiva, observada nos primeiros trabalhos, estender-se-á até meados da
década de 40. (...) A partir de 1946, com a publicação de Geografia da Fome, Josué
assume uma linha crítica explícita a propósito dos rumos da economia e da política.”56
Esta análise crítica transcende a escala nacional com a publicação cinco anos
mais tarde do livro “Geopolítica da Fome”. Tal distinção é muito feliz e pode ser
facilmente comprovada com a leitura das publicações anteriores a “Geografia da Fome”.
Porém gostaríamos aqui de caracterizar esta primeira fase do pensamento de
Josué de Castro como explicativa no intuito de sermos mais fiéis às palavras de Josué.
Citaremos novamente algumas passagens já contidas neste trabalho a respeito do
“método geográfico” exposto por Josué de Castro, com o objetivo de justificar a
classificação da fase como explicativa e não descritiva. Em “A Alimentação Brasileira à
Luz da Geografia Humana” afirma: “..., julgamos que o único método eficaz de análise
da questão, é o método geográfico. Não o método puramente descritivo da antiga
geografia, velha como o mundo, mas o método da ciência geográfica que é nova, que é
quase dos nossos dias. Que se corporificou dentro dos princípios científicos formulados
pelas experiências de geógrafos como Karl Ritter, Humboldt, Ratzel, e Vidal de La
Blache.”57 E conclui ao tratar do princípio da causalidade: “... princípio da causalidade,
que busca, num exame de um fenômeno, lançar as causas que determinam sua extensão

56
CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro na perspectiva da Geografia Brasileira:
1934/1956 – Uma contribuição à historiografia do pensamento geográfico nacional, dissertação de
mestrado, UFPE, 2001. 67
57
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 24.

- 28 -
e intensidade. Foi Humboldt que pois em relevo este princípio, o qual transformou a
geografia de descritiva em explicativa.”58
Neste livro o autor se propõe a estabelecer um padrão dietético brasileiro
vinculado a realidade social em que vive a população. Ele chega a quantidade mínima
de 2.793 calorias por adulto que é representada pela seguinte tabela:

Quadro 1
1 Despesa fundamental – Metabolismo de Base – 33,8 calorias, por hora
e metro quadrado da superfície corporal, considerando o homem médio
com uma superfície cutânea de 1,65 metros, teremos 33,8 x 24 x 1,65 = 1.338 calorias
2 Despesas de trabalho ativo, profissional 100 calorias por hora x 8 800 calorias
horas
3 Despesa de 8 horas de atividades leves, repouso relativo – 30% sobre
as despesas de base 401 calorias
4 Despesas gastas pela ação específico-dinâmica dos alimentos –
porcentagem de 10% 254 calorias
Total 2.793 calorias

Fonte: CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 68.

Trata-se certamente de um livro da fase explicativa da obra de Josué de Castro, o


que não impede porém de notamos em algumas passagens a abertura para a existência
de uma fase crítica. Josué desde então já nega veementemente os preconceitos com
relação ao clima que segundo ele advém de uma idéia da influência determinista do
meio sobre a evolução humana. Além disso, aponta também para os efeitos trágicos da
colonização (que serão tratados com maior atenção em “Geografia da Fome” e
“Geopolítica da Fome”) quando mostra que não se mantiveram as tradições alimentares
existentes em Portugal, primeiro pela impossibilidade do consumo de vinho (uva) e pão
(trigo) e segundo pela enorme ganância, seja pelo ouro, seja pela cana, que fez com que
os colonizadores não se preocupassem com o plantio de alimentos. Esta ganância
criticada por Josué de Castro, é de fato um tema muito atual ainda nos dias de hoje,
sendo este tema retomado mais adiante. De qualquer modo, é possível perceber até aqui,

58
CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 26.

- 29 -
que Josué de Castro extrapola a visão estrita da escola francesa, incluindo um tom mais
crítico ao estudo geográfico.
Ainda com relação as questões teóricas metodológicas, Josué não colocará a
Ciência da Nutrição “acima” da Geografia, não permitindo que se passe por cima das
diferenças espaciais. Respeitando as 2.800 calorias segundo Josué seriam necessárias
para a sobrevivência Josué propõe um “Zoneamento do Brasil em função dos tipos
regionais de alimentação”. Este zoneamento é ilustrado na seguinte tabela:

Quadro 2
Zoneamento do Brasil em função dos tipos regionais de alimentação
ZONAS Região geográfica que abrange Alimentos básicos Proporções
mútuas
I Farinha de mandioca 3
ZONA Amazonas, Acre e Pará. Feijão 2
NORTE Peixe 1
Castanha do Pará 1
II Farinha de mandioca 3
ZONA DA A faixa da mata dos Estados do Feijão 2
MATA DO MA, CE, RN, PB, PE, AL, SE e Aipim 2
NORDESTE BA. Charque 1
III Milho 3
ZONA DO Sertão de MA, PI, CE, RN, PB, Feijão 1
SERTÃO PE, AL, SE, BA e norte de GO Carne 1
DO NORDESTE (hoje TO) Rapadura 1
IV Carne 2
ZONA Minas Gerais, Mato Grosso e Feijão 2
DO Goiás Milho 2
CENTRO Toucinho 1
V São Paulo, Espírito Santo, Carne 3
ZONA Distrito Federal, Rio de Pão 3
DO Janeiro, Paraná, Santa Arroz 2
SUL Catarina, Rio Grande do Sul Batata 1

Fonte: CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937.
Página 150.

- 30 -
A partir deste zoneamento Josué de Castro apresentará um mapa com as divisões
das regiões.

MAPA DAS ÁREAS ALIMENTARES DO BRASIL


Organizado por Josué de Castro

Fonte: CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, Porto Alegre,
Globo, 1937. Página 148.

É indispensável apontar para a intenção de Josué de Castro em estabelecer um


custo de cada padrão alimentar, o que não foi possível pela inexistência de dados e
estatísticas na época. Esta tentativa está diretamente ligada à idéia do estabelecimento
de um salário mínimo, até então inexistente no país. Portanto, não por acaso, Josué
estabeleceu tanto um padrão alimentar como tentou também estabelecer seu custo para
cada zona do país.
A partir deste momento tem início a fase onde Josué de Castro desenvolverá
suas obras mais críticas.

- 31 -
3.3 GEOGRAFIA DA FOME E O INÍCIO DA FASE CRÍTICA

“Geografia da Fome” juntamente com “Geopolítica da Fome” são certamente os


dois livros mais conhecidos de Josué de Castro tendo sido traduzidos e editados em
mais de 25 idiomas. São também dois marcos no ingresso do autor em uma fase menos
explicativa e mais crítica, sem no entanto romper completamente com a escola francesa
tão presente na Geografia brasileira.
Ao analisar a gênese da “Geografia Crítica”, Antônio Carlos Robert Moraes,
destaca o momento em que esta se consolidou em contraposição à “Geografia
Tradicional ou Pragmática”. Para ele: “A Geografia Crítica tem suas raízes na ala mais
progressista da Geografia Regional Francesa. (...) É no bojo desse processo que
germinam as primeiras manifestações de um pensamento geográfico crítico, ao se
introduzir na análise regional novos elementos.”59
Sem dúvida, Josué de Castro se insere neste movimento mas não pode ser
caracterizado como pertencente a esta “Geografia Crítica” ao desenvolver uma
Geografia caracterizada pela denúncia. Conforme Antônio Carlos Robert Moraes:
“Entretanto, esta Geografia de denúncia não rompia, em termos metodológicos, com a
análise regional tradicional. Mantinha-se a tônica descritiva e empirista, apenas
passava a englobar no estudo tópicos por ela não abordados. Introduziam-se novos
temas, mantendo os procedimentos gerais da análise regional. Fazia-se uma descrição
da vida regional, que não encobria as contradições existentes no espaço analisado.
Sendo a realidade injusta, sua mera descrição já adquiria um componente de oposição
à ordem instituída. Tal perspectiva, em obras como a Geografia da Fome de Josué de
Castro, ou a Geografia do Subdesenvolvimento de Y. Lacoste. Estes livros não iam
além da proposta regional, porém apresentavam realidades tão contraditórias, que sua
simples descrição adquiria uma força considerável de denúncia, fazendo da Geografia
um instrumento de ação política. Estes estudos tiveram um papel significativo, pois
abriram novos horizontes para os geógrafos, ao apontarem uma perspectiva de
engajamento social, de atuação crítica.”60
É imprescindível ressaltar, no entanto, que além de ter sido publicado 20 anos
antes de “Geografia do Subdesenvolvimento” (“Geografia da Fome” foi publicado em

59
MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia – Pequena História Crítica, São Paulo, Hucitec, 1983.
Página 117
60
MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia – Pequena História Crítica, São Paulo, Hucitec, 1983.
Página 118-119.

- 32 -
1946, enquanto “Geografia do Subdesenvolvimento” de Y. Lacoste foi publicado em
1966), há certamente uma grande influência de Josué de Castro nas idéias expostas por
Lacoste61. Mais uma vez é possível notar que Josué em muitos aspectos estava adiante
de sua época.
É sintomático para esta caracterização de uma fase crítica na obra de Josué de
Castro o fato de “Geografia da Fome” terminar apontando para conclusões como: “Esta
situação de subnutrição crônica se vem acentuando nos últimos anos pelo crescimento
normal de nossas populações, sem o incremento correlato da produção, pelos erros
graves da política econômica do governo brasileiro quando estabeleceu privilégios
desproporcionados para a indústria nacional, deixando quase ao abandono as
atividades agrícolas.”62 Ou para medidas como: “Combate ao latifundarismo,
principalmente nas contingências em que grandes extensões de terra permaneçam
improdutivas;”63 para que se possa acabar com a fome no Brasil.
É importante ainda, lembrar que a escolha da temática da fome, como temática
central de sua obra, tem tanto um significado científico como político e se manifestará
durante toda sua obra como um elemento potente na realização da crítica ou denúncia
das relações sociais existentes.
Nesta fase da obra de Josué de Castro alguns conteúdos serão trabalhados com
maior atenção. São exemplos claros os casos da reforma agrária, do latifúndio, das
relações de dependências entre os países e do papel da herança histórica na
configuração do território.
Estes conteúdos que tem um claro papel contestatório irão marcar esta fase de
seu pensamento e deste modo caracterizam uma postura mais crítica frente aos
problemas estudados.
Outro fator importante a ser apontado é a questão da cartografia, ainda presente
nesta fase de sua obra.
Em “Geopolítica da Fome”, que trata do fenômeno da fome em todo o mundo, e
portanto tem um caráter mais sintético do que “Geografia da Fome”, Josué de Castro
não apresenta nenhum mapa.

61
A relação entre Josué de Castro e Lacoste, com especial atenção para o livro “Geografia do
Subdesenvolvimento” será desenvolvida mais adiante.
62
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 301.
63
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 304.

- 33 -
Já em “Geografia da Fome” Josué de Castro irá atualizar seu mapa, que até então
se referia apenas as áreas alimentares brasileiras, introduzindo nele o fenômeno da
fome. Neste sentido ele irá identificar quais são as áreas de fome (endêmica ou
epidêmica) no Brasil.

MAPA DA FOME NO BRASIL


Organizado por Josué de Castro

CARVALHO, Antonio Alfredo Teles de. Josué de Castro na Perspectiva da Geografia Brasileira –
1934/1956: uma contribuição à historiografia geográfica nacional. Dissertação (Mestrado em Geografia) Centro de
Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2001. p. 77.

- 34 -
3.4 A FASE DESENVOLVIMENTISTA

Ao interpretar-se o movimento existente na obra de Josué de Castro, não se pode


deixar de considerar que as publicações e os discursos do autor posteriores à publicação
do livro “Geopolítica da Fome” apresentam uma mudança em seu pensamento. Esta
mudança é caracterizada pela entrada do conceito, ou melhor, do par de conceitos
desenvolvimento e subdesenvolvimento, que como se verá, alteram significativamente
o conteúdo de seu pensamento. Para o entendimento desta terceira fase da obra que se
pode caracterizar como uma fase desenvolvimentista, destacam-se os seguintes livros:
“Geopolítica da Fome” (1951); “Três Personagens: Einstein, Fleming e Roosevelt”
(1955); “O Livro Negro da Fome” (1957) e “Ensaios de Biologia Social” (1957), onde
sobressaem os ensaios “Aos Pobres Pertence o Reino da Terra” (discurso pronunciado
no Conselho Mundial da Paz em Estocolmo em 1954); “Uma Economia Humanizada”
(prefácio do livro O Mercado Mundial de Cereais, de Hubert D’Herouville, publicado
em 1955); “Crise Social e Desenvolvimento Econômico do Mundo” (1955);
“Desenvolvimento Econômico e Bem-Estar Social” (discurso pronunciado na Câmara
Federal em 2 de dezembro de 1955), “A Estratégia do Desenvolvimento” (1971)5.
Trata-se, portanto, de um período considerável da obra do autor, com cerca de 20
anos, porém mais centrado no intervalo entre os anos de 1954 e 1970. Vale ressaltar que
este período se caracteriza também, pelas continuidades e descontinuidades em
relação aos outros momentos de sua produção, além de ser notável também uma própria
descontinuidade no modo como o autor se utiliza o par de conceitos
desenvolvimento/subdesenvolvimento durante o que podemos chamar de fase
desenvolvimentista da obra de Josué de Castro.
Antes de tratar diretamente das publicações e dos seus discursos, é
imprescindível retomar, mesmo que rapidamente, ao contexto em que Josué escreveu
esta parte de sua obra.
No que concerne ao aparecimento do termo desenvolvimento veja-se o que
afirma Flávio Diniz Ribeiro em sua tese de mestrado: “O termo de ‘desenvolvimento
econômico’ utilizado no sentido de progresso que as sociedades procuram alcançar
raramente se encontra antes da II Guerra Mundial. A expressão comumente usada para

5
Na verdade, uma apresentação à conferência O Meio e a Sociedade em Transição, realizada em Nova
York, entre 27 de abril e 2 de maio de 1970, onde Josué escreveu o texto na qualidade de relator geral da
sessão, A Produção Mundial e a sua Distribuição.

- 35 -
esse processo era progresso material. A II Guerra Mundial surge então como um
divisor ou no mínimo como uma marca forte na trajetória da noção de
desenvolvimento.”64
Ele ainda elenca os introdutores dessa noção de desenvolvimento no debate
político internacional: “Tais enunciadores são economistas e governantes, mas
economistas enquanto formuladores de políticas econômicas, portanto economistas no
exercício da formulação política de políticas. Esta produção ocorre basicamente na
Inglaterra e nos Estados Unidos e se da em torno de projetos de reconstrução para o
pós-guerra. Resulta de grupos de trabalho e de pesquisa, de comitês assessores e se
encontra também nos discursos e documentos de governos e organismos internacionais
como a ONU, o FMI o BIRD, etc. (...) Enquanto idéia, o desenvolvimento para o
subdesenvolvimento é um objetivo de política dos países desenvolvidos, objetivo
político que em 45 já está posto e aceito.”65
Neste sentido é muito importante atentar para o fato de que entre os anos de
1952 e 1955, Josué de Castro exerceu o cargo de Presidente do Conselho da FAO
(Organização para a Alimentação e Agricultura da ONU). A propósito desta, Flávio
Diniz Ribeiro aponta: “Além de grupos de estudo e de trabalho organizados em
instituições acadêmicas e em agências de governo e que contaram com a participação
decisiva de destacados economistas, é preciso incluir também na análise algumas ações
propriamente governamentais - tanto em nível nacional como internacional -, bem
como alguns organismos internacionais criados à época que tiveram participação
importantíssima na configuração moderna da idéia de desenvolvimento econômico (...)
Em 1943, quando a guerra começa a redefinir seus rumos em favor dos Aliados,
Roosevelt é levado a convocar a Hot Springs Conference on Food and Agriculture
Organization (FAO). Em 1944, a conferência de Bretton Woods cria o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial...”66
Portanto visualiza-se que a FAO é uma organização criada dentro da mesma
política que cria através de Bretton Woods o FMI e o Banco Mundial. E é exatamente a
partir de então que o conceito de desenvolvimento será muito utilizado por economistas
e governantes em todo o mundo.

64
RIBEIRO, Flávio Diniz. Para uma crítica da idéia de desenvolvimento, Mestrado em História Social,
USP, Dezembro de 2001. Página 128.
65
RIBEIRO, Flávio Diniz. Para uma crítica da idéia de desenvolvimento, Mestrado em História Social,
USP, Dezembro de 2001. Páginas 132 e 133.
66
RIBEIRO, Flávio Diniz. Para uma crítica da idéia de desenvolvimento, Mestrado em História Social,
USP, Dezembro de 2001. Páginas 138 e 139.

