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O Aliado Do Gigante
Clark Darlton

Tradutor
S. Pereira Magalhães

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

2
Um mundo nas malhas dos telepatas — e
somente os mutantes podem romper o bloqueio
mental.

Mesmo para os arcônidas Crest e Thora,


que por 13 anos perderam o contato com sua
pátria, Árcon ofereceu enormes surpresas —
sem falar, naturalmente, em Perry Rhodan e
em seus cosmonautas da Terra.
Apesar de tudo, conseguiram enganar o
grande cérebro positrônico que há seis anos
exercia a função de regente do Império Ar-
cônida, e se apoderar da Titan, a mais pos-
sante espaçonave do universo conhecido.
Mas para ser reconhecido como O ALIA-
DO DO GIGANTE, Perry Rhodan tem que
cumprir uma missão muito importante...

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Personagens Principais:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potên-


cia.
Reginald Bell — Ministro da Segurança da
Terceira Potência.
Demesor — Vice-imperador de Árcon e di-
tador do sistema Voga.
Rogal — Revolucionário.
Zernif — Almirante e amigo do Zarlt assassi-
nado.
John Marshall — Chefe do Exército de Mu-
tantes.
Gucky, Wuriu Sengu e Kitai Yshibashi —
Mutantes da Terceira Potência, que terão uma
missão importantíssima.

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1

Rogal ficou parado, tentando escutar qual-


quer ruído na escuridão. Era tudo silêncio e
imobilidade. Talvez estivesse enganado. Os mu-
ros de pedra exalavam um frio úmido que não
fazia bem a seus pulmões. O ar estava péssimo
e sufocante. Em algum lugar estavam caindo,
em cadência regular, gotas de água que se esta-
telavam em alguma poça. Rogal já havia sido li-
berado do poder hipnótico de André Noir.
Vários caminhos levavam ao palácio de
Zarlt, tirano de Zalit, o quarto planeta do gigan-
tesco sol vermelho Voga, a uma distância ape-
nas de três anos-luz de Árcon.
Este caminho subterrâneo era conhecido
apenas por poucos confidentes do legítimo so-
berano de Zalit, assassinado há algum tempo.
Rogal se certificou de que sua pistola energética
estava bem firme na cintura. Não tinha cora-
gem de acender a lanterna, embora não espe-
rasse que os vigias do palácio conhecessem o
caminho secreto. Se o ex-guarda-costas Elton,
do falecido Zarlt, não tiver mentido, o caminho
secreto terminará exatamente nos aposentos de
dormir de Demesor, que de oficial da Frota Es-
pacial se havia guindado ao posto de novo so-
berano.
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De modo inconsciente, os punhos de Rogal
se retesavam quando pensava em Demesor. O
nome do déspota incluía uma dupla traição. Pri-
meiro mandou matar o velho Zarlt e depois
concebeu o plano de se revoltar contra o Impé-
rio dos Arcônidas, cujo vice-imperador era ele
mesmo. Naturalmente, apenas de nome. Mas o
domínio absoluto do gigantesco cérebro roboti-
zado só poderia ser um fenômeno passageiro e,
de maneira alguma, motivo suficiente para trair
o Império. A idéia de ser dirigido por um robô
também não agradava a Rogal, mas de qual-
quer jeito um robô seria mais justo do que um
Zarlt com o nome de Demesor. E por isso é
que Demesor devia morrer.
Depois desta pequena pausa, Rogal conti-
nuou sua caminhada. Sim, pensava ele, essa in-
tenção não era um crime, mas uma ação justa,
pela qual um planeta inteiro ficaria livre da dita-
dura de um homem ambicioso. Acima dele, ou-
viram-se de repente passos surdos, que se afas-
tavam, sumiram por uns instantes e tornaram a
voltar. Emudeceram exatamente em cima dele.
Tinha a impressão de que alguém o estava
olhando através da grossa cobertura de pedra.
Um calafrio percorreu sua espinha dorsal. O
susto foi tão grande que sentiu pontadas no co-
ração. Mas o alívio veio logo. Como a fantasia
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prega sustos na gente! A tal pessoa não pode-
ria, naturalmente, vê-lo. Foi tudo mero acaso,
por certo explicado pelo fato de que um senti-
nela estava patrulhando pouco acima do local
onde estava.
Continuou seus movimentos, respirando
com intensidade, quando suas mãos tateantes
sentiram uma barreira lisa.
A porta...?
A barreira era de madeira, como o guarda-
costas desertor lhe havia descrito. Seus dedos
procuraram até darem com um pequeno botão.
Ficou então hesitante, pensando o que poderia
haver atrás da porta. Quem sabe os guardas já
o esperavam, avisados pelo misterioso instinto
que prolonga a vida de tantos tiranos...? Ou se-
ria apenas a continuação do corredor secreto e
a escada-caracol entre as paredes, que levava
para cima? Encostou o ouvido contra a super-
fície de madeira e ficou escutando de olhos cer-
rados. Não, não havia ruído algum. Girou vaga-
rosamente o botão e a porta cedeu, continuan-
do tudo escuro.
Penetrou no corredor, encostando apenas a
porta. Sabia que deste lado não havia possibili-
dade de abri-la e de maneira que não poderia
fechá-la, caso não quisesse perder a única pos-
sibilidade de retirada. Foi apalpando cuidadosa-
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mente para frente, até que os pés deram com o
primeiro degrau da escada. Respirou pausado.
O guarda-costas tinha falado a verdade. Seriam
então ainda 368 degraus até o aposento de
dormir de Demesor. No ducentésimo, fez uma
pausa para respirar. Naturalmente não era uma
escada-caracol de fato, era mais um corredor
em ziguezague subindo em degraus. O palácio
do Zarlt era, como todos os edifícios em Zalit,
em forma de um funil. O cabo do funil era uma
superfície circular de cinqüenta metros de diâ-
metro. Daí subiam os terraços em forma de
arenas num ângulo de mais ou menos quarenta
e cinco graus para fora e para cima, até termi-
narem numa altura de cento e cinqüenta me-
tros. Aí em cima, o diâmetro dos círculos atin-
gia uns duzentos e cinqüenta metros. Os anda-
res arredondados tinham fachadas de vidro. A
arquitetura em Zalit provinha dos arcônidas,
como os próprios habitantes de Zalit não eram
outra coisa do que simples descendentes dos ar-
cônidas.
Pela primeira vez, Rogal se atreveu a acen-
der sua lanterna de bolso, para se orientar. Sua
pele bronzeada lembrava os índios da Terra.
Sua cabeleira tinha reflexos de cobre. Na mão
direita estava a arma de construção esquisita
que deveria pôr fim à vida de Zarlt. A escada
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continuava subindo.
Novamente se percebiam passos regulares,
que se afastavam, se aproximavam e depois de-
sapareciam. O palácio devia estar cheio de
guardas. Demesor era desconfiado como todos
os ditadores.
Rogal sorriu de modo frio e apagou a lanter-
na. A escuridão parecia ter duplicado de inten-
sidade. Sua mão apalpou a parede e continuou
a caminhada. Estava consciente de que sua vida
estava em jogo, pois o Zarlt não o pouparia,
caso o apanhasse. Mas antes de morrer, tinha
certeza disso, haveriam de tentar tudo para ficar
a par de seus segredos. Imaginariam que tinha
amigos, amigos que poderiam ser perigosos
para o Estado. Principalmente haveriam de se
interessar em conhecer o chefe do movimento
clandestino.
Rogal estava decidido a pôr fim à vida, antes
que conseguissem tirar dele qualquer segredo.
Pensando assim, atingiu o último degrau. Ter-
minava diante de uma parede lisa e fria. Mais
uma vez se arriscou a acender a lanterna de bol-
so. O anunciado rebaixamento era tão reduzido
que jamais o teria descoberto apenas apalpan-
do. O primeiro empurrão abriria uma pequena
fenda para se olhar, o segundo abriria um pou-
co a porta, por onde entraria no quarto de dor-
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mir do tirano. A lanterna foi apagada, pois já ti-
nha visto o suficiente. Esperou até que seus
olhos se habituassem novamente à escuridão e
depois apertou o dedo contra o rebaixamento
da porta. Houve uma vibração quase impercep-
tível e um feixe muito fraco de luz atingiu seus
olhos. Com muito cuidado colocou o olho direi-
to contra a fenda.
Viu um quarto muito grande, levemente ilu-
minado por lâmpadas amortecidas no teto.
Bem em sua frente, estava uma cama larga,
onde um homem repousava. Estava encoberto
por grossos cobertores que lhe deixavam livre
apenas a cabeça. Via-se bem nítida a linha de
seu corpo. Era o Zarlt Demesor.
Rogal estava cansado de ver no videofone o
rosto de Demesor. Conhecia, e muito bem, os
traços rígidos e ao mesmo tempo acolhedores
do tirano. Lá estava o homem que queria trair
Zalit e o Império, dormindo tranqüilamente. Ro-
gal, neste momento, quase se sentiu um traidor,
mas conseguiu dominar seus escrúpulos morais.
Seria realmente assassinato, quando se liber-
tava um mundo inteiro de um homem que ame-
açava trazer apenas guerra e desgraça? Não era
melhor a morte de um do que de milhões? Com
ponderações de justiça e bom senso, não se
conseguia nada com ele. Portanto não havia
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outro meio a não ser usar de violência para fa-
zer valer novamente a razão e o direito.
Rogal pegou a arma com firmeza, empurrou
sem nenhum ruído a porta secreta para dentro
da parede oca, deixando livre o caminho. Sabia
que ela, através de um mecanismo embutido, fi-
caria aberta apenas dois minutos e depois se fe-
charia automaticamente. Era uma medida de
precaução para evitar que pessoas estranhas vi-
essem a saber da passagem clandestina, pela
qual se podia sair despercebido, como também
entrar no palácio.
Aí estava Demesor, a menos de cinco me-
tros à sua frente, completamente indefeso. Ro-
gal ainda estava indeciso. Deu três ou quatro
passos, levantou a arma e apontou. O dedo in-
dicador puxou o gatilho e um raio energético
esverdeado atingiu com a velocidade da luz o
rosto do homem que dormia, envolvendo-o
numa auréola de fogo de raios cintilantes. Ro-
gal viu horrorizado como o rosto começou a se
dissolver, escorrendo em filetes incandescentes
sobre o travesseiro, corroendo com um leve
chiado os cobertores, até pingar no chão.
O Zarlt derretia...
Rogal fitava o incompreensível. Sua mão co-
meçou a tremer e os raios energéticos percorre-
ram sem rumo o aposento até incendiar as cor-
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tinas das janelas, apagando-se em seguida.
Abriu-se uma porta lateral e três, quatro ho-
mens entraram no quarto, precipitaram-se con-
tra o assaltante, tirando-lhe a arma. Rogal não
reagiu. Olhava, como que fora de si, para o ca-
dáver do Zarlt. O que estavam fazendo com ele
no momento, não tinha nenhuma importância.
Mas o Zarlt estava realmente morto...
Mãos fortes puxaram-lhe os braços para trás
das costas. Num relance de vista Rogal perce-
beu que a porta secreta se fechava sem nenhum
ruído. Pelo menos assim, os guardas não sabe-
riam como ele tinha entrado no palácio. Não
lhes fazia mal quebrar a cabeça com isso.
Sem nenhuma resistência deixou-se levar do
quarto para fora. Admirou-se apenas de que
ninguém se preocupou em olhar para o cadá-
ver. Será que a morte do tirano era assim tão
indiferente para os guardas? Empurraram-no
para o aposento contíguo e depois para o espa-
çoso corredor circular.
Em algum lugar estava tocando um sinal de
alarma. As portas se abriram e caras curiosas
olharam por um instante para o grupo que pas-
sava. Depois fecharam-nas, como se estas coi-
sas não fossem boas de serem vistas.
O alarma terminou. Os quatro guardas, que
acompanhavam Rogal, pararam diante de uma
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porta. Um deles bateu. Alguém respondeu seca-
mente e a porta se abriu. Um homem chegou
até ao corredor e olhou com cara de sono para
o grupo esquisito e para seu prisioneiro. Rogal
sentiu como se uma mão de ferro apertasse seu
coração. Viu que os olhos do Zarlt Demesor se
tornaram de repente frios e impiedosos.

***

— Ele já devia estar de volta há muito tem-


po, se tudo corresse como planejamos.
A voz parecia preocupada, mantendo ainda
um raio de esperança. Era a voz de uma pessoa
mais idosa, sentada numa cômoda poltrona, di-
ante de um aquecedor elétrico que lhe esquen-
tava os pés. Além dele, ali estavam também
presentes cinco outros zalitas, sendo que todos
demonstravam aparência de tresnoitados.
— Ele pode estar atrasado — consolou um
deles. — Quem sabe se teve de esperar para
poder agir melhor. Há tantas possibilidades que
nós não podemos imaginar...
— E se tiver acontecido a pior delas? Se o
atentado fracassou e o coitado foi preso. Que
irá acontecer se ele não tiver oportunidade de
se matar... se então nos denunciar?
O interlocutor anterior meneou a cabeça.
13
— Rogal é um dos melhores dos nossos ho-
mens, faz tudo planejado e com a devida caute-
la. Jamais se arriscaria inutilmente.

***

O velho Zernif, ex-comandante da Frota Es-


pacial de Zalit e almirante do falecido Zarlt, fez
um gesto indeciso.
— O prazo terminou. Já passou muito da
meia-noite e Rogal ainda não voltou. As medi-
das de segurança combinadas devem ser postas
em ação. Se nos descobrirem aqui no esconde-
rijo, Zalit está perdido. Mesmo os amigos não
nos podem mais ajudar.
Os amigos... Por alguns instantes, os revol-
tosos se lembraram daqueles amigos, que numa
nave de combate apanhada dos arcônidas havi-
am regressado ao seu mundo. Eles tinham man-
tido relações com o Zarlt e pareciam de acordo
com o plano do grupo. Pois, não aprovavam as
intenções de Zarlt e o classificavam de traidor.
— Devemos dar o fora daqui, independente-
mente do fato se Rogal teve sucesso ou não. Se
Demesor escapou do atentado, a situação não
está boa para nós. Ele não tem dó e nenhum de
nós escapará.
— Se nos encontrar — acrescentou Zernif,
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alisando a barba bronzeada, que lhe dava um
porte de figura respeitável. — Se Rogal for coa-
gido a fazer denúncias, isto pode realmente
acontecer.
— Rogal preferirá a morte.
— E se não lhe deixarem tempo para mor-
rer?
Silêncio total. O almirante Zernif, falou bai-
xo:
— Vamos esperar ainda meia hora, depois
desapareceremos. Se Rogal ainda conseguir
voltar, saberá onde nos encontrar.
A meia hora combinada passou, sem que
Rogal aparecesse. Os chefes do movimento de
resistência se prepararam para a partida. Sabi-
am que o caminho secreto para o palácio não
tinha agora muita importância. Tinham que de-
saparecer mesmo, se não quisessem ser sur-
preendidos pelos carrascos do Zarlt. Pegaram
suas armas, pistolas energéticas leves e pesadas
de fabricação arcônida. Depois ligaram os deto-
nadores de retardamento das bombas de dina-
mite, destinadas a mandar pelos ares a casa ve-
lha e abandonada, e com ela também, o ponto
de partida do caminho secreto.
De repente, ouviu-se um ruído em determi-
nado lugar da parede. Alguém pisava vacilante
sobre cascalhos e batia compassadamente na
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parede. Zernif pôs-se a escutar. De início, seus
olhos mostravam sinais de alegria, mas logo
mais foram transformados em desconfiança e
preocupação.
— Deve ser Rogal — disse alguém contente.
— Ele tem que se apressar, pois as bombas ex-
plodem em trinta minutos.
— Quem sabe não é Rogal — murmurou o
almirante Zernif, tentando esconder o medo em
sua voz. — Por que razão não dá emite o sinal
da senha?
Ninguém respondeu.
Se a pessoa que se arrastava nesta direção
era realmente Rogal, deveria ter dado o sinal da
senha: três pancadas leves na parede, antes de
abrir a porta. Se esta se abrisse sem o sinal,
certamente não seria Rogal que se aproximava
do esconderijo.
Os homens se entreolharam, sem dizer uma
palavra. Automaticamente suas mãos correram
para a cintura, apanhando as armas. Destrava-
ram a segurança e já lá estavam seis bocas de
fogo apontadas para o local da parede onde se
escondia a porta. Nenhum ruído passava des-
percebido de seus ouvidos atentos. Devia ser
muito mais o número de pessoas reunidas atrás
da muralha de pedra. A vibração dos pés o indi-
cava. Não havia dúvida de que o atentado de
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Rogal fracassara. Mais ainda, os carrascos do
Zarlt tinham descoberto o caminho secreto. Se
com culpa de Rogal ou sem sua culpa, isto ain-
da teria que ser explicado.
Zernif sussurrou:
— Escondam-se todos, para que eles não
nos vejam logo de início. Primeiro precisamos
saber quantos são, e só depois que todos saí-
rem do corredor é que começaremos a atirar.
Compreendido?
Os cinco homens concordaram. Esconde-
ram-se atrás de caixas e móveis velhos. O aque-
cedor elétrico já estava frio, mas ainda havia um
arzinho de calor agradável no ambiente. No en-
tanto os conspiradores já começavam a sentir
frio. No fundo, podia-se ouvir o leve tique-taque
dos detonadores de retardamento. Ainda resta-
vam vinte minutos... e depois tudo iria pelos
ares.
Na parede da frente, ouviu-se um estalo e a
partir daí a parede começou a se dividir. Uma
parte se projetou para a direita e a outra para a
esquerda. Apareceu um vulto.
Rogal.
Tinha uma aparência esquisita, com os
olhos vazios e sem expressão, fitando o ambi-
ente sem ver nada. Atrás dele surgiram homens
de uniformes coloridos, tendo às mãos as pisto-
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las energéticas, em posição de logo. Empurra-
ram Rogal para frente. E como nada tivesse
acontecido, entraram depois dele. Eram ao
todo doze guardas do palácio, entre eles dois
membros da temível polícia secreta do Zarlt.
O almirante Zernif os reconheceu imediata-
mente e percebeu ainda muito mais. Levantou
a arma contra os dois policiais e gritou bem
alto:
— Pela liberdade e pelo império! — e atirou.
Seus cinco companheiros só estavam espe-
rando por isto. Saltaram de seus abrigos e fize-
ram fogo cerrado contra os doze soldados de
Zarlt. Um destes, apesar do perigo iminente,
avançou uns passos para frente e tirou Rogal da
linha de fogo. Sem nenhuma consideração,
deu-lhe um estúpido empurrão, atirando-o ao
chão. Só depois é que se dirigiu ao inimigo.
Num minuto depois, estava tudo terminado.
Os doze guardas palacianos estavam mortos e
dois dos revolucionários estavam caídos. Zernif
tinha recebido no braço um tiro de raspão, o
que porém não o impedia de parecer muito fe-
liz. Mas não havia muito motivo para isto.
Rogal ainda estava no mesmo lugar. Olhava
abobalhado em torno de si. Um simples exame
dos seus olhos arregalados e sem expressão
convenceu Zernif de que ele não tinha cometido
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nenhuma traição consciente. Alguma coisa ha-
via acontecido a ele. Se sua suspeita se confir-
masse, Rogal estaria praticamente morto ou,
em outras palavras, seria melhor que morresse.
Não havia mais tempo. Em quinze minutos,
as bombas detonariam e da velha construção
não sobraria nada.
— Cuidem de Rogal, temos que levá-lo co-
nosco. Talvez consigamos saber qualquer coisa.
Precisamos nos apressar.
Já estava ficando noite. Ao longe brilhavam
as luzes de Tagnor, a capital do planeta Zalit
com quase 30 milhões de habitantes. Depois de
caminhar alguns passos, embarcaram no carro
escondido entre a vegetação do parque. O mo-
tor começou a roncar. Duas curvas depois al-
cançaria a estrada de saída.
O momento estava chegando. De repente,
uma língua de fogo cortou o céu escuro, e uma
enorme compressão de ar varreu a solidão do
parque, enquanto que um estampido ensurdece-
dor atingia toda a região.
Não havia mais caminho secreto para o pa-
lácio do Zarlt.

