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Vipelumar

Obra premiada no Edital de Seleção


Pública n. XX, SEFLI/MinC, de XX de abril de
2023, Prêmio Carolina Maria de Jesus de
Literatura Produzida por Mulheres 2023,
realizado pela Secretaria de Formação,
Livro e Leitura / Ministério da Cultura.
Sumário
Apresentação ........................................................................................................................................ 4
Nasceu em mim a poesia ...................................................................................................................... 5
Congelamentos da era temerosa .......................................................................................................... 9
Museu Nacional em chamas .............................................................................................................. 10
Fim de tarde proletário ...................................................................................................................... 12
Inalcançável ........................................................................................................................................ 15
Deixei de amar a noite ........................................................................................................................ 16
Solidão atual ....................................................................................................................................... 17
Triste manequim................................................................................................................................. 18
Emaranhados...................................................................................................................................... 20
Malditos sejam.................................................................................................................................... 21
Esteja Livre ......................................................................................................................................... 23
Bloqueio de estradas .......................................................................................................................... 24
Ascensão do fascismo ......................................................................................................................... 25
Retrato brasílico na era do palhaço .................................................................................................. 27
Estrelinha que brilha ......................................................................................................................... 29
Eu sinto em demasia........................................................................................................................... 31
Grito afogado ...................................................................................................................................... 32
Inalcançável ........................................................................................................................................ 33
Tempos de Arte Literária ................................................................................................................... 34
Um pedaço de céu sonhado ................................................................................................................ 35
Sempre é tempo de amar! .................................................................................................................. 36
Convite ................................................................................................................................................ 37
Sem teus olhos brilhantes................................................................................................................... 38
A morte do vagalume ......................................................................................................................... 39
Voo ....................................................................................................................................................... 40
Ano epiléptico ..................................................................................................................................... 41
Um furo na alma................................................................................................................................. 42
Lua de cambraia................................................................................................................................. 43
Não ousa falar de minhas dores ......................................................................................................... 45
O que me resta além de amar? .......................................................................................................... 47
Mundo cinzento .................................................................................................................................. 48
Jamais soltes minha mão ................................................................................................................... 50
E lutarei até findar a consciência ...................................................................................................... 51
Envergar a suástica ............................................................................................................................ 53
Apresentação

Vipelumar é uma palavra que surgiu do desejo de uma jovem poetisa expressar o que para ela
é o mais importante neste imensurável e vasto oceano que é a vida. Vipelumar expressa o que
foi visto, sentido, admirado, desejado e sonhado. Como também expressa o que foi causa de
cólera poética (no que diz respeito à relação da poetisa com o “poder” foucaultiano de seu país
em períodos em que a democracia dançou passos vertiginosos, sobretudo, entre os anos 2016
até 2022). Ademais, podemos dizer que toda a obra foi escrita com a alma de uma mulher, e
que, no que se refere à estrutura poética e a questão conteudista, nada deve aos “grandes poetas”
nacionais e internacionais, pois, a poetisa mostra que também uma mulher é capaz de tecer
poesias não somente de amor, mas também, daquelas que estão sempre em luta e vigilância,
isto é, daquelas que além de transmitir sentimentos, compartilha com seus leitores uma visão
consciente dos acontecimentos políticos de seu tempo. Assim, a mensagem que se deseja
transmitir é: hoje mesmo é o tempo certo de viver, pensar, lutar e amar, e é mesmo da junção
dessas palavras que nasceu o nome desse livro.

Vipelumar é a vontade de dizer:

“Viva de verdade. Arrisque, corra atrás, vença seus próprios limites.

Pense! Questione, busque...

Lute! Lute por um você melhor, uma rua melhor, um bairro, uma cidade, uma nação, um mundo
mais justo e feliz. As maiores mudanças surgem de dentro para fora. Ame a si mesmo pelo
privilégio de ter nascido e poder sentir as coisas. Ame as pessoas e os animais. Ame o saber e a
justiça e lute sempre por eles. E não se esqueça: todo tempo é tempo de “Vipelumar”. Jamais
se esqueça de amar, pois o amor tem poder colossal!

Viva o hoje!
Nasceu em mim a poesia

Nasceu em a poesia

Na forma de maldição

Tenho mais dor que alegria

E mais dúvidas que razão.

Nasceu em mim uma angústia

Um descontentamento, um motim

E pouca é minha astúcia

Para arrancar tudo de mim.

