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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

GEOGRAFIA

METODOLOGIA DA PESQUISA GEOGRÁFICA

NATÁLIA CRIVELLARO COUTO

RELATÓRIO DA
PALESTRA

Vitória

Dezembro/2017
No dia 30/11 tivemos uma palestra na UFES com o Professor Dr. Heinz
Dieter Heldemann com o tema central de trabalho de campo. Ele com vasta
experiência na área quis dividir um pouco de seus saberes conosco alunos de
graduação, mestrado e doutorado do professor Igor e mais alguns professores
da UFES e convidados. Meu relatório a seguir é com base no áudio gravado
por mim no dia

Dieter, como é carinhosamente apelidado, começa dizendo que fez


trabalho de campo desde o jardim de infância na Alemanha, e isso fez toda a
diferença para sua formação. O melhor conselho que ele pôde dar foi para para
viajarmos com os sentidos atentos para conhecermos o mundo. Viver com
experiência, mas desconfiar dela para poder pensar o mundo de forma correta.
Não é em uma vez que vamos viver algo que isso nos trará experiência.
Trabalho de campo é necessário para tudo em nossa graduação, mas
principalmente para quem vai fazer mestrado e doutorado. Vamos a ele com
questões desenvolvidas para chegar lá e perceber outras, novas perguntas
brotam e com elas novos conhecimentos.

Ele fez pesquisa com trabalhadores portugueses nos anos 70 na


Alemanha para construção do seu TCC. O trabalho era de máximo convívio
com os trabalhadores, um trabalho de integração, sabia como trabalhavam,
como eram as lutas de sindicatos e até mesmo como foi a luta deles contra o
governo Salazarista e um pouco de experiência deles nas Guerras
Ultramarinas Africanas. Quis saber mais sobre o processo de migração desses
portugueses e fez isso durante 3,4 anos, pois o trabalho de campo tinha essa
média de duração. Deu aulas de alemão para eles, foi organizador de um
centro de cultura, professor de teatro, de cinema. Uma maneira de aprender,
ele disse, é sempre questionando.

No Brasil, para seu doutorado trabalhou com migrações pendulares em


Pernambuco, não foi de tanto convívio quanto o trabalho com os portugueses,
mas foi algo de vital importância mesmo estando mais no posto de observador
à distância. Ele diz que seu TCC foi muito mais interessante que sua tese de
doutorado por causa do convívio a mais com as pessoas.
Depois que terminou o doutorado, virou professor e começou a
desenvolver atividades de organização de trabalho de campo. Na Universidade
Federal de Sergipe inventou um curso de férias para estrangeiros para
aprender sobre o Brasil, tinha cursos de português, história, geografia e sempre
com trabalho de campo para conhecer o Brasil de verdade. O intuito dessas
expedições era fazer com que problematizassem mais as respostas prontas,
abrissem os olhos para o além da leitura em sala de aula, tirassem suas
próprias conclusões.

De 2002 a 2006 foi diretor do instituto de estudos brasileiros da USP e


deu a disciplina de trabalho de campo. Na USP estão todos os trabalhos
guardados de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos que tem literaturas muito
descritivas sobre o Brasil e ele estudou sobre elas. Desenvolveu o curso
Enigma Brasil que fazia viagens pelo sertão mineiro e na área metropolitana e
interior de São Paulo. Nos encontros da AGB sempre tem trabalho de campo,
ele organizou o encontro em 2008 em São Paulo e neste, foi realizado 28
trabalhos de campo e depois foram relatados em boletins da AGB. Ele cita que
a geografia tem potencial grande para trabalho de campo. Fazer e criticar o
trabalho de campo, revisando a literatura aprendendo e avançando mais na
pesquisa. Aborda que Podemos refletir a história do pensamento geográfico a
partir da reflexão sobre trabalho de campo

A institucionalização da geografia no ensino fundamental foi no inicio do


século XVI com o início do campo das ideias, com o campo das religiões e a
introdução do protestantismo, as escolas começaram a fazer aula de campo na
aula de geografia. Isso tem a ver com o nascimento e imposição do conceito de
paisagem. Com Lutero, na Alemanha setentrional (posterior Prússia) foi
mudado a religião, as pessoas começaram a enxergar que Deus era a
natureza, ambiente e não mais os santos nas igrejas. Isso foi importante para
os estudos em geografia irem avançando e sendo ensinado nas escolas.