- 36 -
Ainda tratando do contexto internacional, se deve desde já ressaltar o papel que a
Guerra Fria desempenha no pensamento de toda uma geração de autores, entre eles
Josué de Castro. Também é importante não esquecer o fato o fato de Josué de Castro
desenvolver funções em órgãos internacionais, o que fará com que o autor tenha uma
expressiva preocupação com o significado de suas palavras, e fez com que Josué optasse
formalmente por uma concepção que não tomasse qualquer posição clara perante os
blocos capitalista ou comunista, que dividiam o mundo do pós-guerra. Josué de Castro
se definirá em 1951 como um “homem acima dos partidos”67 que tem compromisso
apenas com o que ele chama de “verdade científica” e com a luta contra a fome.
Já no contexto nacional pode-se afirmar que sua carreira política como
Deputado Federal do PTB pelo Estado de Pernambuco de 1956 até o fim de 1961 (foi
reeleito em 1960), isto é, durante todo o governo de Juscelino Kubitschek (do qual seu
partido era aliado), imprime também uma forte marca no pensamento de Josué de
Castro.
Boris Fausto afirma em “História do Brasil” que: “Os pressupostos do Programa
de Metas mostram que, no governo JK, ocorreu uma definição nacional-
desenvolvimentista de política econômica.”68 Como se verá mais a frente, a importância
do par de conceitos desenvolvimento/subdesenvolvimento também será acompanhado
no discurso de Josué de Castro por um pensamento que leva em consideração as ações à
serem tomadas pelos diferentes estados-nações tanto em âmbito nacional como
internacional.
Vale ainda ressaltar, a importância do livro “Estratégia do Desenvolvimento”
(ultimo livro publicado por Josué de Castro), que demonstra uma mudança em seu
conceito de desenvolvimento e acena para um certo desapontamento com o rumo das
ações tomadas na política internacional no intuito de acabar com o subdesenvolvimento
e com a fome.
Há na “História do Pensamento Geográfico” um considerável número de autores
que tratam da relação da ciência geográfica com o Estado. No próximo capítulo, no item
“Fome e Subdesenvolvimento” apresenta-se também uma visão crítica da relação entre
Josué de Castro e sua obra com o Estado, desde os momentos de maior evidência até
seu exílio, decorrente do golpe militar de 1964.

67
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 73.
68
FAUSTO, Boris. História do Brasil, Edusp, São Paulo, 2000. Página 426.

- 37 -
Também se tratará no capítulo seguinte (“O fenômeno da fome no movimento
da obra de Josué de Castro”) da relação que Josué de Castro estabelece entre o
fenômeno da fome e o subdesenvolvimento. Porém, é de extrema importância
interpretarmos as mudanças de caráter metodológico que ocorrem nesta terceira fase da
obra de Josué de Castro.
A interpretação dos textos já elencados aponta para uma descontinuidade na obra
de Josué de Castro, que interrompe uma série de publicações que têm na Geografia seu
centro teórico-metodológico69.
É importante ressaltar aqui que o livro “Ensaios de Geografia Humana”,
publicado em 1957 e portanto dentro desta fase denominada de desenvolvimentista, é na
verdade uma reedição (com algumas modificações sendo a mais notável a inserção do
primeiro capítulo “A Geografia como Ciência”) do livro “Geografia Humana” editado
pela primeira vez em 1939, que servia na época como um livro didático de Geografia.
Por conseguinte, encontraremos apenas em “O Livro Negro da Fome”, também
de 1957, uma clara referência à Geografia e seu método. Neste livro o autor indica para
a importância do que ele mesmo denomina “método geográfico” no estudo do fenômeno
da fome: “As condições climáticas, o regime de trabalho, os agentes vivos do meio
biótico e as próprias condições psíquicas dos grupos humanos, submetidos a diferentes
impactos de categoria social, podem determinar uma grande variabilidade na
resistência maior ou menor desses grupos humanos às deficiências específicas da
alimentação. Os próprios hábitos alimentares constituídos através dos tempos, criando
uma forma de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o meio ambiente, fazem com
que sejam bem diferentes as necessidades específicas do organismo em diferentes
áreas geográficas e portanto as suas possibilidades de escaparem às deficiências
específicas, mais ou menos acentuadas.”70 Percebe-se, entretanto, que já no prefácio
Josué alerta para o fato de ter tratado destas diferentes áreas em publicações anteriores
(“Geografia da Fome” e “Geopolítica da Fome”) e que neste momento sua intenção é

69
Seria necessária aqui uma pesquisa bibliográfica que pudesse confirmar que, mesmo em textos ou falas
de menor expressão, esta tendência se confirmasse. Porém, em todos os textos interpretados nesta fase da
obra do autor a tendência a um certo afastamento da Geografia é notada.
Esta interrupção não significa que Josué de Castro tenha abandonado a Geografia em detrimento de
outra ciência. Trata-se na verdade de um afastamento da Geografia, ou para ser mais preciso, um
afastamento da concepção de Geografia que ele tinha construído até então. Ressalta-se que não é intenção
deste trabalho desenvolver uma longa discussão do que poderia, ser ou não ser, chamado de estudo
geográfico, pois nosso propósito aqui é interpretar a obra de Josué de Castro com os elementos que o
autor fornece.
70
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 19.

- 38 -
outra: “Neste documento, que deve se limitar a uma visão geral do problema, não
poderemos detalhar mais, mostrando como a calamidade da fome se reveste dos mais
insólitos e espetaculares disfarces nas diferentes regiões do mundo, mas apenas
acentuar que cada dia as investigações ampliam os limites do campo das doenças que
têm sua origem na falta de uma alimentação adequada: doenças de carência por
alimentação deficiente e doenças degenerativas por alimentação desequilibrada.”71
Como se vê, trata-se de um afastamento, sem portanto ser possível afirmar que Josué de
Castro não continua ligado à Geografia.
Este distanciamento da Geografia é notado mais claramente nos discursos e
também em sua última publicação “Estratégia do Desenvolvimento”. De um modo
geral, pode-se afirmar que Josué de Castro passa a conferir muita importância à
Economia72 (a própria utilização dos conceitos desenvolvimento/subdesenvolvimento
comprova esta assertiva).
Todas estas mudanças ocorridas na fase desenvolvimentista da obra de Josué de
Castro têm forte relação com o contexto em que ele viveu, como já apontado aqui. O
modo que o autor escolheu para atuar no combate a fome – através de cargos como o de
deputado, o de representante do Brasil na ONU, o de presidente do conselho da FAO –
certamente o levou a caminhos em que ele teria pouca possibilidade de apresentar um
pensamento diferente. Trata-se de um pensamento que tem de sobreviver dentro do
Estado e portanto leva consigo as limites que o Estado impõe.
Um texto significativo para o entendimento da relação de Josué de Castro com
lideranças mundiais está em seu livro “Três Personagens: Einstein, Fleming e
Roosevelt” de 1955 onde ele revela sua profunda admiração ao presidente
estadunidense: “... considero Roosevelt não apenas um estadista norte-americano, mas
um estadista mundial. Um estadista de estatura mundial porque soube ultrapassar os
limites acanhados da política municipal, da política regional, para transcender à
compreensão de uma política de integração universal, de interesse de todas as nações,
em obediência aos interesses da própria Humanidade.”73
É possível perceber em diversas passagens da sua obra a idéia de que a
eliminação do fenômeno da fome deveria passar sempre pelas lideranças políticas

71
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 15.
72
No capítulo seguinte ao tratarmos da relação entre o fenômeno da fome e o subdesenvolvimento
trataremos melhor desta aproximação em direção da Economia nesta fase da obra de Josué de Castro.
73
CASTRO, Josué de. Três Personagens: Einstein, Fleming e Roosevelt, Casa do Estudante, Rio de
Janeiro, 1955. Página 62.

- 39 -
nacionais e mundiais. Esta é uma forte característica do autor que podemos notar
sobretudo nesta fase desenvolvimentista. Em “O Livro Negro da Fome” Josué de Castro
afirma categoricamente: “Cabe aos mentores da economia mundial encontrar uma
salvação para a crise e não a atitude de querer transferir o seu encargo para os povos
até hoje dominados pela força econômica das grandes potências.”74 E mais adiante
acrescenta que: “Para alcançarmos esta nova era de paz e abundância, é necessário
antes de tudo que os poucos homens que detêm em suas mãos o poder e com ele os
destinos do mundo, neta hora de transição, tenham maturidade política, sabedoria e
boa vontade para iniciar um grande esforço de criação internacional para o qual são
convidados pela força das circunstâncias.”75 Estas passagens só vem reforçar a
interpretação que acena para os limites de um pensamento que têm de sobreviver dentro
das estruturas rígidas impostas pelo Estado.
No sentindo da interpretação da relação de Josué de Castro com as políticas
internacionais é muito importante uma interpretação cuidadosa de sua última publicação
de relevo, “Estratégia do Desenvolvimento”, onde com certo ar melancólico Josué de
Castro afirma: “O subdesenvolvimento é uma forma de subeducação. De subeducação
não apenas do Terceiro Mundo, mas do mundo inteiro. Para acabar com ele, é preciso
educar bem e formar o espírito dos homens, que foi deformado por toda parte. Só um
novo tipo de homens é capazes de ousar pensar, de ousar refletir e de ousar passar à
ação poderá realizar uma verdadeira economia baseada no desenvolvimento humano e
equilibrado.”76
Neste livro fica evidente seu descontentamento com o rumo das políticas
internacionais que visavam promover o desenvolvimento nos países de “Terceiro
Mundo”, além de uma mudança clara no modo como utiliza o par de conceitos
desenvolvimento/subdesenvolvimento.

3.5 A LINGUAGEM LITERÁRIA NA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

A interpretação do movimento da obra de Josué de Castro, através de suas três


fases, expõe as continuidades e descontinuidades de sua obra. Esta interpretação, que
está ancorada nos preceitos teórico-metodológicos da obra, seria, no entanto,

74
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 45.
75
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 49.
76
CASTRO, Josué de. Estratégia do Desenvolvimento, Lisboa, Seara Nova, 1971. Página 40.

- 40 -
insuficiente se não atentasse para a maneira como o romance e a linguagem literária
atravessam a obra de Josué de Castro.
É indispensável ressaltar, a importância que Josué de Castro sempre conferiu ao
que ele chama de “romancistas da fome”. No prefácio de “Geografia da Fome” afirma:
“Não constitui objeto deste ensaio o estudo da fome individual, seja em seu mecanismo
fisiológico, (...), seja em seu aspecto subjetivo de sensação interna, aspecto esse que
tem servido de material psicológico para as magníficas criações dos chamados
romancistas da fome.”77
Essa ligação de Josué com a literatura certamente impôs marcas em seu
pensamento. Neste sentido é necessário percorrer dois caminhos na obra do autor. O
primeiro, onde se busca entender o papel dos romances, escritos pelo próprio Josué de
Castro (“Documentário do Nordeste” de 1937 e “Homens e Caranguejos” de 1967), no
interior de sua obra.
E o segundo caminho que trata da utilização de uma linguagem literária,
combinada com uma linguagem científica, nos mais diversos livros publicados por
Josué de Castro. Esta linguagem literária, que está presente nas três fases de sua obra, se
apresenta como uma continuidade, como uma marca no estilo de redação do autor. Isso,
no entanto, não quer dizer que a utilização desta linguagem tenha sido idêntica em todos
os momentos de sua obra.
Para entender o início da ligação de Josué de Castro com a literatura é necessário
voltar aos anos em que este ainda cursava a Faculdade de Medicina em Salvador. Nada
melhor que as próprias palavras de Josué de Castro para ilustrar este encontro com a
literatura: “Mas devo honestamente confessar que maior influência do que os
professores, teve em minha formação o convívio com alguns colegas de talento. Na
Bahia influenciou muito no rumo de meus estudos e indagações, a presença na mesma
pensão em que morava, de dois colegas com os quais muito me liguei: Artur Ramos e
Teotonio Brandão. Teotonio com mais intimidade, Ramos com uma certa distância e
reserva diante de sua maior maturidade intelectual, do seu prestígio de veterano, com
três anos de curso na frente. Com Teotonio, discutíamos; com Ramos, ouvíamos. E
ouvíamos coisas esmagadoras. (...) Ficamos de queixo caído diante da imponência de
sua cultura. Um dia ele nos fez a revelação suprema de que sairia um estudo seu sobre
Augusto dos Anjos e a Psicanálise, num dos suplementos dominicais de ‘O Jornal’. Isto

77
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1948. Página 20.

- 41 -
na província em 1925, meu caro, me pareceu a glória. (...) Não me contive. Veio-me à
alma uma inveja doida de tanta glória. Fui também ao Freud – um Freud de terceira
classe, já comentado em tradução e lancei um ensaio tremendo, meu primeiro ensaio,
intitulado ‘A Literatura Moderna e a Doutrina de Freud’, que saiu flamejante da
Revista de Pernambuco. (...) Com Freud fui direto ao estudo da psiquiatria, encantei-
me com o achado que na psiquiatria eu poderia relacionar a literatura com a
medicina.”78
Outro fator importante, para o entendimento da importância que a literatura
exerce sobre a obra de Josué de Castro, é o contexto em que este viveu. Josué era
certamente um homem muito influente entre os intelectuais brasileiros o que lhe rendeu
diversas amizades dentro e fora da academia. Mário de Andrade, Érico Veríssimo, Jorge
Amado e outros grandes autores de nossa literatura eram amigos pessoais de Josué de
Castro.79 A troca de experiências entre estes autores e Josué de Castro certamente
influenciou-o em seu estilo de redação.
Pode-se afirmar, portanto, que desde o início da formação de Josué de Castro,
está aberta a possibilidade do vínculo de sua obra com a literatura. Esta paixão pela
cultura, que se revela em sua obra sobretudo através da literatura, impele Josué de
Castro a tratar, em alguns momentos, dos “temas científicos” com os quais tem contato
na Faculdade, através de uma linguagem literária.
A experiência de trabalhar em uma grande fábrica no Recife, onde os
trabalhadores doentes eram acusados de preguiça, levou Josué a escrever o conto
“Assistência Social” (que é também publicado em “Documentário do Nordeste”).
Simultaneamente o autor entende que “era absolutamente necessário proceder-se a um
estudo desta miséria aludida, referida ou combatida por muitos, mais até então não
comprovada com rigor científico. Foi então que realizei o inquérito sobre as
condições de vida da classe operária do Recife, em 1932, o primeiro levado a efeito no
país e cujos resultados impressionantes repercutiram nos meios cultos, chamando a
atenção das elites para o problema da fome nacional.”80 Deste modo, é possível
afirmar que o início da obra de Josué de Castro já é marcada por um vínculo entre
literatura e ciência. Da mesma maneira, é possível observar que para Josué de Castro, o
discurso científico terá um peso muito maior em sua obra.

78
CASRO, Anna Maria de. Josué de Castro: semeador de idéias, ITERRA, Veranópolis, 2003.
79
A tese de CARVALHO apresenta um grande número de correspondências entre Josué de Castro e
outras personalidades brasileiras e internacionais da época.
80
CASRO, Anna Maria de. Josué de Castro: semeador de idéias, ITERRA, Veranópolis, 2003.

- 42 -
Em “Condições de Vida da Classe Trabalhadora do Recife” (1932) Josué de
Castro opta claramente por uma linguagem estritamente científica muito influenciada
pela Sociologia. Pode-se dizer que a mesma linguagem é adotada em “A Alimentação
Brasileira à Luz da Geografia Humana” (1937), livro que marca a escolha do autor pelo
que ele denomina “método geográfico”.
Contudo, nem assim pode-se dizer que a primeira fase da obra de Josué de
Castro não é marcada pela literatura. Em 1937 (mesmo ano da publicação de “A
Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana) Josué de Castro publica
“Documentário do Nordeste”, um livro de contos, ou nas palavras de Josué de Castro,
“nosso primeiro trabalho de ficção.”81
A importância deste livro para o entendimento da obra de Josué de Castro é
enorme, pois revela de diversas maneiras como o autor teve seus primeiros contatos
com o drama da fome. Ele mesmo revela este caráter dos contos ao afirmar que: “Numa
série de pequenas narrações quase que documentárias da simples vida cotidiana,
escritas entre 1935 e 1937, sente-se bem o quanto devemos à paisagem do Nordeste no
rumo de nossa vida intelectual. Foi no Nordeste – nas zonas dos mocambos do Recife e
nos chapadões desérticos do sertão – que descobrimos com angústia o drama da
fome.”82
Mas a importância deste livro não pára por aí. Nestes contos há uma questão que
é colocada e, desde então, acompanha o autor por toda sua obra. Trata-se, em poucas
palavras, da relação entre a razão e a emoção do autor.
Chega a ser desnecessário afirmar que o drama da fome mexe com as emoções
de qualquer pessoa. Contudo, é imprescindível observar o esforço de Josué de Castro
em seguir os preceitos de uma ciência positivista, marcada pela neutralidade científica.
Resta-lhe assim, apenas o romance para “escapar desta camisa-de-força” imposta pelo
que ele mesmo denomina “rigor científico”.
Olívio Montenegro expressa esta relação entre emoção e razão (por vezes
conflituosa na obra de Josué de Castro) no prefácio de “Documentário do Nordeste” ao
afirmar que: “logo cedo nesse adolescente ainda bem verde, a consciência do sociólogo
nunca se deixou suplantar inteiramente pela imaginação do poeta.”83 E completa: “Os

81
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 9. Esta citação
foi retirada da 2ª edição, publicada em 1959. Vale salientar que esta edição traz além dos contos outros
estudos realizados pelo autor.
82
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 8.
83
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 4.