Nasceu em mim a saudade

Do que nem aconteceu

Sobrou a mim toda loucura

Daquele que enlouqueceu.

Além disso, poesia, brotou

Essa vesânia de ser todos em uma

O mesmo mal de Rimbaud

É herança, coincidência ou coisa alguma.

Nasceu em mim a inquietude

Ou dela foi que eu nasci

Sou dona da plenitude


De outro mundo, não daqui.

Magnífica fênix, filha desordeira!

Prematura criança que nasce só

Sem médicos e sem parteira

Capaz de renascer do pó!

Prevalecerás em todas as formas de beleza

Tendo consigo fogo e frieza

E toda a forma de loucura.

Enquanto me dissolver nas profundezas

Infinita, continuará tua eterna aventura.


Genealogia dos direitos brasileiros

Para aquele que ignora a lógica,


Ou tem preguiça de pensar,
Basta ouvir e refletir
A rima vai desenhar:

Há cem anos não existia classe média,


Profissional liberal, nem autonomia
Havia uma elite difusa
Que se transformou em burguesia
A herdeira secular de bens que remetem
aos regimes da monarquia.

No Brasil ou na Europa
Essa elite era dona de tudo o que havia
Das fábricas, dos meios de produção,
Mas fome, sede, frio, era o que o povo sentia,
Além da força de trabalho que trocava
Por qualquer vintém, mixaria.

Um povo que durante décadas


De tudo foi privado
Em nome do lucro de poucos,
Foi explorado, massacrado, torturado
Mas unido, lutou e até sangrou para que
Algum direito fosse conquistado.

Um povo que foi reprimido e sufocado


Mas passou a gritar cada vez mais forte
Até ser ouvido e difundir a ideia de que
A uma vida miserável é melhor a morte.
O povo que se tornou classe média
Ascendeu por luta e não por sorte!

Ei! Moço de classe média


Que excomunga manifestantes
Seja profissional liberal ou prestador de serviços
Ouça-nos só um instante
Tu só existes e és livre, por conta
Dos antigos grevistas militantes!

Sem os grevistas, meu caro


Só três horas diárias dormiria
E um senhorio com uma chibata
Seria tua nobre companhia
Para te lembrar de quem que manda
Te punindo, explorando-o dia a dia.

O tempo passou, algo mudou


Mas ainda há muito a ser feito
Nossa democracia ainda é frágil
E a luta continua por nossos direitos
Nós não somos “vadios”, pense
E nos dê o devido respeito!
Congelamentos da era temerosa

O matadouro jorra do povo a sangria

E estamos na fileira bem quietos

No Centro-Oeste está o poder que judia

Impregnado de cobras, ratos e insetos

Vai ignorar tudo, fugir a luta?

Estás congelado também? Oh! congelam a tudo

Quase cegaram a justiça e sua visão está curta

E tu, omitir-se-á? Ficarás mudo?

Veja as portas das escolas!

Fecharam com os estudantes dentro

Lá eles já não sonham

O matadouro é seu confinamento!

Vamos, levante-se, derrotado!

Sacudamos a poeira e vamos para o front

O caos vem obstruindo a tudo, levante-se acovardado!

Derrubaremos o marchante! Não se amedronte!


Museu Nacional em chamas

Caro amigo, poeta d'outra geração,

Estais morto e não podes de nada saber,

Mas é tão atual aquela tua canção,

Vemos todos os dias o futuro morrer.

Tu dizias vê-lo repetir o passado

E um museu de grandes novidades,

O nosso, o Nacional foi carbonizado,

Só mais um descaso em meio a um mar de atrocidades.

E tudo é tão claro que chega a ofuscar

Até alguns dos meus, estão também iludidos

Pelos discursos de ódio, seduzidos,

E Cristo não desceu para a todos salvar.

Meu caro amigo, que bom que descansas!

Só na morte descansam os inconformados.

Pois vivem tendo para o peito apontadas e afiadas lanças...

O mundo é o mesmo para os incomodados.

Meu caro amigo, os tempos estão escorregadios

E o precipício seduz manadas às traiçoeiras

Nossa escola falhou e o lume tardio


Não desvelará o mal à nação inteira.

Vemos o futuro repetir o passado, o seu irmão.

E discursos tenebrosos ganharem carne e gado.

Nada sabemos do que teremos nesse verão,

Mas sabemos do que fizeram no verão passado.

Descanse no nada onde jaz teu resto

E o meu resto, vivo inda escreverá.