O Espaçoporto de Tagnor tinha vinte quilô-


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metros de diâmetro. Era realmente muito gran-
de, mas ao mesmo tempo muito pequeno, em
relação com o inimaginável movimento nele rei-
nante. A quase cada minuto subiam e desciam
espaçonaves de carga, luxuosos gigantes de
passageiros, belonaves e cruzadores da frota
dos zalitas. Era como se fosse um enorme pom-
bal.
Esta era, pelo menos, a opinião de Reginald
Bell. Sua pesada estatura repousava numa frágil
poltrona, diante das instalações de controle da
tela panorâmica, por meio da qual observava o
movimento no espaçoporto. Vez por outra, um
sorriso feliz percorria seu rosto largo e seus ca-
belos eriçados davam a entender, mais do que
tudo, que não havia motivo para inquietação.
Ele não estava sozinho na enorme central da
Titan, como haviam batizado a belonave aprisi-
onada. Com um diâmetro de um quilômetro e
meio, era a maior nave esférica conhecida no
Universo, um novo produto da tecnologia dos
arcônidas.
O corpo magro, esguio de Perry Rhodan,
estava apoiado na mesa de navegação, pare-
cendo se sentir bem nesta posição. O rosto pe-
queno demonstrava concentração e contenta-
mento ao mesmo tempo. Era como se todos os
cuidados tivessem desaparecido ou nunca tives-
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sem existido. No entanto, existiam e bastante.
— Um verdadeiro desfile da frota, permita-
me a observação — disse Bell, meio aereamen-
te, como se tudo isto não tivesse importância
alguma para ele.
De suas palavras, se podia deduzir um sub-
consciente de superioridade. Rhodan confirmou
distraído.
— Você que o diga, amigo — murmurou
ele. — Pergunta-se apenas quem lhe deu a or-
dem: o cérebro robotizado em Árcon ou o
Zarlt?
Bell deixou de responder, porque nada sa-
bia. Continuou olhando para os painéis de con-
trole, dedicando-se ao trabalho de sua respon-
sabilidade.
A Titan estava à beira do espaçoporto, já
bem próxima da estrada de saída de Tagnor. A
metade inferior da possante nave esférica esta-
va estacionada num hangar vazio, colocado à
disposição pelo zeloso e serviçal Zarlt. Natural-
mente, não sem segundas intenções. Ainda es-
perava que Rhodan lhe fosse contar de que ma-
neira tinha conseguido romper o anel de defesa
do sistema de Árcon.
Estava esperando isto, inutilmente, há algu-
mas semanas e sua esperança parecia em defi-
nitivo esgotada. Rhodan aguardava tranqüilo
21
até o momento em que o Zarlt deixasse cair a
máscara.
A porta se abriu e entrou uma espécie de
Mickey Mouse de um pêlo marrom-ferrugem:
talvez um metro e meio de comprimento, ore-
lhas grandes, focinho comprido e uma cauda
larga de castor. Nos olhos castanhos havia um
vislumbre de brejeirice e humor.
— Alô — guinchou o singular animal, no
mais puro intercosmo e se acomodou muito à
vontade numa espreguiçadeira. Por alguns mo-
mentos ficou contemplando, muito compene-
trado, a Bell, que estava concentrado olhando
para o painel de controle. Depois, suspirando
conformado, se dirigiu a Rhodan, para continu-
ar seu relatório já iniciado. — Estão chegando
novos moofs.
A curiosidade de Rhodan despertou repenti-
namente:
— Quem os trouxe?
— Naves da frota do Zarlt, mas descobri que
não são eles propriamente os responsáveis pelo
transporte. Eles recebem a respectiva carga
através de naves estrangeiras nos confins do sis-
tema.
— Ah... — murmurou Rhodan, refletindo
um pouco. — Eu suspeitava disso. Os desco-
nhecidos não desistem.
22
— Devemos continuar, Tama e eu?
Rhodan fez que sim. Segundo sua opinião,
era uma carnificina sem sentido, trazer para
este mundo novas levas de moofs. Por outro
lado, a situação se tornava perigosa quando os
moofs aumentavam. Devia-se ao menos tentar
controlar o aumento dos moofs.
Os moofs...
Constituíam realmente um problema. Al-
guém que permanecia oculto atrás dos bastido-
res, prudentemente, mandava trazer para Zalit
os “inaladores de metano”, possuidores de for-
ças telepáticas, acondicionados em recipientes
pressurizados de vidro, onde ficavam as medu-
sas de metro e meio de altura. Além da telepa-
tia, possuíam também o dom da sugestão, que
comparados aos níveis da Terra eram relativa-
mente deficientes. Apesar disso, tinham conse-
guido influenciar o Zarlt e, com ele, a camada
dirigente de Zalit. O Zarlt devia conquistar o Im-
pério dos Arcônidas para uma raça desconheci-
da. Rhodan já havia percebido isto. E este fato
era suficiente para colocá-lo diante de uma di-
fícil decisão.
O poderoso reino sideral dos arcônidas não
era dirigido por seres humanos, mas sim pelo
maior cérebro positrônico conhecido do Univer-
so. Independente do fato de que ninguém sente
23
simpatia por uma máquina, o regente robotiza-
do não tinha tratado bem a Rhodan. Perseguiu-
o e o considerou como o inimigo número um
da nação. Os arcônidas mesmo, vagabundos
decadentes e amigos da boa vida, pouco se in-
comodavam com os acontecimentos dentro do
Império. Deixavam tudo por conta do cérebro
robotizado e estavam convencidos de que ele os
governava para seu próprio bem. Em parte, isto
era verdade, mas Rhodan não podia se confor-
mar com a idéia de que centenas de raças inteli-
gentes ficassem dependendo das decisões lógi-
cas de um robô.
Assim, lhe pareceu razoável, desde o início,
a aspiração do Zarlt de Zalit de destruir o cére-
bro positrônico e mesmo de se apoderar do Im-
pério. Mas depois surgiram os moofs.
Eram eles os tramadores dos acontecimen-
tos, como se acreditava a princípio. Domina-
vam a inteligência dos zalitas e os incitavam à
rebelião contra Árcon. Até que se positivou que
isto era um grande erro. Os moofs agiam sob
comando e sob coação de desconhecidos, que
naturalmente pensavam em colher os frutos da
revolta. Além disso, se constatou que o Zarlt
era tirano e assassino, que se tornou criminoso
sem nenhuma influência sugestiva dos moofs.
Rhodan via agora uma possibilidade de pro-
24
var ao cérebro robotizado de Árcon que estava
ao lado do Império e não tinha, pois, intenção
de prejudicá-lo.
Havia chegado a este ponto de suas conside-
rações, quando Bell quebrou o silêncio:
— A Central de Rádio está chamando,
Perry. Você vai atender ou devo eu fazê-lo?
— Obrigado, continue, por favor, no painel,
já vou.
A Central de Rádio estava bem próxima.
— Que há de novo?
Um dos oficiais entregou a Rhodan uma fo-
lha de papel.
— Uma mensagem do Major Deringhouse
— Urgente.
“Major Deringhouse”, pensou Rhodan, rece-
bendo a mensagem, sem lê-la imediatamente.
Voltou para a Central, onde Bell o aguarda-
va curioso. Deringhouse comandava a frota es-
pacial da Terra e estava de prontidão. No en-
tanto, o cérebro robotizado podia ter sabido
através dos saltadores, de que planeta provinha
Rhodan. E se assim fosse, a Terra corria grande
perigo. Uma única nave-robô podia transformar
o sistema solar numa nuvem radioativa apenas
com o emprego de bombas dos arcônidas: as
bombas de gravitação. Embora a Terra estives-
se a uma distância de 34 mil anos-luz, para evi-
25
tar o perigo de ser radiogoniometrado, Dering-
house havia enviado a mensagem de um ponto
qualquer das Galáxias.
Bell perguntou:
— E então?
Rhodan apanhou o papel e o leu em voz
alta:

Para Perry Rhodan, setor Árcon. A respeito


sua pergunta sobre a traição saltadores. O cére-
bro positrônico em Vênus ficou equipado com
todas as informações disponíveis. A investiga-
ção dá uma certeza de 99,08% de que os salta-
dores não denunciaram a posição da Terra para
Árcon. Muitas felicidades. Aqui tudo em paz e
em ordem.
ass. Deringhouse.

Bell respirou sensivelmente aliviado.


— Nossa boa e velha Terra ainda existe. Às
vezes, a gente esquece que ela está a uma eter-
nidade daqui. A luz necessita de trinta e quatro
mil anos para chegar até lá.
— Nenhuma conferência agora — interrom-
peu-o Rhodan. — A mensagem não diz absolu-
tamente que o perigo já passou. Pelo contrário,
o cérebro robotizado de Árcon nos procura. Se
o Zarlt está saturado com o nosso jogo, haverá
26
de denunciar nossa origem. Mostraria assim
também sua lealdade para com o cérebro, po-
dendo assim muito mais facilmente enganá-lo
mais tarde.
— Cheguemos então antes dele — propôs
Bell, com um sorriso confiante. — Denuncie-
mos o Zarlt e o cérebro robotizado fica nosso
amigo e nos dá de presente talvez até a nave
apreendida.
— Não totalmente assim, mas algo seme-
lhante, é o que imagino — respondeu Rhodan.
— Mas não nos esqueçamos que atrás do Zarlt
estão os moofs e atrás destes, novamente os
desconhecidos. Encontrá-los é realmente nosso
maior dever.
Fez uma pausa, mas antes que Bell pudesse
retrucar alguma coisa, continuou:
— Mas julgo que devemos resolver esta mis-
são passo a passo. E o primeiro passo se cha-
ma: Zarlt. O problema deve ser atacado pelo
lado deles. John Marshall entrou em ligação
com o líder do movimento clandestino, um ex-
almirante Zernif. Vamos ajudá-lo em seus pro-
pósitos.
— Que é que ele pretende mesmo?
— Vingar o Zarlt assassinado e estabelecer
seu legítimo sucessor.
Bell olhou para Rhodan:
27
— E o novo Zarlt reconhece a soberania do
cérebro robotizado sobre o Império de Árcon?
— Sim, porque no momento não existe so-
lução melhor. Os próprios arcônidas não po-
dem mais governar um império que tem uma
extensão de quase 230 anos-luz.
— Quer dizer então que ajudaremos mesmo
o cérebro?
Rhodan fixou a parede e disse baixo, num
tom quase de resignação:
— Sim.

***

Do ponto de vista espiritual, o corpo de mu-


tantes de Perry Rhodan era a maior força no
setor conhecido do lado externo da Via Láctea.
A explosão da bomba atômica produziu em al-
guns homens alterações singulares na estrutura
do cérebro. Estas alterações os transformou em
mutantes. Se algumas destas faculdades adquiri-
das foram hereditárias, ainda não pôde ser
constatado.
Quanto à distinção entre mutantes positivos
ou negativos, isto depende, no sentido político,
das qualidades de caráter e da capacidade des-
tes homens. Os membros do corpo de mutan-
tes foram, sem exceção, mutantes positivos.
28
Havia telepatas, telecinetas, teleportadores, ob-
servadores, orientadores, hipnos e auscultado-
res de freqüência. Havia também um, que, com
a força de sua mente, podia provocar explosões
atômicas a grandes distâncias.
O telepata John Marshall era o chefe oficial
dos mutantes. Cidadão australiano, que hoje
pertencia à Terceira Potência de Perry Rhodan,
colaborou sempre para a união da Terra e ago-
ra que o planeta já alcançara este objetivo,
acompanhava Perry Rhodan em sua jornada
para Árcon.
E com ele, o corpo dos mutantes.
Pertence também a este grupo: Gucky, o
pequeno rato-castor. Era não apenas telepata,
mas também telecineta e teleportador. Esta
multiplicidade de faculdades parapsicológicas
caracterizava Gucky automaticamente como um
gênio universal, o que não o tornava cheio de
si. Todos gostavam muito do pequeno ser que
Rhodan havia encontrado no planeta Vagabun-
do.
Juntamente com Tama Yokida, o telecineta
japonês, Gucky estava em ação. Tratava-se de
ficar livre dos perigosos moofs, que, com seu
dom de sugestão, exerciam uma influência noci-
va sobre os zalitas. Bastava que Tama e Gucky
unissem seus dons telecinéticos num impulso bi-
29
lateral e a estrutura molecular dos recipientes
pressurizados se alteraria. Originar-se-ia uma
perfuração, por onde escaparia a atmosfera de
metano, elemento essencial para a vida dos mo-
ofs.
Já tinham terminado os exercícios diários de
alarma. Rhodan estava ciente de que cada um
dos seus conhecia suficientemente a gigantesca
espaçonave, para poder atingir bem rápido
qualquer estação ordenada — o que não era
uma bagatela, tomando-se em consideração o
volume de um esfera espacial de quilômetro e
meio de diâmetro.
Os dois arcônidas Thora e Crest estavam
junto dele na Central. Thora, de estatura eleva-
da, de cabelos brancos e olhos cor de ouro esta-
va sentada calmamente em sua poltrona e não
desviava o olhar de Rhodan. Crest ficou de pé.
Ele também era de constituição albina, como
toda sua raça, com a qual parecia agora não ter
nenhuma ligação, depois que seu clã não per-
tencia mais à casta governante. Já fazia seis
anos que o cérebro robotizado dominava o Im-
pério. O imperador Orcast XXI não era mais do
que um fantoche.
Thora e Crest foram os que, há treze anos
atrás, fizeram uma descida forçada na Lua da
Terra e deram a Perry Rhodan o poder de
30
transformar a Terra numa potência cósmica.
— O Zarlt deixou cair a máscara — disse
Rhodan sem rodeios. — Acabo de receber um
comunicado de que ele, aliás, não só deu nossa
posição ao cérebro robotizado, como também
deixou transparecer em sua embaixada em Ár-
con que sua frota espacial conseguiu identificar
a nossa origem. Pediu, para reforço, naves de
combate comandadas por robôs. Houve depois
uma advertência via rádio para o nosso endere-
ço, o que significa simplesmente uma proibição
de levantar vôo. Pretende, pois, nos deter aqui.
— Qual é o significado de todas estas mano-
bras? — perguntou Crest. — Por que não de-
nuncia ao Cérebro onde nós estamos?
Rhodan sorriu.
— Se você se colocar na situação de Deme-
sor, a resposta não lhe será difícil. Demesor
quer tapear o cérebro robotizado, para depois
assumir o poder. A Titan é a mais possante
nave espacial de Árcon, mas está em nosso po-
der. Que adianta a Demesor se o cérebro robo-
tizado dela se apoderar? Por isto é que pede re-
forços, para prender a todos nós. Depois ele
avançará contra Árcon, pois está crente que
rompemos o anel de segurança unicamente
porque possuímos a Titan. Como ele poderá
saber que foi apenas com o auxílio do transmis-
31
sor fictício em Ganymed?
Crest concordou.
— Ah, quase já me havia esquecido da
Ganymed, embora tivéssemos iniciado a expe-
dição com ela e só depois é que conquistamos a
Titan. Está tudo certo, Perry, mas acho que o
Zarlt calculou mal.
Perry continuou sorrindo.
— Mas eu gostaria primeiro que ele não per-
cebesse isto. Para mim é muito mais importante
que o cérebro robotizado se convença da nossa
lealdade. Você tem qualquer sugestão neste
particular?
Antes que Crest respondesse, Thora deu sua
opinião:
— Por que não iniciamos contato com ele?
Rhodan abanou a cabeça amigavelmente.
— Já o tentamos, mas ele não reagiu. Quem
sabe a recepção em superonda não é constan-
te. Então devemos nos aproximar um pouco
mais.
— De Árcon?
— Por que não?
Crest acrescentou:
— Acho que não é tanto a distância que im-
pede o cérebro de nos ouvir. Suponho antes
que os zalitas armaram uma abóbada de blo-
queio magnético em torno de seu planeta. Atua
32
por polarização. As mensagens que chegam
passam livremente, mas as que saem são reti-
das. O processo pode ser também invertido. Só
assim se explica o silêncio do cérebro.
— Quer dizer que bastaria então — consta-
tou Rhodan — que apenas nos afastássemos
um pouco da atmosfera, para conseguirmos en-
trar em contato?
— Teoricamente, sim — concordou Crest
convencido.
Rhodan ponderou por um momento.
— Você pode ter razão, mas se vamos real-
mente tentar, não devíamos esquecer nossas
provas — virou-se para a mesa de controle e
apertou um botão. Alguém atendeu. — Mande
John Marshall para cá imediatamente. Deve vir
também o tenente Tifflor — desligou novamen-
te e se virou para os dois arcônidas para mais
explicações. — Não se pode exigir de um cére-
bro robotizado que aceite simplesmente a pala-
vra de honra de um estranho.
— Você tem algum plano? — indagou Tho-
ra.
Rhodan meneou a cabeça afirmativamente,
sem conseguir impedir que seu olhar se demo-
rasse mais longamente em seu rosto severo,
mas ainda muito lindo. Que transformação ti-
nha se dado com ela? Sua altivez não tinha limi-
33
tes e seu ódio não tinha semelhante. E hoje, de-
pois de haver reconhecido como estava apaga-
da a herança espiritual dos arcônidas e como
estava cheia de vida a jovem raça dos terranos,
houve uma grande transformação em seu interi-
or, que se exteriorizava não apenas por uma re-
visão em sua filosofia de vida, mas principal-
mente em sua posição pessoal para com Rho-
dan.
Há tempos atrás, Rhodan podia apenas sus-
peitar, porém hoje tinha plena certeza de que,
em seu íntimo, ele a amava. Mas a concretiza-
ção deste amor devia permanecer irreal, pois
entre ele e ela havia a eternidade. Não mais o
abismo de cultura de dez mil anos, mas a pró-
pria eternidade. Pois Rhodan tinha recebido do
Imortal a ducha celular prolongadora da vida,
que não foi concedida a Thora. Rhodan não en-
velhecia mais, Thora porém...
Interrompeu o pensamento. Agora não ha-
via solução para o problema e nenhuma respos-
ta para suas perguntas. Um dia, porém, tinha
que haver uma solução ou melhor uma decisão.
Tinha tanta atração por ela, e por outro lado ti-
nha também tanto medo dela.
— Sim, Thora, tenho um plano. Faremos
uma visita ao cérebro robotizado com a Gazela.
— Com a tele-sonda? Através do anel de se-
34
gurança?
Rhodan sorriu e balançou a cabeça.
— Não uma visita direta, Thora. Algumas
horas-luz serão suficientes para fugirmos do ra-
dio bloqueio. Depois entraremos em contato
com o cérebro por meio do videofone. O Zarlt
deve ficar sem saber nada, então da Ganymed
nos transportaremos num salto com o auxílio
do transmissor fictício.
— Uma bela idéia, Perry — disse Crest —
estou de acordo. Mas o que você pretende dizer
ao cérebro robotizado?
— A verdade. Vou reconhecê-lo plenamente
como regente do Império.
Thora não parecia muito contente com a
resposta.
— Vamos reconhecer então que não são os
arcônidas, mas sim um robô quem domina o
Império?
— Primeiramente, não temos outra opção e
em segundo lugar acho que a atuação do cére-
bro não é desvantajosa para o Império. Repare
este Orcast, Thora. Acredita sinceramente que
ele conseguirá manter unido o reino decadente?
— Orcast certamente não — concordou
Thora. Havia brilho intenso em seus olhos cor
de ouro. — Mas o clã dos Zoltral não está tão
decadente.
35
Thora e Crest pertenciam a este clã.
— Virá o tempo em que o clã dos Zoltral ha-
verá de dominar novamente — disse Rhodan
com ênfase. — Aí então podemos tratar da
substituição do cérebro robotizado. Na presente
situação, porém, é indispensável captar a confi-
ança do regente.
Thora fitou Rhodan por mais algum tempo,
depois abaixou a cabeça.
— Acho que terei de lhe dar razão, Perry.
Quando é que partimos então?
Rhodan não deu resposta, pois neste mo-
mento entraram na Central John Marshall e o
tenente Tifflor. Tiff, como ele era chamado em
geral, parecia muito com Rhodan, embora fos-
se vinte anos mais moço. Tinha se destacado
muito em várias missões especiais e gozava da
confiança ilimitada de Rhodan. A porta se fe-
chou sem nenhum ruído. Perry fez um sinal
para os dois e foi falando diretamente:
— Tiff, ponha-se em contato com o major
Freyt e combine os preparativos para a decola-
gem da Gazela com o transmissor fictício. Tri-
pulação: Thora, Crest, Gucky e eu. John
Marshall vai tentar trazer para cá o almirante
Zernif, se necessário, por meio de Ras Tschu-
bai. Bell toma o comando da Titan, durante
nossa ausência. Isso é tudo. Nós nos encontra-
36
mos em duas horas na Ganymed. Alguma per-
gunta?
— E eu fico sobrando — murmurou Bell de-
cepcionado. — Que é que eu vou fazer aqui,
onde nada acontece?
— Como é que você sabe que nada vai
acontecer? — perguntou Rhodan seriamente.
— Eu quero ter a certeza de ter deixado um co-
mandante de confiança na Titan, durante mi-
nha ausência. Não se pode brincar com uma
espaçonave como a Titan.
Meio convencido, Bell estava mais contente.
De qualquer maneira, Rhodan lhe havia confia-
do uma responsabilidade muito grande.

***

Na segurança do quartel-general clandestino,


Zernif e seus amigos tinham oportunidade de
tratar de Rogal. Voltando de um atentado malo-
grado, em circunstâncias tão misteriosas, ele es-
tava com toda certeza sob a influência de um
grande choque. Seus olhos arregalados fitavam
o vazio e seus lábios cerrados estavam mudos.
Não respondia a nenhuma pergunta.
Estavam todos sentados em volta dele e ten-
tavam obter-lhe uma palavra esclarecedora. O
atentado fracassou completamente? Não tivera
37
oportunidade de atirar no tirano? Prenderam-
no antes disso? Foi traído por alguém?
De olhos abertos, ele encarava a luz forte do
dia. O almirante Zernif murmurou:
— Está sem sentidos. Talvez lhe precisamos
dar uns dias de repouso. Em breve saberemos
se o Zarlt ainda está vivo, se o atentado foi bem
sucedido. Talvez os estranhos nos possam dizer
alguma coisa. Este tal Rhodan tem um grupo de
homens maravilhosos. Alguns deles nós já co-
nhecemos.
De repente, todos se viraram. Ouviu-se um
ruído bem no meio da sala. Ninguém podia en-
trar aqui despercebido, pois o quartel-general
estava a dez metros abaixo do solo, bem próxi-
mo da cidade. Os dispositivos de segurança ja-
mais falharam.
O que presenciaram foi de arrepiar-lhes os
fios dos cabelos. Do nada, materializaram-se
duas figuras humanas. Uma já era conhecida de
Zernif. Era o homem que se chamava John
Marshall. Pertencia ao grupo de Rhodan, este
estranho misterioso, que parecia estar do seu
lado, embora não lhe tivesse prestado ainda ne-
nhum auxílio. O outro homem era-lhe desco-
nhecido. Sua pele quase preta era estranha e
fora do comum. Será que ele pertencia também
ao grupo de Rhodan?
38
Zernif se conteve. Sua mão, que repousava
na coronha da arma, voltou automaticamente à
posição normal.
— O senhor? Como é que chegou até aqui?
— Com o auxílio de meu amigo Ras Tschu-
bai, que agora lhe apresento. É teleportador.
Zernif se levantou. Por uns instantes se es-
queceu de Rogal. Os demais revoltosos continu-
aram preocupados com a vigilância, graças à
qual deviam sua vida.
— Como é que os senhores nos acharam?
— Não foi difícil, Zernif. Viemos pedir sua
ajuda.
— Minha ajuda? Como podemos ajudá-los
se vocês são mais poderosos do que o próprio
Zarlt?
— Vocês vão saber logo. Este não é Rogal?
Que aconteceu com ele? Parece estar sob coa-
ção hipnótica.
— Achamos que são as conseqüências de
um choque mental. Temos que saber o que
houve com ele.
Marshall comprimiu os olhos. Seu primeiro
pensamento foi que os moofs pudessem ter
rompido sua barragem natural de defesa.
— Onde foi que aconteceu isto?
Zernif hesitou um pouco em responder.
Não podia supor que Marshall estava lendo
39
seus pensamentos. Depois, resolveu contar ao
estranho toda a verdade. Falou rapidamente do
planejamento de todo o atentado. Marshall
acompanhou todo o relato.
— Portanto, na noite passada? Então fracas-
sou o atentado, pois ainda hoje, antes do meio-
dia, o Zarlt deu novas ordens que são claramen-
te contra nós, seus hóspedes. Quem sabe ele
acha que somos responsáveis pelo aconteci-
mento? E Rogal voltou desta maneira? — olhou
na direção do revoltoso, cuja posição ainda era
a mesma.
Continuava olhando fixamente para a clari-
dade forte.
— Posso examiná-lo um pouco?
Era apenas um pretexto para penetrar, com
toda calma, nos pensamentos de Rogal.
Marshall se espantou ao notar a intensa barra-
gem de proteção que estava enfrentando. Não
tinha faculdades de sugestionador. Quem pode-
ria ajudar aqui, seria André Noir, o hipno do
corpo dos mutantes. Virou-se para Ras Tschu-
bai, dizendo:
— Você nos pode teleportar para a Titan, a
mim, Zernif e Rogal ao mesmo tempo?
O africano abanou a cabeça.
— É muito arriscado, eu proponho levar
cada um separado para a nave. O tempo é o
40
mesmo.
— Certo — respondeu Marshall, explicou a
Zernif a finalidade de sua visita. E depois acres-
centou: — Levamos Rogal conosco e vamos
ver o que podemos fazer com ele. Trouxe aqui
um aparelho de rádio, por meio do qual vocês
estarão sempre em contato com Rhodan. Fi-
quem na escuta. Agora vamos primeiro a Ro-
gal.
Os homens ficaram quase atônitos, quando
o negro com Rogal desapareceram repentina-
mente. Dez segundos após, materializou-se no-
vamente e levou Zernif. Depois veio a vez de
Marshall.
Ficaram todos silenciosos, olhando ansiosos
para o misterioso aparelho que emitia um leve
zumbido. Era sua única ligação com o mundo
exterior.