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contos do livro obedecem, bem o sentimos, ao mesmo e crítico espírito de observação
social que está presente às suas crônicas. Admirável é que dentro desse espírito,
sensível mais a lógica que à imaginação dos fatos, pudesse o autor realizar os seus
contos sem empobrecê-los de todo interesse verdadeiramente romântico, que a
preocupação do sociólogo não esgotasse a disponibilidade do ficcionista. E até, pelo
contrário, as vezes parece redobrar esse interesse e uma humanística ficção, retocá-la
de uma verdade mais sensível e profunda.”84
O peso da emoção, representado por uma linguagem literária, e o peso da razão,
representado por uma linguagem científica, variam no decorrer da obra de Josué de
Castro. Esta variação se relaciona intensamente com as fases da obras do autor
delimitadas no presente trabalho.

Na primeira fase de sua obra, a fase explicativa85 é marcada por uma divisão
muito clara entre os textos científicos e os textos literários. Josué de Castro não utiliza
nenhuma linguagem literária nos textos científicos, onde está muito preocupado com o
estabelecimento de rigorosos métodos de análise. Vale ressaltar que até então Josué é
um jovem pesquisador que ainda necessita se firmar entre os intelectuais da época.
Sendo assim, os textos literários servem como uma forma de escapar do rigor científico
e abrir a interpretação do fenômeno da fome para novos horizontes.
“Documentário do Nordeste”, que reúne contos escritos entre 1935 e 1937, pode
ser visto como a alternativa que Josué encontrou neste primeiro momento de sua obra.
O livro é composto por oito contos que tratam desde a localização e formação da cidade
do Recife, passando pelo cotidiano da população pobre que habita esta cidade. Em um
dos contos Josué de Castro trata também do fenômeno da seca no sertão nordestino e de
como este fenômeno expulsa as populações para a zona da mata.
A leitura atenta dos contos revela uma relação muito forte entre “Documentário
do Nordeste” e “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”. O ano de
publicação é o mesmo, 1937, e a opção pela ciência geográfica fica clara em ambos. Se
em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana” o autor revela sua opção
pelo que ele chama de “método geográfico”, em “Documentário do Nordeste” vemos
esta opção aflorando em suas palavras. Nos oito contos Josué de Castro não dissocia os

84
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 6.
85
A fase explicativa, como já vimos, compreende desde suas primeiras publicações até a publicação de
“Geografia da Fome” em 1946.

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fenômenos naturais dos fenômenos sociais e mostra grande preocupação em apontar
para a localização e delimitação espacial de suas histórias. Vejamos agora através de
dois contos, “A Cidade” e “O Ciclo do Caranguejo” como o autor constrói seu primeiro
romance.

No conto “A Cidade”, Josué de Castro apresenta Recife como um lugar de


encontro. Encontro de culturas diferentes que se revela na arquitetura da cidade. “Por
seu arranjo arquitetônico, pela tonalidade própria de cada uma de suas ruas, o Recife é
desconcertante, como unidade urbana, impossível mesmo de caracterizar-se. Casas de
todos os estilos. Contrastes violentos nas cores gritantes das fachadas. Cidade feita de
manchas locais diferentes, não há por onde se possa apanhar na fisionomia das casas o
tom predominante da alma da cidade.”86
Josué compara Recife com outras cidades do mundo. A Praça Rio Branco lhe
lembraria Hamburgo, o bairro de Santo Antônio lembraria Lisboa, São José com seu
aspecto suburbano e ruas estreitas e cheias de comércio lembraria as cidades orientais,
as enormes igrejas barrocas lembrariam Puebla no México. Mas não deixa de citar
bairros como Afogados, Pina e Santo Amaro que, situados nas zonas de mangue,
recebem os mocambos que abrigam os migrantes famintos do sertão.
Contudo, para Josué de Castro, é a paisagem natural que dá um sentido à cidade.
Ele afirma: “O Recife é todo esse mosaico de cores, de cheiros e de sons. Nesse
desadorado caos urbano, reflexo confuso da fusão violenta de várias expressões
culturais, só uma coisa tende a dar um sentido estético, próprio à cidade. A absorver e
anular os efeitos dos contrastes desnorteadores, dando um selo inconfundível a cidade.
É a paisagem natural que a envolve. (...) Este ar e este solo onde assenta a cidade do
Recife, e donde tira toda a vida de sua fisionomia, são efeitos exclusivos dos rios que a
banham. Do Capibaribe e do Beberibe.”87
E é aqui que vemos como a linguagem literária permite que o autor dê vazão as
suas emoções. Ele passa a atribuir qualidades humanas e sentimentos aos rios que são
expressos através desta bela passagem: “Rios que vêm de muito longe, disfarçando no
acaso de seus coleios, a ânsia de se encontrarem. (...) As águas ansiosas passam,
porém, indiferentes à paisagem, indiferentes aos encontros com os pequenos afluentes
generosos que trazem suas águas para ajudar o rio a descer, nessas terras do Nordeste

86
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 13.
87
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 16.

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onde se ajuda a tudo e a todos. (...) Já dentro da cidade, o Capibaribe lança um braço
para um lado, segue para outro lado, fazendo um cerco pro Beberibe não escapar.
Alcança-o logo adiante, e aí os dois rios se entrelaçam, se confundem e afogam nas
suas águas misturadas, esse prazer profundo das ânsias causadas pelas distâncias
percorridas. Dois aventureiros de fama que se juntam com satisfação para contar suas
aventuras.”88

Em “O Ciclo do Caranguejo” a linguagem literária de Josué de Castro é ainda


mais presente. Neste conto o autor conta a história da família Silva, que fugindo da seca
e da fome do sertão, vai para Recife onde encontra no mangue sua única saída para a
sobrevivência.
Primeiramente ele descreve o mangue: “No mangue o terreno não é de ninguém.
É da maré. Quando ela enche, se estira e se espreguiça, alaga a terra toda, mas quando
ela baixa e se encolhe, deixa descoberto os calombos mais altos. (...) O mangue é um
camaradão. Dá tudo, casa e comida: mocambo e caranguejo.”89 E mais adiante revela a
intimidade que se cria entre o Homem e seu habitat, entre o Homem e o animal que lhe
provém toda sobrevivência: “Os mangues do Capibaribe são o paraíso do Caranguejo.
Se a terra foi feita para o homem, com tudo para bem servi-lo, também o mangue foi
feito especialmente para o caranguejo. Tudo aí, é foi ou está para ser caranguejo,
inclusive a lama e o homem que vive nela.”90 E é através deste “ciclo do caranguejo”
que vislumbramos a miséria da população mais pobre da cidade.

Em 1946, com a publicação de “Geografia da Fome”, Josué de Castro inaugura


uma nova fase de sua obra: a fase crítica. Nesta fase de sua obra, Josué adota uma
postura diferente com relação a linguagem de suas obras. Ao invés de diferenciar e
segmentar suas publicações, entre publicações científicas e obras de ficção, o autor
consegue de maneira singular unir as duas linguagens.
Tanto em “Geografia da Fome” (1946), quanto em “Geopolítica da
Fome”(1951), nota-se claramente que o autor tenta através de passagens mais literárias
dar vida e emoção à obra. Isso não quer dizer que o autor tenha abandonado sua postura

88
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Páginas 17 e 18.
89
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 26.
90
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 27.

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com relação ao “rigor científico”, mas são muitas as passagens onde, através de
metáforas, visualiza-se uma linguagem literária.
São estas tentativas de unir o conhecimento científico com a emoção que
envolve a pesquisa realizada por Josué, que construíram passagens magníficas. São
certamente estas passagens presentes nesses dois livros, que tratam de um tema tão
árido como a fome, que possibilitaram que Josué de Castro ficasse conhecido em todo o
mundo. Vejamos alguns exemplos destas passagens:
Em “Geografia da Fome”, ao tratar da Amazônia, é dada uma enorme
importância ao surto de beri-beri que atacou os nordestinos atraídos pelas riquezas do
mercado da borracha. Josué de Castro afirma: “A floresta virgem cobrou caro a
ousadia destes pioneiros que tentavam arrancar esta riqueza maldita do seio da selva
tropical. E sua vingança predileta foi o beri-beri.”91 E continua: “Chegavam dispostos
e cheios de entusiasmo, a maior parte deles, vindos das terras secas do Nordeste e
deslumbrados com a abundância de água da região. Metiam-se de mato a dentro pelas
estradas dos seringais. Sangravam suas seringueiras e recolhiam seu precioso leite.
Defumavam sua borracha. Vendiam o produto por preço fabuloso. E quando estavam
se sentindo donos do mundo começavam a sentir o chão fugindo debaixo de seus pés, a
sentir as pernas moles e bambas, a dormências subindo dos pés até a barriga. Uma
cinta apertando-lhe o peito como garra. Era o beri-beri chegando, tomando conta de
seu corpo, roendo seus nervos, acabando com a vitalidade do aventureiro
nordestino.”92
Ainda em “Geografia da Fome”, mas ao tratar da Zona da Mata nordestina,
Josué de Castro compara os males que a diabete causa nos senhores de engenho, com os
males causados pela monocultura da cana-de-açúcar: “É como se a terra se vingasse do
homem, fazendo-se sofrer uma doença semelhante à sua – o organismo todo
impregnado de açúcar.”93
E ao tratar do Sertão nordestino Josué de Castro se rende as palavras de Euclides
da Cunha e Raquel de Queiroz quando afirma: “Nos sertões do nordeste o vaqueiro é
em geral sério e de uma honestidade a toda prova. É gente capaz de tratar durante
anos uma rez perdida ficando sempre à espera de seu legítimo dono. É Euclides da
Cunha que nos conta esse velho hábito sertanejo: ‘quando surge no seu logradouro um

91
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1948. Página 88.
92
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1948. Página 89.
93
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1948. Página 157.

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animal alheio cuja marca conhece, o restitui de pronto. No caso contrário conserva o
intruso tratando como aos demais. Mas não o leva a feira anual nem o aplica em
trabalho algum, deixa-o morrer de velho. Não lhe pertence. Se é uma vaca e dá cria,
ferra esta com o mesmo sinal desconhecido que reproduz com perfeição admirável e
assim pratica com toda a descendência daquela. De quatro em quatro bezerros porém
separa um para si, é a sua paga. Estabelece com o patrão desconhecido o mesmo
convênio que tem com o outro. E cumpre estritamente sem juizes e sem testemunhas o
estranho contrato que ninguém escreveu ou sugeriu.’ (...) Pois esta gente de
princípios morais tão elevados dá na época de seca para roubar o gado alheio, para
roubar cabras como aquele Chico Bento, personagem de “O Quinze”, que num destes
delírios de fome perdeu os seus escrúpulos morais e “com as mãos trêmulas, a
garganta áspera e os olhos afogueados” derrubou a cacete o animal alheio que se
atravessou em seu caminho de retirante. Estes desvios de convenções morais constitui
muitas vezes o começo de uma vida de bandoleiro, numa terra de princípios morais tão
rígidos. Depois da transgressão já não é possível voltar aos caminhos honestos e
esquecer o erro cometido”94
Estas passagens são muito importantes para o entendimento da importância da
linguagem literária nas obras “científicas” de Josué de Castro. É muito importante notar
que desde o início de sua obra, Josué trata da questão da fome enquanto um fenômeno
coletivo, contudo nestes raros momentos ele realiza uma interpretação mais individual.
Uma interpretação que leva em consideração o corpo e alma do Homem faminto e que
por isso tem uma enorme potência. Além disso é possível notar que em algumas
passagens Josué de Castro atribui qualidades humanas à natureza do mesmo modo como
fez em seus contos de “Documentário do Nordeste”.
Em “Geopolítica da Fome” (1951) as passagens que adotam um tom literário
diminuem, perdem um pouco de sua intensidade, sem no entanto desaparecer95. Ao
tratar da América Latina escreve: “O retrato do caboclo nativo, sentado em atitude
indolente à soleira da porta e contemplando com olhar cansado uma paisagem

94
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1948. Página 268.
95
É importante relembrar aqui que em muitos aspectos “Geopolítica da Fome” apresenta aberturas para a
fase desenvolvimentista da obra de Josué de Castro. O fato de a linguagem literária diminuir reforça esta
interpretação, pois nesta fase Josué de Castro não se utilizará de passagens literárias em seus livros
“científicos”.

- 48 -
magnífica de pujante vegetação tropical, mas sem animo para dominar essa natureza, é
um flagrante da fome na terra latino-americana.”96
Pode-se notar que a utilização de metáforas continua, quando, por exemplo, trata
da situação de Porto-Rico: “Impossibilitado de produzir em seu próprio solo os
alimentos e obrigado pelas barreiras alfandegárias a importá-los do mercado mais
caro do mundo (60% da importação dos alimentos são de origem norte-americana),
Porto-Rico foi arrastado no tremendo labirinto de uma economia sem saída.”97
É possível também identificar em “Geopolítica da Fome” momentos em que o
autor irá “humanizar” a natureza. Ao tratar da China Josué de Castro escreve uma das
mais belas passagens deste livro: “Esta forçada utilização de excreções como adubo
constitui uma das expressões mais trágicas do ciclo da matéria nesse país. Tudo que o
solo fornece deve voltar ao solo, para que ele não pereça e, com ele, a vida humana e a
civilização que ele criou. Como o homem retira do solo todo seu alimento, deve ele
devolver ao mesmo todos os seus resíduos e, quando morre, ser enterrado nele, para
restituir, até a última parcela, a matéria mineral e orgânica que o solo lhe emprestou.
O solo que é o dono de tudo, vivendo o chinês de empréstimos, da suposta
generosidade desse solo, que a religião ordena seja venerado como a terra dos seus
antepassados.”98
Esta passagem, é necessário indicar, lembra muito a passagem onde Josué de
Castro descreve o “ciclo do caranguejo” nos mangues do Recife.

Após “Geopolítica da Fome” as publicações de Josué de Castro voltam a


apresentar uma clara distinção entre as obras científicas e as obras literárias. Trata-se
agora da terceira fase de seu pensamento, denominada aqui de fase desenvolvimentista.
Como vimos neste capítulo esta fase da obra de Josué de Castro é muito marcada
pelo contexto em que é escrita. A expressiva atuação política de Josué de Castro,
desenvolvida através de cargos públicos, conduziu seu pensamento a caminhos
específicos.
Alguns fatos são marcantes, e certamente a desilusão com as possibilidades de
atuação através da FAO é um deles. Neste sentido, Josué de Castro escreve em 1957 “O
Livro Negro da Fome”, que segundo ele seria “um manifesto recomendando a criação

96
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 143.
97
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 202.
98
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 235.

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da Associação Mundial da Luta Contra a Fome.”99 Este livro é marcado novamente por
uma linguagem estritamente científica, onde Josué pretende provar que a fome é um
sinônimo de subdesenvolvimento.
Mas de certo modo, é possível notar que esta escolha por uma linguagem
estritamente científica, nunca se mostrou suficiente para Josué de Castro. Esta posição
se revela na opção de Josué em ilustrar este livro com trabalhos da pintora grega Anna
Kindynis. Segundo Josué: “Aceitamos a oferta que nos fez Anna Kindynis de ilustrar
nosso livro com seus belos desenhos porque achamos que eles completam bem nossas
limitadas descrições deste fenômeno. (...) É como se nosso trabalho fosse apenas um
breve comentário científico, e portanto bem tosco, à sua extraordinária obra artística
de profundo sentido social.”100
Durante os dez anos que se seguem Josué de Castro publica outros artigos e
livros que interpretam a fome através de uma abordagem científica. A linguagem
literária é quase que abandonada neste meio tempo. Porém, em 1967, Josué de Castro
publica “Homens e Caranguejos” que é possivelmente sua obra literária mais
importante.
Neste livro Josué irá utilizar as mesmas idéias que fazem parte de
“Documentário do Nordeste”, publicado em 1937, ao contar a história de uma família
que fugindo da seca do sertão nordestino, encontrará nos mangues de Recife sua única
saída para a sobrevivência. O que em “Documentário do Nordeste” se apresentava como
contos, sem nenhuma ligação direta entre eles, irá agora ser transformado em um único
romance. O conto “Ciclo do Caranguejo” é aqui retomado com toda sua força através da
história de João Paulo, um menino que passa pelas dificuldades da vida nos mangues
recifenses.
Antes de interpretar o livro propriamente é importante ressaltar o contexto em
que este foi escrito e como se situa no movimento da obra de Josué de Castro. Em 1967,
Josué de Castro está vivendo em Paris por causa do Golpe Militar que cassou todos seus
direitos políticos. Ao mesmo tempo, nota-se nos escritos científicos uma certa
melancolia com relação aos rumos da luta contra fome e com a utilização desenfreada
do conceito de desenvolvimento.
É neste sentido que podemos visualizar este livro como uma volta de Josué de
Castro às suas origens. Se em 1937 Olívio Montenegro afirma que: “logo cedo nesse

99
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 1.
100
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 9.