É tudo o que posso nesse tempo perverso.

A minha poesia, os cretinos não podem calar.


Fim de tarde proletário

Ontem ao cair da tarde

Tive um grande desprazer

Não há como descrever

A lembrança em mim arde.

No chão uma inocente cadela

Com uma enorme ferida

Antes a visse sem vida

Que numa condição daquela.

Carne crua, sangue vivo,

Quanta dor deve sentir

sem ninguém para acudir

Aquele bicho inofensivo.

Não cabe em minha mente

Não há como compreender:

Se o pecado é a causa do sofrer

Qual pecado tem aquele inocente?

Se recursos eu tivesse,

Ajudaria o animal,

Mas não me sobra para tal,


Quem me dera que pudesse.

Segui caminho à residência

Lembrando a ocasião,

Quando próximo a Missão,

Observei sem paciência:

Ao pé do muro do Teixeira Sobrinho

Dois negros olhos pidões e medrosos,

Arrepiado, com pelos sebosos,

Um recém-nascido gatinho.

Mas parti sentindo-me covarde,

Antes de digerir a situação,

Vi na praça da Missão,

No triste finzinho de tarde:

Uma faminta engolindo algo às pressas

Talvez um pedaço de pão,

Senti como se me partisse o coração,

Como dói ver uma coisa dessas.

Ao lado podia ser o parceiro,

Do qual cheguei a ter medo,

Movido pelo sofrimento e desespero.


Podia roubar-me meu quase nada, tão cedo.

À diante olhei para trás,

E o vi ainda me observando,

Talvez, quem sabe imaginado,

Que eu fosse feliz, porém não mais.

Que nostalgia! Recordo a infância

Tempo que não tinha juízo,

Maturidade traz prejuízos,

A mim, consciência, a outros, ganância.

Mudaria tudo se houvesse-me condição,

Mas sou do proletariado,

Como ajudar outro necessitado,

Se até para mim, quase falta o pão?


Inalcançável

Inalcançável
Inesgotável
Inflexível, invisível,
O não dizível o inexprimível
O combustível

Os símbolos e as fantasias
Beijam-se em necrorgias1.
O outro foge ao obscuro,
Vai-se o resto, fica o furo,
A casa vazia.

1
Na poesia mundial, diversos poetas tomaram a liberdade de criar palavras para denominarem aquilo para o qual
ainda não existia definição. O termo “necrorgia” aqui significa orgia da morte.
Deixei de amar a noite

A noite traz-me angústias


O vento frio me maltrata,
Me traz a solidão que bate intensa
E que quase, quase me mata.

Já amei olhar para o céu,


Ver a lua e as estrelas,
Um dia me trouxeram risos
Mas hoje me trazem tristezas.

Deixei de amar a noite,


Por ser ela uma ingrata
Ela prova que eu sou só
E me diz quem é que falta.
Solidão atual

Vive o homem sua quase vida

Segue sozinho a corrida

É o individualismo quem prevalece.

Correndo todos para a mesma direção,

Em comum é a ambição,

Mas não parece.

A imensa massa esmagadora,

Da classe trabalhadora,

É de concorrentes entre si.

É individual a meta do progresso,

Correndo atrás do sucesso

Tocam-se sem sentir.

Ao correrem apressados,

Olham sem ver quem passa ao lado,

Desviam-se e seguem caminho.

É a moderna solidão:

Viver em meio à multidão

E ser sozinho!
Triste manequim

No esquio fim de tarde, sentada, quase tranquila,

Vi grãos de areia caírem no vai-e-vem dos calçados,

No calçadão uma gente com pacotes desfila

Por ela não se interessam os soldados.

Quem deles chama atenção

É do insensato e não da morbidez.

Vi uma mulher que não cessa de estender a mão

Que agradece uma micha de quando em vez.

Vi um triste manequim que um sorriso forçou

Numa galeria quando olhei a vidraça

Seu inerte olhar parece sentir que esse tempo congelou

E que seus modernos adornos não aniquilam a desgraça.

No esquio fim de tarde, sentada, quase tranquila

Vi grãos de areia caírem no vai-e-vem dos calçados

No calçadão uma gente com pacotes desfila

Gente, a quem não interessa os soldados.

Quem deles chama atenção

São do insensato e não da morbidez.

Vi uma mulher preta estendendo a mão


E agradecendo uma micha de quando em vez.

Vi um triste manequim que um sorriso forçou

Numa galeria quando olhei a vidraça.

