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Texto 11 Plantão Psicológico Como Estratégia de Clínica
Texto 11 Plantão Psicológico Como Estratégia de Clínica
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Plantão psicológico como estratégia de clínica ampliada na atenção básica em saúde
e, em 1968, tornou-se docente desse instituto, uma atitude de plantão – ainda não concebi-
atuando nos campos da Psicologia Educacio- do como psicológico – em horários definidos
nal, da Aprendizagem, do Desenvolvimento e para receber, ouvir, inscrever e encaminhar a
da Personalidade (Morato, 2008). pessoa. Nesse momento, buscava-se, também,
Segundo Rosenberg (1979), a motivação aliviar as inquietações, as ansiedades e as an-
para desenvolver atividades de orientação gústias imediatas que a pessoa trazia. Esses
rogeriana ocorreu devido ao seu contato com contatos iniciais propiciaram maior liberdade
Santos. No pensamento da autora, essa afilia- para o estagiário realizar o primeiro contato
ção acadêmica e profissional aconteceu devido com o cliente – liberando os supervisores des-
aos seguintes motivos. Primeiro, uma crítica à sa função para ficarem disponíveis para retirar
Psicanálise e às técnicas diretivas, na resolução dúvidas e, posteriormente, refletir com os es-
de problemas pessoais de clientes que procu- tagiários tais acolhimentos (Rosenberg, 1987).
ravam ajuda – a Psicanálise se restringia às Salienta-se que a modalidade de plantão
motivações ocultas para reconhecer as vivên- surge como uma flexibilidade da estrutura de
cias pessoais e refleti-las, enquanto as aludi- aconselhamento para acompanhar os proces-
das técnicas programavam uma mudança de sos pessoais de quem procura o serviço – e não
comportamento, com esteio em uma entrega nasce de uma conjuntura teórico-administrati-
das escolhas da vida a outrem. O segundo mo- va prévia (Rosenberg, 1987).
tivo concerne ao objetivo de propiciar a pessoa No caso de situações consideradas gra-
que procura ajuda “condições de ela própria ves, o plantonista possibilitava uma margem
identificar e organizar o seu próprio mundo a de retorno para o cliente. Destarte, diante da
partir de sentimentos, experiências e percep- demanda de clientes que retornavam e do au-
ções que só ela teria o direito e a capacidade de mento da fila de espera por um atendimento
avaliar e conhecer” (Rosenberg, 1979, p. 167). psicológico, percebeu-se a necessidade de ofe-
Devido à iniciativa da estudante, professo- recer maior preparo para a equipe de estagiá-
ra e militante política Iara Iavelberg, em 1966, rios plantonistas, com o objetivo de acolher a
as atividades de aconselhamento ocorreram dinâmica de cada tipo de demanda, sem recair
na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras em um contato breve, destituído de profundi-
(FFCL) da USP, com prestações de serviços ao dade e complexidade de ajuda.
curso de vestibular no Grêmio estudantil dessa No final da década de 1970, o plantão trans-
instituição. Rosenberg (1987), em 1968, assu- cende as cercanias do IPUSP e, sob a orienta-
miu a coordenação e a administração do então ção inicial de Rosenberg, passa a funcionar no
chamado Serviço de Psicologia do Grêmio. Centro de Desenvolvimento da Pessoa (CDP),
Com a ascensão da ditadura militar, ocor- no Instituto Sedes Sapientiae, um reconhecido
reu um deslocamento espacial dos cursos da centro paulista de formação e prestação de ser-
USP, e o trabalho no Grêmio adquiriu conota- viços psicológicos (Rosenthal, 1999).