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adolescente ainda bem verde, a consciência do sociólogo nunca se deixou suplantar
inteiramente pela imaginação do poeta”101, pode-se dizer em 1967 que a imaginação
deste poeta nunca se deixou suplantar inteiramente pela consciência do sociólogo.102
Apesar de toda a importância que Josué de Castro sempre deu ao discurso
científico em nenhum momento ele conseguiu se livrar de sua ligação com as artes e
principalmente com a literatura.
Nada mais claro que o prefácio de “Homens e Caranguejos” para entender este
movimento de retorno às origens: “O que não tinha contado, até hoje, foi o meu
encontro com o drama da fome. Hoje, resolvi contá-lo. Não só o encontro, como o
pavor que ele me provocou. Tomei conhecimento com o monstro, nos mangues do
Capibaribe, e nunca mais me pude libertar de sua trágica fascinação. É esta fascinação
e esta marca que a fome provocou na minha lama de criança, que procuro hoje invocar
neste romance – o romance do Ciclo do Caranguejo.”103
É possível destacar diversas passagens importantes deste livro, mas é certamente
o modo como Josué de Castro trata do corpo e da alma do Homem faminto que se
sobressai. O título do primeiro capítulo, “De como o corpo de João Paulo se foi
impregnando do suco dos caranguejos”, já permite que se visualize esta preocupação.
Josué tratará também, assim como faz em “Documentário do Nordeste”, das
populações famintas de outras localidades como o sertão nordestino e a Amazônia, o
que faz com que as três áreas de fomes delimitadas por Josué de Castro em “Geografia
da Fome” apareçam também em “Homens e Caranguejos”.
Neste sentido nota-se que muitas passagens de “Homens e Caranguejos” são, na
verdade, a volta de Josué de Castro a conteúdos que este não pode esmiuçar
inteiramente em outros momentos. Um claro exemplo disto é dado no sexto capítulo
quando trata do comportamento do sertanejo nos períodos de fome.
Aquela passagem de “Geografia da Fome”, acima citada, onde Josué de Castro
se utiliza das palavras de Euclides da Cunha e Raquel de Queiroz para tratar da honra do
sertanejo é aqui explorada. Através do personagem Zé Luís, vaqueiro e sertanejo, ele
descreve a relação que há entre a fome e a honra destes homens do Sertão.

101
CASTRO, Josué de. Documentário do Nordeste, Brasiliense, São Paulo, 1959. Página 4.
102
Neste caso particular utilizo o termo sociólogo para caracterizar Josué de Castro no intuito de manter
um diálogo com Olívio Montenegro. Acredito já ter deixado claro que entendo que Josué de Castro optou
claramente pela Geografia e pelo “método geográfico”.
103
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos, Brasiliense, São Paulo, 1967. Página 24.

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Trata-se do momento em que Zé Luís está migrando para o litoral, fugindo da
seca e da fome, e passa a acompanhar Xandu, um fazendeiro que está levando uma
carga de queijo e rapadura para um comerciante de Caruaru. Através das palavras de Zé
Luís, Josué de Castro narra este duro embate entre a fome e a honra: “Com os
solavancos do cavalo pela estrada dura, a barriga roncava como um porco e era de
fazer medo seu barulho nas tripas vazias. Com o calor do sol começou a subir da carga
uma cheiro forte das mercadorias. Do lado direito vinha um cheiro bom de queijo que
me fazia cócegas nas ventas, do lado esquerdo um cheiro enjoativo de rapadura que
embrulhava o estômago. Era o cheiro de queijo que me tentava e por isso empinei um
pouco o corpo deste lado. A fome foi crescendo e minha barriga vazia. A boca ficando
cheia de uma saliva impertinente. Quanto mais um cuspia, mas d’água me enchia a
boca. Chegava mesmo a escorrer pelos cantos e o cheiro do queijo me embebedando,
me tentando como se fosse um cheiro forte de mulher. Procurei resistir à tentação,
pensei na bondade do homem, no favor que ele estava fazendo a gente. Eu não devia
tocar nos queijos dele. Se o homem me confiara a sua carga, a carga era sagrada e eu
tinha a obrigação de resistir à tentação. Tirei um pouco de palha que recobria os
queijos e comecei a chupar essa palha seca misturada com o cheiro do bom queijo.
Pensava assim, enxugar a boca e enganar a fome, mas a danada da fome longe de se
acalmar parece que se excitava cada vez mais. De repente, com a mão trêmula como
quem comete um crime, acabei metendo os dedos dentro da carne de um deles e
arranquei um bom pedaço. Meti-o todo na boa e comecei a mastigar disfarçado, quase
sem mexer com os beiços para que no caso do homem se voltar para trás não me
pegasse em flagrante, comendo seus queijos.”104 E continua mais adiante: “Continuei
roendo o queijo, mas, já começava a sentir a barriga empanzinada. Veio vindo um sono
pesado, acredito que cochilei de verdade, não garanto, mas o fato é de que de repente
me senti jogado no ar, como se alguém tivesse me empurrado de baixo para cima e
estalei-me no chão ao lado do cavalo. Olhei a carga e via a carga virada ao lado das
rapaduras. Compreendi, então, que eu tinha comido tanto queijo que a carga
desequilibrara. (...) E, quando o homem levantou a carga nos braços para equilibrá-la,
ele viu tudo. Viu o girau das rapaduras pesado como chumbo e o dos queijos leve como
uma pena. Neste momento passei a maior vergonha da minha vida. O homem indignado
me chamou na cara de ladrão. Ladrão de queijo. Maria abriu no choro, o menino

104
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos, Brasiliense, São Paulo, 1967. Página 84.

- 52 -
assustado também abriu a boca no mundo. (...) Levantei-me do chão cego para agarrar
o homem pelas goelas, mas, não pude. O homem estava coberto de razão.”105
Através desta longa e importante passagem é possível compreender o espírito do
romance “Homens e Caranguejos”. Através dele Josué de Castro conseguiu, mesmo que
residualmente, explorar os sentimentos causados pela fome. Do mesmo modo Josué
consegue com esse romance expressar seus próprios sentimentos e fazer uma leitura
menos sistemática da realidade que sempre estudou.

Através da interpretação da importância do romance e da linguagem literária na


obra de Josué de Castro tem-se finalmente uma visão completa da obra de Josué de
Castro. É necessário agora interpretar como o fenômeno da fome aparece dentro deste
movimento.

105
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos, Brasiliense, São Paulo, 1967. Página 86.

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3.6 QUADRO SÍNTESE SOBRE A VIDA E OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

Durante o processo de pesquisa somos levados a fragmentar o real que se


apresenta como “móvel, múltiplo, diverso, contraditório”.106 Contudo o processo de
pesquisa não pode ter seu fim no fragmento por si só, sendo imprescindível reunir
aquilo que o pensamento separou. Coloca-se assim a importância da síntese.
O entendimento do movimento da vida e obra de Josué de Castro foi apresentado
aqui através de uma divisão em três fases distintas, sem deixar de lado a importância da
literatura em sua obra. A apresentação na forma de texto revela o caminho realizado
dentro da pesquisa e indica, através das citações, a validade da divisão.
Apresento agora outra possibilidade de sintetizar as continuidades e
descontinuidades desta obra, através de um quadro que leva em consideração as fases,
os temas, as publicações e a relação estabelecida com a Geografia, tudo isso em paralelo
com o contexto profissional de sua obra.

106
LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal, Lógica Dialética, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.
Página 170.

- 54 -
- 55 -
Este quadro tem como objetivo oferecer ao leitor uma visão ampla das relações
entre as fases e o que consideramos aqui como continuidades e descontinuidades da
obra.
As linhas internas ao quadro têm uma grande importância, pois reúnem ou
separam determinados conteúdos. Neste sentido é possível notar que as publicações
literárias (“Documentário do Nordeste”, “Sete Palmos de Terra e um Caixão” e
“Homens e Caranguejos”) não são colocadas dentro das fases de seu pensamento.
Além disso é importante notar que os conteúdos do quadro estão em direta
relação com os mapas apresentados, assim como com o contexto profissional do autor.

- 56 -
4. O FENÔMENO DA FOME NO MOVIMENTO DA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

Ao longo de sua obra Josué de Castro desenvolveu diversos temas de relevância


para a Geografia e para a sociedade como um todo. Mas, certamente, a temática da fome
foi a que mais tomou sua atenção e que acabou por torná-lo internacionalmente
reconhecido.
A escolha do fenômeno da fome como tema central de sua obra tem clara ligação
com sua formação na Medicina e mais especificamente na área da Nutrição. Como já foi
apresentado, mesmo antes de se utilizar do “método geográfico”, Josué já envereda pelo
tema da alimentação que posteriormente se tornará o tema da fome. Esta mudança que o
leva a tratar do fenômeno da fome esta evidentemente ligada à realidade em que Josué
de Castro nasceu, cresceu e por muitas vezes teve contato durante toda sua vida.
No prefácio de seu único romance “Homens e Caranguejos” intitulado “A
descoberta da fome” ele revela: “O tema deste livro é a história da descoberta da fome
nos meus anos de infância, nos alagados da cidade do Recife, onde convivi com os
afogados deste mar de miséria. Procuro mostrar neste livro de ficção que não foi na
Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sábia, que travei conhecimento com o
fenômeno da fome. O fenômeno se revelou espontaneamente aos meus olhos nos
mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis da cidade do Recife: Afogados, Pina,
Santo Amaro, Ilha do Leite.”107 “Foi com essas sombrias imagens do mangue e da lama
que comecei a criar o mundo de minha infância. Nada eu via que não me provocasse a
sensação de uma verdadeira descoberta. Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de
mim a terrível descoberta da fome.”108
Josué nasceu em uma família de classe média e teve contato direto com a
população pobre da cidade do Recife. Isso fez com que ele, mesmo após se formar e se
tornar reconhecido, não esquecesse, de certo modo, suas “origens”. Prova disso é seu
estudo de 1932 “Condições de Vida das Classes Operárias do Recife”, onde, após
poucos anos de ter completado sua formação como médico, dirige um estudo voltado
para as condições de vida (com ênfase nas condições de moradia e alimentação) das
classes mais pobres do Recife.

107
MANÇANO, Bernardes e WALTER, Carlos. Josué de Castro – Vida e Obra, São Paulo, Expressão
Popular, 2000. Página 88.
108
MANÇANO, Bernardes e WALTER, Carlos. Josué de Castro – Vida e Obra, São Paulo, Expressão
Popular, 2000. Página 95.

- 57 -
Mas a opção pelo fenômeno da fome não é dada somente pelo contexto. É
importante notar que esta opção é também intencional e tem seu caráter político. Josué
visa através dela agitar tanto o meio acadêmico como o meio político nacional e
internacional, que por anos virou as costas para este grave problema que afetava grande
parte da população.
Seguramente neste momento Josué rompe com muitos limites de sua época e
demonstra saber o que está fazendo. Segundo ele próprio em “Geografia da Fome”:
“Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura: foram os interesses
e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada
civilização ocidental que tornaram a fome um tem proibido, ou pelo menos, pouco
aconselhável de ser abordado publicamente.”109 Josué visa romper com o tabu da fome
assim como Freud rompeu com o tabu do sexo, alertando ao o fato de tanto a fome
como o sexo remeterem ao instinto que é condenado em uma sociedade que tenta por
todos os meios impor o predomínio da razão.
Deve-se salientar ainda que Josué de Castro sempre classificou o fenômeno da
fome como um fenômeno social, podendo portanto ser combatido pelo próprio Homem.
Este fato também é de extrema importância pois abre também a possibilidade de
entendimento da sua a atuação em diversos âmbitos da política nacional e internacional.
Apresentaremos neste capítulo, primeiramente o conceito de fome cunhado por
Josué de Castro, e que pouco muda durante todo o movimento de sua obra. Depois
acrescentaremos como Josué de Castro trata o fenômeno da fome em duas fases
distintas de sua obra: a fase crítica (1946 - 1951) e a fase desenvolvimentista (1952 -
1971). E por último trataremos da relação do autor com o pensamento malthusiano.

109
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 14.

- 58 -
4.1 O CONCEITO DE FOME POR JOSUÉ DE CASTRO

O primeiro passo no estudo do fenômeno da fome na obra de Josué de Castro


deve ser o de precisar o conceito de fome que o autor desenvolve. Este conceito foi
claramente exposto em seu livro “Geografia da Fome” no terceiro item do prefácio
intitulado: “Nosso conceito de fome: as fomes individuais e coletivas. As fomes totais e
parciais. As fomes específicas e as fomes ocultas.”
Josué inicia esclarecendo que seus estudos não estão orientados para a fome
individual, seja em seu aspecto fisiológico seja em seu “aspecto subjetivo de sensação
interna” alertando que para esse último caso já existem alguns magníficos “romancistas
da fome”110. Portanto, fica evidente que tratará especificamente da fome coletiva.
Dentro da fome coletiva, Josué de Castro apontará para a distinção entre a fome
endêmica (permanente) e epidêmica (transitória) e entre a fome total (inanição) e a fome
parcial ou oculta. Neste sentido chama a atenção para a importância do estudo de
ambas, mas dará mais atenção para o estudo da fome parcial ou oculta. “O nosso
objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome atingindo endêmica ou
epidêmicamente as grandes massas humanas. Não só a fome total, a verdadeira
inanição que os povos de língua inglesa chamam de “starvation”, fenômeno em geral,
limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais, como o fenômeno
muito mais freqüente e mais grave em suas conseqüências numéricas, da fome parcial,
a chamada fome oculta, na qual pela falta permanente de determinados elementos
nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer
lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias.”111
É de extrema importância atentar para o fato que o autor não irá restringir o
conceito de fome, ao contrário, utilizará este conceito, mesmo quando outros autores
utilizariam conceitos como o de subnutrição ou desnutrição. Esta opção em “abrir” o
conceito tem razões científicas, pois como ele mesmo aponta, a fome parcial além de ser
mais freqüente também seria mais grave. Ao mesmo tempo tem razões políticas, pois
assim a fome não poderá ser tratada como um fenômeno restrito às “regiões longínquas”
como o Oriente e a Europa do pós-guerra. Josué aponta: “Para o leigo, para aqueles
que têm conhecimento da fome apenas através dos noticiários dos jornais, reduzem-se a

110
Cita os seguintes romancistas: Knut Hamsun, Panait Strati, Alexandre Neverov, Georg Fink e John
Steinbeck. É interessante lembrar aqui que em 1966 Josué de Castro chega a publicar um romance
intitulado “Homens e Caranguejos”.
111
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 21.

- 59 -
estas duas grandes regiões geográficas – o Oriente exótico e a Europa decadente e
devastada – as áreas de distribuição da fome, atuando como calamidade social.
Infelizmente esta é uma impressão errada, resultante da observação superficial do
fenômeno. Na realidade, a fome coletiva é um fenômeno social bem mais generalizado.
É um fenômeno geograficamente universal , não havendo nenhum continente que
escape à sua nefastia.”112 Assim Josué de Castro abre para si mesmo a perspectiva do
estudo do fenômeno da fome no Brasil e no mundo como um todo, não estando preso
somente às regiões onde há epidemias de fome, ou onde há somente a fome total.

112
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 42.

- 60 -
4.2 A FOME NO BRASIL E NO MUNDO

Tornar pública a existência da fome através da denúncia de suas causas e


conseqüências foi o grande objetivo de duas das maiores obras de Josué de Castro, a
primeira publicada em 1946 “Geografia da Fome” e a segunda publicada em 1951
“Geopolítica da Fome”.
A abordagem é muito semelhante em ambas, sendo a escala de análise a
principal modificação de uma para a outra. Ele aponta no prefácio de “Geografia da
Fome” duas razões que o levaram a pensar em escrever esta obra em diferentes
volumes. A primeira se refere à “desmedida extensão do seu campo de observação,
abrangendo todos os continentes”113 impossibilitando que todo o conteúdo seja
sintetizado em um só volume. A segunda razão se refere ao tempo para que o estudo
seja completado, não havendo, no entanto, a necessidade de se publicar todo o conteúdo
de uma só vez. Seria mais vantajoso já publicar os primeiros resultados dos estudos
realizados.
Sua idéia inicial de Josué era a de dividir o estudo em cinco volumes, cada qual
se referindo a uma região e assim indicados no Prefácio de “Geografia da Fome”: 1º
volume – Brasil; 2º volume – América espanhola e inglesa; 3º volume – África; 4º
volume – Oriente e 5º volume – Europa. Como se sabe a divisão se deu em apenas dois
volumes, onde no primeiro (“Geografia da Fome”) tratou-se somente do Brasil e no
segundo (“Geopolítica da Fome”) Josué de Castro trata das outras regiões já anunciadas.
Em ambos os livros Josué inicia sua apresentação do fenômeno da fome através
de um tratamento mais teórico da questão. Este tratamento tem como objetivo dar base
para que o leitor possa entender o conteúdo que vem a seguir, ou seja, dar instrumentos
para que o leitor entenda o conteúdo dos estudos das regiões afetadas pelo drama da
fome.
Em “Geografia da Fome” (Prefácio) e “Geopolítica da Fome” (Primeira Parte –
O fenômeno universal da fome), ele se coloca claramente em uma luta pela superação
do tabu da fome. Este tabu tem diversas origens, desde a recusa do instinto em favor da
razão realizada na civilização ocidental ao tabu relacionado aos interesses das minorias
dominantes que sempre tentaram esconder o fenômeno da fome. Porém, segundo o
próprio Josué, após as duas guerras mundiais e as revoluções russas e chinesas,

113
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 23.