***

O transmissor fictício do planeta Peregrino


era realmente uma coisa maravilhosa.
Podia teleportar qualquer tipo de material
em fração de segundo, para qualquer lugar, por
meio da quinta dimensão, independente de se
tratar de bombas atômicas ou de seres huma-
nos. No Universo inteiro, nunca se tinha visto
41
uma arma mais perfeita. As cúpulas de prote-
ção não adiantavam mais nada às grandes na-
ves espaciais, se as bombas desmaterializadas
eram teleportadas para o seu interior e aí deto-
navam.
Mas hoje, Rhodan estava usando o transmis-
sor para fins pacíficos. Devia conduzir a Gazela
despercebidamente para o espaço. O aparelho
de telerreconhecimento era uma espécie de dis-
co voador com um diâmetro de mais de trinta
metros. Seu eixo vertical tinha dezoito metros e
o raio de ação era de 500 anos-luz. Seu equipa-
mento bélico consistia de raios energéticos de
superimpulso de origem arcônida.
Tiff anunciou que a Gazela estava pronta
para partir. Thora, Crest e Marshall já estavam
a bordo. Rhodan estava esperando por Gucky,
que devia aparecer a qualquer momento. En-
quanto isso Perry conversava com o major
Freyt, comandante da Ganymed.
— Caso houver, nesse ínterim, um ataque
contra ela e contra a Titan, então defendam-se.
A Ganymed vai para o espaço e aguarda, na
posição combinada, por eventuais ordens. Nin-
guém conseguirá encontrá-la, pois nenhum ras-
treador de estrutura pode localizar seu salto.
Com a Titan é diferente, e é por isso que ela
fica onde está.
42
— Está certo — tranqüilizou Freyt. — Sabe-
rei defender minha pele. E quanto a Bell, tam-
bém não tenho dúvida alguma.
Rhodan queria responder, quando o rato-
castor se materializou.
— Cá estou eu — disse ele — estava ocupa-
do com Tama, atacando um grande transporte
de moofs. Mandei embora Tama juntamente
com Ras.
— Estamos esperando por você — respon-
deu Rhodan, despedindo-se de Freyt. — Até
logo mais, comandante.
— Pescoço e perna quebrada — desejou
este.
— Nada disso — respondeu Gucky brinca-
lhão, acompanhando Rhodan com um pequeno
salto, já que os degraus da escada para bordo
eram muito altos para ele.
A Gazela estava no hangar da Ganymed. O
transmissor haveria de atirá-la três meses-luz
para o espaço além. Nenhum olho humano,
nem mesmo nenhum instrumento técnico, por
mais aperfeiçoado que fosse, conseguiria regis-
trar seu deslocamento.
Tomaram seus lugares. Fechou-se a escoti-
lha e o tempo começou a correr. Então veio a
partida e simultaneamente a transição.
Quando Rhodan abriu os olhos depois de
43
um rápido cochilo, viu um mar de sóis de brilho
intenso. Árcon lá estava, no centro daquele
agrupamento de estrelas M-13, formando como
que uma esfera, 34 mil anos-luz distante da
Terra. Os sóis estavam bem juntos um do ou-
tro, visão esta completamente diferente daquilo
que vemos da nossa Terra. Quase não se via
um ponto escuro e a própria Via Láctea empa-
lidecia em comparação com o espetáculo de lu-
minosidade dos astros tão próximos.
Rhodan conferia as escalas. Estavam agora a
três meses-luz de distância do gigantesco sol
vermelho Voga. O Zarlt ainda devia supô-los na
Titan. Em sua volta para Zalit seria bem diferen-
te. Não seria possível uma descida por meio do
transmissor fictício. Com alguns movimentos
manuais, Rhodan sintonizou a instalação de hi-
perrádio para recepção e esperou até que o
painel se aquecesse. Ouviu-se um estalo no
alto-falante quando se ligou a instalação de
som. A hiperfreqüência do cérebro robotizado
era conhecida, mas não havia transmissão no
momento.
— Devemos chamar — propôs Thora, cuja
hesitação inicial se convertera numa inimaginá-
vel força de ação e alegria de decisão. — De-
pois vamos ver como ele reage.
Zernif, o ex-almirante da frota espacial de
44
Zalit, conservava uma expressão de apreensão.
— Não sei bem o que devo fazer aqui. Que
devo mesmo dizer ao regente do Império?
— Alguma coisa — disse Rhodan — que de-
verá interessar muito ao cérebro. Você é nossa
testemunha principal e eu tenho a convicção de
que o cérebro haverá de distinguir a verdade da
mentira, se não for por telepatia, ao menos
através da lógica de seus dados.
— Aliás é uma idéia fascinante — interveio
Crest no debate — a de reger um poderoso rei-
no estelar através de um robô. Quanta mudan-
ça houve aqui nestes últimos treze anos, depois
de durante quase dez mil anos sem um aconte-
cimento importante. Às vezes, eu chego a ter
dúvidas se esta nova forma de governo é real-
mente nociva para Árcon.
Rhodan franziu as sobrancelhas e olhando
para Crest perguntou:
— Quer dizer com isto que reconhece o do-
mínio do cérebro robotizado, você que é um
descendente do deposto clã que estava no go-
verno?
Crest tentou contornar:
— Não diretamente. Penso apenas que o cé-
rebro me é mais simpático do que este Orcast
XXI, que ao meu ver nada mais é do que um
sonhador e um folgazão enfastiado.
45
— Deste ponto de vista você pode ter razão
— disse Rhodan, observando o grande painel,
no qual tremulavam desenhos coloridos e abs-
tratos. Simultaneamente a isto, o alto-falante
despejava ruídos sem sentido e quebrados. —
Suponho que já estamos recebendo mensagens
do cérebro. São cifradas e não se destinam a
nós.
— Nas principais faixas de onda do Império,
ele está permanentemente em contato com
seus postos de comando — confirmou Crest. —
Pode manter com simultaneidade milhares de
contatos.
— Na mesma freqüência? — perguntou
Rhodan, duvidando da assertiva.
Crest fez que sim.
Depois de refletir uns segundos, Rhodan li-
gou resoluto o emissor, esperou até que estives-
se em condições de funcionar, respirou profun-
damente e começou a falar:
— Aqui fala Perry Rhodan da Terra. Estou
chamando o regente do Império de Árcon. Res-
ponda, por favor. É urgente.
Repetiu estas palavras três vezes, dedicando
então toda a sua atenção ao receptor e ao pai-
nel de controle.
Thora e Crest estavam de olhos fixos nos si-
nais coloridos que se repetiam. Tiff, ocupado
46
principalmente com a observação visual do es-
paço em volta, notou a tensão reinante na Cen-
tral. Zernif aguardava paciente e conformada-
mente o que iria acontecer.
Somente Gucky é que parecia não estar in-
teressado em tudo aquilo. Estava deitado numa
espreguiçadeira com os olhos semi-cerrados.
Podia-se supor que estava dormindo. Mas quem
o conhecia, sabia que o rato-castor era a con-
centração personificada.
Rhodan abanou a cabeça, dizendo:
— O Cérebro deve nos ouvir. Por que não
recebemos resposta? — repetiu seu chamado
várias vezes, acrescentando ainda: — Peço-lhe
para confirmar a recepção. Trata-se da existên-
cia do Império.
As imagens coloridas começaram a correr
mais depressa. Os sinais do alto-falante aumen-
taram. Foi tudo.
— De qualquer maneira, uma reação —
murmurou Rhodan descontente. — Só que eu
não sei o que fazer com isso. Como descobrire-
mos o código que o cérebro deve estar usando?
— Quem sabe o senhor declara — propôs
Thora — que o código nos é desconhecido, exi-
gindo uma transmissão em texto claro.
Rhodan achou que era uma boa sugestão e
repetiu sua mensagem, acentuando que todo o
47
código cifrado lhes era desconhecido.
A tensão na Gazela chegou ao máximo. Os
sinais coloridos pararam no painel. O alto-falan-
te acusou fortes estalos e a seguir sons descone-
xos. Fria e impessoal soou uma voz que de re-
pente invadiu toda a Central. Esta voz dizia na
língua dos arcônidas:
— Liguei seu transmissor e o meu num ca-
nal bloqueado, não precisamos de código. Nin-
guém poderá acompanhar esta transmissão.
Sua posição é conhecida. Fale.
— O senhor me está vendo? — perguntou
Rhodan.
Houve uma pequena pausa, depois sumiram
da tela aqueles desenhos parados. Voltaram no-
vamente, porém, já com movimentos, come-
çando a formar uma imagem plástica. Enquanto
isto, a voz mecânica e fria dizia:
— Eu o estou vendo, como também o se-
nhor me poderá ver em poucos instantes. Sua
distância de minha posição é de três quartos de
ano-luz, conforme seu cálculo. Eu o mantenho
sob irradiação. Onde está a espaçonave rouba-
da?
A imagem se completou. Rhodan viu um
imenso átrio, que não permitia que se pudesse
fazer qualquer conclusão do lugar onde estava.
No centro deste átrio, jazia uma gigantesca
48
semi-esfera de metal reluzente em sua super-
fície. Nada mais do que isto. Teria um diâmetro
de cinqüenta metros, abrigando com toda segu-
rança o cérebro robotizado. O que havia por
baixo da semi-esfera ninguém sabia. A altura de
toda a construção era de vinte e cinco metros,
como Rhodan conseguiu calcular.
Fazia treze anos que ansiava pelo momento
de estar frente à frente do regente do Império
dos Arcônidas, mas, mesmo em seus mais ou-
sados devaneios, nunca poderia imaginar que
ele fosse assim: uma semi-esfera de metal.
Lembrou-se da pergunta do cérebro roboti-
zado.
— Regente, a espaçonave roubada está es-
perando por mim num lugar seguro. Se eu não
conseguir voltar, ela está praticamente perdida
para o Império.
— Não é minha intenção prendê-lo — res-
pondeu o cérebro friamente. — Se estivesse na
nave roubada, o caso seria outro. O que é que
o senhor deseja?
— Convencê-lo de que eu não sou seu inimi-
go.
— Isso lhe vai ser bem difícil — duvidou o
monstro metálico, mudando repentinamente de
assunto. — Estou vendo dois arcônidas. São
eles, por acaso, Thora e Crest?
49
— Perfeitamente, são eles, regente. Perten-
ciam outrora à camada dominante de Árcon.
— O clã dos Zoltral não trouxe nenhuma
vantagem para Árcon — respondeu friamente o
cérebro. — Desde que eu, há seis anos, tomei o
poder, a situação melhorou.
Rhodan se admirou secretamente de que o
robô deixava transparecer qualquer coisa como
orgulho. Quem podia sentir sentimentos de or-
gulho, também não seria infenso a outros senti-
mentos...?
— Ninguém tem dúvidas quanto a isto —
disse Rhodan. — Mas o senhor tem que admitir
que o clã dos Zoltral sempre foi mais eficiente e
positivo para o Império do que o clã de Orcast.
— Por este motivo é que Orcast foi substituí-
do por mim — respondeu o cérebro pronta-
mente. — Ele teria arruinado o Império.
— Uma última pergunta a respeito do Impé-
rio, regente: Por que motivo o senhor não me
reconhece como amigo? Crê que eu possa pre-
judicar o Império? Não estou trazendo de volta
Thora e Crest?
A resposta veio imediatamente:
— O senhor é meu maior inimigo, quando
eu raciocino do ponto de vista pessoal do po-
der. No referente ao Império, o senhor é meu
aliado, enquanto percebo. Está vendo que me
50
encontro num dilema. Admira-se de que eu fale
assim?
— Realmente — disse Rhodan — isto me
surpreende.
— Eu o admito, somente para que o senhor
possa compreender meu modo de agir. E en-
tão, por que o senhor vem me procurar?
— Eu lhe queria dizer onde escondi a espa-
çonave roubada.
Veio a primeira pausa. Desta vez, o cérebro
positrônico necessitava visivelmente de tempo
para elaborar a mensagem e medir todas as
suas possibilidades e eventuais conseqüências.
Este processo, que para um homem gastaria
horas e horas, levou apenas dez segundos. En-
tão respondeu o Cérebro:
— Por quê?
Naturalmente não tinha encontrado uma
resposta satisfatória e lógica. Nenhum milagre
nisso, pensava Rhodan. Ninguém poderia achar
mesmo.
— Para lhe provar que sou seu amigo, tenho
que fazer isto. Eu lhe dei o nome de Titan e
acho que foi muito certo. O senhor a recebe de
volta, quando quiser. Para sua informação: a Ti-
tan está no espaçoporto de Tagnor, capital do
Planeta Zalit, no Sistema Voga, distante três
meses luz da minha atual posição.
51
— Impossível — foi a resposta imediata. —
Fosse assim, eu saberia.
Rhodan deu um pequeno sorriso, que pare-
cia condescendência.
— Como que o senhor saberia isto? Que fa-
tor lhe daria esta certeza? Talvez, o fator que se
chama Zarlt?
— Exatamente. O Zarlt de Zalit é o vice-
imperador. Uma nave tão grande assim, ele
não poderia deixar de ver, estando ela no espa-
çoporto de Tagnor. E o Zarlt haveria de me co-
municar, pois dei a ordem de vigiá-la. A conclu-
são lógica é que o senhor está mentindo. A Ti-
tan está escondida em outro lugar.
— Palpite errado — respondeu Rhodan, pa-
recendo querer levar o negócio à brincadeira.
— O senhor se esqueceu de que uma outra pes-
soa também pode estar mentindo. Por exem-
plo, o Zarlt.
— Zarlt Elton tem-me uma dedicação muito
fiel.
— É possível — continuou Rhodan, calmo.
— Mas que lhe interessa isto, se Elton já mor-
reu há algum tempo?
Novamente uma pequena pausa. Depois:
— Por que não recebi nenhuma notícia de
sua morte?
— Porque seus assassinos julgaram que isto
52
não era muito diplomático. Fora disso, seus pla-
nos seriam prejudicados se o regente do Impé-
rio ficasse sabendo que Zalit tinha a intenção de
se apoderar do governo do Império Arcônida.
— Assassinos?
Rhodan sentiu que o cérebro robotizado era,
portanto, capaz de ficar admirado.
— Zarlt Elton foi assassinado. O novo Zarlt é
Demesor, um ex-oficial da frota espacial. Foi
ele quem planejou a destruição do cérebro ro-
botizado de Árcon.
— Isto é um absurdo — foi a resposta cal-
ma. — Ninguém me pode destruir.
— Pode sim — contradisse Rhodan, fria-
mente. — A gente pode destruí-lo. Somente
Demesor é que não pode. Por este motivo é
que ele pediu meu auxílio. O senhor está com-
preendendo agora por que ele não lhe comuni-
cou onde estava a nave Titan?
— Sob este ponto de vista seria lógico e
portanto compreensível. Porém, a minha per-
gunta continua: O senhor está falando a verda-
de? Quem me pode provar isto?
— Talvez o almirante Zernif — disse Rho-
dan, apontando para o zalita. — Ele serviu ao
Império sob Zarlt Elton, porém caiu em desgra-
ça, quando Demesor chegou ao poder. Sua
vida foi salva por um acaso. Com outros zalitas
53
que são fiéis ao Império, fundou um movimento
de resistência, cuja finalidade é restaurar a or-
dem em Zalit, uma ordem que é um serviço
para o Império.
Houve uma pausa de quase um minuto. De-
pois continuou o cérebro robotizado, em tom
impessoal:
— Examinei as informações sobre o almiran-
te Zernif. Sua pessoa está acima de toda dúvi-
da. Era assim também com Demesor.
— Por que este “era” no caso de Demesor?
— Porque acabo de constatar que Demesor
foi enviado para a Academia Espacial em lugar
de seu irmão mais capacitado. Isto foi há trinta
anos de Zalit. Os documentos mencionam uma
probabilidade de que ele, naquele tempo, amea-
çou seu irmão. Mais ainda. Estas informações
dizem que o irmão de Demesor foi, mais tarde,
vítima de um acidente. É sabido que este seu ir-
mão era um adepto fiel do Império.
Rhodan respirou profundamente. O cérebro
robotizado trabalhava rápido e de modo frio.
— Quais as conclusões a que o senhor che-
gou, regente?
— Que o senhor diz a verdade. Que há com
Zernif?
Zernif deu uns passos para frente e fixou os
olhos na reluzente cúpula de metal.
54
— Gostaria de reforçar as palavras de Rho-
dan e acentuar que nosso Império está em peri-
go. Demesor instalou uma ditadura militar em
Zalit e impôs uma barreira às informações. Mi-
nha organização clandestina haverá de depor
Demesor e colocar o legítimo sucessor do velho
Zarlt em seu posto.
— Obrigado — disse o cérebro. — Eu con-
fio no senhor, pois não há mais outra alternati-
va. E o que o senhor tem com tudo isto, Rho-
dan?
— Demesor pediu meu auxílio e eu fingi ce-
der. Protegeu a nave Titan e a mim, porque es-
tava crente de ter achado um aliado contra o
senhor. Demesor procurou saber de mim,
como eu tinha rompido o anel de segurança de
Árcon.
— Isto, também eu gostaria de saber — dis-
se o cérebro robotizado.
Rhodan sorriu.
— O senhor saberá mais tarde, regente.
Mas, foi por meio de uma arma, que é desco-
nhecida em Árcon. Sua origem vem do planeta
da vida eterna.
— Este planeta é apenas uma vaga teoria.
— Não, é uma realidade — contradisse Rho-
dan. — Eu mesmo estive nele e obtive uma
imortalidade relativa, que aliás foi recusada a
55
Thora e a Crest. Mas, continuando o assunto,
regente, Demesor é um traidor e tem que ser
neutralizado. Porém, ele não é o único culpado.
O senhor conhece os moofs?
— Sim, conheço, são seres oriundos de um
mundo de metano dentro do Império, relativa-
mente primitivos e também inofensivos. Telepa-
tas e fracos sugestores. Que têm eles a ver com
Demesor?
— Estão aos milhares em Zalit e se apodera-
ram espiritualmente do poder. O Zarlt traidor
não o sabe e pensa que os moofs são seus me-
lhores aliados. Com auxílio deles acha que con-
quistará o Império.
— Isto não passa de um absurdo. Os moofs
nunca tiveram a idéia de fazer política. São sim-
ples e sem orgulho. Disse há pouco que são te-
lepatas e sugestores, mas...
— Ninguém afirmou que o plano parte de-
les. Não são outra coisa do que os “peões” nes-
te jogo de xadrez das Galáxias. Há alguém mai-
or escondido atrás deles. Este alguém utiliza os
moofs para obter influência sobre os zalitas,
com cujo auxílio, por sua vez, pretende con-
quistar o Império.
— E quem é este desconhecido?
— Isso, regente, eu não sei — Rhodan hesi-
tou um pouco: — Ninguém sabe ao certo se ele
56
realmente existe, mas seus propósitos em rela-
ção aos moofs parecem confirmar sua existên-
cia. Minha gente vem lutando há semanas con-
tra os moofs. Fazem isto para conservação do
Império.
— Que interesse o senhor tem no Império?
Thora que até então estivera calada, deu um
pulo à frente.
— Os terranos e nós somos aliados, regen-
te. Nós os ajudamos quando os reformadores
individuais e mais tarde os saltadores os ataca-
ram. Por que não haverão de nos ajudar, quan-
do se torna necessário?
Rhodan intimamente estava admirado da ati-
tude de Thora. Esta jovem arcônida estava cada
vez mais bela. Não poderia ter desejado um de-
fensor melhor.
— Os saltadores...? — O cérebro robotizado
fez mais uma vez uma pausa. — Eles não têm
boas intenções para com o Império. Teorica-
mente é possível que estejam por detrás dos
moofs e dos planos do Zarlt.
Rhodan estava como se densos véus tives-
sem caído de seus olhos.
Os saltadores... Os comerciantes da Galáxia.
Combinaria muito bem com o caráter deles,
mandar outros na frente para apanharem as
castanhas do fogo. Por outro lado, faltava aos
57
saltadores o sentimento de solidariedade, sem o
que um tal empreendimento haveria de fracas-
sar.
— Quem sabe, são os saltadores mesmo —
concluiu Rhodan. — Um dia saberemos de
tudo. Regente, eu já o informei de tudo. Gosta-
ria agora de lhe fazer uma proposta.
— Pois não, estou ouvindo.
Rhodan respirou profundamente e come-
çou:
— O senhor deixa comigo a Titan e suspen-
de qualquer ação punitiva. Eu me obrigo a res-
tabelecer a ordem em Zalit e a instalar o legíti-
mo Zarlt.
— Dê-me um pouco de tempo — pediu o
regente.
A imagem permaneceu na tela e no alto-
falante não se ouvia mais aquele zumbido regu-
lar. Numa distância de exatamente três anos-
luz, bancos positrônicos de dados começaram a
trabalhar. Retransmitiam-se informações recém-
obtidas e comparavam-se os resultados. O cére-
bro robotizado tomou sua decisão. O resultado
veio quinze segundos após o pedido de tempo.
— Estou de acordo, Perry Rhodan da Terra,
a nave Titan lhe ficará emprestada durante todo
o tempo em que estiver em atividade para o Im-
pério. Qualquer ação punitiva será também sus-
58
tada enquanto o senhor estiver comigo. No mo-
mento em que Demesor for punido e quem esti-
ver atrás dos moofs for desmascarado, a Titan
será sua para sempre. Aceita?
— Aceito, regente. Thora e Crest poderão
voltar para Árcon?
— Não, eu não quero.
Foi a voz da jovem arcônida. Rhodan olhou
para ela admirado. Antes que pudesse dizer al-
guma coisa, o cérebro o interrompeu:
— Thora e Crest podem voltar a qualquer
momento para Árcon, mas eu desejaria que
eles permanecessem na Titan e, aliás, em posi-
ção de destaque.
— Confirmado — disse Rhodan brevemen-
te. Deu um olhar para Thora e perguntou: —
Mais alguma pergunta?
— Sim.
Rhodan ficou aguardando. Não podia imagi-
nar o que o cérebro ainda queria saber dele.
Não foi portanto casual sua grande admiração.
— O senhor é descendente dos velhos ar-
cônidas?
Por uns momentos se sentiu um pouco atra-
palhado. Podia esperar por tudo, menos por
esta pergunta, que o próprio cérebro podia res-
ponder melhor que ele.
— Não sabemos se os terranos descendem
59
dos arcônidas — respondeu. — Isto devia estar
propriamente anotado no arquivo central de Ár-
con.
— Não sei que tipo de mundo é a Terra e
não conheço sua posição.
“E não saberá tão cedo”, pensava Rhodan,
suspeitando de repente das intenções do regen-
te. Parece que queria saber a posição da Terra.
— De qualquer maneira, a Terra não perten-
ce ao Império, regente. Eu não sei até que pon-
to suas naves colonizadoras chegaram outrora,
mas talvez uma delas foi capturada em nosso
mundo. Um dia saberemos responder a esta
pergunta.
— Os terranos e os arcônidas devem ter, de
qualquer maneira uma origem comum. A teoria
de um desenvolvimento paralelo não tem ne-
nhuma probabilidade e seria um acaso grande
demais que tivessem surgido, independente
uma da outra, duas inteligências com o mesmo
grau de evolução. Mas, deixemos isto de lado.
Pensativo, Rhodan contemplava a refulgente
semi-esfera.
— De qualquer maneira, regente, o senhor
sabe mais do que o que está falando.
— Que quer dizer com isto?
Rhodan sorriu, olhando tranqüilamente para
Thora.
60
— O senhor calculou a distância de minha
posição com uma diferença de apenas 2,75%
anos-luz de meu cálculo. Como é que o senhor
sabe qual é a duração de um ano em meu mun-
do?
O cérebro respondeu sem hesitar:
— Consegui obter mensagens pelo rádio
para poder chegar à conclusão de suas escalas
de cálculo. Com isto não posso conhecer de
maneira alguma a posição de seu mundo de ori-
gem. Um dia o senhor haverá de me comunicar
esta posição.
— É possível — disse Rhodan. — Uma últi-
ma pergunta: Posso, sempre que for necessá-
rio, entrar em contato com o senhor?
— A qualquer momento, nesta freqüência.
Eu lhe agradeço, Perry Rhodan.
Passado um momento, a tela escureceu.
Rhodan desligou os aparelhos. Sentou-se
lentamente na primeira poltrona, mostrando na
testa uma ruga vertical.
— O regente do Império... me agradecendo
— murmurou hesitante. — Tudo isto será ver-
dade, Crest e Thora? Podemos confiar nas pa-
lavras do cérebro robotizado? Está sendo since-
ro conosco? Há algum truque atrás de tudo
isto?
Thora se levantou e pondo a mão no ombro
61
de Perry:
— Não, Perry, não acredito que haja truque.
Um cérebro positrônico não pode se ocupar
com mentiras e truques. Tem consciência do
seu valor e crê, portanto em suas faculdades,
que com mentira e astúcia somente se enfra-
queceriam. Creio que o regente do Império o
reconheceu sinceramente como um aliado.
Com isto, já demos o primeiro passo para re-
conquistar o Império.
Rhodan ficou olhando para ela.
— Não contra a vontade do regente. Quan-
do, um dia, o cérebro reconhecer que homens
ou arcônidas estão novamente em condições de
tomar em suas mãos o poder, não haverá de se
opor a esta idéia. Haverá de nos ajudar.
— Que o destino lhe dê razão, Perry — dis-
se Crest, calmo. — Que vamos fazer então ago-
ra, voltar para Zalit?
— Sim, claro. Estão esperando por nós lá.
Voltemos de imediato.
— Possivelmente — chiou Gucky lá do seu
canto — o Zarlt nos prepara uma recepção so-
lene.
— Não terá muito tempo para isto — res-
pondeu Rhodan, e trocou um olhar confiante
com Tiff, que regulava as coordenadas para o
salto de volta. — Por que será que existe em
62
Zalit um movimento clandestino? — olhou para
o relógio. — Exatamente daqui a cinco horas, o
diabo estará solto no quarto planeta de Voga.
O Zarlt vai ter que empregar toda a sua potên-
cia bélica, para deter as pessoas que em toda
parte estão dinamitando as instalações do
exército e da frota espacial. E no meio desta
confusão, desceremos na borda do espaçopor-
to, despercebidos e sem nenhuma amolação.
Gucky inclinou a cabeça, deixando transpa-
recer nos olhos a certeza da vitória.
— E então, vamos ajudar os revoltosos?
Quem sabe uma pancadaria com a polícia se-
creta?
Rhodan balançou a cabeça e disse, lamen-
tando:
— Sinto muito, Gucky, mas não vai haver
pancadaria. Somos hóspedes do Zarlt. Em caso
de necessidade haveremos até de ajudá-lo a de-
belar a insurreição.
— Ah, não acredito — disse ele ofegante.
Imediatamente procurou ler o pensamento de
Rhodan, mas encontrou uma barragem de defe-
sa.
Teve então de fazer outra pergunta:
— Amigos do Zarlt? Não estou compreen-
dendo.
— O necessário — disse-lhe Rhodan — é
63
que o Zarlt não perceba nada disto. É o que me
interessa. Tiff, a que distância estamos, mais ou
menos?
— Transição em dois minutos. A quatro ho-
ras-luz de Zalit, saímos do hiperespaço e com
maior velocidade chegaremos na hora marcada.
Rhodan confirmou com a cabeça, sem dizer
nada. Estava bastante ocupado com Gucky, ob-
servando sua fisionomia de zangado.
Os ratos-castores se tornam cômicos quando
estão zangados...