Seu inerte olhar sentiu que esse tempo congelou

E que seus modernos adornos não aniquilam a desgraça.


Emaranhados

Não repares, amigo, o estado


Em que se encontra o meu cabelo quebradiço.
Ele reflete o estado do Estado,
Opaco, áspero, nós, enguiço.

Quebradiço feito palha de coqueiro,


Que tomou grande surra do vento forte.
Sem maciez, cor definida ou cheiro,
Jogado à deriva a própria sorte.

As fake news é como a chapinha que escondia,


Os fios quebrados e lhes dava falsa imagem,
levantaram pelas redes um falso messias,
Que amarrou os perversos numa miragem.

Mas, e agora, como desatar os maus nós?


Como emendar os fios partidos?
Uns em cima, outros embaixo, divididos,
Outros jogados na sarjeta em lama e pó.
Malditos sejam

Malditos sejam os hipócritas


Que usurpam nossa honra
Inventam verdades mórbidas
E do nosso intelecto zombam

Oh, malditos sejam!


Esses infames que se revelam
Inimigos do povo e atropelam
Os nossos direitos, nos degeneram.

Nos roubam a dignidade


São máscaras, farsas,
Inimigos da igualdade
E só giram a roda com trapaças.

Oh infames! Não somos tolos


Estamos sabendo o que se passa
Nossas vozes são alicerces e tijolos
E não cairão, mas suportarão as trapaças!

Oh, malditos sejam!


Os filhos do fascismo e da verdadeira miséria
Que sob covas de guerreiros festejam
Bebendo de nossas artérias.

Mas comerão e beberão


Doses e doses do nosso repúdio
Do nosso nojo e reprovação
A primavera é nosso refúgio!

Matem as rosas, mas nossos espinhos marcam


Com sangue, versos e prosa
Roseiras sempre renasçam.
Glória aos povos que na rua marcham!
Esteja Livre

Luz para todos, sobretudo aos cegos.


Um homem é injustiçado!
Lave-se as faces dos enganados,
A boca, que cale, se só ama pregos.

Libertem do poço a verdade,


Ainda que tarde da noite e nua.
Voe ao céu, tão turvo, nublado.
Resgate o amor da mão da maldade,
Seja livre com o povo da rua!
Bloqueio de estradas

Em Espiral o relógio do Brasil


Sem rodas e sem prumo
Quanto custa o barril?
Qual será o temer(oso) rumo?

Se os tentáculos imperiais
São ricos em unhas e dentes
A voz que os guiam, ordena:
Bloquear, travar, bater de frente!

Mas que tiro foi esse, meu caro?


Despertou até quem o coma beijou
Moto, caminhão, avião, carro
A via parou. Estacionou.

Que tiro foi esse, amigo?


De que lado ele veio?
É esperança ou perigo?
O vampiro garantiu o desbloqueio!
Ascensão do fascismo

O odor da rua suja me causou náuseas terminais


Engulo o amargor e o expiro
Aturarei a realidade até o último suspiro
Nada me comove além das crianças e animais.

À parte esses, quero mesmo é ignorar


Fingir que tudo é lindo e colorido
Pela morte, a amiga última, aguardar
Pior que esta, certamente é ter nascido.

Quero vomitar todo o ódio


Das máquinas, dos homens, do absurdo.
Agarrar a cada micha de ópio
Para tornar-me indolor, cego, surdo...

A manipulação mata a alma e faz idiotas,


E estes corroem a alma dos não idiotizados,
Que usam seu tempo praguejando a derrota,
Quando tudo parece irreversivelmente destroçado.

Mas ora pois, já fora diferente?


Ou o homem tem sido sempre o seu próprio lobo?
O que há, é um gênio indecente
Que prevalece recobrindo todo o globo.

Primeiro eu, depois eu, depois eu


Também precisarei repetir?
O meu mel esse mundo medíocre comeu,
Só o amargor me segura de ruir.

Eu choro! Choro por raiva do que é tudo isso


Não há mercadoria que me preencha o furo,
Sua magia impregnou-se tal enguiço
Dane-se a tudo! Fiz meu muro!

Não abro mais a boca na esquina


N'outra vez, o monstro de um homem mostrou-se a mim.
Levantou-se donde sentou-se e com fala de rapina,
Gritou sua visão deturpada, devorara o estopim.

Ainda nesse tempo não sou boca a esses ouvidos!