- 61 -
estaríamos vivendo uma fase revolucionária da história. Mas ele mesmo alerta para o
sentido que dá ao conceito de revolução: “A palavra revolução é aqui empregada não
para significar um processo violento de derrubamento das autoridades constituídas e
de tomada do poder, e sim, para expressar um processo de transformação integral, de
transmutação histórica, de substituição de um mundo de um mundo de convicções
sociais por outro diferente, no qual os valores sociais anteriores já não tem
significação. (...) Julian Huxley, procurando caracterizar as duas eras por suas
expressões mais marcantes, sugere chamá-las, a passada, a era do homem econômico,
e a nova, a era do homem social.”114
Acreditando nesta mudança no “rumo” da história Josué alerta para o fato de
haver pouco conhecimento científico acerca do fenômeno da fome, o que acaba
dificultando a luta pela sua erradicação. Neste sentido, sua obra pode ser considerada
como o primeiro passo nesta larga caminhada contra a fome.
Vejamos agora como Josué de Castro apresentou o fenômeno da fome em seu
tempo no Brasil e no mundo.

4.2.1 A fome no Brasil


Para tratar do fenômeno da fome no Brasil Josué utilizará a divisão que fez em
“A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana” e já apresentada aqui no
segundo capítulo. Dentre as cinco áreas alimentares, três serão consideradas nitidamente
como áreas de fome sendo elas a área Amazônica, a Área da Mata do Nordeste e a área
do Sertão do Nordeste. As outras duas áreas, área do Centro-Oeste e a área do Extremo
Sul, são consideradas áreas de subnutrição não podendo assim serem consideradas como
áreas onde a alimentação é realizada adequadamente.
Ao tratar de cada área em suas especificidades, o autor seguirá basicamente um
mesmo “roteiro” que se inicia com uma caracterização da área, seguida por uma
apresentação dos problemas e suas causas principais e finaliza este “roteiro” com
proposições para a solução do problema. Este “roteiro” deve ser entendido como o
movimento pelo qual o autor apresenta seus estudos e não como uma “camisa de força”
da qual o autor nunca se livra.

114
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Páginas 52 e 53.

- 62 -
a) Área Amazônica
O capítulo acerca da área amazônica de inicia tratando da “hostilidade” da
natureza frente ao homem para o autor. Esta hostilidade que pode ser vencida, é
claramente maior na Amazônia e fica muito mais difícil vencê-la sem os
recursos técnicos disponíveis.
A alimentação na região tem como principal influência a cultura indígena (a
cultura portuguesa e negra a influenciaram em menor grau) tendo como principal
alimento a mandioca (na forma de farinha de mandioca). Em face às condições
naturais, alimentos de origem animal (gado bovino, caprino, ovino) são escassos
na região, se restringindo quase que completamente aos produtos da pesca nos
rios da região. Explica-se assim o déficit protéico da região (falta carne, leite,
queijo e ovos na alimentação) que só não é tão grave pelo fato de consumirem a
mandioca associada a alguns outros alimentos como arroz, feijão ou batata.
Há também a ocorrência de deficiências minerais, cujo aparecimento se deve
principalmente à pobreza dos solos da região. Estes solos sofrem um intensivo
processo de laterização (lavagem constante do solo pelo excesso de chuvas) que
faz com que percam muitos minerais. Cita ainda as carências vitamínicas, dando
ênfase no caso da epidemia de Beri-Beri que se deu no ciclo da borracha devido
a falta de alimentos com vitamina B1.
Pensando na solução dessa realidade Josué afirma: “O problema está preso a
quatro pontos fundamentais: produção insuficiente, dificuldade na conservação
de alimentos em condições climáticas desfavoráveis, absoluta falta de
transportes e baixa capacidade aquisitiva das populações. Todos estes aspectos
se ligam uns aos outros de forma intricada, não sendo possível resolver o
problema sem atacá-lo em todos esses aspectos.”115 Assim ele aponta para a
importância de uma ação conjunta e sobre diversas frentes para que a situação na
Amazônia pudesse ser contornada. E mais, lembra que sem um “plano de
povoamento racional e de fixação colonizadora do elemento humano à terra”116
o estado de fome em que vive grande parte da população não será superado.

115
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 105.
116
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 100.

- 63 -
b) Área da Mata do Nordeste / Área do Nordeste Açucareiro
Diferentemente do caso amazônico no Nordeste Açucareiro a fome tem
muito menor relação com a “hostilidade” da natureza. Para Josué: “A fome na
Amazônia decorre principalmente da pobreza natural da floresta equatorial em
alimentos. Já no Nordeste o fenômeno é chocante porque não se pode explicá-lo
à base de razões naturais.”117
Com um solo fértil (massapê) e um clima tropical sem excesso de chuvas
toda a região apresenta grande potencial de produtividade, que contudo não é
utilizado para a alimentação da população. Josué então denuncia que desde a
época colonial portuguesa a monocultura da cana vem escravizando tanto o
homem quanto a terra. Este regime de monocultura deixa até os dias atuais
pouco espaço para as culturas de subsistência que poderiam alimentar a
população local.
Os hábitos alimentares desta região foram constituídos a partir da
confluência de culturas diversas. Os portugueses que se aclimataram bem nos
trópicos no que concerne a habitação (casas grandes e arejadas) e ao do vestuário
(pouca roupa) não teve o mesmo êxito na alimentação, onde o excesso de
açúcares e a pouca variedade de alimentos resultou em fomes específicas. Este
resultado ruim na alimentação se deve a dois principais fatores: primeiro, a
impossibilidade de manter a mesma alimentação que tinham na Europa (trigo e
uva) e segundo pela monocultura da cana.
Já os indígenas influenciaram mais nas matérias primas utilizadas do que nos
próprios pratos, tendo desempenhado um papel importante ao ter protegido
poucas florestas na resistência frente ao avanço do colonizador.
Porém a maior influência é dada pelo negro como Josué afirma: “Outra
influência favorável – a mais expressiva e enobrecedora dos hábitos alimentares
da região – foi sem nenhuma dúvida a do negro.”118 Com uma herança saudável
quando se trata de regimes alimentares e um senso de resistência, os negros
através de plantações escondidas de mandioca, batata-doce, feijão e milho no
meio das plantações de cana reagiam a monocultura e complementavam, mesmo
que insuficientemente seu cardápio. Josué de Castro resgata o esclarecedor caso
do Quilombo de Palmares: “Na paisagem natural de Palmares com os traços

117
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Páginas 112 e113.
118
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 131.

- 64 -
naturais da terra tão bem ajustados às necessidades do homem, vamos
encontrar um regime de poliagricultura sistemática. (...) Tal era a importância
da lavoura dos negros de Palmares que a guerra contra os quilombos se
desenvolveu estrategicamente baseada na destruição prévia do seu roçado de
subsistência.”119 Porém não se pode deixar de lembrar que, devido a completa
situação de submissão as quais os negros eram submetidos, a sua ação
reparadora na alimentação foi limitada.
Com a grande força do latifúndio o complexo alimentar se fixou entorno da
farinha de mandioca, o que aliado a um aumento da população, agravou ainda
mais a situação alimentar. Deste modo, Josué caracteriza o Nordeste Açucareiro
assim como a Amazônia como as duas áreas de fome endêmica no Brasil.

c) Área do Sertão do Nordeste


Ao contrário das duas áreas anteriores, o Sertão do Nordeste não se
caracteriza como uma área de ocorrência endêmica, mas sim epidêmica de fome.
Isso quer dizer que a fome ataca esta população episodicamente em surtos
epidêmicos associados às secas.
O alimento básico desta área é o milho, sempre associado a outros alimentos
o que possibilita que haja uma alimentação equilibrada fora dos tempos de seca.
Josué de Castro chega a afirmar que: “Se o sertão do Nordeste não estivesse
exposto à fatalidade climática das secas, não figuraria entre as áreas de fome
de continente americano, mas entre as raras zonas de alimentação racional do
mundo.”120
Com clara influência da geografia francesa, Josué aponta para a coexistência
de dois gêneros de vida no sertão que compreendem a criação de gado e a
pequena agricultura de sustentação. O sertanejo associou a criação do gado
(especialmente caprino) à plantação de outros gêneros alimentícios o que lhe
garantiu uma alimentação saudável.
Porém esta alimentação saudável é abalada pelas secas. “Com as secas
desorganiza-se a economia regional e instala-se a fome no sertão. Os seus
efeitos sempre desastrosos são de amplitude variada conforme se trate de uma
seca parcial, limitada a uma pequena área ou uma grande seca abrangendo

119
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 134.
120
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 181.

- 65 -
considerável extensão ou finalmente uma seca excepcional, das que atingem de
vez em quando todo o sertão em bloco.”121 Assim o sertanejo passa a sofrer com
problemas em sua alimentação, seja com relação à quantidade como com relação
à qualidade dos alimentos.
São citadas as secas de 1877 e 1932 que foram muitos intensas e causaram
inúmeras mortes assim como um considerável êxodo rural122. Josué aponta, no
entanto, que este êxodo forçado não faz com que o migrante não queira retornar
a sua terra natal. Pelo contrário, fica sempre no aguardo da notícia de que o
flagelo passou e de que pode agora retornar. Nestas secas mais intensas são
muito comuns as epidemias de diversas doenças que têm relação direta com a
má alimentação da população.
Contudo, o ponto alto do capítulo, e talvez do livro, é a relação que Josué de
Castro faz entre a fome e o comportamento social do sertanejo. Neste momento
ele aponta para a radicalidade que o sertanejo assume na luta pela vida. Mas esta
radicalidade não é um caminho de mão única. Sobre os cangaceiros e beatos
Josué ressalta: “Estes estados de espírito extremos representam em última as
exteriorizações do tremendo conflito interior que se trava entre os impulsos e os
instintos da fome e os que levam a satisfação de outros desejos e aspirações.
Entre a alma do homem e o animal de rapina, entre o anjo e o demônio que
simbolizam a ambivalência mental da condição humana.”123 “Em ambos, o que
se vê é o uso desproporcionado e inadequado da força – da força física e da
força mental – para lutar contra a calamidade e seus trágicos efeitos.”124
Josué opta por uma via de mão dupla, onde os fenômenos econômicos e
sociais afetam os fenômenos biológicos como a fome, e do mesmo modo os
fenômenos biológicos também podem afetar os fenômenos econômicos e
sociais.

121
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 231.
122
É importante salientar que o pai de Josué de Castro escapou justamente da seca de 1877 indo para o
Recife, como ele próprio afirma no prefácio de “Homens e Caranguejos” : “O romance das longas
aventuras de suas águas descendo pelas diferentes regiões do Nordeste: pelas terras cinzentas do sertão
seco, onde nasceu meu pai e de onde emigrou na seca de 1877 com toda família, e pelas terras verdes dos
canaviais da zona da mata, onde nasceu minha mãe, filha de senhor de engenho.”
123
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 267.
124
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 270.

- 66 -
4.2.2 A fome no mundo
Assim como em “Geografia da Fome”, em “Geopolítica da Fome” Josué trata do
fenômeno da fome separadamente, por região. Neste segundo livro Josué estabelece
uma divisão do planeta em 4 grandes regiões sendo elas: Américas, Ásia, África e
Europa. Por se tratarem de regiões muito extensas em todas há uma subdivisão interna
para um melhor estudo da realidade.
A América fica dividida em: América do Sul, Mediterrâneo Americano (o que
hoje se denomina América Central), Antilhas e América Inglesa. A Ásia tratada a partir
de três exemplos enfáticos que são China, Índia e Japão. A África se subdivide em duas
sendo a África branca e a África negra. Somente a Europa é tratada de um modo mais
amplo e geral.
De certo modo pode-se apresentar duas linhas principais indicadas por Josué de
Castro em “Geopolítica da Fome”. A primeira, como já foi mencionado, trata-se da
superação do tabu da fome, onde Josué de Castro tenta demonstrar como a humanidade
sempre sofreu com o drama da fome, não importando a época ou a região do globo.
Neste sentido realiza em todos os capítulos uma retrospectiva histórica do fenômeno da
fome para cada região.
A segunda linha principal, possível de ser observada também em “Geografia da
Fome”, é a denúncia dos estragos cometidos pelo processo de colonização ao redor do
mundo. Josué de Castro indica insistentemente para o fato de que todas as regiões que
passaram pelo processo de colonização (europeu principalmente) sofreram e ainda
sofrem com o flagelo da fome.
É importante notar que aqui se coloca também a possibilidade de o autor
futuramente pensar a fome como sinônimo de subdesenvolvimento.

- 67 -
4.3 FOME E SUBDESENVOLVIMENTO

Para interpretar a relação que Josué de Castro estabelece entre a fome e o


subdesenvolvimento em sua obra utilizaremos agora as mesmas publicações com as
quais trabalhamos no capítulo anterior quando tratamos de sua fase
125
desenvolvimentista .
Neste momento é imprescindível salientar que Josué de Castro utiliza o conceito
de desenvolvimento, salvo sob raras exceções, no sentido de desenvolvimento
econômico. Apenas em poucas passagens o conceito de desenvolvimento parece se
referir ao desenvolvimento humano o que provoca em algumas passagens uma certa
ambigüidade no texto.
Como já fora mencionado, está se buscando entender as continuidades e
descontinuidades da obra de Josué de Castro e deste modo iniciaremos o tratamento
através do livro “Geopolítica da Fome” publicado em 1951 e que é considerado neste
trabalho como integrante da segunda fase do pensamento de Josué de Castro. Veremos,
portanto, como este livro já apresenta como possibilidade a abertura para um
pensamento desenvolvimentista.
A mudança mais evidente entre “Geografia da Fome” e “Geopolítica da Fome”
(ambos pertencentes ao que fora aqui denominado de fase crítica) repousa no fato de
que em “Geopolítica da Fome” Josué de Castro reserva uma terceira parte do livro (que
contém dois capítulos) para tratar do que ele denomina “Um mundo sem fome”. É pois,
neste momento, que se pode vislumbrar as possibilidades de uma fase
126
desenvolvimentista se firmando em seu pensamento .
Nota-se claramente que Josué de Castro irá utilizar com mais freqüência
conceitos da Economia, tratando muitas vezes do combate a fome como um combate
que se dá apenas em âmbitos econômicos. Segundo o mesmo, em “Geopolítica da
Fome”: “Assim, só ampliando o poder aquisitivo e a capacidade de consumo desses
grupos marginais, poderá nossa civilização sobreviver e prosperar, dentro de sua atual

125
As publicações são as seguintes: “Geopolítica da Fome”, “Três Personagens – Einstein, Fleming e
Roosevelt”, “Ensaios de Biologia Social”, “O Livro Negro da Fome” e “A Estratégia do
Desenvolvimento”.
126
Vale ressaltar que em 1947 Josué de Castro foi membro do “Comitê Consultivo Permanente da
Nutrição da FAO” além de delegado do Brasil na “Conferência de Alimentação e Agricultura das Nações
Unidas” convocada pela FAO. Como já vimos, este contato com organismos internacionais exerceram
certamente considerável influência sobre a obra do autor.

- 68 -
estrutura econômica e social.”127 Esta citação é de extrema importância também pois
demonstra claramente uma posição política de Josué de Castro que é a da manutenção
da atual estrutura econômica e social.
Essa posição favorável à manutenção pode ser explicada a partir do momento em
que se entende que Josué acredita na possibilidade de se criar uma economia
humanizada. Neste mesmo livro ele afirma: “Já no nosso mundo de após-guerra, o que
vemos por toda parte – tanto no setor ocidental, capitalista, como no oriental,
socialista – é uma focalização intensiva do homem biológico como entidade social
concreta, uma espécie de prioridade dos problemas humanos sobre os problemas
econômicos puros. Não quer isso dizer que, nesta nova era do homem social, a
economia seja relegada a um plano secundário; é que esta é agora orientada como um
fator para a obtenção do bem-estar humano.”128 Nota-se claramente que a partir deste
livro a Economia passa a ter um grande papel nas publicações de Josué de Castro.
Assim, começa a se tornar mais constante nas publicações de Josué de Castro a
idéia de que o progresso econômico, através de ações no campo da política econômica
poderia salvar a humanidade do fenômeno da fome. Esta posição carrega continuidades
e descontinuidades no seu pensamento, já que é possível identificar em “Geografia da
Fome” a proposição de algumas medidas que se pode chamar de “medidas
econômicas”. Por conseguinte, o peso destas medidas passa a ter um papel central na
obra do autor.
Até agora apenas do livro “Geopolítica da Fome” que abre as possibilidades para
a fase desenvolvimentista da obra de Josué de Castro. Antes de tratarmos dos livros que
pertencem diretamente a esta fase, tentaremos expressar a importância da relação entre
Josué de Castro e o Estado para o entendimento destas publicações.
Até o ano de 1947 Josué de Castro não havia ocupado nenhum cargo político
significativo. É a partir deste ano que Josué começa a realizar diversas tarefas na FAO
(Organização para a Alimentação e Agricultura da ONU) sendo primeiramente delegado
do Brasil na “Conferência de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas” e se
tornando membro do “Comitê Consultivo Permanente de Nutrição” da mesma FAO.
Depois disso, em 1952, se torna presidente do Conselho da FAO (onde permanecerá até
1956).