ções contrastantes à instabilidade política ins- Ainda na década de 1970, em paralelo ao
taurada. Houve, então, perseguição militar a desenvolvimento do plantão, Rosenberg (1977)
Iavelberg1 (Gaspari, 2002), e as atividades de apontava para novos rumos da psicoterapia,
aconselhamento foram interrompidas. Diante ao indicar as influências dos pensamentos de
dessas experiências e provocações, Santos e Rogers, da Psicologia Existencial-Humanista
Rosenberg fundaram, em 1969, o SAP-IPUSP, e da antipsiquiatria como reformulações dos
organização independente das subordinações modelos clássicos de clínica.
do Departamento da FFCL (Rosenberg, 1987). Ao descrever as características – comuni-
A prática de aconselhamento consistia, cação não verbal, variações no tempo e aten-
então, em um acolhimento individualizado, dimentos em grupo – que ampliam a atuação
no qual, mediante as divulgações do serviço, psicoterapêutica, Rosenberg (1977) fincou im-
a pessoa se inscreve, passa por uma entrevis- portante contribuição ao entendimento clínico
ta (triagem) e é encaminhada para o atendi- do plantão: a concepção de uma terapia para
mento. Essa configuração ocorria mediante o agora. Essa é uma tendência que reduzia a
a disponibilidade do estagiário para assumir importância do psicodiagnóstico e da triagem
1
Além de psicóloga e docente, Iavelberg foi uma militante de esquerda que afrontou o regime militar brasileiro. Ela
participou da Vanguarda Popular Missionária, junto com Dilma Rousseff, e foi militante do MR-8, tornando-se namorada
do guerrilheiro Carlos Lamarca. Em 1971, encurralada por militares, Iavelberg se suicidou com um tiro (Gaspari, 2002). Em
2003, após a exumação do corpo, foi constatado que Iavelberg morrera assassinada com vários tiros (Agência Brasil, 2004).
para enfatizar maior contato entre psicólogo e der qualquer tipo de pessoa e demanda, “em
cliente, em qualquer tipo de demanda. Nessa períodos de tempo previamente determina-
terapia, qualquer pessoa poderia se beneficiar dos e ininterruptos”. De tal modo, o “plan-
da relação de ajuda, em atendimentos sem du- tão permite um sistema de inscrição, por si,
ração pré-definida, pois terapêutico – já no momento de pedido de
atendimento. Isso porque propicia ao cliente
[...] a matéria básica da terapia deixa de ser configurar com mais clareza o seu pedido de
identificada aos recursos do terapeuta e passa a ajuda” (Mahfoud, 1987, p. 83). A postura clí-
consistir na tendência e na potencialidade, que nica do plantonista consiste em
existem no ser humano, para a auto-realização.
[...] A presença ativa e real do terapeuta adequado
aceitar manter-se no momento presente, centra-
assegura a força necessária para continuar neste
do na vivência da problemática que emerge com a
caminho acidentado, cheio de imprevistos, para o
ansiedade e força particulares no próprio momen-
auto-encontro (Rosenberg, 1977, p. 61).
to de pedido de ajuda, acompanhando a variação
da percepção de si e das circunstâncias pela di-
Essas características, somadas à atitude reção que a clarificação levar – eis a disponibi-
não diretiva, tornam-se presentes no surgi- lidade do psicólogo-conselheiro, que possibilita o
mento do plantão psicológico. Eis a transição atendimento em plantão psicológico (Mahfoud,
do plantão, entendido como “uma disponibi- 1987, p. 83).
lidade mais atenciosa de recepção aos clientes
que procuravam inscrição para o atendimen- Torna-se característica dessa modalidade
to regular em aconselhamento psicológico” de ajuda requerer do plantonista as seguintes
(Rosenthal, 1999, p. 16), para o plantão psico- disponibilidades (Mahfoud, 1987): enfrentar
lógico, concebido como os mais variados tipos de demandas sem se
pautar por planejamentos prévios; conside-
o poder transformador da escuta atenciosa, não rar que esse encontro pode ser único e variar
diretiva, centrada no cliente, confiante na ten- na duração do seu tempo; tornar-se um eixo
dência ao desenvolvimento das potencialidades de referência existencial naquele momento de
inerentes à pessoa (tendência atualizante), e na necessidade de ajuda; possibilitar indicações
possibilidade de essa tendência ser estimulada,
e encaminhamentos para outros tipos de ser-
mesmo através de um único encontro com o
profissional, desde que este último possa ofere- viços; e ponderar a necessidade de retorno do
cer sua presença inteira, através de sua própria cliente, caso haja necessidade.