Cansada, fingi dar razão ao discurso apodrecido.
Levantei-me e tive um cigarro idiota acendido,
E agora estou no lugar de onde não deveria ter saído.
Retrato brasílico na era do palhaço

O retrato brasílico é o som do resto de um importado macabro piano,


A ressoar nesse tempo a representação fúnebre,
Da marcha que ganhou carne ano a ano,
Pelas quadrilhas e quadras esfumaçadas e lúgubres.

Há flores decorativas perfumadas em toda a parte


E seu odor é de amor e dor artificial,
Há quem das prateleiras e aparelhos debilmente se farte,
Mas há o não servo, renegador desse mal.

Vê-se a experiência cambiada pelas telas que imitam o real,


Beijo e sexo são imagens; afeto, emoji; humor, meme.
A militância, o protesto, é na time-line da face artificial,
É por ver a escória que o anjo da história geme.
As perguntas

As respostas proporcionam prazer,


Mas são as perguntas quem movem o mundo.
Mas vale uma boa pergunta,
Que respostas prontas sem fundos!

Quanto mais sábio um homem,


Maior a vastidão de dúvidas que tem,
Já o tolo, tem uma vastidão de certezas
E é um mal questionador também.

Não podemos deduzir que já sabemos de mais,


A dúvida muitas vezes é mais cabível,
Pois as perguntas, e não as respostas é que vão
Tornando o mundo mais inteligível!
Estrelinha que brilha

Tu, ser maravilhoso,


Que brilha sem ser estrela morta,
Com o tempo verás, a vida é torta,
Mas o que importa se viver é gostoso!?

És bela, inacabada.
Que a inocência resplandece,
E teu espírito se engrandece,
À medida de sua incalculável alçada.

Já contemplas a música boa,


E ouve o som que música a lua,
Come as cores da tela nua,
E teu próprio som ecoa.

Branca como da lua é o véu,


Olhos negros como a oca do mundo,
Como um suspiro de morte, profundos
Aberta, como um chapéu.

A matemática melhor lhe servirá,


Para pesares os pesares,
Medir as distâncias dos mares,
Dos quais vale velejar.

Que do teu barco possuas o leme


E com leveza possas navegar.
Que em terra tenhas asas
Que te levitem sem sair do lugar.

Oh! minha querida pequena,


Que em tempo algum, temas a morte,
Ver e ouvir as sombras, é a sorte,
De poucos na coisa terrena.

Eis que haverás de descobrir,


E negar o que te faz mal,
Serás a imperadora do teu sorrir,
Superarás quem não molha o floral.

E quando dormires seu último sono


Tua existência estará justificada,
Pelas coisas desprezadas e amadas,
Serás então as folhas de outono,

Que enfeitam o chão e o fertilizam


E inspiram poetas tristonhos,
Pelo pesadelo ou a ausência de sonhos
Pelo bem e pelo mal que lhes infernizam.

Então serás uma brisa,


Que acaricia a alma de um leitor,
Que busca na poesia a cura para uma dor,
Daquela que ao espírito grande agoniza.

Mas enquanto a morte não a encontrar,


E dela, não sintas do beijo o gosto,
Amais a vida como um navio o seu porto,
Onde se preenche para depois se deixar.
Eu sinto em demasia

Eu sinto tudo em demasia


Mas a caneta é tão fria,
Em sua veia sangue não corre.
Como pode ocorrer da tinta,
Ser de fato o que pinta,
Se quem escreve é vivo e morre?
Grito afogado

Mãe sem filho


Noite sem dia
Pai sem mãe
Ouro sem brilho.
Grito afogado,
Sangria
Na Mina de Germano,
Complexo de Alegria,
Brumadinho, Mariana,
Samarco Soberania.
O castelo insano no vale
Vale corpo em lama fria?
Inalcançável

Inesgotável

Inflexível, invisível,

O não dizível o inexprimível

O combustível

Símbolos e fantasias

Beijando-se em necrorgias.

O outro foge ao obscuro,

Vai-se o resto, fica o furo,

A casa vazia.
Tempos de Arte Literária

Estejas, poesia, presente,


Seja na função angelical
De trazer de volta ao meu quintal
Aves que cantem regozijadamente

Que tragam para perto, amigos.


Que cantem e me deixem segura,
Quando eu sentir frio na manhã escura
Que as melodias e poesias virem abrigos.