André Noir levantou-se cansado, enxugando


o suor da testa. Olhou para os olhos interroga-
dores de John Marshall.
— Então?
— Bloqueio hipnótico pesado. Por certo
provocado pelos moofs. Pode ter acontecido
também através de meios puramente técnicos.
Não sei até que ponto os zalitas chegaram nes-
te assunto. De qualquer maneira vou conseguir
neutralizar o bloqueio. Em dez minutos, Rogal
estará cem por cento.
— Ótimo — alegrou-se Marshall. — Poderei
entrementes executar a ordem de Rhodan e
mobilizar os revoltosos. Terão que, num deter-
64
minado momento, armar uns quebra-cabeças
para o Zarlt.
Deixou o posto de saúde instalado pelo Dr.
Haggard, ficando ali o hipno André Noir com
seu paciente.
Quando voltou, daí a duas horas, com Ras
Tschubai, encontrou Rogal já na sala. O zalita
estava bem recuperado e olhou para ele com
olhos claros e abertos. Parecia que estava livre
de um grande peso.
— O senhor é o telepata Marshall, sim, eu o
estou reconhecendo. Encontro-me na nave de
Rhodan, como me disseram. Que aconteceu
com meus amigos? Será que...?
— Não, Rogal, está tudo em ordem. Alguns
de seus companheiros escaparam. Os soldados
do Zarlt foram assassinados quando atingiam o
fim do caminho secreto. Que aconteceu nos
aposentos do Zarlt? O semblante de Rogal se
anuviou:
— Eu fracassei — disse se acusando. —
Cheguei despercebido até o quarto do Zarlt e o
encontrei dormindo em sua cama. Dei um tiro
nele, e tudo parecia como havíamos combina-
do. Aí apareceram os guarda-costas e me pren-
deram. E uns dez minutos depois... estava em
frente ao Zarlt. Estava vivo, embora eu o tivesse
visto morrer.
65
Marshall lançou um olhar de interrogação
para Noir, mas o hipno sorriu resignado.
Rogal balançou a cabeça:
— Não, Marshall, não estou louco. Foi exa-
tamente assim. Tinha assassinado o Zarlt e ele
reviveu. Vi seu rosto derreter, mas depois esta-
va ele ali: são e sem cicatrizes. Aí é que desco-
bri a verdade. O Zarlt tinha um sósia, um robô
feito à sua semelhança. No quarto de dormir do
velho Zarlt, repousava o robô. Acho que conta-
vam com a possibilidade de um caminho secre-
to e não queriam correr o risco. Eu matei o
robô, o que naturalmente provocou imediata-
mente o alarma. Caí na esparrela do Zarlt. Foi
tudo tão depressa que nem tive tempo de me
matar, como era meu dever.
— Estamos muito felizes com isto — disse
Marshall, sorrindo e tranqüilizando o zalita. —
Seu sacrifício seria inútil. Você não traiu nem
delatou nada. E mesmo se isto acontecesse,
seus amigos já estavam preparados. De qual-
quer maneira, sabemos agora que o Zarlt está
precavido, ou esteve. Sua ação valeu a pena,
devido a esta revelação. Acredite-me, as horas
do ditador estão contadas, pois esperamos ape-
nas que ele se coloque abertamente contra nós.
Aí, podemos agir.
— E quando será isto?
66
— No mais tardar, amanhã. Rhodan está no
momento no espaço, em Árcon, para combinar
com o cérebro robotizado. Esperamos que tra-
ga bons resultados.
Rogal riu de repente. Como que um grande
peso havia caído de seu coração.
— Posso voltar para meus amigos?
— Naturalmente, nós o levamos para lá.
Apenas ainda uma pergunta: que fez o Zarlt
com você, depois de o prender?
— Mandou-me levar para um porão onde
deveria ser ouvido. Mas, de súbito mudou suas
ordens. Fui levado para um local onde havia
doze recipientes com moofs. Deste momento
em diante falta-me qualquer recordação. Não
sei o que aconteceu.
— Então os moofs. Diga uma coisa, Rogal,
você sabe o que são propriamente os moofs?
Rogal fez sinal afirmativo.
— Qualquer criança em Zalit sabe isto. Ser-
vem à camada dirigente, a fim de detectarem as
mentiras, porque são telepatas. Ninguém pode
pensar, sem ser descoberto pelos espiões mo-
ofs. São um grande perigo para a liberdade do
indivíduo.
— Você sabia disso? — admirou-se
Marshall, sabendo então que o poder sugestivo
dos moofs era ignorado. Os zalitas só não sus-
67
peitavam de que foram os moofs propriamente
os iniciadores da planejada revolta contra o im-
pério. — Então sua primeira missão não será
difícil: os moofs têm que ser destruídos.
— Já começaram a ser destruídos — racioci-
nou Rogal. — Seus Mutantes mataram quase
todos que havia em Zalit, mas diariamente che-
gam novas remessas deles.
— Matem os moofs — repetiu Marshall. —
Eles são a desgraça de Zalit. Quem sabe os pró-
prios moofs não têm culpa, mas não podemos
constatar isto, pois estão sob coação. Eles não
contam isto, nem mesmo quando são ameaça-
dos de morte. Destruam os recipientes pressuri-
zados, que eles morrerão. E agora nós o leva-
mos para seus amigos. Aqui está Ras Tschubai
que vai cuidar disso. Ele sabe onde é agora o
quartel-general. Passe bem, Rogal, nós nos en-
contraremos em breve.
O africano tocou de leve nos ombros de Ro-
gal e lhe explicou amigavelmente, em poucas
palavras, como seria o transporte. Marshall sor-
riu mais uma vez para os dois e deixou a sala.
Foi ao encontro de Bell, na Central.
Bell estava horrivelmente entediado, nada
lhe era mais desagradável do que ficar esperan-
do. Uma parte dos mutantes estava a caminho
para manter contato com os revoltosos e lhes
68
mostrar como tornar os moofs inofensivos. As
notícias chegadas até então davam conta de
que as conversações estavam em ótimo nível.
Apesar de tudo, o tempo trabalhava contra
Rhodan e seus amigos. O Zarlt estava disposto,
mesmo sem a influência sugestiva dos moofs, a
destruir o cérebro robotizado de Árcon, assim
que houvesse oportunidade. Rhodan não lhe
contaria, por sua própria vontade, como havia
rompido a barreira de proteção de Árcon. Mas
havia outros meios para descobrir isto.

***

O Zarlt mandou reunir seus homens de con-


fiança. Entre eles, ocupava o primeiro lugar um
oficial de nome Hemor, que Rhodan já conhe-
cia pessoalmente. Depois vinha Milfor, o chefe
de armas, um zalita ambicioso que contava com
uma vaga possibilidade de chegar a ser Zarlt, se
acontecesse qualquer coisa a Demesor. Final-
mente ainda eram dignos de menção Cenets e
Orbson, capangas do ditador Zarlt.
Os cinco homens estavam sentados num
aposento isolado do palácio, no último andar,
de onde se tinha uma vista panorâmica sobre
toda a região do espaçoporto. O movimento de
naves de todos os tipos era enorme, pois o
69
Zarlt havia convocado para Tagnor a maior
parte de sua frota. De maneira alguma, ele iria
permitir que Rhodan fugisse com a gigantesca
nave.
Milfor olhou para Demesor com desconfian-
ça.
— Por que nos convocou? Será que não co-
nhecemos nossos deveres?
— Espero que sim, Milfor — disse o Zarlt.
— Mas resolvi mudar de tática. Até quando va-
mos esperar que este Rhodan resolva nos con-
tar seus segredos? Caso os senhores não se
lembrem, já estamos esperando há muitas se-
manas. Devemos deixar passar mais semanas,
sem fazer nada? Não, devemos agir.
Milfor queria dizer alguma coisa, mas prefe-
riu ficar calado.
Cenets pediu a palavra:
— Agir? Que entende você por agir? Deve-
mos atacar Árcon, sem sabermos qual é a força
do cérebro robotizado? Conhecemos a espessu-
ra e a natureza da barreira de segurança? Pode
ela ser vencida por um salto através do hiperes-
paço?
— Não sabemos ainda — concedeu o Zarlt.
— Mas conseguiremos saber em breve. Rhodan
haverá de nos dizer.
— Eu tenho receio — disse Hemor — que
70
tenhamos que esperar muito por isto. Ele, cer-
tamente, não nutre a menor intenção de nos
contar seus segredos.
— Por certo ele não tem esta intenção —
continuou Demesor. — Mas podemos obrigá-lo
a isto, pela força.
Milfor se aproximou. Seus olhos brilhavam.
Pela força, esta era a linguagem que ele enten-
dia. Riu friamente.
— Assim você me agrada mais, Demesor.
Pela força, esta é a única possibilidade. Mas
como pretende você pegar Rhodan com nossa
força? Ele é muito astuto e tem amigos maravi-
lhosamente dotados. Nem mesmo os moofs
conseguem ler seus pensamentos.
— Nós o convidamos para uma reunião —
propôs Demesor. — Os robôs o dominarão, já
que os zalitas não o conseguem. Sob as abóba-
das do palácio, aprenderá a falar. Tenho a ga-
rantia dos meus cientistas.
— E se ele não vier sozinho? — perguntou o
cauteloso Cenets.
O Zarlt teve um sorriso de menosprezo.
— Os robôs darão conta até de dez Rho-
dans, Cenets, não se preocupe. E então, quan-
do soubermos como romper a barreira do siste-
ma de Árcon, começaremos a agir. Os dias de
governo de robô estão contados. Viva o Impé-
71
rio zalita de Árcon.
— Viva o Império Zalita — exclamaram os
quatro homens, apoiando a solução do Zarlt.
Soou como uma conspiração e realmente
era uma conspiração.

***

Os amigos do almirante Zernif partiram na


hora combinada.
Em Tagnor e em sua redondeza, foram pe-
los ares importantes edifícios do governo e da
frota espacial que dominava tudo no país. Até
uma das maiores espaçonaves explodiu em ple-
no espaçoporto. Por sorte, a tripulação estava
ocupada com serviços externos, de sorte que
apenas dois homens morreram.
Ao mesmo tempo, foram atacadas as insta-
lações policiais, onde morreram muitos capa-
chos de Demesor. Os civis, na cidade, olhavam
a tudo com indiferença e não tinham a menor
vontade de ajudar os policiais.
No interior, fábricas iam pelos ares e gran-
des depósitos de munição foram destruídos. So-
mente agora é que se podia ver como era per-
feita a organização dos revoltosos. Um ataque
fulminante deste tipo jamais poderia ter sido
preparado em poucas horas. Já deviam estar
72
planejando há muito tempo. A iniciativa de
Rhodan apenas apressara a marcha dos aconte-
cimentos.
O Zarlt deu o alarma geral.
Pequenas unidades da frota espacial foram
retiradas de Tagnor, a fim de voltarem a seus
portos de origem. Grandes carros transporta-
vam as tropas para lugares afastados, para aba-
farem qualquer tentativa de rebelião.
Mas onde se quisesse intervir, já era tarde.
Os sabotadores já tinham escapado e não havia
ninguém que dissesse tê-los visto ou quisesse di-
zer alguma coisa sobre eles.
E no meio daquele caos, ninguém reparou
que, à margem do gigantesco espaçoporto,
uma pequena nave esférica desceu do céu em
pleno crepúsculo, desaparecendo na escotilha
aberta da Ganymed, com mais de oitocentos
metros de altura.
A aterrissagem foi perfeita e imperceptível.
No mesmo instante cessaram os atos de sabota-
gem em Zalit.
De repente estava tudo calmo, como se nun-
ca tivesse havido uma rebelião em Zalit.

***

A noite passou sem novidades.


73
Pelas oito horas da manhã do dia seguinte,
um carro se aproxima da Titan. Parou diante da
escotilha de entrada. Saltou um oficial, olhando
muito para cima, na esperança de que alguém
o visse.
Por sorte, assim aconteceu. O sargento Har-
nahan, por mero acaso, ligou o videofone da
escotilha e viu lá embaixo o multicolorido uni-
forme do zalita. No primeiro instante julgou que
o objeto colorido fosse um gigantesco papa-
gaio, mas depois reconheceu seu erro. Os ofici-
ais de Zalit eram todos assim, vestiam-se como
se estivessem saindo de um baile de máscaras.
Encolheu os ombros, num sinal de indiferen-
ça. Por ele, os zalitas se podiam fantasiar da ca-
beça aos pés, não era de sua conta.
Mas o que estava procurando aquele sujeito?
Ficou refletindo um pouco se havia alguma
proibição de abrir a escotilha. Não se lembrou
de nenhuma proibição deste tipo. De qualquer
maneira, a entrada estava a mais de dez metros
acima do chão de cimento do espaçoporto. Se
o rapaz lá embaixo não fosse um saltador olím-
pico, não havia nenhum perigo.
Harnahan fez com que a escotilha escorre-
gasse um pouco para o lado. Abriu-se então
uma fenda, suficientemente larga para enfiar a
cabeça.
74
— Proibido mendigar e andar à toa por aí
— gritou ele lá para baixo.
O oficial do Zarlt tremeu de medo. Era He-
mor, que não contava com esta recepção des-
cortês. Sabia que o pessoal de Rhodan falava o
intercosmo.
— Venho a mando do Zarlt — respondeu,
sem dar atenção à descabida admoestação. —
Preciso falar com Rhodan.
— O senhor que dizer senhor Rhodan, não
é? — disse Harnahan, que fazia questão de dar
uma lição de boas maneiras. — Espere um pou-
co, vou perguntar a ele se pode atendê-lo.
E antes que Hemor pudesse responder qual-
quer coisa, a escotilha se fechou. O zalita pulou
de raiva, mas se dominou. O Zarlt tinha ordena-
do serenidade e paciência. Mais tarde sobraria
tempo para se vingar da altivez de Rhodan. As-
sim, ficou Hemor abandonado sozinho e espe-
rando. Harnahan não teve pressa. Usando um
grande número de elevadores, chegou final-
mente à Central, e chamou daí Rhodan, usando
o intercomunicador. Rhodan ainda estava em
sua cabina, depois de ter gasto mais da metade
da noite discutindo com os mutantes o planeja-
do ataque.
— Quem quer falar comigo? — perguntou
admirado. — Um oficial?
75
— Afirmou que veio a mando do Zarlt —
confirmou Harnahan com o rosto virado para o
videofone. — Parece que é urgente.
Rhodan pulou da cama.
— Diga-lhe que espere um pouco. Não per-
mita entrar na nave. Eu desço até ele.
— Sozinho?
— Naturalmente, ou você pensa que eu te-
nho medo de um zalita? Você pode ficar olhan-
do da escotilha.
Harnahan desligou o intercomunicador e
voltou para seu posto. O colorido oficial ainda
estava esperando no mesmo lugar.
— Você, aí embaixo — gritou Harnahan
abrindo a escotilha toda, para ficar sentado no
parapeito. Suas pernas ficaram balançando. —
Espere um pouco, Rhodan vem logo.
Foi um pequeno exagero, pois Rhodan não
teve nenhuma pressa. Finalmente acabou de le-
vantar, foi tomar seu café calmamente, depois
de ter se certificado quem é que queria visitá-lo.
Conhecia Hemor. Foi o oficial que o descobriu
nos confins do sistema e o conduziu para Zalit.
Um íntimo confidente do Zarlt. Seria talvez me-
lhor levar consigo Marshall, que podia controlar
os pensamentos de Hemor?
Mas desistiu de levá-lo. De mais a mais, as
intenções do Zarlt lhe eram muito bem conheci-
76
das. E Marshall necessitava de repouso depois
daquela noite do ataque.
Quando chegou à escotilha, e por detrás to-
cou levemente no ombro de Harnahan, o sar-
gento quase caiu no abismo, de tanto medo.
Rhodan o amparou.
— Você está tão assustado? — admirou-se
Rhodan.
Harnahan se compôs imediatamente.
— Não, mas a visão do papagaio lá embaixo
me deu sono. Ele tem uma cara tão chata.
Rhodan sorriu.
— Desça a rampa, eu vou dar uma olhada lá
no passarinho.
Hemor estava esperando pacientemente.
Até que enfim, sua paciência foi recompensada.
Rhodan chegou para dar o primeiro passo na
armadilha que lhe haviam preparado.
Hemor foi de encontro ao odiado adversá-
rio, que ameaçava estragar todos os planos.
— O senhor não precisa se desculpar — co-
meçou ele, cortês e sorridente. — Também o
Zarlt nem sempre tem tempo para visitas ines-
peradas — isto era uma indireta e talvez mesmo
uma evidente ameaça. — Ele teria grande hon-
ra de tê-lo hoje à noite como seu hóspede. Não
é nenhuma festa. É uma discussão da situação.
Rhodan não escondeu a admiração.
77
— Discussão da situação? Que tenho eu a
ver com a situação em Zalit?
Hemor cintilava ao sol do meio-dia.
— Muito, suponho eu. Já que o senhor não
quer desvendar ao Zarlt seus segredos, nós ata-
caremos o cérebro robotizado sem o seu auxí-
lio. O Zarlt gostaria de informá-lo de suas inten-
ções e depois pedir-lhe que abandonasse Zalit.
Mas queria dizer isto pessoalmente, e eu não
posso antecipá-lo.
Era tudo muito bonito e tudo muito bem fei-
to. Era para despertar a curiosidade de Rhodan.
E parece que foi bem sucedido.
— Então vocês querem finalmente atacar
Árcon... E eu devo abandonar Zalit? O cérebro
robotizado vai me perseguir.
— Ele terá muito que fazer conosco — acen-
tuou Hemor muito autoconsciente. — Somos
da opinião de que ele não vai mais se preocu-
par com os senhores.
Estaria Hemor falando a verdade? Rhodan já
estava arrependido de ter vindo sem Marshall.
Não podia também recusar o convite do Zarlt,
causaria suspeita. Devia fazer tudo, como se
confiasse nele e esperasse ser seu aliado. Resol-
veu então mudar de assunto.
— Que aconteceu ontem? Observamos algu-
mas explosões na cidade e uma intensa ativida-
78
de no espaçoporto. Houve alguma coisa ruim?
— Alguns acidentes, nada mais. O Zarlt vai
informá-lo de tudo. Posso avisá-lo de que o se-
nhor irá?
— Haverei de comparecer, levando comigo
alguns dos meus conselheiros.
— Duas horas antes do pôr do sol — confir-
mou Hemor, dirigindo-se para o carro. Sem vi-
rar mais uma vez para trás, entrou no carro e
fez um gesto para o motorista. O veículo se pôs
em movimento e passando pela borda ao aero-
porto, entrou na estrada asfaltada que levava
para a cidade.
O carro que estava permanentemente à dis-
posição de Rhodan, estava ainda no mesmo lu-
gar. Hoje à noite ele o levaria ao Zarlt.
Rhodan, de repente, começou a ter dúvidas
se era intenção deles que ele voltasse novamen-
te com o carro para a Titan.