congruência, capacidade de empatia e aceitação O plantão psicológico se distingue do mo-
incondicional do outro (Rosenthal, 1999, p. 16). delo clássico de triagem, pois oferece mais
autonomia ao estagiário para acolher, atender
Durante a década de 1980, no CDP, com a e avaliar quais são as possibilidades de conti-
coordenação e supervisão de Raquel Wrona e nuidade e encaminhamento pertinentes à di-
supervisões posteriormente exercidas por Mi- nâmica da experiência do cliente. Isso requer
guel Mahfoud2, o plantão psicológico encontra uma abertura institucional, bem como a cria-
um campo fértil de desenvolvimento. Frisa- ção de uma rede informativa de contatos com
-se que, no mencionado centro, a execução do outras instituições – recursos de saúde e edu-
plantão psicológico foi inspirada pelo mode- cação (Mahfoud, 1987).
lo das walk-in clinics estadunidenses, clínicas A proposta do plantão psicológico foi jus-
– populares nas décadas de 1970-1980 – que tificada, segundo Mahfoud (1987), como uma
focavam atendimentos médicos e psicológicos possibilidade de atuação do psicólogo diante
emergenciais (Rosenthal, 1999). de um período histórico de escassez na oferta
Diante do florescimento da prática do de recursos em saúde mental para a população
plantão psicológico, somente em 1987, brasileira. O plantão psicológico se configura,
Mahfoud publicou o capítulo intitulado “A também, como uma resposta perante o contex-
vivência de um desafio: plantão psicológi- to de especialização e priorização de atendi-
co”, o qual sistematiza essa prática e discute mentos psicológicos pautados pela resolução
alguns casos clínicos. Mahfoud (1987, p. 75) de casos mais graves (por exemplo, transtor-
conceitua a locução plantão como exercício nos mentais), possibilitando uma proposta de
profissional de disponibilidade para aten- promoção à saúde.
2
Ressalta-se que Wrona, também conhecida como Rosenthal, estudou no IPUSP em 1975-1976 (Vasconcelos, 2009).
Mahfoud, igualmente, estudou no mencionado instituto em 1976-1980.
to da saúde coletiva, possibilitando interven- sitada, de lidar com o não planejado e com a
ções de saúde mental na atenção básica. possibilidade de acolher a demanda daquele
A APS fornece, ainda, atenção centrada na que o procura em situação circunstancial. E,
família e favorece a participação comunitária. por fim, a terceira inclui a perspectiva do clien-
Portanto, a ESF, vertente brasileira da APS, te, em que este deve ser capaz de perceber o
vem provocando de fato e de direito, um im- plantão psicológico como uma referência, um
portante movimento de reorientação do mo- porto seguro para a sua necessidade imediata.
delo de assistência no país (Organização Pan- A partir da complexidade das característi-
Americana de Saúde, 2010). cas do plantão psicológico, percebe-se que este
No intuito de apoiar a inserção da ESF se contrapõe à visão da clínica psicológica con-
na rede de serviços, como também ampliar a vencional, na qual se sustenta em uma análise
abrangência, a resolutividade, a territorializa- estrutural da personalidade humana focada
ção e intensificar as ações da APS, é que o Mi- nos aspectos psicopatológicos do indivíduo.
nistério da Saúde, em 2008, implanta o NASF. O plantão alvitra uma clínica mais abrangente,
Este, por sua vez, serve de suporte à ESF por baseada em uma concepção preventiva, res-
intermédio do apoio matricial, entendido pondendo a uma necessidade da comunidade
como a oferta de conhecimentos e propostas em seu viver cotidiano (Palmieri e Cury, 2007).