Tempos de Arte Literária


Tempo de guerrear com flores
Na paz ou na guerra, renasça, poesia!
Contra o ódio a semeie amores.
Um pedaço de céu sonhado

Nesse mundo senil, frio, cruel


Só quero um canto todo meu
com um pedaço de céu
E saúde para gozar do mel, do fel...

Um lugar onde possa ver


As estrelas a noite com os pequenos,
E ter cobertores para nos aquecer,
Quando começar o sereno.

Água limpa para beber,


Um amor para amar,
Trilha com mato para percorrer,
Boa cena para filmar.
Ah!
Umas plantinhas para regar...
E de ti, doce companheiro,
Almejo o teu presente como presente,
Dar-te-ei mil beijos verdadeiros
Serei fiel quando ausente.

Saibas que nem preciso de tanto para viver,


Mas, um cantinho, os meninos, eu, você...
Um lugar onde possamos ver
As estrelas a noite com os pequenos,
Bons cobertores para nos aquecer
Quando começar o sereno...

Mas para o futuro não posso nada querer.


Porque ele não nos pertence,
Se não é nosso nem há como o perder,
Mas teu presente quero como presente.
Sempre é tempo de amar!

Em nome de si, mil beijos, me deu


Em nome de si, deixou-me o vazio
Em nome de si, disse-me adeus.
Em nome de si, largou-me no frio.

Em nome de mim, ainda sinto o gozo


Em nome de mim, queimei o entulho.
Em nome de mim, sou indiferente ao orgulho,
Em nome de mim, ouço o canto maravilhoso.

Vendo a ave que voa pelo céu anil,


Que me provoca a ostentar suas asas,
Lembro do quanto me fostes hostil
Mas meu coração se renova em brasas!

Lição para a vida: sempre é tempo de amar!


Convite

Queira voltar à Bahia,


Comei do fel, do mel, da minha companhia.
Amai e cuspais a minha poesia,
Amarei e odiarei a tua filosofia.

Como pode ser que vida


Rime tão bem com despedida?
Como pode ao mesmo tempo,
Ser a boca e a comida?

Como pode-se ter tanto querer


Se tudo o que se ganha é para perder?
A despedida é o preço amargo que se paga
Sem nenhuma garantia poder ter.

Mas ainda assim eu te chamo:


Queira voltar à Bahia!
Mostrar-te-ei que não há engano,
Mas somente amor, dor e alegria.

Queira voltar à Bahia!


Sem teus olhos brilhantes

Não foram dias, mas, eternidades.


Passar esse frio sem o calor dos teus olhos brilhantes,
De todas as épocas geladas, eis a mais dilacerante,
Nunca mais quero sentir a atrocidade
Dessa fome cortante
Dessa sede angustiante
E um furo agudo na alma doente.
Uma alma que geme incessantemente
Xinga o relógio, quebra-o, cegamente.
Onde o mundo engoliu meu amante?

Olho o horizonte e vejo o céu beijando o chão


Mas eu aqui com minha solidão
Não posso aceitar minha dor
O nome da maldição é saudade
Chega implacável, rasga, invade
Mas se diz irmã do amor.

Quanta inveja e tristeza ao olhar


O sol beijando a boca do mar
E eu aqui, como o país, congelando.
Qual planeta engoliu meu amado?
Percorro a casa, por todo lado
Ele deveria estar ao meu lado
Em nossa casa me amando.
A morte do vagalume

Estava fria, amarga, sozinha


Até avistá-lo no pano da cozinha
E ter uns risos arrancados.
Ontem ele lampejou algumas vezes
Não via nenhum a meses
E este, nem sequer fora convidado!

Que lampejo bonito e repentino


Vi ontem ao anoitecer, ouvi o sino
Do irreverente vagalume, a luz.
Rompeu todo o vazio na eternidade do instante
Fiz do vagalume, naquela noite um amante
Pela beleza do que suave reluz.

Houvera esquecido por todo o dia,


Não senti dor, ou alegria,
Nem sequer infelicidade.
Minha solidão massageia minha alma,
Sigo um dia após o outro agora com calma,
Sem paixões escarnecedoras, nem delas, saudades.

Hoje senti tristeza ao tentar, inutilmente dele uma luz arrancar.