***

O dia passou tranqüilo. Ras Tschubai estava


a caminho com Tama Yokida, desativando to-
dos os moofs que encontrava. John Marshall,
juntamente com Zernif e o teleportador Tako
Kakuta estavam percorrendo todos os esconde-
rijos dos revoltosos para preparar a rebelião de-
79
cisiva contra o Zarlt. Os comandos, daí em di-
ante, estavam todos de prontidão. A um sim-
ples aviso, começariam a agir. Cada grupo esta-
va equipado com um radiorreceptor, que lhes
haveria de dar o sinal para iniciar o movimento.
Zernif voltou com Marshall para a Titan. Iria co-
mandar a ação do couraçado.
Três horas antes do pôr do sol, Rhodan
mantinha uma conversa com os mutantes na
sala. Estavam ainda presentes os dois arcôni-
das, Bell e o tenente Tifflor, como homem de li-
gação com a Ganymed.
— O Zarlt me convidou para uma conversa.
Bell e John Marshall me acompanharão. Nos-
sos armamentos serão os irradiadores de agu-
lha. Estou farejando uma traição. Por isso, o
corpo dos mutantes fica de prontidão especial.
O elemento de ligação com John Marshall é
Betty Toufry. Preste atenção, Betty, você deve
permanecer constantemente em contato tele-
pático com Marshall, entendido? — esperou até
que a jovem, ainda muita nova, telepata e tele-
cineta, tivesse feito um sinal, confirmando. De-
pois continuou: — Thora assume o comando
da Titan. A qualquer sinal sério de ataque, le-
vantar vôo. Perfeitamente, Thora, eu disse: le-
vantar vôo. E aliás, transposição para dois
anos-luz, para um ponto cujas coordenadas es-
80
tão na mesa de navegação. Comandante Freyt
será instruído por Tiff. A Titan e a Ganymed
não podem ficar expostas a nenhum perigo,
embora eu não creia que alguém possa romper
a camada de proteção. Mas acima de tudo, pre-
tendo evitar derramamento inútil de sangue.
Gucky, que todo enrolado, estava aparente-
mente alheio à palestra, esticou-se todo, atin-
gindo mais de um metro de comprimento. Nos
seus olhos castanhos e inteligentes havia uma
censura íntima.
— E nós — perguntou ele — devemos desa-
parecer com a Titan enquanto aqui se desenro-
la um verdadeiro espetáculo?
Sorrindo, Rhodan balançou a cabeça.
— Quem é que disse isto? Antes que a Titan
parta, os teleportadores levarão todos os mem-
bros do corpo de mutantes para os esconderijos
preparados pelos revoltosos. Zernif também irá
junto. As operações contra o Zarlt começam
então imediatamente. Está tudo acertado. Só a
hora exata é que tem de ser marcada ainda. E
quem vai marcar esta hora é o Zarlt.
Gucky respirou aliviado.
— E eu já estava pensando que nós íamos
dormir, enquanto você agüentaria tudo sozinho
aqui em Zalit.
Rhodan, subitamente, parou de sorrir.
81
— Tenho o pressentimento — disse ele —
de que sozinho não daria conta, Gucky. Hoje à
noite poderia haver uma decisão.

***

O ser esquisito era redondo, tinha o diâme-


tro de um metro, e mais ou menos a mesma al-
tura. Jazia imóvel dentro de um recipiente pres-
surizado de vidro, que continha uma pesada at-
mosfera de metano, sem a qual os moofs não
podiam existir.
O recipiente estava num aposento fechado
do palácio, não longe da sala em que se realiza-
ria hoje à noite a conversa com Rhodan.
Como o fazia diariamente, o moof sondava
os pensamentos de todos os zalitas que estavam
no palácio. Não havia nenhum traidor entre
eles, como constatava rapidamente. Depois,
porém, se concentrou todo no Zarlt e deu o
quadro de seus pensamentos:
— Zarlt Demesor, quais são suas intenções
hoje à noite?
Demesor estava em seus aposentos particu-
lares, trocando de roupa, quando viu a pergun-
ta, que se lhe apresentava como algo corpóreo
diante dos olhos. Sabia que um dos moofs esta-
va tentando contato com ele. Eram realmente
82
servidores leais e de confiança.
— Convidei Rhodan. Você vai vigiar seus
pensamentos e me avisar se ele planeja alguma
traição.
O Zarlt sabia que o moof o entendia. A con-
firmação veio logo.
— Rhodan é um inimigo de Zalit. Deve ser
assassinado. Nós o ajudaremos nesta tarefa,
mas você deve ter muito cuidado, pois ele tem
colegas, que são telepatas tão bons como nós,
e lêem pensamentos. Eu vou dar um jeito de
que você e todos que tomam parte na reunião
recebam um bloqueio de proteção.
Demesor viu confirmadas suas suspeitas.
Rhodan também tinha telepatas. Ainda bem
que o moof o havia prevenido.
— Obrigado — disse ele bem alto. — Tinha
esquecido isto. Será que Rhodan sabe o que o
espera?
— Ele ficará sem suspeitar de nada, até que
você tenha agido, e então será tarde para ele.
Quando ficar preso, mande-o para mim. Vamos
saber se ele diz a verdade.
— Devo fazer com que ele fale primeiro —
lembrou Demesor.
— Isso não será difícil, Zarlt. Traga-o para
nós, na sala grande dos telepatas, não se esque-
ça.
83
Por uns momentos, Demesor julgou ver nes-
ta exigência uma espécie de ameaça, mas logo
depois seus temores se dissiparam, como que
soprados por um grande vento. Naturalmente,
o moof tinha razão quando fazia questão de ou-
vir Rhodan. Um bom telepata não podia trazer
à luz do dia os mais secretos pensamentos do
prisioneiro?
Zarlt Demesor sorria. Começou a antegozar
a mui promissora noite que se aproximava.

Bell, experimentava a posição correta de seu


uniforme.
— Será que hoje aparecerão algumas donze-
las? — perguntou com interesse contido, procu-
rando esticar seu cabelo eriçado. — Afinal de-
vem existir belas moças em Zalit.
— Belezas de olhos vermelhos com cabelos
cor de cobre? — Rhodan meneou a cabeça e
piscou para Marshall, que estava esperando im-
paciente na porta. — Suponho que o Zarlt te-
nha outros cuidados do que pensar nessas coi-
sas. Você vai ter que renunciar à boa compa-
nhia das damas.
— Puxa... exatamente hoje? Então deixe o
cabelo como está. Pode ficar de pé como uma
84
escova. Quem sabe, as mulheres não são mes-
mo bonitas.
— Consolo bem fraco, hein? — murmurou
Marshall, entrando nervoso, pé ante pé. — Só
queria saber se você não tem outros cuidados,
Bell?
— Não, não tenho não — confessou Bell,
sorrindo.
Rhodan experimentou a carga de seu irradi-
ador de agulhas, antes de pôr a arma em seu
bolso traseiro. Depois perguntou a seus dois
companheiros:
— Tudo pronto? Então vamos indo. Três
minutos mais tarde, a escotilha de saída se fe-
chava atrás deles, com um ruído surdo. Sem
olhar para trás, subiram no carro do Zarlt, que
partiu imediatamente, atravessando o campo de
pouso e atingindo a estrada asfaltada. Aí au-
mentou sensivelmente a velocidade, avançando
em direção à silhueta da cidade. Os contornos
característicos das construções em forma de fu-
nil se destacavam clara e nitidamente contra o
fundo de um céu bem iluminado. Só daí a duas
horas é que o sol se esconderia.
Já estavam atingindo os subúrbios com seus
parques verdejantes. Rhodan sabia que aí havia
corredores e compartimentos subterrâneos,
onde os revoltosos estavam de prontidão. Bas-
85
tava que Marshall desse apenas o comando tele-
pático, Betty Toufry o apanharia e o retransmi-
tiria... e a revolução irromperia.
Mas ainda não tinha chegado o momento.
Ninguém sabia o que pretendia o Zarlt.
O imponente palácio apareceu. Com a altu-
ra de cento e cinqüenta metros, sobressaía a to-
das as outras construções. Ao esplendor do sol
de Voga, já bem inclinado, brilhavam as pare-
des inclinadas para fora. Rhodan reparou que a
guarda habitual no portão de entrada, não tinha
sido reforçada. Isto parecia meio suspeito, ten-
do em vista os acontecimentos do dia anterior.
Olhando para o lado, reparou ainda que havia
um moof novo no gramado do jardim. Devia
ser um substituto, pois o outro tinha sido vítima
de algum atentado.
Já estava sentindo o pensamento inquiridor
e sugestivo das medusas. O costumeiro pedido
de deixar no posto de entrada qualquer tipo de
arma. A força de sugestão que se escondia atrás
da intimação foi fraca e sem importância. Rho-
dan ignorou a intimação, do mesmo modo
como Bell e Marshall.
O carro parou.
— O rapaz bem que podia abrir a porta do
carro para a gente — observou Bell em inglês
— já que não nos consideram como hóspedes
86
legítimos.
— Isto não é costume aqui — explicou-lhe
Rhodan, saltando do carro. — Além disso, não
é uma recepção oficial, mas uma simples visita.
— Se é tão simples assim, saberemos depois
— respondeu Bell cheio de desconfiança. — Eu
tenho o pressentimento de que...
Não teve tempo de terminar, porque do por-
tal interior emergiram dois zalitas multicolori-
dos, com fuzis energéticos nos ombros. As ar-
mas davam qualquer impressão, menos a de as-
sustar. Coronha e cano estavam enfeitados rica-
mente com peças de ouro e prata. A correia de
tiracolo era de um bordado finíssimo.
— Meu Deus! — disse Bell espantado. —
Será tudo isto uma opereta em que temos de
bancar estadistas?
Marshall conteve o sorriso. Penetrou imedia-
tamente nos pensamentos dos três sentinelas e
encontrou apenas impressões superficiais. O
primeiro pensava em tudo, menos no seu dever
de recepcionar os hóspedes do Zarlt, que lhe
eram completamente indiferentes. O outro esta-
va raciocinando com muita atenção como po-
deria pregar uma peça no irmão de sua esposa
que havia descoberto qualquer coisa de sua
amante. E... o terceiro, para espanto de
Marshall, não pensava absolutamente nada.
87
Não sobrou mais tempo para fazer novos es-
tudos psicológicos. Os três sentinelas se detive-
ram na frente deles, bateram os calcanhares e
apresentaram as maravilhosas armas. Depois
dando meia-volta, se retiraram lentamente em
marcha.
Rhodan fez um sinal para Bell e Marshall.
Com passos comedidos, seguiram os bate-
dores.
Um elevador os levou a um andar bem ele-
vado. Aqui foram novamente recebidos por três
guardas de opereta. Marshall não teve oportuni-
dade de examiná-los, pois sentiu de repente for-
tes impulsos que se dirigiam a ele, vindos de di-
versas direções. Não eram comandos de suges-
tão e estava certo de que ele era o único a re-
cebê-los. Antes que pudesse ter maior clareza a
respeito do que significava aquilo, os impulsos
diminuíram e desapareceram. O incidente mal
tivera a duração de trinta segundos.
Seguiram o oficial por um corredor compri-
do e levemente recurvado. Marshall pensava
com profundidade o que significavam os impul-
sos. Estavam sendo pesquisados pelos moofs?
Se fosse este o caso, a esta hora os moofs já sa-
beriam quem eram seus adversários.
Mas não sabiam isto já há muito tempo?
Os três sentinelas pararam outra vez e apre-
88
sentaram armas. Abriu-se uma porta e no fundo
havia uma sala pequena, tendo no centro uma
mesa lisa. Ali estavam sentadas cinco pessoas.
Mais atrás se erguia um estrado emoldurado
por cortinas coloridas.
Quatro zalitas se mantiveram sentados. O
Zarlt se levantou e foi ao encontro de seus hós-
pedes, estendendo a mão.
— Bem-vindo, Perry Rhodan, o senhor é
pontual.
Rhodan pegou a mão, mas não retribuiu o
aperto. Bell e Marshall foram cumprimentados
do mesmo modo. O primeiro franziu a testa,
como se tivesse pegado numa coisa desagradá-
vel. Parece que o Zarlt não percebeu nada.
— E agora posso apresentar-lhes meus ofici-
ais. Alguns os senhores já conhecem: Hemor e
Cenets. Este é Milfor, chefe do armamento.
Orbson é o almirante, comandante das patru-
lhas. E agora, por favor, tomem seus lugares.
Eu tenho a honra de lhes oferecer qualquer coi-
sa para comer. Assim se pode conversar me-
lhor.
Rhodan sentou ao centro, tendo à sua direi-
ta e esquerda, Marshall e Bell. Bem em frente a
ele, sentou-se Demesor, tendo de um lado, He-
mor e Milfor e do outro, Cenets e Orbson.
Nesse meio tempo em que eram trocadas
89
amabilidades mais ou menos vazias, Marshall
teve sua primeira desilusão.
Concentrou-se em sua missão e queria co-
meçar pesquisando os pensamentos do sub-
consciente dos zalitas. Naturalmente iria come-
çar com o Zarlt Demesor.
Deu com o bloqueio de defesa de um moof.
E não podia ser outra coisa, pois ninguém não
telepata poderia por si mesmo, a não ser de-
pois de muitos anos de treinamento, conseguir
um autobloqueio deste tipo. Fora disso, ainda
era necessário um certo dom de sugestão. E os
moofs possuíam as duas coisas. Portanto, já es-
tavam dentro dos fatos.
Tentou a mesma coisa com os quatro ofici-
ais e teve de constatar que havia o mesmo fe-
nômeno com eles. Era-lhe, pois, impossível ler
o pensamento dos cinco zalitas sentados à sua
frente. Era uma grande vantagem para eles,
com a qual ninguém havia contado. Muito me-
nos Marshall.
Tinha que prevenir Rhodan, que também
era um telepata fraco com faculdades limitadas.
— Não, foram apenas alguns acidentes —
dizia o Zarlt no momento, respondendo assim
uma pergunta de Rhodan sobre as razões da in-
tranqüilidade do dia anterior. — Desordem. Isto
sempre acontece. Os culpados já foram puni-
90
dos.
Rhodan sorriu afavelmente. Estava receben-
do no mesmo instante a comunicação telepática
de Marshall. Não apenas os pensamentos do
Zarlt e de seus vassalos permaneciam escondi-
dos, como também havia o perigo de que os
moofs lessem seus pensamentos, de Rhodan e
de seus companheiros, e começassem a agir. O
único meio para impedir isto era um bloqueio
de proteção.
Sem que Demesor e seus oficiais o notas-
sem, começou a batalha entre os telepatas.
Rhodan e Bell não podiam quase fazer outra
coisa do que protegerem seus pensamentos.
Marshall, pelo contrário, tentava romper o blo-
queio do Zarlt e chegar até o ponto de partida
das irradiações, o moof.
Criados traziam travessas com os frutos de
Zalit e também bebidas de diversas espécies.
Rhodan preferiu suco de frutas, o que não im-
pediu Bell de se dedicar ao vinho vigoroso.
Com muito prazer, olhava para as moças que
vinham para reencher os copos.
As jovens zalitas eram realmente bonitas. O
Zarlt tinha bom gosto, até mesmo Bell, conhe-
cedor do assunto, tinha que conceder isto. As
graciosas zalitas circulavam de um lado para ou-
tro, impedindo sempre que os copos ficassem
91
vazios. Bell bebeu mais para apreciar os belos
movimentos das jovens, cuja simetria começou
a fasciná-lo.
— Está gostando delas? — perguntou o Zarlt
com um sorriso. E quando Bell, encantado, fez
que sim, ele acrescentou: — O senhor pode
servir-se delas, mesmo fora da mesa.
Bell olhou espantado para o alto.
— Ó, não... não é isso que estou querendo
dizer — disse Demesor sorrindo. — Quero dizer
que o senhor pode dançar com elas.
— Sabe ler pensamentos? — deixou Bell es-
capar de repente.
Um leve rubor de acanhamento tomou con-
ta de seu rosto.
Rhodan tentou ajudá-lo naquele apuro:
— Sua frase foi um pouco ambígua, Zarlt —
disse Rhodan num leve tom de censura amigá-
vel, que ninguém levou a mal. — Mas ninguém
terá nada a objetar contra uma bela dança.
— Conversemos primeiro sobre os assuntos
que nos preocupam, isto é, sobre nossa estraté-
gia — disse Demesor, meio forçado. — Estou
me referindo à nossa ação comum contra Ár-
con.
Rhodan franziu a testa.
— Contra Árcon? — repetiu admirado.
— Quero dizer naturalmente contra o cére-
92
bro robotizado — disse se corrigindo. — Exata-
mente pelo fato de que amamos o Império,
queremos afastar a hegemonia de um robô. O
senhor deve compreender isto, embora seja ori-
ginário de um outro sistema, talvez mesmo de
uma outra parte da Galáxia.
“Muito inteligente este pessoal”, pensou
Rhodan. “Mais sem nenhuma malícia, portan-
to, devo pensar na Terra e trair minha posição.
Os moofs saberão então com quem estão lidan-
do, e muito mais ainda os seus mandantes. Tal-
vez Demesor mesmo não saiba por que diz isto.
Os moofs o dominam.”
— Sim, meu sistema não pertence a Árcon,
por esta razão, o destino do Império me pode-
ria ser indiferente. Infelizmente, porém, fui en-
volvido no conflito, o cérebro me persegue e
necessito de uma certa proteção, que o senhor
por amizade me proporcionou. Tenho que lhe
ser grato.
Milfor se inclinou para frente e fitou Rhodan
friamente.
— Agora é o momento em que o senhor
pode provar sua gratidão.
Este avanço direto por certo foi desagradá-
vel ao Zarlt, como se podia ver claramente em
sua fisionomia. Tentou entrar como intermediá-
rio:
93
— Milfor não foi feliz no seu modo de falar,
Rhodan. É claro que eu também conto com o
fato de que o senhor nos haverá de ajudar em
nosso plano. Aliás, o senhor já nos prometeu.
Trata-se principalmente, como o senhor sabe,
do anel de proteção de Árcon. Parece-nos im-
possível rompê-lo. O senhor o conseguiu.
Isto era uma pergunta e não uma constata-
ção.
Bell esvaziou sua taça e fez um sinal à bela
jovem de cabelos cor de cobre. Saboreou seus
graciosos movimentos, muito mais do que o vi-
nho que ela lhe entornava na taça. Ajudando
um pouco a sorte, tocou com sua mão a pele
bronzeada de seu braço. Era rígida, lisa e... fria.
O Zarlt percebeu, gritou uma palavra áspera
para a moça, numa linguagem incompreensível.
Ela se inclinou humilde, afastando-se imediata-
mente. Desculpando-se, disse Demesor para
Bell:
— Queira perdoar se a escrava foi muito ou-
sada. Foi um descuido dela.
— Oh — exclamou Bell — um descuido
muito perdoável. Não a censure por isto. São
jovens muito agradáveis.
O Zarlt sorriu um pouco sem jeito e Bell co-
meçou a pensar alguma coisa. Mas não apenas
ele...
94
— Acredita, Zarlt — perguntou Rhodan com
muita firmeza — que seu domínio sobre o Im-
pério vai ser mais útil do que o do cérebro ro-
botizado?
Por um instante, Demesor ficou paralisado
com esta recusa camuflada. A cisma de que
Rhodan não o haveria de ajudar parecia se con-
firmar. Quem sabe não tinha mais necessidade
de sua proteção? Ou havia outros motivos?
Dominou-se num sorriso amargo.
— O domínio de uma máquina sobre seres
inteligentes é sempre prejudicial, e de qualquer
maneira humilhante.
— Mas uma máquina toma resoluções mais
rápidas e muitas vezes ou quase sempre melho-
res. Isto o senhor não pode negar. Do contrá-
rio, não estariam tantos robôs em nossos servi-
ços.
— Robôs? — perguntou Demesor.
Rhodan percebeu que uma nuvem de terror
passou pela mente do Zarlt.
Depois, este sorriu novamente, como se
nada tivesse acontecido:
— De fato, como o senhor diz, estão em
nossos serviços. Esta é a única diferença. Nós
não somos dominados por eles, mas eles é que
obedecem a nós.
— Se forem mais competentes que nós, a si-
95
tuação mudará por cento e oitenta graus —
profetizou Rhodan com tranqüilidade. — No
caso de Árcon, aconteceu assim.
O Zarlt se inclinou mais para frente.
— O senhor pretende dizer com isto que o
cérebro robotizado de Árcon agiu corretamente
quando substituiu os arcônidas?
— Sim — concordou Rhodan convencido —
é isto mesmo que eu queria dizer.
Novamente, Demesor levou alguns segundos
para digerir as palavras de Rhodan.
— Os arcônidas estão em decadência e não
estavam mais em condições de administrar o
Império — concedeu ele, parecendo pronto
para um compromisso. — Mas o cérebro tinha
que procurar um regente melhor, antes de agir
como agiu.
Rhodan sorriu consciente.
— E quem sabe, ele procurou mesmo? Mas
naquele tempo, Elton ainda era Zarlt de Zalit.
Quem sabe ele achou que também Elton não
estava em condições.
A resposta foi pelo menos, diplomática. O
Zarlt reconheceu.
Batendo palmas, exclamou ele, com ares de
bom anfitrião:
— Moças, alegrem-nos um pouco com sua
dança. Mas eu quero ainda uma resposta bem
96
clara sua, Rhodan, à minha pergunta. Se pode-
mos mesmo contar com seu apoio. Vamos ata-
car Árcon dentro de uma semana.
As seis moças apareceram obedientemente
e foram para o palco. De algum lugar vinha pe-
los alto-falantes uma música suave. Muito har-
moniosa e sedutora.
— Até que enfim, ficou mais interessante —
disse Bell, ignorando os graves problemas do
Zarlt e sentando-se de tal maneira que pudesse
ver melhor. Para felicidade de todos, o Zarlt ti-
nha feito com que seus hóspedes sentassem
bem em frente ao palco.
Rhodan, no entanto, resolveu pôr um ponto
final naquela conversa de chove-não-molha.
— O senhor terá uma resposta bem clara,
Zarlt: Não o ajudaremos; e, aliás, por um moti-
vo muito simples. Eu vou dizer qual é. Se o se-
nhor não é capaz de superar a barreira de pro-
teção de Árcon, também não será capaz de diri-
gir o Império. Será que fui bem claro?
Foi mais do que claro. Foi um rompimento
evidente. O Zarlt o engoliu.
Seu sorriso se transformou um pouco, lan-
çou um olhar severo para seus oficiais, avi-
sando-os que não se precipitassem.
— Sinto muito — disse ele. — Sinto real-
mente muito. O senhor vai compreender que,
97
sob estas circunstâncias, não podemos mais
considerá-los nossos hóspedes. Terão que dei-
xar ainda hoje nosso mundo, em direção à ex-
tremidade da Galáxia. Nossos rastreadores de
estrutura haverão de controlar isto.
Rhodan concordou calmamente.
— Se é seu desejo, nós partimos. Sob estas
condições... — e ele se levantou — ...não tem
mais sentido ficarmos em sua companhia.
Bell permaneceu sentado. Estava de olhos fi-
xos no palco, onde as seis moças haviam come-
çado sua dança. A melodia sedosa parecia ter
fundido os seis corpos rigorosamente iguais, cu-
jos movimentos pareciam ser feitos por uma só
peça.
Rhodan suspirou e sentou-se novamente.
Marshall esboçava um sorriso a contragosto. As
moças interessavam a ele de outra forma. Tal-
vez soubessem de alguma coisa...
E novamente lhe aconteceu, pela segunda
vez nesta noite, algo muito singular. Não en-
controu nenhuma barreira de proteção, mas
uma coisa bem diferente. Não sabia o que era,
mas já tinha sentido isto uma vez nesta noite.
Onde fora, mesmo? Lembrou-se. Foi lá fora,
quando os três oficiais os cumprimentaram no
portão de entrada. Um pensava no seu cunha-
do, o outro em ninharias e o terceiro não pen-
98
sava absolutamente nada.
Era isso. E estas seis dançarinas também
não pensavam em nada, ou melhor, não pensa-
vam.
Foi desviado de seus pensamentos. A música
mudou completamente. Tornou-se bem mais
rápida. As pernas das moças voavam para o
alto e começaram, sempre em ritmo cada vez
mais acelerado, a pisotear o chão. Bell estava
completamente amarrado pela música. Não
despregava os olhos das dançarinas que agora
desciam do palco e com passadas cadenciadas
se dirigiam para os hóspedes. Jocosamente
dançavam em torno deles e recuavam de modo
gracioso, quando Bell tentava pegá-las.
Marshall recomeçou suas ponderações, mas,
três segundos mais tarde, quando achou a solu-
ção, já era tarde demais.
As seis moças tinham se dividido de tal ma-
neira que sempre duas delas estavam atrás de
um dos hóspedes. Antes que Rhodan pudesse
suspeitar o que estava acontecendo e antes que
o aviso telepático de Marshall fosse recebido,
foi ele abraçado por garras de ferro, que com-
primiam os braços fortemente contra o corpo.
Com Marshall e Bell aconteceu a mesma
coisa.
Principalmente para este último foi um gol-
99
pe duro, que destruiu todas as suas doces ilu-
sões, por assim dizer, com um movimento da
mão. Sentiu a repentina proximidade das ado-
radas criaturas, mas não sabia o que fazer com
elas. A pele das duas moças, que o seguravam,
era lisa e fria. Fria como aço.
— São robôs — disse Marshall em voz alta.
— Uma bela armadilha.
Os cabelos vermelhos e eriçados de Bell se
levantaram verticalmente, formando sua célebre
escovinha. Os olhos estavam arregalados, mas
não lhe foi possível virar a cabeça para ver os
rostos das encantadoras bailarinas.
O Zarlt se levantou, dizendo:
— Terminemos a comédia. Por muito tem-
po, tivemos que ouvir suas promessas, agora
chegou ao fim. Se quiserem continuar vivos, te-
rão que nos contar seus segredos. Mas antes
que comecem a falar, vamos trocar de sala. Os
senhores têm armas?
— Por que suas dançarinas não vêm exami-
nar? — aconselhou Bell, que aos poucos se en-
colerizava. Ainda estava tomado de susto.
Não houve outro remédio, a não ser depor
as armas. Os braços de aço dos robôs-travesti
não permitiam nenhuma resistência. Rhodan
estava completamente calmo, pois sabia que
Marshall já tinha transmitido seu alarme para a
100
Titan há muito tempo. A luta estava começan-
do.
— Minha avó sempre dizia — continuou Bell
furioso — que eu, homem inocente, cairia um
dia nos braços de mulheres à-toa. Mas a pobre
velha não podia saber naturalmente que seriam
mulheres-robôs.
— Mais cedo ou mais tarde você iria desco-
brir o truque — disse Marshall em tom de brin-
cadeira.
O Zarlt e os oficiais fizeram um sinal aos seis
robôs, uma ordem ininteligível. Então Rhodan,
Bell e Marshall foram levantados sem nenhum
esforço pelas “lindas jovens” e retirados da sala.