127
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 400.
128
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 53.

- 69 -
No Brasil, concorre e vence as eleições para Deputado Federal do Estado de
Pernambuco durante duas ocasiões, permanecendo no cargo entre 1956 e 1962, quando
se torna embaixador do Brasil na ONU (em Genebra) até que tem seus direitos políticos
cassados em decorrência do golpe militar de 31 de março de1964. Como vê-se, Josué de
Castro teve uma grande e intensa atuação política em âmbito nacional e internacional.
Esta atuação, imprimiu diversas marcas em seu pensamento que podem ser notadas nas
obras posteriores ao ano de 1951.
Tentaremos agora, através das publicações de Josué de Castro, mostrar o
movimento interno desta fase desenvolvimentista da obra de Josué de Castro, a partir da
relação que este estabelece entre o fenômeno da fome e o subdesenvolvimento. Como já
vimos as possibilidades se abrem em “Geopolítica da Fome”. Temos então até o ano de
1957 diversos discursos que cada vez mais apontam para este caráter
desenvolvimentista que tem expressão máxima em “O Livro Negro da Fome” (de 1957)
onde Josué de Castro, já na primeira página afirma que “a fome e o subdesenvolvimento
são uma coisa só”129. Em seguida serão mostradas as mudanças e descontinuidades,
especialmente através de “A Estratégia do Desenvolvimento” publicado em 1971.
Em 1954 Josué de Castro profere um discurso no Conselho Mundial da Paz (em
Estocolmo), ao presidir a sessão dedicada ao estudo das armas atômicas. Observa-se
desde então que Josué de Castro passará a dividir o mundo em dois, mas não a partir da
divisão entre os países comunistas e capitalistas, mas entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Segundo Josué: “Não se alcançará jamais uma paz estável num
mundo dividido entre a abundância e a miséria, entre o luxo e a pobreza, entre o
esbanjamento e a fome. É absolutamente necessário terminar com esta tremenda
desigualdade social. Infelizmente cada vez mais se alarga o fosso que separa os países
ricos e os países pobres, os países chamados bem desenvolvidos, industrial e
tecnicamente e os países que se chamam subdesenvolvidos. É hoje noção
universalmente aceita de que 2/3 da humanidade continuam morrendo de fome. Esses
2/3 de subnutridos e famintos se concentram exatamente nas regiões subdesenvolvidas
do mundo.”130 Percebe-se aqui que, Josué de Castro aponta para uma simultaneidade
espacial entre os fenômenos da fome e do subdesenvolvimento. Mais adiante reafirma a
necessidade de se promover um desenvolvimento econômico: “Mas o problema não é
apenas técnico; é antes de tudo econômico e repousa na necessidade desenvolver de

129
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 1.
130
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1965. Páginas 224 e 225.

- 70 -
maneira adequada as regiões subdesenvolvidas do mundo.”131 Deseste modo, ataca a
“indústria da guerra” que consome consideráveis quantias que poderiam ser destinadas
ao “progresso econômico” de áreas subdesenvolvidas.
Em outras passagens de 1955 podemos ver como Josué de Castro reforça esta
posição em favor de políticas de desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas, sempre
relacionando-as com o fenômeno da fome. Em “Crise Social e Desenvolvimento
Econômico do Mundo”, escrito em 1955, Josué de Castro destaca que: “É o regime de
fome crônica em que vivem até hoje cerca de 66% das populações do mundo, por
imposição do pauperismo e da miséria econômica, a causa da fraqueza e do desgaste
biológico que inferiorizam de maneira tão alarmante estes grupos mais pobres em
comparação com os grupos mais ricos, bem alimentados e sadios. (...) Verifica-se desta
forma que é a fome a mais grave manifestação do pauperismo mundial, gerado pelo
progresso econômico defeituoso e agravado pelo círculo vicioso que a miséria
impõe...”132
É importante aludir que em nenhum momento Josué de Castro faz qualquer
proposta que rompa radicalmente com a ordem estabelecida. Ao contrário, Josué muitas
vezes reforça a estrutura econômica vigente. Em discurso pronunciado na Câmara
Federal em 2 de dezembro de 1955, na discussão do projeto de criação do Ministério da
Economia, intitulado “Desenvolvimento Econômico e Bem-Estar Social”, Josué
assegura: “Sentimos necessidade de uma economia que atente mais para o consumo do
que para a produção. Criem-se possibilidades para que essas massas possam satisfazer
as suas necessidades. Precisamos antes de tudo de uma economia de subsistência: dar
a cada um o mínimo indispensável. Quando obtivermos esse mínimo de pobreza para
todos – não de miséria – arrancando da miséria a massa do pauperismo, para uma
pobreza decente, essa massa pobre trabalhará e produzirá o suficiente para enriquecer
o Brasil.”133
Portanto o período que se estende da publicação de “Geopolítica da Fome” e “O
Livro Negro da Fome”, apresenta uma crescente utilização da relação entre os conceitos
de desenvolvimento e subdesenvolvimento e o conceito de fome. Agora, vale interpretar
como isso se dá propriamente em “O Livro Negro da Fome” onde Josué de Castro
desenvolve diversas relações e estabelece um melhor diálogo com o tema.

131
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1965. Páginas 226.
132
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1965. Páginas 164.
133
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1965. Páginas 187.

- 71 -
O livro, como o próprio auto salienta, é “um manifesto recomendando a criação
da Associação Mundial de Luta Contra a Fome.”134 Trata-se de um momento em que
ele, já desiludido com as possibilidades de acabar com a fome através da FAO135, tenta
através da “Associação Mundial de Luta Contra a Fome” (ASCOFAM) captar interesses
e recursos para a luta contra a fome. Neste sentido insiste durante todo o livro na
importância da criação de um fundo de reservas ou como ele mesmo diz uma “Reserva
Internacional Contra a Fome”, acreditando que a ação da ASCOFAM “deve ter
contribuído com alguma eficácia para que maior atenção fosse dada ao problema do
combate à fome, não em termos paternalistas, mas em termos de equilíbrio econômico
do mundo.”136
O que se constata portanto neste livro é o ápice da relação entre os conceitos de
desenvolvimento e subdesenvolvimento e o conceito de fome. Como já vimos na
primeira página do livro Josué de Castro afirma que fome e subdesenvolvimento são
uma coisa só137, apontando para o fato de que para se acabar com a fome deve-se
promover o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos.
Neste momento, é portanto indispensável, demonstrar como Josué de Castro
chega até esta equivalência entre fome e subdesenvolvimento. Esta explicação passa
necessariamente pelo “princípio da causalidade” que Josué de Castro coloca como um
“princípio geográfico” e utiliza em toda sua obra. Através deste princípio Josué de
Castro chega à seguinte relação: o homem com fome produz pouco; com baixa
produtividade há subdesenvolvimento; logo a fome é igual ao subdesenvolvimento. Esta

134
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 1.
135
“No que diz respeito à luta contra específica contra a fome tivemos durante certo tempo a impressão
ilusória de que os governos estavam à altura das circunstâncias. Nascera tal impressão com a criação da
FAO (...) Cedo se verificou entretanto que, para realizar esta missão a FAO necessitaria dispor de
poderes suficientes, bem mais amplos do que os concedidos em sua carta de criação. (...) Isso não quer
dizer que essa organização não venha realizando uma obra meritória, ela é todavia insuficiente para dar
solução ao problema.” in CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966.
Páginas 53 e 54.
136
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 95.
137
Em “Geografia do Subdesenvolvimento” Yves Lacoste dialoga com Josué de Castro: “A Fome é sem
dúvida tão velha quanto o gênero humano, mas sua ‘descoberta’, seu reconhecimento oficial no fim da
guerra foram conseqüência de profundas transformações políticas: enquanto existiam elos estreitos de
dominação colonial, e enquanto se procurava mantê-los por bem ou por mal, admitir que as populações
colonizadas estavam na miséria era, numa certa medida, reconhecer o fracasso desta famosa missão
civilizadora, álibi ideológico da colonização. A maior parte dos colonizados tornou-se independente,
desapareceu progressivamente o “tabu” (Josué de Castro) que impedia os “civilizados” de ver, de
admitir que cerca de três homens em quatro passavam fome.” (página 11) Mas pouco adiante Lacoste
discorda de Josué de Castro: “Contudo, apesar da amplidão de seu significado, a fome não pode ser
considerada como critério único, necessário e suficiente, do subdesenvolvimento. Não é possível colocar
de forma absoluta: fome=subdesenvolvimento.” (página 25) in LACOSTE, Yves. Geografia do
Subdesenvolvimento, São Paulo, Difusão Européia do Livro e Edusp, 1966.

- 72 -
relação (exposta aqui de modo bem simplificado) que beira a tautologia aponta também
para a importância que Josué de Castro dava ao conceito de produtividade no combate à
fome.
Para que se acabe com o subdesenvolvimento (que neste momento é também o
combate à fome para Josué) o autor insiste na necessidade de os países desenvolvidos
desenvolverem uma consciência da necessidade de uma ajuda econômica aos países
subdesenvolvidos. Acreditando nas lideranças destes países Josué de Castro afirma:
“Cabe a estes mentores da economia mundial encontrar uma salvação para a crise e
não a atitude de querer transferir o seu encargo para os povos até hoje dominados pela
força econômica destas grandes potências.”138
Não se deve, no entanto, concluir que esta foi a única possibilidade de o autor
entender o subdesenvolvimento. Há certamente uma inflexão na sua obra quando este
publica em 1971 o livro “A Estratégia do Desenvolvimento”. Neste livro, que foi
originalmente apresentado na Conferência sobre O Meio e a Sociedade em Transição,
em Nova York entre os dias 27 de abril e 2 de maio de 1970, é possível perceber uma
certa decepção de Josué de Castro frente aos resultados obtidos no combate ao
subdesenvolvimento. Com efeito esclarece que: “Tornou-se pois um lugar-comum falar-
se do enorme fosso que separa os países ricos e industriais das nações pobres e
subdesenvolvidas.”139
Josué de Castro, agora aborda o conceito de desenvolvimento de um modo mais
amplo, não tão ligado à economia e trazendo a discussão para o plano da política: “Não
se pode negar que a crise do Terceiro Mundo e o seu terrível atraso econômico é antes
de tudo o resultado de uma falsa atitude de não querer reconhecer que o verdadeiro
desenvolvimento é um fenômeno essencialmente político. A própria noção de
desenvolvimento implica sempre em uma certa concepção de homem e da sociedade e
desabrocha pois inevitavelmente numa ação política.”140 Essa passagem que pode ser
vista como uma descontinuidade (por não ter um viés tão econômico) dentro da fase
desenvolvimentista de Josué no entanto é seguida de uma outra passagem que aponta
para uma continuidade (onde o viés econômico volta a ter papel central) no sentido de
que o autor acredita na possibilidade de se estabelecer um equilíbrio econômico dentro
do capitalismo. Josué afirma: “Sem uma política de desenvolvimento válida, que

138
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 45.
139
CASTRO, Josué de. A Estratégia do Desenvolvimento, Lisboa, Seara Nova, 1971. Página 9.
140
CASTRO, Josué de. A Estratégia do Desenvolvimento, Lisboa, Seara Nova, 1971. Páginas 10 e 11.

- 73 -
englobe todo um conjunto de medidas em todos os setores da vida e em cada nível de
responsabilidade, do indivíduo à comunidade universal de todas as nações, não se
obterá jamais o equilíbrio econômico do mundo pela reabsorção do problema do
subdesenvolvimento.”141
Nesta mesma perspectiva afirma ainda que a noção de desenvolvimento leva à
cópia de um modelo tido como desenvolvido: “O maior de todos estes erros foi o de se
conceber em toda a parte um processo de desenvolvimento semelhante ao
desenvolvimento dos países ricos do Ocidente.”142 Porém o que podemos notar em seus
trabalhos anteriores é que ele próprio se utilizava da noção de desenvolvimento desta
maneira, apontando sempre para as questões econômicas (e principalmente de
produtividade) como sendo as questões que “salvariam” os países subdesenvolvidos.
Conclui-se assim esta curta interpretação da fase desenvolvimentista da obra de
Josué de Castro. Vejamos agora um outro aspecto importante de sua obra, que atravessa
mais de uma fase de sua obra, mas que certamente é mais presente nesta terceira fase: o
debate com o malthusianismo.

141
CASTRO, Josué de. A Estratégia do Desenvolvimento, Lisboa, Seara Nova, 1971. Página 11.
142
CASTRO, Josué de. A Estratégia do Desenvolvimento, Lisboa, Seara Nova, 1971. Página 12.

- 74 -
4.4 JOSUÉ DE CASTRO E O PENSAMENTO MALTHUSIANO

É possível apontar dois grandes debates teóricos de Josué de Castro com alguns
autores de seu tempo. Um delas se refere ao debate com autores deterministas que viam
no clima a explicação para a miséria de vários países. Outro debate, do qual trataremos
brevemente agora por ser mais atual, trata-se do debate com o malthusianismo.
A partir do livro “Geopolítica da Fome” nota-se claramente um debate na obra
de Josué de Castro onde ele enfrenta as teses malthusianas. Esta questão também será
tratada claramente em outros dois livros: “Ensaios de Biologia Social” e “O Livro
Negro da Fome”. Até então Josué de Castro já esboçava uma crítica ao malthusianismo
ao afirmar que o fenômeno da fome trata-se de um fenômeno social - provocado pelo
homem – e não um fenômeno natural.
Este debate se inicia sob grande influência da livro de Willian Vogt “O Caminho
da sobrevivência”, publicado nos EUA em 1948143, que apresenta forte tendência
malthusiana e teve grande aceitação entre o público estadunidense. 144
Em “Geopolítica da Fome”, livro editado para conscientizar o público
estadunidense sobre o fenômeno da fome no mundo, Josué iniciará um debate com as
teses malthusianas expostas por Vogt, na tentativa de apontar para os erros cometidos
por Malthus e seus seguidores.
Josué de Castro inicia a crítica ao pensamento malthusiano afirmando que este
se mostra frágil do ponto de vista científico. Em “Geopolítica da Fome” destaca:
“Procurando defender a tese de que o aumento das populações do mundo constitui
grave perigo para seu equilíbrio econômico, Malthus engendrou a hipótese de que as
populações crescem em progressão geométrica e a produção de alimentos em
progressão aritmética, resultando daí o impasse de uma produção irremediavelmente
insuficiente para as necessidades das populações. Faltou à teoria de Malthus a
necessária base científica.”145 Josué apontará para dois grandes problemas da tese
malthusiana.

143
Este debate não aparece nos livros “A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana” e nem no
importante “Geografia da Fome” editados antes de 1948. No entanto estes livros já apontavam para a
fome como um fenômeno social.
144
Na página 133 do livro “Ensaios de Biologia Social”, Josué afirma: “ ‘O Caminho da Sobrevivência’ –
eis a tradução ao pé da letra do título do famoso livro de William Vogt, que tanto sucesso vem obtendo
nos Estados Unidos. O Caminho da Perdição – eis a tradução crítica das idéias expostas pelo autor.”
145
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 61.

- 75 -
Neste caminho, apontará para grandes problemas da tese malthusiana. O
primeiro problema se refere ao ritmo de crescimento da população. Segundo o próprio
Josué de Castro: “O primeiro erro de Malthus foi considerar o crescimento das
populações como uma variável independente, quando na verdade este fenômeno está na
mais estreita dependência de múltiplos fatores políticos e econômicos, oriundos de
cada tipo de conjuntura social.”146 Não é possível portanto, estabelecer uma “fórmula
ideal” que aponte para o crescimento indeterminado da população mundial.
O segundo problema diz respeito ao crescimento da produção de alimentos. Com
novas áreas sendo cultivadas e novas técnicas sendo empregadas, a tese de que a
produção de alimentos não acompanharia o aumento da população mundial também é
colocada em cheque.
Sendo assim Josué de Castro reafirma mais uma vez sua posição de encarar a
fome enquanto um fenômeno social e não natural, podendo, portanto, ser superado pelo
próprio Homem. Josué conclui da seguinte forma: “Conclui-se, pois, que Malthus foi
inteiramente desmoralizado, faltando base científica às suas macabras elucubrações,
elaboradas com o fim específico de justificar a exploração e a injustiça social,...”147
Deste modo Josué irá apontar para o fato de que Vogt apenas reeditou as idéias
de Malthus, indo porém mais além do que este ao propor estratégias desumanas para
atingir o “equilíbrio” entre a população e a quantidade de alimentos disponíveis.
“Como único caminho para a salvação, Vogt aponta as medidas malthusianas
em suas formas mais drásticas. Deixar morrer os fracos e os doentes. Ajudar os
famintos a morrer mais depressa. Controlar por todos os meios os nascimentos.
Desafogar enfim o mundo desse excesso de gente, a fim de que ele disponha de espaço
suficiente para nele viver regaladamente uns quantos privilegiados.”148 Tais medidas
nada mais são do que a recondução da estratégia malthusiana, que se apresenta de outro
modo por se tratar de outro período histórico. Do mesmo modo que Malthus se opunha
ao socialismo nascente na Europa, Vogt e a “Revolução Verde” do pós-guerra se opõem
ao comunismo (“Revolução Vermelha”).
Não é por acaso que Malthus é considerado um dos maiores ideólogos da
economia burguesa. Sua teoria não trata em nenhum momento das relações sociais
como fonte explicativa da miséria. Vogt do mesmo modo não tratou dos problemas

146
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 24.
147
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 28.
148
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 133.