Da noite uma brisa, um leve perfume,
Sem lampejo, imóvel no chão
Mexi, remexi, sem solução!
Preciso jogar fora o que restou do vagalume.
Voo

Só quero sentir os pingos de chuva


Inda que sob os pés tenha esgoto
Antes cipó, sou hoje pau torto
Sem temer o limo, a curva
Viro um sapo na noite turva
Boio olhando o céu infinito e oco

Nesse tecido que aposenta minha nave,


Tudo é tão efêmero que uma micha sequer,
Faz-me amar uma brisa qualquer
E eu voo, voo sem ser ave
Não sei se é maior dentro ou fora
Mas antes mesmo de ir-me embora
Me aproximo das duas traves

Canto... com dor, odor, amor, danço!


De pazes feitas com a morte
Pois que me virá não por azar e nem sorte.
Agora, um sapo acomodado e manso
Mas rígido feito um galho forte,
Dentro ou fora não há suporte.
Eu balanço, balanço, balanço.

Minhas folhas caem em conforto


Verde, amarelas, secas e molhadas
Com umas gotas de orvalho da madrugada
E meus pés queimam em Marte sem porto,
Quando morrer descanso
Mas agora, balanço, balanço, balanço...
Não serei um vivo morto!
Ano epiléptico

O ano epiléptico em tombos se corrói,


Os rastros com seu sangue vão marcando o chão.
Um imperialismo brutal que a tudo destrói
Esfacela, esfarela, com os dentes das mãos.

A epilepsia que derruba em espasmo,


Perverte a ordem e o sentido que havia,
Mas no banquete, o capital desmaia em orgasmos,
Necrófilo profanador do corpo da democracia!

Que essa roda gigante solte o elo infernal


E possa girar para frente mais uma vez,
Que a demência coletiva olhe para trás e veja o mal,
Que a letargia d'uma década lhe fez!

Que os mudos agora gritem alto!


Que os aleijados pulem agora d'onde estão sentados!
Que as novas ricas frustradas desçam dos saltos!
E que juntos tirem das cavernas os acorrentados!
Um furo na alma

Menina tão linda da mão delicada e fria


Já desvelo: em minha alma há um furo
Mas não temas, como outrem não sou vazia
Só te apeteço: não anele futuro.

Saibas, sou rica em amor e ternura


A ti, dileção, darei até o fim
Enquanto a amálgama quedar-se segura
Gozarás do melhor que há em mim

Mas se porventura, num dia desses qualquer


Atine-me cabisbaixo e tristonha
E teu chamego, teu dengo já não resolver
Vire as costas e parta sem cerimônia

É aquele furo em minha alma


Que inflama as vezes e verte sangue sem parar
É um câncer, um castigo, um carma
Certamente para a tumba o irei levar

Mas tu, és só luz, pureza, vida e poesia


Para ti o vento sussurrará a hora
Voarás sem olhar para trás a semear alegria
Teu esplêndido voo afagará minha alma que chora.
Lua de cambraia

Oh lua! Com tua cambraia enxugai,


Os pingos quentes que se escondem,
atrás da minha alma e desvelai,
As caras cruas que me respondem.

Estrelas que me amiúdam,


Enxugai-me o sangue quente,
Pulsando tirem-me esses vazios,
Fazei Minh ‘alma reluzente.

Oh lua, solitária, soberana,


Que se engrandece, se apequena,
Que se exibe que se esconde,
Livrai-me da gota serena,
De qualquer querer que corresponde,
A um teatro sem cena...

Olhai-o, e o vendo, lhes acene


Mas retornai ao meu espírito que geme,
E me dissolve num drama.
Deitai comigo em tua cama,
Sejas em vida, o leme.

Tirai de mim esse vazio estranho


Mas não me juntai a nenhum rebanho
Não sirvo a nenhum senhor
Mas somente a ti, reverencio
Oh! Que eu esteja sempre no cio
Para contigo fazer amor.

Eis que louvarei lhe 'inda naquele


Dia em que estiveres ausente
Dos meus olhos que veem e sentem
Saudades de ti e dele.

Oh lua, tu que és soberana


Olhai por ele e a ele sorria,
Mas a mim, permaneça fria
Tal qual a alma que engana.

Caso, com teu sorriso branco


Desperte nele um sentir qualquer,
Esse meu peito, portanto, estanco
E me faço a sua mulher,

Mas caso o gelo da alma daquele


Permaneça sem me sentir
Então enfeitiça-me com teu sorrir
Que é tão bonito quanto o dele.
Não ousa falar de minhas dores

Qual a culpa posso ter em ter nascido


E não encontrar no mundo uma cama
Tendo que beber também da lama
Com os olhos precocemente apodrecidos.