***

Os três teleportadores Tako Kakuta, Ras Ts-


chubai e Gucky estavam ocupadíssimos, trans-
portando o corpo de mutantes para os esconde-
rijos preparados pelos revoltosos. Em dez minu-
tos, no entanto, estava tudo terminado e a Ti-
tan já sem mutantes.
Thora e Crest estavam pela primeira vez so-
zinhos na gigantesca nave, sem contar com a
tripulação, que naturalmente não podia influir
em suas decisões.
Ainda há um ano atrás, Thora teria aprovei-
101
tado a ocasião para roubar a nave de Rhodan e
fugir com ela para Árcon, como já tentara uma
vez. Hoje, porém, era tudo diferente.
Parece que Crest havia percebido os pensa-
mentos dela. Começou a sorrir, com cara de
quem sabia de tudo.
— Você gosta de Rhodan, Thora? Pode fa-
lar sem acanhamento. Aliás, eu também gosto
dele.
— Talvez não teria sido assim, se tivéssemos
encontrado em Árcon o habitual estado de coi-
sas — disse ela confirmando indiretamente a
suposição de Crest. — De maneira que...
— Não poderíamos nunca imaginar um ami-
go e um aliado melhor, Thora. Ele se saiu com
o cérebro robotizado melhor do que todos os
arcônidas dos últimos seis anos juntos. Se per-
dêssemos Rhodan, perderíamos nosso futuro.
Confiou-nos a Titan. Você sabe qual é a confi-
ança necessária para fazer isso?
— Sei sim — concordou Thora com simpli-
cidade. — E dou razão a ele e a seus compa-
nheiros que estão neste planeta. O traidor Zarlt
o prendeu e no momento não posso mostrar
como gostaria de ajudá-lo. E talvez eu tenha
ainda que fugir com a Titan como prometi. Isto
me parece até uma traição.
— Seria traição se agíssemos contra suas or-
102
dens — tranqüilizou Crest. Examinou cuidado-
samente o painel ligado, que cobria todo o es-
paçoporto. — Você agora não quer descansar
um pouco, Thora? Eu fico de prontidão e acor-
do você se houver alguma coisa.
— Dormir, como posso dormir, se ele está
em perigo?
O rosto do arcônida demonstrava admira-
ção.
— Você está tão preocupada com ele?
Confirmou com coragem e sem acanhamen-
to.
Crest sorriu pensativo.
— No entanto, você tem que descansar para
estar com muita força na hora decisiva. Quem
sabe, não vai demorar muito a hora da confir-
mação. Quero demonstrar a Rhodan que ele
pode confiar em nós e que podemos lutar muito
bem, quando for necessário. Portanto, por fa-
vor, me deixe sozinho agora.
Thora olhou para ele pensativa, depois con-
cordou obediente, abandonando a Central.
Crest sabia que poderia chamá-la com um
simples aperto de botão. Neste sentido, não ha-
via na Titan propriamente separação de espa-
ço. Ficou sozinho, preparado para uma noite
muito longa.
Mas ele se enganou.
103
Foi uma noite muito curta.

***

Kitai Ishibashi era o segundo hipno do corpo


de mutantes. Podia impor sua vontade a outras
pessoas tão firmemente, que os atingidos conti-
nuariam convencidos de que agiam por própria
iniciativa. Juntamente com Gucky e o vidente
Wuriu Sengu, cujos olhos penetravam em qual-
quer matéria concreta, estava num esconderijo
subterrâneo dos revoltosos. Era num parque, na
periferia da cidade.
Gucky se esforçava para não perder o conta-
to com John Marshall, o que não era lá muito
fácil, já que as vibrações mentais do telepata es-
tavam cada vez mais carregadas de impulsos es-
tranhos. Havia muita probabilidade de que os
impulsos fossem provenientes dos moofs.
— Eles nos estão levando para o porão do
palácio — informou Marshall a seus colegas te-
lepatas. — Ainda não existe nenhum perigo,
mas Perry ordena que Zernif aja como foi pla-
nejado. Não estou podendo receber mais notí-
cias de vocês, a proximidade de um grande nú-
mero de moofs o torna impossível. Também
não sei se me estão entendendo, em todo caso,
estamos mais ou menos a dez metros abaixo do
104
nível do chão, num recinto abobadado grande e
bem iluminado. Um instante... outro comunica-
do segue. Agora não posso...
Gucky resmungou furioso:
— Puxa vida. Que será de novo? Que está
acontecendo? Wuriu, você não consegue ver
nada?
O mutante balançou a cabeça.
— A distância é grande demais. Não sou fei-
ticeiro. Não podemos nos aproximar mais do
palácio?
O rato-castor queria responder, mas ficou
calado.
Novos impulsos, mais fortes e mais intensos
penetravam-lhe no cérebro.
Não era Marshall, não era ninguém que
Gucky conhecia. Mas no meio de suas especu-
lações, ouviu o chiado do transmissor que os
mantinha em contato com a Titan. Era Crest.
— Atenção para todos. A Titan está sendo
atacada com grandes forças. De acordo com as
ordens recebidas, haveremos de partir e aguar-
dar na distância combinada. O comandante
Freyt levará a Ganymed para um lugar seguro.
Felicidades, Gucky. E tire Rhodan da armadilha.
É de vocês agora que depende sua vida e o fu-
turo do Império.
O receptor emudeceu. Crest já havia desliga-
105
do.
Gucky deixou-se cair para trás sobre as pa-
tas traseiras, apoiando-se também na cauda
para não perder o equilíbrio. Nos seus olhos
havia uma pergunta muda, que ele não tinha
coragem de pronunciar. Manteve curto contato
com os demais telepatas, espalhados em outros
grupos e constatou que todos haviam recebido
a mensagem do arcônida.
Estava mais do que evidente de que o Zarlt
não respeitava mais nada. Atacou abertamente
a Titan e a Ganymed. Tinha aprisionado Rho-
dan.
Gucky soltou um ruído estridente e desafina-
do. Depois falou com voz incrivelmente clara:
— Meus senhores revoltosos, Rogal, podem
mostrar agora o que aprenderam. A revolução
começou, nós vamos derrubar Demesor e seus
capachos e libertar Rhodan. Vamos, o que es-
tão esperando?
Rogal olhou cheio de estupefação para o
rato-castor, que via hoje pela primeira vez. Ain-
da não podia compreender como um ente da-
quele tipo podia ser mais inteligente que um za-
lita. Mas logo em seguida largou aquela visão
fascinante e, virando-se para seus companhei-
ros de arma, exclamou com entusiasmo:
— Viva o Império, viva Perry Rhodan!
106
Gucky tapou as grandes orelhas, quando a
resposta ecoou pela abóbada.
Que estupidez, um telepata ter orelhas tão
grandes...

Bell gritou e esbravejou quando as duas “bel-


dades” o arrancaram do salão. O seu sonho era
outro, ele o tinha imaginado muito diferente.
Por que motivo tinha que ser sempre tão afoba-
do?
Rhodan e Marshall tinham passado pelos
mesmos dilemas, mas se mantinham calmos e
ponderados diante do inevitável. Com força
bruta somente, não se conseguia nada contra
um robô, mesmo vestido de plástico como uma
graciosa donzela.
Desceram num elevador. Um andar abaixo
do solo oficial, ele parou. Demesor saltou na
frente, mostrando o caminho. Eram corredores
muito bifurcados, que a dez metros sob a terra
formavam um mundo novo. A luz amortecida
vinha do teto e espalhava um ar de assombra-
ção. Rhodan começou a ficar curioso para sa-
ber o que pretendiam com eles.
Suplício e sevícia para lhes arrancar os se-
gredos?
107
Caso fosse isso, certamente não haveria
mais os suplícios conhecidos na Idade Média da
Terra, mas tão somente uma auscultação técni-
ca do cérebro, onde não podia mais haver men-
tiras e informações deficientes. Por fim lá esta-
vam ainda os moofs a quem seria fácil uma
confrontação das declarações feitas.
Os moofs...
De repente Rhodan começou como que a
ver escamas diante dos olhos, sentindo uma
pressão cada vez maior no cérebro e uma gran-
de dor de cabeça. Bell tinha parado de esbrave-
jar. Parecia estar sonolento nos braços das se-
dutoras donzelas, que na realidade nada mais
eram do que robôs desalmados. Marshall se
mantinha passivo, parecendo ouvir qualquer
coisa.
Os moofs estavam por detrás da repentina
atividade do Zarlt. Só podia ser isto.
Rhodan sentiu um aumento dos impulsos.
Vinham agora da mesma direção, isto é, da
frente.
Tinham sido conduzidas para o local dos
moofs.
Apesar de sua situação não muito digna de
inveja, Rhodan ainda achou tempo para desen-
volver apressadamente uma teoria. Um único
moof, assim lhe ensinava sua experiência, não
108
tinha força suficiente para impor sua vontade a
um homem. Como telepata, ele era bom, isto
não tinha dúvida. Mas, como sugestor, não era
tanto.
Pois bem, o que aconteceria então, pensava
Rhodan, quando quatro ou cinco moofs se con-
centrassem simultaneamente no cérebro do
mesmo terrano? Bastaria a força dos cinco se-
res para dominarem a sua vontade?
Parece que os moofs tinham idênticas preo-
cupações, pois Rhodan podia concluir agora
com alguma certeza que não apenas um, mas
no mínimo quatro ou cinco moofs o estavam
sondando.
Era uma possibilidade com a qual não havia
contado. E representava um sério perigo.
Comunicou sua suspeita a Marshall, que
mostrou logo sua preocupação. Mas não lhes
restava mais tempo para fazerem considerações
sobre a situação.
O Zarlt se deteve diante de uma porta. Mil-
for começou a sorrir sadicamente e deu um
soco nas costas de Bell, respondido logo por
grito de rancor. Demesor abriu a porta e cami-
nhou na frente. Os quatro oficiais e os seis ro-
bôs com seus prisioneiros seguiram atrás.
As suspeitas de Rhodan se confirmaram.
Era uma sala grande, abobadada, com boa
109
iluminação. Em seus recipientes de vidro resis-
tente à pressão, estavam em longa fila uma dú-
zia de moofs na parede de trás. Tubulações cin-
tilantes ligavam as câmaras de compressão a
um conjunto de purificarão do ar, que renovava
constantemente a atmosfera de metano. Imó-
veis lá estavam os animais — gigantescas medu-
sas com metro e meio de altura e com um diâ-
metro de um metro — em seus recipientes,
olhando os recém-chegados com olhos redon-
dos arregalados.
Rhodan sentiu uma onda dos impulsos su-
gestivos sobre ele. Com toda concentração de
que era ainda capaz, tentou se defender da coa-
ção que lhe queriam impor. Os quatro braços
das jovens-robôs prendiam-no com tanta firme-
za, que não conseguia nenhum movimento.
Não, com força física não se arranjava nada
aqui.
A voz do Zarlt quebrou-lhe a concentrarão:
— Como conseguiu, Rhodan, romper a mu-
ralha de proteção de Árcon? Fale, ou eu o man-
darei para os meus cientistas.
Rhodan refletiu um pouco: os zalitas não sa-
biam nada das faculdades sugestivas dos moofs.
O Zarlt estava convencido de que por meio dos
moofs podia apenas averiguar a veracidade das
afirmações de Rhodan. O Zarlt não sabia que
110
ele próprio estava sob coação das medusas, que
o manejavam à vontade. Demesor e seus quatro
oficiais eram tão prisioneiros dos moofs como
Rhodan, Marshall e Bell.
Mas também sem os moofs, não poderiam
alterar seu ponto de vista, e somente este fato é
que daria a última palavra para o julgamento
que já tinha sido feito, mas não executado.
— O senhor não vai saber nada por mim,
Zarlt.
A corrente de força sugestiva que tinha en-
fraquecido um pouco, começou novamente.
Rhodan reparou que Bell e Marshall não foram
atingidos. Então precisaria de toda concentra-
ção para resistir ao ataque dos moofs reunidos
contra ele.
O duelo foi mudo, mas somente para os ou-
tros.
Rhodan compreendeu a frase que de repen-
te se tornou nítida em sua mente:
— Você sabe quem somos? Por que se pro-
tege contra nós?
— Porque sei quem são vocês. Rhodan pen-
sou apenas e tinha certeza de que os doze mo-
ofs o entenderam. Foi a primeira vez que en-
trou em contato direto com seu inimigo, obriga-
do pelas circunstâncias.
— Você tem que dizer ao Zarlt de que ma-
111
neira Árcon pode ser conquistado.
— Por que devo fazer isto? Será um Deme-
sor capaz de dirigir o Império? Ou vocês que-
rem saber?
— Sim, queremos saber.
— Em nome de quem?
Por uns instantes gloriosos, desapareceram
todos os impulsos, a pressão também aliviou.
Era como se os moofs tivessem interrompido
seu trabalho para se aconselharem. Rhodan
aproveitou a oportunidade para se comunicar
mentalmente com Marshall:
— Que aconteceu com os mutantes? Os re-
voltosos já estão atacando? Sabem o que está
acontecendo conosco? Depressa, responda em
voz alta em inglês. Não consigo me concentrar
o suficiente para recebê-lo por telepatia.
— Corpo dos mutantes está atacando. Co-
meça a revolução. Já iniciou o ataque à Titan.
Ainda uma meia hora... diz Gucky...
Não pôde continuar. Milfor que acabava de
entrar, deu um soco na boca de Marshall.
— Vocês não podem falar — ordenou De-
mesor furioso. — Somente quando forem inter-
rogados. E eu lhe perguntei uma coisa, Rho-
dan.
— Então espere um pouco — aconselhou
Rhodan, calculando o que poderia acontecer
112
em meia hora. Naturalmente ainda havia a pos-
sibilidade de dizer toda a verdade ao Zarlt. Ele
não poderia fazer nada, pois não possuía o
transmissor fictício. Além de tudo, seu domínio
não iria além de meia hora, se tudo corresse
bem. Então se apoderou de Rhodan uma vonta-
de orgulhosa e inflexível de vencer. — Espere a
vida toda.
Demesor era um homem de autodomínio,
talvez também os moofs lhe deram uma ordem
correspondente. De qualquer maneira nada res-
pondeu, aguardando ainda o que estava para
acontecer.
Os moofs não tiveram mais complacência.
Com grande concentração atacaram de novo.
Era uma onda avassaladora de impulsos dolori-
dos que invadiam seu cérebro, ameaçando des-
truí-lo. Porém as faculdades mentais de Rho-
dan, graças à escola de hipnos de Crest, tinham
evoluído muito. Estava, portanto em condições
de formar uma barragem metal que enfraquecia
os impulsos penetrantes dos moofs, não lhes
permitindo uma atuação suficiente. Apesar de
tudo, era um esforço super-humano tentar qual-
quer resistência.
Foi a maior batalha de sua vida.
Seus adversários continuavam imóveis nos
recipientes, aparentemente adversários inofen-
113
sivos e desarmados, quando não se estava em
suas malhas. Mudos por natureza, e por este
motivo telepatas, desenvolveram em seu mundo
as forças espirituais, que, empregadas coorde-
nadamente, representavam um poder incalculá-
vel.
Rhodan começou a suspeitar de que esta-
vam depreciando os moofs — ou será que so-
mente nos últimos dias é que aprenderam a
usar sua força sugestiva planejadamente? Seu
cérebro era como um rochedo no meio da re-
bentação: cada onda forte que o envolve, leva-
lhe um pedacinho. E as ondas batiam cada vez
mais fortes, mas depois de cada uma delas, as
águas voltavam, permitindo ao rochedo uma
pausa para respiração. Mas a maré subia, as
ondas se tornavam mais fortes, o ataque horrí-
vel. Se durasse muito tempo, a rebentação des-
truiria o rochedo. Tempo...
Era tempo que Rhodan queria ganhar. Sen-
tia que sua resistência se enfraquecia contra os
impulsos sugestivos. Precisava de cada fibra de
seu corpo para manter a defesa mental. Ainda
estava agüentando, mas por quanto tempo?
Estava quase capitulando, quando de súbito
os moofs se retiraram. Como um homem que
vai com toda força contra uma porta muito fir-
me, que inesperadamente se abre sozinha.
114
Mais vinte e cinco minutos...
Os olhos de Marshall se arregalaram. Rho-
dan sabia que os moofs tinham procurado uma
outra vítima. Quem sabe, mais tarde se voltari-
am de novo contra ele, Rhodan. Mas agora, in-
teressava aos moofs descobrir o mais fraco dos
três prisioneiros.
Os zalitas agiam com absoluta calma. Esta-
vam como que presos sob uma força mágica e
pareciam ignorar o que acontecia. Mas Rhodan
não teve piedade deles. Expôs-lhes o que acon-
teceria com o Império se chegassem ao poder e
conseguissem afastar o cérebro robotizado. Se-
ria um reino de marionetes, dirigido pelos mo-
ofs, atrás dos quais estaria alguém mais podero-
so e sabido.
Não.
Compaixão no lugar errado podia significar
a destruição de um grande reino e conduziria a
uma centena de mundos à escravidão.
Rhodan, preocupado, dirigiu sua atenção
para Marshall, que como telepata tinha expe-
riência e energia suficiente para se defender dos
ataques dos moofs.
Exatamente quatro minutos depois, as me-
dusas desistiram.
Ainda antes que atacassem a terceira vítima,
Rhodan se pôs em contato com Marshall:
115
— Chame Gucky, deve vir depressa. So-
mente Gucky pode ajudar.
Chegou a vez de Bell. Também ele havia
passado pela escola de hipnos dos arcônidas,
que muito lhe aumentou os conhecimentos.
Mas a potência de sua capacidade de resistência
mental não era suficiente para agüentar cem
por cento os ataques dos moofs.
Seu rosto se contraiu de dor e o suor lhe es-
corria pela testa, quando os impiedosos impul-
sos pareciam lhe devorar o cérebro. Os lábios
começaram a tremer e seus olhos não viam
mais onde estava o corpo.
A fila dos doze telepatas...
Tinha escolhido sua vítima.