- 76 -
sociais em seus estudos, insistindo na análise que responsabiliza as leis da natureza pela
fome no mundo e não a conduta política de pessoas e instituições.
Josué de Castro por sua vez irá colocar todo o peso de sua refutação ao
pensamento malthusiano em sua tese de que a fome é causa e não conseqüência da
superpopulação. Em “O Livro Negro da Fome” Josué assegura: “Não há fome por
excesso de gente, mas sim existe excesso de gente como uma conseqüência da fome.”149
Nota-se, aqui, que Josué de Castro não abandona o que ele denomina (desde
1937 em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”) “princípio da
causalidade”150.
Por meio deste princípio Josué de Castro analisará os fenômenos em uma
relação de causa e efeito. Josué de Castro estabelece pela primeira vez esta relação de
causa e efeito entre os fenômenos da fome e da superpopulação em “Geopolítica da
Fome” chegando a afirmar que este seria o ponto crucial do livro: “Chegaremos, então,
ao ponto crucial de nosso ensaio, que é aquele em que tentaremos demonstrar que não
é a superpopulação que cria e mantém a fome em certas áreas no mundo, mas é a fome
que origina a superpopulação. Esta afirmativa é, sem dúvida, paradoxal em sua
aparência, desde que, sendo a fome causa de morte e degradação, parece pouco
propícia para provocar o excessivo crescimento demográfico. Mas, na realidade, é o
que se passa.”151
Vejamos através das palavras de Josué de Castro como ele chega até esta
afirmação: “Os povos submetidos à ação contínua de uma alimentação deficitária,
longe de diminuírem seu apetite sexual, apresentam exaltação do mesmo e nítido
aumento de fertilidade. Esta intensificação da capacidade reprodutiva dos povos
cronicamente famintos explica-se através de um complexo mecanismo onde entram
fatores de ordem psicológica e de ordem fisiológica.”152 O mecanismo psicológico se
explicaria numa relação de equilíbrio entre os instintos da nutrição e da reprodução,
sendo que quando um tem seu nível diminuído o outro aumenta na mesma proporção. Já

149
CASTRO, Josué de. O livro negro da fome, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 27.
150
“... princípio da causalidade, que busca, num exame de um fenômeno, lançar as causas que
determinam sua extensão e intensidade. Foi Humboldt que pois em relevo este princípio, o qual
transformou a geografia de descritiva em explicativa.” in CASTRO, Josué de. A Alimentação Brasileira à
Luz da Geografia Humana, Porto Alegre, Globo, 1937. Página 26.
151
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 75.
152
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome, São Paulo, Brasiliense, 1965. Página 129.

- 77 -
com relação ao mecanismo fisiológico Josué de Castro afirma que há uma relação entre
alimentação insuficiente e o índice de fertilidade153.
Assim afirma que a superpopulação não é causa, mas conseqüência do fenômeno
da fome. É importante notar que este argumento acompanha o fim do que denominamos
aqui de fase crítica de Josué de Castro e toda sua fase desenvolvimentista. Isto fica
ainda mais claro quando Josué de Castro afirma em seu artigo “Malthus e o caminho da
perdição” publicado em 1957 em “Ensaios de Biologia Social”: “O mecanismo
biológico e social desta correlação em sentido inverso ao previsto por Malthus é hoje
perceptível em seus pontos fundamentais e explica o fato que a industrialização e o
progresso econômico constituem os meios mais eficientes de controle do crescimento
das populações.”154
Se através deste pensamento vemos que Josué de Castro empreende uma
significativa luta contra políticas de controle e natalidade que muitas vezes beiram o
fascismo, por outro lado podemos dizer que sua argumentação aproxima-se muito da
argumentação malthusiana.
A relação de causa e efeito entre o tamanho da população e o fenômeno da fome
longe de explicar os problemas sociais reforça um pensamento não crítico sobre a
realidade das relações sociais. Está exposto aqui um limite da obra de Josué de Castro
que não consegue se desvencilhar do “princípio da causalidade”, o que impede o
denegar radicalmente o conteúdo das teses malthusianas e neste sentido pode até
reforçá-las.
É importante apontar ainda para o fato de que ainda hoje o pensamento
malthusiano continua vivo. Podemos dizer que há um pensamento neomalthusiano atual
tendo em vista que novos estudos, mesmo não seguindo a risca a obra de Malthus,
preservam um núcleo teórico muito parecido. São estudos que não abandonam as
comparações entre a quantidade de população e a quantidade de alimentos e que
continuam sem tratar das relações sociais.
Porém, diferentemente do discurso de Malthus e Vogt, estes neomalthusianos
não apresentam mais a miséria como algo necessário. Pelo contrário, este discurso é
substituído por uma falsa sensibilização com o flagelo da fome, como no caso das

153
Vemos que até nas teses que dão base à explicação de que a fome é causa da superpopulação Josué de
Castro também utiliza o “princípio da causalidade”.
154
CASTRO, Josué de. Ensaios de Biologia Social, São Paulo, Brasiliense, 1966. Página 139.

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multinacionais produtoras de sementes transgênicas, que vêm no aumento de
produtividade a única via para se acabar com a fome mundial.

- 79 -
5. AS RELEITURAS DA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

Interpretar o movimento de uma obra é interpretar também suas releituras. Não


se pode pensar a obra de um autor sem suas releituras pois é este conjunto que forma
um movimento maior: o movimento do pensamento.
Um trabalho permite várias releituras e, portanto, pode apresentar diversos
caminhos de interpretação, que devem ser considerados como constitutivos do
movimento do pensamento. Sendo assim, este capítulo visa explorar o que seria um
segundo momento da obra do de Josué de Castro: o momento das releituras.
Por se tratar de uma obra extensa e que passa pelas mais diversas áreas do
conhecimento, as releituras da obra de Josué de Castro seguem os mais diversos
caminhos. Antônio Alfredo Teles de Carvalho trata em sua tese de mestrado destas
releituras e divide-as em dois grandes grupos. O primeiro grupo seria composto por
trabalhos da área da Medicina e da Nutrição, enquanto o segundo teria em sua maioria
trabalhos do campo da Geografia.
Outra divisão possível de ser apresentada indica para uma releitura mais
econômica da obra de Josué de Castro. Esta leitura se ancora principalmente nas obras
da terceira fase de seu pensamento, a fase desenvolvimentista. Porém, de um modo
geral, pode-se dizer que a grande maioria das releituras, sejam elas médicas, geográficas
ou econômicas, convergem em torno da temática da fome.
Neste sentido pode-se pensar a obra de Josué como uma matriz para o
pensamento sobre a fome. Ao superar o que ele chamava de “tabu acerca da fome”
Josué abriu diversas possibilidades para o tratamento desta realidade.
O número de autores que se utilizam, nas mais diferentes intensidades, das obras
de Josué de Castro é muito grande e para entendê-los em seu conjunto seria necessário
realizar uma longa pesquisa bibliográfica.
No entanto, este não é o maior obstáculo para uma pesquisa que visa interpretar
as releituras de sua obra. O ponto crucial passa, na verdade, pelo entendimento da
realidade estudada tanto por Josué de Castro, como pelos outros autores. Em outras
palavras, isso quer dizer que, seria um esforço inútil reunir todas as releituras da obra de
Josué de Castro, se o pesquisador não tivesse, ele também, um claro entendimento a
respeito das temáticas debatidas.
Está posto aqui o limite de um trabalho que se coloca unicamente como um
trabalho de História do Pensamento Geográfico. Não há como, neste momento,

- 80 -
estabelecer uma comparação sólida entre a obra de Josué de Castro e suas releituras,
sem antes formar um pensamento próprio a respeito das diversas temáticas
apresentadas, com especial atenção para a temática da fome.

Postas as dificuldades, não se pode, no entanto, fugir ao desafio de indicar


sinteticamente para alguns caminhos seguidos pelas releituras da obra de Josué de
Castro. Uma primeira constatação revela que são pouquíssimas as releituras realizadas
sobre a obra de Josué como um todo. Na maioria dos casos o que se encontra são
artigos, teses e livros que se utilizam das publicações de Josué de Castro.
Evidentemente que cada autor faz uma leitura da obra de Josué de Castro, mas é
necessário mencionar também aquelas leituras que por vezes não são fiéis ao
pensamento do autor. Uma leitura atenta da obra de Josué revela que alguns autores que
se utilizam de sua obra chegam a desconhecê-la, utilizando-a apenas como um meio de
legitimar seus pensamentos.
Nesta pesquisa foi possível encontrar alguns autores que se referiam de algum
modo à obra de Josué de Castro. Através dos tópicos que se seguem é possível
visualizar algumas destas releituras.
 Yves Lacoste: “Geografia do Subdesenvolvimento”155 de 1966.
Neste livro Lacoste debate com Josué de Castro a relação entre o fenômeno da
fome e o subdesenvolvimento. Primeiro concorda com Josué ao apontar a fome como
um fator constitutivo do subdesenvolvimento. Depois aponta para os problemas de
considerar a fome como um sinônimo de subdesenvolvimento, idéia que Josué de
Castro expõe em “O Livro Negro da Fome”.
 Antonio Candido: “Parceiros do Rio Bonito”156 de 1964.
Antonio Candido se utiliza da obra de Josué ao tratar da alimentação do caipira.
Ele considera Josué de Castro como um dos “especialistas brasileiros em
alimentação”157.
 Antônio Carlos Robert Moraes: “Geografia – pequena história crítica”158
de 1983.

155
LACOSTE, Yves. Geografia do Subdesenvolvimento, São Paulo, DIFEL e Edusp, 1966.
156
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito, São Paulo, Duas Cidades e Ed. 34, 2001.
157
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito, São Paulo, Duas Cidades e Ed. 34, 2001. Página
189.
158
MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia – Pequena História Crítica, São Paulo, Hucitec, 1983.

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Neste livro Antônio Carlos Robert Moraes indica a importância de Josué de
Castro para a constituição de uma Geografia preocupada com a realidade social
brasileira.
Segundo ele a obra de Josué de Castro apresentaria um tom de denúncia que
poderia ser considerada como pertencente a uma ala mais progressista da Geografia
Regional Francesa, abrindo assim a perspectiva para uma atuação mais crítica do
geógrafo na sociedade.
 Francisco Pompêo do Amaral: “Discriminação e Mistificação em
Alimentação”159 de 1986.
Neste livro a atuação da FAO e o papel de Josué de Castro nesta organização são
questionados. O autor aponta para o fato de que a organização não conseguiu avanços
significativos no combate à fome.
 Rosana Magalhães: “Fome: uma (re)leitura da obra de Josué de Castro”
de 1997.
Em um belíssimo livro é discutida a obra de Josué de Castro e sua relação com a
temática da fome, através de uma leitura no âmbito da saúde. Neste livro fica clara a
importância de Josué para o debate da fome no Brasil e no mundo.
 José Levi Furtado: “A Fome e as Duas Faces do Estado no Ceará”160 de
1999.
Nesta tese de dissertação a obra de Josué de Castro serve para que o autor
fundamente seu conceito de fome. Uma leitura atenta da obra de Josué indica que o
autor acaba transgredindo sua obra, pois trabalha a fome somente através de dados
estatísticos produzidos pelo Estado.
 Antônio Alfredo Teles de Carvalho: Josué de Castro na Perspectiva da
Geografia Brasileira – 1934/1956: uma contribuição à historiografia geográfica
nacional.
Esta é uma importante tese que interpreta um período da obra de Josué de Castro
à luz da “História do Pensamento Geográfico”. Através da utilização de diversos
documentos (cartas e telegramas principalmente)o autor interpreta também o
pensamento de Josué que não se encontra em suas publicações.

159
AMARAL, Francisco Pompêo do. Discriminação e Mistificação em Alimentação, São Paulo, Alfa-
Omega, 1986.
160
SAMPAIO, José Levi Furtado. A Fome e as Duas Faces do Estado no Ceará. Tese de Doutorado
defendida em 1999 na USP.

- 82 -
 Coletânea de textos, do próprio Josué de Castro, organizada por Anna Maria
de Castro: “Fome um tema proibido”161 de 1983.
É a primeira coletânea que surge com textos inéditos do autor. Organizada por
sua filha esta coletânea foi modificada e reeditada em 2003 e até certo ponto pode-se
dizer que os textos priorizam o que chamamos aqui de “fase desenvolvimentista” de seu
pensamento.
 Coletânea de textos, do próprio Josué de Castro, organizada por Bernardo
Mançano e Carlos Walter: “Josué de Castro: vida e obra”162 de 2000.
Com dois artigos introdutórios, um de João Pedro Stédile e outro dos geógrafos
organizadores, este livro apresenta também alguns textos não publicados em vida por
Josué.
Neste caso pode-se dizer que tanto os artigos introdutórios, como os textos
escolhidos priorizam a “fase crítica” de sua obra.
 Coletânea de artigos sobre a obra de Josué de Castro publicada pela editora
Perseu Abramo: “Josué de Castro e o Brasil”163 de 2003.
Ótimo livro que reúne diversos artigos sobre a atualidade da obra de Josué de
Castro. Escrito por autores das mais diversas áreas do conhecimento o livro expressa a
riqueza da obra de Josué de Castro e confirma as diversas possibilidades de relê-la.

Este é apenas um panorama geral das releituras realizadas a partir da obra de


Josué de Castro. Existem outros livros que não constam deste trabalho e que
seguramente indicam para outras possibilidades de releitura.
Através deste panorama é possível destacar que foram poucos os geógrafos que
utilizaram a obra de Josué de Castro. O caso de Manuel Correia de Andrade e Milton
Santos, dois autores consagrados da Geografia brasileira são sintomáticos.
Atualmente Manuel Correia de Andrade denota grande importância à obra de
Josué. Contudo não consta na bibliografia de um de seus mais famosos livros “A terra e
o homem no Nordeste”, escrito em 1963, nenhum livro de Josué de Castro. Não se trata
de cobrar de Manuel Correia de Andrade que ele tivesse de utilizar a obra de Josué, mas

161
CASTRO, Anna Maria de. “Fome, um tema proibido – últimos escritos de Josué de Castro”,
Petrópolis, Vozes, 1984.
162
FERNANDES, Bernardo Mançano e GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Josué de Castro – Vida e
Obra, São Paulo, Expressão Popular, 2000.
163
ANDRADE, Manuel Correia de ... [et al.] “Josué de Castro e o Brasil”, Editora Fundação Perseu
Abramo, São Paulo, 2003.

- 83 -
de apontar para a incoerência que há em não se utilizar um autor importante que tratava
da mesma realidade em seus livros.
Milton Santos, que também apontava constantemente para a importância da obra
de Josué de Castro como um grande geógrafo brasileiro, também deixou de utilizá-lo
em algumas de suas principais obras. “Por uma Geografia Nova” que faz um enorme
apanhado do movimento do pensamento geográfico também não leva em sua
bibliografia um livro sequer de Josué de Castro.
Vê-se assim que, mesmo aqueles que entendiam e difundiam a importância da
obra de Josué de Castro, por diversas vezes não se utilizaram de sua obra.
Outra constatação possível a partir deste panorama revela que muitos daqueles
que se utilizam da obra de Josué de Castro não levam em consideração todo o
movimento de sua obra. Neste sentido há uma certa polarização entre as releituras de
sua obra. Enquanto alguns autores se utilizam principalmente da “fase crítica” de sua
obra (João Pedro Stédile por exemplo), outros autores preferem a “fase
desenvolvimentista” (Yves Lacoste por exemplo).

Estas são algumas maneiras de se colocar frente as releituras da obra de Josué de


Castro, sendo que seguramente este capítulo não esgota as possibilidades de entendê-
las. Seu objetivo, ao contrário, foi demonstrar que todas as releituras, de um modo ou de
outro, representam continuidades e descontinuidades do pensamento de Josué de
Castro.
Não se pode esquecer, no entanto, de uma releitura muito especial. Trata-se da
releitura realizada pelo Movimento Manguebeat, um movimento cultural que agita
Recife desde os anos 90, e que foi claramente influenciado pelos romances de Josué de
Castro.

5.1 O MOVIMENTO MANGUEBEAT COMO UMA RELEITURA DA OBRA DE JOSUÉ


DE CASTRO

O interesse deste trabalho é entender de que modo a obra de Josué de Castro


contribuiu para o Movimento Manguebeat. Sendo este trabalho dedicado ao
entendimento da obra de Josué de Castro, o objetivo aqui não é o de entender a história
e os rumos do Movimento Manguebeat.