Pouco me importava o que quer que fosse,


Mas agora vejo, nada funciona
Sequer xarope ao espírito, que tosse,
Nada havia na preta lona.

Sou a noiva cadáver, sou a excomunhão


O meu corpo, envolto a arames farpados
De espinhos metálicos enferrujados
Por devorar o noivo em uma porção.

O comi vivo sem ter mastigado,


Há um harém em meu estômago de cimento.
A pouco amei um mago
Mandei-o embora enquanto havia tempo.

Escorpiões habitam a barriga do meu cuco


Que me transfere as ferroadas dos males desenhados.
Grita-me incessantemente, um maluco.
Amputa as pernas d'alma que só vê um lado.

Amanhã sairei novamente do ovo


Vou fingir apenas que nada vejo
Servirei ao reinado sopa de percevejo
E que encham as tripas do velho novo.

Um dia ainda quero dançar,


Sem que ninguém veja quão leve,
Quente de vida, a derreter a neve
A qual muito ainda há de me queimar.
O que me resta além de amar?

Só uma alma dilacerada de amor ainda pode


Reabilitar este mundo vulgar, inflamado
Mas que não explode.
O que me resta além de amar?

Senti ser minhas desgraças fatais,


Buscar no outro uma micha para a alma acalentar,
O que penso agora nem sei mais,
O que me resta além de amar?

Nessa barbárie imunda que veste o mundo,


A infelicidade é o mais óbvio que posso ver,
Mas se, inda nesse líquido imundo
Uma vez já fui tudo, o que mais posso querer?
Mundo cinzento

Nessas terras que para alguns resta

Mundo vermelho e cinzento

Distante daquelas florestas

De concreto e cimento

Em minha alma marcaram

Memórias de sofrimento.

Milhares de horizontes

Quase todos sem futuro

Um passarinho vem do alto

Bica um caju maduro

Foi assim que deus quis

Viver no Sertão é duro.

Mas antes do “Água para todos”

O sofrimento era abissal

Mas para a nossa felicidade

Hoje tudo é sem igual.

Um bom governo sabe ser justo

E promover a igualdade.

O que seria do homem da cidade

Sem a plantação do matuto?


E assim segue o Brasil

Lutando contra a xenofobia

O céu do sertão é azul anil

O verde é a nossa alegria.


Jamais soltes minha mão

Como é ruim ficar sem o teu carinho

Eu sequer consigo dormir direito

Eu que tinha medo de cruzar o meu caminho

Acostumei dormir em cima de teu peito.

Não desejo somente que molhe meu colo pra me consolar

Desejo te atacar com as minhas manias

Rir de mil bobagens depois de amar

Esquecer completamente as agonias.

Tanto, que o meu medo quis evitar

Que eu desse corda a toda essa possessão

Te querer loucamente pra não mais soltar,

Implorar que jamais soltes minha mão.

Ai! como é ruim não ter teu abraço.

Eu não vejo a hora de ver nascer o dia.

A noite não passa, que embaraço!

Eu, tua falta, o frio e a poesia.


E lutarei até findar a consciência

Os meus olhos não param ainda de sangrar

E uma gota após a outra segue a cair

Os rastros ficam onde agora estou a passar

Eu tenho medo de ver o sonho sucumbir.

Essa massa traída e idiotizada

Não consegue entender a minha dor:

De gritar, minha garganta foi rasgada

E o resto rasgarei quando a hora for.

Nas ruas insalubres onde passei

Por um ou dois ainda pude ser ouvida

Então os meus olhos com a beleza enxuguei

E senti que a luta não está perdida.

Comovo-me com a loucura de quem não mais é

Sua antiga dor reflete aqui nas carnes minhas

Sempre haverá gente de luta e de fé

A sobrepor aquelas falsas e mesquinhas.

Vou gritar ainda mais alto, até na forca

A justiça reverencio e faço clemência

Minha dor, transforma-se agora em força


E lutarei até fim por amor e consciência.
Envergar a suástica

Vou começar a fingir que está tudo lindo!


Vou pintar o mundo cinza de colorido,
Quem sabe a mentira não vira verdade?
Vou acordar bem cedinho
Ouvir e cantar com os passarinhos
Falar da beleza da saudade.

Cantar e dançar, dançar e dançar,


Rodopiando leve, forte, sem os pés do chão tirar,
Na performance, envergar a suástica,
Transformá-la em flor.
Continuar pintando tudo o que é cinzento em cor,
E cantar: amor, amor, amor...

Amor, amor, amor...

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