***

O conjunto propulsor da Titan foi acionado.


Thora deu o alarma geral e a tripulação bem
treinada colocou o gigante do espaço, exata-
mente em quatro minutos, em condição de de-
fesa.
Mas uma luta, em que morrem principal-
mente os inocentes, deve ser evitada. Fugir era
portanto a única possibilidade de frustrar o ata-
que da frota dos zalitas.
A Ganymed já estava a uma altura onde se
116
iniciava o campo gravitacional e se atirou então
numa aceleração incrível no céu já escuro de
Zalit.
À beira do espaçoporto cintilavam os obu-
ses. Feixes energéticos de intenso brilho perse-
guiam os fugitivos, esbarrando no entanto na
barreira de proteção. As baterias estouravam de
todos os lados tentando atingir a Titan.
Thora via como os raios energéticos se des-
faziam em todos os sentidos ao se aproximarem
da camada de proteção. Mais para o fundo, le-
vantavam vôo os primeiros destróieres da frota
zalita e subiam rápidos para atacarem a Titan
de cima.
Thora ligou o intercomunicador:
— Atenção geral. Partimos em dez segun-
dos. Máxima velocidade com os neutralizadores
ligados. Transição em onze minutos.
Ela certamente não sabia quantas aeronaves
inimigas já sobrevoavam o campo e se prepara-
vam para atacar. Porém tinha certeza de que
Rhodan havia ficado neste mundo, e de que ela
agira conforme estava combinado anteriormen-
te. Julgava-se covarde, mas tinha que levar a
nave para um lugar seguro — e devia também
poupar a vida dos adversários.
Ainda cinco segundos.
Encontrava-se no maior dilema de sentimen-
117
tos que jamais vivera. Vagarosamente aproxi-
mou a mão da alavanca de partida. Haveria de
puxá-la com rapidez. Os reatores arcônidas des-
carregariam sua energia e a gigantesca espaço-
nave seria atirada com toda força no céu escu-
ro, que na realidade não estava escuro, mas era
um emaranhado de estrelas cintilantes.
O último segundo foi o mais longo. Mas pas-
sou também, e então pareceu-lhe que o espaço-
porto de Tagnor se transformou num inferno.
A Titan se projetou para a noite a dentro e
ultrapassou brincando as esquadrilhas dos des-
tróieres que a esperavam. A camada protetora
dos zalitas se dissolveu sob a ação da cúpula
energética que havia em torno da belonave de
Rhodan. Sem sustentação, como folhas secas,
dez, vinte destróieres se precipitaram no abis-
mo e explodiram, provocando clarões muito
fortes. Só o deslocamento de ar da nave esféri-
ca de quilômetro e meio de diâmetro destruiu as
baterias de mísseis a jato e as instalações sub-
terrâneas do espaçoporto.
Thora não sabia nada disso. Estava de olhos
fixos no painel de controle, sem reparar no te-
nente Tifflor, que calado, a uns metros de dis-
tância, estava sentado na poltrona do navega-
dor, não perdendo a jovem arcônida de vista.
Tiff não podia compreender as verdadeiras
118
razões para a contida ira de Thora. Supunha
que sua expressão fechada provinha da destrui-
ção do inimigo. Não podia imaginar que era
Rhodan o responsável pela explosão de senti-
mentos em Thora. O planeta desapareceu sob
a Titan no abismo do infinito. A velocidade da
luz foi atingida e deu-se a transição.
Quando a Titan voltou do hiperespaço para
a quarta dimensão, a Ganymed estava a uma
distância de 0,005 de segundos-luz. Os cálculos
eram muito exatos, embora as duas naves já ti-
vessem percorrido exatamente dois anos-luz.

***

Gucky se materializou diante dos olhos estu-


pefatos dos revoltosos e infelizmente não teve
tempo de pensar naqueles que o receberam
com admiração. Estava preocupado com o pe-
dido urgente de socorro de Rhodan.
— Almirante Zernif, o senhor possui um
mapa exato do palácio do Zarlt? Especialmente
das instalações subterrâneas? É urgente.
O líder dos revoltosos chamou um homem.
— Quando vocês descobriram o caminho se-
creto, não fizeram nenhum mapa?
— Naturalmente, Rogal o tem.
— Obrigado — disse Gucky, e desapareceu.
119
Permaneceram ali Zernif e algumas bocas
abertas.

***

Rogal, sabia Gucky, se encontrava desde al-


guns minutos no mais avançado esconderijo.
Devia estar a menos de cem metros da entrada
do palácio. Um corredor levava até lá.
Gucky concentrou-se no seu objetivo e pu-
lou.
Por medida de precaução, aterrissou em
cima, neste caso um parque. Tudo era silêncio.
O clarão avermelhado do palácio despertou em
Gucky a vontade de agir por conta própria para
libertar Rhodan, mas acabaram vencendo o
bom senso e a cautela. Sabe Deus onde iria
chegar se agisse sem cuidado?
Com mais duas teletransportações, chegou
bem no centro do esconderijo. Rogal, de susto,
quase caiu da caixa onde estava sentado. Os
outros zalitas ficaram de olhos arregalados no
rato-castor, como se estivessem vendo um fan-
tasma. Gucky, apesar da situação seríssima,
sorriu para todos, e contente deixou ver seu
dente de roedor. Depois se aproximou de Rogal
e disse:
— Estou precisando do mapa do palácio,
120
principalmente dos porões: Rhodan está em
perigo.
Rogal se levantou. Começou a procurar em
seus bolsos, acabando por fazer uma cara de-
cepcionada.
— Não o tenho comigo. Talvez esteja no
nosso antigo alojamento. Sabe onde? Onde es-
tivemos há pouco.
Acabou falando para o ar vazio, Gucky já es-
tava longe. Enquanto Rogal ainda estava falan-
do, o rato-castor já vasculhava o antigo aloja-
mento, achando o mapa no bolso de um paletó
de uniforme dependurado num prego. Com
curto salto, foi ter com Wuriu Sengu e Kitai
Ishibashi. Os dois mutantes estavam desconten-
tes por ficarem sem fazer nada, não podendo
ajudar os outros.
— Onde você esteve o tempo todo — res-
mungou Sengu. — Que há com Rhodan?
— Está preso, como vocês devem saber. —
disse Gucky, estudando o mapa.
Depois de alguns instantes, já estava mais
calmo.
— Temos que ajudar, imediatamente, antes
que seja tarde. Os moofs bloqueiam com seus
fluxos sugestivos todos os impulsos telepáticos
de Marshall. Não consigo mais me comunicar
com ele. Por isso precisava deste mapa. Por ele
121
vou calcular meu salto. Vou sozinho para son-
dar a situação. Volto depois e levo Wuriu. As-
sim que soubermos como estão os prisioneiros
e os moofs, venho buscar Kitai e então atacare-
mos. Compreenderam?
Os dois japoneses estavam um pouco confu-
sos, mas disseram que sim. Já conheciam bem
Gucky, mas lhes parecia estranho que um
Mickey Mouse um pouco ampliado perguntasse
a dois homens adultos se tinham compreendido
alguma coisa.
Gucky não entendendo bem o motivo da
confusão, repetiu:
— Quero saber se ficou tudo compreendido.
Desta vez disseram claramente que sim, mas
Gucky já tinha desaparecido.
Por fim, poderia ler os pensamentos...

Com minucioso cuidado, o rato-castor ob-


servava o mapa. Sentado sobre as patas trasei-
ras, segurava o pedaço de papel com as patas
dianteiras que pareciam mãos humanas, embo-
ra fossem menores e cobertas de pêlo. Alguém
que o visse assim, não acreditaria que ele, em
capacidade e inteligência, superasse os homens
em geral. Não havia nenhum mutante que fosse
122
capaz de dominar ao mesmo tempo a telepatia,
a telecinese e a teleportação. Nenhum, a não
ser Gucky. Seu quociente intelectual se equipa-
rava ao de Rhodan, se bem que nunca houves-
se cursado uma escola de hipnose. O segredo
de sua força estava em sua aparência simples.
E que coisa... um animal e, no entanto, su-
perior ao homem...
A voz estridente de Gucky se fez ouvir:
— Daqui até a entrada do palácio são exata-
mente duzentos e sessenta e oito metros. No
meu último contato, Marshall estava a duzentos
e cinqüenta metros mais ou menos. Isto quer di-
zer que a abóbada subterrânea se encontra em
nossa direção. Já conhecemos portanto a ori-
entação e vou dar um pulo até o palácio, indo
dez metros para baixo do solo. Depois tenho
que me materializar num lugar onde Bell e Rho-
dan estavam há poucos minutos.
Wuriu estava pensativo.
— Devo ir junto? Olha que eu sei ver através
das paredes...
— Eu venho buscá-lo imediatamente. Gucky
fez-lhe um gesto tranqüilizante e desapareceu.
Quando conseguiu enxergar de novo, estava
num corredor, não longe de uma saída de ele-
vador. Havia silêncio completo, não se ouvindo
o menor ruído.
123
Mas Gucky não estava preparado para isto.
Sua mente sensível reagiu rápida. Mas os pen-
samentos de Rhodan e Bell estavam demasiada-
mente sobrecarregados com os impulsos dos
moofs. A intensividade destes impulsos indicava
uma separação mínima de sua fonte de origem.
Talvez os prisioneiros estivessem atrás da próxi-
ma porta.
Gucky deu um salto de volta e apanhou Wu-
riu. Depois Kitai. Os dois japoneses tinham na
mão suas pequenas mas eficientes pistolas ener-
géticas, prontas para atirar. Gucky dispensava
qualquer arma.
— Então, Wuriu, está vendo qualquer coisa?
Gucky constatou que os fluxos de pensa-
mento de Marshall estavam submersos no turbi-
lhão dos impulsos dos moofs. Gucky sentia
como era grande a tentativa das medusas-tele-
patas para colocarem o terrano sob o domínio
de sua vontade.
De repente Marshall ficou completamente li-
vre. Começou então o segundo e decisivo ata-
que a Bell. Não havia dúvida de que os moofs
sairiam então vitoriosos.
Marshall se pôs imediatamente em contato
com Gucky, cujas tentativas de rastreamento ele
já percebera.
— Onde está você, Gucky? Pegaram Bell e
124
ele não vai agüentar muito. Responda.
O rato-castor estava esperando a resposta
do vidente. Wuriu acenou de súbito com a cabe-
ça, enquanto olhava fixamente para a parede
próxima.
— Eu os estou vendo — cochichou emocio-
nado. — A menos de dez metros daqui. Aquela
porta lá — apontou para a segunda porta. —
Parece que pegaram Bell. Que estão fazendo
aquelas moças lá dentro?
— Que moças? — perguntou Gucky admira-
do. E ele apreciava mais as moças que lhe coca-
vam o pêlo do que os homens preguiçosos. —
Existem moças lá dentro?
— São elas que seguram Rhodan, Bell e
Marshall — anunciou Wuriu estupefato, dando
impressão de estar muito inquieto. — Bell não
reage mais.
— Uma limpeza geral do cérebro lhe fará
muito bem — cochichou o rato-castor meio
contente com o castigo.
Na realidade, porém, seu pensamento era
muito diferente. Os moofs podiam estar prepa-
rados para alguma coisa.
— Atacaremos em dez segundos, Marshall.
— Cuidado — veio a resposta. — O Zarlt e
os oficiais estão com as nossas armas. Os ro-
bôs, seis ao todo, têm que ser postos fora de
125
combate. Os moofs...
— Robôs? Wuriu não viu nenhum robô.
— Têm a forma de moças jovens. Nós fo-
mos enganados.
Gucky fez uma cara de espanto e foi pena
que ninguém pôde saber disso. Depois, fez um
gesto de ameaça:
— Wuriu, Kitai, vocês sabem o que têm que
fazer. Kitai vai cuidar dos moofs, fazendo com
que seu fluxo de sugestionamento fique inter-
rompido por tanto tempo, até que eu me possa
dedicar a eles. Wuriu, você vai receber os zali-
tas... — e Gucky parecia muito eufórico... — e
eu vou receber as virgens do santuário.
— Quem, mesmo? — perguntou Wuriu de
boca aberta e de olhos arregalados. — As mo-
ças?
— Por que não? — respondeu Gucky, pa-
rando na frente da tal porta. — Ou alguém de
vocês vai ser testemunha de que eu não liquidei
com seis delas ao mesmo tempo?
Os japoneses ficaram calados. Realmente,
nunca tinham visto coisa semelhante.

***

Bell estava quase reduzido a zero, não só es-


piritual, mas também fisicamente. Se ainda con-
126
tinuava de pé, era porque os fortes braços das
jovens-robôs o seguravam. Os cinco zalitas esta-
vam de lado, olhando estoicamente o que iria
acontecer. Um único moof seria suficiente para
controlá-los. Sua capacidade de resistência era
bem menor que a dos terranos.
Rhodan e Marshall estavam completamente
livres. Pelo menos onze dos moofs estavam
concentrados em Bell, que não podia agüentar
um ataque assim.
— Se Gucky não aparecer logo — murmu-
rou Rhodan, — não sei o que vai acontecer.
— Já estão ali fora, no corredor — sussur-
rou Marshall. — Em poucos segundos...
Kitai se materializou com Gucky, que logo
tornou a desaparecer. Um segundo depois, es-
tava de volta com Wuriu, cuja pistola energética
entrou em ação imediatamente. Os zalitas nem
sentiram a morte. Antes de terem tempo de es-
boçar um movimento de resistência, já estavam
mortos.
Kitai era um sugestor muito competente.
Para o gabarito dos moofs, devia ser então um
gigante. Antes que as medusas pudessem notar
a alteração, e mudar de atitude, foram atingidas
por fortes impulsos de tal maneira, que abando-
naram imediatamente sua vítima. Bell estava
sonolento nos braços das duas moças, seus
127
olhos se mantinham fechados, mas ainda vivia.
Os fluxos de energia telecinética de Gucky
se concentraram de início nos dois robôs que
seguravam Rhodan. Obrigou seus braços a se
abrirem lentamente, centímetro por centímetro,
até que Rhodan conseguiu sozinho se desvenci-
lhar deles. Rígidos e imóveis, os dois exempla-
res de belas bailarinas continuaram ali estatela-
dos, incapazes de se moverem. Gucky os manti-
nha presos, mas não podia permanecer assim
por muito tempo, pois havia muita coisa que fa-
zer. Fez um sinal para Wuriu, sem olhar direta-
mente para ele.
— Dê uma descarga de raios nos robôs, em-
bora elas sejam tão encantadoras.
Segundos depois, as duas bailarinas estavam
reduzidas a insignificantes restos de metais fun-
didos e material plástico carbonizado.
Gucky se horrorizou:
— Nunca teria pensado — disse com o chia-
do característico — que aquelas tão lindas mo-
ças fossem de aço!
Marshall foi também libertado e seus dois ro-
bôs destruídos.
Chegou então a vez de Bell. Gucky tinha
que tomar cuidado para que seu amigo não ca-
ísse no chão como um saco de chumbo, quan-
do os robôs o libertassem. Mas o problema se
128
resolveu do modo mais simples: Bell voltou a si.
Abriu os olhos. Num relance de vista, sorriu
comovido, e compreendeu logo a situação.
— Ah... Gucky, naturalmente. Quando
Gucky fareja qualquer rabo de saia, ninguém o
segura.
O rato-castor ficou por uns instantes meio
vexado com o exagero, permanecendo incapaz
de qualquer reação. Mas depois, todo contente
deixou aparecer seu dente roedor, acenando
amigavelmente.
— Não haveria de querer roubá-las de você.
Pode ficar com todas elas, obrigado — disse vi-
rando-se para Rhodan:
— E agora, desliguemos os moofs, senhor e
mestre.
Kitai já tinha conseguido dominar completa-
mente os moofs. As criaturas esquisitas estavam
como que paralisadas, imóveis nos recipientes.
Podiam perceber qual seria seu fim.
— Gucky — gritou Bell desesperado — livra-
me destes monstros.
O rato-castor virou-se com calma e ficou ob-
servando com o dente roedor cintilante e o pêlo
eriçado aquele quadro idílico. Parecia se divertir
imensamente vendo Bell abraçado com duas
lindas mulheres.
— Você sente alguma dor? — perguntou
129
com malícia.
— Liberte-me, que eu lhe dou as duas.
Quem sabe você conseguirá programá-las para
cocarem seu pêlo.
Gucky sorriu:
— Não preciso delas, conheço alguém que
faz isto muito melhor.
— Você não está pensando em... — disse
Bell ciumento, mas Gucky o interrompeu:
— Estou pensando em você, velho amigo.
Para eu libertá-lo, você tem que prometer que
durante ao menos cinco horas, me...
— Certo, eu prometo. Mas vamos depressa.
Bell se sentiu livre. E ainda cambaleando, foi
na direção de Kitai, arrancou-lhe das mãos a
pistola energética e voltou contra os dois robôs,
que estavam completamente passivos. O Zarlt a
quem obedeciam já estava morto.
Bell avançou com a arma contra os rostos
das dançarinas, exclamando:
— E agora eu vou destruir vocês, suas...
suas... — e não achou a palavra apropriada.
— Vocês nunca mais levarão homens decen-
tes a pensamentos bobos, isso eu lhes posso
garantir. Vamos, virem-se de costas. Vamos,
depressa — as duas bailarinas não reagiram,
continuando mudas em seus lugares.
— Não querem obedecer? Pois bem, pas-
130
sem bem, adeus, e minhas saudações às outras
quatro no céu dos robôs.
Depois que as graciosas figuras se transfor-
maram em plástico fumegante e em metal fun-
dido, Gucky, horrorizado, tapou o nariz, e gri-
tou, virando-se para Marshall:
— ...e quando eu me recordo que quase...
não. Nem se deve mais pensar nisso. Foi uma
vergonha...
Gucky havia acompanhado a tudo com inte-
resse e não queria mais saber da tragédia.
Olhando para Kitai, disse:
— Vou levá-las para o terraço em suas gaio-
las e simplesmente vou jogar essas medusas
para baixo. Quebrando os recipientes, sai a at-
mosfera de metano e elas terão uma morte
tranqüila.
Rhodan, que até o momento se abstivera de
qualquer comentário, falou:
— Não vamos matá-las, Gucky. Basta que
Kitai lhes sugira peremptoriamente que, daqui
por diante, elas têm que servir a um novo amo.
Devem ficar passivas até que as apanhemos. Na
Titan, há espaço suficiente para doze moofs.
Bell arregalou os olhos e disse:
— Você vai instalar um jardim zoológico na
Titan?
Rhodan abanou a cabeça:
131
— Meu caro amigo, você, de vez em quan-
do, fica com a cabeça oca. Você sabe que os
moofs pouco ou nada nos interessam.
— E então?
— E interessa muito menos aos pobres coi-
tados que foram por eles atacados em Zalit.
Quem sabe, com o tempo os moofs se tornam
mais sociáveis. Por isso é que pretendo instalar
um zoológico. Entendido?
— Pareço tão burro assim? — perguntou
Bell com simplicidade. Parecia estar já bem re-
feito da refrega.
Gucky cochichou:
— Já houve tempo em que também eu pen-
sava sofrer da vista — disse ele com ironia.
Bell olhou-o, mas estava por demais preocu-
pado com seus próprios pensamentos, para
compreender a indireta lançada contra ele.
Rhodan olhou mais uma vez na direção da
parede, onde há pouco tempo estavam o Zarlt
e seus oficiais.
— Lá fora está acontecendo muita coisa.
Acho bom avisarmos o almirante Zernif da
morte do Zarlt. Isto pode poupar a vida de mi-
lhares de zalitas. Quando souberem que o Zarlt
está morto, haverão de depor as armas. Neste
sentido, Wuriu fez um bom trabalho, embora eu
não esteja de acordo com este tipo de castigo
132
dos culpados.
Por alguns momentos, Marshall estava con-
centrado em si mesmo. Depois, ergueu a cabe-
ça.
— Os revoltosos atacam o palácio. Estão re-
bentando tudo que encontram pelo caminho.
Guardas palacianos, soldados, empregados...
— Vamos depressa — disse Rhodan. —
Não percamos tempo em comunicar aos zalitas
que estão livres. Eu mesmo tenho muita neces-
sidade de conversar com nosso velho amigo.
— Com quem? — perguntou Bell.
— Exatamente, com nosso velho amigo: o
cérebro robotizado de Árcon.