- 84 -
Antes de qualquer coisa é importante alertar que o Manguebeat não realizou uma
releitura da obra de Josué como um todo, se concentrando nos romances “Documentário
do Nordeste” e principalmente “Homens e Caranguejos”.
A escolha de tentar interpretar esta relação entre Josué de Castro e Movimento
Manguebeat é até certo ponto arriscada. Interpretar dentro de um trabalho acadêmico o
modo como um movimento cultural se apropria da obra de um autor é muito diferente
de interpretar as releituras feitas dentro do ambiente acadêmico.
Mas a leitura atenta da obra de Josué de Castro revela a importância que ele
sempre deu à arte e à cultura para se pensar a realidade brasileira e mundial. Foi a
ousadia de Josué de Castro, em escrever seus romances, que possibilitou que sua obra
fosse ainda mais divulgada. Deste modo, não se pode deixar de lado o papel do
Movimento Manguebeat como uma maneira de reler e superar a obra de Josué.

Em poucas palavras podemos descrever o movimento Manguebeat como um


movimento cultural, surgido na década de 90, que tentava resgatara cultura popular
local e regional. Este movimento, no entanto, não ficou restrito ao Recife, tendo
influenciado principalmente o cenário musical brasileiro, através de bandas como Chico
Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S.A..
Por se tratar de um movimento cultural, não se pode tentar interpretá-lo da
mesma maneira como se interpreta a maioria dos movimentos sociais. Não há qualquer
liderança do movimento, que tampouco possui uma sede ou coisa do gênero. Neste
sentido, pode-se dizer que, se trata de uma espécie de reunião de forças entre os artistas
e a população de um modo geral.

O nome do movimento e de seu primeiro manifesto têm clara relação com o


romance “Homens e Caranguejos”.
Tanto Fred Zero Quatro como Chico Science estão envolvidos com a obra de
Josué de Castro. José Teles, jornalista recifense, afirma: “Aliás, eu tive o prazer de
apresentar a obra de Josué de Castro a Chico Science e Fred Zero Quatro, num dia em
que os dois estiveram na minha casa, acho que para mostrar a primeira fita demo que
tinham acabado de gravar. Os livros de Josué de Castro (cassado e perseguido depois

- 85 -
do golpe de 64) ficaram fora de catálogo no Brasil por anos. O único que Chico chegou
a ler foi Homens e Caranguejos.”164
Como se vê os dois músicos tiveram, antes mesmo do surgimento do
movimento, contato com o romance “Homens e Caranguejos”. Primeiramente foi Chico
Science que no início da década de 90 batizou o novo ritmo que surgia da mistura de
sons regionais e mundiais de “Mangue”165. A “fertilidade” deste novo ritmo reúne as
alfaias do maracatu, com a batida da “black music” e as guitarras do rock.
Pouco depois, em 1992, é lançado o primeiro manifesto do Mangue, escrito por
Fred Zero Quatro (vocalista da banda Mundo Livre S.A.), intitulado “Caranguejos com
Cérebro”.
O próprio título do manifesto já demonstra a influência da obra de Josué de
Castro. “Caranguejo com cérebro” nada mais é do que uma releitura da expressão
“homem-caranguejo” cunhada em 1973 por Josué de Castro em seu romance “Homens
e Caranguejos”.
Djalma Agripino de Melo Filho afirma que há uma “recriação da metáfora”,
onde a partir do Movimento Manguebeat, há uma “inversão de homem-caranguejo para
caranguejo-homem”166. Através de uma releitura que vai além da obra de Josué de
Castro, no Movimento Manguebeat, há um processo de re-humanização que rompe com
o “ciclo do caranguejo” exposto por Josué.
De maneira metafórica, tanto os manifestos, como as letras das músicas,
expressam um movimento de emancipação da população local, através de elementos
que também remetem à sua origem. Mas este retorno não pode ser interpretado como
alguma forma de nostalgia. Pelo contrário, o interesse do movimento é trazer para
Recife a vida que ela perdeu.
O primeiro “manifesto do mangue” é dividido em três partes: “Mangue, o
conceito”; “Manguetown, a cidade” e “Mangue, a cena”. Na primeira parte, “Mangue, o
conceito”, Fred Zero Quatro trata das características do mangue enquanto um
ecossistema rico, fértil e diverso.

164
TELES, José. Do Frevo ao Manguebeat, São Paulo, Ed. 34, 2000. Página 258.
165
O “beat” que acompanha o “mangue” no nome do movimento tem uma longa história. Em poucas
palavras pode-se dizer que a idéia original, de Fred Zero Quatro (vocalista da banda Mundo Livre S.A.),
era de batizar o movimento como Manguebit, fazendo alusão ao envolvimento do movimento com novas
tecnologias. A confusão entre “bit” e “beat” foi feita por algum jornalista. “Beat”, que em inglês significa
batida, foi incorporado ao nome do movimento que passou a ser conhecido como Movimento
Manguebeat.
166
MELO FILHO, Djalma Agripino de. “A hermenêutica do caranguejo” in ANDRADE, Manuel Correia
de ... [et al.] “Josué de Castro e o Brasil”, Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003.

- 86 -
Na segunda parte “Manguetown, a cidade”, ele trata da cidade do Recife, que
desde seus primórdios sempre esteve muito ligada aos manguezais. Fred denuncia a
miséria desta cidade que segundo ele dá “sinais de esclerose econômica” desde os anos
70.
Na terceira e última parte, “Mangue, a cena”, o manifesto adquire um tom mais
metafórico, ao propor que para “ressuscitar” a cidade é necessário “injetar um pouco de
energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”167.
Um ano depois, em 1993, a primeira edição do festival “Abril Pro Rock”, com
presença das bandas Mundo Livre S.A. e Chico Science e Nação Zumbi, revela para
todo o Brasil a existência do Movimento Manguebeat. Segundo Teles: “A partir do
Abril Pro Rock foi como se, de supetão, um redemoinho pegasse a todos – músicos,
jornalistas, produtores. As coisas foram acontecendo numa rapidez estonteante, numa
efervescência movida a muita adrenalina. A cada show aumentava a platéia, surgiam
mais bandas ligadas ao estilo mangue.”168
E esse “redemoinho” só ganhou força quando em 1994 é lançado o primeiro
disco da banda Chico Science e Nação Zumbi intitulado “Da Lama ao Caos”. Através
deste disco o Movimento Manguebeat extrapola o Recife passando a ser conhecido em
todo o Brasil169.
Em seu encarte o disco trazia o manifesto “Caranguejo com Cérebros” e nas
letras de suas músicas trazia muitas idéias de Josué de Castro. São várias as citações
sendo algumas explícitas, como no caso da música que dá nome ao disco “Da Lama ao
Caos” composta por Chico Science: “Oh Josué nunca vi tamanha desgraça. / Quanto
mais miséria tem, mais urubu ameaça.” Há também citações mais implícitas como na
música “Antene-se”, também composta por Chico Science: “Recife, cidade do mangue /
incrustada na lama dos manguezais / onde estão os homens caranguejos”.
Em 1995 é a vez da banda Mundo Livre S.A. lançar seu disco “Samba Esquema
Noise”. Neste disco se encontra a única música da banda que revela uma influência da
obra de Josué de Castro. Trata-se da música “Cidade Estuário”, que fala da relação entre
Recife e seus manguezais. É importante ressaltar aqui que, apesar de Fred Zero Quatro,
compositor e vocalista da banda, ter uma forte relação com os romances de Josué de

167
“Caranguejos com Cérebro”, primeiro manifesto do Movimento Manguebeat.
168
TELES, José. Do Frevo ao Manguebeat, São Paulo, Ed. 34, 2000. Página 287.
169
Esta expansão do Movimento Manguebeat foi realizada principalmente em direção ao Centro-Sul do
Brasil. Contudo é possível dizer que surgiram diversas possibilidades para sua expansão em todo o país e
até fora dele.

- 87 -
Castro (isso se expressa no manifesto “Caranguejos com Cérebro”), suas letras não
fazem muita referência ao autor.
Um ano depois, em 1996, é lançado o segundo disco da banda Chico Science e
Nação Zumbi onde se encontram mais referências à obra de Josué. Em “Afrociberdelia”
encontram-se novamente diversas citações à obra de Josué, como, por exemplo em
“Cidadão do Mundo”170, música feita em sua homenagem: “É o zum zum zum da capital
/ só tem caranguejo esperto / saindo desse manguezal. / Eu pulei, eu pulei / corria no
coice macio / encontrei o cidadão do mundo / no manguezal da beira do rio. / Josué!”.
Outras referências também estão presentes no mesmo disco onde na música
“Corpo de Lama”, Chico Science se refere literalmente a uma passagem do romance
“Homens e Caranguejos”. Ao cantar “como aquele grupo de caranguejos / ouvindo a
música dos trovões”, Chico Science se refere ao procedimento que o personagem do
livro padre Aristides realizava para pegar guaiamuns. Em “Homens e Caranguejos” a
“música dos trovões” aparece assim: “O padre, procurando escapar ao temporal, ao
atravessar correndo o campo debaixo da chuva, viu como cruzava ao chão em várias
direções, uma verdadeira chusma de guaiamuns. (...) Desde que o temporal explodira,
os guaiamuns enlouquecidos abandonavam os seus buracos e corriam sem rumo,
adoidados pelo campo afora. Foi neste momento que o padre imaginou a maneira mais
prática de pegar guaiamuns seria fabricar tempestades. Fabricar pequenas
tempestades particulares para os assustar.”171
A respeito das bandas que compõem o Movimento Manguebeat, José Teles
expõe com clareza: “A rigor, de manguebeat – o som e a terminologia – somente podem
ser assim estritamente classificados os primeiros CDs de Chico Science e Nação Zumbi
e do Mundo Livre S.A. Os vários discos lançados desde a eclosão da cena mangue têm
em comum com as duas bandas o fato de serem uma conseqüência do caminho
desbravado por elas.”172
A afirmação de Teles aponta para um fato interessante. Se foi apenas nos
primeiros discos destas duas bandas que se tem o som e a terminologia do Manguebeat,
é também apenas neste período em que é possível identificar releituras da obra de Josué
de Castro.

170
Josué de Castro também era conhecido como cidadão do mundo.
171
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos, São Paulo, Brasiliense, 1967.
172
TELES, José. Do Frevo ao Manguebeat, São Paulo, Ed. 34, 2000. Página 339.

- 88 -
No carnaval de 1997 Chico Science morreu em um acidente de carro. Neste
momento o Movimento Manguebeat abalou-se com a perda de um de seus mais ativos e
carismáticos integrantes. Sua morte foi um momento de ruptura que teve de ser vencido
por todos, e principalmente pelos integrantes da “nova” banda Nação Zumbi.
Coincidência ou não, com Chico Science foram-se também as citações da obra
de Josué de Castro. Desde então as músicas das bandas do Movimento Manguebeat não
fazem qualquer citação direta ou indireta da obra do autor.
O Movimento Manguebeat superou a duras penas esta enorme perda. Muitas das
bandas surgidas no Recife nesta época desapareceram, mas muitas continuam até hoje
influenciando a música brasileira. Além disso o “choque” provocado em Recife surtiu
efeito, e muitas bandas continuam surgindo deste cenário musical.

Ao tratar da relação entre a obra de Josué de Castro e o Movimento Manguebeat


percebe-se o quanto é importante que um autor tenha a intenção de tornar seus
pensamentos inteligíveis para o maior número de pessoas possíveis.
Se Josué de Castro não houvesse escrito romances como “Documentário do
Nordeste” e “Homens e Caranguejos” o número de leitores de sua obra seria certamente
muito menor. Não há como negar que estes livros serviram como importantes
divulgadores das idéias de Josué. Sua importância é ainda maior quando pensamos na
realidade brasileira, onde o contato entre grande parte da população com os livros é
muito restrito.
Este caráter de divulgação da obra de Josué de Castro ganhou ainda mais força
com a releitura realizada pelo Movimento Manguebeat. Estabelece-se aqui uma relação,
na qual, ao mesmo tempo, o Movimento Manguebeat se “utiliza” de Josué de Castro
para dar consistência às suas idéias e deste modo divulga sua obra para pessoas que
ainda não a conheciam.

- 89 -
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O positivismo esquece que o cientista


não é uma inteligência pura, mas um
ser humano, um ser social que pensa
em condições socialmente definidas. A
história das ciências, portanto, não
pode ser feita em cada domínio
(matemática; física; etc.), levando em
conta tão somente as pesquisas e os
resultados obtidos nesse domínio. A
história da ciência é uma história
social, fragmento da história geral do
conhecimento.”173
Henri Lefebvre

A obra de Josué de Castro apresenta diversas possibilidades de releitura. Uma


delas foi apresentada aqui com a preocupação de respeitar seu sentido.
Passando pelo contexto em que viveu o autor e daí partindo para o entendimento
do movimento de sua obra através da geografia e da fome é possível abrir diversas
perspectivas, não só para o entendimento, como para a superação da obra deste autor tão
importante para o pensamento brasileiro e mundial.
O empenho de Josué de Castro, nos diversos momentos de sua vida, no combate
à fome é um exemplo para todos os que hoje estudam a tão perversa desigualdade social
no Brasil e no mundo. É certo também que, para superarmos a obra de Josué, não basta
admirar sua inteligência ao tratar de um tema tão pouco estudado como a fome. É
necessário ir além desse primeiro passo e atentar também para os descaminhos
percorridos pelo autor.
Josué de Castro viveu a transição de um país rural para um país urbano. Quando
escreveu a maioria de seus livros o Brasil ainda tinha a maior parte de sua população
vivendo no campo. Em meados da década de 60 a população brasileira era de pouco
mais de 75 milhões de habitantes, enquanto hoje somos mais de 170 milhões. Não há

173
LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal, Lógica Dialética, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.
Página 79.

- 90 -
como negar que a realidade estudada por Josué de Castro mudou radicalmente. Com a
constituição de uma população majoritariamente urbana e o desenvolvimento da
indústria no Brasil surgiram novas problemáticas a serem estudadas.
Mas esta mudança radical na configuração da população brasileira (e porque não
mundial?) não fez com que a obra de Josué de Castro perdesse sua importância. Sua
pertinência para o debate acerca da fome hoje ainda é muito grande, sendo
imprescindível, deste modo, que esta seja introduzida neste debate.
Há aspectos belíssimos de sua obra que nos fazem refletir sobre a atual situação
em que vivemos. Um destes aspectos que deve ser destacado é o modo como Josué de
Castro descreve a atuação da fome no corpo e na alma do individuo faminto. O
fenômeno da fome é muito concreto e agride física e mentalmente grandes populações.
Pensar a materialidade do capitalismo que leva milhares de pessoas à miséria é pensar
necessariamente o corpo e a alma do homem faminto.
Já em 1937, em “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”, Josué
de Castro ressalta para a relação entre a ganância pelo dinheiro e a fome no mundo.
Segundo ele, os portugueses, que tinham um ótimo regime alimentar na Europa, não
mantiveram suas tradições alimentares pela enorme ganância seja pela cana, seja pelo
ouro, que faziam com que os colonizadores pouco se preocupassem com o plantio de
alimentos para sua subsistência.
Em 1946, quando publica “Geografia da Fome”, Josué de Castro ressaltava os
males de uma agricultura baseada na monocultura de exportação. Surpreendia a todos
ao afirmar que o sertanejo se alimentava melhor do que o homem da Zona da Mata, pois
podia manter um roçado de subsistência. Indicava desde então que uma política voltada
exclusivamente ao capital provocava a fome em sua população.
Simultaneamente Josué de Castro sempre ressaltou a importância de que se
respeitassem as características culturais de um povo no combate à fome que se torna
cada vez mais inatingível quando se pena o movimento de homogeneização e
uniformização intrínseco ao capitalismo. Hoje vivemos a padronização dos alimentos e
a uniformização dos gostos, não por uma necessidade nossa, mas por uma necessidade
das indústrias alimentícias. E o processo de degeneração não pára por aí, pois a perda da
dimensão coletiva da alimentação se perde a cada dia.
Ao mesmo tempo é importante atentar para os limites de Josué de Castro que foi
sempre um homem muito ligado ao Estado. Sendo assim é possível dizer que Josué
viveu os limites da instituição e da institucionalização, sendo por vezes ele próprio

- 91 -
vítima de um pensamento estratégico e formal que o levava a considerar a fome através
de uma visão estritamente econômica. Neste sentido, é possível dizer que, ao mesmo
tempo em que critica e propõe mudanças, Josué de Castro mantém as estruturas que
produzem todas estas injustiças. Porém, estes também foram seguramente limites de sua
época, que via na atuação institucional uma possibilidade para a resolução dos
problemas sociais existentes174.
Deve-se destacar então a força com a qual Josué de Castro combateu a fome. Em
toda sua obra é possível perceber as diversas tentativas deste homem que tinha em
mente acabar com um fenômeno que segundo ele sempre acompanhou a humanidade.
Na última página de “Geografia da Fome” Josué escreveu: “Fome e doenças são
os únicos companheiros constantes da solidão forçada do homem brasileiro.”175 É
contra esta realidade que devemos lutar com todas as forças possíveis. E foi contra esta
realidade que Josué certamente lutou com todas as forças que tinha.

174
Vale lembrar que este continua sendo um limite para muitos de nossa época.
175
CASTRO, Josué de. Geografia da Fome, Rio de Janeiro, Cruzeiro, 1948. Página 308.

- 92 -
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