Grandes geógrafos do século XVIII e XIX como Humboldt e Ritter


realizavam trabalhos de campo, eram viajantes do mundo. Oceanógrafos
também viajaram muito para relatar o que viram depois.
Podemos ler os escritos que existem sobre trabalho na revista da AGB.
Desde sua fundação em 1934 a AGB dava muita importância ao trabalho de
campo. Isso foi refletido em dois boletins, que se dedicam a textos clássicos
sobre a geografia e textos da época contemporânea. Dieter nos fala para
politizar o trabalho de campo e não apenas fazer descrições estéticas e
científicas das paisagens e formas espaciais.

Yves Lacoste foi um geógrafo muito importante para a renovação da


geografia com uma coleção de textos com o trabalho de campo enquanto
problema politico para pesquisadores da geografia. Nessa coleção de textos
aparece a frase de Mao Tsé Tung que sem trabalho de campo ninguém tem
direito de falar nada. Devemos fazer crítica até aos levantamento artísticos, não
é porque a arte é subjetiva que está fora do pensamento crítico.

Uma continuação pode-se assim dizer, desse texto de Lacoste saiu em


2006 pela AGB no boletim Paulista de Geografia numero 84. Onde reproduz
vários desses textos antigos, com novas contribuições acerca de como se
pensar o trabalho de campo. Porém também tinha alguns desses textos que se
preocupavam com a organização pragmática de uma discussão.

Existem dois aspectos que temos que levar em consideração quando


pensamos trabalho de campo: formação de professor, cidadão e do ensino da
geografia e realização de uma pesquisa para trabalhá-la em campo. Sem
pesquisa de campo existe apenas uma reflexão abstrata e teórica da vida.

O problema que Dieter aponta é a preponderância da realidade em


detrimento da reflexão teórica. Qual a importância da teoria para a discussão e
construção do conhecimento? Isso o lembrou de um trecho do livro a Árvore
Cinzenta. Se nós queremos discutir inclusive trabalho de campo ou essa
relação entre teoria e prática esse seria o texto adequado. Quando fazemos
pesquisa ficamos com certa dificuldade de mediar a relação entre a teoria e os
fenômenos empíricos. No fundo estamos em busca da costura para entender a
totalidade. E a geografia tem essa preocupação, de certo modo inútil, de juntar
a geografia física e humana e achar que está na totalidade. Às vezes na
história da geografia se da muita ênfase a determinados conceitos e esquece
que a discussão do espaço já é a busca pela totalidade.

Em um dado momento a geografia regional achou que tinha encontrado


a solução para as discussões da totalidade. A geografia regional está ligada a
imposição das ideias do historicismo. Em meados do século 19 a geografia
entrou nessa conversa e junto com uma exigência política e econômica de
entender a visão do mundo foi incentivado de fazer estudos com a geografia
regional, isto é, dividir o mundo não só politicamente como o imperialismo fazia
no século XIX, mas também os geógrafos foram juntos para fazer estudos
intensos sobre essas divisões e limitações que foram feitas em região. Os
livros didáticos de geografia regional começavam com geologia, geomorfologia
e só no final tem economia, população e algumas coisas de cultura de cada
região. Tentou se buscar totalidade depois de se delimitar alguma coisa. Essa
estrutura ficou muito tempo predominante na geografia. As geografias regionais
eram obviamente ligadas ao trabalho de campo, este estudava desde as
microrregiões à continentes.

Nos concursos de professores até a década de 70 tinham 3 exigências:


o professor tinha que ser especialista numa categoria da geografia, um dos
grandes conceitos; tinha que ser especialista numa região da Alemanha
(exemplo que ele citou) e tinha que ser especialista em um continente. Assim
os geógrafos regionais se davam bem e ingressavam.

Dieter diz que é importante ler a publicação da AGB na década de 40.