***

Thora já estava dormindo há algumas horas,


quando o tenente Tifflor a acordou.
— Desculpe, senhora, Crest não teve opor-
tunidade de avisá-la pelo intercomunicador.
Pede que o procure imediatamente na Central.
Thora se levantou.
— Que aconteceu, Tiff?
— Nada, minha senhora, por enquanto
nada.
Thora não fez mais perguntas. Esperou até
que Tiff fechasse a porta do camarote, depois
133
se levantou e em dez minutos estava com Crest.
O cientista arcônida, mal virou a cabeça,
quando Thora entrou. Tiff estava sentado na
frente do computador de navegação, colhendo
algumas informações. Todos os painéis estavam
ligados e mostravam com nitidez todo o espaço
em volta da Titan.
Thora reconheceu os pequenos explorado-
res robotizados de Árcon, entre eles maiores
unidades de combate e cruzadores. Mais para o
fundo, gigantescas naves espaciais do tipo Star-
dust espreitavam: esferas espaciais com diâme-
tro de oitocentos metros.
— Que significa tudo isto? — perguntou
Thora procurando na tela a Ganymed. O gigan-
tesco torpedo flutuava, aparentemente parado,
a alguns quilômetros de distância. Na realidade,
os dois gigantes se moviam, por queda livre, na
direção de Voga. — Será que vão nos atacar?
São naves do Zarlt?
Crest desviou os olhos dos instrumentos, por
uns instantes.
— Até agora não se deu nenhum ataque,
Thora. São unidades do Império. Todas contro-
ladas por robôs. Ainda não sei bem o que re-
presenta tudo isto. Será que o cérebro robotiza-
do teria esquecido o que combinou com Rho-
dan?
134
Thora nada respondeu. Acompanhava com
toda calma o movimento da frota. Seus olhos ti-
nham um brilho frio. Quando finalmente falou,
sua voz soou fria e resoluta:
— A frota de Árcon... Se nos atacarem,
Crest, levarão uma lição tal, que nem Orcast
nem o cérebro haverão de esquecer. Somos do-
nos da nave mais poderosa do Universo. Nunca
permitiremos que a tirem de nós.
Crest teve tempo de sorrir, admirado. De-
pois disse com tranqüilidade:
— Até agora não houve ataque, estou pro-
curando contato com o comandante, quer ele
seja homem ou robô. Quem sabe não está a
par do que foi combinado com o cérebro robo-
tizado. Na confusão do momento, tudo é possí-
vel.
— Mas se houver um ataque... — começou
Thora, mas Crest a interrompeu:
— Então nos defenderemos, naturalmente.
Não é, Tiff?
Parece que o jovem tenente estava esperan-
do pela pergunta:
— Estão se adaptando ao nosso movimento,
pacificamente. Não se fala em ataque. É um
movimento de vigilância. Que podemos con-
cluir daí?
— Não sei ainda — respondeu Crest, ten-
135
tando ligação pelo videofone com o comandan-
te Freyt na Ganymed. — Super-prontidão, co-
mandante. Ao menor sinal de ataque, fogo de
todas as baterias. Deixar ligado o envoltório
protetor. Em caso de necessidade, use sem es-
crúpulo o transmissor fictício.
— Compreendido — foi a resposta firme.
Duas fortalezas inexpugnáveis estavam espe-
rando para entrar em ação. Thora perguntou
de repente:
— Quando voltamos para Zalit? Não pode-
mos ficar aqui, simplesmente esperando. Rho-
dan não tem possibilidade de nos ouvir.
— Tem os mutantes e os grupos de resistên-
cia do seu lado. Não estou preocupado com
ele. Mas não gostaria de destruir as naves do
cérebro robotizado...
— Por que não perguntamos ao próprio cé-
rebro?
Crest olhou surpreso para Thora. Depois
concordou:
— Naturalmente, seria uma saída. Por que
não tive essa idéia antes? Tiff, consiga a ligação
com o supertransmissor. Thora vai ajudá-lo.
Desta vez, demorou quase vinte minutos an-
tes que aparecesse no grande painel da instala-
ção de super-rádio a semi-esfera de aço cintilan-
te. A voz mecânica estava exatamente tão fria e
136
impessoal, como no primeiro contato:
— Estou localizando vocês. Apresentem-se.
Identificação.
— Thora do clã de Zoltral — respondeu ela
sem constrangimento. — Por que não está
mantendo o que prometeu, regente? Não deu a
Rhodan plena liberdade de movimento?
— Explique melhor do que se trata.
— Do que se trata? — respondeu Thora
zangada. — Sua frota nos cercou. O senhor
quer a todo custo experimentar nossas armas?
— Ninguém os está atacando. Estão sendo
apenas vigiados. Podem mudar a qualquer mo-
mento de posição, o que aliás lhes recomendo.
Voltem para Zalit, a missão de Rhodan está ter-
minada. O Zarlt está morto.
Por uns instantes, Thora ficou sem palavras.
Respirou profundamente e disse:
— O Zarlt morreu? A revolução acabou?
— Os traidores do Império foram castiga-
dos. O novo Zarlt será nomeado hoje ainda.
Será o almirante Zernif, se as informações es-
tão corretas. Rhodan está esperando vocês de
volta, Thora da estirpe dos Zoltral. Não o faça
esperar. Aguardo um relatório mais completo.
O painel apagou.
Thora demorou uns instantes até se dirigir a
Crest.
137
— Rhodan venceu, como estou feliz.
Crest apenas sorria.
— Você esperava outra coisa?
— Tiff, calcule as coordenadas e os impulsos
energéticos de volta a Zalit. A Ganymed nos se-
guirá. Vou avisar o comandante Freyt.
Tiff começou seu trabalho.
Com um fino sorriso, Crest ainda acompa-
nhou os passos da felicíssima arcônida. Depois
levou a mão decididamente para as alavancas
de controle.

Os revoltosos tinham atacado o palácio e


haviam prendido os oficiais da guarda. A ordem
do almirante Zernif era rigorosa: evitar vítimas
desnecessárias. Sabia, por intermédio de Rho-
dan, qual havia sido o papel dos moofs e tinha
certeza de que os soldados do falecido Zarlt, de-
pois de libertados da coação sugestiva, voltari-
am a ser leais ao Império.
Quando a notícia da morte do Zarlt se espa-
lhou, as últimas tropas depuseram as armas. De
todas as direções, chegavam as unidades da fro-
ta, desciam e se colocavam incondicionalmente
sob o comando do almirante Zernif, que já ti-
nha sido proclamado pelos revoltosos o novo
138
Zarlt.
Em poucas horas, a ordem e a calma reina-
vam em Zalit. Zernif tomou conta provisoria-
mente dos negócios do ditador e seu primeiro
ato oficial foi colocar o cérebro robotizado a
par dos acontecimentos. Não esqueceu de men-
cionar o papel decisivo de Rhodan na libertação
de Zalit.
Depois recebeu Rhodan e seus amigos ínti-
mos. O corpo dos mutantes foi levado para
uma sala especial, onde os esperava uma lauta
mesa. A maioria dos mutantes não tinha tido
oportunidade de entrar diretamente em ação, o
que não os impedia de saborear as iguarias ofe-
recidas.
Finalmente, Rhodan, Bell, Marshall e Gucky
foram levados à presença de Zernif.
O velho zalita se levantou à chegada dos
amigos. Com os braços estendidos, foi ao en-
contro de Rhodan.
— Não sei como lhes poderei agradecer.
Pertencem a uma parte desconhecida da Via
Láctea, mas foram vocês que salvaram o Impé-
rio de Árcon. Se eu não estiver em condições
de lhes pagar um dia esta grande dívida, o cére-
bro robotizado certamente...
— Ela já pagou antecipadamente — sorriu
Bell, mostrando da janela, de onde se via uma
139
grande parte do espaçoporto. Uma enorme
sombra descia neste momento do céu brilhante
e pousava suave como uma pena. — A Titan;
ela é o grande presente do Império a Perry
Rhodan. Um presente realmente de rei.
Rhodan também estava à janela, olhando.
Pediu a Zernif:
— Envie uma mensagem tranqüilizadora à
espaçonave. Talvez o senhor mande buscar
Crest e Thora e trazê-los para cá.
Pelo videofone, Zernif deu a ordem.
— Mas nem todos os problemas estão resol-
vidos — disse, dirigindo-se aos hóspedes. — A
causa propriamente dita do malogrado levante
contra Árcon são os moofs. Há ainda um gran-
de número deles em nosso planeta, e podem
provocar uma nova desgraça.
— Os senhores devem apenas conseguir que
eles não possam fazer isto. Mandem instalar
nas abóbadas do palácio uns aposentos à prova
de irradiação e levem para lá todos os moofs.
Por que devemos matá-los? São relativamente
inofensivos. Vou falar com o regente, ele cuida-
rá deles. E cortem toda nova remessa para cá.
Isto é importante. Se observarem os dois conse-
lhos, Zalit nunca mais será vítima das estranhas
medusas.
— Ainda hoje darei ordens a respeito —
140
prometeu o novo Zarlt. — Os acontecimentos
nos serviram de lição. Sabemos quais os peri-
gos que nos ameaçam, se relaxarmos na vigi-
lância. Mesmo o maior cérebro positrônico do
Universo jamais será infalível. E o homem nun-
ca poderá ser totalmente substituído.
— Espero que sim — concordou Rhodan. —
Também o cérebro chegará a esta conclusão.
Mas mesmo assim, sempre haverá um futuro
para Árcon.
O almirante Zarlt Zernif passava a mão dis-
traidamente alisando o pêlo de Gucky.
— O senhor tem colaboradores competen-
tíssimos — constatou com admiração.
O rato-castor estava sentado numa cadeira,
apoiando as costas no espaldar, ricamente es-
culpido. Suas patas dianteiras, bem limpas, es-
tavam sobre a mesa. O dente roedor brilhava
com todo fulgor, demonstrando a boa disposi-
ção de seu dono, que apesar de toda sua apa-
rência esquisita, podia representar um enorme
perigo para os inimigos.
— Caso o senhor venha a precisar nova-
mente de nossa ajuda... — disse Gucky.
Mas Zernif atalhou logo:
— Espero que não seja mais necessário. Foi
um tempo muito difícil, sob a ditadura de De-
mesor e de seus moofs.
141
— Como seria tudo tão simples — observou
Rhodan secamente — se fosse apenas seus mo-
ofs. Infelizmente não foram eles. Mas um dia,
este segredo se desvendará.
Gucky ainda sorria. Parecia muito feliz. Zer-
nif se abaixou até ele, acariciou-lhe o pêlo mar-
rom-ferrugem.
— Você está feliz, porque tudo já acabou,
não é verdade?
Os olhos de Gucky tinham um brilho especi-
al de uma alegria muito íntima.
— Sim. Mas eu tenho também outros moti-
vos muito mais importantes, para estar conten-
te, caro Zarlt. Vou presenciar uma grande festa
e...
Infelizmente não chegou a explicar com
mais detalhes em que consistia esta grande fes-
ta, pois neste momento, Thora e Crest foram
introduzidos no recinto. Seus olhos cintilavam
de felicidade e orgulho. Com muita dignidade,
caminharam até em frente ao Zarlt, inclinaram-
se respeitosamente e cumprimentaram Rhodan.
— Soubemos há pouco, através do cérebro
robotizado, do que aconteceu — disse Crest —
e seguindo o conselho do regente, voltamos
para Zalit. Ele pede, Perry, que entre em conta-
to com ele imediatamente. O Zarlt Zernif foi
confirmado no posto.
142
— E a Titan?
— Tudo em ordem. A Ganymed deve che-
gar a qualquer momento.
Rhodan se levantou.
— Desculpe, Zarlt Zernif, se tenho que cui-
dar primeiro dos meus deveres. Tenho quer ir
até a Titan e falar com o cérebro regente do
Império. Em meia hora, estarei de volta. Bell,
você cuida do corpo de mutantes. Atenção para
que não bebam vinho demais.
Bell fez uma cara de quem não gostou.
— Não vai acontecer isto, pois já notei que
quem vai servir são robôs de verdade e não mo-
ças.
Gucky riu às soltas. Thora estava olhando
sem compreender, do mesmo modo como
Crest. Marshall sorria feliz.
— Meu amigo fala por experiência amarga
— explicou Rhodan ao Zarlt, sorrindo. — Até
logo.
Saiu da sala, fechando a porta atrás de si.
Gucky parou de rir. Desceu da cadeira e se
dirigiu à porta. Chegando ali, virou-se para trás
e ficou olhando a reunião com ar de provoca-
ção.
— E então? — disse ele, soltando um agudo
assobio. — Estão pensando que eu quero mor-
rer de sede? O que estamos esperando ainda?
143
Como que manejada por mãos invisíveis, a
porta se abriu.
E Gucky ficou flutuando acima da soleira da
porta...
O que, além de suas outras faculdades, era
realmente um retrocesso à primitividade.

***

Aos poucos o painel se acendeu. Apareceu


a cúpula cintilante, brilhando de dentro para
fora como prata polida.
— Estava esperando seu chamado — disse
uma voz impessoal, ao invés de qualquer outra
saudação. — Sua atuação em Zalit me conven-
ceu de que o senhor pensa e age no sentido do
Império. A Titan ficará daqui em diante em seu
poder. Seus comandantes oficiais serão Thora e
Crest, da estirpe do Zoltral. Tenho uma outra
missão para o senhor.
Rhodan necessitou de alguns instantes para
se recuperar da emoção que sentiu. Como po-
dia o cérebro positrônico incumbi-lo de uma
missão?
— Sinto muito, regente, mas não terminei
ainda minha presente missão. Os moofs foram
os instigadores indiretos do planejado ataque a
Árcon. Tenho que descobrir quem são seus
144
mandantes.
— Pois era esta a missão que eu lhe queria
dar — respondeu o regente objetivamente. —
Nossas intenções coincidem. O senhor perma-
nece ainda uma semana, de acordo com seu
modo de calcular o tempo, em Zalit, para poder
ajudar Zernif em suas ações de limpeza. Peço-
lhe que entre em contato comigo novamente
amanhã. Por favor, providencie que os dois ar-
cônidas estejam presentes. Receberá então to-
das as informações com mais detalhes à medida
do que me for possível.
— O senhor não tem nenhum indício —
perguntou Rhodan — quem são estes desco-
nhecidos?
— Até o momento, não — confessou o cé-
rebro robotizado. — O senhor pegou vivo, um
número maior destes moofs, como pude saber.
Não leve todos, mas apenas três deles para sua
nave. Quem sabe haverá de descobrir algo, que
nos vai interessar muito.
Rhodan reparou com curiosidade que o cé-
rebro havia dito “nos”. Este fato, aparentemen-
te insignificante, era da maior importância. O
regente já estava identificando Perry Rhodan
com o Império dos Arcônidas.
— Obrigado pela sugestão, regente. Ama-
nhã, por estas mesmas horas, haverei de
145
chamá-lo.
— Eu aguardo — foi a única resposta. E o
painel apagou.
Rhodan não voltou imediatamente para Tag-
nor. Por quase meia hora, permaneceu ainda
na central da espaçonave, tranqüilo, entregue a
seus pensamentos. O quadro geral começou a
ficar mais claro. Árcon era governada por um
robô. Porém este robô era suficientemente inte-
ligente para compreender que não podia pres-
cindir do auxílio de homens. Ou talvez, o tives-
sem programado desta forma, quem sabe? Sob
qualquer hipótese, ele, Rhodan, já estava agin-
do oficialmente em missão do grande Cérebro.
Não seria isto já um grande progresso?
Voltou de carro para a festa.

***

A noite já ia bem avançada, quando Crest


procurou Rhodan em seu camarote particular.
Era um aposento grande e instalado com muito
conforto, cujo painel arredondado reproduzia
de cada vez um trecho do espaço em volta. No
momento, servia apenas como branda claridade
para iluminação.
— Você! — admirou-se Rhodan.
O arcônida passou a mão pelos cabelos
146
brancos e procurou uma poltrona. Sentou-se
com um suspiro.
— Gostaria de falar um pouco com o se-
nhor, Rhodan. Durante o dia todo, não houve
oportunidade para isto.
— Grande confusão hoje, não foi? — disse
Rhodan sorrindo. — Diz respeito à conversa
com o Cérebro amanhã?
— Não, Perry. Diz respeito a Thora e a
mim.
— Você está me deixando espantado, Crest.
Parecia difícil ao cientista achar palavras
adequadas para exprimir o que o preocupava.
— O cérebro robotizado lhe deu uma mis-
são, o que é um bom sinal. Ele o reconhece,
Perry. E também a nós. Sei que Thora e eu so-
mos os comandantes oficiais da Titan. Mas o
senhor sabe, melhor do que eu, quem é o co-
mandante verdadeiro. Para que toda esta comé-
dia? Por que que o regente não diz francamente
que o senhor é quem dirige e governa a Titan?
— Até mesmo um robô tem seus sentimen-
tos de tradição — disse Rhodan sorrindo e
compreendendo os apuros do seu mais velho
amigo. — Não é muito lógico que o cérebro
confie a melhor e a mais poderosa espaçonave
do Império a um estranho, muito mais quando
este estranho lhe roubou a mencionada espaço-
147
nave. De outro lado, reconheceu que uma alian-
ça com este estranho pode ser de grande vanta-
gem para o Império. Daí, o compromisso. E é
por este motivo que você se preocupa e me
procura no meio da noite?
— Não, propriamente não, Perry. Gostaria
apenas de saber da sua opinião. Além disso,
ainda não é tão tarde assim. Thora tem as mes-
mas preocupações. Além disso, Perry, o senhor
devia se preocupar mais com Thora. Acho que
está se passando uma grande transformação
nela, de grande importância. Eu quase acredita-
ria que ela concorda com as minhas intenções
secretas. Lembra-se, há treze anos atrás, faláva-
mos deste assunto.
— Há treze anos atrás? — ficou Rhodan re-
fletindo, depois se lembrou. — Ah... você pen-
sa na idéia de restaurar o Império dos Arcôni-
das. É, mas não estou bem certo, se o orgulho
e a consciência de tradição dela vai admitir que
um dia um terrano possa substituir o cérebro
positrônico.
Crest sorriu brandamente. Havia brilho in-
tenso em seus olhos.
— Seu orgulho e sentimento de raça, certa-
mente não, Perry, mas o seu amor, sim.
— Seu amor...?
— Sim, seu amor à Pátria... e a você tam-
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bém, Perry, ou você é cego?
Rhodan fitou Crest.
— Não cego, propriamente, Crest. Mas, fal-
tou-me até hoje tempo. Também me separam
de Thora mundos e eternidades.
— Isto se pode modificar, quando se quer. E
quem sabe você terá que modificar um dia,
Perry.
Levantou-se e caminhou para a porta.
— Boa noite, e pense um pouco a respeito.
Agora você tem tempo.
Rhodan ficou olhando para a porta fechada.
Dois segundos depois, estava ele de pé, ves-
tindo a jaqueta, caminhando para o corredor.
Ainda viu Crest desaparecendo numa curva.
O elevador antigravitacional levou Rhodan
para o assim chamado tombadilho do chefe, no
centro da espaçonave. Thora ocupava um apar-
tamento bem perto dos aposentos dos mutan-
tes. Bell também residia aí.
Quando passou pela porta deste último, esta
se abriu. Com um grunhido de contentamento,
Gucky deu uma olhadela pelo corredor, mas fe-
chou de novo a porta, sorrindo de feliz, para si
mesmo. Depois sentou-se e começou a pensar:
— Você? — cochichou ele admirado. — O
que está fazendo aqui? — nos seus olhos casta-
nhos havia um brilho de cômica malícia. O den-
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te de roedor lhe saía da boca. Sorria feliz, como
se tivesse descoberto uma plantação inteira de
cenoura. — Ah... compreendo. Tarde demais.
Rhodan, muito tarde. Sou ou não sou telepata?
Mas de qualquer maneira, muito divertimento.
Sou um cavalheiro, sei guardar segredos.
Rindo de contente e assobiando muito desa-
finado, foi embora, desaparecendo nos aposen-
tos dos mutantes.
Por um momento, Rhodan se aborreceu,
por não haver dominado seus pensamentos.
Depois surgiu nele a curiosidade de saber o que
fazia Gucky tão tarde da noite junto com Bell.
Voltou uns passos e enfiou a cabeça no ca-
marote de Bell.
Bell estava de pé, com os cabelos eriçados,
no lavatório, deixando o jato frio da torneira
correr fortemente sobre as articulações dos de-
dos da mão direita. Sua fisionomia parecia a de
um condenado à forca.
— Que aconteceu? — perguntou Rhodan
preocupado. — Pancadaria com seu amigo?
— Com Gucky? — bocejou Bell, esfregando
as articulações, aparentemente rígidas. — Pan-
cadaria? Não, pelo contrário. Prometi uma coi-
sa ao Gucky, lembra-se? De lhe cocar o pêlo
durante cinco horas e isto não é brincadeira. E
eu cumpri apenas duas horas.
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Rhodan sorriu e fechou a porta.
— Providencie um pouco de esparadrapo e
gaze — aconselhou amigavelmente. — Da
próxima vez, você será mais precavido com
suas promessas. Boa noite.
Ainda estava rindo, quando bateu à porta de
Thora.
Ela olhou para ele, como se fosse uma as-
sombração.
— Você...?
Rhodan fechou a porta, depois de ter entra-
do no camarote.
— Thora, tenho que conversar com você...

***

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O regente positrônico de Árcon reconhece
Perry como aliado, embora com alguma res-
trição, e assim legaliza a transferência da Ti-
tan para as mãos dos terranos.
A perigosa missão, que Perry Rhodan e
seu corpo de mutantes receberam do regente
e do Império, ainda não havia terminado,
embora a ordem antiga já tivesse sido resta-
belecida em Zalit.
A nova aventura de Rhodan conta como a
Titan foi vitima de uma cilada no espaço. Em
S.O.S.: ESPAÇONAVE TITAN o imprevisível
acontece.

*
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ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
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