de ações conjuntas a partir da responsabiliza- Castelo Branco et al. (2010) acrescentam
ção compartilhada entre as equipes de referên- que o plantão psicológico possui breve dura-
cia e contrarreferência (Brasil, 2009b). ção e busca a reorganização da personalidade,
A proposta do NASF reitera a importância enquanto a psicoterapia clínica tem caráter
da interdisciplinaridade e da intersetorialida- prolongado, objetivando reestruturar a per-
de para superar a prática clínica centrada na sonalidade do indivíduo, eliminando os sin-
doença. Isso significa que é necessário reco- tomas existentes nesse processo. Apenas em
nhecer que os usuários não se limitam às ex- alguns casos, quando a pessoa não possui uma
pressões das doenças de que são portadores queixa específica, a psicoterapia é direcionada
(Brasil, 2009b). para o autoconhecimento e o desenvolvimento
Nesse contexto, a clínica ampliada surge na de suas potencialidades.
tentativa de integrar várias abordagens para Desse modo, a modalidade de plantão visa
possibilitar um manejo eficaz da complexida- a atender a demanda da pessoa em crise que
de do trabalho em saúde (Brasil, 2009a). Trata- necessita de um acolhimento específico, como
-se de colocar em discussão a fragmentação do também de uma postura compreensiva do pro-
processo de trabalho e a necessidade de criar fissional para minimizar o estado de angús-
um contexto favorável de cuidado da pessoa, tia, desajuste ou sofrimento (Schmidt, 2004).
considerando seus aspectos familiares, sociais e A proposta do plantão, portanto, é situacional/
comunitários. Nessa conjuntura, o plantão psi- contextual e busca eliminar a tensão organís-
cológico no âmbito da saúde coletiva, exercido mica emergencial da crise por meio da facilita-
por psicólogos na ESF e no NASF, insere-se em ção de insigths e da ressignificação da vivência
uma proposta de APS abalizada pelo SUS. de uma situação-problema (Schmidt, 2009).
Diante do exposto, pode-se afirmar que
O plantão psicológico como o plantão psicológico se configura enquan-
estratégia da clínica ampliada to uma estratégia da clínica ampliada, visto
que realiza acolhimento, garante acessibili-
Consoante Paparelli e Martins-Nogueira dade ao serviço de saúde mental, focaliza a
(2007), existem três vertentes delineadoras prevenção e atua junto à comunidade, além
que caracterizam o plantão psicológico. A pri- de valorizar o trabalho interdisciplinar. Tal
meira vertente se refere ao ponto de vista da perspectiva coloca a doença em suspensão
instituição, que deve exigir o planejamento do para acessar a experiência da pessoa em seus
espaço físico, a sistematização e a organização contextos familiares e sociais. Isso significa
do serviço, como também dispor de recursos uma nova concepção sobre o processo saúde-
disponíveis a serem utilizados. Tais recursos -doença e uma nova prática clínica na saúde
se relacionam à rede de apoio externa, aos re- coletiva, visto que busca superar a clínica tra-
cursos humanos e materiais, dentre outros. A dicional centrada na doença.
segunda diz respeito às habilidades e compe- Apesar das severas críticas à clínica tradi-
tências do profissional, cuja exigência alude à cional, no que concerne ao reducionismo bio-
disponibilidade deste para a ocorrência inu- lógico, ao caráter medicalizante e ao seu papel
TASSINARI, M. 1999. Plantão psicológico centrado na VIEIRA, E.; BORIS, G. 2012. O plantão psicológico
pessoa como promoção de saúde no contexto escolar. como possibilidade de interlocução da psicolo-
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VASCONCELOS, T. 2009. A atitude clínica no plantão
psicológico: composição da fotografia experiencial do
terapeuta-sherpa. Fortaleza, CE. Dissertação de Submetido: 27/04/2015
Mestrado. Universidade de Fortaleza, 136 p. Aceito: 21/07/2015