Delgado de Carvalho escreve sobre o trabalho de campo, falando da
importância da geografia como educação, ciência social e sobre a
complexidade da geografia, falando que tem regras e exceções. O que
determina o entendimento da geografia é o contato com a realidade e o
conhecimento é o trabalho do campo. Carvalho diz que um bom trabalho de
campo substitui um semestre de aulas teóricas em sala de aula. Ele também
da a receita de como preparar um trabalho de campo, deve-se fazer a escolha,
a seleção do lugar, os objetivos que se quer alcançar com esse trabalho de
campo. É preciso realizar um pré-campo que seria um passeio anterior para
conhecer o lugar, preparar o roteiro das entrevistas. Também é necessário
preparar o psicológico do aluno, para atividade fora da sala de aula, o aluno
tem que aprender a observar. É um texto, segundo Dilthey, para nós
pensarmos, lermos e criticarmos se é isso mesmo que tem que ser feito.
Alguns geógrafos da geografia física são mais pragmáticos, ficam mais fazendo
regras sobre o que levar ao trabalho de campo e até o que vestir. E para
finalizar, uma frase de Delgado: a geografia como ciência social deve
problematizar a própria posição do olhar na nossa cultura e em nossa
civilização.

Sobre problematizar a posição do olhar, Dieter aborda que fez este


processo num filme chamado Grow Up, um filme cult, clássico da década de
70. Não só por causa desse filme, mas também com um texto de Gilda de Melo
e Souza num seminário sobre o olhar que faz uma análise sobre o fato do
aluno ter que aprender a observar. Todo o texto aponta para centralidade do
olhar do sujeito moderno. É importante quando dizemos agora sei por que vejo.
O olhar é tão importante que Fernando Pessoa na hora de sua morte pede
seus óculos para ver melhor.

Dieter aponta que tudo isso é importante para tratar com os alunos a
questão do olhar, a centralidade da paisagem, a observação do campo. No
texto da Gilda além do olhar a pessoa entra na problemática da tecnologia do
olhar. Hoje em dia na geografia refletimos o olhar também como imagens de
satélite, geoprocessamento e tudo que a geotecnologia tem a oferecer pelo
olhar.

Depois de toda essa exposição do Dr. Heldmann, o professor Igor


Robaina começa perguntando: de algum modo o trabalho de campo parece
fazer parte da identidade do geógrafo. Mas se é uma tradição o que ela teria de
permanência desde a geografia tradicional até essas novas perspectivas atuais
da geografia?

Como resposta Dieter diz que: tudo será sempre modificado nesses
eventos que desenvolvem os fenômenos em suas contradições, ler as
referências antigas para comparar com os novos trabalhos de campo e
perceber se mudou algo ou não. Dieter procura os erros dos tradicionais para
fazer diferente
Outa pergunta do professor Igor Robaina: como lidar com trabalho de
campo de geografia e literatura?

Em resposta Dieter aponta: não tem nada que não possa ser objeto de
pesquisa da geografia, todo fenômeno ela pode desenvolver. Não é porque
estudamos geografia que temos que estar sempre focados nisso. E os
trabalhos de campo podem misturar geógrafos, sociólogos, economistas.
Particularmente Dieter gosta da literatura e da arte, mas também não confia
nela. Ele sabe dosar todas as áreas de conhecimentos.

A professora Ana Carolina Gonçalves Leite fazia Ciências Sociais na


USP e fez uma matéria com o Dieter na geografia. O principal questionamento
que ela trás é: a geografia dá o suporte para pensarmos o que está de errado
no mundo, ela da as ferramentas para estranharmos o ambiente a nossa volta.
A relação entre pensar teoria e pratica pode chegar até sobre os
questionamentos de pratica do trabalho.

Uma contribuição de um aluno de doutorado de Dieter que estava lá foi:


para Mao Tsé Tung o real é a hora que você vê as coisas, pois as acessou.
Como lidar com essa experiência que é concreta e como lidar com ela para
nossa vida, como lidar com a constatação que as aparências enganam. O
microscópio não ajuda a lidar com isso da investigação, ele pode atrapalhar o
investigar mais afundo.

Para a professora Gisele Girardi, produzimos trabalho de campo todo dia


no trajeto diário. O trabalho de campo não precisa ser o lá, ir lá investigar, pode
ser o aqui, o agora. O lá pode ser só a representação do ideal e o trabalho de
campo seria considerado uma pratica continua. Ela diz que ser observador e
sair do habitual, com a pratica isso torna-se trabalho de campo.

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